JACO PASTORIUS Suas contribuições como instrumentista e
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JACO PASTORIUS Suas contribuições como instrumentista e
GABRIEL RAMALHO GARRETT JACO PASTORIUS Suas contribuições como instrumentista e compositor na música “Havona” São Paulo novembro/2008 2 GABRIEL RAMALHO GARRETT JACO PASTORIUS: Suas contribuições como instrumentista e compositor na música “Havona” Monografia apresentada ao Curso de Música da Faculdade Santa Marcelina, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música (Instrumento Popular). Orientador: Prof. Dr. Maurício Oliveira Santos São Paulo novembro/2008 3 Dedico este trabalho à todos os meus amigos e familiares, e à Simone. Agradeço ao orientador, o Prof. Dr. Maurício Oliveira Santos e aos professores Paulo Tiné e Ricardo Skinovsky pela grande ajuda que deram na realização deste trabalho. Agradeço também à meus familiares pelo apoio (inclusive em questões gramaticais do trabalho) e à Simone pelo seu apoio (e por me dizer que o começo do solo de “Havona” lembrava a trilha sonora de algum filme antigo...). 4 SUMÁRIO Introdução.................. ................................................................................................. 10 CAPÍTULO 1: JACO PASTORIUS.............................................................................11 1.1 Biografia.................................................................................................................11 1.2 Influências............................................................................................................ 37 1.2.1 Influências Gerais 1.2.2 Influência de Baixistas 1.3 Técnicas..................................................................................................................49 1.3.1 Mão Esquerda 1.3.2 Mão Direita 1.3.3 Harmônicos Naturais 1.3.4 Harmônicos Artificiais 1.3.5 Efeitos Percussivos 1.4 Equipamentos.........................................................................................................67 1.4.1 Fender Jazz Bass 1.4.2 O Baixo Fretless 1.4.3 Acoustic 360 1.4.4 Cordas Rotosound 1.4.5 Efeitos Fotos.............................................................................................................................74 CAPÍTULO 2: ANÁLISE DE HAVONA....................................................................78 2.1 Introdução e Coda...................................................................................................83 3.1.1 Aspectos Harmônicos 3.1.2 Aspectos Melódicos 3.1.3 Aspectos Rítmicos 2.2 Tema.......................................................................................................................97 3.2.1 Aspectos Harmônicos 3.2.2 Aspectos Melódicos 3.2.3 O Baixo de Jaco Pastorius como Contracanto 3.2.4 Aspectos Rítmicos 2.3 Solo de Jaco Pastorius..........................................................................................129 3.3.1 Primeiro Chorus 3.3.2 Segundo Chorus Considerações Finais..................................................................................................145 Referências..................................................................................................................146 5 LISTA DE FIGURAS FIG. 1 — Escala Cromática.................................................................................................................... 49 FIG. 2 — Digitação Aberta e Fechada .................................................................................................. 50 FIG. 3 — Digitação Aberta .................................................................................................................... 51 FIG. 4 — Padrão em Sextas ................................................................................................................... 51 FIG. 5 — Quintinas ................................................................................................................................ 52 FIG. 6 — Arpejos................................................................................................................................... 52 FIG. 7 — Acordes .................................................................................................................................. 53 FIG. 8 — Trecho de “Liberty City” ....................................................................................................... 54 FIG. 9 — Trecho de “Come On Come Over” ........................................................................................ 54 FIG. 10 — Mão Direita 1 ....................................................................................................................... 56 FIG. 11 — Mão Direita 2 ....................................................................................................................... 56 FIG. 12 — Harmônicos Naturais 1......................................................................................................... 59 FIG. 13 — Harmônicos Naturais 2......................................................................................................... 59 FIG. 14 — Trecho de “Portrait of Tracy”............................................................................................... 61 FIG. 15 — Harmônicos Artificiais 1 ...................................................................................................... 64 FIG. 16 — Harmônicos Artificiais 2 ...................................................................................................... 64 FIG. 17 — Trecho de “Birdland” ........................................................................................................... 65 FIG. 18 — Fender Precision................................................................................................................... 67 FIG. 19 — Fender Jazz Bass .................................................................................................................. 67 FIG. 20 — Jaco Pastorius....................................................................................................................... 74 FIG. 21 — Na turnê do CD Shadows and Light, de Joni Mitchell (1979) ............................................. 75 FIG. 22 — Tocando teclado (1977)........................................................................................................ 76 FIG. 23 — Aos dezesseis anos, com o Las Olas Brass (1967)............................................................... 76 FIG. 24 — Jaco com o Acoustic 306 ao fundo (1985) ........................................................................... 77 FIG. 25 — “Havona” Parte 1 ................................................................................................................. 81 FIG. 26 — “Havona” Parte 2 ................................................................................................................. 82 FIG. 27 — Introdução ............................................................................................................................ 83 FIG. 28 — Coda ..................................................................................................................................... 83 6 FIG. 29 — Origem do acorde sus4......................................................................................................... 84 FIG. 30 — Aspectos Harmônicos (Intro) 1 ............................................................................................ 86 FIG. 31 — Aspectos Harmônicos (Intro) 2 ............................................................................................ 87 FIG. 32 — Aspectos Harmônicos (Intro) 3 ............................................................................................ 87 FIG. 33 — Aspectos Harmônicos (Intro) 4 ............................................................................................ 88 FIG. 34 — Aspectos Harmônicos (Intro) 5............................................................................................. 89 FIG. 35 — Aspectos Harmônicos (Intro) 6 ............................................................................................ 90 FIG. 36 — Aspectos Harmônicos (Coda) .............................................................................................. 91 FIG. 37 — Aspectos Rítmicos (Intro) 1 ................................................................................................. 94 FIG. 38 — Aspectos Rítmicos (Intro) 2 ................................................................................................. 94 FIG. 39 — Aspectos Rítmicos (Intro) 3 ................................................................................................. 95 FIG. 40 — Aspectos Rítmicos (Intro) 4 ................................................................................................. 96 FIG. 41 — Tema .................................................................................................................................... 97 FIG. 42 — Aspectos Melódicos (Tema) 1............................................................................................ 104 FIG. 43 — Aspectos Melódicos (Tema) 2............................................................................................ 104 FIG. 44 — Aspectos Melódicos (Tema) 3............................................................................................ 105 FIG. 45 — Aspectos Melódicos (Tema) 4............................................................................................ 105 FIG. 46 — Aspectos Melódicos (Tema) 5............................................................................................ 106 FIG. 47 — Aspectos Melódicos (Tema) 6............................................................................................ 107 FIG. 48 — Aspectos Melódicos (Tema) 7............................................................................................ 107 FIG. 49 — Aspectos Melódicos (Tema) 8............................................................................................ 108 FIG. 50 — Aspectos Melódicos (Tema) 9............................................................................................ 108 FIG. 51 — Aspectos Melódicos (Tema) 10.......................................................................................... 108 FIG. 52 — Convenção e Frase ............................................................................................................. 109 FIG. 53 — Frase Final (Baixo)............................................................................................................. 110 FIG. 54 — Resumo da disposição dos motivos na melodia ................................................................. 110 FIG. 55 — Trecho 1 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 111 FIG. 56 — Trecho 2 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 112 FIG. 57 — Trecho 3 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 112 FIG. 58 — Trecho 4 (Linha de Baixo) ................................................................................................ 113 7 FIG. 59 — Trecho 5 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 113 FIG. 60 — Trecho 6 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 114 FIG. 61 — Trecho 7: Ritmo Inicial (Linha de Baixo) .......................................................................... 114 FIG. 62 — Trecho 8: Variação do Ritmo Inicial (Linha de Baixo)...................................................... 114 FIG. 63 — Trecho 9 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 115 FIG. 64 — Trecho 10 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 116 FIG. 65 — Trecho 11: Motivo Inicial (Linha de Baixo) ..................................................................... 116 FIG. 66 — Trecho 12: Variação do Motivo Inicial (Linha de Baixo) .................................................. 117 FIG. 67 — Trecho 13 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 118 FIG. 68 — Trecho 14 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 118 FIG. 69 — Trecho 15 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 119 FIG. 70 — Trecho 16 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 119 FIG. 71 — Trecho 17 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120 FIG. 72 — Trecho 18 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120 FIG. 73 — Trecho 19 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120 FIG. 74 — Trecho 20 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 121 FIG. 75 — Trecho 21 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 122 FIG. 76 — Trecho 22 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 122 FIG. 77 — Trecho 23 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 123 FIG. 78 — Trecho 24 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 124 FIG. 79 — Trecho 25 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 124 FIG. 80 —Trecho 26 (Linha de Baixo) ................................................................................................ 124 FIG. 81 — Cha Cha Cha 1 ................................................................................................................... 127 FIG. 82 — Cha Cha Cha 2: Primeira Variação .................................................................................... 127 FIG. 83 — Cha Cha Cha 3: Segunda Variação .................................................................................... 