um estranho no ninho, a loucura em questão

Transcrição

um estranho no ninho, a loucura em questão
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EM Q
Pesquisa e edição: Raphael Camacho
A
evolução cultural teve reflexo direto no tratamento dispensado ao que hoje denominamos
doenças mentais. Assim, se de início optava-se
pelo afastamento dos loucos da sociedade (ou
até mesmo por seu extermínio), mais tarde, após classificação da loucura como “doença”, essa enfermidade foi
delegada à psiquiatria.
A partir do século XIII surgiram estabelecimentos como
o Hospital Bethlem Royal (Londres) e o Asilo Salpêtrière (Paris), no qual, Philippe Pinel foi vanguardista por
dispensar o uso de correntes em seus pacientes. Apesar
dessa flexibilidade, o tratamento da loucura, em geral,
era extremamente agressivo e, em consequência, atraía
a curiosidade de um público cativo, já que o distanciamento da realidade faz da loucura um produto exótico e
fascinante.
Como prova dessa fascinação, “Um Estranho no Ninho“, baseado no livro de Ken Kesey, “One Flew Over
The Cuckoo’s Nest”, abocanhou nada menos que cinco
Oscar de primeira linha em 1975. O mencionado escritor
foi um articulador cultural que viveu por muitos anos à
margem da sociedade americana, atravessando o país
em um ônibus hippie-psicodélico movido a substâncias
alucinógenas. E esse escritor, sublinhando sua condição
de estranho no ninho no “american way of life”, destaca
que o significado do título desse trabalho encontra-se
encerrado na seguinte conclusão: “aquele que não voou
para nenhuma direção e permaneceu no lugar, tornou-se
louco”.
cio. Outro ponto curioso é que algumas tomadas foram
gravadas sob a atuação de atores e internos sem que esses
se apercebessem. E se isso já não é realismo suficiente,
acrescente-se o fato de que o filme fora rodado em sequências diretas.
Dando vida a uma figura que se opunha à repressão, a
impagável atuação de Jack Nicholson elevou seu nome
ao apogeu, e se encaixou perfeitamente em uma época
na qual os questionamentos sobre determinados métodos psiquiátricos, estavam em plena efervescência. Com
efeito, ao sublinhar técnicas utilizadas em prol do pseudo
bem estar social, como lobotomias e choques elétricos, o
filme trouxe à luz o indivíduo e suas reais necessidades.
Quando a psicologia passou a se ocupar da loucura, Foucault defendeu a psiquiatria declarando que “a psicologia
nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura já que a
loucura detém a verdade da psicologia”. E nessa afirmação resta evidente a guerra por espaço travada entre
ambas as ciências. Todavia, sendo a verdade, segundo
Bertold Brecht, um dado elástico pertencente a quem
melhor a monopolizar, pouco importa saber qual o lado
vencedor, já que a prioridade é o indivíduo e seu espaço
na sociedade.
Raphael Camacho
Cinéfilo de carteirinha! Autor do livro: “Guia do cinéfilo volume 1”
http://guiadocinefilo.blogspot.com.br/
[email protected]
Os direitos de exibição desse trabalho foram adquiridos
pelo ator Kirk Douglas que, sem sucesso, o
montou no teatro e, posteriormente, transferiu a autorização ao seu filho Michael. A trajetória do livro para a tela também não foi das
mais normais. Sob esse aspecto, vale dizer que,
por pura burocracia, o script endereçado ao
consagrado cineasta Milos Foreman ficou preso
durante 10 anos no correio da Tchecoslováquia
(país alcançado pela Cortina de Ferro).
Como se não bastasse, esse atraso decenal, após
a recusa de Gene Hackman e Marlon Brando, o
ainda desconhecido Jack Nicholson só confirmou
sua atuação como protagonista após uma temporada de convívio com internos em um hospí-
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