RETORNO A FREUD
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RETORNO A FREUD
RETORNO A FREUD Anchyses Jobim Lopes Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção RJ Representante científico do CBP-RJ para o XX Congresso do CBP Freud: o grande desmistificador da moralidade e da religião que cerceiam o sexual na tradição judaico cristã. O revolucionário que permitiu se falasse seriamente do que era proibido falar. Mesmo quanto à sexualidade feminina – cá entre nós nunca entendeu muito – o avanço das últimas décadas nos estudos de gênero, nas conquistas sociais e políticas não seriam possíveis sem a semente freudiana. Tivesse ficado só em uma sexologia ou uma erótica Freud mereceria apenas o prêmio Goethe de literatura que merecidamente recebeu. Surgindo ao final de um século em que violentamente se patologizou o comportamento, em que a masturbação infantil foi perseguida até com circuncisão feminina (sim, no ocidente), em que um dos pais da psiquiatria propôs a pele negra como forma de lepra hereditária, dentre muitas outras pérolas vitorianas, Freud colocou a sexualidade como centro das supostas doenças mentais: não há psicopatologia possível sem a psicopatologia freudiana. Sexualidade ou sexualidades? Com a psicanálise abre-se a redescoberta do polimorfismo sexual. “Ninguém escreveu tanto sobre homossexualidade quanto Freud” – Jean Genet. Mas o escritor ativista francês estava errado. O que Freud defende é algo diverso, até hoje mal visto, inclusive pelos movimentos gays: a bissexualidade. Lacan afirmava que Sócrates tinha mesmo era que beber cicuta, não tinha lugar para ele na polis. Freud escapou – por pouco – mas também era atópico. Porém Freud não ficou apenas no sexo entre adultos. Na primeira infância a sexualidade transborda por todos os meios. Evidentemente não a genital, adulta. Mas o prazer pelo prazer nasce com o bebê, erotizando todos os orifícios do corpo. Heresia total: não são inocentes anjinhos, mas perversinhos polimorfos. Não somente quanto à difusão do prazer pelo corpo todo, mas também: exibicionistas, voyeuristas, sádicos, masoquistas, com uma leve tendência parricida e matricida. A criança branquinha, de olhos azuis, rosadinha e sorridente de capa dos livros de pediatria e conselhos para os pais, além da imagem de descarado preconceito, é uma fraude. Conduzindo ao outro lado da moeda: adultos perversos são criaturas infantilizadas que permanecem grudadas no que deveria ser apenas um traço infantil. E para os mais afortunados que se julgam adultos saudáveis, Freud mostrou que as preliminares da prática sexual possuem todos os bons ingredientes da perversão infantil. Como sempre Dr. Sigmund borra completamente a segurança que muitos pensam ter da separação firme entre o normal e o patológico. Finalmente chegamos ao nosso ganha pão diário: a neurose. Sua matéria prima é sexual. Se inconscientemente a satisfação estivesse pelo menos no razoável, acabaria a ocupação de psicanalista. Enredados em labirínticos matemas negamos conclusões freudianas básicas: toda neurótico tem problemas em sua vida sexual, todo sintoma possui algum componente homossexual, todo mundo está enrolado no carretel de sua trama edípica. Se nós, profissionais do sexo falado com hora marcada, nos esquecemos das sexualidades, imaginemos o resto da sociedade pós moderna. E vagam multidões de zumbis dependentes da psicofarmacologia - rivotril ou crack - quando ditos freudianos simples são esquecidos. Tal a máxima freudiana de que nada dá uma boa noite de sono quanto o ato sexual (só o gênio diz o óbvio – Nelson Rodrigues). A indústria farmacêutica penhoradamente agradece. Retornemos a este Freud desbravador indômito do sexual e das sexualidades: ótimo congresso!