Número 85 - Jornal das Letras

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Número 85 - Jornal das Letras
ornal
JLetrasde
Opiniões
Número:
Depoimentos
Novos Lançamentos
Letras & Letras
Bolsa do Livro
164
Mês: Abril
Ano: 2012
Preço: R$ 4,00
Nelson Rodrigues como ele é
O pontapé inicial das homenagens pelo centenário do mais polêmico dramaturgo brasileiro, nascido no dia 23 de agosto de 1912, está em cartaz
na sala Aloísio Magalhães (Teatro Glauce Rocha). Trata-se da exposição Nelson Brasil Rodrigues – 100 anos do Anjo Pornográfico. Com
funcionamento de quarta a domingo, das 10h às 20h, os curadores Crica Rodrigues e Nelson Rodrigues Filho fazem um recorte na extensa e variada
obra do artista, além de contar um pouco da história de cada uma das 17 peças teatrais. (Por Manoela Ferrari – págs. 10 e 11)
ornalde
2 JLetras
JL Editorial
JL Leitor JL
Foi muito oportuna a nota da colunista Dad Squarisi, do Correio
Braziliense, quando comentou a decisão judicial a respeito do verbete
“cigano” no fabuloso Dicionário Houaiss. A comunidade dos ciganos
protestou com veemência sobre as referências pejorativas ao termo, o
que levou a editora a rever o seu conteúdo, para as próximas edições.
Esse fato repete o que houve há anos no lançamento da Enciclopédia
Barsa, em que o verbete “judeu” foi aquinhoado com uma série de
acusações totalmente fora de propósito, como sinônimo de usurário ou
responsável pela exploração do homem pelo homem. Francamente, é
mais do que justa a reação das minorias sobre esse tipo de
interpretação, que leva a equívocos lamentáveis, num país que preza
muito a liberdade racial e condena qualquer tipo de preconceito. Como
também devemos condenar a censura, quando descabida, faz-se esse
registro para chamar a atenção dos dicionaristas e verbetistas quanto a
esses equívocos.
“Recebi com muita emoção e satisfação os exemplares do Jornal de
Letras de fevereiro desse ano, onde fui entrevistado pelo professor
Arnaldo Niskier. Todo o conteúdo da entrevista foi espetacularmente
conduzido por ele, e reflete à perfeição, sua erudição, sabedoria e
cavalheirismo.”
Professor Cláudio Paris (por e-mail).
Resposta: Agradecemos.
O Editor
“O debate sobre a ascensão do livro digital e a possível queda do livro
tradicional chama a atenção e provoca polêmica. O que eu acho é que
ninguém sabe realmente o que vai acontecer e acaba confundindo os
leitores.”
Paulo César dos Santos (São Paulo, SP).
Resposta: O que podemos informar é que o mercado de e-books tem
crescido no Brasil. Em relação às previsões sobre o fim do livro de papel,
vale lembrar que Bill Gates, dono da Microsoft, há alguns anos disse
que seus filhos leriam os livros tradicionais. Recentemente, John
Mackinson, diretor-presidente do grupo Penguin, que edita mais de 4
mil títulos, afirmou que o livro tradicional sempre terá o seu mercado.
“Será que este ano o governo destinará mais recursos para a área
cultural, em particular para o segmento de livros?”
Raul dos Santos (Rio de Janeiro, RJ).
Resposta: Existem propostas para o setor que precisam ser
alavancadas. A Biblioteca Nacional, por exemplo, tem feito a sua parte,
apoiando iniciativas que visam ao aumento dos acervos das
bibliotecas. No fim do ano passado foi lançada na Câmara dos
Deputados a Frente Parlamentar Mista do Livro e Leitura, com 200
representantes, que também pode acelerar a votação dos projetos que
beneficiam o setor.
"A leitura engrandece a alma."
Voltaire
“A poesia é feita de pequenos nadas.”
“Acuso o recebimento e agradeço a gentileza da remessa do exemplar
do Jornal de Letras número 162, de fevereiro, e felicito a redação pela
qualidade da publicação.”
Maurício Azêdo, presidente da ABI – Associação Brasileira de
Imprensa (Rio de Janeiro/RJ).
Resposta: Agradecemos.
Manuel Bandeira
“A poesia não revela este mundo; cria outro.”
Octavio Paz
JL Expediente
Diretor responsável: Arnaldo Niskier
Editora-adjunta: Beth Almeida
Secretária executiva: Andréia N. Ghelman
Redação: R. Visconde de Pirajá N 142, sala 1206 – 12
andar — Tel.: (21) 2523.2064
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Distribuidores: Distribuidora Dirigida - RJ (21) 2232.5048 – Leonardo Da Vinci - SP
(11) 5052.3691
Correspondentes: Gabriel Chalita (São Paulo); Petrônio Souza Gonçalves (Minas
Gerais); António Valdemar (Lisboa).
Programação Visual: CLS Programação Visual Ltda.
Fotolitos e impressão: Folha Dirigida – Rua do Riachuelo, N0 114
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O Jornal de Letras é uma publicação mensal do
Instituto Antares de Cultura / Edições Consultor.
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O escritor Raimundo Gadelha falou sobre o seu último livro (Dez íntimos fragmentos...) no
programa de Ronnie Von (TV Gazeta, SP).
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JLetras
acervo JL
JL Opinião
Arnaldo Niskier
Moacyr Scliar teria ficado feliz
Sentado ao lado da viúva do escritor Moacyr
Scliar, Judith, até hoje inconsolável com a
prematura perda do marido, comentava como
ele se sentiria feliz ao saber que a Prefeitura do
Rio dera o seu nome a uma nova escola – e num
bairro pobre da Zona Oeste. Setecentas vagas,
informava a Secretária Cláudia Costin, muito aplaudida pelos moradores da
localidade de Inhoaíba.
Quando chegou o prefeito Eduardo Paes, ele logo se dirigiu aos
presentes, para garantir que, ao construir aquele moderno estabelecimento
de ensino, fizera questão de dotá-lo de todos os melhores recursos. Foram
suas palavras: “Por que as crianças da Zona Oeste não podem ter uma escola
de qualidade, como as da Zona Sul do Rio?” É claro que foi ovacionado.
A escola é bonita, tem salas claras, e espaço para biblioteca e uma
confortável quadra de esportes, que receberá cobertura para se transformar
em ginásio. Tudo o que a região precisava há tempos, no local onde antes
havia o esqueleto de um fracassado conjunto habitacional. Inhoaíba é
densamente povoada e fica perto do bairro de Santa Cruz.
A homenagem ao escritor gaúcho, membro proeminente da Academia
Brasileira de Letras, foi prestigiada por diversos líderes da comunidade
israelita do Rio de Janeiro. Todos se solidarizaram com a iniciativa do
governo municipal. Alguns lembraram, comovidos, que Moacyr era um
excelente médico sanitarista, condição que acumulou com a de festejado
intelectual. Recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais pelas suas
obras (foi tricampeão do famoso Prêmio Jabuti de Literatura), o que dá bem
a dimensão do valor dos seus 72 livros, vários deles relativos à saga dos
imigrantes judeus que fugiram do nazismo, na Europa, para buscar guarida
na terra dos pampas. E foram muito bem acolhidos.
Ao lado da escola, também novinho em folha, passou a funcionar o
EDI Cesária Évora, que amplia o atendimento na região com mais 225 novas
vagas para creche.
Muito animado, o prefeito Eduardo Paes revelou que está fazendo uma
revolução na educação: “Acabamos com a aprovação automática, aumentamos significativamente o número de vagas em creches, colocamos o
Lições dos dicionários
Por Evanildo Bechara
Um dicionário é sempre uma obra de ciência, ainda que seja
construída sob a orientação técnica de um grande escritor, como é o caso
de Antônio Houaiss e Aurélio Buarque de Holanda, no Brasil, ou Caldas
Aulete e Cândido de Figueiredo, em Portugal. Isto se não nos quisermos
reportar ao fluminense Antônio de Morais Silva, que, em 1789, inaugurou a
produção de dicionários monolíngues do português, isto é, só levando em
consideração nossa língua, e não o português em relação com outro idioma, geralmente o latim, como soía acontecer até o aparecimento de Morais.
Como todo produto científico, o dicionário é elaborado dentro de certos
princípios técnicos e se estrutura por critérios metodológicos. Como bem
comenta Diderot, numa contribuição ao verdadeiro orgulho da cultura
francesa, apesar dos senões, que foi a Encyclopédie de Diderot e
d’Alembert, abarcando os saberes e as luzes do século XVIII, no verbete, “La
langue d’un peuple, son vocabulaire: le vocabulaire est une table assez
fidèle de toutes les connaissances de ce peuple” (t.V, pág. 637, ed. 1755). O
dicionário, como repositório desses conhecimentos, tão fiel quanto
possível, reparte o verbete em seções que procuram distribuir os vocábulos
segundo as ciências a que pertencem, e os matizes semânticos em que são
empregados na linguagem comum do dia a dia. Por isso, como um produto
científico, o dicionário espera que o consulente saiba lê-lo, para dele tirar as
informações que registra sobre as palavras e expressões que ele recolhe. Há
palavras que o consulente já conhece do seu repertório lexical ativo, mas ou
reforço escolar em prática e contratamos 14 mil professores para acabar com
o déficit então existente.”
