Cultura e Tradição

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Cultura e Tradição
Junta de Freguesia de Alfaiates
Cultura e Tradição
Actualizado em 04-Dez-2007
TRADIÇÕES O orago da freguesia é São Tiago.
Festividades:
São José - 19 de Março
Nossa Senhora da Póvoa - 15 de Agosto
Espírito Santo - 17 de Agosto
Nossa Senhora de Fátima
São Tiago
MEMÓRIAS de ALFAIATES e outras Terras RAIANAS Introdução
Como primeira advertência, não se trata de um livro de história e nem sequer histórico, mas apenas de narrativas diversas
que se aproximam da realidade da vivência do dia a dia dos povos raianos. São, portanto, estórias que, não sendo
verdadeiras, são verídicas.
Também nas alcunhas, muito generalizadas, se tentou uma aproximação das que ali se praticam, mas qualquer
semelhança com nomes ou alcunhas verdadeiros é pura coincidência.
Como curiosidade quanto à existência generalizada de alcunhas dizem os antigos que ninguém as toma a mal e que,
bem pelo contrário, eram uma necessidade para que não acontecesse, nas noites de contrabando, tratar-se as pessoas
pelo nome, o que daria pistas aos carabineiros e aos guardas fiscais para a sua identificação.
As terras referidas nestas estórias são freguesias do concelho do Sabugal que, durante muito tempo, mormente durante
as negras noites do fascismo, como quase único meio de obter dinheiro, tinham o contrabando, uma vez que a
agricultura, feita sempre por conta própria, em regime de minifúndio, só muito dificilmente dava, quando dava, para a
subsistência da família.
Tratava-se de uma agricultura quase exclusivamente de subsistência em que tudo o que se produzia era para consumo
e só se consumia o que se produzia. Não havia praticamente dinheiro, pelo que os próprios produtos funcionavam como
moeda de troca. Pagava-se o tabaco e o azeite com ovos que deixavam de se comer, pagava-se a côngrua, pagava-se
ao pároco, pagava-se ao dono do toiro, pela cobrição das vacas, pagava-se ao barbeiro e também ao ferreiro, pelos
respectivos trabalhos, com alqueires de centeio.
Como receita normal das famílias havia a venda dos vitelos, uma vez por ano, se as vacas não ficassem forras e a jorna
pela passagem de uma carga de contrabando de e para Espanha.
O contrabando era um meio de vida por tal forma considerado normal que, não raro, à pergunta, para efeitos oficiais, de
qual era a profissão se respondia, com a maior naturalidade: “Contrabandista”.
Segundo escritores como Pinharanda Gomes, os contrabandistas raianos mais não fizeram do que antecipar a União
Europeia com a transferência de produtos entre Portugal e Espanha, mas fizeram-no sempre de modo absolutamente
diferente daquele como o contrabando é praticado nos dias de hoje, principalmente nos grandes centros urbanos, não
raro por médicos, advogados e grandes capitalistas, fazendo falsas declarações para se eximirem ao pagamento das
contribuições, pois que o contrabando outra coisa não é mais que a fuga aos impostos.
Mas se o contrabando, nas terras próximas de Espanha constituía uma forma de sobrevivência, o que se pratica nos
grandes centros urbanos, nos dias de hoje, não parece encontrar quaisquer razões morais, dados os rendimentos
chorudos da generalidade dos que o praticam.
Nas zonas raianas, em que a pobreza era mais que muita, existia a razão moral e a justiça devidas a uma luta atroz pela
sobrevivência e por isso, ninguém achava que constituísse qualquer crime.
Bem pelo contrário, quando, em tempos mais recentes, se pretendeu celebrar o divertimento mais popularizado destas
paragens, a “capeia” ou tourada com forcão, colocando um touro em pedra, em tamanho natural, no cruzamento do Soito,
na estrada de Sabugal Vilar Formoso, levantou-se um enorme coro de protestos, exigindo que ali fosse colocado antes
um monumento aos contrabandistas, os grandes heróis destas terras. Os crimes e injustiças são sempre detestados e
denunciados pelas vítimas e pela generalidade das pessoas, mas, neste caso, não só ninguém relacionava o contrabando
com o crime, como, pelo contrário, se atribuía o estatuto de herói aos melhores, isto é, aos mais resistentes nas grandes
caminhadas e aqueles que nunca deixavam apanhar as cargas aos guardas fiscais e aos carabineiros.
O contrabando não era, de modo algum, tarefa considerada criminosa pelas gentes destas terras.
Era, no entanto, uma profissão que exigia muita coragem dados os muitos perigos, que iam desde o cair-se num poço de
água, de noite, por não se ver o caminho, a ser-se preso pela Guarda Fiscal, quando ainda em Portugal, ou, bem pior
ainda, ser-se preso pelos Carabineiros, quando já dentro de Espanha. Mas, o pior dos perigos era ainda uma bala
perdida de um Carabineiro ou de um Guarda Fiscal e ficar-se lá morto o que acontecia não tão raramente quanto isso.
Numa zona em que nem todas as profissões eram igualmente prestigiantes, e em que eram elas que determinavam as
classes sociais, o contrabando fazia parte do dia a dia das classes mais humildes, abarcando a quase totalidade dos
habitantes.
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Passar contrabando podia considerar-se como uma profissão normal para os rapazes e raparigas que ali nasceram e ali
se criaram, mas já assim não acontecia com os rapazes que tinham ido para o seminário e tinham saído com alguns
estudos. Esses eram já considerados dentro de uma classe especial e, embora lhes fosse permitido trabalhar sem
críticas, com os seus familiares, na agricultura, já não eram bem vistos se fossem ao contrabando, mas não por se tratar
de uma profissão mais desprezível que a agricultura, mas porque isso significava que não se importavam de correr o
risco de serem presos e ficarem com o cadastro sujo e, consequentemente, impedidos de vir a ser funcionários
públicos. Nestes casos ir ao contrabando era quase como uma confissão de que desistiam de conseguir um emprego
em Lisboa ou no Porto.
A fronteira, naquela zona, não passa de uma linha imaginária entre marcos situados a muitas centenas de metros uns
dos outros e é extremamente fácil de transpor já que, ali, não há qualquer rio ou fronteira natural, podendo entrar-se
e sair-se de Espanha sem sequer se dar conta. São mesmo frequentes as terras de cultivo de um mesmo proprietário
com metade em Portugal e metade em Espanha.
Fácil é perceber, em todo o caso, que, no domínio do contrabando, tudo tem de ser feito no maior dos segredos,
excepto entre os próprios contrabandistas pois que, entre eles não havia segredos, facto de que nem sempre se saía ileso
pois que, como em toda a parte, também aqui havia os traidores e delatores a troco de algumas dezenas de escudos
que os carabineiros ou guardas fiscais cediam da percentagem que a eles cabia nas apreensões.
O material de contrabando ia variando muito de época para época, desde amêndoas, máquinas de costura, volfrâmio,
sucata ou mesmo cornos de boi, mas, no caso da primeira destas estórias, tratava-se de café, mercadoria que andou
sempre na berra, mesmo de mistura com outras e das mais variadas e, na segunda, de ovos, forma de contrabando que
existiu sempre desde a Guerra Civil de Espanha.
A amêndoa era um negócio muito estranho porque tão depressa era levada de Portugal para Espanha como acontecia
exactamente o contrário, podendo, em certas alturas, levar-se café para lá e, na viagem de regresso, trazer-se
amêndoa.
