A vivência psicológica do trabalho pastoral
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A vivência psicológica do trabalho pastoral
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CLARICE EBERT A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL: DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS CURITIBA 2008 2 CLARICE EBERT A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL: DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS Monografia apresentada como requisito parcial à conclusão do Curso de Graduação em Psicologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. a a Orientadora: Prof Dr Lis Andrea Pereira Soboll CURITIBA 2008 3 TERMO DE APROVAÇÃO CLARICE EBERT A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL: DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo no Curso de Graduação em Psicologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora: _________________________________________________ Orientadora: Profa Dra Lis Andrea Pereira Soboll Departamento de Psicologia, UFPR _________________________________________________ Profa Mestre Elaine Cristina Schmitt Departamento de Psicologia, UFPR _________________________________________________ Mestre Carlos Tadeu Grzybowski Instituto Phileo de Psicologia Curitiba, 27 de Outubro de 2008. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu esposo Claudio, aos filhos Jeison, Jeise e Jamine, por serem os grandes incentivadores dessa jornada. 5 AGRADECIMENTOS À Deus pela oportunidade concedida de conhecer a Psicologia em ângulos antes não imaginados e que só aumentaram a sua relevância em minha vida. À orientadora Profa Dra Lis Andrea Pereira Soboll pelo apoio e encorajamento contínuos na pesquisa e por todo suporte teórico, técnico e metodológico concedido para a viabilização deste estudo. Especialmente agradeço ao meu esposo Claudio pelo suporte e por tolerar as ausências durante o percurso. Da mesma forma agradeço aos filhos Jeison, Jeise e Jamine pela paciência e maturidade demonstrada no constante apoio. Aos meus pais pelo suporte nas orações. Aos amigos Klaus e Lígia por apoiarem e incentivarem a entrada nessa jornada. À Ruth Pauls pelo carinho, acolhimento e incentivos essenciais para o meu equilíbrio psicológico. À amiga Nádia, cujo incentivo e apoio estiveram continuamente presentes. À Profa Mestre Elaine Cristina Schmitt e ao Mestre Carlos Tadeu Grzybowski por aceitarem o convite de participar da banca examinadora deste trabalho e por enriquecerem as percepções do tema proposto. Aos demais Mestres e Doutores da casa pelos conhecimentos transmitidos ao longo do curso, que contribuíram para a construção de compreensões da subjetividade humana, possibilitando a chegada a este trabalho de conclusão do curso. À diretoria do curso de graduação da Universidade Federal do Paraná pelo apoio institucional. Finalizando, não poderia deixar de agradecer aos pastores que disponibilizaram de seu tempo para que as entrevistas fossem possíveis, bem como por compartilharem de suas experiências, alegrias e angústias vivenciadas em seu trabalho. 6 “Não pense que aquele que procura consolar você vive tranqüilo em meio as palavras simples e discretas que usa e, as vezes, fazem tão bem. Há sacrifício e tristeza em demasia na vida dessa pessoa, que está muito aquém da sua. Não fosse assim, ele jamais poderia encontrar tais palavras”. Rainer Maria Rilke (2006) 7 RESUMO Cada vez mais a psicologia se insere no mundo do trabalho com uma visão crítica dos processos mobilizadores da subjetividade humana, de forma que sua intervenção ultrapassa as demandas das organizações, podendo atuar junto a categorias profissionais diferenciadas, visando a saúde de trabalhadores inseridos em qualquer contexto organizacional, bem como de qualquer profissão. Essa possibilidade viabilizou o estudo junto a categoria profissional diferenciada pastor evangélico, com o objetivo de identificar como está organizado o trabalho deste profissional em seu cotidiano, buscando conhecer as características e as vivências do exercício pastoral. A pesquisa foi realizada de forma qualitativa, por meio de entrevistas semi-estruturadas, com cinco pastores atuantes em igrejas da religião evangélica de diferentes denominações da cidade de Curitiba/PR, que foram selecionados por acessibilidade e adesão. A metodologia utilizada para análise dos dados foi a análise de conteúdo categorial proposto por Bardin. Como resultados se destacam oito categorias sínteses que exemplificam a organização do trabalho dos pastores entrevistados: (i) “o pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e atende as pessoas”: evidencia algumas das características da organização do trabalho dos pastores entrevistados, no que refere às tarefas/funções e sua execução; (ii) “vou me organizando e administrando com a equipe” indica as relações sociais do trabalho dos pastores entrevistados; (iii) “a gente vive no desafio constante de produção de trabalho”: revela exigências de produtividade que se correlacionam com a lógica do mercado secular; (iv) “o pastor precisa ter uma vida irrepreensível”: remete à lógica da ideologia de sucesso do mercado atual em que não há espaço para o fracasso e que aparece também no trabalho pastoral; (v) “não é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional”: evidencia o conteúdo simbólico imbuído no exercício pastoral o qual dá significado à execução das tarefas; (vi) “eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus, acho que estou numa missão, assim como toda profissão”: mostra um sentido de prazer atribuído ao exercício pastoral, no qual sua tarefa é reconhecida como uma missão, o que gera um empenho consciente e prazeroso na atividade; (vii) “ninguém entendeu o meu estado emocional”: indica vivência de sofrimento no trabalho; (viii) “quando eu estou passando por alguma situação delicada eu procuro me refugiar, renovar as forças”: indica a utilização de estratégias defensivas de distanciamento da realidade geradora de tensão do contexto de trabalho. Dessa forma, essa pesquisa contribuiu para a compreensão do trabalho pastoral, esclarecendo as vivências e a forma de organização do seu trabalho e serve de subsídio para a ampliação de possibilidades de intervenção da psicologia no mundo do trabalho, incluindo o trabalho no contexto religioso. Palavras Chave: Psicodinâmica do Trabalho. Trabalho Religioso. Pastor Evangélico. 8 ABSTRACT Increasingly the psychology fits in to the world of work with a critical view of the processes of mobilizing human subjectivity, in a way that its interventions may go beyond the demands of organizations and act with different professional groups, targeting the health of workers included in any organizational context, as well as any profession. This possibility has allowed the study with the differentiated professional category evangelical pastor to happen in order to identify how this professional’s daily work is organized, seeking to know the characteristics and experiences of the pastoral work. The study was conducted in a qualitative way, through semi-structured interviews, with five acting ministers of different denominations in the city of Curitiba/PR, who were selected through accessibility and adhesion. The methodology used for data analysis was the content analysis of categorical content proposed by Bardin. As a result eight summarized categories, which exemplify the organization if work of the interviewed pastors, stand out: (i) “the pastor basically runs the church, preaches, teaches and serves the people”: this highlights some of the characteristics of the organization of work of the interviewed pastors, in what concerns tasks/functions and its implementation; (ii) “I organize myself and manage the team”: indicates the social interaction of the work of the interviewed pastors; (iii) “we live with the continuous challenge of producing work”: shows demand for productivity that correlate with the logic of the secular market; (iv) “The pastor must have a life beyond reproach”: refers to the logic of the ideology of success in the current market where there is no room for failure and also appearing in the pastoral work; (v) “It’s not a professional work, it’s a vocational work”: highlights the symbolic content included in the pastoral work that gives meaning in performing the task; (vi) “I do what I like, do it with consciousness, I feel rewarded by God, I feel as if I’m on a mission, just as in any profession”: shows a sense of pleasure given to the pastoral work, in which its tasks are considered a mission generating a conscious effort and pleasure in the activity; (vii) “no one understood my emotional state”: indicates experience of suffering at work; (viii) “when I’m going through a delicate situation I find a refuge where I can renew my strengths”: indicates the use of defensive strategies of detachment from reality that generates tension in the context of work. Therefore, this study has contributed to the understanding of the pastoral work, explaining their experiences and the way their work is organized, it serves as a subsidy for the expansion of opportunities for intervention of psychology in the professional work, including work in the religious context. Key words: Psychodynamics of Work. Religious Work. Evangelical Pastor. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 01: Representação da Estrutura do trabalho dos pastores entrevistados..... 88 10 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Caracterização da Amostra .................................................................... 17 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12 2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 14 2.1 O CARATER ORGANIZACIONAL DA RELIGIÃO .............................................. 14 2.2 O CONTEXTO DO TRABALHO DO PASTOR EVANGÉLICO ........................... 15 2.2.1 Um Breve Histórico da Religião Evangélica ....................................................15 2.2.2 O Cenário Atual ............................................................................................... 17 2.3 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO ................................................................. 19 3 METODOLOGIA ...................................................................................................28 3.1 PARTICIPANTES ............................................................................................... 28 3.2 PROCEDIMENTOS ............................................................................................ 28 3.3 ANÁLISE DE DADOS.......................................................................................... 30 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS .................................................................. 32 4.1 “O pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e atende as pessoas” .................................................................................................................................. 32 4.2 “Vou me organizando e administrando com a equipe” ....................................... 38 4.3 “A gente vive no desafio constante de produção de trabalho” ............................ 46 4.4 “O pastor precisa ter uma vida irrepreensível” ................................................... 53 4.5 “Não é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional” ............................... 65 4.6 “Eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus, acho que estou numa missão, assim como toda profissão” ..................................... 71 4.7 “Ninguém entendeu o meu estado emocional” .................................................... 78 5.8 “Quando eu estou passando por uma situação delicada eu procuro me refugiar” .................................................................................................................................. 85 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 97 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 102 ANEXOS ...............................................................................................................107 12 1 INTRODUÇÃO O pastor evangélico é um trabalhador que atua na liderança de organizações religiosas da vertente evangélica, as quais abarcam uma porcentagem significativa da população brasileira. A religião evangélica se encontra entre as mais expressivas dentre uma grande diversidade religiosa existente no Brasil, visto ter sido classificada pelo IBGE1 (2007) como sendo a segunda de maior destaque no país. Este dado foi apresentado pelo IBGE após analisar os resultados dos censos demográficos de 1940 a 2000. De acordo com esta análise, a população brasileira evangélica apresenta um significativo crescimento, sendo que em 1940, sua porcentagem era de apenas 2,6%, mas que apresentou um salto para 15,4% até o ano de 2000. A partir desses dados propagados pelo IBGE, outras instituições de pesquisa fizeram novas análises, sendo uma delas o SEPAL2, a qual concluiu que os evangélicos foram a religião de maior crescimento no Brasil, durante a década de 90, girando seu crescimento anual em torno de 7,43%. A partir dessa conclusão, os estatísticos do SEPAL projetaram para dezembro de 2008 uma população brasileira evangélica de 24% (MAI, 2008). Partindo dessa breve contextualização do crescimento da religião evangélica no Brasil, considerou-se relevante o estudo sobre o trabalho de seus líderes. Silva (2004), que também pesquisou sobre o trabalho pastoral, afirma que cada vez mais se acentua a importância do papel desses líderes, sendo que, nessa constante transformação eclesiástica, seriam os canais propagadores das agências religiosas. O autor enfatiza que o pluralismo do mercado religioso se assemelha ao mercado secular na exigência cada vez maior do líder, acarretando em alterações físicas, psíquicas e sociais. Esses aspectos encontram parâmetros de análise na Psicologia do Trabalho, que abrange em sua teoria e prática a prevenção e promoção da saúde do trabalhador no ambiente em que está inserido (Spink, 1996), não importando qual seja. Segundo Spink (1996) o ambiente de trabalho pode ser empresarial, público ou 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Serviço de Evangelização Para a América Latina (SEPAL). Esta instituição é de cunho internacional e está estabelecida há mais de trinta anos no Brasil, realizando pesquisas e análises de especial relevância para o meio evangélico. MAI (2008). O Brasil Evangélico. Disponível em: <http://www.mai.org.br/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=3&page=1> Acesso em: 06 Mar 2008. 2 13 do terceiro setor, este último englobando entidades e associações filantrópicas, não governamentais ou de representação, portanto, cabendo aqui as entidades religiosas, ou seja, o ambiente de trabalho do pastor evangélico. Partindo dessas considerações incipientes, objetivou-se para este estudo identificar como está organizado o trabalho da categoria profissional pastor evangélico em seu cotidiano, as exigências, as vivências de prazer e sofrimento, bem como as estratégias de enfrentamento do sofrimento no exercício do trabalho pastoral. A análise do trabalho pastoral foi baseada na Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours (Dejours, 1987, 1992, 1993, 1997, 2001, 2004, 2007), que segundo Heloani e Lancman (2004) “(...) busca compreender aspectos psíquicos e subjetivos que são mobilizados a partir das relações e da organização do trabalho. Busca estudar os aspectos menos visíveis que são vivenciados pelos trabalhadores ao longo do processo produtivo” (p. 82). A proposta do presente trabalho não contemplou o estudo do trabalho de pastores em nenhuma denominação evangélica específica, sendo que buscou-se identificar apenas aspectos característicos vivenciados por pastores atuantes no exercício pastoral. Da mesma forma também não foram analisados os conteúdos religiosos envolvendo as crenças individuais ou do contexto de trabalho dos entrevistados. O presente estudo compreenbde a seguinte estrutura: Capítulo 1 – Introdução: contextualização do tema da monografia, incluindo sua relevância e seu objetivo. Capítulo 2 – Revisão de literatura: fundamentação de informações e conceitos do tema do estudo sob a ótica de diferentes autores, compreendendo: O caráter organizacional da religião; O contexto do trabalho do pastor evangélico; A teoria Psicodinâmica do Trabalho. Capítulo 3 – Metodologia: apresentação dos métodos empregados na elaboração do estudo, incluindo a coleta e a análise dos dados. Capítulo 4 – Análise e discussão dos resultados: análise dos dados e discussão de seus resultados numa interlocução com a literatura. Capítulo 5 – Conclusão: exposição das considerações finais, com destaque aos pontos mais significativos do estudo, contribuições da psicologia, bem como possibilidades para novas pesquisas referentes ao tema ora abordado. 14 2 REVISÃO DE LITERATURA Este capítulo visa, a partir da literatura, apresentar alguns elementos que vinculam religião como organização, bem como apresentar o contexto de trabalho do pastor evangélico num breve histórico da origem da religião evangélica, bem como de seu cenário atual. Também objetiva apresentar algumas características da Psicodinâmica do Trabalho para fundamentar brevemente o enfoque que perpassa o presente estudo. 2.1 O CARÁTER ORGANIZACIONAL DA RELIGIÃO A religião é usualmente definida pelas ciências sociais como um sistema de crenças, práticas, símbolos e estruturas sociais por meio das quais as pessoas e as sociedades humanas, em diferentes culturas e épocas, vivenciam sua relação com o mundo do sagrado (Valle, 2005), buscando um sentido para a existência do universo e do homem (Macedo, Fonseca e Holanda, 2007). Todas as religiões trazem a idéia do sagrado, embora se diferenciem nas formas como estabelecem e vivenciam suas crenças e a relação dos homens com o mundo do sagrado (Macedo, Fonseca e Holanda, 2007). A vivência com o mundo do sagrado, segundo Valle (2005), envolve modos de apropriação por sujeitos dotados de necessidades, emoções, motivações e os mais diversos anseios. Para Silva (2004) “provedora de significado e definidora de questões essenciais à vida numa construção simbólica, a religião pode ser considerada como criadora de soluções a problemas da realidade construída socialmente” (p. 12). O autor aponta que a religião, na era globalizada, mostra sua relevância como alternativa eficaz na obtenção de respostas ao sofrimento e adversidades, constituindo-se ao longo da história das civilizações de forma institucional, em suas mais variadas expressões e práticas religiosas. A religião se organizou de forma institucional em torno do conceito igreja, que pode designar um conjunto de fiéis ligados por uma mesma fé e sujeitos aos mesmos líderes espirituais, ou referir-se a comunidade cristã, ou ainda a templo cristão (Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, 1999). Guerra (2002) explica que as igrejas se desenvolveram em torno de interesses, pelos quais lutam por conquistá-los. Para o autor as igrejas seriam empresas sociais que têm como 15 proposta criar, manter e fornecer religião para um conjunto de indivíduos. Segundo Silva (2004), essa “(...) intencionalidade de atingir determinados objetivos, suas unidades sociais, seus aglomerados humanos, seus valores, sua cultura caracterizam a igreja também como uma organização e não apenas um lugar sagrado” (p.13). A intencionalidade como característica faz com que as organizações engendrem em seu dia-a-dia uma forma específica e própria de organização do trabalho (Zancul, Marx e Metzker (2006), cujos aspectos também estão presentes nas igrejas, as quais se inserem em contextos socioculturais específicos, expressando seus mitos, ritos, sistemas simbólicos e de crenças, portando propostas éticas e guardiãs do sagrado (Carranza, 2005). É neste contexto que o pastor desenvolve seu trabalho, conforme descrito no próximo tópico. 2.2 O CONTEXTO DE TRABALHO DO PASTOR EVANGÉLICO 2.2.1 Um Breve Histórico da Religião Evangélica A religião evangélica é um ramo do Cristianismo, o qual cresceu a partir de seu progenitor, o Judaísmo e como tal também se configurou numa religião monoteísta3. O Cristianismo foi instaurado no século I a partir de um grupo de seguidores de Jesus Cristo de Nazaré, denominados apóstolos, que difundiram seus ensinamentos desde Jerusalém até Roma, o centro do Império Romano. O grupo de cristãos foi intensamente perseguido desde o seu surgimento até o século IV. Após este período, o imperador romano Constantino I mostrou tolerância para com os cristãos, abraçou o Cristianismo e transformou a religião cristã num pólo de influência política dentro do Império Romano. Posteriormente, no século V, Teodósio I declarou o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano, que então passou a ser disseminada em toda a Europa (Russel, 1967; Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). No Império Romano, o Cristianismo se estabeleceu por meio da Igreja Católica, a qual manteve sua hegemonia até o século XI. A partir de então ocorreram 3 Definição de monoteísta: “Quem ou que admite um só Deus”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 16 cisões no Cristianismo, sendo uma das mais importantes a Reforma Protestante ocorrida no século XVI, tendo como protagonista o monge Martinho Lutero que afixou 95 teses na porta da Igreja de Wittemberg como forma de protesto às indulgências e à autoridade papal. Os protestos de Lutero sofreram sérias objeções da Igreja Católica, sendo criado o Édito de Worms, na Dieta de Speyer em 1529, o qual proibia crer, ensinar e dissimular as doutrinas luteranas (de Lutero), dando total liberdade ao clero para rebatê-las e perseguí-las. Nesse contexto foi utilizado o termo protestante para aqueles que expressavam seus protestos contra a supremacia da Igreja Católica, propiciando o surgimento das igrejas denominadas protestantes (Russel, 1967; Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). Durante a Reforma Protestante, além de Lutero surgiram outros reformadores como João Calvino, Ulrico Zwínglio, e outros, sendo as igrejas protestantes constituídas especialmente pelos seguidores do Luteranismo, Calvinismo e Zwinglianismo (Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). Ainda surgiram outros grupos como o Anglicanismo4, Anabatismo5, Pietismo6 e uma série de outras denominações e seitas7. Além do termo protestante, como referência atribuída aos grupos de cristãos herdeiros da Reforma Protestante, foi utilizado o termo evangélico, o qual foi amplamente propagado de forma a caracterizar esses grupos como pertencentes à religião evangélica (Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). O surgimento dos vários segmentos protestantes/evangélicos, frutos da Reforma Protestante, foi constituindo ao longo da história novas formas de Cristianismo propulsadas especialmente por diferentes convicções religiosas e hermenêuticas8 julgadas passíveis de reformulações por seus seguidores (Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). Apesar do berço da Reforma Protestante ter sido o continente europeu, as suas vertentes não permaneceram apenas por lá, mas migraram e se espalharam 4 “A Igreja oficial da Inglaterra desde Henrique VIII (1491-1547)”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 5 “A doutrina dos Anabatistas, e a sua prática”. Anabatista: “Membro da seita protestante surgida no séc. XVI que rejeita o batismo das crianças e rebatiza todos os seus adeptos adultos, bate-se pela total liberdade religiosa, pela separação da Igreja do Estado e opõe-se ao serviço militar etc.”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 6 (1) Movimento de intensificação da fé, nascido na Igreja Luterana alemã no séc. XVII. (2) Ato de afirmar a superioridade das verdades da fé sobre as verdades da razão. 7 (1) Doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos. (2) Conjunto de indivíduos que professam a mesma doutrina. (3) Comunidade fechada, de cunho radical. (4) Teoria de um mestre seguida por numerosos prosélitos. (5) Pop. Facção, partido. 8 Hermenêutica: “Interpretação dos textos sagrados”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 17 para os demais continentes, aportando, inclusive no Brasil por meio da vinda de missionários protestantes que disseminaram suas crenças denominacionais. No Brasil, a religião evangélica se configurou com a vasta variedade denominacional herdada da Reforma Protestante, a partir da qual ainda surgiram outros grupos evangélicos. O IBGE (2007) classificou essa variedade de denominações religiosas em três categorias: evangélica de missão, evangélica de origem pentecostal e outros evangélicos. Siqueira (2006) cita que dentre os evangélicos de missão, (denominados também de independentes, históricos ou tradicionais) destacam-se os Luteranos, os Presbiterianos, os Metodistas e os Batistas tradicionais, e que dentre os pentecostais destacam-se a Assembléia de Deus, a Congregação Cristã no Brasil, a Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo e Deus é Amor. Os outros evangélicos podem ser igrejas não determinadas, sem vínculo institucional ou, como referencia a autora, seriam os denominados neopentecostais, dentre os quais se destacam a Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo e Sara Nossa Terra. Este contexto histórico contribui para a compreensão do trabalho do pastor no cenário atual descrito a seguir. 2.2.2 O Cenário Atual De acordo com Siqueira (2006) a segmentação do grupo evangélico no Brasil, além da já citada herança da Reforma Protestante européia, pode ser explicada ainda por outros fatores, dentre os quais cita a diversidade étnica e cultural brasileira, o processo colonial do Brasil (o qual possibilitou o estabelecimento de diversas religiões), bem como o processo de modernização que mobilizou ajustes às necessidades religiosas da população. A composição diversificada de denominações faz com que o grupo evangélico se apresente heterogêneo, fragmentado, sem uma configuração identitária única numa unidade institucional como encontrada no catolicismo (Silva, 2004; Siqueira, 2006). Como comenta Silva (2004), ao referir-se a religião evangélica, que “há uma diversidade organizacional, teológica e litúrgica que se evidencia nas muitas igrejas e denominações existentes no Brasil” (p.18). Este 18 aspecto também pode ser um dos fatores relacionado ao crescimento da religião evangélica, visto que fornece um leque variado para que os indivíduos possam fazer suas escolhas de acordo com seus preferencialismos organizacionais eclesiásticos, teológicos e litúrgicos que atendem melhor à suas necessidades existenciais, bem como na escolha por suas lideranças. Segundo Berger9 (apud Silva, 2004, p. 160), as transformações organizacionais e dogmáticas da igreja estão inseridas numa guerra, mesmo que não declarada, do mercado religioso. Nessa guerra, as instituições religiosas acabam sendo transformadas em “agências de mercado e as tradições, discursos e práticas religiosas, em bens de consumo” (p.160). O trabalho do pastor evangélico, nesse contexto, apresenta uma série de demandas que trazem conseqüências físicas, psíquicas e sociais, sendo que “ser apenas um bom pregador dominical não basta, tem que ser também um bom vendedor de bens (simbólicos ou reais), um bom líder comunitário, um bom radialista, um bom advogado, psicólogo, político etc.” (Silva, 2004, p.160). O trabalho pastoral, seus desafios, bem como suas implicações físicas, psíquicas e sociais para a saúde do pastor, já foi alvo de pesquisas anteriores, dentre as quais podem ser citados os pesquisadores: (a) Lotufo Neto (1997) que fez um mapeamento da prevalência de transtornos mentais entre Ministros Religiosos; (b) Oliveira (2005), que buscou saber como é o cuidado de quem cuida, referindo-se ao cuidador pastor; (c) Silva (2004) que pesquisou especificamente sobre as vivências de prazer e sofrimento que envolvem a profissão pastor. Apesar de cada uma dessas pesquisas focarem uma linha específica de investigação e análise, há um consenso em torno de que o trabalho do pastor evangélico abarca inúmeros desafios, os quais interferem significativamente em sua qualidade de vida. Os processos que envolvem a qualidade de vida e saúde no trabalho é um dos focos de estudo, prevenção e intervenção da Psicologia do Trabalho, a qual, diferentemente da Psicologia Organizacional, não visa responder as demandas produtivas da organização, mas se propõe a trazer uma melhoria nas condições de trabalho e para a saúde mental do trabalhador, pautada na ética das relações humanas (Spink, 1996). 9 Dessa forma, ao invés de voltar-se apenas para a BERGER, P. L. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985. 19 organização, a Psicologia do Trabalho se ocupa do trabalhador e das relações humanas no trabalho, mantendo seu foco na subjetividade, podendo intervir em diferentes meios organizacionais, bem como junto a categorias profissionais distintas (Spink, 1996). A Psicologia do Trabalho privilegia o estudo dos fenômenos e processos psicológicos na atividade a partir das condições sócio/técnicas estabelecidas no ambiente de trabalho (Azevedo e Cruz, 2006). Dentro desses parâmetros, se apresenta uma corrente de pensamento denominada Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004), cuja contribuição se impõe pela qualidade teórica e riqueza metodológica, bem como pela importância de suas descobertas relacionadas a saúde no trabalho (Selingmann-Silva, 2007). Esta teoria é descrita brevemente a seguir. 2.3 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO A Psicodinâmica do Trabalho teve sua origem na França, nos anos 80, com o médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours (Ferreira e Mendes, 2003), que nos anos 70 já havia publicado vários trabalhos abordando temáticas de estudos psicossomáticos e das relações entre saúde e trabalho (Selingmann-Silva, 2007), frutos de suas pesquisas sobre a psicopatologia do trabalho dos anos 50 (Ferreira e Mendes, 2003). Apesar de surgir nos anos 80, esta nova abordagem da psicopatologia do trabalho passou a denominar-se Psicodinâmica do Trabalho apenas nos anos 90 (Ferreira e Mendes, 2003) surgindo como uma vertente crítica da abordagem francesa sobre a questão da relação homem-trabalho (Betiol e Tonelli, 2002). A nova abordagem é uma proposta que vai além da identificação de doenças mentais específicas correlacionadas à profissão ou situações de trabalho, sendo que procura abarcar uma dinâmica mais abrangente, a qual refere à gênese e às transformações do sofrimento mental, vinculadas à organização do trabalho (Seligmann-Silva, 2007). Para isso busca-se compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que são vivenciados pelos trabalhadores ao longo do processo produtivo a partir das relações e da organização do trabalho (Dejours, 2004; Heloani e Lancman, 2004). 