A Secretária Cláudia Costin ressaltou o esforço da Prefeitura para o
aperfeiçoamento da educação no Rio de Janeiro: “Como fizemos também no
Complexo da Maré, onde inauguramos o EDI Kelita Faria de Paula, com
duzentos vagas, estamos espalhando Espaços de Desenvolvimento Infantil
por toda a cidade. Queremos dar um salto de qualidade na educação das
nossas crianças.”
Com a Escola Moacyr Scliar, de cuja solenidade de inauguração
participamos, a rede municipal passou a contar com 1.068 unidades
escolares, que atendem a mais de 500 mil alunos. Eles hoje contam com
diversos e importantes equipamentos, como bibliotecas sortidas e
ferramentas modernas de informática.
Na Escola Municipal Moacyr Scliar, o Prefeito Eduardo Paes, o Profo Arnaldo Niskier (falou em
nome da ABL), Judith Scliar, a Secretária Cláudia Costin, a Profa Sarita Schaffel e Alexandre Laks
(sobrevivente de um campo de concentração da II Guerra Mundial).
dessa mesma palavra desconhece alguns sentidos decorrentes de franjas
semânticas de outros contextos, ou ainda de palavras usuais ou raras
inexistentes do seu saber idiomático. Assim, o dicionário não é tão somente
o registro do léxico corrente na contemporaneidade do consulente, mas
também o testemunho veicular de ideias, concepções e juízos que o
passado legou ao presente e que vigem como relíquias culturais.
Geralmente tais resíduos culturais são apresentados nos verbetes com o
rótulo de sentido figurado ou pejorativo. Muitas vezes quando se
apresentam ao consulente estão desligados do conceito originário, ou
guardam com este ligação muito remota. A palavra “cigano” na acepção
posta no banco dos réus pelo Ministério Público Federal de Belo Horizonte
é um desses exemplos de sentidos figurados de que vimos falando.
Será um crime de lesa-cultura se for verdadeira a notícia veiculada por
certo órgão da imprensa, segundo a qual será eliminada do verbete do Dicionário
Houaiss a censurada alusão ao sentido figurado da palavra “cigano”. Tal medida
é empobrecer a obra de nosso Confrade do aspecto histórico que a distingue
enriquecedoramente quando comparada com suas congêneres, ao mesmo
tempo que a separa dos léxicos de algumas línguas em que se registra o termo
“cigano” com a mesma conotação figurada.
Como vivemos num mundo às avessas, podemos entender os dois
seguintes episódios antagônicos, tão distantes um do outro no tempo.
Tibério, na Antiguidade clássica, advertido por Ateio por ter usado uma
palavra não latina, tranquilizou o gramático, dizendo: “Quando o
imperador romano usa uma palavra, ela passa a ser latina.” Ao que
respondeu o outro: “César manda nos romanos, mas não na língua.”
Nos nossos dias, em Belo Horizonte, o Ministério Público Federal
cassa de um excelente dicionário da língua portuguesa a palavra “cigano”
numa acepção que há séculos faz parte do imaginário coletivo no âmbito
cultural luso-brasileiro.
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4 JLetras
Trocando de papel
Por Jonas Rabinovitch
Ontem troquei de papel com meu gato
Ele virou funcionário de uma complexa instituição
Eu virei um pacato animal doméstico
Quando ele chegou ao trabalho, ninguém percebeu. Isso é normal.
Alguns tentaram conversar com ele no elevador,
E até estranharam a presença de um gato sozinho por ali
Fizeram festinha, prestaram mais atenção nele do que em mim
O telefone tocou minutos depois dele chegar no escritório
Triiiiiimm!! Triiiiiiiimm!!
O gato cheirou o aparelho, olhou para o lado, bocejou
E foi tirar uma soneca
A sua participação nas reuniões foi considerada sábia
Calmos bigodes, olhares suaves
Ele não discordou de ninguém e soube ficar calado na hora certa
Mas falhou miseravelmente por não responder aos recados,
sempre urgentes
As pessoas que não gostam de gatos acharam sua atuação medíocre
Alguns acham até que gatos não deveriam substituir pessoas em escritórios
Com exceção, é claro, daqueles escritórios onde se planejam guerras
Nesses, os gatos teriam um desempenho péssimo, mas com resultados
assaz pacíficos
Eu fiquei num tédio terrível ao ser gato por um dia
Dormir tanto me deixava preguiçoso,
Como sempre, não tive influência nos grandes objetivos da humanidade,
Meus sonhos aquém e além de qualquer realidade
Resolvi não repetir a experiência no dia seguinte
Meu gato concordou com entusiasmo, no jeito discreto dos gatos
Difícil foi explicar ao chefe porque eu não tinha respondido aos recados
Mais difícil ainda foi explicar a todos como um gato tinha ido parar lá
Meu gato apenas comentou, críptico: “Tem certas coisas que os
humanos não entendem.”
ornalde 5
JLetras
Na ponta
da Língua
Por Arnaldo Niskier – Ilustrações de Zé Roberto
Comentário sem concordância
O grande e afamado jogador Ronaldinho Gaúcho, em entrevista dada ao programa
Mais Você, da simpática Ana Maria Braga:
“A maioria dos jogadores são casados.” Como? A palavra maioria está no singular,
mesmo representando grande quantidade, logo pede o verbo no singular.
Ronaldinho deveria ter dito: a maioria dos jogadores é casada. Bola fora!
Propaganda política
Um político falando em nome do seu partido na propaganda, que entra em nossas casas:
“Tamos juntos!” Assim, não há a menor condição de querer tal companhia – “tamos” é
uma forma verbal inexistente. O verbo é estar e na 1a pessoa do plural do
presente do indicativo é estamos. Estamos juntos! seria a frase correta.
Príncipe Harry (1)
Mal desembarcou no aeroporto do Rio, o simpático fidalgo foi
motivo do seguinte comentário, veiculado em um jornal da TV: “Príncipe
Harry com um sorriso no rosto...”
Redundância desnecessária. Onde mais poderia haver um sorriso,
mesmo se tratando de um príncipe? Bastaria ter dito: Príncipe Harry com
um sorriso...
Príncipe Harry (2)
O jornal O Dia fez uma brincadeira, comentando o que foi
registrado na Internet: “Harry para o trânsito”, considerando que escrito
assim, Sua Alteza talvez tivesse sido convidado para assumir uma pasta no governo, a
Secretaria ou Ministério de Transportes.
Só brincando, mesmo, porque o Acordo Ortográfico veio para ficar e a forma verbal
para, 3a pessoa do singular do presente do indicativo, não tem mais acento.
Não se usa mais o acento diferencial no para (preposição) e para(verbo). Entende-se,
sem dificuldade, pelo sentido da frase.
A verdade foi que o filho da tão querida Lady Diana, para o trânsito, isto é, causou um
congestionamento de carros e pessoas que queriam conhecê-lo.
Plano malsucedido
“O avô planejou levar os netos ao zôo, mas as crianças optaram por outro programa.”
Com certeza o que atrapalhou foi a grafia “zôo”. Não se usa mais o acento das palavras
terminadas em oo, oos e eem. Logo, a palavra é zoo. Período correto:
O avô planejou levar os netos ao zoo, mas as crianças optaram por outro programa.
Comida da vovó
“A senhora caprichou no guizado de carne e legumes, mas os netos nem tocaram na
comida.”
Um prato de “guizado” não poderia ficar saboroso, porque a palavra é guisado, com s,
palavra derivada do verbo guisar, preparar. Período correto:
A senhora caprichou no guisado de carne e legumes, mas os netos nem tocaram na
comida.
Inverdade
“Os alunos atingiram aos objetivos elaborados pelo corpo docente da universidade.”
Garanto que isso não é verdade! O verbo atingir é transitivo direto, isto é, não admite
preposição acompanhando o seu complemento. Portanto, o objeto direto não é “aos objetivos”
e sim, os objetivos. Frase correta:
Os alunos atingiram os objetivos elaborados pelo corpo docente da universidade.
Você precisa saber
Os verbos regulares têm a primeira pessoa do plural dos tempos presente e pretérito
perfeito do indicativo absolutamente iguais.
Só pelo sentido da frase se pode saber se o tempo é o presente (atualidade) ou o
pretérito perfeito(passado). Exemplo: Nós dançamos samba no salão do clube (presente).
Nós dançamos samba em 2010 no salão do clube.
(passado).
Que droga!
“Quem quer que a maconha seja discriminada, isto é, que
o seu uso deixe de ser crime, está totalmente enganado.”
- maconha é droga, faz muito mal à saúde e sua compra e
o seu uso precisam continuar a ser crime;
- o verbo discriminar foi usado indevidamente.
