disrafismo espinhal oculto na presença de raro estigma cutâneo
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disrafismo espinhal oculto na presença de raro estigma cutâneo
DISRAFISMO ESPINHAL OCULTO NA PRESENÇA DE RARO ESTIGMA CUTÂNEO RELATO DE CASO, ACHADOS ULTRASSONOGRÁFICOS DISRAFISMO ESPINHAL OCULTO NA PRESENÇA DE RARO ESTIGMA CUTÂNEO RELATO DE CASO, ACHADOS ULTRASSONOGRÁFICOS Autores: Jane Marília Matos de Medeiros Márcia Brunoro Sabine Olaio Riscalli Adriano Czapkowski Sebastião Marques Zanforlin Filho Claudio Rodrigues Pires Instituição: CETRUS – Centro de Ensino em Tomografia, Ressonância e Ultrassonografia Introdução Disrafismos espinhais designa um grupo de distúrbios caracterizados pela fusão incompleta ou ausente de estruturas da linha média durante a 4ª semana da embriogênese (MARILYN J. SIEGEL, 2003). A incidência destes defeitos mostra variação geográfica significativa (0,5 a 5 casos a cada 1000 nascimentos) e acometem menos frequentemente negros. Sua prevalência é maior em classes sociais menos favorecidas (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). Com base nos achados físicos, os casos de disrafismos espinhais podem ser agrupados em duas categorias: espinha bífida aberta (protrusão de tecido neural posterior através de um defeito na vértebra que resulta em uma lesão não coberta de pele, tais como meningomielocele), e disrafismo espinhal oculto (DEO) (E., F. e G., 1991) (D., 1993). Os disrafismos espinhais ocultos são definidos como o grupo de disrafismos que existem abaixo de uma cobertura intacta de derme e epiderme e, portanto de maior dificuldade de diagnóstico no ultrassom (US) ante natal (Rumack). Os DEO podem ser suspeitados em recém-nascidos assintomáticos, pois geralmente vem associados a alguma anormalidade da pele adjacente, tais como estigmas cutâneos, hemangiomas, tufo de pêlos, apêndices cutâneos, fossetas sacrococcígeas, massas subcutâneas, particularmente na região lombossacra (B., A. e M., 1991). Podem ser incluídas como DEOs as seguintes alterações: seio dérmico dorsal, medula ancorada com lipoma, lipomielomeningocele, diastematomielia e filo terminal espessado (HOLLY E. KORSVIK e MARC S. KELLER, 1992). Seio dérmico dorsal é um trajeto fistuloso epitelizado, que conecta a superfície da pele com o canal medular. São geralmente encontrados na linha média, mas podem estar presentes na linha paramediana. (HOLLY E. KORSVIK e MARC S. KELLER, 1992). O seio dérmico origina-se de uma área focal de não disjunção do ectoderma cutâneo em relação ao ectoderma neural durante a fase de neurulação. A ecografia pode demonstrar o trato, hipoecóico ou hiperecóico, estendendo-se da superfície da pele até os tecidos moles subcutâneos (MARILYN J. SIEGEL, 2003). Lipomielomeningocele é um disrafismo espinhal em que o lipoma invade o saco dural, podendo envolver as raízes nervosas e o cone medular (Siegel). Nesta anormalidade a medula é baixa e ancorada pelo lipoma (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). Diastematomielia constitui uma forma de disrafismo na qual a medula ou filo é dividido em duas unidades, separados por um septo fibroso ou ósseo. Marcadores cutâneos na região lombossacra estão presentes em 3% dos recém-nascidos e destes, 3 a 8% apresentam DEO. Múltiplos marcadores em combinação são mais comumente associados com DEO (4). Algumas lesões são claramente associadas com DEO: lipomas, sinus dermóide e apêndice semelhante a uma “cauda”. Um apêndice de pele semelhante a uma cauda é uma condição muito rara e usualmente consiste em um lipoma ou lipomielomeningocele oculta (SINGH, BASANT KUMAR e BAGARIA, 2008). A ultrassonografia (USG) tem sido utilizada na avaliação do canal espinhal desde a década de 1980 (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). Entre as indicações deste método diagnóstico incluem-se lesões medulares traumáticas (P., P, et al., 1994); uso intra-operatório em cirurgias do trauma e tumores medulares ( (F., G., et al., 2000); uso pré-operatório e evolutivo em pacientes com disrafismos espinhais (J., M. e E, 1996); diagnósticos dos DEO ao nascimento. A ossificação incompleta dos elementos posteriores das vértebras mais caudais em crianças de até 5 ou 6 meses