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Artigo
Comunicação política, os processos eleitorais e o
engajamento cívico e político: da mídia de massa
às redes sociais
Diólia de Carvalho Graziano*
Resumo
O trabalho tem como objeto a comunicação política, os processos eleitorais e o engajamento cívico e político, inserido na
temática da Comunicação Pública, Capital Social e Comunicação Política: da Mídia de Massa às Redes Socias. Primeiramente
descreve a história da comunicação política de Wilson Gomes em “O que há de comunicação na comunicação política” (2010).
Em seguida, o trabalho visita as obras de Heloiza Matos (2010) e de Marcus Figueiredo e Alessandra (2010) delineando o pesamento sobre os processos eleitorais predominantemente televisivos, para finalmente se debruçar na questão do engajamento cívico e político ocorridos em ambiente binário, dialogando com vários autores, em especial, com a obra Redes de Indignação e Espernança, de Manuel Castells (2013).
Palavras-chave
Comunicação política. Eleições. Redes sociais.
* Graduada em Engenharia de Alimentos pela UNICAMP (1991) é jornalista profissional e mestre em Comunicação, na linha de pesquisa de processos
midiáticos: tecnologia e mercado, da Faculdade Cásper Líbero (2010). É docente pesquisadora. Membro do GIGANET - Global Internet Governance
Academic Network, da ISOC - Internet Society, da SBPJor - Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo.
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Brazilian Journal of Technology, Communication, and Cogntive Science - Edição nº 2, Ano II - Agosto 2014
www.revista.tecccog.net
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Introdução
O presente artigo tem como objeto a comunicação política, os processos eleitorais e o
engajamento cívico e político, inserido na temática da Comunicação Pública, Capital Social e
Comunicação Política: da Mídia de Massa às Redes Socias, que, por sua vez, está alocada na
área de pesquisa das Interfaces Tecnológicas e Sociais da Comunicação. Almejamos primeiramente descrever a história da comunicação política de Wilson Gomes em “O que há de comunicação na comunicação política” (2010). Em seguida, o trabalho visita as obras de Heloiza
Matos (2010) e de Marcus Figueiredo e Alessandra (2010) delineando o pensamento sobre os
processos eleitorais predominantemente televisivos, para finalmente se debruçar na questão
do engajamento cívico e político ocorridos em ambiente binário, dialogando com vários autores, em especial, com a obra Redes de Indignação e Esperança, de Manuel Castells (2013).
Wilson Gomes (2010) examina as transformações ocorridas na comunicação de massa.
Ele afirma que a interface entre comunicação e política abrange variadas atividades, existindo
assim um fluxo de interesses nas duas direções, entre a política e a comunicação de massa.
O surgimento da pesquisa em comunicação e política nasce de duas vertentes investigativas: uma especulando sobre como o universo político utiliza da comunicação de massa a fim
de alcançar objetivos estabelecidos ou ocasionar alterações desejadas, e a outra ramificação
almeja se ocupar dos aspectos da comunicação que se vinculam à política, como por exemplo,
as atividades de relações públicas e a propaganda política:
Naturalmente, os dois grupos demonstravam menos competência naqueles aspectos
da interface fora do domínio específico da sua disciplina. Hoje, quando lemos os
textos sobre os efeitos da comunicação de massa, de até vinte anos atrás, escritos
por especialistas em política, evidencia-se, em geral, quão pouco sofisticada era a sua
compreensão da comunicação. Do mesmo modo, os pesquisadores de comunicação
tendiam (ainda tendem, na verdade) a concentrar-se nos aspectos estritos de
interface entre os dois universos, onde a uma percepção mais aguçada dos recursos da
comunicação frequentemente não corresponde igual sofisticação nos temas específicos
da teoria política (GOMES, 2010, p. 44-45).
Contudo, diz o autor, “essa separação de duas comunidades, é bom que se diga, tende a
desaparecer nos dias atuais em face da intensa interlocução interdisciplinar que tomou conta
da especialidade neste momento de sua maior expansão e adensamento, até agora” (Gomes,
2010, p. 45).
