introduções à natureza da mente

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introduções à natureza da mente
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA
MENTE
Textos compilados por Tenpa Dhargye=Flávio
MENTE DA ATIVIDADE,
NATUREZA DA MENTE
Na tradição budista, fazemos distinção entre
compreensão intelectual, experiência instável e
realização estável. A compreensão intelectual,
como um remendo mal costurado que vai cair
com o tempo, é temporária. Se formos adiante em
nossa prática, poderemos ter um vislumbre da
verdadeira natureza da mente, mas, como a
névoa, ele se dissipará. O que buscamos alcançar
com nosso trabalho é uma realização imutável
como o espaço, que por sua própria natureza
nunca se altera.
Quando cresce a nossa compreensão da
impermanência e da qualidade ilusória da
existência, começamos a observar os fenômenos
sem projetar nossas falsas suposições; com o
tempo, passamos a reconhecer o estado desperto
intrínseco, aberto e nu, como a nossa verdadeira
natureza e a verdadeira natureza da realidade.
Para ter acesso a experiência daquilo que é
natural, comece reconhecendo a impermanência
em cada ação do seu corpo, em cada palavra da
sua fala, em cada movimento da sua mente. Ao
movimentar sua mão, reconheça na mudança de
posição uma demonstração de impermanência.
Primeiro, ela estava do lado esquerdo, depois do
direito. Com sua respiração, reconheça a
Impermanência, à medida que ela vai e vem, vai e
vem. Com a prática, o processo intelectual
deliberado de olhar para cada coisa e pensar,
“Isto é impermanente”, evolui para um conhecer
natural, espontâneo, da constante manifestação
das mudanças. Isso ameniza nossa atitude em
relação à realidade; começamos a apreciar a
verdade das metáforas do Buda que descrevem os
fenômenos como ilusões ou imagens de um
sonho, como alucinações, ecos ou arco-íris —
aparentes, mas não tangíveis nem corpóreos —,
como reflexos da lua sobre a água; brilhantes,
porém não sólidos.
Nossa
compreensão
convencional
está
baseada em suposições que foram passadas a
nós, suposições que dependem de formas
convencionais de percepção. Fomos ensinados a
dar nome às coisas, atribuindo-lhes uma
realidade
que
não
possuem.
A
mente
convencional é muito linear, pulando de um
pensamento para outro, Podemos nos imaginar
como pensadores multifacetados, cujas idéias
formam algo como um mosaico, mas somos tão
somente seres que mudam muito depressa.
Todos os conceitos e pensamentos que surgem
na mente, na verdade toda a nossa experiência da
realidade, não é muito diferente de desenhos
feitos com o dedo sobre a superfície da água. No
próprio ato em que uma imagem está sendo
criada, ela deixa de existir.
A crença na solidez das nossas experiências
produz apego c aversão, os quais, por sua vez,
alimentam perpetuamente o fogo do samsara até
que a realidade fica parecendo um inferno
devorador. Compreender a verdade das nossas
experiências é como deixar de pôr lenha na
fogueira.
As
chamas
não
desaparecem
imediatamente, mas sem combustível, o fogo
lentamente vai morrendo.
Sem apego e aversão, não somos confundidos
pelo jogo de atração e repulsão dos fenômenos. Aí,
nessa abertura natural — o espaço claro da mente
ao final de um pensamento, antes que o próximo
apareça — está o estado desperto.
Grandes praticantes alcançaram a iluminação
trazendo continuamente consciência para seu
trabalho. Durante todo o dia, por doze anos, o
mestre indiano Tilopa prensou sementes de
gergelim para fazer óleo. Com cada movimento,
seu estado desperto permanecia inteiramente
presente; não escapava para o passado nem para
o futuro, não se perdia em vôos da imaginação. O
mesmo acontecia com Togtzepa, um praticante
que cavava valas: a cada movimento, ele mantinha
o estado desperto.
Semelhantemente, muitos dos oitenta e
quatro
mahasiddhas
da
Índia, praticantes
altamente realizados, exerciam profissões comuns.
Enquanto trabalhavam, eles meditavam. Não
importava o que faziam. Como repousavam em seu
estado desperto, em meio às atividades a que se
dedicavam, eles desenvolveram a capacidade de
transformar fogo em água, água em fogo,
atravessar paredes e voar pelo ar. Em vez de
ficarem sujeitos à realidade ordinária, eles se
tornaram senhores dela. Evidentemente, a
finalidade da meditação não é transformar água
em fogo, mas essas capacidades são subprodutos
que aparecem naturalmente quando cortamos
nosso apego às percepções ordinárias da
realidade.
Certa vez, o filho de um rei foi ter com um
iogue para receber instruções sobre meditação.
Depois que o iogue lhe mostrou um método, o
menino disse, “Isso não dará resultado para mim.
Mas eu conheço música. Haveria uma meditação
que eu pudesse praticar, enquanto toco meu
instrumento?”
“Lembre-se ao tocar”, respondeu o iogue, “que
o som é vacuidade, e a vacuidade é som. O som
não está além da vacuidade; a vacuidade não está
além do som”. Nós também seremos capazes de
transformar rapidamente a mente se trouxermos
consciência a todas as nossas atividades. Se você
está construindo alguma coisa, mantenha a mente
presente a cada movimento do martelo. Não deixe
que os pensamentos se interponham. Ao escrever,
mantenha sua mente junto de cada movimento da
caneta ou toque das teclas do computador. Não
deixe que ela fique saltando de um lado para
outro. Quando você estiver cortando lenha, mantenha a consciência junto de cada golpe do
machado. Seja o que for que estiver fazendo.
relaxe a mente. Nesse processo, repousamos
suavemente em uma postura de abertura, imersos
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INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
no que esta acontecendo, totalmente presentes,
mas ao mesmo tempo cientes da exibição dos
fenômenos. Um adulto que esteja a olhar crianças
num parque, nunca perde a noção de que elas
estão brincando, O adulto não se fixa, de forma
deliberada, na atividade delas, dizendo, “Elas
estão brincando, elas estão brincando, elas estão
brincando”. Há, porém, um reconhecimento, um
conhecimento desse fato.
Com freqüência perdemos esse relaxamento
da mente quando estamos completamente
mergulhados em nosso trabalho; por exemplo,
quando ficamos tão envolvidos com alguma coisa
que
estamos
escrevendo,
tal
como
se
estivéssemos
dentro
das
palavras.
Ao
repousarmos a mente, porém, há um pouco mais
de espaço. E como estarmos um pouco fora do
que está acontecendo, cientes de que é uma
manifestação, uma exibição, mas sem nos
distanciarmos e criarmos dualidade.
A vida dos grandes praticantes demonstra,
repetidas vezes, que para manter sua prática do
dharma uma pessoa não precisa renunciar ao
mundo. Tampouco é preciso renunciar ao dharma
para se manter envolvido com as atividades do
mundo. É possível integrar ambas as coisas em
uma
única
vida.
Gradativamente,
novas
prioridades e um equilíbrio necessário aparecem.
Em minha vida, testemunhei quatro pessoas
alcançarem o corpo de arco-íris na hora da morte;
elas não moravam em monastérios, mas viviam
com suas famílias. Quando tinha vinte e dois
anos, presenciei um homem alcançar o corpo de
arco-íris, e a maioria das pessoas sequer sabia
que ele fazia prática espiritual. Não há
necessidade alguma de qualquer exibição externa
para se obter êxito no caminho espiritual. Não é o
corpo que alteramos para nos tornarmos
iluminados — é a mente.
Você pode adotar o estilo de vida de um
eremita, abandonar sua preocupação com
comida, roupa, riqueza, amigos, família, lar e
mudar-se para uma montanha, dedicando-se
inteiramente à meditação. Esse é um modo de
praticar
perfeitamente
válido,
Dentro
do
Vajrayana, porém, há um outro modo. Sua vida
externa continua com a forma habitual. Você não
deixa sua casa, não renuncia a nada, mas nunca
se aparta da virtude, nunca se separa do dharma,
da intenção de trazer benefícios ou do estado
desperto.
Tilopa disse a seu aluno Naropa, “Você é
aprisionado não pelas aparências, mas por seu
apego às aparências; portanto, corte esse apego,
Naropa”. Nós nos conservamos presos ao
samsara não simplesmente porque temos bens
materiais, um posição elevada ou amigos, mas
porque nos apegamos a essas coisas.
A prática tem que acontecer de forma
consistente, bem ali onde a mente está ativa, bem
ali junto de cada experiência de desejo, raiva ou
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alegria — a cada momento. Então sua meditação e
o seu trabalho se unem — é uma espécie de
casamento. Se você deseja resultados rápidos, não
é suficiente meditar apenas uma ou duas horas por
dia. Nunca pense, “Agora vou trabalhar; mais tarde
vou meditar”. Quem é que sabe se a sua vida vai
durar tanto? É difícil adiarmos a visita do senhor da
morte. Quando ele aparecer, não lhe dará ouvidos
se você disser, “Sinto muito, mas tenho estado
muito ocupado e agora preciso meditar. Dê-me só
uma semana, um mês ou três anos”.
Através
de
prática
com
devoção,
desenvolvemos a capacidade de transformar
condições negativas em condições que nos sustentem. Chamamos a isso “trazer as adversidades
para o caminho”, ou seja, não ser bloqueado,
desviado ou avassalado por uma determinada
coisa, mas ver nela uma oportunidade para prática.
Então, todo o mundo fenomênico serve como
um professor, ajudando-nos a desenvolver nossas
habilidades de lidar com a vida. Podemos tornar
tudo o que acontece conosco parte do caminho.
Provações se transformam em oportunidade para
prática porque nos forçam a cultivar paciência.
Aprendemos a aceitar adversidades com alegria
porque compreendemos que, quando sofremos,
purificamos carma. Uma única dor de cabeça pode
purificar o que seriam centenas de anos de
sofrimento em um dos remos dos infernos. Isso
não quer dizer que rejeitemos a felicidade; antes,
regozijamo-nos com ela e dedicamos nosso mérito
aos outros seres, rezando para que a felicidade
deles seja duradoura.
Às vezes, quando começam a fazer meditação,
algumas pessoas me dizem que são um caso
perdido, que é impossível controlar seus
pensamentos. Eu lhes asseguro que isso é um sinal
de melhora. A mente delas sempre foi revolta;
acontece apenas que, finalmente, elas estão
notando isso. No passado, elas deixavam sua
mente vagar livremente, seguindo as correntes de
pensamento que surgissem, fossem quais fossem.
Agora, porém, que têm maior percepção do que
ocorre na mente, elas podem começar a mudar.
Você pode se queixar de que meditação não é
fácil. Mas lembre-se de que você está conduzindo
sua mente como um cavalo selvagem para dentro
do curral do estado desperto. Você terá certeza de
que sua prática está dando resultado se não estiver
mais tão dominado por suas emoções e confusão,
se trouxer para todas as suas ações, onde quer
que esteja, uma qualidade de abertura, de
relaxamento e uma intenção de compaixão,
permanecendo consciente dos movimentos da
mente e da natureza de todas as coisas que
acontecem à sua volta.
Certa vez, um aluno que estava tendo
dificuldade com meditação veio à presença do
Buda. Quando o Buda perguntou qual era a
profissão dele, o homem respondeu que era
músico e tocava alaúde.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
O Buda perguntou: “Quando você está pondo
as cordas no seu alaúde, você as estica com
bastante força ou as deixa bem soltas?”.
O homem respondeu, “Nenhuma das duas
coisas. Se eu as esticar demais ou deixá-las soltas
demais, o tom sairá errado. Tenho que encontrar
um ponto de equilíbrio”. Com isso, ele havia respondido sua própria pergunta sobre meditação.
Quer seja em nossa prática ou em nosso trabalho,
precisamos manter um equilíbrio — não
ficaremos tensos e apegados demais, nem soltos
e desleixados demais.
Conta-se a história de um ótimo lama que
tinha um aluno bastante obtuso que fazia
perguntas óbvias, mas nunca entendia direito as
respostas. Um dia, o professor, com grande
frustração, olhou para ele e disse, “Mas você não
tem chifres” — querendo dizer, “Você não é uma
vaca, você deveria entender o que eu estou
dizendo”.
O aluno, continuando a não entender, pensou
que o professor quisesse dizer que ele deveria ter
chifres. Levando isso a sério, entrou em retiro,
visualizando, a cada dia, que possuía chifres. Três
anos mais tarde, o professor perguntou a um
assistente, “O que foi feito daquele meu aluno
que não era tão brilhante?” Quando informado de
que o aluno estava em retiro meditando, o lama
exclamou, “Mas como ele pode estar meditando?
Ele não sabe nada. Tragam-no aqui”
Um mensageiro foi então enviado para buscar
o aluno. Ao chegar na caverna do retiro, ele
espiou pela pequena porta e viu o aluno sentado
lá dentro, com um belo par de chifres. O
mensageiro chamou, “O seu professor quer vê-lo;
venha, por favor”.
O aluno se levantou para sair, mas não
conseguiu fazer com que aqueles chifres enormes
passassem pela pequena porta. Ele disse ao
mensageiro, “Por favor, apresente minhas
desculpas ao meu professor eu gostaria de ir até
ele, mas não consigo sair da caverna por causa
dos meus chifres”.
O professor, ao ouvir o fato, disse, “Isso é
maravilhoso! Diga a ele, agora, para meditar que
não tem chifres”.
Pela força da sua concentração, o aluno
removeu os chifres em sete dias e voltou á
presença do lama. Depois de receber instruções
adequadas
sobre
meditação,
ele
muito
rapidamente alcançou realização.
As pessoas dão muitos motivos para não
fazerem prática espiritual. Algumas dizem que
não acreditam nos ensinamentos; outras sentem
que não estão prontas ou que não têm a
capacidade necessária. Isso, porém, é um erro.
Quer acreditemos ou não no samsara, é aqui que
estamos. Quer acreditemos ou não no carma, nós
o estamos criando. Quer acreditemos ou não nos
venenos da mente, eles estão ai. Que vantagem
há em não se acreditar em remédio? Quer
estejamos ou não prontos para fazer prática, a
morte e as doenças não vão nos esperar. Por que
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não nos preparar? Por que não desenvolver a
capacidade de ajudar a nós mesmos e aos outros?
Estamos prontos para beber veneno, mas não para
tomar remédio.
Não meditar depois de termos recebido os
ensinamentos é como comprarmos todas as
nossas comidas preferidas, arrumá-las bem na
cozinha, e então não comer. Vamos morrer de
fome. Meditar é como comer: nossa despensa está
cheia e nós partilhamos daquilo que coletamos.
Em vez de dizer, “Não tenho tempo hoje,
amanhã vou meditar. Não tenho tempo nesta
semana, vou fazer a semana que vem. Este ano
tem sido muito corrido, vou deixar para o próximo
ano”, precisamos sentir uma necessidade imediata
de fazer prática —agora mesmo, não apenas hoje,
não apenas nesta hora, mas neste exato momento.
Agora, rezo para que a verdadeira natureza de
todos os seres, sem exceção, seja revelada, para
que cada um de nós veja com clareza a sua
verdade inerente e fique livre dos grilhões do sofrimento e das dificuldades impostas pelas limitações
da mente.
Vamos dedicar a esse fim todas as virtudes
destes ensinamentos, das mudanças que vamos
viver por termos sido expostos a estas verdades, e
das mudanças que as pessoas á nossa volta vão
atravessar por nos verem encarnar o que
aprendemos.
Possam essas virtudes se irradiar em todas as
direções, em ondas de benefícios.
Capítulo do livro: “Portões da Prática Budista” de Chagdud Tulku Rinpoche

A ESSÊNCIA MAIS PROFUNDA
Ninguém pode morrer sem medo e em
completa segurança sem ter atingido a realização
da natureza da mente. Porque só essa realização,
aprofundada em anos de prática continuada, pode
manter a mente estável no confuso caos do
processo da morte. De todas as maneiras que
conheço de ajudar a realizar a natureza da mente,
a prática de Dzogchen, a mais antiga e direta
corrente de sabedoria dentro dos ensinamentos do
budismo é a própria fonte dos ensinamentos do
bardo, é a mais clara, mais eficaz e relevante para
as circunstâncias atuais. As origens do Dzogchen
remontam ao Buda Primordial, Samantabhadra,
que o transmitiu a uma linha ininterrupta de
grandes mestres que chega até o presente.
Centenas de milhares de indivíduos na Índia, no
Himalaia e no Tibet, atingiram a realização e a
iluminação através dessa prática.
Alguns dos meus mestres me disseram que
este é o momento de se difundir o Dzogchen. Os
seres humanos chegaram a um ponto crítico da
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
sua evolução e esta época de extrema confusão
pede um ensinamento com o mesmo grau de
poder e claridade.
Descobri também que as pessoas de hoje
querem um caminho que elimine o dogma, o
fundamentalismo,
exclusivismo,
metafísica,
complexa e parafernália cultural exótica, um
caminho ao mesmo tempo simples e profundo,
que não precise ser praticado em ashrams ou
mosteiros, mas possa integrar-se à vida do dia-adia e ser praticado em qualquer lugar.
O que é, então, o Dzogchen? O Dzogchen
não é apenas um ensinamento, nem mais uma
filosofia, nem mais um elaborado sistema, nem
mesmo uma sedutora série de técnicas. Dzogchen
é um estado, O estado primordial, aquele estado
totalmente desperto que é o coração e a essência
de todos os budhas e de todos os caminhos
espirituais e o ápice da evolução espiritual de um
indivíduo. Dzogchen é freqüentemente traduzido
como Grande Perfeição. Prefiro deixar a palavra
sem traduzir, porque Grande Perfeição traz esse
sentido do perfeito que temos de lutar para
conseguir, meta que fica no final de uma longa e
árdua jornada.
Nada podia estar mais distante do
significado de Dzogchen: o estado já perfeito em
si mesmo da nossa natureza primordial, que não
precisa de "aperfeiçoamento", uma vez que, como
o céu, sempre foi perfeito desde o começo.
Todos os ensinamentos budistas são
explicados em termos de "Base, Caminho e
Fruição". A Base do Dzogchen é esse estado
fundamental e primevo, nossa natureza absoluta
que já é perfeita e está sempre presente. Patrul
Rinpoche diz: “Nem é para ser buscada
externamente, nem é algo que você não tinha
antes ou que precise nascer agora de um modo
novo em sua mente”. Do ponto de vista da Base –
o absoluto – nossa natureza é a mesma que a dos
budas, e nesse nível não há que ouvir
ensinamentos ou fazer prática - nem um pingo,
dizem os mestres.
Não obstante, temos de entender, os budas
tomaram um caminho e nós tomamos outro. Os
budas reconhecem sua natureza original e
tornam-se iluminados; nós não a reconhecemos e
por
isso
nos
tornamos
confusos.
Nos
ensinamentos, esses estado de coisas é chamado
“Uma base, dois Caminhos”. Nossa condição
relativa é que nossa natureza intrínseca está
obscurecida e precisamos seguir os ensinamentos
e a prática para voltarmos à verdade: esse é o
caminho do Dzogchen. Finalmente, atingir a
realização da nossa natureza original é atingir a
completa liberação e tornar-se um buda. Essa é a
fruição do Dzogchen, que de fato é possível ao
praticante em uma só vida, quando ele ou ela a
isso dedica seu coração e mente.
Os mestres Dzogchen são agudamente
conscientes dos perigos de confundir o absoluto
com o relativo. Quem não consegue compreender
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essa relação pode subestimar ou até desprezar os
aspectos relativos da prática espiritual e a lei
cármica de causa e efeito. No entanto, àqueles que
apreendem verdadeiramente o significado do
Dzogchen terão um respeito ainda mais profundo
pelo carma, bem como uma apreciação mais
intensa e premente da necessidade de purificação
e de prática espiritual. Isso se dará porque eles
poderão perceber a vastidão daquilo que há neles
e que foi obscurecido, o que os fará empenhar-se
de maneira mais fervorosa, e com disciplina
sempre fresca e natural, em remover o que quer
que se interponha entre eles e sua verdadeira
natureza.
Os ensinamentos Dzogchen são como um
espelho que reflete a Base da nossa natureza
original com pureza tão elevada e liberadora, e
claridade tão imaculada, que constituem uma
proteção ao perigo de ficar presos em qualquer
forma de entendimento conceitualmente fabricado,
mesmo que sutil, convincente ou sedutor.
Qual é então, para mim, a maravilha do
Dzogchen? Todos os ensinamentos levam à
iluminação, mas a singularidade do Dzogchen é
que,
mesmo
na
dimensão
relativa
dos
ensinamentos, a sua linguagem nunca macula o
absoluto com conceitos; deixa-o intacto em sua
simplicidade desnuda, dinâmica e majestosa, e
mesmo assim fala dela a qualquer um de mente
aberta em termos tão vívidos e expressivos que,
mesmo antes de nos iluminarmos, somos
agraciados com o vislumbre mais forte que
podemos ter do esplendor do estado desperto.
A VISÃO
Tradicionalmente, o treinamento prático do
Caminho Dozogchen é descrito com muita
simplicidade em termos de Visão, Meditação e
Ação. Ver diretamente o estado absoluto, a Base do
nosso ser, é a Visão; o modo de estabilizar essa
Visão e fazer dela uma experiência contínua é
Meditação; integrar a Visão à nossa realidade total
e à nossa vida é o que chamamos Ação.
O que é então a Visão? É nada menos que
ver o estado real das coisas como elas são; saber
que a verdadeira natureza da mente é a verdadeira
natureza de tudo; e atingir a realização de que a
verdadeira natureza da nossa mente é a verdade
absoluta. Dudjom Rinpoche diz:
A
visão
é
a
compreensão
da
consciência intrínseca desnuda,
Dentro da qual tudo está contido: a
percepção sensorial e a existência
fenomênica, o samsara e o nirvana.
Essa consciência intrínseca e imediata
tem dois aspectos: “vacuidade” como o
absoluto, e “aparência” ou percepção
como relativo.
O que isso significa é que todo o conjunto
das possibilidades das aparências e todos os
possíveis fenômenos em todas as diferentes
realidades - todos eles, sem exceção, seja no
samsara ou no nirvana - sempre foram e sempre
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
serão perfeitos e completos, dentro da vasta e
ilimitada extensão da natureza da mente. Mais
ainda, que a essência de tudo seja vazia e “pura
desde o início”, sua natureza é rica em nobres
qualidades, prenhe de todas as possibilidades,
um campo ilimitado, incessante e dinamicamente
criativo que é sempre perfeito e espontâneo. [...]
Como a mente de sabedoria dos budas
pode ser introduzida? Imagine a natureza da
mente como seu próprio rosto; está sempre com
você, mas não pode vê-lo sem ajuda. Agora
imagine que nunca viu um espelho antes. A
introdução
feita
pelo
mestre
é
colocar
subitamente um espelho diante de você, no qual
pela primeira vez vai ver seu próprio rosto
refletido. Tal como seu rosto, a pura percepção
de Rigpa [a base do nosso ser] não é algo
“novo”que o mestre lhe está dando, ou algo que
nunca tenha tido antes, e nem algo que teria a
possibilidade de achar fora de si mesmo. Sempre
foi seu e sempre esteve com você, mas até aquele
momento, surpreendente, você nunca o tinha
visto de maneira direta.
Patrul Rinpoche explica que “de acordo
com a tradição especial dos grandes mestres da
linhagem dessa prática, a natureza da mente, o
rosto de Rigpa, é intoduzido precisamente na
dissolução da mente conceitual”. [...]
Apenas uns poucos indivíduos na história,
devido ao seu carma purificado, puderam
reconhecer e iluminar-se num instante; por isso a
introdução deve quase sempre ser precedida
pelas práticas preliminares que apresento a
seguir. São essas práticas preliminares que
purificam e removem os obscurecimentos da
mente ordinária, trazendo você ao estado em que
“seu” Rigpa pode ser revelado.
Primeiro, a MEDITAÇÃO, antídoto supremo
da distração, traz a mente de volta e permite que
ela se assente no seu estado natural.
Segundo, práticas profundas de purificação
e o fortalecimento do carma positivo, através da
acumulação de mérito e sabedoria, começam a
enfraquecer e dissolver os véus intelectuais e
emocionais que obscurecem a natureza da mente.
Como escreveu meu mestre Jamyang Khyentse:
“Se os obscurecimentos forem removidos, a
sabedoria de Rigpa de cada um brilhará
naturalmente”. Essas práticas de purificação,
chamadas Ngöndro em tibetano, devem ser
cuidadosamente observadas para produzir uma
ampla transformação interior. Elas envolvem o ser
inteiro - corpo, fala, mente - e começam com uma
séria de profundas contemplações sobre:
- A singularidade da vida humana
- A contínua presença da
impermanência e da morte
- A infalibilidade da causa e efeito das
nossas ações
- O ciclo vicioso de frustração e
sofrimento que é o samsara (...)
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Mesmo sabendo que as palavras e os
conceitos fracassam quando tentamos descrevê-la,
vou procurar dar uma idéia do que é a VISÃO e do
que
acontece
quando
Rigpa
é
revelado
diretamente.
Dudjom Rinpoche diz: “Esse momento é
como tirar um capuz de sua cabeça. Que amplitude
infinita e que alívio! Esse é o ver supremo: ver o
que não foi visto antes”. Quando você “vê” tudo se
abre, se expande e se torna fresco, claro,
transbordante de vida, animado de encantamento
e frescor. É como se o teto de sua cabeça se
desprendesse, ou se um bando de pássaros
repentinamente revoasse de um ninho escuro.
Todas as limitações se dissolvem e desaparecem
como se, dizem os tibetanos, um selo tivesse
rompido”.
Imagine-se morando numa casa no topo do
mundo. De repente, toda a estrutura da casa que
limitava sua visão simplesmente desaparece e você
pode ver tudo ao seu redor, tanto dentro como
fora. Mas não há alguma “coisa” para ver; o que
acontece não tem qualquer referência no mundo
ordinário; é uma visão total, completa, sem
precedentes, perfeita.
Dudjon Rinpoche diz: “Seus inimigos mais
mortais, aqueles que o mantiveram amarrado ao
samsara por incontáveis vidas, desde tempos
imemoriais até o presente, são o agarrar e o
agarrado”.
Quando o mestre o introduz e você os
reconhece, “esses dois são completamente
consumidos como penas numa fogueira, não
deixando vestígios”. Agarrar e agarrado, a coisa
agarrada e aquele que agarra são completamente
liberados a partir mesmo da sua base. As raízes da
ignorância e do sofrimento são totalmente
cortadas e todas as coisas aparecem como reflexos
num
espelho,
transparentes,
bruxuleantes,
ilusórias e com a qualidade de um sonho.
Quando você chega naturalmente a esse
estado de meditação, inspirado pela Visão, pode
permanecer aí por um longo tempo sem qualquer
distração ou esforço especial. Então não há
nenhuma coisa de nome meditação para proteger
ou sustentar, uma vez que você está no fluxo
natural da sabedoria Rigpa. E, quando está nele,
perceberá que é como se tivesse sido sempre
assim, e é. Quando brilha a sabedoria de Rigpa,
nem uma sombra de dúvida permanece e um
entendimento
completo e
profundo surge
diretamente e sem qualquer esforço. (...)
Esse é o momento do despertar. Um
profundo senso de humor brota de dentro e você
sorri, divertido com a inadequação dos seus
antigos conceitos e idéias sobre a natureza da
mente.
O que surge disto é uma crescente, tremenda e
inabalável certeza e convicção de que “é isto”. Não
há nada além a procurar, nada a mais a ser
esperado. Essa certeza da Visão é aquilo que deve
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
ser aprofundado, de lampejo a lampejo, sobre a
natureza da mente, e estabilizado pela contínua
disciplina da meditação.
