notícias e comentários - Universidade de Coimbra

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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
IN MEMORIAM
DE JOSE VAN DEN BESSELAAR (1916-1991)
Faleceu no dia 20 de Junho de 1991, na cidade de Nimega (Holanda),
de cuja Universidade era professor jubilado, o classicista e grande lusitanista J. v. d. Besselaar.
Josephus Jacobus van den Besselaar nasceu em Valkenswaard
(Brabante holandês) a 17 de Março de 1916. Tendo"feito os estudos
secundários na famosa cidade de Eindhoven, passou à Universidade
Católica de Nijmegen, onde frequentou o curso de Filologia Clássica,
de 1934 a 1940. Depois de ter ensinado nas escolas médias, defendeu
a sua tese de doutoramento a 4-V-1945, com o título de Cassiodorus
Senator en zijn Variae, quatro dias antes da «libertação» da Europa da
opressão nazi, circunstância que justifica ter estado a dissertação
impressa desde 1943, na Tipografia «De Gelderlander» e ter de aguardar dois anos para ser discutida. A obra mereceu ser de novo impressa
em 1950, então com o título O Senador Cassiodoro. Vida e obras de
um homem de estado e monge do século sexto (Tip. Gottmer, Haarlem-Antwerpen).
Depois de ter ensinado nos Liceus de Nijmegen, Amersfoort e Oss,
emigrou, em 1949 para o Brasil, tendo primeiramente ensinado em estabelecimentos frequentados pela colónia neerlandesa. Depressa, porém,
a Universidade Católica de S. Paulo o contratou como professor de
História Antiga e de Metodologia da História (1952-1958). Em seguida,
passou como «professor contratado» para a Universidade Estatual de
Assis (1958-1960), onde lhe foram confiadas disciplinas de Latim.
O seu regresso à Holanda coincidiu com o interesse do Instituto
de Espanhol e Italiano em estender a sua área também ao Português,
pelo que, em 1961, a Universidade Católica de Nijmegem o contratou
como «docente» de Português (1961-1966). Passou em seguida à categoria de «leitor», tendo proferido o discurso de posse a l-XII-1967 sob
o tema António Vieira en Holland (1624-1649). Em 1979 passou à
categoria de professor catedrático, com a vantagem de poder orientar
e serem defendidas teses na área do Português. Nessa qualidade interns
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veio também como orador na cerimónia da imposição de insígnias de
doutor honoris causa ao Prof. Hans Flasche, pela Universidade do
Minho, a l-XI-1979. Era a preparação da integração da GórresgeselIschaft na Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa.
Passou a professor jubilado a l-VIII-1984, tendo proferido o seu «discurso de despedida» a 21-XII-1984, sob o tema (em neerlandês) Bandarra,
sapateiro e profeta de Trancoso.
São muitas dezenas os trabalhos publicados pelo Prof. J. van den
Besselaar. Vamos citar os principais, de entre os que temos presentes.
Dos seus longos anos de professor de Latim, nos Países Baixos e no
Brasil, conservamos um precioso artigo intitulado Philologiae ad florem
iuuentutis academîcae Oratiuncula de bonis litteris sedulo colendis uel
potius Querela de concórdia domestica turbata. Quase poderíamos dizer
que é a apresentação e a discussão do valor das Sete Artes Liberais,
escritas no latim escorreito de um mestre de gramática.
De grande valor pedagógico e didáctico é o seu Propylaeum Latinum, editado pela Herder (São Paulo, 1960). O I vol. (442 p.) é consagrado à Sintaxe Latina Superior. Compêndio normativo, com apurado
gosto estilístico do latim e do português, recheado de exemplos. O I I vol.
(304 p.) tem o subtítulo Leitura, Exercícios, Vocabulário. Para além do
que vem indicado no título, convém rebuscar algumas matérias do
índice : anedotas, canções, enigmas, seria et iocosa, encontrando-se entre
estas as nouissima uerba uirorum illustrium, como Sócrates, Arquimedes,
César, Cícero, Nero, Adriano e Juliano Apóstata.
Da sua Introdução aos Estudos Históricos possuímos a 3. a edição,
revista e ampliada (reimpressão, Herder, São Paulo, 1970). Estudo consciencioso sobre a formação da historiografia e das suas componentes,
permitindo-nos sublinhar o cap. VI: A Mestra da Vida. A segunda
parte é uma apresentação das «ciências auxiliares da História»: heurística, crítica histórica, cronologia, paleografia, epigrafia, linguística,
arqueologia, geografia. A terceira parte, intitulada Síntese histórica,
encaminha-se para a justificação da autonomia da História, a «sua
riqueza e pobreza».
O opus magnum de J. van den Besselaar é, todavia, a sua obra, em
dois volumes, António Vieira. História do Futuro (Livro Anteprimeiro).
Vol. I — Bibliografia, introdução e texto (com aparato crítico, acrescentemos nós); Vol. II — Comentário. A edição é da Aschendorffsche
Verlagsbuchhandlung, Munster, Westfalen (1976). Sobre o valor desta
obra deixámos a nossa opinião na Humanitas XXIX-XXX (1977-1978)
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335-339. Baste agora dizer que só umfilólogoclássico e romanista, um
historiador de vasta cultura e um investigador de sólida formação católica e dominador das fontes literárias da Idade Média, da Patrística e da
Bíblia poderia haver-se tão galhardamente perante a argumentação fascinante do P. Vieira.
O prestígio adquirido levou o Instituto de Cultura e Língua Portuguesa a convidar o Doutor J. van den Besselaar a escrever para a
Biblioteca Breve o volume 58 da série Literatura: António Vieira:
o homem, a obra, as ideias (1981). Em cerca de 100 páginas esta obra
diz mais que a anterior; mas não poderia ter sido escrita sem os estudos
que aquela exigiu.
Corolário dos livros precedentes é O Sebastianismo. História sumária, publicado também pela Biblioteca Breve, Série História, n.° 110
(Lisboa, 1987). Para compreender a génese, a densidade e segurança
deste livro não basta pensar-se que o P.e António Vieira navegava nas
águas do Sebastianismo e que, por isso, Van den Besselaar de há muito
trazia este tema entre mãos. Já vimos que no seu «afscheidscollege»
de 21-XII-84 Van den Besselaar tratou de «Bandarra, sapateiro e profeta
de Trancoso». Por uma carta que nos escreveu a 3-XII-1984 ficámos a
saber que um dos seus planos de trabalho para o tempo após a jubilação
era «a edição de alguns papéis inéditos, dirigidos contra António Vieira
em 1661. Serão dois volumes: o 1.° dá o texto e comentário de quatro
papéis; o 2.° dá umas 35 notas complementares (material inédito, raízes
históricas do sebastianismo, etc.». Para este II vol. manejou ele muito as
Trovas de Bandarra, inclusive a editio princeps, publicada em Nantes
(1644) e de que obteve cópia de um dos raros exemplares existentes, o
da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. E diz-nos mais:
«A obra vai ser editada pela Biblioteca Nacional de Lisboa. O Vol. I
está quase pronto; o Vol. II vai tomar ainda alguns meses de trabalho».
Que saibamos, nenhum destes dois volumes chegou a ser publicado.
É bem possível, porém, que estejam prontos, ou quase. Conviria averiguar. Em qualquer caso, esta informação, dos fins de 1984, explica o
à-vontade com que em 1986 escreveu as cerca de 200 páginas sobre
O Sebastianismo.
Para não alongar muito, desisto de referir as separatas dos seus
artigos e comunicações a congressos, excepto três que me parecem
indispensáveis.
Tendo falecido durante as celebrações do VII centenário da fundação da Universidade, justo será lembrar que no seu estudo Uma homena-
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NOTICIAS E COMENTÁRIOS
gem académica a D. João IV (publicado na «Revista da Faculdade de
Letras» de Lisboa, IV série, 1976-77, p. 59-92), descreveu as festas
que em Coimbra se realizaram, desde Dezembro de 1640 a Fevereiro
de 1641, tal como vêm compiladas no livro, em prosa (portuguesa e
latina) e em verso (estes também noutros idiomas), intitulado Applauses da Universidade a EIRey N. S. D. João IIII, impresso em Coimbra
em 1641.
Outros temas preferidos pela investigação de J. van den Besselaar
foram as relações entre a Holanda e o Brasil. No estudo Plante, capelão
e poeta de Maurício de Nassau (saído nas «Portugiesische Forschungen
des Gõrresgesellschaft», 16, 1980, p. 31-65) analisa o poema latino, em
doze cantos, intitulado Mauritias, concebido e escrito substancialmente
no Brasil, no qual canta os feitos do príncipe João Maurício de Nassau
em terras da Vera Cruz, até 1644.
