A MÃO DE DEUS AO LEME

Transcrição

A MÃO DE DEUS AO LEME
A Mão de Deus ao Leme
1
A MÃO DE DEUS AO LEME
Enoch de Oliveira
Casa Publicadora Brasileira
Santo André - São Paulo
Primeira edição
Dez mil exemplares - 1985
[Contracapa:]
A Mão de Deus ao Leme
A Igreja nasceu pequena. E surgiu dos escombros de uma grande
decepção. Desde seu início e através dos anos, houve quem previsse e
até mesmo torcesse por seu fracasso. Mas houve também quem
acreditasse em seu triunfo e trabalhasse para tanto.
Confiantes na direção divina, homens e mulheres investiram nessa
causa tudo o que possuíam – tempo, bens e até a própria vida. Se em
algum momento, a nau adventista pareceu vacilar no mar de incerteza
que assolava o mundo, por outro lado, pairava sobre todos a certeza de
que a Mão maior estava ao leme, conduzindo ao rumo seguro.
A Igreja cresceu e se agiganta. Mas não podemos ignorar suas
origens, sua história. Vale a pena conhecer seus percalços do passado e
tirar lições quanto ao seu futuro, com a certeza de que a mão de Deus
continua no leme.
A Mão de Deus ao Leme
2
ÍNDICE
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
PRIMEIRA PARTE
1. E a Terra Ajudou a Mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2. O Meu Ventre Ficou Amargo . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3. Coisas Fracas Para Confundir as Fortes . . . . . . . . 33
4. Romperá a Tua Luz Como a Alva . . . . . . . . . . . . . 45
5. Decentemente e Com Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
6. Para Que Tenham Vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
7. Suaves ... os Pés do Que Anuncia . . . . . . . . . . . . . . 78
8. O Justo Viverá da Fé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
9. Uma Espada de Fogo Sobre Battle Creek . . . . . . 102
10. As Portas do Inferno Não Prevalecerão . . . . . . . . 111
Primeiros Vendavais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
Primeira Dissidência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Grupo Marion . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
A Igreja Não é Babilônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
O Movimento da "Carne Santa'' . . . . . . . . . . . . . . . . 117
A Crise Panteísta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
Movimento Rowenita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Movimento Reformista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
Robert D. Brinsmead . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Desmond Ford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
Walter Rea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Meu Pai Está ao Leme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
SEGUNDA PARTE
11. Todos Estes Morreram na Fé . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Guilherme Miller . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
Hirã Edson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
A Mão de Deus ao Leme
José Bates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
Ellen G. White . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
Uriah Smith . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
TERCEIRA PARTE
12. Naufrágios na Fé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Dudley M. Canright . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
John H. Kellogg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ellet J. Waggoner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Alonzo T. Jones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
179
179
187
195
201
QUARTA PARTE
13. Varão Conforme o Meu Coração . . . . . . . . . . . . . 213
John Byington . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214
Tiago White . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
John N. Andrews . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 226
Jorge I. Butler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
Ole A. Olsen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
Jorge A. Irwin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
Arthur G. Daniells . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253
Guilherme A. Spicer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262
Carlos H. Watson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
J. L. McElhany . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
Guilherme H. Branson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283
Rubem R. Figuhr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 290
Robert H. Pierson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
Neal C. Wilson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
Apêndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
Cristo no Santuário Celestial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
Ellen G. White e as Questões Doutrinárias . . . . . . . 334
3
A Mão de Deus ao Leme
4
PREFÁCIO
Uma definição corriqueira ensina que história é o relatório dos
eventos ocorridos. Obviamente apenas os eventos que têm significado
em relação à vida e existência da humanidade fazem história.
Este é um livro de história, mas a história encontrada nele não é
meramente o relato de eventos humanos, porque a história da Igreja
Adventista do Sétimo Dia é a história de como Deus Se relaciona com o
povo que há de cumprir Seu propósito em relação aos últimos eventos
que ocorrerão neste mundo.
No contexto da Revelação, a história sempre serviu de fundamento
e apoio para os apelos divinos no sentido de que o povo deveria exercer
completa confiança em Deus.
Uma significativa porção das Escrituras Sagradas se compõe de
relatos históricos que funcionavam para o Israel literal e funcionam para
o Israel espiritual, como lembrete de que o Deus que interveio nos
eventos passados é poderoso e capaz de ajudar e conduzir os destinos da
geração presente.
Uma filosofia cristã da história forçosamente levará o investigador
sincero a se encontrar com Deus, que em última instância é o verdadeiro
Arquiteto da história da humanidade.
"Nos anais da história humana o crescimento das nações, o
levantamento e queda de impérios, aparecem como dependendo da
vontade e façanhas do homem. O desenvolver dos acontecimentos em
grande parte parece determinar-se por seu poder, ambição ou capricho.
Na Palavra de Deus, porém, afasta-se a cortina, e contemplamos ao
fundo, em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos interesses,
poderio e paixões humanas, a força de um Ser todo misericordioso, a
executar, silenciosamente, pacientemente, os conselhos de Sua própria
vontade." – Educação, pág. 173.
Infeliz é o povo que perde a memória de suas origens, e a Igreja
Adventista não pode esquecer sua história. É olhando para o passado que
A Mão de Deus ao Leme
5
a igreja do presente renova sua confiança na certeza de que o Movimento
Adventista não é um movimento de feitura humana, mas que foi
provocado pela ação de Deus num cumprimento incontestável das
profecias dos livros de Daniel e Apocalipse.
No ano de 1915, pouco antes de sua morte, Ellen G. White escreveu
este testemunho de fé: "Ao recapitular a nossa história passada, havendo
revisado cada passo de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer:
Louvado seja Deus! Ao ver o que Deus tem realizado, encho-me de
admiração e de confiança na liderança de Cristo. Nada temos que recear
quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor
nos tem guiado, e os ensinos que nos ministrou no passado." –
Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.
A história dos organismos religiosos ensina que a terceira geração
de membros enfraquece a textura do movimento, porque perde contato
com os fundamentos cridos e defendidos pelos país pioneiros.
Alguns dos movimentos liberalizantes que se desenvolveram entre
os adventistas em nossos dias, revelam que muitos estão perdendo
contato com as razões e os fundamentos de nossa fé, e isso nos diversos
campos de ação da Igreja: educação, administração, doutrinas e mesmo
missão do Adventismo. Esta atitude tem destruído em muitos a confiança
na presente atuação de Deus em relação a Sua Igreja, acenando-lhes com
um futuro incerto e especulativo.
Este livro que a Igreja Adventista acaba de receber aqui no Brasil,
da pena erudita de um de seus mais nobres pensadores, é de molde a
estabelecer confiança sem reservas na autenticidade divina do
Movimento Adventista.
O Dr. Enoch de Oliveira, filho de um dos pioneiros da página
impressa no Brasil, busca no passado o argumento da história para
iluminar as sendas das realizações presentes da Igreja. Assim, pois, o
livro que você tem em mão é um livro de fé.
No momento em que muitos preferem palmilhar a senda das
dúvidas, estribados na teologia do ''Se" e num racionalismo especulativo,
A Mão de Deus ao Leme
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o autor, num estilo rico e exuberante, esbanja certeza e lealdade, fé e
confiança nos marcos inamovíveis das verdades adventistas.
A Igreja de Deus não está em crise. Em crise estão alguns que
silenciosa ou audivelmente, velada ou publicamente, por razões pessoais,
preferem se distanciar da estabilidade confortadora que a Igreja lhes
oferece. Abandonam a segurança da arca de Deus para se aventurarem
nas ideologias incertas do oceano das especulações humanas.
Começando com os primeiros lampejos da alvorada milerita, o
autor conduz o pensamento do leitor através de todo o processo histórico
da maturação doutrinária e organizacional da Igreja Adventista; a
geração dos pioneiros desaparece e novos líderes surgem; inimigos
profetizam o aborto do embrião adventista; movimentos dissidentes
prometem esfacelar a unidade da fé pela influência de homens poderosos
na arte de argumentar; livros e revistas surgem como esponjas
impregnadas do veneno da incredulidade e amargura; mas todos esses
eventos apenas servem para dar à Igreja de Deus a maturidade plena e
para que a árvore do advento mais aprofunde suas raízes no solo do
estudo da Palavra de Deus.
O autor demonstra que a história das realizações dos pioneiros, dos
movimentos opositores, da reestruturação organizacional, da ação
resoluta de líderes do passado e do presente, ergue diante do mundo a
inquestionável certeza de que "a mão de Deus está fazendo girar o teme".
Queira Deus que cada leitor, ao passar por estas páginas de
testemunhos da história, possa ouvir, acima do elegante estilo, dos
nomes e fatos mencionados, a voz de Deus afirmando-lhe uma vez mais:
"Minha Mão Está ao Leme. "
Joel Sarli
A Mão de Deus ao Leme
7
INTRODUÇÃO
Em meio às densas selvas que cobrem o território oriental peruano,
ouve-se
murmúrio
de
um
pequeno
regato,
serpeando
despretensiosamente a imensa floresta. Aquele córrego, em seu tímido
esforço, abrindo caminho em mero a uma exuberante vegetação tropical,
parece por vezes prestes a desaparecer absorvido pela terra sedenta. Mas
contornando sucessivos obstáculos, o arroio avança aumentando
gradualmente o ímpeto de sua corrente. Alimentado ao longo do seu
curso por pequenos tributários, o córrego se transforma
progressivamente em caudaloso rio, conhecido pelo nome de Solimões.
Cruzando a linha divisória que separa o Brasil do Peru, o Solimões segue
seu curso natural, aprofundando seu leito, alargando suas margens e
ampliando seu caudal. Recebendo as águas de um considerável número
de afluentes, o Solimões se transforma no exuberante Amazonas, um dos
maiores rios do mundo.
Do crescimento do pequeno arroio nas selvas peruanas e sua
surpreendente transformação no caudaloso Amazonas, podemos derivar
uma analogia relacionada com a história do adventismo. Em seus
primórdios, o adventismo se resumia em um inexpressivo pugilo de
piedosos estudantes das profecias, sobreviventes do naufrágio milerita.
Em seus anos formativos parecia demasiado tênue, prestes por vezes a
desaparecer, vítima do escárnio, zombaria e desdém de seus adversários.
Mas sob a poderosa compulsão do Espírito Santo, aqueles homens e
mulheres de fé lograram transformar um tímido e vacilante começo em
caudaloso movimento profético.
Neste livro analisaremos o surpreendente crescimento e
organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Veremos como este
movimento, assim como as águas murmurantes de um arroio em seus
começos, guiado pela mão divina, se transformou em poderoso
complexo eclesiástico internacional. Vê-lo-emos, página após página,
A Mão de Deus ao Leme
8
avançar triunfante, malgrado os sucessivos e inúmeros obstáculos que se
levantaram em seu caminho.
O leitor não encontrará em suas páginas um panegírico emotivo da
Igreja, ou uma ardente apologia de suas doutrinas, mas sim uma análise
contextual do ambiente em que surgiu o adventismo no Século XIX, e
uma apreciação das razões históricas e proféticas que justificaram suas
origens, desenvolvimento e consolidação.
Embora procurando usar de inteira imparcialidade e justiça na
apreciação dos eventos e na análise da contribuição dada ao movimento
por seus fundadores, o autor admite a possibilidade de haver exaltado
com demasiado entusiasmo a obra realizada pelos pioneiros. O leitor,
entretanto, saberá compreender com espírito indulgente, que o livro foi
escrito por alguém que, educado dentro da filosofia adventista, jamais
lograria divorciar-se de suas raízes para produzir uma obra
absolutamente imparcial.
A idéia da publicação deste livro surgiu na mente de minha esposa,
e contou com sua dedicada cooperação e análise crítica. Coube-lhe não
apenas a tarefa monótona e cansativa de datilografar os originais e
conferir as notas bibliográficas, mas também ocupar-se no esforço por
simplificar a linguagem, tornando-a menos técnica e mais acessível aos
leitores não afeitos à terminologia própria do jargão teológico.
Oxalá o Senhor encha de bênçãos o coração de todos quantos lerem
este livro, levando-os a uma clara compreensão da origem e missão da
Igreja Adventista, infundindo-lhes fé e confiança em sua mensagem e
destino.
O autor
A Mão de Deus ao Leme
9
E A TERRA AJUDOU A MULHER
"E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a sua boca, e tragou o rio
que o dragão lançou de sua boca." Apocalipse 12:16
Ocorreu no dia 14 de fevereiro de 1556. A catedral de Oxford, na
Inglaterra, regurgitava de sacerdotes e prelados. Entre eles destacava-se a
figura serena de Tomás Cranmer, respeitado arcebispo de Canterbury,
primaz da Inglaterra, prestes a ser degradado de sua elevada investidura
eclesiástica.
Uma enervante expectativa dominava os religiosos reunidos
naquele histórico encontro. A cerimônia teve o seu início quando os
representantes papais vestiram o arcebispo com uma réplica barata dos
hábitos episcopais, com os seus coloridos ornamentos e dignidades
eclesiásticas. O ritual foi solene e impressionante. As insígnias e os
símbolos lhe foram arrancados um após outro em uma cerimônia
carregada de dramatismo e emoções. A veste talar e o manto litúrgico
que lhe foram tirados. Sua cabeça, embora pronunciadamente calva, foi
raspada. O óleo da unção foi simbolicamente removido de suas mãos. E
quando afinal destituído de todas as dignidades inerentes ao seu elevado
ofício, ouviu-se uma voz grave e solene repercutindo dentro das arcadas
do grande santuário. Era o Bispo Bonner anunciando o fim do
humilhante ritual. Cranmer havia sido degradado. Todos os vestígios de
sua autoridade eclesiástica foram removidos.
Este desusado melodrama, entretanto, foi apenas o prelúdio de um
episódio mais intenso, acorrido um mês mais tarde. Submetido
arbitrariamente a uma cruel tortura mental, Cranmer assinou sem
convicção um documento no qual "confessava" suas heresias e se
retratava dos seus "desvios teológicos''.
Levado depois a uma outra cerimônia especial na igreja de Santa
Maria, a fim de confessar publicamente seu "extravio espiritual" e
exortar os "hereges" a abandonar os seus "maus caminhos", surpreendeu
A Mão de Deus ao Leme
10
a todos quando anunciou sua firme determinação de jamais violar a
consciência, renunciando convicções cristalizadas.
"Esta mão que assinou o documento contendo a minha confissão
deverá ser a primeira a ser consumida nas chamas do fogo inquisidor",
declarou solenemente. E acrescentou: "Rejeito o papa por ser inimigo de
Cristo.... Rejeito-o por seus falsos dogmas. No tocante aos sacramentos..."
Seu discurso foi abruptamente interrompido e sua voz abafada por outras
vozes que se uniram em um protesto histérico e satânico. Arrastado pela
multidão para fora do santuário, foi depois condenado pelos tribunais da
igreja. Com um heroísmo reconhecido pelos próprios verdugos,
sucumbiu em meio às labaredas crepitantes de mais uma criminosa
fogueira ateada pela intolerância medieval.
Aquela mão, entretanto, não merecia ser destruída pelo fogo, pois
foi responsável pela redação do Book of Commum Prayer (Livro da
Oração Comum), um dos clássicos da literatura cristã, usado pela igreja
na Inglaterra em seus serviços litúrgicos.
Cranmer foi mais um mártir entre milhões imolados no altar da
intolerância religiosa, vítimas da coerção e do arbítrio. Pereceu porque
ousou levantar a voz contra o dominante abastardamento da fé cristã.
O cristianismo vivia então um período sombrio de sua história. O
evangelho pregado por Cristo e Seus apóstolos se havia contaminado nas
fontes poluídas do paganismo. Embora professando aceitar a Jesus como
o Filho de Deus e crer em Sua morte e ressurreição, os cristãos em sua
maioria perderam de vista a malignidade do pecado e não mais sentiam
necessidade da graça redentora do evangelho. O germe da idolatria
produzia sua obra funesta. Dogmas, ritos supersticiosos e cerimônias de
origem pagã se introduziram no seio da igreja, incorporando-se à fé dos
professos seguidores de Cristo.
A pena inspirada, com notável veemência, descreve as condições
espirituais daqueles idos, dizendo:
"Prevaleciam a fraude, a avareza, a libertinagem. Os homens não
recuavam de crime algum pelo qual pudessem adquirir riqueza ou posição.
A Mão de Deus ao Leme
11
Os palácios dos papas e prelados eram cenários da mais vil devassidão.
Alguns dos pontífices reinantes eram acusados de crimes tão revoltantes
que os governadores seculares se esforçavam por depor esses dignitários
da igreja como monstros demasiado vis para serem tolerados no trono.
Durante séculos não houve progresso no saber, nas artes ou na civilização.
Uma paralisia moral e intelectual caíra sobre a cristandade." 2
Sobre a igreja apóstata ondeava o negro estandarte de Satanás. Em
vão protestaram grupos minoritários contra os desvios da igreja, e
reclamavam reformas vigorosas tendo em vista a restauração da "fé que
uma vez foi dada aos santos". Suas vozes, entretanto, eram sempre
reduzidas ao silêncio pela maioria inconversa, apoiada na força
esmagadora dos números.
Unindo-se ao Estado em um conúbio adulterino, Roma passou a
empregar o braço secular no manejo das armas temporais, tendo em vista
calar os fiéis porta-estandartes do evangelho apostólico. Desencadeou-se
então uma perseguição brutal, obstinada e sem quartel contra os fiéis,
inconformados com as aberrações pagãs introduzidas no seio do
cristianismo.
Este despotismo religioso se inspirou no pensamento de Tomás de
Aquino (1225-1274), teólogo medieval, também chamado Doutor
Angélico, que com argumentos discutíveis defendeu a pena de morte
para os "hereges", os "corruptores da fé cristã".3
Inocêncio III (1198-1216), cujo pontificado se destacou pela vileza
de caráter, do regaço de seu absolutismo, instituiu o execrável tribunal da
"Santa Inquisição", e apregoou a sangrenta extirpação das minorias
dissidentes, insatisfeitas com os desvios e corrupções da igreja.
Percebendo as intenções sangüinárias de Roma, milhares buscaram
refúgio nos vales, nas cavernas das montanhas, nos lugares ermos e
solitários. Cumpria-se o vaticínio inspirado: "A mulher [igreja] fugiu
para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse
alimentada durante mil e duzentos e sessenta dias."4
Traduzindo a determinação daqueles fiéis exilados, Ellen G. White
escreveu:
A Mão de Deus ao Leme
12
''Estavam decididos a manter sua fidelidade a Deus, e preservar a
pureza e simplicidade de fé. Houve separação. Os que se apegaram à
antiga fé, retiraram-se; alguns, abandonando os Alpes nativos, alçaram a
bandeira da verdade em terras estrangeiras; outros se retraíram para os
vales afastados e fortalezas das montanhas, e ali preservaram a liberdade
de culto a Deus."5
Preocupado em manter a "unidade da fé", Inocêncio III decretou o
extermínio dos albigenses, que insistiam num culto espiritual, sem o uso
de crucifixos. Como resultado, no sul da França, cidades inteiras foram
destruídas e seus habitantes passados à espada. Seguindo instruções de
Roma, atrocidades inomináveis foram também perpetradas pelo Duque
de Alba, com as minorias cristãs dos Países Baixos. O número dos que
foram executados, segundo Gibbon, durante um curto reinado de terror,
excedeu em muito o número de mártires, no espaço de três séculos, no
Império Romano.
"As barbaridades cometidas entre o saque e ruínas de cidades
esfaimadas e abrasadas vão quase além do que se pode crer; criaturas
eram arrancadas do ventre dos corpos vivos de suas mães; mulheres e
crianças violadas aos milhares, e populações inteiras queimadas e
espatifadas pelos soldados, por todos os meios que podia imaginar a
crueldade em seu engenho diabólico."6
Nos anais da crueldade humana, ocupam um lugar saliente a
impiedosa tempestade de sangue que se abateu sobre a Franca na noite
de 24 de agosto de 1572, a trágica noite de São Bartolomeu. Milhares de
cristãos despertados de seu tranqüilo sono e arrastados para a rua, foram
brutalmente assassinados. Nobres e campesinos, homens idosos, mulheres
inermes e até crianças foram juntamente torturados e exterminados a
sangue frio. As vítimas são variavelmente calculadas de dez a cem mil.
O violento ataque, consumado com inconcebível fúria, suscitou uma
onda de horror, espanto e indignação. A hierarquia religiosa, entretanto,
celebrou o selvagem genocídio com aclamações festivas.
"Quando as notícias do massacre chegaram a Roma, a exultação entre
o clero não teve limites. O cardeal de Lorena recompensou o mensageiro
com mil coroas; o canhão de Santo Ângelo reboou em alegre salva; os sinos
A Mão de Deus ao Leme
13
tangeram em todos os campanários; fogueiras festivas tornaram a noite em
dia; e Gregório XIII, acompanhado dos cardeais e outros dignitários
eclesiásticos, foi, em longa procissão, à igreja de São Luís, onde o cardeal
de Lorena cantou o Te Deum. ..."7
Com efeito, Roma se mostrava embriagada "com o sangue dos
santos e o sangue das testemunhas de Jesus".8 O tribunal do Santo
Ofício, criado por Inocêncio III por decisão do Concílio de Tolosa, além
de haver inspirado crudelíssimas perseguições, sentenciou à morte
Henrique Voes, Wishart, Hamilton, Latimer, Cranmer, Huss, Jerônimo,
Savonarola e muitos outros piedosos líderes religiosos. Os ''autos-de-fé''
sufocaram num oceano de sangue todos os intentos de preservar a pureza
e a simplicidade de fé que caracterizaram a igreja cristã primitiva.
Indiferente aos crimes hediondos cometidos contra os direitos
humanos, Roma parecia empenhar-se com redobrado vigor em sua sanha
perseguidora. "E a serpente [Satanás] lançou de sua boca atrás da mulher
[igreja] água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar." 9
Por intermédio do despotismo eclesiástico, Satanás intensificou a seu
furor assassino, arremessando poderosas cruzadas (água como um rio)
que, com violência e atrocidades sem conta, pretendiam extirpar a
"heresia". E milhares, "dos quais o mundo não era digno'', sucumbiram
regozijando-se por serem contados dignos de sofrer pela causa da
verdade.
"Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se
salvaria",10 disse o Senhor em Seu sermão profético. Malgrado a "grande
tribulação'', a igreja de Cristo permaneceu imbatível. O calabouço, a
tortura, o patíbulo, a forca e a fogueira foram insuficientes para dissuadilos de sua lealdade para com Deus e sua consciência. Embora ultrajados,
cobertos de infâmia, estigmatizados como a escória do mundo,
permaneceram firmes "como vendo o invisível''.11 Deus, porém, em Sua
misericórdia para com Seu povo, abreviou o tempo de sua terrível prova.
"E a terra ajudou a mulher [igreja] e tragou o rio que o dragão
lançara de sua boca."12 Com os triunfos da Reforma do século XVI, as
A Mão de Deus ao Leme
14
cruzadas movidas contra os eleitos de Deus, perderam o seu ímpeto
original. Multiplicaram-se os defensores da verdadeira fé. Com o triunfo
protestante logrado na Alemanha, Suíça, Holanda, Noruega e Suécia, o
poder perseguidor de Roma ficou circunscrito dentro de uma jurisdição
mais limitada. E as multidões, vítimas da intolerância, opressão e
arbítrio, buscaram refúgio nas terras conquistadas pela Reforma, onde
foram recebidos afetuosamente e tratados com dignidade e ternura.
A revolução religiosa, então em marcha, proporcionou à Inglaterra
as condições indispensáveis para a implantação de uma religião nacional.
A supremacia papal foi rejeitada e em seu lugar o rei se entronizou como
cabeça da igreja. Porém, muitos costumes e cerimônias de origem
romana permaneceram incorporadas ao seu culto. Gradualmente, o
direito de cada cidadão adorar a Deus segundo os ditames de sua própria
consciência passou a ser ignorado. O monarca passou a exigir que todos
os cidadãos aceitassem os dogmas e a liturgia formulados pela igreja
oficial.
"Foi proibido ao povo, sob pena de pesadas multas, prisão e
banimento, assistir a qualquer reunião religiosa exceto às que eram
sancionadas pela igreja. As almas fiéis que não podiam abster-se de se
reunir para adorar a Deus, eram obrigadas a reunir-se nas ruas escuras, em
sombrias águas-furtadas e, em certas estações, nos bosques à meia-noite.
... Muitos sofreram pela fé. As cadeias estavam repletas. As famílias eram
divididas. ... Contudo, Deus estava com Seu povo, e a perseguição não
conseguia fazer silenciar-lhes o testemunho."13
Durante o reinado de Tiago I (1603-1635), muitos líderes religiosos
dissidentes foram perseguidos, lançados no recesso de sombrias
masmorras e afinal executados. João Greenwood, dirigente de um grupo
chamado "Pais Peregrinos'', pagou com o sangue sua inconformidade
com os resquícios de idolatria existentes no culto oficial. Seus seguidores
perceberam então que "a Inglaterra estava deixando de ser para sempre
um lugar habitável".14 Com surpreendente arrogância o rei declarou sua
disposição de fazer com que os dissidentes "se conformassem ou...
oprimi-los-ia para saírem do país, ou farra coisa pior" 15
A Mão de Deus ao Leme
15
A ameaça era séria. Urgiam medidas acauteladoras. Vislumbrando
dias sombrios, os "Pais Peregrinos'' decidiram, com o seu pastor, João
Robinson, cruzar o Canal da Mancha, e se estabelecer nas terras livres da
Holanda, território conquistado pela Reforma.
Posteriormente planejaram cruzar as águas do Atlântico, tendo em
vista alcançar as praias da América do Norte, onde sonhavam estabelecer
"uma igreja sem papa e um Estado sem rei''.
Simultaneamente com os movimentos da Reforma na Europa, os
navegadores ibéricos, percorrendo ''mares nunca dantes navegados'',
descobriram o Novo Mundo. Deus, em Seus insondáveis desígnios,
estava preparando um outro lugar de refúgio para a "mulher", Sua igreja,
então afligida pela espada inclemente a serviço do arbítrio.
Depois de três anos de planejamento, os peregrinos pareciam
preparados para iniciar a grande viagem através do Atlântico. Em uma
velha embarcação, chamada Speedwell, no dia 22 de julho de 1620,
começaram a heróica aventura. Quando, tangidas pelos ventos, as velas
se enfunaram, entre lágrimas, orações e cantos de louvor a Deus,
expressaram sua determinação de seguir rumo ao ocidente, com o
propósito de acender no Novo Mundo a chama da liberdade.
Não tardaram, entretanto, a concluir que o velho barco no qual
iniciaram a viagem não oferecia segurança suficiente para o cruzeiro
marítimo. Decidiram pois, em Plymouth, Inglaterra, tomar um outro
barco, o Mayflower, com o qual deram continuidade à grande epopéia
em direção ao desconhecido. Eram ao todo 102 passageiros, iniciando no
dia 6 de setembro de 1620, a segunda etapa do extenso itinerário. Dois
passageiros adicionais foram acrescentados ao grupo – bebês que
nasceram durante a viagem.
Depois de uma tormentosa aventura que durou sessenta e sete dias,
o Mayflower ancorou junto ao litoral do novo continente, em um dia
hibernal de novembro. Antes de desembarcarem com as suas Bíblias,
hinários, roupas e poucos objetos de uso pessoal, firmaram um
documento histórico – o Pacto do Mayflower, reconhecido posteriormente
A Mão de Deus ao Leme
16
como autêntica Carta Magna de liberdade, uma extraordinária declaração
de princípios que pavimentou o caminho para a implantação dos ideais
democráticos, baseados na separação do Estado e a Igreja.
O desembarque ocorreu no início de um rigoroso inverno, com suas
inclementes tempestades de neve. O longo período vivido a bordo de
uma pequena embarcação deixou-os fisicamente debilitados, suscetíveis
à pneumonia, tão comum naqueles idos, durante a estação hibernal.
Como resultado, dos 104 peregrinos, 54 morreram durante o primeiro
ano. As mulheres foram as que mais sofreram. Somente cinco, entre as
dezoito esposas, lograram sobreviver. Houve momentos em que apenas
sete colonos mostraram-se fisicamente em condições de cuidar dos
demais enfermos.
Com o advento da primavera, as perspectivas se tornaram mais
brilhantes. Puderam então se dedicar à caça, pesca e à colheita de frutas
silvestres. A plantação de milho produziu bons resultados. A construção
das casas foi acelerada e as relações com os índios, que a princípio se
caracterizaram pela hostilidade, se tomaram cordiais e pacíficas.
Guilherme Bradford, descrevendo as impressões vividas durante
aquela transição de estações, assim se expressou:
"Passado o inverno, todas as coisas se apresentaram com o aspecto
de haverem sido aportadas pelas tormentas. O país inteiro, cheio de
bosques e matagais, oferecia um panorama selvagem. Se olhássemos para
trás, víamos o oceano rugidor que havíamos atravessado e que agora
significara a barreira e o abismo separando-vos do mundo civilizado. ...
Quem nos poderá suster agora senão o Espírito de Deus e Sua graça?" 16
Apesar das enormes e comoventes perdas sofridas, aqueles bravos
peregrinos celebraram ao fim do primeiro ano, nas terras livres da
América, um culto de ação de graças a Deus pelo privilégio de adorá-Lo
segundo os ditames de sua consciência, sem apreensões ou temores.
Aquela celebração foi o embrião de uma festividade que passou a
integrar a tradição americana ao comemorar oficialmente, cada ano, na
última quinta-feira do mês de novembro, o Dia de Ação de Graças, fonte
de ''toda a boa dádiva e de todo dom perfeito" 17
A Mão de Deus ao Leme
17
Oito anos mais tarde os "puritanos", acossados também pelas
perseguições religiosas no Velho Mundo, à semelhança dos peregrinos,
emigraram para a América.
"Por milhares saíram os quacres, da Inglaterra, ande centenas deles
tinham sido encarcerados e muitos tinham sofrido martírio. Nos Estados de
Nova Jersey, Delaware e Pensilvânia, fundaram cidades prósperas em meio
de ternas fertilíssimas a cujo cultivo se dedicaram, sob as garantias de uma
liberdade que não tinham conhecido em sua pátria. Como outorgassem esta
liberdade a outras pessoas, isto atraiu muitos imigrantes. Luteranos,
menonitas, morávios, etc. Vieram também huguenotes da França,
especialmente depois da revogação do edito de Nantes por Luís XV, em
1685."18
Com efeito, mais uma vez ''a terra ajudou a mulher'' (igreja)
propiciando-lhe refúgio e segurança em momentos de angústia e
tribulação.
Quando os peregrinos partiram da Holanda rumo às praias da
América, João Robinson, seu pastor, impedido de acompanhá-los, em
um memorável discurso de despedida, assim se expressou:
"Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, e só o Senhor sabe se
viverei para que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual for a divina
vontade, conjuro-vos perante Deus e Seus santos anjos que não me sigais
além do que eu haja seguido a Cristo. Se Deus vos revelar algo mediante
qualquer outro instrumento Seu, sede tão prontos para recebê-lo como
sempre fostes para acolher qualquer verdade por intermédio de meu
ministério; pois estou seguro de que o Senhor tem mais verdade e luz, a
irradiar de Sua Palavra." 19
João Robinson parecia intuir os grandes planos de Deus para Sua
Igreja.
Após a espessa noite medieval, despontou a Reforma inaugurando
um esplendente amanhecer. "Mas a vereda dos justos é como a luz da
aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito." 20 Deus
haveria de iluminar Sua Igreja com todo o Seu fulgor, restaurando as
verdades que a apostasia medieval ocultou entre as sombras de seu
sistema religioso. A luz do Céu haveria de incidir sobre a igreja em
A Mão de Deus ao Leme
18
forma gradual e constante "até ser dia perfeito". Sim, Robinson se
expressou corretamente quando declarou: "... O Senhor tem mais
verdades e luz a irradiar de Sua Palavra."
Uma nova nação estava sendo gestada por um povo heterogêneo,
procedente de muitas nacionalidades. Embora representando diferentes
línguas e culturas, inspirava-os um sentimento comum – o amor à
liberdade. A Bíblia era para eles "o fundamento da fé, a fonte da
sabedoria e a carta da liberdade. Seus princípios eram diligentemente
ensinados no lar, na escola e na igreja, e seus frutos se faziam manifestos
na economia, inteligência, pureza e temperança".21 Emergia no mundo
ocidental uma nova sociedade saturada de fé e impregnada de fervor
religioso. Com aptidão e engenho o futuro de uma grande nação estava
senda moldado. Uma Providência vigilante preparava o berço para o
nascimento de um movimento profético.
Transcorreram várias décadas, e entre os descendentes dos
colonizadores da América, forjadores de uma nova nacionalidade,
ocorreu um extraordinário reavivamento de interesse em torno das
profecias de Daniel e Apocalipse. O estudo destes dois livros reacendeu
a chama da fé no segundo advento de Cristo. Como resultado do direto
estudo das profecias, centenas de clérigos e milhares de fiéis foram
agitados pela convicção de que Cristo estava prestes a Se manifestar em
poder e grande glória.
E enquanto prosseguiam esquadrinhando as profecias, viram suas
conclusões confirmadas em um evento insólito que, para eles, significou
o cumprimento inequívoco das palavras de Jesus em Seu sermão
profético: "E lago depois da aflição daqueles dias, o Sol escurecerá, e a
Lua não dará a sua luz."22
Foi no dia 19 de maio de 1780, quando, entre as dez e onze horas da
manhã, o sol perdeu gradualmente o seu fulgor natural, suscitando
justificadas apreensões e temores. Referindo-se àquele estranho
fenômeno, R. M. Devens escreveu:
A Mão de Deus ao Leme
19
"Talvez o fenômeno mais misterioso e inexplicado de sua espécie na
vasta sucessão de acontecimentos da Natureza, durante o último século,
tenha sido o dia escuro de 19 de maio de 1780... que provocou intenso
alarme e tônico em milhares de mentes, e confusão nas próprias criaturas
brutas, rendo fugido as galinhas desorientadas para os seus poleiros, os
pássaros para os seus ninhos, e os animais para as suas dependências.
Com efeito, milhares de pessoas daquele tempo se convenceram de que
tinha chegado o fim de todas as coisas terrestres." 23
Outro grande e surpreendente acontecimento ocorreu no dia 13 de
novembro de 1833, quando um feérico espetáculo de "fogos de artifício"
siderais, foi testemunhado por milhares de pessoas, principalmente na
costa leste dos Estados Unidos. Os piedosos estudantes das profecias
identificaram na "chuva de estrelas fugazes" as Palavras proféticas de
Jesus: "...e as estrelas cairão dos céus".24
"Durante algumas horas, o firmamento de todos os Estados Unidos
esteve em ígnea comoção. Nenhum fenômeno celeste ocorreu jamais neste
país desde o seu início que terna sido contemplada com tão intensa
admiração por certa classe de pessoas ou com tanto terror e pânico por
outras. . . . Durante suas três horas de duração, pensava-se que o dia do
juízo estava apenas aguardando o nascer do sol." 25
Com profundo e reverente temor, associaram aquela ''chuva
meteórica" com a exortação do Senhor: "Quando estas coisas começarem a
acontecer, olhai para cima e levantar as vossas cabeças, porque a vossa
redenção está próxima."26 Cristalizava-se assim o ideal da esperança
adventista.
E esta "terra" livre que, em cumprimento dos oráculos divinos
ofereceu à "mulher" proteção e abrigo, passou a testemunhar a marcha
triunfal de uma caravana de arautos da "bem-aventurada esperança", fiéis
precursores da proclamação mundial da tríplice mensagem angélica.
Referências:
1. Frederick A. Norwood, Great Moments in Church History, pág. 87.
2. Ellen G. White, História de Redenção, pág. 334.
3. Summa Theologica Secunda Secundae, QUOEST X, Art. 11, e XI, Art. 3.
A Mão de Deus ao Leme
20
4. Apocalipse 12:6.
5. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 64.
6. Motley, Rise of the Dutch Rep. II, pág. 504, citado por E. C.
Pereira em Problema Religioso da América Latina, pág. 92.
7. Henry White, O Massacre de S. Bartolomeu, citado por Ellen G.
White em O Grande Conflito, págs. 272, 273.
8. Apocalipse 17:6.
9. Apocalipse 12:15.
10. Mateus 24:22.
11. Hebreus 11:27.
12. Apocalipse 12:16
13. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 252.
14. J. G. Palfrey, História da Nova Inglaterra, citado por Ellen G.
White em O Grande Conflito, pág. 290.
15. George Bancroft, História dos Estados Unidos de América,
citado por Ellen G. White em O Grande Conflito, pág. 290.
16. História de Nossa Igreja, editado pelo Departamento de
Educação da Associação Geral, pág. 127.
17. Tiago 1:11.
18. Marcelo I. Fayard, Liberdade Religiosa, págs. 98, 99.
19. Ellen G. White, O Grande Conflito, págs. 291, 292.
20. Provérbios 4:18.
21. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 296.
22. Mateus 24:29.
23. R. M. Devens, Our First Century, págs. 89, 90, citado por Uriah
Smith em As profecias do Apocalipse, pág. 100.
24. Mateus 24:29.
25. R. M. Devens, Our First Century, págs. 89, 90, citado por Uriah
Smith em As profecias do Apocalipse, pág. 103.
26. Lucas 21:28.
A Mão de Deus ao Leme
21
O MEU VENTRE FICOU AMARGO
"E tomei o livrinho da mão do anjo e comi-o; e na minha boca era
doce como mel; e, havendo-o comido, o meu ventre ficou amargo."
Apocalipse 10:10.
Com pinceladas magistrais, o profeta Isaías pinta um quadro
marcado pelo contraste entre a supremacia de Jeová e a inutilidade dos
deuses cultuados pelo paganismo. Enquanto o Deus de Israel conduz Seu
povo com demonstrações de poder, os impotentes deuses das nações
vizinhas são conduzidos por seus adoradores. O profeta não esconde um
sentimento de surpresa e pesar ao descrever a fragilidade desses deuses,
levados como peças de arte no dorso de animais cansados.
"... os seus ídolos são postos sobre os animais, sobre as bestas; as
cargas de vossos fardos são canseira para as bestas já cansadas.
"... assalariam o ourives, e ele faz um deus, e diante dele se prostram e
se inclinam. Sobre os ombros o tomam, o elevam e o põem no seu lugar; ali
está, do seu lugar não se move; e, se recorrem a ele, resposta nenhuma dá,
nem livra alguém de sua tribulação."1
Mas, em contraste com os deuses do paganismo, cujos braços
permanecem inertes até serem destruídos pala ação devastadora do
tempo, Jeová Se manifesta como o "Deus vivo", que com "mão forte e
poderosa'' dirige Seu povo em consonância com os Seus insondáveis
propósitos e soberanos desígnios.
"Ouvi-me, ó casa de Jacó... ; vós a quina trouxe nos braços desde o
ventre.... eu vos levarei, e eu vos trarei, e vos guardarei."2
Com o Seu "braço forte'' Deus liberou o povo de Israel do jugo
faraônico e o guiou através do deserto à terra prometida; suscitou João
Batista para conduzir na Judéia uma obra precursora, anunciando o
advento do Messias; iluminou a mente dos reformadores que
precipitaram a revolução religiosa do século XVI, e através dos tempos,
preparou o cenário para o surgimento do movimento adventista.
A Mão de Deus ao Leme
22
Estes e outros momentosos acontecimentos anunciados pelos
antigos videntes, revelam de maneira eloqüente uma "Presença Invisível"
efetivando Seus planos na História.
Com efeito, através da revelação Deus projetou liberar Seu povo da
tirania egípcia. Consoante a narrativa, após "os quatrocentos e trinta
anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram do
Egito."3
Nos agitados tempos herodianos, quando a Judéia não passava de
simples província sujeita aos arbítrios de Roma, quando Israel se
mostrava humilhado, sem rei e sem esperanças, a mão de Deus na
História se fez evidente na obra realizada por João Batista, com sua
vibrante e poderosa proclamação: "Arrependei-vos e convertei-vos,
porque é chegado o reino dos Céus."4
Interpelado pela multidão inquieta, "Quem és tu?", respondeu com
as palavras proféticas: "Sou a voz do que clama no deserto: endireitai o
caminho do Senhor....
"Este é Aquele que vem após mim, que foi antes de mim, do qual
eu não sou digno de desatar a corteja da alparca."5
O ministério de João Batista foi o cumprimento de uma obra
anunciada pelos oráculos divinos e ele entendeu a natureza de sua missão
e a origem divina do seu chamado.
A Reforma conduzida com ardor e bravura por Lutero e seus
associados, no amanhecer do século XVI, foi também um movimento de
origem profética. A mão invisível que conduz o timão da História,
moveu o braço de Lutero, ao pregar na porta da igreja de Wittenberg as
noventa e cinco teses que precipitaram a reforma religiosa que mudou a
corrente da História.
"Se aqueles dias (1.260 dias) não fossem abreviados, nenhuma
carne se salvaría'',6 profetizou Jesus referindo-Se ao espírito de
intolerância que haveria de estremecer o mundo durante o sombrio
período medieval.
A Mão de Deus ao Leme
23
Com os triunfos da Reforma, a tirania de Roma foi atenuada. Os
pregadores da justificação pela fé lograram êxito em sua obra e os
fundamentos da estrutura escolástico-medieval foram abalados. Como
conseqüência dos avanços da Reforma, a intolerância religiosa ficou
circunscrita dentro de um território mais limitado.
O movimento adventista que nasceu no século XIX, foi também um
movimento profético. Guiado pela mão da Providência, despontou a fim
de restaurar o fervor adventista que se havia eclipsado como resultado
das cavilações dos utopistas que, esposando idéias pós-milenialistas,
anunciavam o triunfo da civilização cristã sobre os poderes confederados
da impiedade.
Embora as profecias de Daniel relacionadas com a História, desde a
Idade de Duro de Babilônia até o colapso do Império Romano, fossem
interpretadas sem maiores dificuldades pelos investigadores do Sagrado
Livro, havia uma cortina que em suas dobras ocultava o significado dos
acontecimentos que haveriam de ocorrer entre o IV Império e a volta de
Cristo. Falando sobre este nebuloso período profético, disse o anjo ao
vidente:
"Quanto a ti, Daniel, guarda isto secreto, e conserva este livro lacrado
até o tempo final. Muitos daqueles que a ele recorrerem verão aumentar-se
seu conhecimento."7
E os séculos se arrastaram nesta irreversível sucessão de dias e
noites. Alvoreceu a era cristã. Sobre a terra desceu a negra noite
medieval. Despontou exuberante a Reforma. Entretanto, importantes
predições de Daniel permaneciam obscuras, desafiando a argúcia dos
exegetas através dos séculos.
No Apocalipse, onde estão registradas profecias concomitantes e
complementárias ao livro de Daniel, encontramos uma expressiva visão
concedida ao vidente de Patmos. Entre a sexta e a sétima trombeta, João
viu um quadro expressivo e pleno de significado: "E vi outro anjo que
descia do céu... e tinha na mão um livrinho aberto."8
A Mão de Deus ao Leme
24
Com efeito, o livro de Daniel, selado durante séculos, começou a
ser gradualmente aberto por piedosos investigadores da Palavra. No fim
do século XVIII surgiram em muitos lugares qualificados estudantes das
Escrituras, esforçando-se por dissipar os mistérios da profecia que por
tantos séculos permaneceram velados á igreja.
M. Ludlum destaca a ênfase que caracterizou este período, dizendo:
"No afã de entender os planos de ação de Deus, homens piedosos
voltaram-se para as Escrituras; nos livros de Daniel e Apocalipse
encontraram não somente uma explicação satisfatória para a impiedade
prevalecente, mas também um fundamento teológico para combater os
males então existentes.
"No fim do século muitos livros dedicados à exegese bíblica,
procedentes das editoras da Nova Inglaterra (costa teste dos Estados
Unidos) foram amplamente divulgados. Embora divergentes em pequemos
detalhes, todos coincidiam na interpretação de que 'os tempos proféticos'
haviam chegado, e que a situação presente representava o Reino de
Infidelidade anunciado pela profecia, e que a segunda vinda de Cristo e o
início do milênio eram iminentes."9
Na Europa e na América Latina surgiram também extraordinários
pensadores que, investigando as profecias de Daniel, chegaram a
conclusões notavelmente coincidentes. Cumpria-se em forma inequívoca
o vaticínio que anunciava para ''o fim do tempo'' a abertura do livro
selado.
Os que se dedicaram ao estudo das profecias relacionadas com a
segunda vinda de Cristo, embora conscientes da advertência divina de
que ''daquele dia e hora ninguém sabe",10 consideraram não haver
inconvenientes em calcular o ano do Seu retorno.
Em consonância com este parecer, os estudiosos no Velho e Novo
mundos chegaram à conclusão de que a profecia dos 2.300 anos, cuja
término haveria de acorrer na primeira parte do século XIX, marcaria a
intervenção de Cristo nos destinos do mundo. A expectativa de tal
acontecimento motivou em muitos países a publicação de um dilúvio de
manuscritos, e inspirou a criação de um expressivo número de
sociedades para o estudo das profecias.
A Mão de Deus ao Leme
25
O fervor adventista naqueles idos é apropriadamente sintetizado nas
palavras de P. A. Damsteegt:
"Primeiramente, a ênfase sobre escatologia... ocorreu na Europa, mais
tarde chegou à América. Muitos que participaram nestes estudos
convenceram-se de que a volta de Cristo e o dia do juízo estavam iminentes
e inaugurariam o milênio – uma concepção teológica conhecida com o
premilenialismo."11
Escrevendo sobre este despertar adventista que se inspirou no
estudo das profecias de Daniel, Francis D. Nichol assim se expressou:
"Em nenhuma parte foi aquele despertamento mais precioso, mais
definidamente organizado ou mais dramaticamente levado a um clímax que
na América. Neste país o pregador mais preeminente foi Guilherme Miller, e
por isso o movimento do advento no hemisfério ocidental é geralmente
conhecido como milerismo."12
Após haver dedicado dois anos ao estudo intensivo das Escrituras,
lendo e comparando as visões de Daniel e Apocalipse, Miller chegou à
seguinte conclusão:
"Em 1818, ao término dos meus dois anos de estudo das Escrituras,
cheguei à solene conclusão de que, em aproximadamente vinte e cinco anos
a partir de então, todos os assuntos relacionados com o presente
cessarão."13
Analisando a declaração profética "até 2.300 tardes e manhãs e o
santuário será purificado",14 comparando diferentes textos, ele concluiu
que a "purificação" em referência haveria de ocorrer em qualquer tempo
em 1843, quando então a Terra seria purificada pela presença divina.
Nas próprias palavras de Miller encontramos uma descrição do
efeito que tal interpretação produziu em sua alma.
"Não preciso dizer da alegria que inundou meu coração em vista da
feliz perspectiva, ou da ardente ansiedade de minha alma pela participação
das alegrias dos redimidos. A Bíblia era agora um novo livro para mim. Foi
realmente uni festival de bom senso; tudo o que me era nebuloso, místico ou
obscuro em seus ensinos, foi dissipado de minha mente diante da luz clara
que agora se revelara de suas páginas sagradas; e, oh! quão brilhante e
gloriosa se manifestava a verdade!... Minhas conclusões se consolidaram e
comecei a aguardar, vigiar e orar pela vinda do meu Salvador."15
A Mão de Deus ao Leme
26
Miller levou a milhares, a esperança que iluminou seu coração.
Multidões por toda a parte se alegraram com a confortadora certeza de
que em breve os justos seriam galardoados, e as aflições do ''presente
século" haveriam de desaparecer para sempre.
A princípio a pregação de uma data definida para a segunda vinda
de Cristo sofreu grande oposição. Entretanto, com o transcurso do tempo
a tendência de se estabelecer uma data específica se foi cristalizando e
afinal passou a ser aceita por quase todos.
Ao se aproximar o ano de 1843, Miller e alguns fiéis colaboradores
revisaram os cálculos e fizeram notar que o "ano judaico de 1843''
finalizava em 21 de março de 1844. Valendo-se do calendário caraíta e
da cronologia de William Hales, concluíram que os 2.300 anos
finalizariam em 21 de março de 1844. Posteriormente estes cálculos
foram revisados por Samuel Sheffield Snow. Tomando em consideração
que o decreto para " restaurar e edificar Jerusalém"16 foi promulgado na
última parte do ano 457 AC, Snow concluiu que os 2.300 dias proféticos
terminariam no outono de 1844. Em uma carta dirigida a Southard, assim
se expressou:
"... Se então, as 69 semanas terminaram no outono de 27 DC, quando
podemos esperar o fim dos 2.300 dias? A resposta é clara. Ao subtrair 483
de 2.300, o resultado é 1.817. No outono de 27 DC, restavam esses anos
para serem cumpridos. Adicionando então a essa data, estes 1.817 anos,
concluímos que isto nos leva ao outono de 1844." 17
À medida que se aproximava o mês de outubro de 1844, crescia o
fervor na proclamação da "bem-aventurada esperança". Tal mensagem
produzia por toda parte intenso júbilo e piedosa expectativa. Vivendo
profundas e indescritíveis emoções, os mileritas aguardaram no dia
determinado o aparecimento triunfal e glorioso de Jesus. Mas o sol se
pôs naquela tarde e Ele não veio. Esperaram até a meia-noite e a
esperança não se cristalizou.
Com efeito, o livro cuja mensagem era "doce como o mel", 18
tornou-se demasiado amargo para os fiéis naqueles idos. "Nossas mais
caras esperanças e expectações foram esmagadas" – escreveu
A Mão de Deus ao Leme
27
posteriormente Hiram Edson. "E um tal espírito de pranto nos sobreveio
como nunca havíamos experimentado antes.... Choramos e choramos até
o alvorecer."19
A prova de fé e paciência havia sido esmagadora. Com ansiosa
expectativa aguardavam a gloriosa manifestação de Cristo. Mas o tempo
anunciado passou e o Salvador não veio. Milhares, vencidos pelo
escárnio, renunciaram á "bem-aventurada esperança". Mas, os fiéis e
sinceros tomaram o Livro de Deus e, examinando-o, cobraram ânimo e
renovaram a esperança ao ler as palavras do profeta:
"Porque a visão é aluda para o tempo determinado, e até ao fiar falará,
e não mentirá. Se tardar, espera-o; porque certamente virá, não tardará."20
Milhares que participaram da amarga experiência de 1844,
desalentados, voltaram às suas igrejas de origem. Porém, um grupo de
piedosos investigadores da Bíblia, encontrou na Inspiração palavras de
estímulo à perseverança na fé adventista:
"Não abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande
galardão. Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para que,
havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa. Porque, ainda
dentro de pouco tempo, aquele que vem virá e não tardará; todavia, o meu
justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma.
Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos,
entretanto, da fé, para a conservação da alma." 21
Nestes e outros textos os remanescentes adventistas encontraram o
conforto necessário para suportar as críticas e a zombaria de um mundo
irreverente e escarnecedor. Com que fervor esquadrinharam o Livro
divino! "Muitas vezes" – escreve a Sra. White, "ficamos juntos até tarde
da noite, e por vezes durante a noite inteira, orando por luz e estudando a
Palavra."22
Neste espírito de súplica e piedosa investigação das Escrituras,
emergiu triunfante o movimento adventista. Deus estendeu Sua mão com
redobrada graça e poder. Como divino Oleiro, após o amargo
desapontamento, Deus ajuntou os fragmentos, remodelou o corpo de Sua
Igreja, iluminou-a com novas revelações de Sua vontade e a ergueu com
A Mão de Deus ao Leme
28
a força do Seu braço, para guiá-la na proclamação do "evangelho
eterno", "a toda nação, tribo, língua e povo".23
Os pioneiros adventistas não começaram um movimento religioso
animados pelo simples propósito de introduzir uma nova dissidência no
seio do cristianismo. Não se inspiraram na orientação teológica ou
carismática de um homem. Sentiram-se parte integrante de um
movimento profético suscitado pela mão de Deus para proclamar dentro
do contexto do "evangelho eterno" a chegada da "hora do juízo".24
Na história do cristianismo encontramos o registro da obra de fé
conduzida por homens inflamados por uma consumidora paixão pelas
almas.
São Gregório (257-331 DC) levou a chama sagrada da fé cristã à
antiga Armênia. Fremêncio (ca. 300-ca.360 DC), com notável espírito de
renúncia, levou as luzes do evangelho á Etiópia. São Patrício (Século VI)
proclamou na Escócia o poder redentor do evangelho. Francisco Xavier
(1506-1552) se ocupou com a evangelização no Oriente. Lutero (14831546), Calvino (1509-1564) e outros reformadores na Europa
proclamaram com valor e audácia a doutrina da justificação pela fé (sola
fide). Guilherme Carey (1761-1834) dedicou-se por completo à pregação
do evangelho na Índia. Adoniram Judson (1788.1856) consagrou a vida à
proclamação da fé na Birmânia. Hudson Taylor (1832-1905) levou à
China o evangelho da cruz. Poderíamos adicionar outros nomes mais a
esta lista de heróis da fé, proclamadores das boas novas do evangelho.
Entretanto, nenhum deles jamais pregou que a hora do juízo havia
chegado. Para eles o juízo divino era um acontecimento futuro.
Quando, porém, ao fim dos 2.300 anos, o cronômetro profético
anunciou haver chegado a hora do juízo, Deus suscitou extraordinários
mensageiros para iniciar esta poderosa proclamação, e com eles
despontou o movimento adventista, "vitorioso e para vencer''.
Aplicando-se ao estudo das Escrituras em busca da verdade,
descobriram os próceres do adventismo que o cristianismo se havia
apartado da "fé que uma vez foi dada aos santos''. Esta conclusão os
A Mão de Deus ao Leme
29
levou à restauração do ''evangelho eterno'' e à proclamação da fé
apostólica em sua pureza prístina.
Quando o Dr. J. E. Brown, presidente da "Brown University" e do
"International Christian Fellowship", publicou a primeira edição de sua
obra acerca das "seitas", foi interrogado por que não incluíra os
adventistas. Em outra edição desta mesma obra, deu a seguinte resposta:
"Em todas as doutrinas cardeais da Bíblia – a concepção milagrosa, o
nascimento virginal, a crucifixão, a ressurreição, a ascensão, a divindade de
Cristo, a expiação, a segunda vinda, a personalidade do Espírito Santo e a
infalibilidade da Bíblia – os Adventistas do Sétimo Dia permanecem firmes
como o aço.''25
Agora, conscientes de sua missão profética,26 os adventistas
conduzem um vibrante e vitorioso programa internacional, convidando
homens e mulheres de todas as nações a repudiarem tudo quanto é falso
e espúrio em crenças e práticas religiosas. Aos que respondem
favoravelmente à mensagem adventista, uma voz declara em expressões
de gozo: "Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os
mandamentos de Deus e a fé de Jesus.''27 Quando esta obra estiver
concluída, o mundo contemplará a volta do Filho do homem com uma
foice aguda para ceifar a terra.28
Há alguns anos tive o privilégio de viajar durante cinco dias em
uma pequena lancha a serviço do programa médico-missionário no rio
Amazonas. Contemplando o caudaloso rio, vendo-o arrastando em sua
impetuosa torrente gigantesca árvores e enormes ilhas flutuantes, não
pude conter minha admiração ao reflexionar sobre a potência do motor
que impulsionava a embarcação contra o avassalador ímpeto da
correnteza.
E enquanto acompanhava o movimento da pequena nau subindo o
gigantesco rio, comecei a meditar no dinamismo de um movimento que,
no primeiro século de nossa era avançou contra a força da correnteza e
triunfou. Com efeito, em meio às águas turbulentas que caracterizavam o
mundo greco-romano, despontou a Igreja Cristã e, guiada pela
Providência, venceu a correnteza de uma cultura moldada pela filosofia
A Mão de Deus ao Leme
30
politeísta. Podemos sentir o gozo resultante deste triunfo sobre as
correntes da época nas palavras inspiradas: "E todos os dias acrescentava
o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar. ''29 Com efeito, o
cristianismo despontou trazendo a uma civilização decadente, uma fé
salvadora.
Quando no grande cronômetro divino soou a hora anunciada pela
profecia, surgiu o movimento adventista abrindo espaço na correnteza do
tempo. No início era uma frágil embarcação lançada contra o impetuoso
oceano da História. Embora agitada e sacudida por forças adversas,
guiada pela mão divina, a nau adventista venceu a correnteza da dúvida,
intolerância e zombaria, atravessou o Atlântico em direção à Europa e,
depois, cruzando todos os mares, levou por toda a parte a bandeira do
"evangelho eterno''.
G. J. Paxton, ministro anglicano, em seu livro The Shaking of
Adventism (A Sacudidura do Adventismo), depois de analisar alguns
aspectos históricos relacionados com a teologia adventista, com um
misto de exortação e censura, sublinha o espírito triunfalista quase
sempre presente no púlpito e na literatura adventista.30
Entretanto, este vigoroso senso de destino que Paxton qualifica
como espírito triunfalista, não se inspira em "fábulas artificialmente
compostas'', mas tem como fundamento inabalável ''a segura palavra da
profecía''.31
Interpretando os antigos oráculos, dentro de uma perspectiva
historicista, descobrimos de forma inconfundível que o Deus que dirige o
curso da História suscitou o movimento adventista para proclamar "no
fim do tempo" a tríplice mensagem angélica.32
E assim a proclamação milerita que, em seu tempo, foi "doce como
mel", mas que com o grande desapontamento produziu uma "amarga"
decepção, motivou o início do movimento adventista e sua extraordinária
obra profética, proclamando "outra vez'' perante "muitos povos, nações,
línguas e reis",33 a gloriosa esperança sintetizada na promessa do Senhor:
"Virei outra vez.''34
A Mão de Deus ao Leme
31
Referências:
1. Isaías 46:1, 6, 7.
2. Isaías 46:3, 4.
3. Êxodo 12:41.
4. Mateus 3:2.
5. João 1:23, 27.
6. Mateus 24:22.
7. Daniel 12:4 - Trad. mediante a versão dos Monges de Maredsons
(Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico. Editora "Ave &farra"
Ltda., 19ª edição, 1972.
8. Apocalipse 10:1, 2
9. D. M. Ludlum, Social Ferment in Vermont, 1791-1850, pág. 38,
citado por L. E. Froom em Prophetic Faith of Our Fathers, vol.
4, págs. 56. 57.
10. Mateus 24:36.
11. P. G. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist
Message and Mission, pág. 13.
12. F. D. Nichol, The Midnight Cry, pág. 9.
13. Guilherme Miller, Apology and Defense, págs. 11, 12, citado por
F. D. Nichol em The Midnight Cry, edição popular, pág. 35.
14. Daniel 8:14.
15. Guilherme Miller, Apology and Defense, pág. 14, citado por F.
D. Nichol em The Midnight Cry, edição popular, pág. 35.
16. Daniel 9:25.
17. Carta de Snow a Southard, 243, citado por P. G. Damsteegt,
Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission,
págs. 90, 91.
18. Apocalipse 10:10.
19. G. Mervyn Maxwell, História do Adventismo, pág. 49.
20. Habacuque 2:3.
A Mão de Deus ao Leme
21. Hebreus 10:35.39.
22. A. L. White, Mensageira Para o Remanescente, pág. 30.
23. Apocalipse 14:6.
24. Apocalipse 14:7.
25. J. E. Brown, In the Cult Kingdom, págs. 4, 5.
26. Apocalipse 10:11.
27. Apocalipse 14:12.
28. Apocalipse 14:14.16.
29. Atos 2:47.
30. G. J. Paxton, The Shaking of Adventism, pág. 152.
31. II Pedro 1:16, 19.
32. Apocalipse 14:6.20.
33. Apocalipse 10:10, 11.
34. João 14:1-3.
32
A Mão de Deus ao Leme
33
COISAS FRACAS PARA CONFUNDIR AS FORTES
"Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as
sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir
as fortes." I Coríntios 1:27 (RC)
Entre inúmeras obras de arte encontradas no interior de uma antiga
igreja na cidade de Hamburgo, Alemanha há uma estátua de mármore
imponente e expressiva, representando o vidente de Patmos. Com grande
imaginação e habilidade artística o escultor apresenta o discípulo do
amor, absorto, debruçado sobre um pergaminho, tendo em sua mão
direita uma pena com a qual parece estar escrevendo. Atrás do apóstolo
destaca-se a figura suave de um anjo observando-o enquanto escreve as
visões que lhe foram dadas.
Esta obra de arte ilustra mui apropriadamente o incansável labor
literário da Sra. White, também assessorada, consoante seu testemunho,
por alguém que a orientava, a quem chamava: "meu anjo assistente",
"meu guia, ou "meu instrutor.
Quão relevante tem sido a influência destes escritos não somente no
período formativo e formulativo do movimento adventista, mas também
na edificação e aperfeiçoamento da igreja através dos anos!
Suas mensagens comunicaram alento e coragem aos perplexos e
desorientados pioneiros que, após o desapontamento de 1844, buscavam
com oração um caminho de luz. Seus testemunhos repassados de
censura, silenciaram o fanatismo que, nos primórdios, perigosamente
conspirava contra os triunfos da pregação adventista. As instruções e
conselhos que procederam de sua pena inspirada estimularam a adoção
de um vibrante e vitorioso programa de evangelização mundial. Seus
escritos orientaram com segurança a fundação de escolas, a edificação de
instituições médicas e o estabelecimento de casas publicadoras, tendo em
vista dinamizar a proclamação da tríplice mensagem angélica.
A Mão de Deus ao Leme
34
Mas, de que forma se manifestou o dom profético no seio do
adventismo? Foi numa época de grande tensão e perturbação religiosas
que o dom de profecia se manifestou em forma inequívoca e
sobrenatural. Cumprindo seus infinitos propósitos, Deus escolheu como
mensageira Ellen G. Harmon, de Portland, Maine, piedosa jovem que,
como milhares de fiéis, havia sofrido a grande frustração simbolizada na
figura apocalíptica do ''livro que se tornou amargo''.
Em um dos seus primeiros escritos ela descreve impressões
pessoais e incidentes que lhe foram marcantes nos anos que precederam
o chamado para atuar como mensageira de Deus:
"Fui convertida com a idade de onze anos, e aos doze fui batizada,
tendo-me unido à Igreja Metodista. Aos treze anos ouvi Guilherme Miller
proferir sua segunda série de conferencias em Portland, Maine. Senti então
que.. . não estava pronta para ver a Jesus. E quando foi feito o convite aos
membros da igreja e aos pecadores para irem à frente para oração, abracei
a primeira oportunidade, pois eu sabia que precisava fazer grande obra por
mim mesma a fim de habilitar-me para o Céu. Minha alma tinha sede da
salvação plena e ampla, mas eu não sabia como obtê-la."1
Com efeito, a motivação dominante na vida de Ellen G. White era o
preparo do coração para o encontro com Cristo. Débil fisicamente,
privada da oportunidade para educar-se, e sem qualquer perspectiva de
um futuro brilhante devido a uma tragédia que sobre ela se abateu,
quando dos nove anos de idade, Ellen encontrou, em meio ao infortúnio,
incomparável gozo na proclamação da "bem-aventurada esperança".
É certo que o grande desapontamento de 1844 não a levou ao
abismo do desespero, mas fê-la temer que a pregação milerita houvesse
sido um grande equívoco, do qual restavam somente pesares e
quebrantos. Seu debilitamento físico, após esta experiência, se agravou
intensamente. J. N. Loughborough, descrevendo seu estado físico,
declarou:
"A Srta. Harmon vivia então um momento crítico. Durante várias
semanas não havia podido falar mais que em um sussurro. Um médico lhe
havia diagnosticado vítima de uma tuberculose. Declarou estar o seu pulmão
direito deteriorado e o esquerdo consideravelmente enfermo; sofria também
A Mão de Deus ao Leme
35
do coração. O médico cria que ela poderia morrer a qualquer momento.
Estando deitada, respirava com grande dificuldade. À noite, obtinha repouso
somente quando se punha em uma posição semi-sentada. Os freqüentes
ataques de tosse e hemorragia lhe haviam minado a resistência física." 2
Pouco mais tarde, no entanto, as incertezas que de certo modo
agravaram o seu precário estado físico, dissiparam-se como por encanto.
Na última parte de dezembro do mesmo ano, estando na companhia de
um grupo de piedosas mulheres, na casa da Sra. Haimes, em Portland,
Maine, prostradas em fervente súplica, Ellen perdeu a consciência e foi
arrebatada em visão.
Nesta primeira visão foi-lhe revelada a jornada do povo do advento
desde o desapontamento em 1844, até aos portais gloriosos da cidade de
Deus. Com a visão, veio à frágil jovem de dezessete anos o imperativo
de ir e relatar dos outros a luz que lhe fora revelada. Suas preocupações
são descritas nos seguintes palavras:
"Depois que saí da visão, estava excessivamente perturbada. ... Dirigime ao Senhor em oração e roguei-Lhe que pusesse a responsabilidade
sobre outra pessoa. Parecia-me que não a poderia suportar. Fiquei sobre o
meu rosto por longo tempo, e toda a luz que pude obter foi: 'Dá a conhecer
aos antros o que te revelei.' "3
Após esta memorável e augusta audiência com Deus, Ellen Harmon
(posteriormente White) ergueu-se disposta a assumir a solene
responsabilidade que a Providencia lhe confiou. Durante setenta anos,
como "torre e fortaleza", esteve à frente deste movimento, guiando e
protegendo o povo de Deus contra a confusão, descrença e fanatismo. De
sua pena fecunda fluíram mais de 25 milhões de palavras que resultaram
na publicação de dezenas de livros e milhares de artigos
(aproximadamente 4.500) em diferentes periódicos denominacionais.
As manifestações sobrenaturais que acompanharam suas visões e o
poder divino evidenciado na apresentação de suas mensagens,
convenceram os pioneiros adventistas de que seus testemunhos
procediam de Deus.
A Mão de Deus ao Leme
36
Mas, quão áspero tem sido, através dos tempos, o caminho
percorrido pelos enviados de Deus! "Jerusalém, Jerusalém, que matas os
profetas e apedrejas os que te são enviados..."4 – exclamou Jesus
pranteando diante da impenitente cidade que com freqüência se
levantava contra os mensageiros de Deus. Dirigindo-se aos seus algozes,
pouco antes de seu martírio, Estêvão interrogou com assombrosa
intrepidez: "A qual dos profetas não perseguiram os vossos pais?" 5
Não seria de se esperar que o dom profético manifestado na vida da
Sra. White fosse uma exceção. A legitimidade de seu ministério foi e
tem sido questionada não somente por adversários, mas também por
pessoas que se dizem identificadas com os ideais do adventismo.
O influente diário Toronto Star, em sua edição de 23 de maio de
1981, dedicou um artigo escrito por Marylin Dunlop, no qual a jornalista
se estriba na palavra de dois médicos (um deles adventista) para afirmar
que as visões da Sra. White eram alucinações resultantes de crises
epilépticas periódicas, conseqüentes de uma pedrada que lhe atingiu o
nariz e lhe afetou o cérebro, quando aos nove anos de idade.
Os Drs. Delbert Hodder e Gregory Holmes, de Connecticut,
apresentaram esta conclusão no encontro patrocinado pela Academia
Americana de Neurologia. O lesionamento do lóbulo temporal esquerdo
do cérebro – declararam eles – pode causar um tipo de epilepsia, que
transforma a personalidade da pessoa afetada, tornando-a mística e
moralista.
No artigo em referência, a jornalista reproduziu as seguintes
palavras atribuídas ao Dr. Hodder, que no congresso se identificou como
adventista:
"Os médicos que viveram nos dias de Ellen G. White não lograram
reconhecer nela os sintomas epilépticos que resultaram do acidente já
mencionado. Nos últimos cinco anos, entretanto, os especialistas puderam
documentar algumas transformações ocorridas na personalidade de
indivíduos afetados pelos efeitos epilépticos resultantes de um traumatismo
no cérebro."6
A Mão de Deus ao Leme
37
Hodder e Holmes não foram os primeiros que intentaram
desacreditar a obra profética de Ellen G. White, usando argumentos
especiosos, pretensamente científicos. Antes deles, os Drs. W. J.
Fairfield, William Russell e J. H. Kellogg (médicos contemporâneos de
Ellen G. White), atribuíram as visões recebidas pela mensageira de Deus
a algum tipo de desordem neurológica, responsável por manifestações
ocasionais de histerismo, ataques epilépticos ou esquizofrenia.
Em seu livro Ellen G. White and Her Critics, F. D. Nichol, com
argumentos irrefutáveis apresenta a ausência de evidências científicas
nas declarações firmadas por estes três facultativos.7 As conclusões de
Fairfield baseavam-se em preconceitos pessoais cristalizados, e não em
comprovações científicas, pois não teve oportunidade de examiná-la
quando em visão. Russell, igualmente, jamais viu os fenômenos físicos
que acompanhavam as visões dadas à Sra. White, tampouco teve
oportunidade de examiná-la como paciente.
Entretanto, em uma carta de retratação dirigida posteriormente ao
casal White, e publicada nas páginas da Review and Herald, em sua
edição de 25 de abril de 1871, expressou seu profundo arrependimento
por havê-los hostilizado em forma tão acerbada e injusta:
"Houvesse eu aceitado suo reprovação e conselho " – escreve o Dr.
Russell – teria evitado tanta tristeza e embaraço. O espaço não me permite
entrar em detalhes. Espero, porém, no futuro, desfazer tanto quanto possível
os erres que cometi."8
O Dr. Kellogg, conhecido internacionalmente como talentoso
médico e brilhante homem de ciência, expressou reiteradas vezes, com a
pena e a voz, sua inquebrantável confiança nas visões da Sra. White
como procedentes de Deus. Porém, quando ela o advertiu contra os
perigos sutis existentes em seus ensinos panteístas e o exortou a
abandonar algumas de suas idéias extravagantes com relação às
dimensões viáveis para a operação de um hospital, ele recusou-se aceitar
as mensagens que lhe foram dirigidas e, posteriormente, animado por um
espírito contestatório, uniu sua voz ao coro irreverente formado por
A Mão de Deus ao Leme
38
indivíduos dispostos a neutralizar a qualquer preço a influência do seu
ministério profético.
Este mesmo espírito se tem manifestado com significativa
freqüência ao longo da história da igreja.
Quando o profeta Jeremias, cumprindo a obra que lhe foi cometida,
mandou ler no palácio a mensagem que Deus lhe ordenou transmitir, o
rei Jeoaquim, irritado, tomou o manuscrito, cortou-o em pedaços e o
lançou no fogo, transformando-o em cinzas.9
Em nossos dias, como no passado, erguem-se indivíduos que, não
podendo destruir este precioso acervo literário – os escritos da inspiração
– esforçam-se inutilmente por destruir a autoridade profética da Sra.
White, atribuindo os frutos de seu ministério aos efeitos de um
traumatismo encefálico.
Mas, apesar da obstinada oposição movida por intransigentes
adversários, ela se conduziu sempre com inquebrantável firmeza e
admirável serenidade. Com espírito de renúncia e inabalável fé em Deus,
afrontou a pobreza e o sofrimento:
"Acabamos de estabelecer-nos em Rochester. Alugamos uma casa
velha por cento e setenta e cinco dólares por ano. Temos o prelo na casa.
Se não fosse isso teríamos de pagar cinqüenta dólares anualmente por uma
sala para a redação. Haveríeis de rir se nos vísseis e a nossa mobília.
Compramos duas velhas armações de cama por vinte e cinco centavos de
dólar cada. Meu marido trouxe para casa seis cadeiras velhas, dentre as
quais não se acham duas iguais, pagando pelas mesmas um dólar. Logo
presenteou-me com mais quatro cadeiras velhas sem assento, que lhe
custaram setenta e dois centavos de dólar. A armação era forte e fiz para
elas assentos de lona.
"Manteiga é coisa tão cara que não a compramos, tampouco podemos
nos abastecer de batatas. Usamos molho em lugar de manteiga, e nabos em
vez de batatas. Nossas primeiras refeições foram tomadas numa tábua
colocada sobre duas barricas de farinha vazias. Estamos dispostos a
suportar privações para que a obra de Deus possa avançar. Cremos que a
mão do Senhor esteve sobre nós ao virmos para este lugar. Há um vasto
A Mão de Deus ao Leme
39
campo para o trabalho, e os obreiros são poucos. Sábado passado, nossa
reunião foi excelente. O Senhor nos confortou com Sua presença." 10
Com ternura e evidente sensibilidade partilhou as aflições e
angústias vividas por outros. À viúva do presidente dos Estados Unidos,
Sra. Mckinley, quando pranteava a morte do seu esposo, vítima de um
atentado político, a Sra. White escreveu:
"Simpatizamos convosco em vosso luto e viuvez. Passei pelo
caminho que vós agora palmilhais e sei o que significa. Quanta tristeza
existe em nosso mundo! Quanta aflição! Quanto pranto!...
"Nossos queridos falecem. Encerram-se suas contas com Deus. Mas
conquanto consideremos coisa séria e solene o morrer, devemos,
entretanto, considerar coisa muito mais solene o viver.... Devemos encontrar
nosso consolo em Jesus Cristo. Precioso Salvador! Ele sempre Se condoeu
da desgraça humana.... Apegai-vos à Fonte de vossas forças."11
Jamais se mostrou afligida pela dúvida ou incerteza. Sua última
mensagem enviada à igreja, traduzia uma confiança incondicional no
triunfo da obra de fé que iniciou em 1844.
"Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo
de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao
ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na
liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que
esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que
nos ministrou no passado."12
Seriam estes preciosos escritos gerados em uma mente afetada por
periódicos espasmos de histeria? Teriam os Drs. Hodder e Holmes,
credenciais suficientes para questionar perante a Academia Americana
de Neurologia a sanidade mental da Sra. White? Especialistas em
pediatria, penetraram imprudentemente em uma área diferente – a
neurologia – e concluíram apresentando um diagnóstico carente de
seriedade científica.
Refutando as conclusões defendidas pelos dois pediatras, O Dr.
Gery Hunt, respeitado professor de neurologia da Universidade de Loma
Linda, Califórnia, declarou que:
A Mão de Deus ao Leme
40
1. Os ataques epilépticos começam geralmente poucos meses após
um traumatismo encefálico. No caso da Sra. White, as visões tiveram o
seu início oito anos mais tarde.
2. Os ataques epilépticos incidem em forma ocasional, e não com a
freqüência que acompanharam as suas duas mil visões.
Os frutos preciosos destas duas mil visões, nós os vemos na vida de
milhares que foram levados a Cristo pela influência inspiradora dos seus
escritos. Ao afirmar, entretanto, a nossa crença nas visões da Sra. White,
e na genuinidade de seus escritos, não pretendemos que estes sejam uma
segunda Bíblia, apoucando deste modo a supremacia do Livro de Deus.
"A Bíblia tão-somente", eis a única e insubstituível regra de fé e
doutrina.
Jamais pretendeu a Sra. White que os seus escritos fossem uma
outra Bíblia, ou mesmo uma adição ao cânon sagrado das Escrituras. Em
seu primeiro livro, publicado em 1851, ela escreveu:
"Recorrendo-vos, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de vossa
fé e prática. Por essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar
visões nos 'últimos dias'; não para uma nova regra de fé, mas para conforto
do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica."14
Os próceres do adventismo jamais questionaram a suficiência das
Escrituras. Mas, nas visões dadas à Sra. White, viram confirmadas as
conclusões às quais chegaram, com fervorosa oração, no tocante à
segunda vinda de Cristo, à vigência do decálogo, à santidade do sábado,
ao ministério de Cristo no santuário celeste, à imortalidade condicional,
e à justificação pela fé.
Em 1848, a Sra. White disse ao esposo que devia imprimir um
periódico, que Seria pequeno de início, mas que desse começo
irradiariam torrentes de luz que circundariam a tema. Posteriormente
orientou a fundação de casas editoras e a produção de publicações
contendo a mensagem de Deus para o pecador perdido nas encruzilhadas
da vida. Contamos hoje com uma cadeia internacional de editoras,
A Mão de Deus ao Leme
41
imprimindo centenas de periódicos e milhões de livros em mais de duas
centenas de línguas e dialetos.
Já em 1856, os adventistas começaram a expressar suas
preocupações com a educação de seus filhos. Foi, entretanto, em 1872,
que a Sra. White recebeu a primeira visão sobre a natureza da verdadeira
educação. Em um artigo de 30 páginas, relatou a luz que lhe foi dada
sobre este assunto. Preocupada com a responsabilidade de dar às crianças
e jovens adventistas uma educação integral, escreveu posteriormente
centenas de páginas, salientando sempre a importância do
"desenvolvimento harmônico das faculdades físicas intelectuais e
espirituais"15 do educando. Seus ideais revolucionários estão
compendiados principalmente em três livros – Educação, Conselhos aos
Professores, Pais e Estudantes, e Fundamentos da Educação Cristã,
reconhecidos pelos especialistas como autênticos clássicos na ciência da
educação.
Há alguns anos, a Dra. Florence Stratemeyer, professora da
Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, surpreendida ao saber que
o livro Educação foi escrito por alguém que possuía apenas três anos
escolares, declarou:
"Recentemente tive nimba atenção voltada para o livro Educação,
escrito por E. G. White. Publicado no início deste século, este volume
está adiantado mais de 50 anos além do seu tempo. ...
"O fôlego e a profundidade de sua filosofia me assombraram. Seus
conceitos de educação equilibrada, de harmonioso desenvolvimento, e de
pensar e agir, em princípio, são avançados conceitos de educação.
"Não me surpreende que os membros da Igreja Adventista do Sétimo
Dia tenham os escritos da Sra. White em tão grande respeito e os tenham
em posição central no desenvolvimento do programa educacional em suas
escolas."16
Com efeito, os princípios vertidos neste livro e em outros escritos
da Sra. White, inspiraram a implantação de um sistema de escolas
integrado por mais de 5.000 unidades (primárias, secundárias e
superiores), onde 28.000 professores se unem cada dia no esforço por
A Mão de Deus ao Leme
42
moldar a mente de 607.000 estudantes, preparando-os "para o gozo do
serviço neste mundo e para aquela alegria mais elevada por um dilatado
serviço no mundo vindouro".17
Num tempo de grande obscurantismo, quando os conhecimentos no
campo da fisiologia, higiene e nutrição eram extremamente primitivos, a
Sra. White recebeu instruções claras sobre as regras de um viver sadio.
Sob sua inspiração e orientados por seus escritos, surgiram por toda parte
hospitais, clínicas, ambulatórios e lanchas médicas. Operamos hoje um
complexo internacional integrado por 166 hospitais, 224 clínicas e
dispensários e 45 lanchas e aviões, a serviço do evangelho da saúde.
O falecido Dr. Clive McCay, respeitado professor de nutrição da
Universidade Cornell, em Ithaca, Nova Iorque, comentando a
contribuição da Sra. White no campo da ciência nutricional, declarou:
"Quando se lêem as obras da Sra. White como A Ciência do Bom
Viver, ou Conselhos Sobre o Regime Alimentar, fica-se impressionado com a
correção de seus ensinos à luz da ciência nutricional contemporânea. Só se
pode conjecturar quanto melhor saúde poderia gozar, em geral, o
americano, embora quase nada soubesse da ciência moderna, se tãosomente seguisse os ensinos da Sra. White."18
Como podemos explicar o acerto de suas afirmações científicas,
conhecendo suas limitações acadêmicas? O argumento de que seus
escritos são o produto de uma mente lesionada por uma pedrada, não
honra a inteligência daqueles que o formularam. Para nós, seus
abundantes escritos, conselhos, predições e liderança mostram em forma
inquestionável que Deus a guiou e inspirou tão verdadeiramente, como a
Moisés, tão seguramente como a Samuel, tão certamente como a Daniel
e tão completamente como a João Batista, o apóstolo precursor.
Mais que qualquer outra, ela foi uma voz que comunicou confiança
e coragem àquelas almas afligidas pela pobreza, que integraram "o
pequeno rebanho" nos primórdios deste movimento. Foi sua voz que
sempre animou os fiéis adventistas a um estudo mais diligente da Bíblia,
a um mais santo viver, repreendendo-os e animando-os quando
tropeçavam em sua experiência cristã. Foi sua voz que se podia sempre
A Mão de Deus ao Leme
43
ouvir sobre as vozes dos demais líderes, estimulando o programa de
penetração e conquista nas missões mundiais. Foi sua voz, multas vezes
solitária, que pedia com insistência e vigor o estabelecimento de mais
escolas, instituições médicas e casas publicadoras, com o propósito de
acelerar a proclamação de Cristo e Seu poder redentor.
