O abandono afetivo dos filhos em relação aos idosos

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O abandono afetivo dos filhos em relação aos idosos
Revista online FADIVALE, Governador Valadares, ano VIII, n O 11, 2015.
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BIOÉTICA E O DIREITO: manipulação genética e a dignidade humana.
Renan Kelvin Soares de Almeida1
Melissa Meira de Vasconcellos2
RESUMO
A relevância da presente pesquisa reside no fato de a tecnologia científica relativa à
saúde ter apresentado um intenso avanço nos últimos anos. As pesquisas nessa
área têm por objetivo principal o prolongamento e a melhoria da qualidade de vida
do ser humano. A cada dia surgem diversas notícias em todo mundo, relatando a
utilização de novos métodos investigativos, técnicas científicas, descobertas de
novos meios de tratamento e o surgimento de medicamentos mais eficazes,
possibilitando o controle e a cura de diversas doenças. No campo da engenharia
genética houve o mapeamento do genoma humano. Entre as vantagens advindas da
conclusão desse projeto pode-se citar a possibilidade de diagnóstico antes do
surgimento dos sintomas e o tratamento de pacientes com moléstias graves de
acordo com sua constituição genética. Se, por esse lado, essas conquistas causam
uma maior esperança para a humanidade, por outro, criam uma série de
contradições que devem ser analisadas responsavelmente com a finalidade de se
manter o equilíbrio e o bem-estar da própria espécie humana. Percebe-se que a
ciência, para conseguir propiciar a melhora e o prolongamento da vida humana, tem
utilizado a manipulação genética em experimentos inusitados que, por vezes, abrem
discussões em relação à ética e o possível ferimento à dignidade da pessoa
humana. Com o presente trabalho pretende-se trazer uma contribuição para a
sociedade, demonstrando que não se devem condenar progressos da biotecnologia,
pelo contrário, devem ser bem recebidos pela sociedade, utilizando-se da
preponderância de interesses, limitados pela ética.
PALAVRAS-CHAVE: bioética; biodireito; genoma humano; manipulação genética.
ABSTRACT
The relevance of this research lies in the fact that the scientific technology have on
health presenting an intense forward in recent years. Research in this area are
intended mainly to extending and improving the quality of human life. Every day,
there are many publications around the world, reporting the use of new investigative
methods, scientific techniques, discoveries of new methods of treatment and the
1Aluno egresso da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce.
2 Advogada graduada pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2000), especialista em Direito
Público pela Newton Paiva e mestranda em Gestão Integrada do Território pela Universidade Vale do
Rio Doce. Advogada com experiência na área cível. Capacitada em Mediação, Conciliação e
Arbitragem pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil. Professora do
curso de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, ocupando as
cadeiras de Estatuto da Advocacia e da OAB, Direito Constitucional, Métodos Extrajudiciais de
Solução de Conflitos.
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emergence of more effective drugs, allowing control and cure of many diseases. In
the area of genetic engineering, there mapping the human genome. Among the
advantages arising from the completion of this project, we can mention the possibility
of diagnosis before the onset of symptoms and treatment of patients with serious
diseases according to their genes. If that side, these achievements cause greater
hope for humanity, on the other it creates a series of contradictions that must be
analyzed responsibly in order to maintain balance and well-being of the human
species itself, for what clear is that science can provide for the improvement and
extension of human life, has used genetic manipulation, conducting unusual
experiments, which sometimes open discussions regarding ethics and possible injury
to the dignity of human person. The present work aims to make a contribution to
society, demonstrating that must not condemn progress of biotechnology, however,
should be welcomed by society, using the preponderance of interest.
KEYWORDS: bioethics; biolaw; human genome; genetic manipulation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DE ENGENHARIA GENÉTICA E DE
BIOTECNOLIGIA. 3 ANÁLISE DA DIGNIDADE DO SER HUMANO FACE AOS
PRINCÍPIOS UNIVERSAIS DA BIOÉTICA. 4 A MANIPULAÇÃO GENÉTICA E A
DIGNIDADE HUMANA. 5 APRESENTAÇÃO DO POTENCIAL POSITIVO DO
DESENVOLVIMENTO DOS PROJETOS NO GENOMA HUMANO. 5.1 DOS
PROJETOS DESENVOLVIDOS. 5.2 DOS PROJETOS EM DESENVOLVIMENTO.
5.3 OS BENEFÍCIOS: O POTENCIAL POSITIVO DO DESENVOLVIMENTO DOS
PROJETOS DO GENOMA HUMANO. 6 DEMONSTRAÇÃO DOS RISCOS
POTENCIAIS DA UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO ADQUIRIDO ATRAVÉS DA
MANIPULAÇÃO GENÉTICA. 6.1 A SELETIVIDADE. 6.2 A REDUÇÃO DA
DIVERSIDADE HUMANA. 6.3 A EUGENIA. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa contempla o tema Bioética e o Direito: a manipulação
genética e a dignidade humana, abordando-se os aspectos gerais e jurídicos que
envolvem o assunto.
A manipulação genética consiste em manipular a sequência genética dos
seres vivos, inclusive dos seres humanos, introduzindo ou retirando suas
características.