Atenção:
discriminada – (verbo discriminar) distinguida, diferençada;
descriminada – (verbo descriminar) absolvida de crime,
inocentada.
Período correto: Quem quer que a maconha seja descriminada, isto é, que o seu uso
deixe de ser crime, está totalmente enganado. Usa-se também a palavra descriminalizada.
Dívida quitada
“O rapaz está quites com o colega, pois já lhe pagou o dinheiro devido.”
Não é assim, não! A palavra quites está no plural, logo a concordância está incorreta:
quite é o singular de quites e rapaz é singular.
Período correto: O rapaz está quite com o colega, pois já lhe pagou o dinheiro devido.
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6 JLetras
O Brasil quinhentista
na ótica de Anchieta
Por Paulo Nathanael Pereira de Souza
I – Em 2004, quando se comemoraram os 450 anos da fundação da
cidade de São Paulo, a Associação Comercial editou uma separata,
contendo algumas das principais cartas endereçadas por José de
Anchieta a seus superiores, seja do provínciado da Bahia, seja da sede
geral de Roma. Nelas, o nosso Jesuíta mais famoso, registrava suas
impressões geográficas, culturais, religiosas e antropológicas sobre a
terra do Brasil, os costumes do povo, as traficâncias econômicas e o que
mais fosse de interesse da Companhia de Jesus. Dessa iniciativa resultou
um robusto caderno de 148 páginas (Minhas cartas, por José de
Anchieta), que se tornou uma preciosa fonte de informações sobre o
ciclo catequético do século XVI, para os pesquisadores atuais da história
paulista e brasileira, além de atestar o talento e a erudição do nosso
quase santo missionário que, na sua contumaz humildade, assinava-se
sempre “o mais pequeno”, “o mínimo”, “o último” ou ainda, “o filho
indigno” da Ordem Inaciana. Inestimável esta contribuição da
Associação Comercial às comemorações da fundação de São Paulo.
II – São, ao todo, doze missivas, ao estilo de relatórios de cujo
conteúdo daremos a seguir algumas amostras, que certamente deverão
interessar os possíveis leitores deste artigo.
A primeira delas, datada de julho de 1554 e dirigida a Santo
Ignácio de Loyola (àquela altura ainda era possível santificar-se alguém
em vida e plena saúde), explica o uso de curumins órfãos recolhidos
pelos padres em Piratininga, os quais “são línguas e interpretes para nos
ajudar na conversão dos gentios”. Ao mesmo tempo, alertaria sobre o
perigo das mulheres indígenas, que “não se sabem negar a ninguém,
antes elas mesmas acontecem e importunam aos homens, lançando-se
com eles nas redes, porque têm por honra dormir com os cristãos”. Pelo
visto, deve ter sido um tormento para os missionários resistirem a tanto
assédio, que, dia e noite, punha em risco sua abstinência canônica de
sexo! Outrossim, explica ao fundador da Ordem, que o Governador
Thomé de Souza costumava mandar piquetes de colonos ao interior da
Capitania de Porto Seguro, em busca de ouro (Entradas), e que havia
necessidade de agregar um dos padres à expedição. Nessa entrada do
mês de março de 1554, quem acompanhou os entrantes foi o padre
Navarro: “Eles vão buscar ouro e ele vai buscar tesouro de almas.” Como
se sabe, a maioria dessas entradas não achava ouro, mas retornava ao
litoral com magotes de tapuias para aldear e catolicizar! Por isso, era
urgente providenciar a vinda de mais padres.
De São Vicente, escreveu em 1555, Anchieta aos irmãos enfermos
da Companhia, que se recolhiam aos cuidados do hospital de Coimbra,
para exortá-los a viajar para o Brasil, a fim de aqui se curarem de seus
males, pelos métodos e fármacos dos índios. “A terra é muito boa e não
tinha xarope, nem purgas, nem os mimos da enfermaria. Muitas vezes e
quase o mais continuado era o nosso comer folhas de mostarda cozidas
e outros legumes da terra, e outros manjares que lá não podeis
imaginar.” A falta de padres era tão grande e o seu recrutamento para o
Brasil, tão difícil que mais valia tentar buscá-los no hospital, com
tentadores acenos para a farmacopeia naturalista da colônia! Para
melhor convencer os enfermos de Lisboa, acrescentava que: “Sem
dúvida, segundo o que cá tenho visto e experimentado em mim,
conheço quão enganado vivia enquanto usei dessas tão esquisitas
mezinhas, as quais tenho para mim que servem mais de acrescentar a
doença, que de sarar.” É bom lembrar que enquanto viveu, em Espanha
e Portugal, Anchieta arrastou sempre um precário estado de saúde,
tendo conseguido fortalecer-se depois que veio para São Paulo e, aqui,
se utilizou das curativas ervas indígenas. Ainda que o tratamento
hospitalar europeu fosse bem conceituado, a verdade é que, para a
saúde dos jesuítas instalados em São Vicente e Piratininga, o
curandeirismo dos pajés se mostrava mais eficiente que a dos doutores
de lá.
A mais longa e minuciosa das cartas, a que contem indiscutíveis
erudições sobre a ciência natural, foi endereçada por Anchieta, em maio
de 1560, a seu superior em Roma, Padre Diogo Laínes. Nela procura
explicar com clareza aspectos da cosmologia brasílica, curiosidades da
climatologia da colônia, sua fauna, sua flora e os costumes selvagens da
população indígena, então no início do processo civilizatório e
catequético. Primeiro, em testemunho sobre as tarefas diárias dos
padres nestes trópicos: “Fazemos vestidos, sapatos, principalmente
alpargatas, de um fio como de cânhamo, que extraímos de uns cardos
lançados nagua e curtidos, as quais alpargatas são necessárias pela
aspereza das selvas. Barbear, curar feridas, sangrar, fazer casas e cousas
de barro, de madeira que a ociosidade não tem lugar algum em casa.”
Isso tudo, sem contar a fadiga “das cousas da doutrina que se trabalham
com muito esforço e cuidado”.
Um escândalo para os jesuítas era o costume bárbaro de sacrificar
crianças nascidas aleijadas. Uma menina de Piratininga que veio ao
mundo com o nariz fundido ao queixo e mais abaixo a boca,
deformidade que lhe concedia aspecto repelente, e que pereceu
enterrada vida, por ordenação do próprio pai. A antropofagia também
se disseminava, com os prisioneiros de batalhas travadas na floresta,
que se sacrificavam na praça central das aldeias, onde a borduna do
carrasco lhes arrebentava o crânio, após danças e uma sessão de
insultos e humilhações.
No que dizia respeito à flora e à fauna, acentuava Anchieta o papel
dos peixes e das raízes na alimentação dos bugres. Também assinalou a
preferência pela carne de macaco, “alimento muito são, até para os
doentes – com frequência o experimentamos”. E alinhou como carnes
preferenciais, além dessa, a de anta, de tamanduá, de veado e de
capivara. Como curiosidade, comenta o uso que o índio fazia de uma
centopeia vermelha, extremamente venenosa que, colocada sobre o
pênis, o excitava a ponto de permitir várias cópulas (ardente luxúria). Só
que com alto risco de irreversíveis aleijões, eis que um uso mal dosado
daquele bichinho, “mancha e infecciona as mulheres com quem têm
relações”. Quanto ao pênis, “três dias depois apodrece”.
Dedica o missivista, um grande trecho de sua carta à descrição das
cobras venenosas, abundantíssimas nas matas úmidas e aquecidas das
terras litorâneas: cascavéis, jararacas, corais, pintadas, chatas, bem
como aquelas que, embora não matassem com suas picadas, poderiam
engolir um bicho maior que elas (jiboias e anacondas): “Engolem um
veado inteiro e ainda maiores animais, e não os podendo digerir, ficam
por terra como mortas, sem se poderem mover.” Outro trecho de grande
interesse é o que se refere ao peixe-boi, pelo jeito, abundante, àquela
época, nos rios do Sul do Brasil, tanto quanto nos do norte (até, pelo
menos, nos do Rio de Janeiro e Espírito Santo). “Muito grande no
tamanho, alimenta-se de ervas. No corpo é maior que o boi, cobre-se de
pele dura, parecida na cor à do elefante. A boca é em tudo igual a do boi,
é muito bom para se comer e mal se pode distinguir se é carne ou se
antes, se deve considerar peixe.”
O estilo científico dessas informações coloca Anchieta entre os
mais famosos cronistas do período colonial brasileiro. E a ninguém, que
queira bem conhecer essa fase de nossa história, seria lícito deixar de ler
e avaliar essa dúzia de cartas, que nosso quase santo escreveu no século
XVI e a Associação Comercial de São Paulo, num belo gesto, colocou à
disposição dos estudiosos!
