Crianças Que Atravessam Fronteiras na África Austral

Transcrição

Crianças Que Atravessam Fronteiras na África Austral
Seminário Regional sobre as
Crianças Que Atravessam
Fronteiras na África Austral
Joanesburgo, 2009
Convocado por Save the Children UK, em colaboração com a Universidade de
Witwatersrand, Programa de Estudos sobre Migração Forçada
25 a 27 de Maio de 2009, em Joanesburgo, África do Sul
Financiamento de Irish Aid com apoio adicional de USAID
UK
Lista de Acrónimos e Abreviaturas
AU
CSO
DRC
FIFA
FMSP
INGO
ISS
NGO
OVC
OVCY
SABC
SADC
SAFM
UK
UN
USAID
União Africana
Organização da Sociedade Civil
República Democrática do Congo
Fédération Internationale de Football Association
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Organização não governamental internacional
Segurança Social Internacional
Organização não governamental
Crianças órfãs e vulneráveis
Criança e jovem órfão e vulnerável
Corporação Emissora de Rádio e Televisão da África do Sul
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
Rádio sul-africana FM
Reino Unido
Nações Unidas
Agência Nor te-Americana para o Desenvolvimento Internacional
Agradecimentos
Save the Children UK e o programa de Estudos sobre Migração Forçada desejam
expressar a sua gratidão às seguintes organizações, agências e indivíduos:
Às crianças que par ticiparam no workshop e que tão aber ta e generosamente
par tilharam as suas histórias e pensamentos com os par ticipantes e membros da
comunicação social. Agradecemos ainda a Johanna Kistner, do Projecto Suitcase,
e a Glynis Clacher ty, assim como aos facilitadores, tendo todos eles viabilizado a
par ticipação das crianças num workshop marcante e esclarecedor.
A Kaajal Ramjathan-Keogh, de Advogados para os Direitos Humanos, que presidiu ao
seminário.
Aos facilitadores e relatores dos grupos de trabalho, em especial a Chris Bjornestad,
que foi responsável pela coordenação dos grupos de trabalho e facilitadores.
A Ingrid Palmar y e Stanford Mahati, do Programa de Estudos sobre Migração
Forçada, pela sua colaboração, contributo e apoio em muitas áreas.
Ao comité consultivo do seminário: Kirk Felsman (USAID), Anne Anamela (Irish Aid),
Ingrid Palmar y (FMSP) e Yukiko Kumashiro (IOM) pelo seu apoio técnico.
A Irish Aid e Anne Anamela (Conselheira Regional para HIV e SIDA) pelo apoio
financeiro e técnico.
A USAID e Kirk Felsman (Conselheiro Técnico Superior da OVC, em Pretória) pelo
apoio financeiro e apoio técnico adicionais.
Revisão de Lucy Hillier, Save the Children UK
Produção de Rodney Knotts, Save the Children UK
Publicado por Save the Children UK
www.savethechildren.org.uk
© Save the Children 2009
Design e arranjo gráfico de PR/NS
www.prinsdesign.co.za
Conteúdos
Introdução
4
Pontos Altos Do Workshop Das Crianças 5
- O Workshop Das Crianças - Declaração Das Crianças Em 25 De Maio De 2009
Estabeleber Novo Quadro De Referência Para As Crianças Que Se Deslocam
6
Processo Do Seminário 6
Observações Sobre Áreas De Preocupação E Áreas Em Foco, Resultantes Das
Sessões Temáticas Dos Grupos De Trabalho
8
- Acesso Aos Serviços: Incluindo Saúde, Educação, Apoio Psicossocial, Serviços Jurídicos,
Serviços Sociais E Assistência Advocacia: Incluindo A Sensibilização Da Comunidade, Políticas E Legislação, Obtenção
De Informação
11
Prevenção De Formas De Trabalho Infantil E Explorador 14
Protecção De Crianças Que Se Deslocam, Incluindo Aspectos De Documentação,
Registo De Nascimento, Abuso, Exclusão Social, Xenofobia
18
Conclusão E O Rumo A Seguir
19
Anexo 1 – Lista De Participantes 20
Anexo 2 – Relatório Sobre A Participação Das Crianças No Seminário Regional Sobre As
Crianças Que Atravessam Fronteiras Na África Austral, Joanesburgo, De 25 A 27
De Maio De 2009
21
Anexo 3 – Seminário Regional Sobre Crianças Que Atravessam Fronteiras Na África Austral,
Processo De Participação Da Criança. Apresentação Geral Do Workshop De Final De
Semana “Conversas com crianças migrantes”
23
Anexo 4 – Informação Sobre As Organizações Anfitriãs
24
Informação Sobre Save The Children 24
Informação Sobre O Programa De Estudos Sobre Migração Forçada 24
Introdução
De 25 a 27 de Maio de 2009, Save the Children
UK, em colaboração com o Programa de Estudos
sobre Migração Forçada (FMSP), da Universidade de
Witwatersrand, promoveu um Seminário Regional
da África Austral sobre Crianças Que Atravessam
Fronteiras.
O seminário foi motivado pela necessidade urgente
de se reunirem intervenientes chave na região, para
que estes pudessem partilhar e trocar conhecimentos,
experiências e aprendizagens sobre as crianças que se
deslocam. O seminário foi igualmente concebido para
dar resposta à necessidade de melhor se estabelecerem
mecanismos de coordenação extensivos a organizações
e a agências, as quais muitas vezes se vêem confrontadas
com informação inadequada sobre as crianças e se
ressentem pela falta de compreensão em torno de
questões relativas a crianças que migram nesta região.
Estiveram presentes sessenta e oito pessoas,
representando depar tamentos e agências
governamentais, doadores, as INGO, Agências das
Nações Unidas, Organizações não governamentais
locais, redes nacionais e regionais, membros da
comunicação social, académicos e crianças. Os
par ticipantes eram provenientes de diversos países
da região da SADC, incluindo Angola, Botsuana,
Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, África do Sul,
Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué. Também marcaram
presença intervenientes e apresentadores de outras
regiões, nomeadamente da África Ocidental e do
Sudeste da Ásia. O Embaixador da Irlanda na África
do Sul fez o discurso de aber tura, salientando o
compromisso do governo irlandês em prestar apoio
às crianças vulneráveis, tendo realçado as necessidades
das crianças que estão em desvantagem por questões
relacionadas com o género, as capacidades e a pobreza;
e frisou a impor tância de se for talecer a família.
Através da parceria com a Save the Children, a Irish
Aid tem podido encorajar a par ticipação das crianças
nos processos de tomada de decisões, assim como
incentivado a revisão das políticas e da legislação que
dizem respeito aos órfãos e às crianças vulneráveis.
Para além do seminário, teve lugar um workshop de
crianças migrantes, cuja duração foi de dois dias, no
fim-de-semana que precedeu o evento. Esse workshop
visou capacitar um grupo constituído por doze rapazes
e raparigas, no sentido de estes poderem lidar com as
mesmas questões temáticas, utilizando a sua ar te como
meio de expressão. Desse modo, as crianças puderam
contar as suas histórias de migração e também elaborar
uma for te declaração, a qual viria a ser incorporada nas
recomendações do seminário. No Anexo 3, encontrase descrito o processo que foi utilizado e que permitiu
assegurar a valiosa par ticipação das crianças no
seminário.
O seminário culminou numa série de recomendações
viradas para a acção, incidindo em quatro áreas que
se cruzam, as quais são discutidas em pormenor mais
adiante, neste relatório:
- Acesso a Serviços
- Advocacia e Informação
- Prevenção do Trabalho Infantil
- Protecção
As recomendações gerais preliminares, assim
como a declaração das crianças, foram distribuídas
imediatamente após a conclusão do seminário.
Este relatório tem por objectivo oferecer uma
perspectiva mais dilatada da discussão e dos debates
enriquecedores que se realizaram durante os três dias
em que decorreu o seminário. Por forma a facilitar a
disseminação das recomendações do seminário, foi
instituído um comité director nas fases de planificação.
As recomendações não só circularam na região, como
devem ser ainda encaminhadas e incorporadas numa
conferência global sobre as crianças que se deslocam,
e cuja realização está prevista para Março de 2010, na
cidade espanhola de Barcelona.
Dia Um: A quem nos referimos, exactamente, quando
falamos de crianças que atravessam fronteiras; e quais são
as suas questões chave na região?
Os grupos de trabalho produziram imensas
observações sobre as crianças que se deslocam,
ofereceram opiniões e, em cer tos casos, manifestaram
discordâncias. Muito embora tenhamos envidado todos
os esforços no sentido de apreender a totalidade
das discussões, a par tir das sessões plenárias e dos
relatórios sumários submetidos pelos diferentes
grupos de trabalho, a Save the Children UK e o FMSP
reconhecem que este relatório não é exaustivo, no
que respeita todas as discussões e debates decorridos.
Apesar disso, fez-se o possível por se incorporar o
extenso leque de contributos dados pelos par ticipantes.
Dia Dois: Que trabalho tem sido feito em torno das
questões associadas às crianças migrantes na região; e
que lacunas existem?
Para os programas da Save the Children UK, relativos
à região da África Austral, este relatório constituirá a
base para as actividades futuras em torno das crianças
Enquanto as sessões da manhã se centraram na
apresentação de lições e experiências resultantes do
trabalho sobre questões associadas às crianças que
se deslocam, a maior parte do seminário foi dedicada
a um trabalho intenso, no enquadramento de grupos
de trabalho temático, sendo que o tema em discussão
variou diariamente:
4
Dia Três: Quais são os obstáculos que se impõem quando
se pretende oferecer apoio e assistência eficazes às crianças
migrantes; e quais são as nossas recomendações chave?
Os Pontos Altos do Workshop das Crianças
que se deslocam. O relatório realça prioridades
relacionadas com a prestação de serviços, advocacia,
recolha de informação e a par ticipação das crianças.
Do mesmo modo, encorajamos os intervenientes
e os detentores de interesses a traduzirem estas
recomendações em acções concretas no vosso
trabalho de advocacia e nos vossos programas; e
a distribuírem este relatório amplamente, junto de
colegas que estejam associados a outras organizações.
As opiniões que foram expressas pelos par ticipantes,
no decurso do seminário, não reflectem,
necessariamente, os posicionamentos oficiais e
os pontos de vista da Save the Children UK, do
Programa de Estudos sobre Migração Forçada, de
Irish Aid ou da USAID.
O Workshop das Crianças:
Doze crianças que trabalham actualmente com os
Serviços Psicológicos da Comunidade de Sophiatown
(Sophiatown Community Psychological Services),
em Joanesburgo, na África do Sul, par ticiparam num
workshop de dois dias, realizado antes de o seminário
ter tido início. Esses jovens são oriundos do Burundi,
da República Democrática do Congo, de Moçambique
e do Zimbabué e todos viveram diferentes
experiências de migração.
Uma criança migrante par ticipando no workshop
determinante nas discussões e nas decisões.
Cada uma das crianças criou uma ‘caixa de
conversação’ que funcionou como um instrumento
de apoio, enquanto relatavam as suas histórias sobre
migração infantil a membros da comunicação social
e a vários delegados presentes no seminário. O
workshop culminou com uma declaração redigida
pelas crianças e lida a todos os delegados presentes
no final da exposição interactiva da sua ar te, realizada
no Dia Um. As recomendações das crianças foram
também incluídas nas recomendações do seminário
final.
Manifestou-se vivo interesse pelo trabalho das
crianças e por aquilo que tinham para transmitir, não
apenas por par te dos delegados, mas também dos
órgãos de comunicação social. Foram feitas entrevistas
às crianças e organizadores do seminário, emitidas
pela Rádio e Televisão nacional sul-africana (SABC,
SAFM, East Coast Radio), no continente (SABC
Africa) e por alguns serviços de rádio estrangeiros
(Rádio Suécia), e publicaram-se ar tigos em jornais
sul-africanos (The Star). O interesse demonstrado
pelo workshop das crianças, tanto por delegados
como pela comunicação social, e a for te declaração
apresentada pelas crianças, reafirmaram não só
a necessidade de as crianças serem incluídas em
discussões que lhes dizem respeito, mas também
evidenciaram o potencial das crianças habitualmente
marginalizadas para exercer uma influência mais
Por sua vez, as crianças gostaram de ter par ticipado no
processo e estavam dispostas a dar mais de si.
O resultado directo reflectiu-se no desejo de Save the
Children UK apoiar agora as crianças que par ticiparam
no workshop, para que seja constituído um grupo de
advocacia de crianças, o qual promoverá mudanças, a
médio e a longo prazo, no sentido de se melhorar a
situação das crianças que se deslocam.
Para uma descrição minuciosa do workshop das
crianças, por favor consulte o Anexo 3.
