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"Os Festivais de Musica Eletronica como Constituintes de Identidades Hibridas" Autor: Rafael Mendes (Dj Pin) 1. – INTRODUÇÃO O presente trabalho visa primariamente analisar o impacto das interações que acontecem dentro de uma nova modalidade de espaço – neste caso o espaço que é construído nos festivais de música eletrônica – no que se refere à construção de uma cultura específica compartilhada pelos indivíduos que estão continuamente expostos a este espaço. Analisar-se-á também os impactos entre os efeitos dessa manifestação em relação ao estado-nação. Tal análise irá se basear na teoria construtivista, a partir de Wendt, e suas proposições acerca dos relacionamentos entre agência e estrutura, do estabelecimento de identidades e da construção social da cultura. Primeiramente, é feita uma revisão histórica acerca do estadonação, tendo a Revolução Francesa como marco de ligação entre nação e estado. Posteriormente, define-se o relacionamento entre o estado-nação e a identidade dos cidadãos presentes em seu território, a partir da narrativa da identidade nacional por parte do estado. Estabelecida essa relação entre estado e identidade dentro do processo histórico de constituição do estado-nação, leva-se a análise para um segundo momento onde é feita uma revisão desta legitimação do estado em relação à idéia de nação. Observam-se, então, as mudanças estruturais que se intensificaram a partir do século XX, determinantes no processo de construção do espaço que é objeto de estudo: uma manifestação moderna bem peculiar, em que acontece a reunião de indivíduos de diversas origens, em eventos musicais de longa duração, onde é tocada música quase exclusivamente eletrônica. Esses eventos são marcados por um fluxo global em direção aos locais onde esses espaços são criados em todo mundo. Para tal análise deve-se rever também o processo histórico de criação e estabelecimento da música eletrônica e de sua cultura. Essa cultura vai se desenvolver tendo como catalisador a intensificação dos fluxos globais, a partir principalmente do desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, que redimensionaram o fluxo de informação e movimento. Propõe-se que essas mudanças vêm 6 proporcionando a criação de uma cultura híbrida, a partir das interações do espaço que lhe é próprio: uma rede de pessoas interage dentro desta estrutura de maneira contínua, de evento em evento, levando a um só ponto uma gama de diversos elementos das mais variadas origens. O evento normalmente tem longa duração e acontece em lugares de difícil acesso, normalmente em meio à natureza, o que proporciona um distanciamento de estruturas políticas locais, o que facilita um distanciamento da estreita ligação histórica entre o estado e a nação representada por ele. A partir disso, propõe-se que os seguidores destes eventos têm a possibilidade de construírem uma nova cultura a partir das combinações entre aquelas anteriormente determinadas pelo espaço estatal, mas agora construída nessa nova modalidade de espaço de interação, partindo da pergunta: em que medida os eventos de musica eletrônica podem ser considerados espaços transnacionais onde se estabelecem culturas híbridas, e qual seu impacto no estado-nação? 7 2. – O CONSTRUTIVISMO E O ESTADO-NAÇÃO O construtivismo é uma teoria que se baseia na tese de que a representação de práticas sociais concorre para a construção da realidade, ou a estrutura, o que implica dizer que os indivíduos não existem independentemente de sua construção social. Eles compartilham um sistema de significados, baseados em suas interações entre si e de si mesmos com a estrutura em que estão inseridos. Isto é, eles adquirem conhecimento a partir de sua inserção na estrutura, interagem a partir desta e dessa maneira geram novo conhecimento. Dentro deste processo de interação o indivíduo, ou o agente, vai gradualmente definindo sua identidade. Levando este processo para o âmbito dos estados soberanos, afirma-se que os indivíduos, a partir de uma política de identidade que é exercida pelo estado em que estão inseridos, definem a sua identidade. Nesse sentido, o construtivismo trata o processo no qual as identidades são formadas como socialização, ou adaptação comportamental a expectativas sociais. Como afirma Adler (1997, p.5): “as identidades, os interesses e o comportamento dos agentes são socialmente construídos por significados, interpretações e pressupostos coletivos sobre o mundo”. Segundo Wendt (1999, p.50): “em geral os construtivistas dão prioridade à cultura sobre as estruturas materiais nos âmbitos em que atores agem pelos significados que os objetos têm para eles, significados são socialmente construídos”. Ainda conforme Wendt (1999, p.51) “identidades sociais são elementos chave na constituição mútua de agente e estrutura” e “identidades sociais e interesses estão sempre em processo durante a interação”. Logo, a identidade não apenas tem um papel central na teoria construtivista, que a define a partir de experiências compartilhadas, como é categoria central na compreensão da relação entre agente e estrutura e também da relação entre agentes. Segundo Lustick (2002, p.1): “Um elemento fundamental da teoria construtivista é a identidade, interpretada como pertencente a mecanismos produtivos de padrões evolucionários fundamentais provenientes de respostas adaptativas ao ambiente por meio de interações entre agentes”. Esta conclusão também é a de Wendt, que define: Eu tratarei (identidade) como uma propriedade de atores intencionais que gera disposições motivacionais e comportamentais. Isto significa que essa identidade é uma qualidade subjetiva enraizada nos auto-entendimentos do ator. No entanto, o significado desses entendimentos freqüentemente dependerá de se outros atores representam um ator da mesma maneira, e dessa maneira a 8 identidade também terá uma intersubjetividade ou qualidade sistêmica (Wendt, 1999, p.224). Esse aspecto sistêmico sugere ainda que, segundo o construtivismo, qualquer sistema social organiza-se em dois níveis distintos, o do conhecimento comum ou da microestrutura e o do conhecimento coletivo ou macroestrutura. O conhecimento coletivo é responsável por estruturar o conhecimento comum determinando o comportamento e a expectativa dos atores. A interação entre os atores reestruturaria, dentro do conhecimento comum estabelecido, o conhecimento coletivo. Apesar da dimensão sistêmica ser posta em relevo por Wendt, a agência, definida pelo autor (1999, p.143 e 165) como “um relacionamento de interação, ou co-determinação” e “a microestrutura que se refere à interação”, também terá grande peso, o que possibilita o estabelecimento de mudanças a partir da idéia de atores compartilhando conhecimento dentro do sistema. Nesse sentido, Wendt conclui: Quer seja no relacionamento de partículas com átomos, estados do cérebro para estados mentais, língua e linguagem, ou fatos individuais e fatos sociais, existem várias combinações de propriedades e interações no nível mais baixo (micro) que vão gerar a mesma configuração no nível macro. (...) Em cada caso certas características do nível da unidade ou da interação são suficientes para a existência de uma configuração macro. (...) Macro-configurações são 'sobredeterminadas’ (Wendt, 1999, p.152). Tendo os estados e a sociedade internacional em que eles se relacionam como macroestrutura e as interações dos indivíduos que a compõem como a agência ou microestrutura, deve-se compreender o processo de construção desta estrutura visando explorar as suas relações com a agência e as mudanças dessas relações. Assim, para estabelecer uma clara noção das relações entre o estado moderno ou estado-nação com a identidade daqueles indivíduos inseridos em suas fronteiras, primeiramente analisar-se-á a construção do estado moderno e posteriormente o processo de construção de identidade. 2.1. – Nação e Estado O termo estado-nação deve ser compreendido a partir de suas duas instâncias e da relação entre as mesmas. Deve-se então distinguir inicialmente cada um dos termos, atribuindo significado à nação e ao estado, e posteriormente estabelecendo o nexo de ligação entre eles. 9 A idéia de nação é historicamente utilizada para definir um grupo de pessoas de origem comum, abordando as mais variadas características que conectam os pertencentes a ele, sejam elas geográficas, étnicas, religiosas e culturais, ou mesmo o passado comum. O termo, ao longo da história e das relações entre as próprias nações, passa a ser um rótulo aplicado aos indivíduos que compartilham uma ascendência, estabelecendo uma propriedade distintiva deste grupo para com os outros grupos, os quais passam a ser denominados estrangeiros. Segundo Habermas (1995, p.89), “nações são inicialmente comunidades de pessoas com a mesma ascendência, ainda não integradas na forma política de um Estado, mas reunidas apenas por vínculos comuns de moradia, língua, costumes e tradições”. Assim, a representatividade da nação tem em um primeiro momento caráter limitado, destinando-se a atribuir características a pessoas dependendo de sua origem, até que se estabelece sua ligação com o estado, o qual estabelece instrumentos contratuais para assegurar sua soberania de ação dentro de fronteiras estabelecidas e sua soberania como representante de um grupo para com os representantes dos outros grupos, os outros estado-nações. Para se compreender o termo estado deve-se levar em conta primeiramente quatro aspectos: o de comunidade política, o de burocracia, o de território, e o de soberania. Por comunidade política compreende-se aqui um governo que estabelece um contrato com aqueles que são representados a partir de um instrumento legal que permite que regras sejam determinadas, isto é, a partir de uma constituição. Segundo Habermas (1995, p.88), o termo estado é relativo também ao “portador simbólico da ordem legal instituidora de jurisdição