HELENA, A PERSONAGEM DO PASSADO QUE REPRESENTA A

Transcrição

HELENA, A PERSONAGEM DO PASSADO QUE REPRESENTA A
HELENA, A PERSONAGEM DO PASSADO QUE REPRESENTA A MULHER
CONTEMPORÂNEA
Sayhara Mota Sampaio1
Professora Substituta da
Universidade Regional do Cariri - URCA
Antonia Jucilene Moraes Andrade 2
Professora participante do PIBID - URCA
RESUMO
O referido artigo pretende abordar o papel da mulher pautada na figura de Helena de
Machado de Assis. Helena é uma personagem que pode ser considerada “moderna”
apresentando e representando a mulher de hoje. O referido trabalho analisará a postura
de Helena que além de valores morais, soube superar todo o preconceito que a
sociedade tradicionalista lhe impôs. Desta forma, o artigo tem como objetivo fazer um
paralelo as condições da mulher frente aos desafios impostos pela sociedade da época
como a de hoje. Será abordado também a vida e obra do autor; Machado de Assis e
como esse configurou-se no cenário como escritor, além de fazer uma rápida exposição
sobre o enredo do livro. Portanto, Helena é uma mulher de caráter e que representa as
várias mulheres que não ganharam, mas conquistaram seu espaço na sociedade.
Palavras-Chave: Machado de Assis; Helena e mulher.
INTRODUÇÃO
Machado de Assis inaugura um estilo novo, uma forma de perceber a sociedade
através de uma fina ironia, mostrando a sociedade do Rio de Janeiro, como o seu tom
pitoresco. Desta forma, Helena se configura como uma obra que vem abrilhantar o
cenário e as narrativas da época. Nessa imersão Helena representa uma personagem que
se configura no passado com aspectos da mulher contemporânea.
1
Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira e Africana de Língua Portuguesa.
Professora Substituta da Universidade Regional do Cariri- URCA e do Ensino Básico pela rede municipal
do Crato.
2
Especialista em Gestão Escolar, Professora do Ensino Básico pela rede municipal do Crato. Professora
participante do P.I.B.I.D.
Destarte a mulher do passado era passível, não poderia expor suas ideias e
pensamentos. Contudo, na obra Helena de Machado demonstra o poder da mulher, não
apenas nessa obra, mas em várias outras narrativas. Helena apresenta uma personalidade
marcante, decisiva, e de uma atitude singular, A mesma chega a surpreender a todos da
família ganhando o carinho, amor e a confiança. Essa Helena demonstra como esta está
à frente da sua época, podendo ser considerada moderna.
Através da obra Helena podemos perceber a mulher contemporânea frente ao
desafio de enfrentar a vida em todos os âmbitos, uma mulher que assim como Helena
soube ultrapassar as barreiras da sua época.
Através da obra Helena podemos perceber a mulher contemporânea frente ao
desafio de enfrentar a vida em todos os âmbitos, uma mulher que assim como Helena
soube ultrapassar as barreiras da sua época.
1 MACHADO DE ASSIS; UM ESCRITOR REALISTA
Abordar Machado de Assis é relatar um escritos que foi além da sua época. O
mesmo se configura em duas fases; a primeira Romântica e a segunda; Realista. O autor
mesmo sendo considerado Realista, o seu modo de abordá-lo foge as estruturas formais
da época do século XIX.
Machado foi considerado pelos críticos como “percursor de tendências”, pois o
mesmo quebra os paradigmas da escola literária Realista. Segundo Antônio Cândido
temos que “[...] aos cinquenta anos era considerado o maior escritor do país, objeto de
uma reverência e admiração gerais, que nenhum outro romancista ou poeta brasileiro
conheceu em vida, antes e depois dele.” (CÂNDIDO, 2004, p.16)
Assim, Joaquim Maria Machado de Assis foi desde que despontou no cenário
como escritor admirado e apoiado pelos seus colegas. Nasceu no Rio de Janeiro em 21
de junho de 1839. Filho de uma família que não era rica, seu pai um operário mestiço de
negro e português; Francisco José de Assis e de D. Maria Leopoldina Machado de
Assis. Contudo perde a mãe cedo e é criado pelo madrasta Maria Inês.