Declaração das Crianças em 25 de Maio
de 2009:
Há organizações e algumas pessoas que nos ajudam. Também
fazemos muitas coisas para nos ajudarmos a nós próprios.
Mas há ainda muito mais que é importante e que é preciso
fazer.
Sair de casa: É a situação em casa que nos obriga a partir.
Alguns de nós abandonamos as nossas casas por causa da
guerra e alguns de nós escolhemos partir à procura de
uma vida melhor.
Alimentação e Abrigo: A alimentação e um lugar seguro onde
viver são os maiores problemas para as crianças migrantes.
5
Estabelecer um novo quadro de referência para as crianças migrantes:
Nós deslocamo-nos atravessando fronteiras e também
temos de andar de casa em casa no próprio país para
onde migramos. Estamos cansados de andar de lugar
em lugar. Muitos de nós não temos comida suficiente
todos os dias. Há outros ar tigos de que necessitamos
como os ar tigos de higiene e os medicamentos para as
ocasiões em que estamos doentes. A maior par te das
crianças não tem dinheiro para pagar a renda, enquanto
outras se vêem forçadas a dormir em lugares de risco.
Os abrigos, ou lugares de acolhimento, ajudam-nos,
mas torna-se difícil viver num lugar que não é verdadeiramente um lar. Uma forma de se ajudar as crianças
neste campo seria arranjarem-nos emprego, no caso
das crianças mais velhas, ou conseguirem dar emprego
aos nossos pais. Os nossos pais também necessitam de
lugares que ofereçam segurança e onde eles possam
conduzir os seus negócios. É preciso que nos protejam
de empregadores que nos pagam abaixo do normal e
que nos obrigam a executar tarefas de risco.
mos em segurança. Deveria ser mais fácil obter papéis
de asilo e renová-los. Não deveríamos ter de dormir
na rua, às por tas do Ministério do Interior, ou sermos
obrigados a pagar subornos aos funcionários. Sabemos
que existe uma lei que impede a polícia de depor tar
crianças e essa lei deve ser respeitada.
Adquirir uma cer tidão de nascimento e submeter um
pedido para obter passapor te deveriam ser processos
mais fáceis para as crianças, para que possamos usar
pontos de entrada legais quando vamos para outros
países. Assim sendo, estaremos mais seguros.
Estar em segurança: Queremos sentir-nos em segurança,
onde quer que seja, sem que as pessoas da terra nos
magoem ou nos insultem. As pessoas que vivem nos
países para onde viemos têm de ser ajudadas a
compreender a razão pela qual estamos aqui, e a
aceitar o facto de que somos todos iguais. Essa medida
vai ajudar a evitar que os grandes ataques de xenofobia
aconteçam de novo. Se as pessoas abusam de nós e nos
atacam, a polícia deve dar-nos protecção, e a própria
polícia também deve deixar de abusar de nós.
Ajudarem-nos a enfrentar a situação: Muitos de nós temos memórias de coisas terríveis e actualmente temos
vidas muito difíceis. Nós precisamos que as pessoas
escutem as nossas histórias e compreendam os nossos
sentimentos, para nos ajudarem a criar um sentido de
valorização de nós próprios e, assim, podermos ter esperança nas nossas vidas.
Família: Fazer parte de uma família é importante para
nós. Queremos receber ajuda para podermos localizar
os membros da nossa família, que se perderam, ou
manter o contacto com a família que está longe. Se a
nossa família já não existir, então queremos ser convidados a fazer par te de outras famílias.
Escola: Aqueles de nós que queremos ter educação devemos estar autorizados a ir à escola. Deveria ser fácil para
nós irmos para as escolas locais, mesmo chegando ao
país a meio do ano lectivo, e mesmo que não tenhamos
dinheiro para pagar as propinas. Talvez precisemos de
ajuda com os uniformes da escola e o material escolar.
Os professores e os alunos das escolas locais devem
receber apoio no sentido de não nos insultarem e de
nos tratarem com respeito.
Saúde: Também necessitamos de cuidados de saúde. O
pessoal das clínicas e dos hospitais deve tratar de nós
e não nos atirar insultos só porque somos estrangeiros.
Muitos de nós precisamos de obter medicamentos
quando estamos doentes.
Identidade: Precisamos de documentos para provar que
quando migramos, como crianças, não estamos a agir
contra a lei. Necessitamos de documentos para que seja
possível fazer exames, ou arranjar emprego. Queremos
documentos de carácter permanente para nos sentir6
Pessoas que deviam olhar por nós: Por vezes, as pessoas
que deviam olhar por nós são as mesmas pessoas que
abusam de nós. Os oficiais, incluindo a polícia, o pessoal
do Ministério do Interior, os oficiais de fronteira, os funcionários das igrejas, os assistentes sociais e o pessoal
dos lugares de acolhimento devem oferecer-nos protecção e não abusar de nós.
Estabelecer um novo quadro de referência
para as crianças migrantes:
Um ponto consensual impor tante, resultante do seminário, prende-se com a necessidade de se estabelecer
um quadro de referência mais alargado que possa descrever, com maior amplitude, as crianças que migram.
Com vista a reconhecer as experiências complexas e
multifacetadas das crianças que migram, e no sentido de
se assegurar que as crianças que migram – mas que não
se enquadram facilmente nas categorias existentes para
crianças migrantes – não são excluídas, sugere-se que
seja adoptado o seguinte quadro de referência:
Reconhecemos que a migração nem sempre é um fenómeno negativo. A nossa preocupação incide sobre as
crianças que são susceptíveis de se tornarem vulneráveis
pela migração. Incluem-se neste grupo as crianças que se
deslocaram, quer acompanhadas, quer não acompanhadas; que possuam documentação, ou não; que migram
voluntária ou involuntariamente; e que:
- migram dentro das fronteiras de um mesmo país
- atravessam fronteiras internacionais
- vivem e trabalham na rua
- buscam asilo
- atravessam fronteiras, acompanhadas por responsáveis
- migrantes pobres e/ou sem documentação
- vivem com provedores transitórios de cuidados, ou
que são trabalhadores sazonais
Processo do Seminário
- são abandonadas quando os provedores de cuidados
migram
- são crianças sem pátria
- tenham sido vítimas de tráfico, por qualquer razão.
Também reconhecemos que estas categorias apresentam uma natureza dinâmica e fluida. Elas não se
excluem mutuamente, e uma criança que se desloque
pode enquadrar-se numa destas categorias, ou em
várias delas, ou a sua situação pode evoluir de uma categoria para outra. Recomenda-se que seja dada preferência à terminologia ‘crianças que se deslocam’, quando
pretendemos descrever crianças que migram, muitas
vezes de modos complexos e variados.
os cuidados e os serviços que contemplem as crianças
que se deslocam.
Embora este relatório se proponha oferecer um
relato mais aprofundado destas áreas de preocupação
actual, já nos dias imediatamente após a conclusão do
seminário foram reunidas recomendações preliminares
e mais generalizadas, que foram disponibilizadas aos
delegados e ainda em reuniões paralelas relevantes.
Processo do Seminário
É de notar que as recomendações preliminares e este
relatório foram remetidos para os Serviços Sociais
Internacionais (ISS), que promoveram um encontro
global ISS durante a semana após a realização do
nosso seminário, tendo eles concordado em incorporar
as recomendações do nosso seminário no seu
subsequente relatório, sempre que possível.
Durante os três dias em que o seminário decorreu, foi
solicitado aos participantes que trabalhassem todos os
dias em grupos de discussão temática. Em cada dia, o foco
recaiu num tema geral, ou num conjunto de questões.
Recomendações do seminário regional sobre crianças que atravessam fronteiras na
África Austral
Dia Um: A quem nos referimos, exactamente, quando
falamos de crianças que atravessam fronteiras; e quais
são as suas questões chave na região?
Dia Dois: Que trabalho tem sido feito em torno das
questões associadas às crianças migrantes na região; e
que lacunas existem?
Dia Três: Quais são os obstáculos que se impõem quando se pretende oferecer apoio e assistência eficazes às
crianças migrantes; e quais são as nossas recomendações chave?
Por sua vez, constituíram-se diariamente quatro grupos
de trabalho, cujo propósito foi discutir o tema do dia,
em relação a uma área específica de intervenção. Foram
definidas as seguintes áreas de intervenção:
- Acesso a Serviços, incluindo: saúde, educação, apoio
psicossocial, serviços jurídicos e assistência
- Advocacia e Informação, incluindo: sensibilização da
comunidade, políticas e legislação, obtenção de
informação
- Prevenção do trabalho infantil
- Protecção, incluindo: documentação/ abuso de registo
de nascimento, exclusão social, xenofobia
As discussões foram registadas e solicitou-se a
apresentação diária das questões chave por par te dos
diferentes grupos.
Desse modo, o seminário esteve capaz de apreender as
impor tantes discussões e debates sobre as várias áreas
de preocupação, e de registar as recomendações que os
intervenientes na região devem considerar, por forma a
melhorarem os aspectos relacionados com a protecção,
Em seguida, apresentam-se algumas recomendações
preliminares chave. Embora endossadas pelo seminário,
de um modo geral, por favor tenha em consideração
o facto de elas não reflectirem necessariamente
compromissos por par te das agências individuais,
governos, doadores e outros par ticipantes.
As crianças que se deslocam necessitam de fazer parte
das agendas nacionais, regionais e internacionais:
De uma forma geral, as crianças que se deslocam
necessitam de estar incluídas nas agendas
internacionais e regionais e noutras agendas relativas
ao desenvolvimento, para que se possa garantir que a
migração se torna mais segura para as crianças na região
da África Austral, durante todas as fases do processo
(origem-trânsito-destino).
É necessário desenvolver abordagens regionais:
Deve ser desenvolvida, urgentemente, uma abordagem
regional relativamente às crianças que se deslocam, a
qual deve servir-se dos actuais organismos regionais,
tais como a Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral (SADC) e a União Africana (UA), assim
como outros detentores de interesses e intervenientes
a nível regional, incluindo os provedores de serviços da
sociedade civil.
O grau de vulnerabilidade das crianças deve ser
reduzido na região:
Deve ser feita uma conjugação de esforços, por par te
de todos os intervenientes, com o objectivo de se
reduzir o grau de vulnerabilidade das crianças que se
deslocam, ou que são deslocadas dos seus locais de origem. Essa medida inclui considerar apoiar os programas
de protecção social, a nível da comunidade, com o
7
Processo do Seminário
objectivo de se reduzir a vulnerabilidade da criança, da
família e da comunidade, e de minimizar a necessidade
de se migrar.
As intervenções paralelas a favor das crianças que se
deslocam devem ser evitadas:
Os governos na região necessitam de desenvolver
programas socioeconómicos que lidem com a questão
das crianças que se deslocam. Contudo, os programas
paralelos que sejam direccionados apenas para as
crianças que se deslocam devem ser desencorajados.
É mais eficaz enfrentar as questões relacionadas com
as crianças que se deslocam a par tir de quadros de
referência já existentes e de quadros novos sobre
crianças, imigração e outros aspectos relevantes.
A participação das crianças é essencial:
As próprias crianças necessitam de se envolver mais
activamente em todos os estágios de planeamento e de
implementação.
É necessário edificar capacidades humanas e operacionais:
Os governos e os doadores precisam igualmente de se
cer tificar de que são efectuados investimentos apropriados na área da capacidade humana e operacional,
através da inclusão efectiva da questão da migração de
crianças no financiamento e nos recursos humanos.
O governo local tem de estar mais activamente
envolvido:
É preciso que o governo local seja encarado mais
activamente como alvo e seja usado como ponto
de entrada no planeamento e programação eficazes
no que toca as crianças que se deslocam. São as
comunidades locais que dão guarida a estas crianças e,
por conseguinte, os governos a nível distrital devem ser
incluídos em discussões sobre aquilo que é necessário
realizar para melhor se apoiar e proteger estas crianças.
É ainda necessário desenvolver a legislação:
Há ainda que criar legislação apropriada em muitos
países da região, a qual possa ajudar a garantir assistência, cuidados e a protecção das crianças que se
deslocam. Nos casos em que já exista alguma legislação
relevante, a mesma deve ser simplificada e harmonizada
no âmbito de outros quadros jurídicos e políticos, tanto
a nível nacional, como em toda a região.
É imperativo que os sistemas de monitorização e de
avaliação sejam aperfeiçoados:
Há necessidade de se melhorar, assim como de
harmonizar, os sistemas de monitorização e de avaliação
que possam ser usados para se proceder ao rastreio
e à medição de mudanças relativas às crianças que se
deslocam. Esta medida aplica-se aos esforços tanto a
nível de país como a nível regional.
