Untitled - Marcello Cerqueira

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Untitled - Marcello Cerqueira
Marcello Cerqueira
Legem non habet necessitas
O risco do juridico
Comunicag6o ao
II
Congresso Brasileiro de Di-
reito Constitucional
20 Anos da Constituigdo: Avangos e Retrocessos
Aracaju - SE
20 a22 de novembro /2009
ABCD - Associagdo Brasileira de Constituciona_
listas Democri{ticos
a
tora R evan
Copyright O 2008 by Marcello Cerqueira
Nenhuma
Todos os direitos reservados no Brasil pela Editora Revan Ltda'
purt" aotu p"Uticaqso podeni ser reproduzida, seja por meios mecinicos'
ou via copia xerogrifica, sem a autoriza$o prdvia da &litora'
"l"trdni*t
Revisdo
Roberto Teixeira
ImPressdo e acabamento
em tipo Times New
@m papel off-set 75g apos paginaSo eletr6nica
Roman,
Divisio Grdfica
ll/13)
da
Rlitora Revan
CIP-Brasil. Catalogagio-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros
395L
Cerqueira, Marcello, I 939legem non habet necessitas : o risco dojurfdico / Marcello Cerqueira. - Rio deJaneiro : Revan,2008.
Comunica$o ao II Congresso Brasileiro de Direito Constitucio
- SE
nal - 20 Anos da ConstituiSo: Avangos e Retroc€sso, Aracaju
20 a22 denovembrolZ008 - ABCD, Associagio Brasileira de
Constitucionalistas Democliiticos
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7106-386-0
l. Direito constihrcional. I. Titulo. IL Titulo: O risco dojuridico'
084996.
1l.l
l.o8
CDU:342
l2.l
l'08
009688
Legem non habet necessitas*
O risco do juridico
I. Introdugdo. II. O risco dojuridico. III. A Carta Imperial. IV. A Primeira Repdblica. V. A Segunda Repfblica. VI. A Carta de 37. VII. A
constiruigdo de 1946. VIII. o Ato Institucional.
IX. Limites do Direito em perfodos de crise. O
estado de exgegdo se manifesta na Amdrica. X.
A compulsdo por legislar. XI. A desconstitucionalizagdo. XII. Convocagdo da Assembl6ia Nacional Constituinte. Antecedentes. Retrocessos
e AvanEos. A crise do capitalismo.
O mundo de hoje, na leitura de Habermas, 6 comandado por dois sistemas: o Estado e o "mercado",
sistemas que se auto-reproduzeme colonizam o que o
fil6sofo chama de "mundo da vida", ou seja, as interag6es cotidianas da pr6pria vida social.
A vida social de outrora habitada por cidaddos
livres de uma sociedade civil poderosa - contrapartida
sociol6gica do Estado Democrdtico de Direito - v6-se
*
S.Agostinho, Soliloquia 2.19.6. A necessidade ndo tmt lei.
ameagada pela colonizagdo dos "sistemas". E a iddia
de democracia que antes se referia a um regime politico, hoje melhor se aplica aos movimentos de resist€ncia a essa dupla colonuagdo operada pelo "mercado"
excludente e pelo "estado de excegdo".
Interessa a estas notas o que alguns autores (de
Foucault a Agamben) descrevem - ou conceituam como a normalidade do estado de excegdo.
O conceito de estado de excegdo 6 do jurista alem6o Carl Schmitt', que o justificava afirmando que a
soberania existe efetivamente apenas nas situag6es de
excegdo, pois nelas a polftica reahza sua plenitude conceitual. 56 hr{ politica enre amigos e inimigos na esfera
priblica, de tal sorte que o "estado de excegdo" 6 sempre
possivel e n6o uma anormalidade jurtdica eventual. O
"ponto" de Schmitt d que o "estado de excegdo" 6 superior ao Estado de Direito, porque a "seguranga", valor
supremo que o Estado garante, requer a supressdo do
inimigo. O antigo brocardo de Cfcero Salus populi sr.t'
prennt lext se completa na formulagdo schmittiana com a
moderna definigdo de Weber: "O Estado detdm o monopolio legitimo dos meios e do uso da viol€ncia".
Essa conceituagAo se aplica, hoje, i legislagdo
positiva dos Estados contempordneos, a comegar
I
Salus
populi suprema lex est lCicero, De Irgibus 3.3.81 Seja o
lei suprema.
bern-estar do povo a
pelo mais poderoso deles: os Estados Unidos da Am6rica do Norte em sua reagdo politica aos atentados
terroristas de 1l de setembro de 2001. O assim chamado Patriot Act, conjunto de medidas restritivas aos
Direitos Civis da populagdo americana, foi o ponto
de partida para disseminagdo dos correlatos jurfdicos
da supressdo do inimigo. Nesse caso, a soberania
schmittiana repousa no presidente da Repfblica, que
recomendou a tortura como mdtodo eftcaz pata
tt
extrair confissdes.
Jd na Unido Europdia com sua legislagdo repressiva aos imigrantes a soberania repousa na Comissdo Europiia, em Bruxelas. Tal legislagdo soa
como um exercfcio de esquecimento dos destinos de
tantos europeus em sdculos anteriores. Trata-se de
impedir que os atuais imigrantes possam sobreviver,
como no passado fizeram os emigrantes europeus' ao
fazer a Am6rica.
Em nossas praias, o estado de excegdo se assume
em novos formatos. E qu" os poderes da Repfblica, a
quem compete assegurar o Estado de Direito Democrd-
tico, ora
se
fragilizam; ora
se exasperam.
Fragilizam-se
quando a anomia toma conta de parcelas do Executivo
e da totalidade do Legislativo, agravadas sempre por
sucessivos escdndalos. Exasperam-se quando a Policia
Federal se transforma em poderoso partido politico e o
Judicidrio, para aldm de suas atribuigdes constirucionais, substitui o Poder Legislativo.
A ditadura militar era um estado de excegdo declarado. A "seguranga do Estado" objetivava impedir o
exercfcio da cidadania. A ditadura foi derrotada e substitufda pelo Estado Democri{tico de Direito tal como
definido na Constituigdo de 1988. As liberdades democriiticas, tdo duramente reconquistadas, estdo asseguradas no texto constitucional, mas a prr{tica do poder
abriu brechas por onde a excegdo penetra e pode se
agigantar.
A Constiruigdo dirigente (Gomes Canotilho e Josd Afonso da Silva, por todos) tem de ser respeitada
na sua plenitude. A dogrnr{tica constirucional n6o admite desvios ou recuos.
II
Historiadores do constitucionalismo distinguem
quatro grandes marcos do processo de constitucionalizagdo damodernidade desde o sdculo XVI[. Sdo ondas
sucessivas vinculadas a movimentos revolucioniirios ou
guerras mundiais. Andrd Hauriou, por exemplo, sugere
quatro grandes periodos: o que se segue i Independ6ncia Americana e i Revoluglo Francesa; os subseqUentes hs revolug6es francesas de 1930 e 1948, esta riltirna
marcando um movimento de expressdo intemacional; o
ap6s primeira guerra mundial, com reorganizagdo do
mapa europeu e a revolugdo sovidtica; e finalmente o
iniciado no segundo p6s-guerra, que vai envolver
descolonizagdo do Terceiro Mundo. '
a
Como se sabe, o Brasil perdeni essas oportunidades
hist6ricas. Na primeira onda, com a derrota das chamadas Inconfid6ncias, o Pafs experimenta a colonizagdo
portuguesa, que ainda vive o mundo do pleno absolutismo. A constitucionalizagdo portuguesa se dard no refluxo da RevolugSo Francesa, com. o irnpacto da Restauragdo na vida polftica e constitucional da emergente nagdo
brasileira.
Na segunda, a que fixa textos constitucionais liberais e prenuncia a democratizagdo da polftica, estaril
o Brasil caminhando para a centralizagdo e o absolutismo moniirquico.
A terceira onda tem incid6ncia tardia sobre a malograda Constituigdo de L934, logo substitufda pela
Carta do Estado Novo, que nos aproximou do fascismo europeu.
A descolonizagdo do Terceiro Mundo, que seria
a quarta onda, n6o apresentou inovagdo constitucional que tivesse a repercussdo e a influ6ncia das ante-
A Constituigdo de 1946 vai reproduzir princfpios meramente liberais jd velhos quando incorporados i Constituigdo de 1934 que ela sucedeu. De
qualquer sorte, a experi0ncia liberal de 1946 serd
riores.
2
Naturalmente, Hauriou escrevia antes do fim da Uniio Sovidtica.
Andrd Hauriou, Derecho Constitucional e instituciones politicas,
Editorial Ariel, Barcelona, 1980.
9
intenompida com
o golpe militar de 1964 e
suas
tri{gicas seqUelas.
A longa e penosa transigdo alcangarii o seu me-
lhor momento na Constituigdo de 1988, onde finalmente ao seu texto serdo incorporados os direitos e
garantias previstos na ji{ remota terceira onda, aldm de
um pequeno elenco de direitos sociais. Seguindo a
pior tradigdo brasileira, houve um retrocesso na quest6o fundir{ria.
A Constituigdo de 1988 ser6 desfigurada pelas
emendas consdrucionais que sofreu. A conjugagdo
entre as ondas do constitucionalismo internacional e
as vicissitudes da vida polftica brasileira, estudadas
metodologicamente, indica ser o Impdrio a unidade
extensa onde se estuda a filiagdo do Direito brasileiro
ao constitucionalismo europeu. A primeira Repriblica
tem a natureza de um corte. E que o constitucionalismo brasileiro muda de familia, adotando o formato
norte-americano. A Repriblica inaugura uma tradigdo
constitucional: os textos que se sucedem n6o se afastardo muito do arqudtipo de 1891, a ndo ser nos casos das
rupturas autoritiirias de 1,937 e aquelas dos governos
militares. A melhor tradigdo republicana 6 retomada em
1988. A Constituigdo em vigor 6 resultante de um pacto
que 6 posterior, mas que se assemelha aos que resultaram das transig6es portuguesa (revolucioni{ria na origem) e espanhola (pactuada). E certo que o novo texto
mautdm parcialmente a estrutura republicana e federati-
va do velho modelo norte-americano. Entretanto.
10
os
institutos de que se vale o Direito brasileiro para recepcionar sua legislagdo ordindria, por exemplo, prov6m do Direito europeu e especialmente do aporte
criativo da experiEncia portuguesa consagrada na
Constituigdo de 1976.
Se a Carta Imperial (1824) foi um pacto entre a
coroa e a escraviddo e quando desfeito levou i Reptiblica, esta ndo iria modificar marcadarnente as estrutu-
socioecon6micas que encontrou, mantendo os
valores elitistas e autoritdrios, a exclusdo e a depen-
ras
d6ncia que atorrnentam atd hoje o pafs.
Embora estas notas se ocuPem' na seqil€ncia, dos
golpes do Fstado Novo e de 64, que interromperam caminhos democrdticos tao durarnente alcangados e expressos nas Constituigdes de 1934 e de 1946, elas ilustram o texto, mas ndo definem o objetivo do trabalho.
6 porque os eventos de37 e 64 sdo instAncias de
ruptura abrupta que estabelecem inequivocamente o
"estado de excegdo". A simples leitura de seus textos,
como veremos, demonstra a natureza do regime que se
esti{ a inaugurar.
Mas o objetivo deste trabalho consiste em demonstrar que o momento de ruptura d necessariamente
precedido por eventos que aparentemente slo carentes
de dramaticidade, mas que se revelam insidiosamente
passos decididos no caminho da excegdo.
Em seu famoso Segundo Tratado de Governo,
Locke ensina muito claramente os descaminhos na
tirania. Ela d bem reconhecida quando jd instalada e
1t
suprimidas as oportunidades de resistdncia. Mas ela 6
desenganadamente precedida por um conjunto de
ag6es de Estado que suprime aqui um Direito, acold
uma preffogativa, adiante uma liberdade, atd que
se
esclarece sua verdadeira finalidade: af d tarde demais.
Locke deixa claro que nlo 6 qualquer evento que
se constifui como tirdnico, pois afinal os governos
erram e o poder sempre acarreta riscos. O que importa
ressaltar d o que ele chama de um longo conjunto de
abusos, "prevaricagdes e artificios", tendentes todos a
uma rnesma diregdo, que no caso em comento seria a
instalagdo do absolutismo i francesa na Inglaterra,
abortada pela Revolugdo Gloriosa de 1688. Vale lembrar que esse famoso texto serii reproduzido na DeclaraEdo de Independdncia dos Estados Unidos da Am6rica do Norte no sdculo seguinte:
"Mas quando
urn
longa sdrie de abusos e
usurpag6es, perseguindo invariavelmente o
mesmo objeto, indica o designio de reduzilos ao despotismo absoluto, assistem-lhes o
direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos-Guardas para sua futura seguranga..." (da Declaragdo de Independ€ncia).
A doutrina de Locke e dos fundadores da Repriblica Americana propugltavam por uma revolugdo j6
que a tirania estava instalada. Evidentemente n6o 6 o
12
tao
nosso caso e, PoJtanto, os remddios n6o podem ser
dos
da.evolugSo
abruptos, muito embora o diagn6stico
sintomas valha para
o mundo democrdtico de hoje
como no passado valeram para ingleses e americanos'
Embora essas questdes sejam comuns h totalidade das democracias contemporaneas, em varidvel incaso
tensidade, o que mais interessa a estas notas 6 o
de
eventos
brasileiro. Da? porque se retoma os grandes
rup$ra abrupta de37 e 64 dhtz de um fio condutor
qul foru. os pequenos eventos que tragafam o cami,rho putu o desfecho trdgico. Mas n6o sem antes lembrarilguns epis6dios da Carta Imperial e da primeira
Republicana
III
ju"Se a teoria for capaz de analisar a forma
rfdica como forma hist6rica, 6 possfvel compreender
o direito como fendmeno
real"
(Pasukanis).
a id6ia de que
Quando Josd Bonifdcio defendeu
D. Pedro assumisse o tftulo de Imperador antes da
que
reunido da Assembl6ia Constituinte queria evitar
perigosa'
e
este "ficasse numa depend€ncia extrerna
Ndo havia, entdo, nenhurna autoridade superior emanando da vontade direta do povo, e assim a Assem-
t3
bldia mais tarde ndo poderia representar toda a soberania. O Imperador faria parte essencial da representagdo nacional e haveria um verdadeiro pacto entre o
povo e o soberano, ndo se comprometendo este antecipadamente e rejeitando o que fosse inadmissfvel". 3
Respondia, assin\ Josd Bonifr{cio d proposta liberal da
Magonaria de aclamar D. pedro como expressdo da
soberania popular e ndo por direito divino. A garantia
do futuro Imperador e de sua dinastia estava em aclarnar-se antes da instalagdo da Assembldia Geral, d
qual apenas reconheceria como explicitava o decreto
de sua Convocagdo, aquela porgdo de soberania que
essencialmente reside no Povo. A solugdo conciliat6ria do ministro coincidia com a vontade de D. pedro
de, no futuro, reunir novamente o Impdrio lusitano,
quando fosse chamado a suceder D. Jodo.
Assinl o primeiro Pedro aceitou o tftulo de Imperador Constirucional, Defensor perpdtuo do Brasil,
comparecendo h cerirn6nia de sua sagragdo em urna
suntuosa carruagem que pertencera a Napoledo Bona_
parte. Em seguida,
"Dii provid6ncias para
se reunirem quanto
antes nesta cidade os Deputados da Assem-
bl6ia Constituinte".
3
Jos6 Hon6rio Rodrigues, hdepencl\ncia, Revohtgdo e ContraRevolugdo, citando "A Correspond0ncia do Bardo di Mareschall".
pp.26l e296.
t4
Na ocasi6o, o lmperador, aldm de registrar as dificuldades do Tesouro Pfblico e prometer adotar medidas contra as mordomias reais e de seus servidores,
langa furibunda repreensdo ds Constituig6es francesas
aeilgt e 1795, que acusa de "teordticas e metaf(sicas", e por isso "inexeqiifveis, assin\ o prova a Franga
e Espanha; e ultimamente Portugaf', resultando - diria
de "licenciosas liberdades". Conclui esperando que
a Constituigdo a ser feita "merega minha Imperial
-
aceitagdo". Ndo mereceu.
Co.o se sabe, a proposta da Constituinte foi recusada por D. Pedro como um "golpe" contra a monarquia e, dissolvida esta, outorgou a Carta Imperial
de 1824.
Assinr, foi o mau comego do constitucionalismo
brasileiro.
IV
Ao apreciar os epis6dios que antecederam h
proclimagdo da. Repriblica, vai notar Nelson
Werneck Sodrd " "um singular contraste entre
os acontecimentos, que sdo quase irrelevantes,
e a profundidade de suas taizes".
Nelson Werneck Sodr6, Fomr agdo Histdica do Brasil, Bertrand
Brasil, 56o Paulo, 1990, 13'edi96o, p. 291.
a
l5
"A
tese de que a mudanga de regime
foi aci-
dente" - observa o mesmo escritor, pordm
em outra obra 5 - "ligado apenas a circunstdncias ocasionais, e limitado aos acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889 no
Rio de Janeiro, tendo o povo assistido a tudo
bestializado, tem sido aceita e vive de mera
repetigdo. Essa repetigdo tem um sentido,
evidentemente, ndo pode derivar apenas de
causas fortuitas: o sentido de desfigurar a
Repfblica, de despojd-la de seu conterjdo
popular. E as anrilises ligadas a essa tese
central, esmerando-se em levantar problemas secundiirios, e neles esgotar a interpretagdo - a traigdo de Floriano, as irritag6es de
Deodoro, a inimizade entre este e Silveira
Martins -, aprofundam o sentido de acidente
puro e simples a que d relegada a questdo da
mudanga do regime."
Logo no alvorecer da Repribtica, o generalfssimo
Deodoro da Fonseca iria protagonizar um epis6dio
curioso que bem ilustra a confusdo que fazia dos poderes de que disporia o futuro presidente da Repriblica. Ao tomar conhecimento do anteprojeto da Consti5 Nelson Werneck
Sdr6, Hist6ia Militar do Bmsil, Rio de
Janeiro, Civilizagdo Brasileira, 1965, p. 153.
t6
ftrigdo, Deodoro estranhou que n6o lhe fosse conferida
a faculdade de dissolver o Congresso, e como rece-
besse a resposta que o regime presidencialista n6o
comportava essa prerrogativa, declarou que jamais
assinaria tal documento. Foi preciso toda l6gica a Rui,
registra Sampaio D6ria, para persuadir o Marechal. '
Talvez, melhor dizendo, para afastar do generalissimo,
no momento, seus pendores imperiais.
Deodoro, apoiado por parte de seu gabinete, resistiu o quanto p6de i convocagdo da Constituinte.
Afinal, cedendo a pressOes de setores republicanos,
representantes da burguesia cafeeira, governos estadu-
ais e jornais importantes, o marechal convoca eleig6es
para 15 de setembro de 1890.
Malgrado a manipulagdo das "eleig6es" pelo governo central, o resultado nlo foi o esperado por Deodoro e a Constituinte ndo seria d6cil ao seu comando.
A folgada eleigdo de Prudente de Morais para a presiddncia do Senado, contra o candidato oficial Saldanha
Marinho, jd revelava as dificuldades que o governo
iria enfrentar e que logo foram demonstradas quando a
Constituinte reduziu para quatro anos a duragdo do
mandato do presidente da Repriblica, prevista para
seis anos no projeto oficial.
6
Sarnpaio D6ri a, Principios Constitucionars, cit. por Irvi Carneiro, "Urua experi€ncia de Parlamentarismo", Livraria Martins
Editora, Sdo Paulo, 1965, p.48.
17
Vdrias acusagdes de negociatas
e
concess6es
suspeitas para obras priblicas criaram embaragos para
o governo, que enfim se viu acuado com a denrincia
de favorecimento a um amigo do marechal Deodoro
para a construgdo do Porto de Torres, no Rio Grande
do Sul, escdndalo que levou o ministdrio a renunciar
embloco.
Deodoro aceita a renfncia e convoca o Bardo de
Lucena, conhecido monarquista, para formar o novo
gabinete (como antes fazia o Imperador), Que seria
composto de personalidades sem compromissos com a
Repfblica, o que indicava a inexist6ncia de maiores
incompatibilidades entre os velhos quadros da monarquia e a nova ordem politica. Disposigdo Transit6ria
(art. 1') previa que ap6s a promulgagdo da Constituigdo, o "Congresso, reunido em assembldia geral",
elegeria o presidente e o vice-presidente da Repriblica
para o primeiro periodo presidencial, ap6s o que' separando-se em Cdmara e Senado, iniciaria suas fungdes legislativas ordindrias. Duas chapas foram entdo
formadas: Deodoro tendo como companheiro de chapa o almirante Eduardo Wandelkolk, e o paulista Prudente de Morais com o general Floriano Peixoto na
vice-presid6ncia.
Com as tropas do Exdrcito de prontiddo e ameagas de golpe, o Congresso elegeu o marechal Deodoro
por L29 votos contra 97 dados a Prudente de Morais.
E como as eleig6es foram realizadas em escrutfnios
distintos, Floriano Peixoto, candidato da oposigdo
18
(que havia aconselhado os congressistas a votar em
Deodoro temendo um golpe de Estado), foi eleito por
153 votos contra 57 dados a Wandelkolk.
O antagonismo entre a maioria do Congresso e o
presidente Deodoro iria acentuar-se com os problemas
econ6micos trazidos pela crise a que o novo regime 6
jd
submetido,
agora derivada da polftica econ6mica
que se convencionou chamar de encilhamento.T
A aprovagdo, pelo Congresso, da Lei de Responsabilidade, que disciplinava os poderes do presidente
da Repfblica, agugou a divergdncia entre o executivo
e o parlamento. Deodoro veta integralmente a lei, mas
a Cdmara se articula no sentido de derrubar o veto
presidencial. A rebeldia dos deputados d demais para
o generalissimo, que transmite ordens de comando ao
hesitante Lucena:
"Ndo posso mais suportar esse Congresso; 6
mister que ele desaparega para a felicidade
do Brasil; prepare o decreto de dissolugdo
o
ndo se importe com Floriano Peixoto".
