PRÉ-ASSENTAMENTO EMILIANO ZAPATA, AGROECOLOGIA E

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PRÉ-ASSENTAMENTO EMILIANO ZAPATA, AGROECOLOGIA E
PRÉ-ASSENTAMENTO EMILIANO ZAPATA, AGROECOLOGIA E REDE DE
CONSUMO: TECENDO E CONSOLIDANDO POSSIBILIDADES
PRE-ASENTAMIENTO EMILIANO ZAPATA, AGROECOLOGÍA Y RED DE
CONSUMO: TRAMANDO Y CONSOLIDANDO POSIBILIDADES
André de Souza Fedel – Graduando em Geografia – UEPG
e membro da IESol/UEPG - [email protected]
Luciane Gomes Pereira – Geógrafa e Técnica da IESol/UEPG - [email protected]
Adriano da Costa Valadão – Dr. em Sociologia pela UPFR, Professor Colaborador
UNICENTRO/PR e Técnico da IESol/UEPG - [email protected]
Resumo
A agricultura camponesa que busca uma base agroecológica tem se destacado cada vez mais
por ter seu processo e práticas cotidianas sustentáveis e emancipadoras, ao passo que a
economia solidária traz em seus princípios propostas organizativas alternativas ao sistema
capitalista. O presente trabalho tem como objetivo discutir sobre as ações espaciais que os
agricultores e agricultoras do Pré Assentamento Emiliano Zapata juntos com a IESol
(Incubadora de Empreendimentos Solidários - UEPG) têm buscado no sentido de apoiar os
processos de autonomia das famílias da comunidade. A problemática da produção e
comercialização dos alimentos e consequentemente o acesso à renda é abordada apontando os
primeiros passos como acesso a programas federais, a organização solidária e associativa,
chegando a consolidar uma rede solidária de produtores e consumidores na cidade de Ponta
Grossa – PR. Nosso trabalho é composto de um resgate histórico-espacial, observações,
problematização e discussão conceitual da atuação em rede, descrições de ações em conjunto
e articulações para efetivar os anseios dos agricultores e agricultoras, assim como, da
propagação dos alimentos orgânicos.
Palavras Chave: Economia Solidária; Agroecologia; Redes consumidores, Assentamento
Rural, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Resumen
La agricultura campesina que busca una base agroecológica se he destacado cada vez más por
tener su proceso y práctica cotidiana sustentables y emancipadores, al tiempo en que la
economía solidaria trae en sus principios, propuestas organizativas alternativas al sistema
capitalista. Este trabajo tiene como objetivo discutir sobre las acciones espaciales que
agricultores y agricultoras del Pre-Asentamiento Emiliano Zapata juntos con la IESol
(Incubadora de Emprendimientos Solidarios – UEPG) he buscado, en el sentido de apoyar los
procesos de autonomía de las familias de la comunidad. La problemática de la producción y
comercialización de los alimentos, y consecuentemente el acceso al ingreso es abordada
discutiendo los primeros pasos como acceso a los programas federales, a la organización
solidaria y asociativa, llegando a consolidar una red solidaria de productores y consumidores
en la ciudad de Ponta Grossa – PR. Nuestro trabajo es compuesto por un rescate históricoespacial, observaciones, problematización y discusión conceptual de la actuación en red,
descripciones de acciones en conjunto y articulaciones para construir los deseos de los
agricultores y agricultoras, así como de la propagación de los alimentos orgánicos.
Palabras Clave: Economía Solidaria, Agroecología, Redes, Asentamiento rural, Movimiento
de los Trabajadores Rurales Sin Tierra - MST
Eixo de inscrição: 5 - Comunidades Tradicionais, Resistência/Recriação Camponesa e
Agroecologia,
Ponta Grossa e a Comunidade Pré Assentamento Emiliano Zapata: um pouco da
geograficidade...
