melhor cidade

Transcrição

melhor cidade
Alda
Marco
Antônio,
Aleksandar
Mandic,
Alexandre
Schneider,
Antônio Moreno Neto, Eleuses Paiva, Fábio Feldmann, Gilberto Kassab,
Indio da Costa, Marcel Solimeo, Marcos Cintra, Paulo Simão,
Reinhold Stephanes, Ricardo Patah, Samuel Hanan, Tulio Kahn, Ulisses Gamboa
C o o rd e n a ç ã o -
G u i l h e r m e Af i f
Em busca da
MELHOR CIDADE
Análises, ideias e soluções para os Municípios do Brasil
“
Em minha andança pelo
Brasil, no contato direto com
eleitores e militantes do PSD,
tenho procurado enfatizar a
importância da qualificação de
todos os que fazem política no
nosso país. Sem um trabalho
consistente neste sentido,
corremos o risco de afastar bons
cidadãos da atividade partidária,
quando todos sabemos o quanto
fazem falta os idealistas e os
profissionais experimentados
e competentes.
É neste sentido que saúdo o
lançamento do livro Em Busca
da Melhor Cidade, pelo Espaço
Democrático. Obras como esta
ajudam a despertar vocações e
a mostrar que é possível, sim,
contribuir para melhorar a vida
dos brasileiros de hoje e do
futuro. Divulgar experiências
inovadoras e competentes de
gestão municipal é nossa forma
de colaborar com os que querem
fazer mais pelo Brasil.
“
Senadora Kátia Abreu
(PSD-TO)
2
Em busca da
MELHOR CIDADE
Análises, ideias e soluções para os Municípios do Brasil
Fundação para Estudos e Formação Política do PSD
In memoriam
Amaury de Souza (1942-2012)
Cientista político, professor e intelectual apaixonado pela democracia,
cuja contribuição foi essencial para a formação e concretização
do Núcleo de Estudos do Espaço Democrático.
4
Este livro é dedicado
a todos os prefeitos, vice-prefeitos,
vereadores e administradores
públicos municipais brasileiros que,
ano após ano, dão uma lição de coragem,
persistência e criatividade
ao resolver problemas muito maiores
do que aqueles que os orçamentos
de seus Municípios comportam.
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Apresentação
Editor responsável: Sérgio Rondino
Supervisão: Rubens Figueiredo
Coordenador técnico: Rogério Schmitt
Colaboração:Amaury de Souza
Marcos Garcia de Oliveira
Carmo Chagas
Projeto gráfico: Marisa Villas Boas
Capa: shutterstock / blinkblink
Domingos, Guilherme Afif, 1943
Em busca da melhor cidade: análises, ideias e soluções para os municípios do Brasil /
Guilherme Afif e outros
1ª ed. - São Paulo; Scriptum Editorial, 2012.
ISBN 978-85-65897 -00-6
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C o o rd e n a ç ã o -
G u i l h e r m e Af i f
Em busca da
MELHOR CIDADE
Análises, ideias e soluções para os Municípios do Brasil
1ª Edição
São Paulo
2012
7
8
Índice
Apresentação
Guilherme Afif
10
Grandes desafios em debate
Vilmar Rocha
12
Zelar pelo presente sem esquecer o futuro
Gilberto Kassab
15
O Município no mundo das finanças públicas
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
37
Novo federalismo, Município forte
Samuel Hanan
61
Entre a administração pública e a política: o que fazer?
Marcos Cintra
89
Município saudável, País saudável 115
Eleuses Paiva
O salto educacional começa perto de casa 129
Alexandre Schneider
Agricultura, motor das cidades 139
Reinhold Stephanes
Senhor Prefeito, quero trabalhar 157
Ricardo Patah
Urbanização e civilização: avanços e desafios 175
Paulo Simão
O lixo e a rua: o Município e o meio ambiente 195
Fábio Feldmann
Calçadas iluminadas: a segurança pública e o poder local 209
Tulio Kahn
Área social: base de um governo responsável 227
Alda Marco Antônio
A Copa, a Olimpíada e o Município: o estágio dos esportes no Brasil 237
Antônio Moreno Neto
A vizinhança das mídias digitais: a Prefeitura ligada 247
Aleksandar Mandic
Ficha Limpa nas eleições municipais: 269
combate à corrupção e reforma política
Indio da Costa
9
Apresentação
Guilherme Afif
N
ão existe federalismo forte com Município fraco. A concentração exagerada de recursos no Poder Central, associada à distribuição desequilibrada de tarefas, conspira contra a racionalidade administrativa, a alocação eficiente dos investimentos
e a capacidade de cobrança da sociedade sobre o destino dos
impostos que paga. A conta não fecha.
Não há contorcionismo intelectual que explique este fato: quem faz mais fica com
menos. “Tão perto dos problemas, tão longe dos recursos” poderia ser o lema dos
Municípios e Estados brasileiros. Responsáveis pela prestação da maior parte dos
serviços públicos considerados mais importantes pela população – saúde, educação e segurança pública, para citar apenas três - Municípios e Estados enfrentam,
com imensas dificuldades financeiras, o desafio de espalhar bem estar para milhões e milhões de brasileiros em todos os cantos do País.
A vida dos prefeitos está sempre cheia de demandas; o cofre, sempre vazio de
dinheiro. Enquanto os países mais desenvolvidos se caracterizam pela descentralização e ação conjunta dos entes federados, no Brasil vivemos o federalismo do
“você que se vire”. Todos os anos assistimos, até com um certo enfado, a uma ou
mais “Marcha dos Prefeitos a Brasília”, que bem poderia ser chamada de “passeata
do pires na mão”. O que são essas marchas? Administradores municipais reivindicando recursos que se acumulam nas mãos da União, que saem das cidades e não
voltam mais. Ou, quando voltam, são gravadas por um injustificável e revoltante
“pedágio burocrático-político”.
O Brasil é um país gigantesco e muito diversificado. Dados recentes indicam
que 36% dos brasileiros vivem nos mais de 4.500 Municípios com menos de 50
mil habitantes, enquanto cerca de 40% da população se espreme nas grandes
regiões metropolitanas, que representam 1,9% do nosso território. Ora, o poder
central não é – aliás, está bem longe de ser – onisciente. Quem entende os problemas locais são as autoridades locais. Por que, então, não aquinhoá-las com
mais recursos?
10
Depois da Constituição de 1988, a União lançou mão de um truque. A nossa Carta
Magna estabelece que os Fundos de Participação dos Estados e Municípios são
formados pelos impostos federais. Pois bem, ao longo do tempo, Brasília foi criando
uma série de contribuições – Cofins e Cide são dois exemplos – que passaram a ser
excluídas do bolo a ser dividido. Os números são definitivos: em 1988, as receitas
da União eram representadas por 80,27% de impostos e 19,73% de contribuições.
Em 2011, as contribuições já representavam 48,5%.
Fica com mais do que deveria e faz menos do que lhe é dever realizar. O caso da
educação superior é emblemático. No Brasil, apenas 25% dos alunos matriculados no ensino superior estão na rede pública. São aproximadamente 1.200.000
estudantes. E, apesar de toda a concentração de recursos e as responsabilidades
constitucionais que recaem sobre a União no que diz respeito ao ensino superior, a
maior parte desses alunos – 56% - está nas universidades e faculdades das redes
estaduais e municipais. E isso para não falar na gigantesca rede de ensino fundamental e médio, totalmente da alçada dos governos subnacionais.
Essa grave distorção do nosso federalismo é um dos temas deste livro, que foi organizado pelo Espaço Democrático - a Fundação para Estudos e Formação Política
do PSD. O objetivo da publicação é oferecer aos prefeitos, deputados, vereadores,
administradores públicos, filiados e militantes do partido um amplo painel de experiências de gestão, ideias e propostas sobre a administração de nossos Municípios.
Em seus diversos capítulos, alguns dos maiores especialistas brasileiros, quase
todos coordenadores dos Conselhos Temáticos do Espaço Democrático, analisam
os mais importantes temas que dizem respeito ao poder local.
O resultado é um amplo retrato do nosso sistema político-administrativo, que
proporciona ao leitor uma quantidade enorme de informações, associada a reflexões de autores da mais alta qualidade.
Com isso, o Espaço Democrático acredita estar contribuindo para dar o pontapé
inicial numa discussão vigorosa sobre os caminhos que deveremos trilhar
para, no exercício da atividade política, melhorar a qualidade de vida dos
brasileiros.
Guilherme Afif - Presidente do Espaço Democrático,
é vice-governador de São Paulo
e preside o Conselho Gestor do Programa Estadual
de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
11
Grandes
desafios
em
debate
N
este livro, certamente o trabalho de maior fôlego até agora
produzido pelo Espaço Democrático, pode-se observar a
essência da proposta dessa entidade, criada pelo Partido
Social Democrático (PSD) para dar sustentação intelectual à
sua ação política. Estão reunidos nesta publicação alguns
conceitos, ideias e projetos cuja soma constitui-se em
relevante contribuição para o futuro de nosso País.
É com esse objetivo que a fundação vem trabalhando. Em seus Conselhos
Temáticos, alguns dos maiores especialistas brasileiros em questões de interesse
público vêm debatendo os grandes desafios da sociedade brasileira e elaborando
as propostas que vão compor o Projeto para a Nação que vamos apresentar em
2013, após a validação por seus líderes e militantes.
Com o suporte do Espaço Democrático, o partido está definindo seus caminhos e
os projetos que vai abraçar. O critério para a escolha será tão somente o resultado
que eles trarão para toda a população. O PSD quer que o Brasil se desenvolva,
social e economicamente, e não se deixará iludir por preconceitos ou amarras
ideológicas.
É dessa forma, contribuindo e participando vigorosamente do debate sobre temas
essenciais para o desenvolvimento do Brasil, que mostraremos que o nosso
partido é realmente diferente, que nasceu para atender ao desejo de avançar hoje
presente na mente dos brasileiros.
Exatamente por isso, a ação do Espaço Democrático não se limita aos filiados do
partido. Suas portas estão abertas a todos os que querem contribuir de alguma
forma, sejam autoridades, parlamentares, acadêmicos, estudantes ou profissionais
de qualquer área.
12
Uma síntese dessa atividade pode ser observada nesta publicação que agora
chega às mãos de leitores de todo o País. Com colaboradores de diversas áreas,
alguns sem qualquer ligação com o partido, reuniram-se aqui experiências e
conhecimentos extremamente úteis aos gestores municipais.
Boa leitura.
Vilmar Rocha - Vice-presidente do Espaço Democrático,
é deputado federal licenciado e
Chefe da Casa Civil do Governo do Estado de Goiás
13
Gilberto Kassab
Presidente nacional do PSD e prefeito de São Paulo (2006-2012),
o engenheiro e economista Gilberto Kassab foi vereador,
deputado estadual e federal por São Paulo.
Na história da cidade, é o prefeito que ocupou o cargo
por mais tempo.
14
Gilberto Kassab
Zelar pelo presente
sem esquecer
o
f
u
t
u
r
o
15
Em busca da melhor cidade
16
C
Gilberto Kassab
uidar bem da cidade e das pessoas que nela vivem é a missão principal de um prefeito. O que se deve esperar dele é que seja um
zelador competente à frente de uma equipe de colaboradores escolhida pelo critério de qualidade e experiência, procure ouvir o que
a população tem a dizer, saiba julgar bem ao definir as prioridades,
se faça presente diariamente pela cidade, cuide da manutenção do
que vai indo bem, mas sempre atento ao que precisa ser corrigido,
que fiscalize as obras e intervenções em andamento.
Assim procurei agir como prefeito de São Paulo. Durante quase sete anos, desde
que assumi o cargo pela primeira vez, tive agenda de trabalho todos os dias nas
ruas da cidade, sábados, domingos e feriados. Fui prefeito em tempo integral, pois
para isso fui eleito.
Mas é preciso ter também preocupação igual em relação ao futuro da cidade, elaborando e viabilizando projetos, planejando para as próximas décadas. Digo sempre
que grande parte dos problemas que hoje enfrentamos poderia nem existir, se nas
décadas anteriores os prefeitos tivessem planejado e trabalhado com o objetivo
de antecipar soluções. Veio daí minha preocupação em investir no desenvolvimento
de projetos de médio e longo prazo para áreas específicas da cidade, que não seriam implantados por mim, mas pelos futuros administradores de São Paulo.
Nossa cidade paga hoje pela falta de visão de futuro da maioria dos seus administradores do passado. Não fiz questão de inaugurar nada, mas trabalhei para
deixar para meus sucessores o que eu e meu antecessor não encontramos: planejamento contínuo, linhas mestras de ação urbanística implantadas e projetos bem
encaminhados ou prontos para serem colocados em prática.
Gerenciar metrópoles exige atenção ao presente com o olhar no futuro.
Foi pensando em nosso cidadão e em sua vida em família que nossa gestão concentrou esforços e priorizou educação e saúde.
De olho no presente e no futuro, nos propusemos a ampliar a rede de ensino
municipal e abrimos 345 novas escolas - 272 entregues até dezembro/2012
e mais 73 com obras em andamento. Isso permitiu eliminar quase completamente o terceiro turno diurno – o chamado “turno da fome”, desastradamente
encaixado entre o final da manhã e o começo da tarde – de 11h às 15h. Com novas escolas, pudemos ampliar o tempo de ensino em quase todas as unidades,
que têm agora apenas dois turnos, cada um com uma hora de aula a mais por
dia. Ao longo de oito anos de ensino, essa hora diária a mais significa para os
17
Em busca da melhor cidade
Criamos mais
de 150 mil
novas vagas
em creches.
Havia
60 mil
crianças
nas creches
municipais em
2005,
quando
nossa gestão
começou.
Hoje
há 210 mil.
18
alunos pelo menos um ano a mais de aprendizado
– e isso fará diferença no futuro de cada um deles.
A realidade inaceitável de milhares de crianças,
professores e funcionários, que tinham de frequentar 54 escolas e 159 salas de lata, é passado.
Todas foram desativadas, com um investimento de
R$ 100 milhões.
Na linha que acho essencial seguir, que é dar continuidade aos bons programas iniciados pelos antecessores, mesmo que de outro partido, nossa gestão
entregou 24 novos CEUs - Centros de Educação
Unificada – projeto criado na administração anterior,
que ampliamos e aperfeiçoamos, com um investimento de R$ 770,4 milhões.
É importante assinalar, também, que criamos mais
de 150 mil novas vagas em creches. Havia 60
mil crianças nas creches municipais em 2005. Em
dezembro de 2012 já havia 210 mil. Foi um grande
avanço, mas a demanda também cresceu nesse
período e é preciso continuar trabalhando para reduzir a carência de vagas.
Lembro ainda o Programa Ler e Escrever, cuja implantação resultou rapidamente no aumento de 70%
para 85% do total de alunos alfabetizados ao final
do segundo ano do Ciclo I, como parte da meta de
alcançar 96% neste conceito. Deixamos a Prefeitura
com essa meta praticamente atingida, beneficiando
mais de meio milhão de alunos.
Isso acontece na capital que mantém o maior
sistema de ensino municipal do País, com quase
1,1 milhão de alunos, ou cerca de 10% dos 11
milhões de habitantes da cidade. São providências e intervenções de grande vulto, que em
São Paulo tiveram equivalência em outra área fundamental, a saúde. Fiz questão de frisar, no meu
Gilberto Kassab
contato diário com nossa população, que cumprimos a promessa de melhorar os
serviços de saúde prestados pela Prefeitura de São Paulo. Esse trabalho foi
iniciado em 2005, quando o prefeito era José Serra, e prosseguiu nos anos
seguintes.
Encontramos a saúde pública paulistana em péssimas condições. O diagnóstico feito na ocasião apontava para a conveniência de dar ênfase à atenção básica, para
diminuir a sobrecarga dos hospitais e prontos-socorros municipais. Criamos então
as unidades de Atendimento Médico-Ambulatorial – AMAs – e depois as AMAs
Especialidades, para dar um atendimento ambulatorial de qualidade. Ao mesmo
tempo, reformamos e reequipamos as mais de 400 Unidades Básicas de Saúde.
Em 2011, as 117 AMAs da Capital atingiram a marca histórica de 10 milhões e
200 mil consultas e atendimentos. Conseguimos, assim, garantir para a população
a atenção básica de saúde e aliviar o trabalho nos hospitais e prontos-socorros,
que passaram a ter condições de atender melhor os casos mais complexos e as
emergências. No final de 2012 a cidade tinha 139 AMAS, 19 de Especialidades.
A esse conjunto de providências juntou-se a ampliação do fornecimento gratuito
de medicamentos para a população nos postos de saúde – mais de 246 milhões
de remédios distribuídos desde 2005. E temos o programa Remédio em Casa,
que sob nossa gestão garante a entrega em domicílio de medicamentos de uso
constante para pacientes que sofrem de doenças crônicas – são 280 mil pacientes
inscritos e 1,5 milhão de receitas atendidas no período. Acabamos com as frequentes reclamações de falta de remédios.
Com o programa Rede de Proteção à Mãe Paulistana, ultrapassamos a marca
dos 690 mil partos. Aqui, não se trata apenas dos partos, mas do pré-natal e da
atenção aos bebês durante o primeiro ano de vida. Em seus primeiros seis anos, a
Rede de Proteção à Mãe Paulistana realizou 3,8 milhões de consultas, 4,8 milhões
de exames e 680 mil ultrassonografias, atendendo gestantes em 439 Unidades
Básicas de Saúde (UBS), 23 Ambulatórios de Especialidades (AE) e em 37 hospitais municipais.
A propósito dos hospitais municipais, assinalo que, apesar de a cidade continuar
crescendo rapidamente, durante quase duas décadas a Prefeitura não ampliara sua
rede hospitalar. Em nossa gestão, inauguramos os hospitais municipais de Cidade
Tiradentes e M’Boi Mirim, e o SAID – Serviço de Atenção Integral ao Dependente,
em Heliópolis. Também o Hospital São Luiz Gonzaga, que ia fechar, foi municipalizado. Com essas quatro unidades, acrescentamos 728 leitos à rede municipal.
19
Em busca da melhor cidade
Não se pode afirmar que a saúde pública de São Paulo já chegou a um nível
ideal. Ainda temos que trabalhar muito para conseguir isso e, com certeza,
haverá trabalho a ser feito pelas próximas gestões. Mas posso afirmar que a qualidade da prestação de serviços de responsabilidade da saúde pública municipal
melhorou, e muito.
Hora de mobilizar recursos para elevar a qualidade de vida
É dever do administrador de hoje, portanto, cuidar para que os problemas atuais
não se agravem e tornem insuportável a vida dos paulistanos do futuro. Nem é necessário voltar muito no tempo para deixar evidente que houve a oportunidade de
organizar o crescimento da capital paulista, e tal oportunidade não foi aproveitada.
Basta tomar como referência a segunda metade do século 20, trazendo a análise
até os dias atuais.
Foi na década de 1950 que a vida da cidade de São Paulo entrou em ritmo de
crescimento vertiginoso. O processo de industrialização do País, acelerado com
a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, na segunda
metade da década de 1940, deu o impulso que dinamizou o processo de expansão
da capital paulista.
Nascia a indústria automobilística. Toda a região do Morumbi, que era uma fazenda, um descampado, foi ocupada rapidamente. Naquele período, a região do
Butantã ficava fora da cidade, com suas chácaras e olarias. Itaim Bibi, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição, Alto de Pinheiros... todos esses bairros hoje densamente
habitados e altamente valorizados pertenciam à zona rural, faziam parte do cinturão verde de São Paulo.
As três décadas seguintes foram tempos em que os administradores paulistas
deixaram de projetar os problemas que a cidade enfrentaria a partir de 1980 até
os dias atuais. Não é o caso, agora, de culpar os prefeitos daqueles tempos. Eles
tiveram suas razões para agir como agiram.
Mas é o caso, agora, de mobilizar verbas – próprias ou de outras fontes, inclusive da iniciativa privada – para consolidar o processo de melhoria da qualidade
da educação e da saúde; para socorrer as vítimas das enchentes que ocorrem nos
verões; para transformar as favelas em comunidades saneadas; para criar soluções
que aliviem os congestionamentos que a população enfrenta todos os dias; para
combater a criminalidade nos movimentados pontos de comércio popular, os prefe-
20
Gilberto Kassab
ridos pelos ambulantes ilegais que vão ali vender
suas mercadorias pirateadas, contrabandeadas ou
provenientes de roubos de cargas.
Elaboramos projetos e preparamos licitações para
viabilizar, em 2013 ou 2014, o início de obras que
produzam efeitos daqui a cinco anos, dez anos.
São obras que minha gestão concebeu imaginando
apenas os benefícios que trarão para a cidade, sem
perder tempo com mesquinharias, como ficar imaginando quais nomes vão aparecer na placa de inauguração ou quem vai obter votos com aquela solenidade.
Temos de pensar, a sério, nos túneis por onde passarão os trilhos ferroviários hoje implantados a céu
aberto, em espaços valorizados que serão mais
bem aproveitados com avenidas arborizadas, ecologicamente corretas. Nesses espaços, a indústria
imobiliária será orientada a construir prédios apropriados para que o trabalhador possa morar perto
do seu local de trabalho.
Para que esses projetos se transformem na realidade de nossos filhos e netos, é essencial que a
geração atual crie as condições, trace os rumos,
planeje, tome as primeiras iniciativas.
Daí surgiu a convicção de que minha gestão deveria
tentar resolver os problemas legados por administrações passadas, mas também propor e viabilizar
soluções que garantam a qualidade de vida na São
Paulo das próximas décadas.
Procurei deixar, para as futuras gestões, uma visão
estratégica de longo prazo, com a participação ativa
da sociedade civil e em consonância com o Plano
Diretor Estratégico (PDE). Com esse objetivo, a
Prefeitura desenvolveu, desde 2007, o plano SP
2025, concebido para elevar a qualidade de vida
da população, de forma gradativa, com impactos
Tinha a
convicção
de que
deveria tentar
resolver os
problemas que
administrações
passadas
legaram,
assim como
propor e
viabilizar
soluções que
garantissem
qualidade
de vida para
as próximas
décadas.
21
Em busca da melhor cidade
Para entender
o presente e
delinear
o futuro,
convém
lembrar que,
1920,
São Paulo
tinha 579 mil
habitantes.
Desde então,
em
a população
cresceu mais
20 vezes.
Tornamo-nos
de
a maior cidade
do
22
Hemisfério
Sul.
positivos em todas as camadas sociais, especialmente as mais carentes.
A iniciativa busca, também, criar as condições para o
comprometimento dos governantes com a visão estratégica de longo prazo desenvolvida em conjunto
com a sociedade civil. As discussões iniciais do
projeto foram articuladas pela Secretaria de Relações Internacionais. Em 2008, os debates foram
ampliados por meio de apresentações, com a participação de todo o secretariado municipal.
Em seguida, o SP 2025 passou a ser conduzido pela
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano,
criada em 2009 com competências para conduzir
ações governamentais voltadas ao planejamento e
desenvolvimento urbano do Município, inclusive planos de desenvolvimento de médio e longo prazos.
Além do SP 2025, foi concebido também o Projeto
SP 2040. Focado no mesmo objetivo de planejar e
antecipar, o SP 2040 busca desenvolver uma visão e
um plano estratégico de longo prazo, com horizonte
de 30 anos, desenvolvido com a colaboração da Universidade de São Paulo (USP).
Destaca-se, nesse contexto, a progressiva capacitação da cidade para abrigar grandes eventos. Além
da Fórmula 1 e da Formula Indy, que já fazem parte
do calendário anual, a Copa do Mundo de 2014 e a
candidatura de São Paulo para a Expo 2020 são
exemplos de oportunidades para a cidade.
A construção de uma visão estratégica de longo
prazo, em sintonia com a sociedade civil, estabelece
um referencial para os posicionamentos da cidade,
para as políticas publicas, para os agentes privados
nacionais e globais, para organizações não governamentais. É apenas um ponto de partida para uma discussão que precisa continuar pelos próximos anos.
Gilberto Kassab
Eixos de atuação por um futuro melhor
Essa reflexão inicial identifica os potenciais da cidade, mas reconhece suas deficiências. A valoração dos potenciais e a mitigação progressiva das deficiências,
com foco na melhoria da qualidade de vida do paulistano, devem ser perseguidas.
Cinco eixos importantes de atuação são identificados:
- a promoção do equilíbrio social
- a promoção do desenvolvimento urbano sustentável
- a promoção da mobilidade e acessibilidade
- a promoção da melhoria ambiental
- a consolidação de São Paulo como Cidade Global
Para entender o presente e delinear o futuro, devemos recuar ao passado e lembrar que, menos de um século atrás, em 1920, São Paulo tinha 579 mil habitantes.
Desde então, a população paulistana cresceu mais de 20 vezes. Tornamo-nos a
maior cidade do Hemisfério Sul, com mais de 11 milhões de habitantes. Somos
hoje o núcleo de uma região metropolitana em que vivem mais de 20 milhões de
pessoas.
Talvez só a China e a Índia tenham registrado crescimento a taxas tão altas. Em
tempos recentes, as taxas médias de crescimento anual de São Paulo foram 5,2%
(década de 1940), 5,6% (década de 50) e 4,6% (década de 60). Essa evolução se
manteve em ritmo acelerado até a década de 90.
Durante todo esse processo de agigantamento, faltou a devida atenção à sustentabilidade. De um lado, o poder público cometeu o erro de construir conjuntos
habitacionais distantes da região central, aproveitando-se do menor preço da terra
nessas áreas. De outro, permitiu a ocupação irregular de áreas igualmente periféricas, com o agravante de essas ocupações frequentemente se instalarem em áreas
de risco, de preservação e de mananciais.
Os resultados são conhecidos. Temos hoje cerca de 3,2 milhões de pessoas vivendo em habitações precárias. Trata-se da terceira maior população urbana do Brasil,
atrás apenas da própria São Paulo e do Rio de Janeiro. E a preocupação é ainda
maior quando se sabe que mais de 400 mil desses paulistanos vivem em situação
de perigo, em áreas de risco, segundo levantamento recente que o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT) fez para a Prefeitura.
Outro ponto preocupante, consequência do crescimento desordenado, é que
23
Em busca da melhor cidade
grande parte da superfície da cidade se encontra impermeabilizada. Daí as enchentes tornarem-se um tormento recorrente nos meses de chuva. Também é perverso
o movimento pendular que obriga grande parte da população a se deslocar
diariamente das regiões periféricas para o centro expandido, rumo aos seus
locais de trabalho. Assim, esses paulistanos perdem, por vezes, mais de três horas
nesses deslocamentos.
Apesar de todos esses problemas, São Paulo é uma cidade pujante. Grande centro
financeiro, de negócios, de comércio, médico-hospitalar, de pesquisa e desenvolvimento, de formação de recursos de alto-nível, cultural, São Paulo tende a seguir
sua vocação e obter um desempenho ainda melhor, caso as questões mencionadas acima sejam equacionadas.
Nesse sentido, vale lembrar algumas ações que mostram o empenho em enfrentar esses desafios nas diversas frentes. De 2005 a 2010, na área habitacional,
foram atendidas 206 mil famílias que viviam em áreas de risco e habitações precárias. No mesmo período, mais de 400 obras foram realizadas para eliminação
ou redução do risco nessas áreas. Em 2011, a Prefeitura reservou uma verba de
R$ 100 milhões para a realização de 110 intervenções de pequeno e médio portes
nos setores mais críticos.
Além dessas iniciativas, que respondem no curto e no médio prazo a esses desafios, São Paulo vem adotando também propostas que visam o desenvolvimento urbano sustentável. Merece destaque a Lei de Mudança do Clima, de 2009, pioneira
e inovadora, que estabeleceu metas para a redução das emissões de gases de
efeito estufa, em relação ao patamar expresso no inventário realizado e concluído
pela Prefeitura em 2005. Estabelece diretrizes para as ações nas áreas de energia,
uso do solo, construção, resíduos sólidos, transporte e saúde.
Outra iniciativa já tomada é o plano municipal de manejo de águas pluviais, em
desenvolvimento desde novembro de 2010, com apoio da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, da USP. Esse plano busca criar as metodologias para que se
encontre, no longo prazo, a melhor combinação de medidas, incluindo legislação,
renaturalização de córregos, parques lineares, controle de assoreamento, obras hidráulicas, entre outras, para as 100 bacias municipais.
Ao mesmo tempo, desenvolvemos e/ou implementamos projetos estratégicos
que se concretizarão de forma completa no longo prazo. As novas operações urbanas propostas – Lapa-Brás, Mooca-Vila Carioca e Rio Verde-Jacu Pêssego – têm
por objetivo promover a ocupação de áreas centrais dotadas de infraestrutura,
24
Gilberto Kassab
próximas a eixos de transporte coletivo, e também
o desenvolvimento econômico da Zona Leste.
O Projeto da Nova Luz, já com o respaldo da lei da
Concessão Urbanística, é simbólico das iniciativas do
poder público para a requalificação e reocupação do
Centro. No mesmo sentido, promovemos as revitalizações do Parque Dom Pedro II e do Vale do
Anhangabaú, incluindo a Praça das Artes, o programa Renova Centro, que prevê a destinação de 53
prédios para habitação principalmente de baixa renda, e a reabilitação da Biblioteca Mario de Andrade.
Assim, em praticamente todos os serviços implantados pela nossa gestão, cuidamos do presente e
olhamos para o futuro. Atendemos aos problemas
imediatos, como a verificação da situação dos bueiros,
o corte de grama, a limpeza e a pintura de guias. Ao
mesmo tempo, demos o exemplo do que deve ser
feito, para que os futuros administradores da cidade
tenham um padrão de conduta administrativa.
O ambiente
entendido em seu sentido mais amplo
Confiei na
minha equipe
de secretários
e subprefeitos,
mas fui
até eles,
regularmente,
para ver de
perto o que
estava sendo
feito, para
discutir um
detalhe,
sugerir ou
determinar
modificações.
Como já disse, como prefeito fui todos os dias a algum ponto da cidade, inclusive aos sábados e domingos. Saí para ver de perto as obras em andamento, para conversar com os subprefeitos e outros
funcionários. Confiei na minha equipe de secretários
e subprefeitos, mas fui até eles, regularmente, para
ver de perto o que estava sendo feito, para discutir
um detalhe, eventualmente para sugerir ou determinar modificações que me pareciam apropriadas.
Penso que, numa metrópole de mais de 11 milhões
de habitantes, o prefeito deve adotar o mesmo estilo de prefeitos mais atentos de cidades menores. É
25
Em busca da melhor cidade
Ao me passar
o cargo, Serra
comentou que
sentia não
ter avançado,
como gostaria,
no combate à
poluição
visual.
Peguei
essa “deixa”,
como se diz no
teatro, e tomei
as providências
que resultaram
Lei
Cidade Limpa.
na
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importante ter uma noção bem clara de tudo o que
está acontecendo, para tomar as providências mais
indicadas em cada caso.
Nos serviços de zeladoria, por exemplo, cuidamos
também do nosso objetivo de ter uma São Paulo
cada vez mais bem cuidada, florida e limpa. Poda e
remoção de árvores, limpeza de bocas de lobo, recapeamento de ruas e serviço de tapa-buraco, manutenção de áreas ajardinadas, varrição de ruas e
coleta de lixo - tudo isso faz parte dos serviços de
zeladoria nas 31 Subprefeituras de São Paulo.
Nasci e fui criado em São Paulo. Ao longo de cinco
décadas pude acompanhar o crescimento da cidade.
Lembro que, quando criança, o bairro onde morava
com minha família era cortado por uma via mais larga, chamada de Estrada da Boiada, nome pelo qual é
até hoje conhecida pelos moradores mais antigos. A
designação fazia sentido, pois ali de fato passavam
os bois a caminho do matadouro.
Estou falando de uma São Paulo que ainda guardava
vestígios da vida rural. Falo de quando o ar da cidade
era limpo, a frota de veículos limitava-se a poucas
dezenas de milhares, havia sinais de vida nos principais rios paulistanos.
Infelizmente, acompanhei a deterioração causada
pela ocupação desordenada do solo urbano, a multiplicação acelerada dos veículos em circulação, a
proliferação das favelas e das habitações improvisadas às margens de córregos, junto aos mananciais, à
beira das encostas. Criança, conheci os últimos vestígios de uma São Paulo ainda humana. Adolescente,
assisti ao desaparecimento daqueles vestígios.
Nos meus tempos de estudante de Engenharia e de
Economia na Universidade de São Paulo, na passagem da década de 1970 para a de 80, a cidade já
Gilberto Kassab
aparecia nas listas das cidades mais poluídas do mundo. Foi o período em que
aconteceu o despertar do mundo para a questão ecológica, a partir da conferência
da ONU em Estocolmo, em 1976.
Nos meus sonhos de jovem, eu imaginava um dia ter a oportunidade de contribuir
para mudar a maneira como o mundo via São Paulo. Já na época, entendia o meio
ambiente em seu sentido mais amplo, que abrange o ar que respiramos, a paisagem urbana, o nível do som nas vias públicas, a qualidade da água – a qualidade
de vida, enfim.
A oportunidade, felizmente, surgiu em março de 2006, ocasião em que assumi a
Prefeitura. Ao me passar o cargo, meu antecessor, José Serra, comentou que sentia muito não ter avançado, como gostaria, no combate à poluição visual. Peguei
essa “deixa”, como se diz no teatro, e tomei as providências que resultaram na Lei
Cidade Limpa aprovada pela Câmara Municipal em 2007.
Os especialistas que consultei, antes de apresentar à Câmara o projeto da Lei
Cidade Limpa, me disseram que só havia uma posição capaz de garantir o êxito
nessa tarefa: a mais radical de todas, que implicaria proibir, pura e simplesmente,
todos aqueles imensos outdoors e luminosos espalhados pelas principais ruas e
avenidas de São Paulo.
Por que era essa a única saída? Porque a sucessão de normas baixadas pelas
gestões anteriores havia criado um emaranhado legal que nem os próprios fiscais
conseguiam desembaraçar. Isso deixava brechas para a proliferação da propaganda agressiva, selvagem mesmo, gerando uma permissividade visual que levou a
paisagem urbana de São Paulo a ser completamente desfigurada.
O radicalismo inédito da Lei Cidade Limpa teve o efeito imediato de ser entendido
pelos fiscais e, melhor ainda, foi entendido e aceito pela população de São Paulo.
Com o decidido apoio da opinião pública, o projeto chegou à Câmara Municipal e
logo recebeu aprovação praticamente unânime (só um vereador ficou contra).
Aprovada em 2007 e colocada em prática desde o início de 2008, a lei resgatou a auto-estima do paulistano. Pela primeira vez em mais de três décadas, São
Paulo entrava para uma lista positiva do repertório ambiental internacional, como
a primeira metrópole do mundo que conseguiu êxito rápido e efetivo no combate
à poluição visual.
Fazia muitos anos que não se via, na cidade de São Paulo, aprovação tão efetiva
para uma lei. Todos os principais jornais deram editoriais apoiando. Intelectuais de
prestígio, como o cineasta Fernando Meireles, publicaram artigos de apoio. As prin-
27
Em busca da melhor cidade
cipais entidades representativas do empresariado e dos trabalhadores apoiaram.
Urbanistas daqui e do exterior se manifestaram a favor. Dezenas de publicações
internacionais deram reportagens extensas.
Naqueles primeiros meses de 2008, em minhas constantes visitas aos diferentes bairros de São Paulo, senti a forte emoção de constatar que mesmo os comerciantes das periferias mais afastadas estavam mudando suas placas, seus
outdoors, seus luminosos. Todos, em todos os bairros, estavam acatando a Lei
Cidade Limpa.
Os bons resultados no combate à poluição visual me animaram a enfrentar os
outros tipos de poluição. A poluição do ar, por exemplo, tem sido combatida com
o programa Ecofrota, conjunto de ações de melhoria do combustível utilizado na
frota de ônibus municipal.
Ampliamos a frota de ônibus movidos a etanol – agora com 60 veículos. Além de
São Paulo, apenas Estocolmo, na Suécia, desenvolve operação comercial de ônibus
movidos a etanol. Estamos entre as poucas cidades do mundo escolhidas para
viabilizar o Projeto BEST – BioEthanol for Sustainable Transport, ou Etanol para o
Transporte Sustentável.
Não nos esquecemos, também, de dar combate ao combustível adulterado, em
parceria com autoridades estaduais e federais, o que foi feito sistematicamente
desde 2007 como parte de todo um conjunto de medidas concretas, tomadas para
melhorar a qualidade do ar que respiramos na cidade.
Os ônibus movidos a etanol reduzem em até 90% a emissão de material particulado (fumaça preta) na atmosfera, em relação aos coletivos movidos a diesel. Além
disso, a utilização de álcool diminui em 80% a emissão de gases responsáveis pelo
aquecimento global, e reduz em 62% a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), e
não libera enxofre, o causador da chuva ácida.
São Paulo também já tem 1.200 ônibus circulando a partir da mistura de 20% de
biodiesel de grãos (B20) ao diesel comum, o que reduz em 22% a emissão de material particulado, em 13% de monóxido de carbono e em 10% os hidrocarbonetos.
Cabe assinalar, nesse contexto, o fator econômico, como registram os estudos da
Universidade de São Paulo: a substituição do diesel por álcool representa uma
economia de aproximadamente 200 milhões de dólares na área da Saúde. Ou seja:
menos poluição do ar representa pulmões mais limpos e uma expressiva economia
nas despesas com a saúde.
Outros 160 ônibus circulam pela Capital com 10% de diesel de cana-de-açúcar em
28
Gilberto Kassab
mistura com o diesel comum. Os testes realizados
anteriormente apresentaram uma redução de até
41% de fumaça preta, comparado com os veículos
abastecidos com diesel B5. Com a mesma finalidade,
na frota de trólebus foi iniciada a troca de 140 carros – ou 70% da frota de 200 trólebus. A SPTrans
investiu ainda na renovação da frota da
Cidade, realizando a troca dos veículos antigos por
modelos de tecnologia mais nova, com maior capacidade e menos poluentes. Dos 15 mil ônibus da
frota, 13.330 (ou 85%) foram renovados. Foi, como
se percebe, um esforço constante e consistente pela
melhora do ar da cidade, a partir da melhora do combustível utilizado pela frota de ônibus.
Nunca é demais lembrar, também, que todos os ônibus públicos de São Paulo já utilizam um tipo mais
limpo de diesel, o S50 B5.
Em 2010, começamos a fazer a inspeção ambiental
de todos os veículos em circulação pela cidade de
São Paulo. São mais de sete milhões de veículos que
passaram a circular dentro de padrões sustentáveis
de emissão de gases.
Implantamos essas medidas gradativamente, mas
com toda segurança, sem “fogo de palha”, como se
diz. Afirmo, sem medo de cair no exagero, que a cidade de São Paulo teve em nossa gestão um dos
maiores programas ambientais do mundo na área de
transportes. Bom para os paulistanos, bom para o
planeta.
Agora, a comunidade internacional já sabe que São
Paulo, por tantos anos estigmatizada como uma das
cidades mais poluídas do mundo, hoje leva a sério
esse compromisso com o planeta. Depois de Nova
York em 2007 e de Seul em 2009, São Paulo foi,
em 2011, a sede da Cúpula da C-40, a entidade
Em 2010,
começamos a
fazer a
inspeção
ambiental na
cidade.
São
mais de sete
milhões de
veículos que
passaram a
circular
dentro de
padrões
sustentáveis
de emissão de
gases.
29
Em busca da melhor cidade
Com o novo
modelo de
limpeza
urbana,
que reúne as 40 maiores cidades do mundo. O
foco da C-40 é a sustentabilidade, é a preservação
da qualidade de vida do ser humano e de todos os
seres vivos.
Mais atenção às ruas de nossa cidade
garantimos que
a cidade fique
mais limpa,
de domingo a
domingo.
Além
do saudável
aspecto de
limpeza,
consolida-se
a prevenção
contra as
enchentes e
alagamentos,
tão comuns
no verão.
30
Sempre com a preocupação de zelar pela cidade
onde nasci e que tive a honra de administrar, tomei providências para aumentar os nossos índices de limpeza. Nesse sentido, sinto-me especialmente feliz por ajudar São Paulo a ficar livre de
uma tradição que se arrastava há décadas: o lixo
acumulado pelas ruas na virada de domingo para
segunda-feira.
Isso acabou, na capital paulista, desde a segunda
quinzena de dezembro de 2011, quando estive
na Praça General Fernando Valente Pamplona, em
Santana, para acompanhar o início dos trabalhos de
limpeza pública aos domingos. Por toda a cidade, a
partir de então, a limpeza pública passou a ser feita também aos domingos. O novo modelo implantou uma limpeza geral, todos os dias da semana,
que inclui, além da varrição, os serviços de pintura
de guias e a remoção de propagandas irregulares
em postes.
São parte do novo modelo, ainda, os serviços de
remoção de entulho ou grandes objetos, limpeza
e desobstrução de bueiros e bocas de lobo, instalação de novas lixeiras, higienização das ruas e
manutenção e remoção dos resíduos dos 46 Ecopontos em funcionamento, que passaram a ficar
abertos de segunda a sábado, das 6h às 22h, e
também aos domingos, das 6h às 18h.
Dessa maneira, garantimos que a cidade fique mais
Gilberto Kassab
limpa, de domingo a domingo. Além do saudável e civilizado aspecto de limpeza,
consolida-se a prevenção contra as enchentes e alagamentos tão comuns no
verão. Como já repeti várias vezes, essas providências não bastam para garantir proteção total contra os fenômenos da natureza, mas tenho certeza de que
fizemos tudo o que era possível para evitar maiores transtornos para a população.
Pelo que foi implantado, a cidade passou a ser dividida em duas áreas. A área
Sudeste é atendida pelo consórcio Soma - Soluções e Meio Ambiente. A área Noroeste é atendida pelo consórcio São Paulo Ambiental. Os dois consórcios podem
fazer programações harmônicas no trabalho de limpeza. Desta forma, passou a
existir uma soma de esforços, para que o resultado seja potencializado.
Os consórcios trabalham sob a supervisão permanente dos agentes das 31 Subprefeituras de São Paulo. Os agentes municipais têm como suporte as novas
tecnologias adquiridas pelas secretarias de Serviços e de Coordenação das Subprefeituras para tornar mais ágil e eficaz o trabalho de fiscalização. As motolinks, equipadas com câmeras de vídeo, fazem a vistoria dos serviços de limpeza.
Com câmeras que descem dentro de bueiros, conseguem verificar a qualidade da
retirada de resíduos no interior desses locais.
Outro diferencial do modelo é a abertura para a participação do munícipe, que
tem agora a oportunidade de fazer críticas e sugestões por telefone ou pela
internet. O cidadão pode de fato participar. Estimulamos todos a contribuir na
medição da qualidade do serviço das empresas. Isso quer dizer que, além do
conjunto de fiscais das Subprefeituras, podemos contar com a participação dos
11 milhões de moradores da cidade.
Toda a população pode acompanhar com atenção a implantação do novo modelo
de limpeza urbana, que tem alguns aspectos realmente inéditos.
Como todo paulistano atento à paisagem de nossa cidade, ficava incomodado
com o fato de nossas estátuas e monumentos não receberem a atenção devida
e merecida. Agora, os consórcios encarregados da limpeza urbana têm , também,
a responsabilidade de lavagem e conservação de logradouros e monumentos.
Chamo a atenção para um ponto importante: o fornecimento e a manutenção de
lixeiras, também a cargo dos dois consórcios. As prestadoras desse serviço estão
colocando à disposição da população nada menos que 150 mil novas lixeiras, todas confeccionadas com material reciclável e equipadas com cinzeiro. Cada uma
delas é identificada com chip ou código de barras que facilite sua identificação, por
31
Em busca da melhor cidade
meio de leitura ótica. Desse modo, a Prefeitura fica mais capacitada para fiscalizar
a manutenção e a higienização das lixeiras.
Ressalto que a divisão da cidade em duas regiões, Sudeste e Noroeste, é a mesma que já funcionava no serviço de coleta de lixo domiciliar. É o tipo de sintonia
que estava faltando em nossa cidade, em matéria de limpeza urbana. O resultado da implantação desse novo modelo, como já pôde ser observado em todo
o primeiro trimestre de 2012, é a melhor qualidade dos serviços prestados na
cidade.
Revitalização da área central é tendência mundial
Em quase todas as grandes cidades do mundo, uma prioridade que sobressai, nas
últimas décadas, é a revitalização da região central. Aconteceu em São Paulo, como
em dezenas de outras metrópoles, a migração da área residencial para pontos mais
distantes do centro.
Esse fenômeno provoca outras migrações, a do comércio, a das empresas em geral,
dentro da tendência natural de aproximação entre local de trabalho e de moradia.
Esse deslocamento deixa atrás de si, esvaziada, uma região com toda a infraestrutura de serviços, o centro. Vem daí a tendência de resgatar os centros históricos
das maiores cidades.
Por isso lançamos em São Paulo o projeto Nova Luz, de revitalização de uma área
bastante degradada que constrangia a todos os paulistanos com as cenas degradantes de dependentes de drogas a zanzar pelas imediações da Estação da
Luz. Desde seus primeiros meses a nossa gestão procurou soluções para aquela
região nobre do centro de São Paulo.
Trabalhamos a sério para combater os problemas que geraram o termo “cracolândia”, usado para designar aquele ponto da cidade em que tantos jovens, e até
mesmo crianças, perambulam sem rumo, sob o efeito de drogas, especialmente o
crack, do qual veio o nome pejorativo daquela região.
Especialistas no assunto sustentam que o crack é a mais perigosa das drogas proibidas, porque custa barato e provoca rapidamente uma forte dependência.
Na luta contra essa situação, lançamos na região, no início de 2012, uma importante inovação: o Complexo Prates, primeiro equipamento que reúne ações de
Saúde Pública e de Assistência Social no tratamento e recuperação de dependentes químicos em situação de rua e vulnerabilidade social. O Complexo Prates
32
Gilberto Kassab
serve para mostrarmos às pessoas que estão na rua
que existe mais uma porta aberta para elas, com
programas de assistência que podem ser a solução
para seus problemas.
Construído no bairro do Bom Retiro, o Complexo
Prates é um centro especial de acolhimento, dotado
de Espaço de Convivência Dia para Adultos, abrigo
para menores, Centro de Acolhida 24 horas, Centro
de Atenção Psicossocial III Álcool e Drogas (CAPS
III AD) e a Assistência Médica Ambulatorial (AMA)
24 horas.
Aliás, em relação à assistência social, tenho orgulho do programa que criamos. Ele mudou a
história das ações da Prefeitura nesse setor, com a
implantação do Sistema Único de Assistência Social
e a ampliação do atendimento à população carente.
Instalamos por toda a cidade 46 Centros de
Referência da Assistência Social – CRAS, que
recebem mensalmente 55 mil pessoas, e 18 Centros de Referência Especializado da Assistência
Social – CREAS, que recebem 11 mil pessoas por
mês. A rede municipal de Assistência Social passou a ter 1.206 serviços para toda a população
carente da cidade, com mais de um milhão de
atendimentos.
Claro que o projeto Nova Luz não se resume a isso.
Ele é uma intervenção urbana de grandes proporções. Em maio de 2010 promovemos a primeira
reunião com o Consórcio Concremat/City/AECOM/
FGV. Começavam ali os entendimentos práticos
com os vencedores da licitação para a elaboração
do projeto urbanístico da Nova Luz. A definição do
consórcio encarregado de preparar o projeto de
revitalização da Nova Luz foi um primeiro passo
necessário e vital.
O Complexo
Prates
serve para
mostrarmos
às pessoas que
estão na rua
que existe mais
uma porta
aberta para
elas, com
programas de
assistência que
podem ser
a solução
para seus
problemas.
33
Em busca da melhor cidade
Com planos
de longo prazo,
a cidade
deixará de ser
espectadora
para se tornar
protagonista
de seu
desenvolvimento.
34
Acho oportuno ressaltar que a licitação da Nova
Luz apresentou um diferencial: em vez de analisar
uma proposta concreta, começamos por avaliar a
capacidade técnica dos licitantes. Depois, essa capacidade foi confrontada com as características do
projeto a ser executado. Demos pontos, por exemplo, para a experiência da empresa em intervenções
do mesmo porte, para a prática na elaboração de
estudos de impacto ambiental e para o currículo da
equipe.
Entre os projetos apresentados pelo consórcio vencedor estava o Lower Lea Valley, plano de reurbanização destinado a recepcionar a Olimpíada de Londres,
realizada em 2012. Também foi apresentado o plano
de revitalização da região central de Manchester, na
Inglaterra. Tenho certeza de que fizemosuma escolha criteriosa, com reais possibilidades de resultar
num plano que vai viabilizar a intervenção sonhada
para a Nova Luz.
Com a elaboração do projeto urbanístico, demos início à segunda fase do processo de intervenção da
Nova Luz. A primeira fase foi a aprovação pela Câmara Municipal, em 2009, da lei que autoriza a concessão urbanística. Avançamos etapa por etapa, com
toda segurança. Esse é um dos projetos que iniciei,
como prefeito, consciente de que a festa de inauguração será de meus sucessores.
Tenho consciência, igualmente, de que deixarei para eles muitos problemas que herdei e não
pude solucionar por inteiro. São Paulo continuará
a crescer, impulsionada pela sua pujança econômica e pela evolução demográfica de sua região
metropolitana, à razão de cerca de 200 mil novos habitantes ao ano. O desenvolvimento de um
plano estratégico e de projetos de longo prazo é
essencial para que esse crescimento ocorra de forma equilibrada, consistente,
sustentável.
Só assim a cidade deixará de ser espectadora para se tornar protagonista de seu
desenvolvimento.
35
Marcel Solimeo
Economista e consultor, é diretor do Instituto de Economia
Gastão Vidigal (IEGV), da Associação Comercial de São Paulo,
e da SLB Consultores Empresariais.
Ulisses Gamboa
Economista da Associação Comercial de São Paulo
e professor e pesquisador da Fipe
(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
36
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
O Município no mundo das
f
i
n
a
n
ç
a
s
públicas
37
Em busca da melhor cidade
38
O
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Brasil é uma república federativa formada pelo governo central, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, conforme o artigo 18 da Constituição de 1988.
Assim, poder-se-ia supor que os Municípios brasileiros gozam
de plena autonomia, tanto no que se refere às suas fontes de
receitas quanto no tocante ao gasto público. Essa, no entanto,
não é a realidade, pois a própria Constituição define a estrutura tributária dos Municípios e impõe percentuais compulsórios para determinados
gastos, como é o caso da educação e da saúde.
Estabelece também normas para a elaboração do Orçamento, proíbe a realização
de despesas sem autorização da Câmara Municipal e determina maior participação
legislativa no processo de elaboração e execução orçamentária. As regras de finanças públicas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal impõem limites
para o gasto com pessoal e para o endividamento. Por outro lado, o Congresso
tem aprovado leis que fixam valores mínimos para a remuneração de algumas
categorias de agentes públicos, como a de professores, sem levar em consideração
a capacidade de cada unidade da Federação de cumprir com essa determinação.
A fixação do salário mínimo nacional não leva em conta a capacidade financeira
dos Municípios, acarretando, para muitos deles, desequilíbrios em suas contas.
Mais importante, no entanto, é o fato de que a participação dos Municípios no total da arrecadação tributária é muito baixa, o que faz com que sua receita própria
seja insuficiente para o atendimento das necessidades básicas de sua população,
tornando-os dependentes de transferências, compulsórias e voluntárias, o que
limita em muito sua autonomia.
No tocante às transferências não obrigatórias, cria-se uma dependência política
que, muitas vezes, compromete o poder decisório do Município, pois elas só são
liberadas para finalidades específicas, nem sempre condizentes com as prioridades
locais. Da arrecadação tributária total, a União tem participado com cerca de 24%
do PIB, os Estados perto de 9,5%, restando ao conjunto dos Municípios brasileiros
um percentual próximo a apenas 1,9% do Produto Interno Bruto, conforme Tabela
na próxima página.
39
Em busca da melhor cidade
Tabela 1
Evolução da Arrecadação por Esfera Governamental:
1995-2010 (% PIB)
Ano
União
Estados
Municípios
Total
1995
16,8%
8,2%
1,4%
26,4%
1996
17,7%
8,0%
1,4%
27,2%
1997
18,1%
7,8%
1,5%
28,1%
1998
18,9%
7,7%
1,5%
28,1%
1999
19,9%
7,8%
1,5%
29,2%
2000
20,8%
8,4%
1,5%
30,7%
2001
21,7%
8,8%
1,5%
32,0%
2002
22,8%
8,9%
1,5%
33,2%
2003
22,1%
8,9%
1,7%
32,7%
2004
22,8%
9,1%
1,7%
33,6%
2005
24,2%
9,3%
1,7%
35,2%
2006
24,1%
9,4%
1,7%
35,2%
2007
24,6%
9,2%
1,8%
35,6%
2008
24,7%
9,4%
1,8%
35,9%
2009
23,8%
9,4%
1,9%
35,0%
2010
24,1%
9,5%
1,9%
35,5%
Fonte: Confederação Nacional de Municípios (2011).
Pode-se observar que, embora todos os níveis de governo tenham se beneficiado
do aumento da Carga Tributária como proporção do PIB, o avanço maior foi da
União, não apenas porque a maior parte de seus impostos cresce mais do que proporcionalmente ao crescimento das atividades econômicas, como, também, pela
possibilidade de elevar alíquotas de alguns tributos, como o IOF.
Dos impostos municipais, só a receita do ISS se beneficia diretamente da expansão da economia, mas esse tributo é importante apenas nas cidades maiores
como fonte de arrecadação. Em 2010 a receita tributária da União cresceu 16,5%;
mesmo percentual de acréscimo se verificou nos Estados, enquanto os Municípios
tiveram aumento de 15,2 % no total dos impostos recebidos.
Assim, a União aumentou sua participação no “bolo tributário” de 63,8% do total
40
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
em 1995, para 67,5% em 2010, enquanto os Estados tiveram queda de 31% para
27,5%, no período, e os Municípios mantiveram mais ou menos constante sua parcela na arrecadação, em torno de 5,0%. De outro lado, o governo Federal tem se
utilizado do aumento das Contribuições e de impostos não partilhados para não
ter que repartir com Estados e Municípios o ganho de receita decorrente. Ao mesmo tempo, concede unilateralmente reduções de impostos, como o IPI para alguns
setores, afetando a parcela da arrecadação que deveria ser partilhada.
Lei de Responsabilidade Fiscal e Autonomia Municipal
O Brasil viveu um longo período de inflação extremamente elevada, entremeado
por “choques econômicos” que apresentavam resultados aparentemente positivos
no curto prazo, mas que logo perdiam sua eficácia e, além do retorno da inflação,
provocavam inúmeros problemas tanto para as empresas, devido às distorções dos
preços relativos, quanto para as finanças do setor público, especialmente com as
fortes demandas por correções das defasagens salariais. Além disso, a inflação
corroía a arrecadação dos governos, devido ao chamado “Efeito Tanzi”, isto é, as
receitas não cresciam na mesma velocidade dos preços, mas muitas despesas
subiam acompanhando a inflação.
Embora o mesmo efeito ocorresse com relação a outras despesas, os ajustes pelo
lado dos gastos eram mais rápidos e intensos do que o aumento da receita. Um
dos fatores que alimentavam o processo inflacionário era o grande descontrole
das finanças públicas, maior no Governo Federal e nos Estados do que na maioria
dos Municípios. Vários programas de combate à inflação, que não consideraram
essa variável, fracassaram, como ocorreu com diversos Planos adotados – Cruzado,
Collor, Bresser, Verão – e outras tentativas intermediárias.
A partir do Plano Real, esse problema passou a ser atacado em 1995, com a
Resolução 69 do Senado Federal, que estabeleceu limites para o saldo das AROs
– operações de Antecipação de Receita Orçamentária. Iniciou-se então um cerco
ao descontrole das contas públicas, que foi aprimorado em 1998 com a Resolução
78 do Senado Federal, que transferiu ao Banco Central o controle dos limites para
operações de crédito e garantias de Estados e Municípios.