Cumprindo
a
ameaga,
o
marechal decreta
e
a
dissolugdo do Congresso, com tropas militares cerca a
CAmara e o Senado, prende lfderes da oposigdo e cen7
V. Nelson Werneck Sdr6, Formagdo Hist6ica do Brasil, ob,
git., pp. 2931303.
o
lbidem, pp.293/303.
t9
sura a imprensa, recebe a solidariedade de presidentes
dos Estados, d excegdo de Lauro Sodrd, do Parii, e
langa seu "Manifesto i Nagdo" no qual procura justi-
ficar seus atos de forga.
Certamente alertada da dificuldade que tivera
Rui Barbosa em convencer Deodoro de que ndo caberia a dissolugdo da C0mara no sistema presidencialista
de tipo norte-americano, a Constituinte preveniu-se
fazendo inscrever no $ 4", infne, do art. 1" das DisposiE6es Transit6rias que o Congresso ndo poderia "em
hip6tese alguma ser dissolvido". De nada adiantaria.
Pelo Decreto no 614, de 3 de novembro de 1891, o
generalissimo
"Dissolve o Congresso Nacional, convoca a
Nagdo para escolher novos representantes e
torna outras providdncias" (Decreto n" 64I de 03 de novembro de 1891).
Em2l
de novembro, pelo Decreto n" 677/1891,
Deodoro
"Convoca o Congresso Nacional para o dia 3
de maio pr6ximo, designa para eleigdo geral
o
dia 29 de fevereiro antecedente e indica
quais os artigos da Constiruigdo que tdm de
ltt
ser revistos".
20
O generalfssimo, h margem da Constituigdo, portanto, dissolve o Parlamento, determina a realtzagdo
de eleig6es gerais e convoca outro Congresso para
revisar os artigos da Constituigdo.
Entretanto, apesar do aparente 6xito do golpe militar, Deodoro vai enfrentar crescentes dificuldades,
e
conhecer o isolamento polftico e afinal abdicar, encerrando quase nove meses de governo constitucional.
Assumindo o governo da Reprlblica, Floriano
Peixoto convoca o Congresso Nacional e anula os
decretos regressivos do seu antecessor e regula o processo e o julgamento do presidente da Repfblica e dos
ministros de Estados nos crimes comuns. O vicepresidente promulga a lei do impeachmenf que Deodoro temia ter sido votada para afast6-lo.
Tais atos receberam, de logo, generalizado apoio
das mais influentes correntes polfticas, que iriam se
dividir mais adiante quando Floriano substitui, por seus
partidr{rios, os presidentes de provfncias que haviam
apoiado o golpe de Deodoro. Naturalmente, poupou o
governo de Lauro Sodrd, no Patd, que se opusera ao
golpe. Floriano reage com medidas destinadas h classe
mddia baixa, especialmente moradora no Rio de Janei-
ro. Determina a diminuigSo nos alugudis pagos por
trabalhadores, concede isengdo do imposto sobre carnes
vendidas diretamente nos agougues baixando seus pre-
e
'J,i nao sou o presidente da Reptlblica; vou pedir a minha refor'
za." (grifei).
2l
gos, como parte de medida mais geral de combate aos
especuladores e de estabilizagdo dos gdneros alimentfcios. Promove melhoria nas condigdes de habitagdo
popular e determina a demoligdo da imensa "cabegade-porco" em que o desprezivel Conde D'Eu explorava
quatro mil miseri{veis.
Mas as medidas populares ndo desarmam a oposigdo que volta brandindo o art. 42 da Constituigdo
("Se, no caso de vaga, por qualquer causa, da Pre-
siddncia ou Vice-Presid6ncia, ndo houverem ainda
decorridos dois anos, do periodo presidencial, proceder-se-ii a nova eleigdo").
O vice-presidente responde com a norma estabelecida pelo art. 1" das Disposig6es Transit6rias:
"Promulgada esta Constituigdo, o Congresso, reunido em Assembldia Geral, elegeri{
[...] o Presidente e o Vice-Presidente dos Estados Unidos do Brasil [...] $ 2" o Presidente
e o Vice-Presidente eleitos na forma deste
artigo, ocupardo a Presid€ncia e a VicePresid6ncia da Repfblica durante o primeiro
perfodo presidencial [...]"
O Congresso Nacional, usando mais a sabedoria
polftica do que o excessivo apego i ortodoxia constitucional, confima, em 3 de maio de 1892, a legalidade do consulado de Floriano, que vai governar com o
22
titulo de "Vice-Presidente da Repriblica dos Estados
Unidos do Brasil".
Floriano vai enfrentar vdrias revoltas, com destaque para o "Manifesto dos Generais", no qual os oficiais signat:irios, contestando a legitimidade do governo, pedem ao vice-presidente que convoque eleig6es gerais. Floriano reage e decreta a reforma das
altas patentes, castigo que tambdm inflige adiante
quando outros oficiais-generais manifestam-se em
favor de Deodoro, pena que serd agravada com a deportagAo para a Amaz6nia em companhia de outros
lideres civis antiflorianistas. A "Revolugflo Federalista" e a "Revolta da Armada" ainda iriam marcar o
consulado de Floriano.
Ap6s o golpe de Deodoro, o contragolpe de Floriano que parece antecipar a curiosa expressdo do
manifesto do general Lott ao dar posse a Nereu Ramos: "Retorno aos quadros constitucionais vigentes".
Foi o bom comeEo da Repriblica.
V
O esgotamento do modelo agrdrio-exportador
imposto pela hegemonia polftica da burguesia cafeeira
paulista e mineira (esta parcialmente) abre o passo
para a Revolugdo de 30.
23
A Assembldia Constituinte prometida em 11 de
novembro de 1930 s6 vai ser convocada em 19 de
agosto de 1933.
A
Constituigdo de 1934 terd suas fontes diretas
na anterior de 1891, no corporativismo fascista, na
Constituigdo da Espanha (1931), da Austria (1920) e
na Constituigdo de Weimar de 1919, as disposigOes de
carStet social da avangada Constituigdo mexicana de
l9l7 e naturalmente da sovidtica de 1918.
lnteressa especialmente a estas notas ressaltar
que entre o malogrado movimento de novembro de
1935 e o golpe do Estado Novo, em novembro de
1937, decorreram dois anos em que o Legislativo foi
cedendo, a pouco e pouco, docil A pressio desencadeada em verdadeira ftiria, a todas as medidas que lhe
foram pedidas ou impostas. As poucas e raras vozes
de protesto foram caladas pelo arbftrio; as imunidades
parlamentares foram violadas ostensivamente.
O Congresso aprovou duas modificagdes na lei de
seguranga nacional, Lei n" 38/1935 e Lei n" 136/1935,
de inequfvoca inspiraEdo fascista. Em seguida, em 18
de dezembro de 1935, aprovou tr6s Emendas i Constituigdo.'u Pela Emenda n" 1, a Cdmara dos Deputados,
com a colaboragdo do Senado, poderia autorizar o presidente da Repriblica a "declarar a comogdo intestina
grave, com finalidades subversivas das instituig6es
polfticas e sociais, equiparada ao estado de guerra, em
qualquer parte do territ6rio nacional [...]" As demais
emendas puniam oficiais (da ativa, reserva ou reforma-
24
dos) que praticassem atos ou participassem "de movimento subversivo das instituig6es polfticas e sociais",
aldm de funcioni{rios civis que agissem da mesma forma, estes com demissdo, aqueles com a perda da patente e posto. Portanto, quando o Ministro da Justiga preparou a mensagem com que o Executivo justificava,
com base no Plano Cohen, a decretagdo do estado de
guerra em todo o pafs, que solicitava ao Legislativo, jd
amanhava a terra semeada pela Emenda Constitucional
no 1 Constituigdo de 1934.
i
Ao aceitar tal Mensagem, nos termos em que foi
elaborada e ao conceder essa medida de excegdo inddita na existdncia do pafs, o Legislativo estava lawando a pr6pria sentenga de morte. NIo houve, assim, a
menor dificuldade, a 10 de novembro de 1937, quando
o governo expediu um esquadrdo de polfcia com a
tarefa de fechar as duas casas do Congresso. "Elas jd
estavarr\ para fins das liberdades priblicas, fechadas
hd muito tempo".lo
Para estas notas, guardadas e resguardadas
proporgdes e tempos, convdm assinalar que
a anomia (no caso, mais cumplicidade) do
legislativo compromete a reserva de poder
que o congress.o deve deter para permitir o
equilibrio entre Poderes.
'0 Sodrd,
Histhia Militar
do Brasil, ob.
25
cit., pp.2571258.
VI
A Carta do Estado Novo (esbogo do anteprojeto
rr), cu;a redagdo 6
se encontrava pronto desde 1926
atribufda ao jurista Francisco Campos, recebe forte
influ€ncia da Constituigdo polonesa de 1935, da Constituigdo castilhista de 1891, de acentu_ado cunho positt
tivisia, da Carta portuguesa de 1933 que o governo
ditatorial de Salazar elabora e submete a plebiscito, "
da Carta del Lavoro italiana no que se refere d parte
trabalhista, al6m de parte do programa integralista.
Embora a generalidade dos autores identifique os
tragos fortes da Constituigdo polonesa de 1935 na
formagdo da Carta do Estado Novo (chamada Polaca),
ndo se conhecia, salvo engano, comparagdo sistern{tica entre os dispositivos comuns hs duas Cartas, que a
minha tentativa em Cartas Constitucionais - Impdrio,
tt L. Toledo Machado, Formagdo do Bmsil e Unidade Nacional,
Ibrasa, Sdo Paulo, 1980, p. 200.
t2
A Carta portuguesa de 1933 d precedida da publicaqdo pelo
Governo, eru 28 de maio de L932, de urn projeto, cujo modo de
elaboragdo se desconhece.
" Como curiosidade, registro que a Carta portuguesa de 1933 considerava prerrogativa do presidente da Repriblica dissolver a Cimara
dos Deputados, texto que foi reproduzido na Carta de Vargas e que
resgata a vontade do general Deodoro que julgava "herdar" os
poderes dissolut6rios do segundo Pedro. Vale a diferenga que Salazar fora nomeado presidente do Conselho de Ministros.
26
Republica e autoritarismo: ensaio, critica
e documenprocura, em parte, remediar.
Tambdm interessa a estas notas registrar que o
predmbulo - ou por assim dizer, a justificativa - para
outorga da Carta 'Justifica-a" por atender "is legitimas aspirag6es polfticas do povo brasileiro h paz polftica e social", QUe se opunha i tentativa de desordem,
ao acirramento da luta de classes que ameagava a nagdo com a imin6ncia de guerra civil e naturalmente d
"infiltragio comunista". t5 Intefessa, porque o mesmo
autor da Carta do Estado Novo vai "justificar" o Ato
Institucional do Golpe de 64 jd com melhor apuro da
doutrina schmittiana (conceito de estado de excegdo),
antes referida na Segdo I que abre este ffabalho e mais
tagdo
ta
adiante examinada.
Ndo serr{ tambdm demais registrar que a policia
politica do Estado Novo, dirigida pelo major Filinto
Muller, inicia a prr{tica de escutas telef6nicas, hoje
disseminadas e incontroli{veis.
YII
A Carta de 1937 atravessaria os dois momentos
que diferenciam o Estado Novo. No primeiro, a ascento
Editora Renovar, Rio de Janeiro, 1997, pp.68 e ss.
Canrpanhole, Constituigdes do Brasil,Editora Atlas, Sdo Paulo,
6" ed., 1967, p. 418.
f5
27
sdo do fascismo e a sua expressdo nos atos da ditadura. No segundo, o ditador, jd sem condig6es de aplicar
a legislagdo do arsenal fascista que a correlagdo de
forgas politi"o. indicava e a Carta autorizava, usando
a Lei ionstitucional n" 9, de 28 de fevereiro de 1945,
convoca eleigOes gerais, que nova Lei Constitucional
(no 15, de 26 de novembro de 1945)' jd no governo
de Josd Lbhares, utilizando ele tamb6m a
provis6rio
-Carta
de 1937, interpretarii como convocagdo da Assembldia Nacional Constituinte.
Desde ent6o e atd o curso na Constituigdo de
1946, o Tribunal Superior Eleitoral intervir6 decisivamente na vida polftica do pafs. Agora' a decisdo da
qual decorrerd a convocagdo da Assembldia Constituinte e mais adiante a decisdo ini'qua que colocou i
margem da lei o Partido Comunista do Brasil'
A longa Lei Constitucional n" 9145, como se viu,
convoca eleiE6es gerais, Inas a ela ndo concede poderes constituintes.
Na seqi.i€ncia, consulta do PSD e representagAo
da OAB indaga ao TSE sobre o alcance das eleig6es
entdo convocadas Pelo ditador.
Em 2 de outubro de 1945, o Tribunal Superior
Eleitoral, sob a presid6ncia do ministro Jos6 Linhares,
respondendo a consulta do PSD e a representagdo da
Ordem dos Advogados do Brasil aprova Resolugdo no
215, nos seguintes termos:
28
"O Tribunal Superior Eleitoral, tomando conhecimento, por maioria de votos, da representagAo da Ordem dos Advogados do Brasil
- Segdo do Distrito Federal - e de consulta
formulada pelo Partido Social Democrdtico,
resolve declarar que o Parlamento Nacional
que serd eleito a 2 de dezembro de 1945, al6m de suas fung6es ordinrlrias, terii poderes
constituintes, isto 6, apenas sujeito aos limites que ele prescrever." (grifei)
A Resolugdo do TSE iria instrumentar a Lei
Constitucional no 13, de 12 de novembro de 1945
("Disp6e sobre os poderes constituintes do Parlamento
que serd eleito a 2 de dezembro de 1945"), editada por
Josd Linhares, j6 no exercfcio provis6rio da presidOncia da Repfblica.
Com dois consideranda e dois artigos, a referida
Lei
Constitucional, com simplicidade, convoca
a
Constituinte nos seguintes termos:
"Considerando que o Tribunal Superior Eleitoral interpretou como sendo constituintes os
poderes que, nos termos da Lei Constitucional no 9, de 28 de fevereiro de 1945, a Nagdo vai outorgar ao Parlamento nas eleig6es
convocadas para 2 de dezembro de 1945;
"Considerando a conveniOncia de pdr termo
ds controvdrsias entdo suscitadas a respeito
29
do julgado, em torno da legitimidade e da
extensdo dos poderes que a Nagdo delegard
ao Parlamento, decreta:
"Art. 1o Os representantes eleitos a 2 de dezembro de 1945 para a Cdmara dos Deputados
-
eo
Senado Federal reunir-se-do no Distrito
Federal, sessenta dias apos as eleig6es, em Assembldia Constituinte, para votar, com poderes
ilimitados, a Consdnligdo do Brasil.
a Constiruigdo, a
e
CAmara dos Deputados o Senado Federal
passarlo a funcionar como Poder Legislativo
ordindrio".
"Art. 2o -
Promulgada
O art. 2o da Lei n' 13 i6 iria modificar, emparte,
o entendimento do TSE de que os poderes constituintes do futuro parlamento se exerceriam sem prejuizo
de suas fung6es ordindrias. E modificaria para melhor,
jr{ que a "acumulagdo de poderes distintos no mesmo
6196o, funcionando a um tempo como constituinte e
16
feriam um dos cdnones da
legislativo ordiniirio",
teoria constirucional do liberalismo, desvirtuamento
que ocorrera na Constiruinte Imperial e que valera
severas cr(ticas."
16
Paulo Bonavides e Paes de Andrade, Histdria constitucional do
Brasil,Paze Terra, Brasflia, 1988, p.35.
30
"Dessa forma, desde a primeira Constituinte
brasileira, a de 1823, emaizou-se no Brasil
uma tradigdo poUtica de certo modo an6mala e esdnixula, qual a de conferir ao coldgio
da soberania o exercfcio simultdneo ou sucessivo da fungdo legislativa ordiniiria, contrariando assim a boa doutrina constitucional, sempre inclinada para a exclusividade
da tarefa constituinte por aquelas assembldi-
as [...] Em verdade, s6 houve na hist6ria
constitucional do Brasil, uma Constituinte
que efetivamente cumpriu h risca, em razdo
da forma correta de sua convocagdo, esse
mandamento da doutrina mais escorreita: a
de 1933. Mas ainda ali n6o faltaram ensaios
nem debates no sentido de sofismar a genuinidade desse processo e conduzi-lo, por um
ato manifestamente oblfquo e ilegftimo, a se
autotransfonnar em C6mara ordindria, finda
l7
a elaboragdo da obra constitucional".
Entre a instalagdo da Constituinte e sua promuliria funcionar ordinariamente como Legislativo? A lacuna seria preenchida pela Lei Constitucional no 15, de 26 de novembro de 1945, que dispds sobre os "poderes da Assembldia Constituinte e
gagdo, quem
r?
Ibidem, p. 289. Sobre dualidade legislativa especial e ordiniiria,
V. Prado Kelly, nesta mesma obra, p. 36.
3l
do Presidente da Repriblica". A lei ressalva a "legitimidade da eleigdo do Presidente da Repriblica" e invade a soberania da Constituinte, embora respeite o
cdnone das tarefas exclusivas do Poder Constituinte,
ao determinar que:
t8
"Enquanto n6o
for
promulgada
a
Nova
Constituigdo do pafs, o Presidente da Repdblica, eleito simultaneamente com os Deputados e Senadores, exerceri{ todos os poderes
da legislanrra ordindria e de administragdo
que couberem d Unido, expedindo os atos
legislativos que julgar necessdrios".
Nessa hip6tese, sem drivida, os Constituintes se
libertam das tarefas ordini{rias do parlamento, at6
porque uma Assembldia Constinrinte ndo 6 um 6rgdo
legislativo, embora funcione como tal. E um momento
rinico de determinada fase hist6rica, um poder acima
dos demais poderes da tricotomia cldssica: legislativo,
executivo e judicir{rio. Uma Constituinte deve ser um
pacto fundador pelo qual as forgas polfticas criam
vr
iuperior"s normas.lurfdicas de valoi conititucional.
Durante os trabalhos da constituinte e atd a entrada em vigor da nova Constituigdo, o general Dutra,
t* V. Marcello Cerqueira,
Como
foram convocadas as
Constituigdes. Ensaio. Prefricio de Raymundo Faoro, apresentagdo
de Enio Silveira, Rio de Janeiro, 1986.
32
condestdvel do Estado Novo eleito presidente da Repriblica, governou atravds de decretos-lei com base na
Carta de 1937, apesar de alguns partidos terem se
pronunciado em favor do restabelecimento da Constituigdo de 1934 ou da elaboragdo de rlonnas transit6rias. le Dutra, paralelamente h Constituinte, baixou
decretos-lei que limitavam a pr6pria participagdo da
sociedade
na elaboragdo do texto constifucional. A
pretexto de regulamentar o direito de greve, proibiu-a
em atividades admitidas como "fundamentais" e que
seriam definidas por portaria a critdrio do Ministdrio do
Trabalho; e nos demais casos a greve seria aceita se
precedida de decisdo a cla favoriivel pela Justiga do
Trabalho. O Movimento de Unidade dos Trabalhadores
(MUT), a grande central sindical que entao se formava,
foi colocada na ilegalidade por Dutra no curso dos trabalhos constituintes. Continuava a censura com proibigdo de programas radiof6nicos e a apreensdo do jornal
comunista Tribuna Popular. Apesar de o Partido Comunista encontrar-se na legalidade, decreto do govemo
jri contingenciava a liberdade partidi{ria, prenfncio da
cassaglo daquele partido, em1947.
Reter esta parte d relevante para estas notas
porque adiante serd comentada a convocagdo
da Constituinte atravds da Emenda Constitucional n'26185.
19
Joao Alnrino,
Era uma vez uma Constitr.dnte, Brasiliense, 56o
Paulo, 1980, p.8.
33
Finat de 1946, inicio de 47, a conjuntura mundial
modifica-se, uma politica mais agressiva contra o
bloco socialista vai tornar corpo e a "Guerra Fria" serd
a expressdo do endurecimento da posigdo dos EUA e
seus parceiros, novos tempos que serdo muito bem
recebidos em pafses latino-americanos, atd de alguma
forma por aqui antecipados quando o governo Dutra,
usando ainda leis do arsenal do Estado Novo, reforma
compulsoriamente militares acusados de pertencerem
a "partidos antidemocriiticos". Fase que serd conheci
da como o "Estado Novo de Dutra".
Eleito por uma coligagdo bafejada pelo prestigio
de Vargas, o general Dutra, candidato do PSD, partido
dos Interventores no Estado Novo, ap6s tomar posse,
troca em parte de aliangas e se conp6e com a UDN'
partido que apoiara
o
brigadeiro Eduardo Gomes,
antes adversdrio. Bloco de forEas que d formado para
impedir o natural avango dos setores populares' que o
oficialismo logo carimbaria como a "servigo de Moscou", conhecido borddo da 6poca; ao mesmo tempo
em que, no plano econdmico, malbarata as divisas t6o
duramente acumuladas durante a guerra. Enffetanto, a
alianga PSD-UDN ndo se mostraria suficiente para
submeter o legislativo h camisa-de-forga imposta de
fora. Recorre entdo o governo d receita jd testada nos
atos preparat6rios do Estado Novo: medidas "legais"
extrafdas de um Judicidrio invertebrado e de um Congresso docil poderiam quebrar a resistdncia de setores
aguerridos e afinal do pr6prio Parlamento; isto sem
34
esquecer a rdplica do Plano Cohen na manipulagdo de
uma resposta (cujo sentido foi maliciosamente modificado) do senador Luiz Carlos Prestes a urna pergunta
capciosa e provocadora quando indagado qual a sua
posigdo na hip6tese de uma gueffa entre o Brasil e a
Unido Sovidtica. A f6rmula foi a de sempre: o apelo
ao anticomunismo, facilitado pela polftica secti{ria que
levaria ao isolamento do PCB. O Partido Comunista
entdo obteve quase lU%o do total nacional dos votos
(511.320 em 6.188.586)
e
contava com 180.000
membros, ndo computados os simpatizantes, e seu
crescimento tinha de ser contido. Ld fora, os americanos e seus parceiros iniciavam a "ponte adrea" para
socorrer a sitiada Berlim Ocidental e jd se preparavam
pata a guerra da Cor6ia; aqui, o rompimento de relag6es diplomdticas com a Unido Sovidtica por pueril
pretexto, o fechamento do PCB, e por fim a cassagdo
dos mandatos parlamentares de seus representantes
em todo o Pafs.