Numa região que primava pela ausência de ricos havia duas classes sociais bem demarcadas, sendo uma, grosso
modu, a dos estudantes e empregados fora do concelho e outra a dos que tinham que viver exclusivamente da
agricultura e do contrabando.
Mas, mesmo dentro da classe dos que viviam só e apenas da agricultura ainda se fazia uma distinção entre pobres e ricos
sendo estes apenas os que conseguiam viver sem ter que recorrer ao contrabando, como forma subsidiária de obter
um rendimento acessório.
Os namoros, na terra, eram determinados muito pela situação social, como no caso dos estudantes, ou, pelo número de
bois e de jeiras de semente que os pais de cada um possuíam.
A expectativa de um emprego em Lisboa ou numa outra grande cidade, fosse como contínuo, como polícia ou como
escriturário, revestia-se de uma tal importância que as raparigas, não raro, respondiam assim aos seus pretendentes:
Quem quer casar
Quem quer quem quer
Ponha o barrete
Que já tem mulher
Tem interesse esta introdução para se compreender a situação psicológica de um rapaz que, nos últimos anos da década
de cinquenta e nos primeiros anos da década de sessenta, tem o quinto ano do seminário, habilitações muito
importantes para a época, mas que não consegue arranjar emprego em Lisboa, mas, porque a esperança é a última
coisa a morrer, tem receio do descrédito social em que cai se for ganhar dinheiro, passando uma carga de contrabando.
Trata-se também de uma região muito marcada pelas guerras da independência nacional pelo que, embora com muita
água, permitindo povoados dispersos, as casas estavam todas juntas como forma de mais fácil defesa contra os
espanhóis e a dificuldade de transportes criava um grande isolamento entre as diversas freguesias, não raro tendo modos
de falar tão diferentes que numa freguesia havia dificuldade em compreender as pessoas da freguesia situada a menos
de seis quilómetros.
Como consequência deste isolamento e, simultaneamente, agravando-o, criavam-se hábitos e relações extremamente
originais como o do pagamento do vinho aos rapazes de outras freguesias que ali fossem apanhados a namorar.
Diz-se que a necessidade cria o engenho e isso fez com que se gerassem ementas e costumes absolutamente originais
e tradições que hoje temos de considerar terem-se perdido ou estarem em vias de extinção, mas que temos de considerar
como absolutamente adaptados às calorias necessárias para vencer o frio e para os trabalhos bem árduos da
agricultura em que era preciso trabalhar dia e noite.
Esta narrativa não pretende perder-se unicamente nas aventuras do contrabando, mas também em aspectos variados
como divertimentos bem originais, a culinária, como não há outra no País, e em tradições bem fora do vulgar.
As paneladas nas noites de carnaval, os casamentos com entrudada, o pedido do vinho aos rapazes de fora que
fossem apanhados a namorar, a fogueira do Natal e as rondas são costumes sem precedentes.
O caldo de vaginas secas, o caldo escoado, a cebolada, a salada de meruges, a salada de azedas, os mostajos, o trigo
podre, a bôla dos Santos, os ovos de Maio independentemente de serem melhores ou piores do que os pratos de outras
regiões, são absolutamente diferentes e originais.
A Procissão dos Encoirados e o aparecimento de padres sem costas são coisas curiosíssimas pelo que tudo deveria
fazer-se para que não caíssem no esquecimento.
Todas as terras do País têm monumentos, mais ou menos antigos, mas, monumentos originais como o Curral
Concelho, o Pelourinho a Laje da Forca, os torreões ou a rua subterrânea por baixo da Rua Direita deveriam concitar a
curiosidade das autoridades para serem devidamente estudados e conservados.
A Fogueira do Natal, pela forma como era preparada pelos rapazes tinha interesse suficiente para ser devidamente
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protegida e conservada ainda que através de representações e do cinema.
Muitas estórias com sabor nitidamente popular e original e o próprio modo de falar são monumentos, não de pedra, mas
falados que deveriam ser escritos para serem preservados. Mas, infelizmente, foram as próprias autoridades civis e
religiosas que tudo fizeram para eliminar os mais interessantes e pitorescos.
A capeia raiana, com o originalíssimo forcão, conseguiu impor-se por si própria e está a ganhar grande vitalidade e a ser
transposta para a cidade de Lisboa e zonas limítrofes.
Nesta dissertação fala-se essencialmente de Alfaiates e Nave, mas pode aplicar-se a todas as terras raianas do concelho
do Sabugal porque, em todas, o modo de viver é semelhante.
Recordar estes costumes e tradições é o objectivo que me proponho nas linhas que se seguem.
In " Memórias de Alfaiates e outras terras raianas" de Porfirio Ramos
SÃO JOÃO E OS MANJERICOS ROUBADOSDe todas as festas era talvez a mais divertida por ser a festa dos rapazes e
das raparigas e em que muitos namoros tinham início.
Muito tempo antes começavam os preparativos com a ornamentação dos mastros em que não podia faltar muito
rosmaninho e muita bela-luz.
Tinha de obter-se com bastante antecedência pois que, embora estivesse alguns dias no mastro e, portanto ali
pudesse secar, era preciso que, no final da noite do São João, ardesse muito bem. Ficaria a festa estragada se o
rosmaninho se apagasse a meio do mastro. Portanto, quanto mais seco estivesse, no dia da festa, tanto melhor.
Estes preparativos faziam-se por zonas geográficas da freguesia, quase sempre por largos, praça ou no espaço em
frente do adro da igreja.
Durante semanas aguçavam-se os engenhos para descobrir algo de original e muito interessante.
A preparação era já, em si, festa com rapazes e raparigas a andar pelos campos ao rosmaninho, para colocar em volta
do mastro.
Numa altura em que a tecnologia com os movimentos mecânicos ainda eram novidade e em que a electricidade só existia
a que se vendia em pó nas farmácias foi algo de inédito e maravilhoso a boneca terminar com uma dança frenética
rodopiando a uma velocidade louca o que se conseguiu com a boneca, no cimo do mastro, com um vestido muito
rodado, para o que tinha um aro metálico que girava sobre um eixo, movida pela força dos canudos dos foguetes,
incendiados com o rosmaninho a que se deitava o fogo no fim da festa.
Foi o delírio quando a boneca começou a rodar a toda a velocidade e, no final de tudo, estoirou com uma bomba também
de foguete que lhe tinha sido colocada na cabeça e ligada ao último dos canudos.
Mas a festa não era só isso. Durante a noite que precedia o dia de São João os rapazes não se deitavam pois tinham de
roubar todos os manjericos que pudessem às raparigas para os irem colocar na Praça, em volta do Pelourinho.
Na madrugada do São João os rapazes, na generalidade, tomavam o único banho do ano, pois iam todos, à ribeira e, à
pai Adão, uma vez que, lá na terra os calções e fatos de banho ainda não haviam sido inventados mergulhavam até se
sentirem enregelados.
De manhã eram as raparigas que, mostrando-se, embora muito zangadas com a partida que alguns atrevidos lhes
teriam pregado, se sentiam bem orgulhosas enquanto se dirigiam ao local onde os roubos estavam guardados, ou
melhor, expostos, à espera que as donas os fossem resgatar, os degraus do pelourinho, na Praça, que, nesse dia
apareciam bem engalanados.
No caminho, umas com as outras iam conjecturando quem é que poderia ter sido o malandrim, mas logo outras iam
dizendo que sabiam muito bem quem tinha sido pois era mais que evidente que se sabia perfeitamente quem é que
andava a arrastar a asa.
