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A Arte da Guerra
TZU, S. A arte da guerra. Adaptação e prefácio: James Clavell.
Tradução: José Sanz. 29ª ed.. Rio de Janeiro: Record, 2002, 111 p.
Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira**
Escrita há aproximadamente 2.500 anos na China antiga pelo general Sun
Tzu, “A Arte da Guerra” é uma obra clássica não sujeita ao tempo. Redescoberta
pelo mundo ocidental e utilizada como um “manual de estratégias” devido ao seu
denso conteúdo filosófico, a obra reúne uma série de premissas de cunho militar,
que podem ser facilmente aplicadas atualmente por administradores, políticos,
empresários, entre outros, para formulação de suas estratégias.
A obra de Sun Tzu é considerada por muitos a precursora da literatura acerca
da estratégia em combate. Posteriormente, essa temática também foi abordada
em “Da Guerra” (1832), pelo general Clausewitz, e se tornou principal referência
clássica em estratégia de guerra no Ocidente.
Grande parte da utilização do pensamento estratégico na área de negócios é
proveniente da referida esfera de combate, na qual a estratégia é definida como uma
arte militar que envolve o planejamento e a execução necessários para se chegar
aos objetivos principais da guerra. Diferente de uma simples questão lógica, através
da qual é possível alcançar um mesmo resultado final, a necessidade estratégica
nasce da impossibilidade de satisfação simultânea de interesses divergentes e da
imprevisibilidade da reação de qualquer oponente, que possui valores e percepções
geralmente constituídos de forma totalmente diversa (COSTA; ALMEIDA, 2005, p.
205).
Segundo o professor Pankaj Ghemawat, os termos estratégicos existentes, a
partir de sua origem militar, foram incorporados aos negócios efetivamente a partir
do século XX, porém anteriormente, no período da Segunda Revolução Industrial,
surgia a “emergência da estratégia como forma de moldar as forças do mercado
e afetar o ambiente competitivo”, principalmente pelo surgimento dos mercados
em massa (2000, p.16).
De acordo com o mesmo autor, a Segunda Guerra Mundial viabilizou o
Silvye Ane Massaini, formada em Administração de Empresas pela FAAP em 2008, pós-graduanda em Gestão
Estratégica de Projetos e Professora Auxiliar de Ensino em tempo integral na mesma instituição. <samassaini@
faap.br>. Viviane Renata Franco de Oliveira é bacharel e licenciada em História pela USP e bacharel em
Administração de Empresas pela FAAP, onde também exerce função. <[email protected]>
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pensamento estratégico nas empresas para solucionar o problema de alocação de
recursos na economia e para guiar decisões gerenciais, com o objetivo de exercer
influência sobre as forças do mercado (2000, p.17). As escolas de administração
foram as principais responsáveis por promover o pensamento estratégico nos
meios acadêmicos e, a partir da década de 1960, essa influência se fazia fortemente
presente em diversos tipos de negócios, principalmente através da atuação de
firmas de consultoria em estratégia que se formaram em meados da década de 1970.
A obra “O processo da estratégia” salienta que a influência militar foi ainda
mais relevante nas concepções estratégicas que se disseminaram na década de
1980, sendo Michael Porter um dos representantes dessa influência, conhecida
como Escola de Posicionamento. Na vertente do posicionamento, que tem a obra
de Sun Tzu como base, a estratégia “reduz-se a posições genéricas selecionadas
por meio de análises formalizadas das situações de segmento”, fazendo com que
os estrategistas sejam caracterizados fundamentalmente pela sua capacidade
analítica (MINTZBERG et al, 2003, p.10).
Percebe-se, pela apreciação de “A Arte da Guerra”, que tal aspecto fora
explorado por Sun Tzu, ao afirmar que o general que tiver capacidade de analisar
seu ambiente cuidadosamente, planejar estrategicamente e liderar, conhecendo a
si e aos seus inimigos, obterá êxito. Sua obra apresenta como ponto central a busca
da vitória frente a um ambiente de competição e conflito, na qual se evidencia a
necessidade de antecipação diante do inimigo, de adaptação frente às diferentes
variáveis e de ação rápida e eficaz.
O livro é dividido em 13 capítulos, nos quais o autor expõe a importância da
disciplina e do planejamento nas ações militares.
Inicialmente, o autor trata da preparação dos planos, evidenciando a
necessidade de planejamento para alcance dos objetivos. Nesse sentido, a figura do
chefe militar torna-se fundamental devido a sua responsabilidade pela condução
de seu exército de forma segura. Para tanto, o militar deve considerar as condições
de sua equipe e de seu inimigo, tendo em mente cinco princípios básicos para se
tornar um vencedor:
1. Lei Moral: significa a submissão do exército diante de seu governante.
2. Céu: refere-se ao clima, representando tudo o que se encontra além do
controle do militar.
3. Terra: refere-se ao caminho, à segurança, aos perigos e à distância,
questões através das quais é possível traçar algum tipo de avaliação prévia.
4. Chefe: significa a sabedoria, a coragem, a integridade e a liderança para
o alcance de determinado objetivo.