127 FIG. 84 — Cha Cha Cha 4 ................................................................................................................... 127 FIG. 85 — Cha Cha Cha 5 (Jaco)......................................................................................................... 128 FIG. 86 — Solo: Primeiro Chorus........................................................................................................ 129 FIG. 87 — Trecho 1 de “Theme from Summer of’ 42”........................................................................ 130 FIG. 88 — Trecho 2 de “Theme from Summer of’ 42”........................................................................ 131 8 FIG. 89 — Trecho 1 (Solo) .................................................................................................................. 131 FIG. 90 — Trecho 2 (Solo) .................................................................................................................. 132 FIG. 91 — Trecho 3 (Solo) .................................................................................................................. 132 FIG. 92 — Trecho 4 (Solo) .................................................................................................................. 133 FIG. 93 — Trecho 5 (Solo) .................................................................................................................. 133 FIG. 94 — Trecho 6 (Solo) .................................................................................................................. 134 FIG. 95 — Trecho 7 (Solo) .................................................................................................................. 134 FIG. 96 — Trecho 8 (Solo) .................................................................................................................. 134 FIG. 97 — Trecho 9 (Solo) .................................................................................................................. 135 FIG. 98— Trecho 10 (Solo) ................................................................................................................ 136 FIG. 99 — Solo: Segundo Chorus........................................................................................................ 137 FIG. 100 — Trecho 11 (Solo) .............................................................................................................. 138 FIG. 101 — Trecho 12 (Solo) .............................................................................................................. 139 FIG. 102 — Trecho 13 (Solo) .............................................................................................................. 139 FIG. 103 — Trecho 14 (Solo) .............................................................................................................. 140 FIG. 104 — Trecho 15 (Solo) .............................................................................................................. 141 FIG. 105 — Trecho 16 (Solo) .............................................................................................................. 141 FIG. 106 — Trecho 17 (Solo) .............................................................................................................. 142 FIG. 107 — Trecho 18 (Solo) .............................................................................................................. 142 FIG. 108 — Trecho 19 (Solo) .............................................................................................................. 142 FIG. 109 — Trecho 20 (Solo) .............................................................................................................. 143 FIG. 110 — Trecho 21 (Solo) .............................................................................................................. 143 FIG. 111 — Trecho 22 (Solo) .............................................................................................................. 144 FIG. 112 — Trecho 23 (Solo) .............................................................................................................. 144 9 Resumo O presente trabalho tem como objetivo estudar a obra do contrabaixista norteamericano Jaco Pastorius (1951-1987), que ficou conhecido pelos seus trabalhos solos e com o grupo de fusion Weather Report. No primeiro capítulo temos um olhar geral sobre o baixista, passando por sua vida, suas influências e pelas técnicas e equipamentos utilizados por ele. Já o segundo capítulo constitui-se de uma análise da música “Havona”, uma de suas composições mais elaboradas, que foi lançada no LP Heavy Weather (1977) da banda Weather Report. Palavras-chave: Jaco Pastorius, Baixo Fretless, Weather Report, Fusion. Abstract This work aim to study the work of the american bass player Jaco Pastorius (1951-1987), who is known because of his solo works and also with the fusion’s band Weather Report. In the first chapter we have a general study about the bass player, through his life, influences, techniques and the equipments that he used. The second chapter is constitute of a “Havona”’s analyse, one of his most elaborate composition, that was launched in Heavy Weather LP (1977), of Weather Report band. Key-words: Jaco Pastorius, Fretless Bass, Weather Report, Fusion. 10 Introdução Pode parecer ao leitor em um primeiro momento que falar sobre Jaco Pastorius é uma tecla batida, e que muito já deve ter sido dito e escrito sobre ele. Mas isso infelizmente está longe de ser a realidade. Ao iniciar este trabalho uma das primeiras coisas que fiz foi procurar por outros trabalhos sobre Jaco tanto na biblioteca da FASM como de outras instituições, e para minha surpresa não achei nada. No máximo breves referências a ele em trabalhos com temas relacionados, mas nenhum trabalho em que ele fosse o foco. Se tratando de livros sobre ele já temos um pouco mais opções, entre elas o livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, de Bill Milkowski, que foi uma base bibliográfica muito grande para a realização deste trabalho. Mas não existem tantos livros assim1, e todos que existem estão em inglês. Devido a esse fato, optei por fazer uma biografia extensa, já que não existe nenhuma publicada em português. Em relação à escolha do tema do trabalho, eu sempre soube (assim como grande parte dos baixistas) que Jaco havia revolucionado a forma como se tocava o instrumento. Mas o simples fato de saber isso não acrescenta muito, é preciso se aprofundar, principalmente quando se trata da obra de um músico como ele. E foi justamente esse aprofundamento que busquei na realização deste trabalho. Espero também que esse trabalho possa ajudar outras pessoas com a mesma vontade de se aprofundar na obra de Jaco. E que, por sua vez, produzam novos trabalhos sobre esse grande baixista e compositor. 1 Além do livro citado apenas um livro utilizado neste trabalho possui uma referência mais direta a Jaco. Sendo que todos os outros estão relacionados a ele de forma mais indireta. 11 CAPÍTULO 1: JACO PASTORIUS 1.1 Biografia Infância e Adolescência John Francis Pastorius III nasceu no dia 1º de dezembro de 1951, em Norristown, Pensilvânia. Filho de Jack Pastorius, músico profissional que se dedicava à bateria e também cantava, e Stephanie Haapala, ambos fãs do jazz da era das big bands. Jaco (como se tornou conhecido) cresceu ouvindo Benny Goodman, Count Basie, Duke Ellington, Tony Bennett e Frank Sinatra, entre outros (MILKOWSKI, 2005, p. 03).2 Aos três anos de idade, seu pai já havia lhe ensinado a segurar as baquetas da forma tradicional utilizada pelos bateristas de jazz (Traditional Grip) e brincava com uma bateria em miniatura. Aos oito anos, a família Pastorius se muda para Fort Lauderdale, Flórida3, onde Jaco morou por muitos anos. Aos 13 anos, para comemorar o fim do ano escolar, Jaco fez sua primeira apresentação como baterista em uma banda chamada The Sonics. O repertório incluía três músicas: “Please Please Me” e “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles, e uma música instrumental composta pela banda, intitulada “Sonic Boom”. Nesse mesmo ano, Jaco quebrou o pulso esquerdo jogando futebol, o que o impediu de tocar bateria até 1966, quando entrou na banda Las Olas Brass. O repertório da banda era composto por clássicos de funk, soul, R&B e rock: James Brown, Aretha Franklin e Tijuana Brass, entre outros. Apesar de Jaco possuir um senso rítmico impecável, ele ainda era novo e inexperiente. Logo a banda chamaria Rich Franks, um baterista mais técnico, para 2 As informações sobre a vida de Jaco Pastorius foram obtidas no livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, de Bill Milkowski. 3 Fort Lauderdale é uma cidade turística que fica a 48 km de Miami. 12 substituí-lo. Ao mesmo tempo, o baixista David Neubauer saiu da banda para viajar para a Europa. Jaco, então, propôs a seus companheiros trocar a bateria pelo baixo e continuar na banda. Logo ele compra um Fender Jazz Bass 1966 e um amplificador Sunn, os quais o acompanhariam em seus primeiros anos como baixista. Jaco logo demonstra ter uma grande facilidade para tocar baixo. No verão de 1967, ele conhece Tracy Lee, que viria a ser sua primeira esposa. Em 1968, grava sua primeira “fita demo” em sua própria casa, contendo a música “The Chicken” de Alfred “Pee Wee” Ellis. O que impressiona nessa primeira gravação caseira é ele ter gravado, além do baixo, também a bateria, guitarra e sax alto – lembrando que ele tinha apenas 17 anos. Jaco mandou essa gravação para Alice Coltrane (pianista, mulher de John Coltrane), que lhe respondeu com uma carta de incentivo para que continuasse a desenvolver suas habilidades musicais. Nessa mesma época, ele já começava a fazer experiências pouco usuais para os baixistas, como tocar “Star Spangled Banner” à maneira de Jimi Hendrix. Ainda em 1968, Jaco monta um quarteto para tocar jazz e participa de sua primeira gravação profissional na música “Suzanne”, do cantor e compositor Miller Collins. No ano seguinte Jaco monta um trio de R&B chamado Woodchuck, no qual tocou por dois anos pelos bares do sul da Flórida um repertório de clássicos, como “Funk Broadway”, de Wilson Pickett, e “Lickin’ Stick”, de James Brown. Com esse trio, o único problema enfrentado era a falta de disciplina de seus companheiros, os quais frequentemente apareciam aos ensaios bêbados, o que diminuía a produtividade deles tocando. Nessa época, Jaco não bebia nem usava qualquer tipo de droga. Estava totalmente focado na música e nos esportes (jogava basquete e beisebol). 13 Durante sua temporada com o Woodchuck, Jaco deu um grande passo na sua evolução musical, pois, como se tratava de um trio, ele ficava mais livre para experimentar outras maneiras de tocar baixo, porém sem nunca perder o groove. Em outubro de 1970, ele presenciou um show de um trio de Miami chamado Nemo Spliff e voltou sua atenção para a técnica que o baixista Carlos Garcia utilizava para abafar as notas com a mão esquerda. Começou, então, a estudar a técnica de Garcia, a qual se tornaria base para seus grooves, repletos de ghost notes. Além dessa técnica, o som do amplificador de Garcia também o impressionou e logo trocaria seu Sunn pelo Acoustic 360 utilizado por ele. Novas Descobertas Em agosto de 1970, Jaco e Tracy se casam e, em dezembro, nasce a primeira filha do casal, Mary Pastorius. A paternidade faz Jaco deixar o Woodchuck, em abril de 1971, em busca de trabalhos que tivessem maior retorno financeiro. Dois meses após sua saída da banda, ele consegue emprego em um cruzeiro chamado Ariadni que navegava pelo Caribe. O baixista do trio de jazz que tocaria no cruzeiro largou o emprego de última hora e Jaco foi contratado um dia antes do navio partir. Para conseguir o emprego, disse que sabia ler partituras, o que não era verdade naquela época. Além disso, não estava familiarizado com o repertório. Então, passou a noite tirando standards de jazz, enquanto Tracy fazia as malas. Graças a sua enorme musicalidade e sua audição desenvolvida, Jaco conseguiu acompanhar a banda e foi desenvolvendo sua maneira de tocar jazz. Passava seu tempo livre na cabine estudando os standards. Além de ganhar bem pelo trabalho, ter tempo livre para estudar e poder passear com sua recém formada família pelas ilhas caribenhas, quando o navio aportava, Jaco 14 podia ouvir os músicos locais. Foi quando entrou em contato com ritmos como o calipso e o reggae. Após um mês tocando no navio, Jaco volta à terra firme e entra em uma banda de soul de Miami, a Tommy Strand & the Upper Hand. Nessa banda, Jaco começa a desenvolver mais o baixo como um instrumento solista, além de manter o groove. Segundo Bill Milkowisk (autor de sua biografia), na condução de algumas músicas tocadas por ele nessa época já era possível perceber idéias que futuramente se tornariam suas músicas, como “Liberty City”, “Kuru” e “Barbary Coast”. Segundo o irmão de Jaco, Rory Pastorius, aos 18 anos Jaco já tinha composto um esboço do que viria a ser “Continuum”, quando ainda estava no Woodchuck. Ainda em 1971, Jaco adquire seu primeiro Fender pré-CBS, um Fender Jazz Bass 1962. Mas esse baixo tinha um problema: trastejava nas primeiras casas. Então um dia Jaco tirou todos os trastes. A princípio ele pensava em recolocar os trastes, mas resolveu deixar do jeito que estava e experimentar tocar assim no show que faria à noite com o Tommy Strand & the Upper Hand. O resultado não foi dos melhores, o som do instrumento, denominado fretless,4 não tinha o punch e a clareza necessários para um show de funk. Além disso, Jaco teve problemas com a afinação. Então no dia seguinte ele colocou os trastes de volta. Em 1972 Jaco deixa o Tommy Strand & the Upper Hand e entra para o grupo de Wayne Cochran (Wayne Cochran and the C.C. Riders). Cochran era um contemporâneo de James Brown e Wilson Pickett, e sua banda (4 trompetes, 3 trombones, 4 saxofones, baixo, guitarra, bateria e voz) havia sido formada para fazer revivals de R&B. 4 O baixo fretless é um baixo sem trastes (fret = trastes e less = sem). Para maiores informações sobre esse instrumento consultar a página 69. 