Breve introdução à leitura dos EPIGRAMMATA AMERICANA é
um estudo saído na «Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico de Pernambuco» (vol. LVII, 1984, p. 9-39) em que traduz e
comenta XXXII epigramas latinos escritos por Janus Bodetich Banningh,
nos anos de 1636 a 1638, para celebrar alguns episódios da vida de Maurício de Nassau. Ambos estes últimos artigos são ao mesmo tempo uma
demonstração da cultura clássica de que sempre foi detentor o Prof. Van
den Besselaar.
Muitas foram as conferências que J. v. d. Besselaar proferiu em Portugal, ora por ocasião de congressos, ora aproveitando as suas quase
anuais visitas ao nosso País (frequentemente acompanhado pela família),
tanto em Lisboa, como em Coimbra ou no Porto. Tendo tido o prazer de
com ele conviver em Nijmegen durante os dois anos que frequentei a sua
Universidade (1965-1967), embora eu trabalhasse no ramo da Filologia
Clássica (na secção de Línguas e Literaturas da Antiguidade Cristã),
também por duas vezes me convidou para faiar aos seus alunos do Instituto de Estudos Portugueses. Várias vezes o visitei em sua casa,.primeiro
na Sint Jorisstraat, depois na Cranenborchtstraat. Daí ter depois mantido com ele uma correspondência regular, inclusive sobre as suas conferências em Portugal. Tenho presentes as diligências para as actividades
dos dias 23 e 24 de Abril de 1985 em que, no Instituto de Estudos Portugueses, fez uma conferência sobre Uma carta de António Vieira e deu um
seminário sobre Crítica Textual, e no Instituto de História das Ideias,
na tarde de 23, falou sobre Uma polémica entre Joanistas e Sebastianistas,
a partir dos textos do P. António Vieira.
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Também os classicistas de Coimbra beneficiaram do seu saber,
ouvindo-o em apreciadas conferências, como se pode ver pelas actas da
Associação Portuguesa de Estudos Clássicos.
Não posso alongar-me muito mais. A última vez que esteve em
Portugal foi em Dezembro de 1987. Revela-se em 1988 a doença que veio
vitimá-lo : um cancro na próstata. Deixo também, aqui, de lado a fortaleza de ânimo, manifestada nas suas cartas de doente. Não puro estoicismo clássico; mas consciente aceitação cristã. A 12 de Dezembro
de 1990, em vez de uma carta pessoal de Boas Festas, escreveu uma circular de despedida Aos meus caros Amigos Portugueses. No exemplar
que me endereçou, no fim escreveu, à mão : «Hoc te rogo, ut interdum
mei memor sis in orationibus tuis». E acrescentava as palavras gregas
çPCõç e %wr\, em maiúsculas e cruzadas, tal como tentamos reproduzi-las
em três linhas, à margem deste artigo de homenagem. Apesar da doença, em fase terminal,
voltou a escrever-me a 5 de Junho de 1991, então
para me felicitar por ter sido «promovido à categoria de Cónego». Acrescentava: «Quanto a
mim, não vou bem. Sinto-me cada dia mais
fraco e cansado. Espero que as preces de um Cónego mereçam Lá uma
atenção especial».
A 20 de Junho de 1991 terminava o Prof. Dr. José van den Besselaar
a sua peregrinação terrena. Tenho presentes as alocuções que por ocasião do seu funeral pronunciaram os drs. J. Martin e R. Wagenaar.
A certo passo dizia o primeiro: «Sendo ele um clássico de origem,
faz-me pensar nos Diálogos de Platão: os dois mundos, o do espírito e
o da matéria — o mundo das ideias (o verdadeiro mundo) e o mundo
material (que é apenas uma sombra». E mais adiante: «Ele tinha um
fraco pelo diálogo de Platão O Simpósio, porque não lhe era de modo
algum estranho um Bourgondisch savoir vivre! Mas esta preferência
tinha também que ver com a espiritualidade ...».
A sua esposa Ans (Joana, como ele gostava de escrever para nós),
a sua filha, Tessy, e genro, que todos falam português e o acompanhavam a Portugal e ao Brasil, manifestamos aqui a nossa solidariedade.
JOSé GERALDES FREIRE
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ASSOCIAÇÃO
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PORTUGUESA
DE
ESTUDOS
CLÁSSICOS
ANO LECTIVO DE 1988-89
Em cumprimento dos Estatutos, reuniu-se, em 25 de Novembro
de 1988, a Assembleia-Geral dos Sócios da Associação Portuguesa de
Estudos Clássicos, a fim de eleger a Direcção para o ano lectivo
de 1988-89.
A Tesoureira cessante, Doutora Maria de Fátima de Sousa e Silva,
apresentou o relatório das contas do ano findo, que foi aprovado e
louvado.
Por proposta do Dr. João Manuel Nunes Torrão, que obteve consenso unânime, foi reeleita a Direcção do ano anterior.
O Presidente reeleito, Doutor Américo da Costa Ramalho, agradeceu a confiança dos sócios e propôs que se fizessem diligências no sentido de obter, após revisão e aprovação dos novos Estatutos, que a
Associação fosse considerada instituição de utilidade pública. O Dr. José
Eduardo Teixeira Braga ficou encarregado de proceder ao estudo das
condições requeridas para tal privilégio.
Na sessão de 13 de Dezembro, o Doutor José Ribeiro Ferreira
apresentou uma comunicação sobre A hegemonia ateniense.
Cícero, um humanista assediado foi o tema de uma conferência
proferida, em 27 de Janeiro de 1989, pelo Prof. P. Mackendrick,
Em 20 de Fevereiro, o Doutor Américo da Costa Ramalho apresentou uma comunicação sobre Mem de Sá, herói renascentista.
O Prof. G. Lehmann ocupou-se, na sessão de 15 de Março, da
Queda da democracia ateniense em 411 a. C.
La polémologie des romans grecs foi objecto de uma conferência do
Prof. A. Scarsella, realizada em 22 de Maio.
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ANO LECTIVO DE 1989-90
Em 30 de Novembro de 1989, reuniu-se a Assembleia-Geral dos
Sócios da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, a fim de aprovar os novos Estatutos e eleger a Direcção, a Mesa da Assembleia-Geral e o Conselho Fiscal para o triénio de 1989-90 a 1991-92.
Os novos Estatutos foram aprovados por unanimidade. Após a
eleição, a Direcção ficou constituída pelos Doutores Américo da Costa
Ramalho, presidente, Maria Helena da Rocha Pereira, vice-presidente,
Sebastião Tavares de Pinho, secretário, Maria de Fátima de Sousa e
Silva, tesoureira, e Drs. António Brito Cardoso e Isaltina Figueiredo
Martins, vogais; a Mesa da Assembleia-Geral, pelos Doutores Walter
de Sousa Medeiros, presidente, José Ribeiro Ferreira e Dr. João Manuel
Nunes Torrão, vogais; o Conselho Fiscal, pelo Doutor Francisco de
São José de Oliveira, presidente, e Drs. José Eduardo Teixeira Braga e
António Nunes Pinto, vogais.
A Tesoureira, Doutora Maria de Fátima de Sonsa e Silva, apresentou o relatório das contas do ano findo, que foi aprovado e louvado;
e propôs o aumento das cotas, para cobrir o défice considerável que se
tem acumulado. Esta proposta foi igualmente aceite.
O Presidente da Direcção, Doutor Américo da Costa Ramalho,
apresentou e acolheu sugestões sobre o programa do ano lectivo a
iniciar.
Na sessão de 15 de Dezembro, o Doutor José Ribeiro Ferreira
ocupou-se de alguns aspectos da Influência da Grécia e de Roma na
Revolução Francesa.
Catalão em Bolonha foi o tema da comunicação do Doutor Américo da Costa Ramalho em 29 de Janeiro de 1990.
Em 23 de Fevereiro de 1990, o Doutor Sebastião Tavares de Pinho
falou sobre Portugal e os Descobrimentos num- poema novilatino de
Baptista Mantuano.
O coro Carpe Diem, constituído por terceiranistas de Línguas e
Literaturas Clássicas, apresentou, em 15 de Março, no teatro Paulo Quintela, da Faculdade de Letras de Coimbra, algumas interpretações musicadas de autores gregos, latinos e portugueses.
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A inscrição sepulcral do bispo de Coimbra, D. Nausti (867-912)
foi objecto, em 27 de Março, de uma comunicação do Doutor José
Geraldes Freire.
Em 26 de Maio, realizou-se uma excursão de estudo a Bragança.
O Doutor Américo da Costa Ramalho proferiu uma conferência sobre
O humanista Inácio de Morais, natural de Bragança.
O Doutor José Geraldes Freire apresentou, em 27 de Junho, unia
comunicação sobre o De uictoria christianorum in Salato.
W..M.
A COLECÇÃO DE VASOS GREGOS DO MUSEU HISTÓRICO
DE BERNA: UMA HISTÓRIA EDIFICANTE
Muitas são as peças que valorizam a colecção de antiguidades do
Museu Histórico de Berna. Mas não menos interessante é saber a
proveniência do núcleo principal de vasos gregos que lá se encontra.