Pouco se sabe sobre a sua infância e início de sua juventude, apenas que foi criado
no morro do Livramento. Estudou em escola pública, e sabe-se que se dedicou aos
estudos. Após o pai falecer em 1851, Maria Inês muda-se e vai trabalhar como doceira
em um colégio do bairro, assim como Machado que torna-se vendedor de doces e
provavelmente assistisse aulas no colégio enquanto não trabalhava.
Aos poucos e com um círculo de amigos como; Joaquim Manuel de Macedo, José
de Alencar e Gonçalves Dias e Manoel Antônio de Almeida ele demonstra sua
habilidade com 1as “letras”. Desta forma começa a publicar suas obras românticas e em
1879 lança; Ressurreição, contudo foi com a publicação de Memórias Póstumos de Brás
Cubas, que o mesmo foi original e despontou na literatura brasileira, uma obra não
convencional integrante da “fase madura” de Machado.
Memória Póstumas de Brás Cubas conseguiu subverter a nação de romance que
até então fazia parte do cenário brasileiro e que com O Mulato de Aluísio de Azevedo,
iniciou a escola Realista no Brasil. O mesmo conseguiu fazer uma obra realista, não no
sentido da estética, mas no modo como a arte procedeu, em que os personagens tornamse “humanizados” com características reais e fatos e situações que conferia a realidade.
Desta forma, o Realismo proporcionava uma aproximação ou um distanciamento
quando havia maior ou menor grau de ilusão de referencialidade. Destarte, Machado de
Assis consegue aproximar o leitor a partir de seu diálogo com o mesmo, fazendo com
que este interaja com a obra e estabeleça relações e faça um paralelo com ela
percebendo-se como sujeito passível e possível das suas mazelas. Assim, Gasset afirma
que [...] faziam a sua obra consistir, quase inteiramente, na ficção de realidades
humanas [...] toda a arte normal da centúria passada foi realista [...] (GASSET, 2005,
p.28). O referido autor supracitado ainda consegue elencar fatos que devem ser
dispostos e entendidos para a compreensão totalizante de uma verdadeira obra, assim
ele retrata:
Os amores, ódios, dores, alegrias das personagens comovem o seu
coração; participa deles, como se fossem casos reais da vida. E diz que
é “boa” a obra quando esta consegue produzir a quantidade de ilusão
necessária para que as personagens imaginativas valham como
pessoas vivas. (GASSET, 2005, p.25-26).
Então podemos observar que Machado consegue se impor como um autor que
mais do que qualquer outro demonstrou realidades e fatos cotidianos e que o homem
deve conviver com vários sentimentos dualistas e com a dúvida de qual caminho seguir,
Abel José Barros Baptista vem completar essa afirmação ao dizer que Memória
Póstumas:
[...] quando apareceu, em 1880, em um Rio de Janeiro ainda marcado
pela novela romântica, esperando da literatura e preparando-se para se
converter aos rigores do naturalismo? [...] o humanismo machadiano e
a novidade de Memórias Póstumas de Brás Cubas repousam por
inteiro em certa noção de romance, esta mais perceptível para leitores
treinados na ficção do século XX (BAPTISTA, 2008, p.18,20).
Essa possível humanização na arte, continuou como tendência ainda na produção
cultural do século seguinte, no qual o leitor é um agente ativo no processo da narrativa e
participa do enredo e não apenas a percebe como linguagem somente. Desta forma, o
autor supracitado inaugura um estilo que se perpetuou ao longo dos séculos e
diferentemente dos seus antecessores românticos abordou um Brasil, mais crítico,
menos glorificado, mas real, de cor e misturas que causaram inúmeros problemas no
âmbito social.
