tdah: o que conhecem professores de ensino fundamental

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tdah: o que conhecem professores de ensino fundamental
TDAH: O QUE CONHECEM PROFESSORES DE ENSINO FUNDAMENTAL
Jenifer Demeterco
UFPR, bolsista do PET Psicologia
[email protected]
Rodrigo da Costa
UFPR
[email protected]
Mariana Abuhamad
UFPR
[email protected]
Alessandra Bianchi
UFPR, tutora do PET Psicologia
[email protected]
INTRODUÇÃO
O TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, vem ganhando
popularidade nos últimos anos, especialmente nas escolas. Pais e professores, diante de
informações nem sempre claras a respeito de tal distúrbio, encaminham filhos e alunos a
clínicas de psicologia a fim de obterem o diagnóstico. Antes dos resultados, porém, são
muitas as vezes em que a criança já é rotulada como “hiperativa”, apesar de os
conhecimentos sobre o transtorno nem sempre serem respaldados cientificamente.
O referido transtorno, segundo o DSM-IV (American Psychiatric Association,
APA, 2000), caracteriza-se por constante desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade,
que é mais frequente e grave que o observado habitualmente em sujeitos de um nível de
desenvolvimento similar. O indivíduo diagnosticado com esse distúrbio tem
dificuldades de manter a atenção, de persistir em tarefas até o seu término, muda
frequentemente de uma tarefa para outra sem concluí-las e deixa de atender a
solicitações ou instruções dadas. A pessoa tem dificuldades em organizar-se, tanto em
relação aos materiais quanto às atividades e tarefas a cumprir, e evita atividades que
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exijam concentração por conta da dificuldade em manter a atenção, distraindo-se
facilmente com o que se passa à sua volta. De acordo com o DSM-IV, há três subtipos
desse transtorno: o tipo combinado, o tipo com predomínio de déficit de atenção e o tipo
com predomínio de hiperatividade-impulsividade. Sobretudo, o TDAH denota um
enfraquecimento na forma como o comportamento do indivíduo é planejado rumo ao
futuro, por isso as pessoas que têm o transtorno parecem estar sempre voltadas para o
momento presente (Barkley, 2002). É válido ressaltar que alguns dos sintomas desse
transtorno podem ser identificados antes dos 7 anos de idade (APA, 2000).
Para que seja feito o diagnóstico, conforme o DSM-IV, é necessário que o
comportamento do indivíduo seja avaliado e identificado pelo menos em dois contextos
diferentes e em variadas situações, na escola e em casa, por exemplo. Os principais
sintomas são baixo rendimento escolar, dificuldades na realização de tarefas e de seguir
regras, como já descrito anteriormente. É fundamental, no entanto, elucidar o fator
principal que diferencia o transtorno de comportamentos inerentes à idade e aos
métodos de ensino a que os alunos são submetidos. No caso do TDAH, a causa da falta
de atenção é de ordem primária, sendo uma incapacidade orgânica de controlar a
atenção, enquanto nos casos habituais de desatenção a causa é secundária, pois a
dificuldade é comportamental (Micaroni, Crenitte & Ciasca, 2010).
O fato de que alguns sintomas que definem o transtorno, como desatenção,
hiperatividade e impulsividade, são, em menor grau, sintomas comuns a todas as
pessoas torna o diagnóstico controverso e polêmico (Caliman, 2008). Além disso, até o
momento, nenhum teste ou exame específico e preciso para a identificação do TDAH
foi definido. O diagnóstico é feito por um processo misto, que pode envolver desde
testes psicológicos até entrevistas com pais e professores. Muitas vezes tal diagnóstico
acaba por desconsiderar barreiras sociais e culturais (Caliman, 2008). O que de certa
forma constitui uma incompletude da análise, pois é essencial descartar causas
alternativas para a desatenção, impulsividade e inquietação motora da criança, as quais
podem advir, além de um prejuízo neurológico ou de um retardo mental, da fraqueza da
instrução acadêmica e das práticas de manejo, bem como de uma perturbação emocional
grave (Barkley, 2002).
