A vivência psicológica do trabalho pastoral

Transcrição

A vivência psicológica do trabalho pastoral
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CLARICE EBERT
A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL:
DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
CURITIBA
2008
2
CLARICE EBERT
A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL:
DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Monografia apresentada como requisito parcial à
conclusão do Curso de Graduação em Psicologia,
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paraná.
a
a
Orientadora: Prof Dr Lis Andrea Pereira Soboll
CURITIBA
2008
3
TERMO DE APROVAÇÃO
CLARICE EBERT
A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA DO TRABALHO PASTORAL:
DAS TAREFAS ÀS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo no
Curso de Graduação em Psicologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
_________________________________________________
Orientadora: Profa Dra Lis Andrea Pereira Soboll
Departamento de Psicologia, UFPR
_________________________________________________
Profa Mestre Elaine Cristina Schmitt
Departamento de Psicologia, UFPR
_________________________________________________
Mestre Carlos Tadeu Grzybowski
Instituto Phileo de Psicologia
Curitiba, 27 de Outubro de 2008.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu esposo Claudio, aos filhos Jeison,
Jeise e Jamine, por serem os grandes incentivadores dessa
jornada.
5
AGRADECIMENTOS
À Deus pela oportunidade concedida de conhecer a Psicologia em ângulos
antes não imaginados e que só aumentaram a sua relevância em minha vida.
À orientadora Profa Dra Lis Andrea Pereira Soboll pelo apoio e
encorajamento contínuos na pesquisa e por todo suporte teórico, técnico e
metodológico concedido para a viabilização deste estudo.
Especialmente agradeço ao meu esposo Claudio pelo suporte e por tolerar
as ausências durante o percurso.
Da mesma forma agradeço aos filhos Jeison, Jeise e Jamine pela paciência
e maturidade demonstrada no constante apoio.
Aos meus pais pelo suporte nas orações.
Aos amigos Klaus e Lígia por apoiarem e incentivarem a entrada nessa
jornada.
À Ruth Pauls pelo carinho, acolhimento e incentivos essenciais para o meu
equilíbrio psicológico.
À amiga Nádia, cujo incentivo e apoio estiveram continuamente presentes.
À Profa Mestre Elaine Cristina Schmitt e ao Mestre Carlos Tadeu Grzybowski
por aceitarem o convite de participar da banca examinadora deste trabalho e por
enriquecerem as percepções do tema proposto.
Aos demais Mestres e Doutores da casa pelos conhecimentos transmitidos
ao longo do curso, que contribuíram para a construção de compreensões da
subjetividade humana, possibilitando a chegada a este trabalho de conclusão do
curso.
À diretoria do curso de graduação da Universidade Federal do Paraná pelo
apoio institucional.
Finalizando, não poderia deixar de agradecer aos pastores que
disponibilizaram de seu tempo para que as entrevistas fossem possíveis, bem como
por compartilharem de suas experiências, alegrias e angústias vivenciadas em seu
trabalho.
6
“Não pense que aquele que procura consolar você vive
tranqüilo em meio as palavras simples e discretas que usa e,
as vezes, fazem tão bem. Há sacrifício e tristeza em demasia
na vida dessa pessoa, que está muito aquém da sua. Não
fosse assim, ele jamais poderia encontrar tais palavras”.
Rainer Maria Rilke (2006)
7
RESUMO
Cada vez mais a psicologia se insere no mundo do trabalho com uma visão crítica
dos processos mobilizadores da subjetividade humana, de forma que sua
intervenção ultrapassa as demandas das organizações, podendo atuar junto a
categorias profissionais diferenciadas, visando a saúde de trabalhadores inseridos
em qualquer contexto organizacional, bem como de qualquer profissão. Essa
possibilidade viabilizou o estudo junto a categoria profissional diferenciada pastor
evangélico, com o objetivo de identificar como está organizado o trabalho deste
profissional em seu cotidiano, buscando conhecer as características e as vivências
do exercício pastoral. A pesquisa foi realizada de forma qualitativa, por meio de
entrevistas semi-estruturadas, com cinco pastores atuantes em igrejas da religião
evangélica de diferentes denominações da cidade de Curitiba/PR, que foram
selecionados por acessibilidade e adesão. A metodologia utilizada para análise dos
dados foi a análise de conteúdo categorial proposto por Bardin. Como resultados se
destacam oito categorias sínteses que exemplificam a organização do trabalho dos
pastores entrevistados: (i) “o pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e
atende as pessoas”: evidencia algumas das características da organização do
trabalho dos pastores entrevistados, no que refere às tarefas/funções e sua
execução; (ii) “vou me organizando e administrando com a equipe” indica as
relações sociais do trabalho dos pastores entrevistados; (iii) “a gente vive no desafio
constante de produção de trabalho”: revela exigências de produtividade que se
correlacionam com a lógica do mercado secular; (iv) “o pastor precisa ter uma vida
irrepreensível”: remete à lógica da ideologia de sucesso do mercado atual em que
não há espaço para o fracasso e que aparece também no trabalho pastoral; (v) “não
é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional”: evidencia o conteúdo
simbólico imbuído no exercício pastoral o qual dá significado à execução das tarefas;
(vi) “eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus,
acho que estou numa missão, assim como toda profissão”: mostra um sentido de
prazer atribuído ao exercício pastoral, no qual sua tarefa é reconhecida como uma
missão, o que gera um empenho consciente e prazeroso na atividade; (vii) “ninguém
entendeu o meu estado emocional”: indica vivência de sofrimento no trabalho; (viii)
“quando eu estou passando por alguma situação delicada eu procuro me refugiar,
renovar as forças”: indica a utilização de estratégias defensivas de distanciamento
da realidade geradora de tensão do contexto de trabalho. Dessa forma, essa
pesquisa contribuiu para a compreensão do trabalho pastoral, esclarecendo as
vivências e a forma de organização do seu trabalho e serve de subsídio para a
ampliação de possibilidades de intervenção da psicologia no mundo do trabalho,
incluindo o trabalho no contexto religioso.
Palavras Chave: Psicodinâmica do Trabalho. Trabalho Religioso. Pastor Evangélico.
8
ABSTRACT
Increasingly the psychology fits in to the world of work with a critical view of the
processes of mobilizing human subjectivity, in a way that its interventions may go
beyond the demands of organizations and act with different professional groups,
targeting the health of workers included in any organizational context, as well as any
profession. This possibility has allowed the study with the differentiated professional
category evangelical pastor to happen in order to identify how this professional’s daily
work is organized, seeking to know the characteristics and experiences of the
pastoral work. The study was conducted in a qualitative way, through semi-structured
interviews, with five acting ministers of different denominations in the city of
Curitiba/PR, who were selected through accessibility and adhesion. The methodology
used for data analysis was the content analysis of categorical content proposed by
Bardin. As a result eight summarized categories, which exemplify the organization if
work of the interviewed pastors, stand out: (i) “the pastor basically runs the church,
preaches, teaches and serves the people”: this highlights some of the characteristics
of the organization of work of the interviewed pastors, in what concerns
tasks/functions and its implementation; (ii) “I organize myself and manage the team”:
indicates the social interaction of the work of the interviewed pastors; (iii) “we live with
the continuous challenge of producing work”: shows demand for productivity that
correlate with the logic of the secular market; (iv) “The pastor must have a life beyond
reproach”: refers to the logic of the ideology of success in the current market where
there is no room for failure and also appearing in the pastoral work; (v) “It’s not a
professional work, it’s a vocational work”: highlights the symbolic content included in
the pastoral work that gives meaning in performing the task; (vi) “I do what I like, do it
with consciousness, I feel rewarded by God, I feel as if I’m on a mission, just as in
any profession”: shows a sense of pleasure given to the pastoral work, in which its
tasks are considered a mission generating a conscious effort and pleasure in the
activity; (vii) “no one understood my emotional state”: indicates experience of
suffering at work; (viii) “when I’m going through a delicate situation I find a refuge
where I can renew my strengths”: indicates the use of defensive strategies of
detachment from reality that generates tension in the context of work. Therefore, this
study has contributed to the understanding of the pastoral work, explaining their
experiences and the way their work is organized, it serves as a subsidy for the
expansion of opportunities for intervention of psychology in the professional work,
including work in the religious context.
Key words: Psychodynamics of Work. Religious Work. Evangelical Pastor.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 01: Representação da Estrutura do trabalho dos pastores entrevistados..... 88
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Caracterização da Amostra .................................................................... 17
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 14
2.1 O CARATER ORGANIZACIONAL DA RELIGIÃO .............................................. 14
2.2 O CONTEXTO DO TRABALHO DO PASTOR EVANGÉLICO ........................... 15
2.2.1 Um Breve Histórico da Religião Evangélica ....................................................15
2.2.2 O Cenário Atual ............................................................................................... 17
2.3 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO ................................................................. 19
3 METODOLOGIA ...................................................................................................28
3.1 PARTICIPANTES ............................................................................................... 28
3.2 PROCEDIMENTOS ............................................................................................ 28
3.3 ANÁLISE DE DADOS.......................................................................................... 30
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS .................................................................. 32
4.1 “O pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e atende as pessoas”
.................................................................................................................................. 32
4.2 “Vou me organizando e administrando com a equipe” ....................................... 38
4.3 “A gente vive no desafio constante de produção de trabalho” ............................ 46
4.4 “O pastor precisa ter uma vida irrepreensível” ................................................... 53
4.5 “Não é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional” ............................... 65
4.6 “Eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus,
acho que estou numa missão, assim como toda profissão” ..................................... 71
4.7 “Ninguém entendeu o meu estado emocional” .................................................... 78
5.8 “Quando eu estou passando por uma situação delicada eu procuro me refugiar”
.................................................................................................................................. 85
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 97
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 102
ANEXOS ...............................................................................................................107
12
1 INTRODUÇÃO
O pastor evangélico é um trabalhador que atua na liderança de organizações
religiosas da vertente evangélica, as quais abarcam uma porcentagem significativa
da população brasileira. A religião evangélica se encontra entre as mais expressivas
dentre uma grande diversidade religiosa existente no Brasil, visto ter sido
classificada pelo IBGE1 (2007) como sendo a segunda de maior destaque no país.
Este dado foi apresentado pelo IBGE após analisar os resultados dos censos
demográficos de 1940 a 2000. De acordo com esta análise, a população brasileira
evangélica apresenta um significativo crescimento, sendo que em 1940, sua
porcentagem era de apenas 2,6%, mas que apresentou um salto para 15,4% até o
ano de 2000. A partir desses dados propagados pelo IBGE, outras instituições de
pesquisa fizeram novas análises, sendo uma delas o SEPAL2, a qual concluiu que
os evangélicos foram a religião de maior crescimento no Brasil, durante a década de
90, girando seu crescimento anual em torno de 7,43%. A partir dessa conclusão, os
estatísticos do SEPAL projetaram para dezembro de 2008 uma população brasileira
evangélica de 24% (MAI, 2008).
Partindo dessa breve contextualização do crescimento da religião evangélica
no Brasil, considerou-se relevante o estudo sobre o trabalho de seus líderes. Silva
(2004), que também pesquisou sobre o trabalho pastoral, afirma que cada vez mais
se acentua a importância do papel desses líderes, sendo que, nessa constante
transformação eclesiástica, seriam os canais propagadores das agências religiosas.
O autor enfatiza que o pluralismo do mercado religioso se assemelha ao mercado
secular na exigência cada vez maior do líder, acarretando em alterações físicas,
psíquicas e sociais.
Esses aspectos encontram parâmetros de análise na Psicologia do
Trabalho, que abrange em sua teoria e prática a prevenção e promoção da saúde do
trabalhador no ambiente em que está inserido (Spink, 1996), não importando qual
seja. Segundo Spink (1996) o ambiente de trabalho pode ser empresarial, público ou
1
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Serviço de Evangelização Para a América Latina (SEPAL). Esta instituição é de cunho internacional
e está estabelecida há mais de trinta anos no Brasil, realizando pesquisas e análises de especial
relevância para o meio evangélico. MAI (2008). O Brasil Evangélico. Disponível em:
<http://www.mai.org.br/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=3&page=1> Acesso em: 06
Mar 2008.
2
13
do terceiro setor, este último englobando entidades e associações filantrópicas, não
governamentais ou de representação, portanto, cabendo aqui as entidades
religiosas, ou seja, o ambiente de trabalho do pastor evangélico.
Partindo dessas considerações incipientes, objetivou-se para este estudo
identificar como está organizado o trabalho da categoria profissional pastor
evangélico em seu cotidiano, as exigências, as vivências de prazer e sofrimento,
bem como as estratégias de enfrentamento do sofrimento no exercício do trabalho
pastoral.
A análise do trabalho pastoral foi baseada na Psicodinâmica do Trabalho de
Christophe Dejours (Dejours, 1987, 1992, 1993, 1997, 2001, 2004, 2007), que
segundo Heloani e Lancman (2004) “(...) busca compreender aspectos psíquicos e
subjetivos que são mobilizados a partir das relações e da organização do trabalho.
Busca estudar os aspectos menos visíveis que são vivenciados pelos trabalhadores
ao longo do processo produtivo” (p. 82).
A proposta do presente trabalho não contemplou o estudo do trabalho de
pastores em nenhuma denominação evangélica específica, sendo que buscou-se
identificar apenas aspectos característicos vivenciados por pastores atuantes no
exercício pastoral. Da mesma forma também não foram analisados os conteúdos
religiosos envolvendo as crenças individuais ou do contexto de trabalho dos
entrevistados.
O presente estudo compreenbde a seguinte estrutura:
Capítulo 1 – Introdução: contextualização do tema da monografia, incluindo
sua relevância e seu objetivo.
Capítulo 2 – Revisão de literatura: fundamentação de informações e
conceitos do tema do estudo sob a ótica de diferentes autores, compreendendo: O
caráter organizacional da religião; O contexto do trabalho do pastor evangélico; A
teoria Psicodinâmica do Trabalho.
Capítulo 3 – Metodologia: apresentação dos métodos empregados na
elaboração do estudo, incluindo a coleta e a análise dos dados.
Capítulo 4 – Análise e discussão dos resultados: análise dos dados e
discussão de seus resultados numa interlocução com a literatura.
Capítulo 5 – Conclusão: exposição das considerações finais, com destaque
aos pontos mais significativos do estudo, contribuições da psicologia, bem como
possibilidades para novas pesquisas referentes ao tema ora abordado.
14
2 REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo visa, a partir da literatura, apresentar alguns elementos que
vinculam religião como organização, bem como apresentar o contexto de trabalho do
pastor evangélico num breve histórico da origem da religião evangélica, bem como
de seu cenário atual. Também objetiva apresentar algumas características da
Psicodinâmica do Trabalho para fundamentar brevemente o enfoque que perpassa o
presente estudo.
2.1 O CARÁTER ORGANIZACIONAL DA RELIGIÃO
A religião é usualmente definida pelas ciências sociais como um sistema de
crenças, práticas, símbolos e estruturas sociais por meio das quais as pessoas e as
sociedades humanas, em diferentes culturas e épocas, vivenciam sua relação com o
mundo do sagrado (Valle, 2005), buscando um sentido para a existência do universo
e do homem (Macedo, Fonseca e Holanda, 2007). Todas as religiões trazem a idéia
do sagrado, embora se diferenciem nas formas como estabelecem e vivenciam suas
crenças e a relação dos homens com o mundo do sagrado (Macedo, Fonseca e
Holanda, 2007). A vivência com o mundo do sagrado, segundo Valle (2005), envolve
modos de apropriação por sujeitos dotados de necessidades, emoções, motivações
e os mais diversos anseios. Para Silva (2004) “provedora de significado e definidora
de questões essenciais à vida numa construção simbólica, a religião pode ser
considerada como criadora de soluções a problemas da realidade construída
socialmente” (p. 12). O autor aponta que a religião, na era globalizada, mostra sua
relevância como alternativa eficaz na obtenção de respostas ao sofrimento e
adversidades, constituindo-se ao longo da história das civilizações de forma
institucional, em suas mais variadas expressões e práticas religiosas.
A religião se organizou de forma institucional em torno do conceito igreja,
que pode designar um conjunto de fiéis ligados por uma mesma fé e sujeitos aos
mesmos líderes espirituais, ou referir-se a comunidade cristã, ou ainda a templo
cristão (Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, 1999). Guerra (2002) explica que
as igrejas se desenvolveram em torno de interesses, pelos quais lutam por
conquistá-los. Para o autor as igrejas seriam empresas sociais que têm como
15
proposta criar, manter e fornecer religião para um conjunto de indivíduos. Segundo
Silva (2004), essa “(...) intencionalidade de atingir determinados objetivos, suas
unidades sociais, seus aglomerados humanos, seus valores, sua cultura
caracterizam a igreja também como uma organização e não apenas um lugar
sagrado” (p.13).
A intencionalidade como característica faz com que as organizações
engendrem em seu dia-a-dia uma forma específica e própria de organização do
trabalho (Zancul, Marx e Metzker (2006), cujos aspectos também estão presentes
nas igrejas, as quais se inserem em contextos socioculturais específicos,
expressando seus mitos, ritos, sistemas simbólicos e de crenças, portando
propostas éticas e guardiãs do sagrado (Carranza, 2005). É neste contexto que o
pastor desenvolve seu trabalho, conforme descrito no próximo tópico.
2.2 O CONTEXTO DE TRABALHO DO PASTOR EVANGÉLICO
2.2.1 Um Breve Histórico da Religião Evangélica
A religião evangélica é um ramo do Cristianismo, o qual cresceu a partir de
seu progenitor, o Judaísmo e como tal também se configurou numa religião
monoteísta3. O Cristianismo foi instaurado no século I a partir de um grupo de
seguidores de Jesus Cristo de Nazaré, denominados apóstolos, que difundiram seus
ensinamentos desde Jerusalém até Roma, o centro do Império Romano. O grupo de
cristãos foi intensamente perseguido desde o seu surgimento até o século IV. Após
este período, o imperador romano Constantino I mostrou tolerância para com os
cristãos, abraçou o Cristianismo e transformou a religião cristã num pólo de
influência política dentro do Império Romano. Posteriormente, no século V, Teodósio
I declarou o Cristianismo como a religião oficial do Império Romano, que então
passou a ser disseminada em toda a Europa (Russel, 1967; Jostein, 2000; Mather e
Nichols, 2000).
No Império Romano, o Cristianismo se estabeleceu por meio da Igreja
Católica, a qual manteve sua hegemonia até o século XI. A partir de então ocorreram
3
Definição de monoteísta: “Quem ou que admite um só Deus”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século
XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
16
cisões no Cristianismo, sendo uma das mais importantes a Reforma Protestante
ocorrida no século XVI, tendo como protagonista o monge Martinho Lutero que
afixou 95 teses na porta da Igreja de Wittemberg como forma de protesto às
indulgências e à autoridade papal. Os protestos de Lutero sofreram sérias objeções
da Igreja Católica, sendo criado o Édito de Worms, na Dieta de Speyer em 1529, o
qual proibia crer, ensinar e dissimular as doutrinas luteranas (de Lutero), dando total
liberdade ao clero para rebatê-las e perseguí-las. Nesse contexto foi utilizado o
termo protestante para aqueles que expressavam seus protestos contra a
supremacia da Igreja Católica, propiciando o surgimento das igrejas denominadas
protestantes (Russel, 1967; Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000).
Durante
a
Reforma
Protestante,
além
de
Lutero
surgiram
outros
reformadores como João Calvino, Ulrico Zwínglio, e outros, sendo as igrejas
protestantes
constituídas
especialmente
pelos
seguidores
do
Luteranismo,
Calvinismo e Zwinglianismo (Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000). Ainda surgiram
outros grupos como o Anglicanismo4, Anabatismo5, Pietismo6 e uma série de outras
denominações e seitas7. Além do termo protestante, como referência atribuída aos
grupos de cristãos herdeiros da Reforma Protestante, foi utilizado o termo
evangélico, o qual foi amplamente propagado de forma a caracterizar esses grupos
como pertencentes à religião evangélica (Jostein, 2000; Mather e Nichols, 2000).
O surgimento dos vários segmentos protestantes/evangélicos, frutos da
Reforma Protestante, foi constituindo ao longo da história novas formas de
Cristianismo propulsadas especialmente por diferentes convicções religiosas e
hermenêuticas8 julgadas passíveis de reformulações por seus seguidores (Jostein,
2000; Mather e Nichols, 2000).
Apesar do berço da Reforma Protestante ter sido o continente europeu, as
suas vertentes não permaneceram apenas por lá, mas migraram e se espalharam
4
“A Igreja oficial da Inglaterra desde Henrique VIII (1491-1547)”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século
XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
5
“A doutrina dos Anabatistas, e a sua prática”. Anabatista: “Membro da seita protestante surgida no
séc. XVI que rejeita o batismo das crianças e rebatiza todos os seus adeptos adultos, bate-se pela
total liberdade religiosa, pela separação da Igreja do Estado e opõe-se ao serviço militar etc.”.
Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
6
(1) Movimento de intensificação da fé, nascido na Igreja Luterana alemã no séc. XVII. (2) Ato de
afirmar a superioridade das verdades da fé sobre as verdades da razão.
7
(1) Doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos. (2) Conjunto de
indivíduos que professam a mesma doutrina. (3) Comunidade fechada, de cunho radical. (4) Teoria
de um mestre seguida por numerosos prosélitos. (5) Pop. Facção, partido.
8
Hermenêutica: “Interpretação dos textos sagrados”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão
3.0, Nov. 1999.
17
para os demais continentes, aportando, inclusive no Brasil por meio da vinda de
missionários protestantes que disseminaram suas crenças denominacionais.
No Brasil, a religião evangélica se configurou com a vasta variedade
denominacional herdada da Reforma Protestante, a partir da qual ainda surgiram
outros grupos evangélicos. O IBGE (2007) classificou essa variedade de
denominações religiosas em três categorias: evangélica de missão, evangélica de
origem pentecostal e outros evangélicos. Siqueira (2006) cita que dentre os
evangélicos de missão, (denominados também de independentes, históricos ou
tradicionais) destacam-se os Luteranos, os Presbiterianos, os Metodistas e os
Batistas tradicionais, e que dentre os pentecostais destacam-se a Assembléia de
Deus, a Congregação Cristã no Brasil, a Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil
para Cristo e Deus é Amor. Os outros evangélicos podem ser igrejas não
determinadas, sem vínculo institucional ou, como referencia a autora, seriam os
denominados neopentecostais, dentre os quais se destacam a Universal do Reino
de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo e Sara Nossa
Terra.
Este contexto histórico contribui para a compreensão do trabalho do pastor
no cenário atual descrito a seguir.
2.2.2 O Cenário Atual
De acordo com Siqueira (2006) a segmentação do grupo evangélico no
Brasil, além da já citada herança da Reforma Protestante européia, pode ser
explicada ainda por outros fatores, dentre os quais cita a diversidade étnica e
cultural brasileira, o processo colonial do Brasil (o qual possibilitou o estabelecimento
de diversas religiões), bem como o processo de modernização que mobilizou ajustes
às necessidades religiosas da população.
A composição diversificada de denominações faz com que o grupo
evangélico se apresente heterogêneo, fragmentado, sem uma configuração
identitária única numa unidade institucional como encontrada no catolicismo (Silva,
2004; Siqueira, 2006). Como comenta Silva (2004), ao referir-se a religião
evangélica, que “há uma diversidade organizacional, teológica e litúrgica que se
evidencia nas muitas igrejas e denominações existentes no Brasil” (p.18). Este
18
aspecto também pode ser um dos fatores relacionado ao crescimento da religião
evangélica, visto que fornece um leque variado para que os indivíduos possam fazer
suas escolhas de acordo com seus preferencialismos organizacionais eclesiásticos,
teológicos e litúrgicos que atendem melhor à suas necessidades existenciais, bem
como na escolha por suas lideranças.
Segundo
Berger9
(apud
Silva,
2004,
p.
160),
as
transformações
organizacionais e dogmáticas da igreja estão inseridas numa guerra, mesmo que
não declarada, do mercado religioso.
Nessa guerra, as instituições religiosas
acabam sendo transformadas em “agências de mercado e as tradições, discursos e
práticas religiosas, em bens de consumo” (p.160).
O trabalho do pastor evangélico, nesse contexto, apresenta uma série de
demandas que trazem conseqüências físicas, psíquicas e sociais, sendo que “ser
apenas um bom pregador dominical não basta, tem que ser também um bom
vendedor de bens (simbólicos ou reais), um bom líder comunitário, um bom
radialista, um bom advogado, psicólogo, político etc.” (Silva, 2004, p.160).
O trabalho pastoral, seus desafios, bem como suas implicações físicas,
psíquicas e sociais para a saúde do pastor, já foi alvo de pesquisas anteriores,
dentre as quais podem ser citados os pesquisadores: (a) Lotufo Neto (1997) que fez
um mapeamento da prevalência de transtornos mentais entre Ministros Religiosos;
(b) Oliveira (2005), que buscou saber como é o cuidado de quem cuida, referindo-se
ao cuidador pastor; (c) Silva (2004) que pesquisou especificamente sobre as
vivências de prazer e sofrimento que envolvem a profissão pastor.
Apesar de cada uma dessas pesquisas focarem uma linha específica de
investigação e análise, há um consenso em torno de que o trabalho do pastor
evangélico abarca inúmeros desafios, os quais interferem significativamente em sua
qualidade de vida.
Os processos que envolvem a qualidade de vida e saúde no trabalho é um
dos focos de estudo, prevenção e intervenção da Psicologia do Trabalho, a qual,
diferentemente da Psicologia Organizacional, não visa responder as demandas
produtivas da organização, mas se propõe a trazer uma melhoria nas condições de
trabalho e para a saúde mental do trabalhador, pautada na ética das relações
humanas (Spink, 1996).
9
Dessa forma, ao invés de voltar-se apenas para a
BERGER, P. L. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
19
organização, a Psicologia do Trabalho se ocupa do trabalhador e das relações
humanas no trabalho, mantendo seu foco na subjetividade, podendo intervir em
diferentes meios organizacionais, bem como junto a categorias profissionais distintas
(Spink, 1996).
A Psicologia do Trabalho privilegia o estudo dos fenômenos e processos
psicológicos na atividade a partir das condições sócio/técnicas estabelecidas no
ambiente de trabalho (Azevedo e Cruz, 2006). Dentro desses parâmetros, se
apresenta uma corrente de pensamento denominada Psicodinâmica do Trabalho
(Dejours, 2004), cuja contribuição se impõe pela qualidade teórica e riqueza
metodológica, bem como pela importância de suas descobertas relacionadas a
saúde no trabalho (Selingmann-Silva, 2007). Esta teoria é descrita brevemente a
seguir.
2.3 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO
A Psicodinâmica do Trabalho teve sua origem na França, nos anos 80, com
o médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours (Ferreira e
Mendes, 2003), que nos anos 70 já havia publicado vários trabalhos abordando
temáticas de estudos psicossomáticos e das relações entre saúde e trabalho
(Selingmann-Silva, 2007), frutos de suas pesquisas sobre a psicopatologia do
trabalho dos anos 50 (Ferreira e Mendes, 2003).
Apesar de surgir nos anos 80, esta nova abordagem da psicopatologia do
trabalho passou a denominar-se Psicodinâmica do Trabalho apenas nos anos 90
(Ferreira e Mendes, 2003) surgindo como uma vertente crítica da abordagem
francesa sobre a questão da relação homem-trabalho (Betiol e Tonelli, 2002). A nova
abordagem é uma proposta que vai além da identificação de doenças mentais
específicas correlacionadas à profissão ou situações de trabalho, sendo que procura
abarcar uma dinâmica mais abrangente, a qual refere à gênese e às transformações
do sofrimento mental, vinculadas à organização do trabalho (Seligmann-Silva, 2007).
Para isso busca-se compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que são
vivenciados pelos trabalhadores ao longo do processo produtivo a partir das
relações e da organização do trabalho (Dejours, 2004; Heloani e Lancman, 2004).
20
Entende-se por organização do trabalho as prescrições que expressam as
concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho, as quais determinam
o funcionamento do meio produtivo (Ferreira e Mendes, 2003). Dessa forma são
estabelecidas as regras, normas, papéis, funções, responsabilidades, produtividade
prescrita, ritmos de produção e as relações hierárquicas, sendo, portanto
representados pela divisão das tarefas e pela divisão dos homens no trabalho
(Ferreira e Mendes, 2003).
Segundo Dejours (2001) a organização do trabalho interfere na saúde
psíquica do trabalhador, sendo que abarca tanto os conteúdos materiais como
simbólicos do significado da execução das tarefas, como a interação entre
trabalhador, a atividade e as relações sociais.
Para Ferreira e Mendes (2003) as situações de trabalho modificam as
percepções do trabalhador em relação a si mesmo e dos outros, o que resulta nos
aspectos subjetivos do trabalho, que poderá ser diferente de sua própria
subjetividade e que viabiliza a construção do sentido do trabalho, podendo ser de
prazer e/ou sofrimento, o qual é atribuído de forma compartilhada por um grupo de
trabalhadores.
A construção de sentido no trabalho tem uma dupla possibilidade, a qual
nasce da interação com os contextos de trabalho (Ferreira e Mendes (2003), sendo
que as experiências no trabalho podem ser avaliadas de forma positiva ou negativa
e as percepções podem ser desencadeadoras de vivências de prazer e/ou de
sofrimento (Mendes e Silva, 2006). Para Ferreira e Mendes (2003) “o prazersofrimento é um constructo único, originado das mediações utilizadas pelos
trabalhadores para manter a saúde, evitando o sofrimento e buscando alternativas
para obter prazer” (p.53). O prazer, portanto, não se desvincula do sofrimento, sendo
que o sofrimento pode, inclusive, ser um caminho para renovação (Mendes e Silva,
2006). Dessa forma, o trabalho é considerado pelos autores uma das fontes de
saúde psíquica. Mendes (1999) ainda afirma que mesmo a vida de trabalho não
sendo um estado de gozo pleno, pode ser vivenciada numa transformação daquilo
que faz sofrer na realidade presente. Segundo a autora seria uma oportunidade de
refazer, de criar, de flexibilizar, de transformar, e de deixar sua marca no mundo.
Segundo Ferreira e Mendes (2003) “o prazer no trabalho é uma vivência
individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores de experiências de
gratificação provenientes da satisfação dos desejos e de necessidades do
21
trabalhador (...)” (p. 54). Os autores enfatizam que essa vivência é decorrente de
uma mediação bem sucedida dos conflitos e contradições gerados num determinado
contexto de produção, em que o sentido do trabalho é atribuído como prazer,
transformando-o em fonte de saúde.
No entanto, as pesquisas de Ferreira e Mendes (2003) identificaram que
geralmente não é o prazer que predomina, mas sim o sofrimento.
Para Dejours (2001) os principais fatores do sofrimento no trabalho são: (a)
o medo da incompetência - faz com que o trabalhador execute o seu trabalho com
zelo excessivo para tornar o trabalho prescrito eficaz, obrigando-lhe a descumprir as
prescrições, instruções e procedimentos. Dessa forma, em situações de trabalho que
se apresentam como uma fonte de perplexidade é instaurada a angústia e o
sofrimento. Estes aspectos são vivenciados por sentimentos de medo de
incompetência, de não estar à altura ou até mesmo de ser incapaz de enfrentar
adequadamente e com a responsabilidade necessária as situações incertas ou
incomuns que se apresentam no trabalho; (b) a pressão para trabalhar mal - se situa
quando o trabalhador, apesar de ter habilidade/competência para a atividade e saber
o que deve fazer, não pode fazê-lo por encontrar obstáculos sociais do trabalho.
