LUGAR DO PASSADO, LUGAR DO PRESENTE

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LUGAR DO PASSADO, LUGAR DO PRESENTE
XIV SIMGeo
Simpósio de Geografia da UDESC
2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, DINÂMICA DAS
CIDADES E PAISAGENS
LUGAR DO PASSADO, LUGAR DO PRESENTE: vivências, memórias e
significados múltiplos num antigo bairro em São Luís-MA
Luiz Eduardo Neves dos Santos1
Resumo
O texto apresenta uma discussão sobre a percepção e vivência no espaço-tempo dos
habitantes no/do bairro do Monte Castelo em São Luís no que tange ao seu entorno.
Procura-se descrever e analisar a paisagem do bairro, chamado no início de Areal, a partir
da memória de seus moradores e da interpretação do que designo de imagens-símbolo
construídas por eles no lugar, ensejando a produção de diversos significados.
Palavras-chave: memórias, lugar, areal, monte castelo, imagens-símbolo.
Abstract
The text presents a discussion about the perception and the way of life in the space-time of
the inhabitants in the/of the neighborhood of the Monte Castelo in São Luís, in that it refers
to it’s area. It is looked for describe and to analyze the landscape of the neighborhood,
called in the biginning of Areal, from the memory of it’s inhabitants and of the
interpretation of assign of symbol-images, constructed by them in the place, trying the
production of several meanings.
Key-words: memories, place, areal, monte castelo, symbol-images.
Introdução
Atividade característica dos seres humanos, o ato de rememorar era atribuído
pelos antigos gregos a Mneme (ou Mnemósina) – A Memória. Seduzida por Júpiter, deu à
1
Mest e e Dese volvi e to “o ioe o
i o e P ofesso Assiste te A da U ive sidade Fede al
do Maranhão, Campus Grajaú. E-mail: [email protected]/[email protected]
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luz a nove filhas chamadas de Musas. Era filha do céu e da terra e irmã do tempo, sendo a
responsável por unir os lados do abismo que existia entre passado e presente, levando o
homem ao conhecimento pleno de suas raízes ancestrais.
Manter vivo os laços com o passado é uma tarefa cada vez mais importante nos
dias atuais, visto que a sociedade em que vivemos é cotidianamente atingida por
informações e imagens de todo o gênero. Não há como processar e assimilar toda esta
quantidade de informações e imagens, sendo apenas algumas filtradas pelos indivíduos.
Trazendo o mito para a realidade atual, observa-se que a Mnemósina teria dificuldade em
realizar sua tarefa, já que passado e presente se distanciam ininterruptamente, pois “hoje
[...] é o presente que assume todo o espaço e se dá como representação global do tempo
[...] que se substitui à profundidade da duração” (SUE, 1994 apud SANTOS, 2002, p. 329).
Ou seja, o sujeito urbano “preso” em meio às imagens e objetos de diversas ordens, perde
alguns de seus principais referenciais pretéritos.
Sendo assim, a memória a partir dos relatos orais torna-se importante
ferramenta metodológica para estudos de ordem histórica, geográfica e antropológica no
que tange a indivíduos e lugares. Durante décadas este tipo de pesquisa teve pouca
aceitação no meio acadêmico, pois aparentemente não se baseavam em métodos que
resultassem numa comprovação “lógica”, em elementos quantificáveis e em dados
“empíricos”. Certeau, Giard e Mayol (1996) já disseram que as ciências sociais analisaram
os estudos sobre a oralidade classificando-a em termos de “cultura popular”, mas que na
realidade são fundamentais em nossa cultura urbana e moderna. Os estudos orais ainda são
“tidos como ilegítimos ou negligenciáveis pelo discurso acadêmico da modernidade (...) a
oralidade está em toda parte, por que a conversação se insinua em todo lugar; ela organiza
a família, a rua, o trabalho...” (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p. 335).
Os relatos orais passaram a adquirir maior destaque na medida em que se
percebeu que os mesmos possibilitam analisar representações simbólicas socialmente
construídas no tempo e no espaço. A oralidade constitui “espaço essencial da comunidade,
pois, numa sociedade não existe comunicação sem oralidade, mesmo quando a sociedade
dá grande valor à escrita para a memorização da tradição e circulação do saber”
(CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p. 336). O espaço representado pela paisagem e
pelo lugar tem sido modificado numa velocidade alucinante. Para Lowenthal (1985 apud
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HOLZER, 1996 p. 115), “a memória é matéria-prima, é inescusável, ela se refere ao
processo e os resíduos dos processos estão aí, na forma de artefatos ou de ambiente natural,
para serem revisitados, reaproveitados, reinterpretados”. Reside aí a importância dos
relatos orais para as ciências humanas, pois é a partir da memória que se pode recuperar
lembranças individuais e coletivas em relação ao passado, o que permite a descrição e
análise dos agentes transformadores da paisagem e as modificações nas relações sociais
presentes no lugar, sejam estes equivalentes à escala de um país, cidade ou bairro.