Tal
descoberta
trouxe
inúmeras
possibilidades
para
o
desenvolvimento da medicina, com a hipótese de descoberta da cura de diversas
doenças, salvando vidas ou melhorando sua qualidade.
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No
mesmo
minuciosamente
os
sentido,
embriões,
a
engenharia
genética
proporcionando
aos
permite
pais
conhecer
preestabelecer
características físicas de seus filhos, o que poderá, através de padrões sociais,
contribuir para a eliminação de fetos com defeitos genéticos. Tal ação poderia
conduzir à eugenia ou até mesmo à criação de novas raças.
Nesse contexto, a questão problema que orienta a pesquisa é a seguinte:
a manipulação genética é um procedimento científico eticamente correto à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana?
Dessa forma, o estudo trabalha com a hipótese de que a manipulação
genética é um procedimento científico eticamente correto à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana, desde que traga benefícios inequivocamente
superiores aos riscos e os desequilíbrios que porventura ocasionar.
Sendo assim, o objetivo geral do trabalho é avaliar de que maneira a
manipulação genética é um procedimento científico eticamente correto à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana. Especificamente, pretende-se analisar a
dignidade do ser humano face aos princípios universais da bioética, mostrar os
benefícios e o potencial positivo do desenvolvimento dos projetos no genoma
humano e demonstrar através de uma análise crítica os riscos potenciais da
utilização do conhecimento adquirido através da manipulação genética.
A importância do tema se justifica no fato de a biotecnologia ter
apresentado um intenso avanço nos últimos anos, com o mapeamento do genoma
humano. Entre as vantagens advindas da conclusão desse projeto, pode-se citar a
possibilidade de diagnóstico antes do surgimento dos sintomas e o tratamento de
pacientes com moléstias graves de acordo com sua constituição genética. Se por
esse lado, essas conquistas causam uma maior esperança para a humanidade, por
outro, criam uma série de contradições que devem ser analisadas responsavelmente
com a finalidade de se manter o equilíbrio e o bem-estar da própria espécie humana,
em relação à ética e o possível ferimento da dignidade da pessoa humana, o que
exige uma análise acerca das consequências jurídicas de tais eventos.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica através de fontes
indiretas, tais como: livros de Bioética e Biodireito, legislação e artigos científicos.
O texto está divido em cinco partes, além desta introdução. O capítulo
dois traz o conceito de engenharia genética e de biotecnologia. O capítulo três
descreve uma analise da dignidade do ser humano face aos princípios universais da
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bioética. O capítulo quatro apresenta a manipulação genética e a dignidade humana.
O capítulo cinco expõe uma apresentação dos benefícios e o potencial positivo do
desenvolvimento dos projetos no genoma humano, o capítulo seis demonstra os
riscos potenciais da utilização do conhecimento adquirido através da manipulação
genética.
2 CONCEITO DE ENGENHARIA GENÉTICA E DE BIOTECNOLIGIA
Os conceitos de engenharia genética e de biotecnologia constam,
respectivamente, dos textos da lei n.º 11.105/2005 e da Convenção sobre a
Diversidade Biológica.
A biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize
sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados a fim de fabricar ou
modificar produtos ou processos para utilização específica.
De acordo com Silveira (2004),a biotecnologia abrange um leque amplo
de tecnologias que utilizam organismos vivos para a produção de bens e serviços,
podendo ser dividida em dois grupos: a biotecnologia clássica e a biotecnologia
moderna. Esta última caracteriza-sepelo fato se de utilizar organismos vivos
modificados geneticamente por meio da engenharia genética ou tecnologia do
deoxyribonucleic acid (DNA - ADN, em português: ácido desoxirribonucleico).
A lei n.º 11.105/2005 que regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do
artigo 225 da Constituição Federal conceituou engenharia genética como a atividade
de produção e manipulação de moléculas de DNArecombinante.
Assim, pode-se afirmar que a engenharia genética é um ramo da
biotecnologia que consiste nas técnicas e processos que viabilizam a manipulação
do código genético da molécula de DNA, ou seja, aptos a alterar a estrutura genética
dos seres vivos. Pressupõe uma alteração artificial, total ou parcial, do genoma de
determinada célula, seja por adição, substituição ou supressão de genes (SOUZA,
2004).
Tal alteração pode ser realizada com fins terapêuticos o que se chamade
terapia gênica. De fato, uma das técnicas de engenharia genética é a terapia
genética, que consiste no tratamento de doenças genéticas através da utilização de
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genes geneticamente modificados, no lugar daqueles que foram responsáveis pelo
aparecimento da enfermidade.
Sobre a terapia genética, Gomes (2001, p. 174) preleciona:
A terapia genética pode ser realizada nas células somáticas e germinais do
ser humano, sendo que, quando procedida nas primeiras, não afeta o
patrimônio hereditário, ao contrário do que ocorre quando a terapia é
realizada nas últimas. Na primeira hipótese, o tratamento consiste na
reinserção no organismo do paciente de células geneticamente tratadas ou
genes sadios. Por outro lado, a terapia nas células germinativas promove
alteração em todas as células do recém-nascido, já que realizada nos
gametas ou no zigoto.
Nesse diapasão, o projeto genoma humano visa, com o mapeamento e o
sequenciamento dos genes, posteriormente, determinar a função que cada um deles
exerce no organismo humano, o que possibilitará a descoberta de novas técnicas de
biotecnologia referentes à engenharia genética, especialmente a terapia gênica.