MEDITAÇÃO
Então o que é meditação do Dzogchen? É
simplesmente repousar, sem distrações, na Visão,
uma vez que ela tenha sido introduzida. Dudjon
Rinpoche a descreve:
“A meditação consiste em ficar atento a
esse estado de Rigpa, livre de todas as
construções
mentais,
embora
permanecendo totalmente relaxado, sem
qualquer distração e sem agarrar-se a
nada. Por isso se diz que a "meditação não
é se esforçar, mas permitir que a própria
meditação nos assimile naturalmente”.
O ponto central da prática de meditação
Dzogchen é fortalecer e estabilizar Rigpa,
permitindo que ele cresça até sua plena
maturidade. A mente ordinária e habitual, com
suas projeções, é extremamente poderosa. Ela
fica voltando e toma conta de nós quando
estamos desatentos e distraídos. Como Dudjon
Rinpoche costumava dizer: “No momento, nosso
Rigpa é como um bebezinho desamparado no
campo de batalha onde os pensamentos
irrompem com força”. Gosto de dizer que temos
de começar sendo a ama-seca do nosso Rigpa
dentro do ambiente seguro da meditação.
Se a meditação é simplesmente continuar o
fluxo de Rigpa após a introdução, como sabemos
quando é Rigpa e quando não é? Fiz essa
pergunta a Dilgo Khyentse Rinpoche e ele
respondeu com sua simplicidade característica:
“Se você está num estado inalterado, é Rigpa”. Se
não estamos dentro da mente que de algum
modo manipula e distorce a realidade, mas
apenas repousando num estado inalterado de
consciência pura e original, então isso é Rigpa. Se
há qualquer trama ou maquinação de nossa parte,
alguma forma de manobra ou de apego, já não se
trata de Rigpa. Rigpa é um estado em que não há
mais qualquer dúvida: não há na verdade algo
como uma mente que possa duvidar: você vê
diretamente. Se estiver nesse estado, certeza e
confianças completas e naturais vibram com o
próprio Rigpa, e é assim que você sabe.
A tradição do Dzogchen é de precisão
extrema, já que quanto mais fundo você vai
mais sutil são os enganos que podem surgir, e
o que está em jogo é o conhecimento da
realidade absoluta.
Mesmo após a introdução, os mestres
esclarecem em detalhes os estados que não são
meditação Dzogchen e que com ela não devem
ser confundidos. Num desses estados você
perambula por uma terra de ninguém da mente,
onde não há pensamentos ou memórias; é um
estado obscuro, embotado e apático, onde você
está mergulhado na base da mente ordinária.
Num segundo estado há certa quietude e leve
claridade, mas é uma quietude estagnada, ainda
7
enterrada na mente ordinária. Num terceiro você
experimenta a ausência de pensamentos, mas está
“em outra” , apenas num estado vazio de
encantamento. Num quarto estado sua mente
vagueia, ansiando por pensamentos e projeções.
Nenhum desses é o verdadeiro estado de
meditação e o praticante deve observar habilmente
o que ocorre para evitar ser iludido por esses
caminhos.
A essência prática da meditação
Dzogchen está contida nesses quatro pontos:
no
I - Quando um pensamento passado cessou e
ainda não surgiu um pensamento futuro, há
uma brecha. Nesse preciso instante, não há uma
consciência do momento presente, fresca,
virgem, em nada alterada por conceitos, uma
atenção luminosa e pura?
Pois bem isso é Rigpa!
II - Entretanto a mente não fica neste estado
para sempre, porque outro pensamento
subitamente surge, não é assim?
Essa é a auto-irradiação de Rigpa.
III - No entanto, se você não reconhece esse
pensamento pelo que de fato ele é, no instante
em que surge, ele se transformará em um
pensamento comum, como antes. Essa é a
chamada "cadeia da ilusão", e é a raiz de
samsara.
IIII - Se você é capaz de reconhecer a verdadeira
natureza do pensamento logo que ele surge e o
deixa em paz, sem persegui-lo, então quaisquer
pensamentos
que
surjam
se
dissolvem
automaticamente, retornando à vasta extensão
de Rigpa, e são liberados.
É preciso uma vida inteira de prática para
entender e realizar a profunda riqueza e a
majestade desses quatro pontos tão simples e tão
fundamentais, e tudo o que posso fazer aqui é dar
a você uma amostra da vastidão que é a meditação
Dzogchen.
Talvez o ponto mais importante é que a
meditação Dzogchen vem a tornar-se um contínuo
fluxo de Rigpa, como um rio que se move
constantemente, dia e noite sem interrupção. Claro
que isto é um estado ideal, uma vez que esse
atento repouso na Visão, já introduzida e
identificada, é a recompensa de muitos anos de
prática permanente.
A meditação Dzogchen é sutilmente
poderosa na lida com os movimentos da mente,
apresentando uma perspectiva única sobre eles.
Tudo o que surge é visto na sua verdadeira
natureza, não como coisa separada de Rigpa, e
não antagônica a ele, mas - e isso é muito
importante - verdadeiramente como nada mais que
a sua auto-irradiação, a manifestação de sua
própria energia.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Digamos que você se encontre num estado
de profunda quietude; ele não costuma durar
muito, porque logo um movimento ou um
pensamento surge, como uma onda no oceano.
Não rejeite o movimento nem se apegue à
tranqüilidade, mas deixe seguir o fluxo da sua
pura presença. O estado penetrante e sereno da
sua meditação é o próprio Rigpa e tudo que surge
nada mais é que a auto-irradiação de Rigpa. Esse
é o coração e a base da prática Dzogchen. [...]
À medida que incorpora a firme
estabilidade da Visão, você não é mais enganado
nem distraído pelo que quer que possa surgir, e
assim não cai vítima da ilusão.
Claro que no oceano há ondas violentas e
ondas suaves; surgem emoções fortes como
raiva, desejo e inveja. O verdadeiro praticante as
reconhece não como perturbação ou obstáculo,
mas como uma grande oportunidade. O fato de
você reagir ao que aparece com as tendências
habituais de apego e aversão é sinal não somente
que está distraído, mas também de que não tem
o reconhecimento e perdeu a base de Rigpa.
Reagir as emoções desse modo significa reforçalas , prendendo-nos ainda mais fortemente às
cadeias da ilusão. O grande segredo do Dzogchen
é ver bem através delas, tão logo aparecem,
percebendo-as pelo que de fato são: a vívida e
elétrica manifestação da própria energia Rigpa. À
medida que você aprende a fazer isso, mesmo as
emoções mais turbulentas já não conseguem
dominá-lo e se dissolvem como ondas bravias que
aparecem e retrocedem, mergulhando de volta na
calma do oceano.
O praticante descobre - e essa é uma visão
revolucionária, cuja sutileza e poder vão
além do que podemos entrever - que as
emoções
violentas
não
precisam
necessariamente precipitá-lo no turbilhão
de suas próprias neuroses; elas podem ser
usadas para aprofundar, estimular, avivar
e
fortalecer
Rigpa.
Essa
energia
tempestuosa torna-se matéria-prima para
a energia desperta de Rigpa. Quanto mais
forte e ardente a emoção, mais Rigpa se
fortalece. Sinto que esse método peculiar
ao Dzogchen é uma força extraordinária
para libertar até os problemas emocionais
e psicológicos mais inveterados e mais
profundamente enraizados. [...]
No Dzogchen, a fundamental e inerente
natureza de tudo é chamada “Luminosidade
Base”, ou “Luminosidade Mãe”. Ela permeia todas
as nossas experiências e é inclusive, embora não
a reconheçamos, a natureza inerente também dos
pensamentos e emoções que surgem em nossa
mente. Quando o mestre introduz à verdadeira
natureza da mente, ao estado de Rigpa, é como
ele ou ela nos desse uma chave mestra. No
Dzogchen chamamos essa chave, que vai abrir a
porta do conhecimento total, de “Luminosidade
Caminho”,
ou
“Luminosidade
Filha”.
A
Luminosidade Base e a Luminosidade Caminho
são fundamentalmente as mesmas, é claro, e é só
8
para fins de explanação e prática que elas são
categorizadas dessa forma. Mas uma vez que
temos a chave da L. Caminho. dada pela
introdução do mestre, podemos usá-la à vontade
para abrir a porta da natureza inata da realidade.
Este abrir a porta se chama na prática do Dzogchen
“o encontro da Luminosidade Mãe e Filha”. Outro
modo de dizer isso é que, assim que um
pensamento ou emoção aparece, a Luminosidade
Caminho – Rigpa – reconhece-as imediatamente
pelo que são, reconhece sua natureza inerente, a
Luminosidade
Base.
Nesse
instante
de
reconhecimento, as duas Luminosidades se fundem
e os pensamentos e emoções são liberados em sua
própria base.
É fundamental o aperfeiçoamento dessa
prática de fusão das duas Luminosidades e da
auto-liberação daquilo que surge na sua mente
enquanto você está vivo, porque o que ocorre para
todos no momento da morte é isto: a
Luminosidade Base desponta com seu imenso
esplendor, trazendo com ela uma oportunidade de
liberação total – se, e somente se, você tiver
aprendido a reconhecê-la.
Talvez fique claro agora que essa fusão das
Luminosidades
e
da
auto-liberação
dos
pensamentos e das emoções é meditação no seu
nível mais profundo. De fato, um termo como
meditação não é verdadeiramente apropriado para
a prática Dzogchen porque, em última análise,
implica meditar “sobre” algo, enquanto que no
Dzogchen tudo é apenas e para sempre Rigpa.
Desse modo, não existe meditação separada do
simples ficar na pura presença de Rigpa.
A única palavra que talvez pudesse
descrever isso é “não-meditação”. Nesse estado,
dizem os mestres, mesmo se você procurar a
ilusão, não encontrará nenhuma. Mesmo se você
procurar pedrinhas comuns numa ilha de ouro e
jóias, não terá oportunidade de encontra-las.
Quando a Visão é constante, o fluxo de Rigpa é
inesgotável e a fusão das duas Luminosidades é
contínua e espontânea, toda a ilusão possível é
liberada em sua própria raiz e toda a sua
percepção aparece como Rigpa, sem interrupção.
Os mestres enfatizam que para estabilizar a
Visão na meditação é essencial, primeiro, realizar
essa prática num ambiente especial, de retiro,
onde todas as condições favoráveis estejam
presentes; entre as distrações e a correria do
mundo, as experiências verdadeiras, por mais que
você medite, não surgirão na sua mente. Segundo,
embora não haja diferença no Dzogchen entre
meditação e vida cotidiana, até que você tenha
encontrado a verdadeira estabilidade pela prática
em sessões a isso dedicadas, não conseguirá
integrar a sabedoria da meditação na experiência
da vida diária. Terceiro, mesmo se você pratica e é
capaz de assentar no fluxo de Rigpa com confiança
na Visão, mas não consegue manter esse fluxo
todo o tempo, em todas as situações, combinando
sua prática com a vida cotidiana, isso não servirá
quando circunstâncias desfavoráveis surgirem, e
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
você será desviado para
pensamentos e emoções. (...)
9
a
ilusão
pelos
AÇÃO
À medida que a familiaridade com o fluxo
de Rigpa vai se tornando realidade e permeia a
vida cotidiana, as ações do praticante começam a
mudar e geram estabilidade e confiança
profundas.
Dudjom Rinpoche diz:
“Ação é estar verdadeiramente atento aos
seus próprios pensamentos. Bons ou maus,
olhando para a verdadeira natureza de
qualquer pensamento que surja, sem
evocar o passado ou convidar o futuro,
sem permitir qualquer apego a experiência
de alegria nem se deixar dominar pelas
situações tristes. Assim fazendo, você tenta
atingir e permanecer num estado de
grande equilíbrio em que bom e mau, paz
e angústia, são desprovidas de verdadeira
identidade”.
Atingir a realização da Visão transforma de
maneira sutil, porém completa, o modo como
você vê as coisas. Mais e mais eu percebi o
quanto pensamentos e conceitos são tudo o que
nos
impede
de
estar
sempre,
muito
simplesmente, no absoluto. Agora vejo com
claridade porque os mestres dizem com tanta
freqüência: “Procure com afinco não criar muita
esperança ou medo”, porque só engendram mais
tagarelice mental. Quando a Visão está presente,
os pensamentos são percebidos como de fato
são: fugazes, transparentes e apenas relativos.
Você pode enxergar através de tudo, como se
tivesse olhos de rios-X. Não se apega aos
pensamentos e emoções, nem os rejeita, mas
acolhe-os todos no vasto abraço de Rigpa. O que
levava muito a sério antes - ambições, planos,
expectativas, dúvidas e paixões - já não tem
nenhum poder profundo sobre você nem o deixa
ansioso, uma vez que a Visão o ajudou a perceber
a futilidade e a insensatez de todas as coisas, e
fez nascer em você um espírito de verdadeira
renúncia.
Permanecer na claridade e na confiança de
Rigpa permite que todos os seus pensamentos e
emoções se liberem naturalmente e sem esforço
em sua vasta extensão, qual escrever na
superfície da água ou pintar no céu. Se você
aperfeiçoa verdadeiramente essa prática, não há
jeito de acumular carma; e nesse estado de
entrega despreocupada e sem intencionalidade,
que Dudjom Rinpoche chama de tranqüilidade
aberta e desnuda, a lei de causa e efeito já não
pode sujeitá-lo de modo algum.
Não presuma que isso é fácil ou poderia de
algum modo sê-lo. É muito difícil repousar sem
distrações na natureza da mente, mesmo por um
instante, e permitir que um pensamento ou
emoção se auto-libere espontaneamente quando
surge. Via de regra assumimos que apenas
porque
compreendemos
algumas
coisas
intelectualmente,
ou
pensamos
que
compreendemos, nós de fato as realizamos. Essa é
uma enorme ilusão. A tarefa exige a maturidade
que somente anos de audição, contemplação,
reflexão, meditação e prática contínua podem
trazer. E nunca é demais enfatizar que a prática
continuada do Dzogchen sempre requer a direção e
a instrução de um mestre qualificado.
De outro modo há um grande perigo, que a
tradição chama “perder a Ação na Visão”. Um
ensinamento tão elevado e poderoso como o
Dzogchen comporta um risco extremo. Ao iludir-se
de que está liberando pensamentos e emoções,
quando de fato não está nem próximo de
conseguir isso, e ao imaginar que está agindo com
a espontaneidade de um verdadeiro yogue
Dzogchen, tudo o que você faz é acumular
enormes quantidades de carma negativo. Como
dizia Padmasambhava, e esta é a atitude que todos
devem ter:
Embora minha visão seja tão vasta quanto o céu
Minhas ações e meu respeito pela causa e efeito
São refinados como o grão de farinha.
Os mestres da tradição Dzogchen enfatizam
incansavelmente que, sem um conhecimento
completo e profundo da “essência e método da
auto-liberação”, através de longa prática, a
meditação somente incrementa o caminho da
ilusão. Isso pode parecer severo mas este é o caso,
porque só a auto-liberação constante dos
pensamentos pode de fato acabar com o domínio
da ilusão e proteger o discípulo de mergulhar
outra vez no sofrimento e na neurose. Sem o
método da auto-liberação você não estará apto
para enfrentar desventuras e circunstâncias
infelizes quando elas surgirem, e mesmo se você já
tem o hábito de meditar vai perceber que emoções
como raiva e desejo estão presentes, tão fortes
quanto antes. O perigo de outros tipos de
meditação que não tem esse método consiste em
que eles se tornam como a "meditação dos
deuses", extraviando-se com facilidade em uma
suntuosa auto-absorção, num transe passivo, ou
numa inanidade de espírito de um tipo ou de
outro, e nada disso ataca e dissolve a ilusão na sua
raiz.
O grande mestre Dzogchen, Vimalamitra,
falou de maneira muito precisa sobre os graus de
crescente
naturalidade
nesse
caminho
de
liberação: quando você domina a prática pela
primeira
vez,
a
liberação
acontece
simultaneamente ao que surge na mente, e aí é
como reconhecer um velho amigo na multidão.
Aperfeiçoando e aprofundando a prática a
liberação virá junto com o surgimento das
emoções e pensamentos, como uma serpente
desenrolando-se. E, no estado final de mestria, a
liberação é como um ladrão que entra numa casa
vazia; nada do que surge traz males nem
benefícios para o verdadeiro yogue Dzogchen.
Mesmo nos maiores yogues, a alegria e o
sofrimento, a esperança e o medo, ainda aparecem
exatamente como antes. A diferença de uma
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
pessoa comum e o yogue está em como eles
vêem suas emoções e reagem a elas. Uma pessoa
comum, de maneira instintiva, irá aceitá-las ou
rejeitá-las, suscitando assim apego ou aversão
que resultarão na acumulação de carma negativo.
Um yogue, no entanto, percebe tudo o que surge
no seu estado natural e originalmente puro, sem
permitir o apego, ou qualquer pensamento
superveniente. Como diz Dudjom rinpoche:
Em qualquer percepção que surja, você
deve ser como uma criança que entra num templo
lindamente decorado: ela olha, mas o apego não
entra de modo algum em sua percepção. Então
você deixa tudo ali, fresco, natural, vivo e
intocado.
Quando você deixa tudo no seu estado
próprio, a forma não muda, a cor não esmaece, o
brilho não declina. Tudo o que surge não é
maculado por nenhum apego, e assim todas as
coisas que você percebe surgem como a desnuda
sabedoria de Rigpa, que é a inseparabilidade
entre luminosidade e vacuidade.
A confiança, o contentamento, a vasta
serenidade, a força, o profundo humor e a certeza
que advêm da realização direta da Visão de Rigpa
são o maior tesouro da vida, a maior das
felicidades, que uma vez obtida nada pode
destruir, nem mesmo a morte. Dilgo Khyentse
Rinpoche diz:
“Uma vez que você obtém a Visão, embora as
percepções ilusórias do samsara possam
surgir na sua mente, você será como o céu:
não fica particularmente lisonjeado quando
surge nele o arco-íris, nem particularmente
desapontado quando as nuvens o encobrem.
Há uma profunda sensação de contentamento.
Você ri por dentro quando vê a fachada do
samsara e do nirvana; a Visão o manterá
constantemente maravilhado com um suave
sorriso interior se esboçando, todo o tempo”.
Como diz Dudjom Rinpoche:
“Tendo purificado a grande ilusão, que é o
lado escuro do coração, a luz radiante do sol
não-obscurecido nascerá continuamente”.
Quem leva a sério as instruções sobre
Dzogchen e sua mensagem sobre o morrer,
contidas nesse livro, irá se sentir inspirado,
espero, para buscar, encontrar e seguir um
mestre qualificado, e para comprometer-se a
passar por um completo treinamento sob
orientação dele ou dela. O coração do
treinamento Dzogchen consiste em duas práticas,
Trekchö e Tögal, que são indispensáveis a uma
compreensão profunda do que ocorre durante os
bardos. Só posso dar aqui uma brevíssima
introdução a ambas. A explicação completa só é
dada de mestre a discípulo, quando este já se
comprometeu de todo o coração com os
ensinamentos e atingiu certo estágio de
desenvolvimento. O que expliquei neste capítulo –
10
“A Essência Mais Profunda” - é a essência da prática
do Trekchö.
Trekchö significa atravessar a ilusão
essencialmente com força irresistível da visão
Rigpa, como uma faca corta manteiga ou um
mestre de karatê quebra uma pilha de tijolos.
Todo o fantástico edifício da ilusão desmorona,
como se você tivesse pulverizado seus alicerces. A
ilusão é atravessada e a pureza primordial e a
natural simplicidade da mente são desveladas.
Somente quando o mestre determinar que
você tem uma base firme na prática do Trekchö é
que ele ou ela o introduzirá na prática avançada do
Tögal. O praticante do Tögal trabalha diretamente
com a Clara Luz – que habita de modo inerente em
todos os fenômenos e está “espontaneamente
presente neles” – usando exercícios específicos e
muito poderosos para revela-la dentro de si
mesmo.
O Tögal tem a qualidade de ser instantâneo,
de trazer realização imediata. Em vez de viajar por
uma cordilheira para alcançar um pico distante, o
Tögal leva-o até lá num salto. O efeito de Tögal é
tornar alguém capaz de efetivar todos os
diferentes aspectos da iluminação em si próprios
no decurso de uma vida. Por isso é considerado o
método único e extraordinário do Dzogchen;
enquanto o Trekchö é a sua sabedoria, o Tögal são
seus meios hábeis. Exige imensa disciplina e é
geralmente praticado em retiro. (...)
O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER – Sogyal Rinpoche – Ed. Talento

REVELANDO A NOSSA NATUREZA
ESSENCIAL
Chagdud Tulku Rinpoche
(...)
A base do nosso ser é a essência búdica, a
natureza búdica. Todos os seres quer grandes quer
pequenos, têm essa natureza fundamental, essa
pureza essencial. Como o ouro incrustado no
minério, a verdade da nossa natureza, embora seja
uma pureza que não teve princípio nem terá fim,
não é obvia para nós. Pelo fato de ser essa a nossa
natureza fundamental, podemos revelá-la por meio
da prática, da mesma forma que o refinamento
revela o ouro que existe de forma inerente no
minério.
Essa essência, desde tempos sem princípio, é
completamente isenta de substância, vazia.
Embora possamos tentar encontrar características
a partir das quais definiríamos e entenderíamos a
vacuidade, ela não pode ser concebida por
conceitos ordinários. Assim, ela é desprovida de
sinais e características. Nada mais é preciso, além
de mantermos o reconhecimento da nossa
natureza fundamental, para que o fruto – as
qualidades plenas, a realização completa dessa
pureza inerente – seja revelado. O que revelamos
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
não está além de nossa natureza fundamental e,
nesse sentido, está além de qualquer desejo. Não
há nada que esteja faltando, nada que esteja em
outro lugar a que devamos aspirar para que
aconteça. Ela é isenta de aspiração.
Pelo fato de não reconhecermos essa
natureza – não nos darmos conta de que, embora
as aparências surjam incessantemente, nada na
verdade, está presente – emprestamos solidez e
realidade à verdade aparente do “eu” e do “outro”.
E das “ações” que ocorrem entre “eu” e “outro”.
Esse obscurecimento intelectual é causa do apego
e aversão, seguidos de ações e reações que criam
carma, solidificam-se em hábitos e perpetuam os
ciclos de sofrimento. Esse processo todo é que
precisa ser purificado.
Na primeira das três etapas sucessivas de
ensinamentos, chamada “o primeiro giro da roda
do Dharma”, o Buda ensinou as quatro nobres
verdades: a verdade do sofrimento, da origem do
sofrimento, do caminho pelo qual ele é
erradicado e a verdade de sua cessação. No
segundo giro da roda do Dharma, ele ensinou
que a verdadeira natureza de todos os fenômenos
é vazia, desprovida de sinais e de aspiração: a
natureza fundamental é a vacuidade, o caminho é
isento de sinais e o fruto, isento de aspiração. No
terceiro giro da roda, ele falou das qualidades da
natureza da mente que são plenas, infalíveis e
resplandecentes, falou da aparência da clara luz
da sabedoria.
A
tradição
Vajrayana
ensina
a
inseparabilidade, desde tempos sem princípio, de
duas coisas: a união entre a natureza não-nascida
da mente e as qualidades puras da clara luz da
sabedoria, uma união que está além das palavras.
Pura, imutável, não-composta e onipresente –
essa é a natureza da nossa própria mente. No
Vajrayana,
somos
introduzidos
nessas
qualidades da mente vajra.
Todas as aparências surgem da energia
dinâmica, ou exibição, da nossa natureza
fundamental. As experiências podem surgir de
dois modos. O reflexo do não-reconhecimento da
nossa natureza fundamental surge como as
experiências impuras dos três reinos do samsara.
Embora possamos entender que a nossa natureza
seja pura, essa não é a nossa experiência
ordinária. Nós não vemos, sentimos, nem
pensamos sobre as coisas de modo puro. Quando
começamos a nos aplicar ao caminho espiritual, a
pesquisar e investigar, a ouvir os ensinamentos,
repetidamente contemplando e meditando sobre
eles, começamos a experimentar um misto de
percepções puras e impuras. Através da prática
espiritual,
podemos
purificar
nossos
obscurecimentos e alcançar o fruto. Nossa
natureza fundamental, intrinsecamente pura,
torna-se completamente aparente como um corpo
puro de sabedoria, a plena revelação da nossa
natureza de sabedoria, como manifestação de
aparências puras.
Porque não é essa a nossa experiência no
presente? Todas as aparências ordinárias dos
elementos – terra, fogo, água, vento, carne e osso
– são em essência puras. Porém, da mesma forma
que uma pessoa com icterícia vê uma montanha
11
nevada como sendo amarela, devido aos nossos
obscurecimentos não vemos as coisas de forma
pura. Essa percepção impura tornou-se um hábito
profundamente entranhado. Através da prática
espiritual, nossa falta de reconhecimento pode ser
purificada e, então, como alguém curado de
icterícia que consegue ver uma montanha nevada
em sua cor branca, nós, como todos os budas,
veremos as manifestações de pureza tal como são:
o mandala puro e incomensurável da deidade.
Tudo sempre foi dessa maneira, desde tempos
sem princípio. Não é algo a ser criado, mas a
cintilação das qualidades inerentes da nossa
natureza fundamental.
A pureza da nossa natureza, imutável ao longo
dos três tempos, passado presente e futuro,
encontra-se agora obscurecida, como o sol pelas
nuvens. Como resultado da infalível lei do carma
de causa e efeito, e como reflexo das
negatividades da mente, surgem infindáveis
aparências de meio ambiente e de corpos.
Através das práticas de visualização do estágio
de desenvolvimento do Vajrayana, nós nos
exercitamos em reconhecer a natureza e as
qualidades puras do meio ambiente, corpo, fala, e
mente como sendo a terra pura, e o corpo, fala e
mente
da
deidade.
Isso
purifica
os
obscurecimentos mentais que criam os reflexos
mais grosseiros da falta de reconhecimento da
nossa mente: os três reinos da experiência e as
três portas que são o corpo, fala, e mente,
transformando o nosso hábito de perceber de
modo ordinário.
Através do estágio da consumação das práticas
Vajrayana, purificamos os obscurecimentos mais
sutis. A visualização que criamos é completamente
desfeita na vacuidade, e repousamos sem esforço
no estado desperto intrínseco que percebe a
natureza da mente.
No Vajrayana, reconhecemos que todas as
aparências fenomênicas possíveis do samsara e
nirvana, desde tempos sem princípio, são iguais,
sem separação nem distinção, dentro de sua
natureza búdica completamente pura; da mesma
forma que o são as aparências do sonho da noite
dentro da verdade do sonho. Partindo dessa
perspectiva ou visão, aplicamos método e
sabedoria, práticas do estágio de desenvolvimento
e da consumação; como remédios utilizados para
tratar uma doença, elas purificam o hábito de nos
apegarmos a esses reflexos temporários das
nossas ilusões e enganos como sendo sólidos, e
revelam nossa pureza intrínseca.
Com a aplicação repetida desses métodos,
temos a realização plena do fruto: como nuvens
que são sopradas para longe e revelam o céu
imutável, nossos obscurecimentos se desfazem e a
pureza primordial, sem começo, é revelada.
Nossa natureza fundamental é compreendida
como inseparabilidade dos três kayas. As
qualidades
plenas
e
resplandecentes
do
dharmakaya aparecem como o samboghakaya
para bodhisattvas do décimo grau, e como
nirmanakaya
para
seres
comuns,
criando
incessantes benefícios.
Dado que a pureza sem princípio, dharmata, é
a nossa natureza, para torná-la manifesta não
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
precisamos fazer nada com ela nem tirar nada
dela, não precisamos incrementá-la nem diminuíla. Antes, usando os métodos que compõem o
caminho, simplesmente a revelamos tal como é.
Então, a falta de compreensão dessa natureza, os
hábitos ordinários e as visões enganosas da
nossa mente que se refletem na experiência
samsárica impura que chamamos realidade,
desfazem-se
completamente
na
natureza
absoluta.
