do livro!

Transcrição

do livro!
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TROPA d20
de Alain Christian Valchera e Arthur Moreno Milan Parreira
Um livro de paródia sobre o filme
“Tropa de Elite”
Arte da capa
Fotos: Túlio
Edição: Arthur
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Dedicado a Gary Gygax,
um nerd cara que merecia uma estátua,
e ganhou uma na terça-feira, 18 de Março de 2008
no Killian Court do Instituto de Tecnologia Massachusetts
e mais à um monte de gente
que vamos agradecer no final.
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Índice
Algumas palavras sobre Licença aberta ............................... 08
Creative Commons – Atribuições Legais ............................... 09
Disclaimer (aviso) .......................................................... 11
Capítulo 1 : Live aos Mortos ............................................. 13
Capítulo 2 : Morrendo ..................................................... 19
Capítulo 3 : Severino ...................................................... 25
Capítulo 4 : Noob .......................................................... 37
Capítulo 5 : A Planilha .................................................... 47
Capítulo 6 : Pwn ........................................................... 53
Capítulo 7 : Reposicionando ............................................. 59
Capítulo 8 : Quest Completa ............................................. 75
Extras ........................................................................ 89
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algumas palavras sobre .
LICENÇA
ABERTA
Este livro é Open Source, sabe.
Não é bem "abra recursos", espertinho. É mais como "abra mão dos direitos
autorais (aquela história de propriedade intelectual) pra que mais gente possa ler e
fazer coisas com o que você fez".
Por quê? Porque é legal, oras. Veja só, estamos lhe dando uma oportunidade
que ninguém na indústria comum daria: você pode simplesmente ler este livro de
graça, imprimí-lo, reeditá-lo, copiar trechos ou até ele inteiro sem precisar pagar nada.
E você não vai estar infringindo a Lei de Propriedade Intelectual porque nós, que
fizemos esse livro, autorizamos você a fazer isso, desde que mantenha os créditos
originais e que todo conteúdo produzido a partir deste livro também seja Open Source.
Ei, e por que parar por aí? Não, não é só isso o que você pode fazer. Você
também pode (e deve!) divulgá-lo, de preferência de forma gratuita, e transportá-lo
para outras mídias. Você pode produzir trailers desta história, ou até um filme inteiro
se quiser, ou faixas de áudio como um audiobook, ilustrações... acho que você
entendeu a mensagem.
Caso você siga essa idéia e produza conteúdos interessantes, entre em contato
conosco pelo tropad20.do.am . Daremos espaço (ou no mínimo um destaque especial)
pra qualquer coisa relacionada as nossas produções, principalmente se forem SUAS
produções. Esse muitas vezes é o primeiro passo para você também se tornar um
destaque nesse mundo vasto e cheio de oportunidades pra quem sabe ser criativo.
Este livro foi formatado e disponibilizado online de forma gratuita, e a menos
que você tenha uma edição impressa (o que a gente não tem) não há motivo para
pagar por uma versão digital dele. Você pode conseguir uma versão gratuita em
www.tropad20.do.am , ou procurando por Atroz Games na internet. Provavelmente
você vai encontrar, ou pode ir atrás dos autores; não somos tão conhecidos, então
ainda podemos nos dar ao luxo de ter email e orkut, por exemplo.
Se você ainda tem dúvidas sobre o Open Source, leia a próxima página e você
encontrará todas as determinações legais da Licença Aberta. Se sua dúvida é ainda o
porquê, bem, é mais ou menos assim. Você aprende uma perícia nova que pode ajudar
muito o grupo. Mas para evitar que o grupo dependa tanto de você, que não consegue
estar em todas as mesas, você ensina a perícia aos outros personagens. É mais ou
menos isso o que faz o Open Source; ele ajuda muitos personagens a se livrarem de
enrascadas, até em mesas que você não joga.
Alain C. Valchera
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Você pode:
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permissão por parte do autor.
Nada nesta licença diminui ou restringe os direitos morais do(s) autor(es).
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/deed.pt_PT
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This text file is a parody on accounts retrated
in a brasilian american-like movie about cops
shooting each other and sometimes shooting
gangsters, and gangsters shooting at cops and some
other people in the head.
According to the producers, the film is cool.
The writing, the authors and maybe even the
files will soon be destroyed.
Este arquivo de texto é uma paródia sobre os fatos
retratados em um filme brasileiro com cara de estadunidense
sobre policiais atirando em policiais e às vezes atirando em
bandidos, e bandidos atirando contra policiais e na cabeça de
outras pessoas.
De acordo com os produtores, o filme é legal.
O texto, os autores e possivelmente até os arquivos serão
destruídos em breve.
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CAPÍTULO 1
LIVE AOS MORTOS
Góticos em seus trajes sombrios. A maior quantidade de pó-de-arroz por metro
quadrado do mundo se reuniu para rolar d10s. São tantos livros pretos subindo
andar por andar até o salão de festas. É só falar qualquer uma dessas sentenças
que você já sabe. É noite de live.
No Brasil inteiro existem mais de 7000 grupos de Rpg, quase todos compostos de
jogadores de Storyteller maquiados até os dentes. É só nego quebrando a
máscara, brigando com a Wyrm, se escondendo na umbra e tomando paradoxo.
No resto do mundo, esse sistema é usado pra interpretação. No Brasil, é um
sistema de noobs.
Um Toque Vampírico rouba nível de personagem como se fosse P.O. na mão de
criança. É burrice pensar que num sistema cruel assim os jogadores de d20 iriam
gostar de um cenário que tem mais vampiros numa cidade do que plebeu.
Jogador de d20 também tem amor ao personagem, amigo. Personagem de d20
também tem medo de morrer.
É por isso que antes de mestrar a gente tem que aprender o sistema. Ou é
Storyteller, ou é GURPS, ou é d20. A maioria dos jogadores não é muito fã de
d20, dizendo que era só uma jogada de marketing e reclamando da grande
quantidade de suplementos.O Mestre Valchera, apesar de jogar, não era
exceção. Toda noite de live ele aparecia com combos de regras pra negociar,
coisas que antes do Monte Cook recriar o World of Darkness, só funcionavam no
sistema padrão da Wizards.
Os Narradores gostam do roleplay, mas também curtem dar porrada. Pra quê
reestudar o sistema se dá pra aprender com um jogador de d20? Só que naquele
live tinha um Mestre que não tinha ido lá pra vender regra. Era o Mestre Barba.
Ele tava lá forçado, com o personagem desarmado, pronto pra sentar no pra colo
do dragão.
Se o Barba não tivesse naquele grupo, o Noob e o Severino não iam ter invadido o
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live. O Noob e o Severino nunca iam jogar Vampiro, ou Gurps. Eles eram leais.
- Liga auspícios aí, Torêzinho, liga que os porradeiros tão subindo aí. - disse o
sanguessuga, ao atender o interfone.
- Tá tranqüilo, Brujah, pode deixar subir que a gente tá na Dominação, irmão.
Mestre Barba subia, escoltado por seus antigos aliados, os degraus da masmorra
em direção à morte certa. Ele sabia que entrar num live de vampiro era ser
forçado a combater, e combater com Storyteller era pedir a morte certa. Em
comparação, são sistemas totalmente desbalanceados. D20 chega a ser realista.
A quatro ruas dali, Noob e Severino, amigos do Barba, corriam contra o tempo.
Eles sabiam que se demorassem, seu colega de mesa poderia perder o
personagem pra sempre. Severino segurava como podia seu saquinho de dados,
enquanto se esgueirava pelas esquinas como um verdadeiro ranger urbano embora tivesse um gosto bem mais especial por arcanos. Noob trazia uma pasta,
e, como sempre, não era de prestar atenção ao atravessar, para desespero dos
motoristas noturnos.
-
Tá com as ficha aí? Tá com as ficha?
Tão aqui, brother. - respondeu Noob, escaneando a pasta com os olhos.
Eaí, tá vendo os caras? - Severino retrucou.
Espera, deixa eu ver se tenho visão na penumbra.
Estavam agora em frente ao prédio do live. O porteiro, como todo porteiro de
live, distraía-se com o Clanbook Brujah (eles acham que jogar de anarquista faz
você parecer malvado). Atentos, Severino e Noob deslizaram por ele - com uma
pequena ajuda de regras do Canção e Silêncio. Faltavam as escadas.
Vampiros (ou ao menos eles pensavam ser) checavam cada mínimo centímetro
dos jogadores de d20 com seus orgulhos olhos, digo, lentes de contato,
vermelhas. Os mestres, por sua vez, respondiam com olhares típicos de quem
mata por XP, bebe sangue por prazer, e anda com a espada desembainhada.
Apesar de toda a banca, eles estavam cercados, e em terreno hostil.
Barba - com o personagem na mão -, era encarado de perto por um nosferatu
ofuscado, talhado em elegantes trapos feitos em casa e uma touca de natação,
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até que um grupo empurrou uma cadeira para o mestre. Ele estava sendo forçado
a jogar uma mesa. Perto dele, Mestre Valchera rolava diplomacia com um
gangrel.
- Qual é, Valchera? Mais uma night aí...
Naquele momento, Noob e Severino abriam a porta da entrada de serviço.
Podiam ver os jogadores, mas estavam muito furtivos para serem vistos.
Severino, como era de ser nas mesas, se precipitou:
-
Já achou ele? Quê que tá rolando aí, cara?
Deixa comigo cumpadi, deixa que eu sei rastrear, calmaí.
Já encontrou o Barba aí, velho?
Calma, mago, pô.
Segura aí, cara, segura que eu ajudo.
Movendo-se silenciosamente, Severino pretendia avançar entre o grupo. Ele
entregou seu saco de dados para Noob.
- Dá aqui, dá aqui essa porra... Ih, cara-- respondeu ele.
Foi quando o universo diminuiu lentamente de velocidade para observar aquele
instante. Desdobrando-se entre esgueirar, passar um item, e pensar, Severino
deixou o saquinho voar por seus dedos, tocando os de Noob, atingindo o chão.
D20s rolaram.
Era o prenúncio de uma crise que somente as forças dos planos superiores
puderam parar para assistir em câmera lenta. D&D e Storyteller tinham suas
diferenças, principalmente nas regras.
É bem verdade que a qualidade de uma mesa depende de um equilíbrio bastante
delicado entre narração e combate. Só hostilidade não faz parte do jogo. Era um
equilibro instável que o D&D custou a conseguir, e que poderia ser abalado na
melhor das mesas, e naquela noite de sexta-feira, mestraram mal no Babilônia.
Foi naquele live que o Noob e o Severino decidiram acabar com o Storyteller.
Noob empurrou Severino para um canto, como se um raio ardente estivesse
prestes a atingir o amigo. Os dodecaedros rolaram, e rolaram, por entre pernas e
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sobretudos, até pararem aos pés de um vampiro. Seus olhos checaram a forma
arredondada, e traçaram o caminho percorrido por ela, até as duas criaturas no
canto, paralisadas.
- Aí Torêzinho, oportunidade! Oportunidade, parceiro!
Espalharam-se e cercaram os dois. Muitos vampiros riam e debochavam,
enquanto outros reclamavam da quantidade de porradeiros no local. Noob e
Severino, imobilizados, foram colocados na mesma mesa que o Mestre Barba. O
Narrador, sem mais delongas, prosseguiu com a mesa, falando para os góticos e
maquiados e apontando para os recém-chegados.
- O Príncipe explica que se vocês caçarem e acabarem com esses estrangeiros
que invadiram a cidade, vocês terão os benefícios que desejarem, além de vista
grossa da Camarilla para suas atividades...
Noob, Mestre Barba e Severino se entreolhavam assustados, sem saber ao certo o
que esperava seus personagens. Eles também não esperavam quem iria ao
encontro deles.
Nosso grupo saía da revistaria aquela hora, ainda terminando o lanche e dividindo
os salgados. O celular era nossa fonte de informação do momento, e a
informação que chegava naquela hora iria fazer valer nossas camisetas pretas e
d20s de caveira.
- Tranqüilidade, calma, só isso. Vamo chegar lá e rolar os dados com calma, com
tranqüilidade, entendeu? Pode ter vampiro pra caramba porque hoje é noite de
live, então vamos jogar devagar, pode ter personagem ferido, com PV negativo,
então é só ter calma.
Montamos em nossas bicicletas, e aceleramos o máximo que pudemos em direção
ao live. Era o que mais fazíamos naqueles dias, mas, pra falar a verdade, era a
coisa mais chata de agüentar. Tínhamos sido só jogadores durante bastante
tempo, mas queríamos mais - porque se o RPG no Brasil dependesse só dos
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mestres convencionais, os jogadores já tinham se esquecido de como interpretar
faz tempo. É por isso que existe o Morp, os Mestres Orientados ao Role-Play.
- Três ponto cinco por atualização. Quem conhece Babilônia by Night aí?
- Eu conheço, Mestre.
- Então você vai carregar a tocha.
Pro público em geral, o Morp é só mais um grupo de rpgistas nerds. Pros rpgistas,
é um grupo completamente diferente. O símbolo do Morp deixa claro que a gente
não pensa em outra coisa. E o nosso dado não tem dez lados. Tem vinte.
Quando o Morp chega num live, significa que o Morp vai jogar. E sempre têm
aqueles que acham que dá pra ir no nosso bonde, que ficaram pra fora do live.
Morp joga sozinho. Cada mestre é um exército.
- Aí, o Morp chegou, vamo entrar, vamo entrar! - gritavam os que tinham ficado
de fora do live, na portaria.
- Não vai subir ninguém! Não vai subir ninguém! Não vai subir ninguém! É
aventura pra 15º nível! Não vai subir ninguém!
O Morp foi criado devido à decrescente taxa de interpretação nas mesas de rpg.
E no Brasil, isso é praticamente normal.
- Vinte no dado dá dano dobrado... - ouvi um dos excluídos ameaçar, conforme
adentrávamos o prédio.
Meu nome é Mestre Moreno. Eu mestrava pro grupo Gripho do Morp. Eu já tava
naquela campanha faz tempo, e tava começando a ficar de saco cheio dela.
CRÉDITOS DE ABERTURA
Bee Geeks - Tropa d20
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CAPÍTULO 2
MORRENDO
- Ô amor, eu queria tá aí com você agora, mas é que eu tou jogando aqui. Dá pra
ouvir ele aí? Põe aí do lado pra eu escutar. Caramba, bate forte pra caramba, né?
Rapidão, né?
Eu podia ouvir claramente o som pelo telefone. Minha namorada estava em casa,
upando meu char no World of Warcraft.
- Amor, eu tenho que desligar que eu tou jogando. Não, não precisa, pode
deslogar que eu continuo quando chegar. Também.
Estava difícil de arranjar tempo pra jogar com os veteranos. O grid preenchido
de miniaturas já era uma visão rara. Eu tinha uma namorada.
-
Tão na mira, mestre. Tô ganhando +6 contra cada um.
Vontade de me divertir com essas cria de Lammasu.
Qual deles, só falar.
Essas cria de Lammasu desses Balor aí.
A principal missão do Morp naqueles dias não era jogar bem, era advogar regras.
Pra cada combo que a gente quebrava, surgiam três no lugar.
-
81, vamo deixar esses monstro de lado que o Yuri pega eles na rodada surpresa.
01, acho que dá pra matar dois kobold com uma flechada só.
É crítico, 81?
Experiência, meu mestre.
Eu já perdi a conta de quantas vezes eu virei a noite em cima de livro por causa
de jogador com regra robada.
- Então rola os dados desse dano.
Eu chegava em casa no fim da noite. Tomava minha bebida láctea, checava
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minha conta no Wow, e encontrava minha namorada, Beth, dormindo
profundamente. Todos os dias, a rotina do rpg estava acabando comigo.
Pela manhã, acordei e a encontrei preparando pães com manteiga.
- Bom dia.
- Bom dia, amorzão.
- Deixa eu pegar meus dados aqui... - reação instantânea a minha, pensei.
- Senta pra tomar café, fiz uns...
- Eu vou ter que sair agora. Prometi mestrar logo cedo pro pessoal da faculdade.
- Pô Arthur, já chegou tarde ontem, passou o dia inteiro jogando... Mal consegui
dormir ontem à noite.
- Você tá bem? Tá tudo bem? E o meu char, meu char tá bem?!
- Não tá bem, eu fico sempre upando ele pra você, ele fica forte a custa das
minhas forças... Já não subiu de nível da última vez.
- Cê quer que eu faça o quê? Que eu pare de mestrar?