Documentação de identidade, incluindo certidões de
nascimento, documentos de viagem e de outro tipo
que sejam necessários a todas as crianças:
Muitas vezes, as crianças que se deslocam não possuem
um registo de nascimento e documentação à qual têm
direito, em conformidade com a lei internacional. Deve
ser desenvolvido e implementado um sistema regional
harmonizado, focado em lidar com estas necessidades,
assim como devem ser melhorados os esforços por país
que assegurem a existência do registo de nascimento e
da documentação para todos.
É necessário partilhar a informação de modo mais
eficaz:
É preciso que seja melhorada a par tilha de informação
que diz respeito às crianças que se deslocam num
mesmo país, de país para país e a nível regional. Aqui
se incluem as redes melhoradas entre os países e os
intervenientes, os sistemas de referência aperfeiçoados
e a par tilha e utilização eficazes das bases de dados.
As linhas orçamentais necessitam de incluir as crianças que se deslocam:
É necessário que os doadores e os governos se assegurem de que as linhas orçamentais para as crianças
que se deslocam são incorporadas nos recursos existentes e mais amplos para a protecção da criança.
As questões em torno das crianças que se deslocam
devem ser tratadas por uma perspectiva holística:
Os desafios com que se deparam as crianças que se
deslocam necessitam de ser enfrentados de um modo
holístico, e não de forma isolada, fazendo-se ligações
e incorporando outros sectores, ministérios, países,
quadros de referência e planos de acção.
8
É necessário que exista melhor colaboração entre os
diferentes sectores:
Deve haver uma colaboração mais estreita entre
sectores, especialmente entre as ONG e os governos,
no sentido de melhor se resolverem as questões
relacionadas com o apoio às crianças que migram e
com a sua protecção.
Planos que devem estar operacionais por ocasião da
Copa Mundial de Futebol da FIFA, em 2010:
Há necessidade urgente de se criarem quadros
destinados à protecção eficaz das crianças que se
deslocam, e que tal aconteça a tempo da Copa Mundial
de Futebol da FIFA, que se realizará em 2010, na África
do Sul. Antecipa-se um incremento no número de
crianças que se deslocam, tanto na África do Sul como
nos países vizinhos, prevendo-se que, nessa ocasião,
esses países venham a ser destino de eleição de um
maior número de turistas, o que leva a estimar-se um
aumento nos níveis de exploração, de abuso e de
tráfico de crianças.
É necessário haver investigação adicional:
Torna-se necessário realizar-se investigação adicional
nos países e áreas da África Austral onde existe
Observações sobre áreas de preocupação e áreas em foco,
resultantes das sessões temáticas dos grupos de trabalho
muito pouca informação a respeito das crianças
que se deslocam. Ainda da maior urgência, salientase a necessidade de se conduzir investigação que
diga especificamente respeito às vulnerabilidades das
raparigas que se deslocam e à exploração laboral das
crianças.
A xenofobia está a colocar os direitos das crianças
em risco:
É preciso fazer frente à xenofobia e às atitudes negativas
que se manifestam em relação às crianças que se
deslocam, pois essas atitudes afectam negativamente os
direitos das crianças de acesso a serviços, a cuidados e
a apoio.
É necessário desenvolver informação tendo em mente
as comunidades locais e as crianças:
É necessário que os materiais e os instrumentos de
sensibilização e de consciencialização pública sejam traduzidos para as línguas locais e que também se apresentem
numa linguagem apelativa às crianças. Há igualmente
necessidade de se introduzir essa informação através dos
canais comunitários apropriados, tais como líderes tradicionais, governos distritais e conselhos das escolas.
Observações sobre áreas de preocupação
e áreas em foco, resultantes das sessões
temáticas dos grupos de trabalho
Seguidamente, apresenta-se um sumário das principais
áreas de discussão e das recomendações específicas
que resultaram de cada um dos grupos de trabalho.
Acesso a serviços:
Incluindo saúde, educação, apoio psicossocial, serviços
jurídicos, serviços sociais e assistência
De uma forma geral, ficou estabelecido que, em
vários países da África Austral, existem serviços que
estão disponíveis para as crianças que se deslocam,
serviços esses que são apoiados pelos governos e por
organizações da sociedade civil e nos quais se incluem:
provisão de alimentos, abrigo e agasalhos; reunificação
e acompanhamento pós-reunificação; apoio psicossocial;
apoio em meios de subsistência; apoio por perda ou
falecimento; assistência médica; actividades lúdicas e
recreativas; serviços jurídicos; apoio para viagens em
segurança; apoio relativo à documentação; e advocacia.
Todavia, também se registou que os serviços destinados
a apoiar as crianças migrantes na África Austral estão
fragmentados e são inconsistentes, estando ainda dificilmente acessíveis às crianças que se deslocam. Durante
o seminário, foram debatidas várias formas de se poder
melhorar a coordenação, como o desenvolvimento
de uma base de dados respeitante aos provedores de
serviços.
Sobre os direitos jurídicos:
Embora se reconheça que em cer tos países, como
a África do Sul, existem quadros jurídicos e quadros
de políticas operacionais, que foram concebidos para
proteger todas as crianças que vivem em território sulafricano, verifica-se que há uma lacuna entre legislação,
políticas e prática. Num exemplo específico que foi
apresentado, repor tou-se que em Musina – cidade
que faz fronteira com o Zimbabué – sempre que
uma criança indocumentada e migrante do Zimbabué
procura os cuidados de saúde, alegadamente as
enfermeiras informam a polícia. Essa medida resulta
frequentemente na detenção ilegal da criança e na sua
também ilegal repatriação para o Zimbabué.
Relativamente a este aspecto, observou-se ainda que
os par ticipantes concordam que as comunidades
locais e as estruturas tradicionais que contactam
com as crianças migrantes devem estar envolvidas no
processo de ofer ta de assistência, devendo os grupos
comunitários beneficiar de formação adequada em
áreas como a protecção de crianças.
Exemplos deste tipo de violação de direitos fizeram
realçar a necessidade de se garantir que os esforços
de advocacia, através da região, não se concentrem
somente nas questões legislativas. Em vez disso, há
necessidade de, simultaneamente, se fazerem esforços
no sentido de assegurar que a legislação pode, de
facto, passar à prática no terreno, e de que existem
protecção e provisão de serviços para as crianças que
se deslocam. Esse objectivo poderia ser cumprido, em
par te, através da identificação e do reconhecimento de
estruturas, por exemplo os grupos da comunidade local
que mais provavelmente teriam de apoiar e ajudar as
crianças que se deslocam, providenciando, nesses casos,
melhor formação e apoio.
Sobre a educação:
O grupo de trabalho determinou que a ausência de
educação gratuita para as crianças, em cer tos países
da África Austral, leva as crianças a abandonarem a
escola e a migrarem, em busca de trabalho que lhes
permita ajudar as suas famílias. Por outras palavras, a
falta de provisão de serviços – neste caso, a educação
– no país de origem, pode transformar-se em factor de
“empurrão” que encoraja as crianças a migrarem além
fronteiras. Este aspecto foi observado, por exemplo, na
investigação efectuada pelo Programa de Estudos sobre
a Migração Forçada, a qual se realizou ao longo da
região fronteiriça África do Sul-Moçambique.
Sobre a categorização das crianças migrantes:
Os recursos disponíveis para os serviços na região
tendem a favorecer os grupos de crianças que são
vistos como tendo um “perfil mais saliente”, ou os
grupos que são mais capazes de atrair a atenção
da comunicação social e de outros decisores
impor tantes. 9
Observações sobre áreas de preocupação e áreas em foco,
resultantes das sessões temáticas dos grupos de trabalho
Este grupo de trabalho discutiu a questão de as
crianças refugiadas e aquelas que são vítimas de tráfico
receberem mais assistência do que outras categorias
de crianças que estão “escondidas” e de que são
exemplo as crianças migrantes indocumentadas.
Além disso, e de acordo com a investigação realizada
pelo Programa de Estudos sobre Migração Forçada, a
provisão das necessidades básicas para as crianças que
se deslocam, por par te das organizações da sociedade
civil na África Austral, apresentam a tendência para
focar em contextos humanitários e menos inclinação
para se centrarem em áreas de migração prolongada
de crianças.
Foi precisamente por estas razões que, durante o
seminário, se estabeleceu e recomendou a existência
de um quadro mais alargado sobre as crianças que se
deslocam. Um quadro de referência mais amplo (tal
como se descreveu anteriormente), que reconheça a
vulnerabilidade comum a muitas crianças que migram
em circunstâncias várias na região da África Austral,
e que seja provavelmente mais passível de incluir as
crianças que não se encaixam nas categorias mais
habituais, em vez de as excluir.
Sobre o apoio psicossocial:
O grupo concluiu que na África Austral há falta de
especialistas na área do apoio psicossocial, destinado
a crianças vulneráveis, incluindo as crianças que se
deslocam. O apoio psicossocial para as crianças que
se deslocam é vital na ajuda às crianças para que
estas possam ultrapassar experiências muitas vezes
traumatizantes, as quais podem ser compostas pelo
sentido de alienação, relativamente à vida, e a tentativa
de se sobreviver num país que muitas vezes se revela
hostil em relação aos migrantes.
Sobre a documentação de identidade:
Muitas vezes, os filhos dos trabalhadores migrantes,
nascidos na maior par te dos países de acolhimento,
não beneficiam de registos oficiais como o registo de
nascimento, nem do subsequente estatuto legal como é
o caso da cidadania.
A falta de documentação e de estatuto de cidadania
não só viola os direitos humanos de uma criança,
como também contribui para o aumento do grau de
dificuldade no acesso aos serviços, tanto no país de
origem como no país destinatário.
Sobre a protecção da criança:
O grupo também salientou o facto de os serviços que
protegem as crianças que se deslocam constituírem uma
prioridade, a qual deve incluir a garantia da reunificação
das crianças, processada em condições de segurança.
De muitas formas, a totalidade de discussões havidas
no seminário realçou a necessidade de existirem
sistemas melhorados e eficazes para a protecção das
crianças, os quais devem formar a base a par tir da qual
se desenvolvam esforços que assegurem a melhoria
dos cuidados, a protecção e o apoio às crianças que se
deslocam.
De um modo geral, concluiu-se que os sistemas
melhorados para protecção das crianças devem
beneficiar todas as crianças do país ou região, e não
apenas as crianças que se deslocam. Essa medida
é impor tante pois, para além de apontar para a
necessidade generalizada de se oferecer protecção a
todas as crianças da região da África Austral, ajuda a
evitar, na medida do possível, as intervenções paralelas,
direccionadas especificamente para as crianças que se
deslocam, intervenções essas que podem contribuir
para activar hostilidades relativamente a cidadãos
estrangeiros.
O projecto Suitcase (projecto Mala): Apoio psicossocial às crianças refugiadas
em Joanesburgo, na África do Sul: Caso de Estudo
O Projecto Suitcase é um projecto de apoio psicossocial assente nas artes, destinado a crianças
refugiadas. O projecto é parte integrante de um
projecto mais alargado, denominado Programa de
Serviços Psicológicos da Comunidade de Sophiatown para as Famílias que se Deslocam (Community Psychological Services Families on the Move
Programme). O programa Famílias que se Deslocam
oferece um serviço integrado de saúde mental às
famílias refugiadas na área do centro da cidade de
Joanesburgo. O serviço compreende o aconselhamento individual e familiar e um número de grupos
10
terapêuticos que se encontram regularmente.
As crianças são encaminhadas para dois grupos
do Projecto Suitcase. O objectivo do Projecto
Suitcase é ajudar as crianças a gerirem as experiências traumáticas do passado; a desenvolverem um sentido integrado de identidade pessoal
que inclua tanto a sua história noutro país como
a sua vida na África do Sul; e a construírem redes
de apoio e estratégias positivas que as ajudem a
fazer frente aos problemas. Trata-se de um programa a longo prazo, que assenta nas artes criati-
vas destinadas a facilitar a expressão emocional e o
desenvolvimento de coesão e de apoio do grupo.
As crianças, com idades compreendidas entre os
9 e os 14 anos, encontram-se quinzenalmente.
As actividades de criatividade são adaptadas às
necessidades de desenvolvimento das crianças e
incluem a execução de diários visuais, projectos
imprimidos e trabalhos que envolvem vários meios
e instrumentos de forma a poderem contar a sua
história numa mala.
Existe um ritual com o qual se dá início a cada
sessão de grupo e que envolve a circulação de
uma “vara de sentimentos”. A criança que tem a
vara em sua posse partilha as experiências ditas
“boas” e “más” que tenham sido vividas nas duas
últimas semanas. Deste modo, somos alertados
para questões que poderão depois ser tratadas
em sessões de gestão individual de caso. Durante
os últimos dois anos, este ritual tornou-se
indispensável para as crianças. Enquanto no início
elas resistiam à ideia de segurar a vara e de falar
sobre as suas experiências e sentimentos pessoais,
actualmente as crianças competem para tomar
posse da vara e, por vezes, a vara tem de dar mais
de uma volta ao grupo até todos os seus membros
sentirem que estão prontos para prosseguir com
outras actividades.
