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AVIAÇÃO E ESPAÇO Governo anula concurso e adia privatização da TAP para 2014 Sirius N.º 155 JANEIRO | FEVEREIRO 2013 magazine AIRBUS A380 Pilotos emigram Saiba tudo sobre as condições de trabalho oferecidas e as oportunidades de evolução na carreira ENSAIO AEROPILOT LEGEND 540, A CÓPIA DO CESSNA 182 PITVANT AERONAVES NÃO TRIPULADAS REFORÇAM DEFESA AÉREA REPORTAGEM F-16 FALCÕES E JAGUARES NA BA5 Preço €4,00 (Portugal Continental) EDITORIAL Prepotência Cmdt. Pedro Santa Bárbara Presidente da APPLA – Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea EM 1944, A CIDADE DE Chicago tornou-se o centro das atenções mundiais. O transporte aéreo, que já fazia circular passageiros e carga por todo o mundo, necessitava de regras gerais que proporcionassem ao utilizador, em qualquer Estado, segurança, regularidade e eficiência. Nesse contexto, foi assinada a Convenção de Chicago, em 7 de dezembro de 1944. Nascia a ICAO, Organização Internacional da Aviação Civil e foram criadas as recomendações que proporcionariam, entre outros resultados, um desenvolvimento seguro e ordenado da aviação mundial. Ao longo dos anos, o transporte aéreo afirmou-se como a forma mais segura de viajar. Com o constante aumento do tráfego aéreo surge a necessidade de uma iniciativa comum europeia, destinada a manter os mesmos padrões de segurança. A EASA (Agência Europeia para a Segurança da Aviação) é a espinha dorsal da estratégia da União Europeia em matéria de segurança da aviação. A sua missão consiste em promover as mais elevadas regras de segurança aérea e proteção ambiental no setor da aviação civil. Enquanto as autoridades nacionais continuam a desempenhar a maioria das funções operacionais, como a certificação individual de aeronaves ou o licenciamento de pilotos, a EASA desenvolve regras de segurança e ambientais comuns a nível europeu. É um direito para qualquer passageiro exigir que o serviço de transporte prestado por qualquer companhia seja efetuado com os maiores padrões de segurança, respondendo escrupulosamente às normas da legislação em vigor, que, de forma objetiva, deverão estar alinhadas com essas premissas. O aumento da competitividade entre companhias aéreas resulta numa maior utilização das tripulações. A fadiga é diretamente proporcional à carga de trabalho a que os tripulantes são submetidos e inversamente proporcional aos índices de segurança exigidos. A EASA, muito recentemente, aprovou novas regras que estabelecem limites de tempo de trabalho (Flight Time Limitations) para todos os tripulantes a bordo de aeronaves. Contudo, as propostas já entregues para apreciação no Parlamento Europeu não levam em consideração as recomendações emanadas pela comunidade médica e científica, a quem a própria EASA recorreu, inviabilizando assim uma regulamentação europeia inovadora e adaptada às novas realidades para o transporte aéreo. Não querendo ser minucioso nesta matéria, enumerarei alguns exemplos simples que ilustram as incoerências e os interesses instalados no setor. O PRINCÍPIO DA NÃO REGRESSÃO. Os Estados que no seu ordenamento jurídico já contemplam medidas mais «protetoras» para o tripulante devem observar esses mesmos limites. A EASA invoca a uniformização europeia, renegando o princípio estabelecido pelo próprio Parlamento Europeu, eliminando em definitivo os limites de tempo de trabalho pré-estabelecidos pelos diferentes Estados. A inevitabilidade será de novo a regressão de padrões de segurança já implementados. CONJUGAÇÃO – ASSISTÊNCIA – PSV. Esta proposta da EASA, conjugando um período de assistência (período em que o piloto terá de estar apto para ser chamado para voo) com um período de serviço de voo, PSV (período entre a hora da apresentação para voo e a imobilização da aeronave após voo concluído), irá permitir que um tripulante possa estar aos comandos de uma aeronave ao fim de 22 horas de se encontrar acordado. A título informativo e comparativo, nos EUA, para esta mesma situação, está contemplado um máximo de 16 horas. VOO NOTURNO. Todos os estudos relativos a esta restrição, inclusive os referenciados pelos consultores da própria EASA, referem um máximo de 10 horas de PSV sempre que o voo se inicie, se realize ou termine dentro do «período janeiro | fevereiro Sirius 3 28 SUMÁRIO AVIAÇÃO EM DESTAQUE 05 Cockpit Franceses da Vinci conquistam ANA Sangria na Manutenção da TAP Legacy 500 faz primeiro voo 10 Simuladores RAAS no Flight Simulator X 11 Segurança ANA quer reduzir runway excursions 12 Empresa TAP salva in extremis 14 Tema de Capa Voar com outras bandeiras 20 Briefing Os biocombustíveis de síntese 22 Reportagem A base dos Falcões e Jaguares Pilotos da TAP na BA5 52 26 APPLA 46 Responsabilidade Aeroporto complementar ao de Lisboa Social 28 Balonismo 30 Spotters 48 Reportagem 32 Fatores Humanos PITVANT reforça Força Aérea APEA visita Base Aérea do Montijo Sem medo de voar 34 Ensaio No reino dos paramotores 52 Defesa 56 Opinião Piloto de drones 58 Test Drive Aeropilot Legend 540 40 Opinião Pliotos criam clube de clássicos Devemos ser uns pelos outros 60 Viagem 42 Jatos Executivos Ilha do Fogo e Copenhaga 44 Gestão do Voo Bartolomeu Lourenço de Gusmão Cessna Citation Longitude Fatores humanos + fatores culturais 62 Memória 66 Spotters NA CAPA Airbus A380, da Emirates, fotografado no ILA Berlim, por S. Ramadier/Airbus Editorial (continuação) crítico do ritmo circadiano» (período entre as 02:00 e as 06:00). A EASA, ao sugerir um máximo de 11 horas de atividade nestas condições, está a comprometer a segurança na operação. ATRASOS NA APRESENTAÇÃO. Um tripulante avisado para não se apresentar à hora predefinida por falta de aeronave, avaria, razões comerciais ou outras pode permanecer em casa, mantendo-se informado dos atrasos sucessivos, até que seja reprogramada nova hora para apresentação. De acordo com a proposta da AESA, o PSV inicia-se a essa nova hora, e não à hora inicial. A totalidade do atraso não conta um minuto que seja para PSV, mas o tripulante esteve à espera que o operador lhe atribuísse uma hora de apresentação, obrigado a estar contactável. Ainda se, ao fim de 10 4 Sirius janeiro | fevereiro horas de sucessivos atrasos, não houver nomeação para voo, o tripulante é desnomeado, contando este período de «indefinição» como período de repouso. Os pilotos europeus estão preocupados com as novas medidas de segurança que virão a ser decretadas pelo Parlamento Europeu. Mas opinar sobre questões fundamentais para o garante de altos padrões de segurança para o transporte aéreo sem a estrita observância das recomendações médicas e científicos é querer transformar opiniões fundamentadas em verdade absoluta. A isso chama-se prepotência. COCKPIT 15 MILHÕES DE PASSAGEIROS EM LISBOA TAP NOTÍCIAS DO MUNDO DA AVIAÇÃO Franceses da Vinci conquistam ANA O GOVERNO APROVOU A VENDA DA ANA Aeroportos ao grupo francês Vinci por 3,08 mil milhões de euros. O grupo Vinci passa, assim, a controlar 95% do capital social da gestora aeroportuária, responsável pela operação de oito aeroportos em Portugal continental e ilhas. Os restantes 5% do capital estão reservados para os trabalhadores. As propostas que os restantes três investidores entregaram variavam entre 2000 e 2442 milhões de euros. A segunda oferta mais elevada foi feita pela Fraport e pelo fundo australiano IMF, que ofereciam 2442 milhões de euros para ficar com a ANA. Já o consórcio liderado pelos argentinos da Corporación América (que estava na corrida com duas empresas nacionais, a Sonae Sierra e a Empark) dispôs-se a pagar 2408 milhões, mas uma parte, de cerca de 542 milhões, seria entregue a dez anos. E, por fim, o agrupamento que unia os brasileiros da CCR, os suíços da Zurich Flughafen e a GIP apresentou uma proposta de 2000 milhões de euros. Em comunicado emanado em reação à decisão do Conselho de Ministros, a Vinci congratula-se por a sua proposta ter sido escolhida pelo Governo Português para a aquisição da ANA e reafirma os seus compromissos com Portugal. A Vinci está já presente em concessões de infraestruturas, com uma participação de 37% na Lusoponte, gestora das Pontes 25 de Abril e Vasco de Gama, mas também nas atividades de engenharia e de obras elétricas com a Sotécnica e a Cegelec. A empresa acrescenta que, com a aquisição da ANA, «torna-se num ator internacional de primeiro plano nas concessões aeroportuárias, com 23 aeroportos geridos em Portugal, França e no Camboja, que acolhem mais de 40 milhões de passageiros/ano – incluindo um hub de mais de 15 milhões de passageiros –, e um volume de negócios global de mais de 600 milhões de euros, para um EBITDA de cerca de 270 milhões de euros». O AEROPORTO DE LISBOA ATINGIU, no dia 21 de dezembro, 15 milhões de passageiros processados em 2012. A passageira que atingiu esse número fez o seu check-in nos balcões da SATA e o momento foi assinalado com a presença do presidente do conselho de administração da ANA, Jorge Ponce de Leão, e do administrador da SATA, Rui Quadros, bem como do diretor do Aeroporto de Lisboa, João Nunes. Este recorde no número de passageiros processados vem confirmar que o aeroporto de Lisboa é dos que mais cresce na Europa. PERFIL DO PASSAGEIRO O PASSAGEIRO EM TRANSFERÊNCIA tem vindo a crescer no aeroporto de Lisboa (33,2%) e tem como principal destino final Portugal e Brasil. Escolhe este aeroporto por falta de outra opção disponível (55,4%) e viaja quase sempre sozinho (51,2%). O passageiro de Lisboa tem idade compreendida entre 25 e 45 anos, maioritariamente do sexo feminino, com formação académica superior e empregado, que viaja pelo menos uma vez por ano. O passageiro inbound (35%) reside maioritariamente em França, visita o nosso País em turismo/lazer e fá-lo na companhia da família. Utiliza o website da companhia aérea como canal preferencial para pesquisa e compra da sua viagem. janeiro | fevereiro Sirius 5 COCKPIT BREVES AIR ASIA ENCOMENDA MAIS 100 AIRBUS A320 A AirAsia colocou um novo pedido com a Airbus para mais 100 aeronaves da família A320. O contrato reafirma a posição da cliente AirAsia como a maior frota da família A320 no mundo. No total, a companhia aérea já encomendou 475 aeronaves de corredor único da Airbus. P. MASCLET/AIRBUS BOEING 737 BATE RECORDE DE ENTREGAS A Boeing atingiu o recorde de entregas, num só ano, para o B737 com a entrega, no dia 3 de dezembro, do 377.º avião 737 Next-Generation em 2012. SKYWEST ASSINA ACORDO PARA 200 AVIÕES MRJ90 A Mitsubishi Aircraft Corporation e a SkyWest, Inc, uma holding de duas companhias aéreas regionais, assinaram um acordo para a compra de 100 aeronaves MRJ90 e uma opção para até 100 aeronaves adicionais. VOOS DE GRAVIDADE ZERO PARA O PÚBLICO O primeiro dos três voos programados para 2013 vai realizar-se na sexta-feira, dia 15 de março, a bordo do Airbus A300 ZERO-G. O aparelho tem capacidade para 40 passageiros, que pagarão cada um 5980 euros. AIRBUS APRESENTA CONNECTED COCKPIT Baptizado de Connected Cockpit, este sistema surgiu de um projeto da Célula de Inovação de Cockpit da Airbus, para explorar aplicações potenciais do iPad da Apple e aproveitar o potencial de comunicações de banda larga via satélite. PARLAMENTO CRIA AUTORIDADE AERONÁUTICA A Assembleia da República aprovou a criação da Autoridade Aeronáutica de Defesa Nacional (AADN), responsável pela vigilância do espaço aéreo nacional e pela certificação das empresas ligadas à manutenção de aeronaves estrangeiras. 6 Sirius janeiro | fevereiro Airbus A350 XWB em testes A AIRBUS CONCLUIU COM ÊXITO a montagem estrutural principal e a conexão do sistema do A350 XWB MSN-001 – a primeira aeronave de testes de voo. A aeronave saiu rebocada para fora do hangar de montagem principal (estação 40) na recentemente inaugurada Linha de Montagem Final Roger Beteille do A350 XWB, em Toulouse. Em seguida, a aeronave entrou na estação de testes no solo ao lado (estação 30). O trabalho na estação 30 vai começar pelos testes do sistema hidráulico da aeronave, seguidos pelo completo acionamento elétrico e hidráulico da aeronave, que será concluído no final do ano. Isso irá marcar o início de várias semanas de testes abrangentes do sistema funcional. Após o A350 XWB MSN1 sair da estação 30, a aeronave vai passar por uma extensiva série de testes de produção, desenvolvimento e certificação, ser pintado e ter os seus motores instalados. Será, então, entregue à linha de voo, para ser preparado para o seu primeiro voo em meados de 2013. SANGRIA NA TAP MANUTENÇÃO DEZ MILHÕES DE PASSAGEIROS NA TAP A TAP ESTÁ A BRAÇOS com uma verdadeira sangria. Desta feita não são apenas os pilotos a saírem da empresa, mas também mecânicos. António Monteiro, diretor de Relações Públicas da companhia aérea, revelou à Sirius que este ano foram mais de 50 os técnicos de manutenção que foram aliciados por outras companhias e que cederam aos convites. «Não foram apenas para o Médio Oriente, mas também para a Europa, nomeadamente para a Lufthansa», diz. Esta é, para este porta-voz, uma situação mais grave para a TAP do que a perda de pilotos, porque «um técnico de manutenção demora anos a formar. Vamos buscá-los à saída da escola e depois fazem todo o treino e formação dentro da companhia», conta. É, por isso, uma circunstância que exige mais esforço à TAP. O VOO DA TAP TP052, chegado a Lisboa às 11.08h, proveniente de Belo Horizonte, transportou, no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, o passageiro «10 Milhões» da companhia, em 2012, número nunca antes alcançado num ano completo de atividade. Em todo o ano de 2011, a TAP atingiu um total de 9752 mil passageiros. No final do dia 24 de dezembro, a TAP atingiu 10.018.974 passageiros, mais 4,4% do que no acumulado do ano até ao mesmo dia. Em 2012, os melhores resultados da TAP, em termos absolutos, verificaram-se nas linhas da Europa, onde a TAP transportou mais de 300 mil passageiros do que em 2011. Em termos relativos, os melhores resultados foram alcançados no setor dos Estados Unidos, com um crescimento de 19,3% (fruto da rota para Miami). TAXA DE OCUPAÇÃO 80% NA EMIRATES DAVID QUITO, DIRETOR-GERAL DA EMIRATES AIRLINE para Portugal, assegurou, num encontro para jornalistas, que os primeiros cinco meses de operação em Portugal foram muito positivos. Não querendo revelar a taxa de ocupação específica ao nosso País, adianta que, no global, a companhia regista 80% de taxa de ocupação, sendo que a rota de Lisboa – inaugurada a 9 de julho de 2012 – está em linha com este indicador. Por isso mesmo, o voo diário entre Lisboa e o Dubai vai contar com mais lugares a partir de fevereiro, passando dos atuais 274 lugares para 354. Com mais de 128 destinos distribuídos por 74 países, a Emirates vai abrir duas novas rotas a 6 de fevereiro (Varsóvia) e 1 de março (Argel), sendo que em 2013 lançou 15 novas rotas. Ao serviço conta com 70 Airbus (28 dos quais são A380) e 121 Boeing. BREVES F-16 DEIXA ‘ESCAPAR’ AVIÃO SUSPEITO TAP MANUTENÇÃO GARANTE CONTRATO COM A FINNAIR O CAÇA F-16 MLU provou não ser a plataforma mais adequada para a interceção de pequenas aeronaves suspeitas de tráfico de droga. No dia 3 de dezembro, dois F-16 não lograram intercetar um avião ligeiro, apesar de o terem captado no radar e no targeting pod. Ficou a dever-se ao facto de terem descolado com depósitos cheios de combustível, o que os impede de voar a uma velocidade inferior a 180/200 nós (330/370 km/h). Manobrando a uma velocidade inferior, da ordem dos 140 nós (260 km/h), a aeronave suspeita iludiu os F-16. A TAP Manutenção e Engenharia garantiu um contrato para grande manutenção de aviões A320 da Finnair até 2016. A Finnair já entregou 10 aeronaves, que foram intervencionadas entre janeiro e outubro de 2012. AERONEO INVESTE €11 MILHÕES EM BEJA A empresa portuguesa AeroNeo vai investir 11 milhões de euros numa unidade para desmantelar aviões e valorizar ativos aeronáuticos no aeroporto de Beja, num projeto «inovador» que arranca em 2013. LIGAÇÃO AÉREA LISBOA-BRAGANÇA SUBSIDIADA AO BILHETE O governo já tem solução para retomar a ligação aérea Lisboa-Bragança, que deve passar pela subsidiação dos bilhetes, estando dependente da aprovação de Bruxelas, disse o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro. LEGACY 500 FAZ PRIMEIRO VOO EMBRAER EMBARCA EMPENAGEM PARA O LEGACY 500 CLAÚDIO CAPUCHO/EMBRAER A Embraer Portugal concluiu o primeiro carregamento de material compósito da sua unidade em Évora: uma empenagem do jato executivo Legacy 500 foi embarcada para São José dos Campos, sede da Embraer no Brasil. NO DIA 27 DE NOVEMBRO, o Embraer Legacy 500 voou pela primeira vez, marcando o início de uma nova geração de jatos executivos do construtor brasileiro. As primeiras entregas da aeronave estão previstas para o início de 2014. «Este jato extraordinário simboliza o futuro da aviação executiva e é fruto da inovação, talento e dedicação que fazem parte da cultura da Embraer», disse Frederico Fleury Curado, diretor-presidente da Embraer. Os pilotos de teste Mozart Louzada e Eduardo Camelier, acompanhados dos engenheiros de ensaios em voo Gustavo Monteiro Paixão e Alexandre Figueiredo, voaram o Legacy 500 durante 1 hora e 45 minutos, realizando uma ampla variedade de testes de sistemas e avaliando características de desempenho e manobrabilidade. ÉVORA LANÇA CONCURSO PARA O PAS 2013 O município de Évora lançou um concurso público para a organização do Portugal Airshow 2013 – Bienal Aeronáutica de Évora. O prazo para receção das propostas termina a 11 de março de 2013. CAE DE ÉVORA FECHOU EM DEZEMBRO A Academia Aeronáutica de Évora fechou as portas no final de dezembro. Um cenário já previsível, tendo em conta que no primeiro trimestre do ano a empresa canadiana CAE (proprietária da escola de formação de pilotos) tinha despedido 33 funcionários. janeiro | fevereiro Sirius 7 COCKPIT BREVES VOO DO LUSITÂNIA VAI SER RECRIADO EM 2022 MODERNIZAÇÃO DOS C-130 VAI CUSTAR 12 MILHÕES DE EUROS O Ministério da Defesa autorizou gastos até 12 milhões de euros para a modernização de seis aviões C-130 Hércules, da Força Aérea, segundo um despacho assinado pelo ministro e publicado em Diário da República. CLAÚDIO CAPUCHO/EMBRAER AMERICANOS MANTÊM LAJES A missão americana da Base das Lajes, nos Açores, vai manter-se 24 horas por dia, apesar da redução prevista de mais de 400 militares a partir de 2014, anunciou o comandante da Zona Aérea dos Açores, major-general Luís Ruivo. HOT BLADE POR MAIS DOIS ANOS EM PORTUGAL O maior exercício europeu de helicópteros volta a realizar-se em Portugal em 2013 e 2014. A decisão foi tomada na reunião de ministros da Defesa da União Europeia que decorreu dia 19 de novembro, em Bruxelas. FIM DA PRODUÇÃO DO F-16 ADIADO PARA 2016 O fim da linha de produção do caça F-16 foi adiado novamente. A Lockheed está a construir caças F-16 para o Egito, Omã e Iraque – o suficiente para manter a linha aberta, pelo menos, até janeiro de 2016. PROGRAMA F-35 COM CINCO MIL HORAS DE VOO O programa F-35 Lightning II, da Lockheed Martin, superou as cinco mil horas de voo. As três versões – F-35A de descolagem e aterragem convencionais (CTOL), F-35B de descolagem curta e aterragem vertical (STOVL) e a versão embarcada F-35C – contribuíram para a realização deste objetivo. LUÍS MIGUEL KRUG PRESIDE AO AECP Luís Miguel Krug é o novo presidente da direção do AeCP (Aero Club de Portugal), depois de a sua lista para os órgãos sociais deste clube centenário ter ganho as eleições na assembleia geral realizada no dia 9 de novembro de 2012. 8 Sirius janeiro | fevereiro A PRIMEIRA TRAVESSIA DO ATLÂNTICO SUL, protagonizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922, vai ser recriada 100 anos depois. A iniciativa pertence a uma associação criada por um conjunto de entusiastas da aviação portugueses e brasileiros e visa a construção de duas réplicas do Lusitânia, o hidroavião Fairey III-D com que os dois aviadores portugueses concluíram a viagem: uma para voar e outra para ganhar proficiência no aparelho. A associação Lusitânia 100 tem nove anos pela frente para financiar, divulgar e executar estas réplicas, praticamente a partir do zero, mas também com base na recolha feita para o projeto Lusitânia 75 (que não chegou a realizar-se em 1998) e para restauro do Santa Cruz, que se encontra hoje no Museu de Marinha. Para aderir ao projeto: [email protected]. LIVRO DE ÂNGELO FELGUEIRAS NA APPLA O LIVRO MAIS ALTO e Mais Longe, Escalar por uma Causa, sobre a escalada dos Seven Summits, de Ângelo Felgueiras, foi apresentado no passado dia 18 de dezembro no auditório da APPLA. «Ao se lerem as descrições do planeamento das expedições, das preparações, dos equipamentos e das dificuldades, ao observarmos as fotografias, tanto de paisagens deslumbrantes como dos companheiros de escalada, dos amigos, da família, da Isabel e dos filhos que o acompanharam, ficamos nós próprios companheiros de cada uma dessas caminhadas aventurosas do Ângelo, e com ele sentimos o frio a congelar-nos os dedos, sentimos aquela pedra debaixo do saco-cama que não nos deixa dormir, sentimos o peso da mochila, sentimos o esforço de cada subida e cansamo-nos também com cada passo, a respiração ofegante, a falta de ar em cada passo dado, conseguindo imaginar a dificuldade, de um pé a seguir ao outro, identificamo-nos com as incertezas do tempo e de se saber se vamos ou não atingir o cume nesse dia ou se temos de esperar mais uma noite dentro da tenda para o tentar...», sublinhou Filipe Conceição Silva na apresentação do livro e do autor. O livro pode ser adquirido na APPLA por 25 euros, revertendo os direitos de autor a favor de duas instituições de solidariedade. ECA promove Walkout for Safety FICHA TÉCNICA Sirius Magazine – Aviação e Espaço Propriedade da APPLA – Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea Administração Rua Frei Tomé de Jesus, 8 1749-057 LISBOA Tel.: 21 792 68 20 Fax: 21 792 68 15 E-mail: [email protected] Periodicidade Bimestral ECA Medipress – Sociedade Jornalística e Editorial, Lda. NPC 501 919 023 Capital Social: €74.748.90; CRC Lisboa Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos Telefone 21 469 80 00 Fax 21 469 85 00 Uma publicação da Divisão de Customer Publishing http://www.impresa.pt NO PRÓXIMO DIA 22 DE JANEIRO DE 2013, um walkout simultâneo de tripulações em toda a Europa vai alertar a opinião pública para as implicações das novas regras de Flight Time Limitations (Limites de Tempo de Voo) propostas para aprovação pelo Parlamento Europeu. Pilotos, tripulantes e cidadãos europeus querem chamar a atenção dos políticos e decisores para não aceitarem estas propostas, que precisam de ser urgentemente alteradas, defende a ECA (European Cockpit Association), que uniu forças com a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) para as demonstrações de janeiro. «Há vários anos que as tripulações aguardam regras mais seguras para contrariar os riscos da fadiga em operações de voo», afirma Nico Voorbach, presidente da ECA. «As sondagens indicam que pilotos e pessoal de cabina já lutam contra elevados níveis de fadiga, cabeceando ao controlo dos aviões. Apesar disso, a EASA (Agência Europeia de Segurança Aérea) prefere ignorar as recomendações científicas e avançar com uma proposta que admite níveis elevados de fadiga nas tripulações.» O Walkout for Safety será uma ação coordenada, em conjunto, pela ECA e pela ETF que poderá ter reflexos na indústria do transporte aéreo. «Os passageiros já estão preocupados», explica, por sua vez, Philip von Schöppenthau, secretário-geral da ECA, «corresponderam com mais de 82 mil assinaturas na petição por regras de tempo de voo mais seguras. Agora, temos de lembrar aos decisores das políticas da União Europeia que também são passageiros. As mesmas regras vão contar para as suas tripulações. Por isso, a questão é: os decisores estão a favor de alterações que vão garantir a sua segurança?». A ECA lançou um vídeo de animação com o comissário europeu dos Transportes, Siim Kallas, rodeado de passageiros preocupados. Diretor Pedro Santa Bárbara Conselho Editorial Pedro Santa Bárbara, Miguel Silveira, Melo Correia, João Carlos Costa, Leonor Carneiro e João Xara-Brasil Coordenação editorial Alexandre Coutinho Redação Alda Rocha, Ana Pinto da Costa e Paula Carvalho Silva Colaboradores César Lacerda, Duarte Lopes, Egídio Lopes, Filipe Conceição e Silva, Filipe Lança, Jorge Diogo, Jorge Lucas, Luís Inácio, Manuel Cambeses Júnior, Paulo Pires e Rita Tamagnini Revisão Dulce Paiva Fotógrafos André Garcez Arte João Matos Produtor gráfico João Paulo Batlle y Font Gestor de projeto Luís Correia Secretariado Editorial e Publicidade APPLA Célia Alves (tel.: 21 792 68 24) Assistente de redação Teresa Pinto ([email protected], tel.: 21 469 81 96) Publicidade Tel.: 21 454 40 29 • Fax: 21 469 85 16 Diretor Coordenador Carlos Lopes ([email protected]) Gestores de Conta Diogo Soure ([email protected]) João Sá Nogueira ([email protected]) Delegação Norte Tel.: 22 834 75 20 • Fax: 22 834 75 58 Diretora de delegação Ângela Almeida ([email protected]) NOVO PROTOCOLO NA ÁREA DA SAÚDE as Clínicas Médicas Dr. Olívio Dias, para a prestação de serviços médicos e geriátricos. Todas as sugestões para este tipo de protocolos por parte dos associados são sempre bem-vindas, como, aliás, é o caso de algumas atuais parcerias da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea. D.R A APPLA ESTABELECEU MAIS UM PROTOCOLO no âmbito da saúde com Assinaturas Para assinar ligue 707 200 350 (DIAS ÚTEIS, DAS 9H ÀS 19H) E-mail: [email protected] Internet: www. assineja.pt Envie o seu pedido para Medipress – Sociedade Jornalística e Editorial, Lda., Remessa Livre 1120, 2771-960 Paço de Arcos Atendimento ao ponto de venda E-mail: [email protected] Tel.: 21 469 80 00 Impressão Lisgráfica Impressão e Artes Gráficas, S. A., 2745 Queluz de Baixo Distribuição VASP – Soc. de Transportes e Distribuição, Lda. MLP: Media Logistic Park, Quinta do Grajal, Venda Seca 2739-511 Agualva Cacém E-mail: [email protected] Tels.: 808 206 545 e 21 433 70 01 Fax: 808 206 133 Tiragem 8800 exemplares Registo no ICS n.