Depreende-se destes conceitos, portanto, que o projeto genoma humano
trata de uma pesquisa genética que possibilitará a utilização de novas técnicas para
alteração do código genético do ser humano e, por isso, insere-se no âmbito da
biotecnologia e da engenharia genética.
Diniz (2011) ressalta que o projeto genoma humano é o superstar da
grande ciência, sendo o empreendimento mais fascinante dessa nova era científica,
sendo base de toda a pesquisa genética dos próximos anos.
3 ANÁLISE DA DIGNIDADE DO SER HUMANO FACE AOS PRINCÍPIOS
UNIVERSAIS DA BIOÉTICA
Embora existam muitas definições, não existe uma uniformidade quanto
ao conceito de bioética, no entanto, existe um consenso que considera a bioética
como a ética aplicada à vida.
Ao conceituar a bioética como designadora de uma nova disciplina que
recorre às ciências biológicas, tem-se a noção de que ela está em busca da
melhoria da qualidade de vida do ser humano e, assim, entrega ao homem a
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participação na evolução biológica sem perder de vista algo maior que é a
manutenção do equilíbrio universal (OLIVEIRA, 2011).
Para Maluf (2010, p. 06), a bioética é:
O estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito
(biodireito) que investiga as condições necessárias para a administração
responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental.
Considera, portanto, questões onde não existe consenso moral, como a
fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgênicos e as
pesquisas em células-tronco, bem como a responsabilidade moral de
cientistas em suas pesquisas e suas aplicações.
A partir dessa premissa, tem a bioética como objetivo geral a busca de
benefícios e da garantia da integridade do ser humano, tendo como fio condutor o
princípio básico da defesa da dignidade humana. Considera-se ético o que, além de
bom, é o melhor para o ser humano. Sendo assim, temos que,
Hoje a bioética é uma disciplina norteadora de teorias para o biodireito e
para a legislação, com a finalidade de assegurar mais humanismo nas
ações do cotidiano das práticas médicas e nas experimentações cientificas
que utilizam seres humanos. Essa dupla face (...) confere à bioética a
peculiaridade de ser, ao mesmo tempo reflexão (sobre as implicações
sociais, econômicas, politicas e éticas dos novos saberes biológicos) e ação
(objetivando estabelecer um novo contrato social entre sociedade,
cientistas, profissionais de saúde e governos) sobre as questões do
presente e as perspectivas do futuro. (OLIVEIRA, 1997 apud OLIVEIRA;
BORN, 2011, p. 46).
Os princípios ficaram finalmente assentados no que hoje conhecemos
como “trindade bioética”, que agrupa seus princípios fundamentais e gerais: o
princípio da autonomia (autodeterminação), o da beneficência (o bem maior para o
paciente) e o da justiça (a preponderância de benefícios e obrigações na sociedade).
Tais princípios não devem ser considerados isoladamente e nem de forma absoluta.
Cada um deles deve ser bem trabalhado um com o outro, a fim de se evitar
contradições (OLIVEIRA, 2011).
O ser humano é o ator principal da vida humana, receberá tudo que lhe
for delegado, seja por herança genética ou patrimonial. Os seres humanos
compõem o universo e formam a sociedade que se conhece e possui. Em
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consequência, os cientistas, hoje mais do que nunca, são levados a pensar em
novos temas-problemas que poderão vir a influir no futuro desta e das novas
gerações.
Para Oliveira (2011), nos dias atuais, pensa-se na bioética como uma
salvadora de almas, mas é preciso que todos que desenvolvam novos experimentos
e procedimentos, pesquisas nas mais variadas áreas científicas, visualizem a
bioética como sendo a tão almejada e querida ética da vida.
Muitos dos procedimentos que estão sendo desenvolvidos entre quatro
paredes dos mais diversos laboratórios do mundo, com métodos e fins obscuros
e/ou desconhecidos, poderão proporcionar aos cientistas a fama, o dinheiro e o
sucesso, todavia, são ignorados por boa parte da população.
Envolvidos, sobretudo, no progresso da ciência, muitas vezes os
experimentos são desenvolvidos sem discutir qualquer valoração. O ético e o moral
são deixados de lado para chegar-se ao final da pesquisa. É o vale tudo em nome
da ciência e do avanço tecnológico.
A vida deve ser vista como um bem fundamental do ser humano, sem
cujos valores ela pouco valerá. A vida deve ser acompanhada de dignidade no viver.
A dignidade humana é algo que compete aos seres humanos sem
nenhuma distinção pelo simples fato de pertencerem ao gênero humano.É um valor
a ser considerado em todos os seres humanos indistintamente,estando tutelada na
Constituição da Republica Federativa do Brasil, como um de seus fundamentos:
Art. 1º A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
[...]
(BRASIL, 2013a, p. 7, grifo nosso)
Toda e qualquer forma de discriminação é abominada pelo mesmo
diploma legal, declarando-se ainda a prevalência dos direitos humanos como um
dos princípios norteadores das relações internacionais que a Republica Federativa
do Brasil mantém com outros países. Assim dispões textualmente a respeito:
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Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do
Brasil:
[...]