Gomes encontra três modelos de relação entre política e comunicação, sendo que tais
modelos não são excludentes, podendo conviver no seio de uma sociedade por tempo indeterminado. “No primeiro modelo, a comunicação de massa existe basicamente na forma da imprensa” (Gomes, 2010, p. 46) E esta fazia parte do universo político. Neste modelo, com o estaPaper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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do tornando-se burguês, existe a premência de reposicionamento da imprensa. “A imprensa de
opinião nasce, portanto, burguesa, no interior da esfera civil e para defender os seus interesses,
hostil à esfera reservada da política e polêmica contra o Estado aristocrático” (ibdem).
Como não existia mais um estado aristocrático contra o qual a burguesia e a imprensa se
unissem, “Nesse momento, a imprensa de opinião ganhou a forma de imprensa de partido e
acrescenta à sua autocompreensão como órgão da esfera civil o entendimento de si como órgão
dos partidos políticos” (ibdem).
O segundo modelo apresenta o surgimento de outros dispositivos tecnológicos operados
por novas instituições (rádio, cinema e TV) que cuidam da produção e difusão massiva de produtos culturais. Por não formar públicos de debates, essa Esfera passa a ser vista como mera
consumidora de informação e cultura, como um público passivo.
No terceiro modelo a imprensa de partido passa a ser assimilada por uma indústria da
informação que também incorpora os outros dispositivos visando a criação de um sistema de
produção e distribuição de informação em larga escala, de modo a transformar a informação
num negócio em que os principais mantenedores são os consumidores e os anunciantes. Como
mais consumidores eram atendidos pela grande imprensa, esta se dá conta de que possui uma
audiência bem interessante ao setor produtivo e passa a vende-la. Assim, surge uma indústria
da informação quando esta cativa a opinião e a “atenção pública” e vende-a a um anunciante.
Contudo, a indústria da informação e da cultura funcionam como meios quando, por
exemplo, o campo social não consegue se formar ou quando abre-se espaço para as mensagens publicitárias, ou no caso brasileiro, no horário de propaganda política.
Gomes (2010) também detecta que a expressão “comunicação” comporta três fenômenos correlacionados:
1– a gramática da comunicação de massa;
2 – os seus meios técnicos e as suas linguagens específicas;
3– as instituições que controlam o aparato técnico da comunicação de massa.
O autor nota que a lógica de funcionamento para o jornalismo televisivo difere da lógica
da versão impressa, que produz reputações e nomes, enquanto o primeiro tem capacidade de
produzir celebridades dentro do próprio campo.
Assim, é o campo jornalístico quem controla a esfera de visibilidade pública e não o campo político, que acabou percebendo que para ter acesso à Esfera da Visibilidade pública teria
de seguir a linguagem dos ambientes de comunicação, ou teria que comprar espaços nestes, se
tornando anunciante.
Independentemente do regime, se democrático ou autoritário, do estilo do governante, dos meios
e canais utilizados, e das demandas do governado (súdito, cidadão, eleitor), o ato do exercício do
poder precisa ser explicado num ato de comunicação (Fagen (1971) apud Matos (2010)).
Paper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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Matos (2010) afirma que a comunicação política é vital para a organização da sociedade
pois ela orienta seus membros para a definição de objetivos e auxilia a identificar seus problemas, bem como na busca por um acordo, consenso e na manutenção de tradições e valores.
Ela lembra que a mídia televisiva e as relações da imprensa com o candidato e a questão dos
profissionais de campanha foram ganhando visibilidade nas pesquisas de comunicação política, bem como que o impacto da mídia tem sido maior na cognição do que nas atitudes, “ e que
estas seriam o resultado de um aprendizado gradual por meio da repetição e práticas de novas
maneiras de ver o mundo” (Matos, 2010, p. 49). O processo midiático não só altera a recepção
das mensagens, os temas e os termos utilizados no confronto político, como tem capacidade de
influir e mudar as escolhas dos cidadãos.
Matos (2010) aponta que a comunicação política é um campo onde se cruzam cinco modos de agir:
1. teleológico: intenções e estratégias visando um objetivo, como o voto
2. axiológico: valores, normas e ética de convicção
3. emocional: visa persuadir para alterar a conduta do receptor
4. rotineiro: visando otimizar a percepção das mensagens planejadas
5. dramático.