Esses obstáculos se presentificam por meio de um ambiente social péssimo, onde
cada um trabalha por si, colegas criam obstáculos, são sonegadas informações, o
que prejudica a cooperação entre os implicados no trabalho; (c) a desesperança do
reconhecimento – o sentido do sofrimento no trabalho provém de seu
reconhecimento. O reconhecimento da qualidade do trabalho, também dá sentido
aos esforços, angústias, dúvidas, decepções e desânimos ocorridos no desempenho
dessa qualidade. O reconhecimento também constrói a identidade do indivíduo, a
qual se constitui como armadura para a saúde mental. O trabalhador ao não obter o
reconhecimento de seu trabalho também não alcança o sentido de sua relação para
com o trabalho, pois “se vê reconduzido ao sofrimento e somente a ele. Sofrimento
absurdo, que não gera senão sofrimento, num círculo vicioso e (...) desestruturante,
capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e de levar à doença mental”
(Dejours, 2001, p. 34-35).
Ferreira e Mendes (2003) definem o sofrimento no trabalho como uma
vivência de experiências dolorosas, incluindo principalmente a angústia, o medo e a
insegurança no trabalho.
22
Dejours (2001), afirma que a insegurança no trabalho é acentuada frente à
constante ameaça de desemprego, a qual ronda os trabalhadores continuamente.
Para o autor, os trabalhadores, diante da ameaça de demissão, ficam sujeitos a um
sistema de dominação auto-controlado e um aumento de carga de trabalho.
Essa nova forma de dominação da gerência da ameaça da precarização
subjuga os trabalhadores de forma a viverem constantemente com medo, o qual
gera a obediência e submissão no trabalho (Dejours, 2001).
Dejours (2001) pontua que como efeito da precarização ocorre: (a) uma
intensificação do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo; (b) a neutralização
da mobilização coletiva contra o sofrimento, a dominação e a alienação; (c) a
estratégia defensiva do silêncio, da cegueira e da surdez; (d) o individualismo. Dessa
forma, cada trabalhador procura resistir ao máximo as pressões no trabalho,
ignorando
o
seu
sofrimento,
bem
como
o
sofrimento
alheio,
fechando
convenientemente os olhos e ouvidos ao sofrimento e as injustiças infligidas a
outrem (Dejours, 2001).
Após analisar o sofrimento nas organizações, Dejours (2001) refere que no
sistema contemporâneo da sociedade empresarial perpassa uma banalização do
mal. O autor cita algumas formas em que isso ocorre no contexto de trabalho: (a)
tolerância à mentira, sua não denúncia e inclusive na participação em sua produção
e divulgação; (b) tolerância, não denúncia e participação em causar injustiça e
sofrimento em outrem; (c) infrações freqüentes das leis trabalhistas (exemplo:
empregar pessoas sem o devido pagamento; exigir uma carga horária que
ultrapassa a autorizada legalmente); (d) injustiças deliberadamente cometidas e
publicamente manifestas por meio de designações discriminatórias e manipuladoras;
(e) manipulação deliberada de ameaças, chantagens, insinuações a ponto de
desestabilizar psicologicamente o trabalhador, levando-o a cometer erros, para
posteriormente usá-los como pretexto de incompetência profissional para sua
demissão; (f) dispensa sem aviso prévio, sem discussão; (g) submeter outrem a
desumanidades obrigando-o a cometer atos que reprova moralmente, como ameaça
de precarização.
Dessa forma o sofrimento dos que trabalham assume formas inquietantes,
sendo que diante da possibilidade da demissão, pelo mínimo deslize, os
trabalhadores continuam a trabalhar mesmo estando doentes (Dejours, 2001).
23
Segundo Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento é vivenciado, muitas vezes,
de forma inconsciente, individual e/ou compartilhada por um grupo de trabalhadores
frente a conflitos e contradições num confronto entre desejo e necessidades do
trabalhador e as características de determinado contexto produtivo. Seria a
conseqüência de trabalhadores estarem expostos a situações em que se encontram
diante da impossibilidade de negociarem seus desejos, e ao esgotarem todas as
suas tentativas individuais e coletivas no enfrentamento das adversidades, acabam
sofrendo algum tipo de adoecimento (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004).
No entanto, segundo Dejours (2004), devido os trabalhadores estarem
continuamente submetidos à pressões e sofrimento no trabalho, ocorre um ajuste
entre a subjetividade e a organização do trabalho. O pesquisador percebeu isso ao
estudar situações de trabalho geradoras de sofrimento para os trabalhadores e
observou que em todas essas situações, os implicados no sofrimento no trabalho
mobilizavam, entre outros processos, estratégias, tanto individuais como coletivas
para lidar com seus sentimentos e continuar trabalhando.
Para a Psicodinâmica do Trabalho “o trabalho é uma atividade humana
ontológica finalística por meio da qual os trabalhadores forjam estratégias de
mediação individuais e coletivas” em um contexto de produção de bens e serviços
(Ferreira e Mendes, 2003, p.38). Na dinâmica da mediação destas estratégias, os
indivíduos, ao mesmo tempo em que transformam o contexto de produção, são
também transformados por ele (Ferreira e Mendes, 2003).
As estratégias de mediação do sofrimento podem ser defensivas ou de
mediação subjetiva com o intuito de garantir a sobrevivência física, psicológica e
social e têm como objetivo confrontar e superar as diversas contradições que
permeiam o contexto de trabalho (Dejours, 2004; Ferreira e Mendes, 2004).
As estratégias defensivas se articulam como mecanismos, muitas vezes
inconscientes,
sendo
individuais
e/ou
compartilhados,
por
um
grupo
de
trabalhadores, que segundo Ferreira e Mendes (2003) podem ser “de negação e/ou
racionalização do sofrimento e do custo humano negativo, causados pelas
contradições e pelos conflitos em determinado Contexto de Produção de Bens e
Serviços” (p.56-57).
A utilização da negação como estratégia defensiva representa a negação do
próprio sofrimento, bem como do sofrimento alheio no trabalho (Dejours, 2004;
Ferreira e Mendes, 2003). Tem como característica a naturalização do sofrimento e
24
das injustiças padecidas pelos trabalhadores e a “supervalorização dos resultados
positivos, das vantagens da produção e dos fracassos no trabalho como decorrentes
da incompetência, da falta de seriedade, de preparo, da má vontade ou da
incapacidade humana” (Ferreira e Mendes, 2003, p.57). Nessa estratégia se
apresentam comportamentos de isolamento, desconfiança e de individualismo.
Também há a ocorrência de banalização das adversidades do contexto e uma
eliminação do coletivo do trabalho em que não se considera a história da produção
da coletividade (Ferreira e Mendes, 2003).
Na estratégia defensiva via racionalização, segundo Ferreira e Mendes
(2003) há uma evitação da angústia, do medo e da insegurança nas vivências do
trabalho, que se caracteriza por “invocar justificativas ‘mágicas’ socialmente
valorizadas e causas externas para explicar situações de trabalho desconfortáveis,
desagradáveis e dolorosas” (p. 57). Situações que, para os autores, propiciam risco
e impõem ritmo acelerado e/ou exigem elevados índices de desempenho e
produtividade.
Dentre
os
comportamentos
característicos
da
racionalização
apresentados por Ferreira e Mendes (2003) estão a apatia, a resignação, a
indiferença, a conformidade, bem como os comportamentos “de controle sobre
pessoas e situações que representam uma ameaça a estabilidade e que possam
desmascarar as razões do imobilismo10 diante das adversidades do contexto de
trabalho” (p. 57).
As estratégias defensivas, durante certo tempo, protegem o indivíduo contra
a dissonância cognitiva11 e os afetos dolorosos (Ferreira e Mendes, 2003). No
entanto, seu uso constante pode se configurar numa estratégia ineficaz para lidar
com
o
sofrimento,
podendo
desencadear
o
surgimento
de
“doenças
psicossomáticas, do tipo endócrino-metabólicas, (...) perturbações psíquicas como o
desenvolvimento de traços neuróticos, doenças ocupacionais como Dort, estresse e
depressão” (Ferreira e Mendes, 2003, p. 58).
Dessa forma, as estratégias de mobilização coletiva são consideradas mais
apropriadas do que as defensivas para manter os trabalhadores mais próximos da
10
Definição de imobilismo: “Predileção pelas coisas antigas e/ou aversão ao progresso” - Dicionário Eletrônico
Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
11
A Teoria da Dissonância Cognitiva foi desenvolvida por Leon Festinger a meio do século XX. Ele define a
Dissonância como uma tensão entre o que uma pessoa pensa ou acredita e aquilo que faz. Quando alguém faz
uma ação que está em desacordo com aquilo que pensa, gera-se essa tensão e mecanismos psíquicos para
repor a consonância são prontamente ativados. Das duas uma, ou aquilo que sabemos ou pensamos se adapta
ao nosso comportamento, ou o comportamento adapta-se ao nosso conhecimento. Disponível em:
<http://eperdidas.wordpress.com/2006/12/06/dissonancia-cognitiva/> Acesso em: 13 Out 2008.
25
saúde, sendo que mobilizam uma busca pela eliminação do custo humano12
negativo do trabalho, resignificando o sofrimento ao ser realizada a gestão das
contradições, transformando a organização, as condições e as relações sociais de
trabalho em fonte de prazer e bem-estar (Ferreira e Mendes, 2003).
Dejours (2001) afirma que as estratégias individuais de defesa têm um papel
de adaptação do trabalhador ao sofrimento e pouca influência na desconstrução da
violência social, justamente por ser individual. No entanto, o autor aponta que as
transformações da realidade sofredora encontram maior eficácia no engendramento
de estratégias coletivas que contribuem decisivamente para a coesão do coletivo no
trabalho. Pois, conforme Dejours (2001), “trabalhar é não apenas ter uma atividade,
mas também viver: viver a experiência da pressão, viver em comum, enfrentar a
resistência do real, construir o sentido do trabalho, da situação e do sofrimento”
(p.103).
Para Ferreira e Mendes (2003) os elementos constitutivos da estratégia da
mobilização coletiva são a cooperação e o espaço público de discussão.
A cooperação como estratégia de mobilização coletiva se constitui pela
possibilidade de uma ação coordenada, na construção de um produto comum,
embasada na confiança e na solidariedade (Ferreira e Mendes, 2003). Nessa
estratégia há uma convergência das contribuições de cada trabalhador, bem como
das relações de interdependência (Ferreira e Mendes, 2003). O alcance de
resultados coletivos se apresenta superior em relação aos individuais, visto que o
desempenho do coletivo no trabalho minimiza erros, falhas individuais e acentua a
integração das diferenças individuais e a articulação dos talentos específicos de
cada trabalhador (Ferreira e Mendes, 2003). Dessa forma, ocorre na cooperação
uma valorização e um reconhecimento da marca pessoal e do esforço de cada um
na realização do trabalho e na participação no coletivo, de modo a fortalecer a
identidade psicológica e social, a qual permite reafirmar as referências internas no
convívio com a diversidade (Ferreira e Mendes, 2003). Portanto, a cooperação
viabiliza uma produção coletiva mais efetiva de ações transformadoras do que as
ações individualizadas (Ferreira e Mendes, 2003).
12
“O custo humano do trabalho expressa o que deve ser despendido pelos trabalhadores (individual e
coletivamente) nas esferas física, cognitiva e afetiva vis-a-vis as contradições existentes no contexto de
produção que obstaculizam (custo negativo) e desafiam (custo positivo) a inteligência dos trabalhadores. Ele é
imposto externamente aos trabalhadores sob a forma de constrangimentos (contraintes) para suas atividades”.
FERREIRA, Mário César e MENDES, Ana Magnólia. Trabalho e riscos de adoecimento: o caso dos auditoresfiscais da Previdência Social Brasileira.Brasília: Edições LPA, 2003, p.130.
26
O espaço público de discussão como estratégia de mobilização coletiva se
constitui por um espaço de fala e de expressão coletiva do sofrimento (Ferreira e
Mendes (2003). É um espaço no qual as opiniões dos trabalhadores possam ser
formuladas com liberdade e declaradas publicamente, bem como é um espaço
construído pelos trabalhadores em que há uma compreensão, pelo coletivo, das
formas de comunicação utilizadas para a auto-expressão, numa autenticidade e
relação de eqüidade13 entre aquele que fala e aquele que escuta (Ferreira e Mendes
(2003).
Dessa forma, conforme afirma Heloani e Lancman (2004), “apreender e
compreender as relações de trabalho exige mais do que a simples observação, mas,
sobretudo, exige uma escuta voltada a quem executa o trabalho, pois esse implica
relações subjetivas menos evidentes que precisam ser desvendadas” (p. 82). Isso
significa que devem ser consideradas as relações que o trabalho propicia, entendêlas e explicá-las para além do que se apresenta como visível e mensurável (Heloani
e Lancman, 2004).
No entanto, segundo Dejours (2004), o processo de compreender os
aspectos psíquicos e subjetivos que envolvem a vida do trabalhador, não significa
buscar transformar o trabalho, sendo que a busca é modificar as relações subjetivas,
em cuja via são engendradas as estratégias de mediação do sofrimento no trabalho.
Portanto, a Psicodinâmica do Trabalho propõe uma escuta que pode ser
realizada de forma individual ou coletiva, na qual possam ocorrer processos de
reflexão e de elaboração dos sentidos no trabalho possibilitando a criação de
mobilizações que possam alavancar mudanças no contexto de trabalho, em suas
relações laborais e sociais (Dejours, 2001; Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004;
Heloani e Lancman, 2004). Para que, a partir do processo reflexivo sobre o próprio
trabalho, o indivíduo possa se reapropriar da realidade de seu trabalho, o que pode
impulsionar mudanças da realidade sofredora e uma obtenção de maior saúde no
trabalho (Dejours, 2004).
Finalizando a apresentação das principais características da Psicodinâmica
do Trabalho convém dizer que é uma abordagem científica que investiga a saúde no
trabalho (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2004). Segundo Ferreira e Mendes
(2003) a Psicodinâmica do Trabalho “privilegia como categoria central de análise a
13
Definição de eqüidade: “Disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um” - Dicionário Eletrônico
Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
27
relação entre sofrimento (...) e as estratégias de mediação do sofrimento no trabalho
utilizadas
pelos
trabalhadores
para
resignificar/superar
esse
sofrimento
e
transformar o contexto de produção em uma fonte de prazer” (p. 35).
Portanto, o presente capítulo, apresentou, a partir da revisão da literatura: (i)
alguns elementos que vinculam a igreja como uma organização; (ii) o contexto de
trabalho do pastor evangélico num breve histórico da origem da religião evangélica e
de seu cenário atual; (iii) e apresentou alguns dos principais pressupostos da
Psicodinâmica do Trabalho, para fundamentar o enfoque teórico pelo qual perpassa
o presente estudo.
A partir do próximo capítulo será apresentada a metodologia utilizada na
elaboração da pesquisa, incluindo o levantamento e a análise dos dados.
28
3 METODOLOGIA
A pesquisa teve como objetivos a identificação de como está organizado o
trabalho da categoria profissional pastor evangélico em seu cotidiano, investigar as
exigências e expectativas que imprimem a ação no trabalho, analisar as vivências de
prazer e sofrimento no trabalho, identificar as estratégias de mediação do sofrimento
no exercício da profissão pastoral e analisar a percepção dos pastores quanto ao
trabalho pastoral em relação a outras profissões.
3.1 PARTICIPANTES
A pesquisa foi realizada com pastores atuantes em igrejas evangélicas da
cidade de Curitiba – Paraná. A amostra se constituiu de cinco pastores de orientação
denominacional variada, sendo todos do sexo masculino, casados, pais e que
exerciam a atividade pastoral em período integral no momento da pesquisa. Na
seqüência, a tabela 01 apresenta os dados caracterizando a amostra.
Tabela 01: Caracterização da amostra
PASTOR 1
PASTOR 2
PASTOR 3
PASTOR 4
PASTOR 5
Idade
39 anos
63 anos
37 anos
31 anos
55 anos
Cargo
Pr. responsável
Pr. auxiliar
Pr. auxiliar
Pr. responsável
Pr. responsável
Grau de Instrução
Superior inc.
Superior
Superior
Superior
Mestrado
Orientação denominacional
Pentecostal
Neopentecostal
Tradicional
Pentecostal
Tradicional
Tempo na atividade
2 anos e meio
15 anos
5 anos
10 anos
30 anos
Fonte: Elaboração própria a partir da coleta dos dados
3.2 PROCEDIMENTOS
A fase da coleta e da organização dos dados ocorreu entre os meses de
Março e Junho de 2008. O contato com os sujeitos da pesquisa foi realizado via
telefone junto a Instituições Evangélicas de diferentes denominações e orientações
eclesiásticas. Inicialmente foi feito uma busca em sites de igrejas evangélicas na
internet, nos quais foram obtidos os números para o contato telefônico. Ao todo
foram contatadas dez instituições eclesiásticas. Os pastores participantes da
29
pesquisa foram selecionados por acessibilidade e adesão, no entanto, foi utilizado
como critério de seleção para entrevista que os pastores deveriam estar atuantes no
exercício da profissão.
O processo da coleta dos dados foi encerrado após serem concretizadas
cinco entrevistas dentre os dez contatos realizados, visto que as informações obtidas
foram consideradas suficientes para o objetivo proposto na pesquisa.
Antes da realização de cada entrevista, foi apresentado aos participantes a
“Carta de Apresentação da Pesquisa” (Anexo 1), o “Termo de Consentimento e
Esclarecimento Sobre a Pesquisa” (Anexo 2), sendo oficializado por meio de
assinatura do entrevistado. Estes documentos garantiram o sigilo absoluto acerca
dos dados obtidos na entrevista de acordo com os princípios éticos que
regulamentam o exercício da psicologia.
As datas e horários para as entrevistas foram pré-agendadas, num acordo
entre pesquisadora e entrevistados de acordo com a disponibilidade de cada um. As
entrevistas foram realizadas no local de trabalho dos entrevistados, sendo todas de
forma individual e tiveram duração aproximada de uma hora e dez minutos. Todas
foram feitas com registro eletrônico, sendo posteriormente transcritas, compondo
dessa forma os dados para análise e discussão.
Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista de pesquisa em
profundidade de caráter semi-estruturado. Segundo Thiollent (1997) a técnica da
entrevista semi-estruturada procura obter informações sem questionário fechado,
sendo composta apenas por questões abertas, as quais devem ser respondidas
pelos entrevistados de forma espontânea de modo que possa eclodir o não-dito em
suas verbalizações a respeito de sua realidade. Dessa forma as sessões das
entrevistas devem sempre promover a liberdade de expressão (Thiollent, 1997), sem
que haja indução de respostas.
A entrevista para a pesquisa seguiu um roteiro semi-estruturado construído a
partir das categorias teóricas: a organização do trabalho do pastor, as exigências
para a função pastoral, as vivências de prazer e sofrimento e as estratégias de
mediação do sofrimento no trabalho. Considerando que a entrevista semiestruturada procura obter informações sem questionário fechado, as questões
utilizadas (Anexo 3) serviram apenas como norte das entrevistas.
30
3.3 ANÁLISE DOS DADOS
A metodologia utilizada para análise dos dados foi a análise de conteúdo
categorial proposto por Bardin (1997), a qual é
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,
por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição de
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin,
1997, p. 42).
Segundo Bardin (1997) a organização da análise de conteúdo passa por
diferentes fases que podem ser resumidos em três momentos, sendo: (1) préanálise; (2) exploração do material; (3) tratamento dos dados, inferência e
interpretação. No primeiro momento realiza-se uma leitura flutuante, escolha dos
documentos, formulação de hipóteses e objetivos, colocadores dos indicadores e
índices e a preparação do material que vai ser analisado. No segundo momento
ocorre a codificação e a categorização dos dados. Na terceira fase são feitas as
operações estatísticas, a síntese e seleção dos resultados, as inferências e as
interpretações (Bardin, 1997). Goulart (2006) ressalta os cuidados que devem ser
tomados na hora da interpretação, sendo que envolve a compreensão do sentido, a
compreensão das idéias e o viés afetivo e ideológico. Alerta ainda em relação ao
cuidado que teve ter quem analisa procurando evitar a influência de sua ideologia,
de seus pressupostos e de sua hipótese de trabalho. A autora afirma que “todo
documento falado, escrito ou sensorial contém, potencialmente, uma quantidade de
informações sobre seu autor, sobre o grupo ao qual pertence, sobre os fatos e
acontecimentos que são relatados, sobre o mundo ou sobre o setor da realidade que
este documento questiona” (p. 158). E acrescenta que “a percepção dessas
informações é filtrada, deformada, alterada por toda uma série de seleções e
interpretações que provêm dos centros de interesse, das motivações, das ideologias
daqueles que as analisam” (p. 158).
A análise de conteúdo pode ser feita de forma qualitativa e/ou quantitativa,
sendo que para esta pesquisa a análise foi de forma qualitativa. Segundo Goulart
(2006) “(...) a análise qualitativa é caracterizada pelo fato de que a inferência,
sempre que é realizada, é fundada na presença do índice (um tema, uma palavra,
31
um personagem) e não sobre a freqüência de sua aparição em uma comunicação
individual” (p 163). Já a quantitativa, segundo a autora, é fundada justamente na
freqüência do acontecimento ou de um elemento surgido no discurso de quem fala.
Segundo Heloani e Lancman (2004) no enfoque qualitativo o pesquisador se
preocupa mais com o processo do que com os resultados e apesar de haver
delimitação
dos
objetivos
específicos,
o
detalhamento
das
estratégias
metodológicas, o trabalho de campo, a análise do material, a avaliação, a validação,
a coleta de dados e sua análise, o processo todo ocorre de forma simultânea ao
longo da intervenção.
De acordo com Mendes (2007) a técnica da análise categorial consiste num
desmembramento do texto em unidades, por meio das quais surgem as categorias
provindas da investigação dos temas psicológicos que mais despontaram do
discurso. Explica ainda que a nomeação e a definição das categorias é o essencial
para confirmar a aplicação da técnica à pesquisa e deve ser especificada a
categoria, a definição e as verbalizações.
Portanto, de acordo com essa metodologia foram adotados, para a análise
dos dados da pesquisa, os seguintes procedimentos: leitura das entrevistas
transcritas, com vistas a examinar seu conteúdo; identificação das principais falas
dos entrevistados; agrupamento dos temas e das verbalizações mais latentes que
apresentaram semelhanças; nomeação das categorias a partir da fala dos
entrevistados; análise e discussão dos resultados.
A análise e discussão dos dados basearam-se nos pressupostos da
abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, bem como outras teorias também foram
utilizadas, a exemplo das pesquisas de Enriquez (1997a, 1997b, 2006) e Pagès
(1993), para compreender a relação entre subjetividade e trabalho da categoria
profissional diferenciada pastor evangélico.
A análise dos núcleos temáticos foi realizada a posteriori por dois juízes para
validação de seus conteúdos, sendo um a pesquisadora e outro a orientadora da
pesquisa.
32
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Considerando a existência de diferenciações da organização do trabalho dos
pastores da religião evangélica nos mais variados contextos denominacionais, em
que cada qual abarca um conjunto de crenças e administração eclesiástica
peculiares, a análise e discussão dos resultados aqui apresentadas enfatizam
apenas algumas características do trabalho do pastor evangélico que foram
identificadas a partir dos relatos dos pastores entrevistados para este estudo.
Como resultados da pesquisa se destacaram oito categorias sínteses que
exemplificam a organização do trabalho, as exigências, as vivências de prazer e
sofrimento e as estratégias de mediação do sofrimento na realidade do trabalho
destes trabalhadores.
Portanto, este capítulo apresenta as categorias de análise (Bardin, 1997)
que foram selecionadas a partir das verbalizações dos pastores entrevistados que
estiveram mais latentes e que apresentaram semelhanças.
4.1“O Pastor basicamente administra a igreja, prega, ensina e atende as pessoas”
Descrição
As funções desempenhadas pelos pastores entrevistados são múltiplas e
compreendem: administrar a igreja; liderar departamentos; liderar reuniões; realizar
cultos; atender, aconselhar, orientar e acompanhar pessoas; treinar e formar outros
líderes; visitar; pregar; ensinar; ministrar cursos; ministrar em eventos; realizar
eventos; participar em projetos sociais; preparar mensagens e estudos bíblicos;
realizar funerais, casamentos e batismos; elaborar relatórios. O trabalho pastoral é
organizado em uma rotina semanal, incluindo período matutino, vespertino e
noturno. Há uma carga horária que, apesar de não ser fixa e preestabelecida, está
em torno de dez horas diárias durante a semana, sendo maior no domingo. As
funções diferem nos dias da semana, sendo que cada dia da semana tem atividades
diferenciadas. As funções matutinas e vespertinas têm horário de início e término, no
entanto, os horários são flexíveis podendo ser alterados de acordo com alguma
demanda imprevisível e/ou que se apresente como urgente. Os compromissos nas
noites, geralmente são compostos por reuniões ou cultos. A atividade pastoral é
estabelecida por contrato autônomo entre o pastor e uma organização eclesiástica.
Temas Encontrados
Funções múltiplas
Rotina semanal
Ritmo de trabalho com demandas imprevisíveis
33
Carga horária pesada
Horários flexíveis
Contrato autônomo
Análise e Discussão
A categoria indica algumas das características que envolvem a organização
do trabalho dos pastores entrevistados, no que refere às tarefas/funções e sua
execução.
Para a Psicodinâmica do Trabalho a organização do trabalho é a forma
como as tarefas são definidas, divididas e distribuídas entre os trabalhadores, bem
como são concebidos e constituídos os elementos prescritos (formal ou
informalmente) levando em conta que as prescrições expressam as concepções e as
práticas de gestão de pessoas e do trabalho, as quais determinam o funcionamento
do meio produtivo (Dejours, 2004; Ferreira e Mendes, 2003).
Dessa forma a organização do trabalho estabelece as regras, normas,
papéis, funções, responsabilidades, produtividade prescrita, ritmos de produção e as
relações hierárquicas, envolvendo por um lado a divisão das tarefas e por outro lado
a divisão dos homens (Dejours, 2004). A divisão das tarefas “(...) conduz alguns
indivíduos a definir por outros, o trabalho a ser executado, o modo operatório e os
ritmos a seguir” e a divisão dos homens seria “o dispositivo de hierarquia, de
supervisão, de comando, que define e codifica todas as relações de trabalho”
(Dejours, Dessors e Desriaux, p.104, 1993).
A partir de Dejours (2004) é possível entender que a organização do
trabalho influencia a saúde psíquica do trabalhador que envolve tanto os conteúdos
materiais como simbólicos do significado da execução das tarefas, bem como da
interação entre trabalhador, a atividade e as relações sociais no trabalho.
O trabalho executado pelos pastores entrevistados compreende múltiplas
funções, sendo: administrar a igreja; liderar departamentos; liderar reuniões; realizar
cultos; atender, aconselhar, orientar e acompanhar pessoas; orar com e pelas
pessoas; treinar e formar outros líderes; visitar; pregar; ensinar; ministrar cursos;
ministrar em eventos; realizar eventos; participar em projetos sociais; preparar
mensagens e estudos bíblicos; realizar funerais, casamentos e batismos; elaborar
relatórios. As atividades foram resumidas por um dos entrevistados da seguinte
forma:
34
“As atividades minhas como pastor, elas se resumem no atendimento pastoral, no
sentido de acompanhar a vida das pessoas espiritualmente, fazer visitas a doentes
nos hospitais, confortar os aflitos, orar com as pessoas, além daquelas específicas
eclesiásticas, que é ministrar estudos, conferências, pregações, ensino,
ministrações nessa área do saber bíblico também”.
As atividades citadas encontram parâmetros na lista de atividades atribuídas
aos ministros de culto religioso pela Classificação Brasileira de Ocupações14 do
Ministério de Trabalho e Emprego (MTE, 2002), no código 263115 (anexo 4). De
acordo com a lista da CBO as atividades exercidas por essa profissão compreendem
a realização de liturgias, celebrações, cultos e ritos; a direção e administração de
comunidades; formação de pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes
tradições; a orientação de pessoas; a realização de ação social junto à comunidade;
a realização de pesquisa da doutrina religiosa; a transmissão de ensinamentos
religiosos; a prática de vida contemplativa e meditativa e a preservação da tradição
(MTE, 2002).
A maioria das funções especificadas, tanto pelos entrevistados como pela
CBO, indicam a natureza do exercício pastoral como uma relação de ajuda para com
as pessoas. Este aspecto foi sinalizado na fala dos entrevistados.
“O ministério pastoral envolve cuidar, tratar e desenvolver as ovelhas”.
“O meu único objetivo aqui é estar tratando, aconselhando pessoas e
acompanhando no dia-a-dia as suas necessidades, tanto psicológicas, como
espirituais, e até, também materiais. Existe o aspecto da assistência social. O meu
principal objetivo é que eu possa conhecê-la bem e poder ajudá-la naquilo que está
perturbando ou que está incomodando”.
A natureza do trabalho pode ser entendida como a essência que caracteriza
determinado exercício de atividades, em relação a qual busca-se compreender suas
características fundamentais e inerentes ao trabalho em questão (Volpato, 2002),
independente da organização em que ele é executado. A profissão que se
caracteriza em sua natureza como relação de ajuda remete sua ação para a teoria
da relação de ajuda postulada por Carl Rogers (1974). Para esta teoria ‘ajuda’ seria
uma relação em que pelo menos uma das partes busca promover, na outra, um
crescimento, desenvolvimento, maturidade, bem como um melhor funcionamento e
14
A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é o documento normalizador do reconhecimento, da
nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. É ao
mesmo tempo uma classificação enumerativa e uma classificação descritiva. MTE (2002). Ministros de culto,
missionários, teólogos e profissionais assemelhados. Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/busca.asp>.
Acesso em: 16 Ab 2008.
15
Código 2631 – Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais assemelhados.
35
um aumento da capacidade de enfrentar a vida no reconhecimento de suas
capacidade e recursos internos. Segundo Oliveira (2005) o trabalho de pastores está
entre as profissões de ajuda, num ambiente eclesiástico que propicia que os
pastores sejam considerados cuidadores por excelência, sendo que “(...) no contato
com a sociedade em geral, os religiosos são muitas vezes procurados por pessoas
ou famílias em dificuldades, em busca de aconselhamento ou consolo” (p.17).
Partindo da delimitação das principais funções da tarefa pastoral, bem como
de sua natureza de seu trabalho, buscou-se analisar a sua execução, o modo que o
pastor opera suas funções e o ritmo de seu trabalho. Os pastores da pesquisa assim
relataram:
“Minha atividade como pastor... ela abrange uma área muito vasta. Por exemplo,
um pastor é como um médico. Ele não tem horário... ele é chamado duas da
manhã... três da manhã.... quatro da manhã... cinco da manhã... então tem... eu
mesmo como pastor... várias vezes, tive que sair de casa meia noite... três da
manhã... pra atender famílias, pessoas”.
“É... a demanda é muito grande. Se você não tiver um pouco de disciplina, se você
não tiver um pouco de noção, você se enrola”.
“Conforme o dia da semana muda a tarefa Tem dias que eu estou no preparo de
sermão, tem dia que eu estou no atendimento e tem dia que eu estou em visitação.
Umas duas ou três noites da semana, do meio da semana, eu estou em reuniões
de ministérios, liderança de ministérios”.
“Na minha agenda tem tudo. Ela fura de vez em quando em situações de morte, em
situações de enfermidade”.
As verbalizações indicam que as funções são executadas num ritmo de
trabalho com demandas imprevisíveis e as tarefas são diferentes para os dias da
semana. No entanto, apesar da imprevisibilidade de demandas, os horários são
cumpridos numa agenda semanal que, ainda assim, é vivenciada como rotina,
envolvendo os períodos matutino, vespertino e noturno, conforme os entrevistados.
“Eu tenho aquela agenda que é mais ou menos fixa. Meu trabalho tem uma
sistemática mais ou menos parecida”.
“Meu expediente aqui, é das nove e meia da manhã até o meio dia, e das duas até
às seis horas da tarde. Todos os dias e às vezes à noite também quando é
necessário. Por causa de aula ou por causa de atendimento de pessoas que não
podem vir durante o dia”.