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A Republica Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pelos seguintes princípios:
[...]
II – prevalência dos direitos humanos;
[...]
(BRASIL, 2013a, p. 7, grifo nosso)
Sendo a Republica Federativa do Brasil signatária da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, cabe-lhe cumprir as disposições lá elencadas,
garantindo a efetividade destes direitos a todos os seres humanos.
Portanto, faz-se necessário que todos os envolvidos respeitem a trindade
bioética, é um respeito devido quando há momentos cruciais em que o desrespeito à
dignidade da pessoa humana ameaça o bem estar juridicamente tutelado.
Nesse sentido, preleciona Oliveira (2011, p. 58):
A autonomia, beneficência e justiça devem ser guias inseparáveis, do inicio
ao fim do desenvolvimento dos trabalhos, e em havendo possibilidade de
ofensa a uma delas no decurso do desenvolvimento, faz-se necessário
parar e ponderar a respeito, sob pena de infringir-se o valor maior e
fundamental: a dignidade do ser humano.
Todos esses princípios visam um bem maior, que é o respeito e a garantia
à dignidade do ser humano enquanto objeto das ações dos serviços de profissionais
da saúde e demais áreas da ciência e tecnologia. O reconhecimento desse valor e
da dignidade se faz necessário para a defesa da vida e da própria espécie.
4 A MANIPULAÇÃO GENÉTICA E A DIGNIDADE HUMANA
A manipulação genética consiste em manipular a sequência genética dos
seres vivos, incluindo os seres humanos, introduzindo ou retirando características no
ser. Tal descoberta trouxe inúmeras possibilidades para o desenvolvimento da
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medicina, assim tem-se a hipótese de descobertada cura de diversas doenças,
salvando muitas vidas e melhorando a qualidade de outras (CRUZ, 2013).
Nesse passo, a engenharia genética permite conhecer minuciosamente os
embriões, proporcionando aos pais preestabelecer características físicas de seus
filhos, o que poderá, através de padrões sociais, contribuir para a eliminação de
fetos com defeitos genéticos. Tal ação poderia conduzir à eugenia ou até mesmo a
criação de novas raças.
Segundo a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos
Humanos, toda pessoa tem o direito de respeito a sua dignidade e seus direitos,
independentemente de suas características genéticas. Essa dignidade torna
imperativo que nenhuma pessoa seja reduzida às suas características genéticas e
que sua singularidade e diversidade sejam respeitadas (UNESCO, 2001).
O desenvolvimento da ciência, especialmente no âmbito da saúde, permitiu
ao homem ampliar o seu conhecimento e, deste modo, controlar e melhorar a vida
humana.
Atualmente, muitos problemas ligados a novas descobertas científicas com
base na manipulação do DNA têm provocado controvérsia na comunidade científica
e na sociedade civil, levando àdiscussãodos aspectos ligados aos benefícios e
riscos associados a sua utilização.
Se, por um lado, a procura do saber não tem limites, questiona-se, por outro
lado, sobre quais devem ser os limites na aplicação do conhecimento adquirido.
Nesse sentido, Maluf (2010, p. 176) preleciona que:
As pesquisas biotecnológicas realizadas são, por seu turno, estudos
experimentais praticados sobre o ser humano, tendo por objetivo principal o
desenvolvimento do conhecimento científico, a cura de diversas patologias,
enfim, terapêutico. Não deve ser esquecido que em observância dos
ditames constitucionais, dos direitos humanos e dos direitos de
personalidade, toda experimentação científica envolvendo seres humanos
em quaisquer estágios de seu desenvolvimento, deve pautar-se em
princípios rigorosos da bioética, além de respeito ao princípio da precaução,
da segurança, observando-se a análise do risco envolvido, pensando seus
benefícios e malefícios, tendo em vista que a bioética é, sobretudo, a
ciência da alteridade.
Tendo em vista essas premissas, é imposto o debate acerca de como
esses avanços estão sendo realizadas, as implicações desses experimentos e a
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necessidade de reflexão acerca da vida humana e dos valores morais a ela
inerentes.
Para Cruz (2013), o uso do patrimônio genético humano tem levantado
questões que, futuramente, poderão estar ultrapassadas. Se essas mesmas
problemáticas, entretanto, fossem enfrentadas na Europa, na época da Segunda
Guerra Mundial, momento em que os direitos relativos à dignidade da pessoa
humana estavam bastante restringidos, as respostas poderiam autorizar, como de
fato ocorreu, pesquisas nefastas, algumas até tentando provar a concepção de "raça
pura", pela eugenia, sob a égide de que os fins justificam os meios.
Nesses ditames, Cruz (2013, p. 5) ainda afirma:
Qualquer ação humana que possa refletir sobre determinadas pessoas ou
sobre o meio ambiente em que está inserido deve implicar o
reconhecimento de valores e como esses poderão ser afetados. A própria
pessoa humana é um desses valores, considerando as peculiaridades que a
constituem como as necessidades materiais, físicas, espirituais e,
principalmente, um valor que é inseparável da condição humana, que é a
vida. A prática de atos que afetem ou que restrinja essa natureza é
prejudicial, pois reduz o homem a condição de coisa, retirando sua
dignidade. Isso vale, inclusive, para qualquer atividade científica que tenha
como fim último, a melhoria da qualidade de vida do ser humano.
