caracterização das oclusivas sem soltura audível na fala contínua
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CARACTERIZAÇÃO DAS OCLUSIVAS SEM SOLTURA AUDÍVEL NA FALA CONTÍNUA AMERICANA Reiner Vinicius PEROZZO 1 RESUMO: Este estudo contempla a realização de oclusivas sem soltura audível presentes na fala contínua em inglês americano. Tal assunto tem sido pouquíssimo explorado por pesquisadores, restringindo o rol de trabalhos na área a um número bastante reduzido. Pesquisas similares a esta foram conduzidas, principalmente, nos campos de teoria fonológica e aquisição fonético-fonológica de língua estrangeira. Davidson (2011) analisou, a partir de um corpus de caráter público (a saber, StoryCorps, www.storycorps.org), a produção de oclusivas na fala espontânea americana em quatro contextos: (a) antes de obstruintes e nasais em posição medial; (b) em final de palavra; (c) em final de frase; e (d) posição pré-pausal. Tsukada et al. (2004, 2007) e Tsukada e Roengpitya (2008) investigaram questões de inteligibilidade, tanto em termos de percepção como de produção, relativas à aquisição de padrões fonéticos das oclusivas finais. Além da carência de estudos no que tange à realização das oclusivas sem soltura audível em inglês, aqueles que abordam o tema o fazem com uma quantidade limitada de dados e não se preocupam em descrever apenas os padrões em que não há soltura. Dessa forma, a pesquisa aqui proposta visa a caracterizar a produção de segmentos oclusivos não-vozeados, sem soltura audível, que ocorrem na fala contínua de falantes nativos de inglês americano. Para tanto, serão levados em consideração fatores como: (a) contexto fonológico da oclusiva – posição pré-pausal; (b) ponto de articulação do segmento plosivo – [p], [t] e [k]; e (c) vogal precedente. Diferentemente de Davidson (2011), serão utilizados para análise dados disponíveis na plataforma English as a Second Language Podcast (www.eslpod.com) – organização sem fins lucrativos que se ocupa da difusão de situações/diálogos do cotidiano para ensinar língua inglesa a aprendizes do idioma – os quais serão interpretados com o auxílio do software de análise acústica Praat (Boersma & Weenink, 2012). Cabe ressaltar que no presente estudo será evidenciado o papel que a vogal precedente desempenha sobre o segmento oclusivo [algo não observado na pesquisa de Davidson (2011)]. Em paralelo com Tsukada et al. (2004, 2007) e com Tsukada e Roengpitya (2008), a fala em pauta nesta pesquisa é controlada, porém voltada para um público de aprendizes de inglês. Assim, a partir de um levantamento estatístico, o presente estudo, de cunho descritivo, se faz pertinente para uma melhor caracterização do componente fonético-fonológico do inglês americano, bem como se constituirá como uma ferramenta para que se possa melhor compreender a aquisição e a emergência de padrões fonéticos variáveis do inglês. PALAVRAS-CHAVE: Fala contínua; Inglês americano; Oclusivas surdas sem soltura audível. ABSTRACT: This study addresses the realization of unreleased stop consonants in American English continuous speech. Such issue has been barely approached by researchers, limiting the list of works in the field to a quite short extent. Similar research has been mainly conducted in phonological theory and in second language phonological acquisition. Based on 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. 1 a public corpus (StoryCorps, www.storycorps.org), Davidson (2011) analyzed the production of stop consonants in American English spontaneous speech in four contexts: (a) before obstruents and nasals in medial position; (b) word-final position; (c) phrase-final position; and (d) pre-pausally. Tsukada et al. (2004, 2007) and Tsukada and Roengpitya (2008) investigated questions related to intelligibility, both in terms of perception and production, related to the acquisition of phonetic patterns of final stops. Besides the lack of studies concerning the realization of unreleased stop consonants in English, researchers who deal with the subject do not focus on a great amount of data and do not seek to describe only those patterns that show no stop consonant release. Thus, the aim of the present research is to characterize the production of unreleased voiceless stops which occur in the speech of Americans. Therefore, the