- Se eu soubesse que cê não ia parar, eu não tinha aceitado.
O RPG sempre cobra seu preço. E quando o suplemento sai caro demais, a gente
sabe que é hora de pular fora.
- Tchau. - disse eu, beijando ela e saindo sem olhar pra trás.
- Amor, leva um pão com requeijão... Arthur...
Se você deixa o teste passar, pode acabar perdendo a última chance de ter uma
vida fora do RPG. Eu precisava de um substituto. Mas não é fácil conseguir um
mestre do Morp. E a CD pra encontrar alguém esperto, criativo, com atributos e
planilha de DM pra ficar no meu lugar, era quase impossível.
No dia em que eu e a Beth discutimos, em outro lugar, vários d20s estavam
reunidos. Um grupo estava ganhando novos jogadores. Todos os veteranos
daquela mesa se apresentaram ao Cavaleiro Andante, e vestiram suas caras de
jogadores sérios pra receber os novatos.
- Bigorna, mestro desde 96 e sou um dos sobreviventes da Era Dourada.
- Mestre Barba, sou profundo conhecedor de D&D e campeão do troféu de Melhor
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Salto pra Trás de Figurante.
- Mestre Valchera, jogo desde o AD&D e coleciono filmes de terror...
Quando o jogador é criativo e estuda os três livros antes de tentar ser mestre,
suas idéias impressionam. Mas com o tempo a maioria dos iniciantes decepciona.
- Low-levels, sintam-se recepcionados. Não tirem da cabeça que agora vocês se
encontram em uma temporada de meticulosa observação, e seu xp dependerá de
mim e da minha regra de ouro. Gostaria que vocês soubessem que esse grupo de
pessoas, ao qual eu tenho a honra de mestrar, além de sermos grandes amigos, é
um dos mais bem colocados nas mesas de convenção. Fiorin, mostre aos lowlevels suas novas funções.
Eu ainda não conhecia o Severino e o Noob. Eu não sabia que ia precisar da
inteligência... não, espera, me enganei... Eu não sabia que ia precisar da
criatividade de um, e da sorte do outro.
Se eles tivessem sido um multiclasse só, essa história ia ter sido diferente. Não ia
ter sido difícil parar com o RPG. Mas quem disse que jogar d20 Modern é fácil.
Pra receber bem os novatos, o Mestre Barba alocou o Noob no pior lugar que
puderam encontrar.
- É aqui que você vai se virar, Noob.
- O quê? Fazendo ficha?
- É sim, por que, algum problema?
- Ô Mestre, será que não dá pra eu fazer outra coisa não? Eu não tenho perícia
em criação de personagem...
- Ô low-level, presta atenção, são 23 personagens jogadores, 75 npcs e 169
criaturas! A sua função é deixar todas essas fichas jogáveis, Noob!
Na sala das fichas, Otaku Totoro e o Player trabalhavam dia e noite, rabiscando,
apagando, imprimindo e escrevendo números nas fichas. Totoro era meio
desleixado; Player, dentre todos do grupo, sempre soube tudo sobre mecânica de
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jogo.
- Mestre.
- De boa, Totoro. Esses dois aí vão te ajudar. – disse Barba a Noob.
- Tranqüilo? Patrão, Driddt’z do’Urden, até a mesa de hoje, tá pronto pra jogar
como eu prometi pro senhor.
- Até que enfim, né Totoro-chan.
- Aí Mestre, mas os livros traduzidos que a editora prometeu ainda não chegaram
não. Tô dando baixa nas perícias dessa ficha aqui. - Player, esperto, adiantou.
- Acabaram de fazer, tá certa, só porque tá errado o Bônus Base...
- Que tá errado eu sei, mas olha só, aproveitei: kit de personagem, itens
mágicos...
- Tá bom, tá bom, tá bom Totoro, não quero mais saber dessa folha. Essa ficha
não é mais minha. Essa ficha agora é do low-level.
Então Barba largou Noob naquele plano paralelo, um universo para ele
desconhecido.
- À vontade..
- De boa. Se tiver com vontade também, ó: Coca-cola, tem também um biscoito
de polvilho, um chá gelado...
O Noob era um cara impulsivo, que só agia e não sabia o significado de pensar. O
típico jogador que cria as lendas, e o mais propenso a virar uma.
O Severino, por sua vez, foi parar no arquivo de aventuras, onde o Otaku Momoto
e o Fighter Machado se escondiam pra se empanturrar de porcaria. Imagina uma
sala de 4x5 coberta de folhas de caderno, pastas e encadernados de xerox.
Imaginou? Consegue visualizar essa pilha de papel? Cada folha de caderno é uma
cena, uma idéia que os DMs não transformaram em aventura. Na mão do Noob,
aquilo ia sumir feito parente em background de personagem. Na mão do
Severino, iam virar campanhas.
Bigorna fez a introdução.
- Esse aqui é o iniciante Severino, vai trabalhar aqui com vocês a partir de hoje.
- Tudo certo, cara?
- Low-level, esses aqui vão te ajudar, Otaku Momoto e Fighter Machado. Seu
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serviço é encaixar a participação dos npcs e finalizar as aventuras. Tá certo?
- Podeixá.
- Aquele ali é o seu canto.
- Nhaaaa, desculpa, Seve-kun. (XD) - disse Momoto, escondendo o Muppy.
- Qualquer coisa não me procure.
Noob não sabia de regras, e o Severino não tinha a manha do jogo. Nenhum dos
dois tava no meu nível. Mas um deles ia ter que jogar com a minha ficha.
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CAPÍTULO 3
SEVERINO
O Severino podia não ser inteligente, mas era dedicado.
No Brasil, um nerd que nasce pobre e numa dungeon não tem muita chance de
arranjar uma namorada. Mas o Severino conseguiu entrar no melhor curso de
Game Design do sul do país. Na cabeça dele, estudar game design e bolar
aventuras tinha tudo a ver com jogar RPG.
- Muito bem, muito bem, turma, tá aí então, os seis sistemas que vão servir de
base pra seus personagens... primeiro vocês tem que compor um grupo, um
grupo de quatro, depois então é que vocês vão escolher as raças...
Na sala do Severino, havia um grupo no fundo, a Marcela, a Camile e o Fanta,
que sempre queria sair na frente. Eles não entravam devagar na dungeon.
- Vamo agilizar, vamo agilizar, gente, eu quero fazer gnomo, pode ser?
- Tanto faz pra mim.
- E você, já tem grupo?
- Aham.
- Hm. Ficamos só com três. vou entregar assim mesmo, ele não vai nem
perceber. O Spot dele é baixo, não vai nem perceber, vai nem perceber...
Foi quando o Severino entrou na sala, e mandou um encontrão aleatório na
garota. Isso, pra ele, ia parecer como a luz dos deuses brilhando sobre sua
armadura.
-
É aqui que é a aula de Sistematização Social?
Qual a sua nomeclatura?
André.
André de?
André Severino, porquê?
Cê ta no nosso grupo de Toon.
Toon? Mas peraí...
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- Já te explico..
Enquanto ela entregava o papel e o professor riscava Toon do quadro, a cabeça
do Severino devia tá em algum cenário de campanha, muito longe da realidade.
- Oi, eu sou a Marcela. Esse aqui é o Fanta, a Camile, a gente vai jogar uma mesa
de Toon.
E pra virar mestre das minhas mesas o sujeito tem que saber ser realista. O
Severino ainda tinha muito pra aprender.
Montanhas, pastagens e casebres em miniatura povoados por mini-soldados,
pequenos monstros, aríetes e catapultas. O pequeno cenário no canto da sala
imitava uma batalha campal, e treino de tática em grid. Sobre a mesa central, o
mapa de Faêrun estendido servia de base pra explicação do Mestre Emílio.
- Esse cidadão barbudo que tá vindo passar uma temporada em Cormyr acho que
vocês sabem quem é também né? Só que o que vocês não sabem é que ele vai
acampar aqui na Torre Amaldiçoada, que fica aqui em Evereska. E a gente é que
vai garantir o sono celestial dele.
Eu não era o único a desaprovar a idéia.
- Emílio, cê tá de brincadeira. Anauroch em guerra, infernais invadindo,
Elminster vai puxar ronco em Evereska? Eu pago uma estalagem pra ele em
Waterdeep!
- Fiquei um mês bolando essa aventura, e nem Tyr me convence a mudar a
campanha. Ele vai dormir aí e ponto final, entendeu. E tem mais uma coisa,
vocês têm três semanas pra tentar apaziguar a fronteira. O que nós vamos fazer
vão ser partidas diárias.
- Mestre, o senhor me desculpe, mas o mestre concorda com mesas diárias? É isso
mesmo? Vamo subir a montanha sem reforço, perdendo rodada surpresa,
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tomando ataque de oportunidade, vai morrer personagem, mestre!
- Moreno! Não quero saber. Na minha época não tinha ataque de oportunidade,
pra mim continua assim. É o que vai ser jogado, e a mesa começa amanhã. Sem
choro, ganhei no intimidar.
- Sim, mestre. - disse eu, dedicando minha raiva àquela capa do Forgotten
Realms.
Eu sei que o meu mestre não tem culpa dos meus problemas, mas a gente já
tinha jogado naquele cenário milhares de vezes. Não dava pra ele saber que a
gente já conhecia o esquema dali? Se um mestre quer pôr o Elminster pra passar
a noite numa masmorra no front de guerra, o que você acha que esse mestre vai
fazer? Narrar prum bando e novatos e correr o risco de um raio de desintegração
acertar o peito do Escolhido de Mystra? É claro que não. Vai mestrar pro Morp.
Era noite, e Noob treinava rolagem de d20. Nos meios do rpg, existe a lenda de
que com a prática você consegue rolar dados altos, e a história da carochinha
tinha encontrado abrigo eterno na cabeça do Noob. O Severino não; ele tentava
ler seus suplementos estrangeiros, chutando seu inglês básico.
- Pára com essa nerdice aí, pô. Tô estudando, cara.
- Pô, pára de estudar também, né mermão. Vamo jogar videogame!
- ... vai sair com a bike amanhã?
- Pra quê tu quer minha bike?
- Vô lá na Editora Trama.
- Ficou maluco? Tomou Raio de Confusão e falhou no teste de will? Que que cê
vai fazer naquela joça?
- O pessoal da faculdade marcou uma mesa lá onde eles trabalham. Eu tenho que
ir.
- Cê é mestre, e tá desempregado! Não pode ir nesse tipo de negócio, não! Nego
te contrata lá dentro! Larga essa mesa, dá um jeito!
- Fica tranqüilo, Noob. Ninguém na faculdade sabe que eu jogo D&D.
- Olha o disfarce, hein.
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Meu mestre, Emílio, precisava do Morp. O Morp precisava de mim. E eu precisava
de um substituto. Não ia ser fácil. Eu ia ter que continuar jogando a campanha
do Elminster. Só que eu ia jogar de armadura, parceiro. E com arma mágica.
O perigo de rpgista fazer faculdade é que à primeira vista os estudantes são
caras legais pra caramba, que não vão te bater, roubar teu lanche ou te dar chá
de cueca. E tem um monte de menininha que agüenta um papo contigo, que você
até acaba achando razoável a possibilidade de um dia conseguir arranjar uma
namorada.
Quando o André Severino chegou na editora, foi tão bem recebido que nem
parecia ter entrado em terreno abissal. Marcela era uma excelente guia excelente em vários sentidos.
- Bem, aqui é a sala de criação, esse aqui é o Rogério, Rogério, André... Ele me
ajuda a publicar nosso material, é o representante do nosso patrono aqui na
editora, além de meu grande amigo.
- Já tem cenário de campanha?
- Ah, nah-não.
- Não? Agora tem! Tormenta! Aqui ó, TOR-MEN-TA, é fácil! Aqui, um pra você,
pega mais um pra entregar pros amigos...
Rogério era um malandro de quarta categoria, daqueles que coloca um ponto a
mais aqui e ali sem se preocupar em balancear pra disfarçar. Encheu o bolso do
Severino de santinhos de um cenário que até chamar de cenário é sacanagem.
Várias crianças se reuniam nos fundos da editora, onde Fanta e Camile
distribuíam fichas e organizavam mesas. Parecia o topo dos projetos sociais.
Eu reconheço que no primeiro turno é difícil passar no teste de vontade. Rpgista
velho gosta de ensinar rpg pra criança de escola pública. E quem é que não sente
pena de instituição pública?
- A gente traz as crianças e ensina 3D&T... - contava Marcela à Severino, até ser
interrompida por uma criatura grande e gorda, como o Jabba, mas que se
portava como uma criança cinco anos. Só era possível descrever aquilo assim;
devia ser efeito de muito videogame. Chamavam-no de Romerito.
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- Oi madrinha! Vamo jogar UFO Team hoje?
- Aah, a madrinha não pode mestrar hoje, tenho que ler um livro… e você, não lê
não?
- Eu leio, mas não gosto, não.
- Quem foi que prometeu pra mim que ia ler pra aprender a mestrar, hein?
O Severino tava no segundo nível, e tinha atributos fracos. Era natural que ele se
deixasse iludir. Mas um DM só pode se deixar iludir durante a sessão de jogo.
- Então vocês passam pelo túnel... tá, depois vocês vêm um salão grande onde
tão as Pedras do Poder, tá, e não parece ter segredo nenhum. Entendeu?
Severino narrava aos novos amigos em uma das salas da editora. Ele não os
conhecia bem até aquele momento, então não devia mestrar. Mestrar pros
amigos é um tipo de ritual em que todo mundo precisa contribuir com mana. Mas
ele tava muito concentrado tentando manter o raciocínio pra perceber o pacote
que seu colega Fanta tirava da mochila.
- E o Cavaleiro Negro aparece num teletrans-po-telepo, teletransporte,
nomezinho difícil, né. E ele faz uma magia pra criar soldados, entendeu? Eles
tem poder de se curar, que nem o Wolverine...
Eram cartas de Magic.
- Muito doido... voar e ímpeto..
dedos - Aí, André.
- comentou Camile com o Akroma entre os
Ela tentava agora passar pro Severino.
- Não brigado, ô-ô Mile, não jogo não, brigado.
- É só uma cartinha, velho. - ressaltou Fanta, o jogador.
- Não, não, não...
Marcela se precipitou e pegou as cartas, livrando Severino do tormento.
29
-
Dáqui Mile, eu quero ver...
Tá, então a gente pára a mesa aqui por hoje...
Muito bom! - dizia Camile, analisando terrenos.
A aventura foi bacanérrima, André.
Se o jogador não tomar cuidado, ele acaba seduzido pelo cardgame. O certo era
o Severino zoar a galera por causa disso. DM não pode permitir chamarem
cardgame de RPG. Severino mal tinha entrado na faculdade e já tava aceitando
os hábitos dos amigos.
Quando saíam, Marcela até parecia dar bola pro Severino, aquela coisa de
recompensar o mestre por uma aventura bem feita. Foi quando viram Romerito
sentado no chão, com um escudo à frente dele, e mais dois amigos.
- Achei que a aventura ficou bem legal, André.. Romerito! Romerito! Cê não
falou que ia ler antes de mestrar?
- Mas eu li...
Romerito rolou então um dado de seis faces, e tirou um seis. Seus jogadores
riram dele.
- Há, o Mestre Arsenal errou de novo! Ele caiu no meu buraco portátil!
- Peraí, peraí, me empresta esse livro? - Severino adiantou-se e pegou a brochura
do cenário Tormenta.
- Quê que cê vai fazer? - estranhou a garota.
- O moleque tem razão pra não saber mestrar. Olha pra lá, olha pra lá moleque,
olha pra lá...
Virando algumas páginas do livro, o DM encontrou uma ilustração do Paladino de
Arton, um dentre os principais personagens daquele mundo de fantasia.
- Quem é esse aqui? - perguntou ao garoto.
- É o Paladino. Ele tem os buracos na armadura pra colocar os Rubis da Virtude, e
ele é superpoderoso.
- Ceeerto.
30
Rapidamente, sua mão buscou na bolsa um dos romances de Dragonlance.
Segurando o livro, apresentou a capa, e apontou Tanis.
- E esse aqui?
- Não sei, não.
Para o susto de todos, Romerito nunca havia sequer ouvido falar nos cenários de
D&D.
- É o Tanis Meio-Elfo, ele é ranger, e o personagem principal de Dragonlance.
Olha gente, o problema é o seguinte. Ele tem usado tanto material nacional que
o cérebro dele tá regredindo. Quando eu comecei a jogar tinha essa mesma
dificuldade.