Este confronto semanal com as questões que as
afectam e o trabalho artístico que desenvolvem
são complementados pelo facto de o grupo se
poder reunir na Escola Secundária Feminina de
Observatory, em Yeoville, onde nos é permitido
utilizar os campos da escola, o que nos oferece
um espaço verde e seguro onde as crianças podem
brincar. Essa liberdade é extremamente importante
porquanto a maior parte das crianças passa a sua
vida confinada a espaços bastante reduzidos, onde
não lhe cabe qualquer espaço próprio.
Em recentes discussões com as crianças que fazem
parte de um dos grupos sobre a possibilidade
do seu encerramento, para que seja dada
oportunidade de participação a outras crianças, foi
manifestada forte oposição a essa ideia e tornouse evidente para nós que, perante as inseguranças
constantes e os distúrbios nas suas vidas diárias,
o grupo é o único ponto de referência estável, o
único lugar “onde nós podemos falar dos nossos
sentimentos e de tudo o mais”.
Recomendações específicas sobre como melhorar o acesso aos
serviços para as crianças migrantes
Em resposta às questões apresentadas anteriormente, o
grupo de trabalho avançou um número de recomendações que poderiam surtir efeito no que respeita a melhoria do acesso a serviços para as crianças que se deslocam. Essas recomendações estão direccionadas para
diversos actores, provenientes de diferentes sectores.
das crianças que se deslocam, e poderem fazer frente
a esses problemas. Uma melhor cooperação entre a
sociedade civil e o governo vai também requerer que as
organizações da sociedade civil se façam munir de uma
abordagem mais positiva e menos crítica relativamente
ao seu envolvimento com os seus parceiros no governo.
Para os governos e a sociedade civil:
Disponibilizar informação nos pontos principais de migração
para que as crianças que se deslocam tenham mais fácil
acesso a essa informação: Os governos e as organizações da sociedade civil (OSC) necessitam de criar mais
centros que ofereçam informação e ajuda no encaminhamento e ainda outros tipos de serviços às crianças
que se deslocam. Esses centros devem estar situados nas
áreas de fronteira e em zonas urbanas onde se registam
elevados números de crianças que se deslocam. Embora
algumas organizações desenvolvam esforços nesse sentido, a verdade é que tal acontece em escala limitada.
Para a sociedade civil:
É necessário intensificar a advocacia para se assegurar de
que existem serviços suficientes para oferta às crianças
que se deslocam: A sociedade civil, incluindo os grupos
de advocacia, precisam de trabalhar com o objectivo
de encorajar os governos e os doadores a apoiarem
a provisão de serviços básicos para as crianças que se
deslocam, tanto nas áreas de origem, como dos países
destinatários.
A sociedade civil e os governos necessitam de articular esforços e de trabalhar de forma mais estreita:
As OSC e os governos devem envolver-se regularmente
em diálogo, de modo a juntos poderem identificar os
desafios e as barreiras ao acesso aos serviços por parte
É urgente que os departamentos governamentais tenham
mais consciência relativamente às crianças que se deslocam: Este aspecto inclui assegurar que os governos e
os relevantes depar tamentos estão devidamente sensibilizados (ex.: saúde, educação, assuntos do interior,
assistência social) no que toca as preocupações das
crianças que se deslocam, e ainda a respeito de tipos de
respostas que sejam apropriadas.
11
Advocacia: incluindo a sensibilização da comunidade, política
e legislação, e a obtenção de informação
Advocacia: incluindo a sensibilização da comunidade, política e legislação, e a obtenção de informação
No decurso das discussões em torno da advocacia para
crianças que se deslocam, os delegados identificaram
várias formas de trabalho de advocacia que estão a
decorrer na região, as quais incluem:
- investigação e trabalho em rede;
- diálogos a nível das comunidades;
- campanhas de consciencialização para os provedores
de serviços e para as crianças;
- advocacia direccionada para os governos e organiza-
ções locais no sentido de proverem serviços para
crianças;
- litigação relacionada com a detenção e depor tação de
crianças; e
- a sociedade civil oferece contributos no desenvolvimento jurídico e das políticas que incidem sobre a
protecção das crianças (ex.: leis anti-tráfico, propostas
de lei sobre crianças e sobre refugiados).
Pese embora o reconhecimento da existência de esforços concretos na região, no sentido de se advogar em
torno de questões relativas às crianças que se deslocam, a verdade é que se torna ainda necessário fazer
muito mais, e muito daquilo que actualmente se efectua
deve ser executado mais eficazmente. Foi observado
que, na região, prevalece um desafio par ticular, o qual se
prende com a ausência de vontade política para enfrentar questões relativas a crianças migrantes, sendo que
essa atitude torna a advocacia simultaneamente mais
desafiante e mais urgente.
Os comentários que se apresentam seguidamente,
assim como as recomendações específicas, apontam
para as áreas chave de preocupação e para as áreas
prioritárias de acção em esforços que assegurem que as
crianças que se deslocam sejam assunto integrante na
agenda da África Austral.
Sobre as políticas versus a prática:
O grupo de trabalho sublinhou que, actualmente, se
está a focar demasiado nas mudanças de política em
relação às questões das crianças migrantes e muito
pouca enfâse é colocada nos serviços directos imediatos. Um dos par ticipantes afirmou que “as vidas das crianças foram suspensas enquanto se discutem políticas.”
Tal como já fora determinado pelo grupo de trabalho
que se debruçou sobre a área de acesso a serviços, a
questão de se traduzirem políticas em acção concreta
e eficaz para as crianças que se deslocam continua a
ser um verdadeiro desafio na região. Este comentário
sugere que as prioridades adicionais de advocacia devem concentrar-se em assegurar que os recursos e a
formação adequados são disponibilizados às crianças
que se deslocam, assim se garantindo que as políticas e
a legislação se possam tornar realidade.
12
Sobre como fazer a advocacia correcta:
O grupo de trabalho determinou ainda que, embora as
organizações da sociedade civil estejam já envolvidas
em medidas de advocacia nor teadas para a promoção
da protecção e dos cuidados das crianças que se
deslocam, facto é, porém, que muitas vezes tal se
processa de forma isolada, sem o envolvimento de
outros sectores e de factores relevantes ou interligados.
Os trabalhos de advocacia nem sempre têm por alvo
as instituições apropriadas, e não são suficientemente
avaliados para que se possa determinar se esses
esforços produzem uma diferença tangível.
Por outras palavras, existem muitas OSC e outros
factores na África Austral que não estão devidamente
equipados com as relevantes competências para
assegurarem que podem, de facto, efectuar a
advocacia eficientemente. Embora se discuta imenso
a questão da advocacia, há também uma necessidade
clara de se oferecer e apoiar mais formação no
seio das organizações da sociedade civil e junto de
outros intervenientes, não apenas no que respeita o
planeamento e a implementação de uma estratégia
de advocacia, mas também sobre a forma como o seu
impacto deve ser medido.
Sobre trabalhar com as comunidades locais:
Durante o período de discussões, reconheceu-se ser
crucial que trabalhemos com as comunidades locais.
Todavia, alguns par ticipantes observaram que cer tas
comunidades, junto das quais aqueles exercem as suas
actividades, se podem revelar desconfiadas ou indiferentes à sensibilização por par te das OSC sobre os
riscos e os perigos associados à migração de crianças e
ao seu tráfico.
Foi apresentado um exemplo de reacção negativa de
uma comunidade em Moçambique perante os esforços
de sensibilização de uma organização da sociedade civil,
relativamente ao tráfico de crianças. O principal ponto
de discórdia centrou-se no envolvimento de membros
da família no processo de tráfico, conforme revelou
a OSC. Cer tos membros da comunidade recusaram
aceitar a ideia de que a família pudesse estar associada
ao tráfico das suas próprias crianças. Essa reacção
prevaleceu, mesmo face aos argumentos apresentados pela organização da sociedade civil, assentes em
investigações recentes, apontando para o indubitável
envolvimento de membros da família no tráfico das suas
crianças.
A investigação revelara que as práticas tradicionais e
as carências socioeconómicas de muitas famílias se
combinavam para dar azo a um tipo de tráfico infantil
clandestino que, embora muitos considerem ser uma
forma de tráfico, na opinião da comunidade em nada
se assemelha à ideia generalizada de que só se trata de
tráfico quando bandos de criminosos estão envolvidos
no processo.
Ar te infantil no interior da ‘caixa de conversação’
Foi citado um exemplo de migração da força laboral
masculina, de Moçambique para a África do Sul, como
uma prática que pode ser interpretada como tráfico
de crianças. Por um lado, há a expectativa tradicional
de os rapazes e os homens migrarem para trabalhar e
remeter as suas mensalidades para a família. Por outro
lado, os rapazes jovens aparentam ter sido forçados
pela família a par tir e a trabalhar além fronteiras,
muitas vezes sem que tenham idade para tal e em
circunstâncias de exploração.
Como resultado das discussões em torno deste e de
outros exemplos, o grupo de trabalho sugeriu serem
necessários esforços sustentáveis e a longo prazo com
vista a modificar essas práticas culturais. Também se requer uma maior colaboração interpaíses. Esta discussão
e exemplo par ticulares lançaram questões e dilemas
fundamentais sobre como definir o tráfico de crianças e
como enfrentar o problema eficazmente, a par tir de um
contexto de práticas tradicionais ou culturais.
As práticas tradicionais existem por razões de ordem histórica e por outros motivos impor tantes e
contribuem para a formação das identidades socioeconómica e cultural do grupo em causa, assim como
para a sua sobrevivência. Contudo, as actuais pressões
socioeconómicas, e a introdução de um novo conjunto
de valores, tal como o conceito dos direitos das crianças, podem conduzir a um conflito nos sistemas de
valores e também a que uma cer ta prática seja levada
a formas extremas de modo a garantir a sua sobrevivência. Como ponto de par tida, recomenda-se que o
processo consultivo e de consciencialização tenha início
a nível da comunidade e que os líderes locais estejam
for temente envolvidos na liderança dessas actividades.
Além disso, não se pode depreender que a formação
sobre os direitos das crianças e outros assuntos possa
traduzir-se, instantaneamente, em acções no terreno
por par te das comunidades. As comunidades necessitam de estar convencidas das vantagens que a
mudança de prática representa, para que possam
adoptar uma nova forma de pensar. Se não se lidar
com os desafios subjacentes com que as comunidades
se deparam, como o aumento do nível de pobreza, a
doença e o desemprego, então os níveis de aceitação
dos novos sistemas de valores e de novas práticas serão
bastante limitados.
Sobre legislação:
O grupo identificou o facto de existir legislação de protecção de crianças na maior par te dos países da SADC.
13
Muitas vezes, porém, não há legislação que diga respeito
especificamente a crianças que se deslocam, ou que as
inclua. Por conseguinte, é necessário proceder-se à reforma legislativa e às alterações da lei.
também devem ser incluídas mais eficazmente no processo de repor tar, sendo essencial mantê-las actualizadas, relativamente a desenvolvimentos e a assuntos que
as afectam.
Se bem que a legislação que foca nas crianças que se
deslocam, ou que as inclui, seja vital, também se reconheceu, de um modo mais geral, durante o seminário,
que a legislação só se pode tornar verdadeiramente
eficaz se houver sistemas adequados que assegurem
que a mesma é posta em prática. Esse esforço exige
recursos e formação adequados, e requer ainda que a
legislação seja desenvolvida em conjunção com a legislação e as políticas existentes e novas noutros sectores
e noutras áreas.
Em cer tos países, o tráfico de crianças (e talvez se
pudesse argumentar que se trata, de uma forma mais
geral, de crianças que se deslocam) não é ainda encarado como um problema. Consequentemente, deve haver
uma concer tação de esforços que tenham em vista assegurar que esta questão é reconhecida por todos os
países que integram a região da SADC.
Por fim, a legislação deve ser harmonizada, não só a
nível de sectores nacionais, mas também regionalmente.
Se os países que integram a SADC forem capazes de
harmonizar, e mesmo de simplificar as leis que dizem
respeito às crianças que se deslocam, maior será a possibilidade de as crianças que se deslocam poderem ser
mais bem protegidas, recebendo melhores cuidados e
assistência.