following factors are taken into account: (a) stop phonological context – pre-pausal position; (b) point of articulation – [p], [t] and [k]; and (c) stop preceding vowel. Unlike Davidson (2011), this study examines the data from a platform called English as a Second Language Podcast (www.eslpod.com) – a nonprofit organization which broadcasts English dialogs of everyday situations to linguistically support English learners all over the world – which have been acoustically interpreted by means of the software Praat (BOERSMA & WEENINK, 2012). It is important to highlight that this research also verifies the role that the preceding vowel plays on the final stop consonants. In parallel to Tsukada et al. (2004, 2007) and Tsukada e Roengpitya (2008), the speech treated in the present study is controlled, even though it is meant to enhance the oral skills of English learners. Finally, from a statistical, descriptive verification, this research both offers a relevant account to better understand the American English phonetic-phonological component and serves as a tool to encompass the acquisition and emergence of variable phonetic patterns. KEYWORDS: American English; Continuous speech; Unreleased voiceless stops. 1 Introdução O presente estudo é um recorte de um projeto de pesquisa de maior dimensão que tem por finalidade caracterizar as oclusivas sem soltura audível na fala contínua e espontânea de falantes norte-americanos. O corpus selecionado para análise foram podcasts do site English as a Second Language Podcast (www.eslpod.com). A estrutura silábica da língua inglesa permite que diversas obstruintes se encontrem em posição de coda, como observamos nas palavras cap /p/, suit /t/, kick /k/, tough /f/, fish //, por exemplo. Atentando apenas para as oclusivas que possam ocupar a coda silábica, percebemos que tais segmentos estão sujeitos a diversas realizações, que abarcam produções, de caráter variável, em que pode haver: (a) soltura audível do ar egressivo; (b) não-soltura audível do ar egressivo; (c) deleção; (d) lenição; e (e) glotalização [FRY (1979); LIEBERMAN & BLUMSTEIN (1988); KENT & READ (1992); LADEFOGED (2005)]. A presente pesquisa volta-se exclusivamente para a descrição dos casos em que consoantes oclusivas não-vozeadas, /p, t, k/, são produzidas sem soltura audível do ar egressivo. Como mencionamos, a não-soltura é um processo variável, que depende de fatores segmentais, como fronteira de sílaba e/ou de palavra fonológica, assim como de fatores suprassegmentais, considerando-se o contexto situacional em que a fala é produzida. 2 Objetivos específicos 2 1. Verificar qual segmento, a saber, /p/, /t/ ou /k/, apresenta maiores índices de não-soltura do ar egressivo; 2. Investigar o status da vogal precedente a /p/, /t/ e /k/ no que diz respeito ao fenômeno da não-soltura; 3. Averiguar o impacto de variáveis extralinguísticas, como sexo e etnia, sobre a não-soltura das oclusivas em questão. 3 Corpus e segmentos analisados Os dados do presente estudo foram coletados a partir de 30 podcasts do site norteamericano English as a Second Language Podcast (www.eslpod.com), instituição que tem como propósito auxiliar linguisticamente aprendizes de inglês (L2) através de diálogos que simulam situações cotidianas. As histórias são lidas de maneira contínua por um homem e por uma mulher, ambos falantes nativos de inglês americano, e duram cerca de 2 minutos. As sentenças geralmente são intercaladas, de modo a representar uma conversa entre os dois locutores. Inicialmente, foram escolhidos para análise os segmentos /p/, /t/ e /k/ em posição prépausal, que seriam alvos potenciais do processo variável conhecido como não-soltura audível do ar egressivo (DAVIDSON, 2011). Todavia, mesmo condicionado pelo ambiente fonológico, o segmento /k/ foi produzido categoricamente com soltura audível, acabando por ser excluído desta análise. Assim, serão focados apenas os segmentos /p/ e /t/ para apreciação neste trabalho. Além do ambiente fonológico elegido (pré-pausal), foram levados em consideração o ponto de articulação da consoante em evidência e também a vogal que a precedeu. 