Marcela, mais que depressa, pegou Romerito pela mão e o tirou da mesa.
- Vem, vamos contar pro seu irmão? Vamo com a gente, André?
- Onde?
- Num live aqui perto.
Pra ser um mestre do Morp, pra ficar no meu lugar, o Severino tinha que
aprender que não dá pra se misturar com outros sistemas. Storyteller não
perdoa.
Chegando ao prédio, avistaram dois batedores, camuflados, praticamente
invisíveis no meio urbano. As maquiagens brancas e sobretudos pretos com
camisetas do Slayer contribuíam muito para isso.
- Fica tranqüilo que aqui no prédio a galera respeita todos os sistemas e cenários.
- Rogério tentava inutilmente tranqüilizar Severino.
- Ô Marcela... - disse Severino, afastando-se do camarada.
- Fala André.
- Vô ter que ir, tenho hora pra devolver a bike dum amigo meu, o Noob, cê não
conhece ainda.
- Aah, que pena. Então tá.
- Quanto ao “garotão”, o Romerito... podeixar comigo, vou trazer o First Quest
pra ele, faço questão. Me ensinaram AD&D quando eu era pequeno, quero
ensinar pra ele também, questão de honra.
31
O Severino não chegou a conhecer aquele live. O Malkaviano era o narrador que
jogava no bairro da Editora. Eu sei como a campanha do Malkaviano termina mas
eu não sei como ela começou. Ele devia ter tido um background pesado. Jogar
Storyteller pode ter sido a única opção do cara.
Ele vivia rodeado de seguidores, e fazia o fornecimento de cartas pros playboys.
O Fanta era a ponte dele com faculdade, sempre levava decks fechados pra
vender superfaturado pros garotos.
- Aí Rav. - disse Malk, pegando a última lista de cartas e entregando à seu
comparsa - Caitiff, traz dois aí.
O que me confunde é o rpgista que tem oportunidade de virar mestre e termina
jogando cardgame. Eu já disse isso antes mas não perco XP em repetir. Pra mim,
quem ajuda narrador também joga Storyteller. Tem que sentir o calor da bola de
fogo.
Fanta tinha pra quem passar os cards dentro da faculdade, era todo um
esquema.
- Mario, tô com as cartas aqui, irmão.
- Qual é, irmão, tá equipado? Só um turno aí, irmão. Vem, vem, vem.
- Aqui tá a mão. Nem precisa pedir mulligan.
- Quantos decks tem aqui?
- Dois.
- Só?
- Pô mermão, acha que é fácil pegar carta da pasta sem trocar antes, irmão?
- Tá, pode trazer mais, Mirrodin, Kamigawa, se tu pegar mais pode trazer que a
galera aqui tá jogando di-reto.
Eu sempre me pergunto, quantas crianças a gente tem que perder pros
cardgames só pra movimentar o mercado?
Se parasse por aí, tava bom. Mas também existe RPG Online. Bons e ruins. Pra
mim, RPG online só vale a pena quando a história e os gráficos são decentes.
Missão Ragnarök era uma burrice. Num servidor de WoW, eu só ia ficar puto, mas
meu personagem tava ficando épico. Ele não podia tomar stun. Ele não podia
32
perder experiência.
Entramos no servidor na surdina, com Furtividade ativa. A gente sabia que
naquela lan house tava cheio de adolescente espinhento online, e que eles
usavam bot, tinham instalado em todas as máquinas. 81 e 19 abateram os dois
arqueiros da party, no mesmo instante em que invadíamos a lan.
-
Pára, pára! Larga esse teclado!!
Quem tava distribuindo bot?
Não vi ninguém não, deve tá online ainda.
Alinha todo mundo na minha tela.
Os Mestres online stunaram e hitaram todos em fila enquanto eu logava em uma
das máquinas. Precisava dar uma lição naqueles moleques.
- Vô pergunta uma só vez: Quem tava com bot? Quem tava com bot? Quem tava
com bot? Quem tava com bot?
E a melhor maneira de dar uma lição é fazer alguém virar exemplo. Agarrei um
dos moleques pelo colarinho e colei no personagem dele - era um feiticeiro. Ele
não teve tempo de deslogar.
- Eu não sei, eu sou Novice!
- Cê é o quê? Cê é Novice? Coloca a cara aí! Tá vendo esse PK aqui? Quem matou
esse char aqui? Quem matou esse char aqui?
- Não tenho carta Horogon! Não sei usar Chama Reveladora, não!
- Cê não detecta, cê detecta sim! Você detecta! Quem matou? Pode falar!
Eu tinha um Assassin Cross naquela época. Cobri ele de Sonic Blows suficientes
pra derrubar quatro Baphomets. Quando um Sin Cross te pega numa dessas numa
Guerra do Emperium, é apelação. Que nem grudar no canto da tela em jogo de
luta.
- Fala! Fala! Fala! Fala! Fala! Quem matou?
- Foi alguém da sua party!
Chutei areia nele.
33
- Alguém da sua party é o beholder! Alguém da sua party é o beholder! Quem
matou esse char aqui foi você! Seu Nocivo! A gente vem aqui pra desfazer as
quests que você faz! É você que estraga esse jogo! Seu newba!
Na faculdade, Marcela finalizava o seminário sobre "Pilhar, Matar e Destruir".
- Bem professor, nós concluímos portanto que, no RPG, o sistema de combate
funciona como uma rede, que articula diversas regras a fim de destruir a
interpretação, e que, infelizmente, a resultante dessa relação de poder de luta e
narração acabou criando uma cultura mundial que preza quase que
exclusivamente pela porrada.
- Muito bem, fim de jogo? Acho que a Marcela, e o, e todo o grupo, falaram
corretamente de como todas as regras, e não apenas o RPG, moldam os
jogadores pro combate. Agora, pra concluir, podíamos fazer uma análise de caso,
quer dizer, um exemplo de um RPG desse tipo.
- O D&D? - continuou ela.
- O D&D. Mas por que o D&D?
- Aí professor, porque todo mundo aqui sabe que no jogo os cara chega chutando
a porta mesmo, saca? Eles chegam dando porrada, só ligam pro xp... - levantou
Fanta, sempre profundo em seus comentários.
- O Fanta tá certo. O D&D é um sistema perverso, que age violentamente contra
os de tendência oposta, as criaturas bestializadas, e aqueles, que por suas
propriedades, são compelidos a proteger masmorras.
Camile era a cereja no sundae de besteirol do grupo que Severino chamava de
"amigos da faculdade". Sua opinião era equivalente aos comentários de Fanta,
embora usufruísse de um vocabulário menos pobre - o que é mesmo
característico dos jogadores de Magic.
- Brunão - começou ela -, queria falar que, é, na verdade eu até concordo com a
opinião do grupo, em parte, mas acho que o D&D não age perversamente só com
os jogadores de d20, acho que nós, que jogamos daemon, 3d&t, também somos
vítimas desse sistema. Uma vez eu, a Marcela, a Natália távamos numa mesa que
entraram uns jogadores de D&D, os caras foram totalmente agressivos...
34
- Queriam matar tudo, armas em punho... - comentou uma tal de Natália, dentre
os alunos, e foi seguidamente interrompida por Fanta.
- Peraí, peraí, peraí, mas eles não atacaram vocês, né? Não atacaram...
- Era só o que faltava...
- Peraí, peraí, shhh - Professor Brunão queria esfriar a discussão, mas não tinha
level pra castar Cone of Cold - peraí, gente, calma, todo mundo vai falar, só um
minuto, agora, só que o Severino é o próximo no turno, na ordem de iniciativa.
Fala Severino.
- Então Brunão, o que rola é o seguinte: acho que a galera tá tendo uma opinião
muito superficial do que realmente é...
- Deixa ele narrar a ação dele, gente.
- Eu até acredito que o D&D tenha uma propensão ao combate, tá, mas em sua
grande maioria os mestres querem fazer uma mesa interessante, com role-play..
Fanta o cortou repentinamente, apoiado por Marcela.
- Cê tá bloqueado, irmão? Virou? Cê tá loco, velho! Tem isso não, tem isso não!
- O Fanta tem razão! O Fanta tem razão! Quem é que nunca viu um jogador de
d20 como a gente viu naquela mesa? Todo mundo, em toda mesa acontece, virou
regra, André, os caras querem acumular XP, os caras são violentos e o Fanta tá
certo quando ele diz. O que eu ouço nas lendas das mesas é exatamente isso:
primeiro eles detonam tudo pra depois saber quem é monstro, quem não é.
O professor ainda escalava a muralha de baderna e reclamações, enquanto
Severino permanecia com a mão erguida, tentando concluir seu pensamento.
- ALOOOOU! Só pra honrar o deus da ordem, vamos deixar ele acabar de falar,
né? É o turno dele, né? Ok? Por favor...
- O que rola é o seguinte: eu tenho um grande amigo que é mestre de D&D, tá? E
o melhor amigo dele também mestra D&D também, os dois são ótimos mestres, a
mesa dos caras é cheia de role-play, tá? E com relação ao lance da mesa aí, eu
acho que tem que combater mesmo, sa’qual é? Tem que combater mesmo, cara!
Lógico! Vocês não tem a menor noção de interpretação - A gente não fez nada errado - entrou Camile, cortante.
- Como que não? Cê joga cardgame, tava com um deckzinho de magic, não tava?
Não, cês não tem a menor noção de quanto jogador de RPG a gente perde pro
cardgame e RPG online, tá. Do castelinho de vocês no seu cenáriozinho de
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campanha não dá pra ver esse tipo de coisa, tá. Cê tão muito mal informado. Tão
muito mal influenciado por revistazinha nacional.
Ouvindo isso, a sala se calou. Severino estava mesmo aprendendo a manha do
sistema. Ganhou fácil uns três pontos em Intimidar.
- Bom, acho que por hoje podemos encerrar. - concluiu o professor.
Na revistaria do Morp, recebi a visita de uma senhora chamada Regiane. Tinha
seus trinta e poucos anos. Parecia abatida, e trazia uma sacola de mercado entre
os dedos. Só de olhar pra ela nem precisava rolar o Sentir Motivação.
- Mestre Moreno, né? Era o senhor que tava na última operação em Morroc?
- Era.
- É mestre, eu vim aqui pra pedir o direito de fechar a conta do meu filho.
- Dona Regiane, o filho da senhora era do servidor?
- Era sim, senhor. Ele era feiticeiro.
- Nós não matamos o personagem do seu filho.
- Mas vocês denunciaram ele pro GM, não denunciaram? Vocês acham que eles
iam liberar o IP dele?
GM fecha feiticeiro que usa bot. E no fundo eu sabia disso. A mãe do Feiticeiro
me fez sentir remorso. E prum mestre do Morp esse é um status bastante
negativo.
- Era o único personagem dele?
- Era sim, senhor.
Eu percebia que a Beth tava certa. Já tinha passado o teste pra colocar alguém
pra mestrar no meu lugar.
E resposta podia estar há alguns bairros dali.
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CAPÍTULO 4
NOOB
Na mecânica de fichas, Noob, Totoro e Player trabalhavam incessantemente.
Fazer e corrigir fichas com o material que se tem disponível no Brasil é coisa pra
Epic Level.
- Cota de malha, mais o quê? - questionava Noob, atualizando a lista de itens.
- Livro de magias... livro de poderes..
- Combater com duas armas, Noob.
- Pera Totoro-chan, deixa o Player terminar o turno dele!
- Livro de poderes, peça de ouro, trespassar, e o escudo +2 que tomou separar e
tava quebrado.
- Combater com duas armas, página 93! - gritava Totoro, do outro lado da mesa.
- Combater com duas armas...
- Procura aí...
Player sempre tinha sido melhor com as contas, mas podia acabar se confundindo
quanto às regras.
- Página 93?! Isso aí não tá na página 93 não... Isso aí é regra nova! Esses ranger
do 3.0 vem tudo com ambidestria e combater com duas armas no primeiro
nível... – alegava Totoro.
- Que ambidestria...
- Tá maluco?!
- Vê a rolagem aí, assistente...
- Não tem combater com duas armas!
- Tem ou não tem combater com duas armas, pô?! - reclamava Noob, sem saber
bem o que estava dizendo.
- Tem combater com duas armas sim! Pô Player, tá afim de me sacanear?
- Não tou afim de sacanear, não! Não tem combater!
- Parceiro, tá afim de me sacanear sim!
Otaku Totoro puxou Player pra perto de si e apontou a ficha, comparando com as
tabelas do livro básico.
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- Tem combater com duas armas, sim! - afirmava Totoro, convencendo Player aos
poucos.
- Tem combater com duas armas sim, assistente... Tem combe-combater com
duas armas sim, mas essa classe não é oficial não, ela foi trocada aí, olha aqui,
Empatia com a Natureza, isso agora é habilidade de classe... tá desatualizado,
tudo desatualizado... trocaram o livro...
- Como assim trocaram o livro? - desesperou Noob.
- Um grupo de jogo, pegou o livro daqui pra jogar... deixou a edição antiga...
- Que grupo de jogo?!
- Rola teste pra isso não, isso é normal...
- Nem liga pra isso, assistente...
- Normal?! Cês tão possuído?! Uso de material não-oficial é apelação!
Quando o problema não é livro ruim, pode esperar por jogador ruim. Tem muito
jogador que age de má fé, se aproveitando dos livros que o grupo tem pra
benefício próprio. O Noob tinha d20 no coração. Ele queria resolver os problemas
do sistema. Mas pra jogar no Morp o sujeito não pode ser low-level. O Noob ainda
tinha que aprender que ser um bom jogador no Brasil, amigo, não é tarefa pra
qualquer um.
- Mestre! Mestre! - gritou ele ao ver o Mestre Valchera, que comia uma barra de
chocolate com biscoito.
- Faala Noob.
- Encontrei um defeito aqui, é que usaram- Tô atrasado pruma mesa. Cê tem três rodadas.
- Mas falar é ação livre... olha, é que trocaram um livro do 3.5 por um 3.0 e eu
tenho certeza de que foi alguém dos grupos daqui de dentro...
- Já descobriu que grupo foi?
- Não, mas eu pensei que...
- Rola Obter Informação. Vô falar pro Mestre Andante criar uma aventura-solo e
te colocar como jogador. - disse o Mestre, se afastando.
- Eu? Mas eu tô com uma pilha de ficha apagada aí, pra reescrever, tenho que
arranjar livro pra- Presta atenção, não deixa revisar o personagem do Cavaleiro Andante, hein? Vô
pedir turno separado nessa folha.
- Sim senhor. Ô Mestre...
- Faaala low-level.
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- Os livros que tão faltando.
Ao ver a lista completa, entre guias de cenário e classe, Valchera nem se
preocupou em esconder o espanto. Ou descaso, pra ficar mais claro.
- Tarrasque! É livro pra Tarrasque, hein. Mas vou dar uma olhada na loja pra
você, podeixar. Enquanto isso vai falando com o Barba que ele pode te conseguir
algum material nacional.
- Senhor, será que não dá pra...
- O seu turno acabou.
Não adianta tentar derrubar porta de dungeon com adaga. Pra resolver problema
de rpgista, tem que recorrer ao sistema. Os mestres brasileiros foram
abandonados pelas editoras de RPG do Brasil. Sem a apelação, sem o “jeitinho”
do jogador, o RPG pára por falta de atenção.
E não tinha ninguém melhor pra ensinar apelação no grupo de jogo senão o
Mestre Barba.
- Vê se age direito, hein assistente, não vai tentar fazer aventura sozinho, não...
- Mestre, eu só quero terminar aquelas fichas! Não comecei com d20 pra ficar
fazendo ficha, não...
A primeira apelação é sempre por uma boa causa. Agora, quem apela pro grupo
de jogo, também apela pra NPC. Essa é a lógica do sistema. Por isso, quando o
jogador quer uma criatura de companheiro animal, de seguidor pro seu
personagem, ele tem que pagar.
O Barba mestrava pra uma galera nos bares e padarias da região, então não
precisava se preocupar em sair de barriga cheia. Ou achava ele que não.
- Como não dá, padeiro? Vim buscar minha merenda... Não vai fechar a quest
hoje não?
- Fechar eu vou, mas, já acertei por hoje...
- Como acertou? Tu não acertou nada comigo, cumpade.
- Olha o pessoal jogando aí... Acertei com o Valchera.
- Acertou com o Valchera?
- Ó mestre, se eu jogar contigo hoje, vou ter que fazer hora extra pro
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estabelecimento, vou ter que parar de jogar.