Em 1999, como alguns Estados e Municípios estivessem praticamente “quebrados”, por não terem mais acesso a crédito, foi realizado um amplo esquema de refinanciamento dos débitos por parte da União, com prazo de 30 anos para amortização, juros de 9% capitalizados mensalmente, mais correção monetária pelo IGP-DI.
41
Em busca da melhor cidade
A concessão
de incentivos
fiscais
para atrair
empresas pode
ser válida
enquanto
adotada por
um único
município, mas
perde sua
eficácia se
todos fizerem
o mesmo.
42
Havia a possibilidade de redução da taxa de juros
para 7,5% no caso de antecipação de no mínimo
30% de amortização no prazo de 30 meses. Limitouse a 13% da receita líquida o valor dos pagamentos,
mas proibindo o acesso a novos financiamentos.
Todo esse esquema foi consolidado com a aprovação
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que incorporou
as regras anteriores e fixou novos parâmetros para a
administração fiscal, estabelecendo como objetivo o
equilíbrio e a transparência nas contas públicas. Passou a exigir a elaboração do PPA (Plano Plurianual),
da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), da LOA (Lei
Orçamentária Anual), estabeleceu limites para os
“Restos a Pagar”, para as AROs, e reafirmou o teto de
60% da receita corrente líquida para despesas com
pessoal. Fixou como meta o quociente de 1,2 entre a
Dívida Consolidada Líquida e Receita Corrente Líquida para permitir novo endividamento.
Embora os parâmetros fixados para os gastos com
pessoal em proporção à receita estivessem bem
acima do efetivamente praticado pela grande
maioria dos Municípios, e as regras para o refinanciamento das dívidas também não os atingisse,
para algumas cidades maiores representaram a
necessidade de um pesado esforço fiscal. Como
a possibilidade de atuação sobre a receita era
limitada, especialmente nos períodos de maior
retração da economia, e com a obrigação de pagamento de valores elevados por conta dos juros e
serviços das dívidas, o ajuste teve que ser feito
pelo lado das despesas, resultando, no geral, em
cortes nos investimentos e, em consequência, na
deterioração dos serviços públicos.
As regras de administração pública consolidadas na
LRF, e a renegociação das dívidas dos Municípios
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
com a proibição de novo endividamento, afetaram significativamente a autonomia municipal. Apesar disso - e mesmo limitadas pela Constituição na capacidade
de criar impostos, e com dificuldades políticas para aumentar os existentes
- muitas localidades procuraram melhorar sua economia com base em incentivos
ficais para a atração de investimentos, como a isenção ou redução do IPTU ou de
algumas taxas. Em alguns casos desencadeou-se uma “guerra fiscal” explícita,
pelo uso de alíquotas menores de ISS, em cidades próximas às de maior desenvolvimento.
A concessão de incentivos fiscais para atrair empresas pode ser considerada o
que Keynes chamava de “sofisma de composição” – ou seja, a medida pode ser
válida enquanto adotada por um único Município, mas perde sua eficácia se todos
fizerem o mesmo, retornando ao ponto inicial de competição, mas com perda de receita para todos. O benefício será apenas para as empresas contempladas, à custa
dos demais contribuintes. O exemplo clássico do “sofisma de composição” é o que
se dá em um estádio: se um dos espectadores se levantar para ver melhor o jogo,
conseguirá seu intento, mas se todos os demais fizerem o mesmo, tudo voltará à
situação inicial, com a desvantagem de que todos estarão em pé.
Não há dúvida de que, do ponto de vista macroeconômico, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi um instrumento muito importante ao disciplinar o gasto público,
assim como o refinanciamento das dívidas de Estados e Municípios impediu a insolvência de muitos. Parece claro, também, que aumentou de forma irreversível o
poder da União, afetando fortemente o regime federativo. Somente com um novo
e improvável “pacto federativo” se poderá recuperar a autonomia efetiva dos
Municípios, mas, para isso, seria necessário aumentar a parcela municipal na
arrecadação tributária, de forma compatível com as responsabilidades que lhe
são atribuídas.
Trata-se de decisão extremamente complexa, não apenas em função dos interesses estabelecidos, como, sobretudo, devido às fortes disparidades regionais
e à fraqueza arrecadatória de grande número de Municípios, especialmente os de
menor população. Segundo o IBGE, apenas 0,5% dos Municípios possuem população superior a 500 mil habitantes, mas respondem por 61% da arrecadação tributária do País, enquanto 25,6% das unidades municipais possuem menos de 5.000
habitantes e são responsáveis por apenas 0,7% da arrecadação fiscal brasileira. A
análise da evolução das finanças municipais mostra o alto grau de dependência
fiscal da maioria dos Municípios.
43
Em busca da melhor cidade
Situação Fiscal Municipal
Evolução dos Balanços Fiscais Municipais
A Tabela 2 mostra a evolução dos balanços fiscais da soma total dos Municípios
brasileiros entre 1998, dois anos antes da implementação da LRF, e 2010, último
ano com informações oficiais do FINBRA-Tesouro Nacional.
Tabela 2
Balanço Orçamentário da Soma dos Municípios Brasileiros:
1998-2010 (R$ Milhões de 2010)
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Balanço
Corrente
80.313
82.290
106.226
112.662
201.952
115.269
126.861
140.202
155.918
166.232
179.469
185.870
198.085
Balanço
de Capital
-10.339
-11.386
10.216
-12.651
-12.752
-15.711
-14.993
-13.675
-17.141
-19.154
-20.623
-16.572
-18.112
Balanço
Nominal
69.973
70.903
116.442
100.011
189.200
99.558
111.868
126.526
138.776
147.078
158.846
169.298
179.973
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Com relação ao balanço fiscal corrente, com a diferença entre receitas e despesas
correntes, observa-se que durante o período 1998-2010 os Municípios brasileiros
tomados em conjunto apresentaram resultados positivos, o que significa que
foram capazes de gerar poupança. Por outro lado, a Tabela 2 também permite
apreciar que, durante o mesmo período considerado, houve déficits no balanço de
capitais, que representam a diferença entre receitas e despesas de capital.
A diferença entre os saldos da conta corrente e de capital corresponde ao balanço
orçamentário nominal. Essa diferença, como mostra a Tabela anterior, é positiva
para a soma dos Municípios, indicando que foi gerada poupança corrente suficiente para financiar os déficits de capital, evidenciando situação fiscal relativamente
confortável. Nesse sentido, inclusive, poder-se-ia afirmar que esses resultados
positivos contribuíram para a geração de superávits primários do Governo Geral, o
que, ao longo desse período, ajudou a reduzir suas necessidades de financiamento
e a relação Dívida Pública-PIB, consolidando a situação fiscal brasileira.
Estrutura e Evolução das Receitas Próprias Municipais e Transferências
Intergovernamentais
Durante o período 1998-2010, tal como mostra a Tabela 3, verifica-se crescimento acumulado expressivo em termos reais (valores constantes de 2010) para
todos os tipos de receitas fiscais, destacando-se o incremento observado nas
transferências (113,7%).
44
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Contudo, e como é de praxe nas finanças públicas municipais brasileiras, ao longo
do intervalo de tempo considerado, há um forte desequilíbrio na recepção da receita própria e de transferências na esfera municipal. Essa análise será feita a seguir.
Tabela 3
Evolução Real Acumulada das Receitas Fiscais
(Valores Constantes a preços de 2010) dos Municípios Brasileiros: 1998-2010 (%)
Especificação
1998
2010
Variação Acumulada
225.247
461.269
104,8%
1.1 Receitas Tributárias
46.828
81.583
74,2%
- Impostos
104,0%
1. Receitas Correntes
36.821
75.098
IPTU
14.329
19.962
39,3%
ITBI
3.425
7.364
115,0%
ISS
19.067
40.049
110,0%
10.006
6.485
-35,2%
154.054
329.209
113,7%
74.519
145.566
95,3%
Cota FPM
43.899
84.506
92,5%
Cota ITR
535
719
34,5%
SUS União
10.360
39.462
280,9%
Outras Transferências da União
19.735
20.880
5,8%
- Outras Taxas e Receitas Tributárias
1.2 Receitas de Transferência
- Transferências da União
- Transferências do Estado
75.464
110.927
47,0%
Cota ICMS
51.208
90.627
77,0%
Cota IPVA
7.739
14.025
81,2%
Cota IPI Exportação
1.066
1.237
16,0%
15.451
5.039
-67,4%
15.655
65.487
318,3%
4.071
7.228
77,5%
1.3 Outras Receitas Correntes
24.363
50.478
107,2%
2. Receitas de Capital
21.132
22.877
8,3%
9.872
15.383
55,8%
246.378
484.146
96,5%
Outras Transferências do Estado
- Transferências do FUNDEP (Ex FUNDEF)
- Outras Transferências Correntes
- Transferências de Capital
TOTAL
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Receitas Próprias Municipais
Durante o período 1998-2010, a composição das receitas fiscais do conjunto total
dos municípios evidencia que a maior parte dos ingressos provém de transferências federais e estaduais, correspondendo a menor parte à arrecadação própria
municipal. De fato, como pode ser visualizado na Tabela 4, a participação da receita
45
Em busca da melhor cidade
tributária própria nas receitas correntes em 2010 foi de 17,7%. Essa falta de autonomia fiscal se ampliou durante o período considerado, pois na mesma Tabela
verifica-se que a importância das receitas tributárias era maior em 1998 (20,8%).
Os resultados anteriores permaneceram praticamente inalterados, inclusive, se
excluímos os municípios das capitais, que por sua natureza possuem maior poder
gerador de receitas próprias. A divisão dos municípios por regiões, e até mesmo a
exclusão de suas capitais, tampouco alterou o padrão de comportamento das finanças municipais ao longo do intervalo de tempo considerado.
Tabela 4
Receitas Fiscais em Relação às Receitas Correntes dos Municípios Brasileiros:
1998-2010 (%)
Especificação
1. Receitas Correntes
Participação
Receitas Correntes 1998
Participação
Receitas Correntes 2010
100,0%
100,0%
1.1 Receitas Tributárias
20,8%
17,7%
- Impostos
16,3%
16,3%
IPTU
6,4%
4,3%
ITBI
1,5%
1,6%
ISS
8,5%
8,7%
- Outras Taxas e Receitas Tributárias
4,4%
1,4%
1.2 Receitas de Transferência
68,4%
71,4%
- Transferências da União
33,1%
31,6%
18,3%
Cota FPM
19,5%
Cota ITR
0,2%
0,2%
SUS União
4,6%
8,6%
Outras Transferências da União
- Transferências do Estado
Cota ICMS
8,8%
4,5%
33,5%
24,0%
22,7%
19,6%
Cota IPVA
3,4%
3,0%
Cota IPI Exportação
0,5%
0,3%
8,8%
4,5%
- Transferências do FUNDEP (Ex FUNDEF)
Outras Transferências do Estado
7,0%
14,2%
- Outras Transferências Correntes
1,8%
1,6%
10,8%
10,9%
2. Receitas de Capital
1.3 Outras Receitas Correntes
9,4%
5,0%
- Transferências de Capital
4,4%
3,3%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
46
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Transferências Intergovernamentais
Por sua vez, de acordo com a Tabela anterior, a receita de transferências correntes respondeu, em 2010, por 71,4% das receitas fiscais correntes da soma
dos Municípios brasileiros, mostrando aumento de importância durante o período
considerado, pois em 1998 sua participação foi de 68,4%.
Como é de se esperar, dada a característica redistributiva de todos esses repasses
aos Municípios, em geral, quanto menor o Município, maior seria seu peso no conjunto das receitas correntes geradas. De fato, na Tabela 5 pode-se observar que as
receitas de transferências das Regiões Norte e Nordeste representaram em 2010 a
maior parte das receitas totais (81,6% e 82,8%, respectivamente), situando-se bastante acima dos percentuais registrados no Centro-Oeste, Sul e Sudeste (74,5%,
67,7% e 60,5%, respectivamente).
Em outras palavras, a análise anterior estaria revelando que, aparentemente, as
transferências estariam contribuindo para reduzir as importantes desigualdades
regionais do País ao longo do período 1998-2010, embora, por outro lado, possam
estar incentivando a manutenção de dependência fiscal por parte dos Municípios,
que reduziram levemente sua dependência em relação às transferências correntes
durante o mesmo intervalo de tempo.
Nesse sentido, como argumentam Giambiagi e Além (2008), é sabido que esse
esquema de repasses incentiva o aumento do número de Municípios, de tamanho
cada vez menor, maximizando a recepção de recursos do Fundo de Participação
Municipal (FPM). Com efeito, de acordo com os mesmos autores, entre 1980 e
2006 a quantidade de Municípios aumentou em 38%.
Por sua vez, a receita de capital que é, em geral, determinada pelas transferências
de capital, originadas na União e no Estado, costuma ser pouco representativa na determinação das receitas totais dos Municípios brasileiros. Por isso, optou-se por não
realizar uma análise mais detalhada de sua evolução durante o período considerado.
47
Em busca da melhor cidade
Tabela 5
Receitas Fiscais em Relação às Receitas Correntes
dos Municípios Brasileiros por Regiões: 2010 (%)
Região
Norte
Região
Nordeste
Região
CentroOeste
Região
Sul
Região
Sudeste
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
1.1 Receitas Tributárias
11,9%
11,0%
15,3%
16,9%
26,0%
- Impostos
10,9%
9,9%
14,1%
14,9%
24,5%
IPTU
1,0%
1,7%
3,7%
4,4%
7,7%
ITBI
0,6%
0,9%
2,0%
2,0%
2,1%
ISS
7,9%
6,0%
6,6%
6,9%
12,7%
1,0%
1,0%
1,3%
2,0%
1,5%
1.2 Receitas de Transferências
81,6%
82,8%
74,5%
67,7%
60,5%
- Transferências da União
37,5%
44,4%
33,5%
29,0%
20,5%
Cota FPM
22,4%
27,2%
18,7%
18,2%
9,9%
Cota ITR
0,1%
0,0%
0,7%
0,2%
0,1%
15,0%
17,2%
14,1%
10,6%
10,5%
22,2%
17,0%
26,6%
26,4%
28,1%
Cota ICMS
19,1%
14,2%
21,7%
21,2%
22,7%
Cota IPVA
1,8%
1,5%
2,6%
3,8%
4,3%
Cota IPI Exportação
0,3%
0,1%
0,1%
0,5%
0,3%
Outras Transferências do Estado
1,1%
1,2%
2,1%
1,0%
0,8%
18,9%
19,7%
12,3%
11,0%
10,8%
- Outras Transferências Correntes
3,0%
1,7%
2,2%
1,3%
1,2%
1.3 Outras Receitas Correntes
6,5%
6,2%
10,2%
15,4%
13,5%
Especificação
1. Receitas Correntes
- Outras Taxas e Receitas Tributárias
Outras Transferências da União
- Transferências do Estado
- Transferências do FUNDEP
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
48
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Dada a maior importância das receitas de transferências na determinação das receitas totais dos
Municípios, seria importante analisar brevemente
sua evolução temporal durante o período considerado, assim como sua participação nos repasses
totais (federais e estaduais). Em primeiro lugar,
como também pode ser observado na Tabela 3, as
maiores taxas de crescimento corresponderam às
transferências da União (95,3%), principalmente as
transferências relativas ao Sistema Único de Saúde
– SUS (280,9%) e à cota-parte do FPM (92,5%).
Também se destaca a evolução dos repasses do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – FUNDEB (318,3%) e das cotas parte do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS (77,0%) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA
(81,2%).
Com relação à participação nas transferências correntes entre 1998 e 2010 (Tabela 6), os maiores
percentuais foram registrados para a cota parte
do Fundo de Participação Municipal (FPM) e para
a cota parte do ICMS. Trata-se de resultado importante, pois esses repasses são de uso flexível
e não são vinculados, tendo aplicação universal.
Também merecem destaque as transferências
multigovernamentais do FUNDEB, que quase dobraram de importância, embora sua aplicação seja
restrita ao ensino fundamental público na rede
municipal de ensino.
Despertar
o espírito
empreendedor
local exige
criatividade
e trabalho.
Isso reforça a
necessidade de
se procurar
fortalecer
a capacidade
gerencial e
administrativa
dos gestores
dos municípios.
49
Em busca da melhor cidade
Tabela 6
Transferências em Relação às Receitas de Transferências
Correntes dos Municípios Brasileiros: 1998 - 2010 (%)
Especificação
1998
2010
100,0%
100,0%
48,4%
44,2%
Cota FPM
28,5%
25,7%
Cota ITR
0,3%
0,2%
Outras Transferências da União
6,7%
12,0%
49,0%
33,7%
Cota ICMS
33,2%
27,5%
Cota IPVA
5,0%
4,3%
Cota IPI Exportação
0,7%
0,4%
Outras Transferências do Estado
0,7%
0,4%
10,2%
19,9%
2,6%
2,2%
Receitas de Transferência
- Transferências da União
- Transferências do Estado
- Transferências do FUNDEP (Ex FUNDEF)
- Outras Transferências Correntes
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Uma forma alternativa de analisar a evolução da importância das transferências
sobre as receitas fiscais municipais é calcular o Grau de Independência Financeira
Municipal (GIFM), definido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE),
pela razão entre as receitas tributárias totais (RTRIB) e a soma dessas com as receitas totais de transferências (RTRANSF):
RTRIB
GIFM = (RTRIB + RTRANSF)
50
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
O significado do indicador anterior é bastante intuitivo, pois capta a evolução relativa das receitas próprias e dos repasses da União e dos Estados. No caso hipotético
extremo em que o Município não recebesse nenhum tipo de transferência, GIFM
seria igual a 1, enquanto no outro pólo, se o Município não fosse capaz de gerar
nenhum tipo de arrecadação própria, GIFM seria zero. Desse modo, quanto maior o
grau de independência do Município, mais próximo de 1 estará o indicador, e viceversa.
O Gráfico 1 mostra a evolução do GIFM durante o período considerado para o total
dos Municípios e para a soma que exclui as capitais. Tal como pode ser observado,
apesar de haver diferenças de nível, no sentido de que a exclusão das capitais, de
base tributária mais forte e máquina burocrática mais eficiente, reduz ainda mais
o grau de independência financeira dos Municípios, sua evolução foi praticamente
igual durante o período 1998-2010.
Gráfico 1
Evolução do Grau de Independência Financeira Municipal (GIFM):
Total e Exclusive Capitais 1998 – 2010: (%)
0,240
0,220
0,200
0,180
0,160
0,140
0,120
0,100
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
SOMA MUNICÍPIOS
SOMA MUNICÍPIOS EXCLUSIVE CAPITAIS
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
51
Em busca da melhor cidade
Durante o intervalo 1998-2000, houve uma forte redução da independência fiscal, provocada pelos aumentos extraordinários de receitas fiscais da União, que
automaticamente incrementaram os repasses obrigatórios, no contexto do ajuste
fiscal implementado a partir de 1994, durante o Plano Real. Após um aumento
temporário do GIFM em 2002, ao esgotar-se a contribuição das fontes não tradicionais de arrecadação federal, a autonomia fiscal permaneceu praticamente inalterada, estabilizando-se em patamares relativamente baixos (0,20 para o total dos
Municípios e 0,15 para a soma que exclui as capitais em 2010).
O mesmo tipo de análise foi realizado para as cinco regiões brasileiras, sem que os
resultados anteriores sofressem alterações significativas.
Estrutura e Evolução das Despesas Fiscais Municipais
A Tabela 7 exibe a evolução temporal das despesas fiscais do conjunto total dos
Municípios, permitindo observar-se que a taxa de crescimento das despesas correntes durante o período 1998-2010 foi também elevada, embora inferior ao
crescimento das receitas correntes.
Tabela 7
Evolução Real Acumulada das Despesas Fiscais dos Municípios
Brasileiros (Valores Constantes a preços de 2010): 1998-2010 – (%)
1998
2010
Variação
Acumulada
1. Despesas Correntes
144.934
263.185
81,6%
1.1 Pessoal e Encargos Sociais
102.048
130.858
28,2%
Especificação
1.2 Juros e Encargos da Dívida
3.282
4.338
32,2%
1.3 Outras Despesas Correntes
39.604
127.989
223,2%
2. Despesas de Capital
31.471
40.988
30,2%
2.1 Investimentos
74.519
145.566
95,3%
8.415
6.255,7
-25,7%
176.405
304.173
72,4%
2.2 Amortização da Dívida
TOTAL
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
52
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Despesas Correntes Municipais
A análise da estrutura das despesas registradas entre 1998 e 2010, indica que, no
conjunto total dos Municípios, as despesas com pessoal e encargos sociais reduziram sua participação em relação às despesas totais de 57,8% para 43%, respectivamente, enquanto as relacionadas ao custeio do setor público (outras despesas
correntes) se elevaram de 22,5% para 42,1% (Tabela 8).
Tabela 8
Evolução Real Acumulada das Despesas Fiscais dos Municípios Brasileiros:
1998-2010 (%)
Participação Despesas
Totais 1998
Participação Despesas
Totais 2010
1. Despesas Correntes
82,2%
86,5%
1.1 Pessoal e Encargos Sociais
57,8%
43,0%
Especificação
1.2 Juros e Encargos da Dívida
1,9%
1,4%
1.3 Outras Despesas Correntes
22,5%
42,1%
2. Despesas de Capital
17,8%
13,5%
2.1 Investimentos
11,4%
10,9%
4,8%
2,1%
100,0%
100,0%
2.2 Amortização da Dívida
TOTAL
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Por outro lado, a participação das despesas com juros e encargos da dívida sobre
as despesas totais foi bastante reduzida para a soma dos Municípios, refletindo
o fato de que o problema de excessivo endividamento com a União foi, em geral,
mais agudo na esfera estadual. A grande importância dos gastos com pessoal
constitui regra para o setor público brasileiro, sendo, em muitos casos, ponto de
estrangulamento fiscal, o que levou à fixação de limites por intermédio da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
Assim, a LRF determina que as despesas com pessoal não podem ultrapassar 60%
da Receita Corrente Líquida (RCL). Utilizando-se a receita corrente informada pelo
Tesouro Nacional como aproximação da RCL1, chega-se ao Gráfico 2, que mostra
a evolução temporal da razão entre os gastos com pessoal e a RCL para os Municípios brasileiros em conjunto durante 1998-2010.
1
Não existem dados disponíveis para a RCL registrada durante o período considerado. A utilização da
receita corrente, contudo, não deveria provocar grandes distorções, pois a diferença existente entre
esta e a RCL é, em geral, bastante reduzida.
53
Em busca da melhor cidade
Gráfico 2
Relação entre Gastos com Pessoal e Receita Corrente
Líquida dos Municípios Brasileiros: 1998-2010 (%)
50,0%
45,3% 44,8%
45,0%
41,1%
40,0%
35,0%
29,3%
30,0%
25,0%
23,0%
28,5%
27,5% 27,5% 27,6% 27,0%
28,8% 28,4%
23,0%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Como pode ser observado no gráfico anterior, durante todo o período 1998-2010, e
apesar das flutuações observadas, o comprometimento dos gastos com pessoal no
caso dos Municípios manteve-se sempre abaixo do limite de 60%, imposto pela LRF.
Despesas de Capital Municipais
A Tabela 7 também permite observar que as despesas de capital são quase totalmente absorvidas pelos investimentos. A análise anterior dos balanços fiscais
revelou que os Municípios brasileiros tinham sido capazes, em geral, de gerar poupança corrente, que se constitui em importante fonte de recursos próprios para
financiar investimentos. Esse potencial se reveste de muita importância, principalmente no contexto de expressivas carências de infraestrutura econômica e
social, que caracterizam a situação municipal, seguindo a tendência nacional.
Contudo, percebe-se, a partir do Gráfico 3, que a relação entre gastos com investimento e receita corrente líquida, a chamada taxa de investimento, além de excessivamente volátil, é bastante reduzida. Esse dado é preocupante, pois implica menor
produtividade geral e piora da qualidade de vida das comunidades que vivem nos
54
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
Municípios, contrastando com a capacidade existente de financiar esses investimentos com poupança corrente.
Gráfico 3
Relação entre Investimentos e Receita Corrente Líquida dos
Municípios Brasileiros: 1998-2010 (%)
8,5%
8,0%
7,5%
7,0%
6,5%
6,0%
5,5%
5,0%
4,5%
4,0%
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
2005 2006 2007 2008 2009
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FINBRA/Tesouro Nacional.
Conclusões
Em um regime federativo perfeito, tendo em vista que os cidadãos vivem no Município, deveria caber a essas unidades da Federação prover todos aqueles serviços que contribuem para a qualidade de vida da população, até porque, pela
proximidade, são os dirigentes municipais cobrados e pressionados pelos munícipes. Para tanto, eles precisariam dispor não apenas de recursos suficientes para
atender às demandas, como os recursos deveriam ser de livre administração por
parte dos governos municipais.
Isso significaria que teriam que dispor de receitas próprias e de livre capacidade
de endividamento que lhes permitisse oferecer os serviços de que a comunidade
necessita. Embora poucos países, se é que algum, atinjam esse ideal, é possível
procurar avaliar o quanto alguns se aproximam mais ou menos do regime federativo, em termos de autonomia , com base na forma como se financia a provisão de
bens e serviços públicos.
55
Em busca da melhor cidade
Em um regime
federativo
perfeito,
tendo em
vista que os
cidadãos vivem
no
Município,
deveria caber a
essas unidades
da
Federação
prover todos
os serviços
que contribuem
para a
qualidade de
vida da
população.
56
Segundo Sabaini e Jiménez (2011) “um sistema de
relações fiscais estáveis e um processo de descentralização exitoso requerem um adequado sistema
de financiamento para poder levar a cabo de forma
adequada as funções atribuídas a cada nível de
governo. No entanto, não somente é importante o
nível de financiamento de cada nível de governo,
senão também o ‘mix’ que combina, no caso dos
governos subnacionais (Municípios), ingressos
tributários e não tributários próprios, transferências intergovernamentais e, em alguns casos, a
opção de endividamento” .
Os mesmos autores concluem que “uma característica comum a praticamente todos os países
latino americanos é o alto nível de assimetria vertical”, isto é, “a escassa importância quantitativa da arrecadação dos governos locais, em relação à pressão
tributária nacional”. Para avaliar a situação do Brasil nesse aspecto, foram analisadas as finanças dos
Municípios brasileiros em termos de evolução das
receitas próprias e das transferências, para verificar
não apenas a situação atual, como as mudanças que
possam ter ocorrido nos últimos anos no tocante à
autonomia. É evidente que, em um país continental
como o Brasil, com acentuadas diferenças regionais,
cidades de portes distintos e elevada concentração
da renda, não se pode tirar conclusões com base nos
números englobados.
Contudo, existem normas constitucionais e da legislação, especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, que restringem a autonomia financeira de todos
os Municípios. Além das restrições legais, pode-se
constatar que, em maior ou menor grau, todos os
Municípios dependem significativamente das transferências, o que parece indicar que as bases tribu-
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
táveis de que eles dispõem são insuficientes para gerar as receitas necessárias
para o atendimento das demandas da coletividade. Observa-se que o tamanho da
cidade, ou mais especificamente sua densidade populacional, faz grande diferença
na geração de receita própria, provavelmente pela maior participação do imposto
sobre os serviços, que são o setor que mais vem crescendo nas últimas décadas.
Na maioria dos Municípios, o imposto sobre a propriedade imobiliária é a principal fonte de arrecadação, mas sua produtividade em termos de receita é baixa,
no geral, seja por deficiências cadastrais ou de avaliação, ou pelas dificuldades
políticas de atualização dos valores dos imóveis. Apesar disso, a arrecadação do
IPTU tem crescido significativamente nos últimos anos, sendo a segunda fonte de
receita dos Municípios em seu conjunto, atrás da do ISS que, no entanto, é mais
expressiva nos centros maiores.
A dívida pública não se constituía em problema para a grande maioria dos Municípios quando houve a renegociação, pois, segundo Fioravante, Pinheiro e
Vieira (2006), apenas 0,68% das cidades registravam endividamento superior a
1,2 vezes à razão DLC/RLC, parâmetro que foi fixado como limite para a renegociação. Para 81% das unidades, essa proporção era de 0,20%. Foram os grandes
Municípios os principais responsáveis pelo volume dos débitos renegociados, cerca de R$ 17 bilhões, dos quais apenas São Paulo respondeu por R$ 11,3 bilhões.
As condições da renegociação eram bastante favoráveis na época, porque os devedores só estavam conseguindo se financiar a taxas extremamente elevadas.
Assim, correção pelo IGP-DI mais juros de 6,0%, 7,5% ou 9%, conforme o caso,
representava uma vantagem para os superendividados, que enfrentavam cada vez
mais dificuldade para “rolarem” suas dívidas. Com o passar do tempo, no entanto,
a situação se inverteu, pois a SELIC passou a cair, enquanto o IGP-DI se elevou
fortemente, provocando um efeito perverso sobre as dívidas, uma vez que as
amortizações não cobriam os encargos, que eram somados ao principal. Enquanto
a taxa SELIC aumentou 691,73% entre 2000 e 2010, o IGP-DI mais 9% cresceu
882,69%, o que justifica a pretensão de São Paulo de uma nova renegociação,
embora se argumente que a LRF não permite isso. Com a nova queda da SELIC, a
partir de 2011, essa diferença se acentuou mais ainda.
Os Municípios que renegociaram seus débitos ficaram obrigados a gerar significativos “superávits primários”, o que prejudicou muito sua capacidade de investimentos, apesar do esforço fiscal que realizaram, embora os resultados do presente
trabalho mostrem que a taxa de investimento municipal tem sido, em geral, baixa.
57
Em busca da melhor cidade
A proposta de redução dos encargos para aplicar os recursos em investimentos
nos Municípios é bastante interessante, pois uma das maiores carências do País
se encontra na infraestrutura.
A análise da situação fiscal dos Municípios brasileiros revelou que praticamente
todos dependem de maneira significativa das transferências de receitas. As raras
exceções se referem a cidades que dispõem de arrecadação derivada de alguma
fonte específica, que não existe nas demais. Se, por um lado, as transferências
permitem a criação e a sobrevivência de um grande número de Municípios, assegurando uma descentralização do poder, o que em princípio é saudável, de outro,
estimulam a fragmentação excessiva das unidades municipais.
Em muitos casos, essa fragmentação reduz a eficiência administrativa e inviabiliza
a realização de investimentos em algumas áreas por falta de escala. Discute-se,
também, se não desestimulam a busca por receita própria e o aumento dos gastos
em alguns Municípios, e se não enfraquecem a fiscalização local quanto ao uso dos
recursos, uma vez que não resultaram de sua contribuição tributária. A criação de
consórcios tenta contornar o problema da escala, mas, muitos administradores não
querem se “amarrar” com compromissos de prazos mais longos, ou, então, deixam
de cumprir os acordos prejudicando os programas.
Fortalecer os Municípios é fundamental não apenas para melhorar as condições de
vida das populações, mas, sobretudo, para o aprimoramento do regime democrático, pois contribui para descentralizar as decisões e para a execução das obras e
serviços. É preciso, contudo, adotar medidas que possam desestimular o excessivo
desmembramento de unidades municipais.
Nestes tempos de globalização, os indivíduos procuram se identificar com os grupos que lhe estão mais próximos, como a comunidade onde vivem, o que aumenta
a responsabilidade dos administradores municipais para atender a todas as expectativas de seus cidadãos. Embora disponham de menos recursos do que o necessário, espera-se do Município que ofereça oportunidades de progresso a seus
cidadãos, ou “fazer mais competitiva a cidade e os indivíduos que nela moram,
buscando o progresso de todos e maior equidade”.
A maior complexidade das demandas da população aumenta a responsabilidade e
as dificuldades do administrador, e exige não apenas maior organização do setor
público, como a mobilização da comunidade. Muitos Municípios possuem potencialidades não exploradas por falta de um “agente catalisador” que possa coordenar
o uso de todos os recursos disponíveis, seja uma atração turística não explorada,
58
Marcel Solimeo e Ulisses Gamboa
disponibilidade de alguma matéria prima importante
para algum setor industrial, uma atividade artesanal
ou mão de obra qualificada ou com especialização.
Despertar o espírito empreendedor local, ou atrair
empreendedores de fora, não com incentivos fiscais,
mas com outras vantagens, exige criatividade e trabalho. Tudo isso reforça a necessidade de se procurar fortalecer a capacidade gerencial e administrativa
dos gestores dos Municípios. Seria importante apoiar
não apenas a capacidade gerencial e o aprimoramento do sistema tributário, como ajudar os Municípios
para que possam se desenvolver.
É fundamental, no entanto, a responsabilidade dos
partidos políticos na escolha de seus candidatos a
Prefeito e a vereadores, pois eles serão os futuros
administradores dos Municípios. Selecionar com
rigoroso critério os candidatos, e apoiá-los quando eleitos, pode contribuir para que os Municípios
brasileiros possam melhor responder aos anseios e
necessidades de suas populações.
Referências
• CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. A Carga
Tributária Bruta Brasileira de 2010, maio.
• FIORAVANTE, D.G.; PINHEIRO, M. M. S.; VIEIRA, R. S. V. e
Fortalecer os
municípios é
fundamental
não apenas
para melhorar
as condições
de vida das
populações,
mas, sobretudo,
para o
aprimoramento
do regime
democrático,
pois contribui
para
descentralizar
as decisões e
para a execução
das obras e
serviços.
SANTOS, J. C. Lei de Responsabilidade Fiscal e Finanças
Públicas Municipais: Impactos sobre Despesas com Pessoal e Endividamento, IPEA, Texto para Discussão 1.223,
2006.
• GIAMBIAGI, F. e ALÉM, C. Finanças Públicas – Teoria e
Prática no Brasil, 3ª. Edição Revista e Atualizada, Ed. Campus, Rio de Janeiro, 2008.
• SABAINI, J. C.; JIMÉNEZ, J. P. El Financiamento de los Gobiernos Subnacionales em América Latina: Un Análisis de
Casos, CEPAL, Serie Macroeconomia del Desarrollo nº 111.
59
Samuel Hanan
Engenheiro industrial e metalúrgico,
foi presidente da Brascan Recursos Naturais,
vice-presidente da British Petroleum no Brasil
e CEO da Paranapanema Mineração.
Na área pública, foi secretário de Fazenda e da Indústria,
Comércio e Turismo do Estado do Amazonas,
do qual foi também vice-governador entre 1999 e 2002.
Coordena o Conselho Temático sobre Pacto Federativo e Tributação
do Espaço Democrático.
60
Samuel Hanan
Novo federalismo,
M
u
n
i
c
í
p
i
o
forte
61
Em busca da melhor cidade
62
O
Samuel Hanan
Brasil, desde a instauração da República, adotou a Federação
como instrumento para a harmonização das diferenças regionais no plano político, econômico e social, em função da
sua dimensão continental e das profundas diferenças existentes em seu território.
São objetivos fundamentais da República, nos termos previstos na Constituição Federal de 1988 (Art.3º): “construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”.
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, todos autônomos, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
e o pluralismo político. Além disso, todo o poder emana do povo, que o exerce
como regra por meio de representantes eleitos. Com isso, o povo concede aos seus
governantes um mandato, autorizando a arrecadação de tributos para receber, em
troca, serviços públicos essenciais.
A Federação brasileira confere grande importância aos Municípios, elevados à
categoria de entidades autônomas no que diz respeito ao seu interesse peculiar, em
virtude do transplante da arraigada tradição portuguesa de prestigiar as decisões
tomadas nas pequenas comunidades. Os Municípios não são meros coadjuvantes,
mas possuem papel de destaque na relação entre a população e o Poder Público.
A Federação pressupõe a autonomia política, administrativa e financeira dos
seus membros. Essa autonomia só existe quando o ente político mantém
a prerrogativa de editar as suas próprias regras de convivência social, para
atender aos interesses locais. Entre as regras indispensáveis encontram-se as
de natureza financeira, pois sem recursos não há possibilidade de obtenção
das finalidades públicas, de interesse e necessidade coletivos. Talvez a principal faceta da autonomia dos Municípios seja a autonomia financeira, que pressupõe a liberdade para criar, arrecadar, gerir e gastar seus tributos respeitados,
claro, os limites constitucionais e legais.
O federalismo se caracteriza, assim, pela descentralização de encargos para entes
de estatura subnacional, a fim de aumentar a eficiência na prestação de determina63
Em busca da melhor cidade
Os Municípios
não são meros
coadjuvantes,
mas possuem
papel de
destaque na
relação entre
a população
Poder
Público
eo
dos serviços públicos, ante as enormes disparidades
regionais verificadas em países de grandes dimensões e a maior capacidade do governo local para diagnosticar e atender às necessidades da população.
Na modelagem desse tipo de Estado, a repartição de
competências entre os entes federativos deve considerar não apenas a distribuição de encargos, mas
também a distribuição de receitas, para que os entes federativos possuam os meios adequados para o
cumprimento de suas finalidades.
O federalismo fiscal, na conceituação de Sérgio Prado, é o “conjunto de problemas, métodos e processos
relativos à distribuição de recursos fiscais em federações, de forma tal que viabilizem o bom desempenho de cada nível de governo no cumprimento dos
encargos a ele atribuídos”1.
Além disso, José Augusto Moreira de Carvalho acentua que “o federalismo fiscal tem como objetivo
oferecer meios e alternativas para que o Estado
possa cumprir satisfatoriamente suas finalidades.
Uma proveitosa repartição de competências entre as
esferas governamentais é capaz de proporcionar o
desenvolvimento de determinado Estado e, por consequência, da população que nele vive. A desarmonia nesse compartilhamento provocará, no mínimo,
desigualdades regionais e retardo no nível de crescimento”2.
Assim, no campo da tributação, a Federação
brasileira espelha-se pela convivência de três entes,
autônomos e harmônicos entre si: a União, os Esta-
Equalização e federalismo fiscal; uma análise comparada: Alemanha, Índia, Canadá, Austrália. Rio
de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2006, p. 15.
1
2
“Federalismo e descentralização: características do federalismo fiscal brasileiro e seus problemas”.
CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo Faraco (orgs.). Federalismo
fiscal – questões contemporâneas. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 60.
64
Samuel Hanan
dos, o Distrito Federal e os Municípios. Essa convivência se materializa pela distribuição das competências tributárias entre os entes da Federação, com repartição
das fontes de receita.
Existem duas alternativas jurídicas para tal distribuição: ou a competência
privativa (em que somente um ente pode instituir determinado tributo) ou a competência comum (em que dois ou mais entes podem instituir o mesmo tributo). A
competência comum pode ou não ser concorrente. Pode-se, além disso, mesclar
ambas, com a convivência de competências privativas e comuns. No Brasil, optouse pela competência privativa, com algumas poucas exceções, quando convivem
competências comuns com certas restrições.
Além da repartição das fontes de receita, com a discriminação rígida de competências tributárias, a Federação brasileira se caracteriza pela repartição do produto
da arrecadação tributária entre os entes federativos. Essa repartição se viabiliza
pelo mecanismo de participações diretas ou pelos Fundos de Participação (participações indiretas).
Ocorre, todavia, que, no Brasil, verifica-se a predominância da União na arrecadação
das competências tributárias. A União, sozinha, arrecada mais do que os Estados e
os Municípios juntos. Em que pese isso, os Estados e Municípios são responsáveis
por parcela significativa dos serviços públicos prestados à população, mormente
os serviços mais essenciais. Em razão desse descompasso, o federalismo brasileiro
se mostra assimétrico.
Será demonstrado neste trabalho que a atrofia do sistema atual notabiliza-se
pela carga tributária elevada, má distribuição das receitas tributárias, qualidade
dos serviços públicos incompatível com o montante da carga fiscal, falência da
infraestrutura, falta de priorização nos gastos com educação, custo excessivo e
sobreposição de máquinas públicas e usura da União quanto às taxas cobradas dos
Estados e Municípios nos contratos de refinanciamento da dívida pública.
A Emenda Constitucional nº 18, de 1965
O atual sistema tributário brasileiro foi concebido no início da década de 1960
e instituído pela Emenda Constitucional nº 18 à Constituição de 1946. Naquele
momento, foram traçadas as bases do sistema tributário atualmente em vigor.
Qualquer sistema tributário pressupõe a escolha de certos eventos
manifestadores de riqueza, e, portanto, de capacidade contributiva, para fazer com
que sejam hipóteses legais de incidência da norma fiscal.
65
Em busca da melhor cidade
No caso da Emenda Constitucional nº 18, a atividade econômica foi segmentada
em suas vertentes industrial, comercial, de serviços e de detenção de propriedade.
Para cada uma delas foram criadas competências tributárias privativas, respeitado
o princípio federativo, com o reconhecimento e a institucionalização de três ordens tributárias, a União Federal, os Estados-Membros (e Distrito Federal) e os
Municípios.
A divisão fica então da seguinte maneira:
(a) à União: o IR - Imposto de Renda, o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPTR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural;
(b) aos Estados-Membros: o ICM - Imposto sobre a Circulação de Bens (depois ICMS
– Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços) e o Imposto de Transmissão de
Propriedade Imóvel; e
(c) aos Municípios: o ISS – Imposto sobre Serviços e o IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana.
A União foi também contemplada com os Impostos de Importação e Exportação e
com o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras, cujas finalidades, em condições
normais, são de caráter meramente reguladores de fluxos econômicos e financeiros, muito mais do que para fins arrecadadores. Para dar regramento ao sistema
constitucional então instituído, foi editado o CTN – Código Tributário Nacional (Lei
nº 5172, de 25 de outubro de 1966), lei de caráter nacional, aplicável à União
Federal, Estados-Membros e Municípios.
O CTN sedimentou o conceito de tributo e o dividiu em vinculados, que pressupõem uma atividade estatal específica, ou de serviço ou de manifestação de
poder de polícia (taxas de serviço ou de polícia), e não vinculados, que dispensam
uma atividade estatal específica em relação ao contribuinte, os impostos.
Além disso, criou a figura da contribuição, desenhada para lidar com eventos
extraordinários de repercussões econômicas passageiras. Esse instrumento foi
concebido para ser usado em especialíssimas circunstâncias. Por exemplo, contribuição de melhoria para captar valorizações imobiliárias inusitadas, em virtude
de obra pública urbana, ou contribuição de intervenção no domínio econômico,
em situações de desarranjo econômico temporário. A materialidade das contribuições é idêntica à dos impostos, pois dispensa uma atividade estatal específica ao contribuinte.
66
Samuel Hanan
Sistema tributário atual e repartição
das fontes de receitas
e do produto da arrecadação
Atualmente, pelo que ficou estabelecido na Constituição Federal de 1988, são atribuídas aos entes
federativos as seguintes competências tributárias
(repartição de fontes de receita tributária):
(a) União: II – Imposto de Importação, IE – Imposto
de Exportação, IR – Imposto de Renda, IPI – Imposto
sobre Produtos Industrializados, IOF – Imposto sobre
Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas
a Títulos ou Valores Mobiliários, ITR – Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural e IGF – Imposto sobre
Grandes Fortunas;
(b) Estados e Distrito Federal: ITCMD – Imposto sobre
Transmissão “Causa Mortis” e Doação, ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação e
IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores;
(c) Municípios e Distrito Federal: IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, ITBI
– Imposto sobre a Transmissão “Inter Vivos” de Bens
Imóveis e ISS – Imposto sobre a Prestação de Serviços.
Além disso, é exclusividade da União instituir as
contribuições – como as contribuições sociais (PIS,
COFINS, CSLL, a extinta CPMF e contribuições previdenciárias), contribuições de intervenção no domínio
econômico (CIDE) e contribuições de interesse das
categorias profissionais ou econômicas. Os Estados, o Distrito Federal e Municípios podem instituir contribuições cobradas de seus servidores,
A União
arrecada
mais do que
Estados e
os Municípios
juntos, mas
os
eles são
responsáveis
por parcela
significativa
dos serviços
públicos
prestados à
população.
Por isso, o
federalismo
brasileiro se
mostra
assimétrico.
67
Em busca da melhor cidade
A atrofia do
sistema atual
notabiliza-se,
entre outros
problemas,
pela carga
tributária
elevada, má
distribuição
das receitas
tributárias,
qualidade dos
serviços
públicos
incompatível
com o
montante da
carga fiscal e
falência da
infraestrutura.
68
para o custeio, em benefício destes, de regime
previdenciário próprio. Igualmente, os Municípios e
o Distrito Federal podem instituir contribuição para o
custeio da iluminação pública.
Há uma preponderância das competências tributárias atribuídas à União, ainda que parcela significativa dos serviços públicos seja da incumbência
de Estados e dos Municípios. Uma das formas de
se contornar esse problema é pela repartição do
produto da arrecadação tributária. Nesse sentido, a
Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados,
Municípios e Distrito Federal parcela na arrecadação
de impostos federais, como o IR, o IPI e o ITR. Além
disso, os Municípios participam da arrecadação estadual de ICMS e de IPVA.
Porém, essa participação na arrecadação de impostos federais sofreu um grande revés, com as políticas
adotadas pelo governo federal a partir da década de
1990, que priorizaram o aumento de carga tributária mediante o incremento das contribuições. Esse
aumento das contribuições, com a consequente
redução proporcional da arrecadação dos impostos,
diminuiu o montante das receitas dos Estados e Municípios (pois há proporcionalmente menos dinheiro
a ser repartido nos fundos de participação).
Também foi reduzido o mínimo de investimento
compulsório em educação de nível superior a cargo
da União. Como se não bastasse, a maioria dos incentivos e renúncias fiscais do governo federal recai sobre impostos compartilhados com Estados e
Municípios, e não sobre os impostos e contribuições
exclusivas da União.
Samuel Hanan
A deturpação do sistema de repartição das receitas
tributárias efetivada pela União
e seu impacto na educação superior
Desde a sua implementação, o sistema tributário criado pela Emenda Constitucional nº 18/65 foi sendo deturpado em decorrência dos sucessivos aumentos dos
tributos para atender às necessidades de caixa do Estado, nas suas três esferas
de poder. Esse fenômeno se manifesta, sobretudo, com a criação das contribuições,
pela simples razão de que a União não precisava repartir suas receitas com Estados
e Municípios. A distinção entre as contribuições e os impostos, aliás, é de todo questionável, haja vista que, como dito, sua natureza é idêntica3, e ambos independem
de uma atuação estatal específica em relação ao contribuinte para ser cobrada.
Além disso, tributos com finalidades meramente reguladoras, como o IOF, foram
suprindo necessidades de caixa a ponto de se tornarem indispensáveis para os
gastos públicos cada vez maiores.
A tabela abaixo demonstra a concentração atual das receitas tributárias para a
União, que arrecada mais da metade de toda a receita disponível:
RECEITA DISPONÍVEL - 2011
(%) PIB
(%) TOTAL
UNIÃO
20,04
57,06
ESTADOS
8,66
24,66
MUNICÍPIOS
6,42
18,28
TOTAL
35,12
100
Fonte: José Roberto Afonso - O Estado de São Paulo - 11/07/2011
Um dos motivos para essa situação foi o aumento deliberado da carga tributária
em relação às contribuições, com redução proporcional da arrecadação relativa a
impostos, como mostram os dados a seguir:
RECEITAS - UNIÃO
IMPOSTO (%)
CONTRIBUIÇÕES (%)
TOTAL(%)
1988
80,27
19,73
100
2011
51,5
48,5
100
Fonte: Governo Federal
3
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, por exemplo, não passa de mero adicional do
Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ.
69
Em busca da melhor cidade
A primeira consequência disso, como já dito, é a redução imediata dos montantes
repassados aos Estados e Municípios por meio dos fundos de participação, os quais
têm por base os impostos federais. Desse modo, a União deturpou a finalidade
original, instituída pelo Constituinte de 1988, de repartir as receitas tributárias
entre os entes federativos de maneira mais justa e equânime.
Além disso, a concentração de receitas tributárias na União gera dependência
política em decorrência das transferências voluntárias. Isso porque os Estados e
Municípios acabam virando extremamente dependentes das transferências voluntárias, que vêm sendo usadas como moeda de troca em barganhas políticas. Outro
efeito nefasto da política adotada pela União foi reduzir os investimentos compulsórios em educação em nível superior.
Explica-se: o artigo 212 da Constituição Federal de 1988 obriga a União a investir nunca menos de 18%, da receita resultante de impostos, na manutenção
e desenvolvimento do ensino. Na medida em que a União migrou a arrecadação
dos impostos para as contribuições, os investimentos na educação superior foram
drasticamente reduzidos pelo governo federal, na realidade.
O aumento da carga tributária, focado na majoração apenas das contribuições, foi
uma tentativa de burlar a vontade original do Constituinte, que era a de vincular
para a educação todas as receitas do ente federativo, e não apenas as receitas
relativas a impostos. Tanto é que o artigo 212 da Constituição Federal de 1988
prevê, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, que os investimentos compulsórios em educação também incidam sobre a receita proveniente
de transferências.
Entretanto, por uma tecnicidade, o termo “impostos” que consta do disposto no artigo 212 da Constituição vem sendo interpretado restritivamente pela União que,
assim, deixa de investir todas as suas receitas em educação. Como visto na tabela
acima, em 1988 os impostos correspondiam a 80,27% das receitas da União. Aplicando-se sobre esse percentual os 18% previstos no artigo 212 da Constituição,
tem-se que a vontade original do Constituinte era a de que a União investisse em
educação, no mínimo, o equivalente a 14,45% da sua receita total.
Contudo, esse cenário foi completamente distorcido, não apenas em função do aumento
das contribuições, mas também por conta do advento da famigerada DRU – Desvinculação de Receitas da União, que vem se perpetuando. Pelo mecanismo da DRU, são
desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31/12/2015 (de acordo com a EC nº
68/2011), 20% da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e CIDE’s.
70
Samuel Hanan
A tabela anterior também aponta que, em 2011, os impostos representavam apenas 51,50% da receita da União. Aplicando-se, nesse novo cenário, os 18% previstos no artigo 212 da Constituição, e levando-se em consideração a DRU, chegase à conclusão que a União diminuiu para 7,416% da sua receita os investimentos
compulsórios em educação (reduzida em 49%).
Para se ter uma ideia da situação atual da educação superior no Brasil, apenas
cerca de um quarto dos alunos matriculados estão na rede pública. Há um predomínio absoluto da iniciativa privada, nesse setor, muito em função da omissão
da União nos investimentos que lhe são obrigatórios, por força de expressa disposição constitucional.
Os Estados e os Municípios, por sua vez, têm feito mais do que exige a
Constituição, investindo na Universidade pública, papel que seria precipuamente
da União. Tanto é que a quantidade de alunos matriculados em instituições de
ensino superior estaduais ou municipais é superior à quantidade de alunos matriculados em instituições federais. Os dados abaixo são esclarecedores:
ENSINO SUPERIOR - BRASIL
INSTITUIÇÕES
1
2
3
PÚBLICAS
PRIVADAS
TOTAL
ALUNOS MATRICULADOS (%)
25,40
74,60
100,00
(MIL ALUNOS)
1.209,00
3.550,00
4.759,00
% POPULAÇÃO BRASILEIRA (186 MILHÕES)
0,65
1,91
2,56
ALUNOS FORMADOS (%)
25,53
74,47
100,00
(MIL ALUNOS)
193,00
563,00
756,00
% POPULAÇÃO BRASILEIRA
0,10
0,30
0,41
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
% ALUNOS
REDE FEDERAL
44
REDE ESTADUAL
44
REDE MUNICIPAL
12
TOTAL
100
Fonte: Revista Ensino Superior (11/07/2011)
71
Em busca da melhor cidade
Chama a atenção o fato de que apenas 0,65% da população brasileira está matriculada em instituições públicas de ensino superior. A situação se mostra ainda
mais grave quando se verifica que apenas 0,10% da população conclui o curso
superior em uma instituição pública por ano!
Igualmente, considerando que apenas 0,10% da população brasileira termina o
curso superior em uma instituição pública por ano, e que apenas 44% dos alunos
da rede pública são de instituições federais, chega-se ao estarrecedor dado de
que apenas 0,044% da população brasileira conclui o curso superior em uma
instituição pública federal por ano.
Abre-se um parêntese para dizer que a situação da educação também se verifica
na saúde. Isso porque, embora o sistema único de saúde previsto na Constituição
Federal de 1988 seja tripartite (financiado por recursos das três esferas de governo), a União tem brincado de faz-de-conta em relação à sua participação. A tabela
abaixo mostra o quanto o valor do reembolso da União para Estados e Municípios
por meio do SUS está fora da realidade (o que aumenta o risco, inclusive, de ocorrerem fraudes):
REPASSES DA UNIÃO PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS POR MEIO DO SUS
(EM R$)
EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES
SUMÁRIO DE URINA
HEMOGRAMA COMPLETO
1,65
3,7
4,11
PARTO NORMAL
443,4
PARTO CESÁRIA
545,73
CONSULTA MÉDICA ESPECIALIZADA
10,00 *
(*) Igual ao valor cobrado por um engraxate/ par de sapatos.
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde - Manaus
Não bastasse o governo federal fazer de conta que participa dos encargos na
área de saúde por meio do SUS, a União teve seus encargos diminuídos de forma
dramática após 1988. Na época, a União era responsável pelos setores de siderurgia, telefonia, energia, rodovias, ferrovias etc., que passaram por processos
de desestatização, mediante privatizações, concessões e outorgas.
72
Samuel Hanan
Ou seja, além de aumentar sua participação no bolo
da arrecadação, tanto pelo aumento da carga tributária quanto pelo aumento das contribuições, para
evitar compartilhamentos com os entes subnacionais, a União reduziu seus encargos, realizando progressivamente menos tarefas.
Mas os problemas do nosso pacto federativo não
param por aí.
Outras deficiências do pacto federativo: a elevada
carga tributária e sua incompatibilidade com a qualidade dos serviços públicos, os gastos tributários federais, a regressividade do sistema e usura da União
nos contratos de renegociação das dívidas dos entes
subnacionais
Vimos no subitem acima que a carga tributária
brasileira está mal distribuída entre os entes, com
grande concentração das receitas disponíveis em
poder da União.
Não bastasse isso, a carga tributária brasileira é uma
das mais elevadas do mundo. Porém, a qualidade dos
serviços públicos prestados no País é absolutamente
incompatível com a quantidade de recursos que o
Poder Público retira da iniciativa privada, o que gera,
naturalmente, insatisfação em setores da sociedade.
Em primeiro lugar, vejamos como a carga tributária
no Brasil evoluiu desde a promulgação da Constituição de 1988:
Não bastasse
o governo
federal fazer
de conta que
participa dos
encargos na
área de saúde,
a
União teve
seus encargos
diminuídos
de forma
dramática
após
1988,
mediante
privatizações,
concessões e
outorgas.