O texto machadiano percebe e exalta a realidade em si mesmo, não se firmando as
convenções da época. O mesmo foge aos padrões e estereótipos, suas obras estão mais
próxima da história do que da ficção. A ambientação das histórias remete mais aos
“tipos” que o Rio apresenta. Outra características marcantes do autor é a observação
psicológica das personagens, mostrando um tom pessimista. Essas características o
distancia dos demais autores da sua época e o coloca em um patamar acentuado de
observações. Antônio Cândido relata que:
[...] sua “ironia fina”, seu “estilo refinado”, suas “alusões”, seu
“eufemismos” não chocavam, ao contrário dos naturalistas, a moral
famíliar, mais ainda “lisonjeava” o público mediana, dando-lhes o
sentimento de que eram inteligentes a preço módico [...] num
momento em que Zola preconizava o inventário maciço da realidade,
ele [Machado] cultivou livremente o elíptico, o fragmentário,
intervindo na narrativa com bisbilhotice saborosa[...] (CÂNDIDO,
2004, p.18,19,22).
Destarte, Machado foi um escritor a frente do seu tempo, conseguiu ser e escrever
o que realmente queria e gostava, procurou deter-se no local, nacional, mas conseguiu
atingir uma esfera maior, o mundo. Através das suas obras como comédias, poesias,
romances, contos, teatro, antologias, manifestou-se como um escritor habilitado para dar
mais vida a literatura nacional.
Portanto, Machado de Assis conseguiu com a sua produção literária, fazer do
século XIX, um século crescente de possibilidades. Pintou a cor local com suas
tristezas, mazelas, elementos pitorescos, sem esquecer que estava representando outras
nações. Os enredos com fatos da realidade transmitia aquilo que o homem sentia na
época. O seu diálogo com o leitor era um diálogo com o próprio mundo.
2.BREVE ESTUDO SOBRE HELENA
A personagem Helena que deu o nome a própria obra foi publicada em 1876 por
Machado de Assis. Essa obra apresenta não um enredo linear de fácil observação, mas
se configura como enredo cheio de mistério e suspense, brincando com a imaginação do
leitor.
A narrativa apresenta capítulos curtos e promove uma interação direta com o
leitor, mantendo um diálogo constante. A obra possui características que pertence ao
classicismo, Romantismo e Realismo. Embora seja considerada Romântica e faça parte
da primeira fase de Machado de Assis, a mesma rompe com determinadas funções e
características dessa escola, apresentando peculiarmente traços realistas, o desfecho é
típico das tragédias gregas.
D. Úrsula e Estácio não contava-lhes que Helena através da sua força, coragem e
avidez pudesse ser maior e ganha a confiança e o amor de todos, pelo seu caráter e pelos
bons modos que a mesma apresentava. Assim em uma passagem temos;
Helena sorriu de alegria e agradecimento; era a primeira palavra de
verdadeira simpatia que ouvia a D. Úrsula. Bem o compreendeu esta e
talvez a mortificou aquela espontaneidade do coração. Mas era tarde.
Não podia recolher a palavra não podia sequer explicá-la. (ASSIS,
2007, p.)
Assim, nos primeiros capítulos de Helena o autor faz uma descrição minuciosa da
personagem, descrevendo-a como além de bonita, dócil, afável e inteligente, possuía
também predicados de uma moça europeia, no qual sabia bordar, desenhar, desenhar,
tocar piano e falar francês. Podemos constatar isso no seguinte trecho:
Helena tinha os predicados próprios a captar a confiança e a afeição da
família. Era dócil, afável, inteligente. Não eram estes contudo, nem
ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que a tornava
superior e lhe dava probabilidade de triunfo, era a arte de acomodar-se
às circunstâncias do momento e a toda a casta de espíritos, arte de
acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda a casta de
espíritos, arte preciosa, que faz hábeis os homens e estimáveis as
mulheres. Helena praticava de livros ou de alfinetes, de bailes ou de
arranjos de casa, com igual interesse e gosto, frívola com os frívolos,
grave com os que o eram, atenciosa e ouvida, sem entornos nem
vulgaridade. Havia nela jovialidade da menina e a compostura da
mulher feita, um acordo de virtudes domésticas e maneiras elegantes.