20 Entende-se por organização do trabalho as prescrições que expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho, as quais determinam o funcionamento do meio produtivo (Ferreira e Mendes, 2003). Dessa forma são estabelecidas as regras, normas, papéis, funções, responsabilidades, produtividade prescrita, ritmos de produção e as relações hierárquicas, sendo, portanto representados pela divisão das tarefas e pela divisão dos homens no trabalho (Ferreira e Mendes, 2003). Segundo Dejours (2001) a organização do trabalho interfere na saúde psíquica do trabalhador, sendo que abarca tanto os conteúdos materiais como simbólicos do significado da execução das tarefas, como a interação entre trabalhador, a atividade e as relações sociais. Para Ferreira e Mendes (2003) as situações de trabalho modificam as percepções do trabalhador em relação a si mesmo e dos outros, o que resulta nos aspectos subjetivos do trabalho, que poderá ser diferente de sua própria subjetividade e que viabiliza a construção do sentido do trabalho, podendo ser de prazer e/ou sofrimento, o qual é atribuído de forma compartilhada por um grupo de trabalhadores. A construção de sentido no trabalho tem uma dupla possibilidade, a qual nasce da interação com os contextos de trabalho (Ferreira e Mendes (2003), sendo que as experiências no trabalho podem ser avaliadas de forma positiva ou negativa e as percepções podem ser desencadeadoras de vivências de prazer e/ou de sofrimento (Mendes e Silva, 2006). Para Ferreira e Mendes (2003) “o prazersofrimento é um constructo único, originado das mediações utilizadas pelos trabalhadores para manter a saúde, evitando o sofrimento e buscando alternativas para obter prazer” (p.53). O prazer, portanto, não se desvincula do sofrimento, sendo que o sofrimento pode, inclusive, ser um caminho para renovação (Mendes e Silva, 2006). Dessa forma, o trabalho é considerado pelos autores uma das fontes de saúde psíquica. Mendes (1999) ainda afirma que mesmo a vida de trabalho não sendo um estado de gozo pleno, pode ser vivenciada numa transformação daquilo que faz sofrer na realidade presente. Segundo a autora seria uma oportunidade de refazer, de criar, de flexibilizar, de transformar, e de deixar sua marca no mundo. Segundo Ferreira e Mendes (2003) “o prazer no trabalho é uma vivência individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores de experiências de gratificação provenientes da satisfação dos desejos e de necessidades do 21 trabalhador (...)” (p. 54). Os autores enfatizam que essa vivência é decorrente de uma mediação bem sucedida dos conflitos e contradições gerados num determinado contexto de produção, em que o sentido do trabalho é atribuído como prazer, transformando-o em fonte de saúde. No entanto, as pesquisas de Ferreira e Mendes (2003) identificaram que geralmente não é o prazer que predomina, mas sim o sofrimento. Para Dejours (2001) os principais fatores do sofrimento no trabalho são: (a) o medo da incompetência - faz com que o trabalhador execute o seu trabalho com zelo excessivo para tornar o trabalho prescrito eficaz, obrigando-lhe a descumprir as prescrições, instruções e procedimentos. Dessa forma, em situações de trabalho que se apresentam como uma fonte de perplexidade é instaurada a angústia e o sofrimento. Estes aspectos são vivenciados por sentimentos de medo de incompetência, de não estar à altura ou até mesmo de ser incapaz de enfrentar adequadamente e com a responsabilidade necessária as situações incertas ou incomuns que se apresentam no trabalho; (b) a pressão para trabalhar mal - se situa quando o trabalhador, apesar de ter habilidade/competência para a atividade e saber o que deve fazer, não pode fazê-lo por encontrar obstáculos sociais do trabalho. Esses obstáculos se presentificam por meio de um ambiente social péssimo, onde cada um trabalha por si, colegas criam obstáculos, são sonegadas informações, o que prejudica a cooperação entre os implicados no trabalho; (c) a desesperança do reconhecimento – o sentido do sofrimento no trabalho provém de seu reconhecimento. O reconhecimento da qualidade do trabalho, também dá sentido aos esforços, angústias, dúvidas, decepções e desânimos ocorridos no desempenho dessa qualidade. O reconhecimento também constrói a identidade do indivíduo, a qual se constitui como armadura para a saúde mental. O trabalhador ao não obter o reconhecimento de seu trabalho também não alcança o sentido de sua relação para com o trabalho, pois “se vê reconduzido ao sofrimento e somente a ele. Sofrimento absurdo, que não gera senão sofrimento, num círculo vicioso e (...) desestruturante, capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e de levar à doença mental” (Dejours, 2001, p. 34-35). Ferreira e Mendes (2003) definem o sofrimento no trabalho como uma vivência de experiências dolorosas, incluindo principalmente a angústia, o medo e a insegurança no trabalho. 22 Dejours (2001), afirma que a insegurança no trabalho é acentuada frente à constante ameaça de desemprego, a qual ronda os trabalhadores continuamente. Para o autor, os trabalhadores, diante da ameaça de demissão, ficam sujeitos a um sistema de dominação auto-controlado e um aumento de carga de trabalho. Essa nova forma de dominação da gerência da ameaça da precarização subjuga os trabalhadores de forma a viverem constantemente com medo, o qual gera a obediência e submissão no trabalho (Dejours, 2001). Dejours (2001) pontua que como efeito da precarização ocorre: (a) uma intensificação do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo; (b) a neutralização da mobilização coletiva contra o sofrimento, a dominação e a alienação; (c) a estratégia defensiva do silêncio, da cegueira e da surdez; (d) o individualismo. Dessa forma, cada trabalhador procura resistir ao máximo as pressões no trabalho, ignorando o seu sofrimento, bem como o sofrimento alheio, fechando convenientemente os olhos e ouvidos ao sofrimento e as injustiças infligidas a outrem (Dejours, 2001). Após analisar o sofrimento nas organizações, Dejours (2001) refere que no sistema contemporâneo da sociedade empresarial perpassa uma banalização do mal. O autor cita algumas formas em que isso ocorre no contexto de trabalho: (a) tolerância à mentira, sua não denúncia e inclusive na participação em sua produção e divulgação; (b) tolerância, não denúncia e participação em causar injustiça e sofrimento em outrem; (c) infrações freqüentes das leis trabalhistas (exemplo: empregar pessoas sem o devido pagamento; exigir uma carga horária que ultrapassa a autorizada legalmente); (d) injustiças deliberadamente cometidas e publicamente manifestas por meio de designações discriminatórias e manipuladoras; (e) manipulação deliberada de ameaças, chantagens, insinuações a ponto de desestabilizar psicologicamente o trabalhador, levando-o a cometer erros, para posteriormente usá-los como pretexto de incompetência profissional para sua demissão; (f) dispensa sem aviso prévio, sem discussão; (g) submeter outrem a desumanidades obrigando-o a cometer atos que reprova moralmente, como ameaça de precarização. Dessa forma o sofrimento dos que trabalham assume formas inquietantes, sendo que diante da possibilidade da demissão, pelo mínimo deslize, os trabalhadores continuam a trabalhar mesmo estando doentes (Dejours, 2001). 23 Segundo Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento é vivenciado, muitas vezes, de forma inconsciente, individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores frente a conflitos e contradições num confronto entre desejo e necessidades do trabalhador e as características de determinado contexto produtivo. Seria a conseqüência de trabalhadores estarem expostos a situações em que se encontram diante da impossibilidade de negociarem seus desejos, e ao esgotarem todas as suas tentativas individuais e coletivas no enfrentamento das adversidades, acabam sofrendo algum tipo de adoecimento (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004). No entanto, segundo Dejours (2004), devido os trabalhadores estarem continuamente submetidos à pressões e sofrimento no trabalho, ocorre um ajuste entre a subjetividade e a organização do trabalho. O pesquisador percebeu isso ao estudar situações de trabalho geradoras de sofrimento para os trabalhadores e observou que em todas essas situações, os implicados no sofrimento no trabalho mobilizavam, entre outros processos, estratégias, tanto individuais como coletivas para lidar com seus sentimentos e continuar trabalhando. Para a Psicodinâmica do Trabalho “o trabalho é uma atividade humana ontológica finalística por meio da qual os trabalhadores forjam estratégias de mediação individuais e coletivas” em um contexto de produção de bens e serviços (Ferreira e Mendes, 2003, p.38). Na dinâmica da mediação destas estratégias, os indivíduos, ao mesmo tempo em que transformam o contexto de produção, são também transformados por ele (Ferreira e Mendes, 2003). As estratégias de mediação do sofrimento podem ser defensivas ou de mediação subjetiva com o intuito de garantir a sobrevivência física, psicológica e social e têm como objetivo confrontar e superar as diversas contradições que permeiam o contexto de trabalho (Dejours, 2004; Ferreira e Mendes, 2004). As estratégias defensivas se articulam como mecanismos, muitas vezes inconscientes, sendo individuais e/ou compartilhados, por um grupo de trabalhadores, que segundo Ferreira e Mendes (2003) podem ser “de negação e/ou racionalização do sofrimento e do custo humano negativo, causados pelas contradições e pelos conflitos em determinado Contexto de Produção de Bens e Serviços” (p.56-57). A utilização da negação como estratégia defensiva representa a negação do próprio sofrimento, bem como do sofrimento alheio no trabalho (Dejours, 2004; Ferreira e Mendes, 2003). Tem como característica a naturalização do sofrimento e 24 das injustiças padecidas pelos trabalhadores e a “supervalorização dos resultados positivos, das vantagens da produção e dos fracassos no trabalho como decorrentes da incompetência, da falta de seriedade, de preparo, da má vontade ou da incapacidade humana” (Ferreira e Mendes, 2003, p.57). Nessa estratégia se apresentam comportamentos de isolamento, desconfiança e de individualismo. Também há a ocorrência de banalização das adversidades do contexto e uma eliminação do coletivo do trabalho em que não se considera a história da produção da coletividade (Ferreira e Mendes, 2003). Na estratégia defensiva via racionalização, segundo Ferreira e Mendes (2003) há uma evitação da angústia, do medo e da insegurança nas vivências do trabalho, que se caracteriza por “invocar justificativas ‘mágicas’ socialmente valorizadas e causas externas para explicar situações de trabalho desconfortáveis, desagradáveis e dolorosas” (p. 57). Situações que, para os autores, propiciam risco e impõem ritmo acelerado e/ou exigem elevados índices de desempenho e produtividade. Dentre os comportamentos característicos da racionalização apresentados por Ferreira e Mendes (2003) estão a apatia, a resignação, a indiferença, a conformidade, bem como os comportamentos “de controle sobre pessoas e situações que representam uma ameaça a estabilidade e que possam desmascarar as razões do imobilismo10 diante das adversidades do contexto de trabalho” (p. 57). As estratégias defensivas, durante certo tempo, protegem o indivíduo contra a dissonância cognitiva11 e os afetos dolorosos (Ferreira e Mendes, 2003). No entanto, seu uso constante pode se configurar numa estratégia ineficaz para lidar com o sofrimento, podendo desencadear o surgimento de “doenças psicossomáticas, do tipo endócrino-metabólicas, (...) perturbações psíquicas como o desenvolvimento de traços neuróticos, doenças ocupacionais como Dort, estresse e depressão” (Ferreira e Mendes, 2003, p. 58). Dessa forma, as estratégias de mobilização coletiva são consideradas mais apropriadas do que as defensivas para manter os trabalhadores mais próximos da 10 Definição de imobilismo: “Predileção pelas coisas antigas e/ou aversão ao progresso” - Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 11 A Teoria da Dissonância Cognitiva foi desenvolvida por Leon Festinger a meio do século XX. Ele define a Dissonância como uma tensão entre o que uma pessoa pensa ou acredita e aquilo que faz. Quando alguém faz uma ação que está em desacordo com aquilo que pensa, gera-se essa tensão e mecanismos psíquicos para repor a consonância são prontamente ativados. Das duas uma, ou aquilo que sabemos ou pensamos se adapta ao nosso comportamento, ou o comportamento adapta-se ao nosso conhecimento. Disponível em: <http://eperdidas.wordpress.com/2006/12/06/dissonancia-cognitiva/> Acesso em: 13 Out 2008. 25 saúde, sendo que mobilizam uma busca pela eliminação do custo humano12 negativo do trabalho, resignificando o sofrimento ao ser realizada a gestão das contradições, transformando a organização, as condições e as relações sociais de trabalho em fonte de prazer e bem-estar (Ferreira e Mendes, 2003). Dejours (2001) afirma que as estratégias individuais de defesa têm um papel de adaptação do trabalhador ao sofrimento e pouca influência na desconstrução da violência social, justamente por ser individual. No entanto, o autor aponta que as transformações da realidade sofredora encontram maior eficácia no engendramento de estratégias coletivas que contribuem decisivamente para a coesão do coletivo no trabalho. Pois, conforme Dejours (2001), “trabalhar é não apenas ter uma atividade, mas também viver: viver a experiência da pressão, viver em comum, enfrentar a resistência do real, construir o sentido do trabalho, da situação e do sofrimento” (p.103). Para Ferreira e Mendes (2003) os elementos constitutivos da estratégia da mobilização coletiva são a cooperação e o espaço público de discussão. A cooperação como estratégia de mobilização coletiva se constitui pela possibilidade de uma ação coordenada, na construção de um produto comum, embasada na confiança e na solidariedade (Ferreira e Mendes, 2003). Nessa estratégia há uma convergência das contribuições de cada trabalhador, bem como das relações de interdependência (Ferreira e Mendes, 2003). O alcance de resultados coletivos se apresenta superior em relação aos individuais, visto que o desempenho do coletivo no trabalho minimiza erros, falhas individuais e acentua a integração das diferenças individuais e a articulação dos talentos específicos de cada trabalhador (Ferreira e Mendes, 2003). Dessa forma, ocorre na cooperação uma valorização e um reconhecimento da marca pessoal e do esforço de cada um na realização do trabalho e na participação no coletivo, de modo a fortalecer a identidade psicológica e social, a qual permite reafirmar as referências internas no convívio com a diversidade (Ferreira e Mendes, 2003). Portanto, a cooperação viabiliza uma produção coletiva mais efetiva de ações transformadoras do que as ações individualizadas (Ferreira e Mendes, 2003). 12 “O custo humano do trabalho expressa o que deve ser despendido pelos trabalhadores (individual e coletivamente) nas esferas física, cognitiva e afetiva vis-a-vis as contradições existentes no contexto de produção que obstaculizam (custo negativo) e desafiam (custo positivo) a inteligência dos trabalhadores. Ele é imposto externamente aos trabalhadores sob a forma de constrangimentos (contraintes) para suas atividades”. FERREIRA, Mário César e MENDES, Ana Magnólia. Trabalho e riscos de adoecimento: o caso dos auditoresfiscais da Previdência Social Brasileira.Brasília: Edições LPA, 2003, p.130. 26 O espaço público de discussão como estratégia de mobilização coletiva se constitui por um espaço de fala e de expressão coletiva do sofrimento (Ferreira e Mendes (2003). É um espaço no qual as opiniões dos trabalhadores possam ser formuladas com liberdade e declaradas publicamente, bem como é um espaço construído pelos trabalhadores em que há uma compreensão, pelo coletivo, das formas de comunicação utilizadas para a auto-expressão, numa autenticidade e relação de eqüidade13 entre aquele que fala e aquele que escuta (Ferreira e Mendes (2003). Dessa forma, conforme afirma Heloani e Lancman (2004), “apreender e compreender as relações de trabalho exige mais do que a simples observação, mas, sobretudo, exige uma escuta voltada a quem executa o trabalho, pois esse implica relações subjetivas menos evidentes que precisam ser desvendadas” (p. 82). Isso significa que devem ser consideradas as relações que o trabalho propicia, entendêlas e explicá-las para além do que se apresenta como visível e mensurável (Heloani e Lancman, 2004). No entanto, segundo Dejours (2004), o processo de compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que envolvem a vida do trabalhador, não significa buscar transformar o trabalho, sendo que a busca é modificar as relações subjetivas, em cuja via são engendradas as estratégias de mediação do sofrimento no trabalho. Portanto, a Psicodinâmica do Trabalho propõe uma escuta que pode ser realizada de forma individual ou coletiva, na qual possam ocorrer processos de reflexão e de elaboração dos sentidos no trabalho possibilitando a criação de mobilizações que possam alavancar mudanças no contexto de trabalho, em suas relações laborais e sociais (Dejours, 2001; Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004; Heloani e Lancman, 2004). Para que, a partir do processo reflexivo sobre o próprio trabalho, o indivíduo possa se reapropriar da realidade de seu trabalho, o que pode impulsionar mudanças da realidade sofredora e uma obtenção de maior saúde no trabalho (Dejours, 2004). Finalizando a apresentação das principais características da Psicodinâmica do Trabalho convém dizer que é uma abordagem científica que investiga a saúde no trabalho (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004). Segundo Ferreira e Mendes (2003) a Psicodinâmica do Trabalho “privilegia como categoria central de análise a 13 Definição de eqüidade: “Disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um” - Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 27 relação entre sofrimento (...) e as estratégias de mediação do sofrimento no trabalho utilizadas pelos trabalhadores para resignificar/superar esse sofrimento e transformar o contexto de produção em uma fonte de prazer” (p. 35). Portanto, o presente capítulo, apresentou, a partir da revisão da literatura: (i) alguns elementos que vinculam a igreja como uma organização; (ii) o contexto de trabalho do pastor evangélico num breve histórico da origem da religião evangélica e de seu cenário atual; (iii) e apresentou alguns dos principais pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho, para fundamentar o enfoque teórico pelo qual perpassa o presente estudo. A partir do próximo capítulo será apresentada a metodologia utilizada na elaboração da pesquisa, incluindo o levantamento e a análise dos dados. 28 3 METODOLOGIA A pesquisa teve como objetivos a identificação de como está organizado o trabalho da categoria profissional pastor evangélico em seu cotidiano, investigar as exigências e expectativas que imprimem a ação no trabalho, analisar as vivências de prazer e sofrimento no trabalho, identificar as estratégias de mediação do sofrimento no exercício da profissão pastoral e analisar a percepção dos pastores quanto ao trabalho pastoral em relação a outras profissões. 3.1 PARTICIPANTES A pesquisa foi realizada com pastores atuantes em igrejas evangélicas da cidade de Curitiba – Paraná. A amostra se constituiu de cinco pastores de orientação denominacional variada, sendo todos do sexo masculino, casados, pais e que exerciam a atividade pastoral em período integral no momento da pesquisa. Na seqüência, a tabela 01 apresenta os dados caracterizando a amostra. Tabela 01: Caracterização da amostra PASTOR 1 PASTOR 2 PASTOR 3 PASTOR 4 PASTOR 5 Idade 39 anos 63 anos 37 anos 31 anos 55 anos Cargo Pr. responsável Pr. auxiliar Pr. auxiliar Pr. responsável Pr. responsável Grau de Instrução Superior inc. Superior Superior Superior Mestrado Orientação denominacional Pentecostal Neopentecostal Tradicional Pentecostal Tradicional Tempo na atividade 2 anos e meio 15 anos 5 anos 10 anos 30 anos Fonte: Elaboração própria a partir da coleta dos dados 3.2 PROCEDIMENTOS A fase da coleta e da organização dos dados ocorreu entre os meses de Março e Junho de 2008. O contato com os sujeitos da pesquisa foi realizado via telefone junto a Instituições Evangélicas de diferentes denominações e orientações eclesiásticas. Inicialmente foi feito uma busca em sites de igrejas evangélicas na internet, nos quais foram obtidos os números para o contato telefônico. Ao todo foram contatadas dez instituições eclesiásticas. Os pastores participantes da 29 pesquisa foram selecionados por acessibilidade e adesão, no entanto, foi utilizado como critério de seleção para entrevista que os pastores deveriam estar atuantes no exercício da profissão. O processo da coleta dos dados foi encerrado após serem concretizadas cinco entrevistas dentre os dez contatos realizados, visto que as informações obtidas foram consideradas suficientes para o objetivo proposto na pesquisa. Antes da realização de cada entrevista, foi apresentado aos participantes a “Carta de Apresentação da Pesquisa” (Anexo 1), o “Termo de Consentimento e Esclarecimento Sobre a Pesquisa” (Anexo 2), sendo oficializado por meio de assinatura do entrevistado. Estes documentos garantiram o sigilo absoluto acerca dos dados obtidos na entrevista de acordo com os princípios éticos que regulamentam o exercício da psicologia. As datas e horários para as entrevistas foram pré-agendadas, num acordo entre pesquisadora e entrevistados de acordo com a disponibilidade de cada um. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos entrevistados, sendo todas de forma individual e tiveram duração aproximada de uma hora e dez minutos. Todas foram feitas com registro eletrônico, sendo posteriormente transcritas, compondo dessa forma os dados para análise e discussão. Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista de pesquisa em profundidade de caráter semi-estruturado. Segundo Thiollent (1997) a técnica da entrevista semi-estruturada procura obter informações sem questionário fechado, sendo composta apenas por questões abertas, as quais devem ser respondidas pelos entrevistados de forma espontânea de modo que possa eclodir o não-dito em suas verbalizações a respeito de sua realidade. Dessa forma as sessões das entrevistas devem sempre promover a liberdade de expressão (Thiollent, 1997), sem que haja indução de respostas. A entrevista para a pesquisa seguiu um roteiro semi-estruturado construído a partir das categorias teóricas: a organização do trabalho do pastor, as exigências para a função pastoral, as vivências de prazer e sofrimento e as estratégias de mediação do sofrimento no trabalho. Considerando que a entrevista semiestruturada procura obter informações sem questionário fechado, as questões utilizadas (Anexo 3) serviram apenas como norte das entrevistas. 30 3.3 ANÁLISE DOS DADOS A metodologia utilizada para análise dos dados foi a análise de conteúdo categorial proposto por Bardin (1997), a qual é Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 1997, p. 42). Segundo Bardin (1997) a organização da análise de conteúdo passa por diferentes fases que podem ser resumidos em três momentos, sendo: (1) préanálise; (2) exploração do material; (3) tratamento dos dados, inferência e interpretação. No primeiro momento realiza-se uma leitura flutuante, escolha dos documentos, formulação de hipóteses e objetivos, colocadores dos indicadores e índices e a preparação do material que vai ser analisado. No segundo momento ocorre a codificação e a categorização dos dados. Na terceira fase são feitas as operações estatísticas, a síntese e seleção dos resultados, as inferências e as interpretações (Bardin, 1997). Goulart (2006) ressalta os cuidados que devem ser tomados na hora da interpretação, sendo que envolve a compreensão do sentido, a compreensão das idéias e o viés afetivo e ideológico. Alerta ainda em relação ao cuidado que teve ter quem analisa procurando evitar a influência de sua ideologia, de seus pressupostos e de sua hipótese de trabalho. A autora afirma que “todo documento falado, escrito ou sensorial contém, potencialmente, uma quantidade de informações sobre seu autor, sobre o grupo ao qual pertence, sobre os fatos e acontecimentos que são relatados, sobre o mundo ou sobre o setor da realidade que este documento questiona” (p. 158). E acrescenta que “a percepção dessas informações é filtrada, deformada, alterada por toda uma série de seleções e interpretações que provêm dos centros de interesse, das motivações, das ideologias daqueles que as analisam” (p. 158). A análise de conteúdo pode ser feita de forma qualitativa e/ou quantitativa, sendo que para esta pesquisa a análise foi de forma qualitativa. Segundo Goulart (2006) “(...) a análise qualitativa é caracterizada pelo fato de que a inferência, sempre que é realizada, é fundada na presença do índice (um tema, uma palavra, 31 um personagem) e não sobre a freqüência de sua aparição em uma comunicação individual” (p 163). Já a quantitativa, segundo a autora, é fundada justamente na freqüência do acontecimento ou de um elemento surgido no discurso de quem fala. Segundo Heloani e Lancman (2004) no enfoque qualitativo o pesquisador se preocupa mais com o processo do que com os resultados e apesar de haver delimitação dos objetivos específicos, o detalhamento das estratégias metodológicas, o trabalho de campo, a análise do material, a avaliação, a validação, a coleta de dados e sua análise, o processo todo ocorre de forma simultânea ao longo da intervenção. De acordo com Mendes (2007) a técnica da análise categorial consiste num desmembramento do texto em unidades, por meio das quais surgem as categorias provindas da investigação dos temas psicológicos que mais despontaram do discurso. Explica ainda que a nomeação e a definição das categorias é o essencial para confirmar a aplicação da técnica à pesquisa e deve ser especificada a categoria, a definição e as verbalizações. Portanto, de acordo com essa metodologia foram adotados, para a análise dos dados da pesquisa, os seguintes procedimentos: leitura das entrevistas transcritas, com vistas a examinar seu conteúdo; identificação das principais falas dos entrevistados; agrupamento dos temas e das verbalizações mais latentes que apresentaram semelhanças; nomeação das categorias a partir da fala dos entrevistados; análise e discussão dos resultados. A análise e discussão dos dados basearam-se nos pressupostos da abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, bem como outras teorias também foram utilizadas, a exemplo das pesquisas de Enriquez (1997a, 1997b, 2006) e Pagès (1993), para compreender a relação entre subjetividade e trabalho da categoria profissional diferenciada pastor evangélico. A análise dos núcleos temáticos foi realizada a posteriori por dois juízes para validação de seus conteúdos, sendo um a pesquisadora e outro a orientadora da pesquisa. 32 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Considerando a existência de diferenciações da organização do trabalho dos pastores da religião evangélica nos mais variados contextos denominacionais, em que cada qual abarca um conjunto de crenças e administração eclesiástica peculiares, a análise e discussão dos resultados aqui apresentadas enfatizam apenas algumas características do trabalho do pastor evangélico que foram identificadas a partir dos relatos dos pastores entrevistados para este estudo. Como resultados da pesquisa se destacaram oito categorias sínteses que exemplificam a organização do trabalho, as exigências, as vivências de prazer e sofrimento e as estratégias de mediação do sofrimento na realidade do trabalho destes trabalhadores. Portanto, este capítulo apresenta as categorias de análise (Bardin, 1997) que foram selecionadas a partir das verbalizações dos pastores entrevistados que estiveram mais latentes e que apresentaram semelhanças. 4.1“O Pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e atende as pessoas” Descrição As funções desempenhadas pelos pastores entrevistados são múltiplas e compreendem: administrar a igreja; liderar departamentos; liderar reuniões; realizar cultos; atender, aconselhar, orientar e acompanhar pessoas; treinar e formar outros líderes; visitar; pregar; ensinar; ministrar cursos; ministrar em eventos; realizar eventos; participar em projetos sociais; preparar mensagens e estudos bíblicos; realizar funerais, casamentos e batismos; elaborar relatórios. O trabalho pastoral é organizado em uma rotina semanal, incluindo período matutino, vespertino e noturno. Há uma carga horária que, apesar de não ser fixa e preestabelecida, está em torno de dez horas diárias durante a semana, sendo maior no domingo. As funções diferem nos dias da semana, sendo que cada dia da semana tem atividades diferenciadas. As funções matutinas e vespertinas têm horário de início e término, no entanto, os horários são flexíveis podendo ser alterados de acordo com alguma demanda imprevisível e/ou que se apresente como urgente. Os compromissos nas noites, geralmente são compostos por reuniões ou cultos. A atividade pastoral é estabelecida por contrato autônomo entre o pastor e uma organização eclesiástica. Temas Encontrados Funções múltiplas Rotina semanal Ritmo de trabalho com demandas imprevisíveis 33 Carga horária pesada Horários flexíveis Contrato autônomo Análise e Discussão A categoria indica algumas das características que envolvem a organização do trabalho dos pastores entrevistados, no que refere às tarefas/funções e sua execução. Para a Psicodinâmica do Trabalho a organização do trabalho é a forma como as tarefas são definidas, divididas e distribuídas entre os trabalhadores, bem como são concebidos e constituídos os elementos prescritos (formal ou informalmente) levando em conta que as prescrições expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho, as quais determinam o funcionamento do meio produtivo (Dejours, 2004; Ferreira e Mendes, 2003). Dessa forma a organização do trabalho estabelece as regras, normas, papéis, funções, responsabilidades, produtividade prescrita, ritmos de produção e as relações hierárquicas, envolvendo por um lado a divisão das tarefas e por outro lado a divisão dos homens (Dejours, 2004). A divisão das tarefas “(...) conduz alguns indivíduos a definir por outros, o trabalho a ser executado, o modo operatório e os ritmos a seguir” e a divisão dos homens seria “o dispositivo de hierarquia, de supervisão, de comando, que define e codifica todas as relações de trabalho” (Dejours, Dessors e Desriaux, p.104, 1993). A partir de Dejours (2004) é possível entender que a organização do trabalho influencia a saúde psíquica do trabalhador que envolve tanto os conteúdos materiais como simbólicos do significado da execução das tarefas, bem como da interação entre trabalhador, a atividade e as relações sociais no trabalho. O trabalho executado pelos pastores entrevistados compreende múltiplas funções, sendo: administrar a igreja; liderar departamentos; liderar reuniões; realizar cultos; atender, aconselhar, orientar e acompanhar pessoas; orar com e pelas pessoas; treinar e formar outros líderes; visitar; pregar; ensinar; ministrar cursos; ministrar em eventos; realizar eventos; participar em projetos sociais; preparar mensagens e estudos bíblicos; realizar funerais, casamentos e batismos; elaborar relatórios. As atividades foram resumidas por um dos entrevistados da seguinte forma: 34 “As atividades minhas como pastor, elas se resumem no atendimento pastoral, no sentido de acompanhar a vida das pessoas espiritualmente, fazer visitas a doentes nos hospitais, confortar os aflitos, orar com as pessoas, além daquelas específicas eclesiásticas, que é ministrar estudos, conferências, pregações, ensino, ministrações nessa área do saber bíblico também”. As atividades citadas encontram parâmetros na lista de atividades atribuídas aos ministros de culto religioso pela Classificação Brasileira de Ocupações14 do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE, 2002), no código 263115 (anexo 4). De acordo com a lista da CBO as atividades exercidas por essa profissão compreendem a realização de liturgias, celebrações, cultos e ritos; a direção e administração de comunidades; formação de pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; a orientação de pessoas; a realização de ação social junto à comunidade; a realização de pesquisa da doutrina religiosa; a transmissão de ensinamentos religiosos; a prática de vida contemplativa e meditativa e a preservação da tradição (MTE, 2002). A maioria das funções especificadas, tanto pelos entrevistados como pela CBO, indicam a natureza do exercício pastoral como uma relação de ajuda para com as pessoas. Este aspecto foi sinalizado na fala dos entrevistados. “O ministério pastoral envolve cuidar, tratar e desenvolver as ovelhas”. “O meu único objetivo aqui é estar tratando, aconselhando pessoas e acompanhando no dia-a-dia as suas necessidades, tanto psicológicas, como espirituais, e até, também materiais. Existe o aspecto da assistência social. O meu principal objetivo é que eu possa conhecê-la bem e poder ajudá-la naquilo que está perturbando ou que está incomodando”. A natureza do trabalho pode ser entendida como a essência que caracteriza determinado exercício de atividades, em relação a qual busca-se compreender suas características fundamentais e inerentes ao trabalho em questão (Volpato, 2002), independente da organização em que ele é executado. A profissão que se caracteriza em sua natureza como relação de ajuda remete sua ação para a teoria da relação de ajuda postulada por Carl Rogers (1974). Para esta teoria ‘ajuda’ seria uma relação em que pelo menos uma das partes busca promover, na outra, um crescimento, desenvolvimento, maturidade, bem como um melhor funcionamento e 14 A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é o documento normalizador do reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. É ao mesmo tempo uma classificação enumerativa e uma classificação descritiva. MTE (2002). Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais assemelhados. Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/busca.asp>. Acesso em: 16 Ab 2008. 15 Código 2631 – Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais assemelhados. 35 um aumento da capacidade de enfrentar a vida no reconhecimento de suas capacidade e recursos internos. Segundo Oliveira (2005) o trabalho de pastores está entre as profissões de ajuda, num ambiente eclesiástico que propicia que os pastores sejam considerados cuidadores por excelência, sendo que “(...) no contato com a sociedade em geral, os religiosos são muitas vezes procurados por pessoas ou famílias em dificuldades, em busca de aconselhamento ou consolo” (p.17). Partindo da delimitação das principais funções da tarefa pastoral, bem como de sua natureza de seu trabalho, buscou-se analisar a sua execução, o modo que o pastor opera suas funções e o ritmo de seu trabalho. Os pastores da pesquisa assim relataram: “Minha atividade como pastor... ela abrange uma área muito vasta. Por exemplo, um pastor é como um médico. Ele não tem horário... ele é chamado duas da manhã... três da manhã.... quatro da manhã... cinco da manhã... então tem... eu mesmo como pastor... várias vezes, tive que sair de casa meia noite... três da manhã... pra atender famílias, pessoas”. “É... a demanda é muito grande. Se você não tiver um pouco de disciplina, se você não tiver um pouco de noção, você se enrola”. “Conforme o dia da semana muda a tarefa Tem dias que eu estou no preparo de sermão, tem dia que eu estou no atendimento e tem dia que eu estou em visitação. Umas duas ou três noites da semana, do meio da semana, eu estou em reuniões de ministérios, liderança de ministérios”. “Na minha agenda tem tudo. Ela fura de vez em quando em situações de morte, em situações de enfermidade”. As verbalizações indicam que as funções são executadas num ritmo de trabalho com demandas imprevisíveis e as tarefas são diferentes para os dias da semana. No entanto, apesar da imprevisibilidade de demandas, os horários são cumpridos numa agenda semanal que, ainda assim, é vivenciada como rotina, envolvendo os períodos matutino, vespertino e noturno, conforme os entrevistados. “Eu tenho aquela agenda que é mais ou menos fixa. Meu trabalho tem uma sistemática mais ou menos parecida”. “Meu expediente aqui, é das nove e meia da manhã até o meio dia, e das duas até às seis horas da tarde. Todos os dias e às vezes à noite também quando é necessário. Por causa de aula ou por causa de atendimento de pessoas que não podem vir durante o dia”. Apesar de alguns horários serem fixos há flexibilidade: 36 “Os horários durante a semana são flexíveis, eles dependem muito de agendamento. Quando eu tenho, por exemplo, um agendamento pela manhã, naquele dia eu não faço as minhas leituras, eu venho atender aquela pessoa e daí eu faço a leitura num outro dia”. A imprevisibilidade de demandas e a flexibilidade, contrapostas com a rotina e os horários fixos, são elementos do atual contexto de trabalho na sociedade. Há uma aparente autonomia e liberdade, porém, de fato esses elementos levam o trabalhador a uma responsabilidade individual diante de suas tarefas, que acaba por intensificar cada vez mais seu trabalho (Dejours, 2001; Heloani, 2003). Isso pôde ser percebido no relato dos entrevistados que referiram que cumprem uma carga horária pesada, sendo em torno de dez horas diárias e que se intensifica no final de semana. “Dá em torno de dez horas por dia mais ou menos. Final de semana é um pouco mais complicado. Tem final de semana, por exemplo, domingo eu chego nove da manhã aqui, tem um tempo livre à tarde, mas à noite eu saio daqui em torno de dez horas da noite”. “Domingo é ‘fulltime’, das nove da manhã até as nove e meia da noite tem atividade”. Segundo Enriquez (1997b) a estrutura organizacional que traz consigo uma crença de autonomia, pode, na verdade representar uma armadilha para o indivíduo. Para o autor esse aspecto se estabelece na sociedade e no mundo do trabalho buscando fazer o indivíduo acreditar em sua vocação de homem livre e criador. A flexibilização faz com que o indivíduo acolha essa crença de que é dono de sua gestão do trabalho. No entanto, o que de fato acontece, segundo o autor é uma gradativa construção de grades em torno do sujeito trabalhador. Dessa forma a aparente liberdade e autonomia da gestão de suas tarefas para atender as demandas de sua função, bem como a flexibilização de horários, entre outros elementos, de fato aprisionam o trabalhador nas malhas de uma organização, sendo que ao final o indivíduo é responsabilizado caso não apresentar a produtividade expectada (Dejours, 2001, Enriquez, 1997b). Conforme declara Enriquez (1997b) “jamais o indivíduo esteve tão encerrado nas grades das organizações (em particular das empresas) e tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de pensar, à sua psique” (p.19). 37 Portanto percebe-se que a lógica da gestão por flexibilização do mercado atual de trabalho também está estabelecida para o trabalho pastoral. No entanto, apesar da intensificação do trabalho, em que agenda semanal e a carga horária são executadas entre terça a domingo, os entrevistados também referiram que a segunda-feira é reservada para descanso. “As atividades se distribuem de terça à domingo. Segunda-feira é o dia de descanso”. “Na segunda-feira é o dia de folga que nós temos aqui. Para os pastores, a segunda-feira seria o domingo deles”. “Segunda feira eu tiro pra descansar, pra ficar com a família, pra fazer as minhas compras particulares, pagar as minhas contas. Sair, andar, passear, andar na rua, olhar vitrine, olhar livrarias... é o meu lazer”. O período de férias do pastor varia de acordo com cada contexto, mas geralmente é organizado em duas partes, sendo um tempo maior reservado para o mês de janeiro e um menor para o mês de julho. “Temos dez dias em julho e uns quinze dias em janeiro. Duas semanas inteiras em janeiro e dez dias em julho”. “Meu período de férias, ele é um pouquinho quebrado, eu tiro uns dias em Julho, porque eu tenho filhos no período escolar. Então, em Julho é meio sagrado, eu sempre tenho dez dias em julho, e em janeiro, quando é um pouco mais calmo aqui, que as pessoas viajam mais, também, normalmente eu viajo. Eu tenho família e amigos em outros estados, então varia...”. Porém, devido a imprevisibilidade de demandas nem sempre é possível aproveitar o descanso disponibilizado. “(...) em situações de morte, em situações de enfermidade. Você tem que deixar um dia de descanso pra ir à um funeral como pastor... Visitar alguém que passou por algum tipo de trauma. Mas, não é tão constante porque a gente trabalha em equipe. Você tem outros pastores pra apoiar. Mas, quando são pessoas mais perto de mim, a gente não vai passar pra uma outra pessoa. A gente mesmo vai atender. Quando a gente acompanha, no dia-a-dia as famílias, então, a gente precisa mudar um pouquinho a rotina, mas, também não é nada que a agenda não proporcione... uma mudança, desmarcar algum atendimento... é... algum compromisso, deixar o tempo de descanso e ir pra fazer um atendimento”. “Segunda-feira é o dia de descanso. Eventual segunda feira a gente tem um compromisso ou outro aí. Eventual, que surge”. Também há quem não consegue estabelecer seu descanso, conforme verbalizado: 38 “Olha, descanso ainda é uma coisa que eu tenho buscado ter um tempo”. “Porque no tempo do sonho, quando você começa a viver o sonho, é tudo o que você quer, você vislumbra, você começa a ficar focalizado apenas no sonho... que é a melhor coisa que você possa estar vivendo por toda a tua vida, então, você se dedica seriamente, mergulha, vai até o limite. E como isso nunca me cansou, enquanto trabalho descanso”. Essa verbalização indica que além da intensificação do trabalho, mergulha de tal forma nele que demonstra uma falta de reconhecimento e de negação de suas necessidades como indivíduo. Dessa forma, ao negar a sua necessidade de descanso, abdica também da sua humanidade. Segundo Dejours (2001) isso se estabelece na medida em que o sujeito mergulha num ativismo alienante em prol de seu trabalho o qual internaliza como sendo uma missão especial, passando a descuidar de aspectos importantes da sua vida. Portanto, pode-se verificar que a organização do trabalho dos pastores entrevistados abarca funções múltiplas que são executadas num ritmo com demandas imprevisíveis, dentro de uma rotina semanal sistemática e carga horária pesada, a qual é estabelecida numa agenda semanal e que mesmo havendo reserva para descanso, este nem sempre é mantido. Os elementos analisados nesta categoria estão relacionados à gestão das tarefas da organização do trabalho dos pastores da pesquisa. No entanto, tendo-se em vista que a execução do trabalho ocorre numa dinâmica de interações entre trabalhador, as atividades e as relações sociais no trabalho (Dejours, 2004), a gestão social (divisão de homens) do trabalho dos pastores entrevistados é igualmente importante e será analisada a partir da próxima categoria de análise. 4.2 “Vou me organizando e administrando com a equipe” Descrição O trabalho conta com colaboradores que constituem a equipe de trabalho, a qual é treinada pelo próprio pastor, em que se busca construir relações de confiança. As decisões sobre o funcionamento da instituição são tomadas pela liderança e assembléia da igreja. Os pastores relataram que devem prestar contas para uma hierarquia existente na instituição, de suas funções e seus resultados por meio da apresentação de relatórios verbais e descritivos, especificando os departamentos, número de membros e entradas e saídas financeiras. Apesar da prestação de contas referida os pastores têm autonomia para organizar e desempenhar suas atividades. 39 Temas Encontrados Equipe de trabalho Hierarquia Prestação de contas Relatórios – resultados Autonomia Dedicação Análise e Discussão Essa categoria indica as relações sociais do trabalho dos pastores entrevistados numa interação com um grupo de colaboradores. Segundo Dejours (2004) “a organização do real do trabalho é um produto das relações sociais” (p. 64). O autor afirma que “o processo do trabalho só funciona quando os trabalhadores beneficiam a organização do trabalho com a mobilização de suas inteligências, individual e coletivamente” (Dejours, 2001, p.56). O autor insiste na dimensão humana do trabalho ao afirmar que apesar de sempre haver um modo operatório prescrito no trabalho, este nunca é suficiente, sendo que quando há apenas a atividade prescrita é possível torná-la desumanizada, ou seja, “torná-la uma atividade de ordem maquinal” (Dejours, 2004, p.65). O autor afirma que “o trabalho é, por definição, humano, uma vez que é mobilizado justamente ali onde a ordem tecnológica-maquinal é insuficiente” (Dejours, p.65, 2004). Dessa forma, o trabalho se apresenta como a criação do inédito e para ajustar a organização prescrita do trabalho é necessária a disponibilidade de iniciativa e criatividade na execução real do trabalho. Para Dejours (2001) “nenhuma empresa, nenhuma instituição, nenhum serviço pode evitar o grande problema da defasagem entre a organização prescrita e a organização do trabalho real, seja qual for o grau de refinamento das prescrições e dos métodos de trabalho” (p. 56). O autor explica que isso ocorre devido a impossibilidade de se prever tudo antecipadamente para uma situação real de trabalho e que “se todos os trabalhadores de uma empresa se esforçassem para cumprir à risca todas as instruções que lhe são dadas por seus superiores, não haveria produção” (p.56). Se os trabalhadores se ativerem apenas ao prescrito, ou seja, ao que é ordenado dentro de uma operação padrão, podem inclusive paralisar a empresa, devido a resultados de produção desastrosos que se apresentam por causa de defeitos de qualidade. 40 Dessa forma, o processo do trabalho só funciona na medida em que os trabalhadores mobilizam suas inteligências individuais e coletivamente de forma a apresentar: (a) características cognitivas - como saber lidar com o imprevisto, o inusitado e com o que ainda não foi assimilado e nem rotinizado; (b) e características afetivas - em que se ousa desobedecer/transgredir numa ação inteligente, mas de forma clandestina ou discreta (Dejours, 2001). Essa inteligência no trabalho constitui o que Dejours (2001) chama de zelo no trabalho, sendo “um ingrediente necessário à eficácia de uma organização” (p.57). Para isso, os agentes implicados no trabalho, ao elaborarem a organização do trabalho real precisam se afastar das prescrições para dar lugar à atividade de interpretação (Dejours, 2004). No entanto, segundo Dejours, (2004) isso não é tão simples assim, sendo que a organização do trabalho real se estabelece como compromisso que não se efetiva apenas sobre uma base de argumentos técnicos, pois na medida em que há um trabalho de interpretação, há uma multiplicidade de interpretações podendo causar conflitos entre as diferentes interpretações dos agentes do trabalho (Dejours, 2004). Dessa forma, a Psicodinâmica do Trabalho tem como objeto os processos intersubjetivos que tornam possível a gestão social das interpretações do trabalho pelos indivíduos implicados no processo (Dejours, 2004). A gestão social das interpretações fica evidente no trabalho dos pastores entrevistados que referiram que trabalham em conjunto com outras pessoas. “Hoje eu conto com um cérebro na igreja. Eu penso que o pastor não deve pensar sozinho. Eu costumo dizer que ‘duas cabeças quando pensam iguais uma delas não está pensando’. Então eu gosto de ouvir os pensamentos. Eu tenho um cérebro, eu tenho um corpo diretor que trabalha junto comigo. Então, tem coisas que eu não penso, deixo eles pensando e depois eu avalio os pensamentos e os que pensarem mais alto... a gente fica com o que tem mais coerência”. “Tenho uma equipe que me ajuda”. O relato dos pastores mostra a existência de colaboradores para a execução de seu trabalho. Para Dejours (2004) a cooperação é essencial na complexidade e integração da organização do trabalho. Nela se caracteriza “a vontade das pessoas de trabalharem juntas e de superarem coletivamente as contradições que surgem da própria natureza ou essência da organização do trabalho” (p.67). No entanto, o autor afirma que o conteúdo da cooperação concreta não é dado a priori, sendo que não é 41 prescrito para determinadas situações de trabalho, principalmente por conter o fator de liberdade dos indivíduos para a formação de uma vontade coletiva. A colaboração no trabalho dos pastores da pesquisa parte da articulação do próprio pastor ao formar sua equipe de trabalho. “Eu não trabalho sozinho. Tenho tido o cuidado de levantar pessoas, de instruir essas pessoas para dividir o trabalho”. O aspecto referido da instrução das pessoas para dividir o trabalho contém o elemento da construção das relações de confiança entre os indivíduos, postulada por Dejours (2004) como uma das exigências para a cooperação no trabalho. O autor enfatiza que a confiança não pode ser desconsiderada pela organização do trabalho real, sendo que ao ajustar o trabalho prescrito passa pela realização das condições éticas, cuja dimensão se distingue pela prática. Dessa forma o elemento confiança no trabalho ultrapassa a ordem do psicoafetivo, pois envolve principalmente uma construção de acordos, normas e regras que enquadram a maneira de executar o trabalho (Dejours, 2004). A construção de acordos referida por Dejours (2001) se dá numa dinâmica de colaboração dos trabalhadores. O autor explica que colaboração no trabalho entende-se como sendo a participação coordenada das inteligências individuais para que o sistema funcione. Como colaboradores do sistema, os trabalhadores engajam-se com zelo ao trabalho, muitas vezes por não terem mais esperança e por isso pensarem ser inútil opor-se em uma resistência ou simplesmente colaboram para tirar proveito de sua colaboração ao conquistarem vantagens nas estratégias de funcionamento da organização (Dejours, 2001). No trabalho pastoral há uma construção de colaboração entre pastor e seus liderados, que ocorre via reuniões distintas para comunhão, oração, abertura de problemas, conforme relatado nas entrevistas por um dos pastores ao ser-lhe perguntado como é o relacionamento com seus companheiros de trabalho. “É um relacionamento cordial. Até porque não tem como, se não for assim.... eu me dou muito. Assim no sentido de delegar muito pra eles. Eu sou muito ético nas cobranças. Sou assim muito caridoso. Eu faço as cobranças de um jeitinho que a pessoa, as vezes, nem sente... coagir, né? E assim por diante. Então tem sido muito bom. O nosso relacionamento, a gente reúne toda semana, aqui nas quintas feiras a gente faz uma reunião... e tem sido muito bom. A gente ora junto. É o momento em que eles também abrem o coração, que eles também dizem as suas 42 ansiedades, os seus problemas... e eu procuro confortá-los, a orientá-los, a ajudálos e assim por diante”. Esse relato mostra que os colaboradores, sendo os companheiros do trabalho pastoral, são cobrados pelo líder, porém também são confortados, o que representa uma vantagem estratégica, sendo que há um ganho afetivo por estarem próximos ao seu líder, sendo por ele confortados, orientados e ajudados. Dessa forma os companheiros de trabalho do pastor colaboram com o funcionamento do sistema. No entanto, não apenas os colaboradores do trabalho pastoral são cobrados, sendo que a gestão social (divisão de homens) na organização do trabalho dos pastores da pesquisa, se mostra configurada numa hierarquia. Há uma liderança hierárquica da instituição eclesiástica para a qual é realizada uma prestação de contas do trabalho, bem como para a qual são apresentados relatórios de resultados qualitativos e quantitativos, o que mostra que embora exista um, espaço de autonomia, este é (de)limitado, conforme referido nas entrevistas. “Tem uma hierarquia, sim. A denominação tem uma diretoria e tem que prestar contas para a sede, para o presidente. (...) tem uma reunião em que todos os pastores se reúnem para apresentar relatório. Basicamente é um relatório financeiro. Em que se deve apresentar as entradas e saídas. Outra prestação de contas é relacionado ao crescimento da igreja”. Essa verbalização indica que há um controle por resultados. A prestação de contas, sendo que as especificações do modo operatório das tarefas e as funções do trabalho pastoral, assim como todo o funcionamento da igreja, ocorrem a partir de decisões e orientações da liderança e da aprovação da assembléia, o que estabelece um controle por resultados. “A liderança da igreja é a autoridade máxima da igreja. As decisões são tomadas que envolvem desde estratégias, de agenda, de eventos, financeiro - todas as coisas são resolvidas lá no Staff da liderança. Mas, a força está na assembléia. Toda a assembléia e a liderança da igreja batem o martelo nas grandes decisões”. Segundo Dejours (2007) a hierarquia na organização do trabalho é um dos elementos da gestão social do trabalho pelos quais se opera a fiscalização, o controle, a ordem e a direção no trabalho. Para o autor “a organização do trabalho é, de certa forma, a vontade de outro” (p. 26), sendo que na divisão de tarefas também 43 ocorre uma divisão de homens, na qual a organização do trabalho recorta o conteúdo da tarefa e as relações humanas. Portanto, a organização do trabalho, além de estabelecer as regras, normas, papéis, funções, responsabilidades, produtividade prescrita, ritmos de produção, também estabelece as relações de trabalho (Dejours, 2007). Dessa forma, a organização do trabalho, define o modo operacional do trabalho, mas também define o comando, a submissão e atinge diretamente as relações que os homens estabelecem entre si no próprio trabalho (Dejours, 1992). No entanto, de acordo com os entrevistados, apesar da existência de uma hierarquia nas relações de trabalho, eles têm autonomia e liberdade para a o trabalho, o que fica pode ser observado nas verbalizações. “Nós temos o presidente, mas que dá toda liberdade de visão, de forma que você quer direcionar o trabalho”. “Não existe nenhuma supervisão do tipo de aconselhamento que eu faço, da maneira como eu exerço”. “Eu tenho autonomia. Eu mesmo criei um corpo de prestação de constas”. “Eu tenho total liberdade para trabalhar conforme eu for dirigido por Deus.” Aparentemente parece contraditório, ou seja, autonomia/liberdade versus controle. Por isso é necessário entender o significado dessa liberdade que permeia o trabalho destes pastores. É importante salientar que a liberdade no trabalho traz consigo também uma responsabilidade, a qual exige que o trabalho que está prescrito (funções, modo operatório, ritmo etc.) seja executado no real de forma que funcione dentro de um movimento que proporcione resultados satisfatórios (Dejours, 2001). Poderíamos usar como exemplo a atividade de realizar cultos que é uma das funções prescritas para o trabalho do pastor. No entanto, a maneira que articulará a realização do culto no que se refere a programação, as falas, aos momentos litúrgicos, entre outros, dependerá do empenho, capacidade e criatividade do próprio pastor. Dessa forma, apesar da autonomia conter o elemento liberdade, é necessário que o trabalhador apresente uma “inteligência eficiente no trabalho” (Dejours, 2001, p. 56). Para Dejours (2001) é uma inteligência que abarca características cognitivas, em que se espera do trabalhador o saber lidar com o imprevisto, com o inusitado, com aspectos que ainda não foram assimilados nem 44 estabelecidos numa rotina e também com características afetivas que exigem do trabalhador “agir inteligentemente, porém clandestinamente, ou pelo menos discretamente” (Dejours, 2001, p.57). O trabalho é a criação do novo, do inédito e “ajustar a organização prescrita do trabalho exige a disponibilidade da iniciativa, da inventividade, da criatividade e de formas de inteligência específicas próximas daquilo que o senso comum classifica como engenhosidade” (Dejours, 2004, p.66). No engendramento de tal disponibilidade o trabalhador poderia estabelecer uma disciplina com fins de obter a qualidade no trabalho. Porém, Dejours (2001) adota uma posição crítica em relação ao poder da disciplina sobre a qualidade do trabalho. Para o autor a disciplina, ordem, obediência e submissão conduziriam à paralisia das empresas e administrações, sendo que “sua força não está apenas na disciplina, mas na superação desta pelo zelo, ou seja, por todas as infrações e artimanhas que os trabalhadores introduzem no processo de trabalho para que ele funcione” (p.57). Essa superação é decisiva pela mobilização subjetiva da inteligência dos trabalhadores (Dejours, 2001). “Então através de uma vida abdicada, uma vida realmente de dedicação com amor que você faz, gera uma perfeição, uma mudança, uma transformação, uma qualificação. Você se qualifica dia a dia”. A dedicação, ou seja, o zelo no trabalho é constituído pelas características da inteligência no trabalho e considerado por Dejours (2001) ingrediente necessário à eficácia do funcionamento de uma organização. No entanto, Dejours (2001) questiona a motivação desse zelo indispensável. Em seus primeiros estudos entendia que a mobilização subjetiva da inteligência e da engenhosidade no trabalho repousava sobre a livre vontade dos trabalhadores. No entanto, de acordo com pesquisas mais recentes pôde constatar que existem outros fatores mobilizadores do zelo no trabalho. Segundo Dejours (2001) a mobilização da inteligência pode ocorrer pela gratificação e pelo reconhecimento do trabalho bem feito, mas um dos principais motores da inteligência no trabalho seria o medo. Há continuamente uma ameaça de demissão sobre os agentes no trabalho, fazendo com que “a maioria dos que trabalham se mostra capaz de acionar todo um cabedal de inventividade para melhorar sua produção (em quantidade e em qualidade), bem como para constranger seus colegas, de modo a ficar em posição mais vantajosa” (Dejours, 45 2001, p.58). O autor afirma que dessa forma o motor da inteligência é utilizado como ameaça na administração das empresas. Segundo o relato nas entrevistas com os pastores, o mecanismo da ameaça, diante de uma engenhosidade no desempenho que apresente resultados insatisfatórios, também está presente na realidade do trabalho pastoral. “Eu sempre brinco que o pastor, aqui no conceito nosso, é como um técnico de futebol. Se o time perdeu, num campeonato, perdeu o título, já imediatamente a primeira pessoa que eles pensam em descartar é o técnico. E... na igreja também é mais ou menos assim”. Na comparação do pastor com um técnico de futebol habilidoso do qual se espera que o time vença sempre nas competições, do contrário poderá perder seu posto, fica implícito que se espera do pastor um engajamento na administração e condução da igreja, a qual pastoreia, de forma que a conduza ao desenvolvimento esperado. Do contrário, o seu posto pode estar ameaçado. De acordo com esse aspecto, o que acontece aos pastores caso a prestação de contas não estiver satisfatória para o grupo hierárquico de sua instituição? Poderia sofrer alguma conseqüência? Os relatos dos pastores nas entrevistas sinalizam que pode haver conseqüências sérias e que podem inclusive questionar a sua permanência no trabalho. “O pastor tem que estar em constante cuidado... por que ele é autônomo... ele é senhor de si mesmo. Então, as vezes, se ele for fazer muito a vontade dele, se for uma pessoa de um comportamento de estar sempre procrastinando as coisas, um pusilânime, uma pessoa fraca, leniente, está sempre procrastinando, ele não vai ter uma boa produção. (...) logo ele vai ser uma pessoa questionada se é a pessoa indicada pra estar ali naquele lugar. E daí a comunidade tem a liberdade de buscar um outro. Porque... é a lei da oferta e da procura. É a questão que a gente tem que levar a sério”. Essa verbalização indica uma contradição, sendo que ao mesmo tempo em que o pastor é “senhor de si mesmo” também precisa seguir as regras e que apesar de ser autônomo não é ele quem define seu caminho, do contrário seu posto pastoral poderá ser questionado. Dessa forma, observa-se a lógica de mercado produtivo, em que o trabalhador que não produzir de acordo com os interesses da empresa, que espera que seja multifuncional em suas tarefas e altamente produtivo, 46 é trocado por outro que melhor se adaptar, ou seja, de acordo com essa ótica o pastor também pode perder seu cargo caso não produza a contento. A produtividade é uma exigência do trabalho pastoral que se destacou como uma categoria de análise, sendo analisada na seqüência. 4.3 “A gente vive no desafio constante de produção de trabalho” Descrição Há uma exigência por produtividade no trabalho pastoral, para a qual se espera que seja um bom administrador e que conduza a igreja ao crescimento. Isso requer do pastor que engendre uma quantidade de trabalho com atividades que tenham eficácia na manutenção da união, da alegria e da saúde do grupo de membros, e que possa produzir nos membros atividades de retorno, o que seria o seu engajamento no processo de desenvolvimento e crescimento da igreja. Temas Encontrados Bom administrador Produção Crescimento da igreja Atividades com eficácia Quantidade de trabalho Manter o “rebanho” unido, sempre alegre e sadio Quantidade de visitas Produzir nas “ovelhas” atividades de retorno Análise e Discussão A categoria sinaliza as exigências presentes no trabalho pastoral. As exigências, as pressões e as ações de trabalho interferem nas percepções dos indivíduos sobre si mesmos, os outros e o próprio trabalho (Ferreira e Mendes, 2003). Segundo Dejours (2001) o conjunto de exigências que permeiam a organização do trabalho, se intensifica diante das mudanças do mundo do trabalho, na medida em que crescem as pressões por produtividade, bem como as ameaças de demissões e corte nas ofertas de emprego, instaurando medo constante, insatisfação e ansiedade nos trabalhadores. Para o autor esse medo permanente, que gera condutas de obediência e submissão, também quebra a reciprocidade entre os trabalhadores, sendo que desliga o sujeito do sofrimento do outro que padece também na mesma situação. Dessa forma as exigências funcionam como 47 estratégia de controle do trabalho em que se estabelece um culto à excelência, numa lógica qualitativa, a qual exige variedade e renovação constante de serviços e produtos (Wood, 2001), elementos imprescindíveis para se manter no mercado de trabalho. Segundo Silva (2004) diante das transformações sociais e a diversidade do mercado religioso, o pastor evangélico enfrenta inúmeras exigências, dentre as quais destacam-se: cada vez maior produtividade (ganhar um maior número de fiéis); excelência; polivalência do líder; adequação à demanda (novas teologias, horários de cultos); maior qualificação do líder; aumento da qualidade do produto (culto atrativo) entre outras (Silva, 2004). Percebe-se que as exigências relacionadas pelo autor se assemelham as exigidas para o exercício de atividades em meio produtivo não-religioso. Esse aspecto foi percebido na pesquisa realizada por Silva (2004) sobre a profissão pastor, numa análise psicodinâmica do trabalho, a partir da vivência de líderes religiosos em organizações protestantes. A pesquisa contemplou um estudo comparativo entre duas igrejas evangélicas de diferentes orientações denominacionais. Os resultados apontaram que, assim como nas organizações seculares (não eclesiásticas), as organizações religiosas possuem características como competitividade, ritmo de trabalho excessivo, forte cobrança por resultados e um desgaste físico e psicológico. O pesquisador concluiu que no trabalho pastoral há uma busca por afirmação e crescimento organizacionais, pautados por uma ênfase qualitativa, bem como quantitativa, sendo esses ingredientes necessários para obtenção de melhores resultados ou mesmo para permanência no mercado religioso, o que exige cada vez mais da organização e principalmente de seus líderes. Berger16 (apud Silva, 2004, p. 160) afirma que há uma guerra do mercado religioso, mesmo que não declarada, a qual transforma as instituições religiosas em agências de mercado utilizando as tradições, os discursos e mesmo as práticas religiosas em bens de consumo. Os aspectos da guerra religiosa referidos por Berger (apud Silva, 2004, p. 160), remetem a guerra econômica existente no mercado secular. Segundo Dejours (2001) a guerra econômica “travada sem recurso às armas (...) implica, no entanto sacrifícios individuais consentidos pelas pessoas e sacrifícios coletivos em altas instâncias, em nome da razão econômica” (p.14). O 16 BERGER, P. L. