As estratégias espaciais para integração de políticas - FICH-UNL
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As estratégias espaciais para integração de políticas - FICH-UNL
As estratégias espaciais para integração de políticas ambientais brasileiras CARVALHO, Alexandre Fernandes; MONTAÑO, Marcelo Núcleo de Estudos de Política Ambiental – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo [email protected] Telefone: +55 16 33738263 Avenida Trabalhador Sãocarlense 400 – CEP 13566-590 Caixa Postal 359 – São Carlos/SP – Brasil O excesso de ações incoerentes sobre o meio ambiente demonstra claramente a dificuldade na implementação das políticas ambientais pelo sistema de planejamento de uso do solo brasileiro. Uma das condições cruciais para o efetivo processo de planejamento e de implementação de políticas públicas é a integração de políticas setoriais pelo planejamento de uso do solo. Neste sentido, o presente trabalho contribui para a discussão sobre integração política pelo planejamento de uso do solo identificando lacunas no contexto brasileiro. Visando o alcance do objetivo, em um primeiro momento são detalhados os aspectos institucionais dos seguintes instrumentos de planejamento de uso do solo: Zoneamento Ecológico Econômico, Estudo de Impacto Ambiental, Plano de Bacia e Plano Diretor. No segundo momento são identificadas as lacunas deste sistema por meio da análise dos objetivos e da estrutura institucional e organizacional das políticas de meio ambiente, de recursos hídricos e urbana. Como resultado as políticas apresentaram certo grau de similaridade em seus objetivos, visto que todas possuem princípios de sustentabilidade ambiental incorporados. A estruturação procedimental e a atribuição de competências do sistema de planejamento do uso do solo brasileiro demonstram algumas lacunas que interferem diretamente sobre as decisões tomadas sobre o território. Assim, conclui-se que a apresentação de similaridades pelos objetivos não garantem sua expressão de forma integrada através do planejamento do uso do solo, e que grande parte das lacunas apresentadas pelo contexto brasileiro relaciona-se à falta de avaliações ambientais mais abrangentes, que sejam flexíveis as dinâmicas locais de desenvolvimento, realizadas anteriormente às tomadas de decisões e integradas aos instrumentos de planejamento de uso do solo em diferentes escalas. Palavras-chaves: Integração de políticas ambientais, planejamento do uso do solo, instrumentos de política ambiental; 1. Introdução Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, em 1992, 191 países se comprometeram a preparar estratégias nacionais para alcançar o desenvolvimento sustentável (UNCED, 1992). Após dez anos, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, reafirmou o compromisso e o tornou foco de prioridade internacional, de forma oficial, através dos documentos resultantes (LITTLE, 2003). Nesta última ocasião foi enfatizado o papel de processos efetivos de planejamento e de formulação política, que integrem os objetivos das diferentes dimensões políticas existentes, como condição crucial para o cumprimento do acordo internacional de busca pelo alcance do desenvolvimento sustentável. Essa constatação ficou evidente a partir da comprovação de que a atuação do setor ambiental de forma desarticulada não conseguia garantir os níveis suficientes de proteção ambiental, e ao invés disso, deixava o estado ambiental criticamente afetado pelas políticas setoriais (ALAHUHTA et al., 2010). Segundo Koresawa e Konvitz (2001), esse tipo de situação ocorre porque os setores políticos frequentemente prestam pouca atenção ao contexto geográfico mais amplo, dos impactos territoriais resultantes das atividades e políticas, e adotam uma única e simples, perspectiva setorial. De forma a tentar reverter esta situação e representar um dos principais objetivos estratégicos contemporâneos, o planejamento de uso do solo considera as interações entre os setores políticos de acordo com as diferentes unidades territoriais, abordando diversos tipos de problemas entre uma grande variedade de setores políticos através da preocupação com a coordenação das políticas (KORESAWA e KONVITZ, 2001). Sendo o planejamento de uso do solo uma forte ferramenta para a implementação de sustentabilidade, diversas são as razões que o conferem determinada capacidade, como o caráter antecipatório de forma proativa ao invés de reativo, a coordenação de diferentes questões ao invés da competição, e a capacidade de formular decisões baseadas nos objetivos compartilhados pela comunidade (KEYSAR, 2005). A partir dessas constatações, as agendas política de vários países se voltaram para a reformulação dos sistemas de planejamento como mecanismo para melhorar a integração, tanto horizontalmente entre os setores e domínios políticos, quanto verticalmente entre os atores políticos e as diferentes escalas de governança (COUNSELL et al., 2006; STEAD e MEIJERS, 2009). É importante ressaltar que essas iniciativas frequentemente envolvem uma rede de agentes e recursos entre as diferentes escalas espaciais e arranjos institucionais na busca pela melhoria de qualidade de vida (MOULAERT et al., 2007). No Brasil, além das inúmeras tentativas de correção dos desvios de uma agenda de políticas públicas historicamente desvinculadas dos aspectos ambientais, tem sido