No Vajrayana, o caminho não é concebido
como alguma coisa com a qual começamos e à
qual acrescentamos certas causas e condições
para chegarmos a uma coisa diferente. Utilizamos
o estado desperto intrínseco que percebe a nossa
natureza fundamental para revelá-la como fruto
do caminho. Nós simplesmente removemos os
obscurecimentos temporários que impedem a
realização plena disso. Ao contemplar e meditar
repetidas vezes sobre esse entendimento, fica
fácil nos apoiarmos no Vajrayana para termos
êxito em nossa busca espiritual.
A tradição Vajrayana reúne métodos de
prática externos, internos e secretos. Quando
fazemos práticas externas com deidades, o que,
de fato, é a deidade? Em essência, a natureza do
dharmata, a verdade da nossa própria mente e de
todas as experiências – é a deidade. A deidade
não é algo que inventamos ou criamos, algo que
ainda não existia, mas sim, a manifestação
espontânea da verdade, a exibição não de algo
ordinário, mas de sabedoria. Essa é o mandala da
mente de bodhichitta.
A natureza de todos os seres, de todos os
fenômenos, é dharmata. Dentro da natureza
absoluta não há distinção nem separação entre
“eu” e “outro”. Tudo tem um só sabor. Todos os
fenômenos surgem indissociados da natureza
absoluta, e nela estão contidos. Nenhuma de
nossas experiências – nem os elementos, nem os
fenômenos, nem sequer uma única molécula –
está além da natureza absoluta; nem mesmo o
que chamamos de espaço básico. Ela é verdadeira
e tudo permeia.
Se não reconhecermos essa natureza,
vivenciamos todos os fenômenos e nós mesmos
como diferentes da deidade. Por exemplo, visto
que uma natureza vazia permeia totalmente o
sonho da noite, não há, na realidade, qualquer
separação entre nós mesmos e a terra, o céu, a
água. Quando acordamos, vemos que todas as
experiências incessantes que surgiram durante o
sonho foram apenas a exibição da mente, vazias,
porém, manifestas. No entanto, se não
reconhecemos que estamos sonhando, no
contexto do sonho tudo parece ser, em si mesmo,
verdadeiro e independente.
De modo semelhante, da perspectiva da
mente ordinária, percebemos diferenças entre o
corpo do dia e o da noite, entre nós e os outros,
entre alguém que nos ajuda e alguém que nos
cria dificuldades. No entanto, no nível da verdade
absoluta, ninguém nunca veio, nem vai. Tudo é
exibição da mente. Se não conhecemos a
natureza das nossas experiências, se não
conhecemos a deidade, então nos vivenciamos
como separados da deidade; essa falta de
12
conhecimento nos torna prisioneiros do carma e
do obscurecimento. Se tivermos realização da
nossa natureza como sendo a deidade, todos os
limites serão liberados, como paredes no espaço, e
teremos a realização do corpo vajra. Ao
conhecermos nossa natureza e mantermos o
reconhecimento dela, seremos capazes de revelar
nossa natureza como sendo a deidade e ter plena
realização dessa revelação.
Quando
alcançamos
a
realização
do
dharmakaya, obtemos benefícios para nós
mesmos, sendo que a capacidade incessante de
beneficiar os outros surge como o kaya da forma.
Os seres são auxiliados de forma incomensurável
pelas qualidades de grande conhecimento, amor,
bondade e energia espiritual; também pela força
da grande sabedoria e pelas preces de aspirações
que são acumuladas no caminho da iluminação.
Essas manifestações, para benefício dos seres,
surgem como a aparência das deidades pacíficas e
iradas acompanhadas de seus séqüitos – por
exemplo, a forma pacífica de Manjushri com o
aspecto irado de Yamantaka, ou a forma pacífica
de Vajrasattva com o aspecto irado de
Vajrakumara. Nessas manifestações de sabedoria
pura, vindas da natureza da mente, surge o corpo
– a forma e a cor da deidade; a fala – o mantra da
deidade; e a grande mente – a inseparabilidade da
vacuidade e compaixão. A deidade é uma fonte
infalível de benefícios, capaz de conduzir os seres
do samsara à iluminação.
Pelo fato de vivermos presos aos nossos
obscurecimentos e não compreendermos nossa
natureza como sendo igual à da deidade nós nos
exercitamos nesse reconhecimento, criando a
visualização e recitando o mantra da deidade,
fazendo oferendas e orações. Desse modo,
recebemos as bênçãos daqueles que alcançaram a
iluminação. Essa é a prática da deidade externa.
Na categoria das práticas da deidade interna,
visualizamos dentro do nosso próprio corpo, que
toma a forma da deidade, o canal central, puro e
sutil, dentro do qual se movimenta o vento da
sabedoria ou energia sutil (prana), e que contém
as esferas de sabedoria ainda mais sutis,
chamadas bindus ou tigles. Essa é a deidade
interna.
Embora a nossa experiência impura do corpo,
fala e mente convencionais apareça como
manifestação do vento cármico, o mandala da
deidade se conserva dentro dos canais do nosso
corpo sutil. Por meio da visualização desse
mandala, do trabalho com o movimento dos
ventos sutis e da recitação de mantras, revelamos
a nossa natureza como a deidade, revelamos a
bodhicitta que está além dos extremos, a grande
felicidade imutável que reside no coração.
Nas práticas da deidade secreta, reconhecemos
que todo o samsara e o nirvana sempre foram
iguais dentro do espaço básico que está além dos
extremos e que não há nada que não possa ser
tornado melhor ou pior; que a natureza pura de
nossa mente sempre foi uma sabedoria espontânea
que não teve nascimento. Com essa compreensão,
não há necessidade de colocarmos nossas
esperanças em uma deidade externa, nem de
fazermos esforço. Através do método budista mais
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
profundo, chamado Grande Perfeição (Dzogchen /
Ati-Yoga), alcançamos liberação sem esforço,
espontaneamente, apenas nos conservando
dentro do reconhecimento da natureza absoluta
na qual tudo está contido, da qual todos os
fenômenos surgem de forma indissociada, como
o oceano e suas ondas, ou o sol e seus raios.
Porque há tantos caminhos diferentes? Em
primeiro lugar, o Buda ensinou muitos métodos.
Além disso, diferentes lamas possuem diferentes
tipos de experiência e de conhecimento; os
alunos possuem graus variados de capacidade, e
assim, requerem métodos diferentes. Alguns
sentem ligação maior com as práticas da deidade
externa, outros com as práticas da deidade
interna, e ainda outros com o nível secreto da
prática.
Pode parecer muito fácil simplesmente
reconhecer a deidade, nossa própria essência
búdica, e nos conservarmos dentro desse
reconhecimento. Porém na realidade, pelo fato de
estarmos tão afundados em esperança e medo,
apego e aversão, isso é muito difícil. Nós temos
uma infinidade de conceitos e hábitos, e quando
muitas experiências diferentes se apresentam, é
muito difícil mantermos reconhecimento da sua
natureza. É por isso que quando começamos as
práticas no Vajrayana, nós nos focamos na
criação e na dissolução da visualização; então
trabalhamos com as práticas yogas internas e,
gradualmente, ingressamos no estagio de
consumação isento de esforço e nas práticas da
Grande Perfeição.
Os ensinamentos do Dharma do Buda são
como um jardim transbordante de flores de
muitos matizes e formatos. Não é necessário
escolher apenas um método, nem é necessário
que uma só pessoa tente aplicar todos eles.
Se você é uma pessoa raivosa, é muito eficaz
fazer prática de visualização usando a ira como
antídoto para cortar a raiva que existe em sua
mente. Nas práticas com deidades iradas,
visualizamos seres irados, manifestações de
sabedoria, com duas, quatro ou muitas pernas,
pisoteando seres negativos, soltando faíscas e
brandindo armas. Aqueles que são destruídos não
são seres externos, mas nossos próprios
venenos,
nossos
verdadeiros
inimigos
e
demônios. O apego ao eu é encarnado por Rudra,
um ser muito poderoso, o “dono” do samsara,
que é reprimido por seres que personificam a
sabedoria. Em todas essas imagens iradas,
assistimos ao desenrolar de uma guerra interna: a
sabedoria destrói a raiva, o apego e a ignorância.
Uma pessoa raivosa conquista e libera seus
pensamentos raivosos e negatividades com
métodos irados de Maha Yoga.
Se você manifesta desejo muito intenso, em
vez de abandoná-lo pode fazer dele seu caminho,
trabalhando com os canais e ventos do corpo
sutil, bem como as fontes de calor e prazer
internos, treinando-se com as energias de seu
corpo. As deidades representadas em união com
suas consortes não correspondem ao desejo
ordinário nem ao relacionamento homem/mulher
convencional, mas sim, à inseparabilidade de
vacuidade e grande êxtase. No nível de união
13
interna, os canais sutis do corpo são masculinos e
os ventos ou energias sutis são femininos; o calor
interno é feminino e o êxtase interno, masculino. A
união dos dois produz êxtase não ordinário, mas
inexaurível. Através do desejo, o praticante de Anu
Yoga se conecta com o êxtase, compreendendo e
vivenciando a inseparabilidade de grande êxtase e
vacuidade – sabedoria. Por meio dessa prática,
purificamos
carma, acumulamos
mérito e
revelamos sabedoria.
Os caminhos de Maha Yoga e Anu Yoga
requerem esforço, diligência e consistência.
Aqueles cujo veneno predominante da mente é a
ignorância e que são preguiçosos praticam um
terceiro caminho, a Grande Perfeição ou Ati Yoga.
Nesse caminho, repousamos sem esforço no
reconhecimento sutil da natureza da mente. Ele é
chamado o caminho do esforço sem esforço.
Todos os ensinamentos e níveis de prática que
levam até à Grande Perfeição trabalham com
conceitos ordinários, inteligência ordinária e
esforço ordinário. Na Grande Perfeição, porém, o
estado desperto é, ele próprio, o caminho. Os
praticantes da Grande Perfeição utilizam o método
da deidade absoluta, seu próprio estado desperto
intrínseco.
Todos
esses
três
caminhos
purificam
obscurecimentos. Qual deles vamos usar é algo
que dependerá do veneno predominante em nossa
mente: ele será a porta para a prática que estará
mais próxima de nós. Aquele que for o mais forte
para nós e o mais familiar passa a ser o meio pelo
qual removemos todos os obscurecimentos da
mente.
Através dos vários métodos do caminho
Vajrayana, trazemos três elementos para nossa
prática: a purificação dos obscurecimentos, o
amadurecimento da mente e o fortalecimento de
suas qualidades positivas. Por esses meios, temos
condições de, rapidamente, purificar a experiência
samsárica e realizar o fruto que está além do
samsara e do nirvana: os três kayas, nossa
natureza fundamental na qual tudo está incluído.
Através desses métodos, a sabedoria não nasce em
nós – seria mais exato dizer que ela se torna óbvia,
apoiando e amadurecendo nossa prática. (...)
SOBRE A NATUREZA DA MENTE
Ao realizar a natureza da mente, descobrimos que
estamos no estado inseparável da presença [rigpa]
e da vacuidade. Com esta realização, tomamos
consciência de que permanecemos na essência do
espaço. Ao permanecer na natureza da mente que
se funde com o espaço e sem identificação com o
que surge no espaço afeta nossa vida. Não há o
que defender, nenhum eu carecendo de proteção
porque nossa própria natureza é o espaço que
tudo acomoda. Ninguém pode alterar o espaço.
Uma opinião, uma imagem estão a mercê de
ataques e podem ser atingidas, mas o espaço em
que existe a opinião ou a imagem é indestrutível.
Ele não envelhece, não desenvolve, não deteriora,
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
14
não nasce e não morre. A confiança e o destemor
são frutos desta realização. Apesar do incessante
surgimento de vivências, permanecemos fixados
no espaço imutável em que surgem. Não será
necessário possuí-lo ou buscá-lo, ele já está
presente, além da esperança e do medo. Quando
realizamos a natureza da mente, compreendemos
a perfeição espontânea de todos os fenômenos e
a pureza primordial é realizada.
O praticante de Dzogchen tenta primeiro
compreender este espaço da natureza da mente.
Depois ele/ela precisa reconhecê-lo através da
meditação e das instruções do mestre e a seguir
conectar-se a ele. Finalmente, o praticante se
integra com o espaço, que é o que quer dizer
“permanecer na natureza da mente”. Não é que o
praticante se torne algo distinto. Precisamos
recorrer ao artifício de um desenvolvimento para
expressar o caminho, sobre como atingir o nosso
objetivo. Na verdade, porém, o objetivo não
existe e não há o quê desenvolver. Trata-se de
despertar,
reconhecendo
o
que
já
é.
Quando o espaço da natureza da mente é
realizado, ainda existe um fluxo.
Esta é a
luminosidade; existe movimento, sensação,
animação. A vivência é mais rica, e não mais
pobre. As qualidades surgem sem interrupção.
Compaixão, tristeza, raiva ou amor podem surgir,
mas o praticante não se desliga do espaço em
que
se
originam.
Extraído do livro: “A CURA PELA FORMA, ENERGIA E LUZ” por Tenzin Wangyal
Rinpoche
A natureza da mente não é um lugar para onde se
vai como sujeito e se chega como se fosse um
objetivo. Não há um lugar para onde se vá. Não
há um lugar que se visite. Não há uma forma a
ser
vivenciada.
O que quer dizer “não há forma”? Se esperarmos
ver a forma, não veremos nada—é garantido.
Estamos tão condicionados com a idéia de ver
alguma coisa, em alcançar algo lá. É muito, muito
difícil livrar-nos desta mente, não ter qualquer
expectativa.
A vivência da natureza da mente é apenas uma
vivência. Não é a natureza da mente. Se vejo
uma xícara posso dizer, “é uma xícara” porque é
o que vejo. Mas sabemos que a natureza da
mente não pode ser vista como é vista uma
xícara. Não há nada para ser visto. Assim, não
se pode dizer de coisa nenhuma, “esta é a
natureza da mente”. Podemos nos encontrar
neste espaço quando causas e condições estão
presentes, quando vencemos a noção mais sutil
de um sujeito que constata. Ali, ninguém está a
procura da natureza da mente; ninguém
interessado em olhar, ninguém está interessado
em constatar a natureza da mente.
Se for capaz de desenvolver o corpo correto, a
energia correta e a mente correta não haverá
como não vivenciar a natureza da mente. Como
sempre dizemos, ‘Não existe poder ou força que
possa deter o resultado quando as causas e
condições estão presentes’.
From “Healing With Form, Energy and Light” by Tenzin Wangyal
Rinpoche. Edited by Mark Dahlby. Ithaca: Snow Lion Publications,
2002. Available at Ligmincha's Bookstore.
EDITED EXCERPTS FROM ORAL TEACHINGS GIVEN BY TENZIN WANGYAL RINPOCHE, DECEMBER, 2002:

QUALIDADES DA NATUREZA DA
MENTE
(Extraídos dos escritos de dois mestres de budismo)
From “The Heart Treasure Of The Enlightened Ones” by Patrul Rinpoche
and Dilgo Khyentse Rinpoche:
Extraído do livro “O tesouro do coração dos iluminados” por Patrul Rinpoche e Dilgo Khyentse
Rinpoche:
“Não adianta procurar, fora, a natureza suprema da
mente – ela está dentro. Quando falamos de
´mente´ é importante descriminar entre a mente
comum, referindo-se às incontáveis cadeias de
pensamentos que criam e perpetuam o estado de
delusão, ou como aqui, sobre a natureza da mente
como fonte de todos estes pensamentos – o estado
claro e vazio da presença (rigpa) totalmente
destituída de delusão”.
“Para ilustrar esta diferença o Senhor Buda ensinou
que existem duas maneiras de meditar – a
primeira, como um cão e a outra, como um leão.
Quando se joga um pedaço de pau a um cão, ele
corre para apanhá-lo, mas quando se joga um
pedaço de pau a um leão, ele corre na direção de
quem atirou. É possível jogar muitos pedaços de
pau a um cão, mas a um leão só se atira um.
Quando
completamente
bombardeados
por
pensamentos, aplicamos antídotos a um e depois
ao seguinte, o trabalho é vão. Este exemplo é
como o do cão. O exemplo do leão é melhor,
devemos procurar de onde os pensamentos
surgem, o vazio da presença (rigpa), em cuja
superfície os pensamentos se movem como
ondulações sobre a superfície de um lago, mas
cuja profundidade é o estado imutável de completa
simplicidade”.
From “Dzogchen: The Self-Perfected State” by Namkhai Norbu Rinpoche:
Extraído de “Dzogchen: O estado de auto perfeição” por Namkhai Norbu Rinpoche:
“A mente é o mais sutil e recôndito aspeto da
nossa condição relativa, mas não é difícil notar a
sua presença. Basta observar os pensamentos e
como eles nos enredam no seu fluxo.
Se
perguntarmos, ‘O que é a mente?’ a reposta é o
fluxo ininterrupto dos pensamentos que surgem e
desaparecem. Ela tem a capacidade de julgar, de
raciocinar, de imaginar, etc. dentro dos limites de
espaço e tempo. Mas, além da mente, além dos
pensamentos, existe o que se denomina ‘natureza
da mente’, o estado verdadeiro da mente, além de
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
15
quaisquer limitações. Como está além da mente,
o que fazer para nos acercarmos de uma
compreensão a seu respeito?”
“Tomemos, por exemplo, o espelho. Olhamos no
espelho e vemos refletidas as imagens de tudo o
que está diante dele, mas não vemos a natureza
do espelho. Mas o que significa a ‘natureza do
espelho’? Quer dizer a capacidade de refletir,
descrita como a sua claridade, transparência,
pureza, limpidez, condições indispensáveis para
que os reflexos possam manifestar-se.
A
natureza do espelho não é algo que se veja, e a
única forma de concebê-la será através das
imagens refletidas no espelho. Da mesma forma,
apenas conhecemos e vivenciamos o que esteja
relacionado ao corpo, à voz e à mente. Contudo,
é assim mesmo que somos levados a
compreender a sua verdadeira natureza.”
“Dzogchen: The Self-Perfected State” by Namkhai Norbu Rinpoche.
Translated from the Italian by John Shane. Edited by Adriano
Clemente. New York: Arkana, 1989. Available at Ligmincha's
Bookstore.
Traduzido para o português por Tenzin Namdrol

A MENTE E A NATUREZA DA
MENTE.
A descoberta ainda revolucionária do budismo
é que a vida e a morte estão na mente, e em
nenhum outro lugar. A mente é revelada como a
base universal da experiência-criadora da
felicidade e criadora do sofrimento, criadora do
que chamamos vida e do que chamamos morte.
Há muitos aspectos da mente, mas dois se
destacam. O primeiro é a mente comum,
chamada pelos tibetanos de sem. O mestre a
define “aquilo que possui uma consciência que
discrimina, aquilo que possui um senso de
dualidade - que agarra ou rejeita alguma coisa
externa - isso é a mente. Fundamentalmente é
aquilo que pode se relacionar com um “outro” com “alguma coisa”, que é percebida como
diferente daquele que percebe”. Sem é a mente
discursiva, dualista, pensante, que só pode
funcionar em relação a um ponto de referência
externo, projetado e falsamente percebido.
Desse modo, sem é a mente que pensa,
trama, deseja, manipula, que se inflama de raiva,
que cria e se entrega a ondas de emoções e
pensamentos negativos, e que tem que continuar
afirmando, validando
e
confirmando
sua
“existência”
por
meio
da
fragmentação,
conceitualização e solidificação da experiência. A
mente comum fica incessantemente mudando,
presa impotente das influências externas, das
tendências habituais e dos condicionamentos. Os
mestres comparam sem a chama de uma vela
diante de uma porta aberta, vulnerável a todos os
ventos circunstanciais.
Vista de certo ângulo, sem é vacilante, instável,
ávida, e se envolve infinitamente nas coisas dos
outros; sua energia se consome projetando-se para
o exterior. Penso nela as vezes como o feijão
saltador mexicano, ou como o macaco pulando
irrequieto de galho em galho de uma árvore. Vista
por outro lado, entretanto, a mente comum possui
uma estabilidade falsa e amortecida, uma inércia
presunçosa e auto protetora, uma calma de pedra
em seus hábitos arraigados. Sem é astuciosa como
um político corrupto, é cética, desconfiada,
especialista em truques e trapaças, “engenhosa” como escreveu Jamyang Khyentse – “Nos jogos do
engano”. É dentro da experiência dessa caótica,
confusa, indisciplinada e repetitiva sem, dentro
dessa mente comum, que vez após vez nós
passamos por mudança e morte.
E existe a natureza mesma da mente, sua
essência mais profunda, que é absoluta e intocada
pela mudança ou pela morte. No presente ela está
oculta dentro de nossa própria mente, nossa sem,
envolvida e obscurecida pela disparada correria
mental dos nossos pensamentos e emoções. Tal
como as nuvens podem ser alteradas por uma forte
rajada de vento, revelando o sol brilhante no céu
aberto, assim também, sob certas circunstâncias
especiais, alguma inspiração pode revelar-nos
vislumbres dessa natureza da mente. Esses
vislumbres têm diferentes profundidades e graus,
mas cada um deles para alguma luz de
entendimento, significado e liberdade. Isso porque
a natureza da mente é a própria raiz da
compreensão. Em tibetano damos a ela o nome de
Rigpa, uma consciência primordial, pura, original,
que é ao mesmo tempo inteligente, cognitiva,
radiante e sempre desperta. Poder-se-ia dizer dela
que é o próprio conhecimento do conhecimento.
Não se cometa o erro de imaginar que a
natureza da mente é uma exclusividade da nossa
mente. Ela é de fato natureza de tudo. Nunca é
demais repetir que realizar a natureza da mente é
realizar a natureza de todas as coisas.
Os santos e místicos ao longo da história
sempre “adornaram” suas realizações com
diferentes nomes, a que atribuíram diferentes
faces e interpretações, mas o que eles basicamente
experimentaram foi a natureza essencial da mente.
Cristãos e judeus a chamam de “Deus”, os hindus
referem-se ao “Eu”, a “Shiva”, a “Brahma” e a
“Vishnu”; os místicos sufis falam de “Essência
oculta”, os budistas na “Natureza Búdica”. No
coração de todas as religiões existe a certeza de
que há uma verdade fundamental, e de que esta
vida é uma oportunidade sagrada para evoluir e
compreendê-la melhor.
Quando falamos Buda pensamos naturalmente
no príncipe indiano Sidarta Gautama, que obteve a
iluminação no sexto século antes de Cristo, e que
ensinou o caminho espiritual seguido por milhões
de pessoas em toda a Ásia, hoje conhecido como
budismo. Buda, no entanto, tem um significado
muito mais profundo. Refere-se a uma pessoa,
qualquer pessoa, que despertou completamente da
ignorância e abriu-se para o seu vasto potencial de
sabedoria. Um Buda é alguém que terminou
definitivamente com o sofrimento e a frustração, e
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
16
descobriu uma felicidade e paz permanente e
imortal.
Mas para muitos de nós, nesta era de
ceticismo, esse estado pode parecer uma fantasia
ou um sonho, uma conquista muito além do
nosso alcance. É importante lembrar sempre que
o Buda era um ser humano, como você ou eu. Ele
nunca reivindicou divindade; apenas sabia que
tinha natureza búdica, a semente da iluminação, e
sabia que todo mundo também a tem. Essa
natureza búdica é simplesmente o direito inato de
todo ser senciente, e eu sempre digo: “Nossa
natureza búdica é tão boa quanto a de qualquer
Buda”. Essa foi a boa nova que o Buda trouxe para
nós de sua iluminação em Bodhgaia, que tantas
pessoas consideram tão inspiradora. Sua
mensagem - que a iluminação está ao alcance de
todos - traz consigo uma enorme esperança.
Através da prática, todos nós também podemos
despertar. Se isso não fosse verdade, incontáveis
indivíduos até os nossos dias de hoje não teriam
atingido a iluminação.
Diz-se que quando o Buda se iluminou, tudo
o que ele queria era mostrar aos demais a
natureza da mente, e compartilhar integralmente
o que havia realizado. Mas em sua infinita
compaixão ele também viu, com tristeza, como
seria difícil compreendermos.
Pois embora tenhamos a mesma natureza
interior do Buda, não a reconhecemos de tão
envolvidos e encerrados em nossa mente
individual comum. Imagine uma jarra vazia. O
espaço de dentro é exatamente o mesmo que o
espaço de fora; apenas as frágeis paredes da jarra
separam um do outro. Nossa mente búdica está
encerrada dentro das paredes da mente comum.
Mas quando nos tornamos iluminados, é como a
jarra se quebrasse em pedaços. O espaço
“interno” se funde imediatamente com o espaço
“externo”. Eles se tornam um só: nesse exato
momento percebemos que nunca estiveram
separados nem foram diferentes; na verdade,
foram sempre o mesmo.
Do O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER - Sogyal Rinpoche
Todos têm a possibilidade da liberdade
completa que não gozamos hoje. Neste estado
atual, ainda estamos na experiência de
sofrimento.
Enquanto
tivermos
a
mente
consciente, a experiência de iluminação não
estará separada da mente iluminada. Devido ao
dualismo, não somos capazes de reconhecer isto.
A NATUREZA DA MENTE E A
PRÁTICA DO DHARMA
Jamgon Kongtrul Rinpoche
A fixação dualística separa sujeito e objeto.
Nossa qualidade básica é o vazio, a ausência de
forma, qualidade ou ponto de referência. Quando
não reconhecemos a característica de nossa
mente, ficamos presos à mente dual.
Devido à característica da mente vazia, existe
o surgimento não-obstruído da mente. Esta
compreensão não-obstruída é que se chama de
clareza ou luminosidade da mente. Não
reconhecendo a existência não-condicionada da
mente, temos a noção de "objeto" ou "outro" e nos
fixamos nisto. A existência da mente é livre de
surgimento e desaparecimento, de obstruções e
sensações, e de fixação em um ponto. Assim, a
natureza da mente é a inseparabilidade entre
luminosidade e vazio.
Quando falamos em termos de sabedoria
suprema ou verdade absoluta, falamos desta
inseparabilidade. Não estamos falando de nada
fora da própria mente. Tal natureza é a natureza
de todos os fenômenos. Assim, focando o ponto
de vista confuso, vemos imagens externas e jogos
projetados pela mente.
Do ponto de vista da onisciência da mente,
ter a compreensão da mente significa ter-se a
compreensão de todas as coisas. Mas como já
mencionei, não conseguimos reconhecer esta
natureza da mente. O não-reconhecimento da
natureza da mente, que está livre de ponto de
referência, condicionamentos, limitações, deve-se
ao apego dualístico.
A causa principal de nossa confusão são
nossas tendências habituais e o apego aos três
venenos: ignorância, raiva-ódio, desejo-apego.
A ausência de entendimento da mente é a
ignorância. Em oposição ao entendimento da
luminosidade e vazio, temos o “ego”, o “outro” e os
“objetos”. Isto é ignorância. Assim, temos a visão
distorcida e pervertida da realidade. É devido à
ignorância (eu e outro, coisas), que originam-se os
demais venenos, raiva-ódio e desejo-apego. O
apego a eu, meu e coisas-minhas leva à agressão
aos outros lá fora. Este é o mundo pelo qual a
mente funciona. A mente apegada e os objetos são
o mesmo. Chama-se de dupla fixação dualística a
noção de ego próprio e ego dos outros e das
coisas.
Usualmente, a mente é internamente
influenciada e condicionada por estes três
venenos. Assim vivemos.
Somos cativados magicamente por estas três
tendências. Assim nossa mente opera, e assim
subjuga nosso corpo, gestos e fala à escravidão.
Deste modo, nosso corpo, mente e fala capitulam
aos três venenos, havendo a expansão destas
ações e energias-de-hábito. Isto é o que se diz não
ter controle sobre nossa mente.
Ter controle é reconhecer a natureza da
nossa mente que fica sempre ocupada em nossas
tendências habituais.