Nesse diapasão, a manipulação genética deve se utilizar dos diversos
princípios e ideais da ética para buscar as soluções de ordem prática, resolvendo os
dilemas morais em cada situação específica.
Segundo Maluf (2010), a discussão bioética relacionada ao genoma
humano envolve as questões acerca da proteção da dignidade da pessoa humana
em contextos relacionados ao uso indiscriminado da manipulação genética, a
privacidade dessa informação genética e o justo uso dessa informação.
O Direito deve estar atento a qualquer prática que cause prejuízo ao
genoma humano, com a criação de diretrizes e normas que possam, eficazmente,
proteger o ser humano, tanto de um ponto de vista individual, como agente passivo
do experimento que se utilizou dos seus genes, como do ponto de vista social, em
relação ao prejuízo que o acesso a essa informação pela sociedade poderá
provocar.
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Para
Diniz
(2011),
se
faz
necessário
uma
"biologização"
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ou
"medicalização" da lei, por não ser possível desvincular as "ciências da vida" do
direito.
Para melhor compreensão do assunto, se faz necessário abordar os
aspectos positivos e negativos da manipulação do genoma humano, para que seja
possível utilizar o princípio da preponderância de interesses que se identifica com a
razoabilidade, ou seja, analisar se os procedimentos realizados no DNA humano são
o mais adequado (se é efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos), se é
necessário (de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais),
se é proporcional (proporção adequada entre os meios utilizados e os fins
desejados)
5 APRESENTAÇÃO DO POTENCIAL POSITIVO DO DESENVOLVIMENTO DOS
PROJETOS NO GENOMA HUMANO
Faz-se necessário efetuar uma análise sobre os projetos já desenvolvidos
e findos, bem como daqueles que se encontram ainda em fase de desenvolvimento,
a fim de se demonstrar a importância da bioética e do biodireito no desenvolvimento
da pesquisa científica na área da genética.
5.1 DOS PROJETOS DESENVOLVIDOS
Algumas descobertas científicas já realizadas estão auxiliando no
diagnóstico de diversas doenças que acometem o ser humano. Em 1986, foi
identificado o defeito genético subjacente a um tipo de distrofia muscular; em 1989,
foi descoberta a localização do gene e, em 1991, ocorreu o primeiro transplante bem
sucedido de genes no tratamento de uma doença que era até então fatal
(OLIVEIRA, 2011).
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Contra a doença de Huntigton, que é uma grave doença neurológica de
origem genética, desde 1966, são realizados enxertos de neurônios extraídos de
fetos provenientes de abortos legais. Nos dias de hoje, têm-se conseguido a
melhora no estado de três a cada cinco pacientes submetidos ao tratamento
(OLIVEIRA, 2011).
Contra o vírus do câncer de colo uterino, conhecido como HPV, existem
vacinas capazes de proteger dos tipos de vírus mais presentes no câncer de colo de
útero. No Brasil, como se sabe, no dia 1º de setembro de 2014 começou a aplicação
da segunda dose da vacina para as adolescentes de 11 a 13 anos que receberam a
primeira dose a partir de 10 de março do mesmo ano. Em todo o país a cobertura
vacinal da primeira dose é foi 87,17%, com 4,2 milhões de adolescentes vacinadas.
Também já há testes de vacinas contra o vírus da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), conhecido como HIV, com o objetivo de verificar
sua eficácia.
5.2 DOS PROJETOS EM DESENVOLVIMENTO
I) Projeto latino-americano do genoma humano (PLAGH)
Surgiu e foi criado na América Latina com a associação de cientistas e
empresas de engenharia genética, como reação à exclusão de sua participação no
Projeto Genoma Humano e respectivas descobertas.
Sobre esse projeto, Oliveira (2011, p.76) explicou:
A meta desse projeto é a garantia da transferência dos saberes adquirido
através do desenvolvimento do Projeto Genoma Humano. Também tem o
objetivo de estimular as pesquisas com a garantia da troca de experiências
e de informações, e promover, além dos recursos humanos necessários, a
formação de uma rede regular de circulação de informações. Em outras
palavras, pretende articular a comunidade cientifica de seus paísesmembros na defesa do direito de aprender, bem como realizar pressão
política que garanta a participação no PGH dos cientistas excluídos.
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O PLAGH realizou um encontro em Caxambu/MG, com a presença de
cientistas de destaque de várias partes do mundo, sendo que deste encontro
resultaram: a criação do Projeto da Diversidade do Genoma Humano (PDGH) e a
resolução contrária ao patenteamento dos genes humanos.
II) Projeto Supercélula
É um projeto de iniciativa do governo japonês, sobre o qual não se tem
muitas informações. Sabe-se que seu objetivo é o controle das atividades celulares,
aumento e supressão de substâncias celulares.
De acordo com Maluf (2010), a proposta é mapear, sequenciar e
descobrir o que faz cada gene. Sabe-se que eles têm desenvolvido o mesmo
procedimento no estudo de bactérias, mas já existem indícios de que deverão ir
além da descoberta das funções em bactérias, aplicando o conhecimento aqui
adquirido nos genes humanos.
III) Projeto Proteoma
Este é outro projeto que vem sendo desenvolvido e sobre o qual não se
tem muito conhecimento a respeito, em função de sua pouca divulgação.