encontrada grande dificuldade na inserção da variável ambiental de forma efetiva nas tomadas de decisões sobre o uso do solo brasileiro (OLIVEIRA et. al., 2009). Esta insuficiência no alcance de ações mais sustentáveis ambientalmente sobre o território pode ser explicada pelo tratamento profundamente desarticulado que vem sendo dado as políticas ambientais brasileiras há algumas décadas, que são aplicadas por órgãos independentes, vinculados a ministérios diferentes e, não raras vezes, com objetivos contraditórios (SÁNCHEZ, 2006). Condizentes com esta necessidade, Ross e Dover (2008) afirmam que a conexão entre os objetivos, funções e processos do governo se tornou uma forte pretensão prática e teórica devido à necessidade de melhoria na coordenação e efetividade da administração pública sobre a implementação de políticas. Segundo os autores, a integração de políticas é um caminho para a implementação das políticas públicas ambientais, mas que, porém, apresenta dificuldades em ser alcançada por três razões: 1) vai contra os princípios da especializada e hierárquica administração pública; 2) a quantidade de outros setores relevantes políticos, sociais, econômicos e de infra-estrutura, que afetam esses problemas é muito grande; 3) o meio ambiente como área de atuação do governo, é relativamente fraco na maioria dos municípios e a área mais ampla do desenvolvimento sustentável está apenas emergindo como área de atuação do governo. Considerando que uma questão essencial para o processo de implementação de políticas ambientais no Brasil seja o papel das estratégias de planejamento de uso do solo brasileiras na integração de políticas ambientais ao processo de desenvolvimento territorial, este trabalho discute sobre a integração de políticas pelo planejamento de uso solo brasileiro a partir do detalhamento das estratégias brasileiras de planejamento de uso do solo e da identificação de lacunas nesse contexto. 2. Aspectos metodológicos O conceito de integração entre políticas inclui entre outras questões a prevenção de conflitos políticos e a tentativa de criar sinergias entre as políticas por meio do uso dos mesmos objetivos ou de convergência entre estes para a formulação das políticas (GEERLINGS e STEAD, 2003). A coordenação entre políticas setoriais representa um dos principais objetivos estratégicos do planejamento espacial contemporâneo (COUNSELL et al., 2006). De acordo com Stead e Meijers (2009), entre os principais facilitadores e inibidores de integração política estão os fatores políticos e institucionais e organizacionais. Para o fator político, as similaridades entre as diferentes agências envolvidas na formulação de políticas são as principais responsáveis pelo grau de integração entre estas políticas (STEAD e MEIJERS, 2009). Os autores afirmam como similaridades o entendimento compartilhado sobre os objetivos e assuntos políticos, o consenso sobre a forma correta de abordá-los, e os destacam como aspectos essenciais para facilitar o início de integração de políticas. Para os fatores institucionais e organizacionais, a burocratização e fragmentação do governo não auxiliam na condução de integração política na medida em que, mesmo que necessárias, dificultam a comunicação, inovação e resultam em regras e ações contraditórias (STEAD e MEIJERS, 2009). Neste sentido, as similaridades em termos de objetivos e estrutura organizacional são importantes e condicionantes facilitadores para a integração de políticas. Assim, considerando a importância da convergência e sinergia entre os objetivos e a estrutura institucional e organizacional para a integração de políticas e sua relação com o planejamento do uso do solo, este trabalho detalha, em sua primeira parte, o contexto institucional de implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, da Política Nacional de Recursos Hídricos, do Estatuto da Cidade e de seus instrumentos de planejamento do uso do solo, e na sua segunda parte, apresenta uma discussão inicial sobre as lacunas de integração destas políticas pelo planejamento de uso do solo brasileiro a partir da análise das similaridades entre os objetivos e da estruturação institucional do processo de planejamento do uso do solo. 3. O contexto de implementação das estratégias espaciais brasileiras No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 23, a competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios pela proteção do meio ambiente e, em seu artigo 225, o direito público pelo meio ambiente e a obrigação do poder público e da coletividade em defendê-lo e preservá-lo intra-geracionalmente. Embora exista um esclarecimento prévio em relação às competências e obrigações do poder público em torno da proteção dos recursos naturais brasileiros, a recorrência de diferentes problemas ambientais tem evidenciado uma grande dificuldade na implementação prática e articulada das políticas públicas ambientais pelo governo. Visando a resolução deste desafio, o Brasil apresenta algumas estratégias espaciais e atribui a responsabilidade de integração política, por meio do sistema de planejamento de uso do solo, de forma compartilhada entre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e o Estatuto da Cidade. Assim, buscando a expressão prática destas políticas pelo planejamento de uso do solo foram implementados, em diferentes épocas, quatro instrumentos, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o Plano de Bacia (PB) e o Plano Diretor (PD), os quais são apresentados em maiores detalhes nos itens seguintes. 