Por meio dos dados obtidos pela pesquisa de Gomes, Barbirato, Mattos e
Palmini (2007) a respeito do conhecimento da população sobre o Transtorno de Déficit
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de Atenção/Hiperatividade (TDAH), realizada com médicos, educadores e psicólogos,
foi constatado que todos os grupos apresentaram crenças não respaldadas
cientificamente sobre causas e tratamento do transtorno. Um dos motivos para essa
difusão de informações errôneas, ou até mesmo, em muitos casos, da falta de
informações da população acerca do TDAH, pode estar relacionado com questões da
contemporaneidade, pois “O diagnóstico do TDAH se constitui no cerne de uma
sociedade na qual o indivíduo bem-sucedido, produtivo e feliz, é autogestor, atento,
racional e prudente” (Gomes et al., 2007), situação que pode estar relacionada com o
aumento da produção de ritalina (a “pílula da obediência”) em 700%, em 1999
(Caliman, 2008). Excluindo-se o tratamento do TDAH, tal medicamento é indicado
apenas no tratamento de narcolepsia, um distúrbio do sono (Ortega, Barros, Caliman,
Itaborahy, Junqueira & Ferreira, 2010).
Brzozowski e Caponi (2009) também obtiveram alguns dados que corroboram
os motivos pelos quais a população permanece mal-informada. Mesmo que o TDAH
seja um dos transtornos mais comuns em crianças com idade escolar, e apesar de toda a
sua popularização pela mídia e pela indústria farmacêutica, os autores perceberam que o
diagnóstico de TDAH é um alívio para muitos pais e professores, pois eles passam a
entender o porquê de certos comportamentos da criança. Além disso, é preferível que as
crianças sejam rotuladas como doentes a preguiçosas ou malcomportadas. Essa posição
também é demonstrada por Benedetti e Urt (2008), pois as autoras apontam que, ao
deparar com um aluno de comportamento diferenciado por conta da nova estrutura da
família e da sociedade, a escola encontra dificuldades; portanto, afirmar que os alunos
possuem algum tipo de distúrbio é uma posição tranquilizadora, pois a ineficiência
passa a centrar-se no sujeito. Dessa forma, pais e educadores ficam isentos de repensar
as relações familiares, as propostas pedagógicas e todo o contexto atual.
Pode-se considerar, também, como fonte de colaboração para a difusão de
informações erradas, a maneira como o diagnóstico pode variar. A prevalência do
TDAH varia em função do tipo de amostra, dos instrumentos e critérios diagnósticos e
da fonte de informação obtida, que contribui para uma heterogeneidade dos dados.
Estudos mostraram que a incidência de TDAH variava entre 0,5% e 26%; as taxas de
prevalência tendiam a ser mais elevadas quando estudos epidemiológicos analisavam
amostras extraídas de escolas e mais baixas quando eram feitos em amostras extraídas
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da comunidade ( Holmberg & Øzerl, 2010; Freire e Ponde, 2005). Graeff e Vaz (2008)
pontuam, por exemplo, que é necessário fazer um diagnóstico diferencial criterioso.
Faz-se necessário contextualizar a conduta do paciente em diferentes ambientes.
É fundamental que a escola esteja familiarizada com os conceitos básicos do
TDAH, pois para as crianças portadoras do transtorno a rigidez da sala de aula pode ser
problemática e frustrante. A fim de progredirem, devem ser encorajadas a trabalhar ao
seu próprio modo. As escolas voltadas de modo exclusivo para resultados em termos de
conteúdo podem não ser um ambiente adequado para essas crianças e adolescentes
(Rohde, 1999). Se tais indivíduos forem confiados a um professor inflexível no que
concerne a tarefas e testes, ou que usa materiais e métodos inapropriados às suas
necessidades, eles serão reprovados (Smith & Strick, 2001). A escola tanto pode tornarse uma instituição estimuladora como, pelo contrário, pode ser fonte de conflitos
(Bassedas et al., 1996). Se pais e professores tiverem ciência dos porquês do
comportamento dessas crianças, ficará mais fácil saber como agir com elas e quais os
auxílios especiais de que elas necessitam (Barkley, 2002).