Em 07 de maio de 1947, o TSE acolhendo representagdo de Honorato Himalaya Virgolino (torturador
no Estado Novo e depois do Golpe de 64 agente do
CENIMAR) e de Edmundo Barreto Pinto, por maiori-
a, cancelou o registro do entdo Partido Comunista do
Brasil cuja sigla era PCB.
A decisdo iniqua do Tribunal cancelando o registro do PCB abriu caminho para que o Senado e a Cdmara dos deputados declarassem extintos os mandatos
dos seus representantes, exemplo seguido pelas As-
35
sembldias Estaduais e CAmara de Vereadores abertas
com a cassag6o dos comunistas. As vacAncias foram
preenchidas por suplentes em todo o Pais!
O cancelamento do registro do Partido Comunista, por decisdo do Tribunal Superior Eleitoral, de 7 de
maio de 1947, ttia repercutir no Supremo Tribunal
Federal atravds de um pedido de habeas corpus tnpetrado por dirigentes impedidos de ingressarem na sede
partid6ria, aldm de recurso extraordini{rio da referida
decisdo do TSE e de dois mandados de seguranga
impetrados por representantes do PCB no Congresso
Nacional, contra o ato das respectivas Mesas declarando extintos os seus mandatos, na conformidade do
'l'948.20 O haart. 2o da Lei n" 2lI, de 7 de janeiro de
beas corpus foi julgado na sessdo do STF de 28 de
maio de 1944 sob a presid6ncia do ministro Josd Linhares, relator o minisffo Castro Nunes. A ordem foi
negada por unanimidade; manifestando seus impedimentos o ministro Lafayette de Andrada e o insigne
Ribeiro da Costa por ter funcionado como juiz do
Tribunal Superior Eleitoral e ali votado contra o cancelamento do registro do Partido Comunista' Os demais recursos ndo tiveram melhor sorte.
Ainda na vigdncia da Constituigdo de 1946 serd
marcada pela tentativa de golpe contra o governo do
4 V.
Edgard Costa, Os Crandes Julgamentos do Supremo
Tibu'
nal Fediral, Editora Civilizaqdo Brasileira, Rio de Janeiro, 1964'
vol. Itr (1974-1955), Seq6o XXXV' pp.9196'
36
segundo Vargas, que se resolve com o seu sacrificio;
as tentativas de golpe contra a posse de Juscelino Ku-
bitscheck; a tentativa de golpe de J6nio Quadros e
outra tentativa de golpe contra a posse de seu sucessor
Jo6o Goulart, o arremedo do parlamentarismo como
fator de conciliagdo para sua posse na presid6ncia da
Repriblica, o referendo que retorna o sistema de governo ao presidencialismo e afinal o golpe de Estado
de 1.964, que inicia o ciclo de horrores da ditadura
militar atd o seu final vil e melanc6lico.
A Carta semi-outorgada de 1967 e o recrudescimento da ditadura com a Carta de 1969 sdo de escassos interesses para estas notas.
VIII
indispensdvel fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao
Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuar:i a haver neste
momento, ndo s6 no espfrito e no comportamento das classes armadas, como na opini6o priblica nacional, d uma aut6ntica revo-
"E
lug6o [...]
A revolugdo vitoriosa se investe no exercicio
do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleigdo popular ou pela revolugdo. Esta 6
37
a forma mais expressiva e mais radical do
Poder Constituinte. Assinu a revolugdo vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima
por si mesma. Ela destitui o governo anterior
e tem a capacidade de constituir o noYo governo. Nela se contdm a forga normativa, tnerente ao Poder Constituinte. Ela edita
norrnas juridicas sem que nisto seja limitada
pela normatividade anterior h sua vit6ria [...]
Os processos constitucionais ndo funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o Pafs.
Destituido pela revolugdo, s6 a esta cabe ditar as normas e os processos de constituigao
do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou
os instrumentos jur(dicos que lhe assegurem
o exercfcio do Poder no exclusivo
interesse
do Pafs [...]
Para reduzir ainda mais os plenos poderes de
que se acha investida a revolugSo vitoriosa,
resolvemos, igualmente, rnanter o Congresso
Nacional, com as reservas relativas aos seus
poderes, constantes do presente Ato Institucional.
Fica, assin\ bem claro que a revolugdo n6o
procura legitimar-se atravds do Congresso.
Este 6 que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercfcio do Poder Constituinte,
38
inerente a todas as revolug6es, a sua legitimagdo.
Destaques
[...]"
utt
do predmbulo do Ato Instihrcional
(que depois seria numerado) com os quais os golpistas
de 1964 castigam a Nagdo. Nesse passo, seu redator,
novamente o jurista Francisco Campos, demonstra sua
maior intimidade e intima adesdo ao pensamento do
tambdm jurista alemdo Carl Schmitt quando afrma
que o soberano 6 quem decide sobre a excegdo, que
por sua vez o define e vai assegurar seu poder na lei
que cria e na normalidade da excegdo.
Certamente, Schmitt sobrescreveria, de logo, a
parte do predmbulo que define o movimento:
"A
revolugdo vitoriosa se investe no exercfcio do Poder Constituinte. Este se manifesta
pela eleigdo popular ou pela revolugdo. Esta
6 a forma mais expressiva e mais radical do
Poder Constituinte. Assinu a revolugdo vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima
por si mesfira [...] Nela se contdm a forga
normativa. inerente ao Poder Constituinte.
Ela edita normas jurfdicas sem que nisto seja
limitada pela normatividade anterior d sua
vit6ria [...]"
39
E mais:
"Destituido pela revolugdo (o governo ante-
rior), s6 a esta cabe ditar as normas e os
processos de constituigdo do novo governo e
atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos
juridicos que lhe assegurem o exercicio do
Poder no exclusivo interesse do Pais [...]"
E a seguir definirr{ com precisio o papel que caberi{ ao Congresso durante toda a ditadura:
"Para reduzir ainda mais os plenos poderes
de que se acha investida a revolugdo vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas
aos seus poderes, constantes do presente Ato
Institucional.
Fica, assim, bem claro que a revolugdo n6o
procura legitimar-se atravds do Congresso.
Este 6 que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercicio do Poder Constiruinte,
inerente a todas as revolug6es, a sua legitimagdo [...]"
Nesse passo, uma aparente contradigdo: embora
reafrme seus poderes absolutos, a redagdo claudica
(?) e parece admitir "reduzir ainda mais os plenos
poderes de que se acha investida" e se permite rnanter
40
o Congresso Nacional, ainda que limitado. E que a ele
restava a triste tarefa de chancelar a "eleigdo" do prirneiro ditador, em um cerimonial macabro ao qual ndo
faltaram os votos e apoios de polfticos proeminentes,
liberais muitos, mais tarde ceifados pelo processo
"revolucioniirio". A exist€ncia do Congresso destinava-se a manter a fachada "legal" da ditadura.
Possivelmente, o jurista autor de ambos os Predrnbulos talvez tenha procurado ndo se repetir inteiramente na segunda tarefa; deve mesmo t6Jos cotejado, mas, mesmo assirq ndo logrou escapar da semelhanga. O rango autoritiirio e obscurantista que animou
ambos os momentos [na Carta, a presenga castrense,
embora decisiva, no fundo do palco ocupado pelo
ditador; no Ato, os militares no proscdnio, nlo desejando a antecena dos anteriores golpes de 1954, 1955
e 19611 fez seu autor reproduzit-se, ndo a hist6ria, na
formulagdo jurfdica de conhecida tdcnica e maus principios, do outro regrme de excegdo; antes, impulsionado pela ascensdo do fascismo no mundo; depois,
pelo paroxismo da "guerra fria", com a ameaga do
comunismo a ligd-los como pega comum de uma
mesma engrenagem a justificar o desmanche da ordem
legal com seu cortejo tenebroso de perseguigdes politicas, anos de chumbo, a guerra suja.
Algumas comparagdes entre os predmbulos
da Carta de 37 e o Ato Institucional de 9 de
abril de I964.No predmbulo da Carta de37:
4l
"[...]
atendendo ao estado de apreensdo cria-
do no Pafs pela infiltragdo comunista, que se
torna dia a dia mais extensa e mais profunda,
exigindo remddios de car:iter radical e permanente [...]" No predmbulo do Ato Institucional:
"[...] os processos constitucionais n6o funcionaram para destituir o governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o Pafs
[...]" No preAmbulo da Carta de 37: "[...]
com o apoio das forgas armadas e cedendo
is inspirag6es da opinido nacional [...]". No
predmbulo do Ato Institucional: "[...] O Ato
Institucional que hoje d editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exdrcito, da Mari-
nha e da Aeronriutica, em nome da revolu96o que se tornou vitoriosa com o apoio da
Nag6o em sua quase totalidade [...]" No preAmbulo da Carta de 37: "[...] e ao povo brasileiro, sob um regime de paz politica, as
condig6es necessdrias para sua seguranga, ao
seu bem-estar e h sua prosperidade [...]" No
predmbulo do Ato Institucional: "[...] os
meios indispensi{veis h obra de reconstrugao
econdmica, financeira, polftica e moral [...]"
No predmbulo da Carta de 37: "[...] profundamente perturbada por conhecidos fatores
de desordem... luta de classes, e de extremagdo de conflitos ideol6gicos... a resolver-se
em termos de viol€ncia [...]" No predmbulo
42
"[...]
os graves e urgentes problemas de que depende a restauragdo
da ordem... e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsdo comunista cuja purulOncia jri se havia infiltrado n6o s6 na cfpula do governo [...]"
do Ato Institucional:
IX
Com Agamben
''
vemos que o Estado de Direito
perde seus limites em perfodos de crise em que as quest6es sdo afastadas do terreno juridico-constitucional e
pilssam a habitar soberanamente a arena do polftico. O
"pre6.mbulo" hd de ser entendido como marginal ao
Direito, apresentando-se como forma legal irqullo qu,e
n6o pode terforma legal.
Lembra o autor o estado de excegdo tdo logo d
cedido o poder a Hitler, que de pronto promulga o
Decreto para a protegdo do povo e do Estado, que
suspendia os artigos da Constituigdo de Weimar relativos hs liberdades individuais. Como o Decreto nunca
foi revogado, durante todo o Terceiro Reich pode ser
considerado como um estado de excegdo que durou
doze anos, radicalizag?,o extrema que os fatos da guerra levaram ao Holocausto.
2r
Giorgio Agamben, Estado de Excegdo, Boiternpo Editorial, Sdo
Paulo, 2007, 2o ed., passim.
43
Entre n6s, o golpe de 1,964 tem dois momentos
distintos. No primeiro, a alianga entre militares e civis
leva i "eleigdo" de Castelo Branco e a um mandato
"tampdo" cujo termo se comprometia com a convocagdo de eleig6es para presidente da Repfblica, que n6o
foi hornado. Ao buscar a prorrogagdo do seu mandato,
Castelo Branco, se em algum momento pretendeu
repor a Constituigdo de 1946, suspensa pelo Ato Institucional, e convocar eleig6es que limitassem o poder,
demarcou o caminho para a permandncia dos militares
que viriam apenas a alternar-se no Comando da Nag5o. Os chamados "moderados" castelistas pareciam
dispor-se em linha singela contra a "linha dura" que se
organizava em torno do Ministro da Guerra Costa e
Silva. Nada disso: quebrada a legalidade democrdtica,
seus tfteres, de Castelo em diante, devem dividir igualmente a responsabilidade politica e moral pela
ditadura sanzuindria.
Ainda nesta Segdo cabe registrar os dois
momentos em que o estado de excegdo se
manifesta na Amdrica, com a curiosa diferenga de que a crise econ6mica de 1929 serve para justificar os poderes extraordiniirios
pedidos por Roosevelt ao Congresso, em
vu e logo depois, em 1941, os poderes
1933,
excepcionais para enfrentar a Segunda Guerra. Jii agora a ordem se inverte: a guerra declarada pelo governo Busch contra os pafses
44
do eixo do mal, atravds da "Ata Patri6tica' ,
antecede o novo crash que abalou a ecollo-
mia Arnericana com reflexos em todo o
mundo dominado pelo "deus mercado". No
primeiro, a emergAncia econ1mica precede a
emergAncia militar; no segundo, a emergAncia econ1mica foi acelerada pela emergAncia
militor, na medida em que desencadeia polfticas de guerra contra inimigos reais ou imafigindrios sem dispor dos imensos
^meios
"
ine
de
gastos
militares
para
os
nanceiros
telig€ncia e nem de condig6es politicas para
operii-las com 6xito e, assim, abriu passo para a crise. Agora, d a primeira vez em que o
capitalismo enfrenta uma crise global sem
reconhecer adversiirios. Inexistem movimentos sociais e polfticos capazes de confrontar
o capital e a sua forma ini,qua de distribuir
riqueza: a crise demonstra ndo haver definitivamente harmonia entre capitalismo e democracia. A crise no mercado desencadeou
a crise na economia real, dependente da 16gica especulativa do capital financeiro. Estri
afastado o paradigma fundamentalista de
que os mercados se ajustam por si mesmo e
22
A imprensa estima em atd tr€s trilhdes de d6lares as despesas
com a intervengdo no kaque. A cifra pode estar exagerada, mas
ndo ser6 menor do que a metade do custo estimado'
45
que sua pr6pria dinf,mica os obrigaria a se
auto-regularem. Os fatos comprovam o en-
godo da id6ia circulante desde o chamado
consenso de Washington' de que as privatizag6es e a liberalizagdo dos mercados, por
si s6s, seriam suficientes para que os pafses
entrassem numa rota de crescimento virtuoso: os mercados nlo promovem o desenvolvimento econdmico ou melhoram a distribuigdo de renda, j6 se v6!
A diversidade das tradigdes juridicas corresponde, na doutrina, a divisdo entre os que procuram inserir o estado de excegdo no dmbito do ordenamento
jur(dico e aqueles que o consideram exterior e esse
ordenamento como fen6meno politico ou extrajuridico (Agamben).
Na leitura que faz Agamben de que d pr6prio do
estado de excegdo a suspensdo (total ou parcial) do
ordenamento juridico, indaga: "como poderr{ essa suspensdo ser ainda compreendida na ordem legal". E
continua: "Como pode uma anomia ser inscrita na ordemjuridica? E se, ao contriirio, o estado de excegdo 6
a O consenso de Wastington objetivou
a globalizagSo total atravds
das privatizag6es, redugio drdstica dos gastos pfblicos e desregularnentaEdo do mercado, incentivo aos investimentos estrangeiros
regras estas fonnuladas no hnal de I 989 por econoruistas do
-
Fundo Moneti{rio Intemacional, do Banco Mundial e de naturalmente do Departamento do Tesouro dos EEUU.
46
apenas uma situagao de fato e, enquanto tal, estranha ou
contrdria d lei; como d possivel o ordenamento jurfdico
ter uma lacuna justamente quanto a uT.a situagdo crucial? E qual d o sentido dessa lacuna?" Entretanto, o autor examinando os decretos-lei
na hist6ria italiana os insere no estado de excegdo.
Vamos a alguns trechos da obra de Agamben.
"A hist6ria e a situagdojurfdica do estado de
excegio na lt6lia apresentam um interesse
particular do ponto de vista da legislagdo por
meio de decretos governamentais de urg6ncia (chamados "decretos-lei"). Na realidade,
pode-se dizer que, sob esse dngulo, a Itdlia
havia funcionado como um verdadeiro labo-
rat6rio polftico-jurfdico no qual, pouco
a
pouco se organizou o processo - presente
tambdm, com diferengas, em outros estados
europeus [...]"
"[...] isso significa, igualmente, que um Estado onde os governos eram frequentemente
insti{veis elaborou um dos paradigmas essenciais atravds do qual a democracia parlamentar se torna governamental. De todo
modo, 6 nesse contexto que o pertencimento
do decreto de urg€ncia ao dmbito problem6-
z
Agarnben, ob. cit., p. 39.
M
tico do estado de excegdo aparece com clareza f...f"
5
"[...] a Constituigdo republicana , por meio
do art. 77, estabeleceu com singular continu26
que "nos casos extraordindrios de
idade
necessidade e urg6ncia", o governo poderia
adotar "medidas provis6rias com forqa de
lei", as quais deveriam ser apresentadas no
mesmo dias ds Cdmaras e perderiam sua eficiicia se n6o fossem transformadas em lei
dentro de sessenta dias, contados a partir da
publicagdo [...]"
"[...] Sabe-se que a prr{tica da legislagdo go-
vernamental
por meio de decretos-lei tor-
nou-se ent6o a regra na ltdlia. Nao s6 se recoreu aos decretos de urgdncia nos periodos
de crise politica, contornando assim o prin-
cipio constitucional de que os direitos
dos
cidaddos ndo poderiam ser limitados sendo
por meio de leis [...] como tambdm os decretos-lei constituem a tal ponto a forma normal
de legislagdo que puderam ser definidos como "projetos de lei reforgados por urgdncia
garantida [...] Isso significa que o principio
democriitico da divisdo dos poderes hoje es?5-
-
tsr11
ugor.
6 Continuidade com
o Estatuto albertino e mesmo com o
fascista.
48
regitle
tii caduco e que o poder executivo absorveu
de fato, ao menos em parte, o poder legislativo. O Parlamento ndo d mais o 6rgdo soberano a quem compete o poder exclusivo de
obrigar os cidaddos pela lei: ele se limita a
ratificar os decretos emanados do poder executivo. Em sentido tdcnico, a Repriblica n6o
6 mais parlamentar e, sim, governamental. E
6 significativo que semelhante transformagdo da ordem constitucional, que hoje ocorre
em graus diversos em todas as democracias
ocidentais, apesar de bem conhecida pelos
juristas e pelos polfticos, perrnanega totalmente despercebida por parte dos cidaddos.
Exatamente no momento em que gostaria de
dar ligdes de democracia a culfuras e tradig6es diferentes, a cuhura politica do Ocidente ndo se dii conta de haver perdido por inteiro os principios que a fundam 1....)-"
Veja-se que Agamben formula sua crftica sobre
um sistema de governo parlamentar, em que a maioria do parlamento elege o primeiro-ministro (executivo) e pode afasti{-lo com voto de desconfianga. Mesmo assim, a critica d forte quanto ao uso de "medidas
provis6rias".
27
Agamben, cit., pp. 30/31.
49
Que dirr{ seu uso em pafs de regime rigidamente presidencialista como o Brasil?
decreto-lei vem na esteira da infludncia da
Constituigdo polonesa de 1935 na Carta do Estado
Novo de 1937.
O
13. O presidente da Repriblica' nos perfodos de recesso do parlamento ou de dissolugdo da Cdmara dos Deputados poderd, se o
exigirem as necessidades do Estado' expedir
decretos-leis sobre as matdrias de competdncia legislativa da Unido, excetuadas as seguintes [...]" A inspiragdo pr6xima da Carta
de 37'encontra-se no art. 55, alinea2 da sua
"Art.
cong6nere polonesa:
"Art. 55, 2. O Presidente da Repriblica tem o
direito de promulgar, quando as necessida-
des de Estado o exijanr, em periodo de dissoluEdo da Dieta, decretos de ordem legislativa, exceto quando se tratem de [...]"
E, em seguida, o art. 14 da Carta de37:
"Art. 14. O Presidente da Repriblica,
obser-
vadas as disposigdes constitucionais e nos
timites das respectivas dotag6es orgament6rias, poderd expedir liwemente decretos-lei
sobre a organzaglo do Governo e a admi-
50
nistrag6o federal, o comando supremo e a
organizaglo das forgas armadas." Tamb6m
esse artigo 6 de inspiragdo da Carta poloneSA:
"Art. 56. Os decretos concernentes h organizag6o do Governo e ao comando supremo das
forgas armadas, bem como a organizagdo da
administragdo do Estado, podem ser promulgados em todo o tempo; ndo podem ser modificados ou ab-rogados, sendo por decretos an6logos do presidente da Repriblica."
A Carta de 1967 traz castigos semelhantes:
"Art. 58. O Presidente da Repfblica, em casos de urg6ncia ou interesse priblico relevante, e desde que n6o resulte aumento de despesa, poderd expedir decretos com forga de
lei sobre as seguintes matdrias:
I - seguranga nacional;
II
-
finangas pfblicas.
Parr{grafo rinico. Publicado o texto, que terd
vig6ncia imediata, o Congresso Nacional o
aprovarii ou rejeitard, dentro de sessenta dias, ndo podendo emendr{-lo; se, nesse prazo
n6o houver deliberagdo, o texto seri{ tido
como aprovado."
5l
Mas a aprovagdo pot decurso de prazo na tdbua
de castigos da Carta de 1967 jrd vinha antes no art. 54,
assim:
"Art. 54. O Presidente da Repfblica
poderri
enviar ao Congresso Nacional projetos de lei
sobre qualquer mat€tia, os quais, se assim o
solicitar, deverdo ser apreciados dentro de
quarenta e cinco dias, a contar do seu recebimento na CAmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal.
$ 1' Esgotados esses prazos, sem deliberagdo, ser6o os projetos considerados como
aprovados" (Srfei).
56o duas 6pocas de uma mesma imposigdo
de
normas. Veja-se que a primetta (1937) trabalha com o
conceito de "necessidade"; enquanto a outra (1'967)
refere a "casos de urgCncia ou de interesse priblico
relevante" e se extrerna: aprova por decurso de prazo
projetos de lei sobre qualquer matdria (sic).