Ao resgatar as memórias de alguns moradores do bairro do Monte Castelo em
São Luís-MA, procurei perceber as relações que se estabeleciam em situações variadas,
conhecendo as especificidades de cada um, além de como estas pessoas construíram e
firmaram sua identidade no território. Sendo assim, o desejo aqui é tentar, sem maiores
pretensões, compreender “as atitudes, valores e motivações, em relação aos
comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos” (GASKELL, 2002, p. 65),
pois cada sujeito vive à sua maneira, participando de alguma forma da história do lugar.
Não pretendo afirmar que o relato oral é o único e o mais adequado método de
pesquisa, mas sim reivindicar sua relevância para determinados tipos de investigações.
Com relação à área de estudo – o bairro do Monte Castelo – as fontes orais foram
imprescindíveis, visto que existem poucas informações escritas sobre o objeto de estudo
proposto aqui. Por isso, foram realizadas conversas informais com alguns habitantes do
bairro, além de entrevistas registradas em áudio com a utilização de gravador e 2 (duas)
mini-fitas com 5 (cinco) moradores do bairro, sendo 3 (três) indivíduos idosos, 1 (um) do
sexo masculino, e 2 (dois) do sexo feminino e 2 (dois) da idade adulta do sexo masculino.
A coleta dos depoimentos não seguiu um roteiro inflexível com perguntas préestabelecidas. E os entrevistados falaram sobre suas vidas, suas lembranças da infância e
da juventude, contaram histórias no/do bairro, onde aconteceram suas vivências. No
entanto, cada um enfatizou assuntos específicos sobre o bairro. Os temas referem-se ao
início da ocupação da localidade, da estruturação da mesma, da árvore chamada de
barrigudeira, do Santuário da Conceição e do extinto Cine Monte Castelo. É conveniente
deixar claro que a pesquisa é baseada na representação social e não na teoria da
amostragem. Não é meu objetivo aqui obter um apanhado estritamente fiel do Monte
Castelo, mas um olhar sobre o bairro a partir da visão dos cinco entrevistados citados,
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entendendo como se deu suas vivências, suas alegrias, suas relações sociais, enfim, seu
cotidiano no lugar.
Do Areal ao Monte Castelo: memórias
A área de estudo, onde está assentado o atual bairro do Monte Castelo, passou
por profundas modificações no espaço e no tempo. Até o século XVIII, a malha urbana da
capital maranhense resumia-se ao Largo do Carmo, descendo para a Praia Grande e
Desterro (GOMES, 1988). Este crescimento deu-se de forma espontânea e aleatória, não
obedecendo a um plano pré-estabelecido, causando uma grande diferença entre suas ruas e
edificações. A cidade de São Luís apresentava uma população de aproximadamente 30.000
habitantes nos fins do século XIX, momento no qual localizamos as primeiras menções
sobre a localidade denominada até então de Areal2 e inserida nos seus arredores rurais.
A questão principal que explica o surgimento da localidade é o fato desta estar
situada às margens do antigo caminho grande3, que se constituía como a passagem mais
acessível por terra do Centro da cidade para as áreas interioranas da ilha e do Estado. Esta
antiga estrada passou a abarcar um fluxo maior de pessoas quando em 1871 passou a
funcionar em São Luís o transporte à base de tração animal, instalada pela Companhia
Ferro Carril, que anos mais tarde instalaria também estradas de ferro, representada pelo
transporte em bondes e trens, atingindo com mais facilidade áreas suburbanas.
De acordo com Ribeiro Júnior (2001, p. 89), “entre os anos de 1930 a 1970, a
cidade de São Luís recebeu milhares de migrantes vindos do campo, fazendo com que as
áreas da Avenida Getúlio Vargas (parte do antigo caminho grande) fossem ocupadas” mais
intensamente. Destacam-se as localidades do Areal (atual bairro do Monte Castelo), Retiro
Natal, Matadouro (atual bairro da Liberdade), Cavaco (atual bairro de Fátima), João Paulo,
2
Segundo os moradores mais antigos do bairro entrevistados, a denominação Areal advém do fato de ter
existido neste local uma grande quantidade de areia, que se estendia desde o leito maior do rio Anil (devido
ao processo de sedimentação) até as partes topograficamente mais altas.
3
Antiga estrada que se confundia com a Avenida Oswaldo Cruz (também muito conhecida como
Rua Grande), situada no divisor de águas entre o Anil e o Bacanga. Esta ligava a antiga zona
urbana da cidade às áreas mais distantes da Ilha do Maranhão, possuindo muitas quintas e
chácaras ao longo de seu percurso.