Em relação às atitudes tomadas pela escola frente à popularização do TDAH,
vários autores concordam que ainda há muito a ser feito. Coutinho, Mattos, Schmitz,
Fortes e Borges (2008) constataram que os professores apresentam conhecimento
diminuto acerca da sintomatologia do TDAH. Já Micaroni, Crenitte e Ciasca (2010)
perceberam que os professores que compunham a amostra de sua pesquisa não tinham
conhecimento de que é possível que a criança aprenda a controlar a atenção caso não
possua nenhum transtorno. Para a maioria deles, a atenção é uma reação, e não um
comportamento. Tendo em vista a necessidade de uma equipe multiprofissional para a
completude do diagnóstico, equipe essa que inclui os professores da criança em análise,
pode-se inferir que esse desconhecimento acerca do funcionamento da atenção pode
contribuir, também, para a construção de um pseudo-diagnóstico.
Diante de dados como esses, Gomes et al. (2007) sugerem maior formação e
treinamento para os profissionais da saúde, professores e pais, para poderem auxiliar as
crianças que sofrem desse distúrbio. Para Desidério e Miyazaki (2007), precisa-se
adotar, no tratamento do TDAH, uma abordagem sistêmica. Além disso, eles também
afirmam que pais e educadores devem ser orientados a respeito do TDAH e de como
lidar com crianças portadoras desse transtorno. Isso principalmente porque, hoje em dia,
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considera-se que o excesso de informações e estímulos visuais, auditivos, televisivos, de
forma acelerada, pode desencadear a SPA – Síndrome do Pensamento Acelerado, que é
diferente do TDAH, mas pode ter seus sintomas confundidos. A SPA é caracterizada
pela velocidade de pensamento, diminuição da concentração e aumento de ansiedade,
além da compulsão por novos estímulos. Também pode gerar uma hiperatividade
funcional, não genética, que apresenta sintomas tais como diminuição e má qualidade
do sono, irritabilidade, fadiga e esquecimento (Micaroni, Crenitte & Ciasca; 2010).
Para investigar as concepções sobre o TDAH e verificar como é feita a
intervenção por professores em sala de aula, Landskron e Sperb (2008) analisaram, por
meio de entrevista narrativa, como nove professoras das séries iniciais do Ensino
Fundamental, em uma região do interior do Rio Grande Sul, vivenciavam a condição de
ter um aluno portador de TDAH. Foi constatado que as educadoras atribuíam à doença
explicações psicológicas, deixando de lado as causas orgânicas; elas não tinham uma
concepção formada acerca do TDAH. Já Brzozowski, Brzozowski e Caponi (2010)
mostram, no entanto, que de 1992 para cá pouca coisa mudou no cenário da educação
do aluno com TDAH, já que, desde então, para muitos professores, os indivíduos muito
ativos e que não prestam atenção como deveriam possuem algum problema de saúde
mental ou psicológica, conforme descrito acima.
Em razão disso, pesquisadores reforçam a urgência de divulgar e conhecer
melhor o TDAH. Souza, Serra-Pinheiro, Fortes e Pinna (2007), por exemplo, pontuam
que falhas no diagnóstico do distúrbio podem ocasionar sérias dificuldades na vida do
portador. Benedetti e Urt (2008) citam dois casos em que escolares foram submetidos à
avaliação diagnóstica e passaram a ser medicados: a medicação de um deles trouxe
apenas alívio à família e o outro, anos depois, apresentou um surto psicótico. As autoras
apontam, então, a necessidade de repensar a temática e produzir mais pesquisas a
respeito do assunto, de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Esta pesquisa se prestou, portanto, a identificar como os professores que
lecionam para alunos entre 5 e 11 anos compreendem o Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade, averiguar a opinião que têm a respeito de alguns aspectos do
tema e investigar se há uma prática profissional específica frente a essa demanda. Por
fim, buscou-se verificar se existe alguma relação, sob a perspectiva dos docentes, entre
o transtorno, a interação familiar e a metodologia adotada na escola.