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985. 48 autor afirma que nessa guerra o fundamental é o desenvolvimento da competitividade e que só permanecem os aptos para o combate, ou seja, que suportem a exigência de “desempenhos sempre superiores em termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação” (p.13). Aparentemente é uma guerra sã, como afirma Dejours (2001), ou seja, pela saúde da organização, buscando elevá-la ao auge do desenvolvimento e crescimento. Porém, reconhece-se ao poucos que nessa batalha há mais vencidos do que vencedores (Dejours, 2001). A competitividade também esteve presente nos relatos das entrevistas. “Obviamente, também, pelo fato da visão de competição que existe hoje na sociedade. Isso em todos os âmbitos, em todas as profissões existe uma rivalidade (...). Você pode ver que qualquer sucesso incomoda. Qualquer sucesso... qualquer pessoa que fizer qualquer sucesso na vida em qualquer área, ela vai trazer incômodo, porque tem pessoas que não tiveram o mesmo sucesso. Que não alcançaram as mesmas coisas. Que não venceram como essa pessoa, como aquele que alcançou o sucesso, venceu e está vencendo. Isso em todas as áreas (...), inclusive pastoralmente falando, no meio dos pastores”. Dessa forma, semelhantemente as exigências do mercado secular, há cada vez mais exigência da organização religiosa, especialmente de seu líder, tanto para se manter no mercado como para obter cada vez mais e melhores resultados (Silva, 2004). O relato dos pastores entrevistados também apresentou a exigência de produtividade como forte reivindicação experimentada em sua realidade de trabalho. “... a comunidade quer ver produção. A produção é a quantidade de visitas, a quantidade de trabalho que você faz. São as atividades que você faz com eficácia. Que dão resultado pra igreja, que mantém o rebanho unido, sempre alegre, sempre sadio, crescendo, as ovelhas criando seus filhotinhos normalmente... isso é: uma atividade de retorno”. Os investimentos em suas funções são considerados satisfatórios na medida em que a igreja demonstre desenvolvimento e crescimento. “(...) quem vai pra o pastorado já vai sabendo disso. Como é normal em toda a profissão. Nenhum contrato, nem no funcionalismo público existe estabilidade, sempre tem essas coisas, ou seja, nós estamos vivendo num mundo que em todas as áreas se exige produção. Eficiência, eficácia. Ou você sai na frente ou sai da frente, como diz a propaganda”. 49 Dessa forma, o exercício pastoral abarca exigências de produtividade que se correlacionam com a lógica do mercado secular e as inúmeras exigências relacionadas a produtividade condicionadas a permanência na atividade também estão presentes no trabalho religioso. Pode-se entender melhor a lógica do mercado secular capitalista compreendendo um pouco de seu mecanismo nas últimas décadas, sendo que, apesar de existir há muito na história do mercado de trabalho, se intensificou com o advento do toyotismo, na década de 70 (Grassi, 2006). O toyotismo se instaurou a partir da fábrica japonesa Toyota, com a introdução de tecnologia microeletrônica, que possibilitou um ajuste rápido às exigências de um mercado cada vez mais competitivo, formando um conjunto de estratégias institucionais e organizacionais que objetivam a retomada da lucratividade e da produtividade (Wood Jr, 1992; Grassi, 2006). Esse modelo considerado flexível apresentou um discurso de humanização no trabalho, preconizando a possibilidade do surgimento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente e satisfeito com o seu espaço de trabalho (Grassi, 2006). No entanto, o discurso do toyotismo, que em sua aparência considera a subjetividade do trabalhador, em sua essência parece apenas conter uma forma mais sutil de controle no trabalho (Heloani, 2003). Contrapondo a perspectiva da lógica do toyotismo, Bernardo (2006), realizou um trabalho de pesquisa sobre a vivência de trabalhadores em duas montadoras de automóveis que adotam o modelo japonês de produção acima referido, e concluiu que: os temas introduzidos no discurso empresarial, em nada têm a ver com a humanização e, sim, com a exploração máxima da força de trabalho, decorrendo numa ampliação do sofrimento mental e do adoecimento dos trabalhadores. O autor afirma que esse discurso assume assim o papel de legitimar o poder das empresas, que é mantido, pela ameaça de desemprego e que apesar da gestão de produção se configurar numa tentativa de harmonizar uma maior autonomia dos trabalhadores para organizar os setores de produção, busca colocar o trabalho numa posição de dependência em relação ao capital. Esses novos mecanismos evidenciam uma modificação na organização do poder, chegando à manipulação do inconsciente referido por Pagès (et al., 1993). O autor explica que seria o desenvolvimento da dominação psicológica da organização sobre os seus trabalhadores, a qual é exercida em seu nível inconsciente. “A organização funciona como máquina de prazer e angústia, estimula um processo 50 psicológico, um ciclo auto-reprodutor em que a angústia alimenta a procura de um prazer agressivo motor gerador de angústia” (Pagès, 1993, p. 36). Como conseqüência o indivíduo passa a assumir o trabalho que a organização lhe propicia, bem como a própria organização, sua ideologia e regras, de forma a reproduzi-la numa adaptação mais fiel do que se fosse objeto de uma coerção direta. O autor afirma que dessa forma a organização é vivida como uma droga da qual não pode se separar, e os conflitos que experimenta “permanecem puramente psicológicos e não podem levar a uma mudança de estruturas” (p.36). Heloani (2003) afirma que a configuração de novas formas de controle sutis nas quais as normas e regras das organizações são introjetadas, faz com que a empresa neo-capitalista trabalhe com a gestão dessa dimensão psicológica de dominação (Heloani, 2003). O trabalhador acaba se adaptando a essa forma sutil de controle de forma que naturaliza a condição imposta para execução de seu trabalho, conforme verbalizou um dos pastores entrevistados. Ou você sai na frente ou sai da frente, como diz a propaganda. Isso é bom por um lado. Eu acho que... principalmente eu já tenho essa mentalidade mesmo. De ser uma pessoa pró-ativa... uma pessoa sempre voltada pra o novo, pra a qualidade total e assim por diante. Me sinto mal num lugar em que isso não tem”. A ameaça de desemprego também permeia o trabalho pastoral, conforme mostram os relatos dos pastores ao falarem de sua realidade. “Todo mês de julho... todo mês de julho, no nosso caso aqui, há uma reunião da direção da igreja, eles avaliam todos os aspectos... num momento junto com a gente, discutindo item por item, você tem um momento de defesa, em que você pode argumentar, contra argumentar etc. Passando esse momento juntos, então, nós nos retiramos e o conselho tem ampla e total liberdade pra discutir tudo, avaliar tudo e depois emitir opinião, se refaz o convite para o ano seguinte sem nenhuma observação, se refaz o convite com algumas observações, ou se realmente não refaz o convite. ‘Olha o senhor está dispensado a partir do ano que vem. O senhor, de agora até dezembro, de julho até dezembro, o senhor já tem o prazo pra procurar um outro lugar etc, E nós vamos, também, com a liberdade que nós temos de procurar outra pessoa pra substituí-lo aqui”. “Como o trabalho do pastor é autônomo a comunidade se sente no direito de estar sempre buscando outros. Ou seja, a gente vive no desafio constante de produção... de trabalho... a comunidade quer ver produção”. "Se eu começo a aconselhar fora da palavra de Deus, eles vão me chamar atenção. Até a hora em que eles dizem ‘olha, você desculpe, mas, você está 51 totalmente fora de tudo o que se possa imaginar do que é a palavra de Deus. Ou você se corrige ou você sai’. Segundo Dejours (2001) a ameaça de desemprego ocasiona um sofrimento nos que trabalham, o qual assume novas formas de controle sendo até mesmo inquietantes, em que a ameaça de demissão não só subjuga o trabalhador a um aumento da carga de trabalho, como instaura um sistema de dominação autoadministrado, o qual supera em muito os desempenhos disciplinares que se podiam obter pelos antigos meios convencionais de controle. O auto-controle pode ser percebido nas verbalizações a seguir. “Você começa a perceber se você está atendendo ou não. Daí você começa já a tomar atitudes particulares ‘olha, eu vou ter que ser mais eficaz nisso... vou ter que agendar melhor meu tempo... vou ter que planejar melhor as coisas... estou igual barata tonta correndo pra lá e pra cá e não estou produzindo nada, igual galinha sem cabeça, pulando e não estou fazendo nada... estou me estressando sem fazer nada’. Então, isso a gente tem constantemente, esse feedback”. “Eu digo que pra você poder avaliar seu trabalho basta você ver a sua igreja. Se a igreja te dá retorno. Certo? E se agrada do teu trabalho, se agrada de você é sinal de que você está sendo um bom pastor. Agora se a igreja começa a se esvaziar é hora de você sentar, refletir: ‘opa, o que está acontecendo, aonde é que estou errando, aonde é que eu estou falhando’?” Aqui se apresenta uma contradição, sendo que tem “liberdade” de fazer o que quiser, mas se ele não agradar está fora. O que importa mesmo não é o trabalho feito, mas o olhar da comunidade sobre ele, se agrada ou não. Essas verbalizações mostram também que é realizada uma avaliação pessoal em que a análise do trabalho é baseada no próprio desempenho, buscando encontrar falhas pessoais para poder refazer suas práticas. Uma auto-análise não teria nada de excepcional, o que, no entanto, chama a atenção é o fato de que se sente o único responsável caso ocorrer o esvaziamento da igreja. Segundo Enriquez (2006) se as organizações fracassam a responsabilidade é sempre imputada ao indivíduo e comenta que dessa forma os indivíduos se encontram sempre em situação de prova e em estado de estresse. O autor refere que os indivíduos nas organizações “sentem queimaduras internas, tomam (...) tranqüilizantes para dar conta da situação para ter bom desempenho, para mostrar sua excelência (...); e quando esses indivíduos não são mais úteis, eles são descartados apesar de todos os esforços despendidos” (p. 6). Os trabalhadores estariam, dessa forma, presos 52 nas estratégias de dominação gerencial e diante do pensamento do sujeito como a “causa em si” dos fracassos na organização, este acaba sendo hostilizado e desprezado se houverem falhas no processo produtivo (Enriquez, 2006). Para Dejours (2001) os trabalhadores submetidos a essas formas de dominação gerencial, aqui vivenciado como um controle da comunidade e/ou Assembléia, tendem a viver constantemente com medo, o que produz uma aceleração no trabalho. Diante da constante ameaça de demissão por qualquer deslize, trabalha-se com intensidade apresentando sinais exteriores de competência e eficácia de forma a ocultar falhas que não se consegue corrigir (Dejours, 2001). Nesse mecanismo é gerada a obediência e submissão (Dejours, 2001). De acordo com um dos entrevistados procura-se lidar com esse medo cumprindo a tarefa e permanecendo adaptado ao conteúdo da tarefa proposto pela instituição. “É aquele princípio ‘se você não deve não teme’. Se você cumprir a sua tarefa, não tem que temer nada”. “Enquanto estiver seguindo a palavra de Deus e não estiver fazendo atitudes contrárias à palavra de Deus estou garantido aqui”. “Enquanto estiver dentro da lei e a palavra de Deus diz que a palavra de Deus é amar o próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas, se eu estiver dentro desse princípio eu não tenho nada a temer”. As verbalizações sinalizam uma estratégia defensiva da racionalização pela qual, segundo Ferreira e Mendes (2003) são invocadas justificativas mágicas socialmente valorizadas para lidar com situações desconfortáveis no trabalho, que são vivenciadas pela imposição de um ritmo acelerado de trabalho que exigem altos índices de desempenho e produtividade. Outra estratégia seria exibir uma aparente confiança autêntica na qualidade do trabalho e na perenidade da organização para a qual trabalha (Dejours, 2001). Esta seria uma estratégia defensiva da negação do sofrimento no trabalho em que há uma supervalorização das vantagens e resultados da organização (Ferreira e Mendes, 2003). “É uma empresa, funciona tudo, tudo... Se você achar uma falha, olha eu... gostaria que você me avisasse. Porque eu faço parte até do conselho fiscal. E eu sento uma vez por mês, ali e examino todas as notas fiscais, nós sentamos ali e examinamos uma por uma”. 53 Dessa forma, a lógica do mercado produtivo permeia o trabalho pastoral, de forma que o pastor também vivencia ameaças de desemprego. Diante de uma série de cobranças de atividades com objetivos de produtividade, este profissional passa a se adaptar às demandas institucionais de seu trabalho. Nesse mecanismo de exigências o indivíduo pensa-se livre, porém sente-se preso (Enriquez, 1997b). Além das exigências de produtividade há uma exigência de conduta moral cujo termo referido é irrepreensibilidade, conforme verbalizado na próxima categoria de análise em destaque. 4.4 “O pastor precisa ter uma vida irrepreensível” Descrição Também se apresentou como exigência para o desempenho da função pastoral a questão moral e ética, inclusive da vida financeira. Para isso o pastor deve ter uma conduta de irrepreensibilidade, que seria apresentar uma vida ilibada, sem ter do que ser acusado, tendo, conforme referido, um “bom testemunho diante da igreja”, bem como de toda sociedade. Estas exigências são estabelecidas por uma interpretação bíblica. O pastor também deve ter boa conduta ética, tendo boa educação para com todos, na qual deve expressar “longanimidade, paciência, misericórdia, amor e acolhimento”. Estes aspectos todos remetem para a exigência de ser referência e exemplo a ser seguido. Deve ser um bom chefe de família, o que significa ser um bom marido e um bom pai. No entanto, os entrevistados ao citarem essas exigências para o pastorado também assinalaram que este padrão se assemelha à perfeição humana, o que é impossível de ser alcançado. Temas Encontrados Questão moral, ética e financeira Conduta ilibada Sem margem para acusação Boa conduta (ética), educação Ser longânimo Ser exemplo - referência - espelho Bom chefe de Família o Bom marido o Bom pai Impossibilidade da perfeição 54 Análise e Discussão A categoria em destaque sinaliza uma exigência que ultrapassa o objetivo, sendo, portanto, de cunho subjetivo. Segundo Dejours (2001) as exigências no trabalho se configuram como estratégias de controle que perpassam o objetivo e o subjetivo (Dejours, 2001), este último se estabelece como um controle simbólico na utilização do conjunto de crenças vigentes em uma organização de trabalho. Dessa forma, a irrepreensibilidade como exigência para o trabalho pastoral se apresenta como uma requisição de cunho subjetivo. Um dos pastores explica a irrepreensibilidade da seguinte forma: “É você viver e trabalhar pra que você não seja alvo de repreensão das pessoas. Que você não tenha nada pra me acusar. É viver com integridade suficiente pra que você não tenha nada pra me acusar. Você, por exemplo, pode chegar e me dizer ‘você é egoísta, você é orgulhoso....’ .As pessoas podem te acusar, mas a Bíblia diz que você tem que ser irrepreensível. Aquilo que são tuas dificuldades, no cristianismo você tem que lutar contra elas. Você busca a ajuda de Deus pra vencer. E a gente cresce, você vence o orgulho, você vence a vaidade...problemas de todas as ordens, se você tem dificuldades com o sexo oposto, você vence, se você tem problema com poder, com dinheiro, seja qual for. Na palavra todos nós somos pecadores.Todos nós temos dificuldades, mas a Bíblia diz que a gente tem que buscar ser irrepreensível. O ter uma dificuldade, ter uma... vamos dizer alguma coisa que é forte pra você, não quer dizer que você vai consumar, vai se envolver naquilo, você tem que conhecer os seus limites. Isso é ser irrepreensível. Posso até ter um fraco, mas, você não pode me acusar dele”. A exigência de irrepreensibilidade para a função pastoral remete à lógica da ideologia de sucesso do mercado atual, a qual está presente não apenas em instituições religiosas, mas também em outros meios produtivos. Nessa lógica busca-se o sucesso naquilo que se faz e produz, sendo que não há espaço para o fracasso (Pagès, 1993, Enriquez, 1997a). No entanto, a condição de irrepreensibilidade se apresenta como diferencial em relação às exigências de outras profissões, mesmo que a ideologia do sucesso prime pela excelência de seus líderes nos mais variados meios organizacionais. Pois além das exigências altíssimas quanto ao desempenho de habilidades relacionadas à atividade, acrescenta-se a exigência de um padrão moral elevado por meio do qual é exercido um controle não apenas de seu trabalho, mas também de sua vida particular e familiar. “Você tem que ter uma conduta onde as pessoas possam se espelhar. Nas questões familiares você tem que ser um bom marido, um bom chefe de família. 55 Tem que ter um bom nome na praça, ser zelado na questão financeira e na questão moral também. Você tem que ter uma educação pra com todos. Claro, isso não é função só do pastor, é função de todas as pessoas, mas principalmente da gente. Porque as pessoas nos procuram querendo receber uma resposta branda, agradável. Então, você tem que ter um bom relacionamento com as pessoas”. Outro diferencial em relação ao controle de conduta moral irrepreensível para o trabalho pastoral em relação a outras profissões é que essa exigência é um dos principais critérios do processo seletivo que antecede a ordenação pastoral. “Na questão da conduta da pessoa, do homem, a convenção respeita o chamado das pessoas, mas ela também, por outro lado, vê essa questão moral e da conduta. A própria Bíblia nos ensina que pra chegar a ser um pastor, precisa ser um bom chefe de casa, ter uma vida, uma conduta ilibada. Moralmente é ter uma boa moral diante da sociedade, do povo, ter uma boa aceitação pelo povo, pela igreja. Enfim... todos esses fatores. A própria Bíblia orienta isso. Então, com base nisso, a convenção também faz um pente fino na vida do cidadão, pra ver se ele está de acordo com os princípios bíblicos. E aí, só então, se ele passar nesse crivo, aí ele recebe a ordenação”. Dessa forma, a expectativa de irrepreensibilidade depositada sobre o pastor já o acompanha desde seu início de trabalho. Essa expectativa se estende desde a liderança institucional até toda a igreja. Por meio dessa conduta ele conquista e estabelece a credibilidade de seu trabalho. “É cobrado pelas outras pessoas... pela própria igreja... aquela pessoa assim de uma moral ilibada. Uma pessoa livre de qualquer acusação de qualquer ato que venha a denegrir a imagem moral. Senão ele perde toda a sua credibilidade”. Ao internalizar essa expectativa depositada sobre ele, o pastor a assume como sua e passa a atuar conforme o esperado, ou seja, um modelo, exemplo, referencial de vida a ser seguido (Silva, 2004). Diante da exigência de irrepreensibilidade para o exercício pastoral o líder religioso pode assumir uma manutenção de uma imagem de líder de sucesso. De acordo com Wood (2001) líderes com características de “executivo eficaz” em um mundo cada vez mais complexo “lutam para manter uma aparência de controle e domínio sobre a situação” (p.152) segundo o autor esses líderes acabam por manter seu próprio mito ao gerarem uma imagem de “controlabilidade e simplicidade”. A manutenção dessa imagem é impulsionada pela exigência de excelência absoluta, tanto na produtividade como na conduta, que sinaliza um convite para a superação 56 contínua que exige trabalhar mais e sempre melhor (Wood, 2001). O que pode ser observado no discurso dos entrevistados. “Então através de uma vida abdicada, uma vida realmente de dedicação com amor que você faz, gera uma perfeição, uma mudança, uma transformação, uma qualificação. “Não somos, como já lhe falei, literalmente perfeitos, todavia buscamos a perfeição. Então nós estamos brilhando cada vez mais. Então o que seria falta de caráter, cada dia nós estamos buscando transformá-lo, modificá-lo, é... qualificá-lo”. Essas verbalizações sinalizam uma busca contínua pela perfeição. Para isso engendram um empenho na manutenção da imagem na medida em que é empreendida uma adequação à exigência de uma conduta irrepreensível e uma busca contínua em ser melhor, mais qualificado, buscando transformar o caráter. No entanto, como afirma Pagès (1993), “nunca se vence definitivamente, pois sempre é possível fazer melhor e ‘nada é adquirido’ (p.137). Essa busca inatingível é também relatada por um dos entrevistados. “Você se qualifica dia a dia. Há um pensamento que diz ‘como um ferro afia outro ferro’ assim tem uma função com o seu companheiro. E como numa outra frase de um pensador dizia que ‘nada sou quando penso que sou’, então por mais que agente tente ser alguma coisa, sempre vai estar longe do que nós queremos ser”. Segundo Pagès (1993) ao mesmo tempo em que o padrão de sucesso se torna um ideal para o indivíduo passa também a ser inatingível. O autor comenta que, dessa forma, o indivíduo passa a viver uma contradição entre o encorajamento da ambição ao sucesso e a impossibilidade de satisfazê-la. Os próprios pastores entrevistados relatam que essa exigência se apresenta como um paradoxo, sendo que, ao mesmo tempo em que aceitam a irrepreensibilidade como regra também experimentam a dificuldade em vivenciá-la. Isso pode ser percebido ao comentarem que a perfeição humanamente é impossível e sua busca se configura numa luta constante. “A maior dificuldade seja, talvez, comigo mesmo... com o homem... com o indivíduo. No aspecto de... nós não sermos, as vezes... nós muitas vezes não nos entendemos no que tange a perfeição humana e queremos ser perfeitos. Então, como já lhe falei, há uma luta constante como ser humano. E isso é bíblico, a maior luta do homem é contra ele mesmo. Na verdade é fácil vencer os outros, difícil é vencer a si mesmo”. “É impossível não ter os seus fracos. A Bíblia diz que todos nós somos pecadores. Mas, é possível viver longe do erro, do pecado. A confissão de pecado, a confissão 57 de erros é uma coisa que a gente faz, mas, quando a gente está em desenvolvimento e crescimento a gente não fica confessando os mesmos pecados, os mesmos erros. Então, por exemplo, eu vivi um período de... dezesseis anos aos vinte e um anos... eu cresci na igreja. Fui criado na igreja ... criado na igreja evangélica. Sou cristão de berço. E com dezesseis anos eu me afastei. Fui viver com a moçada.Fui viver a vida, como dizem. Mas, o que aconteceu, o que aconteceu é que em noventa e um eu tive uma experiência com Deus muito forte. Eu tinha vinte um anos de idade. As coisas que eu fazia e fiz naquele período eu nunca mais eu cometi. Não que eu não cometa erros, de vez em quando eu tenho que pedir perdão pra os meus filhos, pra minha esposa. Palavras, conduta, falha,de prioridade. Coisas assim. Mas, a gente tem que melhorar”. “Uma vida que ninguém tenha, assim, que apontar o dedo pra ele e dizer: ‘está vendo? está falhando nisso, falhando naquilo, falhando naquilo outro... É claro que isso humanamente é impossível. Não existe ninguém perfeito”. Dessa forma o pastor enfrenta uma contradição ao perceber-se falível como todos os seres humanos e ao mesmo tempo lhe são exigidas características de infalibilidade. Diante do padrão inatingível ocorre um adiamento contínuo da satisfação e o fracasso é tido como fator de humilhação e, portanto de medo (Pagès, 1993). O medo, no trabalho pastoral, se configura pelo fato da expectativa de sucesso exigir uma busca de excelência tal que lhe é exigido posicionar-se como modelo a ser seguido continuamente, sofrendo o risco de ao errar ser descartado. “O pastor é um moderador e como moderador ele tem que ser exemplo. Ele pisou na bola, como a gente diz, ele já é descartado”. Os pastores também referiram que a constante vivência de tensão, num policiamento de sua conduta, não advém apenas do âmbito externo, ou seja, da organização para a qual trabalha, mas interno, sendo exercido um auto-controle. As exigências para o trabalho vão muito além de habilidades para as práticas objetivas, pois a sua subjetividade está sendo avaliada continuamente. Há uma postura de treinamento pessoal regido por um sentimento em assumir um padrão de conduta da mesma forma que se “veste uma roupa”. “É uma questão de treinamento. É uma questão de opção. Você já tem que vestir aquela roupa, é como o cidadão que vai fazer mergulho... caça... pesca submarina. Então, ele já tem que vestir aquela roupa, pegar o aparelho dele, mergulhar e saber ‘olha, eu estou aqui e não posso bobear. Se eu bobear estou morto’. Ou até mesmo um sentimento como se fosse um soldado em guerra, num constante alerta, sem o qual corre risco de sobrevivência. 58 “Tinha um professor de seminário que dizia ‘o pastor tem que tomar muito cuidado que ele é como um soldado na guerra. Se ele comete falhas, ele está sujeito a morrer’. Então é uma vida de extrema tensão, isso, sem dúvida, que se você é uma pessoa muito visada. O pastor é uma pessoa visada”. O sofrimento está caracterizado por uma sensação de insegurança em que está constantemente sendo avaliado, podendo alguma conduta ser considerada inadequada e por isso ser desqualificado para o exercício pastoral. Segundo Ferreira e Mendes (2003) a insegurança no trabalho é um dos indicadores de sofrimento em que se vivencia um “receio de não conseguir atender as expectativas relacionadas à competência profissional, exigências de produtividade e pressões do trabalho” (p.65). Para Dejours (2001) estes aspectos se configuram no medo da incompetência como fator de sofrimento no trabalho, sendo que os trabalhadores se empenham trabalhando com zelo excessivo, para tornar eficaz o prescrito. O ideal de irrepreensibilidade funciona para os pastores como um controle interno e constante, para além das relações de trabalho. “Tem que estar em estado de alerta 24 horas. Até mesmo diante dos filhos, da família. Cuidar, assim, pra ter uma linguagem, pra ter atitudes...” Segundo Léon17 (1978, apud Oliveira, 2005, p. 97-98) as igrejas, frente a tantas mazelas, injustiças, maldades e depravações, procuram o arquétipo do novo homem citado nos escritos bíblicos que seria um homem justo, bondoso, amoroso, moral, compreensivo e ao mesmo tempo humano. O autor afirma que com essa expectativa surge a tensão entre o real e o ideal. Esses aspectos são semelhantes aos encontrados nas formas de controle do mercado atual. Segundo Pagès (1993) a organização se configura num lugar de produção ideológica articulada em todas as suas práticas na medida em que se torna um lugar de produção de conceitos e valores, legitimando-os para o funcionamento da organização. O autor explica que dessa forma é desenvolvida uma dominação psicológica sobre os trabalhadores, por meio da qual é exercido um controle sutil da subjetividade. Nesse mecanismo o trabalhador, de forma inconsciente, é modelado e adaptado à ideologia vigente na organização, a qual assume como vital para seu funcionamento, identificando-se com ela, passando, inclusive a colaborar em sua legitimização. 17 LEON, J. Psicologia Pastoral de La Iglesia. Miami: Caribe, 1978. 59 O elemento irrepreensibilidade remete a um conteúdo ideológico eclesiástico da perfeição, da conduta moral ilibada e também às adequações das expectativas comportamentais da instituição em relação ao seu líder, sendo que é considerado uma autoridade espiritual. Dessa forma, é construída uma imagem em torno da figura pastoral, tanto pelos usuários da organização religiosa, como pelo próprio pastor, de que ele é alguém especial, uma autoridade espiritual, uma representação divina, que traz revelações e discernimentos sobrenaturais, sendo a figura do pastor percebida como um mito. O mito é uma expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes de um povo (Freud, 1930), por meio da qual, pessoas em razão de características inconscientes idealizam os que ocupam postos hierárquicos superiores e os vêem como onipotentes, como sendo capazes de suprir suas necessidades de reconhecimento e valorização (Conde, 2004). Conforme referido nas entrevistas o pastor é visto como uma autoridade espiritual, colocada como liderança especial e ungida na igreja por uma ação divina e que na mediada em que as pessoas vão entendendo isso vão adquirindo confiança para confidenciarem suas vidas. “É o princípio da autoridade espiritual, quando a pessoa entende isso, que Jesus Cristo é a maior autoridade, e que ele colocou pessoas para estar liderando outras e ela entende que é o próprio Jesus que está nessa pessoa, ela não tem dificuldade de abrir o coração. (..) Quando ela entende que o líder tem uma unção sobre a vida dele, constituída por Jesus”. Para Oliveira (2005) a imagem idealizada em relação aos pastores ocorre numa estrutura de retroalimentação, em que as idealizações surgem entre ambas as partes, igrejas e pastores, sendo que todos contribuem para esse fenômeno. Segundo a autora esse fenômeno se intensifica especialmente quando os pastores são induzidos a se comportar de acordo com as expectativas da igreja. Dessa forma, segundo Wood (2001), quando a liderança em uma organização é vista como um mito, ocorre uma construção que ajuda a perpetuar uma dada situação. O autor explica que o pressuposto que permeia tal situação “é que os homens são imaturos e dependentes e agradeceriam de bom grado quem os livrasse do fardo das decisões e os guiasse” (p.153). A figura do pastor como guia das pessoas foi relatado nas entrevistas. 