Para a sociedade civil e o governo:
É necessário que, a nível local, haja um aumento no
grau de consciencialização a respeito das crianças que
se deslocam: Os governos e os seus parceiros da
sociedade civil na África Austral devem desempenhar
um papel de maior dimensão na sensibilização dos
líderes tradicionais e religiosos, tanto nas comunidades
de origem como nas comunidades destinatárias, sobre
as muitas formas em que se apresentam as crianças
que se deslocam. As comunidades locais devem ser
sensibilizadas especificamente sobre os riscos e as
vulnerabilidades que essas crianças enfrentam. Deve
ser prestado apoio aos líderes, no sentido de estes
apresentarem soluções locais e práticas em como
dar assistência e proteger as crianças, devendo essa
aproximação aos líderes servir de ponto de entrada nas
comunidades, por forma a se maximizar a eficácia das
mensagens de sensibilização.
Sobre questões prioritárias para a advocacia:
O grupo identificou haver um trabalho de rede e uma
coordenação fracos entre os detentores de interesses
ou intervenientes, no que toca as experiências e as
melhores práticas à volta das crianças que atravessam
fronteiras. Deve ser realizada advocacia nesta área particular. O grupo sublinhou igualmente que é necessário
incluir as crianças, de uma forma mais relevante, na
tomada de decisões e na provisão de informação. Elas
Ar te infantil no interior da ‘caixa de conversação’
14
Recomendações específicas sobre advocacia:
Advocacia: incluindo a sensibilização da comunidade, política
e legislação, e a obtenção de informação
Os materiais de treino e formação necessitam de estar
mais acessíveis às comunidades locais e às crianças para
as quais estão direccionados: Os governos e as OSC
devem cer tificar-se de que os materiais que têm por
foco as crianças que se deslocam, e que se destinam a
sensibilizar as comunidades e a fazer aumentar o grau de
consciencialização, são traduzidos para as línguas locais;
têm uma apresentação apelativa para as crianças; e correspondem ao nível de educação daqueles que os vão
utilizar. Para além disso, não se deve subestimar ou minimizar o valor da sensibilização das comunidades que seja
efectuada pela via oral, em oposição à forma escrita.
Os governos devem atribuir recursos às crianças vulneráveis:
Há necessidade de se exercer pressão ou de se proceder ao lóbi junto dos governos, para que estes orçamentem adequadamente com o propósito de responder
às necessidades das crianças vulneráveis, incluindo as
crianças que se deslocam.
Para a sociedade civil e as agências das Nações Unidas
É preciso que se proceda à análise dos orçamentos a
nível de país, de maneira a monitorizar a despesa relativa
às crianças que se deslocam: As ONG internacionais e
locais e as Agências das Nações Unidas devem examinar
cuidadosamente os orçamentos nacionais com o
objectivo de se determinar qual a percentagem de fundos
que está sendo atribuída aos programas relacionados
com as crianças, e especificamente com intervenções que
prestem assistência às crianças que se deslocam.
Deve ser orçamentada mais assistência ao desenvolvimento
por parte dos doadores e que se destine às crianças que se
deslocam: As ONG internacionais e locais e também as
Agências das Nações Unidas devem instar os doadores
a atribuírem mais financiamento aos programas de assistência às crianças que se deslocam.
Para a sociedade civil
Os departamentos governamentais devem assumir a
responsabilidade em relação às suas obrigações jurídicas
em apoiar e proteger as crianças que se deslocam: A
sociedade civil deve conduzir a advocacia em termos de
lei a favor das crianças que se deslocam. Essas iniciativas
de advocacia em nome das crianças torna-se mais eficaz
já que os depar tamentos governamentais e as várias
agências estariam mais cientes das suas obrigações
perante a lei, em relação aos quadros jurídicos e aos
quadros de políticas nacionais e regionais existentes.
Para a SADC e a Sociedade Civil
É necessário que as crianças que se deslocam façam
parte das agendas regionais: A sociedade civil deve
pressionar os organismos regionais, como a SADC
e a União Africana, e ainda os governos, para que se
proceda à inclusão das crianças que se deslocam nas
agendas de trabalho de conferências nacionais de
alto nível e as quais focam nos órfãos e nas crianças
vulneráveis, no HIV e SIDA e noutras questões mais
gerais sobre os direitos humanos e a protecção. De
igual modo, a SADC deverá cer tificar-se de que estas
questões são levadas à atenção dos Estados Membros
e de outros organismos regionais. As OSC devem
envolver a SADC na implementação do seu quadro
para a Criança e jovem órfão e vulnerável (OVCY), o
qual foi recentemente finalizado, e identificar pontos de
entrada, assim assegurando que as questões relativas às
crianças que se deslocam ganham proeminência.
Prevenção de formas de trabalho infantil e explorador
Aprender com as experiências de outras regiões: Caso de Estudo
Exploração dos trabalhadores infantis migrantes na Costa do Marfim
Foram conduzidas entrevistas a 200 crianças
trabalhadoras, na região rural de Montagne, nas
proximidades da fronteira com a Libéria, e no distrito
urbano de Adame, na Costa do Marfim.
As conclusões indicam que as crianças migrantes,
tanto da Costa do Marfim como do exterior, estão
envolvidas, prioritariamente, no trabalho doméstico e
na agricultura, assim como na venda de produtos nos
mercados.
A investigação revelou que há um maior número de
rapazes envolvidos em trabalho infantil nas zonas
rurais; e mais raparigas trabalhando no contexto
urbano. Em Abidjan, a capital do país, 75% das
crianças entrevistadas e que estão ligadas ao
trabalho infantil são raparigas. As conclusões da
investigação indicam que raparigas com idades
desde os nove anos estão envolvidas em trabalho
sexual comercial.
Um factor que contribui para o aumento do trabalho infantil e da exploração prende-se com a
responsabilidade familiar tradicional de as crianças
contribuírem para o rendimento do lar. Além disso,
há um enorme movimento interno relativo às
raparigas na Costa do Marfim, através da prática
designada ‘confiage’, uma maneira informal de
adopção em que os pais enviam os filhos para
junto de pessoas em quem tenham confiança.
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Prevenção de formas de trabalho infantil e explorador
A troco de alojamento e de acesso à escola, esperase que a criança faça o trabalho doméstico.
Contudo, em muitos casos, as crianças perdem completamente o contacto com os seus familiares, são
forçadas a trabalhar a tempo inteiro, durante seis ou
sete dias por semana, enquanto os filhos da família
de acolhimento frequentam a escola.
Sobre a falta de documentação de identidade:
A falta de documentação para as crianças que se deslocam faz aumentar a sua vulnerabilidade à exploração
nas mãos de empregadores sem escrúpulos. Eis alguns
exemplos específicos: crianças com estatuto indocumentado (num país estrangeiro) que são forçadas a
trabalhar durante vários meses sem qualquer remuneração; crianças que são vítimas de maus tratos, sem
recurso à justiça ou a assistência devido ao seu estatuto
indocumentado e ao receio de serem identificadas;
empregadores que se recusam pagar uma criança pelo
trabalho realizado e que, em vez disso, chamam as autoridades já depois de o trabalho ter sido completado,
uma medida que conduz à depor tação da criança.
Muitas das crianças que se deslocam mentem em
relação à sua idade, e não possuem documentos que
provem o contrário, o que dificulta a prevenção do
contrato de pessoas com idades inferiores ao mínimo
permitido pela lei, facto que também cria obstáculos à
investigação.
Também as entidades patronais que exploram as crianças tudo fazem no sentido de esconder as circunstâncias em torno do trabalho de crianças migrantes.
Todavia, no decurso da conferência, fez-se salientar o
facto que o emprego é uma área sobre a qual temos
muito pouco conhecimento e, por consequência, esta
secção dispõe de muito menos informação do que as
outras secções.
Sobre a pressão exercida pela família para se migrar a
fim de trabalhar:
Uma família pode exercer pressão no sentido de a criança sair de casa e procurar trabalho, sem ter ideia dos
riscos e perigos inerentes. As crianças podem mesmo
estar dispostas a cumprir essa missão sem terem consciência suficiente das dificuldades com que as crianças
trabalhadoras se deparam.
Muitas vezes, sendo as crianças migrantes responsáveis
pelo rendimento familiar, é menos provável que elas
repor tem à polícia o facto de estarem a ser exploradas,
pois as crianças sentem-se mais pressionadas, ou têm
um for te sentido de responsabilidade que as leva a
quererem assegurar a remessa de fundos para a ‘família’
e também temem que a polícia abuse delas.
16
As crianças que se encontram em situações deste
tipo são muitas vezes vítimas de ameaças, de violência e de discriminação.
Em certos casos, as raparigas são enviadas para as
cidades com o intuito de trabalhar e de conservar
os recursos que vão permitir que os rapazes da casa
possam beneficiar de educação.
Sobre a legislação do trabalho infantil:
Embora em muitos países da África Austral existam leis
laborais destinadas a proteger as crianças, a sua implementação e aplicação ainda constituem for tes desafios.
Um grupo par ticipante citou o exemplo da legislação
da Namíbia e da dificuldade em se conseguir implementar essa legislação.
Para além disso, o grupo concluiu que muitas pessoas na região da África Austral ainda desconhecem a
existência de legislação relativa ao trabalho infantil e
ignoram quais os direitos das crianças, de uma forma
geral, ou, nos casos em que possuem conhecimento
desses direitos, não compreendem a sua aplicação. Os
par ticipantes concordaram que muitas das leis laborais
actuais são dificilmente compreendidas e deveriam
ser transmitidas às comunidades de forma muito mais
simples e também nas línguas locais.
Do ponto de vista regional, o grupo identificou a necessidade de, entre países, se harmonizarem as leis da
imigração e as políticas em torno do trabalho infantil,
desenvolvendo-se esforços que garantam que os direitos das crianças possam ser assegurados de uma forma
padrão, em toda a região da SADC.
Em geral, nestas discussões, e uma vez mais, é notório o
desafio que surge em relação à transformação da legislação e das políticas em realidade. Tal como acontecera
com o grupo de advocacia, foi colocada for te ênfase na
impor tância de se direccionarem as atenções para as
comunidades e de se trabalhar no seio delas, não descurando a necessidade de os materiais serem adequados aos grupos destinatários.
Sobre as atitudes e práticas locais:
O grupo determinou que cer tas atitudes e práticas,
par ticularmente quando se trata de comunidades mais
empobrecidas, podem levar as pessoas a crer que a
exploração de crianças é aceitável, na perspectiva de
que as crianças têm a obrigação de ganhar dinheiro
para os seus pais e famílias alargadas, quando as
circunstâncias o ditam e independentemente de o
trabalho envolver exploração, ou não.
Por forma a contrariar essa tendência, é preciso que as
OSC incluam mais as comunidades e as crianças que
Criança discutindo o seu trabalho com um par ticipante, no primeiro dia do seminário.
se deslocam no desenvolvimento, na monitorização e
na avaliação de programas e de projectos concebidos
para impedir as formas prejudiciais de trabalho infantil,
e que essa inclusão seja conseguida de um modo mais
profundo e significativo.
Uma vez mais, realçou-se o desafio que enfrentar essas
práticas e atitudes profundamente enraizadas implica,
face aos novos quadros de referência e de valores, tais
como os direitos das crianças no que toca o trabalho e
a exploração. À semelhança do que se registara com
o grupo de advocacia, também este grupo sugeriu que
a chave que vai permitir fazer face a esse desafio reside
em trabalhar directamente com as comunidades locais
e com os grupos destinatários, incluindo as crianças.
Sobre a vulnerabilidade das crianças não cidadãs e das
crianças rurais:
O grupo constatou que, na África Austral, os
trabalhadores domésticos, especialmente as crianças,
oriundos das zonas rurais são mais facilmente
manipulados e explorados do que os trabalhadores
provenientes dos centros urbanos. Os trabalhadores
domésticos rurais têm menos acesso à informação e
educação sobre as leis laborais e estão, provavelmente,
menos capacitados para negociar condições mais justas
de trabalho.
Essa vulnerabilidade é semelhante àquela a que se
expõem as crianças que atravessam fronteiras. Não
só ambos os grupos de crianças possuem um baixo
nível de conhecimento, no que toca as leis existentes
que regem a protecção das crianças e os direitos delas
resultantes, mas os seus membros têm acesso reduzido
aos grupos de apoio tradicionais. Também podemos
depreender que, sendo os níveis de pobreza na maior
par te das zonas rurais da África Austral mais elevados,
e muitos migrantes transfronteiriços viajam para países
mais ricos, há ainda que considerar a dimensão da
pobreza relativa e, por tanto, do desespero.
17
Migração de Crianças, Deslocamento e Tráfico no Sudeste Asiático: Desafios e Respostas
O tráfico de crianças é reconhecido como sendo um
problema particular no Sudeste Asiático, enquanto a
migração mais geral constitui uma forma de vida comum para muitas pessoas na região. Na Ásia, o tráfico e
a migração laboral apresentam-se interligados e diz-se
que os traficantes ‘pescam no rio da migração’.