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8 JLetras
A dama das letras
Por Manoela Ferrari
Não são apenas as letras que inscrevem um marco superlativo na
vida da escritora e acadêmica Ana Maria Machado. Os números
também revelam grandeza: 40 anos de carreira, cem livros publicados
no Brasil e em mais de 18 países, somando quase 18 milhões de exemplares vendidos. Os prêmios conquistados ao longo da carreira são tantos que ela já perdeu a conta. Em 1993, a acadêmica se tornou hors
concours da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). A
consagração mundial veio no ano 2000 quando a escritora ganhou o
prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura
infantil.
Sexta ocupante da Cadeira no 1, eleita em 24 de abril de 2003, na
sucessão de Evandro Lins e Silva, Ana Maria Machado é a segunda
mulher a ocupar o cargo de presidente da ABL, eleita por unanimidade
para o biênio 2012/2013. A primeira foi Nélida Piñon (1997).
Prestes a completar seu 115o aniversário, a instituição sempre
refletiu o seu tempo. Na atual gestão, a dinâmica afinada com a
contemporaneidade será mantida. Ana Maria Machado tem a noção
exata do peso da responsabilidade que vai forçá-la a desviar o foco de
sua mais prazerosa função. A dialética entre o transitório e o perene é o
maior desafio, como explica a presidente: “A cultura de uma sociedade
engloba esses dois tipos de agentes e precisa que ambos existam – o do
experimentalismo e o da experiência. A ABL representa muito mais a
segunda opção que a primeira. Encarna experiência e permanência,
embora não se feche às novidades. Mas, diante do dilema, a tendência é
girar pelas cercanias do verso de Drummond: E como ficou chato ser
moderno, agora serei eterno.
Formada em Letras Neolatinas, em 1964, na então Faculdade
Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, a professora deu aulas
na Faculdade de Letras na UFRJ (Literatura Brasileira e Teoria Literária)
e na Escola de Comunicação da UFRJ, bem como na PUC-Rio
(Literatura Brasileira). Além de ensinar nos colégios Santo Inácio e
Princesa Isabel, no Rio, e no Curso Alfa de preparação para o Instituto
Rio Branco, também lecionou em Paris, na Sorbonne (Língua
Portuguesa) e na Universidade de Berkeley, Califórnia – onde já havia
Escritora Ana Maria Machado.
sido escritora residente. Do alto de sua vasta experiência no magistério,
Ana Maria Machado considera muito tímida a atuação do poder público
no incentivo à leitura: “Apesar dos muitos avanços, a educação no Brasil,
em todos os níveis, continua muito deficiente – e as estatísticas recentes
são a prova disso. Sempre propus uma transformação que envolva
fundamentalmente o trinômio poder público/escola/professor. Sem
que nos empenhemos por ações efetivas que mobilizem recursos de
toda ordem no sentido de mudar o atual quadro, não devemos contar
com melhorias no curto prazo.”
A vitalidade do segmento editorial da literatura infantil, no
entanto, merece os aplausos da presidente da ABL. Segundo estatísticas,
este é um dos setores editoriais que mais crescem no mercado nacional,
tanto em termos quantitativos, como qualitativos: “Nossa literatura
infantil é original. Sem preocupações didáticas nem moralistas, tem
capacidade de aliar crítica com a expansão da imaginação. Somente a
britânica se compara à nossa. E isso se reflete nos sucessivos prêmios
internacionais que nossos autores vêm ganhando, como prova do
reconhecimento dos especialistas do setor. Nos casos mais medianos,
também é comparável à literatura infantojuvenil mediana de outros
países: fica na média, apenas correta, suscetível às injunções do
mercado, às modas da ocasião ou a eventuais intenções didáticas. Mas
nunca nos traz vergonha. Podemos nos orgulhar dos nossos autores e
das obras que criam.”
Entretanto, a professora, jornalista e escritora não deixa de apontar críticas à falta de incentivo à leitura e aos programas de formação
dos professores: “O pouco uso da Literatura nas escolas é um ponto
importantíssimo, que nos preocupa muito, mas não está ao nosso
alcance fazer muita coisa, porque os problemas não se resolvem com
ações pontuais, mas têm a ver com a formação do magistério, e isso é
uma questão relativa à qualidade do ensino no Brasil como um todo. Na
faculdade, os professores aprendem muito sobre Pedagogia e
Psicologia, mas pouco sobre arte. Ficam sem instrumentos para
distinguir arte de não arte, textos bons de ruins. Infelizmente, nossos
professores leem pouco, porque a formação que recebem não dá ênfase
a isso. É uma situação completamente contraditória. Ninguém contrata
um instrutor de natação que não sabe nadar. No entanto, as salas de
aula brasileiras estão cheias de gente que, apesar de não ler, tenta
ensinar. Exemplo e curiosidade são fatores fundamentais para despertar
o interesse pela Literatura, especialmente nos jovens e nas crianças. Na
casa onde cresci, por exemplo, havia livro por todo canto. Em
contrapartida, nas minhas viagens pelo interior do Brasil, tenho
conhecido algumas experiências individuais surpreendentes. Mas ainda
são mais exceção do que regra dentro do sistema educacional.”
Desde sua criação, em 1897, a Academia tem buscado estar
próxima da sociedade, seja incorporando aos seus quadros intelectuais
oriundos dos mais diversos extratos sociais e procedências geográficas,
seja promovendo ações culturais acessíveis aos cidadãos. Em 2011, uma
imensa quantidade de atividades foi colocada em prática: cursos, ciclos
de conferências, mesas-redondas, seminários, sessões de cinema,
exposições, espetáculos teatrais, de música de concerto e popular.
Atenta à modernidade, a Instituição está presente no Facebook e no
Twitter, comentando e distribuindo dados de sua programação. A
Academia não cessa de se renovar, sem perder de vista a tradição e a
excelência no cultivo da Língua Portuguesa, na difusão e na valorização
da Literatura Brasileira: “Ler é gostoso demais. Por isso, é natural que as
pessoas gostem. Basta dar uma chance para que isso aconteça.
Ninguém é obrigado a gostar de cara. Tem de ler dois, três títulos, até
encontrar um que nos desperte. Um dos objetivos da ABL este ano é
estabelecer parcerias e apoiar projetos que ajudem fomentar a leitura,
sobretudo de literatura. Para o segundo semestre, firmamos parcerias
que vão promover a formação de mediadores de leitura nas bibliotecas
populares e em áreas carentes”, afirma esperançosa.
A carioca Ana Maria Machado começou a carreira como pintora.
Estudou no Museu de Arte Moderna e fez exposições individuais e
coletivas enquanto fazia faculdade de Letras (depois de desistir do curso
de Geografia). O objetivo era ser pintora mesmo, mas depois de doze
anos às voltas com tintas e telas, resolveu que era hora de parar. Optou
por privilegiar as palavras. O privilégio, pelo visto (ou melhor, pelo lido),
é todo nosso.
ornalde
10 JLetras
Nelson Rodrigues
como ele é
Por Manoela Ferrari
Influência para dramaturgos e cronistas, Nelson Rodrigues comemora 100 anos sem ter envelhecido. Nos momentos transcendentais
que pontuam suas histórias, no retrato cru que fez da sociedade brasileira, nos temas e personagens que povoam sua obra, a única marca do
tempo é a da eterna atualidade.
O pontapé inicial das homenagens pelo centenário do mais
polêmico dramaturgo brasileiro, nascido no dia 23 de agosto de 1912,
está em cartaz na sala Aloísio Magalhães (Teatro Glauce Rocha). Tratase da exposição Nelson Brasil Rodrigues – 100 anos do Anjo Pornográfico.
Com funcionamento de quarta a domingo, das 10h às 20h, os curadores
Crica Rodrigues e Nelson Rodrigues Filho fazem um recorte na extensa
e variada obra do artista, além de contar um pouco da história de cada
uma das 17 peças teatrais.
Da precoce carreira jornalística nos anos 1930 à fama que lhe
rende tantas homenagens, a vida e a carreira de Nelson Rodrigues percorreram a história brasileira no século XX. Ao longo de sua trajetória
artística, o dramaturgo é alvo de uma polêmica que o faz conhecer tanto
o sucesso absoluto, como em Vestido de noiva, 1943, cuja encenação por
Ziembinski marca o surgimento do teatro moderno no Brasil, quanto a
total execração, como em Anjo negro, 1948, ousada montagem para a
época, pelo Teatro Popular de Arte. Distante de qualquer modismo,
tendência ou movimento, Nelson criou um estilo único e inigualável.
Paralela à bem-sucedida carreira dramatúrgica, Nelson foi o autor
que mais exaltou o futebol da geração de Pelé, nos anos 1960. Além de
sucesso, o escritor conquistou, também, inimizades por se alinhar aos
militares.
Com sua obra, suas controvérsias e a própria biografia, Nelson
Rodrigues inscreveu-se como um dos polemistas mais bem-humorados
do país. Só depois de sua morte, no entanto, em 1980, passaria a ser um
raro caso de unanimidade inteligente, com montagens do diretor
Antunes Filho para suas peças, o estudo de sua obra pelo crítico Sábato
Magaldi e, em 1992, o lançamento da biografia O anjo pornográfico, do
jornalista Ruy Castro.
