Sem título-1

Transcrição

Sem título-1
Mulheres e Homens à Imagem de Deus
Organizadores
Deusilene Milhomem
Marcelo Santos
Direitos reservados © 2016
Movimento Mulheres Teólogas Anabatistas da América Latina – MTAL.
Permissão de cópias de excerto deste livro somente para fins educacionais.
Não disponível para revenda.
Impresso no Brasil.
Foto da capa: Dasha Petrenko/Shutterstock.com
Imagem usada sob licença da Shutterstock.com.
Diagramação e Capa: Gráfica e Editora Box Ltda.
Sobre a arte da capa: A videira é figurativa da vida cristã centrada e enraizada
em Jesus, a videira verdadeira. Ramos e frutos nos falam de mulheres e homens que, unidos no corpo de Cristo, compartilham sua diversidade de dons
e talentos, trabalhando por igual para crescimento mútuo, sempre arraigados
à videira.
A responsabilidade pela publicação em Português é atribuída aos participantes do Movimento das Mulheres Teólogas da América Latina. Agradecemos o
Comitê Central Menonita a permissão dada para traduzir e usar os capítulos
do livro “Created Equal”, de Linda Gehman Peachey, nesta publicação.
Sumário
Prefácio
5
Introdução
7
1. Jesus não tinha apenas discípulos homens?
8
2. Todos os líderes da igreja primitiva não eram homens?
11
3. Paulo não disse que as mulheres deveriam ficar em
silêncio e ser submissas?
14
4. Jesus não chamou Deus de Pai?
25
5. Deus não criou primeiramente os homens?
28
6. Eva não pecou primeiro?
30
7. Todos os profetas e líderes hebreus não eram homens?
32
8. As mulheres no contexto da igreja evangélica no Brasil
37
Conclusão
45
Recursos Adicionais
47
Recursos da Internet
47
Sobre os Organizadores
48
Prefácio
Numa sociedade marcada por desigualdades de gênero, na
qual mulheres têm seus direitos de igualdade violados, e recebem
tratamento inferior àquele dado aos homens, um livro como este é
um convite indispensável para se refletir sobre ideologias que legitimam a inferioridade da mulher, para então confrontá-las com a
verdade bíblica. É com esse propósito que Somos Todos Iguais chega
às mãos de homens e mulheres brasileiros/as.
O livro é uma adaptação brasileira da obra em inglês Created Equal: Women and Men in the Image of God, do Comitê Central
Menonita. A organização do livro inclui tradução dos capítulos da
versão original, acrescida de um capítulo que contextualiza a discussão do livro para o contexto brasileiro.
Os capítulos, a partir do título, fazem referência a questionamentos que são comumente utilizados por aqueles que querem
argumentar a favor da visão subalterna da mulher. Tais questionamentos são respondidos à luz dos ensinamentos de Jesus e da
Bíblia. Para ampliar e personalizar o tópico discutido, perguntas
aparecem no final de cada capítulo.
Em síntese, o capítulo 1 discorre que Jesus não apenas tinha discípulos, mas também discípulas que O acompanhavam e
O serviam em Seu ministério. O capítulo 2 argumenta que havia
mulheres que compunham o corpo de líderes da igreja primitiva,
não somente homens. No capítulo 3, discute-se a ordem dada às
mulheres para que permanecessem em silêncio nos cultos e fossem submissas aos seus esposos, inserindo-a no contexto cultural
da época. O capítulo 4 mostra que Jesus utilizou tanto imagens
masculinas quanto femininas para se referir à Deus. Os capítulos
5 e 6 lidam com argumentos em torno da criação de Adão e Eva,
mostrando que a criação do primeiro casal apontava para uma relação de igualdade entre mulher e homem. No capítulo 7, dispõe-se
que mulheres também figuravam entre profetas e líderes hebreus.
Por fim, a discussão do capítulo 8 enfoca as mulheres evangélicas
no Brasil.
5
Todo o trabalho de organização deste livro contou com
uma equipe de mulheres e homens que dispuseram seus dons, talentos e tempo à serviço do Reino. Agradecemos a Linda Peachey,
autora de Created Equal – Women and Men in the Image of God, a
cessão de direitos de tradução de seus textos para o português; a
Rhoda Keener, co-diretora do Mennonite Women USA, o auxílio
com questões de edição da obra em português; a Linda Shelly, ter
facilitado a comunicação com o escritório do Comitê Central Menonita (CCM), EUA; o Comitê Central Menonita, EUA, representado pelas pessoas outrora mencionadas; o Movimento Teólogas Anabatistas da América Latina (MTAL), pelo apoio financeiro
para edição e publicação de SomosTodos Iguais; o casal Betty e
Otis Edward Hochstetler, ter facilitado a comunicação com CCM
e revisado a tradução do texto em português, além da revisão teológica das referências bíblicas; a Glauco Wright, os comentários
feitos à versão do texto em português; a igreja Menonita no Brasil,
o apoio e a intercessão.
Que a leitura deste livro nos transforme mais na imagem de
Deus!
Os organizadores.
6
Introdução
Uma questão que persiste na igreja diz respeito ao relacionamento entre mulheres e homens. O que Deus previu? Mulheres
e homens deveriam trabalhar juntos em parceria, por igual, ou ter
papéis e responsabilidades claramente definidos? E quem deveria
tomar a frente?
Embora muito da história da igreja tenha considerado a liderança masculina e papéis de gênero distintos, há, também, fortes
vozes na Bíblia que corroboram a igualdade e mutualidade entre
homens e mulheres. Ainda, há muitas situações nas quais dons e
habilidades individuais, mais do que gênero, determinaram reponsabilidades. Como devemos entender o que a Bíblia ensina sobre
isso?
A seguir, há algumas respostas aos questionamentos que,
com frequência, surgem nas discussões. Também, há perguntas
para reflexão e uma lista de recursos adicionais nos convidando a
prosseguir com o diálogo e com o estudo bíblico.
7
1. Jesus não tinha apenas discípulos homens?1
É verdade que aqueles designados como os doze discípulos
eram todos homens. Apesar disso, não é certeza que esse era um
grupo claramente definido. Na realidade, as listas usadas por Mateus e Marcos não são idênticas àquelas usadas nos livros de Lucas
e Atos2. Mateus e Marcos incluem o nome Tadeu ao passo que,
em Lucas e Atos, há a omissão desse nome e a inclusão de Judas,
filho de Tiago. Alguns estudiosos presumem que Tadeu e Judas são
dois nomes distintos para se referir à mesma pessoa, enquanto que
outros acreditam que houve tradições divergentes em relação a esse
grupo. O número doze, portanto, pode ter sido mais simbólico,
para representar as doze tribos de Israel em vez de um grupo separado de um modo definido3.
Seja como for, os evangelhos registram que mulheres seguiram Jesus como discípulas. De acordo com Lucas 8, Maria Madalena, Joana, Susana e algumas outras mulheres viajavam com Jesus
e apoiavam Seu ministério com seus próprios recursos. Mateus 27:
55 – 56 e Marcos 15: 40 – 41 também mencionam mulheres que
viajavam com Jesus e cuidavam dele, incluindo Maria Madalena,
Salomé, Maria, mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.
Algumas dessas mulheres seguiam Jesus por todo o percurso da Galileia à Jerusalém, e permaneceram com ele por toda a crucificação.
Também, foram as primeiras a encontrá-lo após a ressureição.
Em Marcos 14: 3 – 9, Jesus, vigorosamente, defendeu a
mulher que o ungiu. Enquanto Marcos, com frequência, retratou
os doze como não compreendendo – ou mesmo resistindo – os ensinamentos de Jesus, essa mulher é descrita como crente exemplar
que compreendeu o que Jesus estava falando sobre sua identidade e
morte iminente.
Jesus também confirmou que Ele teve discípulas em Mateus 12: 46 – 50, quando apontou para Seus seguidores, e disse
1 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Didn’t Jesus have only male disciples?
2 - Mateus 10:2 – 4, Marcos 3: 16 – 19, Lucas 6: 12 – 16 e Atos 1: 12 – 13.
3 - Também, precisamos lembrar que Jesus não incluiu nenhum gentio entre os doze, ainda assim, isso não os excluiu de total participação na igreja.
8
que quem quer que faça a vontade de Deus é “meu irmão e irmã,
e mãe”. Principalmente, num contexto cultural de Oriente Médio,
um falante não poderia gesticular para uma multidão de homens
e dizer “irmã e mãe” a menos que, o grupo perante ele, incluísse
tanto mulheres quanto homens4.
A amizade de Jesus com Marta e Maria revela, depois, o
quanto Jesus acolheu e honrou mulheres como discípulas. Contra
todas as expectativas, Ele elogiou Maria por sentar-se com os homens e aprender como uma discípula plena, e encorajou Marta a
fazer o mesmo5. Outra vez, haja vista a cultura da época, isso foi
extraordinário.
Felizmente, Marta também veio a se enxergar como uma
discípula. No evangelho de João, ela teve uma longa conversa com
Jesus sobre a vida, a morte e a ressurreição. Além disso, naquele
evangelho, ela (e não Pedro) é quem, publicamente, reconheceu Jesus como o “Messias, o Filho de Deus, aquele que veio ao mundo”
(João 11:27).
Por fim, Jesus conversou com a mulher samaritana no
poço, em um surpreendente diálogo que contrastou, claramente,
com Sua visita a Nicodemos no capítulo anterior do evangelho de
João. Enquanto todos esperariam Jesus conversar com Nicodemos,
quem creu foi essa mulher anônima e marginalizada. Ela também
se tornou uma evangelista que procurou outras pessoas em sua cidade e as convidou para se encontrar e crer em Jesus como o Messias (João 4: 1 – 42).
Nesse e em muitos outros exemplos, Jesus tratou as mulheres com grande respeito. Ele as curou, e as tocou mesmo quando
elas eram consideradas impuras6. Ele falou-lhes com bondade e as
incluiu na família da fé como filhas de Abraão (Lucas 13: 10 – 17).
Claramente, elas também pertenceram ao Seu círculo de discípulos
4 - BAILEY, Kenneth. Women in the New Testment: A Middle Eastern Cultural View. In: Theology Matters, jan./fev., 2000. Disponível em <www.theologymatters.com>, p. 2.
5 - Lucas 10: 38 – 42. Bailey explica que “ ‘sentar aos pés’ de um rabi significava se tornar discípulo
de um rabi”, ibid., p. 2.
6 - Marcos 5: 25 – 43. Uma vez que fluxos de sangue e cadáveres eram vistos como sendo impuros,
a mulher com sangramento e a jovem que acabara de morrer teriam sido consideradas impuras,
assim como qualquer um que as tocassem. Veja Levíticos 15: 19 – 30 e Números 19: 11 – 22.