60 “Cria um vínculo de confiança, de amizade, de afeição, e com isso a pessoa... quem que não gosta de um ombro? Pra falar as suas dificuldades? ‘Olha eu não estou bem hoje...’, ‘Preciso que você ore comigo...’, ‘O que você acha...?’, ‘Discuti com meu marido...’, ‘Briguei com a minha esposa...’, ‘Meu filho fez isso...’, ou ‘Eu to cansado...’. Então é bom, é que nem um amigão. E o líder quando transmite isso, ele é ensinado, é instruído a ser assim, pra ser um ombro amigo”. “É evidente que ele não vai dizer ‘olha você, agora, não compre mais ações da Petrobrás’, ‘não troque de carro’. Dentro de uma coerência você sair de um Fusca ou sair de um Fiat para uma Mercedes existe um ‘Gap’ muito grande, financeiro. Então um líder poderá dizer ‘olha, não faça isso, porque você vai se enroscar pra frente com prestações’. Então, é nesse sentido”. “Ser um bom pastor é atender as necessidades da membresia. Ser um bom pastor é estar pronto para trazer sempre uma palavra de ânimo, de incentivo, uma palavra também de Deus para o povo”. Portanto, a característica da tarefa pastoral, em ser um guia para pessoas, é construída a partir da imagem mítica em torno da figura pastoral, imiscuída ao seu carisma, que exerce um poder de sedução sobre as pessoas (Silva, 2004). Essa sedução se estabelece por meio de mecanismos de identificação18. Meneses (2006) alerta para o risco de que a identificação pode se apresentar em forma de sintoma que seria uma “(...) identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-se 18 Menezes (2006) cita a identificação como um mecanismo pelo qual o indivíduo humano se constitui e que as formações coletivas só são compreendidas se associadas ao mecanismo de identificação. Segundo a autora “(...) Freud coloca a identificação como o mecanismo que incute ao líder (o ideal) em cada ser humano, provocando nele o amor, a veneração e permitindo a passagem do amor ao líder (ideal), ao amor dos outros”. Para autora a identificação seria a ação em que um ego se assemelha a outro ego. (MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade, um estudo psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006). Quando novos membros são incorporados na empresa, internalizam a cultura por intermédio do processo de identificação. Freud em “O mal-estar na civilização” (1930) refere-se aos processos identificatórios e diz que o sujeito humano não é dado à priori, mas constituído com os grupos. Freud marca os processos subjetivos como mantenedores da organização grupal e individual, a organização simbólica. Esses processos dizem respeito à construção da identidade, seja do ego ideal ou ideal de ego, seja do grupo ou ideais culturais. (FREUD (1930). O mal-estar na civilização In: Edição Standard Brasileira das Obras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago Editora, v. XXI, 1980). Os processos identificatórios, entendidos na atualidade por Enriquez (1997), propõem compreender as organizações com base nos estudos de Freud, por meio de analogias e outras associações. O autor começa pelos indivíduos e seus vínculos sociais até a organização como sistema cultural simbólico e imaginário. Em sua concepção, a organização possui uma estrutura de valores e normas, uma maneira de pensar e um modo de apreender os fatos que orientam a conduta de seus diversos atores, a fim de que eles possam se definir em relação ao ideal proposto, bem como selecionar seus membros por meio do comportamento mais adequado a esses princípios. (ENRIQUEZ, E. A Organização em análise. Petrópolis: Editora Vozes, 1997). Menezes (2006) afirma que para Freud “o laço mútuo entre os membros do grupo é de natureza de uma identificação (...) baseada numa importante qualidade emocional comum e que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder” (p. 110) e que “(...) esse tipo de identificação fornece referenciais para as identificações imaginárias entre os membros do grupo, assim como reforço narcísico para cada um deles e para o grupo” (p. 110). (MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade, um estudo psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006). 61 na mesma posição da pessoa que está sendo copiada” (p. 109). Este aspecto apareceu no relato das entrevistas. “Sempre vai ter alguém querendo ser igual a você, querendo alcançar o que você alcançou, querendo saber o que você sabe”. De acordo com Enriquez (1997a) o líder é reconhecido como alguém capaz de encarnar as vontades e desejos do grupo, o qual o tem como uma referência de pai que representa seus ideais, permitindo a identificação grupal e a coesão do grupo. No entanto, o autor alerta que a partir dessa identificação podem emergir fenômenos regressivos como a submissão, a repetição e/ou a crença cega na palavra do líder e a rivalidade entre os liderados para ocuparem o lugar de favorito de seu líder. Esses fenômenos são acompanhados por complôs, nos quais são engendradas tentativas de derrubar o líder ou mesmo de ridicularizá-lo (Enriquez, 1997a). Dessa forma os mecanismos de identificação podem instaurar insegurança no trabalho pastoral. O pastor passa a ser seguido, comumente, sendo depositado sobre ele um olhar de admiração, em que suas orientações passam a ser recebidas como vindas de Deus, projetando uma identificação com esse líder, a qual emerge de um desejo de também transcender espiritualmente, ou seja, de aproximar-se do divino da mesma forma que o líder, ao entrar em contato com ele. “Os membros vem aqui pra receber a palavra de Deus”. As pessoas vão até onde ele está para receber a palavra de Deus. Ser procurado como um arauto de uma mensagem provinda de um âmbito divino também lhe proporciona uma experiência de reconhecimento de sua capacitação divina, a qual é vivenciada em suas relações sociais de trabalho, por meio das pessoas que o procuram como líder espiritual. Dejours (2004) sugere que, numa análise psicodinâmica, a dinâmica do reconhecimento é fundamentalmente de natureza simbólica, em que há um sentido de constatação da contribuição do indivíduo para a organização e um sentido de gratidão por sua contribuição. Esse reconhecimento se configura no estabelecimento do pastor como uma figura mítica/totêmica. A figura totêmica, segundo Eliade (1995), tem como característica ser alguém julgado como um ser sagrado pelos membros de um determinado clã. Num enfoque da antropologia, estaria ligada ao totemismo que é 62 considerado, por sociólogos e historiadores, como a mais primitiva das religiões, a qual subordina um grupo de homens, um denominado clã, a determinados seres sagrados, ou mesmo coisas sagradas, chamados de totens (Eliade, 1995). Suas principais características são de totem (espécie de seres ou coisas julgadas como sagradas pelos membros do clã), de mana (designa uma força impessoal, material e espiritual, difundida por todas as partes, sendo uma experiência numa dimensão mágica, ou seja, sobrenatural) e de tabu (designa a proibição de coisas e de certos atos, visando separar o sagrado do profano) (Eliade, 1995). O aspecto sagrado da figura totêmica do totemismo é percebido na figura pastoral, visto que sua conduta e oratória são visualizadas com atribuições divinas. De acordo com Silva (2004) o pastor é visualizado como “um ícone a cuja imagem são atribuídas ações e condutas sobrenaturais” (p. 25). Dessa forma o pastor acaba por representar uma figura totêmica para os membros da igreja. Este aspecto é comentado inclusive no meio pastoral, conforme um dado de realidade apresentado num depoimento19 por um pastor evangélico. No depoimento, comenta que a maioria dos pastores gosta de ser uma figura totêmica. Explica que este fato ocorre no processo de transformação do ser humano em figura totêmica, ao ser erguido como um totem para a manutenção de tudo: “Ele é santo pelos outros; é puro pelos demais; é quem não se diverte pelos que se divertem; é quem não fica doente para poder curar; é quem "estuda Deus" e "entende de Deus", a fim de poder explicar; e é quem é exemplo para se fazer clones comunitários. Se ele não casa os que se casam, eles se ressentem e magoam. Se ele está viajando quando alguém morre, ele abandonou o moribundo. Se ele está de férias, a igreja pode esvaziar. Ou seja: sem ele, nada do que foi feito se fez ou se faz! Vivendo sob tais responsabilidades e honras, o indivíduo vai virando pajé e não sente. Ou, em muitas ocasiões, passa a gostar mesmo de ser essa figura totemizada para a "igreja". Esse pastor refere ainda em seu depoimento que ao ser “totemizado” o pastor passa a ser considerado um ser acima dos mortais, e que os pastores ao sentirem a conseqüência disso ao serem exigidos como seres acima do bem e do mal, isentos de erros e carências, sem serem reconhecidos em sua humanidade, acabam se queixando do que eles mesmos alimentam. Menciona que, dessa forma, ocorre um ciclo vicioso em que há um desejo de ser mais que humano por parte de pastores e a igreja, por sua vez, quer pastores que falsifiquem sua humanidade em nome do ‘evangelho’. 19 O Caminho Pastoral. Disponível em: <http://groups.google.com.br/group/fraternidadenocaminho> Acesso em: 26 Agosto 2008. 63 O aspecto sobre-humano também surgiu no relato de uma dos pastores entrevistados na pesquisa aqui apresentada, sendo que mencionou que a idéia de visar o pastor como alguém acima do bem e do mal permeia no imaginário das pessoas. “É uma falácia que as pessoas têm... de imaginar que o pastor ele é um homem que está acima do bem e do mal. Não, o pastor é uma pessoa que encarna muitos sofrimentos, ele é uma pessoa que passa por muitas cobranças”. Segundo Silva (2004) a imagem idealizada/divinizada é cultivada em torno de êxitos, milagres e santidade. O estar acima do bem e do mal referido pelo entrevistado passa a idéia de ser mais do que humano. Mas o próprio pastor comenta que não é assim, sendo que o sofrimento também é presente na vida do pastor. Segundo Dejours (2001), diante de tantas exigências e o medo de não conseguir atendê-las, o indivíduo no trabalho se apresenta com sinais exteriores de competência e eficácia motivados por uma preocupação em ocultar metodicamente todas as falhas que não consegue corrigir. Dessa forma o pastor dissimula e silencia as suas dificuldades no trabalho, e utiliza com a comunidade o que Dejours chama de “mentira instituída” (2001, p. 61), em relação ao trabalho e também à sua vida. O autor apresenta como características dessa mentira: (i) uma descrição da produção a partir dos resultados e não a partir das quais eles são decorrentes; (ii) uma descrição apenas dos resultados positivos, omitindo tudo que represente falha ou fracasso. Ocorre uma supressão do real do trabalho, ao haver um silenciar e uma dissimulação, buscando apresentar apenas formas de valorização das habilidades, competências e de resultados, tanto organizacionais como pessoais (Dejours, 2001). Dessa forma são construídas descrições do trabalho e de sua organização que deturpam a realidade, sendo falazes e mentirosas (Dejours, 2001), podendo maquiar o sofrimento presente no contexto de trabalho. Diante da exigência da perfeição, em que é pressionado a não vivenciar sua humanidade, acaba também por negar seus sentimentos de tristeza, de fracasso, bem como seu cansaço. “Férias, ta aí uma coisa que eu tenho buscado, ainda não tenho férias. Olha, por incrível que pareça, sendo sincero tem exatamente sete anos que eu não tiro férias. Porque eu anteriormente pertencia a uma organização um pouco maior. Então eu era vice-pastor de uma igreja grande, de um templo grande, com uma demanda muito grande de responsabilidade. Eu fazia parte da liderança, era vice-presidente, 64 embora jovem, novo, mas as responsabilidades eram grandes. Então não... olha... não tinha tempo mesmo”. Pode-se observar que acaba por descuidar de aspectos importantes de sua vida em prol de seu trabalho. Este aspecto é referido por Dejours (2001) como ativismo alienante, em que o indivíduo trabalha em excesso, numa exaustão que o leva a não pensar mais e nem perceber seu sofrimento. Heloani (2003) alerta que o pensamento e o sentimento reduzido podem instaurar uma ação sem sentido, o que pode levar a despersonalização. Este termo na psiquiatria é explicado como uma sensação de desligamento do mundo, como se, na verdade, estivesse sonhando, tendo a impressão de estar num mundo fictício, irreal, porém a convicção da realidade não se altera (Marot20, 2004). Heloani (2003) ao aplicar a despersonalização ao trabalho explica que há uma fragmentação da atividade e a desapropriação do saber do trabalhador. Dessa forma, pode-se observar que os aspectos do ativismo no meio produtivo também estão presentes no trabalho pastoral. Conforme Dejours (2001) há um sofrimento por trás das vitrinas dos que trabalham devido a uma intensificação no trabalho em que os trabalhadores empenhados em sua tarefa, o fazem com medo de não satisfazer ou de não estar à altura das imposições da organização. A intensificação no trabalho se apresenta por um medo de incompetência, tendo que se adaptar “à ‘cultura’ da empresa ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o público etc.” (p.28). Isso acaba sendo internalizado como necessário e natural da atividade, conforme verbalizado por um dos entrevistados. “Tem que haver uma dedicação. Tudo requer suor, lágrimas, inclusive no meio dos pastores. A facilidade não existe. Existe uma antiga frase ‘sem dor sem ganho’, ‘sem sacrifício não há glória’. Então nós temos que fazer a nossa parte” Portanto, a exigência por irrepreensibilidade é um controle estabelecido que leva a uma intensificação no trabalho pastoral, sendo instituído a partir de um conteúdo simbólico existente no meio religioso. Esse padrão de controle é aceito pelo fato do trabalho pastoral ser entendido como uma vocação designada por Deus e não uma profissão, trazendo consigo o 20 Disponível em: http://www.psicosite.com.br/tra/sod/dissociativo.htm Acesso em 29 Set 2008. 65 conteúdo simbólico do trabalho pastoral. Esse aspecto será apresentado na análise da próxima categoria. 4.5 “Não é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional” Descrição O trabalho do pastor não é considerado uma profissão, sendo o trabalho pastoral, ao contrário de profissão, uma vocação na qual o pastor é um escolhido por Deus para desempenhá-lo. De acordo com as entrevistas a principal diferença entre o trabalho pastoral e outras profissões consiste em que o trabalho profissional estaria ligado à interesses financeiros, materiais e o trabalho vocacional ligado a interesses de bem estar das pessoas, o que conta para a eternidade. Dessa forma espera-se do pastor uma disposição de voluntariado em sua tarefa pastoral. Temas Encontrados Trabalho pastoral não é profissão Trabalho pastoral é vocação O pastor é um escolhido por Deus Trabalho para a eternidade Remuneração: ver as pessoas felizes Disposição de Voluntariado Análise e discussão Esta categoria sinaliza o conteúdo simbólico imbuído no exercício pastoral o qual dá significado à execução das tarefas. De acordo com Menezes (2000) é na dimensão simbólica que é configurada a concepção de hipóteses que os sujeitos formulam a respeito de uma tarefa, bem como sua concepção mental acerca do objetivo, meio e comportamento para realizá-la, independente ou não de fatores objetivos. “Além de ser uma vocação, isso não é pra qualquer pessoa. Isso é, são pessoas que Deus seleciona, que Deus escolhe. Pra mim é uma alegria, é um prazer muito grande ter sido um escolhido por Deus pra realizar esse trabalho”. “A gente crê também que a obra em si ela não é nossa. A obra é de Deus. O que Jesus faz... a gente é privilegiado só pelo fato de estar envolvido nas coisas grandes que ele faz na vida de pessoas... é privilégio”. Essas verbalizações mostram a concepção que os entrevistados formulam a respeito da tarefa pastoral, a qual é vivenciada por um sentimento de prazer em ter 66 reconhecida sua singularidade, sendo que o trabalho que executa não pode ser desempenhado por qualquer pessoa, apenas por pessoas que tem um diferencial, que seria a vocação e também pelo fato de se sentir privilegiado em pertencer a uma “obra” grandiosa. O reconhecimento disso é fonte geradora de prazer, dando um sentido de que o que faz é singular e especial ao ser, numa dimensão simbólica, um escolhido por Deus. A concepção simbólica da tarefa pastoral aparece nas verbalizações dos entrevistados ao pontuarem que não vêem sua função como profissão, sendo uma vocação divina. “Eu não vejo a nossa função como uma profissão. É algo assim... É algo divino..., é uma vocação... que Deus seleciona. Tanto é que você veja só. As igrejas hoje, elas não tem a preocupação de registrar os seus pastores. Porque não é um trabalho profissional”. A afirmação de que o trabalho pastoral não é reconhecido como profissão pelos próprios implicados no trabalho, provém da percepção de que sua atividade foi estabelecida por uma vocação, um chamado divino. Historicamente o pastor foi institucionalizado como líder da igreja pelo protestantismo nos meandros da Reforma Protestante, durante o século XVI, que dentro de um contexto de expansão das variações denominacionais, surgiu como uma nova figura de responsabilidade eclesiástica, envolvendo especialmente a condução do desenvolvimento da igreja e do encontro de seus fiéis (Silva, 2004). Para desempenhar essa tarefa o pastor deveria manifestar uma aceitação da vocação que lhe fora dada por um propósito divino. Weber (1967) expõe que a concepção de vocação, que Lutero formulou, trazia uma conotação religiosa implícita de uma tarefa dada por Deus, a qual deveria se configurar numa expressão externa do amor fraternal, sem renunciar aos deveres desse mundo e nem abster-se das obrigações temporais (Weber, 1967). O pastor ao desempenhar sua atividade na expressão externa de amor fraternal, a legitima por meio do poder de seu carisma que exerce sobre as pessoas, na medida em que as influencia a seguirem suas idéias numa proposta de obtenção de bem-estar (Silva, 2004). “A gente sabe que alguém foi chamado por Deus pela capacidade de ensinar, pela conduta, pelo amor a Deus e as pessoas”. 67 O carisma, segundo Wood (2001), “pode ser definido como uma força divina conferida a uma pessoa, não para uso próprio, mas para atender às necessidades da comunidade religiosa. Essa força envolve habilidades especiais de liderança e condução de pessoas” (p.152). O caráter divino do carisma está fortemente presente no trabalho pastoral, sendo referido nas entrevistas como “(...) algo divino”. Esse aspecto ratifica o sentido da função pastoral que se instituiu com certo distanciamento em relação a outras profissões. “As outras profissões você atende uma necessidade dos homens. Faz que aquele trabalho reverta pra um lucro, um benefício, um dinheiro que vai ser usufruído por mim como empregado e o patrão que vai ter a sua renda e seu modo de vida. Eu posso ter uma satisfação com isso. Ter um bom salário, de ser promovido e ajudar alguém a ser próspero. Falando em termos de ser pastor, eu ajudo pessoas a serem prósperas, espiritualmente falando, e em paz com as suas almas”. De acordo com essa verbalização o trabalho de outras profissões manteria uma ação direcionada à prosperidade material relacionada ao lucro e benefício econômico. Enquanto que o trabalho religioso contemplaria a subjetividade conectada à um âmbito divino que, segundo o entrevistado, propicia uma prosperidade espiritual, sendo relacionada ao conforto da alma. De acordo com essa percepção o trabalho do religioso não seria uma mera atividade de trabalho, como é vista em outras profissões, mas tendo um sentido vocacional que, segundo Silva (2004), ultrapassa interesses e conflitos pessoais, diante do que é assumida uma ideologia de ação divinizada e transcendental (Silva, 2004). “Ser pastor não é como mexer com mecânica. Quando você lida com ser mecânico... uns são mecânicos porque aprenderam. Primeiro foram ‘mechânicos’ e depois mecânicos. Aprenderam mexendo. Outros fizeram faculdades, cursos. Cursaram e se tornaram mecânicos. Tem toda uma ciência em torno da mecânica, tem toda uma lógica, tudo é milimetricamente pensado, medido, dosado... Assim é ser médico, estuda a ciência do corpo humano... enfim, você estuda o organismo do homem. Assim como ser psicólogo, você estuda a mente do homem, as atitudes do homem, a alma do homem, o que os olhos não vêem, o que está intrínseco no âmago da psique, você vai lá dentro. Você começa a entender de ser humano. O padeiro entende de massa, dentista de dente... e pastor de alma. Então é diferente. A leitura da alma é diferente de uma leitura de um relógio. Os olhos humanos... o homem em si... ele não tem habilidade se ele não tiver talento, se ele não tiver chamado, se ele não foi vocacionado. Então ser pastor... nem todos podem ser pastor. Existe uma coisa que nós não entendemos. Por isso eu penso que pastoreio... ele pode ser uma profissão, mas não é uma profissão... é um talento, é um dom”. 68 “Não é apenas uma tarefa como faz o mecânico, por exemplo. O meu ministério é uma tarefa também espiritual. Então tem coisas que fogem do meu controle, estão no controle de uma ação soberana, divina, eu sou apenas um cooperador. “Para ser um pastor tem que ter a vocação divina”. Weber (1967) refere que para Lutero “(...) vocação é algo que o homem deve aceitar como uma ordem divina, à qual deveria se adaptar” (p. 71). O trabalho vocacional também seria para Lutero uma tarefa confiada por Deus. Essa idéia aparece nos discursos em que vocação não se desenvolve cognitivamente, mas se recebe por meio de um chamado divino. Por essa via também são instituídos os padrões de controle, como a irrepreensibilidade, ou seja, também definidos “divinamente”. Portanto, para a tarefa pastoral é projetada uma concepção simbólica que dá sentido à ação no trabalho. Contudo, para que o pastor possa desempenhar suas funções também foi mencionada pelos entrevistados a necessidade do sustento material. “Ele não é visto como profissão, mas a Bíblia também diz que digno é o obreiro do seu salário. Em virtude disso a igreja nos mantém. Como um auxílio, uma ajuda. Mantém os seus pastores”. Essa verbalização indica que há uma remuneração da atividade pastoral, mesmo que não seja considerada profissão. Para isso, de acordo com os entrevistados, a contratação da atividade pastoral é estabelecida por contrato de trabalho autônomo. “Pastor é autônomo. No nosso sistema o pastor é autônomo” “O pastor é um profissional como o médico, como o advogado, como o psicólogo ou um profissional qualquer que não está vinculado à empresa”. “Existe contrato, proposta de um salário que é votado pela igreja. Tem um salário fixo e tudo mais. Os pastores vivem disso.” Para entender a atuação do pastor como profissional autônomo faz-se necessário compreender o que implica essa contratação de trabalho para esse trabalhador. O explicitado pelos pastores encontra parâmetros na legislação brasileira, que enquadra o pastor evangélico como trabalhador autônomo. Este aspecto foi proferido pela Lei Nº 6.696, Art. 1º a qual afirma que “(...) são 69 equiparados aos trabalhadores autônomos: os ministros de confissão religiosa, e os membros de institutos de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa, estes quando por elas mantidos (...)” (Figueiredo, 1979). O trabalhador autônomo está incluído na Lei 7.316/85 como categoria profissional diferenciada. Para a Consolidação das Leis de Trabalho21 (CLT, 1943) “categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou função diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em conseqüência de condições de vida singulares”. De acordo com a Lei Federal nº 8.212/9122 o trabalho autônomo coloca o trabalhador numa condição de liberdade em relação a suas atividades, sendo que presta serviços eventuais e habitualmente por conta própria a uma ou mais pessoas, sem horário rígido, sem salário fixo (somente remuneração conforme contrato do serviço em questão), sem ser subordinado a nenhum empregador, porém assumindo todas as responsabilidades e riscos de sua atividade, incluindo as econômicas. Por outro lado, segundo Castro (2004), que cita o art. 3º da CLT, o vínculo empregatício se caracteriza por prestação de serviços contínuos à um empregador, sendo a ele submetido mediante pagamento de salário e abarca cinco requisitos, sendo: (a) pessoa física; (b) continuidade (trabalha em dias determinados e com habitualidade); (d) subordinação (empregado recebe interferência na direção e execução do trabalho pelo empregador); (e) salário (remuneração), (f) pessoalidade (não podendo outro fazer a sua tarefa). De acordo com estes requisitos o empregador tem o direito de estabelecer horários, fixar metas, cobrar resultados, e fiscalizar o trabalho, porém também tem o dever de garantir todos os direitos sociais do empregado. Qualquer contrato de trabalho que possuir esses elementos se caracteriza como tendo vínculo empregatício. Dessa forma, ao se fazer uma análise comparativa dos parâmetros contratuais de trabalho autônomo e de vínculo empregatício fica evidente uma contradição na contratação do trabalho pastoral, sendo que tem o status de autônomo, mas cumpre exigências que seriam de profissional empregado com vínculo empregatício. Um dos entrevistados sinalizou este aspecto ao verbalizar que há uma diferença entre trabalho autônomo do pastor e de outras profissões. 21 Artigo 511 – Parágrafo 3º. Presidência da República. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 16 Jun 2008. 22 70 “O autônomo que não seja pastor (...) talvez tenha uma flexibilidade com relação a agenda, liga e dizendo ‘olha, hoje a tarde não vou trabalhar’ e isso não ter grandes implicâncias a não ser um telefonema de um freguês ou outro. Pastor já se ele fizer um cancelamento... como é que ele vai fazer o cancelamento de um casamento, por exemplo. Está marcado o casamento, ele não pode ligar pra secretária da igreja e dizer ‘cancela o casamento que eu não vou estar lá, porque eu não estou passando bem’. Isso com o pastor não existe. E a gente sabe que isso existe, as vezes, em outros meios profissionais. A pessoa tem uma certa autonomia pra cancelar um encontro, pra cancelar um contrato, um acordo sem maiores prejuízos. Ele contorna... é sexta-feira marca pra segunda ou pra outro dia, dá uma desculpa qualquer. Pra o pastor já fica mais difícil. Ele tem que cumprir aquela agenda. Tem que honrar aqueles compromissos”. Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2007), as atividades exercidas num vínculo laboral entre pastor e igreja, ainda não obtiveram o reconhecimento de vínculo empregatício, porém, suas características de relação de trabalho já foram adotadas. Este fato ficou estabelecido a partir de 2007, numa decisão unânime do STJ23, em que foi reconhecido que “apesar de não ser uma relação empregatícia, as atividades que pastores exercem em Igrejas podem ser consideradas como trabalho” (STJ, 2007). Para Castro (2006), que advoga a possibilidade do trabalho religioso com vínculo empregatício, o reconhecimento apenas da relação de trabalho, pelo STJ, já seria um grande passo para um possível reconhecimento da relação de emprego. A defesa de Castro (2006) se amplia ao comentar que devido ao contexto político-sócio-econômico em que as igrejas se encontram atualmente e diante da crescente demanda trabalhista dos religiosos, há de se rever a questão que envolve a contratação do trabalho desses trabalhadores, buscando uma resposta satisfatória para esse novo fato social, sendo que o contexto de trabalho dos pastores numa nova configuração social, também se insere numa nova configuração eclesiástica. Portanto, a categoria analisada evidencia um paradoxo na atividade pastoral entre profissão e vocação. Por um lado, encontra-se desempenhando suas atividades pastorais num status simbólico e ideológico, no qual se percebe como um vocacionado trabalhando para o divino. Aspecto concomitante ao entendimento de Lutero (Weber, 1967) de que “o indivíduo deveria permanecer de uma vez por todas na condição e na vocação em que Deus o houvesse colocado, e deveria restringir suas atividades mundanas aos limites a ele impostos pela condição de vida estabelecida” (p.71). Por outro lado se vê obrigado, no exercício do trabalho 23 Superior Tribunal de Justiça. 71 pastoral, a se adaptar às exigências da organização eclesiástica em que atua, a qual espera que não apenas encaminhe abnegadamente os fiéis à um bem estar espiritual, mas que isso reflita em crescimento e desenvolvimento da própria organização. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a tarefa pastoral se ocupa do transcendente, também é exigido deste trabalhador o desempenho de tarefas que envolvem administrações do “aqui e agora” da organização eclesiástica para qual trabalha, envolvendo questões da organização, condições e relações sociais do trabalho, mesmo que pelo víeis da espiritualidade. Portanto, no contexto de trabalho pastoral, assim como em qualquer outro contexto de trabalho são vivenciados o prazer e o sofrimento, sendo esse aspecto analisado na categoria apresentada na seqüência. 4.6 “Eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus, acho que estou numa missão, assim como toda profissão” Descrição O trabalho pastoral tem um sentido de missão, o que gera um empenho consciente e prazeroso na atividade. A ação é recompensada por um viéis subjetivo, sendo que há um sentimento de que é vocacionado e recompensado por Deus. A confirmação do trabalho pastoral parte de um reconhecimento da importância de suas atividades, especialmente no que refere a sua posição de pastor dentro da organização e pelo respeito ao que diz. Também há um sentimento de realização ao ajudar pessoas, especialmente no exercício das atividades de aconselhamento pastoral. Experimenta satisfação ao perceber a importância de sua intervenção ao contribuir na ocorrência de mudanças positivas na vida das pessoas aconselhadas. Também experimenta satisfação ao perceber sua capacidade no processo de ajuda, permitindo-lhe sentirse útil e um canal divino, o que lhe faculta uma identificação com as tarefas do trabalho pastoral. A vivência de prazer se intensifica pelo reconhecimento de sua capacidade em ajudar ao ser procurado pelas pessoas para aconselhamento. O trabalho pastoral é visto como relevante para a organização a qual pertence, bem como para a sociedade em geral. Temas Encontrados Sentido de missão Recompensa divina Identificação com as tarefas pastorais Importância do trabalho pastoral Reconhecimento de sua capacidade Ajudar pessoas Mudanças na vida das pessoas Capacidade de ajudar 72 Canal divino Análise e Discussão A categoria indica um sentido de prazer atribuído ao exercício pastoral. O entrevistado verbaliza que gosta do que faz, atribuindo ao exercício pastoral um sentido de missão, o que gera um empenho consciente e prazeroso na atividade. Para a relação homem-trabalho, Dejours (2007) chama a atenção para três fatos: (1) o organismo humano é de forma permanente objeto de excitações, tanto exógenas como endógenas, e por isso não pode ser visto como um motor humano; (2) também não pode ser considerado como uma máquina nova ao chegar ao seu local de trabalho, visto que traz consigo uma história pessoal permeada por aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas, as quais integram sua história passada e que lhe conferem características únicas e pessoais; (3) cada trabalhador é um sujeito único e dispõe vias de descarga preferenciais que se diferenciam em relação aos outros e que interferem na estrutura da personalidade. Essas três considerações de Dejours (2007) que envolvem a relação homem-tarefa permeiam as situações de trabalho. Segundo Ferreira e Mendes (2003) as situações de trabalho modificam as percepções do trabalhador em relação aos outros, a si mesmo e ao próprio trabalho. Essas modificações resultam na subjetividade no trabalho, que, no entanto, poderá ser diferente da subjetividade do indivíduo. Os autores explicam que “essa subjetividade permite a construção do sentido no trabalho atribuído de forma compartilhada por um grupo de trabalhadores, que pode ser de prazer e/ou de sofrimento” (p.52). Dessa forma, por meio do trabalho, são construídos os significados psíquicos e a identidade pessoal e social do trabalhador, sendo que nessa construção se dá a dinâmica entre prazer e sofrimento (Dejours, 1987; Ferreira e Mendes, 2003). O trabalho pode ser uma das fontes de saúde psíquica e de construção da identidade na medida em que houver a possibilidade do indivíduo expressar sua subjetividade, bem como de construir uma subjetividade no trabalho ao atribuir o sentido do trabalho como prazer (Ferreira e Mendes, 2003). Para Ferreira e Mendes (2003) “o prazer é uma vivência individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores de experiências de gratificação provenientes da satisfação dos desejos e de necessidades do trabalhador (...)” 