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Filipinho, Anil, entre outras. A partir da década de 1970 e 1980, com a construção da ponte
José Sarney e da Barragem do Bacanga, a cidade se expande para outras áreas,
possibilitando o surgimento de uma série de conjuntos habitacionais e novos bairros.
Os bairros surgidos a partir do eixo Centro-Anil (extinto caminho grande),
dentre eles o Monte Castelo, cresceram e se desenvolveram de forma espontânea. Por isso,
a ocupação da área estudada nesta pesquisa foi lenta até as três primeiras décadas do século
passado, sendo representada apenas como um elo entre o Centro e as áreas mais afastadas
da ilha, caracterizando-se como um local de passagem. Pode-se afirmar que houve uma
ocupação mais intensa a partir do quarto decênio do século XX, em decorrência do
aumento populacional em virtude do intenso êxodo rural como conseqüência da
industrialização, das transformações nos transportes e, por fim, da construção da Avenida
Getúlio Vargas.
A pesquisa teve como ponto de partida o depoimento da Srª Leontina Lemos
residente no bairro desde o ano de 1927. Ela relata um pouco da história de sua chegada ao
Areal:
Eu vim pra cá pra esse bairro com onze anos, meu pai comprou a primeira casa
numa rua que chamava na época Bom Gosto, e com doze anos meus pais se
mudaram para o sítio do Bessa. Aqui não tinha muita coisa, era tranqüilo, calmo,
tinha muita árvore e terra, animais, pássaros... (ENTREVISTADA 01) 4.
A partir das palavras citadas, percebe-se ainda que o Areal possuía a
“monotonia” como característica, o que não significa dizer que o lugar era desprovido de
situações conflitantes, mas um lugar marcado por um tempo “lento”, um cotidiano ditado
pelo movimento vagaroso da localidade. O antigo caminho grande possuía ao longo de seu
percurso uma imensa quantidade de quintas e chácaras. Como esta estrada passava pelo
Areal, podiam-se observar também muitos sítios e chácaras situadas ao longo do seu
trajeto, confirmado pela Srª Leontina Lemos:
4
Leontina da Silva Lemos, aposentada e viúva. Nasceu em São Vicente Ferrer-MA no dia 23 de
maio de 1916, com dois meses de vida veio para São Luís com seus pais. É uma das moradoras
mais antigas do bairro, sendo bastante lúcida. Possui ainda um grande conhecimento sobre ervas
edi i ais e é ha ada a i hosa e te pelos ais ovos de vov Lili . E t evista ealizada os
dias 28 e 29/04/2010).
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Aqui tinha diversos sítios, como o sítio do Bessa, o sítio do Bom Gosto, o sítio
do Arthur Góes que tinha uma fábrica de azeite e sabão e ficava próximo a maré.
O sítio mais conhecido era o Dois Leões, onde hoje é o hospital Nina Rodrigues.
Muita gente passava pelo caminho grande e ficava maravilhado com os sítios
(ENTREVISTADA 01).
Nota-se a grande importância desses sítios para o lugar, isto porque, quando
pessoas se dirigiam à localidade através de bondes ou a cavalo, lembravam das
denominações dos sítios ou dos proprietários destes, que serviam como pontos de
referência para a sua localização. Vale ressaltar que muitos desses sítios abrigavam e
acolhiam viajantes que passavam pelo local. Desse modo, haviam muitas propriedades,
representadas por quintas e chácaras, ao longo do Areal, que serviam como identidade para
o lugar, funcionando como espécies de símbolos5 típicos de uma área ainda pouco habitada
e de paisagem rural.
Exemplos bem ilustrativos disso eram as propriedades já citadas pela Srª.
Leontina, chamadas de Bom Gosto e Dois Leões. A primeira estava situada onde hoje no
bairro se encontra parte da rua Olavo Bilac e o Hospital Sarah Kubitschek e a segunda de
acordo com a entrevistada, localizava-se onde hoje é o Hospital Psiquiátrico Nina
Rodrigues, clínica existente desde 1939, quando o sítio Dois Leões foi comprado pelo
governo do Estado para o tratamento de doentes mentais. Já nos finais do século XIX,
Dunshee de Abranches já citava as localidades do Bom Gosto e Dois Leões, além do
próprio Areal:
Daí por diante, fomos forçados apressar a marcha dos animais para alcançar ao
nascer do sol o Cutim do Padre. Transpondo o Dois Leões, famoso pelas danças
de Bumba-Meu-Boi e bailes de Bate-Chinela, tivemos de afrontar o Areal do
Varela, difícil trecho da estrada, onde nascia o caminho do Bom Gosto, bela
propriedade do Comendador Leite, e a ladeira áspera que terminava ao alto,
quase na entrada do sítio do Dr. Maia. (ABRANCHES, 1959, p. 20).