5.1. A Política Nacional do Meio Ambiente A regulamentação do uso dos recursos naturais firmou seus primeiros passos no Brasil com a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981 (PNMA – Lei Federal 6.938), apresentando importantes premissas e princípios do desenvolvimento sustentável em seus objetivos, mesmo sendo anterior à definição do Relatório Brundtland. A PNMA estabelece as principais diretrizes para a formulação e implementação do Planejamento e Gestão ambiental brasileiro, objetivando o controle e a regulamentação dos interesses difusos sobre o uso de recursos naturais e a orientação das ações do Poder Público nos assuntos relacionados à preservação e manutenção da qualidade ambiental. A responsabilidade pela sua execução prática é atribuída ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA – constituído por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, com especial destaque ao CONAMA, IBAMA e Secretaria do Meio Ambiente) por meio da instituição de 13 instrumentos. A partir do arranjo instrumental proposto pela PNMA pode-se compreender uma lógica procedimental de planejamento ambiental, na conexão, complementação e atuação de cada um destes instrumentos (OLIVEIRA et al., 2009), e pode-se também notar que as tomadas de decisões de forma espacializada são orientadas por apenas dois dos seus instrumentos, o Zoneamento Ecológico Econômico e o Estudo de Impacto Ambiental. 5.1.1. Zoneamento Ecológico Econômico O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) foi regulamentado somente 20 anos após a instituição da PNMA (decreto nº 4.297 de 2002) e apresenta como objetivo geral a organização, de forma vinculada, das decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, de forma a assegurar a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas. Entre as suas funções incluem-se o estabelecimento de vedações, restrições e alternativas de exploração do território e a determinação, inclusive, da relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais, levando em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades, na distribuição espacial das atividades econômicas. O seu produto deverá apresentar a divisão do território em zonas de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável. A definição de cada zona observará o diagnóstico dos recursos naturais, da sócio-economia e do marco jurídicoinstitucional; cenários tendenciais e alternativos; e diretrizes gerais e específicas. Destaca-se a importância dada ao ZEE principalmente pelo seu caráter de antecedência em relação às outras ações. Afinal, todo sistema de planejamento ambiental que visa o alcance de objetivos de sustentabilidade prescinde do conhecimento preliminar das características e das vocações ambientais das áreas de interesse para o desenvolvimento. No entanto, apesar sua importante função de orientação locacional e distribuição das atividades econômicas, sociais e uso dos recursos naturais, o ZEE não tem se completado dentro de um quadro mais abrangente de planejamento do território pela falta de interconexão com as ações de planejamento, administração e ordenamento do território (DEL PRETTE, 2006). Dentre os desafios impostos para a sua aplicação destacam-se: a necessidade de melhoria nos processos de participação; a melhoria da qualidade da informação e seu acesso público; a continuidade do processo e geração de produtos; e a interlocução com as políticas públicas de maneira articulada e sem subordinação (DEL PRETTE, 2006). Entre as justificativas para a subutilização do instrumento e para os problemas associados à sua implementação pode ser argumentada a sua realização com ênfase demasiadamente técnica, sem incorporação de estratégias voltadas às políticas públicas e de articulação com agentes econômicos e sociais. Situação que somente poderá ser solucionada quando o instrumento estiver ancorado nas ações dos agentes sociais e econômicos em um sistema mais amplo de planejamento, com estratégias bem definidas para articular políticas públicas e orientar a ocupação do território (DEL PRETE, 2006). Outra crítica apontada diz respeito a sua desatualização diante da velocidade de ocorrência de transformações ambientais e sociais nas dinâmicas locais de desenvolvimento. Essa falta de sucesso serve para constatar o caráter de direcionamento “de cima para baixo”, com pouca participação popular e baixa consideração das necessidades e realidades vividas no município e nas comunidades (GUTBERLET, 2002). A forma de aplicação do instrumento, como uma peça jurídica que normatiza, do ponto de vista legal, a realidade já em processo de transformação, acaba correndo o risco de se transformar em um meio para reforçar objetivos previamente decididos e perdendo todas as oportunidades para a promoção de flexibilidade ao longo do tempo no planejamento espacial, princípio essencial ao desenvolvimento sustentável (GUTBERLET, 2002; RANIERI et al., 2005; DEL PRETE, 2006). Esta falta de flexibilidade sugere, inclusive, a existência de uma lacuna na estruturação estratégica e procedimental dos sistemas de planejamento que se apoiam nos processos e produtos gerados por este instrumento, refletindo-se em todas decisões e ações apoiadas por suas diretrizes. 