15 Esse período foi marcado por trabalho intenso para Jaco, uma vez que a banda costumava fazer cinco entradas por noite, seis vezes por semana. Além dessa rotina de shows, Jaco estudava no ônibus da banda e tinha aulas de teoria, escrita musical e arranjo com o guitarrista e diretor musical Charlie Brent. Um ano após a sua primeira tentativa (fracassada) com o fretless, Jaco tira os trastes de um baixo Fender que Brent havia lhe emprestado. O resultado dessa vez é bem diferente. Segundo Brent, naquela noite ele estava tocando como nunca havia tocado, usando de slides e outros efeitos de expressão no fretless. Algumas noites depois, ele começou a tocar os harmônicos na primeira, segunda e terceira casa. Brent diz que nunca havia visto alguém tocando harmônicos antes da quinta casa. Além dos harmônicos, Jaco tinha liberdade para usar acordes, pois a banda não tinha tecladista ou guitarrista base. Ou seja, nessa época ele começou a expandir as suas possibilidades técnicas como instrumentista. Mas, além disso, Jaco também se desenvolve muito como compositor e arranjador durante esse período. Quando entrou para o C.C. Riders ele não sabia nem ler nem escrever partituras. Depois de suas aulas com Brent, começa a ler, escrever e, o mais importante, compor e fazer arranjos. O resultado desse aprendizado é a primeira composição de Jaco arranjada para um grupo grande. Chamada “Domingo”, essa música (que foi composta três dias após uma aula de escrita musical e arranjo, que durou uma madrugada inteira no quarto do hotel) impressionou muito Brent por sua qualidade composicional. Além de “Domingo”, também foram compostas nessa época as músicas “Amelia” e “Microcosm”. No final de 1972, Brent deixa o C.C. Riders e passa para Jaco o cargo de diretor musical. Mas ele não dura muito tempo nesse cargo, pois Wayne Cochran não 16 queria outra estrela na banda dele. Então, no dia 2 de dezembro (um dia após ter completado 21 anos) ele é demitido da banda. Após sua saída do C.C. Riders, ele logo é contratado pelo trombonista Peter Graves para fazer parte de sua orquestra, que tocava no bar Bhachelors III. Segundo Graves ele ainda tinha problemas em ler as partituras, mas muitas vezes conseguia tirar as músicas de ouvido. Na mesma época ele entra na banda Baker’s Dozen co-liderada pelo pianista Vice Maggio e pelo saxofonista e trompetista Ira Sullivan. A banda tinha três baixistas, que se revezavam: Don Mast, Mark Egan e Jaco. A primeira aparição pública de Jaco com o Baker’s Dozen foi no Vizcaya Museum and Gardens. Na platéia havia um jovem guitarrista chamado Pat Metheny, que já ouvira falar de Jaco graças a um amigo que o havia visto em um show com o C.C. Riders. Duas semanas após esse show, Metheny e Jaco estavam tocando juntos na orquestra de Peter Graves. Esse encontro entre os dois traria frutos em breve. Em janeiro de 1973, Jaco, Tracy e Mary se mudam para um pequeno apartamento sobre uma lavanderia em Hollywood, Florida5. Vizinho ao apartamento deles vivia o pianista francês Alex Darqui, um amigo de Jaco que se tornaria um grande parceiro composicional durante esse período. Jaco e Darqui sempre tocavam juntos. (MILKOWSKI, 2005, p. 51) Ira Sullivan e o baterista Bobby Economou se juntaram a essas jams e o grupo começou a se apresentar no Lion’s Share. O público era basicamente formado de jovens músicos e estudantes da Universidade de Miami. Essa fase em que Jaco vivia sobre a lavanderia será narrada em mais detalhes no capítulo seguinte, pois foi a época em que “Havona” foi composta. Além desta, 5 Não confundir com a Hollywood do cinema, pois está fica em Los Angeles, Califórnia. A Hollywood de que falamos é uma cidade no estado da Flórida que fica a 32 km de Miami, e a 15 km de Fort Lauderdale, a cidade em que ele morava até então. 17 também foram compostas “Las Olas”, “Ballon Song”, “71+”, “Kuru”, “Continuum”, “Opus Pocus” e “(Used to Be a) Cha Cha”. Muitas delas faziam parte do repertório do grupo no Lion’s Share, além de músicas de Sullivan e standards. Foi também nessa época (segundo Economou) que Jaco teve seu primeiro contato com a bebida, mas de forma geral ele continuava preocupado apenas com a música, a família e os esportes. O álcool ainda estava longe de ser um vício. Em outubro de 1973, nasce John Francis Pastorius IV, e Jaco começa a buscar melhores oportunidades de trabalho. Em dezembro a banda termina sua temporada no Lion’s Share. No mês seguinte ele sai em turnê com Mickey Rooney (ator e cantor) e, em seguida, com o Lou Rawls (cantor), que o demite por estar chamando demais a atenção. Ele continuava tocando com a orquestra de Peter Graves enquanto não estava em turnê. Além de Alex Darqui, Pat Metheny e Ira Sullivan, Jaco também entra em contato nessa época com muitos músicos que contribuíram para seu desenvolvimento: o guitarrista Joe Diorio, que lhe apresenta o livro Thesaurus of Scales and Melodic Patterns de Nicolas Slonimsky (livro que também foi uma grande fonte de inspiração para John Coltrane, entre outros), o pianista Paul Bley, o guitarrista Randy Bernsen, o percussionista Don Alias e o tocador de steel drums Othello Molineux, que se tornou um grande amigo de Jaco e tocaria em sua big band no futuro. As Primeiras Gravações e Jaco Pastorius Ao voltar da turnê com Lou Rawls, Jaco decide gravar as suas composições. Em março de 1974 ele entra no Criteria Studios em Miami acompanhado de Alex Darqui (piano), Bobby Economou (bateria), Don Alias (percussão) e Othello 18 Molinoux (steel drums) e grava “Kuru”, “Havona”, “Continuum”, “Balloon Song” e “Opus Pocus”.6 Nesse mesmo ano, Jaco voltaria mais duas vezes ao Criteria Studios. Para a gravação da trilha sonora de um filme de terror chamado Blood Stalkers (dirigido por Robert W. Morgan) e na gravação da música “I Can Dig It Baby” no LP Party Down do cantor e guitarrista de R&B Willie “Little Beaver” Hale. Ainda em 1974, o apartamento onde Jaco e sua família moravam é vendido e eles são obrigados a se mudar. Então ele decide ir para Nova York em busca de um melhor reconhecimento profissional. (MILKOWSKI, 2005, p. 63). Em Nova York, ele toca durante um mês com Paul Bley (pianista), Pat Metheny (guitarrista) e Bruce Ditmas (baterista). Esse grupo participa de uma gravação no Blue Rock Studio, em junho de 1974. Essa gravação foi lançada dois anos depois, pela gravadora de Bley (Improvising Artists Label) com o título de Jaco. Bley obviamente estava querendo se aproveitar da imagem de Jaco para vender o LP, já que nessa época ele estava no auge do sucesso com o Weather Report. Além do trabalho com Bley, Jaco e Pat Metheny viajaram para Boston para tocar em trio com o baterista Bob Moses em um pequeno bar próximo ao Berklee College of Music. Logo após esse show, Jaco foi chamado para dar um workshop aos alunos de baixo da faculdade. Jaco e sua família voltam para Fort Lauderdale, morando temporariamente na casa da mãe de Tracy. Lá, ele começa a lecionar na Universidade de Miami. Jaco era um péssimo professor, pois não tinha paciência com seus alunos. Ele não gostava nem um pouco de dar aula, fazia isso apenas porque tinha uma família para sustentar. De 6 Esta gravação de “Havona” é a faixa 5 do CD que acompanha este trabalho. 19 20 alunos apenas um conseguiu tirar nota A, o guitarrista Hiram Bullock, que tocaria com ele anos mais tarde. No verão de 1975, ele vai para Boston para retomar o trio com Pat Metheny e Bob Moses. Ao voltar para Fort Lauderdale, ele conhece o produtor Bobby Colomby. Colomby era baterista da banda Blood Sweet and Tears e, graças ao grande sucesso da banda, tinha um acordo com Steve Popovich, da Epic Records. Qualquer artista que Bobby quisesse produzir seria lançado por Steve. Mas a princípio a idéia de gravar o LP solo de um baixista pareceu absurda para Steve Popovich, então Colomby levou Jaco até Nova York para tocar para Popovich e Jim Tyrell (chefe de marketing da Epic), que por coincidência também era baixista. Jaco assina com a Epic Records em 15 de setembro de 1975. Ele pára de dar aulas na Universidade de Miami e se concentra na gravação de seu primeiro LP. Intitulado simplesmente Jaco Pastorius, o LP conta com a participação de grandes músicos como Herbie Hancock, Michael e Randy Brecker, Narada Michael Waden, o futuro companheiro de Weather Report Wayne Shorter e a dupla de cantores de soul Sam & Dave. Além dos músicos que já haviam tocado com Jaco, como Othello Molinoux, Bobby Economou, Don Alias e Peter Graves. O LP é lançado em agosto do ano seguinte e causa um grande impacto entre os baixistas da época. Segundo Neil Stubenhaus (professor da Berklee), logo após o lançamento desse LP, ele teve um grande influxo de alunos de baixo. As aulas da faculdade durante esse período consistiam em analisar a gravação de Jaco para tentar entender o que ele estava fazendo. 20 Em dezembro de 1975, logo após ter terminado a gravação de Jaco Pastorius, ele participa da gravação da música “Portrait of Sal la Rosa” de Ira Sullivan e viaja para a Alemanha para fazer a gravação do LP Bright Size Life, de Pat Metheny. No Weather Report Em 1976, Jaco é convidado por Joe Zawinul para entrar no Weather Report. Os dois já se conheciam desde 1974 quando a banda tocou no Gusman Theatre em Miami, na turnê do LP Mysterious Traveller. Jaco tocou na abertura feita pela big band da Universidade de Miami (no repertório estavam duas músicas suas “Domingo” e “Amelia”), mas devido a um atraso do Weather Report, eles não chegaram a vê-lo tocar. Porém, após o show, Jaco se encontrou com Zawinul fora do teatro. O diálogo entre eles foi algo assim: Jaco: Mr. Zawinul, eu estava no show hoje. Tenho acompanhado a sua música desde Cannonball Adderley, e gosto muito dela. Joe: Legal, o que você quer? Jaco: Eu só queria dizer que tenho sido um fã seu por muitos anos. Meu pai era fã de Cannonball, e eu gostaria de tocar para você algumas músicas minhas. Joe: Ahn...qual é o seu nome? Jaco: Meu nome é John Francis Pastorius III, e sou o melhor baixista do mundo. Joe: Saia já daqui! (MILKOWSKI, 2005, p. 85)7 7 A tradução deste diálogo foi feita pelo autor desta monografia. 21 Zawinul queria se livrar logo daquele jovem baixista, mas ele era persistente. Uma jornalista ali presente o aconselhou a prestar atenção naquele baixista apesar de seu jeito estranho, então ele pediu uma fita demo para Jaco. No dia seguinte Jaco levou para Zawinul uma cópia da gravação feita no Criteria Studios com Alex Darqui, Bobby Economou, Othello Molineaux e Don Alias. Zawinul gostou muito do que ouviu, especialmente de “Continuum”. Mas na época a banda já tinha um ótimo baixista (Alphonse Johnson) e não estava nos planos de Zawinul mudar de baixista no momento. Eles continuaram se correspondendo por cartas até que, no final de 1975, durante a turnê de Tale Spinnin, Alphonse Johnson anunciou que iria deixar a banda para formar um novo grupo com o baterista Billy Cobham e o tecladista George Duke (o grupo é o CBS All-Stars, do qual também faziam parte o guitarrista Steve Khan e o saxofonista Tom Scott). O Weather Report estava no meio da gravação do álbum Black Market quando Johnson saiu. Jaco foi convidado para fazer um teste, que consistia na gravação da música “Cannonball”, composta por Zawinul em homenagem ao saxofonista Cannonball Adderley, que havia falecido em agosto daquele ano. Segundo Narada Michael Waden (baterista que participou da gravação), Jaco estava querendo impressionar Joe Zawinul na passagem da música, tocando de forma muito complexa. Mas Joe disse para ele não colocar tantas notas e tocar de forma mais melódica, o resultado é o que ouvimos no álbum. Além de tocar em “Cannonball”, Jaco também contribuiu com uma composição sua, chamada “Barbary Coast”, para o LP. 22 Black Market foi lançado em março de 1976 e a turnê de divulgação começou em abril com um show no Hill Auditorium em Ann Arbor, Michigan. Em julho, a banda se apresentou no Montreux Jazz Festival. Esse ano foi intenso para Jaco Pastorius. Além de sua entrada no Weather Report e do lançamento do LP Black Market, também foi o ano de lançamento do LP Bright Size Life de Pat Metheny e de seu LP solo Jaco Pastorius (lançado em agosto, quando ele já fazia parte do Weather Report). No mesmo ano, Jaco ainda participou da gravação do LP All-American Alien Boy, do rockeiro inglês Ian Hunter, do LP Hejira, da cantora Joni Mitchell, e do LP Land of Midnight Sun, do guitarrista Al Di Meola. Além disso, antes de entrar para o Weather Report, ele havia passado alguns meses tocando no Blood, Sweet and Tears, substituindo Ron McClure. Foi durante essa turnê que ele conheceu Mike Stern, guitarrista da banda na época. No ano seguinte, o Weather Report lançou o LP Heavy Weather. O impacto da entrada de Jaco na banda pode ser percebido de forma muito mais profunda nesse LP do que no anterior. A começar pelo fato de ele ter contribuído com duas composições suas, “Teen Town” e “Havona”. Nessas duas músicas o baixo tem um papel de destaque. Na primeira o baixo é o solista tendo o resto da banda o acompanhando tanto na intrincada melodia quanto no improviso. Enquanto que em “Havona” a linha de baixo é um intrincado contracanto melódico e o solo de baixo uma rara mistura de virtuosismo e lirismo.8 A presença de Jaco se impunha também nas músicas de Joe Zawinul e Wayne Shorter. Em relação às composições do primeiro, a faixa de abertura “Birdland” traz o uso de harmônicos artificiais por Jaco, que já chamam a atenção logo de início. Na 8 Essa gravação de “Havona” se encontra na faixa 6 do CD que acompanha este trabalho, e uma análise detalhada dela será feita no capítulo seguinte. 