dentro dos limites do território estatal”. Assim, o estado propõe a manutenção das regras estabelecidas e da ordem social a partir do monopólio do uso legítimo de força, e a garantia dos propósitos elementares, como proposto por Hedley Bull (1977): vida, verdade e propriedade. O estado garante a integridade física dos indivíduos por ele representados, garante o cumprimento dos contratos estabelecidos e garante a manutenção de posses a quem elas pertencem, isso dentro de suas fronteiras. A burocracia compreende todo este sistema organizacional, ao antecipar a maneira de funcionamento do mesmo com base nas regras contratualmente firmadas e ao legar caráter estatal a cargos e funções, isto é, desvinculando hierarquia de pessoas e vinculando-a a cargos juridicamente legítimos. Habermas (1995, p.88) afirma que “com o concurso do exército e da polícia, o estado preserva sua autonomia interna e externa”. Já o aspecto territorial é relativo a uma porção geográfica, “um território claramente delimitado”, onde o estado exerce sua jurisdição, ou sua soberania. Este último aspecto ocorre em dois níveis: interno, ou da 1 autonomia do estado dentro de suas fronteiras, e externo, ou da autonomia do estado em relação aos outros estados. Ainda segundo Habermas (1995, p.88), “soberania significa que a autoridade política mantém tanto a lei e a ordem dentro das fronteiras de seu território quanto à integridade dessas fronteiras frente ao cenário externo”. Feita essa primeira aproximação aos termos do problema deve-se rever um marco histórico determinante: a Revolução Francesa, onde a idéia de nação submete-se ao estado, a igreja é separada do mesmo e onde a República consolida o estado. Segundo Lasmar: A idéia de nação, que era utilizada de diferentes maneiras, servindo para designar quaisquer grupos ou forma de comunidade política, encontrou, no discurso político da revolução francesa, o contexto significativo que hoje atribuímos ao termo. Além disso, a idéia de nação adquiriu uma propriedade territorial através da sua ligação com o Estado (Lasmar, 2001, p.89). 2.2. – O Estado-Nação a partir da Revolução Francesa A questão da soberania também pode ser observada a partir do Estado Absolutista, o qual segundo Brum Torres (1989) é uma forma primitiva de Estado Moderno. Esse passo pode ser analisado a partir da França, também ponto de partida para a compreensão da formação do estado-nação a partir das revoluções burguesas. Esta forma estatal determina bases para a estrutura deste a partir de seu caráter soberano e de seu aparato institucional. O estado era absolutista porque o poder do rei era absoluto, sua soberania era inconteste e não conhecia limites internos. Essa soberania do monarca era oriunda, em um ponto inicial, da investidura dada ao Rei pela igreja. Essa investidura tem um caráter duplo: ao mesmo tempo em que o rei se consagra soberano ele se compromete a proteger a igreja. Conforme Chauí, a teoria da dupla investidura consiste em: (...) o imperador é investido no poder temporal pelo papa que o unge e o coroa; o papa recebe do imperador a investidura da espada, isto é, o imperador jura defender e proteger a Igreja, sob a condição de que esta nunca interfira nos assuntos administrativos e militares do império. Assim, o imperador depende do papa para receber o poder político, mas o papa depende do imperador para manter o poder eclesiástico (Chauí, 2000, p.391). 1 Dessa maneira ele exercia o domínio público e o fazia da maneira que lhe fosse conveniente. Segundo Brum Torres (1989, p.51), “a concepção de público apóia-se, portanto, na idéia de um poder soberano que, erguendo-se acima e contra o particularismo dos interesses privados, pode, assim, unir as partes”. Outra importante característica do estado absolutista foi seu caráter centralizador, principalmente no que tange à estrutura tributária. No feudalismo que o antecede, o sistema de arrecadação de impostos era disperso, feito pelos senhores feudais e em nenhum momento se destinava aos gastos públicos como um todo. No caso da França, a mudança no estatuto dos tributos, em 1523, centralizou a arrecadação dos impostos e compôs, assim, um marco de estrutura institucional estatal. Para Brum Torres (1989, p.62), “neste caso o que importa referir é o prolongado processo no curso do qual as rendas da Coroa vão deixando de ser fundamentalmente senhoriais para se tornarem, no essencial, rendas públicas”. Logo, em relação aos aspectos constitutivos do estado, apresentados por Habermas, observase que os primeiros moldes de um estado moderno já se configuravam dentro do estado absolutista: uma comunidade política soberana (neste caso, centralizada no rei), um aparato institucional estatal e uma definição territorial mais clara com base nos acordos estabelecidos em Westphalia. Estabelecidas as bases do estado absolutista deve-se agora analisar sua transição para o estado moderno, que no caso da França foi representada pela república pós-revolução. A revolução tem suas bases já na própria estrutura do estado absolutista, marcada por problemas econômicos e intolerâncias ideológicas e religiosas que se intensificaram no momento que a antecede. Segundo Tulard (1989, p.27), “de fato, a monarquia se debate numa crise financeira crescente. Desde a Regência até o reino de Luis XVI foi criado um déficit nas finanças reais, em conseqüência do aumento constante das despesas e de um fenômeno generalizado de inflação”. No momento que precede a revolução, o caráter absoluto da investidura divina atribuída ao rei já se encontra em descrédito perante a população: o momento em que tal atribuição religiosa foi concedida se encontra em um passado distante e a suposta divindade estava presente agora em caráter hereditário. Aquele que era o escolhido de Deus, simbolizado pela escolha do papa, foi meramente um ancestral daquele que naquele momento era o soberano. O conflito relativo 1 ao caráter religioso do rei estava presente na população que ao não encontrar asseguradas necessidades básicas1 constrói a desordem que antecedeu a revolução (Kantorowicz, 1998). As bases institucionais do estado absolutista cooperaram para que a noção de público, relativa também à soberania, fosse desvinculada da figura do rei. Como no exemplo da já relatada gestão centralizada dos tributos, era possível enxergar uma instituição, e não o rei ou o senhor, como responsável pela coleta de impostos, confundindo assim a noção dos limites de absolutismo do monarca. Segundo Tulard (1989, p.38), “a ameaça valia mais para a monarquia absoluta que para a própria instituição”. Estabelecidas todas essas mudanças na interação entre os franceses, e a desordem provocada pela crise, é iniciada a assembléia constituinte que pretendia reformar o sistema organizacional do estado de maneira a superar este momento. A assembléia, erguida para redigir uma constituição, a primeira da França, já mostra os primeiros passos de uma comunidade política marcada pelo anseio de uma legitimação contratual entre o povo e seus representantes. Concluída a assembléia e promulgada a constituição de 1791, foi determinado que os poderes absolutos do rei fossem abolidos. Ao se concretizar a separação entre a igreja e o estado, as decisões da igreja não mais tinham ação direta na comunidade política e a soberania agora pertencia ao estado em si como corpo político e não mais ao rei. A clara divisão dos poderes, também presente na constituição, legitima o novo modelo organizacional. Os indivíduos não estão mais expostos às conseqüências das ações de um absolutismo de caráter divino e a população agora passa a se organizar com base nas resoluções legítimas de interações de seus representantes no espaço público. No momento seguinte, a Assembléia Nacional Constituinte extingue a monarquia e já expressa uma ação representativa de uma nação, em que a igreja já está totalmente desvinculada do estado e o que se vincula a ele é a ascendência comum de pessoas. Esta nação é composta por esses indivíduos, os quais têm traços comuns baseados inclusive nestes eventos históricos examinados. Nesse momento eles passam a se enxergar como diferentes dos outros europeus por reconhecer, por exemplo, que eles não possuem aquela mesma bagagem histórica do processo revolucionário. 1 Meses antes da revolução a comida ficou escassa para os camponeses e a crise econômica se espalhou por toda a França (Tulard, 1989). 1 Ao proclamar a república, a assembléia consolida o estado-nação. Os dois termos convergem para um novo sistema no qual a comunidade política usa de instrumentos contratuais para que uma nação específica tenha sua ordem instaurada e seus propósitos elementares assegurados. Assim, a nação adquire propriedade territorial e tem sua soberania legitimada perante as outras comunidades políticas. Analisando a Revolução Francesa à luz das proposições de Wendt observa-se nas mudanças ocorridas durante esse momento a dualidade do processo de relação entre conhecimento comum e conhecimento coletivo, ou microestrutura e macroestrutura. No momento em que os franceses se encontravam em um ponto inicial, imersos naquele conhecimento que determinava para eles a origem divina do rei e sua soberania perante tudo e todos, eles interagiam baseados no processo normativo oriundo daquela macroestrutura, daquele conhecimento coletivo. As interações que aconteceram dentro dessa realidade, ou a agência efetiva, gerou um novo conhecimento comum, segundo o qual a soberania do rei era hereditária e não mais divina. Este processo interativo convergiu para os acontecimentos que concluíram na Revolução Francesa. Esta revolução, ao constituir uma nova forma de organização e de inserção dos indivíduos, gerou uma nova macroestrutura, a estrutura de um estado-nação. 