5. Método e disciplina: refere-se principalmente às divisões militares, aos
regimentos e ao método a ser aplicado para conduzir o exército.
Feitas tais considerações, Sun Tzu enfatiza a necessidade de estar um passo à
frente do adversário e de ser eficiente nas ações militares, como forma de preservar
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os recursos militares e minimizar o desgaste do grupo. As operações militares
não devem ser conduzidas em campanhas demasiadamente prolongadas, pois
isso acarretaria na exaustão do grupo e na extinção de seus recursos, deixando-o
vulnerável frente ao inimigo. Segundo Carlos Lima Silva, em seu livro “Harmonia
no Conflito: A arte da estratégia de Sun Tzu”, o general deve encontrar o equilíbrio
entre a velocidade e o tempo, estando ciente da situação em que os soldados se
encontram (1999, p.306).
Nesta mesma linha argumentativa, o autor defende que a melhor estratégia de
ataque será aquela que mantiver o Estado inimigo intacto, utilizando-se do domínio
e da rendição ao invés do extermínio. “A glória suprema consiste em quebrar a
resistência do inimigo sem lutar” (TZU, 2002, p.25). Dessa forma, a melhor política
militar é aquela que obtém a vitória através do impedimento dos planos inimigos,
explorando ao máximo as possibilidades diplomáticas.
A partir dessa ótica, Sun Tzu ressalta a necessidade do conhecimento do
inimigo e de si mesmo, como forma de destacar-se frente ao oponente. Para tanto,
torna-se fundamental a análise dos pontos fortes e fracos e a possibilidade de
utilização de diversos métodos de ataque e defesa para surpreender o exército
inimigo. Em outras palavras, o chefe militar deve preparar seus arranjos técnicos
de modo a evitar os pontos fortes do inimigo, atacando seus pontos fracos. No
âmbito organizacional, tal afirmação pode ser entendida como a necessidade
de conhecimento da própria organização, dos clientes e da concorrência, para
possibilitar o alcance dos objetivos (KRAUSE apud ZACCARELLI, 2000, p.43)
Outro ponto destacável da obra refere-se à questão da liderança, da utilização
da lei moral, dos métodos e da disciplina. Conforme o autor, um comando rígido
e imparcial possibilitará o alcance de uma vantagem competitiva, evidenciando
assim a importância da coordenação, da força, da organização e da dinâmica do
grupo. Para Sun Tzu, “o guerreiro inteligente procura o efeito da energia combinada
e não exige muito dos indivíduos. Leva em conta o talento de cada um e utiliza
cada homem de acordo com sua capacidade” (TZU, 2002, p.36), o que pode ser
considerado inclusive no âmbito da liderança organizacional.
Isto posto, Sun Tzu trata das diferentes manobras de combate no campo de
batalha. Segundo o autor, para posicionar-se à frente do inimigo, é necessário
conhecer muito bem o terreno e mover-se rapidamente por ele. O planejamento
das manobras facilita o sucesso do exército, assim como o conhecimento do
território de batalha possibilita o ataque direto e indireto, facilitando a atração
dos adversários à emboscadas. Aprofundando-se no tema, o autor apresenta
nove fatores que devem considerados, como forma de evitar surpresas no campo
de batalha: não acampe em terrenos baixos; busque “parcerias” com os príncipes
dos terrenos considerados estratégicos; esteja preparado em terrenos sujeitos a
armadilhas; lute agressivamente em um terreno no qual não se possa avançar ou se
retirar; há momentos em que os inimigos não devem ser atacados, dentre outros.
No ambiente de negócios, tais fatores podem ser representados pela a formação
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de alianças estratégicas, por exemplo, ou até mesmo pela utilização de estratégias
para evitar “guerra de preço”.
Dando continuidade ao assunto, o autor trata das movimentações estratégicas
que o exército deve tomar. Para se posicionar, o general deve procurar um território
seguro e selecionar um lugar alto e ensolarado para montar seus acampamentos
militares, aproveitando-se das vantagens propiciadas pelo terreno. Do ponto de
vista mercadológico, tal fato pode ser entendido como a identificação de uma
oportunidade de mercado, presente na análise SWOT. Esta ferramenta estratégica,
amplamente difundida por autores contemporâneos, tem como base os mesmos
princípios enunciados por Sun Tzu, e se baseia no levantamento das forças,
fraquezas, oportunidades e ameaças presentes no ambiente interno e externo de
uma empresa, de forma a possibilitar a tomada de decisão e, conseqüentemente, o
cumprimento de seus objetivos. Ainda a esse respeito, Sun Tzu afirma: “para que o
impacto do seu exército possa ser semelhante a uma pedra de moinho chocando-se
com um ovo, utilize a ciência dos pontos fracos e fortes” (TZU, 2002, p.37).