A prática do Dharma é o afastamento ao
apego egoísta, ou seja, é a própria libertação. Mas,
devido a estarmos apegados ao egoísmo e
dualismo, não há esperança de libertação da
confusão e sofrimento.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
17
No treinamento não deve haver ego
A prática do Dharma não é algo superficial
como ter uma determinada experiência sensorial,
etc., isto também é apego.
Visões ou sensações, fora do comum ou
não, não são o objetivo. Isto seria infindável e,
conduzido pela insatisfatoriedade, levaria a
incessantes
buscas
sensoriais.
Assim,
a
profundidade do ensinamento do Dharma dirigese à natureza-raiz dos problemas da nossa mente.
Para que possamos ter a condição de
libertarmo-nos dos padrões habituais, temos que
superar vários estágios do caminho.
Ao início, temos o Teravada, onde a ênfase
é disciplina, estabilidade da mente, plena atenção
e a inexistência de um ego pessoal. No Mahayana
a ênfase é mais abrangente, é onde se vê a
ausência de ego de todas as coisas também. O
termo “yana” significa elevar e sustentar, então
“Mahayana” significa a grande elevação, a grande
sustentação e transporte para cima. Sua
responsabilidade é também auxiliar a sustentação
dos outros. O ponto básico é a experiência de
bondade amorosa e compaixão. No treinamento
não pode haver ego.
Há muita literatura que evidencia a
compreensão da ausência de ego de coisas e
seres, a dupla-ausência-de-ego. No entanto, sem a
vivência não adianta a compreensão intelectual. A
crença não é útil, sem a vivência isto também
transforma em apego egóico.
É necessária a abordagem analítica, e então
se entende e se tem confiança, mas aí há apego
ao entendimento e ele não produz resultados.
Mesmo após o procedimento de análise, os
padrões
habituais
de
comportamento
e
pensamento continuam a funcionar. O benefício é
relativo e temporário. O benefício real só pode vir
pela experiência da ausência-de-ego.
iluminação e liberdade. Podemos e devemos ter
esta aspiração, desde que este coração quente não
se motive de uma forma apenas intelectual.
Ao olharmos os outros, devemos lembrar o
que vemos quando olhamos a nós mesmos. Não
queremos sentir conflito nem sofrimento e, como
os outros, também queremos felicidade. O seres
sensoriais são caracterizados por isto, são os que
se movem na busca da felicidade, sensações, etc.
Não sabemos como nos conduzir com liberdade
frente a isto, nem eles. Estamos todos imaginando
que com a mente dualística podemos fazer
progresso, mas, em verdade, terminamos por
apenas trazer mais sofrimento.
Quanto maior for a bodhicita da aspiração,
maior será a bodhicita da ação.
Ação-bodhicita é tudo o que se fizer de
benefício aos outros dentro de uma visão
abrangente. Todas as ações são voltadas a esta ou
aquela pessoa, mas têm resultados múltiplos e
abrangentes.
Normalmente, nossas vidas são regidas por
medo e pânico.
A ação dos bodhisatvas, os que praticam
bodhicita, envolve as seis perfeições, os seis
paramitas: generosidade (Dana), disciplina (Sila),
paciência (Kshanti), zelo (Virya), meditação
(Dhyana-Samadi) e a sabedoria (Prajna).
Assim, temos que treinar nossa mente para
juntar o aspecto de ação e aspiração de bodhicita
em nossa vida. Na vida diária, através da atenção
plena e prática formal, chega-se aí.
Treinando a bodhicita relativa chega-se à
bodhicita absoluta. Atualmente só podemos
praticar a bodhicita relativa e isto envolve esforço,
empenho e por isto é limitada. Quando se tem
experiência de bodhicita automática, esta é sem
esforço.
Atualmente, tudo o que fazemos é
problemático, pois mesmo que traga benefício
relativo, traz acúmulos de tendências. O essencial
é então bodhicita, a união da prática da mente
altruísta e totalmente abrangente de todos os
seres, com a prática da compaixão que é a
consciência da dor e das causas da dor em todos
os seres sensoriais.
A bodhicita absoluta é espontânea e sem
esforço, é a experiência conjunta do vazio da
mente incondicionada e de compaixão. Budhas e
bodhisatvas têm a experiência de bodhicita, e via
isto é que podem operar sem esforço e sem causae-efeito, para auxiliar os outros. Para que
possamos ajudar ao máximo a nós e aos outros,
devemos cultivar o coração bondoso e amoroso.
Cultivar bodhicita não é encontrar ou criar o
que não se tem. Temos o potencial da bondade
amorosa.
Temos
esta
habilidade,
mas
desenvolvemos tais hábitos contrários que isto
fica oculto. Aí a razão de cultivar a compaixão
amorosa.
Desenvolvendo bodhicita, percebe-se que há
a bodhicita relativa e a bodhicita absoluta. Na
bodhicita relativa existe objeto e esforço, há
aspiração, intenção, ação.
Ser capaz de estender a mente que cuida os
outros, isto é o que traz os maiores benefícios.
Bondade é o maior benefício, hoje, no futuro, para
nós e para todos os que forem afetados por ela.
Aspiração e intenção ocorrem quando
mente tem a compreensão de ser um indivíduo
de mover-se para a felicidade dos outros. E ter
aspiração de eu ser capaz de levar os outros
a
e
a
à
Normalmente, nossas vidas são regidas pelo
medo e pânico, e temos a impressão que a
coragem resolve; ela mesma, no entanto, é o medo
que temos. A verdadeira ausência de medo só
surge via bondade amorosa incondicionada e
compaixão. Quando há total e incondicionada
bondade amorosa, isto é a libertação do medo e da
ansiedade.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Bodhicita é o caminho da paz
Todo nós deveríamos cultivar sempre um
coração bondoso e amoroso, pensando melhor
sobre nós mesmos e sobre os outros, doando-nos
aos outros.
A base das boas ações é o bom coração,
essencial para o verdadeiro espírito de
desenvolvimento, e base para o duplo benefício
de si e dos outros. Devido à ausência desta
bondade o desenvolvimento espiritual não leva à
essência. Perde-se aí o verdadeiro aspecto do
caminho espiritual. Mesmo que não se entenda
tudo o que foi falado aqui, as pessoas
conscientes devem entender que isto é o melhor
para nós e para os outros. Como o ser humano
consciente tem a capacidade de discernir, deve
ser capaz de chegar à bondade genuína.
Para trazer a bondade à nossa existência,
tanto no nível pessoal como no nível planetário,
falamos sempre de nossa preocupação com a paz
e harmonia, e aqui, paz e harmonia não devem
ser entendidas como objetos de acordos entre
partes em conflito, mas temas pessoais de cada
um. Bodhicita é o caminho da paz e podemos
despretensiosamente gerar harmonia ao redor bondade amorosa que é levada aos outros sem
expectativas.
Para isso temos que começar por nós
próprios e pela forma adequada, pois, não
fazemos assim, acusamos os outros pela ausência
de paz e esperamos que a paz nos chegue
externamente e que nós sejamos cobertos de
paz. Isto nos trará não “paz”mas “pedaços”
(risos...). (n.e.: Sua Eminência aqui brincou com o
som das palavras da língua inglesa “peace” e
“pieces”.)
Essencial é então a transmissão, a iniciação,
como meio de passar o conhecimento, permissão
de prática e bênçãos; é a forma de comunicar
apoio e estímulo para que todos sigam este
caminho.
Perguntas da platéia
-Frente a um mendigo bêbado que pede
dinheiro, como devemos agir?
O tipo de motivação é o que importa. O
efeito depende da motivação de sua ação. Boa
motivação somada ao discernimento é essencial.
Discernimento é entendermos o absoluto e não o
relativo. A pureza da motivação é o ponto.
-Os Tulkus são reencarnação de quê?
Sempre que se é alguém realizado e
encarnado, não ocorre isto porque se é um ego.
Ego significa apego à noção de que algo
realmente existe, e isto (um ego) não tem
existência própria; não é pela existência de um
ego que há reencarnação.
No ensinamento budista não se diz que o
ego tem que ser eliminado, mas se nega sua
própria existência absoluta. Isto significa
libertarmo-nos da falsa visão que alimentamos.
Não é uma posição, mas uma atitude de visão. Os
18
seres
nascem
involuntariamente
por
condicionamentos a suas tendências habituais; a
distorção predominante se tornará sua realidade. É
devido à continuidade da consciência e carma que
você nasce. Já o renascimento dos seres
iluminados é voluntário, não depende do carma, a
escolha é consciente e deliberada.
A importância de tomar refúgio
(Palavras do venerável Kempo Kata Rinpoche,
Rio de Janeiro, dezembro, 1988)
Tomar refúgio com o Budha é como
estabelecer um relacionamento com um médico.
Um médico competente pode ajudá-lo. O
ensinamento, o Dharma, é o medicamento, a
Sangha são os enfermeiros que sabem quando e
como se deve tomar o remédio e ajudam para que
seja efetivamente usado. Nenhum deles é
necessário após a iluminação ou cura. Nem o
Budha, nem o Dharma, nem a Sangha são mais
necessários então. Na ocasião do refúgio
assumimos uma disposição muito importante, a de
que desde esse momento até a iluminação
completa, faremos esforços e permaneceremos
refugiados no Budha, da mesma forma que uma
semente até que se abra em flor. A motivação para
isso é capacitar-se a prestar benefício a todos os
seres sem exceção e não apenas para seu benefício
temporário, mas para o bem-estar absoluto. Aí a
finalidade de tomar refúgio. Há no refúgio um
sentido de alegria, de que a vida dos seres pode
ser preciosa e significativa, particularmente por
receber os ensinamentos de um mestre tão
realizado como Sua Eminência Jamgon Kongtrul
Rinpoche. Vocês têm grande fortuna, esta situação
não ocorre por acaso, vocês a merecem, têm o
mérito necessário, seja através de contatos
anteriores com o Dharma, seja através de virtudes
meritórias cármicas.
(*) Esta é a transcrição da terceira palestra proferida por Sua Eminência Jamgon Kongtrul
Rinpoche III no Rio de Janeiro, em dezembro de 1988, a convite da Ordem Monástica Karma Teksum
Chohorling. Sua fala foi traduzida para o inglês por intérprete tibetano, sendo transcrita e vertida
para o português pela e equipe de Bodhisatva e revisada por Anila Karma Tsultrim Palmo.
A ILUMINAÇÃO É A META
A MEDITAÇÃO É O CAMINHO
Você é o Buda, você é a verdade.
Então porque não sente isso? Por que não
conhece isto muito bem?
Por que existe um véu no caminho, que é o
apego às aparências, como por exemplo, a
convicção de que você não é Buda, de que você é
um indivíduo separado, um ego.
Senão puder remover este véu de uma só vez,
então ele terá que ser dissolvido gradualmente.
Se você conseguir enxergar através dele,
totalmente, mesmo que apenas por um instante,
então poderá fazer isso novamente a qualquer
momento.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
19
Onde quer que esteja, o que quer que esteja
diante de você, de qualquer forma que as coisas
se apresentem; simplesmente retorne à esta
clareza e abertura espaçosas e sempre presentes.
Kalu Rinpoche
Quando praticamos a meditação, o que
fazemos equivale a descascar as camadas da
persona. Nós continuamos a descascando,
camada por camada, cada vez mais, em direção
ao centro, trazendo à superfície e soltando, um
após o outro, os muitos rostos que apresentamos
ao mundo e a nós mesmos. Se nós não somos os
nossos pensamentos, então quem somos? Quem
é esta pessoa que tenta meditar? Quem é o
experimentador que experimenta? é nossa mente,
nosso corpo, nossa alma, nosso espírito? A
grande questão é esta, a questão da identidade.
A maioria dos meditadores traz consigo uma
aspiração comum: experimentar as coisas
diretamente como são, no momento presente.
Agora é o único lugar onde podemos estar. Tanto
as lembranças quanto os planos ocorrem no
momento presente. Na meditação nós voltamos
sempre a este presente que é o único,
despertando gradualmente para a verdade de
quem e do que somos. Nós sabemos que não
podemos fugir, que precisamos voltar sempre.
Respiramos, praticamos a atenção plena e
descascamos camadas e mais camadas. Cada vez
mais fundo. Vendo os nossos estados mentais,
soltando o que nos prende, desmascarando,
descascando, até finalmente chegar ao estado
original, não processado, o estado natural, o ser
genuíno. Esta é a natureza búdica, a natureza
verdadeira - a mente natural. O Buda interior está
desperto.
Simplesmente ser - em meio a todo o fazer, o
atingir e o vir-a-ser. Este é o estado natural da
mente, nosso estado original e fundamental de
ser. É a natureza búdica autêntica. É como o
reencontrar o nosso equilíbrio.
Mente grande / mente pequena.
Para nos ajudar a compreender que não
somos aquilo que pensamos, os ensinamentos de
Buda fazem uma distinção entre o que é chamado
de Grande Mente, ou Mente Natural, e a mente
“pequena” ou mente comum e iludida. A mente
pequena ou iludida é a mente habitual,
barulhenta, imprevisível e constantemente fora de
controle. É a nossa mente finita, conceitual,
racional, discursiva, pensante. A mente iludida
tem muitos impulsos e necessidades, ela deseja
muitas coisas. Está quase sempre confusa,
atravessa flutuações constantes de ânimo e é
muito inquieta. Fica com raiva, deprimida ou
hiper-ativa. Alguns textos tradicionais antigos
chamam esta mente pequena de “mente de
macaco”, e a descrevem como um cavalo
selvagem e indomável, ou então como um
pequeno macaco simpático, mas totalmente
caótico, pulando de árvore em árvore, procurando
satisfação nos lugares errados. O que se quer
dizer com Grande é a natureza essencial da
mente. É isto que chamamos de natureza búdica
ou mente natural. Esta é a nossa verdadeira
natureza - a consciência pura e ilimitada que reside
no coração, e que é parte integrante de todos nós.
O Buda a descreveu como imóvel, clara, lúcida,
vazia, profunda, simples (descomplicada) e em
paz. Na verdade, não é aquilo que chamamos
habitualmente de nossa mente. É a natureza
luminosa e mais fundamental no âmago de nosso
ser. Isto é rigpa, o cerne da iluminação. É a nossa
cota de nirvana aqui na terra.
O Dogchen ensina que tudo o que precisamos
fazer para nos tornarmos iluminados é o
reconhecer e repousar nesse estado mental
natural. No zen eles chamam isto de mente
original. É a percepção crua, nua, e não algo que
aprendemos ou fabricamos. Isto é o Buda interior a presença perfeita na qual podemos confiar.
Despertar para esta mente natural, esta natureza
búdica, é sobre o que a meditação se ocupa.
Mantendo a visão panorâmica: Lembrando-se
do quadro maior A Grande Perfeição Inata combina
a visão iluminada, a meditação e a ação.
Com uma visão tão larga e aberta quanto o infinito
céu luminoso;
A meditação tão inabalável quanto uma montanha
imponente;
A ação tão espontaneamente livre e desimpedida
quanto às ondas do oceano,
O resultado é a realização da mente natural –
A Grande Perfeição Inata.
Canção de alegria yogue, da tradição oral
Dzogchen.
Quando os mestres Dzogchen falam em
permanecer na visão, o que querem dizer é
reconhecer o estado natural da mente, a natureza
búdica, e repousar nesta percepção lúcida. Isto
implica uma imediação espontânea e uma
consciência sem separações ou escolhas. Esta
visão ampla, ou panorâmica, significa ser capaz de
viver as coisas como são, com clareza total. Essa
visão, ou visão superior, não distorce. Ela é
totalmente aberta e sem julgamentos. Quando
permanecemos com a visão, não tentamos
manipular ou alterar a verdade do que é. Um
espelho não escolhe o que reflete. Da mesma
maneira, a medida que os objetos surgem na
mente, eles
simplesmente aparecem, sem
distorções nem correções, no espelho límpido da
consciência.
Com esse tipo de visão, nós nos lembramos do
todo – Dzogchen, a Perfeição Natural das coisas
justamente como são. Na meditação básica,
praticamos a atenção plena à respiração. O
treinamento Dzogchen é mais avançado; ele nos
ensina como estar despertos e unos com o que é.
Na prática, Dzogchen, levamos conosco aonde
quer que formos, nossa consciência sem
separações, para que cada momento seja um
momento de atenção plena, um momento de
realidade, de liberdade e iluminação. Como disse
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
20
um mestre zen: “A eternidade é um único
instante, e esse instante é agora. Acorde para
ela!”.
Isso pode soar esotérico, mas na verdade é
um ensinamento muito prático. [...]
Tudo o que se tem a fazer é permanecer com
a visão.
Este ensinamento introduz uma forma de
manter a perspectiva maior em mente e ao
mesmo tempo fluir com a grande corrente da
realidade, sem ficar preso nos redemoinho da
vida. Quer você esteja praticando a meditação
formal ou dando banho no cachorro da família,
preserve
sua
mente
natural,
permaneça
consciente e desperto, em vez de se deixar
carregar por pensamentos e projeções. São todos
apenas aparências ilusórias. Se você puder
manter esta visão, então a meditação em ação se
desenvolverá espontaneamente, e haverá menos
separação entre a prática religiosa formal e os
atos mundanos da vida cotidiana.
Nós vivemos na ilusão e na aparência das coisas.
Existe uma realidade.
Quando você compreender isto,
verá que você não é nada.
E não sendo nada, você é tudo.
É só isso.
Kalu Rinpoche
O BUDHA NÃO ESTÁ MAIS DISTANTE
QUE A PALMA DE NOSSA MÃO.
(Extrato do livro “Le Yoga du Rêve” de Namkhaï Norbu Rinpoche)
Traduzido do tibetano por Khenpo Palden Sherab, Khenpo Tséwong Dongyal, Deborah
Lockwood, Michael Katz.
Traduzido para o português por Karma Tenpa Dargye.
Nota do editor: o texto seguinte que trata da
via dzogchen, é traduzido aqui pela primeira vez.
O autor, o grande mestre de meditação Mip’am
Rinpoche (1846-1914), tentou mostrar a
“verdadeira natureza da mente”.
I – Ensinamento Quintessencial sobre o
tema da Mente;
O Budha não está mais Distante do que a
Palma de Nossa Mão.
Inclino-me diante de Padmasambhava.
E diante do ilustre Lama que é a emanação do
ser de sabedoria Manjushri 1 (e semelhante a)
todos os budhas seus filhos.
Em atenção àqueles que desejam (aprender) a
meditação (sobre) o reconhecimento do sentido
profundo da mente,
Eu vou explicar brevemente o início da via dos
conselhos do coração2.
É necessário, no início, confiar no ensinamento
quintessencial de um Lama que (possui) a
experiência da realização.
Se não penetrarmos (na experiência do)
ensinamento do Lama, toda a perseverança e o
esforço consagrados à meditação equivalerão a
disparar uma flecha na escuridão.
Por esta razão, renunciem a todas as
aproximações
corrompidas e
artificiais
da
meditação.
O ponto crucial é de colocar (sua consciência)
no estado não-fabricado3, instalado em si-mesmo;
o rosto da sabedoria sem véu que é distinto do
envoltório da mente (quer dizer daquela que se
identifica).
Reconhecendo (esta sabedoria), atingimos o
ponto essencial.
O sentido de “permanecer desde o início” é o
estado natural, não-fabricado.
Tendo desenvolvido a convicção íntima de que
tudo o que surge é a essência do Dharmakaya 4,
não rejeitem (este conhecimento).
(Deixar-se levar) pelas explicações discursivas
(sobre o tema da via), é como correr atrás de um
arco-íris.
Quando as experiências meditativas se
manifestam como conseqüência da consciência
lúcida do nobre estado não-fabricado, não é por
meio indireto de uma concentração exterior (mas
de preferência) mantendo a não-ação5.
Estupenda, (a maneira como) chegamos à este
conhecimento!
II – No momento bem-aventurado em que
(atingimos) o estado intermediário
A constância do estado inabalável é mantida
pela lembrança do estado espontaneamente
estabelecido da “mente-em-si”.
Se colocar neste estado é suficiente.
(Se obstáculos são produzidos) pelas nuvens
que se elevam da análise mental que cria a
distinção entre o sujeito e o objeto da meditação.
(Lembremo-nos) então da natureza da mente
que desde o início é não-fabricada – “a mente-emsi”, é vasta como o céu.
(Para) relaxar, libertemo-nos da estreiteza e
dissipemos o apego à (esses conceitos).
O conhecimento espontâneo estabelecido não
consiste em pensamentos que fluem em todas as
direções.
Ele é vacuidade límpida e radiante, distinta de
toda avidez mental.
(Este estado) não pode ser descrito por
exemplos, símbolos ou palavras.
Percebemos diretamente a consciência (última)
por meio da sabedoria do discernimento.
O nobre estado da consciência lúcida,
imparcial, vazia não mudou, não muda e não
mudará.
(Ela é) nosso próprio rosto, mascarado pelas
impurezas dos conceitos repentinos, diversas
vagabundagens quiméricas.
Como é triste!
Que ganharemos em nos prender a uma
miragem?
Qual o objetivo de perseguirmos esses sonhos
diversos?
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
De que serve agarrar-se ao espaço?
Por conceitos variados, colocamos a cabeça ao
contrário.
Coloquem de lado essa falta de sentido
esgotante e detenham-se na esfera primordial.
O verdadeiro céu é (saber) que samsara e
nirvana não são mais que uma exibição ilusória.
Mesmo que existam exibições muito variadas,
consideremos que elas têm o mesmo sabor.
(Ter-se estabelecido) em uma relação íntima
com a meditação permite lembrar-se da
consciência semelhante ao céu;
Que é consciência nua, situada em si mesma,
vibrante, livre dos conceitos.
(A mente natural) está além do conhecimento
ou do não-conhecimento, da felicidade ou do
sofrimento.
A felicidade nasce (deste) estado de
relaxamento/repouso total.
Então, no movimento ou na imobilidade, no
ato de comer ou de dormir, conheceremos
permanentemente este estado, e tudo é a via.
(Assim), “vigilância” [atenção] designa esta
consciência semelhante ao céu. (E mesmo) no
período após a sessão de meditação (formal),
elaboraremos muito menos conceitos.
III – Nos momentos bem-aventurados do
estado último,
Relativamente às quatro ocasiões (mover, ficar
imóvel, comer e dormir)6,
As marcas dos hábitos tenazes, a partir das
quais surgem todos os conceitos e os sopros
cármicos da mente, são transformados.
(Nós) possuímos a capacidade de recolher-nos
na cidadela da sabedoria imóvel e inata. O que
chamamos samsara7 nada mais é que um
conceito. A majestosa sabedoria é livrar-se de
todo conceito.
Então, tudo o que surge se manifesta como
totalmente perfeito.
O estado da nobre clara luz é constante –
tanto à noite como de dia.
Ele é diferente da distinção entre se lembrar e
não se lembrar. [memória]
Diferente de desviar-se de seu justo lugar pelo
chamado da Base fundamental que impregna toda
coisa.
Então, não realizaremos nada pelo esforço.
Sem nenhuma exceção, todas as qualidades
inerentes às vias e as bases – clarividência,
compaixão, etc. – surgem espontaneamente8,
Crescente como a relva que chega à
maturidade no verão.
Liberto de apreensão e de vaidade, liberado de
esperança e medo,
É a grande felicidade não-nascida, eterna,
vasta como o céu.
Essa nobre yoga é (semelhante) ao Garuda
lúdico no céu da Grande Perfeição imparcial.
Maravilhoso!
Confiando no ensinamento quintessencial de
um mestre,
O meio de manifestar esta sabedoria da
essência do coração
21
É realizar as duas acumulações (de mérito e
sabedoria)9 de uma maneira tão ampla como o
oceano é vasto.
Então, sem dificuldade, (a realização) será
colocada na sua mão.
Espetacular!
Em conseqüência, possam todos os seres
sensíveis, pela virtude desta explicação, chegar a
ver Manjushri juvenil, que é atividade compassiva
de nossa própria consciência, mestre supremo,
essência do diamante (o Dzogpa Chenpo da claraluz).
Tendo percebido isso, nesta vida mesma,
possamos atingir a iluminação perfeita.
Composto
Rinpoche10
por
Mip’am
Jamyang
Dorje
Notas:
1.
Manjushri: o Bodhisattva da Sabedoria.
Segundo a mitologia budista, Manjushri foi, em uma
encarnação anterior, o rei Amba que fez o voto de se
tornar um bodhisattva para o bem de todos os seres.
2.
Os conselhos do coração: o ensinamento
do coração do lama. É um ensinamento essencial
condensado, destinado à meditação e apresentado pelo
lama aos seus discípulos de coração.
3.
O estado não-fabricado: a consciência que
surge no instante da percepção; uma pura presença que
aparece sem modificação, não engendrada por causas.
Para mais detalhes, ver The Cycle of Day and Night, de
Namkhaï Norbu.
4.
Dharmakaya: dharma significa a totalidade
da existência; kaya é esta dimensão. A base essencial do
ser cuja essência é a claridade e a luminosidade e no seio
da qual todos os fenômenos são percebidos como
despidos de existência intrínseca.
5.
A experiência meditativa se manifestando
por intermédio da não-ação: a meditação do Dzogchen é
não-conceitual
e
realizada
simplesmente
pelo
reconhecimento sem esforço de nossa própria natureza
verdadeira, não condicionada. A ação ou o esforço para
realizar a meditação são contrários à presença relaxada
que caracteriza a prática dzogchen.
6.
Mover-se, permanecer imóvel, comer e
dormir: as quatro atividades, englobando todas as ações
possíveis, no meio das quais um praticante dzogchen
tenta manter sua consciência lúcida.
7.
Samsara: existência cíclica marcada pelo
nascimento, a velhice, a doença, a morte e o
renascimento. Os seres sensíveis, dominados pelo
desejo, a ira e a ignorância, continuam a migrar através
dos seis mundos do samsara (o mundo dos deuses, dos
semi-deuses,, dos humanos, dos animais, dos espíritos
famintos, e dos seres infernais) segundo seu carma.
8.
Qualidades
inerentes
que
surgem
espontaneamente: como conseqüência natural da
meditação dzogchen, os praticantes avançados podem
desenvolver qualidades transcendentais tais como uma
grande sabedoria, compaixão, a clarividência etc.
9.
As duas acumulações: a acumulação de
mérito por meio das boas ações e da sabedoria por
intermédio da contemplação. Se bem que os dois sejam
importantes sobre a via do Dharma, o Budha disse que se
conseguimos manter o estado de contemplação (a
acumulação de sabedoria) durante o tempo que é preciso
a uma formiga para ir da extremidade do nariz de uma
pessoa a sua testa, isso seria mais benéfico que uma vida
inteira de acumulação de méritos pela ação virtuosa e a
generosidade.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
10.
Mip’am Rinpoche: célebre mestre budista
tibetano do séc. XIX que começou por ser aluno de
Patrul Rinpoche. Mip’am foi o autor de comentários
originais sobre o dzogchen e sobre outras escrituras
budistas importantes.
22
“O solo e o que tem o solo é como o espaço,
primordial e espontaneamente presente. É como o
sol, não tendo base para a escuridão da
ignorância. É como um lótus, não-manchado pelas
máculas. É como o ouro, que não muda da
natureza da realidade em si. É como o oceano, sem
movimento. É como um rio, sem interrupção. É
como uma presença, sem chegada ou partida. É
com o Monte Meru, sem se mover ou mudar”.
A MENTE ESSENCIAL
(Citado em Naked awareness: Practical instructions on the union of Mahamudra and
Dzogchen. Karma Chagme, com comentário de Gyatrul Rinpoche, traduzido por B. Alan Wallace,
O rei Trisong Detsen perguntou a Orgyen
Rinpoche Padmasambhava: “Grande mestre, a fim
de que os seres sencientes causais realizem o
resultado do estado búddhico, bem no início a
visão da realização é crucial. Então quem está
dotado com a visão da realização?”