9
fiéis.
Para discutir e refletir
• Como você retrata os discípulos que cercaram Jesus? Quantos
haviam e quem eram eles/as?
• Por que ouvimos menos acerca das mulheres que seguiram Jesus?
• O que Jesus exemplificou com seu relacionamento com os homens? E com as mulheres?
10
2. Todos os líderes da igreja primitiva não eram homens?7
Temos ouvido falar muito mais em líderes homens, apesar
de que as mulheres estavam presentes e ativas desde o começo da
igreja. O livro de Atos registra que as mulheres estavam entre aquelas que oravam juntas quando o Espírito Santo desceu sobre eles.
Mulheres e homens ouviram e creram nas boas novas; mulheres e
homens foram perseguidos e aprisionados8. Tabita ficou conhecida
como uma discípula “devota às boas obras e aos atos de caridade”.
A casa de Maria foi um lugar de ajuntamento bem conhecido para
a igreja, e Lídia foi a primeira a se converter e a se tornar líder na
Grécia. Em Tessalônica e em Beréia, muitas das “mulheres líderes” criam na mensagem pregada por Paulo e Silas, e, em Atenas,
Dâmaris estava entre aquelas que creram e se juntaram à igreja. Em
Cesareia, as filhas de Felipe foram reconhecidas por seus dons de
profecia9.
Até Paulo, que é, frequentemente, visto como crítico das
mulheres, teve colegas mulheres e, repetidas vezes, as elogiavam
grandemente. Por exemplo, Priscila e Aquila acompanharam Paulo
na primeira etapa da sua segunda viagem missionária, de Corinto a
Éfeso, e, depois, ficou para trás a fim de encorajar a igreja ali. Eles
deram instrução valiosa ao mestre carismático, Apolo, e hospedou
uma igreja em sua casa10.
Mais adiante, em Romanos 16, Paulo enviou saudações às
10 mulheres de uma lista de 27:
• Febe, uma “[...] ministra da igreja em Cencréia11”. Uma vez que
Paulo lhe confiou aos crentes dali e os encorajou a recebê-la e assisti-la, foi ela, provavelmente, quem levou essa carta para Roma;
7 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Weren’t all the early church leaders
men?
8 - Veja Atos 1: 14, 2: 1 – 21, 5:14, 8:3, 9:1 – 2, 22:4.
9 - Atos 9: 36, 12: 12, 16: 11 – 15, 17: 4, 12, 34 e 21: 8 – 9.
10 - Veja Atos 18, Romanos 16: 3 – 5, 1 Coríntios 16: 19 e 2 Timóteo 4: 19.
11 - Muitas traduções usam a palavra ‘diácono’, mas a palavra grega diakonos é a mesma que aquela traduzida como ‘ministro’ em outras passagens, por exemplo, 2 Coríntios 3:6, 11:15, Efésios
6:21, Colossenses 1:7, 4:7.
11
• Priscila, que, juntamente com Áquila, “trabalham comigo [...] e
arriscaram suas vidas por mim”;
• Maria, que “[...] trabalhou arduamente no meio de vós12”;
• Júnia, que esteve encarcerada com Paulo e foi “proeminente entre
os apóstolos13”;
• Trifena e Trifosa, “que trabalham no Senhor”;
• Pérside, que “[...] muito trabalhou no Senhor”;
• Júlia;
• A mãe de Rufo;
• A irmã de Nereu.
Em I Coríntios 1: 11, Paulo menciona que ele recebeu relatórios daqueles da família de Cloé, e em Colossenses 4: 15, ele
se referiu a “Ninfa e a igreja em sua casa”. Em Filipenses 4: 2 – 3,
Paulo aponta Evódia e Síntique como duas mulheres que “lutaram
ao lado” dele na obra do evangelho. A carta à Filemon é endereçada
à “Áfia, nossa irmã” assim como à Filemon, à Arquipo e à “igreja em
sua casa”.
Pelo fato de estarmos tão distantes da cultura e da língua
daquela época, e não mais reconhecermos quais nomes são masculinos e femininos, é fácil negligenciar essas mulheres que foram
tão ativas durante a igreja primitiva, ao lado de Paulo e de outros
líderes da igreja.
Para discutir e refletir
• Quais dessas mulheres são familiares para você? Em quais sermões
12 - Paulo usou a palavra grega para “trabalharam muito” para descrever “trabalharam pelo evangelho”, por exemplo, 1 Coríntios 15:10, 16:15 – 16, Gálatas 4:11, Filipenses 2:16, Colossenses 1:29,
1 Timóteo 4:10, 5:17. Veja SCHOLER, David M. Paul’s Women Co-Workers in the Ministry of the
Church. In: FINGER, R. H.; SANDHAAS, K. The Wisdom of Daughters. Filadélfia, PA: Innisfree
Press, 2001, p. 76.
13 - Embora algumas traduções usem o nome masculino ‘Junias’, Bailey explica que todos os
primeiros manuscritos e pais da igreja registravam esse nome como feminino. Foi a partir do final
do século 13 que os manuscritos e traduções mudaram para ‘Junias’. Isso aconteceu sem qualquer
evidência apesar do fato de que tal nome era desconhecido em qualquer texto no latim e no grego,
ao passo que o nome feminino ‘Junia’ era um tanto comum na literatura clássica. Veja BAILEY,
“Women in the New Testment: A Middle Eastern Cultural View”, p. 4.
12
você ouviu falar delas?
• Qual mulher você gostaria de conhecer melhor se fosse possível?
Por quê?
• Como essas mulheres e homens poderiam ser exemplos para nós
hoje?
13
3. Paulo não disse que as mulheres deveriam ficar em silêncio
e ser submissas?14
Ao examinar essa questão, é válido começar com uma afirmação bem conhecida sobre igualdade e unidade em Gálatas 3:28:
Não há mais judeu nem grego
Não há mais escravo nem livre,
Não há mais homem nem mulher;
Pois todos sois um em Cristo Jesus15.
Estudiosos acreditam que esse versículo era uma fórmula
batismal cristã primitiva e, portanto, uma parte central da identidade cristã. Isso porque o batismo era a cerimônia por meio da qual
novos membros passavam a fazer parte da igreja e simbolizava, de
um modo dramático, que seguir a Cristo significava morrer para o
pecado e renascer como um membro da família de Deus universal16. Além disso, ao substituir a circuncisão como um rito primário
de iniciação, o batismo permitiu que mulheres e gentios fossem
incluídos na comunidade em pé de igualdade com os homens judeus17.
Na verdade, de uma forma bem direta, aquele versículo respondia e desafiava a seguinte oração judaica:
Bendito seja Deus que não fez de mim um gentio;
Bendito seja Deus que não fez de mim um ignorante [ou
um escravo];
Bendito seja Deus que não fez de mim uma mulher18.
14 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Didn’t Paul say that women should
be silent and submissive?
15 - Tradução livre.
16 - Na prática crista primitiva, os crentes geralmente se despiam de suas roupas velhas, desciam
às águas, eram batizados, e, então, era-lhes dada uma nova roupa como sinal de sua nova vida
em Cristo. Veja Alan Krieder, The Change of Conversation and the Origin of Christendom, Trinity
Press International, 1999, p. 25.
17 - FIORENZA, Elizabeth Schussler. In Memory of Her. Nova York: Crossroad, 1983, p. 208 –
209.
18 - KOHLENBERGER, John. Jesus’ treatment of women. E-Quality, verão 2008, vol. 7, n. 2.
14
Ao fazer essa declaração, Paulo estava enfatizando, portanto, que nessa nova família não deveria existir distinção entre
pessoas. Em vez disso, somos todos “[...] descendentes de Abraão,
herdeiros conforme a promessa19” (Gálatas 3:29). Somos todos escolhidos e merecedores de herdar os recursos da família.
No entanto, apesar dessas afirmações, a igreja primitiva se
esforçou para vive-las de modos não diferentes de como nos esforçamos para pôr nossa fé em prática hoje.
1 Coríntios 11: 3 – 16
Por todo o livro de 1 Coríntios, Paulo respondeu aos inúmeros problemas que surgiram entre os crentes. Nessa passagem,
Paulo admoestou as mulheres a usarem um véu quando orassem e
profetizassem em público, visto que, as mulheres que oravam sem o
véu, desonravam seus esposos20. Como observa Bailey, nas culturas
judaicas, os maridos eram os únicos que deveriam ver o cabelo de
suas mulheres, e “[...] as mulheres poderiam ter que se divorciar
se desnudassem suas cabeças em público”21. Além disso, Elizabeth
Schüssler Fiorenza explica que cabelo solto era um sinal de adultério ou impureza22. Esses costumes podem não ter sido tão fortes na
sociedade grega, todavia, a maioria das mulheres teriam coberto sua
cabeça em ambientes públicos. Assim, Paulo advertia as mulheres a
não ostentar sua liberdade em Cristo, mas permanecer respeitosas
quanto às culturas das quais fazem parte.
Para reforçar seu argumento, Paulo lançou mão da ideia de
liderança. A palavra grega kephale tem sido, frequentemente, mal
compreendida, sendo significada como autoridade ou dominação.
Porém, pode significar, também, fonte ou origem, por exemplo, a
19 - Versão Almeida Corrigida.
20 - A palavra grega para ‘homem’ e ‘marido’ é a mesma, e somente o contexto indica o significado. De modo semelhante, a palavra grega para ‘mulher’ também pode ser traduzida como ‘esposa’.
Veja as notas da New Oxford Annotated Bible, Nova York: Oxford University Press, 1994, p. 240
NT. Veja também MCDONNEL, Dianne, Let the women keep silent in the churches: what did Paul
mean? Disponível em www.churchofgoddfw.com/women/silent.html, p. 3.
21 - BAILEY, Kenneth E. The Women Prophets of Corinth: A study of aspects of 1 Corinthians
11:2 – 16. Theology Matters, jan./fev. 2000, www.theologymatters.com, p. 12.
22 - Fiorenza, p.228.
15
fonte de um rio ou a fonte de vida. Como destaca David Hamilton,
missionário e erudito, o último significado faz mais sentido visto
que Paulo não apresenta uma ordem linear de hierarquia, mas, sim,
uma linha do tempo: Cristo (como o agente da criação) é a fonte
de cada ser humano; Eva foi criada a partir de Adão, e Deus é a
fonte de Cristo23.