Ou então era aquela que dizia, na véspera, que a ela ninguém lhe ia roubar o manjerico, mas logo outra perguntava se
ia dormir com ele debaixo dos lençóis que era para o rapaz ir lá tirar-lho.
Depois da Missa era o almoço de festa, mas sem nenhum petisco especial dessa época e, logo a seguir, era o bailarico
que tinha de durar até de madrugada, em volta do respectivo mastro.
Entre o roubo dos manjericos e o baile da noite de S. João somavam-se duas noites em que os rapazes não dormiam
para roubarem os manjericos e as raparigas faziam outro tanto, pois queriam estar à coca para saberem quem era o
atrevido que lhos ia roubar, embora fingissem que dormiam a sono solto.
No dia seguinte já havia mais uns poucos de pares de namorados como resultado das zangas provenientes dos roubos
de manjericos.
in "Memórias de Alfaiates e outras Terras Raianas" de Porfírio Ramos
Capeia Raiana_______________________________________________ A Capeia raiana é um espectáculo
tradicional na região do Sabugal, sempre enquadrado nas festas de Verão de diversas localidades. Em Alfaiates, após as
Festas em Honra de Nª Srª da Póvoa no recinto do Santuário de Sacaparte, os festejos continuam em Alfaiates sendo
estes organizados pelos Mordomos do Espírito Santo (5 jovens).
A Capeia desenrola-se no centro da Vila (Largo Rainha Santa Isabel) enquadrada com dois momumentos nacionais
(Pelourinho e Igreja da Misericórdia) e a antiga Casa da Câmara (Sede da Junta e Posto Médico), onde a "juventude"
mostra a sua valentia e destreza pegando numa estrutura de paus, denominada por "forcão".
Na Vila histórica de Alfaiates realizam-se anualmente duas capeias:
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o - Domingo de Páscoa organizada por 5 Alfaiatenses (casados).
o - 17 de Agosto organizada por 5 jovens solteiros (Mordomos do Espirito Santo)
La Capeia Raiana (corrida traditionnelle)
La "Capeia raiana" est un spectacle traditionnel de la région du Sabugal, toujours dans le contexte des fêtes d'Été de
plusieurs communes.
À Alfaiates, après les Fêtes en Honneur de notre-dame de "Póvoa", dans l'enclos du sanctuaire de Sacaparte, les
célébrations se poursuivent à l'intérieur du village. Ces célébrations sont organisées par les Mordomos du Saint Esprit
(les "maîtres de cérimonie").
La capeia (un genre particulier de corrida) a lieu au centre du village (le Square Reine "Santa Isabel"), où l'on peut
trouver deux monuments nationaux (un Pilori et l'Église de Miséricorde) et l'ancienne mairie, qui donne lieu aujourd'hui au
comité municipal et au poste de santé. Ici, la jeunesse démontrera sa bravoure et sa dextérité en maniant une
structure de bâtons de bois, nommée le "forcão".
Au village historique d'Alfaiates ont lieu, tous les ans, deux "capeias":
- Le Dimanche de Pâques, organisée par 5 habitants d'Alfaiates mariés.
- Le 17 Août, organisée par 5 jeunes célibataires (les "Mordomos" du Saint Esprit).
trad. Bruno Antunes
Capeia Raiana - Uma tradição que persiste. Chegado o mês de Agosto, começa o frenesim para todos os apaixonados
pelos touros. Uma das mais fortes tradições nas aldeias do concelho do Sabugal, a capeia raiana, realiza-se por estes
dias, um pouco por todo o lado. Habitantes locais, emigrantes temporariamente regressados à sua aldeia e até os
vizinhos de Espanha, enchem todas as praças, geralmente improvisadas no maior largo da aldeia, onde a capeia se
realiza.
A capeia, talvez a mais importante tradição das aldeias raianas do concelho do Sabugal, que se realiza todos os anos ao
longo do mês de Agosto, altura em que os emigrantes regressam temporariamente às suas terras, é uma forma
ancestral de tourada popular, onde um conjunto de jovens defrontam o touro, escudados na paliçada de um forcão.
A capeia raiana, ao contrário da tourada tradicional, é considerada uma faina comunitária do touro, não apenas pelo
colectivismo da lide, mas porque a capeia é um acto reservado exclusivamente aos “vizinhos” da aldeia, onde é apenas
tolerada a intervenção de quem, sem a mínima sombra de dúvida, tenha “laços de sangue” com a comunidade. Não
existindo lugar na capeia para os forasteiros, condenados ao papel de meros espectadores, servindo este pormenor
para mostrar uma sociedade bem definida, coesa e reservada em relação a estranhos.
Nos rituais do culto do touro, os povos peninsulares executaram sempre “jogos de touros”, exercícios arriscadíssimos de
enfrentamento de touros, em que se confundiam os rituais religiosos, o treino para a guerra e a diversão. Estes jogos
tiveram a sua continuidade histórica nas “corridas”, tanto “à espanhola” como “à antiga portuguesa”, hoje bastante adulteradas
no seu conteúdo e significado, em sacrifício à espectacularidade e a um certo comércio, embora seja ainda possível
encontrar alguns modelos originais, aceitáveis em termos de rigor e pureza, como é o caso da capeia raiana, que
continua a praticar-se com todo o seu ritual em várias aldeias do concelho do Sabugal.
As capeias costumam ter lugar no dia seguinte ao das festas religiosas tradicionais. Ainda que, durante muito tempo, o
cerimonial da capeia se tenha realizado em simultâneo com os actos eclesiais, nos princípios do século, o então Bispo da
Guarda D. Tomás Mendes de Almeida proibiu terminantemente a realização de capeias a par das festas sacras.
Algumas vozes, ainda hoje se levantam, relembrando que, afinal, se havia intruso nas festas tradicionais populares,
esse intruso era a Igreja, que se foi assenhoreando, a pouco e pouco, das datas e épocas festivas mais relevantes na
tradição popular, para, dessa forma, melhor poder chamar as populações às suas cerimónias.
A capeia raiana pode ainda ser considerada um ritual iniciático, praticada exclusivamente pelos jovens adolescentes da
aldeia. O primeiro sinal de concessão de estatuto de homem, é dado ao rapaz com a formulação do pedido de
comparticipação monetária para as despesas da corrida. Mais tardar no ano seguinte, este rapaz será chamado “a pegar
ao forcão” e será definitivamente reconhecido como “homem feito” por toda a comunidade.
«Ao forcão, rapazes!»
Os preparativos para a capeia começam mais de uma semana antes do dia aprazado, com os chaparrais como
testemunhas e vítimas de um verdadeiro assalto a tudo quanto é tronco ou ramaria. Por estes dias, arvoredos e
matagais são devassados, com autorização ou sem ela, perdoando os seus donos esta intromissão pelo facto de ser para
a festa que é.
A praça, também chamada de “corro”, é o local onde a capeia se desenrola, e é habitualmente o largo maior da aldeia,
que é necessário adaptar para a cerimónia, começando por lhe bloquear os acessos. Para tal, tudo serve, desde os
velhos carros de lavoura, atulhados de lenha, até aos reboques de tractor. É preciso criar defesas para resistir às
investidas do touro.
Para lidar o touro, utiliza-se o forcão, objecto constituído por um tronco comprido, de carvalho ou amieiro. À frente, na
perpendicular, é amarrada uma comprida vara, em cujas extremidades vão entroncar duas pernadas enviesadas, onde
é colocado um emaranhado de paus, as galhas. Atravessados sobre estes, são colocados mais três ou quatro troncos
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que formando um gradeamento. Toda esta forte e complicada estrutura de troncos é cuidadosamente enleada com
grossas cordas, por forma a poder resistir, intacta, às investidas do touro.