A história conta-se em poucas palavras:
Em 1829, o Capitão Cari Emanuel von Morlot começou a alistar
ao serviço do Rei das Duas Sicílias um corpo de oficiais para o 4.° Regimento Suíço. O Regimento partiu sob o comando do Coronel Frierich von Wyttenbach e permaneceu em Nola, a leste de Nápoles. Era
na altura em que aí florescia o negócio da venda de antiguidades que
estavam sempre a aparecer nessa região. Os oficiais ganharam gosto
por elas e tomaram a resolução de reservar, todos os meses, uma percentagem do seu vencimento para adquirirem, em conjunto, uma
colecção para doar ao Museu de Berna: de coronel até capitão, um
ducado cada um; menos, as patentes inferiores. Entre Setembro
de 1928 e Junho de 1830 juntaram-se mais de 500 ducados, com os quais
se adquiriram 213 vasos. Do facto de ter sido o capitão Georg Friedrich Heilmann o escolhido para primeiro director do «Museu de Nola»
assim constituído, tem-se deduzido que foi ele, antigo estudante de
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
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Halle e de Heidelberg e possuidor de uma boa educação humanística,
o promotor da ideia. De qualquer modo, não seriam muitos os países
onde um plano destes, de aliar Marte com as Musas, teria tido o êxito
que alcançou junto do regimento suíço.
M. H. R. P.
DUAS GRANDES EXPOSIÇÕES DE ARQUEOLOGIA EM ROMA
De Abril a Dezembro de 1990, o Museo Nazionale délie Terme
organizou, nas Termas de Diocleciano, onde está instalado, uma elucidativa exposição sob o título Archeologia a Roma. La materia e la
técnica neWarte antica.
Com uma orientação didáctica muito marcada, mostrava em pormenor como hoje se efectuam os restauros de objectos antigos : estátuas,
cabeças, relevos, pinturas, mosaicos, jóias, cerâmicas, vidros. Os
achados iam desde o período plistocénico até à época romana. Sob o
ponto de vista artístico, era um gosto reencontrar a melhor cópia romana
da «Afrodite de Cócoras» (talvez encomenda do próprio Adriano), o
«Augusto Pontífice» da Via Labicana, a cópia romana de «Afrodite»
do chamado modelo de Fréjus (a partir do original do último quartel
do séc. v a. C , talvez de Calímaco), e, mais notável ainda, o que se
presume ser um original grego de finais do séc. v, princípios do iv a. C ,
com a representação de Aura. Sob o ângulo histórico-cultural, destacava-se o sarcófago com um Processus consularis, considerado o melhor
testemunho monumental de escultura não-oficial do tempo de Galieno,
o qual tem o especial interesse de apresentar a personificação de Concordia e também a do Senado Romano (Genius Senatus), revestido de
toga e com um diadema na cabeça.
Outra exposição não menos notável foi a de La Grande Roma dei
Tarquini, vista no Palazzo delle Esposizioni, em Roma, por um número
interminável de romanos, desvanecidos com esta revelação do seu passado mais remoto, e de pessoas de todas as proveniências, entre 12
de Junho e 30 de Setembro do mesmo ano.
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Dividia-se em duas grandes partes: Roma e o Lácio. Na primeira,
ocupavam lugares especiais o Forum e o Capitólio; o Palatino e as
áreas residenciais; o Forum Boarium; a civilização artística.
Lição extremamente cuidada sobre uns primórdios que se vão
tornando menos obscuros quase dia a dia, tinha como pontos mais
altos a chamada «Tomba François», com pinturas, acompanhadas de
inscrições, em que se juntavam factos mitológicos gregos e narrativas
etruscas, e nas quais Macstrna é identificável com Sérvio Túlio ; o conhecido Vaso de Duenos; a inscrição da Regia, talvez do séc. vi a. C ,
com a palavra em latim Rex; os novos achados de S. Omobono, entre
os quais um fragmento com uma inscrição etrusca datável dos últimos
anos do séc. vu a. C. e um leão de marfim, também com uma inscrição
etrusca, bem como uma moldagem da fachada do templo há pouco
descoberto nesse local e um grupo escultórico com Héraclès e Atena.
De um modo geral, as últimas descobertas vêm documentar a
difusão da escrita no decurso do séc. vu a. C. e revelar a existência de
um elevado número de vasos gregos desde a segunda metade do
séc. vi a. C , factos estes que permitem ajuizar melhor da presença
de um nível cultural e artístico que era negado à Roma arcaica até há
relativamente pouco tempo.
M. H. R. P.
DUAS NOTÁVEIS EXPOSIÇÕES DE ARTE GREGA
Duas exposições de arte grega muito diferentes, mas ambas igualmente notáveis* se realizaram ainda neste mesmo ano de 1990.
Uma foi a de Policleto, em Francoforte do Meno, que abriu a 17
de Outubro. Montada com peças provenientes dos mais variados
museus e países, proporcionava, a avaliar pelo enorme catálogo elaborado por vários especialistas, uma visão da arte em Àrgos anterior
ao grande escultor, para depois se concentrar nas poucas mas importantes obras seguramente suas, embora só conhecidas por cópias romanas: o Discóforo, o Hermes, o Doríforo, o Héraclès, o Diadoumenos, a
Amazona. Lugar à parte ocupa no livro a discussão do cânon de
Policleto (por um dos melhores especialistas de escultura grega
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
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do see. v a. C , Ernst Berger); aí se fala também da sua escola e da
recepção que teve na época helenística e em Roma.
Do grande artista nada resta de autêntico, como é sabido, a não
ser talvez um pequeno fragmento de uma estátua de bronze de Olímpia
e uma ou duas bases de estátuas do mesmo santuário, pelo que, como
escreveu Peter C. Boi, um dos organizadores da exposição, «só a partir de uma conjura de sombras se pode, ainda hoje, evocar Policleto».
No entanto, a aproximação de tantas cópias dispersas terá contribuído
para aclarar o cenário e, pelo menos, permitiu demonstrar a existência
de uma certa evolução na sua arte.
A outra exposição era de pintura grega. Principiou em Arezzo,
sob forma diversa, de Maio a Julho de 1990; mostrou-se depois em
Paris, no Louvre, de Setembro a Dezembro do mesmo ano; daí transitaria para Berlim, de Março a Maio do ano seguinte. Era a exposição
de Eufrónio, também ela composta por obras-primas (mas neste caso
autênticas), vindas de alguns dos maiores museus do mundo, entre os
quais o Metropolitano de Nova Iorque, onde se guarda o mais admirado
dos vasos gregos : o calyx-krater com a morte de Sarpédon. Pertencente
à fase do chamado «estilo livre antigo», e como tal conhecido como um
dos «Pioneiros» do estilo ático de figuras vermelhas, dele se exibiram
vasos de diferentes formas: calyx-krater, krater-de-volutas, stamnos,
ânfora de colo, pelike, hydria, psykter, taça, prato, ânfora pan-atenaica.
Eufrónio pôde assim ser admirado num conjunto de obras que não
é fácil reunir, e a exposição constituiu um dos grandes êxitos da temporada artística parisiense.
M. H. R. P.
OS COMPUTADORES E OS CLÁSSICOS
Da aplicação dos computadores aos trabalhos dos classicistas,
nomeadamente na elaboração de concordâncias de escritores gregos e
latinos, já aqui demos notícia há muitos anos (cf. Humanitas XIX-XX
(1967-1968) 367).
Hoje, que essa prática se tornou banal, já se descobriram novas
possibilidades, de que a mais notável é a simulação de plantas e alçados
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de edifícios antigos, a partir de dados fornecidos ao aparelho. Se os
técnicos principiaram com a espectacular reconstituição da antiga Catedral de Winchester, tal como ela devia ter sido antes da sua destruição
em 1092, o grande exemplo relativo à Antiguidade será o das Termas de
Bath, que está a ser executado por uma equipa interdisciplinar da Universidade local, e que se espera venha a fornecer um modelo desse complexo, tal como existia em 300 d. C.. Assim, espera-se, se poderá mostrar com grande clareza ao milhão de turistas que anualmente o visitam
o verdadeiro aspecto e função do edifício, pois a reconstituição obtida
permite a obtenção de modelos tridimensionais.
M. H. R. P.
CARDEAL NASCIMENTO LE AS «TUSCULANAS»
No n.° 39-40 (1987-88), p. 308-310 da Humanitas demos a notícia
e fizemos um comentário sobre o facto de, tendo encontrado ocasionalmente, em Lisboa, o Cardeal Arcebispo de Luanda, D. Alexandre do
Nascimento,, ele nos ter dito:
—-Eu leio Virgílio todos os dias!
Cerca de um ano depois, durante o Congresso Internacionalsobre
o IX Centenário da dedicação da Sé de Braga, realizado de 18 a 22 de
Outubro de 1989, estivemos com Sua Eminência no Centro Apostólico
do Sameiro e, quase sorrindo, perguntámos-lhe se continuava a 1er
Virgílio todos os dias!