No Sudeste da Ásia, as crianças são frequentemente
usadas como pagamento de dívidas aos empregadores
e passam imensos anos nessas circunstâncias até que
a dívida esteja saldada. As formas mais comuns de
emprego para as crianças do Sudeste Asiático incluem:
trabalho doméstico, trabalho sexual, trabalho na construção, agricultura, viagens marítimas, mendicidade e
trabalho fabril.
através de inspecções e de rusgas a fábricas.
As crianças são muitas vezes traficadas pelos seus familiares. Num estudo realizado em 1995, no Camboja,
50% dos trabalhadores sexuais inquiridos, com idade
inferior a 18 anos, tinham sido forçados a trabalhar
nesse negócio. Cerca de metade desses trabalhadores
tinham sido vendidos ou enganados por alguém que
conheciam, como os seus pais, familiares e vizinhos. Os
sindicatos de crime transnacional estão igualmente envolvidos no tráfico de crianças.
- Migração aber ta controlada – controlos de fronteira
aper tados; muitos trabalhadores indocumentados;
tolerância relativamente alta em relação à acção
colectiva; organizações que desafiam o estado e que
providenciam ajuda jurídica/ cultural a migrantes
(ex.: Japão, Coreia e Tailândia)
Na Ásia, as crianças migrantes deslocam-se do Camboja
para o Vietname, do Vietname para a China, Camboja,
Mianmar, Laos e depois para a Tailândia, e da Tailândia
para Singapura, Coreia do Nor te e Japão.
Em alguns países do Sudeste da Ásia, o processo de
identificação de crianças migrantes prende-se com os
esforços nacionais que visam limitar o trabalho infantil,
18
Tipicamente, os governos do Sudeste Asiático
apresentam três respostas para a questão da migração:
- Migração repressiva controlada – políticas de
imigração austeras; sistemas rígidos de contrato laboral;
pouca tolerância do estado em relação aos movimentos
civis (ex.: Singapura, Malásia);
- Migração repressiva sem controlo – controlos
de fronteira frouxos; muitos trabalhadores
indocumentados; leis de trabalho migrante
inconsistentes; acção civil limitada (ex.: China, Vietname);
No Sudeste Asiático, a Tailândia é o país que
mais migrantes e crianças traficadas recebe. O
deslocamento das populações, resultante de conflito,
conduziu a um elevado número de refugiados, de
migrantes e de pessoas traficadas naquele país. O
governo tailandês e as organizações da sociedade civil
têm estado a colaborar em termos de identificação
de crianças migrantes e traficadas; provendo cuidados
e reabilitação; e fazendo aumentar os níveis de
consciencialização pública relativamente à situação
destas crianças.
Recomendações específicas para a
prevenção de formas de trabalho infantil
e explorador
Protecção de crianças que se deslocam,
incluindo aspectos ligados à documentação,
registo de nascimento, abuso, exclusão
social, xenofobia
Para o Governo:
É necessário que as leis laborais sejam apresentadas em
versões simplificadas: Os governos na região devem
produzir versões simplificadas das leis laborais nacionais,
especificamente no que respeita as secções que focam
nas formas de trabalho prejudicial e explorativo.
Sobre legislação e aplicação da lei:
O grupo definiu que, embora em alguns países da África
Austral existam leis para protecção de crianças, em
alguns casos essas leis apenas se centram na protecção
de crianças nacionais e não incluem as crianças não
cidadãs. É ainda necessário haver uma reforma regional
a nível jurídico e a nível das políticas, por forma a que a
protecção de crianças estrangeiras seja incorporada nas
leis existentes de protecção da criança, ou contemplada
em novas leis.
Deve ser incentivada a criação de parcerias entre governos
e o sector privado: Os governos devem abordar o sector
privado no sentido de encorajar mais desenvolvimento
e investimento comunitários. As actividades que têm o
apoio do sector privado poderiam ajudar a encorajar
as crianças pobres e vulneráveis a permanecerem nas
suas comunidades, podendo elas ser beneficiárias de
formação profissional, por exemplo, e de pequenas
subvenções ou doações para negócios, em oposição a
tornarem-se vítimas de trabalho infantil nocivo.
Torna-se essencial apoiar as políticas que oferecem
mais oportunidades às crianças vulneráveis, tanto nos
seus países de origem como nos países de destino:
Os governos na região devem desenvolver políticas
e programas socioeconómicos que promovam
subvenções, bolsas, esquemas de saúde, transferências
em dinheiro e actividades geradoras de rendimentos e
que criem opor tunidades para as crianças vulneráveis.
Esses tipos de actividades poderiam ajudar a minimizar
o envolvimento das crianças nas piores formas de
exploração laboral.
É interessante notar que no caso particular da África
do Sul ficou claro, numa série de ocasiões, que a
Constituição e a existente legislação para protecção das
crianças abrangem todas as crianças, incluindo as não
cidadãs. Contudo, esse facto nem sempre se traduz na
implementação da lei no terreno, facto que se impõe
como mais um desafio associado à legislação.
O grupo também observou que, enquanto presentes
num país estrangeiro, as crianças indocumentadas que
atingem a idade dos 18 anos deixam de estar abrangidas
pela protecção de leis relativas a crianças e podem então
ser apreendidas, detidas e deportadas. A discussão em
torno deste assunto é mínima, tal como são mínimas as
soluções adequadas. Sugere-se que sejam desenvolvidas
políticas e legislação que assegurem que as crianças que
façam 18 anos não sejam subitamente sujeitas às leis da
imigração, sem recurso a assistência.
Para a Sociedade Civil, Comunicação Social e o
Governo:
É preciso que as leis laborais já ultrapassadas sejam
actualizadas: Os países que possuem leis laborais
desactualizadas, as quais não reflectem os presentes
desafios, devem proceder à sua actualização ou
alteração, para que essas leis protejam os direitos das
crianças trabalhadoras indocumentadas, em termos
de horas de trabalho, salários, exploração sexual e
abuso. As ONG, as redes nacionais e regionais, os
grupos de pressão e a comunicação social podem
todos desempenhar um impor tante papel na área da
advocacia a favor da alteração dessas leis.
Por forma a que os países possuam e defendam os
mesmos padrões, relativamente ao trabalho infantil,
urge proceder-se à coordenação de leis a nível regional.
Caso contrário, as crianças poderão simplesmente
deslocar-se para onde essas leis de protecção não
existam, ou onde elas não sejam aplicadas.
Criança discutindo o seu trabalho com
um par ticipante, no primeiro dia do seminário.
19
Recomendações específicas para a protecção das
crianças que se deslocam
O grupo salientou ainda a ausência da implementação
prática e com sentido das políticas e das leis que se
propõem proteger as crianças migrantes. Os processos
que foram estabelecidos com o objectivo de pôr as leis
em prática pecam por morosidade e por falta de clareza.
Discutiu-se também o facto de a polícia e os oficiais de
fronteira muitas vezes focarem em demasia na detecção
do crime, em vez de olharem para a prevenção do
crime e para a protecção da vítima, especialmente no
que toca os estrangeiros. As crianças que se deslocam
estão muitas vezes expostas a situações de perigo
que requerem protecção por parte das autoridades.
Contudo, para as autoridades locais o foco pode
continuar a incidir sobre a identificação e detenção
das crianças migrantes, em lugar da protecção dessas
crianças.
Neste caso, a necessidade de se aceitar e de se trabalhar
para uma migração mais segura, em vez de se tentar
impedir a migração, foi fortemente salientada. Todavia,
ficou a impressão de que os participantes tinham a ideia
geral de que a prevenção e a contenção da migração
ganham precedência sobre o objectivo de uma migração
de crianças que seja gerida e segura.
Sobre receber e partilhar informação:
Embora existam bases de dados interagenciais sobre
protecção de crianças na região da SADC, essas bases
de dados não focam exclusivamente a sociedade
civil e os provedores de serviços que dão assistência
às crianças migrantes. Regista-se ainda a falta de
manutenção e de actualização das bases de dados, e
também alguma confusão relativamente ao modo como
essas bases de dados devem ser utilizadas eficazmente.
20
comprometem muitas vezes os direitos das crianças,
quando elas são, porventura, consideradas estrangeiras.
Sobre a capacidade do governo:
A capacidade em diversos departamentos do governo,
tais como a Educação, Polícia, Justiça, Trabalho e
Desenvolvimento Social, deve aumentar e ser mais bem
coordenada. Por exemplo, na África Austral há falta de
assistentes sociais devidamente treinados, o que significa
que muitos dos casos relativos às crianças não são
investigados e acompanhados adequadamente.
Por consequência, ao se lidar com a questão da
capacidade do governo para oferecer protecção,
cuidados e assistência às crianças que se deslocam,
não é suficiente partir do princípio de que a formação
adicional da polícia na área da protecção da criança
deva tomar prioridade. É também necessário que os
recursos e a formação sejam igualmente encaminhados
para outros departamentos, assegurando, paralelamente,
que existe uma coordenação adequada entre os
departamentos relevantes.
Sobre a necessidade de se ser inclusivo:
O grupo debateu a importância de, quando se
consideram quadros de referência para a protecção das
crianças que atravessam fronteiras, se dever assegurar
que essas crianças são integradas em quadros mais
alargados de protecção de crianças, assim se evitando
que se criem novos quadros separados e em paralelo
para as crianças que se deslocam.
Recomendações específicas para a protecção das crianças que se deslocam
Sobre atitudes em relação a não cidadãos:
Em vários países da África Austral, muitas forças da
polícia estão já treinadas na área da protecção de
crianças e na forma como identificar crianças vítimas de
abuso e de exploração. Porém, de uma forma geral, no
seio das autoridades há ainda uma capacidade fraca e
níveis de motivação baixos para se fazerem cumprir as
leis existentes de protecção da criança, mormente no
que toca crianças estrangeiras. Além disso, existe ainda
uma falta de empatia por parte das populações locais
em relação ao drama das crianças migrantes.
Para a Sociedade Civil:
Devem ser apoiados mais comités comunitários para a
protecção das crianças: : A Sociedade Civil deve fazer
aumentar o seu apoio aos comités de protecção das
crianças, fazendo mesmo aumentar o número de
comités comunitários na região da África Austral. Tais
comités, integrados por crianças, chefes tradicionais,
líderes locais eleitos, pais e professores, podem ajudar
as crianças vulneráveis nas suas próprias comunidades,
e ainda desempenhar um impor tante papel na
identificação e apoio a crianças que se deslocam.
É necessário compreender melhor as atitudes das
quais os estrangeiros, incluindo as crianças, são alvo,
e saber lidar com essas atitudes de modo mais eficaz.
Em muitos casos, no âmbito da comunidade, subsiste
a impressão de que é aceitável explorar essas crianças
porque elas são estrangeiras. Há também o sentimento
de que os escassos recursos destinados a proteger,
apoiar e cuidar das crianças devem ser reservados para
as crianças locais e não para as crianças estrangeiras.
Por fim, em alguns países, as atitudes xenófobas
prevalecentes entre as autoridades e as comunidades
Para os governos e a sociedade civil:
São necessárias mais políticas de protecção social: Os
Governos e a Sociedade Civil devem centrar-se no
desenvolvimento, a nível comunitário, de redes de
segurança para as crianças vulneráveis e as quais
ajudem a mitigar os principais factores causadores de
migração para outras regiões do país e além fronteiras.
Devem também ser concebidas políticas de protecção
social por forma a darem resposta às questões da
protecção da criança, relacionadas com a pobreza e
com outros factores subjacentes.
Conclusão e o rumo a seguir
definir linhas orçamentais claras para os sistemas de protecção existentes e em desenvolvimento, destinados a
todas as crianças, incluindo as crianças que se deslocam.
Construir capacidades humanas e operacionais: Os governos e os doadores, assim como os detentores de interesses e intervenientes, devem trabalhar em conjunto e
de forma ar ticulada para fazerem aumentar a capacidade humana e operacional dos provedores chave de
serviços que existem para apoiar e proteger as crianças
que se deslocam.
Conclusão e o rumo a seguir:
O seminário fez salientar, com êxito, as áreas chave de
intervenção em torno das crianças que se deslocam. Essas áreas podem ser resumidas da seguinte forma:
Mandla Mazibuko, de Save the Children Suazilândia, no seminário
Para a SADC:
Monitorização melhorada em torno da implementação da
legislação e das políticas: Uma equipa de missão liderada
pela SADC, a qual inclua representantes do governo e
da sociedade civil da região, deve ser criada para monitorizar a implementação, execução e cumprimento das
leis e políticas existentes à volta da migração e tráfico de
crianças. Essa equipa de missão deverá operar a partir
do contexto de leis e de estruturas mais alargadas para a
protecção das crianças.