Apesar de alguns horários serem fixos há flexibilidade:
36
“Os horários durante a semana são flexíveis, eles dependem muito de
agendamento. Quando eu tenho, por exemplo, um agendamento pela manhã,
naquele dia eu não faço as minhas leituras, eu venho atender aquela pessoa e daí
eu faço a leitura num outro dia”.
A imprevisibilidade de demandas e a flexibilidade, contrapostas com a rotina
e os horários fixos, são elementos do atual contexto de trabalho na sociedade. Há
uma aparente autonomia e liberdade, porém, de fato esses elementos levam o
trabalhador a uma responsabilidade individual diante de suas tarefas, que acaba por
intensificar cada vez mais seu trabalho (Dejours, 2001; Heloani, 2003).
Isso pôde ser percebido no relato dos entrevistados que referiram que
cumprem uma carga horária pesada, sendo em torno de dez horas diárias e que se
intensifica no final de semana.
“Dá em torno de dez horas por dia mais ou menos. Final de semana é um pouco
mais complicado. Tem final de semana, por exemplo, domingo eu chego nove da
manhã aqui, tem um tempo livre à tarde, mas à noite eu saio daqui em torno de dez
horas da noite”.
“Domingo é ‘fulltime’, das nove da manhã até as nove e meia da noite tem
atividade”.
Segundo Enriquez (1997b) a estrutura organizacional que traz consigo uma
crença de autonomia, pode, na verdade representar uma armadilha para o indivíduo.
Para o autor esse aspecto se estabelece na sociedade e no mundo do trabalho
buscando fazer o indivíduo acreditar em sua vocação de homem livre e criador. A
flexibilização faz com que o indivíduo acolha essa crença de que é dono de sua
gestão do trabalho. No entanto, o que de fato acontece, segundo o autor é uma
gradativa construção de grades em torno do sujeito trabalhador. Dessa forma a
aparente liberdade e autonomia da gestão de suas tarefas para atender as
demandas de sua função, bem como a flexibilização de horários, entre outros
elementos, de fato aprisionam o trabalhador nas malhas de uma organização, sendo
que ao final o indivíduo é responsabilizado caso não apresentar a produtividade
expectada (Dejours, 2001, Enriquez, 1997b). Conforme declara Enriquez (1997b)
“jamais o indivíduo esteve tão encerrado nas grades das organizações (em particular
das empresas) e tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de pensar, à
sua psique” (p.19).
37
Portanto percebe-se que a lógica da gestão por flexibilização do mercado
atual de trabalho também está estabelecida para o trabalho pastoral.
No entanto, apesar da intensificação do trabalho, em que agenda semanal e
a carga horária são executadas entre terça a domingo, os entrevistados também
referiram que a segunda-feira é reservada para descanso.
“As atividades se distribuem de terça à domingo. Segunda-feira é o dia de
descanso”.
“Na segunda-feira é o dia de folga que nós temos aqui. Para os pastores, a
segunda-feira seria o domingo deles”.
“Segunda feira eu tiro pra descansar, pra ficar com a família, pra fazer as minhas
compras particulares, pagar as minhas contas. Sair, andar, passear, andar na rua,
olhar vitrine, olhar livrarias... é o meu lazer”.
O período de férias do pastor varia de acordo com cada contexto, mas
geralmente é organizado em duas partes, sendo um tempo maior reservado para o
mês de janeiro e um menor para o mês de julho.
“Temos dez dias em julho e uns quinze dias em janeiro. Duas semanas inteiras em
janeiro e dez dias em julho”.
“Meu período de férias, ele é um pouquinho quebrado, eu tiro uns dias em Julho,
porque eu tenho filhos no período escolar. Então, em Julho é meio sagrado, eu
sempre tenho dez dias em julho, e em janeiro, quando é um pouco mais calmo
aqui, que as pessoas viajam mais, também, normalmente eu viajo. Eu tenho família
e amigos em outros estados, então varia...”.
Porém, devido a imprevisibilidade de demandas nem sempre é possível
aproveitar o descanso disponibilizado.
“(...) em situações de morte, em situações de enfermidade. Você tem que deixar um
dia de descanso pra ir à um funeral como pastor... Visitar alguém que passou por
algum tipo de trauma. Mas, não é tão constante porque a gente trabalha em equipe.
Você tem outros pastores pra apoiar. Mas, quando são pessoas mais perto de mim,
a gente não vai passar pra uma outra pessoa. A gente mesmo vai atender. Quando
a gente acompanha, no dia-a-dia as famílias, então, a gente precisa mudar um
pouquinho a rotina, mas, também não é nada que a agenda não proporcione... uma
mudança, desmarcar algum atendimento... é... algum compromisso, deixar o tempo
de descanso e ir pra fazer um atendimento”.
“Segunda-feira é o dia de descanso. Eventual segunda feira a gente tem um
compromisso ou outro aí. Eventual, que surge”.
Também há quem não consegue estabelecer seu descanso, conforme
verbalizado:
38
“Olha, descanso ainda é uma coisa que eu tenho buscado ter um tempo”.
“Porque no tempo do sonho, quando você começa a viver o sonho, é tudo o que
você quer, você vislumbra, você começa a ficar focalizado apenas no sonho... que
é a melhor coisa que você possa estar vivendo por toda a tua vida, então, você se
dedica seriamente, mergulha, vai até o limite. E como isso nunca me cansou,
enquanto trabalho descanso”.
Essa verbalização indica que além da intensificação do trabalho, mergulha
de tal forma nele que demonstra uma falta de reconhecimento e de negação de suas
necessidades como indivíduo. Dessa forma, ao negar a sua necessidade de
descanso, abdica também da sua humanidade. Segundo Dejours (2001) isso se
estabelece na medida em que o sujeito mergulha num ativismo alienante em prol de
seu trabalho o qual internaliza como sendo uma missão especial, passando a
descuidar de aspectos importantes da sua vida.
Portanto, pode-se verificar que a organização do trabalho dos pastores
entrevistados abarca funções múltiplas que são executadas num ritmo com
demandas imprevisíveis, dentro de uma rotina semanal sistemática e carga horária
pesada, a qual é estabelecida numa agenda semanal e que mesmo havendo
reserva para descanso, este nem sempre é mantido.
Os elementos analisados nesta categoria estão relacionados à gestão das
tarefas da organização do trabalho dos pastores da pesquisa. No entanto, tendo-se
em vista que a execução do trabalho ocorre numa dinâmica de interações entre
trabalhador, as atividades e as relações sociais no trabalho (Dejours, 2004), a
gestão social (divisão de homens) do trabalho dos pastores entrevistados é
igualmente importante e será analisada a partir da próxima categoria de análise.
4.2 “Vou me organizando e administrando com a equipe”
Descrição
O trabalho conta com colaboradores que constituem a equipe de trabalho, a qual é
treinada pelo próprio pastor, em que se busca construir relações de confiança. As
decisões sobre o funcionamento da instituição são tomadas pela liderança e
assembléia da igreja. Os pastores relataram que devem prestar contas para uma
hierarquia existente na instituição, de suas funções e seus resultados por meio da
apresentação de relatórios verbais e descritivos, especificando os departamentos,
número de membros e entradas e saídas financeiras. Apesar da prestação de contas
referida os pastores têm autonomia para organizar e desempenhar suas atividades.
39
Temas Encontrados
Equipe de trabalho
Hierarquia
Prestação de contas
Relatórios – resultados
Autonomia
Dedicação
Análise e Discussão
Essa categoria indica as relações sociais do trabalho dos pastores
entrevistados numa interação com um grupo de colaboradores.
Segundo Dejours (2004) “a organização do real do trabalho é um produto
das relações sociais” (p. 64). O autor afirma que “o processo do trabalho só funciona
quando os trabalhadores beneficiam a organização do trabalho com a mobilização
de suas inteligências, individual e coletivamente” (Dejours, 2001, p.56). O autor
insiste na dimensão humana do trabalho ao afirmar que apesar de sempre haver um
modo operatório prescrito no trabalho, este nunca é suficiente, sendo que quando há
apenas a atividade prescrita é possível torná-la desumanizada, ou seja, “torná-la
uma atividade de ordem maquinal” (Dejours, 2004, p.65). O autor afirma que “o
trabalho é, por definição, humano, uma vez que é mobilizado justamente ali onde a
ordem tecnológica-maquinal é insuficiente” (Dejours, p.65, 2004). Dessa forma, o
trabalho se apresenta como a criação do inédito e para ajustar a organização
prescrita do trabalho é necessária a disponibilidade de iniciativa e criatividade na
execução real do trabalho. Para Dejours (2001) “nenhuma empresa, nenhuma
instituição, nenhum serviço pode evitar o grande problema da defasagem entre a
organização prescrita e a organização do trabalho real, seja qual for o grau de
refinamento das prescrições e dos métodos de trabalho” (p. 56). O autor explica que
isso ocorre devido a impossibilidade de se prever tudo antecipadamente para uma
situação real de trabalho e que “se todos os trabalhadores de uma empresa se
esforçassem para cumprir à risca todas as instruções que lhe são dadas por seus
superiores, não haveria produção” (p.56). Se os trabalhadores se ativerem apenas
ao prescrito, ou seja, ao que é ordenado dentro de uma operação padrão, podem
inclusive paralisar a empresa, devido a resultados de produção desastrosos que se
apresentam por causa de defeitos de qualidade.
40
Dessa forma, o processo do trabalho só funciona na medida em que os
trabalhadores mobilizam suas inteligências individuais e coletivamente de forma a
apresentar: (a) características cognitivas - como saber lidar com o imprevisto, o
inusitado e com o que ainda não foi assimilado e nem rotinizado; (b) e características
afetivas - em que se ousa desobedecer/transgredir numa ação inteligente, mas de
forma clandestina ou discreta (Dejours, 2001). Essa inteligência no trabalho constitui
o que Dejours (2001) chama de zelo no trabalho, sendo “um ingrediente necessário
à eficácia de uma organização” (p.57).
Para isso, os agentes implicados no trabalho, ao elaborarem a organização
do trabalho real precisam se afastar das prescrições para dar lugar à atividade de
interpretação (Dejours, 2004). No entanto, segundo Dejours, (2004) isso não é tão
simples assim, sendo que a organização do trabalho real se estabelece como
compromisso que não se efetiva apenas sobre uma base de argumentos técnicos,
pois na medida em que há um trabalho de interpretação, há uma multiplicidade de
interpretações podendo causar conflitos entre as diferentes interpretações dos
agentes do trabalho (Dejours, 2004). Dessa forma, a Psicodinâmica do Trabalho tem
como objeto os processos intersubjetivos que tornam possível a gestão social das
interpretações do trabalho pelos indivíduos implicados no processo (Dejours, 2004).
A gestão social das interpretações fica evidente no trabalho dos pastores
entrevistados que referiram que trabalham em conjunto com outras pessoas.
“Hoje eu conto com um cérebro na igreja. Eu penso que o pastor não deve pensar
sozinho. Eu costumo dizer que ‘duas cabeças quando pensam iguais uma delas
não está pensando’. Então eu gosto de ouvir os pensamentos. Eu tenho um
cérebro, eu tenho um corpo diretor que trabalha junto comigo. Então, tem coisas
que eu não penso, deixo eles pensando e depois eu avalio os pensamentos e os
que pensarem mais alto... a gente fica com o que tem mais coerência”.
“Tenho uma equipe que me ajuda”.
O relato dos pastores mostra a existência de colaboradores para a execução
de seu trabalho. Para Dejours (2004) a cooperação é essencial na complexidade e
integração da organização do trabalho. Nela se caracteriza “a vontade das pessoas
de trabalharem juntas e de superarem coletivamente as contradições que surgem da
própria natureza ou essência da organização do trabalho” (p.67). No entanto, o autor
afirma que o conteúdo da cooperação concreta não é dado a priori, sendo que não é
41
prescrito para determinadas situações de trabalho, principalmente por conter o fator
de liberdade dos indivíduos para a formação de uma vontade coletiva.
A colaboração no trabalho dos pastores da pesquisa parte da articulação do
próprio pastor ao formar sua equipe de trabalho.
“Eu não trabalho sozinho. Tenho tido o cuidado de levantar pessoas, de instruir
essas pessoas para dividir o trabalho”.
O aspecto referido da instrução das pessoas para dividir o trabalho contém o
elemento da construção das relações de confiança entre os indivíduos, postulada
por Dejours (2004) como uma das exigências para a cooperação no trabalho. O
autor enfatiza que a confiança não pode ser desconsiderada pela organização do
trabalho real, sendo que ao ajustar o trabalho prescrito passa pela realização das
condições éticas, cuja dimensão se distingue pela prática. Dessa forma o elemento
confiança no trabalho ultrapassa a ordem do psicoafetivo, pois envolve
principalmente uma construção de acordos, normas e regras que enquadram a
maneira de executar o trabalho (Dejours, 2004). A construção de acordos referida
por Dejours (2001) se dá numa dinâmica de colaboração dos trabalhadores. O autor
explica que colaboração no trabalho entende-se como sendo a participação
coordenada das inteligências individuais para que o sistema funcione. Como
colaboradores do sistema, os trabalhadores engajam-se com zelo ao trabalho,
muitas vezes por não terem mais esperança e por isso pensarem ser inútil opor-se
em uma resistência ou simplesmente colaboram para tirar proveito de sua
colaboração ao conquistarem vantagens nas estratégias de funcionamento da
organização (Dejours, 2001).
No trabalho pastoral há uma construção de colaboração entre pastor e seus
liderados, que ocorre via reuniões distintas para comunhão, oração, abertura de
problemas, conforme relatado nas entrevistas por um dos pastores ao ser-lhe
perguntado como é o relacionamento com seus companheiros de trabalho.
“É um relacionamento cordial. Até porque não tem como, se não for assim.... eu me
dou muito. Assim no sentido de delegar muito pra eles. Eu sou muito ético nas
cobranças. Sou assim muito caridoso. Eu faço as cobranças de um jeitinho que a
pessoa, as vezes, nem sente... coagir, né? E assim por diante. Então tem sido
muito bom. O nosso relacionamento, a gente reúne toda semana, aqui nas quintas
feiras a gente faz uma reunião... e tem sido muito bom. A gente ora junto. É o
momento em que eles também abrem o coração, que eles também dizem as suas
42
ansiedades, os seus problemas... e eu procuro confortá-los, a orientá-los, a ajudálos e assim por diante”.
Esse relato mostra que os colaboradores, sendo os companheiros do
trabalho pastoral, são cobrados pelo líder, porém também são confortados, o que
representa uma vantagem estratégica, sendo que há um ganho afetivo por estarem
próximos ao seu líder, sendo por ele confortados, orientados e ajudados. Dessa
forma os companheiros de trabalho do pastor colaboram com o funcionamento do
sistema.
No entanto, não apenas os colaboradores do trabalho pastoral são
cobrados, sendo que a gestão social (divisão de homens) na organização do
trabalho dos pastores da pesquisa, se mostra configurada numa hierarquia. Há uma
liderança hierárquica da instituição eclesiástica para a qual é realizada uma
prestação de contas do trabalho, bem como para a qual são apresentados relatórios
de resultados qualitativos e quantitativos, o que mostra que embora exista um,
espaço de autonomia, este é (de)limitado, conforme referido nas entrevistas.
“Tem uma hierarquia, sim. A denominação tem uma diretoria e tem que prestar
contas para a sede, para o presidente. (...) tem uma reunião em que todos os
pastores se reúnem para apresentar relatório. Basicamente é um relatório
financeiro. Em que se deve apresentar as entradas e saídas. Outra prestação de
contas é relacionado ao crescimento da igreja”.
Essa verbalização indica que há um controle por resultados. A prestação de
contas, sendo que as especificações do modo operatório das tarefas e as funções
do trabalho pastoral, assim como todo o funcionamento da igreja, ocorrem a partir de
decisões e orientações da liderança e da aprovação da assembléia, o que
estabelece um controle por resultados.
“A liderança da igreja é a autoridade máxima da igreja. As decisões são tomadas que envolvem desde estratégias, de agenda, de eventos, financeiro - todas as
coisas são resolvidas lá no Staff da liderança. Mas, a força está na assembléia.
Toda a assembléia e a liderança da igreja batem o martelo nas grandes decisões”.
Segundo Dejours (2007) a hierarquia na organização do trabalho é um dos
elementos da gestão social do trabalho pelos quais se opera a fiscalização, o
controle, a ordem e a direção no trabalho. Para o autor “a organização do trabalho é,
de certa forma, a vontade de outro” (p. 26), sendo que na divisão de tarefas também
43
ocorre uma divisão de homens, na qual a organização do trabalho recorta o
conteúdo da tarefa e as relações humanas.
Portanto, a organização do trabalho, além de estabelecer as regras, normas,
papéis, funções, responsabilidades, produtividade prescrita, ritmos de produção,
também estabelece as relações de trabalho (Dejours, 2007). Dessa forma, a
organização do trabalho, define o modo operacional do trabalho, mas também define
o comando, a submissão e atinge diretamente as relações que os homens
estabelecem entre si no próprio trabalho (Dejours, 1992).
No entanto, de acordo com os entrevistados, apesar da existência de uma
hierarquia nas relações de trabalho, eles têm autonomia e liberdade para a o
trabalho, o que fica pode ser observado nas verbalizações.
“Nós temos o presidente, mas que dá toda liberdade de visão, de forma que você
quer direcionar o trabalho”.
“Não existe nenhuma supervisão do tipo de aconselhamento que eu faço, da
maneira como eu exerço”.
“Eu tenho autonomia. Eu mesmo criei um corpo de prestação de constas”.
“Eu tenho total liberdade para trabalhar conforme eu for dirigido por Deus.”
Aparentemente parece contraditório, ou seja, autonomia/liberdade versus
controle. Por isso é necessário entender o significado dessa liberdade que permeia o
trabalho destes pastores. É importante salientar que a liberdade no trabalho traz
consigo também uma responsabilidade, a qual exige que o trabalho que está
prescrito (funções, modo operatório, ritmo etc.) seja executado no real de forma que
funcione dentro de um movimento que proporcione resultados satisfatórios (Dejours,
2001). Poderíamos usar como exemplo a atividade de realizar cultos que é uma das
funções prescritas para o trabalho do pastor. No entanto, a maneira que articulará a
realização do culto no que se refere a programação, as falas, aos momentos
litúrgicos, entre outros, dependerá do empenho, capacidade e criatividade do próprio
pastor.
Dessa forma, apesar da autonomia conter o elemento liberdade, é
necessário que o trabalhador apresente uma “inteligência eficiente no trabalho”
(Dejours, 2001, p. 56). Para Dejours (2001) é uma inteligência que abarca
características cognitivas, em que se espera do trabalhador o saber lidar com o
imprevisto, com o inusitado, com aspectos que ainda não foram assimilados nem
44
estabelecidos numa rotina e também com características afetivas que exigem do
trabalhador “agir inteligentemente, porém clandestinamente, ou pelo menos
discretamente” (Dejours, 2001, p.57). O trabalho é a criação do novo, do inédito e
“ajustar a organização prescrita do trabalho exige a disponibilidade da iniciativa, da
inventividade, da criatividade e de formas de inteligência específicas próximas
daquilo que o senso comum classifica como engenhosidade” (Dejours, 2004, p.66).
No engendramento de tal disponibilidade o trabalhador poderia estabelecer
uma disciplina com fins de obter a qualidade no trabalho. Porém, Dejours (2001)
adota uma posição crítica em relação ao poder da disciplina sobre a qualidade do
trabalho. Para o autor a disciplina, ordem, obediência e submissão conduziriam à
paralisia das empresas e administrações, sendo que “sua força não está apenas na
disciplina, mas na superação desta pelo zelo, ou seja, por todas as infrações e
artimanhas que os trabalhadores introduzem no processo de trabalho para que ele
funcione” (p.57). Essa superação é decisiva pela mobilização subjetiva da
inteligência dos trabalhadores (Dejours, 2001).
“Então através de uma vida abdicada, uma vida realmente de dedicação com amor
que você faz, gera uma perfeição, uma mudança, uma transformação, uma
qualificação. Você se qualifica dia a dia”.
A dedicação, ou seja, o zelo no trabalho é constituído pelas características
da inteligência no trabalho e considerado por Dejours (2001) ingrediente necessário
à eficácia do funcionamento de uma organização. No entanto, Dejours (2001)
questiona a motivação desse zelo indispensável. Em seus primeiros estudos
entendia que a mobilização subjetiva da inteligência e da engenhosidade no trabalho
repousava sobre a livre vontade dos trabalhadores. No entanto, de acordo com
pesquisas mais recentes pôde constatar que existem outros fatores mobilizadores do
zelo no trabalho.
Segundo Dejours (2001) a mobilização da inteligência pode ocorrer pela
gratificação e pelo reconhecimento do trabalho bem feito, mas um dos principais
motores da inteligência no trabalho seria o medo. Há continuamente uma ameaça de
demissão sobre os agentes no trabalho, fazendo com que “a maioria dos que
trabalham se mostra capaz de acionar todo um cabedal de inventividade para
melhorar sua produção (em quantidade e em qualidade), bem como para
constranger seus colegas, de modo a ficar em posição mais vantajosa” (Dejours,
45
2001, p.58). O autor afirma que dessa forma o motor da inteligência é utilizado
como ameaça na administração das empresas.
Segundo o relato nas entrevistas com os pastores, o mecanismo da ameaça,
diante de uma engenhosidade no desempenho que apresente resultados
insatisfatórios, também está presente na realidade do trabalho pastoral.
“Eu sempre brinco que o pastor, aqui no conceito nosso, é como um técnico de
futebol. Se o time perdeu, num campeonato, perdeu o título, já imediatamente a
primeira pessoa que eles pensam em descartar é o técnico. E... na igreja também é
mais ou menos assim”.
Na comparação do pastor com um técnico de futebol habilidoso do qual se
espera que o time vença sempre nas competições, do contrário poderá perder seu
posto, fica implícito que se espera do pastor um engajamento na administração e
condução da igreja, a qual pastoreia, de forma que a conduza ao desenvolvimento
esperado. Do contrário, o seu posto pode estar ameaçado.
De acordo com esse aspecto, o que acontece aos pastores caso a prestação
de contas não estiver satisfatória para o grupo hierárquico de sua instituição?
Poderia sofrer alguma conseqüência?
Os relatos dos pastores nas entrevistas sinalizam que pode haver
conseqüências sérias e que podem inclusive questionar a sua permanência no
trabalho.
“O pastor tem que estar em constante cuidado... por que ele é autônomo... ele é
senhor de si mesmo. Então, as vezes, se ele for fazer muito a vontade dele, se for
uma pessoa de um comportamento de estar sempre procrastinando as coisas, um
pusilânime, uma pessoa fraca, leniente, está sempre procrastinando, ele não vai ter
uma boa produção. (...) logo ele vai ser uma pessoa questionada se é a pessoa
indicada pra estar ali naquele lugar. E daí a comunidade tem a liberdade de buscar
um outro. Porque... é a lei da oferta e da procura. É a questão que a gente tem que
levar a sério”.
Essa verbalização indica uma contradição, sendo que ao mesmo tempo em
que o pastor é “senhor de si mesmo” também precisa seguir as regras e que apesar
de ser autônomo não é ele quem define seu caminho, do contrário seu posto
pastoral poderá ser questionado. Dessa forma, observa-se a lógica de mercado
produtivo, em que o trabalhador que não produzir de acordo com os interesses da
empresa, que espera que seja multifuncional em suas tarefas e altamente produtivo,
46
é trocado por outro que melhor se adaptar, ou seja, de acordo com essa ótica o
pastor também pode perder seu cargo caso não produza a contento.
A produtividade é uma exigência do trabalho pastoral que se destacou como
uma categoria de análise, sendo analisada na seqüência.
4.3 “A gente vive no desafio constante de produção de trabalho”
Descrição
Há uma exigência por produtividade no trabalho pastoral, para a qual se espera que
seja um bom administrador e que conduza a igreja ao crescimento. Isso requer do
pastor que engendre uma quantidade de trabalho com atividades que tenham
eficácia na manutenção da união, da alegria e da saúde do grupo de membros, e
que possa produzir nos membros atividades de retorno, o que seria o seu
engajamento no processo de desenvolvimento e crescimento da igreja.
Temas Encontrados
Bom administrador
Produção
Crescimento da igreja
Atividades com eficácia
Quantidade de trabalho
Manter o “rebanho” unido, sempre alegre e sadio
Quantidade de visitas
Produzir nas “ovelhas” atividades de retorno
Análise e Discussão
A categoria sinaliza as exigências presentes no trabalho pastoral.
As exigências, as pressões e as ações de trabalho interferem nas
percepções dos indivíduos sobre si mesmos, os outros e o próprio trabalho (Ferreira
e Mendes, 2003). Segundo Dejours (2001) o conjunto de exigências que permeiam a
organização do trabalho, se intensifica diante das mudanças do mundo do trabalho,
na medida em que crescem as pressões por produtividade, bem como as ameaças
de demissões e corte nas ofertas de emprego, instaurando medo constante,
insatisfação e ansiedade nos trabalhadores. Para o autor esse medo permanente,
que gera condutas de obediência e submissão, também quebra a reciprocidade
entre os trabalhadores, sendo que desliga o sujeito do sofrimento do outro que
padece também na mesma situação. Dessa forma as exigências funcionam como
47
estratégia de controle do trabalho em que se estabelece um culto à excelência,
numa lógica qualitativa, a qual exige variedade e renovação constante de serviços e
produtos (Wood, 2001), elementos imprescindíveis para se manter no mercado de
trabalho.
Segundo Silva (2004) diante das transformações sociais e a diversidade do
mercado religioso, o pastor evangélico enfrenta inúmeras exigências, dentre as
quais destacam-se: cada vez maior produtividade (ganhar um maior número de
fiéis); excelência; polivalência do líder; adequação à demanda (novas teologias,
horários de cultos); maior qualificação do líder; aumento da qualidade do produto
(culto atrativo) entre outras (Silva, 2004). Percebe-se que as exigências relacionadas
pelo autor se assemelham as exigidas para o exercício de atividades em meio
produtivo não-religioso. Esse aspecto foi percebido na pesquisa realizada por Silva
(2004) sobre a profissão pastor, numa análise psicodinâmica do trabalho, a partir da
vivência de líderes religiosos em organizações protestantes. A pesquisa contemplou
um estudo comparativo entre duas igrejas evangélicas de diferentes orientações
denominacionais. Os resultados apontaram que, assim como nas organizações
seculares (não eclesiásticas), as organizações religiosas possuem características
como competitividade, ritmo de trabalho excessivo, forte cobrança por resultados e
um desgaste físico e psicológico. O pesquisador concluiu que no trabalho pastoral
há uma busca por afirmação e crescimento organizacionais, pautados por uma
ênfase qualitativa, bem como quantitativa, sendo esses ingredientes necessários
para obtenção de melhores resultados ou mesmo para permanência no mercado
religioso, o que exige cada vez mais da organização e principalmente de seus
líderes.
Berger16 (apud Silva, 2004, p. 160) afirma que há uma guerra do mercado
religioso, mesmo que não declarada, a qual transforma as instituições religiosas em
agências de mercado utilizando as tradições, os discursos e mesmo as práticas
religiosas em bens de consumo. Os aspectos da guerra religiosa referidos por
Berger (apud Silva, 2004, p. 160), remetem a guerra econômica existente no
mercado secular. Segundo Dejours (2001) a guerra econômica “travada sem recurso
às armas (...) implica, no entanto sacrifícios individuais consentidos pelas pessoas e
sacrifícios coletivos em altas instâncias, em nome da razão econômica” (p.14). O
16
BERGER, P. L. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Paulus, 1985.
48
autor afirma que nessa guerra o fundamental é o desenvolvimento da
competitividade e que só permanecem os aptos para o combate, ou seja, que
suportem a exigência de “desempenhos sempre superiores em termos de
produtividade,
de
disponibilidade,
de
disciplina
e
de
abnegação”
(p.13).
Aparentemente é uma guerra sã, como afirma Dejours (2001), ou seja, pela saúde
da organização, buscando elevá-la ao auge do desenvolvimento e crescimento.
Porém, reconhece-se ao poucos que nessa batalha há mais vencidos do que
vencedores (Dejours, 2001).
A competitividade também esteve presente nos relatos das entrevistas.
“Obviamente, também, pelo fato da visão de competição que existe hoje na
sociedade. Isso em todos os âmbitos, em todas as profissões existe uma rivalidade
(...). Você pode ver que qualquer sucesso incomoda. Qualquer sucesso... qualquer
pessoa que fizer qualquer sucesso na vida em qualquer área, ela vai trazer
incômodo, porque tem pessoas que não tiveram o mesmo sucesso. Que não
alcançaram as mesmas coisas. Que não venceram como essa pessoa, como
aquele que alcançou o sucesso, venceu e está vencendo. Isso em todas as áreas
(...), inclusive pastoralmente falando, no meio dos pastores”.
Dessa forma, semelhantemente as exigências do mercado secular, há cada
vez mais exigência da organização religiosa, especialmente de seu líder, tanto para
se manter no mercado como para obter cada vez mais e melhores resultados (Silva,
2004).
O relato dos pastores entrevistados também apresentou a exigência de
produtividade como forte reivindicação experimentada em sua realidade de trabalho.
“... a comunidade quer ver produção. A produção é a quantidade de visitas, a
quantidade de trabalho que você faz. São as atividades que você faz com eficácia.
Que dão resultado pra igreja, que mantém o rebanho unido, sempre alegre, sempre
sadio, crescendo, as ovelhas criando seus filhotinhos normalmente... isso é: uma
atividade de retorno”.
Os investimentos em suas funções são considerados satisfatórios na medida
em que a igreja demonstre desenvolvimento e crescimento.
“(...) quem vai pra o pastorado já vai sabendo disso. Como é normal em toda a
profissão. Nenhum contrato, nem no funcionalismo público existe estabilidade,
sempre tem essas coisas, ou seja, nós estamos vivendo num mundo que em todas
as áreas se exige produção. Eficiência, eficácia. Ou você sai na frente ou sai da
frente, como diz a propaganda”.
49
Dessa forma, o exercício pastoral abarca exigências de produtividade que se
correlacionam com a lógica do mercado secular e as inúmeras exigências
relacionadas a produtividade condicionadas a permanência na atividade também
estão presentes no trabalho religioso.
Pode-se entender melhor a lógica do mercado secular capitalista
compreendendo um pouco de seu mecanismo nas últimas décadas, sendo que,
apesar de existir há muito na história do mercado de trabalho, se intensificou com o
advento do toyotismo, na década de 70 (Grassi, 2006). O toyotismo se instaurou a
partir da fábrica japonesa Toyota, com a introdução de tecnologia microeletrônica,
que possibilitou um ajuste rápido às exigências de um mercado cada vez mais
competitivo, formando um conjunto de estratégias institucionais e organizacionais
que objetivam a retomada da lucratividade e da produtividade (Wood Jr, 1992;
Grassi, 2006). Esse modelo considerado flexível apresentou um discurso de
humanização no trabalho, preconizando a possibilidade do surgimento de um
trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente e satisfeito com
o seu espaço de trabalho (Grassi, 2006). No entanto, o discurso do toyotismo, que
em sua aparência considera a subjetividade do trabalhador, em sua essência parece
apenas conter uma forma mais sutil de controle no trabalho (Heloani, 2003).
Contrapondo a perspectiva da lógica do toyotismo, Bernardo (2006), realizou
um trabalho de pesquisa sobre a vivência de trabalhadores em duas montadoras de
automóveis que adotam o modelo japonês de produção acima referido, e concluiu
que: os temas introduzidos no discurso empresarial, em nada têm a ver com a
humanização e, sim, com a exploração máxima da força de trabalho, decorrendo
numa ampliação do sofrimento mental e do adoecimento dos trabalhadores. O autor
afirma que esse discurso assume assim o papel de legitimar o poder das empresas,
que é mantido, pela ameaça de desemprego e que apesar da gestão de produção
se configurar numa tentativa de harmonizar uma maior autonomia dos trabalhadores
para organizar os setores de produção, busca colocar o trabalho numa posição de
dependência em relação ao capital.