º 111557 Depósito legal n.º 12751/86 janeiro | fevereiro Sirius 9 SIMULADORES RUNWAY AWARENESS AND ADVISORY SYSTEM Para quem tem a ideia de que o Flight Simulator X já está desatualizado, este artigo serve para demonstrar o oposto Texto Jorge Diogo * O FSX, COMO SIMULADOR DE VOO, possui um potencial bastante grande ainda por explorar. Exemplo disso é o sistema recriado agora pela produtora FS2Crew, o RAAS, Runway Awareness and Advisory System. É certo que o simulador não evolui, mas a possibilidade de expansão é infinita e a confirmação dessa regra é a quantidade de expansões que continuam a ser disponibilizadas quase diariamente para o Flight Simulator. Na aviação comercial, principalmente nas aeronaves mais recentes, a existência do RAAS é uma ferramenta bastante importante para as tripulações que operam em aeroportos de grandes dimensões. O sistema fiscaliza os movimentos da aeronave e alerta os pilotos sobre a sua localização. Este tipo de equipamento é bastante importante quando se está perante operações de baixa visibilidade (LVO). A ajuda aos pilotos é feita através de um sistema de voz que vai dando indicações sobre a posição da aeronave no terreno, informações relativas ao comprimento da pista, se é suficiente para a descolagem, a posição dos flaps, se está correta, entre muitas outras características. Os alertas não se limitam aos avisos no solo, durante a aproximação à pista é possível ouvir «aproaching one four left», por exemplo. O RAAS está presente no FS2004, FSX e Prepar3D através da produtora FS2Crew, que dedica toda a sua produção a programas de interacção entre a aeronave e a tripulação. A instalação é bastante simples e rápida, e assim que termina coloca um ícone para o manual no desktop. É bastante importante ler o manual, é um sis10 Sirius janeiro | fevereiro tema com alguma complexidade que se não estiver bem configurado pode não cumprir a sua função correctamente. Como é um sistema baseado em sons, estes são de excelente qualidade – uma voz feminina que nos dá as informações como se de um verdadeiro avião se tratasse. O ambiente recriado é bastante realista. Apesar de o RAAS funcionar em qualquer avião que esteja instalado no nosso simulador, há que configurar o tipo de aeronave/sistema para que não haja lugar a informações erróneas. Se está habituado a voar de Boeing 737 e mudar para um Airbus 320, há que alterar as configurações, pois as posições de flaps são diferentes. Este é apenas um dos exemplos de configuração que este software permite. APESAR DE O FSX já ter alguma idade (o seu lançamento foi no final de 2006), os addons continuam a evoluir e são produzidos, na sua maioria, em cima de máquinas recentes. Apesar disto, não consideramos que o RAAS da Fs2Crew seja um factor que degrade a performance do simulador. Há que ter em conta a aeronave onde está a ser usado. Se for uma aeronave comercial com alguma complexidade, PMDG, Level D, Airbus Aerosoft, etc., então o computador deverá possuir uma configuração moderna no que diz respeito ao hardware. Apesar de não ser um addon que ofereça grandes imagens (o seu trabalho tem muito pouco ou mesmo nada ao nível visual), achamos que é uma mais-valia para quem tem por hábito a realização de voos comerciais em aeroportos de grandes dimensões. Como diz o ditado, «as imagens valem mais que mil palavras», o RAAS da FS2Crew é a excepção à regra, e esperamos que as palavras que aqui escrevemos sejam motivo suficiente para lhe despertar algum interesse! * AirSim.net. Este artigo foi escrito sem recurso ao acordo ortográfico por opção do autor. SEGURANÇA E OPERAÇÃO ANA QUER REDUZIR SAÍDAS DE PISTA As saídas de pista (runway excursions) representam 24% dos acidentes com aeronaves Texto Filipe Lança Fotos André Garcez O Cmdt. Egídio Lopes (à esq.) referiu a importância das ferramentas LOFT (Line Oriented Flight Training) e LOSA (Line Operations Safety Audit); Cmdt. Miguel Carvalho, piloto-chefe da TAP, à conversa com o Cmdt. Santa Bárbara, presidente da APPLA O CUSTO ESTIMADO DAS RUNWAY excursions para a indústria ascende a mais de 900 milhões de dólares (cerca de 700 milhões de euros) por ano. Existem diferenças fundamentais em matéria de gestão de safety: as saídas de pista apenas ocorrem com aeronaves, enquanto as incursões de pista podem envolver outros veículos, pedestres e aeronaves. Apenas as segundas podem ser geridas. É, por isso, uma das maiores preocupações da EASA para os próximos dois anos (2013-2015), afirmou Miguel Carvalho, piloto-chefe da TAP, para quem estes eventos estão relacionados com os fatores humanos: «Temos esse poder de influenciar as estatísticas e melhorá-las. Os fatores humanos estão muito presentes nas runway excursions, na não decisão de executar o go around ou no reject take-off ao atingir a V1 (velocidade de decisão).» Carlos Damásio, do Gabinete Técnico da APPLA (Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea), revelou que, «em operação normal, a tendência dos pilotos é para aterrar longo, entre os mil e os três mil pés. Os pilotos têm de estar conscientes dos riscos associados a aterragens longas». Para este piloto, a existência das Bases Aéreas do Montijo, de Sintra e de Monte Real, bem como o Aeródromo de Cascais, são condicionantes para uma aproximação estabilizada a Lisboa. Em 2009, 27% dos acidentes reportados à IATA corresponderam a runway excursions, um tipo de acidentes que sucede, sobretudo, nas aterragens. Quase todas tiveram origem numa aproximação não estabilizada ou numa aproximação com velocidade excessiva, combinada com uma aterragem longa.Embora existam mais probabilidades de acidentes fatais nas descolagens, o mais grave ocorrido em Portugal teve lugar no Funchal, durante uma aterragem, no dia 19 de novembro de 1977 (TP 425). Miguel Carvalho reconhece que o comercial e a operação têm de andar de braço dado, mas sublinhou que os pilotos «separam completamente a eficiência económica da operação» nesta matéria. «Deveriam questionar quando os pilotos não executam o go around ou o borrego e o deveriam fazer», acrescentou. Durante as corridas de aterragem, na generalidade, as aeronaves imobilizam-se até 300 metros do fim da pista. Na fase de desaceleração, com velocidades abaixo dos 80 kts, só o efeito dos travões se torna efetivo para controlar e imobilizar a aeronave. «Em 2013, a RESA (Runway End Safety Area) da pista 03 vai ser aumentada de 140 para 240 metros», revelou Paulo Medo, safety manager do aeroporto de Lisboa. As luzes de aproximação, as ajudas à navegação, os PAPI (Precision Approach Path Indicator), a sinalização apropriada, são igualmente fatores que condicionam a s saídas de pista. Como fatores de risco mais preponderantes podemos observar os trabalhos de manutenção, a drenagem, o atrito e as diferentes contaminações de pista. janeiro | fevereiro Sirius 11 EMPRESA TAP SALVA ‘IN EXTREMIS’ A privatização da TAP ‘borregou’ por decisão política do governo, que adiou a operação para 2014 UMA VEZ MAIS, A TAP foi salva do risco de deixar de ser a companhia portuguesa de bandeira. O governo recusou a proposta do empresário sul-americano Germán Efromovitch por falta de «garantias adequadas» e porque «não foram cumpridos os requisitos previstos no caderno de encargos». Bastava que uma condição não se verificasse para que o processo não fosse levado em frente. Recorde-se que o único candidato à privatização da TAP pagaria ao Estado 35 milhões de euros, garantiria o passivo da TAP, na ordem dos 1200 milhões de euros, e reporia os capitais próprios da empresa em 316 milhões de euros. É um facto que, dos sindicatos da TAP à generalidade dos trabalhadores da companhia e de vários setores da sociedade civil, quase todos os portugueses estavam contra a privatização da sua companhia aérea nestas condições. Caberá agora ao governo ponderar se a privatização vai mesmo avançar e qual a melhor estratégia, considerando o memorando de entendimento com a troika. O novo modelo de privatização poderá passar pelo encerramento da TAP Manutenção & Engenharia Brasil e pela definição de um modelo de sustentabilidade para a companhia. Em 67 anos de vida, não foi a primeira vez que a TAP esteve em risco. Em 1953, ano em que foram adquiridos os primeiros três aparelhos Super Constellation, a empresa deu prejuízo e um membro do governo de Salazar sugeriu o seu encerramento. «A TAP pode dar prejuízo, mas é como a CP: um mal necessário», terá respondido o então primeiro-ministro. Já depois do 25 de abril, em outubro de 1974, foi feita uma proposta de encerramento parcial da empresa. A TAP continuaria a fazer os voos domésti12 Sirius janeiro | fevereiro FOTOS TAP Texto Alexandre Coutinho EM 67 ANOS DE VIDA, NÃO FOI A PRIMEIRA VEZ QUE A TAP ESTEVE EM RISCO DE FECHAR OU SER VENDIDA cos e alguns voos na Europa, mas o longo curso passaria para a Aeroflot. O País estava em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), Vasco Gonçalves era o primeiro-ministro e a primeira comissão administrativa pós-25 de abril era encabeçada pelo Coronel Moura Pinto. A famosa 5.ª Divisão (do Estado-Maior das Forças Armadas, controlada pela ala comunista do MFA) preparava-se para dar andamento ao processo de encerramento parcial da TAP, mas foi extinta. Depois, a TAP entrou num período difícil, porque, em 1975, quem controlava completamente a empresa eram os cerca de três mil homens da Manutenção & Engenharia. Ninguém entrava ou saía da empresa que não passasse pelos piquetes da Manutenção, que chegaram a aprisionar os admi- nistradores durante oito dias. A TAP caiu no que se refere à regularidade. A execução dos voos manteve-se sempre, mas a pontualidade veio para valores incríveis. Nessa altura, o administrador Peixoto Rodrigues ia a despacho com o primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, e ele disse-lhe: «Vê se resolves isso, porque se não eu encerro a TAP.» E ele foi falar com o Cmdt. Hugo Damásio, que aceitou o cargo de DOV (que ninguém queria assumir), iniciando um consulado de quase 12 anos, até se reformar. É fantástico como a TAP sobreviveu ao PREC. Depois, em 1977, houve mais uma tentativa para fechar a TAP. Havia uma situação de conflito salarial grande com os pilotos e era presidente do conselho de administração Gomes Mota (próximo de Mário Soares, que era primeiro-ministro). O DOV e o seu adjunto foram demitidos e houve uma greve de três semanas, em que os aviões não voaram. Mário Soares foi com o ministro dos Transportes, Rui Vilar, ao Presidente da República, Ramalho Eanes, propor a sua concordância para encerrar a TAP. O General Ramalho Eanes disse-lhes: «Não estão a ver o que a TAP representa a visibilidade do País por este mundo fora? Se tirarmos a TAP, o País sofre muito em termos de imagem, até da vossa imagem política.» Rui Vilar demitiu-se; o secretário de Estado também, e foram substituídos. Na TAP, o sindicato mantinha as exigências e exigia que todos os quadros e o DOV fossem reconduzidos. A situação complicou-se, houve processos disciplinares. Os pilotos estavam requisitados civilmente. Mas perante a irredutibilidade do Presidente da República em aceitar o encerramento da TAP, foi necessário negociar com os pilotos. A exigência era simples: voltar ao acordo coletivo de trabalho e negociá-lo, reintegrar a estrutura de gestão das Operações de Voo e mandar embora a administração, que foi o que aconteceu. Em 1980, está como presidente do conselho de administração Álvaro Barreto, que acertou com a Direção do SPAC o novo acordo coletivo de trabalho para os pilotos. Só que, passados três ou quatro meses, o primeiro-ministro, Sá Carneiro, convida-o para ministro da Indústria. É nomeado Santos Martins, que chama os pilotos para lhes dizer que não tinha nada a ver com o ACT acordado. A situação complicou-se e começou a haver um desentendimento grande por um documento que já estava feito, aceite e assinado por ambas as partes, e, a certa altura, há rutura. O SPAC vai para a greve: quatro semanas. A assembleia geral de pilotos era constante (noite e dia), no Hotel Roma. No dia 13 de setembro de 1980, a portaria para encerramento da TAP já estava feita, mas um nova intervenção do Presidente da República, o General Ramalho Eanes, conseguiu o entendimento entre os 23 sindicatos da TAP. Uma dezena de anos mais tarde, em abril de 1999, a Swissair comprou uma participação de 20% na TAP como primeiro passo de uma anunciada privatização. Mas a entrada para a aliança Qualiflyer acabaria por revelar-se catastrófica e quase levou ao encerramento da TAP. Quem estava na TAP pôde assistir aos meses terríveis que a companhia passou a partir do momento em que o Qualiflyer começou a tomar conta do sistema de reservas da TAP, gerando milhões de prejuízo. Foram meses a fio em que os aviões andavam praticamente vazios, com o sistema de reservas das agências de viagens a indicar aviões sem disponibilidade de lugares. Houve voos Rio de Janeiro-Lisboa em que os aviões vinham com 30 ou 40 passageiros na classe económica (e com a executiva vazia), e os aviões da Swissair completamente cheios, obrigando os passageiros a fazer escala em Zurique. A falência da companhia aérea suíça, em fevereiro de 2002, voltou a colocar o processo de privatização da TAP na estaca zero. TEMA DE CAPA VOAR COM OUTRAS BANDEIRAS Com muito poucas opções profissionais a nível nacional, os pilotos não são exceção no panorama português. Emigram para terem trabalho, melhores condições de vida e oportunidades de evolução na carreira YSSYGUY/WIKIMEDIA COMMONS Texto Paula Carvalho Silva Boeing 777 - 200 ER LUFTHANSA (ALEMANHA), Vietnam Airlines, Lion Air (Indonésia), Asiana Airlines (Coreia do Sul), Emirates Airline (Dubai), Aeronova (Espanha) e Vueling (Espanha) são apenas alguns exemplos de companhias e países onde encontraram lugar alguns pilotos portugueses. A crescente oferta e decrescente procura destes profissionais – fruto de um cada vez menor número de companhias aéreas nacionais – forçou muitos a iniciarem uma vaga de emigração nunca vista nesta profissão. Mas não só. São também cada vez mais aqueles que, mesmo estando já integrados numa empresa como a TAP, optam por procurar melhores condições além-fronteiras. 14 Sirius janeiro | fevereiro Tudo passa, a maioria das vezes, por encontrarem empresas mais estáveis, onde a evolução na carreira não seja uma simples miragem. E é precisamente na TAP onde a sangria é cada vez mais evidente, com cerca de 18 pilotos a abandonarem a companhia em 2012 e, possivelmente, mais sairão este ano. António Monteiro, diretor de Relações Públicas da TAP, assegura à Sirius que, dos 18 profissionais, cinco abandonaram a empresa por antiguidade – estavam adstritos ao A340 – e confirma que os restantes terão ido para o Médio Oriente. «Se, em 2013, a situação se repetir, teremos de abrir concurso, mas não será nenhum drama, porque aparecem sempre muitos candidatos», assegura. «E depois há quem fique sempre a ganhar, porque os pilotos que ficam vão a comando mais depressa», reforça António Monteiro. A Emirates Airline, onde trabalham cerca de 15 pilotos portugueses, é uma das companhias mais apetecidas na área geográfica referida. Infelizmente, dos três pilotos contactados pela Sirius que se encontram nestas circunstâncias nenhum respondeu às perguntas e ao repto de partilhar as suas experiências. Mas não se pense que o percurso no estrangeiro é fácil. Na verdade, é quase sempre sinuoso e pouco consentâneo com uma vida familiar normal. Tito Viegas é piloto sénior. Aliás, Ásia, continente de novas oportunidades. Na sul-coreana Asiana Airlines trabalham Luís Azevedo (60 anos) e João Gonçalves (27 anos), pilotos de gerações e com percursos bem diferenciados. O primeiro iniciou a sua aprendizagem na Força Aérea Portu- D.R Cmdt. Tito Viegas, na Vueling desde 2006; Cmdt. Luís Azevedo, há quase 11 anos na Asiana D.R em fevereiro de 2014 perfaz 65 anos de vida, altura em que dará por finda a sua carreira aeronáutica. Hoje ainda trabalha na companhia espanhola Vueling, mas, até lá chegar e depois de se ter iniciado na Força Aérea, passou pela SATA, LAR Transregional, Air Columbus, DHL (Bruxelas), Air Luxor, Air Madrid e Clickair. Conta que, como quase todos os pilotos portugueses, ainda tentou a TAP, não tendo passado dos exames médicos e psicotécnicos. Sem querer alongar-se, afirma que da Air Luxor «guarda as melhores e piores recordações» de toda a sua vida aeronáutica. Dos espanhóis só diz bem: «Na companhia respeitam e admiram os pilotos portugueses, o seu profissionalismo, a sua maneira de estar e de atuar no cockpit. Nunca me senti estrangeiro», assinala. A opção Vueling em 2006 também foi melhor do que ir para a Ásia ou para o Médio Oriente, mudança que implicaria «evidentes sacrifícios a nível familiar». Para além de ganhar entre seis mil e nove mil euros por mês, para Tito Viegas as grandes vantagens de trabalhar na Vueling passam por «estar a apenas duas horas de voo de casa, viver nos arredores de Barcelona, poder gerir várias opções de escala», entre as quais folgas acumuladas até oito dias por mês. Apesar de tudo, este comandante afirma que quando recorda Portugal sente «grande saudade dos tempos da Air Luxor, dos aviões voados, dos destinos conhecidos, da Austrália às Maldivas, Koweit, Cabul, Ilha de Ascensão, Moçambique, das grandes e agradáveis estadas, da sã camaradagem». E assegura que foi aqui, em território nacional, que evoluiu tecnicamente, mais precisamente aos comandos dos A320 e A330, onde teve o «privilégio de partilhar o cockpit com grandes profissionais da nossa praça». guesa, onde permaneceu 13 anos, o segundo – bem mais novo – concluiu o brevet na OMNI, em Tires, já em 2009. Talvez por isso também tenham sentimentos diferentes em relação a exercerem a profissão em Portugal. «Sou e serei sempre português e sintome triste pelo que vejo e oiço sobre o meu país», por isso, diz Luís Azevedo «muito dificilmente trabalharia em Portugal. Talvez se tivesse ingressado na TAP após sair da FAP…». Já João Gonçalves, que nunca voou a partir de Portugal (exceto durante o PLA), logo nunca falou português no cockpit, nem voou com a bandeira nacional, nem sequer voltou para ao pé da namorada, família e amigos depois de um voo no seu próprio país, assegura que trabalhar em Portugal «seria um sonho, e sem dúvida trocaria talvez melhores condições no estrangeiro por poder voar numa companhia aérea nacional». Ainda em solo português, Luís Azevedo voou um ano pela SATA e cinco anos, «extremamente ricos em termos profissionais e humanos», pela Air Columbus, onde chegou a comandante no espaço de oito meses. «Infelizmente, a companhia não sobreviveu a uma gestão desastrosa e os últimos meses de 1994 foram penosos, pois os atropelos sucederam-se e os salários deixaram de ser pagos», conta. Foi nesta altura que decidiu emigrar. «O panorama da aviação em Portugal não era animador, pois, excetuando a TAP, pouco mais existia. Poderia, eventualmente, ingressar numa companhia tipo charter, mas depois da experiência anterior não aceitaria trabalhar outra vez para incompetentes e desonestos.» Assim, em 1995 rumou a Taiwan e à EVA Airways, uma mudança drástica, uma «cultura diferente, outro tipo de desafios». Aceitou um downgrade janeiro | fevereiro Sirius 15 BOEING TEMA DE CAPA Boeing 737 - 900 ER Depois dos atentados do 11 de setembro às Torres Gémeas, o pânico instalou-se nos mercados asiáticos e o seu contrato viria a ser cancelado. No entanto, foram poucos os meses que decorreram até ingressar na Asiana Airlines, onde trabalha há quase 11 anos. E assegura: «Foi o melhor contrato que tive em toda a minha vida profissional. Seria exaustivo enumerar as diferenças para melhor entre a minha realidade e a de colegas a trabalhar em Portugal, mas, para simplificar, posso dizer que ganho bastante mais, tenho base em Frankfurt, usufruo de 13 dias de folgas consecutivas por mês, escolho os dias em que quero folgar, escalas a dois meses e tenho uma atmosfera de trabalho excelente. Sou respeitado, não existem querelas laborais e os dias de folga são sagrados e intocáveis.» 