Isso coincide com o que Cirilo de Alexandria escreveu no
quinto século: “Dessa maneira, digamos que a kephale de cada homem é Cristo, pois ele [homem] foi feito por meio dEle e apresentado no nascimento [...] e a kephale da mulher é o homem, pois ela
foi retirada da sua carne e o tem como fonte. Do mesmo modo,
a kephale de Cristo é Deus porque Cristo veio de Deus segundo a
natureza”24.
Outrossim, o Bispo Teodoro, daquele mesmo século, escreveu que “[...] tal qual Cristo foi considerado cabeça de todos os que
renasceram nEle, assim a mulher tem o homem como sua cabeça
‘uma vez que ela foi retirada dele’”25. Esse entendimento está ainda
mais alinhado com o exemplo de Jesus sobre liderança como aquele
que dá e sustenta a vida. Ele não é um senhor que domina e controla, mas Aquele que veio trazer vida abundante para todos (João
10: 10 – 16).
Bailey argumenta, ainda, que traduções clássicas do versículo 9 contribuem para a má compreensão desse texto. Quando a
palavra grega dia é traduzida como para, faz parecer que Paulo está
argumentando que “a mulher foi criada para o homem26”. Bailey
alega que seria melhor usar por causa de, já que é assim que dia é
traduzida no versículo 10. Nesse caso, o versículo deveria ser lido
assim: “a mulher foi criada por causa do homem”, não para servi-lo,
mas porque o homem estava só e precisava de companhia27.
23 - Cunninghan e Hamilton, p. 167 – 169.
24 - Cirilo de Alexandria, De Recte Fide ad Arcadiam et Marianam. Citado em KROEGER, The
Classical Concept of Head as Source, Hull, Gretchen G., Equal to Serve, Tarrytown, NY: Fleming
H. Revell Co. 1991, p. 277.
25 - Manfred T. Brauch, F. F. Bruce, Peter H. Davids e Peter H. Kaiser, Jr., Hard Sayings of the
Bible, Head of the woman is man? (1 Corinthians 11:3), versão eletrônica. Fonte: Theodore of
Mopsuestia, Commentary on 1 Corinthians (Migne PG 66.888C).
26 - Versão Almeida Corrigida.
27 - BAILEY, Kenneth E. The Woman Prophets of Corinth, p. 14.
16
A frase sobre os anjos é difícil de ser entendida, e estudiosos
não sabem, ao certo, seu significado. Fiorenza comenta que esses
cristãos falavam em línguas de “mortais e de anjos” (I Coríntios
13:1), e teriam esperado que anjos estivessem presentes durante o
culto. Portanto, “[...] as mulheres não deveriam adorar como pessoas religiosamente impuras, deixando seus cabelos soltos, mas deveriam prendê-lo como sinal de seu poder espiritual e de controle
sobre suas cabeças”28.
É interessante notar que, imediatamente após essa afirmação, Paulo, outra vez, insistiu na mutualidade e interdependência
entre homens e mulheres: “Não obstante, no Senhor, a mulher não
é independente do homem ou o homem independente da mulher.
Pois assim como a mulher veio do homem, assim também o homem nasce da mulher; mas tudo vem de Deus” (v. 11 – 12). Dessa
forma, Paulo parece amenizar suas duras palavras e dar voz à mutualidade que, na verdade, ele praticou ao trabalhar com as mulheres.
No fim, ele concluiu seu argumento recorrendo ao costume, outro
fato que sugere que essas tradições poderiam ser diferentes em outras épocas e culturas.
1 Coríntios 14: 34 – 36
Essa passagem é citada com frequência como uma instrução
clara de que as mulheres devem permanecer em silêncio na igreja.
Isso parece óbvio quando se lê apenas esses versículos. Contudo, é
aconselhável olhar para esse ensinamento num contexto maior da
passagem, considerando a época em que ele foi escrito.
Esses versículos são parte de uma longa discussão sobre a
ordem no culto que começa no capítulo 11. Bailey esboça as instruções de Paulo da seguinte forma:
A. Desordens no culto (11:2-34)
Traje impróprio de homens e mulheres; observância inde
vida da Ceia do Senhor
28 - Fiorenza, p. 228.
17
B. Dons espirituais (Capítulo 12)
C. Amor (Capítulo 13)
D. Desordens no culto (14:26-36)
Profetas falando ao mesmo tempo; mulheres falando de modos subversivos.
Examinando o contexto maior da passagem, fica claro que
as mulheres não são as únicas apontadas para a correção. Os profetas também devem ficar em silêncio quando os outros estão falando, e aqueles que falam em línguas deveriam permanecer em
silêncio se não há intérpretes (1 Coríntios 14:28,30). Todos são
instruídos a cultuar de modo apropriado, a fazer as coisas “com
ordem e decência” (1 Coríntios. 14:40).
No geral, retrata-se uma congregação que é animada e um
pouco indisciplinada, com pessoas entusiasmadas com sua nova fé
e tão desejosas de aprender e contribuir que os cultos se tornaram
caóticos e desorganizados, não favoráveis ao culto e ao ensino sãos.
Posto que as mulheres tinham pouco acesso à educação ou à liberdade de sair de casa, elas, provavelmente, não sabiam grego, a
língua comum usada naquele tempo, e, assim, devem ter interrompido com inúmeras perguntas. Talvez, elas tenham tentado ajudar
umas às outras, caso não tivessem entendido o que estava sendo
dito29.
De modo surpreendente, Paulo não castigou as mulheres por quererem aprender, mas, na verdade, as encorajou a fazê-lo. Mas isso deveria ser feito em casa, onde suas perguntas não
perturbariam o culto.Dada a cultura da época, esse apoio ao aprendizado das mulheres foi bem notório.
É importante também lembrar que, ao longo desses capítulos, pressupõe-se que tanto mulheres quanto homens estejam participando no culto. Mesmo quando é dito às mulheres que cubram
29 - Bailey observa que Corinto era uma cidade muito cosmopolita e incluía pessoas de muitos
lugares, todas falando em suas próprias línguas. Assim, o grego funcionava de um modo semelhante a como o inglês é hoje a língua comum usada por diversas pessoas ao redor do mundo.
Bailey, p. 6.
18
suas cabeças, o problema não é que elas estejam orando ou profetizando, mas o fato de que elas o fazem sem o vestuário considerado
adequado naquela cultura.
1 Timóteo 2: 11 – 15
Esse texto também diz às mulheres para aprender em silêncio. Contudo, a palavra grega não quer dizer silêncio total. Na
verdade, outra forma da palavra é usada no versículo dois: “que
possamos levar uma vida calma [em silêncio] e tranquila”30. É, também, a mesma palavra usada para encorajar as pessoas ociosas “[...]
a se acalmarem e ganharem o pão de cada dia”31. Em tempos passados, essa palavra descrevia um aluno exemplar, que estava disposto
a aprender em silêncio e sem argumentar32. Certamente, os alunos
não deveriam ficar em silêncio todo o tempo, ainda assim, era importante que eles ouvissem seus professores com atenção e respeito.
O versículo 12 continua a especificar que as mulheres não
deveriam ensinar ou ter autoridade sobre os homens. Aqui, novamente, a palavra no grego é importante. Bailey explica que authenteo aparece somente uma vez no Novo Testamento, e é uma palavra
muito forte, significando ‘dominar’ ou ‘usurpar autoridade’33. Portanto, o significado não era que as mulheres não poderiam ensinar,
mas que elas não deveriam dominar os outros ou tirar, ilegalmente,
a autoridade da comunidade.
O contexto social é também muito significativo. Timóteo
estava trabalhando em Éfeso, uma cidade renomada pelo templo
de Ártemis. Presidido por poderosas virgens e homens castrados, o
30 - Cunninghan e Hamilton, p. 218. Essa tradução é refletida nas versões American Standard e
New American Standard que usam as palavras silêncio, em silêncio, silenciosa [ou suas variantes]
nos versículos 11 – 12. Today’s New International Version (NIV) também usa a palavra silenciosa
no versículo 12. Veja também MACDONNEL, Dianne, Paul and Women Teachers: Understanding 1 Timothy, e a tradução da NIV do versículo 2: “[…] para que possamos viver vidas tranquilas e sossegadas” (www.churchofgoddfw.com/women/paul-women.shtml, p. 2).
31 - 2 Tessalonicenses 3:12, na tradução NIV ou na NRSV: “[...] trabalhar sossegadamente e
ganhar seu próprio sustento”.
32 - Cunninghan e Hamilton, p. 218.
33 - Bailey, p. 8 – 9.
19
templotinha um grande papel na cultura e economia da cidade34. Nesse cenário, não é difícil imaginar que as mulheres estavam entre aqueles que ensinavam falsas doutrinas; e algumas devem ter
sido completamente prepotentes, especialmente, em relação aos
seus maridos ou aos outros líderes homens. Se assim aconteceu,
Bailey pode estar certa quando argumenta que esse versículo pode
ter significado algo do tipo: “Eu não permito essas mulheres ignorantes atacar os homens. Elas devem parar de gritar e se acalmar”35.
Isso pode explicar, também, por que Paulo fez-lhes lembrar
do pecado de Eva. Se algumas mulheres estavam, de fato, “dominando” os homens, então, esse era um lembrete severo de que as
mulheres podem ser, também, enganadas e levar outras pessoas a se
desviarem36. Bailey observa que o líder da igreja primitiva Crisóstomo37 associou essa passagem ao argumento de Paulo em Romanos
5:12 – 14 acerca do pecado de Adão: “Após o exemplo da transgressão de Adão [...] logo, aqui, o sexo feminino transgrediu, não
o masculino. Do mesmo modo como todos os homens morreram
por meio de um (Adão), porque ele pecou, toda a raça feminina
transgrediu porque a mulher estava na transgressão”38. De certo
modo, Paulo está equilibrando as coisas aqui. Tendo dado ênfase
em Adão em escritos anteriores, Paulo agora precisou lembrar os
crentes que Eva também pecou.
Mas por que ele termina dizendo “[...] ela será salva dando à luz filhos”? Quer dizer que as mulheres devem dar à luz para
que sejam salvas? A tradução mais literal da Bíblia na versão New
American Standard Bible (NASB) é de serventia aqui: “Mas as mulheres serão preservadas ao dar à luz filhos”. A pastora Dianne Mc
Donnell explica que as pessoas acreditavam que a deusa Ártemis
controlava a fertilização e o nascimento, e oferecia proteção às mu
lheres enquanto enfrentavam os reais perigos do parto39.
34 - Veja 1 Timóteo 1:3, Atos 19 – 20.
35 - Bailey, p. 9.
36 - Para outros exemplos de Paulo usando linguagem forte, veja Gálatas 2:11 – 14, 3: 1 – 5.
37 - N.T.: Sobre João Crisóstomo, veja <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_joao_crisostomo_vida_e_obra.html>
38 - Bailey, p. 9.