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MÉTODO
Participaram deste estudo 107 professores do sexo feminino, com faixa etária
entre 21 e 55 anos (média 37,45 anos e desvio-padrão 7,89 anos), que atuam do 1º ao 5º
ano do Ensino Fundamental, no estado do Paraná. 53% dos participantes lecionavam em
escolas públicas, 44% em escolas privadas e 3%, em ambas.
Como não foram encontrados instrumentos prontos para alcançar os objetivos
descritos, foi elaborado um questionário específico. É valido ressaltar que o instrumento
foi construído com base em critérios adotados pelo DSM-IV (APA, 2000) para a
descrição do TDAH, mas também incluiu informações recolhidas em sites da área e em
outras obras (DuPaul & Stoner, 2007; Barkley, 2002). Optou-se por seguir o DSM-IV
(APA, 2000) pelo fato de que grande parte dos diagnósticos se baseia nos critérios
propostos nesse compêndio.
O instrumento para identificar o conhecimento e a opinião dos professores a
respeito do TDAH e de temas referentes a ele foi um questionário com 37 questões de
escolha simples, em que o participante indicava se a alternativa
em questão era
verdadeira ou falsa. Além disso, havia uma terceira opção em que o professor poderia
afirmar não saber a resposta.
Inicialmente houve a construção do questionário em versão eletrônica e
professores foram convidados a responder. Como, entretanto, a taxa de resposta foi
muito baixa (10%), optou-se pela aplicação do questionário impresso também.
Em algumas escolas, e de acordo com a solicitação da direção dos
estabelecimentos de ensino, o procedimento de preenchimento dos questionários pelas
professoras foi realizado por meio da apresentação deste, em data definida pela
coordenação da escola, com recolhimento imediato após o término; em outras, os
questionários foram entregues à direção, que os distribuiu às professoras, e foi
combinada uma data para a devolução.
RESULTADOS
As questões foram agrupadas em nove categorias, sendo que, dentre as 37
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perguntas, seis referiam-se ao conceito de TDAH; quatro, à etiologia; quatro à
observação dos sintomas do transtorno; cinco eram relativas à caracterização do TDAH;
quatro versavam a respeito do diagnóstico; três abordavam o tratamento; quatro
referiam-se a práticas socioeducacionais; quatro eram relativas a ações e capacitação e
três, por fim, eram opinativas.
Na Tabela 1 são apresentados os dados referentes aos conhecimentos sobre
conceitos do TDAH.
Tabela 1: Conceitos.
A seguir, na Tabela 2, são mostrados os resultados das questões relacionadas à
Etiologia do TDAH.
Tabela 2:Etiologia.
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Em relação o conjunto de questões que dizem respeito aos comportamentos
observáveis, o percentual de acertos dos docentes está descrito na Tabela 3.
Tabela 3: Comportamentos observáveis
Na Tabela 4, encontram-se os dados referentes às questões que versam sobre as
características do TDAH.
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Tabela 4: Caracterização
Nas questões que possuem em comum o tema diagnóstico, 89,5% dos
participantes consideram que o pré-diagnóstico deve ser realizado e analisado por um
especialista. Apenas 21,5% dos professores assinalaram corretamente que a tomografia
ou o mapeamento cerebral não podem fornecer o diagnóstico conclusivo sobre TDAH.
Já 51,9% dos participantes apontam corretamente que, para diagnóstico, os sintomas do
TDAH devem estar presentes na criança há pelo menos 6 meses; no entanto, 37,7% dos
participantes afirmaram não saber a resposta a essa questão. Um total de 31,7% dos
professores indicaram, corretamente, que o diagnóstico de TDAH não é feito apenas
com base nos sintomas clínicos fornecidos pelos pais e pelo indivíduo.
No que diz respeito às questões que abordam o tratamento do TDAH, 68% dos
participantes responderam que, na maioria dos casos, é necessária a medicação. 47,6%
dos professores pensam que o tratamento do TDAH deve ser multimodal, isto é, deve
ser tratado de forma multidisciplinar, integrada, por meio de medicamentos, psicoterapia
e orientação aos pais e aos professores; entretanto, 51,5% dos participantes afirmaram
não saber a resposta a essa questão. No total 91,5% dos participantes consideram que a
psicoterapia pode auxiliar nos sintomas do portador de TDAH.