Na maioria das peças teatrais do autor, a realidade tem apenas o
papel de situar a ação, que se concentra de fato sobre o universo interior
das personagens. O jogo entre a verdade interior – nem sempre psíquica –
e a máscara social é outro elemento recorrente em sua dramaturgia. As
personagens podem se desmascarar ao longo da narrativa – como em
Beijo no asfalto ou Toda nudez será castigada – ou estarem francamente
libertas de qualquer censura interna ou externa como em Álbum de
família. Nesse caso, a supressão das leis da conveniência, que permite o
convívio, termina em tragédia, restando pouca vida ao final da
narrativa. Com exceção de Viúva, porém honesta e Anti-Nelson
Rodrigues, o ato do falecimento, nas demais 15 peças, atinge as
personagens centrais e toda a narrativa se desenha em torno da
inevitabilidade desse destino.
Nas crônicas que escreveu, nos anos 1960, Nelson carregou o século passado para fora do tempo, transformando o cotidiano óbvio em
momentos surpreendentes. Desde cedo, quando deu início a sua
carreira jornalística aos 13 anos e meio, no jornal de seu pai (A Manhã),
o jovem Nelson desenvolveu um olhar aguçado da realidade, recheando
de drama as histórias mais banais, recriando enredos, mesclando ficção
e realidade com habilidade ímpar. Vinte anos depois, na década de 1950,
sua fama criativa explodiu na coluna diária A vida como ela é, no jornal
Última Hora, de Samuel Wainer.
Em 1953, dois anos depois de estrear a famosa coluna, Nelson
Rodrigues escreveu A falecida, dando início à fase das tragédias cariocas
em sua obra teatral. As oito peças que integram esse conjunto,
delimitado pelo acadêmico Sábato Magaldi, estão coladas nos tipos e
nas situações suburbanos de então, circunscritas à Zona Norte do Rio.
Considerada o tratado mais completo sobre a classe média
brasileira, seu comportamento psicológico, sexual e linguístico, a obra
de Nelson Rodrigues acaba por superar a efemeridade e conquistar o
status de um “rico inventário das paixões humanas”, nas palavras de
Magaldi. “Em qualquer réplica, ou frase de efeito, à primeira vista,
apenas escandaloso, o dramaturgo esconde uma verdade psicológica
mais sólida que a percebida pelo verniz social”, afirma Magaldi. A alta
voltagem sexual vem romper uma capa de inocência, hipocrisia e
moralismo de fachada da classe média. As camadas mais profundas que
se revelam nos textos de Nelson estabelecem entre estudiosos a ideia de
uma obra que jamais será datada.
ornalde 11
JLetras
2
3
1
4
1. Nelson Rodrigues e Fernanda Montenegro.
2. Beijo no asfalto - 1961, Fernanda Montenegro e Francisco
Cuoco.
3. Beijo no asfalto - 1962, Italo Rossi, Claudio Correa e Castro
e Sergio Britto.
4. Beijo no asfalto - 1961, Sueli Franco, Zilka Salaberry e
Fernanda Montenegro.
5. Nelson Rodrigues.
O presidente da Funarte, Antonio Grassi, ressalta a relevância de
levar ao público um pouco do universo rodriguiano. “Considero
importante homenagear esse que é um dos maiores dramaturgos
brasileiros. Sua obra, provocante e original, muito contribuiu para a
nossa cultura. Nelson Rodrigues foi o pioneiro da dramaturgia moderna
brasileira e seus textos expõem o inconsciente da classe média. No
centenário de seu nascimento, a Funarte tem o prazer de expor um
pouco de sua vida e obra.”
Cedidos pelo acervo do Cedoc da Funarte, textos do próprio autor,
de diretores, matérias de jornal, programas das peças, críticas e
memoráveis e históricas fotos, desde a estreia com A mulher sem pecado
até A serpente, sua última peça, traçam a fotografia da época em painéis
deslizantes, que levam o público a um passeio pelo o que ele chamou de
Teatro desagradável.
5
ornalde
12 JLetras
Tudo começou na
Gazeta há 58 anos
Por Roberto Muggiati
Jornalista rememora os tempos heroicos e faz
um balanço do que mudou na profissão – para
melhor e para pior
Na noite de 15 de março de 1954, uma segunda-feira, subi as escadas do
casarão da Praça Carlos Gomes para meu primeiro dia de trabalho na Gazeta do
Povo. Não tinha, como o imperador Júlio César, um vidente a me alertar
“Cuidado com os idos de março!” Só depois vim, a saber, que “os idos de março”
eram precisamente o dia 15. César não deu ouvidos ao adivinho e morreu
apunhalado naquele dia exato, em 44 a.C. – 1.998 anos antes de eu atravessar o
umbral daquele sobrado que me abriria as portas da profissão e da vida. Não
sofreria punhaladas fatais, como as de César: mais sutis e traiçoeiras, elas
exerceriam um efeito moral e emocional que, absorvido ao longo destes 58 anos,
me ensinou a conviver melhor com a besta humana.
Toda manhã, como o leite e o pão, nosso jornal era entregue nas casas dos
cidadãos e nas bancas. Em termos de tecnologia, estávamos mais próximos da
prensa de Gutemberg, de 500 anos antes, do que da mídia globalizada de
McLuhan, apenas dez anos à nossa frente. Ainda não tínhamos teletipo e as
notícias caíam literalmente do céu: um velho senhor entalado num cubículo, a
cabeça curvada por enormes fones de ouvido, recebia os últimos despachos em
código Morse e os decodificava, teclando numa velha Remington. Por
coincidência, o telegrafista Vergès era um kardecista convicto e tudo aquilo me
parecia uma operação espírita. O tipo de texto que me chegava às mãos:
“Deputado Dix-Huit Rosado avionou df apresentar projeto Pelácio Tiradentes.”
Eu tinha de colocar a notícia num português legível e era mais rápido colar o
despacho do Vergès numa lauda (na verdade, uma apara de bobina, áspera como
lixa e porosa como mata-borrão) e corrigir à caneta-tinteiro. Tesoura, pincel e
goma arábica ainda eram ferramentas preciosas do nosso ofício. Quem tinha de
decifrar todas essas charadas era um pobre revisor: com a clássica pala verde na
testa, ocupava um mezanino, espécie de purgatório entre a redação (no primeiro
andar) e a oficina (no térreo). Num pequeno galpão no térreo, as fotos eram
transformadas em clichês por um ex-soldado russo, Konstantin Tchernovaloff,
que lutara contra os comunistas no exército branco e parecia um cossaco
diabólico em meio aos clarões do seu arco voltaico. Os clichês seguiam para a
oficina, que envolvia com seus vapores de chumbo a bateria de linotipistas
disposta perto das páginas – parafusadas em molduras de ferro, como nos
pasquins do Velho Oeste – e da prensa plana obsoleta que imprimia nossas
verdades absolutas de todo dia.
Que tipo de notícias oferecia o mundo em 1954? A Guerra Fria, a Bomba H,
a caça às bruxas e a segregação racial nos EUA, a derrota militar da França na
Indochina, as lutas de independência anticoloniais na África – se levássemos a
sério as manchetes viveríamos à beira do Apocalipse. No Brasil, 1954 foi um ano
trágico. A crise política, depois do atentado da Rua Tonelero contra Carlos Lacerda,
culminou com o suicídio do presidente Vargas, em 24 de agosto, no Palácio do
Catete. Naquele dia, fui recebido no Colégio Estadual do Paraná pelos gritos dos
colegas: “O Getúlio morreu!” Um instinto animal me fez correr para a redação da
Gazeta, onde colheria os louros da minha primeira edição extra. Em contrapartida,
descobri que o jornalista é escravo da notícia, um ser atrelado à vida e à morte dos
outros. (Anos depois, editor da Manchete, quando morreu JK, eu passei 27 horas
seguidas na redação, com raros intervalos para ir ao banheiro, – os sanduíches
eram mordiscados entre a definição das pautas e o fechamento dos leiautes).
lugares do Brasil que ele jamais se lembraria de ter passado.
A força da redação era um grupo de jovens estudantes de advocacia: o
Newton (Stadler de Souza), o Daquino Borges, o Nacim Bacila Neto, o Orlando
Soares Carbonar, que brilharia depois na carreira diplomática. Na ala caçula, eu
me enturmava com o Carlos Augusto Cavalcanti de Albuquerque e colegas de
outros jornais, o Aderbal Fortes de Sá Júnior e o Sylvio Back, que se tornaria o
cineasta mais polêmico do Brasil. Munidos de armas mágicas como o lide e o
sublide, iniciados nos segredos da pirâmide invertida, íamos revolucionar a
imprensa.