O município de Ponta Grossa faz parte de uma região denominada Paraná Tradicional,
composta por diversos processos geográficos e históricos como salienta Cunha (2003) e,
apesar da área de 2.011,99 km² (ITCGEO, 2011) possui atualmente apenas 2,21% de sua
população morando na área rural (IBGE, 2010). Também como em muitas outras cidades do
Brasil, em períodos de abertura econômica passou por momentos de modernização em sua
economia, onde Complexos Agroindustriais foram solidificados, tornando a cidade um pólo
de processamento de soja. Luiz Alexandre Gonçalves Cunha delineia sobre o assunto:
A modernização correspondeu, na verdade, à expansão das culturas adaptadas a um
padrão tecnológico que permita a dinamização de alguns setores industriais, como,
por exemplo, os produtores de insumos químicos, máquinas e equipamentos
agrícolas e processadores de matérias-primas agropecuárias. Destacou-se,
principalmente, a cultura da soja, que se expandiu de uma forma bastante acentuada
na região centro-sul do Brasil. Formou-se, então, um verdadeiro Complexo Soja no
qual as empresas processadoras de soja destacavam-se pelo seu porte e importância
econômica (2001, p. 81).
Esta atividade econômica, como analisa ainda o autor, avança outros territórios do
nordeste, além do que é reduzido o trabalho impregnado no município:
Contata-se que as indústrias instaladas em Ponta Grossa fazem, quase que
exclusivamente, o processamento primário da soja, exportando a maior parte da
produção para outros países e estados, nos quais farelo, óleo e outros subprodutos
são usados como matérias-primas de indústrias mais agregadoras de valor (CUNHA,
2001, p. 82).
Apesar da crença de que desenvolvimento é simplesmente industrialização, tendo
assim, um sentido muito estreito ao crescimento econômico, a cidade de Ponta Grossa
demanda uma mudança no pensamento relacionado ao desenvolvimento territorial. Cunha
simplifica:
Atividades territorializadas são aquelas que dependem de ativos locais, promovem
movimentos de internalização e fixação de atores e atividades econômicas e, o que é
mais importante, não apresentam propensão às mudanças de localizações
relacionadas aos ciclos econômicos capitalistas (2001, pg. 78).
Neste cenário de ausência de atividades territorializadas exclusivas ao circuito
econômico local, existem as ações construídas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra – MST e os assentamentos instituídos no sentido de luta pela terra, pela reforma
agrária e mais recentemente na transição agroecológica de produção e comercialização
solidária que trazem importantes subsídios para a compreensão de atividades territorializadas,
abrindo caminhos para um desenvolvimento local dos atores sociais.
A Comunidade Emiliano Zapata constitui-se em um pré-assentamento situado no
município de Ponta Grossa, Paraná. Esta área localiza-se no interior de uma Fazenda da
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária1, no Distrito de Itaiacoca, a cerca
de 12 km da sede do município de Ponta Grossa – PR. A ocupação desta área foi realizada em
maio de 2003 por aproximadamente 150 famílias que integravam o MST – Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, oriundas de municípios dos Campos Gerais e da região
metropolitana de Curitiba, que estavam organizadas em um acampamento há cerca de 30 km
do local em um lote do Assentamento Palmares II, no município de Palmeiras. (ROCHA
FILHO, 2009; ENGELMANN, 2011). A fazenda da Embrapa é constituída de
aproximadamente 3600 ha, sendo que uma parte é cedida ao IAPAR – Instituto Agronômico
do Paraná, que realiza pesquisas no local. Parte é utilizada pela própria EMBRAPA para
pesquisa e reprodução de sementes, mas uma grande parte estava sendo arrendada para
fazendeiros e empresas da região, principalmente para o plantio de pinus e soja e o entorno
estava sendo objeto de grilagem para a instalação de chácaras. Após negociações entre o
Movimento Social e órgãos públicos, 660 hectares da área foram cedidos para o INCRA –
Instituto Nacional de Colonização Agrícola, para implementação de um assentamento com
1
Apesar de o site da Embrapa apresentar que sua missão seria viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento
e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira, grande parte da área da
fazenda estava destinada a atividades estranhas às finalidades apontadas. Recentemente, noticiou-se uma
derrota judicial da empresa transnacional Monsanto, que havia processado cinco militantes presentes em uma
manifestação com 600 participantes da II Jornada de Agroecologia, na estação experimental da empresa, em
Ponta Grossa, no ano de 2003 (TERRA DE DIREITOS, 2013).
capacidade para instalação de até 58 famílias. Entretanto, problemas com a documentação da
área e conflitos com vizinhos que não concordaram com a realização de serviços de medição,
além da morosidade burocrática, têm sistematicamente impedido a concretização do
assentamento. A área (Figura 01) destinada ao Programa de Reforma Agrária ainda se
configura como um pré-assentamento, (apesar das famílias já estarem morando e produzindo
no local há dez anos), principalmente devido aos trâmites burocráticos que impedem sua
concretização legal, ainda que exista decisão política e comprometimento por parte do
governo com sua implantação.