A resposta foi imediata:
— Agora ando a 1er as Tusculanasl
Não se proporcionou a ocasião para nos levar de novo à sua mesa
de cabeceira e nós mostrar a edição que estava a seguir, nem para vermos se continuava a sublinhar alguns passos que acha de maior interesse.
O que podemos testemunhar é que mesmo ali, numa sala de convívio, o Cardeal Alexandre do Nascimento orientou a conversa para as
considerações filosóficas das Tusculanae Disputationes, sobre a felicidade
e sobre a virtude como fonte de felicidade. Mais: mostrou-se discordante de um crítico literário (cujo nome não fixámos) que depreciava o
valor literário e especulativo das «Tusculanas». Em seu entender, o tra-
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tado é um dos melhores de Cícero, onde, através de um diálogo fluente
e bem sistematizado, o Magister consegue responder com eficácia às
perguntas dos seus Auditores.
Continuando a sua erudita conversa, o Cardeal Nascimento possou a falar de Dostoiewski.
É conhecido o gosto que os Cardeais da Cúria Romana têm pelos
Clássicos. Desde o Renascimento aos nossos dias muitos Cardeais têm
escrito excelentes tratados em latim; e usam a língua de Cícero não
apenas nos discursos e documentos oficiais, mas também na conversação
corrente.
É certo que o Cardeal Alexandre do Nascimento desempenha na
Cúria o cargo de Presidente da Caritas Internacional, mas continua a
ser Arcebispo de Luanda e Presidente da Conferência Episcopal de
Angola. Tem, por isso, que passar muito tempo em terras de África.
O que merece a nossa admiração é que, mesmo quando viaja, traga,
a par da Liturgia das Horas, a edição de um bom clássico latino, seja
ele Virgílio ou Cícero.
Aguardemos, para ver qual será o «autor de cabeceira» na próxima
oportunidade !
JOSé GERALDES FREIRE
LAPIS
FVNDAMENTALIS
Era uma antiga aspiração da população das Termas de Monfortinho (concelho de Idanha-a-Nova, Beira Baixa) possuir uma igreja própria, independentemente do apreço pela da sede da freguesia, Monfortinho. Por outro lado, os milhares de banhistas que todos os anos procuram ali o esperado alívio para os seus males de pele, de fígado e outros,
ou apenas o repouso tranquilo da mata, ou as diversões, ou um inevitável
«salto» do rio Erges para o lado da Espanha, apoiavam e ajudavam os
promotores da iniciativa. Finalmente, o Presidente da Câmara, Sr. Joaquim Morão Lopes Dias, com a anuência da Assembleia Municipal,
assumiu o compromisso de levar a obra do princípio até ao fim.
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Esta notícia não viria para a Humanitas, apesar de se tratar de
terras da antiga Egitania, se o Pároco. P.e Vítor Vaz, não tivesse mostrado
vivo interesse em que, na primeira pedra, lançada a 8 de Junho de 1991,
fosse metida, entre outros sinais da actualidade, uma inscrição latina,
espécie de acta que as entidades mais representativas ali presentes assinassem e que assim ficaria a perpetuar o acto, por escrito, na língua dos
dominadores romanos, a língua-mãe da portuguesa.
Redigimos a inscrição e vimos o relato que trouxe o mensário
Raiano (n.° 205, Junho de 1991, p. 10). Lá vem o que se diz ser a transcrição da inscrição. Mas, por um lado, não mantém a disposição própria da epigrafia e, por outro, contém tantos erros e omissões de palavras
(faltam revisores tipográficos de textos latinos!) que nos parece indispensável reproduzi-la com o devido cuidado.
DIE . VIII . MENSIS . IVNII . ANNO . DOMINI . MCMXCI
OCCVRRENTE . FESTO . IMMACVLATI . CORDIS . MARIAE
FVNDAMENTALIS . HIC . LAPIS . BENEDICTVS . EST
VT . ERIGATVR . IN . PAGO . DICTO . «TERMAS» . ECCLESIA
IN . HONOREM . DOMINAE . NOSTRAE . SALVTIS
AB . EXMO . AC . REVMO . D . D . AVGVSTO . CAESARE
EPISCOPO . DIOECESIS . PORTALEGRENSIS . ET . ALBICASTRENSIS
TEMPLVM . NEMPE . CONSTRVCTVM . OPIBVS
SENATVS . MVNICIPALIS . EGITANIAE . NOVAE
ADIVVANTE . POPVLO . REGIONIS
MVNERE . FVNGENTE . PRAESIDIS . MVNICIPII
D . IOACHIM . MORÃO . LOPES . DIAS
PAROECIA . REGENTE . MONTISFORTINII
PRESBYTERO . VICTORE . VAZ
QVI . CORAM . MVLTITVDINE . PLAVDENTE
HOC . DOCVMENTVM . SUBSIGNANT
AD . PERPETVAM . REI . MEMORIAM
Acentuamos que não se trata apenas de uma correcção ao jornal;
prestamos também homenagem a quem considera o latim como a língua do passado e do futuro.
JOSé GERALDES FREIRE
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
239
HUMANISMO PORTUGUÊS, OBJECTO DE SEMINÁRIO
EM PARIS
Em Março de 1959, no cumprimento do plano de actividades da
École des Hautes Études en Sciences Sociales, a que não foi alheia a
vontade do Professor Jean Aubin, estudioso dedicado e competente
do nosso século xvi, o Humanismo Português foi, uma vez mais, tema
de estudo e debate.
- Tratou-se de um ciclo de quatro seminários, orientados pelo Doutor Américo da Costa Ramalho, que ali se deslocou a convite daquela
escola da capital francesa.
Ao mesmo tempo que se fazia uma espécie de ponto da situação
relativamente aos estudos sobre o Humanismo e Renascimento em Portugal e se sublinhavam os mais recentes contributos, designadamente no
domínio documental, ao dar-se notícia da publicação de múltiplos textos
até agora desconhecidos do grande público, foi enaltecido o trabalho
que, nesta área, tem sido levado a efeito pelo Instituto de Estudos Clássicos e pelo Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos.
Decorreram três dos seminários no Centro Cultural Português da
Fundação Calouste Gulbenkian: Les débuts de VHumanisme au Portugal:
Catalão, Dom Garcia de Meneses (2 de Março); U Humanisme après
Catalão: Lourenço de Cáceres (9 de Março); Quelques auteurs: André
de Resende, Inácio de Morais, Diogo de Teive (16 de Março).
Seguindo, pois, uma perspectiva cronológica, o Doutor A. Costa
Ramalho abordou a introdução do Humanismo em Portugal, as suas
correntes dominantes, figuras mais destacadas, dificuldades iniciais e,
depois, a sua afirmação além-fronteiras e relações com o mundo culto
da Europa na mesma época; assim se falou de Cataldo e da sua posição
pioneira, dos estudantes portugueses em Itália, das orações de obediência, com relevo para a que foi pronunciada por D. Garcia de Meneses
diante de Sisto IV em 1481.
Destacou-se igualmente a importância de alguns nomes: Lourenço
de Cáceres, André de Resende, Inácio de Morais, Diogo de Teive.
O público mostrou-se interessado, ainda que o seu número fosse
reduzido (de acordo, aliás, com o modelo de apresentação adoptado).
A última sessão foi acolhida pelo «Institut d'Études Portugaises
et Luso-Brésiliennes», da Universidade de Paris III (Sorbonne), por
vontade do seu director, Professor Georges Bois vert.
240
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
Perante público mais vasto e variado, o Doutor Costa Ramalho
tratou de L'Humanisme universitaire: Lisbonne, Coimbre. Á Universidade, suas características, papel que desempenhou na história da
cultura portuguesa do século xvi, os mestres, com destaque para os que
ficaram igualmente ligados ao magistério universitário em França,
foram os temas que mais interessaram os presentes.
O saldo final foi francamente positivo. O percurso através dos
intrincados meandros do Humanismo português de Quinhentos, guiado
com mestria e efectuado na capital onde floresceram tantos dos homens
de letras que o ilustraram, deixou marcas visíveis de satisfação em todos
os participantes.
C. A. A.
II CONGRESSO PENINSULAR DE HISTÓRIA ANTIGA
Organizado pelo Instituto de Estudos Clássicos e pelo Instituto
de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
o II Congresso Peninsular de História Antiga decorreu nos dias 18,
19 e 20 de Outubro de 1990.
A sessão de abertura realizou-se no Museu Monográfico de
Conímbriga, tendo sido oradores o Doutor José Ribeiro Ferreira,
Presidente da Comissão Organizadora do Congresso, o Doutor Jorge, de
Alarcão, que proferiu a conferência inaugural, sobre Alguns problemas
de Conímbriga, e a Directora do Museu, Dr.a Adília Alarcão, que
apresentou o tema Conímbriga — a musealização do sítio.