23 seqüência, a balada “A Remark You Made” nos traz a habilidade de Jaco de tocar o fretless como se fosse uma voz, alias Zawinul fez essa música pensando justamente nessa sonoridade de Jaco. Em “Harlequim” Jaco possui uma presença um pouco menor do que nas músicas já citadas, mas mesmo assim sua linha se sobressai bastante, especialmento no momento em que ele toca acordes da região aguda do instrumento. Já em relação às composições de Shorter, na música “Palladium” o groove feito por Jaco tem um papel fundamental na música, funcionando como um contracanto. E em “The Juggler” Jaco atua de forma mais sutil, dobrando a melodia em alguns momentos, tocando notas longas em outros, seguindo o caráter minimalista da música. Além disso, ele trabalhou na produção do álbum junto com Zawinul, o que não havia acontecido até aquele momento com nenhum outro músico que passou pela banda. Essa parte da produção nas mãos de Jaco teve forte influência na sonoridade do álbum. Na resenha do álbum feita por Neil Tesser, da revista Down Beat, o crítico diz que a banda nunca havia usado o estúdio como um instrumento como nesse LP. (MILKOWSKI, 2005, p. 97) O disco teve um êxito comercial muito maior do que o anterior, chegando à marca de 400 mil cópias vendidas no verão de 1977. O sucesso foi seguido com diversas premiações, sendo elas: o álbum do ano na revista Down Beat, álbum número um na lista escolhida pelo público da revista polonesa Jazz Forum, álbum do ano e grupo do ano na revista Playboy e disco de prata na revista japonesa Swing Jornal. Nesse ano, Jaco também participou da gravação dos LPs Don Juan’s Reckless Daughter, de Joni Michell, I’m Fine, How Are You?, de Airto Moreira, e TrialougeLive!, do trombonista alemão Albert Mangelsdorff. 24 O mesmo ano marca o fim do casamento de Jaco com Tracy e o início de sua relação com a mulher que viria a ser sua segunda esposa e mãe de dois de seus filhos, Elisabeth Ingrid Hornmüller. O enorme sucesso de Heavy Weather trouxe consigo uma enorme pressão sobre Jaco, e foi justamente nessa época que ele começou a beber exageradamente e a usar cocaína. Pat Jordan conta um incidente que aconteceu durante a turnê desse álbum: Uma noite, após um show, Zawinul estava bebendo vodka no camarim da banda, como de costume. Ele ofereceu para Jaco. Jaco recusou. Zawinul insistiu e Jaco tomou seu primeiro drink, depois o segundo. “Ele ficou estranho após dois drinks” disse Zawinul. “Ele começou a falar coisas. Eu percebi naquele momento que havia cometido um erro”. (MILKOWSKI, 2005, p.100)9 Jaco já havia tido um contato anterior com a bebida, mas foi nesse período que começou a usá-la de forma abusiva, o que lhe traria sérios problemas futuramente. Em 1978, o Weather Report lançou o álbum Mr.Gone que consiste em um grande experimento de timbres feito por Joe Zawinul. Em uma época pré-MIDI é impressionante o trabalho feito pelo tecladista. A presença de Jaco nesse LP fica um pouco obscurecida pelo uso de baixo sintetizado por Zawinul. Mas mesmo assim, Jaco traz sua forte presença em duas composições suas: a virtuosa “Punk Jazz” e a dançante “River People”. O LP ficou bem longe em termos comerciais de seu antecessor, recebendo críticas severas, como a resenha de uma estrela na revista Down Beat (o LP anterior teve cinco estrelas). 9 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia. 25 No mesmo ano Jaco também participou da gravação dos LPs Intimate Strangers, de Tom Scott, Sunlight, de Herbie Hancock, e Everyday Everynight, de Flora Purim. E foi eleito tanto pelo público como pelos críticos como o melhor baixista do ano pela revista Down Beat. Em fevereiro de 1979, o Weather Report fez uma viagem para Havana, onde eles fizeram parte da histórica Havana Jam, onde ocorreram os primeiros concertos de artistas americanos em Cuba após a Revolução Cubana. Durante essa temporada em Havana, Jaco também fez um show em trio com John McLaughlin na guitarra e Tony Williams na bateria. Intitulado de Trio of Doom, o power trio prometia ser uma grande sensação no universo fusion, eles ensaiaram em Nova York e tudo estava ótimo, mas o que aconteceu no show foi algo muito diferente do esperado. A banda ia tocar apenas três músicas, sendo uma de cada um dos integrantes. A música que abriu o show foi “Dark Prince” de McLaughlin. Essa música é um blues em C menor, e o que aconteceu foi que Jaco começou a tocar sobre A maior em um volume extremamente alto. Isso não tinha nada a ver com o que eles haviam ensaiado, e McLaughlin estava desesperado ao ouvir o que Jaco fazia com sua música. Na música seguinte, “Para Oriente” de Williams, Jaco fez o mesmo que havia feito na anterior, e ao chegar a sua vez começou a fazer malabarismos com o baixo à la Jimi Hendrix. O show foi um completo fiasco, logo após o fim, Jaco foi falar com McLaughlin, que lhe disse que aquilo foi a pior coisa que ele já havia ouvido e que nunca havia sentido tanta vergonha em estar no palco ao lado de uma pessoa como naquele dia. 26 Tony Williams não disse nada para Jaco no dia. O trio foi chamado para gravar as músicas desse show em um estúdio (a CBS queria lançar a gravação feita do show, mas os músicos não permitiram, então gravar em estúdio foi a solução), e foi aí que ele explodiu, teve uma séria discussão com Jaco, entrou dentro do estúdio quebrou toda a sua bateria e saiu. Algo estava muito diferente em Jaco, o uso das drogas misturado ao efeito emocional do fim do seu primeiro casamento e a pressão de fazer parte de uma das maiores bandas do mundo o haviam deixado perturbado de uma forma muito grande. Esse fiasco foi só um primeiro sintoma de uma série de atitudes autodestrutivas que se seguiriam no decorrer dos anos. A atuação do Weather Report com certeza foi muito melhor do que a do Trio of Doom, e foi registrada em dois LPs, Havana Jam (lançado em junho de 1979) e Havana Jam 2 (lançado em novembro de 1979). No mesmo ano o Weather Report lançou o LP duplo 8:30, gravado ao vivo entre outubro de 1978 e fevereiro de 1979. O álbum mistura músicas dos LPs Heavy Weather e Black Market com músicas anteriores a entrada de Jaco, como “Scarlet Woman”, do LP Mysterious Traveler. O famoso solo de Jaco, “Slang”, também faz parte desse LP. Além da gravação ao vivo o álbum também possui três músicas inéditas gravadas em estúdio, “Brown Street”, “Sightseeing” e “The Orphan”. Jaco e Ingrid se casam em julho de 1979, no mesmo ano ele tocou com Joni Mitchell durante a turnê do disco Shadows and Light e foi eleito novamente o melhor baixista do ano pela Down Beat. 27 Em fevereiro de 1980, Jaco assinou um contrato com a Warner Bros. Para lançar um LP solo, ainda sem nome, que viria a ser o Word of Mouth. Esse contrato gerou uma série de discussões com a gravadora de seu primeiro LP, a Epic. As gravações de seu projeto solo começaram em agosto de 1980, e por sete meses Jaco ficou viajando entre Miami, Los Angeles e Nova York para completar as gravações. No mesmo ano o Weather Report gravou o LP Night Passage. Nesse LP, Jaco apresenta uma de suas composições mais complexas, “Three Views of a Secret”, que seria gravada mais tarde por sua big band. E Jaco é novamente eleito novamente o melhor baixista do ano pela Down Beat. Em 1981, durante uma turnê japonesa com o Weather Report, Jaco repetiu um comportamento muito semelhante ao que havia feito em Havana com McLaughlin e Williams. Peter Erskine conta que Jaco estava tocando normalmente e, de repente começava a bater no baixo e tocar notas totalmente fora da música, depois voltava a tocar dentro da música por algum tempo, mas não demorava muito e já saía da música novamente. Ele estava totalmente fora de si. Nesse período ele estava se drogando cada vez mais e seu casamento com Ingrid não ia nada bem, eles estavam sempre brigando, o que só fazia Jaco ir mais fundo no vício. Após esse incidente, Zawinul estava decidido e demiti-lo da banda. Porém, após um pedido de desculpas de Jaco ele resolveu dar mais uma chance para o baixista. O show do dia seguinte foi um completo sucesso entre os críticos e o público. Os críticos concordaram em não escrever nada sobre o primeiro show, mas nada poderia apagar o que havia acontecido. 28 Saindo do Japão, o Weather Report retornou para os EUA para tocar no Playboy Jazz Festival, em junho de 1981. No mês seguinte eles entraram em estúdio para gravar o LP Weather Report. A atuação de Jaco nesse álbum é bastante reduzida comparada aos outros. Nenhuma das composições é de sua autoria e pela primeira vez desde Heavy Weather ele não participou da produção do LP junto com Zawinul. Em parte essa atuação reduzida se deve ao fato de Jaco estar mais concentrado em seu projeto solo do que na banda. E é justamente para poder se dedicar totalmente a esse projeto que Jaco deixa o Weather Report no final de 1981. Word of Mouth O novo projeto de Jaco era algo que exigia bastante dele, liderar uma big band, a qual ele havia dado o nome de Word of Mouth. Como já foi dito, as gravações se iniciaram em agosto de 1980. Jaco utilizou algumas técnicas de gravação nada usuais. Em “Crisis”, por exemplo, a única coisa que todos os músicos ouviam ao gravar era a linha de baixo e tinham que improvisar livremente sobre essa linha. E em alguns momentos ele soltava a gravação de algum outro instrumento por alguns compassos e logo retirava para ver a reação do músico que estava gravando a esse tipo de estímulo. Esse tipo de experimento no estúdio, apesar de ser bastante interessante de um ponto de vista artístico, não era visto com bons olhos pela gravadora, por ser muito caro. De modo geral toda essa gravação foi extremamente cara para a Warner. Essa questão financeira unida ao comportamento abusivo de Jaco, que costumava chegar bêbado nas reuniões com a gravadora, deixaram os executivos da Warner em dúvida se deveriam lançar mesmo o LP. (MILKOWSKI, 2005, p. 127) 29 Eles esperavam músicas com uma característica pop como “Birdland”, que fizesse sucesso com o público de pop e rock, mas que tivesse a credibilidade do jazz. Mas o que Jaco deu a eles foi “Crisis”. Uma música que estava longe de ser comercial. Apesar de todos os imprevistos, o álbum Word of Mouth foi lançado no verão de 1981 e teve uma ótima repercussão com a crítica e com o público, chegando a ganhar um disco de ouro no Japão e sendo considerado o melhor disco de jazz do ano pelos críticos japoneses. A primeira apresentação pública da big band10 aconteceu no bar Mr.Pip’s, em Fort Lauderdale, no dia do aniversário de 30 anos de Jaco. Essa gravação seria lançada após a sua morte com o título de The Birthday Concert. Em janeiro do ano seguinte (1982), a big band começou a fazer uma turnê pelos EUA, passando por São Francisco, Los Angeles e Nova York. No mesmo ano, Ingrid (a segunda esposa de Jaco) deu a luz a gêmeos. Mas a mãe mal deixava ele chegar perto das crianças, por causa de seus vícios com a bebida e as drogas. Isso o deprimia bastante, e essa depressão o levava a se drogar cada vez mais. No verão de 1982, Jaco deixou a sua família em Fort Lauderdale e foi para Nova York para organizar a turnê japonesa de sua big band. Durante esse período ele ficou hospedado na casa do guitarrista Mike Stern. Stern nesse momento também estava indo fundo no uso de drogas, o que só incentivava Jaco e não deixar o vício. Além disso, o apartamento de Stern ficava sobre um bar chamado 55 Grand, mas que era mais conhecido como “55 Grams” pelos seus freqüentadores por causa do alto consumo de cocaína dentro do bar. Muitos músicos 10 Durante esse período a big band era composta por: Peter Erskine na bateria; Don Alias, Bobby Thomas Jr. e Oscar Salas na percussão; Brian O’Flaherty, Kenny Faulk, Brett Murphey e Melton Mustafá nos trompetes; Dan e Neal Bonsanti, e Gary Lindsay nos saxofones; Peter Graves, Russ Freeland e Mike Katz nos trombones; Peter Gordon e Steve Roitstein nos french-horns; Dave Bargeron no trombone e na tuba; Randy Emerick no saxofone barítono; Othello Molineaux e Paul Hornmüller nos steel pans; e os solistas Michael Brecker, Bob Mintzer e Jaco. 30 de jazz iam para esse bar e aconteciam jams todos os dias. A rotina de Jaco durante esse período era de tocar com Stern em seu apartamento de dia e no bar de noite. Após sua temporada com Stern, Jaco embarca com sua big band para o Japão. Durante essa turnê11, Jaco apresentou diversos comportamentos que foram vistos com estranheza pelos membros da banda. Como tirar as roupas e correr nu pelo palco, ou ficar pintando o rosto e o baixo com canetas coloridas (Magic Makers). Durante um dos shows ele atirou seu baixo na baía de Hiroshima, o que lhe rendeu a capa de todos os jornais em Tóquio. Na volta da turnê japonesa, Jaco foi internado por Ingrid e por seus amigos mais próximos no hospital psiquiátrico Coral Ridge, onde permaneceu por uma semana. Saindo de sua estadia forçada no hospital psiquiátrico, ele começou a fazer os preparativos para uma turnê européia de uma versão reduzida da big band. Nessa turnê, seus comportamentos estranhos se repetiram. Em um show para vinte mil pessoas na Itália ele saía do palco a toda hora, deixando os membros de sua banda perdidos. E quando estava no palco xingava a platéia e tocava coisas totalmente fora do contexto em um volume extremamente alto e com o baixo desafinado. Em 1983, Jaco iniciou um outro projeto, intitulado Holiday For Pans. No qual a principal atração era seu amigo tocador de steel pans Othello Molineux. Esse projeto foi rejeitado pela Warner pelo fato da gravadora não ver um retorno financeiro nele. Nesse momento, Jaco se desligou da gravadora e seguiu em frente com o projeto gravando por conta própria. 