5.1.2. Estudo de Impacto Ambiental Foi com aprovação da PNMA em 1981 que o EIA foi efetivamente incorporada à legislação brasileira e somente a partir da Resolução CONAMA 01 no ano de 1986 que o instrumento foi regulamentado e passou a ser aplicado (SÁNCHEZ, 2006). Nesta resolução estão estabelecidas quais atividades modificadoras do meio ambiente dependerão de elaboração do EIA e seu respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo. O EIA deve ser realizado por equipe multidisciplinar habilitada e correrá por conta do proponente do projeto. O EIA deve atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos pela PNMA e obedecer às seguintes diretrizes gerais: I. Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II. Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; III. Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; IV. Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Apesar da obrigatoriedade no seguimento destas diretrizes, Souza et al. (2007) alertam para o fato de que o estudo para identificação de alternativas locacionais ainda não se encontra explicitamente detalhado em nenhuma etapa do roteiro de elaboração do EIA, nem mesmo nas metodologias de análise dos impactos ambientais. Os autores destacam neste fato o estabelecimento de uma contradição e uma lacuna, já que o EIA é o instrumento a partir do qual o empreendedor responde à sociedade sobre a viabilidade ambiental de seu empreendimento. A situação problemática toma proporções maiores através da constatação da importância do desenvolvimento de alternativas como “um dos pilares da AIA” (SANCHÉZ, 2006) ou como “o coração da AIA” (NEPA, 1969), pois apresenta como uma de suas principais funções a realização de uma comparação de alternativas de desenvolvimento, essencial á concepção de projetos menos agressivos ambientalmente. Além disso, a qualidade das decisões embasadas pela AIA está diretamente relacionada às alternativas apresentadas e, portanto, à realização adequada de alternativas. Assim, se a AIA começa a ser determinada por decisões prévias que frequentemente não consideram os efeitos ambientais e não incorporam valores públicos, o instrumento deixará de cumprir seu objetivo principal, de promover esforços para que sejam reduzidos ou eliminados os danos ao meio ambiente (STEINEMANN, 2001). Avaliando os pontos fortes e fracos em termos de planejamento de uso do solo sustentável, Benson (2003) destacou algumas fraquezas apresentadas pelo EIA durante a sua aplicação, sendo uma delas direcionada ao caráter de avaliação única e exclusivamente do projeto e a outra ao fato do instrumento ser controlado pelo proponente, de maneira que possibilite no momento da elaboração do EIA que as alternativas locacionais tenham sido excluídas ou rejeitadas previamente. O desenvolvimento de alternativas pode apresentar problemas em três categorias diferentes, das quais: I. O desenvolvimento de alternativas pode estar sujeito a caminhos independentes e vieses analíticos, e podem ser criadas alternativas como opções menos atrativas para favorecer a opção desejada pelo proponente; II. As avaliações subjetivas e casuais determinando frequentemente as alternativas antes da análise rigorosa do EIA, deixando de lado ou sendo eliminadas previamente as alternativas aceitáveis publicamente e mais embasadas ambientalmente; e III. A entrada tardia de considerações ambientais, estratégicas e da participação pública, no processo de AIA, para moldar o desenvolvimento das alternativas. Analisando o processo de elaboração do EIA e seus procedimentos práticos no Brasil, Glasson e Salvador (2000) revelaram diversas fragilidades que reduzem a efetividade do processo de AIA brasileiro em virtude, principalmente, da restrição de recursos financeiros, da pressão política e econômica enfrentada pelo país e das limitações inerentes dos procedimentos e da legislação. Entre os problemas observados foram destacados: I. Uma grande lacuna entre os requerimentos apontados pela legislação e a implementação prática do EIA; II. A alta centralização da estrutura institucional brasileira para AIA, com pouca oportunidade para o desenvolvimento de competências em nível local; III. A necessidade de melhora no papel das agencias locais de planejamento no processo de AIA; IV. A fragilidade do processo de participação pública no processo de AIA brasileiro, demonstrando deixar a desejar. Os autores argumentam que o fato do processo de AIA estar centralizado somente na secretaria de meio ambiente e não estar integrado, articulado ou envolvido as outras secretarias que tem relações com questões ambientais (Ex: transporte e energia) produz conflitos entre as instituições ambientais e as setoriais que acreditam que a AIA pode atrapalhar o desenvolvimento dos seus projetos. Como possível solução para este problema é recomendada a implementação de regulamentações secundárias que redistribuam as competências de responsabilidade de AIA de alguns projetos para outras secretarias. Além disso, para que o EIA deixe ser o “adicional marginal e residual” nas decisões de planejamento tomadas previamente são imprescindíveis algumas mudanças procedimentais e a introdução da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para os níveis mais elevados de ações de desenvolvimento, em Políticas, Planos e Programas (GLASSON e SALVADOR, 2000; OLIVEIRA et al., 2009). 