39 - MCDONNEL, Dianne. “Paul and Women Teachers: Understanding 1 Timothy” e HADDAD, Mimi, “Paul and Women”, Empowering Women and Men to Use their Gifts Together in Ad-
20
À vista disso, Paulo, talvez, quis assegurar às mulheres de que elas
não precisavam adorar Ártemis para que estivessem seguras, mas
somente “[...] prosseguir em fé, amor e santidade com bom senso”
(NASB).
Efésios 5: 21 – 33; Colossenses 3: 12 – 19 e 1 Pedro 3: 1 – 12
Essas passagens instruem as esposas a se submeterem aos
seus esposos e aceitarem sua autoridade. O que é negligenciado,
com frequência, é que, em cada caso, os maridos também são instruídos a amar suas esposas. No texto de Efésios, por exemplo, 13
versículos são dedicados à discussão do relacionamento marido/
mulher, mas apenas três desses versículos se referem só à mulher.
O primeiro versículo exorta a todos a “[...] se sujeitarem uns aos
outros”; o último versículo é endereçado a ambos, e os outros 8 versículos, especificamente, instruem os maridos a amar suas esposas
como Cristo amou a igreja, e como eles amam seu próprio corpo.
Paulo também se refere ao batismo, que, conforme foi discutido
anteriormente, tem a ver com o tornar-se novas criaturas na família
de Deus.
Na passagem de Colossenses 3, Paulo, novamente, usou a
imagem do batismo, descrevendo o processo de morrer para o pecado e de se vestir dos modos de Cristo. Ele advertiu os crentes a
“[...] se vestir com compaixão, bondade, humildade, mansidão e
paciência [...] Acima de tudo, vestir-se com o amor40” (v. 12 – 14).
1 Pedro 3:8 também faz menção ao amor, instruindo todos
a ter “[...] unidade de espírito, simpatia, amor uns pelos outros, um
coração tenro, e uma mente humilde”41. Além disso, o versículo 7
fala aos maridos para honrar suas esposas visto que as mulheres são
“também herdeiras do gracioso dom da vida”. Esse tema da herança
é importante, e Paulo refere-se a ele em Gálatas 3:29 e, ainda, em
Colossenses 3:24.
vancing the Gospel, Lausanne Occasional Paper No. 53, p. 34. Ron Leadbetter também escreve
que Ártemis foi a padroeira das mulheres no parto; veja Encyclopedia Mythica em www.patheon.
org/articles/a/artemis.html.
40 - Versão NVI (Nova Versão Internacional).
41 - Tradução livre.
21
Em seu livro, Colossians Remixed, Brian Walsh e Sylvia Keesmaat argumentam, na verdade, que herança é um tema central
da estória bíblica, chamando à atenção às táticas judaicas de perdoar dívidas, libertar escravos e praticar o descanso sabático e o
Jubileu. Todas essas leis nasceram da própria experiência de Israel
na escravidão e se aplicaram, igualmente, a mulheres e homens42.
E eles visaram uma comunidade na qual todos eram um herdeiro,
um membro integral da família e digno de receber uma porção da
herança da família. Uma vez que mulheres e escravos, geralmente,
não eram incluídos nessa forma, isso foi algo revolucionário.
Realmente, à medida que os primeiros cristãos tentavam
viver suas crenças, muitas vezes, eles eram considerados perigosos e
subversivos, minando a estabilidade do Império Romano. Isso porque os impérios são construídos com base na hierarquia, imposta
em todos os níveis da sociedade. Naquela época, César estava no
topo da pirâmide, reinando sobre uma pequena classe rica, que, por
sua vez, controlava todos os que trabalhavam abaixo deles e dependiam de sua caridade. Esse padrão era reproduzido na família, com
o pai da família controlando as mulheres, crianças e escravos. As
linhas de relacionamento eram, dessa forma, verticais, com pessoas
na base competindo entre si pela atenção e favor daqueles que estavam em um plano mais elevado na escala hierárquica.
Como resultado, era, realmente, radical para as pessoas de
diferentes comunidades – judeus e gentios, escravos e donos de
escravos, pobre e rico, mulheres e homens – se encontrarem como
pessoas iguais e compartilharem experiências comuns de batismo, a
ceia do Senhor, adoração e estudo da palavra. Sem dúvida, a razão
por que os líderes da igreja precisavam se reportar a esses relacionamentos é que alguns grupos eram levados com essas novas liberdades, e agiam de modos que causavam tensão e revolta na comunidade ao redor. Temendo que o movimento fosse esmagador, os líderes
da igreja recomendaram cuidado e restrição.
Esses líderes também tinham de ser cautelosos com o
que escreviam, caso suas cartas fossem parar nas mãos erradas.
42 - WALSH, Brian e KEESMAAT, Sylvia. Colossians Remixed, Intervarsity Press, 2004, p. 205
– 212.
22
Quando Paulo tratou dessas questões, ele discorreu sobre algumas
das coisas esperadas em relação às esposas, aos escravos e aos filhos.
Ainda assim, ele envolveu esses ensinos com uma ênfase no amor,
no exemplo de Jesus e nos temas sobre batismo e herança, para que
os crentes entendessem tais ensinos no contexto de sua nova comunidade. Como explica Walsh e Keesmaat,
Para aqueles que não conhecem a estória de Jesus ou de Israel, esse conselho parece bastante inocente. Aparenta manter o status quo enquanto preconiza a tolerância. Contudo,
para aqueles que conhecem a estória, os indícios estão aí, são feitas as alusões e o significado oculto é compreendido. Para aqueles que têm ouvidos para ouvir, a mensagem é clara:
esse é um Deus que proclama um reino diferente daquela opressão astuciosa do império;
um Deus que liberta escravos e chama seus seguidores a fazer o mesmo43.
Talvez, pareça exagero. Ainda assim, os cristãos têm rejeitado a escravidão. Embora Paulo não tenha dito diretamente, a igreja
agora entende que possuir escravos é errado, e aqueles que seguem
Jesus não podem participar nessas práticas. De modo semelhante, o
exemplo de Jesus nos leva a ver que qualquer modelo de dominação
é errado, incluindo a dominação de homens sobre mulheres. Mulheres e homens são iguais e deveriam trabalhar juntos em parceria.
Paulo ainda expressa esse tipo de mutualidade em 1 Coríntios 7:2-5. Nesse texto, ele afirma muito claramente que tanto
o marido quando a mulher têm direitos e ambos têm “autoridade”
um sobre o outro. Além disso, o relacionamento no matrimônio
inclui respeito, reciprocidade e tomada de decisão mútua. Esses valores e práticas ainda oferecem um modelo prestadio para os casais
de hoje.
Para discutir e refletir
• Como você entende essas passagens do Novo Testamento?
• O que Jesus ensinou e exemplificou sobre autoridade, liderança
e poder?
• Como você entende ‘mutualidade’? Liderança?
43 - Ibid., p. 209.
23
• Como os primeiros cristãos demostraram novas formas de conviver uns com os outros? Como aceitaram os costumes de seu tempo
e cultura?
24
4. Jesus não chamou Deus de Pai?44
Jesus se referiu a Deus como Pai. Em três casos, o texto
grego até manteve a palavra aramaica, Abba, além da palavra grega
para pai45. Muitos alegam que Abba equivale à palavra em inglês
Papa ou Daddy (papai ou paizinho, em português), ainda assim
os adultos poderiam também usar Abba para se dirigir a qualquer
idoso como uma forma de mostrar respeito e afeição46. Em Marcos
14:36, Jesus usou Abba quando orou a Deus no Getsêmani. Os
outros dois usos de Abba enfatizam o fato de que Deus nos adotou
como filhos e herdeiros. Não mais somos escravos, mas os próprios
filhos de Deus, convidados para chamar Deus de Abba, Aquele em
quem podemos confiar e amar.
De maneira surpreendente, essa imagem de Deus é, raramente, usada nas Escrituras Hebraicas. Dentre as mais de 12.000
referências a Deus, somente 18 se referem a Deus como Pai47.
Aproximadamente um terço delas se refere a Davi e a seu relacionamento com Deus; desse modo, Jesus talvez se dirigiu a Deus como
Pai a fim de conectar-se a Davi e sua linhagem.
Pode ser que Jesus também tenha usado esse título de Pai
como uma forma de se tornar mais inclusivo. Nos evangelhos, líderes religiosos, repetidas vezes, mencionaram Abraão como seu pai
a fim de se identificarem como parte do povo escolhido de Deus.
Se, contudo, Deus é nosso Pai, logo, todos podem ser incluídos na
família de Deus, e não apenas os descendentes de Abraão e Sara.
À medida que a igreja primitiva se expandia para incluir os gentio
certamente, fez sentido para ela destacar essa notória verdade48.
44 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Didn’t Jesus call God “Father”?
45 - Marcos 14:36, Romanos 8:15 e Gálatas 4:6.
46 - HAMMERTON-KELLY, Robert. God, the father: Theology and Patriarchy in the Teachings of
Jesus. Filadélfia: Fortress, 1979, p. 70 – 81.
47 - Cunningham e Hamilton, op. cit., p. 118. Veja Deuteronômio 32:6, 2 Samuel 7:14, 1 Crônicas
17:13, 22:10, 28:6, Salmo 68:5, 89:26, 103:13, Provérbios 3:12, Isaías 9:6, 63:16, 64:8, Jeremias 3:4,
19, 31:9 e Malaquias 2:10. Hamilton também lista 1 Crônicas 29:10, mas a tradução New Revised
Standard Version [Nova Versão Padrão Revisada] (NRSV) não usa a palavra pai naquele versículo. De acordo com The NRSV Concordance Unabridged (John R. Kohlenberger III, Grand Rapids,
MI: Zondervan, 1991), o nome Yahweh é usado aproximadamente 7.000 vezes e traduzido como
SENHOR ou Senhor DEUS (p. 804 e 541); o nome ‘Deus’ é usado mais de 4.000 vezes (p. 527); e
‘Senhor’ mais de 2.000 vezes (p. 798).
48 - É interessante que o uso que Jesus faz da palavra Pai, se referindo à Deus, varia consideravel-
25
Sem dúvida, Jesus também quis enfatizar uma imagem íntima e pessoal de Deus. Ainda que infrequente, esse retrato de Deus
está presente nos Salmos e nos profetas. Por exemplo, Salmos 68:5
e 103:13 descrevem Deus como o “pai dos órfãos” e um “pai que
tem compaixão por seus filhos”. Isaías 63:16 e Jeremias 31:9 também retratam Deus como um pai que redime o povo e os leva de
volta a sua terra.