(ASSIS, 2007, p. 22)
Helena consegue superar as expectativas e conseguir a confiança da família. O
próprio nome Helena provém da forma latina Helen que essa se deriva da palavra helene
que na mitologia grega era filha de Zeus e Leda, e ao ser raptada por Páris, deu origem a
Guerra de Tróia. Essa Helena mitológica além de ser bela, causa grandes problemas
pela sua inserção noutra sociedade.
Dr. Camargo, amigo da família, a quem via com bons olhos o namoro da filha
Eugênia com Estácio. Eugênia sua única filha, tinha características de uma moça que
não podia ser contrariada e era mimada e caprichosa. Pode-se observar os seus
prediletos através da seguinte citação:
Era de pequena estatura; tinha os cabelos de um castanho escuro e os
olhos grandes e azuis, dois pedacinhos do céu, abertos em rosto alvo e
corado; o corpo, levemente refeito, era naturalmente elegante; mas se
a dona sabia vestir-se com luxo, e até com arte, não possuía o dom de
alcançar os máximos efeitos com os meios simples. [...] chegava a
adorar toda a graciosa futilidade de Eugênia; concedia alguma coisa a
idade, à educação, aos costumes, a ignorância da vida. (ASSIS,2007, p
.26-29)
Destarte Eugênia à primeira vista conseguiu roubar o coração de Estácio, mas com
o tempo foi exaurido principalmente pela chegada inesperada de Helena. Esta graciosa e
com um humor que lhe vinha da alma humilde e singular. Através das respostas de
Helena faz despertar um sentimento novo e guardado as sete chaves, por este ser
considerado seu irmão.
O padre Melchior, teve papel fundamental na família, pois era o conselheiro da
mesma, levando-os a diversas reflexões. O padre foi o primeiro a perceber que Helena e
Estácio se amavam como reflete o seguinte trecho: “Quis a fortuna que entre vocês dois
não houvesse a imagem da infância e a comunhão dos primeiros anos; que em plena
mocidade, passassem do total desconhecimento um do outro, para a intimidade de todos
os dias. Esta foi a raiz do mal”. (ASSIS, 2007, P.122). Desta forma, os conselhos
sempre tinha o apoio do padre Melchior e ele teve o papel fundamental para os dois
tomarem uma decisão em relação a isso, como é observado em:
São irmãos e amam-se. A poesia trágica pode fazer do assunto uma
ação teatral; mas o que a moral e a religião reprovam, não deve achar
guarida na alma de um homem honesto e cristão. [...] Estácio disse o
padre, depois de olhar para ele um instante. Compreendo quisera
despojar Helena do título que seu pai lhe deixou, para lhe dar outro e
ligá-la à sua família por diferentes vínculo...Estácio fez um gesto
como protestando. Esquece duas coisas graves: o escândalo e o
casamento de um e outro; já se não pertence, nem ela se pertence a si.
Vamos lá; seja homem. Sepultemos quanto se passou no mais
profundo silêncio, e a de amanhã. (ASSIS, 2007, p. 123-143).
A trama ganha vida e torna-se clara através das palavras de Melchior ao dar
conselho a Estácio tanto antes quando pensavam que eram irmãos, quanto quando
Estácio descobrem que não é e quer ligar-se a ela pelo casamento. Mas, Melchior lhe
adverte quanto a contar tudo o que se passou em segredo a sociedade e isso lhes fariam
vítimas da mesma pelos valores que lhes eram cobrados.
Antes dessa descoberta Helena pretende se casar com Mendonça, o companheiro
de aula de Estácio, fazendo com que este também se case com Eugênia e estaria tudo
bem, pois sabia que eles não poderiam estar juntos. Contudo com a descoberta, Estácio
quer tê-la, mas esta não suportaria a decepção da sociedade frente a toda a verdade.