FIGURA 01: Mapa de extensão da área do Pré-assentamento Emiliano Zapata
FONTE: adaptado de ELGELMANN (2011) organizado por PRIETTO (2010)
A fase de pré-assentamento pode durar pouco tempo ou muitos anos (como no caso
da Comunidade Emiliano Zapata), impedindo, desta forma, o acesso pelas famílias a maior
parte das políticas públicas destinadas aos assentamentos e a agricultura familiar. Estas
famílias não têm condições de acesso, por exemplo, ao PRONAF - Programa Nacional da
Agricultura Familiar, ou mesmo à luz elétrica2. Ainda no caso da Comunidade Emiliano
Zapata, já foi realizado o depósito do valor da área pelo INCRA em favor da Embrapa desde o
ano de 2005.
2
Somente cerca de 5 famílias tem acesso precário à luz elétrica que é ligada em um ponto da sede da
comunidade, mas com grandes limitações. Só no mês de abril deste ano pós anos de pressão sobre os órgãos
competentes e de fiscalização e com interferência do Ministério Público é que iniciou a instalação de energia
elétrica para as famílias e que no momento de elaboração deste trabalho está em seus momentos iniciais.
Apesar das diversas dificuldades, a comunidade conseguiu acessar o PAA – Programa
de Aquisição de Alimentos3. Através deste programa, os alimentos produzidos pela
comunidade são adquiridos pela Conab – Companhia Nacional de Abastecimento e doados a
instituições assistenciais. Este programa representa a principal renda agrícola desta
comunidade e também auxilia na segurança alimentar destas famílias. A renda média mensal
gira em torno de R$ 375,00 ao mês, variando conforme as safras e produtos produzidos, mas
sempre com o valor máximo de R$ 4500,00 ao ano.
As famílias da comunidade Emiliano Zapata, ainda optaram pela produção com base
na agroecologia4. Discussão que ganhou força no MST a partir do seu IV Congresso Nacional
realizado em Brasília no ano de 2000 (VALADÃO, 2005; BORGES, 2007). Como produtores
de alimentos orgânicos também participam da Rede Ecovida de Agroecologia que tem como
objetivo desenvolver e multiplicar as iniciativas em agroecologia e de possuir um selo próprio
de certificação dos produtos orgânicos. A Rede Ecovida realiza a certificação dos produtos
orgânicos/agroecológicos através de um sistema solidário onde os agricultores e
consumidores participam da elaboração e verificação das normas de produção agroecológica
(PEREZ-CASSARINO, 2012).
Com a dificuldade de geração de renda agrícola no local e falta de perspectivas de
curto prazo, membros de algumas famílias tem buscado empregos temporários na área urbana
principalmente na construção civil devido ao aquecimento deste segmento econômico O que
leve em alguns casos a relegar a produção agrícola para um segundo plano, sendo que em
alguns casos, o trabalho nas hortas fica sob a responsabilidade das mulheres.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo discutir sobre as ações espaciais
que os agricultores e agricultoras do Pré Assentamento Emiliano Zapata, através do apoio
realizado pela IESol (Incubadora de Empreendimentos Solidários - UEPG) têm de forma a
viabilizar os processos de autonomia e geração de renda das famílias desta comunidade.
3
4
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma ação do Governo Federal que tem como objetivo
colaborar para o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e igualmente fortalecer a agricultura familiar. O
programa se baseia no estabelecimento de mecanismos de comercialização, agregação de valor e organização
social. (MDA, 2012) O PAA prevê a aquisição de até R$ 4500,00 (quatro mil e quinhentos reais) por
família/ano.
A agroecologia que pode ser compreendida como uma ciência ou campo de conhecimento interdisciplinar
(ALTIERI, 2001) ligado aos contextos socioeconômicos locais e globais que as práticas agroecológica são
desenvolvidas e os processos de ação coletiva (SEVILLA-GUZMANN, 2000) e que dialogam com os
conhecimentos e saberes populares dos agricultores. Destaca-se ainda uma dimensão subversiva e crítica ao
questionar a destruição das culturas camponesas com base no mito da superioridade do mundo urbano sobre o
rural (SEVILLA GUZMANN e LÓPEZ CALVO, 1993).