Melhorar os quadros e as estruturas para protecção das
crianças: No âmbito do desenvolvimento de quadros de
referência para protecção das crianças, a longo prazo,
implementar mecanismos de protecção da criança que
incluam as crianças que se deslocam. Essas estruturas
devem ter em conta os riscos específicos para as crianças, os quais estão associados à Copa Mundial da FIFA
2010, e em que estão incluídos a exploração sexual, o
tráfico infantil e a exploração laboral. As estruturas e
os sistemas devem incorporar a coordenação com a
polícia, com os Depar tamentos de Imigração e do Interior, e com outras agências, no sentido de se conseguir
estar pronto a actuar em casos de emergência que surjam durante a Copa Mundial. Recomenda-se a presença
de unidades móveis de reacção para protecção das
crianças, assim como a intensificação de campanhas de
consciencialização junto das crianças.
Para os doadores e os governos:
Linhas orçamentais: Os doadores e os governos devem
- Há necessidade de uma maior cooperação, em toda a
região, entre os governos e a sociedade civil
- Precisamos de centrar essas intervenções tanto nos
países de origem das crianças como nos lugares de
destino
- Os serviços destinados a crianças migrantes devem
ser incluídos nos serviços já existentes para crianças
-É necessário proceder-se à monitorização e avaliação
das intervenções e ainda à par tilha de boas práticas
-Deve realizar-se a harmonização de leis em toda a
região
-Apoiar as crianças significa igualmente apoiar as suas
famílias e as comunidades
-Precisamos de advogar em relação às necessidades
das crianças que se deslocam, através das actuais
agendas da SADC e da UA
-Devem ser atribuídos recursos para as crianças que se
deslocam, pelos governos e por doadores.
Além disso, o workshop das crianças é o testemunho do sucesso da sua par ticipação e a prova da sua
capacidade de avaliação das suas próprias necessidades
e de recomendação de medidas que visam melhorar as
condições em que elas se encontram. Tendo conseguido
ar ticular claramente as suas necessidades, as crianças
conseguiram transmitir a mensagem ao público com
confiança e deram um valioso contributo na área das
recomendações que emergiram da conferência.
Por fim, o seminário realçou os múltiplos actores que
necessitam de se envolver no processo, se de facto
se deseja que as intervenções em torno das crianças
que se deslocam venham a ser bem sucedidas. Os
par ticipantes sublinharam, em par ticular, a necessidade
de haver coordenação regional no que respeita
as respostas do governo e da sociedade civil, e de
os recursos disponibilizados por doadores e pelos
governos serem canalizados para as crianças vulneráveis,
estando incluídas nesse grupo as crianças que se
deslocam.
21
Anexo 1: Lista de participantes
Marcaram presença no Seminário os seguintes participantes:
Kaajal Ramjathan-Keogh
Direitos dos Refugiados e Migrantes, Advogados pelos Direitos Humanos
Duncan Breen
Consórcio para os Refugiados e Migrantes na África do Sul
Colin Wrafter
Embaixador da Irlanda na África do Sul
Ingrid Palmary
Programa de Estudos sobre Migração Forçada, Universidade WITS
Susan Le Roux
Organização Internacional para as Migrações
Anacleta Pereira
Save the Children Angola
Stanford Mahati
Programa de Estudos sobre Migração Forçada, Universidade WITS
Cindy Milford
Saúde da Família Internacional - Camboja
Alec Mhone
Save the Children Noruega
Manuel Finelli
Save the Children UK
Johanna Kistner
Serviços Psicológicos Comunitários de Sophiatown
Shelter A.
Mushipe
Médicos Sem Fronteiras (MSF) - África do Sul
Vusi Ndukuya
Centro Amazing Grace, Malelane - África do Sul
Lucy Hillier
Save the Children UK
Rodney Knotts
Save the Children UK
Claudia Serra
Organização de Ajuda a Refugiados - África do Sul
Isidro Afonso
Alberto
Serviços Distritais de Saúde, Mulher e Acção Social do Distrito da Moamba - Moçambique
Martin Malama
Serviço da Polícia da Zâmbia - Zâmbia
Moses Nkono
Comissão Legislativa do Malawi - Malawi
Ilundi Cabral
Save the Children em Moçambique
Ndeshi Namupala
Universidade da Namíbia
Glynis Clacherty
Clacher ty e Associados
Kirk Felsman
USAID
Samantha Yates
Depar tmento UK para o Desenvolvimento Internacional
Stephen Blight
UNICEF
Daniela Reale
Save the Children UK
Carmel Gaillard
Iniciativa de Apoio Psicossocial Regional
Mandla Mazibukom
Save the Children Suazilândia
France Maphosa
Universidade do Lesoto
Leon Muwoni
Ministério dos Serviços Públicos, Trabalho e Segurança Social – Zimbabué
Timothy Bainbridge
Save the Children Suécia
Lynette Mudekunye
Save the Children UK
Thomas Winslow
Save the Children UK
Elizabeth
Hughes
Save the Children UK
Glenda Caine
Trust de Projectos Independentes
Octavia Moneedi
Child line – Moçambique
Priscilla Molaudzi
Child line – África do Sul
Berta Fumo
Rede Africana para a Prevenção e Protecção das Crianças Contra o Abuso e Maus Tratos
Kedir Awol
Omar
Comité Internacional da Cruz Vermelha
Angela Odiachi
USAID
Bridget Steffen
Médicos Sem Fronteiras (MSF)
Deidre Kleynhans
Save the Children Suécia
Karan Allan
Save the Children UK
Chris Bjornestad
Consultor
Khangelani
Moyo
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Sarah Norton-Staal
UNICEF
Yoko Kobayashi
UNICEF
Shapestone
Kazembe
Clube das Crianças de Chisomo – Malawi
Tinashe Chimbidzikai
AIDS Trust Sul-africano
Sipho Mfeya
Umthombo Advocacia para as Crianças de Rua
George Kalu
Monitorização da Media em África
Ronell Naidoo
Monitorização da Media em África
Barbara Kalima-Phiri
Trust da África Austral
Jorge Alberto
Instituto Nacional para as Comunidades Moçambicanas no Exterior
Nick vander Vyver
Organização Internacional para as Migrações
Malica de Melo
Rede da África Austral Contra o Tráfico e Abuso de Crianças
Unita Ndou
Organização Internacional para as Migrações
Monica Kiwanuka
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Ana van Eck
Consultora
Kathryn Takabvirwa
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Barbra Nyangain
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Katharina
Obser Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Godfrey Maringira
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Tatenda Mukwedeya
Universidade Wits
Bertha Chigurare
Projecto das Crianças Refugiadas
Mumfaz Mia
USAID
Gift-Chipo
Muponisi
Programa de Estudos sobre Migração Forçada
Heidi Loening-Voesey
UNICEF
Anne Anamela
Irish Aid
Yukiko Kumashiro
Organização Internacional para a Migração
Trevor Molife
Projecto para as Crianças Refugiadas
Lorena Núñez Programa de Estudos sobre Migração Forçada, Universidade WITS
22
Anexo 2: Relatório sobre a participação das crianças no seminário regional sobre as crianças que atravessam
fronteiras na África Austral, Joanesburgo, de 25 a 27 de Maio de 2009
Conversas com as crianças migrantes
Ber ta* é uma menina muito tímida de 11 anos, que veio de
Moçambique, há alguns anos, acompanhada pela família que
se fixou em Rhamaphosa, um bairro informal situado nos
arredores de Joanesburgo. Durante os recentes ataques xenófobos, a família procurou refúgio nos campos provisórios
que foram então criados. Aliciados pela promessa de a filha
poder frequentar a escola, os pais deixaram-na ir para um
abrigo informal nas proximidades, onde as condições não
eram adequadas a uma menina daquela idade. Recentemente, Ber ta mudou-se para uma casa de acolhimento de
crianças ali próxima e cujo pessoal está envolvido no processo de localizar a família. Ber ta foi uma das crianças que
par ticipou no seminário que teve lugar recentemente e que
visou debater questões de migração infantil na região.
Quando nos despedíamos no final de segunda-feira, dia em
que as crianças par ticiparam, Ber ta disse o seguinte: “Gostei tanto! Gostei de ter falado com todas aquelas pessoas.
Foram simpáticas e queriam saber mais sobre mim. Posso
cá vir em breve, outra vez?” Todas as fotografias que foram
tiradas durante o processo confirmam isso mesmo sobre a
Ber ta – a menina de sorriso aber to em todas elas!
Para a Ber ta e para as outras 14 crianças, o processo teve
início na sexta-feira à tarde, quando as fomos buscar a suas
casas e as levámos para o acampamento de crianças ali
per to, onde deveríamos passar juntos o fim-de-semana.
Todas as crianças em causa tinham vindo de dois grupos
de apoio que integram o Suitcase Project (Projecto Mala),
com base em Sophiatown Community Counselling Service
(Serviços Psicológicos Comunitários de Sophiatown), em
Joanesburgo. Essas crianças representavam o vasto conjunto
de crianças migrantes que vivem em Joanesburgo. Algumas
eram refugiadas do Burundi e da RDC, outras eram migrantes informais do Zimbabué e de Moçambique – e todas
tinham uma história para contar. A psicóloga do projecto
seleccionara crianças que, durante algum tempo, tinham
* O nome de Berta é fictício
Criança executando o trabalho
23
Appendix 2: Continuação
tomado par te no processo de terapia e que, segundo a
especialista, poderiam agora beneficiar da par tilha das suas
histórias.
Durante a fase de planeamento, relativo à par ticipação das
crianças no seminário, a equipa organizadora sentiu que era
impor tante que essa experiência de par ticipação tivesse
um significado especial, tanto para as crianças, como para
os adultos. Um dos objectivos principais do seminário era
transmitir aos par ticipantes adultos uma ideia e compreensão mais claras das questões com que as crianças migrantes
se debatem.
Tradicionalmente, a par ticipação de crianças num seminário
desta natureza teria normalmente incluído uma apresentação feita pelas crianças durante uma sessão plenária. Esse
contexto permite que as crianças mais confiantes falem
e que os adultos as escutem. No entanto, pensámos que,
desta vez, experimentaríamos algo diferente – a conversação entre crianças e adultos.
Para que o processo de conversação se tornasse mais fácil,
decidimos criar uma chamada caixa de conversação, com a
ajuda da qual as crianças poderiam par tilhar as suas ideias.
Foi precisamente nessas caixas que as crianças trabalharam
durante a sua estada no campo de final de semana.
Demos início ao processo na manhã de sábado, quando
as crianças executaram um enorme desenho a carvão, retratando a história dos diferentes lugares onde elas haviam
vivido. Seguidamente, e tendo escolhido uma dessas situações, as crianças serviram-se de pastel de óleo sobre tela
para fazerem um desenho em pormenor. Cer tas crianças
escolheram o momento em que, informalmente, atravessaram a fronteira; outras deram preferência ao campo de
refugiados; algumas privilegiaram o seu país de origem,
enquanto outras quiseram retratar os muitos lugares por
onde já tinham passado na África do Sul.
Depois de terem concluído o desenho, que fora realizado
em pormenor, as crianças deram início aos seus ‘pedaços
de conversação’, a par tir de peças tridimensionais que já
tinham sido recor tadas. Essas peças eram símbolos vários
como mãos, pessoas, sinais de adição e sinais de entrada
proibida.
Ao trabalharem com esses símbolos, por meio de colagem,
lápis e tinta e material impresso, as crianças retrataram o
seguinte:
• Problemas que eu enfrentei nesta situação
• Modos em que fui capaz de me ajudar a mim
próprio/a
• Pessoas/ coisas que me ajudaram
• De que modo me poderiam ter ajudado mais
Cada uma dessas peças serviu de ferramenta destinada a
gerar conversação entre as crianças e os adultos. As peças
foram todas colocadas numa caixa, a qual apresentava
a situação e servia de pano de fundo para as diferentes
peças. As crianças decidiram que todas as caixas deveriam
ter um espaço onde colocar uma seta representando um
passo apenas na sua viagem e que “mais estava para vir”.
Um esboço do processo que seguimos está incluído neste
relatório.
24
Na segunda-feira de manhã, num ambiente de enorme
excitação e de antecipação, deixámos o acampamento
para podermos preparar a nossa exposição de caixas de
conversação no local onde decorria o seminário.
Inicialmente, a comunicação social, e depois os par ticipantes
do seminário, foram convidados a conhecer as crianças,
que se apresentavam ao lado das suas respectivas caixas de
conversação, prontas para falarem de si aos adultos.
Seguidamente, as crianças apresentaram uma declaração
que tinha sido preparada com base nas discussões que
tínhamos tido durante o fim-de-semana. A referida
declaração integra igualmente este relatório.
A reacção dos par ticipantes adultos foi muito positiva.