de idade, oferece uma boa janela acústica para a visibilização do conteúdo do canal vertebral e estruturas ósseas (HOLLY E. KORSVIK e MARC S. KELLER, 1992). A ecografia é considerada um método efetivo, não invasivo, de baixo custo e desempenha um papel crítico no diagnóstico ou na exclusão de DEO ao nascimento (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004) A anatomia normal da medula espinhal no exame ecográfico, apresenta-se hipoecogênica, levemente mais ecogênica que o liquor que a cerca, sendo sua superfície bem delimitada em todo o seu trajeto (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). O cone medular é normalmente encontrado entre T12 e L23; quando o cone medular atinge o corpo de L3 considera-se de nível baixo (HOLLY E. KORSVIK e MARC S. KELLER, 1992). A cauda equina é reconhecida como um emaranhado de linhas ecogênicas que partem da superfície ventral e dorsal do cone medular e tendem a assumir a posição mais ventral; o filo terminal pode ser diferenciado destas fibras (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). Achados ecográficos sugestivos de DEO incluem posição baixa do cone medular, cone medular bulboso, filo terminal espesso, fixação dorsal da medula, e perda do movimento de pulsatilidade cardiorrespiratória da medula (ROBINSON, RUSSELL e RIMMER, 2005). (Figura 1) Figura 1: Canal medular com aspecto ecográfico normal. Observa-se o cone medular afilado e a cauda equina (linhas ecogênicas). PACIENTE E MÉTODO Recém-nascido I.O.J., 5 dias, sexo feminino, encaminhado para realização de USG transfontanelar e de coluna , em decorrência de estigma cutâneo na região lombar. Ao exame físico recém nascido apresentava na linha média, em região lombossacral, apêndice de pele semelhante a uma cauda de aproximadamente 2 cm de comprimento associada a mácula cutânea violácea, polidactilia em mãos e pés e não apresentava alterações no exame neurológico prévio (Fig. 2 e 3). Figura 2: Estigmas cutâneos: Apêndice de pele semelhante a uma cauda e mácula violácea Figura 3 : Polidactilia em mãos e pés O exame ultrassonográfico foi realizado com equipamento Medison modelo X8, com transdutor linear multifrequencial (5-12MHz). Foram obtidas imagens nos modos B e Doppler. Inicialmente paciente foi posicionado no colo materno para realização do USG transfontanelar e posteriormente posicionado em decúbito ventral para realização da USG de coluna. Realizaram-se varreduras nos planos longitudinal e transversal, com objetivo de avaliar minuciosamente a contiguidade com o canal medular, avaliação do contorno e posição da medula espinhal bem como da musculatura para espinhal e pele sobrejacente. Os achados ecográficos A ultrassonografia transfontanelar não constatou nenhuma alteração. Ultrassom de Coluna (Fig. 4, 5, 6, e 7 ): • Descontinuidade dos folhetos ósseos posteriores na projeção de L5 e S1 com formação sólida intracanal, de margens não circunscritas e interior hiperrefrigente heterogêneo, aderida ao segmento distal do cone medular. • Cone medular estendendo-se além de corpo de L3. O exame foi concluído com as seguintes hipóteses: Defeito do Canal Medular na região do estigma cutâneo, medula ancorada, formação sólida intra-canal medular com aparente invasão periférica contínua com a medula (lipoma?). Figura 4: Cone medular estendendo-se até as vértebras sacrais com dilatação distal (lipoma) Figura 5: Formação solida hipoecóica no interior do canal medular A B Figura 6: Imagens ultrassonográficas obtidas em cortes transversais da coluna lombar alta (imagem A) e baixa (imagem B). Observa-se descontinuidade dos folhetos ósseos posteriores na figura B (seta ). L5 Figura 7: Cone medular espessado e situado em plano baixo “ancorado” Paciente prosseguiu investigação com realização da Ressonância Magnética (RM) da Coluna Lombossacra (fig. 9), com a seguinte resultado: • “Defeito de fusão posterior da coluna sacral, notando herniação com menos de 1 cm de extensão posterior com conteúdo de meninge, líquor bem como estruturas nervosas ao nível de S1 (mielomeningocele), que se comunica com fino pertuito de cerca de 1,5 cm de extensão até o nível da pele. Este achado é compatível com sinus dermóide; • sinais de medula presa com