- Parar de jogar? Tu é que tá me forçando a parar de jogar, parceiro! Eu que
mestro pra tu, tu vai dar o lanche pro Valchera?
- Se acerta com ele, cês são tudo da mesma mesa, ô mestre, acerta com ele lá...
Barba se afastou, puto. Mas Noob ainda era um bom jogador. Pagava P.O. por
P.O. o que tinha que pagar, anotava a experiência direito e não roubava nos
bônus.
-
Quanto ficou o suco dele aí?
Né nada não, veio no kit de personagem...
Fala quanto foi, faço questão de acertar...
Né nada não...
Deixando um vale de 400 XP com o atendente, correu atrás do Mestre.
Tem muito DM que cobra algum por fora pra deixar a mesa equilibrada e facilitar
nas regras, como o Barba fazia. Agora, quem cobra pra fazer cumprir as regras,
também cobra pra fazer ficha grossa. É ou não é?
- Ah lá, o cara tá rabiscando meus jogador! Porra, até revisão tem nessa porra!
Não vou poder ajudar vocês desse jeito não! - reclamava Aasimar, dono da
revistaria.
Por algum motivo desconhecido à Barba e Noob, alguém havia chamado um
jogador antigo, chamado Tríbulo, pra checar tudo em todas fichas dos jogadores
na revistaria, o que não parecia estar sendo muito apreciado pelos players.
- Arruma pelo menos um desses suplementos aí então...
- Quem é que deu esse dragão dessa ordem afinal? - dizia Barba, mais irritado
que qualquer um que conheça um kender.
- Sei lá, olha lá o baixinho revisando todo mundo!
- Ô Umber Hulk! Ô Umber Hulk! Pó!
Tríbulo era gordinho e com uma cara simpática, e escondia sob esse manto
camarada seu grande conhecimento dos meios obscuros do sistema.
- Tudo em cima, Mestre?
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- Tudo em cima é o Tarrasque! Corre aqui, Tríbulo! Tu tá metendo a caneta
nessas fichas aí, a mesa é minha não pode não! E o Aasimar é amigo do grupo de
jogo, não pode revisar não!
- Pô mestre, leva como tendência maligna não, só to cumprindo ordens.
- Orde-ordens de quem, porra?!
- Do Balrog!
- Balrog? Que Balrog é esse?! Que Balrog é esse?!
O Sistema ocupa todo o mercado. A Wizards tava tão rica que as outras editoras
não conseguiam competir, nem pagar os royalties pra publicar nas regras mais
jogadas do mundo. Então ela resolveu lançar a Open Game License, a OGL, e
liberar os direitos de publicação. O sistema prosperou. As editoras iam se
incorporando e saiam publicando geral. Porém, grande parte dessas editoras que
tavam aproveitando a benção da Wizards não tinha preparo. Isso resultou numa
horda de suplementos com regras mal-formuladas, e, na maioria das vezes,
injogáveis.
- Aqui não pode revisar, irmão! Não pode!
- Só um minuto... - disse Balrog, com o celular à orelha - a revisão é do Valchera,
tô com ele na linha, cês rolem Diplomacia, por mim, tô nem aí...
- Esse Valchera tá conjurando...
- Fala pra ele das minhas fichas! - gritou Noob dentre os NPCs.
- Vô falar, peraí! Alô, Valchera? É o Mestre Barba. Eu vim aqui na esquina pegar
os meus esquemas e tão dizendo que você tá...
Mestre Valchera e Mestre Cavaleiro Andante passavam a tarde numa lanchonete
de luxo, tomando um belo sundae granulado de flocos. Antes de começar a
conversa, Valchera colocou o DM a par dos fatos.
- É o Barba, tá criando a maior confusão... Tá atrapalhando nossos esquemas lá
da revisão.
- Lança um Imobilizar Pessoas nele.
- Larga essa luta aí que essa área é minha, e pra você ela tá ameaçada. Quem
manda nessa área sou eu!
Barba não estava nem um pouco feliz do outro lado da linha.
- Ah, você quem manda? É o dono da dungeon agora?
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- Fala das minhas regras!
- Já vou falar!! Alô? Alô?! O bosta de Tiamat desligou na minha cara!
- E as minhas regras, pô?
Mestre Barba era um DM de poucas palavras.
Saindo da revistaria, Noob comentou:
- Pô, quando entrei achava que só o livro do jogador já bastava, mas tem um
monte de material extra que precisa...
- É suplemento, cenário de campanha... só as regras básicas que não pode
publicar, senão a Wizards não suga o dinheiro dos jogadores.
- Tarrasque, agora que eu visualizei a planilha...
- E outra coisa, antigamente, todas as regras tavam num livro só. Agora, pra
mestrar só os três livros básicos não dá não, a gente fica sem regra...
- O Valchera tá dando ataque furtivo em todo mundo. - comentou Player, que
aguardava do lado de fora.
- Até você, Player?
Naquele instante, a memória de Player viajava até algumas semanas antes.
Precisava falar com Mestre Rock, responsável por guardar o material da
campanha que o Player jogava. Mestre Rock era o tipo de mestre que sabe se
aproveitar bem da posição social dos seus jogadores, e por isso Player tinha
evitado falar muito com ele nos últimos meses.
- Mestre, desde o ano passado que eu tô acumulando XP pra passar de nível, e
finalmente minha namorada conseguiu o que precisa pra fazer aquele item
mágico que eu queria. Então, eu só queria pedir pro senhor passar aí as coisas
pra eu poder mudar a minha ficha.
- É só tem um porém, Player, o nível vai ser complicado. Eu tenho quatro mesas
de jogo com mais experiência que você esperando pra subir de nível e o seu
grupo não pode ficar equilibrado com o dos veteranos.
Em seguida, Mestre Rock tirou uma camisinha da carteira, girou entre os dedos e
colocou sobre a mesa.
- Agora, de repente você pode dar uma idéia naquela sua irmã bonitinha, e a
gente pode ver o que vai acontecer, né. Porque aqui a gente faz o procedimento
certinho, entendeu...
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- Mas mestre, Mestre Rock, o que eu tou pedindo é um direito meu. Eu não subo
de nível há quatro anos, mestre. E a minha irmã só tem treze...
- Eu posso até te ajudar, né, aliás, eu vô te ajudar, entendeu, eu quero te
ajudar, mas você tem que me ajudar a te ajudar. Player, escuta... Quem quer
subir, tem que fazer subir! Hahahahahaha! Tendeu aí? Tem que fazer subir, pô! disse, entre risos.
Estava escurecendo.
Eu, de armadura completa, escalava as montanhas de Ogrimmar, em busca de
um item pra completar uma quest. Devia ser a décima quinta ou décima sexta
hora que eu estava online. Começou com um lag. Aí o teclado parou de
responder. Minhas mãos tremiam, comecei a perder os sentidos.
Foi quando Beth entrou e me socorreu. Tomei um copo d'água com açúcar pra
tentar estabilizar.
- Tarrasque, tô passando mal pra Tarrasque.
- Calma, amorzão, é que você tá jogando demais, só isso. Arthur, é compulsão, é
muito jogo, confia em mim.
Não, não podia ser.
Tinha que ser pior, o server devia estar caindo, qualquer coisa assim. Não queria
perder meu char.
- Moreno, fiz a desfragmentação aqui, tua CPU tá perfeita. - disse o Bretão,
técnico, quando terminou de checar meu pc.
- Vê essa ficha aí, direito, Bretão.
- Tá tudo certo, 1024 mega...
- Só tinha vírus nas minhas pastas pessoais aí, tinha aquele da webcam...
- Bicho, tua máquina tá de ferro.
- Tou jogando de boa, de repente começa a dar lag, aí o pc reinicia. Aí minha
mão começa a tremer, vem uma raiva...
- Moreno, teu problema é Mmorpg, teu problema é o jogo. Cê tá ficando viciado,
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tá começando a te fazer mal. Eu vou fazer o seguinte, vou instalar aqui o Tíbia.
Daí você vai parar de jogar.
- Tíbia? Que cocô de anão é esse, Bretão?
- Não se preocupa, dá lag não.
Na revistaria, Mestre Cavaleiro Andante analisava um pacote de folhas digitadas
e grampeadas, esquadrinhando uma a uma. Mestre Bigorna, ao lado de Severino,
aguardava a resolução da cena.
No d20, quem não bate direito sempre toma. O Severino trabalhou dois meses
pra fazer a aventura de Valkaria. Montou os ganchos, fez o mapa da dungeon. Era
só o Cavaleiro Andante colocar as criaturas nos lugares certos e pronto, os
jogadores iam ficar entretidos. Mas não é assim que o jogo funciona. O jogo
depende do sistema e o sistema não reproduz as regras da realidade. O sistema
funciona pra resolver os problemas do sistema.
- Que troll, Bigorna! Essa aventura vai Acabar com o cenário! Dois NPCS
poderosos numa aventura?! Como é que eu vou poder mandar essa aventura pra
Trama?!
- Bom, Cavaleiro, eu observei o desenvolvimento, e pra mim a aventura tá boa.
- Mestre, eu tenho certeza que eles vão gostar.. - se intrometeu Severino.
- Low-level, quer acabar com a mesa?
- Não, senhor.
- Invoca o Barba aqui pra mim. Anda, criatura, anda. Ele vai ter que narrar
direitinho pra mim sobre esses 4 artefatos no dedão de Valkaria.
Bigorna já tinha sido um mestre dedicado. Viu potencial no garoto, chegou até
defender a história.
- Mestre, essa aventura tá no padrão da Wizards, você não viu o mapa?
- E eu lá sei de círculo de magia?! Esse ‘1 dado-de-vida’ ainda quer me ensinar
onde colocar minhas criaturas...
Quando acontece uma aventura no cenário de campanha, o escritor tem que
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determinar qual o tamanho do impacto do ato dos aventureiros no cenário. Só
que ficar escrevendo epílogo dá muito trabalho.
- O senhor mandou me conjurar? - disse Barba ao entrar.
- Mandei.
- Algum problema?
- Uns 3d6. Eu quero saber o que significam esses 4 artefatos encontrados aqui na
Libertação de Valkaria.
- A culpa não é minha, fiz tudo como o senhor pediu, mas...
É muito mais fácil mudar o local do item do que balancear pra próxima cena.
Tem muito mestre preguiçoso que reduz a apelação da cena dele colocando item
mágico em outras salas da masmorra. Só que se for DM, companheiro, ninguém
fica flanqueado.
- São aqueles mestre filho de kender, eu ponho os itens aqui, eles põem lá, eu
ponho aqui, eles põem lá, é a guerra das salas...
- Não quero tomar conhecimento disso, isso é apelação que você tem que
resolver.
- Mas, mestre...
- Estamos conversados?
- Sim, senhor.
- Assistente, você vai refazer essa aventura. Olha aqui ó, tubarão atroz em sala
com armadilha de inundação. Tubarão atroz, meu filho, é pra aventura aquática.
- Mas mestre, a armadilha é mágica, ia inundar a sala... - respondeu Severino,
protegendo a aventura como seu filho único.
- Você tem conhecimento em natureza, por acaso?
- Não, senhor.
- E olha aqui, aventura começando no meio da estrada? Aventura começa em
taverna! Segunda-feira eu quero uma nova aventura aqui sobre a minha mesa,
porque essa aqui, olha, não foi jogada. Turno encerrado.
O Cavaleiro Andante rasgou, amassou e jogou fora a aventura, diante dos olhos
descrentes do Severino. Ele não ia querer uma aventura boa que não fosse
oficial. Eu também tentei adaptar o d20 convencional, e o meu jogo também
ficou desequilibrado.
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46
CAPÍTULO 5
A PLANILHA
Quando Severino chegou em casa aquela noite, encontrou Noob colorindo seu
xerox do mapa de Eberron. Noob o recebeu sem perder o foco.
- Ô Severino, demorou hein. Trouxe minha bike?
- Trouxe, taí embaixo. Pô amigo, cê tá de sacanagem... Tá estragando toda a
campanha em Aerenal!
- Passei na CD pra Obter Informação e acho que sei como nos tirar daquele
trampo de merda e colocar a gente em alguma mesa. Vem comigo que eu tenho
que explicar o plano pro Barba, vam’bora.
- Que plano?
Severino não sabia a encrenca em que estava se metendo. Apesar de serem
amigos desde crianças, desde a primeira mesa, Severino ainda acreditava nos
planos de Noob.
Eles se encontraram com Mestre Barba numa lanchonete movimentada. Barba,
como sempre, não estava satisfeito com nada. Também pudera; seu personagem
não evoluía tinha tempo.
- Quem tá perdendo XP aqui nesse grupo sou eu por causa do Cavaleiro Andante!
- Como assim, quê que tá acontecendo? - retrucou Severino, sem pensar.
- Tô me ferrando nessa mesa sim, ele levou todos os meus esquemas. Nem dado
pra jogar eu tenho mais... tô fudido e sem dado! Olha lá o Valchera, olha lá o
goblin de gruta...
Do outro lado da grande lanchonete, Mestre Valchera se reunía com amigos e
algumas garotas, conversando animadamente. Noob voltou ao assunto:
- Ué, cumpade, cê tava envolvido na jogatina de dado viciado também?
- Pô Noob, eu tenho personagem também, ganhava 500 de XP por mesa. Você
acha que eu vou ficar jogando campanha por causa de 500 de XP? Tinha que
pegar dado viciado mesmo!
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- Mas qual era seus esquema? Cê pegava dado viciado? Que porra é essa, cara? Severino continuava desorientado.
- Era esquema honesto! Honesto! Eu jogava de palada e ajudava os NPCs...
- Como assim honesto cara? Jogava com dado viciado! - Noob era quase um
paladino, acreditava que a diversão do jogo estava em ganhar só às vezes.
- Honesto! Quem ia nos lives pra pegar card é o Cavaleiro Andante...
- Cê tá rolando Blefar! O cara ia pra live pra pegar baralho de Magic?!
- Ô Noob, tu é um arconte mesmo! Tu não sacou que só a mesa do Mestre
Andante rola nas sextas-feiras? Você acha que ele se maqueia de graça? Ele vai
nos gótico pegar carta, meu!
- E quanto ele levava no deck goblin?
- Umas seis raras por semana, isso na época do baralho elfo, hoje deve ser muito
mais!
- Seis cartas?! - falou alto Severino, quase chamando a atenção das mesas
próximas.
- É, esses orc de gruta pega terreno pra tarrasque! Pega terreno pra tarrasque!
- Eu tou com um esquema pra gente bater bafo nesses terrenos aí, Barba.
Naquele ponto, Noob já sentia que a mesa tava posta pra contar o plano. Barba,
por sua vez, sempre se preocupava mais com o seu.
- Que esquema? Quanto é que eu levo nessa?
- Como assim quanto cê leva nessa?
- Aah, e vocês vão ficar com os terrenos todos pra vocês?
- Que terreno!
- Que terreno o quê, ninguém aqui quer terreno, não, nós vamos pegar essas
cartas e trocar pelos suplementos e regras que a gente precisa pra terminar de
montar aquelas criaturas que tão lá!
- Não, isso eu já entendi, quero saber quanto vai sobrar pra mim?
- Cê não quer se vingar do Valchera? - acrescentou Severino.
- Me vingar do Valchera? Cês tão de gnomice comigo... Cês tão querendo é me
ferrar, isso que é! Eu vou dar uma jogada, vou dar uma lutada, e vocês que
fiquem com o interpretar de vocês aí! Quer dar uma de leal e bonzinho fica aí! disse Barba, irritado, se levantando e indo embora.
- Ô Barba!
- Ué Barba, pô! Pô, qual é, cumpade? Qual é, cumpade?! - Noob se virou para
Severino, pra ter certeza que ele ainda estava ali - Pô, tu não vai recuar nessa,
né André? Tou contando contigo no meu grupo! Olha pra mim, cumpade!
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Eu tenho que admitir que a quest do Noob curou o status de todos os jogadores
de tendência honesta do grupo de jogo. Tava totalmente combado. Demorava
uns 400 turnos pro Severino pegar as cartas de Gathering, o maior prêmio do
mestre otário. E era nessa rodada que o Noob entrava, feito uma mágica
instantânea.
Enquanto ele batia o bafo nas cartas que o Mestre Magister buscaria - esquema
do Cavaleiro Andante -, Noob e o Totoro cuidavam de atrasar a revisão da ficha
do Cavaleiro.
- Vamo aí Totoro, dá uma olhada aí se tá de acordo com as regras. - dizia Noob,
sem se preocupar em ter pressa.