O conceito de necessidade como fonte primdria
de direito vai se firmar no entreguerras, especialmente
pela influ0ncia do jurista Santi Romano, como adiante'
Autores sustentam o conceito de "necessidade" como fundamento do "estado de excegdo". O principio necessitas legem non ha-
bet tetia encontrado sua formulagdo em duas
s')
passagens no Decretum de Graciano. Tam-
b6m Tomds de Aquino comenta o princfpio
na Summa theologica. Entretanto, s6 com
autores modernos o "estado de necessidade"
vai aparecer na ordemjurfdica, como verdadeto estado da lei.
O principio de que a necessidade define uma
situagdo particular em que a lei perde seu yis
obligandi (esse d o sentido do adr{gio necessitas legem non habet) transforma-se naquilo
qtJe a necessidade constitui, por assim dizer,
o fundamento fltimo e a pr6pria lei fonte da
lei. Isso d verdadeiro ndo s6 para os autores
que se propunham a justificar deste modo os
interesses nacionais de um Estado contra outro, como na f6rmula Not kennt kein Gebot
usada pelo chanceler prussiano BerthmannHollweg e retomada no liwo homdnimo de
Josef Kohler [1915], mas tambdm para os
juristas de Jellinek a Duguit, que v6em na
necessidade o fundamento da validade dos
decretos com forga de lei emanados do executivo no estado de excegdo.2s
guerra
Na
civil americana (1861-1865), Lincoln
por diversas vezes violou principios fundamentais da
constifuigdo dos Estados Unidos da Amdrica, decretou
o recrutamento forgado de um forte exdrcito, impds a
ts
Agamben, ob. cit., p. 43.
53
censura sobre os correios e determinou a detengdo em
c:irceres militares das pessoas suspeitas de "disloyal
and treasonable practices". Em discurso ao Congresso
(14 de fevereiro de 1'862), Lincoln justificou aberta-
mente, enquanto detentor de um poder supremo, a vio-lagdo da constituigao numa situagdo de nicessidade'n
Tamb6m na Inglaterra, a Primeira Guerra Mundial iria generalizar dispositivos governamentais de
excegdo. Declarada a guelra, o governo solicitou ao
Parlamento a aprovagdo de uma s6rie de medidas de
emerg\ncia aprovadas praticamente sem discussdo' A
mais importante delas foi o Defense of Realm Act (4
de agosto de 1914), que, aldm de conferir ao governo
amplos poderes para regular a economia de guerra,
previa graves limitag6es fundamentais dos cidaddos,
im particular a^compet€ncia dos tribunais militares
para julgar civis.'u
Voltando a Santi Romano e h sua infludncia sobre o pensamento europeu entre as duas guerras, 6
dizer que o jurista definia a necessidade n6o s6 como
exterior ao ordenamento juridico, mas como fonte
primaria e originaria da lei. Romano distingue entre
bs que entendem a necessidade como um fato juridico
ou mesmo um direito subjetivo do Estado, que tem
Ibid"m, p. 35. Agamben comenta que, agindo como ditador
absoluto, iincoln permitiu a Schmitt cil4Jo como exemplo de
ditadura "comiss6ria".
s lbidem, p. 33.
2e
54
seu fundamento na legislagdo vigente e nos principios
gerais do direito; e aqueles que entendem que a neces-
sidade 6 um mero fato e que, portanto, os poderes
excepcionais que nela se baseiam n6o t6m nenhum
fu
ndamento nosistema legislativo.
3l
"A necessidade de que aqui nos ocupamos
deve ser concebida como uma condigdo de
coisa que, pelo menos como regra geral de
modo conclusivo e eftcaz, n6o pode ser disciplinado por norfins anteriormente estabelecidas. Mas, se ndo hr{ lei, a necessidade faz
a lei, como diz outra expressdo corrente: o
que significa que ela mesma constitui uma
verdadeira fonte de direito [...] Pode-se dizer
que a necessidade 6 a fonte prirn{ria e origindria do direito, de modo que, em relagdo a
ela, as outras fontes devem, de certa forma,
ser consideradas derivadas [...] E na necessidade qte se vai buscar a origem e a legitimag6o do instituto juridico por excel6ncia,
isto d, do Estado e, em geral, de seu ordenamento constitucional, quando 6 instaurado
como um dispositivo de fato, por exemplo,
quando de uma revolugdo. E aquilo que se
verifica no momento inicial de um determinado regime pode tambdm se repetir, ainda
3r
Ibidem, p.43.
55
que de modo excepcional e com caracterfsticas mais atenuadas, mesmo depois desse regime ter formado e regulamentado suas ins3'
iituigo"t fundamentai..;' 1Ro-ono, grifeD
Segundo alguns autores, no estado de necessidade, "ojuiz elabora um direito positivo de crise, assim
como, em tempos normais, preenche as lacunas do
direito".33 Desse modo, o problema do estado de exce-
gdo 6 relacionado a um problema particularmente
interessante na teoria juridica, o das lacunas do direito. Pelo menos a partir do art. 4 do C6digo de Napole1o ("O juiz que se recusar a julgar, sob pretexto de
sildncio, sentido obscuro ou insuficiCncia da lei, poderii ser perseguido como culpado de denegagdo de justiga"), na maior parte dos sistemas juridicos modernos
o juiz tem obrigagdo de pronunciar um julgamento,
mesmo diante de uma lacuna da lei. Em analogia ao
principio de que a lei pode ter lacunas, rnas o direito
ndo as admite, o estado de necessidade 6 entdo inter
pretado como urta lacuna no direito priblico, a qual o
poder executivo d obrigado a remediar. Um principio
32
Santi Ronrano, Sui decretiJegge e lo stato di assedio in occasiteremoti di Messina e Reggio Calabia, Rivista di Diritto
Priblico, 1909, reed. in: Scritti minoi, Milano, Giuffrd' 1990' v.l;
cit. por Agamben, ob. cit., pp.43144.
33
A. Mathiot, La thdorie de circunstances exceptionnelles, M6langes Mestre, Paris, 1956.
one del
56
judicidrio estende-se, assinl
que diz respeito ao
"pder
'*
poder
executivo.
ao
No exame de caso que estas notas procuram examinar, tem-se que a falta de determinada lei n6o foi
suprida por votagdo regular de lei pelo Parlamento, ou
editada pelo castigo da medida provis6ria (CF, art. 62
e ss.), mas resolvida por decisdo do Supremo Tribunal
Federal que substitui, a um tempo, o Parlamento e os
poderes excepcionais que detdm o presidente da Repriblica.
A lacuna ndo esti{ no interior do ordenamento juridico, mas se relaciona com a realidade de fatos politicos e a impossibilidade de sua criagdo e aplicagdo
por decisdo judicial na sistemdtica do Direito brasileiio. Parece que o Tribunal, a rnfngua de suposta lei,
legisla por necessidade - respondendo ele is vozes
roucas das ruas
do de excegdo.
-
mas nesse ponto resvala pata o esta-
pr6xima Segdo pretende discutir a questdo da
"fidelidade partidi{ria" tal como definida pelo Tribunal
Superior Eliitoral e "legislada" por poderes excepcionais que a Suprema Corte se atribuiu.
A
Y Agamben, ob. cit., p. 48.
57
x
"Mas a Constituigdo ndo permite a perda do
mandato por infidelidade partiddria" (Josd
Afonso da Silva, Comentario Contextual d
Constituigdo, Malheiros, SP, 2005, p. 240).
Os anos 60 foram os anos de resist€ncia ao golpe
militar; os anos 80 da redemocratizaglo; a primeira
ddcada dos anos 2000 seriam os da reforma politica.
Vr{rias sdo as propostas e projetos que ocupam a
agenda das reformas polfticas: o chamado voto facultativo, o voto distrital; o distrital misto e a cldusula de
barreira, o distritdo; a lista aberta, a lista fechada, a
lista flex(vel, a lista preferencial - e como conseqU6ncia delas a impropriamente chamada fdelidade partiddria; financiamento priblico das campanhas eleitorais; o retorno ao mandato executivo de cinco anos
fim dos senadores suplentes.
Sempre que o espago do p(tbhco (Congresso e
Executivo) se encurta, naturalmente o espago do privado (opinido priblica, grupos de pressdo, mfdia, setosem recandidatura, o
res organizados da sociedade, etc.) se expande.
Ndo hd novidade com relagdo h "politizagdo" do
TSE. A novidade estii em que a CF de 1988 inovou
conferindo ao STF os poderes difusos (Marshall) e os
poderes concentrados (Kelsen). Nenhuma Corte Suprema detdm os poderes da nossa.
58
A
inovagdo, na questdo de chamada fidelidade
partidi{ria, jd regulada pela Constituigdo, 6 que o STF
ururpou poderes do Congresso e o TSE caminhou
desenvolto a legislar at6 sobre processo. O remendo
que o STF deu ao acolher, por maioria, Mandado de
Seguranga rigorosamente inepto, de mandar abrir prazo para a defesa em um contradit6rio longe das fung6es de um Tribunal Eleitoral d outra novidade nada
alvissareira, na medida em que a fun96o judicial d
resolver conflitos entre Poderes e entre cidaddos e
Poderes. Interpretar a lei conforme a Constituigio e
ndo criar leis.
O voto vencido do Relator Ministro Eros Grau
bem apreciou a matdria, quer com relagdo d impropriedade da seguranga; quer com relagdo ao mdrito do
pedido.
O Judici6rio 6 i{rbitro enfre os espagos do "priblico" e do "privado", n6o podendo, por indrcia de um
dos Poderes, substituf-lo. A Constituigdo estabelece a
independdncia e a soberania entre poderes: a independdncia 6 mais de natureza administrativa, quer dizer
que um Poder n6o pode exercer as fungdes de outro,
rlssalvadas as excegdes expressas na pr6pria Constituigao; jrd a soberania d o espago de Poder que cada um
detdm na ordem constitucional
- 6 certo que sdo zonas
cinzentas que ora se acercam e ora se repelerrl mas
seguramente ndo cabe ao Poder Judicir{rio legislar'
Teme-se que no correr do marfim e, em face de o
Congresso eventualmente ndo lograr produzir reforma
59
politica minimamente aceitdvel, os Tribunais avancem
na contramdo e se vejam diminufdos de suas atribuig6es arbitrais se chamados, em situagdo de crise, a
exerc6-las.
Ou mesmo que uma sua decislo ndo seja acolhida por qualquer das Casas do Congresso, mandando-a,
por exemplo, Comissdo de Justiga e eventualmente
rejeitando-a, que a tanto se exp6e o STF. E certo que
o espago do "privado" lhe renda loas cujo prego mais
tarde poderii ter de arcar. Ou, quem sabe, o jeitinho da
sabedoria brasileira poderd empatar o jogo e at6 servir
de estimulo para que o Congresso n6o se demita de
suas atribuig6es constitucionais.
i
Em 1945, o Tribunal Superior Eleitoral, sob
a
presid€ncia do ministro Josd Linhares, respondendo a
consulta do PSD e a Representagdo da Ordem dos
Advogados do Brasil aprovou a Resolugdo a qual
declarou que o Parlamento a ser eleito deteria poderes
constifuintes, como antes jil se registrou.
Em 1947, o TSE acolhendo representagdo de
Honorato Himalaya Virgolino et al, por maioria, cancelou o registro do entdo Partido Comunista do Brasil,
tambdm antes registrado.
Terr{ sido o primeiro caso de "fidelidade partidd-
ria"
forgada, por assim dizer. Primefuo,
o
Tribunal
cassou a sigla e em seguida os mandatos que ela abrigava foram cassados!
Tambdm rlo ocaso da ditadura militar de 1964, a
oposigdo apresenta o nome do governador Tancredo
60
Neves para presidente da Repriblica na eleigdo indireta
no Coldgio Eleitoral, entdo composto dos membros do
Congresso Nacional e de delegados das Assembldias
Legislativas.
Apenas os votos da oposigdo ndo possibilitariam
a vit6ria do seu candidato e pairava a drivida sobre a
aplicagdo, no Col6gio Eleitoral, do instituto da fdelidacle partidaria, iustrumento que os governos militares inffoduziram na lei dos partidos pol(ticos para
melhor garantir os votos da d6cil maioria.
Alei defdelidade partidaria servia apenas para
as votagdes ordinr{rias das Casas do Congresso, ndo
incluindo o Coldgio Eleitoral; entretanto, dissidentes
da maioria (PDS/ex-ARENA) temiam ameagas de
cassagdo ou da impugnagdo de seus votos vindos de
setores radicais da combalida ditadura, pretexto para o
recrudescimento do regime, jr{ se v€. Para espantar
drividas, o PMDB consultou o Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu (Resolugdo n" 12017 ' de27llllL984,
rel. min. Ndri da Silveira, undnime) ndo prevalecer para
o Coldgio Eleitoral as disposig6es relativas dftdelidade
partiddria prevista na Lei dos Partidos Politicos, validando o voto de membro do Coldgio Eleitoral dado a
candidato registrado por outro partido. A decisdo do
Tribunal permitiu a eleigdo do presidente Tancredo
Neves e a ruptura negociada que levaria o Pafs ao
Estado de Direito.
No Capftulo referente aos Partidos Polfticos, a
Constituigdo Federal no art. 17 dispOe que cabe aos
6l
estatutos dos partidos polfticos "estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidiiria". Portanto, a disciplina e a fidelidade sdo determinadas pelos estatutos
partiddrios e ndo pela /el. No caso, ndo hd lacuna de
lei a ser suprida por outra /el ou por decisdo judicial.
[Veja-se que a questdo da "fidelidade partidiria" d deixada pela Constiruigdo e autonomia de vontade das organizagdes partidr{rias. 6 direito e Garantia Fundamental dos
cidaddos que "ningu6m poderd ser compelido a associar-se ou a peilnanecer associado"
(CF art. 5', XX).1
Embora a literatura ndo se ocupe em diferenciar
os dois "princfpios", entende-se que a disciplina nIo
serd uma obedidncia cega aos ditames dos 6rg6os
partidi{rios, mas respeito e acatamento ao programa e
objetivos do partido, is regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exerc(cio de
mandatos e fung6es partidi{rias. " O ato indisciplinar
mais sdrio 6 o da infdelidade partidaria (novamente
os autores ndo diferenciam disciplina da fdelidade),
que se manifesta de dois modos: 36 (a1 oposigSo, por
atitude ou pelo voto, a diretrizes legitimamenle estabelecidas pelo partido: e (b) apoio ostensivo ou disfargado a candidatos de outros partidos. Os estatutos dos
35
36
Josd Afonso da Silva, ob. cit., p. 240.
Josd Afonso da Silva, ibidern, loc. cit.
62
partidos estao autorizados a prever sangdes para os
atos de indisciplina e de infidelidade, que poderdo ir
da simples advert6ncia atd a exclusdo.
No que se refere iindisciplina, as regras legislativas sdo instituig6es t6o ou mais importantes que as
regras eleitorais para a configuragdo dos resultados do
sistema polftico. A disciplina partiddria tem a ver com
a forga dos lfderes partidr{rios e essa forga n6o 6 s6
produto de regras eleitorais ou da organizaqdo interpartiddria, mas tambdm do desempenho das instituig6es legislativas.
"
A iddia de que no Brasil os deputados votam de
acordo com seus interesses particulares e n6o em fungdo de diretrizes partiddrias - durante muito tempo
aceita a partir de uma visdo impressionista - foi derrubada por trabalho^s emp(ricos de diversos cientistas
-'o analisaram as 675 votag6es nonolfticos. Autores
ininais ocorridas na Cdmara dos Deputados entre 1989
e 1999 e verificaram que, em mddia, 89,4Vo dos parlamentares no pleni{rio votaram de acordo com a indicagdo dos seus lideres. Isto d, apenas um entte dez
legisladores brasileiros vota diferentemente da orientag6o do partido - urta taxa equivalente aos Parlamentos mais disciplinados do mundo. Logo, o comportamento dos polfticos brasileiros 6 previsfvel e a unida-
Cristi* Klein, O Desafio da Refoma
de Janeiro, 2007, passim.
3t
Citados por Klein, ob. cit., passim.
'7
63
Politica, Mauad X, Rio
de de referdncia que estrutura os trabalhos legislativos
sdo os partidos e ndo os parlamentares.
A alta disciplina partiddria 6 fruto do alto grau de
centralizagdo do processo decis6rio no Brasil. Essa
centralizagdo baseia-se em dois pilares: os enonnes
poderes legislativos do presidente da Repriblica e as
prerrogativas parlamentares de que disp6em os lfderes
partidr{rios. A Constituigdo de 1988, seguindo tend€ncia do regime militar, ampliou extensamente os poderes
legislativos do presidente da Repriblica(medidas provisdrias/estado de excegdo, como acima), em comparagdo h ConstituiEdo de 1946, conferindo-lhe um substancial poder de agenda. O presidente tem iniciativa
exclusiva em matdrias orgamentiirias e veta emendas
parlamentares que impliquem a ampliagdo de gastos
previstos, limitando a agdo dos deputados; aldm disso,
tem exclusividade em matdria tributdria e hquelas relativas i organizagdo administrativa. Pode solicitar urg6ncia, forgando a apreciagdo de matdria por ele apresentada em um prazo de 45 dias em cada uma das Casas do Congresso Nacional. E, acima de tudo, e al6m de
tudo, tem o poder de editar as malsinadas Medidas
Provis6rias com forga de lei, com alcance maior do que
os decretos-lei da ditadura militar. O chefe do Executi-
vo
conta ainda com importantes recursos ndolegislativos, pois controla os acessos aos postos do
govemo federal, que ultrapassam os vinte mil cargos. "
3e
lbidem.
64
A centralizagdo do processo decis6rio no Brasil 6
reforgada pelo segundo pilar. Os Regimentos internos
da Cdmara dos Deputados e do Senado Federal prescrevem o critdrio partiddrio para a distribuigdo de
cargos no parlamento. As cadeiras da Mesa diretora centro de Poder no legislativo - e das Comissdes t6cnicas (permanentes e especiais) sdo preenchidas de
acordo com principios de proporcionalidade partiddria. Os Partidos com maiores bancadas t6m direito aos
postos mais importantes. Os Regimentos conferem
aos lideres partidi{rios, eleitos pelas respectivas bancadas, amplas prerrogativas para agir em nome dos
interesses do Partido. Exemplo disso 6 o Coldgio de
Lfderes, que determina, ao lado do Presidente da Mesa, a Pauta dos trabalhos. Tomados individualmente,
os parlamentares t6m escassa capacidade de inlluenci
ar o curso dos trabalhos legislativos. As Comiss6es
que poderiam representar um espago de autonomia
individual dos legisladores, como ocorre nos Estados
Unidos, s6o passiveis de intervengdo dos lfderes.4
A critica, entdo, recairia n6o propriamente sobre
a indisciplina partidaria, mas sobre a chamada infdelidade partidaria conhecida como o troca-troca de
legendas ao sabor de interesses e circunstAncias: uns
legrtimos, outros n6o.
Realmente o troca-troca distorce a no96o de representagdo por partidos. E naturalmente diminui o
*Klein,
ob. cit., passim.
65
prestfgio do Parlamento. A satisfagdo de emendas
parlamentares orgamentdrias, por exemplo, mostra
que um deputado, que consegue executar todas as suas
emendas, tem 26Vo a mais de chance de ser reeleito
daquele que ndo tivesse nenhuma emenda individual
executada. Isso cresce de importAncia quando se apura
que menos de 65Vo dos parlamentares, que tentam um
-'
novo mandato conseguem se reeleger.
Apenas a mudanga da natureza e controle do orgamento da Unido, exclufdas naturalmente as emendas
parlamentares, a adogdo de concurso pfblico para
todos os cargos e fung6es e o sistema de mdrito que
organize as carrefuas, limitando drasticamente os cargos comissionados, d que poderdo inibir o troca-troca
partid,lrio sem ferir a liberdade partiddria ditada cons-
O mais 6 continuar enfrentando os
"efeitos" de uma causa que provoca o desgosto do
priblico e permite ag6es exffavagantes do judicidrio.
tifucionalmente.
XI
O chamado fendmeno da desconstitucionalizagdo divide a opiniflo de juristas acatados, com relevo
para a modificagdo da posigdo do professor Josd A-
ut
Ibidem.
66
fonso da Silva que agora a rejeita,
ot nos seguintes
termos:
"Na edigdo anterior aceitamos essa doutrina
de desconstitucionalizagdo das normas jurfdicas. Hoje, pordnl temos drividas de sua
validade e convenidncia. Pois, se ulna constituigdo nova 6 elaborada pelo poder consti-
tuinte que n6o reproduz determinadas nor-
rns nio
essencialmente constitucionais
(administrativas, civis, etc.) insertas na constituigdo apenas para lhes dar maior estabilidade, significa isso que a nova ordem consti-
tucional as quis desqualificar, ndo apenas
como norrnas constitucionais. mas tambdm
o'
Josd Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Cotutituciotais,
7u ed., ?j tir., Malheiros Editores, Sdo Paulo, 2008, pp. 2211222.
Veja-se, por exemplo, a influ€ncia do professor Josd Afonso em sua
posig6o anterior: "Todavia, se houver norma constitucional anterior
disciplinadora de assunto ou matdria que n6o foi objeto de nova
regulamentagdo, perderia ela sua vigdncia e sua efic6cia? Ndo perderia sua vigdncia, continuaria em vigor, pordm n6o mais na veste
de nonua constitucional, rnas na de lei ordinr{ria. Opera-se o fen6nreno da desconstitucionalizagdo da diregio constitucional. Os
preceitos de norma constitucional precedente, que n6o conflitarem
com a atual, ndo continuardo sendo constitucionais,mas continuario
vigendo, de acordo com o princfpio da continuidade das nonnas
cornpativeis, com leis ordiniirias" (Maria Helena Diniz, Norma
Constitucional e seus efeitos, Ed. Saraiva, 56o Paulo, 1989, p.46,
citando Jos6 Afonso da Silva , Aplicabilidade das normas constitucionais, 56o Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, pp. 209l2ll).