CARGA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA
(% PIB)
1988
22,43
2010
35,14
Fonte: Estado de São Paulo - 11/07/2011
73
Em busca da melhor cidade
Como se vê, houve um aumento de 56,66% da carga tributária no Brasil nos anos
considerados. Além disso, estudos mostram que a carga tributária brasileira supera
em cerca de 50% a média da carga tributária dos demais países da América do Sul:
AMÉRICA DO SUL
PAÍSES X CARGA TRIBUTÁRIA
CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA
PAÍSES
% PIB
ÍNDICE
BRASIL
35,13
100,00
GUIANA
31,00
88,24
BOLÍVIA
27,00
76,85
VENEZUELA
25,00
71,16
URUGUAI
23,10
65,75
CHILE
23,00
65,47
COLÔMBIA
23,00
65,47
ARGENTINA
22,90
65,19
SURINAME
22,10
62,91
PERU
15,10
42,98
PARAGUAI
12,00
34,16
MÉDIA ARITIMÉTICA
23,57
67,09
MÉDIA ARITIMÉTICA
EXCLUSIVE BRASIL
22,42
63,82
Fonte: WIKIPEDIA – Carga Tributária - 15/07/2011
74
Samuel Hanan
Essa carga tributária elevada, contudo, não tem se revertido em benefício da
população. Em comparação com os demais países da América do Sul, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil é apenas o sexto do continente, atrás
de economias muito menores, como Argentina, Uruguai, Chile, Peru e Colômbia:
AMÉRICA DO SUL
CARGA TRIBUTÁRIA, ENDIVIDAMENTO E IDH
PAÍSES
ENDIVIDAMENTO
(% PIB)
CARGA TRIBUTÁRIA
(% PIB)
IDH
BRASIL
40,70
35,13
0,718
GUIANA
ND
31,00
0,611
BOLÍVIA
52,70
27,00
0,643
VENEZUELA
17,40
25,00
0,649
URUGUAI
57,00
23,10
0,765
CHILE
ND
23,00
0,784
COLÔMBIA
48,00
23,00
0,869
ARGENTINA
51,00
22,90
0,775
SURINAME
ND
22,10
0,646
PERU
16,60
15,10
0,723
PARAGUAI
22,20
12,00
0,640
Fonte: WIKIPEDIA –15/07/2011 e 18/07/2011
75
Em busca da melhor cidade
O desempenho nacional não é melhor em comparação com as dez maiores economias do mundo. O Brasil possui a sexta maior carga tributária em termos de
percentagem do PIB, mas apenas o nono IDH, à frente apenas da China:
DEZ MAIORES ECONOMIAS DO MUNDO - 2010
PAÍSES
PIB
(US$ BILHÕES)
ENDIVIDAMENTO CARGA TRIBUTÁRIA
(% PIB)
(% PIB)
IDH
FRANÇA
2.670 (5)
67
44,2 (1)
0,872 (5)
ITÁLIA
2.133 (7)
104,3
42,2 (2)
0,854 (7)
ALEMANHA
3.429 (4)
76,4
39,3 (3)
0,885 (3)
REINO UNIDO
2.225 (6)
47,2
37,4 (40
0,849 (8)
ESPANHA
1.490 (9)
60,8
36,5 (5)
0,863 (6)
BRASIL
2.089 (8)
40,7
35,1 (6)
0,718 (9)
CANADÁ
1.370 (10)
46,4
33,3 (7)
0,888 (2)
ESTADOS UNIDOS
14.400 (1)
95
28,3 (8)
0,902 (1)
JAPÃO
5.168 (3)
198
27,9 (9)
0,884 (4)
CHINA
5.408 (2)
15,7
17 (10)
0,663 (10)
Fonte: WIKIPEDIA – 30/01/2012 / Banco Mundial / FMI / CIA
Por seu turno, o Índice de Retorno do Brasil, calculado com base na carga tributária
em contraste com o IDH, é pífio em comparação com outros países de carga tributária elevada. O Índice de Retorno do Brasil é apenas o 30º do mundo, como mostra
a tabela a seguir:
76
Samuel Hanan
PAÍSES
CARGA TRIBUTÁRIA
2010
IDH
2011
ÍNDICE DE
RETORNO
1º - AUSTRÁLIA
25,90%
0,929
164,18
2º - ESTADOS UNIDOS
24,80%
0,91
163,83
3º - CORÉIA DO SUL
25,10%
0,897
162,38
4º - JAPÃO
26,90%
0,901
160,65
5º - IRLANDA
28,00%
0,908
159,98
6º - SUIÇA
29,80%
0,903
157,49
7º - CANADÁ
31,00%
0,908
156,53
8º - NOVA ZELÂNDIA
31,30%
0,908
156,19
9º - GRÉCIA
30,00%
0,861
153,69
10º - ESLOVÁQUIA
28,40%
0,834
153,23
11º - ISRAEL
32,40%
0,888
153,22
12º - ESPANHA
31,70%
0,878
153,18
13º - URUGUAI
27,18%
0,783
150,3
14º - ALEMANHA
36,70%
0,905
149,72
15º - ISLÂNDIA
36,30%
0,898
149,59
16º - ARGENTINA
29,00%
0,797
149,4
17º - REP. CHECA
34,90%
0,865
148,39
18º - REINO UNIDO
36,00%
0,863
146,96
19º - ESLOVÊNIA
37,70%
0,884
146,79
20º - LUXEMBURGO
36,70%
0,867
146,49
21º - NORUEGA
42,80%
0,943
145,94
22º - ÁUSTRIA
42,00%
0,885
141,93
23º - FINLÂNDIA
42,10%
0,882
141,56
24º - SUÉCIA
44,08%
0,904
141,15
25º - DINAMARCA
44,06%
0,895
140,41
26º - FRANÇA
43,15%
0,884
140,52
27º - HUNGRIA
38,25%
0,816
140,37
28º - BÉLGICA
43,80%
0,886
139,94
29º - ITÁLIA
43,00%
0,874
139,84
30º - BRASIL
35,13%
0,718
135,83
Fonte: IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
77
Em busca da melhor cidade
Outro dado que precisa ser destacado é que o conceito de carga tributária sobre
o PIB, que vem sendo adotado nesse tipo de estimativa, leva em consideração
apenas a carga arrecadada. Porém, parte significativa da carga tributária deixa de
ser realizada, em função das renúncias fiscais e da sonegação. Somando-se a carga tributária arrecadada, as renúncias fiscais e a sonegação, chega-se à conclusão
de que a carga tributária brasileira é bem mais elevada do que as estatísticas vêm
demonstrando.
O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgou o Comunicado nº 117,
em que analisa os gastos tributários federais4. O Comunicado revela que “apenas
na esfera federal, estima-se que esta forma indireta de gasto público tenha mobilizado 2,81% do PIB em 2009 – e que possa alcançar 2,98% em 2011. Ao levar em
conta também as renúncias previdenciárias, chega-se a 3,53% do PIB destinados
a esta modalidade de financiamento de políticas públicas. É um volume de recursos superior a 10% da carga tributária”5. A tabela abaixo, elaborada pelo IPEA,
demonstra que os gastos tributários federais cresceram 47% de 2006 a 2011:
GASTO TRIBUTÁRIO FEDERAL
2006 a 2009, valores estimados (em R$ milhões de 2010, corrigidos pelo IPCA médio)
2010 e 2011, valores projetados
Ano
Em R$ milhões nominais
Em R$ milhões de 2010 (IPCA médio)
2006
65.398
78.915
2007
75.745
88.189
2008
86.572
95.379
2009
89.525
94.036
2010
105.843
105.843
2011
116.083
116.083
Fonte: IPEA
4
Gastos tributários do governo federal: um debate necessário. Comunicados do IPEA nº 117, outubro de 2011. Disponível em: <<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/111018_comunicadoipea117.pdf>>, acesso em 08/03/2012. O estudo em questão conceitua
os gastos tributários no Brasil como as “desonerações que correspondem a gastos indiretos. Ou
seja, são renúncias consideradas exceção à regra geral da legislação tributária, introduzidas no
código tributário com a intenção de aliviar a carga tributária de uma classe específica de contribuintes, de um setor de atividade econômica ou de uma região e que, em princípio, poderiam ser
substituídas por despesas orçamentárias diretas”.
5
Op. Cit., pp. 3-4.
78
Samuel Hanan
BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
2006 a 2009, valores estimados (em R$ milhões de 2010, corrigidos pelo IPCA médio)
2010 e 2011, projetados
Ano
Em R$ milhões nominais
Em R$ milhões de 2010 (IPCA médio)
2006
12.290
14.830
2007
14.044
16.351
2008
15.558
17.141
2009
17.044
17.903
2010
19.246
19.246
2011
21.156
21.156
Fonte: IPEA
A soma dos benefícios previdenciários e dos demais gastos tributários do governo
federal atinge o patamar de R$ 137,2 bilhões, quantia que supera o dobro do orçamento previsto para o Ministério da Educação no mesmo ano (R$ 63,7 bilhões) .
Levando-se em consideração também os gastos tributários, a carga tributária no
Brasil é de praticamente 40% do PIB (semelhante à da Alemanha), desprezandose, ainda, os impactos da sonegação (impossíveis de se mensurar com precisão),
como demonstra sinteticamente o quadro abaixo:
CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL (% DO PIB)
RECEITA ARRECADADA
RENÚNCIA FISCAL FEDERAL
RENÚNCIA FISCAL
ESTADUAL / MUNICIPAL
SONEGAÇÃO FISCAL
CARGA TRIBUTÁRIA EFETIVA
35,13
3,53
1,2
?
39,86 + SONEGAÇÃO
Fontes: Estado de São Paulo – J. R. Afonso / IPEA
É importante destacar que parte significativa dos gastos tributários federais são
efetuados com receitas que pertencem aos Municípios e aos Estados.
Com efeito, o citado estudo do IPEA aponta que 59,42% do financiamento do gasto tributário do governo federal é efetivado mediante impostos compartilhados
6
Op. Cit., p. 8.
79
Em busca da melhor cidade
com Estados e Municípios, como o IR e o IPI. Ou seja, “mais da metade dos recursos
envolvidos nesta modalidade de política pública é cofinanciada por Estados e Municípios, que veem ser reduzido o volume de impostos a ser dividido por meio dos
fundos de participação”7.
Oportuna foi a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre esse tema, dando
um basta à concessão de incentivos fiscais com receitas pertencentes a outros
entes federativos e evitando, assim, que determinado ente realize verdadeira
“cortesia com chapéu alheio”, na feliz expressão do Ministro Ricardo Lewandowski8.
A decisão do Supremo Tribunal Federal deve servir de incentivo aos Municípios
para coibir essa prática que vem sendo levada a cabo pela União à revelia dos
demais entes federativos, inclusive mediante a adoção de medidas judiciais. Há
notícias de Municípios do Nordeste que ingressaram em Juízo contra a União, para
que suas quotas do Fundo de Participação dos Municípios fossem calculadas sem
a dedução de incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelo governo federal,
sendo que alguns Municípios tiveram sucesso em sua demanda9.
Noutro giro, o sistema tributário brasileiro atual pode ser considerado perverso,
por ser altamente regressivo e, por conseguinte, não cumprir uma de suas funções sociais, que seria a desconcentração de renda. Dito de outra forma: o sistema
tributário brasileiro atual, por basear-se principalmente na tributação sobre o consumo, permite que os mais ricos continuem mais ricos, onerando de forma desproporcional os mais pobres.
A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, entidade ligada ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo – FEA/USP, publicou interessante
estudo no qual demonstra a regressividade do sistema tributário brasileiro10.
Neste estudo, a FIPE chega à conclusão de que “por ter como principal base de
incidência os bens e serviços (47% da arrecadação tributária), o sistema tributário
7
Op. Cit., p. 7.
Recurso Extraordinário nº 572.762, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe nº
167, Divulgação 04/09/2008, Publicação 05/09/2008, Ementário nº 2331-4.
8
9
Municípios vão à Justiça contra isenções fiscais. Notícia veiculada no site Consultor Jurídico, em
02/10/2009. Disponível em: <<http://www.conjur.com.br/2009-out-02/decisao-stf-leva-municipios-justica-reducao-ipi-ir>>, acesso em 08/03/2012.
80
Samuel Hanan
brasileiro é no seu conjunto regressivo: a progressividade dos tributos diretos (imposto de renda, contribuições previdenciárias, IPVA, IPTU e ITR) é insuficiente para compensar a regressividade dos tributos
indiretos. E pior, ele é tão mais regressivo quanto
mais pobre o Estado da Federação, dado que, tendo
uma base econômica menor, os governos estaduais
não podem abrir mão da arrecadação do ICMS sobre os bens essenciais, como fazem os Estados mais
ricos.
Por exemplo, famílias com renda total de até 2 salários mínimos, pagando a totalidade de IPI, ICMS,
PIS e COFINS nos produtos consumidos, gastam com
esses tributos 25,8% de suas rendas se residentes
em São Paulo e 30,1% se residentes em Belém. Esses percentuais vão se reduzindo à medida que aumenta a renda das famílias, porque a participação
do consumo na renda se reduz”11.
Para corroborar que a progressividade de impostos
diretos, como o IR, é insuficiente, no Brasil, para
compensar a elevada regressividade da tributação indireta (sobre o consumo), a FIPE elaborou a
seguinte tabela, que compara as cargas diretas e indiretas por faixa de renda familiar em 1996 e 2004.
Essa tabela demonstra não só o aumento da carga
tributária total para todas as faixas de renda, mas
também o aumento da regressividade do sistema
tributário nacional12:
Deve haver
uma melhor
definição das
competências
de cada ente
federativo,
para reduzir
as máquinas
públicas.
ZOCKUN, Maria Helena (coord.); ZYLBERSTAJN, Hélio; SILBER, Simão; RIZZIERI, Juarez; PORTELA,
André; PELLIN, Eli; AFONSO, Luís Eduardo. Simplificando o Brasil: propostas de reforma na relação
econômica do governo com o setor privado. Texto para discussão nº 03. São Paulo, março de 2007.
Disponível em <<http://www.fipe.org.br/web/publicacoes/discussao/textos/texto_03_2007.pdf>>,
acesso em 07/03/2012.
10
11
Op. Cit., pp. 12-13.
12
Op. Cit., p. 19.
81
Em busca da melhor cidade
Em % da renda familiar
1996
2004
1996
2004
1996
2004
Acréscimo de
carga tributária
(em pontos de
percentagem)
Até 2 SM
1,7
3,1
26,5
45,8
28,2
48,8
20,6
2a3
2,6
3,5
20
34,5
22,6
38
15,4
3a5
3,1
3,7
16,3
30,2
19,4
33,9
14,5
5a6
4
4,1
14
27,9
18
32
14
Renda
mensal
familiar
Tributação
direta
Tributação
Carga tributária
6a8
4,2
5,2
13,8
26,5
18
31,7
13,7
8 a 10
4,1
5,9
12
25,7
16,1
31,7
15,6
10 a 15
4,6
6,8
10,5
23,7
15,1
30,5
15,4
15 a 20
5,5
6,9
9,4
21,6
14,9
28,4
13,5
20 a 30
5,7
8,6
9,1
20,1
14,8
28,7
13,9
mais de 30
10,6
9,9
7,3
16,4
17,9
26,3
8,4
Fonte: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE
Quanto maior a regressividade do sistema tributário nacional, menor será o
ganho de renda líquida para as famílias mais pobres, o que aumenta ainda mais as
desigualdades sociais e a concentração de renda nas famílias mais ricas, estimulando, ainda, a informalidade.
Por fim, deve-se abordar a verdadeira usura que vem sendo praticada pela União
nos contratos de renegociação das dívidas dos Estados e Municípios, no final da
década de 1990, que acarreta mais uma transferência de recursos dos entes subnacionais para o governo federal. Vejamos, primeiramente, os seguintes dados:
DÍVIDAS DE ESTADOS E MUNICÍPIOS COM A UNIÃO
(RENEGOCIAÇÃO DO FINAL DE DÉCADA DE 1990) - 2010
Saldo das dívidas renegociadas em dezembro de 2000
R$ 199,3 bilhões
Montante de pagamentos efetuados por Estados e Municípios
de janeiro de 2001 a dezembro de 2010
R$ 199,8 bilhões
Saldo devedor dos Estados e Municípios com a União
em dezembro de 2010
R$ 439,8 bilhões
Fonte: Governo Federal
Após 10 (dez) anos, a dívida total dos Estados e Municípios junto à União mais do
que dobrou no período (aumento de 2,2 vezes). Além disso, descontada a inflação
82
Samuel Hanan
medida pelo IPCA, houve um aumento real de 16,24% (1,52% ao ano). Ou seja, o
saldo da dívida renegociada após esse período é maior que o saldo original em
valores reais.
A situação é de uma distorção atroz: ao mesmo tempo em que cobra de Estados e
Municípios juros reais de 8 a 9% ao ano, a União toma empréstimos junto ao Sistema Financeiro Nacional à taxa bruta, descontada a inflação, de cerca de 5,65% ao
ano. Se for descontado o IR, a União paga apenas 4,04% ao ano a título de juros
reais no SFN. Mais distorcida ainda fica a situação quando se verifica que o BNDES,
BNE e BASA financiam o setor privado com taxa nominal de 8% ao ano (TJLP + 2
ou 3%), ou seja, com juros reais de 3,57% ao ano.
Superado esse ponto, passamos a discorrer sobre a importância dos Municípios na
vida dos cidadãos.
Municípios fortes
É fácil constatar no Brasil que o cidadão valoriza os Municípios. Tal situação começa
pelo singelo fato de que o endereço de cada um é em seu respectivo Município,
não no Estado (e muito menos na União). Ninguém diz “eu moro no Estado de
São Paulo”, por exemplo, e sim “eu moro no Município de São Paulo”. Claro que a
importância dos Municípios não reside apenas nisso. Os serviços públicos mais
básicos e essenciais, demanda constante do cidadão, são de competência dos Municípios, ou ainda dos Estados, e não da União.
De fato, compete aos Municípios prestar os serviços públicos de interesse local,
como o de transporte coletivo, que tem caráter essencial pelos próprios dizeres
da Constituição de 1988. Outros serviços de interesse local são os de coleta de
lixo, distribuição de água e o de saneamento básico. Além disso, compete aos Municípios precipuamente prestar serviços de educação infantil e de ensino fundamental.
Igualmente, compete aos Municípios prestar serviços de atendimento à saúde da
população e promover o adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Ou seja,
praticamente toda a infraestrutura urbana ficou a cargo dos Municípios pela repartição de competências prevista na Constituição de 1988.
Por seu turno, a União é responsável por questões de âmbito nacional, de caráter
macroeconômico, não possuindo uma participação efetiva no dia-a-dia do cidadão.
83
Em busca da melhor cidade
A União pode
assumir um
papel
regulatório,
deixando
a cargo de
Estados e
Municípios
a execução
das políticas
públicas.
84
Pode-se concluir, assim, que os serviços públicos
mais básicos, e que são os de maior preocupação
dos cidadãos (o que se traduz, evidentemente, nas
urnas, no momento de escolha dos seus candidatos), por afetarem diretamente o seu bem-estar,
são de competência municipal (ou, quando menos,
estadual).
Assim, é consequência lógica que a participação dos
Municípios e dos Estados na arrecadação tributária
deve ser substancialmente maior. É urgente que haja
compatibilidade entre os encargos atribuídos aos entes federativos e sua participação na arrecadação
tributária.
Por outro lado, verifica-se no Brasil uma alta concentração do Poder Legislativo na União, inclusive
por força da legislação concorrente, que deveria se
ater apenas à elaboração de normas gerais. É imprescindível, para que haja um municipalismo forte,
com Municípios efetivamente autônomos, que exista
maior participação municipal na elaboração de leis
de matérias que são de interesse local.
Outro ponto importante a ser destacado em relação
ao municipalismo é o acúmulo de máquinas públicas
que exercem a mesma função. Para ficar no exemplo
da Saúde, verifica-se que tanto a União quanto os
Estados possuem um Ministério ou uma Secretaria
voltados, especificamente, para atuar nessa área.
(Ministério da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e
Secretaria Municipal de Saúde).
Com isso, a administração pública fica excessivamente grande e absorve muitos gastos com despesa
de pessoal. Com maior eficiência na repartição
desses encargos, pode-se reduzir tais gastos. Devese acabar com o acúmulo de Ministérios e Secretarias
incumbidas das mesmas funções, para acabar com os
Samuel Hanan
três níveis de estrutura (federal, estadual e municipal) focados nos mesmos fins.
Assim, deve haver uma melhor definição das competências de cada ente federativo, para reduzir as máquinas públicas. A União, nesse passo, pode assumir um
papel regulatório, deixando a cargo de Estados e Municípios a execução das políticas públicas. Desse modo, o Município seria capaz de atender melhor as demandas do cotidiano da população, o que tende a gerar ganhos de eficiência com a
descentralização, já que os Municípios estão mais aptos a diagnosticar e atender
a demandas de interesse local.
Conclusões e posições programáticas
Como visto, houve uma deturpação do sistema tributário pela União, que aumentou
a carga relativa às contribuições e diminuiu, proporcionalmente, o peso dos impostos
no montante total da arrecadação federal. Assim, reduziu-se a quantia repassada
aos Estados e Municípios por meio dos fundos de participação, bem como se diminuiu o investimento compulsório a cargo da União na educação de nível superior.
A carga tributária brasileira é muito mal repartida entre os entes federativos, pois
a União concentra a maior parte do montante arrecadado, enquanto Estados e
Municípios são incumbidos de prestar os serviços públicos essenciais à população. Existe uma compreensível e natural insatisfação da população com a carga
tributária nacional, que é incompatível com a qualidade dos serviços públicos
prestados. A tributação no Brasil concentra-se no consumo, diminuindo o nível de
informação da população sobre a carga tributária e tornando o sistema regressivo,
o que perpetua as desigualdades sociais.
As renúncias fiscais do governo federal representam mais de 10% da carga tributária. Na maior parte, tais renúncias são feitas em relação à arrecadação de impostos compartilhados, o que também diminui os repasses para Estados e Municípios
e o investimento compulsório da União na educação de nível superior. Levando-se
em conta os gastos tributários federais, a carga tributária brasileira chega a praticamente 40% do PIB (sem considerar, ainda, os efeitos da sonegação).
Os Municípios são responsáveis pela prestação dos serviços públicos essenciais ao
cidadão, como educação, saúde, transporte, coleta de lixo, infraestrutura urbana,
lazer, abastecimento de água e saneamento básico. Assim, sua participação no
montante da arrecadação tributária deve ser maior do que os valores atualmente
observados, tornando-se compatível com a quantidade de encargos que lhe foi
atribuída pelo Constituinte.
85
Em busca da melhor cidade
Além disso, deve-se enxugar ao máximo a máquina pública, atribuindo-se à União
um papel eminentemente regulatório para determinados serviços públicos, que
devem ficar a cargo, com exclusividade, dos Estados e dos Municípios, de sorte a
gerar ganhos de eficiência no atendimento à população e redução de despesas
com pessoal. Para finalizar, cabe fazer uma breve análise dos acertos e erros dos
últimos três governos presidenciais no Brasil, com destaque para os desafios da
atual Presidente da República e medidas que entendemos devam ser adotadas.
O governo Fernando Henrique Cardoso teve como principal acerto a estabilidade
monetária com a criação e valorização da moeda nacional. O governo FHC também
acertou na instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal, nas privatizações de empresas estatais deficitárias e na adoção, ainda que tardia, do câmbio flutuante. No
lado negativo da gestão FHC destacam-se o déficit previdenciário, a política cambial e os juros elevados como consequência dessa política, o que elevou a dívida
pública de 29,2% para 55% do PIB.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva apresentou como grande qualidade a desmistificação de que o aumento real do salário mínimo acabaria criando um rombo nas
contas da Previdência, o que trouxe a incorporação da população mais pobre na
sociedade de consumo. Além disso, o governo Lula acertou na implantação do
“Bolsa Família” (o maior projeto de distribuição de renda da história do País) e por
ter dado início ao reequilíbrio do desenvolvimento econômico, expandindo-o para
outras regiões do País. Porém, o governo Lula errou ao praticamente abandonar
os investimentos em infraestrutura e por não ter levado adiante nenhum tipo de
reforma política.
Já o governo Dilma Roussef, atualmente no segundo ano de mandato, tem vários
desafios a percorrer e deveria adotar as seguintes prioridades: manter os ganhos
sociais da gestão anterior; dar prioridade à reforma da Previdência do Setor Público, para evitar o déficit crescente, que se estima chegar a R$ 52 bilhões/ano;
priorizar o investimento em infraestrutura básica; levar adiante a reforma fiscal,
em um novo arranjo do pacto federativo; acabar com a DRU e promover a alteração
da redação do artigo 212 da Constituição Federal de 1988, para que os investimentos compulsórios em educação sejam calculados sobre a receita decorrente
de todos os “tributos”, e não apenas de “impostos”; e rever, de forma abrangente,
minuciosa e transparente, todas as renúncias fiscais do governo federal, extinguindo-se os incentivos setoriais (vedados pela Constituição Federal).
Mas ainda há mais por fazer. Deve haver maior divulgação do montante da carga
86
Samuel Hanan
tributária sobre cada produto ou serviço adquirido. Isso deve ser feito não apenas
com destaques nas notas fiscais, mas também nos preços divulgados pelas lojas,
a fim de que o consumidor esteja efetivamente a par sobre o custo dos produtos
e serviços adquiridos e a respectiva carga tributária. Por sinal, o Constituinte de
1988 previu no artigo 150, § 5º da Constituição da República que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos
que incidam sobre mercadorias e serviços”.
Igualmente, deve haver a criação de um foro adequado para o diálogo entre a
União, os Estados e Municípios, para evitar que a renúncia de impostos compartilhados continue a ser feita sem a concordância dos Estados e dos Municípios. No
que tange aos pactos de renegociação das dívidas, existem várias propostas que
podem reduzir a autêntica usura que vem sendo praticada pela União, mantendose na íntegra o restante dos contratos, dentre as quais destacamos:
- unificar o indexador para o IPCA e estabelecer juros reais de 3% ou 4%;
- estabelecer o teto de remuneração de 85 a 90% da taxa Selic;
- ou unificar o indexador para TJLP mais juros de 3% ao ano, igual ao teto cobrado
pelo BNDES/BNE/BASA do setor privado.
A carga tributária deve, ainda, ser examinada e discutida com a sociedade brasileira, para ser modificada. Não podemos continuar cobrando tributos em montante
equivalente aos países mais desenvolvidos e termos serviços públicos em patamares dos países em desenvolvimento.
É hora de mudança!
87
Marcos Cintra
PhD em Economia pela Universidade de Harvard (EUA),
professor, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas
e secretário municipal de Desenvolvimento Econômico
e do Trabalho de São Paulo (2009-2012).
Foi eleito deputado federal em 1998 e vereador em 1992 e 2008
para a Câmara de São Paulo.
Coordena o Conselho Temático sobre Administração Pública
do Espaço Democrático.
88
Marcos Cintra
Entre a administração
pública e a política:
o
q
u
e
f
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z
e
r
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89
Em busca da melhor cidade
90
S
Marcos Cintra
egundo a teoria econômica tradicional, o mercado seria capaz de
promover uma eficiente alocação dos recursos produtivos. Por
meio da livre concorrência, a iniciativa privada, buscando o lucro
máximo, faria com que esse ideal de eficiência fosse atingido.
Porém, essa situação ótima depende de situações como a nãoexistência de progresso técnico e que o mercado funcione na
condição de perfeita concorrência. Duas situações que não
ocorrem na prática.
As “falhas de mercado” predominam no funcionamento da atividade econômica. A
existência de bens públicos, a falha de competição, as externalidades, os mercados incompletos, a ocorrência de desemprego e inflação e uma indesejada distribuição da riqueza gerada são os fatores que justificam a atuação do poder público,
visando o bem estar social. As ações do governo nesse sentido são resumidas
como de natureza alocativa, distributiva e estabilizadora.
Ação alocativa - Os bens públicos não podem ser fornecidos de forma compatível com as necessidades por intermédio do mercado. O fato de os benefícios
estarem disponíveis para todos os consumidores faz com que não haja pagamentos voluntários aos fornecedores desses bens. Assim, o governo deve garantir seu
provimento. Esse é o caso típico de serviços como a segurança pública e a justiça.
Vale citar que há serviços em que, mesmo sendo produzidos pelo setor privado, o
Estado atua de modo parcial em sua provisão, por se tratar de serviços que geram
externalidades positivas. São os chamados bens semipúblicos, entre os quais se
destacam a saúde e a educação. Outro exemplo de alocação de recursos pelo Estado se refere aos investimentos que demandam longo período de maturação. A
demora na geração de lucros desestimula o investimento privado e o poder público
intervém diretamente na produção.
Esse foi uma situação comum no Brasil nos anos 40, quando foram criadas empresas estatais para produzir aço, produtos petroquímicos, minérios e outros. Finalmente, há os casos das externalidades positivas geradas nos investimentos em
infraestrutura, como é o caso da abertura de estradas, que pode ter efeito direto e
indireto sobre a atividade econômica de uma região.
91
Em busca da melhor cidade
A universalização
dos programas
de seguridade
social na
Constituição de
1988
implicou
mobilizar
recursos
tributários
e foi um dos
fatores
preponderantes
para a
Ação distributiva - A distribuição da riqueza gerada na atividade econômica pode ser um entrave ao
desenvolvimento econômico. A desigualdade da
absorção da renda entre capital e trabalho, ou o
grau de sua concentração nos estratos mais ricos
da sociedade, podem ocorrer de modo indesejado, e
o governo deve atuar como agente para a promoção
de ajustes.
O poder público pode atuar através da política fiscal tributando os mais ricos e subsidiando a população carente, ou aplicando mais imposto sobre
as camadas de renda mais altas e direcionando
esses recursos para programas voltados à população de baixa renda. A seguridade social assume
papel importante na função distributiva. Benefícios de assistência social podem ser concedidos
para a baixa renda sem que as pessoas tenham
contribuído financeiramente.
elevação
da carga de
impostos
a partir dos
anos
90.
Ação estabilizadora - A intervenção do Estado se
justifica também porque o sistema de mercado não
é capaz de assegurar baixos níveis de desemprego,
estabilidade dos preços e crescimento econômico. O
poder público deve proteger a economia de flutuações bruscas e estimular a geração de postos de trabalho. Com a política fiscal o governo atua sobre a
demanda agregada no sentido de elevar o nível de
emprego, estimular o crescimento econômico e contribuir para o controle da inflação.
Breve histórico da formação
do Estado brasileiro
Nos trinta anos seguintes à chegada da esquadra de
Pedro Alvares Cabral ao Brasil, a Coroa portuguesa
92
Marcos Cintra
não se interessou em colonizar as novas terras, limitando-se a instalar feitorias
que marcavam o reconhecimento dessas posses. Tudo começou com o pau-brasil,
que desencadeou a primeira atividade econômica no território brasileiro, tendo
início o pagamento de tributos e a formação de uma administração pública na
América.
Como todas as conquistas eram consideradas propriedades do Rei, que não tinha
recursos para explorar o pau-brasil, o soberano praticava uma concessão, recebendo em troca um tributo (Quinto), para a exploração dessa matéria prima que tinha
grande valor no comércio internacional. Aos concessionários não bastava pagar
o Quinto, ele deveriam ainda construir fortificações para defender o território de
ataques externos e dos indígenas.
Com o tempo notou-se que manter a segurança das terras implicava custos elevados para um particular, e que a exploração do pau-brasil seria insuficiente para financiar tal objetivo. A precária situação obrigou a Corte a instalar um novo modelo
administrativo para a colônia.
A colonização
A fragilidade da estrutura de defesa idealizada pela Coroa portuguesa fez com
que franceses e espanhóis começassem a ameaçar a posse do território. Esse
fato, associado à perda do monopólio português sobre o comércio indiano, levou
a Corte estabelecer um modelo administrativo mais efetivo em terras brasileiras
a partir de 1530.
A Coroa portuguesa e a institucionalização do fisco - A Coroa portuguesa
não dispunha de recursos para colonizar o território brasileiro. Para viabilizar a
vinda de pessoas de Portugal para o Brasil, proporcionando lucros para elas e renda para o governo português, era preciso desenvolver uma atividade econômica
viável, e a cana de açúcar foi a saída encontrada.
Se no âmbito econômico a cana de açúcar foi o produto que daria renda aos empreendedores e ao governo, no aspecto administrativo colocou-se nas mãos de
particulares o ônus financeiro da colonização do Brasil, por meio da criação das
Capitanias Hereditárias, que eram governadas como uma província, e não exploradas como uma fazenda. Os donatários poderiam fundar povoados, nomear
auxiliares, conceder sesmarias e criar tributos.
93
Em busca da melhor cidade
Governo geral - Como as Capitanias Hereditárias tinham um caráter definitivo
e muitas fracassaram, o governo português criou o Governo-Geral para centralizar
a administração colonial. A maior preocupação era a ineficiência na cobrança de
tributos e, em 1548, criaram-se as figuras do Provedor-Mor e do Governador-Geral,
que assumiram a função de equacionar a caótica situação das finanças coloniais e
estabelecer uma administração de acordo com os interesses da Corte.
Necessidade de estabelecer uma administração pública - O governo português tinha necessidade de uma exploração organizada sobre o Brasil. Era preciso uma administração que tivesse máximo controle sobre os funcionários que
cuidavam das coisas do fisco, uma vez as fraudes se tornaram regra durante o
período colonial. Em caso de falta grave de funcionários públicos, eles poderiam
ser presos. As pessoas envolvidas com o fisco deveriam colocar seus bens à disposição para cobrir prejuízos que pudessem causar.
Opressão fiscal e criação dos arrematadores - As autoridades fazendárias
no período colonial ganharam total autonomia em relação aos outros órgãos
administrativos. A preocupação do fisco era arrecadar mais e melhor, e abusos
foram cometidos por agentes fiscais, que em alguns momentos atuavam de modo
arbitrário, muitas vezes sem considerar a capacidade de pagamento do contribuinte.
Para se ter uma ideia da opressão fiscal, em muitos postos de arrecadação foram
instaladas forças militares para garantir o efetivo recolhimentos dos impostos.
Além dos funcionários do fisco, Portugal criou também a figura do rendeiro, que
participava de um sistema denominado arrematação. Uma pessoa era responsável
pela cobrança de um determinado tributo e podia trabalhar com o dinheiro até
acertar as contas com o governo português. Era uma espécie de terceirização da
arrecadação pública.
As bases tributárias, o ápice da opressão fiscal e a vinda da Corte para
o Brasil - Ao longo do período colonial, várias formas de extração de tributos
foram adotadas. Parte desses recursos tinha como destino o financiamento da
instalação de uma administração pública no Brasil e a construção de cidades em
seu território. Dentre as bases de tributação mais comuns destacam-se açúcar,
tráfico de escravos, couro, tabaco e ouro.
A mineração foi uma das principais fontes de tributos na colônia e, na
94
Marcos Cintra
segunda metade do século XVIII, o quadro de
abundância aurífera começou a mudar, causando sérios conflitos de interesses entre os
colonos e a Corte. Teve início a decadência da
produção de ouro e, com isso, a arrecadação
começou a cair. A Corte imediatamente suspeitou de sonegação e aumentou a opressão
fiscal com a adoção de um sistema denominado
Derrama, que deu origem ao movimento rebelde conhecido como Inconfidência Mineira.
A rebelião dos colonos contra a opressão fiscal foi um
dos eventos mais importantes do período colonial,
que começou a sofrer transformações profundas com
a fuga da Corte portuguesa da Europa por conta das
invasões napoleônicas. Cerca de 10 mil pessoas se
deslocaram para a colônia mais rica de Portugal. Com
a nova sede do Império português, teve início o processo de emancipação política do Brasil, em 1808.
Aumentar
o nível dos
investimentos
públicos
no
Brasil
é indispensável
para o
País
acelerar
seu nível de
desenvolvimento
e é preciso
buscar
alternativa
para isso.
Emancipação política
A chegada de Napoleão Bonaparte ao poder na França, no fim do século XVIII, deu início a uma série de invasões na Europa. A Espanha foi anexada e Portugal
seria o próximo a perder a independência. A vinda da
Corte portuguesa para o Brasil implicava despesas,
que foram atendidas com a criação de tributos. Esse
fato representou um passo importante em direção à
emancipação política da colônia poucos anos depois.
Novos impostos criados pela Corte e a gestão
pública - A criação de novos impostos repetiu a
tônica do processo de colonização. Não havia racionalidade para sua implementação. O mais importante
era atender as necessidades imediatas da família
95
Em busca da melhor cidade
Atualmente
a carga
de impostos
é um dos
entraves
ao crescimento
da economia
brasileira.
Mais de um terço
da riqueza
produzida é
extraído para
financiar o
poder público.
real, e não gerar benefícios para a população. No
âmbito da administração pública, o quadro estatal
contava com nobres em altos cargos públicos, muito
bem pagos e que mal apareciam para trabalhar, e
humildes escriturários, com baixa remuneração que
muitas vezes atrasava, por conta das dificuldades
financeiras.
Independência, Constituição e federalismo
embrionário - Com a separação política de Portugal, o Brasil contou com sua primeira Constituição
em 1824 e criou-se a expectativa de que os tributos não mais saíssem do território brasileiro. Porém,
como a independência se ajustava a interesses da
Inglaterra, recursos continuaram sendo enviados
para a Europa.
A partir da segunda metade do século XIX, o Brasil
começou a presenciar um embate entre a monarquia
e os republicanos, que defendiam o federalismo e
uma nova partilha dos tributos no País. A Guerra
do Paraguai, a ascensão dos cafeicultores, o fortalecimento do exército e a abolição da escravatura
foram golpes decisivos para o fim da monarquia e o
advento do Brasil republicano.
Brasil republicano
A Constituição republicana promoveu avanços em
várias frentes. Deu autonomia aos Estados, concedendo a prerrogativa para eles contraírem empréstimos externos; estabeleceu a independência dos três poderes; e promoveu a separação do
Estado e da igreja. Porém, manteve uma faceta
cultural da monarquia, que foi a manutenção de
extensos poderes ao presidente da República.
96
Marcos Cintra
Constituição consagra o federalismo - Um aspecto importante da Constituição de 1891, sob o ponto de vista administrativo, foi a instituição do
federalismo. União, Estados e Municípios tiveram definidas suas competências
tributárias. Um dos impostos de maior expressão para os Estados foi o incidente sobre exportações, e São Paulo aparece como o principal beneficiado por ser grande
produtor de café.
Era Vargas - No governo do presidente Getulio Vargas foram implementadas
iniciativas de grande envergadura, visando racionalizar a administração pública
e modernizar o País, como a criação do Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP) e o fortalecimento do Estado produtor com a criação da CSN, Vale
do Rio Doce, Petrobrás e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco.
Vale ressaltar o papel do DASP na administração pública brasileira, uma vez que
esse órgão foi relevante no fornecimento de assessoria técnica para o presidente
da República e na elaboração de orçamentos. Foi decisivo para impor racionalidade à
máquina publica do País. Várias outras instituições foram importantes nesse período
visando modernizar o Estado brasileiro, como a criação do Departamento de Aviação
Civil, Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool, o código florestal, entre outras.
Desenvolvimentismo dos anos 50 - Os anos 50 foram marcados por forte
atuação ativa do Estado voltada para o desenvolvimento industrial e da infraestrutura. Foi um período de estímulo governamental a setores como o
automobilístico, e a implementação de ações voltadas à abertura de estradas,
como a rodovia Belém-Brasília. Destaca-se nesse período ainda a construção
de Brasília, que contribuiu para a expansão da construção civil e criou um
novo complexo administrativo para o País, e a fundação do BNDE (mais tarde
BNDES), voltado para o fomento de investimentos.
Dirigismo pós 1964 - A partir de 1964, os militares assumem para viabilizar
um novo projeto para o Brasil. Saem da caserna e se unem aos tecnocratas com
atuação em institutos de pesquisas como o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais) e a ESG (Escola Superior de Guerra). Esse período de forte intervenção
estatal se estendeu durante pouco mais de vinte anos. Contando com grande
volume de recursos externos, os militares iniciaram uma política desenvolvimentista calcada em grandes obras, como as Usinas de Itaipú e Angra dos Reis.
97
Em busca da melhor cidade
Foram criados vários órgãos de superintendência para o desenvolvimento regional, como a Sudene (que vinha do governo JK), Sudam, Sudeco e a Zona Franca
de Manaus. Destaca-se na segunda metade dos anos 60 uma profunda e ampla
reforma tributária no País, que contribuiu decisivamente para o forte crescimento
da economia durante os anos 70. Além de mudanças significativas na sistemática de cobrança de impostos, houve uma concentração de recursos em favor da
União, em detrimento da autonomia financeira dos Estados e Municípios.
Desestatização - O fim do regime militar em meados dos anos 80 exigiu uma
nova Constituição e a reestruturação do modelo estatizante. A Constituição Federal
de 1988 promoveu mudanças no sistema tributário, enfatizando a descentralização da receita pública em favor de Estados e Municípios, mas definiu maior alcance
das políticas sociais, que passaram a pressionar a carga tributária.
Em 1991 foi instituído o PND (Programa Nacional de Desestatização) com o objetivo de privatizar empresas e promover concessões, com ênfase para os setores
de siderurgia, petroquímica, fertilizantes, energia elétrica, ferroviário, mineração e
financeiro.
Constituição Federal de 1988:
Brasil monta o seu “Welfare State”
A ideia do Estado do bem-estar social se desenvolveu principalmente na Europa,
tendo sido implementada mais intensamente nos países nórdicos. Essa forma de
organização político-social teve origem com a Grande Depressão dos anos 30 e
evoluiu com o fim dos governos totalitários da Europa ocidental.
Seus princípios se baseiam no conceito de que todo indivíduo tem o direito, desde
seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços que deveriam
ser fornecidos direta ou indiretamente pelo Estado. Contempla programas como
atendimento médico gratuito e universal, auxílio ao desempregado, assistência ao
idoso, garantia de renda mínima, etc.
Ideário da universalização das políticas sociais surge em um momento
em que os países ricos estão a debatê-lo - O Estado de bem-estar social
passou a ser objeto de dúvida e de crítica na Europa e nos Estados Unidos a partir
das décadas de 70 e 80, tanto por parte dos pensadores conservadores como
98
Marcos Cintra
dos intelectuais de esquerda. Os pensadores conservadores criticaram-no dizendo que ele inibe investimentos, pois absorve um montante excessivo de
recursos; leva ao acomodamento do trabalhador, por
conta da garantia de estabilidade de emprego; e afugenta empresas nos países com legislação generosa.
Já os pensadores de esquerda dizem que essa forma
de organização social causa problemas aos trabalhadores, quando, por exemplo, ao invés de solucionar
o desemprego cria o salário-desemprego; gera
ineficiência e ineficácia ao promover uma burocracia estatal como executora das políticas sociais;
e cria uma concepção falsa nos trabalhadores
quanto aos problemas sociais, fazendo-os dirigirse não aos empregadores, mas ao Estado, burocratizando as demandas sociais.
A expansão da
infraestrutura
é um dos
fatores
que limitam
o crescimento
da economia
brasileira
e comprometem
a qualidade
de vida
nos grandes
centros.
Breve relato do capítulo da Seguridade Social
na Constituição Federal - A Constituição Federal
de 1988 consagrou a ideia de se instituir no Brasil
um Welfare State em seus artigos que tratam da Seguridade Social. A generosidade é marcante na Carta
Magna do País. O artigo 194 define que a Seguridade
Social compreende ações do poder público voltadas
a assegurar os direitos à saúde, à previdência social
e à assistência social e que sua organização terá
como objetivos:
- Universalidade da cobertura e do atendimento
- Uniformidade dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais
- Irredutibilidade do valor dos benefícios
- Equidade na forma de custeio
- Diversidade da base de financiamento
- Gestão com participação de trabalhadores, empregadores, aposentados e governo
99
Em busca da melhor cidade
No Brasil,
o potencial
de cooperação
entre o poder
público
e os agentes
privados
representa
uma magnífica
oportunidade
para atender
a interesses
mútuos.
Para a implementação dos programas de seguridade,
o artigo 195 determina que eles devem ser financiados por toda a sociedade com contribuições:
- Do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada, incidente sobre folha de salários, receita ou faturamento e lucro;
- Do empregado; e
- Sobre receita de concursos de prognósticos
Em relação à saúde, a CF determina sua universalidade e que a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios deverão aplicar um percentual mínimo
da arrecadação no setor. No âmbito previdenciário,
os programas devem abranger cobertura de doenças, invalidez, morte, idade avançada, proteção à
maternidade e ao desempregado, concessão de salário-família, auxílio reclusão e pensão por morte do
segurado para os dependentes.
Por fim, a vertente da assistência social determina
que ela será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, tendo como objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância,
à adolescência, e à velhice; o amparo às crianças e
adolescentes carentes; a promoção da integração ao
mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das
pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária; e a garantia de um
salário mínimo de benefício ao deficiente e ao idoso
que comprovem carência.
Elevação dos gastos sociais pressiona a carga
tributária - A universalização dos programas de seguridade social na Constituição Federal de outubro
de 1988 implicou mobilizar recursos tributários e foi
um dos fatores preponderantes para a elevação da
100
Marcos Cintra
carga de impostos a partir dos anos 90. Em meados da década de 80 os tributos
representavam cerca de 25% do PIB; atualmente o ônus fiscal ronda a casa dos 35%.
A tabela a seguir mostra a evolução da carga tributária em relação ao PIB entre
1990 e 2010. Nesse período os tributos abocanharam um adicional de 3,81 pontos
percentuais do PIB brasileiro. Os impostos que compõem o orçamento fiscal federal
tiveram um ligeiro recuo de 0,64 pp, e os tributos estaduais encolheram 0,61 pp.
As contribuições econômicas cresceram 0,97 pp, os tributos municipais avançaram
0,87 pp e as contribuições para a seguridade tiveram um crescimento de 3,24 pp.
Dentre os tributos voltados para suprir as necessidades para a seguridade entre
1990 e 2010, o PIS/Pasep praticamente ficou estacionado na casa de 1,1% do PIB.
Já as contribuições previdenciárias de empregados e empregadores avançaram de
5,39% para 5,77% do PIB (+ 0,38 pp). A CSLL saiu de 0,57% para 1,24% (+ 0,67%)
e a Cofins saltou de 1,61% para 3,79% do PIB (+ 2,18 pp).
Cabe lembrar que no período abrangido pelo levantamento apresentado na tabela,
a CPMF foi um tributo que durante sua vigência (1997 a 2007) teve seu peso aumentado de 0,80% para 1,37% do PIB (+ 0,57 pp). A ligeira queda do orçamento da
seguridade a partir de 2008 pode ser explicada pelo fim desse tributo.
Evolução dos orçamentos no Brasil (% do PIB)
Tributos
1990
1995
2000
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fiscal
9,06%
7,67%
8,32%
7,87%
7,85%
8,23%
9,14%
8,30%
8,42%
Seguridade
9,30%
9,86%
12,12%
13,19%
13,05%
13,28%
12,37%
12,35%
12,54%
Demais *
1,54%
1,85%
2,31%
2,38%
2,44%
2,43%
2,39%
2,49%
2,51%
Estados
9,08%
7,91%
8,71%
8,68%
8,59%
8,45%
8,67%
8,48%
8,47%
Municípios
0,76%
1,26%
1,48%
1,27%
1,43%
1,55%
1,52%
1,52%
1,63%
29,75%
28,56%
32,,95%
33,38%
33,36%
33,95%
34,11%
33,14%
33,56%
Total
*Contribuições Econômicas: FGTS, Sistema “S”, Salário Educação, Cide e outros
Fonte: Relatórios anuais sobre a Carga Tributária no Brasil, publicados pela Secretaria da Receita
Federal (SRF).
Atualmente a carga de impostos é um dos entraves ao crescimento da economia
brasileira. Mais de um terço da riqueza produzida é extraído para financiar o poder
público. Essa proporção só é verificada em países com nível de renda equivalente
entre oito e dez vezes à observada no Brasil.
101
Em busca da melhor cidade
O Brasil alargou o alcance de sua política de seguridade social a partir dos anos
90 e a carga tributária cresceu em função disso. Hoje o poder público precisa
elevar sua taxa de investimentos para remover gargalos da infraestrutura, que
comprometem o potencial de crescimento da economia nacional, mas não
há espaço para aplicar mais impostos no País. Em termos de elevação do
nível de endividamento, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita essa
possibilidade.
Segundo um estudo do Ipea (TD 126 – Como anda o investimento público no Brasil?
– 29/12/2011) a taxa de investimentos das administrações públicas no Brasil teve
um crescimento de 1,5% do PIB , em 2003, para cerca de 2,5% do PIB no primeiro
semestre de 2011. Porém, esse valor ainda fica aquém das necessidades do País.
Em outro trabalho, apresentado em seminário da Cepal em 2007 (O reduzido investimento público no Brasil e reflexões para sua retomada) os autores mostram
que o investimento público em relação à despesa pública total, no período entre
1998 e 2003, ficou em média em 4,08% no caso do Brasil, bem menor do que
em países como Chile (11,07%), África do Sul (10,27%), México (15,02%) e Coréia
(22,13%). Portanto, aumentar o nível dos investimentos públicos no Brasil é indispensável para o País acelerar seu nível de desenvolvimento, e é preciso buscar
alternativa para isso.
Parcerias público-privadaS como alternativa
para viabilizar investimentos
A combinação entre o endividamento público e as imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e das metas de superávits primários, associadas às despesas legais vinculadas à educação e saúde, gerou um quadro financeiro crítico para
o poder público brasileiro. A disponibilidade de recursos orçamentários para investimentos secou dramaticamente.
A retomada do crescimento da economia, entre 2004 e 2008, despertou para a necessidade de investimentos na expansão e recuperação da base produtiva do País.
A carência e a deterioração das matrizes de energia e transporte e dos sistemas
de armazenagem e irrigação colocam em jogo a expansão econômica. Segundo a
Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a necessidade
de recursos para investimentos em infraestrutura no País nos próximos cinco anos
é estimada em R$ 800 bilhões.
102
Marcos Cintra
Porém, vale citar que a carência de recursos não se
limita às necessidades infraestruturais. A deterioração dos serviços públicos, sobretudo nas áreas de
educação, saúde e segurança, atinge níveis alarmantes, capazes de corroer de modo acelerado a sociedade organizada. Um aspecto importante a destacar no tocante aos serviços públicos é que, além da
enorme demanda existente, sua oferta compreende
custos crescentes por conta do ritmo mais lento de
ganhos de produtividade no setor público comparativamente aos agentes privados.
Em suma, o País vive um estágio caracterizado por
uma enorme demanda por investimentos em infraestrutura e serviços públicos frente a orçamentos dramaticamente restritivos. Não há mais espaço
para impor maior carga de impostos ao contribuinte
e a margem de endividamento encontra-se no limite.
Portanto, a questão que se coloca é: como equacionar este gravíssimo cenário? Como o País poderia
eliminar os gargalos que impedem a economia de
crescer e de que forma a crise social nos meios rural
e urbano poderia ser minimizada?
Mais do que qualquer debate envolvendo aspectos
ideológicos, o encaminhamento dessa questão passa pela emergência de um novo padrão de relacionamento entre os poderes público e privado. Se, de
um lado, há agentes públicos impossibilitados de
prover de modo quantitativo e qualitativo serviços
e bens tidos como de sua exclusiva competência e,
de outro, há capacidade empresarial e financeira
ansiosa por oportunidades de negócios, a sociedade precisa instituir meios que favoreçam um ambiente cooperativo.
Nesse sentido, a convergência de interesses legítimos dos agentes público e privado se faz necessária.
É preciso
estimular o
brasileiro a
poupar com
ações junto
aos mercados
financeiro
e de capital;
incentivo
à previdência
complementar;
e reforma
tributária
que reduza
a carga de
impostos,
elevando a
renda
disponível dos
consumidores e
das empresas.
103
Em busca da melhor cidade
Hoje,
os conceitos
de força e
grandeza se
aplicam mais
adequadamente
às empresas
particulares do
que ao setor
público. Já para
o setor público
o conceito chave
é o da eficiência
e da eficácia,
e não o da
potência bruta.
104
Vale a tese de Vilfredo Pareto, segundo a qual as
transações entre dois agentes econômicos ocorrem
quando ambos satisfazem seus interesses.
A questão da infraestrutura - A expansão
da infraestrutura é um dos fatores que limitam o
crescimento da economia brasileira e comprometem
a qualidade de vida nos grandes centros. O Brasil ainda investe pouco em relação a suas necessidades e quando comparado com outras economias
emergentes. Em relação ao PIB, a China investe
46%, Vietnã, 34,5%, Indonésia, 30,8%, Índia, 29,3%
e Coréia do Sul 28,7%. A taxa brasileira não alcança
20%.
O Brasil tem um grande desafio que é aumentar sua
taxa de investimentos em seus três níveis de
governo. Há inúmeros gargalos no País que demandam ações urgentes. Na região metropolitana de
São Paulo, por exemplo, para levar mercadorias para
o Porto de Santos, trens de carga disputam espaço
com vagões de passageiros, e isso contribui para que
apenas 1% dos contêineres chegue àquele destino
pelo transporte ferroviário.
Outro caso da necessidade de investimento referese ao fato de o Brasil, que tem a terceira maior rede
rodoviária do mundo, possuir apenas 15% de suas
rodovias pavimentadas. A situação das estradas
brasileiras, que respondem por 60% das mercadorias transportadas, é um dos principais itens do
Custo-Brasil a comprometer o agronegócio do País.
A perda de grãos é de 6% por conta das péssimas
estradas.
Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura
e Indústrias de Base (Abdib), o Brasil precisaria investir, em cinco anos, recursos da ordem de R$ 376
Marcos Cintra
bilhões em petróleo e gás, R$ 141 bilhões em energia elétrica, R$ 120 bilhões em
transporte e logística, R$ 98,5 bilhões em telecomunicações e R$ 67,5 bilhões em
saneamento.
Há ainda outras necessidades nas grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte e Brasília, onde problemas graves de mobilidade urbana e ocupação do solo geram perdas para os trabalhadores e para a geração de riquezas. Isso
sem falar na necessidade de recuperação de áreas degradadas. Investimentos no
sistema viário, expansão do transporte sobre trilhos, obras contra enchentes e de
reurbanização desafiam os governantes e exigem a busca de formas alternativas
de obtenção de recurso.
Poupança compulsória x poupança livre - Um desafio que se apresenta ao
Brasil é o aumento da taxa de poupança, principalmente a que permite proporcionar maior volume do crédito de longo prazo, de tal forma que ela sendo alocada
com eficiência permita aumentar os investimentos, sobretudo os voltados à expansão da infraestrutura. Historicamente o Brasil tem uma falha no sistema de
crédito de longo prazo. Para suprir essa deficiência foram criados o BNDES e a
Caixa Econômica Federal, assim como mecanismo de poupança compulsória como
o FGTS e o Pis/Pasep, que obrigam as pessoas e financiar empréstimos de longo
prazo, o que voluntariamente elas não fariam.
Os mecanismos de poupança compulsória podem ter sido eficientes no passado,
mas perderam o sentido na atualidade. Estimular o aumento da poupança livre,
principalmente a que eleve o crédito de longo prazo, é uma diretriz a ser seguida.
É preciso estimular o brasileiro a poupar de modo voluntário com ações junto aos
mercados financeiro e de capital; incentivo à previdência complementar e por capitalização; e implementar uma reforma tributária que reduza a carga individual de
impostos, elevando a renda disponível dos consumidores e das empresas.
Parcerias Público-Privadas - As parcerias entre agentes públicos e privados são
praticadas em diversos países da Europa e no Japão, mas foi no Reino Unido que
essas ações obtiveram destaque em projetos nas áreas de transportes, saúde,
educação e defesa. A ideia de cooperação é relativamente antiga no mundo ocidental. No Brasil, a legislação no âmbito federal é muito recente, e o potencial de
cooperação entre o poder público e os agentes privados representa uma magnífica
oportunidade para atender a interesses mútuos.
105
Em busca da melhor cidade
Ao setor privado as evidências apontam não apenas para a capacidade técnica,
administrativa e gerencial para sua incorporação na produção de bens e serviços a
cargo do Estado. Há também capacidade produtiva ociosa em busca de realização
e liquidez que poderia ser canalizada, para financiar obras e serviços sob responsabilidade do poder público.
Pelo lado do setor público, que não dispõe de recursos para serem investidos
de acordo com as necessidades, desenvolver formas cooperativas de atuação
com a iniciativa privada é a saída para a realização desses investimentos. Essa
interação se apresenta com enorme potencial para a implementação de projetos
voltados à qualificação de serviços públicos e para a provisão de equipamentos
sociais.