11 Essa turnê foi registrada nos LPs Twins I & II e Invitation. 31 No mesmo ano Jaco também participou da gravação do LP Nightfood do baterista Brian Melvin. E formou um sexteto com integrantes da big band para apresentações em locais menores. Os Anos Finais A partir desse momento, todos os shows em que Jaco participou estavam sujeitos ao fracasso graças a seu tipo de comportamento. No ano de 1984, Jaco tocou com seu sexteto no Playboy Jazz Festival e participou como convidado especial da turnê japonesa da orquestra de Gil Evans. Em ambos os casos o resultados não foram dos melhores. Evans cita que o comportamento de Jaco era totalmente imprevisível. Em alguns dias estava calmo e tocava maravilhosamente bem. Já em outros ele levava o show a um total fracasso. No final desse ano ele conheceu Teresa Nagell, que foi a última mulher com quem manteve um relacionamento. Nesse mesmo período, ele e o baterista Rashied Ali fizeram uma turnê pelo Caribe, dando workshops e fazendo shows. Um desses shows foi lançado em um bootleg japonês com o nome de Blackbird. A sintonia entre os dois estava muito boa durante essa turnê, e o comportamento de Jaco estava mais tranquilo. Mas essa estabilidade não durou muito. Na turnê européia do LP Night Food de Brian Melvin (em 1985), Jaco repetiu o mesmo tipo de comportamento que havia tido anteriormente. Sobre essa turnê, Melvin diz o seguinte: “Essa primeira turnê foi um completo desastre; ela foi classificada nos jornais locais como entre os piores concertos de jazz que já haviam acontecido” (MILKOWSKI, 2005, p.187). 32 Nesse mesmo ano, seu divórcio com Ingrid se oficializou. E ele participou da gravação de um disco promocional do lutador Muhammed Ali, que tinha o objetivo de juntar fundos para combater a fome. Mas esse disco nunca foi lançado. Em maio de 1985, Jaco foi chamado para dar um workshop sobre composição na Third Street Music School. Ele chegou ao local sem baixo ou amplificador, e começou a tocar piano. Quando um espectador gritou para ele que tocasse baixo ele respondeu mostrando seu dedo do meio para a platéia. Daí para frente a situação só piorou, terminando com a chegada da polícia para afastá-lo do local. Durante esse período Jaco causava bastante confusão pelos bares de Nova York. Em muitos deles ele estava proibido de entrar, e essa situação apenas pioraria com o tempo. Ainda em 1985, ele é despejado de seu apartamento e passa a morar na casa de amigos. Em setembro desse ano seu empresário consegue um contrato para a gravação de uma videoaula intitulada Modern Electric Bass pela DCI vídeo. Para que tudo desse certo durante essa gravação, o empresário deixou Jaco por três dias sob vigilância total em um hotel para que ele não tivesse nenhum contato com drogas. Essa videoaula constitui uma entrevista pelo consagrado baixista Jerry Jemmott, que por sinal influenciou bastante Jaco. Ao final da entrevista/videoaula está registrada uma performance de um trio formado por Jaco, John Scofield e pelo baterista Kenwood Dennard12. Com os bares se fechando cada vez mais para ele e o uso das drogas cada vez mais acentuado em sua vida, Jaco chegou ao ponto de tocar no Washinton Square Park a troco de esmolas. 12 Dennard já havia trabalhado com Jaco em sua big band e no sexteto Word of Mouth. 33 Com exceção do Lone Star e do Seventh Avenue South, todos os bares da cidade haviam vetado a presença de Jaco. Vários baixistas que copiavam o estilo criado por ele arrumavam trabalho em diversos lugares, mas ele próprio estava restrito a tocar apenas nesses dois lugares. Em outubro, Jaco montou o PDB trio. Que era formado por ele, pelo guitarrista Hiram Bullock (que havia feito aulas com ele no período em que lecionava na Universidade de Miami) e pelo baterista Kenwood Dennard. Esse trio teve a sua atuação restrita aos dois bares em que a entrada de Jaco era permitida. Em 1986, Jaco vai para a Europa para tocar na turnê do guitarrista Bireli Lagrene. Durante essa turnê, Jaco se manteve sóbrio por mais tempo e, com algumas exceções, tocou excepcionalmente bem e não causou muita confusão. Após a turnê, Jaco começou a negociar com a Blue Note Records uma possível gravação de um trio que contaria com a presença de Lagrene e Dennard. Mas Jaco rejeitou a oferta feita pela gravadora, por considerar que era muito pouco dinheiro para um artista como ele. Nesse período Jaco passava grande parte de seu tempo em uma quadra de basquete pública. Em uma ocasião ele chegou a vender suas roupas na rua para comprar umas cervejas para si mesmo, e para seus amigos que frequentavam essa quadra. Ele foi passando cada vez mais seu tempo nessa quadra, chegando a um ponto em que podemos dizer que ele se mudou para essa quadra: ele fazia tudo por lá durante o dia e era ali que dormia a noite (isso quando não passava a noite acordado). O telefone de contato que Jaco dava para pessoas interessadas em marcar algum show com ele, que não eram muitas nessa época, era o telefone público que 34 ficava ao lado da quadra. E os seus “secretários” eram os companheiros das partidas de basquete. Em junho de 1986, o trio PDB fez sua última apresentação no Lone Star Café. Os excessos de Jaco com a bebida haviam desmotivado totalmente os outros integrantes a continuar com esse projeto. O irmão de Jaco, Gregory Pastorius, havia sido avisado por Teresa dos recentes comportamentos do baixista. E Gregory foi até Nova York conferir o que estava acontecendo com ele. Após seguir Jaco, sem que esse percebesse, Gregory viu o irmão tirar a roupa no meio da rua, roubar a bebida de turistas e insultar todas as pessoas que passavam por seu caminho. Gregory então convenceu Jaco a passar um tempo em tratamento psiquiátrico no Bellevue Hospital. A sua estadia nesse hospital, a princípio, seria por apenas um fim de semana, mas acabou durando dois meses. Os médicos diagnosticaram síndrome bipolar nele, o que explica suas mudanças de atitude drásticas de um momento para outro. Durante esse período, ele passava grande parte do tempo no telefone, ligando para todas as grandes gravadoras tentando fechar um contrato, que seria seu retorno triunfal. Mas nesse momento todas as portas estavam fechadas, devido ao comportamento que havia tido anteriormente com a Warner. A única vez que ele saiu do hospital durante esse período foi para fazer uma mixagem de duas horas de seu projeto Holiday for Pans, no qual Jaco depositava todas as esperanças de seu retorno aos holofotes. Porém esse projeto estava longe de ser comercial, nenhuma gravadora se interessava por ele. 35 Após sair do hospital Jaco foi morar em São Francisco, com o baterista Brian Melvin, que mantinha uma vigilância severa sobre ele quanto a tomar as medicações receitadas e não se drogar. Jaco estava começando a melhorar, tinha voltado a levar o estilo de vida saudável que levava antes de entrar para o Weather Report. Porém as brigas com Teresa ficavam cada vez mais intensas. O ápice dessas discussões ocorreu quando ela ficou grávida e resolveu abortar. O que Jaco não aceitava, mas ao mesmo tempo não tinha condições de criar um filho. Todos os filhos que teve anteriormente haviam sido criados praticamente apenas pelas mães. Esse fato o deixou bastante deprimido, e logo voltou a beber e a se drogar. Em novembro de 1986, Jaco voltou para Nova York, passando a morar no apartamento de James Cannings. No mês seguinte ele voltou para a Europa com Bireli Lagrene para promover o álbum Stuttgard Ária, do guitarrista, que havia sido lançado no mesmo ano e contava com a participação de Jaco nas gravações. Em janeiro de 1987, Jaco se mudou com Teresa para a cidade em que cresceu, Fort Lauderdale. Os dois se hospedaram na casa da mãe de Jaco. Mas a partir desse momento o relacionamento deles não durou muito. Logo ele começou a repetir o mesmo tipo de comportamento que havia tido em Nova York, dormindo na rua, bebendo e arrumando confusão. Em uma dessas aventuras ele foi preso por estar dirigindo um carro roubado. Durante sua estadia na cadeia ele teve a sorte de contar com a ajuda de dois antigos amigos de escola, que também eram seus fãs, para deixar os dias menos tediosos. Eles traziam instrumentos e folhas de partitura para Jaco. 36 Em um desses dias, ele deu um pequeno show, tocando clássicos de James Brown, Sam&Dave e Creedance Clearwater Revival entre outros. Esse foi o último show que ele fez em sua vida, tocando violão na cadeia para os presidiários e policiais. Jaco deixou a prisão no dia 10 de setembro de 1987. Na madrugada do dia 12 de setembro ele entrou em uma briga com o segurança de um bar, que não queria deixá-lo entrar no local. Após essa briga Jaco entrou em coma, e no dia 21 de setembro teve morte cerebral. 37 1.2 Influências 1.2.1 Influências Gerais Ao ser questionado em uma entrevista13 de 1977 quais baixistas o haviam influenciado, Jaco cita Bernard Odum, Jerry Jemmott, Ron Carter e Gary Peacock. Mas diz que a sua grande inspiração foram os cantores, pois eles tinham a habilidade de fazer música de forma personalizada. Era essa personalidade que Jaco buscava ao tocar baixo e certamente atingiu uma maneira muito própria de tocá-lo. Em outra entrevista14 ele cita, entre os cantores, Frank Sinatra como sendo sua principal influência. Pois, segundo ele, Sinatra cantava em uma região barítono/tenor existente no baixo. Ele continua dizendo que, quando faz uma melodia15, ele se concentra na qualidade de cada nota, para conseguir tirar o melhor som de cada uma delas, não importando a velocidade em que é tocada. Um exemplo bastante claro do uso do baixo fretless como uma voz está na música “A Remark You Made” do LP Heavy Weather do Weather Report. Outra grande influência de Jaco foi Charlie Parker. A música que abre seu primeiro LP solo é “Donna Lee” de Parker, em um arranjo bastante inusitado de baixo e congas (tocadas por Don Alias). Nessa música ele apresenta um virtuosismo nunca visto antes na história do baixo elétrico. A influência de Charlie Parker se mostra bastante presente em músicas como “Punk Jazz” do LP Mr.Gone e “Teen Town” do LP Heavy Weather, entre outras. Em uma entrevista cedida à revista Down Beat em 1977, Jaco diz que nunca havia ouvido alguém tocar uma música como essa no baixo, sem estar acompanhado 13 Entrevista feita por Jullye Corryel, que foi lançada posteriormente em seu livro Jazz-Rock Fusion – The People, The Music (1978). Obtida no site www.jacopastorius.com 14 Entrevista feita por Steve Rosen em 1978. Obtida no site www.jacopastorius.com 15 Nesse caso a palavra melodia também compreende, além das melodias (temas) propriamente ditas, os solos e os acompanhamentos (vistos por ele como contrapontos melódicos). 38 de um instrumento harmônico. A principal dificuldade está em deixar a harmonia implícita à melodia, de forma que ela possa ser ouvida claramente. Não estamos falando do uso de acordes, mas sim de uma melodia que apresenta tão claramente a harmonia que o acompanhamento harmônico deixa de ser necessário (MILKOWSKI, 2005, p. 77). Essa é uma qualidade que os grandes saxofonistas têm. Além do já citado Parker, ele também cita Wayne Shorter, Sonny Rollins, Ira Sullivan e o pianista Herbie Hancock como músicos que possuem essa habilidade melódica e o influenciaram nesse aspecto. Outro saxofonista que o influenciou foi John Coltrane, principalmente com a música “Giant Steps”, que é tocada por Jaco no LP ao vivo Invitation (1982), em um medley com “Reza”. E também em seu projeto Holliday for Pans, do mesmo ano, com Othello Molineux fazendo a melodia no steel drums. Maiores detalhes sobre essa influência serão dados na análise de “Havona”, no capítulo seguinte. A harmonia de Coltrane baseada em ciclos de terças é uma das influências nessa música. Na verdade havia uma influência comum aos dois, que era o livro Thesaurus of Scales and Melodic Patterns de Nicolas Slonimsky.16 O já citado pianista/tecladista Herbie Hancock foi uma grande influência para Jaco. Segundo Alex Darqui (também pianista), após ouvir o LP Fat Albert Rotunda17, de Hancock, Jaco ficou impressionado ao ponto de comprar um Fender Rhodes para deixar na casa de Darqui (os dois eram vizinhos, e Jaco tinha acesso livre para o apartamento do amigo) (MILKOWSKI, 2005, p.51). 16 Publicado em 1947, o livro circulou pela mão de vários músicos de jazz no meio dos anos 50. Em seu livro John Coltrane: His Life and Music (p.149), Lewis Porter mostra que o padrão melódico dos oito últimos compassos de “Giant Steps” são praticamente iguais ao primeiro exemplo da página 40 do livro de Slonimsky, porém transpostos uma quinta acima. 17 Uma versão da música “Wiggle Waggle”, que pertence a esse LP de Hancock, pode ser encontrada no CD Portrait of Jaco: The Early Years 1968-1978 lançado em 2003. 