O mestre respondeu: “O ápice de todas as
visões é constituído pelas instruções essenciais e
práticas para a iluminação. Todas as galáxias,
todos os sugatas dos três tempos e das dez
direções e todos os seres sencientes dos três
reinos são uma realidade: eles estão incluídos na
mente essencial da bodhichitta. Isso que é
chamado ‘Mente’, é não-criada e se manifesta de
vários modos”.
“Bem, então, qual é a diferença entre os
buddhas e os seres sencientes?”
“Nenhuma além de sua realização e nãorealização da Mente. Desconhecida para você, o
Buddha está presente dentro de você. Devido à
falha em reconhecer a natureza essencial da
mente, você vaga entre os seis estados da
existência”.
“Bem, então, qual método há para penetrar a
Mente?”
“Para isso, as instruções práticas de um
mestre espiritual são necessárias”.
A assim-chamada ‘Mente’ existe como uma
experiência da atenção e do conhecimento. Não
observe a Mente externamente, mas sim
internamente.
Procure a Mente com a mente. Estabeleça a
Mente em si com a mente. Observe: onde a Mente
inicialmente surge, onde ela está localizada agora
e aonde ela vai ao final? Quanto a isto,
observando por você mesmo a sua Mente,
nenhum lugar de origem, nenhuma localização e
nenhum destino são encontrados. Não há como
indicar sua natureza essencial dizendo, ‘É deste
modo...’ Assim, não havendo exterior ou interior,
e não havendo observador ou observado, a Mente
é a Grande Sabedoria Primordial, livre de centro
ou periferia, grande, vazia, sabedoria primordial,
originalmente livre e permeando tudo. A
Sabedoria Primordial, que é naturalmente
presente em seu próprio modo de ser, não é algo
criado. O reconhecimento da presença da
Sabedoria Primordial em você mesmo é a visão.
Esforce-se para penetrá-la!”
editado por Lindy Steele e B. Alan Wallace. Ithaca: Snow Lion, 2000. Pág. 109-110.)

A ESSÊNCIA, A NATUREZA E AS
CARACTERÍSTICAS DA MENTE
Dagpo Tashi Wangyal
A essência da mente
Apesar da natureza da mente ter geralmente sido
designada por estes três termos - nominalmente,
essência, natureza e características -, elas em
realidade não são diferentes da essência da mente.
O Amnayamanjari afirma:
A vacuidade constitui a natureza intrínseca de
todas as coisas [mentais e materiais]. A essência
dessa vacuidade não é diferente do que foi
designado como a própria natureza da mente e seu
modo de se manifestar. Entretanto, do ponto de
vista do [aspecto mental], ela pode ser dividida em
três: essência, natureza e características, que são
identificadas de acordo [com seus aspectos].
Quanto a isto o venerado Gampopa escreveu:
A essência da mente consiste de três aspectos:
essência, natureza e características. Sua essência
consiste do estado de claridade e não-concepção,
sua natureza é vazia de qualquer modo
substantivo de surgimento, permanência e
cessação, e suas características referem-se às
aparências
dualistas
da
existência
cíclica
[samsara] e da paz permanente [nirvana].
Novamente ele comenta:
A mente consiste de natureza, essência e
características. O termo designado “natureza da
mente” significa que em sua natureza intrínseca
ela é pura e não-criada, e assim abarca todos os
reinos do samsara e do nirvana. O termo
“essência” significa o estado desperto mais interno,
que é desapegado do surgimento e da cessação. O
termo “características” significa as diversas
aparências de imagens surgidas das marcas
psíquicas condicionadas.
Je P'hagmodrupa conclui:
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Mahamudra significa [estado desperto] não-dual.
Seus três aspectos são a essência, a natureza e as
características.
“Essência” significa a vacuidade do surgimento,
cessação ou concepção.
“Natureza” significa lucidez não-obstruída.
“Características” significa as diversas aparências.
Nos níveis do samsara e do nirvana.
A essência e a natureza da mente são afirmadas
como sendo idênticas em realidade. O aspecto da
mente é idêntico com suas características. Isto é
afirmado por Je Rangjungpa [Karmapa III]:
A essência [da mente] é vazia, sua própria
natureza é lúcida
E seu aspecto consiste de aparências diversas e
incessantes.
A essência da mente é, desde o início, vazia de
qualquer surgimento, permanência ou cessação
substantivos. Não é maculada por conceitos
dualistas dos agregados psicofísicos da vida,
pelos elementos e pelas faculdades sensoriais. Ela
tem a mesma natureza daqueles fenômenos que
são vazios de qualquer essência própria mas são
uma igualdade que tudo abarca.
23
Essa vacuidade intrínseca da mente é na verdade a
vacuidade de todas as coisas, que abarca todas as
aparências e existências do samsara e do nirvana.
Aryadeva comenta:
Uma substância representa a essência de todas as
outras substâncias;
Todas as outras substâncias representam a
essência de uma substância.
Aryadeva também diz em seu Chatuhshataka:
A vacuidade de uma coisa
Representa a vacuidade de todas as coisas.
O Satyadvaya declara:
Não há divisão qualquer na vacuidade,
Nem mesmo no menor grau.
A natureza da mente
O Ashtasahasrika Prajnaparamita Sutra ensina:
A natureza da mente consiste da claridade
luminosa,
Que é a natureza intrínseca do Tathagata.
Isto é enfatizado no Guhyasamaja:
É vazia de todas as substâncias
E desapegada das discriminações dualistas
Tais como agregados, elementos e faculdades
sensoriais.
É sem eu e igual.
Esta mente é não-nascida desde o início
Porque é vazia por sua natureza inata.
Referindo-se à essência da mente, o
Bodhichittavivarana explica:
As mentes iluminadas [bodhi] dos buddhas
Não são nubladas por qualquer visão de
dualidades
- O eu e os agregados da vida Porque as características destas mentes
São vazias em todos os tempos.
Há muitas passagens como esta que descrevem a
natureza da mente como sendo uma claridade
luminosa. O termo “claridade luminosa” significa
que é pura, não-maculada por quaisquer
pensamentos
discriminadores,
tais
como
surgimento, permanência ou cessação. Nãomaculada [por quaisquer máculas mentais] e
desapegada das partículas dos agregados, ela
permanece imutável por todo o tempo, como o
espaço, ou mesmo inseparável da natureza do
espaço.
O Upaparipriccha explica:
A mente em sua natureza é pura e luminosa.
É não-substantiva, não-maculada e desapegada de
quaisquer partículas subatômicas.
O Uttaratantra diz:
Como afirmado anteriormente, quando olhamos e
examinamos
completamente
a
natureza
intrínseca da mente, não encontramos qualquer
base substantiva. Ao invés disso, experienciamos
que o processo analítico está se aquietando ou
se apagando. Este estado é descrito como sendo
a realidade última, a vacuidade que tudo abarca,
que é intrínseca em todas as coisas e em todos os
tempos. O Satyadvaya afirma:
A aparente realidade aparece como tal
Mas é [vista como sendo] vazia de qualquer
substância
Quando sujeita à investigação lógica completa.
Esta descoberta [da vacuidade] representa a
verdade absoluta
Que é inerente em todas as coisas e em todos os
tempos.
Esta claridade luminosa, sendo a natureza da
mente,
É imutável, como o espaço.
O Jnanalokalamkara Sutra elabora:
[Buddha:] Ó Manjushri, a iluminação por sua
natureza inata consiste de claridade luminosa, por
que a natureza intrínseca da mente é
luminosamente clara. Por que ela é assim
designada? A natureza intrínseca da mente é
desapegada de qualquer mácula interior e é igual,
ou possui, a natureza do espaço, enquanto abarca
o espaço através de suas características idênticas.
Por todas estas razões ela é designada como sendo
claridade luminosa.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
O Vairochanabhisambodhi observa:
A natureza da mente é pura, porém não pode ser
concebida dualistamente como sendo externa,
interna ou intermediária.
E novamente diz:
O que quer que seja a natureza do espaço é a
natureza da mente. O que quer que seja a
natureza da mente é a mente da iluminação. Por
esta razão a mente, a expansão do espaço, e a
mente
da
iluminação
são
não-duais
e
inseparáveis.
O Guhyasamaja explica:
Já que todas as coisas em sua natureza são
luminosamente claras,
Elas são puras desde o início, como o espaço.
Sendo assim, alguns meditadores não-sábios,
quando experienciam qualquer tipo de claridade
interior, consideram-na como sendo a claridade
luminosa da mente e até mesmo a assumem
como sendo radiante como a luz solar. Este é um
erro muito sério pois, como provado por citações
anteriores, o termo “claridade luminosa” tem sido
usado para simplesmente significar que a mente é
de pureza intrínseca, que não é maculada pelos
pensamentos
discriminadores
ou
aflições
emocionais. Se a natureza da mente se
constituísse de qualquer coisa radiante e colorida,
a mente teria de ser uma luz e teria uma cor.
Então a doutrina [buddhista] que afirma a
natureza da mente como sendo pura, isto é,
desapegada de qualquer essência própria, estaria
errada.
Bem, então, quando certas experiências nas quais
yogis percebem o próprio estado desperto comu
a própria claridade como se fosse uma
manifestação psíquica, uma luz interior que até
mesmo ultrapassa as aparências, ou uma cor ou
luz
normais?
Naropa
esclarece
isto
no
Drishtisamkshepta:
Todas as coisas da aparência e da existência
Não existem separadas do próprio estado
desperto
Pois as coisas aparecem e se cristalizam
Assim como, por exemplo, a mente experiencia
O seu próprio estado desperto.
E novamente ele diz:
Este próprio estado desperto é desapegado da
discriminação;
Ele se manifesta enquanto sendo intrinsecamente
vazio;
Sendo vazio ele se manifesta.
A aparência e a vacuidade são, portanto,
inseparáveis.
Elas são como o reflexo da lua na água.
Tal [experiência dos místicos] é simplesmente o
despontar interior da lucidez e estado desperto
24
da mente. Apesar desta experiência interior ser
correntemente designada como estado desperto
para o objeto prático da contemplação, ela está
ainda no nível da dualidade e como tal não pode
ser um estado desperto real porque não é a
vacuidade suprema de todas as formas, nem o
poder que tudo permeia. O grande comentário
sobre o Kalachakra [o Vimalaprabha] explica:
O que, então, é o estado desperto? A resposta é
que o estado desperto, assim designado, é o estado
desperto mais interno de um tipo nãodiscriminativo. É a vacuidade suprema de todas as
formas. Além de ser um estado desperto imutável
e extasiante, ele transcende todos os conceitos.
Este estado desperto é o mestre da causa e efeito.
A causa e efeito estão nele como a luz e calor do
fogo.
O Manjushrinama Sangiti descreve o estado
desperto:
É o estado desperto que tudo conhece, completo e
absoluto.
Como tal ele transcende o reino da consciência.
E novamente diz:
Ele compreende tudo, a si mesmo e os outros.
Por esta razão Je Drikhungpa diz:
O que é conhecido como o grande selo é este
estado desperto mais interior.
Todas as formas de estado desperto mostradas
aqui como objetos de meditação deveriam ser
entendidos à luz destas passagens. Mesmo assim,
a percepção interior que os místicos experienciam
não pode ser construída para ser o estado
desperto discernidor e a lucidez intrínseca da
mente. O Samdhinirmochana explica:
O estado desperto discernidor está no estado
desperto não-dual.
O Guhyachintya Tantra afirma:
Abandonando o eternalismo e o nihilismo,
O surgimento e a cessação, e outras visões
extremas,
A mente atinge o estado desperto transcendente
Que desde o início tem sido desapegado de
quaisquer distorções dualistas.
O significado disto está realmente além de uma
dimensão conceitual.
Assim o significado de estar desperto [ou de ter
insight em] cada aspecto da realidade é afirmado
como sendo não-dual e além de uma dimensão
conceitual. O significado da lucidez intrínseca da
mente foi explicado anteriormente.
As características da mente
A pureza intrínseca da mente foi nublada por uma
mácula transitória. A confusão resultante distorceu
a consciência de seu estado natural. Através de sua
interação com a discriminação fundamental
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
25
emergiram os seres sencientes das seis esferas
existenciais,
com
sua
[capacidade
de
experienciar] prazer e miséria transientes.
Quando as máculas são eliminadas, a natureza
intrínseca da mente é realizada e o processo
interativo da auto-realização é completado,
atinge-se a iluminação da realidade absoluta, para
que suas manifestações supremamente ilusórias
apareçam para o benefício dos seres sencientes.
O Drishtisamkshepta comenta:
Assim, a natureza da iluminação permanece
escondida em todos os seres sencientes
Que estão dominados pela mácula transitória.
Alas, os seis níveis de seres sencientes são
Emanações das mentes deludidas.
Através do reino infinito do espaço
Eles vagam na miséria e delusão inimagináveis.
E novamente este texto aponta:
Todos os seres sencientes são buddhas,
Eles apenas estão dominados pela mácula
transitória.
Eles se tornam buddhas no momento em que
eliminam sua mácula.
Lo! Das mentes imaculadas emergem
Emanações em formas sublimes.
Aparecendo como os reinos puros
E como as assembléias iluminadas em suas
diversas formas,
Estas emanações maravilhosas
Permeiam o infinito espaço cósmico!
Nagarjuna expõe:
Saraha diz:
A mente sozinha é a semente de todas as
realidades
Da qual se desdobram o samsara e o nirvana.
O Samputa explica:
A mente maculada pela paixão e pelos outros
impulsos descontrolados
É na verdade a mente da existência cíclica.
Descobrir a lucidez intrínseca da mente é na
verdade a liberação.
Não-maculada pela luxúria e impurezas
emocionais,
Não-nublada por quaisquer percepções dualistas,
Esta mente superior é na verdade o nirvana
supremo!
Se a mente em seu estado natural é pura desde o
início, ela não pode eventualmente ser maculada
por qualquer impureza transitória. Se isto fosse
possível, a mente, após ser purificada da
impureza, poderia novamente ser maculada. A
impureza da mente tem sido designada como
transitória já que pode ser eliminada. Não é algo
que subitamente emergiu do nada. De fato, a
impureza da mente tem coexistido com a mente
desde um tempo sem início. O Uttaratantra
explica-a através de uma analogia:
A pureza intrínseca [bodhi] é como o pólen no
lótus comum,
Como grãos no debulho e ouro na sujeira,
Como um tesouro sob o solo e sementes nas
vagens,
Como uma imagem do Buddha enrolada em
trapos,
Como um príncipe no ventre de uma mulher
comum,
Como um monte de ouro abaixo da terra.
Quanto mais a mente permanece nublada por uma
mácula transitória, mesmo que o seu estado
intrínseco seja puro, as qualidades da iluminação
não se cristalizarão. Elas, entretanto, emergirão
espontaneamente com a eliminação da mácula da
mente. O Hevajra Tantra afirma isto:
Apesar de a preciosa vaidurya ser sempre
translúcida,
Se deixada não cortada, ela não brilha.
Assim é a realidade que tudo abarca
[dharmadhatu];
Apesar de intrinsecamente imaculada, ela é
nublada pela mácula.
Assim permanece latente no samsara
Mas se cristaliza ao se atingir o nirvana.
As características [da mente] são assim descritas
como essas que se manifestam nas diversas
formas do samsara e do nirvana.
Os místicos do tempo presente experienciam até
mesmo as manifestações da mente como sendo
uma diversidade indeterminável e não-obstruída.
Devido à força de suas diversas tendências nãonascidas, eles percebem as manifestações
interiores como realidades externas. Elas aparecem
exatamente como designadas ou moduladas pela
interação do karma e das tendências não-nascidas
dos meditadores. Mesmo que a natureza intrínseca
[da mente] não mude, sua manifestação toma
muitas formas diversas, como um tecido de lã que
é transformado pelo uso de tinturas. O Lankavatara
Sutra elucida:
A mente em sua natureza permanece pura e
lúcida. Ainda assim ela se manifesta exatamente
como o intelecto quer que seja, assim como um
tecido de lã branca é transformado pelo uso de
tinturas.
A fim de determinar o estado real da mente e
como ele se manifesta em diversas formas,
normalmente se estudaria os textos explicativos
sobre as oito formas de consciência, incluindo a
consciência-fonte e as categorias mentais.
Entretanto, dei aqui apenas as informações
relevantes.
(Namgyal, Takpo Tashi. Mahamudra: the quintessence of mind and meditation.
Traduzido e anotado por Lobsang P. Lhalungpa, prefácio de Chögyam Trungpa. Delhi: Motilal
Banarsidass, 1993. Pág. 213-220.)
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
26
A PRÁTICA PRINCIPAL
A apresentação à natureza da mente.
Longchenpa
Do livro: “La liberté naturelle de l’esprit”
[Págs.288-293]
Apresentado e traduzido do Tibetano por Philippe Cornu
Tradução p/português: Karma Tenpa Dhargye
Todos os fenômenos do mundo aparente, do
samsara e do nirvana são o prodígio mágico de
rigpa, semelhantes à um sonho da noite passada.
O estado natural de rigpa, a essência vazia, é
o Corpo absoluto; sua natureza é o Corpo de
felicidade e seu modo de emergência, que aparece
sob variadas formas ao sabor das circunstancias,
é o Corpo de manifestação.
Então, esta emergência mesma, enquanto que
processo comum da consciência no presente, é a
intenção dos Budhas, a imensidão espacial livre
de todos os limites.
O mestre diz então:
A sabedoria de rigpa, vazia e luminosa, tem
por modo de emergência manifestações de
todas
as
espécies
ao
sabor
das
circunstâncias;
Seu modo de ser não sendo de nenhum modo
real,
surge de si-mesmo e se libera em sua
natureza,
Como a água e as vagas do oceano.
Os pensamentos discursivos são desde
sempre o brilho luminoso do Corpo absoluto.
Não há nada a meditar fora do espaço
absoluto.
Alguns querem rejeitar os pensamentos para
meditar sem discursividade,
Mas liberar as aparências como inimigas é
cair na ilusão!
O que quer que surja, fiquemos sem apego ou
rejeição;
A extensão da existência fenomenal é o
terreno do veículo de Samantabhadra,
Além de toda consideração de meditação e de
não-meditação.
Um tal caminho supremo é particularmente
eminente!
Permanecer equilibrado na consciência do
presente, considerando fixamente o frescor de
tudo que surge, sem fabricar artifícios corretores
e corruptores.
Deixemo-nos ir completamente satisfeitos na
distensão, nos relaxando; reconhecendo o que
surge, permaneçamos frescamente na claridade.
Nos abandonando no curso natural sem nos
agarrar, deixemo-nos ir espontaneamente sem
apegos.
Reconhecendo
todos
os
pensamentos
discursivos nascentes, a visão os libera nessa
condição. A meditação consiste, neste estado, em
permanecer lucidamente na felicidade, na
claridade e na ausência de discursividade. Nesse
momento, o que emerge sem que haja aí apego ao
exterior nem ao interior é ação.
Quanto à liberação conforme o modo
espontâneo e sem objetivos, é o fruto.
Na realidade absoluta incriada
Emerge rigpa do grande curso natural;
A liberdade natural é um estado de claridade
sem apego,
A base liberadora de Samantabhadra.
Na natureza da mente, livre desde sempre,
É inútil “liberar” desde o começo;
Deixemos pois ir no frescor espontâneo da
consciência comum...
Rigpa,
vazio
e
luminoso,
que
libera
espontaneamente,
É a grande felicidade do Corpo Triplo
[Trikaya], o campo puro dos Budhas;
A Base de todas as coisas é o estado do Corpo
absoluto
Onde os antídotos corretores não são nem
bons nem maus,
No espelho da mente (onde se refletem)
felicidade e sofrimento,
O yogui praticará no dinamismo de rigpa.
Tal é o cume de todos os veículos,
A Via suprema da essência Adamantina,
Diz o mestre, para precisar.
Extirpando desse modo toda discursividade no
momento
mesmo
de
seu
surgimento,
permanecemos na unidade. Então, a essência de
rigpa, a Sabedoria sem elaborações, vazia e
luminosa, surge das profundezas e nos libera
espontaneamente da mente do desejo.
Para
os
pensamentos
discursivos
que
continuam, ela nos libera da consciência e da nãoforma; limpidez e emergência-liberação estão
espontaneamente presentes no grande yoga do
fluxo ininterrupto.
Como preservar (este estado) após as sessões
de prática.
Bem cedo pela manhã, uniremos a quietude e
a visão profunda em um estado límpido como o
céu, a Sabedoria sem discursividade nenhuma.
Assumiremos os pontos chaves do corpo, e, sem
mover os olhos, praticaremos.
Pois assim se elevarão os recolhimentos de
felicidade, de claridade e de não-discursividade,
realizaremos o olho divino e os conhecimentos
supra-normais (siddhis) [parapsicológicos].
De manhã, sem diferençar as projeções do
estado de repouso, exerceremos o dinamismo de
rigpa à auto-liberação instantânea, e nossa
realização da visão profunda auto-liberadora irá
aumentando.
Ao meio-dia, treinamos sem opiniões a
percepção pura de todos os fenômenos e a
devoção, meditamos incansavelmente sobre o
mestre, com um respeito e uma devoção
extraordinários.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Em um estado de irrealidade, obteremos
então prontamente as realizações supremas e
comuns.
À tarde pensaremos nos males do samsara,
os benefícios da liberação, nos convenceremos
dos resultados do carma, da dificuldade de obter
uma vida preciosa e plena de dons, da
impermanência da vida, e aprenderemos assim a
abreviar os projetos de nossa mente.
Nossa mente não abraçará mais as aparências
desta vida e, para a vida seguinte, acumularemos
quantidade de méritos nos aplicando com
disciplina em realizar o Dharma.
À noite, chegaremos a igualdade na
felicidade, a claridade e a ausência total de
discursividade, no estado onde, havendo cortado
as percepções na mente, a variedade será
semelhante aos sonhos. Os obstáculos se
acalmam imediatamente e realizamos então a
essência que destrói a ilusão ligada à realidade
substancial.
À meia-noite, no momento de adormecer no
estado não-nascido da natureza de nossa mente,
praticaremos no sono sem emitir nem reabsorver
pensamentos discursivos, nossos sonhos surgirão
como a grande felicidade luminosa. Realizaremos
então a mente de Sabedoria onde dia e noite são
indissociáveis.
Quando permanecermos assim com diligência
noite e dia, (pode ser que) estagnemos, que nos
extraviemos ou nos dispersemos.
Ainda que tenhamos meditado muito,
estagnamos se nenhum progresso surge. Quando
a emergência-liberação estagna, o poder da visão
profunda é fraco e ficamos como uma flâmula
que flutua ao vento, incapaz de voltar a
imobilidade nem por um instante.
Treinemo-nos pois na auto-liberação das
projeções, e a Sabedoria da visão profunda
emergirá subitamente em nossa mente.
Quando estagnam a quietude e a visão
profunda, (límpidas e sem discursividade
nenhuma), nosso desenvolvimento fica fraco.
Então, quando o céu está sem nuvens,
voltaremos o rosto para ele e fixaremos
intensamente nosso olhar no céu. A mente
permanecerá sem projetar pensamentos, a
Sabedoria sem elaborações, vazia e luminosa,
emergirá das profundezas.
De outro modo, quando estagnar a quietude,
meditemos por meio da visão profunda para
destruir (este estado).
Se nossa visão profunda não avança,
permaneçamos na quietude sem nenhum
pensamento
discursivo.
É
extremamente
profundo!
27
Se nos apegarmos aos altos e baixos da
experiência, meditemos a fim de eliminar todo o
apego.
Se não tivermos nem amor nem compaixão,
contemplemos os seres dos seis reinos como
nossos pais e nossas mães.
Se nosso rigpa não tiver nenhum poder sobre
as circunstâncias, meditemos afim de integrar as
aparências circunstanciais. Esses meios estão entre
os mais profundos.
Agora, a dispersão: se a liberação sobre o
surgimento[emergência]
se
dispersa
em
discursividade, não estabilizaremos nossa mente
para o interior. Meditemos então sobre a quietude.
Se nossa claridade se dispersa no apego ao
prazer, nossa realização não se desenvolverá.
Treinemo-nos pois sem apego na emergêncialiberação
das
projeções
dos
pensamentos
discursivos variados.
Por outro lado, quando nasce uma experiência
de vazio, tudo nos parece vazio e o demônio que
aniquila as distinções entra em nós. Esforcemo-nos
então de meditar firmemente sobre a compaixão.
Se quando nasce uma experiência de
compaixão, nos apegarmos aos caracteres próprios
aos seis reinos samsáricos, o demônio da visão
falsa onde a vacuidade parece fora de propósito
faz sua entrada. É então muito importante que
reconheçamos que todas coisas são sem
nascimento.
Em resumo, qualquer que seja nossa
meditação, nascerão experiências. Se surgir (o
demônio) que aniquila o interesse pelos outros,
mantenhamos os métodos que se opõem a esse
obstáculo.
Isso é extremamente profundo.
Se formos diligentes desse modo dia e noite,
dia após dia aparecerão novas e numerosas
qualidades eminentes. Mesclando intimamente
vacuidade e compaixão, não nos restará mesmo
uma ponta de cabelo de apego à realidade dos
fenômenos quaisquer que eles sejam, e
liberaremos o sujeito e o objeto samsáricos além
do sofrimento (nirvana).
Nesta vida mesma, atingiremos o nível de
realização da Grande Perfeição da realidade
absoluta.

A INTRODUÇÃO DIRETA
SEGUNDO O SEMDE (Sems Sde)
Do livro: AS ESFERAS DO CORAÇÃO – Kun Tu Bzang Po’i Snying Tig de
Shardza Tashi Gyaltsen – Ensinamento Dzogchen da Tradição Bön.
Traduzido e comentado por Lopön Tenzin Namdak
Traduzido para o português por Tenpa Dhargye=Flávio
A base dos desvios é o mesmo que errar na
via da confusão. Tendo em primeiro lugar
meditado, e se, mesmo um pouco de qualidades
apareçam, nos incharmos de orgulho e de
vaidade, e se nos apegarmos a essas qualidades
sonhadoramente, devemos meditar firmemente
sobre a impermanência.
A natureza fundamental do estado natural
(bodhichita) é a base de todos os reflexos. Ela é
semelhante ao oceano; todas as espécies de
reflexos podem aí aparecer. Assim o oceano
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
reflete, de maneira igual, todas as imagens – o
sol, a lua e as estrelas. Deveríamos compreender
isso.
Do ponto de vista da bodhichita (quer dizer
O ESTADO NATURAL), não podemos explicar a
diferença entre a Base, a Energia ou os Reflexos.
Porque a natureza do estado natural é vacuidade
e, na vacuidade, não pode haver distinção entre
eles. Por exemplo, no oceano, a claridade da água
(energia) e seus reflexos não são diferentes da
água – eles aparecem, mas eles não existem fora
da água.
Se olharmos do ponto de vista dos reflexos
(quer dizer das aparências individuais), não há
mais
contradição. Com essa
perspectiva,
podemos ver que o oceano, sua claridade e seus
reflexos são distintos uns dos outros. Entretanto,
no estado natural, nenhum reflexo tem base real.
Eles não possuem uma existência inerente.
Segundo o Lugyudang Drawai Dampa (lus
rgyud dang ‘dra ba’i gdams pa): “Sobre esse
assunto, não falamos nem de vacuidade nem de
visão. Nem a vacuidade nem a visão têm base”.
Assim o sistema do Semde serve somente
para guiar os discípulos de capacidade inferior ao
dzogchen, também o chamamos de Grande Selo
(Mahamudra).
O texto do Chagtri (phyag khrid) por
Trugel Yungdrung (Brurgyal gyng drung) e seus
discípulos o aceitaram como o ensinamento mais
elevado, mas esse não é o caso. Ele não pode ser
comparado ao ensinamento mais elevado, como a
terra não pode ser como o céu.
A INTRODUÇÃO DIRETA SEGUNDO O
MENGAGDE
Em duas subdivisões:
Para os melhores praticantes, há uma
segunda introdução direta; eles podem ser
liberados justamente após haverem recebido
diretamente esta introdução.