A atuação da IESol junto a Comunidade Emiliano Zapata : possibilidades e limites
A atuação da IESol – Incubadora de Empreendimentos Solidários e baseia nos
princípios da Economia Solidária onde através dos processos de pré-incubação, incubação e
desincubação dos empreendimentos populares busca-se a autonomia financeira e política,
trabalho autogestionado, organização associativa e cooperada, solidariedade de classe, entre
outros princípios deliberados conforme a última Conferência Nacional de Economia Solidária.
A IESol – é um Programa de Extensão da UEPG, vinculado à PROEX – Pró-reitoria de
Extensão e Assuntos Culturais, e é afiliada da Rede Universitária de Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares – Rede ITCPs, e se inscreve neste contexto em que a
Economia Solidária integra as Políticas Públicas no âmbito Federal e Estadual. O Programa
visa à formação, constituição e consolidação de empreendimentos solidários, capacitando-os
para a geração de trabalho e renda baseados nos princípios da economia solidária (BRASIL et
al, 2011).
Em relação à Comunidade Emiliano Zapata a atuação da IESol inicialmente apoiou a
instalação de uma horta comunitária através da apresentação de projetos junto à agências de
fomento, como os projetos realizados com apoio do Programa Universidade Sem Fronteira da
Secretária Estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A comercialização da produção
desta horta estaria ligada a realização de feiras de alimentos orgânicos para ampliar a renda
oriunda do PAA. Não devendo ser um espaço para a produção destinada ao PAA, e sim para
complementar a renda.
A Comunidade Emiliano Zapata, como já colocado, que desde seu surgimento optou
por uma produção sem o uso de insumos químicos, seguiu com esta prática também na horta
comunitária. Essa base de recursos autocontrolada e autogerenciada, característica da
agricultura agroecológica, foi ampliada buscando manter ou retomar o controle e a capacidade
de gestão dos recursos naturais provenientes.
Além do apoio para implantação da horta, foram articulados pontos de
comercialização no Campus da UEPG durante o ano de 2011, tendo dificuldade em retornar
após o período de férias. Da mesma forma diversas pessoas vinham desistindo do trabalho na
horta ao priorizar o trabalho individual em seus lotes ou alguma ocupação urbana. A IESol,
em articulação com um grupo que permaneceu na horta articulou a retomada das feiras, com
apoio de um projeto apresentado à Caritas Brasil que forneceu insumos básicos e apoio para o
transporte da produção através de um veículo da própria universidade uma vez por semana.
Durante o ano de 2012 e 2013 a Feira Solidária (Figuras 02 e 03) é novamente
articulada e novamente se consolida e se mostrando como um ponto de inserção de
comercialização paralela às grandes redes de varejo, ausente de atravessadores, integrando os
produtores, a universidade e os consumidores, gerando renda, capacitação, integração social e
cultural, melhor padrão de alimentação e melhores condições de vida, tanto aos agricultores
que têm sua renda ampliada, quanto aos consumidores pelos benefícios de uma alimentação
livre de agrotóxicos. Além dos produtos agroecológicos, a feira também tem a participação
de um grupo de artesanato que passa também pelo processo de incubação através da IESol.
Figura 2 – Cartaz da Feira solidária
FONTE: Iesol (2013)
Figura 3 – Foto da Feira Solidária
FONTE: Thais Maria Ferreira – Acervo Iesol (2013)
A Economia Solidária e a Agroecologia, mesmo mantendo suas especificidades
apresentam importantes interfaces como aponta Schimidt e Tygel (2009, p. 125),
principalmente como “campos de contestação social e desenvolvimento de práticas
alternativas”. Assim, como ressalta Rocha Filho (2009), a agricultura agroecológica
estabelecida pelos agricultores e agricultoras da comunidade Emiliano Zapata proporciona a
propagação e inserção da Economia Solidária, mais especificamente através do trabalho da
IESol. Já as feiras solidárias, são espaços permanentes de divulgação e comercialização, tema
amplamente abordado e ao alcance da IESol executado com duas organizações incubadas5.