Mas antes da tourada, propriamente dita, ter início, existe uma cerimónia que a antecede, conhecida como encerro, que
se inicia quando o gado parte de Espanha, conduzido por homens a cavalo e termina na altura da sua entrada na praça.
Após o encerro, torna-se necessário pedir a praça, habitualmente a pessoa importante e considerada na localidade,
verificando-se logo de seguida a entrada do primeiro touro, que por direito e dever naturais, será lidado pelos
Mordomos.
Actualmente o touro já não é picado e ferido como outrora, dando-se um maior relevo ao trabalho com o forcão, em
cuja manobra o homem da raia dá uma prova pública de força e coragem.
in Jornal TERRAS da BEIRA de 15-08-2002
FORCÃO Para lidar o touro, utiliza-se o forcão, objecto constituído por um tronco comprido, de carvalho. À frente, na
perpendicular, é amarrada uma comprida vara, em cujas extremidades vão entroncar duas pernadas enviesadas, onde
é colocado um emaranhado de paus, as galhas. Atravessados sobre estes, são colocados mais três ou quatro troncos
que formando um gradeamento. Toda esta forte e complicada estrutura de troncos é cuidadosamente enleada com
grossas cordas, por forma a poder resistir, intacta, às investidas do touro.
FORCÃO Pour écarter le taureau pendant ces corridas, on utilise le "forcão", un objet constitué, à la base, par un long
tronc en chêne. Devant et perpendiculairement au tronc, on amarre un long bâton. Aux extrémités de celle-ci, on
embranchera deux grosses branches en biais, ou l'on insérera des bâtons enchevêtrés. On place encore, de travers sur
ces bâtons, trois ou quatre troncs qui formeront un grillage. Cette puissante et compliquée structures de troncs sera
soigneusement liée par des gros cordeaux, de façon à pouvoir résister, intacte, aux attaques du taureau.
trad. Bruno Antunes
MATANÇA DO PORCO
Compra-se o porquinho no mercado ou então na povoação. Outras vezes deixa-se ficar um dos bácoros que a porca
teve de ninhada. O porco engorda-se durante a maior parte do ano.
Há uma grande caldeira à lareira onde se põem a cozer cascas de batata, beterraba, baldruegas, nabos, pedaços de
abóbora e batata miúda. Diversas vezes, o manjar que sai da caldeira é levado à cortelha (a habitação do porco normalmente este lugar situa-se sob o balcão da casa ou então num recanto da loja onde vivem os animais) e,
finalmente, vertido para uma pia (em madeira ou pedra de granito). Para compôr a ementa… uma goluseima à base de farelo
ou bolota de carvalho.
A matança marca-se para o Inverno seguinte, sendo convidados para o evento, os vizinhos, os parentes e amigos.
E há tantas matanças! Hoje é aqui, amanhã no TiZé, no sábado no compadre... é assim durante os meses de
Dezembro e Janeiro!
Manhã cedo o grupo dos homens vai buscar o marrano à cortelha. Não é tarefa fácil convencer o bicho a deitar-se na
cabeçalha do carro. Já deitado e com o focinho amarrado, mesmo assim continua a resistir. Uma mulher segura um
alguidar (que contém um punhado de sal) para recolher o sangue. O marrano esperneia, guincha, mas nada há que o
possa salvar daquela morte tirana e cruel. O “entendido” benze-se e aponta-lhe a faca ao coração. O sangue jorra para o
alguidar que a mulher segura que tem de ser mexido continuamente até arrefecer, para não coagular e ser depois
usado nas tradicionais morcelas. Em breve, o animal fica sem vida.
No chão, logo ao lado, já está preparado um tapete de palha colocado em cima de uma grade, mais uma ou duas
fachas de palha de centeio (para fazer tochas), onde o porco inerte é colocado para chamuscar, raspar, lavar e por fim
barbear, com pedras ásperas ou facas e canivetes bem afiados. Entretanto avança o homem para arrancar as pontas
das unhas, operação esta que requer destreza e calos nos dedos, já que têm que ser retiradas com rapidez, enquanto
estão bem quentes… Entretanto prepara-se o chambaril, uma espécie de cruzeta em madeira, cujas pontas são enfiadas
entre os tendões dos pés. Em seguida o porco é levado para a adega fresca, com um alguidar a aparar o sangue,
debaixo do focinho. É pendurado pelo chambaril de cabeça para baixo, seguido de um corte certeiro no ventre do porco
para retirar as miudezas, sendo as tripas rapidamente colocadas num tabuleiro de madeira.
Terminada a matança, as mulheres vão lavar as tripas (trabalho difícil) nas águas límpidas e geladas que correm por cima
das gogas na ribeira. A Ti Maria, a Ti Céu, pacientemente separam o recheio das tripas e retiram as películas brancas
de gordura aderentes.
Terminado o trabalho, é oferecido almoço à base de rim, fígado, “prova” (massa para fazer as morcelas), febras assadas na
brasa e um saboroso guisado a quantos participaram na matança.
Para o dia seguinte fica a desmancha… uma operação que requer muita experiência, para não desperdiçar nenhum pedaço
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do bicho. Há que separar cada parte do porco segundo a finalidade tradicional: os presuntos, as costeletas, os lombos,
os lombinhos, os “ratinhos” e, por fim, o toucinho que vai directo para a salgadeira. Segue-se o corte da carne destinada
aos enchidos.
Depois toca a azáfama de encher as tripas, que é como quem diz, fazer as morcelas, as farinheiras e, passados uns
dias, os chouriços, as chouriças, o paio, o “bucho”, a “bexiga”, os chouriços de ossos, etc., para no fim colocar nos beirais da
cozinha ao fumeiro.
É dia de festa.
É o dia da matança!
L'abattage du porc On achète le cochon de lait au marché ou dans la population. D'autres fois on garde un des petits
cochons de la dernière trappe. On laisse le cochon engraisser pendant presque toute l'année.
On prend une grande chaudière à la cheminée où l'on faire cuire des écorces de pommes de terre, des betteraves, des
"baldruegas", des navets de potiron, des morceaux et des petites pommes de terre. Souvent, ce mets bouillant qu'on
laisse à la chaudière est amené à la "cortelha" (la "demeure" du porc - normalement, cet endroit est placé sous le balcon
de la maison, ou alors dans un recoin du magasin où les animaux vivent) et, en conclusion, on verse le tout dans un
bassin (en bois ou en granit). Encore, pour compléter le menu, on vous proposera une gourmandise à la base de fleurage
(son) ou au gland du chêne.
L'abattage est marqué pour l'hiver suivant, étant invités pour l'événement, les voisins, les parents et des amis. Et on a
vraiment pas mal d'abattages! Aujourd'hui on le fait chez soi, demain chez "tonton" Zé, samedi chez un compère... on
s'occupe de ça pendant les mois de Décembre et de Janvier! Matin tôt un groupe d'hommes va rechercher le "marrano"
(cochon en jargon très typique) à la "cortelha". Il n'est pas tâche facile de convaincre l'animal de se coucher lui-même
dans le "cabeçalha" (la partie postérieure qui tient le charge) de la voiture. Déjà ayant le museau attaché avec de la
corde, il continue ainsi à résister. Une femme tient un bassin (qui contient une poignée de sel) pour rassembler le sang.