Esta
introdução
comporta
duas
subdivisões: a primeira é a introdução direta, e a
segunda concerne à decisão de entrar na grande
não-ação.
A INTRODUÇÃO DIRETA.
No que concerne à introdução direta, há
três maneiras de ensinar. A primeira consiste em
comentar os pontos importantes, a segunda em
ligar e a terceira em adquirir determinação.
O primeiro método: o comentário dos
pontos importantes
Aqui, dois métodos estão presentes:
mostrar
diretamente
a
consciência
clara
fundamental e mostrar a visão, a prática, a ação e
o fruto.
28
1. Mostrar diretamente a consciência clara-raiz.
Há três descrições da consciência clara (rig
pa). A primeira é a consciência clara da mente
toda penetrante; a segunda é a consciência clara
da mente pensante e a terceira, a consciência clara
primordial. A primeira corresponde à consciência
clara do Budha que abraça todos os seres. A
segunda é a de algumas escolas de meditação
como no Vipassana (visão penetrante) onde a
consciência clara é praticada na meditação. Nesse
caso, se não praticarmos, não veremos a
consciência clara; às vezes ela é clara, e às vezes
ela não é.
A terceira corresponde a esta visão: é a
verdadeira consciência clara do dzogchenpo. Ela
está sempre aí, quer pratiquemos a meditação ou
não, quer a realizemos ou não. Quer a conheçamos
ou não, não tem importância. O que segue nos
expõe diretamente esta consciência clara.
2. A visão, a Prática, a Ação e o Fruto.
No início, sentemo-nos na postura dos sete
pontos. Depois, o mestre interpela o estudante e
diz: “Oh! Nobre filho, há um observador ou uma
coisa que seja observada? Aonde esta coisa vai? E
aonde ela não vai?” Não podemos encontrar o
objeto à observar ou o observador. Nesse
momento, tudo se torna como o céu. Não
mudamos nada, não fazemos nada. Esta natureza é
inexprimível. Nesse instante, não há mais nomes
ou conceitos de claridade, de vacuidade ou de
unificação.
“Não podemos mostrar isso por um
exemplo: não a podemos verificar ou reconhecê-la
pelos pensamentos”. Somos incapazes de fazê-la
desaparecer, e, entretanto ela jamais vai embora.
Ela não tem raiz – é vazia. Quando estivermos
neste
estado
a
claridade
está
presente
continuamente, pura e sem entraves. A claridade
se manifesta por si mesma, ela não tem antídotos.
Ela estará sempre na felicidade. Sempre nua, ela
não pode ser iludida. Não podemos descrever o
que vemos, ainda que seja sempre brilhante. Sua
natureza é incessante. É a natureza inexprimível e
a sabedoria incessante. Não há motivo para que as
visões estejam presentes; sem pensamentos, a
claridade está aí.
“Sem distinguir o sujeito do objeto, a
sabedoria está presente. Quer dizer a sabedoria
sem objeto nem sujeito, sem substância. É o
caminho do grande segredo da Grande Perfeição –
o sangue do coração das Dakinis – é o don de
Drenpa Namkha (drag pa nam mkha’). E é também
o ensinamento essencial de Rigpa Rangshar (rigpa
rang shar)”.
“Compreenderam? Realizaram? Maravilhoso!”

INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
A FONTE SUPREMA
O Tantra Fundamental para o Dzogchen Semde Comentários por Chogyal Namkhai Norbu & Adriano
Clemente
[Extraído de SNOW LION, P.O. Box 6483 Ithaca, NY
14851 USA, vol 14, número 4, fall 1999, pag 1, 2 e 3.
Tradução por André Collasiol - revisão pelo Lama
Padma Samten - CEBB Caminho do Meio - março 2000]
A meta do Dzogchen é o redespertar do
indivíduo para o estado primordial de iluminação
que é encontrado naturalmente em todos os
seres. O mestre introduz o estudante a sua
natureza real, a qual já é perfeita e iluminada,
porém, somente pelo reconhecimento desta
natureza e estabilidade neste estado de
reconhecimento durante todas as atividades
diárias é que o estudante torna-se um autêntico
praticante do Dzogchen do caminho direto de
auto-liberação. O praticante do Dzogchen está
consciente da claridade absoluta e pureza da sua
própria mente e, sem tentar modificar o que por
si mesmo já é perfeito, sem lutar para obter de
qualquer outro lugar o estado de realização,
permanece sempre na natureza real da existência,
a suprema fonte de todos os fenômenos. “Os que
tentam meditar e realizar esta condição por meio
do esforço são tais como um cego que tenta
moldar o céu”.
Neste livro, o ensinamento do Dzogchen é
apresentado por meio de um dos seus textos
mais antigos, o tantra Kundjed Gyalpo, “O Rei
que Tudo Cria” - uma personificação do estado
primordial de iluminação.
Este tantra é a
escritura fundamental da Semde - a tradição
Dzogchen da “Natureza da Mente” - e é a fonte
mais autorizada para se entender a visão do
Dzogchen. O comentário oral por Chogyal
Namkhai Norbu facilita intuir as profundezas
deste texto desde um ponto de vista prático.
Adriano Clemente traduziu a seleção de
passagens principais do tantra original. A Fonte
Suprema será de grande interesse para todos os
estudantes de budismo tibetano.
O que segue é um extrato deste livro.
O Atiyoga do Dzogchen
Com o Atiyoga alcançamos a culminância
dos caminhos da realização: o Dzogchen - “a
Perfeição Total” - cujo caminho característico,
baseado no conhecimento da auto-liberação, não
demanda qualquer outra transformação. De fato,
quando entendemos o princípio da autoliberação, reconhecemos que nem mesmo o
método transformador do tantra é o caminho
final. O ponto fundamental da prática do
Dzogchen, chamado de tregchöd, o “relaxamento
das tensões”, é repousar no estado da
contemplação, enquanto que o caminho de
permanecer neste estado é chamado chogshag,
“deixando como está”.
Fazer uma visualização, uma prática de
transformação da visão impura em um mandala e
etc. significa “construir” alguma coisa, trabalhar
com a mente, enquanto que no estado da
29
contemplação, o corpo, fala e mente estão
totalmente relaxados, e é necessário que seja
assim. Um termo usado muito freqüentemente no
Dzogchen é machöpa, “não corrigido”, “não
alterado”, enquanto que transformação significa
corrigir, considerando que, por um lado, há visão
impura e, pelo outro, visão pura. Então, tudo o que
se necessita para se entrar no estado de
contemplação é relaxar, não havendo necessidade
de qualquer prática de transformação. Algumas
pessoas crêem que o Dzogchen é apenas a fase
final do processo tântrico, semelhante ao
Mahamudra da tradição moderna, mas isso se dá
porque o ponto de chegada do caminho do
anuyoga, também é chamado de Dzogchen. Na
verdade, o atiyoga do Dzogchen é um caminho
completo em si mesmo e que, como mencionado
acima, é independente do caminho dos métodos
de transformação.
Quando seguimos o ensinamento do
Dzogchen, se tivermos capacidade suficiente,
poderemos iniciar diretamente pela prática de
contemplação. A única coisa que é indispensável é
a prática de guru yoga, a “unificação com o estado
do mestre”, pois é do professor que recebemos a
introdução direta ao conhecimento.
Os tantras originais sobre Atiyoga, como o
Kundjed Gyalpo, afirmam freqüentemente que a
qualidade característica do Dzogchen é a falta dos
dez requisitos para a prática do tantra: iniciação,
mantra, mandala, visualização e etc. Por que estes
não estão presentes no Dzogchen? Porque são
maneiras de corrigir ou alterar a natureza própria
do indivíduo, mas na realidade nada há para ser
mudado ou melhorado, tudo o que é necessário é a
descoberta da condição real e permanecer
repousado neste estado. Assim, é importante que
se compreenda que a palavra Dzogchen refere-se
ao estado (original) do indivíduo, e que o propósito
do ensinamento do Dzogchen é capacitar à pessoa
a entender esta condição.
Em geral, o ensinamento do Dzogchen é
explicado por meio de três aspectos fundamentais:
a Base, o Caminho e o Fruto. A Base é o estado
primordial do indivíduo e será explicado
posteriormente por meio do princípio das ‘três
sabedorias’, isto é, as três condições naturais:
essência, natureza e energia. Um dos exemplos
mais claros que auxiliam a compreensão deste
ponto é o espelho. De fato, a condição relativa e a
absoluta podem ambas ser representadas por um
espelho, a primeira pelas imagens refletidas e a
última, pela capacidade intrínseca do espelho de
refletir. O mesmo acontece com o estado do
indivíduo. O que é o indivíduo? É aquele que
possui o estado primordial de consciência,
comparável à natureza do espelho que é pura,
clara e límpida. Isto corresponde às três condições
chamadas “essência, natureza e limpidez”. Tal
como um reflexo emerge do espelho e, de certo
modo, é uma qualidade do espelho, todos os
pensamentos e todas as manifestações de nossa
energia, quer seja bonita ou feia, são apenas a
nossa própria reflexão, uma qualidade de nosso
estado primordial. Se estivermos conscientes e se
realmente estivermos neste estado, tudo se torna
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
uma qualidade de nós e não haverá mais
qualquer separação entre sujeito e objeto ou
qualquer consideração sobre relativo ou absoluto.
Dissemos que, como indivíduos, somos
compostos por nosso próprio estado primordial
como essência, natureza e energia. Contudo, não
devemos pensar nestes três aspectos como se
fossem três objetos separados: a condição
original é somente uma, e o fato de ser explicada
por meio de três conceitos distintos é apenas
para auxiliar a sua compreensão. Na verdade, não
podemos definir ou distinguir “isto é pureza,
aquilo é claridade e esse outro é limpidez”.
O que é a essência? A fim de descobrir o
que é o estado primordial é necessário refletir, o
que neste caso envolve o corpo, fala e mente,
mais particularmente esta última. De fato, é da
mente que os pensamentos surgem. Se um
pensamento surge enquanto estamos observando
a mente, poderíamos procurar de onde o
pensamento se originou, onde ele se mantém,
onde ele desaparece. Contudo, no momento em
que reconhecemos o pensamento, ele desaparece
e não encontramos nada sequer: não há origem,
não local onde se mantenha, nem lugar onde ele
desaparece. Encontramos que não há nada, de
onde se diz que a essência é vacuidade.
O conceito de vacuidade, sunyata, é muito
divulgado
no
Budismo
Mahayana,
particularmente na tradição Prajñaparamita.
Contudo o ponto fundamental a ser entendido é
que a vacuidade é a essência real dos fenômenos
materiais e não uma entidade abstrata e
separada. De fato, o mesmo exercício no qual se
procura a origem do pensamento pode ser
aplicado a qualquer objeto perceptível aos
sentidos. Se enxergarmos um objeto bonito e
analisarmos de onde vem essa “beleza” e onde ela
desaparece, não achamos nada que seja concreto:
tudo está no mesmo nível, tanto o objeto quanto
o sujeito são, em essência, vacuidade. Assim
também é a condição última da individualidade.
O que é claridade? Se a essência é
vacuidade isto não quer dizer que não exista
nada. Quando observamos um pensamento e ele
desaparece, imediatamente a seguir surge outro
pensamento, que poderia ser “estou procurando a
natureza do pensar e não estou achando nada!”.
Isto também é um pensamento, não é? É um
pensamento que pensa sobre a origem do pensar.
Desta forma, muitos pensamentos surgem
continuamente. Mesmo que possamos estar
convencidos de que sua essência é vacuidade,
eles ainda se manifestam continuamente. O
mesmo se aplica aos nossos sentidos: todos os
objetos que percebemos são o surgimento
incessante de nossa visão kármica. Esta, então, é
a natureza da claridade.
O que é a energia, ou a potencialidade da
energia? É a função ativa e ininterrupta da
natureza de nosso estado primordial. Em geral, se
fala da “função de sabedoria” em relação à visão
pura de um ser iluminado e da “função da mente”
30
em relação à visão impura de samsara. Por
exemplo, pensamos em algo e então seguimos
este pensamento e entramos em ação. Ou ainda,
enquanto estamos praticando, transformamo-nos
em uma deidade com o mandala daquela deidade
e dimensão pura. Tudo isto evidencia a visão pura
de energia nos aspectos de sua continuidade e sua
capacidade de produzir algo. Através de nossa
energia surgem todas as manifestações em termos
de sujeito e objeto, as quais podem ser puras ou
impuras, bonitas ou feias, etc. Se colocarmos um
cristal na luz solar, vemos imediatamente que ele
irradia muitos raios luminosos. Neste caso, o
cristal representa o estado do indivíduo e as cores
que se manifestam externamente representam
tudo o que vemos e percebemos pelos sentidos.
Este “modo de manifestação” da energia, no qual a
reflexão se manifesta externamente, é chamado
tsal em tibetano. A visão impura ligada ao karma e
à dimensão material e a visão pura no nível de
sujeito e objeto são ambas manifestações de
energia tsal.
Há também um modo no qual a energia se
manifesta “internamente”, no sujeito em si, da
mesma forma que imagens se refletem num
espelho: isto é chamado de rolpa. Por exemplo,
quando fazemos uma prática tântrica e
transformamos a nós mesmos na dimensão da
deidade com seu mandala, estamos trabalhando
com este tipo de energia, pois tudo está ocorrendo
dentro de nós. Obviamente, no primeiro estágio da
prática de transformação, é muito importante
utilizar a mente, a concentração, etc., a fim de
alcançar esta função concretamente. Mas em um
certo ponto, a dimensão pura do mandala pode se
manifestar mesmo sem qualquer esforço da nossa
parte, e isto ocorre por meio da energia de rolpa.
A terceira maneira pela qual a energia se
manifesta é chamada de dang, e representa
somente a condição básica da energia, sua
potencialidade para assumir qualquer forma
conforme as circunstâncias. O exemplo tradicional
é o de um cristal colocado em um tecido: o cristal
assumirá a cor do tecido mesmo sendo por si
mesmo transparente e sem cor.
Essência, natureza e energia são chamadas
de “as três sabedorias” porque elas representam o
estado de iluminação em sua inteireza. O indivíduo
possui estes três aspectos desde o próprio
princípio e continua a tê-los mesmo após a
realização da iluminação completa. Poderia se
pensar “qual é, então, o objetivo de se fazer
prática, se já temos as mesmas qualidades que um
Buda tem?” “Basta apenas ficarmos quietos sem
fazer nada!” É claro que podemos ficar quietos sem
fazer nada pelo tempo que for possível se não
tivermos perturbações, pelo tempo que for
possível se estivermos realmente neste estado.
Mas, se for de outra maneira, significa que somos
escravos do dualismo, condicionados pelo objeto.
Neste caso, não é suficiente pensar que temos a
essência, natureza e energia: condicionados pela
visão dualista que é exatamente o obstáculo que
necessitamos superar para permitir que o sol do
estado primordial brilhe novamente.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Este é o motivo pelo qual o caminho é
necessário, o qual, por sua vez, engloba os três
aspectos da visão, meditação e conduta. No
Dzogchen a “visão”, ou perspectiva, não se refere
a algo externo, significando simplesmente a
observação de si mesmo para se descobrir a
própria
condição
verdadeira.
Basicamente,
significa discernir o condicionamento dualista
atuando no corpo, na fala e na mente a fim de
superá-lo pela prática. O ensinamento do
Dzogchen de forma alguma sugere que se deva
construir uma nova gaiola no lugar desta na qual
já nos encontramos; pelo contrário, serve como a
chave que abre a porta desta gaiola. De fato, não
basta descobrirmos que estamos presos na prisão
do dualismo: necessitamos sair dela, este é o
propósito de “meditar”.
Com
relação
ao
segundo
aspecto,
meditação, mesmo desde o princípio é necessário
fazer uso dos métodos de concentração,
respiração, etc., para acalmar a mente e dar o
sustento a uma condição de estabilidade, o real
propósito da meditação é a continuidade do
estado desperto, isto é, a presença do estado
primordial.
Aqui
deveríamos
falar
sobre
contemplação, o ponto essencial do qual é a
presença instantânea pura, ou rigpa. O praticante
do Dzogchen procura compreender este estado
de presença por meio de diversas experiências de
vacuidade, clareza, sensações prazerosas, e assim
por diante. De fato, a meta dos métodos dos
sutras e tantras é tão somente também incitar
experiências. O caminho verdadeiro do praticante
do Dzogchen, contudo, é a contemplação. De
fato, apenas quando estivermos contemplando é
que todas as tensões de corpo, fala e mente são
finalmente
liberadas
sem
esforço:
até
descobrirmos e mantermos estabilidade neste
estado, nossa experiência de relaxamento será
incompleta. Contemplação, como sugerimos
anteriormente, pode estar ligada a uma
experiência de vacuidade, de clareza ou de gozo,
mas seu estado é somente um: a presença
instantânea de rigpa. Há vários métodos para
reconhecer, estabilizar e integrar este estado a
todas as circunstâncias da vida cotidiana em
correlação às séries fundamentais do Dzogchen:
Semde, Longde e Mennagde.
“Conduta”, o último dos três aspectos do
caminho, diz respeito à atitude que os praticantes
devem ter com relação ao momento no qual eles
“saem” de uma sessão contemplativa e assumem
as suas demais atividades. O propósito disto é
alcançar a integração total da contemplação com
a
vida
cotidiana,
superando
qualquer
diferenciação que possa haver entre meditação e
não-meditação.
Retomemos agora o terceiro e último
aspecto do ensinamento do Dzogchen, o fruto ou
o “resultado” da prática: a realização. Já dissemos
que o estado primordial contém de forma
potencial a manifestação da iluminação. O sol,
por exemplo, possui naturalmente luz e raios,
porém, quando o céu está nublado, ninguém
31
pode vê-los. As nuvens, neste caso, representam
nossos obstáculos que são um resultado do
dualismo e condicionamento: quando forem
superados, o estado da auto-perfeição brilha com
todas as suas manifestações de energia, sem que
nada tenha sido alterado ou melhorado. Este é o
princípio
característico do Dzogchen. Não
compreender este ponto pode levar à idéia de que
o Dzogchen é o mesmo que o Zen e o Ch’an. Em
seu âmago, o Zen, que sem dúvida alguma é um
ensinamento budista elevado e direto, é baseado
no princípio da vacuidade tal como esta é
explicada em sutras como o Prajñaparamita.
Mesmo deste ponto de vista, em conteúdo, não há
diferença com o Dzogchen, a particularidade do
Dzogchen reside na introdução direta ao estado
primordial não como “vacuidade pura” mas sim
como este estando dotado com todos os aspectos
da auto-perfeição de energia. É por meio da
aplicação destes que se atinge a realização.
Com respeito ao fruto, há os três kayas,
“corpos”
ou
“dimensões”:
Dharmakaya,
Samboghakaya e Nirmanakaya. De forma
alguma os kayas são níveis de realização: não há
como
haver
um
Dharmakaya
sem
um
Nirmanakaya, e vice-versa. Para entender o seu
significado, devemos retornar aos conceitos de
essência, natureza e energia. Kaya significa
“corpo”, e, por isso, a dimensão completa, tanto a
material quanto a imaterial, na qual nós próprios
nos achamos.
Assim, o Dharmakaya é a
dimensão total da existência, sem qualquer
exclusão. Por isso, corresponde à essência, a
condição inefável e imensurável além dos
conceitos e limites do dualismo.
Sambogha quer dizer “bem-aventurança”,
“desfrute”, portanto, Samboghakaya quer dizer “a
dimensão da bem-aventurança”. Neste caso, bemaventurança não se refere a algo material, mas
sim, às qualidades perfeitas-por-si-mesmas que se
manifestam
através
das
substâncias
dos
elementos, isto é, por meio das cores. De fato,
quando os elementos tomam o estado material,
eles passam do nível de “cor” ao nível sólido dos
elementos físicos. Em resumo, tudo o que
consideramos ser a dimensão pura da mandala e
da deidade pertence ao Samboghakaya, a fonte de
transmissão do tantra. Este corresponde ao
aspecto da “natureza” de claridade do estado
primordial.
Nirmana
significa
“manifestação”,
“emanação” e corresponde ao aspecto da energia
ininterrupta. Então, Nirmanakaya quer dizer
“dimensão da manifestação”. De fato, através da
energia, tanto a visão pura quanto a impura podem
se manifestar e ambas são acreditadas como
dimensão Nirmanakaya. A visão pura transcende a
dimensão material e constitui a essência dos
elementos, enquanto que a visão impura ao que é
chamado de “visão kármica”, produzida como a
conseqüência de determinadas ações feitas no
passado.
A palavra nirmanakaya pode também se
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
32
referir a um indivíduo realizado, tal como o
Sakyamuni Buddha, que assumiu uma forma
física para transmitir os ensinamentos. De fato,
apenas no Nirmanakaya é que os ensinamentos
podem ser ditos e transmitidos em termos de
sujeitos e objeto. O Samboghakaya é aquela
dimensão na qual as potencialidades de som, luz
e raios (sgra, ‘od e zer), as três fontes
fundamentais da manifestação, aparecem como a
visão pura da mandala, a origem dos
ensinamentos tântricos. Os livros chamados
“tantras”, que contêm as revelações destas
manifestações, constituem o testemunho de
mestres que tiveram contato direto com o
Samboghakaya e, somente depois, puseram por
escrito. No que toca ao ensinamento do
Dzogchen em particular, os seus tantras se diz
que emanaram diretamente do Dharmakaya,
simbolizado
pelo
Buda
primordial
Samantabhadra, cuja imagem é a de um Buda
azul celeste, nu e sem adornos, a pureza original
do estado do indivíduo.
No terceiro dia da oitava Lua do ano de Kuei
Chou, o segundo Ano da Era Hsien T'ien (A.D.
713), depois de alimentar-se no Monastério Kuo
En, o Patriarca Hui Neng, dirigiu-se aos seus
discípulos como segue: “Por favor, sentai-vos,
pois eu vou me despedir”.
Logo após Fa Hai falou ao Patriarca, “Mestre, vós
podeis deixar para a posteridade instruções
exatas por meio das quais as pessoas sob ilusão
possam perceber a natureza de Buddha?” - “Não é
impossível”, respondeu o Patriarca, “para estes
homens perceberem a Natureza de Buddha,
contanto que eles se harmonizem com a natureza
dos seres sensíveis comuns. Mas buscar o Estado
Búddhico sem tal conhecimento seria em vão até
mesmo se a pessoa gastasse eons de tempo na
procura”.

A NATUREZA DE BUDDHA
Hui Neng
“Agora, irei mostrar-vos como vos familiarizar
com a natureza dos seres sensíveis dentro das
vossas mentes, e assim perceber a Natureza
Buddha oculta em vós. Conhecer Buddha significa
nada mais do que conhecer os seres sensíveis;
sendo os últimos ignorantes de que são Buddhas
em potencial, um Buddha [ao contrário] não vê
nenhuma diferença entre ele mesmo e os outros
seres. Quando os seres sensíveis percebem a
Essência da Mente, eles serão Buddhas. Se um
Buddha está sob ilusão em sua Essência da
Mente, ele é então um ser comum.
Pureza na Essência da mente faz de seres
comuns, Buddhas. Impureza na Essência da Mente
reverterá mesmo um Buddha em um ser comum.
Quando vossa mente está distorcida ou
corrompida, sereis seres comuns com a Natureza
Buddha em vós. Por outro lado, quando vós
direcionais vossas mentes para a pureza e
correção por até mesmo um momento, vós sereis
um Buddha.
Dentro de nossa mente há um Buddha, e aquele
Buddha interior é o Buddha real. Se Buddha não for
buscado dentro de nossa mente, onde acharemos
o Buddha real?
Não duvideis que aquele Buddha está dentro de
sua mente, fora da qual nada pode existir.
Considerando que todas as coisas ou fenômenos
são a produção de nossa mente, o Sutra diz,
‘Quando a atividade mental começa, coisas vêm a
existir; quando a atividade mental cessa, as coisas
deixam igualmente de existir’.
Ao separar-me de vós, irei vos legar versos
intitulados ‘O Buddha Real da Essência da Mente’.
Em futuras gerações, os que entenderem seu
significado perceberão a Essência da Mente e
atingirão o Estado Búddhico. Assim são os versos”:
A Essência da Mente ou Tathata (Assim Ser) é o
Buddha real,
Enquanto as visões errôneas e os três elementos
venenosos são Mara.
Iluminado por Visões Corretas, nós estimulamos o
Buddha dentro de nós.
Quando nossa natureza é dominada pelos três
elementos venenosos
É dito que somos possuídos por Mara;
Mas quando Visões Corretas eliminam de nossa
mente estes elementos venenosos
Mara será transformado em um Buddha real.
O Dharmakaya, o Sambhogakaya e o Nirmanakaya
–
Estes três Corpos emanam do Um (a Essência da
Mente).
Aquele que pode perceber este fato intuitivamente
Semeou a semente, e recolherá os frutos do
Esclarecimento.
É do Nirmanakaya que nossa Natureza Pura
emana;
Dentro do último, o primeiro será achado.
Guiado pela Pura Natureza, o Nirmanakaya trilha
o Correto Caminho, e vai
algum dia atingir o Sambhogakaya, perfeito e
infinito.
‘Pura Natureza’ é uma conseqüência natural de
nossos instintos sensuais;
Libertando-nos da sensualidade, atingimos o Puro
Dharmakaya.
Quando nosso temperamento é tal que não somos
mais escravos dos cinco objetos da sensação,
E quando percebemos a Essência da Mente mesmo
que por apenas um momento,
então a Verdade nos é revelada.
Se formos afortunados a ponto de sermos
seguidores da Escola Súbita nesta vida,
Em um instante veremos o Bhagavat de nossa
Essência da Mente.
Aquele que busca o Buddha (externamente)
praticando certas doutrinas
Não sabe onde o Buddha real será achado.
Aquele que pode perceber a Verdade dentro da sua
própria mente
Cultivou a semente do Estado Búddhico.
Aquele que não percebeu a Essência da Mente e
busca o Buddha externamente
É um tolo motivado por desejos equivocados.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
Eu deixei portanto à posteridade o ensinamento
da Escola Súbita
Para a salvação de todos os seres sensíveis que se
preocuparem em praticá-lo.
Ouçam-me, discípulos futuros!
Seu tempo será desperdiçado se negligenciares
em pôr este ensino em prática.
Tendo recitado estes versos, ele acrescentou,
“Cuidem-se. Depois de minha passagem, não
caiam nos hábitos mundanos, chorando e
lamentando.
Nem mensagens de condolência devem ser feitas,
nem luto ser usado.
Estas coisas são contrárias ao Ensino Correto, e
aquele que as faz não é meu discípulo.
O que vós deveis fazer é conhecer vossas
próprias mentes e perceber vossa própria
Natureza Búdica que nem descansa nem se move,
não nasce nem deixa de existir, não vem nem vai,
não afirma nem nega, não fica nem parte.
Para que vossas mentes não sucumbam à ilusão e
assim não capteis o [correto] significado, eu
repito estas palavras para permitir-vos perceber
vossa Essência da Mente.
Depois de minha morte, se levais a cabo minha
instrução e a praticardes adequadamente, o fato
de meu ser estar longe de vós não fará diferença.
Por outro lado, se vós fordes contra meu ensino,
nenhum benefício seria obtido, até mesmo se eu
continuasse aqui”.
Então ele proferiu outros versos:
“Imperturbável e sereno, o homem ideal não
pratica nenhuma virtude.
Auto-centrado e imparcial, ele não comete
nenhum pecado.
Tranqüilo e silencioso, ele deixa de ver e ouvir.
Harmônica e bem organizada, sua mente não
habita em nenhuma parte.
Havendo articulado tais versos, ele se sentou
reverentemente até a terceira hora da noite.
Então, abruptamente disse aos seus discípulos,
“Parto agora”, e rapidamente faleceu. Uma
fragrância peculiar penetrou seu quarto, e um
arco-íris lunar surgiu, parecendo unir terra e céu.