73 (p.54), na ocorrência da mediação bem-sucedida dos conflitos e contradições gerados num determinado contexto de trabalho (Ferreira e Mendes, 2003). Entre os principais fatores de prazer no trabalho podem ser citados: a organização flexível do trabalho (na qual tenha espaço para liberdade, autonomia e participação), o uso da criatividade no trabalho, a ocorrência de aprendizagem, relações sociais gratificantes, sentimento de utilidade, produtividade, reconhecimento do trabalho pelos pares, percepção de reconhecimento institucional, espaço para mobilização subjetiva24 e espaço para discussão (Dejours, 2007). Esses fatores são desencadeadores de vivências subjetivas com manifestação de sentimentos como: satisfação, significação social da atividade, criatividade, impressão da marca pessoal, orgulho pessoal, admiração pelo que faz, mobilização, atividade intelectual, relações sociais positivas, modo de construção da identidade pessoal centrado nos sentimentos de liberdade e realização (Dejours, 2007). Para Mendes (Org., 2001) o prazer é vivenciado quando são experimentados sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho, sendo a valorização o sentimento de que o trabalho é importante e significativo para a organização e para a sociedade e o reconhecimento evoca o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para a expressão de sua individualidade. Dessa forma, as vivências de prazer e sofrimento no trabalho ocorrem numa dinâmica do reconhecimento do trabalho e da constituição da identidade no campo social do trabalho. “Olha... eu cresci na igreja e após o meu batismo eu comecei desenvolver o ministério da pregação da Palavra de Deus. Aos catorze anos eu fui o 2º secretário da Congregação e me tornei um cooperador. Como jovem atuei ajudando nos departamentos da igreja e com 24 anos fui ordenado Presbítero... depois Evangelista. Fui missionário de uma igreja e como tive bons resultados, fui ordenado Pastor”. Essa verbalização indica a constituição da identidade com a tarefa pastoral desse pastor ao longo de sua vida, num processo de interação social, em que as habilidades para essa atividade foram sendo reconhecidas pelos bons resultados e 24 “A mediação subjetiva se dá por meio de estratégias de mobilização coletiva que, de acordo com Ferreira e Mendes (2003) são modos de agir em conjunto, por meio do espaço público de discussão e da cooperação, para eliminar o custo humano negativo do trabalho, resignificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições; e transformar em fonte de prazer e bem-estar a organização, as condições e as relações de trabalho” (p.55). FERREIRA, J. B. e MENDES, A. M. Trabalho e Riscos de adoecimento: o caso dos auditores-fiscais da previdência Social Brasileira. Brasília: Ler, Pensar e Agir, 2003. 74 estabelecidas no campo social, de forma a desenvolver sua carreira eclesiástica. Outro exemplo da validação social do trabalho pastoral. “Fui criado por minha mãe na igreja. Então, desde os meus doze anos eu sempre estive envolvido. Participava de grupos jovens, Escola Dominical... Sempre envolvido. E... os pastores que foram meus pastores foram vendo em mim o desejo de trabalhar... e foram me criando oportunidades. E com isso fui aproveitando de uma forma sábia as oportunidades até que... contraímos o matrimônio e... de repente... um dos pastores viu em nós a vocação, a chamada... por certo Deus lhe revelou... e ele então nos ordenou a Presbítero. Posteriormente fomos à Evangelista e finalmente chegamos à Pastor, que é o último estágio dentro da nossa denominação” Para a Psicodinâmica do Trabalho a constituição da identidade se configura ao longo da vida do sujeito, a partir do olhar do outro, em que na relação com o outro são reconhecidas as semelhanças e diferenças. Dessa forma, ocorre a construção da identidade individual e social, a qual se dá numa interação de trocas materiais e afetivas na vivência do cotidiano, dando ao sujeito a possibilidade de constituir sua singularidade em meio a diferenças (Dejours, 2004). Sendo que, segundo Ferreira e Mendes (2003), as principais causas do prazer no trabalho encontram-se nas dimensões da organização, das condições e das relações de trabalho, que estruturam o contexto de atuação do sujeito. No trabalho pastoral, ter sua vocação reconhecida nas relações de trabalho é o que atribui à identidade de ser pastor. “Na minha denominação, para ser pastor, mais importante do que a formação é o reconhecimento da vocação. Se tem o chamado de Deus pra isso”. “Então, o pastor passa basicamente a se dedicar mais às pessoas. É um sacerdócio. Sacerdócio fala de alguém que foi separado para o serviço. Foi escolhido. Então, graças a Deus eu faço o que gosto de fazer. Desde pequeno queria ser... então, graças a Deus, Deus me levou à essa visão e a esse ministério”. “O pastor passa por uma ordenação, consagrado pela igreja, é a igreja que diz se você é pastor, não é a faculdade. A faculdade diz que você é teólogo, a igreja diz se você é pastor, ela vem e coloca a mão sobre a sua cabeça e você é ordenado”. O relato dos entrevistados mostra que para chegarem ao posto de pastor, além do chamado divino, é necessário passaram pelo reconhecimento social de sua organização eclesiástica, o que supera até mesmo a formação teológica. Segundo Dejours e Abdoucheli (2007) a dinâmica da identidade ocorre num processo de “validação social” (p. 134), que se torna eficaz socialmente por meio dos requisitos sociais das relações de trabalho, do coletivo e da comunidade de 75 pertença. Os autores referem que no âmbito do trabalho a construção da identidade se dá no reconhecimento do trabalho do indivíduo, que passa pelo reconhecimento da hierarquia e dos pares, bem como do reconhecimento da habilidade, da inteligência, do talento pessoal e da originalidade. O reconhecimento traz um benefício para o “registro da identidade, isto é, naquilo que torna o trabalhador um sujeito único”, sendo que o reconhecimento daquilo que é realizado por ele é fundamental para que haja sentido no trabalho (Dejours 2007, p. 135). Conforme verbalizado por um dos entrevistados. “Deus me deu esse dom desde criança... de ser uma pessoa, assim, extrovertida Uma pessoa que gosta de se aproximar e ser amiga das pessoas. Nem sempre fui pastor, estou, aí, alguns anos mexendo com isso. Mas, antes eu trabalhava numa empresa grande e sempre tive aquela parte da minha vida aonde que as pessoas se aproximavam de mim e abriam o coração. Por confiar no amigo. E isso foi sempre algo natural na minha vida. Então, eu gosto disso, amo fazer isso e... quero ver as pessoas felizes. A maioria que vem tem um problema detectado. Casamento, droga, desavença com pai e mãe ou não entende o que Deus quer pra vida dele. Então, eu amo fazer isso. Então... isso... por isso se chama dom pastoral. Dom do ministério pastoral, o dom do serviço pastoral. Deus dá isso pra gente. Então, eu gosto porque Deus me deu e eu exerço com muito carinho isso. Eu sou aposentado e poderia ficar em casa sossegado, mas, o meu coração não consegue fazer isso. Por isso eu dedico um expediente aqui”. O relato do entrevistado indica o reconhecimento de sua habilidade em ouvir e acolher as pessoas, o que foi intensificando sua identificação com essa atividade. Na medida em que exerce a habilidade pastoral vai se reconhecendo, identificando e se estabelecendo nela. “Primeiro, ela sente dentro do seu coração essa chamada, esse desejo muito forte de fazer o trabalho. É o que surge... assim... brota no coração da pessoa como uma semente. E essa semente vai crescendo e a pessoa vai se aplicando àquilo e Deus vai aprovando, mostrando, vai clareando. E quando você menos espera você já está inteiramente envolvido no trabalho”. As vivências de prazer no trabalho pastoral também estão ligadas a percepção da utilidade de seu trabalho, na qual experiencia um sentimento de realização em ajudar pessoas, especialmente no exercício das atividades de aconselhamento pastoral. “A área de que mais gosto é o aconselhamento”. “Você trata a alma, lá no desconforto da alma. Rancor, ira, desprezo, rejeição. Você coloca a palavra de Deus e esse é o meu lucro. As pessoas que são irresistíveis ao 76 amor de Deus são felizes. Porque elas são amadas por Deus elas são felizes. Então, essa é a minha remuneração. É isso que me move”. “Se eu pudesse dedicar meu tempo só pra aconselhamento, que é a área que eu mais gosto” As verbalizações nas entrevistas demonstram a vivência de prazer pelo pastor ao perceber-se capaz de ajudar/orientar pessoas e que sua intervenção contribui na ocorrência de mudanças na vida das pessoas aconselhadas, vivenciando um sentimento de utilidade em sua ação. Em uma das entrevistas, um dos pastores referiu que o que motiva seu trabalho são as transformações visíveis na vida das pessoas. “Pessoas que estão aí com a gente. Tem ex tudo aí. Gente que mudou de comportamento, famílias que vivem em paz hoje, são felizes e que viveram traumas grandes. Pessoas que estão caminhando, pessoas que encontraram uma família aqui na igreja, pessoas que viram sua vida, sua família, sua saúde, sua vida profissional restaurada, coisas assim. Tem uma juventude grande aí que não usa droga, não vai pra balada, não fica a noite inteira se alcoolizando. Isso faz toda a diferença”. Dessa forma, os resultados da intervenção pastoral na vida de pessoas, que mostram sinais de mudanças, configuram-se num indicador de gratificação, em que vivencia sentimentos de realização na percepção da utilidade e relevância de seu trabalho. Ferreira e Mendes (2003) definem a gratificação como um dos indicadores de prazer no trabalho, sendo vivenciado por “sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais” (p. 65). Em uma das verbalizações o entrevistado relata uma situação em que menciona a gratificação em poder ajudar pessoas. “São inúmeras experiências que já enfrentamos, que nós já passamos. Mas é um trabalho gratificante. Você veja, só um exemplo que eu vou te dar. Apesar de eu ser ainda bastante jovem, na época eu tinha o quê? Uns vinte e sete, vinte e oito anos. Ainda jovem. Eu já pastoreava de certa forma. Atendia uma igreja, já na época com aproximadamente cento e cinqüenta membros. É um caso que nunca me esqueci. Um casal de senhores, um casal já idoso... já eram bisavós. E eu com apenas vinte e oito anos tive que aconselhar esse casal porque estavam se separando. Já eram bisavós, serviam para ser meus pais. Eu tive que sentar com eles, orar com eles, aconselhá-los. E Deus nos deu graça... que... posteriormente eu pude presenciar Bodas de Ouro daquele casal... e tudo mais. Então são trabalhos, assim, gratificantes, sabe? Que nos ajudam bastante”. 77 A posição pastoral fornece também um status social em seu ambiente de trabalho e o reconhecimento de que ele pode oferecer ajuda, sendo uma fonte de prazer. “Eu acredito que a voz do pastor dentro da igreja, ela é muito considerada e muito respeitada. O pastor autêntico. Um pastor com chamado, um pastor verdadeiro, não um mercenário. Mas, a voz do pastor autêntico, ela é muito respeitada pela comunidade, pela igreja. A igreja lhe ouve muito”. “Eu gosto bastante da área de aconselhamento. Então... aqui eu freqüentemente estou sentado com alguém, procuram muito. Ontem mesmo após o culto eu fui procurado por uma jovem pra dar orientação à ela”. Para Mendes (org., 2002) “o ato de produzir permite um reconhecimento de si próprio como alguém que existe e tem importância para a existência do outro, transformando o trabalho em um meio para estruturação psíquica do homem” (p.27). Para melhor explicar a dinâmica da identidade e reconhecimento do trabalho, Dejours (2004) apresenta o triângulo da dinâmica da identidade proposto por Sigaut25. Real Ego Outro O triângulo de Sigaut representa a dinâmica entre real – ego – outro. Dejours (2004) deu ao triângulo de Sigaut uma forma específica, a qual denominou o triângulo da Psicodinâmica do Trabalho, no qual corresponde o real a trabalho, o ego a sofrimento, e o outro a reconhecimento. A dinâmica representada no triângulo sinaliza que a relação entre identidade e trabalho sofre uma mediação, ou seja, o outro exercendo um papel de julgar o reconhecimento (Dejours, 2004). Trabalho Sofrimento Reconhecimento Segundo Dejours (2004) “o reconhecimento passa pela reconstrução rigorosa dos julgamentos” (p.72). Ao ser julgado e reconhecido o fazer do trabalhador também ocorre uma “gratificação identitária” (p.73). Dessa forma, 25 F. Sigaut, “Folie, réel et technologie”, Techniques et Culture, n. 15, 1990, pp. 167-179, apud Dejours (2004, p. 73). 78 Dejours, (2004) explica que “a retribuição simbólica conferida por reconhecimento pode ganhar sentido em relação às expectativas subjetivas e à realização de si mesmo” (p.73). Para a Psicodinâmica do Trabalho o reconhecimento que provém do olhar do outro é uma retribuição simbólica da produção de sentido conferida à vivência no trabalho (Dejours, 2004). Conforme explica Dejours (2004) “o sentido que dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho e, como vimos, este é proveniente e consubstanciado em toda situação laboral, pois representa, antes de tudo, encontrar-se diante do conjunto de constrangimentos sistêmicos e técnicos” (p.74). Portanto, “a conquista da identidade no campo social, mediada pela atividade do trabalho, passa pela dinâmica do reconhecimento” (p.75). Dessa forma, na construção da identidade do sujeito via reconhecimento o trabalho se configura numa das fontes de saúde psíquica (Ferreira e Mendes, 2003). No entanto, segundo Ferreira e Mendes (2003), suas pesquisas demonstram que na maioria das vezes o que predomina é o sofrimento no trabalho diante de restrições às possibilidades de negociações por parte dos trabalhadores em sua realidade de trabalho, de seus desejos ou quando as tentativas individuais e coletivas em reação às adversidades do trabalho se esgotam, instaurando o adoecimento. Algumas questões relativas ao sofrimento no trabalho pastoral serão abordadas na próxima categoria de análise. 4.7 “Ninguém entendeu o meu estado emocional” Descrição Há uma cobrança de que esteja continuamente disponível e que perceba as necessidades das pessoas, no entanto, dificilmente tem suas próprias necessidades e limitações reconhecidas por outros. O pastor também vivencia uma oscilação emocional diante da inconstância das atividades que desempenha, sendo que num momento realiza um casamento e em outro precisa conduzir um funeral. A atividade de aconselhamento, ao mesmo tempo em que é percebida como fonte de realização, também é apontada como atividade geradora de desgaste e cansaço. Entre os motivos estão o confronto com pessoas que manifestavam possessões demoníacas, contato com o sofrimento das pessoas, dificuldades crônicas de pessoas, a demora de resultados, pessoas que não mudam de comportamento, famílias desestruturadas. Muitas vezes o pastor faz o papel de mediador de conflitos. Entre estes aspectos ainda as expectativas elevadas em relação à sua conduta ética e moral, levam-no a sentir-se em constante avaliação, o que gera uma tensão 79 psíquica e que sinalizam vivências de sofrimento no trabalho pastoral, precisando cuidar para não somatizar. Temas Encontrados Incompreensão por parte das pessoas Solidão em meio a dificuldades Inconstância das atividades Sofrimento das pessoas Dificuldades crônicas Demora de resultados Famílias desestruturadas Pessoas que não mudam de comportamento Mediação de conflitos Avaliação da conduta Cuidado com a somatização Muitos compromissos Análise e Discussão A categoria indica o não reconhecimento de uma condição emocional, estabelecendo uma vivência de sofrimento no trabalho do pastor entrevistado. De acordo com Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento é uma vivência individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores, sendo muitas vezes consciente. É a vivência de “experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança, provenientes de conflitos e de contradições originadas do confronto entre desejo e necessidades do trabalhador e as características de determinado contexto de Produção de Bens e Serviços” (p.53). Entre os principais fatores de sofrimento no trabalho Dejours (2001) cita: a pressão para trabalhar mal, a falta de esperança de ser reconhecido e o medo da incompetência. Para Silva (2004) ainda podem ser citados fatores como “subutilização do potencial técnico e intelectual do trabalhador, falta de participação nas decisões, insegurança no trabalho, pouca perspectiva de aprendizagem e crescimento profissional, restrição à liberdade de expressão e espaço limitado para o coletivo de trabalho” (p. 68). Estes fatores resultam em vivências subjetivas geradoras de sentimentos como insatisfação, tédio, ansiedade, indignidade, inutilidade, desqualificação, desvalorização, desmotivação, frustração, adormecimento intelectual empobrecimento das relações sociais, crise de identidade pessoal e social (Dejours, 2007). 80 Dejours (2004) afirma que “se o indivíduo mantém, por intermédio de seu trabalho, uma relação com o real, mas o seu trabalho não é reconhecido pelo outro, mesmo que esse trabalho esteja em relação ‘verdadeira’ com o real, ele se encontra, também neste caso, condenado à solidão alienante” (p.98). Sendo esta situação representada da seguinte forma: Trabalho Sofrimento Alienação Social Reconhecimento O não reconhecimento das contribuições do trabalho do indivíduo, o colocam em risco de uma crise de identidade (Dejours, 2004). Segundo Dejours (2004) essa crise pode fazer com que o trabalhador se entregue a loucura ao protestar/reclamar os seus direitos ou pode perder a autoconfiança e duvidar da realidade com a qual está confrontado, sendo que ninguém a reconhece. O relato dos pastores sinaliza esta vivência. “Eu passei situações emocionais, de extremo estresse quando meus filhos eram pequenos e um deles ficou em coma na UTI. Ele foi internado em estado crítico e ficou uns quinze dias em tratamento de UTI, com médicos especialistas. Então, foi um momento muito crítico na minha vida. Ele foi internado num sábado, às seis horas da tarde. E em função daquilo eu procurei várias pessoas da igreja se elas poderiam dirigir o culto domingo de manhã, e não consegui ninguém da igreja. ‘Ah... eu não posso... ah, em cima da hora não dá...’ ninguém entendeu o meu estado emocional. E eu tive que vir no domingo de manhã, com meu filho correndo risco na UTI, o próprio médico disse a vida dele não tinha garantia. Ou seja, foi uma situação de extrema... de extremo estresse que eu estava e eu tive que vir dirigir o culto. Na época eu fiquei muito magoado, fiquei chateado com aquilo, e confesso pra você que na época eu pensei até em desistir do pastorado. Achei que foi uma falta de solidariedade, uma falta de compreensão. Mas, depois eu passei por cima, superei aquilo. As vezes o problema seu não é o problema dos outros. Eu procuro me colocar muito nessa relação de ajuda. Me colocar no lugar do outro. Mas, as pessoas não se colocam no lugar da gente, esse é que é o problema. Pelo menos a maioria das pessoas”. O sofrimento aqui ocorre devido o entrevistado não ser reconhecido como um ser de necessidades na situação relatada. Nessa verbalização é possível perceber que há uma mobilização por negociação com os sujeitos sociais no contexto do seu trabalho para que consiga obter o reconhecimento de sua necessidade pontual de ajuda e colaboração. No entanto, esgota todas as tentativas e o que consegue é apenas a falta de solidariedade e falta de compreensão. Diante 81 do que se instaura o sofrimento que é relatado pelo entrevistado como sendo um momento crítico em sua vida e de extremo estresse. Segundo Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento predomina diante de “condições externas extremamente restritivas às possibilidades de os sujeitos negociarem seus desejos diante da realidade e/ou quando se esgotam todas as tentativas de reação às adversidades do trabalho instalando-se o adoecimento” (p.53). No entanto o sofrimento não se instala de forma permanente, segundo Mendes (2002), sendo que em si não é patológico, podendo inclusive funcionar como um sinal de alerta para evitar o adoecimento. Visto que, pelo relato do entrevistado, ele ter superado aquela situação, pode - se perceber que o sofrimento ocorreu, sem, no entanto ficar estabelecido permanentemente. Outro fator instaurador de sofrimento no trabalho pastoral em relação ao não reconhecimento ficou evidente na verbalização de um dos entrevistados ao se referir a desvalorização social de sua condição pastoral. “Então uma coisa é você não ser reconhecido como e outra é muitas vezes visto com certo desdém de uma coisa que você faz... que você sabe o está fazendo, você tem compromisso com o que você está fazendo. Mas, as pessoas costumam demonizar muito os títulos ‘pastores’. E isso eu vejo que muitos sacerdotes, de modo geral, muitas vezes são demonizados. As pessoas que lideram elas tem a facilidade de serem mal vistas, as vezes. Todavia, nós devemos também olhar com outros olhos, não é verdade? Sempre existem pessoas que fazem o que fazem bem feito, com amor, com dedicação. Isso em todas as áreas”. Segundo Oliveira (2005) essa desvalorização social leva o pastor ao desânimo, o que intensifica a tentação em aceitar o poder que lhe é oferecido no púlpito. Outro fator de sofrimento no trabalho pastoral que ficou evidente no relato de um entrevistado está relacionado à organização de seu trabalho. “As pessoas se sentem no direito de ligar duas horas da manhã. E no momento em que a pessoa tem um problema, aquele problema dela é o mais importante do mundo e se o pastor não abrir mão de qualquer outra coisa... se acontecer um problema grave na vida de alguém, o pastor se sente na obrigação... ele é cobrado pra abrir mão de uma situação importante na família pra ir lá atender aquele caso da membresia da igreja. Isso causa um problema muito grande na família, que pode não entender. Mas, se ele não atende a pessoa da igreja..., aquelas pessoas não vão entender. ‘Ah... o pastor não me assistiu e ele foi relapso, não veio no dia que ele disse, não esteve comigo’. Então, o pastor é aquela pessoa que fica entre a cruz e o punhal. Pra ele atender todas as coisas depende de uma administração muito grande, de uma agenda, de uma disciplina muito grande. O pastor tem que ter uma vida bastante planejada, pra ele poder conciliar essas coisas. Se ele não planejar com bastante tempo, se ele deixar pra satisfazer apenas as coisas 82 momentâneas ele entra em uma malha que ele não consegue sair mais. Acaba não agradando nem gregos e nem troianos”. O pastor referiu que precisa ter uma administração muito grande com a organização de agenda e executá-la com disciplina do contrário não conseguirá dar conta de tantas demandas de seu atendimento. Inclusive mencionou que fica “entre a cruz e o punhal”, sendo que precisa atender as pessoas e, as vezes, ao mesmo tempo atender sua família, correndo o risco de não ser compreendido por nenhum dos lados. Para Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento se instala quando a organização do trabalho, as condições e as relações sociais de trabalho não permitem uma descarga do investimento pulsional de forma que impossibilite uma resignificação do sofrimento e o uso da mobilização coletiva, bloqueando a transformação no contexto de trabalho. Dejours (2007) explica ainda que quando a relação entre o trabalhador e a organização do trabalho é bloqueada ocasiona um sentimento de desprazer e tensão, devido a energia pulsional não achar descarga no exercício do trabalho, ocorrendo o domínio do sofrimento e da luta contra o sofrimento. Outra citação também mostra a relação sofrimento e organização do trabalho pastoral. “A atividade mais cansativa no ministério são os altos e baixos emocionais da gente. Essa inconstância das atividades... você sai de um culto celebrativo, de um casamento, com uma festa enorme, tudo muito gostoso etc. E daí a meia hora você recebe um telefonema daquela família que você ama, da igreja, voltando da praia, que sofreu um acidente e que alguém da família morreu e que os outros estão internados. Aquilo dá um choque emocional muito grande. Então, essa alternância na parte emotiva da gente é o que mais cansa, é o que mais estressa... esses altos e baixos emocionais”. O trabalho do pastor está organizado de acordo com tarefas prescritas que compõem atividades desde funerais até casamentos etc. No entanto ao vivenciar o desempenho dessas atividades percebe que a oscilação do conteúdo das tarefas gera cansaço e desgaste emocional. Segundo Ferreira e Mendes (2003) o desgaste é um dos indicadores de sofrimento em que se vivencia um “sentimento de que o trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração” (p.65). 83 Outro indicador que define o sofrimento apresentado por Ferreira e Mendes (2003) é a insegurança, sendo o sentimento um “receio de não conseguir atender às expectativas relacionadas à competência profissional, exigências de produtividade e pressões no trabalho” (p.65). O medo da incompetência é um dos fatores de sofrimento no trabalho descritos por Dejours (2001) e se configura em fator de sofrimento na prática pastoral, diante de situações de aconselhamento, sendo que é esperado do pastor que ajude as pessoas a resolver seus dilemas. No entanto, há diversas situações em que se vê impossibilitado em ajudar, o que gera angústia. “Angústia... Pessoas que a gente investiu e não chegou a lugar nenhum. A gente investiu em jovens que foram assassinatos, tentando tirar das drogas. Angustia de um jeito que você não tem idéia. Gente que travou e que não foi a lugar nenhum por decisão própria, ta sofrendo, mas, não ajuda, não coopera, não... você fica... orando pra que Deus faça alguma coisa criativa e diferente do que você está vendo, pra ver uma reação. Essas coisas acontecem, gente que se machucou muito, porque não ouvem os conselhos, e você tava ali perto e acompanhou, jovens, famílias... famílias quebradas, casos de parar de investir no outro, não ouvir. Vem aí os casais com histórias de agressão de tudo o que você pode imaginar e a gente não consegue levar até um relacionamento saudável”. Segundo o relato há um sentimento de angústia diante dos problemas das pessoas a quem se propõe ajudar e que não apresentam sinais de melhorias em suas vidas. Este aspecto é vivido como cansaço e desgaste na atividade de aconselhamento. “A atividade mais cansativa é o aconselhamento”. “Quando você vê pais que batem em criança. Isso desgasta a gente. Agora a pouco, antes de você chegar, eu atendi uma senhora que ela casou e com uma pessoa totalmente desequilibrada, dominadora, até exigindo, assim, coisas absurdas a nível de contato físico, e ela se desgastou com isso. Ela era muito menina, ele já era bem maduro. A gente até que, muitas vezes, aconselha que muita diferença de idade não seja aconselhável para fazer uma união, mas, ela na época ingênua, e ela ligou pra mim chorando. E isso também é cansativo. Porque você quer ajudar e... muitas vezes as pessoas... Então, você ouvir, assim, essas atrocidades que acontecem. A gente quer ajudar, quer fazer alguma coisa, mas... isso também cansa a gente”. Diante de dificuldades crônicas de pessoas, da demora de resultados, pessoas que não mudam de comportamento e de famílias desestruturadas, se instala um sentimento de impotência. 84 Portanto, por mais que a atividade de aconselhamento seja uma vivência de prazer, em que há um sentimento de reconhecimento e gratificação, também há uma vivência de sofrimento ao se sentir incompetente para desenvolver a função de ajuda, em alguns casos, sendo essa atividade vivenciada paradoxalmente. Por um lado se apresenta como fonte de prazer, por outro lado é apontada como fonte de desprazer, sendo fonte geradora de cansaço e desgaste. “Por mais que é o teu papel, é trabalho, é bom, é gratificante por um lado, porém por outro lado você sofre com as pessoas”. Essa verbalização indica um sofrimento que se relaciona com os limites encontrados em sua função. “Você tem que tomar muito cuidado pra não somatizar”. Segundo Dejours (2004) “se a dinâmica do reconhecimento está paralisada, o sofrimento não pode mais ser transformado em prazer, não pode mais encontrar sentido: só pode gerar acúmulos que levarão o indivíduo a uma dinâmica patogênica de descompensação psíquica ou somática” (p.77). Portanto, as demandas do trabalho pastoral podem acarretar riscos ao trabalhador religioso, cuja saúde pouco tem sido estudada, conforme constatado pelo psiquiatra Lotufo Neto (1997) ao engendrar uma pesquisa sobre a prevalência de transtornos mentais entre ministros religiosos. O pesquisador relata que ao buscar literatura sobre o tema ficou evidente o quão pouco se estudou sobre essa questão, sendo os trabalhos existentes antigos. Os resultados da pesquisa de Lotufo Neto (1997) mostraram que dentre a população pesquisada 16,4% apresentaram Transtornos Depressivos, 12,9% Transtornos do Sono e 9,4% Transtornos Ansiosos. A pesquisa ainda evidenciou os fatores mais importantes de estresse identificados: problemas financeiros, problemas com outros pastores, conflitos com os líderes leigos da igreja, dificuldades conjugais, problemas doutrinários e sobrecarga de trabalho. O que chama a atenção nos resultados dessa pesquisa é que os sinais mais importantes de estresse identificados, praticamente estão relacionados com a organização do trabalho desses líderes religiosos. Além de pesquisas científicas contemplando o trabalho do pastor, o próprio meio evangélico tem se preocupado com a saúde mental de seus líderes, o que se encontra explícito em temas abordados em sites da internet direcionados à esse 85 público, cuja temática chama atenção. Citando apenas alguns: (a) “Pastores à beira de um ataque de nervos - submetidos a pressões cada vez maiores e ao estresse constante, líderes evangélicos são vítimas potenciais de problemas psicológicos” 26 ; (b) “Cuidado, seu pastor pode surtar a qualquer momento - há pastores: estressados, com nervos em frangalhos, com a família a ponto de implodir, em tratamento psicológico e psiquiátrico, com freqüentes crises de depressão, dependentes de remédios de tarja preta, até há pastores com ideação suicida” 27; (c) “Pastor precisa de pastor? – os pastores têm necessidade de serem pastoreados, sendo que têm necessidades pessoais como todo mundo. Todas as profissões envolvem o estresse e o pastor não é exceção”28. Segundo Dejours e Abdoucheli (2007), diante das vivências de sofrimento, podem desencadear-se processos de ordem patogênica ou de ordem criativa. No processo patogênico ocorre uma lógica defensiva, na qual o trabalhador fica aprisionado à pressões fixas, rígidas e incontornáveis que intensificam frustrações, medos, angústias e sentimentos de impotência. Já no processo criativo, o trabalhador utiliza sua inteligência e criatividade para transformar a realidade que o faz sofrer. Esses processos evidenciam as estratégias de mediação ou enfrentamento do sofrimento, que, segundo Silva (2004), “servem para combater, atenuar ou até mesmo ocultar o sofrimento que atinge o trabalhador quando confrontado com sua realidade de trabalho” (p.71). As estratégias de mediações serão analisadas a partir da apresentação da próxima categoria de análise. 