Em análise complementar, Matos (2010) considera a avaliação da comunicação política
sob dimensões:
1. dialógica: visão racional da argumentação, transparência. Para ela, o PT manteve essa
proposta, com caráter ideológico até as eleições municipais de 2002.
2. da propaganda política, que objetiva a persuasão e adesão.
3. do marketing político eleitoral e permanente, visando personagens e temas da campanha.
Marcus Figueiredo e Alessandra Aldé (2010) buscam identificar o efeito agregado da
propaganda política sobre a intenção de voto bem como analisar o horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE). Para eles, os programas eleitorais longos, veiculados nas redes abertas
de televisão, em especial as do horário nobre das 20h30, têm papel central na construção do
panorama eleitoral de cada pleito. O impacto decisivo do HGPE nas curvas de intenção de voto
é fruto de um efeito agregado da propaganda política do Horário Político Gratuito, veiculado
for a do período eleitoral, e do HGPE, veiculado em meados de agosto até o dia da eleição. Matos (2010) aponta os debates eleitorais televisivos como o ápice da campanha, ressaltando que
a derrota de muitos candidatos se deve ao comparecimento ao debate, e por isso nas eleições
presidenciais de 2002 e de 2006, Lula, temendo perder os votos conquistados, não compareceu em debates.
Figueiredo e Aldé (2010) revelam por meio de seus estudos sobre o comportamento dos
eleitores, que existe uma orientação baseada em dois conjuntos de teorias. De um lado, as teorias com foco em um conjunto de variáveis estruturais, estáveis ao longo do tempo: identificaPaper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
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ção partidária e ideológica dos eleitores; posição de classe; avaliação da situação econômica geral e do desempenho dos governantes, etc. De outro lado, as variáveis comunicacionais, algumas estáveis ao longo do tempo como os hábitos de exposição à mídia, e outras de curtíssimo
prazo, como a exposição às propagandas políticas e eleitorais. Entre as variáveis estruturais,
duas são importantes: as avaliações econômicas e as de desempenho dos governantes. Entre
as variáveis comunicacionais, as principais são: exposição às mídias jornalísticas e propagandas políticas, segundo os autores. Por outro lado, Matos (2010) ressalta também a utilização
intensiva de pesquisas eleitorais para as decisões estratégicas da campanha, em países como o
Brasil, os Estados Unidos, a Rússia, a Itália e a Africa do Sul.
A Internet nas campanhas: a bola da vez
A Internet e a web permitem a interatividade entre governo e cidadão e candidatos e
seus eleitores. Os EUA são país-modelo de práticas mundiais de campanha. A Internet estreou
como vedete nas eleições norte-americanas de 2008, quando os cidadãos a utilizaram, bem
como as mensagens de texto, para mobilizar fundos para a campanha e participarem de atividades políticas (MATOS, 2010).
Práticas participativas inovadoras baseadas na internet têm estado cada vez mais presentes, potencializando o acesso à informação e comunicação. O emprego da comunicação digital
em processos democráticos tem sido abordado por diversos estudos no Brasil (MAIA et al.,
2011), tanto no campo das Ciências da Comunicação como no das Ciências Sociais. No entanto,
são poucos os estudos que investigam como, de fato, as organizações utilizam os recursos digitais para a participação política. Para Wilson Gomes, é preciso estar atento às diferenças entre
participação política em geral e a participação que se dá mediante a internet:
Seja daquela em que as ferramentas, produtos e iniciativas online são acessórios e
complementos das modalidades já tradicionais, ou daquela outra em que os recursos
baseados na internet são meios e instrumentos essenciais para a sua existência. De
fato, podemos distinguir, no que respeita à participação política via internet, um
espectro consideravelmente amplo, em que dois polos são representados; de um lado,
pela participação política em que a internet (isto é, as ferramentas, as linguagens, os
produtos e os aparelhos e as máquinas de conexão digital) é instrumental, e, de outro,
pela participação civil em que a internet é essencial. (GOMES apud MAIA et al., 2011,
p. 20).