A Gazeta foi para mim um trampolim para outros voos. Em 1960, bolsista do
governo francês, estudei jornalismo em Paris por dois anos. A seguir, trabalhei três
anos em Londres, no Serviço Brasileiro da BBC. Em 1965, de volta ao Brasil, entrei
na Bloch, onde seria o editor que mais durou à frente da Manchete. De 1968 a 1969,
fui o editor de artes e espetáculos da Veja em São Paulo, na sua conturbada estreia
no mercado editorial. Numa profissão de alta rotatividade, tive relativamente
poucos patrões: a Gazeta, a BBC, a Abril e a Bloch, onde passei 33 anos, até a morte
anunciada da empresa, em 2000. De lá para cá, conheci o melhor patrão de todos –
eu mesmo, em regime de frila (a palavra free-lancer remonta aos lanceiros
mercenários da Idade Média e foi cunhada no livro juvenil Ivanhoé).
Avanços
Todo um mundo mudou nas comunicações nestes 58 anos. Não cabe
inventariar aqui os avanços na área da palavra e da imagem. Tecnologia à parte,
porém, pouca coisa mudou. A mídia se compartimentou, o nível de
especialização dos profissionais e das publicações é espantoso, mas os
fundamentos persistem. Quando me perguntam o que é preciso para ser um
bom jornalista, eu respondo: curiosidade. Se você não for curioso, estupidamente curioso, vá procurar outro emprego. Curiosidade e, também, um certo
desapego à vida organizada, programada. “Era preciso, mesmo no meio da noite,
cortar seus laços, fechar suas gavetas, esvaziar seu quarto de si mesmo, de suas
fotos, de seus livros e deixar tudo para trás, menos visível do que um fantasma.
Era preciso, às vezes, em plena noite, se desvencilhar dos braços de uma jovem...”
Assim Saint-Exupéry descreve o piloto do correio aéreo em 1927, nos tempos
heroicos da aviação. A descrição vale também para o repórter, para o jornalista
que, dividido entre o altruísmo e o individualismo, circulando num mundo em
que o caos é a norma, exerce a função social suprema de ser – 24 horas por dia –
o Historiador do Instante.
Com o presidente João Baptista Figueiredo na Manchete, 1979 (da esquerda: José Roldolpho
Câmara, Zevi Ghivelder, Murilo Melo Filho, Figueiredo, Arnaldo Niskier e Roberto Muggiati.
Fauna humana
Daqueles primeiros anos, guardo uma ternura especial pela fauna
humana da Gazeta. Dicesar Plaisant era nosso gramático-mor (“Nunca escreva:
‘João, morreu.’ Com a vírgula separando o sujeito e predicado, ele nunca vai
morrer!”); o médico Aloysio Blasi assinava a coluna social; o repórter policial
Luzimar Dionísio, o “Meio Quilo” – elementar, meu caro – trabalhava na polícia.
Um protético de nobre família, o Mário de Mello Leitão, escrevia crônicas. Um
dia, recebeu um telefonema de Fernando Sabino do aeroporto e incorporou-se à
caravana eleitoral do general Juarez Távora, que disputava a Presidência com JK.
Com a roupa do corpo, sem levar sequer uma escova de dentes ou uma lâmina
gilete, o Mário embarcou num DC-3 numa trip cívico-etilica de três meses por
Com Lula na Manchete: da esq, Adolpho Bloch, Lula, Osias Wurman, Carlos Heitor Cony,
Roberto Muggiati, Jorge Bittar (2o turno 1989).
JL
acervo JL
ornalde 13
JLetras
BBBBiblioteca Básica Brasileira
O Jornal de Letras apresenta mais três autores cujas obras não podem faltar numa Biblioteca Básica Brasileira.
acervo JL
Basílio da Gama
Nasceu José Basílio da Gama
em 22 de julho de 1740 no
povoado de São José do Rio das
Mortes (depois São José del Rei,
hoje a cidade de Tiradentes),
MG, e faleceu em Lisboa,
Portugal, em 31 de julho de
1795. É o patrono da Cadeira no
4 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do
fundador Aluísio Azevedo. Estudou no Colégio dos
jesuítas onde faria o noviciado para professar na
Companhia de Jesus. Com a expulsão dos jesuítas, em
1759, os que não eram professores podiam voltar à vida
secular. Prosseguiu seus estudos, provavelmente no
Seminário São José. Viajou depois pela Itália e Portugal,
de 1760 a 1767. Em Roma, foi recebido na Arcádia
Romana sob o nome de Termindo Sipílio, com a
proteção dos jesuítas, que teriam emendado os versos
acadêmicos do poeta principiante e sem nenhuma
produção de vulto. No fim da vida, foi admitido na
Academia das Ciências de Lisboa e publicou o poema
Quitúbia (1791) e, de permeio, traduções e alguns versos
de circunstância. Obras: Epitalâmio às núpcias da Sra.
D. Maria Amália e O Uraguai (1769); A declamação
trágica (1772), poema dedicado às belas artes; Os
Campos Elíseos (1776); Relação abreviada da República e
Lenitivo da saudade (1788); Quitúbia (1791); A
declamação trágica (1820). As suas poesias conhecidas
foram reunidas por José Veríssimo nas Obras poéticas de
José Basílio da Gama, edição comemorativa do
bicentenário do poeta.
acervo JL
Bernardo Guimarães
Nasceu Bernardo Joaquim da
Silva Gama em 15 de agosto de
1825 na cidade de Ouro Preto,
MG e faleceu na mesma cidade
em 10 de março de 1884. Foi
magistrado, jornalista, professor,
romancista e poeta. É o patrono
da Cadeira no 5 da Academia
Brasileira de Letras, por escolha de Raimundo Correia.
Tem-se como certa a sua participação, em 1842, na
revolução liberal. Na Faculdade de Direito de São Paulo se
tornou amigo íntimo de Álvares de Azevedo e Aureliano
Lessa, com os quais projetou a publicação de uma obra
que se chamaria Três liras. Fundaram os três, com outros
estudantes, a “Sociedade Epicuréia”. Obras: Cantos da
solidão (1852); O ermitão de Muquém (1868); Lendas e
romances (1871); O garimpeiro (1872); Histórias da
província de Minas Gerais (1872); O seminarista (1872);
O índio Afonso (1873); A morte de Gonçalves Dias (1873);
A escrava Isaura (1875); Novas poesias (1876); Maurício ou
os paulistas em São João Del-Rei (1877); A ilha maldita
(1879); O pão de ouro (1879); Rosaura, a enjeitada (1883);
Folhas de outono (1883). Postumamente apareceram
O bandido do rio das Mortes e o drama A voz do Pajé. A sua
produção poética conhecida foi reunida em Poesias
completas de Bernardo Guimarães. Organização, introdução, cronologia e notas de Alphonsus de Guimaraens
Filho, edição do Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional do Livro (1959).
Casimiro de Abreu
Nasceu Casimiro José Marques
de Abreu em 4 de janeiro de
1839 na cidade de Barra de São
João, RJ, e faleceu em 18 de outubro de 1860 na cidade de
Nova Friburgo, RJ. É o patrono
da Cadeira no 6 da Academia
Brasileira de Letras, por escolha
do fundador Teixeira de Melo. Recebeu apenas instrução
primária, estudando dos 11 aos 13 anos no Instituto
Freeze, em Nova Friburgo (1849-1852), onde foi colega
de Pedro Luís, seu grande amigo para o resto da vida. Foi
para Lisboa onde iniciou sua atividade literária,
publicando um conto e escrevendo a maior parte de
suas poesias, exaltando as belezas do Brasil e cantando,
com inocente ternura e sensibilidade quase infantil,
suas saudades do país. Em 1856, o jornal O Progresso
imprimiu o folhetim Carolina, e na revista Ilustração
Luso-Brasileira saíram os primeiros capítulos de Camila,
recriação ficcional de uma visita ao Minho, terra de seu
pai. Em 1857, voltou ao Rio, onde continuou residindo a
pretexto de continuar os estudos comerciais. Colaborou
em A marmota, O espelho, Revista popular e no jornal
Correio Mercantil, de Francisco Otaviano. Obras:
Camões e o Jau, teatro (1856); Carolina, romance (1856);
Camila, romance inacabado (1856); A virgem loura.
Páginas do coração, prosa poética (1857); As primaveras
(1859). Foram reunidas na Obras de Casimiro de Abreu,
edição comemorativa do centenário do poeta;
organização, apuração do texto, biografia e notas por
Sousa da Silveira.
ornalde
14 JLetras
Por Zé Rober to
[email protected]
Guerra e Paz – Portinari com
Humor
Em junho de 2010, o grupo Caricatura
Solidária foi convidado para participar da
exposição “Bye-Bye Reitor”, na Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ. A ideia deste evento era
“invadir” um território genuinamente acadêmico com uma expressão
artística pouco difundida e estudada nas faculdades brasileiras: a caricatura.
JBosco
A Exposição apresentou, em tom desafiador, dezenas de cartuns, charges e
caricaturas criadas pelo desenhista Diego Novaes, além da presença dos
artistas do Caricatura Solidária que desenharam ao vivo as caricaturas
dos visitantes.