Oliveira (2011) leciona que para que se entenda qual é a função dos
genes sequenciados, os cientistas acreditam ser a análise do Proteoma o melhor
caminho, uma vez que os genes fabricam as proteínas, as quais são responsáveis
pela organização e funcionamento dos seres vivos.
IV) Projeto da diversidade do genoma humano (PDGH)
Este projeto pretende estudar amostragens significativas do genoma de
populações humanas ancestrais, em nível mundial. É o resultado de um esforço de
antropólogos e geneticistas de várias partes do mundo. Este projeto pretende:
“Estabelecer a árvore genealógica da humanidade, ou seja, elaborar a história das
migrações até descobrir, melhor e com mais precisão, a história da diversidade da
espécie humana. (OLIVEIRA, 2011, p.79).
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V) Projeto genoma humano (PGH)
O projeto genoma humano é um consórcio internacional que foi iniciado
em 1990. Teve início nos Estados Unidos com a iniciativa do setor público, tendo
apoio do Departamento de Energia Norte-Americano.
O Projeto Genoma Humano tem como objetivo principal o completo
mapeamento do genoma humano para descobrir todos os genes da sequência do
DNA e desenvolver meios de usar esta informação para estudo da biologia e da
medicina. Um mapa descreve a ordem dos genes ou de outros marcadores e o
espaçamento entre eles, em cada cromossomo. Feito o mapa, na área da saúde
será possível a melhoria e simplificação dos métodos e diagnósticos de doenças
genéticas e a prevenção de doenças multifatoriais (OLIVEIRA, 2011).
O homem pretendeu através das diversas descobertas cientificas
melhorar sua qualidade de vida tentando reproduzir uma vida mais feliz e mais
saudável, mas o que está acontecendo parece ser justamente o contrário.
De acordo com Maluf (2010), diante das questões levantadas pelo
desenvolvimento de Projeto Genoma, em 1997, foi elaborada a Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem pela UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), que
estabelece diretrizes para as pesquisas genéticas respeitando os direitos e garantias
individuais.
5.3 OS BENEFÍCIOS: O POTENCIAL POSITIVO DO DESENVOLVIMENTO DOS
PROJETOS DO GENOMA HUMANO
Vislumbra-se, antes de qualquer coisa, o potencial positivo que poderá ser
alcançado no desenvolvimento de qualquer projeto realizado em torno do genoma
humano.
Já se veicula na mídia sobre a substituição da atual medicina curativa
pela medicina preditiva (possibilidade de prever e prevenir doenças passíveis de
prevenção) que não esperará a doença instalar-se para trata-la. Mas caso a doença
ocorra, o desenvolvimento de medicamentos e terapias deverá acelerar o processo
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de recuperação do enfermo, abreviado pelos novos recursos curativos que estão
surgindo com o conhecimento da engenharia genética.
Nesse sentido, Oliveira (2011, p. 93) afirma:
Acredita-se que após encerrada as próximas etapas do projeto genoma
humano que dará a conhecer as funções que cada gene desempenha nos
seres humanos, e ainda que descubra que todos eles desempenham as
mesmas funções em diferentes organismos, haverá o desenvolvimento de
terapias genéticas que permitirão o tratamento das diversas enfermidades
existentes hoje, muitas das quais poderão deixar de serem fatais. [...] A
imprensa veiculou que nos Estados Unidos, uma menina doente e com
quatro anos de idade, submeteu-se à terapia genética e ficou curada da
enfermidade que possuía. Isto é o inicio do que poderá ser sinônimo de
sobrevivência da espécie no amanhã.
No que tange aos aspectos positivos, tem-se como exemplos a
reconstituição, pela engenharia genética,de tecidos e órgãos humanos com base em
células embrionárias permitindo, assim, salvar vidas, reduzir o tempo de espera,
bem como evitar a rejeição de implantes por causa de falta de compatibilidade; a
biotecnologia pode também aumentar e melhorar a produção de medicamentos e
vacinas. Ainda tem-se que:
O conhecimento do corpo humano tem se mostrado limitado a cada dia com
as novas descobertas, algumas nunca antes imaginadas. Por isso é grande
a esperança depositada no desenvolvimento de tecnologias a cerca da
manipulação do gene humano e no conhecimento a ser ainda por ele
produzido. Longevidade e aumento da expectativa de vida [...] são uma
realidade, e que, a custa de muitos recursos financeiros, é possível, mesmo
que por ora a uma pequena camada de privilegiados, minimizar a ação do
tempo sobre o organismo humano. Com o decorrer do tempo e o
aumento do conhecimento, novas terapias serão desenvolvidas e deverão
ser acessíveis a todos indiscriminadamente. (OLIVEIRA, 2011, p. 94, grifo
nosso).
Diante do exposto, não resta dúvidas quanto a importância do
desenvolvimento dos projetos científicos, uma vez que são eles que levam ao
avanço nos mais variados setores da ciência, sempre obtendo melhoria da
qualidade de vida do ser humano.
Revista online FADIVALE, Governador Valadares, ano VIII, n O 11, 2015.