16 Sirius janeiro | fevereiro D.R e voou durante dois anos como cruise captain – uma espécie de copiloto sénior –, mas valeu a pena. «Obtive as qualificações em B767 e B747-400 e fui confrontado com uma aviação completamente diferente daquela a que estava habituado, com ótimas condições de trabalho, excelente salário e o sentir fazer parte de algo importante», explica. João Gonçalves num A320 da Fly Niky. Hoje, é primeiro-oficial na Asiana Airlines Com plena consciência de que “apenas” o curso não chegava, João Gonçalves, filho de um comandante reformado da TAP, decidiu avançar para um type rating, e explica porquê: «Simplesmente chegou-se ao ponto de haver demasiadas escolas de aviação, com pouco ou nenhum critério de admissão e muito pouca saída profissional.» Portanto, ter o curso de piloto e 200 horas de voo deixou de ser suficiente. Restavam-lhe, assim, três hipóteses, visto que desistir nunca entrou na equação: tirar o curso de instrutor, seguido de um estágio de instrução numa escola; comprar pacotes de horas de voo em qualquer aeroclube para fazer hour building, ou fazia um type rating. Esta última hipótese foi a escolhida, apesar de implicar um investimento avultado. Começou, assim, uma pesquisa intensiva por TRTO e companhias aéreas onde pudesse fazer a qualificação junta- Pedro Sottomayor com a tripulação, onde o inglês é a única língua comum D.R go e os oito dias de folga seguidos a cada dois meses. Mas também existem desvantagens, sobretudo por a Coreia do Sul ficar à distância de 20 horas de voo de Portugal. Também «o choque cultural é bastante grande e os primeiros meses são complicados». No entanto, «a ajuda, cooperação e meios concedidos pela companhia para os pilotos, sobretudo estrangeiros, é fantástica», assegura. Na Asiana, trabalha mais um Comandante português, Luís Dias que está na companhia há cerca de 6 anos. mente com a line training (período de formação inicial em que o piloto voa com passageiros em transporte aéreo mas em treino, sendo que o comandante tem de ser instrutor) e de preferência num Boeing 737 ou num Airbus 320. A escolha recairia na austríaca Fly Niki, em grande parte pelo fator «qualidade e por ser uma companhia aérea em crescimento». Foram seis meses e mais 120 horas de voo num A320 para completar a formação que lhe daria, meses mais tarde, o primeiro contrato na companhia em que tinha apostado. Mas nessa altura esta já não era a sua única opção. «Tive mais propostas de trabalho, entre as quais aqui em Portugal para a SATA, na Polónia para a Wizzair, mas, uma vez que tinha acabado de assinar com a Fly Niki, devia lealdade nem que fosse pela oportuni- dade que me tinha sido dada», explica. Um ano depois, a companhia foi comprada pelo grupo alemão Air Berlin e os pilotos estrangeiros que não falavam alemão fluente foram dispensados. «Felizmente, já tinha adquirido a experiência suficiente para conseguir arranjar outro emprego.» Mais opções, outros tantos processos de recrutamento depois, João Gonçalves ingressa na Asiana Airlines como primeiro-oficial na frota A320. Com uma frota extensa de A320 e 330, B747, 767 e 777 e encomendas fixas de A380 e A350, a Asiana «era uma companhia onde poderia evoluir». Mas outros fatores pesaram na escolha, como a formação, a duração do contrato (três anos, sempre renovável), o salário líquido acima dos 5500 euros mensais (entre 6500 e 7000 dólares), o alojamento pa- EMIRATES RECRUTA PORTUGUESES VERDADEIRAMENTE INTERNACIONAL – com trabalhadores provenientes de mais de 137 países e mais de 50 línguas –, a Emirates Airline não só já recrutou pelo menos 15 pilotos portugueses como abriu uma rota para Lisboa a 9 de julho de 2012. Em Portugal estão a trabalhar para a companhia 26 portugueses e no Dubai estão baseados à volta de 250 cidadãos lusos. O entusiasmo notou-se no passado dia 17 de novembro, em Lisboa, data de mais um Open Day, evento de recrutamento que juntou mais de 500 candidatos. No dia 23 do mesmo mês, a história repetiu-se na cidade do Porto. Apesar de ser exclusivo para pessoal de cabina, no local revelaram-nos que se um piloto aparecesse para entregar o currículo tal iniciativa não seria em vão. Explorar outras paragens. A bordo da indonésia Lion Air está Pedro Sottomayor (28 anos), que terminou o PLA em julho de 2008 na Academia Aeronáutica de Évora. O lado do mundo onde se encontra atualmente a viver descreve-o como «o incrível Sudeste Asiático. É uma zona do mundo fantástica, com possibilidades para viajar e aventuras que nunca mais acabam! Vou regularmente a sítios onde a maioria junta dinheiro durante anos para passar 15 dias…», descreve. E pormenoriza: «Já fiz cursos de mergulho, subi a vulcões, fiz viagens inesquecíveis, a última a Timor Leste, conheci gente de todo o mundo que ficaram meus amigos para a vida.» Mas não existe bela sem senão. A diferença cultural pesa e chega a ser perigosa. O inglês é a única língua comum e parte das tripulações locais, bem como o controlo de tráfego aéreo, não a dominam. Para além disso, a Indonésia é possuidora de uma geografia e clima particulares, com a época das chuvas – novembro a abril – a tornar-se um obstáculo enorme. Depois, o país carece de infraestruturas modernas, como, por exemplo, pistas curtas e mal mantidas, por isso «voa-se muito à mão e fazem-se aproximações de não precisão e ILS so Cat 1», enfim, dificuldades que vão sendo geridas. Pedro Sottomayor, que passou pela Gestair para tirar o curso de piloto instrutor e fez a qualificação para largar para-quedistas para acumular horas, janeiro | fevereiro Sirius 17 TEMA DE CAPA Começar por baixo. Os recém-brevetados têm cada vez maiores dificuldades em encontrar trabalho. Foi o que aconteceu a Joel Lutas (22 anos), que, tendo acabado o ATPL na Escola de Aviação Aerocondor, da Gestair, e sem encontrar nada «mais aliciante e suportável monetariamente», acabou por ingressar na Aeronova, em Espanha. «Esta pareceume uma boa opção, consciencializando-me sempre das minhas limitações, devido ao facto de não ter experiência.» A empresa deu-lhe formação, o primeiro contacto com o avião e a primeira experiência operacional. Esta última fase durou uma semana e foi constituída por 12 setores, seis deles como copiloto e os restantes no jump seat. A bordo da Aeronova faz-se quase de tudo: servir catering aos passageiros, carregar as ma18 Sirius janeiro | fevereiro Boeing 777 - 200 ER tem vantagens em trabalhar numa companhia como a Aeronova. Desde logo, a diversidade da operação, que passa por voos de linha regulares e charter express de passageiros ou apenas de carga. E também a componente do voo, porque o avião «é um pouco trabalhoso para controlar, devido à força necessária que se tem de exercer nos controlos de voo», e opera-se para todos os aeroportos da Europa e Norte de África. Agarrar-se com unhas e dentes às oportunidades que surgem é o que advoga e o que fez Rui Parreira (30 anos), hoje a trabalhar na Lufthansa, mas tendo passado por um longo processo de recrutamento, testes e muito, muito estudo. Nos primórdios, não assim há tanto tempo quanto isso, formou-se na OMNI, tirou o curso de instrutor na Gestair e voltou à OMNI para dar instrução como freelancer. Sem grandes perspetivas em Portugal – tentou a TAP, a Aeroatlântico, a Portugália e a SATA, esgotando todas as possibilidades a nível nacional –, foi uma conversa com um colega que tinha sido chamado para uma entrevista para a Lufthansa Italia que despoletou o seu próprio processo. Enviou email para o contacto que lhe deram e las, acomodar a carga, ajudar a mudar a configuração do avião e, claro, voar aos comandos do Metroliner. «Não foi fácil», confessa Joel Lutas. No entanto, «os comandantes e os colegas mostraram-se extremamente disponíveis para me ajudar, corrigir e ensinar. Foram e são uma ajuda preciosa». E nem o ordenado é muito aliciante: 950 euros base por mês, acrescidos de 60 euros de ajudas de custo diárias quando fora do país e 40 euros em Espanha. Mas este piloto garante que exis- D.R conta que o seu ordenado base ronda 1700 euros por mês, mas ainda recebe por hora de voo e tempo de serviço. Assim, num mês em que se voe 100 horas, ganha-se cerca de 3100 euros. Mas não se pagam impostos e o alojamento, água e eletricidade ficam a cargo da empresa. Trabalham 10 semanas e folgam duas, com direito a mais 12 dias por ano. Apesar de o estar longe da família ser o fator claramente pior, Pedro confessa que o que «achava que iam ser dois anos de interrupção, acabou por tornar-se na vida que sempre quis!». Voar até aos 65 anos e «beber umas cervejas à sombra de uma qualquer bananeira aqui nas Filipinas ou pela Tailândia» é o futuro de sonho do comandante Leonel Gonçalves (50 anos), dono de um currículo extensíssimo. Ora vejamos: FAP em 1982, Aerocondor (PCA), Lusitanair, AeroService (em Brazzaville, República Popular do Congo), que, em 1989, é o primeiro trabalho no estrangeiro, Aerobeira, Air Luxor, LAR, PGA, Air Macau, Vueling (Espanha), Click Air (Espanha), King Fisher (Índia), Wind Jet (Sicília, Itália) e, finalmente, em 2007, Vietnam Airlines. Depois de anos a vaguear fora de portas, Leonel Gonçalves responde de uma forma muito simples à pergunta «que sentimentos nutre profissional e pessoalmente por Portugal?»: «Ótimo para passar férias no verão.» Joel Lutas, piloto da Aeronova Dois meses depois, fez um teste num simulador de um B737 e uma parte de CRM (Crew Resource Management). A terceira fase durou dois dias e consistiu numa série de testes às soft skills, ou seja, a características da personalidade que determinam as reações ao stress, entre outros pormenores. O processo culminou com uma entrevista, e Rui Parreira passou a tudo. «Quando me disseram ‘bem-vindo à Lufthansa Italia’ fiquei superfeliz.» Seguia-se o type rating em Viena, numa altura em que já se ouvia falar do encerramento da companhia e se questionava a motivação dos pilotos. Mas o processo continuou com cursos de segurança em Milão, Operation Conversion D.R MILAD/WIKIMEDIA COMMONS pouco depois estava a preencher uma candidatura online. Os primeiros testes foram no Centro Aeroespacial alemão em Hamburgo. Psicotécnicos em computador e de coordenação motora. Rui Parreira revolta-se quando lhe dizem para não criar ilusões, porque acredita que com esforço tudo é possível. Para esta fase, em que foram fornecidos testes de treino aos candidatos com o conselho de começarem a praticar dez dias antes e Rui optou por pegar neles com um mês de antecedência. A estratégia resultou e este piloto passou à fase seguinte. Rui Parreira, piloto da Lufthansa, optou por continuar a morar em Portugal Course em Amesterdão e mais simuladores. As horas necessárias ao type rating foram cumpridas sob enorme pressão, com a empresa a fechar já algumas rotas, mas Rui Parreira conseguiu terminar o treino uma semana antes do encerramento da companhia. Em agradável volte face, a Lufthansa envia uma carta aos pilotos a anunciar que, caso quisessem aprender alemão, a empresa pagava o curso. «Fui para o fundo de desemprego italiano e para o curso de alemão em outubro», conta o piloto, que confessa ter sido uma das fases mais difíceis. «Já estudei muito, tinha tirado Ciências Aeronáuticas, mas o curso de alemão foi a coisa mais difícil que fiz em toda a minha vida, porque tinha pouco tempo e estava sob enorme pressão. Desse curso dependia conseguir arranjar trabalho ou não.» E, depois de uma última entrevista em alemão, lá ficou. Foi para Bremen, para mais aulas de teoria ATPL e de… alemão. Simuladores e, finalmente, o voo. «Quando acabei, queria era divertir-me, começar a voar a sério», suspira Rui Parreira. Quanto à Lufthansa e aos alemães…, bem, a primeira «tem um lado social fantástico» e os segundos «são bastante diferentes do que julgamos e para melhor, fiquei surpreendido pela positiva», assegura. A voar desde julho de 2012 pela Lufthansa, Rui Parreira aufere cerca de 3500 euros e tem a garantia de ser aumentado todos os anos: 300 euros por mês no primeiro ano, 700 no segundo, e assim sucessivamente. Aos comandos de A319, 320 e 321 fazem-se voos curtos; o mais comprido que este piloto já fez foi para a Rússia. Duas horas e meia é o que separa o emprego e a casa deste piloto, que optou por continuar, mesmo assim, a morar em Portugal, mesmo com o acréscimo de cansaço inerente às viagens de ligação. De toda a experiência ficam dois sentimentos contraditórios: «Os alemães são leais e justos, foram incansáveis quando a outra companhia fechou, pagaram-me o curso, que foi bastante caro, o que me deu prazer e revolta, porque em Portugal nunca fui a uma entrevista apesar de ter entregue currículos em todas as companhias. Nunca me chamaram para falar com ninguém e na Lufthansa Italia foram chamados 2400 pilotos e passaram apenas 28…» Quanto ao futuro, João Gonçalves, da Asiana, é quem exprime melhor o sentimento do todo: «Tudo está muito incerto em relação ao que será o futuro, e previsões não são mais do que manifestações de desejos.» janeiro | fevereiro Sirius 19 BRIEFING OS BIOCOMBUSTÍVEIS DE SÍNTESE E A PREVENÇÃO DOS FOGOS FLORESTAIS O processo de produção de biocombustíveis de síntese (BTL – Biomass-to-Liquid) permite converter qualquer tipo de biomassa em combustíveis líquidos com características idênticas aos combustíveis obtidos a partir do petróleo Texto Jorge Lucas* Posteriormente, a partir da década de 50, a tecnologia CTL registou grandes desenvolvimentos na África do Sul, através da empresa Sasol. Novamente um pais rico em reservas de carvão mineral e com fortes restrições à importação de combustíveis líquidos face ao embargo comercial imposto contra o apartheid. Atualmente, o país com maiores investimentos nesta tecnologia é a China: maior produtor mundial de carvão mineral e segundo maior consumidor mundial de combustíveis líquidos. Muito basicamente, os combustíveis de síntese são obtidos a partir da gaseificação da matéria-prima (carvão mineral, no caso do CTL), seguido da limpeza e acerto da mistura do syngas (CO, H2) e posterior síntese num reator Fischer-Tropsch. No caso dos combustíveis sintéticos obtidos a partir do carvão mineral, a grande desvantagem está relacionada 20 Sirius janeiro | fevereiro AIRBUS BIOMASSA (RESÍDUO FLORESTAL) é matéria-prima abundante nas matas e florestas nacionais. Atualmente já não há necessidade de proceder à recolha de lenha para aquecimento e preparação de refeições; a pastorícia é cada vez mais concentrada e «aditivada», percorrendo áreas de território cada vez menores. Como resultado, a floresta acumula combustível até… à próxima época de fogos florestais. Segundo o manifesto «Outra vez os incêndios florestais», publicado no semanário Expresso do passado dia 10 de novembro, subscrito por 21 personalidades, «o custo anual dos incêndios ascende a mil milhões de euros. As melhorias no sistema de combate a incêndios são consensualmente reconhecidas, mas falta resolver as causas profundas e estruturais que estão na origem das dificuldades da floresta portuguesa». Os combustíveis de síntese como alternativa aos combustíveis líquidos de origem fóssil têm já uma longa história. Tudo começou na Alemanha, na década de 20, com a conversão de carvão mineral em combustíveis líquidos (CTL – Coal-to-Liquid). Por ser um país pobre em petróleo, mas rico em reservas de carvão, a Alemanha utilizou esta tecnologia para produzir combustíveis líquidos durante a 2.ª Guerra Mundial. com as emissões associadas, em especial as emissões de CO2. Uma vez que o carvão se trata de um combustível pobre em átomos de hidrogénio, é necessário trocar parte do CO obtido na gaseificação por moléculas de H2 extraídas da água através do processo químico water-gas shift. Só no processo de produção de um combustível sintético a partir do carvão mineral é emitida a mesma quantidade de CO2 que é emitida na combustão do produto final. Portanto, considerando só as emissões de CO2, trata-se de um processo com o dobro do impacto dos produtos derivados do petróleo. Acrescem outras emissões com impacto mais local na zona circundante da instalação CTL, como a fuligem e os óxidos de enxofre (que originam chuvas ácidas). Mais recentemente foi desenvolvida a tecnologia GTL – Gas-to-Liquid, tendo como matéria-prima o gás natural. A primeira instalação de grande dimensão, desenvolvida em conjunto pelas petrolíferas Shell e Qatar Petroleum, começou a operar em Pearl, no Qatar, em junho de 2011. Uma segunda instalação de grande dimensão está em construção na Nigéria, numa parceria entre a Chevron, a Sasol e a petrolífera local. Entre 2008 e 2010 foram realizados vários voos experimentais utilizando como combustível misturas de jet-fuel sintético GTL com jet-fuel convencional. Em 2011, a mistura 50/50 de jet-fuel sintético com jet-fuel convencional obteve a certificação ASTM D7566 (Aviation Turbine Fuel Containing Synthesized Hydrocarbons). No que toca às emissões de CO2 do GTL, são da mesma ordem de grandeza do jet-fuel convencional. O gás natural é basicamente constituído por metano, uma molécula contendo quatro átomos de hidrogénio e um de carbono, logo muito mais balanceada em termos dos produtos presentes no syngas. As emissões de outros poluentes são também praticamente nulas (fuligem e óxidos de enxofre). De salientar que quer o Qatar quer a Nigéria são países com grandes reservas de gás natural (possuem a terceira e a oitava maiores reservas mundiais, respetivamente), mas menores reservas de petróleo. O GTL permite a estes países converter um combustível menos versátil num combustível com maior gama de utilizações, incluindo, claro está, o setor do transporte aéreo onde não há, no curto/médio prazo, alternativa à utilização de um combustível líquido. Como primeira conclusão, podemos afirmar que existe uma notória correlação entre os países impulsionadores destas tecnologias e o respetivo volume das reservas de carvão e gás natural. Portugal não tem, até ao momento, reservas conhecidas quer de carvão mineral quer de gás natural. Tem, no entanto, muita biomassa. Ao que parece, em excesso! Veja-se a quantidade de combustível em excesso existente nas matas portuguesas que todos os anos alimenta os fogos florestais. São toneladas de CO2 emitidas todos os anos para a atmosfera sem que realizem qualquer trabalho útil. Para além da biomassa, Portugal dispõe de conhecimentos nas várias áreas do BTL. O LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia desenvolve há já vários anos trabalhos na área da gaseificação e limpeza do syngas. A SGC Energia tem também experiência em todo o processo, desde a gaseificação à síntese Fischer-Tropsch. Portugal tem também já experiência na valorização energética quer de resíduos florestais quer de resíduos urbanos. Por exemplo, em Setúbal, o Grupo Portucel/Soporcel opera uma central termoelétrica com a biomassa resultante do descasque das árvores. Em Santa Iria de Azoia, a Valorsul produz energia elétrica a partir de resíduos urbanos. Não seria mais razoável estar a produzir biocombustíveis a partir destas mesmas biomassas? Há quem defenda que o futuro energético da humanidade tenderá a ser cada vez mais elétrico, em especial quando o Homem conseguir dominar a energia nuclear de fusão. Poder-se-á converter a grande generalidade dos consumos atuais para eletricidade. Mas muito dificilmente se conseguirá a mesma alternativa para o transporte aéreo… Como tal, estar a converter biomassa diretamente em eletricidade reduz toda a energia química das moléculas da biomassa a eletrões. Estes nunca mais poderão voltar a ser convertidos em energia química. Por outro lado, se convertermos a mesma biomassa num combustível líquido, mantemos a possibilidade de vir a converter este combustível líquido em eletricidade através, por exemplo, da sua combustão num motor alternativo acopulado a um gerador elétrico. Face à eletricidade, o combustível líquido apresenta também mais facilidade em ser armazenado e transportado. Existe, portanto, uma «hierarquia» entre as várias formas de energia. Estão em curso várias iniciativas que pretendem estimular o desenvolvimento dos biocombustíveis para a aviação. Destacamos, entre os vários programas, o European Advanced Biofuels Flighpath e o SABB – Sustainable Aviation Biofuels Brazil. O primeiro, cujo objetivo principal é atingir a «produção anual de dois milhões de toneladas de biocombustível produzido de forma sustentável em 2020», é liderado pela Comissão Europeia, em coordenação com a fabricante Airbus, e conta com a participação de companhias operadoras aéreas e empresas produtoras de biocombustíveis. O segundo é liderado pelas fabricantes Embraer e Boeing e conta com vários parceiros, quer brasileiros quer de outros países. Em comum, verifica-se que estes programas são «puxados» pelos fabricantes de aeronaves e pelo regulador, no caso europeu. As operadoras estão também presentes no caso europeu, o que faz todo o sentido, uma vez que serão elas a pagar a fatura dos biocombustíveis. Portugal, à sua dimensão, deverá dar o seu contributo. O processo BTL apresenta-se como uma alternativa lógica face ao contexto nacional. O autor: Jorge Lucas, assessor técnico da APTTA. Para qualquer questão ou comentário sobre o presente artigo, favor remeter para o seguinte e-mail: [email protected]. janeiro | fevereiro Sirius 21 REPORTAGEM A BASE DOS FALCÕES E JAGUARES Com duas esquadras operacionais, a Base Aérea 5 assegura a defesa aérea nacional e os destacamentos de policiamento aéreo da NATO Texto Alexandre Coutinho Fotos André Garcez A BA5 DISPÕE DE DUAS ESQUADRAS DE F-16 MLU, 201 Falcões e 301 Jaguares, mantendo a tradição, mas executando o mesmo tipo de missões. Na prática, há apenas um grupo operacional e existe alguma apreensão sobre a continuação deste formato por muito mais tempo. Às restrições orçamentais, que limitam o número de voos ao estritamente necessário para manter os níveis de operação e a proficiência dos pilotos, vai agora concretizar-se a anunciada venda de nove aparelhos à Roménia. Atualmente existem 35 aparelhos F-16 MLU (Peace Atlantis II), «mas não estão todos a voar», revela o Coronel Paulo Mateus, comandante da BA5. O mesmo responsável admite que houve uma redução considerável (50%) do regime de esforço desde 2010. No entanto, estas restrições não comprometem as missões que esta unidade 22 Sirius janeiro | fevereiro Quatro dos cinco módulos de manutenção dos motores são feitos na oficina de motores da BA5 tem de cumprir nem a segurança de voo, fatores inquestionáveis para o mesmo responsável. «Sentimos as mesmas dificuldades do País e tivemos de alterar algumas rotinas, alguns processos e fazer certos sacríficos, mas obtivemos poupanças na ordem de 30%», afirma. A BA5 assegura o nível de prontidão de 15 minutos, 24 horas por dia, com um total de 25 pilotos MCR (Mission Combat Ready). Os F-16 MLU portugueses são multi-role FBX/ADX (all weather, dia e noite). «A mission capability rate da BA5 é de Pedro Santa Bárbara compara o cockpit do F-16 com o do Fiat G91: «Espaço mais reduzido, posição mais reclinada do banco e mais instrumentos. O G91 era mais básico» (à dir.) Coronel Paulo Mateus, comandante da BA5, e Cmdt. Santa Bárbara, presidente da APPLA mais 65%, mas podia ser superior», frisa o Coronel Paulo Mateus. Os pilotos dos F-16 MLU dispõem dos novos capacetes JHMCS (Joint Helmet-Mounted Cueing System), em que a projeção de dados na viseira acompanha os movimentos do olhar, NVG (Night Vision Goggles), para visão noturna, e Targeting Pod, para detetar alvos e guiar munições. Entre estas, destaque para os mísseis ar-ar, sidewinder (para combate próximo), ar-chão LGB/PGM (Laser Guided Bombs/Precision Guided Munitions) e canhão de 20 mm (seis mil tiros por minuto). As esquadras integram igualmente pilotos belgas e norte-americanos, ao abrigo do intercâmbio de experiências dos programas EFAP – European Participating Air Forces (Portugal, Dinamarca, Holanda, Bélgica e Noruega) e MN-FP (Multi-National Fighter Program), com os Estados Unidos. «No âmbito da NATO, a Força Aérea Portuguesa dispõe de um destacamento de 100 militares e seis aeronaves F-16 prontas para operar, no prazo de 30 dias, seja onde for no mundo», frisa o Coronel Paulo Mateus. Em 2007, nos meses de novembro e dezembro, a FA assegurou o Lithuania Air Policing e, em agosto VISITA Incluiu um percurso pela doca 4, hangar de manutenção e oficina de motores, bem como deslocações às Esquadras 201 e 301 e aos simuladores. Criada em 1959, a Base Aérea n.º 5 ocupa uma área de 482 ha na zona de Monte Real. Na BA5, os efetivos distribuem-se pelo grupo de apoio e pelo grupo operacional. No total, são 807 pessoas, 29% das quais pilotos e setembro de 2012, o Iceland Air Policing. Em 2011, no NATO Tiger Meet, a Esquadra 301 ganhou o Silver Tiger Award, como Best Overall Squadron e Best Flying Squadron, alcançando a distinção de Excellent no Tacevall realizado no mesmo ano, em Ovar. Fundamental para o elevado nível de proficiência dos pilotos de F-16 da Força Aérea é a modernização MLU (Mid Life Upgrade) dos aparelhos, uma transformação iniciada em 2003, na OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal), que executa 70% do trabalho. Na doca 4, duas dezenas de militares asseguram os restantes 30% do MLU, culminando com o voo de ensaio e o regresso à OGMA para a pintura final. Em julho de 2013, toda a transformação MLU ficará concluída. Quatro dos cinco módulos de manutenção dos motores também são feitos na oficina de motores da BA5 (a Pratt & Whitney só não deu o core do motor). A APPLA (Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea) e a AFAP (Associação da Força Aérea Portuguesa) organizaram, no dia 6 de dezembro, uma visita à BA5 para os pilotos de linha aérea que os deixou impressionados com as capacidades da Força Aérea e dos F-16. janeiro | fevereiro Sirius 23 REPORTAGEM PILOTOS DA TAP NA 'PONTA DA LANÇA' DA BASE AÉREA 5 Foi com grande orgulho e satisfação que o 45.º Curso de Pilotos TAP realizou, no dia 17 de maio de 2012, o festejo do seu 13.º aniversário ao serviço da TAP Portugal. Texto e Fotos 45º Curso de Pilotos da TAP PARA COMEMORAR ESTE MARCO importante na sua vida profissional, foi-lhes proporcionada uma visita à Base Aérea n.