Le "marrano" regimbe, remorque, mais rien ne pourra le sauver d'une mort quelque peu tyrannique et cruelle. Un
"expert" fait le signe de la croix et dirige le couteau au coeur du cochon. Le sang jaillit dans le bassin tenu par la femme
qui doit être remué jusqu'au refroidissement. Ainsi il ne se coagulera pas et pourra être employé plus tard dans des
"morcelas" (espèce de boudin) traditionnelles. Bien vite, l'animal n'aura plus de vie.
Dans le sol, jusqu'à côté, on trouve déjà un tapis de paille placé sur une grille, plus un ou deux "fachas" de paille de seigle
(pour faire des torches), où le cochon inerte est placé pour être légèrement brûlé, pour érafler, pour laver et
finalement pour raser, avec des roches rugueuses, des couteaux et des couteaux à ressort bien pointus. Entre-temps
avance un homme qui enlèvera au cochon les bouts des ongles, opération qui requiert de la dextérité et des calus dans
les doigts, puisqu'il faut le faire rapidement pendant que le cochon soit toujours chaud. Simultanément on prépare le
"chambaril", une espèce de croix en bois, dont les bouts sont filetés entre les tendons des pieds du cochon. Ensuite, le
porc est emmené dans une cave fraîche, avec un bassin avec lequel on continue à récupérer le sang, dessous du
museau. Il est accroché au "chambaril" à l'envers, suivi d'un coup juste dans le ventre du porc pour enlever les petits
abats rapidement, étant les entrailles placées dans un plateau en bois.
Fini l'abattage, les femmes vont laver les entrailles (travail difficile) dans les eaux limpides et glacées qui courent pardessus des "gogas" (des pierres plates et pointues) de la rivière. "Tante" Maria, "Tante" Céu, séparent patiemment le
remplissage des entrailles et enlèvent les morceaux blancs de graisse.
Fini les travaux, on offrira un beldéjeuner à la base de rein, de foie, de "prova" (la masse pour faire des "morcelas"), des
"febras" (des escalopes) grillées et un ragoût savoureux pour tous ceux qui ont participé à l'abattage.
Le lendemain on démontera et séparera les entrailles, une opération qui exige beaucoup d'expérience, pour ne
gaspiller aucun morceau de l'animal. Il faudra séparer chaque partie du porc d'accord avec la tradition: les jambons, les
côtes, l'échine, les petits filets, les "ratinhos" et, finalement, le lard qui on placera tout de suite dans la "salgadeira".
Ensuite aura lieu la coupe de la viande destinée aux saucisses et aux boudins.
Finalement viendra l'affairement de remplir les boyaux, c'est-à-dire, de faire des "morcelas", des "farinheiras" (des
andouilles de farine) et, passés quelques jours, une grande variété de saucisses, saucissons et boudins, etc., qui
seront finalement pendus dans une grande cuisine à côté du fumoir.
C'est un jour de fête.
C'est le jour de l'abattage!
trad. Bruno Antunes
A PRAÇA
Com cerca de 10 mil metros quadrados, a Praça de Alfaiates encontra-se em pleno coração da vila amuralhada. Podemos
dizer que é a Sala de Visitas deste antigo Concelho. Esta Praça, com o Terreiro do Castelo. Actualmente denominado
Brás Garcia de Mascarenhas, são os dois espaços mais largos e frequentados, dentro das muralhas.
Aqui nesta Praça, se juntavam antigamente as grandes personalidades que visitavam Alfaiates, por causa dos Paços do
Concelho, da Misericórdia e do Pelourinho.
Aqui se efectuávamos julgamentos mais graves, por neste espaço se encontrarem a Casa do Concelho e o Pelourinho.
Aqui se executavam os castigos sentenciados, com excepção da pena de morte que só podia ser aplicada na Lage da
Forca.
Aqui também tinham lugar as actividades lúdicas do Passeio, isto é, da Festa da Bandeira, realizada pelos mordomos
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do Espírito Santo.
Aqui se processa, todos os anos, a secular cerimónia feérica, luminosa e buliciosa fogueira do Toco, na noite de Natal.
Quem é que não se lembra das lúdicas actividades realizadas com a bandeira Nacional? Um dos Mordomos do Espírito
Santo, volvendo e revolvendo a bandeira naciona, em todos os sentidos, com largas e expansivas voltas por cima da
cabeça, pelos lados e por baixo de cada uma das pernas, alternadamente, fazia um autêntico espectáculo muito
apreciado por toda a população. Aqui se perfilavam, em frente da bandeira Nacional, os briosos jovens tailorenses, em
grande número, ufanando-se dos garbosos fatos, geralmente estriados nesse mesmo dia.
Costumes que vão desaparecendo, mas que sabe bem recordá-los. Quem os viveu intensamente, jamais se
esquecerá da Alegria Festiva e Esfusiante que banhava todos os rostos, não só dos participantes, como também dos
vastos e regurgitantes espectadores.
Quem é que não se recorda, também, da alegria contagiante que ainda hoje paira nos ânimos felizes de todos os que
assistem à luminosa Fogueira da Noite de Natal?
Aqui, nesta praça, todos os anos, nessa Noite, juntam os tailorenses para conviver, rejubilar e confraternizar à volta de um
valente Toco, com mais de uma tonelada de peso. Envolvido em giestas e carradas de arbustos, o Toco lança na
atmosfera fria e festiva, o seu calor irradiante, além de faúlhas ou chispas frenéticas, estonteantes e estaladiças. A
fogueira natalícia, realizada animadamente nesta praça jubilosa, é o centro de todas as atenções, assim como também o
local sagrado onde, em nome do Menino Jesus, se recreia, refaz e retempera a amizade e se evaporam todos os
ressentimentos, zangas ou ódios.
Quem é que não vive com emoção a agradável sensação duma Capeia realizada nesta milenária Praça de Alfaiates? A
agitação dos jovens; o delírio dos aficionados; os urros dos touros; o garrido das roupas de gente que regurgita, em festa;
os movimentos bruscos mas bem coordenados das largas dezenas de jovens que manipulam o Forcão; os gritos
lancinantes perante alguma arremetida mais feroz do temível touro. Tudo serve para gerar emoção e alegria.
Terminada a “faena” de toureiros improvisados, os corpulentos toiros sucedem-se gerando “suspense”, aficção e ânimo. De
vez em quando, ouvem-se vozes em coro a gritar “Ao Forcão, Ao Forcão”. É altura de novo grupo cercar o pesado
instrumento denominado Forcão que, em árabe, quer dizer Desafio. É o momento de realizar este grande Desafio: dum
lado, algumas dezenas de briosos rapazes; do outro o feroz animal pronto a exercitar sua valentia. Quem vencerá?
Depois de larga “suspense” nesta luta dualista do Forcão ou seja, depois deste destemido Desafio, ouvir-se-ão griots de
aívio e vitória: Viva! Viva! Viva!...
Tudo isto sucede na Praça de Alfaiates, durante os breves momentos duma aficionada Capeia onde a possante fera gera
momentos inesquecíveis de animado e frenético espectáculo, sempre de desfecho imprevisível.
Quem recorda alegremente uma movimentada Capeia realizada nesta praça, jamais esquecerá do impacto das
sensações pessoais perante o incógnito desfecho dos momentos difíceis em que alguém se aventura, enfrentando a terrível
fera taurina de movimentos velozes e de peso superior a mais de meia dezena de homens.
À volta desta Praça de Alfaiates girou toda a vida política-cultural e recreativa deste antigo povo medieval. À volta dela,
gravitam ainda hoje, belos momentos de inesquecíveis festas.