As árvores na floresta empalideceram, e os
pássaros e feras choraram tristemente.
Na décima primeira Lua daquele ano a
controvérsia sobre em qual lugar o corpo do
Patriarca descansaria deu lugar a uma disputa
entre os funcionários governamentais de Kuang
Chou, Shao Chou e Hsin Chou, cada grupo
ansioso por ter os restos do Patriarca removidos
para seu próprio distrito. Os discípulos do
Patriarca, junto com outros monges e leigos,
tomaram
parte
na
controvérsia.
Estando
impossibilitados de chegar a qualquer acordo
entre eles, eles queimaram incenso e rezaram ao
Patriarca para que ele indicasse na direção do
vento da fumaça o lugar que ele escolheria. Como
a fumaça virou diretamente a Ts'ao Ch'i, o
santuário (no qual o corpo foi mantido) junto com
33
o manto herdado e a tigela, foi levado de volta
adequadamente para lá no 13º dia da 11ª Lua.
No ano seguinte, no 25º dia da sétima Lua, o
corpo foi tirado do santuário, e Fang Pien, um
discípulo do Patriarca, emplastou-o com barro
perfumado. Recordando a predição do Patriarca
que alguém cortaria sua cabeça, os discípulos,
como precaução, envolveram seu pescoço com
aros de ferro e panos envernizados antes do corpo
ser colocado no stupa. De repente, um raio de luz
branca saiu do stupa, foi diretamente para o céu, e
não se dispersou até três dias depois. O incidente
foi informado apropriadamente ao Trono pelos
funcionários do Distrito de Shao Chou.
Através de ordem imperial, foram erguidas
tábuas registrando a vida do Patriarca.
O Patriarca herdou o manto quando tinha 24
anos, teve o cabelo raspado (i.e., foi ordenado) aos
39, e morreu à idade de 76. Durante trinta e sete
anos ele pregou para o benefício de todos os seres
sensíveis. Quarenta e três dos seus discípulos
herdaram o Dharma, e através de seu
consentimento expresso se tornaram seus
sucessores;
aqueles
que
atingiram
o
esclarecimento e assim saíram do plano dos
homens comuns eram muito numerosos para
serem contados.
O manto transmitido por Bodhidharma como
insígnia do Patriarcado, o manto Mo Na e a tigela
de cristal presenteados pelo Imperador Chung
Tsung, a estátua do Patriarca feita por Fang Pien, e
outros artigos sagrados, foram postos sob
responsabilidade do guardião do stupa. Eles
seriam mantidos permanentemente no Monastério
Pao Lin para guardar o bem-estar do templo.
O Sutra falado pelo Patriarca foi publicado e
divulgado para tornar conhecido os princípios e
objetivos da Escola do Dharma.
Todos estes passos foram dados pela
prosperidade das Três Jóias (Buddha, Dharma, e
Sangha) assim como para o bem-estar geral de
todos os seres sensíveis.
EXTRATO DO Sutra da Plataforma

O ESTADO DE BUDDHA
Dilgo Khyentse Rinpoche
Como o samsara se manifesta? O que quer que
percebamos ao nosso redor com nossos cinco
sentidos, todos os tipos de sentimentos de relação
e repulsão, se formam em nossa mente. Não são
as percepções em si que nos mantém no ciclo de
existências, mas sim o modo pelo qual reagimos a
elas e o modo pelo qual as interpretamos. É nisso
que o Vajrayana nos dá meios extraordinários
para não perpetuar o samsara: ele nos mostra
como perceber os fenômenos como sendo a
exibição pura da sabedoria.
O ódio ou a raiva que possamos sentir por
alguém não são inerentes àquela pessoa. Eles
existem apenas em nossa mente. Assim que vemos
o nosso inimigo, nossos pensamentos se fixam na
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
memória do mal que ele fez para nós, em seus
ataques presentes e naqueles que poderá fazer
no futuro. Nos tornamos irritados a ponto de não
sermos mais capazes de suportar o som de seu
nome. Quanto mais liberdade nós damos a estes
pensamentos, mais a raiva irá nos invadir e, com
ela, a vontade irresistível de pegar uma pedra
para lhe jogar, ou de um bastão para lhe bater.
Deste modo, um simples instante de raiva nos
conduz ao paradoxo do ódio.
O ódio parece muito poderoso para vocês,
mas de onde ele tira o poder de dominá-los a
esse ponto? É uma força externa, com braços e
pernas, armas e guerreiros? Ou é uma força
interna, que está dentro de vocês? Se esse for o
caso, vocês podem identificá-la em seu cérebro,
em seu coração, ou em alguma parte de vocês?
Apesar de ser impossível de localizá-lo, o ódio
parece ter uma presença muito concreta que
tende a amarrar a mente, a solidificá-la, e desse
modo desatrelar todo um processo de sofrimento
para vocês e para os outros. Assim como as
nuvens que, apesar de serem insubstanciais para
suportar o menor peso, podem encobrir o céu e o
sol, do mesmo modo os pensamentos podem
obscurecer o brilho da consciência iluminada.
Reconheçam a vacuidade da mente, sua
transparência, e ela retornará por si mesma ao
seu estado natural de liberdade. Reconheça a
vacuidade do ódio e ele perderá seu poder de
fazer o mal. Ele se tornará a sabedoria que é
como o espelho.
Quando falamos da ignorância, nos referimos
ao fato de que não estamos conscientes de nossa
natureza de Buddha. Comportamos-nos como um
mendigo que possui uma jóia preciosa, mas a
joga fora porque não sabe do seu valor. É por
causa da ignorância que não acreditamos no
karma, nas conseqüências inevitáveis de nossos
atos. Congelados pela ignorância, falhamos em
reconhecer a vacuidade e persistimos em
acreditar na realidade dos fenômenos. Esta crença
é a fonte de todas as percepções ilusórias e é a
raiz das oitenta e quatro mil emoções negativas.
Porém, ao contrário das trevas de uma caverna
subterrânea, escondida da luz solar, a ignorância
não é eterna. Como qualquer fenômeno, ela pode
emergir apenas da vacuidade e não tem
existência independente. Uma vez que vocês
tenham reconhecido sua verdadeira natureza, a
vacuidade, a ignorância se transforma na
sabedoria da dimensão absoluta.
Deixados por si mesmos, os pensamentos
criam o ciclo das existências. Na ausência do
exame crítico, eles retêm sua realidade aparente,
perpetuando o samsara com uma força que
aumenta cada vez mais. Porém, nenhum deles,
seja bom ou ruim, possui a menor realidade
tangível. Todos, sem exceção, são inteiramente
vazios, como arco-íris, imateriais e intocáveis.
Nada pode alterar a natureza de Buddha, mesmo
quando os véus superficiais a escondem de nossa
visão.
Os pensamentos são o jogo da consciência.
Eles surgem nela e se dissolvem nela. Se
reconhecermos que esta consciência está na
própria origem dos pensamentos, deveremos
34
compreender
que
os
pensamentos
nunca
começaram, continuaram ou deixaram de existir.
Neste ponto, os pensamentos são incapazes de
perturbar a mente.
Enquanto
corrermos
atrás
de
nossos
pensamentos, seremos como o cachorro que corre
atrás de uma pedra; não importa quantas pedras
joguemos, ele correrá atrás delas a toda hora.
Porém, se olharmos para a consciência, que está
na origem de todos os pensamentos, cada
pensamento surgirá e se dissolverá dentro do
espaço dessa consciência, sem gerar outros
pensamentos. Deste modo, seremos como um
leão, que não corre atrás da pedra, mas sim atrás
daquele que a jogou... e só se joga uma pedra em
um leão!
Para conquistar a cidadela não-criada da
natureza da mente, devemos ir à fonte e
reconhecer a origem dos pensamentos. De outro
modo, um pensamento dará origem a um segundo,
então a um terceiro e assim por diante. Assim,
estamos
constantemente
obcecados
pelas
memórias do passado, antecipamos o futuro e
perdemos a consciência do momento presente.
Vamos preservar o estado da simplicidade. Se
experimentarmos felicidade, sucesso, abundância
e outras condições favoráveis, devemos considerálas como sonhos, ilusões, e não nos apegarmos a
elas. Se formos golpeados pela doença, calúnia,
destituição ou por outras provações físicas ou
morais, devemos evitar ficar desencorajados,
reavivar nossa compaixão e desejar que os
sofrimentos de todos os seres esgotem-se pelo
nosso
sofrimento.
Então,
em
todas
as
circunstâncias, sem cair nos estados de euforia ou
desespero, vamos permanecer livres, à vontade,
desfrutando da serenidade imperturbável.
Se a nossa mente, for livre do passado e do
futuro, e repousar em um estado de consciência
clara, sem ser atraída por objetos externos ou
preocupar-se com elaborações mentais, ela ficará
na simplicidade primordial. Neste estado, a mão de
ferro da vigilância forçada não tem a necessidade
de imobilizar os pensamentos. Diz-se que “o
estado de Buddha é a simplicidade natural da
mente”. Uma vez que tenhamos esta simplicidade,
devemos preservá-la com uma atenção livre de
esforço. Devemos assim desfrutar da liberdade
interior, dentro da qual é desnecessário bloquear
os pensamentos ou temer que eles interrompam a
meditação.
O estado de Buddha parece ser uma meta
distante, virtualmente fora de nosso alcance.
Porém, a vacuidade natural de nossa mente é o
Corpo Absoluto (Dharmakaya), sua expressão
luminosa é o Corpo do Êxtase Perfeito
(Sambhogakaya), a compaixão universal que
emana dele é o Corpo Manifesto (Nirmanakaya), e
a unidade intrínseca destes três corpos é o Corpo
Essencial. Estes quatro corpos do Buddha, ou
kayas, sempre estiveram presentes em nós; é
apenas por ignorar a sua presença que nós os
consideramos como sendo uma meta externa.
“Minha meditação está correta? Quando farei
progresso? Jamais atingirei o nível de meu mestre
espiritual”. Dividida entre a esperança e a dúvida,
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
nossa mente nunca está em paz. Conforme o
nosso humor, um dia praticamos intensamente e,
no dia seguinte, nem tanto. Somos apegados às
experiências agradáveis que emergem do estado
de calma mental e desejamos abandonar a
meditação quando falhamos em tentar reduzir o
fluxo de pensamentos. Esse não é o modo correto
de praticar.
Qualquer que seja o estado em que nossos
pensamentos estejam, devemos nos aplicar
constantemente à prática regular, dia após dia,
observando o movimento de nossos pensamentos
e voltando até a origem deles. Não devemos
esperar ser imediatamente capazes de manter,
dia e noite, o fluxo de nossa concentração.
Quando começamos a meditar sobre a natureza
da mente, é preferível fazer sessões curtas de
meditação,
várias
vezes
por
dia.
Com
perseverança, realizamos progressivamente a
natureza de nossa mente, e essa realização se
tornará
mais
firme.
Neste
estágio,
os
pensamentos terão perdido o poder de nos
perturbar e de nos subjugar.
A
vacuidade,
a
natureza
última
do
Dharmakaya, o Corpo Absoluto, não é um
simples “nada”. Ela possui, intrinsecamente, a
faculdade de conhecer os fenômenos. Esta
faculdade é o aspecto luminoso ou cognitivo do
Dharmakaya, cuja expressão é espontânea. O
Dharmakaya não é o produto de causas e
condições; é a natureza original da mente.
O reconhecimento desta natureza primordial
assemelha-se ao nascer do sol da sabedoria na
noite de ignorância: a escuridão é dissipada
instantaneamente. A claridade do Dharmakaya
não aumenta e diminui como a lua; é como a luz
imutável que brilha no centro do sol.
Quando as nuvens se amontoam, a natureza
do céu não é corrompida; e quando as nuvens se
dispersam, ela não é melhorada. O céu não se
torna menos ou mais vasto. Ele não muda. É o
mesmo com a natureza da mente: ela não é
deteriorada pela chegada dos pensamentos, nem
melhorada pelo desaparecimento deles.
A natureza da mente é a vacuidade; sua
expressão é a claridade. Estes dois aspectos são,
essencialmente, um único aspecto – simples
imagens projetadas para indicar as diversas
modalidades da mente. Seria inútil se apegar em
torno da noção de “vacuidade” e então da
“claridade”,
como
se
fossem
entidades
independentes. A natureza última da mente está
além de todos os conceitos, de toda definição e
de toda fragmentação.
“Eu poderia caminhar sobre as nuvens!”, diz
uma criança. Mas se ela alcançasse as nuvens,
não encontraria lugar algum para colocar seus
pés. Igualmente, se não examinarmos os
pensamentos, eles apresentam uma aparente
solidez; mas se os examinarmos, nada há lá. Isso
é o que se chama ser, ao mesmo tempo, vazio e
aparente.
A vacuidade da mente não é o nada, nem um
estado de entorpecimento, pois ela possui, por
sua própria natureza, uma faculdade luminosa de
conhecimento (Sambhogakaya), que é chamada
de consciência, ou consciência iluminada. Estes
35
dois aspectos, a Vacuidade e a Consciência, não
podem ser separados. Eles são essencialmente um,
como a superfície do espelho e as imagens que são
refletidas nela.
Os pensamentos se manifestam dentro da
vacuidade e são reabsorvidos nela, assim como um
rosto que aparece e desaparece em um espelho; o
rosto nunca esteve no espelho, e quando cessa o
reflexo, ele não deixa de existir realmente. O
próprio espelho nunca mudou. Assim, antes de
entrarmos no caminho espiritual, permanecemos
no assim chamado estado “impuro” do samsara,
que é, aparentemente, governado pela ignorância.
Quando nos comprometemos nesse caminho,
cruzamos por um estado onde a ignorância e a
sabedoria estão misturadas. Ao final, no momento
da Iluminação, apenas o conhecimento puro existe,
mas ao longo do caminho desta jornada espiritual,
apesar
de
aparentemente
existir
uma
transformação, a natureza da mente nunca mudou:
ela não era corrompida ao entrar no caminho e não
foi melhorada na hora da realização.
As qualidades infinitas e inexprimíveis do
conhecimento primordial – o verdadeiro nirvana –
são inerentes à nossa mente. Não é necessário
criá-las, fabricar algo novo. A realização espiritual
serve apenas para revelá-las através da purificação,
que é o próprio caminho. Finalmente, se
considerarmos do ponto de vista último, estas
qualidades são, por si mesmas, apenas o vazio.
Assim, o samsara é vacuidade, o nirvana é
vacuidade – e, conseqüentemente, um não é “mal”
e nem o outro é “bom”. Quem realizou a natureza
da mente é livre do impulso de rejeitar o samsara
e de obter o nirvana. É como uma criança que
contempla o mundo com uma simplicidade
inocente, sem conceitos de beleza ou feiúra, de
bem ou mal. Ele não é mais vítima de tendências
conflitantes, a fonte dos desejos ou aversões.
De
nada
serve
preocupar-se
com
os
rompimentos da vida diária, como uma criança que
se alegra ao construir um castelo de areia e que
chora quando ele desmorona. Veja como os seres
pueris se jogam nas dificuldades, como uma
borboleta que mergulha na chama de um lampião,
para se apropriarem do que desejam e se
libertarem do que odeiam. É melhor deixar o fardo,
que todos estes apegos imaginários trazem, do
que suportá-lo em cima de nós.
O estado de Buddha contém, em si mesmo,
cinco “corpos” ou aspectos do estado búdico: o
Corpo Manifesto, o Corpo do Êxtase Perfeito, o
Corpo Absoluto, o Corpo Essencial e o Imutável
Corpo de Diamante. Eles não devem ser buscados
fora de nós: eles são inseparáveis do nosso ser, de
nossa mente. Assim que tenhamos reconhecido
esta presença, há um fim para a confusão. Não
teremos mais qualquer necessidade de buscar a
Iluminação a partir de fora. O navegante que
aportou em uma ilha feita inteiramente de fino
ouro não irá encontrar uma simples pedra, não
importa o quanto procure. Devemos entender que
todas as qualidades do Buddha sempre existiram
inerentemente em nosso ser.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
36
Extrato do livro: Natureza de Buda
O Uttaratantra de Budha Maitréya
(Págs. 16-19)
Comentado por Khenchen Thrangu Rinopoche
Traduzido por Tamas Virag
Algumas
religiões
acreditam
que, se
satisfizermos a Deus, ou aos deuses, seremos
recompensados e obteremos maior felicidade.
Também acreditam que, se os ofendermos,
sofreremos infortúnios e iremos para reinos
infernais. Isto não ocorre nos ensinamentos
budistas. O que acontece a qualquer ser em
particular não é o resultado de agradar ou
desagradar a algum deus. Os ensinamentos do
Budha baseiam-se no estudo da verdadeira
natureza das coisas; somente quando a natureza
dos fenômenos é completamente compreendida é
que
realizará
a
condição
de
Budha
(correspondendo à liberação e à felicidade
suprema). Caso contrário, continua-se a viver uma
existência condicionada (samsara).
A chave para todos os ensinamentos budistas
é a dupla ausência de identidade, tanto própria
quanto dos fenômenos.
Nota: Existem dois tipos de ausência de
identidade – a não-identidade do outro, ou seja, a
vacuidade dos fenômenos externos; e a nãoexistência do eu pessoal, a vacuidade de si
mesmo. A ausência de identidade da pessoa
afirma que, quando examinamos ou procuramos
por ela (por sua realidade última), constatamos
que ela é vazia e sem identidade. A pessoa não
possui
uma
identidade
independente
ou
substancial (atmam). A maioria das escolas
budistas sustenta este ponto de vista.
A doutrina da não-identidade dos fenômenos
afirma, da mesma forma, que, quando
examinamos os fenômenos externos, descobrimos
que os mesmos são também vazios, ou seja, não
têm uma natureza independente ou substância
própria. Este ponto de vista é sustentado apenas
pelas escolas Mahayana.
A não-identidade dos fenômenos, nos escritos
de C. Trungpa Rinpoche, inclui a falta de
existência inerente da consciência. Esta visão
vem de Maitreya e é denominada Shentong,
enquanto que na perspectiva da meditação
analítica, proposta pelos mestres Nagarjuna e
Chandrakirti, denomina-se visão Rangtong. Nesta
última, já que os fenômenos existem apenas em
dependência da consciência que os percebe e viceversa, não faz sentido discutí-los como se fossem
entidades independentes (em outras palavras,
percepção e consciência são inseparáveis).
Normalmente, acreditamos que somos uma
identidade separada; semelhante crença surge da
idéia de um ‘eu’ (tal crença, junto com o
desconhecimento da nossa verdadeira natureza,
denomina-se “ignorância básica”). Assim que
pensamos ‘eu’, ‘si-mesmo’, cria-se a tendência de
tentar manter esta identidade num estado de
felicidade e conforto, gerando o que denominamos
desejo. Quando este “eu” sente-se ameaçado, gera
a raiva. Este ‘eu’ também acredita ser superior ou
melhor do que os outros, gerando orgulho. Se este
‘eu’ teme haver outros que são tão bons ou
melhores do que ele próprio, gera-se a inveja ou
ciúme. Resumindo, assim que surge a crença de
que um ‘eu’ individual existe como uma entidade
real, todas as cinco emoções negativas (kleshas) do
desejo, raiva, ignorância, orgulho, e inveja-ciúme
são geradas. Crer na existência dos fenômenos é
uma conseqüência direta da crença na realidade do
‘eu’. Acreditando que existimos separadamente,
passamos a acreditar que todos os fenômenos
também existem assim.
Nota: não enxergando que a natureza da nossa
mente é a vacuidade, falhamos em reconhecer este
fato. Então, falsamente fabricamos a noção de
uma identidade separada, existente por si mesma,
e nos apegamos a ela como algo sólido. Ao mesmo
tempo, a mente possui o aspecto da lucidez
desobstruída. Falhando em reconhecer este
aspecto claro e desobstruído da mente, pensamos
que as outras coisas existem, e nos apegamos a
elas como sendo distintas e reais. Tendo gerado a
presunção de que ‘eu’ e ‘outro’ existem
verdadeiramente, por conta própria, apego e
aversão se sucedem – o apego vindo da
proximidade, e a aversão, da sensação de
distância. [ou do gostar e do não gostar]. O apego
produz o “agarrar-se” aos objetos de desejo,
[apropriar-se] e a aversão, o afastamento daquilo
que desgostamos. Conceitos duais decorrentes do
não-reconhecimento da nossa natureza vazia e
clara da mente brotam do apego e da aversão.
Esta dualidade precisa ser superada. Devido a
apegarmo-nos à dualidade do ‘eu’ e do ‘outro’,
agarramo-nos a todas as experiências e coisas
como existindo de forma concreta ou abstrata
(através da imputação).
Jamgon Kongtrul Rinpoche
O objetivo principal da prática budista é
eliminar a crença na realidade (absoluta, separada,
em si mesmo) do ‘eu’ e, portanto, dos fenômenos.
A melhor maneira de fazer isso é investigar a
localização daquele que pensa ‘eu sou’. Quando
pensamos ‘eu’, indagamos: “Quem está pensando
‘eu’?”. A seguir tentamos encontrar este ‘eu’ em
algum lugar. Ao meditar sobre isso e fazendo uma
investigação apurada, não encontramos nada que
possa ser chamada de ‘eu’. Através deste
processo, compreenderemos que esta identidade
não tem existência objetiva. [...]
A crença na existência de fenômenos reais e
substanciais é mais dificil de eliminar. Contudo,
quando se considera a natureza das aparências
mais de perto, começamos a ver que os fenômenos
se assemelham muito mais a uma bolha na água,
ou a um sonho. Eles não são nem sólidos nem
reais.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
[...] A vacuidade é a ausência de uma
identidade própria, mas ela não deve ser
compreendida como um vácuo completo, nem
como um espaço em branco ou o nada. Shunyata
tem uma qualidade diferente; esta vacuidade é,
por natureza, claridade luminosa (Tib. Salwa:
brilho, claridade, luminosidade; não como uma
luz física, mas como consciência contínua, a
capacidade de conhecer, que a mente sempre
possui). Ter a natureza da claridade luminosa
significa que, quando os seres ainda estão num
estado impuro, todas as variadas aparências dos
fenômenos podem manifestar-se dentro da
mesma. Quando os indivíduos eliminam as suas
impurezas [obstáculos], dentro dessa mesma
claridade, a condição Budha pode manifestar-se
através dos corpos de Budha (Sansc. Kayas) e
atividades búdicas.
Tal vacuidade está preenchida de todas as
possibilidades. Para que tudo possa manifestar-se
nas fases pura e impura, a vacuidade deve ser
inseparável da claridade luminosa, que representa
o muito vívido aspecto de Sabedoria da Natureza
de Budha ou da Essência Búdica. Esta união é a
essência de todos os Budhas e está presente na
mente de todos os seres. Se pudermos
experenciar a unidade da vacuidade com a
claridade luminosa, poderemos alcançar a
Condição de Budha, cuja essência está presente
em todos os seres, independente de raça, classe
social, gênero, etc.
O motivo pelo qual não reconhecemos a
essência da iluminação é por ela estar
obscurecida por máculas. Podemos distinguir três
estágios de obscurecimentos na fase impura, no
estágio dos seres comuns, a essência búdica está
totalmente encoberta; na segunda fase, a dos
Bodhisattvas, as impurezas estão levemente
removidas
e
os
obscurecimentos
estão
parcialmente dissolvidos; por fim, na fase da
pureza total, tornamo-nos Budhas.
O conceito de Natureza Budha é central nos
ensinamentos budistas e é, por vezes, referido
pela palavra sânscrita gharba*, que significa o
cerne mais profundo. Por exemplo, se tivermos
um grão com casca, ou casulo, o miolo do grão é
chamado de “gharba”. Da mesma maneira, os
seres humanos contêm a essência da Condição de
Budha, mas impurezas transitórias a recobrem.
Este cerne, a Natureza de Budha, ou Essência
Búdica, é o tópico principal do Uttaratantra.
Conforme mencionado antes, há duas
maneiras diferentes pelas quais esta Natureza de
Budha pode ser compreendida. A tradição de
Loden Sherab, baseada na abordagem mais
intelectual, está conectada à escola Madhyamaka.
A tradição de Tsen Kawoche envolve a apreensão
imediata do tema através da meditação. Esta
ultima abordagem é mais direta, nela medita-se
sobre o Mahamudra e sobre o significado real da
natureza dos fenômenos.
37
* Tathâgatagharba = Essência do Tathagata,
Essência Búdica, Natureza Budha ou Natureza
da Mente.
Compilação dos textos: K. T. Dhargye
INTRODUÇÃO À NATUREZA DA MENTE
As instruções orais desenvolvidas pelo precioso Mestre do Dharma:
Chetsangpa Ratna Sri Budhi
Extrato do livro: “La simplicité de la Grande Perfection” – James Low - [págs. 99-129] – Tradução
p/Português, K. Tenpa Dhargye
Enquanto tivermos as liberdades e as
oportunidades de uma preciosa existência humana
que é tão difícil de obter, é importante conseguir o
resultado permanente da budeidade. Para tanto, é
necessário praticar o santo é precioso Dharma.
Dizemos que os métodos da prática da Via do
santo Dharma estão bem além da compreensão,
mas para nós, grandes meditantes, as explicações
e os comentários internos dos tantras não são tão
importantes. Temos necessidade de uma instrução
oral de nosso santo e realizado mestre, pela qual
possamos compreender que a essência da mente é
a raiz do samsara e do nirvana. Se isso ficar
verdadeiramente esclarecido, então todas as
doutrinas expressas pelo Budha, sutras e tantras,
e as doutrinas e os tratados de instruções cruciais
dos grandes discípulos estarão totalmente
presentes em nossa própria mente. Quando se
produz isso, acontece o que chamamos “saber uma
coisa, liberar todas as coisas”. Se a essência da
mente não for compreendida, ainda que
conheçamos
numerosos
Dharmas
–
tal
conhecimento será vasto, mas seu centro é vazio –
saberemos muito, mas não poderemos realizar
uma única coisa. Por esta razão, somente a
compreensão da essência da mente é necessária.
Se perguntarmos como a mente deve ser
compreendida, bem, é graças a um conhecimento
claro dos três aspectos que são a Base [gZhi], a Via
[Lam] e o Fruto [‘Bras-Bu].
1.
A BASE
Consideremos de início a condição natural da
Base. A condição natural de nossa própria mente é
primordial, não bloqueada, e surge sem esforço.
Ela não é produzida pela meditação dos budhas e
não é afetada pela ignorância dos seres sensíveis.
A natureza original da mente não depende de
causas e condições. Ela é vazia, sem substância
própria inerente, e é livre da elaboração conceitual.
No início a mente em-si é sem origem, também é
vazia. No meio, é sem morada, também vazia. No
final, não tem destino, e também é vazia. A
essência da mente não pode ser agarrada como
isto ou aquilo (objeto), é mesmo vazia. Pois não
tem forma nem cor, é vazia. Esta vacuidade, porém
não é o nada, porque a claridade natural da mente
é pura e permeia todas as coisas.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
A mente em si-mesma é a criadora do
samsara e do nirvana. Imutável, ela aparece sem
esforço. Todas as coisas podem aparecer, mas
não têm nenhuma substância própria inerente. A
mente é profunda, precisa, e além de qualquer
medida. Ela pode parecer existir, mas na verdade,
é vazia de entidade própria e de sinais. Ela pode
parecer existir, entretanto mostra numerosas
formas ilusórias. A natureza original da mente
está além do pensamento e não se torna um
objeto do pensamento. É impossível dizer com
que ela se parece. Ela está além do pensamento, e
é inexprimível. Não é manchada por nenhuma
falta ou boa qualidade, quaisquer que sejam. A
natureza original da mente não é obscurecida por
nenhuma das boas ou más condições cármicas.
Não se suja com nenhuma impureza da crença em
símbolos. Os nomes de todos os fenômenos do
samsara e do nirvana lhe não podem ser
aplicados.