º 5, da FAP, em Monte Real. O Coronel Piloto-Aviador Paulo Mateus, comandante desta unidade aérea fundada, em 1959, sob o lema «Alcança quem não cansa», autorizou o nosso pedido e convidou este grupo de pilotos a desfrutar de um dia com cariz aeronáutico militar e proporcionou um acrescido conhecimento das missões desta unidade aérea e suas esquadras de voo, bem como um honrado convívio aeronáutico com os pilotos avia24 Sirius janeiro | fevereiro dores de defesa aérea das Esquadras de Voo 201, Falcões, e 301, Jaguares, a operar F-16 MLU. A visita começou com as apresentações no Salão Nobre do Comando da BA5 e o grupo foi acompanhado pelo Ten/Pilav Augusto (Esq. 201), iniciando a visita no estacionamento estático de aeronaves que operaram no passado nesta unidade aérea. Alguns dos pilotos TAP recordaram experiências aeronáuticas ao serviço da FAP e explicaram a missão primária e as principais características técnicas destas aeronaves: – O F-86F Sabre, em 1960, com um total de 69 aeronaves, operou em duas esquadras de combate: Esquadra 51, Falcões, e Esquadra 52, Galos, ambas com a missão primária de caça e interceção diurna e missão secundária de ataque ao solo. – O Fiat G-91 R4 Gina, em 1966, com um total de 40 aeronaves adquiridas à Alemanha, operou na Esquadra 121, Tigres, com a missão de combate em teatro de guerra ultramarina no ataque ao solo e reconhecimento. Anos mais tarde viria a equipar as Esquadras 301, Jaguares, e 303, Tigres. – O T-33A Shooting Star, em 1974, com 30 aeronaves, veio iniciar nesta Base Aérea a EICPAC – Esquadra de Instrução Complementar de Pilotagem de Aviões de Combate, que posteriormente se designou por Esquadra 103, Caracóis. em ambiente marítimo. Algumas capacidades destas aeronaves da FAP são: Link-16, equipamento de visão noturna Night Vision Goggles – NVG, mísseis ar-ar de médio alcance AIM-120 C5 (AMRAAM), bombas de guiamento Laser – GBU e guiamento inercial GPS-JDAM, identificação e seguimento de alvos – Targeting Pod – TGP e visualização através do capacete Helmet Mounted Cueing System – HMCS. Para além desta apresentação, com intuito didático e a pedido prévio, ficámos mais conhecedores sobre as técnicas e formas de interceção de aeronaves civis pela defesa aérea nas FIR de Lisboa e Santa Maria. – O T-38A Talon, em 1977, com um total de 12 aeronaves vindas dos EUA, foi atribuído inicialmente à Esquadra 51, Falcões, e destinava-se à instrução avançada de combate, para anos depois todos serem atribuídos à Esquadra 103, Caracóis. – O A7P Corsair II, em 1981, com um total de 50 aeronaves, operou em duas esquadras de voo, a Esquadra 302, Falcões, com a missão de TASMO – Interdição e Defesa Aérea e Apoio Aéreo Tático a Operações Marítimas, e em 1984, com a Esquadra 304, Magníficos, com a missão primária inicial, a execução all weather de operações de interdição aérea, luta aérea ofensiva e defensiva e apoio aéreo tático a operações marítimas. Após esta histórica exposição estática, fomos visitar os hangares da Manutenção, nomeadamente as secções de motor e célula da aeronave F-16 MLU, onde recebemos uma apresentação da complementaridade da missão e responsabilidade desta importante área. Aqui, são convertidos os motores das aeronaves F-16, F100-PW-100/200, da Pratt & Whitney, em F100-PW-220E, motor de grande qualidade, com elevada fiabilidade e durabilidade. Efetuam também a reconversão dos F-16A/B em F-16 AM/BM com a incorporação do kit MLU (Mid Life Update), de forma a dotar esta aeronave de capacidade de uso de armas e sistemas de última geração. De seguida tivemos um breve contacto com o simulador de voo, tendo alguns aproveitado a oportunidade da vida de «sentir» nas mãos um F-16, e no final da manhã veio o momento importante e aguardado com expectati- OS PILOTOS TAP RECORDARAM EXPERIÊNCIAS AO SERVIÇO DA FORÇA AÉREA va: o convite feito pelo Maj/Pilav João Raimundo, comandante da Esquadra 201, Falcões, para nos dar uma excelente apresentação, na sala de briefing dos pilotos de caça, sobre a missão da Esquadra 201 e capacidades operacionais do F-16 MLU. Estas esquadras de voo têm como missão executar operações de luta aérea ofensiva/defensiva, operações de interdição aérea e apoio aéreo tático No final da manhã, fomos convidados pelo comandante para um almoço, onde pudemos relembrar passados aeronáuticos comuns e trocar opiniões sobre o futuro das nossas instituições estratégicas de defesa da FAP e de transporte da TAP. À tarde, fomos à Linha da Frente visitar o shelter da parelha de alerta F-16 MLU, pronta e segura para descolar em menos de 15 minutos, onde de bem perto presencíamos uma sequência de aterragens e passagens baixas de esquadrilhas de F-16 a regressar das suas missões de treino. A visita à BA5 terminou no edifício de comando, com a despedida e agradecimentos dos pilotos da TAP ao Comandante Paulo Mateus pelo excelente dia proporcionado e o forte desejo de manter laços e saudações aeronáuticos. Para alguns de nós, foi a oportunidade de visitar alguns dos nossos amigos, para outros, saíram com mais uns amigos com quem podem contar no futuro. No final do dia, o Comandante Pedro Castro, a quem o curso agradece pelo empenho e a sua ideia deste dia especial, surpreendeu-nos com uma pequena exposição fotográfica particular alusiva ao início da era jato da companhia aérea de bandeira TAP Portugal e a tradicional comemoração de mais um ano do nosso curso. Há quanto tempo não bebíamos… ÁGUA. janeiro | fevereiro Sirius 25 ESTUDO AEROPORTO COMPLEMENTAR AO AEROPORTO DE LISBOA A previsão da procura é a principal variável a considerar no planeamento de um negócio. É em função desta que se projeta a capacidade ótima de oferta (2ªparte) Texto Rui Cavaco * NO PLANEAMENTO DA REDE DE oferta de qualquer infraestrutura aeroportuária deve-se tomar particular atenção a este dado. Verificou-se em projetos públicos no passado, caso do TGV, que a modulação deste dado serviu para viabilizar os mesmos, sendo aparentemente modulado mais em função de orientações políticas do que de princípios técnicos. Desta forma, a análise das previsões existentes é determinante na aceção da qualidade das decisões visadas. Num primeiro plano, estas afetaram diretamente a boa utilização de recursos públicos. No extremo, a prossecução de projetos financeiramente inviáveis conduz diretamente, não considerando a alocação de recursos externos ao projeto, tais como receitas provenientes de impostos, a uma diminuição sistémica de liquidez, com a consequente perda de capacidade de manutenção de níveis de segurança mais elevados. É, assim, importante avaliar as previsões existentes. Comparámos os valores dos relatórios de tráfego da ANA de 2007, 2008, 2009 e 2010 com os valores de previsão efetuados para validação do NAL. Nos valores obtidos das Estatísticas de Tráfego 2007/2008/2009/2010 da ANA foram considerados, quando diferentes, os valores referentes ao ano obtidos no relatório mais atual, sendo considerado este o valor corrigido e, consequentemente, mais representativo. Verifica-se, no período, uma evolução de 6,00% no volume de passageiros no total de aeroportos da ANA e de 3,43% no Aeroporto da Portela. 26 Sirius janeiro | fevereiro Estatísticas de Tráfego No Relatório Anual de Tráfego de 2011, da ANA, constatamos que «a taxa média de crescimento anual nos últimos dez anos foi de 4,1% no que respeita a passageiros e 2,4% quanto a movimentos. À semelhança dos anos anteriores, o aeroporto de Lisboa apresentou um comportamento acima da média dos aeroportos europeus da sua classe» (in Relatório Anual de Tráfego de 2011 – pág. 07). Verifica-se que entre 2006 e 2010 o Aeroporto da Portela cresceu percentualmente em volume de passageiros abaixo do crescimento do mesmo indicador para o total de aeroportos concessionados à ANA. É de realçar que se inicia em 2005 a operação da Ryanair no aeroporto do Porto e em 2006 a estratégia de desenvolvimento do segundo hub da TAP nesse mesmo aeroporto (in Relatório e Contas TAP 2006 – pág. 4). Esta implementação de capacidade oferecida pela Ryanair e deslocação de capacidade oferecida pela TAP contribuem para a distribuição de tráfego apresentada. Podemos inferir que uma maior dinâmica na captação de capacidade oferecida do aeroporto do Porto, por um lado, e dificuldades de expansão no seu hub principal por parte da TAP apresentam-se como uma possível interpretação da diferença apresentada do crescimento percentual do volume de passageiros do total de aeroportos e do Aeroporto da Portela. Apresentamos no quadro seguinte a previsão de crescimento da procura efetuada nos estudos do NAL (in seminário APPLA Logistel, Carlos Madeira, 2010). O estudo de previsão foi efetuado com base no tráfego de Lisboa em 2006, sendo projetada a sua evolução por modelo econométrico de relação procura por crescimento económico dos países contribuintes para o tráfego. Neste estudo foi considerado o impacto da linha de alta velocidade Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto. Sendo μ o crescimento agregado num dado período, verifica-se uma previsão de crescimento da procura de 3,9% entre 2009 e 2017. Verifica-se um crescimento de volume de passageiros inferior ao previsto entre 2009 e 2017. Mesmo considerando que não foi implementada a linha de alta velocidade, fator que pressionaria em baixa o valor por efeito de transferência. Mais conservadores são os valores apresentados no seminário Os Transportes e a Economia, realizado no Palácio da Independência, em 2012, pela Dr.ª Fátima Rodrigues, da ANA. Neste, a previsão foi de 2,8% na taxa de crescimento do volume de passageiros e de 2% no total de movimentos. É de salientar que a margem de erro máxima para o período de estudo em ambas as previsões é da ordem de décimas. Considerando a última previsão, por mais conservadora, verifica-se que a Portela atinge 43 movimentos/hora em 2015. A sua capacidade declarada em 2012 era de 13 movimentos/hora noturnos e 38 movimentos/hora diurnos, num total de 51 movimentos/hora por dia. Apresentando uma situação crítica de peaking na primeira onda do hub, entre as 7 e as 10 horas da manhã, operando a 94% da capacidade declarada. Ou seja, mesmo utilizando um modelo de previsão conservador, não existindo alteração à capacidade de oferta, o aeroporto não consegue dar resposta ao crescimento de tráfego em 2014. Medidas de de-peaking ou alocação prioritária de slots a movimentos de transferência podem, eventualmente, mitigar este problema num curto prazo. De acordo com o Relatório e Contas da ANA, pág. 45, temos que «o ano de 2011 foi marcante para o aeroporto de Lisboa pelo serviço prestado a 14,8 milhões de passageiros e que se traduziu num crescimento de 5,1% face a 2010. Esta variação, resultante da boa performance do segmento tradicional, conjugado com a evolução da oferta em termos de movimentos (+1%) e de lugares (+2,1%), determinou um crescimento da taxa média de ocupação de aeronaves (+2,1 p. p.) em voos comerciais». Portanto, apesar da crise nacional e internacional que se vive desde 2008, constata-se um crescimento sustentado do número de passageiros e movimentos no aeroporto de Lisboa ao longo da última década. No ponto 16 do Relatório e Contas da ANA, pág. 139, referente às perspetivas futuras, temos que «o ACI prevê para 2012 um crescimento do tráfego nos aeroportos que, a nível mundial, se Previsão de crescimento Previsão a médio prazo por região Real Africa Asia/Pacifico Europa América Lat/Caraíbas Médio Oriente América do Norte Mundo Previsões 2010 YOY% 2011 2012 2013 2014 2015 2011-2015 156.0 1.294,9 1.466,9 403,7 206,6 1.509,8 5.037,7 9,5% 11,3% 4,3% 13,2% 12,0% 2,5% 6,6% (9,5%) 5,0% 7,5% 8,3% 6,8% 2,6% 4,9% 8,8% 6,8% 2,3% 5,9% 5,7% 1,9% 3,9% 5,6% 6,8% 3,5% 6,2% 5,2% 2,7% 4,5% 5,5% 6,7% 3,4% 6,2% 5,1% 2,6% 4,4% 5,4% 6,6% 3,3% 5,7% 4,8% 2,5% 4,3% 2,9% 6,4% 4,0% 6,4% 5,5% 2,5% 4,4% situará em 3,9%, ficando-se por 2,3% a nível europeu». Relativamente ao aeroporto de Lisboa, lê-se que «o aeroporto de Lisboa, com um crescimento previsto para o tráfego de passageiros na ordem de 0,8%, continuará a fortalecer e a consolidar as condições para o desenvolvimento de uma política de hub para os mercados Brasil e África, a par do acréscimo da quota das companhias de baixo custo. Em abril de 2012 está prevista a abertura da base da easyJet, que originará a abertura de cinco novas rotas Schengen». Estas previsões de crescimento permitem antever o esgotamento de capacidade do aeroporto de Lisboa, tornando necessário o aumento de capacidade deste e/ou o desenvolvimento de uma estrutura complementar ou de um novo aeroporto para acomodar a procura prevista, bem como a procura já existente e que não é satisfeita por indisponibilidade de slots para os horários pretendidos pelos operadores, pelo que, neste momento, efetivamente já se verifica falta de capacidade do aeroporto de Lisboa em acomodar tráfego e, consequentemente, existe uma perda de receita potencial para a ANA e para o País decorrente desse facto. É de salientar que a indisponibilidade de slots é sentida num período específico do dia, pelo que o racional de investimento não pode ser considerado apenas pela rutura de capacidade de um período de operação. A transferência de tráfego não relacionado com a operação de hub em Lisboa durante o período crítico das 7 às 10 horas pode apresentar-se como uma solução de médio prazo. Deste modo, o desenvolvimento de uma solução de aumento de capacidade declarada deve visar, com a menor relação de custos (investimento/operacionais), obter o maior incremento de capacidade num horizonte de tempo definido. As opções consideradas viáveis nos estudos preliminares são expansão da capacidade da Portela, aproveitamento da Base Aérea do Montijo para tráfego civil, ou construção modular do Novo Aeroporto em Alcochete. (Continua no próximo número) (in Relatório e Contas de 2011 – ANA, pág. 139) Fonte: ACI World YOY: Year over Year * Gabinete Técnico da APPLA. janeiro | fevereiro Sirius 27 BALONISMO 16.º FESTIVAL INTERNACIONAL BALÕES DE AR QUENTE Texto e fotos André Garcez 28 Sirius janeiro | fevereiro JÁ ASSUMIDO COMO UM DOS MAIORES e mais importantes festivais da Europa, o Festival Internacional Balões de Ar Quente realizou a sua 16.ª edição, de 10 a 18 de novembro, em Elvas, que foi cidade anfitriã, pela primeira vez, no âmbito da classificação das suas fortificações como Património Mundial da UNESCO. Durante oito dias, 45 equipas, compostas por 250 participantes, de oito nacionalidades, realizaram voos de lazer pelas planícies alentejanas, em total harmonia com a Natureza, onde o silêncio do voo é apenas interrompido pelas chamas que aquecem o interior do balão, um calor que agradecemos quando estamos no ar às 9 horas da manhã de um dia gélido, a 700 metros de altitude. Com a mudança de Fronteira para Elvas, o evento conseguiu captar novos apoios e atenção mediática, não só nacional mas também de Espanha, algo que se refletiu nos batismos de voo à população, que estiveram esgotados – algo inédito na história do festival –, com dezenas de pessoas a fazerem fila de madrugada na esperança de conseguirem um lugar num dos cestos. janeiro | fevereiro Sirius 29 SPOTTERS APEA VISITA BASE AÉREA DO MONTIJO Seguindo uma tradição anual, a APEA – Associação Portuguesa de Entusiastas de Aviação realizou uma visita à Base Aérea n.º 6, no Montijo, no dia 3 de dezembro, com o objetivo de ficar a conhecer as esquadras e meios que lá operam Texto e Fotos André Garcez SOB O LEMA «A promoção e divulgação da Aviação em Portugal», as visitas a instalações militares e civis são um dos pontos fortes da APEA, proporcionando uma proximidade à atividade aérea que não é possível estando do lado de fora da rede e permitindo um contacto direto entre os profissionais e entusiastas que têm uma paixão 30 Sirius janeiro | fevereiro em comum: o gosto pelas aeronaves e pelo voo. Apesar da redução crítica das horas de voo nos meios da Força Aérea Portuguesa, os 13 participantes da visita à BA6 tiveram a oportunidade de acompanhar, com a devida distância de segurança, os preparativos e desco- lagem do helicóptero EH-101 de alerta rumo a mais um salvamento de um surfista ferido numa escarpa da Praia Grande, em Sintra. O outro movimento inesperado, que acabou por ser o ponto alto do dia, foi a escala de um C-130J da Força Aérea canadiana durante a viagem de regresso à sua base, em Ontário, após uma missão de transporte de carga para um local não revelado no Médio Oriente. Num gesto de tremenda simpatia da tripulação canadiana, que não tinha conhecimento prévio desta visita, os associados da APEA foram autorizados a entrar no Hércules que se preparava para o voo intercontinental e assistir ao preflight check no interior do cockpit de última geração, minutos antes do startup dos motores, e a conversar com os loadmasters no porão de carga, tendo a tripulação oferecido patches e autocolantes da esquadra, ao que os participantes da visita retribuíram com fotografias da passagem da aeronave pelo Montijo. No final, houve ainda tempo para rever os Aviocar da Esquadra 401, desativados há um ano, encontrando-se armazenados à espera de um comprador, algo que, segundo o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, está em negociação. C-295 AS PRIMEIRAS 10 MIL HORAS No dia 5 de dezembro, e numa cerimónia presidida pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), General José Pinheiro, foram assinaladas as 10 mil horas de voo da frota C-295M, operada pela Esquadra 502, Elefantes, desde fevereiro de 2009. A comemoração do marco atingido a 15 de outubro, que contou com a presença das altas patentes militares, dos presidentes da Airbus Military, da DEFAERLOC e da EMPORDEF, iniciou-se com uma reunião entre as chefias militares, o presidente da Airbus Military e a Missão de Acompanhamento e Fiscalização (MAF FISS) do contrato de prestação de serviços logísticos associados de manutenção (FISS – Full in Service Support) das Aeronaves de Transporte Tático e Vigilância Marítima – C-295M. Seguiu-se a cerimónia no hangar da Esquadra 502, onde foi apresentado um filme histórico sobre a esquadra e a aeronave e na qual o comandante dos Elefantes, Tenente-Coronel Pedro Bernardino, e o CE- MFA proferiram algumas palavras alusivas ao evento. Terminada a cerimónia, as entidades convidadas visitaram a exposição temática O sistema de armas C-295M, suas valências e capacidades operacionais, onde também foi lançado o novo website dos Elefantes, presenciando de seguida a aterragem de uma aeronave com pintura alusiva a este marco histórico, que contou com o patrocínio da Airbus Military. janeiro | fevereiro Sirius 31 FATORES HUMANOS SEM MEDO DE VOAR Cerca de 30% da população adulta portuguesa têm medo de voar. A boa notícia é que há cura À HORA MARCADA, CHEGAM à Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA), em Lisboa. Não é a paixão pelo voo que os guia, mas o medo. Vão participar num dos cursos da Voar sem Medo (VSM), um centro especializado no estudo e tratamento da fobia de voo, que tem por parceira a Valk Foundation, um dos mais prestigiados centros mundiais de investigação e tratamento aerofóbico. A recebê-los, Cristina Albuquerque: rosto e alma da VSM. É nela, e na sua equipa, constituída por psicólogos e por profissionais da aviação, como pilotos, assistentes de bordo, especialistas em segurança de voo e controladores de tráfego aéreo, que os pacientes confiam os seus medos, na esperança de os perderem. Psicóloga clínica, está ligada à aviação há mais de 20 anos e tem vasta experiência no tratamento desta fobia. Merece a confiança deste grupo, tão diferente mas tão igual no que os prende à terra. Ecoam relatos pela sala: o da senhora que esteve 30 anos sem viajar de avião porque não gosta de estar fechada; o do senhor que fugiu antes de descolar para a viagem de núpcias porque tinha medo de que o avião caísse; o da adolescente que sabe de cor os acidentes dos últimos anos, e o da jovem que nunca conseguiu entrar num avião, tal como os pais, e que sonha ir a Londres. No ar, sente-se a tensão, que atinge o auge logo na projeção da primeira imagem: um Boeing B-747. Ninguém fica indiferente, mas constato que só eu 32 Sirius janeiro | fevereiro D.R Texto Rita Tamagnini A PRIMEIRA CONCLUSÃO É QUE O MEDO É BOM sorrio. Os meus olhos veem o Jumbo, o meu avião favorito. Os deles, uma enorme ameaça de ferro! Já os de Cristina Albuquerque focam-se nas reações despertadas. As expressões de desconforto são tais que não resisto a abandonar o papel de observadora e exclamar, com intenção apaziguadora: «Mas é tão bonito!» Serve para arrancar gargalhadas e aliviar o ambiente. «Para muitos pacientes, as imagens servem para abrir o baú das memórias negativas que já viram sobre acidentes de aviação», refere a psicóloga. O primeiro passo para vencer o medo está dado. Ter consciência dele. E o segundo também: enfrentá-lo. Nas horas seguintes, é de medo que se fala. De como ir às origens e superá-lo. A primeira conclusão é que o medo é bom. Ajuda-nos a enfrentar ameaças. Mas, e se essas ameaças não existem? É aí que se transforma numa doença que limita a vida e que precisa de ser tratada. É então preciso identificar as causas. A falta de controlo é uma das mais comuns. «E se há local onde não se consegue controlar quase nada é dentro de um avião», diz Cristina Albuquerque. Outro dos agentes provocadores é o desconhecimento quanto ao voo. É nesta altura que Rui Alves assume o controlo. O comandante começa por falar da forte regulamentação do setor e da formação dos pilotos, sempre em constante evolução e avaliação. Em minutos, e munido de um apurado sentido de humor, prende a atenção. Explica como funcionam os aviões, faz um retrato geral sobre os acidentes e assegura que «o avião está preparado para lidar com tudo o que há na Natureza. Com o vento, a chuva, a noite e o dia!». Tal como garante que se não houver condições para voar, não se voa. Nada é deixado ao acaso na aviação, frisa. TAP Ainda assim, é impossível evitaremse os acidentes. Essencial, diz Cristina Albuquerque, é pensar na relação entre o possível e o provável. E aconselha aos pacientes mantras como estes: «É possível mas não é provável» e «abana mas não cai». Ao segundo dia, o progresso é notório. A apresentação de Helena Barata, assistente de bordo, apesar de conter muitas imagens de aviões, já não provoca tremores. Helena alerta para o facto de a cara dos tripulantes não refletir eventuais problemas técnicos do avião mas apenas o seu estado de espírito. Passa depois a conselhos práticos, como fazer as malas com antecedência, o check in atempadamente e embarcar tranquilamente, sem stress acrescido. Fala do treino exaustivo da tripulação de cabina, capacitada para lidar com todo o tipo de situações de emergência, e responde a dúvidas. E não, assegura, não é possível ficar preso dentro da casa de banho do avião, um dos principais medos dos fóbicos. Termina com outras di- cas: convém mexer-se e beber muita água a bordo. Aliás, beber água, diz Cristina Albuquerque, «é uma das principais técnicas de controlo da ansiedade». E sem efeitos secundários, acrescento eu. O mesmo não se pode dizer da ingestão de álcool e de medicamentos. Dizem as estatísticas que 20% dos aerofóbicos recorrem a estas «muletas» para enfrentar o voo. Uma estratégia desaconselhada pela VSM, que acredita que ela só serve para maquilhar o medo. Sentimentos de inferioridade e vergonha são recorrentes neste tipo de fobia. Para ajudar a superá-los entra em cena a psicóloga Íris Monteiro, que ensina técnicas de descontração, a começar pela respiração e a acabar num exercício de relaxamento que deixa a sala semiadormecida ao final da manhã. A tarde é passada na NAV, onde ouvimos falar de manutenção, controlo aéreo e de como ele é feito: em segurança. Não falta sequer uma visita à sala e à torre de controlo do aeroporto de Lisboa, um dos momen- tos mais altos do curso. Por fim, uma passagem pelo aeroporto, numa espécie de visita técnica, e, ao terceiro dia, o momento tão esperado quanto temido: o voo. Apenas um dos participantes não consegue embarcar para Madrid, tendo-o feito mais tarde. O tratamento tem uma taxa de sucesso de 95% e garante um follow up de dois anos. Para Cristina Albuquerque, que é também autora do livro Voar sem Medo – Um Guia Prático para Voar Confiante e Descontraído e que lançou a Medo de Voar App, uma aplicação para iPhone e Android destinada a todos os que têm medo de voar, cada paciente a ultrapassar a fobia é uma vitória. O próximo curso da VSM é em abril, em Lisboa, e custa 700 euros. O sucesso do programa, esse, não tem preço. CONTACTOS VSM Linha Directa 913282092 [email protected] www.voarsemmedo.com janeiro | fevereiro Sirius 33 