A promessa "instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves
seguir; guiar-te-ei com os Meus olhos",19 é para nos hoje. Graças à
manifestação do dom de profecia revelado na vida da Sra. White,
podemos repetir como o salmista: "Se tomar as asas da alva, se habitar
nas extremidades do mar, até ali a Tua mão me guiará e a Tua destra me
susterá."20
Referências:
1. Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 11.
2. J. N. Loughborough, The Great Second Adventist Movement,
pág. 202.
3. Ellen G. White, Life Sketches, pág. 20.
4. Mateus 23:37.
5. Atos 7:52.
6. Toronto Star, 23 de maio de 1981.
7. F. D. Nichol, Ellen G. White and Her Critics, págs. 70-86.
8. Idem, pág. 79.
9. Jeremias 36:23.
10. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 143, 145.
11. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 264.
12. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.
13. Roduey Clapp, Christianity Today, 25 de março de 1982, pág. 56.
14. Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 78.
15. Ellen G. White, Educação, pág. 13.
16. Review and Herald, 6 de agosto de 1959, pág. 13.
17. Ellen G. White, Educação, pág. 13.
A Mão de Deus ao Leme
18. Review and Herald, 2 de dezembro de 1959.
19. Salmo 32:8.
20. Salmo 139:9, 10.
44
A Mão de Deus ao Leme
45
ROMPERÁ A TUA LUZ COMO A ALVA
"Então romperá a tua luz como a alva, ... e a glória do Senhor será a
tua retaguarda." Isaías 58:8.
Era uma manhã fria de inverno. Hans, jovem soldado alemão,
avançava com sua divisão em direção a Moscou. Durante a longa marcha
através de caminhos cobertos de neve, seus pensamentos se
concentraram em seu lar, sua igreja e seus irmãos na esperança. As
gratas recordações do espírito fraternal que caracterizava a congregação
da qual era membro, encheram o coração do jovem soldado de um
sentimento de profunda nostalgia.
Hans alimentava a esperança de encontrar na Rússia – território
inimigo – um irmão na jornada adventista, com quem pudesse partilhar o
gozo de uma fé comum. Este desejo, entretanto, parecia demasiado
remoto. Entre outros obstáculos que militavam contra as aspirações do
soldado, estava a barreira do idioma.
Porém, um dia, ao entrarem em uma pequena vila, descobriram que
os habitantes se preparavam para abandoná-la. Naquela área, era
evidente, travar-se-iam encarniçados combates. Hans foi encarregado por
seu superior de inspecionar as casas abandonadas. Em uma delas
encontrou um alquebrado ancião, reunindo os últimos pertences que o
acompanhariam em seu êxodo para um lugar mais seguro. A última coisa
que colocou cuidadosamente em uma bolsa de couro foi um velho livro.
Hans não ocultou o desejo de conhecer a espécie de livro que o velho
camponês incluía em sua bagagem.
Ao descobrir que o livro era um exemplar das Escrituras, o soldado,
com o indicador, apontou para a Bíblia e depois com gestos amistosos
esforçou-se por comunicar seu profundo apreço pelo Sagrado Livro. O
velho agricultor pareceu entender e ofereceu ao soldado a oportunidade
de folhear o livro que ele tanto amava.
A Mão de Deus ao Leme
46
Seria aquele encanecido lavrador um adventista? Como poderia o
soldado descobrir a filiação religiosa daquele homem? A barreira do
idioma parecia intransponível. Uma idéia, entretanto, assaltou a mente
do jovem militar. Abriu a Bíblia no livro de Apocalipse, cap. 14:6-12, e
encontrou este texto sublinhado com tinta vermelha. Hans com o
indicador apontou para o texto e sorriu. O velho homem entendeu.
Buscou depois o texto de Mateus 24:14, versículo familiar aos
adventistas. Esta porção também estava sublinhada. O velho homem
valeu-se da oportunidade, apontou para o texto em referência e com a
cabeça anuiu.
Dominado por uma crescente excitação, Hans abriu a Bíblia no
livro de Êxodo e encontrou o versículo 8, do capítulo 20, também
sublinhado. Outra vez o soldado apontou para o texto e emocionado
sorriu. Finalmente Hans buscou o texto de Daniel 8:14, e o camponês em
demonstração de gozo, com a linguagem silenciosa dos gestos procurou
expressar sua identificação com o texto.
As dúvidas se dissiparam. Hans, o soldado alemão, fechou
reverentemente a velha Bíblia, estendeu os braços e o seu gesto foi
correspondido fraternalmente pelo lavrador russo; num abraço afetuoso
expressaram o júbilo resultante de uma identificação comum com os
ideais da fé adventista. Ajoelharam-se no interior da humilde habitação.
Hans orou em alemão, e o agricultor russo em seu idioma; depois de um
emocionante aperto de mãos, se separaram para enfrentar as vicissitudes
e incertezas ditadas pela guerra.
Um dos textos sublinhados na Bíblia do camponês russo inspirou
uma plêiade extraordinária de pregadores a unir-se ao movimento
milerita na proclamação da volta de Cristo. As palavras do profeta
Daniel "Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será
purificado'', tinham para eles um profundo sentido de urgência. Ao fim
deste período anunciado pela profecia – eles assim interpretaram – Jesus
Se manifestaria com poder e fulgurante glória. Os estudos exegéticos que
os levaram a esta conclusão pareciam inequívocos. Mas, consoante
A Mão de Deus ao Leme
47
vimos em capítulo anterior, em lugar da gloriosa aparição de Cristo
(epifania), sofreram uma amarga desilusão. Muitos, entretanto, estavam
convictos de que a Palavra de Deus não podia falhar. Impunha-se
descobrir onde se haviam equivocado.
Depois da frustrada experiência de 1844, o milerismo, perturbado
pela confusão e opróbrio, se fragmentou em forma inapelável. Alguns
abandonaram completamente a esperança adventista. Outros, incluindo
Guilherme Miller, concluíram existir algum equívoco em seus cálculos
no tocante aos 2.300 dias; estes continuaram afirmando que a vinda de
Cristo haveria de ocorrer a qualquer momento.
Um terceiro grupo, reafirmando suas convicções na correção dos
cálculos e sua interpretação, afirmava que Cristo havia regressado no dia
22 de outubro – não literalmente, consoante haviam pregado, mas
espiritualmente – começando então o período dos mil anos anunciado na
profecia.
Um quarto grupo, em meio às perplexidades e angústias então
vividas, num espírito de súplica e fervorosa investigação das Escrituras,
viu a luz da verdade romper irradiante como o esplendor de uma alegre
alvorada, inaugurando um novo dia pleno de esperanças.
Sim, após a amarga noite de 22 de outubro, a mente de Hiram
Edson foi iluminada com a convicção de que o santuário a ser purificado
ao fim dos 2.300 anos era o santuário celestial. Sem vacilações levou a
outros esta nova luz, suscitando no coração de muitos o ardente desejo
de melhor compreensão das profecias e seu significado.*
Uma reunião memorável foi celebrada em sua casa, com o
propósito de estudar com mais diligência este grande tema profético.
Tiago White não pôde assisti-la. José Bates e outros piedosos
remanescentes do naufrágio milerita, depois de uma minuciosa
investigação das Escrituras, concluíram afirmando, sem sombra de
dúvida, que o santuário mencionado em Daniel 8:14, estava no Céu.
*
Ver biografia de Hiram Edson, no capítulo "Todos Estes Morreram na Fé".
A Mão de Deus ao Leme
48
Comparando os livros de Êxodo e Levítico, no Velho Testamento,
com a epístola de Hebreus, no Novo Testamento, entenderam que Jesus
após a ressurreição, ao retomar à destra do Pai, como Sumo Sacerdote,
havia ministrado no primeiro compartimento, e que, em 1844, ao fim dos
2.300 anos, entrou no santíssimo para realizar a obra da purificação.
Com as luzes da inspiração, Ellen G. White mais tarde endossou
estas conclusões, dizendo:
"Destarte, os que seguiram a luz da palavra profética viram que, em
vez de vir Cristo à Terra, ao terminarem em 1844 os 2.300 dias, entrou Ele
então no lugar santíssimo do santuário celeste, a fim de levar a efeito a obra
final da expiação, preparatória à Sua vinda."1
"O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do
desapontamento de 1844. Revelou um conjunto completo de verdades,
ligadas harmoniosamente entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o
grande movimento do advento e apontara novos deveres ao trazer a lume a
posição e obra de Seu povo."2
A compreensão desta importante verdade bíblica renovou a fé e
fortaleceu a confiança daqueles que, depois da experiência de 22 de
outubro de 1844, uniram-se na vibrante proclamação da tríplice
mensagem angélica.
Além da doutrina do santuário, havia outras preciosas verdades que
Deus, em Seus insondáveis desígnios, haveria de revelar àquele grupo de
fiéis investigadores da verdade. Ao vislumbrarem a obra solene realizada
por Cristo no santuário celeste, foram levados a refletir sobre o
significado da lei de Deus, padrão pelo qual seremos aferidos no tribunal
divino. De joelhos, pediram uma revelação mais clara sobre este assunto,
e a luz que eles ansiosamente buscavam lhes foi comunicada em forma
tangível e inequívoca.
Em 1844, a Sra. Raquel Oakes, decidiu mudar-se para Washington,
no Estado de New Hampshire, para viver com a filha que era professora
naquela localidade. Como membro da Igreja Batista do Sétimo Dia, a
Sra. Oakes não ocultava suas firmes convicções sobre a importância do
quarto mandamento. Em contato com a comunidade adventista em
A Mão de Deus ao Leme
49
Washington, converteu-se ao adventismo, mas com argumentos
convincentes persuadiu a maioria dos membros daquela pequena igreja a
observar o sábado como dia de repouso.
Foi provavelmente na primavera daquele mesmo ano que Frederick
Wheeler, um ministro metodista itinerante, começou a guardar o sábado
como dia do Senhor. Esta decisão resultou de um diálogo à porta da
igreja de Washington, no Estado de New Hampshire, com a Sra. Oakes.
Ao ministrar a ceia do Senhor àquele pequeno grupo de adventistas,
Wheeler destacou a importância da obediência a Deus. Terminado o
culto, a Sra. Oakes dirigiu-se respeitosamente ao ministro visitante, e
salientou que a verdadeira obediência ao Senhor implicava a observância
de todos os mandamentos, inclusive o preceito que ordena a santificação
do sábado. Este comentário sucinto repercutiu em forma frutífera no
coração de Wheeler, levando-o a aceitar o dever de observar o sábado
consoante o mandamento.
Posteriormente, outros ministros se identificaram com Wheeler na
proclamação do sábado como memorial perpétuo da criação. T. M.
Preble, entretanto, foi o primeiro, naqueles idos, a valer-se dos recursos
da imprensa para divulgar a luz relacionada com este tema. Suas
convicções sobre a santidade do sábado foram publicadas nas colunas do
periódico Hope of Israel (Esperança de Israel), em sua edição de 28 de
fevereiro de 1845.
Lendo o artigo em referência, José Bates aceitou a mensagem do
sábado, tornando-se um dos seus mais ardorosos defensores.
Deslumbrado com a "nova luz'', regressando a sua casa, teve um
encontro fortuito com o Sr. Hall.
– Como vai, irmão Bates? O que há de novo? – interrogou o Sr.
Hall de maneira informal.
– O sétimo dia é o sábado! – respondeu Bates, manifestando
irradiante euforia, fruto de um feliz descobrimento.
Após este memorável encontro, Hall e a esposa, estudando
diligentemente as Escrituras, também aceitaram a verdade do sábado.
A Mão de Deus ao Leme
50
Bates foi o poderoso instrumento usado por Deus como resposta à
oração daquele grupo de sinceros esquadrinhadores da Palavra. Tiago e
Ellen White, Hiram Edson e muitos outros foram também persuadidos a
aceitar o quarto mandamento, memorial divino, eclipsado por tantos
séculos e profanado como uma instituição comum.
Nas seguintes palavras a Sra. White descreve a visão que Deus lhe
concedeu, sete meses após sua decisão de observar o dia do Senhor.
"O Senhor, porém, me deu uma visão do santuário celestial. O templo
de Deus foi aberro no Céu, e foi-me mostrada a arca de Deus coberta com o
propicia tório. . . .
"Jesus levantou a cobertura da arca, e contemplei as tábuas de pedra
em que os Dez Mandamentos estavam escritos. Fiquei aterrada quando vi o
quarto mandamento mesmo no centro dos dez preceitos, com uma suave
auréola de luz rodeando-o. Disse o anjo: 'É o único dos dez que define o
Deus vivo que criou os céus, e a terra e todas as coisas que neles há.' " 3
Os adventistas então perceberam a importância da instituição do
sábado. Compreenderam que não se tratava meramente de um dia, mas
de um memorial; não era apenas um preceito, mas uma bandeira
milenária simbolizando a lealdade que devemos ao Criador e
Mantenedor do Universo.
Após a restauração desta importante verdade – a observância do
quarto mandamento – os pioneiros adventistas perceberam que careciam
de uma compreensão mais clara no tocante às fronteiras do santo sábado.
A ausência de unidade na definição dos limites demarcatórios do tempo,
quando se inicia e termina o dia do Senhor, militava contra a
uniformidade de procedimentos. Um grupo entre eles observava o
sábado da meia-noite à meia-noite. Outros estabeleciam as 18:00 horas
como o limite para a observância do quarto mandamento. Alguns, no
Estado do Maine, tomando o texto de Mateus 28:1, concluíram que o
sábado começava e terminava com o "alvorecer" do dia.
José Bates, conhecido por todos como o veículo usado pela
Providência para introduzir entre os "remanescentes" adventistas a
doutrina do sábado, defendia com eloqüência e vigor a teoria "das 18:00
A Mão de Deus ao Leme
51
4
às 18:00 horas". Sobre o assunto o Pastor White escreveu, dizendo:
"Deus suscitou o irmão Bates para nos dar esta verdade (o sábado).
Devemos confiar mais em sua opinião que na de outras pessoas."5
E assim, durante aproximadamente dez anos, os adventistas, em sua
maioria, celebraram o dia do Senhor das 18:00 horas de sexta-feira às
18:00 horas de sábado. Tiago White, entretanto, declarou posteriormente:
"Jamais nos sentimos plenamente satisfeitos com os argumentos
apresentados em favor das 18:00 horas.... Este assunto nos tem
perturbado, mas ainda não temos encontrado tempo para investigá-lo
mais profundamente."6
Os novos adventistas, procedentes da Igreja Batista do Sétimo Dia,
fiéis e zelosos observadores do sábado, do pôr-do-sol ao pôr-do-sol,
questionavam com freqüência a validade bíblica do princípio advogado
por Bates, conhecido como "das 18:00 às 18:00 horas''. Impunha-se
como imperativa uma clara definição, com sólida sustentação bíblica,
tendo em vista produzir na Igreja a indispensável unidade na maneira de
observar o mandamento.
A Sra. White, em visão, ouviu a voz de um anjo repetindo o texto
inspirado: "Duma tarde a outra, celebrareis o vosso sábado."7 Esta visão
foi suficiente para indicar a falácia da teoria do início do sábado ao
"amanhecer''. Entretanto, muitos continuaram interpretando a palavra
"tarde" como significando "18:00 horas''.
Pouco depois, Tiago White solicitou a J. N. Andrews que fizesse
um estudo mais exaustivo sobre o assunto. As conclusões às quais
chegou foram lidas numa assembléia geral celebrada no mês de
novembro de 1855, num sábado pela manhã. Andrews, baseando-se em
nove textos no Velho Testamento e dois no Novo Testamento, concluiu
afirmando que a palavra "tarde" nestes textos significava "pôr-do-sol".8
As conclusões então apresentadas por Andrews convenceram a
maioria dos presentes. Entretanto, o casal White, José Bates e outros
mostraram-se recalcitrantes em aceitar a nova luz.
A Mão de Deus ao Leme
52
Após a assembléia, os pastores e vários irmãos permaneceram
reunidos em um período especial de oração, rogando ao Senhor pela
prosperidade de Sua igreja. E enquanto oravam, a Sra. White foi
arrebatada em visão e a luz relacionada com os limites do sábado (de
pôr-do-sol a pôr-do-sol) lhe foi dada e todas as dúvidas no tocante a este
assunto se dissiparam. Os textos bíblicos foram plenamente entendidos e
a unidade da Igreja, no tocante a este assunto, foi consolidada.
E agora, como parte das nossas Crenças Fundamentais, no artigo
19, lemos os seguintes parágrafos:
"Assim como a trajetória do Sol através do céu assinala os dias da
semana e designa cada sétimo dia como o sábado, o dia designado por
Deus para repouso e adoração, também o pôr-do-sol marca os limites do
sábado: 'Duma tarde a entra tarde, celebrareis os vossos sábados' " (Lev.
23:32; ver também Mar. 1:32).
''Por ocasião da Criação Deus pôs de parte o sábado e o abençoou
(Gên. 2:1-3). Agora Ele nos põe de parte como Seu povo – e nos abençoa (I
Pedro 2:9, 10). Semana após semana, ao celebrarmos o sábado, somos
assegurados de que o santo dia é um sinal entre Ele e nós, para que
possamos saber que Ele é o Senhor que nos santifica (Êxodo 31:13)." 9
Quando Hans, o jovem soldado alemão, folheando a Bíblia do velho
agricultor russo descobriu, entre outros preciosos versículos, sublinhado
também o quarto mandamento, concluiu acertadamente estar diante de
um irmão na fé adventista.
À medida que os adventistas aceitaram a luz que procedia de Deus
– o santuário, o sábado e outras verdades adicionais – mais e mais
perceberam que, depois da escura noite do desapontamento, uma mão
invisível e poderosa os guiava no cumprimento de Seus eternos
propósitos. Cumpriam-se as palavras do profeta: "Então romperá a tua
luz como a alva."10 Com efeito, os próceres do adventismo viram nas
palavras de Davi, uma consoladora promessa: "Instruir-te-ei, e ensinarte-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os Meus olhos."11
A Mão de Deus ao Leme
Duas Colunas Inamovíveis
53
Certa vez um insano entrou em um templo e se deteve firmemente
entre duas colunas. Envolvendo-as com os braços, gritou histérico:
"Derrubarei estas colunas, destruirei este edifício e os matarei como
Sansão o fez com os filisteus." Observando uma ameaça de pânico, o
ministro exclamou: "Deixemos que ele intente derrubá-las." O pobre
insano experimentou, mas logo percebeu que seus esforços eram inúteis
e o pânico que parecia iminente, cessou.
Ao longo de nossa história denominacional surgiram indivíduos
que, no afã por demolir o edifício da fé adventista, intentaram abalar
estas duas colunas – a doutrina do santuário e a santidade do sábado.
Porém, malgrado todos os esforços despendidos, "estes esteios da
verdade permanecem tão incólumes quanto os montes eternos,
impassíveis ante todos os esforços combinados dos homens e de Satanás
e suas hostes".12
Testemunhamos em nossos dias o esforço iconoclasta empreendido
por dois indivíduos – Desmond Ford e Robert D. Brinsmead** – tendo
em vista convencer a igreja de que a doutrina do santuário, como a
interpretamos, carece de fundamento bíblico e de que a observância do
sábado, como dia de repouso, constitui a demonstração inequívoca de
um mero legalismo religioso.
Mui apropriadas são as palavras da inspiração:
"Agora a igreja está comprometida em uma guerra que aumentará em
intensidade.... Nenhuma coluna de nossa fé deve ser eliminada. Nenhuma
linha da verdade revelada deve ser substituída por teorias novas e
fantásticas."13
As verdades reveladas pelo Espírito Santo, após o grande
desapontamento, devem continuar como fundamento firme da "fé que
uma vez foi dada aos santos''.
**
Ver o capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".
A Mão de Deus ao Leme
Referências:
54
1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 422.
2. Idem, pág. 423.
3. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 84, 85.
4. Review and Herald, 21 de abril de 1851, pág. 71.
5. J. S. White, Carta, 2 de julho de 1848; Record Book, I, págs. 116,
117.
6. Review and Herald, 4 de dezembro de 1855, pág. 78.
7. Levítico 23.32
8. Review and Herald, 4 de dezembro de 1855, págs. 76-78.
9. Revista Adventista, setembro de 1982, pág. 12.
10. Isaías 58:8
11. Salmo32:8.
12. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 223.
13. Ellen G. White, Conselhos Sobre Saúde, pág. 96
A Mão de Deus ao Leme
55
DECENTEMENTE E COM ORDEM
"Mas, faça-se tudo decentemente e com ordem." I Coríntios 14:40.
A década que se seguiu ao desapontamento profético de 1844 foi
um período turbulento, de perplexidade e angústia para os remanescentes
adventistas. A prova de fé e paciência havia sido terrível. Milhares, não
mais podendo suportar o vitupério e as exprobrações de um mundo
irreverente e escarnecedor, renunciaram à "bem-aventurada esperança.
Entretanto, nem tudo era desalentador. Malgrado o colapso do
movimento milerita, homens e mulheres de fé perseveraram na
esperança, reconhecendo honestamente o equívoco que haviam laborado
na interpretação das "duas mil e trezentas tardes e manhãs".
José Marsh, em seu editorial na revista Voice of Truth (Voz da
Verdade), expressou:
"Esperávamos que Ele viesse nesta data; e agora, embora, tristes por
nossa esperança frustrada, nos alegramos por haver atuado de acordo com
a nossa fé. ... Deus nos tem abençoado abundantemente, e não duvidamos
de que em breve tudo resultará para o bem do Seu povo e para Sua glória." 1
Estes homens e mulheres que formavam o "pequeno rebanho", por
se haverem identificado com os ideais da esperança adventista, foram
eliminados de maneira sumária das igrejas a que pertenciam. Não
tiveram oportunidade de se defender, e os ensinamentos da Bíblia que
eles proclamavam não foram considerados no processo de eliminação.
Este procedimento, evidentemente arbitrário por parte das igrejas
estabelecidas, cristalizou entre os novos adventistas um forte sentimento
contra toda a espécie de organização eclesiástica. Jorge Storrs escreveu
antes do desapontamento, e suas palavras tiveram grande ressonância
depois de 1844:
"Guardai-vos do perigo de organizar outra Igreja. Nenhuma igreja pode
ser organizada por invenção humana, sem que se transforme em Babilônia
no momento em que seja organizada. O Senhor organizou Sua igreja pelo
forte vínculo do autor. ... E quando estes vínculos não puderem manter
A Mão de Deus ao Leme
56
unidos os que professam seguir a Cristo, estes deixam de ser Seus
discípulos."2
O pensamento de que a organização da Igreja seria uma forma de
despotismo prevaleceu entre os novos adventistas, durante os anos do
período formativo. Carecíamos, como conseqüência, de um registro
regular de igrejas e uma lista organizada dos membros. Todos quantos
recebiam o santo batismo tinham os seus nomes registrados no livro da
Vida do Cordeiro. Qual a necessidade de outros registros? –
perguntavam os intransigentes opositores de uma eventual organização.
A eleição dos oficiais da igreja era uma prática desconhecida. Os
pastores recebiam diretamente dos membros da igreja os recursos para o
seu sustento, pois não tínhamos um sistema contábil controlando e
disciplinando as receitas e despesas denominacionais. Era evidente a
inconveniência deste procedimento, pois alguns pregadores recebiam
razoáveis recursos financeiros, enquanto outros lutavam estoicamente
para viver com os limitados recursos que recebiam.
O preconceito de muitos pioneiros contra qualquer forma de
organização eclesiástica era responsável por esta anarquia, que tanto
conspirava contra os triunfos da pregação. A necessidade de um
ordenamento era imperiosa e impostergável.
No mês de abril de 1858, sob a liderança do Pastor John N.
Andrews, foi organizado um pequeno grupo para estudar à luz das
Escrituras a manutenção do ministério evangélico. Após minuciosos
estudos, o grupo em referência recomendou a adoção da "beneficência
sistemática sobre o princípio do dízimo". O plano, depois de alguns
debates, foi aprovado em uma reunião geral dos observadores do sábado,
celebrada nos dias compreendidos entre 3 e 6 de junho de 1859.
Outra necessidade imperiosa e inadiável era a formação de uma
organização, com personalidade jurídica, que nos permitisse o registro
legal de todas as propriedades da igreja. Em memorável assembléia
reunida entre 26 de setembro e 1.º de outubro de 1860, discutiu-se
minuciosamente este assunto em todos os seus aspectos e implicações. O
A Mão de Deus ao Leme
57
resultado foi a aprovação unânime, autorizando a organização legal de
uma associação de publicações. Entretanto, tal organização exigia um
nome oficial. Entre outras sugestões apresentadas, o nome "Adventistas
do Sétimo Dia" mereceu a aprovação de todos por sintetizar os traços
mais distintos de nossa fé. Assim, pois, foi organizada no dia 3 de maio
de 1860, a Associação de Publicações dos Adventistas do Sétimo Dia.
A obra do evangelismo também reclamava uma urgente organização.
A ausência de um planejamento era responsável pela grande dispersão de
atividades que, muitas vezes, resultava inútil. Ocorria, em várias
oportunidades, existir em uma igreja três pregadores, enquanto outras,
durante meses, permaneciam sem a assistência de um só pastor.
Sentindo a necessidade de uma estrutura organizacional, destinada a
impedir a desordem e fragmentação, motivando a igreja dentro de um
plano de ação coordenado e harmonioso, Ellen G. White escreveu:
"Aumentando o nosso número, tornou-se evidente que sem alguma
forma de organização, haveria grande confusão, e a obra não seria levada
avante com êxito. A organização era indispensável para prover a
manutenção dos pastores, para levar a obra a novos campos, para proteger
dos membros indignos tanto as igrejas como os pastores, para a
conservação das propriedades da igreja, para a publicação da verdade pela
imprensa, e para muitos outros fins."3
Tiago White, que desde cedo se destacou por uma invulgar
capacidade de liderança e visão administrativa incomum, sugeriu a
conveniência de uma reunião anual em cada Estado, com o propósito de
estabelecer planos para a obra do evangelismo. A sugestão foi recebida
com simpatia e, dentro de curto lapso de tempo, estas reuniões anuais se
transformaram em assembléias organizadas, integradas por delegados
regularmente eleitos.
Dirigindo-se à Associação reunida em Battle Creek, na primavera
de 1861, Tiago White destacou a necessidade de uma organização de
todas as igrejas, para a realização de uma obra mais fecunda. Uma
comissão integrada por nove pastores foi designada para estudar este
A Mão de Deus ao Leme
58
assunto. Naquele mesmo ano, recomendou-se que as igrejas fossem
organizadas com o seguinte concerto:
"Nós, os signatários, mediante este nos associamos como igreja,
adotando o nome de 'Adventistas do Sétimo Dia', prometendo guardar os
'mandamentos de Deus e a fé de Jesus Cristo' "4
Além desta importante decisão, foi tomada a resolução de que todas
as igrejas, no Estado de Michigan, se unissem em associação, tomando o
nome de Associação dos Adventistas do Sétimo Dia de Michigan.
A organização da associação local tornou imprescindível e
inevitável a criação de um organismo central, tendo em vista amalgamar
estas unidades organizadas – as associações – num todo completo. Em
uma reunião da Associação de Michigan, celebrada em Monterey, foi
resolvido o seguinte:
"Que convidemos as várias associações locais a enviarem seus
delegados à nossa próxima reunião anual para celebrar uma assembléia
geral."5
A reunião anual seguinte foi de grande significação histórica. Em
reunião geral realizada em Battle Creek, de 20 a 23 de maio de 1863, os
delegados representando a obra dos Adventistas do Sétimo Dia elegeram
os primeiros dirigentes da Associação Geral, * inaugurando uma nova era
de ordem eclesiástica e prosperidade denominacional.
Os 25 anos que se seguiram à organização da Associação Geral
foram caracterizados por um inusitado crescimento denominacional. Os
3.500 fiéis existentes em 1863, multiplicaram-se em forma alentadora,
alcançando em 1888 o total de 26.112 membros, dispersos em 32
associações, 5 missões e 901 igrejas organizadas.
Apesar dos efeitos cruéis e devastadores da guerra civil (1861-1865)
nos Estados Unidos, conflito que ameaçou fraturar a unidade nacional, e
a despeito de uma obstinada e mordaz oposição orquestrada contra o
adventismo, quase sempre contemplado com desprezo e desdém, a Igreja
*
Ver biografia de J. Byington, no capítulo "Varão Conforme o Meu Coração".
A Mão de Deus ao Leme
59
lançou raízes profundas, cresceu em número de membros e instituições e
alcançou admirável vigor eclesiástico.
Em 1901 a Igreja contava com 75.000 membros batizados, 16
colégios superiores e escolas secundárias, 27 hospitais e sanatórios e 31
outras instituições. Com efeito, a igreja testemunhou um surpreendente
crescimento estatístico e patrimonial.
Entretanto, este crescimento explosivo (o número de membros
duplicou a cada década entre 1863 a 1901) precipitou a necessidade de
uma descentralização de atividades e uma reorganização administrativa
mais consentânea com a expansão de um movimento que, com a bênção
divina, crescia e se multiplicava.
Em 1873, George I. Butler, então presidente da Associação Geral,
preparou uma monografia intitulada Liderança, na qual sublinhou o fato
de jamais haver existido "um grande movimento neste mundo sem a
presença de um grande líder''. Ele cria que Deus qualificava homens e
mulheres para a realização de uma obra especial e depois os chamava
para atuarem como dirigentes. Moisés, Josué, Davi e outros líderes
carismáticos foram citados como exemplos. No tocante aos Adventistas
do Sétimo Dia, Butler afirmava "ser incontestável a liderança do Pastor
White e sua esposa". Uma vez que a Providência divina os havia
escolhido como dirigentes da Igreja, Butler concluía ser um dever de
cada membro submeter-se em assuntos eclesiásticos às decisões do
Pastor White. Proceder de outra forma poderia significar um esforço por
"usurpar a posição que Deus lhe confiou".6
A monografia em referência logrou o endosso oficial da Associação
Geral em sessão, e foi publicada posteriormente e distribuída por todas
as igrejas com o propósito de prestigiar a liderança do casal White, e ao
mesmo tempo censurar a disposição crítica dos que se opunham à obra
realizada por eles.
Porém, em um artigo publicado posteriormente na revista Signs of
the Times, Tiago White observou que Cristo jamais indicou um
determinado discípulo para conduzir os destinos de sua igreja.7 Sobre o
A Mão de Deus ao Leme
60
assunto, Ellen G. White também se expressou, dizendo: "... Satanás se
alegraria ao ver as opiniões de um homem controlando a mente e as
decisões dos que crêem na verdade presente."8
Embora reconhecendo a obra de liderança realizada por seu esposo
durante os anos formativos, Ellen G. White concluiu declarando que uma
vez completada a organização da Igreja, seu esposo não mais deveria
levar sozinho os "pesados encargos'' da obra. Admitiu que ambos, ela e
seu esposo, "haviam cometido o erro de consentir em levar
responsabilidades que outros deviam conduzir".9
Posteriormente, em 1875, a Associação Geral reunida em sessão,
votou eliminar os parágrafos que no documento redigido por Butler,
inferiam o pensamento de que a liderança da Igreja havia sido confiada
ao carismatismo de um indivíduo. Rejeitando a idéia de uma
administração centralizada em um homem, a assembléia aprovou a
seguinte resolução:
"Resolvido que, abaixo de Deus, a mais alta autoridade existente entre
os Adventistas do Sétimo Dia encontra-se na vontade da organização desse
povo expressa nas decisões da Associação Geral, quando atua nos
domínios de sua própria jurisdição; e que a tais decisões todos devem
submeter-se, sem exceção, a menos que elas estejam em conflito com a
Palavra de Deus e os direitos de consciência individual."10
Em 1897, G. A. Irwin foi escolhido para conduzir os destinos da
Igreja então perturbada pela ausência de uma estrutura organizacional
adequada. O movimento adventista havia alcançado dimensões
respeitáveis e por isso reclamava um sistema administrativo mais refinado.
Com expressões dramáticas, Irwin descreve a deplorável situação
então existente:
"Ninguém conhece devidamente a situação na qual nos encontramos.
Mesmo nós... que pretendemos ter algum conhecimento, não logramos nos
pôr de acordo em muitas coisas, permitindo assim que os descontentes
semeiem a discórdia. O que necessitamos agora é unidade entre nós. Há uni
sentimento dominante de que cada um tem o direito de fazer o que lhe
apraz."11
A Mão de Deus ao Leme
61
Era imperativa a necessidade de uma reorganização abrangente.
Porém, Irwin, à semelhança de seu antecessor, O. A. Olsen, apesar de
animado por um grande afã revisionista, logrou mui pouco em seu
esforço por tornar a máquina administrativa menos confusa e mais
funcional.
A igreja que se expandia de forma admirável nos Estados Unidos,
Canadá, Europa e Austrália, e ensaiava os seus primeiros passos na
África e América Latina, dependia inteiramente da administração central
em Battle Creek, tanto na solução de seus grandes problemas regionais,
como na orientação de assuntos triviais que caracterizavam a rotina
administrativa de uma associação.
Esta concentração do poder de decisão nas mãos de uns poucos
líderes militava contra o progresso do movimento adventista. Além disto,
a existência de organizações autônomas, tais como a Associação da
Escola Sabatina, a Sociedade Missionária de Publicações, a Junta
Missionária Internacional e a Associação Benevolente MédicoMissionária, operadas pela Igreja, porém independentes da Associação
Geral, comprometia a eficiência do esquema administrativo vigente.
Impunha-se a urgente necessidade de uma descentralização
administrativa e, ao mesmo tempo, uma unificação dos setores que,
atuando com independência, geravam confusão e desordem.
A trigésima quarta assembléia da Associação Geral celebrada em
Battle Creek, em 1901, foi precedida por uma reunião especial com a
presença de todos os membros da comissão executiva da Associação
Geral, os presidentes de associações, administradores de instituições e os
integrantes da Junta Missionária Internacional.
Pairava no ar a expectativa de grandes e momentosos acontecimentos.
A Sra. White, que por nove anos havia estado na Austrália lançando os
fundamentos da Igreja naquele país, voltava agora a participar
diretamente dos trabalhos relacionados com a direção.
Convidada a falar aos dirigentes então reunidos, expressou-se com
significativo vigor:
A Mão de Deus ao Leme
62
"Preferiria não ter que falar boje; não quero entretanto, dar a impressão
de que nada tenho a dizer. ... A situação prevalecente na Associação Geral
não é entendida claramente por alguns que ocupam postas importantes ou
por outros que levam responsabilidade em outros setores da obra.
"O trabalho tem crescido e se expandido. A luz que recebi do Senhor
tem sido por mim apresentada sucessivas vezes, não a um grupo numeroso
como este aqui reunido, mas a diferentes indivíduos. Os planos sobre os
quais Deus deseja que atuemos já foram estabelecidos.
"Jamais a mente de um indivíduo ou de um grupo de pessoas deveria
ser considerada como suficiente em sabedoria e poder para controlar o
trabalho e determinar os planos que deveriam ser seguidos. A
responsabilidade do trabalho neste vasto campo não deveria repousar sobre
dois ou três indivíduos. Não estamos atingindo os elevados ideais com a
grande e importante verdade que possuímos e que Deus espera
alcancemos."12
Depois destas palavras introdutórias, a Sra. White salientou
claramente a necessidade de uma reorganização, dizendo:
"Precisamos fixar uma estrutura diferente daquela que foi estabelecida
no passado. Ouvimos muito sobre as coisas que avançam sob diretrizes
normais. Se vemos que estas diretrizes normais são claras e perfeitas e que
representam o molde divino, então devemos aceitá-las. Mas quando
sentimos que nenhuma mudança se produz, mesmo após a recepção e
aceitarão das mensagens dadas por Deus, então podemos saber que um
novo poder deve ser introduzido neste esquema. A orientação destas
diretrizes normais deve ser completamente modificada e reestruturada.
"Deve haver uma comissão, composta não apenas de seis ou doze
pessoas, mas sim, com representantes de todos os setores da obra, de
nossas casas publicadoras, nossas instituições educacionais, e de nossos
sanatórios... "13
Com grande influência e liberdade de expressão, a mensageira de
Deus sublinhou:
"Não permita Deus, irmãos, que esta assembléia seja celebrada e
concluída como as outras, valendo-nos dos mesmos manejos, inflexões e
procedimentos. . . ''14
A Mão de Deus ao Leme
63
Na manhã do dia seguinte, 2 de abril de 1901, após a leitura do
Salmo 106, feita por John N. Loughborough e a oração pronunciada por
Stephen N. Haskell, George A. Irwin, presidente da Associação Geral,
anunciou a abertura da trigésima quarta assembléia da Associação Geral.
Os líderes então reunidos ainda sentiam o eco ressonante das palavras
proferidas por E. G. White, no dia anterior. A necessidade de uma
reorganização permeava a assembléia. Era evidente que aquele encontro
figuraria nos anais da igreja como um momento pleno de significação
histórica.
Arthur G. Daniells que, por vários anos como missionário na
Austrália, havia revelado surpreendentes qualificações administrativas,
foi escolhido presidente da Associação Geral. Era o começo de um novo
e fascinante capítulo na história do movimento adventista.
Os delegados reunidos em memorável sessão, animados pelo desejo
de descentralizar o trabalho, aprovaram a organização das Uniões, tendo
em vista uma distribuição eqüitativa de responsabilidades administrativas.
Sabendo que alguns delegados viam na criação de Uniões o perigo de
uma eventual fragmentação do trabalho, a Sra. White declarou: "O
Senhor Deus de Israel nos conservará unidos.''15
As organizações que operavam independentemente se transformaram
em departamentos da Associação Geral e seus dirigentes foram
nomeados membros da comissão executiva.
O Dr. John H. Kellogg, que presidia a Associação Benevolente
Médico-Missionária, a mais vigorosa de todas as organizações operadas
pela Igreja, se opôs tenazmente à idéia de subordiná-la ao controle da
Associação Geral. Afinal, após acalorados debates, submeteu-se, com a
condição de que a associação por ele dirigida teria seis representantes na
comissão executiva da Associação Geral.
Este arranjo, entretanto, teve curta duração. Kellogg e alguns
associados, manifestando uma crescente rebeldia, em 1908 se separaram
da Igreja, levando com eles a Associação Benevolente Médico-
A Mão de Deus ao Leme
64
Missionária e o Sanatório de Battle Creek, a maior instituição da igreja
daqueles idos.
Com as importantes decisões tomadas na assembléia em 1901, o
Pastor A. G. Daniells inaugurou um laborioso e frutífero período de
reconstrução. Da confusão saiu a ordem. Um plano inteligente foi
estabelecido, tendo em vista maior eficiência operacional. Havia novos
odres para vinho novo.
Referências:
1. José March, Voice of Truth, 7 de novembro de 1844.
2. The Midnight Cry, 15 de fevereiro de 1844.
3. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros, pág. 26.
4. Matilde E. Andross, Story of the Adventist Message, pág. 105.
5. S. D. A. Encyclopedia, edição de 1966, pág. 933.
6. G. I. Butler, Leadership, 1873, págs. 1, 2, 11, 13.
7. Tiago White, Leadership, Signs of the Times, 4 de junho de 1874,
pág. 4.
8. Ellen G. White, Testimonies for the Church, vol. 3, pág. 501.
9. Ibidem.
10. Review and Herald, 4 de dezembro de 1877.
11. G. A.. Jorgensen, "An Investigation of the Administrative
Reorganization of G. C. of Seventh-day Adventists as Planed
Carried out in the G. C. of 1901 and 1903", págs. 20.23.
12. Manuscrito 43, 1901.
13. Ibidem.
14. Manuscrito 43 A, 1901.
15. G. C. Daily Bulletin, 5 de abril de 1901, pág. 68.
A Mão de Deus ao Leme
65
PARA QUE TENHAM VIDA
"... Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância."
S. João 10:10.
Henry Porter era um próspero e hábil banqueiro residente em
Denver, Colorado. Visitando, certa vez, uma filha que vivia em
Pasadena, Califórnia, foi acometido por um forte resfriado que, de forma
surpreendente, debilitou-lhe as energias físicas, deixando-o completamente
prostrado. Levado ao Centro Médico Adventista de Glendale, Porter
recebeu as atenções profissionais que o seu estado requeria e em poucos
dias se sentiu plenamente recuperado. Ao despedir-se do hospital, tentou
recompensar o jovem que lhe aplicou o tratamento hidroterápico,
oferecendo-lhe uma importância em dinheiro. Recusando-a, o jovem
adventista explicou não ser correto para ele receber uma gratificação em
adição ao salário que a instituição regularmente lhe pagava. Seria
desnecessário dizer que tal desprendimento produziu no coração de
Porter uma impressão duradoura.
Anos mais tarde, estando em São Diego, sofrendo os efeitos
devastadores de outro resfriado, Porter lembrou-se do hospital de
Glendale, e interrogou sobre a eventual existência de alguma instituição
adventista naquela cidade ou cercanias. Em resposta, indicaram-lhe o
Sanatório Paradise Valley, conhecido centro médico, também operado
pelos adventistas. Internando-se no hospital em referência, Porter
submeteu-se ao tratamento que depois de vários dias lhe permitiu sentirse outra vez revigorado.
Enquanto recebia o tratamento que lhe foi indicado, observava
atentamente todas as atividades dentro da instituição. Viu, repetidas
vezes, a paciência e a bondade refletidas no cuidado com que uma
enfermeira alimentava um quebrantado paciente, vítima do mal de
Parkinson. Seu coração foi enternecido com o desvelo profissional
A Mão de Deus ao Leme
66
revelado por aquela enfermeira e por outros funcionários que ali
trabalhavam.
Alguns dias após haver regressado ao lar recebeu uma notificação
do hospital, desculpando-se por um erro contábil de 45 centavos em sua
conta pessoal.
No dia 12 de fevereiro de 1928, Poder enviou a seguinte resposta:
"Recebi a sua carta de 10 do contente, acompanhada de um cheque no
valor de 45 centavos. Agradecendo-lhe, aproveito a oportunidade para
devolvê-lo, a fim de ser creditado ao fundo geral da instituição. Sinto não
haver pago o suficiente por toda a atenção dada e cuidados que recebi.
Devo à instituição uma palavra de reconhecimento pela carinhosa
consideração recebida durante meu internamento. Minha esposa e eu
estamos bem. Fisicamente, sinto-me cada dia melhor.
"Com apreço e os melhores desejos, sinceramente, (assinatura) H. M.
Porter."1
Com esta carta a conta de Porter foi encerrada, mas não terminou aí
sua relação com o sanatório. Pequenos exemplos de integridade e
demonstrações de amor no desempenho de tarefas profissionais,
produziram impressões indeléveis. Dois meses mais tarde ele enviou ao
administrador da instituição outra carta, pedindo o nome e endereço da
pessoa responsável pela operação dos hospitais adventistas, pois anelava
ver uma instituição semelhante estabelecida em Denver, Colorado.
E assim se iniciou uma correspondência entre Porter e a Igreja
Adventista, que resultou em um donativo inicial de US$ 380.000,00
(trezentos e oitenta mil dólares para construção de um hospital em
Denver, que mais tarde recebeu o nome de Porter Memorial Hospital.
Através dos anos, generosos donativos foram enviados à instituição pela
família Porter, tendo em vista fortalecê-la financeiramente. Mais tarde,
em seu testamento, Porter legou ao hospital a apreciável soma de um
milhão de dólares.
Hoje, na cidade de Denver, ergue-se imponente o Porter Memorial
Hospital, não apenas como um monumento à generosidade da família
Porter, mas também como um tributo a uma enfermeira anônima que
A Mão de Deus ao Leme
67
carinhosamente alimentava um alquebrado paciente; a um jovem, não
identificado, que recusou receber uma gratificação; a um funcionário
íntegro que devolveu 45 centavos cobrados indevidamente, e a muitos
outros que, no exercício de suas funções dentro do hospital, foram
usados por Deus para contar a outros, em palavras e atos, a história do
Seu amor.
O Porter Memorial Hospital é hoje um respeitado centro médico,
integrando a maior cadeia de hospitais operada por um grupo religioso.
Com efeito, de acordo com o último relatório publicado pelo Serviço de
Arquivos e Estatísticas da Associação Geral da Igreja Adventista do
Sétimo Dia, esta rede estende suas atividades através de 72 nações,
ocupando 46.000 pessoas, distribuídas em aproximadamente 500
instituições de saúde.
De um artigo publicado na revista US Catholic, escrito por William
J. Whiler, professor de História da Universidade Católica de Purdue, nos
Estados Unidos, reproduzimos os seguintes parágrafos:
"Podemos esperar que uma Igreja que aguarda o fim do mundo a
qualquer momento concentre a atenção exclusivamente em assuntos
religiosos. É o que sucede com os Testemunhas de Jeová, que não
possuem hospitais, asilos, orfanatos, colégios e clínicas. Seu único interesse
parece ser advertir a humanidade da iminente batalha do Armagedom.
"Não assim os adventistas. Sua crença na Segunda Vinda não
arrefeceu seu empenho em favor da educação, do cuidado médico ou do
serviço em prol de outros. Nenhuma Igreja pode apresentar mais
impressionante relatório de serviço médico do que Os Adventistas do Sétimo
Dia, levando-se em canta o número total de seus adeptos."2
Com efeito, este contagiante entusiasmo por promover a saúde,
construir hospitais e difundir os princípios de uma medicina preventiva;
bem como a preocupação por proclamar, por preceito e exemplo as
regras de um viver saudável, constituem uma preciosa herança que
recebemos dos próceres deste movimento.
A Mão de Deus ao Leme
Tempo de Obscurantismo
68
O adventismo nasceu numa época em que as condições sanitárias
prevalecentes eram precárias, os sistemas profiláticos primitivos e os
processos terapêuticos rudimentares. Como resultado, o índice de
mortalidade infantil, comparado com a situação em nossos dias era
assustador. Em 1875, nos Estados Unidos, morria uma criança em
aproximadamente cada seis, antes de alcançar um ano de idade. Já em
1975, na mesma faixa etária, morria uma criança em cada 63. Em 1850,
a média de vida dos americanos era de 39,4 anos, sendo que em 1976 se
alongou para 72,4 anos.
Este elevado índice de mortalidade infantil e a reduzida média de
vida eram o resultado inevitável do desconhecimento das leis naturais
que regulam a saúde do corpo.
Como parte do vestuário feminino, era comum o uso de apertados
espartilhos "que reduziam a cintura da mulher a 50 centímetros ou
menos''. Depois de dolorosa operação de ajustamento do espartilho ao
corpo, que quase sempre contava com a indispensável ajuda do marido,
"este podia circundar a cintura da esposa com as duas mãos". A autópsia
do corpo de uma mulher naqueles idos revelava, como conseqüência, um
fígado geralmente deformado e, algumas vezes quase seccionado pela
ação nociva dos espartilhos. A livre circulação da corrente sangüínea era
com freqüência prejudicada pelo uso de imensas saias armadas, e peças
de roupa interior que pesavam às vezes dezenas de quilos.3
Idéias risíveis no tocante à alimentação revelavam uma ignorância
abismal. Em Nova Iorque, durante determinado período, as autoridades
declararam ilegal "a venda de alguns legumes considerados então como
altamente nocivos". Em certa ocasião o Coronel Robert Johnson,
contrariando instruções médicas, comeu em público três tomates,
levando alguns observadores à conclusão de que "estava cometendo
suicídio".4
A Mão de Deus ao Leme
69
As práticas médicas eram extremamente primitivas. A Associação
Médica Americana, organizada em 1847, carecia de poderes para
disciplinar o exercício da medicina. Bastava possuir um sortimento de
produtos químicos (drogas) e um pouco de interesse no tratamento de
enfermidades, para que um indivíduo se qualificasse ao exercício das
atividades médicas. Um título profissional, em determinadas
circunstâncias, era obtido em apenas seis meses de estudos.
A maioria dos médicos opinava que, quando um paciente se
apresentava em estado febril, demonstrava excesso de vitalidade que, de
alguma forma devia ser controlada (drenada). Como medida terapêutica,
aplicavam no paciente sucessivas sangrias que, em lugar de atenuar a
febre, debilitavam ainda mais as energias combatidas do enfermo,
deixando-o completamente prostrado. Práticas como esta fundamentavamse mais em processos empíricos, tradições folclóricas, do que em
conclusões científicas comprovadas em laboratório.
Honoré Danmier, artista francês, com sarcasmo e ironia caricaturou
um médico do século passado, mergulhado em profundas reflexões,
interrogando: "Por que será que os meus pacientes sucumbem? Eles são
sangrados, drogados e purgados corretamente. Simplesmente não posso
entender."5
A morte de George Washington (1732-1799), primeiro presidente
dos Estados Unidos, figura como um exemplo típico do obscurantismo
daqueles idos. Os médicos que o assistiram aplicaram-lhe uma
terapêutica cujos resultados foram mais ruinosos que a enfermidade.
Sentindo os efeitos debilitantes de uma febre intensa e pertinaz,
Washington solicitou os serviços de um "sangrador" que, com um bisturi
extraiu-lhe das veias aproximadamente 14 onças de sangue, tendo em
vista "eliminar-lhe o excesso de vitalidade" (sic). A febre porém
aumentou e, no dia seguinte a família, preocupada, pediu a assistência de
um médico conhecido. Ao sentir a gravidade do caso, este convocou
outros dois "especialistas" para juntos analisarem o paciente e determinar
uma terapêutica adequada. Porém, enquanto aguardava a presença dos
A Mão de Deus ao Leme
70
dois outros facultativos, decidiu aplicar uma segunda sangria. Ao chegar
um dos médicos solicitados, decidiram proceder a uma terceira sangria,
sem que se evidenciasse qualquer melhora.
Este tratamento medieval foi complementado com o emprego de
lavagens, o consumo de doses maiúsculas de calomel, acompanhadas
com "freqüentes inalações de vapores de vinagre e água".
Ao sentir-se completamente exaurido, torturado por sofrimentos
atrozes, Washington suplicou aos médicos que o deixassem morrer em
paz.6
Um relatório médico publicado mais tarde, sublinhava o fato de que
todos os recursos conhecidos pela ciência médica foram mobilizados no
esforço por preservar a vida do estadista, que tão assinalados serviços
havia prestado à nação.
O Dr. Tully, um dos poucos médicos que então se opunha às
"sangrias" como recurso para eliminar a febre e restaurar a saúde ao
paciente, declarou patético: "Com estas sangrias, o rei da Inglaterra
perde, cada ano, mais súditos que a guerra de Waterloo com todas as
suas g16rias."7
Foi nesta época de ignorância, sofrimento e frustração, quando
"enfermos eram sangrados e envenenados, que nasceu o conceito cristão
proclamado pelos adventistas de que a aceitação de Cristo como
Salvador pessoal incluí a adoção de hábitos saudáveis e princípios de
temperança, capazes de manter o corpo – santuário do Espírito Santo –
em um nível ótimo de saúde física, mental e espiritual.
Reforma Terapêutica
Em meio ao obscurantismo daqueles dias, ergueram-se inúmeras
vozes que, denunciando os processos terapêuticos vigentes, e os perigos
de drogas venenosas no combate às enfermidades, proclamaram as
virtudes medicinais dos métodos naturais no tratamento dos enfermos.
A Mão de Deus ao Leme
71
Estas vozes, entretanto, não foram devidamente ouvidas, pois as
atenções de todos passaram gradualmente a gravitar em torno do
apaixonante problema da escravidão, que arrastou o país a uma violenta
luta fratricida (1861-1865). Mas, apesar das incertezas e angústias
geradas pelo terrível conflito entre escravocratas e abolicionistas, a voz
reformadora dos adventistas se fez ouvir, proclamando com grande
ressonância os princípios do evangelho da saúde.
Poucos meses depois de terminada a guerra civil nos Estados
Unidos, os pioneiros adventistas inauguraram sua primeira instituição
médica em Battle Creek (1866), o Western Health Reform Institute,
precursora do grande sanatório dirigido por John H. Kellogg. Nesta
instituição haveriam de combinar o tratamento das enfermidades,
mediante o uso de remédios naturais, com a difusão dos princípios
básicos de uma medicina preventiva. A saúde física, mental e espiritual
seriam consideradas como interdependentes. Este era, com efeito, um
conceito médico revolucionário para uma época de ignorância, confusão
e perplexidade.
Mas, onde se inspiraram os adventistas na formulação de seus
princípios de saúde e implantação de sua rede multinacional de
instituições médicas?
Uma Visão Memorável
Foi no crepúsculo de uma sexta-feira, no dia 5 de junho de 1863,
duas semanas após a organização oficial da Igreja, que o casal White
uniu-se à família Hilliard, em Otsego, Michigan, para celebrar o culto de
pôr-de-sol. Quando a Sra. White orava ferventemente suplicando o favor
divino sobre o esposo, então enfermo e deprimido, foi arrebatada em
visão. Naquela oportunidade foram-lhe revelados em forma abarcante os
grandes princípios reguladores de um viver sadio, os quais deveriam ser
apresentados à igreja como parte integral da mensagem adventista. Nas
seguintes palavras encontramos um sumário do que lhe foi revelado:
A Mão de Deus ao Leme
72
"Vi que era um sagrado dever cuidar de nossa saúde, e animar antros
ao mesmo dever. ... Temos como responsabilidade falar e lutar contra a
intemperança de qualquer espécie – intemperança no trabalho, no comer, no
beber, no uso dos remédios – e apresentar os grandes remédios de Deus: a
água pura e potável, na enfermidade, na saúde, na higiene, e em grande
abundância. ... Vi que não devemos silenciar sobre o assunto da saúde, mas
despertar nossa mente para isro."8
Com efeito, a ardente súplica da Sra. White em favor do esposo
enfermo, foi respondida pelo Senhor, porém não através de uma
restauração instantânea. Em visão o Senhor lhe revelou as causas da
enfermidade que tanto afligiam o quebrantado esposo. Com as luzes da
visão que lhe foi dada, assim se expressou:
"Não é seguro e tampouco agradável a Deus que, após violar as leis da
saúde, busquemos ao Senhor, pedindo que vele sobre a nossa saúde e nos
guarde de enfermidades, quando os nossos hábitos contradizem as nossas
orações."9
A visão de Otsego (publicada no livro Spiritual Gifts, vol. 4,
páginas 120 a 151) permitiu que a Igreja nascente percebesse a íntima
relação existente entre o vigor físico e a saúde espiritual, e entendesse
que a violação das leis da Natureza diminuí os anos concedidos por Deus
para serem empregados em Seu serviço.
No Natal de 1865, estando em Rochester, Nova Iorque, a Sra.
White recebeu através de outra visão, informações adicionais sobre a
saúde e seus problemas. Foi instruída a animar a Igreja a estabelecer
instituições médicas, tendo em vista a prática e a difusão de princípios de
sanidade.
Havia recebido, é certo, em 1848, luzes no tocante à saúde do
corpo. Porém, foram as visões de Otsego (1863) e Rochester (1865) que
realmente cristalizaram entre os adventistas a convicção de que a saúde
não é produto da casualidade, nem do capricho, mas do respeito às leis
da vida, registradas no livro da Natureza.
A Mão de Deus ao Leme
Cinco Princípios Fundamentais
73
As instruções abundantes que encontramos nos escritos da Sra.
White, no tocante á saúde, poderiam ser sintetizadas em 5 grandes
princípios:
1. Operação Divina Através de Agentes Naturais – Ao condenar os
equívocos da chamada "medicina heróica", responsável pelos altos
índices de mortalidade que caracterizaram aqueles dias, a Sra. White
salientou as virtudes terapêuticas dos agentes naturais, tanto na
preservação da saúde, como na reabilitação de pacientes debilitados pela
enfermidade. Diz a inspiração:
"Os remédios de Deus são os simples agentes da Natureza, que não
sobrecarregarão nem enfraquecerão o organismo mediante suas fortes
propriedades. . . .
"Ar puro, luz solar, abstinência, repouso, exercício, regime conveniente,
uso de água e confiança no poder de Deus – eis os verdadeiros remédios."10
2. A Importância da Alimentação – Em seu livro Conselhos Sobre o
Regime Alimentar, a autora sublinha com clareza a íntima conexão
existente entre os alimentos que ingerimos e o nosso bem-estar físico.
Suas afirmações, embora formuladas em um tempo de ignorância, são
agora plenamente confirmadas pela ciência.
O Dr. Clive McCay, autoridade na ciência da nutrição, declarou:
"Os escritos de Ellen G. White.... provêem uma guia de alimentação
que abrange o corpo integralmente. Grande parte dessa sabedoria do
passado não é compreendida hoje, e, tentamos conseguir milagres tomando
comprimidos de vitaminas, misturas de sais minerais ou concentrados de
proteína.
"Podemos ler repetidamente os escritos de líderes, como Ellen G.
White, que ensinam a importância do alimento próprio para a saúde, a fim de
obtermos um corpo saudável."11
3. Medicina Preventiva – Os avanços da ciência médica
comprovam a substancialidade dos princípios da medicina preventiva
enunciados nos escritos do Espírito de Profecia.
A Mão de Deus ao Leme
74
A saúde não a conseguimos por mero acidente; obtemo-la por
escolha. Mesmo as enfermidades crônicas degenerativas, como as do
coração, rins e câncer, poderiam em muitos casos ser evitadas. Este
conceito, tão acentuado no livro A Ciência do Bom Viver, tem exercido
na vida de milhares uma influência modeladora.
4. Saúde Mental – Antes que a medicina moderna houvesse
desenvolvido o conceito atual conhecido como patologia psicossomática,
a Sra. White escreveu:
"Muito íntima é a relação que existe entre a mente e o corpo. Quando
um é afetado, o outro se ressente. O estado da mente atua muito mais na
saúde do que muitos julgam. Muitas das doenças sofridas pelo homem são
resultado da depressão mental. Desgaste, ansiedade, descontentamento,
remorso, culpa, desconfiança, todos tendem a consumir as forças vitais, e a
convidar a decadência e a morte."12
Mas, em que consiste a patologia psicossomática? O termo procede
do grego psiquis (mente) e soma (corpo). É pois o estudo das relações
existentes entre as perturbações emocionais e as enfermidades físicas e
mentais.
Surpreendemo-nos quando descobrimos, nos escritos da Sra. White,
um admirável conhecimento acerca da influência decisiva da mente
sobre o corpo e a importância das emoções como causas básicas de
multas enfermidades.
5. A Saúde Espiritual – A Sra. White deu especial ênfase à religião
como elemento terapêutico por excelência. Nenhuma necessidade da
alma poderá ser suprida com panacéias ou prescrições dietéticas. A
verdadeira paz é encontrada fora do eu, distante dos embates íntimos da
alma. Deus nos convida a irmos a Ele: "Vinde a Mim todos os que estais
cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei."13 Somos convidados a lançar
sobre Ele ''todas as nossas ansiedades''.14 Que promessas consoladoras!
Escreveu a pena inspirada:
"O ânimo, a esperança, a fé, a simpatia e o autor promovem a saúde e
prolongam a vida. Um espírito contente, animoso é saúde para o carpo e
força para a alma. 'O coração alegre serve de bom remédio.' " 15
A Mão de Deus ao Leme
75
Estes cinco grandes princípios inspirados por Deus têm modelado
os hábitos e costumes de mais de quatro milhões de adventistas, cuja
vida constitui um poderoso argumento em favor do evangelho da saúde.
"Ela Estava Com a Razão"
"Se algumas de suas recomendações parecem extremadas" –
escreveu Paul Harvey – "imaginem como devem elas ter parecido em
1863! Entretanto, a ciência moderna continua a dizer cada vez mais: 'Ela
estava com a razão.' "16
Em "Bom dia, América'', um dos mais populares programas de
televisão nos Estados Unidos, foi apresentada a Sra. Cíntia Fitzpatrick, a
mulher mais idosa no país. Apesar de já haver celebrado 113 anos de
idade, ainda recordava com surpreendente lucidez o nome de sua
primeira professora em uma escola rural. Investigando as declarações da
Sra. Fitzpatrick, a fim de aferir sua legitimidade, um periodista descobriu
que efetivamente a citada professora lhe havia dado aulas, lá pelos idos
de 1870.
Qual o segredo da longevidade da Sra. Fitzpatrick? Sendo membro
da Igreja Adventista – ela explicou – seus hábitos de vida são orientados
pelos princípios de saúde contidos nos escritos de Ellen G. White e
promulgados pela Igreja.
Quais os fatores que determinam a longevidade?
O Estado da Califórnia, o Serviço de Saúde Pública dos Estados
Unidos e a Universidade de Loma Linda, analisaram os atestados de
óbito acessíveis de todos os adventistas falecidos na Califórnia, num
período de cinco anos, e concluíram que eles vivem entre seis e sete anos
mais que a média dos demais habitantes daquele Estado.
Em geral, os adventistas têm uma incidência de câncer 70% menor
do que a população deste Estado, 68% menos de moléstias do aparelho
respiratório, 88% menos de tuberculose e 85% menos de enfisema
pulmonar.17
A Mão de Deus ao Leme
76
Dois cientistas noruegueses – os Drs. Waaler e Hjort – não
relacionados com a Igreja Adventista, a serviço do governo de seu país,
completaram recentemente um estudo relacionando os hábitos de vida
com a saúde. Investigando a vida de todos os adventistas na Noruega,
nos últimos dezessete anos, concluíram que, à semelhança dos
adventistas na Califórnia, eles vivem uma vida mais saudável e mais
longa que a média nacional.
Em seu relatório, amplamente divulgado através da imprensa, rádio
e televisão, afirmaram que unicamente o estilo de vida defendido pela
Igreja Adventista pode explicar as vantagens dos adventistas sobre os
demais habitantes do país.18
E assim fica mais uma vez demonstrado o poder sobrenatural
concedido a Ellen G. White, que embora carente de educação formal,
nos apresenta em seus escritos uma ciência que antecedeu a ciência.
Referências:
1. Richard A. Schaefer, Legacy, pág. 104.
2. Reproduzido em O Ministério Adventista, janeiro-fevereiro,
1967, pág. 14.
3. Richard A. Schaefer, Legacy, págs. 11, 12.
4. Ibidem.
5. Idem, pág. 4.
6. D. F. Robinson, The Story of Our Health Message, págs. 13, 14.
7. Idem, pág. 15.
8. Ellen G. White, Carta 4, 1863.
9. Ibidem.
10. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 127.
11. Clive McCay, Natural Foods and Farming, maio de 1958.
12. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 241.
13. Mateus 11:28.
14. I Pedro 5:7.
A Mão de Deus ao Leme
77
15. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 241.
16. Paul Harvey, Paul Harvey New, março de Í969.
17. A Ciência Médica e o Espírito de Profecia, pág. 58 (Preparado
nos escritórios dos Depositários de Ellen G. White da Associação
Geral).
18. H. J. Smit, "Norwegians Study S. D. As", Adventist Review, 25
de junho de 1981.
A Mão de Deus ao Leme
78
SUAVES ... OS PÉS DO QUE ANUNCIA
"Quão suaves são sobre os montes os pés do que anuncia as boas
novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a
salvação, que diz: O teu Deus reina." Isaías 52:7.
Conta-se que Lutero, em seu retiro de Wartburg, viu a Satanás que,
irônico, sarcástico e mordaz, viera perturbá-lo exatamente quando se
empenhava na tradução da Bíblia, esforçando-se por fazer os antigos
profetas hebreus se exprimirem, em alemão.
Dominado por uma natureza arrebatada, o gênio da Reforma, num
assomo de ira, tomando em sua mão um tinteiro arremessou-o contra o
diabo, deixando uma mancha de tinta na parede do célebre castelo. Se
atingiu ou não o objetivo, ignoramos. Se realmente ocorreu este
incidente, não o sabemos. Para os historiadores modernos este detalhe dá
vida de Lutero é considerado como mito. O que sabemos, entretanto, é
que a tinta tem sido uma arma poderosa e eficaz usada pela igreja cristã
na sua luta contra o império da impiedade.
A reação de Lutero poderia parecer uma demonstração de
insensatez e mau gênio. Porém, quando refletimos sobre o papel que o
vidro de tinta desempenhou na Reforma do Século XVI, concluímos que
Lutero escolheu a arma mais eficaz para lutar contra Satanás e as forças
confederadas do mal.
Foi em 1423 que Laurént Coster imaginou, por acaso, a idéia de
criar tipos móveis. Usando pedaços de casca de árvore, modelou a forma
das letras do alfabeto para com ela entreter o filho. Uma dessas letras
recortadas lhe caiu no chão, deixando reproduzida na areia sua
impressão. Isso, segundo a tradição holandesa, teria revelado a Coster as
imensas possibilidades do emprego dos tipos móveis na arte tipográfica.
Em 1438, Johann Gutenberg, impressor alemão, aperfeiçoou a idéia
e criou um novo e revolucionário método de impressão, capaz de
A Mão de Deus ao Leme
79
influenciar a opinião pública através do fluxo livre e eficiente de
informações, idéias e doutrinas – a palavra impressa.
Dentro de poucos anos este novo veículo de comunicação – a
imprensa – se converteu em poderoso instrumento na obra de difusão do
evangelho redentor de Cristo. A Reforma Protestante em breve deveria
surgir, e Deus em Seus insondáveis desígnios preparou o caminho, tendo
em vista dar aos reformadores os instrumentos necessários para a
execução de seus planos.
A Importância das Publicações Cristãs
As publicações cristãs têm tido notável influência na história da
Igreja desde sua origem até os nossos dias. Deus deixou o Evangelho em
forma escrita para que pudesse realizar sua obra de maneira mais
frutífera e permanente.
Na luta contra o paganismo romano e o judaísmo aferrado à rígida
disciplina de suas tradições vazias, as publicações ocuparam um lugar
saliente. Multiplicaram-se as apologias dirigidas aos imperadores
romanos, as exortações ao povo e as declarações de fé. A literatura
exerceu poderosa influencia quando a Igreja avançou pela primeira vez,
"conquistando e para conquistar''. Em realidade, as publicações tiveram
um lugar saliente na igreja primitiva.
Séculos mais tarde, as publicações exerceram poderosa influência
na restauração da fé primitiva. Juntamente com a publicação da Bíblia no
idioma do povo, surgiram os escritos paralelos dos indômitos arautos da
Reforma. John Wycliffe (1320-1384), e muitos antes dele, e outros que o
sucederam, disseminaram no continente europeu um dilúvio de
literatura, tendo em vista dissipar as densas trevas que cobriam o mundo
medieval. Os valdenses, com grande fervor missionário e arriscando a
própria vida, difundiram inúmeras publicações, juntamente com extensas
porções da Bíblia, no idioma do povo.
A Mão de Deus ao Leme
80
Quanta ajuda significaram as publicações para a causa da Reforma!
Em Wittenberg, hoje em dia, na igreja de Lutero, podem-se ver sobre
uma mesa coberta de vidro, diversos modelos de publicações por ele
usadas na proclamação de Cristo e Sua justiça. Foi a eficiente circulação
de uma notável quantidade de impressos que tornou a Reforma uma
força incontida. Com efeito, Lutero inundou literalmente a Alemanha
com a página impressa. "Sua pena nunca esteve ociosa.... Sem-número
de folhetos, procedentes de sua pena, circulava pela Alemanha toda."1
J. H. M. D'Aubigné, conhecido historiador, escrevendo sobre
Lutero e sua obra imortal, disse:
"Se ele não conseguiu missionários para levar a mensagem a terras
distantes, Deus proveu um missionário de entra espécie. A imprensa foi a
sucessora dos evangelistas. Foi a artilharia empregada contra a fortaleza
romana. Lutero preparou uma mina cuja explosão sacudiu o edifício de
Roma até os alicerces mais profundos."2
Surpreendemo-nos com o volume e a extensão das publicações
produzidas na primeira parte do século passado, interpretando as
profecias relacionadas com a vinda de Cristo. Aproximadamente
duzentos autores e centenas de livros exerceram uma influência
extraordinária, mudando a maneira de pensar de milhares de pessoas. A
circulação foi surpreendente e admirável.
A Página Impressa e a Igreja Adventista
O lugar das publicações na proclamação da "bem-aventurada
esperança" não é assunto de opção pessoal. Além das lições de história,
temos as seguintes declarações do Espírito de Profecia:
"Este é um trabalho que deve ser feito. O fim está próximo. Já se tem
perdido muito tempo, quando esses livros já deviam estar em circulação.
Sejam eles vendidos longe e perto. Espalhem-nos como folhas de outono.
Esta obra deve continuar sem que ninguém a impeça. Almas estão
perecendo sem Cristo. Sejam elas advertidas de Seu breve aparecimento
nas nuvens do céu."3
A Mão de Deus ao Leme
81
"De nossos livros e revistas, brilharão luzes que iluminarão o mundo
com a verdade presente."4
Foi durante uma reunião celebrada em Dorchester, no Estado de
Massachusetts, no mês de novembro de 1848, quando Ellen White –
então uma jovem senhora de 21 anos – recebeu uma revelação divina.
Depois da visão, dirigindo-se ao esposo, assim se expressou:
"Tenho uma mensagem para ti. Deves começar a publicar um pequeno
jornal e mandá-lo ao povo. Seja pequeno a princípio; mas, lendo-o o povo,
mandar-te-ão meios com que imprimi-lo e alcançará bom êxito desde o
princípio. Desde este pequeno começo foi-me mostrado assemelhar-se a
torrentes de luz que circundavam o mundo."5
Um ano mais tarde, Tiago White revelou-se profundamente
impressionado com a idéia de que havia chegado o tempo de difundir
com a pena a verdade presente. A mensageira de Deus descreve o que
ocorreu então: como o esposo, ao mesmo tempo que manifestava ânimo
e entusiasmo, também alimentava dúvidas e incertezas, pois não
possuíam os recursos necessários para materializar este ideal.
Sobrepondo-se ao desânimo, entretanto, Tiago White decidiu
trabalhar em um campo de feno. Era então um jovem de 27 anos. Usando
uma foice como ferramenta, trabalhava arduamente, recebendo por seu
labor o salário de oitenta e sete e meio centavos de dólar por acre (meio
hectare). Os recursos assim obtidos serviam-lhe para sustentar
frugalmente a família (os White tinham então dois filhos menores), e,
pensava ele, para ajudá-lo a financiar a produção de uma modesta revista
que teria como título Present Truth (A Verdade Presente). Seria uma
publicação de oito páginas e seu formato seria bem simples e modesto
(15,5 por 24 cm).
O espírito que animava o jovem pregador, e a determinação de
gastar-se e se deixar gastar no serviço de Cristo, podem ser aquilatados
em um parágrafo de uma carta dirigida ao irmão Stockbridge, Howland,
escrita no dia 2 de julho de 1848:
"Hoje o dia está chuvoso, de modo que não vou cortar feno. ... Corto
feno cinco dias para os incrédulos, e aos domingos para os crentes, e
A Mão de Deus ao Leme
82
descanso no sétimo dia; não tenho, portanto, senão muito pouco tempo para
escrever. . . . Deus me dá forças para trabalhar arduamente o dia todo. ... Os
irmãos Holt, João Belden e eu contratamos cem acres de pasto para cortar
(uns quarenta hectares), ao preço de oitenta e sete e meio centavos de dólar
o acre (uns quatro mil metros quadrados) a seco. Louvado seja Deus!
Espero ganhar alguns dólares para empregar na causa de Deus." 6
Tiago White, infatigável em sua luta por publicar e difundir a
verdade, costumava caminhar aproximadamente 25 quilômetros diários
para por em marcha a edição de Present Truth.
Quando os primeiros mil exemplares estavam prontos, ele os trouxe
para casa e um pequeno grupo de crentes ali se congregou para orar
suplicando as bênçãos divinas sobre aquele humilde começo.
"Ajoelhamo-nos em redor dos jornais" – conta a Sra. White – "e, com
coração humilde e muitas lágrimas, rogamos ao Senhor que fizesse Sua
bênção repensar sobre aqueles mensageiros da verdade.
"Depois de termos dobrado os jornais e meu marido haver embrulhado
e endereçado exemplares para todos os que ele julgava os leriam, pô-los
numa malinha e, a pé, levou-os ao correio de Middletown [a
aproximadamente 13 quilômetros de distância]."7
Em 1852 a família White se mudou para Rochester, Estado de Nova
Iorque, onde estabeleceram a obra de publicações sobre fundamentos
mais firmes. Compraram um prelo manual por 652,93 dólares, e
instalaram-no na Avenida Mount Hope, n.º 124. Naquele lugar se
estabeleceu nossa primeira editora. O espírito de sacrifício e renúncia
que os inspirava pode ser medido nas linhas que extraímos da carta
escrita pela Sra. White à família Howland.
"Acabamos de estabelecer-nos em Rochester. Alugamos uma casa
velha por cento e setenta e cinco dólares por ano. Temos o prelo na casa....
Estamos dispostos a suportar privações para que a obra de Deus possa
avançar. Cremos que a mão do Senhor esteve sobre nós ao virmos para
este lugar. Há um vasto campo para o trabalho, e os obreiros são poucos.
Sábado passado, nossa reunião foi excelente. O Senhor nos confortou com
Sua presença."8
Assim começou a obra de publicações. Foi uma empresa na qual se
conjugaram vários fatores: fé inquebrantável, orações fervorosas,
A Mão de Deus ao Leme
83
lágrimas abundantes e exaustivos esforços de natureza física e
intelectual. A bênção celestial acompanhou a iniciativa tomada pelos
pioneiros, e Deus recompensou suas lutas e sacrifícios, não com bens
perecíveis, mas com imensas alegrias espirituais.
Do ponto de vista humano, a possibilidade de transformar uma
pequena e humilde publicação, em uma empresa de alcance
internacional, poderia ser considerada como um ideal visionário, um
sonho irrealizável. Porém, aquela visão histórica se cumpriu com
impressiva exatidão. Ao visitar as instalações de nossas editoras
dispersas por todos os quadrantes da Terra, ouvindo o ruído cadenciado
de suas velozes rotativas, sentindo o cheiro da tinta usada na impressão
de centenas de milhares de livros e periódicos, recordamos que uma
jovem senhora, em 1848, com as luzes da inspiração, vislumbrou as
publicações adventistas iluminando a terra com os fulgores da verdade.
"Não desprezem esse começo humilde",9 declarou o profeta
Zacarias. Em 1848, Tiago White conseguiu transportar em uma pequena
mala toda a literatura então produzida pela Igreja. Em 1981, cem milhões
de dólares em livros e periódicos produzidos por nossas editoras, foram
transportados por pesados caminhões, velozes transatlânticos e ruidosos
aviões, cobrindo o globo consoante as palavras do velho hino:
De um a outro polo, Da China ao Panamá;
Do africano solo, Ao alto Canadá.
O modesto custo das 1.000 cópias de Present Truth, reunidas na
bolsa de Tiago White foi de sessenta e quatro dólares e cinqüenta
centavos. O valor dos livros e revistas vendidos em 1981, de acordo com
os registros do Departamento de Publicações da Associação Geral,
excedeu a soma de cem milhões de dólares. Considerando o tímido
começo de 1848, e como o Senhor guiou a obra de publicações até o
presente estágio, podemos concluir com as palavras de Davi, dizendo:
"Grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres."10
A Mão de Deus ao Leme
84
Mensageiros da Paz
Com o transcurso dos anos a obra de publicações prosperou em
grande maneira. As editoras, operando com melhores e mais eficientes
equipamentos, aumentaram sua capacidade de produção. A igreja,
entretanto, não possuía um sistema eficiente de distribuição. Como
conseqüência, o inventário acumulado nos depósitos de livros aumentou
em forma desmesurada. Impunha-se a necessidade de um sistema capaz
de acelerar em forma mais eficiente a circulação destes evangelistas
silenciosos – as publicações adventistas.
Em 1879, Deus enviou, através de Sua mensageira, a seguinte
mensagem:
"Algumas coisas de grave importância não estão recebendo a devida
atenção em nossos escritórios de publicações. Homens em posição de
responsabilidade deveriam elaborar planos por meio dos quais nossos livros
pudessem ser divulgados em lugar de permanecer como inventário morto
em nossas estantes. Atrasado no tempo, nosso povo não está seguindo as
providências abertas por Deus.
"Se há um trabalho mais importante do que outro, é o de colocar
nossas publicações perante o público, levando-os assim a examinar as
Escrituras."11
Estas palavras suscitaram preocupações e perplexidades. Que
poderia ser feito a fim de promover com maior eficiência a circulação de
nossos livros e a difusão de nossos periódicos?
As editoras produziam apreciáveis quantidades de publicações
contendo a luz da verdade. Porém, o trabalho permanecia incompleto.
Faltava, então, a figura heróica e quase legendária do colportor
evangelista.
Uma Grande Idéia
Sob o vidro da mesa de trabalho de um inquieto jornalista, lia-se a
seguinte oração: "Oh, Deus, dá-me hoje uma grande idéia, e perdoa-me
A Mão de Deus ao Leme
85
pela mediocridade das idéias de ontem." Foi na assembléia da
Associação Geral, celebrada em 1880, que uma grande idéia surgiu,
apresentada por um homem que agora ocupa um lugar no panteão dos
heróis do adventismo. Jorge King, exibindo os dois livros escritos por
Uriah Smith – Thoughts on Daniel (Pensamentos Sobre Daniel) e
Thoughts on Revelation (Pensamentos sobre Apocalipse), esforçou-se
por persuadir os delegados reunidos, de que deveriam ser publicados em
um só volume, de tamanho maior, ilustrado e encadernado de maneira
atrativa, em pano ou em couro. "Oh! se tão-somente tivéssemos um
livro!" – argumentou King. "Um livro que, com orgulho, pudéssemos
vender ao público em geral!''
Jorge King havia tido êxito na venda de livros de saúde publicados
por editoras seculares. Agora, após estudar os conselhos da inspiração,
estava convencido de que, com um livro atrativo contendo a mensagem
de Deus, poderiam acelerar grandemente a divulgação da mensagem
adventista através da página impressa.
O entusiasmo de King contagiou os delegados que, em forma
unânime, aprovaram a adoção da nova idéia. Os dois livros foram
publicados em um só volume, e encadernados em pano azul e verde e em
couro marroquim, com os cantos dourados ou jaspeados. Tendo-os
prontos, os editores, dirigindo-se a Jorge King, disseram: "Aqui estão os
livros. Leve-os e venda-os."
King tomou um volume recém-saído da encadernação e
imediatamente o vendeu ao primeiro cliente, um jovem chamado Weeb
Reavis. Em pouco tempo a tiragem deste livro se esgotou. Novas e
sucessivas edições foram produzidas e vendidas por King e outros que
posteriormente a ele se uniram, neste novo e vitorioso programa de
distribuição e circulação das publicações adventistas.12
Com este novo plano de ação missionária – o ministério da página
impressa – a Igreja inaugurou uma nova e triunfante etapa em sua
agitada e fascinante história.
A Mão de Deus ao Leme
86
"Quão suaves são sobre os atontes os pés do que anuncia as boas
novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação,
que diz a Sião: o teu Deus reina.' " – declarou o profeta Isaías.13
Para entendermos em toda sua significação as palavras do profeta,
devemos interpretá-las em seu contexto histórico. Os habitantes de
Jerusalém desejavam a paz com seus tradicionais adversários. A
sentinela aguardava ansiosamente a chegada do mensageiro que
anunciaria o fim do cativeiro babilônico. Eis que subitamente ele surge
sobre a silhueta de uma montanha distante, trazendo as boas novas, a
mensagem de paz e libertação.
Com efeito, com os pés incansáveis de milhares de colportores –
mensageiros de paz e esperança – os livros, revistas e folhetos
produzidos nos prelos adventistas são disseminados por toda parte. Sobre
montanhas de dificuldades, lutas e até mesmo perseguições, esses
arautos da fé, sem alardes e sem fanfarras, anunciam com a página
impressa as boas novas, proclamam o evangelho da paz, e tornam
conhecida aos homens a salvação em Jesus.
Esta obra extraordinária, realizada por fiéis colportores, heróis
anônimos que atuam fora da ribalta do palco religioso, está produzindo
torrentes de luz circundando a Terra.
A Terra Iluminada
O vidente de Patmos descreve um dos acontecimentos mais
significativos da história humana. Ele contemplou em visão o futuro e
viu "descer do céu outro anjo que tinha grande poder, e a Terra foi
iluminada com a sua glória". Este mensageiro celestial declara que a
apostasia alcançou o seu ponto culminante; que Babilônia se converteu
em "morada dos demônios"; que todas as nações, todos os interesses
comerciais e todas as igrejas se amalgamaram em um monolítico
conjunto de impiedade.