Esses novos mecanismos evidenciam uma modificação na organização do
poder, chegando à manipulação do inconsciente referido por Pagès (et al., 1993). O
autor explica que seria o desenvolvimento da dominação psicológica da organização
sobre os seus trabalhadores, a qual é exercida em seu nível inconsciente. “A
organização funciona como máquina de prazer e angústia, estimula um processo
50
psicológico, um ciclo auto-reprodutor em que a angústia alimenta a procura de um
prazer agressivo motor gerador de angústia” (Pagès, 1993, p. 36). Como
conseqüência o indivíduo passa a assumir o trabalho que a organização lhe propicia,
bem como a própria organização, sua ideologia e regras, de forma a reproduzi-la
numa adaptação mais fiel do que se fosse objeto de uma coerção direta. O autor
afirma que dessa forma a organização é vivida como uma droga da qual não pode
se separar, e os conflitos que experimenta “permanecem puramente psicológicos e
não podem levar a uma mudança de estruturas” (p.36).
Heloani (2003) afirma que a configuração de novas formas de controle sutis
nas quais as normas e regras das organizações são introjetadas, faz com que a
empresa neo-capitalista trabalhe com a gestão dessa dimensão psicológica de
dominação (Heloani, 2003).
O trabalhador acaba se adaptando a essa forma sutil de controle de forma
que naturaliza a condição imposta para execução de seu trabalho, conforme
verbalizou um dos pastores entrevistados.
Ou você sai na frente ou sai da frente, como diz a propaganda. Isso é bom por um
lado. Eu acho que... principalmente eu já tenho essa mentalidade mesmo. De ser
uma pessoa pró-ativa... uma pessoa sempre voltada pra o novo, pra a qualidade
total e assim por diante. Me sinto mal num lugar em que isso não tem”.
A ameaça de desemprego também permeia o trabalho pastoral, conforme
mostram os relatos dos pastores ao falarem de sua realidade.
“Todo mês de julho... todo mês de julho, no nosso caso aqui, há uma reunião da
direção da igreja, eles avaliam todos os aspectos... num momento junto com a
gente, discutindo item por item, você tem um momento de defesa, em que você
pode argumentar, contra argumentar etc. Passando esse momento juntos, então,
nós nos retiramos e o conselho tem ampla e total liberdade pra discutir tudo, avaliar
tudo e depois emitir opinião, se refaz o convite para o ano seguinte sem nenhuma
observação, se refaz o convite com algumas observações, ou se realmente não
refaz o convite. ‘Olha o senhor está dispensado a partir do ano que vem. O senhor,
de agora até dezembro, de julho até dezembro, o senhor já tem o prazo pra
procurar um outro lugar etc, E nós vamos, também, com a liberdade que nós temos
de procurar outra pessoa pra substituí-lo aqui”.
“Como o trabalho do pastor é autônomo a comunidade se sente no direito de estar
sempre buscando outros. Ou seja, a gente vive no desafio constante de produção...
de trabalho... a comunidade quer ver produção”.
"Se eu começo a aconselhar fora da palavra de Deus, eles vão me chamar
atenção. Até a hora em que eles dizem ‘olha, você desculpe, mas, você está
51
totalmente fora de tudo o que se possa imaginar do que é a palavra de Deus. Ou
você se corrige ou você sai’.
Segundo Dejours (2001) a ameaça de desemprego ocasiona um sofrimento
nos que trabalham, o qual assume novas formas de controle sendo até mesmo
inquietantes, em que a ameaça de demissão não só subjuga o trabalhador a um
aumento da carga de trabalho, como instaura um sistema de dominação autoadministrado, o qual supera em muito os desempenhos disciplinares que se podiam
obter pelos antigos meios convencionais de controle. O auto-controle pode ser
percebido nas verbalizações a seguir.
“Você começa a perceber se você está atendendo ou não. Daí você começa já a
tomar atitudes particulares ‘olha, eu vou ter que ser mais eficaz nisso... vou ter que
agendar melhor meu tempo... vou ter que planejar melhor as coisas... estou igual
barata tonta correndo pra lá e pra cá e não estou produzindo nada, igual galinha
sem cabeça, pulando e não estou fazendo nada... estou me estressando sem fazer
nada’. Então, isso a gente tem constantemente, esse feedback”.
“Eu digo que pra você poder avaliar seu trabalho basta você ver a sua igreja. Se a
igreja te dá retorno. Certo? E se agrada do teu trabalho, se agrada de você é sinal
de que você está sendo um bom pastor. Agora se a igreja começa a se esvaziar é
hora de você sentar, refletir: ‘opa, o que está acontecendo, aonde é que estou
errando, aonde é que eu estou falhando’?”
Aqui se apresenta uma contradição, sendo que tem “liberdade” de fazer o
que quiser, mas se ele não agradar está fora. O que importa mesmo não é o
trabalho feito, mas o olhar da comunidade sobre ele, se agrada ou não.
Essas verbalizações mostram também que é realizada uma avaliação
pessoal em que a análise do trabalho é baseada no próprio desempenho, buscando
encontrar falhas pessoais para poder refazer suas práticas. Uma auto-análise não
teria nada de excepcional, o que, no entanto, chama a atenção é o fato de que se
sente o único responsável caso ocorrer o esvaziamento da igreja. Segundo Enriquez
(2006) se as organizações fracassam a responsabilidade é sempre imputada ao
indivíduo e comenta que dessa forma os indivíduos se encontram sempre em
situação de prova e em estado de estresse. O autor refere que os indivíduos nas
organizações “sentem queimaduras internas, tomam (...) tranqüilizantes para dar
conta da situação para ter bom desempenho, para mostrar sua excelência (...); e
quando esses indivíduos não são mais úteis, eles são descartados apesar de todos
os esforços despendidos” (p. 6). Os trabalhadores estariam, dessa forma, presos
52
nas estratégias de dominação gerencial e diante do pensamento do sujeito como a
“causa em si” dos fracassos na organização, este acaba sendo hostilizado e
desprezado se houverem falhas no processo produtivo (Enriquez, 2006).
Para Dejours (2001) os trabalhadores submetidos a essas formas de
dominação gerencial, aqui vivenciado como um controle da comunidade e/ou
Assembléia, tendem a viver constantemente com medo, o que produz uma
aceleração no trabalho. Diante da constante ameaça de demissão por qualquer
deslize, trabalha-se com intensidade apresentando sinais exteriores de competência
e eficácia de forma a ocultar falhas que não se consegue corrigir (Dejours, 2001).
Nesse mecanismo é gerada a obediência e submissão (Dejours, 2001). De
acordo com um dos entrevistados procura-se lidar com esse medo cumprindo a
tarefa e permanecendo adaptado ao conteúdo da tarefa proposto pela instituição.
“É aquele princípio ‘se você não deve não teme’. Se você cumprir a sua tarefa, não
tem que temer nada”.
“Enquanto estiver seguindo a palavra de Deus e não estiver fazendo atitudes
contrárias à palavra de Deus estou garantido aqui”.
“Enquanto estiver dentro da lei e a palavra de Deus diz que a palavra de Deus é
amar o próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas, se eu estiver
dentro desse princípio eu não tenho nada a temer”.
As verbalizações sinalizam uma estratégia defensiva da racionalização pela
qual, segundo Ferreira e Mendes (2003) são invocadas justificativas mágicas
socialmente valorizadas para lidar com situações desconfortáveis no trabalho, que
são vivenciadas pela imposição de um ritmo acelerado de trabalho que exigem altos
índices de desempenho e produtividade. Outra estratégia seria exibir uma aparente
confiança autêntica na qualidade do trabalho e na perenidade da organização para a
qual trabalha (Dejours, 2001). Esta seria uma estratégia defensiva da negação do
sofrimento no trabalho em que há uma supervalorização das vantagens e resultados
da organização (Ferreira e Mendes, 2003).
“É uma empresa, funciona tudo, tudo... Se você achar uma falha, olha eu... gostaria
que você me avisasse. Porque eu faço parte até do conselho fiscal. E eu sento uma
vez por mês, ali e examino todas as notas fiscais, nós sentamos ali e examinamos
uma por uma”.
53
Dessa forma, a lógica do mercado produtivo permeia o trabalho pastoral, de
forma que o pastor também vivencia ameaças de desemprego. Diante de uma série
de cobranças de atividades com objetivos de produtividade, este profissional passa
a se adaptar às demandas institucionais de seu trabalho. Nesse mecanismo de
exigências o indivíduo pensa-se livre, porém sente-se preso (Enriquez, 1997b).
Além das exigências de produtividade há uma exigência de conduta moral
cujo termo referido é irrepreensibilidade, conforme verbalizado na próxima categoria
de análise em destaque.
4.4 “O pastor precisa ter uma vida irrepreensível”
Descrição
Também se apresentou como exigência para o desempenho da função pastoral a
questão moral e ética, inclusive da vida financeira. Para isso o pastor deve ter uma
conduta de irrepreensibilidade, que seria apresentar uma vida ilibada, sem ter do
que ser acusado, tendo, conforme referido, um “bom testemunho diante da igreja”,
bem como de toda sociedade. Estas exigências são estabelecidas por uma
interpretação bíblica. O pastor também deve ter boa conduta ética, tendo boa
educação para com todos, na qual deve expressar “longanimidade, paciência,
misericórdia, amor e acolhimento”. Estes aspectos todos remetem para a exigência
de ser referência e exemplo a ser seguido. Deve ser um bom chefe de família, o que
significa ser um bom marido e um bom pai. No entanto, os entrevistados ao citarem
essas exigências para o pastorado também assinalaram que este padrão se
assemelha à perfeição humana, o que é impossível de ser alcançado.
Temas Encontrados
Questão moral, ética e financeira
Conduta ilibada
Sem margem para acusação
Boa conduta (ética), educação
Ser longânimo
Ser exemplo - referência - espelho
Bom chefe de Família
o Bom marido
o Bom pai
Impossibilidade da perfeição
54
Análise e Discussão
A categoria em destaque sinaliza uma exigência que ultrapassa o objetivo,
sendo, portanto, de cunho subjetivo. Segundo Dejours (2001) as exigências no
trabalho se configuram como estratégias de controle que perpassam o objetivo e o
subjetivo (Dejours, 2001), este último se estabelece como um controle simbólico na
utilização do conjunto de crenças vigentes em uma organização de trabalho.
Dessa forma, a irrepreensibilidade como exigência para o trabalho pastoral
se apresenta como uma requisição de cunho subjetivo. Um dos pastores explica a
irrepreensibilidade da seguinte forma:
“É você viver e trabalhar pra que você não seja alvo de repreensão das pessoas.
Que você não tenha nada pra me acusar. É viver com integridade suficiente pra que
você não tenha nada pra me acusar. Você, por exemplo, pode chegar e me dizer
‘você é egoísta, você é orgulhoso....’ .As pessoas podem te acusar, mas a Bíblia diz
que você tem que ser irrepreensível. Aquilo que são tuas dificuldades, no
cristianismo você tem que lutar contra elas. Você busca a ajuda de Deus pra
vencer. E a gente cresce, você vence o orgulho, você vence a vaidade...problemas
de todas as ordens, se você tem dificuldades com o sexo oposto, você vence, se
você tem problema com poder, com dinheiro, seja qual for. Na palavra todos nós
somos pecadores.Todos nós temos dificuldades, mas a Bíblia diz que a gente tem
que buscar ser irrepreensível. O ter uma dificuldade, ter uma... vamos dizer alguma
coisa que é forte pra você, não quer dizer que você vai consumar, vai se envolver
naquilo, você tem que conhecer os seus limites. Isso é ser irrepreensível. Posso até
ter um fraco, mas, você não pode me acusar dele”.
A exigência de irrepreensibilidade para a função pastoral remete à lógica da
ideologia de sucesso do mercado atual, a qual está presente não apenas em
instituições religiosas, mas também em outros meios produtivos. Nessa lógica
busca-se o sucesso naquilo que se faz e produz, sendo que não há espaço para o
fracasso (Pagès, 1993, Enriquez, 1997a).
No entanto, a condição de irrepreensibilidade se apresenta como diferencial
em relação às exigências de outras profissões, mesmo que a ideologia do sucesso
prime pela excelência de seus líderes nos mais variados meios organizacionais. Pois
além das exigências altíssimas quanto ao desempenho de habilidades relacionadas
à atividade, acrescenta-se a exigência de um padrão moral elevado por meio do qual
é exercido um controle não apenas de seu trabalho, mas também de sua vida
particular e familiar.
“Você tem que ter uma conduta onde as pessoas possam se espelhar. Nas
questões familiares você tem que ser um bom marido, um bom chefe de família.
55
Tem que ter um bom nome na praça, ser zelado na questão financeira e na questão
moral também. Você tem que ter uma educação pra com todos. Claro, isso não é
função só do pastor, é função de todas as pessoas, mas principalmente da gente.
Porque as pessoas nos procuram querendo receber uma resposta branda,
agradável. Então, você tem que ter um bom relacionamento com as pessoas”.
Outro diferencial em relação ao controle de conduta moral irrepreensível
para o trabalho pastoral em relação a outras profissões é que essa exigência é um
dos principais critérios do processo seletivo que antecede a ordenação pastoral.
“Na questão da conduta da pessoa, do homem, a convenção respeita o chamado
das pessoas, mas ela também, por outro lado, vê essa questão moral e da conduta.
A própria Bíblia nos ensina que pra chegar a ser um pastor, precisa ser um bom
chefe de casa, ter uma vida, uma conduta ilibada. Moralmente é ter uma boa moral
diante da sociedade, do povo, ter uma boa aceitação pelo povo, pela igreja. Enfim...
todos esses fatores. A própria Bíblia orienta isso. Então, com base nisso, a
convenção também faz um pente fino na vida do cidadão, pra ver se ele está de
acordo com os princípios bíblicos. E aí, só então, se ele passar nesse crivo, aí ele
recebe a ordenação”.
Dessa forma, a expectativa de irrepreensibilidade depositada sobre o pastor
já o acompanha desde seu início de trabalho. Essa expectativa se estende desde a
liderança institucional até toda a igreja. Por meio dessa conduta ele conquista e
estabelece a credibilidade de seu trabalho.
“É cobrado pelas outras pessoas... pela própria igreja... aquela pessoa assim de
uma moral ilibada. Uma pessoa livre de qualquer acusação de qualquer ato que
venha a denegrir a imagem moral. Senão ele perde toda a sua credibilidade”.
Ao internalizar essa expectativa depositada sobre ele, o pastor a assume
como sua e passa a atuar conforme o esperado, ou seja, um modelo, exemplo,
referencial de vida a ser seguido (Silva, 2004).
Diante da exigência de irrepreensibilidade para o exercício pastoral o líder
religioso pode assumir uma manutenção de uma imagem de líder de sucesso. De
acordo com Wood (2001) líderes com características de “executivo eficaz” em um
mundo cada vez mais complexo “lutam para manter uma aparência de controle e
domínio sobre a situação” (p.152) segundo o autor esses líderes acabam por manter
seu próprio mito ao gerarem uma imagem de “controlabilidade e simplicidade”. A
manutenção dessa imagem é impulsionada pela exigência de excelência absoluta,
tanto na produtividade como na conduta, que sinaliza um convite para a superação
56
contínua que exige trabalhar mais e sempre melhor (Wood, 2001). O que pode ser
observado no discurso dos entrevistados.
“Então através de uma vida abdicada, uma vida realmente de dedicação com amor
que você faz, gera uma perfeição, uma mudança, uma transformação, uma
qualificação.
“Não somos, como já lhe falei, literalmente perfeitos, todavia buscamos a perfeição.
Então nós estamos brilhando cada vez mais. Então o que seria falta de caráter,
cada dia nós estamos buscando transformá-lo, modificá-lo, é... qualificá-lo”.
Essas verbalizações sinalizam uma busca contínua pela perfeição. Para isso
engendram um empenho na manutenção da imagem na medida em que é
empreendida uma adequação à exigência de uma conduta irrepreensível e uma
busca contínua em ser melhor, mais qualificado, buscando transformar o caráter.
No entanto, como afirma Pagès (1993), “nunca se vence definitivamente,
pois sempre é possível fazer melhor e ‘nada é adquirido’ (p.137). Essa busca
inatingível é também relatada por um dos entrevistados.
“Você se qualifica dia a dia. Há um pensamento que diz ‘como um ferro afia outro
ferro’ assim tem uma função com o seu companheiro. E como numa outra frase de
um pensador dizia que ‘nada sou quando penso que sou’, então por mais que
agente tente ser alguma coisa, sempre vai estar longe do que nós queremos ser”.
Segundo Pagès (1993) ao mesmo tempo em que o padrão de sucesso se
torna um ideal para o indivíduo passa também a ser inatingível. O autor comenta
que, dessa forma, o indivíduo passa a viver uma contradição entre o encorajamento
da ambição ao sucesso e a impossibilidade de satisfazê-la.
Os próprios pastores entrevistados relatam que essa exigência se apresenta
como um paradoxo, sendo que, ao mesmo tempo em que aceitam a
irrepreensibilidade como regra também experimentam a dificuldade em vivenciá-la.
Isso pode ser percebido ao comentarem que a perfeição humanamente é impossível
e sua busca se configura numa luta constante.
“A maior dificuldade seja, talvez, comigo mesmo... com o homem... com o indivíduo.
No aspecto de... nós não sermos, as vezes... nós muitas vezes não nos
entendemos no que tange a perfeição humana e queremos ser perfeitos. Então,
como já lhe falei, há uma luta constante como ser humano. E isso é bíblico, a maior
luta do homem é contra ele mesmo. Na verdade é fácil vencer os outros, difícil é
vencer a si mesmo”.
“É impossível não ter os seus fracos. A Bíblia diz que todos nós somos pecadores.
Mas, é possível viver longe do erro, do pecado. A confissão de pecado, a confissão
57
de erros é uma coisa que a gente faz, mas, quando a gente está em
desenvolvimento e crescimento a gente não fica confessando os mesmos pecados,
os mesmos erros. Então, por exemplo, eu vivi um período de... dezesseis anos aos
vinte e um anos... eu cresci na igreja. Fui criado na igreja ... criado na igreja
evangélica. Sou cristão de berço. E com dezesseis anos eu me afastei. Fui viver
com a moçada.Fui viver a vida, como dizem. Mas, o que aconteceu, o que
aconteceu é que em noventa e um eu tive uma experiência com Deus muito forte.
Eu tinha vinte um anos de idade. As coisas que eu fazia e fiz naquele período eu
nunca mais eu cometi. Não que eu não cometa erros, de vez em quando eu tenho
que pedir perdão pra os meus filhos, pra minha esposa. Palavras, conduta,
falha,de prioridade. Coisas assim. Mas, a gente tem que melhorar”.
“Uma vida que ninguém tenha, assim, que apontar o dedo pra ele e dizer: ‘está
vendo? está falhando nisso, falhando naquilo, falhando naquilo outro... É claro que
isso humanamente é impossível. Não existe ninguém perfeito”.
Dessa forma o pastor enfrenta uma contradição ao perceber-se falível como
todos os seres humanos e ao mesmo tempo lhe são exigidas características de
infalibilidade. Diante do padrão inatingível ocorre um adiamento contínuo da
satisfação e o fracasso é tido como fator de humilhação e, portanto de medo (Pagès,
1993). O medo, no trabalho pastoral, se configura pelo fato da expectativa de
sucesso exigir uma busca de excelência tal que lhe é exigido posicionar-se como
modelo a ser seguido continuamente, sofrendo o risco de ao errar ser descartado.
“O pastor é um moderador e como moderador ele tem que ser exemplo. Ele pisou
na bola, como a gente diz, ele já é descartado”.
Os pastores também referiram que a constante vivência de tensão, num
policiamento de sua conduta, não advém apenas do âmbito externo, ou seja, da
organização para a qual trabalha, mas interno, sendo exercido um auto-controle. As
exigências para o trabalho vão muito além de habilidades para as práticas objetivas,
pois a sua subjetividade está sendo avaliada continuamente. Há uma postura de
treinamento pessoal regido por um sentimento em assumir um padrão de conduta da
mesma forma que se “veste uma roupa”.
“É uma questão de treinamento. É uma questão de opção. Você já tem que vestir
aquela roupa, é como o cidadão que vai fazer mergulho... caça... pesca submarina.
Então, ele já tem que vestir aquela roupa, pegar o aparelho dele, mergulhar e saber
‘olha, eu estou aqui e não posso bobear. Se eu bobear estou morto’.
Ou até mesmo um sentimento como se fosse um soldado em guerra, num
constante alerta, sem o qual corre risco de sobrevivência.
58
“Tinha um professor de seminário que dizia ‘o pastor tem que tomar muito cuidado
que ele é como um soldado na guerra. Se ele comete falhas, ele está sujeito a
morrer’. Então é uma vida de extrema tensão, isso, sem dúvida, que se você é uma
pessoa muito visada. O pastor é uma pessoa visada”.
O sofrimento está caracterizado por uma sensação de insegurança em que
está constantemente sendo avaliado, podendo alguma conduta ser considerada
inadequada e por isso ser desqualificado para o exercício pastoral. Segundo Ferreira
e Mendes (2003) a insegurança no trabalho é um dos indicadores de sofrimento em
que se vivencia um “receio de não conseguir atender as expectativas relacionadas à
competência profissional, exigências de produtividade e pressões do trabalho”
(p.65). Para Dejours (2001) estes aspectos se configuram no medo da
incompetência como fator de sofrimento no trabalho, sendo que os trabalhadores se
empenham trabalhando com zelo excessivo, para tornar eficaz o prescrito.
O ideal de irrepreensibilidade funciona para os pastores como um controle
interno e constante, para além das relações de trabalho.
“Tem que estar em estado de alerta 24 horas. Até mesmo diante dos filhos, da
família. Cuidar, assim, pra ter uma linguagem, pra ter atitudes...”
Segundo Léon17 (1978, apud Oliveira, 2005, p. 97-98) as igrejas, frente a
tantas mazelas, injustiças, maldades e depravações, procuram o arquétipo do novo
homem citado nos escritos bíblicos que seria um homem justo, bondoso, amoroso,
moral, compreensivo e ao mesmo tempo humano. O autor afirma que com essa
expectativa surge a tensão entre o real e o ideal. Esses aspectos são semelhantes
aos encontrados nas formas de controle do mercado atual. Segundo Pagès (1993) a
organização se configura num lugar de produção ideológica articulada em todas as
suas práticas na medida em que se torna um lugar de produção de conceitos e
valores, legitimando-os para o funcionamento da organização. O autor explica que
dessa forma é desenvolvida uma dominação psicológica sobre os trabalhadores, por
meio da qual é exercido um controle sutil da subjetividade. Nesse mecanismo o
trabalhador, de forma inconsciente, é modelado e adaptado à ideologia vigente na
organização, a qual assume como vital para seu funcionamento, identificando-se
com ela, passando, inclusive a colaborar em sua legitimização.
17
LEON, J. Psicologia Pastoral de La Iglesia. Miami: Caribe, 1978.
59
O elemento irrepreensibilidade remete a um conteúdo ideológico eclesiástico
da perfeição, da conduta moral ilibada e também às adequações das expectativas
comportamentais da instituição em relação ao seu líder, sendo que é considerado
uma autoridade espiritual. Dessa forma, é construída uma imagem em torno da
figura pastoral, tanto pelos usuários da organização religiosa, como pelo próprio
pastor, de que ele é alguém especial, uma autoridade espiritual, uma representação
divina, que traz revelações e discernimentos sobrenaturais, sendo a figura do pastor
percebida como um mito.
O mito é uma expressão simbólica dos sentimentos e atitudes inconscientes
de um povo (Freud, 1930), por meio da qual, pessoas em razão de características
inconscientes idealizam os que ocupam postos hierárquicos superiores e os vêem
como onipotentes, como sendo capazes de suprir suas necessidades de
reconhecimento e valorização (Conde, 2004).
Conforme referido nas entrevistas o pastor é visto como uma autoridade
espiritual, colocada como liderança especial e ungida na igreja por uma ação divina
e que na mediada em que as pessoas vão entendendo isso vão adquirindo
confiança para confidenciarem suas vidas.
“É o princípio da autoridade espiritual, quando a pessoa entende isso, que Jesus
Cristo é a maior autoridade, e que ele colocou pessoas para estar liderando outras
e ela entende que é o próprio Jesus que está nessa pessoa, ela não tem dificuldade
de abrir o coração. (..) Quando ela entende que o líder tem uma unção sobre a vida
dele, constituída por Jesus”.
Para Oliveira (2005) a imagem idealizada em relação aos pastores ocorre
numa estrutura de retroalimentação, em que as idealizações surgem entre ambas as
partes, igrejas e pastores, sendo que todos contribuem para esse fenômeno.
Segundo a autora esse fenômeno se intensifica especialmente quando os pastores
são induzidos a se comportar de acordo com as expectativas da igreja.
Dessa forma, segundo Wood (2001), quando a liderança em uma
organização é vista como um mito, ocorre uma construção que ajuda a perpetuar
uma dada situação. O autor explica que o pressuposto que permeia tal situação “é
que os homens são imaturos e dependentes e agradeceriam de bom grado quem os
livrasse do fardo das decisões e os guiasse” (p.153). A figura do pastor como guia
das pessoas foi relatado nas entrevistas.
60
“Cria um vínculo de confiança, de amizade, de afeição, e com isso a pessoa...
quem que não gosta de um ombro? Pra falar as suas dificuldades? ‘Olha eu não
estou bem hoje...’, ‘Preciso que você ore comigo...’, ‘O que você acha...?’, ‘Discuti
com meu marido...’, ‘Briguei com a minha esposa...’, ‘Meu filho fez isso...’, ou ‘Eu to
cansado...’. Então é bom, é que nem um amigão. E o líder quando transmite isso,
ele é ensinado, é instruído a ser assim, pra ser um ombro amigo”.
“É evidente que ele não vai dizer ‘olha você, agora, não compre mais ações da
Petrobrás’, ‘não troque de carro’. Dentro de uma coerência você sair de um Fusca
ou sair de um Fiat para uma Mercedes existe um ‘Gap’ muito grande, financeiro.
Então um líder poderá dizer ‘olha, não faça isso, porque você vai se enroscar pra
frente com prestações’. Então, é nesse sentido”.
“Ser um bom pastor é atender as necessidades da membresia. Ser um bom pastor
é estar pronto para trazer sempre uma palavra de ânimo, de incentivo, uma palavra
também de Deus para o povo”.
Portanto, a característica da tarefa pastoral, em ser um guia para pessoas, é
construída a partir da imagem mítica em torno da figura pastoral, imiscuída ao seu
carisma, que exerce um poder de sedução sobre as pessoas (Silva, 2004). Essa
sedução se estabelece por meio de mecanismos de identificação18. Meneses (2006)
alerta para o risco de que a identificação pode se apresentar em forma de sintoma
que seria uma “(...) identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-se
18
Menezes (2006) cita a identificação como um mecanismo pelo qual o indivíduo humano se constitui
e que as formações coletivas só são compreendidas se associadas ao mecanismo de identificação.
Segundo a autora “(...) Freud coloca a identificação como o mecanismo que incute ao líder (o ideal)
em cada ser humano, provocando nele o amor, a veneração e permitindo a passagem do amor ao
líder (ideal), ao amor dos outros”. Para autora a identificação seria a ação em que um ego se
assemelha a outro ego. (MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade, um
estudo psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006).
Quando novos membros são incorporados na empresa, internalizam a cultura por intermédio do
processo de identificação. Freud em “O mal-estar na civilização” (1930) refere-se aos processos
identificatórios e diz que o sujeito humano não é dado à priori, mas constituído com os grupos. Freud
marca os processos subjetivos como mantenedores da organização grupal e individual, a organização
simbólica. Esses processos dizem respeito à construção da identidade, seja do ego ideal ou ideal de
ego, seja do grupo ou ideais culturais. (FREUD (1930). O mal-estar na civilização In: Edição Standard
Brasileira das Obras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago Editora, v. XXI, 1980).
Os processos identificatórios, entendidos na atualidade por Enriquez (1997), propõem compreender
as organizações com base nos estudos de Freud, por meio de analogias e outras associações. O
autor começa pelos indivíduos e seus vínculos sociais até a organização como sistema cultural
simbólico e imaginário. Em sua concepção, a organização possui uma estrutura de valores e normas,
uma maneira de pensar e um modo de apreender os fatos que orientam a conduta de seus diversos
atores, a fim de que eles possam se definir em relação ao ideal proposto, bem como selecionar seus
membros por meio do comportamento mais adequado a esses princípios. (ENRIQUEZ, E. A
Organização em análise. Petrópolis: Editora Vozes, 1997).
Menezes (2006) afirma que para Freud “o laço mútuo entre os membros do grupo é de natureza de
uma identificação (...) baseada numa importante qualidade emocional comum e que essa qualidade
comum reside na natureza do laço com o líder” (p. 110) e que “(...) esse tipo de identificação fornece
referenciais para as identificações imaginárias entre os membros do grupo, assim como reforço
narcísico para cada um deles e para o grupo” (p. 110). (MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo
na contemporaneidade, um estudo psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006).
61
na mesma posição da pessoa que está sendo copiada” (p. 109). Este aspecto
apareceu no relato das entrevistas.
“Sempre vai ter alguém querendo ser igual a você, querendo alcançar o que você
alcançou, querendo saber o que você sabe”.
De acordo com Enriquez (1997a) o líder é reconhecido como alguém capaz
de encarnar as vontades e desejos do grupo, o qual o tem como uma referência de
pai que representa seus ideais, permitindo a identificação grupal e a coesão do
grupo. No entanto, o autor alerta que a partir dessa identificação podem emergir
fenômenos regressivos como a submissão, a repetição e/ou a crença cega na
palavra do líder e a rivalidade entre os liderados para ocuparem o lugar de favorito
de seu líder. Esses fenômenos são acompanhados por complôs, nos quais são
engendradas tentativas de derrubar o líder ou mesmo de ridicularizá-lo (Enriquez,
1997a). Dessa forma os mecanismos de identificação podem instaurar insegurança
no trabalho pastoral.
O pastor passa a ser seguido, comumente, sendo depositado sobre ele um
olhar de admiração, em que suas orientações passam a ser recebidas como vindas
de Deus, projetando uma identificação com esse líder, a qual emerge de um desejo
de também transcender espiritualmente, ou seja, de aproximar-se do divino da
mesma forma que o líder, ao entrar em contato com ele.
“Os membros vem aqui pra receber a palavra de Deus”.
As pessoas vão até onde ele está para receber a palavra de Deus. Ser
procurado como um arauto de uma mensagem provinda de um âmbito divino
também lhe proporciona uma experiência de reconhecimento de sua capacitação
divina, a qual é vivenciada em suas relações sociais de trabalho, por meio das
pessoas que o procuram como líder espiritual. Dejours (2004) sugere que, numa
análise psicodinâmica, a dinâmica do reconhecimento é fundamentalmente de
natureza simbólica, em que há um sentido de constatação da contribuição do
indivíduo para a organização e um sentido de gratidão por sua contribuição.
Esse reconhecimento se configura no estabelecimento do pastor como uma
figura mítica/totêmica. A figura totêmica, segundo Eliade (1995), tem como
característica ser alguém julgado como um ser sagrado pelos membros de um
determinado clã. Num enfoque da antropologia, estaria ligada ao totemismo que é
62
considerado, por sociólogos e historiadores, como a mais primitiva das religiões, a
qual subordina um grupo de homens, um denominado clã, a determinados seres
sagrados, ou mesmo coisas sagradas, chamados de totens (Eliade, 1995). Suas
principais características são de totem (espécie de seres ou coisas julgadas como
sagradas pelos membros do clã), de mana (designa uma força impessoal, material e
espiritual, difundida por todas as partes, sendo uma experiência numa dimensão
mágica, ou seja, sobrenatural) e de tabu (designa a proibição de coisas e de certos
atos, visando separar o sagrado do profano) (Eliade, 1995).