Tornou-se óbvio que, para alguns, era a primeira vez que
interagiam directamente com crianças migrantes. Alguns
manifestaram aber tamente as suas emoções e outros expressaram um sentimento de choque em relação ao que
tinham acabado de ouvir contar. No decurso do seminário,
durante as várias discussões, os par ticipantes repor taram-se
às conversações que tinham tido com cer tas crianças. Ficou
claro que o contacto pessoal tinha tido impacto.
Volvida uma semana, encontrámo-nos com as crianças que
tinham feito par te do processo, a fim de transmitirmos
informação sobre o seminário e obtermos o retorno ou
feedback das crianças, sobre o processo. O que elas tinham
para dizer foi bastante esclarecedor. As crianças tinham
gostado imenso do acampamento e adorado ter estado
num local muito atraente, fora da cidade, gozando de boa
alimentação e das actividades lúdicas que tinham decorrido
– tinham-se diver tido! A diversão é uma par te impor tante
de qualquer processo par ticipativo – tem de ser uma experiência positiva para as crianças! Também nos confessaram sentirem-se tristes por terem de deixar a casa e as
suas famílias, transpor tando, dentro de si, um sentimento
de culpa em relação às outras crianças da família que não
tinham podido acompanhá-las na visita ao acampamento. Revelaram como tinha sido duro falarem das suas experiências durante o acampamento. Concordaram que, no
domingo de manhã, todas se tinham sentido tristes, quando
forçadas a meditar sobre as suas situações, com vista a posteriormente executarem os trabalhos de ar te.
É impor tante não descurar este aspecto, pois, por mais
bem preparadas que as crianças estejam, e por mais terapia
que já tenham recebido, tarefas desta natureza suscitam
emoções for tes nas crianças. O pessoal do Suitace Project,
com larga experiência, acompanhou as crianças durante
todo este processo. Muitas vezes os técnicos detiveram-se,
ao longo das actividades, para questionarem as crianças
sobre os seus sentimentos. Essa intervenção foi realizada
através de jogos e de discussões. As crianças foram capazes
de expressar o que sentiam e de identificarem esses sentimentos e o conselheiro ajudou-as a conterem as emoções.
Este tipo de apoio emocional é fundamental.
Durante as sessões de retorno, ou feedback, algumas das
crianças revelaram ter-se sentido cansadas durante a exposição de segunda-feira. Aqueles de nós que tínhamos
trabalhado com as crianças, detectámos esse cansaço e
concordámos que produzir um trabalho de ar te no es-
Appendix 2: Continuação
paço de apenas um fim-de-semana tinha sido um desafio
demasiado exigente para as crianças. Tínhamos passado o
tempo a jogar jogos, a subir a montanha nas proximidades
do acampamento e a saltar no trampolim para assegurar
que todos se diver tiam entre as sessões de trabalho, mas
parece-nos que o processo deveria antes ter decorrido
durante três dias, em vez de dois.
“Por vezes, quando conto a minha história a alguém, certas
pessoas dizem ‘ooh e aaah’ e eu vejo os sinais (choque) nas
suas caras. Às vezes, isso faz-me sentir como se a minha vida
fosse um completo desastre. Eu também mostrei às pessoas
algumas imagens que me retratam como uma rapariga corajosa e que é forte. Também gostei que tivéssemos feito aqueles
desenhos.”
A maior par te das crianças tinha gostado da experiência de
par tilhar as suas histórias com os adultos.
Algumas crianças comentaram a diferença entre falar com
a comunicação social e falar com os par ticipantes. Os jornalistas tinham feito perguntas mais pessoais. Uma criança
contou que o jornalista de uma rádio lhe tinha pedido que
repetisse par tes da sua história usando um francês correcto. Ela sentiu que tinha sido um exercício difícil. Algumas
crianças sentiram que os jornalistas tinham feito perguntas
indiscretas.
“Tive orgulho em contar a minha história.”
“As pessoas foram simpáticas para mim e não me
perguntaram nada que eu não fosse capaz de responder.”
Algumas crianças confessaram que tinham achado cer tas
perguntas difíceis de responder. O grupo concordou que
tinha sido especialmente difícil quando as pessoas inquiriam
sobre os pais.
“Foi difícil quando perguntaram ‘onde estão os teus pais?’.
Eu só fiz assim (ele coloca a mão no ar, à sua frente).
Eu simplesmente não respondi e pensei: ‘A esta, eu não
respondo.”
Uma das meninas declarou que tinha sido possível relatar a
sua história, mas que tinha sido difícil contá-la várias vezes …
“Foi bom contar a história a primeira vez, mas quando tive de
contar tudo outra vez, a outras pessoas, subitamente senti-me
triste.”
Uma rapariga do grupo referiu o modo como, muitas vezes,
as pessoas reagem chocadas quando ela lhes conta a sua
história. O grupo expressou a opinião de que tinha sido
impor tante que, nas peças de conversação, tivéssemos
incluído aspectos positivos da sua história.
No entanto, as crianças também mencionaram o facto de
os jornalistas terem respeitado o princípio de não revelarem nem caras, nem nomes. Um rapaz disse-nos, cheio de
orgulho, que tinha visto a sua história no The Star, mas o responsável pelo ar tigo tinha referido apenas o seu pseudónimo. Ele sentia-se orgulhoso pelo facto de a sua história
ter ajudado as pessoas a compreenderem melhor o que
significa atravessar a fronteira, mas sem saberem que aquela
era a sua história. Esses comentários relativos à comunicação social demonstram bem como é impor tante haver uma
breve reunião de esclarecimento com os jornalistas, antes
de eles interagirem com as crianças. Embora tivesse havido
cer tos aspectos do processo que poderiam ter sido realizados de forma diferente, a par ticipação das crianças foi bem
sucedida, permitindo que os adultos que tomam decisões
em relação às crianças migrantes as ouvissem e, acima de
tudo, o processo possibilitou que algumas das crianças mais
marginalizadas (como Ber ta, a menina tímida) pudessem
falar directamente, e na mesma plataforma, com os adultos
e decisores.
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Anexo 3 : Seminário Regional sobre Crianças Que Atravessam Fronteiras na África Austral, Processo de Participação da Criança. Apresentação geral do workshop de final de semana “Conversas com crianças migrantes”
Actividade 1: Conversas com crianças migrantes –
Uma introdução ao tema do seminário
1. Explicar quem vai estar presente no seminário e qual vai
ser o papel das crianças.
2. Conduzir uma sessão de troca intensa ou chuva de
ideias em pedaços de papel de vários tipos, colocados
num grande pedaço de papel castanho, usando palavras e
imagens ‘Coisas que gostaria de dizer sobre o que é ser
uma criança migrante’. Ler essas palavras em voz alta e
registá-las. Vamos usar essas palavras na ‘história digital’
(ver a seguir).
3. Discutir quem são as crianças migrantes. Explicar que
vamos fazer uma caixa de ‘coisas sobre as quais falar com as
pessoas e que lhes digam da vida de uma criança migrante’
– a caixa para as conversações. A caixa vai incluir, dentro
e fora, vários tipos de trabalho ar tístico que vai contar
as diferentes histórias das nossas vidas como crianças
migrantes.
Actividade 2: Os lugares onde vivi
As crianças vão usar um longo pedaço de papel e carvão
para mostrarem todos os lugares onde viveram. Falaremos
brevemente sobre eles.
Actividade 3: Escolher uma situação pela qual passei
As crianças escolhem uma situação em que se encontraram
e desenham-na num pedaço de tela, e depois colam esse
pedaço numa caixa grande pré-construída.
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Actividade 4: Questões (problemas) que enfrentei em
cada um dos lugares
Usando símbolos 3D, e utilizando colagem nos símbolos,
etc., as crianças vão mostrar quais as questões/ problemas/
desafios que tiveram de enfrentar nessa situação.
Actividade 5: A ‘ajuda’ que eu tive
De novo usando símbolos diferentes, que representam
diferentes organizações/ pessoas/ circunstâncias que as
ajudaram no seu percurso – vamos incluir uma discussão
sobre como os seus próprios atributos pessoais, os seus
pontos for tes e acções também as ajudaram.
Actividade 6: O que me podia ter ajudado mais
Uma vez mais, usando diferentes meios num símbolo, vão
agora apresentar as suas ideias em relação àquilo que
as poderia ter ajudado, mas que não conseguiram obter
naquela situação. Falaremos igualmente daquilo de que
as crianças necessitam actualmente, sobre o que fazer, de
como gostariam que fossem esses serviços, sobre o que
sentem que não está a ser feito, sobre o que as crianças
julgam poder elas próprias fazer - vamos focar em aspectos
relacionados com pessoas/ organizações e também sobre
aquilo que as ajudará a ajudarem-se a si mesmas. Lançamos
essa questão para evitar a idea de que ‘as crianças
migrantes são vítimas que precisam de ajuda’.
Actividade 7: Sessão de reflexão
As crianças observam atentamente o trabalho que
produziram e reflectem sobre o seu significado, e sobre o
seu potencial significado, e conversam entre elas, discutindo
aquilo que fizeram.
Anexo 4: Informação sobre as organizações anfitriãs
Informação sobre Save the children UK
Ainda morrem demasiadas crianças por não terem comida
suficiente, ou porque não conseguem obter tratamento
para doenças simples. Há milhões de crianças sem
educação, crianças que estão sendo exploradas e que são
vítimas de abusos, o que é lamentável. Estamos a mudar a
situação, em par te através do trabalho que desenvolvemos
directamente com as crianças, e também utilizando a nossa
experiência e influência para persuadir os governos e
outras entidades responsáveis pelas crianças a procederem
correctamente em prol dos menores.
Saímos à procura das crianças mais marginalizadas, onde
quer que elas se encontrem no mundo, e isso significa
que trabalhamos num vasto conjunto de países, desde
os estados considerados frágeis, como o Afeganistão, aos
países desenvolvidos, como o Reino Unido. Trabalhamos
em estreita colaboração com os nossos colegas da
Aliança Internacional Save the Children, tanto nos nossos
programas com crianças como nas nossas campanhas
internacionais e no trabalho de advocacia.
Temos for tes ambições em relação ao que desejamos
conquistar para as crianças – é nosso desígnio inspirar uma
mudança dramática para as crianças, envolvendo-as na
criação dessa mudança. Do mesmo modo que gostaríamos
de o envolver a si.
Os nossos valores
- Sentimo-nos ultrajados pela exploração, pelos maus
tratos e sofrimento das crianças. Exigimos justiça para
as crianças mais pobres e mais vulneráveis do mundo.
- Somos ambiciosos no que respeita alcançar uma
mudança dramática para as crianças, e estamos determinados a consegui-la. Nunca nos deixamos intimidar
por aqueles que pensam que as grandes mudanças são
impossíveis.
- Somos criativos. Procuramos novas e melhores formas
de ajudar as crianças, extraindo exemplos de perspectivas diferentes e de experiências de todo o mundo - especialmente das próprias crianças. Não receamos provocar e surpreender as pessoas quando essa abordagem se
traduz em realização do trabalho.
- Cumprimos as promessas que fazemos às crianças, aos
nossos apoiantes e parceiros, e uns aos outros. Trabalhamos muito no sentido de conquistar a sua confiança,
e assumimos a responsabilidade por tudo o que afirmamos e fazemos.
A nossa missão
Save the Children luta pelos direitos das crianças;
oferecemos melhorias imediatas e duradouras nas vidas
das crianças em todo o mundo. Par tilhamos a nossa visão
e missão com os nossos parceiros da Aliança Internacional
Save the Children.
Salvaguardar as crianças
Visamos ser uma organização de ‘segurança para a criança’.
Faremos tudo o que nos for possível para assegurar que a
experiência que as crianças e os jovens têm da nossa organização seja livre de qualquer forma de exploração e de
abuso e que elas se sintam respeitadas e em segurança.
Informação sobre o Programa de Estudos sobre Migração
Forçada (Forced Migration Studies Programme)
Fundado em 1993 como o Programa de Investigação sobre
os Refugiados, o Programa de Estudos sobre Migração
Forçada (FMSP), na Universidade Wits, é a principal
instituição da África Austral dedicada à investigação e à
formação sobre migração, humanitarismo e transformação
social. Com estudantes de toda a África e do mundo, o
programa oferece formação académica de rigor, experiência
de investigação prática, e acesso a uma rede de dedicados
profissionais, académicos e activistas.
Com base em Joanesburgo – o coração da cultura, da
política e da economia da África Austral – o programa
oferece um olhar atento sobre as causas e as consequências
da migração em África, sob uma perspectiva global.
Integrando a School of Social Sciences, o FMSP provê uma
introdução para quem ainda é inexperiente neste campo,
enquanto faculta opor tunidades para a reflexão crítica
àqueles que sejam já detentores de experiência prática.
Os graduados deste programa exercem actualmente
funções em universidades, em agências governamentais e
não governamentais, e em organizações internacionais em
África, na Europa e na América do Nor te.
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