Pelo exposto, fica claro que o Areal caracterizava-se como um local de
passagem obrigatória para indivíduos que se dirigiam do Centro da cidade de São Luís para
áreas mais afastadas da ilha e para o interior do Estado do Maranhão. As palavras de
5
Tomo o conceito de símbolo de Gustav Ju g
6 , p.
, pa a ue sí olo é u te o, u
nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária embora possua
o otaç es espe iais alé do seu sig ifi ado evide te e o di io al .
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Abranches revelam a dificuldade na viagem ao passar pelo que ele chamava de Areal do
Varela, ficando claro ainda as referências às denominações tanto aos sítios quanto aos
nomes dos proprietários deles. Neste sentido, referindo-se às chácaras e quintas do
caminho grande, Vieira Filho (1971, p. 145) afirma que haviam “belas propriedades de
árvores frutíferas e jardins aprazíveis encontradas ao longo de seu percurso, como as
quintas de Manuel Inácio, a dos Abranches, o São Raimundo, o Timon, o Britânia, a
chácara Dois Leões, dentre outras”.
A Srª. Leontina Lemos ainda conta um pouco sobre sua infância no Areal,
dando ênfase ao seu cotidiano: “aqui era muito tranqüilo nesse tempo, eu brincava com
minhas irmãs e as vizinhas no sítio que eu morava. Banhava no rio, subia nas árvores,
apanhava fruta no pé, brincava de pega-pega” (ENTREVISTADA 01). É notável ainda que
o lazer da infância se processava nos limites da casa e/ou dos sítios. Para Ecléa Bosi, “a
casa é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas as direções”
(BOSI, 1999, p. 434). Neste tempo, relatado pela Srª. Leontina, a paisagem natural se
sobressaía, sendo mais aberta a múltiplas aventuras para quem usufruía dela.
A paisagem relatada pela entrevistada remete-nos ainda a um passado bem
vivo na memória dos indivíduos mais velhos. Percebe-se ainda, no depoimento, a perda de
seu universo próprio, cujas lembranças se ligavam a imagens que ficaram num passado
distante e que ao longo dos anos foram extintas pelo processo de urbanização, com a
inserção de novas imagens.
Durante as décadas de 1930 e 1940 houve uma série de reformas urbanas
projetadas pelo poder público em São Luís. Com a construção da Avenida Getúlio Vargas
(pavimentação de parte do caminho grande) em 1939, houve a substituição de muitos sítios
e chácaras por moradias. Nos finais da década de 1940, o nome Areal é substituído pela
denominação de Monte Castelo através da Lei Municipal nº. 94 de 25/03/1949. A nova
identificação foi uma “homenagem ao feito das Forças Armadas do Brasil em território
italiano, na batalha de 25/02/1945” (SANTOS, 1991 apud LIMA, 2002, p. 219). Como se
vê, “nomear os lugares é [também] impregná-los de cultura e de poder” (CLAVAL, 2001,
p. 202). Para Yi Fu Tuan “dar nome a um lugar é dar seu explícito reconhecimento, isto é,
reconhecê-lo conscientemente ao nível da verbalização” (TUAN, 1975 apud LEITE, 1998,
p. 12). Houve uma transição não apenas de nomeação, mas também de metamorfose do
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espaço, já que este lugar perdia suas características rurais e se assemelhava cada vez mais à
paisagem do Centro da cidade. De acordo com os depoimentos recolhidos na pesquisa, esta
nova denominação demorou algum tempo até que fosse incorporada definitivamente ao
cotidiano.
Durante as últimas décadas, tanto a paisagem, quanto às relações sociais no
bairro mudaram sensivelmente. Até o primeiro terço do século XX era evidente que os
poucos habitantes do Areal estavam acostumados aos mesmos objetos, mesmos percursos,
mesmas imagens, com um universo próprio e às vezes autêntico de uma sociedade local.
Nos últimos tempos, com o advento da urbanização, não somente no bairro, mas na cidade
como um todo “o movimento se sobrepõe ao repouso” (SANTOS, 2002, p. 28), pois
vivemos um tempo de incertezas e transformações e a mobilidade é uma característica
irrefutável. Parafraseando Santos (2002), não basta falar apenas de mudanças, mas de
vertigem.
As imagens-símbolo: penetrando no bairro
Pode-se dizer que no bairro existem imagens bem características presentes em
sua paisagem, imagens que funcionam como verdadeiros símbolos e servem como pontos
de atração e interação entre indivíduos que participam ativamente do seu cotidiano. Os
vários tempos vividos de uma cidade, e de seus bairros, estão impregnados nas imagens de
seu espaço físico, de seus lugares históricos e nas imagens elaboradas por aqueles que
imaginam e sonham a memória do tempo que se foi.