Cepac - A proposta do Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção)
surgiu em 1994, num projeto apresentado à Câmara Municipal de São Paulo. O projeto de lei 259/94 foi aprovado em março de 1995, após ter recebido entusiástica
avaliação em um congresso de administradores públicos realizado em Toronto, no
Canadá. Depois de um longo processo, a lei do Cepac chegou ao Executivo municipal para ser sancionada, mas acabou vetada pela então prefeita Marta Suplicy em
agosto de 2001. Curiosamente, o Cepac ressurgiu na lei 13260/01, que criou a
Operação Urbana Água Espraiada, e na lei 13430/02, que implantou o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo.
No âmbito federal, o Cepac foi incluído em 2001 no Estatuto da Cidade, que regulamenta artigos da Constituição referentes à legislação urbana. Em 2003, a CVM
(Comissão de Valores Mobiliários) baixou a instrução 401/03 regulamentando a
negociação e distribuição de Cepac. O conceito desse instrumento é simples. Em
geral, o governo custeia seus gastos com arrecadação e impostos extraídos de
toda a coletividade.
Mas os benefícios acabam sendo absorvidos de forma diferenciada por alguns
segmentos privados. Todos pagam, mas poucos usufruem. A valorização imobiliária é um exemplo típico. O governo investe em obras urbanas com recursos de
toda a comunidade. Mas a valorização beneficia apenas os proprietários localizados na área que recebeu os investimentos do governo.
Com o Cepac, os direitos adicionais de construção gerados por alterações no zoneamento só poderão ser exercitados mediante a apresentação desses certificados previamente adquiridos. O Cepac soluciona dois problemas:
106
Marcos Cintra
1) transfere para a coletividade parte dos benefícios
e lucros gerados por investimentos públicos, que historicamente são absorvidos em sua totalidade por
grupos específicos do setor privado;
2) gera recursos para o financiamento não-tributário
dos gastos públicos.
A ação direta
do poder público
brasileiro
deve ocorrer
primordialmente
Na prática, o Cepac representa direitos adicionais de
construção e de mudança de uso. A Prefeitura vende
certificados em leilões públicos, para serem utilizados em duas situações:
1) em áreas sujeitas a operações de reurbanização
(operações urbanas);
2) em regiões cujo zoneamento tenha sido alterado.
Importante lembrar que a compra do Cepac implica direitos adicionais de construção apenas
nas áreas previamente aprovadas pela Câmara Municipal. A lei que cria o Cepac não altera a legislação
de uso e ocupação do solo. Ou seja, a Prefeitura continua mantendo total controle do urbanismo. A lei do
Cepac avança também, de forma notável, na superação de angustiantes problemas sociais.
nas atividades
indelegáveis,
como segurança
pública,
diplomacia,
defesa nacional
e justiça.
Merece destaque a emissão de Cepac de forma
compensatória, entre outras razões para implementar programas de titulação em áreas invadidas por
favelas. Após autorização legislativa, o proprietário
da área invadida recebe Cepac em troca da transferência da propriedade para o poder público, que
fará o repasse, exclusivamente, aos moradores de
favelas. Em resumo, o Cepac é um instrumento que
viabiliza projetos urbanísticos, capta recursos financeiros sem gerar endividamento e socializa os benefícios provenientes de investimentos públicos em
infraestrutura.
107
Em busca da melhor cidade
Estados grandes
e fortes,
em geral
tornam-se
opressores em
termos fiscais,
endividam-se
em excesso,
extraem
cargas
tributárias
muito além
da capacidade
contributiva do
setor produtivo
privado.
108
Diretrizes para a
administração pública brasileira
A revista The Economist publicou, na edição de 21
de janeiro de 2012, uma matéria especial com o título “The visible hand”, na qual informa que a crise
do capitalismo liberal ocidental coincidiu com a ascensão de uma poderosa forma de capitalismo de
Estado nos mercados emergentes. No caso do Brasil,
a matéria cita que o País vive uma fase de intervencionismo insensato ao obrigar, por exemplo, que a
Petrobrás utilize fornecedores locais, que têm custos
mais elevados, e obriga a Vale do Rio Doce a manter
funcionários que não necessita e ainda afasta seu
presidente, mesmo ele sendo reconhecido como um
executivo bem sucedido à frente da empresa.
A questão colocada pela The Economist deve ser
analisada com ponderação. Não deveria servir de
parâmetro para o governo brasileiro usar como se
fosse uma tendência. Nela, a revista enfatiza a
China, cuja intervenção estatal envolve um elevado
conteúdo ideológico, e alguns casos de países ricos,
cuja atuação do poder público está restrita a alguns
setores considerados estratégicos por eles.
O Brasil não deveria adotar uma postura intervencionista sem limites. O País precisa rever ideias ultrapassadas, que vira e mexe voltam à tona por meio
de políticos e burocratas reféns de velhos dogmas,
como o que prega um Estado grande e forte nos
moldes do século 19 na Europa ou dos anos 40
no Brasil. Hoje, quem tem recursos e competência
para produzir e gerar emprego é o setor privado.
Historicamente o poder público no Brasil demonstrou
inusitado apetite pelo endividamento e por impor
ônus tributário excessivo. O defunto redivivo da
Marcos Cintra
estatização implica risco de tolher o desenvolvimento do País, além de custar
muito caro ao contribuinte.
Revendo velhos dogmas - Nas eleições de 2010, um clichê fora de moda
foi ressuscitado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao declarar que
para gerar desenvolvimento econômico os governos devem ser grandes e fortes.
Para lastrear sua afirmação, citou vários países desenvolvidos que possuem cargas tributárias tão elevadas ou mais que a brasileira. Dilma Rousseff, candidata á
presidência na ocasião, defendeu essa crença ao afirmar que um Estado forte é
necessário para instalar no País um novo “desenvolvimentismo”.
O discurso do Partido dos Trabalhadores em defesa da maior presença do Estado
na economia revela que o partido resolveu resgatar do baú um modelo de gestão
que a história havia sepultado há décadas. A empolgação a favor do intervencionismo estatal exacerbado levou o governo a pensar em recriar empresas como
a Telebrás, para tocar o programa de massificação de banda larga, e em criar novas estatais nos setores de fertilizantes e de energia.
Fui aluno na Universidade de Harvard de um famoso historiador econômico, professor Alexander Gerschenkron. Ele mostrou que países como França e Alemanha
construíram Estados grandes e fortes para complementarem o setor privado no
deslanche do processo de crescimento de suas economias. Tais governos investiram em bancos, indústrias e serviços de transportes e comunicação, tendo como
padrão comparativo a Inglaterra, onde tais investimentos eram privados.
Mas isto foi no século 19. Naquele momento, a presença pública tornou-se necessária para suprir a falta de capitais privados, que eram escassos na Europa
continental. Assim, o papel substitutivo do Estado foi essencial para alavancar
o desenvolvimento naquelas economias. No Brasil ocorreu algo semelhante. O
processo de desenvolvimento econômico com base na intervenção estatal direta
foi utilizado no governo de Getulio Vargas, nos anos 40, época da criação de
empresas como a CSN, a Petrobrás e a Vale do Rio Doce. Naquela época seria
impossível dar impulso à industrialização brasileira sem a ação do Estado.
Esse modelo de desenvolvimento, ocorrido há um século e meio na Europa e há
mais de sessenta anos no Brasil, não pode ser resgatado para a economia brasileira nos dias atuais, pois não condiz com o cenário econômico contemporâneo. No
mundo globalizado, Estado grande e forte, como discursa o PT, enfraquece os
setores privados e gera desconfiança junto aos investidores ao redor do mundo.
109
Em busca da melhor cidade
Quando a economia fica à mercê do poder público, exposta a interesses de natureza predominantemente políticos, recursos estrangeiros que poderiam ser canalizados para alavancar o crescimento econômico se retraem, deixando de gerar
emprego e renda.
Hoje, os conceitos de força e grandeza se aplicam mais adequadamente às empresas particulares do que ao setor público. Tanto no Brasil como em outros países,
há setores privados capitalizados e prontos para investir. Já para o setor público o
conceito chave é o da eficiência e da eficácia, e não o da potência bruta. Hoje, para
alavancar o desenvolvimento compete ao Estado um papel supletivo: o da indução
e da regulação.
Estados grandes e fortes, em geral tornam-se opressores em termos fiscais, endividam-se em excesso, extraem cargas tributárias muito além da capacidade contributiva do setor produtivo privado. Tentam exercer um papel para o qual não
possuem nem recursos e menos ainda habilidades, comparativamente aos capitais
privados.
Ademais, cabe lembrar que as empresas estatais sempre foram disputadas por
políticos brasileiros em busca de fontes de financiamento para suas campanhas
eleitorais, para acomodar familiares e apaniguados e para distribuir favores à custa
da viúva. No passado, setores importantes da atividade produtiva nacional foram
loteados entre velhos caciques da política nacional com resultados desastrosos
para o País.
Ambiguidade do brasileiro: quem administra melhor x privatização - Um
aspecto interessante quanto à capacidade de gerenciamento de uma empresa e a
visão a respeito da privatização foi levantada em uma pesquisa coordenada pela
Fundação Espaço Democrático. Nela apurou-se que os brasileiros têm uma posição
ambígua. Metade dos entrevistados considera que o setor privado é mais eficiente,
mas 53% são contra a privatização.
Pode-se especular em torno dessa posição do brasileiro em função do processo
histórico do País, no qual o Estado sempre se posicionou como o grande condutor.
Desde o período colonial há uma forte presença do poder público na maioria das
questões cotidianas do povo. Porém, a posição atual, de que o setor privado administra melhor uma empresa, pode advir do fato de muitas pessoas entrevistadas reconhecerem que foi graças à recente transferência de empresas do governo para o
setor privado que viemos a ter abundância de bens como o telefone, por exemplo.
110
Marcos Cintra
É importante que esse levantamento sirva para direcionar o PSD para a necessidade de levantar a
bandeira dos benefícios gerados pela privatização,
e para a necessidade de o poder público se ater às
atividades típicas de governo. As privatizações foram
avaliadas em um trabalho coordenado pelo professor
da Fundação Getulio Vargas (FGV), William Eid Junior,
(Análise do desempenho financeiro e operacional
das empresas recentemente privatizadas no Brasil
– 2005) e sua conclusão é que melhoraram a eficiência e a rentabilidade das empresas após a transferência delas para o setor privado, sem que isso tenha
provocado redução do número de empregados. O
estudo mostra também que os acionistas dessas
empresas passaram a receber mais dividendos com
o gerenciamento nas mãos da iniciativa privada.
Estudo da
Fundação
Getúlio Vargas
mostra que as
privatizações
melhoraram a
eficiência e a
rentabilidade
das empresas
após a
transferência
delas para o
setor privado,
Eficiência e eficácia: termos chave - As diretrizes
sem que isso
que norteiam os agentes privados devem também reger as ações do poder público. A produtividade, para
uma empresa, é uma questão de sobrevivência e para
isso ela precisa ter como foco a eficiência e a eficácia. Mesmo considerando que um ente público não irá
sucumbir como uma empresa, se não atender a necessidade de ser eficiente e eficaz, esses elementos
podem e devem guiar as ações de um governante
comprometido com o bem-estar social.
A eficiência para o setor público poderia ser classificada como um termo quantitativo, em que o Estado ofereça o máximo de um serviço por unidade
de recursos humanos e financeiros empregados. Ou
seja, os governos em seus três níveis devem atuar
disponibilizando a maior quantidade possível de serviço por cada real arrecadado e cada servidor à disposição da população.
tenha
provocado
redução do
número de
empregados.
111
Em busca da melhor cidade
Investir na
profissionalização
do servidor
é um aspecto
fundamental
para a eficiência
do poder
público.
Em termos de eficácia, a questão refere-se aos resultados alcançados. Se para uma empresa privada esse
resultado deve ser o lucro máximo, para o governo a
ideia deve ser a qualidade dos serviços prestados.
Ou seja, é preciso oferecer ao contribuinte o máximo
retorno em termos de bem-estar. A sinergia entre as
ações voltadas à eficiência e à eficácia é o elemento
estratégico para os governantes comprometidos com
uma gestão pública nos moldes da boa governança
empresarial.
Profissionalização do funcionalismo - Segundo dados oficiais, em setembro de 2007 o
número de servidores civis da administração direta, autarquias e fundações do poder executivo
federal era de 20.124 servidores. São cargos de
direção cujos ocupantes provêm de indicações
que muitas vezes são negociadas sob a ótica do
interesse meramente político e não visando a boa
governança.
O apadrinhamento político ocorre no Brasil desde
o Império, quando D. João VI, ao se instalar no
País, nomeou nobres com altos salários. Essa é
uma regra a ser quebrada com uma reforma
administrativa e política que vise garantir
eficiência e eficácia no trato da coisa pública. Os
cargos de livre provimento devem se restringir
ao mínimo possível. Deveriam ocorrer apenas
para os primeiros escalões da administração pública, por conta de planos estratégicos definidos pelo
governo eleito.
Investir na profissionalização do servidor é um aspecto fundamental para a eficiência do poder público. Quadros permanentes do funcionalismo vão
proporcionar maior qualificação na implementação
112
de políticas governamentais, e tornariam o Estado menos vulnerável à ação de
políticos que vêm essas indicações uma forma de acomodar apaniguados às custas
do erário.
Foco nas atividades indelegáveis - A ação direta do poder público brasileiro
deve ocorrer primordialmente nas atividades indelegáveis, como segurança pública, diplomacia, defesa nacional e justiça. São típicos bens públicos, que se distinguem dos demais pela indivisibilidade de consumo, isto é, são disponibilizados
para todos os cidadãos, independentemente de manifestação de preferência. A
atuação do Estado também deve ocorrer em bens que, embora passíveis de exploração pela iniciativa privada, permitam externalidades positivas, como é o caso da
educação e a saúde.
Essa é uma área onde o poder público brasileiro carece de atuação eficiente e
eficaz, e na qual é preciso não só mobilizar recursos, mas promover profundas
mudanças administrativas que revertam a lamentável situação da educação fundamental e do ensino de nível médio, e da saúde em geral. No âmbito da provisão
de infraestrutura, as regras devem ser as parcerias e concessões e a utilização dos
Cepacs.
113
Eleuses Paiva
Deputado federal pelo PSD de São Paulo.
Médico, foi presidente da APM (Associação Paulista de Medicina)
e da AMB (Associação Médica Brasileira).
É vice-presidente da Frente Parlamentar da Saúde
no Congresso Nacional.
Coordena o Conselho Temático sobre Saúde
do Espaço Democrático.
114
Eleuses Paiva
Município saudável,
P
a
í
s
saudável
115
Em busca da melhor cidade
116
A
Eleuses Paiva
lguns séculos atrás, não havia participação do Estado nas
questões relacionadas à saúde. Na verdade nem havia um
Estado organizado. Naqueles tempos, do ponto de vista do
tratamento das doenças, o que se utilizava eram basicamente
as ervas, simpatias e restrições alimentares, portanto, praticamente sem custos.
Muito tempo depois, surgiram os hospitais, ainda numa fase
de pouco desenvolvimento da medicina, muito mais como locais de assistência
social e religiosa do que de assistência médica.
Foi a colonização portuguesa que nos trouxe a participação da Igreja Católica no
cuidado da saúde por meio das Santas Casas de Misericórdia, que continuam até
hoje a prestar relevantes serviços à população, notadamente aquela mais pobre.
No Brasil, a participação do Estado na área da saúde se inicia pelas medidas de
controle sobre o meio ambiente, principalmente sobre os portos, que se constituíam um recurso estratégico para a economia. Com o tempo, evolui das ações
de controle da qualidade dos alimentos para as ditas ações de saúde pública, tais
como vacinação e controle das doenças transmissíveis.
Nessa fase, a atuação do governo se dava de modo totalmente centralizado, e a
responsabilidade se restringia ao governo federal, com pouca ou nenhuma participação dos governos estaduais e municipais.
A ausência da ação do Estado nos campos da previdência e assistencial social bem
como da saúde fez com que os trabalhadores urbanos se organizassem, no início
do século XX, para construir uma solução que resultou na criação das Caixas de
Aposentadorias e Pensão por grupos ocupacionais. Essa iniciativa foi de caráter
totalmente privado, sendo que a participação do Estado veio depois com o reconhecimento da sua importância social e principalmente política. Essas Caixas
evoluíram posteriormente para os Institutos de Aposentadorias e Pensão, tais
como o IAPI, dos industriários, o IAPC, dos comerciários, o IAPB dos bancários, etc.
Durante a ditadura militar, esses institutos foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social, o INPS. Em seguida, o INPS foi estruturado em áreas
de atuação, sendo que, para cuidar da assistência à saúde dos segurados, foi
criado o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social).
O INAMPS tinha como missão ofertar assistência médica aos trabalhadores com
carteira assinada e seus dependentes. Funcionava, na verdade, como um segurosaúde. Os trabalhadores contribuíam mensalmente com um valor descontado
117
Em busca da melhor cidade
O SUS foi
concebido
de forma
a depender da
ação conjunta
das três
esferas de
governo. Isto
torna a sua
gestão mais
complexa,
porém mais
efetiva.
118
diretamente na folha salarial. Os demais brasileiros,
ou dispunham de recursos para custear diretamente
a sua assistência ou ficavam na dependência da
caridade das entidades filantrópicas.
Para o cumprimento de sua missão, o INAMPS
priorizava a assistência médica, particularmente
aquela prestada em âmbito hospitalar. Ocorre que
este modelo foi se mostrando insustentável. Por um
lado, em função do crescimento dos custos decorrente da incorporação de novas tecnologias e, por
outro, em função da ausência de políticas de promoção da saúde e prevenção das doenças.
É importante destacar a verdadeira revolução
tecnológica ocorrida a partir da metade do século passado com a incorporação de novos recursos diagnósticos e terapêuticos. Ocorre que, na saúde, a incorporação de novas tecnologias tem um comportamento
diferente de qualquer outra atividade econômica,
resultando em acumulação da tecnologia existente,
em vez de substituição (por exemplo, o ultrassom e
a tomografia não substituíram o raio-X convencional), em aumento dos custos e, principalmente, no
aumento da incorporação de recursos humanos.
Toda essa conjuntura, somada a períodos de baixa
atividade econômica (desemprego e baixa da arrecadação), levou ao agravamento da crise de financiamento da Previdência Social, inclusive para o
INAMPS, com graves consequências para a qualidade
da assistência a saúde prestada aos seus segurados.
Esse processo de grande desenvolvimento do conhecimento e da incorporação de novas tecnologias, que
ampliavam enormemente as possibilidade de
diagnóstico e de tratamentos das doenças, tornou
cada dia mais evidente a injusta exclusão de muitos
brasileiros que não estavam formalmente inseridos
Eleuses Paiva
no mercado de trabalho, e que, portanto, não estavam protegidos pela Previdência Social. Essa situação se dava exatamente no período em que a sociedade
brasileira se organizava em busca da redemocratização do País, quando a questão
da saúde assumiu um papel de destaque.
Como principal marco da redemocratização do Brasil se apresenta a Constituição
Federal de 1988, que trouxe grandes avanços na área de proteção social. Destaca-se a criação do Sistema Único de Saúde, o SUS, estabelecendo, no Artigo 196,
que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação”.
No entanto, a criação do SUS não significou (nem poderia) sua implantação efetiva. Este é um longo processo cujo segundo passo foi a aprovação em 1990 da Lei
Orgânica da Saúde, a Lei 8.080.
Ao longo desses mais de 20 anos, o SUS tem alcançado grandes avanços, mas
ainda persistem grandes desafios.
Muito se avançou quanto ao cumprimento do princípio da universalidade. Esse
avanço decorre fundamentalmente da participação maciça dos Municípios
brasileiros, que assumiram suas responsabilidades, principalmente no que se
refere a Atenção Básica à Saúde, em grande medida por meio do Programa de
Saúde da Família, o PSF.
Mas o SUS foi concebido de forma a depender da ação conjunta das três esferas
de governo. Isto torna a sua gestão mais complexa, porém mais efetiva. Para tornar esse modelo de gestão possível, foram criados espaços de compartilhamento
da gestão por meio de pactuações. Nos Estados são as Comissões Gestoras
Bipartites, as CIBs, compostas por representantes dos Municípios e do Estado
e no âmbito nacional, a Comissão Intergestora Tripartite, a CIT, composta por
representantes do Ministério da Saúde, das Secretaria Estaduais de Saúde e das
Secretarias Municipais de Saúde.
Desse modo, é possível se afirmar que tanto os sucessos quanto os insucessos que acontecem no SUS são de igual responsabilidade da gestão municipal,
estadual e federal. No entanto, frequentemente se vê o Ministério da Saúde tomando decisões para a implantação de medidas, de modo isolado, muitas vezes,
com sérias implicações financeiras para Estados e Municípios.
Ocorre que, independentemente destes problemas circunstanciais, alguns
119
Em busca da melhor cidade
desafios são exclusivos dos Municípios, principalmente daqueles de pequeno
porte (com população inferior a 20 mil habitantes), que são maioria no Brasil.
Dentre estes, se destaca a contratação de profissionais de saúde, em especial os
médicos. Este problema decorre da falta de uma carreira de Estado para os
médicos, resultado da omissão do Ministério da Saúde. Tal carreira, por exemplo, contribuiria para uma melhor distribuição dos médicos hoje concentrados
nas grandes cidades no centro-sul.
Esta situação tem levado os Municípios brasileiros a assumirem compromissos financeiros com a saúde que praticamente os impossibilitam de dar conta de outras
áreas da gestão municipal.
De todo modo, são inegáveis os avanços obtidos pelo sistema de saúde brasileiro.
Recentemente, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo realizou uma pesquisa para avaliar o nível de contentamento entre as pessoas que usam os serviços
municipais de saúde. A pesquisa ouviu 3.500 pessoas em duas etapas (2.000 em
março de 2008, 1.500 em fevereiro de 2009). Nas duas ocasiões, ficou evidente a
percepção de que, embora ainda não seja ótima, a saúde pública apresenta melhoras significativas na cidade de São Paulo.
Em 2008, 51% dos entrevistados consideraram bom ou ótimo o atendimento em
urgência e emergência; em 2009, a aprovação subiu para 61%. A prevalência de
bom e ótimo se repete em outras áreas, como atendimento ambulatorial (50%
em 2008, 55% em 2009), atendimento especializado em cardiologia, ortopedia
e outros (57% e 61%), internação (74% e 78%) e cirurgias (74% e 87%).
Mas também existem bons resultados de abrangência nacional. Recentemente
a imprensa divulgou os novos dados da mortalidade infantil. A taxa teve
redução recorde na última década, e chegou a 15,6 mortes de menores de um
ano de idade por mil nascidos vivos, segundo dados do Censo 2010 divulgados pelo IBGE. O índice é 47,5% menor que os 29,7 por mil registrados no ano
2000. Porém, apesar dos avanços, o Brasil ainda está longe dos padrões dos
países mais desenvolvidos, de cinco mortes por mil nascidos vivos ou menos,
e continua atrás da Argentina (13,4 por mil), Uruguai (13,1por mil ) e Chile (7,2
por mil).
Sem dúvida, muito desses resultados se deve ao SUS, que presta assistência à
saúde para mais de 92% dos brasileiros e ações de prevenção de doenças e promoção da saúde para a totalidade da população. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil, 2006), 61,5% dos brasileiros são usuários
120
Eleuses Paiva
exclusivos do SUS, 28,6% são usuários não exclusivos e apenas 8,7% dos brasileiros não são usuários
do SUS. O Estado de São Paulo apresenta o maior
percentual de cobertura de planos e seguros privados de saúde, com 37,8%.
O SUS apresenta números impressionantes: em
2007, foram 610 milhões de consultas, 2,7 bilhões
de procedimentos ambulatoriais, 10,8 milhões de
internações, 212 milhões de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1
milhões de partos , 150 milhões de doses de vacina,
9,7 milhões de seções de hemodiálise. (Santos NR,
2009).
Mas a saúde também tem importância econômica.
Entre 2000 e 2005, as atividades de saúde foram
diretamente responsáveis, em média, por mais de
4% do total de postos de trabalho no País. Os dois
setores com maior número de ocupações são a saúde
pública, gerando 1,3 milhão de postos de trabalho e
outras atividades vinculadas à saúde, com 1 milhão
de empregos (Santos NR).
Os Municípios
brasileiros
têm assumido
compromissos
financeiros
com a
saúde que
praticamente
os
impossibilitam
de dar conta
de outras
áreas da
gestão pública.
O público e o privado na saúde
Por várias razões, o SUS vem se consolidando como
parte de um sistema segmentado que incorpora
dois outros subsistemas relevantes, o Sistema
de Saúde Suplementar e o de Desembolso Direto
(Brasil, 2006).
O Sistema de Saúde Suplementar é um sistema
privado de assistência à saúde, exercitado por
operadoras privadas, que durante a década de
1990 teve crescimento desordenado e desregulado
(Brasil, 2007).
Entre os fatores que levaram a este crescimento,
121
Em busca da melhor cidade
A assistência
farmacêutica
é um dos
grandes
desafios à
consolidação
do
SUS. No
Brasil,
a compra de
medicamentos
é o item mais
importante
na despesa
das famílias
com saúde.
122
está o subfinanciamento do SUS, e suas consequências sobre a oferta e qualidade dos serviços prestados, além do fato de ter sido esse um período em
que a conjuntura internacional vivia uma onda conservadora de reformas, em vários países, nos planos
econômico, social e político, com reflexos no Brasil.
Esse crescimento desordenado e desregulado do
Sistema de Saúde Suplementar foi estruturado em
linhas gerais a partir de quatro segmentos, quais sejam: Medicina de Grupo; Seguro de Saúde; Cooperativa Médica; e Autogestão. Cada um destes segmentos apesar de possuir características e formas de
organização, inclusive com órgãos de representação
social diferentes, possui basicamente a mesma natureza da atividade desenvolvida (Brasil, 2007).
Esse crescimento desregulado era resultado na falta
de norma legal que ordenasse o setor. O projeto de
lei de planos de saúde há muito era discutido no
Congresso Nacional e, em 1998, mediante acordo
entre as duas casas legislativas e o Executivo, o
texto da Câmara foi aprovado pelo Senado com as
alterações possíveis apenas por emendas supressivas e foi sancionada a Lei 9.656/98. No entanto,
não chegou a vigorar imediatamente, em função
da emissão de uma Medida Provisória alterando a
referida Lei.
Os primeiros passos de grande impacto social
da regulamentação – que se caracterizaram por
avanços e inovações no setor de planos e seguros de
saúde – ocorreram no período de 1998 a 1999.
Em novembro de 1999, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Medida Provisória (MP) nº 1.928, aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei nº 9.961, de
28/01/2000.
Eleuses Paiva
Na última década não houve qualquer avanço que pudesse significar um aperfeiçoamento da Lei 9.656/98, bem como da atuação da ANS, para melhor
atender as necessidades dos usuários. Esta é uma agenda que se impõe no
quadro político atual.
Os desafios da assistência farmacêutica
Há décadas se reconhece internacionalmente o acesso aos medicamentos como
uma condição essencial para o efetivo direito à saúde. No entanto, aproximadamente um terço da população mundial não tem acesso adequado a medicamentos.
Por outro lado, desde as últimas décadas do século passado, muitos cientistas têm
chamado a atenção para o excessivo uso de medicamentos nas sociedades ocidentais, seja pela aquisição direta pela população ou por exagero nas prescrições
médicas com riscos para a saúde individual e da coletividade.
Antes do SUS a assistência farmacêutica para a população em geral não era atribuição do setor público de saúde. Contudo, o Ministério da Saúde se responsabilizava pelo fornecimento de medicamentos para doenças transmissíveis, tais como
a tuberculose, hanseníase, malária, etc
Atualmente, a assistência farmacêutica constitui-se um dos grandes desafios à
consolidação do SUS, uma vez que o acesso a medicamentos de qualidade, no
momento adequado, é condição fundamental para se garantir bons resultados na
assistência prestada. No Brasil, na despesa das famílias com saúde, o item mais
importante é a compra de medicamentos.
Para fazer frente a este desafio, foram realizadas várias pactuações entre as três
esferas de governo para a divisão de responsabilidades.
Ocorre que, muitas vezes, em função da proximidade, a população cobra diretamente da gestão municipal o acesso a medicamentos que seriam de responsabilidade de outra esfera de governo. A questão das sentenças judiciais para o fornecimento de medicamentos torna ainda mais grave a situação.
Embora se reconheçam as dificuldades para a solução deste desafio, entende-se
que a intensificação do uso dos medicamentos genéricos, a avaliação de novos
medicamentos (não concedendo registro àqueles que não apresentam inovação
mas apenas nova roupagem com preços abusivos) e o estabelecimento de protocolos são medidas que podem trazer melhorias quanto ao acesso da população a
medicamentos.
123
Em busca da melhor cidade
Os desafios do financiamento da saúde no Brasil
Os serviços de saúde têm custos elevados e os gastos não param de crescer. No
SUS, a pressão sobre o aumento das despesas se explica pelo caráter universal,
pela incorporação de novas tecnologias e pelo envelhecimento da população.
É inegável o quanto o SUS é um projeto ambicioso, que foi concebido aparentemente sem a correspondente garantia de financiamento.
No entanto, isto não ocorreu por imprevidência, já que desde a proposta apresentada pela Comissão Nacional da Reforma Sanitária, criada em 1986, se pretendia
vincular à saúde recursos equivalentes a 10% do PIB. Em função do insucesso
desta proposta, os constituintes vinculados à reforma sanitária conseguiram
aprovar nas Disposições Transitórias da CF 88 que deveriam ser destinados à
saúde, obrigatoriamente, no mínimo 30% do Orçamento da Seguridade Social
(OSS), excluído o seguro desemprego. Porém, nunca se obteve qualquer forma de
vinculação de recursos para a saúde.
No início, o financiamento do SUS teve como principal fonte os recursos da Previdência Social, através do INAMPS. Ocorre que, em 1993, o MPAS deixou de transferir os recursos do INAMPS, o que significou a perda da principal fonte de financiamento do SUS. Esta situação levou a uma grave crise de financiamento do SUS,
chegando a ameaçar a sua viabilidade.
Diante deste quadro, criaram-se algumas alternativas, sem sucesso, para conceder alguma estabilidade ao financiamento do sistema público, dentre as quais
se destacam a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF),
em 1996, e a Emenda Constitucional nº 29 (EC 29), em 2000. A EC 29 somente foi
regulamentada no final de 2011, sem trazer qualquer centavo a mais para a saúde.
O problema continua.
Os planos e seguros de saúde declararam ter arrecadado, em 2009, cerca de
R$ 64 bilhões para atender, apenas na assistência, a 43 milhões de usuários,
o que significa um valor per capita de R$ 1.488. Adotando o mesmo valor per
capita, chegaríamos a um orçamento total do SUS, para atendimento de toda a
população brasileira, de R$ 284 bilhões. No entanto, o orçamento naquele ano
foi de apenas R$ 62 bilhões.
Diante destes números, é possível dizer que o problema do SUS não é falta de
dinheiro?
Muitos críticos do SUS dizem que o gasto total com saúde no Brasil é alto (8,4%
124
Eleuses Paiva
do PIB em 2007), comparável a países como o Japão
(8,0% do PIB), Austrália (8,9% do PIB), Argentina
(10,0%) e Canadá (10,1%). No entanto, esquecemse de dizer que, no Brasil, o gasto público com saúde
é muito baixo, se comparado com países de sistemas
universais. É de apenas 212 dólares per capita/ano,
valor inferior ao da Argentina (426 dólares), México
(372 dólares) e Costa Rica (305 dólares).
No Brasil, os gastos públicos com saúde correspondem a apenas 45,3% do gasto total, enquanto, por
exemplo, na Espanha correspondem a 71,3 %, na
Itália 75,1%, na França 76,35, na Costa Rica 78,8%.
O que é importante compreender é que quanto
menor o gasto público, maior é o gasto das famílias
e das empresas privadas, e menor é o gasto do
governo.
Uma importante questão para o equacionamento
deste problema é a divisão das responsabilidades
entre as três esferas de governo. Enquanto o
governo federal arrecada 64% do total da receita
pública, é responsável por apenas 49,9% dos gastos com a saúde, enquanto os Estados arrecadam
e gastam exatamente os mesmos 23%, e os Municípios arrecadam apenas 13%, e são responsáveis por 27% dos gastos com o SUS (Sobrinho e
Sousa, 2011).
Esta situação vem se agravando ao longo das últimas décadas. Em 1980, a União era responsável por
75% das despesas públicas com saúde, enquanto
os Estados eram responsáveis por 17,8%, e os Municípios por apenas 7,2%. Em 2008, a União participou com apenas 43,5%, a participação dos Estados
cresceu 10 pontos percentuais (com 27,6%), e a
participação dos Municípios quadruplicou, passando para 29,0%. Esses dados demonstram o quanto
Muitos críticos
do SUS dizem
que o gasto
total com
saúde no
Brasil é alto
(8,4% do PIB
em 2007), mas
esquecem-se
de dizer que o
gasto público
com saúde é
muito baixo,
se comparado
com países de
sistemas
universais
(US$ 212
per capita/ano).
125
Em busca da melhor cidade
É importante
compreender
que quanto
menor o
gasto público,
maior é
o gasto
das famílias e
das
empresas
privadas,
e menor
é o gasto
do governo.
126
o processo de construção do SUS está sobrecarregando os Estados e, principalmente, os Municípios
(Brasil, 2011).
Desse modo, fica evidente que a solução para o
grave problema de financiamento do SUS passa, necessariamente, pela ampliação da participação do
governo federal.
Como pedido de socorro Uma Emenda Popular
A frustrante aprovação da Emenda 29, onde estavam depositadas grandes expectativas de solução
para a falta de dinheiro no SUS, mostrou a todos que
era hora de agir independentemente do governo
federal, que eximiu a União de repassar verbas
para o setor da saúde, deixando para Estados e
Municípios a obrigação de aplicar, respectivamente, 12% e 15% do que arrecadam.
Vendo a saúde pública agonizar, conhecendo a
realidade dela no País e consciente do direito que
lhes reserva a Carta Magna, a população se uniu para
pressionar pela melhoria da saúde no Brasil.
Assim nasceu um projeto de lei de iniciativa popular,
que propõe o investimento, de no mínimo, 10% da
receita corrente bruta da União para a saúde. Vários
segmentos da sociedade estão envolvidos na causa. Mais de 65 entidades, dentre elas OAB, CNBB/
Pastoral da Saúde, AMB, CONASS, CONASEMS, entre
outras, estão envolvidas com este movimento para
mobilizar as pessoas e conseguir coletar ao menos
1,5 milhão de assinaturas, com o objetivo de levar a
proposta ao Congresso Nacional.
O número de assinaturas corresponde a 1% do
eleitorado nacional, distribuídas em pelo menos
Eleuses Paiva
cinco Estados (0,3% dos eleitores de cada um). Desta forma, o projeto será apresentado e seguirá a tramitação normal no Congresso.
Este projeto modifica a Lei Complementar nº 141/12, que regulamentou a Emenda
Constitucional 29, não só em relação ao subfinanciamento do SUS, mas também
apresenta a proposta de aplicação dos recursos em conta vinculada, mantida em
instituição financeira oficial, sob responsabilidade do gestor de saúde.
Assim, somente com mais recursos na saúde o povo brasileiro poderá contar com
um sistema público que atenda as suas necessidades e que possa ser considerado
como um patrimônio.
Referências bibliográficas
1. Censo 2010 - IBGE
2. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Saúde Suplementar. Brasília, DF,
2007a.(Coleção Progestores - Para entender a gestão do SUS, 11).
3. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. O Financiamento da Saúde/Conselho
Nacional de Secretários de Saúde. – Brasília: CONASS, 2011. 124 p. (Coleção Para Entender
a Gestão do SUS 2011,2)
4. Santos NR A Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde: tendências e desafios após
20 anos, in Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.33, numero 81, jan/abr de 2009
5. Sobrinho EJMA, Sousa MF. Este jogo não pode ser 1 x 1: A trajetória da politica de saúde
no Brasil. In Perillo EBF, Amorim MCS, Organizadores. Para entender a saúde no Brasil 4. São
Paulo (SP): LCTE Editora; 2011. P.11-25
127
Alexandre Schneider
Foi o secretário municipal de Educação em São Paulo
que mais tempo permaneceu no cargo (2006-2012).
É mestre em administração pública pela FGV
e foi responsável pela criação e implantação do Infocrim –
o primeiro sistema de georeferenciamento criminal do Brasil.
Coordena o Conselho Temático sobre Educação
do Espaço Democrático.
128
Alexandre Schneider
O salto
E
d
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c
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o
n
a
l
começa perto de casa
129
Em busca da melhor cidade
130
Alexandre Schneider
F
“A palavra ‘progresso’ não terá qualquer sentido
enquanto houver crianças infelizes.” - Albert Einstein
alta pouco - uma frase curta, lacônica e que vem sendo repetida
entre muitos cientistas políticos, sociólogos, economistas e especialistas do mercado financeiro. De estrela do BRICS a sede da
Copa, o Brasil alimenta expectativas, esperanças e figura em diversas projeções econômicas - e estas, bastante otimistas. No pouco
que falta, entretanto, falta educação. Porque ainda não fomos,
governo e sociedade, capazes de garantir que todos os brasileiros
saibam ler e escrever, fazer contas e, sobretudo, entender o significado das letras
e palavras que aprendem e repetem no cotidiano.
Seja nos emergentes asiáticos ou em outros países que se destacam pela excelência de sua educação, como a Finlândia e o Canadá, a característica predominante
é sempre a mesma: sociedade e governo compartilham, defendem e praticam o
mesmo ideal. Governo e sociedade garantem educação de qualidade a cada um de
seus cidadãos desde os primeiros anos de vida.
Naturalmente, no papel e no discurso parece mais simples. Porém, é possível. E tão
possível que está acontecendo em São Paulo. A educação no Município vem sendo
fortemente alavancada desde 2005, obtendo ano a ano grandes e importantes
conquistas.
A primeira: a escola. A gestão iniciada em 2005 e reeleita em 2008 foi responsável
pelo fim das chamadas “escolas de lata”, uma solução emergencial implantada entre 1997 e 2000 como solução temporária e que se manteve por quase dez anos.
Eram estruturas metálicas, quentes no verão, frias no inverno e absolutamente
sensíveis a qualquer barulho externo, fosse de chuva, de passarinho ou, bem mais
comum nos grandes centros, de buzinas de caminhão.
Reestruturamos a rede. Tiramos da escola os programas assistenciais que desviavam diretores e funcionários de suas tarefas educativas: a entrega de leite passou a ser feita pelos Correios e a logística de distribuição de material e uniformes
escolares deixou de ser executada pela rede. Ao mesmo tempo, tratamos de recuperar os nossos equipamentos: foram construídas e entregues mais de 250 novas
escolas e reformadas outras 1.200.
Escolas novas, pensamento novo: modificamos também as salas de aula. Reduzimos
o número de alunos e determinamos uma quantidade máxima para as creches (média de 12 crianças por sala), a educação infantil (30 a 31 alunos por sala) e o ensino
131
Em busca da melhor cidade
A gestão
iniciada em
2005 e
reeleita em
2008 acabou
com as “escolas
de lata”,
uma solução
emergencial
implantada
em
1997
como solução
temporária e
mantida por
quase dez
anos.
Foram
construídas
e entregues
mais de
250
novas escolas
e reformadas
outras
1.200.
132
fundamental, que agora tem no máximo 35 alunos,
mas chegava a ter até 46 alunos.
A Prefeitura de São Paulo se mostrou também pioneira no atendimento às crianças portadoras de deficiência. São Paulo implantou o INCLUI, o maior e mais
completo programa de educação inclusiva do Brasil.
A Rede Municipal atende hoje cerca de 17 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência
intelectual, visual, física, auditiva e múltipla, assim
como alunos com condutas típicas de quadros neurológicos, psiquiátricos e psicológicos, que, no contexto escolar, evidenciam necessidades educacionais
especiais e demandam atendimento especializado.
Foram criados 13 Centros de Formação e Apoio à
Inclusão, que apoiam as escolas na execução dos
programas. Também foram contratados 1.300
estagiários que auxiliam os professores em salas
onde há alunos com deficiência, e ainda outros 500
auxiliares de Vida Escolar, pessoas da comunidade
que são formadas por profissionais da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP) para acompanhar e apoiar os alunos com
deficiências severas, que não tem autonomia para se
alimentar, fazer sua higiene própria ou se locomover.
O Município também garante Transporte Escolar
Adaptado a todos os alunos com deficiência da rede,
e formação especializada para mais de 30 mil professores para atuar com os alunos com deficiência.
E São Paulo sai na frente também em relação às
creches: é o único Município no País a publicar na
Internet a demanda por creches. É também o único
Município que publica a lista dos interessados em vagas, garantindo absoluta transparência para as famílias e os órgãos de controle. Nos últimos oito anos, a
cidade é a que mais aumentou o número de matrícu-
Alexandre Schneider
las em creche no País. Em 2004 eram 60 mil crianças de 0 a 3 anos completos nas
creches do Município. Em dezembro de 2010 este número subiu para 130 mil.
E não é só nas creches que as coisas mudaram. Antes, na Educação Infantil, 91%
dos alunos estudavam em escolas organizadas em três períodos de 4 horas diárias.
Hoje 97% dos alunos estudam em escolas organizadas em dois períodos de 6 ou
8 horas. No Ensino Fundamental, em 2005, a jornada de todos os alunos era de
somente 4 horas diárias. E 80% dos alunos frequentavam escolas organizadas em
três turnos diurnos. Hoje apenas 6% dos alunos frequentam escolas organizadas
em três turnos diurnos. E em 2013 todos os alunos do ensino fundamental estarão em escolas organizadas em 2 turnos diurnos.
Com esta reorganização, os alunos do ensino fundamental tiveram sua jornada
ampliada de 4 para 5 horas diárias e com isso, têm acesso desde o primeiro ano a
novas disciplinas obrigatórias na grade escolar: Leitura, Tecnologia de Informação
e Comunicação, Educação Artística, Educação Física e Inglês.
É importante lembrar que a cidade de São Paulo convivia há 30 anos com escolas
organizadas em três turnos. Além de ampliar a permanência dos alunos do ensino
fundamental de 4 para 5 horas diárias, nossa gestão deu um passo na ampliação
da jornada para 7 horas diárias com a criação do Programa Ampliar, que oferece
mais de 300 mil vagas no contraturno escolar. São 125 mil vagas de recuperação
paralela e cerca de 188 mil em atividades esportivas e culturais, como a criação
de rádios escolares, oficinas de vídeo e de mídias sociais, xadrez, ginástica rítmica,
esportes coletivos, música, bandas e fanfarras, teatro e dança.
Enquanto o Congresso discute a ampliação da carga horária para 960 horas em
200 dias letivos, a rede municipal de São Paulo já faz mais que isso: cerca de
608 mil alunos já estudam em pelo menos 5 horas/dia, totalizando não 960, mas,
1.000 horas nos 200 dias letivos.
É fundamental citar a importância da parceria e apoio dos professores e funcionários da rede. Os profissionais que garantem a educação para as nossas
crianças também tiveram carreira, salário, cursos e materiais garantidos pelo
poder público. Hoje há um mínimo de 30 mil vagas de formação por ano e são
disponibilizadas assinatura de revistas voltadas à educação para todos os profissionais, além do Cartão do Educador, que, numa parceria com a Câmara Brasileira
do Livro, dá desconto em todas as livrarias da cidade.
E porque tivemos uma Prefeitura dedicada à educação, foi também possível
realizar o mais agressivo plano de aumento salarial da história de São Paulo.
133
Em busca da melhor cidade
Foram concedidos aumentos salariais superiores à inflação do período, e o piso
salarial mais do que dobrou. Um professor com 40hs/aula (25 com os alunos e 15
de preparação) recebia R$1.215,00 como salário inicial em 2005. Hoje o piso é
de R$ 2.600,00. Com isso, a cidade de São Paulo passou a ter um dos mais altos
pisos salariais do Brasil, e hoje atrai professores de outras redes públicas e da rede
particular da cidade.
Por tudo isso, São Paulo celebra. E por isso criou o Valeu Professor. Inspirado na
Virada Cultural, o Valeu Professor promove, uma vez por ano e em um fim de semana, eventos espalhados por toda a cidade que são exclusivos para os professores
e funcionários da rede. Eles participam de concursos de contos, de artes plásticas e música. Museus, CEUs, teatros e outros equipamentos públicos e privados
elaboram programações especiais para os professores e nesta semana também
são homenageados professores que se destacam nas suas funções com projetos
inovadores.
A cidade reconhece e valoriza o professor que melhor ensina, o que insiste e o que
garante a cada criança o seu direito de ler e escrever - e isso traz aqui a lembrança
do mais importante programa implantado na gestão.
Lançado em fevereiro de 2006, o Programa Ler e Escrever foi a primeira iniciativa da
Prefeitura de São Paulo com foco na alfabetização dos alunos e englobou dois projetos: o TOF (Toda Força ao Primeiro Ano) e o PIC. O TOF compreende o início da alfabetização dos alunos, no primeiro ano do ensino fundamental, e o PIC trabalha com os
alunos que chegam ao último ano do ciclo com dificuldades de aprendizagem.
As classes de primeiro ano contam com material e formação específicos para os
professores, além de um professor auxiliar, aluno de pedagogia que é acompanhado pela universidade a que pertence e pela Secretaria. Já os alunos do último ano do ciclo que apresentam dificuldades de aprendizagem são organizados
em classes menores e também contam com material específico.
O programa Ler e Escrever foi levado à rede estadual de São Paulo e também
já está presente em outros Municípios brasileiros. Integralmente elaborado pela
Secretaria Municipal de Educação, os materiais do Programa Ler e Escrever
estão sob uma licença autoral Creative Commons, que permite a qualquer
professor, organização ou secretaria a sua utilização gratuita, desde que
citada a fonte.
Em paralelo ao Ler e Escrever, o Município também elaborou as expectativas de aprendizagem para todos os anos e todas as áreas de conhecimento,
134
Alexandre Schneider
num processo que envolveu técnicos da Secretaria
e de universidades, além da participação dos
profissionais da rede. Hoje, São Paulo tem um
currículo. E todos os programas de formação de
professores estão apoiados neste currículo. Desta forma, os professores da rede municipal sabem
o que devem ensinar. E têm formação específica
para isso.
Foram criados também os Cadernos de Apoio e
Aprendizagem - materiais para uso em sala de aula,
para o professor e para o aluno, com atividades e
exercícios. Compreendem as disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática. Com o objetivo de verificar
sua eficácia, foram realizadas pesquisas pela Secretaria, por organizações não governamentais e também por membros da academia. Todos demonstraram
que os professores utilizam o material e reconhecem
a sua importância na organização das aulas.
No mesmo ano, criamos a Prova São Paulo, uma
avaliação municipal de aprendizagem. Foi o primeiro
exame externo do País a avaliar o segundo ano do
Ensino Fundamental com a escala SAEB. Também o
primeiro exame no País a avaliar a área de Ciências
nesta escala. Uma prova que permite avaliar cada
aluno individualmente e assim torna possível acompanhar seu desenvolvimento ano a ano, verificar sua
evolução e também fazer análises comparativas entre as diferentes gerações.
É fundamental ainda lembrar que os resultados da
Prova SP são enviados às escolas em um minucioso
relatório pedagógico que serve de apoio às decisões
relativas aos programas de reforço e recuperação,
e que também são enviados aos pais pelo Correio,
para que possam acompanhar o desempenho de
seus filhos.
São Paulo
passou a ter
um dos mais
altos pisos
salariais do
Brasil
(R$ 2.600)
e hoje atrai
professores de
outras redes
públicas
e da rede
particular
da cidade.
135
Em busca da melhor cidade
As soluções
existem.
Mas não
dependem
somente do
Município.
Precisamos de
uma política
nacional de
educação que
privilegie
Educação
Básica
e o Ensino
Fundamental.
a
136
A cidade conta ainda com um Programa de Recuperação Paralela criado especialmente para os que
apresentam mais dificuldades nos resultados da
Prova São Paulo e com parcerias que permitem
diferentes e também importantes oportunidades
de ensino. Entre estas, cabe mencionar a que se
estabeleceu, em maio de 2009, com o governo do
Estado, tendo como finalidade ampliar o atendimento nos cursos técnicos gratuitos das Escolas
Técnicas Estaduais, as Etecs, geridas pelo Centro
Paula Souza.
Na cidade de São Paulo, foram criadas 600 novas vagas para o ensino técnico, que proporcionaram cerca
de 1.800 matrículas. As aulas acontecem nos CEUs e
são dadas por professores das Etecs. São cursos de
Administração, Secretariado, Contabilidade, Comércio e Logística, com duração de três semestres.
Um importante diferencial desse projeto está na utilização dos horários livres dos Centros de Educação
Unificada (CEUs), tornando possível ampliar vagas
sem a necessidade de construção de novas unidades
escolares.
A verdade é que as soluções e possibilidades
existem. Mas sua viabilidade, no entanto, não
depende somente do Município. Precisamos de uma
política nacional de educação que privilegie a Educação Básica e o Ensino Fundamental. Ainda temos
50% das crianças do terceiro ano do ensino fundamental do País sem entender o que lêem.
Precisamos aprovar o Plano Nacional de Educação
que tramita, flutua, transita e vaga em discussões e
debates estéreis em torno de questionamentos que,
importantes ou não, não podem se sobrepor às necessidades das crianças brasileiras. Estão contidas
no PNE as metas que o Brasil deverá cumprir nos
Alexandre Schneider
próximos dez anos; estão contidas no PNE as estratégias que devem ser implementadas para o cumprimento dessas metas. Convergem, para esse documento,
as esperanças, o presente e o futuro das nossas crianças.
Educação não é apenas ensino. Precisamos que a educação seja, também, cultura.
Entendemos o CEU como um espaço de práticas artísticas, como espaço de apreciação das artes e de cidadania. Entre 2006 e 2010, construímos e entregamos
24 novas unidades e hoje, a cidade conta com 45 CEUs. Grandes nomes da música
e do teatro sobem aos palcos dos CEUs. Grupos e artistas consagrados, ao lado de
artistas locais.
Entendemos a música como instrumento de formação do pensamento. Assim
como o xadrez. Temos bandas e fanfarras espalhadas em toda a cidade. Campeões
mundiais de xadrez prestigiam o nosso campeonato local. Da mesma forma, estimulamos e incentivamos a comunicação. Nossos alunos são apresentadores,
produtores, editores e repórteres de rádios, blogs e programas produzidos na rede
municipal. E o que eles pensam, dizem, reverbera e modifica a escola.
Precisamos, assim, não esquecer que estamos, mulheres e homens públicos, a seu
serviço. A escola tem prioridades que ultrapassam as diferenças, e necessidades
que extrapolam as disputas. O debate que importa é o que modifica. O que fica.
Vale o legado: se promovemos o futuro ou se interrompemos o seu fluxo.
Para a criança não interessa saber quem fez a escola. O que importa é ter certeza
de que ela ensina.
137
Reinhold Stephanes
Deputado federal pelo PSD do Paraná,
já ocupou os cargos de ministro da Previdência,
do Trabalho, da Assistência Social e da Agricultura.
No Paraná, foi secretário de Agricultura,
de Administração e de Planejamento,
além de presidir o Banco do Estado.
Coordena o Conselho Temático sobre Previdência Social
do Espaço Democrático.
138
Reinhold Stephanes
A
g
r
i
c
u
l
t
u
r
a
motor das cidades
139
Em busca da melhor cidade
140
R
Reinhold Stephanes
ecebi da Fundação Espaço Democrático convite para abordar,
nesta obra, o papel do municipalismo no desenvolvimento agrícola do País. A melhor análise que posso oferecer aos leitores
é a que propõe a inversão da lógica do tema, considerando que
a expansão da produção agrícola foi, na maioria dos casos, a
própria razão de existência dos Municípios. Atualmente, são
quatro mil e 950 cidades brasileiras que dependem diretamente do agronegócio e que têm a base econômica na produção agrícola.
São dados que levam a inferir que os governos municipais exercem ou exerceram
papel fundamental para a evolução das propriedades rurais no País. Contudo, na
realidade, a expansão da agricultura tem ocorrido ao longo de décadas independentemente da interferência das administrações locais. Vale ressaltar que são restritivas as atribuições legais e a capacidade orçamentária e financeira do poder municipal, que atua como coadjuvante nesse processo, prestando assistência técnica
mediante convênio ou atuando na conservação de estradas municipais, para citar
dois casos. E assim mesmo, de maneira geral, de forma precária.
O fato de o Município ter limitações para influenciar o desempenho do setor agropecuário não desobriga os prefeitos de colocarem o tema na agenda de prioridades,
inclusive, por exemplo, como um item de discussão na Marcha a Brasília em Defesa
dos Municípios, que acontece todos os anos. O movimento atrai mais de cinco mil participantes, de prefeitos a secretários municipais, mas a maior parte das reivindicações
se concentra em questões fiscais. Ou seja, mesmo que tantas cidades dependam do
agronegócio, os desafios do setor não são assimilados pelos gestores públicos.
Atuar em defesa da agricultura pode ser significativo para o Município. Até porque
quando a agricultura vai bem, também prospera a maioria das atividades das cidades, seja comércio ou prestação de serviços. O resultado é mais renda para a
população e impulso ao crescimento local. Razões suficientes para que os prefeitos incorporem essa ideia.
As atribuições, competências e os recursos financeiros para definir a política agrícola
pertencem, fundamentalmente, à esfera federal. Por essa razão, é recomendável abordar a agricultura como responsabilidade nacional. Responsabilidade esta que deve ser
dividida em parte com os Estados, nas áreas de defesa sanitária animal e vegetal, assistência técnica e pesquisa, sendo que alguns deles já possuem instituições
próprias. Assim, a abordagem sobre o desenvolvimento agrícola deve ser feita sobre
o ponto de vista da gestão estratégica, definindo diretrizes e questões básicas.
141
Em busca da melhor cidade
Diretrizes para um programa
A agricultura
tem ajudado
a puxar a
inflação para
baixo,
embora
o processo
tenda a se
inverter pelo
aquecimento
da demanda
mundial por
alimentos.
142
A agricultura brasileira cresceu muito nos últimos
anos. E o ritmo de crescimento tem sido maior do
que o do próprio País. É a segunda mais eficiente do
mundo, alimenta 190 milhões de brasileiros e exporta excedentes para 180 países, ocupando a segunda
posição no mercado mundial e devendo, nos próximos quinze anos, assumir a primeira posição.
É a atividade que gera todo o superávit anual da
balança comercial brasileira, entre R$ 50 bilhões a
R$ 70 bilhões, exercendo papel fundamental para o
desenvolvimento dos Municípios de base econômica
agrícola. E isso a preços relativamente baixos, em
relação aos demais bens e serviços, já que nos últimos 20 anos observa-se um crescimento de preços
dos produtos agrícolas bem abaixo de itens como
educação, saúde, transporte e outros serviços. A
conclusão é que a agricultura tem ajudado a puxar
a inflação para baixo, embora o processo tenda a se
inverter pelo aquecimento da demanda mundial por
alimentos.
Em cinqüenta anos, o mundo vai necessitar do dobro da produção de alimentos, e o Brasil é o melhor
posicionado entre os poucos países em condições de
dar essa resposta. Segundo a FAO, espera-se que o
Brasil dobre a produção em vinte anos, porque o País
tem tecnologia, terras disponíveis, clima, água, organização de produção e agricultores eficientes.
Há quatro possibilidades de crescimento:
- Por aumento da produtividade;
- Por recuperação e incorporação de 50 milhões de
hectares de áreas degradadas;
- Pelo aumento da utilização de irrigação no CentroOeste; e
Reinhold Stephanes
- Pela incorporação de áreas de cerrado no sul do Piauí e do Maranhão, além de
áreas no Estado do Tocantins.
Esta é a visão de futuro com que devemos estruturar o setor. São informações
que mostram a necessidade de tratar a agricultura como estratégica para o desenvolvimento.