5.2. Política Nacional de Recursos Hídricos A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH ou Lei das Águas), instituída pela Lei 9.433 no ano de 1997, apresenta em seus objetivos importantes princípios de sustentabilidade visando à utilização racional dos recursos hídricos e a manutenção da sua qualidade para as gerações futuras. Segundo Setti et al. (2000), a PNRH trata-se de uma lei atual, avançada e importante para o planejamento de uso do solo, em seu sentido mais amplo, caracterizada por uma descentralização de ações, contra uma concentração de poder que proclama os princípios básicos praticados hoje em todos os países que avançaram na gestão de seus recursos hídricos. Em relação ao arranjo institucional, o autor destaca os seguintes organismos como componentes do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos: I. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão mais elevado da hierarquia do Sistema Nacional de Recursos Hídricos em termos administrativos, a quem cabe decidir sobre as grandes questões do setor; II. Os comitês de bacias hidrográficas, tipo de organização para a administração dos bens públicos no Brasil, contando com a participação dos usuários, prefeituras, sociedade civil organizada, demais níveis de governo (estaduais e federal), e destinados a agir como fórum de decisão no âmbito de cada bacia hidrográfica; III. As agências de águas, organismos destinados a gerir os recursos oriundos da cobrança pelo uso de água; IV. As organizações civis de recursos hídricos, que são entidades atuantes no setor de planejamento e gestão do uso dos recursos hídricos e que podem ter destacada participação no processo decisório e de monitoramento das ações. A conformação institucional da PNRH proporciona uma abertura de espaço de atuação para a sociedade civil, associada à tentativa de superar uma visão compartimentalizada do meio ambiente, com a adoção de uma gestão integrada, por meio da articulação de ações dos agentes sociais envolvidos (Poder Público, Federal, Estadual e Municipal, usuários e sociedade civil). Essa abertura de espaço reduz os riscos de corrupção do ator que toma uma decisão individual a partir de interesses privados e de não atendimento às finalidades públicas e coletivas, limitando assim, o grau de liberdade de condutas abusivas e arbítrio e de exercício discricionário do poder por parte do executivo (MACHADO, 2003). Outro ponto da PNRH diz respeito aos objetivos e diretrizes apresentadas para a implementação da PNRH, que chamam atenção em três pontos abordados: I. O primeiro é o direcionamento das ações para a gestão dos recursos hídricos sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade, demonstrando a importância dada ao recurso; II. O segundo é o direcionamento das ações à adequação dessa gestão às diversidades (físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais) das diferentes regiões do país, demonstrando o seu compromisso em assegurar água em padrão adequado aos usos necessários; III. O terceiro ponto é o direcionamento das ações à integração e articulação entre gestão de recursos hídricos e a gestão ambiental e de uso do solo através de planejamento articulado com os setores usuários e com os planejamentos regionais, estaduais e nacional, demonstrando desta forma, a importância dada pela política a ações articuladas e coerentes e integradas em todos os níveis de atuação. Santilli (2000) destaca a existência de uma grande sintonia dos objetivos e diretrizes da PNRH com outros instrumentos legais que pretendem assegurar a integridade e a sustentabilidade em longo prazo dos recursos naturais, servindo para o estabelecimento de melhores propostas em relação à proteção e ao uso dos recursos. O princípio da integração da gestão ambiental com a gestão de recursos hídricos é tido como fundamental pela maioria dos especialistas em recursos hídricos devido a sua relação intrínseca aos componentes ambientais, como por exemplo, o solo. O uso inadequado destes compartimentos ambientais esclarece a necessidade de articulação sistêmica e permanente entre os diversos setores institucionais afetos à gestão ambiental, sem o que se tornam desarticuladas e caóticas as políticas públicas disciplinadoras do uso e da gestão dos recursos hídricos (SANTILLI, 2000). Como forma de organizar o uso dos recursos naturais responsáveis por assegurar a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos, a implementação prática da PNRH se expressa através do instrumento Plano de Bacia (PB) como estratégia de planejamento espacial. 