Na tarde do dia 18 e durante todo o dia 19, nas instalações da
Faculdade de Letras, com três secções em funcionamento simultâneo,
foram apresentadas cerca de sete dezenas de comunicações, a que o
público aderiu em bom númeio.
Na manhã do dia 20, em mesa-redonda havida no Salão dos
Bombeiros de Anadia, foi discutido o ensino da história antiga, com
intervenientes brasileiros, espanhóis e portugueses. O debate alar-
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
241
gou-se à assistência, tendo sido julgado oportuno apresentar a seguinte
moção :
MOÇÃO APROVADA POR UNANIMIDADE
Os Congressistas e Participantes do II Congresso Peninsular de
História Antiga deliberaram aprovar as seguintes resoluções e recomendações :
1 — congratular-se com a qualidade e variedade dos temas
apresentados pela participação espanhola, os quais demonstram a
vitalidade da investigação desenvolvida graças à importância dada
em Espanha aos Estudos de História Antiga;
2 — felicitar os participantes do Brasil pelo dinamismo com
que têm promovido o lançamento e expansão dos Estudos de
História Antiga;
3 — propor às Universidades portuguesas que, nos seus planos de estudo, contemplem um alargamento do número de disciplinas da área da História Antiga e promovam a criação de
uma Licenciatura nesse domínio;
4 — saudar a inclusão das rubricas de História Antiga nos
Programas dos Ensinos Básico e Secundário em Portugal, e recordar a necessidade de criar condições que garantam o sucesso
dessa iniciativa;
5 — incentivar os Docentes de todos os graus a promoverem
a renovação científica e pedagógica do ensino da História Antiga,
de modo a que os alunos sintam que o seu estudo é um factor de
modernidade e forte complemento da formação do homem actual;
6 — lançar um apelo às entidades competentes para que
favoreçam o papel pedagógico dos Museus como espaços especialmente vocacionados para o ensino e aprendizagem da História
Antiga.
7 — pedir às instituições aqui representadas que promovam,
por todos os meios disponíveis, a troca de docentes e de conhecimentos ;
242
NOTICIAS
E COMENTÁRIOS
8 — alertar os poderes públicos e as instituições financia
doras de investigação e intercâmbio para a urgência da promoção de iniciativas de salvaguarda e aprofundamento do conhecimento das origens da sua herança e património culturais, condição
indispensável ao desenvolvimento harmonioso dos laços de afinidade e solidariedade internacionais;
9 — convidar os Professores Universitários Espanhóis e
Portugueses a aproveitarem todas as possibilidades de intercâmbio de docentes e discentes no âmbito do Projecto Erasmus,
sendo naturalmente salutar que esses programas se abram especialmente aos países de língua românica.
No mesmo local e pelas 16 horas, a Prof.a Doutora Maria Helena
da Rocha Pereira proferiu a conferência final.
Seguiu-se a sessão de encerramento, com a presença das autoridades civis e académicas, onde o Doutor José d'Encarnaçao, em nome
da Comissão Organizadora, apresentou o Relatório do Congresso.
Em conclusão: deve felicitar-se a Comissão Organizadora pelo
sucesso da realização, que reuniu cerca de 350 participantes e conferencistas. A qualidade das comunicações poderá ser verificada nas
actas, cuja publicação se aguarda para breve.
É também de louvar o interesse despertado junto de tantos patrocinadores, e em especial das Câmaras Municipais de Anadia, Coimbra e
Condeixa, que, com os apoios concedidos e as recepções oferecidas, tão
bem nos acolheram.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
COMEMORAÇÃO DO QUARTO CENTENÁRIO DA MORTE
DO PAPA SISTO V
A convite do «Reggente dello studio Firmano dalPAntica Università», o Professor Doutor Américo da Costa Ramalho proferiu,
em 1 de Setembro de 1990, no Sal one dei Ritratti do Palazzo Comunale di Fermo. uma conferência sobre Sisto V e 1'Ambasciata Giaponese (1585).
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
243
O Papa Sisto V, falecido em 1590, foi doutor em Teologia pela
Antiga Universidade de Fermo e bispo desta cidade. A conferência,
seguida com o maior interesse por numerosa assembleia, fez parte das
comemorações do quarto centenário da morte do pontífice homenageado.
A participação, nestas comemorações, do Prof. Costa Ramalho,
mestre prestigiado das letras europeias, no domínio da Literatura do
séc. xvi, revela, como há quatrocentos anos, a presença de Portugal em
Itália, coração da Europa Renascentista, sede da cúria romana e berço
das letras e das artes da modernidade.
NAIR CASTRO SOARES
CICLO DE CONFERÊNCIAS
NA UNIVERSIDADE DE GRANADA
SOBRE HUMANISMO RENASCENTISTA
A Universidade de Granada promoveu, durante o mês de Setembro de 1990, um "Curso de Verano" sobre o humanismo Renascentista.
A contar para os créditos de pós-graduação, o Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho proferiu, neste curso, um ciclo de conferências, que integrou as seguintes sessões, cada uma com a duração de
duas horas:
5.IX 1990: "O Humanismo Renascentista Português: os portugueses em Itália, no final do séc. XV".
7.IX.1990: "O Humanismo Renascentista Português: os italianos
em Portugal, no final do séc. xv".
10.IX.1990: "O Humanismo Renascentista em Portugal: prosadores novilatinos".
11.IX.1990: "O Humanismo em Portugal: os poetas novilatinos".
244
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
Todas as sessões foram muito concorridas e participadas.
O Prof. Costa Ramalho interveio também frequentemente na discussão dás comunicações dos seus colegas espanhóis. Ilustrou assim, com
o seu saber, o nome da nossa Universidade, que este ano comemora os
setecentos anos da sua fundação.
NAIR CASTRO SOARES
ALUNOS DE CLÁSSICAS EM CAEN E GRANADA
O Instituto de Estudos Clássicos vem desenvolvendo, com o patrocínio ERASMUS, um intercâmbio de estudantes com Caen e Granada.
Basicamente, é objectivo deste programa a permuta de estudantes
entre as três Universidades, de modo a permitir a frequência de cursos, no plano da licenciatura, mestrado e doutoramento em Estudos
Clássicos, de estudantes de qualquer uma das três escolas superiores
mencionadas numa das suas parceiras.
O primeiro intercâmbio fez-se no ano lectivo de 89/90, apenas
entre Coimbra e Caen, período em que dois licenciados do Instituto de
Estudos Clássicos de Coimbra (das variantes de Estudos Clássicos e
Portugueses e Estudos Clássicos e Franceses) se deslocaram à Universidade de Caen para frequentarem um leque de matérias ao nível da
pós-gràduação, equivalentes à escolaridade do mestrado. Menção
particular merece o facto de os estudantes terem podido cursar matérias
de que não dispõe a universidade de origem, como seja o caso de
Informática aplicada às Humanidades. A inserção dos estudantes fez-se
da melhor forma, com o apoio interessado do Prof. Louis Callebat,
director do Instituto de Estudos Latinos, e da equipa que dirige. Os
estudantes portugueses foram inseridos nos cursos regulares, ao mesmo
tempo que em cursos livres de língua francesa puderam aperfeiçoar a
expressão linguística. Foi gratificante verificar que a experiência resultou com êxito, porquanto qualquer um dos estudantes foi classificado
no mais alto nível, em perfeita equiparação com os mais cotados dos
seus colegas franceses.
No ano lectivo de 90/91 o projecto foi alargado a Granada. Assim,
neste momento, encontra-se nesta Universidade espanhola um estudante
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
245
de Coimbia, para frequentar também o ano de escolaridade do mestrado.
Coimbra, por sua vez, acolhe dois estudantes desse mesmo estabelecimento de ensino, no plano da licenciatura e preparação de doutoramento. Qualquer um dos estudantes deslocados tem a formação
linguística como complemento dos seus estudos no país de acolhimento.
A execução destes planos de intercâmbio tem-se revelado a todos
ostítulosproveitosa. Em primeiro lugar ela salvaguarda a possibilidade,
hoje marcante no plano universitário, de um intercâmbio que, para além
de alargar o leque de matérias à disposição do estudante para uma
formação de especialidade, abre igualmente aos docentes inúmeras
oportunidades de contacto. Relevante é também a formação linguística
e cultural implicada, que vai com o tempo desmoronando barreiras de
comunicação e contribuindo para uma real abertura europeia, onde cada
parceiro, sem deixar de ser o veículo de uma identidade cultural própria, encontra a possibilidade de a confrontar com a dos seus pares no
velho continente.
MARIA DE FáTIMA SOUSA E SILVA
COLLOQVIVM DIDACTICVM CLASSICVM XIII LONDINIENSE
Realizou-se em Londres, de 2 a 6 de Abril de 1990, o Colloquium
Didacticum Classicum XIII Londiniense que reuniu no King's College
212 participantes ligados ao mundo clássico. Entre estes sobressaíam
os italianos (56), os austríacos (46) e, naturalmente, os ingleses (29).