2.3. – Construção da Identidade Nacional no Estado-Nação O processo de construção da identidade nacional tem sua intensificação no momento em que o estado, ao se tornar um legítimo representante de uma nação, como na situação da França pós-revolução, difunde uma estrutura simbólica de maneira a fortalecer o sentimento de pertencimento daqueles indivíduos inseridos em suas fronteiras a uma nação específica. Guibernau ressalta que esta ação de construir uma identidade nacional está diretamente ligada à separação entre estado e igreja e a educação das massas, isto é, a educação para todos os indivíduos daquele estado nacional sem distinção de classes, o que começa a ocorrer na Europa principalmente no século XIX2. Segundo ela “um dos efeitos mais importantes dos princípios revolucionários foi que o controle principal da educação passou da Igreja para o estado” (1996, p.77). O controle exercido pelo estado está diretamente ligado ao processo de 2 “O declínio do analfabetismo foi consistente e regular, decrescendo habitualmente numa percentagem de 1% ao ano” (Guibernau, 1996, p.78). 1 alfabetização que por sua vez está diretamente ligado a construções nacionalistas, assim “onde encontramos altos níveis de alfabetização no século XIX, um nacionalismo insuflado pelo estado provavelmente iria se desenvolver, dando origem à criação de estados nacionais mais ou menos homogêneos” (Guibernau, 1996, p.78). Um estado começa a executar um processo de homogeneização de seus habitantes, sem dar importância às minorias presentes, quando dissemina informações e oferece o sistema educacional somente em sua língua oficial. A língua é um fator determinante na idéia de nação, junto da idéia de comunidade, de passado e de futuro comuns. Guibernau afirma que “o principal problema de ser um ‘estrangeiro’ é a inabilidade de se comunicar” e que “a consciência nacional é proveniente de valores, tradições, lembranças do passado e planos para o futuro compartilhados, contidos em uma cultura particular que é pensada e falada numa língua particular” (1996, p.77). No que tange à questão da idéia de comunidade pode-se afirmar que “onde a nação e o estado coexistem, a educação e a generalização da alfabetização não só reforçam as possibilidades de comunicação entre as pessoas, como as ajudam a desenvolver um forte senso de comunidade” (Guibernau, 1996, p.79). Assim, entende-se que o estado impõe suas características específicas tentando se sobrepor a qualquer outro sentimento nacional minoritário. Wendt tratou identidade “como uma propriedade de atores intencionais que gera disposições motivacionais e comportamentais” (1999, p.224), portanto, numa perspectiva mais ampla que visa abranger o estado como ator em um sistema internacional, enquanto Guibernau define identidade como “uma interpretação do eu que estabelece o que é, e onde está sob aspectos tanto social como psicológico”, o que abrange o indivíduo dentro de uma perspectiva reducionista. A autora limita este conceito de identidade ao afirmar que ela “só existe nas sociedades, que as definem e organizam” e lhe atribui as seguintes funções no que tange ao indivíduo: “ajuda a fazer escolhas, torna possíveis as relações com outros, confere força e capacidade de adaptação”. Assim observa-se que o individuo encontra-se numa busca constante de pertencimento a uma comunidade que vai acolher aquela sua interpretação comportamental (Guibernau, 1996, p.82). Logo, sendo o estado-nação capaz de disseminar toda a estrutura nacional a partir de sua estrutura organizacional, e de legitimar todos os traços comuns entre os indivíduos dessa nação 1 perante outras nações, uma vez que este é soberano perante os outros estados nacionais, ele será neste momento o principal responsável pela delineação desta identidade nacional. Guibernau afirma que “a reivindicação das nações de possuírem um estado é a reivindicação de serem reconhecidas como ‘agentes’ dentro do sistema global de estados nacionais” (1996, p.83). O conhecimento coletivo, relativo à macroestrutura, como proposto por Wendt, vai estar diretamente ligado ao estado-nação, uma vez que este consolida sua estrutura organizacional perante seus cidadãos e perante os outros estados. Esta estrutura é consolidada na medida que se observa os quatro aspectos propostos por Habermas: a comunidade política, a burocracia, o território e a soberania. Estes aspectos vão definir, organizar e delimitar a microestrutura, ou conhecimento comum, dos indivíduos inseridos nesse estado. Esses indivíduos vão interagir com base, por exemplo, na língua, no hino nacional, na história nacional e nas datas comemorativas nacionais que determinam o estado como agente na estruturação desse conhecimento, e conseqüentemente, das identidades dos indivíduos. Tal capacidade do Estado de influenciar de maneira direta o processo de construção de identidade dos indivíduos inseridos em suas fronteiras, vem a ser questionada a partir das transformações ocorridas a partir da década de 70. A globalização, as complexas interações do sistema internacional, os novos canais de comunicação, os direitos humanos, tudo isso criou novas idéias, interpretações e interações que não mais estão submetidas ao controle estatal, o que deu oportunidade para uma reestruturação em nível mundial de traços da ordem econômica, política e social. A condição da transnacionalidade passa a se mostrar presente, e esses novos arranjos transcendem qualquer fronteira antes existente, re-orientando a maneira de inserção dos indivíduos no mundo. Segundo Ribeiro, "os modos de representar pertencimento a unidades socioculturais aumentaram em complexidade no tempo por meio de processos de integração de pessoas e territórios a entidades cada vez maiores" (2000, p.95). No próximo capítulo discutir-se-á as novas possibilidades interacionais que vêm a tornar possíveis novos processos de construção de identidade e conseqüentemente novas manifestações culturais. 1 3. – IDENTIDADES E CULTURAS CONTEPORÂNEAS questiona-se a capacidade do estado de limitar o conhecimento comum Uma vez compreendida a formação do estado-nação e seu papel na construção de identidades, a partir de um processo histórico específico, definir-se-á o processo de compartilhamento e armazenamento dessas identidades, a partir de interações, na forma de cultura. Posteriormente analisar-se-á as mudanças estruturais do sistema internacional nas ultimas décadas do século XX de maneira a visualizar os impactos destas sobre o relacionamento entre identidades e suas manifestações culturais no mundo contemporâneo. A legitimação do estado como representante de uma nação específica e conseqüentemente como narrador da identidade dos indivíduos nele inseridos, processo que foi demonstrado a partir da Revolução Francesa e suas conseqüências, vai estar em debate. O estado continua a ser o legítimo representante de uma nação perante os outros estados, mas sua capacidade de determinar identidades é questionada pelas mudanças ocorridas. Numa perspectiva cultural observar-se-á, a partir de possíveis combinações estabelecidas, a questão do “híbrido” que concluirá a leitura dos conceitos trabalhados neste capítulo. 3.1. – Cultura e Identidade Para os propósitos desse trabalho define-se cultura a partir de Wendt (1999, p.49 e p.141) como “uma subestrutura da estrutura social”. Ela “é o conhecimento compartilhado socialmente. É o conjunto de crenças, compreensões, percepções e identidades (nacionais !!!! na rave!!!), isto é, o conhecimento que os membros do sistema carregam”. Wendt destaca a determinação cultural no construtivismo mesmo antes do termo cultura estar presente nos estudos desta teoria. Segundo ele: "Os construtivistas nas RI só começaram a usar o termo 'cultura' recentemente, mas uma preocupação com o conhecimento compartilhado na forma de discurso, normas e ideologia tem estado no coração de seu trabalho desde o início" (Wendt, 1999, p.142). No capítulo anterior, observou-se que em sua história o estado-nação foi o delineador das identidades dos indivíduos inseridos em suas fronteiras, e que estas identidades são cerne no que tange aos relacionamentos que se dão dentro dele. Assim, o conhecimento embutido 1 nestas identidades vai se manifestar como uma cultura diretamente ligada às imposições nacionais determinadas historicamente pelo estado, e vai refletir a idéia do nacional também na dimensão da subestrutura, criando assim uma cultura nacional. Os indivíduos no estado moderno vão estar inseridos naquilo que foi tratado como um grupo nacional, eles vão observar aqueles externos ao seu estado-nação como diferentes em uma propriedade individual, eles passam a enxergá-los como estrangeiros, como citado anteriormente. Segundo Geertz (2000, p.218): “O que faz os sérvios serem sérvios, os cingaleses serem cingaleses, os francocanadenses serem franco-canadenses (...) é que eles e o resto do mundo, num dado momento e até certo ponto, para certos fins e em certos contextos, passaram a ser vistos como contrastantes com o que os cerca.” Ao mesmo tempo, explicitando o sentido de cultura como conhecimento compartilhado, pode-se afirmar que o sistema de estados (estrutura) é historicamente o provedor dos símbolos culturais para aqueles indivíduos (agentes) inseridos em suas fronteiras, definindo assim suas identidades. Wendt afirma que: “Formas culturais especificas como normas, regras, instituições, convenções, costumes, ideologias e leis são todas feitas de conhecimento comum” (Wendt, 1999, p.160). Segundo Pasic (1996, p.99) “linguagem, símbolos compartilhados, valores, costumes, normas de reciprocidade, religião e mito são os determinantes culturais de uma identidade coletiva”. Neste caso, o coletivo se manifesta como a identidade nacional e afirma seu relacionamento direto com a questão cultural. Nessa mesma linha de argumentação, Saldanha conclui: A imaginação e a identificação nacional não são somente produzidas centralmente pelos aparatos estatais como escolas, mídia, exército, moeda e estatísticas nacionais, mas também por aparatos culturais: linguagem, roupas, comida, esportes, música, literatura, ciência, turismo, loterias, museus (Saldanha, 2000, p.1). O relacionamento entre identidade e cultura vai refletir, tanto no sentido da identidade para cultura, quanto no sentido de cultura para identidade, aquele passado comum moldado à vontade do estado. Observa-se ainda que, como afirma Wendt, “algumas propriedades do estado são auto-organizadas em relação a outros estados (...) e algumas (são) dependentes da estrutura cultural no nível do sistema” (Wendt, 1996, p.50). A teoria construtivista afirma que os efeitos da cultura, conhecimento compartilhado socialmente, terão impacto nas agências tanto em seu comportamento quanto em suas 1 propriedades, construindo dessa maneira o agente a partir da interação. Essa análise pode ser entendida como derivada do chamado interacionismo simbólico, que é uma perspectiva sociológica que examina justamente como os indivíduos criam a identidade pessoal através de interações com os outros. O indivíduo vem ao mundo determinado pela estrutura em que está inserido, relaciona e interage com ela, em um contexto no qual estão presentes outros indivíduos e símbolos culturais, e a re-determina a partir do que é criado nessas interações. A “nova” estrutura, por seu turno, vai determinar suas novas propriedades e o processo vai continuar de maneira cíclica, a partir das interações determinadas pelo “novo” comportamento. A esse respeito, Wendt ressalta que “ao se engajar em comportamentos cooperativos o ator vai gradualmente mudar suas próprias crenças” (Wendt, 1996, p. 57). As mudanças estruturais a que o mundo estava e está sujeito vão criar novas possibilidades que transcendem as identidades e culturas nacionais, como afirma Tickner, ao falar que “como uma alternativa mais pacífica para o conflito de estados-nação exclusivistas, as relações internacionais têm tido uma tradição de esquemas universalistas positivos que podem transcender as particularidades de identidades estadistas” (Tickner, 1996, p.158). As mudanças estruturais mais recentes vão ser determinantes da convergência de elementos distantes a um ponto comum. Aquelas claras fronteiras estatais, consolidadas a partir dos pontos estabelecidos por Habermas e legitimadas na Revolução Francesa na forma de estados-nação, não mais se apresentarão de maneira tão clara, uma vez que o processo de globalização vai acelerar o movimento das interações transnacionais. Foca-se neste presente trabalho a definição de cultura e seu relacionamento com identidades, remetendo-se à identidade nacional tratada anteriormente, a fim de investigar uma possível combinação de culturas, como resultado de mudanças estruturais resultantes da globalização. Wendt afirma que: “as estruturas do sistema internacional global ou regionalmente constituem contextos de interação que tanto inibem ou facilitam a emergência de formação de identidades coletivas” (Wendt, 1996, pág.54). Assim, afirma-se, como foi explicitado no capítulo anterior, que os estados detinham relativo monopólio do que determinava a interação dos indivíduos, pois a disponibilidade de informação e a possibilidade de movimentação eram restritas, e que, após a globalização, a ser tratada na próxima seção, as mudanças estruturais trouxeram novas possibilidades de interação que determinam um novo relacionamento entre identidades, a partir da aproximação de identidades distintas, e uma nova manifestação do conhecimento compartilhado socialmente, uma cultura híbrida, baseada em relações transnacionais. 1 Neste trabalho isso será observado a partir dos festivais de música eletrônica, ou rave parties, que é o caso específico no qual inserir-se-á a questão cultural e identitária aqui definida. Gauthier afirma que “uma análise do cultural (ou sócio-histórica) – que pode afetar a consciência individual indiretamente – fornece-nos uma chave interpretativa inicial para entender a posição radical e original das raves enquanto as estabelece na perspectiva da história cultural recente” (Gauthier, 2004, p.70). 3.2. – Cultura e Identidade na Globalização O termo globalização será aqui tratado como uma derivação do termo globalismo, que é a denominação para quando ações locais têm efeitos multidimensionais ou multicontinentais. O fenômeno da globalização é o processo de intensificação deste globalismo em um dado espaço de tempo, e que mais recentemente pôde ser observado a partir de meados dos anos 70 se intensificando ainda mais com o final da guerra fria, quando uma revolução tecnológica que acelerou o fluxo de pessoas, informações, bens e capitais proporcionou uma transformação nas possibilidades de interação entre os indivíduos no planeta. Segundo Keohane e Nye: globalismo é um estado do mundo envolvendo redes de interdependência em distâncias multicontinentais. Essas redes podem ser ligadas através dos fluxos e influências de bens e capitais, informação e idéias, pessoas e forças, assim como relevâncias biológicas e ambientais (como a chuva ácida e doenças). Globalização e desglobalização referem-se ao aumento ou diminuição do globalismo (Keohane e Nye, 2000, p.2). A partir dessa definição de globalização, analisar-se-á a intensificação do globalismo que ocorreu na segunda metade do século XX. Os meios de transporte evoluíram, as pessoas tornaram-se capazes de se deslocar distâncias maiores de maneira mais rápida, mais segura e relativamente mais barata (em função do crescimento econômico mundial que foi observado neste período). A corrida armamentista na guerra fria vai também criar avanços tecnológicos sem precedentes a partir dos investimentos estatais em tecnologia, como observado, por exemplo, na corrida espacial. Com o final da guerra fria, a estabilização das relações políticas entre países que antes pertenciam a “blocos políticos” distintos torna o processo de imigração 2 mais simples, uma vez que os indivíduos não estão sujeitos a verificações de origem política para transitar entre estados. A internacionalização do mercado financeiro também proporciona a aquisição de maneira mais fácil de moeda estrangeira, o que é um fator determinante para que se transite entre países. As comunicações também são afetadas pela tecnologia e se torna cada vez mais fácil estabelecer comunicação entre pontos distantes, e a informação também ganha qualidade. Passa a ser possível levar cada vez mais informações, de maneira mais segura e concreta, a cada vez mais lugares (Harvey, 1989). Os avanços nas comunicações vão posteriormente convergir para o advento da Internet, que permitiu a virtualização do mundo sob o aspecto de interações e informações. Isto é, o conhecimento distante passa a ser acessível em grande proximidade. Nos termos de Geertz: o desenvolvimento da tecnologia, muito especialmente da tecnologia das informações, teceu o mundo numa só rede de informações e causalidade, de tal sorte que, como a famosa borboleta que bate as asas no Pacífico e provoca uma tempestade na Península Ibérica, uma mudança de situação num lugar qualquer pode induzir a distúrbios em qualquer outro lugar (Geertz, 2000, p.216). Dessa maneira, observa-se, em primeiro lugar, que conhecimentos, antes distantes e praticamente inalcançáveis, podem ser obtidos independentemente de sua origem e posição por um individuo que também independe de sua localização geográfica para obtê-lo. E em segundo lugar, tal conhecimento pode, depois da globalização, ser compartilhado socialmente uma vez que ele não está apenas disponível e sim sujeito a interações relativas a ele. Segundo D´Andrea: “Já que fluxos globais re-territorializam locais concretos de experiência, luta e significação, uma dimensão crítica de análise reside no problema do espaço” (D´Andrea, 2004, p.238). Assim, pode-se afirmar que a cultura, conhecimento compartilhado socialmente, vai estar sujeita a uma nova leitura no período de intensificação da globalização, uma leitura que vai se afastar de restrições espaciais uma vez que tais restrições foram minimizadas com as mudanças ocorridas. A diminuição dessas restrições vai deslocar a estreita ligação entre o indivíduo e seu estado-nação, que antes era determinante das possibilidades de interação entre indivíduos e de acesso dos mesmos a informações distantes. Segundo Hall, o que está por trás do deslocamento das identidades culturais nacionais é um complexo de processos e forças de mudança que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo globalização (Hall,1992, p.67). Também para Anthony McGrew, 2 (...) a globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaco-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado (MCGREW, 1992, p.61). No contexto do mundo globalizado, levanta-se a possibilidade de determinado espaço não ser predeterminado pelos símbolos estabelecidos pelo estado e sim pelas interações que se dão dentro dele. E, sendo este processo interativo reproduzido por indivíduos das mais diversas nacionalidades, trata-se de uma nova modalidade de espaço: um espaço transnacional. Saldanha afirma que “cada vez mais é reconhecido que a realidade local é resultado particular do movimento de culturas e pessoas através do espaço” (Saldanha, 2000, p.12). Justamente em função dessa condição é possível supor que esta reunião de diversas culturas abra a possibilidade de que os indivíduos inseridos neste espaço estejam expostos a uma reinvenção cultural, uma cultura híbrida. 