Agora, convidados pelo professor Paulo Sgarbi, os desenhistas do
Caricatura Solidária voltam à cena, desta vez na Universidade Estadual
do Rio de Janeiro – Uerj, com a incumbência de mesclar a consagrada
obra do pintor Candido Portinari com os estilos de alguns dos nossos
mais talentosos artistas do traço, entre eles Adail, Guidacci, Hermé,
Mondego, Shimamoto entre outros.
A ideia de Paulo Sgarbi é mostrar ao meio acadêmico a
importância do desenho nas leituras do dia a dia. Há tempos que Sgarbi,
mesmo sendo professor de literatura e língua portuguesa, vem se
dedicando aos estudos da imagem e sua aplicação no ensino, e criou o
grupo de pesquisa Linguagens Desenhadas e Educação, que é ligado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação, e é formado por diversos
estudantes não só da Uerj, mas de outros estabelecimentos.
O ano de 2012 marca os 50 anos de morte de Portinari e coincide
com a ida dos consagrados painéis “Guerra” e “Paz”, para São Paulo, na
Fundação Memorial da América Latina. Para não deixar esse momento
passar incólume, foram reunidos, além dos artistas do grupo Caricatura
Solidária, vinte desenhistas, a maior parte deles notórios artistas com
passagens por diversos jornais e revistas do Brasil. Cada um deles
escolheu uma imagem de Portinari ou um fragmento de uma de suas
famosas obras, para criar releituras em forma de pinturas, esculturas,
ilustrações, cartuns e caricaturas.
Esta exposição, intitulada Guerra e Paz – Portinari com Humor,
confirma a visão de Candido Portinari que, já em sua época, buscou
intercâmbio fora das teorias e práticas acadêmicas, consagrando-se
como o maior pintor brasileiro em todos os tempos.
Guerra e Paz – Portinari com Humor
Uerj, Rua São Francisco Xavier, no 524 – Marcanã
De 3 de abril a 11 de maio de 2012, de segunda à sexta, das 9h às 21h
Artistas participantes:
Adail, Adam Rabello, Alessandra Nogueira, André Brown, Bárbara
Sotério, Biratan, Cida Calu, Deborah Trindade, Diego Novaes, Glen,
Guidacci, Hermé, JBosco, Jeff Bonfim, Junior Lopes, Liliana Ostrovsky,
Magon, Marcia Mendes, Marguerita Bornstein, Matheus Trindade,
Mattias, Mondego, Mônico Reis, Nei Lima, Pedro Dias, Romero
Cavalcanti, Rose Araújo, Shimamoto, Souza, Zé Andrade e Zé Roberto
Graúna.
Shimamoto
Mondego
Cida Calu
Zé Roberto
ornalde 15
JLetras
Aprendendo a pensar
Por Beth Almeida
Gama Filho. É um dos principais divulgadores do pensamento
heideggeriano no Brasil, tendo traduzido para o português alguns livros
do filósofo alemão. É autor de, entre outros, do livro Aprendendo a
pensar.
De acordo com o Acadêmico Marco Lucchesi, o ciclo “responde a
uma demanda de verticalizar diversas questões, de aprofundá-las a
partir de uma proposta dialógica, frente ao desafio das diversas formas
de pensar hoje o mundo, a arte e a ciência, em seus diversos
desdobramentos, sem perder de seu horizonte uma visão ética do
próprio pensamento”.
O poeta Ferreira Gullar com Pensar as Artes, o filósofo José Arthur
com Pensar a Humanidades e o acadêmico Candido Mendes de Almeida
com Pensar as Ciências Humanas foram os outros participantes do
Ciclo.
Mesa com Emmanuel Carneiro Leão, a acadêmica Ana Maria Machado e o acadêmico Marco
Lucchesi.
Sob a coordenação do acadêmico Marco Lucchesi a Academia
Brasileira de Letras deu início ao seu ciclo de conferências 2012. O título
não poderia ser mais sugestivo: Pensar hoje I – para tanto foi convidado
para a primeira conferência o professor Emmanuel Carneiro Leão, que
discorreu sobre O que significa pensar.
Emmanuel Carneiro Leão possui graduação pelo Pontifício
Atheneo Antoniano, e doutorado na De Universa Philosophia – Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, onde foi aluno de Heidegger. Regressou
ao Brasil em meados da década de 1960. Desde então, dedica-se ao
magistério na condição de professor titular emérito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor titular da Universidade
Emmanuel Carneiro Leão.
ornalde
16 JLetras
JL Literatura Infantil
Por Anna Maria de Oliveira Rennhack
Bolonha, mais
uma vez e sempre
Mestre em educação, pedagoga, editora de livros infantis e didáticos — e-mail: [email protected]
Aconteceu de 19 a 22 de março mais uma edição da Feira
de Livros para Crianças, em
Bolonha, Itália (Bologna
Children’s Book Fair). Em
quatro pavilhões, a melhor e
mais recente produção editorial para crianças e
jovens de inúmeros países foi apresentada.
Este ano Portugal foi o país homenageado e em
2014 será a vez do Brasil!
A exposição dos trabalhos selecionados dos
ilustradores foi realizada fora do âmbito da Feira, no
Palazzo D’Accursio, na Piazza Maggiore. Apresentamos uma seleção de
alguns desses belos e criativos desenhos.
Yodchat Bupasiri – Tailândia
Leire Salaberria – Espanha
Youn Jin Sil – Coreia
Gerry Turley – Inglaterra
Roxane Lumeret – França
Anna Rennhack na entrada da Feira.
Geert Varvaeke –
Bélgica
Katrin Stangl – Alemanha
Cristina Amodeo – Itália
Isabella Labati –
Itália
ornalde
18 JLetras
JL Novos Lançamentos
Os judeus e a sua verdade
Muito se tem escrito sobre os judeus, suas conquistas e
vicissitudes, mas o biólogo marinho Marcelo
Szpilman, no livro Judeus, suas extraordinárias histórias e contribuições para o progresso da humanidade,
editora Mauad, nos apresenta um novo enfoque à sua
narrativa. Através da pesquisa e da falta de um livro
que dirimisse sua curiosidade sobre a verdadeira história desse povo tão massacrado e injustiçado, Marcelo
Szpilman foi tecendo seu discurso com o objetivo de
esclarecer e corrigir distorções que foram acontecendo
ao longo da história da humanidade. Já em sua
apresentação, o autor responde a questões sobre a
feitura de mais um livro sobre judeus: “Como sei que
muitos farão a mesma pergunta – ‘por que um biólogo
marinho, ainda que já tenha cinco livros publicados
em sua área, resolve escrever um livro sobre a história
do povo judeu?’, achei por bem já responder logo. Dois motivos me levaram a escrevêlo. O primeiro, é que tenho tendência a escrever livros que gostaria de ter. Ou seja, senti
falta de um livro com a narrativa cronológica sequencial e resumida da longa estrada
percorrida pelo povo judeu até os tempos atuais, que me permitisse compreender suas
relações históricas de causa e efeito. O segundo motivo, um pouco mais complexo, foi
a necessidade interna de propagar a ‘verdade’ sobre os judeus e sua história, como
forma de desmitificar sua imagem no mundo cristão e fazer com que a razão prevaleça
sobre o ódio e a injustiça.”
O tempo submerso nos espelhos
O Café Central é um espaço simbólico deflagrador de
alegorias na realidade narrativa. Sendo lugar de poetas,
escritores, pintores, teatrólogos, professores, estudantes, jornalistas, boêmios e visitantes, tornou-se um
espaço de livre circulação das ideias antes e depois da
deflagração da ditadura militar, a partir do que sua
resistência foi sendo enfraquecida. A obra consiste em
uma narrativa da impossibilidade do homem, do ser,
ficar fora do tempo e suas circunstâncias. Mesmo que
tente se refugiar em alguma forma de exílio, ou no
mito, ou no passado, o presente produz suas armadilhas e as circunstâncias suas situações de realidade.
Nem sempre se pode fugir aos efeitos do real com que
o destino tenta contrapor-se ao imaginário. Não é,
portanto, a história do Café Central, mas a alegoria dos
espelhos que recobriam as paredes com seu
imaginário cristalizado que justifica o subtítulo: O
tempo submerso nos espelhos. É um ponto de partida e chegada, pois o romance
apresenta vários outros espaços dramáticos ficcionalizados além do Café Central: a
Pensão da Naty na zona da prostituição, a região das Ilhas em Abaetetuba, a prisão do
Cenimar da Marinha no Rio de Janeiro, e, finalmente, o retorno ao Café Central. Café
Central de João de Jesus Paes Loureiro, sai sob a égide de Escrituras Editora, capa de
Felipe Bonifácio e Raimundo Gadelha, foto de Luiz Braga e revisão de Jonas Pinheiro.