A Mão de Deus ao Leme
87
Quase concomitantemente, uma voz do Céu convida os sinceros
adoradores do Deus vivo a "sair dela''. Babilônia será afligida por causa
de seus pecados, e o povo de Deus deve fugir dela como Ló fugiu de
Sodoma antes que os juízos divinos sobre ela se abatessem e a
transformassem em escombros e cinzas.14
É possível que alguns esperem que a descrição profética de
Apocalipse 18, se cumpra mediante a visitação sobrenatural de um anjo
iluminando a Terra com sua mensagem e sua glória. Porém, à
semelhança dos três anjos de Apocalipse 14, o anjo do capítulo 18
constitui um símbolo. Deus confiou aos homens e não a seres celestiais a
responsabilidade de proclamar o evangelho redentor ao mundo. Milhões
de vozes anunciarão em todos os quadrantes da Terra a verdade divina
para os últimos dias. A luz há de penetrar e dissipar as trevas até que a
Terra seja iluminada com a luz fulgurante do evangelho. Multidões
preferirão as sombras à luz, porém, de qualquer modo verão a luz,
porque esta refulgirá com grande esplendor.
Diferentes agências e métodos se hão de conjugar neste esforço por
iluminar a Terra com a glória do ''outro anjo''. Porém, de modo especial,
salientamos a influência das publicações produzidas em nossas editoras.
"É em grande parte por meio de nossas casas editoras, que se há de
efetivar a obra daquele outro anjo que desce do céu com grande poder, e
com sua glória, ilumina a Terra."15
Com linguagem inconfundível a serva do Senhor salienta a
relevância da obra de publicações em nossos dias, dizendo:
"As revistas e os livros são o meio de o Senhor conservar a mensagem
para este tempo continuamente perante o povo. As publicações farão muito
maior obra iluminando e confirmando almas na verdade, do que a que pode
ser cumprida unicamente pelo ministério da palavra."16
Os documentos cuidadosamente selecionados e classificados no
Arquivo Nacional dos Estados Unidos, levam um selo com as palavras
latinas: Littera Scripta Manent! (A Palavra Escrita Perdura). Alguém
apropriadamente assim se expressou: "O pregador escreve suas palavras
sobre a água, mas o escritor cinzela suas palavras sobre a pedra." A Sra.
A Mão de Deus ao Leme
88
White reproduz este mesmo pensamento, dizendo: "Um sermão pode ser
pregado e logo olvidado, mas o livro permanece."17
Apesar dos enormes obstáculos que nos confrontam na proclamação
da tríplice mensagem angélica, temos a promessa de que o Senhor
abreviará e completará Sua obra sobre a Tena.18 "Mais de um milhar
serão logo convertidos em um dia'' – escreve a Sra. White – "a maioria
dos quais atribuirá suas primeiras convicções à leitura de nossas
publicações."19
Promessa preciosa! Enormes massas humanas levadas a Cristo pela
influência iluminadora de nossas publicações – a palavra que perdura.
Com efeito, através de nossas editoras e por meio da obra extraordinária
realizada por um exército de indômitos colportores, a igreja tem estado
arrojando toneladas e toneladas de tinta sobre o inimigo do bem. Os
resultados desta obra transcendem os estreitos limites da imaginação
humana.
Referências:
1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 164.
2. J. H. M. D'Aubigné, History of the Reformation, vol. 6, pág. 197.
3. Ellen G. White, O Colportor Evangelista, pág. 25.
4. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 87.
5. Ellen G. White, Vida e Ensinos, pág. 128.
6. Idem, pág. 118.
7. Idem, págs. 129, 130.
8. Idem, págs. 143, 145.
9. Zacarias 4:10, A Bíblia Viva.
10. Salmo 126:3.
11. Ellen G. White, Testimonies, vol. 4, págs. 388, 390.
12. R. W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant, págs. 155, 156.
13. Isaías 52:7.
14. Apocalipse 18:1, 4.
A Mão de Deus ao Leme
15. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 142.
16. Idem, vol. 2, pág. 534.
17. Ellen G. White, Life Sketches, pág. 382.
18. Romanos 9:28.
19. Ellen G. White, O Colportor Evangelista, pág. 151.
89
A Mão de Deus ao Leme
90
O JUSTO VIVERÁ DA FÉ
"Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está
escrito: Mas o justo viverá da fé." Romanos 1:17.
Era um jovem estudante com um elevado quociente de inteligência.
Acompanhando seu progresso intelectual, os professores anteciparam-lhe
um futuro promissor e brilhante. Depois de haver concluído os estudos
secundários, ingressou na universidade com o propósito de se
especializar em leis.
Enquanto estudava na Universidade, um problema que o angustiava
se intensificou: a ausência de paz interior. Perturbado por grandes
inquietudes religiosas, sentia a consciência acicatada por um constante e
esmagador sentimento de culpa.
Posteriormente, contrariando as aspirações de seu pai, abandonou a
Universidade e entrou para um mosteiro, animado pelo anseio de
encontrar a paz tão indispensável para o coração perturbado e aflito.
Ele cria em um Deus iracundo, severo e inclemente, cuja ira só
podia ser aplacada através de rígida penitência e constante disciplina
pessoal.
Passava dias incontáveis imerso no mundo do silêncio, absorto em
profundas reflexões sobre a natureza de Deus e Seu relacionamento com
o homem. Jejuava pelo menos cem dias por ano. No inverno dormia
desnudo sobre o piso frio, sem cobertor ou agasalho. Levantava-se duas
ou três vezes durante a noite para orar a Deus em silêncio.
Conhecendo as tensões e angústias que o oprimiam, seus superiores
lhe recomendaram a leitura dos escritos de Pedro Lombardo, João Duns
Escoto e Tomás de Aquino, teólogos intérpretes do pensamento
escolástico-medieval. Vendo-o frustrado em seus esforços por encontrar
a paz, enviaram-no a Roma.
Pensando poder calar o clamor angustioso da alma, ele subiu sobre
suas mãos e joelhos a legendária escada de Pilatos, situada em uma das
A Mão de Deus ao Leme
91
basílicas patriarcais em Roma. Repetindo o Pater Noster (Pai Nosso), e
beijando cada degrau, alimentava a esperança de assim liberar uma alma
do purgatório. Ao chegar ao topo da escada, entretanto, sua mente foi
iluminada por um pensamento que mudou o curso de sua vida e,
posteriormente, modificou a corrente da História.
". . . de súbito " – escreveu Ellen G. White - "uma voz semelhante a
trovão pareceu dizer-lhe: 'O justo viverá da fé.' Romanos 1:17 Ergueu-se de
um salto e saiu apressadamente do lugar, envergonhado e horrorizado. Esse
texto nunca perdeu a força sobre sua alma."1
Certamente a dramática experiência de Lutero se assemelha em
alguns aspectos à experiência vivida por muitos adventistas durante os
anos formativos da Igreja.
Quatro Décadas de História
Os pioneiros do movimento adventista, Tiago White, José Bates,
Hirã Edson e outros, criam na suficiência do sacrifício vicário de Cristo.
Antes de se identificarem com o adventismo, haviam experimentado o
gozo da conversão em suas igrejas de origem. Temas fundamentais como
o arrependimento, novo nascimento, justificação pela fé, a graça
redentora, etc., eram considerados por eles como preciosas verdades
evangélicas.
Não obstante, em seu ministério, davam especial realce às doutrinas
que nos são peculiares, verdades que haviam sido então restauradas.
Devido à ausência de ênfase na pregação dos grandes temas do
evangelho, foram rotulados como legalistas e judaizantes pregadores da
lei de Moisés, como instrumento de salvação.
As razões que justificavam este destaque na proclamação das
doutrinas caracteristicamente adventistas eram evidentes. À medida que
a igreja crescia, multiplicavam-se os ataques contra ela. Proliferavam por
toda a parte um sem-número de publicações denunciando as "heresias"
adventistas. A observância do sábado passou a ser o ponto focal das
A Mão de Deus ao Leme
92
investidas adversárias. Para invalidar a importância do quarto
mandamento, os pregadores protestantes elaboraram argumentos
especiosos e refinados sofismas, em um esforço inútil por provar que
Deus modificou a lei ou proscreveu a vigência do Decálogo.
Refutando tais argumentos, os pregadores e escritores adventistas
dedicaram demasiada atenção às doutrinas controvertidas, relegando
inconscientemente a um plano secundário, temas vitais como Cristo e
Sua justiça, a conversão, a justificação e a santificação.
Os artigos publicados em nossos periódicos, e os sermões pregados
em nossas cruzadas de evangelização se inspiravam em um estilo
polêmico e combativo. Alguns de nossos ministros se tornaram hábeis
polemistas. Em debates memoráveis, com talento e brilho, logravam
neutralizar os argumentos antinominianos, silenciando a arrogância
adversária. Porém, estas polêmicas produziam resultados escassos e
limitados.
Preocupada com os constantes debates nos quais se envolviam
nossos ministros, escreveu a serva do Senhor: "Estas discussões, orais ou
escritas, produzem mais danos que benefícios."2
Em histórico sermão, pregado em 1888, a Sra. White exortou:
"Abandonai o espírito de controvérsia, no qual vos estais educando
durante anos."3
Com efeito, nestas inflamadas discussões públicas, os relâmpagos
do Sinai ofuscavam com freqüência os fulgores do Calvário.
Os triunfos pessoais alcançados nestes debates alimentavam um
espírito de suficiência própria, responsável pelo naufrágio espiritual de
alguns de nossos mais talentosos obreiros.
Hirã S. Case, após um ministério efêmero, caracterizado por
exaltadas confrontações com os adversários da Igreja, renunciou ao
adventismo em 1854.
Moisés Hull, talentoso e eloqüente evangelista, escritor prolífico,
após inúmeras vitórias conquistadas em memoráveis debates públicos,
A Mão de Deus ao Leme
93
defendendo a fé adventista, abandonou a Igreja e se identificou com o
espiritismo.
B. F. Snook e W. H. Brinkerhoff, respectivamente presidente e
secretário da Associação de Iowa, jamais dissimularam o espírito
polêmico e combativo que os animava. Em 1886, entretanto, deixaram a
Igreja e fundaram um movimento dissidente proclamando entre outras
excentricidades, a teoria universalista segundo a qual todos os seres
humanos serão salvos.
D. M. Canright, no calor de ásperos debates, revelou brilho, retórica
e eloqüência. Mas permitiu-se, como resultado, ser dominado por um
espírito enfatuado e arrogante, convertendo-se, após sua apostasia em
1887, em um mordaz, amargo e implacável adversário da Igreja.
"Aqueles que gostam de estar em tais dissensões " – escreveu E. G.
White – "em geral perdem a espiritualidade. Não confiam em Deus como
deveriam. Usam a teoria da verdade para fustigar seus oponentes. Os
sentimentos próprios de um coração pecaminoso produzem os argumentos
sarcásticos, usados como aporte para irritar e provocar os opositores. O
espírito de Cristo nada tem em comum com isto."4
O destaque que os adventistas davam nestes debates à lei e ao
sábado, produzia a convicção generalizada de que criam mais na
salvação por obras meritórias que pela fé em Cristo Jesus.
É certo que haviam aceitado a Jesus quando desfrutaram o gozo da
conversão. A graça redentora era-lhes, pois, uma experiência viva,
irradiante e pessoal. Entretanto, sem se aperceberem, começaram a dar
um tratamento preferencial aos temas que nos são peculiares, e
inconscientemente relegaram a um plano secundário a proclamação de
Cristo e Sua justiça. A preeminência de Jesus foi imperceptivelmente
ignorada. Os sermões, artigos e editoriais obedeciam a uma orientação
gradualmente argumentativa e cada vez menos cristocêntrica.
Como resultado a Igreja sofreu as conseqüências nefastas de um
grande torpor espiritual, que precipitou a crise de 1888, um dos capítulos
mais sombrios da história do adventismo.
A Mão de Deus ao Leme
94
Se os ministros adventistas houvessem proclamado os trovões do
Sinai e sua relação com os fulgores do Gólgota, não teriam sido atacados
com tanta veemência por adversários gratuitos, e as quatro primeiras
décadas de nossa história seriam agora consideradas pelos historiadores
como um período fecundo, caracterizado pela piedade, fervor e
dedicação de seus membros aos ideais da cruz.
A Crise Entre Duas Revistas
A tendência legalista revelada no púlpito e na experiência dos
adventistas em geral, se refletia também nos livros, periódicos e folhetos
publicados por nossas editoras.
A vigência da lei de Deus, a santidade do sábado, a imortalidade
condicional, profecias e escatologia, eram os temas preferidos pelos
escritores adventistas. A justificação pela fé, embora considerada como
importante verdade bíblica, não recebeu entre eles um tratamento
prioritário.
Investigando as cópias da revista oficial da igreja – Review and
Herald – publicadas durante aquele período, descobrimos uma alarmante
e sintomática pobreza de artigos sobre Cristo e Sua obra redentora.
Em 1877 saiu à luz o livro The Biblical Institute (O Instituto
Bíblico). Era uma obra de 352 páginas, publicada com o propósito de
explicar em forma sistemática a teologia adventista. Porém,
surpreendentemente, não encontramos neste livro nenhuma menção à
salvação pela fé em Jesus.
Despontou, entretanto, no seio da Igreja, um homem que prestou
relevante e inolvidável contribuição à causa do adventismo: Harvey
Waggoner. Com apenas seis meses de educação formal, revelou-se
extraordinário autodidata. Compensou suas limitações acadêmicas
mediante intenso e disciplinado programa de estudo pessoal.
Antes de aceitar a mensagem adventista, havia sido batista e editor
de um pequeno diário de orientação política no Estado de Wisconsin.
A Mão de Deus ao Leme
95
Como adventista, revelou-se talentoso evangelista e escritor
versátil. Deplorando a ausência de ênfase na proclamação de Cristo e
Seu poder redentor, escreveu em 1874 uma série de artigos na revista
The Signs of the Times, sobre Cristo, a esperança do mundo.
Em 1881, substituindo o falecido editor da revista, Pastor Tiago
White, decidiu como parte de sua política editorial publicar, se possível,
em cada número um artigo sobre a graça redentora de Cristo. Para ajudálo, convocou os serviços de dois novos assistentes: seu filho médico,
Ellet J. Waggoner, com pouco entusiasmo pela medicina e acentuado
interesse pelos temas teológicos; e Alonzo T. Jones, um ex-militar que se
converteu a Cristo.
Ambos determinaram exaltar em seus escritos os "atrativos
incomparáveis de Cristo. "Ninguém terá acesso ao Céu, sem o manto
imaculado da justiça de Cristo", reiteravam convictos. "Este manto não
pode ser comprado, e tão pouco obtido por obras meritórias." "Somos
salvos pela fé, sem as obras da leí'',5 acentuavam em seus artigos e
editoriais.
Esta ênfase reproduzida nas páginas da revista The Signs of the
Times, suscitou uma crescente preocupação e alarme no seio da Igreja.
Muitos entre os adventistas (e até mesmo entre os dirigentes) se haviam
identificado inconscientemente com o pensamento de que somos
justificados pela fé em Cristo e mais as obras da lei.
Como resultado, um abismo se interpôs entre a Review and Herald,
revista oficial da Igreja, e The Signs of the Times, nossa publicação
missionária.
Sob a orientação editorial de Uriah Smith, a Review and Herald
defendia uma posição legalista, uma espécie de sinergismo ou
semipelagianismo. A revista The Signs of the Times, sob a direção de J.
H. Waggoner, e seus dois assistentes, defendendo uma posição
diametralmente oposta, exaltava o princípio sola fide (somente por fé)
aclamado pelos pregadores da Reforma.
A Mão de Deus ao Leme
96
Em 1886, Uriah Smith publicou um artigo escrito por O. A.
Johnson, no qual, consoante o autor, a lei mencionada na carta aos
Gálatas, era a legislação cerimonial.
A interpretação de Johnson foi imediatamente refutada com ardor
por E. J. Waggoner, em um artigo publicado nas páginas da revista The
Signs of the Times, defendendo a exegese de que a lei apresentada por
Paulo nessa epístola não era a legislação levítica, mas sim o Decálogo
proclamado no Sinai.
E assim desatou uma acirrada controvérsia entre dois periódicos
denominacionais, dividindo a Igreja em partidos antagônicos.
Alarmada com o debate e seus ruinosos efeitos, a Sra. White, que se
achava então na Europa, escreveu aos dois grupos litigantes,
repreendendo-os por divulgar suas diferenças. Em uma carta dirigida ao
Dr. Waggoner, assim se expressou:
"Não vacilo em dizer que o irmão cometeu um erro. Apartando-se das
diretrizes positivas que Deus deu sobre este assunto, teremos como
resultado apenas prejuízo. ...
"Devemos manter perante o mundo uma frente unida. Satanás triunfará
vendo diferenças entre os adventistas do sétimo dia. . . .
"Que pensa o irmão acerca dos seus sentimentos ao ver nossos dois
principais periódicos envolvidos em controvérsia? Conheço como eles
vieram à existência e sei o que sobre eles Deus tem dito, que não deve
haver distensões entre estas duas instrumentalidades divinas. Devem
permanecer unidas, respirando o mesmo espírito, exercitando-se no mesmo
trabalho, preparando um povo para subsistir no dia do Senhor, unido na fé,
unido no propósito."6
Com efeito, a semeadura da controvérsia produziu, pouco depois,
na Assembléia Geral de 1888, uma colheita amarga e dolorosa.
Um estudo da história durante as quatro décadas que antecederam o
momentoso encontro de 1888, nos permitem as seguintes conclusões:
1. Que a doutrina da justificação pela fé, conquanto jamais refutada,
não ocupou um lugar conspícuo no arcabouço doutrinário adventista,
durante aqueles anos.
A Mão de Deus ao Leme
97
2. Que as exortações da Sra. White contra os perigos de um
evangelho carente de Cristo, não encontraram no seio da Igreja a
ressonância que seria de se esperar.
3. Que os ensinos que se inspiravam no princípio protestante, sola
fide, foram recebidos com preocupação e desconfiança, até mesmo por
alguns líderes da Associação Geral.
4. Que estas circunstâncias conjugadas precipitaram a eclosão da
crise de Minneapolis, encontro histórico carregado de conflitos, tensões e
emoções.
A Assembléia de 1888
A crescente controvérsia entre o inconsciente legalismo de alguns e
o princípio sola fide, defendido por outros, encontrou o seu clímax na
histórica assembléia de Minneapolis, celebrada entre os dias 17 de
outubro e 4 de novembro de 1888.
Reuniram-se naquela oportunidade noventa delegados (incluindo
três procedentes da Europa), representando 27.000 adventistas dispersos
no velho e novo continentes.
O encontro foi precedido por um concilio ministerial, realizado
entre os dias l0 e 17 de outubro. Esta reunião preparou a arena para a
grande e exacerbada batalha que quase fraturou a unidade da Igreja.
A divergência de idéias e a radicalização de conceitos se evidenciou
até mesmo na discussão de temas não relacionados com a justificação
pela fé. Em um estudo sobre o capítulo 7 de Daniel, contrariando a
opinião defendida por A. T. Jones, Uriah Smith afirmou que os hunos
representavam um dos dez reinos simbolizados pelas dez pontas do
"animal terrível e espantoso". Jones rejeitou com energia as conclusões
de Smith, insistindo que uma correta exegese excluiria os hunos e em seu
lugar porra os alamanos.
Smith declarou com modéstia que sua interpretação não era
original, pois se estribava na opinião de vários eruditos. Diante desta
A Mão de Deus ao Leme
98
afirmação, Jones, com rispidez e cortante ironia, declarou: "O Pastor
Smith confessou que nada sabe sobre o assunto. Porém, eu conheço o
tema, e não quero que me façam responsável pelas coisas que ele
desconhece."7
O aparte de Jones foi qual faísca inflamando os ânimos, separando
de forma mais definida os grupos antagônicos. A Sra. White repreendeu
Jones por haver-se expressado de forma tão áspera, e exortou os
delegados a manifestarem uma atitude mais tolerante, cordial e cristã.
Porém, seu apelo não encontrou a ressonância que seria de se esperar.
Divididos entre "hunos" e "alamanos" (estas duas expressões
passaram a ser usadas para identificar os dois grupos litigantes), eles
terminaram os trabalhos do concilio ministerial e, logo após, iniciaram,
na assembléia da Associação Geral, o estudo e discussão do tema a
justificação pela fé, no contexto da tríplice mensagem angélica. Os
ânimos, entretanto, pareciam demasiado exacerbados para um estudo
sereno do grande tema que então dividia a Igreja de forma aparentemente
inconciliável. Era evidente que os delegados estavam divididos em três
grupos, a saber:
1. Aqueles que aceitaram a mensagem sola fide (somente por fé) ou
sola gratia (somente por graça) como preciosa experiência religiosa, e
julgavam imperativo partilhar com outros o gozo e as alegrias resultantes
da compreensão deste tema.
2. Aqueles que resistiam à mensagem e consideravam perigosas as
"novas idéias" fermentadas nas páginas da revista The Signs of the
Times. Criam que a mensagem da justificação pela fé, tal como estava
sendo interpretada, poderia ser o começo do fim do movimento
adventista. "Permaneçamos fiéis aos marcos antigos", repetiam com
vigor.
3. Um terceiro grupo se caracterizou pela neutralidade ou indecisão.
Procurando concordar a princípio com um lado e depois com outro,
concluíram confusos, perplexos e desorientados.
A Mão de Deus ao Leme
99
Os dois principais expoentes da pregação "somente pela fé",
representantes do primeiro grupo, se caracterizavam pela diversidade. O
Dr. Waggoner era de baixa estatura, introspectivo, refinado e erudito.
Jones, ao contrário, era alto, rude e impetuoso – um autodidata, com a
mente cheia de erudição bíblica e histórica. Waggoner era suave e
afetuoso; Jones era precipitado e sutil.
Uriah Smith, veterano escritor e redator-chefe da Review and
Herald, líder do segundo grupo, considerava as idéias apresentadas por
estes dois pregadores como séria ameaça à Igreja. Para ele o problema
era basicamente filosófico. Se somos salvos somente pela fé, que
necessidade temos de guardar a lei? Não podendo discernir a diferença
entre a fé e as obras, concluiu afirmando que a interpretação de Jones e
Waggoner militava contra a importância da lei e a instituição do sábado.
G. I. Butler, presidente da Associação Geral, não assistiu à
Assembléia de Minneapolis. Sua esposa havia sofrido um derrame
cerebral, e ele próprio sentia-se física e mentalmente alquebrado.
Entretanto, embora ausente, não ocultou sua enorme preocupação com a
nova ênfase dada pelos redatores da revista The Signs of the Times à
justificação pela fé. Enviou cartas e telegramas a todos os amigos
delegados, instando-os a rejeitar as "novas idéias". "Permanecei firmes
ao lado dos marcos antigos'', repetia em cada carta.
O encontro se caracterizou por um conflito de personalidades,
motivado não tanto por diferenças doutrinárias inconciliáveis, mas pela
vaidade, egoísmo e dureza de coração. Quando, mais tarde, se mostraram
dispostos a ouvir a voz de Deus e se humilharam, as diferenças
teológicas desapareceram.
Após vários dias de estudos e discussões a assembléia foi
encerrada, deixando no ar um sombrio sentimento de confusão e pesar.
Em uma carta escrita posteriormente, assim se expressou a mensageira
de Deus:
"Foi-me mostrado que a terrível experiência de Minneapolis é um dos
capítulos mais tristes na história dos crentes na verdade presente" 8
A Mão de Deus ao Leme
100
Mas, apesar das tensões, conflitos e frustrações, essa assembléia
passou para a história como um evento memorável. Produziu uma grande
reforma na Igreja, um efervescente reavivamento entre aqueles que se
dispuseram a aceitar os benefícios sublimes da justificação em Cristo.
Depois de 1888
Alguns saíram desse encontro com amargura, dispostos a
neutralizar o efeito da pregação de Jones e Waggoner. Houve inclusive
uma tentativa para impedir que eles pregassem no Tabernáculo de Battle
Creek.
Porém, com o transcurso do tempo a paz e a unidade foram
restauradas. A Sra. White e os dois editores da revista The Signs of the
Times, visitaram as igrejas por toda a parte, pregando sobre a justificação
pela fé. No ano seguinte, assistindo às reuniões gerais de reavivamento
em todo o país, deram especial ênfase a este mesmo tema, proclamando
"Cristo é tudo em todos''.
Em 1890, um Instituto Bíblico foi celebrado, e nele Jones e Waggoner
tiveram uma participação destacada. Produziu-se como conseqüência um
notável reavivamento espiritual. Diversos pastores que se haviam
manifestado hostis às "novas idéias", aceitaram a mensagem e,
publicamente, confessaram-se arrependidos por haverem rejeitado a luz
de Deus.
No dia 31 de dezembro de 1890, a Sra. White enviou a Uriah Smith
um testemunho particular de 13 páginas, denunciando a debilidade de sua
experiência cristã. Uma semana após, Smith pediu uma reunião especial
com Ellen G. White e alguns dirigentes da Associação Geral. Neste
encontro leu o testemunho que lhe foi enviado e, pedindo que o perdoassem
por sua obstinada resistência, revelou-se então disposto a proclamar com
renovado fervor os "encantos incomparáveis" de Cristo e Sua justiça.9
Em 1893, o Pastor G. I. Butler, ex-presidente da Associação Geral,
em um artigo publicado na Review and Herald, sob o título ''Pessoal",
A Mão de Deus ao Leme
101
confessou sua errônea atitude mental frente á mensagem proclamada em
Minneapolis.10
Jones e Waggoner, que antes da Assembléia de Minneapolis haviam
sido acusados como perturbadores de Israel, passaram a ser aceitos como
lídimos mensageiros, suscitados pela Providência para despertar a Igreja
e livrá-la dos efeitos entorpecedores de um legalismo vazio, destituído de
poder.
A Sra. White, animada pelo afã de salvaguardar a Igreja contra os
riscos de cair outra vez nas malhas de um evangelho sem Cristo,
consagrou sua pena à produção de cinco preciosos livros: Patriarcas e
Profetas, Caminho a Cristo, O Desejado de Todas as Nações, O Maior
Discurso de Cristo, e Parábolas de Jesus. A influência extraordinária
destes livros, reconhecidos como clássicos na literatura evangélica, tem
modelado o pensamento adventista, e preservado a Igreja contra os riscos
de um culto semelhante à oferta de Caim.
Referências:
1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 125.
2. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág- 213.
3. Ellen G. White - Excertos de um sermão inédito pronunciado na
assembléia de Minneapolis, Estado de Minnesota, em 1888;
Citado por Norval Pease, em By Faith Alone, pág. 138.
4. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 285.
5. Romanos 3:28.
6. Ellen G. White, Counsels to Writers and Editors, págs. 75-80.
7. Citado por Norval Pease, em Solamente por Fe, pág. 113.
8. Ellen G. White, Carta 179, 1902; Citado por A. V. Olson, em
1888-1901 – 13 Crisis Years, pág. 43.
9. A. V. Olson, em 1888-1901 – 13 Crisis Years, págs. 97-107.
10. Idem, págs. 91.93.
A Mão de Deus ao Leme
102
UMA ESPADA DE FOGO SOBRE BATTLE CREEK
"... em visões da noite, vi um anjo de pé com uma espada de fogo
estendida sobre Battle Creek." – Testimonies, vol. 8, pág. 97.
O apóstolo S. Pedro dirigiu sua primeira epístola universal "aos
estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia".1
Com efeito, poucas expressões seriam más adequadas vara exprimir a
situação da Igreja no mundo.
Durante anos os cristãos que viviam em Jerusalém pareciam tão
satisfeitos com o privilégio de integrar a comunidade cristã naquela
cidade, que se olvidaram de que a grande comissão divina era ir por todo
o mundo. Não lhes agradava tomar voluntariamente o caminho da
dispersão. Porém, de maneira providencial, eles foram expulsos de
Jerusalém, pela perseguição, e se tornaram peregrinos, exilados e
dispersos em todos os quadrantes do grande império.
Deus dera a Adão a ordem de frutificar, multiplicar e encher a
Terra, mas os seus descendentes planejaram edificar uma cidade tendo
como propósito mantê-los reunidos, impedindo deste modo a dispersão.
Deus, entretanto, frustrou os seus intentos, espalhando-os sobre a Terra.
O mesmo ocorreu com a Igreja Neotestamentária. Disse Jesus: "Ide por
todo o mundo'', mas a Igreja se concentrou em Jerusalém, negligenciando
cumprir sua missão. Mas, sobreveio ao cristianismo a perseguição que
culminou com o martírio de Estêvão. Daquele tempo até agora, os
cristãos têm sido em toda parte nada mais que "estrangeiros dispersos",
peregrinos e forasteiros em um mundo entenebrecido pelo pecado.
Jerusalém Adventista
Nas três últimas décadas do século passado, Battle Creek, pequena
e bucólica cidade edificada às margens do rio Kalamazoo, no Estado de
Michigan, se transformou em uma nova e fascinante Jerusalém. De todos
A Mão de Deus ao Leme
103
os quadrantes chegavam à cidade fiéis adventistas, animados pelo desejo
de gozar os privilégios e alegrias de uma vivência na capital mundial do
adventismo. Como conseqüência a cidade cresceu vertiginosamente,
tornando-se em pouco tempo "uma grande e ingovernável colônia
adventista''.2
Em 1878, planos audaciosos foram formulados tendo em vista
construir na cidade uma imensa catedral, capaz de abrigar 3.400
adoradores. Graças à cooperação, generosidade e espírito de sacrifício de
muitos, os sonhos acariciados pelos idealizadores deste projeto logo se
converteram em realidade. No dia 20 de abril de 1879, em uma
cerimônia histórica, o Tabernáculo Dime* foi solenemente dedicado ao
culto divino. Com o transcurso dos anos o número dos adoradores que se
reuniam neste santuário cresceu de forma desmesurada, levando os
dirigentes da igreja a dividir a Escola Sabatina em 173 diferentes classes
para o estudo da Palavra de Deus.
Preocupada com o constante fluxo de adventistas, que de forma
ininterrupta afluíam a Battle Creek, Ellen G. White exortou:
"Não é o plano de Deus que o nosso povo se concentre em Battle
Creek. Jesus ordenou: 'Ide à Minha vinha.' Saí dos lugares onde não sois
necessários. Plantar a bandeira da verdade em cidades e vilas onde a
mensagem não foi ouvida."3
Os sucessivos apelos apresentados pela mensageira de Deus eram
claros e objetivos:
"O povo está sendo animado a se centralizar em Battle Creek, e dão
o dízimo e exercem sua influência para a edificação de uma moderna
Jerusalém, que não é segundo a ordem de Deus. Nessa obra outros
lugares são despojados de recursos que deveriam ter. Aumentai sim,
ampliai; mas não num só lugar. Ide e estabelecei centros de influência
em lugares em que nada foi feito."4
*
Tabernáculo Dime: Assim era chamado o templo de Battle Creek porque foi construído
graças a uma campanha de arrecadação das moedas de dez centavos, chamadas Dime.
A Mão de Deus ao Leme
104
Expressando-se com crescente vigor contra a formação de colônias
adventistas, escreveu:
"Mas o povo de Deus nunca se deve reunir numa grande comunidade
como têm feito em Battle Creek. Os que sabem o que significa ter aflição de
ainda, nunca o farão, pois sentirão a responsabilidade que Cristo sentia pela
salvação do homem."5
Usando como figura literária o transplante de árvores, ela se
expressou:
"Transplante, as árvores do seu viveiro densamente plantado. Deus
não é glorificado na centralização de tão imensas vantagens em um único
lugar. Precisamos de sábios jardineiros que transplantem as árvores para
diferentes localidades e lhes dêem vantagens pelas quais possam crescer." 6
Malgrado os fervorosos apelos ditados pela inspiração, a corrente
migratória rumo a Battle Creek continuou inalterada, precipitando uma
imprevisível explosão demográfica adventista.
Impressionante Aglomeração de Instituições
A uma quadra de distância do Tabernáculo Dime, erguiam-se os
prédios da Review and Herald Publishing Association, a maior e mais
bem equipada editora estabelecida no Estado de Michigan, onde
funcionavam também os escritórios da Associação Geral. A uma
distância de dois quilômetros viam-se o recém-fundado colégio de Battle
Creek, com seus dormitórios, a florescente fábrica de produtos
alimentícios, o orfanato e o asilo para pessoas idosas. Pouco além, no
alto de uma suave colina, situava-se o célebre e monumental hospital
com os seus 1.000 obreiros e funcionários, sob a administração brilhante,
porém independente, do Dr. J. H. Kellogg.
Esta impressionante aglomeração de instituições e bens
patrimoniais em uma só cidade jamais contou com o beneplácito divino.
"... declaro em nome do Senhor" – disse E. G. White – "que cometereis
um erro em acrescentar edifício a edifício; pois estão sendo concentradas
em Battle Creek demasiadas responsabilidades para um só lugar. Se tais
A Mão de Deus ao Leme
105
responsabilidades fossem divididas e aplicadas em outras localidades, seria
muitíssimo melhor do que amontoar tanta coisa em Battle Creek... "7
Sonhos faraônicos e ambições não santificadas inspiravam
sucessivas ampliações nos edifícios então existentes, transformando-os
em gigantes ingovernáveis.
"Não faz parte do plano de Deus" – acentuou a pena inspirada – "que
sejam gastos milhares de dólares em ampliações e acréscimos nas
instituições de Battle Creek. Já é demais o que ali existe presentemente." 8
A constante modernização de equipamento, o aumento de capital
operativo e os gráficos demonstrativos dos lucros acumulados, pareciam
mais importantes que a piedade cristã e a salvação dos perdidos.
Obcecada pela filosofia materialista do lucro, a casa publicadora
aceitou um vantajoso contrato para a impressão de vultosos trabalhos
para o Estado. De seus modernos prelos fluíam publicações questionáveis,
impressos de natureza discutível e até mesmo propaganda de bebidas
alcoólicas. Entretanto, os livros e periódicos contendo a mensagem
adventista pareciam ocupar um lugar secundário no programa de
produção da editora.
O sanatório, sob a administração carismática do Dr. Kellogg, perdia
gradualmente as características que o definiam como uma instituição
denominacional, tornando-se mais e mais um centro médico
interdenominacional.
Além deste esforço ecumênico, tendo em vista cortar os vínculos
que uniam o hospital à Igreja, Kellogg transformou a instituição em um
dinâmico centro de irradiação de suas difusas e confusas idéias
panteístas. Apresentando a Deus como mera essência permeando o
mundo natural, Kellogg rebelava-se abertamente contra o pensamento
teológico adventista que concebe a Deus como um ser com
personalidade própria.
A Sra. White não ocultava sua angústia e perplexidade diante da
situação prevalecente em Battle Creek. A Igreja vivia sem dúvida um
momento sombrio de sua história. O vigor missionário se havia apagado.
A apatia religiosa levava os adventistas a se acomodarem sonolentos à
A Mão de Deus ao Leme
106
sombra de suas grandes instituições. Uma falsa segurança fê-los ignorar
os veementes apelos de Deus enviados por intermédio de Sua mensageira.
Em um derradeiro intento por restabelecer em uma das instituições
o fervor adventista, C. H. Jones foi chamado para assumir a gerência da
Review and Herald. Conhecendo, entretanto, a deplorável situação então
existente, declinou do convite que lhe foi estendido. Lamentando esta
decisão, A. G. Daniells, então presidente da Associarão Geral, informou
que Jones decidiu não aceitar o chamado, pois via Battle Creek quase
totalmente "nas mãos do inimigo", e contemplava a Review and Herald
na iminência de ser destruída pelo fogo como conseqüência de "seus
grandes pecados".
Com efeito, Jones parecia intuir os severos juízos divinos que em
breve haveriam de cair sobre a impenitente Jerusalém do adventismo.
Chamas de Origem Desconhecida
Poucas semanas transcorreram e os adventistas concentrados em
Battle Creek, atônitos e perplexos, testemunharam a ação devastadora de
um grande incêndio que destruiu completamente as instalações do
sanatório, a maior instituição denominacional.
Foi na manhã fria de 18 de fevereiro de 1902, que labaredas de
origem desconhecida irromperam próximas à farmácia do hospital,
transformando-o em poucas horas em um imenso holocausto.
Malgrado o grande esforço por conter a fúria das chamas, a
guarnição do corpo de bombeiros acompanhou impotente a total destruição
do edifício principal com cinco andares, um prédio anexo conhecido
como hospital de caridade, e diversas outras estruturas menores que
ofereciam serviços de apoio às atividades gerais da instituição.
Os 400 pacientes então internados foram providencialmente
resgatados. Não houve desgraças pessoais a serem lamentadas, exceto
um paciente que imprudentemente decidiu regressar ao edifício em
chamas a fim de recuperar alguns valores que representavam economias
A Mão de Deus ao Leme
107
acumuladas durante vários anos. Este procedimento temerário lhe custou
a vida.
O Dr. Kellogg, que havia estado durante vários dias na Califórnia,
regressava ao Michigan. Ao chegar a Chicago, recebeu a infausta notícia
de que a instituição de seus sonhos se havia transformado em escombros.
Homem de vontade férrea e espírito inquebrantável, em lugar de deter-se
em lamentações ociosas, entrou imediatamente em ação. Tomou o trem
rumo a Battle Creek, e, com a assistência de uma eficiente secretária,
durante o tempo do percurso, traçou os planos para as novas estruturas
que desejava ver reedificadas. Na elaboração destes planos, os conselhos
de Deus dados através do Espírito de Profecia, foram outra vez
ignorados.
De Elmshaven**, Califórnia, onde então residia, escreveu Ellen G.
White: "Recebemos hoje a triste notícia do incêndio de Battle Creek."
Solidarizando-se com o pesar dos que sofriam com a destruição do
grande hospital, acrescentou: "Afligimo-nos com aqueles cujas vidas
dependem da instituição.... Com efeito, podemos chorar com aqueles que
choram." Valendo-se da oportunidade, entretanto, suscitou uma solene
interrogação que não foi tomada em consideração por Kellogg e seus
associados: "Construirão eles [os dirigentes do sanatório] uma instituição
mamute em Battle Creek, ou tomarão em conta os propósitos de Deus,
estabelecendo instituições em muitos lugares?"9
Kellogg, porém, insensível às exortações do Espírito de Profecia,
animado por um sentimento altivo, decidiu reconstruir sobre os
escombros do velho sanatório uma gigantesca instituição que jamais
contou com o favor divino.
E enquanto os planos de reconstrução tomavam forma, a situação
espiritual prevalecente na casa publicadora se deteriorava.
Além das publicações questionáveis já mencionadas, contrariando a
orientação dada pela Associação Geral, seus dirigentes aceitaram publicar
**
Elmshaven: Última residência de E. G. White, em Santa Helena, Califórnia.
A Mão de Deus ao Leme
108
um manuscrito preparado por Kellogg (The Living Temple) em que o
autor apresentava idéias nebulosas, confundindo a personalidade de Deus
com o poder divino visto na Natureza panteísmo.
Com esta decisão a sorte da Review and Herald Publishing
Association, a maior e mais bem equipada casa publicadora no Estado de
Michigan, parecia irreversivelmente lançada. Seus dirigentes pareciam
não haver discernido na tragédia de 18 de fevereiro de 1902, a voz de
Deus falando através do fogo destruidor.
"Um Anjo com uma Espada de Fogo"
Ocorreu no dia 30 de dezembro de 1902. Aproximava-se a hora do
crepúsculo. As sombras da norte desciam sobre Battle Creek.
Não havia naquela hora vespertina sinais de tormenta, nem se
ouviam no ar vozes de lamento. Nenhum abato na terra firme e segura.
E, entretanto, aquela seria a última noite a lançar suas sombras sobre os
edifícios da Review and Herald Publishing Association.
Às 19:25h, ecoaram as badaladas do sino do Tabernáculo Dime
anunciando aos adoradores que se aproximava a hora do culto de oração.
Pouco depois um ruído estridente repercutiu quebrando o silêncio da
noite. Era o anúncio sinistro de outro incêndio devastador.
Em poucos instantes imensas línguas de fogo, labaredas
incontroláveis, precipitaram o desmoronamento das paredes da Review
and Herald e toda a estrutura ruiu sobre prelos descompostos e chapas
metálicas derretidas pela ação do fogo. Entre estas chapas estavam as
matrizes destruídas do livro The Living Temple, no qual Kellogg,
defendendo convicções panteístas, exaltava a Natureza em lugar do
Criador.
Em pouco mais de dez meses, dois grandes sinistros reduziram a
cinzas as duas mais importantes instituições da Igreja. Impressionado
com estas duas tragédias, expressou-se o comandante do corpo de
A Mão de Deus ao Leme
109
bombeiros de Battle Creek, dizendo: "Há algo estranho nos incêndios
adventistas; a água atua como se fosse gasolina."10
Muitos foram então levados a refletir sobre as causas que
determinaram estas duas grandes calamidades. E enquanto ainda se
sentia no ar o cheiro dos elementos destruídos pelo fogo, os membros da
comissão administrativa da Review and Herald, reunidos, tomaram as
seguintes resoluções:
– Primeiro, concordavam não mais envolver a instituição em
atividades comerciais.
– Segundo, que sua única preocupação seria dirigir a instituição
tendo em vista os interesses denominacionais.
Imediatamente, após haver recebido a dolorosa notícia do que havia
ocorrido com a Review and Herald, Ellen White dirigiu uma mensagem
aos adventistas em Battle Creek. Entre outras coisas, escreveu a
mensageira de Deus:
"Recebi hoje ultra carta do Pastor Daniells descrevendo o incêndio que
destruiu a Review and Herald. Sinto-me entristecido com o que considero
uma grande perda para a causa. Sei ser este um tempo probante para os
irmãos dirigentes e para os empregados da instituição. Aflijo-me com todos
que se sentem aflitos. Não me surpreendi entretanto, com a triste notícia,
pois em visões da noite, vi um anjo de pé com uma espada de fogo
estendida sobre Battle Creek."11
Consideráveis discussões se seguiram sobre as lições que deveriam
ser assimiladas destes dois incêndios. O colégio já havia sido transferido
para Berrien Springs, um ano antes. Restava o Tabernáculo Dime, como
última estrutura, anunciando de forma notável a presen ça adventista na
cidade. Mas em 1922, o Tabernáculo foi também devorado pelas chamas
de um incêndio voraz.
Foram suficientes, entretanto, os dois primeiros sinistros para
convencer os dirigentes e a maioria dos adventistas de que Deus havia
falado através do fogo, indicando à Igreja o áspero caminho da
dispersão. Seguiu-se então um agitado período de desconcentração. Por
toda a parte em Battle Creek viam-se sinais anunciando propriedades à
A Mão de Deus ao Leme
110
venda. A sede da Associação Geral e a Review and Herald foram
transferidas para a cidade de Washington, D.C., e centenas de
adventistas se dispersaram como peregrinos e forasteiros, levando por
toda a parte as luzes da ''bem-aventurada esperança''.
Desintegrava-se a grande colônia adventista. Um novo capítulo de
paz e prosperidade na história do movimento adventista começou a ser
escrito. Cumpriam-se as palavras inspiradas: "Crede no Senhor vosso
Deus e estareis seguros; crede nos Seus profetas e sereis prosperados."12
Referências:
1. I Pedro, 1:1.
2. Lewis R. Walton, Omega, pág. 11.
3. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 216.
4. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros, págs. 254, 255.
5. Idem, pág. 199.
6. Idem, pág. 254.
7. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, pág. 224.
8. Ibidem.
9. Ellen G. White, Special Testimonies, Série B, N.º 6, pág. 21.
10. Citado por Lewis R. Walton, em Omega, pág. 29.
11. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 97.
12. II Crônicas, 20:20.
A Mão de Deus ao Leme
111
AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO
"... sobre esta pedra edificarei a Minha igreja, e as portas do inferno
não prevalecerão contra ela." S. Mateus 16:18.
Foi num momento tempestuoso em nossa história denominacional,
quando a nave adventista singrava as águas agitadas da crise panteísta,
que o Dr. J. H. Kellogg, rebelando-se contra a Igreja, prognosticou
dramático: "Estou convencido que a embarcação Adventista do Sétimo
Dia se fará em pedaços."1
Esta predição sombria formulada por uma das figuras mais
destacadas da Igreja em seu período formativo, anunciava o naufrágio do
movimento adventista, o fim melancólico da obra de fé iniciada em
1844.
Mas seria realmente o movimento adventista uma frágil embarcação
fadada a soçobrar nas procelosas águas do oceano da História?
Quando, certa vez, o Pastor D. M. Canright expressou, em carta, ao
presidente da Associação Geral – Pastor G. I. Butler – sua determinação
de abandonar pela terceira e última vez a Igreja, recebeu da Sra. White a
seguinte mensagem:
"Tive um sonho impressionante na noite passada. Pensei que o irmão
estivesse num navio solidamente construído, navegando em águas muito
agitadas. Por vezes ondas passavam por cima, e o irmão ficava
completamente molhado. Dizia: 'Vou descer deste navio, ele vai afundar'.
'Não', dizia alguém que parecia ser o comandante, 'este navio vai entrar no
porto. Nunca há de afundar. Mas o irmão respondia: 'Eu serei arrebatado
pelas ondas. Como não sou comandante nem piloto, quem se importará?
Vou tentar aquele navio que o senhor vê lá adiante.' Volveu o comandante:
'Não o deixarei ir para lá, pois sei que aquele navio vai dar contra os
rochedos antes de chegar ao porto.' O irmão se ergueu, ereto, e disse com
toda positividade: 'Este navio uai tornar-se um destroço; vejo isto com toda a
clareza.' O comandante fitou-o com olhar penetrante, e disse firmemente:
'Não permitirei que o senhor perca a vida, tomando aquele navio. O
madeiramento de sua estrutura está roído de bichos, e é um navio
A Mão de Deus ao Leme
112
enganoso. Se o senhor tivesse mais conhecimento, discerniria entre o
espúrio e o genuíno, o santo e aquilo que se destina à ruína completa.' " 2
Apesar desta advertência, Canright decidiu abandonar a embarcação
adventista para navegar sob outra bandeira. Animava-o o afã de alcançar
prestígio e poder. Morreu, entretanto, na mais comovente obscuridade.
Cumpriram-se em forma dramática as palavras proferidas pela Sra.
White: "Quisestes ser muita coisa, e fizestes uma ostentação e um ruído
no mundo, e em resultado disso, vosso sol certamente se porá em
obscuridade."3
Desta experiência dolorosa, entretanto, restou a palavra de fé
contida no testemunho: "... este navio vai entrar no porto. Nunca há de
afundar.'' Alguns anos mais tarde, em um artigo publicado na Review
and Herald, a Sra. White explicava as razões que justificavam sua
confiança inquebrantável no êxito desta viagem:
"Não necessitamos duvidar nem temer de que a obra não avançará.
Deus está á frente... e porá tudo em ordem.... Tenhamos fé de que o Senhor
guiará com segurança ao porto a nobre embarcação que conduz o Seu
povo."4
Não temos, pois, razões para temer a sorte desta viagem, pois um
hábil Timoneiro conduz com mão firme e segura a nave adventista em
meio ao fragor das ondas, rumo ao seu glorioso destino.
Neste capítulo analisaremos, sem a preocupação dos detalhes,
algumas tempestades que com maior ou menor intensidade sacudiram a
"embarcação de Sião", mas não lograram alterar a sua rota.
Primeiros Vendavais
Em suas primeiras décadas, quando a Igreja ainda estava em seu
período embrionário, sucessivos vendavais pareciam conspirar contra o
seu futuro. Os fiéis adventistas, remanescentes do naufrágio milerita,
eram constantemente perturbados com a pregação de idéias extremistas e
fanáticas. Com veemência a Sra. White censurou estes movimentos
A Mão de Deus ao Leme
113
espúrios, que além de confundir os fiéis, suscitavam opróbrios à causa da
verdade.
Ao escrever sobre suas primeiras atividades, a mensageira do
Senhor descreve uma viagem que realizou com seu esposo, em 1850,
através dos Estados da Nova Inglaterra, ao leste dos Estados Unidos.
Muitos dos fiéis adventistas ainda sofriam o grande trauma produzido
pelo desapontamento de 1844. Havia entre eles o desejo ardente de
descobrir a verdade no tocante à volta de Cristo, e neste esforço alguns
se desorientaram seguindo os caminhos tortuosos do fanatismo. Escreveu
E. G. White:
"Tivemos que enfrentar... alguns que pretendiam estar santificados e
que já não podiam pecar, que estavam selados e que todas as suas
impressões e idéias estavam em harmonia com a vontade de Deus.
"Pretendiam curar os enfermos e operar milagres. Tinham poder
satânico e eram ditatoriais, cheios de imposições e cruelmente opressores." 5
O fanatismo que tão perigosamente agitou a Igreja naqueles
primeiros anos, se manifestou em outras formas estranhas e
surpreendentes:
"Alguns pareciam crer que a religião consistia em grande excitação e
rumor. ...
"Alguns havia que professavam grande humildade, e advogavam o
arrastar-se no chão, quais crianças, como prova de hun1ildade.
"Havia alguns em Paris (Maine), criam ser pecado trabalhar....
"Diferentes ocasiões foram marcadas para a vinda de Senhor e
insistida-se a tal respeito com os irmãos."6
Aqueles foram, com efeito, dias caracterizados por agitação e
perplexidade. Satanás, porém, fracassou em seu calculado esforço por
arrastar a embarcação adventista a um trágico naufrágio. Uma
Providência vigilante velava sobre o barco e sua preciosa carga.
Primeira Dissidência
Em 1853 a Igreja sofreu suas primeiras defecções. H. S. Case e C.
P. Russell, ministros adventistas, contrafeitos com os conselhos que a
A Mão de Deus ao Leme
114
Sra. White lhes enviou, apartaram-se criticando o casal White por
"exaltar os Testemunhos acima da Palavra de Deus". Denunciaram a
"existência de erros e contradições no Espírito de Profecia'' e ao Pastor
White acusaram de se haver apropriado de lucros indevidos com a venda
de Bíblias. Passaram a acolher todo elemento hostil aos Adventistas do
Sétimo Dia e, especialmente, à obra da Sra. White.
Vários ex-ministros e um bom número de membros começaram
com o som de trombetas e o agitar de bandeiras a proclamar a
necessidade de "derribar a tirania estabelecida pela Igreja, de anular a
influência do dom de profecia e de afastar o Pastor White e a esposa da
posição que ocupavam". Iniciaram a publicação de um periódico
(Messenger of Truth) em cujas páginas reproduziram estranhas e
esdrúxulas idéias que violentavam os princípios básicos da interpretação
profética. Em um de seus números publicaram um artigo no qual
declararam que os "dois chifres semelhantes aos do cordeiro'', na visão
descrita no capítulo 13 do Apocalipse, representavam a Fran ça e a
Inglaterra. Estas e outras extravagantes especulações exegéticas
suscitaram acirrados debates entre eles, dividindo-os em grupos
antagônicos, levando-os afinal a uma completa dissolução. Um dos seus
dirigentes tornou-se espírita, o outro mórmom e os demais
desapareceram em meio ao naufrágio de um movimento que jamais
contou com o favor divino.7
Cumpriam-se em forma inapelável as palavras de Jesus: "Toda a
planta que Meu Pai celestial não plantou, será arrancada."8
"Embora a primeira tentativa aberta fosse um fracasso tão terrível" –
escreveu Urias Smith – "o espírito que caracterizou esta rebelião espreitada
os flancos de nossa causa, desde então até hoje, irrompendo de quando em
quando segundo se oferecia ocasião. Ele explodiu novamente em Michigan.
... Apareceu ainda em Iowa,... sob outro nome; e está agora encontrando um
campo favorável no Missouri. Mas que espécie de gozo pode alguém
encontrar em uma causa cujas origens se encontram nos pantanais da
revolta?"9
A Mão de Deus ao Leme
115
Grupo Marion
A dissidência no Estado de Iowa mencionada por Smith no
parágrafo anterior foi liderada por B. F. Snook e W. H. Brinkerhoff,
respectivamente presidente e secretário, da recém-criada Associação de
Iowa. Após a assembléia da Associação Geral celebrada em 1865, eles
intentaram separar a Associação que lideravam, descontinuando suas
relações com a Associação Geral. Opondo-se à estrutura organizacional
estabelecida e questionando a interpretação tradicional adventista no
tocante às três mensagens angélicas (Apocalipse 14), foram levados em
sua crescente rebelião a rejeitar a perpetuidade da instituição do sábado e
a proclamar a teoria universalista, segundo a qual todos os seres
humanos serão salvos. Difundindo tais idéias, perderam sua influência e
o movimento se debilitou precipitadamente.
Alguns dentre os dissidentes, entretanto, animados pelo desejo de
salvar o movimento de uma desintegração total, formaram o grupo
chamado Marion, que se opunha de forma exacerbada às visões da Sra.
White e proclamavam as virtudes do sistema eclesiástico congregacional
que concede à igreja local autonomia plena e final.
Este grupo mais tarde deu origem à chamada Igreja de Deus do
Sétimo Dia, tendo como sede a cidade de Denver, no Estado de
Colorado. Embora defendendo a validade do sábado como instituição
divina, eles continuaram inflexíveis em sua oposição obstinada ao dom
de profecia manifestado na vida e obras de Ellen White.
Hoje, transcorridos mais de um século de existência, a Igreja de
Deus do Sétimo Dia constitui uma organização eclesiástica integrada por
um reduzido número de comungantes, lutando por sua própria
sobrevivência.
Há alguns anos, F. D. Nichol, então redator da Review and Herald,
desfrutou o privilégio de um cordial encontro com um dos dirigentes
deste grupo religioso. No seguinte parágrafo ele reproduz um fragmento
do amistoso diálogo então acorrido:
A Mão de Deus ao Leme
116
"O dirigente da Igreja de Deus do Sétimo Dia falou da expansão da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, suas escolas, casas editoras, instituições
médicas, acrescentando depois: 'Vossos homens foram de mais visão do
que os nossos, e tiveram melhores planos. Ao que respondemos: 'Não,
nossos homens não foram mais sábios do que os vossos, mas tivemos uma
frágil serva de Deus em nosso meio, a qual revelava as visões de Deus, e o
que devíamos fazer e como nos cumpria planejar para o futuro.' Nenhuma
outra explicação se poderia dar para justificar a vitalidade... do movimento
adventista no mundo."10
A Igreja Não é Babilônia
Depois da tormenta suscitada por Snook e Brinkerhoff, com suas
conseqüentes derivações, a embarcação adventista, durante aproximadamente
três décadas singrou águas plácidas e serenas. Neste período de bonan ça
a Igreja enfrentou algumas crises internas, porém nenhum indivíduo ou
grupo organizado despontou pretendendo fraturar sua unidade.
No início da última década do século passado, entretanto, A. W.
Stanton, um ativo leigo radicado no Estado de Montana, rebelou-se
ostensivamente contra a Igreja e publicou um folheto intitulado The
Loud Cry (o Alto clamor). Desiludido com a liderança da igreja,
declarou veemente que os adventistas se haviam desviado tanto da
verdadeira fé, que a Igreja se havia transformado em Babilônia. Chegou
o tempo – dogmatizou Stanton – para os fiéis e sinceros adventistas
descontinuarem seu apoio financeiro à Igreja e aceitarem o solene
convite apocalíptico: "Sai dela, povo Meu." Em suas catilinárias contra a
Igreja, reproduzia inúmeros textos do Espírito de Profecia, os quais,
empregados fora do contexto, eram distorcidos em seu significado, e
assim usados para comprovar o acento de suas idéias. Enviou à Austrália
um de seus associados tendo em vista obter da Sra. White uma palavra
de apoio. Porém, recusando-se a endossar os argumentos enganosos
apresentados por Stanton, a mensageira de Deus acusou-o, sem rebuços,
de atuar sob a influência enganosa do arquiinimigo.
A Mão de Deus ao Leme
117
"Meu irmão" – escreveu a Sra. White – "soube que estais assumindo a
posição de que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a Babilônia e de que
todos os que se querem salvar devem sair dela. Não sois o único homem
que o diaba tem enganado nessa questão. Durante os últimos quarenta
anos, um homem após outro tem-se levantado, alegando que o Senhor o
enviou com a mesma mensagem. Mas permiti-me dizer-vos, como a eles
tenho dito, que essa mensagem que proclamais é um dos enganos
satânicos destinados a criar confusão entre as igrejas."11
Em uma carta escrita posteriormente a um dos associados de
Stanton, exornando-o acerca dos riscos que incorria ouvindo a voz de um
homem, a Sra. White inseriu o seguinte parágrafo:
"Advirto a Igreja Adventista do Sétimo Dia a ser cuidadosa quanto à
maneira porque recebeis toda idéia nova e aqueles que pretendem ter
grande iluminação. O caráter de sua obra parece ser acusar e despedaçar.
Dêem os crentes ouvidos à voz do anjo que disse à Igreja: 'Uni-vos.' Na
união está a força. Amai como irmãos, sede compassivos, corteses. Deus
tem uma Igreja e Cristo declarou: 'As portas do inferno não prevalecerão
contra ela.' "12
A publicação de uma série de quatro artigos escritos pela Sra. White,
sob o título A Igreja Remanescente Não é Babilônia, foi suficiente para
neutralizar a rebelião e fazer abortar um movimento espúrio gerado no
coração de um homem.
O Movimento da "Carne Santa"
Os dois movimentos contestatórios dos Estados de Iowa e Montana,
lograram pouca repercussão no seio da Igreja. A população adventista
nestes dois Estados era então escassa e esparsa.
Entretanto, em 1899, no Estado de Indiana, quase à sombra da sede
da Associação Geral, em Battle Creek, irrompeu um novo movimento
conhecido como "Carne Santa". Operando em uma área de maior
densidade adventista, este movimento alcançou maior penetração que os
anteriores. Representou uma ameaça à unidade da Igreja, em uma área
caracterizada por grande concentração adventista.
A Mão de Deus ao Leme
118
Crescia então entre os adventistas a convicção de que em breve
viria o refrigério prometido – a chuva serôdia. O eco das mensagens
pregadas na assembléia da Associação Geral celebrada em Minneapolis,
em 1888, repercutia favoravelmente em muitos lugares, produzindo as
evidências de um crescente reavivamento espiritual. A. F. Ballenger,
eloqüente pregador, com talento e carisma, criou entre milhares de
adventistas um clima de excitação mística com a apresentação de um
tema que lhe era favorito – "Recebestes o Espírito Santo?"
Em uma ocasião, pregando este mesmo sermão, Ballenger assim se
expressou: "É demasiado tarde para pecar em pensamento, palavras e
ação; é chegado o momento quando devemos receber o Espírito Santo
em toda a Sua plenitude."13 Estas palavras repercutiram com grande
ressonância no coração de S. S. Davis, um obreiro no Estado de Indiana.
No início de seu ministério, Davis havia tido contato com alguns cristãos
pentecostais. Impressionado com o seu zelo religioso e entusiasmo
carismático, declarou: "Eles possuem o 'espírito', mas nós temos a
verdade. Se tivéssemos, entretanto, o 'espírito' que eles possuem, com a
verdade que temos, realizaríamos grandes coisas."14
Em 1898, Davis foi solicitado pela Associação a conduzir, como
pregador itinerante, reuniões de reavivamento espiritual. Com o apoio do
presidente, R. S. Donnell, pregando em uma grande tenda, suscitou dentro
da Associação um ambiente de inusitada excitação espiritual. Valendo-se
de inúmeros instrumentos musicais – violinos, tamborins, flautas, cornetas
e trombetas – criava condições místicas imprescindíveis para a aceitação de
seus questionáveis ensinos. Instava os ouvintes a erguer os braços, a bater
as mãos e a gritar pedindo a unção do Espírito Santo.
Em um ambiente carregado de histerismo religioso, alguns caíam
prostrados. Levados à plataforma, eram circundados por fiéis que
cantavam, oravam e saltavam entre gritos e exclamações triunfais.
Retornando deste estado de prostração e quase inconsciência, eram
informados de que haviam passado pela experiência que Jesus viveu no
Getsêmani, na noite que precedeu a crucifixão.
A Mão de Deus ao Leme
119
Esta experiência era a demonstração tangível de que haviam
"nascido" como filhos de Deus. Estavam então plenamente purificados
de todo o pecado, não mais possuíam inclinações pecaminosas e a morte
não mais teria poder sobre eles; estavam assim preparados para a
trasladação. Sem a "experiência do Getsêmani", sentenciava Davis,
dogmático, "o crente poderá alcançar o Céu como filho 'adotado' por
Deus, mas através da via subterrânea'', experimentará o poder da morte.
Embora destituídas de apoio escriturístico, estas idéias extravagantes
conhecidas como "doutrina da carne santa", foram amplamente aceitas
por expressivo número de membros da Associação, inclusive o próprio
presidente.15
Na reunião campal da Associação, celebrada em 1900, estes ensinos
foram aceitos por todos os membros da comissão executiva, exceto dois
ou três obreiros. S. N. Haskell e A. J. Breed, que representaram a
Associação Geral naquele encontro, não ocultaram suas profundas
preocupações diante do que viram – reuniões tumultuadas por uma onda
avassaladora de fanatismo, histeria mística e arrebatamentos emocionais
incontroláveis.
Sete meses mais tarde, na assembléia da Associação Geral
celebrada em Battle Creek, a Sra. White reprovou o movimento,
dizendo:
"Foi-me dada instrução relativamente á última experiência dos irmãos
de Indiana e o ensino que deram às igrejas. Mediante esse movimento e
ensino o inimigo tem estado operando para desencaminhar almas.
"O ensino dado com relação ao que é denominado 'carne santa' é um
erro. Todos podem obter agora corações puros, mas não é correto pretender
nesta vida possuir carne santa."16
A Sra. White exprobrou o emocionalismo exacerbado que
caracterizava o movimento da Associação de Indiana. "A excitação não é
favorável ao crescimento na graça",17 observou a mensageira de Deus. O
testemunho claro e direto foi aceito pelos Pastores Donnell, Davis e
todos quantos estiveram identificados com o novo ensino. Por sugestão
dos dirigentes da Igreja, os líderes da Associação de Indiana renunciaram
A Mão de Deus ao Leme
120
e foram substituídos por outros que não se haviam envolvido com o
fanatismo. Davis, entretanto, anos mais tarde teve o seu nome excluído
da Igreja. Posteriormente mudou-se para outro Estado, onde aceitou a
ordenação ao ministério que lhe foi oferecida pela Igreja Batista.
A Crise Panteísta
Entre as tormentas que sacudiram a nave adventista em seu cruzeiro
profético, nenhuma alcançou a magnitude que caracterizou as
controvérsias entre J. H. Kellogg e a Associação Geral. Durante anos,
como talentoso médico, escritor prolífico e eficiente administrador,
prestou à Igreja uma obra relevante. Permitiu, entretanto, que a semente
da rebelião plantada por Satanás, germinasse em seu coração, levando-o
a macular sua folha de serviços e lutar contra a mensagem.
Compreendendo os perigos que o assediavam, a Sra. White envioulhe solenes mensagens de orientação e censura, mas indiferente continuou
seguindo os seus próprios caminhos. Contrariando os conselhos da
inspiração, defendia a superconcentração de autoridade no âmbito da
obra médica, arquitetava planos faraônicos e intentava até mesmo
controlar as decisões tomadas pela Associação Geral.
Insidiosamente começou a difundir ensinos que a princípio
pareciam atrativos, corretos e inofensivos, mas acabaram resultando em
evidente panteísmo. Com notável poder de persuasão apresentava Deus
como mera essência permeando o mundo natural.
"Deus" – escreveu Kellogg – "é a explicação da Natureza, que se
manifesta em meio de todas as coisas, movimentos e variados fenômenos
do Universo e por meio deles."18
No congresso da Associação Geral celebrado em 1897, declarou
com grande convicção:
"Essa força que mantém unidas todas as coisas, que está presente em
todos os lugares, que palpita por todo o Universo, que atua
instantaneamente através do espaço ilimitado, não pode ser outra coisa,
A Mão de Deus ao Leme
121
senão o próprio Deus. Quão maravilhoso é pensarmos que o próprio Deus
está em nós e em tudo."19
Idéias como esta poderiam levar muitos a buscar não o Deus
revelado nas Escrituras, mas uma mera essência diluída no mundo natural.
Esta filosofia conhecida como panteísmo, com as suas variantes, é
hoje defendida por diferentes correntes do pensamento religioso. Na
Índia, pelo hinduísmo; na China pelo confucionismo e taoísmo; entre os
seguidores de Olzott e Ana Besant, esta filosofia toma o nome de
teosofia; e entre os discípulos de Mary B. Eddy, constituí a essência da
Ciência Cristã.
Destacados pregadores, respeitados médicos e conhecidos
educadores adventistas, apesar das restrições apresentadas pelos
dirigentes da Igreja e das afirmações inequívocas do Espírito de Profecia,
aceitaram os ensinamentos de Kellogg, gerando uma crise sem paralelo
na história da Igreja.
A Associação Geral recomendou à Review and Herald Publishing
Association a não publicação do livro The Living Temple (O Templo
Vivo), no qual Kellogg, valendo-se de sofismas e argumentos sutis,
defendia o culto da Natureza em lugar da adoração ao Criador do mundo
natural. A casa publicadora, entretanto, contrariando o conselho da
Associação Geral, aceitou os manuscritos do livro em referência.
Quando já as chapas metálicas estavam prontas para imprimi-lo, o juízo
divino se fez sentir, e a casa publicadora se transformou em escombros e
cinzas, como resultado da ação devastadora de um incêndio.
Os manuscritos foram enviados posteriormente a outra editora, que
imprimiu uma grande tiragem do livro The Living Temple, e desta
maneira a cizânia do panteísmo passou a ser difundida com grande
eficiência e maior repercussão.
Foi, porém, no concílio anual da Associação Geral celebrado em
Takoma Park, Estado de Maryland, em 1903, que a crise atingiu seu
ponto culminante. A. G. Daniells, então presidente da Associação Geral,
desejava neste concílio dedicar uma atenção especial à obra da
A Mão de Deus ao Leme
122
evangelização. Porém, viu seus planos frustrados, quando se apercebeu
de que entre os presentes estavam uns dez obreiros procedentes de Battle
Creek, que ali compareceram para defender o pensamento panteísta
vertido no livro The Living Temple. Durante um dia inteiro as discussões
gravitaram em torno das idéias de Kellogg e seu livro. Muitos pareciam
confusos e perplexos. Eram aproximadamente 21:00 horas, quando
Daniells sugeriu que os trabalhos do concílio fossem interrompidos, para
serem continuados no dia seguinte.
Ao regressar ao lugar onde se hospedava, Daniells foi acompanhado
pelo Dr. Davi Paulson, vigoroso defensor do pensamento de Kellogg.
Irritado com a firme disposição revelada por Daniells de combater com
vigor as novas idéias, com o dedo em riste, declarou Paulson:
"O senhor está cometendo o maior erro de sua vida. Depois de toda
esta agitação, um dia destes se encontrará caído no pó, e um outro estará
dirigindo as forças."20
O Pastor Daniells, embora revelando em seu rosto as evidências de
um grande esgotamento físico, respondeu:
"Não creio em sua profecia. Mas seja como for, preferiria cair no pó
fazendo o que creio em minha alma ser certo, que andar com os príncipes,
fazendo o que a minha consciência me indica ser incorreto." 21
Deprimido com as ásperas disputas ocorridas durante o dia,
Daniells entrou em seu aposento e lá encontrou uma extensa e
providencial mensagem que a Sra. White lhe havia escrito. Com grande
avidez Daniells leu o manuscrito inspirado, no qual os erros apresentados
no livro The Living Temple eram vigorosamente denunciados.
Surpreendentes são os caminhos de Deus! A mensagem chegou no
tempo exato para salvar a causa de um descalabro.
Na manhã seguinte, Daniells declarou aos delegados reunidos haver
recebido da Sra. White uma mensagem. Com voz pausada e grave leu o
documento, do qual reproduzimos as seguintes linhas:
"Sede cuidadosos acerca de como defendeis os conceitos deste livro
no tocante à personalidade de Deus. Segundo me apresentou o Senhor,
A Mão de Deus ao Leme
123
estes conceitos não têm aprovação de Deus. São um ardil que o inimigo
preparou para estes últimos dias. ...
"Nas visões da noite, este assunto me foi apresentado claramente
diante de um grande número de pessoas. Alguém que possuía autoridade
estava falando... Esta pessoa que falava apontava para 'O Templo Vivo',
dizendo: 'Neste livro há declarações que o próprio doutor não compreende.
Muitas coisas estão descritas em forma vaga e indefinida...' " 22
A leitura do manuscrito em referência produziu unidade e separação.
Unidade entre os que se dispuseram a aceitar os conselhos enviados pela
pena inspirada, e separação da parte daqueles que preferiram seguir suas
próprias convicções, repudiando o testemunho inspirado.
Pouco depois a Sra. White enviou a Daniells outra mensagem,
descrevendo que, em visões da noite, foi-lhe mostrado um navio
navegando em meio a densa cerração. De repente, bradou o vigia:
"Iceberg à frente!'' Este bloco de gelo era de dimensões gigantescas e
elevava-se mais alto que a embarcação. Uma voz plena de autoridade
exclamava: ''Enfrentai-o!'' Sem vacilações o maquinista acelerou a
velocidade e o timoneiro guiou a nave diretamente rumo ao iceberg.
Com grande ruído o gelo foi quebrado e reduzido a fragmentos. Os
passageiros foram sacudidos violentamente, e o navio sofreu avarias,
mas com possibilidades de ser reparado.23
Desta forma o movimento adventista foi salvo em um momento de
crise, pois uma Providência vigilante velava sobre a Igreja e sua liderança.
Movimento Rowenita
Para o mundo, 1916 foi um ano marcado por profundas angústias,
apreensões e temores. A Primeira Guerra Mundial estava em processo.
Os canhões das nações beligerantes continuavam suas atividades
sinistras ensangüentando os campos da velha Europa, deixando por toda
parte ruína, miséria e desolação. A violenta batalha de Verdum, na
França, uma das mais encarniçadas na história dos conflitos armados,
A Mão de Deus ao Leme
124
cobrou um preço demasiado alto, fazendo ruir por terra as esperanças
utópicas no "triunfo inevitável da civilização".
Para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, 1916 foi também um ano
tormentoso. A Sra. White, que por mais de setenta anos guiou o
movimento adventista nos momentos de prosperidade, bem como nas
horas tempestuosas, não mais existia. Ergueu-se então no seio da Igreja a
Sra. Margarita W. Rowen, proclamando possuir o dom de profecia e,
como tal, pretendendo continuar a obra extraordinária e fecunda
realizada pela mensageira de Deus. Poucos meses haviam transcorrido
desde a morte da Sra. White, e pareceria natural se esperar a continuidade
do dom profético na Igreja.
Com astúcia e dolo, a Sra. Rowen esforçou-se por persuadir os
adventistas do sétimo dia quanto à legitimidade de suas pretensões.
Anunciou haver visto, em visão, a existência de um documento nos
arquivos de E. G. White, em Emshaven (última residência de E. G. W.),
indicando-a como instrumento escolhido pela Providência para conduzir
uma grande obra de reforma nos últimos dias.
Antes, porém, convenceu um dos seus seguidores, o Dr. B. E.
Fullmer, de que possuía um importante documento extraído furtivamente
dos arquivos do Espírito de Profecia, quando, em uma de suas visitas, lhe
foi permitido permanecer sozinha por alguns instantes, examinando os
documentos custodiados pelos Depositários dos Escritos e Publicações
de E. G. White. Descobriu – dizia a Sra. Rowen – um papel assinado
pela Sra. White, acreditando-a como mensageira escolhida por Deus para
dar continuidade ao dom de profecia.
Convencido de que se tratava de um documento autêntico, o Dr.
Fullmer aceitou o encargo de repô-lo entre os demais papéis
classificados e guardados pela Igreja. E logrou êxito em sua missão.
Visitando, com sua esposa, os arquivos de Elmshaven, a luz se apagou, e
enquanto o guia se afastou temporariamente para buscar uma lanterna,
ele introduziu o documento entre os demais manuscritos lá existentes.
A Mão de Deus ao Leme
125
Mais tarde, um seguidor da Sra. Rowen, ex-ministro adventista,
visitando os arquivos da Sra. White, instou junto ao Pastor W. C. White
que examinasse com ele os arquivos relacionados com os últimos anos
da Sra. White. E, com efeito, na parte referente ao ano 1911, foi
encontrado o documento em questão, uma página solta, não arquivada
como as demais.
O Pastor W. C. White, filho da Sra. White, logo se apercebeu de
que se tratava de um documento grosseiramente forjado. As medidas do
papel não seguiam o padrão que caracterizava os demais manuscritos.
Foi datilografado com uma tinta de cor diferente. Não estava catalogado
como os demais documentos e a "assinatura" da Sra. White apresentava
evidências inequívocas de que se tratava de uma falsificação.
Evidenciada a fraude, a Sra. Rowen imediatamente incriminou o
Pastor W. C. White, responsabilizando-o como o autor do documento,
tendo em vista desprestigiá-lo e desmoralizar seu ministério.
Depois de alguns anos caracterizados por turbulência e agitação, a
Sra. Rowen fez uma predição temerária que, posteriormente, precipitou o
fim de sua influência mistificadora. Anunciou que o fim do tempo da
graça ocorreria no dia 6 de fevereiro de 1924, e que Jesus retornaria um
ano depois, precisamente no dia 6 de fevereiro de 1925.
Aproximadamente mil pessoas aguardaram então o cumprimento da
"bem-aventurada esperança". Havendo fracassado em seu prenúncio,
escondeu-se por um determinado tempo, retornando posteriormente com
uma explicação pouco convincente de que não havia entendido quanto
tempo Jesus levaria em Sua jornada para alcançar a Terra.
Alguns aceitaram as explicações da Sra. Rowen. O Dr. Fullmer e
outros, entretanto, desiludidos denunciaram as suas pretensões proféticas
e acusaram-na de manipular desonestamente milhares de dólares
enviados para promover as atividades do movimento.
Vendo sua perfídia posta a descoberto, a Sra. Rowen e alguns
associados, maquinaram, sem êxito, assassinar o Dr. Fullmer. Foi
condenada por tentativa de homicídio. Depois de haver cumprido parte
A Mão de Deus ao Leme
126
de sua pena na penitenciária de San Quentin, estando em liberdade
condicional, intentou reorganizar suas atividades religiosas. Não logrou
o êxito que esperava. Como "a erva cresce de madrugada e floresce; a
tarde corta-se e seca'',24 assim sucedeu com o Movimento Rowenita.
Movimento Reformista
Concomitantemente com o Movimento Rowenita na América do
Norte, despontou na Alemanha uma dissidência que mais tarde tomou o
nome de Movimento da Reforma.
A Primeira Guerra Mundial estava em processo. As nações
beligerantes contemplavam com espanto e horror o comovente extermínio
de milhares de vidas. A insegurança e o medo então prevalecentes
favoreciam o surgimento de líderes carismáticos.
Johann Wick, jovem adventista, convocado para servir no Exército
Imperial, recusou-se a ser vacinado. Julgado por um tribunal militar,
recebeu como sentença sete dias de prisão. E enquanto cumpria a pena
que lhe foi imposta, no dia 11 de janeiro de 1915 declarou Wick –
recebeu do Senhor uma visão anunciando que com a floração das árvores
de frutas de caroço (pêssego, ameixas, cerejas, etc.), no começo da
primavera, terminaria o tempo da graça. A não aceitação desta visão –
declarou Wick – seria a comprovação inequívoca de que a Igreja havia
caído no desfavor divino.
Um artigo explicando a visão com maiores detalhes foi enviado à
casa publicadora em Hamburgo, porém os editores recusaram-se a
publicá-lo. Desertando de suas obrigações militares, Wick buscou
refúgio na casa do ancião da igreja adventista de Bremen. De alguma
forma logrou os recursos financeiros necessários para publicar a visão
em um panfleto, profusamente distribuído entre os pastores e os
adventistas em geral.
Surgiram outros "profetas" em diferentes lugares, anunciando "visões"
semelhantes e conclusões coincidentes. Suas mensagens gravitavam em
A Mão de Deus ao Leme
127
torno da idéia de que se aproximava o fim do tempo da gra ça e de que a
Igreja Adventista estava em processo de apostasia.
Chegou, entretanto, a primavera, e com ela o encantador espetáculo
da floração das árvores e o evento anunciado por Wick e outros
"profetas" não se materializou. Posteriormente, marcaram o dia 10 de
maio em 1915 como a data limite para o tempo de gra ça. Outras datas
foram posteriormente anunciadas, sem que algo tangível houvesse
ocorrido.
Mas os dirigentes da rebelião, temendo que o movimento se
esvaziasse como resultado do fracasso de suas predições, buscaram
laboriosamente uma nova bandeira de luta e, sem maiores dificuldades,
encontraram a motivação que necessitavam.
Atuando com surpreendente independência, três destacados líderes
da Igreja na Alemanha (L. R. Conradi, H. F. Schuberth e P. Drinhans),
entregaram às autoridades um documento anunciando a disposição dos
adventistas de participarem como combatentes no conflito armado. Esta
declaração significava evidentemente um lamentável desvio da posição
histórica defendida pela Igreja.
Uma cópia do documento caiu nas mãos dos dissidentes e, sobre
ele, construíram um imenso arsenal apologético, com o qual pretenderam
demolir a obra de fé iniciada em 1844.
Os ataques contra a Igreja se intensificaram. Com exacerbada
veemência acusaram-na de "apostatada", "decaída", "Jezabel" "Babilônia",
"morada de todo espirito imundo", e outros cruéis epítetos.
Terminado o conflito mundial, os líderes do movimento reformista
reuniram-se com os dirigentes da Associação Geral (entre eles o
presidente, Pastor A. G. Daniells), bem como os administradores das três
uniões da Alemanha. O encontro ocorreu nos dias 21 a 23 de junho de
1920, no colégio adventista de Friedensau.
Animado pelo desejo de sarar a ferida e consolidar a unidade da
Igreja, Daniells deplorou o erro cometido pelos dirigentes nacionais.
Censurou também com tato e prudência as atividades daqueles que
A Mão de Deus ao Leme
128
usavam este argumento como pretexto para fraturar a unidade do
adventismo.
Os dirigentes da Igreja na Alemanha (exceto o Pastor Conradi)
valeram-se da ocasião para confessar seus erros e lamentar as
conseqüências.
Dirigindo-se então aos líderes do Movimento da Reforma,
estendendo a mão da reconciliação, o Pastor Daniells convidou-os a
abandonar o espírito beligerante e unirem-se à família adventista. Os
apelos do presidente, entretanto, não foram tomados em consideração.
Dir-se-ia que os vocábulos "pacificação", "reconciliação" e "união"
haviam sido riscados do dicionário reformista.
De 1920 a esta parte as assembléias gerais do Movimento da
Reforma têm sido freqüentemente tumultuadas por ásperas controvérsias
sobre normas e princípios, por exacerbadas acusações de natureza
pessoal e apaixonadas contendas entre grupos, disputando o controle do
movimento.
Estas lutas intestinas, a ausência de um claro "assim diz o Senhor"
dando autenticidade ao movimento e a inexistência de uma definida
missiologia, precipitaram nos últimos anos um significativo êxodo de
fiéis que, rompendo os liames que os prendiam à Reforma, unem-se
agora à Igreja Adventista. Para eles as palavras inspiradas que a seguir
reproduzimos, se revestem de um significado que antes não podiam
discernir:
"Fraca e defeituosa como possa parecer, a igreja é o único objeto
sobre que Deus concede em sentido especial Sua suprema atenção. É o
cenário de Sua graça, na qual Se deleita em revelar Seu poder de
transformar corações.''25
Com o transcorrer dos anos, as baterias assestadas contra a igreja de
Deus perderam gradualmente seu poder demolidor. Divididos em grupos
antagônicos, os reformistas contemplam impotentes a lenta agonia de um
movimento sem causa.
A Mão de Deus ao Leme
129
Cumprem-se de forma eloqüente as palavras de Jesus:"... sobre esta
pedra edificarei a Minha igreja; e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela."26
Robert D. Brinsmead
A agitação teológica suscitada por R. Brinsmead foi gerada no
ventre amargo do Movimento da Reforma. Nascido no seio de uma
família reformista, Robert se acostumou, em sua infância, a ouvir
constantes diatribes formuladas contra a Igreja. Aos dez anos de idade,
seus familiares romperam com a dissidência e se uniram à Igreja
Adventista. Não lograram, entretanto, vencer o espírito crítico, a suspeita
e desconfiança cultivados durante os anos de identificação com o grupo
dissidente.
Em 1955, Robert matriculou-se na Faculdade de Teologia do
Colégio Adventista de Avondale, na Austrália. Produziu, neste primeiro
ano, uma monografia intitulada "The Seal of the Holy Spirit" (O Selo do
Espírito Santo). Neste trabalho, refutando o pensamento tradicional
adventista, defendeu o argumento de que a "erradicação dos pecados", no
santuário celestial, deve preceder o derramamento da chuva serôdia.