A natureza original da mente é livre de
qualquer limitação dualista tal como permanente
e impermanente, esperança e dúvida, refrear e
encorajar, aceitar e rejeitar, bom e mau, grande e
pequeno, alto e baixo, preso e livre, alegre e
triste, etc.
A natureza original da mente não foi feita por
ninguém. Não podemos lhe atribuir nenhum
tamanho ou dimensão. É livre de toda
parcialidade. Ela está além do fato de alguma
coisa ser designada por: “é isso”. Sempre foi
perfeitamente pura e permanece na grande
equanimidade diante de tudo que existe no
samsara e no nirvana. Para aqueles que realizam
isso, ela é o fundamento ou a Base [gZhi] da
budeidade. Para aqueles que não realizam, ela é a
base dos seres sensíveis. É por isso que a
chamamos a Base de Tudo (Kun-gZhi].
2.
A VIA
No que se refere ao Caminho, a prática
consiste em compreender o engano a fim de que
a confusão seja liberada. Primeiramente, no que
se refere ao modo de extravio, resumidamente, a
condição natural da mente permanece enquanto
essência, natureza e energia. Sua essência é vazia
e livre de elaboração conceitual. Sua natureza é
claridade surgindo sem esforço. Sua energia
aparece sem cessar enquanto diversidade.
Após tempos sem início, a mente em-si
mesma permanece enquanto presença desses três
modos [sKu-gsum] perfeitamente puros, ela é
eventualmente
obscurecida
por
impurezas
adventícias das três formas de ignorância.
Portanto, não a reconhecemos como nossa
natureza própria.
a) A via da confusão.
Primeiramente, existe a ignorância coemergente, devido a ela nosso reconhecimento
inato da condição natural da mente enquanto três
modos (corpos) não se produziu. Por isso, existe
a ignorância, as trevas, o obscurecimento, o
tatear às cegas, e a profunda ausência de visão.
As boas qualidades dos corpos e do reino de
38
Budha não são conhecidas. E as faltas grosseiras
do carma e das emoções perturbadoras dos seres
sensíveis não são ainda conhecidas. Assim,
encontramo-nos com um conhecimento muito
fraco e duvidoso – isso é a ignorância coemergente.
Depois, pelo fato do aparecimento dos hábitos
sutis do apego à esta ignorância aparecida
precedentemente, e por causa da influência
enganosa dos objetos dos seis sentidos, a
consciência enganosamente parece ser interna, e
tomamos as condições e os eventos por reais. Em
seguida, considerando os objetos como bons ou
maus, aceitamos ou rejeitamos. Os objetos
parecem então reais e encontramo-nos com os três
venenos que são a ignorância, a aversão e o apego.
Depois, diante de tudo o que surge como
aparência para os seis sentidos, se nos parece
bom, nasce o desejo. Se não parece bom, temos
aversão. E se não os consideramos nem bons nem
maus, há a ignorância embotada da ausência de
pensamento. Desse modo há o desejo e a aversão,
aceitação e rejeição, encorajamento e inibição. Isso
é chamado de ignorância de imputação total (de
uma realidade fictícia).
Deste modo, à partir da raiz da ignorância, as
seis aflições (kleshas), aparecem sem controle e
errantes,
percorremos
os
seis
reinos
e
experimentamos os tormentos de cada um deles.
Isso é chamado “a ignorância da incompreensão
das causas e dos seus efeitos”.
Assim, pode ser descrita a maneira segunda a
qual as três formas de ignorância amadurecem
para produzir o samsara.
b) A Via da liberação.
Após tempos sem começo, a Base é pura
enquanto essência, natureza e energia, os três
modos
surgem
sem
esforço.
Portanto,
compreendendo sua própria natureza, a claridade
do auto-conhecimento aparece como o sol
dissipando a obscuridade da ignorância coemergente. Ao reconhecer a manifestação variada
e incessante da energia inata da consciência
desperta, a aparência que vem dela mesma liberase em si-mesma, e isso dissipa a ignorância da
imputação total. Como a ignorância da imputação
total foi purificada, a raiz da força da vida das más
ações foi cortada, e a ignorância da incompreensão
das causas e de seus efeitos é purificada por simesma.
Por outro lado, aqueles que compreendem seu
próprio engano são chamados “budhas” e aqueles
que não compreendem seu próprio engano são
chamados “seres sensíveis”. Mas isso não é mais
que termos convencionais porque não há a mais
ínfima diferença entre a condição natural de um
Budha e a de um ser sensível. Eles não se
distinguem senão pelo fato de compreender ou
não compreender isso. No centro do samsara e do
nirvana, há somente a letra
(quer dizer a
vacuidade-luminosidade) – essa é realmente a
verdade.
A proteção da presença da auto-compreensão
de nosso próprio engano compreende três
aspectos: a Visão, a Meditação e a Ação.
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
A Visão: a Visão significa uma confiança clara
e determinada em nosso reconhecimento
presente da condição natural despida dos
obscurecimentos da ignorância. Trata-se dos três
corpos surgindo sem esforço.
A Meditação: o fato de manter esta Visão é
chamado Meditação. A isto está ligado o
ensinamento dos métodos para manter a mente
estável. Para começar, parar as atividades de
nosso corpo, palavra e de nossa mente. Rezar
para nosso mestre, que tem todas as qualidades
necessárias. Fundir nossa mente com a sua e,
nesse estado, não perseguir idéias passadas. Não
antecipar as idéias futuras. Conservar nossa
consciência desperta atual despida de qualquer
artifício, deixando-a esgotar-se facilmente à sua
vontade. Não a modifiquemos com bons
pensamentos. Não a misturemos aos maus
pensamentos. Qualquer que seja a maneira como
se apresente, não a modifiquemos de nenhuma
maneira.
Guardemos a mente clara, alegre, nua,
luminosa,
aberta,
tranqüila
e
relaxada.
Conservemos a essência enquanto alegria vazia, a
natureza enquanto alegria clara, e a energia sem
entraves. Sem nenhum objeto de meditação
designado, permaneçamos sem vacilar nem que
seja por um instante.
Se os pensamentos surgem desse estado,
esses pensamentos são sem fundamento ou raiz,
também olhemos claramente a essência do que
aparece.
Sem
aceitação
nem
rejeição,
permaneçamos relaxados e abertos. Uma prática
muito intensiva criará o problema de numerosos
pensamentos sobrecarregados e excitados, então
permaneçamos relaxados e livres. Se ficarmos
muito relaxados, isso causará problemas de
torpor
e
de
sentir-nos
pesados,
então
permaneçamos alertas, no estado de consciência
desperta.
Permanecendo assim, a verdadeira natureza
de nossa própria consciência desperta é claridade
vazia despida de substância. Sem agarrar, ela é
livre. Sem desejos ardentes ela é alegra. Sem
pensamentos ela é completamente natural. Sem
interior nem interior, ela é direta. Ela não é tocada
por nenhum erro ou nenhuma boa ou má ação.
Ela não é bloqueada nem liberada. Ela é nua,
calma, sem mácula, não obscurecida. Ela não é
construída nem alterada por coisa alguma.
Quando aparece uma realização clara e direta
desta realidade primordial sem artifícios e sem
esforço, então tudo o que possa aparecer desse
estado, quer seja felicidade, clareza e ausência de
pensamentos,
torpor
ou
excitação
com
pensamentos bons e maus, ou pensamentos de
aflições, ou pensamentos de apego que surgem
diante das aparências e os sons que são
produzidos, por causa dos objetos dos seis
sentidos – tudo que possa surgir, tomamos como
objeto de meditação. Sem aceitar ou rejeitar,
inibir ou encorajar de alguma maneira,
permaneçamos claros e relaxados quaisquer que
sejam as aparências, ou os pensamentos que
apareçam. Desta maneira, os pensamentos não
têm necessidade de serem rejeitados. A mente
em si-mesma não é somente vacuidade porque
39
sua claridade inata aparece naturalmente enquanto
Sambhogakaya ou modo radiante. Em todo o
momento, quer
seja
comendo, dormindo,
andando, ou sentados, devemos manter sem
vacilar o estado de não-meditação.
Se
constatarmos
que
perdemos
o
reconhecimento de nossa claridade natural, então
como expliquei mais atrás, ficaremos cegos pela
ignorância. Pouco importa quanto de virtude
acumulemos com nosso corpo e nossa palavra,
assim afetados, isso não sairá do campo da
ignorância co-emergente. Porque isto é assim? A
essência da ignorância é indecisão, esquecimento,
obscurecimento, opacidade, torpor, inconsciência,
não-reconhecimento, desatenção e preguiça. A
essência da consciência desperta é a consciência
espontânea de nosso próprio engano, também ele
é claridade e vacuidade. Ela é nua, solitária, única,
pura, sua natureza transcende a conceituação.
Assim permaneçamos com muita exatidão na
consciência desperta, sem outra coisa a fazer.
A Ação: A qualquer momento e em todas as
situações, não permitamos à consciência desperta
ficar submetida ao poder das boas ou das más
condições. Exteriormente, não nos liguemos às
atividades mundanas. Interiormente coloquemos
um fim na nossa atividade do Dharma. Não
façamos nenhuma prática do Dharma, qualquer
que seja. Tornemo-nos completamente familiares
com a única prática que consiste em fazer de
nossa própria consciência desperta a essência de
todos os Budhas dos três tempos.
3. O resultado (Fruto)
Uma vez terminada esta prática da nossa
própria consciência desperta, esta fica presente
sem esforço nem atividade intelectual. Assim, os
três modos (corpos) da consciência desperta são
realizados em seu próprio âmbito e obtemos o
resultado que é classicamente chamado de
budeidade.
E ainda, a essência da consciência desperta é o
modo natural inato (vacuidade). A natureza da
consciência desperta é a claridade inata do modo
radiante. A energia da consciência desperta é o
modo da manifestação toda penetrante. Na
natureza original, os três modos são inseparáveis
enquanto único ponto da realidade. Portanto,
indiferenciado do modo natural Samantabhadra,
nossa consciência desperta, vai diretamente para
Akanishta onde obteremos definitivamente a
budeidade enquanto samyak-sambudha.
Por favor, guardem isso na mente.
O RESULTADO DOS TRÊS MODOS
(CORPOS RESULTANTES)
Rinpoche diz também:
O ponto essencial que nós, praticantes do
Dharma, devemos conhecer, é o surgimento sem
esforço dos três modos, pela Base, Via e Resultado
(Fruto).
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
E mais, a base possuindo as duas purezas é
chamada o modo natural. O que significa isso?
Pureza natural: Desde tempos sem início, a
base é naturalmente pura. Sua essência é vazia,
desprovida de substancia própria. Ela é despida
de qualquer interpretação. Ela não é um objeto
para a consciência comum e transcende causas e
condições. Ela está além do pensamento e da
expressão. Ela é vacuidade, campo de percepção
da consciência desperta. Após tempos sem início,
ela é naturalmente e perfeitamente pura.
Pureza inalterável: As impurezas das três
formas adventícias da ignorância são eliminadas
pelos três modos da consciência desperta
revelando a claridade vazia da consciência
desperta livre de obstruções. Nossa própria
claridade é crua, firme, nua, única, ilimitada e
solitária. Esta pureza inata existe sem entraves,
sem exterior nem interior. É o que chamamos o
modo natural dotado das duas purezas.
A Via é o modo radiante dotado das cinco
certezas. Como a claridade do modo natural de
nossa própria consciência desperta, sua própria
natureza, o modo radiante reside na presença das
cinco certezas. Isso se aplica onde nos situamos
na Via dos procedimentos de desenvolvimento ou
de perfeição. Seu lugar correto é a dimensão
natural
livre
de
toda
interpretação. Os
ensinamentos corretos são as expressões pacífica
e irada da claridade inata da consciência
desperta. O círculo correto (sangha) são os
Bodhisatvas em união, a manifestação espontânea
incessante da consciência desperta.
O Dharma correto é o reconhecimento da sua
própria natureza através de sua manifestação
espontânea. O tempo correto é a manutenção da
imutabilidade sem esforço. É isso que chamamos
as cinco certezas do modo radiante.
O Resultado é o modo de manifestação
dotado das cinco incertezas. Uma vez realizadas a
compreensão do modo natural inato e o fluxo
poderoso do modo radical incessante, as formas
de energia variadas surgem de si-mesmas e se
liberam em si-mesmas. Graças a isso, o modo de
manifestação que daí resulta age pelo bem dos
seres sensíveis através da cinco incertezas.
Assim, a incerteza do lugar é a capacidade, nos
seis reinos, de entregar-se em qualquer lugar
onde seja necessário, para o bem estar daqueles
que estão presos. A incerteza da forma é a
capacidade de manifestar-se não importa em qual
forma apropriada para ensinar os seres. A
incerteza do círculo é a capacidade de estar
disponível
para
qualquer
ser
que
tiver
necessidade, quer seja elevado ou não, bom ou
mau. A incerteza do Dharma é a capacidade de
ensinar os diferentes veículos segundo as
aptidões dos diferentes indivíduos. A incerteza do
tempo é a capacidade de aparecer qualquer que
seja o tempo – passado, presente ou futuro –
quando os discípulos estão prontos.
E mais, o modo de manifestação tem duas
formas, o modo de manifestação supremo e o
40
modo de manifestação variado. O modo de
manifestação supremo compreende dois aspectos,
o modo de manifestação descendente da
compaixão e o modo de manifestação ascendente
para os veículos. No que se refere ao modo de
manifestação descendente da compaixão, é a partir
do modo natural dotado das duas purezas que
aparece a força inata do modo radiante dotado das
cinco certezas. Pois, é disso que as manifestações
especiais se produzem. Quanto ao modo de
manifestação ascendente para os veículos, ele
toma a forma de yoguis no caminho, praticando a
via a fim de agir para o bem dos seres sensíveis.
O modo de manifestação variado compreende
dois aspectos, um manifestando a forma dos
seres dos seis reinos e o outro não
manifestando-se em tais formas. O primeiro
toma uma forma que pertence aos seis reinos e
age segundo os costumes locais. Assim, ensina
realizando tudo o que é necessário a esses seres.
Ao assumir esse tipo de forma, ou uma forma que
é a sua antítese1, ele manifesta-se para trabalhar
para o bem dos seres. O modo de manifestação
que não tem forma de um ser dos seis reinos
manifesta-se como terra, água, fogo, vento ou
espaço, ou como barcos, pontes, pinturas ou
estátuas que aparecem espontaneamente. Ele toma
a forma de templos, stupas, de refúgios, etc., e
age assim para o bem de todos os seres sensíveis.
Isso conclui a breve explicação sobre a
modalidade da realização do triplo resultado: a
Base, modo natural dotado de duas purezas; a Via,
o modo radiante, dotado das cinco certezas; e o
Fruto, modo de manifestação, dotado das cinco
incertezas.
Por favor, guardem isso em suas mentes.
Nota: 1. Por exemplo, aparecer como um homem honesto em terras de ladrões.
APONTANDO O BASTÃO PARA O
VELHO HOMEM
Quando o grande mestre Padmasambhava
estava no Eremitério da Grande Rocha, em Samye,
Sherab Gyalpo de Ngog, um homem inculto de 61
anos que tinha a mais alta fé e grande devoção
pelo mestre, serviu-o por um ano. Enquanto isso,
Ngog não pediu qualquer ensinamento, nem o
mestre lhe deu qualquer um. Quando, depois de
um ano, o mestre decidiu partir, Ngog ofereceu-lhe
um prato de mandala, sobre o qual colocou uma
flor de uma onça de ouro. Então ele disse: Grande
mestre, pense em mim com bondade. Em primeiro
lugar, eu sou inculto. Em segundo, minha
inteligência é pequena. Em terceiro, estou velho,
então meus elementos estão fatigados. Peço que
você dê um ensinamento a um velho homem à
beira da morte, que seja simples de entender, que
possa cortar totalmente a dúvida, que seja fácil de
realizar e de aplicar, que tenha uma visão efetiva, e
que me ajude em vidas futuras.
O mestre apontou seu bastão de andarilho
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
para o coração do velho homem e deu esta
instrução: Ouça aqui, velho homem! Olhe para a
mente desperta de sua própria consciência! Ela
não tem forma nem cor, nem centro nem borda.
Primeiro, ela não tem origem, mas sim é vazia.
Depois, ela não tem lugar de permanência, mas
sim é vazia. No fim, ela não tem destinação, mas
sim é vazia. Esta vacuidade não é feita de
qualquer coisa, e é clara e cognitiva. Quando vir
isto e a reconhecer, você conhecerá seu rosto
natural. Você entenderá a natureza das coisas.
Você verá então a natureza da mente,
determinará o estado básico da realidade e
cortará completamente as dúvidas sobre tópicos
do conhecimento.
Esta mente desperta da consciência não é
feita de qualquer substância material, é autoexistente e inerente a você mesmo. Esta é a
natureza da mente que não é fácil de realizar
porque não é encontrada em qualquer lugar. Esta
é a natureza da mente que não é constituída por
um observador concreto e por algo percebido
sobre o qual se fixar. Ela desafia as limitações da
permanência e da aniquilação. Nela não há
qualquer coisa a despertar; o estado desperto da
iluminação é a sua própria consciência, que é
naturalmente desperta. Nela não há qualquer
coisa que vá para os infernos; a consciência é
naturalmente pura. Nela não há qualquer prática
a ser conduzida; sua natureza é naturalmente
cognitiva. Esta é a grande visão do estado natural
presente em você mesmo: saiba que isto não é
encontrado em qualquer lugar.
Quando você entender a visão deste modo e
quiser aplicá-la na sua experiência, onde quer que
você esteja será o retiro na montanha de seu
corpo. Qualquer aparência externa que você
perceber será uma aparência naturalmente
ocorrente e uma vacuidade naturalmente vazia;
deixe-a ser, livre de construções mentais. As
aparências naturalmente livres se tornarão suas
ajudantes e você poderá praticar enquanto toma
as aparências como caminho.
No interior, o que quer que se mova em sua
mente, o que quer que você pense, não tem
essência, mas sim é vazio. As ocorrências de
pensamento
serão
naturalmente
liberadas.
Quando lembrar da essência de sua mente, você
poderá tomar os pensamentos como caminho e a
prática será fácil.
Como conselho mais interior: não importa
que tipo de emoção perturbadora você sinta, olhe
para a percepção e ela cessará sem deixar
rastros. A emoção perturbadora é assim
naturalmente liberada. Isto é simples de praticar.
Quando você puder praticar deste modo, seu
treino de meditação não será confinado a
sessões. Conhecendo que tudo é um ajudante,
sua experiência de meditação será imutável, a
natureza inata será incessante e sua conduta será
inabalável. Onde quer que permaneça, você nunca
está separado da natureza inata. Uma vez que
você tenha realizado isto, seu corpo material
poderá ser velho, mas a mente desperta não
envelhecerá. Ela não conhece qualquer diferença
entre jovem e velho. A natureza inata está além
da inclinação e da parcialidade. Quando você
41
reconhecer que a consciência, o despertar inato
está presente em você mesmo, não haverá
diferenças entre faculdades aguçadas ou fracas.
Quando você entender que a natureza inata, livre
da inclinação ou parcialidade, está presente em
você mesmo, não haverá diferença ente um
aprendizado grande ou pequeno. Mesmo que o seu
corpo, o suporte da mente, caia, o Dharmakaya da
sabedoria da consciência será incessante. Quando
você obtiver estabilidade neste estado imutável,
não haverá diferença entre um tempo de vida
longo ou curto.
Velho
homem
pratique
o
verdadeiro
significado! Leve a prática ao coração!
Não
permita a fala inútil e tagarelice sem objetivo! Não
se envolva em metas comuns! Não se perturbe com
a preocupação de ter prole! Não almeje
excessivamente comida e bebida. Pretenda morrer
como um homem comum! Sua vida está correndo,
então seja diligente! Pratique esta instrução para
um velho homem à beira da morte!
Por ter apontado o bastão para o coração de
Sherab Gyalpo, isto é chamado “A Instrução do
Apontar o Bastão para o Velho Homem”. Sherab
Gyalpo de Ngog foi liberado e atingiu realização.
Isto foi anotado pela princesa de Kharchen [Yeshe
Tsogyal] para o bem das futuras gerações. É conhecido
pelo nome “A Instrução do Apontar o Bastão”.
(Originalmente publicado em Advice From The Lotus
Born, Rangjung Yeshe Publications)
“SOBRE A NATUREZA DA MENTE”
Tenzin Wangyal Rinpoche
Traduzido para o português pela monja Tenzin Namdrol
Extraído do livro: “A CURA PELA FORMA, ENERGIA E LUZ” de Tenzin Wangyal Rinpoche
From “Healing With Form, Energy and Light” by Tenzin Wangyal Rinpoche. Edited by Mark Dahlby. Ithaca: Snow Lion Publications, 2002. Available at Ligmincha's Bookstore.
EDITED EXCERPTS FROM ORAL TEACHINGS GIVEN BY TENZIN WANGYAL RINPOCHE,
DECEMBER, 2002:
Ao realizar a natureza da mente, descobrimos que estamos no estado inseparável da presença rigpa e da vacuidade. Com esta realização, tomamos
consciência de que permanecemos na essência do espaço. Ao permanecer na natureza da mente que se funde com o espaço e sem identificação com o
que surge no espaço, isso afeta nossa vida. Não há o que defender, nenhum eu carecendo de proteção porque nossa própria natureza é o espaço que
tudo acomoda. Ninguém pode alterar o espaço. Uma opinião, uma imagem estão a mercê de ataques e podem ser atingidas, mas o espaço em que
existe a opinião ou a imagem é indestrutível. Ele não envelhece, não se desenvolve, não deteriora, não nasce e não morre. A confiança e o destemor
são frutos desta realização. Apesar do incessante surgimento de vivências, permanecemos fixos no espaço imutável em que surgem. Não será necessário
possuí-lo ou buscá-lo, ele já está presente, além da esperança e do medo. Quando realizamos a natureza da mente, compreendemos a perfeição
espontânea de todos os fenômenos e a pureza primordial é realizada.
O praticante do Dzogchen tenta primeiro compreender este espaço da natureza da mente. Depois ele/ela precisa reconhecê-lo através da meditação e
das instruções do mestre e a seguir conectar-se a ele. Finalmente, o praticante se integra com o espaço, que é o que quer dizer “permanecer na
natureza da mente”. Não é que o praticante se torne algo distinto. Precisamos recorrer ao artifício de um desenvolvimento para expressar o caminho,
sobre como atingir o nosso objetivo. Na verdade, porém, o objetivo não existe e não há o quê desenvolver. Trata-se de despertar, reconhecendo o que
já
é.
Quando o espaço da natureza da mente é realizado, ainda existe um fluxo. Esta é a luminosidade; existe movimento, sensação, animação. A vivência é
mais rica, e não mais pobre. As qualidades surgem sem interrupção. Compaixão, tristeza, raiva ou amor podem surgir, mas o praticante não se desliga
do espaço em que se originaram.
Extraído
do
livro:
“A
CURA
PELA
FORMA,
ENERGIA
E
LUZ”
por
Tenzin
Wangyal
Rinpoche
INTRODUÇÕES À
NATUREZA DA MENTE
42
A natureza da mente não é um lugar para onde se vai como sujeito e se chega como se fosse um objetivo. Não há um lugar para onde se vá. Não há
um
lugar
que
se
visite.
Não
há
uma
forma
a
ser
vivenciada.
O que quer dizer “não há forma”? Se esperarmos ver a forma, não veremos nada — é garantido. Estamos tão condicionados com a idéia de ver
alguma coisa, em alcançar algo além. É muito, muito difícil livrar-nos desta mente, não ter qualquer expectativa.
A vivência da natureza da mente é apenas uma vivência. Não é a natureza da mente. Se vejo uma xícara posso dizer, “é uma xícara” porque é o
que vejo. Mas sabemos que a natureza da mente não pode ser vista como é vista uma xícara. Não há nada para ser visto. Assim, não se pode dizer
de coisa nenhuma, “esta é a natureza da mente”. Podemos nos encontrar neste espaço quando causas e condições estão presentes, quando
vencemos a noção mais sutil de um sujeito que constata. Ali, ninguém está a procura da natureza da mente; ninguém interessado em olhar,
ninguém interessado em constatar a natureza da mente.
Se for capaz de desenvolver o corpo correto, a energia correta e a mente correta não haverá como não vivenciar a natureza da mente. Como
sempre dizemos, “Não existe poder ou força que possa deter o resultado quando as causas e condições estão presentes”.
QUALIDADES DA NATUREZA DA MENTE
Extraídos dos escritos de dois mestres de
budismo.
Traduzido para o português pela monja Tenzin
Namdrol
From “The Heart Treasure Of The Enlightened Ones” by Patrul Rinpoche
and Dilgo Khyentse Rinpoche:
Extraído do livro “O tesouro do coração dos
iluminados” De Patrul Rinpoche e Dilgo Khyentse
Rinpoche.
“Não adianta procurar, fora, a natureza suprema
da mente – ela está dentro. Quando falamos de
“mente” é importante discriminar entre a mente
comum, referindo-se às incontáveis cadeias de
pensamentos que criam e perpetuam o estado de
delusão, ou como aqui, sobre a natureza da
mente como fonte de todos estes pensamentos –
o estado claro e vazio da presença (rigpa)
totalmente destituída de delusão”.
“Para ilustrar esta diferença o Senhor Buda
ensinou que existem duas maneiras de meditar –
a primeira, como um cão e a outra, como um
leão. Quando se joga um pedaço de pau a um
cão, ele corre para apanhá-lo, mas quando se joga
um pedaço de pau a um leão, ele corre na direção
de quem atirou. É possível jogar muitos pedaços
de pau a um cão, mas a um leão só se atira um.
Quando completamente bombardeados por
pensamentos, aplicamos antídotos a um e depois
ao seguinte, o trabalho é vão. Este exemplo é
como o do cão. O exemplo do leão é melhor,
devemos procurar de onde os pensamentos
surgem, o vazio da presença (rigpa), em cuja
superfície os pensamentos se movem como
ondulações sobre a superfície de um lago, mas
cuja profundidade é o estado imutável de
completa simplicidade”.
Extraído de “Dzogchen: O estado de auto perfeição” por Namkhai Norbu Rinpoche:
From “Dzogchen: The Self-Perfected State” by Namkhai Norbu Rinpoche:
“A mente é o mais sutil e recôndito aspeto da
nossa condição relativa, mas não é difícil notar a
sua presença. Basta observar os pensamentos e
como eles nos enredam no seu fluxo. Se
perguntarmos, “O que é a mente?”, a reposta é, “O
fluxo ininterrupto dos pensamentos que surgem e
desaparecem”. Ela tem a capacidade de julgar, de
raciocinar, de imaginar, etc. dentro dos limites de
espaço e tempo. Mas, além da mente, além dos
pensamentos, existe o que se denomina
‘natureza da mente’, o estado verdadeiro da
mente, além de quaisquer limitações. Como está
além da mente, o que fazer para nos acercarmos
de uma compreensão a seu respeito?”
“Tomemos, por exemplo, o espelho. Olhamos no
espelho e vemos refletidas as imagens de tudo o
que está diante dele, mas não vemos a natureza do
espelho. Mas o que significa a ‘natureza do
espelho’? Quer dizer a capacidade de refletir,
descrita como a sua claridade, transparência,
pureza, limpidez, condições indispensáveis para
que os reflexos possam manifestar-se. A natureza
do espelho não é algo que se veja, e a única forma
de concebê-la será através das imagens refletidas
no espelho. Da mesma forma, apenas conhecemos
e vivenciamos o que esteja relacionado ao corpo, à
voz e à mente. Contudo, é assim mesmo que
somos levados a compreender a sua verdadeira
natureza”.
"Dzogchen: The Self-Perfected State" by Namkhai Norbu Rinpoche. Translated from the Italian by John
Shane. Edited by Adriano Clemente. New York: Arkana, 1989. Available at Ligmincha's Bookstore.

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