Questões básicas
- O modelo de financiamento, seguro e preço, além de levar ao endividamento, não
atende às necessidades de custo, de produção e de renda do produtor.
- Grande deficiência de infraestrutura e de logística.
- Necessidade de regulação nas questões ambientais, nas terras indígenas, nos
quilombolas, nas terras estrangeiras, além de rever o Plano Nacional de Direitos
Humanos, que explicita preconceito contra a agricultura comercial.
- Alta dependência do Brasil na importação de fertilizantes
O balanço de produção e de consumo nacional de fertilizantes mostra um aumento
da dependência externa, com importação de 65% do fósforo necessário e 90% do
potássio utilizado. A participação nos custos de produção das principais lavouras
no País varia de 10% a 30% do total, de acordo com o produto e a região.
A importação de fertilizantes depende de poucos países e de empresas que dominam o mercado no mundo e no Brasil. Esse cenário permite oligopólio ou mesmo
cartelização do setor. No caso brasileiro, os preços dos insumos cresceram fortemente nos últimos dez anos, tendo dobrado em relação aos preços equivalentes
dos produtos que os utilizam.
- Sistema de Defesa Animal e Vegetal
Manter o bom nível do sistema de vigilância sanitária brasileiro depende de
fortalecer os sistemas de inspeção e de controle, além do permanente combate
às pragas e doenças. Essas ações vão diminuir custos de produção, reduzir
riscos para a expansão do mercado externo e para a saúde humana. Para isso,
o setor precisa de muitos investimentos adicionais e modernização da legislação, já que o código sanitário tem mais de meio século. Apesar de ter sido
realizado recente esforço no sentido de produzir novo código, envolvendo
143
Em busca da melhor cidade
especialistas e incorporando regras e exigências mais importantes estabelecidas pelo mercado externo, o assunto está congelado.
- Mercado
A agricultura é o setor que apresenta o maior nível de imperfeição de mercados.
Em praticamente todos os produtos temos centenas de milhares de produtores e
um número pequeno de empresas que viabilizam a comercialização.
De um lado, o produtor sofre a pressão exercida pelos grandes fornecedores de
insumos e equipamentos; por outro, é pressionado pelos compradores, incluindo
as agroindústrias. E os instrumentos públicos de comercialização não têm
demonstrado a eficiência necessária.
- Participação nas decisões
A agricultura não tem conseguido visibilidade e participação no processo decisório, predominando em consequência o aspecto urbano nas decisões de política
econômica. Por exemplo, no debate sobre os produtos agrícolas é comum
prevalecer a questão dos preços para o consumidor e submergir a questão
da renda do produtor. A preocupação maior sempre está na cidade, na mesa
do consumidor, ou melhor, em seu bolso.
Nesta mesma linha, várias questões que afetam diretamente a agricultura têm
sido decididas por instituições outras que assumem o monopólio do conhecimento.
Vale salientar que o Ministério da Agricultura e as instituições estaduais ligadas
à agropecuária são organizações bem preparadas, com capacidade e inteligência
suficientes para responder às necessidades técnicas e científicas do processo de
governança.
Quando se fala do processo decisório, também, estão incluídos temas como meio
ambiente, gases de efeito estufa, minerais estratégicos para agricultura, e transportes, portos e vias navegáveis.
PONTOS ESTRUTURANTES
Pesquisa e inovação tecnológica
A pesquisa e o bom uso da tecnologia se refletem no aumento da produtividade
e fazem com que a agricultura brasileira seja líder mundial em crescimento da
sua eficiência. A agricultura vem crescendo em média 4,5%, ao ano, sendo que
144
Reinhold Stephanes
75% desse crescimento se dão por aumento de
produtividade, na qual a tecnologia se destaca.
Para o futuro, com certeza, uma nova revolução
tecnológica vai acontecer na agricultura brasileira.
E esse será um mérito da Embrapa, das instituições
estaduais de pesquisa, das cooperativas e das
universidades, que precisam ser vistas como uma
rede que trabalha em sintonia.
As propostas básicas são:
- Aumentar os investimentos nessa rede;
- Reestruturar a assistência técnica no País.
Defesa sanitária
A defesa sanitária é fundamental para melhorar a
qualidade de nossos produtos, diminuir o custo de
produção e fortalecer nossa posição como exportadores. Neste item, há quatro questões:
1. Melhoria de gestão;
2. Modernização da legislação;
3. Maior integração entre Estados e Municípios; e
4. Maior disponibilidade de recursos.
A agricultura
é o setor que
apresenta o
maior nível de
imperfeição de
mercados.
Em
praticamente
todos os
produtos
temos milhares
de produtores
e poucas
empresas que
viabilizam a
comercialização.
Política agrícola
A política agrícola se baseia no tripé financiamento, seguro e comercialização. Existe consenso
sobre a necessidade de aperfeiçoamento desses
instrumentos, bem como no uso mais eficiente.
Além da alocação de recursos adequados, isso
também inclui:
1. Reestudo da política de financiamento agrícola;
2. Revisão do conceito de preços mínimos;
3. Política de seguro contra a variação de preço;
4. Ampliação do seguro (falta implantação do fundo
de catástrofe); e
5. Fortalecimento do sistema cooperativista.
145
Em busca da melhor cidade
Num
contexto
em que as
lavouras de
grãos
vêm sendo
apresentadas
como uma face
competitiva e
consolidada
da nossa
agricultura,
o fertilizante
emerge como
indicador
preocupante.
146
Infraestrutura e logística
Uma das questões mais difíceis a serem enfrentadas e que geram um grande impacto nos preços dos
produtos agrícolas é a infraestrutura, a logística, com
reflexo direto na renda do produtor e na competitividade. Atualmente, a competitividade permanece
em função da demanda mundial que está aquecida,
mantendo também os preços. Ao contrário, estaríamos em sérias dificuldades.
Os problemas se iniciam nas propriedades com baixa
capacidade de armazenagem, se agravam pelas estradas municipais sem manutenção e a inadequação
de estradas estaduais, se estendendo até as deficiências portuárias. Com isso, o custo brasileiro entre
a produção e a chegada ao mercado do consumo (ou
seja, a logística do transporte) é o dobro do praticado
nos Estados Unidos e 20% superior ao da Argentina.
Algumas regiões apresentam uma posição crítica.
O incremento da produção agrícola, com a expansão
das áreas de cultivo em Mato Grosso, Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins, não encontra ressonância
na infraestrutura de transportes existente nessas
regiões, acarretando o aumento do preço dos produtos agrícolas, em relação aos mercados consumidores.
A tendência natural seria a saída por outros portos
do Norte e do Nordeste, que estão geograficamente
em posição privilegiada, pela menor distância dos
grandes consumidores asiáticos e europeus. Esta
também é uma alternativa que aliviaria a pressão sobre os portos de Santos e Paranaguá.
Proposta: adoção de um plano de escoamento
de safras. Algumas obras que atendem parte das
Reinhold Stephanes
necessidades do setor estão em execução ou foram projetadas no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), porém há estudos precisos que apontam a viabilidade de um plano de ações em médio e longo prazos, levando em consideração a
atual e a futura projeção da produção.
Fertilizantes
Atualmente, somos o segundo maior exportador de alimentos. Nos próximos
quinze anos devemos assumir a liderança mundial, com domínio de um terço das
exportações agrícolas. Essa produção adicional de alimentos é altamente dependente, entre outros fatores, do uso de fertilizantes (Nitrogênio, Fósforo e Potássio), cujo volume consumido no País, anualmente, é 25 milhões de toneladas.
Num contexto em que as lavouras de grãos vêm sendo apresentadas como uma
face competitiva e consolidada da nossa agricultura, o fertilizante emerge como
indicador preocupante. Nessa reflexão, chamo a atenção para a falta de um plano
nacional de fertilizantes, com objetivo de conter ou minimizar a dependência que
se transformou num grande gargalo para a renda do produtor e para a competitividade brasileira na agricultura. Nesse plano, devem ser destacados:
1. A exploração mineral. Na área, se mantém uma legislação arcaica de mineração
de toda natureza, da mesma forma que a dos fertilizantes. Esta situação gerou um
processo cartorial baseado no interesse privado de grandes corporações; e
2. O potencial excepcional do Brasil para explorar jazidas tanto de fósforo quanto
de potássio. Embora muitas das ocorrências dessas jazidas necessitem de maior
conhecimento, o problema está na falta de pesquisa e de dimensionamento, que
devem considerar a rentabilidade de cada exploração. Mas, de forma geral, há consenso de que o Brasil tem potencial para se tornar autossuficiente num prazo de
dez anos.
Especificamente, há três caminhos a seguir:
- na área de nitrogenados, a solução é, aparentemente, mais fácil. Para isso, basta
que essa área seja considerada, de forma mais efetiva, no contexto de matriz
energética coordenada pela Petrobrás;
- a elaboração de uma política nacional para produção de fertilizantes, consistente
em termos de pesquisa e exploração de fósforo e potássio; e
- a criação de marco regulatório próprio para exploração de jazidas destinadas aos
147
Em busca da melhor cidade
fertilizantes. Se continuarem juntos com os demais minerais, mesmo que em um
novo código, nada mudará. Aqui, quando se trata de um novo código, tão amplo
e complexo, podemos considerar que sua aprovação levará de cinco a dez anos,
ao passo que um marco regulatório específico para a exploração dos fertilizantes
poderia ser articulado de forma bem mais rápida.
Outro aspecto fica vinculado ao governo federal, tendo a responsabilidade para
compreender que há reação de parcela importante dos técnicos do Ministério de
Minas e Energia ligados ao poder de comando e controle, ou das mineradoras que
atuam, cartorialmente, no setor e que efetuam a exploração mineral e sua comercialização. Esses lobbies, evidentemente, rejeitam qualquer mudança dentro
do setor que não seja superficial. Esta, se ocorrer, não atenderá os interesses de
nossa agricultura. Além disso, a aprovação poderá levar anos.
Lembro ainda que, tanto no potássio quanto no fósforo, já existem jazidas para a
rápida exploração. Temos, também, a questão de jazidas com exploração paralisadas por razões ambientais mal definidas. Há, ainda, casos de certas jazidas bloqueadas sem que mesmo autoridades governamentais compreendam as razões
do bloqueio.
Também há outro grupo de jazidas sem estudos que mostrem sua viabilidade econômico-financeira. Nesse sentido, pode-se assegurar: é necessário
analisar caso a caso. Por fim, devemos considerar os fertilizantes a serem
produzidos utilizando resíduos provenientes de regiões de grande produção
de aves e suínos.
Propostas:
1. Definir uma política nacional de autossuficiência em fertilizantes;
2. Estabelecer um marco regulatório específico para a exploração de jazidas de
fósforo e potássio;
3. Mapear as jazidas conhecidas em condições de exploração imediata;
4. Da mesma forma, mapear as que necessitam de maior conhecimento, pesquisa,
dimensionamento e estudo de viabilidade econômica e financeira;
5. Definir, caso a caso, as decisões políticas e administrativas que deverão ser
tomadas; e
6. Estabelecer regras e decisões específicas para a exploração das jazidas de potássio situadas no Estado do Amazonas (consideradas pela maioria das empresas
exploradoras como a terceira maior província no mundo).
148
Reinhold Stephanes
Meio ambiente
Reclamo, há algum tempo, que faltou ciência e racionalidade ao debate sobre as questões ambientais. Porém, não me iludo de que os argumentos
racionais e lógicos sempre prevalecem na defesa
de um ideal. O meio ambiente é uma dessas causas capazes de mobilizar seguidores que, de tão
bem-intencionados, repudiam qualquer tipo de
mudança, mesmo em áreas que sequer conhecem
na realidade. E aqueles que tentam apontar alternativas são vistos como “inimigos” da natureza, o
que deixa em segundo plano os reais motivos para
a normatização necessária.
Essa omissão ficou clara em um dos seminários da
Frente Parlamentar Ambientalista, da qual faço
parte na Câmara dos Deputados, com especialistas
da Sociedade Brasileira para Proteção da Ciência
(SBPC) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq), vinculada à USP. Sob a aprovação
do público, predominantemente ambientalista,
técnicos apresentaram três teses, com as quais há
consenso:
- as versões do Código Florestal de 1934 e 1965
foram elaboradas com base na ciência;
- a agricultura deve crescer por produtividade e não
por avanço em novas áreas; e
- antes de desmatar, devemos recuperar áreas degradadas.
Portanto, o seminário nenhuma novidade trouxe
ao debate, pois essas três teses já eram absolutamente defendidas há anos pelo Ministério da
Agricultura e a agricultura nacional já as pratica.
Apresentá-las, no evento, demonstrou que os participantes nada mais fizeram do que se apropriarem
do que já era conhecido pelos que atuam no setor.
O meio
ambiente
é uma dessas
causas capazes
de mobilizar
seguidores
que, de tão bemintencionados,
repudiam
qualquer tipo
de mudança,
mesmo em áreas
que sequer
conhecem na
realidade.
149
Em busca da melhor cidade
A produção
nacional vem
crescendo
3%
ao ano, por
aumento de
produtividade
e sem
expansão da
área de
plantio.
Além
disso, nos
últimos dez
anos, somos
o
País que
mais cresce em
eficiência.
150
Não houve contribuição para aperfeiçoar o debate.
No final, esses três pontos foram apresentados para
apoiar teses políticas e ideológicas contra qualquer
mudança.
Por outro lado, a discussão foi oportuna, já que
votamos o projeto que alterou o atual Código. E isso
aconteceu para simplificar uma legislação com mais
de 16 mil itens e que deixou de ser aquela definida
pelos agrônomos e especialistas em 1965. Na verdade, 80% da legislação sofreram mudanças profundas de conceito, instituídas, principalmente, por
Medida Provisória, em 2001, sem a participação dos
cientistas, agricultores e Ministério da Agricultura.
É bom lembrar que a agricultura brasileira mudou
muito nos últimos anos. Desde os códigos de 1934 e
1965, houve transformações expressivas na ciência
agrícola, entre elas a descoberta da fixação biológica de nitrogênio, que retira este elemento químico
da atmosfera, convertendo-o em compostos importantes para a nutrição de plantas e, ainda, reduzindo
o custo de produção. Essa tecnologia permitiu alimentos mais baratos e saudáveis e valeu a indicação
aos prêmios Nobel da Paz e de Química, em 1997, da
pesquisadora Johanna Döbereiner, que aperfeiçoou o
processo e integrou os quadros da Embrapa.
Outra prática importante e sustentável chegou ao
Brasil nos anos 1970: o plantio direto na palha, considerado um sistema conservacionista, eficiente no
controle da erosão, que reduz custos e aumenta a
produtividade. Esse sistema vem sendo difundido há
mais de trinta anos e se alia a tantas outras técnicas
agrícolas modernas impulsionadas por órgãos ligados à ciência agrícola, como a Embrapa, as 17 unidades estaduais de pesquisa agropecuária e outras
instituições do gênero.
Reinhold Stephanes
Uma prova incontestável do avanço da ciência agrícola está nos números, sendo
assunto consagrado e de absoluto conhecimento de líderes e dirigentes agrícolas:
a produção nacional vem crescendo 3% ao ano, por aumento de produtividade
e sem expansão da área de plantio. Além disso, nos últimos dez anos, somos o
País que mais cresce em eficiência, embora ainda não sejamos os mais eficientes.
Outro ponto: a recuperação de áreas degradadas já é realidade no campo e há anos
faz parte do trabalho da Embrapa, sendo inclusive orientação de governo, com
oferta de financiamentos aos produtores.
O conjunto de normas em vigor desde 2001, se aplicado, inviabilizaria grande parte da agricultura. Mais de três milhões de pequenos e médios produtores estariam
criminalizados e um milhão de pequenos produtores perderiam a capacidade de
produzir. Ou seja, suas propriedades teriam de ser anexadas a propriedades maiores para atender às normas ambientais.
E teríamos sérios problemas em encostas e topos de morro. Nesses casos se incluem culturas praticadas há mais de cinquenta anos, como as plantações de maçã,
em São Joaquim (SC); cafezais, em Minas Gerais e no Espírito Santo; vinhedos nas
serras gaúchas; e arrozais em várzeas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O debate sobre a mudança ambiental tem que caminhar na direção de encontrar
amparo legal para mantermos, de forma sustentável, a produção de alimentos
que abastece o País e exporta para mais de 180 mercados em todo mundo. Não
podemos ser omissos em deixar prevalecer posições ideológicas e doutrinárias,
afetadas pelo preconceito contra o campo por parte daqueles que nem sequer
conhecem o meio ambiente que pretendem defender. Estou certo de que há ciência disponível para equilibrar o desejo de ambos os lados.
A aprovação do Código Florestal não põe fim às preocupações do setor produtivo
em relação à legislação ambiental. Há outras etapas a seguir, como a necessidade
de refazer o texto da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que estabelece
sanções penais e administrativas para crimes contra o meio ambiente. E, também,
a reformulação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
A Lei 9.605/98 levou à aplicação generalizada de multas rigorosas a produtores
rurais, devido, muitas vezes, a ações de insignificante potencial lesivo ao meio ambiente. Por exemplo, um agricultor com uma colmeia localizada em local inadequado
pode receber multa com valor superior a toda a produção de mel. Ou então, o produtor rural pode ter o gado confiscado, caso os animais rompam uma cerca e sejam
pegos bebendo água num rio. São exemplos extremos de uma legislação malfeita.
151
Em busca da melhor cidade
O Conama, por sua vez, como está constituído, vive sob a influência de ONGs internacionais e se tornou um conselho doutrinário e ideológico dominado por ambientalistas – muitos deles distantes da realidade e da sensatez. É bom lembrar que o
órgão tem o poder de baixar resoluções e, mesmo que estas estejam alinhadas ao
novo Código, o Conselho pode interpretar algumas questões de forma diferente do
que vem sendo discutido, saindo da linha que busca o equilíbrio entre a produção
de alimentos e a preservação ambiental.
Assim, há que reformulá-lo para que tenha integrantes efetivamente preparados
técnica e cientificamente. De qualquer forma, há consenso de que não devemos
realizar novos desmatamentos, a não ser em casos específicos em pequenas áreas
do cerrado citadas anteriormente. A discussão maior se mantém no aproveitamento de áreas consolidadas e já liberadas para o plantio.
Propostas:
1. Estimular a recuperação de áreas degradadas; e
2. Criar condições para implantação de projetos agrícolas de sustentabilidade para
reduzir a emissão de gases de efeito estufa apresentados pelo Brasil na COP-15:
- por meio da melhoria tecnológica e do manejo;
- por meio da recuperação de áreas degradadas;
- por meio da intensificação da produção bovina e, consequentemente, a liberação das áreas de pastagem;
- com a expansão futura em área de Cerrado; e
maior uso da irrigação, com aproveitamento da água das chuvas.
Produtos sensíveis
São necessárias políticas específicas para produtos sensíveis, como etanol, leite,
trigo, arroz e feijão, pelas seguintes razões:
Etanol – A falta de etanol e a competição com a gasolina poderão levar à retração
da indústria flex e à descrença no próprio programa de energia limpa. Há pelo
menos cinco anos, o mercado previa que o sucesso de venda desses veículos iria,
no mínimo, dobrar a procura pelo combustível. Embora o mercado automobilístico
esteja fazendo sua parte, a produção de etanol ainda é insuficiente. E o preço do
combustível tem ficado perto do limite de 70% do preço da gasolina, levando o
consumidor a deixar de optar pelo etanol.
152
Reinhold Stephanes
A possibilidade de aumentar a produtividade existe,
com a renovação dos canaviais, a introdução de
variedades de cana de açúcar e, no futuro, com a
incorporação de tecnologia de segunda geração,
assim como a produção de matérias primas que
aumentem o ciclo de moagem das indústrias. Entretanto, nas condições atuais, mesmo aumentando a produtividade, a oferta de etanol continuará
pequena porque o Brasil não se preparou como deveria. Isso inclui definição de regras em relação a
questões como preço, tributo e estocagem.
É claro que ocorrências climáticas podem interferir
no plantio e na colheita, reduzindo a produtividade,
porém, o planejamento ajudaria a lidar com questões
sazonais. É importante saber se o governo considera
o etanol uma questão estratégica dentro da matriz
energética. Lamentavelmente, os movimentos não
sinalizam nessa direção. O primeiro exemplo foi a
retirada das atribuições do Ministério da Agricultura para a ANP (Agência Nacional do Petróleo); até
mesmo porque os dois últimos ministros deixaram o
assunto fora da agenda.
O segundo sinal está na medida provisória que
introduz a taxação do etanol na Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).
Por último, fica a ideia de que a questão é tratada
no governo pelo viés regulatório, quando na verdade se trata de produção. A demanda por etanol
no Brasil é grande e há investidores interessados
em atendê-la. Nos próximos oito anos, será necessária a construção de 120 novas usinas, que
irão consumir mais de R$ 100 bilhões.
Contudo, a decisão de implantar uma nova usina e
a adoção de novas tecnologias, principalmente as
de segunda geração, não apresentarão resultados
A falta de
etanol e a
competição
com a gasolina
poderão levar
à retração da
indústria flex
e à descrença
no próprio
programa de
energia limpa,
mas o governo
não parece
considerar o
etanol como
uma questão
estratégica
dentro da
matriz
energética.
153
Em busca da melhor cidade
A
produtividade
do trigo
passou de mil
para três mil
quilos por
hectare em
20 anos. Deve
ficar claro
que, embora os
preços do trigo
importado
sejam mais
baixos,
a defasagem
será
compensada
por outras
vantagens
da produção
interna
154
imediatos no mercado. Existem organizações nacionais e internacionais em condições de dar essa resposta, mas aguardam regras claras, vinculadas principalmente ao preço, já que a Petrobrás controla o valor
da gasolina, que serve de referência, e a tributação,
como forma de regular o mercado e a concorrência.
Recordamos que, há pouco tempo, o Brasil se comprometeu internacionalmente a produzir energia
limpa e assumiu a liderança dessa iniciativa, com o
etanol e o biodiesel. Da mesma forma que avalizou
a tecnologia flex. As questões de produção podem e
devem ser superadas desde se estabeleçam regras
mais claras e o incentivo necessário. Ao contrário, as
dificuldades se acentuarão.
Trigo – Além de importante como rotação de cultura,
o plantio do trigo contribui para a sustentabilidade
da atividade agrícola por proteger o solo no período
de inverno. É uma atividade importante para o meio
ambiente e sob o ponto de vista social e econômico,
pelos empregos que gera – 180 mil no período de
produção – e por permitir renda complementar ao
produtor.
Discute-se sobre a produtividade do trigo e a capacidade de competir com os preços do trigo importado.
Aqui é importante salientar que o setor vem avançando muito, em termos de produtividade, ao passar de mil quilos para três mil quilos por hectare, em
20 anos. A produção de trigo ainda tem espaço para
aumentar sua produtividade e diminuir os custos de
produção, porém, isso levará algum tempo.
Deve ficar claro que, embora os preços do trigo
importado sejam mais baixos do que os produzidos internamente, a defasagem será compensada
por outras vantagens em produzir o trigo no País.
Reinhold Stephanes
Devemos considerar, também, que os estoques mundiais de trigo estão muito
baixos, e eventuais quedas de safra em grandes países produtores podem elevar
em muito o preço do produto importado. Por isso, devemos adotar uma visão de
médio e longo prazo.
Recomenda-se definir uma política agrícola, da qual façam parte:
- preço mínimo adequado,
- financiamento à produção,
- seguro agrícola,
- recursos para a comercialização e, finalmente,
- planejamento da importação do cereal para não coincidir com o período da safra
nacional.
Os produtores nacionais já demonstraram, no passado, capacidade de resposta rápida aos estímulos.
Leite - É uma atividade praticada por quase um milhão de propriedades, normalmente médias e pequenas, e que sofre uma concorrência estimulada, tanto de
produtos provindos de países do Mercosul, como Argentina e Uruguai, e países terceiros. Na Câmara dos Deputados, foi instalada a Subcomissão Especial do Leite,
no âmbito da Comissão de Agricultura, estudando diretrizes para o setor. O grupo,
do qual participo, deve consolidar uma proposta em breve e apresentá-la para
apreciação da sociedade e do governo.
Arroz e feijão – Dois produtos que não são commodities e estão na dieta básica dos
brasileiros, necessitando de atenção especial. No caso do feijão, embora o Brasil
produza quatro safras por ano, por não ser estocável tem uma grande variação de
preço, levando à volatilidade do mercado.
Os temas citados anteriormente são objeto de estudos detalhados por técnicos,
especialistas e respectivos setores da academia. Aqui, procurei apresentar uma
síntese dessas inteligências que atuam em questões agrícolas, no Ministério
da Fazenda, no Ministério da Agricultura, no Banco do Brasil, na Embrapa, nas
cooperativas – por meio das representações – e na Confederação Nacional da
Agricultura, entre outras instituições. Ao reuni-los, meu objetivo foi contribuir
para a construção de uma agenda para a agricultura que aponte os caminhos para
desenvolver os Municípios e, assim, o próprio País.
155
Ricardo Patah
Presidente da União Geral dos Trabalhadores
e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo.
Graduado em Administração pela
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo
e em Direito pela Universidade São Judas Tadeu,
em 2007 fundou a UGT e foi eleito o primeiro presidente da entidade.
Coordena o Conselho Temático sobre Emprego e Trabalho
do Espaço Democrático.
156
Ricardo Patah
Senhor Prefeito,
quero
t
r
a
b
a
l
h
a
r
157
Em busca da melhor cidade
158
O
Ricardo Patah
título deste capítulo parece uma palavra de ordem escrita por
um líder sindical. E é! Afinal, a missão de um líder sindical é a
de garantir direitos e lutar por melhores condições de trabalho
para todos. Todo trabalhador e trabalhadora quer viver em um
País melhor. Um País com mais empregos, melhores salários,
mais saúde, mais habitação, mais transportes, educação para
todos. Um País mais desenvolvido e mais justo.
Para quem trabalha e estuda a vida acontece no Município, e a autoridade mais
próxima do munícipe é o poder municipal, a Prefeitura. O trabalhador nasce, cresce
e trabalha no Município, em algum Município. É onde vive e se relaciona socialmente. Portanto, é do Município que parte sua prosperidade e a garantia de seus
sonhos. Mas, como pode o Município garantir emprego?
Hoje, em qualquer análise do mercado de trabalho do Brasil, lê-se que faltam trabalhadores qualificados e que batemos o recorde de autorização de trabalho para
estrangeiros. A falta de qualificação do trabalhador brasileiro impede que haja
uma melhoria em sua vida profissional, e que ele concorra a cargos que exigem
maior conhecimento. Estes trabalhos de maior valor já são uma realidade e muitos
ainda estão por vir.
A área de serviços, a que mais emprega atualmente no Brasil, exibe um índice
muito baixo de produtividade. Isto deve ser corrigido. A chave para este salto de
produtividade vai exigir um trabalhador com maior bagagem educacional voltada
para o trabalho. Mas, como o Município pode ajudar nisto? Iniciamos nossos estudos sob a responsabilidade do Município. Não é à toa que a parte educacional que
cabe ao Município se chama Ensino Fundamental. Mas não é só isto que o Município pode fazer. Nada impede que seja implantado um ensino técnico e também
projetos de qualificação profissional.
É claro que não adianta preparar trabalhadores para um trabalho que não existe.
Ainda assim é muito melhor uma pessoa preparada, que terá liberdade para trabalhar
onde aparecer uma oportunidade, em qualquer Município do País. Ou melhor, preparar
o trabalhador e a trabalhadora para o mundo do trabalho. Afinal, se aceitamos que
o mundo está globalizado, não podemos ter trabalhador apenas com vocação local.
A educação profissional de nível técnico está crescendo, mas nem de longe acompanha
as necessidades atuais. Iniciativas como a Rede Certific e Pronatec estão em seu nível
inicial para atendimento de uma necessidade real e impositiva. Isto significa que é
preciso que o Município tome uma posição e seja protagonista nesta ação necessária.
159
Em busca da melhor cidade
Defendemos o
conceito de
empregabilidade,
ou seja, que
a inserção no
mercado de
trabalho não
signifique
“estar
empregado”
e sim
em condições
de concorrer
a uma vaga.
160
A todo o momento, e de alguma maneira, somos
agentes de mudança. Votamos nas eleições, apoiamos atitudes e decisões dos governantes, produzimos riqueza e progresso. De alguma forma, e a todo
o momento, nós, homens e mulheres, mostramos
nossa importância para a sociedade e provocamos
mudanças.
Nunca podemos abandonar a capacidade de mudar
e, principalmente, de mudar a nós mesmos. Porém,
como para tudo na vida, temos que nos preparar.
Com este intuito e motivação é que falamos em
qualificação profissional. Que seja um processo de
mudança e não somente um aprendizado industrial,
mas, sim, um aprendizado cidadão. O que defendemos aqui é o conceito de empregabilidade, ou seja,
que a inserção no mercado de trabalho não significa
“estar empregado” e sim em condições de concorrer
a uma vaga, estar em condições de competição.
Hoje, boa parte das vagas oferecidas no mercado por
meio do Sistema Nacional de Emprego – SINE – não
são preenchidas por falta de habilitação dos candidatos. O trabalhador ou trabalhadora, com melhor
qualificação, adquire a condição de empregabilidade,
ou seja, torna-se apto a concorrer a uma vaga disponível no mercado de trabalho, pois vai conseguir
identificar que a habilidade ou habilidades que domina estão de acordo com o que o mercado está requerendo.
A globalização é identificada como algo que
afeta nossas vidas para o bem e para o mal. Trabalhamos com a certeza de que o mundo mudou,
com todos nós dentro, e que oportunidades e
ameaças acontecem a todo o tempo. Acabou o
emprego de nossos avós e até de nossos pais
que passavam a vida numa empresa só e saíam
Ricardo Patah
de lá aposentados. A educação formal, hoje, na melhor das hipóteses, nos
dá condição de melhor apreender coisas novas, mas não cria habilidades
que nos coloquem no mercado de forma competitiva.
Por outro lado, a longevidade dentro de uma mesma organização pode nos levar a
uma incapacidade treinada, ou seja, a uma falta de flexibilidade frente a um
ambiente em mutação. Isso ocorre devido a uma preparação inadequada do indivíduo. A “psicose ocupacional” se baseia na rotina diária, na qual os indivíduos vão
adquirindo preferências e antipatias. A “deformação profissional” pode ser considerada como uma união dos conceitos anteriores. Nela o funcionário é formado
em constante pressão, que tem a finalidade de torná-lo metódico, prudente e
disciplinado.
Para o trabalhador que ingressa no mercado de trabalho pela primeira vez, e para
aquele que passou boa parte de sua vida executando atividades que hoje não
existem mais, é fundamental adquirir alguma habilidade especifica que os coloquem à frente daquilo que é exigido pelo setor produtivo nos dias de hoje. No
mundo atual e globalizado em que vivemos, o mercado de trabalho mostra-se
cada vez mais exigente, e a busca por uma colocação profissional não é mais uma
questão de empenho ou de sorte, e sim de qualificação.
A qualificação profissional deve ser vista como fator determinante para o futuro
daqueles que estão buscando uma colocação no mercado de trabalho. E é muito mais importante ainda que a posição conquistada seja mantida, alimentando
chances reais de crescimento nas corporações. O que nos leva a crer que à medida
que o tempo passa e o mundo evolui, muito além da experiência, adquirir e renovar
conhecimento torna-se inevitável.
Seu objetivo principal é a incorporação de conhecimentos teóricos, técnicos e
operacionais relacionados à produção de bens e serviços, por meio de processos
educativos desenvolvidos em diversas instâncias (escolas, sindicatos, empresas,
associações). É a preparação do cidadão ou da cidadã, por intermédio de uma formação profissional, para que ele ou ela possam aprimorar suas habilidades para
executar funções específicas demandadas pelo mercado de trabalho.
Existem diversos programas de qualificação e requalificação profissional patrocinados
por empresas, cujo publico são seus próprios trabalhadores. O sistema S (SESC, SENAI,
SENAT, etc) constitui-se, em sua maioria, de programas de formação profissional que
obedecem a uma programação, na maioria das vezes, anual. São a esses programas
públicos que a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras tem acesso.
161
Em busca da melhor cidade
Geralmente, são programas de grande espectro e, nos moldes atuais, sua consecução e definição programática permitem ampla participação da sociedade
e, particularmente, dos representantes dos trabalhadores. O programa tem
várias virtudes, sendo a maior, talvez, é claro, o fato de ser gratuito. Porém,
não menos importante é sua flexibilidade, que permite a definição rápida
de um setor econômico; uma determinada categoria profissional ser contemplada com um curso de qualificação para atendimento de uma demanda
específica e pontual.
Sem dúvida, o grande programa em nível nacional é o do Ministério do Trabalho
e Emprego custeado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. O
Plano Nacional de Qualificação Social e Profissional – PNQ – está organizado de
forma participativa e com total transparência. Atua em todo o País e seu mérito é
o de sua execução ser feita em parceria, seja com entes públicos – Estados e Municípios – seja com entidades sem fins lucrativos, o que lhes dá maior efetividade
e resolutividade.
O PNQ entende a qualificação profissional como uma complexa construção social
que inclui, necessariamente, uma dimensão pedagógica, ao mesmo tempo em que
não se restringe a uma ação educativa, nem muito menos a um processo educativo
de caráter exclusivamente técnico. Por outro lado, quanto mais associada estiver
a uma visão educativa que a tome como um direito de cidadania, mais poderá contribuir para a democratização das relações de trabalho e para imprimir um caráter
social e participativo ao modelo de desenvolvimento.
O PNQ deve contribuir para promover a integração das políticas e para a articulação das ações de qualificação social e, em conjunto com outras políticas e ações
vinculadas ao emprego, ao trabalho, à renda e à educação, deve promover gradativamente a universalização do direito dos trabalhadores à qualificação, com vistas
a contribuir para:
I – A formação integral (intelectual, técnica, cultural e cidadã) dos trabalhadores;
II – Aumento da probabilidade de obtenção de emprego e trabalho decente e da
participação em processos de geração de oportunidades de trabalho e de renda,
reduzindo os níveis de desemprego e subemprego;
III – Elevação da escolaridade dos trabalhadores, por meio da articulação com as
políticas públicas de educação, em particular com a educação de jovens e adultos;
IV – Inclusão social, redução da pobreza, combate à discriminação e diminuição da
vulnerabilidade das populações;
162
Ricardo Patah
V – Aumento da probabilidade de permanência no
mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade ou aumento da
probabilidade de sobrevivência do empreendimento
individual e coletivo;
VI – Elevação da produtividade, melhoria dos serviços prestados, aumento da competitividade e das
possibilidades de elevação do salário ou da renda;
VII – Efetiva contribuição para articulação e consolidação do Sistema Nacional de Formação Profissional, articulado ao Sistema Público de Emprego e
ao Sistema Nacional de Educação.
A qualificação
profissional
deve ser vista
como fator
determinante
para o
futuro.
É muito
importante
que a posição
Dentro do PNQ existem várias e importantes modalidades de execução identificadas como planos.
Aqueles que no momento refletem melhor nossas
necessidades e que permitem um maior envolvimento dos sindicatos e de sua base, bem como a
formalização de parcerias locais, são os Planseqs e
Planteqs. No caso do Planteq, as ações de educação
profissional, compreendendo formação inicial e continuada, poderão ser realizadas tendo como referência territórios ou setores produtivos específicos. No
segundo caso, a modalidade de execução será concebida como plano complementar aos anteriores.
Em termos genéricos, os Planteqs e Planseqs
caracterizam-se como espaços de integração das
políticas de desenvolvimento, inclusão social e
trabalho (em particular, intermediação de mãode-obra, geração de trabalho e renda e economia
solidária) às políticas de qualificação social e profissional, em articulação direta com oportunidades
concretas de inserção do trabalhador e da trabalhadora no mercado de trabalho. Esses dois planos
devem ser estruturados com base na concertação
conquistada
seja mantida,
alimentando
chances reais
de crescimento
nas
corporações.
163
Em busca da melhor cidade
A política
de qualificação
profissional
não poderá
sozinha
vencer esse
desafio
se não se
transformar
numa causa
de massas.
164
social que envolve agentes governamentais e da
sociedade civil, dando particular atenção ao diálogo tripartite e à lógica do cofinanciamento, segundo o porte e a capacidade econômica de cada parte
envolvida.
Para todas as formas de participação, o Ministério
do Trabalho e Emprego prestará basicamente apoio
financeiro, com recursos do FAT, não participando
diretamente de sua execução, na qual entra a plena e necessária atuação do Município. Os Planteqs
contemplam projetos e ações de QSP circunscritos
a um determinado território (unidade federativa ou
Município), devendo ser analisados, aprovados, em
primeira instância, e homologados pelas Comissões/
Conselhos Estaduais e Municipais de Trabalho, Emprego e Renda, e posteriormente submetidos ao
Ministério do Trabalho e Emprego, para aprovação
final.
No processo de execução das ações do PNQ, é de
suma importância a articulação e o acompanhamento, pelas Comissões/Conselhos Estaduais de
Trabalho/Emprego e pelas Comissões/Conselhos
Municipais de Trabalho/Emprego, das demandas
levantadas pelo poder público e pela sociedade
civil organizada. Essas entidades deverão também
aprovar planos e projetos, em primeira instância, e
supervisionar a execução das ações de QSP no âmbito do seu território, podendo, inclusive, convidar os
setores específicos não representados na comissão
no momento de definição da demanda e outros momentos pertinentes.
Nesse sentido, os Planteqs são instrumentos para
progressiva articulação e alinhamento da demanda
e da oferta de QSP em cada unidade da federação,
devendo explicitar a proporção do atendimento a ser
Ricardo Patah
realizado com recursos do FAT, de acordo com as prioridades definidas neste Termo de Referência, e informando a proporção efetiva ou potencialmente atendida
pela rede local de QSP, financiada por outras fontes públicas e/ou privadas.
Dado o seu caráter territorial, os Planteqs estarão voltados exclusivamente para
qualificação social e profissional vinculada ao desenvolvimento econômico e social do território (oportunidades de desenvolvimento, vocação, implantação de
empresas, atendimento de populações vulneráveis etc.). Para a implantação de
um Planteq, é preciso que seja discutido o Plano de Trabalho e anexos, em reunião
específica da Comissão/Conselho Estadual, se plano estadual, ou Municipal de Trabalho/Emprego, se plano municipal, e só poderão ser apresentados ao MTE após
aprovação, devidamente comprovada por ata e assinatura dos seus membros.
Para os planos municipais, após aprovação da comissão municipal, conforme regras
estabelecidas acima, o plano de trabalho deve ser encaminhado pela comissão
municipal para a comissão estadual, que deverá reunir-se, juntamente com
representantes da comissão municipal em questão, visando à aprovação do plano
municipal, que será encaminhado ao MTE pela entidade municipal.
Caso a comissão estadual requeira algum ajuste no plano a ela submetido, deverá
a comissão municipal providenciar as alterações em até sete dias úteis e submeter
à comissão estadual, em nova reunião, para apreciação e aprovação. Nesse sentido, cabe às comissões estaduais e municipais a discussão e aprovação do Plano
de Trabalho e anexos, não cabendo, portanto, a aprovação da minuta de convênio.
Uma vez implantado o Planteq, sua execução será feita sob gestão de um responsável legal, que pode ser a secretaria municipal de Trabalho ou sua equivalente.
Saliente-se, ainda, que é vedada a superposição de ações no território, devendo
estas serem analisadas e informadas pelo MTE aos proponentes para a devida
adequação dos projetos, eliminando tais superposições. Para tanto, as Comissões
Municipais de Emprego devem estar atentas à execução de todas as ações de
qualificação, seja Planteq estadual, municipal ou Planseq, e, caso identifiquem alguma superposição de ação, informar o MTE.
Os Planos Setoriais de Qualificação - Planseqs são projetos e ações de QSP de
caráter estruturante, setorial ou emergencial, que não possam, por volume ou
temporalidade, ser atendidos por Planteqs. Por isso, trata-se de um instrumento
complementar e/ou associado aos Planteqs, orientado ao atendimento transversal e concertado de demandas emergenciais, estruturantes ou setorializadas de
qualificação, as quais são identificadas a partir de iniciativas governamentais ou
165
Em busca da melhor cidade
sociais, cujo atendimento não tenha sido possível nos planejamento dos Planteqs.
Os Planseqs devem estar articulados, obrigatoriamente, com outras políticas
públicas de emprego pertinentes e podem ser formais (os trabalhadores do setor
produtivo atendido são, prioritariamente, assalariados), sociais (voltados, prioritariamente, para trabalhadores autônomos, de autoemprego, empreendedores
da economia solidária, agricultores familiares, grupos sociais organizados etc.)
e emergenciais (quando relativos a desemprego em massa causado por fatores
econômicos, tecnológicos e/ou sociais relevantes). Para um Planseq ser implantado, é preciso que seja proposto ao MTE, para fins de concertação e cofinanciamento, por uma ou mais entidades demandantes.
Os demandantes podem ser órgãos da administração pública federal, inclusive o
Ministério do Trabalho e Emprego, secretarias estaduais ou municipais de Trabalho
que tenham a responsabilidade em seu território pelas ações de qualificação social e profissional, centrais e confederações sindicais, sindicatos locais, federações
e confederações patronais e entidades representativas de movimentos ou setores
sociais organizados e, por fim, empresas públicas ou privadas. Sempre que uma
ou mais dessas entidades apresentarem uma proposta factível de Planseq, essa
apresentação será seguida por debate participativo do projeto, por meio de uma
ou mais audiências públicas convocadas pelo MTE.
Na audiência pública, os agentes públicos, privados e sociais envolvidos serão organizados sob a forma de uma Comissão de Concertação, de forma paritária e, no mínimo, tripartite, sendo garantida a participação de representantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego ou Gerência Regional vinculada ao território;
do MTE; dos governos estadual e municipal; das comissões/conselhos estadual e
municipal de trabalho e emprego dos territórios em que se pretende desenvolver
o Planseq; bem como sindicatos de trabalhadores e empresários do setor.
Portanto temos um processo participativo e que exige mobilização. Não é um
projeto único e sim algo que pode sofrer mudanças e acompanhar o dinamismo
exigido pelo mercado de trabalho. Porém, fica claro para nós, trabalhadores organizados, que a política de qualificação profissional não poderá sozinha vencer
esse desafio se não se transformar numa causa de massas, que possa, ao mesmo
tempo, garantir a qualidade de suas ações.
O que torna urgente nossas ações, para aproveitar o bom momento da economia
e formarmos um trabalho competitivo, são as previsões para o futuro. O relatório
de Competitividade Global 2009-2010, publicado pelo World Economic Forum,
166
Ricardo Patah
demonstra que o Brasil melhorou em vários aspectos, mostrando um crescimento no nível de emprego. Mas chama a atenção o atraso comparativo
na área de educação. O percentual de brasileiros
que possuem apenas o curso primário ou o primeiro grau é de 57%. As coisas não mudam quando
analisamos os dados do recente relatório da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD
2008 na parte de números da educação, indicando
o aumento do número de analfabetos na faixa de
maiores de 25 anos.
É o fator educação o grande diferencial que poderá
fazer crescer renda e trabalho. Se o Brasil quiser ficar
entre os grandes, este quadro tem que mudar. É um
dado muito ruim, pois a qualificação profissional não
substitui a educação formal. Sem a educação formal
ficam restritos os campos de atuação do trabalhador.
Hoje se luta pelas 40 horas semanais de trabalho. É
importante que o trabalhador aproveite estas horas
a mais que vai ter, livres, para voltar a estudar ou
avançar na graduação.
A crise mundial teve um reflexo grande na Europa.
Porém dois países se destacam na recuperação:
França e Alemanha. São exatamente os dois países
que têm a carga de trabalho menor da Europa.
Destacam-se pela qualidade de sua produção, reflexo direto da potencialidade de sua mão de obra.
Portanto, o investimento em educação e qualificação
se torna fundamental para que o trabalhador possa
trabalhar menos, produzir melhor e ganhar mais.
Para que isto aconteça, as políticas públicas têm
que alcançar o trabalhador com oferta de educação
e qualificação que o motive, e que ele perceba que
isto é fundamental para seu futuro. Dedicar tempo
à educação sempre é algo fora dos planos: é normal
Chama a
atenção o
atraso
comparativo
na área de
educação.
O percentual
de brasileiros
que possuem
apenas o curso
primário ou o
primeiro grau
é de
57%.
É o fator
educação
o grande
diferencial
que poderá
fazer crescer
renda e
trabalho.
167
Em busca da melhor cidade
Dedicar tempo
à educação
sempre é algo
fora dos
planos:
é normal o
“não tenho
tempo”.
O desafio
é fazer
com que a
escola seja
algo sedutor.
168
o “não tenho tempo”. O desafio é fazer com que a
escola seja algo sedutor.
Com os constantes avanços tecnológicos e sociais advindos da nova fase econômica que estamos vivenciando, pode-se perceber um mercado de trabalho cada
vez mais exigente, buscando profissionais com nível
de escolaridade e qualificação cada vez maiores.
Apesar do acelerado crescimento da geração de emprego nos últimos tempos e da previsão da criação de
novos, devido ao surgimento de novas profissões, a
falta de qualificação passa a ser uma grande barreira
para o crescimento do número de postos de trabalho.
Cria o grande gargalo da geração de empregos em um
País onde cresce a cultura da formação universitária
e, por vezes, deixam-se de lado os cursos técnicos
e os de qualificação profissional, e que atualmente
mostram-se tão necessários. Visto que a exigência
do mercado precisa e deve ser atendida no mesmo
espaço de tempo em que surge a demanda, e se for
observado desse patamar, já estamos com uma defasagem em relação às necessidades atuais.
Durante muitos séculos a educação vem passando
por profundas mudanças. Na segunda metade do século 20, produziu transformações na prática social e
no trabalho. Por isso verifica-se em todo o planeta
uma grande inquietação nos meios ligados ao setor
educacional, provocando reformas que buscam sua
adequação às novas exigências. No Brasil, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação prevê que a educação
básica precisa dar condições de o cidadão progredir
no trabalho: “A educação básica tem por finalidade
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores” (Lei n. 9.394, 1996).
Ricardo Patah
É um dos aspectos essenciais na superação do subdesenvolvimento e na integração dos países à competitividade do mercado internacional e na redução do
desemprego. A educação é um fenômeno observado em toda sociedade, sendo
um dever da família e do Estado transmitir, às gerações que se seguem, os modos
culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um
membro no seu grupo ou sociedade.
Atualmente, o maior desafio encontrado é a qualidade dos sistemas educacionais. Como conciliar os objetivos de preparação para o prosseguimento de estudos, de preparação para o mercado de trabalho e de desenvolvimento pessoal.
Os grandes desafios enfrentados por esses sistemas assumem, na realidade
brasileira, características específicas de um País que está passando por grandes
transformações entre os vínculos que estão sendo estabelecidos entre a educação geral e a educação profissional.
Falar sobre qualificação nos tempos atuais se tornou fundamental nas organizações e, principalmente, nas instituições de ensino, já que é impossível se falar
em qualificação sem aprendizado. A condição para a qualificação é a alteração no
quadro existente de conhecimento e de aceitação de determinadas realidades. É
primordial contar com uma base de conhecimentos sustentada por um processo de
aprendizado contínuo.
A ligação da formação profissional com o sistema educacional também é fundamental, porque o trabalho é uma forma de inserção na sociedade. As universidades
e os cursos técnicos são os dois principais elos entre educação e formação profissional. A qualificação profissional pode ser compreendida como poderosa explicação para o êxito ou as restrições das pessoas e mesmo dos países em transitarem
por esse cenário turbulento de reestruturação produtiva e da globalização.
Assim, o processo de qualificação profissional está relacionado à aprendizagem
humana. Um aspecto que merece destaque é que a qualificação profissional envolve pelo menos dois atores sociais: o governo e os trabalhadores. Para o
governo, a qualificação profissional representa uma forma de assegurar a produtividade e a competitividade do País; para os trabalhadores, representa autonomia
e autovalorização. Nesse sentido, os dois atores sociais podem buscar qualificação
profissional, assumindo o custo desse investimento.
Face à nova realidade vivenciada nestas ultimas décadas, o que se pode perceber
é que o novo ritmo ditado pelo modelo econômico atual faz com que o trabalho
tradicional também embarque neste carrossel de mudanças. O modelo de profis-
169
Em busca da melhor cidade
sional que as empresas queriam no passado eram profissionais especialistas e
executores. Muitas organizações estão cortando empregos, e aqueles que permanecem estão se transformando e mudando a forma de trabalhar dos empregados. A tradicional divisão do trabalho em atividades específicas está perdendo
terreno para o trabalho com base em informação-conhecimentos, de modo que o
trabalhador rígido se torna descartável para uma gama de atividades.
As exigências são de um trabalhador versátil, flexível e adaptável, que consiga
modificar rapidamente o desenvolvimento de suas atividades. Como consequência
das novas tecnologias, novas profissões surgem constantemente, e diversas funções tradicionais estão sendo transformadas, substituídas, e até mesmo extintas.
Diante de tudo isso, seria ousadia tentar definir quais as novas demandas profissionais para o futuro e que rumos irão tomar o trabalho e o emprego como até
então se conhecia, até porque as transformações variam segundo as condições de
cada região, segmento da economia e qualificação de cada trabalhador.
Porém, se for feita uma análise desse novo mercado de trabalho, se poderá constatar que muitos dos empregos existentes, na maioria dos casos, são considerados
temporários. Há empresas que delegam tarefas a pessoas que não fazem parte
de seu corpo funcional. Esses profissionais são os consultores independentes que
comercializam seus talentos sem nenhum vínculo empregatício com a empresa. O
novo mercado de trabalho exige que as empresas sejam cada vez mais dinâmicas,
e isso está mudando completamente a relação entre empregado e empregador.
Com base nessas informações, pode se dizer que o potencial de crescimento do
setor de serviços é praticamente ilimitado.
O desenvolvimento de políticas públicas socialmente desejáveis nas comunidades
tem sido uma maneira de enfrentar essa situação, e um bom caminho para um
trabalho que visa à democracia e à cidadania. A formação humana para a cidadania
se dá na tomada de consciência grupal do comportamento próprio e do alheio, evitando-se que interesses subalternos, egocêntricos predominem nas deliberações
grupais. A verdadeira cidadania é o compromisso do indivíduo com os interesses de
sua comunidade e chama-se democracia, participação de todos em tudo.
Sobre o papel da educação na formação humana, Morin (2002, p. 65) alerta: “A educação deve contribuir para a transformação da pessoa (ensinar a assumir a condição
humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar um cidadão”. Um cidadão é
definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação
a sua pátria. O que supõe o enraizamento de sua identidade nacional. Embora mui-
170
Ricardo Patah
tos dos países apresentam legislação que assegura
os direitos de todos os cidadãos igualmente, mesmo
assim a sociedade não está preparada o suficiente
para exercer a inclusão social em sua plenitude.
Não bastam somente leis para incorporar a inclusão
entre os atores da sociedade. E sim, concordando
com Tanaka e Manzini (2005), “Por meio de uma
ação conjunta entre o indivíduo, a família, a sociedade e o governo”. Interação é uma palavra que resume a ideia de inclusão social alcançada por meio
da oportunidade de qualificação levada a quem está
à margem do processo de desenvolvimento.
Outro fator importante é que a organização da sociedade civil precisa estabelecer uma compreensão
crítica do mundo em que se vive e que sejam criadas,
entre as pessoas, referências comuns sobre a educação que tem como objetivo essencial o desenvolvimento humano, tendo como valores a construção de
um espaço de socialização e preparação de um projeto de melhoria na qualidade de vida das comunidades, gerando fatores como: satisfação no trabalho,
salário, lazer, relações familiares, disposição, prazer,
estado de saúde, e até espiritualidade.
Em um sentido mais amplo, a qualidade de vida é
uma medida da própria dignidade humana, pois implica atendimento das necessidades humanas fundamentais. Não há dúvida de que um novo olhar
tem sido dado à questão da qualificação profissional
no Brasil. Porém, apesar de toda a ênfase dada à
questão da qualificação, e do discurso crescente
acerca de sua importância, ainda não conseguimos
dar uma importância que a realidade exige.
Os resultados demonstram que é necessário refletir acerca da qualificação profissional, visto que,
se o panorama atual for mantido, a tendência é de
A tradicional
divisão do
trabalho em
atividades
específicas
está perdendo
terreno para
o trabalho
com base em
informaçãoconhecimentos,
de modo que o
trabalhador
rígido se torna
descartável
para uma gama
de atividades.
171
Em busca da melhor cidade
É importante
que sejam
criadas
políticas
públicas de
resgate dessa
parcela da
população
que está
à margem do
desenvolvimento
por não ter
sido preparada
adequadamente
para desfrutar
desse
crescimento.
172
agravamento das diferenças entre as necessidades
de mercado e a oferta de mão-de-obra qualificada,
com poucas oportunidades para a maioria dos jovens trabalhadores. Sugere uma reflexão acerca
das políticas públicas de qualificação, no sentido de
atender a demanda de jovens em busca de horizonte, especialmente os que se encontram em situações
de menor oportunidade de qualificação.
É preciso que os gestores públicos e até mesmo o
setor privado compreendam que, quando se investe
em qualificação profissional, os resultados não ficam
restritos ao indivíduo que participa da ação, mas que
existe uma difusão maior de conhecimento. Com
o intuito de amenizar as desigualdades sociais e
econômicas existentes no Município, sugere-se: ampliar as oportunidades de qualificação profissional;
maior e melhor divulgação das políticas de qualificação já existentes; criar programas de resgate para a
população que está à margem.
Existe a necessidade de que se transformem em
realidade os discursos sobre qualificação profissional, cada vez mais presentes nos debates sociais.
Importante que sejam criadas políticas públicas de
resgate dessa parcela da população que está à margem do desenvolvimento por não ter sido preparada
adequadamente para desfrutar desse crescimento.
O trabalhador quer emprego. Mas emprego em que
ele tenha condições de competir no mercado de trabalho. O Estado ainda é parte fundamental no enfrentamento destas questões e nós, representantes
dos trabalhadores e trabalhadores, somos partícipes.
A União Geral dos Trabalhadores – UGT, entidade que
tenho a honra de presidir, define em seus objetivos
o seguinte:
Ricardo Patah
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS
ARTIGO 2º - São Objetivos fundamentais da UGT:
I. Executar, através de convênios, contratos ou de outros instrumentos legais,
com fundações ou organismos de direito público ou privado, nacional ou internacional, ou em parceria, ações de qualificação e requalificação, tanto social
quanto profissional, por meio de planos territoriais, municipais, regionais, mesoregionais, estaduais ou de âmbito nacional de qualificação que contemple,
dentre outros objetivos: a formação integral (intelectual, técnica, cultural e
cidadã) dos/as trabalhadores/as brasileiros/as; aumento da probabilidade de
obtenção de emprego e trabalho decente e da participação em processos de
geração de oportunidades de trabalho e de renda, e também recolocação na
área de trabalho, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; elevação
da escolaridade dos trabalhadores/as, através da articulação com as políticas
públicas de educação, em particular com a Educação de Jovens e Adultos;
inclusão social, redução da pobreza, combate à discriminação e diminuição
da vulnerabilidade das populações; aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de
rotatividade ou aumento da probabilidade de sobrevivência do empreendimento individual e coletivo; elevação da produtividade, melhoria dos serviços
prestados, aumento da competitividade e das possibilidades de elevação do
salário ou da renda; efetiva contribuição para articulação e consolidação do
Sistema Nacional de Formação Profissional, articulado ao Sistema Público de
Emprego e ao Sistema Nacional de Educação, podendo ainda, executar planos setoriais de qualificação e projetos especiais de qualificação, que contemplem a elaboração de estudos, pesquisas, metodologias e tecnologias
de qualificação social e profissional destinadas a populações especificas ou
abordando aspectos da demanda, oferta e do aperfeiçoamento das políticas
públicas de qualificação e de gestão participativa, implementadas em escala
regional ou nacional.