A urbanização, a dualidade do certo e o errado, do divino e do pecado estão em
toda a parte da narrativa. Assim, a obra Helena ganha vários clímax que vai mudando
de elevo conforme se descobre e aparece fatos novos. Machado brinca com a
imaginação do leitor e as várias possibilidades que pode ocorrer.
Helena mesmo que de forma indireta faz referência a cultura Clássica. Desde o
próprio nome até os moradores que pertence ao centro do império e eram considerados
helenistas. A protagonista apresenta características mitológicas, aproximando dos
deusas e musas das tragédias, o desfecho pode traduzir isso melhor, pois ele parece mais
uma tradução romanceada de tragédias greco-romana. Como podemos perceber no
seguinte trecho:
Adeus! Suspirou a alma de Helena, rompendo o invólucro gentil. Era
defunta. [...] A morte não diminuíra a beleza da donzela; pelo
contrário, o reflexo da eternidade parecia dar-lhe um encanto
misterioso e novo. Estácio contemplou-a com os olhos exaustos, o
padre com os seus úmidos. [...] Enfim, inclinou-se também, e a fronte
do cadáver recebeu o primeiro beijo de amor. Fecharam o féretro; ao
moço pareceu que o encerravam a ele próprio. Saindo o enterro,
deixou-se Estácio cair numa cadeira, sem pensar nada, sem sentir
nada. (ASSIS, 2007, p.152,153)
Portanto, o final de Helena mais parece um teatro grego, com uma tragédia a
altura. O casamento na obra Helena sofre profunda analise e a dualidade do amor e do
ódio ganha força na narrativa. Finalmente Helena e Estácio diante de um duelo desses,
preferiram a morte que é mais real e para a narrativa solução de todos os problemas e
para o leitor catarse das emoções mais íntimas e universal.
3.HELENA A PERSONAGEM DO PASSADO QUE REPRESENTA A MULHER
CONTEMPORÂNEA
Os romances de Machado de Assis apresenta a mulher não como um ser
dominado, mas como um ser dominador. Através de suas características, sua força de
vontade e a própria situação econômica, seja favorável ou não, elas possuem o poder de
dissimular de serem astuciosas, de serem ambíguas diante de alguns dilemas. Desta
forma, em Helena não poderia ser diferente, a mesma apresenta uma fina ironia de quem
tem conhecimento e experiência do mundo, sendo assim, considerada pelos críticos
como uma personagem moderna para a sua época.
Segundo Marisa Lajolo Machado de Assis procura atribuir as mulheres nomes
bem sugestivos: Capitu, sugerindo a ideia de Capitã, comandante; Sofia, sugerindo a
idéia de sabedoria; Iaiá, tendo a idéia de patroa (Lajolo, 1980). Assim como Helena que
apresenta características mitológicas e que mudou o seu destino e de toda uma
sociedade, após ser raptada por Páris. Desde os primeiros capítulos se percebe a força
que ela tem diante dos acontecimentos e como era considerada uma causadora de
problemas, assim como na mitologia, assim temos:
A nova filha era, no seu entender, uma intrusa, sem nenhum direito ao
amor dos parentes; quando muitos, concordaria em que se lhe devia
dar o quinhão da herança e deixa-la à porta. Recebê-la, porém, no seio
da família e de seus castos afetos, legitimá-la aos olhos da sociedade,
como ela estava aos da lei, não o entendia D. Úrsula, nem lhe parecia
que alguém pudesse entendê-lo. A aspereza destes sentimentos
tornou-se ainda maior quando lhe ocorreu a origem possível de
Helena. (ASSIS, 2007, p.12).