Não obstante, muitos dos ouvintes de Jesus ficariam perplexos pelo modo como Ele retratou Deus na parábola do filho
pródigo. O pai, nessa parábola, teve tanta compaixão que se humilhou com o propósito de receber de volta um filho desviado e o
protegeu da hostilidade e vergonha da comunidade. Kenneth Bailey, um erudito com vasta experiência no Oriente Médio, destaca
que nenhum pai naquela cultura jamais correria ao encontro de um
filho, especialmente, um filho que tenha envergonhado a família.
Mesmo assim, Jesus retratou esse pai como alguém que desconsidera tudo o que era correto e respeitável a fim de restaurar seu filho
para si e para a comunidade49. Pode até ser que alguém argumente
que esse pai agiu mais como uma mãe.
De fato, Jesus usou imagens femininas para descrever Deus.
Por exemplo, ele disse a Nicodemos que nós devemos “nascer de
novo” e “nascer da água e do Espírito” (João 3: 3 – 5). Em outras
palavras, devemos permitir que Deus nos conceba, como uma mulher concebe uma criança. Embora possa soar estranho, as Escrituras Hebraicas também retratam Deus como se estivesse dando à
luz e nos consolando tal qual uma mãe consola seu filho. Veja, especialmente, Deuteronômio 32:18, Jó 38:29, Salmos 131:2, Isaías
42:14, 66:13 e Oséias 11: 3 – 4.
Mais à frente, Jesus se comparou a uma galinha, ávido por
ajuntar seus filhotes debaixo de suas asas”50. O salmista também
usou essa imagem inúmeras vezes para se referir à experiência de se
mente nos evangelhos. Marcos foi escrito primeiro e só usou esse nome 4 vezes, enquanto que em
João, o evangelho escrito por último e durante um período de grande conflito com as autoridades
judaicas, Jesus usou esse termo mais de 100 vezes.
49 - BAILEY, Kenneth E. Poet & Peasant and Through Peasant Eyes, Combined Edition. Grand
Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1983, p. 181 – 182.
50 - Mateus 23:37 e Lucas 13:34.
26
refugiar sob as asas de Deus51. Também, Deus é como a mulher que
mistura fermento com farinha quando está preparando o pão, e a
mulher que busca pela dracma perdida até encontrá-la52.
Para discutir e refletir
• Que imagens você usa para descrever Deus?
• É possível pensar em Deus como sendo tanto um pai quanto uma
mãe? Como essas imagens se assemelham ou diferem uma da outra?
• Como sua congregação utiliza as imagens de Deus em Deuteronômio 32:18, Jó 38:29, Salmos 131:2, Isaías 42:14, 66:13 e
Oséias 11: 3 – 4?
51 - Salmo 17:8, 36:7, 57:1, 61:4, 63:7.
52 - Mateus 13:33, Lucas 13:210 e Lucas 15:8 – 10.
27
5. Deus não criou primeiramente os homens?53
Em Gênesis 1, ambos, mulheres e homens, foram criados à
imagem de Deus e ao mesmo tempo. A palavra hebraica ‘Adão’ está
relacionada com a palavra adamah, que significa ‘solo’ ou ‘terra’.
Portanto, ‘Adão’ literalmente significa ‘criatura da terra’ ou ‘raça
humana’54. É interessante que, nessa passagem, Deus criou os seres humanos por último e, ainda assim, isso não insinuou que eles
eram inferiores aos pássaros e animais criados antes.
De fato, Deus criou os seres humanos – ambos homens e
mulheres – para trazerem Sua imagem e cuidado para o resto da
criação de Deus. Outras estórias sobre a criação, no mundo antigo,
focaram, tipicamente, um rei ou governante supremo que representaria um deus e traria a imagem divina55. Na Bíblia, porém, Deus
criou um homem e uma mulher comuns para desempenharem seus
papéis. Deus os criou juntos, os abençoou juntos, e lhes deu a mesma autoridade e responsabilidade para tratar e cuidar da terra. E
Deus se agradou muito: “[...] de fato, foi muito bom” (Gn. 1. 31).
Em Gênesis 2, a ordem da criação é um tanto diferente;
apesar disso, a ênfase ainda está nos atos de amor e intencionais da
criação de Deus. E a conclusão é, outra vez, uma parceria humana
entre homem e mulher. Eles são um só osso e uma só carne: ish (homem) e ishah (mulher), indivíduos separados, mas que se pareciam.
Embora esse capítulo pressuponha que o ser humano inicial fosse homem, o capítulo realça que não foi bom para o homem
estar só. Todavia, não se podia encontrar nenhuma outra criatura
que fosse companhia adequada, e Deus decidiu criar algo novo:
“[...] uma auxiliadora apropriada para ele” ou, mais literalmente,
que lhe fosse “correspondente”56. Finalmente, o homem declarou
com alegria e assombro: “Esta é, finalmente, osso dos meus ossos e
carne da minha carne” (Gn. 2. 23). O foco está na unidade e com53 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Didn’t God create men first?.
54 - METZER, Bruce e MURPHY, Roland, eds. The New Oxford Annotaded Bible, New York:
Oxford University Press, 1994, p. 3 – 4.
55 - MORSCHAUSER, Scott N. Created in the Image of God. Theology Matters, nov./dez. 1997,
p. 3
56 - Gênesis 2:18, Bíblia New Revised Standard Version [Nova Versão Americana Padrão].
28
patibilidade deles, não em suas diferenças.
Infelizmente, temos compreendido mal a palavra auxiliador. Em inglês, essa palavra geralmente significa uma pessoa secundária ou assistente. Contudo, em hebraico a palavra auxiliadora
ou ezer quase sempre se refere a Deus, tal como “Tu tens sido o
auxiliador do órfão”, “Oh Deus, sê meu auxiliador!” e “Mas, certamente, Deus é o meu auxiliador”57. A palavra auxiliador, pois,
aponta para uma pessoa forte, influente.
Para discutir e refletir
• O que significa ser criado à imagem de Deus?
• Como mulheres e homens refletem a imagem de Deus?
• Como você entende o papel de Deus como auxiliador?
• O que significa ser um auxiliador apropriado?
57 - Salmos 10:14, 30:10 e 54:4. Nas Escrituras hebraicas, a palavra ezer refere-se ao auxílio de
Deus, aparecendo 16 vezes do total de 21 em que essa palavra é utilizada.
29
6. Eva não pecou primeiro?58
Se alguém observar atentamente Gênesis 3: 1 – 19, verá
que tanto Adão quanto Eva estiveram presentes quando o pecado
entrou no mundo. Certamente, Eva teve um papel central, mas o
versículo 6 deixa claro que Adão estava com ela, e ambos comeram
da árvore proibida. Também, em Hebreus, a serpente usou o plural
vocês em toda a conversa, significando que ela se dirigiu ao casal59.
Mais à frente, Adão e Eva tiveram que enfrentar as consequências do seu pecado. Os dois se conscientizaram de sua nudez
e exposição. Ambos se esconderam da presença de Deus. E ambos
tiveram que viver, depois, em um mundo onde a confiança e a
harmonia foram rompidas. Mulheres sofreriam no parto e seriam
governadas pelos homens. Homens se esforçariam para encontrar
alimentos e as necessidades da vida. Deus pareceria distante, não
mais uma presença familiar em suas vidas.
Essas consequências não foram a intenção original de Deus
ou Seu querer para a vida na terra. Esse não era o modo como
as coisas deveriam ser. Antes, esses julgamentos descrevem o que
aconteceu por causa do pecado; eles são resultado da alienação de
Deus, da terra e de um para com o outro.
Felizmente, o pecado não tem a palavra final. Por toda a
Bíblia, Deus buscou restaurar relacionamentos e trazer completude
e bem-estar a todas as pessoas e à terra. Isso foi evidenciado, particularmente, no ministério de Jesus à medida que Ele trouxe cura e
esperança àqueles que sofriam de doenças, pecado e opressão. Ele
também nos ensinou a orar para que a vontade de Deus “[...] fosse
feita na terra como ela é no céu”60 (Mateus 6. 10). E em Sua vida,
morte e ressurreição, Jesus nos permite nascer de novo como novas
criaturas na família de Deus.
Pelos séculos, as pessoas têm buscado reduzir ossofrimentos relacionados à produção de alimento e ao ganho do sustento.
58 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Didn’t Eve sin first?.
59 - CUNNINGHAM, Loren; HAMILTON, David Joel. Why Not Women? Seattle, WA: YWAM
Publishing, 2000, p. 98.
60 - Tradução livre.
30
Muitas também têm trabalhado para diminuir o perigo e dor associados ao parto. Semelhantemente, faz sentido encorajar homens e
mulheres a viver e a trabalhar juntos, como parceiros mútuos, ao
invés de continuar em relacionamentos de dominação e subserviência.
Para discutir e refletir
• Como você descreveria o relacionamento entre homens e mulheres antes que o pecado entrasse no mundo? E depois que o pecado
entrou?
• Como você entende o que aconteceu na queda?
• O que Jesus deixou como modelo no seu relacionamento com
mulheres e homens?
• Como os cristãos deveriam lidar com situações de sofrimento e
opressão?
31
7. Todos os profetas e líderes hebreus não eram homens?61
Certamente, muitos dos líderes e profetas nas Escrituras
Hebraicas eram homens. Entretanto, numerosas mulheres também
tiveram papéis importantes na vida do povo hebreu. Algumas são
estórias conhecidas, tais como aquelas a respeito de Sara, Rebeca,
Lia e Raquel, mas outras são, raramente, mencionadas em nossas
igrejas, ainda que estas provejam exemplos de fé e coragem extraordinárias. Aqui estão algumas dessas mulheres:
Agar: Agar teve alguns encontros incríveis com Deus. Ela
era uma pobre escrava, sem quaisquer direitos e abusada tanto por
Sara quanto por Abraão. Mesmo assim, Gênesis 16 relata como um
anjo a encontrou no deserto e lhe prometeu multiplicar sua descendência, tal como Deus havia prometido a Abraão. Agar, então,
deu um nome a Deus, o Deus que me Vê, e expressou seu assombro
de poder ver a Deus e viver62. Em Gênesis 21, Deus, novamente,
ouviu Agar e seu filho pranteando no deserto e prometeu fazer de
sua descendência uma grande nação. Deus também abriu os olhos
de Agar para ver um poço de água e permaneceu com eles enquanto
o garoto crescia.
Sifrá e Puá63: Êxodo 1 narra que essas parteiras hebreias
ousaram desobedecer ao rei do Egito, recusando-se a matar os bebês homens que elas ajudavam a nascer. Por causa de sua ousada
reverência a Deus, Deus lhes deu famílias e os hebreus cresceram
mais fortes.
Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza64: Essas mulheres, bravamente, pediram uma mudança nas leis de herança, para que suas
filhas pudessem herdar terra quando a família não tivesse filhos
homens. Esse pedido é, especialmente, notável, uma vez que ele
foi feito logo após um confronto dramático entre Moisés e Arão, e
61 - Texto de Linda Peachey, traduzido do original em inglês Weren’t all the Hebrew leaders and
prophets men?.
62 - É interessante comparar a experiência de Agar com o desejo de Moisés de ver a Deus, segundo registrado em Êxodo 33:18-23.
63 - N.T.: Êxodo 1:15.
64 - N.T.: Números 27:1.
32
Coré e seus seguidores65. Como punição para essa rebelião, a terra
se abriu e engoliu algumas centenas de pessoas, e uma praga devastou o resto da comunidade. Apesar de tudo isso, essas irmãs encontraram coragem para ir ao tabernáculo e se colocar perante Moisés
e toda a congregação, pedindo para que lhes fossem dada a porção
da terra sendo dividida entre os clãs israelitas. Moisés apresentou
o pedido delas a Deus, que respondeu: “As filhas de Zelofeade estão certas no que dizem; de fato, você deve deixá-las possuir uma
herança entre os irmãos de seu pai, e passar-lhes a herança do pai
delas”66.
Ana: Os primeiros dois capítulos de 1 Samuel compartilham a difícil experiência de Ana enquanto mulher estéril. Quando
ela finalmente se tornou mãe de Samuel, ela entoou um maravilhoso hino de louvor a Deus, hino que Maria usou como modelo para
sua canção sobre o nascimento do Messias. Com grande sinceridade e gratidão, Ana mostrou fé em Deus como Aquele que sustenta
e consola os que estão oprimidos, estéreis, pobres e famintos.
Noemi e Rute: A estória dessas duas mulheres no livro de
Rute é verdadeiramente extraordinária. Elas eram viúvas e estavam
entre as pessoas mais vulneráveis e negligenciadas na sociedade.
Não somente isso, mas elas eram refugiadas, estranhas tanto em
Moabe quanto em Belém. Todavia, por causa do amor e compromisso que tinham uma para com a outra, elas conseguiram sobreviver. As mulheres da cidade ressaltam isso quando elas enaltecem
Rute a Noemi como “[...] aquela que te ama, que te é melhor do
que sete filhos”67 (Rt. 4. 15). No fim, Rute se tornou parte do povo
hebreu e uma ancestral de Davi.
Abigail: 1 Samuel 25: 2 – 35 narra que Abigail corajosamente interviu quando seu marido insultou os homens de Davi
e se recusou a compartilhar comida com eles. Pensando muito
65 - N.T.: Números 16.
66 - Números 27:1-11, 36:1-12. Essas mulheres também são mencionadas em Números 26:33, Josué 17:3 e 1 Crônicas 7:15. Para saber mais da estória sobre a rebelião de Coré e suas consequências, leia Números 16 – 17. Observe, especialmente, Números 17:10-13, quando Deus falou para
Moisés ficar com a vara de Arão como uma “advertência para os rebeldes” e o povo respondeu:
“Todo aquele que se aproxima do tabernáculo do Senhor morrerá. Nós todos pereceremos? ”.
67 - Tradução livre.
33
rapidamente, Abigail levou comida e bebida a Davi, desse modo,
evitando que seu bando de homens se vingassem de toda a comunidade.
As Escrituras hebraicas também mencionam, pelo menos,
cinco profetisas:
Miriã: Êxodo 15:20 observa que a “profetisa Miriã” conduziu as mulheres no canto ao Senhor depois que escaparam do
exército de Faraó. Ela também teve um papel significativo em salvar
Moisés da morte, cuidando dele e falando com a filha de Faraó
em seu nome. Por essas razões, Miquéias a menciona, junto com
Moisés e Arão, quando ele descreve os atos de Deus ao salvar Israel:
“[...] e Eu enviei adiante de vós Moisés e Arão e Miriã”68 (Miquéias
6:4).
Débora: Juízes 4: 4 – 5 descreve como “Débora, a profetisa, [...] julgava Israel [...] debaixo da palmeira de Débora” em
tempos de grande opressão. Quando o povo clamou a Deus por
socorro, Débora se levantou “como uma mãe em Israel” para ajudar
seu povo e acompanha-los na batalha contra os Cananeus. Apesar
da estória de guerra, está claro que a batalha não foi vencida por
militares, pela sua glória. Antes, os Israelitas tiveram êxito porque
um aguaceiro repentino impediu os carros cananeus de se movimentarem e uma mulher assassinou o grande general Sísera. A estória termina afirmando que “a terra teve descanso por quarenta
anos”.
Hulda: Em 2 Reis 22: 11 – 20, o sacerdote e os oficiais do
rei consultaram “a profetisa Hulda” quando encontraram o livro da
Lei no templo. Evidentemente, Hulda era conhecida na comunidade como alguém que conhecia e podia falar por Deus. Ela também
era bastante corajosa. Em sua resposta ao rei Josias, ela declarou que
Deus traria julgamento sobre o povo, mas ele seria poupado devido
a sua humildade e arrependimento.
Noadias: Em Neemias 6:14, Neemias orou a Deus para
lembrar daqueles que se opuseram a ele e quiseram amedrontá-lo.
68 - Versão Almeida Atualizada.
34
Além dos dois homens proeminentes, ele mencionou “a profetisa
Noadias e o resto dos profetas”. Embora ela tenha desempenhado
um papel negativo, evidentemente, ela era uma líder influente.
Mulher de Isaías: Em Isaías 8:3, Isaías chamou sua esposa
de profetisa. Enquanto ele menciona apenas que ela teve um filho,
é fascinante que ele tenha dado a ela esse título, sugerindo que ambos compartilharam uma vocação semelhante.
Ademais, em Joel 2:28 – 29, Deus prometeu derramar o
espírito sobre todos para que “[...] teus filhos e tuas filhas profetizem [...] Até mesmo sobre os escravos e escravas [...] Eu derramarei
meu Espírito”. Pedro se referiu a essa promessa novamente em seu
primeiro sermão nos primórdios da igreja (At. 2: 17 – 19). Lucas
também observou que Ana, a mulher que passou anos orando no
templo, foi uma “profeta” e as quatro filhas de Filipe “tinham o
dom da profecia” (Lc. 2:36 e At. 21: 8 – 9).
Por fim, a Bíblia retrata sabedoria (Hokmah em hebraico
e Sophia em grego) como uma mulher. Isso está, particularmente,
evidente em Provérbios 1: 20 – 33 em que Hokmah chama o povo
nas esquinas das ruas e em Provérbios 9: 1 – 6 quando convida todos a entrar em seu salão do banquete e aprender dela. Ela é “mais
preciosa que joias” e “uma árvore de vida para aqueles que a ela se
apegam”69. Ela também estava com Deus desde o princípio, criada
como a primeira das obras de Deus “[...] antes da fundação da terra
”.70
No Novo Testamento, essa imagem de Sophia continua a
aparecer. Por exemplo, Jesus repreendeu o povo por não dar atenção a Sua mensagem e concluiu que “Sophia é justificada pelos seus
filhos71”. Ele também convidou o povo para vir a Ele em busca de
pão vivo e água viva, em linguagem muito parecida com aquela
usada em Provérbios 8 e 972.
69 - Tradução livre.
70 - Provérbios 3:15, 18 e Provérbios 8:23. Veja também Provérbios 3:13-22, provérbios 8, Jó
28:12-28 e A Sabedoria de Salomão 17: 19 – 18:18 (Apócrifa) .
71 - Mateus 11:19 e Lucas 7:35.
72 - João 4:13-14, 6:35-58, 7:37 e Apocalipse 22:17.
35
Para discutir e refletir
• Quais mulheres na Bíblia têm sido importantes exemplos para
você? Em quais pregações ou lições da Escola Dominical você ouviu falar dessas mulheres?
• Qual mulher você gostaria de conhecer melhor, se fosse possível?
Por quê?
• Qual o papel da sabedoria na Bíblia?
36
8. As mulheres no contexto da igreja evangélica no Brasil73
Nos capítulos anteriores, pudemos refletir acerca de várias
questões que dizem respeito à mulher no contexto bíblico, confrontando questionamentos dos quais muitas pessoas se utilizam
para justificar a representação subalterna da mulher na igreja. Concisamente, vimos, à luz da Bíblia, que Jesus tinha discípulas, isto é,
mulheres que O acompanhavam e O serviam em seu ministério. As
mulheres também estavam entre importantes líderes da igreja primitiva que cooperavam com o trabalho dos apóstolos, e, igualmente, compunham o corpo de profetas e líderes hebreus. Mesmo nas
referências em que as mulheres são aconselhadas a permanecerem
em silêncio e em submissão, elas ainda detinham sua importância,
e eram respeitadas, uma vez que tal silêncio, naquele contexto, era
uma questão de ordem cultural. Desde a criação, o plano de Deus
para mulheres e homens era para que vivessem em igualdade, e foi
por isso que Eva foi criada, para ser correspondente a Adão e não
inferior a ele. Assim, a história de mulheres e homens aponta para
uma vida de cooperação mútua, acima de qualquer opinião ou conduta humana.
Neste capítulo final, gostaríamos de refletir sobre a representação das mulheres no contexto da igreja evangélica no Brasil,
atentando para os modos como elas têm sido representadas, e que
tratamento têm recebido na igreja. Para isso, apresentaremos uma
visão geral das mulheres na sociedade brasileira, seguida de discussão concernente às mulheres evangélicas no Brasil.
Panorama das mulheres no Brasil
Qualquer alusão a mulheres brasileiras precisa considerar
que seus posicionamentos na sociedade são construídos com base
numa visão patriarcal. Essa visão está centrada na figura do homem, e, originalmente, foi compartilhada pelo povo hebreu para se
referir ao patriarca como “autoridade masculina religiosa que tem
73 - Texto de Deusilene Carvalho e Marcelo Santos.
37
poder sobre todos que lhe estavam subordinados.74” Também, patriarca apontava para homens adultos que exerciam domínio na
família e no trabalho, conforme poder que lhes eram concedidos
por autoridades religiosas e políticas. Assim, na sociedade brasileira
contemporânea, o patriarcalismo denota ideologia segundo a qual
o homem detém total controle em relação a pessoas que não sejam
adultos do sexo masculino, e aqui inclui-se a mulher, devendo elas
assumirem atitude de obediência e submissão. Além de reforçar estereótipos, alguns de base biológica – por exemplo, mulher como
“segundo sexo”, “sexo frágil” e, ainda, como “objeto” – tal visão
corrobora as inúmeras desigualdades de gênero que permeiam nossa sociedade e legitima, pelo/no discurso social da mídia, do Estado
e das demais instituições sociais, a posição hierárquica inferior da
mulher.