A paisagem urbana, representada pela imagem e transformada em símbolo é
um desafio, uma instigação, um convite que vai além da superficial aparência apreendida
pela visão, traduzindo-se como uma forma que os indivíduos possuem de atribuir-lhes
significados múltiplos na vivência cotidiana. O bairro do Monte Castelo apresenta o que
chamo aqui de imagens-símbolo6 em seu espaço, refletindo uma paisagem rica e
diversificada, sendo constantemente experenciada pelos seus moradores ao longo dos anos.
6
Tal conceito não constitui uma novidade, mas é atribuído ao fato de que existem determinadas
imagens (mentais e/ou cotidianas) que podem tornar-se sí olos quando se tornam familiar
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Merece atenção, a presença de uma imagem-símbolo bem evidente na
paisagem de São Luís e do bairro, denominada de Sumaúma (árvore típica de regiões
tropicais e equatoriais) e conhecida popularmente com o nome barrigudeira, que apresenta
um tronco de enorme diâmetro. Segundo documentos do Departamento do Patrimônio
Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHAP-MA), sua idade é estimada em
200 anos, no entanto existe uma controvérsia em relação ao seu tempo de vida, havendo
uma concordância de opiniões entre os moradores mais antigos entrevistados de que ela
possui perto de 3 (três) séculos de existência.
A barrigudeira adquiriu um grande significado à custa de um intenso processo
de urbanização, verificado principalmente nas zonas próximas ao Centro de São Luís. Em
virtude da expansão urbana e da retirada indiscriminada de vegetação na ilha, houve no
final da década de 1980 o tombamento de algumas espécies de árvores na cidade, incluindo
a barrigudeira do Monte Castelo.
O Sr. João Raimundo Filho, morador do bairro há 51 anos, conta um pouco da
sua relação com esta imagem, dizendo que não consegue imaginar o Monte Castelo sem
esta espécie, e que gosta muito quando em determinada época do ano ela perde suas folhas
(ENTREVISTADO 02)7. Já a Srª Leontina relembra o tempo em que existiam outras
árvores da mesma espécie dispostas umas perto das outras, época na qual a linha do bonde
passava por debaixo delas no lugar onde hoje se situa a igreja da Conceição, a árvore
remanescente e a rua Odilon Soares (ENTREVISTADA 01).
A partir destes relatos, pode-se notar a relevância que este patrimônio possui
para o lugar, pois é um resquício de uma paisagem já destruída e que ficou para trás, mas
que indubitavelmente serve como referência na manutenção e reconstrução de identidades,
de t o de u a so iedade a po to de ult apassa seu se tido ge al e i ediato ELIADE,
6, p.
157). Destaco três imagens-símbolo no/do bairro: a árvore barrigudeira, o Santuário da Imaculada
Conceição e o já extinto Cine Monte Castelo. Sabemos ainda que estas não esgotam as
potencialidades de estudo na área.
7
João Raimundo Filho nasceu em 24 de Junho de 1922 na cidade de Senador Pompeu, estado do Ceará. É
aposentado do DER-MA (antigo Departamento de Estradas e Rodagens) e viúvo. Mudou-se sozinho para
São Luís em 1947 para trabalhar. Morou primeiramente nas ruas Cândido Ribeiro, São Pantaleão e das
Flores. Mudou-se para o bairro do Monte Castelo em 1954, residindo desde então na rua Newton Bello, que
na época chamava-se ‘o a . Possui filhas, se do u a adotiva. E t evista ealizada e
/ /
.
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sejam elas pessoais ou coletivas. A barrigudeira é, talvez, a imagem mais representativa do
Monte Castelo, pois resistiu bravamente ao veloz ritmo de crescimento do bairro nos
últimos 40 anos. Sua forma passa a impressão de um objeto vigoroso e indelével, seus
enormes troncos e raízes são testemunhas vivas de uma época em que São Luís “era outra
cidade”. Ela ainda cria ainda uma espécie de resistência8 a um determinado grupo de
idosos, que mantém bem vivo na memória uma paisagem que se foi. A recuperação desse
passado, das paisagens destruídas, por meio das lembranças compartilhadas desses
indivíduos, faz ainda deles um grupo disposto a instaurar uma reação, mesmo que discreta,
dando sentido e persistência ao lugar.
Outra imagem-símbolo destacada no bairro é o Santuário da Conceição. Esta
igreja localizava-se originalmente na Rua Oswaldo Cruz (local do atual edifício Caiçara)
desde o ano de 1762, tornando-se posteriormente sede paroquial em 1805. Na década de
1930 houve uma tentativa de reorganização espacial na cidade de São Luís. Muitos prédios
antigos foram demolidos em nome de uma “modernização”, além disso, havia uma linha
de bonde elétrico que passava ao lado da igreja, provocando assim alguns acidentes. Por
estas razões, Pedro Neiva, o então prefeito de São Luís e o Interventor Federal no
Maranhão à época, Paulo Ramos decidiram demolir a igreja no ano de 1939.