Helena então era considerada como uma intrusa como um ser que não pertencia
aquele ambiente que agora foi lhe posto como seu. A nova integrante da família teria
que ser forte para superar todas as dificuldades que iria lhe abater diante dessa
imposição posta pela lei e pela vontade do seu pai adotivo, Conselheiro Vale. Helena
mesmo apresentando várias qualidades de moça prendada como era imposto para as
mulheres na época ela possui altivez e personalidade como pode-se verificar no seguinte
trecho em que conversa com Estácio:
-Não, senhor; fiz um furto. –um furto! – Fui procurar um livro na sua
estante. – E que livro foi? – Um romance. – Paulo e Virgínia? –
Manon Lescaut. – Oh! Exclamou Estácio. Esse livro...- Esquisito, não
é? Quando percebi que o era, fechei-o e lá o pus outro vez. – Não é
livro para moças solteiras...- Não creio mesmo que seja para moças
casadas replicou Helena rindo e sentando-se à mesa. Em todo o caso,
li apenas algumas páginas. Depois abri um livro de geometria... e
confesso que tive um depois... Imagino! Interrompeu D. Úrsula. O
desejo de aprender a montar a cavalo concluiu Helena. Estácio olhou
espantado para a irmã. Aquela mistura de geometria e equitação não
lhe pareceu suficientemente clara e explicável. Helena soltou uma
risadinha alegre de menina que aplaude a sua própria travessura.
(ASSIS, 2007, p.31).
Desta forma, Helena não é uma personagem convencional e que segue os padrões
convencionais, embora apresente vários dotes de uma boa moça, mas a sua
determinação, a força com que pronuncia as palavras a sua espontaneidade e a sua
coragem para dizer a que pensa e o que acredita é admirável e configura-se como um
mulher contemporânea, cheia de determinação e atitude.
O leitor consegue captar através da obra Helena as “deixas” do narrador que por
meio dos diálogos consegue-se captar as reflexões que o próprio autor faz da sociedade
como dos tipos que compõe a mesma. No trecho supracitado acima perceber-se duas
obras determinantes como Paulo e Virgínia pertencentes a mitologia grega, no qual
morrem apaixonadas. Já em Manon Lescault, conta a história da jovem sibarita que é
deportada para América e morre não aceitando Grieux o seu amado.
As duas obras possibilita e retrata a dualidade do amor e morte, criando além
disso a noção das características de Helena, já que Virgínia é pura e casta, enquanto
Manon é o contrário, ficando a dúvida se Helena se assemelharia a primeira ou a
segunda personagem. Como a próprio obra foge aos padrões Românticos, a personagem
poderia se assemelhar ao não convencional e ser moderna.
Nessa luta incessante e no cenário atual a mulher ganhou espaço, pode expressarse de maneira clara as suas ideias e opiniões. A mulher contemporânea não se deixa
abater pelas dificuldades da vida, ela vai à luta pelo que acredita. A fragilidade de antes
foram trocadas ou adicionadas a várias outras.
Desta forma, Helena dentro da obra com sua atitude quebra os paradigmas que até
chega a causar espanto e surpresa pela sua sinceridade em relação a vários aspectos.
Machado de Assis ao relatar essa mulher mostra-a não como um ser dominado e
angelical, mas como dominante da situação e que consegue convencer a todos. Como no
seguinte trecho:
Valem muito os bens da fortuna dizia Estácio, eles dão a maior
felicidade da terra, que é a independência absoluta. Nunca
experimentei necessidade a necessidade; mas imagino que a pior que
há nela não é a privação de alguns apetites ou desejos de sua natureza
transitórios, mas sim essa escravidão moral que submete o homem aos
outros homens. A riqueza compra até o tempo, que é o mais precioso e
fugitivo bem que nos coube. Vê aquele preto que ali está? Para fazer o
mesmo trajeto que nós, terá de gastar, a pé mais uma hora ou quase
[...] Tem razão disse Helena. Aquele homem gastará muito mais
tempo do que nós em caminhar. Mas não é isto uma simples questão
de ponto de vista? A rigor, o tempo corre do mesmo modo, quer o
esperdicemos, quer o economizemos. O essencial não é fazer muita
coisa no menor prazo; é fazer muita coisa aprazível ou útil. Para
aquele preto o mais aprazível é, talvez, esse mesmo caminhar a pé,
que lhe alongará a jornada, e lhe, fará esquecer o cativeiro, se é cativo.