6 DEMONSTRAÇÃO DOS RISCOS POTENCIAIS DA UTILIZAÇÃO
CONHECIMENTO ADQUIRIDO ATRAVÉS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA
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DO
A constatação desses riscos é importante, porque destinatário da
pesquisa genética é o ser humano, portanto, se impõe a necessidade de avaliação
cuidadosa da relação entre riscos e benefícios, compatibilizando as experiências
com o genoma humano e o progresso da medicina. Nada justifica a exposição do
ser humano a situações de abusos e degradações.
Nesse sentido, Cruz (2013, p. 06) discorre que:
Nem mesmo o art. 5º, IX, da Constituição Federal, que proclama a liberdade
da atividade científica como um dos direitos fundamentais, pode permitir que
abusos sejam cometidos contra a vida humana, uma vez que a própria
Carta Magna reconhece outros valores e bem jurídicos. No conflito desses
interesses, a solução deverá ser a restrição a liberdade científica para não
provocar qualquer perigo a pessoa humana e sua dignidade.
Diante disso, em que pese às melhorias que o avanço biotecnológico
pode e traz para a humanidade de forma geral, é preciso, além de lançar os olhos
apenas para o lado positivo, traçar uma análise dos riscos que pode trazer.
6.1 A SELETIVIDADE
Cabe agora analisar a probabilidade de se conviver com um processo
seletivo decorrente, principalmente, dos avanços da biotecnologia, ou da forma
como ela vem sendo utilizada atualmente. Haverá sem dúvida uma distinção
genética significativa e de grande importância para o futuro de todos.
Desde muito cedo cada um saberá se é portador de genes defeituosos,
aqueles que provocarão doenças já conhecidas.
No que tange a seletividade, Oliveira (2011, p. 120) alerta que:
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Poder-se-á falar em uma seletividade do sistema, provocada e tornada
viável por meio do prognóstico genético realizado com o auxilio da
biotecnologia e de seu novo arsenal. A seletividade que virá a ocorrer no
sistema social é previsível de antemão. Muitos serão os rotulados, pelo
sistema, como os imperfeitos. Todos que forem vítimas de alguma anomalia
ou alteração genética serão enquadrados em uma categoria inferior, como
se fosse possível haver uma subclasse baseada nessa herança de genes.
Essa assertiva, que pressupõe a intromissão na vida e razão de ser de cada
um, é permitida em decorrência da análise de todo tipo de discriminação
que já é enfrentada hoje por muitos indivíduos portadores de anomalias
genéticas. Ela já é uma realidade social, principalmente em países
desenvolvidos, onde estes exames passaram a fazer parte do cotidiano de
determinados meios.
É possível que, com a seletividade que o sistema social provocará,se ter
uma perfeita divisão entre o mundo dos perfeitos e dos imperfeitos. Uma divisão que
gerará ainda mais exclusão social.
Para Oliveira (2011), ainda, é possível que cargos e salários possam ser
melhores quanto mais perfeita for a carga genética de cada ser humano.Em
contrapartida, o sistema marginalizará todos os excluídos a subcargos e subsalários
como única opção de vida.
A dignidade humana terá sido desprezada a outro plano, pois nem todos
terão o direito a mesma dignidade, em razão da desigualdade genética.
No entanto, cientistas afirmam que, se todas as pessoas forem
submetidas a exames genéticos, será constatado que todos têm problemas
genéticos de alguma ordem. Ninguém está afastado de uma herança desta origem,
o que leva os cientistas a acreditar que as discriminações acabarão inofensivos com
o passar do tempo (OLIVEIRA, 2011).
6.2 A REDUÇÃO DA DIVERSIDADE HUMANA
No Brasil, especificamente, em função do movimento migratório na fase
de colonização, aportaram pessoas das mais diversas origens: alemães, italianos,
japoneses, libaneses, espanhóis, árabes, holandeses, africanos, entre outros. Muitos
hoje já se misturaram, o que torna a população rica, bela e ímpar, com todo tipo de
cruzamento genético. Pessoas mais brancas no tom da pele, outras negras e com
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traços mais delicados e até de olhos azuis; outros mais amarelos, ou menos
brancos; pessoas com a pela branca e cabelo crespo, outros com a pele negra e
cabelo liso, assim é possível perceber o Brasil que nos rodeia.
Ocorre que o avanço da biotecnologia e a procura incansável pelo perfeito
em genética ameaçam esta diversidade biológica que, hoje, nos faz os brasileiros
únicos no mundo.
Sobre esse aspecto, Oliveira (2011, p. 122) atenta:
O avançar sem limites e em nome da ciência poderá trazer resultados
nefastos em curto lapso de tempo e em futuro próximo, assim como também
deixar apreensivos a todos aqueles que resolvem defender a dignidade
humana acima de tudo, como um direito fundamental individual de posição
social. O direito fundamental a dignidade humana deve ser garantido por
todos os Estados signatários da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948. É um gênero humano, é um direito de todos aqueles que
têm disposição para ser sujeitos.
Compete ao Estado combater toda e qualquer agressão a esta dignidade,
dar garantias para a plenitude de seu gozo por parte de todos os seus.