De acordo com o Jornal O Estado do Maranhão de 12 de Dezembro de 2004,
depois da demolição da igreja na Rua Grande, no final da década de 1930, foi doado um
terreno para a construção de uma nova paróquia consagrada à Santa, localizado no então
lugar chamado de Areal, às margens da recém-pavimentada avenida Getúlio Vargas
(ANTES, 2004). A Srª. Satira Magalhães, devota de Nossa Senhora da Conceição há mais
de 60 anos, destaca a importância da construção da igreja no Monte Castelo, afirmando
que: “quando a igreja veio pra cá foi muito bom, a comunidade em peso começou a
freqüentar a igreja, mesmo as pessoas que não eram devotas da Santa se engajaram nos
trabalhos da congregação” (ENTREVISTADA 03)9. Pode-se perceber com este relato a
8
Halbwachs (1990) propõe uma conexão entre o lugar, contido por um grupo e o seu significado,
destacando a existência de uma identidade construída no território ao longo do processo
histórico através dos vínculos sociais e das rememorações, criando uma espécie de concretização
da memória.
9
Satira Garcês Magalhães nasceu em São Luís do Maranhão em 17 de Abril de 1930; é aposentada e viúva.
“e p e o ou o ai o do Mo te Castelo, esidi do p i ei a e te u a ua ha ada de ‘o i ha
(atual rua 11 de Outubro) e depois se mudou para a rua dos Caranguejos (atual rua Manoel Beckman).
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importância que a igreja e a religião possuem para o território, pois são fundadoras de
identidades, além disso, elas exprimem-se através de símbolos, como por exemplo, a
própria estrutura física da paróquia, que passa a representar um lugar sagrado para seus
devotos, que a ela se dirigem com regularidade para orar, rezar e comungar.
Enquanto a igreja estava sendo construída, os fiéis reuniam-se na casa da
família Caldas, no local chamado Porto de Roma, às margens do rio Anil, localizado no
próprio Areal. Sua construção foi concluída em 1952 e foi feita com a ajuda de fiéis
através de doações, assim relatam os mais idosos do Monte Castelo. Sendo assim, “a
territorialidade é uma oscilação contínua entre, de um lado, o território que dá segurança,
símbolo de identidade, e, de outro, o espaço que se abre para a liberdade e às vezes para a
alienação” (BONNEMAISON, 1981 apud ROSENDAHL, 2003, 195). O território é o
lugar sagrado, e o espaço, que é dinâmico, representado por outras práticas da vida social.
Portanto, para Rosendahl (2003), é pelo território que se enraíza a ligação simbólica
existente entre cultura e espaço.
As missas aos domingos e dias santos possuem uma grande relevância para os
devotos de Nossa Senhora da Conceição, pois estes acreditam que, o assistir, interagir e
contribuir com o dízimo resulta na remissão de culpas e na obtenção de “tesouros
espirituais”. Neste sentido, a Srª. Satira afirma: “essa igreja pra gente é nossa vida, o
Monte Castelo venera Nossa Senhora da Conceição. Ela significa muito pra mim, já tive
muitas graças alcançadas e o dia que não vou a igreja me sinto mal” (ENTREVISTADA
03). A partir deste relato, pode-se afirmar que o território da igreja representa um lugar de
felicidade para os seus fiéis, sendo que a missa é uma prática simbólica essencial e de
enorme significação, pois de um lado está o aspecto físico da paróquia, sua forma, que é
sagrado para os devotos, e o do outro está a subjetividade, representada pela fé e
imaginário dos mesmos.
A elevação da igreja de Nossa Senhora da Conceição a Santuário reforçou
ainda mais a fé dos devotos. De acordo com o jornal O Estado do Maranhão de 12 de
Dezembro de 2004, a igreja foi fundada em 29 de Agosto de 1805 e reconhecida como
Possui filhos. Estudou o olégio da tia Madale a ap e de do a le e es eve aos
1951 no dia 20 de Abril na Igreja da Sé. (Entrevista realizada em 03/ 07/ 2010).
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a os. Casou-se em
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Santuário no fim de 2004, título concedido pelo então Arcebispo de São Luís Dom Paulo
Ponte (SANTUÁRIO, 2004). Com este título, a matriz de Nossa Senhora da Conceição
adquire importância na escala de Brasil, devido, sobretudo à sua tradição, vinculada ao
processo evangelizador na cidade de São Luís. Sabe-se ainda que esta paróquia recebe um
número cada vez maior de fiéis a cada ano, sempre no 8 de dezembro, dia da Imaculada
Conceição (ENTREVISTADA 03), sendo uma festa comemorada nas três Américas e em
alguns países europeus.