É uma hora de pura liberdade. – Estácio soltou uma risada. Você
deveria ter nascido...- Homem? – Homem e advogado. Sabe defender
com habilidade as causas mais melindrosas. Nem estou longe de crer
que o próprio cativeiro lhe parecerá uma bem-aventurança, se eu
disser que é o pior estado do homem. (ASSIS, 2007, p. 36 e 37).
Desta forma, Helena não é uma personagem que se enquadra na sua época, mas
está a frente do seu tempo, é contemporânea, pode-se configurar como uma mulher da
atualidade. Segundo Selena Castiel Gualberto temos:
O cenário esculpido no começo do século XX traduzia a ideia clara da
mulher submissa e coadjuvante, possuindo papel secundário na
liderança das decisões da família, atendendo-se a educação dos filhos
e administração dos afazeres domésticos, tendo a função suplementar
de cuidar do marido, sem contato social, afetivo e atividade
profissional intelectual de maior porte, fato que se modificou
drasticamente como o início da Primeira Guerra Mundial
(GUALBERTO, 2012, p.3).
Desta forma, a mulher até então é vista como dominada não era ativa no cenário
profissional. Contudo pela grande crise que a sociedade enfrentou a mulher conseguiu
ganhar status social, atingir um patamar mais elevado. Assim alguns autores aprofundase no tema e chega a apontar que com a urbanização, a industrialização e modernidade.
Assim podemos perceber que:
A expansão do mercado, a crescente urbanização e o acelerado ritmo
da industrialização configuraram um momento de grande crescimento
econômico, favorável à incorporação de novos trabalhadores,
inclusive os de sexo feminino. (BRUSCHINI, 1994, p.65)
Destarte, foi como essa possibilidade que a mulher ganhou autonomia dentro e
fora de casa passou a ser sujeito da sua própria história, tendo autonomia direta e
indireta. Helena como podemos ver consegue configurar-se como uma personagem do
passado em função do futuro da contemporaneidade. Helena é mais do que uma mulher
comum é uma mulher que tenta vencer as barreiras e os preconceitos desde o começo
existentes pela isenção em uma família que na realidade não lhe pertencia.
A mulher da atualidade possuem essa mesma habilidade e com a derrotada
jornada dos chefes de família, a mulher ganha o espaço definitivo. Segundo Gualberto
“A mulher deixa seus olhares para funções mais preponderantes dentro da sociedade,
buscando ascensão financeira desgarrada da via única do casamento (GUALBERTO,
2012, p.4). A mulher então conseguiu se firmar como um ser forte e que agora não
depende do homem.
Contudo, essa independência da mulher fez com que a mesma acumulasse funções
e a sobrecarrega-se já que agora exerce a função de mãe, dona do lar, esposa e
profissional. Com essa sobrecarga lhes rendeu outros problemas de ordem estrutural e
familiar.
Portanto, a mulher garantiu seu espaço e hoje mostra sua força e sua autonomia.
Helena, mais do que ninguém representa esta mulher, assim como a da atualidade que
mesmo sofrendo preconceito não se deixou arrolhar pelas dificuldades da sociedade.
Enfim a mulher apresenta-se como uma beleza peculiar, singular e que mais deve ser
considerada um sexo frágil.
CONCLUSÃO
O artigo promoveu um embate entre o passado e o presente da mulher, através da
personagem Helena. Essa se configura como uma pertence ao Romantismo, mas
apresenta características Realista. Machado de Assis soube como ninguém escrever a
sua época com tons pitorescos.
A mulher assim ganhou seu status, seu espaço na sociedade, deixou de lado o
preconceito e se inseriu no mercado de trabalho. No entanto essa inserção acarretou
também inúmeros problemas no âmbito familiar, já que a mesma acumulou diversas
funções sendo dona de casa, esposa, mãe e profissional. Assim Helena representa essa
mulher forte e guerreira que não se deixa abater pelas dificuldades.
Portanto, tanto Helena quanto as mulheres são determinadas e não um ser frágil e
dominado, mas um ser dominador. A mulher então é bonita, atraente e sedutora, e acima
de tudo um ser virtuosa.
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