Senhor Prefeito: queremos trabalhar juntos na criação do trabalhador e da
trabalhadora do futuro.
173
Paulo Simão
Engenheiro civil e administrador de empresas,
é presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Integra o Conselho de Desenvolvimento, Econômico e Social da
Presidência da República desde 2003.
Coordena o Conselho Temático sobre Desenvolvimento Urbano
do Espaço Democrático.
174
Paulo Simão
Urbanização e
civilização: avanços e
d
e
s
a
f
i
o
s
175
Em busca da melhor cidade
176
O
Paulo Simão
século XX trouxe um desafio inédito para a espécie humana:
como acomodar, com dignidade, um número cada vez maior de
pessoas em cidades que não param de crescer? Como oferecer
trabalho, moradia, saúde, alimentação, mobilidade, segurança
e outros direitos fundamentais a populações de milhões de habitantes forçadas a viver em megacidades?
Segundo a Organização das Nações Unidas, o número de
megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes) passou de duas, em 1950
(Tóquio e Nova York), para 20, em 2005. Em 2015, serão 22, sendo 17 delas situadas em países em desenvolvimento. A mesma ONU estima que, por volta do ano
2050, quase 80% da população mundial estarão concentrados em grandes centros
urbanos. A consequência disso será um aumento exponencial da pressão sobre
serviços e infraestrutura.
No Brasil, até o Censo de 1940, apenas um terço da população vivia nas cidades.
Nas décadas seguintes, o crescimento da indústria brasileira e a integração do território nacional por meio de estradas e da aviação comercial levaram um número
cada vez maior de pessoas dos campos para as cidades. Nos anos 1980, todas as
regiões brasileiras já possuíam a maioria dos seus habitantes em centros urbanos.
Hoje, o País está entre as nações mais urbanizadas do mundo.
Segundo dados do último censo do IBGE, apenas 15,65% da população viviam no
campo em 2010, contra 84,35% que viviam nas cidades. Para os gestores públicos
e para a própria sociedade brasileira, está colocado um grave desafio para os próximos anos: uma grande parte das cidades brasileiras, em particular as de médio e
grande porte, se encontra à beira de um colapso e está cada dia mais distante do
objetivo de proporcionar aos seus habitantes uma boa qualidade de vida.
O mesmo Censo de 2010 constatou o lamentável crescimento de aglomerados
precários, totalizando 6.329 áreas espalhadas por 323 Municípios brasileiros – ou,
mais de 3,2 milhões de domicílios e 11 milhões de pessoas. São áreas ocupadas
irregularmente, sem serviços públicos adequados, representadas por favelas,
palafitas, grotas e vilas. O resultado desse descaso são as repetidas tragédias nas
épocas das chuvas e a alta incidência de doenças causadas pela falta de saneamento básico, principalmente entre crianças.
São várias as razões que levaram o País a ter que conviver com essa lamentável
realidade. A principal origem do problema está na ausência, durante longos anos,
de políticas urbanas adequadas. Às vésperas de se tornar a quinta potência
177
Em busca da melhor cidade
econômica do mundo, o Brasil não pode se omitir em equacionar essas e outras
questões urgentes. Há de se considerar também que, nos últimos anos, em função
de políticas sociais cada vez mais abrangentes e focadas, as populações de renda
mais baixa têm se desenvolvido em velocidade superior à média do País.
Esse desenvolvimento trouxe para o núcleo da sociedade consumidora um
contingente expressivo da população brasileira, disposta a consumir mais e
exigir seus direitos, dentre os quais, melhor qualidade de vida urbana. O novo
desenho da sociedade brasileira ilustra bem essa mudança que se deu no País
nos últimos 10 anos.
Composição das Classes Sociais Brasileiras (milhões de pessoas)
7,2
Classe A
9,6
7,3
Classe B
10,4
67,5
Classe C
95,0
46,1
Classe D
44,5
46,6
Classe E
28,9
2002
2009
Total: 175 milhões
Total: 188 milhões
De qualquer forma, é preciso ter consciência de que, além de políticas corretas e
adequadas, não se pode prescindir de uma gestão eficiente, moderna e transparente, sem o que não haverá êxito na implantação das metas definidas. De
igual importância é a participação efetiva da iniciativa privada na realização
dos projetos, principalmente na área de infraestrutura. A parceria correta do
ente público com o privado torna-se cada vez mais urgente.
As crescentes demandas da sociedade e a necessidade de melhor equipar as nossas cidades exigem investimentos cada vez maiores, que o poder público sozinho
não tem conseguido atender. Uma cidade bem planejada traça metas e objetivos
de longo prazo, que na maioria das vezes ultrapassa o período de vários mandatos de governantes, caracterizando-se como políticas de Estado, ao invés de programas de governo. Isto traz a vantagem de garantia de implantação da política
completa, e a certeza da perenidade dos investimentos, fator fundamental na
atração do capital privado.
178
Paulo Simão
Por fim, temos que pensar na melhor forma de participação dos cidadãos nas decisões que serão tomadas. Afinal, o objetivo final é desenvolver as cidades para que as populações que ali habitam, ou
frequentam por algum motivo, tenham melhores
condições de vida e possam usufruir adequadamente dos inúmeros serviços que lhes são oferecidos pelos investimentos aportados, provenientes
dos impostos que os próprios cidadãos pagam.
Não há mais espaço para políticas e projetos impostos pelos entes públicos de cima para baixo. A
participação cada vez mais intensa da sociedade organizada torna-se cada dia mais importante. Neste
capítulo, quero me dedicar a analisar particularmente três temas fundamentais, que estão na base
da maioria dos problemas que atingem a vida das
populações nos grandes centros urbanos: Moradia,
Saneamento Básico e Mobilidade.
MORADIA –
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Não há mais
espaço para
políticas
e projetos
impostos
pelos entes
públicos de
cima para
baixo.
A
participação
intensa da
sociedade
organizada
torna-se
cada dia mais
importante.
O direito à moradia é considerado como base para a
conquista de uma série de outros direitos fundamentais. Já estava previsto na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, desde 1948; e no ano 2000 foi
incluído na Constituição Brasileira, por meio de uma
emenda constitucional. Conquistar um lar digno não
significa apenas ter um “teto” para morar, mas ter
assegurada toda a infraestrutura básica que garanta
uma vida saudável (água tratada, coleta e tratamento de esgoto e lixo, fornecimento de energia, entre
outros itens).
Apesar de todos os esforços feitos nos últimos anos,
o Brasil ainda tem uma grave dívida social a sanar:
um déficit de aproximadamente 5,5 milhões de
179
Em busca da melhor cidade
O Brasil tem
um déficit de
aproximadamente
5,5 milhões
de moradias.
Segundo
o IBGE,
95%
desse déficit
está localizado
principalmente
entre famílias
com renda
mensal de até
seis salários
mínimos,
com pouca
capacidade de
pagamento ou
nenhuma renda.
180
moradias. Segundo dados do IBGE, 95% desse déficit está localizado principalmente entre famílias
com renda mensal de até seis salários mínimos, ou
seja, que tem pouca capacidade de pagamento ou
nenhuma renda. Neste sentido, a solução do problema
habitacional passa, necessariamente, por uma ação
conjunta que envolve os três níveis de governo, a
sociedade civil organizada e a iniciativa privada.
Oferecer moradias de qualidade a todos os brasileiros
sem casa ou que vivem em locais precários implica
subsídio e financiamento. Em outras palavras, o
combate ao déficit deve estar focado na expansão da oferta de moradias dignas para as classes
de menor poder aquisitivo. Além da construção
de novas unidades habitacionais, existem muitos casarões nos centros históricos das cidades
brasileiras que, preservados em suas fachadas
e volumetria, podem ser retrofitados e transformados em prédios habitacionais ou mistos. Como
essas regiões dispõem de boa infraestrutura, o
repovoamento poderá se constituir em uma das
formas de enfrentar o problema do déficit.
VARIÁVEIS SIGNIFICATIVAS - Estamos convencidos de que a participação da iniciativa privada na
produção de moradias destinadas à população de
baixa renda é fundamental para eliminar o atual déficit habitacional. A nosso ver, para viabilizar esse
projeto será necessária uma série de ações das diferentes esferas de governo que estejam articuladas
entre si. Aqui, quero chamar a atenção, em especial,
para aquelas ações que estão diretamente localizadas no âmbito da gestão municipal ou não podem
prescindir de uma ação forte e objetiva dos dirigentes do Município:
Paulo Simão
• Melhores condições para comercializar lotes urbanos: autorização de linhas de
financiamento;
• Utilização de espaços públicos disponíveis;
• Agilidade no processo de aprovação de novos loteamentos;
• Criar a figura do Loteamento para HIS (Habitação de Interesse Social);
• Concessionárias devem assumir o custo de infraestrutura em loteamentos para
HIS;
• Capacitação e treinamento para servidores públicos;
• Aquisição de equipamentos e sistemas modernos;
• Simplificação e atualização do quadro legal-normativo;
• Organização de leis e regulamentos;
• Análise integrada do empreendimento por comitês multissetoriais;
• Necessidade de padronizar parâmetros em relação às HIS;
Dentre essas medidas, quero me aprofundar em quatro ações:
Desoneração do produto final dos empreendimentos de HIS - Estudos
demonstram que a desoneração é compensada pelos efeitos positivos que gera
no nível de atividade da cadeia produtiva da construção. É importante assegurar a
sua transferência integral às famílias beneficiárias, de forma a reduzir o custo da
habitação.
Estudos da Fundação Getulio Vargas indicam que os impostos e tributos
devidos nos três níveis de governo impactam em cerca de 38% o custo das
unidades de HIS. Nesse contexto, o poder público municipal pode isentar todos os impostos e tributos incidentes sobre empreendimentos caracterizados
como HIS, desde as taxas de aprovação até a de transferência de propriedade (ITBI).
Incentivar a ampliação da oferta de terra urbanizada como instrumento de
redução de custo - Para empreendimentos de interesse social, as concessionárias
públicas dos serviços de fornecimento de água potável, coleta e tratamento do
esgoto sanitário e distribuição de energia e iluminação pública deverão assumir os
custos de implantação desses serviços. A autorização de linhas de financiamento
e de recursos adequados para a produção e comercialização de lotes urbanizados
permitirá a participação de mais empreendedores no mercado, com consequente
aumento da oferta.
181
Em busca da melhor cidade
Existe, no País, um grande número de terrenos e imóveis públicos que, bem
localizados mas ociosos, poderiam ser usados para a viabilização de HIS. O cadastro dessas propriedades e sua regularização pelo Serviço de Patrimônio da União
– SPU e os órgãos regionais equivalentes permitirão ampliar a oferta. A cessão sem
ônus desses imóveis ou sua adequada utilização serão importantes elementos
de regulação dos preços, especialmente se considerarmos a extensão das áreas
existentes, ou na viabilização de projetos a serem construídos em outros locais.
A rapidez do processo de aprovação de novos loteamentos reduzirá o custo dos
empreendimentos, agilizará a entrada de terra urbanizada e permitirá o retorno
mais rápido do capital investido.
Desburocratizar os procedimentos para a aprovação de empreendimentos de
HIS - O setor público precisa adotar medidas de capacitação e treinamento para
seus servidores, além de adquirir equipamentos e sistemas modernos que facilitem a análise de projetos. Assim, são relevantes as ações de promoção e apoio à
simplificação e atualização do quadro legal-normativo que rege a aprovação de
projetos.
As Prefeituras, em geral, não disponibilizam de forma organizada o conjunto de leis
e regulamentos aplicáveis à aprovação de projetos. Trabalhadores pouco qualificados, equipamentos e sistemas desatualizados, excesso de leis, decretos e portarias
são fatores que encarecem e até mesmo inviabilizam a produção de habitações.
Criar uma base única de registro de imóveis - Precisamos de um sistema de
registro de imóveis inteligente, que torne as operações mais rápidas, seguras e
menos custosas. A modernização do sistema de registro e controle de imóveis
envolve a centralização das informações fiscais, de propriedade e de dívida, que
devem ser atreladas à matrícula do imóvel e disponibilizadas para o público com
acesso on-line.
SANEAMENTO BÁSICO – UMA DÍVIDA SOCIAL
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de
30% dos Municípios brasileiros não têm qualquer serviço de saneamento básico.
Dados do Serviço Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) mostram que
19% dos brasileiros não têm abastecimento de água tratada. Mesmo nas locali-
182
Paulo Simão
dades onde o serviço existe, muitas vezes é deficiente. Quase um quarto dos Municípios do País enfrenta racionamentos constantes.
Quanto ao esgoto, mais da metade da população
(53%) não tem coleta. Do pouco que é coletado, menos ainda é tratado: 38%. Ou seja, a grande maioria
do esgoto produzido no Brasil acaba sendo jogado
diretamente nos rios e lagos. Estima-se que mais
de 470 Municípios brasileiros estejam com seus
mananciais de água comprometidos por causa dessa poluição.
Por trás desses números que mostram uma realidade
incompatível com um País da relevância econômica e
política do Brasil, existe um drama humano de proporções impensáveis: mortalidade infantil, redução
da expectativa de vida e piora do nível de desenvolvimento humano em todos os aspectos (estatura,
capacidade de aprendizagem, entre outros). Estimase que a falta de saneamento esteja diretamente
ligada a 65% das internações em hospitais no País.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF), para cada real investido
no setor, economizam-se quatro em serviços hospitalares. A falta de acesso a água de boa qualidade
e a convivência com esgoto a céu aberto levam à
proliferação de doenças como diarreias, esquistossomose, dengue e leptospirose. Só essas enfermidades causaram 61 mil mortes, em todo o Brasil, nos
últimos dez anos.
Precisamos
de um sistema
de registro
de imóveis
inteligente,
que torne
as operações
mais rápidas,
seguras
e menos
custosas.
Indicadores de Terceiro Mundo - Avaliando isoladamente os dados dos diferentes Estados brasileiros,
podemos afirmar que os indicadores de saneamento
em algumas localidades do País podem ser comparados aos dos mais pobres países do mundo. Segundo
183
Em busca da melhor cidade
Um dos maiores
obstáculos
do setor está
relacionado
à cultura de
falta de
planejamento
existente no
País.
A dificuldade
começa com
uma baixa
compreensão
sobre a
importância de
um bom projeto
de engenharia
e leva a uma
incompreensão
acerca dos
serviços
de apoio
indispensáveis,
como
topografia e
geotecnia.
184
dados da Divisão de Estatísticas da Organização das
Nações Unidas (ONU), no ano de 2008, metade da
população de Angola tinha acesso à água potável.
Enquanto isso, em Ananindeua (no Pará), apenas
29,5% da população contava com esse serviço (dados de 2009).
Na mesma linha, enquanto em Cabo Verde, 54% da
população tinham acesso ao serviço de saneamento
(no ano de 2008), no Recife – uma das maiores cidades brasileiras – apenas 37,7% da população contava com esse direito. O Relatório da ONU sobre os
Objetivos do Milênio alerta que uma das maiores
afrontas à dignidade humana é a prática de defecar
em espaços abertos, o que causa a transmissão de
diversas doenças que podem ser fatais para as populações mais vulneráveis (em especial as crianças).
Estimativas divulgadas em 2010 mostram que cerca
de 1 bilhão de pessoas estão sujeitadas a essa situação no mundo. No Brasil, segundo as mesmas fontes,
esse número chega a 13 milhões de pessoas.
Problema de gestão - A maioria das companhias estaduais de saneamento está em má situação financeira. Das 26 empresas, 15 são deficitárias, ou seja,
gastam mais do que arrecadam. O Sistema Nacional
de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, indica que as operadoras de água
e esgoto tiveram prejuízo de R$ 3 bilhões em 2009.
O problema de gestão no setor de saneamento é tão
grave que deve consumir 20% dos 420 bilhões de
investimentos a serem feitos nos próximos 20 anos
no Brasil. A ideia é investir R$ 86 bilhões apenas em
programas de melhoria de eficiência e capacitação
técnica de profissionais.
Grande parte das receitas se perde em vazamentos e
Paulo Simão
ligações clandestinas. Do total do volume de água tratada produzido no País, 37%
se perde entre a estação de tratamento e a casa das pessoas. Ou seja, grande
parte do trabalho de separar o lodo e adicionar cloro e flúor na água dos mananciais acaba indo pelo ralo. Isso acontece principalmente por causa das tubulações
antigas que passam muito tempo sem manutenção.
Modelos de gestão - A ampliação do conceito da gestão compartilhada, empregando-se as várias formas de regionalização já existentes – seja com os Comitês
de Bacia, os Consórcios Intermunicipais, as associações por agregação de interesse – é uma das formas de se aproveitar as estruturas existentes, aproximando-se as soluções das comunidades. O que não se pode aceitar é a situação
atual, em que os grandes centros urbanos conseguem formular seus objetivos e os
pequenos Municípios, os mais carentes, ficam alijados do processo.
Além dos investimentos aplicados na expansão e ampliação dos sistemas, é preciso destinar parte desses recursos para a melhoria contínua da qualidade de gestão
dos serviços e na eficiência operacional dos sistemas de saneamento básico. É
imperativa a melhoria dos processos gerenciais, tecnológicos e operacionais dos
agentes prestadores de serviços como forma de conservar e manter os altos investimentos aplicados, além de propiciar maior controle nas operações, com redução
dos percentuais de perdas de água, diminuição dos índices de inadimplência e
evasão de receitas.
A Importância dos Projetos
As últimas discussões levadas a cabo no setor de saneamento apontaram, de forma uniforme e unânime, que um dos maiores obstáculos no setor está relacionado
à cultura de falta de planejamento existente no País. A dificuldade começa com
uma baixa compreensão sobre a importância de um bom projeto de engenharia.
Esse desconhecimento leva, por consequência, a uma incompreensão acerca do
tempo necessário para a elaboração de um projeto, assim como dos serviços de
apoio indispensáveis, tais como topografia e geotecnia.
Ainda mais grave, essa cultura leva a uma falta de percepção sobre o quanto o projeto de engenharia é fundamental para a correta formatação do empreendimento.
Assim, neste cenário, é natural que não existam bons projetos disponíveis, como
regra. Essa carência de projetos de saneamento não permite que os Municípios
185
Em busca da melhor cidade
tenham acesso às diversas fontes de financiamento disponíveis, o que termina
por estabelecer um círculo perverso.
Os Municípios melhor estruturados articulam a elaboração de bons projetos,
firmes na convicção de que representam maior economicidade do empreendimento, maior segurança durante a obra, com menores transtornos durante a execução,
e com a obtenção de um produto final mais próximo do que havia sido concebido.
Essa melhor estruturação representa, como regra, garantia de empreendimentos
viáveis, o que torna o empreendedor cada vez mais apto a uma boa gestão.
De outro lado, os tomadores que não possuem estrutura não conseguem articular
bons projetos e, dessa forma, não têm acesso aos recursos. Quando conseguem
obtê-los, não realizam bons empreendimentos e assim tornam-se menos aptos,
dificultando ainda mais o desafio de se universalizar o saneamento. Dentre outras
razões, isto ocorre pela falta de estrutura técnica, ou financeira, por parte dos Municípios que não conseguem elaborar os projetos executivos, ou não dispõem de
recursos para contratá-los.
Algumas questões centrais precisam ser incorporadas em um processo de mudanças. Como todos sabem, os custos dos projetos são a parte substancialmente
menor do custo total das obras. Assim, dever-se-ia pensar em incluir esses custos
no financiamento global do empreendimento, tomando-se os valores previamente
despendidos como contrapartida.
A manutenção do quadro atual com o nível de responsabilidades estabelecidas no
plano municipal já demonstrou não conseguir gerar um fluxo regular de projetos
capaz de garantir a universalização dos serviços. É de se destacar que, mesmo a
agregação por Estados idealizada para os componentes de água e esgotos, não conseguiu suprir as deficiências, inclusive nos Estados com melhor prestação desses
serviços. Essa realidade se torna ainda mais complexa quando se agregam os componentes dos resíduos sólidos e da drenagem urbana, uma exigência dos dias atuais.
De tal modo, acreditamos, pelo exposto, que a busca de uma regionalização que
trabalhe a questão em um plano supra municipal pode ser a saída para a produção
de projetos confiáveis, capazes de garantir empreendimentos saudáveis. Nesse
aspecto, poder-se-ia aproveitar a estrutura de regionalização existente, como os
vários órgãos e organismos já constituídos, a partir da garantia de um fluxo regular
de recursos financeiros.
Neste capítulo, gostaria de enfocar algumas propostas que podem, no âmbito municipal, contribuir com a solução do problema:
186
Paulo Simão
• Planos municipais vinculados ao plano regional
- Necessário superar barreiras ideológicas e corporativas para garantir maior participação do capital
privado.
• Cuidados para que os planos municipais de saneamento sejam elaborados de forma adequada e não
sejam apenas “preenchimento de formulários”.
• Aproveitar o fato de que o Ministério das Cidades
produziu cartilha de orientação aos Municípios para
elaboração dos planos de saneamento.
• Buscar regras para que os planos municipais já sejam aprovados ao menos com a aprovação inicial das
entidades do meio ambiente.
• Fundo que irá fazer compensação de tarifa poderá
auxiliar, também, na elaboração dos planos de Municípios carentes.
• Subsídio - Criar um fundo compensatório para tornar economicamente viáveis sistemas deficitários
por problemas de baixa densidade ou problemas
técnicos.
• Mecanismo que substitua o antigo “subsídio cruzado”
• Mudança no tratamento orçamentário/contábil dos
recursos destinados a projetos
• Os projetos devem ser considerados tão determinantes quanto os investimentos, pois um não
se resolve sem o outro. Desta forma, os projetos
devem ter o mesmo tratamento contábil e de importância.
• Custo de projetos como valor de contrapartida nos
financiamentos
• Recebíveis do subsistema como garantia do financiamento
• PPI – Projetos Piloto de Investimentos em nível estadual e municipal
• É possível construir uma solução que contemple
A mobilidade
urbana
é um dos temas
mais delicados
na agenda
das grandes e
médias cidades
do mundo.
Os
engarrafamentos
têm custo
elevado para a
economia.
Na Cidade
do México,
por exemplo,
as perdas
chegam a
2,5% do PIB.
187
Em busca da melhor cidade
Houve
gradativo
abandono dos
transportes
Projetos Piloto de Investimentos em nível estadual
e, principalmente, municipal que permitam que os
investimentos realizados não sejam considerados
como despesa primária.
• Projeto de Saneamento deve ser classificado como
Projeto de Meio Ambiente (novo paradigma)
públicos
por parte da
população.
Nas oito
maiores
capitais
brasileiras,
a queda foi
25%
entre 1994
e 2001.
de
188
MOBILIDADE URBANA:
O DESAFIO DA MODERNIDADE
A mobilidade urbana é um dos temas mais delicados
e urgentes na agenda das grandes e médias cidades
do mundo. Os engarrafamentos quilométricos têm
um custo elevado para a economia e chegam a provocar prejuízos expressivos. Na Cidade do México,
por exemplo, as perdas chegam a 2,5% do PIB. São
produtos que deixam de circular, eventos que
deixam de ser realizados, negócios desfeitos...
Entretanto, prejuízo maior se dá na vida da população, em especial das faixas mais pobres da sociedade, que moram na periferia dos grandes centros,
e que chegam a desperdiçar até quatro horas por dia
em engarrafamentos. Estimativas mais recentes, feitas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres
em 2002, mostram que eram feitos por dia cerca de
200 milhões de deslocamentos nas cidades brasileiras. Metade desses deslocamentos era feita a pé ou
em bicicletas. A outra metade correspondia a viagens
feitas por veículos motorizados.
O estudo da ANTT mostrou que o transporte público
representa a parte mais significativa dos deslocamentos feitos de forma motorizada (60% do total).
Nesse universo, os ônibus eram maioria absoluta,
transportando 94% de todos que usam o transporte
coletivo. Os trens e metrôs levavam quase 5%.
Paulo Simão
Mudança de paradigmas – a evolução da classe C e uma série de facilidades e vantagens tornaram carros e motos mais baratos. O resultado tem sido um gradativo
abandono dos transportes públicos por uma parcela cada vez maior da população.
Nas oito maiores capitais brasileiras, a queda foi de 25% entre 1994 e 2001. Trens
urbanos e metrôs mantiveram-se estáveis nesse período. A queda foi causada pela
falta de qualidade dos serviços, mas também pela concorrência dos automóveis e
motos e pela ação de transportadores ilegais.
Duas linhas diferentes de atitude frente ao problema foram adotadas no mundo:
a primeira, principalmente na América do Norte, foi a de supremacia inconteste do
automóvel sobre o transporte público, com a implantação de infraestrutura viária
de alta capacidade voltada para o transporte privado. A outra, adotada na Europa,
foi a de desenvolvimento de sistemas de transporte de alta capacidade, especialmente sobre trilhos, para o transporte da maioria da população, e a adoção, a partir
dos anos 60, de medidas de restrição ao uso do automóvel nos principais centros
urbanos, inicialmente de forma pontual, depois de modo mais abrangente.
O Brasil não se situou nem em um bloco nem em outro, no que se refere ao seu
relacionamento com o automóvel. Se por um lado não conseguiu fazer os investimentos necessários para a acomodação dos volumes de tráfego nem em capacidade nem em segurança, pelo outro não investiu em sistemas de transporte que
se tornassem alternativas viáveis ao automóvel, como sistemas metroviários. O
círculo vicioso do aumento do tráfego e da saturação do trânsito foi rápido e
inexorável, reforçado pela estabilidade econômica trazida a partir do Plano Real
e pela disponibilidade de crédito que impulsionaram a fabricação e venda de
automóveis a patamares nunca antes imaginados.
Despreparado para enfrentar esse crescimento, o País viu-se gradativamente
mergulhado em números inaceitáveis de acidentes de trânsito, estimados de
forma diferente por diversos organismos, pela incapacidade formal de apresentação de números precisos. O número de mortes no trânsito por ano é anunciado por diversas fontes, e varia desde 35.000 mortes por ano, fornecido pelo
DENATRAN, até 56.000, baseado no número de indenizações por morte pagas
pelo DPVAT.
Mudar essa realidade é um desafio que implica vontade política, pressupõe o
envolvimento das três esferas de poder e envolve medidas muitas vezes impopulares. Possivelmente por esses motivos, a Política Nacional de Mobilidade
Urbana demorou 17 anos tramitando no Congresso Nacional. Ela foi finalmente
189
Em busca da melhor cidade
sancionada em 3 de janeiro de 2012, na Lei nº 12.587, e objetiva a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade
de pessoas e cargas do território do Município.
Neste contexto, entretanto, não há dúvida de que os planos diretores das cidades
são as peças fundamentais para mudar essa realidade. Eles devem, entre outras
soluções, propor políticas habitacionais para privilegiar a consolidação de áreas
urbanas já ocupadas, como prédios sem uso no centro, ou revitalizar bairros degradados. Essas medidas fazem com que as cidades se adensem em áreas que já
contam com infraestrutura.
É preciso ainda estimular o uso misto do solo, favorecendo a descentralização
da economia e dos empregos e também dos serviços públicos. Se mais pessoas
morarem mais perto do emprego, em bairros com escolas, hospitais, lazer, comércio
e serviços, menor será a necessidade de deslocamentos e, portanto, menos motorizada, barulhenta e poluída será a cidade.
Os planos diretores precisam também cuidar dos projetos de expansão urbana,
prevendo redes integradas de transportes e trânsito para as novas regiões a
serem criadas. E também precisam controlar a implantação, em áreas já ocupadas, de novos shoppings centers, edifícios de escritórios, faculdades e outros
empreendimentos que geram muito tráfego.
Grandes metrópoles mundiais, como Paris, Londres, Nova York e Tóquio, têm encontrado soluções inteligentes para administrar o problema da mobilidade urbana.
Entre elas podemos ressaltar:
• O transporte público agrega valor para o desenvolvimento de novas áreas. Transporte público de alta qualidade aumenta o valor dos imóveis. A infraestrutura de
transportes pode ser financiada conjuntamente com os desenvolvedores que se
beneficiam desse crescente valor da terra.
• Muitas cidades têm sucesso em projetos que integram uma política de revitalização do centro com uma requalificação dos transportes públicos
• Pedestres, ciclistas, ônibus e bondes coexistem perfeitamente bem nas áreas
centrais das grandes cidades. Mesmo em ruas estreitas onde os carros são proibidos, pedestres, ciclistas, bondes elétricos e ônibus podem funcionar em harmonia.
• Integração dos diferentes modais de transportes. Estações de intercâmbio bem
planejadas podem unir os transportes ferroviários, os metrôs, ônibus e bondes.
• Em Gotemburgo (Suécia) uma ampla rede de monitores informa, em tempo
real, a posição de mais de 450 ônibus elétricos e veículos leves sobre trilhos.
190
Paulo Simão
Essas informações são acessíveis em tempo real,
pela internet.
• Corredores de ônibus transportam de 40% a 200%
mais passageiros em horários de pico. Dublin (Irlanda) tem investido em 12 corredores de ônibus de
qualidade. Esses corredores preveem: prioridade, direito de passagem e espaço viário dedicado a ônibus
(um ônibus a cada 1-3 minutos durante períodos de
pico), informações em tempo real; abrigos em cada
parada. Com isso, o tempo de viagem de ônibus foi
reduzido em 30% a 50%. O número de automóveis
que entram no interior da cidade de Dublin foi reduzido em 21,4% (de novembro de 1997 a novembro
de 2004), e o número de passageiros de ônibus aumentou 49% durante o mesmo período.
• Redes de ônibus de alta capacidade podem transportar grandes quantidades de pessoas. Países
emergentes e em desenvolvimento precisam investir em sistemas de transportes urbanos que sejam sustentáveis e que possam responder às suas
crescentes necessidades de mobilidade.
• O renascimento dos bondes - 20 anos atrás,
apenas três cidades da França ainda tinham
bondes. Sistemas totalmente novos foram introduzidos com sucesso em Nantes, Grenoble, Estrasburgo, Paris, Rouen, Montpellier, Lyon e Orleans. Isso
foi possível graças à implementação de uma “taxa de
transporte”, um imposto pago pelos empregadores e
utilizado para o investimento e operação dos transportes públicos.
• Nas cidades grandes, o metrô é inigualável na sua
capacidade de rapidamente mover grande número
de pessoas: 20.000 passageiros por hora em cada
sentido é a média, subindo para mais de 80.000 em
algumas redes.
Mesmo em ruas
estreitas onde
os carros são
proibidos,
pedestres,
ciclistas,
bondes
elétricos e
ônibus podem
funcionar em
harmonia.
191
Em busca da melhor cidade
Considerações finais
As chamadas
“dores do
crescimento”
cobram alto
preço das
diferentes
instâncias de
governo, da
iniciativa
privada e
da própria
sociedade.
192
O Brasil alcançou na última década um estágio de
maturidade econômica e de desenvolvimento social
que levou o País a um papel de protagonismo no
contexto internacional como uma das nações mais
importantes do mundo. Essa evolução não tem se
dado, entretanto, sem contratempos. As chamadas
“dores do crescimento” cobram alto preço das diferentes instâncias de governo, da iniciativa privada e
da própria sociedade. São problemas de infraestrutura que, nos grandes centros urbanos, assumem
cores dramáticas. Neste capítulo, procuramos lançar
luz sobre três temas que consideramos fundamentais para a vida nas cidades: moradia, saneamento e
mobilidade.
Neste ano de eleições municipais, gestores públicos e a própria sociedade tiveram a oportunidade
de promover um amplo debate sobre soluções permanentes para esses temas, que estão na base de
problemas cruciais nos grandes centros urbanos,
como: violência, elevada incidência de doenças
sanitárias, expansão do volume de populações em
situação de vulnerabilidade, estrangulamento da
capacidade de fluxo de produtos e pessoas, entre
outros impactos decorrentes do crescimento das
cidades sem planejamento.
O Partido Social Democrático, com o presente
documento, presta um importante serviço ao povo
brasileiro, oferecendo valiosos subsídios para a
qualificação dos debates políticos que não devem
se limitar ao período de eleições municipais. Espero que as avaliações e considerações feitas neste
capítulo sirvam de base para a elaboração de planos de governo para os gestores que acabam de
ser eleitos, e também para orientação dos vereadores que terão como missão
auxiliá-los ou fiscalizá-los.
FONTES
1. Programa Sanear é Viver – Câmara Brasileira da Indústria da Construção
2. Programa Moradia Digna – Câmara Brasileira da Indústria da Construção
3. Transport Problems Facing World Cities – estudo elaborado pelo Parlamento Australiano
4. CIUDADES EN MOVIMIENTO – Revisión de la Estrategia de Transporte Urbano de Banco
Mundial –pelo Banco Mundial
5. O Transporte Público e o Trânsito para uma Cidade Melhor - Cartilha elaborada pela
Agência Nacional de Transportes Públicos
6. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
193
Fábio Feldmann
Administrador e advogado
com mais de 40 anos de atuação na área de meio ambiente
e desenvolvimento sustentável.
Contribuiu para a criação da Fundação SOS Mata Atlântica
e foi secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo,
além de ser autor de parte da legislação ambiental brasileira.
Coordena o Conselho Temático sobre Meio Ambiente
do Espaço Democrático.
194
Fábio Feldmann
O
l
i
x
o
e a rua:
o Município
e o meio ambiente
195
Em busca da melhor cidade
196
Fábio Feldmann
“
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora das cidades, sem dúvida; mas todos os
anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar
para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevamse, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se
que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais
substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. É uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda
Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas” (CALVINO,
Ítalo; As cidades invisíveis, pg. 106 1).
Lixo filosoficamente...
Segundo o livro “Dirty: the filthy reality of everyday life”2, desde o período
Neolítico, observamos as conseqüências culturais, mentais e econômicas da nossa
aversão à sujeira. Diferentemente de outros animais, humanos não apenas criaram
ferramentas e tecnologias para manter a “sujeira” afastada, como também criaram
ideologias que agregaram o significado de perigo em relação a ela para amedrontar, coagir e educar as pessoas.
O lixo doméstico, em particular, ressalta o problema do lixo como íntimo, perpétuo
e desprezado. É íntimo por ser uma das poucas atividades que praticamos por 24
horas, exceto, talvez, durante o sono, quando não o geramos. Assim, o lixo que
produzimos reflete desde os nossos comportamentos mais banais até nossos momentos mais importantes.
É perpétuo, por não existir uma forma de parar a sua produção. E é desprezado
por muitas razões: a mais simples delas é o seu poder conglomerado de desgosto.
Uma única casca de laranja mofada não é tão grave, especialmente se for nossa
própria laranja, mas um balde de laranjas podres de uma fonte desconhecida pode
provocar forte reação negativa.
1
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
COX, Rosie.; GEORGE, Rose; HORNE, R. H.; NAGLE, Robin; PISANI, Elizabeth; RALPH, Brian.; SMITH,
Virginia. Dirty: The filthy reality of everyday life. Londres: Profile Books, 2011.190 p
2
197
Em busca da melhor cidade
O lixo é um dos poucos assuntos que nos permitem refletir sobre os valores da
sociedade. No Brasil, o espelho de como nos relacionamos com a coisa pública é a
atitude muitos de nós ao simplesmente jogar na rua ponta de cigarro, papel usado
e outros utensílios como latas ou embalagens. Esta atitude não é exclusividade
de nenhuma classe social. É comum entre pobres e ricos. Aliás, o que surpreende
é que o brasileiro, de maneira geral, é muito preocupado com a higiene, mas esta
preocupação encontra limite nos muros da sua casa.
Lixo no Brasil
Em que pese a importância da economia brasileira no mundo hoje, a maioria das
nossas cidades ainda deposita os seus resíduos em lixões e, quando muito, em
aterros sanitários nem sempre bem operados. Os dados da Pesquisa Nacional de
Saneamento Básico, estudo do IBGE de 2008, são reveladores:
Destino final dos resíduos sólidos,
por unidades de destino dos resíduos (%)
Ano
Vazadouro a céu aberto
Aterro controlado
Aterro sanitário
1989
88,2
9,6
1,1
2000
72,3
22,3
17,3
2008
50,8
22,5
27,7
Fonte: Pesquisa Nacional do Saneamento Básico de 2008 - IBGE
A tabela indica que o número de cidades brasileiras que dão uma destinação final adequada aos resíduos sólidos aumentou entre 2000 e 2008, mas os lixões
(vazadouros a céu aberto) ainda eram o principal destino do lixo em 50,8% das
cidades há 4 anos. Em 2000, esse percentual era de 72,3%.
Os lixões ainda são um dos principais desafios de saneamento básico do Brasil.
Neles são lançados todos os tipos de resíduos, sem qualquer forma de tratamento
ou reciclagem, provocando sérios danos ao meio ambiente. A decomposição do
lixo orgânico gera potentes gases causadores de efeito estufa, como o metano
e o dióxido de carbono. Sem falar na contaminação que, do solo, vai para a água.
A título de explicação, os gases de efeito estufa (GEE) são gases presentes na
atmosfera terrestre que têm como função bloquear parte dessa radiação infravermelha. Muitos deles, como o vapor d’água, o dióxido de carbono (CO2), o metano
198
Fábio Feldmann
(CH4), o óxido nitroso (N2O) e o ozônio (O3), existem naturalmente na atmosfera e
são essenciais para a manutenção da vida no planeta, pois, sem eles, a Terra seria,
em média, 30ºC mais fria.
O aumento da concentração desses gases na atmosfera, em razão da ação humana, tem causado a potencialização do “efeito estufa”, aumentando a temperatura
média do planeta. A pesquisa do IBGE mostra também que o índice de Municípios
que passaram a usar prioritariamente os aterros sanitários aumentou de 17,3%
em 2000, para 27,7% em 2008. Já a proporção de cidades que recorrem a aterros
controlados, mais adequados do que os lixões, mas que não são a alternativa
ideal, permaneceu praticamente estagnada: em 2000, eram 22,3%; em 2008,
esse número passou para 22,5%.
Segundo dados da Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública
e Resíduos Especiais, com o crescimento da economia e do consumo, em 2011,
foram produzidos no Brasil quase 62 milhões de toneladas de lixo, 1,8% a mais
que em 2010, sendo que cada brasileiro produziu, em média, em 2011, um quilo e
223 gramas de lixo por dia.
De todo o lixo produzido, 10% não foram coletados, ou seja, 6,4 milhões de toneladas3. Outro problema grave é a mistura do lixo tóxico com o lixo comum; um
exemplo citado na pesquisa do IBGE é que, em 2008, apenas 38,9% das empresas
coletoras de lixo tratavam resíduos de serviços de saúde em aterros específicos.
Política Nacional de Educação Ambiental X
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
Do ponto de vista legal, apenas no ano de 2010, após quase 20 anos de tramitação no Congresso Nacional, foi editada uma legislação específica sobre resíduos sólidos: a Lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº.
12.305/2010).
Conforme mencionado no artigo a ser publicado “Lei dos Resíduos e Lei da Educação Ambiental: por uma aplicação integrada das normas relativas às políticas
públicas”, a primeira proposta a trazer a idéia de uma lei abrangente sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi o Projeto de Lei nº 3.333/92, que surgiu logo
após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
3
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/04/mais-de-40-do-lixo-coletado-nao-temdestinacao-adequada-mostra-relatorio.html
199
Em busca da melhor cidade
Os lixões
ainda são um
dos principais
desafios de
saneamento
básico do
Brasil. Neles
são lançados
todos os tipos
de resíduos,
sem qualquer
forma de
tratamento
ou reciclagem,
provocando
sérios danos
ao meio
ambiente.
200
(Cnumad), mais conhecida como Eco-92 ou Rio-92,
em conjunto com o Projeto de Lei nº 3.792/93, que
veio a se transformar na Lei da Educação Ambiental.
Ambas as legislações compartilham gênese e
fundamentação teórico-conceitual, assumindo o
paradigma do Desenvolvimento Sustentável, que
se consagrou a partir da publicação do Relatório
Brundtland, em 1987. Ambas adotam a concepção
do meio ambiente em sua integralidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o
socioeconômico e o cultural.
Entendem que a proteção ambiental é responsabilidade compartilhada do poder público, de todas as
esferas de governo e dos diferentes atores sociais.
E o mais importante: os dois textos legais põem,
no núcleo da eficácia das ações governamentais
nesse campo, as práticas educativas voltadas à
sensibilização da coletividade sobre as questões
ambientais.
Vale ressaltar que a lentidão do processo legislativo
que gerou a Política Nacional de Resíduos Sólidos
pode ser explicada, pelo menos em parte, em face
da quantidade e da complexidade de assuntos
debatidos. As maiores polêmicas relacionam-se
à responsabilidade pós-consumo do setor empresarial, à importação de resíduos e à incineração.
Mesmo após ser aprovada, infelizmente a aplicação
da Lei ainda caminha lentamente: dos 5.565 Municípios brasileiros, apenas 191 (3,4%) possuem,
até o momento, novos planos de gestão aprovados
pelo Ministério do Meio Ambiente. De acordo com a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, Prefeituras e
Estados têm até 2 de agosto de 2012 para apresentar seus planos, caso queiram receber recursos do
governo para aplicação no setor.
Fábio Feldmann
Lixo e o Planeta – Metano X Aquecimento Global
Como já foi explicado acima, o processo de decomposição de dejetos orgânicos
libera CH4 em grandes proporções. Ou seja, quanto mais lixo, mais gás metano! As
emissões do Setor de Tratamento de Resíduos, conforme a Segunda Comunicação
Nacional de 2005, apresentada ao Secretariado da Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas, representaram 9,6% do total das emissões de
CH4 em 2005. No período de 1990 a 2005, as emissões de CH4 do Tratamento
de Resíduos Sólidos aumentaram 42%, e já estamos em 2012! Certamente
essas emissões tendem a aumentar, pelo crescimento da economia e o aumento do consumo.
É importante se assinalar que a captura do metano tem sido um dos principais
focos de projetos de MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. A título de
explicação, o MDL é um dos mecanismos de flexibilização, previsto pelo Protocolo
de Kyoto, que tem como finalidade ajudar os países do Anexo I do tratado a cumprirem suas metas quantificadas de redução de emissões, além de promover o
desenvolvimento sustentável em países do Não Anexo I.
Vale lembrar que a cidade de São Paulo realizou um importante projeto de MDL no
Aterro Bandeirantes, no qual os gases liberados no aterro são capturados e transformados em energia elétrica. Dessa maneira, além de se evitar o lançamento de
GEE, os resíduos são aproveitados para gerar energia e, com isso, a Prefeitura pode
comercializar as RCE’s – Reduções Certificadas de Emissão.
A geração de lixo orgânico demonstra que cada um de nós, ao desperdiçar alimentos, contribui para o aquecimento global. Tanto isso é importante que o Parlamento Europeu, em recentíssima Resolução, no dia 19 de janeiro de 2012, solicitou
que medidas urgentes sejam tomadas a fim de reduzir para metade o desperdício
alimentar até 2025.
Um estudo publicado pelo Parlamento Europeu estima a produção anual de resíduos alimentares, nos 27 Estados-Membros, em cerca de 89 milhões de toneladas, isto é, 179 kg per capita, com grandes variações entre os países e os diversos
setores, sem sequer mencionar os desperdícios em nível de produção agrícola ou
as devoluções de peixes ao mar.
À medida que a economia brasileira está crescendo, há necessidade de que o País
também passe a adotar providências nesse sentido. Se medidas preventivas adicionais não forem tomadas, o volume global de desperdício alimentar atingirá, em
201
Em busca da melhor cidade
2020, 126 milhões de toneladas (aumento de 40%). Esta Resolução demonstra
claramente como é urgente a necessidade de mudança de atitude das pessoas em
relação ao desperdício alimentar.
No Brasil, ainda que não tenhamos dados precisos, há um movimento cultural de
informar o desperdício, como se verificou em uma matéria recentemente publicada
na Folha de São Paulo, no suplemento A Gourmet, no dia 04 de abril de 2012, da
jornalista Alexandra Forbes, sob o título “Os chefs que abraçam o lixo”. Este artigo evidencia o desperdício de peixes vendidos no atacado do Ceasa (Centro de
abastecimento de São Paulo), devido ao descuido no manuseio e transporte, resultando em um desinteresse por parte dos compradores em peixes descabeçados e
machucados, e até mesmo em peixes pequenos.
Lixo e Oceanos
O lixo, além de contribuir para o aquecimento global, está gerando graves
problemas aos oceanos. Estes se tornaram uma espécie de repositório global
para o lixo que geramos, incluindo madeira, metal, vidro e plástico de várias fontes.
O papel do plástico no oceano é ainda pouco compreendido, mas representa uma
ameaça potencial para os ecossistemas e para a saúde humana.
A cada ano, bilhões de toneladas de plástico são produzidas no mundo e apenas
uma parte é reciclada ou reaproveitada, sendo que a maior parte vai para a natureza. O tempo de degradação do plástico no meio ambiente é, em grande parte,
desconhecido, mas as estimativas estão na ordem de centenas de anos.
De acordo com a Global Marine Litter Information Gateway, do Pnuma (Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente), detritos de plástico constituem 90% de
todo o lixo flutuante dos oceanos. Além disso, o próprio Pnuma aponta que cigarros e pontas de cigarro representam quase um quarto de todo o lixo despejado nos
oceanos4. Mais uma vez ressaltamos que atitudes banais comprometem enormemente nossos oceanos.
UNEP – Ocean Conservancy, Regional Seas, GPA. Marine litter: a global challenge. Nairobi,
2009.
4
FELDMANN, Fabio. Sustentabilidade planetária, onde eu entro nisso? / Fabio Feldmann. – São
Paulo: Terra Virgem, 2011.il. pág. 143.
5
202
Fábio Feldmann
É importante mencionar que, hoje, há um “continente de lixo” que navega no Pacífico. Descoberto há
uma década entre o Havaí e a Califórnia, é o “maior
lixão” da Terra: flutuante, cobre uma área tão grande
quanto a do continente americano5. Segundo pesquisadores, é provável que também existam ilhas
de lixo como essa em outros lugares do planeta:
ao que parece, o fenômeno já foi documentado
por dois grupos de cientistas que navegavam entre
a paradisíaca Bermuda e as ilhas portuguesas dos
Açores, no meio do Atlântico. Isso ocorre porque os
detritos de plástico são menos densos que a água e,
portanto, flutuam.
Lixo e fauna
Segundo estudo publicado em 2011 pelas instituições Algalita Marine Research Foundation e
California Coastal Water Research Project, cerca
de 35% dos peixes apanhados em uma expedição
de pesquisa realizada em 2008, na costa oeste dos
Estados Unidos, apresentaram em média dois pedaços de plástico em seus estômagos. A ingestão de
plásticos, confundidos com comida, é facilmente
documentada em aves, tartarugas marinhas e
mamíferos marinhos, e pode ser fatal: albatrozes
podem confundir plástico vermelho com lulas,
tartarugas podem confundir sacos plásticos com
medusas.
No Brasil esse problema é uma das grandes ameaças
à fauna marinha. Um dos animais que mais sofrem
com os plásticos são as tartarugas marinhas. Elas
confundem os restos de plástico com alimento, ingerindo-os, mas seus estômagos não digerem esse
material. De acordo com especialistas do Projeto
O lixo,
além de
contribuir
para o
aquecimento
global, está
gerando graves
problemas aos
oceanos.
Estes
se tornaram
uma espécie
de repositório
global para os
resíduos que
geramos.
203
Em busca da melhor cidade
A médio
prazo, a
implementação
Tamar, o plástico fica paralisado no estômago das
tartarugas e proporciona uma sensação de saciedade. Em consequência, elas param de se alimentar
e morrem de inanição.
da logística
reversa pode
significar
uma radical
inovação
em toda a
cadeia
produtiva,
exigindo que o
pós-consumo
seja levado em
consideração.
Lixo eletrônico
Além dos desafios do lixo mencionados anteriormente, surge um dos novos desafios em relação aos resíduos sólidos, que diz respeito ao lixo
eletrônico. De acordo com o Pnuma, o Brasil é o
mercado emergente que gera o maior volume de
lixo eletrônico per capita, o que mais toneladas de
geladeiras abandona a cada ano por pessoa, além
de ser um dos líderes em descartar celulares, televisões e impressoras. Para se ter uma idéia, o Brasil abandona 96,8 mil toneladas métricas de computadores por ano, ficando atrás apenas da China,
com 300 mil toneladas6.
Comemorando a explosão do consumo no Brasil,
o então presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Ronaldo Sardenberg,
anunciou, em novembro de 2010, que o Brasil
já havia ultrapassado a marca de um celular por
habitante. A preocupação que fica é o destino
desses celulares e de suas baterias. Nesse sentido, fica ainda mais evidente a necessidade
de um consumo mais consciente por parte de
todos.
BRASIL é o campeão do lixo eletrônico entre emergentes.
O Estado de S. Paulo, 22 fev. 2012. disponível em: http://
www.estadao.com.br/noticias/vidae,brasil-e-o-campeao-dolixo-eletronico-entre-emergentes,514495,o.htm
6
204
Fábio Feldmann
Economia circular
O lixo, portanto, reclama da sociedade uma mudança radical, desde o comportamento de cada cidadão, exigindo o que muitos chamam de “economia circular”,
ou seja, quando o uso de materiais e a geração de resíduos são minimizados,
os resíduos inevitáveis são reciclados ou remanufaturados, e qualquer resíduo
restante é tratado de modo que cause o mínimo dano ao meio ambiente e à saúde
humana7. Dessa maneira, caso queiramos de fato caminhar na direção do desenvolvimento sustentável, há que se repensar o que é o lixo, a partir de uma visão
holística, de modo a introduzi-lo nesse novo conceito de economia.
Vale ressaltar que um dos pontos mais desafiadores na implementação da Política
Nacional de Resíduos Sólidos, com um papel catalisador na economia circular, é a
chamada “logística reversa” ou “responsabilidade pós-consumo”: o setor empresarial, junto ao poder público e aos consumidores, assume a responsabilidade de
garantir uma boa destinação ao lixo. A médio prazo, a implementação da logística
reversa pode significar uma radical inovação em toda a cadeia produtiva, exigindo
que, desde a concepção e o desenho dos bens e serviços, o pós-consumo seja
levado em consideração.
No caso dos celulares, por exemplo, a logística reversa será muito eficaz, uma vez
que muitos desses aparelhos são descartados em um período de dois anos, e alguns de seus componentes são tóxicos e cumulativos.
Rio + 20
A Rio-92 foi um marco importante no estabelecimento de uma agenda do século XXI e influenciou a legislação brasileira, principalmente a Política Nacional de
Recursos Hídricos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Política Nacional
de Educação Ambiental. Ambientalistas de todo o mundo acompanharam com
interesse especial os preparativos da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável realizada entre 13 e 22 de junho de 2012,
na cidade do Rio de Janeiro, e que teve como eixos principais os temas: Economia
FELDMANN, Fabio. Sustentabilidade planetária, onde eu entro nisso? / Fabio Feldmann. – São
Paulo: Terra Virgem, 2011. il. Pág. 140
7
205
Em busca da melhor cidade
Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza e
Governança Ambiental Internacional.
Estabeleceu-se como objetivo da Conferência a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das
lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o
assunto e do tratamento de temas novos e emergentes. Via-se como o grande desafio da Conferência não a formulação de novos temas, e sim o desenvolvimento
dos temas já discutidos por todos em uma dimensão planetária.
Havia grande esperança de que esta Conferência tivesse a capacidade de transmitir o senso de urgência trazido pelos estudos científicos que demonstram que
há necessidade de ação imediata para evitar o agravamento das condições de
sustentabilidade do planeta. A título de exemplo, num paradigmático artigo recentemente publicado na revista Nature (Vol. 461 – 24/09/2009), uma equipe de
cientistas liderados por Johan Rockström apontou nove limites planetários: mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, ozônio estratosférico, ciclos globais
de Fósforo e Nitrogênio, aerossol atmosférico, mudanças no uso do solo, perda na
biodiversidade, poluição química e o consumo de água doce.
O artigo é paradigmático pela tentativa de estabelecer uma metodologia de mensuração, ainda que evidencie as dificuldades científicas para tanto. Sinaliza a necessidade de que a comunidade internacional, os países, as empresas, as cidades,
enfim, a sociedade contemporânea, incorpore essa nova visão de mundo nos processos de tomada de decisão.
Para enfrentar um desafio tão dramático, a Humanidade terá que traçar novas estratégias, repensar a economia e, mais do que qualquer coisa, discutir os padrões
de consumo e estilos de vida praticados pelo que chamamos, genericamente, de
“sociedade de consumo”. Talvez a maior dificuldade resida em se colocar o cidadão
comum nesta discussão com a consciência de que cada um de nós tem a sua
responsabilidade na geração inevitável do nosso lixo de cada dia.
Este nosso lixo de cada dia tem um papel crucial na construção de uma cidadania
planetária do século XXI, uma vez que contribui para o aquecimento global, a contaminação dos mares, ameaça à biodiversidade, enfim, a nossa sobrevivência. Para
tanto, esta agenda deve ser compartilhada entre cidadãos, enquanto eleitores e
consumidores, empresários, produtores de bens e serviços, governos, sociedade
civil e partidos políticos, responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas.
206
207
Tulio Kahn
Sociólogo, doutor em ciência política pela USP
e autor de diversos trabalhos sobre segurança e criminologia.
Foi Diretor do Departamento Nacional de Segurança Pública
do Ministério da Justiça no governo FHC
e coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria
de Segurança Pública de São Paulo.
Colaborou com universidades da Inglaterra e dos EUA
e atualmente é conselheiro do Espaço Democrático
208
Tulio Kahn
Calçadas iluminadas:
a segurança pública e o
p
o
d
e
r
l
o
c
a
l
209
Em busca da melhor cidade
210
Q
Tulio Kahn
ual o papel do Município na segurança pública, levando em conta o marco federativo?
Durante muitos anos predominou no Brasil a visão de que segurança pública é um problema do governo estadual, que controla
as polícias Civil e Militar, principais responsáveis pela investigação e prevenção imediata e ostensiva ao crime. Essa visão
restritiva do problema da segurança ocorre quando se identifica segurança pública com polícia. Se segurança equivalesse
apenas a polícia, haveria uma parcela de verdade naquela percepção, pois embora
a União controle a Polícia Federal e a Rodoviária Federal, e muitos Municípios
tenham Guardas, suas funções são limitadas pela Constituição e seus efetivos e
recursos são diminutos, comparando-os com as polícias estaduais.
Ocorre que já se percebeu, há muitos anos, que o tema segurança pública é muito
mais amplo e envolve outras esferas de atuação, muitas delas de responsabilidade
municipal. Limitar a questão da segurança pública ao policiamento investigativo e
ostensivo é garantia de uma política de segurança mal concebida e mal sucedida.
Para além desta ampliação conceitual da “segurança”, que não se limita à polícia,
é preciso repensar o atual marco federativo que restringiu na Constituição o papel
das Guardas municipais à proteção patrimonial dos próprios municipais. Tal limitação, já superada na prática, ainda não foi equacionada no âmbito legal. Basta
olhar as pesquisas do IBGE sobre a atuação das Guardas para perceber que elas
já executam tarefas muito mais amplas do que as reservadas pela Constituição.
Segundo a pesquisa MUNIC 2009, entre as funções exercidas pelas Guardas estão:
“Segurança e/ou proteção do prefeito e/ou outras autoridades”, “Ronda escolar”,
‘Proteção de bens, serviços e instalações do Município”, “Posto de guarda”, “Patrulhamento ostensivo a pé, motorizado ou montado”, “Atividades da defesa civil”,
“Atendimento de ocorrências policiais”, “Proteção ambiental”, “Auxílio no ordenamento do trânsito”, “Controle e fiscalização de comércio de ambulantes”, “Auxílio à Polícia Militar”, “Ações educativas junto à população”, “Auxílio à Polícia Civil”,
“Patrulhamento de vias públicas”, “Auxílio ao público”, “Auxílio no atendimento ao
Conselho Tutelar”, “Segurança em eventos/comemorações”, “Atendimentos sociais
(partos, assistência social, dentre outros)”, “Serviços administrativos”, “Assistência
ao Judiciário” e “Programas sociais de prevenção ao crime e violência”, entre outras.