A conquista pela liderança nos negócios
O tema mais abordado por empresas tanto privadas
como públicas nos dias atuais é a liderança. Através
do livro Líder: gestor de expectativas e transformador
de sonhos em realidade, Editora Interciência, o autor,
Carlos Rosa, discute o treinamento e o desenvolvimento para a tão alcançada liderança. A importância
de saber gerir as expectativas dos liderados e a realizar
seus sonhos são funções indelegáveis do líder e
visando a facilidade do processo emocional e os
resultados consistentes, o livro tem a proposta de
desenvolver nos líderes a preocupação de estimular e
entender as expectativas, comprovando por meio dos
ensinamentos que os seguidores do líder têm um
papel ativo na eficácia da sua liderança, pois suas
percepções e julgamentos afetam o desempenho do
grupo. E como cada empresa tem um perfil, a
personalidade do líder; as pessoas lideradas, com seus
valores e personalidades; as tarefas realizadas, o livro irá fazer com que você analise o
seu ambiente de trabalho, não há receitas apenas objetivos. O leitor irá refletir sobre a
melhor maneira de desenvolver a competência em questão através dos ricos exemplos
do cotidiano, citações famosas e do líder homenageado. Líder bom é o que faz mais
com menos e melhor, como mostra Carlos Rosa com seus 26 anos de experiências em
uma das maiores empresas do mundo.
Biografia em quadrinhos
Depois da estreia do filme J. Edgar, dirigido por Clint
Eastwood e estrelado por Leonardo DiCaprio, nos
cinemas brasileiros, a história clássica de J. Edgar
Hoover, o polêmico diretor do FBI, ganha versão em
quadrinhos, elaborada pelo premiado cartunista e
ilustrador Rick Geary. Diferente do longa, J. Edgar
Hoover, publicado pela Editora Seoman, além de
trazer a história deste famoso personagem, a obra
relata o que houve de mais interessante nos EUA, e no
mundo, durante mais de cinquenta anos. Esta nova
adaptação, ao contrário dos livros tradicionais,
resume os textos de um mesmo personagem do texto
original, de forma a agradar tantos os fãs de HQ
quanto os de literatura clássica. Manoel Lauand é o
responsável pela coordenação editorial, produção
gráfica e tradução da obra. J. Edgar Hoover, ao longo
de sua vida, tornou-se o homem mais poderoso da
América e seus artifícios, ao mesmo tempo, implacáveis e heroicos, contaram com a
admiração do mundo. Durante 55 anos servindo o povo americano, J. Edgar assumiu
vários papéis como combate do crime, exterminador de comunistas e protetor da
moral. Agora, nas mãos do famoso cartunista Rick Geary, a vida desta grande
personalidade torna-se um amplo e atual guia histórico do século XX, ao retratar a
eleição de oito presidentes norte-americanos e tudo o que aconteceu na época.
Mestre do folclore
Câmara Cascudo conhecia como poucos a alma
brasileira. E sabia que nela a força da fé religiosa
sempre ocupou um espaço de destaque. Seja em
cerimônias coletivas a céu aberto, como as
procissões, seja na intimidade dos lares, a religião
permanece vigorosa no cotidiano do povo brasileiro,
sempre em constante mutação ao longo do tempo.
Impossível não se lembrar de Câmara Cascudo,
quando o assunto é “costumes brasileiros”. Em sua
especialidade, ele foi o único estudioso com uma
visão verdadeira do nosso folclore, mesmo tendo
vivido por quase nove décadas no seu Rio Grande do
Norte. Em Religião no povo, as brilhantes e saborosas
observações de Cascudo sobre a diversidade das
práticas religiosas sugerem que, ao lado das regras
presentes no âmago do catolicismo, o povo resignifica
o que recebe, inserindo sua sabedoria e criando novas
formas de devoção que acabam por transformar suas crenças. Religião no povo teve sua
primeira edição em 1974 pela Imprensa Universitária da Universidade Federal da
Paraíba, agora sai em sua segunda edição pela Global Editora, com capa de Eduardo
Okuno, revisão de Ana Carolina Ribeiro e Tatiana Y. Tanaka, tem como público-alvo
pesquisadores, historiadores e, sobretudo pessoas interessadas na cultura popular, em
que Luís da Câmara Cascudo é o mestre.
Poemas funcionais
O livro de poemas Separação de sílabas, editora
Virtual Books, nos reporta ao cotidiano de Lasana
Lukata, o autor do livro. Recordações de infância se
fundem a sonhos e fatos, numa obra em que passado,
presente e imaginário se encontram em verso. A linguagem flutua, dançando entre uma fala e outra,
produzindo uma estranha polifonia, um discurso
entre lá e o cá, entre o eu e outro, entre o lugar e o não
lugar, construindo personagens que se constituem
pela linguagem poética ora em consonância, ora em
dissonância com o real. As palavras e o referente se
articulam de modo concreto e volátil e o real que
conhecíamos é deslocado visto que pensado e
ressignificado pela poesia. Suas alegrias e tristezas são
reveladas a cada estrofe, como no poema que dá
nome ao livro Separação de sílabas: “na sala de aula/
quando a professora perguntava/ como era a minha família/ eu dizia que era um
tritongo/ havia cigarra/ dançávamos jongo/ mas a mãe se foi/ a cigarra morreu/ a
dança acabou/ a tristeza invadiu/ meu pai e a mim/ e viramos ditongo/ mas veio a
madrasta/ que teve três filhos/ me jogou hum hiato/ e fiquei feito um i/ na palavra saí-da.” Em seu terceiro livro Lasana Lukata, dá continuidade à trajetória muito própria e
íntima de um artista cuja obra vem se afirmando no cenário poético nacional, e que
sabe traduzir com aguçada sensibilidade suas inquietações e suas vivências.
ornalde 19
JLetras
Rio Bossa Nova: Um
passeio musical pelo
Rio
JL Letras & Letras
p o r L u i z Pa u l o S i l v a
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O governo de São Paulo liberou R$2 milhões para obras de
reforma da ponte construída por Euclides da Cunha há 111 anos,
quando o escritor estava elaborando o clássico Os Sertões.
A Editora Manole lançou o livro Para sempre e sempre, de Tércio
Sampaio Ferraz Jr. O prefácio é do acadêmico Celso Lafer.
Por Kenya Freire
Brasil será o país homenageado na Feira do Livro de Bogotá, que
acontece de 18 deste mês a 1º de maio.
Como um arco-íris, surgem as cores variadas e alegres,
características do povo carioca. A narrativa do livro acontece
informalmente, um verdadeiro papo entre amigos. No caso, Ruy Castro
realiza mais uma bela obra, descrevendo os locais marcados pelo
movimento da Bossa Nova.
Aqui no Rio nasceu a Bossa Nova e conquistou milhares de
corações ao redor do mundo. Um jeito único que traduz em melodia
todas as qualidades da “Cidade Maravilhosa”.
O livro Rio Bossa Nova (editora: Casa da Palavra), além do roteiro
lítero-musical, pode ser visto como uma espécie de declaração de amor
à cidade e ao ritmo que a embala.
É possível acreditar, em alguns momentos, que o autor mineiro é
um “carioca da gema”, tamanha a admiração e entendimento da
geografia e história da cidade.
O lançamento do livro foi muito bem recebido pelos amantes da
Bossa Nova, muitos dos quais acreditavam que o ritmo tivesse morrido
junto com Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Ruy Castro mostra que o
ritmo não só continua vivo em CDs e LPs, como também em diversos
bares, teatros e cafés. É um delicioso passeio por ruas, becos e vielas da
Cidade Maravilhosa.
Mais Brasil no exterior: Rubem Fonseca conquistou o Prêmio
Casino da Póvoa, que é destinado a escritores de língua portuguesa e
espanhola editados em Portugal.
A Alfaguara prepara o relançamento de toda a obra de Mário
Quintana. Ítalo Moriconi será o responsável pela empreitada.
Mais uma obra do mineiro Luiz Vilela na praça: o romance
Perdição, da Editora Record.
No mercado, duas reedições importantes: Agora é que são elas, de
Paulo Leminski (Editora Iluminuras), e Furação Elis, de Regina
Echeverria (Editora Leya).
Eliete Eça Negreiros mostra, no livro Ensaiando a canção –
Paulinho da Viola e outros escritos, a riqueza da obra do cantor e
compositor carioca.
Em breve, a Editora José Olympio lançará o ABC de Ferreira
Gullar, escrito pela jornalista Mànya Millen.
Feira de São Cristóvão – A história de uma saudade, de Sylvia
Nemer, é um lançamento da Editora Casa da Palavra.
A morte tudo resolve, de Luiz Kignel, é um lançamento da
Alameda Casa Editorial.
Lançado há 65 anos, O quilombo dos Palmares, do folclorista
Edison Carneiro, volta ao mercado, graças à iniciativa da Editora
Martins Fontes.
A escritora carioca Nilza
Rezende, considerada
um dos grandes nomes
da nova geração da
literatura feminina
brasileira, lançou mais
um romance: Bocas de
mel e fel (Editora
Record). Uma obra
recheada de
sentimentos, onde se
destaca o seu estilo
muito pessoal, criterioso
e objetivo. É a história
da advogada Irene e
suas perdas, conflitos
amorosos e dramas.

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