cone medular baixo, até o nível de S1, associado a imagem posterior apresentando hipersinal em T1 e T2, compatível com lipoma, que também apresenta herniação junto à mielomeningocele referida; • nota-se ainda hidromielia cental ao nível de L3 e L4; • corpos vertebrais alinhados, com morfologias, contornos, alturas e sinais preservados; • discos intervertebrais com alturas e sinal preservados, sem evidências de hérias, protusões ou abaulamentos; • forames de conjugação com amplitudes conservadas.” Figura 9: Ressonância Magnética da coluna lombossacra : As setas indicam defeito aberto do canal medular na região lombossacra. DISCUSSÃO Os casos de disrafismo espinhal são raros, mesmos naqueles recém-nascidos com estigmas cutâneos. Em três estudos prospectivos encontrados na literatura a maior incidência relatada, em uma população avaliada de 2010 pacientes, foi de 7,2% (144) recém nascidos que apresentavam estigmas cutâneos e destes somente 5,5% (8) foram diagnosticados com DEO (HENRIQUE, FILHO, et al., 2004). Alguns estigmas têm comprovadamente maior risco para DEO como fossetas sacrococcígeas profundas ou atípicas, hemagiomas, aplasia cutânea, massas subcutâneas e lesões cutâneas exofíticas como caudas e tufos de pelos. Outro grupo de risco é a presença de múltiplos estigmas (KRISS e DESAI, 1998). O caso relatado apresentava grande probabilidade de apresentar DEO. Outras associações descritas também estão presentes neste caso como uma maior incidência no sexo feminino e a etnia caucasiana. O diagnóstico precoce dos disrafismos espinhais é muito importante para minimizar as sequelas que ocorrem naqueles pacientes não diagnosticados antes do estirão de crescimento que poderão sofrer distúrbios neurais pela isquemia medular e a USG constitui o principal método de rastreamento. A USG é um exame rápido, seguro, não invasivo e de baixo custo que apresenta boa correspondência com os achados de RM. Este método deve ser realizado em todos os pacientes com resultado positivo ou inconclusivo na ecografia para confirmação do diagnóstico e planejamento cirúrgico, como relatado neste caso em que os achados ultrassonográfico foram plenamente confirmados pela RM. A USG também pode avaliar no mesmo tempo outras alterações do sistema nervoso central, como ventriculomegalia através do exame transfontanelar. CONCLUSÃO O diagnóstico precoce dos Disrafismos Espinhais Ocultos previne a disfunção neurológica progressiva decorrentes destes, contudo sua detecção em neonatos é difícil pois os sinais neurológicos nos mesmos não são aparentes. Devido a possibilidade de sequelas irreversíveis com a demora do diagnóstico, um método de rastreamento para pacientes com alto risco de DEO faz-se necessário (KRISS e DESAI, 1998). A USG de alta resolução constitui rápido e acurado método para triagem de lesões disráficas ocultas . A instabilidade térmica, a necessidade de sedação e o seu custo alto contribuem para a impraticabilidade do rastreamento pela RM, reservando para esta a constatação de achados anormais, achados equivocados ou quando a maturação normal do esqueleto limita a visibilização do canal medular (HOLLY E. KORSVIK e MARC S. KELLER, 1992). O uso da USG de medula e coluna vertebral serviu como exame de rastreamento para disrafismo espinhal oculto e a RM foi o método utilizado para a confirmação diagnóstica. A USG deve ser realizada em pacientes com achados físicos suspeitos (estigmas cutâneos, anormalidades congênitas ou alterações neurológicas), com o objetivo de triar DEO, e evitar os diagnósticos tardios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • B., A. G.; A., F. M.; M., M. G. Meningomyelocele and related disorders. Neonatology, Philadelphia, n. 4ª, p. 1160-1161, 1991. • B.N., R. et al. The tethered spinal cord: diagnosis by high-resolution real-time ultrasound. Radiology, n. 149, p. 123-128, 1983. • D., A. Congenital Malformations of the spine. Top Magn Reson Imaging, n. 5, p. 131-141, 1993. • DAVID GUGGISBERG, MD; SMAIL HADJ-RABIA, MD; CAROLINE VINEY, MD; CHRISTINE BODEMER, MD, PHD; FRANCIS BRUNELLE, MD; MICHEL ZERAH, MD, PHD; ALAIN PIERRE-KAHN, MD; YVES DE PROST, MD; DOMINIQUE HAMEL-TEILLAC, MD. 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