O aspecto sagrado da figura totêmica do totemismo é percebido na figura
pastoral, visto que sua conduta e oratória são visualizadas com atribuições divinas.
De acordo com Silva (2004) o pastor é visualizado como “um ícone a cuja imagem
são atribuídas ações e condutas sobrenaturais” (p. 25). Dessa forma o pastor acaba
por representar uma figura totêmica para os membros da igreja. Este aspecto é
comentado inclusive no meio pastoral, conforme um dado de realidade apresentado
num depoimento19 por um pastor evangélico. No depoimento, comenta que a maioria
dos pastores gosta de ser uma figura totêmica. Explica que este fato ocorre no
processo de transformação do ser humano em figura totêmica, ao ser erguido como
um totem para a manutenção de tudo:
“Ele é santo pelos outros; é puro pelos demais; é quem não se diverte pelos que se
divertem; é quem não fica doente para poder curar; é quem "estuda Deus" e "entende de
Deus", a fim de poder explicar; e é quem é exemplo para se fazer clones comunitários. Se
ele não casa os que se casam, eles se ressentem e magoam. Se ele está viajando quando
alguém morre, ele abandonou o moribundo. Se ele está de férias, a igreja pode esvaziar. Ou
seja: sem ele, nada do que foi feito se fez ou se faz! Vivendo sob tais responsabilidades e
honras, o indivíduo vai virando pajé e não sente. Ou, em muitas ocasiões, passa a gostar
mesmo de ser essa figura totemizada para a "igreja".
Esse pastor refere ainda em seu depoimento que ao ser “totemizado” o
pastor passa a ser considerado um ser acima dos mortais, e que os pastores ao
sentirem a conseqüência disso ao serem exigidos como seres acima do bem e do
mal, isentos de erros e carências, sem serem reconhecidos em sua humanidade,
acabam se queixando do que eles mesmos alimentam. Menciona que, dessa forma,
ocorre um ciclo vicioso em que há um desejo de ser mais que humano por parte de
pastores e a igreja, por sua vez, quer pastores que falsifiquem sua humanidade em
nome do ‘evangelho’.
19
O Caminho Pastoral. Disponível em: <http://groups.google.com.br/group/fraternidadenocaminho>
Acesso em: 26 Agosto 2008.
63
O aspecto sobre-humano também surgiu no relato de uma dos pastores
entrevistados na pesquisa aqui apresentada, sendo que mencionou que a idéia de
visar o pastor como alguém acima do bem e do mal permeia no imaginário das
pessoas.
“É uma falácia que as pessoas têm... de imaginar que o pastor ele é um homem
que está acima do bem e do mal. Não, o pastor é uma pessoa que encarna muitos
sofrimentos, ele é uma pessoa que passa por muitas cobranças”.
Segundo Silva (2004) a imagem idealizada/divinizada é cultivada em torno
de êxitos, milagres e santidade. O estar acima do bem e do mal referido pelo
entrevistado passa a idéia de ser mais do que humano. Mas o próprio pastor
comenta que não é assim, sendo que o sofrimento também é presente na vida do
pastor. Segundo Dejours (2001), diante de tantas exigências e o medo de não
conseguir atendê-las, o indivíduo no trabalho se apresenta com sinais exteriores de
competência e eficácia motivados por uma preocupação em ocultar metodicamente
todas as falhas que não consegue corrigir. Dessa forma o pastor dissimula e silencia
as suas dificuldades no trabalho, e utiliza com a comunidade o que Dejours chama
de “mentira instituída” (2001, p. 61), em relação ao trabalho e também à sua vida. O
autor apresenta como características dessa mentira: (i) uma descrição da produção
a partir dos resultados e não a partir das quais eles são decorrentes; (ii) uma
descrição apenas dos resultados positivos, omitindo tudo que represente falha ou
fracasso. Ocorre uma supressão do real do trabalho, ao haver um silenciar e uma
dissimulação, buscando apresentar apenas formas de valorização das habilidades,
competências e de resultados, tanto organizacionais como pessoais (Dejours, 2001).
Dessa forma são construídas descrições do trabalho e de sua organização que
deturpam a realidade, sendo falazes e mentirosas (Dejours, 2001), podendo maquiar
o sofrimento presente no contexto de trabalho.
Diante da exigência da perfeição, em que é pressionado a não vivenciar sua
humanidade, acaba também por negar seus sentimentos de tristeza, de fracasso,
bem como seu cansaço.
“Férias, ta aí uma coisa que eu tenho buscado, ainda não tenho férias. Olha, por
incrível que pareça, sendo sincero tem exatamente sete anos que eu não tiro férias.
Porque eu anteriormente pertencia a uma organização um pouco maior. Então eu
era vice-pastor de uma igreja grande, de um templo grande, com uma demanda
muito grande de responsabilidade. Eu fazia parte da liderança, era vice-presidente,
64
embora jovem, novo, mas as responsabilidades eram grandes. Então não... olha...
não tinha tempo mesmo”.
Pode-se observar que acaba por descuidar de aspectos importantes de sua
vida em prol de seu trabalho. Este aspecto é referido por Dejours (2001) como
ativismo alienante, em que o indivíduo trabalha em excesso, numa exaustão que o
leva a não pensar mais e nem perceber seu sofrimento. Heloani (2003) alerta que o
pensamento e o sentimento reduzido podem instaurar uma ação sem sentido, o que
pode levar a despersonalização. Este termo na psiquiatria é explicado como uma
sensação de desligamento do mundo, como se, na verdade, estivesse sonhando,
tendo a impressão de estar num mundo fictício, irreal, porém a convicção da
realidade
não
se
altera
(Marot20,
2004).
Heloani
(2003)
ao
aplicar
a
despersonalização ao trabalho explica que há uma fragmentação da atividade e a
desapropriação do saber do trabalhador.
Dessa forma, pode-se observar que os aspectos do ativismo no meio
produtivo também estão presentes no trabalho pastoral. Conforme Dejours (2001) há
um sofrimento por trás das vitrinas dos que trabalham devido a uma intensificação
no trabalho em que os trabalhadores empenhados em sua tarefa, o fazem com
medo de não satisfazer ou de não estar à altura das imposições da organização. A
intensificação no trabalho se apresenta por um medo de incompetência, tendo que
se adaptar “à ‘cultura’ da empresa ou à ideologia da empresa, às exigências do
mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o público etc.” (p.28).
Isso acaba sendo internalizado como necessário e natural da atividade,
conforme verbalizado por um dos entrevistados.
“Tem que haver uma dedicação. Tudo requer suor, lágrimas, inclusive no meio dos
pastores. A facilidade não existe. Existe uma antiga frase ‘sem dor sem ganho’,
‘sem sacrifício não há glória’. Então nós temos que fazer a nossa parte”
Portanto, a exigência por irrepreensibilidade é um controle estabelecido que
leva a uma intensificação no trabalho pastoral, sendo instituído a partir de um
conteúdo simbólico existente no meio religioso.
Esse padrão de controle é aceito pelo fato do trabalho pastoral ser entendido
como uma vocação designada por Deus e não uma profissão, trazendo consigo o
20
Disponível em: http://www.psicosite.com.br/tra/sod/dissociativo.htm Acesso em 29 Set 2008.
65
conteúdo simbólico do trabalho pastoral. Esse aspecto será apresentado na análise
da próxima categoria.
4.5 “Não é um trabalho profissional, é um trabalho vocacional”
Descrição
O trabalho do pastor não é considerado uma profissão, sendo o trabalho pastoral, ao
contrário de profissão, uma vocação na qual o pastor é um escolhido por Deus para
desempenhá-lo. De acordo com as entrevistas a principal diferença entre o trabalho
pastoral e outras profissões consiste em que o trabalho profissional estaria ligado à
interesses financeiros, materiais e o trabalho vocacional ligado a interesses de bem
estar das pessoas, o que conta para a eternidade. Dessa forma espera-se do pastor
uma disposição de voluntariado em sua tarefa pastoral.
Temas Encontrados
Trabalho pastoral não é profissão
Trabalho pastoral é vocação
O pastor é um escolhido por Deus
Trabalho para a eternidade
Remuneração: ver as pessoas felizes
Disposição de Voluntariado
Análise e discussão
Esta categoria sinaliza o conteúdo simbólico imbuído no exercício pastoral o
qual dá significado à execução das tarefas. De acordo com Menezes (2000) é na
dimensão simbólica que é configurada a concepção de hipóteses que os sujeitos
formulam a respeito de uma tarefa, bem como sua concepção mental acerca do
objetivo, meio e comportamento para realizá-la, independente ou não de fatores
objetivos.
“Além de ser uma vocação, isso não é pra qualquer pessoa. Isso é, são pessoas
que Deus seleciona, que Deus escolhe. Pra mim é uma alegria, é um prazer muito
grande ter sido um escolhido por Deus pra realizar esse trabalho”.
“A gente crê também que a obra em si ela não é nossa. A obra é de Deus. O que
Jesus faz... a gente é privilegiado só pelo fato de estar envolvido nas coisas
grandes que ele faz na vida de pessoas... é privilégio”.
Essas verbalizações mostram a concepção que os entrevistados formulam a
respeito da tarefa pastoral, a qual é vivenciada por um sentimento de prazer em ter
66
reconhecida sua singularidade, sendo que o trabalho que executa não pode ser
desempenhado por qualquer pessoa, apenas por pessoas que tem um diferencial,
que seria a vocação e também pelo fato de se sentir privilegiado em pertencer a uma
“obra” grandiosa. O reconhecimento disso é fonte geradora de prazer, dando um
sentido de que o que faz é singular e especial ao ser, numa dimensão simbólica, um
escolhido por Deus.
A concepção simbólica da tarefa pastoral aparece nas verbalizações dos
entrevistados ao pontuarem que não vêem sua função como profissão, sendo uma
vocação divina.
“Eu não vejo a nossa função como uma profissão. É algo assim... É algo divino..., é
uma vocação... que Deus seleciona. Tanto é que você veja só. As igrejas hoje, elas
não tem a preocupação de registrar os seus pastores. Porque não é um trabalho
profissional”.
A afirmação de que o trabalho pastoral não é reconhecido como profissão
pelos próprios implicados no trabalho, provém da percepção de que sua atividade foi
estabelecida por uma vocação, um chamado divino.
Historicamente o pastor foi institucionalizado como líder da igreja pelo
protestantismo nos meandros da Reforma Protestante, durante o século XVI, que
dentro de um contexto de expansão das variações denominacionais, surgiu como
uma nova figura de responsabilidade eclesiástica, envolvendo especialmente a
condução do desenvolvimento da igreja e do encontro de seus fiéis (Silva, 2004).
Para desempenhar essa tarefa o pastor deveria manifestar uma aceitação
da vocação que lhe fora dada por um propósito divino. Weber (1967) expõe que a
concepção de vocação, que Lutero formulou, trazia uma conotação religiosa implícita
de uma tarefa dada por Deus, a qual deveria se configurar numa expressão externa
do amor fraternal, sem renunciar aos deveres desse mundo e nem abster-se das
obrigações temporais (Weber, 1967).
O pastor ao desempenhar sua atividade na expressão externa de amor
fraternal, a legitima por meio do poder de seu carisma que exerce sobre as pessoas,
na medida em que as influencia a seguirem suas idéias numa proposta de obtenção
de bem-estar (Silva, 2004).
“A gente sabe que alguém foi chamado por Deus pela capacidade de ensinar, pela
conduta, pelo amor a Deus e as pessoas”.
67
O carisma, segundo Wood (2001), “pode ser definido como uma força divina
conferida a uma pessoa, não para uso próprio, mas para atender às necessidades
da comunidade religiosa. Essa força envolve habilidades especiais de liderança e
condução de pessoas” (p.152). O caráter divino do carisma está fortemente presente
no trabalho pastoral, sendo referido nas entrevistas como “(...) algo divino”. Esse
aspecto ratifica o sentido da função pastoral que se instituiu com certo
distanciamento em relação a outras profissões.
“As outras profissões você atende uma necessidade dos homens. Faz que aquele
trabalho reverta pra um lucro, um benefício, um dinheiro que vai ser usufruído por
mim como empregado e o patrão que vai ter a sua renda e seu modo de vida. Eu
posso ter uma satisfação com isso. Ter um bom salário, de ser promovido e ajudar
alguém a ser próspero. Falando em termos de ser pastor, eu ajudo pessoas a
serem prósperas, espiritualmente falando, e em paz com as suas almas”.
De acordo com essa verbalização o trabalho de outras profissões manteria
uma ação direcionada à prosperidade material relacionada ao lucro e benefício
econômico. Enquanto que o trabalho religioso contemplaria a subjetividade
conectada à um âmbito divino que, segundo o entrevistado, propicia uma
prosperidade espiritual, sendo relacionada ao conforto da alma.
De acordo com essa percepção o trabalho do religioso não seria uma mera
atividade de trabalho, como é vista em outras profissões, mas tendo um sentido
vocacional que, segundo Silva (2004), ultrapassa interesses e conflitos pessoais,
diante do que é assumida uma ideologia de ação divinizada e transcendental (Silva,
2004).
“Ser pastor não é como mexer com mecânica. Quando você lida com ser
mecânico... uns são mecânicos porque aprenderam. Primeiro foram ‘mechânicos’ e
depois mecânicos. Aprenderam mexendo. Outros fizeram faculdades, cursos.
Cursaram e se tornaram mecânicos. Tem toda uma ciência em torno da mecânica,
tem toda uma lógica, tudo é milimetricamente pensado, medido, dosado... Assim é
ser médico, estuda a ciência do corpo humano... enfim, você estuda o organismo
do homem. Assim como ser psicólogo, você estuda a mente do homem, as atitudes
do homem, a alma do homem, o que os olhos não vêem, o que está intrínseco no
âmago da psique, você vai lá dentro. Você começa a entender de ser humano. O
padeiro entende de massa, dentista de dente... e pastor de alma. Então é diferente.
A leitura da alma é diferente de uma leitura de um relógio. Os olhos humanos... o
homem em si... ele não tem habilidade se ele não tiver talento, se ele não tiver
chamado, se ele não foi vocacionado. Então ser pastor... nem todos podem ser
pastor. Existe uma coisa que nós não entendemos. Por isso eu penso que
pastoreio... ele pode ser uma profissão, mas não é uma profissão... é um talento, é
um dom”.
68
“Não é apenas uma tarefa como faz o mecânico, por exemplo. O meu ministério é
uma tarefa também espiritual. Então tem coisas que fogem do meu controle, estão
no controle de uma ação soberana, divina, eu sou apenas um cooperador.
“Para ser um pastor tem que ter a vocação divina”.
Weber (1967) refere que para Lutero “(...) vocação é algo que o homem
deve aceitar como uma ordem divina, à qual deveria se adaptar” (p. 71). O trabalho
vocacional também seria para Lutero uma tarefa confiada por Deus. Essa idéia
aparece nos discursos em que vocação não se desenvolve cognitivamente, mas se
recebe por meio de um chamado divino. Por essa via também são instituídos os
padrões de controle, como a irrepreensibilidade, ou seja, também definidos
“divinamente”.
Portanto, para a tarefa pastoral é projetada uma concepção simbólica que dá
sentido à ação no trabalho. Contudo, para que o pastor possa desempenhar suas
funções também foi mencionada pelos entrevistados a necessidade do sustento
material.
“Ele não é visto como profissão, mas a Bíblia também diz que digno é o obreiro do
seu salário. Em virtude disso a igreja nos mantém. Como um auxílio, uma ajuda.
Mantém os seus pastores”.
Essa verbalização indica que há uma remuneração da atividade pastoral,
mesmo que não seja considerada profissão. Para isso, de acordo com os
entrevistados, a contratação da atividade pastoral é estabelecida por contrato de
trabalho autônomo.
“Pastor é autônomo. No nosso sistema o pastor é autônomo”
“O pastor é um profissional como o médico, como o advogado, como o psicólogo ou
um profissional qualquer que não está vinculado à empresa”.
“Existe contrato, proposta de um salário que é votado pela igreja. Tem um salário
fixo e tudo mais. Os pastores vivem disso.”
Para entender a atuação do pastor como profissional autônomo faz-se
necessário compreender o que implica essa contratação de trabalho para esse
trabalhador. O explicitado pelos pastores encontra parâmetros na legislação
brasileira, que enquadra o pastor evangélico como trabalhador autônomo. Este
aspecto foi proferido pela Lei Nº 6.696, Art. 1º a qual afirma que “(...) são
69
equiparados aos trabalhadores autônomos: os ministros de confissão religiosa, e os
membros de institutos de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa,
estes quando por elas mantidos (...)” (Figueiredo, 1979). O trabalhador autônomo
está incluído na Lei 7.316/85 como categoria profissional diferenciada. Para a
Consolidação das Leis de Trabalho21 (CLT, 1943) “categoria profissional
diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou função
diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em conseqüência de
condições de vida singulares”.
De acordo com a Lei Federal nº 8.212/9122 o trabalho autônomo coloca o
trabalhador numa condição de liberdade em relação a suas atividades, sendo que
presta serviços eventuais e habitualmente por conta própria a uma ou mais pessoas,
sem horário rígido, sem salário fixo (somente remuneração conforme contrato do
serviço em questão), sem ser subordinado a nenhum empregador, porém assumindo
todas as responsabilidades e riscos de sua atividade, incluindo as econômicas.
Por outro lado, segundo Castro (2004), que cita o art. 3º da CLT, o vínculo
empregatício se caracteriza por prestação de serviços contínuos à um empregador,
sendo a ele submetido mediante pagamento de salário e abarca cinco requisitos,
sendo: (a) pessoa física; (b) continuidade (trabalha em dias determinados e com
habitualidade); (d) subordinação (empregado recebe interferência na direção e
execução do trabalho pelo empregador); (e) salário (remuneração), (f) pessoalidade
(não podendo outro fazer a sua tarefa). De acordo com estes requisitos o
empregador tem o direito de estabelecer horários, fixar metas, cobrar resultados, e
fiscalizar o trabalho, porém também tem o dever de garantir todos os direitos sociais
do empregado. Qualquer contrato de trabalho que possuir esses elementos se
caracteriza como tendo vínculo empregatício.
Dessa forma, ao se fazer uma análise comparativa dos parâmetros
contratuais de trabalho autônomo e de vínculo empregatício fica evidente uma
contradição na contratação do trabalho pastoral, sendo que tem o status de
autônomo, mas cumpre exigências que seriam de profissional empregado com
vínculo empregatício. Um dos entrevistados sinalizou este aspecto ao verbalizar que
há uma diferença entre trabalho autônomo do pastor e de outras profissões.
21
Artigo 511 – Parágrafo 3º.
Presidência da República. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 16 Jun 2008.
22
70
“O autônomo que não seja pastor (...) talvez tenha uma flexibilidade com relação a
agenda, liga e dizendo ‘olha, hoje a tarde não vou trabalhar’ e isso não ter grandes
implicâncias a não ser um telefonema de um freguês ou outro. Pastor já se ele fizer
um cancelamento... como é que ele vai fazer o cancelamento de um casamento,
por exemplo. Está marcado o casamento, ele não pode ligar pra secretária da igreja
e dizer ‘cancela o casamento que eu não vou estar lá, porque eu não estou
passando bem’. Isso com o pastor não existe. E a gente sabe que isso existe, as
vezes, em outros meios profissionais. A pessoa tem uma certa autonomia pra
cancelar um encontro, pra cancelar um contrato, um acordo sem maiores prejuízos.
Ele contorna... é sexta-feira marca pra segunda ou pra outro dia, dá uma desculpa
qualquer. Pra o pastor já fica mais difícil. Ele tem que cumprir aquela agenda. Tem
que honrar aqueles compromissos”.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2007), as atividades exercidas
num vínculo laboral entre pastor e igreja, ainda não obtiveram o reconhecimento de
vínculo empregatício, porém, suas características de relação de trabalho já foram
adotadas. Este fato ficou estabelecido a partir de 2007, numa decisão unânime do
STJ23, em que foi reconhecido que “apesar de não ser uma relação empregatícia, as
atividades que pastores exercem em Igrejas podem ser consideradas como trabalho”
(STJ, 2007). Para Castro (2006), que advoga a possibilidade do trabalho religioso
com vínculo empregatício, o reconhecimento apenas da relação de trabalho, pelo
STJ, já seria um grande passo para um possível reconhecimento da relação de
emprego.
A defesa de Castro (2006) se amplia ao comentar que devido ao contexto
político-sócio-econômico em que as igrejas se encontram atualmente e diante da
crescente demanda trabalhista dos religiosos, há de se rever a questão que envolve
a contratação do trabalho desses trabalhadores, buscando uma resposta satisfatória
para esse novo fato social, sendo que o contexto de trabalho dos pastores numa
nova configuração social, também se insere numa nova configuração eclesiástica.
Portanto, a categoria analisada evidencia um paradoxo na atividade pastoral
entre profissão e vocação. Por um lado, encontra-se desempenhando suas
atividades pastorais num status simbólico e ideológico, no qual se percebe como um
vocacionado trabalhando para o divino. Aspecto concomitante ao entendimento de
Lutero (Weber, 1967) de que “o indivíduo deveria permanecer de uma vez por todas
na condição e na vocação em que Deus o houvesse colocado, e deveria restringir
suas atividades mundanas aos limites a ele impostos pela condição de vida
estabelecida” (p.71). Por outro lado se vê obrigado, no exercício do trabalho
23
Superior Tribunal de Justiça.
71
pastoral, a se adaptar às exigências da organização eclesiástica em que atua, a qual
espera que não apenas encaminhe abnegadamente os fiéis à um bem estar
espiritual, mas que isso reflita em crescimento e desenvolvimento da própria
organização. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a tarefa pastoral se ocupa do
transcendente, também é exigido deste trabalhador o desempenho de tarefas que
envolvem administrações do “aqui e agora” da organização eclesiástica para qual
trabalha, envolvendo questões da organização, condições e relações sociais do
trabalho, mesmo que pelo víeis da espiritualidade.
Portanto, no contexto de trabalho pastoral, assim como em qualquer outro
contexto de trabalho são vivenciados o prazer e o sofrimento, sendo esse aspecto
analisado na categoria apresentada na seqüência.
4.6 “Eu faço o que gosto, faço com consciência, me sinto recompensado por Deus,
acho que estou numa missão, assim como toda profissão”
Descrição
O trabalho pastoral tem um sentido de missão, o que gera um empenho consciente e
prazeroso na atividade. A ação é recompensada por um viéis subjetivo, sendo que
há um sentimento de que é vocacionado e recompensado por Deus. A confirmação
do trabalho pastoral parte de um reconhecimento da importância de suas atividades,
especialmente no que refere a sua posição de pastor dentro da organização e pelo
respeito ao que diz. Também há um sentimento de realização ao ajudar pessoas,
especialmente no exercício das atividades de aconselhamento pastoral. Experimenta
satisfação ao perceber a importância de sua intervenção ao contribuir na ocorrência
de mudanças positivas na vida das pessoas aconselhadas. Também experimenta
satisfação ao perceber sua capacidade no processo de ajuda, permitindo-lhe sentirse útil e um canal divino, o que lhe faculta uma identificação com as tarefas do
trabalho pastoral. A vivência de prazer se intensifica pelo reconhecimento de sua
capacidade em ajudar ao ser procurado pelas pessoas para aconselhamento. O
trabalho pastoral é visto como relevante para a organização a qual pertence, bem
como para a sociedade em geral.
Temas Encontrados
Sentido de missão
Recompensa divina
Identificação com as tarefas pastorais
Importância do trabalho pastoral
Reconhecimento de sua capacidade
Ajudar pessoas
Mudanças na vida das pessoas
Capacidade de ajudar
72
Canal divino
Análise e Discussão
A categoria indica um sentido de prazer atribuído ao exercício pastoral. O
entrevistado verbaliza que gosta do que faz, atribuindo ao exercício pastoral um
sentido de missão, o que gera um empenho consciente e prazeroso na atividade.
Para a relação homem-trabalho, Dejours (2007) chama a atenção para três
fatos: (1) o organismo humano é de forma permanente objeto de excitações, tanto
exógenas como endógenas, e por isso não pode ser visto como um motor humano;
(2) também não pode ser considerado como uma máquina nova ao chegar ao seu
local de trabalho, visto que traz consigo uma história pessoal permeada por
aspirações, desejos, motivações, necessidades psicológicas, as quais integram sua
história passada e que lhe conferem características únicas e pessoais; (3) cada
trabalhador é um sujeito único e dispõe vias de descarga preferenciais que se
diferenciam em relação aos outros e que interferem na estrutura da personalidade.
Essas três considerações de Dejours (2007) que envolvem a relação homem-tarefa
permeiam as situações de trabalho.
Segundo Ferreira e Mendes (2003) as situações de trabalho modificam as
percepções do trabalhador em relação aos outros, a si mesmo e ao próprio trabalho.
Essas modificações resultam na subjetividade no trabalho, que, no entanto, poderá
ser diferente da subjetividade do indivíduo. Os autores explicam que “essa
subjetividade permite a construção do sentido no trabalho atribuído de forma
compartilhada por um grupo de trabalhadores, que pode ser de prazer e/ou de
sofrimento” (p.52). Dessa forma, por meio do trabalho, são construídos os
significados psíquicos e a identidade pessoal e social do trabalhador, sendo que
nessa construção se dá a dinâmica entre prazer e sofrimento (Dejours, 1987;
Ferreira e Mendes, 2003).
O trabalho pode ser uma das fontes de saúde psíquica e de construção da
identidade na medida em que houver a possibilidade do indivíduo expressar sua
subjetividade, bem como de construir uma subjetividade no trabalho ao atribuir o
sentido do trabalho como prazer (Ferreira e Mendes, 2003).
Para Ferreira e Mendes (2003) “o prazer é uma vivência individual e/ou
compartilhada por um grupo de trabalhadores de experiências de gratificação
provenientes da satisfação dos desejos e de necessidades do trabalhador (...)”
73
(p.54), na ocorrência da mediação bem-sucedida dos conflitos e contradições
gerados num determinado contexto de trabalho (Ferreira e Mendes, 2003).
Entre os principais fatores de prazer no trabalho podem ser citados: a
organização flexível do trabalho (na qual tenha espaço para liberdade, autonomia e
participação), o uso da criatividade no trabalho, a ocorrência de aprendizagem,
relações
sociais
gratificantes,
sentimento
de
utilidade,
produtividade,
reconhecimento do trabalho pelos pares, percepção de reconhecimento institucional,
espaço para mobilização subjetiva24 e espaço para discussão (Dejours, 2007).
Esses fatores são desencadeadores de vivências subjetivas com manifestação de
sentimentos como: satisfação, significação social da atividade, criatividade,
impressão da marca pessoal, orgulho pessoal, admiração pelo que faz, mobilização,
atividade intelectual, relações sociais positivas, modo de construção da identidade
pessoal centrado nos sentimentos de liberdade e realização (Dejours, 2007).
Para
Mendes
(Org.,
2001)
o
prazer
é
vivenciado
quando
são
experimentados sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho, sendo a
valorização o sentimento de que o trabalho é importante e significativo para a
organização e para a sociedade e o reconhecimento evoca o sentimento de ser
aceito e admirado no trabalho e de ter liberdade para a expressão de sua
individualidade.
Dessa forma, as vivências de prazer e sofrimento no trabalho
ocorrem numa dinâmica do reconhecimento do trabalho e da constituição da
identidade no campo social do trabalho.
“Olha... eu cresci na igreja e após o meu batismo eu comecei desenvolver o
ministério da pregação da Palavra de Deus. Aos catorze anos eu fui o 2º secretário
da Congregação e me tornei um cooperador. Como jovem atuei ajudando nos
departamentos da igreja e com 24 anos fui ordenado Presbítero... depois
Evangelista. Fui missionário de uma igreja e como tive bons resultados, fui
ordenado Pastor”.
Essa verbalização indica a constituição da identidade com a tarefa pastoral
desse pastor ao longo de sua vida, num processo de interação social, em que as
habilidades para essa atividade foram sendo reconhecidas pelos bons resultados e
24
“A mediação subjetiva se dá por meio de estratégias de mobilização coletiva que, de acordo com
Ferreira e Mendes (2003) são modos de agir em conjunto, por meio do espaço público de discussão e
da cooperação, para eliminar o custo humano negativo do trabalho, resignificar o sofrimento, fazer a
gestão das contradições; e transformar em fonte de prazer e bem-estar a organização, as condições
e as relações de trabalho” (p.55). FERREIRA, J. B. e MENDES, A. M. Trabalho e Riscos de
adoecimento: o caso dos auditores-fiscais da previdência Social Brasileira. Brasília: Ler, Pensar e
Agir, 2003.
74
estabelecidas no campo social, de forma a desenvolver sua carreira eclesiástica.
Outro exemplo da validação social do trabalho pastoral.
“Fui criado por minha mãe na igreja. Então, desde os meus doze anos eu sempre
estive envolvido. Participava de grupos jovens, Escola Dominical... Sempre
envolvido. E... os pastores que foram meus pastores foram vendo em mim o desejo
de trabalhar... e foram me criando oportunidades. E com isso fui aproveitando de
uma forma sábia as oportunidades até que... contraímos o matrimônio e... de
repente... um dos pastores viu em nós a vocação, a chamada... por certo Deus lhe
revelou... e ele então nos ordenou a Presbítero. Posteriormente fomos à
Evangelista e finalmente chegamos à Pastor, que é o último estágio dentro da
nossa denominação”
Para a Psicodinâmica do Trabalho a constituição da identidade se configura
ao longo da vida do sujeito, a partir do olhar do outro, em que na relação com o
outro são reconhecidas as semelhanças e diferenças. Dessa forma, ocorre a
construção da identidade individual e social, a qual se dá numa interação de trocas
materiais e afetivas na vivência do cotidiano, dando ao sujeito a possibilidade de
constituir sua singularidade em meio a diferenças (Dejours, 2004). Sendo que,
segundo Ferreira e Mendes (2003), as principais causas do prazer no trabalho
encontram-se nas dimensões da organização, das condições e das relações de
trabalho, que estruturam o contexto de atuação do sujeito. No trabalho pastoral, ter
sua vocação reconhecida nas relações de trabalho é o que atribui à identidade de
ser pastor.
“Na minha denominação, para ser pastor, mais importante do que a formação é o
reconhecimento da vocação. Se tem o chamado de Deus pra isso”.
“Então, o pastor passa basicamente a se dedicar mais às pessoas. É um
sacerdócio. Sacerdócio fala de alguém que foi separado para o serviço. Foi
escolhido. Então, graças a Deus eu faço o que gosto de fazer. Desde pequeno
queria ser... então, graças a Deus, Deus me levou à essa visão e a esse ministério”.
“O pastor passa por uma ordenação, consagrado pela igreja, é a igreja que diz se
você é pastor, não é a faculdade. A faculdade diz que você é teólogo, a igreja diz se
você é pastor, ela vem e coloca a mão sobre a sua cabeça e você é ordenado”.
O relato dos entrevistados mostra que para chegarem ao posto de pastor,
além do chamado divino, é necessário passaram pelo reconhecimento social de sua
organização eclesiástica, o que supera até mesmo a formação teológica.
Segundo Dejours e Abdoucheli (2007) a dinâmica da identidade ocorre num
processo de “validação social” (p. 134), que se torna eficaz socialmente por meio
dos requisitos sociais das relações de trabalho, do coletivo e da comunidade de
75
pertença. Os autores referem que no âmbito do trabalho a construção da identidade
se dá no reconhecimento do trabalho do indivíduo, que passa pelo reconhecimento
da hierarquia e dos pares, bem como do reconhecimento da habilidade, da
inteligência, do talento pessoal e da originalidade. O reconhecimento traz um
benefício para o “registro da identidade, isto é, naquilo que torna o trabalhador um
sujeito único”, sendo que o reconhecimento daquilo que é realizado por ele é
fundamental para que haja sentido no trabalho (Dejours 2007, p. 135). Conforme
verbalizado por um dos entrevistados.