4.8 “Quando eu estou passando por alguma situação delicada eu procuro me refugiar, renovar as forças” Descrição Entre as estratégias de mediação do sofrimento os pastores utilizam principalmente o distanciamento do contexto de trabalho por meio do isolamento, do individualismo, da espiritualidade e das atividades compensatórias. Estas defesas se estabelecem ao retirar-se das atividades, da organização e das pessoas relacionadas ao seu ministério, ou seja, de seu trabalho. A espiritualidade é exercida por meio de 26 Disponível em: <http://3re.metodista.org.br/index.jsp?conteudo=5932> Acesso em: 28 Mar 2008. Disponível em: <http://www.adventistas.com/fevereiro2003/orar_pastores.htm> Acesso em: 28 Mar 2008. 28 Disponível em: < http://www.ltprogram.com/pastor.pdf> Acesso em: 28 Mar 2008. 27 86 orações, meditações, leitura da Bíblia e outras literaturas relacionadas. Nas atividades compensatórias busca renovar suas energias através de: descanso, viagens, reflexão, estudo e cuidado com a saúde. Estes momentos podem incluir a família e as vezes os amigos de maior intimidade, que não são muitos. A submissão é também uma das estratégias. É vivenciado um constante estado de alerta relacionado à sua conduta que ultrapassa o contexto de trabalho, estando presente, inclusive no convívio com família e amigos. As reuniões de equipe são encontros com objetivo de avaliar o andamento do trabalho e verificar novas possibilidades estratégicas relacionadas ao andamento da organização eclesiástica. Temas Encontrados Espiritualidade Família Descanso Refúgio Viagem Reflexão Meditação Estudo Convívio com amigos Análise e Discussão A categoria indica a utilização de estratégias na mediação do sofrimento vivenciado em situações mencionadas pelos entrevistados como “delicadas”. Para Dejours (2007), devido os trabalhadores estarem sempre submetidos à pressões e sofrimento no trabalho, ocorre um ajuste entre a subjetividade e a organização do trabalho. O pesquisador percebeu isso ao estudar situações de trabalho geradoras de sofrimento para os trabalhadores e observou que em todas essas situações, os implicados no sofrimento no trabalho mobilizavam, entre outros processos, estratégias, tanto individuais como coletivas para lidar com seus sentimentos e continuar trabalhando. O autor afirma que para isso são utilizadas estratégias de mediação do sofrimento que podem ocorrer por duas vias. Uma é quando o trabalhador lida com o sofrimento via estratégias defensivas e outra é por meio de mobilização subjetiva (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2007). Segundo Ferreira e Mendes (2003) as estratégias defensivas são mecanismos de negação e/ou racionalização do sofrimento e do custo humano negativo causado pelas contradições e pelos conflitos vivenciados no contexto de trabalho, que, muitas vezes são inconscientes, individuais e/ou compartilhados por um grupo de trabalhadores. 87 Ferreira e Mendes (2003) explicam que a estratégia defensiva via negação se caracteriza como uma naturalização do sofrimento e das injustiças sofridas no trabalho, ou até mesmo uma supervalorização dos resultados positivos, das vantagens e dos fracassos como “decorrentes da incompetência, da falta de seriedade, de preparo, da má vontade ou da incapacidade humana” (Ferreira e Mendes, p.57). Esse mecanismo é acionado “por comportamentos de isolamento, desconfiança, exacerbação do individualismo, banalização das adversidades do contexto de produção e eliminação do coletivo de trabalho, ao não considerar a história que o produziu” (p.57). O refúgio para renovar forças referido pela verbalização do pastor entrevistado, e que está sinalizada no título da categoria de análise, remete à um distanciamento da realidade de trabalho para o enfrentamento das contradições propiciadoras de sofrimento relacionadas ao trabalho pastoral. Ou seja, ao invés de recriar a realidade que produz o sofrimento junto ao coletivo implicado no trabalho, se distancia do mesmo. Entre as estratégias defensivas de distanciamento mais utilizadas pelos pastores entrevistados estão as atividades compensatórias (Silva, 2004), o isolamento (Ferreira e Mendes, 2003), o individualismo (Dejours, 2001) e a espiritualidade (Farris, 2002). Seriam como que válvulas de escape, em busca por um fôlego novo, para posteriormente retornar à adaptação na realidade geradora de tensão, que exige do trabalhador pastor um estado de alerta contínuo que é sem tréguas, como visto anteriormente. As atividades compensatórias foram verbalizadas pelos entrevistados como viagens, refeições diferenciadas, momentos com amigos e família, momentos de lazer como pescaria, esporte. “Tem coisas práticas... eu tenho amigos, eu tenho coisas que eu gosto de comer, eu tenho coisas que... tem dias que eu preciso cancelar um ... uns atendimentos. É num dia em que, realmente, você está fisicamente esgotado e você percebe isso, eu cancelo... peço pra cancelar, peço pra mudar um horário, ligo pra alguém, saio, vou com a minha família. Num final de semana ou outro em que eu me encontro numa situação, assim, de estresse, faço uma pequena viagem com minha família... e... essas coisa restauram a gente. Saúde... emocional, mental”. “Tenho meus amigos... semanalmente, a gente está se comunicando por telefone e conversando”. “Tenho minha esposa. Tenho meus filhos, netos. Curto, barbaridade eles. Final de semana estamos juntos e nós temos uma chácara muito bonita da igreja, que é da 88 igreja. Lá tem, também, uma porção de coisas de lazer... também a gente vai pra lá, passa o fim de semana lá, junto com os filhos ou vão lá em casa. Moro num apartamento que não é tão grande, mas, cabe todo mundo lá. Gosto de pescar e... joguei futebol, gostava de jogar, praticar esporte, pratiquei até 3 anos atrás, mas, fiz uma cirurgia e, então, tive que diminuir violentamente isto”. Segundo Silva (2004) as atividades compensatórias surgem como um mecanismo de defesa como uma válvula de escape, assumindo o caráter essencial de compensar o sofrimento. Em relação as atividades compensatórias Mendes e Silva (2006) afirmam que “fugindo ao domínio direto do contexto de trabalho, não são realizadas naquele contexto, mas em sua razão” (p.110). Quando o sofrimento suscita estratégias defensivas, envolve um processo mental, o qual tem o papel de adaptar o trabalhador às pressões do trabalho, visando a diminuição do sofrimento (Dejours, 2007). Contribui de alguma forma para a aceitação do sofrimento mental e pode gerar como uma das conseqüências um imobilismo social frente as questões do coletivo da categoria profissional (Mendes e Silva, 2006). Dessa forma as estratégias defensivas para mediar o sofrimento auxiliam o trabalhador na adaptação e ajustamento de suas necessidades e desejos (Dejours e Abdoucheli, 2007). O distanciamento como estratégia defensiva pode ser percebido no relato das entrevistas. “Vou viajar... saio três, quatro dias para espairecer a cabeça”. “Então eu dou uma saída, tiro aí um ou dois dias, de repente até um final de semana, ou vou para o litoral, ou vou para uma chácara, ou uma coisa dessa natureza”. “Eu tenho maneiras de me desestressar. Eu pesco... eu faço o meu momento no meio das matas, no meio da montanha, serra, na beira de um lago, num sítio. Eu tenho vários contatos e meios, então eu ligo pra uma pessoa e ela prepara um lugar e vou ter o meu momento, passo um dia, dois dias, passo lá fazendo higiene mental. Isso eu faço orando, porque já foi comprovado pela Universidade de Harvard que quando você ora você desestressa, você desentulha. Está comprovado isso, cientificamente falando. Então a oração faz bem até pra o coração. Comprovado. Então quando você entende que orar faz bem e se você entende dessa forma, vai para um ambiente apropriado. Então vou pra um sítio, pra uma mata, pra um monte... pescar as vezes. Jogar... sei lá...andar de bicicleta, vou pra o parque, entendeu? Então tem várias maneiras de desestressar. Eu me percebo. Se estou estressado, no meio da atividade eu arrumo uma atividade que não tem nada a ver com a minha atividade. Jogar um boliche, ir ao shopping olhar as coisas... sei lá. Olhar bichos. Então eu tenho vários meios de esvaziar”. “Eu me observo, eu faço, eu tenho mania de auto análise. O tempo passou... eu rebobino. Eu volto a fita. As vezes sentado... As vezes.. quando... muitas vezes 89 quando estou só... viajando... as vezes quando pego um livro pra ler, as vezes, eu paro a leitura e faço uma leitura. Eu sou assim. Eu aprendi isso com alguns poetas. Quando você lê muito livro de poesia, você se torna... a tua alma muda. Gosto de poesia. Então, eu gosto de música. Eu sou um pouco músico, então o músico ele tem a alma diferente, um ouvido diferente. E... leio muito livro de poesia. E quando você começa a ver, estudar e se observar... você começa a se entender e ao mesmo tempo... você começa a se escandalizar, as vezes, consigo. E ao mesmo tempo você tem mais controle porque você se conhece. “Quando chega ao extremo... eu também sei que se eu estou a ponto de explodir, então, é melhor eu não me apresentar diante do povo. Eu prefiro então me isolar, prefiro até ficar em casa, se for o caso. Porque a igreja em si, ela não tem a obrigação de ouvir as minhas queixas. Você como psicóloga vai saber que quando uma pessoa está, assim, com os nervos à flor da pele, ela é capaz de dizer o que não deve. Então, eu prefiro não me expor nessas horas. É até mais convincente, conveniente você ficar em casa refletindo, do que subir num púlpito e acabar dizendo o que não deve para uma congregação”. As verbalizações mostram defensivas, ao sinalizar que são manifestados comportamentos de isolamento ao se retirar de seu contexto de trabalho para lidar com as adversidades. O isolamento é apontado por Ferreira e Mendes (2003) como um dos comportamentos característicos da estratégia de defesa de negação. São estratégias de distanciamento da realidade de trabalho buscando um autocontrole por meio do isolamento da atividade. O autocontrole é buscado para poder resistir ao sofrimento e se manter trabalhando. Para Dejours (2001) o aspecto da resistência é característico do individualismo, sendo que o indivíduo resiste numa defesa do silêncio, da cegueira e da surdez. O autor Dejours (2001) nessa estratégia cada indivíduo se preocupa em resistir e para que consiga fazer isso é necessário fechar os olhos e os ouvidos ao sofrimento de outros. Segundo Mendes, Borges e Ferreira (2002) o individualismo emerge diante de um sentimento de impotência frente à situações causadoras de sofrimento “como falta de cooperação, de confiança, de compartilhamento de regras, separação entre planejamento e execução das tarefas, e pela desestruturação das relações psicoafetivas com o coletivo de trabalho” (p.3435). Segundo Dejours (2007) o individualismo se instaura “quando as tensões e as ideologias defensivas estão estabilizadas após certo tempo. Surgem então o desencorajamento e a resignação diante de uma situação que não gera mais prazer e não ocasiona senão sofrimento e sentimentos de injustiça” (p.58). Para o autor o individualismo passa por um processo de naturalização da causalidade em que é “atribuído a uma fatalidade natural, à evolução cultural, às transformações da sociedade em seu conjunto e, mesmo, à decadência da civilização” (p.58). 90 A naturalização do sofrimento, como característica de uma estratégia defensiva de negação (Ferreira e Mendes (2003), também pode ser percebida nas entrevistas. “A gente procura se controlar... interpretar esse momento... procura... absorver esse momento como sendo alguma coisa da vida normal da gente. Mas, infelizmente a vida emocional da gente, não tem como a gente administrar muito”. “Com a experiência que eu tenho, acho tudo normal, natural, não tem como você resolver todas as dificuldades e, mas... isso é experiência. Traz pra você um pouco de maturidade e daí você começa a lidar com essas situações”. Dessa forma as dificuldades são percebidas como naturais e simplesmente aceitar que não tem como resolver todas elas seria uma condição de maturidade conquistada. Mendes e Silva (2006) afirmam que o individualismo além de ser uma estratégia defensiva, para a realidade dos pastores pode também servir de manutenção da imagem mítica de líder, visto que se houver uma socialização das fraquezas pode correr o risco de perder a aura de liderança divinizada. No entanto, Dejours (2007) afirma que o processo de naturalização do individualismo tem uma função alienante e de ocultação das relações sociais, através do que desempenha “uma desapropriação da inteligibilidade e do poder sobre o ato” (p.59). Segundo Dejours e Abdoucheli (2007), ao serem estruturadas as defesas, ocorre para os trabalhadores uma transformação profunda do sofrimento da expressão do sofrimento, fazendo simplesmente com que se adaptem as exigências do trabalho. Por isso, segundo os autores, há um grande risco de alienação, cujo domínio ocorre quando as estratégias se transformam em “ideologia defensiva” (p. 130). Nela os indivíduos passam a se integrar e identificar com a organização, de forma que seus valores passam a ser seus próprios valores e se transformam em instrumentos submissos e dóceis, acreditando, que são autônomos, no entanto, são explorados no trabalho. Até mesmo a própria instituição favorece distanciamento dos pastores na medida em que dá a condição para que o pastor se retire para compor as energias. “Eu sou o pastor titular, então nesses momentos eu também gozo dessa prerrogativa de poder sair quando estou estressado e também concedo aos meus auxiliares essa prerrogativa em momentos de crise, em momentos de extremo estresse eles tem o direito de sair, de ficar três, quatro dias fora ou até mesmo ficar descansando em casa, sem ter aquele compromisso de fazer isso ou ter que realizar aquilo”. 91 Segundo Dejours (2001) a organização ao propiciar as estratégias de defesa, apenas o faz por interesse próprio objetivando um trabalhador cada vez mais adaptado ao trabalho da maneira como lhe é exigido e proposto. Criar as condições para que descarregue suas energias numa estratégia de defesa e não numa mobilização recriadora do que faz sofrer, nada mais é do que uma forma de controle para manter o trabalhador dedicado a aceleração do trabalho, com finalidade de alta produção para a organização. Outra estratégia defensiva é a racionalização. Na utilização da racionalização há uma evitação e eufemização29 da angústia, do medo e da insegurança, em que são invocadas justificativas mágicas valorizadas socialmente, bem como causas externas para explicar as situações desconfortáveis, desagradáveis e mesmo dolorosas diante de riscos, ritmo acelerado, exigências elevadas de desempenho e produtividade no trabalho (Ferreira e Mendes (2003). Segundo Ferreira e Mendes (2003) como conseqüência, a racionalização, pode ameaçar a estabilidade e mascarar as razões do imobilismo, diante das adversidades do contexto de trabalho, por meio de comportamentos de apatia, resignação, indiferença, passividade, conformidade e de controle sobre pessoas e situações. Este aspecto pode ser percebido no trabalho dos pastores como estratégia defensiva na apresentação de justificativas mágicas e causas externas na explicação de situações desconfortáveis no trabalho, sendo pelo viés da religiosidade. Como foi verbalizado por um dos entrevistados referindo-se a existência de um inimigo que ameaça sua posição de liderança. “O pastor é como um general, um comandante diante de um grande exército. Todos os inimigos... o nosso grande arqui-inimigo ele procura derrubar o general. Então, por isso que é uma vida de constante alerta e por isso a dependência de Deus, por isso uma vida de oração, uma vida de submissão etc, que deve caracterizar a vida do pastor”. Para vencer essa ameaça, que vem do mundo mágico, se refugia na espiritualidade. Sem querer desvalorizar essa possibilidade, visto que pertence a um conteúdo religioso peculiar do protestantismo e não se tem aqui a pretensão de discutir o conteúdo religioso do trabalho pastoral, no entanto, não é possível deixar 29 Definição de Eufemismo: “Ato de suavizar a expressão duma idéia substituindo a palavra ou expressão própria por outra mais agradável, mais polida”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999. 92 de mencionar que esse aspecto pode se configurar num mecanismo de negação de possibilidades reais que se apresentam na realidade do contexto de trabalho. Segundo Siqueira (2006) na religiosidade os indivíduos também buscam por equilíbrio para as esferas da vida que envolve o racional, o afetivo e o social. Seria uma postura diante do mundo que abraça valores comuns a maioria das religiões, como amor, igualdade, respeito ao próximo, liberdade e fraternidade. Dessa forma, para a autora os aspectos da religião ultrapassam o conjunto de crenças de uma ou outra denominação a qual determina os rituais e as doutrinas particulares de cada uma. De acordo com os parâmetros da religiosidade deve-se considerar que as atividades do exercício pastoral estão intrinsecamente atreladas a estes aspectos da religiosidade, sendo que pertencem ao conteúdo da própria tarefa pastoral. As explicações pela via da religiosidade fortalecem o sentido vocacional, que busca transcender aos interesses e conflitos pessoais, levando o pastor a uma submissão a organização do trabalho. Desta forma, o trabalho visto como uma vocação pode ser experimentado como satisfação e fonte de significado, podendo ser um mecanismo propulsor de desenvolvimento interpessoal e espiritual (Siqueira, 2006), levando a uma aceitação pacífica das restrições, injustiças e exigências do trabalho.. A espiritualidade pode ser uma defesa que atribui um sentido ao trabalho em que o sujeito encontra um elemento estruturador e integrador da subjetividade, ao ser adotada uma postura de vida que busca sentido, significado para estar no mundo, com a família e também no trabalho, podendo ocorrer uma experiência integradora que lhe dá um sentido de vida maior (Siqueira, 2006). De acordo com essa perspectiva, segundo Farris (2002), o sujeito poderá encontrar a capacidade de retroceder com as experiências e/ou sentimentos que estariam sendo negados. No entanto, Farris (2002) aponta que o viés religioso pode também ser usado como um recurso de mecanismo de defesa em momentos de dificuldades ou estresse e propiciar uma negação dos sentimentos de forma que o sujeito não os integra de maneira ativa e criativa em sua vida. O autor alerta que, dessa forma, pode haver uma evitação em lidar com: (a) as dificuldades cotidianas do trabalho; (b) as dificuldades existenciais, em termos de olhar honestamente para si mesmo; (c) os erros ou enganos, verdadeiros ou imaginários, podendo funcionar como removedor da culpa e da vergonha excessiva, ou controlar impulsos e ações; (d) a experiência de ser impotente, ou estar desamparado, ambos em termos da condição humana e das realidades práticas; (e) a experiência da responsabilidade pessoal. 93 Os elementos apresentados por Farris (2002) condizem com a evitação da angústia e a eufemização referida por Ferreira e Mendes (2003), próprias da estratégia defensiva num mecanismo de racionalização. A espiritualidade é relatada pelos entrevistados nos seguintes termos: “Bom uma das coisas que é fundamental na vida de um pastor é o relacionamento com Deus. Então, eu acho que, quem mesmo é que dá força, que dá sabedoria, quem as vezes faz até mesmo coisas sobrenaturais nas situações que mudam é o... é o meu relacionamento com Deus”. “Eu diria que é como Lutero disse ‘é só a graça de Deus’. A gente tem que ser uma pessoa muito, como a Bíblia diz, muito prudente, muito humilde... como a pomba, mas prudente como a serpente, como diz lá o texto em Mateus, de Jesus. Então a gente tem que estar muito bem com a vida”. “Nós temos um que nunca nos desampara, que é aquele que nos chamou. Esse nunca nos desampara, este está sempre conosco nesses momentos de solidão. Além de contarmos com o auxílio da esposa, Deus sem dúvida alguma, a ajuda de Deus. Do Espírito Santo pra nos confortar, nos renovar”. Portanto, apesar do elemento estruturador e integrador da subjetividade encontrado na espiritualidade, se o sujeito se refugiar nela na negação de seus sentimentos e dos sentimentos alheios, poderá ver-se impossibilitado de mediar seu sofrimento de forma efetiva em seu contexto de trabalho, sendo que para isso são requeridas também outras ações que sejam mobilizações propulsoras de mudanças do que gera o sofrer, as quais são referidas por Dejours (2001) como mobilizações subjetivas. De acordo com Ferreira e Mendes (2003) essas mobilizações de ordem subjetiva têm como principal característica elaborar estratégias de mobilização coletiva, em que são engendrados “modos de agir em conjunto dos trabalhadores, por meio do espaço público de discussão e da cooperação, para eliminar o custo humano negativo do trabalho, resignificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições”. (p. 55). Segundo os autores essas mobilizações permitem a transformação da organização do trabalho, bem como as condições de trabalho, e as relações de trabalho em fontes de prazer e bem-estar. De acordo com o relato dos pastores até existem reuniões de equipe de trabalho, no entanto não podem ser consideradas mobilizações subjetivas, visto o principal objetivo das reuniões abarcar a condução e o andamento da instituição. As reuniões da equipe de trabalho acontecem com objetivos de avaliação dos 94 resultados e da organização estratégica para o bom andamento da organização. Dessa forma, apesar de ser um espaço de integração dos membros da equipe, o objetivo não está relacionado a um enfrentamento das contradições vivenciadas e propulsoras do sofrimento no trabalho pastoral, mas sim a avaliação das estratégias empregadas para que a igreja seja conduzida a um melhor andamento, incluindo o bem estar dos membros e o crescimento da própria organização eclesiástica. Nestas reuniões, apenas são avaliados os manejos da atuação no trabalho, sendo uma espécie de feedback em que os membros da equipe se avaliam mutuamente, conforme pode-se observar nos relatos. “E todos os líderes... Nos reunimos... conversamos. Aquilo que não foi bem feito nós comentamos entre nós pra que possamos ter um treinamento. ‘Olha a tua postura de voz...’ ‘Olha você falou que Hebreus foi escrito por Paulo, ninguém... não se sabe ainda se Hebreus foi escrito por Paulo, você não pode dizer isso’. Então nós vamos... isso é da parte administrativa e também de estrutura... De como que a igreja faz...”. “Hoje eu conto com um cérebro na igreja. Eu penso que o pastor não deve pensar sozinho. Eu costumo dizer que ‘duas cabeças quando pensam iguais uma delas não está pensando’. Então eu gosto de ouvir os pensamentos. Eu tenho um cérebro, eu tenho um corpo diretor que trabalha junto comigo. Então, tem coisas que eu não penso, deixo eles pensando e depois eu avalio os pensamentos e os que pensarem mais alto... a gente fica com o que tem mais coerência. Então, assim, nós temos, hoje, um corpo. Temos uma boa organização da igreja. Eu cuido do lado espiritual e outros cuidam do lado administrativo”. Dessa forma, ao invés de enfrentar as contradições vivenciadas no trabalho por meio de uma mobilização coletiva, numa socialização do sofrimento, junto ao grupo social do trabalho, estabelecendo laços de cooperação, confiança e solidariedade, este trabalhador tende ao distanciamento dessa mobilização socializadora do sofrimento e ao retornar ao trabalho, volta como quem voltou de uma sessão de abastecimento de energias, para poder continuar suportando uma submissão às exigências estabelecidas, tanto no âmbito objetivo como no subjetivo. Portanto, pode-se inferir que as estratégias mediadoras do sofrimento que mais se evidenciaram no trabalho pastoral dos entrevistados, relacionam-se com estratégias defensivas, sendo que, tanto a espiritualidade, o isolamento, como o individualismo e as atividades compensatórias tem como principal funcionalidade renovar as energias e as forças, sem, no entanto caracterizar uma reorganização das demandas e exigências instauradoras de sofrimento. Mesmo que não se pode afirmar categoricamente que não há uma mobilização coletiva no trabalho dos 95 pastores entrevistados, pode-se afirmar que ela não se apresentou como destaque nos relatos das entrevistas da pesquisa. Na ocorrência do mau êxito das estratégias de mediação do sofrimento, se instaura a possibilidade do desenvolvimento de desordens psíquicas ou mesmo físicas, estresse, depressão e outras doenças (Dejours, 1993). As estratégias defensivas não transformam a realidade, apenas alteram a percepção do trabalhador da realidade que lhe faz sofrer (Dejours, 1993). Diante desses aspectos pode-se assinalar que este trabalhador está sujeito a problemas de saúde, pois segundo Dejours (2007) as estratégias defensivas não impedem o adoecimento, sendo que bloqueiam a relação entre trabalhador e a organização do trabalho ocasionando um sentimento de desprazer e tensão (Dejours, 2007). O processo de adoecimento apresentado por Dejours (2007) encontra parâmetros na realidade do trabalho pastoral, sendo que, segundo a pesquisa de Lotufo-Neto (1997) é crescente entre os ministros religiosos o diagnóstico de transtornos depressivos, transtornos do sono e transtornos ansiosos. O desgaste e sofrimento é apontado ao serem indicados fatores de estresse relacionados à finanças, casamento, conflitos com os liderados, relacionamento com outros pastores, questões doutrinárias e a sobrecarga de trabalho. Estas dificuldades também foram encontradas nas falas dos entrevistados. “Hoje em nossos dias tem acontecido muitos problemas de natureza afetiva. Os pastores começam a ter crises no casamento, na educação de filhos... uma série de coisas. Então, eu diria pra você que... aliás, como eu já li em algum lugar, não me lembro aonde, que duas profissões de extremo estresse são o pastor e o médico porque eles não têm muito a questão de horário. São meio cobrados diretamente”. Segundo Dejours (2001) a ausência de uma mobilização com reação coletiva decorre principalmente diante da adversidade social e psicológica causada pela possibilidade do desemprego, sendo que, cada vez mais há a indiferença pelo sofrimento psíquico dos que trabalham. Essa indiferença faz com que homens e mulheres caiam na armadilha das estratégias defensivas, sendo que se fecham sobre os que trabalham fazendo com que consigam suportar o sofrimento sem se abater, mesmo tendo um custo para sua saúde (Dejours, 2001). Dejours (2004) afirma ainda que a liberdade é a condição necessária à estabilidade psicossomática e considera, a partir de suas observações, que para a construção do bem-estar e a diminuição do sofrimento no trabalho é fundamental a 96 criação de um ambiente, no qual os funcionários da organização possam trocar experiências. Para o pesquisador, a troca de informações pode inclusive resultar na diminuição dos riscos de acidentes de trabalho. Considerando que o objetivo do trabalho é a produção e a produtividade, este ambiente seria a existência de um “espaço de palavra” livre que permite aos trabalhadores a troca e a exposição das dificuldades encontradas na execução de seu trabalho (Dejours, 2004). Finaliza-se, portanto, a análise e discussão dos dados da pesquisa, podendo-se avançar para a articulação de algumas palavras finais, apenas para concluir o presente estudo, sem, no entanto, pretender fechar o tema em questão. 97 5 CONCLUSÃO Cada vez mais a psicologia se insere no mundo do trabalho com uma visão crítica dos processos mobilizadores da subjetividade humana, de forma que sua intervenção ultrapassa as demandas das organizações, podendo atuar junto a categorias profissionais diferenciadas, visando a saúde de trabalhadores inseridos em qualquer contexto organizacional, bem como de qualquer profissão. Essa possibilidade viabilizou o estudo junto a categoria profissional diferenciada pastor evangélico. Entre os objetivos buscou-se identificar as atividades do trabalho pastoral e como estas estariam organizadas, investigar as exigências e expectativas que imprimem a ação no trabalho, analisar as vivências de prazer e sofrimento, identificar as estratégias de mediação do sofrimento no exercício da profissão pastoral e analisar a percepção dos pastores quanto ao trabalho pastoral em relação a outras profissões. Os resultados apontaram que no trabalho pastoral são vivenciadas algumas contradições que instauram tensões contínuas, as quais se apresentam como geradoras de sofrimento, que seriam: 1– Profissão x Vocação. Para os entrevistados o pastor é reconhecidamente um vocacionado para a tarefa pastoral, o que significa que trabalha para o divino e por isso seu foco não está nas coisas materiais. Por isso, espera-se que o pastor aceite sua vocação divina expressando-a numa disposição de voluntariado. No entanto, mesmo que pelo viés da espiritualidade, ao mesmo tempo em que a tarefa pastoral se ocupa do transcendente, também é exigido o desempenho de tarefas em seu cotidiano que envolve questões administrativas, as quais se estabelecem na organização, nas condições e nas relações sociais de seu contexto de trabalho. Porém, devido a sua imagem de líder vocacionado/divinizado, muitas vezes, não obtém o reconhecimento de sua humanidade. Dessa forma, na vivência dessa contradição, vê-se sem esperança de obter o reconhecimento de seu sofrimento, o que gera sentimentos de desânimo e frustração 2 - Irrepreensibilidade x Falibilidade. A exigência de irrepreensibilidade é instituída numa via simbólica da espiritualidade. Os próprios pastores percebem em sua vivência que ser irrepreensível em tudo o tempo todo, gera uma tensão contínua, um medo de ser desqualificado, de ser mal interpretado, mal julgado e 98 inclusive de ser descartado. Estes aspectos geram um sentimento de insegurança, ansiedade, culpa e de impotência diante do padrão de irrepreensibilidade estabelecido para o trabalho, bem como em toda a sua conduta, seja na vida ministerial, pessoal ou familiar. 