Padre Manuel Botelho
COSTUMES, TRADIÇÕES E DIVERTIMENTOS. OS OVOS DO MAIO
No Primeiro de Maio a festa era das crianças que tinham de ter um ovo cozido e pintado.
De um modo geral era apenas um ovo de galinha que se cozia e pintava com uma ou várias cores, tudo dependendo
da habilidade dos adultos que se encarregavam dessa tarefa, mas era muito mais divertido se se conseguisse um ovo
especial, entendendo-se, como tal, um ovo diferente do banal ovo de galinha.
Também não interessava que fosse um ovo muito grande, pois o que estava em causa não era tanto o ter um ovo para
comer como a brincadeira constituída pelo ovo diferente dos ovos de todos os dias.
Por isso a festa começava logo uns dias antes com a preparação do ovo e a preparação começava logo com a caçada aos
ovos e um dos maiores triunfos seria conseguir obter um ovo de perdiz.
Não seria nada prático andar horas com um ovo na mão, mas também se fazia gala com um lenço bonito em que se
enrolava o ovo, pegando-se-lhe depois pelas pontas.
A festa terminava sempre em gritarias porque ou se deixava cair o ovo que se partia e nenhuma criança gostava de
andar com o ovo partido ou terminava por se partir propositadamente para verificar se o ovo assim bonito era mais
saboroso, mas depois de partido chorava-se por ver as outras crianças com o ovo inteiro ao contrário do nosso.
Não se pense, no entanto, que o ovo, em termos de iguaria, não tinha interesse. Tinha-o mesmo porque os ovos eram
moeda de troca para compra de pequenas coisas tais como tabaco ou açúcar ou mesmo azeite, que se ia comprar a
Espanha.
O ovo cozido não deixava, por isso de se considerar uma iguaria que não se comia todos os dias.
Aliás, tudo o que fosse para além da carne de porco era considerado um luxo. Dizia-se mesmo que o frango era um
luxo que só se dava às mulheres na altura do parto e aos doentes quando estes já estavam tão doentes que já o não
podiam comer.
Acima de tudo era um dos poucos presentes que as crianças tinham o direito a ter uma vez no ano.
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in "MEMÓRIAS de ALFAIATES e outras Terras RAIANAS" de Porfirio Ramos
RONDAAs guerras pela independência marcaram, quase até aos nossos dias, a vida dos povos fronteiriços, motivando
monumentos tais como cinco castelos num só concelho e outros bem mais originais como o Curral Concelho, em
Alfaiates, mas também criando costumes que se mantiveram até aos nossos dias.
Com efeito, as incursões dos castelhanos pelas terras portuguesas fronteiriças, pilhando, incendiando e matando, eram
quase diárias. Certamente também eles dizem o mesmo dos portugueses, mas com o mal deles podíamos nós bem.
As populações tinham, por isso, que criar formas de defesa próprias e de que resultassem dificuldades mínimas ou que se
fizessem mesmo com agrado. Foi o que aconteceu com as rondas que durante toda a noite vigiavam as ruas.
Normalmente funcionavam em dois grupos de cerca de oito a dez rapazes que passeavam as ruas, sempre em zonas
opostas, cantando e soltando ah!... ah!... ah!...hi!...hi... a que os outros respondiam com ah!.... ah!....ah!... hu!...hu!...
muito prolongados.
Quando passavam à porta da namorada de um deles era apenas ele que soltava esse grito ou um assobio de pastor, que
ela conhecia muito bem, para que ela o ouvisse e soubesse que ele estava acordado e que lhe rondava a casa.
Para além de que só podiam participar os rapazes solteiros, era necessário também que já tivessem pago a patente e
os rapazes de fora só podiam participar se já tivessem pago o vinho.
Era também necessário que tivessem algum dinheiro pois que, por voltas da meia noite, entravam numa taberna,
subiam para a cozinha e mandavam assar um bocado de carne que comiam com pão, enquanto bebiam meio quartilho.
Não tinham horário, por isso comiam sem pressas e iam contando estórias de namoros ou de contrabando, misturadas
com algumas anedotas picantes.
Regressava-se à rua e localizava-se o outro grupo, para se colocarem em pontos opostos e, uma vez estabilizada a
situação começava-se a rezar o terço em voz suficientemente alta para, ao Pai Nosso rezado pelo primeiro grupo responder
o outro com o Pão Nosso e à Ave Maria de um dos grupos responder o outro com a Santa Maria.
Alternadamente iam encomendando os Mistérios e um cântico religioso, de acordo com as circunstâncias, era cantado
pelos dois grupos em simultâneo.
Em casa, as pessoas que ainda estavam ao serão, acompanhavam, em voz alta, a reza do Terço e os respectivos
cânticos, com a maior devoção.
A ronda durava até de manhã e, para passar o tempo, cantava-se, muitas vezes à desgarrada e outras em conjunto, mas
não deixavam de marcar a sua presença com os típicos gritos de ahu!... hu!... e ahi!... hi!... como resposta.
De manhã ia-se ainda de adega em adega provar o vinho dos pais dos participantes na ronda.
Embora chegasse a haver desentendimentos, quase sempre por rivalidades entre grupos ou por despiques de raparigas
que dois queriam namorar, as rondas estavam bem vistas pelos povos raianos, nenhum pai se opondo a que os filhos
passassem a noite fora de casa para participar nelas.
Havia, nessa altura, uma forma de cooperação entre todos os lavradores que consistia em encontrarem-se todos os
vizinhos, em Domingos a combinar, para arranjo dos caminhos. Normalmente era o regedor que se encarregava de
combinar os caminhos a arranjar e que convidava os vizinhos para o fazerem.
Era uma forma de encontro das pessoas que faziam esse trabalho em regime de festa e sem qualquer tipo de coacção.
Era também um dever cívico perfeitamente interiorizado pelas pessoas que aderiam voluntariamente, mas que seriam
asperamente criticados pelos vizinhos se, por acaso faltassem.
Com o advento do fascismo foi entendido pelas sumidades do Terreiro do Paço que as rondas não passavam de
costumes tribais que impediam as pessoas de descansar e, como tal mandaram perseguir os participantes nas rondas.
O regedor e os cabos de ordens passaram a andar atrás dos rapazes que participavam nas rondas e aqueles que
fossem apanhados eram castigados a participar nos arranjos dos caminhos.
Então sim, as populações passaram a não poder descansar com as correrias dos regedores e cabos às ordens atrás dos
rapazes e gritos de uns e de outros, durante toda a noite.
Conseguiram-se duas coisas com essa medida:
A primeira foi ir esmorecendo, até acabar com costumes ancestrais que não prejudicavam ninguém e que tinham
grande originalidade;
A segunda foi acabar com os arranjos dos caminhos pois que aquele trabalho que era encarado como um dever cívico
por todos aceite e como uma festa em que os amigos se encontravam, quebrando o rotineiro isolamento dos trabalhos
do campo, passou a ser encarado como castigo aplicado aos vadios, como o regedor e os governantes os
consideravam.
Pouco a pouco terminou por acabar uma coisa e a outra. As rondas porque os rapazes deixaram de se sentir seguros
devido às perseguições das autoridades e os arranjos dos caminhos porque passaram a ser considerado um castigo e um
trabalho feito por condenados.
in "MEMÓRIAS de ALFAIATES e outras Terras Raianas" de Porfirio Ramos
PAGAMENTO DO VINHOO pagamento do vinho pode ser considerado em duas modalidades que eram o pagamento
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Criado em: 30 September, 2016, 00:29
Junta de Freguesia de Alfaiates
da patente e "o pagamento do vinho" propriamente dito.