“Deus me deu esse dom desde criança... de ser uma pessoa, assim, extrovertida
Uma pessoa que gosta de se aproximar e ser amiga das pessoas. Nem sempre fui
pastor, estou, aí, alguns anos mexendo com isso. Mas, antes eu trabalhava numa
empresa grande e sempre tive aquela parte da minha vida aonde que as pessoas
se aproximavam de mim e abriam o coração. Por confiar no amigo. E isso foi
sempre algo natural na minha vida. Então, eu gosto disso, amo fazer isso e... quero
ver as pessoas felizes. A maioria que vem tem um problema detectado.
Casamento, droga, desavença com pai e mãe ou não entende o que Deus quer pra
vida dele. Então, eu amo fazer isso. Então... isso... por isso se chama dom pastoral.
Dom do ministério pastoral, o dom do serviço pastoral. Deus dá isso pra gente.
Então, eu gosto porque Deus me deu e eu exerço com muito carinho isso. Eu sou
aposentado e poderia ficar em casa sossegado, mas, o meu coração não consegue
fazer isso. Por isso eu dedico um expediente aqui”.
O relato do entrevistado indica o reconhecimento de sua habilidade em ouvir
e acolher as pessoas, o que foi intensificando sua identificação com essa atividade.
Na medida em que exerce a habilidade pastoral vai se reconhecendo, identificando e
se estabelecendo nela.
“Primeiro, ela sente dentro do seu coração essa chamada, esse desejo muito forte
de fazer o trabalho. É o que surge... assim... brota no coração da pessoa como uma
semente. E essa semente vai crescendo e a pessoa vai se aplicando àquilo e Deus
vai aprovando, mostrando, vai clareando. E quando você menos espera você já
está inteiramente envolvido no trabalho”.
As vivências de prazer no trabalho pastoral também estão ligadas a
percepção da utilidade de seu trabalho, na qual experiencia um sentimento de
realização em ajudar pessoas, especialmente no exercício das atividades de
aconselhamento pastoral.
“A área de que mais gosto é o aconselhamento”.
“Você trata a alma, lá no desconforto da alma. Rancor, ira, desprezo, rejeição. Você
coloca a palavra de Deus e esse é o meu lucro. As pessoas que são irresistíveis ao
76
amor de Deus são felizes. Porque elas são amadas por Deus elas são felizes.
Então, essa é a minha remuneração. É isso que me move”.
“Se eu pudesse dedicar meu tempo só pra aconselhamento, que é a área que eu
mais gosto”
As verbalizações nas entrevistas demonstram a vivência de prazer pelo
pastor ao perceber-se capaz de ajudar/orientar pessoas e que sua intervenção
contribui na ocorrência de mudanças na vida das pessoas aconselhadas,
vivenciando um sentimento de utilidade em sua ação. Em uma das entrevistas, um
dos pastores referiu que o que motiva seu trabalho são as transformações visíveis
na vida das pessoas.
“Pessoas que estão aí com a gente. Tem ex tudo aí. Gente que mudou de
comportamento, famílias que vivem em paz hoje, são felizes e que viveram traumas
grandes. Pessoas que estão caminhando, pessoas que encontraram uma família
aqui na igreja, pessoas que viram sua vida, sua família, sua saúde, sua vida
profissional restaurada, coisas assim. Tem uma juventude grande aí que não usa
droga, não vai pra balada, não fica a noite inteira se alcoolizando. Isso faz toda a
diferença”.
Dessa forma, os resultados da intervenção pastoral na vida de pessoas, que
mostram sinais de mudanças, configuram-se num indicador de gratificação, em que
vivencia sentimentos de realização na percepção da utilidade e relevância de seu
trabalho.
Ferreira e Mendes (2003) definem a gratificação como um dos indicadores
de prazer no trabalho, sendo vivenciado por “sentimento de satisfação, realização,
orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais” (p.
65).
Em uma das verbalizações o entrevistado relata uma situação em que
menciona a gratificação em poder ajudar pessoas.
“São inúmeras experiências que já enfrentamos, que nós já passamos. Mas é um
trabalho gratificante. Você veja, só um exemplo que eu vou te dar. Apesar de eu ser
ainda bastante jovem, na época eu tinha o quê? Uns vinte e sete, vinte e oito anos.
Ainda jovem. Eu já pastoreava de certa forma. Atendia uma igreja, já na época com
aproximadamente cento e cinqüenta membros. É um caso que nunca me esqueci.
Um casal de senhores, um casal já idoso... já eram bisavós. E eu com apenas vinte
e oito anos tive que aconselhar esse casal porque estavam se separando. Já eram
bisavós, serviam para ser meus pais. Eu tive que sentar com eles, orar com eles,
aconselhá-los. E Deus nos deu graça... que... posteriormente eu pude presenciar
Bodas de Ouro daquele casal... e tudo mais. Então são trabalhos, assim,
gratificantes, sabe? Que nos ajudam bastante”.
77
A posição pastoral fornece também um status social em seu ambiente de
trabalho e o reconhecimento de que ele pode oferecer ajuda, sendo uma fonte de
prazer.
“Eu acredito que a voz do pastor dentro da igreja, ela é muito considerada e muito
respeitada. O pastor autêntico. Um pastor com chamado, um pastor verdadeiro, não
um mercenário. Mas, a voz do pastor autêntico, ela é muito respeitada pela
comunidade, pela igreja. A igreja lhe ouve muito”.
“Eu gosto bastante da área de aconselhamento. Então... aqui eu freqüentemente
estou sentado com alguém, procuram muito. Ontem mesmo após o culto eu fui
procurado por uma jovem pra dar orientação à ela”.
Para Mendes (org., 2002) “o ato de produzir permite um reconhecimento de
si próprio como alguém que existe e tem importância para a existência do outro,
transformando o trabalho em um meio para estruturação psíquica do homem” (p.27).
Para melhor explicar a dinâmica da identidade e reconhecimento do trabalho,
Dejours (2004) apresenta o triângulo da dinâmica da identidade proposto por
Sigaut25.
Real
Ego
Outro
O triângulo de Sigaut representa a dinâmica entre real – ego – outro. Dejours
(2004) deu ao triângulo de Sigaut uma forma específica, a qual denominou o
triângulo da Psicodinâmica do Trabalho, no qual corresponde o real a trabalho, o
ego a sofrimento, e o outro a reconhecimento. A dinâmica representada no triângulo
sinaliza que a relação entre identidade e trabalho sofre uma mediação, ou seja, o
outro exercendo um papel de julgar o reconhecimento (Dejours, 2004).
Trabalho
Sofrimento
Reconhecimento
Segundo Dejours (2004) “o reconhecimento passa pela reconstrução
rigorosa dos julgamentos” (p.72). Ao ser julgado e reconhecido o fazer do
trabalhador também ocorre uma “gratificação identitária” (p.73). Dessa forma,
25
F. Sigaut, “Folie, réel et technologie”, Techniques et Culture, n. 15, 1990, pp. 167-179, apud
Dejours (2004, p. 73).
78
Dejours, (2004) explica que “a retribuição simbólica conferida por reconhecimento
pode ganhar sentido em relação às expectativas subjetivas e à realização de si
mesmo” (p.73). Para a Psicodinâmica do Trabalho o reconhecimento que provém do
olhar do outro é uma retribuição simbólica da produção de sentido conferida à
vivência no trabalho (Dejours, 2004).
Conforme
explica
Dejours
(2004)
“o
sentido
que
dá
acesso
ao
reconhecimento é o do sofrimento no trabalho e, como vimos, este é proveniente e
consubstanciado em toda situação laboral, pois representa, antes de tudo,
encontrar-se diante do conjunto de constrangimentos sistêmicos e técnicos” (p.74).
Portanto, “a conquista da identidade no campo social, mediada pela atividade do
trabalho, passa pela dinâmica do reconhecimento” (p.75).
Dessa forma, na construção da identidade do sujeito via reconhecimento o
trabalho se configura numa das fontes de saúde psíquica (Ferreira e Mendes, 2003).
No entanto, segundo Ferreira e Mendes (2003), suas pesquisas demonstram que na
maioria das vezes o que predomina é o sofrimento no trabalho diante de restrições
às possibilidades de negociações por parte dos trabalhadores em sua realidade de
trabalho, de seus desejos ou quando as tentativas individuais e coletivas em reação
às adversidades do trabalho se esgotam, instaurando o adoecimento.
Algumas questões relativas ao sofrimento no trabalho pastoral serão
abordadas na próxima categoria de análise.
4.7 “Ninguém entendeu o meu estado emocional”
Descrição
Há uma cobrança de que esteja continuamente disponível e que perceba as
necessidades das pessoas, no entanto, dificilmente tem suas próprias necessidades
e limitações reconhecidas por outros. O pastor também vivencia uma oscilação
emocional diante da inconstância das atividades que desempenha, sendo que num
momento realiza um casamento e em outro precisa conduzir um funeral. A atividade
de aconselhamento, ao mesmo tempo em que é percebida como fonte de
realização, também é apontada como atividade geradora de desgaste e cansaço.
Entre os motivos estão o confronto com pessoas que manifestavam possessões
demoníacas, contato com o sofrimento das pessoas, dificuldades crônicas de
pessoas, a demora de resultados, pessoas que não mudam de comportamento,
famílias desestruturadas. Muitas vezes o pastor faz o papel de mediador de conflitos.
Entre estes aspectos ainda as expectativas elevadas em relação à sua conduta ética
e moral, levam-no a sentir-se em constante avaliação, o que gera uma tensão
79
psíquica e que sinalizam vivências de sofrimento no trabalho pastoral, precisando
cuidar para não somatizar.
Temas Encontrados
Incompreensão por parte das pessoas
Solidão em meio a dificuldades
Inconstância das atividades
Sofrimento das pessoas
Dificuldades crônicas
Demora de resultados
Famílias desestruturadas
Pessoas que não mudam de comportamento
Mediação de conflitos
Avaliação da conduta
Cuidado com a somatização
Muitos compromissos
Análise e Discussão
A categoria indica o não reconhecimento de uma condição emocional,
estabelecendo uma vivência de sofrimento no trabalho do pastor entrevistado. De
acordo com Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento é uma vivência individual e/ou
compartilhada por um grupo de trabalhadores, sendo muitas vezes consciente. É a
vivência de “experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança,
provenientes de conflitos e de contradições originadas do confronto entre desejo e
necessidades do trabalhador e as características de determinado contexto de
Produção de Bens e Serviços” (p.53).
Entre os principais fatores de sofrimento no trabalho Dejours (2001) cita: a
pressão para trabalhar mal, a falta de esperança de ser reconhecido e o medo da
incompetência. Para Silva (2004) ainda podem ser citados fatores como
“subutilização do potencial técnico e intelectual do trabalhador, falta de participação
nas decisões, insegurança no trabalho, pouca perspectiva de aprendizagem e
crescimento profissional, restrição à liberdade de expressão e espaço limitado para o
coletivo de trabalho” (p. 68). Estes fatores resultam em vivências subjetivas
geradoras de sentimentos como insatisfação, tédio, ansiedade, indignidade,
inutilidade,
desqualificação,
desvalorização,
desmotivação,
frustração,
adormecimento intelectual empobrecimento das relações sociais, crise de identidade
pessoal e social (Dejours, 2007).
80
Dejours (2004) afirma que “se o indivíduo mantém, por intermédio de seu
trabalho, uma relação com o real, mas o seu trabalho não é reconhecido pelo outro,
mesmo que esse trabalho esteja em relação ‘verdadeira’ com o real, ele se encontra,
também neste caso, condenado à solidão alienante” (p.98). Sendo esta situação
representada da seguinte forma:
Trabalho
Sofrimento
Alienação
Social
Reconhecimento
O não reconhecimento das contribuições do trabalho do indivíduo, o colocam
em risco de uma crise de identidade (Dejours, 2004). Segundo Dejours (2004) essa
crise pode fazer com que o trabalhador se entregue a loucura ao protestar/reclamar
os seus direitos ou pode perder a autoconfiança e duvidar da realidade com a qual
está confrontado, sendo que ninguém a reconhece. O relato dos pastores sinaliza
esta vivência.
“Eu passei situações emocionais, de extremo estresse quando meus filhos eram
pequenos e um deles ficou em coma na UTI. Ele foi internado em estado crítico e
ficou uns quinze dias em tratamento de UTI, com médicos especialistas. Então, foi
um momento muito crítico na minha vida. Ele foi internado num sábado, às seis
horas da tarde. E em função daquilo eu procurei várias pessoas da igreja se elas
poderiam dirigir o culto domingo de manhã, e não consegui ninguém da igreja. ‘Ah...
eu não posso... ah, em cima da hora não dá...’ ninguém entendeu o meu estado
emocional. E eu tive que vir no domingo de manhã, com meu filho correndo risco na
UTI, o próprio médico disse a vida dele não tinha garantia. Ou seja, foi uma
situação de extrema... de extremo estresse que eu estava e eu tive que vir dirigir o
culto. Na época eu fiquei muito magoado, fiquei chateado com aquilo, e confesso
pra você que na época eu pensei até em desistir do pastorado. Achei que foi uma
falta de solidariedade, uma falta de compreensão. Mas, depois eu passei por cima,
superei aquilo. As vezes o problema seu não é o problema dos outros. Eu procuro
me colocar muito nessa relação de ajuda. Me colocar no lugar do outro. Mas, as
pessoas não se colocam no lugar da gente, esse é que é o problema. Pelo menos
a maioria das pessoas”.
O sofrimento aqui ocorre devido o entrevistado não ser reconhecido como
um ser de necessidades na situação relatada. Nessa verbalização é possível
perceber que há uma mobilização por negociação com os sujeitos sociais no
contexto do seu trabalho para que consiga obter o reconhecimento de sua
necessidade pontual de ajuda e colaboração. No entanto, esgota todas as tentativas
e o que consegue é apenas a falta de solidariedade e falta de compreensão. Diante
81
do que se instaura o sofrimento que é relatado pelo entrevistado como sendo um
momento crítico em sua vida e de extremo estresse. Segundo Ferreira e Mendes
(2003) o sofrimento predomina diante de “condições externas extremamente
restritivas às possibilidades de os sujeitos negociarem seus desejos diante da
realidade e/ou quando se esgotam todas as tentativas de reação às adversidades do
trabalho instalando-se o adoecimento” (p.53). No entanto o sofrimento não se instala
de forma permanente, segundo Mendes (2002), sendo que em si não é patológico,
podendo inclusive funcionar como um sinal de alerta para evitar o adoecimento.
Visto que, pelo relato do entrevistado, ele ter superado aquela situação, pode - se
perceber
que
o
sofrimento
ocorreu,
sem,
no
entanto
ficar
estabelecido
permanentemente.
Outro fator instaurador de sofrimento no trabalho pastoral em relação ao não
reconhecimento ficou evidente na verbalização de um dos entrevistados ao se referir
a desvalorização social de sua condição pastoral.
“Então uma coisa é você não ser reconhecido como e outra é muitas vezes visto
com certo desdém de uma coisa que você faz... que você sabe o está fazendo,
você tem compromisso com o que você está fazendo. Mas, as pessoas costumam
demonizar muito os títulos ‘pastores’. E isso eu vejo que muitos sacerdotes, de
modo geral, muitas vezes são demonizados. As pessoas que lideram elas tem a
facilidade de serem mal vistas, as vezes. Todavia, nós devemos também olhar com
outros olhos, não é verdade? Sempre existem pessoas que fazem o que fazem
bem feito, com amor, com dedicação. Isso em todas as áreas”.
Segundo Oliveira (2005) essa desvalorização social leva o pastor ao
desânimo, o que intensifica a tentação em aceitar o poder que lhe é oferecido no
púlpito. Outro fator de sofrimento no trabalho pastoral que ficou evidente no relato de
um entrevistado está relacionado à organização de seu trabalho.
“As pessoas se sentem no direito de ligar duas horas da manhã. E no momento em
que a pessoa tem um problema, aquele problema dela é o mais importante do
mundo e se o pastor não abrir mão de qualquer outra coisa... se acontecer um
problema grave na vida de alguém, o pastor se sente na obrigação... ele é cobrado
pra abrir mão de uma situação importante na família pra ir lá atender aquele caso
da membresia da igreja. Isso causa um problema muito grande na família, que pode
não entender. Mas, se ele não atende a pessoa da igreja..., aquelas pessoas não
vão entender. ‘Ah... o pastor não me assistiu e ele foi relapso, não veio no dia que
ele disse, não esteve comigo’. Então, o pastor é aquela pessoa que fica entre a
cruz e o punhal. Pra ele atender todas as coisas depende de uma administração
muito grande, de uma agenda, de uma disciplina muito grande. O pastor tem que
ter uma vida bastante planejada, pra ele poder conciliar essas coisas. Se ele não
planejar com bastante tempo, se ele deixar pra satisfazer apenas as coisas
82
momentâneas ele entra em uma malha que ele não consegue sair mais. Acaba não
agradando nem gregos e nem troianos”.
O pastor referiu que precisa ter uma administração muito grande com a
organização de agenda e executá-la com disciplina do contrário não conseguirá dar
conta de tantas demandas de seu atendimento. Inclusive mencionou que fica “entre
a cruz e o punhal”, sendo que precisa atender as pessoas e, as vezes, ao mesmo
tempo atender sua família, correndo o risco de não ser compreendido por nenhum
dos lados.
Para Ferreira e Mendes (2003) o sofrimento se instala quando a organização
do trabalho, as condições e as relações sociais de trabalho não permitem uma
descarga do investimento pulsional de forma que impossibilite uma resignificação do
sofrimento e o uso da mobilização coletiva, bloqueando a transformação no contexto
de trabalho.
Dejours (2007) explica ainda que quando a relação entre o trabalhador e a
organização do trabalho é bloqueada ocasiona um sentimento de desprazer e
tensão, devido a energia pulsional não achar descarga no exercício do trabalho,
ocorrendo o domínio do sofrimento e da luta contra o sofrimento.
Outra citação também mostra a relação sofrimento e organização do
trabalho pastoral.
“A atividade mais cansativa no ministério são os altos e baixos emocionais da
gente. Essa inconstância das atividades... você sai de um culto celebrativo, de um
casamento, com uma festa enorme, tudo muito gostoso etc. E daí a meia hora você
recebe um telefonema daquela família que você ama, da igreja, voltando da praia,
que sofreu um acidente e que alguém da família morreu e que os outros estão
internados. Aquilo dá um choque emocional muito grande. Então, essa alternância
na parte emotiva da gente é o que mais cansa, é o que mais estressa... esses altos
e baixos emocionais”.
O trabalho do pastor está organizado de acordo com tarefas prescritas que
compõem atividades desde funerais até casamentos etc. No entanto ao vivenciar o
desempenho dessas atividades percebe que a oscilação do conteúdo das tarefas
gera cansaço e desgaste emocional. Segundo Ferreira e Mendes (2003) o desgaste
é um dos indicadores de sofrimento em que se vivencia um “sentimento de que o
trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade,
desânimo e frustração” (p.65).
83
Outro indicador que define o sofrimento apresentado por Ferreira e Mendes
(2003) é a insegurança, sendo o sentimento um “receio de não conseguir atender às
expectativas relacionadas à competência profissional, exigências de produtividade e
pressões no trabalho” (p.65).
O medo da incompetência é um dos fatores de sofrimento no trabalho
descritos por Dejours (2001) e se configura em fator de sofrimento na prática
pastoral, diante de situações de aconselhamento, sendo que é esperado do pastor
que ajude as pessoas a resolver seus dilemas. No entanto, há diversas situações em
que se vê impossibilitado em ajudar, o que gera angústia.
“Angústia... Pessoas que a gente investiu e não chegou a lugar nenhum. A gente
investiu em jovens que foram assassinatos, tentando tirar das drogas. Angustia de
um jeito que você não tem idéia. Gente que travou e que não foi a lugar nenhum
por decisão própria, ta sofrendo, mas, não ajuda, não coopera, não... você fica...
orando pra que Deus faça alguma coisa criativa e diferente do que você está vendo,
pra ver uma reação. Essas coisas acontecem, gente que se machucou muito,
porque não ouvem os conselhos, e você tava ali perto e acompanhou, jovens,
famílias... famílias quebradas, casos de parar de investir no outro, não ouvir. Vem
aí os casais com histórias de agressão de tudo o que você pode imaginar e a gente
não consegue levar até um relacionamento saudável”.
Segundo o relato há um sentimento de angústia diante dos problemas das
pessoas a quem se propõe ajudar e que não apresentam sinais de melhorias em
suas vidas. Este aspecto é vivido como cansaço e desgaste na atividade de
aconselhamento.
“A atividade mais cansativa é o aconselhamento”.
“Quando você vê pais que batem em criança. Isso desgasta a gente. Agora a
pouco, antes de você chegar, eu atendi uma senhora que ela casou e com uma
pessoa totalmente desequilibrada, dominadora, até exigindo, assim, coisas
absurdas a nível de contato físico, e ela se desgastou com isso. Ela era muito
menina, ele já era bem maduro. A gente até que, muitas vezes, aconselha que
muita diferença de idade não seja aconselhável para fazer uma união, mas, ela na
época ingênua, e ela ligou pra mim chorando. E isso também é cansativo. Porque
você quer ajudar e... muitas vezes as pessoas... Então, você ouvir, assim, essas
atrocidades que acontecem. A gente quer ajudar, quer fazer alguma coisa, mas...
isso também cansa a gente”.
Diante de dificuldades crônicas de pessoas, da demora de resultados,
pessoas que não mudam de comportamento e de famílias desestruturadas, se
instala um sentimento de impotência.
84
Portanto, por mais que a atividade de aconselhamento seja uma vivência de
prazer, em que há um sentimento de reconhecimento e gratificação, também há uma
vivência de sofrimento ao se sentir incompetente para desenvolver a função de
ajuda, em alguns casos, sendo essa atividade vivenciada paradoxalmente. Por um
lado se apresenta como fonte de prazer, por outro lado é apontada como fonte de
desprazer, sendo fonte geradora de cansaço e desgaste.
“Por mais que é o teu papel, é trabalho, é bom, é gratificante por um lado, porém
por outro lado você sofre com as pessoas”.
Essa verbalização indica um sofrimento que se relaciona com os limites
encontrados em sua função.
“Você tem que tomar muito cuidado pra não somatizar”.
Segundo Dejours (2004) “se a dinâmica do reconhecimento está paralisada,
o sofrimento não pode mais ser transformado em prazer, não pode mais encontrar
sentido: só pode gerar acúmulos que levarão o indivíduo a uma dinâmica patogênica
de descompensação psíquica ou somática” (p.77).
Portanto, as demandas do trabalho pastoral podem acarretar riscos ao
trabalhador religioso, cuja saúde pouco tem sido estudada, conforme constatado
pelo psiquiatra Lotufo Neto (1997) ao engendrar uma pesquisa sobre a prevalência
de transtornos mentais entre ministros religiosos. O pesquisador relata que ao
buscar literatura sobre o tema ficou evidente o quão pouco se estudou sobre essa
questão, sendo os trabalhos existentes antigos. Os resultados da pesquisa de Lotufo
Neto (1997) mostraram que dentre a população pesquisada 16,4% apresentaram
Transtornos Depressivos, 12,9% Transtornos do Sono e 9,4% Transtornos Ansiosos.
A pesquisa ainda evidenciou os fatores mais importantes de estresse identificados:
problemas financeiros, problemas com outros pastores, conflitos com os líderes
leigos da igreja, dificuldades conjugais, problemas doutrinários e sobrecarga de
trabalho. O que chama a atenção nos resultados dessa pesquisa é que os sinais
mais importantes de estresse identificados, praticamente estão relacionados com a
organização do trabalho desses líderes religiosos.
Além de pesquisas científicas contemplando o trabalho do pastor, o próprio
meio evangélico tem se preocupado com a saúde mental de seus líderes, o que se
encontra explícito em temas abordados em sites da internet direcionados à esse
85
público, cuja temática chama atenção. Citando apenas alguns: (a) “Pastores à beira
de um ataque de nervos - submetidos a pressões cada vez maiores e ao estresse
constante, líderes evangélicos são vítimas potenciais de problemas psicológicos”
26
;
(b) “Cuidado, seu pastor pode surtar a qualquer momento - há pastores:
estressados, com nervos em frangalhos, com a família a ponto de implodir, em
tratamento psicológico e psiquiátrico, com freqüentes crises de depressão,
dependentes de remédios de tarja preta, até há pastores com ideação suicida” 27; (c)
“Pastor precisa de pastor? – os pastores têm necessidade de serem pastoreados,
sendo que têm necessidades pessoais como todo mundo. Todas as profissões
envolvem o estresse e o pastor não é exceção”28.
Segundo Dejours e Abdoucheli (2007), diante das vivências de sofrimento,
podem desencadear-se processos de ordem patogênica ou de ordem criativa. No
processo patogênico ocorre uma lógica defensiva, na qual o trabalhador fica
aprisionado à pressões fixas, rígidas e incontornáveis que intensificam frustrações,
medos, angústias e sentimentos de impotência. Já no processo criativo, o
trabalhador utiliza sua inteligência e criatividade para transformar a realidade que o
faz sofrer. Esses processos evidenciam as estratégias de mediação ou
enfrentamento do sofrimento, que, segundo Silva (2004), “servem para combater,
atenuar ou até mesmo ocultar o sofrimento que atinge o trabalhador quando
confrontado com sua realidade de trabalho” (p.71).
As estratégias de mediações serão analisadas a partir da apresentação da
próxima categoria de análise.
4.8 “Quando eu estou passando por alguma situação delicada eu procuro me
refugiar, renovar as forças”
Descrição
Entre as estratégias de mediação do sofrimento os pastores utilizam principalmente
o distanciamento do contexto de trabalho por meio do isolamento, do individualismo,
da espiritualidade e das atividades compensatórias. Estas defesas se estabelecem
ao retirar-se das atividades, da organização e das pessoas relacionadas ao seu
ministério, ou seja, de seu trabalho. A espiritualidade é exercida por meio de
26
Disponível em: <http://3re.metodista.org.br/index.jsp?conteudo=5932> Acesso em: 28 Mar 2008.
Disponível em: <http://www.adventistas.com/fevereiro2003/orar_pastores.htm> Acesso em: 28 Mar
2008.
28
Disponível em: < http://www.ltprogram.com/pastor.pdf> Acesso em: 28 Mar 2008.
27
86
orações, meditações, leitura da Bíblia e outras literaturas relacionadas. Nas
atividades compensatórias busca renovar suas energias através de: descanso,
viagens, reflexão, estudo e cuidado com a saúde. Estes momentos podem incluir a
família e as vezes os amigos de maior intimidade, que não são muitos. A submissão
é também uma das estratégias. É vivenciado um constante estado de alerta
relacionado à sua conduta que ultrapassa o contexto de trabalho, estando presente,
inclusive no convívio com família e amigos. As reuniões de equipe são encontros
com objetivo de avaliar o andamento do trabalho e verificar novas possibilidades
estratégicas relacionadas ao andamento da organização eclesiástica.
Temas Encontrados
Espiritualidade
Família
Descanso
Refúgio
Viagem
Reflexão
Meditação
Estudo
Convívio com amigos
Análise e Discussão
A categoria indica a utilização de estratégias na mediação do sofrimento
vivenciado em situações mencionadas pelos entrevistados como “delicadas”. Para
Dejours (2007), devido os trabalhadores estarem sempre submetidos à pressões e
sofrimento no trabalho, ocorre um ajuste entre a subjetividade e a organização do
trabalho. O pesquisador percebeu isso ao estudar situações de trabalho geradoras
de sofrimento para os trabalhadores e observou que em todas essas situações, os
implicados no sofrimento no trabalho mobilizavam, entre outros processos,
estratégias, tanto individuais como coletivas para lidar com seus sentimentos e
continuar trabalhando. O autor afirma que para isso são utilizadas estratégias de
mediação do sofrimento que podem ocorrer por duas vias. Uma é quando o
trabalhador lida com o sofrimento via estratégias defensivas e outra é por meio de
mobilização subjetiva (Ferreira e Mendes, 2003; Dejours, 2007).
Segundo Ferreira e Mendes (2003) as estratégias defensivas são
mecanismos de negação e/ou racionalização do sofrimento e do custo humano
negativo causado pelas contradições e pelos conflitos vivenciados no contexto de
trabalho, que, muitas vezes são inconscientes, individuais e/ou compartilhados por
um grupo de trabalhadores.
87
Ferreira e Mendes (2003) explicam que a estratégia defensiva via negação
se caracteriza como uma naturalização do sofrimento e das injustiças sofridas no
trabalho, ou até mesmo uma supervalorização dos resultados positivos, das
vantagens e dos fracassos como “decorrentes da incompetência, da falta de
seriedade, de preparo, da má vontade ou da incapacidade humana” (Ferreira e
Mendes, p.57). Esse mecanismo é acionado “por comportamentos de isolamento,
desconfiança, exacerbação do individualismo, banalização das adversidades do
contexto de produção e eliminação do coletivo de trabalho, ao não considerar a
história que o produziu” (p.57).
O refúgio para renovar forças referido pela verbalização do pastor
entrevistado, e que está sinalizada no título da categoria de análise, remete à um
distanciamento da realidade de trabalho para o enfrentamento das contradições
propiciadoras de sofrimento relacionadas ao trabalho pastoral. Ou seja, ao invés de
recriar a realidade que produz o sofrimento junto ao coletivo implicado no trabalho,
se distancia do mesmo.
Entre as estratégias defensivas de distanciamento mais utilizadas pelos
pastores entrevistados estão as atividades compensatórias (Silva, 2004), o
isolamento (Ferreira e Mendes, 2003), o individualismo (Dejours, 2001) e a
espiritualidade (Farris, 2002). Seriam como que válvulas de escape, em busca por
um fôlego novo, para posteriormente retornar à adaptação na realidade geradora de
tensão, que exige do trabalhador pastor um estado de alerta contínuo que é sem
tréguas, como visto anteriormente.
As atividades compensatórias foram verbalizadas pelos entrevistados como
viagens, refeições diferenciadas, momentos com amigos e família, momentos de
lazer como pescaria, esporte.
“Tem coisas práticas... eu tenho amigos, eu tenho coisas que eu gosto de comer,
eu tenho coisas que... tem dias que eu preciso cancelar um ... uns atendimentos. É
num dia em que, realmente, você está fisicamente esgotado e você percebe isso,
eu cancelo... peço pra cancelar, peço pra mudar um horário, ligo pra alguém, saio,
vou com a minha família. Num final de semana ou outro em que eu me encontro
numa situação, assim, de estresse, faço uma pequena viagem com minha família...
e... essas coisa restauram a gente. Saúde... emocional, mental”.
“Tenho meus amigos... semanalmente, a gente está se comunicando por telefone e
conversando”.
“Tenho minha esposa. Tenho meus filhos, netos. Curto, barbaridade eles. Final de
semana estamos juntos e nós temos uma chácara muito bonita da igreja, que é da
88
igreja. Lá tem, também, uma porção de coisas de lazer... também a gente vai pra lá,
passa o fim de semana lá, junto com os filhos ou vão lá em casa. Moro num
apartamento que não é tão grande, mas, cabe todo mundo lá. Gosto de pescar e...
joguei futebol, gostava de jogar, praticar esporte, pratiquei até 3 anos atrás, mas, fiz
uma cirurgia e, então, tive que diminuir violentamente isto”.
Segundo Silva (2004) as atividades compensatórias surgem como um
mecanismo de defesa como uma válvula de escape, assumindo o caráter essencial
de compensar o sofrimento. Em relação as atividades compensatórias Mendes e
Silva (2006) afirmam que “fugindo ao domínio direto do contexto de trabalho, não
são realizadas naquele contexto, mas em sua razão” (p.110).