Como já dissemos, diversos autores se debruçaram sobre a questão da mudança nas relações sociais a partir do avanço da cibernética. Muitos, tais como Paul Virilio (1993) e Jaron
Lanier (2010), veem com reservas estas alterações, sugerindo que o uso indiscriminado da coPaper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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municação digital poderia conduzir os indivíduos a uma perda da realidade, expondo-os a manipulações e controles diversos e fazendo-os crer numa falsa ideia de que existe uma sabedoria
das multidões. Virilio chega a relacionar o novo contexto comunicacional à superficialidade,
afirmando que a pressa que caracteriza o ritmo das novas mídias impossibilita um espaço suficiente para a reflexão, intensificando essa suposta superficialidade. Autores que se posicionam
criticamente em relação à expansão da cibercultura consideram também que as tecnologias digitais proporcionaram um aumento da individualização no mundo, tornando as pessoas mais
alienadas dos problemas sociais e da realidade ao seu redor. Além disso, muitos autores, como
David Lyon (1995), por exemplo, acreditam que á internet é uma zona controlada e vigiada,
onde não há espaço para ações revolucionárias, e aquelas que se colocam contra o sistema
acabam sendo prontamente combatidas e controladas. Alguns exemplos trazidos da realidade,
tal como o caso de perseguição e punição aos responsáveis pelo site Wikileaks, servem como
boas ilustrações para estes postos de vista. Outros autores mostram-se mais otimistas com esta
questão, enxergando no advento da comunicação digital uma possibilidade de ampliação da
democracia e do acesso à informação e às questões sociais. Dentre estes pensadores, podemos
citar Pierre Lévy (2003), Manuel Castells (2013) e Clay Shirky (2011). As interpretações destes
autores entusiastas das novas mídias podem ser ilustradas com exemplos da realidade atual,
tais como as experiências de licenciamento aberto da Creative Commons, os financiamentos
coletivos via plataformas como o Catarse, a construção coletiva de conhecimento, tal como
ocorre com a Wikileaks.
Manuel Castells, em sua obra Redes de Indignação e Esperança (2013), diz que em uma
sociedade em rede, na qual o poder é multidimensional, as redes de comunicação são fontes
decisivas de construção do poder. No contexto da comunicação de massa, dominada pela grande mídia, o poder de definir as verdades encontrava-se nas mãos dos veículos de comunicação
tradicionais, que transmitiam à sociedade uma visão unidirecional da realidade, um ponto de
visto único e totalizante. No cenário atual, o poder encontra-se fragmentado, acessível àqueles
com acesso à internet, que têm em suas mãos a possibilidade de construir suas próprias verdades.
Os movimentos sociais ganham, então, nesse campo digital, um novo espaço para a luta
social, espaço este que precisa ser estudado mais atentamente. É possível que muitos críticos
das novas tecnologias e das redes sociais enxerguem estas manifestações como uma forma de
distanciamento da realidade, como um “ativismo de sofá” que não tem repercussão significativa no espaço público institucional, constitucionalmente designado para a deliberação. Fatos
recentes, porém, parecem contrariar as expectativas destas visões mais céticas. Movimentos
sociais ocorridos em âmbito internacional, como é o caso do Occupy Wall Street e das primaveras árabes, e em âmbito nacional, como as manifestações de junho de 2013 nas principais
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realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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cidades do Brasil, parecem apontar para alguma relação evidente entre um ativismo praticado
nas redes digitais e uma efervescência de lutas sociais nas ruas.
Para Henry Jenkins (2008), a cultura de interação característica das mídias digitais propicia o surgimento de uma cultura participativa ao retirar o indivíduo da posição de mero consumidor e coloca-lo na posição de criador, de interventor. Em seu livro “A Cultura da Convergência”, Jenkins dedica um capítulo ao uso político que muitas pessoas fizeram do software
Photoshop ao utilizá-lo para fazer montagens e divulga-las na internet. A possibilidade de alterar o discurso da grande mídia e subverte-lo de maneira crítica é um dos grandes trunfos que
a internet oferece aos movimentos sociais. Para Jenkins, as novas mídias propulsionam uma
nova cultura de participação, mais livre, porém esta liberdade está sempre correndo riscos:
As corporações imaginam a participação como algo que podem iniciar e parar,
canalizar e redirecionar, transformar em mercadoria e vender. As proibicionistas estão
tentando impedir a participação não autorizada; os cooperativistas estão tentando
conquistar para si os criadores alternativos. Os consumidores, por outro lado, estão
reinventando o direito de participar da cultura, sob suas próprias condições, quando e
onde desejarem. Esse consumidor, mais poderoso, enfrenta uma série de batalhas para
preservar e expressar seu direito de participar. (JENKINS, 2008, p. 228).