3.3. – Hibridismo Estando o mundo mais comprimido após as transformações provenientes da globalização acelerada do século XX, o que vem a proporcionar interações entre distantes culturas e identidades nacionais, levanta-se a possibilidade de combinações das mesmas numa nova forma, uma forma híbrida ou uma nova cultura que vai ser a combinação de culturas distintas. Conforme Hannerz: À medida que a cultura se move por entre correntes mais especificas, como o fluxo migratório, o fluxo de mercadorias e o fluxo de mídia, ou combinações entre estes, introduz toda uma gama de modalidades perceptivas e comunicativas que provavelmente diferem muito na maneira de fixar seus próprios limites (Hannerz, 1997, p.18). Esses fluxos são acentuados pela já mencionada compressão do tempo-espaço (Harvey, 1989, p.220) que seria um encolhimento do mapa do mundo graças a inovações nos transportes e nas comunicações que aniquilam o espaço por meio do tempo. Além da aceleração do tempo de giro na produção, tal fenômeno envolve acelerações paralelas na troca e no consumo, e conseqüentemente mudanças em diversas maneiras de interagir. Mais pessoas e mais informações estão atingindo mais lugares, o que provoca diversas possibilidades de 2 combinações de elementos longínquos em um mesmo espaço. Rushdie (1991, p.394) ressalta a questão do híbrido como “transformação que provem de novas e inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, canções”. Observando a cultura nacional como elemento primário na formação de uma cultura combinada, o presente trabalho vai analisar os festivais de música eletrônica a partir da múltipla origem de seus participantes. Esse espaço e suas interações não vão ser estabelecidos nem com base em uma cultura nacional específica, como se observaria dentro de um estado-nação que limitasse o fluxo de informações e pessoas estrangeiras, e nem mesmo como dentro de um estado-nação aberto a fluxos da globalização, com disponibilidade de informações e maior fluxo de pessoas estrangeiras porém predominantemente nacionais, mas sim como um espaço caracterizado predominantemente pela diversidade da nação das pessoas, pela diversidade da origem dos diversos artigos consumidos e, principalmente, pela diversidade de informações, culturas e conseqüentemente conhecimentos compartilhados socialmente. O espaço a ser analisado vai ser um estado marcado pela transnacionalidade. Aqui cabe citar D´Andrea, que se refere à cultura específica da música techno, classificada por ele como uma das vertentes da música eletrônica: No contexto da globalização, os eventos de techno e new age podem ser vistos como formações transnacionais que tanto sofrem quanto induzem os efeitos da desterritorialização da ‘compressão espaço-tempo’.(...) Isso continua a demonstrar como práticas nômades, digitais e tribais são empiricamente articuladas num ‘contra-aparato’, que indexa um campo de possibilidades e agências acionado pela natureza complexa da globalização (D´Andrea, 2004, p.238). Como a questão da transnacionalidade aparece como condição especifica em determinado processo de formação cultural e identitária que, como tal, gera a possibilidade do híbrido, podemos tomá-la como elemento específico do objeto em questão, os festivais de música eletrônica. Conforme sustenta Hannerz: “A conjunção de diferenças no contato cultural fornece uma espécie de catalisador para a criatividade cultural” que gera condições favoráveis para “um terceiro sistema sociocultural através de um processo de fusão” (Broom, Siegel, Vogt e Watson apud Hannerz, 1997, p.25). 2 Uma vez construído, no século XXI, um espaço autônomo dotado de diversas representações simbólicas próprias, em grande parte artísticas,3 e que são naturais dos mais diversos estados e nações, podemos enxergar a rave party e todo seu aparato estrutural de símbolos e interações como delineadoras de um espaço transnacional. Pouco a pouco, a interação na estrutura que precedia os indivíduos que compõem este novo espaço foi formando símbolos e experiências comuns próprios (sempre influenciadas pela diversidade cultural que é inerente às condições de interação no ambiente rave), determinando uma nova estrutura a partir desses relacionamentos na agência. Este processo possibilitou uma forma cultural híbrida, delimitada por esta nova modalidade de espaço, afetando a identidade dos indivíduos a partir da também típica criatividade cultural oriunda da interação entre culturas e identidades diversas, de modo a transformar as interações e conseqüentemente as identidades e culturas representadas nesse espaço. A construção de uma cultura possivelmente híbrida será analisada a partir dos festivais de música eletrônica, os quais serão tratados como um caso desta nova modalidade de espaço decorrente da globalização intensa do final do século XX. Assim, no próximo capítulo analisarse-á a história da música eletrônica, a sua cultura específica e o impacto transnacional, em termos culturais, dos festivais que a celebram. 3 Stuart Hall cita como definições de representações escritas, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte, etc. 2 4. – MÚSICA ELETRÔNICA, CULTURA E O ESTADO-NAÇÃO Uma vez estabelecidos os impactos da intensa globalização ocorrida no século XX, principalmente nas identidades e culturas, previamente definidas, observar-se-á estas mudanças dentro do caso específico do presente trabalho, o espaço construído nos festivais de música eletrônica, ressaltando a questão do híbrido, também definida no capítulo anterior. Para tal, definir-se-á a história da música eletrônica e a construção de sua cultura específica dentro deste processo histórico e nos dias atuais. Finalmente analisar-se-á os impactos desta manifestação no estado-nação e na sua estrutura de geração de sentimento de pertencimento nacional. 4.1. – A Música Eletrônica A música eletrônica se difere da música tradicional a partir do instrumento que a origina. Para a música ser classificada como eletrônica ela deve ser criada a partir de dispositivos eletrônicos, mais comumente computadores e sintetizadores. O primeiro instrumento de música eletrônica de que se tem registro é o Theremin. Inventado em 1897, esse é um dispositivo que combina dois osciladores de freqüência de rádio e as amplifica; sucintamente, trata-se de “um instrumento eletromecânico capaz de gerar sons musicais” (Rodrigues, 2005, p.43). Na época foi usado em algumas composições de música erudita e jazz. Durante a segunda guerra mundial, os alemães inventaram o gravador de fitas magnéticas, o que proporcionou a gravação de qualquer ruído, desde os naturais aos industriais, e que foram paulatinamente incorporados a composições diversas com a popularização do mesmo. Essa ação foi posteriormente chamada de sampling e na produção musical todo dispositivo que repetia sons previamente gravados passou a ser denominado sampler. Esta inovação foi cerne do movimento chamado “musique concrète”, um movimento cultural que começou na França dos anos 40, onde músicos procuravam desenvolver músicas que se concentrassem em usar instrumentos que se diferenciassem dos instrumentos tradicionais, e nos anos 50 se espalhou principalmente pela Europa. Como relata Rodrigues, “após a segunda guerra, compositores franceses já experimentavam as suas (dos instrumentos eletrônicos) possibilidades 2 expressivas, colando amostragens sonoras de todas as naturezas, captadas por microfones, justapostas, combinadas e editadas num processo de composição denominado como ‘musique concrète’” (Rodrigues, 2005, p.51). A limitação do processo de sampling, que apenas permitia a execução de algo previamente gravado, fez com que aqueles envolvidos com a “musique concrète” buscassem um novo instrumento que tornaria possível a criação de algum som por meio eletrônico, e não apenas a reprodução de sons. É neste momento que foram desenvolvidos os primeiros sintetizadores, dispositivos que são capazes de manipular sinais eletrônicos por meio de osciladores de freqüência e convertê-los em som. Os primeiros sintetizadores eram precários e muito caros, o que restringia a expansão da música eletrônica, até que, em 1964, Robert Moog desenvolveu o sintetizador Moog, que se diferenciava dos antigos dispositivos por ser controlado a partir de um teclado de piano, o que estabeleceu uma inovação facilitadora para a operação do instrumento por músicos, uma vez que os antigos sintetizadores tinham seus controles baseados exclusivamente em válvulas e filtros elétricos, o que aproximava sua operação muito mais da atividade de um engenheiro do que de um músico. Mais tarde, Robert vai criar o Minimoog, que é tido como o marco do comércio desse instrumento. O Minimoog é bem menor que os antigos sintetizadores e também podia ser produzido a um preço bem mais baixo que as máquinas que o antecederam. Assim, acontece a popularização dos sintetizadores, uma vez que o Minimoog passa a ser produzido com foco comercial e se torna bem mais acessível e disponível para os músicos. “Com um preço inicial de 1200 dólares, o Minimoog Modelo D foi o primeiro sintetizador bem sucedido comercialmente” (Scarr, 2002, p.18). A partir disso, o instrumento passa a ser usado no final da década de 60 e inicio da década de 70 por diversas bandas de rock. Pink Floyd, Hawkwing e Ozric Tentacles são das primeiras bandas a usar o sintetizador de maneira mais freqüente e dado o sucesso de suas produções popularizam os elementos eletrônicos em meio à música. Na mesma década, surge o grupo alemão Kraftwerk, usando determinantemente instrumentos eletrônicos para a composição de suas músicas, o que lhes permitia ressaltar musical e culturalmente, a partir principalmente de temas dados aos seus discos, as transformações tecnológicas que estavam se intensificando naquele momento (Scarr, 2002). Segundo Rodrigues, a banda “Kraftwerk (...) muito ajudou a propagar a música eletrônica no contexto pop” (2005, p.64). 