A renda ainda se mostra insuficiente para as famílias que comercializam nas feiras,
apesar de garantir uma renda mínima e uma relativa diversidade de alimentos para o consumo
próprio. No caso do pré-assentamento Emiliano Zapata, as dificuldades enfrentadas para
produzir de forma agroecológica estão relacionadas a questões específicas como escassez de
insumos para a elaboração de compostos orgânicos e biofertilizantes e falta de mão de obra
permanente na execução de tarefas diárias relacionadas ao manejo cultural e aquisição de
mudas e sementes. Todas essas dificuldades acabaram desestimulando alguns agricultores que
desistiram do projeto coletivo.
Como forma de apontar perspectivas junto às famílias, a equipe de incubação do grupo
Emiliano Zapata elaborou questionários com objetivos de compreender os principais motivos
desta desistência e identificar possíveis interessados em retornar ao trabalho coletivo. As
entrevistas foram realizadas com 15 agricultores e agricultoras vinculados (as) a horta
comunitária, sendo que destes, apenas 3 ainda permaneciam no trabalho coletivo até aquele
momento. Assim, constatou-se que a baixa renda gerada com o trabalho na horta comunitária
foi o principal motivo das desistências., conforme indica a seguir a figura 04:
5
Atualmente duas organizações de trabalhadores participam diretamente na feira, a AFESOL – Associação dos
Feirantes da Economia Solidária, que trabalha com artesanato e alimentação e o Grupo Chão e Vida de
hortiecológicos, pertencente a ATERRA, Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Reforma
Agrária da Comunidade Emiliano Zapata.
FIGURA 04 – Gráfico sobre os principais motivos da desistência pelas famílias do projeto coletivo.
FONTE: GOMES (2012).
Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e trabalhadoras da
horta do pré-assentamento e dos conflitos entre muitos dificultando a consolidação da horta
como espaço coletivo de produção, algumas pessoas resistiram e permaneceram trabalhando
durante os três anos desde a implantação do empreendimento, demonstrando, dessa forma,
possibilidades de ampliação da produção no espaço da horta, desde que outras pessoas
demonstrassem interesse em retornar ao trabalho na horta. Assim, a pesquisa realizada com as
pessoas que não estavam mais atuando na horta revelou que algumas pessoas tinham interesse
em retomar o trabalho coletivo, desde que houvesse ampliação dos espaços de
comercialização e novas discussões sobre a organização e utilização do espaço de produção.
As discussões entre os agricultores e a incubadora apontaram como caminho para ampliação
da produção, a constituição de uma rede de produtores e consumidores dos produtos da
comunidade como apontamos a seguir.
A rede de produtores e consumidores: tecendo espaços
Assim como bem coloca Cláudia Schmitt (2010), diversos eventos que colocam em
cheque a organização capitalista contemporânea tem possibilitado, em diversas escalas
territoriais, articulações entre processos econômicos, ecológicos, políticos e sociais. Não
diferente a Agroecologia e a Economia Solidária se inserem como estes eventos alternativos,
pois,
...se identificam como redes de redes, espaços de articulação e diálogo ou
articulações de movimentos sociais e organizações – têm chamado atenção para uma
problemática que se projeta muito além das discussões sobre a “geração de trabalho
e renda” ou a “viabilização econômica da agricultura familiar”, ao colocarem em sua
agenda uma série de temas que remetem sobre as possibilidades de construção de
modos de vida sustentáveis (SCHMITT, 2010. p.56).
Nesse cenário de consolidação das feiras semanais pela associação, surgiram novos
agricultores e agricultoras que também estavam com uma produção em transição
agroecológica e diversificada. Através de contatos com outras organizações como o sindicato
de professores (SINDUEPG), organizaram-se para comercializar seus alimentos.
A IESol colaborou propagando a ideia de uma rede de produtores e consumidores,
aproximando possíveis consumidores e refletindo sobre qual a forma mais adequada seria o
contato dos produtores com os consumidores. Foi escolhido um modelo em que os
agricultores indicassem quais os produtos que disporiam para a próxima semana e os
consumidores informavam quais desejavam. Considerando algumas dificuldades de
comunicação, foi escolhido que a comunicação dos produtos disponíveis seria via e-mails. A
comunidade conseguiu um acesso à internet e assim têm articulado a rede de consumidores.
Assim foi constituída a Rede Solidária de Produtores e Consumidores Agroecológicos
Emiliano Zapata que iniciou suas atividades em fevereiro de 2013 e em três meses de
funcionamento já contava com cerca de 40 consumidores. A produção de alimentos
agroecológicos destas famílias é feita por cinco famílias da Comunidade Emiliano Zapata.
