REFLECTINDO Rogério Fernandes Ferreira NOTA Nº 528

Transcrição

REFLECTINDO Rogério Fernandes Ferreira NOTA Nº 528
NOTA Nº 528
(reformulação da
Nota Nº 521)
REFLECTINDO
Rogério Fernandes Ferreira
No ano de 1926, na Revista de Comércio e Contabilidade (nº 3), Fernando Pessoa
escreveu:
“A administração pelo Estado de uma indústria ou de um comércio é prejudicial ao
Estado, porque todo o comércio ou indústria mal administrado é prejudicial a si mesmo; e
é prejudicial à indústria ou ao comércio particular, que por ela fica proibido. Só pode em
certos casos, beneficiar o consumidor; porque pode bem ser que o produto vendido o seja
em condições anormalmente favoráveis. Há serviços de Estado em muitos países, que
trabalham com défice previsto para beneficiar o consumidor. Como, porém, esse
consumidor é ao mesmo tempo contribuinte, o que o Estado lhe dá com a mão direita, terá
fatalmente, que tirar-lho com a esquerda”… (do livro “De Santo António a Oliveira Salazar
por Portugal”, de Miguel Taveira, ed Fernando Pereira).
Fernando Pessoa surpreende todos que o lêem como poeta, mas quem aprecia
seus escritos sobre matérias de gestão e contabilidade igualmente admira aí os seus
premonitórios conhecimentos. Pessoa desenvolve um tema gerador de posições opostas.
Há quem conclua, socialmente, a favor da gestão pública, mas também quem encontre na
gestão privada melhor solução.
Obviamente, agentes e servidores do Estado a actuar mal prejudicam o País, o
seu Povo. Porém, se a gestão ou a produção se realiza
por entidades privadas, os
respectivos gestores e agentes igualmente podem actuar melhor ou pior em relação à
sociedade.
As entidades privadas que predominam no desempenho de actividades
económicas são empresas e trabalhadores independentes. Com a produção e venda ou
prestação de serviços, aquelas entidades geram valor acrescentado, ou seja, um
somatório de remunerações atribuíveis aos factores de produção utilizados (terra, capital,
direcção, trabalho). O lucro1 é a remuneração específica da entidade produtora e/ou dos
detentores do capital 2. Há quem encare mal o lucro ou um lucro acima de “justa
remuneração”, configurando nesse valor justo: juro do capital próprio investido, prémio de
risco e inovação, salário do empresário ou dirigentes. Actualmente é muito propugnada a
partilha de lucro por variados intervenientes no processo produtivo (dirigentes,
trabalhadores e até outras entidades, designadamente o Estado que partilha o lucro
através de tributação fixada por lei).
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Ou, em subtracção, prejuízos, no caso de preços de venda insuficientes.
Há quem aponte que o lucro corresponde a salário do empresário, juro de capital próprio, prémio de risco,
de inovação, de coordenação, de espírito empresarial, etc.
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1
Observa-se também que há entidades não públicas a realizar acções com fins
altruístas ou caritativos. Todavia, a pretexto desses louváveis fins pode haver
desempenhos deficientes, cometendo-se erros de gestão ou ocasionando desperdícios ou
até dando azo a roubos. Se assim for, desadequada se revela a dita gestão, conducente a
prejuízos para a colectividade e com benefícios para pessoas menos honestas e distintas
das que se visaria contemplar.
Nos tempos actuais é dominante a ideia de que as acções dos agentes do Estado
não são exercidas com empenhamento aceitável. Tal até se justifica invocando
idiossincrasias ou pouca motivação de agentes em coisas públicas. Acentua-se, em
contrário, que quando o trabalho é exercido através de organizações privadas estas
privilegiam o mérito e o esforço no desempenho das tarefas. Admite-se, todavia, que isso
derive mais de deficiências organizativas e de problemas culturais e menos de
características dos seres humanos, mas a este respeito ninguém terá condições para
asseverar o que será mais correcto.
Não obstante, os exemplos de mau funcionamento são mais apontados em
entidades públicas. Curiosamente entre nós rareiam greves em empresas privadas e são
frequentes em actividades geridas pelo Estado (lato sensu, englobando empresas
públicas) e mesmo que remunerações e regalias excedam as de quem exerce funções ou
actividades semelhantes nas empresas privadas. Em entidades que o Estado tutela têm
ocorrido greves com motivações desrazoáveis (v. g. pilotos da TAP e maquinistas do
Metropolitano de Lisboa, entre muitas outras). Nas greves de entidades públicas não há o
protótipo do explorador capitalista tradicional, pessoa física, patrão ou empresa privada, a
mover-se em seu interesse egoísta. Na greve das entidades públicas prejudicam-se não
só os utentes, mas igualmente toda a colectividade, onde acabam por reflectir-se os
prejuízos e os défices gerados pelas greves.
Os problemas actuais estarão longe dos dos séculos XIX e XX, onde ocorriam
greves de trabalhadores que procuravam alcançar melhorias de salários e de condições
de trabalho em empresas com fartos lucros, exactamente porque salários e condições de
trabalho eram miseráveis. Hoje são diferentes os contrastes sociais: crescimento
gigantesco de empórios empresariais e de fortunas fantasmagóricas (quase sem
tributação), ao lado de multidões de cidadãos de fracos rendimentos e a suportar pesados
impostos.
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