Apresentou-se este colóquio subordinado a um tema geral: The
ancient and the modem world: forms of translation e, deste modo, todos
os conferencistas se preocuparam em trabalhar os seus temas de modo a
mostrarem as repercussões que o mundo clássico foi tendo ao longo dos
tempos.
Podemos considerar que este colóquio englobou três elementos
distintos: as conferências científicas, que ocuparam a maior parte do
tempo; as conferências sobre temas didácticos, reservados para a parte
final do colóquio e os actos sociais em que gostaríamos de salientar,
246
NOTICIAS E "COMENTÁRIOS
pelo seu significado, um beberete oferecido no Museu Britânico nas
salas reservadas às esculturas do Pártenon.
Quanto às conferências científicas, só há a lamentar o facto de não
haver tradução simultânea o que impossibilitou a compreensão de
alguns conferencistas, com particular prejuízo para os de língua alemã.
A parte didáctica — estranhamente muito reduzida, se atendermos
ao nome do colóquio — teve a ver com actualizações do ensino e da
divulgação do mundo clássico não só para a escola, mas também para
a sociedade. Neste campo, foi debatida a formação de professores de
clássicas nos vários países intervenientes; foram apresentados os testes
de avaliação do Cambridge Latin Course; foi divulgado um progiama
de computador para iniciação à língua latina em univeisidades belgas;
foi abordado o tema da aprendizagem do latim e do grego fora da
escola e foi feita uma demonstração de como se pode divulgar o mundo
clássico através de um programa de rádio, com a figura de Ulisses a
servir de intermediária.
Pena foi que os participantes tivessem que escolher o tema a que
queriam assistir, (com a agravante de, só nesta área, funcionarem
sessões simultâneas).
Na apresentação das conclusões, foi divulgada a comissão organizadora do próximo colóquio — a decorrer em Bari, Itália, em 1992 —
e ficou no ar a hipótese — que não se concretizou — de o seguinte ter
como palco Santiago de Compostela, em Espanha.
JOãO MANUEL NUNES TORRãO
EXPOLINGUA
Realizou-se, durante os dias 2, 3 e 4 de Outubro, em Lisboa, no
Forum Picoas, o 2.° Salão Português de Línguas e Culturas — Expolíngua Portugal. Consistiu na realização de algumas sessões no auditório do Forum e em exposições de cerca de nove dezenas de instituições, editoras e associações que se dedicam ao estudo e ensino das
línguas.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
247
As línguas clássicas estiveram muito bem representadas a par das
línguas modernas. O destaque para a importância das línguas clássicas
culminou no dia 3 de Outubro com uma sessão organizada pela União
Latina subordinada ao tema: O Latim no Mundo de Hoje.
Para gáudio dos oradores e de todos aqueles que prezam as línguas
clássicas, nomeadamente o Latim, o auditório do Forum Picoas encontiava-se repleto de gente muito jovem — o que revela não só a vitalidade intemporal dos Estudos Clássicos, mas também o interesse recrudescente entre as camadas jovens pelas línguas clássicas.
Presidiu à sessão o Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho que
também a inaugurou proferindo, naquele estilo cativante e espirituoso
que lhe é peculiar, um discurso apologético da importância do Latim.
Entre os vários membros da mesa que usaram da palavra há a salientar
ainda os Doutores Maria Helena Ureria Prieto, Maria Isabel Rebelo
Gonçalves, Maria Leonor Buescu, Victor Jabouille, Telmo Verdelho,
professores de línguas e culturas clássicas de várias Faculdades de
Letras do País, e a Dr.a Maria Renée Gomes, representante da União
Latina.
Registe-se a habilidade dos oradores que conseguiram prender do
princípio ao fim a atenção de todos os presentes, que, apesar da incomodidade e do ambiente sufocante de um auditório que se tornara demasiado exíguo para acolher tanta gente, não arredaram pé sem que a
sessão tivesse terminado. Muito contribuiu para isso também o tom
leve e airoso da maior parte dos discursos apresentados utilizando uma
linguagem despida de artificialismos retóricos, pesados e fastidiosos, e
entremeando nos seus discursos exemplos de erros decorrentes da ignorância ou mau conhecimento do Latim que produziam hilaridade geral
na plateia.
Foi também extremamente reconfortante e saudável a cobertura
e o acolhimento favorável que este colóquio sobre a importância do
Latim mereceu por parte dos mais variados órgãos de comunicação.
Todos reconheceram e salientaram a necessidade urgente de uma
dedicação mais ampla e intensiva à aprendizagem das línguas clássicas, nomeadamente o Latim, a par do ensino da língua materna.
A. M. R. R.
248
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
A II CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
SOBRE FILOSOFIA GREGA*
A II Conferência Internacional sobre Filosofia Grega realizou-se
durante o mês de Agosto em Atenas, na Universidade, e em Samos, em
Pythagoreio. Dividida em cinco secções — 1. Sócrates e os Pré-Socráticos; 2. Sócrates, Platão, os Sofistas e Aristóteles; 3. Sócrates,
Aristófanes e Xenofonte; 4. Problemas da Filosofia Socrática;
5. Retrato filosófico de Sócrates — acabou por concentrar as mais
importantes contribuições na 3. a secção, dedicada ao estudo das principais questões filosóficas relacionadas com a figura de Sócrates.
Todavia, a persistente impossibilidade de definir com nitidez a barreira que separa o Sócrates filosófico do Sócrates de Platão contribuiu
para suscitar interesse pela 2. a secção, onde a dramatis persona dos
diálogos «socráticos» nunca saiu do primeiro plano, quer das intervenções dos oradores inscritos, quer dos debates que se lhes seguiram.
Foram ao todo apresentadas oitenta comunicações de cerca de
vinte minutos cada, divididas por seis dias, num total que excedeu as
quarenta horas de trabalho. Destas referirei as mais importantes,
que de alguma maneira reflectirão o consenso actual sobre a Questão
Socrática e as suas implicações históricas e filosóficas.
Na l. a secção não se pode dizer que tenham sido apresentadas
significativas novidades. O texto do Prof. John Anton, «Anaxágoras
and Socrates», tentava estabelecer relações entre os dois pensadores,
partindo das referências do Fédon ao Abderita. Mas as teses expostas
não conseguiram superar as dificuldades postas pela historicidade do
Sócrates de Platão, nem sequer chegando a aprofundar significativamente
as bases da teoria física da Anaxágoras. Quanto à comunicação do
Prof. David Furley, «Socrates, Anaxágoras and the "What is X " question», tentou frisar a relação entre a doutrina de Anaxágoras —• homou
panta chrêmata — e a pergunta socrática que visaria directamente responder-lhe. Todavia, como o debate provou, mostrou-se difícil a
obtenção de um consenso nesta matéria. Isso mesmo foi evidenciado
* A minha participação nesta Conferência só foi possível graças a duas bolsas,
que me foram concedidas pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Instituto Nacional de Investigação Científica.
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
249
pelo Prof. Shigeru Yonezawa, em «Socrates and natural science», em
que a clara alusão às relações entre Sócrates e o naturalismo, apontadas
no Fédon e nas Nuvens, foram secundarizadas perante a evidência da
Apologia.
Já a comunicação do Prof. T. M. Robinson, «Socrates and others
as descendants of Protagoras», teve excelente recepção. Esboçando
uma reconstrução da metodologia socrática a partir dos testemunhos de
Platão, Aristóteles e Xenofonte, analisou os seus termos mais relevantes,
visando constituir «os objectivos da paideia socrática na aprendizagem
de acordo com a Razão». Daqui partiria a busca de um conhecimento
objectivo e válido, oposto ao subjectivismo e relativismo doxástico dos
solistas. As relações com Protágoras foram então estabelecidas pela
referência aos Dissoi Logoi e às menções ao solista, no diálogo de que
é epónimo e no Teeteto. A mesma relação entre os dois pensadores
veio a ser tratada pelo Prof. John Michelsen, em «Socrates, Protagoras
and the unity of ager^», com conclusões coincidentes. Ainda numa
perspectiva convergente o Prof. Emmanuel Abraham insistiu nesta
ideia, apresentando em «On Plato's debt to Socrates: a skeptical view»,
uma valorização de Sócrates perante os sofistas, fundada nos constantes
ataques daquele ao relativismo.