Quando cursava o terceiro ano, publicou outra monografia, de 131
páginas, intitulada "The Vision By the Hiddekel" (A Visão Junto às
Margens do Hidequel). Com surpreendente virulência afirmou que o "rei
do norte", o poder papal, estava se introduzindo gradualmente no
"glorioso monte santo", o Movimento Adventista, e que a organização
visível da Igreja em breve estaria dominada por Babilônia. Um fiel
remanescente, porém, se levantaria em meio a apostasia geral para
proclamar o "evangelho eterno".
Esta monografia era uma amostra do crescente antagonismo
revelado por Brinsmead, tanto em seus discursos como também através
de seus escritos. Por esta razão o diretor da Faculdade, Pastor N. C.
A Mão de Deus ao Leme
130
Bums, enviou-lhe uma carta cordial, porém enérgica, convidando-o a
interromper seu programa de estudos na instituição.
Retirando-se de Avondale, com um entusiasmo digno de melhor
causa, passou a difundir suas idéias entre os adventistas, na Austrália e
Nova Zelândia, causando não pouca agitação.
Ao ver as igrejas agitadas, estremecidas por disputas intermináveis,
o Pastor F. G. Cliford, presidente da Divisão e outros dirigentes,
intentaram persuadi-lo a não mais levedar as igrejas com o fermento da
discórdia. Porém, indiferente aos apelos, continuou semeando por toda a
parte a cizânia da sedição.
Com muita imaginação, reformulou a interpretação tradicional
adventista no tocante à "purificação do santuário". Associando Levítico
16:30 com Daniel 8:14, introduziu um novo tipo de "perfeccionismo",
uma versão mais refinada da heresia da "carne santa", já mencionada
anteriormente. Este novo ensino, conhecido como "o chamado ao
santuário", foi usado como cavalo de batalha em suas investidas contra a
Igreja.
Brinsmead viu uma analogia entre o templo da alma e o antigo
tabernáculo com as suas divisões. O átrio exterior simbolizava a
conversão. Após esta experiência, o pecador era levado a cruzar pela fé a
porta de acesso ao lugar santo, onde recebia a bênção do perdão, a
regeneração e refrigério do Espírito Santo, simbolizado pela chuva
serôdia. Avançando em sua experiência cristã, era conduzido ao
santíssimo, lugar de perfeição e juízo final. Este estágio na vida do
crente produzia uma nova experiência: o perdão de todo pecado, a
liberação do sentimento de culpa e a vitória completa sobre as tendências
pecaminosas.
Esta nova "teologia perfeccionista" foi recebida por muitos na
Austrália e Estados Unidos como a mensagem de Deus para um tempo
quando a Igreja parecia haver se institucionalizado, e os seus membros
entorpecidos por um alarmante espírito conformista.
A Mão de Deus ao Leme
131
Transferindo-se para os Estados Unidos, na década dos sessenta,
Brinsmead obteve o apoio financeiro de vários adventistas influentes,
dispostos a promover o novo ensino conhecido como o "chamado ao
santuário".
Não demorou muito, porém, para que os íntimos colaboradores
pudessem perceber os métodos inescrupulosos empregados por ele para
sustentar seus argumentos. As declarações da Sra. White eram
constantemente mutiladas, adulteradas em seu significado, ou
reproduzidas fora do seu contexto e, assim, usadas fraudulentamente
para defender suas idéias.
Em um de seus escritos acusou a Igreja por haver rejeitado na
Assembléia de Minneapolis, em 1888, a doutrina da salvação dos
pecados, para aceitar a posição protestante da salvação nos pecados.
Dando validade a esta acusação reproduziu o seguinte parágrafo
atribuído à Sra. White: "A luz do Céu foi rejeitada com a mesma
obstinação que os judeus manifestaram quando rejeitaram a Cristo." Em
sua forma original, entretanto, esta citação da pena inspirada, diz algo
diferente: "A luz do Céu foi rejeitada por alguns com a mesma
obstinação que os judeus manifestaram quando rejeitaram a Cristo."27 (O
sublinhado foi omitido por Brinsmead.)
Explicando esta omissão, atribuiu-a a um erro de cópia resultante da
pressa com que se processou sua publicação. Porém esta frase
evidentemente adulterada serviu como argumento central em um de seus
conhecidos panfletos: "Desenvolvimento antes e depois da Assembléia
de Minneapolis". A explicação de Brinsmead não foi suficiente para
dissipar as dúvidas em torno da honestidade de seus métodos.
Procedimentos desta natureza precipitaram o seu desprestígio e o
crepúsculo de sua obra "reformadora".
Ele foi como um meteoro cujo fulgor teve curta duração e sua
"teologia perfeccionista" trouxe confusão e perplexidade, levando muitos
seguidores ao desânimo, quando perceberam que haviam fracassado no
esforço por alcançar a perfeição.
A Mão de Deus ao Leme
132
Em 1971 surpreendeu o seu já reduzido círculo de admiradores,
quando, em uma de suas publicações, anunciou haver abandonado a
"teologia da perfeição". Renunciou mais tarde à sua crença na autoridade
profética de Ellen G. White e, através de uma publicação recente,
transformou a santificação do sábado em uma prática sem importância,
característica do culto judaico, destituída de apelo uníversal.28
As palavras de Jacó, dirigidas a Rubem, seu filho primogênito,
definem apropriadamente o caráter instável de Robert Brinsmead e sua
teologia: "Inconstante como as águas."
Desmond Ford
Após a agitação desencadeada por Brinsmead e seus ensinos, a nave
adventista voltou a navegar sobre um mar sereno. A ausência de ventos
contrários prenunciava um período de calmaria.
Uma inesperada turbulência, entretanto, voltou a agitar a
"embarcação de Sião". No dia 27 de outubro de 1979, o Dr. Desmond
Ford, professor de Teologia do Colégio de Avondale, Austrália, servindo
como professor visitante na Faculdade de Teologia do Colégio
Adventista do Pacífico (P. U. C.), nos Estados Unidos, discursando
perante um grupo de intelectuais adventistas, desafiou a validade bíblica
da doutrina do santuário, um dos fundamentos da estrutura teológica
adventista.
Justificando-se, recordou sua experiência batismal ocorrida 35 anos
antes, na Austrália, seu país natal. Sendo membro da Igreja Anglicana,
foi atraído pelos escritos de E. G. White, os quais acenderam em seu
coração a centelha da fé adventista.
Simultaneamente com a leitura dos livros escritos pela Sra. White,
dedicou-se ao estudo da epístola aos Hebreus. Em sua palestra
pronunciada no campus do Colégio Adventista do Pacífico, declarou:
"Lendo o capítulo 9 da epístola aos Hebreus, refleti: 'Há algo estranho
neste capítulo. Seu conteúdo não se harmoniza com o ensino adventista.
A Mão de Deus ao Leme
133
Temos aqui um problema evidente.' " Admitiu, em sua exposição, que a
dúvida que então o assaltou, não se dissipou com o batismo, mas o
acompanhou sempre ao longo de 35 anos no seio da Igreja.
Defendeu a tese de que o dia da expiação está tão intimamente
entretecido nos capítulos 9 e 10 da epístola aos Hebreus que, quando o
seu autor apresenta a Cristo comparecendo perante Deus, no lugar
santíssimo, após a ascensão, no ano 31 DC, fá-lo para indicar em forma
inconfundível, que começou então o antitípico Dia da Expiação, e não
em 1844. "Portanto, o ensino adventista sobre Daniel 8:14 é totalmente
insustentável", concluiu Ford naquela oportunidade. Admitiu, entretanto,
a importância do ano 1844, quando despontou o Movimento Adventista,
proclamando o "evangelho eterno''.
O presidente do colégio, Dr. Jack Cassell e o reitor da instituição,
Dr. Gordon Madgwick, preocupados com a repercussão das idéias de
Ford, em consulta com os administradores da União, decidiram concederlhe seis meses de licença. Durante este período foi-lhe solicitado preparar
uma monografia tendo em vista defender sua exegese diante de uma
comissão especial a ser designada pela Associação Geral.
O Dr. Ford e família mudaram-se para Washington, onde a
Associação Geral proveu-lhe um escritório, ajuda secretarial, bem como
lhe deu livre acesso aos arquivos de Ellen G. White. Durante os seis
meses que lhe foram concedidos, ele preparou uma volumosa
monografia de aproximadamente mil páginas, defendendo com intenso
vigor e muitas inconsistências, a tese de que "a doutrina do Juízo
Investigativo carece de fundamento bíblico".
A Associação Geral convocou uma comissão integrada por 125
pastores, teólogos e administradores representando a igreja mundial,
para, sob a direção do Espírito Santo, analisar os argumentos invocados
por Ford. A reunião foi celebrada em Glacier View, Colorado, nos dias
compreendidos entre 10 e 15 de agosto de 1980. Dos 125 convocados,
compareceram 114, os quais sob a direção do Pastor N. C. Wilson, num
clima de cordialidade cristã, oração e reverente investigação da Palavra,
A Mão de Deus ao Leme
134
estudaram os novos conceitos defendidos por Ford à luz da exegese
histórica adventista.
Durante quatro dias a comissão em referência, dividida em sete
grupos, aplicou-se ao estudo da doutrina do santuário – inamovível pilar
da fé adventista. Por solicitação de alguns, foi incluído no programa uma
hora, cada dia, para um período de perguntas dirigidas ao Dr. Ford, as
quais, devidamente respondidas, deram a todos uma compreensão mais
ampla de suas idéias e conclusões.
De sua extensa monografia, bem como das declarações formuladas
em Glacier View, podemos resumir o desafio de Ford em três áreas
específicas:
1. A validade do princípio dia-ano como fator bíblico na interpretação
da profecia dos 2.300 anos. (Em seus estudos hermenêuticos, Ford não
mais aceita a relação dia-ano como princípio de interpretação profética.)29
2. O ensino tradicional adventista de que no contexto de Daniel
8:14, são os pecados dos santos que contaminam o santuário de Deus.
("É a ponta pequena" – declarou Ford – "não os pecados dos santos, que
contamina o santuário.")30
3. A tradução da palavra hebraica NISDAQ (purificados) em Daniel
8:14. (Na página 349 de sua monografia afirmou que "o significado do
verbo em Daniel 8:14, não é especificamente 'purificar' e sim 'vindicar'".)31
Esforçando-se por demonstrar que sua posição tinha o endosso do
Espírito de Profecia, reproduziu alguns parágrafos dos escritos da Sra.
White, nos quais ela afirmou que Jesus após Sua ascensão dirigiu-Se
"diretamente ao lugar santíssimo". Mas, os parágrafos por ele reproduzidos ,
quando devidamente escrutinados, não resistiram à prova. Estavam fora
de seu contexto e aplicados em flagrante contradição com os seus
extensos ensinos. (Ver O Grande Conflito, págs. 408-431.)
Se o Dr. Ford houvesse usado estes parágrafos para salientar o livre
acesso do pecador ao Pai, através de Cristo após Sua ascensão, não
teríamos objeções a oferecer. Mas usá-los como argumento para negar a
posição defendida pela Sra. White no tocante ao início, em 1844, da
A Mão de Deus ao Leme
135
segunda fase do ministério de Cristo, no santuário celestial, eis o que
denunciaríamos como grosseira violação dos princípios da interpretação
do texto inspirado.
No último dia do encontro de Glacier View, foram discutidos dois
documentos resumindo o pensamento adventista no tocante a Cristo e
Seu ministério sumo sacerdotal e o papel do Espírito de Profecia em
questões da natureza doutrinária. Estes dois documentos reafirmam a
posição tradicional adventista (ver apêndice). Neles as idéias de Ford
foram refutadas e reafirmada a exegese tradicional adventista.
Após alguns fervorosos apelos dirigidos ao Dr. Ford, animando-o a
reconsiderar com oração suas idéias e conceitos com relação ao santuário
e seu significado, o Pastor K. S. Parmenter, presidente da Divisão
Australasiana, leu uma carta dirigida a Ford, formulando quatro
importantes perguntas:
"1. Estaria o irmão disposto a reconhecer a existência de alguns pontos
em sua atual posição sobre a doutrina do santuário e áreas relacionadas...
que não se harmonizam com as 'crenças fundamentais da Igreja... e, em
conselho com os irmãos, se dispõe a abandoná-las... tornando sua atitude
conhecida através de uma declaração?
"2. Estaria a sua pregação e ensinos, daqui em diante, em harmonia
com as 'crenças fundamentais da Igreja, tais como aprovadas na assembléia
da Associação Geral, realizada em Dallas, em abril de 1980?
"3. Uma vez que suas idéias sobre a doutrina do santuário e áreas
afins são tão amplamente conhecidas, estaria o irmão disposto a reconhecer
publicamente que o tema apresentado no Colégio Adventista do Pacífico, e
seu recente manuscrito, em alguns aspectos, não estão em harmonia com
os fundamentos de nossa fé, e que essas idéias deveriam ser mantidas
inativas, e não discutidas, a menos que, no futuro, possam ser consideradas
compatíveis com a posição e crença da Igreja Adventista do Sétimo Dia?
"4. Estaria o irmão preparado para cooperar com a Igreja, usando a
pena, a voz e a influência a fim de restaurar a confiança nas 'crenças
fundamentais' da Igreja, com o desejo de consolidar a unidade em Cristo e
Sua igreja?"32
Presidindo as discussões, o Pastor Neal C. Wilson, Presidente da
Associação Geral, sugeriu que o Dr. Ford tomasse o tempo que julgasse
A Mão de Deus ao Leme
136
necessário para orar e refletir, antes de responder às perguntas que lhe
foram dirigidas pelo presidente da Divisão Australasiana.
Reconhecendo o espírito fraternal que permeou as discussões em
torno da sua tese, o Dr. Ford expressou seu profundo pesar pelos
problemas por ele suscitados. Manifestando o desejo de continuar
cultivando uma relação amistosa com a Igreja, reafirmou sua
inquebrantável disposição de lutar contra a idéia de uma eventual
dissidência. Porém, em relação às perguntas formuladas pelo Pastor
Parmenter, declarou não necessitar mais tempo para respondê-las. Sentia
ser-lhe impossível contrariar sua consciência. Compreendendo
perfeitamente o alcance de sua decisão, rejeitou de forma categórica as
condições claramente delineadas nas perguntas formuladas por
Parmenter.
Com uma fervorosa oração dirigida ao "Autor e Consumador de
nossa fé", o encontro de Glacier View chegou ao fim. Será lembrado
pelos historiadores, como um momento crucial na história do adventismo ,
quando a Igreja demonstrou de forma eloqüente, haver alcan çado
extraordinária maturidade teológica.
Onze dias mais tarde, Ford enviou uma carta cordial ao Pastor
Parmenter, dizendo entre outras coisas:
"Apreciei mais do que as palavras podem expressar, o grande esforço
empreendido pela Igreja, tendo em vista conservar a unidade na
compreensão da mensagem do santuário. ... As reuniões de Glacier View
foram marcadas pelo fervor e doce comunhão cristã. ...
"Valho-me da oportunidade para declarar que prometo promover,
defender e preservar a unidade da Igreja, pela qual Jesus ardentemente
orou.
"Confio na liderança da Igreja e desejo dar aos meus irmãos apoio
inteligente e leal. Apreciei grandemente o espírito aberto evidente em Glacier
View, e nossa disposição para continuar o estudo tão bem iniciado naquele
lugar. Amo esta Igreja e desejo vê-la cumprindo o grande propósito pelo qual
a providência divina a trouxe à existência.
"Se esta carta for usada em forma pública, deverá ser reproduzida em
sua totalidade, a fim de esclarecer a todos, dois pontos: Primeiro, proponho-
A Mão de Deus ao Leme
137
me defender o corpo de Cristo, e estou disposto a fazer o melhor para, em
boa consciência, apoiar a Igreja, evitando tudo que lhe possa causar danos.
Segundo, não posso fazer concessões em minha compreensão sobre temas
doutrinários."
É evidente, nesta carta, a atitude deliberada de Ford em não
responder às perguntas que lhe foram formuladas por Parmenter. Suas
convicções estavam já cristalizadas e suas conclusões teológicas, no
tocante à doutrina do santuário, não se harmonizavam com os ensinos da
Igreja.
Escrevendo sobre a doutrina do santuário, assim se expressou a Sra.
White:
"Novas teorias que não eram a verdade foram apresentadas como
verdades, e o Espírito de Deus revelou seu erro. À medida que os grandes
esteios da fé foram apresentados, deles testificou o Espírito Santo,
especialmente no tocante às verdades de santuário.
"Futuramente surgirão enganos de toda espécie, e carecemos de
terreno sólido para nossos pés. ... O inimigo introduzirá doutrinas falsas, tais
corno a de que não existe um santuário.
"Satanás está lutando continuamente para sugerir suposições
fantasiosas no tocante ao santuário, aviltando as maravilhosas exposições
de Deus e do ministério de Cristo para a nossa salvação.... " 34
As discrepâncias teológicas existentes entre Ford e a Igreja,
determinaram o posterior cancelamento de sua credencial ministerial.
Com o apoio de outros ministros, e um reduzido número de adventistas,
fundou uma organização (The Good News Unlimited), com o objetivo de
proclamar "a centralidade do evangelho de Cristo, a autoridade e
suficiência das Escrituras".
Esta nova organização, entretanto, em virtude do pluralismo
teológico que a caracteriza, debilitada desde o início pela controvérsia
das idéias, oferece limitada expectativa de vida.
A Mão de Deus ao Leme
138
Walter Rea
Esta sucinta história das crises no seio do adventismo não poderia
ser concluída sem uma rápida alusão à última agitação teológica que,
sem maiores conseqüências, precipitou alguns momentos borrascosos,
carregados de tensões.
Walter Rea, pastor da igreja adventista de Long Beach, Califórnia,
após um período de vacilações e dúvidas sobre a autenticidade do dom
de profecia na Igreja, surpreendeu a muitos quando, em uma entrevista
publicada em um diário da Califórnia,35 denunciou a Sra. White por
haver violado reiteradas vezes os direitos de autor (copyright). Copiando
com tanta freqüência os escritos de outros autores, afirmou Walter Rea, a
Sra. White revelou a improcedência de suas pretensões. "Seus escritos
não procedem de Deus; são produto da imaginação humana'', concluiu
Rea em sua entrevista.
Ao questionar com tanto ímpeto e alarde a legitimidade do dom de
profecia, Walter Rea, após trinta e seis anos de atividades pastorais, teve
suas credenciais ministeriais anuladas por um voto tomado pela
Comissão Administrativa da Associação do Sul da Califórnia.
Ao incriminar a Sra. White por haver cometido ''plágio'', Walter
Rea plagiou D. M. Canright, o primeiro na história do adventismo a
formular este mesmo tipo de acusação contra a mensageira de Deus. Foi
em 1887, oito meses após haver renunciado ao ministério, que Canright
pela primeira vez denunciou a Sra. White de haver incorporado era seus
escritos, material procedente de outros autores, sem lhes dar o devido
crédito.
Esta acusação foi reativada no auge da crise panteísta (1907),
quando J. H. Kellogg e vários associados, renunciaram ao adventismo.
Posteriormente, nos anos trinta, este mesmo argumento foi invocado por
E. W. Ballanger, outro ex-ministro adventista. Questionando a honestidade
literária da Sra. White, Ballanger intentou desprestigiá-la, denunciando
seus escritos como destituídos de autoridade profética.
A Mão de Deus ao Leme
139
Com efeito, Walter Rea nada inovou em suas imputações contra E.
G. White e seus escritos. Copiou os velhos e surrados argumentos usados
por Canright e outros, e refutados de forma vigorosa e convincente por
F. D. Nichol, em seu livro E. G. White and Her Critics (E. G. White e
Seus Críticos).
Os esforços por rotular a Sra. White como violadora dos direitos de
autor têm sua origem numa compreensão falsa ou inadequada do
processo conhecido pelas palavras revelação-inspiração.
Como Igreja não acolhemos os conceitos liberais modernos no
tocante à inspiração e ao mesmo tempo rejeitamos as opiniões
ultraconservadoras que transformam o profeta em um mero taquígrafo,
copiando mecanicamente as palavras ditadas por Deus.
Deus Se dirige ao profeta ''de muitas maneiras''; porém este
emprega suas próprias palavras para interpretar a mensagem recebida. A
inspiração atua sobre o profeta e não sobre o produto escrito.
"Se bem que eu dependa tanto do Espírito do Senhor para escrever
minhas visões como para recebê-las, todavia as palavras que emprego ao
descrever o que vi são minhas, a menos que sejam as que me foram ditas
por um anjo, as quais eu sempre ponho entre aspas." 36
No empenho por reproduzir a mensagem revelada, o mensageiro
inspirado deve buscar as palavras mais apropriadas para melhor comunicar
as verdades que Deus lhe revelou. Neste esforço, usando o seu próprio
vocabulário e estilo, tomando emprestado, quando necessário, descrições
usadas por escritores não inspirados, ou mesmo permitindo-se ser
ajudado por assistentes, ele reproduz em linguagem humana as
revelações de Deus.
"Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é
que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas
expressões, mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo,
é possuído de pensamentos. As palavras, porém, recebem o cunho da
mente individual."37
A Bíblia provê abundantes evidências de autores inspirados que
copiaram de fontes canônicas e até mesmo não inspiradas. Se a
A Mão de Deus ao Leme
140
originalidade fosse o critério básico para julgar a inspiração, teríamos
que excluir extensas porções do Livro Sagrado.
Harold Lindsay, um dos mais destacados entre os teólogos
conservadores contemporâneos, ex-editor da revista evangélica
Christianity Today, escreveu:
"Quando dizemos que a Bíblia é a palavra de Deus, não faz diferença
se os seus escritores obtiveram as informações através de uma revelação
direta de Deus, como no caso do Apocalipse; ou se eles buscaram material,
corno o fez Lucas, ou se adquiriram o conhecimento utilizando fontes
existentes, relatórios da carta real ou mesmo de boca de outros. A pergunta
que devemos fazer a nós mesmos é se o que eles escreveram, não importa
de onde tenham obtido o conhecimento, é digno de confianpa.''38
Walter Rea, entretanto, desorientado por um errôneo conceito de
inspiração, alarmado com o uso que a Sra. White fez de outras fontes,
denunciou seus escritos como espúrios e, portanto, carentes de autoridade.
Escreveu um livro – The White Lie (A Mentira White [Branca]) –
atacando a Sra. White e seus escritos com veemência, cinismo e
mordacidade. Porém, além de alguma repercussão lograda em alguns
diários e publicações especializadas, o impacto logrado por Walter Rea
sobre a Igreja foi insignificante e inexpressivo.
"Meu Pai Está ao Leme"
Certa feita, em uma embarcação sacudida pela fúria de uma grande
tormenta, enquanto todos, aflitos, entreolhavam-se angustiados, ora
relanceando os horizontes ou intentando descobrir eventuais prenúncios
de uma bonança, uma criança brincava descuidada, serena e feliz.
Surpreendidos diante de tanta calma e descontração, interrogaram-lhe:
"Não temes a tempestade? Não vês que corremos, todos nós, risco de
vida?" A resposta tão admirável quanto natural, como a sua própria
atitude, foi simplesmente: "Meu pai está ao leme!" O pai ao leme era
tudo para aquele coração terno, filial e confiante.
A Mão de Deus ao Leme
141
Quão confortante é saber que o Pai está ao leme! Tempestades,
conflitos e dissidências, sacodem por vezes a estrutura da igreja,
trazendo a alguns temor e insegurança. O fragor da tormenta ameaça a
"embarcação de Sião". Mas Deus está no timão! Sua direção ao leme
constituí o penhor de que a embarcação chegará a salvo nas
resplandecentes praias do Além.
Referências:
1. Richard H. Utt, A Century of Miracles, pág. 4; J. H. Kellogg, R.
G. 11. Case File (Archives and Statistics of General Conference).
2. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 2, págs. 216, 217.
3. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 2, pág. 163.
4. Review and Herald, 20 de setembro de 1892.
5. Idem, 20 de novembro de 1883.
6. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 72.75.
7. Review and Herald, 27 de janeiro de 1891.
8. Mateus 15:13.
9. Review and Herald, 27 de janeiro de 1891.
10. Revista do Advento, agosto de 1951, pág. 3.
11. Ellen G. White, A Igreja Remanescente, pág. 54.
12. Idem, pág. 60.
13. R. W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant, pág. 447.
14. Ibidem.
15. Ibidem.
16. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 2, págs. 31,32
17. Idem, pág. 35.
18. J. H. Kellogg, The Living Temple, pág. 28.
19. General Conference Bulletin, 12 de fevereiro de 1893, pág. 83
20. A. G. Daniells, The Abiding Gift of Prophecy, págs. 336, 337.
21. Ibidem.
22. Ellen G. White, Carta 211, 1903.
A Mão de Deus ao Leme
142
23. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 1, págs. 205, 206.
24. Salmo 90:6.
25. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 12.
26. Mateus 16:18.
27. Ellen G. White, Manuscrito13.
28. Robert D. Brinsmead, Verdict – "Sabbatarianism Re-Examined"
junho 1981
29. Desmond Ford, Daniel 8:14, The Day of Atonement and the
Investigative Judgment, págs. 287 288
30. Idem, pág. 365.
31. Idem, págs. 348, 349.
32. Ministry, outubro de 1980, pág. 10.
33. Idem, pág. 11.
34. Ellen G. White, Evangelismo, págs. 224, 225.
35. Los Angeles Times, 13 de novembro de 1980.
36. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 37.
37. Idem, pág. 21.
38. Harold Lindsay, The Battle for the Bible, pág. 30.
A Mão de Deus ao Leme
143
TODOS ESTES MORRERAM NA FÉ
"... Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendoas, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram
estrangeiros e peregrinos sobre a terra." Hebreus 11:13.
Em todos os grandes movimentos religiosos, através dos séculos,
encontramos um denominador comum: suas origens humildes.
O cristianismo nasceu em uma rude estrebaria. Os pintores cristãos,
envergonhados com o berço rústico e miserável no qual repousou o Filho
de Deus, transformaram com o mágico pincel aquele humilde abrigo de
animais em um pórtico airoso e belo. Não conseguiram, porém, apagar a
pobreza do cenário onde a igreja cristã teve seu começo.
A Reforma do Século XVI e a Igreja Luterana tiveram suas origens
no recesso de uma cela obscura, em um mosteiro de Wittenberg,
Alemanha, onde um desconhecido monge descobriu os encantos do
princípio evangélico sola fide, com o qual quebrantou os grilhões do
monopólio religioso medieval.
Da mesma forma o adventismo teve como berço a pobreza, a
obscuridade e a ignominia. "Seus pioneiros'', escreveu Geoffrey J.
Paxton, eram como remanescentes "de um exército deploravelmente
dizimado.... Não possuíam grande erudição teológica. Em sua maioria
eram pobres. Contemplando-os, ninguém lhes daria qualquer perspectiva
de êxito, principalmente se tomamos em conta o que poderia parecer um
desastroso começo."1
Mas, graças à dedicação e têmpera de seus fundadores, o
movimento adventista "firmou suas estacas'', "ampliou suas tendas" e,
pela graça divina, se transformou em um vigoroso organismo
eclesiástico, conhecido e respeitado no mundo religioso por suas
dimensões internacionais.
Neste capítulo apresentaremos de forma sucinta a biografia de seis
arautos da esperança adventista, os quais com intenso ardor e fé
A Mão de Deus ao Leme
144
inquebrantável participaram na fundação e posterior triunfo da causa do
advento.
GUILHERME MILLER*
Quando investigamos de forma retrospectiva os anos que
precederam o surgimento do Movimento Adventista, descobrimos a
figura fascinante de um piedoso homem inflamado pelo imperativo de
proclamar a breve intervenção de Cristo nos destinos do mundo.
Aproximava-se no grande relógio profético a solene hora determinada
pela Providência para anunciar a mensagem do primeiro anjo.
Guilherme Miller foi o homem que Deus suscitou para clarinar
perante o mundo a mensagem apocalíptica. Durante vários anos ele se
sentiu obcecado pela convicção de que deveria anunciar que a "hora do
juízo" havia chegado. Porém, um sentimento de insuficiência levava-o a
sentenciar convicto: "Senhor, não posso realizar esta obra." Esta luta
íntima, entretanto, terminou no princípio de agosto de 1831. Miller
prometeu ao Senhor proclamar a "bem-aventurada esperança", se lhe
fosse enviado algum convite. Sobre este pacto com Deus, escreveu mais
tarde:
*
Guilherme é o correspondente a William, em português.
A Mão de Deus ao Leme
145
"Imediatamente o peso que tinha sobre os meus ombros se dissipou, e
eu me alegrei com o pensamento de que provavelmente jamais seria
chamado, pois nunca havia recebido um convite desta natureza." 2
Dentro de meia hora, porém, recebeu a visita de Irving Guildford,
seu sobrinho, convidando-o para pregar em sua igreja, situada a 25
quilômetros de distância. Surpreso, pensou que o melhor seria ignorar o
compromisso assumido com Deus. Mas antes de dar qualquer resposta,
dirigiu-se angustiado a um bosque nas cercanias de sua casa, para a sós
dialogar com Deus. Miller descreve esta dramática experiência.
"Lutei com o Senhor por aproximadamente uma hora, esforçado-me
por libertar-me do pacto que havia feito com Deus. Mas não obtive alívio.
Finalmente, submeti-me, e prometi ao Senhor que, se Ele me sustivesse, iria
confiando que haveria de receber graça e capacitação para realizar aquilo
que de mim esperava. Voltei a casa e encontrei o jovem que ainda me
esperava. Permaneceu até o almoço, e depois retornamos juntos até
Dresden."3
No dia seguinte, primeiro domingo de agosto de 1831, Miller
pregou com zelo e convicção a mensagem do advento. As impressões
obtidas nesta primeira experiência, foram assim descritas:
"Tão logo comecei a falar, todas as minhas vacilações e embaraços se
dissiparam, e senti-me unicamente impressionado com a magnitude do
tema, que pela providência me foi dado apresentar."4
Esta primeira pregação em Dresden, Nova Iorque, tocou o coração
de muitos, os quais solicitaram a Miller que permanecesse entre eles,
pregando durante a semana sobre o mesmo tema. Aceitando o convite,
Miller pregou cada noite a um numeroso público que, procedente de
perto e de longe, reunia-se para ouvi-lo explicar as profecias de Daniel e
Apocalipse. Na semana seguinte, após haver regressado a sua casa, um
outro convite lhe foi estendido.
Iniciava-se assim um emocionante período na vida de Miller,
Caracterizado por memoráveis e frutíferas cruzadas evangelizadoras que
literalmente sacudiram a nação. Analisando a vida de Miller, do berço ao
púlpito, nos assombramos ao ver como Deus o guiou, preparando-o para
a missão histórica que o aguardava.
A Mão de Deus ao Leme
146
Guilherme veio à existência durante os turbulentos idos da guerra
revolucionária que assegurou a independência dos Estados Unidos da
América do Norte. Seu pai, disciplinado soldado empenhado na luta pela
emancipação, e sua piedosa mãe, filha de um pregador batista,
celebrando o advento do primeiro filho, ocorrido no dia 15 de fevereiro
de 1782, jamais poderiam imaginar que Deus haveria de usá-lo como
poderoso instrumento para cumprir Seus excelsos desígnios.
Os primeiros anos da vida de Guilherme foram caracterizados por
lutas e pauperismo. Ajudando o pai nas árduas tarefas agrícolas, ele
desenvolveu um físico robusto, espírito de iniciativa, independência e
liderança, que o qualificaram para a obra que a Providência lhe reservou.
Apesar de haver recebido uma educação formal limitada, logrou
acumular com o transcurso dos anos uma apreciável soma de
conhecimentos, através da insaciável leitura de livros. A princípio, em
seu modesto lar, os únicos livros disponíveis eram a Bíblia, um hinário e
um livro de orações. Com o tempo outros volumes foram acrescentados
ao escasso suprimento de material para leitura.
Posteriormente, o ambicioso jovem, ao associar-se com ilustrados
indivíduos que viviam na comunidade, obteve emprestados inúmeros
livros que eram devorados com sofreguidão, durante as longas noites de
inverno. Enquanto os demais membros da família dormiam, sob a luz
pálida produzida pela combustão de um pau resinoso que ardia na
lareira, mergulhava o espírito inquiridor na leitura de numerosas obras.
Tornou-se assim conhecido por seus imensos conhecimentos e evidente
habilidade para se expressar e escrever.
Em 1803, casou-se com a Srta. Lucy P. Smith, que o estimulou a
prosseguir em seus hábitos de investigação e leitura. Na infância
aprendeu aos pés de sua virtuosa mãe a aceitar a Bíblia como a revelação
de Deus ao homem. Agora, entretanto, em suas reflexões, sentia-se
perplexo com as "contradições" e "incoerências" existentes na Bíblia,
para as quais não conseguia uma explicação convincente.
A Mão de Deus ao Leme
147
Associou-se às pessoas mais educadas da comunidade. Em sua
maioria deístas, eles lhe sugeriram a leitura de Voltaire, Hume, Paine e
outros expoentes do deísmo. Como resultado, sofreu as conseqüências
ruinosas de um grave eclipse espiritual. As "contradições" existentes na
Bíblia, somadas às impressões gravadas em seu espírito por escritores
deístas, levaram-no à conclusão de que a Bíblia era um livro comum.
Reafirmou, entretanto, sua crença em um Criador, autor das obras da
Natureza, porém inacessível à alma humana.
Após haver servido como capitão no exército americano, na guerra
de 1812, retornou a Low Hampton, para recomeçar um período de estudo
metódico e intensivo das Escrituras. As angústias e incertezas geradas
pela guerra, levaram-no a refletir sobre os grandes temas da fé.
Convenceu-se de que com suas idéias deístas a esperança de uma vida
futura se tornava nebulosa e incerta. Sua mente foi então agitada por um
grande conflito espiritual.
"Os céus pareciam de chumbo sobre minha cabeça" – escreveu Miller
– "e a terra como que de ferro, sob meus pés. Eternidade! Que era isso? E a
morte – Por que existia? Quanto mais pensava, tanto mais difusas eram
minhas conclusões. Procurei deixar de pensar, mas meus pensamentos não
podiam ser controlados. Eu me sentia miserável, mas não compreendia a
causa. Murmurava e me queixava, mas não sabia contra quem. Sabia que
havia erro, mas não sabia colmo ou onde encontrar o direito."5
Voltou a freqüentar a igreja com relativa assiduidade. Em certa
ocasião, estando ausente o pastor, foi solicitado a ler num livro de
sermões uma mensagem para os adoradores reunidos. No meio da
leitura, entretanto, dominado por profundas e insopitáveis emoções, se
deteve, e, sem poder prosseguir, se assentou.
"De súbito" – explicou – "foi-me o espírito vividamente impressionado
com o caráter do Salvador. ... Vi que a Bíblia apresentava um Salvador
colmo eu O necessitava.... Fui constrangido a admitir que as Escrituras
devem ser uma revelação vinda de Deus. Elas se tornaram o meu deleite; e
em Jesus encontrei um amigo. O Salvador tornou-Se para mim o primeiro
entre dez mil; e as Escrituras, que a princípio eram obscuras e
contraditórias, tornaram-se agora uma lâmpada para os meus pés e uma luz
A Mão de Deus ao Leme
148
para o meu caminho.... Tornou-se a Bíblia, agora, meu principal estudo, e
posso verdadeiramente dizer que a examinei com grande satisfação. ...
Admirei- me de não ter visto antes sua beleza e glória, e maravilhei-me de a
ter sempre rejeitado. ... Perdi todo o gasto por entra leitura, e apliquei o
coração à sabedoria de Deus."6
Dedicou-se, então, com inusitado entusiasmo, ao estudo das
Escrituras. Ignorando os eruditos comentários bíblicos, determinou-se
estudar a Palavra, valendo-se unicamente de um dicionário bíblico e a
Concordância de Cruden.
Após dois anos de intensa e excitante investigação das Escrituras,
concluiu anunciando sua confiança inquebrantável na breve volta de
Cristo. Esta convicção levou-o a proclamar com grande fervor a "bemaventurada esperança". O eco ressonante de sua pregação se fez ouvir
das praias do Atlântico até as regiões além do Mississippi.
Pouco depois do amargo desapontamento de 1844, Miller começou
a sentir na carne o peso inexorável dos anos. Os achaques se repetiam
com freqüência. O vigor cedia lugar à fadiga e a enfermidade
gradualmente minava-lhe o corpo cansado. Entretanto, as aflições
produzidas pela senectude, não foram suficientes para esmaecer o brilho
fulgurante da esperança que o acompanhou até a morte.
Sua fiel e dedicada esposa, seus filhos e amigos estavam reunidos
junto ao seu leito, no dia 20 de dezembro de 1849, quando, alquebrado
pela mão dos anos, Miller afinal descansou. "Oh, quanto anseio estar
ali!", foram suas últimas palavras. A implacável poeira do tempo jamais
poderá apagar a extraordinária obra por ele realizada.
HIRÃ EDSON
Quando falamos sobre a justificação pela fé, evocamos
imediatamente os escritos de Paulo e a teologia de Lutero. Quando nos
referimos à doutrina do santuário, a mais peculiar dentre as doutrinas
adventistas, nossos pensamentos se voltam instintivamente para a figura
de Hirã Edson, venerando agricultor que vivia na parte oeste do Estado
A Mão de Deus ao Leme
149
de Nova Iorque. Dele se podia dizer que, à semelhança do patriarca Jó,
"era homem sincero, reto e temente a Deus, e desviava-se do mal''.7
Em muitos respeitos a experiência vivida por este agricultor, na
manhã de 23 de outubro de 1844, se assemelha às aflições vividas por
Cléopas, no caminho de Emaús. Era uma tarde de domingo. Dois
discípulos, com o coração lanceado por uma profunda dor, caminhavam
em direção a Emaús, pequena aldeia situada cerca de doze quilômetros
de Jerusalém. Haviam ido à cidade para participar das celebrações
pascoais, e agora regressavam perplexos e turbados. Os grandes
acontecimentos que em rápida sucessão culminaram com a tragédia do
Gólgota, oprimiam-lhes o espírito. Afinal, a crucifixão ocorrida na
última sexta-feira significava para eles o desfalecimento de suas mais
suspiradas expectativas.
Cléopas e seu companheiro sofriam intensamente o escândalo da
cruz. E enquanto caminhavam pela arenosa via, conversavam sobre as
cenas da prisão, julgamento e monte de Jesus. A sombra da cruz
produzia-lhes profundo sentimento de desilusão e angústia.
De repente, perceberam que Alguém os seguia. Pararam, consoante
o costume, para saudar o Peregrino, que com eles continuou a jornada.
Seu rosto lhes era familiar, e por mais que O olhassem, havia algo que
A Mão de Deus ao Leme
150
impedia que O reconhecessem. Aquele Estranho, desejando animá-los
naquela hora de sombras e incertezas, perguntou-lhes: ''Que é isso que
vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais?"8
Cléopas, surpreendido, responde: "És o único, porventura, que,
tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes últimos días?"9
E com o coração quebrantado acrescentaram: "Nós esperávamos que
fosse Ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já
este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.''10
Os passos daqueles três peregrinos ressoavam ao longo do caminho.
Subiram as encostas das serras, desceram as ladeiras ensolaradas e
alcançaram afinal a planície. O dia começava a declinar.
Chegando a Emaús, o Estranho manifestou o desejo de seguir um
pouco mais além. Mas os dois peregrinos insistiram: "Fica conosco,
porque é tarde e o dia já declina.'' Ele acedeu. Alguns instantes depois,
estando os três à mesa de Cléopas, o Hóspede tomou o pão e o abençoou.
Os discípulos de Emaús ''abriram os olhos e O reconheceram". Diz a
narrativa inspirada que naquele mesmo momento Jesus "desapareceu da
presença deles".
Vivendo inexprimíveis emoções, Cléopas e o seu companheiro
regressaram a Jerusalém para anunciar a todos o maravilhoso encontro
com o Redentor redivivo.
Há mais de 140 anos uma experiência semelhante se repetiu na
história da Igreja. Os remanescentes adventistas, após a decepção de
1844, viveram momentos de perplexidade e incerteza. A prova de fé foilhes demasiado severa.
Com oração e contrição se prepararam para contemplar o
deslumbrante espetáculo da manifestação de Cristo em Sua segunda
vinda. Mas o sol se pôs naquele dia, e Ele não veio. Esperaram até a
meia-noite e a esperança milerita não se cristalizou.
Na fazenda de Edson houve muito pranto, como também em
centenas de outros lugares de reunião. As aflições então vividas foram
por Edson assim descritas:
A Mão de Deus ao Leme
151
"Nossas mais caras esperanças e expectativas se haviam mirrado e
veio-nos, como nunca dantes, a necessidade de chorar. Parecia que a perda
de todos os amigos terrenos não se podia comparar com essa dor.
Choramos e choramos até ao clarear do dia."11
"Por que, não veio o Senhor?" interrogavam perplexos. "Estão
equivocadas as profecias?'' "É a Bíblia um livro inexato?" ''É Deus um
mito?" "Irmãos" – disse Hirã Edson com sua voz pausada e grave – "há
no Céu um Deus. No passado Ele nos iluminou a mente quando em
trevas. Ele há de nos guiar agora." Com os primeiros clarões da
madrugada, muitos entre os mileritas, dominados por inexprimível
frustração, regressaram aos lares. Edson e alguns remanescentes, porém,
decidiram dirigir-se a um galpão para derramar a alma angustiada
perante o Senhor. Oraram até que se sentiram confortados com a certeza
de que o Senhor haveria de lhes explicar as razões do desapontamento.
Depois, já nas primeiras horas da manhã, Edson e um companheiro
(provavelmente Owen Crosier) decidiram sair para visitar alguns
vizinhos mileritas e confortá-los naquela hora de sombra para a Igreja.
Como os discípulos de Emaús, eles também sofriam as dores próprias de
uma grande desilusão. As lágrimas que eles derramavam se misturavam
com a brisa da manhã que inaugurava um novo dia. E, enquanto
cruzavam um campo de milho, Edson se deteve por alguns instantes,
mergulhado em profundas reflexões, quando lhe pareceu ver o santuário
celestial e Cristo sair do Santo para inaugurar no Santíssimo a segunda
fase de Sua obra sacerdotal.
Seu companheiro havia ido adiante pela plantação, mas chegando à
cerca, voltou-se e vendo que Edson se demorava, interrogou: "Irmão
Edson, por que se detém?"
Edson respondeu: "Deus atendeu a súplica que Lhe dirigimos nesta
manhã." Pouco depois, enquanto juntos estudavam a Bíblia, buscando
entender as razões por que Jesus não veio, encontraram nos capítulos 8 e
9 de Hebreus a confirmação de que o santuário a ser purificado não era a
Terra ou a Igreja, mas sim o santuário celestial, do qual o tabernáculo do
A Mão de Deus ao Leme
152
Antigo Testamento era apenas um símbolo. Nos meses que se seguiram,
Edson e Crosier, em associação com o Dr. F. B. Hahn, com o qual
haviam antes publicado um periódico milerita – The Day Dawn (O
Amanhecer), estudaram exaustivamente o assunto e, guiados pelo
Espírito Santo, descobriram com inusitado gozo o que realmente ocorreu
em 22 de outubro de 1844.
Com grande euforia, Edson e Hahn concluíram que a verdade que
encontraram era "exatamente aquilo que os remanescentes dispersos
necessitavam". Concordaram em financiar algumas novas edições do
The Day Dawn, se Crosier com sua reconhecida habilidade como escritor
se dispusesse a "escrever um artigo sobre o santuário tal como eles agora
o entendiam. Em abril de 1845 uma nova edição do The Day Dawn vejo
à luz, com uma exposição da doutrina do santuário. Cópias desta edição
foram enviadas aos líderes da causa do advento, e aos principais editores
dos periódicos que esposavam o pensamento milerita. Para financiar esta
publicação, Edson vendeu os talheres de prata que sua esposa recebeu
como presente de casamento.
Enoch Jacobs, editor do The Day-Star, em Cincinnati, Ohio,
impressionado com os argumentos apresentados por Crosier em sua
exposição, dispôs-se a publicar em edição especial, um artigo mais
extenso e, se possível, mais detalhado do tema relacionado com a
doutrina do santuário e sua relação com o grande desapontamento.
O novo artigo de Crosier foi publicado nas páginas do The Day-Star
Extra, no dia 7 de fevereiro de 1846, e logrou extraordinária repercussão
entre o ''rebanho disperso''. Subordinado ao título ambíguo – ''A lei de
Moisés'', o artigo ocupou sete páginas e meia em tipo pequeno. Uma nota
sucinta foi inserida como uma espécie de preâmbulo: "Aos irmãos e
irmãs dispersos por toda a parte'', e se seguia um apelo solicitando
fundos para custear os gastos com a publicação. A nota levava as
assinaturas de Hirã Edson e F. B. Hahn. A exegese de Crosier foi
imediatamente endossada por Tiago White e José Bates. Posteriormente
a Sra. White no livro A Word to the Little Flock (Uma Palavra ao
A Mão de Deus ao Leme
153
Pequeno Rebanho), subscreveu o artigo de Crosier como a luz de Deus
para o rebanho aflito e perplexo.12
Esta interpretação da doutrina do santuário foi para os angustiados
adventistas como bálsamo de Gileade. Puderam então concluir que os
cálculos relacionados com o tempo na interpretação profética, eram
corretos. Compreenderam que neste dia – 22 de outubro, o Salvador
inaugurou no lugar santíssimo a segunda fase do Seu ministério – o juízo
investigativo.
Foi assim que Edson, embora carente de erudição teológica, logrou
por mercê de Deus, desvendar o enigma profético relacionado mm a
amarga experiência de 1844. O rebanho disperso pôde então ver os
encantos existentes na doutrina do santuário, e vislumbrar a presença de
um Sumo Sacerdote que Se "compadece de nossas fraquezas", e em
quem podemos "alcançar graça e misericórdia". Cumpriam-se deste
modo as palavras de Jesus de que as coisas eternas que permanecem
ocultas aos ''sábios e entendidos'' são reveladas aos simples e humildes.
Por muitos anos Edson se destacou como diácono da igreja metodista
de Port Gibson. Quando, em 1843 (ou possivelmente em 1844),
aceitando a mensagem de Miller, decidiu unir a voz ao exército
extraordinário de arautos que então proclamavam a bem-aventurada
esperança. Não foi jamais uma estrela de primeira grandeza. Porém,
poucos o excederam no zelo com que esquadrinhava as Escrituras e no
entusiasmo com que defendia os ideais do adventismo.
O êxito obtido em 1847 com a publicação do artigo sobre a doutrina
do santuário convenceu-o do poder da imprensa como veículo eficaz na
proclamação do evangelho eterno. Esta convicção o levou a vender sua
fazenda, em 1852, tendo em vista lograr os recursos necessários para a
compra das nossas primeiras máquinas impressoras.
Em uma carta escrita em 1851, descrevendo uma longa viagem
missionária realizada na companhia de João N. Andrews, descobrimos
nele o entusiasmo imbatível de um cruzado a serviço de uma causa santa.
A Mão de Deus ao Leme
154
"Parte da nossa jornada", escreve Edson, "foi através de um
território novo. As estrados eram novas e ásperas... cheias de tocos, e de
buracos de lama, com árvores caídas atravessadas em nosso trilho. . . .
"Mas sendo guiados pela bondosa mão de nosso Deus, aqui e acolá,
sobre montanhas e altas colinas, encontramos alguns dispersos escolhidos
de Deus famintos do pão da vida, aos quais foi dado 'sustento a seu
tempo'."13
Os percalços, as privações e obstáculos que sempre encontrou em
suas jornadas missionárias, não foram suficientes para abatê-lo.
Galvanizado pela energia divina, deixou na esteira de suas andanças um
expressivo número de fiéis, confirmados na esperança da segunda vinda
de Cristo.
Aos 75 anos de idade, em 1882, depois de uma existência
admirável, Hiram Edson morreu e foi sepultado em Roosevelt, Nova
Iorque. Permaneceu firme na esperança "como vendo o invisível".
JOSÉ BATES
No movimento do êxodo, Moisés, Miriã e Arão desempenharam um
papel saliente na obra de libertação e condução de Israel do cativeiro
egípcio, aos enlevos de uma terra dadivosa, situada além das margens do
Jordão.
A Mão de Deus ao Leme
155
Igualmente, no movimento adventista, dois homens e uma mulher –
Tiago e Ellen White e José Bates, cumpriram um papel relevante,
guiando um povo das aflições resultantes do grande desapontamento, à
luz fulgurante da terceira mensagem angélica.
Roberto Oppenheimer, célebre por sua contribuição no campo da
energia nuclear, fez há alguns anos uma declaração lapidar: "A melhor
maneira de transmitir uma idéia é encarná-la em uma pessoa." José Bates
foi o espírito, o ideal e a fé do adventismo encarnados numa pessoa.
Bates nasceu no dia 8 de novembro de 1792. As aventuras
marítimas acenderam em sua imaginação infantil uma atração sedutora
por conhecer os horizontes distantes. Sua mãe, sabendo de suas aspirações
de se dedicar às lides do mar, procurou, sem êxito, persuadi-lo a pensar
em alguma outra atividade. Seu pai, porém, consciente das aspirações e
desejos acalentados pelo filho, arranjou-lhe um lugar de grumete numa
embarcação que se dirigia à Europa.
Depois de algumas aventuras marítimas cheias de surpresas e
riscos, foi tomado certa noite pelos ingleses e obrigado a servir durante
mais de dois anos como artilheiro, na armada britânica, então empenhada
em atividades beligerantes contra a França.
Mais tarde, quando os Estados Unidos romperam suas relações com
a Inglaterra, os ianques foram declarados prisioneiros de guerra. Em
certa oportunidade um oficial ordenou-lhe guarnecer um canhão, quando
a frota antecipou um confronto com barcos de guerra franceses. Bates se
recusou a obedecer, embora seus companheiros americanos houvessem
cedido diante das terríveis ameaças. O medo e a covardia jamais fizeram
parte do seu caráter. Depois de haverem sido mantidos como prisioneiros
durante aproximadamente oito meses nos navios da frota, foram levados
à Inglaterra onde permaneceram encarcerados em um barco-prisão.
As condições subumanas prevalecentes motivaram duas tentativas
de fuga, as quais foram severamente reprimidas com a aplicação de
torturas físicas indescritíveis e inomináveis sofrimentos morais. Foram
depois conduzidos como uma matilha de cães à horrenda prisão de
A Mão de Deus ao Leme
156
Dartmoor. Certo dia, sem motivo justificável, o comandante do serviço
de segurança atirou nos prisioneiros, matando seis americanos e ferindo
outros sessenta. Esse execrável massacre em Dartmoor foi perpetrado
quatro meses e meio após haver sido assinado o armistício entre as duas
nações.
Liberado depois de cinco anos, durante os quais suportou cruéis
aflições e sofrimento sem conta, Bates partiu rumo ao lar. Depois de seis
anos e três meses de ausência, tendo os sapatos rotos e coberto de
andrajos, foi recebido festivamente por seu pai, sua mãe, seus irmãos e
irmãs e, entre outros, certa jovem, Prudência Nye, com quem mais tarde
haveria de se unir nos laços de uma venturosa e duradoura experiência
conjugal.
Nos anos que se seguiram, Bates se dedicou com entusiasmo e
devoção à vida no mar. A experiência adquirida na marinha britânica o
habilitou a ocupar a posição de primeiro piloto, portanto o segundo lugar
no comando do navio.
Em uma de suas viagens, em 1819, navegando de Gotemburgo, na
Suécia, a New Bedford, na América, enfrentou o ímpeto de um violento
temporal, que comprometeu a segurança da embarcação e a vida de seus
tripulantes. A fúria dos elementos levou os marinheiros em pânico, como
medida salvadora, a lançar ao mar quarenta toneladas de ferro. A viagem
que deveria ser realizada em sessenta dias, durou quase seis meses. A
embarcação avariada navegou com escassez de água potável e limitada
provisão de gêneros alimentícios. Depois de viajarem por tanto tempo,
quase à deriva, foram afinal recebidos com expressões de gozo e
manifestações de alegria por parentes e amigos que os haviam dado por
perdidos.
Em 1821, em sua primeira viagem à América do Sul como
comandante de um barco, convenceu-se da necessidade de não mais
tomar bebidas alcoólicas. Quarenta anos mais tarde declarou jamais
haver violado tal resolução. Certa vez, em 1824, estando na cidade de
Lima, Peru, foi convidado para, com outros oficiais dos navios norte-
A Mão de Deus ao Leme
157
americanos ancorados no porto de Callao, celebrar o natalício de George
Washington, um dos fundadores da república dos Estados Unidos da
América do Norte. Nessa oportunidade os promotores da festa,
conhecendo os seus hábitos, puseram-no à parte e, com expressões
jocosas, quase expondo-o ao ridículo, concitaram-no a beber. Bates,
entretanto, demonstrando notável valor moral e inquebrantável
determinação, encheu o copo com água e o tomou, indiferente à mofa e a
irreverência dos circunstantes.
Decidiu também, nesta mesma viagem, através das águas do
Pacífico, não mais fumar. Lutou tenazmente contra o costume tão
comum entre os marinheiros de imprecar e blasfemar. Deste modo, esse
homem de vontade forte, gradualmente triunfava sobre suas tendências
inferiores, tornando-se conhecido por seus hábitos gentis e
comportamento irrepreensível.
A vida de um marinheiro, naqueles idos, era caracterizada por
imensos sacrifícios e severas privações. Permanecia ausente da família
durante meses e até anos, ocupado em longas e cansadoras jornadas
marítimas. Ao regressar desta viagem, Bates viu pela primeira vez sua
filhinha de dezesseis meses, nascida durante seus dois anos de ausência.
Entre os livros a bordo da embarcação que ele comandava, sua
esposa incluiu um exemplar do Novo Testamento. Em suas veneráveis
páginas Bates descobriu o "tesouro escondido'' e um despertamento
espiritual ocorreu em sua vida. Decidiu transformar o barco em uma
instituição de reforma. Convocou a tripulação e deu-lhes as seguintes
instruções:
"Os oficiais deviam tratar seus homens com bondade. Não devia haver
a bordo álcool, nem bebidas intoxicantes, exceto uma pequena quantidade
na caixa de medicamentos, para ser dispensada sob prescrição do
comandante. Deviam acabar-se as imprecações."14
As decisões de Bates, como seria de se esperar, suscitaram
enérgicas objeções e veementes protestos, mas foram rigorosamente
observadas a bordo.
A Mão de Deus ao Leme
158
Alguns anos mais tarde abandonou o uso do chá e do café; e em
1843 decidiu não mais incluir em sua dieta alimentos cárneos. De modo
providencial, Deus o estava preparando para promover os princípios de
saúde que mais tarde haveriam de ser defendidos pelos adventistas.
Aos 36 anos de idade, após acumular uma razoável fortuna,
abandonou as atividades marítimas para se estabelecer em Fairhaven.
Suas atenções se voltaram então à causa da temperança e ao combate do
infamante comércio dos escravos. Embora ameaçado em sua integridade
física, jamais ensarilhou as armas na luta contra a escravidão.
Em 1839, aceitou a pregação de Miller no tocante à volta de Cristo,
e com entusiasmo incomum se identificou com a causa milerita. Vendeu
a casa e quase todos os imóveis, e aplicou o produto da venda na
proclamação da mensagem do advento. Na companhia de H. S. Gurney,
um evangelista cantor, dirigiu-se a Maryland, e pregou na ilha de Kent,
na baía de Chesapeake, onde antes havia sofrido um naufrágio.
Numeroso público se reuniu para ouvi-los e, como resultado, ocorreu um
grande despertamento. O êxito suscitou acerba oposição. Um homem de
influência na comunidade se levantou durante uma das reuniões e os
ameaçou. Com serenidade e surpreendente valor, Bates respondeu:
"Não pensem que viemos de uma tão longa distância, através da neve
e do gelo, a expensas próprias, para vos dar o clamor da meia-noite, sem
primeiro nos sentarmos para avaliar o custo. E agora, se Deus nada mais
tiver para fazermos, tanto se nos dá jazer no fundo da baía de Chesapeake,
como em qualquer outro lugar, até a vinda do Senhor. Mas se Ele tiver mais
algum trabalho para fazermos, os senhores não nos poderão tocar."15
Apesar do penoso desapontamento de 1844, Bates fortaleceu sua
confiança no cumprimento da promessa do Senhor e se tornou um dos
principais instrumentos usados por Deus para proclamar a terceira
mensagem angélica.
Após a leitura de um artigo escrito por Preble sobre a importância
do quarto mandamento, publicado em The Hope of Israel, em fevereiro
de 1845, e analisando as inúmeras evidências bíblicas, decidiu observálo na letra e no espírito. Determinou-se escrever um folheto sobre esta
A Mão de Deus ao Leme
159
nova luz que então incidia sobre seu coração. Com a Bíblia e uma
concordância começou a trabalhar. Foi, porém, interrompido por sua
esposa que observou:
– José, não tenho farinha suficiente para preparar o pão – e
enumerou ao mesmo tempo outros artigos que necessitava.
– Quanta farinha te falta? perguntou Bates.
– Uns dois quilos, respondeu Prudência.
Bates se dirigiu a uma casa de negócios, situada nas cercanias, e
comprou os dois quilos de farinha e as outras coisas solicitadas, trouxeas para casa, e continuou a escrever. Pouco depois, a Sra. Bates o
interrompeu, interrogando:
– De onde vejo esta farinha?
– Eu a comprei.
Mas – continuou a Sra. Bates – saíste para comprar dois quilos de
farinha, tu, um homem que navegou por todos os mares e conduziu
embarcações de New Bedford a todas as partes do mundo?
Embora informada de todas as atividades de seu esposo, a Sra.
Bates ignorava que se haviam esgotado os abundantes recursos que antes
possuíam.
– Bem, querida, gastei nesta compra o último dinheiro que possuía.
Chorando convulsivamente, ela interrogou:
– E que faremos agora?
– Deus proverá – foi a resposta sincera daquele homem que se havia
consagrado com tanto denodo a serviço de uma causa.
John F. Kennedy, em um conhecido discurso que hoje integra a
antologia da eloqüência contemporânea, afirmou:
"Merecimento maior pertence ao homem que se encontra na arena,
com o rosto manchado de poeira, de suor e de sangue... que conheceu os
grandes entusiasmos e as grandes devoções; que se sacrifica por uma
causa digna... o seu lugar nunca poderia ser tomado por essas almas
tímidas e frias que não conhecem vitórias nem derrotas."16
A Mão de Deus ao Leme
160
Assim foi José Bates, um homem que conheceu os "grandes
entusiasmos e as grandes devoções''. Jamais regateou esforços ou mediu
sacrifícios nas batalhas pela verdade. Seu lugar no panteão da História
jamais poderia ser ocupado por almas tímidas, vacilantes e irresolutas.
Como incansável bandeirante da fé, se empenhou em longas e
exaustivas incursões missionárias, visitando por toda a parte o "rebanho
disperso'', tendo em vista fortalecer-lhes a fé no advento do Senhor.
Foi o primeiro a levar ao Oeste dos Estados Unidos a mensagem
adventista do sétimo dia. Viajou pelo Michigan em 1849, visitando por
toda parte os membros isolados que haviam participado do movimento
milerita, lançando os fundamentos de uma sólida estrutura eclesiástica
que ali se levantaria dentro de alguns anos. Viu, certamente, ao longo
dos caminhos improvisados, as numerosas caravanas que, seduzidas pelo
ouro, leitmotiv naqueles idos, arrastavam-se para o Oeste. Todavia, o
ouro não o fascinou, porque uma só paixão o consumia – a proclamação
da terceira mensagem angélica.
José Bates era um obreiro prodigioso. Ficava, às vezes, seis a oito
meses fora de casa, fortalecendo os fiéis e levando a mensagem de
esperança àqueles que não a conheciam. Em seu diário, no dia primeiro
de Janeiro de 1852, escreveu:
"Temos trabalhado abrindo nosso caminho para o Oeste, costeando a
praia que fica ao sul do lago Ontário, e sempre que sabemos que há ovelhas
esparsas nas colônias distantes, ao norte de onde estamos, temos patinado
através de funda neve, de duas a quarenta milhas para encontrá-las, a fim
de dar a mensagem presente; de modo que, em cinco semanas, viajamos
centenas de milhas, ganhando, pela estrada direta, cento e oitenta milhas. ...
Nos primeiros vinte dias de jornada, fomos muito provados pela neve
profunda e pelo tedioso vento frio, e, com poucas exceções, por muitos
corações frios e impenetráveis."17
Não somente pregava em público as Escrituras, mas também se
ocupava no evangelismo pessoal. Em sua primeira viagem a Battle
Creek, valeu-se de um método inusitado, em seu esforço por penetrar na
cidade que haveria de se tornar a capital mundial do adventismo.
A Mão de Deus ao Leme
161
Dirigindo-se ao chefe do correio, interrogou-o sobre quem era o homem
mais honesto na cidade. O agente indicou-lhe a casa de David Hewitt,
ministro presbiteriano. Ao chegar a casa indicada, declarou:
– Fui enviado ao senhor como sendo o homem mais honesto nesta
cidade; desejo revelar-lhe uma importante verdade.
O Sr. Hewitt respondeu:
– Entre; ouvi-lo-ei com interesse.
Como resultado dessa visita, o Sr. Hewitt aceitou a mensagem do
sábado, e se tornou o primeiro adventista do sétimo dia na cidade de
Battle Creek. Poucas semanas depois, Bates teve o privilégio de batizá-lo
em Jackson, cidade próxima, juntamente com J. P. Kellogg, Henry Lyon
e M. C. Cornell, que mais tarde se tornaram sólidas colunas da obra de
Deus naqueles idos.
Átila, chefe dos hunos, que invadiu a Europa no quinto século, foi
chamado "o flagelo de Deus". Bates, que percorreu os caminhos da Nova
Inglaterra e, depois, transpondo altaneiras montanhas e florestas densas
alcançou as campinas distantes de Wisconsin e as espaçosas pradarias de
Iowa, no oeste, poderia verdadeiramente ser chamado ''a bênção de
Deus''. Deixou ao longo de suas exaustivas jornadas as bênçãos de um
ministério que se "consumia iluminando".
Ele foi reconhecido por todos, durante os anos formativos, como
legítimo líder dos adventistas. Foi o primeiro presidente da primeira
associação organizada – a Associação de Michigan. Em 1863, embora
tivesse 71 anos de idade, presidiu a histórica assembléia da Associação
Geral. Sua posição era reconhecida por todos, até mesmo na maneira
como as credenciais ministeriais eram emitidas estas eram assinadas por
ele e Tiago White, os quais eram identificados com as palavras
"ministros dirigentes".
Após oito décadas vividas com exuberante dinamismo, em 1872,
Bates sucumbiu, vítima de um tipo de erisipela maligna. Seus últimos
dias foram vividos entre sofrimentos e aflições sem conta, porém a todos
suportava com admirável estoicismo e resignação. Como o patriarca Jó,
A Mão de Deus ao Leme
162
ele podia repetir as palavras inspiradas: "Porque eu sei que o meu
Redentor vive, e que por fim Se levantará sobre a Terra. E depois de
consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus.''18
ELLEN G. WHITE
Foi um dia sombrio para a causa adventista. No tabernáculo de
Battle Creek, dia 13 de agosto de 1881, mais de três mil pessoas se
reuniram para tributar uma sentida homenagem a Tiago White,
pranteado líder adventista, primus inter paris. Sua visão administrativa e
consagração incondicional aos ideais evangélicos serão para sempre
recordados. "O justo", declarou o salmista, "ficará em memória eterna".19
O sermão fúnebre foi pronunciado por Uriah Smith, redator da
Review and Herald. Durante aproximadamente 30 anos haviam
trabalhado juntos e, agora, com o coração quebrantado por uma profunda
dor, Smith, com expressões afetuosas, se despedia do chefe, amigo e
irmão na "bem-aventurada esperança".
Depois do sermão do Pastor Smith, para surpresa de todos, a Sra.
White, que também havia estado hospitalizada com seu esposo, se
levantou manifestando o desejo de proferir algumas palavras. As
atenções de todos se voltaram para ela. Debilitada pela enfermidade que
a mantinha sob cuidados médicos, assim se expressou:
A Mão de Deus ao Leme
163
"Desejo dizer algumas palavras aos presentes nesta ocasião. Meu
querido Salvador tem sido a minha força e o meu apoio nesta hora probante.
Quando levada de meu jeito, enferma, à presença do meu esposo em seus
derradeiros momentos, a surpresa do choque pareceu-me, a princípio,
pesada demais para que a pudesse suportar, e clamei a Deus que o
poupasse para mim – que não o levasse, deixando-me a trabalhar sozinha.
... E agora, reenceto sozinha o trabalho de minha vida. Dou graças a meu
Deus por me haver dado dois filhos que ficassem ao meu lado. Daqui por
diante deve a mãe apelar-se nos filhos, pois o esposo forte, bravo e de
nobre coração já descansa. Para ele terminaram as lutas. Quanto tempo
pelejarei sozinha as lulas da vida, não posso dizer.... E agora aprecio a
esperança do cristão, o céu cristão e o Salvador dos cristãos mais do que
em qualquer outro tempo no passado. Hoje posso dizer: 'Há descanso para
o cansado' ... E ali (voltando-se para o ataúde) meu marido encontrou o
descanso; mas Eu ainda tenho de batalhar. Ainda não posso depor a
armadura do Senhor. Quando cair, quero cair no meu posto do dever. Oxalá
esteja preparada, oxalá esteja onde possa dizer como ele disse: 'Tudo vai
bem. Jesus é precioso.' "20
Durante trinta e cinco anos ela exemplificou as virtudes de uma
esposa leal e dedicada. Em meio às privações que caracterizaram os
primeiros anos de sua experiência conjugal e as enfermidades que
sempre a acompanharam no exercício de seu ministério, cumpriu
fielmente seus deveres e responsabilidades como esposa e mãe. Jamais
valeu-se de sua condição privilegiada, como mensageira de Deus, para
impor sua influência ou autoridade. Tanto em casa como na Igreja, seu
esposo foi sempre o líder inconteste. Agora, entretanto, contemplando o
corpo inanimado do esposo, ela se sente frágil e impotente, para encetar
sozinha a obra que Deus lhe comissionou.
Vinte e um anos antes, o alfanje trágico da morte havia ceifado o
seu pequeno Herbert, filho menor, quando ainda tinha três meses de
idade. Angustiada e aflita, traduziu a dor nas seguintes palavras:
"Quando aquele tênue ramo se partiu, ninguém podia entender quanto os
nossos corações sangravam, exceto aqueles que já levaram os seus
pequenos amados à sepultura."21 Três anos mais tarde, Henry, o
A Mão de Deus ao Leme
164
primogênito, aos dezesseis anos de idade, também sucumbiu como
conseqüência de uma pneumonia. Escrevendo sobre esta tragédia,
recordando as habilidades musicais que caracterizavam a vida do filho
pranteado, a abatida mãe assim se expressou:
"É morto o meu suave cantor. Sua voz não mais se unirá conosco ao
redor do altar da família. Não mais se produzirá música a um toque seu. Não
mais seus pressurosos pés e mãos cumprirão nossas ordens. Mas
alegremente olhamos para o futuro, para a manhã da ressurreição."22
Deus a escolheu para exercer um ministério profético em um tempo
de grande significação histórica. Embora eleita pela Providência, não foi,
porém, guardada das aflições e perplexidades próprias da existência
humana. Mas, através de uma vivência constante com Deus, obteve o
valor necessário para triunfar sobre sua própria dor e realizar a obra que
o Senhor lhe confiou.
Logo após a morte de seu marido, ela escreveu:
"Por vezes senti que não podia aceitar a idéia da morte do meu
esposo. Mas pareciam estar impressas em minha mente as palavras:
'Aquietai-vos e sabei que Eu sou o Senhor.' Salmo 46:10. Minha perda foi
grandemente sentida, mas não me deixei abater por uma tristeza inútil. Isto
não haveria de trazê-lo de volta à existência. Não sou tão egoísta para
desejar, se pudesse, trazê-lo do seu sono tranqüilo para se identificar outra
vez com as batalhas da vida. Como um lutador cansado, ele se deitou para
descansar. Contemplarei com alegria o sen lugar de repouso. A melhor
maneira pela qual eu e os meus filhos podemos honrar sua memória, seria
tomar a obra que ele deixou e, no poder de Cristo, levá-la adiante até a sua
consumação.''23
Com admirável renúncia e dedicação, deu continuidade à obra
deixada por seu esposo. Durante os anos de 1885 a 1887, prestou um
serviço inestimável, acompanhando em diferentes países da Europa o
trabalho que então se iniciava. Participou ativamente no programa da
primeira reunião campal realizada no velho continente, em Moss,
Noruega.
Retornando aos Estados Unidos, manteve-se constantemente
ocupada não somente na produção de inúmeros e preciosos manuscritos,
A Mão de Deus ao Leme
165
mas também percorrendo longas distâncias, levando aos fiéis adventistas
dispersos por toda parte, mensagens de fé e confiança na autenticidade
profética deste movimento.
No dia 12 de novembro de 1891, por solicitação da Associação
Geral, ela e o filho W. C. White**, então viúvo, e vários assistentes
literários, embarcaram rumo à Austrália, onde, durante nove anos,
trabalharam com ardor e determinação, lançando os fundamentos de uma
obra que com o transcurso dos anos haveria de lançar raízes profundas e
alcançar notável vigor denominacional.
Enquanto na Austrália, completou entre outros os manuscritos de O
Desejado de Todas as Nações, sua obra-prima. Lendo este livro nos
assombramos com a beleza dos recursos literários usados por ela no
esforço por magnificar a Cristo e Sua obra redentora. Em uma carta do
Sr. W. E. Bemet, da biblioteca do Congresso de Washington, escrita no
dia 11 de dezembro de 1946, lemos o seguinte:
"Selecionar cinco ou seis livros sobre a vida de Cristo, dentre mais de
10.000 que foram escritos em inglês nos últimos 300 anos... e dizer sem
reservas que estes cinco ou seis são os melhores, não constitui tarefa fácil....
"Minha preferência ou eleição seria orientada pelas coisas que
desejaria obter do livro ou livros em referência. ... Colocaria o Desejado de
Todas as Nações, de Ellen G. White, em primeiro lugar, tanto no que
concerne ao seu discernimento espiritual como sua aplicação prática."24
Este testemunho se reveste de maior significação quando
consideramos que seu autor, não sendo membro da Igreja Adventista,
pode com imparcialidade expressar sua preferência por este livro, um
autêntico clássico na literatura evangélica.
W. C. White (1854-1937) – Editor assistente e gerente de publicações de sua mãe, Ellen G.
White. Casou-se em 1879 com Mary Kelsey, talentosa obreira da Review and Herald.
Enquanto trabalhavam na Suíça, Mary, que então prestava serviço editorial na casa
publicadora ali, contraiu tuberculose e faleceu em 1890, com 33 anos. Tiveram duas filhas.
Em 1895, W. C. White casou-se com Ethel May Lacey, enquanto residia com sua mãe na
Austrália. Tiveram quatro filhos e uma filha. Todos os netos de Ellen G. White descenderam
de William, porquanto Edson não tinha filhos.
**
A Mão de Deus ao Leme
166
Retornando aos Estados Unidos, em 1900, a Sra. White decidiu se
estabelecer na Califórnia, em um aprazível lugar, mais tarde conhecido
pelo nome de Elmshaven, situado a aproximadamente 150 quilômetros
de São Francisco. Entre árvores sombrosas, viçosos vinhedos e flores
abundantes, viveu seus últimos quinze anos, plenos de atividades e
realizações. Embora vivendo o outono da vida, seus braços jamais se
cruzaram em ociosa expectativa.
Em 1901, foi convidada para assistir à assembléia da Associação
Geral, celebrada em Battle Creek. A Igreja vivia um momento crucial em
sua história. Seu acelerado crescimento reclamava uma nova estrutura
organizacional mais compatível com suas dimensões e possibilidades.
Idéias confusas e opiniões conflitantes militavam contra a adoção de um
novo sistema administrativo mais funcional, capaz de dinamizar os
triunfos do evangelismo. A influência da Sra. White na reorganização
então aprovada foi marcante e decisiva. Um plano inteligente mereceu a
aprovação dos delegados e a Igreja inaugurou um período de maior
estabilidade orgânica e alentador crescimento estatístico.
Antes desta assembléia, entretanto, em sua viagem da Califórnia a
Battle Creek, decidiu visitar o filho mais velho, Edson, então ocupado
em uma obra pioneira em favor daqueles que, no sul dos Estados Unidos,
descendentes dos escravos, vítimas do pauperismo e discriminação
racial, viviam à deriva, sem qualquer perspectiva de um futuro melhor.
A Sra. White tinha razões abundantes para se alegrar com as
realizações logradas por seu filho Edson, empenhado em levar as luzes
do evangelho a um numeroso segmento da população norte-americana,
vítima da opressão econômica e injustiça social.
Edson, durante os descuidados anos da adolescência e juventude,
revelando um espírito muitas vezes independente e um comportamento
nem sempre digno de emulação, suscitou na mente de seus apreensivos
pais, profundas interrogações sobre o seu futuro.
Ao se aproximar seu décimo sexto aniversário, a mãe aflita
escreveu-lhe uma carta expressando suas tristezas e pesares:
A Mão de Deus ao Leme
167
"Quando tudo em torno de mim é mantido às escuras, mantenho-me
acordada, dominada pela ansiedade. ... Posso obter alívio somente na
oração silenciosa. ... Em nossa presença você pode corresponder a nossos
desejos, mas... desobedece-nos em nossa ausência. Você tem seguido sua
própria vontade e projetos tantas vezes, ocultando tudo de nos, indo de
encontro ao nosso conselho, admoestação e proibição, que não podemos
confiar em você. ... Em vez de ser um conforto, você é fonte de penosa
ansiedade. ... Espinhos e cardos têm brotado em meu jardim e abafado a
semente que eu tentei cultivar. ... uma angústia que não posso expressar
envolve nossa mente quanto à sua influência sobre Guilherme (William).
Você o conduz a hábitos de desobediência, disfarce e prevaricação. . . .
"Oh, Edson, é o conhecimento dessas coisas que está me consumindo
e levando-me ao desânimo... "25
A Sra. White assumiu grande parte dos deveres relacionados com a
educação de Edson e Guilherme e o Pastor White sentia-se tranqüilo na
segurança de que os filhos estavam em boas mãos. Em uma de suas
viagens ao oeste, escreveu à esposa dizendo:
"Estou no caminho do dever. Não me preocupo com o lar. Sinto-me
feliz com as boas notícias de casa, relacionadas com os nossos queridos
rapazes. Amo a minha família e nada, a não ser o senso do dever, poderia
separar-me deles.''26
Com o transcurso dos anos, apesar dos conselhos afetuosos da mãe,
e das constantes advertências do pai, sempre permeados de ternura, a
determinação de Edson em seguir seus próprios caminhos intensificou as
preocupações de Ellen, e gerou um clima de tensão entre o filho e o pai.
Embora educado em um lar caracterizado pela austeridade
econômica, Edson parecia desconhecer as virtudes de uma existência
frugal. Em uma ocasião, comprou um casaco no valor de vinte e seis
dólares (importância equivalente ao salário de vinte e seis dias de
trabalho de um operário comum), e seu pai, irritado diante de tal
extravagância, censurou-o acerbamente. Preocupada com as crescentes
tensões existentes entre o esposo e o filho, a Sra. White escreveu: ''Que
Deus lhe conceda (Edson) um coração terno e benigno para como seu
pobre, oprimido e fatigado pai."27
A Mão de Deus ao Leme
168
Aos vinte e um anos de idade, após seu casamento com Ema, Edson
se aventurou em temerárias transações comerciais as quais o levaram a
um completo e inquietante desastre econômico. Este malogro financeiro
intensificou as diferenças entre ele e seu pai. Estando em Boston, o
Pastor White enviou uma carta endereçada a ele e sua esposa, dizendo:
"Edson perdeu... aproximadamente cinco anos de sua vida, dos
dezesseis aos vinte e um, em rebelião e vagueando por sendas extraviadas.
. . . Ele pode agora, se deseja, redimir o tempo. . . . Mas, se prefere seguir
com independência o sen caminho, deixá-lo-emos no futuro por sua própria
conta e risco. Sinto que seria um pecado ajudá-lo enquanto persiste nesta
atitude independente, alimentando sentimentos severos contra mini." 28
A hostilidade que passou a caracterizar as relações entre ambos se
intensificou grandemente. Mais tarde, em um gesto de nobreza,
revelando melhor amadurecimento cristão, reconciliou-se com o pai.
Posteriormente, após a morte do Pastor White, viveu um momento de
grave crise religiosa, um período de eclipse espiritual em sua vida.
Entretanto, logo após a viagem de sua mãe a Austrália, em 1891,
Edson experimentou o júbilo de um surpreendente despertamento
espiritual que o levou contrito de regresso ao Senhor. À semelhança de
Saulo, a interrogante que passou a agitar-lhe o espírito, foi: "Senhor, que
queres que eu faça?" Entre outras coisas, pensou em iniciar entre as
populações de cor, dispersas ao longo do rio Mississippi, uma obra de
evangelização. Descobriu uma mensagem escrita por sua mãe alguns
anos antes, salientando a responsabilidade da Igreja diante dos
negligenciados habitantes de cor no sul dos Estados Unidos. Dizia a Sra.
White, em seu Testemunho, que eles deveriam ser ensinados a ler para
que pudessem por si mesmos entender a Bíblia e, acima de tudo,
deveriam ser tratados com dignidade, como autênticos filhos de Deus.
Edson projetou um barco fluvial a vapor (Morning Star), e com sua
esposa e outros auxiliares, dirigiu-se através dos rios afluentes ao
Mississippi. Promoveu a venda de sua Gospel Primar (Cartilha do
Evangelho) e com os lucros obtidos, financiou seu programa missionário.
Em pouco tempo, mais de cinqüenta igrejas foram organizadas e um
A Mão de Deus ao Leme
169
apreciável número de escolas estabelecidas, como resultado de seu
trabalho conduzido com bravura, dedicação e fé.
Como mãe, a Sra. White tinha razões abundantes para incluir em
seu itinerário uma emotiva viagem ao sul do país. As lágrimas que havia
derramado em suas orações intercessórias em favor de Edson, se
convertiam agora em expressões de alegria ao antecipar o gozo de um
reencontro com o filho, plenamente identificado com a proclamação da
terceira mensagem angélica.
Depois de haver contemplado com justificado orgulho os frutos
abundantes do ministério conduzido por Edson, ao longo do Mississippi,
e após sua participação na histórica assembléia de 1901, em Battle
Creek, regressou a Elmshaven para dar continuidade à sua extensa e
intensa atividade literária, completando a série ''O Conflito dos Séculos".
Em 1909 viajou de trem a Washington, DC, a fim de participar pela
última vez dos trabalhos da assembléia da Associação Geral. As crises
produzidas pela reorganização da igreja (1901) e a agitação panteísta
liderada por Kellogg, haviam sido então superadas. O movimento
adventista, sob a presidência firme e dinâmica de A. G. Daniells, vivia
uma hora brilhante, plena de desafios e oportunidades. Apesar de
alquebrada pela passagem dos anos, a Sra. White se dirigiu aos
delegados reunidos, com sua costumeira voz, firme e clara, comunicando
a todos sua fé no triunfo da Igreja e sua inabalável confiança em Deus e
Suas preciosas promessas.
Sete décadas se passaram desde quando recebeu de Deus sua
primeira visão. Sua mão então trêmula, incapaz de segurar com firmeza a
pena, foi fortalecida pelo Senhor, capacitando-a a escrever 40.000 páginas
de material impresso e mais de 50.000 páginas de conselhos e inspiração,
apresentados em forma de cartas e manuscritos. Sua voz então
rouquenha e débil, como resultado de suas deficiências físicas, foi
gradualmente transformada, tornando-se clara e poderosa. Mesmo sem o
concurso de microfones ou sistemas de som (desconhecidos naqueles idos)
passou a ser ouvida por enormes massas humanas que se aglomeravam
A Mão de Deus ao Leme
170
expectantes para ouvir sua mensagem de fé. Mais de uma vez pregou a
um auditório que variava entre 15.000 a 20.000 ouvintes.
Ao longo destes setenta anos, seus olhos contemplaram com
inefável gozo a maneira providencial como Deus conduziu Sua Igreja,
desde um humilde e vacilante começo, até se transformar em um grande
e dinâmico complexo internacional. Ao pressentir, entretanto aproximarse o sombrio crepúsculo, apagando o brilho de sua extraordinária
existência, declarou confiante:
"Não espero viver muito tempo. Meu trabalho está quase terminado. ...
"Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo
de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao
ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na
liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que
esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que
nos ministrou no passado.''29
Finalmente, numa tarde de verão, dia 16 de julho de 1915, a chama
bruxuleante de sua existência se apagou. Suas últimas palavras, ungidas
de fé e certeza, foram: "Eu sei em Quem eu tenho crido." O New York
Independent, tributando-lhe justa homenagem, sintetizou em uma frase a
magnitude de seu ministério profético: "Ela viveu a vida e realizou com
dignidade a obra de uma profetisa."
URIAH SMITH
A Mão de Deus ao Leme
171
Uriah Smith tinha 12 anos quando sua família e outros crentes
adventistas viveram a amarga experiência de 1844. Desiludido,
abandonou a esperança, passando a ocupar-se exclusivamente "com os
cuidados desta vida''. Sua piedosa mãe, entretanto, apesar da imensa
frustração sofrida com os demais mileritas, não se deixou abater pela
dúvida ou incerteza. Reafirmando sua fé no Salvador e Suas preciosas
promessas, começou a orar cada dia por Uriah e sua outra filha Annie.
As súplicas intercessórias dirigidas a Deus em favor de seus filhos foram
respondidas sete anos depois do grande desapontamento.
Annie era uma jovem talentosa, conhecida por sua extraordinária
sensibilidade artística e evidentes pendores literários. Quando estava por
completar mais um ano de laboriosa atividade escolar, em 1851, decidiu
visitar alguns amigos em Charlestown, Massachusetts, antes de regressar
ao seio da família. Poucos dias antes havia recebido de sua mãe uma
carinhosa carta na qual a Sra. Smith expressava imensa alegria ao
antecipar as emoções do próximo encontro. Valeu-se da oportunidade,
entretanto, para sugerir à filha que assistisse em Charlestown a uma
reunião adventista que haveria de ser dirigida pelo Pastor Bates.
"Somente para agradar minha mãe", disse ela, "eu irei." Annie
evidentemente devotava à mãe um amor entranhável. Dela havia herdado
pendores literários e uma requintada sensibilidade poética.
Na noite que precedeu a reunião de Charlestown, ela teve um
sonho. Pareceu-lhe estar na reunião mencionada por sua mãe. As
cadeiras estavam todas ocupadas, exceto uma junto à porta, na qual ela
se assentou. Então o pregador com irradiante simpatia, começou a falar.
Apresentando um diagrama, repetia solene: ''Até duas mil e trezentas
tardes e manhãs e o santuário será purificado." Em sonho, Annie sentiu
que as palavras do pregador eram "verdadeiras e fiéis''.
Naquela mesma noite, o Pastor Bates também teve um sonho.
Parecia-lhe estar iniciando a reunião, mas por alguma razão inexplicável,
em vez de pregar sobre o tema que havia preparado para a ocasião,
começou a falar sobre a doutrina do santuário. Em sonho viu que logo
A Mão de Deus ao Leme
172
depois de haver iniciado o sermão, uma jovem entrou e ocupou o único
assento disponível junto à porta.
Bates era um homem demasiado dinâmico para se deter em
trivialidades, analisando sonhos, e suas implicações. E por isso não lhe deu
a devida importância. Entretanto, quando estava para iniciar a reunião,
sentiu uma dominante impressão de que devia pregar sobre o santuário.
Satisfazendo o pedido de sua mãe, Annie dirigiu-se ao local da
reunião, mas por se haver desorientado, chegou quando o Pastor Bates já
estava apresentando seu tema. Surpreendida, observou que o pregador
era o mesmo que havia visto em sonho. Ele apresentava um diagrama e
repetiu o texto relacionado com a purificação do santuário. Para
completar seu assombro, o único assento vazio, tal como no sonho,
estava junto à porta, e foi por ela ocupado.
Conversando com o Pastor Bates, ao fim da reunião, descobriram
ambos uma incomum combinação de circunstâncias, que convenceram
Annie a lançar sua sorte com os fiéis adventistas.
Poucas semanas depois, Annie enviou à Review and Herald um
inspirado poema intitulado "Fear not, little flock" (''Não temas, pequeno
rebanho''), que foi publicado na edição de 16 de setembro daquele
mesmo ano. Convidada para assistir ao Pastor White em suas atividades
editoriais, tornou-se em pouco tempo redatora assistente da Review and
Herald. Escreveu os versos de alguns dos mais belos hinos que integram
a hinografia adventista. No hinário Cantai ao Senhor, encontramos uma
amostra de seu suave estilo, nos versos do hino 488, traduzido e
adaptado por D. P. Araújo:
Vem, Jesus bendito amante,
Vem, Senhor morar em nós.
Teu poder e paz queremos,
E com Deus andar a sós.
Toma, pois, a nossa mente
E também o coração.
Nós sem Ti pereceremos;
Dá-nos luz e Teu perdão.
A Mão de Deus ao Leme
173
À semelhança de André, que levou seu irmão Pedro à presença do
Messias, Annie, com o testemunho convincente de seu exemplo, logrou
também conduzir o irmão, Uriah, ao encontro com Cristo.
Desafortunadamente, estando ainda no verdor da vida, quatro anos após
sua conversão, sucumbiu vítima de uma implacável tuberculose
pulmonar. Sua morte prematura significou para a infante Igreja uma
tragédia inominável.
Mas, se por um lado a Igreja deplorou a passagem tão meteórica de
sua talentosa poetisa, por outro, desfrutou durante meio século as
bênçãos de um ministério fecundo, conduzido com brilho e dedicação
por Uriah, seu dileto irmã.
Uriah era um jovem arguto, versátil e também dotado de grande
habilidade literária. Após sua conversão, renunciou à possibilidade de
uma atividade generosamente remunerada, para trabalhar nos escritórios
de nossa incipiente casa publicadora.
Inaugurou sua folha de serviços à causa adventista em março de
1853, e durante 50 anos sua vida esteve quase ininterruptamente
associada à redação de nossa revista oficial, quer como redator
responsável ou redator assistente.
Em 1855 seu nome apareceu impresso pela primeira vez no
cabeçalho da Review and Herald, como redator-chefe. Smith contava
então 23 anos de idade. E neste primeiro número publicado sob sua
responsabilidade editorial, escreveu: "Não aceitei esta posição por
comodidade, conforto ou vantagens mundanas; pois tenho visto até
então, através de minha vinculação com a Review and Herald, que
nenhuma destas coisas podem aqui ser encontradas."
As circunstâncias adversas então prevalecentes e a pobreza do
equipamento que possuíam, não foram suficientes para abater-lhe o
espírito. Valendo-se de uma régua e um canivete ele aparava as margens
das folhas impressas. "Nestas operações", escreveu Smith, "as nossas
mãos se enchiam de bolhas, e os impressos pareciam com freqüência
fora de esquadro."30
A Mão de Deus ao Leme
174
Defrontou um sem número de problemas de natureza econômica,
mas sempre se conduziu com grande firmeza e, como resultado, sob sua
administração a Review and Herald cresceu e prosperou de forma
marcante.
Em seu afã por reduzir os custos de produção, associou às suas
tarefas regulares, outras funções tais como revisor, impressor, gerente e
contador. Sofreu mais tarde as conseqüências de um grande esgotamento
físico, resultante de seus excessos no serviço do Senhor. Retirou-se
durante um ano de suas atividades regulares para cuidar da saúde
combalida. Foi substituído durante este período por J. N. Andrews.
No ano seguinte o Pastor White foi eleito redator, tendo Smith
como assistente. Em 1873, após discordar do Pastor White em um
assunto de natureza administrativa, foi liberado de suas funções.
Mudando-se de Battle Creek, dedicou-se a outras tarefas seculares.
Porém, seis meses depois foi convidado a regressar à Review and Herald
e suas relações com o Pastor White foram então restauradas e mantidas
através dos anos de forma cordial e amistosa.
Quando da organização da Associação Geral, em 1863, ele foi
eleito secretário, e por 21 anos exerceu estas funções. Foi também,
durante um ano, tesoureiro da Associação Geral. Estas responsabilidades
ele as exerceu em adição aos seus encargos regulares na Review and
Herald.
Além do prolífico escritor (escreveu inúmeros livros defendendo a
fé adventista), era considerado por todos como pregador de admirável
estatura e respeitado professor de Teologia no colégio de Battle Creek.
Sua versatilidade se evidenciou também no campo da criatividade
mecânica. Com engenho e arte produziu alguns inventos que lhe geraram
razoáveis dividendos. Patenteou um tipo de carteira escolar ajustável,
com a qual ganhou três mil dólares. Com esta importância comprou uma
casa. A necessidade fê-lo inventar uma perna mecânica leve e flexível,
podendo dobrá-la à altura do joelho, à semelhança de uma perna natural.
Em sua infância teve a perna esquerda amputada e com este invento
A Mão de Deus ao Leme
175
passou a desfrutar melhor liberdade de movimentos. Com grande
imaginação concebeu um novo sistema taquigráfico.
Três dramáticos episódios marcaram de forma indelével sua
existência. O primeiro ocorreu em 1836, quando ele tinha quatro anos de
idade. Estando enfermo, recebeu como terapêutica uma dose excessiva
de calomelano (protocloreto de mercúrio). Este tratamento produziu-lhe
uma úlcera na perna esquerda, que se agravou de forma irreversível,
precipitando a necessidade de uma amputação. O Dr. Amos Twitchell,
reputado cirurgião, realizou a operação na altura do fêmur, pouco acima
do joelho. O trabalho cirúrgico foi realizado sem anestesia, tendo a Sra.
Smith, banhada em lágrimas, segurando firmemente a mão do filho, que
se contorcia torturado por dores cruciantes. A perda desta perna foi, sem
dúvida, uma tragédia dolorosa, não só para a criança, como também para
os familiares.
O segundo ocorreu aos doze anos, quando, na companhia de
milhares de outros mileritas, aguardou a manifestação de Cristo na "Sua
vinda e no Seu reino". O não cumprimento das previsões mileritas foi
para ele uma experiência amarga, responsável pela apatia religiosa que o
acompanhou durante sua despreocupada adolescência.
O terceiro ocorreu durante a Assembléia da Associação Geral,
celebrada em 1888. (Ver o capítulo "O Justo Viverá da Fé".) Dois jovens
ministros, A. T. Jones e E. J. Waggoner, salientaram então com
eloqüência e ardor a doutrina da salvação pela fé, sem as obras da lei.
Sentiam eles que os pastores veteranos, no seu afã por destacar a
importância do decálogo, estavam inconscientemente apresentando a lei
como instrumento de redenção. Uriah Smith contemplava com
preocupação o entusiasmo dos dois jovens pregadores. Argumentava que
os adventistas criam na justificação pela fé, mas não ocultava o temor de
que o "novo ensino" pudesse conduzir a Igreja a desconhecer a santidade
da lei. Smith sublinhava: "A salvação vem por meio de Cristo; mas para
alcançá-la devemos obedecer à lei." Os dois jovens pregadores
A Mão de Deus ao Leme
176
refutando, repetiam: "O homem salvo obedece a lei. Esta obediência,
entretanto, é o resultado e não a causa da salvação."
O endosso que a Sra. White deu à pregação de Jones e Waggoner
foi para Smith uma experiência desconcertante e desorientadora. Como
homem de convicções, não ocultou sua dificuldade em aceitar então a
autoridade profética da Sra. White. Começou até mesmo a estabelecer
diferenças entre "visão" e "testemunho".
Em 1891, entretanto, admitiu seus equívocos e a harmonia foi então
restaurada. O resultado final desta controvérsia foi uma vitória
memorável para a Igreja. Muitos adventistas estudaram as Escrituras
com mais profundidade. Os dirigentes lograram uma visão espiritual
mais ampla e, galvanizada por um sentimento de unidade, a Igreja
acelerou seus triunfos.
Foi numa sexta-feira, dia 6 de março de 1903. Uriah Smith, aos 71
anos de idade, caminhava em direção à Review and Herald, levando em
suas mãos o manuscrito do seu último editorial. Quando já divisava o
edifício da instituição, onde por tantos anos havia trabalhado, caiu
fulminado por um violento ataque cardíaco. Embora imediatamente
atendido pelo Dr. Morse e duas enfermeiras, pouco depois faleceu.
A noticia de sua morte repercutiu por toda parte como um
acontecimento doloroso. As máquinas da Review and Herald
imediatamente cessaram suas ruidosas atividades. Um reverente silêncio
desceu sobre a instituição, simbolizando o pesar de todos pela morte de
seu talentoso redator. Coberta de luto, unia-se a Igreja para prantear o
passamento de um dos seus mais autênticos líderes.
Uriah Smith foi sepultado no cemitério de Oak Hill, onde já
descansavam os restos mortais de Tiago White. Doze anos mais tarde,
Ellen White haveria de segui-lo. Juntos labutaram em defesa de uma
causa comum. Juntos aguardam no silêncio da sepultura a gloriosa
madrugada da ressurreição.
A Mão de Deus ao Leme
177
Pela Fé Triunfaram
Parafraseando o autor da epístola aos Hebreus, concluímos este
capítulo com as seguintes palavras:
Que mais diríamos? Faltar-nos-ia tempo e espaço para escrever
sobre Josué V. Himes, J. H. Loughborough, Frederick Wheeler, Raquel
Preston, W. Farnsworth, D. T. Bourdeau, J. H. Waggoner, Merrit E.
Cornell, S. N. Haskell e outros, os quais pela fé avançaram,
conquistaram almas, praticaram a justiça, taparam a boca dos opositores,
escaparam da perseguição, convalesceram de suas enfermidades e na luta
mostraram-se valorosos.
Tudo perderam e ainda por cima sofreram incompreensões,
zombarias e afrontas. Empreenderam longas jornadas muitas vezes,
cansados, oprimidos, necessitados e maltratados. Vaguearam por
caminhos cobertos de neve, cruzaram florestas densas e quase
impenetráveis, dos quais o mundo não era digno. Todos eles deram um
ardente e valioso testemunho de sua fé e agora descansam aguardando o
cumprimento da "bem-aventurada esperança".
Referências
1. G. J. Paxton, The Shaking of Adventism, pág 54.
2. J. S. White, Life of William Miller, pág. 79
3. Idem, pág. 80.
4. Idem. págs. 80, 81.
5. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 18.
6. Idem, págs. 19, 20.
7. Jó 1:1
8. Lucas 24:17.
9. Idem, verso 18.
10. Idem, verso 21.
A Mão de Deus ao Leme
178
11. P. Gerard Damsteegt, Foundation of the Seventh-day Adventist
Message and Mission, pág. 99.
12. Ellen G. White, A Word to the Little Flock, pág 12
13. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 225.
14. Idem, pág. 91.
15. Joseph Bates, Early Life and Later Experiences, pág. 228.
16. John F. Kennedy – Parágrafo de um discurso.
17. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 105.
18. Jó 19:25, 26.
19. Salmo l12:6.
20. Ellen G. White, In Memoriam, págs. 40-43.
21. Citado por James Joiner em These Were the Courageous, pág 45.
22. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, págs. 175, 176.
23. A. W. Spalding, Origin and History of Seventh-day Adventists,
vol. 2, pág 215.
24. Citado por Jaime Valentine em ''A Los que Tienen el Testimonio
de Jesucristo'', em La Revista Adventista, maio de 1971, pág. 5.
25. Ellen G. White, Carta 4, 1865.
26. J. S. White, Carta, 1º de novembro de 1860.
27. J. S. White, Carta (para Edson e Ema), 13 de novembro de 1860.
28. Ellen G. White, Carta 2, 1871.
29. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.
30. General Conference Bulletin, 29 de outubro de 1889.
A Mão de Deus ao Leme
179
NAUFRÁGIOS NA FÉ
"Mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a
boa consciência, vieram a naufragar na fé." I Timóteo 1:19.
Encontramos nas veneráveis páginas das epístolas escritas por
Paulo o nome Himeneu mencionado duas vezes em forma acidental.1
São duas referências distintas e, com elas, sem muito esforço de
imaginação encontramos elementos suficientes para pintar o retrato de
um cristão apóstata. Defendendo idéias espúrias no tocante à doutrina da
ressurreição, ele e Alexandre suscitaram no seio da igreja não pouca
agitação. Com palavras cáusticas e incisivas o apóstolo descreve a sorte
destes dois indivíduos, dizendo: "... os quais entreguei a Satanás para que
aprendam a não blasfemar."2
O pregador das nações tinha em mente a desventurada experiência
destes dois indivíduos quando, exortando a Timóteo, declarou: "Este é o
dever de que te encarrego, ó filho Timóteo ... combate ... o bom combate,
mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa
consciência, vieram a naufragar na fé."3
Neste capítulo, de forma sucinta, apresentaremos os aspectos mais
relevantes da vida de quatro influentes obreiros que, tragicamente
sucumbiram no encapelado mar da incredulidade. Perdendo a confiança
na genuinidade do adventismo, apartaram-se dos caminhos de Deus e
naufragaram em sua experiência cristã.
DUDLEY M. CANRIGHT
Entre os que renunciaram a fé adventista e se uniram às fileiras dos
adversários da Igreja, pontifica a personalidade sinuosa de D. M.
Canright, conhecido por suas incongruências, contradições e
instabilidade emocional.
A Mão de Deus ao Leme
180
Em 1859, depois de assistir a uma série de reuniões conduzidas por
Tiago White, uniu-se à Igreja Adventista do Sétimo Dia. Era então um
jovem cheio de energia, vibração e fervor. Dois anos mais tarde,
dirigindo-se a Battle Creek, consultou o Pastor White sobre as
possibilidades de se tornar um ministro. White ofereceu-lhe uma Bíblia e
alguns diagramas proféticos e disse-lhe: "Dudley, tome-os e inicie sua
experiência como pregador. Quando se convencer de que se equivocou
ao aspirar o ministério, traga-os de volta.'' No ano seguinte, em uma
reunião campal, White o interrogou: "Como lhe foi? Onde estão a Bíblia
e os diagramas?'' Dudley respondeu sem circunlóquios: "O senhor os
perdeu."4 Com efeito, ele já se havia iniciado na obra ministerial com
notável entusiasmo e evidente êxito.
Inspirado pelo desejo de animar o jovem pregador a não se
conformar com um ministério medíocre, White o exortou dizendo: "Não
se conforme em ser um pregador comum, mas lute para ser alguém, ou
morra tentando.''5 Motivado por este conselho, o jovem pregador se
aplicou com tal devoção, que em pouco tempo passou a ser aclamado por
suas qualificações admiráveis e incomuns.
Seus talentos naturais e o afã de exercer um ministério proficiente,
projetaram-no como um dos mais respeitados pregadores no círculo
ministerial adventista em seus dias.
A Mão de Deus ao Leme
181
Aos 24 anos de idade foi ordenado ao ministério pelos pastores
White e Loughborough. Imediatamente após, foi enviado aos Estados da
Nova Inglaterra para trabalhar com o Pastor J. N. Andrews. Foi então que
aceitou pela primeira vez o desafio suscitado por um ministro evangélico
para um debate público. Na defesa do pensamento teológico adventista,
revelou-se arguto controversista, capaz de infundir temor e terror a
qualquer adversário. Este debate inaugurou na Igreja um período de
polêmicas, quando os pregadores adventistas passaram a ser conhecidos
e respeitados por sua habilidade em esgrimir argumentos bíblicos em
defesa de sua fé e crenças fundamentais.
Embora vitorioso em memoráveis debates, revelou em seu ministério
as debilidades próprias de um caráter mutável, irresoluto e inconstante.
Em 1869, enquanto ocupado em seus labores ministeriais no Estado de
Iowa, aceitou o desafio de um respeitado pregador presbiteriano. O
Pastor Butler, então presidente da Associação, acompanhou-o na
confrontação teológica com o ministro evangélico. Canright, valendo-se
de uma dialética firme e sutil, conduziu o debate com talento e
reconhecido brilho. Porém, após haver neutralizado de forma vigorosa e
convincente os argumentos adversários, Butler o encontrou deprimido e
perplexo, quase disposto a abandonar a Bíblia e seguir os caminhos
tortuosos do agnosticismo. Butler lutou com ele durante o resto da norte,
orando e fortalecendo-o em sua experiência cristã. Pela manhã sentiu-se
reanimado, recuperando depois seu entusiasmo e fervor.
Esta dramática experiência pôs a descoberto um dos rasgos mais
negativos de seu caráter – a instabilidade emocional. Ao longo de suas
atividades evangelizadoras viveu momentos de contagiante entusiasmo,
seguidos por períodos depressivos caracterizados por agudas crises em
sua experiência religiosa. Em seu diário encontramos as evidências
inequívocas de que ele próprio admitia alguns de seus deméritos – "o
orgulho, exaltação própria e um espírito intolerante em relação aos
outros"6 – que o levavam por vezes a pensar que com tais defeitos de
caráter jamais alcançaria a vida eterna.
A Mão de Deus ao Leme
182
Em 1873, foi convidado pelo casal White para, com sua esposa
Lucrécia e a pequena filha, acompanhá-los em um período de repouso
em um aprazível sítio em uma região montanhosa. Como conseqüência
de sua enorme sobrecarga de trabalhos, o Pastor White havia sofrido um
derrame prematuro e agora convalescia, respirando o ar montanhês. A
Sra. White, exaurida com as múltiplas atividades e cuidados em relação
com a Igreja, valia-se da oportunidade para recuperar as energias
combalidas.
Durante várias semanas as duas famílias desfrutaram os deleites e
os encantos de uma pausa em suas atividades regulares. Ocuparam-se
cada dia caminhando despreocupados através de sinuosas veredas,
contemplando embevecidos os vales verdejantes e suas encantadoras
pradarias que se estendiam ao sopé da cordilheira. Em seu diário a Sra.
White descreve algumas destas excursões, intercaladas com momentos
preciosos dedicados à oração e comunhão com Deus.7
Desafortunadamente algumas pequenas incompreensões precipitaram
uma repentina deterioração nas relações entre as duas famílias,
dissipando o prazer e as alegrias que até então haviam desfrutado.
Dois anos antes, a Sra. White recebera em visão uma mensagem
dirigida ao casal Canright, denunciando algumas de suas debilidades de
caráter. A ocasião agora lhe pareceu propícia para que a mensagem lhe
fosse apresentada. Com o título – "A um Jovem Pastor e Sua Esposa'',
ela inicia assim:
"Na visão que me foi dada, foi-me mostrada sua vida passada. Vi que
desde sua infância o irmão tem sido cheio de confiança própria, voluntarioso,
obstinado, e sempre agiu por sua própria cabeça.... O irmão aceitou a
verdade, amou-a, e esta lhe foi de grande ajuda; contudo, não operou
aquela transformação necessária para alcançar o perfeito caráter cristão." 8
Estas e outras observações contidas na mensagem, foram
consideradas por ele demasiado severas e ofensivas. Ferido em seu orgulho ,
decidiu interromper o descanso e, desanimado, partiu para a Califórnia.
Ocupando-se então em atividades agrícolas, pareceu não mais disposto a
continuar a obra que com tanto êxito havia começado. Porém, os irmãos
A Mão de Deus ao Leme
183
o animaram e logo, refeito, começou a pregar outra vez, e muitas almas
se uniram à Igreja como resultado de suas atividades evangelizadoras.
Pouco mais tarde, estando ainda na Califórnia, enviou à Review and
Herald um artigo expressando sua confiança incondicional no ministério
profético da Sra. White.
Em 1878, foi eleito presidente da Associação de Ohio, onde prestou
um relevante serviço. Dais anos mais tarde, preocupado com um
problema vocal que parecia se agravar, decidiu ir à Escola de Oratória de
Hamill, em Chicago, animado pelo desejo de educar a voz, a fim de usála com mais eficiência em suas atividades como pregador. Como
requisito escolar, os alunos deviam pôr em prática as lições aprendidas,
pregando nas igrejas da área de Chicago. Canright, com o seu talento,
logrou abrir as portas de inúmeras igrejas evangélicas que o convidavam
para pregar.
Numa noite de domingo, pregou na igreja de West Side, sobre "A
Herança dos Santos", a um auditório estimado em 3.000 ouvintes. Entre
os presentes estava um professor do Colégio Adventista de Battle Creek
– D. W. Reavis – que também estudava na Escola de Oratória de
Chicago. Com sua extraordinária retórica, Canright logrou eletrizar seus
ouvintes que, extasiados, acompanharam-no em sua magnífica exposição
homilética. Após o sermão, o Professor Reavis o acompanhou
caminhando em direção a um parque situado no outro lado da avenida.
Dirigindo-se a Canright, expressou-se agradecido pela mensagem cheia
de vitalidade e poder por ele apresentada.
Após as palavras de Reavis, eles permaneceram em silêncio por
alguns momentos, assentados em um banco naquele aprazível jardim.
Canright parecia mergulhado em profundas reflexões. Subitamente,
levantou-se e, rompendo o silêncio, disse: "Reavis, eu poderia ser um
grande pregador se a mensagem que temos não fosse tão impopular."
Surpreendido, ele respondeu convicto: "Dudley, a mensagem fez de você
o que é, e no dia em que a deixar, voltará ao mesmo lugar onde ela o
encontrou."9
A Mão de Deus ao Leme
184
Este diálogo nos permite perceber os sonhos de grandeza que ele
acariciava no coração. Gradualmente a mensagem adventista passou a
ser considerada por ele como um obstáculo intolerável, frustrando
aspirações geradas em seu coração não santificado.
Com palavras incisivas e sem circunlóquios, a Sra. White o
censurou, dizendo:
"Sempre tivestes o desejo do poder, da popularidade, e isto é uma das
razões de vossa presente situação. ... Quisestes ser muita coisa, e fizestes
uma ostentação e um ruído no mundo, e em resultado disso, vosso sol
certamente se porá em obscuridade."10
Canright vivia outra vez um período de eclipse em sua experiência
cristã. Ocupou-se em atividades seculares e, segundo suas próprias
palavras, descontinuou por algum tempo a observância do sábado.
Pensou até mesmo, com seriedade, em se tornar um pregador metodista.
Porém, com a consciência torturada, dirigiu-se ao Pastor G. I. Butler
buscando uma palavra de ânimo e certeza para sua alma atribulada e
aflita. Mais tarde, em um artigo publicado nas páginas da Review and
Herald, descrevendo este período de vacilações e incertezas, declarou:
"Há aproximadamente um ano me senti completamente desanimado.
Pareceu-me que o meu trabalho era inútil, e que eu devia abandoná-lo. . .
"Por quatro meses segui este caminho. Procurei diligentemente
descobrir se havia algum erro em nossa mensagem, ou se me era possível
seguir outro caminho. ... Descobri que a minha fé na doutrina adventista era
tão vigorosa que me tornava impossível crer em algo diferente. ... E por isso
fui a Battle Creek... e conversei livremente sobre as minhas dificuldades e
provações com o Pastor Butler, o casal White e outros....
"As minhas dificuldades desapareceram, e o meu interesse e confiança
originais na mensagem foram reavivados. Sinto-me agora plenamente
reintegrado.... Tudo quanto sou e possuo serão colocados sem reservas em
Seu serviço.... Confio humildemente na graça de Deus que me ajudará a
manter esta resolução."11
Desafortunadamente seu protesto de fidelidade à mensagem adventista
foi olvidada poucos meses mais tarde. Em 1882, tendo a alma agitada
por dúvidas perturbadoras, abandonou o púlpito para se dedicar às
A Mão de Deus ao Leme
185
atividades agrícolas, em Otsego, Michigan. Em carta dirigida a um
amigo afirmou que jamais retornaria às fileiras do ministério. Com
clareza sublinhou que tal atitude se inspirava em uma firme convicção de
que as visões da Sra. White eram fabricadas em sua mente e, como tal,
"não procediam de Deus".
Desta vez a apostasia de Canright parecia irreversível. Porém, em
resposta aos vários convites que lhe foram dirigidos, decidiu assistir às
reuniões campais celebradas em Jackson, Michigan, no começo de 1884.
Após sucessivos diálogos com vários dirigentes, e depois de preciosos
momentos dedicados à oração, decidiu confessar publicamente suas
vacilações e equívocos. Aproximadamente mil pessoas reunidas, muitas
com o rosto banhado em lágrimas, ouviram-no falar sobre as densas
nuvens que nublavam sua mente. Agora, entretanto, afirmou: "... tudo se
me afigura claro e radiante."
Confessou então, haver acariciado em seu coração sentimentos
amargos contra a Sra. White, por suas mensagens de repreensão e censura.
Em companhia de um seleto grupo, dirigindo-se à Sra. White, abriu o
coração quebrantado e, confessando seus sentimentos, pediu-lhe que o
perdoasse. Sobre esta experiência, em um testemunho posteriormente
enviado a Canright, a mensageira de Deus assim se expressou:
"O irmão então humilhou o seu coração e pediu-me perdoá-lo pelas
coisas ditas contra mim e minha obra. Perdôo-o em forma
incondicional... pois estes males não foram praticados contra mim. Fui
apenas o instrumento interpretando a mensagem que Deus me deu."12
Em um artigo publicado nas páginas da Review and Herald, ele
confessou consternado sua imensa tristeza, dizendo:
"Penso que minha descrença nos Testemunhos e outras verdades,
surgiu por haver aberto o coração às dúvidas, e havê-las acariciado e
magnificado.
"Como Pedro, não me conhecia até que Deus permitiu-me ser provado.
Sinto-me agora grandemente humilhado, sob o efeito vergonhoso de meu
próprio fracasso.
A Mão de Deus ao Leme
186
"Percebo com satisfação, que minha própria salvação e utilidade em
salvar outros depende de minha conexão com este povo e esta obra. E aqui
reafirmo minha determinação de arriscar tudo quanto sou, possuo ou espero
ter, nesta e na vida futura, com este povo e esta obra."13
Após haver renovado sua confiança nos ideais da terceira
mensagem angélica, viveu um período radiante e frutífero em sua
experiência ministerial. Escreveu então seus mais apreciados artigos em
defesa de nossa fé. Porém, a mesma crise de fé que nos anos anteriores o
arrastou aos abismos da dúvida, parecia recrudescer outra vez. Canright
era, com efeito, um ciclotímico irrecuperável.
Em janeiro de 1887, decidiu se retirar das fileiras do adventismo.
Seus amigos foram informados de sua decisão. Ao presidente G. I. Butler,
escreveu dizendo: "Estou abandonando a Igreja. Jamais lutarei contra
ela, porém estou abandonando-a. Não mais creio em seus ensinos."14
Uniu-se aos batistas, onde foi recebido com festivas aclamações.
Escreveu um livro – Seventh-day Adventism Renounced (Adventismo
Renunciado) – com o qual pretendia demolir o edifício da fé adventista.
Usando argumentos enganadores, tentou demonstrar a "falácia" da fé
adventista. Sua ex-secretária, entretanto, em um livro escrito 50 anos
após sua morte, descreve-o vivendo intermitentes períodos de angústia e
aflição, quando então, perplexo, repetia: "Sou um homem perdido!
Perdido! Perdido!"15
Em 1903, atenuou sua disposição beligerante contra a Igreja.
Convidado por Reavis, que com ele estudou na Escola de Oratória, em
Chicago, compareceu a um concílio ministerial em Battle Creek.
Confessou então haver tomado uma decisão equivocada, e por esta razão
não tinha paz de espírito. Com a voz embargada por uma profunda
emoção, acrescentou: "Eu me alegraria, se pudesse voltar atrás, mas não
posso! É demasiado tarde! Estou perdido para sempre!" Dirigindo-se
então a Reavis. com o rosto umedecido pelas lágrimas, exortou-o: "Faça
você o que quiser, mas não combata nunca a mensagem."16
A Mão de Deus ao Leme
187
Seus últimos anos foram vividos entre humilhações, angústias
econômicas e atrozes padecimentos físicos. Uma perna lhe foi amputada
como resultado de um acidente que quase lhe roubou a vida. Inválido,
sentiu sua saúde deteriorar-se rapidamente. Passou a sofrer então, em
toda a sua intensidade, as angústias intoleráveis de um imenso
ostracismo. Os batistas que o receberam com ruidosas manifestações de
apreço e admiração, pareciam dispostos a ignorá-lo e desconhecer suas
necessidades.
No dia 12 de maio de 1919, após um rosário de aflições e
desenganos, Canright faleceu. Foi sepultado no pequeno cemitério de
Mountain Home, em Otsego, na presença de um reduzido número de
pessoas, testemunhas da solidão que o acompanhou em seus últimos
anos.
As palavras – "o vosso sol se porá em obscuridade", cumpriram-se
com assombrosa precisão.
JOHN H. KELLOGG
No firmamento denominacional em seus anos formativos a figura
do Dr. John H. Kellogg se destacava de maneira inconfundível como
estrela de fulgurante brilho. Sua reconhecida eloqüência, talento e
versatilidade como escritor e incomum habilidade cirúrgica, deram-lhe
grande notoriedade e prestígio internacionais.
A Mão de Deus ao Leme
188
Seus país, logo no início da grande epopéia que significou a marcha
para o Oeste, emigraram (1834) para uma área até então inexplorada, no
Estado de Michigan. Vivendo o espírito de fronteira com todos os seus
riscos e oportunidades, John Preston Kellogg abriu em meio a uma
floresta densa e selvagem, um lugar apropriado para edificar sua rústica
casa e iniciar o cultivo da terra, tendo em vista arrancar os recursos
indispensáveis para sobreviver com sua família.
As condições precárias em que viviam, os rigores do inverno com
suas inclementes nevadas e o primitivismo das práticas médicas então
prevalecentes, significaram para a família Kellogg um custo demasiado
alto. Após um curto lapso de tempo, entre lágrimas e desencantos o Sr.
Kellogg sepultou sua esposa, vítima de uma tuberculose insidiosa e
cruel. Mais tarde pranteou a morte da filha Ema, vítima da inabilidade
médica tão comum naqueles idos. Sofrendo uma infeção pulmonar, o
médico de fronteira tratou-a como se os seus males fossem provocados
pelo excesso de vermes. A terapêutica prescrita foi responsável pela
morte da menina que, aos dois anos de idade, sucumbiu contorcendo-se
em convulsões atrozes. Estes dois infaustos acontecimentos desenvolveram
no coração do Sr. Kellogg um espírito amargo e um cínico desprezo pela
medicina e aqueles que a exerciam.
Depois de vários anos de intensas lutas e esmagadoras frustrações
em suas atividades agro-pastoris, o Sr. Kellogg mudou-se com a família
para Jackson e, dois anos mais tarde, para Battle Creek. Após a morte da
esposa, casou-se com Ana Stanley, e seus cinco filhos do primeiro
matrimônio celebraram através deste segundo casamento, o advento
festivo de mais onze irmãos e irmãs. Para sustentar tão numerosa prole,
Kellogg iniciou em Battle Creek uma pequena indústria de vassouras.
Alcançada pelo poder da mensagem do terceiro anjo, a família
aceitou a proclamação adventista, passando a desempenhar posteriormente
um papel relevante na história denominacional.
Cristalizava-se então, de forma gradual, a convicção de que a Igreja
reunia condições indispensáveis para inaugurar a prática de uma
A Mão de Deus ao Leme
189
medicina preventiva apoiada no princípio sintetizado no moto latino:
"Mens sana in corpore sano." As normas de saúde desconhecidas pela
medicina contemporânea haviam sido, em visão, (1863) reveladas à Sra.
White. A implantação de uma instituição de saúde tendo em vista a
divulgação destes princípios, se impunha como um imperativo.
Entretanto, para uma igreja infante, carente de recursos financeiros e que
ainda ensaiava os primeiros passos, este plano poderia parecer um ideal
utópico.
Porém, ignorando as "impossibilidades", J. N. Loughborough, um
pioneiro de frágil constituição física, mas possuído por uma vigorosa
determinação, foi escolhido por seus pares para iniciar uma campanha,
coletando fundos para o estabelecimento de um centro de saúde modelo
em Battle Creek. Visitando os membros da comunidade adventista local,
chegou à casa do Sr. Kellogg, solicitando seu apoio financeiro para o
projeto. Interrogado sobre quanto havia arrecadado até então, recebeu
como resposta, "nenhum centavo''. Kellogg tomou em suas mãos a lista
de contribuintes ainda em branco e assinou o seu nome, comprometendose com a soma de quinhentos dólares. Após haver assinado, dirigindo-se
ao Pastor Loughborough, disse: "Estes quinhentos dólares representam a
semente para iniciar a nova instituição, e agora resta sobreviver ou
naufragar."17
Para um modesto fabricante de vassouras, responsável pela
manutenção de uma família de 16 filhos, o compromisso assinado
significava uma doação feita com sacrifício. Mas, considerando que o
primitivismo médico naqueles idos de obscurantismo científico,
custaram a vida de sua esposa e uma pequena filha, e lhe causaram
sofrimentos sem conta, podemos facilmente entender a motivação que o
levou a apoiar tão generosamente o plano que lhe foi apresentado.
Em pouco tempo onze mil dólares foram arrecadados, e com esta
soma se edificou a primeira instituição de saúde adventista, em Battle
Creek. No dia 5 de setembro de 1866, com um staff de dois médicos,
uma enfermeira e seis assistentes, a instituição abriu as portas. Em
A Mão de Deus ao Leme
190
poucos meses, porém, suas instalações se mostraram inadequadas e
insuficientes para atender o grande número de pacientes que,
procedentes de perto e de longe, vinham a Battle Creek para receber os
benefícios de uma terapêutica então revolucionária.
Era evidente a necessidade de ampliar a instituição tendo em vista
satisfazer à grande e surpreendente demanda. Porém, antes de qualquer
expansão, impunha-se como urgente a preparação de talentosos jovens
adventistas para o exercício da medicina. Em 1872, quatro jovens foram
enviados a uma escola de estudos paramédicos no Estado de New Jersey.
Após completado o período escolar, o Pastor White animou o mais
promissor entre eles – John H. Kellogg (décimo filho de John P.
Kellogg) – a estudar na Faculdade de Medicina da Universidade de
Michigan. Posteriormente emprestou-lhe mil dólares para um período de
especialização no Hospital Belleview, em Nova Iorque.
Após ter completado sua preparação profissional, o jovem Kellogg
iniciou em Battle Creek uma brilhante carreira médica, que durou 68
anos. Desenvolveu técnicas cirúrgicas que o consagraram internacionalmente.
Durante cinco meses assistiu o Dr. Lawson Tait, em Birmingham, na
Inglaterra, assimilando seus métodos e procedimentos no campo da
cirurgia ginecológica e abdominal. O Dr. Tait havia logrado o respeito
do mundo científico após haver realizado 116 intervenções cirúrgicas
sucessivas sem a ocorrência de uma só fatalidade. Este era um resultado
excepcional, numa época quando se esperava que entre 15 a 20 por cento
dos pacientes operados morressem vítimas das complicações pósoperatórias. Kellogg, entretanto, estabeleceu um novo recorde: 165
operações abdominais sem o registro de um único óbito.
Visitou a Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, famoso centro
cirúrgico nos Estados Unidos. Em pouco tempo ganhou o respeito e
admiração dos doutores Will e seu irmão Carlos Mayo. Um dia,
enquanto examinava um de seus pacientes, o Dr. Carlos Mayo o
surpreendeu dizendo:
– Vejo que o senhor foi operado pelo Dr. Kellogg.
A Mão de Deus ao Leme
191
– Sim – respondeu o paciente – mas como sabe que foi ele que me
operou?
– É fácil – replicou o Dr. Mayo. – A cicatriz é pequena e perfeita,
semelhante a uma assinatura.
Com notável destreza manual, Kellogg operou 22.000 pacientes,
um recorde dificilmente igualado por qualquer outro cirurgião.
Escreveu cerca de 50 livros, dos quais circularam aproximadamente
um milhão de exemplares. Seu livro mais popular – The New Dietetics
(A Nova Dieta) – figura na lista dos livros sobre nutrição como um
autêntico clássico. Na opinião de H. T. Finck, editor do New York
Evening Post, este livro seria suficiente para qualificá-lo a receber as
honras de um prêmio Nobel.
Destacou-se também como prolífico inventor. Na área da medicina,
concebeu aparelhos e sistemas para acelerar a circulação do sangue,
melhorar o processo digestivo e ajudar no controle e redução do peso.
Inventou também artifícios mecânicos para o fortalecimento de músculos
enfraquecidos. Sob sua direção e patrocínio a "manteiga de amendoim"
começou a ser produzida e, posteriormente, industrializada. Concebeu a
idéia de produzir o que hoje conhecemos como flocos de milho. Seu
irmão W. K. Kellogg, usando as receitas criadas por John, inaugurou a
indústria de alimentos Kellogg, conhecida em todo o mundo como uma
das mais respeitáveis empresas no campo da produção de alimentos.
Com efeito, através do ministério médico de Kellogg e sua
assombrosa versatilidade, a Igreja capitalizou benefícios sem conta.
Desafortunadamente, porém, após ter conquistado tantas glórias, começou
a sentir-se inibido dentro das limitadas fronteiras denominacionais.
Iniciava-se em seu coração uma sutil rebelião contra a Igreja e seus
dirigentes.
O grande sanatório de Battle Creek se apartava gradualmente do
ideal que justificou sua fundação, para se transformar em uma instituição
não-confessional. Em visão a Sra. White viu os médicos escondendo
deliberadamente sua identificação com a Igreja e lhes enviou uma
A Mão de Deus ao Leme
192
mensagem. "Deus" – sublinhou a serva do Senhor "deve ser honrado e
reconhecido pelos que se chamam adventistas do sétimo dia.... Nenhum
aspecto de nossa mensagem deve ser ocultado."18
Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1901,
Kellogg e seus colaboradores usaram sua influência e capacidade
persuasiva para lograr, com a aprovação de um novo esquema
organizacional, maior grau de independência. Frustrados em seus intentos,
decidiram executar planos e programas de ação que evidentemente não se
harmonizavam com os métodos e sistemas denominacionais.
Contrariando as instruções recebidas da Associação Geral, sobre os
escombros do velho sanatório destruído pelo fogo, Kellogg decidiu
levantar uma estrutura imponente e extravagante. ''Fui instruída na
última noite" – escreveu-lhe a Sra. White – "a declarar que os seus extensos
planos para Battle Creek não se harmonizam com a ordem de Deus."19
Além das preocupações relacionadas com as dimensões do novo
sanatório em construção, a mensageira de Deus não ocultou o temor de
que a beleza existente na simplicidade fosse ofuscada pelo fulgor
faraônico de uma instituição construída para gratificar a vaidade humana.
Mas o conselho enviado pela pena inspirada foi completamente
ignorado. Poucos dias antes de sua inauguração, descrevendo a
suntuosidade do novo hospital, assim se expressou Perry F. Powees,
auditor geral do Estado de Michigan:
"O estilo do edifício é conhecido entre os arquitetos como
renascentista. ... Os pisos de mármore de grande dimensão, em forma de
mosaicos, cobrem uma imensa área. O trabalho foi dirigido por um artista
italiano.... Quando completado será um dos mais belos edifícios de
Michigan, honrando tanto a cidade como o Estado."20
Durante vários anos Kellogg cultivou uma respeitosa e cordial
relação com a Sra. White. Seus conselhos, advertências e exortações
foram sempre de bom grado recebidos e entesourados. Agora, entretanto,
insinuava a existência de dois tipos de Testemunhos: Uns genuínos,
porque procedentes de Deus; e outros qualificados como questionáveis,
por refletir o pensamento dos dirigentes da Associação Geral.
A Mão de Deus ao Leme
193
As idéias panteístas gestadas em sua mente, embora denunciadas
como espúrias pelo Espírito de Profecia, passaram a ser proclamadas por
ele e seus seguidores, com entusiasmo quase apostólico.
Rejeitando posteriormente in totum os escritos produzidos pela pena
inspirada, passou a atribuir as visões da Sra. White a "alucinações
ocorridas durante os espasmos epilépticos que a acompanharam durante
sua longa existência". Aproximava-se de forma irreversível o fim de sua
vinculação com o movimento adventista.
Finalmente, em 1907, após haver abandonado a Igreja com alguns
de seus mais íntimos colaboradores, Kellogg foi excluído da comunhão
adventista em Battle Creek. Com grande solércia e artimanhas jurídicas,
logrou o controle do sanatório e da fábrica de alimentos. A Igreja,
entretanto, apesar de sua enorme perda patrimonial, inaugurou em suas
fileiras um período de paz e harmonia imprescindíveis ao cumprimento
de sua missão evangelizadora.
Uma vez liberado das limitações que a Igreja por tantos anos lhe
impôs, iniciou uma nova etapa em sua vida profissional, plena de ilusões
e fantasias. Seus sonhos de grandeza levaram-no a conceber um imenso
império hospitalar. Três instituições satélites (duas em Chicago e uma
em Miami) e a construção de um novo e extravagante complexo em
Battle Creek, em adição ao sanatório já existente, geraram compromissos
maiúsculos que jamais puderam ser honrados. A grande depressão
financeira (1929) que afetou a economia mundial abalou perigosamente
os fundamentos de sua corporação hospitalar. Como conseqüência as três
instituições satélites tiveram suas operações interrompidas. Em 1933 o
"elefante branco" de Battle Creek, afogado em um oceano de dívidas,
quase insolvente, foi submetido às condições humilhantes impostas por
uma concordata preventiva. Em 1938, a corporação foi legalmente
declarada em estado de falência. Finalmente, o governo dos Estados
Unidos decidiu comprar o edifício principal que integrava o grande
complexo de Battle Creek.
A Mão de Deus ao Leme
194
E assim ruiu, como frágil castelo de cartas, a gigantesca corporação
médica fundada por Kellogg. A cadeia hospitalar adventista, entretanto,
sob as bênçãos e direção de Deus, cresceu e se multiplicou estendendo a
todos os continentes os preciosos benefícios de sua influência.
Kellogg, que havia antecipado a desintegração do adventismo,
acompanhou perplexo, no crepúsculo de sua existência, o colapso de sua
organização.
Afastado da igreja, perdeu a fé nas doutrinas da expiação, o
nascimento virginal e a divindade de Cristo e tornou-se um evolucionista
darwiniano.
Quão diferente teria sido sua vida se, em lugar de seguir as
ambições de um coração não santificado, houvesse ouvido a voz de Deus
falando através de Sua mensageira!
Apesar de quebrantado por humilhantes experiências, jamais se
reconciliou com a Igreja. Registrou, entretanto, em sua autobiografia,
escrita já no pôr-do-sol de sua vida, um surpreendente testemunho de
confiança na Sra. White e seu ministério. Entre outras coisas, escreveu:
"Encontrei na Sra. White uma sábia conselheira e amiga à qual
constantemente recorri em busca de conselho. ... Tinha plena certeza de
que o Senhor dirigia sua mente e ainda mantendo esta convicção. Era uma
mulher piedosa que buscou a orientação divina e a recebeu. Tive multas
evidências disso, provavelmente mais que qualquer outro homem jamais
tenha tido....
"Na humilhante experiência dos últimos seis anos (a perda do
gigantesco sanatório) reconhecemos a bondosa mão da Providência
ensinando-nos lições que grandemente necessitamos, e esperamos que
elas sejam aprendidas profundamente e aproveitadas de tal maneira que
não precisem ser repetidas.
"Tenho sempre nutrido o maior respeito e consideração pela Sra.
White. Além dos meus pais, foi a minha melhor amiga." 21
Quantos opróbrios, vexames e humilhações Kellogg teria evitado se
além de apreciar a obra realizada pela Sra. White, houvesse se submetido
aos seus conselhos e exortações!
A Mão de Deus ao Leme
195
Mui apropriadas se nos afiguram as palavras inspiradas: ''Há
caminho, que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos
da morte."22
ELLET J. WAGGONER
Os ressonantes triunfos alcançados pela Reforma na alvorada do
século XVI tiveram suas origens no coração de dois festejados teólogos:
Lutero e Melanchton. Como ardorosos intérpretes da doutrina da
justificação pela fé, precipitaram um movimento religioso que mudou a
corrente da História.
Séculos mais tarde, no seio do adventismo, dois talentosos
pregadores, Jones e Waggoner, proclamando outra vez a justificação pela
fé no contexto da tríplice mensagem angélica, lograram reavivar a
centelha do princípio sola fide, resgatando a Igreja dos perigos de uma
religião destituída dos "atrativos incomparáveis do Calvário". Os
teólogos da Reforma se caracterizaram pela diversidade. Lutero era por
todos reconhecido por sua personalidade exuberante, temperamento
explosivo e natureza arrebatada; Melanchton, por suas maneiras afáveis,
espírito sereno e atitudes refinadas.
Tal qual os teólogos da Reforma, os dois pregadores adventistas
também se destacaram pelas dessemelhanças. Jones era alto, porte
A Mão de Deus ao Leme
196
anguloso e áspero; Waggoner era de baixa estatura, entroncado e gentil.
Jones era um autodidata. Com esforço e empenho logrou acumular uma
apreciável soma de conhecimentos. Waggoner, como médico, refletia a
erudição e o refinamento, cultivados ao longo de uma vivência
universitária.
Durante o período neo-testamentário, Deus usou duas
personalidades diametralmente opostas – o impetuoso Pedro, e João, o
suave discípulo de Patmos – para edificar Sua Igreja. Nos idos da
Reforma e nos anos formativos do movimento adventista, Deus usou
também personalidades marcadas pela diversidade para consolidar os
triunfos do evangelho.
Ellet Waggoner nasceu em 1855 em Wisconsin. Estudou no colégio
adventista de Battle Creek e, posteriormente, completou seus estudos na
Faculdade de Medicina de Belleview, Nova Iorque. Por alguns anos
serviu no staff médico do sanatório de Battle Creek. Parecia, entretanto,
não se sentir realizado no exercício da medicina. Atraía-o o púlpito. A
investigação teológica exercia em seu espírito irresistível fascínio. Por
isso, após alguns anos de atividades médicas, decidiu trocar o hospital
com suas longas e fatigantes vigílias, pelo púlpito e sua exaustiva obra
em favor das almas.
Em 1884 serviu como redator assistente da revista missionária
Signs of the Times, sob a responsabilidade editorial de seu pai, J. H.
Waggoner. Preocupado com a influência perniciosa do legalismo dentro
da Igreja, dispôs-se em sua política editorial a exaltar o significado da
cruz. O movimento adventista vivia então um período de grande letargia
espiritual. Muitos crentes anelavam alcançar a pureza e a justiça. Porém,
frustrados, à semelhança do apóstolo Paulo, interrogavam: "Quem me
libertará do domínio da minha natureza inferior?''23
"Cristo em Sua humilhação, Cristo em Sua pureza e santidade,
Cristo em Seu incomparável amor'', havia deixado de ser o tema central,
tanto nos púlpitos como nas publicações adventistas. Muitos eram os
que, no seio da Igreja, haviam perdido de vista a preciosa verdade que,
A Mão de Deus ao Leme
197
unicamente amando a Jesus, imitando-O e nEle confiando, poderiam ser
transformados à Sua semelhança. Frente a esta realidade, J. H. Waggoner
e A. T. Jones, outro redator associado, decidiram consagrar suas penas à
exaltação do "Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo''. A ênfase
dos novos redatores em torno do tema "O Senhor Justiça Nossa", gerou
entre muitos suspeitas que não puderam ser dissimuladas. Seria acaso
Waggoner o intérprete de um novo evangelho, exaltando a cruz e
ignorando os privilégios de obediência à lei? – interrogavam perplexos
os pastores, representantes da "velha guarda''.
Mas, indiferente à suspicácia de muitos e apoiando-se no uso de
duas armas poderosas – a pena e a palavra – denunciou com ardor os
perigos de uma justiça semelhante à dos fariseus. O fervor com que se
empenhou na exaltação dos atrativos da cruz, fê-lo pontificar durante
quase duas décadas como figura estelar no cenário adventista.
Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1888,
em Minneapolis, ele se agigantou na apresentação de poderosas
mensagens cristocêntricas, precipitando na Igreja uma grave
confrontação teológica.
"A justificação será alcançada unicamente mediante uma fé viva em
Cristo", sublinhou Waggoner com acentos eloqüentes. "Ninguém entrará
no Céu sem o manto prístino da Justiça de Cristo. Este manto não pode
ser comprado, nem obtido por meio de obras meritórias. É um dom que
alcançamos mediante uma experiência pessoal com Cristo'', acrescentou
enfático. E para assombro de muitos, repetiu solene uma afirmação
paulina: "Somos justificados diante de Deus unicamente pela fé no
Salvador divino e jamais pela obra da lei."24
Seu objetivo era demonstrar que os homens são salvos pela justiça
de Cristo, não pela obediência à lei. Influentes delegados viram nos
temas por ele apresentados um deliberado afã por solapar o decálogo
divino, transformando-o em um código obsoleto, destituído de
importância e significado. Os debates que se seguiram às mensagens de
A Mão de Deus ao Leme
198
Waggoner, deixaram no ar a inquietante impressão de que a unidade na
doutrina havia sido fraturada e que jamais seria restaurada.
A Irmã White, entretanto, preocupada com os efeitos perniciosos de
uma religião semelhante à oferta de Caim, destituída do poder e atração
da cruz, endossou sem vacilações o novo enfoque dado por Waggoner
em suas exposições homiléticas. Nos meses seguintes, juntamente com
ele e Jones, participou de encontros de reavivamento em igrejas locais,
concílios ministeriais e reuniões campais:
"Estes não foram contatos casuais, mas ocasiões de duro labor,
pregações, apelos, aconselhamentos, exortações, orações, até que a
oposição se desfez e lágrimas fluíram, pecados foram confessados, mãos
foram reapertadas em amizade e rostos radiantes atestavam vitória e novo
nascimento."25
Como resultado, a Igreja sentiu-se inflamada de entusiasmo pelo
evangelho de Cristo, com um espirito de ardente devoção pela pessoa de
Cristo e com uma consumidora paixão pelas almas carentes de Cristo.
Em 1892, Waggoner foi chamado para assumir na Inglaterra a
responsabilidade editorial de nossas publicações missionárias. Em suas
novas funções, entretanto, talvez como reação natural à oposição
orquestrada pelos dirigentes da Associação Geral contra as mensagens
apresentadas na assembléia de 1888, começou a desenvolver uma atitude
antagonista em relação à estrutura administrativa denominacional. Sua
crescente hostilidade contra o que ele convencionou chamar "o poder
régio de Battle Creek", suscitou uma carta escrita pela Sra. White ao
Pastor Jones, expressando tristeza e preocupações. Dela extraímos os
seguintes parágrafos:
"Sei que de forma especial Deus o usou, e também ao Pastor
Waggoner, para a realização de uma obra especial. Acompanhei-os com
toda a minha influência, pois sabia que a obra que realizavam era de origem
divina.... Sinto-me, porém, entristecida e temerosa quando vejo atitudes que
não posso endossar. ...
"O Pastor Waggoner tem alimentado estranhas teorias e, antes de
apresentá-las perante um conselho de irmãos, as tem defendido
publicamente. Tem estado advogando abertamente idéias relacionadas com
A Mão de Deus ao Leme
199
a administração da Igreja, que jamais deveriam ter sido expressadas. ...
Vivemos em um tempo quando a ordem, sistema e unidade de ação devem
ser defendidos como elementos essenciais."26
Representando a obra na Inglaterra, assistiu à assembléia geral de
1897, quando então apresentou com brilho e erudição, uma série de
dezoito estudos sobre a epístola aos Hebreus. O Dr. Kellogg, que
também estava presente naquele encontro, discorreu sobre diversos
temas, introduzindo sub-repticiamente seus conceitos panteístas, os quais
haveriam de exercer uma influência ruinosa na vida de Waggoner.
Nos anos que se seguiram, enquanto dava continuidade à obra
iniciada na Inglaterra, começou a defender e divulgar uma idéia
esdrúxula conhecida pelo título "afinidade espiritual''. Pretendia que uma
pessoa que não seja o legítimo esposo ou esposa nesta vida, poderá vir a
ser o companheiro ou companheira na vida porvir. Esta idéia, destituída
de fundamento bíblico, propiciava já nesta vida as condições favoráveis
para uma eventual afinidade espiritual com terceiros. Waggoner,
evidentemente, caminhava sobre um terreno minado por Satanás.
Em 1901 voltou a Battle Creek para participar como delegado dos
trabalhos da assembléia da Associação Geral. Sentia-se então entusiasmado
com o que ele "supunha ser uma preciosa luz espiritual".27 Preocupada
com esta "nova luz", a Sra. White denunciou-a como "fábula perigosa e
desorientadora''.28
Retornando em 1903 a Battle Creek, decidiu não mais regressar à
Europa. A Sra. White empreendeu então seus melhores esforços, tendo
em vista ajudá-lo espiritualmente. Sugeriu sua admissão em caráter
experimental no quadro de professores do colégio recém-fundado em
Berrien Springs (Emanuel Missionary College). Animava-a a esperança
de vê-lo superar a crise que ameaçava arruiná-lo espiritualmente. Porém,
em lugar de permanecer no Colégio Missionário Emanuel, então uma
ilha de segurança contra as heresias, preferiu dirigir-se a Battle Creek,
epicentro da crise panteísta, onde a legitimidade dos escritos da Sra.
A Mão de Deus ao Leme
200
White era continuamente testada e questionada nos laboratórios da
incredulidade.
No dia 4 de outubro de 1903, a Sra. White lhe enviou uma carta, na
qual se expressou com franqueza e vigor, dizendo:
"Fostes apresentados a mim como estando em grande perigo.
Satanás está em vossa pista, e por vezes vos tem sussurrado fábulas
agradáveis, e vos mostrado belos quadros de alguém a quem ele
representa como companheira mais apropriada para vós do que a esposa
de vossa juventude, a mãe de vossos filhos.
"Satanás está trabalhando secreta e infatigavelmente para levar a
efeito vossa queda por meio de suas ardilosas tentações... Espera desviar
vossas afeições de vossa esposa, e fixá-las em outra mulher. Deseja que
permitais que vossa mente se demore pensando nessa mulher, até que,
mediante afeição não santificada, ela se torne vosso ídolo." 29
Mas as exortações procedentes de Deus não encontraram em seu
coração a ressonância desejada. Waggoner já havia lançado a sua sorte.
Sua apostasia se afigurava agora como um processo irreversível.
Divorciou-se da esposa e, depois, centrou suas afeições em uma jovem
enfermeira, na Inglaterra, com quem havia iniciado, alguns anos antes,
uma "afinidade espiritual". Consciente de que a Igreja jamais endossaria
seu segundo matrimônio, interrompeu sua relação com o movimento
adventista.
Alguns anos mais tarde, encontramo-lo no Sanatório de Battle
Creek, ocupado outra vez em atividades médicas. Embora afastado da
Igreja, jamais usou a voz ou empregou a pena para atacar suas doutrinas
e ensinos. No dia 28 de maio de 1916, aos 61 anos de idade, faleceu
repentinamente, em sua casa, vítima de fulminante ataque cardíaco.
Em 1892, revelando uma intuição penetrante, a Sra. White escreveu
sobre a possibilidade de que eventualmente Waggoner abandonasse a fé.
Mas, se isso ocorresse – registrou – "não seria uma prova de que sua
mensagem não fosse de Deus, e que a obra por ele realizada houvesse
sido um equívoco''.30
A Mão de Deus ao Leme
201
Deploramos o ocaso sombrio de um talentoso mensageiro que, após
haver prestado à Igreja serviços tão assinalados, preferiu viver seus
últimos anos vagando longe do aprisco do Senhor. Seu melancólico
desenlace nos permite entender com maior profundidade o significado da
exortação paulina: "Aquele pois que cuida estar em pé, olhe não caía."31
ALONZO T. JONES
Na vida de Alonzo T. Jones, encontramos duas características
sobressalentes, dignas de especial registro: uma ascensão rápida e
acelerada, seguida de uma queda vertiginosa e sombria. A primeira vez
que a crônica adventista registra seu nome, fá-lo para notificar o seu
batismo, ocorrido em Walla Walla, no Estado de Washington, em 1873.
Era então um desconhecido sargento, engajado no Vigésimo Primeiro
Regimento de Infantaria, aquartelado no Forte de Walla Walla.
Após haver assistido a uma série de conferências pronunciada por
um evangelista adventista – Pastor I. D. Van Horn – Jones manifestou o
desejo de confessar publicamente sua fé na mensagem adventista,
mediante o batismo.
Interrompendo suas atividades militares, passou a integrar a equipe
dirigida pelo Pastor Van Horn, ocupando-se com grande entusiasmo e
singular fervor na obra em favor das almas perdidas. Uniu-se em
A Mão de Deus ao Leme
202
matrimônio com a Srta. Francis Elvira Patten, cunhada do evangelista
que o levou à experiência da conversão.
Era um autodidata respeitado por sua admirável erudição. Enquanto
a maioria dos seus ex-companheiros de caserna dissipavam o tempo em
atividades fúteis e banais, ele se concentrava em exaustivas lucubrações,
investigando volumosos tratados de História, esforçando-se por entender
o passado à luz das profecias bíblicas.
O pastor Van Horn, que o levou à experiência batismal,
provavelmente jamais imaginou que aquele soldado, quase anônimo, em
pouco tempo haveria de se tornar editor da Review and Herald, Sign of
the Times, American Sentinel, Present Truth, e também o campeão da
causa da liberdade religiosa nos tribunais de justiça dos Estados Unidos e
um dos mais brilhantes teólogos nos círculos adventistas, naqueles dias.
Após se haver dedicado por alguns anos à obra da evangelização
trabalho que realizou com surpreendente êxito, foi convidado (1885)
para atuar como editor associado da revista Sign of the Times, periódico
missionário publicado pela Casa Editora do Pacífico (P.P.P.A.).
Sentindo que a Igreja, em seu anseio por exaltar a lei, havia quase
perdido de vista os "encantos do Calvário", decidiu magnificar em seus
editoriais o ''poder e a glória da Cruz''. Esforçou-se por demonstrar que o
pecador é justificado unicamente pela justiça de Cristo. Mas a ênfase
com que sublinhava a salvação pela fé, suscitou a suspeita de que
intentava deliberadamente anular a validade da lei e desdenhar a
importância e a validade do sábado, o dia do Senhor. Esta desconfiança e
alguns outros problemas que se seguiram, cavaram um profundo abismo
entre Jones e os dirigentes, precipitando posteriormente um deplorável
conflito, seguido por uma separação inconciliável.
Jones e Waggoner foram, no firmamento adventista, duas estrelas
de fulgurante brilho. Unia-os uma singular coincidência de idéias e
convicções. Embora jamais houvessem estudado juntos os grandes temas
do evangelho, revelavam sempre, no púlpito e nos seus escritos, uma
surpreendente identidade de pensamento. O seguinte parágrafo, extraído
A Mão de Deus ao Leme
203
de uma carta escrita por Jones, ilustra esta grande afinidade existente
entre ambos:
"Em um sábado, quando o irmão Waggoner se ausentou de Oakland,
para ir a uma reunião campal, preguei em seu lugar na igreja de Oakland.
Meu tema foi 'A Justificação pela Fé'. No sábado seguinte ele voltou a pregar
em sua igreja (Oakland) e eu em São Francisco. Na manhã seguinte,
quando iniciei o meu trabalho na redação da Sign [of the Times], perguntei
ao irmão Bollman: 'Qual foi o tema do irmão Waggoner, ontem?' Ele
respondeu: 'O mesmo pregado pelo irmão na semana anterior.' Voltei a
interrogar: 'Qual foi a orientação que ele seguiu? Que ilustrações usou?' Ele
respondeu: 'As mesmas que o irmão.''32
Embora dessemelhantes fisicamente, e cultivando hábitos de vida
diametralmente opostos, no pensamento teológico se assemelhavam
como irmãos siameses.
Em 1888, Jones apresentou diversas mensagens aos delegados
reunidos em assembléia da Associação Geral, em Minneapolis,
Minnesota. Apesar da oposição da "velha guarda'' que via em seus
ensinos um perigoso desvio do pensamento tradicional adventista, logrou
polarizar a assembléia com sua arrebatadora eloqüência, maneirismos,
peculiaridades, mas acima de tudo com a força persuasiva de sua
dialética firme e sutil.
E foi assim que um desconhecido sargento do Vigésimo Primeiro
Regimento de Infantaria do Forte de Walla Walla, se projetou no seio do
adventismo como uma de suas figuras mais respeitáveis. Em rápida
ascensão, Jones alcançou o zênite de sua experiência ministerial. Suas
mensagens, embora repudiadas por um influente segmento da Igreja,
foram recebidas com entusiasmo e fervor por outros que, em seus temas,
discerniram o poder espiritual capaz de produzir um grande reavivamento e
precipitar o derramamento da prometida chuva serôdia.
Mas sua melhor contribuição como talentoso intérprete da Palavra
de Deus ocorreu na assembléia da Associação Geral celebrada em 1893.
Os 24 sermões que pregou naquela oportunidade, sob o tema "Cristo
Justiça Nossa'', foram recebidos "como maçãs de ouro em salvas de
A Mão de Deus ao Leme
204
prata". Reanimados na fé, os delegados testificaram jamais haver
recebido tanto conforto e uma luz tão preciosa.
Jones, entretanto, em seu calculado intento por neutralizar os
argumentos dos chamados "legalistas", imprudentemente se excedia em
sua linguagem, dando a impressão de minimizar a importância de uma
"obediência perfeita por meio de Cristo''.
Da Austrália, onde realizava uma obra pioneira, a Sra. White
enviou-lhe a seguinte mensagem:
"Estava eu assistindo a uma reunião, estando presente vasta
congregação. Em meu sonho estáveis apresentando o assunto da fé, e da
imputada justiça de Cristo pela fé. Repetíeis várias vezes que as obras de
nada valiam, que não havia condições. O assunto foi apresentado de
maneira que, sei, os espíritos seriam confundidos, não recebendo a correta
impressão quanto à fé e as obras, e resolvi escrever-vos. Afirmais esta
questão com vigor exagerado. Há condições para recebermos justificação e
santificação, e a justiça de Cristo. Sei o que quereis dizer, mas deixais uma
impressão errada nos espíritos. Conquanto as boas obras não salvem alma
alguma, é impossível que uma única alma se salve sem as boas obras." 33
Em 1894, consoante a opinião de Olsen, presidente da Associação
Geral, a Igreja vivia um período de bonança e grande progresso
espiritual. Os últimos focos de resistência à pregação de Jones e
Waggoner se haviam rendido. Entre os dirigentes, pastores e membros
em geral, crescia a convicção de que havia chegado o tempo para um
grande reavivamento sob a ministração do Espírito Santo.
Em meio ao fervor religioso que então caracterizou a Igreja, surgiu
Ana Philips, uma jovem residente em Battle Creek, anunciando haver
recebido em visões especiais, revelações de Deus. Escreveu suas
mensagens e estas suscitaram por toda a parte um vívido interesse. Para
muitos parecia razoável aceitar a idéia de que a Srta. Philips fora
escolhida pelo Senhor para orientar Sua igreja nos Estados Unidos,
durante a ausência da Sra. White, então ocupada em um programa
missionário na Austrália. Suas mensagens foram recebidas e lidas com
A Mão de Deus ao Leme
205
grande entusiasmo e, muitas vezes, comparadas com os escritos da Sra.
White.
Em um sábado, no mês de abril, o Pastor Jones declarou em um
sermão pregado no Tabernáculo de Battle Creek, que os ensinos de Ana
Philips tinham o selo evidente de uma genuína manifestação do Dom de
Profecia. Com a habilidade retórica que lhe era própria, leu alguns
escritos da Srta. Philips e, após compará-los com os Testemunhos da Sra.
White, instou os ouvintes a aceitá-los como a voz de Deus falando à Sua
Igreja.
Sua mensagem produziu não pouca agitação. Alguns se mostraram
receptivos, e se inclinaram a aceitar Ana Philips como ''outra" mensageira
escolhida pela Providência. Outros, entretanto, suscitaram inúmeras
interrogantes sobre a validade de suas pretensões.
Na manhã seguinte, domingo, Jones dirigiu-se ao Correio, junto à
casa publicadora Review and Herald, em busca de cartas. Foi-lhe
entregue um grande envelope, carimbado na Austrália, contendo uma
mensagem assinada pela Sra. White. Era uma carta escrita algumas
semanas antes, censurando-o por se haver apressado a defender
publicamente a autenticidade do "ministério profético'' de Ana Philips.
Entre outras coisas, escreveu a mensageira do Senhor:
"Tenho uma mensagem para vós. Supusestes que Deus vos
comissionara a tomar a responsabilidade de apresentar as visões de Ana
Philips, lendo-as em público, unindo-as com os testemunhos que o Senhor
houve por bem dar-me? Não, o Senhor não pôs sobre vós este encargo.
Não vos deu esta obra a fazer. ... Não desmereçais a obra misturando com
ela manifestações que não tenhais positiva evidência de serem provenientes
do Senhor da vida e da glória. ...
"Recebi de Deus a advertência que ora vos envio. Não devia haver sido
dado a Ana Philips o encorajamento que tem tido; isso tem sido grande dano
para ela – firmando-a num engano. Sinto que alguns de nossos irmãos e
irmãs estejam prontos a meter-se com essas supostas revelações, e
imaginem ver nelas as credenciais divinas."34
Jones não logrou dissimular o seu pasmo diante da mensagem
recebida. E enquanto paralisado pela surpresa, sentado no banco do
A Mão de Deus ao Leme
206
Correio, viu aproximar-se o Pastor O. A. Tait. Convidando-o para sentarse, interrogou:
– Oscar, ouviste-me pregar ontem no Tabernáculo?
Havendo recebido uma resposta afirmativa, pôs a carta datada de 15
de março nas mãos do Pastor Tait para que a lesse. Passados alguns
momentos de silenciosa reflexão, interrogou:
– Como sabia a Sra. White, um mês atrás, que eu haveria de pregar
a respeito de Ana Philips e seus escritos?
– Você sabe perfeitamente, Jones – respondeu o Pastor Tait.
– Sim, eu sei. Deus sabia com antecipação o tema que eu haveria de
pregar – concluiu Jones, revelando em seu rosto apreensão e pesar.
No sábado seguinte, Jones voltou a ocupar o púlpito do
Tabernáculo de Battle Creek e pregou um poderoso sermão. Reconheceu
em sua mensagem que unicamente o Deus do Céu conhece com
antecipação os pensamentos de um homem, e somente Ele tem poder
para revelar estes pensamentos a outras pessoas a milhares de
quilômetros de distância. Com palavras ungidas de fervor, penitenciouse publicamente por suas açodadas conclusões.
Na seção de impressos e documentos de valor histórico da biblioteca
da Universidade Andrews, encontram-se reunidos 25 livros e folhetos,
escritos por Jones, abordando o problema relacionado com a liberdade
religiosa. Com efeito, ele se destacou entre os adventistas como
infatigável combatente a serviço da causa da liberdade religiosa. Com
grande disposição de luta, compareceu diante de várias comissões do
Congresso Nacional, estribando-se na Constituição, na jurisprudência, na
lógica e na razão, em sua luta contra a aprovação de leis dominicais. Seu
dinamismo se fez sentir até mesmo diante dos tribunais onde alcançou
triunfos memoráveis.
Em 1897, foi eleito membro da comissão executiva da Associação
Geral, onde atuou durante vários anos. Em certa ocasião, censurado
publicamente pelo presidente, Pastor G. A. Irwin, por suas atitudes
A Mão de Deus ao Leme
207
exacerbadas, renunciou. Foi, entretanto, em 1901, reeleito para ocupar o
mesmo posto.
Voltou, é certo, a ocupar um lugar na comissão executiva da
Associação Geral, porém em seu coração já operava em forma furtiva o
fermento da rebelião, levedando todos os seus planos e motivações.
Iniciava-se a queda deplorável e sombria de um campeão em Israel.
Durante as discussões relacionadas com a reorganização da Igreja,
em 1901, ele se insurgiu com grande veemência contra o que qualificava
o ''régio poder''. Cria que a Igreja não mais deveria continuar sendo
dirigida por um presidente, mas sim por uma comissão executiva.
Animava-o uma aversão incurável contra o princípio de autoridade
centralizado na figura de um dirigente. Persuadidos pela lógica de sua
argumentação, os delegados reunidos em Battle Creek nomearam os
novos membros da comissão executiva, e elegeram o Pastor A. G.
Daniells como seu presidente.
Jones não ocultou seu contentamento ao ver o triunfo de sua tese: a
figura do "presidente" foi eliminada dos estatutos da Igreja. O
movimento adventista não mais teria uma "cabeça visível" conduzindo
os seus destinos. Daniells não foi eleito presidente da Associação Geral,
mas sim presidente da comissão executiva da Associação Geral.
Entretanto, os grandes e complexos problemas gerados com esta
nova forma de governo eclesiástico, levaram a Igreja a revisar a decisão
tomada em 1901, e, dois anos mais tarde, Daniells foi unanimemente
eleito para presidir a Associação Geral.
Jones, porém, mostrou-se inconseqüente e contraditório. Apesar de
sua tenaz resistência à idéia de um ''monarca'' dirigindo a Igreja, aceitou
sem vacilações sua eleição como presidente de uma associação na
Califórnia, ocorrida poucos meses após a mudança dos estatutos da
Associação Geral.
Ele não se destacou como administrador. Seu temperamento
explosivo, estilo autoritário e decisões intempestivas produziram
inúmeras áreas de atrito. Quando terminou seu primeiro mandato, era
A Mão de Deus ao Leme
208
evidente entre todos a disposição de não reelegê-lo. A Sra. White,
entretanto, sugeriu a idéia de se conceder ao Pastor Jones uma nova
oportunidade. Mas o segundo mandato foi tão decepcionante como o
anterior.
Desanimado, interrompeu sua experiência administrativa. Visitou a
Sra. White em Elmshaven* para apresentar seus novos planos. Voltaria a
Battle Creek para servir como professor de Bíblia na Faculdade de
Medicina fundada por Kellogg. Justificando sua decisão, salientou a
esperança de ajudar o Dr. Kellogg, então envolvido na crise panteísta.
Prometeu manter uma atitude vigilante, não permitindo que Kellogg
influenciasse a sua mente.
Pouco antes a Sra. White havia expressado suas preocupações ao
perceber uma influência crescente do médico sobre ele. Podia ver
claramente que "suas percepções se tornavam confusas e que ele não
mais aceitava os conselhos que lhe eram dados''. "O inimigo" –
acrescentou a serva de Deus – "opera de modo estranho e surpreendente,
influenciando a mente humana."35
Jones, porém, parecia seguro de sua própria fortaleza. Sentia-se
imune aos riscos de um naufrágio em sua experiência cristã. Embarcou
fumo a Battle Creek, onde estava instalado com todo o seu poder de
fogo, o quartel-general da rebelião contra os Testemunhos e a direção da
Igreja.
Algum tempo depois, a Sra. White escreveu:
"Exortei o Pastor Jones, mas ele sentiu não existir o menor perigo.
Circundado, entretanto, pela trama de sutis ameaças, tornou-se um
homem frustrado e desiludido. Embora pretendesse crer nos Testemunhos ,
ele não mais os aceitava."36
Em outra carta escrita também pela pena inspirada, percebemos um
pregador, outrora brilhante, apagando-se gradualmente sob a influência
de um homem que se havia apartado de Deus.
*
Elmshaven: Última residência de E. G. White, em Santa Helena, Califórnia.
A Mão de Deus ao Leme
209
"O Dr. Kellogg controla a voz do Pastor A. T Jones e o usará como seu
mensageiro. Minha oração é: Abre, ó Deus, os seus olhos para que vejam; e
os seus ouvidos para que ouçam, e se humilhem." 37
No dia 30 de setembro de 1907, a Sra. White voltou a escrever:
"A. T. Jones, Kellogg e o Pastor Tenney estão atuando sob a mesma
liderança. Eles se classificam como aqueles de quem escreveu o apóstolo:
'Alguns se apartarão da fé, dando ouvidos aos espíritos sedutores e
doutrinas do demônio.' No caso de Jones, vejo o cumprimento de
admoestações que me foram dadas a seu respeito." 38
Por causa de sua crescente hostilidade contra a Igreja e seus
dirigentes, foi-lhe retirada a credencial ministerial. No mês de julho de
1908, entrevistou-se com a Sra. White, mas os resultados deste encontro
não foram auspiciosos.
Em 1909, solicitou uma audiência com os dirigentes da Associação
Geral, em Washington. Seu pedido foi atendido. Diversos líderes
reuniram-se com ele, animados pelo desejo de lograr uma fórmula
conciliatória. No final do encontro, o Pastor Daniells, presidente da
Associação Geral, levantando-se, expressou sua apreciação pessoal pela
contribuição fiel e dedicada de Jones à causa adventista; manifestou
também seu profundo pesar pelas incompreensões e conflitos que
haviam interrompido um cordial companheirismo, separando-o dos seus
irmãos na esperança.
Após exortá-lo a olvidar o passado, e reafirmar o desejo de estreitar
os laços do amor que deveriam uni-los, estendeu a mão da reconciliação,
dizendo: "Venha, irmão Jones, venha!" Jones se levantou e, aparentando
vacilar, deteve-se em silêncio. Todos esperaram contemplar uma
comovente cena de aproximação, reconciliação e perdão.
Desafortunadamente, porém, decorridos alguns momentos, Jones
abruptamente se assentou, repetindo em angustia: "Não! Não! Não!"
O Pastor W. V. Olson, que participou do encontro, escreveu:
"Havia naquela capela poucos olhos enxutos. Amávamos o irmão Jones,
e nos entristecia vê-lo sair em direção às trevas.''39
A Mão de Deus ao Leme
210
Pouco depois foi excluído da lista de membros da Igreja. Sua
ascensão havia sido rápida e triunfal, mas sua queda foi lastimosa e
melancólica.
Em 1915 mudou-se para Washington, onde se dedicou à publicação
de um periódico – The American Sentinel of Religious Liberty – a
serviço da causa da liberdade religiosa. Uniu-se a uma igreja adventista
dissidente – The People's Church (Igreja do Povo) – onde permaneceu
até o fim dos seus dias. Sua esposa, entretanto, não o acompanhou em
sua apostasia.
Em 1923 regressou a Battle Creek para tratar da saúde combalida.
E, quando parecia recuperar-se satisfatoriamente dos males que o
afligiam, sucumbiu repentinamente, vítima de uma apoplexia traiçoeira
que lhe roubou a vida. E assim passou ao descanso um homem cuja vida
poderia ter sido um constante louvor a Deus e uma glória para a Igreja.
A Queda e Suas Causas
Um pequeno pastor, enquanto apascentava algumas ovelhas, teve a
atenção atraída pelo vôo de uma águia que rapidamente se elevava no
espaço. Acompanhou-a em seu ascenso. Observou que gradualmente o
seu vôo se tornava inseguro e vacilante; percebeu depois que uma de
suas asas parecia paralisada e, após, a outra não mais se movimentava.
Surpreendido, viu a ave cair com grande ímpeto.
Procurando saber as razões porque havia caído, descobriu que ao
haver pausado numa rocha, uma pequena serpente a atacou. Desejando
livrar-se do ofídio, alçou o vigoroso vôo, porém o réptil venenoso já
havia realizado sua obra sinistra.
Na história da Igreja encontramos registrados o nome de talentosos
líderes que se elevaram em poder, influência e prestígio. Porém, para
surpresa de muitos, começaram um dia a melancólica descida, caindo
precipitadamente nos abismos escuras da apostasia.
A Mão de Deus ao Leme
211
Qual a causa destas quedas? A pequena e peçonhenta serpente do
orgulho, da incredulidade, negligência e das tentações.
Referências:
1. I Timóteo 1:20; II I Timóteo 2:17.
2. I Timóteo 1:20.
3. I Timóteo 1:18, 19
4. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 14.
5. Review and Herald, 20 de março de 1873.
6. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 17.
7. Manuscrito 9, 1873.
8. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 305.
9. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 58.
10. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 163.
11. Review and Herald, 13 de setembro de 1881.
12. Ellen G. White, Testimonies, vol. 5, pág 623
13. Review and Herald, 7 de outubro de 1884 14.
14. Citado por Arthur L. White, Diálogo com os Testemunhos, pág. 99.
15. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, págs. 134, 135.
16. D. W. Reavis, I Remember, pág. 120.
17. Richard A. Schaefer, Legacy, pág 53.
18. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 155.
19. Ellen G. White, Carta 125, 1902.
20. Medical Missionary, julho de 1903.
21. Richard A. Schaefer, Legacy, págs. 191, 192.
22. Provérbios 16:25.
23. Romanos 7:24.
24. Romanos 3:28.
25. C. M. Maxwell, História do Adventismo, pág. 249.
26. Ellen G. White, Carta 37, 1894, dirigida a A. T. Jones 27.
27. Ellen G. White, Carta 244, 1909.
A Mão de Deus ao Leme
212
28. Ibidem.
29. Ellen G. White, Medicina e Salvação, pág. 100.
30. Ellen G. White, Carta S-24, 1892.
31. I Coríntios 10:12, 32.
32. A. T. Jones, Carta, 12 de maio de 1913, dirigida ao irmão
Holmes.
33. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 377.
34. Idem, vol. 2, págs. 85, 89
35. Ellen G. White, Carta 106, 1906.
36. Ellen G. White, Carta 116, 1906, dirigida ao Dr. Paulson.
37. Ellen G. White, Carta 182, 1906.
38. Ellen G. White, Carta 306, 1907.
39. Depositários dos Escritos de Ellen G. White (E. G. White State),
Doc. Arquivo, n.º 53.
A Mão de Deus ao Leme
213
VARÃO CONFORME O MEU CORAÇÃO
"Achei a Davi ... varão conforme o Meu coração, que executará toda a
minha vontade." Atos 13:22.
O povo hebreu vivia um momento sombrio de sua história. Nuvens
escuras cobriam o céu de suas esperanças, anunciando a possibilidade de
alguma tragédia nacional. Os exércitos das nações vizinhas se tornavam
cada vez mais poderosos, e a crescente corrupção de Israel parecia
conspirar contra os planos e propósitos de Jeová em relação ao Seu povo.
Saul, o primeiro rei, havia fracassado como estadista e líder
espiritual. Havendo posto seus objetivos em conflito com a vontade de
Deus, acompanhou com angústia e desonra o declínio de seu poder.
Impunha-se como imperativo a eleição de outro líder mais fiel para
conduzir os destinos da "nação eleita".
Entre os milhões de Israel, Deus encontrou o homem que buscava.
Com exultante entusiasmo e expressões de gozo, exclamou: "Achei a
Davi. ... varão conforme o Meu coração, que executará toda a Minha
vontade."
Ao longo de nossa história denominacional, Deus tem procurado
homens qualificados para dirigir os destinos de Sua igreja. Homens
dispostos a se entregar sem reservas em Suas santas mãos. Homens
sensíveis à voz suave do Espírito Santo. Homens dominados por uma
absorvente e consumidora paixão pelas almas.
Desde sua organização, em 1863, até aos nossos dias, a Igreja foi e
tem sido favorecida pela direção hábil, dedicada e fiel de catorze
presidentes, encontrados pela Providência para conduzir os seus
destinos.
Podemos imaginar a Deus expressando-Se com transbordante
júbilo, quando da eleição do primeiro presidente da Associação Geral:
"Achei a João Byington... varão conforme o Meu coração." Alegra-nos o
pensamento de que os presidentes que o seguiram satisfizeram plenamente
A Mão de Deus ao Leme
214
os propósitos de Deus, mostraram-se dignos da eleição divina e
corresponderam à confiança que sobre eles o Senhor depositou.
Não eram homens perfeitos. Mas na obediência ao chamado, foram
remodelados pelo divino Oleiro e se aproximaram aos ideais da perfeição.
Quando, à semelhança de Paulo, sentiam-se desalentados ante a visão de
suas limitações e insuficiências, podiam ouvir o Senhor dizer-lhes em
suaves acentos: "A Minha graça te basta, porque o Meu poder se
aperfeiçoa na fráqueza."1
Neste capítulo, reproduziremos em pinceladas rápidas um perfil
biográfico dos catorze presidentes da Associação Geral, autênticos
"príncipes em Israel", eleitos pela Providência para executar os Seus
planos em relação à Sua igreja – "objeto de Seu supremo amor".
JOHN BYINGTON
Ao longo de uma estrada sinuosa e estreita caminhava John
Byington, absorto, mergulhado em inquietantes devaneios. Era então um
menino de sete anos. Perturbava-o um grande sentimento de culpa. Seu
pai, Justus Byington, havia inculcado em sua mente infantil os ideais
perfectivos proclamados por Wesley e outros pregadores pietitas dos
séculos XVII e XVIII.
Convertendo-se ao metodismo, Justus Byington sustentava a crença
de que todos os homens são pecadores, suscetíveis de perdão; que Deus
A Mão de Deus ao Leme
215
ama entranhavelmente o pecador, mas aborrece a iniqüidade. Aceitando
os ensinos metodistas relacionados com a santificação, cria ser possível
ao homem, através da operação do Espírito Santo, "viver uma vida santa,
em constante harmonia com Deus e os seus semelhantes". John não
entendia as implicações de tais ensinos. Sabia, entretanto, que todo ato
de desobediência constitui uma ofensa contra Deus.
Viveu durante seus tenros anos o imenso drama descrito pelo
apóstolo: "Muitas vezes sei que tenho vontade de praticar o bem, mas
não o consigo, isto é, não faço aquilo de bom que pretendo, mas sim o
mal que não quero."2 Desejou viver uma vida de obediência, mas afligiase ao perceber suas debilidades de caráter. À semelhança do pregador
das nações, interrogava: "Quem me libertará das garras da minha
natureza pecaminosa?"3
Era o sexto entre os dez filhos da família Byington. Nasceu em
Hinsburg, Vermont, no dia 8 de outubro de 1798, precisamente no fim
dos 1.260 anos anunciados na profecia (Apoc. 12:6). Consoante a
interpretação profética adventista, o ano 1798 marcou "o fim do tempo"
anunciado pelos oráculos divinos, e inaugurou o começo do "tempo do
fim".
Aos dezoito anos de idade assistiu a uma reunião campal metodista
em Saint Albans, Vermont. Os hinos cantados, as orações proferidas e as
mensagens pregadas naquela oportunidade, produziram em seu coração
um efeito confortante e inspirador. Em resposta a um apelo, caminhou
com outros em direção ao púlpito, onde entre lágrimas confessou seus
desvios e extravios, e manifestou a determinação de seguir ao Senhor
sob qualquer circunstância.
Algum tempo mais tarde sentiu-se grandemente oprimido por uma
insidiosa enfermidade que o prostrou durante quase três anos. Satanás
valeu-se da situação para fazer recrudescer em seu espírito os mesmos
sentimentos de culpa e indignidade que o afligiram na infância.
Porém, em meio à aflição, estando a sós, no recesso de um bosque,
ao derramar a alma atribulada perante o Senhor, sentiu-se estranhamente
A Mão de Deus ao Leme
216
alentado por um Poder sobrenatural que, como por encanto, o
transformou. Este memorável batismo do Espírito foi para ele qual
âncora segura, firmando-o em meio às tempestuosas investidas de
Satanás, nos momentos sombrios de incerteza e dúvida.
Recuperado fisicamente, retornou às atividades regulares, ocupandose com os trabalhos agrícolas e os labores religiosos a serviço da Igreja
Metodista Episcopal.
Em 1841, seu nobre e generoso coração foi inflamado pelo
fermento das idéias abolicionistas que então permeavam a nação. O
infamante comércio dos escravos submetia homens, mulheres e crianças
a toda a sorte de vilanias e humilhações. Vozes de protesto erguiam-se
por toda parte, denunciando as condições subumanas impostas aos
escravos, vítimas da prepotência e do arbítrio.
Na infância, John ouviu histórias fascinantes relacionadas com as
lutas pela liberdade. Dos lábios do pai ouviu a descrição de algumas
batalhas nas quais participou, na luta pela independência nacional. Estas
narrativas cristalizaram em sua mente o amor pela liberdade e justiça.
Para ele, liberdade era algo mais que um princípio abstrato; era um
direito natural e inalienável, outorgado por Deus a todos os homens. Esta
convicção inspirou-o a lutar pela causa dos escravos, transformando sua
casa em refúgio clandestino, onde os escravos foragidos encontravam
amparo e proteção.
Em 1844 Byington ouviu a proclamação da breve volta de Cristo. A
mensagem de Miller, entretanto, embora apresentada com inusitado
fervor, não o convenceu plenamente.
Oito anos mais tarde leu nas páginas de um exemplar da Review
and Herald que lhe chegou às mãos, vários artigos apologéticos
destacando a validade do sábado – memorial imperecível da Criação.
Perplexo, dispôs-se a rejeitar o que então lhe parecia uma discutível e
fantasiosa interpretação das Escrituras. Porém, examinando
cuidadosamente a Palavra de Deus, comparando texto com texto,
concluiu aceitando a vigência e santidade do quarto mandamento.
A Mão de Deus ao Leme
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No dia 20 de março de 1852, com o coração lanceado por profunda
dor, Byington acompanhou o féretro da filha, Teresa, ceifada ainda no
verdor dos anos pelo alfanje trágico da morte. Afligido pela perda
irreparável, tomou a decisão solene de observar o quarto mandamento na
letra e no espírito.
No dia 3 de junho do mesmo ano, ele, a esposa e os dois filhos
maiores foram batizados em Buck's Bridge, pequena comunidade rural,
onde então residiam. Com este acontecimento, Buck's Bridge, embora
destituída de significação na geografia nacional, transformou-se em um
centro de relevante importância no mapa denominacional. Consoante A.
W. Spalding, o mais talentoso dentre os historiadores adventistas, em
Buck's Bridge encontramos ''o fascinante romance das primeiras coisas".4
Da quietude daquele lugar saiu o primeiro presidente da Associação
Geral. Edificou-se ali a primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde
também funcionou a primeira escola, dirigida por uma das filhas de John
Byington.
Em 1857 mudou-se para o Estado de Michigan, onde prestou à
Igreja infante um frutífero serviço. Sem descuidar dos trabalhos
agrícolas e os deveres para com os seus, durante 15 anos, montado a
cavalo, cruzou o Estado em todas as direções, conduzindo reuniões de
reavivamento e visitando os fiéis dispersos por toda a parte.
Na história e na profecia o cavalo tem sido usado como símbolo de
morte e destruição. Os grandes conquistadores ampliaram seus domínios
pisoteando com o cavalo montanhas de cadáveres e os escombros de
cidades saqueadas e destruídas. John Byington, entretanto, no dorso de
seu corcel, difundiu por toda parte a fé, a esperança e o amor.
Em maio de 1863, a Igreja reunida em histórica assembléia,
aprovou a organização e indicou um grupo especial para estudar e trazer
ao plenário a sugestão de alguém para dirigir o movimento em sua nova
fase organizacional. Os membros da comissão não vacilaram em
recomendar o nome de Tiago White, o enérgico, dinâmico e versátil líder
para ser o primeiro a ocupar a presidência da Associação Geral. Porém,
A Mão de Deus ao Leme
218
uma vez que havia promovido com tanto entusiasmo a necessidade de
alguma forma de organização na Igreja, preferiu declinar a indicação,
evitando deste modo a acusação de se haver empenhado na adoção de
um sistema administrativo animado pelo afã de alcançar alguma posição
hierárquica.
Diante da firme recusa de Tiago White em aceitar a nova investidura,
a escolha recaiu de forma natural na pessoa de John Byington, chamado
afetuosamente "Pai Byington", por ser o mais velho entre os líderes da
Igreja naqueles idos.
Byington e outros leigos adventistas foram os legítimos sucessores
espirituais dos ministros leigos do passado. Com efeito, o uso de
pregadores leigos encontra seus antecedentes na própria História. Amós
foi um pregador leigo. Assim foi Isaías. Os doze discípulos e os setenta
enviados por Jesus para proclamar as boas novas do reino de Deus
também foram pregadores leigos a serviço de um grande ideal. No sábio
uso do "sacerdócio de todos os crentes" o adventismo redescobriu o
espírito que galvanizou a igreja cristã primitiva e a guiou em seu
vitorioso programa de evangelização.
O novo presidente, embora contando setenta e um anos de idade,
mostrou-se incansável em seus esforços por manter a unidade da Igreja.
Viajou constantemente, pregando, ministrando por toda parte a Santa
Ceia, animando os crentes, batizando os novos conversos e organizando
grupos e congregações. Quando terminou seu mandato, voltou á fazenda.
Mas os cuidados com a Igreja e a paixão pelas almas o acompanharam
até o fim da vida.
A seguinte anotação inserida em seu diário após haver completado
oitenta anos nos permite concluir que, apesar do peso dos anos, ele
desfrutava de uma saúde razoável: "Minha esposa me ajudou a carregar
duas cargas de feno."5 Após haver completado oitenta e dois anos,
mudou-se para viver com a filha Marta. Mas levou consigo o cavalo,
uma vaca, e as galinhas. Aos oitenta e seis anos, despertava-se nas
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219
primeiras horas da madrugada para ordenhar a vaca e distribuir o leite
entre os vizinhos.
Pregava ocasionalmente sobre seu tema favorito – o Espírito Santo
e Seu poder. Anotava no diário o nome de cada pregador que pregava em
sua igreja, bem como os textos empregados na mensagem.
À medida que as forças se esvaíam e os achaques se acumulavam,
quando na linguagem poética de Eclesiastes, "já se escureciam o sol, e a
luz, e a lua, e as estrelas", quando um manto de tristezas e apreensões
parecia envolvê-lo, as mesmas preocupações que o afligiram durante a
infância, recrudesceram.
Ele resumiu as inquietudes da alma em uma pergunta em seu diário:
"Repontam todos os erros de minha vida e quem os poderá apagar?''
Com o seu próprio punho registrou uma resposta consoladora:
"unicamente o sangue expiatório de Jesus."6
No dia 3 de dezembro de 1886, escreveu:
"Este é um dia de conforto e paz. Senti que os meus pecados eram
muitos; pedi e encontrei a graça do Salvador e agora, a todos declararei o
Seu amor perdoador."7
Com admirável paciência e resignação, suportou as dores próprias
da enfermidade que lhe ceifou a vida. A todos que o visitavam dirigia
palavras de ânimo, conforto e esperança.
Finalmente, no dia 7 de janeiro de 1887, numa sexta-feira, pouco
antes das 13 horas, em paz com Deus e os homens, descansou de suas
obras e fadigas. Deixou, entretanto, anotado o texto que desejava que
fosse lido nas cerimônias fúnebres que o acompanhariam até a mansão
do silêncio: "Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no
Meu trono."8
Foi sepultado no cemitério de Oak Hill, em Battle Creek, ao lado do
túmulo de David Hewitt, o primeiro, em Battle Creek, a aceitar a
mensagem do terceiro anjo.
A Mão de Deus ao Leme
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TIAGO WHITE
Era um jovem pregador com deméritos suficientes para
desclassificá-lo ao exercício de uma obra ministerial frutífera. Sua
formação acadêmica e preparo teológico eram extremamente limitados.
Possuía constituição física frágil, constantemente minada por
enfermidades. Seus olhos revelavam uma evidente tendência estrábica.
Um acidente sofrido enquanto trabalhava em uma serraria, fê-lo
caminhar defeituosamente, coxeando de uma perna. Mas nele
cumpriram-se mais uma vez as palavras inspiradas: "Mas Deus chama e
escolhe aquilo que o mundo considera louco para confundir os sábios e
escolhe o que o mundo chama fraco para confundir os fortes... e tudo isto
para que ninguém se gloríe."9
Tiago* White era um pregador acossado por contínuos e
desalentadores problemas econômicos. Sua biblioteca se resumia em um
exemplar das Escrituras e uma surrada Concordância Bíblica. Em sua
luta contra o pauperismo, carregou pedras em uma estrada de ferro em
construção e, mais tarde, trabalhou rachando lenha para ganhar 50
centavos por dia, dinheiro insuficiente para dar á esposa, Ellen, e ao filho
Henrique, um padrão mínimo de decoro e saúde.
*
Tiago é o equivalente a James, em português.
A Mão de Deus ao Leme
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Mas apesar de todas estas insuficiências ele se destacou em seu
ministério de tal forma que hoje podemos dizer, sem nenhum favor, que
no firmamento adventista ele fulgura como estrela de primeira grandeza.
Como organizador, do caos que se seguiu ao grande desapontamento, ele
restaurou a ordem e disciplina. Como editor e escritor, com sua pena
versátil e fecunda, contribuiu para produzir na Igreja unidade na doutrina .
Como pregador, com voz grave e ungida de fé, confirmou a confiança de
milhares nos ideais da "bem-aventurada esperança''. A poeira do tempo
jamais poderá esmaecer o brilho da obra por ele realizada, na
consolidação de um movimento profético, que veio à existência
"vitorioso e para vencer''.
Tiago S. White nasceu no dia 4 de agosto de 1821, em Palmyra,
Maine. Seus ancestrais viveram a grande epopéia que representou a fuga
das perseguições religiosas da Europa, para se estabelecerem no Novo
Mundo. Era um dos descendentes diretos de uma criança nascida no
Mayflower,** quando da travessia através das águas no Atlântico, rumo à
América. Seu pai era conhecido por todos como piedoso e honrado
agricultor, radicado por mais de meio século em Palmyra, no condado de
Samerset. Sua virtuosa mãe era neta do Dr. Samuel Shepard, respeitado
pastor batista.
Em virtude de sua fragilidade física, não lhe foi dado o privilégio de
receber os benefícios de uma educação em seus primeiros anos. Esta
oportunidade, entretanto, foi-lhe concedida ao atingir os 16 anos de
idade. Três anos mais tarde ingressou em uma escola secundária, onde
após três meses de intensos estudos, recebeu um certificado que lhe
conferia o direito de ensinar. Mais tarde, durante 17 semanas, desfrutou
o privilégio de estudar filosofia, álgebra e latim, em uma escola situada
em Reedfield, Maine. Foi assim que, em um limitado período de estudos,
ele obteve sua educação formal.
**
Mayflower: Ver capítulo 1, "E a Terra Ajudou a Mulher".
A Mão de Deus ao Leme
222
Em setembro de 1842 ouviu a mensagem pregada por Guilherme
Miller, numa reunião campestre celebrada ao leste do Estado de Maine.
Sentiu-se imediatamente obcecado pela idéia de se associar ao pregador
na proclamação de que a "hora do juízo" se aproximava. Comprou
alguns diagramas proféticos e algumas publicações que julgou
indispensáveis para estudo pessoal. Certo dia, numa manhã ensolarada,
montado a cavalo, partiu levando no bolso do capote três sermões e os
diagramas proféticos, com os quais começou sua obra a serviço da causa
milerita.
Certa vez, enfrentando os rigores do inverno, quando os campos se
apresentavam cobertos de neve, dirigiu-se a uma escola situada ás
margens do rio Kennebec para pregar sobre a esperança que ardia em seu
coração. A sala estava cheia de pessoas dispostas a ouvi-lo. Havia,
entretanto, entre eles, alguns que se opunham ferozmente aos ensinos
relacionados com a volta de Cristo. Após haver anunciado a reunião para
a noite seguinte, um amigo o advertiu dizendo que uma turba de
aproximadamente 300 indivíduos haveria de esperá-lo nas cercanias da
escola e que se ele voltasse poria em risco integridade física.
Ao retornar na noite seguinte, foi interrompido no meio do caminho
por um homem que, furibundo, o ameaçou dizendo: "Suas reuniões terão
que cessar de qualquer maneira."
"Está bem, senhor", respondeu Tiago imperturbável. "Se for vontade
de Deus, isto há de ocorrer." Confiando que Deus haveria de protegê-lo,
sereno abriu caminho por entre a turba vociferam rumo à sala da escola.
Uma bola de neve atirada por um dos agitadores passou rente à sua
cabeça e se desintegrou de encontro à parede. Ele leu um texto das
Escrituras, mas poucos puderam ouvi-lo, dado o tumulto produzido por
aquela turba de irreverentes. Inflamados por uma legião de demônios, os
agitadores ululavam de forma histérica, proferindo toda classe de
insultos e impropérios. Do exterior, através das janelas, bolas de neve em
quantidade eram arremessadas contra o pregador, molhando suas roupas.
A Mão de Deus ao Leme
223
Tiago fechou a Bíblia e, dramático, tomou nas mãos um pedaço de
madeira que alguém atirou contra ele na noite anterior, e erguendo os
braços estendidos em forma de cruz, disse: "Ontem à noite algum pobre
pecador tentou atingir-me com esta madeira. Que Deus dele Se apiade. ...
Por que deveria eu mostrar-me ressentido com tal provocação, quando o
meu Mestre os afugentou com a Sua mão?"
A turba indócil silenciou. O jovem pastor pregou então sobre o dia
do juízo e lhes falou acerca do amor e sacrifício de Jesus.
"Quantos estão dispostos a seguir ao Senhor e comigo sofrer
perseguições, preparando-se para a Sua vinda?", interrogou White,
solene. Sua mensagem foi semelhante a um dardo inflamado penetrando
o coração dos ouvintes. Aproximadamente cem pessoas, naquela noite,
atenderam à voz do Espírito Santo.
Com efeito, apesar de sua frágil constituição física, revelou sempre
uma coragem indômita e extraordinária bravura na defesa dos ideais da
cruz.
Em suas exaustivas andanças missionárias, cruzou o Estado de
Maine em todas as direções, deixando ao longo dos caminhos percorridos,
grupos e congregações firmados nos ideais da promessa do Senhor.
Desenvolveu um método eficiente com o qual chamava a atenção
daqueles que o ouviam. Valendo-se de sua voz melodiosa, iniciava as
reuniões cantando com contagiante fervor a esperança adventista. Em
Litchfield, Plains, ele iniciava cada noite a reunião cantando:
Verei o Senhor regressar,
Verei o Senhor regressar,
Verei o Senhor regressar,
Dentro de mais alguns dias,
Enquanto uma banda de música,
Enquanto uma banda de música,
Enquanto uma banda de música,
Repercutir seus acordes no ar.
A Mão de Deus ao Leme
224
Durante seis semanas, Tiago White, mercê de Deus, logrou
conduzir aproximadamente mil almas a aceitar o ensino relacionado com
a segunda vinda de Cristo.
Revelando a visão própria de um líder e o dinamismo de um
autêntico dirigente, fundou instituições médicas e educacionais. Porém,
sua contribuição mais relevante à causa adventista foi prestada na área
das publicações. Indubitavelmente, ele viveu uma existência mergulhada
na glória de uma visão – a visão do uso da página impressa na difusão
das "riquezas incomparáveis de Cristo''.
Embora carente de recursos e sem experiência editorial, ouviu a voz
de Deus falando através de sua esposa:
"Tenho uma mensagem para ti. Deves começar a publicar um pequeno
jornal e mandá-lo ao povo. Seja pequeno a princípio; mas, lendo-o o povo,
mandar-te-ão meios com que imprimi-lo, e alcançará bom êxito desde o
princípio. Desde este pequeno começo foi-me mostrado assemelhar-se a
torrentes de luz que circundavam o mundo."10
A glória desta visão iluminou a mente do jovem pregador. Como
Paulo, ele podia repetir: "Não fui desobediente à visão celestial." 11
Escrevendo e imprimindo pela fé, com júbilo viu a obra se expandir.
Surgiram as casas publicadoras e com elas multiplicaram-se as
publicações, circundando a Terra com os fulgores da mensagem do
terceiro anjo.
Reconhecido como um autêntico príncipe em Israel, foi convocado
para dirigir os destinos do movimento adventista em três diferentes
períodos. Durante os anos 1865 a 1867, 1869 a 1871, e 1874 a 1880,
serviu como presidente da Associação Geral. Foram dez anos fecundos,
caracterizados por grandes e memoráveis realizações. Seu lema era:
"Gastar-se e se deixar gastar no serviço do Senhor."
Foi um homem conhecido por sua ardente disposição, temperamento
inquieto, por vezes arrebatado, embora jamais indiferente aos problemas
e angústias humanas.
Desde cedo compreendeu a magnitude da obra a ser realizada. Com
energia e determinação tomou nas mãos a tarefa hercúlea de organizar o
A Mão de Deus ao Leme
225
movimento que então ensaiava os primeiros passos. Malgrado a oposição
dos que temiam ver a Igreja transformar-se numa instituição autocrática,
ele permaneceu firme como "torre e fortaleza'', lutando por uma causa
que lhe parecia justa. Graças a sua determinação e pertinácia, as vozes
opositoras gradualmente silenciaram e em 1863, a Igreja reunida em
memorável assembléia, aprovou uma estrutura organizacional que lhe
deu unidade de ação e a protegeu contra a anarquia e a impostura.
Durante quatro décadas de exaustivas e esgotadoras atividades, viu
sua saúde muitas vezes comprometida e sua existência ameaçada. Aos
sessenta anos contudo, uma doença fatal o prostrou. O seu corpo cansado
não mais possuía resistência suficiente para combater os avanços da
enfermidade. Após uma semana no hospital de Battle Creek, no sábado 6
de agosto de 1881, com a serenidade própria dos justos, exalou o último
suspiro.
Em seus derradeiros momentos, sua esposa Ellen, o interrogou
carinhosamente: "É Jesus precioso para ti?" "Oh, sim" – respondeu como
num sussurro. E assim descansou alentado pela confortadora segurança
de poder contemplar o rosto amorável de Jesus, na gloriosa alvorada da
ressurreição.
O serviço fúnebre, um dos mais concorridos na história da cidade,
foi celebrado no sábado seguinte, 13 de agosto de 1881. No grande
tabernáculo, Uriah Smith que, como colaborador e amigo o acompanhou
durante tantos anos, com voz pausada e grave, dirigiu palavras de
consolo e esperança à Igreja e à família enlutada.
Para surpresa de todos, a Sra. White, que também havia estado
hospitalizada junto com o esposo, conseguiu reunir energias suficientes
para levantar-se e expressar seus sentimentos mais íntimos. Entre outras
coisas, disse:
"Estarei sozinha, mas não em solidão, pois o meu Salvador estará
comigo.... Antecipo aquela manhã quando os laços familiares que agora se
rompem serão então reatados e contemplaremos o Rei em Sua formosura.
... Ali cantaremos juntos ao redor do grande trono branco." 12
A Mão de Deus ao Leme
226
Um silêncio impressionante permeava o grande santuário. Alguém
entre os presentes, sob o impulso de uma grande emoção, exclamou:
''Não o sepultem. Oremos ao Senhor pedindo que a vida lhe seja
restituída."13
Junto à tumba, no cemitério de Oak Hill, concluindo o cerimonial,
Uriah Smith sentenciou solene:
"E agora que o sepultamos, devemos retornar à vida e seus deveres, e
trabalhar com disposição."14
J. Roberto Oppenheimer, festejado cientista atômico, escreveu: "A
melhor maneira de transmitir uma idéia é encarná-la em pessoa.'' Tiago
White foi o espírito e a mensagem do adventismo encarnados em uma
pessoa.
JOHN N. ANDREWS
Acontecimentos surpreendentes ocorriam em Paris, pequena
comunidade rural plantada sobre uma graciosa colina, no Estado de
Maine, nos Estados Unidos da América do Norte. Os adventistas que ali
residiam, frustrados com o desapontamento de 22 de outubro de 1844,
aguardavam perplexos uma palavra providencial capaz de guiá-los em
meio à escuridão que os envolvia. No afã por entender os propósitos de
Deus, muitos caíram nas ciladas maquinadas por Satanás e se tornaram
presas inermes do fanatismo.
A Mão de Deus ao Leme
227
Havia alguns que, proclamando as virtudes de uma vida humilde,
arrastavam-se no chão como crianças. Outros, doutrinavam que o
milênio já estava em processo e por esta razão os fiéis adventistas
deveriam abster-se de todo e qualquer trabalho de natureza secular.
Dogmatizavam outros que a porta da graça se havia fechado. A
glossolalia, associada às demonstrações ruidosas e explosões histéricas,
manifestou-se de forma ostensiva, suscitando irritação entre os
incrédulos, trazendo opróbrio à causa adventista.
John N. Andrews, então um jovem de dezenove anos, acompanhava
com o coração perplexo o caos religioso que se havia instala4o na
outrora pacífica e bucólica comunidade em que vivia. Viu com profundo
pesar a ação devastadora do fanatismo ameaçando destruir a igreja
infante.
Em 1849, entretanto, o Pastor Tiago White e a esposa, guiados pela
Providência, dirigiram-se a Paris, onde com autoridade e vigor
censuraram o fanatismo, silenciaram a heresia e, mercê de Deus,
lograram restaurar a ordem eclesiástica e a unidade na doutrina.
Descrevendo os sucessos então ocorridos, a Sra. White assim se
expressou:
"Estavam presentes os irmãos Bates, Chamberlain, Ralph e outros
crentes de Topsham. O poder de Deus desceu, até certo ponto como o fez
no dia de Pentecostes, e cinco ou seis dos que haviam sido iludidos e
levados em erro e fanatismo, foram prostrados ao chão. Pais confessaram
aos filhos, e os filhos aos pais, e uns aos outros. O irmão J. N. Andrews,
com profunda emoção, exclamou: Trocaria mil erros por uma verdade. . . .
Aquela reunião, que foi o começo de melhores dias para os filhos de Deus
em Paris, foi-lhes um oásis no deserto. O Senhor estava preparando o irmão
Andrews para ser útil, no futuro, e lhe estava proporcionando uma
experiência que lhe seria de grande valor em seus futuros trabalhos."15
John N. Andrews nasceu em Poland, Maine, no dia 22 de julho de
1829. Seus ancestrais viveram os rigores e as incertezas próprias da vida
de fronteira. Vítimas de um ataque traiçoeiro, alguns de seus
antepassados – Ezre e seus quatro filhos, sucumbiram. Da família restou
A Mão de Deus ao Leme
228
um único varão, o filho menor, que, devido a uma indisposição física,
permaneceu em casa, escapando assim do aleivoso ataque perpetrado
pelos índios. Este se tornou um ancestral de John N. Andrews.
À semelhança de outros co-fundadores do adventismo, Andrews
não desfrutou as vantagens de uma esmerada educação formal, mas
aplicando-se com entusiasmo e disciplina ao estudo e à investigação,
acumulou um respeitável acervo de conhecimentos. Seu tio, homem de
grande influência e prestígio, eleito posteriormente deputado federal,
reconheceu no sobrinho as qualificações capazes de projetá-lo no futuro
como respeitado homem público.
– John, sugeriu o tio – se você vier morar em minha casa enviá-lo-ei
às melhores escalas no país, onde receberá o preparo para ser um homem
de negócios, juiz, ou mesmo um político.
– De que forma afetará isto a minha experiência cristã? – interrogou
John.
– Penso que você poderá ser um cristão e seguir uma carreira
política.
– Mas, de que forma afetará isto as minhas convicções pessoais no
tocante à verdade?
– Creio, John, que você terá que modificar algumas idéias pessoais,
ou até mesmo abandoná-las – respondeu o tio honestamente.
Sem titubeios ou vacilações, John declinou da proposta que lhe foi
dirigida. Jamais haveria de permutar sua fé na Palavra de Deus por uma
honrosa cadeira no parlamento.
Aos quinze anos, após ouvir a proclamação milerita, uniu-se com
entusiasmo e devoção ao grupo dos fiéis que aguardavam a iminente
vinda do Senhor. Sofreu a terrível e refinadora experiência que
significou o grande desapontamento de 1844. Viveu as incertezas e as
angústias que se seguiram ao 22 de outubro. Testemunhou posteriormente
os ruidosos acontecimentos que ocorreram em Paris e a maneira
providencial como Deus operou por intermédio do casal White. Como
resultado, no dia 14 de setembro de 1849, decidiu lançar sua sorte com o
A Mão de Deus ao Leme
229
"pequeno rebanho", tornando-se posteriormente uma de suas figuras
mais expressivas.
Durante trinta e quatro anos serviu a Igreja como evangelista,
teólogo, administrador e missionário. Sua dedicação infatigável aos
ideais do adventismo fê-lo antecipar prematuramente o crepúsculo dos
seus dias. Aos cinqüenta e quatro anos, após um ministério pleno de
realizações, a chama da sua existência se apagou, deixando na Igreja um
imenso vazio, que em vida soube preencher não só com o brilho de sua
erudição, mas também com o fervor com que executou as tarefas que lhe
foram confiadas.
Aos vinte e um anos iniciou suas atividades como evangelista e
escritor. Em 1850, quando as publicações adventistas ensaiavam os
primeiros e vacilantes passos, foi nomeado membro do conselho
editorial da casa publicadora "Review and Herald", tornando-se em
pouco tempo um dos seus mais prestigiados escritores. De sua pena
fluíram centenas de artigos nos quais encontramos habilidade editorial,
erudição e um profundo conhecimento das Escrituras.
Perspicaz, sereno e despretensioso, destacou-se como talentoso do
pensamento teológico adventista, revelando sempre em seus livros e
artigos, a força de uma lógica brilhante e convencedora.
Foi o primeiro adventista a defender com fundamento bíblico o da
observância do sábado, de um a outro pôr-do-sol. Foi o primeiro a
discernir ''na besta que subiu da terra'', no capítulo 13 de Apocalipse, um
símbolo dos Estados Unidos da América.
Mas seu trabalho mais relevante, no qual se empenhou durante
vários anos, foi sem dúvida a publicação de um livro de 341 páginas,
intitulado History of the Sabbath and First Day of the Week (A História
do Sábado e do Primeiro Dia da Semana.) Vindicando neste livro a
genuinidade do sábado, tanto do ponto de vista bíblico como histórico,
Andrews logrou conquistar o respeito e a admiração da comunidade
intelectual de seus dias.
A Mão de Deus ao Leme
230
Em 1867, os delegados convocados pela Quinta Assembléia da
Associação Geral, elegeram-no para dirigir os destinos da Igreja. As
estatísticas denominacionais apresentavam então os seguintes números:
28 ministros, 160 igrejas, 4.320 membros, e fundos disponíveis de 4.212
dólares e 17 centavos. Apesar dos enormes obstáculos que pareciam
insuperáveis, a Igreja gradualmente ''alongava as suas cordas e firmava
as suas estacas''.
Sob sua liderança o movimento adventista iniciou a marcha
vitoriosa rumo ao Oeste. Ocorria então a grande epopéia da expansão
dos Estados Unidos no vasto território em direção às praias do Pacífico.
Homens e mulheres empacotavam seus limitados pertences e lotavam
com eles os carroções e, em seguida, moviam-se centenas e milhares de
quilômetros em busca de melhores oportunidades e possibilidades. Sob a
orientação de Andrews a Igreja também avançou, alcançando no Oeste
seus mais assinalados triunfos.
Com efeito, após haver plantado raízes profundas no leste e no
centro, a Igreja Adventista avançava agora triunfalmente em direção ao
sul e ao oeste dos Estados Unidos.
Entretanto, o imperativo de proclamar o evangelho além das
fronteiras nacionais parecia não figurar nos planos da Igreja naqueles idos.
Não obstante, Deus procurava um homem qualificado para inaugurar o
programa de evangelização em "todas as nações, tribos, línguas e povos".
No dia 15 de setembro de 1874, John N. Andrews, já viúvo,
embarcava com uma filha e um filho no porto de Boston, rumo à Europa,
onde lançaram os fundamentos da obra adventista. Com este evento – a
partida do primeiro missionário adventista – abriu-se uma nova era na
história denominacional, quando a Igreja passou a conhecer a atração dos
horizontes distantes.
O embarque de Andrews foi, com efeito, um dos grandes momentos
de nossa história. O adventismo retomava então a herança apostólica, e
iniciava uma gloriosa epopéia marítima, que com o transcurso dos anos
haveria de lhe dar uma extraordinária dimensão internacional.
A Mão de Deus ao Leme
231
A vida de Andrews foi um constante salmo de vitória sobre a dor e
o infortúnio. No início do ministério sofreu um conjunto de distúrbios
orgânicos que tornaram sua vida um fardo opressivo e esmagador. Sofria
de dispepsia, insônia, e prostração nervosa. Tal era o seu estado físico,
que foi obrigado a abandonar temporariamente os labores ministeriais.
Em 1872, morreu Angelina, fiel e dedicada companheira, deixandoo com dois filhos adolescentes. Com incansável fidelidade e amorável
esperança, assistiu-a até o derradeiro momento. Perdeu a batalha, mas
não a confiança em Deus e Seus insondáveis desígnios.
Em 1878 retornou da Suíça aos Estados Unidos, trazendo consigo a
filha Maria, então debilitada por uma enfermidade insidiosa e cruel.
Esperava vê-la recuperada no sanatório de Battle Creek. Viu, entretanto,
suas esperanças frustradas. Maria, em quem ele cifrara suas melhores
esperanças de assistência em seus trabalhos editoriais, morreu aos
dezenove anos, vítima de padecimentos cruéis. Com o coração
quebrantado por tamanha perda, entristecido, sentenciou: "Parecia estarme agarrando a Deus com mão amortecida.''16
Naquela ocasião a Sra. White escreveu-lhe uma carta consoladora,
da qual extraímos o seguinte parágrafo:
"Vi-o em minha última visão. Sua cabeça inclinava-se para a terra, e o
irmão com lágrimas acompanhava a querida Maria ao último lugar de
descanso neste mundo. Então vi o Senhor contemplando-o pleno de amor e
compaixão. Vi Aquele que há de dar a vida aos nossos corpos mortais, e sua
esposa e filhos saírem, da sepultura revestidos de imortal esplendor."17
Andrews não se assemelhava a vasos de cristal ou porcelana. As
pressões e opressões da vida ele as suportou com a resistência própria de
uma peça de aço. Sua vida não foi como a de uma planta nascida em um
viveiro, mas semelhante a um carvalho altaneiro, fustigado pela tormenta.
Após a morte da filha, regressou a Basiléia, Suíça, disposto a
continuar a obra pioneira que havia começado alguns anos antes. Porém,
sentia-se agora fisicamente alquebrado. A tuberculose – terrível flagelo
do século – iniciava sua ação erosiva, minando-lhe o corpo cansado. Em
março de 1881, escreveu:
A Mão de Deus ao Leme
232
"Lastimo não poder falar mais favoravelmente a respeito de minha
saúde. Estou lutando com uma doença mortal, a tísica, e minha situação é
bem séria. A dificuldade está agora confinada aos pulmões. Outras coisas
que em casos de pessoas tísicas são geralmente desfavoráveis, são todas,
no meu caso, favoráveis. Mas as garras da morte pesam-me sobre os
pulmões, e a não ser que isto possa ser dominado, eles serão consumidos.
Esta enfermidade dos pulmões enfraqueceu-me tanto que me vejo na
contingência de ficar de cama, e faço todo o meu trabalho escrito ditando;
mas há muitos dias em que não posso escrever senão três ou quatro
sentenças, e dias há em que não me é possível escrever uma palavra
sequer. Devido à doença, o último artigo que mandei para a Review... levou
dez dias de trabalho."18
No dia 6 de maio de 1883, Jean Vuilleumier, um dos obreiros da
casa publicadora da Basiléia, Suíça, assistente de Andrews em seus
trabalhos editoriais, após visitá-lo, escreveu:
"Fui vê-lo na noite passada. Ele eslava deitado. Tinha os olhos úmidos.
Começou a falar acerca de seu trabalho e acrescentou: 'Se Deus não me
der forças para escrever para este número, tomarei isto como sinal de que
devo morrer. O motivo de eu ficar triste por morrer agora é que tenho
naquelas caixas grande quantidade de manuscritos que gostaria de terminar.
... Se eu morrer tudo isso se perderá, pois os que vierem depois de mim não
saberão de sua existência. Mas seria melhor que eu descansasse, e devo
orar continuamente a Deus para que me ajude a resignar-me a Sua santa
vontade.' "19
Algumas semanas mais tarde a Associação Geral enviou sua idosa
mãe e o Sr. B. C. Whitney, seu amigo particular, para assistirem e
confortarem o solitário e cansado obreiro em seus derradeiros dias.
Encontraram-no já desfigurado, vencido pela enfermidade. Não obstante
seu estado desesperador, apegava-se com impressionante dedicação à
vida e ao trabalho.
Jean Vuilleumier visitou-o outra vez no dia 21 de outubro, quando
os raios solares, já esmaecidos penetravam naquele quarto. Uma idosa
senhora abanava carinhosamente a face do filho moribundo. John N.
Andrews vivia os momentos de agonia que precederam a morte.
A Mão de Deus ao Leme
233
Seus últimos anos foram especialmente carregados de pesares e
quebrantos. Mas em meio às suas angústias e aflições, encontrou as
inspirações mais puras, cantou os mais belos cânticos e sentiu os mais
sublimes êxtases.
JORGE I. BUTLER
A madrugada de 12 de novembro de 1834 despontou silenciosa e
calma. Um alvo lençol de neve cobria os campos e as pradarias que
circundavam Waterbury, em Vermont, nos Estados Unidos. As árvores
acumulavam em seus galhos desnudos graciosos flocos de neve,
emprestando àquela paisagem encanto e sedução. Naquela hora matinal,
no lar da família Butler, ecoou um vagido agudo e penetrante. Era Jorge *
anunciando de forma ruidosa sua chegada ao mundo.
Seu avó, Ezra Butler, havia sido influente e aclamado homem
público. Após haver ocupado alguns cargos de relevante importância na
comunidade, tornou-se governador do Estado de Vermont, em 1826.
Seu pai, Ezra Pitt Butler II, era respeitado por todos como um
homem religioso, nobre e íntegro. Evidentemente, Jorge foi favorecido
por um precioso legado biológico. Do avó herdou a tenacidade, o espírito
*
Jorge é o correspondente a George, em português.
A Mão de Deus ao Leme
234
frugal e a habilidade executiva; do pai recebeu como patrimônio a
honradez, a piedade e uma inquebrantável confiança em Deus e Seus
soberanos desígnios.
Em 1839, a família Butler – os pais e seis filhos – à semelhança de
muitos milhares, aceitou a proclamação milerita. Em duas oportunidades
Guilherme Miller os visitou e os instruiu no conhecimento das profecias.
Nos primeiros alvores da manhã de 22 de outubro de 1844, Jorge,
seus irmãos e irmãs, seus pais e muitos outros reuniram-se para cantar e
orar, enquanto aguardavam a gloriosa manifestação de Cristo "em Sua
vinda e em Seu reino''. Mas transcorreram as horas matinais e o Senhor
não veio. Passou a tarde e o sol se ocultou no poente, e a "bemaventurada esperança" não se materializou.
"Ele virá à noite", afirmaram alguns, plenos de convicção e
esperança. E entre anseios e apreensões, aguardaram-nO até a meianoite. Mas a vinda do Senhor não se consumou.
Aquela foi, com efeito, uma noite amarga, cheia de tristezas e
desenganos. Os fiéis adventistas e, entre eles a família Butler, sentiramse envoltos pelas sombras impenetráveis de uma insuportável solidão
espiritual.
Jorge era demasiado jovem para entender as razões do grande
desapontamento. O ridículo e a zombaria que sofreram levaram-no aos
abismos escuros da incredulidade.
Os anos descuidados da juventude, ele os viveu sem preocupações
de natureza religiosa. Até os vinte e dois anos, revelou-se cético, com
evidentes tendências agnósticas. Leu a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse
duas ou três vezes. Admitiu haver encontrado em suas páginas "muitas
coisas preciosas". "Porém" – acrescentou – "suas inúmeras contradições,
tornam-na incompreensível." Mas, apesar de seu espírito irreligioso,
decidiu conduzir-se sempre com retidão e integridade.
Em 1856, enquanto viajava em um barco ao longo do rio Missouri,
desceu em Rock Island, onde a embarcação se deteve para receber um
carregamento especial. Enquanto vagava pelas ruas da cidade, seu
A Mão de Deus ao Leme
235
pensamento mergulhou em profundas reflexões. Sua mente foi então
iluminada com as cintilações de um texto bíblico que lhe era favorito:
"Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto,
tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é
de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai."20
Uma interrogação agitou seu espírito: "Por que rejeitar as boas
coisas existentes nas Escrituras?'' E enquanto meditava decidiu em Seu
coração aceitar as porções da Bíblia que lhe pareciam compreensíveis e
proveitosas. Após esta decisão, sentiu a alma inundada por uma doce paz
interior. Regressou à embarcação e, de joelhos, entregou a vida ao
Senhor. Posteriormente, confessou publicamente sua fé no Salvador e foi
batizado pelo Pastor J. N. Andrews.
Suas qualificações inatas levaram os membros de sua congregação
a nomeá-lo diácono e posteriormente ancião. No exercício destas
funções conduziu-se sempre com contagiante entusiasmo e admirável
dinamismo e consagração.
Pouco tempo depois, uma grave crise irrompeu no Estado de Iowa,
ameaçando fraturar a unidade da Igreja. Os pastores Snook e
Brinkerhoff, respectivamente presidente e secretário-tesoureiro da
Associação, inspirados por sentimentos inconfessáveis, rebelaram-se
contra a autoridade da Associação Geral. Quando viram suas intenções
postas a descoberto, renunciaram.
Aquele foi um momento crucial para a Igreja, carregado de tensões
e incertezas. Butler, que até então se ocupava dos labores agrícolas, foi
escolhido para conduzir os destinos da Associação. Com extraordinária
energia lançou-se à obra, restaurando a unidade, inaugurando naquele
Campo uma era de paz e acelerado progresso estatístico. Dois anos após
sua eleição como presidente, foi ordenado ao ministério.
Em 1871, depois de haver conduzido com indiscutível êxito os
destinos da Associação de Iowa, foi eleito presidente da Associação Geral.
Sob sua administração o movimento adventista viveu um momento
de acelerado crescimento e acentuada expansão. Desfrutando uma saúde
A Mão de Deus ao Leme
236
exuberante, acompanhou a Igreja em todos os seus principais eventos.
Assistiu às grandes reuniões campais, pregando sobre os grandes temas.
de fé, aos milhares de fiéis congregados. Aos obreiros reunidos em
concílios ministeriais, renovava amiúde sua confiança na autenticidade
do adventismo e aos administradores ocupados em comissões, dirigia
sempre uma mensagem orientadora e conselheira.
"Estou convencido'' – declarou em certa ocasião – "de que os jovens
devem ser preparados para servir à Igreja. A causa Adventista do Sétimo
Dia se expande rapidamente. Necessitamos de uma boa instituição
educacional." Esta convicção o animou a lançar, em 1874, os fundamentos
de um colégio em Battle Creek, onde centenas de estudantes foram
preparados para servir à Igreja em seus diversos setores.
Ao fim de seu mandato como presidente da Associação Geral, em
1874, retornou à presidência da Associação de Iowa, sendo substituído
por Tiago White, convocado então pela terceira vez para dirigir os
destinos da Igreja.
Em 1880 foi convidado outra vez para tomar em suas mãos o timão da
embarcação adventista. Embora altamente dotado para exercer as funções
de liderança da Igreja, a administração era para ele um ônus insuportável.
Em uma carta dirigida a Artur G. Daniells, que mais tarde haveria
de se tornar também presidente da Associação Geral, expressou seus
sentimentos mais íntimos dizendo:
"Digo-lhe, Artur, que havendo sido presidente por três anos e retirandome... preferiria agora a morte a ter que assumir o encargo outra vez." 21
Não ocultou suas preocupações ao antecipar as graves crises que em
breve haveriam de agitar a Igreja. Por isso, deplorando a morte do Pastor
White ocorrida em 1881, um ano após sua reeleição, escreveu: "Ao vê-lo
em seu ataúde, tão calmo e sereno, quase invejei a sua sorte.''22
Porém, apesar de insatisfeito com a idéia de assumir outra vez a
presidência da Associação Geral, logrou conduzir a nau adventista com
serenidade e firmeza, em meio ás tormentas que a acossaram durante seu
tormentoso mandato.
A Mão de Deus ao Leme
237
Pouco depois de sua reeleição, a Igreja foi agitada por uma crise
inquietante. A autoridade da Sra. White foi seriamente questionada.
Butler publicou na Review and Herald uma série de dez artigos
defendendo a legitimidade do dom profético manifestado na Igreja. Mas
o tratamento dado ao assunto foi incorreto e, por isso, a Sra. White lhe
enviou uma mensagem pessoal censurando-o por alguns pensamentos
vertidos em seus artigos.
Ao pressentir a apostasia de D. M. Canright, e temendo suas
conseqüências sobre a Igreja, empregou seus melhores esforços para
salvá-lo de um naufrágio espiritual. Vendo baldados seus esforços,
declarou com o coração quebrantado:
"Ele (Canright) se desanimou. Ignoramos as razões do seu desalento.
Porém, de acordo com vários testemunhos, podemos concluir que a causa
de seu abatimento reside no desapontamento sofrido por não haver sido
eleito presidente da Associação Geral."23
Mais tarde, preocupado com as idéias defendidas por A. T. Jones e
E. J. Waggoner, jovens editores da revista The Signs of the Times, que
pareciam ignorar deliberadamente a importância da lei de Deus, decidiu
arvorar a bandeira de luta em defesa da "verdade ameaçada". Para ele os
dois jovens redatores se apresentavam no seio da Igreja como intérpretes
de um evangelho desfigurado. Com a pena e a voz intentou neutralizálos. Mas, surpreso e perplexo, descobriu que os novos ensinamentos
eram endossados pela Sra. White.
A controvérsia teológica entre o presidente da Associação Geral e
seus associados e os jovens redatores e seus simpatizantes, encontrou seu
ponto culminante na assembléia geral celebrada em Minneapolis, em
1888.
Tendo a esposa seriamente enferma e sentindo sua própria saúde
debilitada, Butler decidiu não comparecer ao encontro em Minneapolis,
excluindo-se desta forma dos debates históricos que marcaram aquela
assembléia. Entendeu, entretanto, que não mais deveria continuar na
presidência. Embora ausente, recebeu dos delegados merecida homenagem,
A Mão de Deus ao Leme
238
pois sob sua liderança a Igreja cresceu de quinze mil, quinhentos e
setenta, para vinte e seis mil, cento e doze membros. Foi então aprovado
um voto de apreciação por seu "fiel e dedicado labor... acompanhado
com os melhores desejos de recuperação física, para que a causa possa
ainda ser beneficiada com os conselhos resultantes de sua valiosa
experiência''.24
Butler se retirou para desfrutar a quietude de uma existência longe
das pressões e tensões de Battle Creek. Sua esposa, entretanto, vítima de
um derrame cerebral, tornou-se inválida, e por treze anos, com admirável
dedicação e desvelo, ele a acompanhou até o dia quando entre lágrimas e
esperanças, a levou à morada do silêncio.
Em sua solidão, refletindo sobre os acontecimentos que precederam
e sucederam o turbulento encontro de Minneapolis, compreendendo
então o significado da doutrina da justificação pela fé defendida pelos
irmãos Jones e Waggoner, escreveu um artigo expressando seu mais
profundo arrependimento e pesar. Entre outras coisas, ele disse:
''Admito francamente, que durante um determinado período fui
perturbado pela dúvida sobre estes assuntos (a justificação pela fé e temas
afins)... Estando enfermo não assisti à assembléia da Associação Geral em
Minneapolis. ... Aqueles foram anos de aflições, tristezas, tentações e
perplexidades. ...
"Não pretendo apresentar uma escusa pelos erros e equívocos que
marcaram minha vida. Não suplico simpatia. Desejo, sobre todas as coisas,
encerrar com alegria o registro de minha vida. Muitas vezes tenho orado
como Davi: 'Não me desampares quando se forem acabando as minhas
forças.' Salmo 71:9 Cristo me é muito precioso. ... Meu coração muitas
vezes arde dentro de mim, sempre quando trago uma alma a Cristo. Espero
ainda poder servi-Lo humildemente em Sua vinha."'25
Na assembléia da Associação Geral celebrada em 1915, na cidade
de São Francisco, Califórnia, quando da discussão de uma proposta para
fechar a Faculdade de Medicina de Loma Linda, devido a alguns
problemas financeiros, Butler, já vergado ao peso dos anos, pediu a
palavra e assim se expressou:
A Mão de Deus ao Leme
239
"Estou velho agora, e já não sei muito. Vocês são jovens e vigorosos e
sabem o que deve ser feito. Logo será tomado o voto, porém antes que isso
ocorra, deixem-me dizer o seguinte: Vocês sabem que eu sou Jorge I.
Butler. Fui presidente da Associação Geral e penso que recebi mais
testemunhos da serva do Senhor que qualquer um de vocês, e, em sua
maioria foram de reprovação. ... Entretanto, esta mão não aprendeu a votar
o fechamento do que Deus disse que deveria ser aberto."26
A Faculdade de Medicina de Loma Linda não foi fechada.
Em 1918 os médicos diagnosticaram nele um tumor maligno na
cabeça. Butler recebeu a notícia com admirável estoicismo e resignação.
Com as notas harmoniosas de um velho hino, expressou o gozo
irradiante de uma vida escondida em Cristo:
Embora pobre, desprezado e esquecido,
De mim, porém, não Se olvidou o Senhor.
Ele me tem guiado e protegido,
Seu amor é para mim doce penhor.
Afinal, no dia 25 de julho de 1918, enquanto os canhões rugiam
destruidores, ensangüentando os campos na velha Europa, descansou
suavemente G. I. Butler, um príncipe em Israel.
OLE A. OLSEN
Em 1850, na crista de uma imensa onda migratória, Andrew Olsen,
a esposa e um pequeno filho – Ole – transferiram sua residência na
A Mão de Deus ao Leme
240
Noruega, seu país natal, para os Estados Unidos da América do Norte, a
fim de participarem da fascinante aventura que significou a conquista de
um extenso território, rico e selvagem, no Novo Mundo.
Do convés da embarcação que os levou à América, o Sr. Olsen
contemplava comovido, pela última vez, as lindas praias do país natal, de
onde partiram os Vikings em suas célebres e legendárias incursões
náuticas. Aquele era um momento carregado de emoções. Sua mente
parecia inundada por um dilúvio de suaves e enternecedoras recordações.
Depois de uma emotiva incursão ao passado, seus pensamentos o
transportaram ao futuro com as suas incertezas, apreensões e interrogações.
– Papai – perguntou-lhe o filho – quando voltaremos a rever a
Noruega?
Absorto, mergulhado em profundas reflexões, pareceu não ouvir a
pergunta suscitada por Ole, um menino de cinco anos.
– Por que estamos nós viajando? – insistiu o filho.
– Porque queremos começar uma nova vida, em um novo país
respondeu o pai, interrompendo suas reflexões e devaneios.
– Quanto tempo levaremos para chegar lá?
Com sua mirada vagamente voltada para a paisagem cada vez mais
distante, respondeu:
– Sessenta e três dias. – E acrescentou: – Se os ventos ajudarem.
E os dias transcorreram, uns ociosos e monótonos, outros agitados e
excitantes. Após mais de dois meses de exaustiva jornada marítima,
chegaram a Nova Iorque, então fascinante centro por onde cruzavam
numerosas e bulhentas levas de imigrantes, em busca de horizontes mais
amplos e melhores oportunidades econômicas.
De Nova Iorque seguiram para o Estado de Wisconsin, conhecido
por todos como o eldorado agrícola. Após haver escrutinado
cuidadosamente todas as áreas disponíveis, o Sr. Olsen escolheu uma
linda gleba, de cujo solo, com o favor divino, haveria de arrancar
colheitas generosas e abundantes. Com energia e determinação, derrubou
as primeiras árvores, abrindo espaço para edificar a casa onde então se
A Mão de Deus ao Leme
241
estabeleceram. Uniram-se à Igreja Metodista Episcopal, localizada nas
cercanias de onde mais tarde se retiraram para formar uma pequena
congregação integrada por oito famílias norueguesas que observavam o
sábado.
Em 1858, após uma série de conferencias conduzida por Waterman
Phelps, o Sr. Olsen e família aceitaram a mensagem adventista, e, através
da experiência do batismo, tornaram-se membros da comunidade
adventista local.
Aos dezenove anos de idade, o jovem Ole completou os estudos
secundários em uma escola Batista do Sétimo Dia, situada a poucos
quilômetros de sua casa. Em 1867, matriculou-se no colégio adventista
de Battle Creek, onde freqüentou algumas classes especiais, porém
jamais completou qualquer currículo acadêmico. Sua insuficiência
acadêmica, entretanto, foi compensada com os benefícios de um intenso
e disciplinado programa de leituras e observações.
Em 1868, casou-se com Jennie Nelson, jovem piedosa, filha de um
colono que também se havia estabelecido naquela região. Inspirado pelos
sermões pregados pelos vários pastores que freqüentemente os visitavam
em Oakland, acariciou no coração o ideal de dedicar a vida à obra
ministerial.
Reconhecendo nele uma vocação pastoral inata, os dirigentes da
Associação de Wisconsin decidiram convidá-lo a dedicar-se a Deus e à
causa adventista. Em 1869, foi-lhe oficialmente outorgada uma licença
ministerial e, com ela, a tarefa de evangelizar as colônias norueguesas em
Wisconsin. No dia 2 de julho de 1873, foi ordenado ao ministério e, um ano
depois, aos 29 anos de idade, foi eleito presidente da Associação local.
Revelando-se um administrador firme, sereno e equilibrado, foi mais
tarde eleito presidente das Associações Dakota do Sul, Minnesota e Iowa.
Era, entretanto, um obreiro destituído de pretensões. Apesar de respeitado
por todos como eficiente líder, preferiu interromper as atividades
administrativas para voltar ao país de origem, de onde partiu aos cinco
anos, para se ocupar em um incansável programa de evangelização.
A Mão de Deus ao Leme
242
Nas páginas de seu diário encontramos as evidências de um
entusiasmo que não conhecia limites. Pregava todos os dias da semana,
em algumas ocasiões até duas e três vezes ao dia. Jamais repetia o
mesmo sermão ou usava o mesmo texto. Caminhava muitas vezes quinze
a vinte quilômetros sobre a neve, enfrentando os rigores e as adversidades
próprias da estação invernal, a fim de levar uma palavra de esperança às
congregações que o aguardavam ansiosas.
As anotações registradas em seu diário nos revelam a dedicação de
um pai terno e amoroso, preocupado com a sorte dos filhos. Enquanto
em uma de suas incursões missionárias, recebeu a inquietante notícia de
que o filho Clarence estava enfermo, e seu estado inspirava cuidados. As
seguintes linhas, inseridas em seu diário, traduzem as angústias e
apreensões de um pai atribulado pela incerteza: "Caminhei vinte e quatro
quilômetros até uma agência do correio para buscar uma carta escrita por
Jennie (sua esposa) com notícias do nosso pequeno Clarence."27 Ele
faleceu aos 10 anos de idade, deixando dois irmãos – Alfredo, que se
tornou médico e diretor do nosso hospital na Inglaterra, e Mahlon, que se
dedicou às atividades educacionais.
Em outubro de 1888, na tormentosa assembléia da Associação
Geral celebrada em Minneapolis, Minnesota, Ole A. Olsen foi escolhido
para dirigir os destinos da igreja mundial. Diante das controvérsias que
marcaram aquele histórico encontro, impunha-se como imperativa a
presença de um timoneiro hábil e sereno, capaz de restaurar a harmonia e
consolidar a unidade da Igreja.
Olsen não participou dos trabalhos e discussões daquela assembléia.
Suas atenções estavam centralizadas de forma absorvente no programa
de evangelização da Escandinávia. Entretanto, em seu diário pessoal
registrou "haver recebido dos irmãos a informação'' 28 de que havia sido
eleito presidente da Associação Geral. Não obstante, continuou cumprindo
normalmente seu extenuante itinerário, visitando os fiéis dispersos e
confirmando-os na esperança.
A Mão de Deus ao Leme
243
Para um homem modesto e destituído de qualquer pretensão, não
havia grande diferença entre continuar pregando em seu país de origem,
ou assumir a presidência da Associação Geral.
Alguns meses mais tarde, em seu diário encontramos um lacônico
registro: "Embarcando hoje rumo à América para assumir os deveres da
Associação Geral.''29
Sua primeira tarefa, ao tomar o timão da embarcação adventista, foi
pacificar os espíritos conturbados com as controvérsias teológicas que
agitaram a última assembléia da Associação Geral. Com imperturbável
serenidade conseguiu reduzir as áreas de atrito, restaurando gradualmente a
unidade e a paz. Um ano após sua eleição, declarou com alegria:
"Sinto-me grato pelo espírito que agora permeia a obra, e confio que
haveremos de avançar com fé e coragem como nunca antes. Espero que a
unidade no trabalho aumente mais e mais, de forma progressiva e
constante."30
Sob sua administração a Igreja alargou suas fronteiras geográficas,
não somente nos Estados Unidos, mas também na Europa, África e
América do Sul. Sua paixão por conquistar os horizontes distantes,
inspirou-o a elaborar grandes planos de ação, tendo em vista ampliar e
fortalecer o programa missionário em regiões longínquas. A fim de
melhor se familiarizar com os problemas, desafios e oportunidades da
obra em expansão, decidiu submeter-se aos rigores próprios que
caracterizavam naqueles idos as longas viagens ao redor do mundo.
Em 1897 cruzou o Atlântico, rumo à África, com o propósito de
visitar Solusi, em Zimbabwe, o primeiro posto avançado no "continente
escuro''. Depois de haver desembarcado na Cidade do Cabo, no sul do
continente, seguiu de trem até Balawayo, completando a última etapa
desta extenuante viagem, em uma carroça puxada por uma parelha de
bois. Sua chegada a Solusi foi um acontecimento emotivo e pleno de
significação para os missionários que ali conduziam uma obra pioneira.
A história daquele posto missionário, em seus primeiros anos, foi
escrita ''com suor, sangue e lágrimas''. Passou a ser o símbolo sinistro de
A Mão de Deus ao Leme
244
uma grande tragédia. Os primeiros missionários que ali chegaram,
vítimas das condições insalubres então prevalecentes, pagaram um
tributo demasiado alto. Vítimas de uma febre epidêmica, morreram o Dr.
Carmichael, o Pastor Tripp e seu filho, a irmã F. B. Armitage, o irmão F.
C. Mead, heróis anônimos que tombaram enquanto serviam ao Senhor.31
Olsen não ocultou suas preocupações ao sentir a necessidade de
melhores condições sanitárias e maior provisão de alimentos nutritivos,
tendo em vista proteger aquelas famílias contra as enfermidades que,
insidiosas, infestavam a região. Após completo estudo dos problemas
existentes em Solusi, ordenou algumas medidas urgentes, tendo em vista
prover aos missionários e suas famílias melhores condições de trabalho e
mais elevados índices de salubridade.
W. H. Anderson, um dos missionários que vivia naquela estação
missionária, escreveu mais tarde:
"Nossos corações foram alentados cola a visita do Pastor Olsen.
Apreciamos imensamente seus conselhos. Depois de havermos estado
isolados por um longo tempo daqueles que partilham a mesma fé, foi
agradável a oportunidade de assistir outra vez a uma série de estudos
bíblicos, dirigidos por um professor tão eficiente colmo o Pastor Olsen."32
Após a visita a África, conhecendo suas necessidades e desafios,
repetia constantemente em seus apelos: "Necessitamos mais jovens
piedosos, dispostos a ir àquelas regiões distantes e proclamar o poder
redentor de Cristo."33
Durante seu mandato presidencial a Igreja viveu um período de
grande crescimento e acentuada expansão. A obra de publicações foi
ampliada, as escolas se multiplicaram e através de intenso e coordenado
programa de evangelização, milhares de almas foram batizadas.
Liberado de suas esgotantes responsabilidades como presidente da
Associação Geral, foi enviado à África para consolidar o trabalho
iniciado entre os nativos, e assessorar no estabelecimento de novas
estações missionárias.
Alexandre Mackay, antes de partir como missionário para a África,
fez o seguinte pronunciamento:
A Mão de Deus ao Leme
245
"Sabeis que de cada oito que partem para a África, ao menos um
morrerá antes dos seis meses. Pois bem, quero pedir que quando chegar a
notícia de meu falecimento, ninguém desanime, mas mandem outro
imediatamente para tomar o meu lugar."34
O Pastor Olsen conhecia muito bem o alto custo da penetração
missionária em solo africano. Havia visto compungido, em Solusi e em
outros lugares, as humildes e solitárias tumbas dos missionários que
sucumbiram enquanto lutavam para promover os triunfos da causa de
Deus. Mas, apesar dos riscos, aceitou de bom grado suas novas tarefas.
Posteriormente foi chamado para dirigir o trabalho na Europa. Em
1905, embarcou para a Austrália, onde permaneceu durante vários anos
"lutando a boa milícia da fé", consolidando a boa obra iniciada pela Sra.
White, Daniells e outros pioneiros do trabalho naquele continente.
Regressando aos Estados Unidos, foi eleito vice-presidente da
Associação Geral, e nesta responsabilidade serviu ao Senhor até a morte.
Foi um dirigente de coração puro e hábitos irrepreensíveis. Viveu e
morreu animado pelo afã de magnificar a Cristo e Sua obra redentora. Poderia,
no crepúsculo da vida, sintetizar sua experiência ministerial repetindo as
palavras de Paulo: ''Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé."
JORGE A. IRWIN
A Mão de Deus ao Leme
246
Foi um momento de grave crise na história americana. Uma
explosiva e apaixonante controvérsia minava de forma insidiosa a
unidade nacional. Abraão Lincoln, após tumultuosa campanha contra o
odioso regime escravocrata, venceu as eleições (1861), tornando-se o
décimo sexto presidente dos Estados Unidos. Sua eleição foi a senha
para o início de uma guerra fratricida e cruel, conhecida como a "Guerra
da Secessão". Seis Estados do Sul que favoreciam o aviltante comércio
dos escravos separaram-se da União, para formar uma nação
independente, a Confederação dos Estados da América.
Em discurso memorável, Lincoln apresentou à nação uma vibrante
conclamação à luta, tendo em vista esmagar a rebelião e restaurar a
unidade nacional. Como resultado, uma onda de fervor patriótico
inundou o país. Jorge* Irwin, então um agricultor com dezessete anos,
contagiado por um enorme fervor cívico, alistou-se como voluntário para
lutar contra a Confederação separatista.
Foi enviado á capital – Washington – onde recebeu o treinamento
necessário para participar no conflito contra a rebelião. Posteriormente,
integrando a Primeira Companhia do Segundo Regimento de Infantaria
dos Voluntários de Ohio, foi enviado às linhas de frente. Animava-o a
esperança de que dentro de noventa dias as tropas do Sul seriam
vencidas. As forças adversárias, porém, com inesperado e surpreendente
poder de fogo, lograram prolongar o conflito durante cinco penosos
anos, caracterizados por angústias, privações e incertezas.
Após haver participado com bravura em dezessete batalhas, e
testemunhado com assombro a tragédia da guerra com todo seu espanto e
horror, foi tomado como prisioneiro pelos exércitos inimigos. Com
centenas de outros companheiros de infortúnio, foi levado à prisão de
Andersonville, sórdido campo de concentração conhecido pelas
atrocidades cruéis a que eram submetidas suas infelizes vítimas.
*
Jorge é o correspondente para George, em português.
A Mão de Deus ao Leme
247
Perplexo, viu homens desnudos, uns afligidos pela fome, outros
torturados por agudas infeções intestinais. Em meio às condições abjetas
e subumanas que caracterizavam aquele lugar, acompanhou comovido
soldados em seus últimos estertores, vítimas do tétano, tuberculose, tifo e
outras enfermidades fantasmas que, sinistras, rondavam aquele
desventurado acampamento de prisioneiros.
Um ministro os visitava regularmente na prisão, assistindo não
somente aos enfermos, mas também dirigindo a todos palavras de fé,
consolo e esperança. Um dia, Jorge recebeu o exemplar de um livro
intitulado Saint's Everlasting Rest (O Descanso Eterno dos Santos),
escrito por Baxter, conhecido pregador puritano. A estimulante leitura
deste livro transformou-lhe o coração, levando-o contrito a aceitar a
Jesus.
Finalmente, no dia 9 de abril de 1865, numa manhã primaveril,
retumbou por toda a parte o eco festivo de uma alegre nova: O conflito
havia terminado. Os jornais, com grandes manchetes, anunciavam em
sucessivas edições o festivo e histórico acontecimento:
EXTRA! EXTRA! O General Lee Rendeu-se ao General Grant.
A guerra terminou. As prisões militares abriram seus imensos
portões. Entre os milhares que foram liberados, estava Jorge, feliz por
poder respirar uma vez mais o ar fresco da liberdade e pela ventura de
haver escapado com vida dos horrores daquela conflagração civil.
O conflito havia deixado por toda parte terríveis rastros de morte e
destruição, bem como um desventurado contingente de indivíduos com
deficiências físicas irreparáveis.
Retornando a Ohio, Jorge passou a assistir a uma igreja
congregacional, transferindo-se posteriormente a uma igreja metodista
situada nas cercanias de sua casa. No dia 7 de setembro de 1867,
contraiu núpcias com Nettie Johnson, atraente professora que se
destacava por suas maneiras graciosas e aspecto gentil.
No inverno de 1884, a família Irwin uniu-se aos vizinhos, assistindo
a uma série de conferências conduzida por D. W. Lindsay e W. H.
A Mão de Deus ao Leme
248
Saxby, dois talentosos evangelistas adventistas. Jorge, a esposa e Carlos,
um filho de quinze anos, sob a influência convincente do Espírito Santo,
aceitaram a mensagem adventista e uniram-se, mediante o batismo, à
igreja de Monte Vernon, Ohio.
A esperança adventista deu-lhes uma nova experiência religiosa,
uma dimensão espiritual mais abarcante e profunda. "Servirei a Deus
com afeto indiviso", declarou Jorge, resoluto. "Viverei uma existência
frugal a fim de poder contribuir mais generosamente para a Sua causa....
Santificar-me-ei pela obediência à verdade em sua plenitude."35
Reconhecendo nele qualificações latentes para o exercício da obra
ministerial, a Associação de Ohio dirigiu-lhe um convite para cuidar de
diversas igrejas localizadas nas proximidades de sua residência. Pouco
mais tarde se tornou tesoureiro desta Associação, sendo posteriormente
eleito presidente.
Depois recebeu um convite para dirigir o programa adventista de
penetração no sul do país. As marcas de sua obra pioneira na região
podem ser vistas ainda em nossos dias, nas igrejas e instituições então
edificadas. Dele podemos dizer que foi um diligente "lavrador". A
lâmina do seu arado penetrou sempre de forma profunda o solo onde lhe
foi dado exercer suas atividades ministeriais.
Em março de 1897, foi celebrada em Lincoln, Nebraska, mais uma
assembléia da Associação Geral. Os delegados representando 38
associações e cinco campos missionários, ouviram atentos os relatórios e
as estatísticas descrevendo o crescimento quantitativo, qualitativo e
orgânico alcançados pela Igreja. Novos dirigentes foram nomeados para
liderar a Igreja em seus vários ramos de ação missionária.
Jorge A. Irwin foi eleito presidente da Associação Geral.
Aproximava-se então a alvorada do século XX, e um espírito de
contagiante otimismo permeava o ar. O mundo desfrutava um de seus
raros períodos de paz e concórdia entre as nações. A Revolução
Industrial, precipitando rápidas transformações sociais e econômicas,
parecia prenunciar o início da "idade de ouro" da História.
A Mão de Deus ao Leme
249
No seio do adventismo, entretanto, despontavam alguns inquietantes
problemas que haveriam de ocupar o novo presidente em esgotadoras
gestões administrativas. O esquema organizacional aprovado em 1863,
quando a Igreja ainda vivia seus primeiros anos, mostrava-se agora
insuficiente e inadequado. Impunha-se como imperativa a necessidade de
nova estrutura organizacional. A grande concentração de adventistas em
Battle Creek, e a presença de tantas instituições junto à sede da
Associação Geral, além de militar contra o programa de expansão e
penetração em novas áreas, tornavam a Igreja quase ingovernável. As
idéias panteístas defendidas por Kellogg** e seus admiradores,
introduzidas na Igreja com astúcia e solércia, geravam crescentes e
deploráveis confrontações.
Mas Irwin não se permitiu abater sob o peso dos graves e complexos
problemas então existentes. Com grande disposição participou das
reuniões gerais de avivamento, apresentando sempre inspiradoras
mensagens de confiança em Deus e Sua liderança. Suas palavras ungidas
de fé eram ouvidas e entesouradas pelos fiéis adventistas, dispersos por
toda parte.
Suas convicções no tocante ao enfoque de suas mensagens eram
claras e definidas:
"Discursos contundentes e cortantes " – disse ele – "podem produzir
comichão nos ouvidos, porém raramente alcançam o coração de um honesto
inquiridor da verdade."36
Era um homem conhecido por sua vibração e dinamismo. Tinha o
costume de registrar numa pequena agenda os problemas que reclamavam
soluções urgentes, bem como as perguntas que sentia deverem ser
dirigidas à Sra. White.
Ao regressar aos Estados Unidos, após uma viagem transoceânica,
retomou suas atividades regulares no país, visitando as igrejas e pregando
nas grandes concentrações campais. Em um culto de consagração ,
**
Ver "A Crise Panteísta", no capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".
A Mão de Deus ao Leme
250
dirigindo-se a um grupo de fiéis, leu a seguinte declaração escrita pela
Sra. White:
"Satanás atua com intensidade de propósito a fim de induzir o nosso
povo a investir seu tempo e dinheiro na satisfação de supostas
necessidades. Isto constitui uma forma de idolatria."37
Após o culto, um jovem entregou um embrulho ao Pastor Irwin.
"Aqui estão os meus ídolos", disse o moço. "Converta-os em dinheiro e
empregue-o no serviço do Senhor."
Irwin guardou o pequeno embrulho. Chegando em casa abriu-o
sobre a mesa e encontrou um revólver e uma pequena caixa, onde supôs
estivessem os cartuchos.
"Este é um bom revólver", declarou, dirigindo-se à esposa. "Mas
quem irá comprá-lo? Guardá-lo-ei por enquanto, até que apareça alguém
disposto a adquiri-lo."
Pouco tempo depois uma jovem do sanatório de Battle Creek
visitou o casal Irwin para apresentar-lhes seus planos e ideais futuros.
Ela iria ao Sul para trabalhar como professora em uma pequena escola
rural no Mississippi. Quando a jovem visitante falou sobre as
dificuldades financeiras existentes para manter a escola, o Pastor Irwin
mencionou possuir uma pistola doada para ser vendida, e os recursos
obtidos deveriam ser aplicados em algum projeto missionário.
Entusiasmada com a possibilidade de lograr alguma ajuda financeira
especial, ela se dispôs a procurar no Sul um eventual comprador.
Algumas semanas mais tarde o Pastor Irwin recebeu uma carta
procedente do Mississippi: "Se o revólver ainda não foi vendido"
escreveu a jovem – "envie-mo, pois estou segura que poderei vendê-lo."
Irwin tomou em suas mãos a arma que havia guardado em uma
gaveta e a pequena caixa que imaginava conter os cartuchos. Abriu-a
pela primeira vez e, surpreso, encontrou um par de abotoaduras de ouro e
vários outros ornamentos também trabalhados em ouro. O dinheiro
apurado com a venda destes objetos foi suficiente para edificar uma
escola paroquial em uma colina no vale do Mississippi.
A Mão de Deus ao Leme
251
Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1901,
com o coração transbordante de gozo, Irwin apresentou os grandes
triunfos alcançados pela Igreja. No grande e imponente tabernáculo de
Battle Creek, com suas poltronas vermelhas e candelabros artísticos,
mais de 4.000 pessoas se reuniram para ouvir o relatório apresentado
pelo presidente e também a palavra orientadora da Sra. White, que havia
regressado recentemente da Austrália, onde durante nove anos conduziu
uma obra pioneira.
As dimensões alcançadas pela Igreja demandavam uma urgente
reestruturação. "O que desejamos agora", sentenciou solene a Sra. White,
"é uma reorganização... sobre um princípio diferente."38
Um novo sistema administrativo mais racional foi aprovado, tendo
em vista preservar a unidade de procedimentos, a pureza da fé e acelerar
a proclamação da esperança adventista.
A fim de implementar o novo esquema denominacional, a
assembléia elegeu como presidente da Associação Geral, o Pastor A. G.
Daniells. Embora quase desconhecido em Battle Creek, seus êxitos
administrativos alcançados na Austrália, qualificaram-no como o homem
providencial para uma hora de transição.
Liberado de suas responsabilidades no centro administrativo da
Igreja, Irwin foi enviado a Austrália, onde, com exemplar humildade,
deu continuidade à obra realizada por seus antecessores. As seguintes
palavras extraídas de uma de suas cartas traduzem o espírito que o
animava:
"Minha esposa e eu não buscamos fama, honra ou possessões
terrenas. Estas coisas nós as abandonamos quando aceitamos a verdade.
Desfrutamos agora muito mais alegrias no serviço do Senhor. . . . embora
tenhamos mais provas e perplexidades. . . . que antes quando nos
esforçávamos por construir uma casa e estabelecer um lugar [a fazenda]
para nós mesmos."39
Em 1903 o Pastor Irwin retornou aos Estados Unidos para assistir,
como delegado, à trigésima quinta assembléia da Associação Geral,
realizada em Oakland, Califórnia. Valendo-se da oportunidade, decidiu
A Mão de Deus ao Leme
252
visitar a Sra. White, em Elmshaven, a uns 110 quilômetros de Oakland.
Em seu itinerário, cruzando o verdejante vale de Napa, passou por
Yountville, pequena cidade, onde se erguiam os edifícios do "Lar dos
Veteranos", construído pelo governo para abrigar os soldados que,
feridos na guerra civil, se tornaram inválidos. Visitando-os, dirigiu-lhes
palavras de consolo, esperança e fé.
Quando terminou o culto, um homem assentado em uma cadeira de
rodas veio ao seu encontro e, com um sorriso afetuoso, interrogou-o:
"Lembra-se de mim?" Segurando de modo cordial a mão do Pastor
Irwin, declarou com emoção: "Nós estivemos juntos na prisão de
Andersonville. Nos estivemos juntos na guerra civil."
Trinta e oito anos se haviam escoado na ampulheta do tempo.
Ambos tinham agora os rostos sulcados por grandes rugas e, no corpo,
carregavam o implacável peso dos anos. Porém, malgrado a passagem do
tempo, Irwin se lembrou do seu companheiro de infortúnio. Alegrou-se
pela oportunidade de encontrá-lo outra vez. Após algumas palavras de
encorajamento e ânimo no Senhor, despediu-se renovando sua gratidão a
Deus por havê-lo guardado da morte ou invalidez, nos anos sombrios do
conflito que enlutou a nação.
Em 1905, foi eleito vice-presidente da Associação Geral. Cinco
anos mais tarde tocou-lhe dirigir a União do Pacífico, onde trabalhou
durante dois anos. Finalmente, em 1912, aceitou assumir a presidência
da comissão executiva da Faculdade de Médicos Evangelistas (hoje
Universidade de Loma Linda), cargo que ocupou até a morte.
Os últimos quatro anos de sua vida foram vividos sob constantes
cuidados médicos. Contudo, jamais proferiu uma palavra de amargura ou
lamento. Sofrendo problemas cardíacos resultantes das privações e
sofrimentos vividos em sua juventude na prisão de Andersonville,
pressentia agora aproximar-se, de forma irreversível, o fim da existência.
Mas, olhando retrospectivamente para suas experiências como obreiro,
alegrava-se por haver dado suas melhores energias a Deus e à Sua causa.
A Mão de Deus ao Leme
253
Finalmente, no dia 23 de maio de 1913, aos 68 anos de idade, Irwin
descansou animado pela esperança de ouvir no grande e glorioso dia de
Jeová, as palavras proferidas pelo "justo Juiz" – "Bem está, servo bom e
fiel, entra no gozo do teu Senhor".
No cerimonial fúnebre, um grupo coral prestou-lhe uma última e
comovida homenagem, cantando:
Andando triste aqui, na solidão,
Paz e descanso a mim, Teus braços dão.
Sempre hei de suplicar: mais perto quero estar,
Mais perto quero estar, meu Deus de ti.
Em seguida, vivendo um momento de grande emoção, o Pastor O.
A. Olsen leu as palavras de Jesus dirigidas a Marta: "Teu irmão há de
ressuscitar." E concluiu solene: "Sim, Irwin, nosso irmão também há de
ressuscitar. Alegrai-vos uns aos outros com esta esperança."40
ARTUR G. DANIELLS
A batalha travada em Antietan Creek, Sharpsburg, nas cercanias de
Maryland, foi sem dúvida uma das mais brutais e encarniçadas da Guerra
da Secessão. Mais de 22.000 soldados sucumbiram na violenta
confrontação de forças entre os soldados do General Grant e as tropas
confederadas do Sul. O Dr. Thomas G. Daniells tenente-médico alistado
entre os combatentes do norte, sofreu no conflito um grave ferimento do
A Mão de Deus ao Leme
254
qual jamais se recuperou. Faleceu no ano seguinte, deixando a esposa e
três filhos – Artur, Jessie e Carlos – em angustiosa e comovente situação
econômica.
Consternada, a Sra. Daniells viu-se na contingência dolorosa de
confiar os filhos aos cuidados de terceiros, a fim de ocupar-se em alguma
atividade remunerada, tendo em vista obter os recursos indispensáveis à
sobrevivência.