- Aí Otaku, escreve logo que eu tou atrasado. - completou Magister - Daqui a
pouco o Cavaleiro Andante começa a mesa e quem vai perder experiência sou eu!
- Mestre, se quer moleza vai sentar no cubo gelatinoso...
Observando os atributos, Otaku Totoro percebeu que a tabela no livro estava
idêntica; nem pro Mestre adaptar...
- Xiiii, colou, hahahahaha!
No turno em que o Noob liberou a ficha o Severino já tava com as cartas na
manga.
O Magister levou uma cara pra sair com a ficha pra mesa do Cavaleiro, e passar
na banca onde o Murloc trocava cartas.
- Graaande Murloc!
- Fala ! Eaí, pegou a mina?
- Que mina?
- Ué, teu colega passou aí e disse que tu tava com uma mina e não podia vir. Até
entreguei as carta pra ele.
- Que colega, Murloc?!
O Mestre Cavaleiro Andante tomava um achocolatado e assistia um filme inédito
na Sessão da Tarde quando Magister ligou contando o acontecido.
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- Pelo olho e a mão de Vecna, cão infernal comendo rabo de kobold... não, não,
vem pra cá, tou na casa da minha avó.
De posse das cartas do Cavaleiro, foi fácil pro Noob e pro Severino vender e
comprar os livros que estavam faltando. Foi coisa de INT 30. O Mestre Andante ia
rolar o quê? O Noob usou o sistema a favor do sistema. Era um ato heróico,
garantia muito XP, mas também podia acabar com a campanha. A gente tem que
saber que o sistema não é a prova de falhas. Mas o Noob pelo menos tentou
consertar as coisas. Já o Severino continuava rolando número baixo.
Festa de otaku é se reunir pra ver anime e cantar música de anime. Não é lugar
de rpg. Muito menos de d20. Mas o Severino tava mesmo sendo tentado pelas
companhias. Marcela o levou pra um encontro de cosplayers. E aqueles colegas
da faculdade estavam lá, jogando suas cartinhas.
- Aí, rola Spot aí pra ver quem tá chegando aí. Ferrou, vai chegar na porrada...
Ahahahaha!
- Tchelaaa! Hmm, tá bonita! - gritou Camile, do outro lado da mesa.
- Hmm, você também! Eaí, vocês vão ficar sentados aí jogando?
- É, vamos, vou evoluir meu kakuna agora...
- Eu tou com uma carta de estádio aqui também. - disse um deles.
- Vamo pra lá então, pegar um suco. - falou Severino ao ouvido de Marcela.
- Vamo lá? A gente vai lá então, depois a gente conversa.
Conforme os dois se afastavam, o grupo continuou a ironizá-los.
- Só porque a gente tem um castelinho em Valkaria... hahaha...
- Fica de olho, fica de olho que eu vou dar um choque do trovão nesse guerreiro
de masmorra...
- Ó, num vai entrar em combate!
Severino e Marcela já estavam do outro lado do salão, se balançando ao som de
Chala Head Chala. O otaku do cardgame, afim de uma confusão, aproximou-se do
computador que servia de DJ. O tema de abertura de Dragon Ball Z foi baixando
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até sumir, e a música “Bee Geeks - Perícia” tomou seu lugar. Sob o som de
"perícia para quem precisa, perícia para quem precisa de perícia?", Severino já
sacou o que estava acontecendo. Tinha alguém querendo inventar que Humilhar
é perícia de classe.
- Tem gente querendo mudar minha tendência. Rola Listen pra isso não, vamo
continuar conversando.
Acabou que o Severino enrolou pra tarrasque e não pegou a mina aquele dia.
Quanto ao plano do Noob, tudo parecia perfeito. Mas só na planilha, porque o
jogo é diferente. No d20, o sistema protege os jogadores. O Mestre Andante não
podia declarar a perda das cartas, mas podia cortar o XP. O Severino virou
encarregado dos lanches, o Noob completou todas fichas mas não entrou pras
campanhas.
- Pega mais batata chips que é pra dar uma segurada na comida.
E perdeu o Player, quem melhor fazia ficha. A sorte era que o Cavaleiro Andante
pensava que os low-levels só tavam de carniçal, seguindo ordens de um mestre,
alguém que conhecia o sistema a fundo. Durante o lanche da mesa, o Cavaleiro
já estava elaborando um jeito de pegar o traíra.
- Barba, cê tá desocupado hoje, né? - começou ele.
- Tô sim, senhor.
- Quero que cê vá investigar pra mim uma história de live-action de Vampiro Dark
Ages.
- Eu, senhor?
- Não, o caçador invisível. É, você mesmo.
- Ok, sim, senhor. Hoje à noite?
- Hoje à noite.
- Como o senhor quiser.
Pra esse player, a quest ia ser bem mais perigosa. E foi naquele turno que a
campanha do Noob e do Severino começou a se misturar com a minha.
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CAPÍTULO 6
PWN
Minha cabeça não saía do RPG Online.
Toda vez que eu pensava no meu char, eu me lembrava da mãe do Feiticeiro.
Deve ser foda não poder usar o personagem.
Levantei da minha sala e encontrei os outros Mestres treinando rolagens no salão.
- Ô Mastim! Vamo todo mundo se equipar que nós vamos sair. - ordenei.
- Vamo aonde, Zero-Um?
- Vamo lá na Level-Up liberar a conta daquele feiticeiro.
Na revistaria onde os DMs se reuniam, Mestre Barba já tinha o esquema armado
com seu grupo de jogo. Sempre que podia, ele se aproveitava dos lives pra poder
tirar uma casquinha. Ele e seus jogadores estavam prostrados frente ao
estabelecimento, conversando.
- Aí galera, o Mestre Andante pediu pra eu ir ver uma história de live de
sanguessuga. O live tá cheio de suco de uva, se a gente for tranqüilo dá pra dar
uma idéia nas gótica, só que o Cavaleiro Andante não pode saber senão ele vai
agarrar a gente ao invés delas...
Noob apareceu correndo, com livros (de d20, claro) embaixo do braço, pronto
pra acompanhar o grupo. Mas Barba não aprovou a iniciativa.
- Que rabo de cocatriz é esse, low-level, você com material de d20, não vai me
envergonhar lá em cima, pelo amor de Tyr... Tu tá no meu grupo, não vai me
envergonhar.
- Tá tranqüilo, Temerário é meu talento principal, tá tranqüilo, confia em mim.
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Mestre Valchera, que atravessava a loja, fez um sinal para Mestre Barba.
- Ô Mestre, esse grupo aí já tem jogo hoje.
- O Cavaleiro pediu pra eu levar eles.
- Não, não, cê vai no grupo dele comigo. E você, low-level, larga esses livros e
vai cuidar de refazer a ficha do Cavaleiro que tá apagada. Vam’bora Barba, não
perde turno, não.
Foi naquele instante que o Mestre Barba percebeu o que estava acontecendo. Por
ordem do Cavaleiro Andante, o Barba teria que se meter numa mesa de botar
medo em Cthullu.
- Ô Noob, cê cumpriu a quest das cartas lá?
- Fechamo sim, senhor.
- Eu acho que eles vão me apagar, Noob. - disse em voz baixa.
Barba tava com a ficha na mão.
Conforme eles saíam, Noob correu até Severino, que limpava as mesas de jogo e
recolhia os restos de comida. De longe já se via que alguma merda tinha
acontecido.
- Severino, deu bug no server, mermão!
- Que que foi? Que que houve, cara?
- Os caras rolaram baixo e agora tão achando que foi o Barba que fez a aventura.
Vem comigo! Vem comigo! Vem comigo!
Os dois correram atrás do grupo, que já virava uma esquina à distância. E o
Cavaleiro Andante, de longe, só sapiava. A treta já tava armada.
Foi aí que começamos, quando o live rolava solto.
No fundo ouvia-se um funk, o Jogo do De-e-Dê (ou Rap das Armas Mágicas), um
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tipo de ritual dos lives, de zoar outros sistemas pra melhorar a péssima autoestima dos góticos.
Barba chegou escoltado pelos mestres sob comando do Mestre Valchera, ficou
cercado por vampiros, e foi forçado a entrar numa mesa. Severino e Noob não
deram conta do recado e os sanguessugas botaram os dois pra jogar também.
Tava na cara que eles não iam sair de lá com as fichas inteiras.
Na nossa sede, chegou uma mensagem de celular avisando o ocorrido. Alguém lá
no prédio tava dando uma de anjo da guarda, concedendo CA pros caras, e a
gente era a escolta.
- Recebemos aí que tem um grupo de DM cercado num live, e o outro daqui tá
fora. Foi todo mundo lá na LUG. Eaí, que que eu faço?
Eu e minha equipe távamos na Level-Up. colando num GM, quando o celular
tocou.
-
01, prioridade, DM cercado por sanguessugas.
Ciente, Emílio. Tamo indo pra lá, já. - respondi. O GM se borrava nas calças.
E-e-e... e esses 500kk, quer que eu ponha onde?
Põe na conta do Morp.
A coisa ia ficando mais apertada pro lado do Severino e do Noob. Eram cinco
branquelos pra cada um.
- Ferrou Noob, a gente vai morrer, cara!
- Continua conjurando!
- Tão acabando meus slots.
E lá embaixo.
- Aí, o Morp chegou, vamo entrar, vamo entrar!
- Não vai subir ninguém! Não vai subir ninguém! Não vai subir ninguém! É
aventura pra 15º nível!Não vai subir ninguém!
Os dois já se seguravam nos seus últimos dados de vida.
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- Tarrasque, acabaram as magias que eu preparei, cara!
- Usa a varinha aí, pô! Se esconde aí!
Foi padrão; entramos já rolando tudo. Dois por mesa, quatro branquelos cada.
Peguei o líder do live de cara na mesa central, e fiz ele queimar até o último
ponto de sangue. Perdeu pra um DM, coisa fácil de acontecer quando se joga com
o Morp. Seus asseclas o seguiram para fora do live.
- DM! DM! DM! - gritavam Noob e Severino no meio da baderna.
- Sai do buraco!
Joguei a ficha do vampiro pra um dos DMs olhar.
- Ô Mastim! Vê pra mim quem é esse kindred aí.
- Esse daí é o Toreador, o organizador do live.
Noob e Severino pareciam dois ursos-coruja, de olhos arregalados de espanto.
-
Os senhores estão conscientes?
Sim, senhor!
Algum dos senhores está ferido?
Sim, senhor! Bastante!
Algum dos senhores está com ponto de dano em atributo?
Sim, senhor!
Então hoje, os senhores se salvaram por pouco.
Sim, senhor...
O Noob decidiu entrar pro Morp porque ele gostava de guerra. O sonho dele era
defender a coroa de Azoun IV contra a horda, e ele viu que a gente fazia isso
todos as noites. O Severino veio junto porque ele era um mestre que confiava no
sistema.
Encontramos o Barba na portaria. Ele deve ter levantado e corrido na primeira
oportunidade que teve, e tava quase rindo sua bunda fora com o susto.
- Sorte sua que Mensagem Mágica é feitiço instantâneo, se não fosse isso os
branquelos tinham me passado, os caras iam matar nós três lá em cima...
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Noob foi quem se adiantou a puxar um papo com a gente.
-
Mestre...
Fala low-level.
Como é que eu posso conhecer o grupo de vocês?
Se inscreve no curso. A data sai no folhetim mensal da gibiteca.
O Noob achava que sabia o que tava fazendo.
O Severino, nem isso.
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CAPÍTULO 7
REPOSICIONANDO
Foi naquela semana da campanha do Elminster que as boas notícias começaram.
Meu personagem do WoW subiu de nível, e ganhou classe especial. Já tinha
completado todas as quests da minha classe. Faltava parar com o rpg.
Cheguei um pouco atrasado aquele dia. Tinha ido comprar umas coisas que minha
namorada tinha pedido. Cumprimentei o Mestre Emílio com o gesto secreto, que
prontamente me respondeu.
- À vontade. Me diz uma coisa aqui, fiquei sabendo do teu personagem. É orc ou
tauren?
- Tauren. Thordek é o nome.
Sentei à mesa cumprimentando os amigos de grupo, Mestre Carlinhos, Darth
Vader e Mestre Yuri, um gordinho engraçado, responsável pela maior parte das
nossas lendas, andava se metendo a usar magia tinha quase uma campanha. Mas
ele realmente não era bom nisso.
-
Pô, que é isso aí Yuri? Tá sem óculos hoje por quê?
Tou querendo enxergar, cara.
Cê tomou cegueira permanente semana passada.
Faz o seguinte, coloca esse óculos aí. - disse Emílio, finalizando a discussão.
Emílio tirou da pasta uma pilha de folhas.
- Ó, prestenção. Considere isso aqui um espólio, mas não é pra você não. É pro
Thordek. Dessa planilha aqui vão sair dois mestres que vão substituir você e
você. - disse, se referindo a mim e ao Mestre Darth Vader.
- Holy Thordek. - comentou Vader, com um sorriso na máscara. Eu também fiquei
animado.
- Mestre, vou elaborar o mais complexo curso da história dos Mestres de RolePlay.
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- Tá certo. Vamo rolar iniciativa. Vamo lá.
As planilhas do Mestre Emílio eram um verdadeiro paraíso do RPG. Ele mantinha
as informações tão bem organizadas que dava tanto pra fazer uma prova de
química quântica quanto pra aprender a fazer um bolo de chocolate, dependendo
da pasta que abrisse. Os papéis que ele trazia aquele dia listavam todos os
jogadores conhecidos nas redondezas.
- Esse Zero-Um aqui... - Carlinhos, um dos mais antigos no ramo, começou a
leitura.
- Wiccan McGregory. - respondi.
- Esse aqui é poser de black metal.
- Crítico? - Emílio, do outro lado da mesa.
- Crítico confirmado.
- Opa, começamo bem, vai virar celebridade de orkut, esse aqui, cê vai ver. disse eu, riscando o primeiro nome da lista. Darth Vader foi o próximo a
comentar.
- Mestre, Arshley Flores. Da minha época. Imoral, envolvido com fagocitose de
otaka.
- Vai virar reportagem da Globo. Mas a gente esqueceu desse Barba, eu já ouvi
falar desse cidadão o mestre, né, Barba Barbosa...
- Esse é ficha robada. Apelão de regra, e jogador de Yugi-Oh. - completou Carlos.
Mestre Emílio sabia quebrar um clima tenso.
- Yuri? Tá vendo alguma coisa aí?
- Sinceramente...
- Tá parecendo um alienígena... o Bátema! Tomou licô de cair pinto... completei.
As risadas ajudaram a acalmar o cenário. Era um processo complicado escolher
quem podia ir pra frente no curso. A maioria dos jogadores de RPG tem um
background tenso.
- Vamo lá, vamo lá, e os low-levels...
- Esses aí são os que você tirou lá daquele live. - comentou Yuri, apontando pra
mim - O Mestre Bigorna no décimo nono disse que eles são leais e bons.
- Começaram bem, né...
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É claro que nosso curso já teve alguns problemas, e o Mestre Emílio queria se
assegurar de não ter que encarar novos. Só treinar jogadores porradeiros pra
interpretação já era muito sacrifício.
- A campanha é o seguinte - começou ele -, eu não quero saber de item mágico
quebrado em mesa inaugural, eu não quero saber de personagem desintegrado,
tá claro isso?
- Não... o negócio do bastão quebrado foi, foi acidente. O aluno pegou o bastão
pra usar em combate, o instrutor tentou separar, quebrou o item do aluno. Agora
o desintegrado, o Carlinhos pode explicar...
- Foi sem querer, mestre...
Rimos. Era uma memória clássica dentre as mesas do curso.
- Mereceu, Emílio, mereceu...
Severino dormiu com Marcela no dia da festa. Na verdade, ela que dormiu ao
lado dele enquanto assistiam a um filme. Ele não pegou. Ou era muito bom pra
ela, ou era muito burro. Se alguém quer ser mestre do Morp não pode se envolver
com jogadora de 3d&t.
A verdade é que o Severino era um cara que ainda não tinha escrito a tendência
na ficha. Ele queria ser mestre de jogo, mas também queria ser um autor
renomado. Se o Severino tivesse o d20 no coração ele ia ter dito a verdade pra
garota na qual ele tava interessado. Inventou que tinha que ir jogar. E deixou ela
correr atrás do estágio.