Trata-se de um arranjo institucional informal e que não raramente implica conflito e sobreposição de tarefas com os outros atores. Faz-se necessário um novo
211
Em busca da melhor cidade
A população
não restringe
segurança à
polícia e vê no
desemprego
e na pobreza
algumas das
causas da
violência.
Por isso,
governo
federal,
estaduais
e municipais
são
responsabilizados
igualmente
quando a
criminalidade
cresce.
212
arranjo federativo para adequar as atuais funções
das Guardas ao marco legal, pois hoje há um grande
descompasso entre a esfera legal e a realidade das
Guardas. Esta extrapolação de funções tem diversas
causas – facilitadas pelas ambiguidades e falta de
clareza jurídica na área: ao mesmo tempo em que,
por um lado, rejeitam compartilhar o “poder de polícia” com as Guardas e reclamam de intromissão indevida, por outro, as polícias estaduais aceitam de
bom grado a colaboração das Guardas no atendimento à população, principalmente quando se trata de
ocorrências de menor potencial ofensivo e tarefas de
preservação da ordem e costumes.
Quando passam da ativa para a reserva, é frequente
que ex-delegados ou ex-oficiais da PM assumam postos de comando nas Guardas ou Secretarias Municipais de Segurança. Nessa posição vão provavelmente
repetir o que aprenderam nas polícias, e acabam por
transformar as Guardas em versões menores das polícias estaduais. Finalmente, o governo federal, mediante seus fundos, patrocina atividades que, a rigor,
não caberiam às Guardas, reforçando a tendência municipalista que já afetou outras esferas.
Qual a contribuição dos municípios
na área?
A maioria dos Municípios criou suas Guardas municipais nas últimas duas décadas, e muitos atrelaramnas a secretarias municipais de segurança pública ou
algo equivalente, como secretarias de defesa, cidadania, etc. Segundo o IBGE (MUNIC, 2009), 15,5% dos
Municípios brasileiros contam atualmente com Guardas Municipais, porcentual que cresce linearmente
conforme o tamanho da população: nos Municípios
com mais de 500 mil habitantes, o percentual com
Tulio Kahn
Guarda sobe para 87,5%. Em números absolutos, são 865 Guardas em atuação no
País, somando um efetivo de 86.199 pessoas.
Grandes Regiões
e classes de tamanho
da população
dos Municípios
Municípios
Com existência de Guarda Municipal
Total
Total
Efetivo
Total (1)
Homens
Mulheres
Brasil
5 565
865
86 199
73 624
11 525
Até 5 000
1 257
25
213
194
19
De
5 001 a 10 000
1 294
81
1 208
1 140
68
De 10 001 a 20 000
1 370
183
4 078
3 796
282
De 20 001 a 50 000
1 055
268
12 396
11 189
1 207
De 50 001 a 100 000
316
122
9 544
8 336
1 208
De 100 001 a 500 000
233
151
25 375
21 827
3 378
40
35
33 385
27 142
5 363
Mais de 500 000
Essa tendência tem várias explicações, que vão além da “interiorização” da violência, e aponto aqui apenas algumas delas. Em primeiro lugar, os Municípios sempre
investiram em segurança, ajudando as polícias estaduais que raramente contam
com os recursos adequados. As Prefeituras emprestam seus funcionários para
ajudar no atendimento em delegacias, pagam gasolina para as viaturas, emprestam ou alugam imóveis para sediar as polícias, cedem equipamentos e insumos.
Segundo a pesquisa “Perfil das Guardas Municipais”, conduzida em 2007 pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública, 26% da amostra de Municípios afirmou
contribuir com as polícias estaduais. O investimento médio anual dos Municípios
nas polícias estaduais foi estimado em R$ 678 mil reais, o suficiente para manter um pequeno efetivo de Guardas (cerca de 30). As Prefeituras gastam também
contratando vigilantes das empresas privadas de segurança, terceirizando o serviço a um custo menor.
Mesmo contribuindo financeiramente, nem sempre as necessidades da Prefeitura
são levadas em conta pelas polícias estaduais. Assim, já que é para gastar, muitos
prefeitos optam por criar suas próprias forças locais, sob sua subordinação exclusiva. Outro aspecto a destacar é que, para a população, todos os níveis de governo
são responsáveis quando a segurança capenga. Várias pesquisas de opinião já
constataram isso.
213
Em busca da melhor cidade
A população não restringe segurança à polícia e vê no desemprego e na pobreza
algumas das causas da violência. Por isso, governo federal, estaduais e municipais são responsabilizados igualmente quando a criminalidade cresce. Isto tem
implicações políticas, por certo, e exige respostas de todos os Poderes. E explica
em parte porque, na última década, tanto o governo federal quanto as Prefeituras
assumiram parcialmente para si a questão da segurança.
Entre outras iniciativas, o governo federal criou o Fundo Nacional de Segurança
Pública, disponibilizando recursos aos Municípios para que invistam em segurança,
o que tem incentivado a que cada vez mais os Municípios se envolvam com o
tema. Carências das polícias estaduais, responsabilização política e eleitoral e novas fontes de recursos, portanto, são fatores que têm agido em conjunto para o
crescimento das Guardas, criação de Secretarias Municipais de Segurança e Planos
Municipais de Segurança.
Quaisquer que sejam as razões, a entrada dos Municípios na esfera da segurança
é um fato consumado, que tem trazido contribuições significativas para o País.
Em razão da sua criação mais recente (as polícias estaduais são instituições centenárias), das limitações de funções e de prerrogativas, as Guardas têm procurado
muitas vezes adotar um modelo diferente de atuação na segurança pública, de
tipo mais comunitário, menos violento, mais participativo, mais preventivo e mais
integrado com os demais órgãos municipais.
A limitação das Guardas, inclusive no que tange ao armamento, pode ser um incentivo para inventar outro modo de se fazer segurança pública, transformando
a limitação em virtude. As polícias estaduais, mesmo as que dizem adotar policiamento comunitário, concentraram-se na investigação e perseguição aos crimes
mais graves, e muitos policiais ainda consideram o atendimento social e o controle
da desordem física e social atividades menos nobres, de segunda ordem, que não
dizem respeito às polícias.
Por essas e outras razões, a atuação das Guardas vem ganhando espaço:
problemas como desordem – barulho, flanelinhas, pedintes agressivos, pichação,
sujeira, etc. – afetam cotidianamente um grande número de pessoas e incomodam
às vezes muito mais do que os crimes graves, que são relativamente raros. Mais
do que ser vítima de roubo, algo grave mas raro, são estes os elementos que aumentam a sensação de insegurança da população, como revelaram as pesquisas
de vitimização. É aí que o Município vem fincando suas bandeiras e ganhando
espaço e o reconhecimento da população.
214
Tulio Kahn
Iniciativas Municipais
Embora nem todos os Municípios contem com Guardas municipais, e estas tenham atribuições limitadas
na esfera da segurança, todos os Municípios contam
com recursos importantíssimos para a segurança. As
Prefeituras cuidam da limpeza, da conservação de
ruas e praças, da iluminação pública, do planejamento
urbano, dos excessos de ruídos e contam ainda com
equipamentos públicos de esportes e lazer. Sem mencionar a corresponsabilidade nas áreas de saúde e
educação. O título escolhido para este artigo, “calçadas iluminadas: a segurança pública e o poder local”
é um exemplo disso. Mas o que calçadas iluminadas
têm que ver com segurança?
Estudos criminológicos apontam há décadas as
raízes sociais e econômicas da criminalidade e da
violência. Revelam também como a desordem urbana afeta a sensação de segurança e atrai a criminalidade mais grave (teoria das janelas quebradas).
Mostram como soluções urbanísticas, mudanças no
mobiliário urbano e alterações arquitetônicas podem
ajudar na prevenção da criminalidade (Crime Prevention Trough Enviromental Design – CPTED). Se
não limitarmos segurança a policiamento, podemos
afirmar que o Município conta, para lidar com a criminalidade, com recursos estratégicos que nem mesmo
Estado e União têm.
Usando um exemplo clássico, imaginemos que, para
que um crime aconteça, precisemos necessariamente
de ao menos três elementos: um agressor motivado,
uma vítima ou bem disponível e um local onde ambos se encontrem para a consumação. Na medida em
que o Município despende recursos de modo eficaz
em educação e em políticas sociais para a redução da
Se não
limitarmos
segurança a
policiamento,
podemos
afirmar que
Município
conta, para
o
lidar com a
criminalidade,
com recursos
estratégicos
que nem mesmo
Estado e
União têm.
215
Em busca da melhor cidade
Existem
iniciativas
relevantes em
diversos níveis
nas mãos dos
Municípios que
queiram atuar
na esfera da
segurança,
tenham ou não
Guardas
Municipais.
216
pobreza e da desigualdade, ele indiretamente reduz
a motivação do agressor para o crime. Ruas limpas,
bem cuidadas e iluminadas reduzem a sensação de
insegurança da vítima, aumentam a visibilidade do
espaço público e previnem crimes. Um plano diretor bem concebido e planejado evita o crescimento
desordenado de bairros sem qualquer infraestrutura,
com elevado potencial criminógeno.
Mudanças na posição da catraca dos ônibus diminuem a evasão de tarifas, e a troca das fichas
por cartões evita a vandalização e o furto dos
orelhões. Câmaras de monitoramento, usadas com
parcimônia em áreas comerciais de grande circulação, levam à redução de furtos. A criação de um
centro integrado de monitoramento e despacho de
veículos de emergência, juntando serviços da Prefeitura e do Estado, é um dos projetos mais populares
nas Prefeituras que optaram por atuar na segurança,
até porque conta com apoio e recursos federais.
Muitos costumam afirmar que essas políticas sociais de saúde e educação da população são de longo
prazo e impactam apenas de forma indireta na criminalidade, enquanto a população quer soluções para
já. Isso é verdade para as políticas sociais aplicadas
de forma geral, mas estamos falando aqui de investimentos focados com critérios epidemiológicos, ou
seja, prevenção “secundária”, como classificam os
criminólogos. Programas sociais com foco espacial e
sócio-demográfico – centrado, por exemplo, nos jovens de sexo masculino, moradores da periferia, que
abandonaram a escola, que moram apenas com um
dos pais, etc. – são muito mais rápidos e eficazes se o
objetivo explícito é reduzir a criminalidade.
Com relação às outras políticas de controle da
desordem física e social e de reformas arquitetôni-
Tulio Kahn
cas e urbanísticas, inclusive alterações no mobiliário urbano, elas surtem efeitos
a curto prazo e, ao contrário do que se imagina, podem trazer impactos muito
mais diretos na criminalidade do que comprar novas viaturas e armas, invariavelmente solicitados aos fundos federais. Outra estratégia eficiente, porém
pouco utilizada por Estados e Municípios, é a regulação dos espaços semipúblicos
(espaços privados por onde circula grande quantidade de pessoas e, por isso, enfrentam problemas criminais que demandam a intervenção do Poder Público, como
shoppings e bancos).
A criação e fiscalização das posturas municipais e estaduais nesses espaços são
uma forma de organizar o uso desses equipamentos urbanos, garantindo algumas
regras mínimas. Exemplos disso são as posturas que exigem que os estacionamentos dos shoppings ofereçam seguro, que os bancos instalem portas giratórias
e contratem vigilantes, que os caixas automáticos 24 horas contem com isolamento para os usuários, que as pessoas cuidem da pintura, segurança e manutenção
das edificações. A famosa Lei Seca, adotada em algumas cidades paulistas, e que
limitou o funcionamento dos bares em certos horários e dias da semana, é um
exemplo de regulação dos espaços semipúblicos que contribuiu para a redução dos
homicídios em São Paulo.
Finalmente, é preciso lembrar as regras já existentes, porém pouco fiscalizadas,
como as que proíbem a venda de bebidas alcoólicas para menores, a fiscalização
dos desmanches de automóveis, a interdição de imóveis deteriorados e utilizados
para o consumo de drogas, a fiscalização da lei do silêncio. Em suma, existem
iniciativas relevantes em diversos níveis nas mãos dos Municípios que queiram
atuar na esfera da segurança, tenham ou não Guardas Municipais.
Iluminação Pública e Segurança
Em teoria, faz sentido a tese de que melhorias na iluminação das ruas e calçadas aumentam a possibilidade de que as pessoas vejam umas às outras, reforçando
assim a segurança mútua. A questão da visibilidade é um dos aspectos-chave para
os adeptos da estratégia do CPTED – prevenção através de mudanças ambientais. Entretanto, existiriam evidências sólidas de que a iluminação realmente
traz um impacto positivo sobre a criminalidade ou a insegurança? Os achados são
ambíguos, como veremos na revisão a seguir.
Em 1979, o Instituto Nacional de Aplicação da Lei e Justiça Criminal dos EUA fez
217
Em busca da melhor cidade
uma revisão de 60 avaliações do efeito da iluminação sobre a criminalidade. O
autor da revisão não conseguiu concluir na ocasião se a iluminação das ruas era
ou não uma abordagem efetiva para deter o crime. O problema estava na pobreza
metodológica e na precariedade dos dados e estudos, que impediam qualquer
conclusão definitiva sobre a relação entre iluminação e crime (Tien, et. al. 1979,
page 93).
Nos anos 80 novos estudos foram realizados, principalmente em bairros de
Londres, com resultados pouco promissores. Atkins, Husain e Storey (1991)
compararam os crimes registrados um ano antes e depois que 39 áreas de um bairro tiveram a iluminação reforçada. Embora o experimento não tenha sido rigoroso
do ponto de vista científico, a conclusão foi que nenhuma mudança sistemática
nos níveis de criminalidade foi observada. Pesquisa com os moradores de uma das
áreas tampouco encontrou mudanças nas percepções de segurança.
Por outro lado, resultados mais promissores foram encontrados posteriormente
em estudos realizados na Escócia e Inglaterra. Os estudos compararam taxas de
vitimização e crimes registrados na polícia antes e depois do projeto de iluminação,
porém sem utilização de grupos de controle, o que diminui sua validade. Painter
(1994) examinou três intervenções que melhoraram a iluminação em áreas que
concentravam crimes em Londres. Pedestres foram entrevistados, sempre à noite,
antes e depois das seis semanas de implantação das melhorias.
Os resultados são reportados na tabela a seguir.
Autores
e data
Atkins, Husain e
Storey. 1991
local
efeitos
39 áreas Nenhum efeito sistemático sobre crimes ou percepção
de Londres de segurança
Ditton e Nair.
1994
Glascow
Diminuição da vitimização na vizinhança entre 32% e
68%. Redução de 14% nos crimes relatados a polícia
Painter.
1994
Londres
86% de redução nos roubos de rua, crimes em veículos
e ameaças
Painter.
1994
Londres
78% de redução nos roubos de rua, crimes em veículos
e ameaças
Painter.
1994
Londres
100% de redução nos roubos de rua, crimes em veículos e ameaças (mas com taxas base muito pequenas
para serem significativas)
Fonte: Eck, John. Capitulo 7 de Preventing Crime, What Works, What doesn´t, What´s promising
218
Tulio Kahn
Apesar dos resultados mais animadores dessas pesquisas sobre iluminação e
redução de crimes e insegurança, os críticos apontam a fraqueza metodológica
dessas pesquisas, pois não permitem fazer inferências seguras em razão da falta
de grupos de controle. Como Eck sintetiza ao final da meta análise, “nós podemos
especular que a iluminação é efetiva em alguns lugares, ineficaz em outros e
ainda contraprodutiva em algumas circunstâncias”, pois a mesma luz que transmite a sensação de segurança pode, em certos casos, ajudar os criminosos a detectar suas vítimas em potencial.
Esse exemplo da iluminação é ilustrativo de um problema recorrente na segurança
pública. Há muitas crenças sobre o que contribui para aumentar ou diminuir a
criminalidade e a sensação de segurança, mas a maioria delas jamais foi
avaliada de modo rigoroso. É comum que em campanhas eleitorais apareçam propostas para a segurança, recomendadas por “especialistas”, propostas que já se
mostraram ineficazes nos locais onde foram adotadas.
Recordo aqui o caso das “quadras esportivas” que, invariavelmente, aparecem ligadas à redução da violência juvenil. Sherman (2007) relata o caso de uma comunidade americana onde havia gangues juvenis, mas poucos confrontos, pois as
gangues são territoriais e vigorava uma espécie de acordo de não agressão. Pois
bem, com a criação do centro poliesportivo, as gangues passaram a disputar o controle do equipamento, gerando, ao contrário, mais violência do que antes...
Em resumo, o caso alerta para o perigo de adotarmos acriticamente iniciativas
que parecem lógicas, baseadas no senso comum, para diminuir a violência. Toda
iniciativa nesta área – como, aliás, em qualquer outra da administração – deve ser
precedida de uma análise extensiva da literatura existente, de um projeto piloto e
acompanhada de uma avaliação criteriosa, antes de ser transformada em política
pública de larga escala.
Sugestões para melhorar o desempenho municipal
Para melhorar o desempenho municipal na esfera da segurança, é preciso em
primeiro lugar planejar e coordenar as tarefas dos diferentes órgãos envolvidos,
inclusive a interação com os demais órgãos municipais, estaduais e federal. Um
Plano Municipal de Segurança é a primeira etapa, pois é o que define as linhas
mestras de atuação e os princípios que a regerão: respeito aos direitos individuais,
interdisciplinaridade, transparência das ações, participação comunitária.
219
Em busca da melhor cidade
Além dos princípios, ele deve estabelecer os principais programas, existentes ou
a serem desenvolvidos, os focos das intervenções, as responsabilidades de cada
entidade, as fontes de recurso, os grandes temas a serem abordados: desordem urbana, ações comunitárias, prevenção às drogas, pacificação do trânsito,
entre outros. A pesquisa Senasp “Perfil Organizacional das Guardas Municipais”,
de 2007, traz uma boa amostra dos princípios contidos nos Planos Municipais de
Segurança, reproduzidos na tabela a seguir.
Princípios dos Planos Municipais de Segurança Urbana entre os
Municípios que possuem Guarda Municipal (Brasil - 2005/2007):
Planos com Princípio
2005
2006
2007
N. Abs.
(%)
N. Abs.
(%)
N. Abs.
(%)*
106
91,38
110
93,22
118
55,92
Promoção dos direitos humanos
81
69,83
89
75,42
90
42,65
Obediência a legalidade
98
84,48
103
87,29
107
50,71
Incentivo a participação comunitária
96
82,76
102
86,44
111
52,61
Integração entre órgãos municipais
90
77,59
98
83,05
111
52,61
104
89,66
99
83,90
110
52,13
Implementação de ações sociais
95
81,90
97
82,20
102
48,34
Ampliação e modernização da guarda
98
84,48
102
86,44
106
50,24
-
-
-
-
83
39,34
89
42,18
111
52,61
111
52,61
81
38,39
Integração com as polícias civil e militar
Fiscalização às leis e posturas municipais
Planejamento com metas
Capacitação contínua do efetivo
Orientação sobre limites legais na ação
Transparência na divulgação de informações
Mediação de conflitos
*Para 2007 o percentual concerne todas as guardas municipais existentes, não somente
as que relataram ter planos municipais de segurança. esta alteração foi necessária porque
diversas GMs responderam a respeito dos princípios, apesar de terem afirmado não existir
o plano municipal.
Fonte: Ministério da Justiça / Secretaria Nacional de Segurança Pública / Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública / Pesquisa
Perfil Organizacional das Guardas Municipais
220
Tulio Kahn
A etapa seguinte passa pela criação de um órgão
específico para coordenar as ações municipais, com
É possível
status de secretaria ou não. Não estamos falando
tratar a
em apenas nomear um assessor para essa área,
segurança
como é comum, mas de um órgão completo, com es-
como um tema
trutura física e recursos humanos e materiais, orçamento definido, com poderes para acessar as informações do Município, recrutar funcionários, realizar
convênios e licitações e até interferir na alocação de
recursos e projetos dos demais órgãos municipais,
“carimbando” recursos para a segurança.
É este órgão que discute com as polícias estaduais e
transversal
de governo,
ligado a vários
setores da
administração
municipal.
o governo federal as bases para a atuação no Município, que busca recursos externos, faz os convênios e contratos, interage com as demais secretarias. É também o órgão que avalia com rigor os
projetos implementados e testa sua efetividade,
como no caso da iluminação de rua.
A pesquisa MUNIC do IBGE (2009) revela que são
vários os arranjos possíveis para institucionalizar
esse órgão coordenador, desde uma Secretaria de
Segurança Exclusiva até um órgão da administração
indireta. Note-se na tabela que 1.230 cidades afirmaram contar com alguma estrutura para gerir a área
de segurança, enquanto apenas 865 relataram ter
Guardas. Isto sugere que a existência da Guarda não
é uma condição necessária para atuar sobre a segurança municipal. É possível tratar a segurança como
um tema transversal de governo, ligado a vários
setores da administração municipal.
221
Em busca da melhor cidade
Grandes
Regiões
e
classes de
tamanho
da
população
dos
Municípios
Brasil
Municípios
Com estrutura na área de segurança,
por caracterização do órgão gestor
Total
Secretaria
municipal
exclusiva
Secretaria
municipal
em
conjunto
com
outras
políticas
Total
Setor
subordinado
a
outra
secretaria
Setor
subordinado
direta
mente a
chefia do
executivo
Órgão
da
administração
indireta
Não possui
estrutura
específica
5 565
1 230
166
102
377
581
4
4 334
Até 5 000
1 257
133
1
4
31
97
-
1 124
De 5 001
a 10 000
1 294
212
7
1
52
152
-
1 082
De 10 001
a 20 000
1 370
228
16
7
78
127
-
1 142
De 20 001
a 50 000
1 055
303
38
19
129
117
-
752
De 50 001
a 100 000
316
151
21
34
48
48
-
165
De 100 001
a 500 000
233
168
67
32
35
31
3
64
40
35
16
5
4
9
1
5
Mais de
500 000
Se a opção for pela criação ou ampliação da Guarda Municipal, é o Plano de Segurança e seu órgão executor que definem o estilo de atuação da mesma, o
treinamento, o tamanho do efetivo, os recursos orçamentários, se deve atuar
armada ou não, suas tarefas primárias e secundárias, onde e como ela deve realizar seu trabalho. Ainda no campo da organização institucional, para além da trinca
Plano, Secretaria e Guarda, é possível e desejável criar em algum momento futuro
um Fundo Municipal de Segurança, um Conselho Municipal de Segurança com integrantes de entidades públicas e da sociedade, uma Ouvidoria para fiscalizar eventuais abusos e Conselhos Comunitários de Segurança em cada bairro ou Distrito.
Estas instituições complementares são baseadas nas “boas práticas” já aplicadas pelas polícias estaduais, e altamente recomendáveis para traçar as linhas de
atuação na segurança, estimular a participação da sociedade e garantir o controle
sobre a Guarda. Na tabela abaixo, extraída da MUNIC IBGE (2009), reportamos a
quantidade absoluta de Municípios que afirmaram contar com alguma espécie de
Conselho Municipal, Fundos e Plano Municipal de Segurança.
222
Tulio Kahn
Grandes
Regiões
e
classes de
tamanho
da
população
dos
Municípios
Brasil
Municípios
Com Conselho Municipal de Segurança
Algumas características do conselho
Total
Total
Caráter do conselho
Paritário
Consultivo
Deliberativo
Normativo
Fiscalizador
Realizou
reunião
nos últimos 12
meses
Com
Fundo
Municipal
de
Segurança
Com
Plano
Municipal
de
Segurança
5 565
579
448
400
368
190
299
418
246
329
Até 5 000
1 257
60
51
38
40
26
37
46
24
23
De 5 001
a 10 000
1 294
93
72
61
55
38
53
61
37
20
De 10 001
a 20 000
1 370
110
85
78
71
31
56
78
46
35
De 20 001
a 50 000
1 055
133
105
86
98
55
73
100
58
94
De 50 001
a 100 000
316
76
58
55
51
21
41
57
41
55
De 100 001
a 500 000
233
85
60
68
39
16
32
64
30
81
40
22
17
14
14
3
7
12
10
21
Mais de
500 000
Para atuar de forma criteriosa e efetiva na segurança pública, os Municípios precisam se instrumentalizar e despender recursos significativos para garantir o
sucesso das políticas públicas de segurança, que não são apenas políticas de segurança pública. Trata-se de uma tarefa de longo prazo, para minimizar aquela
que é uma das principais preocupações da população, segundo as pesquisas de
opinião. Não se trata de criar uma dezena de leis e decretos e resolver a questão
de forma rápida e econômica, como num passe de mágica. Não existem atalhos.
Trata-se de uma tarefa árdua e de longo prazo, cujos frutos serão colhidos
talvez em futuras gestões. Mas esta é precisamente a diferença entre um político
oportunista, que tem os olhos voltados apenas para as próximas eleições, e um
estadista de fato, que decide enfrentar o problema porque sabe que é necessário
para os cidadãos e a cidade, não importa quanto tempo leve para colher os
frutos da iniciativa.
223
Em busca da melhor cidade
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10. Kahn, Tulio. Pesquisas de Vitimização. Revista do Ilanud n° 10, São Paulo, 1998.
11. LIMA, R.S. 2005. Contando Crimes e Criminosos em São Paulo: uma sociologia das
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12. LIMA, Renato Sergio. Conflito Social e Criminalidade Urbana em São Paulo – análise dos
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13. Lynch, James P. and Addington, Lynn A. Understanding Crime Statistics. Revisitng the
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14. PASTORE, José, ROCCA, Denise Franco e PEZZIN, Liliana. Crime e Violência Urbana. São
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16. Sampson, Robert J. “Urban disorder, crime and neighborhood collective efficacy”. paper
given at the international seminar on crime and violence prevention in urban settings.
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17. SENASP, 2010. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Perfil Organizacional das
Guardas Municipais. Ministério da Justiça, Brasília, 2010.
18. SHERMAN, Lawrence. “Preventing Crime: what works, what doens’t, what’s promissing”.
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20. Waller, Irvin, Welsh, Brandon C. e Sansfaçon, Daniel. Crime Prevention Digest 1997 Successes, Benefits and Directions from Seven Countries. Montreal, International Centre
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23. Zimring, Franklin. 2007. The Great American Crime Decline. New York: Oxford.
224
225
Alda Marco Antônio
Vice-prefeita de São Paulo e secretária municipal de
Assistência e Desenvolvimento Social (2009-2012).
É engenheira civil e já ocupou cargos nos governos estadual e federal.
Coordena o Conselho Temático sobre Desenvolvimento
e Inclusão Social do Espaço Democrático.
226
Alda Marco Antônio
Área social:
base de um governo
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Em busca da melhor cidade
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N
Alda Marco Antônio
em faz tanto tempo assim: um repórter estrangeiro, entrevistando um governador cujo partido tinha o nome “social”, achou estranho que não houvesse qualquer referência
do político a qualquer programa social. Perguntou e teve a
resposta: “Social? Isso é com a senhora minha esposa”.
No Brasil – e não apenas no Brasil, mas em boa parte do mundo
–, a Assistência Social foi por muitos anos um feudo da família
do governante. Quem cuidava dos pobres era a esposa do governante, às vezes a
filha. Muitas vezes eram pessoas de bom coração, compassivas, preocupadas com
os pobres, cheias de boa-vontade, mas vazias de conhecimentos específicos.
Em todos os governos havia áreas de assistência social, mas no fundo a política
não as julgava importantes: existiam porque tinham de existir, para dar aos carentes a ideia de que alguém se preocupava com eles, para tranquilizar a consciência
dos bem-intencionados, sabedores de que havia alguém se preocupando com os
pobres, e por isso sossegados.
Por incrível que pareça, esta é a melhor faceta do que se fez em Assistência Social
nos tempos idos. A área foi frequentemente transformada em moeda política de
troca. Quem desse apoio ao governante de plantão ficaria com as mãos livres para
lidar com a área social. Mãos livres, mas raramente vazias. Como não havia normas
nem legislação específica, a coisa ainda podia piorar: cestas básicas em troca de
votos, por exemplo.
Ou prioridade, para os chefes de comunidades, no atendimento de algumas demandas. Ou, em casos menos discretos, promoção social, sim, mas só para o titular
da pasta, seus parentes e seus amigos. Como diria Justo Veríssimo, o imortal personagem de Chico Anysio, ao citar seu próprio slogan, “esta terra que eu piso, este
povo que eu amo”, e só dizendo a verdade ao enganar-se na citação: “este povo
que eu piso, esta terra que eu amo”.
Nem faz tanto tempo assim, repita-se: a realidade só começou a mudar com
a Constituição de 1988, a Constituição-Cidadã do notável deputado e líder
democrático Ulysses Guimarães. O governo Itamar Franco, em que tive a honra de
dirigir a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, implantou no
País as exigências de profissionalismo e eficiência básicas para que as políticas
de Assistência Social pudessem funcionar: houve a implantação da primeira Lei
Orgânica da Assistência Social, LOAS, uma legislação essencial para o atendimento
de boa qualidade aos carentes.
229
Em busca da melhor cidade
Mais próximo...
Aparentemente,
o trabalho de
Assistência
Social é uma
unanimidade:
todos são
favoráveis a
melhorar as
condições dos
carentes.
No
entanto, este
apoio muitas
vezes é apenas
aparente.
Todos
são favoráveis,
por exemplo,
à criação de
abrigos,
mas essa
unanimidade
cessa quando
os abrigos
estão perto
de suas
residências.
230
A Lei Orgânica de Assistência Social foi promulgada
em 1993; as Prefeituras tiveram prazo de mais de
sete anos para implantar a nova lei em seus Municípios. Em vez de uma política social ditada de
cima (com frequência mal sintonizada com as necessidades da população, muitas vezes utilizada apenas
com fins político-partidários), buscou-se a pesquisa
com os necessitados, e desta maneira partir das
carências para as soluções. É assim que se faz.
A primeira medida que se tomou, em busca da participação dos diretamente interessados no problema
e em suas soluções, foi criar o Conselho Municipal da
Assistência Social. O Conselho é formado por membros da sociedade, escolhidos em eleição direta, e do
governo, nomeados.
A segunda, decorrente da primeira, foi a criação do
Fundo Municipal de Assistência Social, com autoridade para receber recursos da Prefeitura Municipal
e de outras origens, para ajudar – uma ajuda sempre bem-vinda, e essencial - a custear os serviços de
atendimento da população mais carente.
...mais eficiente...
Hoje em dia, os Municípios estão implantando o
Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Com isso,
o Brasil poderá ter ações uniformes em todo o País, o
Estado atendendo à população que, sem ele, não terá
condições de sobreviver; ou, na menos ruim das hipóteses, não terá condições de viver com dignidade.
Lei, entretanto, não é tudo. Tenho todos os motivos
para louvar as leis que permitiram notável avanço
na assistência social brasileira, até mesmo por ter
Alda Marco Antônio
participado ativamente não apenas de sua concepção mas também do trabalho
de implantá-las; mas é preciso ter em conta que a adequada estrutura legal, se
mantém abertos os caminhos para o sucesso, só funcionará se os governos e os
conselhos de assistência social trabalharem duro, com criatividade e ousadia,
no interesse do objetivo maior que é salvar vidas de brasileiros e oferecer-lhes
condições para que se reintegrem com dignidade ao dia-a-dia da nação.
...e mais complexo
Aparentemente, o trabalho de Assistência Social é uma unanimidade: todos são
favoráveis a melhorar as condições dos carentes, a abrigá-los das intempéries, a
criar condições para que retomem a vida no ponto em que foram levados a modificar seus hábitos e abandonar suas atividades normais. Eventualmente, isso pode
significar até fornecer passagens para que carentes retornem às cidades de onde
saíram e para onde gostariam de voltar, mais perto da família.
No entanto, este apoio muitas vezes é apenas aparente. Todos são favoráveis, por
exemplo, à criação de abrigos, mas essa unanimidade cessa quando os abrigos
estão perto de suas residências. Atender às necessidades mais prementes dos
pobres é ótimo, desde que longe de casa. Todos defendem os centros de alimentação dos carentes, mesmo porque a alternativa – obrigá-los a pecinchar restos de
comida – cria problemas praticamente insolúveis de higiene, de atração de insetos
e roedores que buscam os restos dos restos.
Mas cada implantação de um centro de alimentação gera protestos em série, dos
moradores da vizinhança: alimentar pobres vá lá, mas atraí-los para perto de suas
casas já desperta oposição. Curiosamente, os mesmos porta-vozes que condenam
a falta de lugares para que os carentes se alimentem condignamente, sem ter de
pedir comida, sem deixar restos no meio da rua, são os que criticam os centros de
alimentação, por aproximar os pobres de moradores de outras categorias sociais;
de, em outras palavras, integrar os pobres à cidade.
A assistência social exige, portanto, uma rede de alianças que lhe permita convencer
moradores, superar dificuldades, buscar as soluções mais adequadas. A maior das alianças é com os religiosos – pessoas devotadas ao bem-estar comum, que dedicam sua vida
ao desenvolvimento social de outras vidas e, por isso, merecem respeito especial das
populações carentes. Sua palavra é ouvida; seu trabalho de intermediação dos setores
mais pobres com outras camadas sociais é absolutamente notável e insubstituível.
231
Em busca da melhor cidade
Aliar-se a religiosos também não é fácil: não sem razão, eles sabem que muitos
os procuram apenas para tirar proveito de seu prestígio. Tive dos religiosos,
entretanto, todo o apoio possível: eles confiaram em minha reputação, em minha
atuação permanente na área social, nos projetos que criei e ajudei a implantar.
Juntos, reunidos em torno de projetos sociais, pudemos avançar muito. E continuamos avançando, fraternalmente. São avanços, mas não a solução dos
problemas sociais – este é um trabalho bem mais longo e abrangente.
Nós, do PSD, acreditamos que a assistência social deve ter como objetivo, a longo
prazo, o atendimento a pessoas que não consigam de maneira nenhuma, sozinhas,
reerguer sua vida. Acreditamos que a solução para a maioria dos carentes seja
auxiliá-los a se realizar, produzindo para si e para suas famílias, prescindindo, sempre a longo prazo, do apoio total do Estado. É um trabalho que envolve educação,
saúde, qualificação profissional, emprego.
Isto é o que abre a possibilidade de fazer com que a população carente tenha
condições de inserir-se numa sociedade mais justa e menos dependente de programas públicos. O PSD persegue este objetivo: ajudar quem puder reerguer-se,
até que consiga caminhar por suas próprias pernas (e braços produtivos); garantir assistência total a quem não tenha condições de retomar seus caminhos.
Um detalhe interessante (e pouco conhecido): os moradores de rua, carentes entre
os carentes, são gente trabalhadora. A Prefeitura paulistana, administrada pelo
PSD, realizou recentemente um censo e os resultados acabaram mostrando que
67% dos sem-teto ganham algum dinheiro – quase um salário mínimo por mês.
Infelizmente, muitos gastam o dinheiro que obtêm com dificuldade na compra de
cigarros ou drogas; mas já mostraram sua capacidade para ganhar ao menos parte
de seu sustento; já mostraram potencial para desenvolver-se.
Os passos certos
Até lá, o caminho é longo, mas já começou a ser percorrido. De 14 programas de
atendimento criados sob minha supervisão, oito foram escolhidos pelo Unicef,
órgão da ONU, como modelos para outros países. Não é apenas uma homenagem:
o Unicef firmou convênio com São Paulo para aperfeiçoamento de técnicos internacionais, tornando o Centro de Informação, Divulgação e Treinamento de Recursos Humanos um centro de referência mundial. Quem trabalha com bons projetos
certamente trabalha melhor, com mais eficiência e qualidade.
232
Alda Marco Antônio
Um problema sério para quem se dedica à assistência social é a desconfiança dos assistidos. Não pense
que uma pessoa, por não ter casa, por não poder tomar banho, por não ter qualquer segurança, por não
saber se vai ou não alimentar-se no dia seguinte,
está ansiosa por ser assistida. Pelos mais diversos
motivos, muitas pessoas temem abrigos, não gostam de ir a centros de alimentação, consideram inaceitáveis determinadas normas de funcionamento
de albergues (por exemplo, tomar banho), repudiam
aquilo que consideram uma limitação à sua liberdade.
A boa preparação dos assistentes sociais ajuda; a colaboração dos religiosos é inestimável; mas mesmo
assim há resistência. A assistência social evoluiu e
modernizou-se, aproximando-se cada vez mais das
pessoas que dela necessitam. Os educadores percorrem as ruas a pé, conversando amigavelmente, familiarmente, com os carentes e com sua vizinhança,
tentando identificar problemas e conquistando sua
confiança para que aceitem as soluções e serviços
disponíveis. O trabalho ganhou novo ímpeto com
essa aproximação: fica mais fácil para os carentes
aceitar as propostas de trocar as ruas por moradias,
onde há dignidade, conforto e segurança.
Crianças e adolescentes em situação de rua sempre
resistiram a sair de seu meio-ambiente, com medo
de restrições à liberdade. Isso está mudando: nos
Centros para Crianças e Adolescentes e nos Centros de Juventude, no período complementar à escola pública, encontram brincadeiras, oficinas, têm
acesso à informática, auxílio escolar, esportes, oficinas. Não é um espaço feio, fechado, escuro, abafado,
com cara de prisão; são lugares abertos, claros, bem
ventilados, onde há alegria e os carentes são bem
recebidos, por educadores não apenas competentes
Um detalhe
interessante:
os moradores
de rua
são gente
trabalhadora.
Um censo
recente
mostrou que
67% dos
sem-teto
ganham
algum dinheiro
– quase um
salário mínimo
por mês.
233
Em busca da melhor cidade
As pessoas
não precisam
apenas de um
lugar para
comer e dormir.
Precisam
de um lugar
para viver e
conviver, onde
o tratamento
seja
competente,
mas também
afetivo,
compassivo,
respeitoso.
234
e treinados, mas cujo treinamento é permanente,
cujo desempenho é avaliado. Um ambiente lúdico,
que desperta a vontade de ser feliz.
Para os idosos, o tipo de tratamento é o mesmo, mas
adequado à sua faixa de idade. Esqueça os velhos
asilos, os cortiços que em outras épocas serviam de
abrigo aos carentes. Hoje, os idosos independentes
(capazes de locomover-se, tomar banho e alimentarse sozinhos), que viviam em albergues, estão em
moradas recém-reformadas, em bons prédios na área
central da cidade, perto dos lugares em que se concentrava a população de rua.
Nessas moradas, dividem suítes (com banheiro
próprio) no máximo com três outros idosos. Têm,
além de abrigo num alojamento de boa qualidade,
convívio, distração, alimentação saudável – cinco
refeições diárias; acesso a oficinas de artesanato,
de música, de jardinagem (atividades que podem
eventualmente, mais tarde, prover a pelo menos
parte de seu sustento); organizam-se para assistir a
espetáculos, para participar de passeios turísticos e
culturais.
As pessoas não precisam apenas de um lugar para
comer e dormir, de um depósito de gente tratada
às vezes com competência, mas sempre com frieza.
Precisam de um lugar para viver e conviver, onde o
tratamento seja competente, mas também afetivo,
compassivo, respeitoso. Eles têm muito a nos ensinar e, com eles, temos muito a aprender. Estes
são os símbolos do programa de assistência social
de nosso partido, o PSD: tudo aquilo que é necessário para que desenvolvam seu potencial de
busca da felicidade.
235
Antônio Moreno Neto
Engenheiro agrimensor e civil
e pós-graduado em Administração de Empresas.
Secretário de Esportes do Município de São Paulo (2012),
atuou na diretoria do São Paulo (2005) e comandou o Esporte Clube
Pinheiros (2007-2011).
É membro do Conselho Nacional do Esporte - Ministério dos Esportes e Diretor Executivo da Lide Esporte.
Coordena o Conselho Temático sobre Esportes do Espaço Democrático.
236
Antônio Moreno Neto
A Copa, a Olimpíada e o
Município:
o estágio dos esportes no
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Em busca da melhor cidade
238
O
Antônio Moreno Neto
esporte é uma atividade imprescindível na vida do ser humano
em qualquer idade, é um instrumento precioso para a educação
e a convivência. Tem a preciosa e mágica capacidade de nos
educar para a vida, de forma intensa, divertida e emocional.
Em todas as épocas e culturas o esporte tem sido o momento
privilegiado para ajudar o ser humano a conquistar os seus
mais antigos e persistentes sonhos: superar a violência e
vencer a desigualdade. Alguns dizem que o esporte não corrige as distorções e
não redistribui a renda. Mas corrige distorções emocionais e sociais, representadas
pelo preconceito, e redistribui a auto estima.
Todo esporte é uma lição viva e simples de como conviver democraticamente, na
vitória ou na derrota. É uma lição de solidariedade, conquistas individuais e/ou
coletivas, disciplinado, com metas a serem atingidas, evolução do auto conhecimento, dando uma motivação especial para a vida. O esporte tem tudo para reforçar laços intensos e divertidos entre os moradores de diferentes bairros, culturas,
ruas, idades e condições físicas.
Esporte e desenvolvimento econômico
Ao mesmo tempo que é essencial para o desenvolvimento, o esporte contribui
também para o desenvolvimento econômico. O potencial econômico do esporte
é destacado pelo seu peso resultante de atividades tais como: a fabricação de
produtos esportivos, eventos desportivos, serviços relacionados ao esporte e a
mídia. O esporte, além de ser uma força econômica em si, é também um potencial
catalisador para o desenvolvimento econômico, uma população fisicamente ativa
é uma população mais saudável, melhorando a produtividade da força de trabalho
e aumentando os resultados econômicos.
O esporte e a atividade física propiciam também uma das formas mais custo-efetivas de medicina preventiva com potencial para reduzir drasticamente os custos
com a saúde. O esporte acrescenta ainda mais ao desenvolvimento econômico fornecendo um método barato de melhorar a empregabilidade, especialmente entre
os jovens. Ensinando as habilidades essenciais para um ambiente de trabalho, tais
como: um trabalho em equipe, a liderança, a disciplina e o valor do esforço, oferecem aos jovens uma atividade construtiva que ajuda a reduzir os níveis de criminalidade juvenil e o comportamento antissocial e, em circunstancias envolvendo
239
Em busca da melhor cidade
O modelo de
formação
esportiva no
Brasil deveria
ser como o dos
EUA e outros
países em que
as escolas e
universidades
têm papel
preponderante
na iniciação e
desenvolvimento
das modalidades
trabalho infantil, oferece um substituto significativo
ao trabalho.
O esporte também pode ser uma força para o desenvolvimento econômico local e a geração de emprego.
Os programas de esportes oferecem oportunidades
de emprego, assim como estimulam a demanda de
produtos e serviços; o esporte é ainda uma fonte importante de investimentos públicos e privados, tais
como os gastos em infraestrutura durante grandes
eventos e consumo. Juntos, esses fatores demonstram
que o esporte tem um potencial considerável para
iniciar o desenvolvimento econômico.
“A arte e o esporte têm o poder de mudar o mundo,
o poder de inspirar, o poder de unir pessoas como
poucos conseguiram. A arte e o esporte podem
criar esperança onde antes só havia desespero.
São instrumentos de paz muito mais poderosos
que governos.” Nelson Mandela.
esportivas e dos
esportistas.
A Copa, a Olimpíada e o Município
A Copa do Mundo de futebol de 2014 é um grande
marco da modalidade que o brasileiro mais admira e
pratica em todos os cantos de nossa nação. Ela movimenta a sociedade como um todo gerando empregos
com a realização das obras dos estádios, toda a infraestrutura necessária para o funcionamento dos
mesmos, bem como as realizações e benfeitorias
efetivadas em seu entorno, não só nas 12 cidades
sedes, bem como naquelas que indiretamente participarão da Copa.
Rede de hotéis, serviços de transportes, segurança,
alimentação, voluntariedade, lazer e entretenimento, aprendizado de novos idiomas, são alguns
dos efeitos em que as Prefeituras, juntamente com
240
Antônio Moreno Neto
a sociedade, terão que se preparar e trabalhar conjuntamente. O papel dos Municípios é muito importante, pois atuarão de maneira decisiva em todos os elementos que envolvem a Copa.
Um dos principais objetivos das Prefeituras juntamente com o Estado e a Federação é criar um espírito de participação, patriotismo e, especialmente, o sentimento
de receber todos os outros países de forma digna, civilizada e organizada.
Olimpíada
A Olimpíada de 2016 poderá ser, juntamente com o futebol, um marco na implantação do esporte como instrumento de desenvolvimento físico, social, cultural e
saúde. A importância de bons resultados em 2016, ou seja, alcançar o Top 10
(estar entre os 10 melhores colocados) é uma meta a ser perseguida. No entanto,
mais importante que isto, é estabelecer a Olimpíada 2016 como um marco definitivo para a implantação do esporte como uma das prioridades de toda a sociedade
brasileira.
Estrutura do esporte olímpico no Brasil
O Ministério dos Esportes, COB (Comitê Olímpico Brasileiro), CPB (Comitê
Paraolímpico Brasileiro), CNE (Conselho Nacional do Esporte), Confederações,
Clubes, Governos Estaduais e Municipais, Associações, Entidades, fazem parte
do sistema esportivo do nosso País.
O que necessitamos é de um P.N.E. (Plano Nacional de Esporte), pois não existe o
estabelecimento de metas e recursos previamente definidos para as entidades do
esporte citadas, havendo sobreposição de esforços e recursos financeiros, que resultam em ações sobrepostas ineficientes para se atingir as metas determinadas.
Outro problema seríssimo: a média de participação de verbas para o esporte em
âmbito federal, estadual e municipal é de 0,5% do orçamento global dos mesmos.
O modelo de formação esportiva no Brasil deveria ser como o dos EUA e outros
países em que as escolas e universidades têm papel preponderante na iniciação
e desenvolvimento das modalidades esportivas e dos esportistas. Atualmente, no
Brasil, essa função é essencialmente realizada pelos Clubes; e devemos implantar
em todos os Municípios brasileiros condições de termos a iniciação esportiva.
O projeto a médio e longo prazo é que o esporte seja implantado em todas as
escolas municipais do País. Por incrível que pareça, há alguns anos as aulas de
241
Em busca da melhor cidade
educação física nas escolas deixaram de ser obrigatórias; recentemente corrigiuse esta absurda determinação.
DADOS NO BRASIL - ESPORTE NAS ESCOLAS
• Somente 18% das escolas brasileiras públicas municipais de ensino fundamental
têm quadras esportivas. No Sudeste - a região com melhor índice - esse número é
de 40%. No Nordeste, a pior região nesse quesito, apenas 7% das escolas municipais de ensino fundamental possuem quadras esportivas.
• Apenas 69% dessas escolas têm professores de educação física. Na região
Sudeste, esse número chega a 88%. Na Região Nordeste, apenas 52%.
• Dentre as escolas privadas em todo o Brasil, 58% têm quadras e 82% têm professores de educação física.
Fonte: Censo escolar, 2009, MEC
ATIVIDADE FÍSICA NAS ESCOLAS - Capitais
• 4,8% dos estudantes do último ano do ensino fundamental são inativos fisicamente. 56,9% desses estudantes têm menos de seis horas de atividade esportiva
acumulada nos últimos sete dias, dentro e fora da escola.
• 20% dos estudantes não frequentaram aula de educação física na escola nos
últimos sete dias. 30,8% frequentaram 1 dia, e 36,1% frequentaram dois dias.
• Somente 49,2% dos estudantes tiveram dois ou mais dias de aulas de educação
física na escola em uma semana.
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – PENSE 2009
ATIVIDADE FÍSICA DA POPULAÇÃO - Capitais
• 16,4 % dos brasileiros com mais de 18 anos praticam atividades físicas/esportivas suficientes no lazer.
• A média masculina dos que praticam é de 20,6% e a média feminina é de 12,8%.
• Entre as cidades, Palmas tem o maior índice - 21,5%, e São Paulo tem o menor,
com 12,1%.
• Quanto maior a escolaridade, maior é a prática. Na faixa de 0 a 8 anos de estudo,
20% praticam atividades físicas. De 9 a 11 anos de estudo, 30,8%, e com 12 anos
de estudo ou mais, 36,1%.
242
Antônio Moreno Neto
Nota: prática recomendada de 30 minutos diários de
atividade física de intensidade leve ou moderada em
cinco ou mais dias da semana ou a prática de pelo
menos 20 minutos diários de atividade física de intensidade vigorosa em três ou mais dias da semana
INATIVIDADE FÍSICA DA POPULAÇÃO Capitais
• 26,3% dos brasileiros com mais de 18 anos não
praticam atividades físicas/esportivas suficientes
no lazer.
• A média masculina dos que não praticam é de
29,5%. Já a feminina, é de 23,5%.
• Entre as cidades, Natal tem o pior índice com 32,3%
da população entre os que não praticam atividades
físicas/esportivas. Palmas tem o melhor índice, com
apenas 18,7% de sedentários.
• Nas faixas populacionais de maior escolaridade, é
também maior a taxa de prática esportiva. A parcela
da população com 0 a 8 anos de estudo possui uma
média de prática esportiva de 20%. Com 9 a 11 anos
de estudo, 30,8%, e com 12 anos de estudo ou mais,
36,1%.
Nota: 1) não praticaram qualquer atividade física no
lazer nos últimos três meses;
2) não realizavam esforços físicos intensos no trabalho (não andavam muito, não carregavam peso e
não faziam outras atividades equivalentes em termos de esforço físico);
3) não se deslocavam para o trabalho a pé ou de
bicicleta; e
4) não eram responsáveis pela limpeza pesada de
suas casas.
Somente 18%
das escolas
brasileiras
públicas
municipais
de ensino
fundamental
têm quadras
esportivas.
No Sudeste,
esse número é
40%. No
Nordeste, de
apenas 7%.
de
Fonte: Ministério da Saúde, VIGITEL, 2008
243
Em busca da melhor cidade
Estas informações demonstram que temos que realizar um trabalho intenso para
transformarmos radicalmente estes índices. Só para exemplificar, a Inglaterra
promoveu um projeto nacional denominado School Sport Partnership para o legado dos Jogos Olímpicos de Londres: de 2003 a 2009 houve um aumento de 3%
para 8% de alunos identificados como talentos esportivos.
Entre 2007 à 2009 houve um aumento de 19% para 25% de alunos que se engajaram em atividades esportivas voluntarias em suas comunidades. Entre os alunos
mais velhos do 10º ao 13º anos escolares, o aumento foi maior: de 9% em 2003
para 25% em 2009. Houve uma sensível melhora nas notas escolares desses alunos engajados no esporte, havendo uma relação positiva na atividade física e
melhora da função cognitiva.
Já existe um projeto, que está sendo realizado pelos Atletas pela Cidadania e
apoiado por varias instituições, com o objetivo de, até o ano de 2022, pelo menos todas as 12 cidades sedes da Copa terem quadras poliesportivas cobertas em
todas as suas escolas públicas. Esse trabalho deverá ser feito em parceria com as
Prefeituras independentemente de qual gestão estiver no comando. Por que não
elaborarmos um projeto para participar e ampliar estes objetivos?
O modelo ideal seria a iniciação e formação de atletas nas escolas. Aqueles que se
destacarem, teriam a oportunidade de treinar em Clubes e Associações até chegarem ao alto rendimento.
r
O modelo de operação:
Transição
g Centro de excelência
Competitivo
g Clubes
Formação e Iniciação
244
g Escolas
Antônio Moreno Neto
LEIS DE INCENTIVO AO ESPORTE
A Lei Federal de Incentivo ao Esporte é um importante instrumento que prevê a
possibilidade de Pessoa Física ou Pessoa Jurídica destinarem, para projetos de natureza desportiva aprovados por Comissão Técnica instituída no âmbito do Ministério do Esporte, uma parcela do imposto de renda devido.
LIMITE DE DEDUÇÃO PESSOA JURÍDICA com base no lucro real:
• 1% - Limite específico - sem comulatividade.
PESSOA FÍSICA em declaração modelo completo:
• 6% - Limite global - observadas outras doações - CONANDA, Audiovisual, Rouanet - Art. 22 da Lei nº 9.532, de 10/12/1997 .
Obs.: Podemos estudar uma Lei de Incentivo ao Esporte Municipal
• Sugestões de melhorias no desempenho municipal
a) Redefinição das dimensões do esporte para que todos os atores compreendam
o que é o esporte para o desenvolvimento;
b) Participação na elaboração e/ou revisão da legislação que possibilite a efetiva
implementação de um sistema esportivo nacional;
c) Coleta de dados anuais sobre atividade física da população, disponibilidade de
utilização dos equipamentos esportivos nas cidades, esporte nas escolas e valorização do professor de educação física, investimento e informação para o esporte
educacional nas escolas municipais;
d) Criação de Lei de Incentivo ao Esporte Municipal criando atração de investimento empresarial ao esporte educacional e esporte participação;
e) Criação do Fundo Nacional de Esporte, formado por recursos dos saldos de
execução de projetos incentivados (que normalmente são devolvidos para o tesouro) e outras fontes de recursos a serem estabelecidas para financiar projetos
de Esporte Para Todos, em regiões geográficas e populações menos favorecidas
por patrocínios;
f) Fomento para a formação de Fundos Municipais de Esporte com a mesma finalidade do Fundo Nacional;
g) Apoio para criação de redes regionais e nacional de Esporte para Todos, integrando Municípios e Estados.
h) Sugestão de meta para 2022: 100% das escolas no País com esporte educacional. Dobrar a frequência da atividade física no País.
245
Aleksandar Mandic
Criou em 1990 a Mandic BBS,
que se tornaria um dos primeiros gigantes da internet brasileira.
Em janeiro de 2000, se tornou sócio-fundador do IG – Internet Group,
onde ocupou o cargo de vice-presidente até setembro de 2001.
Em seguida, reabriu a Mandic, desta vez com foco em e-mail corporativo.
Coordena o Conselho Temático sobre Inteligência e Mídias Digitais
do Espaço Democrático.
246
Aleksandar Mandic
A vizinhança das mídias
d
i
g
i
t
a
i
s
a Prefeitura ligada
247
Em busca da melhor cidade
248
O
Aleksandar Mandic
crescimento do acesso da população aos serviços de telecomunicações, com ênfase na internet e na telefonia móvel,
determina um contexto de nova atribuição de papéis para o
setor público no País. A internet tem confirmado expectativas
de mudanças positivas na ordem social e política, ao possibilitar maior interatividade, participação e transparência, e esse quadro tem entre suas repercussões o aperfeiçoamento da democracia.
Nos últimos anos, o ambiente virtual sofreu transformações que permitiram aos
internautas criar conteúdos, compartilhar informações, opiniões, projetos e reivindicações e ganhar uma atuação que modificou seu papel na rede, inicialmente
restrito ao de meros receptores de informações. A evolução da internet e a popularização das redes sociais tornaram a comunidade da web mais atuante e mais
envolvida com as questões públicas, do nível municipal ao global. Em tempos
recentes, pelos meios on-line, foram organizadas campanhas pela condenação
de regimes ditatoriais, abriram-se fóruns virtuais que questionavam obras do
governo federal e feitas convocações para manifestações em torno de reivindicações de toda espécie.
Porém, por mais que a disseminação da cultura digital tenha reduzido a burocracia, aproximado governantes e governados e dinamizado programas públicos de
muitas cidades brasileiras, nem todos os gestores de serviços municipais tiraram ainda pleno partido das suas potencialidades. Ainda é incipiente entre nós
a aplicação mais ampla do conceito de Prefeitura Digital ou Cidade Digital, cujas
origens remontam à Amsterdã de 1994. Naquela cidade da Holanda, ganhou status de utilidade pública o projeto civil pioneiro De Digitale Stad, portal com informações gerais e serviços, comunidades virtuais e representação política sobre a
área urbana.