A respeito das ações e
da capacitação dos professores em relação ao TDAH, 23,8% tiveram seu primeiro
contato com o transtorno por meio da mídia. 85,3% afirmaram que costumam buscar
informações a respeito do TDAH em publicações feitas por especialistas no assunto.
Outro ponto investigado foi se esses professores, em suas práticas em salas de aula,
planejam ações diferenciadas para atender os alunos com TDAH, e 16,2% disseram que
não planejam. Entretanto, 64,4% dos professores informaram que as escolas em que
lecionam planejam algum tipo de ação.
Nas questões sobre práticas sócio-educacionais envolvendo o aluno com TDAH,
89,5% dos participantes acreditam que as relações familiares podem amenizar os
sintomas do TDAH e 89,4% acreditam que as relações familiares podem agravar os
sintomas. Já 88,7% acreditam que a metodologia da escola pode amenizar os sintomas e
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75% acreditam que a metodologia da escola pode agravar os sintomas.
Quanto às questões relacionadas à opinião dos participantes a respeito do
transtorno, 64,4% consideram o TDAH uma doença e 5,9% não souberam responder a
essa pergunta. 84% dos participantes acreditam que devem fazer algum curso para lidar
de maneira mais adequada com o aluno portador do transtorno e 95,2% acham
importante que o sistema educacional desenvolva políticas públicas para atender os
alunos portadores de TDAH.
Os resultados também indicaram que somente 10% dos professores sentiram-se
preparados para responder ao questionário em sua totalidade. Ademais, houve questões
a que mais de 20% dos participantes não conseguiram responder corretamente.
Conclui-se, então, que determinados conhecimentos precisam ser desenvolvidos
nos cursos de formação de professores e que é necessário repensar o trabalho realizado
nas escolas e o papel que o psicólogo pode ter nesse processo de qualificação do
atendimento ao aluno com TDAH.
DISCUSSÃO
Na maioria das questões, os professores demonstraram um conhecimento
razoável a respeito do TDAH. Todavia, há a evidência da não assimilação, por parte
considerável dos educadores, de certas questões-chave a respeito de como lidar e tratar
o transtorno. Tal situação pode implicar consequências negativas na vida do indivíduo
com TDAH (Condemarín, Gorostegui & Milicic, 2006). Talvez essa falta de coerência e
articulação em relação ao TDAH seja um reflexo do polêmico debate acerca desse tema,
que até em meios científicos gera grandes discussões (Caliman, 2010; Santos &
Vasconcelos, 2010). O maior impacto gerado é a discrepância nas formas de lidar com
alunos com TDAH. A literatura evidencia que TDAH e problema de aprendizagem são
conceitos distintos. A estimativa é de que apenas 20% das crianças com o transtorno
tenham dificuldade de aprendizagem (Poeta & Rosa Neto, 2004), embora as pessoas
com TDAH apenas tenham maior propensão a desenvolver problemas de aprendizagem
(Holmberg & Øzerl, 2010). Uma das hipóteses é de que isso pode decorrer das
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metodologias e do ambiente onde a educação ocorre, o qual atualmente se mostra
inadequado para o pleno desenvolvimento do aluno com o transtorno. A maioria das
professoras neste estudo, entretanto, concebe o TDAH
como um problema de
aprendizagem, concepção que pode ser consequência de o transtorno só ganhar
relevância na escola quando se manifesta como baixo rendimento escolar ou mau
comportamento.
Apesar do que afirmaram na questão discutida anteriormente, muitos dos
professores se contradisseram ao assinalar que o TDAH nem sempre é acompanhado
por um atraso de aprendizagem. A contradição demonstra a dúvida e a falta de
consistência do conhecimento dos educadores acerca desse assunto, o que corrobora a
pesquisa de Gomes et al. (2007), que demonstra que a maioria dos educadores, médicos
e psicólogos apresentam crenças não respaldadas cientificamente sobre causas e
tratamento do transtorno.