Sobre crítica das fontes e tentativa de definição do Sócrates histórico nada se pôde, portanto, concluir. Mas todas as contribuições valorizaram o Sócrates filosófico, buscando quase exclusivamente em Platão
a informação relevante. Notemos, embora, as excepções dos vivíssimos
textos do Prof. William Charlton, «Is Xenophon's Socrates a philosopher?», que lançou uma nova luz sobre a interpretação das mais relevantes passagens dos livros I e IV dos Memorabilia, e de «Did Socrates
call himself a midwife?», do Prof. David Sider, que explorou nas Nuvens
todas as referências à metáfora do pensamento como parto, apontando
indirectamente para a historicidade desse traço do retrato do Mestre de
Platão. Todavia, a tendência dominante foi a acima expressa, tanto nos
textos do Prof. Angelo Juffras, «Socratic hermeneutics and the pragmatist thesis», que encarou Sócrates como o iniciador da reflexão autenticamente filosófica, quanto na do Dr. James Haden, que procurou superar a clássica oposição dos aspectos humanísticos e lógicos no pensamento de Sócrates, em «The logician's Socrates and the humanist
Socrates» (em convergência com a comunicação do Prof. Mark Mcpherran, «Socratic reason and revelation»). No domínio da crítica das
fontes, porém, deverá salientar-se — o que constitui talvez o facto mais
250
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
relevante desta Conferência — a apresentação de uma próxima edição
exaustiva das fontes para o estudo do Sócrates histórico (Socratis
et Socraticorum Reliquiae), organizada pelo Prof. Gabrielle Giannantoni
(ed. Bibliopolis, Napoli). Paralelamente, no campo da hermenêutica,
deverá também referir-se a lúcida exposição do Prof. Vitorino Tejera
sobre interpretação das fontes platónicas, «Dialogical dynamics, Socrates and source-criticism», que na linha de E. A. Havelock chamou a
atenção para a exemplaridade do Sócrates de Platão, no contexto da
oralidade corrente na Atenas dos finais do séc. v.
A 5.a secção encerrou-se com as comunicações dos Profs. Olof
Gigon, C. J. Classen, K. E. Schwarzenberg e da Dr.a Frances Berenson,
dedicadas ao estudo dos «retratos de Sócrates», sobretudo na tradição
helenística, respectivamente : «Sokrates, Aristippos und die Kyrenaiker»,
«Julian's portrait of Socrates», «The portraits of Socrates by Aristoxenos
and by Demetrios of Phaleron» e «Socrates —the man», este último redigido como uma apologia de Sócrates, colhida da boca de Xantipa. Interessantíssima ainda foi a intervenção da Dr.a Bonita Graves, «Hemlock
poisoning: Twentieth century light shed on the death of Socrates».
Todavia, o centro de gravidade da Conferência oscilou em torno
dos problemas propriamente filosóficos, postos pela interpretação dos
diálogos platónicos, condensados pela questão da teoria das Formas,
relacionada ou não com as críticas de Aristóteles a Platão e focada na
compreensão pelo Estagirita da figura de Sócrates.
Num terreno mais decididamente dominado pela hermenêutica,
poderemos considerar três comunicações estreitamente associadas :
«Socratic empiricism», da Prof. Kenning-Curd, «Socrates and the
Socrates of the early dialogues», do Prof. Edward Halper, e «Knowledge
in Plato's elenctic dialogues», do Doutor J. Trindade Santos. Qualquer
dos textos pode ser encarado por duas vertentes, apresentando respostas diversas para as mesmas três questões: 1. qual a relação entre o
Sócrates histórico e o dos diálogos?; 2. se a houver, como se poderá
configurá-la no corpus platónico?; 3. em qualquer dos casos, haverá
uma finalidade específica dos diálogos — qual?
K.-C. perfilhou uma perspectiva evolutiva da análise do platonismo, apontando o Ménon como o lugar da viragem de Sócrates
para Platão, de uma comunidade empírica dos eidê para as Formas
separadas a que Aristóteles se refere na Metaphysica, Pelo contrário,
na esteira de C. Kahn, E. H. negou que os diálogos socráticos representassem o Sócrates histórico, argumentando a partir do paralelismo
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
251
estrutural destas obras e do tema da unidade da virtude, embora
recusando a implicação das Formas pela pergunta «O que é?» (em
convergência com a recusa da identificação do prôton philon do Lísis
com o bem, da República, pelo Dr. David Robinson, em «The prôton
agathon in Plato»). T. S. recusou qualquer compromisso quer com o
Sócrates histórico, quer com uma concepção evolutiva do platonismo,
fundada numa manifestamente circular defesa da cronologia do corpus.
Preferiu conferir unidade aos diálogos elêncticos também por motivos
estruturais, não os achando, portanto, representativos do socratismo.
Pretendeu que a finalidade «programática» destes diálogos é complementada pela obra do chamado período médio, consistindo uns e outros na
formulação e resolução do problema do saber, de modo determinante da
origem das tradições humanística e científica da Cultura Ocidental.
Este núcleo de questões, directamente conducente ao estudo da
metodologia do elenchos, foi magnificamente complementado pelas
cinco intervenções que se debruçaram sobre a análise da crítica de
Aristóteles ao Platão que o Estagirita identifica com Sócrates : «Socratic
influences on Aristotle's ethical enquiry», do Prof. John Cleary, «Aristotle's solution to the problem of the Socratic elenchus», do Prof. Robert
Bolton, «Socrates and Aristotle on the definability of moral entities»,
do Prof. G. Anagnostopoulos, «Socratic Intellectualism and Aristotelian criticism», do Prof. C. Evangeliou, e «The names of "ethics" before
Aristotele», do Prof. John Glucker. A primeira e a segunda intervenção
completaram-se na apreciação da leitura aristotélica do elenchos, estabelecendo as refutações «socráticas» (sem tomar posição sobre a historicidade) como um marco na conquista de uma concepção de saber;
a terceira analisou o essencialismo socrático, mostrando como Aristóteles acaba por rejeitá-lo, visando uma concepção disciplinarmente
diversificada do saber. A quarta, convergindo embora com as anteriores, envolve-se com questões de historicidade, insusceptíveis de ganhar
o consenso dos estudiosos, enquanto a quinta aproxima a abordagem
pré-aristotélica das questões éticas aos Dissoi Logoi.
Menos facilmente agrupáveis nos temas dominantes da Conferência ouviram-se ainda outras importantes intervenções, entre as quais
destacamos a do Prof. Jonathan Barnes, «Socrates, the hedonist», que
ofereceu a reconstituição e interpretação de um fragmento de papiro
em que Sócrates é mencionado (que apresenta algumas semelhanças
com o pseudo-platónico Axíoco); uma curiosa proposta de introdução
à Lógica pelo estudo dos argumentos nos diálogos socráticos, pelo
252
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
Prof. Richard Purtill, «Socratic Logic»; uma perceptiva análise das
relações entre a ironia socrática e a concepção, platónica de saber,
exposta pelo Dr. Shmuel Scolnicov, em «On taking Socratic irony
seriously»; além de duas contribuições de alto valor para a compreensão de duas questões tratadas na bibliografia mais recente do platonismo :
uma, do Prof. Giovanni Casertano, dedicada à análise da primeira parte
do Parménides, outra, do Dr. András Maté, que confrontou duas interpretações consagradas da teoria das Formas — como «mass terms» e
predicações paulinas.
Sobre questões relacionadas com a atitude política de Sócrates
houve ainda quatro intervenções: duas tomando posição contra uma
recente obra de Richard Kraut sobre Sócrates e a desobediência civil
{Socrates and the State, Princeton, 1983), uma dos Profs. Thomas
Brickhouse e Nicholas Smith, «The Socratic doctrine of "persuade or
obey"», outra do Prof. Teruo Mishima, «Where does Socrates' fault
lie?» (o tópico em disputa é o da interpretação dos sentidos activo e
médio-passivo do verbo peithô, habitualmente traduzido por «persuadir»
e «obedecer»), além de duas outras, envolvidas com o alcance político
da pedagogia socrática : «Let all be virtuous : Radical Socrates and the
concept of democracy», da Dr. a Debra Nails, e «Using the Socratic
method for teaching philosophy in post-apartheid South Africa», do
Dr. J. D. Gericke.
A Conferência foi encerrada por uma paradigmática análise do
argumento sobre o bem e a techné basiliké no Eutidemo, «Socratic goods
and Socratic happiness», pelo Prof. G. X. Santas, que discutiu a circularidade das relações entre «saber» e «virtude» e «virtude» e «felicidade» na ética socrática (e talvez em toda a ética intelectualista até ao
séc. xx).
Creio que a sumaríssima resenha das principais exposições apresentadas na Conferência terá chegado para evidenciar a sua capital
importância para a compreensão actual dos problemas associados à
figura de Sócrates. A publicação integral das Actas espera-se para meados do próximo ano, no âmbito das actividades da INTERNATIONAL
ASSOCIATION OF GREEK PHILOSOPHY, cujo endereço é: 5 Simonidou
Str. 17456 Alimos GREECE, ao cuidado do Prof. Konstantine Voudouris
(as inscrições nesta Associação podem fazer-se mediante boletim fornecido na morada acima indicada).