Aquela foi uma decisão difícil. Com o coração consternado e os
olhos umedecidos, levou as crianças a um centro fundado pelo governo
para albergar os filhos dos militares que pereceram no grande conflito
armado.
"Crianças" – disse ela com a voz embargada pela emoção "agora
haveremos de nos separar. Sentirei falta de vocês. Tenho certeza,
entretanto, de que nosso amorável Pai os guardará até o dia quando
haveremos de nos reunir outra vez."
Para o menino Artur, sua irmã e o irmão, aquela foi uma
experiência traumática. Viram a mamãe partir com o rosto banhado em
lágrimas, deixando-os sozinhos em um ambiente estranho e frio.
Transcorridos alguns meses, chegou-lhes a excitante notícia de que
em breve teriam um novo lar. Com efeito, a Sra. Daniells casou-se em
segundas núpcias com um agricultor chamado Lippincott.
Após a bênção matrimonial, dirigindo-se à esposa, o Sr. Lippincott
se expressou dizendo: "Agora, buscarei as crianças. Elas necessitam o
cuidado e o carinho da mamãe e eu envidarei os melhores esforços para
que tenham um bom lar."
A Sra. Daniells, agora Lippincott, era uma mulher piedosa.
Perturbava-a, entretanto, seus limitados conhecimentos da Palavra de
Deus. Um dia, ao visitar um ex-vizinho, conhecido como fiel observador
do sábado, pediu-lhe recomendar alguma leitura que a ajudasse a obter
uma melhor compreensão das Escrituras. Este emprestou-lhe um
exemplar do livro History of the Sabbath (A História do Sábado), escrito
por J. N. Andrews. Após a leitura do livro em referência, e havendo
A Mão de Deus ao Leme
255
esquadrinhado a Bíblia com grande diligência, ela se uniu à Igreja
Adventista, mediante o batismo. Mais tarde, aos dez anos de idade,
Artur, o filho mais velho, também se batizou.
Alguns anos depois, quando já adolescente, Artur declarou:
"Há momentos em minha experiência quando me sinto terrivelmente
desalentado. Um grande sentimento de culpa e indignidade me impedem de
expressar-me em nossas costumeiras reuniões de testemunhos.
"Numa manhã de sábado eu me sentia completamente deprimido e
dizia para mim mesmo: Não nasci para ser cristão! Devo desistir! Quando a
reunião terminou, retirei-me a fim de evitar encontrar-me com outros. Mas,
enquanto esperava minha mãe, o ancião da igreja, com seus cabelos
grisalhos e um bondoso sorriso, se aproximou de mim.
"– Artur, desejo conversar com você. – E, com um acento paternal,
acrescentou: – Tenho observado seu silencio nas três últimas reuniões de
testemunhos. Desejaria saber qual é o problema que o aflige, a fim de ajudálo.
"– Não creio existir esperança para mim – respondi. – Não nasci para
ser cristão. Esforcei-me, mas fracassei. E agora não tentarei outra vez.
"– Mas, não desanime – exortou o ancião. – Orarei por você cada dia
durante esta semana. Você orará também e estou seguro que o Senhor
ouvirá a nossa súplica.
"Deus me visitou durante aquela semana. ... Aquele ancião ergueu-me
do abismo escuro ande me encontrava. ... Desde então, jamais voltei a dizer:
Não tentarei outra vez."41
Posteriormente, Daniells, referindo-se àquele piedoso ancião, disse:
"Tenho-o claramente em minha lembrança. Um bolso em seu paletó
era seu e o outro era consagrado ao Senhor. Segundo seu costume, sempre
que recebia um dólar, separava dez centavos no bolso dedicado a Deus.
Vendo-o em suas transações comerciais, separando fielmente a parte que
pertencia ao Senhor, meu coração era alentado pela influencia extraordinária
de sua vida."42
A vida para o jovem Artur não foi um oceano de rosas. Seu
padrasto, vítima de sucessivas disfunções orgânicas, sentiu o vigor físico
declinar rapidamente, obrigando-o a transferir a responsabilidade de
gerir a fazenda a Artur, o filho mais velho. Conquanto ainda no verdor
dos anos, ele assumiu seus deveres e obrigações com notável senso de
A Mão de Deus ao Leme
256
responsabilidade. Arava, semeava e colhia os produtos da terra. Velava
sobre as ovelhas, o gado e os cavalos. Nas madrugadas frias de inverno,
quando as estrelas ainda cintilavam, portando uma lanterna, ele iniciava
as atividades do dia e, após completadas, dirigia-se apressadamente a
uma escota, nas cercanias de sua casa, onde a voracidade de sua fome
intelectual era aplacada.
Aos dezesseis anos completou os estudos secundários. Era então um
jovem de hábitos austeros, introvertido, com uma tartamudez parcial que
o levava a tropeçar na articulação de algumas palavras.
– Mamãe – disse ele um dia – em lugar de consumir toda a minha
existência em atividades agrícolas, desejaria educar-me para ser um
professor.
– Sim, meu filho – respondeu com ternura sua bondosa mãe – você
poderá ser um bom professor. – E animando-o a perseguir este ideal,
acrescentou: – Trabalhando nas fazendas vizinhas durante o verão, você
poderá obter os recursos suficientes para enfrentar um ano de estudos em
Battle Creek.
Com efeito, com esforço e dedicação, trabalhando cada dia desde o
romper da aurora até ao cair da tarde, Artur conseguiu amealhar os
recursos necessários para pagar seu programa escolar em Battle Creek.
Entretanto, por razões de saúde, após completado um ano letivo, viu-se
obrigado a interromper o seu programa acadêmico. A combinação de
uma dieta extremamente frugal, o excesso de trabalhos físicos e as
inúmeras e esgotadoras obrigações acadêmicas, com suas noites mal
dormidas, cobraram um tributo demasiado alto. Com a saúde combalida,
dominado por grande frustração, voltou para casa.
No dia 30 de novembro de 1876, casou-se com a jovem Maria Ellen
Hoyt, com quem partilhou o romance de uma venturosa experiência
conjugal, que durou aproximadamente sessenta anos.
Por um pouco de tempo, ambos se dedicaram ao magistério,
ensinando em uma escola pública. Certa ocasião, enquanto caminhava
rumo à escola, refletindo sobre sua experiência religiosa, sentiu-se
A Mão de Deus ao Leme
257
compelido a deter-se em um lugar solitário para um momento de
comunhão com Deus. E enquanto orava, sentiu em forma inconfundível
o chamado divino para dedicar-se ao ministério. Mas um enorme senso
de indignidade fê-lo sentir-se insuficiente. Sua esposa, entretanto,
animou-o a fazer deste assunto motivo de constante oração. Um dia,
enquanto derramava a alma atribulada perante Deus, rendeu o coração ao
Senhor e consagrou a vida ao Seu serviço.
Iniciou sua experiência ministerial em 1878, no Texas, sob a liderança
do Pastor Roberto H. Kilgore. Seu primeiro sermão, pregado a um
pequeno número de fiéis, foi para ele uma experiência vexatória.
Preparou-se para ocupar o púlpito durante uma hora, porém, passados
apenas alguns minutos, concluiu sua mensagem, esmagado pelo peso de
um imenso e humilhante fiasco.43
Apesar deste desastroso começo, Daniells, através de exercícios
vocais constantes, logrou superar algumas de suas deficiências naturais,
desenvolvendo aptidões que o tornaram um pregador talentoso e
apreciado. Como Moisés, era um orador "pesado de língua",44 mas seus
pensamentos fluíam de forma lógica, atraente e persuasiva. Como
evangelista, tanto nos Estados Unidos como na Austrália e Nova Zelândia,
logrou com a bênção de Deus triunfos memoráveis.
Estando ainda no seu primeiro ano ministerial, o Pastor Tiago White
e sua esposa chegaram ao Texas, a fim de conhecer in loco o florescente
trabalho conduzido por Kilgore e seus associados. Artur e a esposa
foram incumbidos de dar assistência ao casal White, durante a
permanência entre eles. Iniciou-se assim entre a Sra. White e Daniells
uma extraordinária relação de trabalho que se prolongou através de trinta
e sete anos de lutas e vitórias.
O ano de 1886 marcou de forma indelével sua vida. Aceitando um
convite para trabalhar em terras distantes, embarcou rumo à Nova Zelândia,
onde, com grande êxito, conduziu uma obra pioneira. Quatro anos mais
tarde anunciou com irradiante júbilo a presença de 250 adventistas
naquele país.
A Mão de Deus ao Leme
258
Em 1891, por razões de saúde, foi transferido para a Austrália, onde
ocupou a presidência da Associação. Pagando o preço do noviciado,
cometeu sérios erros administrativos. Porém, gradualmente desenvolveu
as qualificações próprias de um líder, preparando-se para uma gigantesca
obra que Deus, em Seus infinitos desígnios, lhe estava reservando.
Sua presença na Austrália coincidiu com o ministério profético da
Sra. White naquele país. Dela recebeu constantes mensagens pessoais,
algumas censurando-o e outras animando-o. Mas em todas elas Daniells
percebia a voz amorável de Deus, falando através da inspiração.
Como seres humanos nos inclinamos muitas vezes a emitir juízos
severos sobre outros. Em certa oportunidade, dirigindo-se a um grupo de
pessoas que de forma descaridosa criticavam a obra do jovem presidente,
a Sra. White escreveu:
"Abandonai os vossos sentimentos contra Daniells.... Ele não é perfeito
e comete erres, mas apesar disto deveis manter-vos unidos. ... Os olhos do
Senhor estão sobre ele. ... O Senhor ama ao Pastor Daniells, e Ele o
corrigirá e o instruirá, bem como a vós, ande estiverem equivocados. " 45
Um líder deve possuir uma percepção clara para ver os problemas e
as suas soluções, com melhor discernimento que os seus associados. Esta
virtude ele a desenvolveu de forma extraordinária quando ainda dirigia o
trabalho na Austrália.
Após oito anos de vitoriosa experiência administrativa, embarcou
em 1901 rumo aos Estados Unidos, a fim de assistir à assembléia da
Associação Geral em Battle Creek. A Igreja vivia então uma grave crise
de crescimento. Sua estrutura organizacional aprovada em 1863, quando
a Igreja possuía apenas 3.000 membros, mostrava-se agora inadequada e
obsoleta. Em vão esforçaram-se os Pastores Olsen e Irwin por introduzir
mudanças no esquema administrativo denominacional.
Os delegados reunidos no histórico encontro de 1901 ouviram
atentos o dramático discurso proferido pela Sra. White, que havia
regressado da Austrália, sublinhando a imperiosa necessidade de uma
reorganização. Como resultado um novo esquema administrativo foi
A Mão de Deus ao Leme
259
aprovado, e Artur G. Daniells, aos quarenta e três anos de idade, embora
quase desconhecido nos Estados Unidos, foi elevado à cúpula da
administração da Igreja. Com grande dinamismo e incansável dedicação,
durante vinte e um anos conduziu os destinos do movimento adventista.
Sua influência e prestígio como administrador e condutor de almas
permanecem insuperados nos anais de nossa história.
Suas atividades administrativas gravitaram em torno de quatro
importantes áreas:(1) Reorganização da Igreja;(2) Evangelismo urbano;
(3) Ampliação do programa de penetração mundial; e (4) Grande
empenho na proclamação da justificação pela fé.
A influência de sua liderança sobre a igreja foi incomparavelmente
maior que a dos demais presidentes que o precederam. Sob sua inspiração,
novos estatutos, praxes e esquemas administrativos foram elaborados e
postos em execução. Podemos afirmar sem risco de exageros, que a
estrutura que hoje possuímos constitui um precioso legado que ele nos
transmitiu.
Nos primeiros nove anos de sua administração, enfrentou problemas
maiúsculos que demandavam o melhor de suas energias e capacidade de
execução. Malgrado a intransigente oposição dos "tradicionalistas",
transferiu a sede da Associação Geral e a casa publicadora "Review and
Herald" de Battle Creek para Washington, capital do país. Resistiu com
inquebrantável firmeza a heresia do panteísmo na Igreja. Acompanhou
atento as manobras articuladas por Kellogg e seus associados, que
resultaram na perda do controle do sanatório em Battle Creek.
Testemunhou perplexo a apostasia gradual de Jones e Waggoner, com
imensos reflexos sobre a Igreja.
Estes e inúmeros outros problemas constantes em sua agenda,
levaram-no inconscientemente a descuidar da obra de evangelização. Um
dia, estando na Califórnia, decidiu ir a Elmshaven, para um encontro
com a Sra. White. Mas, surpreso, recebeu, por intermédio de Willie
White a notícia de que sua mãe não o receberia. "Deveria voltar a
Washington'' – foi a mensagem que a Sra. White lhe enviou por intermédio
A Mão de Deus ao Leme
260
do filho – "e promover um programa de evangelismo envolvendo a
Igreja em sua totalidade.''46
Após esta humilhante experiência, estando em Washington, enviou
a seguinte carta à Sra. White:
"Lamento não me tenha sido dada a oportunidade de conversarmos,
quando estive em Santa Helena sobre o trabalho em nossas cidades. Desejo
dizer-lhe que me empenharei com todo o coração neste trabalho. Tenho- me
preocupado grandemente durante meses sobre este assunto, e agora sinto
ser meu dever tomar este trabalho em minhas mãos. Farei o melhor a fim de
investir recursos financeiros e humanos mesta obra. Disponho-me também a
dedicar, se necessário, meses em esforços pessoais com os obreiros." 47
Daniells inaugurou então uma nova etapa em sua administração,
caracterizada por um programa dinâmico de evangelismo que galvanizou
a Igreja, e acelerou seu crescimento. Expressando seu gozo com esta
nova ênfase, a Sra. White escreveu:
"Alegro-me em ouvir que o irmão foi levado a entender as condições
existentes nas cidades onde ainda não penetramos.... Peço-lhe estimular
nosso povo a redimir o tempo."48
O evangelismo e o programa de penetração nos campos missionários
passaram a ocupar em sua agenda um lugar prioritário. Como resultado,
a Igreja testemunhou um período áureo, caracterizado por acelerada
expansão missionária.
Desobrigado da presidência, em 1922, ocupou a secretaria da
recém-instituída Comissão Ministerial, pouco depois modificada para
Associação Ministerial. Em suas novas funções, esforçando-se por
descobrir as razões de suas próprias imperfeições e debilidades, bem
como as razões ocultas de nossa apatia espiritual como Igreja, começou a
rever o passado a fim de aprender as lições básicas como orientação para
o futuro.
Estudando especialmente o grande tema da justificação pela fé,
deparou com as mensagens apresentadas na histórica assembléia de
A Mão de Deus ao Leme
261
*
Minneapolis. Estas produziram um extraordinário efeito sobre seu coração,
levando-o de forma compulsória a partilhar suas descobertas e convicções
com o ministério e a Igreja em geral. Como resultado, importantes reuniões
foram celebradas, as quais produziram na Igreja uma transformadora
experiência, um reavivamento da verdadeira piedade.
O precioso material apresentado nestas reuniões foi posteriormente
publicado em forma de livro, sob o título Christ Our Righteousness
(Cristo Nossa Justiça). Esta valiosa publicação exerceu influência
profunda sobre os obreiros, que em suas páginas encontraram a fórmula
para a triunfante proclamação do evangelho sob o poder do Espírito
Santo.
Mais tarde, em 1934, ocupou-se em escrever um segundo livro
sobre o Espírito de Profecia e sua influência sobre a Igreja através dos
séculos. E, enquanto ocupado na redação deste livro, sentiu-se acometido
por alguns distúrbios orgânicos, que o levaram a uma série de exames
médicos. No dia 27 de janeiro de 1935, com admirável serenidade e sem
qualquer demonstração de temor, recebeu uma infausta notícia,
declarando-o vítima de uma enfermidade insidiosa e maligna.
Sabendo que lhe restava pouco tempo, solicitou a assistência de um
jovem ministro – L. E. Froom – para ajudá-lo a terminar seu livro, The
Abiding Gift of Prophecy (O Permanente Dom de Profecia). Iniciou-se
então uma dramática corrida contra o tempo. Longas e exaustivas horas
foram dedicadas à redação do livro em referência. Os últimos dias que
precederam sua morte ele os ocupou com a revisão final dos manuscritos.
Embora atormentado por dores atrozes, completou a obra, reafirmando
sua confiança no triunfo da verdade.
No dia 22 de março de 1935, seu coração parou, seus lábios
silenciaram e suas mãos tornaram-se inativas. Mas, com o testemunho
admirável de sua vida, o vigor de sua pregação e a influência de seus
*
Ver "Assembléia de 1888", no capítulo "O Justo Viverá da Fé".
A Mão de Deus ao Leme
262
escritos, logrou avivar a chama nos altares adventistas, e inspirou a
Igreja a renovar a determinação de conquistar o mundo para Cristo.
GUILERME A. SPICER
Era uma manhã ensolarada. O grande tabernáculo de Battle Creek
regurgitava de fiéis. A Escola Sabatina, com suas classes, havia terminado.
Os adoradores agora, em silêncio, uns meditando, outros orando,
aguardavam expectantes o início do culto divino. Entre eles estava
Guilherme,* um menino vivaz, que em Sua providência Deus haveria de
moldar para a realização de uma obra inolvidável no seio da Igreja.
Subitamente, o reverente silêncio que permeava o recinto foi quebrado.
Uma voz melodiosa e penetrante repercutia por toda a extensão do
santuário, anunciando o início do culto divino. Era o Pastor White que,
segundo seu costume, caminhava pelo corredor central, seguido por
outros pastores e diáconos, cantando com o seu característico fervor:
O dia eu não sei, do regresso do Esposo,
Porém os Sinais, vêm encher-me de gozo;
Pois presto virá, este evento faustoso,
Mas o dia, não sei!
*
Guilherme é o correspondente a William, em português
A Mão de Deus ao Leme
263
Andando de forma solene, marcando sobre a Bíblia o compasso
rítmico da melodia, repetia com a sua voz musical:
Cristo vem, vigiemos, oremos,
Ele vem. Aleluia! Aleluia!
Sobre nuvens virá,
Com os anjos da glória,
Mas o dia. não sei!
Contemplar o Pastor White com a sua barba grisalha, terno escuro,
coxeando levemente, cantando um dos seus hinos favoritos enquanto
caminhava em direção ao púlpito, era uma experiência inolvidável para a
congregação e o menino Guilherme.
Vivendo em Battle Creek, epicentro das crises e triunfos do
adventismo, Guilherme acompanhou desde os seus mais tenros anos, ora
como testemunha, ora como personagem, um longo e fascinante capítulo
de nossa história denominacional.
Guilherme nasceu no dia 19 de dezembro de 1865, oito meses após
o brutal assassinato de Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos.
Seus pais, membros da Igreja Batista do Sétimo Dia, eram conhecidos
por sua piedade e profundas convicções no tocante à instituição do
sábado e sua santidade.
Situando-o dentro dos marcos de nossa história, destacamos a
ocorrência de seu nascimento cinco anos após a escolha do nome
Adventista do Sétimo Dia, com o qual nos identificamos como Igreja, e
dois anos depois da organização da Associação Geral como entidade
religiosa. Poucos meses após haver celebrado seu oitavo aniversário,
embarcou o primeiro missionário adventista, J. N. Andrews, levando do
Novo ao Velho Continente a mensagem do "evangelho eterno".
Spicer ufanava-se de haver acompanhado passo a passo, ao longo
dos seus oitenta e sete anos de existência, o exuberante crescimento da
Igreja. Quando nasceu, os adventistas podiam congregar-se todos dentro
de um auditório de tamanho médio. Quando morreu, em 1952, a igreja
contava em suas estatísticas com mais de três quartos de milhão de fiéis
dispersos por todos os quadrantes da Terra.
A Mão de Deus ao Leme
264
Foi o caçula da sua família. Sua mãe destacou-se como uma das
primeiras mulheres a graduar-se em uma Universidade, numa época em
que as mulheres eram restringidas em seus direitos por obter uma
educação superior.
Após haver assistido, noite após noite, a uma série de conferências
conduzida em uma tenda, a família Spicer aceitou a tríplice mensagem
angélica. Estando ainda nos primeiros anos da adolescência, Guilherme
também decidiu unir-se à Igreja Adventista. A leitura atenta de O Grande
Conflito dissipou suas dúvidas e o levou contrito à experiência batismal.
Aos dezesseis anos, enquanto estudava no colégio adventista de
Battle Creek, vivendo a rotina das atividades estudantis, seu pai sofreu
um fulminante derrame cerebral. Seu irmão mais velho, Hale Julien,
professor de grego e latim, por razões de saúde interrompeu suas
atividades regulares para se submeter a um tratamento médico intensivo.
Coube a Guilherme, como alternativa, abandonar os estudos e trabalhar a
fim de obter os recursos indispensáveis para ajudar a família a enfrentar
os contratempos gerados pela morte e enfermidade.
Começou trabalhando no Sanatório, como ajudante de escritório.
Entretanto, seu afã por progredir inspirou-o a assistir a algumas classes
noturnas de mecanografia. Havendo alcançado um apreciável grau de
proficiência, tanto como datilógrafo como taquígrafo, foi convidado pelo
Dr. Kellogg para servi-lo como um dos seus secretários particulares.
Um dia, enquanto caminhava despreocupado por um dos corredores
do Sanatório, sentiu-se subitamente cativado pelos encantos de uma
jovem chamada Geórgia Halper, que também trabalhava na mesma
instituição. À medida que o afeto que os atraía se intensificava, crescia
também a convicção de que deviam casar-se. Entretanto, alguns líderes
representantes da "velha guarda", vislumbrando o iminente fim de todas
as coisas, desaconselharam o casamento.
Com um enorme sentimento de frustração, aceitaram os conselhos
dados por respeitados dirigentes da Igreja, e interromperam o idílio que
por um curto período de tempo os envolveu num róseo manto de sonho,
A Mão de Deus ao Leme
265
amor e poesia. Geórgia embarcou para Washington D.C., onde iniciou
sua experiência como instrutora bíblica e, pouco mais tarde, em 1887,
Guilherme seguiu para a Inglaterra, a fim de servir como secretário do
Pastor S. N. Haskell e, ao mesmo tempo, colaborar com os editores da
revista Present Truth (Verdade Presente), em sua preparação, publicação
e distribuição.
Geórgia evidentemente carecia de vocação para o trabalho de
instrutora bíblica. Descrevendo, anos mais tarde, sua pobre contribuição
neste ramo da obra, recordava os dias quando desejava ardentemente que
a chuva caísse abundante, desobrigando-a do dever de sair em busca das
almas dispostas a receber estudos bíblicos. Jamais alcançou o triunfo
sobre a timidez e por isso não se sentia realizada em seu trabalho em
favor dos perdidos.
Embora separados pelas águas do Atlântico, estas foram insuficientes
para extinguir a chama de um amor que os atraía de modo irreversível.
Um dia, Geórgia enviou um pedido de uma Bíblia impressa em Londres.
Guilherme identificou a letra, comprou o exemplar solicitado e um
marca-página, onde escreveu: "Que o doador desta Bíblia e a pessoa que
há de recebê-la, possam um dia se encontrar no Céu." Ao receber a
Bíblia e a mensagem não assinada, escrita no marca-página, ela também
reconheceu a letra e as chamas do amor se avivaram intensamente.
De alguma forma, olvidando ou ignorando o conselho de não se
unirem em casamento porque a vinda do Senhor estava próxima, Geórgia
recebeu um dinheiro enviado por Guilherme para a viagem à Inglaterra,
e no dia 17 de abril de 1890, uniram-se nos laços de uma sagrada e feliz
união, que se alongou através de sessenta e dois anos de feliz
convivência conjugal.
Depois de curto período na Inglaterra, regressaram a Battle Creek,
trazendo como grata recordação um precioso bebê, o filho primogênito.
Spicer assumiu então a secretaria da Comissão Missionária Internacional.
No exercício destas funções, no dia 14 de outubro de 1893, foi ordenado
ao ministério.
A Mão de Deus ao Leme
266
No ano seguinte a família retornou a Londres, onde Spicer tomou a
responsabilidade editorial da revista Present Truth. Com o seu estilo
ameno, direto e destituído de ornamentos lingüísticos, conseguiu ampliar
o número de leitores, alcançando tiragens muito além das expectativas
mais otimistas.
Depois de quatro anos de exaustivos labores, escrevendo
constantemente, entre o cheiro de tinta e o ruído cadenciado dos
linotipos, recebeu dois chamados para servir ao Senhor no campo
missionário, um procedente da África e o outro da Índia.
Especialista em missiologia, conhecia bem os grandes desafios
existentes na Índia, um subcontinente habitado por enormes massas
humanas entorpecidas pela filosofia do paganismo, vítimas desventuradas
da inanição física e espiritual.
Mas, deixaria Spicer as atrações e encantos de Londres para sofrer
as angústias, incertezas e insalubridade dos campos missionários?
Um jovem apresentou-se certa vez pedindo uma oportunidade para
trabalhar como missionário em algum lugar no mundo pagão. Fizeramlhe então diversas perguntas:
– Já considerou que terá que deixar sua família e amigos para viver
entre estranhos?
– Sim, considerei – respondeu o jovem.
– Já pensou o que significa sair de sua terra natal com todos os
privilégios para tornar-se um estrangeiro? – tornaram a inquirir-lhe.
– Considerei tudo.
– Já anteviu a possibilidade de ter a saúde minada por terríveis
enfermidades tropicais? – indagaram ainda.
– Sim, e se tivesse mil vidas, eu as daria todas ao meu Salvador.
Mas, senhores, não me interroguem mais, enviem-me!
Deus nos dirige uma só pergunta: "A quem enviarei, e quem há de
ir por nós?'' Sem rodeios, Spicer respondeu: ''Eis-me aqui, envia-me a
mim.''49
A Mão de Deus ao Leme
267
Nas páginas da Review and Herald encontramos a reprodução da
seguinte carta postada por ele em Calcutá, Índia.
"No dia 18 de fevereiro de 1898, minha família e eu embarcamos em
Londres e chegamos a Calcutá depois de trinta e três dias de viagem.
Sentimo-nos agradecidos por haver chegado a estas praias e por poder
saudar os irmãos e irmãs aqui. Sinto grande interesse pelas coisas
relacionadas com o progresso da obra nesta cidade. O trabalho está apenas
no começo e este ainda é o dia das coisas pequemos na Índia....
"Minha esposa e eu não desejávamos vir à Índia sem a certeza de que
o Senhor nos chamava para trabalhar neste lugar; a princípio escolhemos
permanecer em Londres. ... Mas pesava sobre nós o desafio de virmos à
Índia, e nos sentimos felizes por estarmos aqui."50
Dois anos após sua chegada ao novo campo, Spicer testemunhou
deprimido o alto custo da penetração missionária. D. R. Robinson e F.
W. Brown, fiéis missionários, sucumbiram atacados pela varíola. Com o
coração quebrantado pela tristeza, tomou as providências indispensáveis
para o sepultamento dos dois mártires que tombaram no exercício do
dever como soldados da cruz. Outras tumbas se abririam mais tarde para
acolher os restos mortais de outros heróis a serviço da causa adventista.
Sobre este trágico acontecimento, escreveu:
"Sepultamos os irmãos Robinson e Brown sob uma árvore em um
campo que eles mesmos araram, tendo em vista uma semeadura posterior.
'Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só. 'Sabemos que
aqui estamos plantando sementes que o Senhor em Sua bondade fará
frutificar. ... Os obreiros aqui são tão necessários, que nos parece estranho,
do ponto de vista humano, entender por que o Senhor nos privou de Sua
assistência. Não obstante, nos alegramos no Senhor... e aguardamos ver a
Sua glória aqui na Índia."51
Spicer assistiu em 1901 à assembléia da Associação Geral celebrada
em Battle Creek. Em um discurso dramático, repetindo as palavras
inspiradas, "alonga as tuas cordas e firma bem as tuas estacas'', ressaltou a
imperiosa necessidade de ampliação e consolidação do programa
missionário em outras terras. A comissão de nomeações indicou-o para
assumir outra vez a secretaria da Comissão Missionária Internacional.
A Mão de Deus ao Leme
268
Spicer enviou à família um telegrama comunicando a necessidade
de regressarem à América, pois havia sido "detido temporariamente".
Pretendia com estas duas palavras que sua permanência em Battle Creek
haveria de ser curta, podendo depois regressar à Índia.
Em suas novas funções, viu-se envolvido nas grandes crises que,
em sucessão, durante a primeira década deste século encapelaram as
águas sobre as quais singrava a "embarcação de Sião".
Sua familiaridade com o pensamento filosófico hindu permitiu-lhe
dialogar inteligentemente com o Dr. Kellogg, seu ex-chefe, sobre a
falácia do panteísmo e a inconsistência dos argumentos vertidos em seu
livro The Living Temple. ** Na manhã do dia 18 de fevereiro de 1902,
quando se dirigia à estação ferroviária de Battle Creek para iniciar uma
viagem, passando em frente do Sanatório viu algumas línguas de fogo e
uma cortina de fumaça que se projetavam de uma das janelas, e percebeu
que um incêndio se havia iniciado. Regressou apressadamente a sua
casa, situada nas cercanias do hospital, e tomou todas as providências
cabíveis, a fim de limitar a extensão do desastre.
Onze meses mais tarde, do vagão de um trem que o levava para
atender um compromisso administrativo, viu perplexo e contrafeito as
labaredas de um outro incêndio que transformou a casa publicadora
"Review and Herald" em escombros e cinzas.
Em 1922, foi eleito presidente da Associação Geral. Um diário
sensacionalista, publicado em São Francisco, Califórnia, sob o título
"Adventistas Escolhem Líder em Áspero Debate", descreveu de forma
deturpada a eleição do novo presidente, dizendo:
"Depois de uma controvérsia que sacudiu os fundamentos da
Associação Mundial dos Adventistas do Sétimo Dia e ameaçou fragmentar o
movimento, um compromisso foi ontem efetivado entre os dois principais
líderes, resultando na unânime aceitação da sugestão da Comissão de
Nomeações que indicou o nome de Guilherme A. Spicer como presidente, e
**
Ver "A Crise Panteísta" no capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".
A Mão de Deus ao Leme
269
a destituição de Artur G. Daniells da presidência, para assumir o cargo de
secretário, posto ocupado por Spicer durante vinte e dois anos. ''52
A nota periodística era evidentemente incorreta. Ignorando os
mecanismos que orientam as eleições na Igreja, o jornalista se equivocou
na interpretação do processo que resultou na eleição de Spicer.
Daniells havia estado à frente da Igreja durante mais de duas
décadas. Convocado para substituí-lo, Spicer mostrou-se relutante e
indeciso. Não se sentiu qualificado para a obra que o aguardava.
Finalmente, após um período de vacilações, aceitou a responsabilidade,
confiando que Deus haveria de sustentar-lhe as mãos trementes.
Dirigindo-se aos delegados reunidos na manhã de 24 de maio,
assim se expressou:
"Creio que a indicação de meu nome para presidir a Associação Geral
constitui a evidência de que chegamos a um tempo quando nosso trabalho
se tornou tão grande que não mais necessitamos no centro um grande
administrador. ...
"Penso ser oportuno desviarmos algumas vezes os nossos olhos dos
homens. O Senhor escolhe as coisas débeis deste mundo, para que os
homens entendam que todo o poder neste trabalho depende de nossa
relação com Ele.''53
Spicer foi eleito numa época em que o mundo, exausto e
empobrecido, erguia-se da tragédia da guerra, celebrando o amanhecer
de um novo período de paz e prosperidade. Os Estados Unidos viviam a
descontraída "era do jazz" com suas grandes e fantásticas especulações
financeiras. Mas as esperanças que marcaram o início da década
apagaram-se com o desastre econômico que, em 1929, abalou os
alicerces da estrutura financeira internacional.
Ao terminar seu primeiro mandato (1926), celebrando os retumbantes
triunfos alcançados pela Igreja, cantou com os milhares de delegados e
irmãos reunidos em Milwaukee, Wisconsin, seu hino predileto:
Eles chegam do norte e sul; Do oeste e leste vêm.
À mesa eles vão sentar com Jesus; Morar com o Pai no além.
Contemplam a Jesus enfim, coberto de glória e luz,
Jubilosos cantam lá, a vitória da cruz.
A Mão de Deus ao Leme
270
Era um quadro emocionante ver tantos fiéis procedentes de todas as
latitudes, representando dezenas de nacionalidades, culturas, idiomas e
grupos étnicos, reunidos para comemorar os triunfos do evangelismo.
Reeleito nesta assembléia, ele conduziu os destinos da Igreja
durante mais quatro anos. Concluindo seu segundo mandato, dirigindose aos delegados, declarou com irradiante alegria:
"Jamais vimos algo semelhante. Os últimos quatro anos, no que diz
respeito à conquista de almas, foram os melhores de nossa história. . .
"O último foi o melhor de todos. Em números, batizamos o equivalente
à formação de uma nova igreja de mais de oitenta membros cada dia do
ano."54
Apesar de suas múltiplas e estafantes atividades, sempre encontrou
tempo para escrever. De sua pena fluíram mais de 2.500 artigos e sete
livros, nos quais destilou sua contagiante confiança no triunfo da
verdade. Sua frase favorita, referindo-se ao movimento adventista, era:
"As ondas podem desfazer-se, mas a maré certamente prevalecerá."
Foi um homem conhecido por seus hábitos simples e austeros. Uma
vez, quando censurado por viajar em terceira classe, escusou-se dizendo:
"Desculpem-me, eu não sabia que havia uma quarta." Amava a paz e
evitava sempre que possível a controvérsia sobre assuntos doutrinários e
administrativos. Não era, entretanto, uma alma tímida ou irresoluta. Com
freqüência agigantava-se na defesa de um princípio ameaçado. Foi uma
das maiores figuras que esta Igreja jamais produziu. Visitando as igrejas,
dava à mensagem um novo ímpeto, aos ministros uma nova inspiração e
a todos a certeza do triunfo da esperança adventista.
Convidado para pregar na manhã de sábado no Concílio Anual da
Associação Geral, celebrado em 1949, apresentou uma de suas
características mensagens de confiança em Deus e no triunfo do
movimento adventista. Sobre seus ombros cansados pesavam então
oitenta e quatro janeiros. E enquanto pregava, confundiu-se com as luzes
artificiais que iluminavam o recinto. Olhou o relógio e se assustou
pensando que havia se alongado demasiado em suas considerações, e que
A Mão de Deus ao Leme
271
já era quase meia-noite. A congregação entendeu respeitosamente a
confusão momentânea vivida pelo encanecido líder.
No dia 17 de outubro de 1952, poucos dias antes de completar
oitenta e sete anos de vida, vítima de uma embolia que atingiu seu
coração, Spicer descansou em Cristo. E a Igreja cobriu-se de crepe,
pranteando a morte de seu bem-amado líder, um homem que por preceito
e exemplo personificou a "bem-aventurada esperança".
CARLOS H. WATSON
Em uma clareira aberta em meio a uma plantação de gigantescos e
frondosos eucaliptos, nas cercanias de Yambuk, pequena vila a uns 350
quilômetros de Melbourne, Austrália, erguia-se uma casa de madeira
pequena e humilde. Ali, no dia 8 de outubro de 1877, nasceu Carlos, um
dos doze filhos do casal Henry Watson. Em Seus insondáveis desígnios,
Deus haveria de usá-lo para conduzir o movimento adventista em um dos
mais atribulados períodos de sua história.
Aos vinte e cinco anos de idade Carlos aceitou a mensagem
adventista. Antes dele, outros membros de sua família se uniram à Igreja,
mediante o batismo. Ele, entretanto, se opunha com obstinado vigor à
proclamação adventista. Porém, em certa ocasião, enquanto assistia ao
cerimonial fúnebre de sua irmã Adelina, ouviu uma mensagem proferida
pelo Pastor W. A. Henning, que lhe produziu no coração uma impressão
A Mão de Deus ao Leme
272
indelével. Como resultado, a intransigente oposição foi substituída por
uma disposição mais afável e receptiva. Pouco depois ele e sua esposa
aceitaram a mensagem adventista.
Posteriormente assistiu a uma reunião campal celebrada em Royal
Park, Melbourne. Ao ouvir a pregação do Pastor Roberto Hare, sentiu
nascer no coração a chama de um grande ideal – dedicar a vida a Deus e
à Sua causa.
Era então um hábil homem de negócios. Cônscio, porém, de que os
que militam a boa milícia não se embaraçam com "os negócios desta
vida'', resolveu ''queimar as pontes e destruir os barcos'', tendo em vista
não mais voltar a se ocupar em suas atividades comerciais. Dirigiu-se ao
Colégio Adventista de Avondale, onde recebeu o preparo indispensável
para realizar a obra que a Providência lhe havia reservado.
Após graduar-se, em 1909, iniciou as atividades pastorais em
Maitland, Nova Gales do Sul, onde demonstrou as evidências
inequívocas de seu chamado. Em 1912, pouco depois de sua ordenação
ao ministério, foi eleito presidente da Associação de Queensland. Três
anos mais tarde foi escolhido para dirigir a União Australasiana.
Em 1922, na assembléia da Associação Geral celebrada em São
Francisco, Califórnia, viu seu nome aclamado para assumir a vicepresidência da Associação Geral, e oito anos mais tarde, em 1930, foi
eleito para substituir o Pastor Spicer na condução dos destinos da igreja
mundial.
Apoiando-o em sucessivas e ascendentes eleições, a Igreja
reafirmava sua confiança em suas qualificações administrativas e
habilidade executiva.
Sua eleição como presidente da Associação Geral ocorreu em um
momento de grande perplexidade internacional. No ano anterior, em
1929, se consumou em Nova Iorque a quebra da bolsa de valores,
atirando os Estados Unidos e os cinco continentes nos anos turvos de
desapontamentos e amargura, de desemprego e miséria, de esperanças
frustradas e brutais reações. O desastre econômico iniciado nos Estados
A Mão de Deus ao Leme
273
Unidos abalou os alicerces das finanças de todos os países. Desencadeou
por toda a parte falências em cadeias de monopólios comerciais e
empresas bancárias. O desemprego chegou a índices sem precedentes.
Ocorriam por toda a parte greves, agitações de rua, passeatas de fome,
ocupação e depredação de fábricas, filas para pão, desamparo, descrença
e fermentação revolucionária. Em cada indivíduo atingido pela depressão
econômica, em cada família, em cada fábrica, em cada banco, um
sentimento dominava em forma soberana: o medo. Em um esforço por
restaurar a confiança de seus concidadãos no futuro nacional, Franklin
D. Roosevelt assim se expressou: "Nada temos a temer senão o próprio
medo."
A Igreja também foi sacudida pelo vendaval do desastre econômico.
Watson, entretanto, com sua genial percepção financeira, reunia as
condições imprescindíveis para conduzir este movimento sobre as areias
movediças da incerteza econômica. Era o homem certo para a ocasião
certa.
Ao assumir a presidência, sua primeira tarefa foi analisar as
disponibilidades financeiras, e com base nos recursos acessíveis, definir
suas prioridades administrativas. Com serenidade ouvia seus conselheiros
na área financeira, mas depois de longas e tediosas exposições técnicas,
com a habilidade que lhe era própria, sintetizava os problemas em forma
objetiva, e indicava o caminho a seguir. "A organização não buscará
empréstimos bancários para enfrentar a emergência" – declarava enfático
– "mas terá que reduzir drasticamente os seus gastos operacionais."
Medidas austeras foram então postas em execução, tendo em vista aliviar
a crise. O quadro de obreiros foi reduzido em quase cinqüenta por cento.
Os demais obreiros que permaneceram nas folhas de pagamento da
Organização admitiram uma dedução de trinta por cento em seus
salários. Inúmeras medidas radicais e impopulares se fizeram necessárias,
uma vez que a Igreja havia sofrido uma redução de aproximadamente
cinqüenta e quatro milhões de dólares em sua receita, durante o período
agudo da recessão.
A Mão de Deus ao Leme
274
Mas, as angustias econômicas que marcaram aqueles anos não
foram suficientes para limitar os triunfos do movimento adventista.
Durante sua gestão administrativa, a Igreja recebeu "noventa mil novos
membros, organizou quarenta e oito novas missões, edificou
aproximadamente mil templos novos, e inaugurou uma obra de
penetração em cento e oitenta e quatro novos países e ilhas, usando cento
e vinte e duas novas línguas e dialetos".55
Quando analisamos as características pessoais de Watson, e
entendemos a extensão da crise econômica que sacudiu a estrutura
financeira mundial durante sua gestão administrativa, concluímos
seguros de que ''o Senhor não deixa o navio (Sua Igreja) um momento
sequer nas mãos de pilotos incapazes".57
Em 1936, após seis anos de liderança, regressou ao país natal.
Como fiel mordomo, havia cumprido seu dever. Retornou, entretanto,
levando em seu corpo exaurido, as conseqüências inevitáveis dos
excessos de uma obra cumprida com zelo e fervor.
Dois anos mais tarde, quando já refeito das lutas e embates da
liderança em Washington, voltou a ocupar posições administrativas na
Austrália. Foi eleito presidente da União Australasiana e, posteriormente,
presidente da Divisão, cargo que exerceu com brilho e dedicação até
1944, quando então se aposentou.
Foi um líder de convicções firmes e definidas. Seu entranhável
amor pela causa adventista inspirou-o a formular um rígido programa
administrativo, tendo em vista a consolidação financeira da Igreja e a
extensão de seu programa missionário. Embora dotado de incomum
habilidade empresarial, jamais descuidou a importância do crescimento
espiritual. Para ele o progresso econômico deveria ser sempre
dimensionado por um crescimento espiritual equivalente.
Em sua administração na Austrália, mostrou-se especialmente
interessado na consolidação e desenvolvimento da fábrica de produtos
alimentícios. Graças à sua visão, possuímos hoje na Austrália e Nova
Zelândia, uma poderosa organização industrial, gerando oportunidades
A Mão de Deus ao Leme
275
de trabalho para centenas de adventistas e produzindo lucros generosos,
destinados ao vitorioso programa missionário nas ilhas do Pacífico.
Era um líder conhecido por um sadio senso de humor. Em certa
ocasião usou com grande habilidade a publicidade então mui conhecida
dos caramelos de marca MINTIES. A publicidade deste produto parecia
saturar todos os meios de comunicação. Viam-se nos diários e até
mesmo nos transportes coletivos, a figura de um indivíduo vivendo um
momento de angústia e perplexidade. Acompanhando o quadro, lia-se a
seguinte legenda: "Em momentos como este, você necessita de
MINTIES.'' Esta publicidade lhe veio à mente em uma ocasião, quando
dirigia uma reunião administrativa da Divisão Australasiana.
Um membro da comissão, conhecido por seu espírito inflamado e
natureza arrebatada, expressava-se com grande veemência, criticando a
atuação do diretor do departamento de Deveres Cívicos. O obreiro
criticado, extremamente ofendido e, inflamado por uma descarga de
adrenalina em sua corrente sangüínea, preparava-se para refutar o acusador.
O ambiente estava carregado de tensões. Watson sentiu a seriedade do
debate e, levantando-se, introduziu a mão em seu bolso, de onde tirou uma
pequena caixa contendo caramelos MINTIES e, dirigindo-se amistosamente
ao obreiro, ofendido, lhe ofereceu dizendo: "Em momentos como este, você
necessita de MINTIES." Os membros da comissão explodiram em ruidosa
gargalhada. Tanto o acusador como o acusado uniram-se no riso
inesperado. Um espírito amistoso e calmo voltou a permear a discussão.58
Watson era respeitado por uma singular combinação de talentos e
virtudes. Como eloqüente pregador, conduziu muitas almas á Cruz.
Como vigoroso líder espiritual, estabeleceu novos padrões de liderança
cristã. Com excepcional memória para guardar rostos e nomes, granjeou
o respeito e a admiração de seus coobreiros e da Igreja em geral.
Guilherme Booth, o fundador do Exército de Salvação, em uma
audiência histórica com o rei Eduardo, da Inglaterra, fez uma declaração
lapidar:
A paixão de alguns é a arte,
A paixão de outros é a fama;
A Mão de Deus ao Leme
276
Uns ambicionam riquezas,
Minha ambição são as almas.
O ministério de Watson se caracterizou também por uma
consumidora paixão pelas almas. Ouvindo acerca dos grandes triunfos
do evangelismo nas Filipinas, decidiu visitar algumas de suas ilhas,
onde, durante várias semanas, acompanhou a obra dinâmica realizada
por vários evangelistas, secundados por irmãos fiéis e dedicados.
Deteve-se em sua visita em uma pequena cidade, onde um pregador
filipino planejava dirigir uma cruzada de evangelismo, mas não
conseguiu um lugar para erguer sua tenda. Todas as possibilidades de
alugar um terreno lhe foram negadas. Decidiu então conduzir seu
programa de evangelização em uma pequena igreja com capacidade para
umas cem pessoas. O frágil piso de madeira do templo se erguia a uns 80
centímetros do chão. As paredes eram de bambu e o teto de palha. Uma
noite, Watson pregou a um público que perigosamente excedia os limites
do humilde santuário. E, enquanto pregava com seu característico fervor
sobre a segunda vinda de Cristo, o excesso de peso produziu um colapso.
Uma das paredes de bambu ruiu e muitos caíram no chão. Quando
cessou o pânico, descobriram com alegria que ninguém se havia ferido e
a reunião continuou.
No dia seguinte Watson interrogou o pregador filipino:
– Que faremos para dar continuidade ao trabalho?
– Desejaria encontrar um terreno baldio disponível para levantar a
minha tenda – respondeu o jovem evangelista. – Mas, os vários
proprietários deste lugar se recusam a alugar o terreno para fins
religiosos.
Os dois caminhavam ao longo de uma estrada poeirenta, enquanto
conversavam sobre o assunto. Em um dado momento Watson sugeriu
que entrassem em um bosque para a sós, apresentar o problema ao
Senhor. Ajoelharam-se, oraram sobre o assunto e no dia seguinte
conseguiram um excelente lugar para erguer a tenda e conduzir uma
frutífera campanha evangelística.
A Mão de Deus ao Leme
277
Com efeito, Watson era um homem de fé, que confiava de forma
ilimitada nos recursos infinitos da oração. Foi um líder de convicção.
Amou a Deus com um coração indiviso e empregou suas melhores
energias na edificação de Sua causa na Terra.
Em 1962, no mês de dezembro, um dia antes das celebrações
natalinas, no Sanatório de Sydney, Austrália, descansou sereno, com a
consciência do dever cumprido.
"Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor.
Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas
obras os acompanham."59
J. L. MCELHANY
Na assembléia da Associação Geral celebrada em São Francisco,
Califórnia, em 1936, os delegados procedentes de todos os quadrantes,
após a aprovação de um voto de reconhecimento pela obra administrativa
realizada por Watson, elegeram a J. Lamar McElhany para dirigir o leme
da embarcação adventista. A depressão econômica estava então em
declínio, suscitando no mundo financeiro moderadas expectativas.
Nuvens densas, entretanto, cobriam o céu das esperanças humanas,
prenunciando dias tormentosos para o mundo e para a Igreja. Inspirandose em sentimentos revanchistas e idéias anti-semíticas, despontava na
Europa um nacionalismo exacerbado, respirando ódio e vingança.
A Mão de Deus ao Leme
278
Ignorando os acordos de Locarno, Hitler anexou a Romênia ao seu
país. Naquele mesmo ano, 1936, eclodia a guerra civil espanhola,
convertendo a nação em um cruento laboratório onde se experimentaram
novas armas e modernas técnicas de destruição. As tropas de Mussolini,
em seus ambiciosos sonhos de expansão territorial, tomaram a capital da
Abissínia (ou Etiópia), Adis-Abeba, e proclamaram o Império Italiano.
Estes três sucessos bélicos somados a outros fatores, serviram mais
tarde como elementos detonantes do grande conflito armado que, com
todo seu horror, haveria de se abater sobre o mundo.
Com efeito, McElhany iniciou seu mandato sob o signo da guerra, e
durante quatorze anos (foi reeleito duas vezes) ocupou-se continuamente
com os problemas gerados pelos conflitos armados, e suas implicações
sobre a Igreja e seu programa missionário.
Alguns dos grandes desafios que enfrentou em sua liderança
estavam relacionados com a guerra: a proteção dos missionários nas
áreas atingidas pela turbulência bélica, os esforços por lograr a liberação
dos que estavam confinados em campos de concentração, a provisão de
fundos para as situações de emergência, e um programa de assistência
aos refugiados de guerra.
Porém, antes de continuamos discorrendo sobre sua obra
administrativa, cremos oportuno descrever algo sobre suas origens e a
maneira como Deus o preparou para a liderança de Sua Igreja.
Seu pai, em 1854, então um jovem de quatorze anos, à semelhança
de muitos outros, emigrou para a Califórnia, animado pela esperança de
encontrar no eldorado do Pacífico uma perspectiva mais luminosa para
sua vida. Lá conheceu Mary Ford, uma jovem nativa do Estado de
Missouri que também se mudara para a Califórnia fascinada pelas
promessas do Oeste. Atraídos por uma afeição recíproca, casaram-se e se
estabeleceram em uma área conhecida pela fertilidade de suas terras, no
vale de Santa Clara. Ali, no dia 3 de janeiro de 1880, nasceu J. Lamar
McElhany.
A Mão de Deus ao Leme
279
Pouco depois, alcançada pelo poder da mensagem do terceiro anjo,
a família McElhany decidiu mudar-se para Healdsburg, um grande
centro adventista, situado a uns quatrocentos quilômetros ao norte do
Estado, a fim de dar aos filhos os benefícios de uma educação cristã.
Um dia, enquanto estudavam as profecias do Apocalipse, o jovem
Lamar e seus colegas de classe sentiram-se envolvidos no calor de uma
inflamada polêmica sobre os 144.000 e sua exegese. Estimulados por um
espírito especulativo, interrogavam entre si: "Quem são os que hão de
integrar este grupo?" A ausência de uma resposta convincente levou-os à
conclusão de que unicamente a Sra. White poderia ajudá-los na
interpretação deste tema. Depois de haver estado na Austrália durante
nove anos, ela havia regressado, estabelecendo como residência um
aprazível lugar situado a uns sessenta quilômetros de Healdsburg.
McElhany, então um jovem de vinte e um anos, diante dos colegas
de classe, tomou a decisão de visitá-la, animado pela esperança de trazer
uma resposta clara e indiscutível sobre o assunto em questão.
Em uma determinada manhã, quando ainda era escuro, ele e um
colega de estudos prepararam um lanche frugal e, após haverem
encilhado dois cavalos, iniciaram uma excitante jornada em direção a
Elmshaven, onde a Sra. White vivia o outono de sua existência.
Enquanto cavalgavam, sentindo no rosto a brisa suave e refrescante
da madrugada, conversavam entre si sobre seus planos, sonhos e
aspirações. No horizonte despontava o sol, inaugurando mais um dia
com suas surpresas e expectativas.
À medida que avançavam contemplavam embevecidos as
montanhas adjacentes com suas graciosas saliências cobertas com uma
vegetação viçosa e luxuriante. O pensamento de que em breve haveriam
de estar na presença da mensageira de Deus, enchia-os de reverente
emoção.
À tarde, após cruzarem o verdejante vale de Napa, aproximaram-se,
já cansados, dos contrafortes da serra de Howell, nas cercanias de Santa
A Mão de Deus ao Leme
280
Helena, onde, entre árvores sombrosas, viçosos vinhedos e encantadores
jardins, vivia a serva do Senhor.
Recebidos pela Sra. White, sentiram imediatamente o cordial
contágio de uma hospitalidade descontraída, sem cerimônias ou
formalidades. Conduzidos ao seu escritório, viram com reverência o
lugar onde, entre orações, livros, manuscritos e papéis diversos, ela
escrevia seus testemunhos e cartas pessoais, e elaborava seus extensos e
laboriosos manuscritos.
Depois de um momento de silenciosa reflexão, dando à voz uma
inflexão especial, o jovem McElhany apresentou as razões de sua visita.
Falou sobre as discussões travadas em classe em torno dos 144.000 e seu
significado, e concluiu expressando o desejo de obter alguma resposta ao
problema em referência.
Após ouvi-lo com a devida atenção, a Sra. White expressou-se
declarando: "Nada tenho a dizer sobre este assunto."
Embora frustrado pela ausência de uma resposta ao problema que o
levou a Elmshaven, aquele encontro foi em sua vida um evento
inolvidável. Posteriormente, a leitura de um dos escritos da Sra. White
iluminou-lhe a mente, capacitando-o a entender as razões que a levaram
a não se expressar sobre o polêmico tema:
"Quando os homens" – escreveu ela – "apanham esta e aquela teoria,
quando são curiosos de saber alguma coisa que não lhes é necessário
saber, Deus não os está conduzindo.... Não é Sua vontade que eles se
metam em discussões acerca de questões que os não ajudam
espiritualmente, tais como: Que pessoas vão constituir os cento e quarenta e
quatro mil?"60
Em 1901, após haver completado seu programa de estudos em
Healdsburg, McElhany iniciou uma leal e afetuosa relação de serviço
com a Igreja, que se estendeu através de cinqüenta e oito anos de
frutífera atividade como missionário, evangelista e administrador.
No ano seguinte contraiu núpcias com Cora Belle, uma atraente
enfermeira, que com desvelada dedicação o acompanhou em suas árduas
batalhas por Cristo e sua Igreja.
A Mão de Deus ao Leme
281
Após seu casamento, durante quase quatro anos (1903-1906) ele se
ocupou em um vigoroso programa de evangelismo na Austrália. Sua
esposa o ajudou de modo infatigável, ora cantando, ora dirigindo a
música, incentivando-o muitas vezes em momentos depressivos,
corrigindo seus erros gramaticais, seus gestos grotescos, seus maneirismos
impróprios e sua postura inconveniente no púlpito.
Em 1906, foram chamados para trabalhar nas Filipinas. O salário que
então recebiam era insuficiente para satisfazer suas necessidades básicas.
Seus irmãos nos Estados Unidos, conhecendo suas penúrias econômicas,
enviavam pelo correio caixas contendo nozes e frutas secas. Um dia os
olhos castanhos de Cora brilharam intensamente quando descobriu que uma
das caixas estava forrada com velhos exemplares da revista Signs of the
Times (Sinais dos Tempos). Em sua mente cintilou uma idéia: venderia as
revistas, embora fossem edições atrasadas, e empregaria o dinheiro na
compra de alimentos para prover sua empobrecida despensa. Este detalhe
ilustra a inquebrantável disposição de uma mulher que após haver posto a
mão no arado, recusou-se olhar para atrás.
A importância da mulher na vida da Igreja foi claramente demonstrada
no papel que elas desempenharam nos grandes acontecimentos que se
seguiram à crucifixão. Enquanto caminhavam rumo a Emaús, um discípulo
dirigindo-se a Jesus prestou-lhes um tributo, dizendo: "... algumas mulheres
que conosco estavam nos surpreenderam."61 A dedicação de Cora e de
centenas de outras mulheres adventistas, à semelhança das mulheres do
primeiro século, nos enchem também de admiração e assombro.
Alguns anos mais tarde (1910) McElhany regressou à América, onde
após um curto período de atuação como capelão em dois hospitais, ocupou
sucessivamente a presidência de quatro Associações e duas Uniões,
demonstrando sempre as qualificações próprias de um autêntico líder.
E. D. Dick, conhecido administrador, que com ele trabalhou durante
vários anos, descreve-o dizendo:
"Possuía as qualidades de um líder inconteste, e uma devoção
incondicional ao seu Mestre. Era generoso em suas opiniões, permitindo que
A Mão de Deus ao Leme
282
outros diferissem, sem rotulá-los como obstinados. Foi conservador e
intrépido, e suas decisões foram sempre tomadas sem precipitações."62
Eleito vice-presidente da Associação Geral em 1926, conduziu-se com
uma serenidade digna de emulação. Jamais se mostrou espetacular ou
impetuoso; suas palavras e ações produziam as evidências inconfundíveis
de uma vida escondida em Cristo.
Finalmente, em 1936, a assembléia da Associação Geral, celebrada em
São Francisco, Califórnia, o escolheu para conduzir os destinos da Igreja,
em um período da história conhecido por suas angústias econômicas e
turbulência bélica. Uma decisão precipitada ou imprudente, naqueles dias,
bastaria para produzir um desastre econômico com suas imprevisíveis
conseqüências. McElhany, entretanto, demonstrou sempre as virtudes de
um hábil timoneiro, conduzindo com serenidade a nau adventista através
das águas agitadas de um encapelado mar.
McElhany, como líder, revelou a habilidade própria dos grandes
cirurgiões. Muitas vezes, como dever de ofício, sentiu-se obrigado a
realizar intervenções delicadas e dolorosas, tendo em vista a erradicação do
orgulho, ou outros males próprios da natureza humana. A incisão de seu
bisturi pastoral, entretanto, embora profunda algumas vezes, deixava com
freqüência cicatrizes quase imperceptíveis.
Depois de haver conduzido durante dez anos (1936-1946) os negócios
da Igreja, levando sobre os ombros o peso esmagador dos grandes
problemas gerados pela Segunda Guerra Mundial, com expressões de gozo
e gratidão ao Senhor, apresentou em 1946, aos delegados reunidos em
assembléia geral, os consagradores triunfos do evangelismo.
Reeleito pela segunda vez, chorou convulsivamente, afligido com a
magnitude dos desafios que o aguardavam. Mas, com espantosa capacidade
prática e admirável gênio administrativo, logrou novas e alentadoras
vitórias nos ásperos combates contra o poder das trevas.
A ele se aplicam apropriadamente as palavras com as quais a Sra.
White descreve a obra de liderança conduzida por Moisés:
"A grande obra que lhe era confiada, desejava fazê-la com o maior
êxito possível, e pôs sua confiança toda no poder divino. Sentiu sua
A Mão de Deus ao Leme
283
necessidade de auxílio, pediu-o, adquiriu-o pela fé e saiu na certeza de
manter a força."63
No dia 25 de junho de 1959, após haver completado setenta e nove anos
de idade, alquebrado sob o peso dos anos, sentindo que a chama bruxuleante
da vida se apagava, sereno, reclinou a fronte cansada e dormiu no Senhor.
A infausta notícia de sua morte alcançou o editor da Review and
Herald, Pastor F. D. Nichol, cumprindo um longo itinerário na Europa.
Com o coração quebrantado pela tristeza, ele escreveu:
"São transcorridos já oito meses desde que o visitei pela última vez. Sempre
que viajava à Califórnia tomava algum tempo para visitá-lo. Concluímos nosso
último encontro dirigindo-nos a Deus em oração. Naquela oportunidade senti de
maneira vívida a presença divina em nosso coração. Quando levantamos, ele
enxugou algumas lágrimas e, dirigindo-se a mim, disse: 'Irmão Nichol, eu o amo.'
Depois disto nos separamos. Desde então, tenho com freqüência refletido sobre
aqueles preciosos momentos, quando o Céu me pareceu tão real. Guardarei
sempre na memória a doce lembrança daquela ocasião quando um grande homem
de Deus de forma simples e espontânea, se expressou dizendo: 'Eu o amo.' Seu
64
amor foi sem dúvida genuíno. Conceda-nos Deus mais homens como ele."
McElhany foi sem dúvida um homem de elevado ideal em um
elevado cargo. Em sua liderança mostrou ser o homem certo em um
momento difícil de nossa história.
GUILHERME H. BRANSON
A Mão de Deus ao Leme
284
O dia da abertura da quadragésima sétima assembléia da
Associação Geral, celebrada em 1950, na cidade de São Francisco,
Califórnia, se caracterizou por alguns acontecimentos memoráveis.
Dirigindo-se aos delegados procedentes de muitas nações, o governador
da Califórnia, Earl Warren, exprimiu com eloqüência sua profunda
apreciação pelos adventistas e sua obra mundial. Entre os que ocupavam
a plataforma estavam obreiros dos mais distantes lugares da Terra,
líderes de experiência, que haviam passado por imensas tribulações,
homens que conduziram a Igreja através de difíceis e probantes
experiências, mas que se mostraram fiéis ao depósito que lhes foi confiado.
Figurava entre eles o Pastor J. L. McElhany, então em processo de
recuperação de uma séria enfermidade que o havia acometido.
O relatório do presidente foi uma inspiradora e histórica exposição
de bênçãos e desafios. E tornou-o duplamente significativo o fato de o
Pastor McElhany não o ter podido apresentar, embora se encontrasse
presente. O diretor da Faculdade de Medicina de Loma Linda anunciou
antes da leitura do relatório, que foi com relutância que McElhany,
convalescendo de uma grave enfermidade, aceitou o conselho dos
médicos, não se arriscando à tensão emocional de apresentar pessoalmente
seu relatório. Esta tarefa recaiu sobre seu secretário, A. W. Cormack.
Terminada a leitura, McElhany ergueu-se solene e, diante dos
milhares de adventistas reunidos, anunciou sua decisão de não mais
continuar na presidência. As responsabilidades administrativas haviam
sido demasiado pesadas e, agora, alquebrado fisicamente, pediu a
liberação do ônus, pressões e encargos próprios da administração.
Em um ambiente triunfalista, carregado de confiança em Deus e
Suas eternas providências no cuidado da Sua Igreja, os delegados
aprovaram o nome de Guilherme* H. Branson para ocupar a presidência
da Associação Geral.
*
Guilherme é o correspondente a William, em português.
A Mão de Deus ao Leme
285
Guilherme nasceu no Estado de Illinois, em uma área notória pela
pobreza de seu solo, onde o verão era conhecido como intensamente
tórrido e o inverno extremamente glacial. Seu pai, embora diligente e
incansável nos labores agrícolas, vivia o drama próprio das colheitas
insuficientes, que o limitavam em seus anseios de conceder à família
melhores e mais promissoras condições econômicas.
Quando tinha seis anos de idade, a família sentiu-se atraída por uma
série de conferências dirigida por um pregador adventista, em uma igreja
situada nas cercanias do lugar onde viviam. A Sra. Branson, singular
combinação de piedade cristã e habilidade executiva, reunia cada noite
os cinco filhos em uma carroça, e, tangendo os animais, seguia em
direção à Igreja, com o propósito de receber as bênçãos do estudo da
Palavra de Deus. Não tardou para que ela e os filhos aceitassem a
mensagem adventista. O esposo, entretanto, mostrando-se inflexível à
idéia de uma reformulação em seu pensamento religioso, declarou
convicto: "A Igreja Batista Primitiva ainda é suficientemente boa para mim."
Afligido por uma bronquite asmática que se intensificava com o
transcurso dos anos, o Sr. Branson decidiu mudar-se com a família para
a Flórida, no sul do país, onde as condições climáticas mais favoráveis
poderiam atenuar seus padecimentos físicos. A mudança, além de lhe
haver produzido um efeito benéfico sobre a saúde, permitiu-lhe conceder
à família uma melhor status econômico.
Desfrutando os privilégios de um clima mais cálido e a satisfação
de uma situação econômica menos angustiosa, Guilherme crescia
cultivando as virtudes cristãs que haveriam de adornar seu caráter e
moldá-lo para a gigantesca obra de liderança denominacional.
Aos treze anos de idade dirigiu-se a Battle Creek a fim de receber
em nosso colégio os benefícios de uma educação cristã. Custeou os
estudos trabalhando como cozinheiro no Sanatório. Dois anos mais tarde
continuou suas atividades acadêmicas no colégio adventista situado em
Berrien Springs, Michigan, conhecido hoje como a Universidade
Andrews, onde permaneceu durante o período de um ano.
A Mão de Deus ao Leme
286
Regressando a sua casa, encontrou fortuitamente em uma reunião
campal uma jovem que cativou seus olhos, acelerou seus batimentos
cardíacos e inaugurou um encantador romance que o levou ao altar e se
alongou através de trinta e um anos de venturosa experiência conjugal.
Três anos após haver contraído núpcias com a jovem Minnie, foi
convidado pela Associação de Flórida para trabalhar como obreiro
regular. Recebia como remuneração a soma de oito dólares semanais.
''Crê você, Minnie, que seremos capazes de sobreviver com um
salário de trinta e dois dólares por mês?" – interrogou preocupado. O lar
havia sido enriquecido com o advento do pequeno Ernesto, mas
animava-o a certeza de que, apesar das responsabilidades adicionais,
com o favor divino lograriam subsistir. Aqueles foram tempos heróicos,
caracterizados pela presença de uma admirável estirpe formada por
grandes homens e mulheres de pequeno salário.
Em 1910, com a idade de trinta e três anos, foi ordenado ao ministério.
Aceitou, no ano seguinte, a presidência da Associação Cartolina do Sul,
inaugurando então um frutífero programa administrativo, pleno de
realizações. Como presidente, entretanto, jamais permitiu que os balanços
financeiros, os gráficos estatísticos ou a burocracia denominacional,
apagassem em seu coração a chama do fervor pela obra da evangelização.
Enquanto dirigia uma série de conferências na cidade de Johnson,
Tennessee, sua pequena filha Raquel faleceu, vítima de fulminante
meningite. Mais tarde, quando ocupado em outra cruzada de
evangelismo em Grays Ville, também no Tennessee, seu lar foi alegrado
com o advento de Luís, o quarto filho.
Em 1915, assumiu a presidência da União do Sul, sendo cinco anos
mais tarde indicado para dirigir a Divisão Africana.
Durante os anos que trabalhou no "continente negro", percorreu
imensas regiões sem estradas. Viajou de trem, em carroças, a cavalo e a
pé, contemplando por toda a parte paisagens selvagens, habitadas por
leões, leopardos, hipopótamos e elefantes. Enfrentou o perigo constante
A Mão de Deus ao Leme
287
de mosquitos transmissores de terríveis enfermidades tropicais e a
hostilidade de nativos avessos à presença do homem branco.
Viu a influência ruinosa e degradante do paganismo na vida de
milhões de nativos envoltos na mais densa escuridão religiosa. Inspirado
no afã de iluminar a África com as luzes fulgurantes da esperança
adventista, implantou por toda a parte estações missionárias que, com o
decorrer dos anos se transformaram em poderosas agências
evangelizadoras, conduzindo milhares de nativos ao conhecimento de
Cristo.
Suas experiências em território africano, ele as resumiu em dois
livros intitulados Pioneering in the Lion Country (Pioneiro no País do
Leão), e Missionary Adventure in Africa (Aventura Missionária na
África). Lendo-os descobrimos que para o autor, a África passou a
significar aventura e sedução, mistério e fascínio, contrastes e
confrontos, rivalidades tribais e uma surpreendente cacofonia de sons – o
desafio de centenas de dialetos falados por seus habitantes.
Mas, acima de tudo, para o enérgico líder, a África significava seres
humanos enfermos, analfabetos, angustiados e aflitos – almas preciosas
pelas quais Cristo morreu.
Em 1930, depois de extraordinária obra de penetração e
consolidação do trabalho em solo africano, foi eleito vice-presidente da
Associação Geral. Destacou-se como construtor dinâmico e incansável.
Igrejas e instituições sem conta foram erigidas em muitos lugares.
Porém, mais que um construtor de edifícios, ele foi um construtor de
caracteres. Por preceito e exemplo logrou moldar a vida de centenas e
milhares de jovens que se dedicaram aos ideais da causa adventista.
Foi respeitado por seus contemporâneos como talentoso pregador
arquiteto de idéias, pensador arguto, escritor prolífico e um líder, com
convicções claras e definidas. Para cada problema encontrava sempre
uma solução oportuna e providencial.
Em 1935 faleceu a Sra. Branson, após haver partilhado durante
trinta e um anos as alegrias e tristezas, os triunfos e os desapontamentos
A Mão de Deus ao Leme
288
que caracterizaram a experiência ministerial do esposo. Este
acontecimento doloroso repercutiu profundamente no coração do
incansável líder como uma tragédia inominável.
Casou-se mais tarde com Elizabeth H. Robbins, que o acompanhou
posteriormente em suas novas responsabilidades como presidente da
Divisão Chinesa (1946-1950). A igreja vivia então, naquele imenso país,
um período de tensão, perplexidade e incerteza. Nas montanhas
inacessíveis do norte irrompeu um movimento revolucionário, desafiando
a autoridade do poder central. Um ano após sua chegada à China, o
governo mobilizou a nação para a luta contra a insurreição institucional.
Branson acompanhou a guerra civil com preocupação e pesar. As
forças revolucionárias avançavam em todas as frentes, logrando vitórias
espetaculares. Não tardou para que lograssem transpor a Grande
Muralha. Estreitavam-se gradualmente as fronteiras para o programa de
evangelização adventista.
Em 1949 os exércitos revolucionários alcançaram os limites do
Vietnã, conquistando em sua marcha triunfal inúmeras províncias e, com
elas, importantes centros urbanos. À medida que avançavam, nossas
igrejas eram fechadas, nossos hospitais e escolas eram nacionalizados.
Somente Deus sabe as angústias e pesares vividos pelo casal
Branson quando com muitos outros missionários tiveram que abandonar
precipitadamente o país ao qual dedicaram suas melhores energias. As
palavras do anjo a Ló e sua família – "Escapa-te por tua vida; não olhes
para trás'' – se revestiam agora para eles de um significado que lhes era
mui familiar.
Em seu relatório apresentado à Associação Geral, descrevendo as
angustias e aflições daqueles dias, assim se expressou:
"A experiência de nossos obreiros na China durante os últimos quatro
anos, é apropriadamente descrita pelas palavras do apóstolo Paulo: 'Em
tudo sereis atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não
desamparados; abatidos mas não destruídos.'''65
E depois acrescentou uma nota de otimismo, dizendo:
A Mão de Deus ao Leme
289
"Em vez de lamentar-nos por causa da retirada dos nossos
missionários, regozijemo-nos por Deus haver suscitado na China dirigentes
nacionais capazes, leais e de confiança, os quais podem empunhar as
rédeas da direção em um tempo de crise como este e levar avante os
interesses da Igreja.''66
Em 1950, quando eleito presidente da Associação Geral,
surpreendido com a indicação de seu nome para tão elevada investidura,
com a voz embargada pela emoção, declarou solene:
"Sempre imaginei o líder do povo de Deus como um homem de
elevado padrão. ... Jamais me senti qualificado para satisfazer as medidas
definidas por este modelo. . . . Não possuo habilidades naturais para realizar
a obra que me pedem. Vejo em minha vida tantas fraquezas e imperfeições
que me fazem tremer ao aceitar esta tarefa santa." 67
Embora sentindo-se insuficiente para a obra que lhe foi comissionada,
destacou-se em sua gestão como homem de Deus, administrador sereno,
líder dinâmico e homem de visão. Durante quatro anos conduziu os
destinos da Igreja com distinção e habilidade.
Sua secretaria, Srta. Williams, que o assistiu durante vários anos,
resumiu a vida e obra deste líder em poucas e selecionadas palavras:
"Quando comecei meu trabalho, servindo-o como secretaria, escrevi
uma carta aos meus país, comparando o seu cérebro ao de William Marshal
Bullitt, jurista conhecido internacionalmente, cujos honorários excediam a
soma de cem mil dólares, na defesa de uma só causa. Jamais conheci
alguém mais versátil e prolífico, e com tão genial disposição. ''68
Nos curtos intervalos de seu intenso e agitado programa
administrativo, escreveu os seguintes livros que enriqueceram
sobremaneira a bibliografia denominacional: The Way to Christ (O
Caminho a Cristo), The Holy Spirit (O Espírito Santo), In Defense of the
Faith (Em Defesa da Fé), How Men are Saved (Como São Salvos os
Homens) e Drama of the Ages (O Drama dos Séculos).
Ao completar seu mandato, sentindo os devastadores sintomas do
mal de Parkinson, anunciou sua determinação de não mais continuar na
liderança da Igreja.
A Mão de Deus ao Leme
290
"Esta enfermidade tem afetado em forma acentuada o meu ministério
público", ele explicou. "A irritação nervosa causada por esta enfermidade se
exacerba toda vez que eu tento falar em público ou me encontro sob
tensão." E então acrescentou enfático: "Estou pronto para apoiar aquele que
for escolhido, com todas as forças que Deus me conceder." 69
Em seu último sermão, dirigindo-se aos delegados reunidos naquele
encontro (1954), destacou com entusiasmo e vigor a importância da
evangelização. "A principal tarefa da igreja é a salvação de almas'',
exortou solene. E sem poder dissimular os efeitos insidiosos da
enfermidade que minava seu corpo cansado, com a voz trêmula,
sentenciou:
"Jesus em breve voltará. Sobre este tema devemos cantar e pregar.
Nesta esperança devemos firmar nossa fé; e para este acontecimento
devemos preparar o nosso coração."70
Guilherme H. Branson morreu no dia 21 de janeiro de 1961.
Coberta de luto, a Igreja pranteou sua morte. No cerimonial fúnebre
celebrado na igreja da Universidade de Loma Linda, Denton E. Rebock,
rendendo-lhe uma última e sentida homenagem, declarou: "O mundo foi
enriquecido e melhorado com a sua vida; empobrecido e debilitado com
a sua morte."71
RUBEM R. FIGUHR
A Mão de Deus ao Leme
291
Através dos tempos o lar tem demonstrado ser o lugar ideal para os
grandes e extraordinários começos. Foi numa rústica manjedoura, no
seio de uma obscura família de Nazaré, que ocorreu o mais auspicioso de
todos os começos – a comovente história da redenção. Foi também no
seio de um lar simples, em Wisconsin, nos Estados Unidos, que Rubem
R. Figuhr, décimo segundo presidente da Associação Geral, teve seu
abençoado e providencial começo.
No século XVIII, seus ancestrais emigraram da Alemanha para se
estabelecerem na Província de Volynie, nas cercanias de Kiev, na
Rússia. Posteriormente, informados sobre as riquezas, oportunidades
econômicas e clima de liberdade existentes no Novo Mundo, seus pais
decidiram romper os vínculos com o país onde viviam e, após
empreender uma fuga dramática, cruzando a fronteira escondidos entre o
feno transportado por uma carroça, e atravessando as águas do Atlântico,
chegaram às praias da América do Norte.
Estabeleceram-se no Estado de Wisconsin, onde passaram a
integrar uma colônia formada por parentes e amigos que, como eles,
também haviam emigrado em busca de um futuro mais promissor. E
enquanto ainda desfrutavam as emoções de uma nova experiência nas
terras livres da América, no dia 20 de outubro de 1896, celebraram com
demonstrações de alegria o advento do menino Rubem.
Um dia, as famílias que formavam aquela laboriosa colônia de
imigrantes receberam algumas publicações adventistas, impressas na
Alemanha. Lendo-as, alguns concluíram precipitados que "elas difundiam
doutrinas espúrias do anticristo anunciado nas profecias''. Outros, lendo
acerca da importância do sábado, lembraram-se de que na Rússia ouviram
informações sobre a existência de algumas comunidades cristãs que
observavam o sábado conforme o mandamento.
À medida que estas publicações eram lidas, crescia entre eles o
interesse por entender mais claramente as verdades bíblicas. Porém,
como membros da Igreja dos Irmãos Morávios, perceberam que lhes
seria difícil romper os laços que os prendiam àquela feliz e unida
A Mão de Deus ao Leme
292
comunhão de fiéis. Concluíram também que mais difícil ainda lhes seria
enfrentar o preconceito e a intolerância que de forma inevitável haveriam
de se manifestar entre os parentes e amigos.
Em uma noite silenciosa, entretanto, em virtude da oposição
intransigente de seus esposos, a Sra. Figuhr e sua irmã, foram conduzidas
sigilosamente por um ministro adventista às águas serenas de um riacho,
onde foram batizadas.
A Sra. Figuhr era uma rara combinação do espírito de serviço de
Marta e o fervor indiviso de Maria. Com incansável dedicação, velava
sobre os cuidados da casa e as necessidades físicas de seus quatro filhos.
Porém, jamais permitiu que a fastidiosa rotina de seus labores
domésticos militasse contra seus hábitos devocionais. Dia após dia,
esforçava-se por inculcar na mente de suas crianças os princípios da
verdadeira religião e virtude. Amava-os com toda a devoção de um
coração de mãe. Considerava-os como preciosas dádivas do Céu, e sentia
ser seu dever prepará-los para o serviço de Deus.
Animada pelo desejo de educar os filhos no temor do Senhor,
enviou Lídia, sua filha mais velha, e Rubem, para um colégio adventista,
situado no Estado de Washington (Walla Walla College). Posteriormente,
se transferiram para outra instituição educacional adventista, situada no
Estado de Idaho, próximo ao lugar onde a família passou a residir. Por
razões desconhecidas, Rubem mais tarde decidiu estudar na escola
adventista de Laurelwood, estabelecida a uns sete quilômetros no sudeste
de Gaston, Oregon.
Foi numa ardente tarde de verão, quando o calor parecia haver
atingido extremos quase intoleráveis, que ele chegou pela primeira vez
àquela pequena cidade. A viagem havia sido monótona e cansativa. Na
velha estação ferroviária, ninguém o esperava. Deixando a mala aos
cuidados do agente da estação, iniciou a pé sua caminhada rumo ao
campus da instituição onde haveria de continuar os estudos.
Depois de uma longa e exaustiva jornada através de um caminho
arenoso, transpirando abundantemente, foi assaltado pela impressão de
A Mão de Deus ao Leme
293
estar seguindo uma direção equivocada. Deteve-se por um pouco para
descansar à sombra de uma árvore. Depois, enxugando a fronte
umedecida pelo suor, perscrutou a paisagem em diferentes direções,
buscando ansiosamente descobrir naquelas paragens distantes, um
edifício de três andares onde se alojavam os moços, um prédio de dois
andares onde as aulas eram ministradas, o dormitório das moças e outras
instalações edificadas ao sopé de uma colina.
E, enquanto exaurido pela sufocante canícula e perplexo com a
possibilidade de estar seguindo um fumo equivocado, viu aproximar-se
uma jovem atraente a quem interrogou: ''O colégio adventista ainda está
muito longe?" Com um gracioso sorriso e um olhar gentil, ela respondeu:
"Oh, não. Estamos bem próximos." E acrescentou em forma cordial: "Eu
estudo naquele colégio. Chamo-me May Holt." Os olhos azuis de Rubem
se encheram de encanto e admiração ao contemplar aquela jovem que, de
forma quase providencial, apareceu para guiá-lo em um momento de
fadiga e desorientação.
Aquele encontro casual na vida de Rubem se revestiu de grande
importância e significação. May Holt, alguns anos mais tarde,
compareceu ao seu lado diante do altar para receber de Deus a bênção
sobre seu matrimônio.
Após haver completado seus estudos em Laurelwood, durante dois
anos o jovem Figuhr se ocupou ensinando em uma escola elementar.
Mas, enquanto envolvido na rotina de suas responsabilidades escolares,
seu pensamento voava constantemente nas asas da imaginação, em
direção a May Holt, a encantadora musa de seus sonhos.
O mundo vivia então a turbulência e os horrores da Primeira Guerra
Mundial. Nos campos ensangüentados da velha Europa, milhares de
soldados, resistindo ao frio, à lama, à sujeira e aos bombardeios maciços,
avançavam entre o arame farpado do inimigo, através do qual as
metralhadoras vomitavam a morte. Em abril de 1917, os Estados Unidos
entraram no conflito ao lado da Inglaterra e da França, na luta contra a
Alemanha e seus aliados.
A Mão de Deus ao Leme
294
Rubem Figuhr foi convocado para servir à pátria, engajando-se no
exército. Quatro dias antes, entretanto, casou-se com a jovem May Holt,
em uma cerimônia simples, destituída de pompas, oficiada pelo Pastor H.
W. Cottrell. Após a lua-de-mel, ele se dirigiu a São Diego, Califórnia, a
fim de receber o treinamento militar na área de primeiros socorros. Um
dia, enquanto recebia as instruções indispensáveis para seu futuro
serviço, eclodiu com grande repercussão a alegre nova, anunciando o fim
do grande conflito armado.
O trágico balanço de mortos, mutilados, feridos e desaparecidos era
assombroso e aterrador. Mas, o armistício foi assinado e Rubem, com
grande alívio e uma sensação de euforia, retornava à vida civil.
Os quatro anos que se seguiram ele os dedicou a um programa de
estudos no colégio adventista de Walla Walla, preparando-se para
melhor servir ao Senhor.
Em 1923, recebeu um inesperado convite para trabalhar nas
Filipinas. A idéia de ir para um lugar tão distante como aquele jamais
havia passado por sua mente. Impelido, entretanto, por uma curiosidade
natural, buscou em uma enciclopédia as respostas para algumas
indagações pessoais e descobriu surpreendido que as Filipinas eram um
arquipélago formado por sete mil e duzentas ilhas de origem vulcânica.
Descobriu ainda, que além deste perfil geográfico irregular, seus
habitantes representavam diferentes grupos étnicos, falando oito línguas
e noventa dialetos. Para um jovem como ele, educado em uma cultura
monolingüística, aquela imensa Torre de Babel se constituía em um
enorme obstáculo limitando a proclamação da esperança adventista.