39 Herbie participou ativamente do primeiro LP solo de Jaco. Além de tocar em praticamente todas as músicas, ele também contribuiu com sua composição “Speak Like a Child”, que aparece em um medley com “Kuru” de Jaco. Outro destaque na atuação de Herbie é a música “Forgoten Love”. Na entrevista18 cedida a Jerry Jemmott em 1985, Jaco cita Charles Mingus como uma influência. Porém ele o teria influenciado mais como compositor do que como baixista. Mingus era líder de uma big band, o que era algo bastante incomum para a época. Ele foi um baixista que ultrapassou a função de seu instrumento e, além de fazê-la muito bem, também compôs, arranjou e liderou um grupo de músicos. Foi exatamente o que Jaco fez em sua big band, Word of Mouth, e de certa forma em toda a sua carreira. A começar pela composição “Domingo”, passando pelos arranjos de cordas de seu primeiro LP solo e por sua grande influência na produção dos LPs do Weather Report. Jaco sempre foi bem mais do que um excelente instrumentista, mas na maioria das vezes ele ainda é lembrado apenas como um virtuose do baixo, o que sem sombra de dúvida deve ser lembrado, porém sem nos esquecermos de suas qualidades como compositor, arranjador e produtor. Saindo do jazz e entrando no rock, temos uma grande influência para Jaco, que foi Jimi Hendrix. As músicas “Purple Haze” e “Third Stone from the Sun”, de Hendrix, eram tocadas frequentemente em seus solos na época do Weather Report em meio a músicas que teoricamente não teriam muita ligação com elas, como as já citadas “Donna Lee” e “Giant Steps” entre outras, levando ao extremo o conceito de fusion (MILKOWSKI, 2005, p.91-92). 18 Essa entrevista foi feita em 1985 e faz parte da videoaula Modern Electric Bass. O entrevistador, Jerry Jemmott foi uma das grandes influências de Jaco, como veremos a seguir. 40 A versão de Jaco para essas músicas pode ser encontrada no LP Heavy’n Jazz (1986), em um medley entre as duas músicas e “Teen Town”. No mesmo LP, ainda há uma versão do hino americano, tocado no baixo com distorção, claramente inspirada na clássica versão do guitarrista. Hendrix influenciou bastante a performance de Jaco no palco. Muitos críticos repudiavam a atitude dele. Mas atitudes como jogar o baixo para cima e pegá-lo no ar ou deslizar pelo palco enquanto solava19 chamavam a atenção de fãs de rock para os shows da banda, que viam uma atitude parecida em Pete Townshend do The Who, por exemplo. Isso gerava uma troca bastante positiva entre fãs de jazz e de rock. Dentro da música erudita, podemos dizer que a maior influência para Jaco foi Johann Sebastian Bach. Na já citada entrevista cedida a Jerry Jemmott, Jaco enfatiza a importância dos baixistas tocarem melodias. Segundo ele, quando você aprende a melodia, a sua maneira de tocar baixo muda. Pois, depois de conhecer o que o outro instrumentista irá tocar, você toca melhor a sua parte, preenche melhor os espaços e assim a melodia e o baixo se completam um ao outro. Além de sempre haver a possibilidade da melodia ser executada no baixo. Jaco cita como exemplo, para ilustrar essa situação, um cânone de Bach, em que a melodia e o baixo têm a mesma importância, sendo que os acordes se formam entre eles. Essa visão contrapontística é fundamental para se compreender a sua obra. Dois grandes exemplos de sua característica contrapontística estão nas músicas “Havona” (que será analisada no capítulo seguinte) do LP Heavy Weather e na versão do tema de Charles Mingus “Goodbye Porkpie Hat” gravada no LP Mingus 19 Na página 106 do livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, Peter Erkisine (baterista que integrou o Weather Report) descreve como Jaco jogava talco sobre o palco, para poder deslizar melhor. 41 da cantora Joni Mitchell: o contraponto entre voz e baixo é tão grande que o uso de um instrumento harmônico entre os dois passa a ser um detalhe. A música “Choromatic Fantasy”, de Bach, foi gravada no LP Word of Mouth. Ao executar essa música em seu workshop na Berklee, em 1974, Jaco deixou professores e alunos bastante abismados com as possibilidades técnicas no baixo elétrico. Muitos deles eram puristas, que viam o baixo elétrico como um sucessor “bastardo” do baixo acústico (MILKOWSKI, 2005, p.70). Outra influência de Jaco é a música caribenha. As músicas de Cuba, Jamaica e Trinidad e Tobago tiveram forte influência sobre sua forma de tocar. Em sua, já citada, entrevista cedida a Julie Coryell, Jaco conta que sua família se mudou para a Flórida quando ele tinha sete anos e, desde então, costumava ouvir bandas cubanas e bandas de steel drums (instrumento de Trinidad e Tobago) com frequência. A influência da música cubana fica clara em músicas como “(Used To Be A) Cha-Cha”, cujo próprio nome já nos remete a um ritmo cubano.20 Em relação à música de Trinidad e Tobago, a influência maior está no contato com Othello Molineux, que foi um grande amigo de Jaco e era oriundo deste país. Jaco estava acostumado a ouvir as bandas de steel drums que tocavam para os turistas, mas o que Othello fazia nesse instrumento era algo muito diferente disso, ele tocava o instrumento de uma forma tão revolucionária quanto Jaco tocava o baixo. Um exemplo está na citada versão de “Giant Steps”, com melodia e improvisos feitos no steel drums (MILKOWSKI, 2005, p.61). Jaco costumava tocar nos steel drums que Molineux tinha em sua casa. O resultado dessa experiência pode ser ouvido na música “Palladium” do LP Heavy Weather, em que Jaco toca o steel drums durante o solo de saxofone, que vai de 3’05’’ 20 O ritmo em questão é o cha cha cha, para maiores informações sobre a ligação de Jaco com este ritmo ver página 126. 42 a 3’55”. Uma relação interessante pode ser feita entre a sonoridade do steel drums e a sonoridade dos harmônicos feitos por Jaco. A sua relação com a música jamaicana, especificamente o reggae, começou na época em que ele tocou em um cruzeiro, que atravessava as ilhas do Caribe, em 1971. Quatro anos depois o reggae deixaria de ser uma música conhecida apenas localmente, sendo divulgada por todo o mundo pela voz de Bob Marley. Uma versão de Jaco para a música “I Shot the Sheriff” de Marley pode ser encontrada no LP Live in New York City Volume 2 (MILKOWSKI, 2005, p. 35). Outro músico que Jaco cita como influência é o multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti, que é considerado o criador do Afrobeat, um estilo que consiste na mistura do jazz e do funk com o highlife e a música yorubá da África Ocidental (MILKOWSKI, 2005, p. xxi). Além dos músicos já citados, seus companheiros de Weather Report, especialmente Joe Zawinul e Wayne Shorter, tiveram grande influência na formação musical de Jaco. Podemos dizer que o grande diferencial de Jaco em relação a outros baixistas de sua época estava em tocar um baixo como se fosse outro instrumento, seja como uma voz, um saxofone, um piano, uma guitarra ou um steel drums. 43 1.2.2 Influência de Baixistas Charles Brent (companheiro de C.C. Riders de Jaco) cita cinco baixistas que o haviam influenciado durante a época em que tocaram juntos. Segundo ele, Jaco passava bastante tempo ouvindo Bernard Odum e Charles Sherrell, dois baixistas que haviam trabalhado com James Brown. Aliás, Jaco cita o próprio James Brown como uma de suas grandes influências, tanto no aspecto da performance de palco, como no aspecto musical propriamente dito (MILKOWSKI, 2005, p.41). Bernard Odum21 fez parte da primeira banda permanente de Brown entre 1956 e 1959, época em que gravou hits como “Bewildered,” e “Think”. O seu estilo de tocar era bastante baseado no baixo acústico. Em 1963, ele voltou a ocupar o cargo de baixista na banda de Brown, onde permaneceu até 1968. Nesse período ele participou da transição feita por Brown do soul para o funk. As músicas “I Got the Feelin” e “Got to Getcha” são um bom exemplo de Odum nessa segunda fase, na qual o seu estilo havia se tornado mais sofisticado. “Sweet” Charles Sherell22, como é conhecido, começou tocando bateria (assim como Jaco). Durante esse período como baterista fez parte de um trio de R&B formado por ninguém menos que Jimi Hendrix na guitarra e Billy Cox no baixo. Ao trocar a bateria pelo baixo ele tocou por um tempo com Aretha Franklin e, em 1968, entrou para a banda de Brown, na qual permaneceu por dois anos. Com Brown gravou músicas como “Mother Popcorn”, “The Payback” e “Funky Drummer”. A influência desses dois baixistas em Jaco pode ser vista em músicas como “The Chicken” e “Come On Come Over”. 21 As informações sobre Bernard Odum foram obtidas no artigo James Brown’s Bassist, disponível no site www.bassplayer.com. 22 As informações sobre Charles Sherrel foram obtidas no site: www.sweetcharlessherrel.com 44 Charles Brent cita mais três baixistas que influenciaram Jaco: Tommy Cogbill, Donald “Duck” Dunn e Jerry Jemmott23 (MILKOWSKI, 2005, p.41). Cogbill trabalhou com Aretha Fraklin, Wilson Pickett, Elvis Presley e King Curtis, entre outros. A sua linha de baixo da música “Funk Broadway”, de Wilson Pickett é citada por Jaco24 como uma de suas influências no início de seus estudos. Duck Dunn fez parte dos Blues Brothers, uma banda que fez bastante sucesso na época, pois fazia parte de um programa de TV que misturava comédia e clássicos do R&B e soul. Além disso ele também tocou com Albert King, Sam & Dave, Otis Redding e Carla Thomas, entre outros. Bill Milkowski cita a linha de baixo de Dunn no single “I Like It” de Carla Thomas (1967) como uma influência que gerou o groove da música “Come On Come Over”, de Jaco. Além disso, a sua linha na música “Soul Man” de Sam & Dave é citada por Brent como uma das favoritas de Jaco (MILKOWSKI, 2005, p.41-42). Antes de tratar sobre Jerry Jemmott, falarei um pouco sobre a fonte em comum de todos esses baxistas, que foi James Jamerson. Jamerson foi o principal baixista da gravadora Motown durante os anos 60. Ele desenvolveu um estilo único de tocar baixo, que misturava o jazz com o R&B e é considerado o primeiro virtuose do baixo elétrico. Jamerson gravou com artistas como Stevie Wonder, Diana Ross, Marvin Gaye, Four Tops, The Supremes, The Marvelettes, Smokey Robinson & the Miracles entre outros (FRIEDLAND, 2005, p.10). 23 As informações dadas a seguir sobre esses três baixistas foram obtidas no livro The R&B Bass Masters, de Ed Friedland. 24 Essa citação da música “Funk Broadway” por Jaco ocorre na videoaula/entrevista Modern Electric Bass. 45 Os baixistas de R&B de sua época costumavam a fazer linhas simples com a utilização de mínimas e semínimas e com pouco desenvolvimento melódico, geralmente tocando apenas a tônica e a quinta dos acordes. Jamerson logo se destacou graças ao uso de passagens cromáticas, trechos em walking bass no estilo de Ray Brown, colcheias e, com o desenvolver de sua carreira, semicolcheias sincopadas, utilização de cordas soltas para mudanças de região e uso de notas fora da harmonia de forma percussiva (ROBERTS, 2001, p. 74). Jerry Jemmott desenvolveu o estilo de Jamerson, criando uma segunda geração de baixistas de R&B, da qual Jaco faz parte. Jemmott pode ser considerado o baixista que mais o influenciou. O fato de Jemmott ter sido escolhido para ser o entrevistador na videoaula Modern Electric Bass não foi uma coincidência, isso aconteceu graças à insistência de Jaco. Sobre Jemmott, Jaco diz o seguinte: Ele era meu ídolo. Aquele tipo gaguejante de linha de baixo, que vai circundando o tempo, mas mantém totalmente o groove... bem, não chamam Jerry de “mestre do groove” por acaso. Ele é o melhor. (FRIEDLAND, 2005, p. 29)25 Jemmott participou de gravações com Aretha Franklin, George Benson, Carly Simon, King Curtis e B.B. King entre outros. A semelhança entre os dois já começa na escolha do instrumento. Os baixistas citados até agora utilizavam baixos Fender Precision, enquanto que tanto Jemmott como Jaco, sempre utilizaram o modelo Jazz Bass. Jemmott costumava tocar entre os dois captadores, porém deixando o captador da ponte com mais volume. O que Jaco fazia era tocar diretamente sobre o captador da ponte, mas de uma forma ou de outra o principio é o mesmo. 25 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia com a colaboração do orientador. 46 O uso do Jazz Bass possibilita um maior virtuosismo pelo fato de seu braço ser mais fino e seu som ser bem mais claro do que o som do Precision. Isso foi crucial para o desenvolvimento do estilo de Jemmott e, consequentemente, de Jaco.26 Outra influência de Jemmott sobre Jaco está no uso das semicolcheias em seus grooves. Brent cita que Jaco ouvia muito o trabalho de Jemmott no álbum Live & Well de B.B. King. A música “Get Off My Back Woman”, deste LP é um bom exemplo desse uso das semicolcheias por Jemmott (MILKOWSKI, 2005, p.41). Outro baixista, que utilizava o modelo Jazz Bass, citado como influência por Jaco em sua videoaula é Bootsy Collins, durante o período em que tocou com James Brown. Bootsy tocou com Brown durante um curto período, de 1970 a 1971, mas participou de gravações importantes como “Get Up (I Feel Like Being A) Sex Machine”, “Soul Power” e “Superbad” (FRIEDLAND, 2005, p. 72). Outro baixista citado por Jaco27, mas agora dentro do universo do jazz, é Jimmy Blanton. Blanton foi o baixista da banda de Duke Ellington de 1939 a 1941. Apesar desse curto período na banda, revolucionou a forma de tocar baixo. Não é uma coincidência o fato da formação da banda de Ellington em 1940 ser considerada, por muitos, a melhor de sua carreira. (BERENDT, 1987, p. 237-8). Através dele, o baixo ganhou uma nova importância no jazz e arranjadores passaram a usá-lo com mais destaque, e várias vezes como solista. Blanton improvisava como se o baixo fosse um instrumento de sopro, algo que Jaco também fazia em seus solos, porém de forma bastante diferente, devido á diferença de época e estilo entre os dois. (HOBSBAWM, 2004, p.139). 