ENSAIO AEROPILOT LEGEND 540 EM EQUIPA QUE ESTÁ A GANHAR… É jovem, irmão do primogénito que fez o voo inaugural em abril de 2011. Esta quarta unidade do Legend 540 já detém, no entanto, maturidade inerente a um ultraleve que foi beber a sua conceção ao sucesso incontornável do Cessna 182 Texto Paula Carvalho Silva Fotos André Garcez ENSAIO COSTUMA DIZER-SE QUE NÃO SE MEXE EM equipa que está a ganhar. Talvez não seja sempre assim, mas a alusão óbvia ao aproveitamento do que de bom já se fez ou inventou assenta que nem uma luva ao Aeropilot Legend 540. Deixemonos, para já, de ditos e ditados populares, para assinalarmos o que de único tem este ultraleve, inventado pelo checo Peter Mára e inspirado no Cessna 182. À primeira vista, parece demasiado grande para entrar na categoria de ultraligeiro, demasiado arredondado para alcançar velocidade de cruzeiro razoável, mas estes pormenores entram de imediato no lote de qualidades do Legend quando explicados por Luís e Paulo Santos, irmãos e sócios da Ultrafly, em conjunto com Ricardo Rodrigues e José Lino. Basta medir o espaço no cockpit, e nem sequer com necessária precisão (ombros não se tocam mesmo em movimentos amplos), para perceber que uma viagem mais longa a bordo deste ultraleve não é um problema. Aliás, um dos primeiros voos efetuado pelo ultraligeiro da Aeropilot foi precisamente aquele que o traria da República Checa para Portugal e que não serviria apenas como teste de conforto. Ora vejamos: com três malas, peças sobressalentes para o avião, tanques de combustível cheios, piloto e passageiro, o Legend veio pesado. No entanto, Paulo Santos garante que com um bom 36 Sirius janeiro | fevereiro À primeira vista, parece demasiado grande para entrar na categoria de ultraligeiro cálculo de pesos e centragem o comportamento do aparelho «foi igual ao que seria em vazio». Ao longo de quatro pernas – Mannheim, na Alemanha, para abastecer, paragem nas proximidades do circuito de Magny-Cours, em França, para dormir e encher depósitos, refill em San Sebastian (Espanha) e, finalmente, Tires –, o avião foi para o ar sempre sem problemas e nem sequer consumiu de mais. Apesar de ainda não terem feito bem os cálculos, Paulo Santos julga que o Legend gastará qualquer coisa entre 12 e 15 litros/hora em velocidade de cruzeiro. É que não há nada como uma superfície limpa de rebites ou de outros obstáculos para garantir uma aeronave aerodinamicamente eficiente. Paulo Santos esteve na fábrica a acompanhar NOVOS VOOS EM TEMPOS CONTURBADOS RICARDO RODRIGUES (PILOTO POR HOBBY), Luís Santos (piloto profissional), Paulo Santos (mecânico e piloto) e José Lino (instrutor, examinador e piloto de ultraleves e aviação geral) juntaram-se e criaram o projeto Ultrafly. Importar e comercializar aviões ultraligeiros é o principal intuito desta empresa, que para isso escolheu dois modelos: o checo Legend 540 e o italiano Savage. «Achámos que deveríamos representar dois aviões diferenciados. O Legend é a cópia de um avião extraordinário, o C-182, em ponto pequeno; o Savage tem outro elã, é um todo-o-terreno em tudo semelhante ao nostálgico Piper Cub. O valor total do investimento foi de cerca de 150 mil euros. a montagem final. A réplica do 182 foi construída em fibra de carbono e kevlar e é de concessão «extremamente simples»: «A vantagem destes aviões de fibra é necessitarem de pouca manutenção, no entanto, temos sempre de garantir as conexões dos controlos de voo, etc.» E neste exemplar a tarefa é facilitada pelas janelas nas asas, a partir das quais podemos ver os sistemas dos ailerons, pelo tubo de pitot por onde se pode substituir a landing light e ainda pela simplicidade com que, removendo o cone de cauda, é possível retirar o estabilizador por inteiro, garantindo, assim, a remoção das asas sem qualquer dificuldade. De salientar ainda as longarinas das asas, que também são integralmente em fibra de carbono, e o revestimento total do cockpit em kevlar, o que aumenta a resistência do habitáculo. Apenas os trens de aterragem são em fibra maciça, por causa da flexão. Com uma área alar de 10,54 m2, a primeira impressão que os novos proprietários tiveram quando viram o modelo exposto pela primeira vez em 2011, em Friedrichshafen, foi que o Legend parecia um planador. A corda, enorme, e os fowler flaps, quando acionados, contribuem para esta área. A elegância e eficácia são garantidas por asas muito finas. São também estas características que lhe conferem a capacidade de voo, mas também a principal dificuldade para quem o voar pela primeira vez. Paulo Santos explica que com tal capacidade de planeio há que «reduzir drasticamente a velocidade, tirando mesmo quase todo o motor, e manter o nariz nivelado ou ligeiramente em cima para reduzir a velocidade, conseguindo-se assim que junto ao solo, quando se arredonda, o avião não vá para o ar novamente». «Até já chegámos à conclusão de que, como o avião voa de tal maneira bem e tem uma tão grande sustentação, basta vir para o chão com um ponto de flaps. O problema CONSUMO Apesar de ainda não ter feito bem os cálculos, Paulo Santos julga que o Legend gastará qualquer coisa entre 12 e 15 litros/hora em velocidade de cruzeiro. É que não há nada como uma superfície limpa de rebites ou de outros obstáculos para garantir uma aeronave aerodinamicamente eficiente é que as pessoas normalmente têm medo de tirar motor. E a aprendizagem terá de incidir neste capítulo.» Aliás, Luís Santos já o trouxe para a pista a 30 nós e o avião continua a voar com full control. Como de costume, não podíamos deixar de experimentar este novo modelo. O convite levounos ao campo de voo de Campinho, ali paredes meias com a Barragem do Alqueva. E nada melhor do que uma pista de apenas 400 m de comprimento para testar as melhores e as mais difíceis características do Legend. A asa alta e a amplitude do cockpit facilitam a entrada. Lá dentro, o painel de instrumentos foi desenhado custom made para ser user friendly, até porque a empresa Ultrafly quer investir no ensino. Assim, do lado esquerdo estão posicionados todos os instrumentos de controlo de voo, enquanto do lado direito ficaram todos os instrumen- janeiro | fevereiro Sirius 37 ENSAIO COCKPIT O painel de instrumentos foi desenhado custom made para ser user friendly, até porque a empresa Ultrafly quer investir no ensino. Assim, do lado esquerdo estão posicionados todos os instrumentos de controlo de voo, enquanto do lado direito ficaram todos os instrumentos do motor. Há um GPS Aera 500 da Garmin, um transponder da Trig, uma box de intercom, horizonte, gyro, enfim, todos os instrumentos necessários. tos do motor. Há um GPS Aera 500 da Garmin, um transponder da Trig, uma box de intercom, horizonte, gyro... enfim, todos os instrumentos necessários. E depois temos ainda o yoke, a alavanca da potência que a partir de um certo ponto para a retaguarda funciona como travão e, mantendo este movimento até ao limite, permite o bloqueamento para se conseguir o travão de parque, por fim, dois sistemas que acionam os 38 Sirius janeiro | fevereiro Cópia do Cessna 182 à escala de 75%, o Legend pode também ser apetrechado com um motor Rotax de 80 cv e outro de 115 cv turboalimentado flaps – um no painel de instrumentos, outro na manete da potência. Com o motor de 100 cv a rolar e o hélice DUC tripá de passo fixo a funcionar, Luís Santos posiciona o Legend e, depois de garantir que a pista está livre, acelera e descola em menos de 200 m. Depois de estabilizado, e já a sobrevoar as águas do Alqueva, Luís Santos oferece-me os comandos. Fáceis, leves, sem, no entanto, serem tão sensíveis que ao mínimo toque haja uma reação. Agrada-me, até porque isto não obriga o piloto a concentração extra, o que é vantajoso para alunos e pilotos com pouca experiência. Voltas apertadas mantendo altitude e velocidade são exercícios que não requerem esforço. O Legend com o passo do hélice aumentado em 1 grau por Paulo Santos adquiriu prestações ainda melhores, sobretudo na velocidade de cruzeiro. «Agora fazemos 100 nós de airspeed a 4200 rpm. Talvez mesmo a 4400 rpm, se estiver um pouco mais de vento, e isto com menor consumo de combustível. Depois, a fundo, o Legend faz 5200 rpm e continua a aumentar, a embalar, e chega às 5400 rpm de máxima, altura em que chega a atingir 130 nós.» De referir que este avião, AEROPILOT LEGEND 540 Ano 2012 DIMENSÕES Comprimento 7 m Altura 2,6 m Envergadura 9,06 m Área das asas 10,54 m2 Largura da cabina 1,17 m Número de passageiros Dois Peso em vazio 289 kg Peso máximo à descolagem 450 kg Carga máxima na bagageira 15 kg atrás do banco do passageiro MOTOR Fabricante Rotax Potência 100 cv Hélice Tripá DUC de passo fixo PRESTAÇÕES Autonomia Dois tanques de combustível com capacidade para um total de 110 litros, que permitem voar durante pelo menos seis horas, mas o fabricante garante que a autonomia pode chegar às 8,5 horas Consumo Entre 12 e 15 litros/hora Velocidade a não exceder (VNE) 255 km/ h/137kts Velocidade de cruzeiro a 75% da potência máxima 210 km/h/113kts Velocidade de perda 62 km/h/33kts Velocidade mínima de aterragem 65 km/h/35kts Velocidade máxima com 40º de flaps 120 km/h/65kts Velocidade máxima com 15º e 30º de flaps 145 km/h/78kts Velocidade máxima em turbulência 170 km/h/91kts Razão de subida 5,9 metros/s/1100 pés/min. Distância de descolagem 150 m Distância de aterragem 190 m Fator de carga +4.0/-2.0 G Teto de operação 14.000 pés EQUIPAMENTO Velocímetro, altímetro, variómetro, conta-rotações, GPS Aera 500 da Garmin, transponder da Trig, horizonte artificial, gyro, manómetros de motor e do óleo de motor, pressão e quantidade de combustível. PREÇO Cerca de 76 mil euros (unidade testada); 63 mil euros versão base. pela sua construção e performance, merece, sem dúvida, um hélice de passo variável, para que se possam explorar todas as suas qualidades de tourer, na velocidade de cruzeiro alta a muito baixos regimes de motor, e com a consequente baixa de consumo. Cópia do Cessna 182 à escala de 75%, o Legend pode também ser apetrechado com um motor Rotax de 80 cv e outro de 115 cv turboalimentado – mais utilizado em países colados aos Pirenéus – e um hélice de passo variável. A opção pelos 100 cv e pelo passo fixo prendeu-se com o facto de a Ultrafly querer utilizar o avião num maior leque de funções, nomeadamente a instrução, e de ambientes, como, por exemplo, África. Neste último continente, a empresa espera ainda aproveitar a legislação que permite o reboque de mangas mesmo em aviões de lazer (ao contrário do que ditam as regras portuguesas) e recuperar, por essa via, o investimento efetuado. A única diferença reside, como é óbvio, no tipo e no reboque das mangas. Nos ultraleves, as mangas são presas ao avião ainda no chão com um varão (a única peça metálica do sistema) e saem a rolar em conjunto com a aeronave. No ar, e com a ajuda de um peso numa das extremidades desse tubo de duro alumínio, a manga cai à vertical, ficando no perfil normal de leitura. O tecido com que é feita a manga também é especial, ultraleve. Por exemplo, uma manga com 87 m2 não ultrapassa os 6 kg. A diferença no reboque reside na incapacidade que o ultraligeiro tem de picar, porque não tem suficiente inércia de peso para pegar numa manga em voo rasante. Outras qualidades do Legend são a autonomia de, no mínimo, seis horas, graças a dois depósitos de 55 litros cada, localizados nas asas, e um preço de aquisição relativamente acessível quando comparado com outros aviões na mesma categoria. A versão testada custou cerca de 76 mil euros, mas já se compra um Legend por 63 mil euros na versão base. Sem querer fazer grandes comparações, Paulo Santos aponta o TL 3000 Sirius como o mais parecido com a nova aquisição da Ultrafly. janeiro | fevereiro Sirius 39 OPINIÃO DEVEMOS SER UNS PELOS OUTROS O conceito de ser «uns pelos outros» foi bem apresentado no lema dos mosqueteiros de Alexandre Dumas Texto Filipe Conceição Silva COM UMA LIGEIRA DIFERENÇA, mas querendo dizer o mesmo, ele brindou-nos com «um por Todos. Todos por um». Um conjunto de palavras bonitas, e será raro quem, ao lê-las, discorde do seu significado e simbolismo. O que tem este pequeno artigo a ver com a Sirius? Já compreenderão. Há cerca de 25 anos surgiu num semanário de grande circulação uma lista com perto de duas centenas de nomes dos mais «ricos» de Portugal. Esta lista de «ricos» foi elaborada a partir de uma só fonte: das listas de contribuintes da Direção-Geral das Contribuições e Impostos, vulgo... fisco, ou seja, pelas listas dos maiores contribuintes identificavam-se, supostamente, os personagens mais ricos de Portugal. Num país civilizado e de bem, deveria ser assim e não deveria haver grandes surpresas. Estranho é que, em cerca de metade da lista constava um número substancial de... pilotos-comandantes da TAP! Esta notícia foi recebida, principalmente pelos incluídos na lista, com um misto de embaraço e irritação, porque não era aceite que a vida privada (financeira, nesse caso) fosse devassada daquela forma. O ambiente em Portugal era tal que os «ricos» eram malvistos e ironicamente estes «ricos» estavam identificados e listados então, o «mau olhado» poderia ser totalmente focado neste grupo. Pode-se, assim, compreender a irritação pela devassa, mas embaraço? Porquê? Afinal, com o seu trabalho estavam a contribuir, e bem, para o coletivo, bastando esfregar nos narizes de qualquer um a dizer «eu contribuo para ‘Todos’ com isto, 40 Sirius janeiro | fevereiro e tu?», não havendo vergonha nisso, muito antes pelo contrário. Porque constava uma quantidade enorme de pilotos da TAP nestas listas? A primeira razão seria que a empresa era pública, os pilotos eram seus funcionários e a lei assim o obrigava, mas a segunda razão, não menos importante, é que os pilotos de linha aérea da TAP, aliados à sua força corporativa (quem não o faz?), através de décadas sempre tentaram ganhar os melhores e mais altos salários possíveis, de acordo com as suas responsabilidades profissionais, e, no geral, sempre pugnaram por receber salários e aumentos anuais por «cima da mesa», não alinhando em «esquemas» de O ESTADO DEVERIA ENTENDER E ATÉ PROMOVER UMA CARREIRA CONTRIBUTIVA fuga ao fisco, o que não era o caso em muitas outras classes profissionais, liberais ou não, que simplesmente não descontavam de acordo com o que ganhavam. Entendia-se que o Estado era uma pessoa de bem e que, no fim da carreira profissional de piloto de linha aérea, além de, em paralelo, se contribuir para o bem coletivo, se iria receber uma reforma compatível, de acordo com o total da carreira contributiva. Na era iniciada com um primeiro- -ministro que só queria trabalhar, que «nunca se enganava e raramente tinha dúvidas», na mesma altura que se colocavam posters gigantescos pelas estradas afirmando que era bom viver em Portugal, e que continuou até um presente recente, começaram a aparecer umas fórmulas em que se determinava que o que se receberia quando se atingisse a idade da reforma era de acordo com os «cinco melhores anos dos últimos dez ou os dez dos últimos quinze», ou um palavreado ou fraseado similar. Poderia supor-se que quem elaborava estes esquemas de reforma o faria fazendo as contas macroeconómicas a longo prazo, de forma a que o País, o coletivo, o tal... «Todos», não saísse lesado... Mas não! A perfídia, o maquiavelismo, o desleixo e a vergonha superavam em tudo a devida e necessária correção das contas, encontrando-se nos bastidores silenciosos e conspirativos do poder político. Assim, havia um número imenso de personagens que rondava, que se imiscuía ou que fazia parte desse poder político que criara estes esquemas de reformas estatais, em sede de Parlamento, em benefício exclusivamente próprio. Toda a sua vida contributiva, que tinha sido pelos mais baixos valores possíveis ou até quase inexistente, era, de acordo com as suas conveniências, magicamente majorada, de forma que as suas reformas fossem indexadas a estes novos valores, e em muitos casos nem sequer era preciso atingir a idade da reforma! Idade da reforma? Mas... que pormenor mais mesquinho. Analise-se ao de leve, e como mero exemplo, as reformas automáticas de prestação PETRONILO G. DANGOY JR. de trabalho, supostamente de serviço público, de deputado no Parlamento, ou de determinados cargos públicos... dando para páginas e páginas de recriminações e a náusea acompanhante. Presentemente, se for perguntado a qualquer dos criadores e naturalmente contemplados por estes esquemas «miraculosos» de reformas, que fariam a Dona Branca sorrir de aprovação e o Madoff tomar notas e inclinar a cabeça de admiração, todos dizem, com um ar injustiçado, que não estão a violar nenhuma lei. É verdade... até foram criadas leis para que este procedimento, gritantemente imoral, não fosse ilegal, e, assim, o que se pode chamar a isto? Perfídia? Fraude? Vergonha? Façam-se umas contas de aritmética simples: um piloto da TAP que descontou (sempre o fez e ainda o faz) para a Segurança Social e, consequentemente, para a sua reforma, inclusive sem ter qualquer outra opção, toda a sua vida profissional, como é que pode vir a receber igual ou menos do que personagens que nem chegaram, aritmeticamente, perto da metade ou à terça parte do total das contribuições do piloto da TAP? Uma «pessoa de bem», como deveria ser o Estado, deveria entender e até promover que a carreira contributiva da vida profissional devesse ter a primazia para que a reforma estatal (de notar que não há outra opção) seja indexada de acordo, e não se virem a mudar de regras ao longo do jogo, à medida das conveniências do momento político. Como vai ser a partir de agora? Daqui a uns meses, daqui a um ano, daqui a dez? Com as renovadas ameaças que dão a entender que se pretende de novo baixar ordenados, reduzir reformas ou até as plafonar, o poder político executivo ainda vai obrigar a descontar o ordenado do trabalho de piloto de linha aérea em condições quase similares aos mafiosos em estabelecimentos comerciais sicilianos ou à dízima de algumas pseudorreligiões? O movimento neoliberal iniciado na era Reagan-Thatcher, cujos frutos maduros se revelam presentemente num capitalismo selvagem assustador, é o ambiente em que mais cedo ou mais tarde a TAP vai ser privatizada, independentemente de quem venha a ser o comprador. Desse modo, podese crer que o mesmo comprador não se importará de negociar com os pilotos da TAP uma forma de, «pagando mais no fim do mês», mas baixando as contribuições ao Estado (o tal coletivo – «Todos»), passando a pagar por «baixo da mesa» em offshores ou coisa que o valha (nada que já não tenha sido feito em Portugal) e que cada um organize esquemas privados de reforma. O problema com isto é que, em vez da frase «um por todos e todos por um», entra-se por um caminho em que se cria uma sociedade de «um por si e todos por cada qual», que inevitavelmente vai provocar um retrocesso civilizacional que, infelizmente, na minha humilde opinião, já dá mostras de vida. Da minha parte, preferia não fazer parte de um país ou uma união de Estados que prossegue esse tipo de conceito existencial. Os representantes do Estado Português já deram mostras do que são capazes de fazer, e neste caso «retirar» cegamente e sem o mínimo de contemplações. No caso da TAP, estamos perante um contra-senso total, em que os resultados da taxação extra mensal não vai para o Estado, como se quer fazer parecer, aparentando assim que só se aplica para «inglês ver», neste caso «para troika ver». Os pilotos no ativo ainda se podem «mexer», tendo como último recurso o abandono do País, como, inclusive, se está a começar a verificar, mas os pilotos de linha aérea já reformados estão agora numa condição de verdadeiros «reféns» desse monstro acéfalo que é a Segurança Social e perante injustiças, que já se verificam, se se aplicar o conceito de «todos por um» personificado através de uma conjugação solidária e maciça dos pilotos no ativo é que os poderá salvar de um calvário judicial que porventura tenham que enfrentar. «Devemos ser uns pelos outros!» porque os «uns» de hoje serão os «outros» de amanhã. * Piloto de linha aérea. janeiro | fevereiro Sirius 41 JATOS EXECUTIVOS CESSNA CITATION LONGITUDE A Cessna entrou na corrida aos jatos executivos de luxo com o Longitude, um supermidsize para oito passageiros, para viagens transatlânticas a uma velocidade que ultrapassa 907 km/h, pelo preço de um birreator Texto Filipe Lança Fotos Cessna CAPAZ DE PERCORRER uma distância de quatro mil milhas náuticas (7408 km) à velocidade máxima de Mach 0.86 (907,4 km/h), o Citation Longitude oferece ligações diretas entre Nova Iorque e Paris, Londres e Dubai ou Pequim e Moscovo. Ao posicioná-lo ligeiramente abaixo dos 26 milhões de dólares (cerca de 21 milhões de euros), o construtor defende que o Longitude representa a melhor relação preço/performance disponível no mercado na categoria dos jatos supermidsize. O Citation Longitude tem capacidade para transportar oito passageiros e dois pilotos, com assento opcional para um terceiro tripulante, além de uma vasta bagageira. A cabina tem 9,4 metros de comprimento e uma altu42 Sirius janeiro | fevereiro ra de 1,8 metros. A configuração dos assentos inclui um dual-club seat para oito lugares ou quatro lugares para diante e um sofá para três pessoas e um aparador de entretenimento. A iluminação indireta em LED estende-se ao longo de toda a cabina, com luzes de leitura diretamente ajustáveis. Para os voos de longa distância, o avião possui uma dupla zona de controlo de temperatura, uma galley completa, com forno, frigorífico e sistema pressurizado de água. O WC está equipado com um lavatório largo e uma sanita com sistema de vácuo. Na prática, trata-se do Cessna com maior autonomia jamais construído, com a maior largura de cabina e também dotado de equipamentos eficien- tes, assegurando conectividade, estilo e conforto. O cockpit do Longitude assenta nos aviónicos do sistema Garmin G5000, com ecrãs sensíveis ao tato e capacidade para preencher todos os requisitos exigidos a um avião para voos intercontinentais, nomeadamente FANS/CPDLC (Future Air Navigation System/Pilot Data Link Communications), ADS-B (Automatic Dependant Surveillance – Broadcast) e RNP (Required Navigation Performance). Os sistemas de comando de voo podem ser convencionais ou fly-by-wire. O Cessna Citation Longitude será equipado com dois motores Silvercrest com 11 mil libras de impulso, fornecidos pela Snecma (Grupo Safran), que garantem uma boa conjugação entre A iluminação indireta em LED estende-se ao longo de toda a cabina, com luzes de leitura diretamente ajustáveis eficiência de consumo, peso e custos de manutenção. Estes motores estarão sujeitos a um plano de manutenção on-condition (baseado em intervenções preditivas) e a intervalos de manutenção estendidos, o que deverá FICHA TÉCNICA Motores dois motores Snecma Silvercrest, com 11 mil libras de impulso Velocidade máxima Mach 0.86 (907,4 km/h) Teto máximo 45 mil pés (13.700 m) Raio de ação 7410 km (4000 NM) Capacidade oito passageiros e dois pilotos Preço (estimado) cerca de 21 milhões de euros. reduzir significativamente os custos de operação da aeronave. Ao lançar o novo Citation Longitude, a Cessna aposta numa extensão da sua gama de jatos executivos – que conta já com uma linha de produção de 16 aparelhos – e numa expectativa de crescimento do segmento na Europa Ocidental e na Europa de Leste. «Esperamos que a União Europeia continue a ser o nosso maior mercado fora dos Estados Unidos da América. A Europa é, possivelmente, a região mais diversificada para a aviação executiva, combinando mercados maduros, como a Alemanha e o Reino Unido, por exemplo, com mercados emergentes, no Leste Europeu», afirmou Scott Ernest, presidente e CEO da Cessna, no salão da aviação executiva EBACE, em Genebra. O Citation Longitude vai posicionar-se acima do Citation Ten e lado a lado com o Hawker 4000 e o Gulfstream G280, embora o seu construtor acredite que fará alguma concorrência aos jatos de cabina larga, como o Falcon 2000 LX, o Challenger 605 e o Legacy 650. O Longitude é a versão estendida do Cessna Citation Latitude, apresentado há pouco mais de seis meses. O seu primeiro voo está previsto para meados de 2016, com certificação e entrada ao serviço no final de 2017. O Longitude será produzido em Wichita, mas pode ser montado noutras regiões do mundo onde a procura o justifique. janeiro | fevereiro Sirius 43 GESTÃO DO VOO (1) FATORES HUMANOS FATORES CULTURAIS – MODELOS E FERRAMENTAS DE GESTÃO DO ERRO Com o advento da Internet, tornou-se fácil aceder a todo o tipo de informações sobre a indústria aeronáutica. AGORA TRATA-SE APENAS de procurar os sítios de instituições, organizações, entidades, empresas e particulares, no âmbito internacional, regional, nacional e local, para pesquisar as informações desejadas. Mais cuidadosa deve ser a seleção e sistematização das informações. Mesmo assim, a Internet ainda não substitui os livros, seminários, grupos de estudo e cursos especializados, nem a aprendizagem e evolução de muitos conhecimentos, e muito menos a aplicação e validação dos conceitos a nível local, operacional e empresarial. Por outro lado, nem todos os pilotos têm disponibilidade ou disposição para se dedicarem a este tipo de procura, nem as empresas possuem os mesmos processos de comunicação e divulgação de documentação que possam complementar os conhecimentos dos cursos de qualificação das aeronaves. Há, todavia, duas «bíblias» que os pilotos podem e devem consultar (estudar e aplicar): – O DVD sobre Approach-and-Landing Accident Reduction TOOL KIT, da Flight Safety Fondation, atualizado em 2010 com a inclusão das Runway Excursions (o maior número de acidentes dos últimos anos relaciona-se com saídas de pista). – O Safety Management Manual, da ICAO, 3.