Castells (2013) diz que as redes dinâmicas da internet criam um “espaço de autonomia”
que possibilita um novo modelo de participação cidadã. Para o autor, as redes sociais da internet são espaços que estão além do controle de governos e empresas e, portanto, são os lugares
propícios para a proliferação de movimentos sociais e ações de militância. Além disso, a construção dos significados precisa de um ambiente da comunicação como base, e a internet mostra-se bastante adequada a ser a base da construção dos significados de lutas dos movimentos
sociais, por se tratar de um ambiente baseado em autonomia, liberdade e cooperação.
A contínua transformação da tecnologia da comunicação na era digital amplia o alcance
dos meios de comunicação para todos os domínios da vida social, numa rede que é
simultaneamente global e local, genérica e personalizada, num padrão em constante
mudança. O processo de construção de significado caracteriza-se por um grande volume
de diversidade. Existe, contudo, uma característica comum a todos os processos de
construção simbólica: eles dependem amplamente das mensagens e estruturas criadas,
formatadas e difundidas nas redes de comunicação multimídia. Embora cada mente
humana individual construa seu próprio significado interpretando em seus próprios
termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado
pelo ambiente da comunicação. Assim, a mudança do ambiente comunicacional afeta
diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção de relações
de poder. (CASTELLS, 2013, p. 11).
Paper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
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Para Castells, as redes de comunicação são fontes decisivas de construção do poder, pois
exercem forte influência sobre a mente das pessoas. Este novo ambiente comunicacional que
surge com o advento da internet baseia-se em redes horizontais de comunicação interativa,
que geralmente são difíceis de ser controlados. Castells observa que este contexto comunicacional possibilita a subversão da prática da comunicação por parte dos atores da mudança social, através de seu envolvimento direto na produção de mensagens e do desenvolvimento de
redes autônomas de comunicação horizontal. Diz o autor:
Os movimentos sociais exercem o contrapoder construindo-se, em primeiro lugar,
mediante um processo de comunicação autônoma, livre do controle dos que detêm
o poder institucional. Como os meios de comunicação de massa são amplamente
controlados por governos e empresas de mídia, na sociedade em rede a autonomia
de comunicação é basicamente construída nas redes da internet e nas plataformas de
comunicação sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de deliberar
sobre e coordenar as ações de forma amplamente desimpedida. (CASTELLS, 2013, p.
14).
O ciberespaço constitui-se, então, um novo espaço público, onde os cidadãos podem,
além da troca de informações, compartilhar sentimentos coletivos de indignação e esperança e
planejar ações coletivas que podem ser decisivas nas mudanças sociais almejadas. É um espaço
de deliberação, que assume características de um espaço político, pois possibilita o confronto
pelo poder e as lutas pelas representações sociais. Este espaço virtual que permite a quebra de
monopólios e dá voz a atores sociais diversos é, segundo Manuel Castells, um espaço de comunicação autônoma, pois está além do controle dos tradicionais detentores do poder. Mas é
também um híbrido:
Em nossa sociedade, o espaço público dos movimentos sociais é construído como um
espaço híbrido entre as redes sociais da internet e o espaço urbano ocupado: conectando
o ciberespaço com o espaço urbano numa interação implacável e constituindo,
tecnológica e culturalmente, comunidades instantâneas de prática transformadora.
(CASTELLS, 2013, p. 16).
Este novo espaço público, característico da sociedade em rede, é também amplamente
marcado pela globalização político-econômica e pela mundialização da cultura. Novos atores
destacam-se na esfera pública, em diferentes partes do mundo, e este ambiente comunicacional digital possibilita que estes novos atores se encontrem. Fica clara a necessidade de explorarmos mais a ideia desta nova esfera pública que desponta para melhor entendermos este
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realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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contexto de mudanças sociais.