5.2.1. Plano de Bacia A Lei nº 9.433/97 apresenta os Planos de Bacia (PB) como instrumento de planejamento espacial responsável pela fundamentação e orientação da implementação da própria PNRH e do gerenciamento dos recursos hídricos. Estes planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas são elaborados pelas agências de água e aprovados pelo respectivo comitê da respectiva bacia. A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento dos recursos hídricos pela PNRH demonstra a incorporação de fundamentos que encontram amplo respaldo na doutrina especializada e em princípios internacionais, embora sua aplicação prática dependa de uma efetiva articulação entre representantes da União, Estados, DF, Municípios e usuários das águas e organizações civis (SANTILLI, 2000). Para fornecer diretrizes, os PB devem conter no mínimo os seguintes elementos: I. Diagnóstico da situação em que os recursos hídricos se encontram; II. Análise de alternativas previstas para crescimento demográfico, evolução de atividades produtivas e modificação dos padrões de ocupação do solo; III. Identificação de conflitos potenciais pela disponibilidade e demanda, de prioridades para outorga de direitos de uso, de diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso e de propostas para a criação de áreas de proteção dos recursos hídricos. Jacobi (2004) afirma que o comitê de bacias tem se tornado uma das poucas instâncias de discussão no nível metropolitano brasileiro por envolver pessoas de diferentes instituições e localidades que possuem os mesmos grupos de problemas, estendendo a partir daí possibilidades para articulação. Além disso, o autor ainda comenta que esta instância de discussão tem contribuído para aumentar cada vez mais a consciência entre os diferentes setores da sociedade em relação à necessidade da participação consistente e qualificada de seus membros e tem se tornado um importante período de aprendizagem para os atores envolvidos. Em relação ao Estado de São Paulo torna-se importante destacar que o artigo 17 da política de recursos hídricos do estado de São Paulo (Lei nº 7.663 de 1991) determina que os planos de bacias hidrográficas do estado de São Paulo conterão, dentre outras, diretrizes gerais, a nível regional, capazes de orientar os planos diretores municipais. 5.3. Estatuto da Cidade A Lei nº 10.257 de 2001 (também conhecida como Estatuto da Cidade), que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal para a execução da política urbana, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo e equilíbrio ambiental. O Estatuto da Cidade tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e para isso aborda em suas diretrizes de ações questões relacionadas. O Estatuto da Cidade apresenta o Plano Diretor (PD) como sua principal estratégia de planejamento espacial da política de desenvolvimento e expansão urbana e como instrumento de planejamento municipal. Estabelece que deve ser utilizando o recorte territorial do município como um todo na sua realização. Além disso, estabelece que os outros instrumentos previstos por esta lei deverão incorporar as diretrizes e prioridades contidas neste instrumento de planejamento espacial. Visando auxiliar no alcance dos seus objetivos, o Estatuto da Cidade estabelece que o PD deva ser utilizado de forma coordenada aos planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; ao planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; aos institutos tributários e financeiros; institutos jurídicos e políticos; ao Zoneamento Ambiental; a instituição de Unidades de Conservação e ao Estudo de Impacto Ambiental. 5.3.1. Plano Diretor O Estatuto da Cidade rompeu com a longa tradição do direito civil e estabeleceu a base para o novo paradigma legal-político para o uso do solo municipal e controle do desenvolvimento. Realizou isto através do reforço do dispositivo constitucional que reconhece o poder e a obrigação dos governos municipais para controlar o processo de desenvolvimento urbano pela formulação de políticas territoriais e de uso do solo, em que os interesses individuais dos proprietários necessariamente coexistem com outros interesses sociais, culturais e ambientais de outros grupos e da cidade como um todo (FERNANDES, 2007). Ao detalhar os instrumentos utilizados como apoio ao PD, Braga (2001) aponta o Zoneamento como instrumento de solução de conflitos de uso do solo, na disputa por espaço entre diferentes interesses, que podem ser coletivos ou privados. No entanto, o autor ressalta que no meio deste jogo de interesses está um dos principais problemas e causas dos problemas enfrentados pelos centros urbanos brasileiros: a especulação imobiliária. Ainda assim, o Zoneamento referido por Braga (2001) é o Zoneamento do PD, que muitas vezes refere-se somente á área urbana do município, dificilmente incorpora aspectos ecológicos em sua realização e não tem relação nenhuma com o Zoneamento Ambiental da PNMA, que foi regulamentado como ZEE. Desta forma, fica estabelecida uma lacuna na consideração de aspectos ambientais pelo sistema de planejamento de uso do solo brasileiro, de forma que as tomadas de decisões sobre o uso do solo municipal, que fogem do escopo do EIA, são orientadas apenas pelo PD e consideram as questões ambientais da forma exigida pela PNMA apenas em situações onde também existam ZEE em escala local. Esta situação serve para embasar a afirmação de que o PD, além de instrumento de gestão urbana, é o único instrumento de gestão ambiental municipal devido, principalmente, ao fato de não haver tradição de política ambiental em nível municipal no Brasil (BRAGA, 2001). Segundo o autor, grande parte dos conflitos ambientais provenientes de um PD é originária da confluência de interesses políticos da zona de expansão urbana, que normalmente é rural e faz parte da área do município. 