ª edição, 2012, descarregável da Internet. É, portanto, demasiado ousado fazer a síntese dos temas e acrónimos que me proponho abordar nesta série de artigos e que todos os pilotos conhecem bem. Motivou-me o apelo da direção da 44 Sirius janeiro | fevereiro D.R Texto Egídio Lopes APPLA para escrever alguns artigos técnicos (na senda de outros artigos que tenho publicado ao longo dos anos) e, acima de tudo, a oportunidade de fazer um breve exercício conjunto com os leitores sobre estes modelos e ferramentas de aprendizagem que se vão banalizando e entre as quais não é possível estabelecer fronteiras. São, na sua essência, metodologias complementares na validação ou avaliação dos fatores humanos e fatores culturais e a sua influência e/ ou repercussões diretas nos fatores técnicos e na execução dos procedimentos (fatores operacionais), com o objetivo de se reforçar a eficiência e segurança de voo. Primeiras preocupações com fatores humanos Falar das primeiras máquinas voadoras e dos intrépidos aviadores dessas épocas é sempre bastante gratificante e motivador 1. Já nesses tempos «gloriosos» do início do século XX havia a preocupação de gerir riscos calculados ou aceitáveis na execução dos primeiros voos. Eram os fatores humanos no seu primeiro esplendor. Wilbur Wright, há quase 100 anos escreveu uma sintomática carta ao pai, em que afirmou: «Voando, aprendi que o descuido (carelessness) e o excesso de confiança (overconfidence) são usualmente mais perigosos do que a aceitação deliberada de riscos.» Um quarto de século mais tarde (1930), o Cap. A. G. Lamplugh, piloto da I Grande Guerra, sumarizou assim a sua preocupação: «A aviação não é perigosa por si só (in itself is not inherentlt dangerous). Mas num grau superior ao do mar, não perdoa qualquer descuido, incapacidade ou negligência (it is terrible unforgiving of any carelessness, incapacity or neglect).» Institucionalização dos fatores humanos A institucionalização dos fatores humanos, ou ergonómicos, segundo alguns autores, esteve presente na criação de várias organizações há várias décadas (Ergonomics Research Society, 1949; Human Factors Society, 1957; International Ergonomics Association, 1959). A necessidade de formação e treino em fatores humanos nas diferentes atividades aeronáuticas foi tragicamente enfatizada em 1977, com o acidente (incursão na pista) ocorrido em Tenerife, com 583 mortos na colisão de dois B747. As estatísticas evidenciam, ao longo dos anos, que os FH têm contribuído para três em cada quatro acidentes. Finalmente, na assembleia da ICAO de 1986 (Resolution A26 on Flight and Human Fatores) foi formulada a «importância dos fatores humanos nas operações da aviação civil através da prescrição de práticas e medidas de fatores humanos desenvolvidos com base na experiência dos Estados». As cinco digest da ICAO que se seguiram começaram a abordar os vários aspetos dos fatores humanos e o seu impacto na segurança (safety), sendo dirigidos aos gestores das administrações das entidades nacionais e da indústria aeronáutica, incluindo os responsáveis pela operação e treino das tripulações, investigadores, bem com a todos os gestores intermédios não operacionais, na procura da melhoria da eficiência e segurança operacionais. Afinal, o que se entende por fatores humanos, para além da simples asserção de que dizem respeito ao ser humano? No mundo da aviação, os fatores humanos envolvem todos os aspetos do ser humano que afetam o exercício das suas funções, individualmente e/ou nas tarefas ou atividades de dois ou mais elementos ou equipas que convergem num objetivo comum. Fatores humanos são acerca de: – Atuação das pessoas no seu dia a dia e no local de trabalho; – Relacionamento entre pessoas; – Interação entre as pessoas e as máquinas, procedimentos, regras, organizações, ambientes envolventes e contextos culturais, que o modelo SHEL – Software, Hardware, Environment, Liveware – tão bem caracteriza [primeiramente desenvolvido pelo Prof. Elwyn Edwar- L – Liveware O humano Aspetos pessoais: atitudes de processos de pensamento H ds (1972) e depois modificado e ilustrado por Frank Hawkins (1975)] 2. Importa, pois, capitalizar as energias e virtualidades do ser humano e minimizar as suas fraquezas e limitações. Nesta perspetiva, as falhas e erros humanos devem ser vistos e analisados como experiências e hipóteses de aprendizagem que possam conduzir a uma melhoria no desempenho individual e em equipa(s). É óbvio que não entram nesta análise os erros deliberados ou por negligência, na medida em que são do foro disciplinar ou criminal. Quanto maior for a complexidade dos locais e ambientes de trabalho, maior deve ser o empenhamento posto na otimização do comportamento e performance do ser humano. Pretende-se que a proficiência do treino dos pilotos, combinada com a resiliência do ser humano, possa permitir reações/decisões mais normalizadas em situações mais críticas, anormais ou de emergência. Na realidade, o ser humano ocupa o centro de qualquer sistema. Aplicado ao voo, o ser humano é o elemento mais crítico e vulnerável a influências que podem afetar adversamente a sua performance. Mas é também o único com flexibilidade, adaptabilidade e bom senso capaz de substituir ou interagir com os restantes elementos de maneira a manter o S L S – Software Procedimentos Aspetos interpessoais: interação com procedimentos e pessoas L L – Liveware Pessoas Meio organizacional H – Hardware Máquina Conhecimento das pessoas: o meio ambiente, procedimentos, o avião E – Situação do meio Situation awareness E Aproximação e aterragem, CFIT, perda de controlo, Runway Incursion e Excursion equilíbrio de um sistema altamente dinâmico, não obstante todos os problemas de ordem física, psicológica, emocional, familiar, económica, etc., que lhe são inerentes. Poder-se-á resumir que o ser humano é o último elo da cadeia do erro que conduz aos acidentes/incidentes, mas também é a última rede de segurança do transporte aéreo. Disciplinas relacionadas com os fatores humanos Não se pode pretender interpretar a temática dos fatores humanos com uma visão limitada ou como pertencentes a uma única disciplina. São, por natureza, multidisciplinares, com informações e conhecimentos derivados, em primeiro lugar, da psicologia e da fisiologia. A informação é importada da psicologia para se compreender como as pessoas processam a informação e tomam decisões. Da psicologia e da fisiologia deriva a compreensão dos processos sensoriais e dos meios para detetar e transmitir informações. Outras disciplinas, como a engenharia, a medicina e a sociologia, começaram a ser tomadas em crescente consideração. Porém, a antropometria, a biomecânica e a cronobiologia foram ocupando algum destaque com a evolução das máquinas e da diversidade dos voos, sem descurar a participação de outras especialidades ligadas à educação, matemática, física, bioquímica, desenho industrial e pesquisa operacional. Já o Prof E. Edwards afirmava que a utilização académica destas fontes de informação e de conhecimentos, com fronteiras difíceis de definir, deve ter sempre em consideração que os fatores humanos estão essencialmente virados para a melhor solução de problemas no mundo real. (Continua no próximo número) 1 A propósito, lembram-se da divertida comédia britânica de 1965 Those Magnificent Men in Their Flying Machines? Os pilotos mais novos não percam esta maravilha, descarregável da Internet. 2 Hawkins, Frank H., Human Factors in Flight; Gower. janeiro | fevereiro Sirius 45 RESPONSABILIDADE SOCIAL PROMESSAS DE ANO NOVO Quando me comecei a envolver na área da responsabilidade social, ouvi com alguma frequência: «Até gostaria de fazer algo, mas com os nossos horários...» É VERDADE QUE A MAIOR parte das organizações estão formatadas para quem tem horários de trabalho «normais», o que não acontece com a maioria dos tripulantes. Por um lado, normalmente estas organizações são compostas por indivíduos que começaram, não por terem formação em gestão ou conhecimentos em organizações não governamentais, mas por acreditarem numa causa, e, deste modo, o seu forte não é a gestão de voluntários nem a sensibilidade para problemas básicos de marketing, especialmente no que diz respeito ao público interno e à gestão das expectativas. Por outro lado, a maioria dos candidatos a voluntários tem uma perspetiva muito própria da atividade de voluntariado que gostariam de fazer, não tolerando muitas variações. Um dos motivos que me leva a assinar esta rubrica da Sirius é a tentativa de, através de exemplos, demonstrar que o facto de a maioria dos tripulantes da aviação civil trabalhar por turnos não tem que ser impeditivo para atuar nesta área. Pode até ser uma mais-valia para as organizações, pois podemos atuar durante o horário de expediente, ao contrário da maioria da população. Ao mesmo tempo, devido à nossa profissão, temos uma capacidade de organizar e priorizar acima da média. Bastaria juntar um pouco de Situation Awereness Social e perceber onde é que poderíamos fazer falta e se as nossas capacidades serão adequadas à missão que de nós é esperada para rapidamente aparecerem oportunidades. Passar de «até gostaria de fazer algo...» a «vou fazer o que for preciso!». Não nos podemos esquecer que ao nos envolvermos na vida de outros vamos criar expectativas e dependências a pessoas que já foram muitas vezes defraudadas pela vida e que não precisam de mais uma desilusão. Em vez de fazer um resumo dos artigos que escrevi em 2012, aproveito para divulgar uma iniciativa que se encaixa bem neste artigo e anunciar o alargamento do âmbito destes arti46 Sirius janeiro | fevereiro D.R Texto Duarte Lopes gos, que passarão a incluir iniciativas realizadas por tripulantes de outros países. Tampas que são rampas (O piloto aviador que coordena este projeto preferiu não se promover neste artigo.) Um piloto aviador começou com a expressão «até gostaria de fazer algo...» e foi evoluindo até ter a certeza de que queria mesmo fazer alguma coisa e que estava disposto a dar o seu tempo a longo prazo. Começou a procurar, até que lhe propuseram coordenar um projeto de recolha de tampinhas de plástico que iria envolver o mundo dos tripulantes da aviação civil e das companhias aéreas em geral. Como temos acesso à matéria-prima (tampas de plástico) e uma forma fácil de as reunir, parecia um conceito simples. Após alguns meses de diligências e investigação, conheceu uma iniciativa da Câmara Municipal de Sintra (CMS), «TAMPAS QUE SÃO RAMPAS». Este projeto é coordenado pela Dr.ª Ana Alcântara e tem um acordo com uma empresa recicladora de plástico. Quando recebem as tampas, elas são pesadas e é passado um recibo que indica para quem reverte a entrega e qual o peso. Ao mesmo tempo, a CMS seleciona os candidatos aos projetos através dos serviços sociais, escolas, propostas diretas ou boca-orelha. Quando se atinge o valor necessário da cadeira de rodas, é dada instrução à empresa recicladora para adquirir o material e entregar ao destinatário final. Tudo sob a supervisão da CMS. Deste modo não se lida diretamente com dinheiro e a credibilidade do projeto fica garantida. Chegar a este ponto foi apenas o primeiro passo. Na fase seguinte, teve que começar a coordenar de forma contínua toda a logística de escolher os recipientes indicados para este projeto, a sua manutenção, obter autorização para a colocação dos mesmos nos diversos pontos, recolha atempada antes de os contentares encherem demasiado, uma primeira triagem das tampas, a entrega e manter um registo correto e atualizado das mesmas. O projeto tem vindo a crescer com o apoio de muitos colegas e da TAKE C’AIR – Crew Volunteers, tornando esta tarefa cada vez mais exigente. Será que era este o projeto que o piloto aviador imaginou que iria fazer? Não. Mas foi uma forma de fazer mais que «algo, eventualmente, quem sabe, um destes dias...». Foi a forma de «fazer o que é preciso» e ter capacidade para o fazer. Esta atitude, além de responsável, adquire um caráter de urgência no contexto atual. Temos que acreditar mesmo na promessa que estamos a fazer, seja de Ano Novo ou não. Temos que equacionar se somos mesmo uma sociedade ou apenas um grupo de alguns milhões de pessoas que coabitam, como um daqueles condomínios em que os vizinhos mal dizem bom-dia. Como dizia Ghandi: «Temos que ser a mudança que queremos ver.» (Se algum leitor conhecer uma causa ou atividade de um piloto aviador que gostasse de ver publicada, envie, por favor, uma proposta por correio eletrónico para [email protected].) REPORTAGEM NO REINO DOS PARAMOTORES Campo de voo de Campinho recebe 19 ultraleves e 22 paramotores Texto Paula Carvalho Silva Fotos André Garcez A AFLUÊNCIA É MENOR, comentava-se ao almoço de dia 13 de outubro no Campo de Voo de Campinho, ali junto à Albufeira do Alqueva. No ano passado as coisas estavam melhores, sublinhava-se em referência à crise económica. Mesmo assim, 19 ultraleves e 22 paramotores – em destacada maioria, não só pelo número de aparelhos mas também pelo número de acompanhantes – aderiram a mais esta iniciativa liderada por Luís Rato Fonseca, presidente da Junta de Freguesia de Campinho. Todos os anos o encontro repete-se naquela que é uma tentativa da Junta para ter um papel ativo na divulgação do turismo da região. Para isso, os melhoramentos nas infraestruturas – incluindo no estado da pista – são evidentes e Luís Rato Fonseca pretende ainda inaugurar um parque de campismo na próxima primavera. Mas o plano principal e mais ambicioso passa por juntar equipas que conjuguem o meio aéreo (ultraleves e paramotores), terrestre (motociclismo) e aquático (catamarãs, hovercrafts e vela clássica) e haver uma troca de experiências benéfica para todos. 48 Sirius janeiro | fevereiro ESPANHÓIS De entre os 22 paramotores que se deslocaram a Campinho, 12 vieram de Espanha (Huelva, Madrid, Sevilha). Segundo o piloto Américo Mendes, Campinho é o encontro que mais pilotos desta modalidade agrega. MEDICINA TABACO OU SAÚDE ORAL São do domínio comum os efeitos nocivos do tabaco. Este artigo visa, por um lado, alertar para factos menos divulgados e, por outro, trazer à luz da consciência sinais de alarme a ter em conta, que a maior parte das vezes são tidos como inofensivos GETTY IMAGES Texto Marta Teixeira Dias * A NICOTINA, OBTIDA ATRAVÉS DE UMA PLANTA, é uma substância incolor hidrossolúvel, alcaloide, potencialmente tóxica, encontrada no tabaco e classificada como inseticida. Tem a sua ação cancerígena pelas alterações que provoca a nível do DNA (componente genética) celular, e componente do tabaco, por diminuição geral da oxigenação do corpo humano, afetando assim todas as células do corpo humano sem exceção. Provocando elevados níveis de dependência química, tornase assaz difícil abandonar o seu consumo, dependendo fundamentalmente de força de vontade pessoal. O tabaco de um cigarro seria fatal para dois adultos se fosse injetado via endovenosa. Duas gotas de nicotina na 50 Sirius janeiro | fevereiro língua de um gato provocam convulsões e morte imediata em dois minutos. E há literatura que comprova o efeito fatal da ingestão do tabaco por tentativas de suicídio ou acidental (crianças). O tabaco é responsável por 4,9 milhões de mortes por ano, tendo sido designado como «holocausto silencioso» pelo Royal College of Physicians, Reino Unido. E prevê-se um aumento para 10 milhões de mortes até ao ano de 2020, a maior parte em países em desenvolvimento. Há que salientar que em cada 6,5 segundos, algures no mundo, morre um fumador com uma doença relacionada com o tabagismo. De facto, o tabaco faz parte da etiologia de todas as doenças de maior mortalidade a nível mundial (OMS). Atualmente, conta com 1300 milhões de consumidores, e o número continua a crescer. O aumento do consumo de tabaco está a deslocar-se dos países industrializados para os em desenvolvimento por estratégias de marketing e para procurar substituição dos consumidores que morrem prematuramente por tabagismo. Os custos do consumo implicam, além dos custos da saúde do consumidor, um peso económico no orçamento familiar e social e uma grande ameaça ao desenvolvimento sustentável e equitativo. O fumo do tabaco é considerado um dos maiores poluentes do planeta, tal como a poluição industrial ou de veículos motorizados. Um estudo espanhol feito em 2006 conclui que o fumo do tabaco é 60 vezes mais tóxico que a poluição do trânsito. Um dos componentes da combustão do tabaco é o monóxido de carbono; a quantidade que chega aos pulmões depende do modo como o tabaco é fumado, ritmo e profundidade da inalação. O envenenamento e morte por monóxido de carbono são bem conhecidos, mas no tabagismo as doses assimiladas são menores, muito embora os seus efeitos sejam igualmente nocivos. Este componente fixa-se à hemoglobina, proteína dos glóbulos vermelhos que fixa o oxigénio nos pulmões, e transporta-o a todo o organismo. Ao verificar-se a fixação do monóxido de carbono no glóbulo vermelho, ao invés do oxigénio, a oxigenação de todo o corpo fica significativamente comprometida, afetando assim todas as células do corpo humano. Além do monóxido de carbono existente já pela poluição do ambiente, a do tabaco é administrada de uma forma ainda mais contundente. Assim, em ambientes restritos, em que a quantidade de oxigénio é reduzida, ambientes pressurizados ou até de condições precárias (minas, fábricas, etc.), os consumidores de tabaco sofrem mais efeitos adversos destas condições pela menor oxigenação generalizada da qual padecem, provocada pelo tabaco, estando, por exemplo, mais predispostos a fadiga crónica. Os efeitos do tabaco a nível da saúde traduzem-se, entre eles, em doenças cardiovasculares (uma vez que até a oxigenação do próprio músculo cardíaco está afetada), carcinomas pulmonar, do tubo digestivo, do aparelho reprodutivo, renal, doença pulmonar crónica obstrutiva, asma, carcinoma hepático, do pâncreas, cataratas (opacificação do cristalino do olho), leucemia e é até responsável pelo síndrome de morte súbita infantil, por fumo passivo, no que respeita aos filhos de fumadores. A nível da cavidade oral, o tabaco tem as suas extensas repercussões também, desde a alteração do paladar à periodontite (doença das gengivas e do osso que suporta os dentes), levando à perda prematura de peças dentárias. Há uma relação direta entre tabagismo e gravidade de doença periodontal, dependente da quantidade de tabaco consumido.Os fumadores apresentam baixas taxas de sucesso de tratamento periodontal. Verifica-se um severo atraso na cicatrização de feridas intraorais, podendo um fumador ter 100% mais de dores após uma extração dentária do que um não fumador, por ausência de formação de coágulo sanguíneo e necrose da superfície óssea exposta após cirurgia, que se designa por alveolite. Verifica-se também um aumento da probabilidade de rejeição de implantes, pois, após a ingestão de um cigarro completo, a circulação sanguínea da cavidade oral fica reduzida durante três horas, por vasoconstrição. Na maior parte, surge a melanose do fumador e/ou palato do fumador, a língua pilosa típica do tabagismo e também as lesões pré-cancerosas, como as leucoplasias, lesões brancas aparentemente inofensivas e que passam despercebidas à maior parte das ças e mortes, os efeitos da globalização do comércio do tabaco e as crescentes taxas de consumo nos países em desenvolvimento serão sentidos nas próximas décadas. As doenças orais provocadas pelo tabaco têm um peso significativo no total das patologia orais; a maioria das consequências do consumo do tabaco afetam a qualidade de vida, desde a halitose, hipertensão, acidente vascular cerebral a defeitos congénitos. Salientase ainda que as tripulações de aeronaves, ao estarem submetidas a variações da pressão atmosférica do meio em que trabalham, submetem o sistema circulatório a esforço adaptativo tanto mais intenso quanto maior o número de aterragens e descolagens verificado. O tabaco prejudica seriamente esse processo, sendo estes profissionais mais sujeitos a acidentes vasculares fatais ou incapacitantes. Há vários obstáculos ao abandono dos hábitos tabágicos, desde pressão O TABACO PREJUDICA ESSE PROCESSO, SENDO OS TRIPULANTES DE AERONAVE OS MAIS SUJEITOS A ACIDENTES VASCULARES pessoas que não estão alertadas para este tipo de situação. A leucoplasia é uma lesão pré-cancerígena que, não o sendo, tem potencial acrescido de se transformar em lesão cancerígena se associada ao consumo de tabaco e acentuando as probabilidades de malignização se associada ao consumo de álcool ou até mesmo ao hábito de ingestão de bebidas muito quentes, como o chá (muito frequente nos países de cultura árabe e oriental). Com o tabagismo surge também a halitose e a inestética pigmentação dentária, sendo só removida por processos de higiene oral, por profissionais em gabinete dentário. Para concluir, há que referir que, devido ao longo período entre o início do hábito e o aparecimento de doen- social e controlo da ansiedade, stress, etc. No entanto, há medicação coadjuvante que auxilia a pessoa a deixar de fumar (ansiolíticos, adesivos de nicotina para desabituação, psicoterapia e medicina alternativa, como a acunpuctura), sendo indispensável como denominador comum a força de vontade e a motivação para hábitos saudáveis, como a prática desportiva, e melhoria significativa da qualidade de vida. Sendo cada vez mais a informação disponível, bem como as entidades responsáveis que alertam para os malefícios, há atualmente um crescente número de sucesso de fumadores que abandonam definitivamente o tabaco. * * Médica dentista – OMD 2738. janeiro | fevereiro Sirius 51 DEFESA UAV PRONTO A VOAR Portugal já dispõe de uma plataforma UAV autónoma com capacidade para o desempenho de múltiplas missões Texto Alexandre Coutinho Fotos André Garcez QUATRO ANOS VOLVIDOS SOBRE o arranque do PITVANT (Projeto de Investigação e Tecnologia em Veículos Aéreos Não-Tripulados), a Força Aérea Portuguesa está apta a reforçar o sistema de defesa aérea com a introdução destas pequenas aeronaves em diversos tipos de missões, civis e militares. Não surpreende que este desenvolvimento seja de origem nacional, reconhecidos os méritos e as competências no seio da Academia da Força Aérea e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), mas é notório que o mesmo seja o fruto de um orçamento de apenas dois milhões de euros a sete anos (2008-2015). O País não necessita, assim, de investir em tecnologias UAV importadas, com o que daqui advém em matéria de economia de recursos humanos, materiais e financeiros. OS UAV PITVANT JÁ CONTAM COM MAIS DE 700 VOOS AUTÓNOMOS E MAIS DE 300 HORAS DE VOO Todos os sistemas e subsistemas (à exceção do piloto automático Piccolo, da CloudCap Technology), assim como a maioria dos componentes, foram desenvolvidos por engenheiros e militares portugueses no âmbito deste projeto. A equipa da Força Aérea é constituída por duas dezenas de pessoas, no centro de investigação, apoiadas por alguns colaboradores. «Estamos em condições de fazer uma transferência de tecnologia para a Força Aérea, os outros ramos das Forças Armadas, entidades governamentais e não governamentais. Ultrapassada a fase de experiência (2011), os sistemas estão aptos para missões. O PITVANT é único, a nível nacional, em voo autónomo», frisa o Tenente-Coronel José Morgado. Para mais, é uma tecnologia exportável para outros países, e «Portugal tem condições únicas para o teste de UAV (com muito mar e uma meteorologia favorável) de Forças Armadas de outros países», acrescenta o mesmo responsável. Os UAV Alfa e Alfa Extended, desenvolvidos no âmbito do projeto PITVANT, já contam com mais de 700 voos autónomos e mais de 300 horas de voo. O primeiro é um UAV de pequena dimensão, com um peso de 10/12 kg, uma autonomia de cinco a seis horas de voo (motores elétrico de 2,8 kW ou de combustão de 1,5 cv) e um payload (capacidade de carga) de 4 a 8 kg; o segundo, pesa 25 a 29 kg, dispõe de uma autonomia de voo de oito horas (que pode ser alargada a 15/16 horas) e de um payload de 35 kg. A frota de Alfa 1 da Força Aérea compreende um total de seis aeronaves (das nove construídas, registando-se a perda de três unidades). No decurso da reportagem efetuada pela Sirius na Base Aérea n.