A publicação das “Estatísticas de Gênero”75 (2014), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), analisa os resultados do censo demográfico de 2010, e revela dados que mostram
a posição subalterna da mulher em relação aos homens, quanto ao
mercado de trabalho e ao rendimento, por exemplo. No mercado
de trabalho, a taxa média de atividade dos homens é de 75,7%,
enquanto a das mulheres é de 54,6%. Ainda, a taxa de mulheres
que ocupam o mercado formal, com carteira de trabalho assinada –
dando-lhes garantias como 13º salário, licença-maternidade, seguro-desemprego, entre outros benefícios – é de 39,8% em 2010, taxa
proporcionalmente inferior a dos homens, que alcançou 46,5% em
2010. Esses dados confirmam a perpetuação das desigualdades de
gênero no mercado de trabalho brasileiro, mesmo sendo o nível
de instrução das mulheres ocupadas (19,2%) superior aos dos homens (11,5%). Em quesitos de remuneração salarial, o rendimento
feminino é menor que o masculino, principalmente nos setores de
serviços (mulheres recebem 53,2% do rendimento médio dos homens), saúde e bem-estar social (percentual é de 55,6%), além de
74 - Cf. CARVALHO, D. M.M. A Mulher na Teologia Anabatista Menonita. Monografia de conclusão de curso. Brasília: Faculdade Evangélica, 2008
75 - BRASIL. Estatísticas de Gênero. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2014. Disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv88941.pdf> Acesso em
18 jan. 2016.
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veterinária e agricultura (razão é de 62,5).
É nesse contexto de sociedade brasileira que as mulheres
se empenham para romper com discursos patriarcalistas, e ter suas
posições de igualdade perante os homens reconhecidas. É também
nesse contexto de sociedade que a igreja evangélica do Brasil está
inserida, e, portanto, assume uma responsabilidade, enquanto corpo de Cristo, de promover a justiça e a equidade (igualdade), sem
distinção entre homens e mulheres, uma vez que somos todos um
em Cristo Jesus (Gl. 3.28). E aqui surge um questionamento: qual
tem sido a realidade das mulheres nas igrejas evangélicas brasileiras?
Mulheres das igrejas evangélicas no Brasil
Em linhas gerais, o contexto religioso parece não ser favorável à representação igualitária das mulheres em relação aos homens.
O discurso que inferioriza e secundariza a mulher na sociedade, por
vezes, adquire status de sagrado nas igrejas evangélicas, e, dessa forma, toma ideologias que sustentam relações de dominação como
sendo verdades sagradas. Os próprios questionamentos analisados
e que dão título aos capítulos deste livro são exemplos de ideologias
sacralizadas ainda presentes e eternizadas em muitas denominações
evangélicas.
Um fato importante a ser considerado é que toda essa estrutura de relações de dominação do homem sobre a mulher tem
sido naturalizada, e alimenta, ideologicamente, a percepção de que
as coisas sempre foram assim, e assim devem permanecer. Deve-se
ter em mente que essas relações patriarcais têm sido construídas
sociohistoricamente, sendo, então, perpetuadas. Em sua monografia, intitulada A Mulher na Teologia Anabatista Menonita, Deusilene
Carvalho afirma que vários teólogos cristãos pré-reforma já sustentavam uma visão de divindade masculinizada, tal qual Agostinho,
que negava a semelhança da mulher à imagem de Deus. De modo
análogo, Tomás de Aquino argumentava sobre a posição de submissão que a mulher deveria assumir dada sua natureza inferior à
do homem. Mesmo entre reformadores, como Lutero e Calvino, a
representação da mulher ainda se pautava na ideia de sujeição da
39
esposa ao esposo. Na busca que o homem empreendia de alcançar
um estado de pureza, abstendo-se do desejo sexual, a mulher deveria ser-lhe obediente para esse propósito76. A autoridade do marido
representava, pois, a própria “glória de Deus”, e a mulher deveria se
sujeitar a essa autoridade assim como todos se sujeitam à autoridade divina.
Apoiando-nos em nossas próprias experiências e em conversas com pastores e líderes de diversas igrejas evangélicas do Brasil, percebemos que esse imaginário ideológico de representação
da mulher ainda se faz presente no meio evangélico. Entre alguns
casos que presenciamos, além de relatos, se encontram aqueles em
que mulheres são impedidas de exercerem ministérios de liderança
na igreja, especialmente, se isso pressupõe a outorga de título de
pastor a elas. Nesse sentido, o papel que lhes cabe é servir a Deus
anonimamente, como mulheres sem nome, e que, por vezes, têm
seu trabalho injustamente atribuído a pastores homens. Em outros casos, testemunhamos a aplicação de um número maior de
doutrinas a mulheres, se compararmos às doutrinas aplicadas aos
homens. No geral, são doutrinas relacionadas ao corpo da mulher,
impondo-lhes severamente normas quanto ao que vestir e como se
portar. Isso transparece um tipo de domesticação espiritual na qual
seus corpos de mulher devem ser dominados, como se estivessem
mais propensos ao pecado77.
Também tivemos acesso a relatos que reportaram casos de
violência física praticada por líderes homens (esposos, presbíteros,
diáconos) contra suas esposas. Esses casos de violência física, acrescentados ao que foi relatado anteriormente acerca de privação e
estereótipos contra a mulher, constituem o que o pensador francês
76 - “Os reformadores melhoraram as atitudes com relação ao sexo e deram dignidade e espiritualidade ao casamento. Mas em nenhuma outra época da história o ministério das mulheres foi
tão limitado. Elas estavam privadas de seu trabalho até mesmo dentro de conventos ou ordens
religiosas, encontraram pouco espaço para algum ministério além de lares e filhos. ” In: CARVALHO, D. M. M. A Mulher na Teologia Anabatista Menonita. Monografia de conclusão de curso.
Brasília: Faculdade Evangélica, 2008, p. 46.
77 - Não estariam os corpos masculinos tão propensos ao pecado quanto os corpos femininos? A
ideologia que parece nortear a aplicação excessiva de doutrinas em relação ao corpo da mulher é
aquela que alega que Eva (a mulher) foi a primeira a pecar e que levou Adão (o homem) a pecar
igualmente, daí as mulheres serem mais propensas ao pecado.
40
Pierre Bourdieu78 denominou de violência simbólica, um conceito
que descreve a imposição “legítima” e dissimulada de um poder do
hegemônico sobre o subalterno; “legítima” porque essa imposição
é naturalizada por discursos construídos socialmente, conforme já
discutido, e que pode levar à aceitação passiva, como se fosse algo
normal, natural; “dissimulada” porque nem sempre a violência simbólica é explícita. Por exemplo, existe, dentro das igrejas evangélicas, a estratégia de dissimular a desigualdade de gênero, dando às
mulheres que realizam alguma atividade eclesiástica outros títulos
(que não o de “pastor”), como “missionária”, e comumente, “mulher do pastor X”. Essa estratégia faz parecer que homens e mulheres são iguais dentro da igreja, uma vez que todos têm títulos,
quando, na verdade, as mulheres sofrem resistência de terem seus
trabalhos de liderança de frente reconhecidos. Isso ilustra o ponto
sobre violência simbólica, que mesmo não sendo física, é um tipo
de violência que, no sentido da reflexão que temos feito, induz a
mulher a posicionar-se no espaço social segundo critérios e padrões
do discurso dominante; o espaço social de mulher submissa, inferiorizada.
Se quadros de violência (principalmente a simbólica) são
evidentes na igreja evangélica brasileira, deve-se questionar seriamente que tipo de igreja temos, e que evangelho é esse que superioriza homens e inferioriza mulheres. Seria esse o modelo de
relacionamento entre homens e mulheres que Cristo nos deixou?
Ancorados na visão bíblica, não há espaço para sofismas ideológicos
que subjugam mulheres e privilegiam homens. Tais sofismas devem
ser desconstruídos à luz da Palavra de Deus, e substituídos pelos
exemplos de Jesus quanto ao tratamento dispensado às mulheres.
Mulheres Evangélicas Menonitas
Entre os Menonitas da Aliança Evagélica Menonita (AEM),
em certas Regionais, as mulheres têm construído uma história de
justiça e igualdade que pode servir de encorajamento para mulheres
78 - BOURDIEU, P. A Dominação Masculina: a condição feminina e a violência simbólica. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002 [1998]).
41
de outras igrejas evangélicas no Brasil e no mundo. É uma história
que reflete também o convívio cortês entre homens e mulheres, em
que ambos trabalham em cooperação à serviço do Reino de Deus.
Desde a chegada dos Menonitas no Brasil, à época da colonização dos Menonitas da Europa em 1930, as mulheres sempre têm sido presentes, colaborando com os homens nas obras de
assistência social e nos trabalhos missionários, apesar de desafios
enfrentados por mulheres pioneiras ao longo dos 85 anos de denominação Menonita no Brasil. Uma das mulheres pioneiras que
se destacou chama-se Mildred Eichelberger. Começando em 1955,
Mildred trabalhou numa equipe missionária formada de dois casais, uma enfermeira e uma professora em Araguacema, Tocantins.
Entre os anos de 1958 e 1978, ela percorreu cinco cidades do antigo estado de Goiás, hoje estado de Tocantins, plantando igrejas e
dando assistência aos recém-convertidos. Mildred também liderou
outras mulheres enfermeiras que se uniram a ela na obra missionária de evangelização e de assistência social. Juntas, prestavam atendimento médico à população carente desse serviço, numa clínica
médica móvel.
De 1988 em diante, as mulheres Menonitas da AEM passaram a ser licenciadas pastoras, e, gradativamente, o ministério de
mulheres em cargos pastorais e de liderança é aceito na denominação. De modo geral, percebe-se que as mulheres são valorizadas e
têm suas atividades reconhecidas no meio eclesiástico. Elas também
se relacionam cordialmente com outros pastores e líderes homens,
e apoiam os ministérios uns dos outros. Apesar dessa aceitação, a
presença feminina ainda é bastante tímida, visto que temos, atualmente, apenas 3 mulheres pastoras em exercício nas igrejas Menonitas filiadas à AEM. Talvez devêssemos refletir sobre essa situação,
e incentivar que mais mulheres desenvolvam seus dons pastorais;
afinal, há espaço para mais mulheres, entre os trabalhadores homens, na grande seara.