67
como normas jurfdicas vigentes. Isso quer
dizer que ficam igualmente revogadas, tal
como a constituigdo que as acolhia".
Para sustentar sua posigdo anterior, citava o estimado Mestre obras de Carl Schmitt, Eismen e Pontes
de Miranda (texto baseado na obra de Eismen, mas
sem a ele dar o crddito), aldm do liwo recente de Maa3
que tambdm aceita a
noel Gongalves Ferreira Filho,
a transformagdo
com
tese da desconstitucionalizaqdo
da norma em lei ordindria.
Mas a tese da desconstitucionalizaqdo com o aproveitamento do texto constitucional anterior como
lei ordindria, se recepcionado pela nova Constifuigdo,
agrega a opinido de outros renomados juristas.
Carrd de Malberg, discutindo o princfpio da anu-
alidade em direito tributi{rio n6o contemplado em
matdria constitucional, admite que a regra (constirucional) anterior ndo tem sen6o o valor do costume e
apenas se admitiria o valor legislativo se considerado
oefeito da Constituigdo desapaiecida sobre a norma.*
ot
O professor Pablo Lucas Verdf, apoiando-se em
farta doutrina francesa (Eismen, Barthelemy-Duez),
4 Direito Constitucional Comparado: I - o poder constituinte,
Sdo Paulo, Saraiva, 1990, pp. ll0 e ss.
4 Carr€ de Malberg, Teoia general del Estado, Fondo de Cultura
Econ6mica, Mdxico, 1998, p. 335, nota 17' trad. Iiv.
os
Curro de Derecho Politico,Editorial Tecnos, Madrid' 3" ed', 2"
reimp., 1986, pp. 654 e ss.
68
"la ingeniosa teorfa deladtsconstitucionalization par l'ffit des r|volutions", entende ftil a
que produziu
teoria da desconstitucionalizagdo, na medida em que
explica a superveniEncia de disposig6es anteriores que
integravam o texto constitucional anterior.
6
Mais incisivo d o professor Jorge Miranda:
certas normas constitucionais anteriores podem n6o deixar de vigorar
com a entrada em vigor da nova Constituigdo; podenr, simplesmente' passar da catego-
"[...] Por riltimo,
ria de norlnas constitucionais a normas
de
direito ordin6rio. Nisto consiste a desconstiftrcionalizagdo.
6 Manual de Direito Constitucional,Tomo ltr, 2" ed', rev', Coimbra Editora, 1988. O professor J. J. Gomes Canotilho, em seu
nronunrental Direito Constitucional e Teoria da Constituigdo (7'
ed., 4" reimp., Edig6es Ahnedina, Coimbra, 2003), trata do fenOmeno da "desconstitucionalizagdo' no Titulo 7 do seu tratado,
"Revisdo da Constituigdo", sob o sub-titulo "Revisdo expressa e
revisdo tAcita', e no item I "A regra: nenhuma revisdo sem alteragdo do texto'1, quando ahnna: "Ndo se confunda a desconstitucio'
ializagdo, operado por modificagdes tiicitas, cnm a desconstitu'
cionafizagdo decretada expressis verbls pelo legislador constituinte. Aqui 6 o legislador constituinte que se Pronuncia, de forma
sobre o direito constitucional, nada irnpedindg Cu9
"*p."ito,
degrade certas leis consideradas com valor constitucional formal
rttilrir ordini{rias (cfr. art. 290.')" (p' 1070, gifos no original')
69
A recepgdo material e a desconstitucionaliza96o ostentam em comum uma transmutagdo
intrinseca de preceitos. Distintos s6o os resultados e, portanto, a qualidade: na primeira, ficam sendo preceitos constitucionais, s6 que
assentes, doravante, em actos normativos que
se reportam h nova Constituigdo; na segunda,
nem isso, fica a haver preceitos legais.
A desconstitucionalizagdo (tal como a recepgdo material) tem de ser prevista por urvl
norma. N6o pode estribar-se em mera
concepgSo te6rica ou doutrinal [...]"
O "ponto" do professor Miranda ["A desconstirucionalaagdo (tal como a recepgdo
material) tem de ser prevista por uma norlna.
N6o pode estribar-se em mera concepgdo te6rica ou doutrinal".] vem como uma luva
para a mdo que redige estas notas.
Como jr{ foi dito acima, e ningudm ignora, a
chamada "fidelidade partidiiria" entra pela
porta dos fundos do "direito constitucional"
(sic) atravds de ato da ditadura militar e vai
ser revogada, como outros "entulhos autoriti{rios" do regime por Emenda Constifucional,
ap6s a derrota da ditadura e jd na fase de
transigdo paru a convocagdo da Constituinte:
A Emenda Constitucional n" 25, de 15 de maio
de 1985, alterou dispositivos da Carta do regime mili70
restabeleceu eleig6es diretas para presidente e
vice-presidente da Repriblica, em dois turnos; eleig6es
deputado federal e para senador, par-a o Distrito
para
-f'eaerat;
eleigdes diretas para prefeitos e vice-prefeitos
das capitais dos estados, dos municfpios considerados
de intiresse da seguranga nacional e das estdncias
tar,
hidrominerais; revogou o aftigo que previa a ado96o
do sistema distrital misto; reconheceu o direito do
voto do analfabeto, aldm de abolir a fdelidade partidaria, revogando e)cpressamente o $ 5" do art' 152 da
Carta de 1969.
Repare-se o elenco de normas constitucionais
que revogam aquelas mais agressivas da ditadura contra o processo eleitoral liwe e soberano:
1. restabelece eleigdes diretas para presidente e vice-presidente da Repfblica' para prefeitos e vice-prefeitos das capitais e dos mu-
nicfpios entAo considerados de interesse da
"seguranga nacionaf' e das estAncias hidrominerais, eleig6es parlamentares em todos
os estados-membros;
2.rcvogaa adogdo do sistema disfrital misto;
3. reconhece o direito de votos dos analfabetos; e
fdetidade partidaria, revogando
expressamente o $ 5" do art' 152 da Carta
4. abole
a
de 1969.
7l
Todos - todos - esses dispositivos foram incorporados ao texto Constitucional em vigor, inclusive o
que "abole a fidelidade partidiiria". Como gostariam
os legisladores judicidrios de que figurasse no novo
texto constitucional a questao da chamada "fidelidade
partidiiria"? Algo como: "d permitida e infidelidade
partid:iria", ou alguma redagdo mais bizarra? Naturalmente, o poder constituinte optou pela f6rmula de
deixar aos partidos polfticos o arbftrio sobre a "fidelidade". E, com efeito, estabeleceu a Constituigao -
convdm repetir
-
que:
No Capftulo referente aos Partidos Polfticos,
a Constiruigdo Federal no art. 17 dispde que
cabe aos estatutos dos partidos polfticos "estabelecer normas de disciplina e fidelidade
partid.iria". A questdo da "fidelidade partid6ria" 6 deixada pela Constituigdo i autonomia de vontade das organizag6es partidr{rias. E reforga como Direito e Garantia Fundamental dos cidaddos que "ningudm poderr{
ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado" (CF art. 5o, XX).
Est6 af o "ponto" do professor Miranda: "A desconstitucionabzagdo (tal como a recepgdo rnaterial)
tem de ser prevista por uma norma. N6o pode estribarse em mera concepgdo te6rica ou doutrinal". A norma
72
prevista 6 a do art. l7 da CF, por sua vez garantida
pelo art. 5", XX da Carta Magna.
A desconstitucionalizagdo ndo trata de normas
administrativas ou civis, mas de norlrns constitucionais de alto sentido democri{tico com as quais encerra
toda a legislagdo da ditadura militar.
A decisdo do Supremo, para aldm de usurpar poderes do Congresso, repristinou norlna da ditadura
sobre partidos politicos abolida por Emenda Constitucional jr{ na transigdo democri{tica e ap6s a derrota do
governo militar.
Esse ponto 6 deveras importante porque a ruptura
(pactuada, embora) deu-se com a eleigdo do presidente Tancredo Neves e a ulterior posse do vice-
presidente Sarney.
A
Emenda Constitucional
n"
25,
que antecede a que convoca a Constituinte, jr{ antecipa
norrnas constitucionais a serem votadas porque resultaram de consenso entre as forgas liberais e progressistas que deram fim ao ciclo militar.
[Nesse sentido, o art.290" (Direito Anterior)
da Constituigdo portuguesa em vigor: "1. As
leis constitucionais posteriores a 25 de abril
de 1974 ndo ressalvadas neste capftulo s6o
considerada leis ordindrias, sem prejufzo do
disposto no nfmero seguinte [...]"]
73
Dizer que a exclusdo da chamada "fidelidade
partid6ria" se insere no preceito aceito de que a Constituigdo nova revoga integralmente a anterior 6 desconhecer os fatos da vida que possibilitaram a convocagdo da Constituinte.
Acima, discorreu-se sobre a convocagdo da
Constituinte de 1946 no interregno Linhares e jd
deposto o regime do Estado Novo do primeiro Vargas. Dizer-se que a revogagdo da chamada "fidelidade partidi{ria" n6o se projeta na Carta Magna em
vigor 6 dizer que o interregno de Linhares ndo conuoiou a Constituinte, o que a hist6ria jii resolveu. '"
Ou que a Emenda Constitucional26185 n6o convo-
cou a Constituinte!
^
XII
A
chamada abertura, lenta, gradual e segura, atribuida ao general Golbery e iniciada no consulado
do general Geisel, precisava tirar do seu caminho o
MDB, que desde a d6cada de 1970 seguia seu curso
vitorioso.
Com a crise do petr6leo (1974) chega a termo o
"milagre econ6mico", provocando eros6es na alianga
entre a burguesia e os militares no poder. Greves oper6rias no ABC paulista, a volta de exilados e o fortalecimento do grupo autentico no interior do partido
fazem do MDB a frente oposicionista capaz de em-
74
polgar o pder, rrcsmo nos limites impostos pelas leis
restritivas da ditadura. Em1974, elegeu 16 senadores,
cerca de quarenta e quatro por cento de deputados
federais e a maioria de deputados estaduais em seis
Assembldias Legislativas, o que lhe permitiria a eleigdo indireta dos respectivos governadores.
A reagdo militar vem com o Pacote de Abril de
1977 e a prorrogagdo de mandatos de vereadores e
prefeitos para permitir a coinciddncia geral de mandatos. Ainda era pouco. Em uma agdo sem precedentes
nos Parlamentos, o governo militar tem o requinte de
fazer o seu partido (Arena) extinguir seu adversdrio
(MDB) pelo voto majoritr{rio de que ainda dispunha
no Congresso Nacional. A extingdo do bipartidarismo
forga a reforma partiddria.
O MDB 6 sucedido pelo PMDB, mas sofre significativa divisdo interna quando Tancredo Naves, aliado ao seu (atd entdo) tradicional adversdrio Magalhdes
Pinto, langa o Partido Popular e o inscreve com uma
nota forte: "Meu partido ndo 6 o do Arraes".
Dizia-se que a alianga do Partido Popular com o
PDS, que sucedeu a Arena, permitiria uma solugdo
civil com a candidatura a presidente da Repriblica do
ent6o ministro da Justiga Petr6nio Portela, que vem a
falecer desfazendo a trarna.
A maioria governista aprova projeto de lei do
governo que vincula os votos de vereador a governador, obrigando, com esse expediente, o PP a refluir
para o PMDB.
75
Na seqU6ncia, Tancredo Neves elege-se governador de Minas Gerais, Franco Montoro governador
de Sdo Paulo e Leonel Brizola governador do Rio de
Janeiro.
Como se recorda, a base civil e politica do golpe
de 1964 era composta por governadores dos mesmos
estados referidos acima: Magalhdes Pinto por Minas
Gerais, Adhemar de Barros por 56o Paulo e Carlos
Lacerda pela Guanabara.
Com a nova correlagSo de forgas 6 impulsionada
a luta por eleigdes diretas para presidente da Repdblica, derrotada por votagdo congressual. Assinr" abre-se
caminho para as oposig6es - se unifcadas - disputarem a presid6ncia da Repriblica, mesmo no Coldgio
Eleitoral dos militares.
Talvez a mais diffcil tarefa fosse a de reconstruir
a unidade real do MDB/PMDB, desfeita por Tancredo
Neves com a frase "meu partido n6o 6 o do Arraes" e
recomposta pelo castigo da vinculagdo de votos.
Nessa ocasi6o, o deputado Fernando Lyra torna a
iniciativa audaciosa de convencer Miguel Arraes a
visitar Tancredo Neves no Paldcio da Liberdade, que o
espera como unu noiva aguarda o pretendente no
altar. Imagina-se que o deputado antes de conversar
com Arraes naturalmente acertou-se com um receptivo Tancredo.
Recomposta a unidade do PMDB d aberto o passo para a candidatura do saudoso presidente. A contribuigdo de Lyra para a transigdo pactuada valeu-lhe o
76
reconhecimento do presidente, que
o fez seu ministro
da Justiga.
Segue-se a morte do presidente e a posse do seu
o
vice Jos6 Sarney, qu" envia ao Congresso Projeto
de emenda Constitucional que convoca a Assembl6ia
Constituinte, afinal promulgada como Emenda Constitucional n" 26185, contemplando a posigdo intermedir{ria que propugnava por um Congresso Constituinte,
que, ao mesmo tempo, escrevesse o novo texto e
legislasse normalmente.
Como se recorda, os setores mais avangados n6o
queriam repetir o modelo anterior (de 45146) e propu-
nham "Constituinte liwe, soberana e exclusiva". Liwe
se auto-explica e com "soberana" e "exclusiva" queria-se dizer que ela estaria acima dos Poderes existentes e nao teria fung6es legislativas ordindrias, aldm de
se dissolver ap6s a promulgagdo do novo Texto, convocando eleig6es gerais.
A primeira questdo que ent6o se colocava para
esses setores, OAB i frente, eram os termos da con-
vocagdo da Constituinte, pois ela poderia definir, ou
pelo menos fortemente orientar, seu modelo. Sabe-se
qu" uma Constituinte s6 est6 vinculada aos termos de
sua convocagdo.
Nesse sentido, o entdo presidente da OAB nacio-
nal, advogado Herman Assis Baeta, levou ao ministro
da Justiga Fernando Lyra os termos da entidade. O
ministro encarregou o Consultor Jur(dico do minist6-
77
rio de redigu o caminho por onde deveria caminhar
a
convocaEio
"Simples projeto de lei ordinr{ria de iniciativa
do Executivo submeteria ao Congresso Nacional a outorga de poderes constituintes aos
representantes do povo eleitos em 1986. A lei
daf resultante seria submetida a referendo popular. Evitava-se a convocagdo por Emenda
Constitucional, jd que a sistem6tica de sua aprovagdo exige quorum de dois tergos em
ambas as casas do Congresso. Ora, em 1982,
foram eleitos um tergo dos membros do Senado Federal que em sua maioria gostariam
de participar da Constituinte, embora ndo tivessem poderes origindrios para tanto. A fixaglo do quorum de maioria simples contornaria esse obstdculo. Diferentemente, a hip6-
tese de convocaEdo por meio de Emenda
Constitucional, teria de conciliar-se com a
pretensdo de Senadores residuais" (o texto original foi transcrito inComentdrios d Constituigdo Federal, de Eug€nio Haddock Lobo e
Julio Cesar do Prado Leite, Edig6es Trabalhistas, Rio de Janeiro, 1989, p. 4).
O resumo acima sintetiza o texto enviado ao ministro da Justiga, que discutia, inclusive, a hip6tese de
que a representagao dos Estados-membros na Consti-
78
tuinte fosse paritdria, independentemente de sua populagdo. Lembrava-se que a representagdo igual dos
Estados-membros no Senado 6 que havia superado, na
Filaddlfia, a resistCncia dos Estados pequenos a ingressar no pacto federativo que resultaria na Constitu-
ig6o Americana, ainda em vigor. "' A estrutura da
Constituigdo da Am6rica (federalismo, presidencialismo e supremacia do Judicidrio), adotada pela nossa
primeira Republicana, ressentiu-se sempre e continuadamente de um efetivo pacto federativo, que os regimes autoritdrios desprezarafiL Mesmo as Constituig6es votadas, quando muito, institufram uma "federag5o imperfeita", o que n6o seria corrigido em um
Congresso Constituinte, como n6o foi.
Tambdm como se recorda, aldm da posigdo acima
descrita, setores d direita defendiam simples reforma
da Constituigdo em vigor, como um arremedo da Carta
semi-outorgada de 1967. Setores moderados, ao fim
vitoriosos, optaram pelo Congresso Constituinte, o que,
e de certa forma, embaragou o passo dos trabalhos
constituintes. E que naturalmente os interesses de postulantes a uma Assembldia Constiruinte sdo diferentes
daqueles "interesses" que pressionam o Congresso no
dia-a-dia. Aldm de press6es, como se viu, do presidente
da Repriblica e do Supremo Tribunal Federal.
a7
Igualdade de representagdo no Senado americano como texto
inaurenddvel d6 origem is "cl6usulas p6treas", depois adotadas e
arnpliadas por diversas constituig6es que se lhe seguiram.
79
De qualquer forma, a Constituinte foi promulgada e trouxe um aporte significativo de direitos fundamentais e sociais ao mesmo tempo em que seu texto,
por demasiadamente anal(tico, incorporou norrnas que
mais bem seriam tratadas em leis ordindrias.
Recorda-se que o presidente eleito Tancredo Neves constituiu comissdo de estudos para oferecer um
anteprojeto de Constituigdo, que restou conhecida
pelo nome de seu presidente professor Afonso Arinos.
A comissdo .Arinos inclinou-se para o semi-
presidencialismo (ou o semi-parlamentarismo) nos
moldes jd praticados na Franga desde De GauIIe e em
Portugal (mais mitigado) ap6s a Constiruigdo nascida
da Revolugdo dos Cravos.
Razodvel que no projeto Arinos constasse a
48,
guo vai buscar rafzes na "or"medida provis6ria"
denanza" italiana, cultura tao a gosto do saudoso professor. 56 que naquele contexto, a medida d expedida
por um primeiro-ministro dependente do Parlamento,
que o escolheu e a qualquer momento pode demtbd-lo
com
urn
mogdo de desconfianga.
Transplanti{-lo para um regime presidencialista
(forte) foi uma insensatez da qual se paga o prego da
desorganizagdo legislativa e mesmo do desequilibrio
entre poderes (executivo versus legislativo), pedra
angular do principio de separagdo de poderes. O excesso de poderes do presidente da Repriblica enfra€ V. antes
Segdo
D(
80
quece e desorganiza o legislativo aldm de abrir passo
para situag6es de excegdo (como esse ruremedo de
"estado policial" que ora se apresenta desenvolto e
incontroli{vel). A anomia do poder legislativo transforma o Supremo Tribunal Federal em legislador,
atividade distante de suas atribuig6es constitucionais.
O espfrito que animou a Constituigdo parcialjd deixou seu corpo. As reformas mutilaram a
mente
Constituigdo brasileira. As vicissirudes polfticas afastaram a prdtica da aplicagdo da Constituigdo dos ideais
que a escreveram. A proposta da criagdo de um Estado
Democr:itico de Direito fundado na soberania, na cidadania, na dignidade, nos valores sociais do trabalho
e no pluralismo politico foi substitufda por um estado
liberal e assistencialista.
O ataque i Constituig2io, nesse caso, foi de fora
para dentro, desafiando a soberania nacional e alienando'J6ias da Coroa". Sustentava-se, ent6o, que as
privatizag6es e a liberahzaglo dos mercados, por si
s6s, seriam suficientes para que os pafses entrassem
nurna rota de crescimento virtuoso. ae No caso brasileiro, as privatizag6es, em sua maioria, ndo atenderam
aos interesses nacionais, aldm de serem vendidas por
papdis "micados" e licitag6es de duvidosa legalidade.
Agora-^mesmo, quando estas notas voltam a ser
redigidas, " caiu a "ficha" e finalmente o governo
oe
to
Ibideru.
22 d. outubro de 2008.
81
admite que a crise afinal aportol em nossas praras e
ot O Bun"o do Brasil e
toma medidas para enfrenti{-la.
autorizados a
a Caixa Econdmica Federal est6o at6 xtII
Imagine-se
estatizar bancos privados (MP 443108)'
dos EstaBancos
dos
privatizagEo
da
por
ocasido
se,
dos, a lei permitissJqu" o Banco do Brasil ou a Caixa
Econ6mica tivessem prefer6ncia de compra pelo
mesmo valor do resultado dos leil6es; pelo menos os
leil6es alcangariam melhores pregos!
amarQual! o Brasil tinha de seguir o receitui{rio
Hist6ria'
da
go doieotiberalismo que, por cruel ironia
ieria sua primeira experi€ncia sistenu{tica exatamente
no Chile do general Pinochet - cujo golpe militar con-
tra o governo constitucional de Salvador Allende iria
sepultar a experidncia pioneira da via pacffica pTu:
,o"iulir-o, ap6s a vit6ria da Unidade Popular'" O
neoliberalisrab precisou, para ser implantado, do regime de t"rro, iu ditadura de Pinochet,Kv mas isso
naturalmente nao incomodava Hayek que n6o se cansava de explicar - o regisffo 6 ainda do prof' Anderson - '2 qie a democracia em si mesma iamais seria
um valoi cental do neoliberalismo' A liberdade e
a
Joan
Sobre a experiOncia chilena ao socialismo, V', entre outros'
Pau56o
Editorial'
Scrita
politica,
da
Garces, Alleide e as arrnas
5t
lo, 1993, trad. e apres. de Emir Sader' V'tb' Eric Hobsbawm'
Eiratdgias Para Uma Esquerda Racional,Pal e,!ena' 56o Pau-
lo/Rio <L Janeiro, 1991, trad. de Anna Maria Quirino, p' l32ll34'
o
s2
P"rry Anderson, "P6s-Neoliberalismo - As politicas sociais e
p'
19'
1995'
Paze'fena,
de
Janeiro,
Rio
Estado Dernocr6tico,
82
democracia, explicava Hayek, com a concord0ncia
militante de Friedman, especialmente no caso chileno
que conduziu, podiam facilmente tornar-se incompatfveis, se a maioria democrdtica decidisse interferir com
os direitos tradicionais de cada agente econ6mico de
dispor de sua renda e de sua propriedade como quises53
se.