Dias depois, o voip da Trama tocou. Eram os moderadores da RedeRPG,
convidando Marcela pra uma conversa por webcam. A garota devia estar super
ocupada, agora que o Severino tinha tirado umas férias da editora, só que o cara
era tão organizado que nem dava pra perceber que ele não tava ali. Todas as
aventuras catalogadas, plots e tramas organizados por cenário, uma beleza. O
problema é que ele não tinha contado que as férias era pra fazer o teste do
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Morp. Tava chegando a hora de decidir de que lado da mesa ele queria jogar.
- É, ele já tá prestando estágio aqui na Trama faz 1 ano. Tá sendo ótimo, ele já
consertou quase toda Arton. Sim, eu sei que isso vale o prêmio Nobel do RPG,
sim. Mas, olha, o André ele teve que ir jogar, ele vai ficar umas 2 semanas fora
da realidade. Pode ser pra daqui 2 semanas? Tá, ótimo, maravilha!
No Morp, nego sem tendência não ganha Xp. Pra mim, o Severino ia desistir no
meio do curso.
Foi quando Rogério entrou na sala, com uma cara de quem tinha visto Tiamat no
banheiro.
- Cara, acabei de conseguir um estágio pro Severino!
- Acho melhor você arrumar outro namorado, Marcela.
- Mas a gente não tá namor...
Malkaviano entrou logo em seguida, acompanhado de Caitiff e Rav, seus braçosdireitos (ou presas-direitas, como quiser), que traziam consigo Fanta - o cara,
não a bebida. Marcela era bem lerda às vezes, coisa que o Severino, nas suas
viagens de achar que alguma coisa daria certo com ela, não tinha percebido.
- O que foi que aconteceu? Oi Malkaviano, tudo certo?
- Tu que vai me narrar. Tá reconhecendo alguém dessa revistinha aí?
A edição da Dragão Brasil caiu como um míssil sobre a instável mesa da Trama.
Malkaviano se ofuscou, deixando que a capa falasse por si mesma. "Mestre das
Aventuras, uma entrevista com o DM Severino", em letras grandes, acompanhadas
da foto do André Severino.
- Não tá reconhecendo esse advogadozinho de regra, não?!
- Não pode ser, Malkaviano...
- Ah, não pode ser?! Esse vampirão que ele matou era da 5ª geração. Ele tinha
natureza e comportamento, era meu irmão de sangue, tá laçado?! E aí, qual vai
ser agora?!
- Malkaviano, fica tranqüilo cara, rola consciência aí... - Rogério tentava aplacar
a fúria do Malka, apelando para as regras.
- Malkaviano, e-eles não tem nada a ver com essa crônica, f-fui eu que trouxe o
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André Severino pra cá.
- Só que ela não sabia de nada, não! - apoiou Fanta.
- S-só que eu não sabia de nada. Tô sabendo do background agora.
- Ninguém sabia... - finalizou Rogério.
- Tá de blefar com as minha presa?! Tá de blefar com as minha presa, porra?! Vou
te dar a narração, DM aqui no jogo é inimigo, é apelão!
- Ninguém aqui rolou blef...
- Fica na sua que eu não terminei meu turno, não! Quem você acha que garante a
interpretação aqui? São os DM? Responde, sabbath! - disse Malk, colando Marcela
contra a parede.
- É-é a Camarilla...
- É a Camarilla! E a Camarilla é nóis, e eu sou o Príncipe, tá laçado? Pra jogar
aqui tem que jogar com nóis!
- A gente tá jogand... - disse Fanta, sem passar no teste de vontade.
- Tu joga com quem, playboy?! Tu joga com quem?
- Com nóis, com nóis!
- É com nóis mesmo! Vou diablerizar geral, hein?
- Pode ficar em torpor...
- Cala a boca, cala a boca! Caitiff, dente nele. Rebanho. O cenário tem que ser o
Mundo das Trevas. Se for outro é com vocês mesmo! Tá laçado?! Toma, agora
joga aí o UFO Team de vocês aí.
Quando o Malkaviano deixou o escritório da Trama, estavam todos muito
abalados, tomando uns -10 de redutor em cada atributo. Dava pra sentir que não
era o lugar pra liberdade.
A mesa do Severino era só um pretexto pra ele fazer o curso de roleplay. Ele e o
Noob estavam dispostos a rolar bonito pra passar no teste, só que eles não tavam
sozinhos.
Quando os assistentes chegaram no curso do Morp, o apelão veio com eles. Se o
Barba ficasse no grupo de jogo, o Cavaleiro Andante comia o personagem dele.
Coitado. O cara não sabia que, perto do meu nível, o Cavaleiro era um kobold.
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Nosso local de treinamento já era feito pra forçar os jogadores a interpretar. Era
um barracão de uma antiga fábrica, escuro, perfeito pra testar a garra dos caras.
Eram umas sete da noite quando Mestre Enrico começou a falar.
- Os senhores jogaram até aqui com os seus próprios dados. Ninguém,
absolutamente ninguém, os convidou para assistir a uma mesa. E nenhum,
nenhum dos senhores é bem-vindo aqui. Preparem os seus backgrounds, pois os
seus planilhas já nos pertencem. Eu declaro aberto o 9º Curso de Jogos
Orientados ao Role-Play.
Bombinhas estouraram, assustando alguns jogadores. Eu, Yuri e os outros Mestres
do Morp gritamos em resposta, surgindo das sombras.
- Nunca mestrarão!
- Mestres... Intimidar!
Partimos pra cima deles, gritando e falando mal do RPG. Estávamos bem
munidos, revistas e jornais sobre barbáries que culpavam o jogo, reportagens
feitas pela Globo, trechos comentados por pastores radicais, enfim, tudo o que
se diz sobre RPG que não condiz com a verdade.
Eu reconheço que, pra quem nunca rolou um dado, o RPG parece uma seita. Mas
é assim mesmo que o RPG tem que ser. Os nossos mestres são formados na base
da porrada. Pra jogar aqui, o cara tem que provar que agüenta apelação.
- Você acha que ninguém aqui sabe que você jogava cardgame?! Você acha que
ninguém aqui sabe que você mestrava Dado Selvagem?! O senhor sabe porque o
número do senhor é Zero-Um?! É porque você é uma falha crítica! Porque quando
o grupo tá na pior, você é o primeiro a fugir! Você não merece jogar, e eu vou
fazer o senhor desistir! Pede pra sair do grupo! Pede pra sair! Pede pra sair!
- E-eu desisto!
- Zero-um desistiu!
De cada cem DMs que tentam fazer o curso do Morp, cinco chegam no final da
campanha. E quando eu fiz o curso, parceiro, foram três. Nem os fóruns de
internet formam jogadores como a gente.
O treinamento começa com alguns dias de batalha campal e testes físicos. Pra
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ser capaz de mestrar durantes horas a fio, o cara tem que ser capaz de agüentar
o tranco. A canção é pra não perder o ritmo de jogo.
- O Morp tem guerreiros, que matam feiticeiros! Com o dado entre os dedos,
jogam o dia inteiro! Rola o d-vinte passando a CD! O Morp tem guerreiros que
arrasam em D&D!
Depois, vem o teste psicológico. Vai todo mundo pra sala de aula, aprender sobre
a origem do sistema. E nessa, eu sou mestre.
- O conceito de Terra-Média, do anglo-saxão Middangeard, do inglês antigo
Midden-Erd, do norueguês Midgard... os senhores estão anotando?
- Sim, senhor.
- Vou pedir isso na ficha. Em inglês Middle-Earth, em quenya: Endoré, em
syndarin: Ennor, em grego Oikoumenē, em klingon -- Mestre, o Três Ponto Cinco está lendo Quarteto Fantástico Mangáverso. - avisou
um dos DMs.
Nessas horas a gente tem que fazer o negócio direito, mestrar com atenção,
senão o grupo amolece.
- Senhor Três Ponto Cinco?
- Sim, mestre.
- Tenha a bondade. - disse, entregando um dado - Senhor Três Ponto Cinco, esse
d20 aí na sua mão tem o número um em todos os lados, senhor Três Ponto Cinco.
Se o senhor deixar esse d20 rolar, vai sair uma falha crítica pro grupo inteiro. O
senhor vai rolar falha critica pros seus colegas, o senhor vai rolar falha crítica
pros meus auxiliares, o senhor vai me rolar uma falha crítica. O senhor vai ler
HQ, senhor Três Ponto Cinco?
- Não, senhor!
- Estamos todos confiando no senhor. Eu vou retomar a narração. O conceito de
Terra-Média, do anglo-saxão Middangeard, no inglês antigo Midden-Erd...
Na hora de construir fichas, o teste é de velocidade e conhecimento. O Mestre
escolhido guia o grupo na construção. Ele tem que saber as regras, organizar os
números, e ter certeza de que está tudo dentro de acordo com os livros. Noob
era o mestre da vez.
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-Mestre!
- Sim, senhor!
- O grupo tá pronto pra criar personagem?
- Sim, senhor!
- Quanto tempo você quer pro grupo montar os personagens?
- Hm... duas horas tá bom.
- Tá de sacanagem, Mestre? Que brincalhão... - disseram os mestres, sob efeito
do gás do riso.
- Mestre, o senhor é um apelão! Os senhores têm 10 minutos pra montar os
personagens!
Mastim, o mestre auxiliar completou:
- Ninguém rola os dados enquanto eu não mandar!
Jogamos uma pilha de fichas em branco no chão, algumas desatualizadas, e uma
bacia de dados.
- Quando os senhores acabarem de rolar, eu vou querer ver essas fichas
preenchidas! Os senhores entenderam?
- Sim, senhor!
- Vai!
Eles começaram, escrevendo o mais rápido que podiam, e o Noob tinha que
conferir as fichas, mas eles nem conseguiram chegar a ver as perícias de classe.
- O tempo do senhores acabou! Acabou o tempo, acabou o tempo!
- O senhor pode me explicar essas fichas aqui em branco? - intimidei.
- Não deu tempo, senhor!
- O senhor acha justo, num país onde a Devir não publica nada, os senhores
deixarem essas planilhas aqui em branco, por que vocês estão sem materialzinho
de qualidade, senhor D-Seis?
- Não, senhor!
- O Zero-Dois não rolou por que, Zero-Dois? - disse eu, chamando Barba à frente.
- Mestre, eu não consegui chegar nos dados, mestre.
- O senhor pode chegar aos dados agora, senhor Zero-Dois?!
Sim, senhor...
66
- Então o senhor ajoelhe e role esses dados agora! Eu quero ver você preencher
essa ficha inteira, senhor Zero-Dois.Sem frescura! Se o senhor não preencher essa
ficha intera, o grupo todo vai passar a madrugada jogando em Valkaria, senhor
Zero-Dois!
O Barba não ia agüentar. Os dados tavam numa maré de azar do cão infernal,
que só tavam tirando número baixo. Ao rolar os d6, ele conseguiu tirar quatro
um. Era o resultado perfeito pro tipo de jogador que ele era.
- Ahhhhh! O senhor está rolando mal, senhor Zero-Dois? Senhor Zero-Dois, se o
senhor rolar baixo pros seus colegas, os seus colegas vão ter que jogar com essa
merda de atributo que o senhor rolou, senhor Zero-Dois!
- Não senhor, eu vou preencher...
- Todo mundo vai fazer as fichas, agora!
- Vam’bora, vam’bora, vam’bora, vam’bora, vam’bora, vam’bora! - disseram os
assistentes, jogando lápis e borrachas.
- E a culpa é do Zero-Dois!
Eles tinham que aprender o sistema.
- E eu quero ver o background cheio!
Durante as mesas, eles treinavam incessantemente as técnicas de atuação em
combate.
- Bardo, puxa o Inspirar Coragem!
-
Conjurador, o que é que você faz?!
Combo o guerreiro e fico bem atrás!
Homem de Armas, qual é a solução?!
Ataque Poderoso, Trespassar e Encontrão!
Roleplay é isso; interpretar se aprende, ninguém nasce sabendo. Só que só
interpretar não leva ninguém a tesouro.
67
- Para a campanha, cessa a campanha! Mestre, esse é o pior turno que eu já vi na
minha vida! É pra continuar interpretando, mestre! É pra parar a campanha, não
pra parar de interpretar! Eu quero os senhores fora dessa masmorra!
A primeira parte do curso é só porrada. O objetivo é eliminar os chatos, e
principalmente os apelões. E quando eu sou o narrador, os apelões tem
preferência na ordem de iniciativa.
Depois de horas e horas de jogo e mais outras de aula, o grupo tava acabado.
Todo mundo jogado no chão, uns tentando dormir, e outros mexendo nas fichas.
O Noob tava crescendo dentro do grupo. Quando foi o mestre dava pra ver que
ele se dedicava. E eu tava de olho.
- Quatorze, empresta o Punhos & Espadas pra ele ler aqui. Zero-Dois, Zero-Dois!
Acorda aí, mermão! Tira esse dano de contusão da sua ficha, aí. – dizia ele.
- Pô, me deixa ler Karekano...
- Tira esse dano de contusão da sua ficha cara! Tu tá com PV baixo!
- Não dá, Noob, não dá pra eu apagar mais, tá tudo borrado na minha ficha aí. Se
eu apagar não vou conseguir anotar mais.
- Pô, tira esse dano de contusão aí! - insistiu também o Severino, que ouviu a
conversa.
- É contra as regras cara, teu PV tá quase nulo!
Quem me conhece sabe que eu não deixava barato quem não cuida direito da
ficha. Não é só função do mestre que ficar corrigindo e reescrevendo. Jogador
bom não liga só pra XP, também respeita o material de jogo. Eu ia pegar o Barba
de jeito por causa disso.
- Atenção, senhor Zero-Dois! Senhor Zero-Dois, eu tenho uma novidade pro
senhor. O senhor vai ser o novo Mestre, senhor Zero-Dois! O senhor tem 3 turnos
pra me colocar esses Lasombras aí na área da minha fireball.
- Sim, senhor!
O Barba também não sabia nada de movimentação em grid, dava pra ver pela
posição das miniaturas. Eu realmente já estava me perguntando o que passou
pela cabeça dele pra entrar no d20.
68
- Bora! Ajeita isso aí! 6m de raio! Vamo, vamo! - gritava ele pro grupo.
- Zero-Dois, já se passou um turno! Já se passou um turno! O grupo tá em fila pra
entrar na dungeon?
- Sim, senhor!
- Olha pra mesa! Tá em forma esse grupo?!
- Grupo em forma! Na frente, ladino! Tá em forma sim, senhor!
- Tá em forma?! O senhor tem certeza?!
- Sim, senhor!
- E esse dano de contusão que ainda tá anotado?! Seu abissal!
Enquanto ele imaginava como reagir, chegamos junto na movimentação. Ele
ficou tão flanqueado que nem lançando Santuário ele ia conseguir espaço pra
pensar.
- Tá flanqueado! Flanqueia esse abissal! Ok, Zero-Dois, por favor, shift clique em
mim, me acompanhe - disse eu, conduzindo ele pela dungeon - Senhor Zero-Dois,
você está vendo aquele Kraken ali?! O senhor está vendo?!
- Sim, senhor!
- Vamos aproveitar que o senhor tá com o PV errado, o senhor vai desequipar e
vai me trazer um olho daquele Kraken.
- Sim, senhor!
- O senhor acha que você consegue fazer isso, senhor Zero-Dois?!
- Sim, senhor!
Barba tava tremendo. Não era pra menos; eu tinha +15 em Intimidação. Ele não
conseguiria rolar nem um d4. Desesperado, o cara começou a tentar apagar os
PVs errados, mas só conseguiu fazer um buraco na ficha. Tirei do bolso da
jaqueta minha caixa da Wizards.
- Senhor Zero-Dois, senhor Zero-Dois, sabe por que o senhor não vai conseguir
fazer essa side-quest? Não é porque o senhor não tem subtipo aquático, não. Não
é porque o senhor já perdeu cinco níveis e três pontos na constituição, não. É por
que pra ter esse d20 aqui, Zero-Dois, é preciso ter character. Coisa que o senhor
não tem, senhor Zero-Dois. O lugar do senhor é com otaku! O lugar do senhor é
em Animecon! O lugar do senhor é com clube de anime, senhor Zero-Dois! Aqui,
nós não gostamos de mestres corrompidos. No Morp não entra DM corrompido! O
senhor vai matar o Kraken?!
- Sim, senhor!
69
- O senhor vai me buscar aquele Kraken? Vamos ver se o senhor vai conseguir!
Os outros mestres do Morp faziam questão de combar o intimidar.
- Anda pra frente! Vai embora, Zero-Dois, o senhor é um otaku! Vai embora,
Zero-Dois, o senhor não vai conseguir. Pede pra ir embora, seu merda!