A esfera pública pode ser entendida, de maneira geral, como um espaço de diálogo, um
espaço voltado à efetivação da democracia. Retomando o conceito inicial, alcunhado por Jürgen Habermas, percebemos que a ideia de “esfera pública” não conta com uma definição muito
precisa. Nas palavras do próprio Habermas:
[...] a esfera pública não pode ser entendida como uma instituição, nem como uma
organização, pois ela não constitui uma estrutura normativa capaz de diferenciar
entre competências e papéis, nem regula o modo de pertença a uma organização,
etc. Tampouco ela constitui um sistema, pois, mesmo que seja possível delimitar
seus limites internos, exteriormente ela se caracteriza através de horizontes abertos,
permeáveis e deslocáveis. (2003, v. II, p. 92).
É preciso observar que o próprio estatuto do conceito proposto por Habermas foi se
transformando no contexto de evolução teórica da ideia de esfera pública ao longo do tempo.
Diz o autor, no livro “Mudança estrutural da esfera pública”, originalmente escrito em 1962:
A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas
privadas reunidas um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela
autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as
leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante,
as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social. O meio dessa discussão
política não tem, de modo peculiar e histórico, um modelo anterior: a racionalização
pública. (HABERMAS, 1984, p. 42).
A questão da esfera pública, para Habermas, se inscreve numa ideia complexa, que envolve quatro níveis: mundo da vida, sociedade civil, sistema político e esfera pública. A ideia
de “mundo da vida” é um conceito tomado de Husserl e refere-se a um estoque de sentidos,
envolvendo crenças, critérios, valores, definições etc., compartilhados entre os indivíduos, e
que serve de pano de fundo para sua comunicação. O mundo da vida seria um horizonte de
suposições subjetivamente partilhadas, no qual todo processo de comunicação precedente está
inserido, permitindo que os indivíduos se comuniquem. Já o núcleo da sociedade civil é formado por associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, sob as quais são
ancoradas as estruturas de comunicação da esfera pública. O sistema político é organizado e
delimitado através de mecanismos especiais de coordenação das ações do Estado, tais como o
direito, sendo sensível à opinião pública.
Castells (2008) é enfático ao dizer que a maneira como a esfera pública é constituída e o
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modo como ela opera define a estrutura e a dinâmica de uma dada política. Portanto é extre-
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mamente importante conhecer a fundo os detalhes e as alterações ocorridas na esfera pública
para compreender melhor como se dá, nos dias de hoje, a relação de poder estabelecida entre
sociedade civil e Estado, especialmente no que se refere aos movimentos sociais, tão presentes
na esfera pública atual.
Segundo Castells, mudanças estruturais nos parâmetros culturais e políticos da sociedade acompanham esta nova esfera pública global. E Castells ressalta que esta mudança se deve
à nova configuração tecnológica dos meios de comunicação:
That global public sphere is built around the media communication system and
Internet networks, particularly in the social spaces of the Web 2.0, as exemplified
by YouTube, MySpace, Facebook, and the growing blogosphere that by mid-2007
counted 70 million blogs and was doubling in size every six months (Tremayne 2007)1
. (CASTELLS, 2008, p.90).
Além da questão da infraestrutura tecnológica, Castells (2008) destaca também o papel
da globalização neste contexto. Segundo o autor, a globalização mudou o debate do domínio
nacional para o debate global, promovendo a emergência da sociedade civil global, que neces-
1 Tradução livre:
“Esta esfera pública
global é construído em torno do
sistema de comunicação midiática e de
redes de Internet,
especialmente nos
espaços sociais da
Web 2.0, como
exemplificado pelo
YouTube, MySpace,
Facebook, e pela
crescente blogosfera
que, em meados de
2007, contabilizou
70 milhões de blogs
e estava dobrando de
tamanho a cada seis
meses (Tremayne
2007).”
sita de formas de governança global. Este cenário permite que várias crises se coloquem nas
instituições governamentais, que não estão preparados para se posicionar diante destas mudanças tão efetivas.
As a result of these crises and the decreased ability of governments to mitigate them,
nongovernmental actors become the advocates of the needs, interests, and values
of people at large, thus further undermining the role of governments in response to
challenges posed by globalization and structural transformation. The decreased ability
of nationally based political systems to manage the world’s problems on a global scale
has induced the rise of a global civil society2. (CASTELLS, 2008, p. 83).