Este cerimonial não se aplica às raparigas, mas apenas aos rapazes.
O pagamento da patente não tinha as repercussões e, de certo modo, as consequências do pagamento do vinho.
O pagamento da patente era sempre de 100$00 e era pago por todos os rapazes que quisessem passar a andar, de
noite, nas ruas ou que quisessem namorar, o que vinha a ser quase a mesma coisa, pois que não podiam namorar se
não pudessem andar de noite nas ruas, para irem para casa da namorada e regressarem. Portanto era um pagamento
que todos os rapazes faziam voluntariamente e sem que tal lhes fosse pedido.
De dia tinha de se andar no campo a trabalhar e só de noite havia tempo para namorar. Para isso era necessário sair,
de noite, de casa e se isso acontecesse antes de pagar a patente logo, no escuro se ouvia alguém dizer, normalmente
com voz mais ou menos disfarçada: "cama marau que geia!...".
E se ele não regressasse imediatamente a casa levava um enxerto de pancadaria e não se lembrava mais de repetir a
proeza. A mesma coisa lhe podia acontecer se fosse encontrado duas ou três vezes sozinho, de noite na rua.
O pagamento da patente era visto como a passagem de criança a homem pelo que era considerada uma festa e não era
visto como um castigo.
Bem diferente era o pagamento do vinho por qualquer rapaz de fora que quisesse namorar na terra.
De comum tinha que o rapaz de fora que pagasse o vinho passava a ser considerado como se fosse da terra. Podia
namorar qualquer rapariga sem ser incomodado e podia participar nas rondas.
A diferença essencial é que, no pagamento da patente, por norma era o próprio rapaz que tomava a iniciativa de oferecer
o vinho e o pagamento do vinho era sempre da iniciativa dos rapazes da terra que o exigiam aos rapazes de fora que
fossem apanhados a namorar e a importância a pagar era proporcional ao valor da rapariga, ficando mesmo dispensado
do pagamento o rapaz que namorasse uma rapariga que se dissesse que já estava desflorada.
Na generalidade dos casos o rapaz fazia o possível por passar despercebido o máximo possível de tempo, sendo
argumento conhecido que não havia o direito de se exigir o vinho antes de se saber se o rapaz e a rapariga eram ou não
capazes de se entender e não parecia justo que se pagasse o vinho e, algumas semanas depois, acabasse o namoro. Só
que, muitas vezes, nem namoro chegava a haver pois bastava ver um rapaz de fora a conversas com uma rapariga para
que a casa desta passasse a ser vigiada. Assim que vissem o rapaz entrar lá em casa a rapaziada juntava-se num
instante e entravam pela casa dentro sem quaisquer formalidades e iam direitos ao assunto. Depois seguia-se afirmação
de inocência, ambos confirmando que não havia namoro, mas, perante a inflexibilidade dos rapazes passava-se à
negociação do montante a pagar.
Era generalizado o sentimento de antipatia pelos casamentos fora da terra, pois dizia-se que quem fora da terra vai
casar ou vai enganado ou vai enganar.
Com mais antipatia se viam ainda os casamentos com rapazes de Espanha pois dizia-se que, de Espanha nem bons
ventos nem bons casamentos.
Não se disse ainda a quem é que se pagava o vinho ou a patente nem como era gasto o dinheiro. Tanto o vinho das
patentes como o vinho dos namoros era pago para os rapazes e era gasto numa festa, no largo da terra, dando-se
vinho a toda a gente que passasse.
Se a importância fosse maior podia mesmo pagar-se a um acordeonista e havia também bailarico no mesmo local.
Nem todos os rapazes, no entanto, viam o pagamento do vinho com tão maus olhos, pois alguns não só não se escondiam
a namorar como quase eram eles a convidar os rapazes para receberem o vinho e fazerem a festa em que
participavam.
As raparigas a cujo namorado era pedido o vinho, no fundo também viam o pagamento do vinho com uma certa
simpatia, embora dissessem sempre o contrário porque o pagamento, principalmente sendo pago sem discussão
significava que o rapaz estava a namorar com intenções sérias.
Por vezes o pagamento do vinho rodeava-se mesmo de episódios rocambolescos com0o aconteceu com o Lele da Avó,
da Nave , que, um dia, vendo passar o Caçoilo, na camioneta da carreira, lhe disse que, no Domingo seguinte, queria
falar com ele. O Caçoilo aprontou-se logo para descer e fazer o resto do percurso a pé, nas o Lele, não aceitou, pois
disse-lhe que era mesmo em Alfaiates que queria falar com ele.
No Domingo aprazado o Lele apareceu, não quis entrar em casa do Caçoilo e começo a arrastá-lo por uma Rua,
começando a contar-lhe que queria namorar uma rapariga e se o apanhassem a entrar em casa dela de certeza faziamlhe pagar o vinho. Ora ele ainda nem sequer sabia se a Bei o queria.
Não concordava com esta forma de pagamento do vinho pois, em seu entender, o vinho só devia ser pedido em vésperas
do casamento, para não se correr o risco de se pagar o vinho e depois a rapariga nem sequer o aceitar em casamento.
Para passar despercebido pedia-lhe então que o acompanhasse a casa dela.
Só que, à medida que iam progredindo na rua o Caçoilo foi-se apercebendo que a rapariga a casa de quem ela o levava era
a rapariga a quem ele pedira namoro na semana passada e que ficara de lhe dar resposta depois de falar com os pais,
aguardando ainda o veredicto.
O Caçoilo foi perdendo a cabeça e já não sabia se havia de lhe dar uma sova, se devia chamar os outros rapazes da terra
e denunciá-lo ou se devia simplesmente desatar a fugir. Mas enquanto não tomava uma decisão ia-se aproximando de
casa da sua amada.
Foi uma solução para o Caçoilo a presença, na rua, do irmão da Bei que o puxou, dizendo-lhe que queriam jogar a bola e
precisavam dele para ficarem quatro de cada lado.
Não faltavam mesmo as pessoas que, com talvez um pouco mais de cultura, entendiam que se tratava de uma festa
original e que, como tal, devia ser fomentada e acarinhada. Foi o que aconteceu com o noivo, engenheiro, de uma
Professora, na Nave, que ganhou foros de celebridade no concelho, mas tentemos reproduzir o sucedido:
Os rapazes, como de costume, reuniram para combinar como é que se havia de fazer.
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O debate foi grande pois não se tratava de um caso vulgar. Era gente muito rica e poderosa, todos sabiam que
terminavam por necessitar da professora ou para os irmãos mais novos que ainda frequentassem a escola ou para os
filhos dali a uns anos, muitos rapazes precisavam de ganhar algum dinheiro na agricultura e o seu pai era o único
agricultor da terra que não conseguia cultivar as terras todas sozinho, pela que, de vez em quando, pagava alguns
jornais. E o noivo era engenheiro e, como tal, pessoa muito influente, podendo até vir ainda a arranjar emprego, nas
grandes cidades, para alguns.
Não faltaram alguns, liderados pelo Choino, a propor que não se lhe pedisse o vinho.
Esta posição não foi aceite pela maioria que entendia que praxe é praxe e, como todos os outros rapazes tinha de pagar
o vinho. O Puta Fina foi mesmo mais longe e argumentou que, não lhe pedirem o vinho podia mesmo ser altamente
ofensivo, pois corresponderia a igualar a Senhora Professora a uma daquelas raparigas que já estavam desfloradas e
que nenhum rapaz queria.