4. A prática de integração das estratégias espaciais brasileiras A Constituição Federal brasileira considera o meio ambiente como bem comum da sociedade e, para tanto, declara a função social da propriedade, institui a política urbana e destaca o meio ambiente em diversos capítulos. Como pode ser visto na tabela 1, as três políticas de planejamento do uso do solo fazem referências ao meio ambiente, à qualidade ou ao equilíbrio ambiental e a sua compatibilização com os processos de desenvolvimento que se desdobram sobre o território. No entanto, Stead e Meijers (2009) afirmam que quando os assuntos transversais fazem parte também dos objetivos setoriais, em alguns casos, frequentemente não ocorre o encaixe perfeito das questões transversais abordadas nos departamentos setoriais e seus objetivos. Tabela 1. Objetivos das políticas brasileiras que se expressam pelo planejamento do uso do solo Política Nacional do Meio Ambiente Preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana Política Nacional de Recursos Hídricos Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos Estatuto da Cidade Regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental A utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável A prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais A partir da distribuição de competências e funções da PNMA observa-se a definição de um esquema a partir do qual os diferentes níveis de governo teoricamente trabalham de forma integrada na proteção e melhoria da qualidade ambiental. Araújo (2008) ressalta que não se pode exatamente afirmar que essa lei seja o quadro normativo ideal para a prática das ações públicas e privadas que interferem no meio ambiente, e ressalta que apesar do SISNAMA (que é composto de todos os órgãos federais, estaduais e municipais que atuam no setor ambiental) ter sido instituído há mais de duas décadas, ainda não se encontra estruturado e articulado como um verdadeiro sistema nacional. Avaliando os objetivos da PNMA e da PNRH (tabela 1) pode ser observada uma grande similaridade entre as duas políticas na medida em que ambas apresentam como foco principal a garantia de acesso a um bem ambiental de qualidade pelas gerações futuras e interpretam a questão ambiental da mesma forma. A convergência entre os objetivos destas duas políticas é estabelecida a partir da relação lógica entre a conservação do meio ambiente e, consequentemente, dos recursos hídricos, que são essenciais ao adequado funcionamento dos serviços ecossistêmicos (RICKLEFS, 2003). No entanto, apesar de apresentarem similaridades quanto aos objetivos, Ioris (2010) afirma que o processo de implementação da PNRH tem falhado gravemente na prevenção dos impactos ambientais generalizados e no crescimento de conflitos espaciais e setoriais. Os conflitos das partes interessadas têm sido igualmente agravados ao mesmo tempo em que legitimam os impactos negativos do uso intensivo dos recursos hídricos, mesmo em bacias com mobilização pública representativa e sólidas estruturas de representação pública. Da mesma forma que a PNRH, o Estatuto da Cidade também tem apresentado dificuldades na integração dos objetivos ambientais aos seus objetivos (CARVALHO, 2001; SILVA e PORTO, 2003). Ao observar as similaridades entre os objetivos da tabela 1 ressalta-se a participação secundária dos aspectos ambientais nos objetivos do Estatuto da Cidade, ao contrário dos objetivos da PNMA e da PNRH. Outro ponto importante diz respeito à interpretação das questões ambientais pelo Ministério das Cidades (responsável pela aplicação do Estatuto da Cidade). Essa constatação apenas confirma o caráter prioritário dos aspectos econômicos e sociais presentes no objetivo de regulação do uso do solo municipal. Corroborando a superveniência dos aspectos socioeconômicos sobre os aspectos ambientais pelo planejamento municipal, Silva e Porto (2003) destacam que a gestão de uma bacia hidrográfica em áreas urbanizadas acaba sendo mais um problema de gestão do uso do solo urbano do que dos usos da água propriamente dita. Os autores afirmam que tanto o entendimento do problema como as possíveis medidas de intervenção integrada têm uma complexidade bastante grande e não prescindem de uma articulação institucional estável com os sistemas de gestão municipal. Buscando aprofundar a análise da integração das estratégias espaciais brasileiras observou-se que existem grandes diferenças na organização das estruturas institucionais e organizacionais das políticas, como demonstrado pela tabela 2. Tabela 2. Arranjo dos instrumentos de planejamento do uso do solo no Brasil e respectivas dimensões de integração Integração horizontal Integração Política Nacional do Política Nacional de Estatuto da vertical Meio Ambiente Recursos Hídricos Cidade Estadual Zoneamento Ecológico Econômico Regional (bacia) Zoneamento Ecológico Econômico Municipal Zoneamento Ecológico Econômico / Estudo de Impacto Ambiental Local Estudo de Impacto Ambiental Plano de Bacia Plano Diretor A partir da tabela 2 pode-se observar uma clara coordenação entre os diferentes níveis de integração verticais da PNMA, ao contrário da PNRH e do Estatuto da Cidade, já que a PNRH é expressa de forma espacializada apenas em nível de bacia pelo Plano de Bacia (PB) e o Estatuto da Cidade apenas em nível municipal pelo Plano Diretor (PD). Em relação à integração horizontal pode-se observar lacunas quanto ao fornecimento de diretrizes estaduais, regionais e municipais para os instrumentos da PNRH e do Estatuto da Cidade, onde se expressam de forma prática apenas pela esfera regional (bacia), no caso da PNRH, e apenas