Aplicamos, ainda, um questionário via e-mail e realizamos
entrevista oral, com o fim de visualizar o lugar que as mulheres assumem nas igrejas Menonitas da AEM. A partir das respostas obtidas,
pudemos concluir que, no geral, as mulheres ocupam uma posição
42
de igualdade com os homens. Há distribuição equânime de cargos
na igreja entre homens e mulheres, sendo que todos os entrevistados foram unânimes em responder que não acreditam que existam
cargos próprios para homens e para mulheres dentro da igreja. Um
ponto a ser observado em relação à aplicação do questionário é que
a amostragem que conseguimos foi muito pequena, e isso pode ter
a ver com o desinteresse de pastores e líderes pela questão. Se essa
for a situação, é preciso ler com cautela as conclusões que fizemos
há pouco sobre a igualdade entre mulheres e homens na igreja Menonita no Brasil. Isso porque a pequena amostragem pode apontar
para um contexto menonita muito específico, por exemplo, o contexto de uma região em que as mulheres menonitas, de fato, são
tratadas por igual em relação aos homens. Logo, contextos em que
as mulheres ainda são inferiorizadas podem não ter sido contemplados pela pesquisa. Em vista disso, a generalização que fazemos
sobre a posição de igualdade entre mulheres e homens nas igrejas
Menonitas deve ser tratada com prudência.
Brasileiras Evangélicas em Ação
As mulheres evangélicas no Brasil têm feito um trabalho
árduo para construir uma representação eclesiástica de mulher que
combata aquela visão da mulher subalterna, da mulher que, erroneamente interpretado, deve ficar em silêncio e ser submissa na igreja.
Nesse sentido, o Movimento Teólogas Anabatistas da América Latina (MTAL), fundado em 2003, reúne mulheres teólogas79, com
objetivos de apoiar umas às outras em torno de temas relacionados
à fraternidade e ao serviço e missão, e de motivar e facilitar reflexão
bíblico-teológica, numa perspectiva anabatista, entre as mulheres
da América Latina, a partir de pastoras e de líderes. Com o intuito
de proporcionar tal reflexão, são elaborados e promovidos materiais
contextualizados e com embasamento anabatista, como livros e folhetos.
Buscando incluir mulheres e, também, homens, o MTAL
79 - Encoraja-se que as mulheres estudem teologia, mas não é necessário ser teóloga para participar do movimento.
43
desenvolve algumas atividades. No Brasil, o seminário “Cuidado
entre Mulheres” tem sido de grande relevância para consolidar o
trabalho com mulheres evangélicas e ministrar os ensinamentos de
Jesus a elas. Em sete encontros realizados em diferentes regiões do
país, o seminário já atendeu mais de 500 mulheres. Outra atividade
que está relacionada com a organização deste livro é a realização de
seminários, com a temática do livro, a serem planejados para mulheres e para homens igualmente.
Ações como essas são necessárias para fortalecer as posições
de igualdade para as mulheres na sociedade contemporânea, o que
inclui a igreja. É preciso apoiar e incentivar o trabalho desenvolvido
por mulheres e homens dentro das igrejas, dando-lhes oportunidades para que ambos sirvam a Deus. Finalmente, é posto o desafio
maior de refletirmos dia-a-dia nos ensinamentos de Jesus sobre o
lugar que mulheres e homens ocupam no Reino. Que o Espírito Santo nos convença da justiça, e siga nos ensinando que, para
Deus, não há homem, nem mulher: somos todos iguais.
Para discutir e refletir
• Qual é o plano de Deus para mulheres e homens em Seu Reino?
• Como a mulher tem sido representada na comunidade onde você
mora? E na igreja?
• Sendo criados à imagem de Deus, quais as caraterísticas que, mulheres e homens na igreja, precisam nutrir?
• O que você pode fazer para aplicar a verdade bíblica de que somos
todos iguais?
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Conclusão
O relacionamento entre mulheres e homens continua a ser
um assunto difícil para muitos em nosso mundo. Mulheres e meninas continuam a sofrer níveis bem mais altos de abuso, violência,
exploração e pobreza. E nós continuamos a lutar com a ideia de
que liderança verdadeira significa é ser poderoso e estar no controle, mais do que ser amoroso e bondoso. Continuamos a achar que
hierarquia é necessária, e esse padrão de mutualidade e colaboração
são irrealistas.
Para quem acredita na igualdade para todos, e nas possibilidades de cooperação e de trabalho em equipe, é maravilhoso reconhecer que há indicações em toda a Bíblia que apontam para a vontade de Deus quanto a mulheres e homens viverem e trabalharem
juntos em mutualidade, respeito e amor. Ainda que corrompidos
pelo pecado e violência, esse ideal de parceria começou na criação e
aparece em inúmeros momentos ao longo do caminho.
Mais decisivamente, Jesus veio deixar um modelo do que
Deus intencionou para nós em nossos relacionamentos. Ele certamente foi um líder verdadeiro e, ainda assim, resistiu a hierarquia
e, em vez disso, praticou o serviço mútuo. Quando seus discípulos
argumentaram repetidamente (mesmo durante a última ceia) sobre
quem dentre eles seria o maior, Ele lavou seus pés. Também, Ele,
constantemente, lembrava-lhes:
Vocês sabem que os governantes dos gentios os dominam, e são tiranos sobre
eles. Não será assim no meio de vocês; mas quem deseja ser grande dentre vocês
deve ser seu servo, e quem deseja ser o primeiro entre vocês deve ser seu escravo;
assim como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir [...]80
Jesus também ergueu e encorajou aqueles em sua sociedade
que eram os mais ignorados e desprezados, incluindo as mulheres.
80 - Tradução livre. Mateus 20: 25 – 28. Veja também Mateus 18: 1 – 5, Mateus 23: 6 – 12, Marcos
9: 33 – 37, 10: 35 – 45, Lucas 9: 46 – 48, 14:11, 22: 24 – 27 e João 13: 12 – 17.
45
Como sintetizou Walter Wink, o grupo de seguidores de Jesus é:
[...] escandalosamente variado, incluindo prostitutas como aquela que lavou seus
pés com suas lágrimas [...], mulheres libertas de demônios como Maria Madalena, e mulheres aristocratas como Joana, esposa do mordomo de Herodes [...]
Era sem precedentes que mulheres viajassem como discípulas com um mestre, e
algumas delas, como Joana, deixou casa, família, marido para esse fim. Quando
o jovem rico pediu para segui-lo, Jesus disse a ele para que vendesse tudo [...] e o
seguisse, desprovido [...] as mulheres, porém, Ele as colocou no papel de patronas e benfeitoras [...] Foram as mulheres que viram sua morte, as mulheres que
visitaram seu túmulo e o encontraram vazio, e foi para as mulheres que Ele fez
sua primeira aparição81.
A igreja primitiva buscou seguir Jesus dessa forma, mas,
como nós, frequentemente, falhou. Mesmo assim, sua prática revelou uma comunidade na qual mulheres e homens trabalharam
juntos de modo novo e surpreendente. Que possamos continuar
a ouvir o chamado de Cristo e seguir seu exemplo em demonstrar
forte amor, profundo respeito e serviço valoroso para todos.
81 - WINK, Walter, Engaging the Powers, Minneapolis: Fortress Press, 1992, p. 129 – 130
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Recursos adicionais
Livros
BILEZIKIAN, Gilbert. Beyond Sex Roles: What the Bible Says about a Woman’s Place
in Church and Family. Baker Academic, 3. ed, 2006.
BLANEKENHOR, David; BROWNING, Don; VAN LEEUWEN, May Stewart
(Orgs.). Does Christianity Teach Male Headship? The Equal-Regard Marriage and Its
Critics. Eerdmans Publishing Co, 2004.
COFFEY, Kathy. Hidden Women of the Gospels. Orbis Books, 2005.
CUNNINGHAM, Loren; HAMILTON, David Joel. Why Not Women? A Fresh
Look at Scripture on Women in Missions, Ministry and Leadership. YWAM Publishing, 2000.
FIORENZA, Elizabeth Schüssler. In Memory of Her. Crossroad Publishing Company, 10 ed., 1994.
GEORGE, Janet. Still Side by Side, a concise explanation of biblical equality.
Christians for Biblical Equality (www.cbeinternational.org), 2009. MEYERS, Carol
(Org.). Women in Scripture. Houghton, 2000.
PENNER, Carol (Org.). Women & Men, Gender in the Church. Herald Press, 1998.
PIERCE, Ronald; GROOTHUIS, Rebecca Merrill (Orgs.). Discovering Biblical
Equality: Complementarity Without Hierarchy. InterVarsity Press, 2 ed, 2005.
POLASKI, Sandra Hack. A Feminist Introduction to Paul. Chalice Press, 2005.
SWARTLEY, Willard. Slavery, Sabbath, War, and Women: case Issues in Biblical Interpretations. Herald Press, 1983.
Recursos da internet
BAILEY, Kenneth E. “Women in the New Testament: A Middle Eastern Cultural
View” e “The Women Prophets of Corinth: A study of aspects of I Corinthians 11:216”. Theology matters, jan./fev. 2000, www.theologymatters.com.
Christians for Biblical Equality: www.cbeinternational.org.
MCDONNELL, Dianne. “Let the women keep silent in the churches: What did
Paul Mean?” e “ Paul and Women Teachers: Understanding 1 Timothy, Chapters
1 & 2” em www.churchofgoddfw.com/women/index.shtml. Mennonite Central
Committee U.S Women’s Advocacy Program: www.us.mcc.org/programs/women.
MICHELSEN, Avlera (Org.). Empowering Women and Men to Use Their Gifts Together in Advancing the Gospel. Lausanne Occasional Paper No. 53. Forum realizado
em Tailândia, 2005. Cf. www.lausanne.org/documents.html.
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Sobre os Organizadores
Deusilene Milhomem é Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica de Brasília. Possui especialização em Docência do
Ensino Superior pelo Instituto Educativo/Gama e em Filosofia,
pela UNB. Concluiu capacitação como diretora em missões para
“América Latina pela AGED/Global Discipleship Training Alliance/SEMBRAR” no Equador, e em “Cuidado Pastoral entre mulheres”, em Bolívia. Atualmente participa do grupo de pesquisa em
filosofia da Religião na UNB. Além de ser compositora e integrante
do ministério de música da Igreja Evangélica Menonita do Gama, é
também a pastora titular dessa igreja desde 2002, onde atua desde
então com seu esposo e pastor, Carlos Ramos de Carvalho.
Marcelo Santos é graduado em Letras, e mestre em Linguística Aplicada. É compositor e membro da equipe de música da
igreja. Atualmente, reside na cidade do Rio de Janeiro, onde cursa
doutorado em Linguística Aplicada, pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
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