Mas não era fácil pedir-lhe o vinho. Quem é que iria atrever-se a entrar em casa dos pais da Senhora Professora para
pedir o vinho ao noivo?
.Entramos todos ao mesmo tempo, dizia o Zé Coxo.
-.E depois quem é que fala? Não podemos falar todos ao mesmo tempo. Ninguém se iria entender!..., argumentava o
Lele Pequeno que, por sinal, até era o mais alto de todos os rapazes lá da terra.
-.Se for preciso falo eu, disse o João Chocha.
-.E quanto é que se vai pedir?
-.Pelo menos 500$00?!...
-.Não estás a falar a sério!... Isso é uma fortuna!... É metade do que ganha a Senhora Professora num mês!!!...
-.Custa-lhe menos a ele pagar 500$00 do que a mim pagar um copo de três e comprar um prato de chochos!...
Feito esse acordo estabeleceu-se que se iria a casa da Senhora Professora no dia seguinte se o noivo lá estivesse.
E estava, com efeito.
Os rapazes, depois de baterem à porta, entraram quase de rompão, embora convidados pela própria noiva que os veio
receber.
Foram conduzidos para a sala em que já se encontrava o noivo e foi a professora que, ao ver os rapazes muito
atrapalhados e sabendo perfeitamente ao que vinham, perguntou muito sorridente e bem humorada:
-.Então, rapazes, que é que vos traz por cá?
A atrapalhação parece que aumentou ainda mais e foi a própria noiva que veio em seu socorro.
-.Então, Puta Fina, fala lá tu.
-.Como é que disseste?!...
-.Puta Fina. É a alcunha dele e ninguém cá na terra o conhece por outro nome. É um dos rapazes mais espertos e é
também muito simpático. Além disso é também o mais valente, pois consegue transportar o guião nos dentes num dia
de vento.
-.Nós pedimos desculpa, mas, como é tradição, vínhamos pedir o vinho ao Senhor Engenheiro.
-.Como é isso?...
A Professora deu uma gargalhada e disse:
-.Trata-se de uma tradição cá da terra que consiste em pedir , aos rapazes de fora que namorem uma rapariga cá na
terra, "o vinho", uma importância em dinheiro destinada a vinho para distribuir, num local público, a toda a gente. Ou
melhor, destinado a uma pequena festa em que o vinho tem as principais honras.
-.O rapaz de fora que paga o vinho fica a ser considerado como sendo da terra e até pode participar nas rondas. E se
namorar outras raparigas já não volta a pagar o vinho.
-.É uma tradição original, que não deixa de ser engraçada, até mesmo quando o rapaz se recusa a pagar e depois passa a
ser vigiado e se volta aparecer na freguesia leva uma sova.
-.E quanto é que vocês querem?
-.Costuma ser uma importância proporcional ao valor da rapariga, mas o Senhor Engenheiro pode pagar o que quiser. Foi
assim que combinámos.
O noivo, com ar brincalhão, virou-se para a professora e perguntou:
-. Quanto é que tu vales?
-.Ainda não sei. Tu é que vais dizer!...
O Engenheiro virou-se para os rapazes e, com o ar mais sério do mundo, perguntou:
Se forem 1500$00 está bem?
Os rapazes quase deram saltos com a satisfação e com a agradável surpresa.
A professora, com ar brincalhão, virou-se para o noivo e perguntou:
-.É esse o meu valor?
O noivo ficou um tanto ou quanto embaraçado e disse:
-.Não!... Só que tu vales tanto que, ainda que eu trabalhasse toda a vida e vendesse todas as propriedades do meu pai eu
não conseguia arranjar dinheiro suficiente para pagar o teu valor, mas, se estes amigos aceitarem esta importância,
podemos fazer aí uma pequenina festa.
Os rapazes começaram a desfazer-se em agradecimentos, mas o noivo continuou:
-.Mas com uma condição!... vocês vão marcar a data para essa festa e vão autorizar que eu traga alguns amigos meus,
da minha terra, porque eles vão gostar de conhecer estes costumes!...
-.Com certeza!... O Senhor Engenheiro pode trazer todas as pessoas que quiser e nós vamos ficar muito orgulhosos de
os ter cá. Vamos fazer mesmo por recebê-los da melhor maneira!...
Com esse dinheiro que os rapazes administraram como entenderam, como, aliás, acontecia em todos os casos, foi
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Criado em: 30 September, 2016, 00:29
Junta de Freguesia de Alfaiates
feita como que uma boda antecipada e oferecida ao público, no largo da freguesia..
Estavam lá, nesse dia, conforme combinado, os amigos do Engenheiro e, no largo do chafariz, foi colocada uma
cadeira para o acordeonista e uma mesa com cadeiras para a noiva, para o noivo e os seus convidados e para os pais
da noiva, que, de sua iniciativa, ofereceram ainda os cabritos necessários para toda a gente ficar satisfeita. Mas a
grande surpresa, para toda a gente foi que também o Puta Fina teve lugar nessa mesa.
Houve acordeonista e tamborileiro e o bailarico durou até alta noite.
No final do baile todos os rapazes fizeram questão em que o Engenheiro, para celebrar os direitos adquiridos,
participasse na ronda como qualquer rapaz da freguesia. A partir de então o Senhor Engenheiro era cidadão de pleno
direito.
Foi um caso memorável, pois não é todos os dias que casa uma professora da terra.
No entanto, nem sempre corriam assim os pedidos do vinho.
Com frequência, o rapaz, ou porque ainda só está na fase de atirar o barro à parede ou porque o namoro está ainda
numa fase incipiente, procura adiar ou mesmo esquivar-se ao pagamento do vinho. É que hoje pode parecer ridículo que,
por 100$00 se façam cenas destas, mas naquela altura e numa região que primava pela ausência de dinheiro e pelas
trocas directas, essa importância tinha implicações graves na vida de muitas pessoas.
Os rapazes é que, assim que apanhassem um rapaz de outra terra em casa de uma rapariga, não perdoavam e exigiam
mesmo a importância que entendiam. Muitas vezes tentava negociar-se uma importância inferior à pedida, mas,
normalmente essa verba ia já estipulada e não voltavam atrás.
Podiam, isso sim, combinar outro dia para o pagamento porque raramente se andava com tanto dinheiro no bolso, mas
se não pagasse nas condições acordadas escusava tentar voltar a namorar naquela terra porque assim que fosse
apanhado levava uma carga de pancada que iria ficar-lhe para memória.
Se simplesmente se recusasse a pagar então podiam os rapazes, por respeito para com os donos da casa sair
sossegadamente, mas não havia forma de disfarçar a saída sem ter de se haver com a rapaziada.
Os pais do noivo, por norma, tomavam partido pelo namorado da filha, mas, muitas vezes, as próprias raparigas estavam
a favor da exigência do pagamento do vinho quer para deixarem de assistir a estas fitas que não eram nada
agradáveis quer para terem a certeza dos sentimentos do rapaz, entendendo-se que se ele não queria pagar é porque
as suas intenções não eram as melhores e era sinal de que apenas andava ali para brincar.
Se o rapaz aceitava pagar o vinho sem renitências era sinal de a sua intenção era mesmo o casamento.
Mas fosse qual fosse o dia do pagamento, isto é, quer o rapaz pagasse logo nesse dia quer pagasse em dia posterior a
combinar a festa era sempre acordada com ele para que ele pudesse participar e conviver com os rapazes de cujo
universo passava a fazer parte.
In " Memórias de Alfaiates e outras terras raianas" de Porfirio Ramos
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