Quando o sofrimento suscita estratégias defensivas, envolve um processo
mental, o qual tem o papel de adaptar o trabalhador às pressões do trabalho,
visando a diminuição do sofrimento (Dejours, 2007). Contribui de alguma forma para
a aceitação do sofrimento mental e pode gerar como uma das conseqüências um
imobilismo social frente as questões do coletivo da categoria profissional (Mendes e
Silva, 2006). Dessa forma as estratégias defensivas para mediar o sofrimento
auxiliam o trabalhador na adaptação e ajustamento de suas necessidades e desejos
(Dejours e Abdoucheli, 2007).
O distanciamento como estratégia defensiva pode ser percebido no relato
das entrevistas.
“Vou viajar... saio três, quatro dias para espairecer a cabeça”.
“Então eu dou uma saída, tiro aí um ou dois dias, de repente até um final de
semana, ou vou para o litoral, ou vou para uma chácara, ou uma coisa dessa
natureza”.
“Eu tenho maneiras de me desestressar. Eu pesco... eu faço o meu momento no
meio das matas, no meio da montanha, serra, na beira de um lago, num sítio. Eu
tenho vários contatos e meios, então eu ligo pra uma pessoa e ela prepara um lugar
e vou ter o meu momento, passo um dia, dois dias, passo lá fazendo higiene
mental. Isso eu faço orando, porque já foi comprovado pela Universidade de
Harvard que quando você ora você desestressa, você desentulha. Está
comprovado isso, cientificamente falando. Então a oração faz bem até pra o
coração. Comprovado. Então quando você entende que orar faz bem e se você
entende dessa forma, vai para um ambiente apropriado. Então vou pra um sítio, pra
uma mata, pra um monte... pescar as vezes. Jogar... sei lá...andar de bicicleta, vou
pra o parque, entendeu? Então tem várias maneiras de desestressar. Eu me
percebo. Se estou estressado, no meio da atividade eu arrumo uma atividade que
não tem nada a ver com a minha atividade. Jogar um boliche, ir ao shopping olhar
as coisas... sei lá. Olhar bichos. Então eu tenho vários meios de esvaziar”.
“Eu me observo, eu faço, eu tenho mania de auto análise. O tempo passou... eu
rebobino. Eu volto a fita. As vezes sentado... As vezes.. quando... muitas vezes
89
quando estou só... viajando... as vezes quando pego um livro pra ler, as vezes, eu
paro a leitura e faço uma leitura. Eu sou assim. Eu aprendi isso com alguns poetas.
Quando você lê muito livro de poesia, você se torna... a tua alma muda. Gosto de
poesia. Então, eu gosto de música. Eu sou um pouco músico, então o músico ele
tem a alma diferente, um ouvido diferente. E... leio muito livro de poesia. E quando
você começa a ver, estudar e se observar... você começa a se entender e ao
mesmo tempo... você começa a se escandalizar, as vezes, consigo. E ao mesmo
tempo você tem mais controle porque você se conhece.
“Quando chega ao extremo... eu também sei que se eu estou a ponto de explodir,
então, é melhor eu não me apresentar diante do povo. Eu prefiro então me isolar,
prefiro até ficar em casa, se for o caso. Porque a igreja em si, ela não tem a
obrigação de ouvir as minhas queixas. Você como psicóloga vai saber que quando
uma pessoa está, assim, com os nervos à flor da pele, ela é capaz de dizer o que
não deve. Então, eu prefiro não me expor nessas horas. É até mais convincente,
conveniente você ficar em casa refletindo, do que subir num púlpito e acabar
dizendo o que não deve para uma congregação”.
As verbalizações mostram defensivas, ao sinalizar que são manifestados
comportamentos de isolamento ao se retirar de seu contexto de trabalho para lidar
com as adversidades. O isolamento é apontado por Ferreira e Mendes (2003) como
um dos comportamentos característicos da estratégia de defesa de negação. São
estratégias de distanciamento da realidade de trabalho buscando um autocontrole
por meio do isolamento da atividade. O autocontrole é buscado para poder resistir
ao sofrimento e se manter trabalhando. Para Dejours (2001) o aspecto da resistência
é característico do individualismo, sendo que o indivíduo resiste numa defesa do
silêncio, da cegueira e da surdez. O autor Dejours (2001) nessa estratégia cada
indivíduo se preocupa em resistir e para que consiga fazer isso é necessário fechar
os olhos e os ouvidos ao sofrimento de outros. Segundo Mendes, Borges e Ferreira
(2002) o individualismo emerge diante de um sentimento de impotência frente à
situações causadoras de sofrimento “como falta de cooperação, de confiança, de
compartilhamento de regras, separação entre planejamento e execução das tarefas,
e pela desestruturação das relações psicoafetivas com o coletivo de trabalho” (p.3435).
Segundo Dejours (2007) o individualismo se instaura “quando as tensões e
as ideologias defensivas estão estabilizadas após certo tempo. Surgem então o
desencorajamento e a resignação diante de uma situação que não gera mais prazer
e não ocasiona senão sofrimento e sentimentos de injustiça” (p.58). Para o autor o
individualismo passa por um processo de naturalização da causalidade em que é
“atribuído a uma fatalidade natural, à evolução cultural, às transformações da
sociedade em seu conjunto e, mesmo, à decadência da civilização” (p.58).
90
A naturalização do sofrimento, como característica de uma estratégia
defensiva de negação (Ferreira e Mendes (2003), também pode ser percebida nas
entrevistas.
“A gente procura se controlar... interpretar esse momento... procura... absorver esse
momento como sendo alguma coisa da vida normal da gente. Mas, infelizmente a
vida emocional da gente, não tem como a gente administrar muito”.
“Com a experiência que eu tenho, acho tudo normal, natural, não tem como você
resolver todas as dificuldades e, mas... isso é experiência. Traz pra você um pouco
de maturidade e daí você começa a lidar com essas situações”.
Dessa forma as dificuldades são percebidas como naturais e simplesmente
aceitar que não tem como resolver todas elas seria uma condição de maturidade
conquistada. Mendes e Silva (2006) afirmam que o individualismo além de ser uma
estratégia defensiva, para a realidade dos pastores pode também servir de
manutenção da imagem mítica de líder, visto que se houver uma socialização das
fraquezas pode correr o risco de perder a aura de liderança divinizada.
No entanto, Dejours (2007) afirma que o processo de naturalização do
individualismo tem uma função alienante e de ocultação das relações sociais,
através do que desempenha “uma desapropriação da inteligibilidade e do poder
sobre o ato” (p.59). Segundo Dejours e Abdoucheli (2007), ao serem estruturadas as
defesas, ocorre para os trabalhadores uma transformação profunda do sofrimento da
expressão do sofrimento, fazendo simplesmente com que se adaptem as exigências
do trabalho. Por isso, segundo os autores, há um grande risco de alienação, cujo
domínio ocorre quando as estratégias se transformam em “ideologia defensiva” (p.
130). Nela os indivíduos passam a se integrar e identificar com a organização, de
forma que seus valores passam a ser seus próprios valores e se transformam em
instrumentos submissos e dóceis, acreditando, que são autônomos, no entanto, são
explorados no trabalho.
Até mesmo a própria instituição favorece distanciamento dos pastores na
medida em que dá a condição para que o pastor se retire para compor as energias.
“Eu sou o pastor titular, então nesses momentos eu também gozo dessa
prerrogativa de poder sair quando estou estressado e também concedo aos meus
auxiliares essa prerrogativa em momentos de crise, em momentos de extremo
estresse eles tem o direito de sair, de ficar três, quatro dias fora ou até mesmo ficar
descansando em casa, sem ter aquele compromisso de fazer isso ou ter que
realizar aquilo”.
91
Segundo Dejours (2001) a organização ao propiciar as estratégias de
defesa, apenas o faz por interesse próprio objetivando um trabalhador cada vez
mais adaptado ao trabalho da maneira como lhe é exigido e proposto. Criar as
condições para que descarregue suas energias numa estratégia de defesa e não
numa mobilização recriadora do que faz sofrer, nada mais é do que uma forma de
controle para manter o trabalhador dedicado a aceleração do trabalho, com
finalidade de alta produção para a organização.
Outra
estratégia
defensiva
é
a
racionalização.
Na
utilização
da
racionalização há uma evitação e eufemização29 da angústia, do medo e da
insegurança, em que são invocadas justificativas mágicas valorizadas socialmente,
bem
como
causas
externas
para
explicar
as
situações
desconfortáveis,
desagradáveis e mesmo dolorosas diante de riscos, ritmo acelerado, exigências
elevadas de desempenho e produtividade no trabalho (Ferreira e Mendes (2003).
Segundo Ferreira e Mendes (2003) como conseqüência, a racionalização, pode
ameaçar a estabilidade e mascarar as razões do imobilismo, diante das
adversidades do contexto de trabalho, por meio de comportamentos de apatia,
resignação, indiferença, passividade, conformidade e de controle sobre pessoas e
situações.
Este aspecto pode ser percebido no trabalho dos pastores como estratégia
defensiva na apresentação de justificativas mágicas e causas externas na
explicação de situações desconfortáveis no trabalho, sendo pelo viés da
religiosidade. Como foi verbalizado por um dos entrevistados referindo-se a
existência de um inimigo que ameaça sua posição de liderança.
“O pastor é como um general, um comandante diante de um grande exército. Todos
os inimigos... o nosso grande arqui-inimigo ele procura derrubar o general. Então,
por isso que é uma vida de constante alerta e por isso a dependência de Deus, por
isso uma vida de oração, uma vida de submissão etc, que deve caracterizar a vida
do pastor”.
Para vencer essa ameaça, que vem do mundo mágico, se refugia na
espiritualidade. Sem querer desvalorizar essa possibilidade, visto que pertence a um
conteúdo religioso peculiar do protestantismo e não se tem aqui a pretensão de
discutir o conteúdo religioso do trabalho pastoral, no entanto, não é possível deixar
29
Definição de Eufemismo: “Ato de suavizar a expressão duma idéia substituindo a palavra ou
expressão própria por outra mais agradável, mais polida”. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI,
versão 3.0, Nov. 1999.
92
de mencionar que esse aspecto pode se configurar num mecanismo de negação de
possibilidades reais que se apresentam na realidade do contexto de trabalho.
Segundo Siqueira (2006) na religiosidade os indivíduos também buscam por
equilíbrio para as esferas da vida que envolve o racional, o afetivo e o social. Seria
uma postura diante do mundo que abraça valores comuns a maioria das religiões,
como amor, igualdade, respeito ao próximo, liberdade e fraternidade. Dessa forma,
para a autora os aspectos da religião ultrapassam o conjunto de crenças de uma ou
outra denominação a qual determina os rituais e as doutrinas particulares de cada
uma. De acordo com os parâmetros da religiosidade deve-se considerar que as
atividades do exercício pastoral estão intrinsecamente atreladas a estes aspectos da
religiosidade, sendo que pertencem ao conteúdo da própria tarefa pastoral. As
explicações pela via da religiosidade fortalecem o sentido vocacional, que busca
transcender aos interesses e conflitos pessoais, levando o pastor a uma submissão
a organização do trabalho. Desta forma, o trabalho visto como uma vocação pode
ser experimentado como satisfação e fonte de significado, podendo ser um
mecanismo propulsor de desenvolvimento interpessoal e espiritual (Siqueira, 2006),
levando a uma aceitação pacífica das restrições, injustiças e exigências do trabalho..
A espiritualidade pode ser uma defesa que atribui um sentido ao trabalho em
que o sujeito encontra um elemento estruturador e integrador da subjetividade, ao
ser adotada uma postura de vida que busca sentido, significado para estar no
mundo, com a família e também no trabalho, podendo ocorrer uma experiência
integradora que lhe dá um sentido de vida maior (Siqueira, 2006). De acordo com
essa perspectiva, segundo Farris (2002), o sujeito poderá encontrar a capacidade de
retroceder com as experiências e/ou sentimentos que estariam sendo negados.
No entanto, Farris (2002) aponta que o viés religioso pode também ser
usado como um recurso de mecanismo de defesa em momentos de dificuldades ou
estresse e propiciar uma negação dos sentimentos de forma que o sujeito não os
integra de maneira ativa e criativa em sua vida. O autor alerta que, dessa forma,
pode haver uma evitação em lidar com: (a) as dificuldades cotidianas do trabalho; (b)
as dificuldades existenciais, em termos de olhar honestamente para si mesmo; (c) os
erros ou enganos, verdadeiros ou imaginários, podendo funcionar como removedor
da culpa e da vergonha excessiva, ou controlar impulsos e ações; (d) a experiência
de ser impotente, ou estar desamparado, ambos em termos da condição humana e
das realidades práticas; (e) a experiência da responsabilidade pessoal.
93
Os elementos apresentados por Farris (2002) condizem com a evitação da
angústia e a eufemização referida por Ferreira e Mendes (2003), próprias da
estratégia defensiva num mecanismo de racionalização.
A espiritualidade é relatada pelos entrevistados nos seguintes termos:
“Bom uma das coisas que é fundamental na vida de um pastor é o relacionamento
com Deus. Então, eu acho que, quem mesmo é que dá força, que dá sabedoria,
quem as vezes faz até mesmo coisas sobrenaturais nas situações que mudam é
o... é o meu relacionamento com Deus”.
“Eu diria que é como Lutero disse ‘é só a graça de Deus’. A gente tem que ser uma
pessoa muito, como a Bíblia diz, muito prudente, muito humilde... como a pomba,
mas prudente como a serpente, como diz lá o texto em Mateus, de Jesus. Então a
gente tem que estar muito bem com a vida”.
“Nós temos um que nunca nos desampara, que é aquele que nos chamou. Esse
nunca nos desampara, este está sempre conosco nesses momentos de solidão.
Além de contarmos com o auxílio da esposa, Deus sem dúvida alguma, a ajuda de
Deus. Do Espírito Santo pra nos confortar, nos renovar”.
Portanto, apesar do elemento estruturador e integrador da subjetividade
encontrado na espiritualidade, se o sujeito se refugiar nela na negação de seus
sentimentos e dos sentimentos alheios, poderá ver-se impossibilitado de mediar seu
sofrimento de forma efetiva em seu contexto de trabalho, sendo que para isso são
requeridas também outras ações que sejam mobilizações propulsoras de mudanças
do que gera o sofrer, as quais são referidas por Dejours (2001) como mobilizações
subjetivas.
De acordo com Ferreira e Mendes (2003) essas mobilizações de ordem
subjetiva têm como principal característica elaborar estratégias de mobilização
coletiva, em que são engendrados “modos de agir em conjunto dos trabalhadores,
por meio do espaço público de discussão e da cooperação, para eliminar o custo
humano negativo do trabalho, resignificar o sofrimento, fazer a gestão das
contradições”. (p. 55).
Segundo os autores essas mobilizações permitem a
transformação da organização do trabalho, bem como as condições de trabalho, e
as relações de trabalho em fontes de prazer e bem-estar.
De acordo com o relato dos pastores até existem reuniões de equipe de
trabalho, no entanto não podem ser consideradas mobilizações subjetivas, visto o
principal objetivo das reuniões abarcar a condução e o andamento da instituição. As
reuniões da equipe de trabalho acontecem com objetivos de avaliação dos
94
resultados e da organização estratégica para o bom andamento da organização.
Dessa forma, apesar de ser um espaço de integração dos membros da equipe, o
objetivo não está relacionado a um enfrentamento das contradições vivenciadas e
propulsoras do sofrimento no trabalho pastoral, mas sim a avaliação das estratégias
empregadas para que a igreja seja conduzida a um melhor andamento, incluindo o
bem estar dos membros e o crescimento da própria organização eclesiástica. Nestas
reuniões, apenas são avaliados os manejos da atuação no trabalho, sendo uma
espécie de feedback em que os membros da equipe se avaliam mutuamente,
conforme pode-se observar nos relatos.
“E todos os líderes... Nos reunimos... conversamos. Aquilo que não foi bem feito
nós comentamos entre nós pra que possamos ter um treinamento. ‘Olha a tua
postura de voz...’ ‘Olha você falou que Hebreus foi escrito por Paulo, ninguém... não
se sabe ainda se Hebreus foi escrito por Paulo, você não pode dizer isso’. Então
nós vamos... isso é da parte administrativa e também de estrutura... De como que a
igreja faz...”.
“Hoje eu conto com um cérebro na igreja. Eu penso que o pastor não deve pensar
sozinho. Eu costumo dizer que ‘duas cabeças quando pensam iguais uma delas
não está pensando’. Então eu gosto de ouvir os pensamentos. Eu tenho um
cérebro, eu tenho um corpo diretor que trabalha junto comigo. Então, tem coisas
que eu não penso, deixo eles pensando e depois eu avalio os pensamentos e os
que pensarem mais alto... a gente fica com o que tem mais coerência. Então,
assim, nós temos, hoje, um corpo. Temos uma boa organização da igreja. Eu cuido
do lado espiritual e outros cuidam do lado administrativo”.
Dessa forma, ao invés de enfrentar as contradições vivenciadas no trabalho
por meio de uma mobilização coletiva, numa socialização do sofrimento, junto ao
grupo social do trabalho, estabelecendo laços de cooperação, confiança e
solidariedade, este trabalhador tende ao distanciamento dessa mobilização
socializadora do sofrimento e ao retornar ao trabalho, volta como quem voltou de
uma sessão de abastecimento de energias, para poder continuar suportando uma
submissão às exigências estabelecidas, tanto no âmbito objetivo como no subjetivo.
Portanto, pode-se inferir que as estratégias mediadoras do sofrimento que
mais se evidenciaram no trabalho pastoral dos entrevistados, relacionam-se com
estratégias defensivas, sendo que, tanto a espiritualidade, o isolamento, como o
individualismo e as atividades compensatórias tem como principal funcionalidade
renovar as energias e as forças, sem, no entanto caracterizar uma reorganização
das demandas e exigências instauradoras de sofrimento. Mesmo que não se pode
afirmar categoricamente que não há uma mobilização coletiva no trabalho dos
95
pastores entrevistados, pode-se afirmar que ela não se apresentou como destaque
nos relatos das entrevistas da pesquisa.
Na ocorrência do mau êxito das estratégias de mediação do sofrimento, se
instaura a possibilidade do desenvolvimento de desordens psíquicas ou mesmo
físicas, estresse, depressão e outras doenças (Dejours, 1993). As estratégias
defensivas não transformam a realidade, apenas alteram a percepção do
trabalhador da realidade que lhe faz sofrer (Dejours, 1993). Diante desses aspectos
pode-se assinalar que este trabalhador está sujeito a problemas de saúde, pois
segundo Dejours (2007) as estratégias defensivas não impedem o adoecimento,
sendo que bloqueiam a relação entre trabalhador e a organização do trabalho
ocasionando um sentimento de desprazer e tensão (Dejours, 2007).
O processo de adoecimento apresentado por Dejours (2007) encontra
parâmetros na realidade do trabalho pastoral, sendo que, segundo a pesquisa de
Lotufo-Neto (1997) é crescente entre os ministros religiosos o diagnóstico de
transtornos depressivos, transtornos do sono e transtornos ansiosos. O desgaste e
sofrimento é apontado ao serem indicados fatores de estresse relacionados à
finanças, casamento, conflitos com os liderados, relacionamento com outros
pastores, questões doutrinárias e a sobrecarga de trabalho.
Estas dificuldades também foram encontradas nas falas dos entrevistados.
“Hoje em nossos dias tem acontecido muitos problemas de natureza afetiva. Os
pastores começam a ter crises no casamento, na educação de filhos... uma série de
coisas. Então, eu diria pra você que... aliás, como eu já li em algum lugar, não me
lembro aonde, que duas profissões de extremo estresse são o pastor e o médico
porque eles não têm muito a questão de horário. São meio cobrados diretamente”.
Segundo Dejours (2001) a ausência de uma mobilização com reação
coletiva decorre principalmente diante da adversidade social e psicológica causada
pela possibilidade do desemprego, sendo que, cada vez mais há a indiferença pelo
sofrimento psíquico dos que trabalham. Essa indiferença faz com que homens e
mulheres caiam na armadilha das estratégias defensivas, sendo que se fecham
sobre os que trabalham fazendo com que consigam suportar o sofrimento sem se
abater, mesmo tendo um custo para sua saúde (Dejours, 2001).
Dejours (2004) afirma ainda que a liberdade é a condição necessária à
estabilidade psicossomática e considera, a partir de suas observações, que para a
construção do bem-estar e a diminuição do sofrimento no trabalho é fundamental a
96
criação de um ambiente, no qual os funcionários da organização possam trocar
experiências. Para o pesquisador, a troca de informações pode inclusive resultar na
diminuição dos riscos de acidentes de trabalho. Considerando que o objetivo do
trabalho é a produção e a produtividade, este ambiente seria a existência de um
“espaço de palavra” livre que permite aos trabalhadores a troca e a exposição das
dificuldades encontradas na execução de seu trabalho (Dejours, 2004).
Finaliza-se, portanto, a análise e discussão dos dados da pesquisa,
podendo-se avançar para a articulação de algumas palavras finais, apenas para
concluir o presente estudo, sem, no entanto, pretender fechar o tema em questão.
97
5 CONCLUSÃO
Cada vez mais a psicologia se insere no mundo do trabalho com uma visão
crítica dos processos mobilizadores da subjetividade humana, de forma que sua
intervenção ultrapassa as demandas das organizações, podendo atuar junto a
categorias profissionais diferenciadas, visando a saúde de trabalhadores inseridos
em qualquer contexto organizacional, bem como de qualquer profissão. Essa
possibilidade viabilizou o estudo junto a categoria profissional diferenciada pastor
evangélico.
Entre os objetivos buscou-se identificar as atividades do trabalho pastoral e
como estas estariam organizadas, investigar as exigências e expectativas que
imprimem a ação no trabalho, analisar as vivências de prazer e sofrimento,
identificar as estratégias de mediação do sofrimento no exercício da profissão
pastoral e analisar a percepção dos pastores quanto ao trabalho pastoral em relação
a outras profissões.
Os resultados apontaram que no trabalho pastoral são vivenciadas algumas
contradições que instauram tensões contínuas, as quais se apresentam como
geradoras de sofrimento, que seriam:
1– Profissão x Vocação. Para os entrevistados o pastor é reconhecidamente
um vocacionado para a tarefa pastoral, o que significa que trabalha para o divino e
por isso seu foco não está nas coisas materiais. Por isso, espera-se que o pastor
aceite sua vocação divina expressando-a numa disposição de voluntariado. No
entanto, mesmo que pelo viés da espiritualidade, ao mesmo tempo em que a tarefa
pastoral se ocupa do transcendente, também é exigido o desempenho de tarefas em
seu cotidiano que envolve questões administrativas, as quais se estabelecem na
organização, nas condições e nas relações sociais de seu contexto de trabalho.
Porém, devido a sua imagem de líder vocacionado/divinizado, muitas vezes, não
obtém o reconhecimento de sua humanidade. Dessa forma, na vivência dessa
contradição, vê-se sem esperança de obter o reconhecimento de seu sofrimento, o
que gera sentimentos de desânimo e frustração
2 - Irrepreensibilidade x Falibilidade. A exigência de irrepreensibilidade é
instituída numa via simbólica da espiritualidade. Os próprios pastores percebem em
sua vivência que ser irrepreensível em tudo o tempo todo, gera uma tensão
contínua, um medo de ser desqualificado, de ser mal interpretado, mal julgado e
98
inclusive de ser descartado. Estes aspectos geram um sentimento de insegurança,
ansiedade, culpa e de impotência diante do padrão de irrepreensibilidade
estabelecido para o trabalho, bem como em toda a sua conduta, seja na vida
ministerial, pessoal ou familiar.
3 – Autonomia x Controle. A sua condição de profissional autônomo, de
acordo com a legislação brasileira lhe permite autonomia quanto as atividades, carga
horária, sem estar subordinado a nenhum empregador. Portanto, não precisaria
prestar contas a nenhuma hierarquia instituída. No entanto, há uma contradição ao
vivenciar sua autonomia, visto que está sujeito a uma hierarquia institucional que
exerce controle sobre suas ações e resultados, sendo este comumente simbólico,
para quem presta contas continuamente. Dessa forma, vivencia um sentimento de
insegurança, pois o cargo de pastor não tem garantias de permanência e nem
mesmo os direitos de um trabalho com vínculo empregatício caso for demitido.
Acaba, muitas vezes, submetendo-se a obstáculos existentes em seu ambiente
social de trabalho, que se configuram numa pressão para trabalhar mal.
As estratégias de mediação do
sofrimento,
instaurado por essas
contradições do trabalho pastoral, são mais defensivas do que de mobilização
subjetiva. Defensivas, devido que, ao invés de socializar seu sofrimento, os pastores
buscam por estratégias de distanciamento de seu contexto de trabalho. Ou seja, ao
invés de recriar a realidade que produz o sofrimento junto ao coletivo implicado no
trabalho, se distanciam no isolamento, no individualismo e nas atividades
compensatórias e até mesmo na espiritualidade. A estratégia da espiritualidade se
legitima devido ser também uma das tarefas do trabalho pastoral, o que dificulta a
sua percepção como estratégia defensiva. O distanciamento tem uma função de
“válvula de escape”, como que buscando por um “fôlego novo”, para posteriormente
retornar na adaptação à realidade geradora de tensão, que exige do trabalhador
pastor um estado de alerta contínuo.
A pesar de haver encontros com a equipe, que dependendo da realidade
organizacional poderia ser a diretoria ou o conselho ou até mesmo o grupo de
colaboradores no trabalho, não é possível configurá-los como mobilização subjetiva,
visto que não são encontros mediadores das contradições vivenciadas na realidade
de trabalho geradoras de tensão para os indivíduos. Nesses encontros são
contempladas, especialmente, questões de ordem estratégica para o bom
andamento da organização eclesiástica em que estão inseridos. As dificuldades da
99
mobilização coletiva estão relacionadas ao trabalho, muitas vezes, isolado do pastor,
sendo que perde a relação com os pares ao estar inserido num sistema hierárquico
de prestação de contas.
O trabalho dos pastores entrevistados se articula numa dinâmica, a qual foi
estruturada no gráfico representado na seqüência.
Gráfico 01: Representação da estrutura do trabalho dos pastores entrevistados
PASTOR EVANGÉLICO
Sem direitos
sociais do trabalho
RECONHECIMENTO
TRABALHO
VOCACIONADO
IDENTIDADE
PADRÃO DE
EXIGÊNCIA
PRAZER
NÃO
CONSIDERADO
PROFISSÃO
IRREPREENSIBILIDADE
PRODUTIVIDADE
SOFRIMENTO
IMPOTÊNCIA
DEFESAS
SUBMISSÃO
RACIONALIZAÇÃO
NEGAÇÃO
FALTA DE
RECONHECIMENTO
(desconectado do outro)
ACELERAÇÃO DO TRABALHO
PRESSÃO PARA
TRABALHAR MAL
SOFRIMENTO
ADOECIMENTO
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados nas entrevistas.
100
O gráfico mostra que o trabalho pastoral é um trabalho vocacionado, não
considerado profissão, portanto não tem os direitos sociais do trabalho. O
reconhecimento da vocação, bem como a identificação com as tarefas do trabalho
pastoral dão um sentido de missão, por meio do qual é vivenciado o prazer no
trabalho. O padrão de exigências, assim como a vocação é instituído divinamente,
cuja principal exigência é a irrepreensibilidade, a qual o pastor se submete. Outra
exigência é a produtividade. Diante das vivências de sofrimento, como a impotência,
a falta de reconhecimento e a pressão para trabalhar mal, utiliza estratégias
defensivas da racionalização e da negação o que aumenta a aceleração no trabalho
e conseqüentemente o sofrimento, podendo propiciar o adoecimento.
Portanto, o trabalho pastoral abarca importantes vivências que não podem
ser desconsideradas. Estes fatores apontam para o trabalho do pastor evangélico
como foco de intervenção da Psicologia do Trabalho, sendo que apresenta
demandas assemelhadas ao contexto produtivo secular.
A partir dos resultados dessa pesquisa foi conjecturada a possibilidade de se
elaborar uma proposta de intervenção junto aos trabalhadores da área pastoral, que
pudesse propiciar um espaço de reflexão sobre como está organizado o trabalho
pastoral, suas exigências, as vivências de satisfação e sofrimento, bem como sobre
as estratégias de mediação do sofrimento utilizadas em seu trabalho.
Para engendrar esta proposta foi elaborado o curso “A Vivência Psicológica
do Trabalho Pastoral: das tarefas às relações interpessoais”
30
, que consiste em
articular temas referentes à organização do trabalho pastoral, bem como em
oferecer um espaço de escuta a partir da coordenação de debates e reflexões,
buscando servir de apoio e estímulo para troca de experiências, objetivando a
promoção e prevenção de saúde no trabalho do pastor evangélico.
A proposta do curso recebeu o aporte institucional de “Eirene”
31
do Brasil,
associação vinculada a “Eirene” Internacional32, de raízes Latino-Americanas,
formada por profissionais cristãos que trabalham em favor do desenvolvimento,
fortalecimento e defesa da saúde da família no Brasil, na América Latina e no
mundo.
30
O título do presente estudo acolheu o mesmo título do curso em razão deste último ter sido
articulado como um desdobramento da pesquisa sobre o trabalho pastoral.
31
É um termo usado na Bíblia. Vem do grego e significa paz, harmonia, reconciliação, bem-estar.
EIRENE do Brasil - disponível em: <http://www.eirene.com.br/> Acesso em: 13 Out 2008.
32
EIRENE Internacional - disponível em: <http://www.eireneinternacional.org/> Acesso em: 13 Out
2008.
101
Da mesma forma que a pesquisa aqui apresentada, a proposta do curso
para os pastores esteve ancorada no curso de Psicologia da Universidade Federal
do Paraná (UFPR) em todo seu processo de elaboração. O curso foi formatado em
quatro encontros semanais com três horas de duração cada, compondo um total de
doze horas. Para a realização do curso foram ofertadas duas edições, sendo dada a
possibilidade para a formação de dois grupos de participantes, nos quais se
inscreveram vinte e sete interessados e ainda outros deixaram seus nomes em uma
lista de espera para possíveis novas edições. A primeira edição já foi concluída e a
segunda está em andamento.
Portanto, já é possível relatar que foi confirmada a relevância de uma
intervenção junto a esses trabalhadores, sinalizada por meio dos resultados da
pesquisa. Os participantes que aderiram ao curso entenderam sua proposta, sendo
visível sua disposição para o engajamento na reflexão e discussão referentes ao
trabalho pastoral num âmbito geral, bem como de suas próprias realidades. Em
relação a sua experiência no curso os participantes sinalizaram a importância das
reflexões, das discussões, trocas de idéias e experiências num grupo de pessoas
engajadas numa mesma temática de trabalho e que se mostrou acolhedor das
angústias vivenciadas. A riqueza das reflexões engendradas nos encontros do curso
sugere uma análise e discussão de todo o processo a ser articulada em um próximo
estudo.
Finalizando, sinaliza-se que muito ainda precisa ser pesquisado junto a essa
categoria profissional sob o enfoque da psicologia, podendo envolver inclusive a
formação para o exercício do trabalho pastoral, buscando compreender como se dá
esse processo em instituições formativas, se há uma conscientização dos elementos
subjetivos relacionados à organização do trabalho que podem instaurar o sofrimento
e das implicações psicológicas do trabalho pastoral na vida pessoal do pastor, bem
como na vida de outras pessoas.
Dessa forma, essa pesquisa contribuiu para a compreensão do trabalho
pastoral, esclarecendo as vivências e a forma de organização deste trabalho e serve
de subsídio para a ampliação de possibilidades de intervenção da psicologia no
mundo do trabalho, incluindo o trabalho no contexto religioso.
102
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, M. A. e CRUZ, R. M. O processo de diagnóstico e de intervenção do
psicólogo do trabalho. Cadernos de Psicologia, v. 9, n. 2, p. 89-98, 2006.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1997.
BETIOL, M. I. S. e TONELLI, M. J. (2002). A Trama e o Drama numa consultoria:
análise sob a ótica da psicodinâmica do trabalho. Revista Organizações e
Sociedade, v. 9, n. 24, Maio/Agosto, 2002.