Assirn" no Chile, a dituAum militar e a diiadura
de mercado caminharam de bragos dados.
Contudo, s6 dez anos mais tarde o caminho neoliberal iria, finalmente, ser testado em um pafs de
economia capitalista avangada. Em 1979, o governo
Tatcher, que muito se havia interessado pela anterior
experi€ncia chilena, aplica o modelo na Inglaterra e
logo 6 seguido pelo governo Reagan (1980) 54 , que
adota a receita em doses fortes. Na seqU6ncia, Kohl
derrota o regime social liberal de Helmut Schmidt, na
Alemanha. Em 1983, a Dinamarca 6 tomada pela coahzdo de direita de Schulter. Com excegdo da Su6cia e
da Austria, todos os pafses do norte da Europa viram i
direita. " Jd no sul do continente europeu, regido politicamente mais conservadora, chegam ao poder Miterrand na Franga, Gorzalez na Espanha, Soares em Portugal, Craxi na ltdlia, e Papandreou na Grdcia. Embora
st.Ibidt^.,pp. 19t20.
*
"1...1 tanto a globalizagdo quanto a super-bolha, em minha opinido, comegaram na ddcada de 1980, quando Ronald Reagan e
Margaret Thatcher chegaram ao poder [...]" artigo do investidor
$eorge Soros A reistaEpoca, de 13 de outubro de 2008, p.56.
'r lbidem.,p.
ll.
83
tenham realizado tentativas de implantagdo de governos progressistas em seus pafses, notadamente Miterrande Papandreou, seus projetos fracassaram e a antiga esquerda viu-se compelida "pelos mercados finanfeiros- internacionais a mudar seu curso dramatica-
reorientar-se para produzir uma polftica
muito pr6xima i ortodoxia neoliberal, com prioridade
puto u estabilidade monet6ria, a contengdo do orgamento, concess6es fiscais aos detentores de capital e
mente
ea
ao abandono do pleno emPrego".
56
No outro lado do mundo, a Austrr{lia e a Nova
Zeldndia, governos trabalhistas, surpreendiam a pr6pria direita com programas de w neoliberalismo
ainda mais radical do que o praticado na Europa, i
excegio dos governos dos pafses p6s-comunistas do
Leste. Fora do continente europeu' o Jap-6o mantinha
sua politica longe da tentagdo neoliberal.''
Se, em 1978, a intervengdo sovidtica no Afeganistdo iria desencadear o recrudescimento da guerra
fria e a consolidagdo do neoliberalismo nos paises que
jd o praticavarr\ o desmanche do socialismo real na
Uni6o Sovidtica, entre 89 e 91, iria trazer novo sopro
56
lbidem., p. 13.
;1...1 Eto outras latitudes' corno nos paises asi6ticos' as
., p. 14.
coisas tomaram caminho distinto. Eles ndo seguiram a onda ultraliberal, deixando uma pista para que possamos pensar que' sim'
tt
que ndo
existem outras saidas dentro do pr6prio capitalismo, ainda
]r
seja o caso de copiannos a Asia [...]" (Jos€ Luis Fiori, entrevista
10.)
revista Veja,06.09.95, P.
84
de vida ao modelo que entflo dava sinais claros de
*u Com efeito, apesar dos dxitos do
programa neoliberal, especialmente ao deter a grande
inflagSo dos anos setenta, o modelo ndo lograra a "reanimagdo do capitalismo avangado, restaurando altas
taxas de crescimento estdveis" 58 em fungdo, principalmente, da enorme especulagdo nos mercados monetiirios internacionais em prejtizo do comdrcio de
mercadorias. Entretanto. o fim do mundo sovidtico 6 o
efeito demonstragdo que o neoliberalisno precisava
para afirmar a excelOncia de sua polftica. "Os neoliberais podem gabar-se de estar h frente de uma transformagdo socioecondmica gigantesca, que vai perduesgotamento.
rar por ddcadas." 5e
Amdrica Latina foi o palco do terceiro experimento neoliberal. Ap6s o Chile, a Bol(via, em 1985,
suportaria o tratamento de choque conduzido por Jef-
frey Sachs, inicialmente produzido para o
general
Banzer, mas implantado pelo presidente Paz Estenssoro, antigo lfder da revolugdo boliviana de 1952, que
surpreendentemente arrebatara as eleig6es ao general.
Na seqU€ncia, em 1988, Salinas no Mdxico; em 1989,
Menem na Argentina, Andrds Perez na Venezuela,
Collor no Brasil; em 1990, Fujimori no Peru, operam
xY r
a vi rada conti nenta I em diregdo ao ne o Ii b e rali s mo,
modelo que iria de alguma forma encontrar-se com as
f8 Perry Anderson, "P6s-neoliberalismo ...
te
td.
it., p. t9.
85
", ob. cit., p. 15.
raize,s profundas
do capitalismo autoriti4rio praticado
na Am6rica Latina por conta do seu passado colonial e
da forma reacioni{ria e depen{ente com a qual se integrou ao capitalismo mundial. No Biasil, o governo Collor engatilhou o modelo
valendo-se de medidas provis6rias para decretar o
incrfvel confisco da poupanga, iniciar a troca das j6ias
da coroa por papdis "micados", at6 envolver-se na
sucessdo de escdndalos que acabaram por levi{-lo ao
catafalco do "impeachment". Embora liwe do expresidente Collor, o Pafs segue' ou seguia, at6 os nossos dias o mesmo modelo econOmico.
A hist6ria aps 1973 6 a de um mundo que perdzu
suas refer6ncias J resvalou par:a a instabilidade e a crise
(Hobsbawm).*u" A combinagdo de depressdo com uma
economia macigamente projetada para expulsar a mdode-obra humana criou uma acerba tensdo que peneftou
*
nas polfticas das Ddcadns da Cise.*""
As velhas iddias de Hayek passaram a ter efetividade hist6rica, modernizadas que foram ndo apenas
pela Escola de Chicago como pela economia neoinstitucionalista, tambdm chamada pds-neoclassica,
as quais passaram a informar de maneira plena
as
douirinas do Fundo Moneti{rio e do Banco Mundial, j6
entdo desgarrados de suas origens. E n6o apenas a
86
concepgao,
rns o papel que desde entdo v€m desem-
penhando.
Com a liwe circulagdo do capital financeiro, o
Fundo Monetdrio agigantou-se na tarefa de modelar as
economias, especialmente as dos pafses do Leste Europeu e do Terceiro Mundo, para compatibilizr{-las
com o livre fluxo do capital financeiro. Isso envolveu
padronizagdo e homogeneizaglo das economias que
obedeceranl como se sabe, a um receituiirio imposto
em que se admitiu, apenas, variagdes locais.
J6 o Banco Mundial, inicialmente criado como
agdncia dedicada a projetos desenvolvimentistas de
longa maturagdo, deslocou seu foco para pol(ticas de
natureza assistencial, compensat6rias das desigualdades que as politicas do FMI engendravam, ao mesmo
tempo em que acentuava o conceito de pobreza como
antag6nica de concepg6es vinculadas ds de classes
trabalhadoras (desemprego, informalizagdo etc.). Nos
anos 90, o Banco Mundial transformou-se num agente
de criagdo de novos Estados, como no Leste Europeu,
e de reforma e adaptagdo dos estados desenvolvimentistas e estados funcionalmente adqtados ao mercado. Por esse caminho, ambas as agdncias, para al6m
do dirigismo econdmico que impuserar\ passaram a
exigir reformas politicas, muitas delas demandando
alterag6es no texto constitucional, ou at6 mesmo violando princfpios constitucionais. O acicate para as
reformas que imp6s foi expressamente referido pelo
87
Banco Mundial em seu relat6rio sobre desenvolvimento, eml997:
"Um regime de com6rcio aberto e liberal
[...] constitui uma poderosa maneira de disciplinar [...] a pot(tica econdmica. Os influxos de capital estrangeiro tambdm impdem
disciplina ds autoridades [...] A gesteo do
risco de fuga de capitais e de grandes fluxos
de capital em geral (sdo) uma fonte bendfica
de disciplina do governo, que desestimula
politicas impulsivas e irresponsdveis [...]"
(Relatdrio sobre o Desenvolvimento Mundial, 1997. O Estado num Mundo em Transformagdo, Washington. Banco Mundial,
L997, pp. 42,51,52).
Depois, o pr6prio Banco Mundial informou que
o livre comdrcio e o liwe fluxo do capital financeiro
constitufam dispositivo disciplinar e, na ocasido, interpelava as supostas idiossincrasias nacionais, formatando um mundo unificado, e globalizado, como se
costurna dizer. Ndo se trata, contudo, de um Estado
minimo, como alguns apregoam:
"Sem um Estado efetivo, o desenvolvimento
- econdmico, social e sustentdvel - 6 impossivel. Reconhece-se cada vez mais que um
Estado efetivo - e ndo um Estado minimo 88
essencial para o desenvolvimento econ6mico e sociai, mas, pordrq como um parceiro e facilitador. Os Estados devem comple(O
mentar os mercados, e ndo substituf-los"
Estado de S. Paulo, cit. P.l8)'
6
Obtinha-se, assirn' como nuffta caricatura do
marxismo ortodoxo, um Estado a servigo do Mercado'
it
cujas instituig6es seriam funcionalmente adequadas
munredugdo dos custos de transagAo crescentes num
plena
oferecer
de
6
tratava
se
que
do giobalizado. O
garintia aos negocios' que ndo podiam ser ameagados
eleitoral: a expressa
felos azares de um ciclo politico
contratual (o
iarantia da propriedade, da liberdade
ielho princ(pio romano do pacta sunt servanda) e
uma nova era de regulagdo que assegurarla as novas
privadreas de exploragdo econ6mica decorrentes das
De
sociais'
servigos
dos
tizagdes e iemercantilizagdo
foram
n6o
conceitos
esses
certa maneira, entre n6s,
exatamente novos. Azevedo Amaral, notr{vel defensor
do Estado Novo de Vargas, escreveu em seu "Estado
Autoritr{rio e a Realidade Nacional" que o principal
papel do Estado 6 "proteger a economia da politica"'
A iupressdo da democracia permitiria a plena expanseo dos interesses privados. A mais ampla taxa de
desenvolvimento corresponderia ao gatrote vil nas
mas
massas assalariadas. Democracia, sem drivida'
desde que desprovida de sua substAncia' Tratava-se'
a
contudo e ainda com Azevedo Amaral, de insular
89
economia, protegendo-a da democracia. Assirn" para a
realizagdo das reformas que preconiza, o Banco Mundial sugeriu que:
"[...] a delegagdo da polftica econOmica a
tecnocratas competentes e id6neos [...] vem
sendo uma caracterfstica comum de diversos
pafses latino-americanos, como a Argentina,
a Col6mbia, o Mdxico e o Peru. Os efeitos
sobre o desempenho sdo palpdveis [...] o
Chile, em particular, parece ter desenvolvido
entre altos funciondrios o mesmo tipo de esprit de corps queji{ promove hd muito tempo parcerias na tecnocracia indondsia e no
MCII japonds entre outros. Sdo ainda mais
interessantes os paralelos entre os grupos de
assessores de
alto nivel do Chile
-
os cha-
mados garotos de Chicago -, a nuifia da Indondsia formada em Berkeley e a patota os
quatro da TailAndia" (O Estado, cit., p. 87).
A nova economia mundial requeria que as Instituig6es fossem a elas adequadas. por pactos, por decretos, por medidas provis6rias, por leis, por emendas
constitucionais, por violagdo ao direito adquirido, por
Banco Central independente e Ag6ncias Regulat6rias
com mandato fixo. A globalizagdo que nos foi imposta acabou por violar o Estado de Direito Democriitico
90
e da sobee aluiu, em parte, as bases da nacionalidade
rania.
Os objetivos fundamentais da Repfblica' grafados no art. 3" da Carta Magna, n6o foram alcangados:
construir uma sociedade liwe, justa e solidr{ria; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobteza e
a marginalizagdo e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos
de origerrl raqa, sexo' cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminagdo.
A ConstituiEao de 1988, para aldm de retomar e
ampliar a ordem democrdtica, antes ferida de morte
peta Oitadura militar, consolida como Direitos - e
iamb6m os amplia - aquilo que era um misto de conquistas populares e concessdes das elites na esfera
disocial. dla adiciona d cidadania civil e politica a
mensdo social.
Entretanto, o desmanche do pacto constitucional
produzido pelas forgas do mercado e seus subalternos
op"rou-r" Lm fraude d Constituigdo' A acumulagdo
democrdtica e social que o processo constituinte
(constituigdo materiaD fez desaguar na Constiruigdo
em vigor foi subtraida pela vontade do governo federal colnjugada d maioria congressual de tr6s quintos'
qrr" -oaih"ou o texto origindrio ao sabor dos interes-
casuisticas
ses do mercado, de conveni€ncias polfticas
e, sobretudo, de insuport:ivel pressdo norte-americana'
nacional, foram suNo que
'da respeita soberania
Constituigdo significativas normas de
i
primidas
97
i economia do Pafs: controle da remessa de
lucros do capital estrangeiro; conceito de empresa
protegao
nacional; dominio da Unido sobre o subsolo; monop6lio do petr6leo, monop6lio sobre a pesquisa e a lawa
de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidrr{ulica; monop6lio ou controle esta-
tal sobre as telecomunicag6es. As privatizagdes selvagens alienararn o patrim6nio priblico e empenharam o
futuro na medida em que haveremos de sofrer indefinidamente a remessa para o exterior de lucros de empresas que ndo exportam bens ou servigos.
Tais subtrag6es dos interesses nacionais s6o agora mais sentidas quando a desregulamentagdo dos
mercados empurrou
o mundo para a
recessdo e j6
agora para a depressdo. O presidente da Franga, Nicolas Sarkosy, jd fala em "refundagdo do capitalismo',,
certamente com a modificagdo dos rumos que levaram
h crise financeira mundial, mas continuarii sendo o
"o priblico paga os custos e
assume os
e
os
lucros sdo privatizados,'
-.riscos,
mesmo sistema em que
(Chomsky ut;. S"m alternativas polfticas, assiste-se
passivamente i socializagdo das perdas dos bancos e
das grandes empresas industriais, comerciais e agrfcolas, ap6s ddcadas de ganhos extraordin6rios. As potdncias europ6ias jri mobilizaram mais de tr6s trilh6es
de euros para salvar a "banca"; o autor destas linhas
viaja na utopia (utopia 6 um sonho que n6o se realiza)
ut
Noam Chornsky, Folha de 56o Paulo, 14il0108.
92
pq""tide que alguns poucos destes bilhdes de euros
a Alnt6mcom
na96es
am iesgatar a divida que essas
dividido
elas
por elas rapinado e entre
"u,
"oitin"nte
na Confer€ncia de Berlinu em 1885' ^^
s foram desrespeitados
Os Acordos de Basildia
pelas nagdes desenvolvidas, EUA h frente, e impulsionada a maior "fatta de cr6dito" que o mundo conheceu. 56 agora, Alan Greenspan, todo-poderoso presidente do Federal Reserve (o Banco Central Americano, Fed), admite (embora parcialmente), em audiOncia
ao
na Cdmara de Representantes dos EUA, ter errado
e
se opor a ulna maior regulamentagdo de derivativos
do
d regulagao de bancos enquanto estava h frente
a
Fed. Greenspan presidiu o Fed de agosto de 1987
ao
op6s
se
periodo
desse
longo
janeiro Ae ZbOO i ao
tontrole das instituigdes financeiras' "As empresas
o
deveriam estar muito mais reguladas para impedir
por
s6cuvez
tsunami do crddito, que s6 ocorre uma
to"
"rH;t;rli"n,", enffe tantas agress6es ao pacto
do
constifucional fundador, t6m realce a derrogagdo
alcane
do
principio constitucional da reelebibilidade
ie da^revisio que disposigdo Constitucional Transit6-
ria inseriu na Constituigdo.
Os princfpios gerais estabelecidos pela Constituigdo Federal ripresentam a maior fonte material do
posinosso Direito, em oposigdo i cediga metodologia
62
Jornal O Globo, 24ll0l08.
93
tivista e ao empirismo funcionalista, redutores prdticos do Direito h ditadura do preconceito: a misdria da
lei. E do conteddo material dos principios constitucionais que se retiram o valor e o alcance das normas, sua
legalidade e sua legitimidade.
A alteragdo do g 5" do art. 15 da Constituigdo o-
rigindria, pela derivada Emenda
Constitucional
admitiu a reelegibilidade do presidente da
Repriblica, governadores e prefeitos, rompendo tradigdo republicana brasileira e mesmo afrontando o precedente hist6rico do golpe do segundo Bonaparte,
embora sem a presenga militar ostensiva deste, seguiu
os exemplos desafortunados de Per6n, Menenr, Fujimori, Uribe, Castelo Branco.
A tentativa de aplicar dispositivo do ADCT, que
previa a realizagdo de plebiscito ap6s cinco anos de
promulgada a Carta Magna, para "revisar" toda a
Constituigdo, como uma especie de terceiro turno
constitucional, enfrentou fortes resistdncias nos seto1,6197, que
res mais avangados do constitucionalismo.
E certo que ndo existe um grau de hierarquia entre as normas promulgadas por uma constituinte, todavia, a aceitagdo de normas transit6rias ndo pode
contrariar os princfpios^esffuturais, polfticos e juridicos, da Constituigdo. o' A forma aparente como se
apresentou a norrna transit6ria ("revisdo") ndo corres63
V. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Livraria Alruedina, Coirnbra, 1991, p. 237.
94
aceito'
pondia a um conterido normativo geralmente
^Xao
6
como
"revis6o"'
forma
a
na coincid6ncia entre
norma'
da
lida pelos leigos, e o conteddo axiol6gico
^O
verdadeiro alcance do art' 3" das Disposig6es
profesTransit6rias foi magistralmente definido pelo
e Plebiscisor Bonavides no "Simp6sio sobre Revisdo
dos
Ordem
da
Federal
pelo
C-onselho
io; putt*ittado
Advogados do Biasil
tr
"Em rigor, a revisdo ndo resulta propria-
mente do art. 3" aonde ela vem contemplada
jd reside no
verbalmente, mas do art' 2" onde
seu verdadeiro sentido material' na seqii6ncia de uma tradigdo legf'tima, e rinica a ilu-
minar herrneneuticamente a diregdo e a latitude do artigo das Disposig6es Transit6rias
referente ao preceito revisional ora questro(renado. Ali ," i*u na forma de governo
e
priblica ou monarquia constitucional) no
ientido de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) que devem vigorar no Papro?s, isto 6, mat6rias que implicam revisdo
alicerfunda da Carta e com legitimaglo i6
gada em decisdo soberana do voto plebiscitdrio. A explicitagdo de fundo assenta toda
no art. 2": ele d a revisdo meslna' em sua ada
cep96o material t"'l' A nomeagdo formal
3o
art'
no
por6m
fez
se
revisdo constitucional
tem
n6o
absoluta
maioria
de
cujo "quorurni'
95
forga pr6pria fora dos lagos indissohiveis
com a matdria do artigo antecedente [...]. Em
outras palavras, a revisdo, figura transit6ria,
s6 existe no art. 3o do Ato das Disposig6es
Constitucionais Transit6rias, podendo apenas ser utilizado em combinaEao com o teor
material do art. 2" do mesmo Ato. Desvanesce-se, por6m, ou se torna inaplic6vel caso
o povo soberano, redargUindo d consulta
constifucional, mantenha a presente forma e
sistema de governo, a saber, respectivamente, a repriblica e o presidencialismo. Desmembrar interpretativamente o art. 3o do art.
2" do Ato das Disposig6es Constitucionais
Transit6rias d, pclas raz6es expostas, expediente mais polftico do que jurfdico. Tem o
rinico e inconfessdvel objetivo de quebrantar
o
obstdculo da rigidez constitucional da emenda, mediante a qual uma alteragdo proposta se discute e vota em cada Casa do
Congresso Nacional em dois turnos, considerando-se aprovada unicamente se obtiver,
em ambos os turnos, tr€s quintos dos votos
dos respectivos membros, ao passo que a revisdo - ali nomeada, a nosso ver, apenas adjetivamente porquanto jii substancialmente
contida no art.2o, fora do qual n6o cobra sen-
tido jurfdico-constifucional, requer, para os
efeitos materiais derivados do art. 2". um
96
"quorurf' de aprovagdo deveras inferior,
a
saber, o voto da maioria absoluta dos mem-
bros do Congresso Nacional, reunidos em
sessdo unicameral."
Malgrado os retrocessos assinalados, h6 que saudar que as liberdades estardo plenamente garantidas se
exclufda a fijria dos "grampos", agdo marginal que at6
agora ndo se sabe a quem verdadeiramente serve, fiiria
que paradoxalmente se exerce em pleno regime democr6tilo. Sdo significativos os avangos no campo da
economia, embora o ciclo virtuoso do mercado internacional tenha se encerrado com a recessdo nas principais economias, com inevit6veis reflexos em todo o
mundo. A Constituigdo operou inclus6es sociais, especialmente no campo com nossos cidadios desprovidos de tudo.