Foi aí que o Barba ergueu a mão, gesto de live.
-
Não dá mais pra mim, mestre...
Falhei no Ouvir. Não ouvi... - respondi.
Não consigo mais, mestre. Eu desisto.
Alto. Alto pra todo grupo saber que o senhor é um pato!
Eu desisto!
Meus auxiliares zoaram ele pacas.
-
Atenção, grupo! Descansem! Virem pra a área ameaçaaaada!
Mesas de Jogo Especiais!
Nunca mestrarão! Jamais jogarão! Nunca. Jamais. Nunca! Atenção, d12!
Sim, senhor!
O senhor que vai mestrar agora, d12.
Eu desisto!
É, eles ficaram mesmo intimidados.
- Os senhores estão fazendo o seu mestre de jogo muito feliz, senhores. Muito
obrigado, senhores. Muito obrigado. Atenção, d8!
O Barba foi obrigado a apagar a ficha. Mas não foi o único. Quando a primeira
parte da campanha acabou, só restaram 8 jogadores. Tava no turno de escolher o
meu substituto.
- Só fala se eu fizer alguma coisa muito errada.
- Não, eu tô quietinha.
70
Elizabete tava feliz com a minha decisão. Tinha sido difícil pra mim parar com o
rpg, mas era a escolha certa a fazer. Com mais tempo pra gente, dava pra gente
ficar mais tempo junto. E eu sintia falta disso, mais do que a falta do jogo.
- Não coloca tanto presunto.
Montar um sanduba de queijo e presunto como o meu não é tão fácil quanto
parece.
-
Achou alguém legal lá no curso?
Pô, tem um cara lá que é bom pra caramba.
Você tá falando sério?
Pô, bom de narração. Parece comigo naquela época que eu fazia o curso.
Pra mestre, não adiantava eu escolher o melhor do grupo. O cara tinha que ser
tão... tinha que fazer um cenário do jeito que eu faço. Não podia deixar o meu
grupo sem essa certeza.
E eu já sabia fazer um bauru.
- Daqui a um mês mais ou menos acho que dá pra sair.
Se o Noob tivesse a criatividade do Severino, a minha vida seria bem mais fácil. E
se o livro tivesse mais conteúdo, eu não teria que repetir isso a cada quinze
minutos. Mas, quem disse que a vida é fácil?!
O Noob passou noites e noites treinando rolagem sem parar. Ele queria se sentir
preparado pra quando começassem as mesas. E estava.
Na segunda parte do curso, nós ensinamos os candidatos a interpretar com
eficiência e originalidade. E pode acreditar, isso é possível.
- Boa, D-Seis. Também, atacando com o meu arqueiro arcano fica fácil. cumprimentei ele pelo ataque.
- Experiência!
- Chama mais uns d4 aqui.
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O Noob tava conduzindo o grupo. Então era de se esperar que tivesse gente
ficando pra trás.
- Vinte-e-Três! Você tá sem item mágico, amigo?
- Tô, sim...
- Numa altura dessa da campanha, o senhor tá sem item mágico, Vinte-e-Três?!
Quer dizer, o companheiro seu cai no chão desacordado e você vai pegar essas
suas armas e fazer o quê? Vai dar dano normal?!
- Não, senhor!
- Vai rezar pra Eru?!
- Não, senhor!
- Então pega a porra de um item mágico! Porra! Trinta anos de sistema, pô!
"Masmorras e Dragões" tem seu sentido de ser logo no nome. Só quem olha de
fora acha que masmorra é tudo igual. Não é não. Tem masmorra que só dá pra
invadir teleportando. E tem masmorra que é melhor invadir pela entrada mesmo.
O Severino tava no ritmo do Noob, os dois tinham o mesmo deslocamento. Só que
a manha do Severino tava na Inteligência. Logo no primeiro teste, ele já
identificava tudo que era criatura, tendência e pergaminho.
- Mestre! Altar dedicado a Bahamut a seis metros, entendido?
- Ok, pode chamar o grupo.
- Ô... ô... ô... Ô! Ô galera, pára de ver Jaspion aí e vem jogar!
Mestre do Morp não entra em combate rolando os dados. Entra com Estratégia.
Progride de quadrado em quadrado. Progressão em combate é uma arte. E pra
ser um mestre do Morp, parceiro, o cara tem que ter graduação na perícia.
- Chegou o conjurador, vai embora, vai embora. O foco é na frente, olha pra
frente. Fecha a cara, é cara de Leal & Mau mesmo! Chegou conjurador vai
embora. Agora, atenção em mim D-Seis, concentra em mim. Vai com calma, com
calma. Foi pelo meio, passo de ajuste, trespassou, boa D-Seis, boa! Boa, garoto,
é isso aí. Trespassou, desmembrou. Boa, vai embora!
Nas condutas de masmorra eu não admitia erro.
- É isso ai, só não falhar em teste de Vontade. Sem apelação, sem apelação. O
72
que você vai fazer agora? Espera, guarda a ação. Chegou o conjurador? Chegou.
Guarda a sua ação, pode estar o pau quebrando. Você vai fazer tudo com
concentração, olha pro grid, dá pra sair? Então vai embora. É isso ai, D-Seis,
dragão! É isso aí!
Jogador com d20 entra em masmorra pra matar, pilhar e destruir. Isso é D&D.
Quem fosse me substituir tinha que ter cuidado com isso.
O Severino e o Noob eram tão bons que entraram pro grupo. Quem visse diria que
os caras nasceram sabendo. Mas nem toda arca de tesouro é o que parece. Toda
dungeon tem um mímico.
Numa das mesas o grid tava bem povoado; távamos derrubando um a um, só
faltavam um ou dois batedores. Até aí eu não tinha visto que o Noob não tinha
mostrado sua verdadeira tendência.
-
Anão! Anão! O feiticeiro correu...
É um só? - respondi.
Tá sozinho... vou matar!
Peraí...
O foda é que o Noob não sabia que aquela caverna tava mocada de bugbear. O
grupo teve que se jogar dentro da briga. Fora de tática, fora de planejamento,
fora de tabela. Parecia partida de GURPS; era só rolar um dado errado que todo
mundo virava mortal. Foi sorte eu conseguir tirar ele de lá, mas não sem um
esporro.
- Apaga essa ficha preta! Apaga essa ficha preta que tu não merece jogar! Você
não vai ganhar XP, você não é nerd! Ouviu? Você não é nerd!
Quando cheguei em casa naquela noite não podia nem pensar em rpg. Balrog, eu
tinha feito besteira naquela mesa ao escolher o bárbaro pra entrar pro jogo.
A Beth foi me encontrar sentado no banheiro, rolando.
73
- Daqui a alguns dias, você não vai mais precisar rolar esses dados, você vai
sair...
- Vou sair da dungeon... vou sair pra onde?! Vou sair pra onde?!
- Vai sair do grupo, não vai? O quê que foi? Você vai parar com o RPG, não vai?
Vai dar tudo certo... O quê que aconteceu, fala!
- Escolhi o talento errado, Bety...
- O que isso significa?!
- Ah, sobre parar.. ahn, é que.... eu escolhi o jogador errado, me fudi!
- Ahn?!
- O Darth Vader escolheu um, eu escolhi o outro. Um jogador que é do hack n’
slash, um jogador que é munchkin, então...
- Por que o Darth Vader tem prioridade? Fala pro teu mestre que você tem uma
namorada! Você tem...
- O Darth Vader tem duas namoradas! O DARTH VADER TEM DUAS NAMORADAS!!!
- Fala baixo! Fala baixo que a gente tem vizinho, pô!
Só tinha uma coisa que me deixava mais puto do que erro de tradução.
- Não desintegra o cara agora... Você não disse que o cara era ótimo? Não
desintegra o cara...
Era a Elizabete narrando as ações no meu lugar.
74
CAPÍTULO 8
QUEST COMPLETA
Os mestres recém-formados no curso do Morp saem sob efeito de Recuo
Acelerado. E o Noob gostava de ação. Assim que ele assumiu a minha mesa ele
caiu pra dentro da campanha do Elminster. Ele queria por garantir a segurança
do Escolhido de Mystra. E com ele no pico de Evereska, já tinham morrido mais
de trinta extraplanares.
O curso do Morp prepara os mestres para o jogo e não adianta reclamar da falta
material. O Brasil é um país esquecido mesmo. Mas enquanto os mestres tiverem
e-books pra baixar, a campanha continua. O Severino tava certo, ele tinha
mesmo era que mostrar que jogava d20.
Ele chegou na faculdade firme, com o First Quest embaixo do braço.
- Ô moleque, ‘xa levar um papo com você. - disse, puxando o cardgameiro.
- Calmaê, pô, tou bloqueando, pô.
- Deixa eu levar um papo com você, fica tranqüilo que eu não vou te bater agora
não.
- Quem falou que eu não posso recuperar ponto de vida? - respondeu o cara,
mostrando "Desdém, duas manas azuis, quando a criatura ou encantamento
atacar ela volta para a mão de seu dono".
- Tira essa carta da minha cara. Tá vendo esses livros aqui?
- Tou.
- São pro Romerito.
- Daí.
- Tira a pata. Cês nunca deram turno separado pro moleque, quem vai entregar
esses livros sou eu, entendeu?
- Cê tu baixar lá na Editora vai direto pro cemitério...
- Não me misturo com cardgame e nem com Storyteller. Cê vai fazer o seguinte,
vai marcar amanhã, às duas da tarde, lá na sorveteria pra eu poder entregar os
livros pro garotão. Cê você não marcar essa pra mim, eu te quebro, entendeu?
Cardgameiro de merda, tá pensando que eu não sei o que você troca aqui dentro,
não? Amanhã, às duas da tarde.
75
O Severino não sabia a merda que estava fazendo. A primeira regra do backplot
é nunca deixar o vilão saber do seu verdadeiro plano, senão o mestre te poda
logo na primeira tentativa.
- Malkaviano vai ficar sabendo dessa.
Quando o Severino chegou no apartamento, encontrou Noob zerando Soul Calibur
com a Eve, aquela mulher da espada-chicote, e comendo todo o estoque de
Doritos da casa. O Noob tinha um certo fetiche por mulheres virtuais, dava pra
dizer pelos trinta gigas de pornografia no computador.
- Fala André. Aí, mandaram e-mail pra tu.
- Que e-mail?
- Pessoal da Jambô mandou um e-mail marcando uma entrevista contigo amanhã
à uma e meia da tarde e eu respondi confirmando.
- Ah, meu, isso é coisa da Marcela, não quero mais magia dela, não.
- Qual é, André, tá maluco? Cê não joga Cthullu d20! Orra, é tua oportunidade,
cara, tu tá estudando pra isso! Pega essa obra-prima desse trabalho, irmão!
- Pô cara, mas não vai dar, amanhã a tarde fiquei de entregar o First Quest pro
Romerito.
- TacZero, o moleque já pegou a Desvantagem Inculto, será que não pode
esperar mais um nível?
Acabou que o Noob pegou o trampo do amigo e decidiu fazer a entrega em seu
lugar. O Severino me narrou muito tempo depois que não ia ter falado com o
editor de RPG se o Noob não tivesse insistido.
- E em qual nível seu personagem já está?
- Décimo quarto nível.
Acho que no fundo, ele tinha mesmo talento pra ser escritor de RPG.
- E depois da faculdade você já sabe o que quer fazer?
76
- Eu já tenho uma idéia prum cenário de campanha, pretendo escrever e
publicar.
Eu não tinha errado na escolha do mestre substituto.
O que o Noob não sabia é que o Romerito tinha mais uma companhia. Companhia
essa que tinha dois dentes pontudos postiços.
-
Tio, me dá mais uma casquinha?
De morango ou de vitae?
Morango.
Tem que ser de vitae... Tzimiszé, dá mais uma casquinha pra ele aí.
- Romerito! - gritou o Noob, parando sua bike do lado de fora da sorveteria. - Cê
que é o Romerito?
- Sim, senhor. - respondeu o grande moleque, tímido e babado de sorvete, ao
sair.
- Tenho um lootzinho pra você. Aí ó. Agora você vai poder jogar melhor.
Não dá pra imaginar o que aquele garoto sentiu quando pegou o First Quest na
mão. Eu mesmo não me lembro quando aconteceu comigo.
- Caraca, mané!
- Agora sim tá com sistema de homem, né.
- Pára de palhaçada, ô. Tio, é melhor você ir embora.
Demorou até o Noob perceber que já tava cercado de branquelos. O cara que se
propõe a organizar lives de vampiro pode ser maluco, mas não pode ser burro. O
Malkaviano sabia que jogar contra um mestre do Morp era escrever a própria
ficha com borracha. Livro de Storyteller também não é barato. Se o personagem
morresse, o dinheiro teria sido mal investido.
77
A Marcela foi aparecer na revistaria no dia seguinte, enquanto eu e os mestres
discutíamos. Tinha sido uma perda e tanto.
- Cê sabe me dizer onde tá o Severino?
- Grid 5E. - respondi.
Eu ainda não tinha digerido.
- Dá pra voltar, Carlinhos.
- Pagaram a passagem dele pro Eirpg...
- Dá pra voltar.
- O tio do braquelo deu uma bolsa de estudos lá Moreno, o cara vai ficar sem
jogar por anos, vai ficar por lá morando com a avó. Passou dessa pra melhor.
- Marcaram a passagem pro cara ir na mesma hora, não foi?
No outro canto da revistaria, a Marcela encontrou o Severino sentado que nem
um emo, com as pernas em cima do sofá, imitando uma bola. Você sabe como é.
- Quê que você quer? - começou ele.
- Seu amigo foi pra São Paulo?
- Foi.
- Eu fiquei sabendo lá na editora que o Malkaviano pagou a passagem dele. Eu
pensei que ele não se importasse com os jogadores de d20...
- Fica tranqüila que o Malkaviano respeita todos os sistemas.
- É sério, André. Você não me disse que era jogador de D&D?
- Ah, agora eu jogo D&D? A essa altura da campanha o Noob deve tá lá
comprando livro de Gurps usado.
- ...
A mudança do Noob foi uma tragédia pro background do Severino. Eles eram
colegas desde a primeira campanha. E eu percebi que podia ganhar pontos com
aquela desvantagem. Eu ainda tinha minha quest pra completar.
- Fala sério, que que você veio fazer aqui?
- Não vim aqui pra discutir, André.
- Não tou discutindo com você. Tou perguntando o que você veio fazer aqui.
78
- Vim comprar a Capricho do mês. Mas já que eu te encontrei, acho posso te
ajudar.
- De que jeito você pode me ajudar?
- Eu tenho um contato que pode te ajudar.
- Quem?
- Eu só vou dizer se você pegar Código de Honra da Honestidade e me prometer
que não vão fazer mal pra ela.
Quando cheguei em casa aquela noite, não deu pra agüentar. Eu tinha seguido o
plano da Elizabete, e a gente perdeu um jogador. Só um rpgista sabe quanto pesa
perder um colega de mesa. A pessoa vira mais do que irmã. O RPG une pessoas.
Só que esse não era o caso naquele momento. Ele só tinha me ajudado a me
distanciar cada vez mais da minha namorada.
- Não abre a boca mais pra falar da minha mesa nessa casa. Você não fala mais
da minha mesa nessa casa. Você tá entendendo? Que manda nessa masmorra aqui
sou eu, e você não vai mais abrir a boca pra falar do meu grupo de jogo nessa
casa! Você tá entendendo? Você entendeu? Quem manda na masmorra aqui sou
eu!
Naquela noite, rolei trinta dezoitos, vinte e seis dezenoves, e quinze vintes. Era
a hora de jogar sério.
O Severino não perdeu tempo. Dois minutos depois, eu já tinha o endereço da
amiga da Marcela que sabia do Malkaviano.
- Fala! Cadê o branquelo do teu namorado? Fala agora!Tá achando que eu não
vou colocar essa foto no orkut?!
- Chega! Cabô! Fala! Fala agora! É agora! Fala agora!
79
Todo mundo cede à tortura com bonézinho otaku. Principalmente quanto você
ameaça botar no orkut. Não tem lugar pior pra se tornar celebridade fazendo
merda. Basta uma história sobre ter sido pego se masturbando na hora do Jornal
Nacional, uma foto no quarto com um consolo no canto, ou aceitar um
depoimento com informações sigilosas. Os membros dessa supervia de
informação não perdoam.