BERNARDO, M, H. Discurso flexível, trabalho duro: o contraste entre o discurso
de gestão empresarial e a vivência dos trabalhadores. Tese de doutorado: USP,
2006.
CARRANZA, B. Religião e espiritualidade: um olhar sociológico. In: Amatuzzi, M. M.
(org.) Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
CASTRO, A. M. T. O vínculo empregatício do pastor evangélico. Revista da ordem
dos Advogados do Brasil, ano IV, n. 4, p. 47-67, Agosto, 2006.
CLT, (1943). Índice da CLT. Revisada em 11/03/2008. Disponível em:
<http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/legis/CLT/INDICE.html#indice> acesso em:
24 Ab 2008.
CONDE, L. M.R. Liderança e identidade potente: uma perspectiva para gerência
compartilhada. Tese de doutorado - Universidade Federal de Santa Catarina, 2004.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: um estudo de psicopatologia do trabalho.
São Paulo: Cortez, 1987.
________, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In:
CHANLAT, J. (Org.). O Indivíduo na Organização – dimensões esquecidas. v. I.
São Paulo: Atlas S.A, 1992.
________, C.; DESSORS, D.; DESRIAUX, F. Por um Trabalho, Fator de Equilíbrio.
Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.33, n.3, p. 98-104,
Maio/Junho, 1993.
________, C. O fator humano. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
________, C. A banalização da injustiça social. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2001.
________, C. Addendum – da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In:
LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. I. (orgs.). Christophe Dejours – Da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2004.
103
________, C.; ABDOUCHELI, E. e JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho:
contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e
trabalho. São Paulo: Atlas, 2007.
________, C. e ABDOUCHELI, E. Itinerário Teórico em Psicopatologia do Trabalho.
In: DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E. e JAYET, C. Psicodinâmica do Trabalho:
contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e
trabalho. São Paulo: Atlas, 2007.
Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, versão 3.0, Nov. 1999.
ELIADE, M. O Sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
ENRIQUEZ, E. A Organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997a.
__________, E. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. RAE, v.37,
n. 1, p. 18-29, Janeiro/Março, 1997b.
__________, E. O homem do século XXI: sujeito autônomo ou indivíduo descartável.
RAE, v. 5, n.1, Art.10, Jan./Jun., 2006.
FARRIS, J. R. A relação entre religião e saúde mental. Estudos da religião, ano
XVI, n. 22, p.163-178, 2002.
FERREIRA, J. B. e MENDES, A. M. Trabalho e Riscos de adoecimento: o caso
dos auditores-fiscais da previdência Social Brasileira. Brasília: Ler, Pensar e Agir,
2003.
FIGUEIREDO, J.B. Lei nº 6.696 - de 8 de outubro de 1979 - dou de 9/10/79.
Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6696.htm>
Acesso em: 24 Abr 2008.
FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. In: Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago,
Vol.XXI.
GOULART, I. B. (org.). Temas de psicologia e administração. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2006.
GRASSI, V. A construção das praticas de consultorias em psicologia
organizacional e do trabalho. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
GUERRA, L. A metáfora do mercado e a abordagem sociológica da religião.
Religião e Sociedade, v. 22, n. 2. Rio de Janeiro: Iser, 2002.
HELOANI, R. Gestão e organização no capitalismo globalizado. São Paulo:
Atlas, 2003.
104
HELOANI, R. e LANCMAN, S. Psicodinâmica do Trabalho: o método clínico de
intervenção e investigação. Revista Produção, v. 14, n.3, p. 077-083, Set./Dez,
2004.
IBGE (2007). Tendências Demográficas: uma análise da população com base nos
resultados dos censos demográficos 1940 e 2000. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_
populacao/1940_2000/analise_populacao.pdf > Acesso em: 06 Mar 2008.
JOSTEIN, G.; HELERN, V. e NOTAKAR, H. O livro das religiões. São Paulo:
Vozes, 2000.
LOTUFO NETO, F. Psiquiatria e Religião: a Prevalência de Transtornos Mentais
entre Ministros Religiosos. Tese (livre-docência), Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1997.
MACEDO, D. S.; FONSECA, C. M. M. E HOLANDA, A. “Eu vim para que todos
tenham vida e vida em abundância”. Um estudo comparativo de aconselhamento
religioso em três vertentes religiosas brasileiras. Revista da Abordagem Gestáltica,
Goiânia, v. 8, n. 2, 206-215, jul./dez., 2007.
MAI (2008). O Brasil Evangélico. Disponível em:
<http://www.mai.org.br/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=3&page=1
> Acesso em: 06 Mar 2008.
MATHER, G. A.; NICHOLS, L. A. e SCHMIDT, A. J. Dicionário de religiões,
crenças e ocultismo. São Paulo: Editora Vida, 2000.
MENDES, A. M. B. Valores e vivências de prazer-sofrimento no contexto
organizacional. 306 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade de Brasília,
1999.
_______, A. M. B. (Org.) Trabalho em transição, saúde em risco. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002.
_______, A. M. B. (Org.) Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
_______, A. M. B. e SILVA, R. R. Prazer e sofrimento no trabalho dos líderes
religiosos numa organização protestante neopentecostal e noutra tradicional. PsicoUSF, v.11, n.1, p. 103-112, Jan./Jun, 2006.
MENEZES, L. S. Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade, um estudo
psicanalítico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
MTE (2002). Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais
assemelhados. Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/busca.asp>. Acesso em:
16 Ab 2008.
105
OLIVEIRA, R. M. K. Cuidando de quem cuida: um olhar de cuidados aos que
ministram a Palavra de Deus. São Leopoldo: Sinodal, 2005.
PAGÈS, M. et al. O poder das organizações: a dominação das multinacionais
sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1993.
RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: L&PM, 2006.
ROGERS, C. Terapia Centrada no Paciente. São Paulo: Moraes Editores, 1974.
RUSSEL, B. (1967). História
Companhianacional, 1967.
da
filosofia
ocidental
v.2.
São
Paulo:
SELIGMANN-SILVA, E. Introdução – Da psicopatologia à psicodinâmica do
Trabalho: Marcos de um percurso. In: Dejours, C., Abdoucheli, E., Jayet, C.
Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da
relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, R. R. Profissão pastor: prazer e sofrimento. Uma análise psicodinâmica do
trabalho de líderes religiosos neopentecostais e tradicionais. 190 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia). Universidade de Brasília, 2004.
SIQUEIRA, D. Religiosidade contemporânea brasileira: estilo de vida e flexibilidade.
Goiás: Revista de Sociedade e Cultura, v. 9, n. 1, 2006.
SPINK, P. A organização como fenômeno psicossocial: notas para uma redefinição
da psicologia organizacional e do trabalho. Revista Psicologia e Sociedade, v.8, n.
1, p. 174-192, 1996.
STJ (Superior Tribunal de Justiça). (2007). Vinculo de pastor com igreja pode ser
caracterizado como relação de trabalho. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85
703>. Acesso em: 16 Ab 2008.
THIOLLENT, M. A Pesquisa-ação nas Organizações. São Paulo: Atlas,1997.
VALLE, J. E. R. Religião e espiritualidade: um olhar psicológico. In: Amatuzzi, M. M.
(org.) Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.
VOLPATO, S. M. B. Natureza do trabalho do administrador de biblioteca
pública. 226 f. Dissertação (Doutorado em Engenharia de Produção). Universidade
Federal de Santa Catarina, 2002.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira,
1967.
WOOD JR, T. Fordismo, toytismo e volvismo: os caminhos da indústria em busca do
tempo perdido. Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 4, p. 6-18, Set.
/Out., 1992.
106
_________, T. Organizações espetaculares. Rio de janeiro: FGV, 2001.
ZANCUL, E. S.; MARX, R. e METZKER, A. Organização do trabalho no processo de
desenvolvimento de produtos:a aplicação da engenharia simultânea em duas
montadoras de veículos. Revista Gestão e Produção, São Paulo, v.13, n.1, p. 1529, já./abr. 2006.
107
ANEXOS
108
ANEXO 1
CARTA DE APRESENTAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
Curitiba, ____de _________ de ______.
Prezado(a) Pastor(a),
Partindo do principal enfoque da Psicologia do Trabalho, que é a prevenção e promoção da
saúde no ambiente em que o indivíduo está inserido, estamos desenvolvendo uma pesquisa, a qual
concentrará seus estudos em uma categoria profissional específica que é o pastor evangélico. Este
trabalhador atua na liderança de instituições religiosas que abarcam uma porcentagem significativa
da população brasileira, o que torna a pesquisa junto a essa categoria profissional relevante. A
33
análise das tendências demográficas realizada pelo IBGE (2007), baseada nos resultados dos
censos demográficos entre 1040 e 2000, aponta que a população evangélica vem crescendo
significativamente, sendo, que em 1940, 2,6% da população brasileira era evangélica, dando um salto
para 15,4% em 2000 e os indicadores projetivos apontam para um crescimento atual de mais de 20%.
Portanto, buscando estudar sobre o trabalho dos líderes religiosos dessa significativa
parcela da população brasileira, o objetivo da pesquisa é identificar como está organizado o trabalho
dessa categoria profissional, a partir do cotidiano e da vida de quem atua como pastor, através de
entrevistas individuais com pastores. Convém esclarecer que a presente proposta prevê o estudo e a
análise da profissão pastor num âmbito interdenominacional e não das características específicas de
uma única denominação ou indivíduo. O anonimato dos participantes estará garantido de acordo com
os princípios éticos que regulamentam a profissão do psicólogo, não acarretando qualquer
comprometimento na carreira ou nas relações sociais e de trabalho dos participantes. Da mesma
forma, as perguntas da entrevista não contêm elementos que possam causar riscos ou desconfortos
emocionais. O resultado final da pesquisa poderá ser fornecido, caso houver interesse.
34
A pesquisa será realizada por Clarice Ebert , acadêmica do Curso de Psicologia da
a
a
35
Universidade Federal do Paraná (UFPR), e orientada pela Prof Dr Lis Andréa Pereira Soboll .
Para que o objetivo da pesquisa seja alcançado é necessário haver a contribuição de
pastores dispostos a conceder um tempo para entrevista na qual serão feitas perguntas sobre suas
atividades, o contexto e as relações sociais e de trabalho. Por isso, a presente carta tem como
objetivo, além de apresentar a pesquisa, também solicitar sua participação.
Atenciosamente,
Clarice Ebert
33
IBGE (2007). Tendências Demográficas: uma análise da população com base nos resultados dos censos demográficos 1940
e 2000. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000/analise_populacao.pdf >
Acesso em: 06 Mar 2008.
34
E-mail: <[email protected]>; Telefone: 8835-6998.
35
Professora (UFPR), doutora em Medicina Preventiva (USP), Psicóloga e Mestre em Administração (UFPR). E-mail:
<[email protected]>. Orientadora da pesquisa.
109
ANEXO 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO E ESCLARECIMENTO
SOBRE A PESQUISA
A pesquisa tem como objetivo abordar o trabalho do pastor evangélico, a partir da
identificação do trabalho e da vida de quem atua como pastor. A pesquisa será realizada pela
acadêmica Clarice Ebert, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, e orientada
a
a
36
pela Prof Dr Lis Andréa Pereira Soboll .
Os dados serão levantados através de entrevistas junto a pastores de diferentes
denominações. O anonimato dos participantes estará garantido, de acordo com os princípios éticos
que regulamentam a profissão do psicólogo. Sua participação não acarretará qualquer
comprometimento na sua carreira ou nas suas relações sociais e de trabalho. Da mesma forma, as
perguntas da entrevista não contêm elementos que possam lhe causar riscos ou desconfortos
emocionais. O resultado final da pesquisa poderá ser fornecido, bastando para isso a manifestação
de seu interesse.
Para que sua entrevista possa ser inserida neste estudo, faz-se necessária sua autorização
expressa, representada por uma assinatura no espaço abaixo. Sua decisão em participar é voluntária,
podendo o consentimento ser retirado a seu critério, em qualquer momento. Por favor, o Sr(a) esteja
à vontade para solicitar explicação para qualquer palavra ou procedimento que não entender
claramente.
Agradecendo a oportunidade, reafirmo a importância da sua colaboração para a realização
desta pesquisa.
Atenciosamente,
Clarice Ebert
37
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu _____________________________________________ declaro aceitar conceder entrevista, mediante o
esclarecimento dos objetivos desta atividade e das condições de coleta de dados. Estou ciente de que
não corro riscos de nenhuma natureza por participar desta entrevista. Afirmo que entendi os termos
deste consentimento para realização do estudo e que as dúvidas que surgiram foram esclarecidas.
Assinatura _________________________________________
Data: _________________
Considerando que sua participação é de grande relevância e que os recursos de memória são limitados,
agradeço se pudesse autorizar a realização de um registro eletrônico da nossa conversa, que poderá ser
interrompido a qualquer momento, conforme sua indicação. Estes registros serão de acesso exclusivo da
pesquisadora e serão excluídos posteriormente. Esta autorização é opcional, podendo ser retirada a qualquer
momento. (Obs: A não realização do registro eletrônico não impedirá o desenvolvimento das atividades
propostas)
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE REGISTRO ELETRÔNICO (opcional)
Eu ____________________________________________ declaro aceitar que a entrevista seja registrada
por meios eletrônicos, mediante o esclarecimento dos objetivos desta atividade. Estou ciente de que este
material será mantido em sigilo com a pesquisadora e será eliminado posteriormente, de maneira que
não corro riscos de nenhuma natureza por autorizar este procedimento. Afirmo que as dúvidas que
surgiram foram esclarecidas.
Assinatura _________________________________________
36
Data:
____________________
Professora (UFPR), doutora em Medicina Preventiva (USP), Psicóloga e Mestre em Administração (UFPR). E-mail:
<[email protected]>. Orientadora da pesquisa.
Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da UFPR; E-mail: <[email protected] >; 8835-6889
37
110
ANEXO 3
ROTEIRO DE ENTREVISTA
- Quais são suas atividades como pastor?
- Como é seu dia de trabalho? Relate sua rotina diária.
- Como é sua semana de trabalho? Relate sua rotina semanal.
- Como é sua jornada (carga horária) de trabalho?
- Como o senhor organiza suas atividades?
- O que o senhor mais gosta naquilo que faz? Porquê?
- O que o senhor menos gosta naquilo que faz? Porquê?
- Qual atividade o senhor considera mais cansativa? Porquê?
- Cite uma situação em que se sentiu cansado? O que fez?
- Quais são as dificuldades no seu trabalho como pastor? Exemplo.
- O que o senhor faz quando sente alguma dificuldade no trabalho? Poderia citar
uma situação difícil pela qual passou? Como a resolveu?
- O que o senhor faz quando tem algum problema pessoal? Poderia citar uma
situação difícil pela qual passou? Como a resolveu?
- Como o senhor organiza o seu tempo?
- Se o senhor tivesse mais tempo como usaria seu tempo?
- O que o senhor faz no seu tempo livre?
- Como é o seu período de férias?
- Como está sua saúde?
- Como é o envolvimento de sua família (com sua família)?
- Como é sua relação com a área administrativa da igreja?
- Como é sua relação com outros pastores?
- Como é sua relação com outras pessoas que freqüentam a igreja?
- Como o senhor se sente em relação aos problemas das pessoas que atende?
- O que orienta as suas práticas de trabalho (regras e normas)?
- O que se espera de seu trabalho como pastor (quais exigências feitas)?
- Como o senhor se sente diante dessas expectativas?
- Como o senhor faz para atender essas expectativas?
- Como o senhor sabe se sua tarefa está sendo cumprida?
- Como o senhor sabe que está sendo um bom pastor?
- Como deve ser sua conduta como pastor?
- Como é conviver com essa expectativa?
- Como é a segurança em relação ao seu trabalho como pastor (Quais são as
garantias de permanência no trabalho)?
- Se tivesse oportunidade de outro emprego deixaria de ser pastor?
- Qual a diferença de ser pastor e outras profissões?
- O senhor gostaria de acrescentar algo?
111
ANEXO 4
Código 2631 – CLASSIFICAÇÃO DAS OCUPAÇÕES BRASILEIRAS 2002
38
Ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais assemelhados
Títulos
2631 - 05 Ministro de culto religioso - Abade, Abadessa, Administrador apostólico,
Administrador paroquial, Agaipi, Agbagigan, Agente de pastoral, Agonjaí, Alabê, Alapini,
Alayan, Ancião, Apóstolo, Arcebispo, Arcipreste, Axogum, Babá de umbanda, Babakekerê,
Babalawô, Babalorixá, Babalossain, Babaojé, Bikkhu, Bikkuni, Bispo, Bispo auxiliar, Bispo
coadjutor, Bispo emérito, Cambono , Capelão, Cardeal, Catequista, Clérigo, Cônega,
Cônego, Confessor, Cura, Curimbeiro, Dabôce, Dada voduno, Dáia, Daiosho, Deré,
Diácono, Diácono permanente, Dirigente espiritual de umbanda, Dom, Doné, Doté,
Egbonmi, Ekêdi, Episcopiza, Evangelista, Frade, Frei, Freira, Gaiaku, Gãtó, Gheshe,
Humbono, Hunjaí, Huntó, Instrutor de curimba, Instrutor leigo de meditação budista, Irmã,
Irmão, Iyakekerê, Iyalorixá, Iyamorô, Iyawo, Izadioncoé, Kambondo pokó, Kantoku (diretor
de missão), Kunhã-karaí, Kyôshi (mestre), Lama budista tibetano, Madre superiora,
Madrinha de umbanda, Mameto ndenge, Mameto nkisi, Mejitó, Meôncia, Metropolita,
Ministro da eucaristia, Ministro das ezéquias, Monge, Monge budista, Monge oficial
responsável por templo budista (Jushoku), Monsenhor, Mosoyoyó, Muézin, Muzenza,
Nhanderú arandú, Nisosan, Nochê, Noviço , Oboosan, Olorixá, Osho, Padre, Padrinho de
umbanda, Pagé, Pároco, Pastor evangélico, Pegigan, Pontífice, Pope, Prelado, Presbítero,
Primaz, Prior, Prioressa, Rabino, Reitor, Religiosa, Religioso leigo, Reverendo, Rimban
(reitor de templo provincial), Roshi, Sacerdote, Sacerdotisa, Seminarista, Sheikh, Sóchó
(superior de missão), Sokan, Superintendente de culto religioso, Superior de culto religioso,
Superior geral, Superiora de culto religioso, Swami, Tata kisaba, Tata nkisi, Tateto ndenge,
Testemunha qualificada do matrimônio, Toy hunji, Toy vodunnon, Upasaka, Upasika,
Vigário, Voduno (ministro de culto religioso), Vodunsi (ministro de culto religioso), Vodunsi
poncilê (ministro de culto religioso), Xeramõe (ministro de culto religioso), Xondaria (ministro
de culto religioso), Xondáro (ministro de culto religioso), Ywyrájá (ministro de culto religioso)
2631 - 10 Missionário - Bikku - bikkhuni, Daiosho, Jushoku, Kaikyôshi, Lama tibetano,
Missionário leigo, Missionário religioso, Missionário sacerdote, Nisosan, Obreiro bíblico,
Pastor, Pastor evangelista, Roshi, Sóchó, Swami (missionário), Zenji (missionário)
2631 - 15 Teólogo - Agbá, Álim, Bokonô, Cádi, Consagrado, Conselheiro correicional
eclesiástico, Conselheiro do tribunal eclesiástico, Especialista em história da tradição,
doutrina e textos sagrados, Exegeta, Imã, Juiz do tribunal eclesiástico, Leigo consagrado ,
Mufti, Nhanderú arandú, Obá, Teóloga
Descrição sumária
Realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirigem e administram comunidades; formam
pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orientam pessoas; realizam
ação social junto à comunidade; pesquisam a doutrina religiosa; transmitem ensinamentos
religiosos; praticam vida contemplativa e meditativa; preservam a tradição e, para isso, é
essencial o exercício contínuo de competências pessoais específicas.
Formação e experiência
Nesta família ocupacional a formação depende da tradição religiosa e da ocupação.
Naquelas tradições de transmissão oral, como as afro-brasileiras e indígenas, as ocupações
não requerem nível especial de escolaridade formal. Já nas tradições baseadas em textos
escritos, é desejável que Ministros(as) de culto e Missionários(as) tenham o superior
completo. No caso dos(as) Teólogos(as), é esperado que tenham formação superior em
Teologia; não é incomum entre eles, porém, a presença de títulos de pós-graduação ou
cursos equivalentes. Ascender a níveis superiores de estudo pode facilitar também a
progressão das outras duas ocupações na carreira eclesiástica. Qualquer que seja a
tradição religiosa, contudo, tanto ou mais que a formação, contam a fé e o chamamento
individual para o serviço do divino.
38
CBO2002. Disponível em:
<http://www.mtecbo.gov.br/pdf/template_2631.pdf> <http://www.mtecbo.gov.br> Acesso: 16 Ab 2008.
112
Condições gerais de exercício
Os profissionais podem desenvolver suas atividades como consagrados ou leigos, de forma
profissional ou voluntária, em templos, igrejas, sinagogas, mosteiros, casas de santo e
terreiros, aldeias indígenas, casas de culto etc. Também estão presentes em universidades
e escolas, centros de pesquisa, sociedades beneficentes e associações religiosas,
organizações não-governamentais, instituições públicas e privadas. Uma parte de suas
práticas tem caráter subjetivo e pessoal e é desenvolvida individualmente, como a oração e
as atividades meditativas e contemplativas ; outra parte se dá em grupo, como a realização
de celebrações, cultos etc. Nos últimos anos, em várias tradições, tem havido um
movimento na direção da profissionalização dessas ocupações, para que possam se
dedicar exclusivamente às tarefas religiosas em suas comunidades. Nesses casos, os
profissionais são por elas mantidos.
39
Código internacional CIUO88 :
2460 - Sacerdotes de distintas religiones
A - REALIZAR LITURGIAS, CELEBRAÇÕES, CULTOS E RITOS
Iniciar neófitos na tradição religiosa
Ordenar ministros religiosos
Realizar investidura de líderes religiosos
Celebrar eucaristia e serviços memoriais
Realizar oferendas e sacrifícios (animais)
Celebrar casamentos
Ministrar batismos e cerimoniais de nascimento
Realizar Ipomri (culto à placenta)
Ministrar crisma, confirmação e confissão
Celebrar arrependimentos
Ministrar penitências
Ministrar unção dos efermos
Realizar bençãos, consagrações e orações
Ministrar ordenações
Realizar circuncisão
Realizar ritos, celebrações e festas
Exercer capelanias
Conduzir a cerimônia do Zikr
Realizar orações para cura
Realizar rituais de cura (budistas,
afro-brasileiros, evangélicos, indígenas - anonguerá)
Fazer sermões, homilías e receitar o Ifá
B - DIRIGIR E ADMINISTRAR COMUNIDADES
Credenciar líderes religiosos
Orientar religiosamente a comunidade
Organizar a catequese
Organizar as pastorais
Consultar ancestrais, entidades e/ou
divindades espirituais para dirigir comunidades
Orientar sobre a lei islâmica (charia)
Aplicar leis canônica e eclesiástica
Participar de assembléias, conselhos, sínodos, concílios
Organizar a vida litúrgica
Dirigir assembléias, conselhos, sínodos, concílios
Orientar espiritualmente a comunidade
Consultar oráculo sagrado
Estabelecer hierarquia da casa
Aplicar oráculo sagrado
Determinar cargos hierárquicos via oráculo
39
Classificación Internacional Uniforme de Ocupaciones (CIUO 88). Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/stat/class/isco.htm>. Acesso em: 28 Mai 2008.
113
Participar de confederações, federações, conselhos dos mais velhos
Elaborar estatutos e regimentos internos
Requerer registros de funcionamento junto aos órgãos competentes
Responder juridicamente pela entidade
Buscar recursos financeiros (dízimos, ofertas, empréstimos etc)
Criar conselhos administrativos
Criar entidades de apoio
C - FORMAR PESSOAS SEGUNDO PRECEITOS RELIGIOSOS DAS DIFERENTES TRADIÇÕES
Proferir palestras
Publicar artigos em revistas, jornais, livros e afins
Orientar a formação religiosa
Avaliar os formandos no seu processo de aprendizagem
Dar aulas
Transmitir oralmente ensinamentos religiosos de acordo com degraus hierárquicos
(respeitando segredo)
Divulgar tradição
Transmitir ensinamentos esotéricos de acordo com os graus de iniciação
Adequar leis religiosas ao ambiente sócio-cultural
Promover retiros espirituais
Dirigir centros de formação religiosa
Dirigir estabelecimentos de ensino
Atuar como missionário dentro ou fora do país
Ensinar idioma original da tradição religiosa
Fazer ou formar discípulos
Elaborar material de ensino e difusão audio-visual, digital etc
D - ORIENTAR PESSOAS
Dar orientação pastoral
Fazer aconselhamento pessoal e familiar
Jogar búzios para orientar pessoas
Fazer direção espiritual
Fazer aconselhamento espiritual e social
Consultar ancestrais, divindades e entidades para orientar pessoas
Fazer interpretações de sonhos
Evocar ou despertar a memória ancestral
Opinar sobre assuntos polêmicos
E - REALIZAR AÇÃO SOCIAL JUNTO À COMUNIDADE
Colaborar na manutenção de asilos, creches e outras atividades sociais
Dirigir creches, asilos, escolas etc
Reintegrar socialmente pessoas
Apoiar comunidade com assistência médica e jurídica
Assistir ao povo de rua
Assistir aos dependentes de drogas químicas
Organizar campanhas assistenciais
Origanizar fundo de ´zakat´para coleta e distribuição
Coletar e distribuir ´sada kat´ (doação voluntária ou obrigatória)
Disponibilizar espaços da comunidade religiosa
Organizar eventos culturais, esportivos e de lazer
Acolher pessoas vítimas das diversas formas de violência e de catástofres ambientais
Apoiar movimentos populares
Realizar ações contra discriminação e exclusão
Manter com recursos próprios creches, asilos e outras atividades sociais
Manter com recursos próprios publicações impressas, audio visual etc
Colaborar na manutenção de publicações, impressos, audio-visuais, digitais, etc
Fazer visitas religiosas em diferentes locais
114
F - PESQUISAR A DOUTRINA RELIGIOSA
Realizar estudos especializados sobre a doutrina religiosa
Consultar bibliotecas, videotecas etc
Pesquisar na tradição e nos textos sagrados
Buscar significado da tradição e textos sagrados para o contexto atual
Sistematizar informações relativas aos textos sagrados
Sistematizar informações das tradições orais e escritas
Participar de diálogos inter-religiosos
Participar de diálogos inter e trans-disciplinares
Exercer espírito crítico sobre a tradução de textos sagrados
Traduzir textos religiosos a partir dos originais
Participar de congressos, seminários especializados
Atuar em centros de pesquisa
Fazer análise e interpretação da tradição e textos religiosos
Assessorar a comunidade religiosa e seus líderes
Prestar assessoria sobre questões éticas e religiosas
Divulgar resultados da pesquisa
Atuar em universidades (docência e pesquisa)
Realizar viagens a lugares sagrados das tradições
Traduzir literatura especializada
Traduzir e textualizar as tradições orais
G - TRANSMITIR ENSINAMENTOS RELIGIOSOS
Abrir centros de estudo, prática, templos e igrejas
Recrutar missionários
Formar missionários
Realizar atividades religiosas e sociais fora do país ou do contexto cultural e religioso
Preparar e ordenar monges budistas
Atuar dentro ou fora dos templos (zona urbana ou rural)
Transmitir o fundamento do Axé
Ensinar o Ifá (oráculo)
Realizar trabalhos itinerantes
Zelar pelo ensino ortodoxo e sistemático da tradição
Transmitir ensinamentos religiosos utilizando os meios adequados e específicos de cada
tradição
Proclamar os princípios bíblicos
Ensinar o alcorão
Ensinar o respeito à vida, à ecologia, à cosmologia
Promover a paz e a justiça
Ensinar os sutras budistas
Ensinar Ilahis (música mística sufi)
H - PRATICAR VIDA CONTEMPLATIVA E MEDITATIVA
Realizar práticas devocionais
Meditar
Contemplar
Praticar concentração (plena atenção)
Orar
Trabalhar e orar (leigos religiosos)
I - PRESERVAR A TRADIÇÃO
Registrar a memória religiosa
Preservar os rituais, cânticos e danças sagrados
Adequar o ´ethos´ religioso às condições locais
Resgatar valores cosmológicos indígenas através de encontros de líderes espirituais
(Ywyrajá)
Zelar pela correta transmissão da tradição oral e escrita
Preservar a natureza segundo a tradição
Zelar pelo espaço e objetos sagrados
115
Z - DEMONSTRAR COMPETÊNCIAS PESSOAIS
Estudar a doutrina religiosa
Participar de atividades inter-religiosas
Estar aberto ao diálogo inter-religioso
Receber a revelação
Receber palavras de inspiração
Viver coerentemente com os ensinamentos
Fortalecer a fé através de atos, devoções e orações
Respeitar as tradições religiosas e seus preceitos morais
Professar a fé
Buscar equilíbrio de vida
Cultivar o amor, a justiça, a paz, a sabedoria e a compaixão
Estudar os valores humanos e princípios religiosos
Manter-se atualizado nas questões sociais polêmicas
Recursos de Trabalho:
Animais; Bíblia; Incenso, velas e imagens; Instrumentos musicais (tambores, cabaças,
sinos); Mbaraká mirim (chocalho); Pão, vinho, água, óleo, alimentos; Paramentos, hábitos,
estola; Sagrado Alcorão; Seiten (livro sagrado budista); Textos (sutras, conciliares, da
patrística etc.)
Especialistas Participantes da Descrição
Ahamd Ali Abdo El Shafi
Antonio Ailton Pereira
Antônio Carlos Karaí Mirim de Lima
Arthur Shaker Fauzi Eid
Benedito Ferraro
Carlos Roberto Perassim
Davi Augusto Marski
Ednilson Turozi de Oliveira
Francelino Vasconcelos Ferreira
Helene Gatien
Ivan de Almeida
Ivonete Silva Gonçalves (Shakumi Jokó)
Iya Sandra Medeiros Epega
Iyalorixá Sylvia de Oxalá (Sylvia Egydio)
Jorge Nogueira Salvador
José Fernandes Soares Karaí Poty
José Oscar Beozzo
José Valério Lopes dos Santos
Monja Coen - Cláudia Dias Batista de Souza
Mustafa Chukri Ismail Ali
Nelson Luiz Campos Leite
Nilva Teresinha Fernandes
Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Ricardo Mario Gonçalves (Shakuriman)
Salaheddine Ahmad Sleiman
Samir El Hayek
Santa Fernandes Soares Keretxú
Sheikh Muhammad Ragip
Instituições
Aldeia Guarani Pico do Jaraguá
Arquidiocese de Campinas - SP
Associação Paulista Central da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Associação Religiosa Nambei Honganji Brasil Betsuin
Centroecumênico Serviço á Evangelização e Educação Popular
Colégio Islâmico Brasileiro
Comunidade Evangélica Apostólica
Comunidade Vida
116
Conselho Administrativo Ortodoxo de São Paulo
Escola Estadual Dep. Cândido Sampaio- São Paulo
Ile Leviwyato - Templo de Culto a Orixá
Instituto Axé Ilé Obá
Instituto de Desenvolvimento das Tradições Índígenas - Ideti
Instituto Metodista de Ensino Superior
Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira
Marsam Editora Jornalística
Mesquita Brasil - São Paulo
Ordem Sufi Halveti Jerrahi
PUC - Campinas
PUC - Rio de Janeiro
Secretaria Estadual de Educação - São Paulo
Sociedade Educadora São Francisco Xavier
Soto Shu (Zen Budismo com Sede no Japão)
Instituição conveniada responsável
UNICAMP - Fundação de Desenvolvimento da Unicamp – Funcamp