º 2, na Ota, ficaram bem patentes as capacidades dos UAV Alfa em missões de observação e vigilância, com envio de imagens em tempo real para a estação de controlo. A plataforma encontra-se numa fase amadurecida de desenvolvimento, estando demonstrada a sólida experiência adquirida pelos pilotos e operadores do sistema. Além de todos os procedimentos de operação e segurança perfeitamente rodados, o mais impressionante reside na capacidade de programação das missões do UAV. Em escassos minutos, a aeronave pode ser reprogramada para um novo objetivo, recebendo as instruções em voo. Os UAV estão preparados para voos diurnos e noturnos, tendo como única restrição o vento. Com um consumo de 0,5 l/h, a operação de um UAV ronda 50 cêntimos por hora. A vigi- ORÇAMENTO É notório que o PITVANT seja o fruto de um orçamento de apenas dois milhões de euros a sete anos (2008-2015). O País não necessita, assim, de investir em tecnologias UAV importadas, com o que daqui advém em matéria de economia de recursos humanos, materiais e financeiros lância dos 750 km da costa portuguesa poderia ser realizada a um custo de 2,5 euros por dia! Instalada a estação avançada de controlo numa tenda de campanha junto da pista, o tempo de prontidão para fazer descolar uma aeronave deste tipo não ultrapassa 10 minutos. O UAV é operado a partir de um computador portátil, que constitui o cockpit da aeronave, enquanto as imagens captadas pela câmara instalada a bordo são visualizadas noutro monitor e podem ser registadas em suportes de memória. «É tal e qual como num avião, só que não vai ninguém lá dentro», comenta o Sargento-Ajudante Gomes, operador de voo. Na pista, o Sargento-Ajudante Teixeira fez o check de potência e prepara-se para fazer descolar o UAV através do radiocomando. Em menos de 50 metros, o Alfa 06 está no ar. Normalmente, a descolagem é feita em manual, passando depois a aeronave para plano de voo automático. O aparelho pode aterrar em automático, mas é retomado em manual, para melhor controlo do voo cruzado que se faz sentir. Em situações de emergência ou perda de PITVANT ALFA Envergadura (m) 2,4 MTOW (kg) 10 Payload (kg) 4 Motor (cv/kw) 1,5/2,8 Autonomia (h) 2/5 Vel. máx. (km/h) 120 N.º de aparelhos 6 janeiro | fevereiro Sirius 53 DEFESA contacto com o UAV, este está preparado para regressar a um ponto pré-programado, por cima da estação, voando em círculos até ser retomado pelo operador. A Ota, a grande base da Força Aérea nos anos 50, foi agora escolhida como base permanente de testes da «esquadra» dos UAV, bem como para a manutenção de 1.º e 2.º escalão (que não obrigam a paragens prolongadas), permanecendo a manutenção de 3.º escalão na Academia da Força Aérea. Para o efeito, foram construídas oficinas, uma sala de briefing e uma sala de formação para pilotos e operadores (oriundos da escola de sargentos), bem como um hangar para estacionamento das aeronaves e da estação de terra móvel (1.º trimestre de 2013). Em 2012, os testes da Força Aérea com os seus UAV incidiram, sobretudo, nos voos sobre o mar, a partir de uma base instalada no Aeródromo de Santa Cruz, em missões de vigilância marítima e busca e salvamento. Os sistemas permitem a localização de um beacon emitido a partir de uma lancha ou navio, mas a Força Aérea está a trabalhar na aquisição de alvos a partir do processamento de imagens captadas. Serão instaladas câmaras de filmar com zoom orientáveis a partir de terra. Através de uma plataforma deste tipo, é possível localizar um navio, tirar-lhe a matrícula e avaliar, pelo rasto, se está a fazer uma lavagem de porão. Em terra, os UAV podem ser empregues em cenários de catástrofes (como relais de comunicações), incêndios e controlo de multidões. Em 2013 deverão começar os voos multi-UAV em voo cooperativo. Atualmente, existe capacidade para colocar várias aeronaves no ar, mas sem comunicação entre elas. O objetivo é constituir uma rede de pequenos UAV, que podem ser otimizados em função dos sensores que levam a bordo. O primeiro teste deverá ser feito em colaboração com a Marinha, durante o exercício REP13. No âmbito dos exercícios de segurança Perseus (rede de vigilância do perímetro marítimo europeu), a Força Aérea planeia levar os seus UAV até Portimão, Porto Santo, ilhas Selvagens e novamente Santa Cruz. No 1.º semestre de 2013, a plataforma Alfa Extended vai igualmente participar em testes no âmbito do programa Galileo, na zona de Berchtesgaden, na Alemanha. O ano de 2013 foi também escolhido para o desenvolvimento do Antex de nível 2, com um peso de 150 kg à descolagem. Remontam a 2006 as primeiras experiências no Laboratório Aeronáutico da Academia da For54 Sirius janeiro | fevereiro OBJETIVOS Entre os principais objetivos, o PITVANT foi lançado para desenvolver e testar tecnologias para UAV para fins militares e civis em plataformas não superiores a 150 kg (80% dos sistemas desenvolvidos no mundo inteiro). Essencialmente desenvolvidos para missões civis e de defesa, não está excluída a possibilidade de utilização destas aeronaves para fins ofensivos, embora não seja um objetivo a curto ou médio prazo. ça Aérea com UAV de pequena e média dimensão, embora nunca em voos autónomos, mas sempre com controlo remoto. A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) foi escolhida como parceira destes desenvolvimentos, dada a sua experiência com sistemas de controlo para submarinos autónomos, e em maio de 2007 nasceu uma primeira plataforma de 12 kg apta a voar em voo autónomo. Por coincidência, no 3.º trimestre desse ano, o Ministério da Defesa Nacional lançou um repto aos três ramos das Forças Armadas, no sentido de apresentarem um projeto neste mesmo domínio, e a Força Aérea avançou com o PITVANT, que acabaria por ser aprovado, com um orçamento de dois milhões de euros para sete anos (2008-2015). O projeto conta ainda com as parcerias de empresas e instituições de renome, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, a Universidade das Forças Armadas de Munique, a Agência de Defesa Sueca, a Honeywell e a Embraer. CONSCIÊNCIA AMBIENTAL A proteção do ambiente representa um desafio único para a Força Aérea Texto Alexandre Coutinho ANDRÉ GARCEZ AS CAPACIDADES E POTENCIALIDADES das plataformas PITVANT estiveram em evidência nas II Jornadas de Ambiente da Força Aérea, no dia 7 de novembro, numa apresentação do Tenente-Coronel José Morgado, diretor do Centro de Investigação da Academia da Força Aérea, completada com a projeção de um conjunto de vídeos bem elucidativos da performance destes aparelhos UAV: deteção de alvos em movimento (em terra e no mar); patrulhamento e vigilância marítima, com lançamento em catapulta a partir de uma lancha da Marinha ou descolagem do Aeródromo de Santa Cruz em missão de observação até às Berlengas, e deteção de pesca ilegal, lavagem de tanques em alto mar, erosão costeira ou incêndios florestais. Ficou, assim, demonstrado que os UAV podem complementar as missões de aparelhos de maiores dimensões, como os C-295. De acordo com o Tenente-Coronel Pedro Bernardino, comandante da Esquadra 502, os C-295 PORTUGAL TEM BONS EXEMPLOS AMBIENTAIS A NÍVEL MUNDIAL Representantes dos três ramos das Forças Armadas e investigadores encheram o auditório do EMFA verão reforçadas as suas capacidades, no primeiro semestre de 2013, com a adoção de um VDL (VHF Data Link) para transmissão de imagem em tempo real, idêntico ao usado no PITVANT, um SLAR (Side Looking Airborne Radar) e câmaras fotográficas digitais. A integração de requisitos ambientais nas atividades militares, quer na presença de conflitos, quer em tempo de paz, representa um desafio único para as Forças Armadas, e em particular para a Força Aérea, que, sem descurar a sua missão, tem investido recursos para responder às necessidades da gestão ambiental das suas atividades (desde 1989 que a Força Aérea dispõe de um gestor ambiental). É neste contexto que surgiu a iniciativa de organizar as II Jornadas de Ambiente da Força Aérea, onde se pretende alargar o conhecimento sobre a proteção ambiental no cumprimento da missão, assim como dar a conhecer outras realidades e práticas ambientais dentro e fora da organização. Na sua apresentação sobre a implementação faseada do EMAS (Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria) no setor da Defesa Nacional, Nuno Videira, professor auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, salientou os bons exemplos a nível mundial que constituem os casos de estudo do Campo de Tiro de Alcochete, do Instituto Geográfico do Exército e do Campo Militar de Santa Margarida. Na Força Aérea, destaque ainda para a implementação do EMAS na BA5 e na Estação de Radar n.º 2, com resultados práticos traduzidos numa redução de 50% no consumo de água e de 30% no consumo de energia. janeiro | fevereiro Sirius 55 OPINIÃO PILOTO DE DRONES Toda a vez que leio uma matéria sobre drones fico imaginando que grandes mudanças terão que ser feitas no que, em mais de dois milénios, se entendeu como guerra «UM RELATÓRIO ELABORADO POR duas universidades americanas, a Stanford Law School e a New York University School of Law, com o título A vida sob os drones, afirma que a grande maioria das milhares de pessoas mortas nos ataques, iniciados em junho de 2004, nas zonas tribais paquistanesas eram combatentes islamitas. No entanto, o relatório insiste nas graves consequências sociais e psicológicas dos bombardeios na população: os drones sobrevoam as localidades do Noroeste 24 horas por dia, atacam veículos, casas e espaços públicos sem aviso prévio. A sua presença aterroriza homens, mulheres e crianças, criando um trauma psicológico. No momento, existem mais de 500 drones norte-americanos no Afeganistão, Paquistão e Iraque.» Como exemplo, vou-me fixar nas cenas que aparecem num filme muito divulgado na Internet, onde uma moça de óculos, pertencente à USAF, num local protegido no centro dos Estados Unidos, pilota remotamente uma aeronave que voa noutro continente, com a finalidade de bombardear uma área previamente especificada. Como terá sido o dia dela? Acordou, penteou o cabelo, fez uma ligeira maquilhagem, preparou café, ovos, torradas e bacon para o marido e os filhos, levou um deles à paragem do autocarro, fez as recomendações de sempre, enquanto o pai deixava o mais novo na escola. Pegou no casaco, ligou o carro, que, por falta de tempo, ainda não levara para trocar dois pneus, entrou num tráfego pesado, mas organizado, e chegou ao trabalho. Marcou a hora de entrada digitalmente, perguntou a um colega como estava o filho, que ontem tivera febre, abriu a bolsa, tirou uma chiclete e ligou o computa56 Sirius janeiro | fevereiro FOTOS EADS Texto Cesar Augusto Araripe Lacerda (*) dor. Na página destinada a missões, encontrou a sua para aquele dia: destruir um esconderijo talibã cujas coordenadas codificadas apareciam na tela. Consultou as condições meteorológicas, fez um check-up ao drone, observou o combustível, testou o armamento e as câmaras de televisão. Contactou o seu comandante imediato, leu na tela algumas recomendações importantes, pediu permissão para iniciar a missão. Contactou a torre de controle, ligou a aeronave, fez os check-ups regulares previstos antes da descolagem, soltou os travões, iniciou o táxi, chegou à pista indicada, acelerou, acionou o manche e já estava no ar. O voo seria direto sobre o alvo, mas um pouquinho longo. Fez os devidos registos no painel, avisou o comando e ligou o piloto automático. Com algum tempo de sobra, foi até à casa de banho, lavou as mãos, retocou o cabelo e a maquilhagem. Tirou o Iphone do bolso, ligou para a mãe, conversou sobre as notas baixas do filho mais velho na escola, pediu uma receita de bolo de chocolate... o que fizera ontem não tinha ficado bom, ninguém quis comer. A mãe poderia enviar a receita pelo Ipad, por um notebook ou qualquer aparelho moderno, mas acontece que ela não sabia nem ligar um micro-ondas. Paciência, a idade, às vezes, é um problema. Enviou um e-mail para a melhor amiga a confirmar a sua presença e a do marido na festa à noite. Sabia que a boa educação mandava que tivesse feito a confirmação até à véspera, pelo menos, mas com este negócio de combater todo o dia não sobrava tempo para nada. Tudo bem, eram amigas de colégio e seria certamente desculpada. Olhou para o relógio, só seria possível um rápido café na máquina e teria que retomar o voo. Sentada novamente na sua cadeira, colocou o copo de café sobre a mesa, ajustou os fones e assumiu o comando da aeronave. Olhou para os instrumentos, em especial o GPS – estava perto. Na tela aparecia um lugarejo perdido no meio do nada, nenhuma árvore, ca- sas pobres sem jardim, pouquíssimos automóveis, um caminhão, dois cavalos soltos a pastar na única mancha verde. Um aviso sonoro e um círculo sobre uma das casas mostrou que o alvo estava identificado. Informou o comando de que se encontrava em posição e iria abrir fogo. Um segundo após ouvir o OK fez dois disparos: o primeiro atingiu o alvo em cheio, o outro acertou no muro. As explosões que se sucederam mostraram que devia haver muitos explosivos guardados e de entre as pessoas que saíram a correr uma tentava apagar o fogo nas suas roupas. Avisou o comando sobre o êxito da missão, recebeu os parabéns e a ordem de voltar à base. Voo tranquilo, a paisagem feia e monótona de sempre. Ajudada pelo piloto automático, leu as notícias do dia no jornal local: «Outro desastre de automóveis perto da minha casa? Não é possível, isto é um perigo, preciso alertar as crianças», fez algumas palavras cruzadas e depois pousou sem problemas e levou a aeronave até ao hangar. Começou a digitar o relatório e só parou no item que perguntava se havia vítimas. Lembrou que um homem estava com a roupa em chamas, mas os outros eram três ou quatro? Colocou quatro; se houvesse problema, requisitaria o vídeo gravado; o comandante não era tão exigente assim. Desligou o sistema, pegou no casaco, marcou a hora de saída e caminhou na direção do carro a pensar que talvez fosse melhor trocar os quatro pneus. Outro carro não era possível, estavam com problemas com a hipoteca da casa. Àquela hora, o tráfego não estava assim tão intenso, daria para passar no supermercado. Pegou na lista de compras, tirou alguns produtos de limpeza da prateleira e duas caixas de sumo de laranja. Examinou o rótulo, viu que nenhum deles viera da América Latina, os preferidos do marido. «Uma palermice, laranja é tudo igual. E depois, se existe diferença, é claro que as laranjas da Califórnia são melhores que as laranjas cucarachas.» A casa estava vazia, nem marido, nem filhos. Deu-lhe tempo para um banho quente... «quando sobrar dinheirinho, vou comprar uma banheira de hidromassagem». Enrolou o cabelo, escolheu o vestido e os sapatos para a festa e foi para a cozinha preparar o jantar das crianças. Estava a divagar sobre quem iria encontrar na casa da amiga quando o marido chegou. Desfez o nó da gravata, abriu a camisa e colocou a pesada pasta sobre a mesa («Para que ele anda com tantos papéis na pasta? Não é o dono do escritório de contabilidade, é só o subgerente, não precisa trazer trabalho para casa...»). Como era hábito, só então ele lhe fez um breve cumprimento e repetiu a pergunta de sempre: «Como foi o teu dia?» E ela, também como sempre, respondeu: «Tudo normal, sem novidades.» (*) Coronel de artilharia do Exército Brasileiro, engenheiro civil, historiador e professor. janeiro | fevereiro Sirius 57 TEST DRIVE PILOTOS CRIAM CLUBE DE CLÁSSICOS C4 CREW Os sócios são maioritariamente pilotos, mas também há vários tripulantes de cabina e entusiastas da aviação Textos e Fotos Paulo Pires ESTÃO REUNIDAS AS CONDIÇÕES para que a conversa no cockpit flua sobre diversos temas. Aos poucos, vamos percebendo que temos muitas coisas em comum, sendo que os hobbies por vezes são partilhados. Foi desta forma que este clube nasceu, pois muitos dos tripulantes nutrem um gosto especial por máquinas, sejam elas aéreas, terrestes ou aquáticas. A paixão por carros antigos e clássicos é partilhada por muitos de nós. Contudo, às vezes não podemos participar nos encontros e passeios organizados pelos clubes de carros antigos a que pertencemos, uma vez que são planeados ao fim de semana. Para nós, os fins de semana são, na sua maioria, para trabalhar; nos restantes aproveitamos ao máximo o tempo com a família e amigos. O objetivo deste clube é proporcionar aos nossos sócios e amigos um encontro durante os dias úteis, num ambiente de boa camaradagem, para falarmos das nossas paixões, trocando experiências e conhecimentos. Fazemos alguns almoços por ano, sendo que em maio comemoramos o nosso aniversário (com O futuro é incerto, mas hoje ainda é investimento comprar determinadas viaturas clássicas ou antigas 58 Sirius janeiro | fevereiro passeio e visita cultural) e em setembro a nossa prova de karts. Todavia, estamos abertos a convites para participar noutros eventos, como aconteceu em junho de 2010, quando nos juntámos ao Museu Aerofénix e ao Aeroclube de Portugal e no Dia da Criança rumámos ao Aeródromo de Santarém. Lá estavam duas associações (Terra de Sonhos e Acreditar) que têm a seu cargo crianças que padecem de doenças graves, por vezes terminais. Nesse ano decidiu-se proporcionar um dia diferente a estas crianças. Foram voar nos diversos aviões presen- PARCERIAS Com o crescimento do clube, decidimos fazer algumas parcerias, e neste momento temos uma com o CAACA – Clube de Automóveis Antigos da Costa Azul, com sede na Costa de Caparica, bem como com diversas oficinas de clássicos e fornecedores tes e nos intervalos andaram nos carros clássicos que se deslocaram até Santarém. Foi, sem dúvida, o melhor evento em que participámos, não só pelo facto de juntarmos as nossas duas paixões (carros e aviões), mas porque não há dinheiro que pague o sorriso que recebemos destas crianças, dos seus pais e responsáveis... Uma lição de vida para todos nós! Os nossos sócios são maioritariamente pilotos, mas também temos vários tripulantes de cabina e entusiastas de todas as origens aeronáuticas: TAP, WHITE, SATA, Portugália, FAP, etc. Com o crescimento do clube, decidimos fazer algumas parcerias, e neste momento temos uma com o CAACA – Clube de Automóveis Antigos da Costa Azul, com sede na Costa de Caparica, bem como com diversas oficinas de clássicos e fornecedores. Estes estão publicados no nosso blogue: www.c4crew.blogspot.com. Destaco esta parceria uma vez que através do nosso clube podemos usufruir da inscrição livre de joia e ter acesso a todas as atividades e acordos do CAACA, nomeadamente seguros e inspeções de viaturas com interesse histórico a preços muito razoáveis. O futuro é incerto, mas hoje ainda é investimento comprar determinadas viaturas clássicas ou antigas. Salvo poucas exceções, ou restauros muito caros, o valor dos clássicos é garantido. Para os interessados, segundo a FIVA (Fédération Internationale des Vehicules Anciens), considera-se como carro clássico um veículo rodoviário de propulsão mecânica fabricado há pelo menos 30 anos, preservado e mantido em estado historicamente correto, que não é utilizado como meio de transporte diário e que faz parte do nosso património técnico e cultural. Os automó- veis de fabrico anterior a 1 de janeiro de 1960, desde que reconhecidos como veículo antigo pela Comissão Técnica do CPAA (Clube Português de Automóveis Antigos), estão isentos de IPO anuais, conforme despacho da Direção-Geral de Viação. O classicismo foi sempre visto pela sociedade de uma forma atípica, ou seja, quase todas as pessoas gostam de ver carros antigos, seja a circular ou em exposições estáticas. Os portugueses param para ver estas máquinas, relembram tempos antigos em que viajavam nestes carros, pertença dos seus pais ou avós. Contam-se histórias, vivem-se momentos quase esquecidos e sonha-se... No entanto, as instituições ou organismos públicos já não veem este hobbie da mesma forma, pois criam impostos demasiado altos, limites de circulação nas cidades e obrigatoriedade de inspeções (por vezes não adequadas a clássicos). Não deixa de ser irónico que peçam aos proprietários para que as exponham em feiras, exposições e certames (para enaltecerem os eventos autárquicos, regionais ou nacionais), mas exerçam tanta pressão sobre os mesmos posteriormente. Quem tem um carro antigo tem uma paixão, alimenta os sonhos de outros às suas custas, não é rico (ao contrário do que muita gente pensa) e a única coisa que pede é respeito! Portugal tem organismos, como os clubes de automóveis antigos, que podiam ser os responsáveis por estas viaturas. Desta forma isentavam as viaturas clássicas de IPO e IUC. Só assim podíamos ter um parque de clássicos de excelência, aumentando o espólio nacional, importando novas viaturas antigas, em vez de assistirmos a uma saída em massa da nossa história automóvel. Faz algum sentido um carro com interesse histórico com 80 anos pagar mais de 800 euros/ano de IUC? Apesar de não termos o respeito devido, nós, classicistas, continuaremos a reparar, a restaurar e a cumprir com estas regras que nos são impostas, pois é este o nosso hobbie e paixão. Tal como brindamos muitas vezes, «que nunca falte a gasolina!». Bons voos e melhores aterragens. janeiro | fevereiro Sirius 59 VIAGEM ILHA DO FOGO (CABO VERDE) O CHARME DO VULCÃO O Fogo é uma das ilhas mais bonitas de Cabo Verde. Situada no sotavento, juntamente com Santiago, Maio e Brava Texto e Fotos Paula Carvalho Silva CHEGAR AQUI NÃO CUSTA MUITO. Os TACV fazem a viagem Lisboa-São Filipe, com escala na cidade da Praia (Santiago), por 600 euros. E vale a pena. Um dos atrativos é, claro, a subida ao cone central e ao ponto mais elevado da ilha (2829 metros). A cratera deste vulcão ocupa nove quilómetros de largura e tem paredes com um quilómetro de altura. Em Chã das Caldeiras, concelho de Santa Catarina, produz-se o famoso vinho do Fogo e é também aqui que os turistas fazem o ponto de partida para a subida à montanha. Ao passar por Cova Figueira, sede do concelho, encontra a zona do Espigão, mais ou menos no lugar onde o Atlântico ocupa a vista de um lado e, do outro, surge o imponente vulcão, num verdadeiro testemunho da capacidade que a Natureza detém para nos arrebatar com a sua beleza. É também em Chã das Caldeiras que se encontram os terrenos mais férteis, aproveitados pelas gentes afáveis e resistentes CHÃ DAS CALDEIRAS, PARTIDA PARA ESCALAR O PICO DO FOGO REPOUSO SINGULAR NO CENTRO DA CIDADE FICA UM DOS SOBRADOS referenciados pelo escritor Teixeira de Sousa na obra Ilhéu de Contenda. Chama-se Pousada Bela Vista e é possuidor de uma atmosfera simpática e familiar. Os quartos, de decoração simples mas onde nada falta, têm espaço q. b. e são muito limpos. Escolha, de preferência, o que fica no andar de cima, encostado à varanda/terraço, onde poderá passar ótimos fins de tarde (telefones: 2811220/2811734; fax: 2811879; email: [email protected]). Em Chã das Caldeiras, a pousada Pedra Brabo é uma opção. Com uma gestão familiar, tem a desvantagem de não possuir quartos com casa de banho privativa, mas é um dos locais de encontro daqueles que se aventuram a subir o vulcão (telefones: 2818940/9944641; fax: 2812904; email: [email protected]; sítio na Internet: www.pedrabrabo.net). 