Além disso, são apresentados diversos tipos de terrenos (acessível, complicado,
duvidoso, estreito, acidentado e distante) e a forma mais adequada de lidar com
cada um deles, enfatizando a questão da adaptação. Em um terreno acessível, por
exemplo, as tropas devem ocupar posições altas e ensolaradas, mantendo as linhas
de provisão desimpedidas, facilitando a luta com o inimigo. Já em um terreno
duvidoso, é aconselhável recuar e atrair o oponente a uma situação através da
qual se possa obter algum tipo de vantagem. Analogamente, essa questão pode
ser compreendida nas organizações como a necessidade de um posicionamento
estratégico, utilizando-se das variáveis do mercado, para obtenção de uma
vantagem competitiva sustentável.
Outro ponto abordado na obra diz respeito aos cinco erros que podem
afetar o líder militar: a negligência, que leva à derrota; a covardia, que leva à
captura; a debilidade da honra, que leva à humilhação; a impetuosidade, que leva
à precipitação; e o excesso de solicitude com os soldados, que leva à hesitação
e passividade. Tais erros implicam em perda e para evitá-los nas organizações é
necessária uma adaptação constante. Isso só será possível a partir de uma análise
situacional, do cálculo dos recursos e da força necessária, da comparação dessa
força com a força dos adversários e da previsão da vitória ou da derrota (SILVA,
1999, p.203).
O autor ainda destaca a necessidade dos soldados serem tratados de forma
humana, mantidos, no entanto, sob controle de uma rígida disciplina. Assim, “quanto
maior for o entendimento mútuo, o senso de justiça e a disciplina imparcial, maior
será a confiança mútua entre superiores e subordinados” (SILVA, 1999, p.369).
Sun Tzu também discute algumas questões pelas quais o general é o grande
responsável, evidenciando a importância do superior no alcance dos objetivos:
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Quando os soldados rasos são muito mais fortes e seus oficiais muito fracos,
o resultado é a insubordinação [...]; quando os oficiais são muito fortes e os
soldados rasos muito fracos, o resultado é o colapso [...]; quando o general é
fraco e sem autoridade, quando suas ordens não são claras e compreensíveis
[...] o resultado é a desorganização absoluta [...]; quando um general, incapaz
de calcular as forças inimigas, permite que uma força inferior ataque uma
superior [...] o resultado pode ser a derrota total (TZU, 2002, p.71-72).
Sua abordagem tem continuidade na descrição dos cinco tipos de ataques
incendiários. O fogo, neste contexto, representa a rápida destruição através da
utilização da tecnologia, tendo como objetivo confundir o adversário, deixando-o
hesitante (SILVA, 1999, p.494). Para atear fogo, no entanto, é importante aguardar o
momento propício (dias secos e ventos fortes), ter os materiais necessários sempre
à mão e conduzir o combate de forma apropriada.
Ao final de sua obra, Sun Tzu refere-se à utilização de espiões, como forma de
reduzir os custos de guerra e obter informações essenciais a respeito do inimigo.
Diante desta abordagem, o espião assume um papel de suma importância, já que
toda a capacidade de movimentação do exército repousa sobre o conhecimento
do inimigo (TZU, 2002, p.110-111). Para o autor Carlos Lima Silva, o papel do espião
pode ser representado, no contexto organizacional, pelos funcionários e suas
contribuições com relação ao conhecimento que possuem, tornando-se peças
fundamentais no intercâmbio de informações (1999, p.509).
No contato com a obra comprova-se a relevância das idéias de Sun Tzu pela
capacidade de síntese da filosofia e da realidade, permitindo a abstração de seus
conceitos para realização das mais diversas analogias.
A comparação entre o cenário militar com o cenário organizacional é possível,
uma vez que ambos dependem da formulação de estratégias adequadas para o
alcance de seus objetivos. Assim sendo, para o administrador, a grande valia da obra
está em sua possibilidade de aplicação genérica às questões de cunho estratégico.
A convergência dos conceitos anunciados por Sun Tzu ocorre também pela
acentuada preocupação com o futuro na condução das organizações, influenciando
diretamente as decisões e ações das organizações. As dificuldades eminentes nas
projeções futuras são resultantes da complexidade do ambiente formado pelas
“rápidas e radicais transformações que atingem a sociedade contemporânea”
(COSTA; ALMEIDA, 2005, p. 23), sendo a estratégia uma das principais ferramentas
utilizadas para amenizar os efeitos do atual cenário pautado pela incerteza.
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Referências Bibliográficas
COSTA, Benny Kramer; ALMEIDA, Martinho Isnard Ribeiro de (Org.). Estratégia:
direcionando negócios e organizações. São Paulo: Atlas, 2005.
GHEMAWAT, Pankaj. A estratégia e o cenário dos negócios: textos e casos. Tradução:
Nivaldo Montigelli Jr. Porto Alegre: Bookman, 2000.
MINTZBERG, H.; QUINN, J. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos.
Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 4ªed.. Porto Alegre: Bookman, 2006.
SILVA, Carlos Lima. Harmonia no conflito: a estratégia de Sun Tzu. Rio de Janeiro:
Qualitymark Ed., 1999.
ZACCARELLI, Sérgio B. Estratégia e sucesso nas empresas. São Paulo: Saraiva, 2000.
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