6.3 A EUGENIA
Todos os desenvolvimentos de descobertas ocorridas nas áreas
biotecnológicas potencializam a capacidade de uma realização de um novo
pensamento eugênico nos dias atuais. Por eugenia, entende-se que:
São os procedimentos capazes de melhorar a espécie humana. Como é
sabido, foi Francis Galton quem utilizou o termo (eugenics), no Reino Unido,
em fins do século passado, e a definiu como a “ciência que trata de todos
os fatores que melhoram as qualidades próprias da raça, incluídas as
que desenvolvem de forma perfeita”. [...] Galton pugnava o recurso a
todos os fatores sociais utilizáveis que pudessem melhorar as qualidades
raciais, tanto físicas, como mentais das gerações vindouras. (CASABONA,
1999 apud OLIVEIRA, 2011, p. 124, grifo nosso).
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Os doutrinadores costumam visualizar o processo eugênico em duas
situações distintas: — a eugenia positiva que é aquela que favorece a transmissão
dos caracteres considerados desejáveis ou queridos; — a eugenia negativa, que é
aquela que pretende evitar a transmissão dos caracteres considerados indesejados
ou não queridos e, para conseguir-se êxito nesta seleção, os cientistas valem-se de
procedimentos considerados eficazes como a inseminação artificial, a contracepção,
o aborto e até a morte do recém nascido (OLIVEIRA, 2011).
Além disso, há as influências de elementos de ordem sociocultural, no
processo de escolha, o que é uma possibilidade concreta:
A preferência por um filho do sexo masculino, vendo o feminino como um
defeito. Isso não acontece apenas na China e na Índia, mas em todos os
países do mundo. A genética pode fornecer instrumental para uma
discriminação de gênero. Pode ser colocada também a serviço de uma
discriminação racial, fundada em razões de saúde, quando os testes
genéticos demonstram que famílias judias ashkenazes portam com mais
frequência a doença do T-Say-Sachs e que certas famílias negras
desenvolvem uma forma particular de anemia celular. A genética não
pretende justificar o racismo, mas ela pode ser enroscada na espiral
racista. (CASABONA, 1999 apud OLIVEIRA, 2011, p. 126, grifo nosso).
Com estes procedimentos eugênicos em curso, aos poucos a diversidade
humana também começará a se ver diminuída e até mesmo ameaçada, pois quanto
mais igualitário for o padrão humano existente (objetivos eugênicos), menos
terapêuticas existirão para os males que poderão acometer este mesmo organismo,
de diversas outras formas. Seria um retrocesso ao conhecimento atual na matéria.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A engenharia genética é admirada e, ao mesmo tempo temida, pois são
apreciadas tanto as suas possibilidades benéficas quanto seus riscos, tendo em
vista o desconhecimento de seus efeitos a médio e a longo prazo, mesmo que a
curto sejam benéficos.
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Nesse diapasão, o princípio da dignidade da pessoa humana vincula-se a
sobrevivência da espécie. Deve ser inserido nesse conteúdo, a preservação da
pluralidade e da heterogeneidade da espécie humana, pois é eticamente
inadmissível a imposição, por uma vontade preponderante, de um indivíduo
geneticamente ideal, sem "defeitos", o que representaria um risco ao complexo de
diversidades que caracteriza o gênero humano (OLIVEIRA, 2011).
A relação entre genética, ética e direito traz em seu contexto diversas
questões polêmicas merecedoras de reflexão mais profunda pelos cientistas,
juristas, aplicadores do Direito e sociedade em geral.
Por isso, ao Direito caberá traçar os contornos, para que as condutas
nesse sentido sejam feitas com responsabilidade, indicando os caminhos por onde a
ciência não deve ir (CRUZ, 2013).
Permitir deliberadamente as alterações em genes humanos pode pôr em
risco a própria existência da espécie, diante na inexistência de base ótica na qual a
dignidade pudesse se estabelecer. No entanto, todos esses posicionamentos contra
a manipulação genética vêm de encontro, justamente, com uma das possibilidades
que a interferência no genoma humano pode trazer, que é, por meio da terapia
gênica, corrigir diversos defeitos e curar as doenças ocasionadas pelos genes.
Diante de todo o exposto, conclui-se que não se deve temer ou erradicar
o desenvolvimento da engenharia genética, mas sim, utilizar-se da preponderância
na aplicação dos conhecimentos adquiridos, tendo em vista que os aspectos
positivos podem melhorar, e muito, a vida dos seres humanos.
REFERÊNCIAS
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acadêmico forense. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2013a.
______. Lei n.º 11.105/2005, de 24 de março de 2005. In: Vade Mecum acadêmico
forense. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2013b.
Revista online FADIVALE, Governador Valadares, ano VIII, n O 11, 2015.
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CRUZ, Daniel Macedo Tavares. Dignidade da pessoa humana, bioética e pesquisas
com material genético humano. Jus Navigandi, Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/19204>. Acesso em: 22 set. 2014.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GOMES, Celeste Leite dos Santos; SORDI, Sandra. Aspectos atuais do projeto
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MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito.
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OLIVEIRA, Simone Born de. Da bioética ao direito: manipulação genética e a
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panorama da biotecnologia moderna. Biotecnologia e Recursos Genéticos –
Desafios e Oportunidades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/FINEP,
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Paulo: RT, 2004.
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humanos: da teoria à pratica. Brasília: Unesco, 2001. Disponível em: iBooks.
Acesso em: 20 set. 2014.

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