Para Castells (2008), é a diplomacia do público que tem lugar na esfera pública global,
deixando para trás as formas tradicionais de diplomacia governamental. Para o autor, cabe à
sociedade civil global as negociações das relações de poder através da construção de uma cultura compartilhada.
Paper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
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2 Tradução livre:
“Como resultado
dessas crises e da decrescente capacidade
dos governos para
mitigá-las, os atores
não-governamentais
se tornam os defensores das necessidades, interesses e
valores das pessoas
em geral, o que dificulta ainda mais o
papel dos governos
em dar resposta aos
desafios colocados
pela globalização e
pelas transformações estruturais. A
diminuição da capacidade dos sistemas
políticos de âmbito
nacional em administrar os problemas
do mundo em uma
escala global tem induzido o surgimento
de uma sociedade
civil global.”
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Considerações finais
São evidentes as transformações que a internet e as mídias digitais trouxeram para os
movimentos sociais. A esfera pública também foi transformada e agora pode ser compreendida
a partir de uma abrangência global. As mudanças tecnológicas estão, inegavelmente, ligadas
a estas mudanças, que afetam o contexto da participação política e, portanto, da democracia e
da cidadania.
A análise empreendida por Castells é bastante otimista a respeito do potencial libertador oferecido pelas redes, dando grande destaque ao espaço de autonomia no qual se baseia a
internet.
No entanto, é preciso estar sempre atento ao outro lado da questão. A autonomia proporcionada pelas mídias digitais poderia ser muito maior se não esbarrasse nos interesses de
grandes corporações midiáticas, nos segredos governamentais, nos valores tradicionais que
precisam ser preservados para manutenção do status quo. As transformações sociais baseadas
nas mudanças nos paradigmas comunicacionais deve ser comemorada, mas a euforia com esta
situação deve ser reavaliada com cautela.
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Paper apresentado no I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva,
realizado em 22 e 23 de maio de 2014, na Universidade Metodista de São Paulo
Realização:
c
c
Brazilian Journal of Technology, Communication, and Cognitive Science
Expediente
TECCCOG
Brazilian Journal of Technology, Communication, and Cognitive Science é produzida pelo Grupo de Pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva credenciado pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Metodista
São Paulo, v.1, n.1, ago.2013
A revista do TECCCOG é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva credenciado pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Metodista.
Lançada em setembrode 2013] tem como principal produzir métodos e conhementos sob uma perspectiva inter e
transdisciplinar, a complexidade das relações entre Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva, e os seus impactos cognitivos na sociedade.
Editor
Walter Teixeira Lima Junior
Comissão Editorial
Walter Teixeira Lima Junior (Universidade Metodista de São Paulo) * Lúcia Santaella (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) * Luis Martino (UNB) * João Eduardo Kogler (Universidade de São Paulo) * Ronaldo Prati (Universidade Federal do ABC) * Ricardo Gudwin ( Universidade Estadual de Campinas) * João Ranhel (Universidade
Federal de Pernambuco) * Eugenio de Menezes (Faculdade Cásper Líbero) * Reinaldo Silva (Universidade de São
Paulo) * Marcio Lobo (Universidade de São Paulo) * Vinicius Romanini (Universidade de São Paulo)
Conselho Editorial
Walter Teixeira Lima Junior (Universidade Metodista de São Paulo) * Lúcia Santaella (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) * Luis Martino (UNB) * João Eduardo Kogler (Universidade de São Paulo) * Ronaldo Prati (Universidade Federal do ABC) * Ricardo Gudwin ( Universidade Estadual de Campinas) * João Ranhel (Universidade
Federal de Pernambuco) * Eugenio de Menezes (Faculdade Cásper Líbero) * Reinaldo Silva (Universidade de São
Paulo) * Marcio Lobo (Universidade de São Paulo) * Vinicius Romanini (Universidade de São Paulo)
Assistente Editorial
Walter Teixeira Lima Junior
Projeto Gráfico e Logotipo
Danilo Braga * Walter Teixeira Lima Junior * Leandro Tavares
Revisão de textos
Michele Loprete Vieira
Editoração eletrônica
Eduardo Uliana
Correspondência
Alameda Campinas, 1003, sala 6.
Jardim Paulista, São Paulo, São Paulo, Brasil
CEP 01404-001
Website
www.tecccog.net

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