Consolidar a Constituigdo e fazer renascer os i-
deais que a escreveram s6o os nossos desafios'
97
NOTAS
r
Sobre Schmitt. Carl Schmitt , Teoria de la Constitucihn. Editorial
Revista de Derecho Privado, Madrid, s.d., pp. 33/34. O pr6logo do
autor refere a Bonn, dezembio de 1927. Carl Schmitt (chamado o
'Jurista do nazismo") d dos mais controversos pensadores do
sdculo XX. Inicialmente, abraEou o "neokantismo juridico" (estuda a andlise polftica atravds do Direito) para, em seguida, transformar-se no corifeu do "decisionismo", principio da supremacia
absoluta do politico sobre o Direito. Ser6 exclusivamente a vontade politica que vai gerar anorrnajurfdica. Anog6o de politico se
resume na distingdo entre amigo e inimigo, sendo esle o advers6rio polftico tomado como "inimigo priblico'. A teoria schmittiana
deita rafzes no pensamento de Hobbes para quem a autoridade tern
o poder discricioniirio de criar e decidh sobre o Direito. (Auctoitas non veitas,facit legez) Admirava os dois princ{pios sustentados por Hobbes: cada um tem direito ilimitado em tudo o que ele
deseja; e os homens t6m inclinagdo natural a mutuamente prejudicarem-se. Considerado o principal jurista do Terceiro Reich,
Schmitt invectivava a ConstituiEao de Weimar porque seus tundamentos liberais e os Direitos polfticos que assegurava eram
itnpotentes para conter o avango irracional do bolchevismo. Sobre
o autor v., entre n6s, Bernardo Ferreira, O Risco do Politico Critica ao Liberalismo e Teoria Politica no pensamento de Carl
Schmitt, Editora UFMG (BH) e IUPERI (RJ), 2004. Carl Schmitt
e afundamentagdo do direito, de Ronaldo Porto Macedo Jr. (Max
Lirnonad, Sdo Paulo, 2001). Novas leituras sobre o autor v. Chantal Mouffe: "O meu objetivo 6 pensar corn Schmitt, contra Schmitt, e utilizar os seus pontos de vista para fortalecer a democracia
liberal contra os seus criticos" (O Regresso do Politico, Gradiva,
Lisboa, 1992). V . tb. Alexandre Franco de 56, .'soberania e poder
total. Carl Schmitt e uma reflexlo sobre o futuro", Revista Filos6fica de Coimbra, n" 20, vol.l0, Coimbra, outubro de 2001, pp.
427460. Universidade de Coimbra, Faculdade de lrtras; Jos6
Aic6, Presentaci6n, nota biogrdfca, bibliograJia, in ,.El concepto
de lo politico", de Carl Schmitt, trad. Eduardo Molina y Vedia e
Raril Crisafio, Folios Ediciones, Buenos Aires, 1984. Em
98
seu
Fuga da Hist6ia? - a Revolugdo russa e a Reuoluqdo chinesa
holZ (Xevan, Rio de Janeiro, 2004), Domenico I-osurdo instiga:
"Soberano d quem decide o estado de excegdo: a f6nuula dojurista ultra-reacion6rio e genial Carl Schmitt pode servir para que
entendamos ndo apenas o funcionamento concreto de um ordenamento constitucional e as relag6es entre seus diversos centros de
poder, mas tambdm a vida e o real grau de autonomia de um mo'
virnento politico." "A reconstruqdo de um conceitojuridico de um
poder constituinte d ainda exigida pela necessidade.de enfrentar as
iecorrentes recuperag6es de concepg6es identitiirias do poder
constituinte, baseadas na disting6o entre legalidade e legitimidade
de Carl Schmitt. Em Carl Schmitt, a distingdo entre legitimidade e
legalidade alcanga a sua maior expressdo na distingdo entre poder
constituinte e poder constituido, por sua vez elaborada i luz da
primeira fase do pensamento de Seyds, corno j6 se referiu. Nesse
iontexto, a alteraEdo da Constituigdo nos termos nela previstos
seria uma rnanifestaglo da legalidade; a al0eraqdo da Constituigdo
com intervengdo do o poder constituinte do povo seria uma manifestagdo de legitimidade. Ao contri6'rio de Kelsen que esgotava a
legalidade na legitimidade, a construgdo de Schmitt parte da hip6teie da radical separagao entre uma e outro. Mas a verdade d que
os termos referidos t6rn un signifrcado peculiar no pensamento de
Schrnitt: a legalidade 6 um produto do parlarnentarismo dos Estados formais de direito; a legitimidade 6 caracteristica da concepconceitos de
96o identitr{ria e plebiscitrlria da democracia. Os
cunho proo
seu
perderam
em
Schmitt
legalidade e legitimidade
pri-amente juridico para reflectirem a conhecida tipologia- das
iormas legitirnas de iutoridade de Max Weber. Deste modo, legitimidade e legalidade ndo correspondem aos conceitos de validade
juridica, validade dtica ou nonnativa e validade sociol6gica, atr6s
ieferidos. No pensamento de Schmitt a legitirnidade d um produto
acess6rio da lideranga carism6tica, enquanto a legalidade 6 fungdo
do Estado legislador parlamentar. A influOncia de Weber sobre
Carl Schmitt, neste contexto, reflete-se ern dois aspectos' Antes de
mais, o pr6prio conceito de legitimidade democrdtica surge j6 em
99
Weber como uma extensdo da autoridade carism6tica, sem que
seja estabelecida qualquer conexdo entre a democracia e a autoridade legal-radical. A autoridade carism6tica d baseada na crenga
das capacidades pessoais extraordini{rias de um lider e, como tal,
constitui a antitese da autoridade burocrdtica. com as suas caracteristicas de previsibilidade, impossibilidade e regularidade. Segundo Weber, o princfpio da legitimidade carism6tica, por definigdo
encarado como autoritiirio, "pode ser reinterpretado de forma antiautoritiiria". Esse desenvolvimento seria at6 inerente d racionalizagdo das sociedades modernas: a lideranga deixaria de ser aceite na
base de sua legitimidade carism6tica e passaria a s€-la na base da
base da legitimidade democr6tica, Por outro lado, Weber nio
estabelece uma distingdo nitida entre eleigdes e plebiscitos. Contemplando o quadro, importa ainda referir a teoria das fases de
desenvolvimento do direito, desde a fungdo inicial na religiSo,
passando pela tradigdo do direito natural atd o moderno positivismo. Esta teoria implicava que nas modernas sociedades a autoridade polftica seria legftima se rnanifestada atrav€s do direito.
Weber admite assim uma converg€ncia entre os tipos de legitimidade legal-racional e carism6tica na forma plebiscitii.ria. No conceito de legitimagdo de Max Weber, cuja incapacidade para justificar norrnas de acado foi justamente salientado por Habermas,
encontrou Schmitt os fundamentos para tratar a legitimidade e a
legalidade como conceitos em que estii ausente a dimensdo da
justifrcagdo normativa da acgdo. A partir deste ponto de apoio,
Schmitt limitou-se a extremar a distingdo entre as formas de do
minagdo legal-racional e democr6ticoplebisciliria. O segundo
aspecto da influ6ncia de Weber no pensamento de Schmitt decorre
do aproveitamento que o segundo faz da id6ia da Fuhrerdemokralie desenvolvida pelo primeiro, embora num coritexto algo diverso. Enquanto Weber v€ ainda no lider autocrdtico um contrabalango, manifestado no car6ter plebiscitri.rio das eleigdes e na eleigdo
directa do chefe de Estado, i burocracia andnima e a possibilidade
de reforgar o parlamentarismo na Alemanha, Schmitt considera-o
uma alternativa ao mesmo parlamentarismo. E, pois, com base no
100
pensamento de Weber que Schmitt dissocia as categorias da legiii*lOuO" e da legalidade. O conceito da legitimidade nada t'em a
ver, no pensamento de Schmitt, com a validade 6tica das nortnas
juridicas, mas com o dominio psicol6gica e socialmente aceite;
por t"u tumo a legalidade n6o corresponde simplesmente i validade juridica, mas a uma forma de Estado em que "ndo sdo os
homens nem as pessoas os soberanos", mas "onde toda a actividade se resume a uma aplicagdo de normas". No pensamento socio'
l6gico de Weber tais categorias achavam-se ainda relacionadas,
pois a legalidade era vista como uma forma de legitimidade' a par
de legitimidade carism6tica e a conviv€ncia de ambas reflectia a
sua concepgdo liberal que conjugava perigosamente o parlamentarismo com elementos plebiscitririos. Essa direcado plebiscitriria da
democracia iniciada por Weber foi levada irs riltimas conseqii€ncias por Schrnitt, a ponto de distorcer completamente de um ponto
de vista juridico, as nogdes de legitimidade e legalidade. Paralelamente, as construE6es identitr{rias de Schmitt dissociam o conceito de democracia da id6ia de discussdo priblica e, nessa medida,
destituem o proprio conceito da sua base normativa. Ora, a verdade d que s6 a discussdo priblica guiada por argumentos permite a
justilicagdo democrdtica da autoridade politica. Neste sentido, a
regra da maioria pode ser interpretada como procedimento que
pennite aproxirnag6es realistas i iddia de formaqdo de um consenio tdo racional quanto possivel sob a pressdo de tomar uma decis6o. Ndo existe, assim, qualquer espago para um poder constituinte
pairando sobre a constituigio, i espera de urn despertar plebiscitr{iio. Or conceitos de legalidade e legitinridade a partir dos quais
Schmitt constr6i a sua distingdo entre poder constituinte e poderes
constituidos sdo imprescindiveis para a teoria constitucional porque ultrapassam os limites externos da linguagem normativa. "A
Consci0ncia desses limites ndo nos obriga, por6m, a excluir o
conceito de poder constituinte com base numa determinada concepEdo dele." (cfr. Miguel Nogueira de Brito, A, Constituigdo
Coistituinte - Ensaio sobre o Poder de Revisdo Constitucional,
Coimbra Editora, 2000, pp. 333/386. Sobre Schmitt' o autor cita:
101
Teoia de la Constitucihn, Alianza Ed., Madrid, 1982, Sccitti su
'Thomas Hobbes, Giuffrd Editore, Mil6o, 1986; La defensa de la
Constitucihn, Ecl. Tecnos, Madrid, L983; Thiolo4ie Politique,
1969, Editions Gallirnard, Paris, 1988; Du Politique, Legaliti et
Legitimitd et autres Essais, Pardis, Puiseaux, 1990; La Nation de
PolitiquelThdoie du Paftisan, Calmann I/vy, Paris, 1972. De
Weber, o autor cita: Economia y Sociedad,?) ed., Fondo de Cultura Econ6mica, M6xico,1964; O Politico e o Cientista, 3' ed.,
Editorial Presenga, Lisboa, L9'19.) Para Carl Schruitt, o rnal 6
irremedi6vel: a confrontagdo armada 6 ao mesmo tempo urna
*Infeliz de quem ndo tem inimigo",
razdo e um meio de viver.
Schmitt escreveu na prisdo de Nuremberg quando aguardava
julgamento, em1947.
tr
O ingr"sso dos EEUU na Segunda Guerra Mundial leva Roose-
velt a pedir ao Congresso poderes soberanos para enfrentar
e
guerra: "Se o Congresso ndo agir, ou agir de modo inadequado, eu
rnesmo assumirei a responsabilidade da agao [...]. O povo norteamericano pode estar certo de que n6o hesitarei em usar todo o
poder que estou investido para derrotar os nossos inimigos ent
qualquer parte do mundo em que nossa seguranga o exigif' (Rossiter, Constitutional Dictatorship: Cisis Govemment in the Modern Democracies, 1848, cit. por Agamben, ob. cit., p.37, Srifei).
m
Pela Constituigdo de 1891, ndo poderiam ser admitidos como
objeto de deliberaEdo "projetos tendentes a abolir a forma
republican:i federativa, ou a igualdade da representagdo dos
Estados no Senado". Jd o Decreto 641 estabelecia que a revisdo
por ele determinada "... em caso algum versari4 sobre
as
disposigdes constitucionais que estabelecem a forma republicana
federativa e a inviolabilidade dos direitos concernentes i liberdade
e seguranga individual". O Decreto do generalfssimo abandona a
"igualdade de representagio dos Estados no Senado", f6rmula que
viabilizara o pacto entre as Coldnias norte-americanas, mas que a
proposta de revisio respeita.
102
N
"Decreto I-egislativo n" 6, de l8 de dezembro de 1935, Emenda
federal. Emenda 1: "ACdmara dos Depuiados, com
a colaboragdo do Senado Federal, poderd autorizar o Presidente da
Reprlblica a declarar a comogdo intestina grave, com finalidades
subversivas das instituigdes polfticas e sociais, equiparada ao
Estado de guelTa em qualquer parte do territ6rio nacional, observando-se o disposto no art. 175, n" l, $ $ 7"., 12 e 13, e devendo o
decreto da declaragdo da equiparagdo indicar as garantias constitucionais que n6o ficardo suspensas. Ernenda 2:Perder| patente e
posto, por decreto do Poder Executivo, sem prejuizo de outras
penalidades e ressalvados os efeitos da decisdo judicial que no
caso couber, o oficial da ativa, da reserya ou refonnado que praticar ato ou participar de movimento subversivo das instituig6es
polfticas e sociais. Emenda 3: O funcioni{rio civil ou inativo, que
praticar ato ou participar de movimento subversivo das instituigdes politicas e sociais ser6 demitido, por decreto do Poder Executivo, sem prejuizo de outras penalidades e ressalvados os efeitos
da decislo judicial que no caso couber." Rio de Janeiro, l8 de
dezernbro de 1935." (Fonte; Constituigdes do Brasil, Senado
Federal, Brasllia, 1986, Vol. I, p. 189.)
i Constituigdo
v "A
Constituinte brasileira nascera com vicio congdnito. O decreto de convocagdo denorninava-a tarnbdm legislativa; ela entendeu,
desde logo, que ndo s6 se devia ocupar de fazer a Constituigdo,
mas igualmente de fazer as leis ordini{rias. Estas tiverarn prefbrOncia e encheram o tempo das sess6es celebradas antes da apresenta-
gdo do projeto principal, para o qual ndo se tinha previamente
preparado bases, como se fizera em Lisboa [...] As constituintes
sempre se enfraquecem nas lutas prematuras e escusadas com o
poder arbitnirio. O bom-senso deveria aconselhd-los a procuftr
lntes de tudo promulgar a Constituigio [...]" (Tobias Monteiro,
*Hist6ia do Impiio", fls. 726, cit. por Bonavides e Andrade,
Histoia Constitucional do Brasil, ob. cit., p. 37.)
vr uPoder constituinte
e procedimento justo, A feitura de uma
constituigao por urn poder constituinte suscita tarubdm o problema
103
do procedimento constituinte adequado. Uma constituigdo ndo d
urna decisdo one shote de um poder, ou seja, a constituigdo n6o se
resume a um s6 acto editado pelo poder constituinte. Hd toda uma
seqiidncia procedimental, todo um caminho a percorrer, desde a
convocagdo de eleigdes para uma assembldia constituinte ou Para
um acto referendiirio, at6 a aprovagdojuridicamente vinculativa do
texto constitucional. Todo o complexo de actos eleigdes e discuss6es, redacgdes, votagdes, aprovagdo, publicagSo - necessiirios
para se chegar ao "acto final" - a constituigdo - deve estruturar-se
em termosjustos (due process) e adequados. Neste sentido se fala
de legitimidade da constituigdo atravis do procedimento" (J.J.
-
Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra,
r99r, p.97).
vtr (ntegra do predmbulo do prirneiro Ato Institucional:
qAo
"A NA-
E indispens6vel fixar o conceito do movimento civil e militar que
acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro'
O que houve e continuar6 a haver neste momento, ndo s6 no espfclasses armadas, como na opinido
priblica nacional, 6 urna aut6ntica revolugdo.
rito e no comportarnento das
se distingue de outros movimentos armados pelo fato
de que nela se traduz, ndo o interesse e a vontade de um grupo,
mas o interesse e a vontade da Nagdo.
A revolugio
A revoluglo vitoriosa se investe no exercfcio do Poder Constituinte. Este se rnanifesta pela eleigdo popular ou pela revolugdo. Esta d
a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.
Assim, a revolugdo vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima
por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade
de constitui-r o novo govemo. Nela se cont6m a forga normativa,
inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas juridicas sem que
nisto seja limitada pela normatividade anterior ir sua vit6ria. Os
Chefes da revolug6o vitoriosa, gragas i ag6o das Forgas Armadas
e ao apoio inequivoco da Nag6o, representam o Povo e em seu
t04
6 o rinico
nome exercem o Poder Constituinte, de que o Polo
pelos
Comandanteseditado
hoje
que
d
;i;;i*. O Ato Institucional
da
O. g*6rcito, da Iri-inftu da Aerondutica' em nome
"
sua
na
Nagdo
da
"ir"Cit"f"
apoio
o
com
vitoriosa
revolugio que se tornou
ouase
a ser
iotalidade, se destina a assegurar ao novo governo
econoi;ffiId", ;; rneios indispens6veis i obra de reconstrugio
poder
iui*, itnun"titu, polfticae moral do Brasil' de maneira apto9ry-
de modo direto e imediato, os graves e urgentes
a restauragdo a1 oraerl interna e do prestigio
de se
da nossa P6tria. A revolug6o vitoriosa necessita
a limitar
institucionalizar e se apressa pela sua institucionalizagdo
os plenos poderes de que efetivamente disp6e'
"nfr"nt"t,
;; que depende
m*
irt"*""ii*f
pela revolugdo
O presente Ato institucional s6 poderia ser editado
uitt ioru, representada pelos Comandos em Chefe das tr€s Annas
revG
que respondim, no nomento, pela realizagdo.dos objetivos
proceslu"iondrios, cuja frustraqdo est6o decididas a irnpedir' Os
o governo, que
sos constitucionais ndo funcionaram para destituir
pela
a"flU".uOu-"nte se dispunha a bolchevizar o Pais' Destituido
constide
processos
e
os
nonnas
as
ditar
cabe
esta
a
."t"foEaq s6
os instrumentuigdo do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou
no exclusivo
Poder
do
exerclcio
o
assegurem
qoE
ttt"
iorjutiOl*t
i;lJ;t" do Pais. Para de-monstrar que ndo pretendemos radicali
revolucioni{rio, decidimos nanter a Constituigdo de
-i"lt"""ttt nao'nos
a modihcri-la, apenas' na parte relativa aos
ig+6,'titoit
possa cumpoderes do Presidente da Reprlblica, a fim de que este
prir a missdo de restaurar no-Brasil a ordem econdmica e financeico'
ia e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsdo
cripula d9
;tttt, cula puitt6ncla j6 se havia infiltrado n6o s6 na
nou"*o'*tito nu, ,uu, dJpend€ncias administrativas' Para reduzir
;i"d^;"it ;t flenos pod"r"s de que se acha investida a revolugdo
Nacional'
uilotiotu, ,"roiu"*or, igualmente, manter o Congresso
do presente
co,'l as reservas relativai aos seus poderes, constantes
Ato Institucional.
105
Fica, assim, bem claro que a revolugdo n6o procura legitimar-se
atravds do Congresso. Este 6 que recebe deste Ato Institucional,
resultante do exercicio do Poder Constituinte, inerenle a todas as
revolugdes, a sua legitimagdo.
Ern nome da revolugdo vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua
vit6ria, de maneira a assegurar a realizagdo dos seus objetivos
e
garantir ao Pais um govemo c,apaz de atender aos anseios do povo
brasileiro, o Comando Supremo da Revolugdo, representadopelos
Comandantes-em-Chefe do Ex6rcito, da Marinha e da Aeron6utica
resolve editar o seguinte [...].
*
*t...] Pedirei ao Congresso
[...] poderes t2io amplos quanto
os
que me seriam atribufdos se f6ssemos invadidos por um inimigo
externo." (Roosevelt, 1933, cit. por Agamben, ob. cit., p. 37).
x
Mesmo antes da prornulgagdo da Constituigdo, o poder judici6rio j6 havia sido organizado por lei do governo provis6rio e at6 os
membros do Supremo Tribunal, bem como os juizes seccionais
dos estados, j6 estavam nomeados. Deodoro aparelhava a Repriblica. Ver Felisbello Freire, Hist6ria Constitucional da Repriblica dos
Estados Unidos doBrasil, vol. Itr, Typ. Atdina, 1895, pp. 2151216.
J6 no predmbulo do Decreto no 848, de ll de outubro de 1890.
pelo qual o governo provis6rio organizou ajustiga federal ,.sobre
as lnesmas bases e com a mesma orientagdo que vieram a prevale-
9er 1ta Constituigdo" (JodoBarbalho, Constituigdo Federal
brasileira : commentarios, ? ed. Rio de Janeiro, F. Briguiet e Cia
Editores, 19V1, p.294), l€-se:
"A rnagistratura que agora se instala no pais, gragas ao regime
republicano, n6o 6 um instrumento cego ou mero intdrprete dos
atos do Poder Irgislativo. Antes de aplicar a lei cabe-lhe o Direito
de exam, e podendo dar-lhe ou recusar-lhe sangdo, se ela lhe parecer conforme ou contrdria i lei orgdnica.
106
juiz
"O poder de interpretar as leis, disse o honesto e s6bio elas
de verifrcar se
Direito
o
necessariamente
envolve
u-"ri*rro,
cabe-
caso
est6o confonne ou ndo a Constituigdo, e neste fltimo
engenhoso
esse
Por
efeito"'
e
sern
nulas
sdo
que
elas
tr" O""t**
a
consegue-se evitar que o legislador' reservando-se
urecaniSmo
situaqdo
iu"ofJuO" da interfretagdo' venhi a colocar-se na absurda
de
juiz ern
"E
sua Pr6Pria causa.
que se extina vontade absoluta das assembldias legislativas
dou;
,ru, sociedades modernas, como se hdo extinguido a1
g*-,
A
irinur'Oo arbitrio soberano do Poder Executivo I"'1" @nfei)'
r"dagao do Decreto n" 849/90 6 atribuida a Ruy Barbosa'
x E certo que a Constituigdo nova revoga a Constituigdo,anterior'
as Cartas do
No *to biasileiro, a Constituigdo em vigor revogou
juridicos decorrentes
iesime militar. Sern embargo, os fen6menos
a"'rrp"*""i€n"iu O" nottiut constitucionais podem permitir a
recepqtio
"subsist€ncia de nonnas constitucionais anteriores anteriores'
constitucionais
normas
de
iitrriof'; ou "subsist€ncia
;ri; f"tg" de normas de direito ordi n6rio - desconstitucionaliza'
por Emendas
norrDas promulgadas
iii' . vt"t 6 preciso atentar queSamey
se inscrevem nas duas hip6interregnl
no
bonstitucionais
Ambas as hip6teses
Mit*du'
pt*of"ttot
t"r"t iot"utuOas pelo
requer a compatibique
apenas
recepgdo
di
;
fen6rneno
i;;a;
H6 tamb6m
iiOui" ,out"riul anterior "o--u nouu Constituigao'
lei
O" q"e leis de C6digos sejam,recepcionadas como
a
nova
com
vigor
em
"."r"pf"t
estdo
decretosJei
compiementar. Diu"ttot
-oniituigao embora esta os tenha revogado' V' Jorge Miranda'
cit. pp.2381239.
xlJosd Samey foi incluido na chapa, como se vlu-acima' porque
p"lu gngNe" embora antZio presidente do PDS' sobre ele
"l,riio
r"i a" "fidelidade ptiio'atiu", que punia a troca de
ffi-L5ffi
partido que "elegera o parlamentar' Norma da ditadura
ffi;;
vigor
--
-
ent6o
obrigava a inscrigdo do candidato e do vice em
t07
uma mgsma chapa. Resposta
i eleigdo
de Jango em chapa advers6-
ria de Jdnio Quadros.
m
Cronologia das declaragdes do presidente Lula: ..eue crise?