60 Sirius janeiro | fevereiro desta região para o cultivo de frutas e hortaliças. Exemplo disso são as uvas, maçãs, marmelos, melancias, romãs, figos, entre outras iguarias. Pelas estradas massacradas da ilha do Fogo veem-se paisagens repletas de vinhas e pastorícia, onde a cabra predomina. É por aqui que ainda vale a pena parar e oferecer boleia, ouvir as ‘estórias’ de uma anciã que nunca conheceu outras paragens, dar tempo ao tempo e seguir o ritmo vagaroso do vento até à beira-mar e a São Filipe, a terceira cidade mais antiga do arquipélago. Os sobrados – casas em madeira com varandas coloniais e muitas vezes com pátios interiores – são a herança mais bem preservada desta cidade histórica e um dos polos de atração. Aliás, algumas delas foram mesmo transformadas em pequenas unidades hoteleiras onde vale a pena ficar, muito ao estilo do nosso turismo de habitação. BREVES COPENHAGA O ESPELHO DA ESCANDINÁVIA SATA VAI LIGAR OS AÇORES A PARIS OS CANAIS DE COPENHAGA e a sua geografia plana tornam a visita à capital da Dinamarca num passeio agradável. Espelho e uma das entradas privilegiadas na Escandinávia, a cidade está repleta de palácios e ruas antigas. O centro gira em torno da Avenida Stroget, que nasce na Radhus Pladsen (Praça da Câmara Municipal) e termina na Kongens Nytorv (Praça Real). É por aqui que se encontram as melhores e mais variadas lojas. Por estas bandas, mais precisamente num extremo da Praça Real, ergue-se o Palácio de Charlotteborg, um magnífico exemplar do barroco holandês, assim como o Teatro Real (Kongelige Teater). De entre as inúmeras atrações destacam-se a Igreja do Espírito Santo (Helligandskirken), o templo mais antigo reconstruído em estilo neoclássico depois de um incêndio no século XVII, a doca com as casas nas mais variadas cores e local onde passeou outrora o escritor Hans Christian Andersen, e ainda o Palácio de Amelienborg, residência da família real dinamarquesa. A subida à torre do Radhuset, sede do governo municipal, é obrigatória para obter uma das melhores vistas sobre Copenhaga, bem como a visita ao palácio renascentista Rosenborg Slot, onde estão expostas as joias da coroa dinamarquesa. Depois, dependendo dos dias que guardou para esta visita, pode ainda tentar tirar uma foto junto da Sirenita (Den Lille Havfrue), pequena escultura e símbolo da cidade. Os preços na EasyJet, que voa para a capital da Dinamarca três vezes por semana em rota inaugurada recentemente, variam entre os 20 euros e os mais de 200 euros (só de ida ou volta), por isso, caso consiga ser flexível nas datas, pode encontrar uma verdadeira pechincha e guardar o restante orçamento para outras experiências. A SATA Internacional vai ligar Ponta Delgada a Paris/Charles De Gaulle todas as sextas-feiras, a partir de 19 de abril de 2013. Os voos serão feitos em Airbus A320 para 161 passageiros. D.R EMIRATES TROCA DE APARELHOS A partir de 1 de fevereiro, a Emirates vai trocar o Boeing 777-200ER por um B777-200LR (330 passageiros), na rota Dubai-Lisboa, em vez do esperado B777-300ER (365 passageiros). VUELING ESTREIA-SE NO PORTO EM 2013 O Porto passa a contar com mais uma companhia aérea: a espanhola Vueling passará a oferecer ligações diárias entre a Invicta e Paris Orly a partir de 1 de junho de 2013. TURKISH DUPLICA VOOS PARA LISBOA A Turkish Airlines vai realizar mais voos para Lisboa (dois voos diários para Istambul) e criar uma nova rota para o Porto, em 2014. A companhia aérea turca vai lançar mais 23 rotas em 2013. SAS E NORWEGIAN REGRESSAM A LISBOA A SAS anunciou o lançamento de 45 novas rotas para 2013, incluindo Lisboa, a partir da Noruega. Lisboa vai receber igualmente dois voos semanais da Norwegian, ligando Olso Gardermoen à capital portuguesa, às segundas e sextas-feiras, entre junho e outubro. BOLIVIANA VOA COM A330 DA HIFLY Paisagens repletas de vinhas e pastorícia; forcado capturado por um pescador Já depois da independência, foi criado o concelho de Mosteiros, onde se produz o famoso café do Fogo. Para degustar ao longo da estada recomendase não só a lagosta mas também pratos tradicionais, como a cachupa, o xerém com manteiga, o grogue e o ponche, entre muitas outras iguarias. Com 31 quilómetros de comprimento por 29 de largura, a ilha do Fogo, habitada por cerca de 37 mil pessoas, é fácil de per- correr de carro. Mas também a pé, e sobretudo debaixo do solo. Contratar um guia em São Filipe ou em Mosteiros permitirá a visita a grutas, cavernas e fontes de água subterrânea situadas entre o Pico do Fogo e São Lourenço. De entre as várias belezas destacam-se ainda os rios de areia e cascalho antracite, junto ao vulcão, e na encosta exterior norte da cratera as florestas de eucaliptos, jacarandás e acácias. A companhia Boliviana de Aviación iniciou os seus voos entre Viru Viru (Santa Cruz de la Sierra, Boíivia) e Madrid, com quatro frequências semanais, operadas com o Airbus A330-223 CS-TQW da Hifly. PEGASUS ENCOMENDA 100 A320NEO A Pegasus Airlines, a segunda maior companhia aérea da Turquia, assinou um contrato com a Airbus para a compra de cerca de 100 aviões da família A320neo. janeiro | fevereiro Sirius 61 MEMÓRIA BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO O PAI DA AEROSTAÇÃO Nasceu na Vila do Porto de Santos, São Paulo, no mês de dezembro de 1685 e estudou no seminário jesuíta de Belém, na freguesia de Cachoeira, capitania da Baía, onde se ordenou Texto Coronel-Aviador Manuel Cambeses Júnior EM 1701 FOI PARA PORTUGAL, tendo regressado ao Brasil pouco depois, para retornar a Portugal em 1708, com o intento de realizar o Curso de Cânones da Universidade de Coimbra. Ali desenvolveu e aprofundou os seus estudos de Física e Matemática. A presença do homem na terceira dimensão passa, necessariamente, pelo talento brasileiro, revelado na primazia de domínio das tecnologias de ascensão em balão livre, balão dirigível e, mais tarde, aeroplano. Trezentos e três anos nos separam da experiência bem sucedida de Bartolomeu de Gusmão, um dos maiores génios inventivos da História da Humanidade. Inteligência privilegiada, a sua conceção do aeróstato, como engenho de locomoção superior, através da atmosfera, não ficou no engenho em si, evidenciando excecional visão prospetiva. Como nenhum outro inventor da sua época, o seu espírito perscrutou o futuro, revelando, na sua célebre Petição de Privilégio, dirigida a D. João V – que tinha descoberto um aparato para se locomover pelo ar –, o quanto estava avançado em relação aos estudos sobre o domínio do ar. Nela projeta-se por inteiro a visão profética de um bem-dotado que, à luz de um invento fruto da elaboração primorosa do seu cérebro, não titubeou em declarar a possibilidade da navegação aérea. Não há, pois, como discordar da afirmativa de Domingos Barros, que considera a Petição de Privilégio, de 1709, «a primeira e a mais bela página da aeronáutica». Belas páginas, sem dúvida, que lhe 62 Sirius janeiro | fevereiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão foi uma personalidade de excecional singularidade, na qual o homem, o sacerdote e o criativo inventor se fundiam numa figura polifacetada, que enxergava muito acima do seu tempo, sofrendo, como corolário, as naturais e inevitáveis consequências dessa excecionalidade valeriam, entretanto, contestações e sátiras contundentes, umas e outras caracterizando a saga dos que vivem muito além do seu próprio tempo, pagando alto preço por esta condição. Bartolomeu de Gusmão foi um predestinado, aliando atributos de competência, tenacidade e avidez de cultura que o conduziram a momentos de imensa criatividade. Coincidentemente, um seu irmão, também predestinado, Alexandre de Gusmão (1695-1753), geógrafo e diplomata, foi o magistral redator do preâmbulo do Tratado de Madrid, que, consagrando a tese do utis possidetis, consolida, em 1752, um século de expansão portuguesa no continente americano, fixando praticamente os limites da terra brasileira. Jovem ainda, Bartolomeu de Gusmão concretizou o seu primeiro invento fazendo subir a água de um lago a uma altura de 100 metros para abastecer o seminário de Belém, edificado sobre um monte; com isso eliminou o penoso e demorado transporte em recipientes de pequena capacidade. Quando inventou os balões, não os imaginava só na paz, navegando por diletantismo, e, sim, como surpreendentes veículos de expansão dos conhecimentos humanos, provendo as necessidades do homem na paz e na guerra. Além disso, viu-os como elementos de aproximação entre culturas, proporcionando, pela rapidez dos deslocamentos, o conhecimento mútuo das conquistas científicas dos homens em todas as latitudes. Tudo isso deixou transparecer claramente na sua Petição de Privilégio. Na famosa Universidade de Coimbra, apesar da sua profissão original – o sacerdócio católico –, não foi no ensino da Teologia que desenvolveu a sua inteligência privilegiada, mas sim no da Ciência Matemática. No retiro da sua residência entregava-se ao estudo da Astronomia e da Mecânica Aplicada. Ao anunciar, em abril de 1709, a intenção de realizar experiências com a sua máquina de voar, Bartolomeu de Gusmão passou a ser alvo de inusitada curiosidade. Atraiu para si críticas dos seus contemporâneos, que, por deficiência de cultura, não conseguiam compreender o alcance da sua obra. Antes mes- Em agosto de 1709, a corte portuguesa reuniu-se para assistir à demonstração de tal invento. Foram realizadas três exibições, e as datas não são bem conhecidas, assim como as características do aparato apresentado pelo inventor brasileiro diante do rei e de autoridades eclesiásticas mo dos primeiros ensaios, poetas sem inspiração lançaram mão de todos os recursos para destratar o jovem inventor brasileiro. Por ironia do destino, as sátiras dos detratores transformaram-se em verdadeiras comprovações das experiências de Gusmão e os autores das agressões, sem nenhum talento, só passaram a ser conhecidos quando associados aos ataques desfechados contra o precursor da aeronáutica. Entretanto, paralelamente aos detratores, havia também os divulgadores da boa nova. A correspondência enviada às nações da Europa, seja por diplomatas acreditados junto à corte de D. João V, seja por simples visitantes, proporcionou extraordinária divulgação do invento em Itália, na Alemanha, em Inglaterra e no Império Germânico. A verdade é que, pela documentação existente, pode-se assegurar que Bartolomeu de Gusmão construiu um aeróstato e fê-lo elevar-se nos ares uns quantos metros acima do solo. O núncio de Lisboa, cardeal Conti, futuro Papa Inocêncio XIII, estava entre os convidados. A primeira demonstração foi realizada no dia 3 de agosto, sem sucesso. O aparato incendiou-se numa das salas da Casa da Índia. Uma segunda exibição foi realizada no dia 5 do mesmo mês, mas o sucesso foi questionável. Assim que o engenho se elevou, aproximadamente, a quatro metros, os serviçais, receosos de verem as cortinas pegarem fogo, como medida preventiva o destruíram. No entanto, a terceira experiência, realizada no pátio da Casa da Índia, e novamente com a presença do rei, da corte, de fidalgos e nobres e de uma imensa multidão, mostrou de forma inédita um artefacto produzido pelo homem elevar-se livremente no espaço, sem nenhum apoio, e deslizar no ar. QUANDO INVENTOU OS BALÕES, NÃO OS IMAGINAVA SÓ NA PAZ Voou e foi esbarrar numa cimalha da torre da Igreja do Rosário. Com a colisão, o pequeno balão caiu e incendiou-se. Era a primeira vez que um aparelho mais leve que o ar realizava um voo. Mas a demonstração não causou muito entusiasmo. Foi algo muito tímido, muito singelo, muito distante das promessas ofertadas ao rei. Bartolomeu, numa reação natural, sente a necessidade de prestar esclarecimento sobre o invento, na realidade um pequeno globo com uma vela, incapaz, portanto, de realizar qualquer uma das anunciadas proezas. Embora o inventor tentasse explicar como o aparelho deveria ser interpretado, os seus argumentos não podiam convencer nem o público nem os poucos sábios portugueses, que viam nas palavras dele argumentos desconexos e sem elaboração minimamente científica. O globo de papel com uma vela acesa é o que hoje conhecemos nas tradicionais festas juninas, ou seja, os tradicionais balões de São João. Evidentemente, tal invento não poderia realizar as promessas feitas no pedido de privilégio, mas demonstrava ser possível buscar uma solução para um aparelho voador até então desconhecida. Era um protótipo, e o seu desenvolvimento poderia ter dado frutos mais práticos. Mas Portugal não era, à época, local para isso acontecer. Não havia tradição no estudo das ciências e o país estava em atraso em relação a vários países da Europa. O ambiente científico era praticamente nulo. Inexistiam revistas científicas, as publicações eram raras e o ensino era voltado primacialmente para o terreno das ciências teológicas, a jurisprudência e a literatura. Na Universidade de Coimbra já fazia algumas décadas que não havia sequer um professor para a cátedra de Matemática. Porém, pese embora não ter despertado grande interesse em Portugal o pequeno voo do balão, o mesmo não ocorreu noutros países. Logo a notícia se espalhou, ganhando novas cores. «Um padre voou em Lisboa: Padre Voador Bartolomeu Lourenço.» Junto com as notícias sensacionalistas surgiu um desenho apócrifo, provavelmente feito pelo próprio inventor, representando um estranho artefacto munido dos mais extravagantes instrumentos. Com uma cabeça de águia, tinha uma espécie de pequena nave, onde ia instalado o navegante, cercado por instrumentos janeiro | fevereiro Sirius 63 MEMÓRIA científicos: esferas imantadas, uma luneta, um astrolábio e outros elementos. Ademais, remos em forma de penas parecem contribuir para o deslocamento no ar e um estranho engradado cobre a barcaça onde está o piloto. Imãs estão distribuídos, dando a entender que a força magnética poderia ter ali uma função. E, para não deixar vestígios de dúvida, na parte posterior, um grande pavilhão real com o sol heráldico dos Bragança. O que se vê é uma fantasiosa representação de alguma invenção que não faz nenhum sentido. O ponto crucial, a fonte térmica que permitia ao balão subir, não está representado, ou seja, foi abolida intencionalmente do desenho. Desta maneira, nada informa como tal aparato poderia navegar pelo ar. Curiosamente, as gravuras apareceram, em diversas variantes, em diferentes países. Foram publicadas em França, na Alemanha, em Itália, e o aparelho recebeu o nome de Passarola. Lamentavelmente, o desenho original perdeu-se no tempo. Não tem sido tarefa fácil aos historiadores reunir provas da prioridade aerostática de Bartolomeu de Gusmão. Não fora a dedicação de ilustres e persistentes pesquisadores, como Afonso de E. Taunay, reunindo peças em defesa do pioneiro, teria sido impossível atestar essa prioridade, em parte por culpa do pró- DIPLOMATA Um seu irmão, Alexandre de Gusmão (1695-1753), geógrafo e diplomata, foi o magistral redator do preâmbulo do Tratado de Madrid, que consolida, em 1752, um século de expansão portuguesa no continente americano, fixando praticamente os limites do Brasil da navegação aérea? Parece que, mais uma vez, o acaso foi o detonador das energias da inteligência humana, ao colocá-lo diante de uma observação simples: a de uma bolha de sabão que, subitamente, se elevou ao entrar no ar aquecido em torno de uma chama. De relance, Gusmão percebeu a dinâmica dos aeróstatos, aparelhos mais-leves-que-o-ar, concebendo um engenho que adquiria força ascensional valendo-se da diferença de densidade entre dois fluidos. Da conceção à realização foi um passo, não havendo mais dúvidas de que PORTUGAL NÃO ERA, À ÉPOCA, LOCAL PARA DESENVOLVER O PROTÓTIPO prio Gusmão, que para evitar apropriação indébita de seu invento, o que era comum naquela época, omitiu na sua Petição a D. João V desenhos e detalhes do engenho que concebera. Inclusive, a única peça iconográfica contemporânea das experiências – a estampa Passarola –, tal como hoje se conhece, foi engendrada por detratores, com o objetivo de desmoralizar o invento e o inventor, na medida em que a sua conceção é fantasiosa, irreal e absurda. Mas o que levou Gusmão a afirmar na sua Petição ter resolvido o problema 64 Sirius janeiro | fevereiro Bartolomeu de Gusmão fez subir aos ares um aeróstato. Comprovam-no oito documentos pacientemente reunidos por obstinados pesquisadores durante quase um século: o primeiro divulgado em 1844 e o oitavo em 1938. Deles, contudo, não se pode inferir que o precursor da aerostação tenha sido também o primeiro aeronauta. Qualquer afirmação neste sentido não encontra respaldo em documentação confiável até hoje conhecida. Sobre um ponto, porém, não há dúvidas: os documentos confiáveis regis- tam o ano de 1709 como aquele em que os experimentos públicos (mais de um) se realizaram. No entanto, os testes realizados em sigilo que, possivelmente, teria realizado não há como os comprovar. Os experimentos com o aeróstato idealizado por Bartolomeu de Gusmão indiscutivelmente lhe conferem a primazia da conquista do ar. O reconhecimento dessa primazia, embora muito lento, vem sendo progressivo nos grandes países europeus, pese embora a pressão francesa reivindicando o feito para os irmãos Montgolfier, em 1783. Mesmo entre os franceses, entretanto, houve os que, fiéis à verdade, não se deixaram levar por arrobos de patriotismo deformado, afirmando perentoriamente, como o fez Marcel Jauneaud, em 1902: «La gloire française des Montgolfier et de Charles ne sera pas diminuée par l’hommage que nous devons rendre au pauvre brésilien, qui fût vraisemblablement le premier aérostier des temps modernes.» Esta atitude contrasta com os insultos dos poetas do seu tempo, sobretudo Tomaz Pinto Brandão, que foi implacável nas suas sátiras e crítica. Tendo vivido na Baía, dali foi deportado para o Rio de Janeiro e, posteriormente, degredado para Angola, de onde conseguiu regressar a Portugal, o poeta passou a hostilizar os filhos de terras Pode-se assegurar que Bartolomeu de Gusmão construiu um aeróstato e fê-lo elevar-se nos ares uns quantos metros acima do solo brasileiras, dos quais guardava amargas recordações. Gusmão, que se notabilizava na corte pela genialidade, foi o alvo preferido da sua ira, mesmo após a morte. Na ânsia de diminuir e ridicularizar o feito e o inventor, paradoxalmente acabou registando alguns aspetos importantes da vida e da obra do nosso pioneiro. Sempre prestigiado por D. João V, que nele reconhecia talento invulgar, Bartolomeu de Gusmão recebeu importantes missões diretamente do monarca. Entre elas, por exemplo, a de descodificar cifras usadas pelas chancelarias estrangeiras na correspondência com os seus representantes credenciados. Era prática comum, naquela época, a violação da correspondência entre governos e seus embaixadores, o que os induziu à utilização de códigos para segurança das comunicações. Enquanto viveu, Bartolomeu de Gusmão traduziu todas as cifras que lhe foram apresentadas, revelando-se exímio decifrador. Com isso proporcionou ao governo português conhecimento prévio de importantes decisões políticas de outros governos, o que foi extremamente vantajoso para a própria tomada de decisão de D. João V na solução de contenciosos entre Portugal e outras cortes. Entretanto, quanto mais revelava competência e probidade, mais despertava a reação de quantos não se conformavam com os privilégios que auferia do monarca. Fundador da Academia Real de História, coube-lhe escrever a História do Bispado do Porto, tarefa à qual se dedicou com verdadeiro espírito de pesquisa. Mas, enquanto se dedicava a esse mister, foi progressivamente solapado pela ação destruidora de áulicos e de invejosos. Tão bem engendrada foi a campanha de difamação que os membros da Academia, na última reunião, de 1724, fingindo ignorar a sua morte 20 dias antes, não só deixaram de lhe prestar as honras fúnebres da praxe como decidiram hipocritamente ocupar a sua cadeira, considerada vaga em virtude de ter expirado o prazo de ausência consignado pelos estatutos. Na realidade, perseguido pelo Tribunal da Inquisição, ia Bartolomeu de Gusmão ser preso a 26 de setembro de 1724, culminando um processo de calúnia e intrigas contra ele preparado pelos seus opositores. Antecipando-se a esse evento, fugiu com seu jovem irmão, João de Santa Maria, religioso carmelita de 21 anos. Inicialmente pretendia atingir Paris, via Madrid, mas o seu precário estado de saúde fê-lo interromper a viagem em Toledo, onde faleceu, a 19 de novembro de 1724, no Hospital da Misericórdia. Perdido de tudo, até da própria vida, vislumbrou ali o seu último raio de luz, e tão indigente quanto anónimo foi sepultado, a expensas piedosas da Misericórdia, na Igreja de San Roman daquela cidade, que cristãmente lhe deu a absolvição da paz eterna na lisura pacífica de uma tumba coletiva. Tinha 39 anos de idade. Terminava, assim, uma vida plena de realizações, extremamente avançadas para a sua época e o entendimento de seus contemporâneos. Detentor inconteste da primazia aerostática, Bartolomeu de Gusmão foi também, na feliz expressão de Taunay, o primeiro inventor americano. Neste ano em que comemoramos o tricentésimo terceiro aniversário da experiência aerostática realizada pelo ilustre inventor brasileiro, rendemos justa homenagem a um homem cuja vida foi um eterno sonhar e sua magnífica obra o doce despertar para a materialização de ideias benfazejas. Pela dimensão da sua vida, pela preciosidade do seu exemplo, pela grandeza das suas lições e pelas suas brilhantes realizações, Bartolomeu de Gusmão tornou-se um génio inspirador que paira sobre a Pátria inteira, extrapolando dos contornos da sua vida científica e sacerdotal, para fazer-se credor de título mais amplo e mais proporcional à grandeza e à multiplicidade da sua edificante vida: «Pai da aerostação». SOBRE O AUTOR MANUEL CAMBESES JÚNIOR Coronel-aviador. Membro emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e conselheiro do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica. janeiro | fevereiro Sirius 65 SPOTTERS HOBBIT INSPIRA AIR NEW ZEALAND Londres é uma das cidades onde poderá ver este Boeing 777-300 AIR NEW ZEALAND Texto Filipe Lança É uma representação única da inovação e criatividade dos neo-zelandeses A AIR NEW ZEALAND, companhia de bandeira da Terra Média, decidiu aplicar esta decoração espetacular de 73 metros num dos seus Boeing 777-300, inspirada nas personagens do filme The Hobbit: Uma Viagem Inesperada. O aparelho foi apresentado à imprensa em Auckland, na Nova Zelândia, e, na opinião do CEO da Air New Zealand, Rob Fyfe, «este avião vai entusiasmar os passageiros e os fãs das fantasias cinematográficas de Peter Jackson, nos voos entre Auckland, Los Angeles e Londres». 66 Sirius janeiro | fevereiro A Nova Zelândia é o berço da Terra Média e estima-se que os filmes do The Hobbit irão dar um impulso considerável ao turismo nos próximos anos. Muitos turistas ficam inspirados e motivados para ver e experienciar por si próprios as paisagens que viram nos filmes. E os que viajarem neste avião também irão assistir a um safety vídeo com os conselhos de segurança a bordo, rodado com as personagens do filme. «É maravilhoso ver uma imagem tão impressionante para celebrar o The Hobbit num dos maiores aviões da Air New Zealand. É uma representação única da inovação e criatividade dos neo-zelandeses e uma grande oportunidade para mostrar a beleza incomparável deste país», afirmou, por sua vez, o realizador Peter Jackson (O Senhor dos Anéis). O filme The Hobbit: Uma Viagem Inesperada é o primeiro de uma trilogia produzida pela New Line Cinema e pela Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Os restantes são aguardados para 2013 e 2014.
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