Com o crescimento da rede outras famílias vão sendo incorporadas (Figura 05).
FIGURA 05: Esquema da Rede Solidária de Consumidores e Produtores Agroecológicos – Emiliano Zapata.
FONTE: Os autores
Tendo por base questões ligadas ao consumo responsável, na qual os consumidores
também possuem responsabilidade pelas relações de exploração e degradação ambiental dos
produtos que consomem (MANCE, 2009), foi deliberado que os consumidores realizam o
pagamento de forma antecipada. Ao início de cada mês os consumidores fazem o pagamento
do valor mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e se comprometem a consumir este valor ao
longo do mês. Isto garante a geração de uma renda mínima às famílias e evitam perdas da
produção ou de trabalho desnecessário, visto que as famílias somente vão colher os produtos
já previamente vendidos. Por fim, são criados espaços de entrega enlaçando outras
organizações-instituições, a partir de três espaços ligados a Universidade, um no campus
central, outro no Sindicato dos Docentes, localizado muito próximo a um dos portões do
campus.
O conceito de rede, muito discutido na Geografia, aparece em diversos campos
disciplinares como um conceito e uma ferramenta prática que ainda são pouco explorados
para alternativas ao sistema capitalista, principalmente no tocante a produção e
comercialização de alimentos. Leila Dias (1995) salienta que a história das redes é a história
das inovações técnicas e que de uma maneira ou de outra transformaram o espaço onde se
instalaram conduzindo a novas e diferentes relações sociais. Assim, entendemos que a rede é
instrumento de empoderamento e induz ações, cria fronteiras, podendo até estabelecer um
território. Possuindo a propriedade de conexidade, onde os nós das redes são os lugares de
conexões, podendo gerar exclusão ou solidariedade. No mesmo rol de debate acerca das
técnicas e suas implicações, Milton Santos (1996) faz a importante análise sobre como a
heterogeneidade de difusão das técnicas e dos objetos técnicos resulta do modo desigual como
eles vão se inserir no espaço e no tempo. Por isso percebe-se que as inovações técnicas e as
redes técnicas, ou simplesmente as redes (transportes, comunicação, bancárias) são
impregnadas de sofisticação e trabalho altamente especializado. Também devido a isso
gostaríamos de ressaltar a pouca exploração do conceito e, mais enfaticamente, da ferramenta
prática que é a rede, em um contexto onde a expropriação e a organização capitalista estejam
completamente ausentes.
O filósofo Euclides André Mance, ao refletir sobre o mundo globalizado, consegue ver
esperanças em pontuar a estratégia e a tática das redes nas organizações de sociedades, como
ele diz “pós-capitalistas”, onde há a conexão entre unidades de produção e unidades de
consumo ecologicamente e socialmente sustentáveis (2002).
Mance (2009) destaca que a rede de colaboração solidária vem como um meio de
subversão de padrões e processos hegemônicos mantenedores do capitalismo, utilizando-se
das conexões existentes para interligar os pontos de produção, comercialização,
financiamento, consumidores e outras organizações populares em um movimento de
mobilização conjunta para o crescimento conjunto em paralelo ao modelo capitalista regente
atualmente. O objetivo comum entre os integrantes da rede em si fortalece e recompõe a
estrutura de uma forma solidária onde o lucro, ou sobra chamada dentro da economia solidaria
não é o ponto central, mas sim o bem viver de todos juntamente com práticas que interajam
com o meio ambiente de forma sustentável.
Um dos pontos mais importantes dentro das redes se refere à logística e a distribuição,
abordada por Mance (2009), ou seja, como fazer com que o produto chegue até os
consumidores com condições que diferem das maneiras convencionais competitivas do
mercado capitalista é de fato uma tarefa que envolve uma dinâmica enorme. Muitas pessoas
desejam praticar o consumo solidário, porém, não têm acesso a esses produtos e serviços.
Finalmente destacamos que a rede proporciona certa segurança as famílias que
possuem uma renda mínima, praticamente anula o risco de perda de produtos e aproxima os
consumidores dos produtores. Ainda a presença da IESol, fomentou a discussão de fundação
de uma Cooperativa para articular questões produtivas no local. Esta cooperativa estava
também em processo de regularização.
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