Outros dados que demonstram essa defasagem de conhecimento é o fato de que,
apesar de a maioria das professoras concordarem que o TDAH é uma disfunção
neurobiológica, 41% delas não sabem se o transtorno é uma disfunção crônica, ou seja,
uma disfunção que acompanha o sujeito por toda a vida. Além disso, quase um quarto
dos participantes da pesquisa não compreende se o TDAH é ou não superado na
adolescência.
Se considerada a relevância desses resultados no cotidiano escolar, fica fácil
perceber como a falta de conhecimento dos educadores pode interferir negativamente no
processo de aprendizagem dos estudantes. Ao desconhecerem o desenvolvimento dos
educandos de forma plena, não há meios de realizar um planejamento adequado às
exigências dos alunos que, consequentemente, passam a sofrer as penas de suas próprias
dificuldades, aliadas à falta de encaminhamentos adequados por parte dos docentes. É
evidente que o fracasso escolar desencadeado por essa realidade acaba por atingir todo o
sistema educacional, atualmente despreparado para lidar com essa situação.
Quando questionadas se a metodologia da escola e as relações familiares
poderiam amenizar ou agravar os sintomas de TDAH, a responsabilidade maior ficou a
cargo da família. A maioria das professoras revelou a crença de que essa relação é muito
influente no desenvolvimento do transtorno, entretanto uma parcela significativa das
participantes declarou que as influências da escola são menores que as influências da
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família no agravamento dos sintomas: enquanto 89,4% apontam que as relações
familiares podem ter participação nesse agravamento, apenas 75% sugerem a influência
da escola. Esses dados demonstram a necessidade de maior disseminação de
informações sobre o TDAH, a fim de possibilitar uma abordagem sistêmica de
tratamento para os indivíduos que têm o transtorno (Desidério & Miyazaki, 2007), o que
inclui a responsabilidade do sistema escolar.
Apesar de a literatura evidenciar a importância do papel da escola no tratamento
de crianças com TDAH (Bassedas et al., 1996; Barkley, 2002; Desidério e Miyazaki,
2007; Rohde, 1999; Smith & Strick, 2001), esta pesquisa mostrou que ainda há escolas
e educadores que não se posicionam frente a essa demanda: 29,8% dos professores
declararam que as escolas em que lecionam não planejam ações diferenciadas para
atender os alunos com TDAH e 16,2% declararam que não adotam posicionamento
diferenciado perante esses estudantes, em sala de aula. Esses dados também
demonstram certa incoerência entre as decisões das instituições de ensino e de seus
educadores, já que o percentual de professores que adota ações específicas para os
alunos com TDAH, em sala de aula, (79,8%) é maior do que o número de escolas que
dizem pô-las em prática (64,4%).
Esse visível descaso de algumas escolas e professores perante os alunos com
TDAH não parece ocorrer somente pelo desconhecimento acerca do transtorno, mas
porque muitos atribuem o TDAH a fatores psicológicos. Não se nega que estes
interfiram, mas não podem ser considerados a causa, pois o TDAH é uma disfunção
neurobiológica (APA, 2000). Com o tratamento que têm recebido, os estudantes ficam
impossibilitados de se engajarem nas tarefas e atividades propostas em sala de aula e,
nesses casos, se a intervenção for tardia, as crianças e adolescentes podem perder a
solidez de sua fundação acadêmica, solidez imprescindível para terem sucesso nos
níveis de ensino posteriores. As crianças, além de estarem prontas para aprender, devem
ter, também, oportunidades apropriadas de aprendizagem, e estas devem ser
disponibilizadas pelo sistema educacional em sua totalidade, o qual inclui o professor. O
maior problema, entretanto, parece estar na falta de articulação entre os professores e os
demais profissionais, entre os conhecimentos já adquiridos a respeito do transtorno e os
problemas cotidianos da sala de aula. Pois, como salientam alguns pesquisadores:
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Mesmo que o TDAH esteja entre os distúrbios psicológicos infantis mais
bem estudados, ainda há muito que não se sabe. O TDAH permanece mal
compreendido e controverso nas mentes do público em geral e das
autoridades educacionais. É importante investigar as possíveis causas do
TDAH, mas é importante também investigar as medidas educacionais
preventivas e protetoras de comorbidades. Mais importante ainda é capacitar
o quadro docente para melhor compreender e diferenciar as características
dos alunos, evitando enquadrá-los em falsos rótulos. (Jou, Amaral, Pavan,
Schaefer & Zimmer, 2010).