4 A não-soltura no espectrograma A seguir (fig. 1), apresentamos a visualização espectrográfica do sintagma show up, em que podemos observar a falta da barra de oclusão 2 ao final da elocução, obtida a partir do software Praat (BOERSMA & WEENINK, 2012): Figura 1. Visualização espectrográfica do sintagma show up. 2 A barra de oclusão é indicadora da articulação em que há a saída de ar a partir de um segmento plosivo. 3 5 Ocorrências de não-soltura Com base nas 30 histórias analisadas, verificamos a presença da não-soltura audível do ar egressivo nas consoantes /p/ e /t/ em contexto pré-pausal (fig. 2). Vejamos: • De 12 ocorrências de /p/ no ambiente esperado, foram identificadas apenas 2 ocorrências em que não houve soltura audível do ar egressivo – compreendendo 16,6% de todas as ocorrências; • De 103 ocorrências de /t/ no ambiente esperado, foram identificadas 75 ocorrências de não soltura do ar egressivo – compreendendo 72,8% de todas as ocorrências. Figura 2. Gráfico das ocorrências de soltura e não-soltura audível de /p/, /t/ e /k/. Para uma apreciação mais cuidadosa, realizamos o levantamento de frequência das vogais e ditongos que precederam os segmentos /p/ e /t/ analisados (fig. 3 e fig. 4): 4 Figura 3. Gráfico das frequências de vogais e ditongos precedentes a /p/. Figura 4. Gráfico das frequências de vogais e ditongos precedentes a /t/. Como mencionamos anteriormente, não houve presença de não-soltura nas palavras que terminaram em /k/. As vogais e ditongos que procederam tal segmento foram //. 5 6 Resultados e discussão Embora o número de ocorrências gerais de /p/, /t/ e /k/ difiram entre si, percebemos que o segmento /t/ foi o mais passível de não-soltura audível dentre as outras oclusivas nãovozeadas. Tal resultado relaciona-se com o estudo de Davidson (2011), em que a pesquisadora também encontrou mais ocorrências de não-soltura para /t/ do que para /p/ e /k/. Constatamos que há maiores índices de não-soltura de /t/ quando este é precedido pelas vogais // e // e pelo ditongo /a/. No entanto, ainda se faz precoce afirmar se a vogal precedente às consoantes /p/, /t/ e /k/ realmente desempenha um papel na não-soltura das oclusivas em questão, pois contamos com uma quantidade ainda limitada de dados. A variável etnia não foi considerada em função de que ambos os locutores eram brancos. Todavia, no estudo de Davidson (2011), falantes negros tiveram maiores índices de não-soltura nas consoantes /p/, /t/ e /k/ do que falantes brancos. Igualmente, a variável sexo não foi incluída na análise por não se mostrar importante para a realização do fenômeno (DAVIDSON, 2011) – e, além disso, não seria viável averiguar o status de tal variável contando apenas com dois sujeitos, uma vez que o trabalho encontra-se em execução e ainda há mais um corpus a ser investigado. 7 Limitações e sugestões futuras Embora a maior parte das palavras escolhidas seja monossilábica, algumas palavras dissilábicas e trissilábicas também foram analisadas, uma vez que dispunham de sílabas finais no formato CVC e satisfaziam o contexto pré-pausal. Futuramente, seria interessante separar as palavras por número de sílabas para que esta variável pudesse ser devidamente controlada. Este corpus é voltado para aprendizes de inglês (L2), e isso pode causar um maior controle na fala dos locutores, não havendo como descartar certo monitoramento na elocução, o que pode vir a implicar mais palavras com soltura audível do que palavras sem soltura audível. Daí a necessidade de se analisar um corpus em que a fala seja espontânea, como aquela encontrada no StoryCorps. Além disso, deve-se atentar para a equivalência do número de ocorrências para /p/, /t/ e /k/. Se o número de ocorrências com tais segmentos for aproximado, poderemos mapear com maior segurança o fenômeno fonético-fonológico investigado. Isso poderá ser conseguido através da análise de uma quantidade substancial de outras histórias. 6 Referências ALVES, U. A Aquisição das Sequências Finais de Obstruintes do Inglês (L2) por Falantes do Sul do Brasil: Análise via Teoria da Otimidade. Porto Alegre: PUCRS, 2008. 337f. Tese (Doutorado em Letras). Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. BOERSMA, P.; WEENINK, D. PRAAT: Doing Phonetics by Computer. Amsterdam, 2012. Disponível em <http://www.fon.hum.uva.nl/praat/>. Acesso em 18 jan. 2012. CRISTÓFARO-SILVA, T. Dicionário de Fonética e Fonologia. São Paulo: Contexto, 2011. 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