A última imagem-símbolo contemplada aqui é a do antigo Cine Monte Castelo.
Foi um dos primeiros cinemas ludovicenses situados fora do Centro da cidade. Sua
inauguração no início da década de 1960 causou grande alvoroço no bairro, “além de uma
enorme alegria e entusiasmo entre os moradores” (ENTREVISTADO 04)10.
O Sr. José de Ribamar M. dos Santos, morador do bairro há 55 anos, nos relata
um pouco sobre a sua relação com este espaço cinematográfico: “ia muito ao cinema
daqui, gostava de assistir os filmes de bang-bang, as sessões eram sempre cheias e
divertidas. A vinda do cinema pra cá foi uma grande novidade, já que na época não tinha
muita televisão por aqui” (ENTREVISTADO 04). O cinema constituiu-se como um fator
de atração para o bairro, muitos indivíduos de outros bairros dirigiam-se ao Monte Castelo
com o intuito de assistir aos filmes. Isto acarretou uma modificação na dimensão do lugar,
pois, as relações sociais, representadas principalmente pelos encontros, eram uma
constante na vida do bairro. Neste contexto, Claval (2001, p. 293), afirma que a “vida
social implica a organização das vias de circulação e dos espaços públicos”, permitindo
encontros, reencontros e desencontros, mobilizando os ginásios e estádios para a prática
esportiva, as missas e os cultos reunindo fiéis em igrejas e templos, os filmes em cinemas,
os espetáculos teatrais, entre outras formas de lazer.
José de Ribamar Everton Neto, habitante do bairro há 27 anos, destaca a
importância do Cine Monte Castelo, afirmando que este teve como principal característica
o fato de estar situado fora do eixo do Centro e destacou-se como um cinema das massas
mais pobres, funcionando como ponto de atração para indivíduos de lugares mais próximos
10
José de Ribamar Mendes dos Santos nasceu em São Luís do Maranhão em 28 de janeiro de 1951. Reside
na rua Manoel Beckman no Monte Castelo desde o seu nascimento. Estudou no Centro Federal de
Educação Tecnológica do Maranhão (CEFET-MA), possui o curso de técnico em laboratório. É casado e
possui quatro filhos. (Entrevista realizada em 09/11/2010).
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ao Monte Castelo (ENTREVISTADO 05)11. A partir destas palavras, percebe-se
claramente como o cinema exerceu um papel transformador no cotidiano do bairro. No
entanto, esta sala de espetáculos não permitiu um acesso tão fácil às pessoas de baixa
renda.
De acordo com os entrevistados mais velhos, alguns de seus conhecidos e
colegas nunca tinham visto um filme na vida, devido principalmente à falta do recurso
financeiro, mas com a inauguração do cinema no bairro conseguiram enfim, apesar da
dificuldade, conhecer a magia da “sétima arte”. Algumas pessoas economizavam dinheiro
a semana inteira para ir ver aos filmes no cinema. O Sr. José Mendes relata sua experiência
e dificuldade em entrar no cinema: “ia para a porta do cinema e comprava os bilhetes para
as pessoas que ficavam na fila, que era grande, com isso, cada pessoa me dava uma gorjeta,
aí eu conseguia juntar dinheiro e comprar minha entrada para assistir a sessão”
(ENTREVISTADO 04).
Durante muitos anos e de acordo com os entrevistados, o Cine Monte Castelo
foi sinônimo de diversão e alegria para indivíduos de todas as idades, funcionando ainda
como ponto de encontro entre amigos, namorados e familiares. Durante a década de 1970 e
1980 começara a se organizar em São Luís (de forma ainda que incipiente) uma cultura de
massas12, tão comum na atual geração e “indispensável ao reino do mercado, e à expansão
paralela das formas da globalização econômica, financeira, técnica e cultural” (SANTOS,
2000, p. 143). Atualmente no Brasil os cinemas concentram-se em “shoppings centers”,
não sendo isto mero fruto do acaso, visto que estes “lugares” têm por objetivo primacial a
prática e o estímulo ao consumo/consumismo.
11
José de Ribamar Everton Neto nasceu em 12 de outubro de 1978 em São Luís do Maranhão. Reside no
Monte Castelo desde os 2 anos de idade. Estudou nos colégios Santa Terezinha e Universitário (COLUN).
Possui formação em Ciências Sociais, adquirido na Universidade Federal do Maranhão, concluindo o curso
no ano de 2004. (Entrevista realizada em 04/10/2005).