2 No final da década de 70 e início da década de 80, o comércio de sintetizadores passa a se expandir, diversos novos sintetizadores são lançados, samplers digitais se tornam mais comuns e vocoders, uma espécie de sintetizador de vozes, aparecem também em escala comercial. Junto da expansão dos instrumentos acontece também a expansão da música eletrônica, o que fez com que mais e mais bandas que baseavam suas composições exclusivamente em instrumentos de música eletrônica se tornassem populares, como foi o caso de Depeche Mode, New Order e Front 242 (Scarr, 2002). Durante a década de 80, algumas bandas estavam focadas no desenvolvimento de música eletrônica dançante, a qual se dividiu em diversos estilos, cada qual com sua história e suas subdivisões específicas. Os estilos primários da música eletrônica dançante são o techno, o drum ´n´ bass, o house e o trance, e eles diferenciam-se pela velocidade (bpm, ou batidas por minuto), estilo dos timbres usados e estilos das baterias e baixos. Como um resumo dessa longa história, é válido citar que, na mesma época em que imigrantes jamaicanos na Inglaterra, a partir do acesso aos instrumentos eletrônicos, desenvolveram o dub, uma fusão entre o reggae e elementos eletrônicos, simultaneamente, em Detroit, jovens músicos observaram a possibilidade de desenvolver uma música eletrônica dançante baseada nos sons repetitivos das máquinas do parque industrial daquela cidade. A partir dessa influência desenvolveram o estilo chamado techno. Em Chicago, os músicos eletrônicos passam a combinar a música disco dos anos 70 com elementos eletrônicos e desenvolvem o estilo chamado house. Este estilo vai nessa mesma época crescer exponencialmente em Londres e chegar às casas noturnas da cidade, redimensionando o relacionamento entre os indivíduos e a música eletrônica dançante, uma vez que em dimensões comerciais a música eletrônica era restrita a conceitos não dançantes. No final dos anos 80, na Inglaterra, alguns músicos desenvolveram a partir da música techno um estilo semelhante porém caracteristicamente mais melódico e acelerado que é o trance. Cabe citar ainda o Breaks e o Hip-Hop como manifestações musicais eletrônicas oriundas da cultura negra norte-americana, e ainda o New Age como estilo de música eletrônica moderna (Olaveson, 2004; Carmo, 2000; Rodrigues, 2005). Nos anos seguintes, a música eletrônica continua seu desenvolvimento e inúmeros “gêneros, subgêneros e rótulos desdobram-se” (Rodrigues, 2005, p.89), criando um processo global de aproximação de cada vez mais indivíduos à música eletrônica em si e aos eventos relativos a 2 ela, e conseqüentemente desenvolvendo-se também o compartilhamento de conhecimento relativo a mesma. 4.2. – A Cultura da Música Eletrônica Música e cultura estiveram sempre ligadas. O hino nacional de cada país faz parte de sua cultura nacional, é um símbolo que representa musicalmente aquela nação, tal como a bandeira a representa visualmente. A música tradicional de cada país faz parte de sua cultura nacional e, muitas vezes, de um momento especifico daquele lugar, como numa situação política peculiar que faz surgir uma onda de manifestações baseadas também em música. Assim, por exemplo, o jazz e o blues fazem parte da cultura negra norte-americana, e o são na medida em que, numa determinada época, foram a mais típica representação musical de semelhantes que se agrupavam como uma nação, e compartilhavam um estilo musical como elemento de definição cultural. Da mesma maneira, a música eletrônica e seus respectivos estilos vão criar culturas específicas em diferentes locais e tempos. Dentro dessa cultura, os festivais de música eletrônica, que se desenvolveram desde a década de 80, serão objeto de análise neste trabalho. Tais festivais vão, principalmente a partir do século XXI, ser focados em estilos específicos, mas, à parte seus desenvolvimentos singulares, tratar-se-á neste trabalho destes estilos integralmente, isto é, como elementos dos festivais de música eletrônica ou raves, tema primário da análise. Observe-se aqui que também o termo techno é por vezes empregado como “termo abrangente para todo o movimento e a história da música digital. Ele se refere a todos os estilos dançantes que nasceram de novas tecnologias e formas de produção musical, difusão e consumo que emergiram nos anos 80” (D´Andrea, 2004, p.252). Já no final dos anos 70, dado o início da intensificação da globalização, observou-se um crescimento do fluxo de pessoas do ocidente para o oriente. Em termos de cultura musical, antes mesmo desta data, pode-se notar que diversas bandas trouxeram à tona elementos culturais orientais para o mercado musical ocidental, como por exemplo os Beatles, que fizeram um retiro na Índia, em busca de, segundo eles, um processo meditativo, para composição de um de seus álbuns, o White Album. A partir disso é possível observar uma intensificação do 2 fluxo de informações naquele momento. Primeiro, a informação da cultura indiana chegou até os músicos, e posteriormente os músicos levaram essa cultura oriental para sua audiência. Essa influência do oriente no ocidente pode ser também observada a partir da cultura hippie que, repleta de influências orientais, e tendo a música, neste caso o rock, como um de seus elementos centrais, se desenvolveu também na forma de festivais, como por exemplo o notório Woodstock, de 1968. Nesse contexto, artigos específicos e tradicionalmente orientais, como incensos, foram compartilhados socialmente entre os hippies. Ao lado do aumento do fluxo de informações multicontinentais que já vinha se dando desde o final da década de 60, intensifica-se o fluxo de pessoas em direção a outros continentes no final da década de 70, e a Índia se torna um dos destinos mais comuns de ocidentais neste processo. Simultaneamente, acontecia a popularização da música eletrônica e de seus instrumentos, o que fez com que muitas pessoas, principalmente americanos e europeus, dotadas de conhecimento musical, desembarcassem naquele país munidos de sintetizadores e outros aparelhos de produção musical eletrônica. A partir da reunião de músicos de diversas origens e da permuta de artigos relativos à música eletrônica, especificamente na Índia, desenvolveu-se naquele lugar uma cultura específica, a qual mais tarde se disseminou pelo mundo na forma dos festivais a serem analisados. Essa cultura é relativa às celebrações em torno da música techno, que neste momento foi somada a elementos musicais indianos como cítaras e mantras. Ocorre, então, uma primeira combinação a partir de elementos da cultura local e de artefatos eletrônicos trazidos por indivíduos estrangeiros recém chegados, na forma de eventos musicais, principalmente em Goa, uma antiga colônia portuguesa no litoral indiano. Segundo St John, “a antiga colônia portuguesa de Goa (Índia) (é) a principal localidade exótica no desenvolvimento dessa contracultura global” (St John, 2004, p.12). Completa Saldanha: “no final dos anos 60, quando a Índia era conhecida como a província da espiritualidade e da autenticidade, as praias de Goa foram redescobertas pelos hippies. Em meados dos anos 70 eles já tinham desenvolvido sua própria cultura, se estabelecendo por lá, tomando drogas e nadando pelados”. O autor ainda afirma que a “música foi sempre integral à cultura viajante hippie, largamente na forma de festas a céu aberto” (Saldanha, 1999). Segundo St John, “as raves e sua hibridização (...) – envolvendo jovens dançando ritmos eletrônicos mixados por DJs – manteve uma popularidade entusiasta no oriente, desenvolvendo movimentos diaspóricos da (...) costa oeste americana para Goa, Índia” (St John, 2004, p.2). 2 Assim, reunidos em Goa, viajantes e músicos de diversas partes do mundo começaram a criar o hábito de se reunir constantemente em festas nas praias e nas montanhas indianas. Saldanha afirma que “era a hora de apreciar a música eletrônica de Goa não só como ‘música’, mas como um evento” (Saldanha, 2001, p.4). Geradores a diesel, caixas de som, luzes negras, drogas e muito da cultura local se combinaram à música eletrônica para alimentar esse hábito. Os nativos interagiam com os viajantes e participavam do evento vendendo chai (chá típico indiano) e cigarros. Tornou-se um hábito nas festas o consumo de haxixe a partir dos chillums, um cilindro que funciona como um cachimbo, muito tradicional na Índia. Símbolos como Om e Yin-Yang eram pintados com tinta fluorescente nos troncos das árvores, além da presença de panos pintados com cogumelos, planetas, espirais e bolhas. Símbolos tipicamente hindus também podiam ser observados a partir de pinturas fluorescentes de Ganesh e Shiva (Saldanha, 2001). Cria-se nesse momento uma nova modalidade de espaço, um espaço multinacional no que tange aos indivíduos presentes, afetados principalmente pela cultura indiana, e que mais tarde vão ser afetados por diversos outros conhecimentos compartilhados socialmente, conhecimentos estes originários de diversas localidades. Logo, é possível afirmar que aquele processo de homogeneização nacional dos indivíduos inseridos em fronteiras estatais, desenvolvido na Revolução Francesa, agora é dissolvido de maneira isolada, pelas novas possibilidades de interações fruto da compressão espaço-tempo. Pode-se alegar que o estado ainda é soberano, a partir dos termos de Habermas, mas sua capacidade de representação nacional e seu monopólio da narração de identidades são colocados em dúvida, uma vez que aqui já se observa um compartilhamento transnacional de informações que se intensifica, passando a ocorrer não só isoladamente mas globalmente. É válido citar que, recentemente, o governo indiano reagiu contra as raves em Goa, onde atualmente é proibido “som alto” depois das 10 da noite, e onde festas clandestinas são fechadas pela polícia. Numa última manobra governamental, foi fechado o Mercado de Anjuna (famosa feira regional de Goa que acolhia os imigrantes que buscavam comercializar qualquer tipo de artigo) sob a argumentação de que, nas palavras de Dayanand Narvekar, o governador da província, “o mercado estava perdendo sua velha cultura... E isso não pode ser tolerado” (apud Srivastava, 2000). 