3 – Autonomia x Controle. A sua condição de profissional autônomo, de acordo com a legislação brasileira lhe permite autonomia quanto as atividades, carga horária, sem estar subordinado a nenhum empregador. Portanto, não precisaria prestar contas a nenhuma hierarquia instituída. No entanto, há uma contradição ao vivenciar sua autonomia, visto que está sujeito a uma hierarquia institucional que exerce controle sobre suas ações e resultados, sendo este comumente simbólico, para quem presta contas continuamente. Dessa forma, vivencia um sentimento de insegurança, pois o cargo de pastor não tem garantias de permanência e nem mesmo os direitos de um trabalho com vínculo empregatício caso for demitido. Acaba, muitas vezes, submetendo-se a obstáculos existentes em seu ambiente social de trabalho, que se configuram numa pressão para trabalhar mal. As estratégias de mediação do sofrimento, instaurado por essas contradições do trabalho pastoral, são mais defensivas do que de mobilização subjetiva. Defensivas, devido que, ao invés de socializar seu sofrimento, os pastores buscam por estratégias de distanciamento de seu contexto de trabalho. Ou seja, ao invés de recriar a realidade que produz o sofrimento junto ao coletivo implicado no trabalho, se distanciam no isolamento, no individualismo e nas atividades compensatórias e até mesmo na espiritualidade. A estratégia da espiritualidade se legitima devido ser também uma das tarefas do trabalho pastoral, o que dificulta a sua percepção como estratégia defensiva. O distanciamento tem uma função de “válvula de escape”, como que buscando por um “fôlego novo”, para posteriormente retornar na adaptação à realidade geradora de tensão, que exige do trabalhador pastor um estado de alerta contínuo. A pesar de haver encontros com a equipe, que dependendo da realidade organizacional poderia ser a diretoria ou o conselho ou até mesmo o grupo de colaboradores no trabalho, não é possível configurá-los como mobilização subjetiva, visto que não são encontros mediadores das contradições vivenciadas na realidade de trabalho geradoras de tensão para os indivíduos. Nesses encontros são contempladas, especialmente, questões de ordem estratégica para o bom andamento da organização eclesiástica em que estão inseridos. As dificuldades da 99 mobilização coletiva estão relacionadas ao trabalho, muitas vezes, isolado do pastor, sendo que perde a relação com os pares ao estar inserido num sistema hierárquico de prestação de contas. O trabalho dos pastores entrevistados se articula numa dinâmica, a qual foi estruturada no gráfico representado na seqüência. Gráfico 01: Representação da estrutura do trabalho dos pastores entrevistados PASTOR EVANGÉLICO Sem direitos sociais do trabalho RECONHECIMENTO TRABALHO VOCACIONADO IDENTIDADE PADRÃO DE EXIGÊNCIA PRAZER NÃO CONSIDERADO PROFISSÃO IRREPREENSIBILIDADE PRODUTIVIDADE SOFRIMENTO IMPOTÊNCIA DEFESAS SUBMISSÃO RACIONALIZAÇÃO NEGAÇÃO FALTA DE RECONHECIMENTO (desconectado do outro) ACELERAÇÃO DO TRABALHO PRESSÃO PARA TRABALHAR MAL SOFRIMENTO ADOECIMENTO Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados nas entrevistas. 100 O gráfico mostra que o trabalho pastoral é um trabalho vocacionado, não considerado profissão, portanto não tem os direitos sociais do trabalho. O reconhecimento da vocação, bem como a identificação com as tarefas do trabalho pastoral dão um sentido de missão, por meio do qual é vivenciado o prazer no trabalho. O padrão de exigências, assim como a vocação é instituído divinamente, cuja principal exigência é a irrepreensibilidade, a qual o pastor se submete. Outra exigência é a produtividade. Diante das vivências de sofrimento, como a impotência, a falta de reconhecimento e a pressão para trabalhar mal, utiliza estratégias defensivas da racionalização e da negação o que aumenta a aceleração no trabalho e conseqüentemente o sofrimento, podendo propiciar o adoecimento. Portanto, o trabalho pastoral abarca importantes vivências que não podem ser desconsideradas. Estes fatores apontam para o trabalho do pastor evangélico como foco de intervenção da Psicologia do Trabalho, sendo que apresenta demandas assemelhadas ao contexto produtivo secular. A partir dos resultados dessa pesquisa foi conjecturada a possibilidade de se elaborar uma proposta de intervenção junto aos trabalhadores da área pastoral, que pudesse propiciar um espaço de reflexão sobre como está organizado o trabalho pastoral, suas exigências, as vivências de satisfação e sofrimento, bem como sobre as estratégias de mediação do sofrimento utilizadas em seu trabalho. Para engendrar esta proposta foi elaborado o curso “A Vivência Psicológica do Trabalho Pastoral: das tarefas às relações interpessoais” 30 , que consiste em articular temas referentes à organização do trabalho pastoral, bem como em oferecer um espaço de escuta a partir da coordenação de debates e reflexões, buscando servir de apoio e estímulo para troca de experiências, objetivando a promoção e prevenção de saúde no trabalho do pastor evangélico. A proposta do curso recebeu o aporte institucional de “Eirene” 31 do Brasil, associação vinculada a “Eirene” Internacional32, de raízes Latino-Americanas, formada por profissionais cristãos que trabalham em favor do desenvolvimento, fortalecimento e defesa da saúde da família no Brasil, na América Latina e no mundo. 30 O título do presente estudo acolheu o mesmo título do curso em razão deste último ter sido articulado como um desdobramento da pesquisa sobre o trabalho pastoral. 31 É um termo usado na Bíblia. Vem do grego e significa paz, harmonia, reconciliação, bem-estar. EIRENE do Brasil - disponível em: <http://www.eirene.com.br/> Acesso em: 13 Out 2008. 32 EIRENE Internacional - disponível em: <http://www.eireneinternacional.org/> Acesso em: 13 Out 2008. 101 Da mesma forma que a pesquisa aqui apresentada, a proposta do curso para os pastores esteve ancorada no curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em todo seu processo de elaboração. O curso foi formatado em quatro encontros semanais com três horas de duração cada, compondo um total de doze horas. Para a realização do curso foram ofertadas duas edições, sendo dada a possibilidade para a formação de dois grupos de participantes, nos quais se inscreveram vinte e sete interessados e ainda outros deixaram seus nomes em uma lista de espera para possíveis novas edições. A primeira edição já foi concluída e a segunda está em andamento. Portanto, já é possível relatar que foi confirmada a relevância de uma intervenção junto a esses trabalhadores, sinalizada por meio dos resultados da pesquisa. Os participantes que aderiram ao curso entenderam sua proposta, sendo visível sua disposição para o engajamento na reflexão e discussão referentes ao trabalho pastoral num âmbito geral, bem como de suas próprias realidades. Em relação a sua experiência no curso os participantes sinalizaram a importância das reflexões, das discussões, trocas de idéias e experiências num grupo de pessoas engajadas numa mesma temática de trabalho e que se mostrou acolhedor das angústias vivenciadas. A riqueza das reflexões engendradas nos encontros do curso sugere uma análise e discussão de todo o processo a ser articulada em um próximo estudo. Finalizando, sinaliza-se que muito ainda precisa ser pesquisado junto a essa categoria profissional sob o enfoque da psicologia, podendo envolver inclusive a formação para o exercício do trabalho pastoral, buscando compreender como se dá esse processo em instituições formativas, se há uma conscientização dos elementos subjetivos relacionados à organização do trabalho que podem instaurar o sofrimento e das implicações psicológicas do trabalho pastoral na vida pessoal do pastor, bem como na vida de outras pessoas. Dessa forma, essa pesquisa contribuiu para a compreensão do trabalho pastoral, esclarecendo as vivências e a forma de organização deste trabalho e serve de subsídio para a ampliação de possibilidades de intervenção da psicologia no mundo do trabalho, incluindo o trabalho no contexto religioso. 102 REFERÊNCIAS AZEVEDO, M. A. e CRUZ, R. M. O processo de diagnóstico e de intervenção do psicólogo do trabalho. Cadernos de Psicologia, v. 9, n. 2, p. 89-98, 2006. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1997. BETIOL, M. I. S. e TONELLI, M. J. (2002). A Trama e o Drama numa consultoria: análise sob a ótica da psicodinâmica do trabalho. Revista Organizações e Sociedade, v. 9, n. 24, Maio/Agosto, 2002. BERNARDO, M, H. Discurso flexível, trabalho duro: o contraste entre o discurso de gestão empresarial e a vivência dos trabalhadores. Tese de doutorado: USP, 2006. CARRANZA, B. Religião e espiritualidade: um olhar sociológico. In: Amatuzzi, M. M. (org.) 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A 33 análise das tendências demográficas realizada pelo IBGE (2007), baseada nos resultados dos censos demográficos entre 1040 e 2000, aponta que a população evangélica vem crescendo significativamente, sendo, que em 1940, 2,6% da população brasileira era evangélica, dando um salto para 15,4% em 2000 e os indicadores projetivos apontam para um crescimento atual de mais de 20%. Portanto, buscando estudar sobre o trabalho dos líderes religiosos dessa significativa parcela da população brasileira, o objetivo da pesquisa é identificar como está organizado o trabalho dessa categoria profissional, a partir do cotidiano e da vida de quem atua como pastor, através de entrevistas individuais com pastores. Convém esclarecer que a presente proposta prevê o estudo e a análise da profissão pastor num âmbito interdenominacional e não das características específicas de uma única denominação ou indivíduo. O anonimato dos participantes estará garantido de acordo com os princípios éticos que regulamentam a profissão do psicólogo, não acarretando qualquer comprometimento na carreira ou nas relações sociais e de trabalho dos participantes. Da mesma forma, as perguntas da entrevista não contêm elementos que possam causar riscos ou desconfortos emocionais. O resultado final da pesquisa poderá ser fornecido, caso houver interesse. 34 A pesquisa será realizada por Clarice Ebert , acadêmica do Curso de Psicologia da a a 35 Universidade Federal do Paraná (UFPR), e orientada pela Prof Dr Lis Andréa Pereira Soboll . Para que o objetivo da pesquisa seja alcançado é necessário haver a contribuição de pastores dispostos a conceder um tempo para entrevista na qual serão feitas perguntas sobre suas atividades, o contexto e as relações sociais e de trabalho. Por isso, a presente carta tem como objetivo, além de apresentar a pesquisa, também solicitar sua participação. Atenciosamente, Clarice Ebert 33 IBGE (2007). Tendências Demográficas: uma análise da população com base nos resultados dos censos demográficos 1940 e 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000/analise_populacao.pdf > Acesso em: 06 Mar 2008. 34 E-mail: <[email protected]>; Telefone: 8835-6998. 35 Professora (UFPR), doutora em Medicina Preventiva (USP), Psicóloga e Mestre em Administração (UFPR). E-mail: <[email protected]>. Orientadora da pesquisa. 109 ANEXO 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA TERMO DE CONSENTIMENTO E ESCLARECIMENTO SOBRE A PESQUISA A pesquisa tem como objetivo abordar o trabalho do pastor evangélico, a partir da identificação do trabalho e da vida de quem atua como pastor. A pesquisa será realizada pela acadêmica Clarice Ebert, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, e orientada a a 36 pela Prof Dr Lis Andréa Pereira Soboll . Os dados serão levantados através de entrevistas junto a pastores de diferentes denominações. O anonimato dos participantes estará garantido, de acordo com os princípios éticos que regulamentam a profissão do psicólogo. Sua participação não acarretará qualquer comprometimento na sua carreira ou nas suas relações sociais e de trabalho. Da mesma forma, as perguntas da entrevista não contêm elementos que possam lhe causar riscos ou desconfortos emocionais. O resultado final da pesquisa poderá ser fornecido, bastando para isso a manifestação de seu interesse. Para que sua entrevista possa ser inserida neste estudo, faz-se necessária sua autorização expressa, representada por uma assinatura no espaço abaixo. Sua decisão em participar é voluntária, podendo o consentimento ser retirado a seu critério, em qualquer momento. Por favor, o Sr(a) esteja à vontade para solicitar explicação para qualquer palavra ou procedimento que não entender claramente. Agradecendo a oportunidade, reafirmo a importância da sua colaboração para a realização desta pesquisa. Atenciosamente, Clarice Ebert 37 TERMO DE CONSENTIMENTO Eu _____________________________________________ declaro aceitar conceder entrevista, mediante o esclarecimento dos objetivos desta atividade e das condições de coleta de dados. Estou ciente de que não corro riscos de nenhuma natureza por participar desta entrevista. Afirmo que entendi os termos deste consentimento para realização do estudo e que as dúvidas que surgiram foram esclarecidas. Assinatura _________________________________________ Data: _________________ Considerando que sua participação é de grande relevância e que os recursos de memória são limitados, agradeço se pudesse autorizar a realização de um registro eletrônico da nossa conversa, que poderá ser interrompido a qualquer momento, conforme sua indicação. Estes registros serão de acesso exclusivo da pesquisadora e serão excluídos posteriormente. Esta autorização é opcional, podendo ser retirada a qualquer momento. (Obs: A não realização do registro eletrônico não impedirá o desenvolvimento das atividades propostas) TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE REGISTRO ELETRÔNICO (opcional) Eu ____________________________________________ declaro aceitar que a entrevista seja registrada por meios eletrônicos, mediante o esclarecimento dos objetivos desta atividade. Estou ciente de que este material será mantido em sigilo com a pesquisadora e será eliminado posteriormente, de maneira que não corro riscos de nenhuma natureza por autorizar este procedimento. Afirmo que as dúvidas que surgiram foram esclarecidas. Assinatura _________________________________________ 36 Data: ____________________ Professora (UFPR), doutora em Medicina Preventiva (USP), Psicóloga e Mestre em Administração (UFPR). E-mail: <[email protected]>. Orientadora da pesquisa. Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da UFPR; E-mail: <[email protected] >; 8835-6889 37 110 ANEXO 3 ROTEIRO DE ENTREVISTA - Quais são suas atividades como pastor? - Como é seu dia de trabalho? Relate sua rotina diária. - Como é sua semana de trabalho? Relate sua rotina semanal. - Como é sua jornada (carga horária) de trabalho? - Como o senhor organiza suas atividades? - O que o senhor mais gosta naquilo que faz? Porquê? - O que o senhor menos gosta naquilo que faz? Porquê? - Qual atividade o senhor considera mais cansativa? Porquê? - Cite uma situação em que se sentiu cansado? O que fez? - Quais são as dificuldades no seu trabalho como pastor? Exemplo. - O que o senhor faz quando sente alguma dificuldade no trabalho? Poderia citar uma situação difícil pela qual passou? Como a resolveu? - O que o senhor faz quando tem algum problema pessoal? Poderia citar uma situação difícil pela qual passou? Como a resolveu? - Como o senhor organiza o seu tempo? - Se o senhor tivesse mais tempo como usaria seu tempo? - O que o senhor faz no seu tempo livre? - Como é o seu período de férias? - Como está sua saúde? - Como é o envolvimento de sua família (com sua família)? - Como é sua relação com a área administrativa da igreja? - Como é sua relação com outros pastores? - Como é sua relação com outras pessoas que freqüentam a igreja? - Como o senhor se sente em relação aos problemas das pessoas que atende? - O que orienta as suas práticas de trabalho (regras e normas)? - O que se espera de seu trabalho como pastor (quais exigências feitas)? - Como o senhor se sente diante dessas expectativas? - Como o senhor faz para atender essas expectativas? - Como o senhor sabe se sua tarefa está sendo cumprida? - Como o senhor sabe que está sendo um bom pastor? - Como deve ser sua conduta como pastor? - Como é conviver com essa expectativa? - Como é a segurança em relação ao seu trabalho como pastor (Quais são as garantias de permanência no trabalho)? - Se tivesse oportunidade de outro emprego deixaria de ser pastor? - Qual a diferença de ser pastor e outras profissões? - O senhor gostaria de acrescentar algo? 111 ANEXO 4 Código 2631 – CLASSIFICAÇÃO DAS OCUPAÇÕES BRASILEIRAS 2002 38 Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais assemelhados Títulos 2631 - 05 Ministro de culto religioso - Abade, Abadessa, Administrador apostólico, Administrador paroquial, Agaipi, Agbagigan, Agente de pastoral, Agonjaí, Alabê, Alapini, Alayan, Ancião, Apóstolo, Arcebispo, Arcipreste, Axogum, Babá de umbanda, Babakekerê, Babalawô, Babalorixá, Babalossain, Babaojé, Bikkhu, Bikkuni, Bispo, Bispo auxiliar, Bispo coadjutor, Bispo emérito, Cambono , Capelão, Cardeal, Catequista, Clérigo, Cônega, Cônego, Confessor, Cura, Curimbeiro, Dabôce, Dada voduno, Dáia, Daiosho, Deré, Diácono, Diácono permanente, Dirigente espiritual de umbanda, Dom, Doné, Doté, Egbonmi, Ekêdi, Episcopiza, Evangelista, Frade, Frei, Freira, Gaiaku, Gãtó, Gheshe, Humbono, Hunjaí, Huntó, Instrutor de curimba, Instrutor leigo de meditação budista, Irmã, Irmão, Iyakekerê, Iyalorixá, Iyamorô, Iyawo, Izadioncoé, Kambondo pokó, Kantoku (diretor de missão), Kunhã-karaí, Kyôshi (mestre), Lama budista tibetano, Madre superiora, Madrinha de umbanda, Mameto ndenge, Mameto nkisi, Mejitó, Meôncia, Metropolita, Ministro da eucaristia, Ministro das ezéquias, Monge, Monge budista, Monge oficial responsável por templo budista (Jushoku), Monsenhor, Mosoyoyó, Muézin, Muzenza, Nhanderú arandú, Nisosan, Nochê, Noviço , Oboosan, Olorixá, Osho, Padre, Padrinho de umbanda, Pagé, Pároco, Pastor evangélico, Pegigan, Pontífice, Pope, Prelado, Presbítero, Primaz, Prior, Prioressa, Rabino, Reitor, Religiosa, Religioso leigo, Reverendo, Rimban (reitor de templo provincial), Roshi, Sacerdote, Sacerdotisa, Seminarista, Sheikh, Sóchó (superior de missão), Sokan, Superintendente de culto religioso, Superior de culto religioso, Superior geral, Superiora de culto religioso, Swami, Tata kisaba, Tata nkisi, Tateto ndenge, Testemunha qualificada do matrimônio, Toy hunji, Toy vodunnon, Upasaka, Upasika, Vigário, Voduno (ministro de culto religioso), Vodunsi (ministro de culto religioso), Vodunsi poncilê (ministro de culto religioso), Xeramõe (ministro de culto religioso), Xondaria (ministro de culto religioso), Xondáro (ministro de culto religioso), Ywyrájá (ministro de culto religioso) 2631 - 10 Missionário - Bikku - bikkhuni, Daiosho, Jushoku, Kaikyôshi, Lama tibetano, Missionário leigo, Missionário religioso, Missionário sacerdote, Nisosan, Obreiro bíblico, Pastor, Pastor evangelista, Roshi, Sóchó, Swami (missionário), Zenji (missionário) 2631 - 15 Teólogo - Agbá, Álim, Bokonô, Cádi, Consagrado, Conselheiro correicional eclesiástico, Conselheiro do tribunal eclesiástico, Especialista em história da tradição, doutrina e textos sagrados, Exegeta, Imã, Juiz do tribunal eclesiástico, Leigo consagrado , Mufti, Nhanderú arandú, Obá, Teóloga Descrição sumária Realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirigem e administram comunidades; formam pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orientam pessoas; realizam ação social junto à comunidade; pesquisam a doutrina religiosa; transmitem ensinamentos religiosos; praticam vida contemplativa e meditativa; preservam a tradição e, para isso, é essencial o exercício contínuo de competências pessoais específicas. Formação e experiência Nesta família ocupacional a formação depende da tradição religiosa e da ocupação. Naquelas tradições de transmissão oral, como as afro-brasileiras e indígenas, as ocupações não requerem nível especial de escolaridade formal. Já nas tradições baseadas em textos escritos, é desejável que Ministros(as) de culto e Missionários(as) tenham o superior completo. No caso dos(as) Teólogos(as), é esperado que tenham formação superior em Teologia; não é incomum entre eles, porém, a presença de títulos de pós-graduação ou cursos equivalentes. Ascender a níveis superiores de estudo pode facilitar também a progressão das outras duas ocupações na carreira eclesiástica. Qualquer que seja a tradição religiosa, contudo, tanto ou mais que a formação, contam a fé e o chamamento individual para o serviço do divino. 38 CBO2002. Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/pdf/template_2631.pdf> <http://www.mtecbo.gov.br> Acesso: 16 Ab 2008. 112 Condições gerais de exercício Os profissionais podem desenvolver suas atividades como consagrados ou leigos, de forma profissional ou voluntária, em templos, igrejas, sinagogas, mosteiros, casas de santo e terreiros, aldeias indígenas, casas de culto etc. Também estão presentes em universidades e escolas, centros de pesquisa, sociedades beneficentes e associações religiosas, organizações não-governamentais, instituições públicas e privadas. Uma parte de suas práticas tem caráter subjetivo e pessoal e é desenvolvida individualmente, como a oração e as atividades meditativas e contemplativas ; outra parte se dá em grupo, como a realização de celebrações, cultos etc. Nos últimos anos, em várias tradições, tem havido um movimento na direção da profissionalização dessas ocupações, para que possam se dedicar exclusivamente às tarefas religiosas em suas comunidades. Nesses casos, os profissionais são por elas mantidos. 39 Código internacional CIUO88 : 2460 - Sacerdotes de distintas religiones A - REALIZAR LITURGIAS, CELEBRAÇÕES, CULTOS E RITOS Iniciar neófitos na tradição religiosa Ordenar ministros religiosos Realizar investidura de líderes religiosos Celebrar eucaristia e serviços memoriais Realizar oferendas e sacrifícios (animais) Celebrar casamentos Ministrar batismos e cerimoniais de nascimento Realizar Ipomri (culto à placenta) Ministrar crisma, confirmação e confissão Celebrar arrependimentos Ministrar penitências Ministrar unção dos efermos Realizar bençãos, consagrações e orações Ministrar ordenações Realizar circuncisão Realizar ritos, celebrações e festas Exercer capelanias Conduzir a cerimônia do Zikr Realizar orações para cura Realizar rituais de cura (budistas, afro-brasileiros, evangélicos, indígenas - anonguerá) Fazer sermões, homilías e receitar o Ifá B - DIRIGIR E ADMINISTRAR COMUNIDADES Credenciar líderes religiosos Orientar religiosamente a comunidade Organizar a catequese Organizar as pastorais Consultar ancestrais, entidades e/ou divindades espirituais para dirigir comunidades Orientar sobre a lei islâmica (charia) Aplicar leis canônica e eclesiástica Participar de assembléias, conselhos, sínodos, concílios Organizar a vida litúrgica Dirigir assembléias, conselhos, sínodos, concílios Orientar espiritualmente a comunidade Consultar oráculo sagrado Estabelecer hierarquia da casa Aplicar oráculo sagrado Determinar cargos hierárquicos via oráculo 39 Classificación Internacional Uniforme de Ocupaciones (CIUO 88). Disponível em: <http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/stat/class/isco.htm>. Acesso em: 28 Mai 2008. 113 Participar de confederações, federações, conselhos dos mais velhos Elaborar estatutos e regimentos internos Requerer registros de funcionamento junto aos órgãos competentes Responder juridicamente pela entidade Buscar recursos financeiros (dízimos, ofertas, empréstimos etc) Criar conselhos administrativos Criar entidades de apoio C - FORMAR PESSOAS SEGUNDO PRECEITOS RELIGIOSOS DAS DIFERENTES TRADIÇÕES Proferir palestras Publicar artigos em revistas, jornais, livros e afins Orientar a formação religiosa Avaliar os formandos no seu processo de aprendizagem Dar aulas Transmitir oralmente ensinamentos religiosos de acordo com degraus hierárquicos (respeitando segredo) Divulgar tradição Transmitir ensinamentos esotéricos de acordo com os graus de iniciação Adequar leis religiosas ao ambiente sócio-cultural Promover retiros espirituais Dirigir centros de formação religiosa Dirigir estabelecimentos de ensino Atuar como missionário dentro ou fora do país Ensinar idioma original da tradição religiosa Fazer ou formar discípulos Elaborar material de ensino e difusão audio-visual, digital etc D - ORIENTAR PESSOAS Dar orientação pastoral Fazer aconselhamento pessoal e familiar Jogar búzios para orientar pessoas Fazer direção espiritual Fazer aconselhamento espiritual e social Consultar ancestrais, divindades e entidades para orientar pessoas Fazer interpretações de sonhos Evocar ou despertar a memória ancestral Opinar sobre assuntos polêmicos E - REALIZAR AÇÃO SOCIAL JUNTO À COMUNIDADE Colaborar na manutenção de asilos, creches e outras atividades sociais Dirigir creches, asilos, escolas etc Reintegrar socialmente pessoas Apoiar comunidade com assistência médica e jurídica Assistir ao povo de rua Assistir aos dependentes de drogas químicas Organizar campanhas assistenciais Origanizar fundo de ´zakat´para coleta e distribuição Coletar e distribuir ´sada kat´ (doação voluntária ou obrigatória) Disponibilizar espaços da comunidade religiosa Organizar eventos culturais, esportivos e de lazer Acolher pessoas vítimas das diversas formas de violência e de catástofres ambientais Apoiar movimentos populares Realizar ações contra discriminação e exclusão Manter com recursos próprios creches, asilos e outras atividades sociais Manter com recursos próprios publicações impressas, audio visual etc Colaborar na manutenção de publicações, impressos, audio-visuais, digitais, etc Fazer visitas religiosas em diferentes locais 114 F - PESQUISAR A DOUTRINA RELIGIOSA Realizar estudos especializados sobre a doutrina religiosa Consultar bibliotecas, videotecas etc Pesquisar na tradição e nos textos sagrados Buscar significado da tradição e textos sagrados para o contexto atual Sistematizar informações relativas aos textos sagrados Sistematizar informações das tradições orais e escritas Participar de diálogos inter-religiosos Participar de diálogos inter e trans-disciplinares Exercer espírito crítico sobre a tradução de textos sagrados Traduzir textos religiosos a partir dos originais Participar de congressos, seminários especializados Atuar em centros de pesquisa Fazer análise e interpretação da tradição e textos religiosos Assessorar a comunidade religiosa e seus líderes Prestar assessoria sobre questões éticas e religiosas Divulgar resultados da pesquisa Atuar em universidades (docência e pesquisa) Realizar viagens a lugares sagrados das tradições Traduzir literatura especializada Traduzir e textualizar as tradições orais G - TRANSMITIR ENSINAMENTOS RELIGIOSOS Abrir centros de estudo, prática, templos e igrejas Recrutar missionários Formar missionários Realizar atividades religiosas e sociais fora do país ou do contexto cultural e religioso Preparar e ordenar monges budistas Atuar dentro ou fora dos templos (zona urbana ou rural) Transmitir o fundamento do Axé Ensinar o Ifá (oráculo) Realizar trabalhos itinerantes Zelar pelo ensino ortodoxo e sistemático da tradição Transmitir ensinamentos religiosos utilizando os meios adequados e específicos de cada tradição Proclamar os princípios bíblicos Ensinar o alcorão Ensinar o respeito à vida, à ecologia, à cosmologia Promover a paz e a justiça Ensinar os sutras budistas Ensinar Ilahis (música mística sufi) H - PRATICAR VIDA CONTEMPLATIVA E MEDITATIVA Realizar práticas devocionais Meditar Contemplar Praticar concentração (plena atenção) Orar Trabalhar e orar (leigos religiosos) I - PRESERVAR A TRADIÇÃO Registrar a memória religiosa Preservar os rituais, cânticos e danças sagrados Adequar o ´ethos´ religioso às condições locais Resgatar valores cosmológicos indígenas através de encontros de líderes espirituais (Ywyrajá) Zelar pela correta transmissão da tradição oral e escrita Preservar a natureza segundo a tradição Zelar pelo espaço e objetos sagrados 115 Z - DEMONSTRAR COMPETÊNCIAS PESSOAIS Estudar a doutrina religiosa Participar de atividades inter-religiosas Estar aberto ao diálogo inter-religioso Receber a revelação Receber palavras de inspiração Viver coerentemente com os ensinamentos Fortalecer a fé através de atos, devoções e orações Respeitar as tradições religiosas e seus preceitos morais Professar a fé Buscar equilíbrio de vida Cultivar o amor, a justiça, a paz, a sabedoria e a compaixão Estudar os valores humanos e princípios religiosos Manter-se atualizado nas questões sociais polêmicas Recursos de Trabalho: Animais; Bíblia; Incenso, velas e imagens; Instrumentos musicais (tambores, cabaças, sinos); Mbaraká mirim (chocalho); Pão, vinho, água, óleo, alimentos; Paramentos, hábitos, estola; Sagrado Alcorão; Seiten (livro sagrado budista); Textos (sutras, conciliares, da patrística etc.) Especialistas Participantes da Descrição Ahamd Ali Abdo El Shafi Antonio Ailton Pereira Antônio Carlos Karaí Mirim de Lima Arthur Shaker Fauzi Eid Benedito Ferraro Carlos Roberto Perassim Davi Augusto Marski Ednilson Turozi de Oliveira Francelino Vasconcelos Ferreira Helene Gatien Ivan de Almeida Ivonete Silva Gonçalves (Shakumi Jokó) Iya Sandra Medeiros Epega Iyalorixá Sylvia de Oxalá (Sylvia Egydio) Jorge Nogueira Salvador José Fernandes Soares Karaí Poty José Oscar Beozzo José Valério Lopes dos Santos Monja Coen - Cláudia Dias Batista de Souza Mustafa Chukri Ismail Ali Nelson Luiz Campos Leite Nilva Teresinha Fernandes Paulo Fernando Carneiro de Andrade Ricardo Mario Gonçalves (Shakuriman) Salaheddine Ahmad Sleiman Samir El Hayek Santa Fernandes Soares Keretxú Sheikh Muhammad Ragip Instituições Aldeia Guarani Pico do Jaraguá Arquidiocese de Campinas - SP Associação Paulista Central da Igreja Adventista do Sétimo Dia Associação Religiosa Nambei Honganji Brasil Betsuin Centroecumênico Serviço á Evangelização e Educação Popular Colégio Islâmico Brasileiro Comunidade Evangélica Apostólica Comunidade Vida 116 Conselho Administrativo Ortodoxo de São Paulo Escola Estadual Dep. Cândido Sampaio- São Paulo Ile Leviwyato - Templo de Culto a Orixá Instituto Axé Ilé Obá Instituto de Desenvolvimento das Tradições Índígenas - Ideti Instituto Metodista de Ensino Superior Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira Marsam Editora Jornalística Mesquita Brasil - São Paulo Ordem Sufi Halveti Jerrahi PUC - Campinas PUC - Rio de Janeiro Secretaria Estadual de Educação - São Paulo Sociedade Educadora São Francisco Xavier Soto Shu (Zen Budismo com Sede no Japão) Instituição conveniada responsável UNICAMP - Fundação de Desenvolvimento da Unicamp – Funcamp