26 27 Ver página 67. (MILKOWSKI, 2005, p. xxi). 47 Jimmy Blanton influenciou uma geração de baixistas, cujos principais nomes são Oscar Pettiford, Ray Brown (que por sua vez influenciou Jamerson) e Charles Mingus, que já foi citado como uma influência para Jaco (principalmente como compositor). Esses baixistas formaram a base do baixo acústico no jazz. Influenciados por eles, surgiriam anos mais tarde baixistas como Ron Carter e Gary Peacock, ambos já citados como influência para Jaco (BERENDT, 1987, p. 238 e 241). Da mesma forma que Blanton revolucionou o baixo acústico e Jamerson revolucionou o baixo elétrico, Jaco construiu uma nova revolução sobre o que Jamerson e Jemmott construíram no baixo elétrico, e ao mesmo tempo revolucionou o uso do baixo fretless, como veremos no item 1.4.2 deste trabalho. Dentro do rock também houve alguns baixistas que influenciaram Jaco. Em sua videoaula, ele diz gostar bastante da forma como Paul McCartney tocava. Ele também cita Harvey Brooks, baixista da banda Electric Flag. Brooks é conhecido por ter participado da gravação do histórico LP Bitches Brew, de Miles Davis. Esse LP, gravado em 1969, é considerado o marco inicial do fusion e conta com a participação de músicos que alguns anos mais tarde tocariam com Jaco, como John McLaughlin, Don Alias, Joe Zawinul e Wayne Shorter. Os baixos são divididos entre Harvey Brooks e Dave Holland, sendo que na maioria das músicas os dois tocam ao mesmo tempo. É a partir desse LP que o baixo elétrico passa a ser mais utilizado dentro do jazz28. 28 O baixo elétrico já havia sido utilizado antes dentro do jazz. Um exemplo é o baixista Monk Montgomery, da banda de Lionel Hampton, que em 1952 já utilizava o instrumento recém lançado por Leo Fender. Porém Montgomery foi uma exceção entre os baixistas da época. O baixo elétrico era visto com maus olhos pelos músicos de forma geral. Mas quando se tratava de jazzistas a aversão ao instrumento elétrico era maior ainda. O fato de um jazzista de peso como Miles Davis começar a utilizar o baixo elétrico em sua música com certeza contribuiu para a divulgação do instrumento. 48 Jaco ainda cita Bill Rich, em seu trabalho com o baterista Buddy Miles29, e Jim Filder, da banda Blood, Sweet & Tears30, como influências. 29 Bill Rich participou da gravação de três LPs de Buddy Miles (baterista conhecido por seu trabalho com Jimi Hendrix). Além disso, também foi baixista do Taj Mahal Trio e atuou em diversas gravações. 30 A relação de Jaco com o Blood Sweet and Tears é grande, pelo fato de ter sido o baterista da banda, Bobby Colomby, quem “descobriu” Jaco e produziu seu primeiro LP. 49 1.3 Técnicas 1.3.1 Mão Esquerda Na videoaula Modern Electric Bass, Jaco mostra como desenvolveu sua técnica de mão esquerda desde o início de seus estudos do baixo. Logo quando começou a tocar baixo seu pai lhe disse para deixar a mão aberta colocando um dedo em cada traste. Esse é um aspecto que pode parecer muito básico, mas sem ele todo o resto do estudo de mão esquerda não se desenvolve. Como exemplo para esse uso de um dedo por traste ele passa um exercício31 que consiste na escala cromática. Esse é um exercício fundamental para o conhecimento do braço do instrumento. Além do fato de utilizar um dedo por traste, ele utiliza, quando necessário, um recurso de esticar os dedos 1 e 4 e, tocar duas notas seguidas com o mesmo dedo. Essa passagem com o mesmo dedo ocorre do segundo para o terceiro compasso (com o dedo 1), e do quarto para o último compasso (com o dedo 4), e tem a função de impedir que a mão saia da posição. Figura 1 - Escala Cromática Tocando um baixo fretless a afinação é a coisa mais importante, pois uma nota desafinada pode desencaminhar toda a banda. Jaco conta que seu segredo para tocar o fretless afinado está em justamente não estudar nele, e sim em um baixo com trastes. 31 Tanto esse exemplo como outros a seguir foram obtidos no livro que acompanha a videoaula Modern Electric Bass. Os exemplos que pertencerem a outras fontes terão suas fontes especificadas.O mesmo se aplica aos comentários de Jaco sobre sua técnica. 50 As cordas Rotosound com o uso vão gastando o braço do instrumento fretless, que não possui nenhuma proteção entre as cordas e o braço. Para evitar esse desgaste do braço, Jaco sempre utilizou seu baixo com trastes para estudar, utilizando o fretless apenas em shows. Porém ele estudava no baixo com trastes como se ele não tivesse os trastes, ou seja, ele tocava em cima dos trastes, que é onde a nota se encontra no fretless. Jaco afirma que estudar em um baixo com trastes dessa forma, e de maneira que o som saia limpo, é mais difícil do que tocar um baixo sem trastes. Pois tocando em cima dos trastes a probabilidade do instrumento trastejar aumenta bastante. Ele ainda diz que esse posicionamento dos dedos sobre os trastes é o que tira o som mais limpo do baixo com trastes, quando tocado devidamente. Ele cita ainda que as marcações (de onde eram os trastes) em seu fretless o ajudaram bastante a manter a afinação, principalmente em grandes saltos melódicos. Um estudo fundamental para se ter uma boa afinação é o estudo de escalas e arpejos. Jaco utiliza uma digitação aberta para ambos. O exemplo a seguir mostra essa digitação na escala de dó maior, comparada à digitação fechada, que é a primeira digitação que qualquer baixista aprende. Figura 2 - Digitação Aberta e Fechada A vantagem da digitação aberta está do fato de ela facilitar a execução de frases rápidas, pois muitas notas são abrangidas na mesma posição. 51 O exemplo abaixo mostra como, utilizando essa digitação, é possível ir do Dó (na oitava casa da corda Mi) até um Sol uma oitava acima (na décima segunda casa da corda Sol), formando um intervalo de décima segunda, sem que a mão saia da posição inicial, o que não acontece no caso da digitação fechada. Figura 3 – Digitação Aberta Esse tipo de digitação é muito utilizado por guitarristas, mas a guitarra possui um espaçamento entre as casas muito menor do que o do baixo. Para fazer esse tipo de digitação no baixo é preciso ter uma boa abertura entre os dedos, ainda mais tocando em um baixo fretless, onde a nota precisa ser tocada de forma muito precisa para que não saia desafinada. O fato de Jaco possuir uma mão grande com certeza contribuiu para a escolha desse tipo de digitação. Os saltos melódicos são uma característica importante na forma de Jaco de tocar, influenciado pelo fraseado de Charlie Parker. O exercício a seguir apresenta uma maneira de tocar a escala de Dó maior em intervalos de sexta. Esse exercício serve para treinar tocar em cordas alternadas o que não era muito utilizado pelos baixistas da época. Figura 4 – Padrão em Sextas 52 Outra característica de Jaco é a de misturar diversos padrões rítmicos em suas frases. O exemplo a seguir mostra um padrão de quintinas sobre dó maior. Figura 5 - Quintinas Os arpejos são, segundo Jaco, o mais difícil de se executar no baixo. Em um piano eles são muito fáceis e naturais, porém no baixo tanto as aberturas como os saltos de cordas contribuem para essa dificuldade. Jaco mostra uma maneira de tocar os arpejos de forma mais fluída do que a tradicional, que é justamente o equivalente à digitação aberta das escalas. Dessa forma a mão segue em um único movimento ascendente e retorna em um único movimento descendente, sem que seja necessário nenhum salto. Figura 6 - Arpejos Utilizando a digitação fechada, começando pelo dedo 2, seria inevitável que houvesse um salto da primeira oitava para a décima, o que prejudica a fluidez do arpejo. Além disso, esse tipo de digitação nos obriga a pensar em cada nota que tocamos, e facilita muito o uso de escalas e arpejos em duas oitavas, que são cruciais para a fluidez na improvisação. Um bom exemplo da utilização de arpejos por Jaco está na sua versão da música “Chromatic Fantasy” de Johann Sebastian Bach. 53 No workshop realizado no Berklee College of Music em 1974, Jaco tocou essa música e deixou tanto professores como alunos muito impressionados pela fluência com que ele tocava uma melodia difícil como essa, que é repleta de arpejos. Esse tipo de execução era muito incomum entre os baixistas da época. Muitos nem imaginavam que o baixo elétrico podia possuir um grau de sofisticação tão elevado, e o viam como um instrumento complementar e de menor importância comparado ao baixo acústico (MILKOWSKI, 2005, p.69). Frank Graves, um dos alunos de Jaco na Universidade de Miami, conta que a primeira coisa que Jaco exigiu dos alunos foi que comprassem o método Dotzauer, que é o método padrão no estudo de cello. O livro possuía três volumes e, segundo Graves, o terceiro volume continha exercícios extremamente difíceis, que Jaco tocava com muita facilidade (o que não acontecia com seus alunos) (MILKOWSKI, 2005, p. 71). A escolha de um método de cello é bastante interessante pelo fato da afinação desse instrumento ser totalmente diferente da utilizada no baixo. No baixo as cordas são afinadas em intervalos de quartas, na seqüência EADG, já em um cello as cordas são afinadas em quintas, na seqüência CGDA. Ou seja, o que é anatômico no cello muito provavelmente terá uma digitação mais complicada no baixo. Um outro grande diferencial de Jaco está em utilizar acordes no baixo. O exemplo a seguir mostra uma seqüência harmônica tocada por ele na videoaula. Figura 7 - Acordes 54 Além desse tipo de acorde, Jaco também utiliza muito double stops (formados por duas notas). Um bom exemplo32 desse uso está no groove da música “Liberty City”. Figura 8 – Trecho de “Liberty City” Outro aspecto importante da mão esquerda de Jaco é utilização de ghost notes, notas que são tocadas normalmente pela mão direita, mas que são abafadas pela mão esquerda. Jaco conheceu essa técnica após ver um show com o baixista Carlos Garcia, e a partir daí começou a estudá-la. (MILKOWSKI, 2005, p. 32) Essa técnica se tornou a base para seus grooves em semicolcheias. O exemplo a seguir mostra a utilização dessas notas abafadas pela mão esquerda na música “Come On Come Over”. Figura 9 – Trecho de “Come On Come Over” 32 Os dois trechos desta página foram retirados do livro The Essential of Jaco Pastorius. Exemplos auditivos destes dois trechos se encontram respectivamente nas faixas 1 e 2 do CD que acompanha este trabalho. 55 1.3.2 Mão Direita No workshop realizado na Berklee College of Music em 1974, Jaco mostrou aos alunos e professores da faculdade como desenvolveu sua sonoridade característica. Segundo ele, os principais componentes são: o uso do amplificador Acoustic 306, e sua forma de tocar o baixo no captador da ponte. Segundo Neil Stubenhaus (professor da Berklee que estava presente nesse dia), os baixistas33 da época não tinham o costume de tocar no captador da ponte. Isso ocorreu em parte porque muitos utilizavam o modelo Fender Precision, que possui apenas um captador, apesar do Jazz Bass estar no mercado havia 14 anos. Outro fator que levou os baixistas a não usarem o captador da ponte é o fato de que muitos deles também tocavam baixo acústico, e estavam acostumados a tocar próximo ao braço do instrumento. Tocar no captador da ponte é uma característica exclusiva do baixo elétrico (MILKOWSKI, 2005, p. 69). Ao fazer frases rápidas ou grooves de R&B, Jaco sempre utilizava o captador da ponte. Em contrapartida quando procurava uma sonoridade mais lírica como em “A Remark You Made” ele tocava mais próximo ao braço do instrumento.34 Tocar sobre o captador da ponte facilita a execução de frases rápidas, pois nessa região a corda é mais tensa e se move menos. A técnica de mão direita de Jaco impressiona por sua agilidade e clareza do som. Ele costumava tocar com os dedos indicador e médio, enquanto usava o polegar e os outros dedos para abafar as cordas que não estavam sendo usadas. Sendo que o polegar geralmente descansava sobre o captador ou sobre a corda E (e eventualmente sobre a corda A) e os outros dedos cuidavam de abafar as outras cordas. 33 Antes de Jaco, Jerry Jemmott já utilizava o captador da ponte de uma forma um pouco diferente (ver página 45). 34 Podemos ver Jaco tocando no captador da ponte na figura 21 (p. 75), e tocando próximo ao braço na figura 20 (p.74). 56 Por exemplo, se Jaco estava tocando a corda D, o seu polegar repousaria sobre a corda E e os outros dedos repousariam sobre a corda A e assim por diante. Na videoaula, Jaco apresenta um exercício que consiste em tocar as cordas soltas alternando os dedos indicador e médio de diversas formas e depois explica sobre o uso do “rasgueado”, que consiste na passagem de uma corda para a corda superior com a utilização do mesmo dedo. A figura a seguir mostra o uso dos dedos alternados em cima e a volta com o “rasgueado” embaixo. Sendo que o dedo indicador é chamado de dedo 1 e o dedo médio de dedo 2. Figura 10 – Mão direita 1 Uma variação desse exercício pode ser feita começando ele com o dedo 2, dessa forma o “rasgueado” da volta seria feito com o dedo 1. Essa volta com um único dedo é muito utilizada na execução de arpejos, como no exercício a seguir: Figura 11 – Mão Direita 2 57 Esse padrão de arpejo menor com décima primeira seguido de um arpejo maior com décima primeira aumentada, meio tom acima, é repetido por Jaco até chegar ao sol menor uma oitava acima. A técnica do “rasgueado” da mão direita foi fundamental para a execução de músicas como a já citada “Chromatic Fantasy”, de Bach. A técnica de abafamento que Jaco utiliza na mão direita tem a função de silenciar os ruídos indesejados produzidos pela mão esquerda. Jaco dá um exemplo de como seria se tocasse apenas com a mão esquerda. O som sai, porém repleto de ruídos. A função da mão direita é amplificar esse som, para que não seja necessária tanta força na mão esquerda (quanto menos força, menos ruído) e ao mesmo tempo abafar as cordas que não estão sendo tocadas. Outro fator que se soma a esse abafamento é a sincronia necessária entre a mão direita e esquerda para que não existam ruídos indesejados no som. Jaco conta que demorou nove anos para que conseguisse tocar “Donna Lee” de uma forma que o instrumento não produzisse nenhum ruído. 