3 Com o passar do tempo, as pessoas que estiveram presentes nestes primeiros eventos vieram a desenvolver longe da Índia, de volta aos seus locais de origem, dois aspectos relativos a esta situação específica estabelecida em Goa. Primeiramente, músicos desenvolveram a música eletrônica de uma maneira que “capturava esse sentimento” das primeiras festas (Saldanha, 2001, p.2), enquanto outros indivíduos começaram a construir em toda parte do mundo uma estrutura de eventos semelhante àquela que eles observaram na Índia. Saldanha relata que as raves passaram a não acontecer somente na Grã-Bretanha, Alemanha e na Escandinávia, mas na Tailândia, Japão, África do Sul, França, Holanda, Austrália, Argentina, Hungria. Além dos israelenses que são especialmente fãs de Goa. Depois de ser descoberta nos anos 70, e de ser conhecida nos anos 80 como a Mecca hippie, ‘Goa’ foi redesignada como a capital rave dos viajantes do planeta (...) e as principais mídias responsáveis pela disseminação (desse conhecimento e desses eventos) foram a Internet e os próprios viajantes (Saldanha, 2001, p.3). Assim, nos anos 90, começa a se desenvolver pelo mundo uma série de eventos baseados nas práticas das festas de Goa dos anos 80, ao mesmo tempo em que a música se torna mais volumosa em termos de produções e produtores. Por todo o planeta desenvolveram-se festivais que procuravam captar aquilo que aconteceu na Índia. Como conseqüência desse alargamento da esfera de influência da cultura rave, os indivíduos não precisavam viajar internacionalmente para se inserir nessa nova modalidade de espaço. O acesso ao espaço transnacional tornou-se mais fácil uma vez que ele estava mais próximo em escala global, popularizando as raves. De qualquer forma, se o que se observou foi um aumento do fluxo de pessoas em direção a diversos festivais pelo mundo, as pessoas não deixaram de cruzar fronteiras. Contudo, enquanto até os anos 80 para se encontrar esse espaço era necessário ir até a Índia, nos anos 90 esse espaço passa a se manifestar em todos os continentes. Observa-se aqui mais um redimensionamento espacial decorrente da globalização, o qual vai causar um impacto transnacional, não mais restrito a Índia, mas em escala global. O fluxo de pessoas e informações vai levar essa nova possibilidade de interação para todo o globo, modificando estruturas locais. Observa-se, assim, um movimento de re-posicionamento: “pessoas viajam, sons viajam. Ao viajar eles mudam realidades locais” (Saldanha, 1999, p.1). 4.3. – A Estrutura e a Cultura dos Festivais de Música Eletrônica Contemporâneos 3 Viu-se que diversos indivíduos de diversos países, presentes no nascimento e no estabelecimento das festas de Goa, retornaram aos seus países de origem ou até mesmo para quaisquer outros lugares diferentes da Índia, o que gerou o costume de organizar festas naqueles moldes, que remontam à experiência original de Goa. É a partir daí, em meados dos anos 90, que os festivais internacionais de música eletrônica se tornam globais, e se popularizam rapidamente. Desde 1997, segundo levantamento liminar do fórum Israeli Psychedelic Trance Experience (http://www.isratrance.com/), há registros de festivais em Israel, Rússia, Japão, Grécia, Brasil, África do Sul, Índia, Suíça, Inglaterra, França, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, México, Áustria, Suécia, Noruega, Finlândia, Argentina, Chile, EUA, Canadá, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Nepal, Polônia, Hungria, Turquia, Lituânia, República Tcheca, Irlanda, Romênia, Marrocos, Croácia, Malta, Tailândia, Bulgária, Ucrânia, Macedônia, Eslovênia, Eslováquia, Holanda, Zâmbia, Dinamarca, Guatemala e Líbano. Devido a sua expansão em escala global, bem como à cultura estabelecida a partir de Goa que favorece que os freqüentadores das raves sejam viajantes, os festivais contam com uma grande diversidade de origem também do público, não só das localidades onde acontecem. Esse aspecto aprofunda as hibridações, uma vez que os indivíduos presentes, originários de diversos lugares diferentes, trazem para os festivais artigos e informações de inúmeros lugares do planeta. Os festivais se desenvolveram com base na mesma estrutura das festas de Goa, porém, com o passar do tempo, aconteceu inclusão de novos elementos provenientes da expansão mundial, que aproximou fatores locais da estrutura da mesma, e ainda foram desenvolvidos aspectos próprios, como o princípio PLUR (Peace, Love, Union and Respect), que será analisado nessa seção e que caracteriza a cultura rave contemporânea. Takashi afirma que: Desde sua emergência no final dos anos 80, a subcultura referida como rave se tornou um fenômeno global (...) significante. A natureza eletrônica e rítmica da música, as longas horas de dança, as localidades semi-legais e a ingestão de substâncias psicoativas distinguem as raves de outras (...) festas. Os membros desta subcultura podem ser identificados através de suas escolhas musicais, roupas e acessórios, (...) e seleção de drogas (Takashi, 2004, p.145). Atualmente, um festival de música eletrônica é uma festa caracterizada pela longa duração (de 3 a 11 dias), onde músicos e djs (disk jockeys) tocam musica eletrônica em diferentes áreas do espaço comum oferecido pelos organizadores. Ao mesmo tempo, pode-se observar uma área de camping com banheiros (químicos ou de alvenaria), um jardim de infância com monitores 3 que organizam atividades com as crianças enquanto os pais estão pela festa, além do mercado de alimentos e artigos em geral. Posto médico e posto de informações também estão presentes na estrutura destes festivais. Toda esta estrutura é disponibilizada a partir de mapas impressos, que são entregues na entrada junto da programação de atividades e apresentações. Cria-se, literalmente, uma cidade temporária onde o público convive por 24 horas do dia. Retomando Goa, cabe citar que os geradores a diesel ainda estão presentes para gerar energia para a festa, apesar de alguns festivais já desenvolverem pistas de dança experimentais baseadas em energia solar. As caixas de som agora aparecem em maior volume e qualidade. As luzes negras também permanecem, mas em maior quantidade e intensidade. Os estímulos visuais fluorescentes baseados em símbolos hindus são ainda muito comuns nos festivais atuais, somados a diversos outros, como lasers coloridos, telões de alta definição projetando imagens fractais e totens tribais pintados também com tinta flúor. O chai ainda é a bebida não alcoólica mais comum nos festivais. Atualmente, como são oferecidos diferentes espaços para execução de músicas, não mais são executadas exclusivamente faixas eletrônicas dançantes, mas todo o tipo de música eletrônica. Os festivais contam normalmente com no mínimo duas áreas musicais, a pista de dança, onde a música dançante é executada, e o chill out, onde é aberto um espaço para estilos gerais de música eletrônica e até mesmo, em menor escala, para músicas convencionais, ditas “orgânicas”. Alguns festivais possuem não dois, mas diversos espaços para música, normalmente divididos por estilos diferentes: trance, house, techno, ambient, etc. Diversas atividades artísticas e culturais acontecem simultaneamente no evento, como oficinas de pintura, literatura, astrologia, teatro e expressões corporais, culinária, medicina alternativa, cinema, meditação. Acontecem palestras dos mais diversos temas, como aquelas relativas ao calendário Maia e a cultura psicodélica hippie dos anos 60. Dentro do universo rave, Terence McKenna e Alex Grey podem ser mencionados como os mais notáveis palestrantes presentes em seus festivais (St John, 2004). O mercado dos festivais é, depois do público, onde se encontra a maior variedade de origens. As roupas e acessórios são comumente originários da Índia e da Tailândia, mas também é possível encontrar artigos indígenas brasileiros ou mapuches chilenos. Ao mesmo tempo, é encontrado vestuário “flúor” (ou fluorescente), produzidos nos EUA, na Inglaterra e na 3 Alemanha, com material sintético, em confecções especificas para o público das festas rave. Esculturas e pinturas dos mais diversos estilos, de artistas das mais diversas origens, também são encontrados no mercado dos festivais. Cds e dvds sempre relacionados às raves também são encontrados com facilidade. Na área de alimentação é possível comer pratos típicos de diversas localidades como Japão, Índia e China, ou até refeições tibetanas ou tailandesas. O açaí e a caipirinha são os marcos brasileiros em meio à cultura dos festivais contemporâneos. No mercado paralelo que acontece entre os participantes, de mão em mão, fora do mercado oficial do festival, é possível encontrar artigos oriundos de localidades ainda mais diversas. É possível encontrar haxixe proveniente da Índia, do Marrocos, do Nepal, do Líbano; maconha proveniente da Holanda e das áreas mais próximas ao lugar onde o festival estiver acontecendo. No consumo destas substâncias, o chillum, como meio para consumi-las, se estabeleceu como uma prática comum entre os ravers. Uma prática que é central na cultura dos viajantes ocidentais na Índia desde o final dos anos 60 é o ato de fumar chillums. O chillum é um simples cilindro de cerâmica que é usado a milhares de anos pelos hindus para fumar charas (haxixe) e ganja (maconha) e hoje é um objeto central na cultura psy-trance (Saldanha, 2004, p.279). Assim, baseados nessa estrutura construída em todos os continentes a partir dos anos 90, os adeptos dos festivais vão desenvolver um roteiro de festivais durante o ano, optando por aqueles mais próximos ou mais acessíveis, ou aqueles que os interessam mais, seja pela música ou pelas outras atividades presentes. Dessa maneira, eles atingem o século XXI com uma cultura estabelecida. Anos de reunião em meio às estruturas semipadronizadas dos festivais, tomando a Internet como meio de propulsão das informações nos períodos que antecedem e sucedem os eventos, todo um processo histórico de desenvolvimento dessa estrutura específica que é reverenciada de maneira alegórica, tudo isso se torna o conhecimento compartilhado pelos participantes a partir de suas socializações e interações nas festas. Como conseqüência, os indivíduos vão ter um sentimento de pertencimento àquela estrutura, seja a partir de sua história, seja a partir do