Em pouco tempo, surgiram em outros centros urbanos iniciativas que acrescentavam interfaces entre o espaço eletrônico e o espaço físico pelo oferecimento de
teleportos, telecentros, quiosques multimídia e áreas de acesso e serviços. Finalmente, vieram os projetos chamados por alguns autores de “non-grounded cybercities”, cidades não enraizadas em espaços urbanos reais. Essas Cidades Digitais
são sites que criam comunidades virtuais (fóruns, chats, redes sociais) utilizando,
para a organização do acesso e da navegação pelas informações, a metáfora de
uma cidade.
249
Em busca da melhor cidade
É necessário
um trabalho
permanente
para levar a
Prefeitura
até o cidadão
e de trazer
os cidadãos à
Prefeitura. Os
instrumentos
mais indicados
para essa
tarefa, na
atualidade,
são as mídias
eletrônicas.
250
“As metrópoles são hoje cidades “desplugadas”, ambientes de conexão envolvendo o usuário
em mobilidade, interligando máquinas, pessoas e
objetos no espaço urbano”, avalia o professor André
Lemos, da Facom/UFBa, coordenador do Grupo de
Pesquisa em Cibercidade, consultor da Fapesp, CNPq
e CAPES, em seu estudo O que é a Cidade Digital. “Os
lugares tradicionais, como ruas, praças, avenidas estão, pouco a pouco, transformando-se com as novas práticas socioculturais de acesso e controle da
informação. A máxima que reza que o ciberespaço
desconecta-se do espaço físico não se sustenta
atualmente. A cidade contemporânea caminha para
se transformar em um lugar de conexão permanente,
ubíquo, permitindo trocas de informação em mobilidade e criando ‘territórios informacionais’”.
Tendo essa conjuntura em vista, os Municípios
brasileiros defrontam-se com um cenário de oportunidades e desafios, que precisa ser enfrentado para
que uma maior gama de formalidades administrativas
possam ser cumpridas pela internet, em processos
mais ágeis e amigáveis. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são hoje decisivas para
ajudar o Executivo Municipal a oferecer os melhores
serviços possíveis, sem custos suplementares e com
menor impacto ambiental.
Administrar uma cidade exige cada dia mais um contato permanente com a população governada, em
todas as etapas, do planejamento à execução, do
monitoramento à difusão dos resultados alcançados.
Qualquer modelo urbano a perseguir não pode mais
ser pensado ou implantado “de cima para baixo”, sem
a utilização constante de instrumentos de aferição
da vontade popular e de canais de acesso rápido e
desburocratizado aos serviços públicos.
Aleksandar Mandic
O economista norte-americano Joseph E. Stiglitz, professor da Columbia University
que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2001, exatamente por seus trabalhos sobre assimetria informacional, ressalta a relevância de se compreender,
como um bem público, a informação produzida pelos governos. “Embora todos reconheçamos a necessidade de ação coletiva e as consequências de ações coletivas
para as liberdades individuais, temos um direito básico de saber como estão sendo
usadas as forças que foram entregues ao coletivo”, afirma ele. “Isso me parece ser
um direito básico do contrato implícito entre os governados e aqueles que foram
selecionados para governá-los temporariamente. Quanto menos diretamente
avaliável pelo público for um órgão do governo, mais importante se torna que suas
ações sejam abertas e transparentes”.
Fundador do Institute for Policy Dialogue (IPD), uma rede global de aperfeiçoamento das práticas democráticas e pelo aumento da participação da sociedade civil
nos processos de decisão dos governos, Stiglitz prossegue em sua argumentação
lembrando que a população deve “exercer seus deveres (por exemplo, pagar seus
impostos, taxas e multas), mas também, e principalmente, seus direitos: contraargumentar a cobrança de impostos, taxas e multas; agendar a realização de
serviços públicos específicos (de saúde, de educação, de assistência social, etc.);
monitorar e cobrar o governo; ter acesso às decisões tomadas pelos poderes; ser
comunicado sobre fatos relevantes para sua vida em curto, médio e longo prazo
(desde as notas de seus filhos e a disponibilidade de vagas no sistema de educação pública, passando pela decisão sobre um pedido de aposentadoria e por alimentos classificados pelo governo como contendo altos índices de componentes
transgênicos); etc. Uma boa política de governança eletrônica tem foco no cidadão
e na cidadã, em seus direitos, anseios e necessidades, e não apenas nas necessidades dos governos como máquinas de arrecadação ou de propaganda de seus
próprios feitos”.
Respeitando esta ótica, é necessário um trabalho permanente de levar a Prefeitura
até o cidadão e de trazer os cidadãos à Prefeitura. Os instrumentos mais indicados
para essa tarefa, na atualidade, são as mídias eletrônicas, potenciais vias de mãodupla para o aperfeiçoamento da gestão. A expansão da internet, o acesso em
banda larga, das redes sociais, os smartphones e a telefonia móvel interligaram os
cidadãos e intensificaram a frequência de suas demandas no País. No entanto, por
experiências frustrantes ou questões culturais, ainda é grande a resistência dos
diversos segmentos da população brasileira ao uso dos serviços públicos na rede.
251
Em busca da melhor cidade
A pesquisa Tecnologias de Informação e Comunicação Domicílios 2010, realizada
pelo Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI.br), tentou mapear os principais motivos
que inibem a procura dessas funcionalidades, na web, entre as pessoas que já
acessaram a internet nos doze meses que antecederam o levantamento. Como
dado inicial, 46% dos entrevistados que não utilizam a internet na sua relação com
governos eletrônicos declararam preferir o atendimento presencial nas repartições
(“prefiro fazer contato pessoalmente”).
Do mesmo total, 14% admitiram ter preocupação com a proteção e a segurança de
seus dados; 12% alegaram que os serviços de que precisam são “difíceis de encontrar”; 11% disseram que esses serviços “não estão disponíveis”; 9% argumentaram que contatar a administração pública pela internet “é muito complicado”; 3%
afirmaram que dificilmente recebem retorno ou respostas às suas solicitações; 2%
tentaram utilizá-los e não conseguiram completar a transação; e 19% alegaram
outros motivos.
A constatação é preocupante, quando se percebe o crescente interesse dos
brasileiros em conectar-se. Em 2010, o acesso à internet nos domicílios urbanos
cresceu 15% em relação ao ano anterior, porém com margem inferior à verificada
em 2009, ano em que a taxa de crescimento foi a maior da série histórica: 35%
em relação a 2008. Em setembro de 2011, o Brasil possuía 81,3 milhões de internautas a partir de 12 anos, segundo o F/Nazca, e 78 milhões a partir de 16 anos,
segundo o Ibope/Nielsen. De acordo com levantamento da Fecomércio-RJ/Ipsos, do
mesmo período, o percentual de brasileiros conectados à internet quase dobrou
entre 2007 e 2011, passando de 27% para 48%. O principal local de acesso declarado foi a lan house (31%), seguido da própria casa (27%) e da casa de parentes
e amigos (25%).
No ano de 2011, o Brasil atingiu a quinta posição entre os países com maior
número de conexões à rede. De acordo com o levantamento Fecomercio-RJ/Ipsos,
a frequência do uso da web também aumentou no País: 47% dos brasileiros conectados afirmaram acessar diariamente a internet, enquanto 33% disseram usar
a web mais de uma vez por semana e 12% apenas uma vez por semana. Quanto
ao período de conexão, mais da metade (55%) passa de 30 a 120 minutos na rede;
23% ficam entre duas e quatro horas conectados e 14% menos de meia hora.
As classes de maior poder aquisitivo, A e B, lideram o acesso no País com 84%,
bem acima da média do País, de 48%. O percentual dessas classes era de 72% em
2007. Já a classe C, que cresceu de 31% para 43% no período, fica mais próxima da
252
Aleksandar Mandic
média nacional. No total, as conexões de banda larga
fixa se expandiram proporcionalmente mais entre
domicílios menos favorecidos em termos econômicos, das classes C e DE.
As classes mais baixas, D e E, dobraram de 8% para
17% sua participação e apresentam o maior potencial de crescimento de acesso à web no País, tanto
pelo avanço da tecnologia, que reduz os preços dos
produtos, quanto pelo aumento no poder de compra
dos brasileiros verificado no período. Outro fator que
auxiliou a expansão no uso da internet no Brasil foi a
isenção dos impostos PIS e Cofins (válida até 2014)
sobre a venda de computadores e componentes.
As redes sociais e sites de mensagens instantâneas,
incluindo Facebook, MSN e Orkut, dominam o acesso
online no País, com 61%. Logo atrás vêm outros tipos de acesso: para pesquisas (48%), e-mails e sites
de notícias (empatados com 34%), diversão e serviços (também juntos, com 17% cada). Quando se
analisa o total por região, o Sudeste desponta com
a maior proporção de usuários do Twitter (16%),
seguido das regiões Sul (15%), Centro-Oeste (14%),
Norte (11%) e Nordeste (10%). Em relação à classe
social, os usuários do Twitter estão concentrados
na classe A, em que 30% dos internautas utilizam
essa ferramenta, contra apenas 9% na classe DE.
Em relação à faixa etária e grau de instrução, os
usuários do Twitter são preponderantemente jovens e escolarizados.
Causa estranheza, portanto, em um País onde a internet se expande com razoável rapidez, o distanciamento que a população ainda sente em relação
aos órgãos oficiais na web. O fato de o cidadão ainda
resistir ou encontrar dificuldades em manter contato
pelos meios virtuais com a administração pública
Causa
estranheza,
em um país
onde a
internet se
expande com
razoável
rapidez, o
distanciamento
que a
população
ainda sente em
relação aos
órgãos oficiais
na web.
253
Em busca da melhor cidade
Experiências
de inclusão
digital
também são
fundamentais
no apoio às
atividades da
rede municipal
de ensino,
em que
professores e
alunos
recebem
capacitação
específica e são
iniciados nas
práticas
virtuais
e nas novas
tecnologias.
254
não pode ser um impeditivo, justificativa ou fator de
retardamento às ações necessárias a uma relação
via rede mais produtiva entre governo e população,
ou entre as próprias esferas da administração. A iniciativa para diminuir essa distância precisa partir do
poder público, por meio de políticas especificas para
essa finalidade e que permeiem as diretrizes de todos os seus órgãos.
Interagir digitalmente com a representação de sua
localidade é uma forma de utilização da internet
que não depende – e não pode depender – apenas
da vontade do usuário, em especial quando se trata
daquele de escolaridade deficiente, baixa renda e
menor acesso à informação. Não há como cidadão
ter esse tipo de iniciativa espontaneamente, se não
tiver como dominar os meios teóricos ou de acesso
necessários.
Cabe à administração municipal compreender a importância crucial de seu papel em prover cursos de
formação, assim como disponibilizar postos de acesso gratuito à internet, no sentido de fomentar o progresso individual e coletivo dos cidadãos. Por meio
da democratização do acesso, e com ajuda da tecnologia disponível, pode-se promover a integração
entre educação, tecnologia e cidadania, visando à
transformação social. A chamada inclusão digital – e
de forma abrangente, não apenas em seus rudimentos – é fator mais e mais necessário à garantia do direito de se manifestar e lutar por melhores serviços.
Os brasileiros de todos os extratos sociais são interessados em assimilar as novas tecnologias e,
em outros momentos, já se mostraram rapidamente
adaptáveis a inovações, como ocorreu na introdução
do uso dos caixas eletrônicos de bancos, das operações com cartões magnéticos e mesmo dos recursos
Aleksandar Mandic
dos telefones celulares. Não há por que duvidar, portanto, de que, dados os meios
necessários, a quase totalidade da população estará integrada à rede em um prazo
não muito longo.
Pesquisa do Programa de Estudos do Futuro da Fundação Instituto de Administração (Profuturo/FIA) aponta que, até 2020, 99% da classe A e 90% da classe
B estarão conectadas à web via banda larga. E mais da metade da população que
compõe a classe C terá acesso à internet. Desse montante de acessos, 60% serão
via conexão banda larga. A cobertura total é prevista em um horizonte de 15 anos.
No campo da profissionalização, tornou-se inescapável, também, a responsabilidade da administração pública no sentido de capacitar a população de baixa renda.
Como uma porcentagem cada dia maior das carreiras exige a utilização do computador, impõe-se a necessidade da abertura de cursos gratuitos de introdução
ao processamento de dados, edição de texto, planilhas, montagem de websites,
tratamento de imagens e outros conhecimentos voltados para a informática. As
inscrições devem ser realizadas no próprio site da Prefeitura, com vagas oferecidas
em diversos postos da cidade, a fim de que os interessados possam frequentá-los
em locais próximos de suas regiões de moradia, estudo ou trabalho.
Experiências de inclusão digital também são fundamentais no apoio às atividades
da rede municipal de ensino, em que professores e alunos recebem capacitação
específica e são iniciados nas práticas virtuais e nas novas tecnologias. O sucesso
dos projetos pode dar-se tanto pela preocupação em aproximar os estudantes das
novidades quanto pela melhoria da estrutura da educação básica. Deve haver a
preocupação adicional de capacitar o corpo docente para o manuseio de novas tecnologias, bem como para a criação e execução de projetos por meio de subsídios
teóricos, metodológicos e práticos. Os professores precisam receber treinamento
para compreender o potencial pedagógico desses novos recursos, para planejar estratégias de ensino e aprendizagem e para utilizar as TICs na prática pedagógica.
Neste particular, também deve haver cautela. O principal cuidado que os Municípios
devem ter é definir políticas com realismo e planejar a sustentação dos projetos no
longo prazo. Não é realista, por exemplo – ao menos na situação atual –, imaginar
o fornecimento de banda larga gratuita a toda a população do Município, se isso
depender de acordos com empresas fornecedoras que poderiam ser alterados em
futuras renovações de contrato.
Criatividade na gestão, no entanto, é fundamental e não deve conhecer limites. É
o que ocorre na Prefeitura de Curitiba, que implantou o Cartão Aprender, um cartão
255
Em busca da melhor cidade
de identificação dirigido aos alunos da Rede Municipal de Ensino, com o qual é possível ao estudante agendar internet, pegar livros emprestados nas 48 bibliotecas
públicas e ainda contar com descontos nas principais redes de farmácia da cidade.
A inclusão digital dos sujeitos das comunidades forma cidadãos mais qualificados
e preparados para o mercado de trabalho, o que colabora para o desenvolvimento
regional. Entre seus demais benefícios pode-se citar sua capacidade de:
- Aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pela diminuição dos excluídos digitalmente;
- Possibilitar avanços sociais às classes mais baixas por meio do ingresso diferenciado ao mercado de trabalho;
- Aumentar a renda familiar por intermédio da educação digital, que permite a
ocupação de melhores postos de trabalho;
- Diminuir o abandono da escola final no ensino fundamental, quando o uso do
computador é intensificado;
- Possibilitar a autonomia dos envolvidos na criação de alternativas de trabalho no
campo das tecnologias;
- Aumentar o Índice de Avanço Tecnológico (IAT), pela disseminação do domínio de
novas tecnologias;
- Construção e exercício da cidadania com a diminuição da exclusão social por meio
de parcerias em projetos;
É um engano, porém, imaginar que apenas a população de baixa renda ou escolaridade depende da atuação eficaz da Prefeitura para evoluir social e economicamente. O empreendedorismo representa um dos ramos que obtêm melhor
beneficio de uma interface municipal on-line dinâmica e o mais livre possível de
obstáculos que impeçam o seu estabelecimento e sua afirmação no mercado.
Segundo um relatório do Banco Mundial divulgado em agosto de 2011, o Brasil
ocupa o 122º lugar, no mundo, no ranking de ambientes regulatórios favoráveis
aos negócios e à abertura de empresas, posição próxima à de países da África
Subsaariana. De acordo com o Banco, uma empresa brasileira gasta em média 152
dias para finalizar seu processo de abertura. Isso muitas vezes significa que, ao
completar seu ciclo de implantação, o empreendimento pode estar endividado, em
função da série de gastos realizados antes mesmo de ter produzido receita.
Mas há avanços pontuais significativos que apontam caminhos e permitem
otimismo para o futuro próximo, principalmente em função da informatização. A
Prefeitura de Sorocaba (SP), cidade de 580 mil habitantes, durante o mandato
256
Aleksandar Mandic
de Vitor Lippi (PSDB), iniciado em 2005, conseguiu
reduzir tempo de abertura de uma empresa, que era
em média de 120 dias, para 15. Abrir uma empresa
por ali leva agora o mesmo tempo que na Suécia. E o
processo hoje pode ser feito inteiramente pela internet, sem entraves.
Para melhorar o serviço, o mapa com o zoneamento
da cidade foi digitalizado, e a Prefeitura emite um alvará de funcionamento provisório anterior à vistoria
do imóvel, o que torna tudo mais rápido. A medida
só não vale para atividades de risco, como a estocagem de produtos químicos ou de bebidas alcoólicas.
O processo na Prefeitura consome no máximo dois
dias, quando antes costumava demorar de 30 a 90.
A meta agora é encurtar o tempo que as empresas
gastam para se registrar no Estado e na Receita
Federal, e fazer com que o tempo total de abertura
de uma empresa caia para 5 dias, em média – igual ao
padrão americano.
No aspecto fiscal, toda administração municipal
tem a oportunidade de potencializar a arrecadação
de recursos com o suporte dos meios eletrônicos.
A perspectiva de deslocar-se até uma agência
bancária para efetuar o pagamento de taxas públicas é desanimadora para o cidadão que pretende
manter-se em dia com seus compromissos. A disponibilização de um sistema de emissão de boletos, de cálculo de multas e pagamento on-line torna-se a cada dia mais imperativa. Se o contribuinte
consegue, por seus próprios meios, pesquisar sua
situação fiscal, levantar valores de tributos e quitar
suas pendências por meio de sua conta de internet
banking, amplia-se a economia com estruturas físicas de unidades arrecadadoras e o esforço humano
envolvido.
O
empreendedorismo
representa um
dos ramos que
obtêm melhor
beneficio
de uma interface
municipal
on-line
dinâmica e o mais
livre possível de
obstáculos que
impeçam o seu
estabelecimento
e sua afirmação
no mercado.
257
Em busca da melhor cidade
Uma ouvidoria
da Prefeitura
precisa estar
estruturada
para fazer o
acompanhamento
do que se passa
nas mídias
sociais, a fim
de que possa
responder aos
anseios da
população de
forma cada vez
mais eficiente.
258
Um grande número de Prefeituras no Estado de
São Paulo e em diversas outras regiões do País
já oferecem esse tipo de funcionalidade. Resta,
porém, a possibilidade de realizar as operações nos
próprios sites das Prefeituras, o que exigiria uma
estrutura de segurança mais complexa, mas permitiria agilidade ainda maior nas captações, que
neste caso ocorreriam sem a intermediação de bancos ou casas lotéricas.
Outro grande avanço possível nessa área é a
emissão on-line de certidões negativas, solicitadas
quando o contribuinte necessita comprovar a algum
órgão público ou privado que não possui débitos
no Município. São frequentemente solicitadas para
serem apresentadas em licitações, convênios, vendas de imóveis, processos de inventário, escrituras e financiamentos diversos. Quanto maior for
a desburocratização obtida nesse campo, menos
obstáculos haverá ao fechamento desses variados
negócios, em que o tempo é um fator determinante
para sua realização.
O mapeamento eletrônico dos procedimentos internos da administração municipal pode ajudar a
reduzi-los ao mínimo necessário para a boa gestão.
Algumas Prefeituras no País chegam a seguir mais
de 5 mil procedimentos internos em suas diversas
repartições. Mas já existem casos de administrações
que conseguiram enxugar esses números para menos de 200.
Os sites dos serviços municipais de transporte,
como páginas autônomas ou apêndices do endereço
da Prefeitura, têm relevância fundamental por sua
função como guias de itinerários das linhas de ônibus, por representar um meio de divulgação de projetos e de convocação de audiências públicas para
Aleksandar Mandic
debater aspectos específicos do transporte da comunidade, e também por seus
canais de atendimento ao usuário.
Do lado do cidadão, as redes sociais têm sido o mais poderoso instrumento
de pressão por melhorias nos transportes urbanos. Os usuários do Twitter, do
Facebook, do Youtube, de blogs e microblogs começam a entender a eficácia
dessas comunidades virtuais para informar atrasos em trens metropolitanos, veículos de transporte público em mau estado ou com frequente superlotação, denunciar a circulação de ônibus clandestinos, reportar veículos particulares ou de
carga estacionados irregularmente e cobrar mais investimentos na malha e na
modernização de terminais.
Há inclusive reivindicações, nessa área, que extrapolam a reclamação cotidiana e
assumem um caráter de campanha, de movimento, em torno de uma necessidade
que precisa ser suprida ou restaurada, como uma linha de transporte coletivo que
foi descontinuada ou uma parada de ônibus cuja alteração afetou negativamente
a rotina de considerável número de moradores de uma localidade.
Além da relação entre a administração municipal e os cidadãos, a rede social pode
hospedar outro grupo de atores sociais nessa prestação de serviço – os próprios
funcionários da companhia. Assim, o ambiente virtual mostra-se capaz de abrigar
os diversos aspectos do sistema, do Município provedor ao operador e ao usuário
final, em uma troca de experiências e visões que, se bem absorvidas, contribuirão
para maior satisfação da comunidade com o serviço público. Com ferramentas
como o Facebook e o Twitter, dificulta-se ainda a tentativa de servidores públicos
de encobrir reivindicações ou de mandá-las simplesmente para o alto de uma pilha
de papéis.
Não é mais como cobrar por e-mail ou por telefone, quando ninguém sabia se o
outro lado estava recebendo a demanda ou importando-se com ela. Ganha-se
muito mais transparência na cobrança e na solução dos problemas. Mas a maioria
esmagadora ainda não dispõe de moderadores que respondam em tempo real às
postagens e, dessa forma, ainda é imensa a porcentagem de dúvidas ou demandas que caem no vazio. Uma ouvidoria da Prefeitura precisa estar estruturada
para fazer o acompanhamento do que se passa nessas mídias sociais, a fim de
que possa responder aos anseios da população de forma cada vez mais eficiente.
No Município de São Paulo, a página no Twitter da SPTrans, a autarquia encarregada da gestão do transporte por ônibus na cidade, chegou à marca de 3 mil
seguidores em março de 2012. Ela informa quantos veículos a cada dia estão
259
Em busca da melhor cidade
atendendo estações do metrô, fornece dados referentes ao bilhete único e seus
pontos de venda, alterações de linha e assim por diante. Da mesma forma, registra
informações fornecidas pelos motoristas que circulam pela cidade, que talvez escapassem ao crivo dos agentes públicos. No dia 24 de fevereiro de 2012, por exemplo, um deles postou o seguinte comentário: “Acidente com microônibus deixa 8 feridos na Lapa, zona oeste da capital. SPTrans precisa fiscalizar melhor os lotações”.
O aperfeiçoamento da oferta de serviços digitais nessa área nas cidades brasileiras vem avançando, mas é possível sugerir:
- Cadastramento on-line em sistema de bilhete único e mesmo a alternativa de
impressão em domicílio de bilhetes dotados de códigos de barras para serem
utilizados nas estações e veículos coletivos. A medida seria importante para desburocratizar a operação, economizar tempo dos passageiros, evitar a produção de
cartões plásticos, reduzir filas nos terminais e poupar tempo de embarque;
- Publicação de editais de licitação, projetos agendados e em andamento na página da web;
- Oferecer um mapeamento on-line da estrutura de mobilidade no Município, para
facilitar e garantir, aos portadores de necessidades especiais de locomoção, o direito básico de ir e vir com segurança e autonomia;
- Transporte gratuito, porta a porta, às pessoas com deficiência com vínculo a cadeira de rodas, que possa ser requisitado por meio do site da Prefeitura ou suas
redes sociais, inclusive por dispositivos móveis como smartphones e tablets;
- Monitoramento das principais vias da cidade com câmeras, mantendo as imagens
disponíveis ao público em um endereço na internet;
- Serviços de SMS que informem sobre acidentes, vias interditadas e pontos de
lentidão na cidade;
- Possibilidade de dar entrada na documentação para uso especial de vagas de
estacionamento para portadores de deficiências e idosos por meio do preenchimento de formulários on-line;
- Possibilidade de dar entrada na documentação para licenciamento da atividade
de motoboys;
- Disparo automático de mensagens para as centrais de trânsito, alertando sobre
semáforos e outros equipamentos de sinalização com defeito;
- Implantação do sistema de bilhetagem para ônibus, metrô e linhas de trem
metropolitanos por celular, que além do pagamento possibilita a comunicação
por proximidade (Near Field Communication - NFC), em leitores eletrônicos
260
Aleksandar Mandic
instalados nas cabines ou catracas dos coletivos;
- Criação de um canal de atendimento on-line em
sistema de plantão 24 horas.
No que se refere a obras, nenhuma Prefeitura pode
mais prescindir de oferecer a alternativa de expedição (ou entrada) pela internet de alvarás para
construção e reforma de imóveis residenciais ou comerciais, assim como para a instalação de quiosques
em locais públicos. A rede também é o veículo ideal
para a difusão do código de posturas municipais, o
conjunto de regras criadas com o objetivo de permitir
aos habitantes do Município a segurança, o direito
de ir e vir, um sistema de trânsito eficiente, a limpeza e conservação dos locais públicos, além de um
meio ambiente sem poluição de qualquer espécie,
para que todas as partes interessadas mantenhamse informadas sobre a ocupação de espaços públicos
e a circulação em seus limites.
Seria interessante que os cidadãos ajudassem a alimentar um cadastro on-line de pontos do Município
deteriorados ou com necessidade de conservação
– lixeiras, calçadas, jardins, calçamentos, rua a rua,
bairro a bairro, uma espécie de wiki urbanístico. Eles
poderiam indicar em um mapa interativo o estado do
local após a recuperação e a Prefeitura manteria um
monitoramento, com a ajuda dos internautas, que
assinalariam qualquer alteração. Contagem de dias
em que área foi recuperada e há quanto tempo se
mantém em boas condições.
Se bem sucedida uma experiência desse tipo, poderse-ia tentar algo ainda mais amplo, explorando
iniciativas na linha do chamado crowdsourcing, ou
seja, projetos desenvolvidos coletivamente, em
uma parceria informal entre uma empresa, ou orga-
Seria
interessante
se os cidadãos
ajudassem a
alimentar um
cadastro
on-line
de pontos do
município
deteriorados
ou com
necessidade de
conservação
– lixeiras,
calçadas,
jardins,
calçamentos,
rua a rua,
bairro a
bairro,
uma espécie
de wiki
urbanístico.
261
Em busca da melhor cidade
A necessária
troca de
experiências
com outras
Prefeituras
pode ser obtida
por meio da
abertura de
fóruns
virtuais,
à semelhança
de redes
sociais.
nização, e voluntários espalhados pela internet. O
crowdsourcing comporta a noção de que o universo
dos internautas pode fornecer aos gestores informações tão ou até mais exatas do que peritos individuais. Essas “armas de colaboração em massa”
comportam uma ideia que se ajustaria à perfeição
a quase todas as áreas da administração municipal,
além de estimular o sentido de responsabilidade e o
exercício de cidadania do grupo social.
A coordenação poderia ser entregue a uma área incubadora, a ser criada pela Prefeitura, que hospedaria
os projetos e acompanharia a evolução de cada um
deles. No que se refere à ressocialização de excluídos, deve-se promover e disponibilizar um levantamento do número e a identificação da população de
rua, assim como o de usuários de abrigos municipais,
a fim permitir sua possível localização por parentes
ou amigos, uma vez que em muitos casos essas pessoas perderam contato com suas famílias e não têm
mais referências de seus lugares de origem.
CIRCULAÇÃO DAS INFORMAÇÕES
A necessária troca de experiências com outras Prefeituras pode ser obtida por meio da abertura de
fóruns virtuais, à semelhança de redes sociais, e divididos por temas, em que os prefeitos e seus secretários possam manter contato e conhecer iniciativas
de sucesso em outras administrações. Ações como
essas permitiriam testá-las em suas próprias localidades ou realizar trabalhos conjuntos com Municípios
próximos, quando isso se fizer necessário, para
operacionalizar projetos e for do interesse das partes.
As secretarias e o corpo de gestores também precisam compreender a importância de uma ação
262
Aleksandar Mandic
coordenada, o que o frequente trabalho em rede é capaz de permitir sem
grandes dificuldades. Ao garantir que as diversas esferas da Prefeitura se comuniquem, saibam o que as outras estão fazendo, a administração municipal
potencializa o trabalho de cada uma delas. A secretaria de saúde e a de meio
ambiente, por exemplo, podem colaborar em ações que busquem como resultado a melhoria da qualidade de vida na cidade, e assim por diante.
Outra iniciativa que tem o fator necessário para inspirar e manter em sintonia os
gestores públicos municipais é a criação de um banco digital de informações,
periodicamente atualizado de cidades bem geridas no Brasil e no mundo. A cidade de Barcelona, na Espanha, para citar uma delas, tem como prioridade o
investimento em educação e cultura. Toronto, no Canadá, busca ser a metrópole
mais sustentável do mundo, equilibrando gigantismo e práticas ecologicamente
corretas. Londres investe no patrimônio histórico e em uma atmosfera favorável
ao crescimento das empresas. Berlim prevê ações urbanísticas que eliminem as
disparidades ainda visíveis entre os antigos setores ocidental e oriental. Erros e
acertos verificados em cidades brasileiras também devem ser catalogados para
servir como termo comparativo.
A Prefeitura de Nova York conta com a figura do Public Advocate, que vai além
do papel do ouvidor, pois não apenas recebe e centraliza demandas, mas também informa o que está realizando, e como está fazendo isso. O papel do Public
Advocate é descrito por seus responsáveis como o de “vigilante”, para garantir que
a cidade receba os serviços públicos que precisa e dar voz à população. A partir
dessas práticas, o órgão pauta políticas públicas realmente capazes de atender
às necessidades e anseios mais urgentes dos cidadãos, com ênfase nas questões
que digam respeito às crianças, aos trabalhadores de baixa renda e à população
mais carente.
Em 2011 o Public Advocate inaugurou um website (http://pubadvocate.nyc.gov/
open-govt) que, além de atuar nas faixas mencionadas, mostra de forma transparente – e nos mínimos detalhes – como o dinheiro público está sendo usado. A
página lista quanto foi requisitado para cada projeto ou despesa pela área em
questão (saúde, cultura, meio ambiente, etc), o quanto foi liberado, qual secretário
ou funcionário pediu o recurso, o quanto foi aplicado e quando o item foi implementado. Tudo isso é mostrado em uma simples tabela, de fácil compreensão, rápido acesso e atualização permanente, para que o contribuinte possa se sentir
mais seguro e fiscalize a utilização dos impostos que paga.
263
Em busca da melhor cidade
Embora não haja um organismo com função semelhante na gestão das cidades
brasileiras, é possível reforçar a transparência sobre todas as decisões e despesas
relacionadas à manutenção municipal. É obrigatório, por parte do poder público,
garantir ao cidadão seu direito à informação e a transparência de seus processos de gestão. Todos os órgãos integrantes da administração pública devem disponibilizar, em seu endereço eletrônico na internet, a emissão de leis e decretos
municipais, informações ao público relativas às despesas realizadas, sejam elas
obras, compras ou gastos de outra natureza, a saber: valor orçado, valor contratado
e valor executado; cronograma de execução; modalidade e tipo de contratação.
Também deverá ser tornado público, pela via on-line, o orçamento vigente e o dos
três últimos exercícios de cada secretaria, em consonância com as normas usuais
da ciência da contabilidade. As experiências de pregão eletrônico para definir a
aquisição de bens e serviços também são práticas que podem representar uma
economia significativa para os cofres municipais.
No caso de gastos com publicidade, devem ser obrigatoriamente especificados
para o público o valor total e unitário das peças; forma, condição e data de pagamento; quantitativo de material e demais características necessárias à perfeita
descrição do produto; e ainda, contrato social e últimas alterações da empresa
contratada. E, não menos importante, contribui para lisura maior na atuação do
funcionalismo municipal um canal para envio de denúncias de mau atendimento,
de pedidos de propina para acelerar procedimentos, de achaques por fiscais da
Prefeitura, com o devido sigilo assegurado, e posterior investigação para constatar
a veracidade dos fatos.
A simples implantação de canais on-line da municipalidade com o cidadão não
garante, por si só, a eficácia desses serviços, em que as demandas populares
serão encaminhadas devidamente. Como apontou a pesquisa do Comitê Gestor
da Internet Brasil no início deste capítulo, muitos deixam de procurar os meios de
governança eletrônica porque temem “não receber retorno ou respostas às suas
solicitações”. É preciso, portanto, um trabalho permanente de monitoramento e
muita vontade política para que a estrutura criada não seja um investimento no
vazio. É fundamental que as respostas sejam rápidas, claras, consistentes e satisfatórias. Os casos que não puderem ser resolvidos no canal procurado devem ser
encaminhados automaticamente à área mais indicada, ou deve-se informar ao
cidadão os endereços, telefones e sites de consulta mais adequados.
A medição da atividade on-line e a avaliação dos resultados da interação entre
264
Aleksandar Mandic
a administração pública devem ser auditadas por
meio de ferramentas específicas, que poderão indicar quais são os assuntos mais discutidos, quais
indicam maior ou menor satisfação com a gestão
pública, de que regiões partem as maiores reclamações, de onde veem os elogios mais frequentes, que
iniciativas foram um sucesso, quais foram inócuas,
e assim por diante. Ações como essas, para centralizar dados, depurá-los e utilizá-los como motor de
decisões, revertem ao contribuinte sob a forma de
aperfeiçoamento constante dos serviços e agilidade
para quem depende da administração pública.
O conceito de Prefeitura Digital já é uma realidade
em diversas cidades brasileiras. Porém, mais que
um termo tecnológico, significa uma gestão pública
moderna, capaz de oferecer novos serviços e facilidades aos seus habitantes. E, o mais importante,
uma nova perspectiva de cidadania. Os benefícios
abrangem todas as áreas, da administração pública
à educação, passando pela saúde e a segurança, e
estendendo-se à economia do Município. Dentro
desse processo, impõe-se que todas as ações do
Executivo, do ponto de vista contábil, fiscal, orçamentário e até estratégico – pois se trata da gestão
da riqueza coletiva – estejam à disposição do cidadão-contribuinte, sem máscaras.
Ao longo da próxima década, as cidades vão continuar a crescer e a se expandir. Os desafios serão
maiores e os instrumentos para lidar com eles terão
de ser explorados ao limite. No artigo O Futuro das
Cidades, Informação e Inclusão, publicado em 21 de
janeiro de 2011 no Guia das Cidades Digitais, o consultor Mauricio Williamson, especialista na adoção
de redes municipais utilizando a tecnologia wireless
(sem fio) e topologia Mesh ou WiMAX, resume alguns
A avaliação
dos resultados
da interação
entre a
administração
pública pode
indicar quais
são os
assuntos mais
discutidos,
quais indicam
maior ou menor
satisfação
com a gestão
pública e
regiões com
as maiores
reclamações,
entre outros
dados.
265
Em busca da melhor cidade
O conceito de
Prefeitura
Digital já é
uma realidade
em diversas
cidades
brasileiras.
Mais que um
termo
tecnológico,
significa uma
gestão pública
moderna.
266
dos desafios que os próximos tempos apresentam:
“O futuro não será apenas um fluxo de avançadas
tecnologias de norte a sul, mas uma rigorosa e complexa infraestrutura de comunicação e boas ideias.
Estas experiências desenvolveram novos moldes
para criação, projeto e planejamento, escala de mercado e governo para cada cidadão individualmente,
redes de instituições e cidadãos, e urbanização de
cidades inteiras” (...)
“Contudo, a rápida mudança e a falta de previdência
em relação à pobreza conduziram a um enxame de
problemas urbanos, condições inadequadas de
instrução e cuidados médicos, desigualdades raciais
e étnicas. A próxima década se apresenta como uma
grande oportunidade de se aproveitar a informação
para melhorar a qualidade dos serviços públicos, diminuir a pobreza e a desigualdade” (...)
E pergunta ele:
“• Quais as oportunidades econômicas que a informação urbana fornecerá aos grupos excluídos?
• Que novas exclusões poderão se apresentar com os
novos tipos de dados sobre a cidade e seus cidadãos?
• Como as comunidades economicamente estáveis
poderão utilizar a informação para melhorar a qualidade do fornecimento dos serviços, a transparência
e o engajamento do cidadão?“
De fato, essas são as grandes incertezas e preocupações que os próximos tempos nos reservam.
Encontrar respostas para elas é o grande desafio
e a grande oportunidade para os administradores
públicos, sobretudo da esfera municipal, que, com
liderança e espírito inovador, terão de recorrer à
tecnologia da informação para transformar em realidade as aspirações individuais e coletivas das comunidades que os elegeram.
267
Indio da Costa
Formado e pós-graduado em Direito,
foi vereador e comandou a Secretaria Municipal
de Administração do Rio de Janeiro.
Em 2006 elegeu-se deputado federal.
Foi um dos relatores da Lei da Ficha Limpa do Congresso Nacional.
No ano de 2010, concorreu nas eleições presidenciais
como candidato a vice-presidente.
268
Indio da Costa
Ficha Limpa nas eleições municipais:
combate à corrupção e
reforma
p
o
l
í
t
i
c
a
269
Em busca da melhor cidade
270
N
Indio da Costa
ossas emoções são geoprocessadas nas cidades. A vida acontece nas ruas, nas esquinas, nos bairros, nas cidades. O Brasil,
de dimensão continental, precisa desenvolver e consolidar
políticas públicas voltadas para os Estados e Municípios para
atender aos carioca-brasileiros, paulistano-brasileiros, curitibano-brasileiros, candango-brasileiros, e assim por diante.
Afinal, nossas vidas são vinculadas às nossas experiências,
amigos, familiares, histórias da infância e da adolescência. E tudo isso está vinculado aos territórios onde nascemos, crescemos e habitamos.
Advém daí a importância das eleições municipais. Em 2012, iniciando sua
caminhada pela construção de um novo Brasil, o PSD disputou sua primeira eleição
e se consolidou com a conquista de grande número de mandatos de prefeitos e
vereadores em todo o País. Como assinala o nosso deputado federal Arolde de
Oliveira, a base de qualquer partido é o Município.
Depois de participar, como coordenador ou candidato, de diversas campanhas municipais, estaduais e nacionais, posso afirmar que as eleições municipais são as
mais trabalhosas. O esforço físico, sobretudo para vereadores, é muito grande. São
muitos candidatos em busca dos mesmos votos e, apesar de Plano de Governo não
eleger prefeito ou vereador, são as boas idéias que agregam votos, se de acordo
com o interesse dos eleitores e defendidas de forma clara. Portanto, o Plano de
Governo pode ser um bom instrumento de agregação.
Em geral, vence uma eleição o candidato que defende os mesmos valores em que
seu eleitorado acredita + propõe Idéias-Força que solucionem questões de interesse do eleitorado + Capacidade de Realização comprovada pelo passado do
candidato e pela razoabilidade de suas propostas + Proximidade com o Eleitor.
É prioritário definir os temas de cada candidatura alinhando seus projetos com os
interesses dos eleitores. Nada mais gratificante do que conversar com as pessoas
e conquistar seu comprometimento e sua participação. Nas caminhadas, reuniões
e encontros presenciais ou virtuais com os eleitores, encontramos adeptos e é
essencial transformá-los em multiplicadores. E assim construir um projeto comum
para sua cidade.
Uma frase que muito me ajudou na primeira eleição foi: “Para encher um copo de
‘sim’, talvez seja necessário encher uma piscina de ‘não”. Logo, qualidade não é
suficiente. É preciso quantidade de esforço, contato direto com o eleitor. Além das
campanhas, a política exige muita dedicação e abdicação. Só sugiro essa atividade
271
Em busca da melhor cidade
O processo de
aprovação da
Ficha Limpa
demonstrou
que, quando a
sociedade se
mobiliza,
é capaz de
fazer as
mudanças
que o
Brasil
precisa e o
Congresso,
por si só,
não teria a
motivação ou
empenho em
fazê-las.
272
àqueles que sonham. Quem deseja empreender na
vida pública deve estar pronto para enfrentar espinhosos desafios para realizar aquilo em que verdadeiramente acredita.
Minha experiência política soma 20 anos. No Legislativo foram 14 anos de mandato – 10 como vereador
no Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil,
e 4 como deputado federal. No Executivo municipal,
participei de conselhos de desenvolvimento, fui
administrador de bairros nos anos 90 e secretário
de administração na década de 2000. A candidatura
a vice-presidente foi uma oportunidade única para,
ao lado de pessoas sérias e comprometidas com o
Brasil, conhecer melhor o nosso País, suas necessidades e mazelas, além de vivenciar com profundidade o processo político nacional.
Filho e neto de profissionais liberais, não venho de
família política tradicional. Meu tio-avô, Luiz Simões
Lopes, getulista confesso, fundou e presidiu a Fundação Getúlio Vargas por 50 anos. Entre muitas outras
iniciativas, criou e gerenciou o DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público –, que instituiu o
concurso público e organizou as carreiras do funcionalismo no Brasil.
Decidi-me pela vida pública pela necessidade de defender uma transformação das relações e serviços
entre o setor público e os cidadãos, e disseminar a
visão de que é possível fazer mais com menos recursos e em menor tempo. Em uma palavra, é possível modernizar o Estado. Vou além: simplificá-lo é
essencial. Desburocratizar, reduzir custos e prazos,
multiplicar seus resultados; é possível construir um
Estado que apoie as iniciativas empreendedoras e
universalize seus serviços básicos.
Muito além da insuficiente e antiquada definição
Indio da Costa
ideológica, o Estado deve ser presente e eficiente. Acredito que o brasileiro precisa de serviço público de qualidade, da oferta de políticas públicas voltadas para
seus reais interesses e necessidades, em especial para os desvalidos que dependem quase que exclusivamente dos serviços do Estado. E é possível fazer muito
mais do que é feito, a custos bem menores, com muito menos impostos. O desperdício de recursos na burocracia é inaceitável, mas o que se tem feito no Brasil é
o contrário: cobra-se mais e mais impostos e contribuições do cidadão.
Nesta linha de princípios e valores, defendo a largada na corrida eleitoral com regras que garantam igualdade entre os candidatos. Há centenas de formas indecorosas de se multiplicar o voto e esse verdadeiro vale-tudo precisa acabar. Em
particular, é necessário barrar a entrada de candidatos sem escrúpulos que lançam
mão de recursos escusos para se eleger, sobretudo aqueles que, embora já
tenham sido condenados pela Justiça e – atraídos pela imunidade parlamentar e
seu foro especial – usam o mandato para se proteger dos crimes cometidos.
O ponto alto mais conhecido na minha carreira legislativa foi a oportunidade de ser
o relator de um projeto de lei revolucionário – Ficha Limpa – graças ao apoio do então
líder de minha bancada na Câmara dos Deputados, o experiente parlamentar Paulo
Bornhausen. Este projeto, redigido pelo Movimento de Combate de Corrupção Eleitoral
(MCCE ) e apoiado por milhões de brasileiros, era similar ao projeto de lei que eu havia
apresentado dois anos antes, e que foi incorporado ao projeto de iniciativa popular.
O processo de aprovação da Ficha Limpa demonstrou que, quando a sociedade se
mobiliza, é capaz de fazer as mudanças que o Brasil precisa e o Congresso, por si
só, não teria a motivação ou empenho em fazê-las. A aprovação dessa lei estabeleceu novos critérios para candidatos a cargos eletivos, excluindo do processo
eleitoral quem se candidata apenas para evitar a punição por crimes já cometidos por meio da imunidade parlamentar. Também proíbe a reeleição daqueles que
foram condenados por colegiado, nos casos definidos pela nova lei.
Vale a pena traçar um paralelo com o serviço público. Seu alicerce é o servidor
concursado. É ele que detém o verdadeiro conhecimento para tocar a máquina
estatal, garantindo o controle dos recursos públicos tanto na arrecadação e gastos
quanto na qualidade dos projetos. Este corpo técnico deve seguir as orientações
do gestor, isto é: do chefe do Executivo (federal, estadual ou municipal) eleito
pela população para realizar as promessas de campanha. Ora, se nenhum servidor
concursado pode ser empossado caso tenha tido uma única condenação, por que
razão quem os comanda não deveria estar sujeito a esta mesma restrição?
273
Em busca da melhor cidade
Com a nova regra, o eleitor pode escolher seus candidatos com mais tranquilidade.
A regra afeta também os partidos políticos. Aqueles focados apenas em resultados
eleitorais, independentemente da ética e da capacidade legislativa, gerencial e
transformadora de seus candidatos, terão que se submeter aos mesmos critérios
dos partidos que se preocupam em escolher quadros de qualidade para os cargos
que pleiteiam. Assim, a Ficha Limpa estabelece também um novo modelo para
estruturação partidária.
O quadro a seguir resume as condições e circunstâncias em que a Lei da Ficha
Limpa aplica-se aos candidatos a cargos eletivos.
O que determina a Lei da Ficha Limpa
Crimes que resultam em inelegibilidade
Crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro e o mercado de capitais;
Crimes previstos na lei que regula a falência;
Crimes contra o meio ambiente e a saúde pública;
Crimes eleitorais, para os quais a lei determine pena privativa de liberdade;
Crime de abuso de autoridade;
Crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
Crimes de racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
Crime de exploração de mão de obra escrava;
Crimes contra a vida e a dignidade sexual;
Crime de associação com organizações criminosas milícias, quadrilha ou bando.
Infrações eleitorais que resultam em inelegibilidade
Corrupção eleitoral;
Compra de votos;
Doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha;
Condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas.
Também ficam inelegíveis:
Aqueles impedidos de exercerem profissão por órgão profissional competente salvo se o
ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário);
Os que tenham sido demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial (salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário);
Os condenados em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de
união estável para evitar caracterização de inelegibilidade.
274
Indio da Costa
Todas as leis que mudam paradigmas são suscetíveis de críticas, algumas
bem intencionadas e que contribuem para aprimorá-las e outras, motivadas
por interesses escusos. Difícil é saber diferenciá-las. Influentes “fichas suja” sempre buscarão argumentos convincentes para derrubar regras que sobreponham a
transparência à corrupção nas campanhas eleitorais. Previsivelmente, a Ficha
Limpa não deixou de ser fartamente questionada.
Até que o tema fosse pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a grande
questão em debate dizia respeito ao trânsito em julgado. Isto é: uma pessoa só ficaria
inelegível depois de percorrer todas as instâncias possíveis. Como, no Brasil, percorrer
todas as instâncias pode levar um par de décadas ou até mais, o eleitor continuaria
à mercê da ignorância sobre a vida pregressa dos candidatos ao definir seu voto.
A solução da Lei da Ficha Limpa foi exigir apenas uma condenação por órgão colegiado do Judiciário ou de representação profissional para tornar um candidato
inelegível. Evitam-se assim perseguições políticas, pois uma condenação em segunda instância, longe de ser monocrática, resulta da deliberação coletiva de
juízes, desembargadores ou ministros de tribunais superiores.
No entanto, os defensores da participação na política sem qualquer critério prévio
sempre questionarão a nova lei, sugerindo formas de flexibilizá-la. Precisamos estar alerta. Se há excessos na lei, o tempo se encarregará de corrigi-los. Se isso
aconteceu com a lei que transformou a administração pública - a Lei de Responsabilidade Fiscal – por que seria diferente para a Lei que exclui candidatos que
ostentam alentadas folhas corridas? A nova Lei da Ficha Limpa já valeu para as
eleições de 2012 e seus principais articuladores estão hoje no PSD. Se no futuro
você pretender ser candidato pelo nosso partido, desfralde em sua campanha essa
bandeira que é sua, que é uma conquista dos eleitores brasileiros.
A Ficha Limpa garante uma nova conduta para o processo eleitoral, mas é preciso dar ao eleitor instrumentos concretos de fiscalização e cobrança. O primeiro
passo para votarmos adequadamente é saber quem estamos elegendo. O passo
seguinte consiste em acompanhar a atuação daqueles que elegemos para nos
representar, e cobrar deles um comportamento ético e o cumprimento de seus
compromissos de campanha. Este próximo passo exige uma reforma política. Falase muito sobre essa reforma e, muitas vezes, os eleitores sentem-se desnorteados
com a multiplicidade de propostas. Acredito que a reforma política que interessa
ao eleitor é a reforma eleitoral com adoção do voto distrital – proposta que integra
o programa do PSD.
275
Em busca da melhor cidade
O voto
distrital é a
reforma política
que interessa
aos eleitores,
embora não
necessariamente
a todos os
políticos.
Muitos são
contrários a
mudanças, pois
foram eleitos
pelo sistema
atual, que
favorece
aqueles que já
estão no poder.
276
Hoje, elegemos os prefeitos, os governadores, os
senadores e o Presidente da República pelo voto
majoritário. Quem conquista a maioria dos votos,
em primeiro ou segundo turno, é eleito. No entanto,
nossos vereadores, deputados estaduais e deputados federais são eleitos por um complexo e viciado
sistema de voto proporcional. Neste sistema, votase num candidato e se elege outro, proliferando os
caronas que têm baixíssima ou nenhuma representatividade, mas se elegem às custas de candidatos
mais bem votados. Depois, no plenário, o voto de um
parlamentar-carona tem o mesmo peso de um parlamentar escolhido e eleito com o voto popular.
Como os eleitores podem exercer seu poder de fiscalização e cobrança se nem sequer se lembram em
quem votaram na última eleição para representá-los
na Câmara Municipal, na Assembléia Legislativa ou
no Congresso Nacional? No sistema atual, milhares
de candidatos buscam votos em todo o território de
um Município ou de um Estado, e o máximo de contato que têm com milhões de eleitores são apariçõesrelâmpago no horário eleitoral no rádio e televisão.
Com o voto distrital, divide-se um Estado ou Município em pequenos distritos com número similar de habitantes. O Estado do Rio de Janeiro, por
exemplo, que tem 46 representantes na Câmara
dos Deputados, seria dividido em 46 distritos
eleitorais com aproximadamente 350 mil habitantes cada um. Assim, no sistema distrital, o eleitor
conhece de perto quem elege, o que aumenta a
fiscalização sobre os políticos e aproxima representantes e representados.
Cada partido indica apenas um candidato por distrito; e cada distrito elege um único representante
pela maioria dos votos. Se nenhum candidato tiver
Indio da Costa
mais da metade dos votos, o eleitor vota, em segundo turno, no parlamentar que
preferir. Eleitos pela maioria dos votos em seus respectivos distritos, os representantes terão maior autonomia e os projetos de lei, hoje preponderantemente
elaborados pelo Executivo, passarão a ser cada vez mais de iniciativa dos legisladores, refletindo mais de perto os interesses da população.
Hoje, o Congresso só vota o que é de interesse do Executivo, que usa e abusa de medidas provisórias, as quais são muitas vezes inconstitucionais e quase sempre distantes
do que a população demanda. O mesmo ocorre nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais, onde se faz sentir a mão pesada dos governadores e prefeitos sobre
os parlamentares. Para equalizar o poder do Poder Executivo e do Poder Legislativo,
todas as eleições em todos os níveis de governo devem ser majoritárias.
Por fim, mas não menos importante, no sistema distrital diminuem-se os gastos de
campanha. Em vez de distribuir cabos eleitorais por todo o Estado, os candidatos
terão de bater de porta em porta, conquistando seus eleitores no contato pessoal.
No conjunto, a Lei Ficha Limpa, menores gastos de campanha e maior poder
de fiscalização e cobrança pelos eleitores, compõem o arsenal perfeito para
o combate efetivo à corrupção.
O voto distrital é a reforma política que interessa aos eleitores, embora não necessariamente a todos os políticos. Muitos políticos são contrários a mudanças,
pois foram eleitos pelo sistema atual que favorece aqueles que já estão no poder.
Resistências existirão sempre, mas não podemos retroceder face ao que aqueles
políticos tanto temem na verdadeira democracia: o poder do eleitor.
O voto distrital inverte a lógica da política no Brasil e por isso é um bom tema para
ser defendido nas campanhas municipais. O que se pregará é aumentar o poder do
eleitor para fiscalizar os políticos; democratizar as disputas eleitorais; reduzir o
custo das campanhas; estimular a redução do número de partidos e aproximá-los
dos eleitores; fortalecer a relação entre representantes e representados.
Nós, como homens públicos, somos eleitos para servir à sociedade e não para dela
nos servirmos. Mas a reforma política só sairá do papel sob enorme pressão da
sociedade. É no período eleitoral que temos a oportunidade de defender idéias
inovadoras, propondo um novo modelo para a política brasileira. As mídias digitais
abrem um novo rumo para o Brasil, viabilizando o livre fluxo de informações e
idéias e a participação e o engajamento popular na vida política. O celular, a internet e as redes sociais dão aos eleitores o poder de fiscalização, de denúncia, de
cobrança e, se necessário, de punição aos maus políticos.
277
Em busca da melhor cidade
Podemos mudar os rumos do Brasil, desenhar um novo projeto para a nação,
mais justo e participativo, no qual a população sinta-se representada de forma
democrática. Proponho que, ao lado da defesa e aplicação da Ficha Limpa, coloquemos em destaque na campanha eleitoral que se aproxima a adoção do voto
distrital. Assim, colocaremos as idéias do PSD de forma clara e democrática para
o eleitorado, buscando seu apoio para este movimento que já alterou o cenário
político brasileiro.
278
279
280
Presidente: Guilherme Afif
Vice-Presidente: Vilmar Rocha
Diretoria
Diretor: Rubens Figueiredo
Comunicação: Sérgio Rondino
Núcleo de Estudos: Roberto Macedo
Núcleo de Formação: Rogério Schmitt
Núcleo de Relações Parlamentares: Antonio Carlos Rizek Malufe
Núcleo de Relações Estratégicas: Marcelo Rehder
Núcleo de Relações Internacionais: Alfredo Cotait
281
Este livro foi composto na tipologia Neo Sans Pro
e impresso em papel Pólen Bold 90g.
282
“
Tenho reiterado que, hoje,
o grande desafio do Brasil é
aumentar sua produtividade.
Para isso, o País precisa
urgentemente aumentar sua
eficiência na área privada e,
principalmente, nos serviços
públicos, onde as administrações
municipais têm papel importante
pela proximidade com o cidadão.
Vivemos uma realidade em que
as cidades dispõem de poucos
recursos para atender às
demandas de seus habitantes
e o melhor antídoto para isso
é o uso mais eficaz do pouco
que se dispõe. Esta publicação
do Espaço Democrático
certamente será de grande
ajuda nesse sentido.
“
Henrique Meirelles
Coordenador do Conselho Temático
de Política Econômica
do Espaço Democrático
283
“
É nas administrações municipais que a população procura
prioritariamente o atendimento de suas necessidades
básicas. Assoberbados pela falta de recursos, pela magnitude das
carências e, muitas vezes, também pela falta de
conhecimentos técnicos, os gestores de nossas cidades têm que
se desdobrar para atender às queixas dos moradores. Neste livro, o
Espaço Democrático oferece ideias e propostas que podem ser muito
úteis àqueles que acreditam que podem construir
um futuro melhor ao mesmo tempo em que trabalham
para minorar as dificuldades de seus concidadãos.
“
Omar Aziz
Governador do Estado do Amazonas
“
A qualificação dos gestores municipais é, sem dúvida,
um dos pilares do desenvolvimento de qualquer País.
No Brasil esse é um processo que já começou, mas ainda tem um
longo percurso pela frente. A iniciativa do Espaço Democrático,
ao lançar Em Busca da Melhor Cidade, é um grande passo nesse
caminho. O conhecimento de experiências bem sucedidas
e das questões estruturais e conjunturais que dificultam ou mesmo
impedem a elevação da qualidade de vida dos cidadãos
é muito importante nesse processo. Trata-se de leitura
“
fundamental para os administradores de nossas cidades.
Raimundo Colombo
Governador do Estado de Santa Catarina
www.psd.org.br