A questão mais recorrente na literatura e que nossa pesquisa veio corroborar é a
de que no sistema de educação brasileiro não é incomum a presença de professores, em
sala de aula, diagnosticarem de maneira intuitiva os estudantes que apresentam padrões
de comportamento que se assemelham a sintomas do TDAH (Caliman, 2008; Micaroni,
Crenitte & Ciasca, 2010; Holmberg & Øzerl, 2010; Brzozowski, Brzozowski & Caponi,
2010). Essas crianças são fonte de medo e de insegurança para os educadores, pois
muitos deles não têm uma ampla visão de desenvolvimento ou de estratégias
pedagógicas que favorecem a aprendizagem daqueles que se mostram diferentes ou que
desafiam uma rotina escolar, afirmativa também encontrada em Santos e Vasconcelos
(2010).
Para que esse quadro se modifique é necessário que os professores, e também os
estudantes, tomem consciência de seu papel ativo no processo de aprendizagem, com o
entendimento de que a prática educativa é viabilizada pela interação professor-aluno,
que transcende o espaço da sala de aula e que se constitui, também, numa prática social
(Frison & Schwartz, 2002).
O conhecimento sobre o transtorno é essencial diante de um problema ainda
mais sério, que diz respeito à natureza subjetiva da definição do TDAH. Essa
subjetividade possibilita uma série de interpretações, além da hipervalorização dos
sintomas considerados desviantes não só em sala de aula, mas também em casa. Caso
não haja profundo conhecimento por parte de professores e de pais, corre-se sempre o
risco de tratar uma criança saudável como doente, que precisa ser consertada, tratada e
curada unicamente pelo viés da biologia.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas vezes, a resolução de casos que tratam de crianças com TDAH são
deixados apenas
sob a responsabilidade do psicólogo, do médico, e até do
psicopedagogo. A contemporaneidade aparenta ter perdido a consciência do papel ativo
do professor na apropriação do conhecimento pelos alunos e muitos professores,
consequentemente, não se veem mais como os principais mediadores desse processo. Os
educadores encontram-se fragilizados pela falta de assistência governamental e de
incentivos para que busquem uma educação mais integradora, falta essa revelada pela
imensa maioria dos professores ao afirmarem a necessidade de terem um curso para
saberem lidar com o transtorno e da criação de políticas públicas para atender os alunos
com TDAH.
A partir do que os resultados desta pesquisa mostram, percebe-se a necessidade de
os professores terem mais informações a respeito do TDAH, não só para que saibam
identificá-lo ou porque se trata de um transtorno não raro entre os alunos em idade
escolar, mas, também, para que sejam capazes de estabelecer um plano pedagógico que
atenda às demandas dos estudantes. É importante que os educadores conheçam técnicas
e estratégias que auxiliem os alunos com TDAH a terem melhor desempenho e que
também saibam como ensinar a esses estudantes técnicas específicas para minimizar as
dificuldades. Quando os alunos com TDAH se dedicam a fazer algo estimulante ou do
seu interesse, conseguem permanecer mais tranquilos e envolvidos nas atividades, o que
certamente contribui para o desenvolvimento e o sucesso enquanto estudante e pessoa.
Finalmente, é imprescindível levar em conta que o TDAH não é somente um
problema de saúde mental, mas que também envolve questões pedagógicas muito
importantes que não podem ser deixadas apenas sob responsabilidade do médico ou do
psicólogo. Os professores também podem e precisam agir ativamente na busca por
resultados positivos na melhora acadêmica dos alunos portadores do transtorno.
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