Mas eles não são os únicos. Quem não me perdoou foi a Beth. Quando voltei pra
casa naquela noite, encontrei uma carta dela falando qualquer coisa sobre eu
não prestar atenção nela, e mais algumas coisas que não lembro. Só sei que ela
havia levado meus livros embora. Pra vender no sebo. É o tipo de atitude que
consegue perfurar a armadura sólida de um jogador de d20.
Não basta se preocupar com o que a sua família pensa do RPG. Na verdade, eles
são só a menor parte de um problema que começa em sociedade, e se perpetra
principalmente na mídia. Ninguém faz matéria de TV quando sai livro novo de
d20. Matéria é pra acidente com Storyteller retardado. E quando eu vejo palestra
contra o RPG, parceiro, eu tenho vontade de sacar a minha espada.
- Aow!
Severino chegou mucando Fanta, na universidade. Ele sabia que era por causa do
cardgamer que a mesa tava com uma vaga.
- Pára! Deixa ele!
- Não me vem com Hold Person, não, Marcela! Ele levou meu amigo!
Quem tava próximo se assustou ao ver a fúria do Severino. Um até tentou segurar
ele. Sorte que, desde o incidente do live, ele andava com o Livro do Mestre preso
no cinto.
- Quê que foi? Vai bater em rpgista, rapá?
80
O Severino não tava só descontando a raiva de ter perdido de um amigo. Ele tava
se transformando num Homem de Verdade. E só Homens de Verdade jogam D&D.
Aquele dia, posso dizer que ele foi um exército de um homem só. Não acabou só
com Fanta, o playboyzinho que jogava, mas foi atrás do revendedor também, o
tal de Mário.
-
Abre essa bolsa, rapá!
Para com isso, mermão! Barreira aí, mermão! Pra quê isso?!
Onde tão os decks de magic? Onde é que tão os decks de magic?!
Bloqueou, porra! Tá bom, porra! Tá bom, porra!
Então pega logo essas cartas! Otaku virgem viciado em hentai!
Ele já tinha quebrado o esquema dos cards. A quest era pra saber se ele ia ter
coração pra jogar até o fim.
- Bora! Pra sala da diretora!
Depois das últimas incursões, o grupo já estava preparado. Saímos bem armados,
com nossos livros e dados, e fichas nas bolsas. A gente já tava perto de pegar o
Malkaviano. Era tudo uma questão de tempo.
- Sai da frente, sai da frente, sai, sai!
Eu sentia que minha quest estava chegando ao fim. A minha campanha não era
mais proteger o couro do Elminster. Essa missão o Noob já tinha cumprido. O que
eu precisava era voltar com a minha namorada e deixar um substituto digno no
meu lugar.
Pra fazer isso, eu tinha primeiro que pegar o Malkaviano. O que eu tava fazendo
não era certo. Eu não podia esculachar não-jogadores pra encontrar o vampiro.
Naquela altura do campanha, amigo, pra mim tava valendo tudo. Nada nesse
mundo ou em qualquer outro ia me fazer parar.
81
- Já que a gente não sabe o apartamento dele, manda tua equipe pro terceiro
andar, usa aquele elevador ali. Vê se não tem ninguém no corredor. Vamo
desentocar esses sanguessuga casa por casa.
Subimos o prédio na gana, sem direção exata de onde procurar. E távamos com
falta de rangers. Era pra ser uma busca cega. Sorte que eu tinha o Mastim no
grupo, e igual à criatura, o cara era um cão de caça.
- Abre! Bora, bora, bora, bora!
Abriu a porta um moleque de uns onze, que logo de cara não fui com a cara. Ele
assistia Sakura Card Captors quando entramos, eu e o D-100. O D-100 já foi
empurrando o moleque pro sofá e desligando a tv.
- Bom dia, filho. Queria pedir permissão pra rolar Procurar. Posso ficar a
vontade?
- Fica a vontade.
- Dê-Cem, dá uma geral nesses mangás aí.
Demorou pouco pra tirar os mangás da Clamp do caminho.
Foi aí que ele encontrou uma edição de Vampiro Dark Ages escondida.
-
Ih, olha aqui, Zero-Um, só esse vale mais que os meus dados.
De onde é que veio esse livro, filho?
Dropei.
Dropou não, tomou loot! Bora!
O que a gente tava fazendo não era coisa que eu aprovaria quando comecei a
jogar. Mas era o único jeito de encontrar aquele pulha que estragou a minha
mesa.
- Vai dar merda. - começou o Mestre Yuri - Vai dar merda, a gente tá jogando
Reverse Dungeon, os moradores tão vendo tudo que a gente tá fazendo, vai dar
merda.
- Yuri, o cara mandou o Noob pra faculdade, eu subi pra buscar o cara, vou
quebrar a cara do cara hoje. Cê quiser ir embora, cê quer ir embora?
- A gente vai fazer todo mundo parar de ir na revistaria...
- Cê quer ir embora? Cê quiser ir embora cê pode descer, pega teus seguidores,
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leva esse Super Nintendo contigo. Tá com fita? Leva contigo. Joga quem quer,
Yuri!
Era um bando a menos na busca. Mas eu não ia descer sem o Malkaviano.
Levamos o garoto pra sacada, carregando os mangás que encontramos.
- É você o otaku? Tem levitação? Sabe voar? Você é otaku? Eu não quero estragar
as suas coisas. Eu não quero que você saia daqui chorando feito emo, entendeu?
Cadê o Malkaviano?
- Não sei, não, meu senhor.
- Fala, moleque!
- Rola o teste de vontade! - gritou o 44, seguido pela ameaça do 22, que abria a
braguilha da calça.
- Vou te mostrar o saco, hein!
- Segura ele aí - completei -, filho, filho, cadê o Malkaviano?
- Não sei, não, senhor. Não sei dele, não.
Rasguei um mangá, sem dó, claro. Não tem que ter dó de jogar o lixo fora.
- Cadê o Malkaviano?
- Eu não sei dele! Eu não sei!
- Fala! - disse, rasgando mais um.
Aí que o moleque começa a chorar. Tarrasque, se tem uma coisa que me irrita é
otaku que pensa que joga RPG, chorando. É uma vergonha. É o tipo de gente que
merece fazer teste e tirar habilitação pra narrar.
Meus colegas mestres continuaram zoando ele. Já vi que, se continuássemos
daquele jeito, o moleque ia chorar até ficar desidratado, e ainda sim não ia nos
contar do sanguessuga. Peguei então a coleção de Chobits, completa, que ele
tinha.
Chobits é um negócio perigoso. Um desperdício de dinheiro, eu diria, mas a
verdade é que todo otaku que não sabe lidar com mulher, desculpe a
redundância, coleciona Chobits. Eles devem achar que, pra ligar uma mulher de
verdade, você tem que seguir as instruções do mangá.
83
Peguei a primeira edição.
- Imobiliza ele aí.
Lá no fundo dos olhos dele deu pra ver que ele não passou na resistência para
Medo.
- Não, não, pára! Chobits não! Pára!
Severino também pegou um dos mangás na hora. Ele realmente tava possesso.
- Pára, não rasga não! Eu conto! Eu narro! Eu narro! – repetiu o moleque, rolando
no chão, implorando. Paramos.
- Vai narrar?
- Eu narro.
- Então tira ele daí - disse eu, voltando ao prédio.
- Pô, Caitiff, tem um tempão que ninguém toca o interfone.
Enquanto a gente brincava de gato e rato, o rato do Malkaviano tava lá em cima,
num dos apês, escoltado pelo seu ghoul favorito.
- Tá dominado, Malk, tá dominado.
- Tem ponto errado nessa ficha aí. O prédio tá muito tranquilo, tá muito
tranquilo esse prédio, parece que nem mora criança no condomínio...
- Tá dominado, Malk.
- Dominação é minha disciplina, caramba! Busca uma coca lá no Rav, pra dá uma
molhada na garganta.
O Malkaviano sabia que a gente ia pegar ele, nem que fosse preciso ir até a
Umbra pra isso. Não importava quanto tempo ele passasse ali, comendo batata
frita e jogando Monster's Game, ele sabia disso.
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Assim que o Caitiff saiu do apartamento, nosso elevador chegou ao andar dele. A
porta abriu lentamente, e vimos o filho de harpia entrando no apartamento da
frente. Quando ele caiu pra trás de susto, o Malkaviano saiu em disparada,
subindo as escadas.
No terraço, percebeu que não estávamos atrás dele. Pelo contrário. Estávamos
na frente.
A porta do elevador atingiu o Malkaviano na cara.
Arrastamos ele até o sol, ele e o material de jogo. Tava na hora de fechar essa
mesa.
- Era só ter remanejado um jogador! No RPG ninguém perde, mestre! - dizia ele.
- Pois você perdeu. Você perdeu. - respondi.
O Severino tava querendo isso tanto quanto eu.
- Seu personagem vai morrer.
- Na diplomacia, na diplomacia, desintegração não, pra não impedir a ressur...
ressurreição... – disse o filho de harpia, no chão.
- Quê?
- Desintegração não, pra não impedir a ressurreição.
O Malkaviano já tava na minha espada.
- Mastim, dá o d12.
O último item que faltava na minha lista era o coração do Severino. Aí minha
última campanha ia tar cumprida. Eu ia voltar com a minha namorada e tentar
ter uma vida normal sabendo que tinha deixado um jogador digno de mestrar no
meu lugar. Assim que o Mastim me lançou a sacola de dados, passei o d12 pro
Severino.
- Rola que é teu.
Ele pegou, segurando a ficha do vampiro.
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- Pô, desintegração, não, pô... - choramingava o Malka, estendido no chão.
Tinha sido uma campanha longa, cansativa, e com alguns players a menos. Eu já
esperava que ela acabasse numa cena assim, mas não sei se o Severino já tinha
pensado. Querendo ou não, ele tinha sido um mestre bondoso até pouco tempo.
Suas aventuras falavam por si só. Todas bem concisas, bem fechadas, com uma
boa margem de variação e liberdade pros players, mas não costumavam ser
macabras, ou realistas demais. Era isso que ele precisava aprender de mim.
O André olhou mais uma vez pro dado em sua mão. Agora, era somente o
Severino e o Malkaviano, já parcialmente abatido, sob o sol do meio dia. E,
naquela campanha que eu tinha sofrido tanto pra mestrar, ele não me
decepcionou no último boss.
CRÉDITOS FINAIS
Bee Geeks - Tropa d20
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“TROPA d20”
foi escrito por Alain Christian Valchera e Arthur Moreno Milan Parreira em fevereiro de 2008, e
tornado livro em outubro do mesmo ano
é dedicado também à
nossos amigos e amigas, namoradas e parentes
que apesar de tudo não levam a mal quando dizemos:
“Não posso, tenho uma mesa marcada.”
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88
EXTRAS
Fichas
Conhecendo (e jogando com) os mestres
Arquivos da Tropa: Mestre Moreno ................................... 90
Arquivos da Tropa: Mestre Valchera ................................. 92
Letras
Paródias que são uma piada
Bee Geeks – Tropa D20 ................................................. 94
Bee Geeks – Jogo do D&D (Rap das Armas Mágicas) .............. 96
Bee Geeks – Perícia ..................................................... 98
Pôsters
Nossas futuras produções (ou não!)
Arquivo de Pôsters Atroz Games ......................................
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93
Bee Geeks - Tropa D20
(paródia de Tihuana – Tropa de Elite)
[Agora o dado vai rolar!!!]
Tô chegando com a ficha, tô chegando co'a minha ficha
Preparado pra porrada, vou rolando iniciativa
Eu tô que eu tou upando, tô subindo a minha ficha
Pode pará com essa história de arqueiro elfo bicha
Hora da progressão
XP não é em vão
De preferência com tesouro pra pegar
Pra quê educação?
Bombei constituição
Tamo na dungeon pra fazer monstro sangrar
[Crítico!]
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Lançamo uma fireball, sem nem olhar ND
Tropa D Vinte, nascidos pra combater
Se liga no BBA, que faz meu sangue ferver
Tropa D Vinte, elite do rpg
Nós gostamos de roubar, retaliar, repreender
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Fazendo cara de mal, pra assustar NPC
Chega pra lá, chega pra lá
Mobilidade dá mais quatro na CA
Cheguei de repente, se é inteligente
Sai da minha frente
Sai da minha frente ou encontra o caixão
Eu curto encontrão
Não sei de interpretação
Porque quando eu pego o D vinte na mão
Eu não quero regra, eu quero é ação
94
Pára de ilusão
Manda conjuração
Daqui a pouco tem campanha pra mestrar
Não tenho vida, não
Só entre orc e anão
Storyteller é pros gótico jogar
Tem dia que o dado rola, mas quase não tem luta
E você arromba a porta sem usar força bruta
Eu gosto duma balbúrdia, curto um escarcéu
Experiência é o que eu ganho ao te mandar pro céu
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Lançamo uma fireball, sem nem olhar ND
Tropa D Vinte, nascidos pra combater
Se liga no BBA, que faz meu sangue ferver
Tropa D Vinte, elite do rpg
Nós gostamos de roubar, retaliar, repreender
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Fazendo cara de mal, pra assustar NPC
PORTA DE MASMORRA, NÓS VAMOS CHUTAR
BEE GEEKS CHEGOU, PRA PARODIAR
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Lançamo uma fireball, sem nem olhar ND
Tropa D Vinte, nascidos pra combater
Se liga no BBA, que faz meu sangue ferver
Tropa D Vinte, elite do rpg
Nós gostamos de roubar, retaliar, repreender
Tropa D Vinte, nós jogamos D&D
Fazendo cara de mal, pra assustar NPC
Assustar NPC, assustar NPC, assustar NPC!
[Tá flat-footed...]
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Bee Geeks - Jogo do De-e-dê
(Rap das Armas Mágicas)
(paródia de “Cidinho e Doca – Rap das Armas”)
Porradadadadadadadadada,
Porradadadadadadadadada,
Batalha batalha batalha, Munchkin
Porradadadadadadadadada!
Jogo do De-e-dê é puro combate,
Só pros apelão poder se divertir
Porque no De-e-dê eu vou dizer como que é,
Aqui não tem mole, nem pra TSR
Com combate no jogo até o GURPS treme,
São mestre na porrada, é a patota dos DM
Dou maior conceito pra mesa que joguei
Jogo do De-e-dê também tem um roleplay
Fé em Tyr! DM! Vai rolá!
Porradadadadadadadadada,
Porradadadadadadadadada,
Batalha batalha batalha, Munchkin
Porradadadadadadadadada!
Clérigo é a classe
Mas me chamam de apelão
Eu louvo o deus malvado
Que matou o Panteão
Vai o ranger na frente
Protegendo os companheiro,
Tem mais dois na retaguarda,
É o mago e o feiticeiro
Campanhas que não acabam
Vamos jogar agora
Lá vem dois paladinos
De Sagrada Vingadora
Rolando todo'os dados
Só pra fazer teste
DM não precisa
Tem o Escudo do Mestre
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Porque seja um buraco
Masmorra ou palacete
Entram chutando a porta
Vão descendo o cacete
Esse jogo é maneiro
Eu digo pra vocês
Esse talento só
Tem em suplemento inglês
Em plebeu ou kobold
Não causo nem ferida
Bando de bicho mole
Só tem um dado de vida
Passou na minha área
Sobe a mortalidade
Com arco, espada, soco
E de oportunidade
Mas se for "apelão",
Eu não deixo pra depois
Acabo com o safado
Em só um round ou dois
Porque esses "apelão"
São tudo robado
Chega com regra velha
Usa feat ultrapassado
E se não for abissal
Prepara uma poção
Eu finalizo a mesa
Num combate com dragão!
Poradadadadadadadadada, Valeu...
Batalha, batalha, batalha, Monte Cook!
(repete desde a 5ª rima até o fim)
Porradadadadadadadadada,
Porradadadadadadadadada,
Batalha batalha batalha, Munchkin
Porradadadadadadadadada!
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Bee Geeks - Perícia
(paródia de “Titãs – Polícia”)
Dizem que ela existe -- pra interpretar
Dizem que ela existe -- pra proteger
Eu sei que você deve -- graduar
Mas sei que cê não vai -- se esconder
Perícia para que precisa?
Perícia para quem precisa de perícia?
Perícia para que precisa?
Perícia para quem precisa de perícia?
Dizem pra você conhecer
Dizem pra você combater
Dizem pra você cavalgar
Dizem pra você se esquivar
Perícia para que precisa?
Perícia para quem precisa de perícia?
Perícia para que precisa?
Perícia para quem precisa de perícia?
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Pôsters
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