Pergunte para o Bush" (16 de setembro de 2008); ..Atd agora,
gragas a Deus, a crise nio atravessou o Atl6ntrco,, (ZZ de setembro
de 2008); "L'{, a crise 6 um tsunami. Aqui, se chegar, vai ser urna
marolinha que n6o d6 nem para esquiar" (4 de outubro de 200g);
"N6o posso assumir o compromisso de que, se houver uma crise
econ6mica que abale o Brasil, a gente vd manter todo o dinheiro
nos ministdrios" (21 de outubro de 2008).
xm
Medida Provis6ria No - 443, de Zl de Outubro de 200g Autoriza o Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econdmica Federal a constitufrem subsidiilrias e a adquirirem participaqdo em instituig6es
financeiras sediadas no Brasil, e di{ outras providOncias. O pRESIDENTE DA REPITBLICA' no uso da atribuigdo que lhe confere
o artigo 62 da Constituigdo, adota a seguinte Medida provis6ria,
corn forga de lei: Art. l" - O Banco do Brasil S.A. e a Caixa Ece
n6mica Federal ficarn autorizados a constituir subsidiri.rias inte-
grais ou controladas, com vistas ao cumprimento de atividades de
seu objeto social. Art. 2" - O Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econdmica Federal, direlamente ou por intermddio de suas subsidi6rias,. poderdo adquirir participagdo em instituig6es financeiras,
ptiblicas ou.privadas, sediadas no Brasil, incluindo empresas dos
ramos securitirio, previdencii{rio, de capitalizagdo e demais ramos
descritos nos arts. 17 e 18 da Iri no 4.595, de 3l de dezembro de
1964, al6m dos ramos de atividades conrplementares is do setor
financeiro, conr ou sem o controle do capital social, observado o
disposto no art. 10, inciso X, daquela Iri. l" para a aquisigdo
prevista no caput, o Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econdmica
Federal poderdo contratar empresas avaliadoras especializadas,
mediante procedimento de consulta simplificada de pregos, na
forma do regulamento, observada s"mpre a compatibilidade de
pregos com o mercado. 2o Na hip6tese prevista no caput, percen_
tual do prego a ser desembolsado na operagdo de aquisigdo de
108
participagdo societr{ria podeni ser apartado para dep6sito em conta
aberta j unto h instituigdo financeira adquirente, para faznr frente a
eventuais passivos contingentes ndo identifrcados, ficando o Banco do Brasil S.A. ou a Caixa Econ6mica Federal, conforme o caso,
autorizado a debitar a referida conta sempre que identificado
algum passivo dessa ordem, nos termos fixados no contrato de
aquisigdo. Art. 3" A realizagdo dos neg6cios juridicos mencionados nos arts. 1o e 2" pderi ocolTer por meio de incorporagdo
sociel'4ria, incorporagdo de agdes, aquisigdo e alienaqdo de contro'
le acioniirio, bem como qualquer'outra forma de aquisigdo de
ag6es ou participagdes societi{rias previstas em lei. Art. 4" Fica
autorizada a criagdo da empresa CAD(A - Banco de Investimentos
S.A., sociedade por ag6es, subsidiriria integral da Caixa Econ6mica Federal, coru o objetivo de explorar atividades de banco de
investimento, participagdes e demais operagdes previstas na legislag6o aplic{vel. Art. 5" - Fica dispensada de procedimento licitat6rio a venda para o Banco do Brasil S.A. e Caixa EconOmica Federal de participagdo acioni{ria em instituig6es financeiras prlblicas.
Banco Central do Brasil autorizado a realizat
operagdes de swap de moedas corn bancos centrais de outros
pifses, nos linrites e condig6es hxados pelo Conselho Monefiirio
Nacional. Art. 7o - Esta Medida Provis6ria entra em vigor na data
de sua publicagdo. Brasilia, 2l de outubro de 2008.
Art. 6" - Fica o
xw
O chefe militar, general Pinochet, permaneceu no poder dezessete anos, os quais ele usou para irnpor uma pol(tica de ultraliberalismo econdmico no Chile, assim demonstrando, entre outras
coisas, que o liberalismo pol(tico e democracia ndo sdo parceiros
naturais do liberalismo econ6mico": E. Hobsbawm, Era dos Ex'
tremos - O breve sdculo XX 1914-1991, Companhia das Lrtras,
SP, 1995,pdgs. 4301431.
xv As economias p6s-comunistas no Irste seguiram fielmente o
*Ndo hr{ neoliberais mais intransigentes do que
ruodelo neoliberal.
os reformadores do Irste", dird Anderson. Na Pol0nia, na Hungria e na Lituania, antigos comunistas ganharam as eleig6es e
109
governam seus paises, mas suas politicas eur nada se diferem da
pol(tica neoliberal que as urnas teriam derrotado (Perry Anderson,
ob. cit. p. l8).
* Id.Ib., pdgs.20t2l. Salinas, Menem, Carlos Andr6s e Fujimori
prometeram exatamente o oposto da polftica neoliberal que iriam
implantar. Salinas "elegeu-se" fraudando as eleigdes, como se
sabe, acusado de vi{.rios crimes, est6 "asilado" nos Estados Unidos.
A Venezuela, com sua democracia "mais continua e s6lida do que
em qualquer outro pais da Am6rica I-atina, rejeitou a alta dose de
autoritarismo necessdrio para implantar o modelo neoliberal"
(Anderson, pig. 2l), o presidente Carlos Andrds Perez, como
Collor*, sofreu o "impeachment*. Fujirnori deu um golpe
de
Estado, fechou o Congresso e os Tribunais (o que lhe trouxe significativo apoio popular), reformou a Constituigdo, convocou eleigdes gerais, elegeu a maioria do Congresso e "renovou" seu mandato. A Argentina adotou legislag6es de emergdncia e o Congresso
convocou uma "ConvenEdo" para rever a Constituigdo hist6ica
(1853), restabelecida ap6s a derrota de longa e crudelissima ditadura militar. Com fundamento no Art. 30 da Constituiqdo de 1853
("A Constituigdo pode reformar-se no todo ou em qualquer de
suas partes, A necessidade de reforma deve ser declarada pelo
voto de dois tergos, ao menos dos membros do Congresso; mas
ndo se realizar6 sendo por uma ConvengSo convocada para este
efeito'), a Iri n" 24..309193, declarativa da necessidade de reforrna, autorizou o poder constituinte derivado a votar a reforma da
ConstituigSo. Antes, em 1948, o Congresso tambdrn votara a
necessidade de refonnar a Constituigio de acordo com a politica
peronista. (Juan Domingo Per6n elegera-se, em1946, presidente
da Repriblica.) A "reforma" mal disfargava seu verdadeiro objetivo de pennitir a reeleiglo do presidente e do vice-presidente da
Repriblica, mas nem por isso deixou de introduzir novos capitulos
consagrando, o primeiro, os "Direitos do trabalhador, da familia,
da velhice, da educagSo e da cultura"; e o segundo, estabelecendo
a "fungdo social da propriedade, do capital e da atividade econ6-
110
nrica". Em frns de 1949, o Congresso aprovaria lei proibindo a
formaqdo de coligagdes eleitomis e impedindo a ciagdo de novos
partidos politicos (Iri n" 13.654). Em l95l' Per6n reelegeu-se
com 62,4% dos votos
antra 3l,8Vo do seu adversi{rio. Governaria
at6 1955 quando ent6o seria demrbado por um golpe militar. Em
1956, o gbrrerno provis6rio anularia a Constituigdo de 1949 e
reinrplantaria a Constituigdo histdica (1853)' com as reformas de
1860, 1866 e 1898 (excluindo as refonnas peronistas), Para' em
seguida, convocar (1957) a "Convengdo Constituinte" para reformar a Constituigilo histdica. Na seqii€ncia, ern 1993, o chamado
"Pacto de Olivos" que reuniu o neoperonista Carlos Menem,
presidente da Repriblica, e o ex-presidente Raul Alfonsin' lfder da
Uni6n Civica Radical (oposigdo), estabeleceu um primeiro acordo
("nricleo de coinciddncias b6sicas") entre ojusticialismo (oficial) e
o radicalismo (oposiqdo) do qual arrancou a reforma constitucio'
nal. Como em 1948, a reforma girava em torno da possibilidade de
reeleigdo do presidente da Repriblica que a Constituigdo histdrica
proibia. Em contrapartida, o justicialismo adrnitiria a criagdo de
um "Chefe de Gabinete de Ministros" nomeado e demitido pelo
presidente da Repriblica, mas com resPonsabilidade polftica peranie o Congresso que tarnbdm poder6 remov6lo com o voto de
censura, numa versdo atenuada do sistema parlamentar de governo que contemplava Alfbnsfn. O "Pacto de Olivos"' iniciativa
politica prd-constituinte, afinal consubstanciou-se na jd referida
l*i n" 24.390193, que declarou a necessidade de reforma a ela (lei)
vinculada. O ruandato presidencial reduzido a quatro anos (com
uma reeleigdo) permitiu a coincid€ncia de ruandatos legislativos e
executivo (Congresso e presid6ncia da Repriblica). Areforma iria
alcangar o Poder Judicir4rio. Foi criado o Conselho de Magistratura
(a ser regulamentado por lei complementar) que terii a seu cargo a
selegdo dos juizes mediante concursos priblicos para as magistraturai inferiores (at6 ent6o nomeados pelo executivo) e a administragdo do Poder Judicial. O Conselho ser6 renovado periodicamente objetivando alcangar o equilfbrio entre a representagdo dos
6rgdos polfticos resultantes da eleigdo popular, dos juizes de todas
111
as instancias e advogados, aldm de personalidades do mundo
acad6mico e cientifico, na fonna que a lei vier a determinar (Art.
I 14 da Constituigdo). Entre as atribuigdes do Conselho estil a de
executar o orgatrlento nos termos que dispuser a lei, aldm de exercer faculdades disciplinares sobre os magistrados, zelarpela independ€ncia do judicir{rio e a ehci{cia da prestagdo dos servigos
judicir4rios (V. Bidart Carupos, Tratado Elemental de Derecho
Constitucional Argentino, Tomo IV, I-a Reforma Constitucional
de L994, Ediar, Buenos Aires, 1995). *Sobre o "impeachmenf'do
ex-presidente Collor, V. Marcello Cerqueira, A Constituigdo e o
Direito Anteior (O fen6meno da recepgdo) - O impeachment do
Presidente da Repiblica (um estudo de caso), Sdrie agdo cultural.
Temas do interesse do legislativo; nol, Cdmara dos Deputados,
Coordenagdo de Publicagdes, Brasilia, 1995.
ntr
Hobsbuwrrl, "A Era dos ...", ob. cit., p. 393. V. sobre o destino da ex-Iugosl:ivia, Robin Blackburn, "O esfacelamento da [ugoslrivia e o destino da B6snia", em "O Mundo Depois... ", ob.
cit., pp. 4031430. "O s6culo XX comegou coru tiros em Sarajevo,
em 1914, e estii acabando agora com a derrocada do impdrio
sovidtico e com tiros em Sarajevo" (Karel Kosik, O Sdculo de
Grete Samsa: sobre a possibilidade ou a impossibilidade do trdgico em nosso tempo, Colegdo 'A teoria pnitica ajuda', Instituto de
lrtras da UERI, Rio de Janeiro, 1995, trad.: Irandro Konder). A
prop6sito, pesquisa desenvolvida pelo diretor do Instituto de Estudos Demogr6ficos de Paris, Jean- Claude Chesnais [autor do livro
Hist6ria da ViolAncia (Iistoire de la Violence), Editions Robert
I-affont, Paris, I 98 ll, com base em estatisticas policiais e trabalho
de campo, concluiu que o acelerado crescimento populacional
associado ao enfraquecimento do Estado provocaram uma "explo'
sdo de criminalidade" nas grandes cidades brasiletas. De acordo
com o pesquisador, a viol€ncia no Brasil pode atingir o nfvel da
Coldmbia se o governo ndo atacar o crescimento do tr6fico de
drogas. Na opini6o do professor, o governo deve restaurar a imagem do Estado: "Temos que encontrar o equil(brio entre o Estado
rt2
fraco e forte. O neoliberalismo eski indo longe demais e o custo
aitto poO" ser maior no futuro", advertiu durante o "Semindrio
roUt"'Vlot€n"ia Urbana" prornovido pela Associagdo Cornercial
do Rio de Janeiro (JB e Globo, 02.09.95).
* Id., pdg. 405. Nos anos 80, o aumento do desemprego foi uma
dasmaii distacadas caracterlsticas dos paises capitalistas avanga-
Jos (Andrew Glyn, "Os custos da estabilidade; os paises capitalis", ob' cit''
tas avangados n'or'uno, 80", em "O Mundo Depois "'
p6g.60).
*'*
Id., p. 405. Nos anos 80, o aumento do desemprego foi uma
das mais destacadas caracterfsticas dos palses capitalistas avangaJor te"Ot"* Glyn, "Os custos da estabilidade; os paises capitalis", ob' cit''
tas avangados no. uno. 80", em "O Mundo Depgis;"
e Seguran*
partt
em
"Constituigdo
publicado
foi
deste texto
60;.
p'
(estudos
ilom"nag"m ao luin' Pertence)' coord'
"m
F6rum, BH' 2004'
Ed.
b,itttt"n Lricia A. Rocha,
gu'frtiai*"
xlx Da Confer€ncia de Berlim (1884-85) resultou a partilha do
a
continente entre as principais pot€ncias europ6ias e atribuiu
a
Grdenquanto
e
Mogambique,
Portugal a Guin6, Angola
grosso
Bretanha ficava com os territ6rios que correspondem hoje,
Zdmbia'
do
Sul,
Africa
Uganda,
Qu€nia,
-Jq uo Egito, Suddo,aldm da Nigdria
e de Gana' A Franga cabia
Zmb6bue e-Botswana,
da
parte
ocidental
da Africa
srande
- Mauritinia ao Chade' oo
6oUao u Repriblica do Congo -, enquanto a Bdlgica controlava
"
hoje h Reprillica Democr6tica do. Congo, a lt6lia
qu" *."tponde
u Som6lia e parie da Eti6pia, a Alemanha chamava a si
d*t u
Namibia e a TanzAnia e a Espanha ficava com a col6nia
a atual"o*
*no., u Guind Equatorial. (Publicado rr "Al6m Mar"' maio de
2003, por Ana Gl6ria Lucas).
xx O Acordo de Capital de Basil6ia foi irnnado ern 1988, na cidade de Basildia (SuiEa), por iniciativa do Comit€ da Basil6ia e
ratificado por mais de ldO paises. O Acordo objetivou criar exigdncias ,oinitout de capital, que deviam ser respeitadas por bancos
113
comerciais, como pre€ugao contra o risco de crddito. Esse Acordo foi substitufdo pelo Acordo de Basildia A, em20M, que estabelecia principios bdsicos sobre contabilidade e supervisdo banci{ria. Por ele, os bancos n6o poderiam adquirir divida mais de l0
(dez) vezes superiores ao valor dos seus patrimOnios. Os Estados
Unidos desconheceram estes limites, assim outras nagdes ricas.
xxr
A Comissao de Estudos Constitucionais do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil realizou, nos dias 25 e26 de
junho de 1992, um "Simp6sio sobre Revisio Constitucional",
reunindo especialistas na matdria. As comunicag6es dos participantes sob o titulo "OAB- Estudos Constitucionais - Simp6sio
sobre Revisdo Constitucional" foram publicadas, a primeira edig6o
em setembro de 1992 e a primeira reimpressdo em novembro de
1992 (Brasilia). A comunicagdo do eminente professor Paulo
Bonavides ('A Revisdo Constitucional na Carta de 1988") estri a
fls.179l184. A comunicaqdo do autor destas notas ("Revis6o e
Golpe de Estado") est6 a fls. 1371146.
ll4
OBRAS DE MARCELLO CERQUEIRA
Direito
Comissdes parlamentares de inqueito
poderes das CPI's (Destaque, 1999)
-Cartqs
-
alcance e ertensdo d'os
cottstituciorlais, Impdrio, Repilblica
e
autoritarismo
(Renovar, 1997)
constituigdo e o d'ireito anterior: o fenimerw da recepgdo
(Cedi, 1995)
Controle do judicidrio, dnutrina e controvArsia (Revaru 1995)
A Corstituigda na hist6ria. oigem e reforma (Revan, 1993)
ndo sabe rezpr xinga a Deus (Timbre, 1993)
A
Quem
n
forr*
cottstitucional com quorun reduzid'o 6 golpe dc Estado
(Timbre,1992)
Revisdo e golpe de Estado (Timbre, 1992)
Bateau Mouchc: o naafrdgio d'o processo (Timbre' 1990)
Chacinn na serra (Timbre, 1990)
RepresefiaqAa e constituiQAo (Timbre, 1990)
Constituigdo Brasileira Como foram convocad'as as
(Timbre, 1 986)
estrangeiros ou regimento interno dn Bastilha?
dz
Nova lei
(PLG,1981)
Penhor dnliberdade (CPCD' 1981)
e
Em dcfesa dos presos politicos: por uilw anistia mpla' geral
Nitas
d
c o nstit uinte s
irrestrita(Coordenagdo da Cdmara dos Deputados, 1980)
Diversos
Recqdo ao tempo (ensaios. Editora Grafiline, 2005)
r15
Papdis avulsos (artigos, discursos, resenhas, prefi{cios. Revan,
2002)
Memorial: quase uma autobiografia (Revan, 1994)
Escritos politicos
As cidadcs de Deus - viobncia, criminalidafu & cidadnnia:
notas para uma reflexdo sobre uma politica integrada de
uranl a p rtbhc a (Gr af{ne, 20U2)
Sistema de govemo: presidencialismo
(Timbre,1990)
C i dadani a p art ida (Ctrafine, 199 6)
O dcusferido (Escopo, 1986)
Rude trabalho (CPCD, 1983)
Caddver Baralo (Pallas, 1982)
seg
ou parlatnentaismo
FicAiio
O sapato de Hwnprey Bogart (contos. Timbre, 1996;
200r)
Revan,
Beco das garrafas: umalembranqa (romance. Revan, 1994)
"Abaixo a pichag6o". In: Cr6nicas brqsileiras. University Press
ofFlorida,l994
Almogo de garuo (novela. Philobiblion Livros de Arte, 1985)
O jeito do Rio (crdnicas. Philobiblion Liwos de Arte, 1985)
Obras coletivas
'Recado ao tempo - democracia e seguranga juridica". In:
Anrunes Rochq org. Estudos em lnmenagem a Josd Paulo
Sepfilveda Pertente. F6rurn, 2004
'O
advogado 6 o rinico senhor de sua pessoa'. In:. Antonio
dz Moraes Filho por seus amigos. Renovar, 2(X)l
Evaisto
tt6
"Revisio, Reforma Constirucional e Plebiscito"' In: Grau
Santiago, orgs. Direito Constitucional
-
e
Estudns emhomenagem
a Paulo Bonavi&s. Malheiros, 2001
"Vdrias slo as forrnas de luta. A Defesa da Constituigdo 6 uma
delas'. In: Fiocca e Grau, otgs. Debates sobre a Cottstitui7do de
l988.Paz e Terra" 2001
O Dossil das Privcuizngdes. vol. 1. CoppeAIFRI, 1999
Pr6mios
Menglo hornosa no Concurso Liten4rio Sranislaw Ponte Preta em
1996 com o conto O amigo de Hemingway
Primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos e Poesias Poeta
Nuno Alvaro Pereira em 1996 com o conto O sapato dc
Humprey Bogart
Teses
A constinrigdo: controles e conffole extemo do poder judici6rio
(tese aprovada no concurso de livre docente da Universidade
GamaFilho. Mmeo, 1995)
A
constituiglo, Impdrio, Repriblica
e
autoritarismo, ensaio,
crttica e documentaElo (tese aprovada em 1995 no concurso para
professor tinrlar de Direito Constitucional da UERI, Mimeo)
A constituigdo e o direilo anterior: o fen6meno da recepglo' O
impeachment do presidente darepriblica: um estudo de caso (tese
aprwada em 1993 no concurso para professor de Teoria do
Direilo e Direito Constitucional da UFF, Mimeo)
No prelo
Vinte anos ndo 6 nada (romance)
Sou louco por ti, Graiafi! (lembrangas/crdnicas)
Niter6i: cr6nicas de uma paixdo (lembrangaVcrdnicas)
117
Duas manhAs e sete carnavals (novelas cariocas)
Hemingway e os anos loucos (ensaio)
Marques Rebelo: a chave do romance (ensaio)
Hist6ria e autoritarismo no direito brasileiro (hist6ria consdnr-
cional)
Onde momem as estrelas (lembrangas)
Combatendo nas trevas (hist6ria romanceada)
ll8
Ao leitor
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