Porém, as informações obtidas, embora surpreendentes, não o
intimidaram. Com coragem e determinação, decidiram – ele e a esposa –
aceitar o chamado, e embarcaram fumo às Filipinas, dispostos a
enfrentar os desafios, perigos e oportunidades oferecidos pelo campo
missionário.
Após exaustiva viagem transoceânica, chegaram em maio de 1923 à
cidade de Manila, onde iniciaram uma obra extraordinária, escrita com
A Mão de Deus ao Leme
295
suor e lágrimas. Uma de suas primeiras decisões no campo missionário
foi aplicar-se ao estudo do Tagalag, vernáculo falado por um quarto de
seus habitantes. Pouco depois, embora ainda carente de fluência no uso
do novo idioma, preparou uma série de três sermões, e os pregou em um
sem-número de igrejas rurais. Após haver apresentado seus três temas
em um lugar, dirigia-se a outra área, onde os repetia a um grupo
diferente de ouvintes. Deste modo, com empenho e determinação,
dominou a língua, comunicando-se com o homem comum sem as
barreiras do idioma.
Durante os dezoito anos de sua permanência em território filipino,
viu a ação devastadora de inúmeros tufões que, com violência,
flagelaram a região. Enfrentou com espírito de sacrifício as condições
sanitárias desfavoráveis e os constantes perigos de enfermidades
endêmicas e epidérmicas. Mas, apesar das condições adversas sob as
quais trabalhou, viu com alegria os triunfos da causa adventista.
Quando chegou, a Igreja acusava em seus registros a presença de
cinco mil adventistas dispersos em suas inúmeras ilhas. Quando partiu,
os relatórios estatísticos informavam a existência de vinte e cinco mil
fiéis, unidos pelos laços da bem-aventurada esperança. Com efeito, sob
sua liderança, a Igreja nas Filipinas lançou raízes profundas, cresceu em
número de membros e instituições, e, pela graça de Deus alcançou
admirável vitalidade denominacional.
Em 1941, quando o mundo vivia outra vez o pesadelo da guerra, e
sob o reinado do arbítrio, milhões eram exterminados nos campos de
concentração da Europa, Figuhr foi nomeado presidente da Divisão SulAmericana, então com sede estabelecida em Buenos Aires. Aí chegando,
com extraordinária determinação, novamente se propôs vencer a barreira
de outro idioma e dentro em pouco conseguiu falar fluentemente o
espanhol.
Poucos meses após sua partida para a Argentina a fim de assumir
suas novas funções, a base naval norte-americana no Pacífico, Pearl
Harbor, sofreu um fulminante e devastador ataque, seguido pelo
A Mão de Deus ao Leme
296
desembarque e ocupação das Filipinas. Todos os missionários
adventistas foram presos e confinados em campos de concentração, onde
permaneceram sob circunstâncias probantes e subumanas.
Providencialmente, Figuhr escapou dos infortúnios produzidos pela
guerra e, na América do Sul, então uma ilha de paz em um mundo
revolto, inaugurou um novo capítulo caracterizado por grandes
realizações e assinalados triunfos.
O novo líder não ocultou suas preocupações com o lento crescimento
da Igreja na América Latina. Depois de quarenta e seis anos de árduo
labor, frustrações e desapontamentos, nossas estatísticas indicavam a
existência de apenas trinta e três mil adventistas na América do Sul. O
emprego de um enfoque protestante na obra da evangelização entre os
católicos produzia resultados desalentadores.
Um dia, com exultante gozo, Figuhr encontrou um intrépido
evangelista – Walter Schubert – o qual, experimentando novos e mais
apropriados métodos de evangelização lograva resultados alentadores,
dignos de especial atenção. Levou-o à Divisão Sul-Americana para
dirigir a Associação Ministerial e orientar a obra do evangelismo. Sob a
orientação de Schubert, a Igreja que parecia vítima de um complexo de
inferioridade, começou a dar as evidências de surpreendente vitalidade,
precipitando o início de uma grande explosão denominacional.
Além de suas preocupações com o evangelismo, Figuhr deu à obra
médica um tratamento prioritário. Sob sua administração, malgrado as
grandes limitações financeiras, surgiram três importantes instituições
médicas – o Hospital Adventista Silvestre, Rio de Janeiro e o Hospital
Adventista de Belém, Pará, no Brasil, e o Hospital Adventista de Lima,
no Peru. Estes hospitais ocupam hoje um relevante lugar em nossa
estratégia missionária.
Ao completar sua obra em terras ibero-americanas, após nove anos
de incansável dedicação, escreveu:
"A obra na América do Sul caminha avante, e há de triunfar
gloriosamente. Muito tem sido feito por meio dos que, desde o começo têm
A Mão de Deus ao Leme
297
trabalhado tão fielmente. A tarefa ainda não está completa no grande campo
sul-americano.
"Cremos ver na América do Sul o começo de um movimento muito
maior, o qual trará para a Igreja crescente número de conversos." 72
Em 1950 Figuhr foi eleito vice-presidente da Associação Geral.
Quatro anos mais tarde, na assembléia da Associação Geral celebrada em
São Francisco, Califórnia, os delegados representando cento e nove
nações e centenas de línguas e dialetos, escolheram-no para conduzir os
destinos do movimento adventista.
Durante os doze anos de sua administração (foi reeleito duas vezes)
enfrentou problemas administrativos maiúsculos e desafios teológicos
suscitados por grupos dissidentes, mas testemunhou também o ingresso
no seio da Igreja de mais de meio milhão de novos conversos.
"Quando alguém se situa à sombra dos setenta, começa a sentir o
peso inevitável dos anos." Com estas palavras como introdução, Figuhr
anunciou sua determinação de recolher-se aos benefícios da aposentadoria.
Durante quarenta e sete anos lutou sem esmorecimento a boa
"batalha da fé". Sem amarguras ou ressentimentos, completou sua
luminosa carreira. Em seu coração manteve a chama ardente da fé no
triunfo da Igreja. Seu nome permanecerá para sempre gravado no
glorioso panteão da nossa história.
ROBERT H. PIERSON
A Mão de Deus ao Leme
298
Moody, o festejado evangelista do século passado, recebeu um dia
um periódico com um artigo que lhe cativou a atenção. Intitulava-se:
"Estão dentro todas as crianças?" Descrevia de forma comovente as
reações de uma encanecida senhora, já quase nos estertores da morte.
Delirando, sob os efeitos da febre, respirando com evidente dificuldade,
abriu os olhos cansados e interrogou:
– Já é tarde?
– Sim, Joanita – respondeu afetuosamente seu esposo – já é noite
escura.
– Mas, estão dentro todas as crianças? – perguntou outra vez com a
voz ofegante.
Nos seus derradeiros momentos de existência, ela vivia as gratas e
emotivas recordações dos dias quando ainda era jovem e se ocupava com
o cuidado das crianças. Seu filho menor havia falecido havia mais de
vinte anos. Porém, em seu delírio, interrogou solene: "Estão dentro todas
as crianças?"
Na história do adventismo o nome da Sra. Pierson deveria figurar
com maior destaque. Como mãe exemplar, sentiu as mesmas preocupações
sintetizadas na pergunta: "Estão dentro todas as crianças?" Seu filho
Roberto, vivendo uma adolescência despreocupada e sem cuidados,
havia perdido gradualmente o entusiasmo pelo "reino de Deus e Sua
justiça". O amor aos esportes ocupava um lugar preferencial em seu
coração. Com freqüência, nas horas caladas da noite, a Sra. Pierson se
levantava para derramar perante Deus sua alma atribulada e aflita,
intercedendo em favor daquele que era um prolongamento de sua vida,
desdobramento do seu amor. Confiava que suas orações subiriam a Deus
como incenso suave, e as misericórdias do Senhor desceriam sobre seu
coração angustiado como o refrescante orvalho da madrugada.
Não podemos dizer que Roberto fosse um jovem irreverente,
dominado por vícios ou hábitos dissolutos. Apesar de negligente em sua
experiência cristã, ainda conservava em seu coração um espaço limitado
para Cristo. Em seu trabalho, recusava-se sistematicamente violar a
A Mão de Deus ao Leme
299
santidade do sábado, embora isso lhe custasse evidentes prejuízos
econômicos. Evitava as conversações profanas e banais, Pois estas não
se harmonizavam com os seus nobres e elevados ideais. Faltava-lhe
entretanto, experimentar a graça transformadora de Cristo no coração.
Mas, à semelhança da viúva importuna descrita nos evangelhos, a
Sra. Pierson insistia diante de Deus, invocando-O em angústia,
murmurando o desejo de seu coração, suplicando pelo regresso de
Roberto a Cristo. E suas orações não permaneceram muito tempo sem
serem atendidas.
Um dia, o jovem recebeu uma notícia que se abateu sobre ele como
um terrível raio. Com as mãos trêmulas e o coração pulsando
descompassadamente, leu a mensagem contida no telegrama: "Mamãe
gravemente enferma. Regresse com urgência."
Roberto não vacilou um só instante. Após os devidos arranjos com
os seus empregadores em uma fábrica de laticínios, em Brooklyn, Iowa,
iniciou em seu velho carro uma longa e exaustiva viagem de retorno à
Flórida, na esperança de ainda rever sua piedosa mãe.
E enquanto viajava, reminiscências enternecedoras passavam por
sua mente como em uma tela panorâmica. Por vezes as lágrimas fluíam
abundantes e incontroláveis. Em meio a um mundo de emotivas
recordações, projetava-se sempre o meigo perfil de sua piedosa mãe.
Com a imaginação podia vê-la com sua mão e braço esquerdos
deformados, marcados por profundas rugas e escuras cicatrizes. Eram as
evidências indeléveis de sua bravura no esforço por salvar a vida de seu
pequeno irmão. Ao ver a casa sendo destruída pelas chamas de um
incêndio voraz, a Sra. Pierson não vacilou um só momento. Correu para
o interior da casa, tomou a criança nos braços e protegendo-a com o seu
corpo, passou por entre as labaredas crepitantes que transformaram sua
residência em um imenso holocausto. O filho estava salvo, mas a mãe foi
levada ao hospital para o tratamento de suas horrendas e deformadoras
queimaduras.
A Mão de Deus ao Leme
300
Indiferente à paisagem que se descortinava ao longo do caminho,
Roberto refletia agora sobre as virtudes admiráveis que adornavam o
caráter de sua mãe. Para ela, Deus não era apenas uma abstração
filosófica, mas sim uma realidade tangível e consoladora. Confortava-a a
segurança de que Ele era um Amigo certo e constante. Em seu espírito
havia uma sede insaciável que a levava a suspirar continuamente por
uma vida que ultrapassasse as fronteiras da Terra.
A distância entre os Estados de Iowa e Flórida era evidentemente
extensa, e uma pergunta agitava constantemente seu espírito: ser-lhe-ia
dado o privilégio de chegar em tempo para dizer à sua mãe que ele não
mais estava fora do redil do Senhor? Com efeito, o Espírito Santo estava
realizando sua obra poderosa e transformadora no coração de Roberto.
Afinal, após três dias de viagem (2.400 quilômetros), deteve seu
carro em frente a uma pequena casa em Belleview, Flórida. Desceu
apressado, e enquanto caminhava em direção à porta, recebeu a infausta
notícia de que sua mãe havia perdido a consciência e já vivia os
momentos que precedem a morte. Antes de entrar em coma disseram-lhe
– havia perguntado por ele. Desejava intensamente vê-lo. Queria ter a
segurança de que já estava outra vez dentro do aprisco do Bom Pastor.
Mas era demasiado tarde. Desceu ao mundo do silêncio sem saber que
suas súplicas intercessórias foram ouvidas.
Com o coração alanceado por uma profunda tristeza, Roberto
buscou um aposento para a sós dialogar com Deus. Ajoelhou-se junto a
uma cama, abriu a Bíblia diante dele e, em pranto convulsivo sentenciou:
''Senhor, aqui estou, exatamente onde deveria ter estado há anos. Agora,
a Ti me entrego sem reservas. Que queres que eu faça?"
Como resposta, fulgurou em sua mente o texto inspirado: "Dá-Me,
filho Meu, o teu coração e os teus olhos observem os Meus caminhos. ''73
E ali mesmo, sobre os seus joelhos, assumiu um solene compromisso de
servir ao Senhor em qualquer tempo, em qualquer circunstância e em
qualquer lugar.
A Mão de Deus ao Leme
301
Roberto Howard Pierson nasceu no dia 3 de janeiro de 1911, na
pequena cidade de Brooklyn, Iowa. Cresceu em um ambiente sadio, com
recursos e sem preocupações econômicas. Sua mãe, mediante desvelada
solicitude, se esforçava cada dia por tornar o lar em recanto acolhedor,
alegre e aprazível.
Seu pai, embora membro da Igreja Metodista, não se opunha às
práticas piedosas de sua virtuosa esposa, tampouco impedia que os filhos
fossem educados na fé e disciplina adventistas. Foi presidente de um
banco rural (Poweschiek Country Bank) até os dias sombrios da
Depressão, quando todas as instituições de crédito de pequeno porte,
sacudidas pelo vendaval econômico, de 1929, tiveram que interromper
suas atividades. Mudou-se então com a família para o Estado de Flórida,
para tentar a sorte como corretor de imóveis.
Um dia, uma ex-colega de estudos de Roberto, chamada Dollis,
então professora em uma escola na Flórida, decidiu assistir a uma
reunião campal adventista. Conhecia mui pouco sobre a Igreja, sua
história e sua doutrina. A única coisa que ela realmente sabia sobre os
seus membros, era que, à semelhança de Roberto, não participavam de
eventos esportivos no sábado.
A primeira reunião a que assistiu produziu-lhe uma impressão
indelével e profunda. Surpreendeu-se com o entusiasmo e fervor
existentes entre os fiéis congregados naquele lugar.
Algumas horas mais tarde, neste mesmo encontro campal, ouviu
uma inspiradora mensagem apresentada pelo Pastor J. A. Stevens, da
Associação Geral. Em seu ouvido repercutiram com grande ressonância
as palavras do pregador: "Quantos desejam aceitar a Cristo nesta
manhã?" Embora vacilando, Dollis respondeu ao apelo do pregador,
levantando-se.
"Os que desejam andar com Cristo ao longo dos caminhos da vida,
venham até à frente para selar sua decisão com uma oração especial",
exortou o pregador.
A Mão de Deus ao Leme
302
Ela hesitou. Agarrou-se firmemente ao espaldar da cadeira e se
determinou permanecer onde estava. A voz do pastor, entretanto, a
alcançou em forma direta e persuasiva: "A jovem lá de trás que se
levantou, não desejaria vir também ao encontro de Cristo? Venha sem
demora, o Senhor compassivo a espera."
Triunfando sobre o medo e a dúvida, ouviu a voz de Deus e, com
determinação, caminhou em direção ao altar. Entregou o coração a Jesus
e aceitou a mensagem de esperança e fé. Pouco depois, Dollis e Roberto
se casaram, e por cinqüenta anos têm estado juntos proclamando em
muitas terras a Cruz e seu poder redentor.
Três dias após a cerimônia nupcial, viajaram para o colégio
adventista do sul (S. M. C.) em Collegedalle, Tennessee, onde Roberto
receberia a educação teológica que o qualificaria para o exercício do
ministério. Carecia, é certo, de recursos financeiros para enfrentar o
programa acadêmico. Mas jamais permitiu que suas limitações
econômicas ou qualquer outro obstáculo, frustrassem os ideais de seu
coração. Levantava-se todos os dias às três horas da madrugada para
ordenhar as vacas do colégio e depois carregava para um determinado
lugar, pesados latões cheios de leite. Após cumpridas suas tarefas no
estábulo, preparava-se apressadamente para assistir às aulas do dia e,
ainda encontrava tempo para nos sábados e domingos conduzir reuniões
de evangelismo.
Na cerimônia de formatura ocorrida em 1933, como orador da
turma, descreveu em forma jocosa o apartamento em que viviam, como
contendo "três dormitórios, uma sala de estudos, uma sala de estar e
cozinha, tudo em um só aposento''. Com grande senso de humor,
descreveu seu banheiro privativo – "privativo para dezenove de nós que
vivemos no segundo andar de um velho edifício''. E acrescentou
emocionado:
"Mas Deus foi bom. Jamais nos faltou o essencial para viver. Não
tínhamos muito bolo e sorvete, mas nosso pão e nossa água foram sempre
certos, e até mesmo alguma abundância de alimentos saudáveis. Nesses
A Mão de Deus ao Leme
303
dias ganhávamos 25 centavos por hora e – faz gosto lembrar – podíamos
retirar dez por cento do total em dinheiro. E o resto ficava para as despesas
com estudo e a compra de alimentos no armazém do colégio.
"Por que conto estas experiências pessoais?" – sublinhou o jovem
estudante – "para dar testemunho da bondade de Deus nesses tempos
difíceis."74
Sua primeira tarefa como obreiro foi em Columbus, Geórgia. A
Associação o chamou para trabalhar como pastor e professor da escola
paroquial. Dollis, sua esposa, ensinava durante a manhã, enquanto ele
cuidava do bebê. À tarde ele lecionava e depois visitava os membros e os
amigos da igreja, dando-lhes estudos bíblicos. Dirigia também um
programa radiofônico na emissora local, e nos domingos conduzia uma
reunião de evangelismo. Ganhava 65 dólares por mês, 35 pelos trabalhos
com a escola e 30 por suas atividades pastorais. (Dollis não era
assalariada.)
Em 1936, embarcaram para a Índia, onde dedicou um frutífero
período de sua vida, ministrando em favor de homens e mulheres
obcecados pela filosofia do paganismo. Com grande dramatismo, assim
descreveu a angustia de um povo sem Cristo:
"Sempre que eu saía de minha casa nos subúrbios de Bombaim ... eu o
via ali... usando apenas uma espécie de tanga em torno do corpo. Seu corpo
estava coberto cola cinzas de esterco de gado. Ele se assentava
complacentemente numa espécie de cama de pregos, fumando o sen
cachimbo. Os pregos eram agudos, e en decidi um dia investigar.
"Quando lhe perguntei por que vivia assim por onze longos anos, sua
resposta não me surpreendeu. Mediante o autoflagelamento, ele procurava
de algum modo "expiar" os seus erros. ...
"Em terras não-cristãs milhões de almas sobrecarregadas procuram
libertação. ... Eles se cortam e se mutilam, na esperança de encontrar
libertação. Estão procurando, procurando, procurando. Estão lutando,
lutando, lutando. Estão sofrendo, sofrendo, sofrendo. Mas, o alto preço de
seus esforços, está sempre além deles."75
Pierson afligia-se cada dia ao contemplar enormes e fervilhantes
massas humanas carentes de Cristo e destituídas de esperança. Em
angústia, declarou certa vez: "Existem agora na Índia milhões mais do
A Mão de Deus ao Leme
304
que quando Carey iniciou sua obra pioneira neste país." E concluiu
perplexo, com as palavras proferidas por Cecil Rhodes: "Tanto por fazer!
Tão pouco feito."
Em 1944, foi eleito presidente da União das Índias Ocidentais,
integrada por um conjunto de ilhas do Caribe. Com sua experiência e
habilidade administrativa, logrou transformar a Jamaica e ilhas adjacentes
em áreas densamente povoadas por adventistas. Uma das Associações do
Caribe apresenta hoje em suas estatísticas a existência de um adventista
para cada dezenove habitantes. Esta surpreendente explosão
denominacional começou a ser detonada sob sua inspiração administrativa.
Qual o segredo de seu êxito como administrador? Era um líder que
se orientava sempre por princípios e jamais por circunstâncias ou
conveniências. Em suas decisões, revelava invariavelmente coragem,
determinação e um santo entusiasmo pela obra em favor das almas.
Conciliava com rara habilidade a firmeza e o amor. Definindo seu estilo
administrativo, disse um evangelista: "Ele possui mãos de ferro, calçadas
com luvas de veludo."
Em 1950, regressou à Índia para assumir a presidência da Divisão
Sul-Asiática. Apesar de ausente durante vários anos, seu amor pela Índia
e seu povo hospitaleiro não sofreu solução de continuidade.
Posteriormente, foi convocado para servir como presidente da
Divisão Transafricana. A África vivia então um período de grande
exacerbação nacionalista. As nações recém-emancipadas identificavam
no missionário a exploração econômica, os abusos e o paternalismo dos
tempos coloniais. As controvérsias ideológicas, os conflitos raciais, as
rivalidades tribais, o pauperismo, a superstição e a poligamia, eram
alguns entre os inúmeros problemas que obstaculizavam a proclamação
adventista.
Pierson, entretanto, não se permitiu abater por um desespero
pusilânime. Confiando nas eternas providências de Deus, determinou
transpor os "altos muros" e vencer os "poderosos gigantes", tendo em
vista consolidar a presença adventista em solo africano.
A Mão de Deus ao Leme
305
Hoje celebramos a existência de mais de um milhão de adventistas
dispersos naquele grande continente.
Em certa ocasião, assistindo aos trabalhos da comissão executiva da
União do Congo (hoje Zaire), em Elizabethville, viu-se subitamente no
centro de uma feroz fuzilaria, entre os soldados da Organização das
Nações Unidas e as tropas que representavam a rebelião separatista da
província de Katanga. As balas, granadas e obuses cruzavam o espaço,
produzindo um ruído aterrador. Os trabalhos da comissão foram
interrompidos, e medidas acauteladoras foram tomadas, visando proteger
os obreiros ali reunidos, contra eventuais fatalidades.
Após 52 horas de combate sem trégua, concluíram que era chegada
a hora de abandonar aquele terrível inferno. Perceberam-se, porém, que
qualquer intento de fuga poderia lhes resultar em alguma tragédia. Mas,
no momento quando tudo lhes parecia desesperador, alguém bateu à
porta do edifício da União, informando-os de que um avião estava pronto
para resgatá-los, e que deviam sair dentro de cinco minutos.
Entre colunas de soldados, o ensurdecedor troar dos canhões, e os
escombros produzidos pelos bombardeios, foram rapidamente levados ao
aeroporto, escapando dos horrores daquele enfrentamento bélico.
Posteriormente, escrevendo sobre sua dramática experiência vivida
em Elizabethville, reproduziu de forma apropriada as palavras de Paulo:
"Foi Deus que nos preservou da morte iminente, e ainda hoje nos
preserva também."76
Na qüinquagésima primeira assembléia da Associação Geral,
celebrada em 1966, a condução dos negócios da Igreja passou às mãos
capazes do Pastor Pierson. Animava-o então uma aspiração obsessiva:
ver a obra concluída em seus dias. Seus anseios e ideais foram
claramente condensados em uma carta enviada a todos os dirigentes da
Igreja. Os seguintes parágrafos traduzem os propósitos de seu coração.
"Deus nos chamou para dirigir Sua igreja numa das horas mais
decisivas de sua história. Somente Ele sabe o que poderá acontecer durante
os quatro próximos anos. Mas Ele confia grandemente em nós como Seus
A Mão de Deus ao Leme
306
dirigentes para revelar a espécie de liderança que corresponde à solene
hora em que labutamos. Ele espera mais de vós e de mim do que de
quaisquer líderes que existiram antes de nós, pois vivemos mais perto do fim
do tempo da graça e da volta de Cristo do que qualquer de nossos
predecessores. ...
"Nos dias atuais devemos empreender maiores coisas para Deus do
que jamais no passado. A hora está avançada. Somos um povo com um
encontro marcado, e esta hora se aproxima rapidamente. Como dirigentes
da igreja de Deus, não ousemos atrasar-nos. . . .
"Não devemos desapontar a Deus nem às milhares de pessoas de
nosso querido povo que esperam tanto de nós. Oremos juntos, uns pelos
outros. Avancemos de joelhos para a conclusão da obra – em nossa própria
vida, em nossa igreja e no mundo, em nossa geração!"77
E com esta "carta aberta" inaugurou um programa internacional
motivado pelo surpreendente poder existente em três palavras comuns no
vocabulário adventista: Reavivamento – Reforma – Evangelismo.
Em 1978, após doze anos de incansável labor, como conseqüência
de alguns problemas circulatórios, e seguindo o conselho de seu médico,
apresentou sua renúncia. Não viu a obra concluída, conforme suas
aspirações, mas podia alegrar-se com o pensamento de que sob sua
administração e com as bênçãos divinas, a Igreja havia crescido mais que
em qualquer outro período de sua fascinante história.
Após haver passado ao seu sucessor o ''manto da continuidade'',
Pierson não ensarilhou as armas. Sua voz, cheia de vigor, continua sendo
ouvida em campanhas de evangelismo e reuniões campais. Vemos em
sua vida a resposta de Deus a uma oração que escreveu quando ainda
dirigia os destinos da Igreja:
"Ajuda-me a ser um homem de oração e um homem da Palavra – e
que meu incentivo aos outros nestes dois importantíssimos requisitos para o
êxito espiritual jamais seja simples preceito. Oxalá cada dia comece e
termine em Ti.
"Que eu nunca ache uma tarefa impossível, com o auxílio divino.
"Ajuda-me a dedicar a Ti e à Tua obra o máximo que estiver ao meu alcance
– 'boa medida, sacudida... e transbordando'.
A Mão de Deus ao Leme
307
"Que eu sempre torne a Cristo, o primeiro, o último e o melhor em
tudo." 78
Nesta simples oração encontramos o segredo de uma existência
vitoriosa, de uma vida de fé a serviço de um grande ideal.
NEAL C. WILSON
O concílio anual de 1978, celebrado em Washington, D.C., teve seu
começo num clima de contagiante otimismo e convicção triunfalista.
Inaugurando-o, no dia 10 de outubro, o presidente da Associação Geral,
Roberto Pierson, apresentou uma solene e expressiva exposição de
necessidades, bênçãos e vitórias. Após haver mencionado um semnúmero de obstáculos e desafios, concluiu reafirmando sua inabalável
confiança "na igreja militante prestes a se tornar a igreja triunfante''. A
reunião inaugural terminou deixando em cada coração a certeza de que
"a mão de Deus está posta ao leme", conduzindo com segurança os
destinos deste movimento.
Exceto dois ou três itens novos, os demais assuntos constantes na
agenda eram de natureza rotineira. Tudo fazia crer que aquele seria um
concílio normal, destituído de maior significação e importância. E,
entretanto, aquele encontro haveria de figurar nos anais da Igreja como
um dos mais relevantes de nossa história. Os que assistiram tiveram a
A Mão de Deus ao Leme
308
oportunidade de ver de forma evidente a mão do grande Piloto, girando
habilmente o timão de Sua preciosa nave.
Os trabalhos do concílio, com suas comissões e subcomissões,
tiveram seu desenrolar dentro de uma normalidade esperada. Porém,
após três dias de atividades regulares, os presidentes das Divisões foram
convocados para uma reunião especial. Acompanhado por três médicos,
o Pastor Pierson surpreendeu seus colaboradores com a notícia de que
em virtude de problemas circulatórios que pareciam se agravar,
apresentaria ao plenário, no dia seguinte, sua irrevogável renúncia.
Atônitos e desnorteados com a notícia imprevista, alguns interrogaram
os médicos presentes sobre a possibilidade de mantê-lo até ao final do
seu mandato, com suas responsabilidades diminuídas. Os doutores
responderam de forma unânime, apresentando os riscos aos quais
Pierson estaria exposto se aceitasse tal sugestão.
A sorte parecia lançada. A decisão do presidente era evidentemente
irreversível. Suas esmagadoras obrigações administrativas, os problemas
desafiadores que havia enfrentado, suas constantes preocupações com
cuidado da Igreja e as inúmeras noites mal dormidas, haviam cobrado
um tributo exorbitante.
No dia seguinte, a renúncia de Pierson foi apresentada a um
plenário estupefato. Era a primeira vez em nossa história denominacional
que um presidente da Associarão Geral interrompia suas funções,
deixando um mandato incompleto.
Afortunadamente, na Assembléia Geral da Associação Geral
celebrada em Viena, Áustria, três anos antes (1975), um documento foi
aprovado, estabelecendo as diretrizes básicas para a eleição de um
presidente em situações de emergência. Nele, entretanto, havia omissões
que então se evidenciaram.
Um grupo de trabalho, sob a direção do Pastor Moysés S. Nigri,
após atento e cuidadoso estudo, recomendou a introdução de uma
pequena emenda e uma substancial adição no documento em referência,
A Mão de Deus ao Leme
309
estabelecendo os mecanismos indispensáveis para a indicação de uma
comissão especial de nomeações.
Depois da aprovação deste documento, uma comissão de nomeações,
reunindo representantes de todas as Divisões, num espírito de súplica e
total submissão às impressões do Espírito Santo, iniciou seus trabalhos.
Ao fim de duas horas de deliberações, foi levado ao plenário, como
recomendação, o nome de Neal C. Wilson, para assumir a liderança da
Associação Geral, como seu 14º. presidente.
A recomendação foi recebida com uma explosão de entusiasmo e
alegria. O novo presidente e esposa foram convidados para subir à
plataforma para receber das mãos do Pastor Pierson e esposa a honrosa
investidura, com os seus pesados encargos e imensas responsabilidades.
Vivendo um momento de intensa emoção, Wilson assim se expressou:
"Se o meu rosto se mostrar descolorido, é porque reconheço a
solenidade desta decisão.
"Não sinto com freqüência o palpitar do meu coração, mas quando me
apercebo de ser esta a decisão da Igreja, há somente uma resposta que
posso dar. Se pudesse encontrar uma boa razão para declinar, eu o faria.
Desejaria ser um dentre os que pediram que os seus nomes fossem
excluídos da lista sob consideração. [Uma referência ao fato de que na
comissão de nomeações vários líderes, já na fronteira da aposentadoria,
pediram que os seus nomes fossem eliminados da lista sob consideração.]
Porém, também entendo que Deus permitiu a alguns de nós trabalhar
durante vários anos com o nosso atual presidente – Pastor Pierson. Deus
concedeu a alguns de nós experiências variadas, algumas fora dos limites
da América do Norte.
"Pessoalmente, porque vivi a metade de minha vida fora do meu país
de origem, sinto-me parte da família mundial. Como menino, quando tinha 4
anos e meio, fui com os meus pais para África Central. Lá, cavando com os
dedos dos meus pés o solo africano, e unindo-me aos pequenos amigos
africanos em atividades tipicamente infantis, firmei minhas primeiras raízes...
culturais e lingüísticas. ... Depois fui para a África do Sul e, posteriormente
para a Índia, onde me familiarizei com uma cultura diferente. . . . Vivi durante
15 anos no Oriente Médio, outra área cultural, onde meu serviço como jovem
obreiro resultou em proveitoso aprendizado. ...
A Mão de Deus ao Leme
310
"Permiti-me agora sumariar a maneira como Elinor (sua esposa) e eu
hoje nos sentimos, ao calor desta demonstração de amor, revelada no
aplauso com que fomos recebidos por vós. Sentimos como Salomão,
quando convidado para reinar sobre a grande nação de Israel." 79
Com esta eleição a Igreja demonstrou haver alcançado extraordinária
maturidade. Quando os grandes partidos ou associações de classe se
reúnem com o propósito de eleger seus dirigentes, ocorrem com
freqüência as manobras de bastidores. Há aqueles que se esforçam por
promover um candidato e os que proclamam as virtudes de outros
postulantes, e a campanha se torna por vezes áspera, intensa e
exacerbada. Na eleição de Wilson, como de resto nas eleições da Igreja
em geral, verificou-se a ausência de manobras políticas, ou pressões de
grupo. Houve, é certo, uma eleição, porém jamais cabalas eleitorais ou
articulações nos bastidores. A comissão de nomeações retirou-se para
uma sala, e, de joelhos diante de Deus, buscou a orientação necessária
para o cumprimento de sua missão. E nesse espírito continuou até que
seus membros lograram um consenso.
Neal nasceu na cidade de Lodi, situada entre os férteis e verdejantes
Vales da Califórnia, com seus aromáticos vinhedos e extensas pradarias.
Cresceu em um lar onde as atividades de cada dia gravitavam ao redor
do altar da fé e do exercício da piedade. De seus país recebeu uma rica
herança religiosa, de tal maneira que cresceu ''em sabedoria, estatura e
em graça diante de Deus e dos homens".
No discurso pronunciado no dia de sua eleição, Wilson rendeu
emotiva homenagem à sua piedosa mãe que, com grande discernimento e
devoção inculcou em sua mente infantil os princípios da verdadeira
religião e virtude. "Serei sempre grato à minha mãe'' declarou – "que
desde os meus tenros anos guiou-me no estudo das Escrituras e escritos
de Ellen White. Orientou-me a crer firmemente e confiar implicitamente
nos conselhos dados por Deus à Sua Igreja através de Sua mensageira –
Ellen White."80
A Mão de Deus ao Leme
311
Mas a influência dominante em sua vida, modelando seu estilo
administrativo foi, sem dúvida, a de seu venerando pai, que se destacou
como talentoso administrador, servindo a Igreja em quatro continentes.
Em uma entrevista concedida ao editor da Adventist Review, Wilson
declarou: "Ele é o meu herói."81 Na verdade, o filho em seu aspecto
físico (alto e esguio), gestos suaves, mente analítica e atitudes serenas, se
nos afigura um prolongamento de seu pai, agora desfrutando os
benefícios de merecida jubilação.
Até a década de 1950, a maioria dos adventistas vivia nos Estados
Unidos, Europa e Austrália. A partir de 1960, entretanto, uma explosão
denominacional começou a ocorrer em muitas nações do Terceiro
Mundo, mudando o centro de gravitação da Igreja, das nações
industrializadas para os países de economia emergente. A partir de então
começou a se acentuar a necessidade de líderes com maior vivência
internacional, capazes de entender os desafios de um mundo estremecido
por aceleradas transformações geopolíticas, com a presença de dezenas
de nações novas, representantes de culturas múltiplas e problemas
complexos, regionais e sub-regionais.
Deus, entretanto, em Seus insondáveis desígnios, com grande
antecipação, iniciou uma paciente obra, preparando um líder de
formação eclética, tendo em vista fortalecer no meio de uma numerosa e
heterogênea família internacional os vínculos indissolúveis de unidade e
fraternidade cristãs.
Levado ao coração da África quando ainda menino, Neal assimilou
rapidamente os costumes, língua e hábitos característicos da região. Sua
familiaridade com o Swahili, idioma falado em vários países da África,
permitiu-lhe a oportunidade de acompanhar nos anos de sua infância os
obreiros da Associação Geral, traduzindo suas mensagens para o idioma
do povo.
Mudando-se mais tarde com os seus país para a África do Sul,
conviveu em meio a uma outra cultura diametralmente oposta, onde
aprendeu a falar o afrikans. Recentemente, visitando aquele país ao sul
A Mão de Deus ao Leme
312
do continente, surpreendeu a família adventista ao dirigir-lhes uma
afetuosa saudação na língua nacional.
Como parte de seu longo e frutífero aprendizado, viveu também um
período de sua juventude nas terras místicas e legendárias da Índia.
Estudando em nosso colégio naquele país (Spicer College), além de
enriquecer sua experiência através de uma vivência diária com a cultura
indiana e seu culto panteísta, incorporou ao seu acervo lingüístico o
conhecimento do idioma hindui, falado por milhões de habitantes ao
longo da vasta península da Ásia meridional.
Em 1942, após haver completado sua formação teológica básica no
Colégio Adventista do Pacífico (USA), Wilson contraiu núpcias com a
Srta. Elinor Newman, iniciando então uma romântica e venturosa relação
conjugal, caracterizada por árduas lutas e compensadoras vitórias.
Depois de curto pastorado nos Estados Unidos, aceitou como desafio
um chamado para trabalhar no Egito. Dois mil anos antes, registra o
evangelho: "O anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo:
Levanta-te, e toma o menino e sua mãe e foge para o Egito. ... E,
levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o
Egito.''82 E assim, o Egito se transformou em uma casa de refúgio para
Cristo.
Apesar deste episódio dramático ocorrido na vida do infante Jesus,
com o transcurso dos séculos o Egito se transformou em um bastião
poderoso da fé islâmica. Wilson, porém, não se deixou abater ou
intimidar frente aos obstáculos que sabia haveria de enfrentar em seu
entusiasmo por proclamar, no país dos faraós, as "riquezas insondáveis
de Cristo".
Com inquebrantável disposição aplicou-se ao estudo do idioma
árabe, e durante 15 anos serviu ao Senhor como pastor e evangelista,
dirigente da Missão do Egito e, posteriormente, como responsável pela
União do Nilo.
Seu conhecimento do idioma árabe, sua familiaridade com a cultura
islâmica e extraordinária habilidade para o diálogo com homens públicos,
A Mão de Deus ao Leme
313
permitiram-lhe negociar inteligentemente e com êxito a abertura do
trabalho adventista na Líbia, Sudão e Adem.
Graças às suas vinculações com as autoridades locais, logrou ser
admitido como assessor do governo do Cairo nos assuntos relacionados
com a liberdade religiosa.
Reconhecido como infatigável e destemido campeão da causa da
temperança, a Liga Árabe o nomeou oficialmente conselheiro para os
assuntos relacionados com o combate aos tóxicos e alucinógenos.
Depois de haver passado tantos anos no exterior, Wilson regressou
em 1958 ao seu país natal, plenamente amadurecido para assumir
maiores responsabilidades na condução dos negócios da Igreja. Deus não
somente o preparou para uma obra de liderança, mas também o
preservou em forma providencial para o cumprimento de Seus
insondáveis desígnios.
Quando ainda menino, ao banhar-se nas águas tíbias de um dos rios
da África, ouviu surpreendido a gritaria histérica de um grupo de nativos
reunidos na praia. Gesticulavam nervosos, inquietos e agitados. Neal
decidiu nadar em direção à margem do rio, a fim de descobrir as razões
de tão grande bulha. Ao sair da água descobriu atônito e aterrorizado que
enormes crocodilos estavam em seu encalço e o perseguiram até mesmo
na praia. De modo miraculoso, Deus o preservou de morte cruel,
triturado pelas mandíbulas de vorazes crocodilos que infestavam aquele
rio. Anos mais tarde Deus o guardou de perecer entre as muitas vítimas
das sucessivas revoluções, guerras civis e conflitos armados que
freqüentemente ameaçavam a paz no Oriente Médio.
Em seu país de origem, ocupou sucessivamente a liderança do
Departamento de Liberdade Religiosa na União Colúmbia, a presidência
da mesma União e, posteriormente, a liderança da Divisão NorteAmericana. Em cada função que lhe foi confiada, conduziu-se sempre
com reconhecida habilidade e notável brilho. Reconhecendo os serviços
por ele prestados à causa do advento, o Conselho Acadêmico da
Universidade Andrews aprovou conceder-lhe um doutorado honoris
A Mão de Deus ao Leme
314
causa (Doctor of Divinity), láurea que lhe foi conferida em cerimônia
solene celebrada no dia 5 de junho de 1977.
Sua posterior eleição para conduzir os destinos do movimento
adventista abriu um nova capítulo na história denominacional. Sem
demasiado apego ao status quo, Wilson imediatamente iniciou a
formulação de uma nova estratégia missionária, tendo em vista acelerar a
obra do evangelismo, tornando-a mais vigorosa e dinâmica.
Satanás, entretanto, em seu deliberado esforço por neutralizar os
novos planos, com solércia e astúcia, suscitou nos arraiais adventistas
uma grande controvérsia em torno da doutrina do Santuário, forçando o
presidente a desviar-se de suas metas prioritárias para se ocupar com as
disputas e confrontações de natureza teológica.
Poucos meses após o início de sua gestão presidencial, o Dr.
Desmond Ford, respeitado professor de Teologia, em uma palestra
apresentada perante um grupo de intelectuais adventistas, na Califórnia,
questionou a validade bíblica da doutrina do santuário, fundamento de
nossa fé. Suas afirmações suscitaram não pouca agitação. A heresia havia
afinal levantado outra vez sua cabeça altiva e arrogante, ameaçando
fraturar a unidade denominacional.
Wilson, porém, não levantou as mãos em desespero ou angústia.
Ele tinha melhores trabalhos para elas. "Há quatro coisas que um cristão
pode fazer com as mãos. Pode torcê-las em fútil piedade de si mesmo.
Pode conduzi-las em ociosa passividade. Pode erguê-las em oração. Pode
empregá-las em uma obra útil."83 Wilson escolheu as duas últimas
alternativas. Com espírito de oração e determinação, enfrentou a heresia
e, mercê de Deus, consolidou "a unidade da fé'' pelos ''vínculos da paz''.
(Ver o capítulo "As Portas do Inferno não Prevalecerão".)
Superada a crise teológica, apresentou um programa de ação que
galvanizou a Igreja, precipitando resultados estatísticos surpreendentes.
Crendo no cumprimento da promessa do Senhor, que mais de mil almas
se converteriam em um só dia, apresentou aos delegados reunidos no
Concílio Anual de 1981 o plano conhecido sob o título "Mil Dias de
A Mão de Deus ao Leme
315
Colheita". Este período teria início no dia 18 de setembro de 1982 e
concluiria no dia 15 de junho de 1985, ao ensejo da 54ª. Assembléia da
Associação Geral, em Nova Orleans, Estados Unidos. Durante este
tempo, um milhão de almas seriam acrescentadas à família adventista
através do batismo.
Pondo de lado sua absorvente agenda de trabalho, decidiu conduzir
uma grande cruzada de evangelismo em Manila, Filipinas, cujo término
haveria de coincidir com o início dos ''Mil Dias de Colheita". Como
resultado de sua campanha evangelizadora, 1.156 almas foram batizadas
em uma memorável cerimônia celebrada por 108 ministros.
A princípio a meta de 1.000 almas por dia, durante 1.000 dias, se
assemelhou na mente de muitos a um ideal visionário. Porém, ao fim do
primeiro trimestre dos "Mil Dias de Colheita", as computadoras
anunciaram uma média de 1.171 batismos diários. Em sua linguagem
silenciosa, as estatísticas passaram a anunciar o começo de um momento
glorioso na história do adventismo.
Com efeito, Wilson apoiou-se no Senhor e em Suas preciosas
promessas, ao antecipar o batismo de um milhão de almas durante mil
dias de incansável e coordenado labor missionário.
Em um histórico sermão pregado em 1792, Guilherme Carey
sentenciou eloqüentemente: "Empreendei grandes coisas para Deus;
esperai grandes coisas de Deus." Motivado por este lema, N. C. Wilson,
o 14º. Presidente da Associação Geral, contempla o movimento
adventista mobilizado para cumprimento de sua missão final. O poder
renovador do Espírito Santo coroará de êxito a obra realizada pela Igreja
e a luz da verdade irromperá por toda a parte. E a Terra será iluminada
com os raios fulgurantes da glória de Jeová.
Referências:
1. II Coríntios 12:9
2. Romanos 7:18.
A Mão de Deus ao Leme
316
3. Romanos 7:24.
4. A. W. Spalding, Foot Prints of the Pioneers, pág. 130.
5. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 15.
6. Idem, pág. 16.
7. Ibidem.
8. Apocalipse 3:21
9. I Coríntios 1:28, 30.
10. Ellen G. White, Vida e Ensinos, pág. 127.
11. Atos 26:19.
12. In Memoriam, págs. 40, 41.
13. Ellen G. White, Carta 396, 1906.
14. Virgil Robinson, James White, pág. 302.
15. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 129, 130.
16. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 238.
17. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 50.
18. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, págs. 240, 241.
19. Idem. pág. 243.
20. Filipenses 4:8.
21. Virgil Robinson, James White, pág. 302.
22. Ibidem.
23. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág, 70.
24. Review and Herald, 11 de novembro de 1888.
25. Review and Herald, 13 de junho de 1893.
26. F. D. Nichol, Loma Linda, a Story of Faith Rewarded: Publicado
na Review and Herald, 24 de junho e 1º. de julho de 1965.
27. Citado por Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents,
pág. 82.
28. Idem, pág. 83.
29. Ibidem.
30. Ibidem.
31. A. W. Spalding, Origin and History of Seventh-day Adventists,
vol. 4, pág 13.
A Mão de Deus ao Leme
317
32. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 84.
33. Ibidem.
34. Citado por Miguel Rizo, em Esboços de Sermões, pág, 77.
35. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 94.
36. Idem, pág. 36.
37. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 51.
38. Boletim da Associação Geral, 1901, pág. 26.
39. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 101.
40. Review and Herald, 5 de junino de 1913.
41. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 109.
42. Ibidem.
43. J. Robertson, A. G. Daniells: The Making of a General
Conference President, pág. 16.
44. Êxodo 4:10.
45. Ellen G. White, Manuscrito 36, 1895.
46. Harvard B. Weeks, Adventism Evangelism, págs. 37, 38.
47. A. G. Daniells, Carta, 26 de maio de 1910, dirigida a Ellen G.
White.
48. Ellen G. White, Carta, 26 de junino de 1910, dirigida a A.G.
Daniells.
49. Isaías 6.8.
50. Review and Herald, 24 de maio de 1898.
51. Review and Herald, 13 de fevereiro de 1900.
52. S. Francisco Chronicle, 23 de maio de 1922.
53. Review and Herald, 5 de junho de 1922.
54. Review and Herald, 30 de maio de 1930.
55. Godfrey T. Anderson, Spicer: Leader With the Common Touch,
pág. 92.
56. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 170.
57. Ellen G. White, Counsels to Writers and Editors, pág. 42.
58. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, págs. 165, 166.
59. Apocalipse 14:13.
A Mão de Deus ao Leme
318
60. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 174.
61. Lucas 24:22.
62. E. D. Dick, Review and Herald, 16 de junho de 1959.
63. Ellen G. White, Educação, pág. 63.
64. F. D. Nichol, Review and Herald, 23 de julho de 1959.
65. II Coríntios 4:8, 9.
66. Revista do Advento, setembro de 1950, págs. 5, 6.
67. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 199.
68. Review and Herald, 9 de fevereiro de 1961, pág. 5.
69. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 201.
70. Ibidem.
71. Review and Herald, 9 de fevereiro de 1961,
72. Revista do Advento, setembro de 1950, pág. 10.
73. Provérbios 23:26.
74. Roberto H. Pierson, Fé Para o Nosso Tempo, pág. 73.
75. Idem, pág. 75.
76. II Coríntios 1:10 (versão de J. B. Philips e Antônio Fernandez).
77. O Ministério Adventista, maio e junho de 1967, págs. 8, 9.
78. O Ministério Adventista, março e abril de 1967, pág. 2.
79. Review and Herald, 9 de novembro de 1978, págs. 1, 2.
80. Review and Herald, 2 de novembro de 1978, pág. 13.
81. Review and Herald, 24 de fevereiro de 1983, pág. 10.
82. Mateus 2:13, 14.
83. Halford E. Luccock, Endless Line of Splendor, pág. 59.
A Mão de Deus ao Leme
319
CONCLUSÃO
Laodicéia foi por muito tempo um dos mais importantes centros
econômicos da Ásia Menor. Seu extraordinário movimento comercial e
intensa atividade bancária deram à cidade surpreendente opulência
material.
Esta prosperidade econômica teve uma influência marcante no
comportamento dos habitantes de Laodicéia, conhecidos como
presunçosos, soberbos e arrogantes. Quando vítimas de um terremoto
que lhes destruiu a cidade no ano 61 DC, se mostraram altivos,
recusando a ajuda que lhes foi oferecida pelos romanos.1
Lendo no Apocalipse a mensagem dirigida à igreja de Laodicéia,
encontramos que o mesmo espírito que permeava a comunidade se
refletia também no próprio seio da igreja: "Pois dizes: Estou rico e
abastado ...''2
Estas palavras, de acordo com a exegese tradicional adventista, se
aplicam ao povo de Deus no tempo presente.
Com efeito, como igreja, nos sentimos em exaltada condição material.
Recebemos dos nossos maiores um extraordinário patrimônio, a saber:
1. Uma monolítica estrutura eclesiástica internacional adaptável às
diferentes culturas e circunstâncias geográficas.
2. Uma rede intercontinental de escolas, colégios e universidades,
orientados pelos princípios de uma filosofia educacional divinamente
inspirada.
3. Uma cadeia multinacional de hospitais, sanatórios, clínicas e
ambulatórios nos quais os pacientes recebem a terapêutica para as
enfermidades do corpo e o bálsamo divino para as feridas da alma.
4. Um expressivo conjunto de casas editoras dispersas por todos os
quadrantes da Terra, produzindo literatura com a mensagem de redenção
para um mundo sem esperança.
Ao pensarmos neste extraordinário legado – esta complexa estrutura
eclesiástica com suas numerosas instituições – somos por vezes
A Mão de Deus ao Leme
320
possuídos por um incontido orgulho denominacional, e com um
sentimento de suficiência própria, repetimos as palavras que traduzem o
espírito de Laodicéia: "... de nada tenho falta..."
Que maior ilusão poderia sobrevir à Igreja que a confiança ilimitada
em sua prosperidade material? Diz-se dos macedônios que eles levavam
em suas mãos ociosas as riquezas de seus país, sem haverem herdado o
espírito que os caracterizou. Poderia ser dito o mesmo a nosso respeito?
Será que contemplamos com orgulho laodiceano esse patrimônio
que nos foi legado, enquanto negligenciamos cultivar as virtudes que
marcaram a vida dos pioneiros fundadores deste movimento?
Disse um filósofo no campo da economia: "Leva três gerações para
sair das mangas arregaçadas e volver às mangas arregaçadas."3 Com esta
afirmação queria dizer que por meio do esforço diligente e intenso labor,
a primeira geração de uma família acumula um apreciável patrimônio; a
segunda geração herda esta fortuna, desfruta-a e a diminui; e a terceira
geração dissipa o capital restante. Para sobreviver é levada a arregaçar as
mangas e aplicar-se outra vez ao trabalho árduo e perseverante.
Este círculo vicioso se repete na própria vida da Igreja. A primeira
geração, integrada pelos pioneiros, se destaca por intenso fervor
espiritual. Caracteriza-se por uma vigorosa consciência missionária.
Defende com zelo e fervor as normas e princípios bíblicos. Forma a
estrutura do movimento religioso. A segunda geração herda esse
precioso acervo, mas pouco realiza tendo em vista ampliá-lo. Com a
terceira geração, o capital religioso original se dissipa. Esta geração volta
ao estado de completa indigência espiritual.
Um encanecido orador ilustrou esta realidade, dizendo: "Quando eu
era menino trabalhava de 12 a 14 horas diárias na lavoura. Nos dias de
culto, montava um cavalo para ir à igreja, situada a 15 quilômetros de
minha casa e ali cantávamos com entusiasmo e fervor: 'Vamos, enquanto
é dia, com força trabalhar.' Agora'', acrescentou o orador, "o trabalho
agrícola é feito com máquinas modernas e sofisticadas. Ocasionalmente
o meu neto e sua família entram em um automóvel moderno com ar
A Mão de Deus ao Leme
321
condicionado e se dirigem à igreja por uma estrada pavimentada.
Assentam-se confortavelmente nas poltronas do templo como se fosse
uma casa comum e ouvem as palavras cantadas pelo coro: 'Estamos
fracos, tão cansados...' "
De acordo com observações feitas por Ernesto Troelstch e um
Weber, quase todos os movimentos religiosos começam com arroubos de
fé, acomodam-se em consolidações e terminam em formalismos.
Que diremos acerca de nossa experiência denominacional? Os
próceres do adventismo, pioneiros deste movimento, trabalharam com
grande entusiasmo na formação desta valiosa herança. Depois deles
surgiu uma geração que com dedicação consolidou as estruturas deste
movimento profético. Agora, entretanto, vemos com preocupação na
Igreja uma nova geração conhecida por sua ausência de fervor
denominacional. São os adventistas por tradição, por costume, por
herança. Nasceram na fé e jamais experimentaram o milagre do novo
nascimento. A este importante segmento da Igreja se aplicam as severas
palavras da fiel testemunha: "Conheço as tuas obras, que nem és frio
nem quente. Quem dera fosses frio, ou quente! Assim, porque és morno,
e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da Minha boca."4
Porém, apesar do espírito laodiceano que parece minar a vitalidade
do adventismo, coisa alguma neste mundo possui tanta segurança de
êxito como a igreja de Cristo. Somos admoestados pelo Senhor a "nunca
pensar, muito menos falar em fracasso em Sua obra''.5
A nau de Sião encontra-se em excelentes condições de
navegabilidade. Sua bússola é fiel e temos a bordo o divino Piloto. De
modo que nada temos a recear diante do prenúncio de eventuais
tormentas. Se o passado é um guia para o futuro, não temos razões para
temer. A serva do Senhor assim se expressou:
"Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo
de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao
ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na
liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que
A Mão de Deus ao Leme
322
esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que
nos ministrou no passado."6
João Wesley, o fundador do metodismo, no dia 6 de agosto de
1776, registrou no diário suas preocupações, dizendo:
"Não tenho medo de que o povo chamado metodista um dia deixe de
existir, tanto na Europa como na América: mas tenho medo que existam
somente como uma seita morta, rendo a forma de religião sem poder."
Não tememos que isto possa ocorrer com o adventismo. Temos a
segura promessa de que o fogo não morrerá em nossos altares. Animanos a certeza de que a luz fulgurante da mensagem do terceiro anjo não
se extinguirá. Inspira-nos a convicção de que o ideal de conquistar o
mundo para Cristo motivará a Igreja a completar em rápidos e vibrantes
movimentos a obra que lhe foi confiada.
Referências:
1. Enciclopedia de La Bíblia, Ediciones Garriga, S.A. vol. 4, pág.
914.
2. Apocalipse 3.17.
3. Kenneth H. Wood, Reflexões para Modernos, pág. 167.
4. Apocalipse 3:15, 16.
5. Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, pág. 19.
6. Ellen G White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.
A Mão de Deus ao Leme
323
APÊNDICE
CRISTO NO SANTUÁRIO CELESTIAL
A doutrina de Cristo como nosso Sumo Sacerdote no santuário
celestial nos traz certeza e esperança. Ela conferiu significação à vida
dos pioneiros da Igreja Adventista do Sétimo Dia; ainda é um campo
fecundo para nossa meditação e crescimento espiritual.
Este ensino característico foi reafirmado na Declaração de Crenças
Fundamentais adotada pela assembléia da Associação Geral, em Dallas,
no mês de abril de 1980. Nossa reiterada convicção foi ali expressa da
maneira que segue:
"Há um santuário no Céu, o verdadeiro tabernáculo que o Senhor
erigiu, não o homem. Nele Cristo ministra em nosso favor, tornando
acessíveis aos crente os benefícios de Seu sacrifício expiatório, oferecido
uma vez por todas, na cruz. Ele foi empossado como nosso grade SumoSacerdote e começou Seu ministério intercessório por ocasião de Sua
ascensão. Em 1844, no fim do período profético dos 2300 dias, Ele iniciou a
segunda e última etapa de Seu ministério expiatório. É uma obra de juízo
investigativo, a qual faz parte da eliminação final de todo o pecado,
prefigurada pela purificação do antigo santuário hebraico no Dia da
Expiação. Nesse serviço típico, o santuário era purificado com o sangue do
sacrifício de animais vivos, mas as coisas celestiais são purificadas com o
perfeito sacrifício do sangue de Jesus. O juízo investigativo revela aos seres
celestiais quem dentre os mortos dorme em Cristo, sendo, portanto, nEle,
considerado digno de ter parte na primeira ressurreição. Também torna
manifesta quem, dentro vivos permanece em Cristo, guardando os
mandamentos e a fé de Jesus, estando, portanto, nEle, preparado para a
transladação ao Seu reino eterno. Esse julgamento vindica a justiça de Deus
em salvar os que crêem em Jesus. Declara que os que permanecem leais a
Deus, receberão o reino. A terminação do ministério de Cristo assinalará o
fim do tempo da graça para os seres humanos, antes do Segundo Advento.
(Heb. 1:3; 8:1-5; 9:11-28; Dan. 7:9-27; 8:13 e 14; 9:24-27; Núm. 14:34;
Ezeq. 4:6; Mal. 3:1; Lev. 16; Apoc. 14:12; 20:12; 22:12).
A Mão de Deus ao Leme
324
Este documento é uma confirmação da declaração de Dallas. Ele
apresenta o consenso da Comissão Revisora do Santuário, que se reuniu
nos dias 10 a 15 de agosto de 1980, em Glacier View, Colorado. A
comissão procurou fazer uma avaliação séria e franca de nossas posições
históricas, analisando-as á luz de críticas e interpretações alternativas
que têm sido sugeridas. Tais sugestões são benéficas porque nos
impelem ao estudo, nos obrigam a elucidar nossa interpretação,
conduzindo-nos desse modo a melhor compreensão e mais profundo
apreço das verdades que formaram o Movimento do Advento.
Assim, a doutrina do santuário, que tanto significou para os
adventistas primitivos, incide sobre os crentes em nosso tempo. Vê-la
com mais clareza é ver mais claramente a Cristo; e essa visão avivará a
vida cristã e dará poder a nossa pregação e testemunho.
I. O Significado da Doutrina
Embora o simbolismo do Santuário seja proeminente em toda a
Escritura, com Cristo, o Sumo Sacerdote, como a idéia dominante no
livro de Hebreus, o pensamento cristão tem dado relativamente pouca
atenção a este assunto. No século dezenove houve, porém, um repentino
desabrochar de interesse em Cristo no santuário celestial. Nossos
pioneiros relacionaram as idéias de Levítico, Daniel, Hebreus, Apocalipse
e outras partes das Escrituras numa singular síntese teológica que
combinou o sumo sacerdócio de Cristo com a expectativa do fim da
História. Cristo não estava simplesmente ministrando no santuário
celestial; Ele iniciara a etapa final desse ministério, correspondendo ao
Dia da Expiação de Levítico 16.
Para os primeiros adventistas do sétimo dia essa nova doutrina "foi
a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844'' (O
Grande Conflito, pág. 423). Constituiu o meio pelo qual esses crentes
que acreditavam firmemente no iminente regresso de Jesus podiam
conciliar-se com suas expectativas não cumpridas. Conferiu-lhes um
novo senso de identidade religiosa; encheu sua vida de significação, pois
A Mão de Deus ao Leme
325
''revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente
entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o grande movimento do
advento e apontara novos deveres ao trazer a lume a posição e obra de
Seu povo" (Ibidem). Assim, eles puderam ver que embora se houvessem
equivocado, não estavam completamente enganados; e ainda tinham uma
missão e uma mensagem.
A crença de que Cristo é nosso Sumo Sacerdote no santuário
celestial não é uma relíquia de nosso passado adventista; ela ilumina
todas as outras doutrinas; aproxima-nos de Deus e Sua salvação de um
modo que nos dá "plena certeza'' (Heb. 10:22); revela-nos que Deus está
ao nosso lado.
No Céu, há Alguém que vive sempre "para interceder" por nós
(Heb. 7:25). É Jesus, nosso Sumo Sacerdote, o qual, "nos dias da Sua
carne'' (Cap. 5:7), sofreu, suportou a prova e morreu por nós. Pode
''compadecer-Se das nossas fraquezas'' (Cap. 4:5) e envia ''socorro em
ocasião oportuna" do trono da graça (Caps. 2:18 e 4:16). Podemos
achegar-nos, portanto, confiadamente à presença de Deus, sabendo que
somos aceitos em virtude dos méritos de nosso Mediador.
A doutrina do santuário nos dá uma nova visão de nós mesmos. A
humanidade, a despeito de suas fraquezas e rebelião, é importante para
Deus, sendo amado supremamente por Ele. Deus demonstrou Sua
consideração por nós tomando sobre Si a natureza humana e retendo-a
para sempre na pessoa de Cristo, nosso Sumo Sacerdote celestial. Somos
o povo do Sacerdote, a comunidade de Deus que vive para adorá-Lo e
para produzir fruto para Sua glória.
Esta doutrina também abre uma nova perspectiva para o mundo.
Nós o encaramos como uma parte de uma luta cósmica, o ''grande
conflito" entre o bem e o mal. o santuário celestial é o divino centro de
operações nessa peleja; garante que finalmente o mal deixará de existir e
Deus será tudo em todos (I Cor. 15:28). Sua obra de julgamento procedente
do santuário resulta num povo redimido e num mundo restaurado.
A Mão de Deus ao Leme
326
II. As Fontes de Nossa Compreensão
Embora o assunto do santuário esteja presente em toda a Escritura,
é visto com mais clareza em Levítico, Daniel, Hebreus e Apocalipse.
Estes quatro livros, que atraíram a atenção dos primeiros adventistas,
continuam sendo o centro de nosso estudo a respeito do santuário no
Céu.
Sob o aspecto da ênfase, esses livros se dispõem em pares. Ao
passo que Levítico e Hebreus versam principalmente sobre as funções
sacerdotais relacionadas com o santuário, Daniel e Apocalipse mencionam
a atividade divina no santuário até o fim do mundo. Podemos dizer,
portanto, que o principal realce do primeiro par é a intercessão, ao passo
que o maior realce do segundo par é o julgamento.
O livro de Levítico descreve as diversas cerimônias do santuário do
Velho Testamento. Lemos a respeito dos sacrifícios contínuos,
apresentados cada manhã e tarde, em favor do povo de Israel (Lev. 6:8-13).
Lemos também acerca de diversos tipos de ofertas individuais para
expressar confissão, ações de graça e consagração (Capítulos 1-7). E o
ponto culminante de todo o sistema de sacrifícios, o Dia da Expiação, é
descrito pormenorizadamente no capítulo 16.
O livro de Hebreus compara e contrasta essas cerimônias com o
sacrifício de Jesus Cristo no Calvário (Cap. 9:1 a 10:22). Ele argumenta
que por Sua morte, uma vez por todas, Jesus realizou o que os freqüentes
sacrifícios de Israel jamais puderam efetuar. Ele é a realidade simbolizada
pelos sacrifícios do Dia da Expiação, bem como por todas as cerimônias
antigas. Embora tenha sido sugerido que essas referências no livro de
Hebreus demonstram que o Dia da Expiação escatológico começou na
cruz, esse livro, na verdade, não trata da questão do templo; ele se
concentra na completa suficiência do Calvário.
Para as respostas às nossas perguntas acerca da sucessão dos
acontecimentos no santuário celestial, recorremos aos livros de Daniel e
Apocalipse. Em especial as profecias do "tempo", de Daniel 7 a 9,
continuam sendo importantes para a compreensão adventista do santuário .
A Mão de Deus ao Leme
327
Apontam além do primeiro advento de Cristo, para a obra final de
julgamento da parte de Deus, do santuário celestial.
O significado exato das profecias do Velho Testamento é um
assunto que requer acurado estudo. A investigação deve procurar ser fiel
à variada natureza das profecias individuais, levar em conta as diferentes
perspectivas dos leitores (no Antigo Testamento, no Novo Testamento e
nos tempos modernos), discernir a intenção divina nas profecias e manter
a tensão entre a soberania divina e a liberdade humana. Além disso, seu
estudo deve dar o devido valor ao forte e amplo senso do iminente
Segundo Advento que encontramos no Novo Testamento (p. ex.: Rom.
13:11 e12; I Cor. 7:29-31; Apoc. 22:20).
Os escritos de Ellen White também contêm muito material referente
a Cristo no santuário celestial (p. ex. : O Grande Conflito, págs. 408-431,
479-491 e 581-675). Eles acentuam o significado dos acontecimentos de
1844 no plano divino e dos acontecimentos finais que procedem do trono
de Deus. Esses escritos não foram, porém, a fonte da doutrina de nossos
pioneiros sobre o santuário; antes, confirmaram e complementaram as
idéias que os adventistas primitivos estavam encontrando na própria
Bíblia. Distinguimos hoje a mesma relação; os escritos de Ellen White
provêem a confirmação de nossa doutrina de Cristo no santuário celestial
e completam nossa compreensão a seu respeito.
Na parte restante deste documento, apresentamos uma breve
explanação dessa doutrina. Os elementos bíblicos em que ela está
baseada se dividem em duas etapas correlatas. Volvemo-nos para a
primeira delas: intercessão.
III. O Ministério Intercessório de Cristo
O sistema sacrifical do Antigo Testamento foi instituído por Deus.
Constituía o caminho da salvação pela fé para aqueles tempos, instruindo
o povo de Deus sobre o terrível caráter do pecado e apontando para o
meio escolhido por Deus para acabar com o pecado.
A Mão de Deus ao Leme
328
Não havia, porém, eficácia alguma na multiplicidade desses
sacrifícios em si. O pecado é uma ofensa moral que não é resolvida pela
matança de animais. "É impossível que sangue de touros e de bodes
remova pecados. " Heb. 10:4. O pecado só pode ser removido por Jesus
Cristo. Ele não somente é nosso Sumo Sacerdote, mas também o nosso
Sacrifício. É "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo'' (S. João
1:29), o Cordeiro pascal sacrificado por nós (I Cor. 5:7), Aquele a quem
Deus propôs, no Seu sangue, como propiciação pelos pecados de toda a
humanidade (Rom. 3:21-25).
À luz de Jesus Cristo, todas as cerimônias do santuário do Velho
Testamento encontram seu verdadeiro significado. Sabemos agora que o
santuário hebraico era apenas uma figura ou um símbolo do verdadeiro
santuário "que o Senhor erigiu, não o homem" (Heb. 8:2; 9:24), uma
realidade muito mais gloriosa do que nossa mente pode abranger
(Patriarcas e Profetas, pág. 370). Sabemos agora que todos os
sacerdotes levíticos e sumo sacerdotes aarônicos eram apenas
prefigurações dAquele que é o grande Sumo Sacerdote, por ser ao
mesmo tempo Deus e homem (Cap. 5:1-lo). Sabemos agora que o sangue
de animais cuidadosamente escolhidos, de modo que fossem sem defeito
(p. ex. Lev. 1:3 e 10), era um símbolo do sangue do Filho de Deus, o
qual, morrendo por nos, nos purificaria do pecado (I S. Pedro1:18 e 19).
A primeira fase do ministério celestial de Cristo não é de natureza
passiva. Como nosso Mediador, Jesus aplica continuamente os
benefícios de Seu sacrifício por nós. Ele dirige as atividades da Igreja
(Apoc. 1:12-20). Envia o Espírito (S. João 16:7). É dirigente das forças
do Bem no grande conflito com Satanás (Apoc. 19:11-16). Recebe a
adoração do Céu (Cap. 5:11-14). Sustenta o Universo (Heb. 1:3; Apoc.
3:21).
Todas as bênçãos promanam da contínua eficácia do sacrifício de
Cristo. O livro de Hebreus salienta suas duas grandes realizações: ele
provê livre acesso à presença de Deus e remove completamente o
pecado.
A Mão de Deus ao Leme
329
A despeito da importância do santuário do Antigo Testamento, ele
representava limitado acesso a Deus. Só os que nasciam para o
sacerdócio podiam entrar nele (Heb. 9:1-7). Mas no santuário celestial
Cristo nos abriu a porta à própria presença de Deus; pela fé nos
achegamos confiantemente ao trono da graça (Cap. 4:14-16; 7:19; 10:1922; 12:18-24). Assim, os privilégios de todo cristão são até mesmo
maiores do que os dos sumos sacerdotes do Antigo Testamento.
Não há um passo intermediário em nossa aproximação de Deus.
Hebreus salienta o fato de que nosso grande Sumo Sacerdote Se encontra
à direita de Deus (Cap. 1:3), "no mesmo Céu,... diante de Deus" (Cap.
9:24). A linguagem simbólica do Lugar Santíssimo, "além do véu", é
usada para certificar-nos de nosso cabal, direto e livre acesso a Deus
(Caps. 6:19 e 20; 9:24-28; 10:1-4).
E agora não há necessidade de oblações e sacrifícios adicionais. Os
sacrifícios do Antigo Testamento eram "imperfeitos" – isto é, incompletos
e incapazes de acabar definitivamente com o pecado (Cap. 9:9). A
própria repetição dos sacrifícios denotava sua ineficácia (Cap. 10:1-4).
Em contraste com isso, o Sacrifício designado por Deus realizou o que
os sacrifícios antigos não puderam fazer, ocasionando assim o seu fim
(Cap. 9:13 e 14). ''Todo sacerdote se apresenta dia após dia a exercer o
serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que
nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido,
para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-Se à destra de
Deus.'' Cap. 10:11 e 12.
Destarte, o Calvário é de conseqüência duradoura. Ao contrário de
qualquer outro acontecimento na História, seu poder é invariável. Achase eternamente presente, porque Jesus Cristo, que morreu por nós,
continua a fazer intercessão por nós no santuário celestial (Cap. 7:25).
É por isso que o Novo Testamento vibra de confiança. Com
semelhante Sumo Sacerdote, com semelhante Sacrifício, com semelhante
intercessão, temos "plena certeza" (Cap. 10:22). Nossa confiança não
A Mão de Deus ao Leme
330
está em nós mesmos – no que temos feito ou podemos fazer – e, sim, em
Cristo e no que Ele efetuou e continua efetuando.
Esta certeza jamais encarará levianamente o sacrifício que lhe deu
origem. Ao olharmos pela fé para Jesus no santuário celestial o nosso
santuário – e para as atividades que Ele desempenha ali, somos habilitados
pelo Espírito a levar uma vida santa e a dar urgente testemunho ao
mundo. Sabemos que é uma coisa horrível desprezar o sangue que nos
remiu (Caps. 6:4-6; 10:26-31; 12:15-17).
A fase final do ministério de Cristo no santuário celestial é a de
julgamento, vindicação e purificação. Devemos estar certos, porém, de
que embora Cristo seja Juiz, Ele ainda é nosso Intercessor.
Consideremos primeiro o tempo do juízo e, depois, a sua natureza.
IV. O Tempo do Juízo
O período profético dos 2.300 dias (Dan. 8:14) continua sendo uma
Pedra angular da interpretação adventista do julgamento final. Embora
esta parte de nossa doutrina do santuário seja a mais freqüentemente
contestada, cuidadoso estudo das críticas à luz das Escrituras confirma
sua importância e validez.
Três aspectos dessa profecia, em especial, têm sido postos em
dúvida: a relação dia-ano; o significado da palavra traduzida por
"Purificado" (Dan. 8:14) e sua conexão com o Dia da Expiação (Lev.
16); e o contexto da profecia.
A relação dia-ano tem apoio bíblico, embora não seja
explicitamente identificada como princípio de interpretação profética.
Parece ser óbvio, porém, que certos períodos de tempo profético não
devem ser interpretados literalmente (p. ex.: os curtos períodos
mencionados em Apoc. 11:9 e 11). Além disso, o Velho Testamento
provê ilustrações do intercâmbio dia-ano no simbolismo (Gên. 29:27;
Núm. 14:34; Ezeq. 4:6; Dan. 9:24-27).
A relação dia-ano também é reconhecível no encadeamento de
Daniel 8 e 9. Apoio adicional encontra-se nas profecias paralelas dos
A Mão de Deus ao Leme
331
1.260 dias-anos em Daniel e Apocalipse (Dan. 7:25; Apoc. 12:14; 13:5).
Visto que a profecia de Daniel 8 é paralela às dos capítulos 2, 7, 11 e 12,
todas as quais culminam no reino de Deus por ocasião do fim da
História, é apropriado esperar que o período representado pelos 2.300
dias alcance o tempo do fim (Dan. 8:17). Isto se torna possível para nós
pela aplicação exegética da relação dia-ano.
De acordo com muitas versões bíblicas mais antigas, no fim dos
2.300 dias o santuário seria "purificado". A palavra hebraica, nesse caso
é nisdaq, a qual tem uma amplitude de possíveis significados. Sua idéia
fundamental é "endireitar", "justificar", "vindicar" ou "restaurar"; mas
"purificar" e "limpar" podem ser incluídos em seu âmbito conceitual. Em
Daniel 8:14 é evidente que esse vocábulo denota o oposto do mal
causado pelo poder simbolizado pela "ponta pequena", e, portanto,
provavelmente deveria ser traduzido por "restaurar".
Embora não haja forte vínculo verbal entre esse versículo e o ritual
do Dia da Expiação de Levítico 16, essas passagens, no entanto, se
acham relacionadas por suas idéias paralelas de retificar ou purificar o
santuário dos efeitos do pecado.
Daniel 8 apresenta o problema contextual de como relacionar
exegeticamente a purificação do santuário, no fim dos 2.300 dias, com as
atividades da "ponta pequena" durante os 2.300 dias. Esse poder iníquo
deita abaixo o lugar do santuário (Dan. 8:11), ocasionando assim a
necessidade de sua restauração ou purificação. A "ponta pequena",
entretanto, está na Terra, ao passo que inferimos que o santuário se acha
no Céu. Mas o cuidadoso estudo de Daniel 8:9-26 indica uma solução
para essa dificuldade. Torna-se evidente que o Céu e a Terra são
correlatos, de modo que os ataques da "ponta pequena" têm tanto um
significado cósmico como histórico.
Destarte podemos ver como a restauração do santuário celestial
corresponde – em sentido contrário – à atividade terrena da "ponta
pequena". Contudo, embora creiamos que nossa interpretação histórica
A Mão de Deus ao Leme
332
de Daniel 8:14 é bem fundada, desejamos estimular o estudo mais
acurado desta importante profecia.
Nossa convicção de que o fim do período profético dos 2.300 dias,
em 1844, assinala o início de uma obra de julgamento no Céu, é
corroborada pelo paralelismo de Daniel 8 e Daniel 7, que descreve
explicitamente semelhante obra, e pelas alusões ao julgamento celestial
no livro do Apocalipse (Caps. 6:10; 11:18; 14:7; 20:12 e 13).
Assim, nosso estudo reforça nossa crença de que chegamos
realmente ao tempo do julgamento que antecede o Segundo Advento, ao
qual, historicamente, temos chamado "juízo investigativo". Ouvimos
novamente o chamado de Deus para proclamar o evangelho eterno ao
redor do mundo porque "é chegada a hora do Seu juízo" (Cap. 14:6 e 7).
V. A Natureza do Julgamento
O ensino do "juízo vindouro" tem sólida base na Escritura (Ecl.
12:14; S. João 16:8-11; Atos 24:25; Heb. 9:27; etc.). Para o crente em
Jesus Cristo, a doutrina do juízo é solene mas tranqüilizadora, pois o
juízo é a própria intervenção de Deus no curso da história humana, a fim
de endireitar todas as coisas. É o descrente que considera este ensino um
assunto de terror.
A obra do julgamento divino procedente do santuário celestial tem
dois aspectos: um deles se centraliza no povo de Deus sobre a Terra; o
outro envolve todo o Universo, à medida que Deus conduz a grande luta
entre o bem e o mal a uma conclusão bem-sucedida.
A Escritura nos diz que "importa que todos nos compareçamos
perante o tribunal de Cristo'' (II Cor. 5:10), e que teremos de prestar
contas até mesmo "de toda palavra frívola'' (S. Mat. 12:36). Este aspecto
dos acontecimentos do tempo do fim revela quem é de Deus (ver O
Grande Conflito, págs. 479-491). A questão de transcendental importância
tem que ver com a decisão que tomamos a respeito de Jesus, o Salvador
do mundo. Ter aceito Sua morte em nosso favor é já ter passado da
A Mão de Deus ao Leme
333
morte para a vida, da condenação para a salvação; rejeitá-Lo é condenarse a si mesmo (S. João 3:17 e 18).
Portanto, esse julgamento no tempo do fim, por ocasião do término
do período dos 2.300 dias, revela nossa relação com Cristo, evidenciada
na totalidade de nossas decisões. Indica a atuação da graça em nossa
vida, ao nos mostrarmos sensíveis ao Seu dom da salvação; revela que
pertencemos a Ele.
A obra de julgar os santos faz parte da erradicação final do pecado
do Universo (Jer. 31:34; Dan. 12:1; Apoc. 3:5; 21:27). No fim do tempo
da graça, pouco antes dos acontecimentos finais na história terrestre, o
povo de Deus será confirmado na justiça (Apoc. 22:11 ). A atividade
divina procedente do santuário celestial (Cap. 15:1-8) resultará na
sucessão dos acontecimentos que finalmente purificarão o Universo de
todo pecado e de Satanás, seu originador.
Para os filhos de Deus, o conhecimento da intercessão de Cristo no
juízo traz certeza, não ansiedade. Sabem que há Alguém ao lado deles e
que a obra do julgamento está nas mãos de seu Intercessor (S. João 5:22-27).
Na justiça de Cristo, o cristão está seguro no Juízo (Rom. 8:1). Ademais,
o julgamento anuncia a hora de transição da fé para a vista, dos cuidados e
frustrações terrestres para a eterna alegria e realização na presença de Deus.
O juízo de Deus, entretanto, diz respeito a algo mais do que nossa
salvação pessoal; sua esfera de ação é cósmica. Ele desmascara o mal e
todos os sistemas perniciosos. Expõe a hipocrisia e o engano. Restaura o
domínio da justiça no Universo. Sua expressão final é um novo Céu e
uma nova Terra, nos quais habita justiça (II S. Ped. 3:13), um puro
cântico de amor de criação a criação (O Grande Conflito, págs. 659-675).
E, nesse ato do juízo divino, evidencia-se que o próprio Deus é
absolutamente justo. A reação universal a Seus atos finais do santuário
celestial é a seguinte: "Grandes e admiráveis são as Tuas obras, Senhor
Deus, Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei
das nações!" Apoc. 15:3.
A Mão de Deus ao Leme
Conclusão
334
Esta doutrina de Cristo no santuário celestial, este ensino singular
dos Adventistas do Sétimo Dia requer intenso estudo da parte de todo
crente. Nossos pioneiros descobriram-na por meio de diligente investigação
da Palavra e foram incentivados por ela. Nós também precisamos
descobri-la por nós mesmos e torná-la uma parte de nossa vida. Temos
de compreender que ''o santuário no Céu é o próprio centro da obra de
Cristo em favor dos homens" e que Seu ministério ali "é tão essencial ao
plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz'' (O Grande
Conflito, pág. 492.).
Ao procurarmos conhecer e compreender a Cristo no santuário
celestial com tanto fervor como o fizeram os primeiros adventistas,
experimentaremos o avivamento e a reforma, a certeza e a esperança que
advém de uma visão mais clara de nosso grande Sumo Sacerdote.
ELLEN G. WHITE E AS QUESTÕES DOUTRINÁRIAS
"Um dos dons do Espírito Santo é a profecia. Este dom é uma
característica da igreja remanescente e foi manifestado no ministério de
Ellen G. White. Como a mensageira do Senhor, seus escritos são uma
contínua e autorizada fonte de verdade e provêem para a Igreja conforto,
orientação, instrução e correção. Também tornam claro que a Bíblia é a
norma pela qual deve ser provado todo ensino e experiência."
As Escrituras do Antigo e Novo Testamento são divinamente
inspiradas. Este cânon da Escritura é a norma de fé e prática. Ellen G.
White foi inspirada no mesmo sentido que os profetas bíblicos, mas seu
ministério e seus escritos foram dadas para exaltar a Bíblia. Os escritos
de Ellen G, White, por seu próprio testemunho, não se destinam a
transmitir novas doutrinas, mas para dirigir as mentes para as verdades já
reveladas na Escritura (Testimonies, vol. 5, págs. 663-665; Primeiros
Escritos, pág. 78).
A Mão de Deus ao Leme
335
Embora as doutrinas fundamentais da Igreja sejam estruturadas na
autoridade dos escritores bíblicos, mais ampla compreensão e
discernimento para seu cabal desenvolvimento podem ser encontrados
nos escritos de Ellen G. White. Estes escritos também confirmam a
verdade bíblica, sem a menor intenção de inibir a pesquisa séria baseada
em sólidos princípios de interpretação.
Reconhecendo que a operação do Espírito Santo na vida e nos
escritos de Ellen G. White por um período de aproximadamente setenta
anos resultou no aumento de sua interpretação da Bíblia e das atividades
de Deus em prol da humanidade, cremos que sua autoridade transcende à
de todos os intérpretes não inspirados.
Vemos a necessidade de cuidadosa exposição dos escritos de Ellen
G. White. Nem todas as suas aplicações da Escritura foram destinadas a
prover uma exposição estrita do texto bíblico. Às vezes ela emprega a
Escritura homileticamente. Outras vezes desprende certas passagens de
seu contexto bíblico para aplicações especiais. Também pode usar a
linguagem bíblica meramente por requinte literário. Sempre se deve
levar em consideração o contexto total e a situação na vida de Ellen G.
White, dando-se atenção ao tempo e ao lugar.
Afirmamos que os escritos de Ellen G. White são significativos
para o nosso tempo, segundo foi acentuado por sua declaração: ''Seja ou
não poupada a minha vida, meus escritos falarão sem cessar, e sua obra
irá avante enquanto o tempo durar.'' – Mensagens Escolhidas, Livro 1,
pág. 55.

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