pela esfera municipal, no caso do Estatuto da Cidade. Lafferty e Hovden (2003) afirmam que integração de políticas horizontal inadequada frequentemente limita a integração de questões ambientais pela administração pública. Se for analisada a implementação destes instrumentos na prática o cenário ainda tende a piorar. Ao tomarmos como exemplo de realidade o estado de São Paulo verifica-se a implementação de PB em todo o estado, a implementação de PD em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes, no entanto, em relação ao Zoneamento Ecológico Econômico, verifica-se apenas a implementação em nível regional no litoral norte do estado. Este exemplo de situação, recorrente em vários estados brasileiros, serve apenas para evidenciar as importantes lacunas em relação à falta de efetividade na integração de políticas pelo planejamento de uso do solo brasileiro. Neste caso, também são apontadas falhas cruciais na integração da PNMA às políticas setoriais e na inserção da variável ambiental às tomadas de decisões sobre o uso do solo, desdobrando-se em grandes problemas sobre o EIA e o posterior Licenciamento Ambiental, como destacado por Glasson e Salvador (2000), Sánchez (2006) e Sánchez e Silva-Sánchez (2008). A situação prática também serve para justificar o excesso de ações incoerentes sobre o meio ambiente e os recursos hídricos em nível municipal, como constatado por Silva e Porto (2003). Alahuhta et al. (2010) esclarece que muitas vezes os problemas de integração vertical ocorrem devidos ao não entendimento dos requerimentos do planejamento do nível superior, neste caso do PB (devido a inexistência de ZEE), pelo de nível inferior, no caso o PD. Outra lacuna pode ser observada através do problema levantado por Araujo et al. (2006) que afirmam que a questão dos recursos hídricos nem sempre é trabalhada a contento pelos PD municipais. Está situação demonstra uma clara dificuldade de integração de políticas pelo planejamento do uso do solo, na medida em que o EIA não é requerido para uma série de empreendimentos urbanos, como o espalhamento urbano, a expansão do sistema viário municipal, da drenagem urbana e entre outras. De uma forma geral, a integração política requer mais interação, acessibilidade e compatibilidade, leva para uma maior interdependência, necessita da formalização de maiores arranjos institucionais, envolve mais recursos, requer que os atores envolvidos se desapeguem de uma maior autonomia e é mais abrangente em termos de tempo, espaço e atores (STEAD e MEIJERS, 2009). 5. Conclusões A similaridade encontrada entre os objetivos da PNMA e da PNRH apresentam-se como pontos facilitadores no processo de integração política pelo planejamento do uso do solo para estas duas políticas, no entanto as diferenças nas estruturas organizacionais e a falta de implementação prática dos instrumentos de planejamento do uso do solo em diferentes níveis pelas duas políticas influenciam negativamente na integração na medida em que não são fornecidas diretrizes mais amplas no caso da PNMA (que muitas vezes é expressa apenas pelo EIA) e que são fornecidas apenas diretrizes em nível regional (de bacia) pela PNRH. Esses dois fatores servem tanto para sobrecarregar o EIA (pela falta de antecipação de conflitos em níveis superiores) quanto para aumentar ainda mais os conflitos existentes do PB (pela falta de sua expressão em nível mais prático, como em nível local). A dificuldade pela integração horizontal prática entre PNMA, PNRH e Estatuto da Cidade fica estabelecida através da falta de importantes instrumentos fornecendo diretrizes em nível municipal pela PNRH e em diretrizes mais estratégicas pela PNMA e pelo Estatuto da Cidade, de forma que pudesse ser facilitado o estabelecimento de pontes de comunicação entre as políticas e o processo de integração entre os níveis de atuação dos instrumentos e de suas políticas. A falta de aplicações de ZEE estaduais representa uma falha estratégica gravíssima para o sistema de planejamento brasileiro e para a integração de políticas pelo planejamento de uso do solo nas dimensões verticais e horizontais. Esta lacuna apresenta importância destacada devido à inexistência de qualquer outro instrumento de planejamento do uso do solo em nível estadual fornecendo diretrizes mais estratégias sobre o uso do solo. A partir desta falha no fornecimento de informações espacializadas em nível estadual não são expressas as ambições estratégicas deste nível de administração pública, não são expressos os rumos decididos pelos atores representativos e não são antecipados os conflitos desta esfera de decisão, sobrecarregando então os instrumentos que tomarão decisões em níveis inferiores a partir da falta de diretrizes ou informações para o planejamento. Assim, conclui-se que a apresentação de similaridades pelos objetivos não garantem sua expressão de forma integrada através do planejamento do uso do solo, e que grande parte das lacunas apresentadas pelo contexto brasileiro relaciona-se à falta de avaliações ambientais mais abrangentes, que sejam flexíveis as dinâmicas locais de desenvolvimento, realizadas anteriormente às tomadas de decisões e integradas aos instrumentos de planejamento de uso do solo em diferentes escalas. 6. Referências ALAHUHTA, J.; HOKKA, V.; SAARIKOSKI, H.; HELLSTEN S. 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