compartilhamento de seus símbolos, sintetizado no PLUR. Esse conhecimento compartilhado pelos freqüentadores pode ser observado como híbrido ao combinar vários elementos de várias origens numa cultura comum. As raves atingiram o ocidente como um lugar onde elementos distintos interagiriam para produzir algo novo, e os sentimentos foram iniciados como se uma espécie de Reino tivesse aterrizado. É claro que este idealismo não durou 3 muito, mas o mundo, de uma certa forma, mudou (..), e a cultura pós rave carrega esta mudança. O ponto é que houve uma ruptura num nível cultural, criando uma narrativa determinativa, uma disposição primária que deve ser levada em conta se quisermos entender como a experiência rave se empurra em direção à consciência individual (Gauthier, 2004, p.71). Como mencionado acima, os participantes dos festivais desenvolveram a partir de suas interações aquilo que é referido como o princípio ideológico dos mesmos: o PLUR, Peace, Love, Union and Respect (paz, amor, união e respeito), “uma ideologia que tem a intenção de refletir a conectividade (...) da comunidade rave” (Takashi, 2004, p.146). Takashi afirma que “a experiência e a cultura rave são fundamentadas na música, nas pessoas, na dança e no PLUR, mais do que nas drogas” (Takashi, 2004, p.148). Assim, uma vez que o indivíduo é exposto constantemente a esta modalidade de espaço transnacional, dotado de símbolos e história própria somados a diversos elementos oriundos de diversas localidades, torna-se possível apontar a emergência de uma cultura híbrida. Com efeito, nesse posicionamento identitário, o indivíduo que se define como raver encontra-se em meio a outros indivíduos e reconhece nestes o compartilhamento deste conhecimento específico relativo ao processo estrutural e de interação nesta modalidade de espaço. Eles compartilham socialmente um conhecimento que se faz no processo de interação, tanto dentro do espaço transnacional, como fora dele a partir dos meios de comunicação que, por encurtar distâncias a partir da já mencionada compressão espaço-tempo, criam laços mais fortes dessa nova cultura. Como processo constante, constrói-se uma cultura híbrida, uma cultura da música eletrônica e dos festivais de música eletrônica: “Quando uma rave acaba, todos passam a ter uma experiência compartilhada de conectividade, e centenas ou até milhares de pessoas podem se sentir como um só corpo com propósitos e direções compartilhadas” (Fritz apud Olaveson, 2004, p.87). 4.4. – O Estado-Nação frente à Cultura Transnacional da Música Eletrônica Em função do hibridismo que os caracteriza, torna-se possível inferir que os festivais de música eletrônica e toda a cultura que os envolve devam estar presentes nas identidades de diversos indivíduos, uma vez que identidade é, segundo Wendt, “uma propriedade (..) que gera disposições (...) comportamentais”. Logo, estes indivíduos inseridos nessa modalidade de 3 espaço passam por uma adaptação comportamental às expectativas nele geradas. Como foi explicitado, por razões históricas, os ravers costumam ser viajantes, exploram as proposições do PLUR, consumem cultura de diversos lugares do mundo, fumam chillums. Ora, são alguns desses aspectos que se espera encontrar nos freqüentadores e adeptos da cultura da música eletrônica contemporânea, posto que suas identidades passam a serem afetadas pela exposição a esta cultura específica. Para Rodrigues, o techno teve uma grande projeção mercadológica, quando se associou a um modo de prática social específica, como a freqüência às raves e aos festivais de música eletrônica. É esse um momento (...) em que o conceito de ‘fertilização cruzada’ (...) mostra-se mais adequado para os estudos de processo de contágio ligados à experiência cultural da música eletrônica (Rodrigues, 2005, p.88). Como se observou no primeiro capítulo, o estado-nação desenvolve desde a Revolução Francesa um processo de homogeneização dos seus cidadãos, de maneira a criar um sentimento de pertencimento ao estado que representa aquela nação. Cria-se, assim, um arcabouço histórico e simbólico que favorece que o indivíduo se sinta ligado ao seu estadonação. Em estrita contraposição a esse movimento de determinação de pertença, embora pelos mesmos meios, os festivais de música eletrônica podem ser observados como um mecanismo de heterogeneização de cidadãos nacionais, a partir de formas culturais que se manifestam na identidade dos indivíduos, combinando-se àquela identidade nacional anteriormente imposta. As raves “implicam dissolução de estruturas sociais e normativas regulares, e algumas vezes são vistas como um perigo para essas estruturas” (Olaveson, 2004, p.93). Dessa maneira, entende-se que o estado-nação, dentro de sua política de geração de sentimentos nacionais para afirmação de uma identidade nacional, seja ameaçado neste processo por um espaço transnacional dotado de uma cultura híbrida. Os indivíduos expostos a este espaço híbrido vão ser submetidos a uma espécie de diplopia em seu sentimento de pertencimento, por não só se sentirem representados pelo seu estado territorial, mas também por aquele espaço que vai abranger grande parte do compartilhamento social de conhecimentos específicos que os interessa e em relação aos quais se geram seus posicionamentos identitários explícitos. 3 Apesar de sua pesada comercialização, as raves canadenses dos gêneros trance, jungle/drum ´n´ bass e goa parecem criar um espaço social onde diferença, status e desigualdades são temporariamente suspensos. Como espaços de dissolução de distinções políticas e sociais, através das quais estados regulam seus cidadãos, tais eventos possuem um perigo inerente para corpos governamentais. Isto é sem dúvida uma das razões para autoridades nos EUA começarem a adotar políticas regulatórias, em relação as raves, similares àquelas impostas pelo governo inglês no início dos anos 90, onde criou-se um ‘pânico moral’ sobre a cultura rave (Thornton apud Olaveson, 2004, p.94). Como também foi observado neste capítulo, o governo indiano impôs restrições à execução de eventos nos moldes dos festivais de música eletrônica, sob a alegação que a região onde estes aconteciam mais regularmente estava perdendo sua “velha cultura”. Ao se adaptar à cultura dos festivais, os indivíduos passam a redefinir-se a partir do pertencimento àquele espaço. Aqueles que não o freqüentam são reconhecidos pelos freqüentadores como diferentes, são reconhecidos como aqueles que não compartilham do mesmo conhecimento daquele grupo, do mesmo modo que um estrangeiro dentro de um estado-nação alheio. Em uma escala limitada, pode se afirmar que se cria assim uma nação rave, um grupo de pessoas com cultura comum e até uma história comum, aquela iniciada em Goa. 3 5. – CONCLUSÃO Uma vez explicitado o processo histórico de construção de identidades e culturas, com base no estado-nação e no marco da revolução francesa, observou-se o estado-nação como o determinante desses aspectos num primeiro momento. Contudo, a partir da uma reestruturação do mundo, devido à intensa globalização ocorrida no século XX, é possível observar o surgimento de novas modalidades de espaço, que transcendem as fronteiras estatais. Os relacionamentos que se deram dentro da agência, como proposto por Wendt, modificaram a dinâmica de interações dos indivíduos gerando uma nova estrutura, marcada por relações transnacionais. Nesta nova estrutura, os festivais de música eletrônica surgem como próprios a uma nova modalidade de espaço, decorrente dessa nova estrutura estabelecida, a qual é determinantemente transnacional e que vai gerar conhecimento e respostas adaptativas específicas, compartilhadas por aqueles expostos à ele. Observou-se que o processo de desenvolvimento desses aspectos relativos aos eventos de música eletrônica foi construído com base em um processo histórico, que já data desde o século XIX, com a invenção do primeiro instrumento musical eletrônico, e que gerou um substrato para o desenvolvimento desta cultura específica. Este conhecimento compartilhado socialmente dentro dos eventos é oriundo de diversas origens, e se integra ao conhecimento desenvolvido internamente neste espaço, determinando uma combinação cultural, uma cultura híbrida. Este compartilhamento vai, somado ao arcabouço histórico destes festivais, gerar um sentimento de pertencimento dos indivíduos a este grupo especifico de freqüentadores deste espaço, que compartilham esse conhecimento específico. Isto vai oferecer a eles a possibilidade de se sentir representados não só pelo seu estado-nação de origem mas também por esta nova modalidade de espaço. O estado-nação vai reconhecer esta manifestação como uma alternativa a sua narração, e conseqüentemente, vai tentar suprimi-la de maneira a continuar tendo o monopólio no que tange a gerar sentimento de pertencimento dos indivíduos dentro de suas fronteiras. O embate entre a identidade nacional e a identidade híbrida proveniente de um espaço transnacional permanece em processo de interação, sem uma definição singular, mas que acredita-se vir a se equacionar com o tempo. 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADLER, Emanuel. Seizing the Middle Ground: Constructivism in World Politics. European Journal of International Relations, vol.3, n.3, 1997. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília: EDUNB, IPRI; São Paulo: IOESP, 2002. CARMO, Paulo Sérgio. Culturas da Rebeldia. São Paulo: Senac, 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. D´ANDREA, Anthony. Global nomads: techno and New Age as transnational countercultures in Ibiza and Goa. In: ST JOHN, Graham (Org.) Rave Culture and Religion. London: Routledge, 2004. GAUTHIER, François. Rapturous ruptures: the ‘instituant’ religious experience of rave. In: ST JOHN, Graham (Org.) Rave Culture and Religion. London: Routledge, 2004. GEERTZ, Clifford. Nova Luz sobre a Antropologia. 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