JOSé TRINDADE SANTOS
NOTICIAS E COMENTÁRIOS
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FUNDO BIBLIOGRÁFICO DR. JOSÉ BETTENCOURT COELHO
Foi oferecido pelo classicista Dr. José Augusto Bettencourt Coelho
à biblioteca do Instituto de Estudos Clássicos, por intermédio do Professor Doutor Américo da Costa Ramalho, um importante núcleo
bibliográfico, com cerca de três centenas de volumes, onde se incluem
dicionários, gramáticas, manuais, livros de carácter didáctico, textos e
obras dos principais autores clássicos gregos e latinos.
Entre os vários exemplares de natureza didáctica, merecem especial
referência a obra de J. N. MADVIG, Grammatica latina para uso das
escholas, «trasladada do alemão para portuguez por Augusto Epiphanio
da Silva Dias». Porto, 1872 e a de J. L. BURNOUF, Méthode pour étudier
la langue grecque. Paris, 1885.
Edições do século xix, de autores gregos e latinos, se não podem
ser consideradas raridades bibliográficas são, no entanto, um claro
testemunho do interesse que> entre nós, nessa altura, existia pela literatura clássica, lida no original. Anotem-se, entre as edições de autores
gregos: ÉSOPE, Fables choisies, «édition classique accompagnée des
imitations de la Fontaine et d'un lexique avec des notes en français
par E. Sommer», Paris, 1877; LUCIEN, Dialogues des morts, «édition
classique avec des notes en français et un lexique de tous les mots contenus dans l'ouvrage par E. Pessonneaux», Paris, 1878 ; LUCIEN, Extraits :
Timon, Le Song, VIcaroménippe, Charon, texte grec acompagné d'une
introduction biographique et littéraire de notices et de notes par Victor
Glachant», Paris, 1899; HOMèRE, Odyssée, «texte grec publié avec des
arguments analytiques et des notes en français par A. Pierron»,
Paris, 1890.
Predominante, neste fundo bibliográfico, é a representação de
quase todos os autores latinos da Época Clássica, como se pode ver
pela amostragem que, sem pretender ser exaustiva, é bem o reflexo
da preocupação pedagógica activa do seu possuidor. Não resistimos a
mencionar sobretudo as edições mais antigas que se nos afiguram mais
significativas: CéSAR, Livres I-VII des commentaires sur la Guerre des
Gaules, Paris, 1881; CíCERO, OS très livros sobre As Obrigações Civis
traduzidos em lingua portugueza, Nova edição, Lisboa, 1825; CORNELIUS NEPOS, Vies des grands capitaines, Paris, 1882; Cornelius Nepos,
«anotado por Julio Moreira», Porto, 1887; HORATTII FLACCI Opera da
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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
praestantium librorum lectiones. Accurate recensuit C. H. Weise.
Lipsiae, 1887; OVIDE, Choix des Métamorphoses, Paris, 1892; SéNèQUE,
De la rie heureuse, Paris, 1881; SALLTJSTB, Jugurtha, Paris, 1896;
TACITE, Annales, Paris, 1882; TERENCE, UAndrienne,
Paris, 1873;
TITE-LIVE, Histoire romaine, Paris, 1883; e ainda um Virgílio
Brazileiro ou tradução do poeta latino por Manuel Odorico Mendes,
Paris, 1858.
Duas curiosidades, ou mesmo raridades, do século xvin enriquecem ainda este fundo: a segunda edição bilingue da Collectio Verhorum Familiarium de Antonius Pereria (sic) de M.DCC.LVII e Elementos da poética, «tirados de Aristóteles, de Horácio, e dos mais
celebres Modernos», Lisboa, 1765, a que se junta uma terceira edição
da mesma obra, de 1804; e ainda A Lyra Anacreontica por José Agostinho de Macedo, Lisboa, 1819; e, por último, uma tradução de Horácio
por um estudante da língua latina, num exemplar sem folha de rosto e
sem data.
José Augusto Bettencourt Coelho, açoriano da Ilha Terceira, Angra
do Heroísmo, ingressou em 1940 no Curso de Filologia Clássica da
Faculdade de Letras de Coimbra, onde se viria a licenciar em 1947.
Fez ainda o Curso de Ciências Pedagógicas e o Curso de Bibliotecário
Arquivista e Documentalista, da mesma Faculdade.
O seu longo percurso profissional inicia-se no Liceu Normal
D. João III, hoje Escola Secundária José Falcão, em Coimbra. Aqui
faz o estágio e exame de estado e lecciona como professor agregado.
Angola seria o novo mundo onde havia de levar a mensagem humana
da língua e da cultura do mundo antigo, essenciais à compreensão do
património cultural português, da sua riqueza linguística e literária,
valores que permaneceram para além da independência deste país.
Professor do Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, foi reitor do Liceu
de Benguela e do Liceu Salvador Correia, em Luanda. A dignidade e
prestígio com que exerceu estes cargos mereceram-lha dois louvores
públicos, um do Governador do Distrito de Benguela, outro do Governador-Geral de Angola.
Professor no Liceu do Funchal, reitor do Liceu de Cascais, inspector do ensino liceal, a sua escola foi, a partir de 1974 e até 1980, altura
em que reformou, o Liceu Sebastião e Silva, em Cascais.
Em traços largos aqui fica a trajectória profissional daquele que
decidiu confiar à guarda do Instituto de Estudos Clássicos a sua biblioteca especializada, certamente reunida com muito amor ao longo do
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seu magistério. E fê-lo «com imenso prazer» como no-lo confidenciou:
«Foi com imenso prazer que ofereci a esse Instituto os meus livros de
latim-grego. Foi a contribuição para a minha dívida de gratidão para
com a Universidade que me formou».
Merece, pois, especial agradecimento esta doação, importante não
só pelo número e valor das espécies, mas também pelo significado
do gesto.
Este espólio, classificado como fundo Dr. José Bettencourt Coelho,
encontra-se já tecnicamente tratado e incorporado nos catálogos do
Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra.
ZéLIA DE SAMPAIO VENTURA
CONGRESSO INTERNACIONAL
NA ÉPOCA DOS
HUMANISMO
PORTUGUÊS
DESCOBRIMENTOS
A Comissão Executiva, composta pelos Doutores Américo da
Costa Ramalho, Sebastião Tavares de Piáho, Nair de Castro Soares e
Carlos Ascenso André, e pelos Licenciados João Nunes Torrão e
Zélia Sampaio Ventura, enviou a primeira circular, intitulada
RAZÕES DE UM CONGRESSO
Promovido pelo Instituto de Estudos Clássicos e pelo Centro de
Estudos Clássicos e Humanísticos, vai realizar-se em Coimbra, na
Faculdade de Letras, de 9 a 12 de Outubro de 1991, o Congresso
Internacional Humanismo Português na Época dos Descobrimentos.
O Humanismo do século xvi está directamente relacionado com
a comunicação ao mundo culto, e não apenas à Europa, dos Descobrimentos Portugueses. Com efeito, essa informação internaciona! foi
realizada em latim:
— nas chamadas «orações de obediência» ao Papa que, uma vez
proferidas, logo eram impressas e divulgadas a partir de Roma;
— nas saudações ao Papa, de emissários ocasionais dos reis de
Portugal, como aconteceu em Roma, em 31 de Agosto de 1481, na
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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS
visita a Sisto IV, de D. Garcia de Meneses, cuja oração foi espalhada
pela Europa;
— nas crónicas das campanhas dos Portugueses n o Oriente,
escritas por Damião de Góis, André de Resende, Diogo de Teive
e outros;
— na correspondência internacional dos humanistas;
— nas orações "de entrada", pronunciadas perante a corte em
locais diversos, e nas orações "de sapiência" das universidades portuguesas;
— nos poemas latinos do Renascimento, do breve epigrama à
longa epopeia. A própria palavra Lysiades, criada por André de
Resende, é constantemente usada em poemas em latinx a partir de 1531,
antes de ter sido empregada por Camões em 1572, para título do seu
poema Os Lusíadas;
— em livros de história, como o De Regis Emmanuelis gestis de
D. Jerónimo Osório, que é a fonte das referências a Portugal que se
encontram, por exemplo, nos Essais de Montaigne;
— em tratados sobre as mais diversas matérias, da Filosofia e da
Teologia à Crónica de Viagens, como acontece em livros de D. Jerónimo Osório e Frei Heitor Pinto, ou nas Curationum Medicinalium
Centuriae de Amato Lusitano, ou ainda no De Missione Legatorum
laponensium de Duarte de Sande, publicado em Macau em 1590.
Por todos estes motivos, o Congresso Internacional Humanismo
Português na Época dos Descobrimentos constitui uma ocasião única
de pôr em relevo o contributo de uma literatura de recepção universal,
porque escrita na língua científica e diplomática do século xvi, e de
reunir em esforço colectivo um conjunto de testemunhos sobre a
Expansão Portuguesa, até aqui dispersos e não traduzidos.
Acresce que esta literatura em latim está intimamente relacionada
com a literatura em português da mesma época.
AMéRICO DA COSTA RAMALHO