12
A cultura de massas refere-se ao universo do consumo/consumismo, propiciado por empresas
transnacionais (Coca-Cola, McDonald’s, Disneyland, Hollywood, etc) que são verdadeiros símbolos de
identidade mercadológica, “contribuindo para uma deterioração das relações sociais que já não mais se
encontram centradas na tradição e na cultura nacional, mas sim numa cultura padronizada presente nos quatro
cantos do mundo” (ORTIZ, 2000, p. 122).
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Nos fins dos anos 1990 o cinema do bairro foi extinto, não suportando a
competição com empresas cinematográficas maiores e mais bem estruturadas. Outro fator
que contribuiu para a sua extinção foi a própria transformação da realidade dos moradores
do Monte Castelo, que começaram a buscar esta e outras formas de lazer e diversão para
fora dos limites do bairro. Hoje, o antigo cinema abriga uma igreja evangélica.
Apesar de não mais existir naquele local, o seu prédio ainda funciona como
forte ponto de referência, impregnado no imaginário e na lembrança de muitos moradores e
de sujeitos de outras partes da cidade, que o reconhecem quando ouvem falar em seu
nome. Sendo assim, o extinto Cine Monte Castelo ainda possui um papel relevante no que
tange à localização no/do bairro. Para Santos (1997, p. 70), a paisagem pode conter formas
“viúvas” e “virgens”, onde as primeiras esperam serem reutilizadas e as segundas são
criadas para receber novas funções. O extinto cinema se traduz como forma “viúva”,
abrigando outra função, que não mais de espaço cinematográfico. O mesmo autor
denomina de rugosidade, “ao que fica do passado como forma, espaço construído,
paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição com que as
coisas se substituem e acumulam em todos os lugares” (SANTOS, 2002, p. 140). A partir
das palavras do autor pode-se afirmar que o extinto cinema é uma rugosidade presente na
paisagem do bairro e na memória de muitos indivíduos que ali moram e o (re)conhecem,
pois “em cada lugar o tempo atual, se defronta com o tempo passado, cristalizado em
formas” (SANTOS, 2002, p. 140). Sua forma e imagem são uma espécie de marca
registrada, enraizada no bairro e que, se preservada, permanecerá ainda por muitos anos no
imaginário dos moradores do local.
Considerações finais
A urbanização verificada ao longo do século XX na cidade de São Luís
transforma a velha cidade, antes pequena e provinciana, numa grande aglomeração. Esta
mudança acontece não apenas no âmbito quantitativo, mas, sobretudo, transforma-se em
aspectos qualitativos. Os habitantes da cidade, por sua vez, possuem muitas maneiras de
apreciá-la.
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Como lugar da percepção, a cidade oferece incessantemente novos objetos de
captação para os sentidos. Os bairros aparecem, assim, como característica marcante dessa
expressão urbana. As lembranças são quase sempre evocadas pelos mais idosos, que em
geral sentem falta de um ambiente que foi sendo gradativamente apagado pelas novas
construções e pelo incremento de novas imagens.
Por isso, a cidade e o bairro consomem o sujeito da percepção e o projeta nos
recônditos de sua memória, que é “apontada como cimento indispensável à sobrevivência
das sociedades, o elemento de coesão garantidor de permanência e da elaboração do
futuro” (SANTOS, 2002, p. 329). O bairro, como parte inerente da cidade, abrange os
diversos agentes que participam de seu desenvolvimento e lhe atribuem significações
múltiplas. A partir das “conversas” com os cinco moradores, e pela própria vivência que
tenho no lugar, percebi que os habitantes do bairro do Monte Castelo possuem diversos
sentimentos em relação ao ambiente onde vivem,
traduzidos sobretudo a partir da
fascinação e da satisfação. O que pude verificar foi um forte sentimento de apego ao bairro
por parte de alguns de seus moradores, apesar de se observar nos últimos anos uma
mudança nesta concepção.
É notável a diferença entre o Areal de paisagem rural, de poucos habitantes, de
tempo “lento”, de sítios e chácaras e o Monte Castelo, bairro urbanizado, de tempo
acelerado, repleto de objetos e imagens em sua paisagem. Pude perceber que esta variação
não se deu apenas na forma toponímica, mas também no que tange as relações sociais e na
própria maneira dos indivíduos se relacionarem com as imagens-símbolo, que em certa
medida contribuem para a manutenção de um enraizamento identitário entre os mais idosos
no lugar. Por isso, é através das ações e das suas possibilidades que os lugares se
constroem e se renovam, sendo compostos de uma carga simbólica, relacionando
materialidade e subjetividade. O bairro indubitavelmente abrange formas e sujeitos
diversos, que possuem uma relação muito íntima com o lugar. Portanto, o bairro do Monte
Castelo, para o sujeito ou para o grupo, permanece como lugar das experiências, da
multiplicidade de sentidos, das lembranças, das percepções, que são representadas por um
movimento dialético constante da espaço-temporalidade.
BIBLIOGRAFIA CITADA
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