58 1.3.3 Harmônicos Naturais Jaco conta a sua descoberta dos harmônicos naturais da seguinte forma, na videoaula: “Uma vez, quando tocava com bandas diferentes, vi um amigo afinar sua guitarra pelos harmônicos, que é o que todos costumam fazer. Assim foi que aprendi a afinar o baixo... me parecia que aquilo era música, e continuei experimentando”. Ele ainda comenta sobre uma idéia errada que muitas pessoas tinham na época, de que ele tocava os harmônicos com mais facilidade pelo fato do baixo dele ser fretless. O que não faz nenhum sentido, porque no baixo com trastes é até mais fácil tocar harmônicos artificiais, por exemplo. Os harmônicos naturais são produzidos se colocando levemente, sem apertar a corda, um dedo da mão esquerda exatamente sobre o traste ou, no caso do fretless, onde deveria estar o traste, e tocando normalmente com a mão direita. Em uma entrevista para a revista Guitar Player em 1984, Jaco cita o fato de que em instrumentos como o violino e o cello os harmônicos são utilizados há muitos anos, e sugere aos estudantes que queiram aprender essa técnica que comprassem um bom livro sobre esses instrumentos e aprendessem onde se encontram os harmônicos e quais são as notas referentes a cada um deles (lembrando que nessa época ainda não havia livros específicos para o uso de harmônicos no baixo elétrico como existem hoje). Ele continua dizendo que, se você aprende todos os harmônicos naturais, é possível tocar todas as notas cromaticamente com eles (MILKOWSKI, 2005, p. 97). A figura na página seguinte mostra a disposição dos harmônicos no braço do instrumento. 59 Figura 12 – Harmônicos Naturais 1 A partir da terceira casa os harmônicos passam a ser mais difíceis de serem executados e a distância entre eles fica cada vez menor, necessitando de grande precisão para a sua execução. Para completar o esquema mostrado acima aqui estão os harmônicos existentes nas três primeiras casas. Figura 13 – Harmônicos Naturais 2 (PESCARA, 2006, p. 26) 60 Charles Brent cita a utilização de Jaco desses harmônicos naturais a partir da terceira casa, algo que ele nunca havia visto nenhum baixista fazer: “…Então houve outra noite, no Texas, quando ele começou a tirar harmônicos da primeira, segunda e terceira casas, modulando até... o início do braço. Ninguém faz isso! Mas o cara conseguiu uma verdadeira proeza, e conseguia tocar harmônicos antes da quinta casa. Eu mesmo tocava um pouco de baixo, e isso era... novidade para mim.” (MILKOWSKI, 2005, p. 44)35 A utilização dos harmônicos da sétima e quinta casa para a afinação do instrumento era comum entre os baixistas, porém o uso desse recurso de forma musical era nulo ou mínimo antes de Jaco. Como ele mesmo disse: “me parecia que aquilo era música, e continuei experimentando”. A experimentação de Jaco o levou a compor uma música em que utilizou apenas a técnica de harmônicos naturais (tocados sozinhos, ou formando acordes com outras notas tocadas normalmente). A música “Portrait of Tracy” foi lançada em seu primeiro LP solo Jaco Pastorius, de 1976. Não é de se estranhar que essa música e, esse álbum como um todo, tenha tido um enorme impacto sobre baixistas de todo o mundo. Esse feito de Jaco trouxe uma série de possibilidades novas para o instrumento. A utilização dos harmônicos permite uma ampliação da tessitura do baixo elétrico em cinco oitavas (PESCARA, 2006, p. 24). 35 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia com a colaboração do orientador. 61 Figura 14 – Trecho de “Portrait of Tracy” (PESCARA, 2006, p. 53) Nesse trecho de “Portrait of Tracy”36 encontramos as principais formas em que Jaco utilizava a técnica de harmônicos naturais. A primeira acontece no primeiro compasso, e é entitulada por Jorge Pescara de “cascata de harmônicos”, que constitui uma seqüência de harmônicos tocados rapidamente em semicolcheias, dando essa impressão da cascata (PESCARA, 2006, p. 57). Um outro bom exemplo desse uso dos harmônicos por Jaco está na música “Okonkole y Trompa”, que também faz parte do LP Jaco Pastorius. 36 Este trecho de “Portrait of Tracy” se encontra na faixa 3 do CD que acompanha este trabalho. 62 Em seguida ele passa a utilizar acordes, nos quais, o baixo é tocado normalmente e as vozes superiores são tocadas com harmônicos. Esse tipo de formação de acordes traz o baixo para um nível de instrumento harmônico completamente novo. No compasso nove podemos ver o uso dos harmônicos nas primeiras casas que Charles Brent havia citado. Sendo que as notas Ré e Sol estão localizadas entre a segunda e a terceira casas das duas primeiras cordas. E as notas Mi e Lá estão localizadas sobre a segunda casa das mesmas cordas. (ver figura 13) 63 1.3.4 Harmônicos Artificiais Em 1974, Jaco aprendeu essa técnica de seu amigo Bob Bobbing, que havia aprendido de Clay Cropper. Na época, Jaco disse que já havia visto guitarristas fazendo isso mais que estava muito ocupado estudando outras coisas e não tinha tempo para estudar essa técnica. Podemos notar que em seu LP Jaco Pastorius ele utiliza apenas os harmônicos naturais (MILKOWSKI, 2005, p. 63). A primeira gravação em que Jaco utlizou harmônicos artificiais foi na música “Hejira” de Joni Mitchell, em 1976. Um ano depois ele grava “Birdland” com o Weather Report, que é o exemplo mais conhecido da utilização dessa técnica por ele. Os harmônicos artificiais são produzidos por Jaco da seguinte forma: uma nota é apertada na mão esquerda enquanto a mão direita é responsável por divisões secundárias da corda. Na mão direita o polegar descansa sobre onde o harmônico se encontra enquanto o dedo indicador (ou médio) puxa a corda. A tabela a seguir mostra a função que cada elemento possui na execução de harmônicos artificiais, comparada ao que ocorre nos harmônicos naturais. Harmônicos Naturais Harmônicos Artificiais Corda solta Dedo da mão esquerda Dedo da mão esquerda Polegar Dedo indicador ou médio da Dedo indicador ou médio da mão direita mão direita Pensando dessa forma na mão esquerda tendo a função da corda solta, Jaco apresenta37 as seguintes subdivisões que podem ser feitas pela mão direita sobre a nota Lá na décima quarta casa da corda Sol. 37 Na videoaula Modern Electric Bass. 64 Figura 15 – Harmônicos Artificiais 1 Jaco compara essas subdivisões feitas sobre uma nota, através da série harmônica, com o que acontece em instrumentos de sopro como o trompete. E segue com o exemplo abaixo, que consiste em padrões de escalas e arpejos executados com a técnica de harmônicos artificiais, tocando sempre sobre a oitava das notas. Figura 16 – Harmônicos Artificiais 2 Na página seguinte temos o exemplo mais conhecido da utilização dos harmônicos artificiais por Jaco. A introdução da música “Birdland”, do LP Heavy Weather. Primeiramente ele toca a melodia atingindo os harmônicos uma oitava acima das notas que toca com a mão esquerda. Nesse caso os harmônicos ficam localizados próximos ao final do braço do instrumento. 65 Depois ele toca a mesma melodia uma oitava acima. Ou seja, duas oitavas acima das notas que toca com a mão esquerda. Nesse caso os harmônicos ficam localizados próximos á ponte do instrumento.38 Figura 17 – Trecho de “Birdland” 38 Este trecho foi extraído do livro The Essential of Jaco Pastorius, e se encontra na faixa 4 do CD que acompanha este trabalho. 66 1.3.5 Efeitos Percussivos O ritmo sempre foi um elemento muito presente na maneira de Jaco tocar, talvez pelo fato de ele ter sido baterista antes de tocar baixo. Seu senso ritmo era impecável. O efeito percussivo mais utilizado por ele com certeza são as ghost notes, que são uma característica marcante em seus grooves. Como vimos anteriormente, a música “Come On Come Over” é um bom exemplo do uso das ghost notes. Além disso, ele também costumava criar um efeito percussivo batendo a mão direita sobre o braço do instrumento, enquanto abafava as cordas com a mão esquerda. Podemos vê-lo usando esse efeito percussivo em uma versão39 de 1979 de seu solo “Slang”, no qual ele utiliza o loop de seu MXR F/x-113 para gravar diversas vozes e solar em cima delas. Uma dessas vozes é esse efeito percussivo, que nesse caso pode ser comparado a uma caixa. Na música “The Elders” do LP Mr.Gone Jaco faz um uso mais sofisticado desse efeito percussivo. Ao bater a mão direita sobre o braço do instrumento ele toca uma nota e rapidamente faz um slide, gerando um som que ele compara ao de uma conga. (MILKOWSKY, 2005, p.107) Outro exemplo do uso de um efeito percussivo por Jaco está na versão da música “Giant Steps” do LP Holiday for Pans (0’35”), em que ele mistura esses efeitos com notas tocadas rapidamente, mas nesse caso ele não utiliza os sildes como em “The Elders”. 39 Disponível no seguinte link: <http://br.youtube.com/watch?v=RdY-KAmj5fU> 67 1.4 Equipamentos 1.4.1 Fender Jazz Bass O Fender Jazz Bass foi introduzido no mercado em 1960. Esse modelo trouxe mudanças na constituição do instrumento que seriam fundamentais para que Jaco Pastorius desenvolvesse sua técnica e sonoridade características anos mais tarde. Tendo como base o modelo de guitarra Jazz Master (da mesma empresa), ele possuía um braço mais fino, o que possibilitava maior agilidade do que o Fender Precision (lançado em 1951) (LADISLAU, 2006, p.36). Além disso, ele possuía um som muito mais limpo e com maior abundância de harmônicos, graças ao sistema elétrico utilizado e à dimensão do corpo do instrumento (maior do que no Precision). Uma mudança muito importante e que seria crucial para a sonoridade de Jaco são os captadores. Os primeiros Precisions vinham com um captador single-coil, que a partir de 1957 foram substituídos por um captador humbucker. Já o Fender Jazz Bass possuía dois captadores single-coil, um próximo à ponte e outro próximo ao braço do instrumento. Como já vimos, Jaco costumava utilizar o captador da ponte ao tocar frases rápidas e grooves, o que não seria possível em um Fender Precision. Figura 18 - Fender Precision Figura 19 - Fender Jazz Bass (ROBERTS, 2005, p. 46) (ROBERTS, 2005, p. 63) 68 O primeiro baixo de Jaco Pastorius (comprado em 1967) foi um Fender Jazz Bass Sunsburst 1966 (pós-CBS), com o qual tocou até 1971, quando adquiriu um Fender Jazz Bass preto 1962 (pré-CBS) de seu amigo Bob Bobbing em troca de seu baixo acústico. Esse baixo tinha apenas dois parâmetros de controle: um para volume e outro para a tonalidade dos captadores. Jaco substituiu esse sistema pelo da Fender pósCBS, que tinha volumes independentes para os dois captadores além da tonalidade, pois segundo ele o circuito original não tinha punch o bastante. Ele funcionava bem em grupos pequenos, mas em formações maiores era preciso aumentar muito o volume no amplificador, o que distorcia o som. (MILKOWSKI, 2005, p. 15 e 34) Em algum momento Jaco adquiriu outro Fender Jazz Bass 1962, mas dessa vez um modelo Sunsburst. Esse baixo, apelidado por ele de “Bass of Doom”, é o baixo que Jaco transformou em fretless e usou em suas gravações mais famosas. Para proteger a escala do efeito das cordas Rotosound ele cobriu a madeira com várias camadas de “durepox” (Marine Epoxy). Isso produziu uma superfície dura, que dava ao baixo um timbre único (ROBERTS, 2001, p. 123). Além desses baixos ele possuía também um Fender Jazz Bass 1960 com trastes (que ele utilizou na gravação do LP e do DVD Shadows and Light de Joni Mitchell), um “baixolão” fretless de 5 cordas (sendo a quinta um C mais agudo), um baixo acústico40, outro Fender Jazz Bass 1960 (que ele atirou na baía de Hiroshima durante a turnê japonesa do LP Word of Mouth), e um Fender Jazz Bass 1963 (que pode ser visto na abertura de sua videoaula).41 40 Jaco ganhou um baixo acústico de seu pai na mesma época que ganhou o elétrico. Mais tarde, ele adiquiriu outro baixo acústico que tocou até 1971, quando o vendeu para Bob Bobbing. 41 Essas informações foram retiradas do artigo Jaco’s Gear Through the Years. 69 1.4.2 O Baixo Fretless Jaco Pastorius não foi o primeiro baixista a usar um baixo fretless. O pioneiro foi Bill Wyman (Baixista dos Rolling Stones). Originalmente um guitarrista, Bill comprou seu primeiro baixo em 1961. Era um instrumento barato japonês e ele logo começou a fazer alguns ajustes. Reformou o corpo e tirou todos os trastes com a intenção de colocá-los de volta quando terminasse a reforma (ROBERTS, 2001, p. 124-7). Mas ele descobriu que podia tocar se colocasse os dedos onde antes eram os trastes e gostou muito daquele som, que o próprio Bill definiu como “puro, profundo e rico”. Desse dia em diante ele passou a utilizar o baixo sem trastes nos seus trabalhos. Um bom exemplo de Bill tocando o fretless é a música “Paint It Black” do álbum Aftermath (1966). O primeiro baixo fretless fabricado em linha foi o Ampeg AUB-1 em 1966. O instrumento foi feito para quem tocava baixo acústico. Tinha uma escala de 34 1/2” (um Fender Precision tem 34”) e um corpo com dois furos em f. Sua ponte permitia a utilização de cordas de tripa para se aproximar mais do som do baixo acústico (ao menos em teoria). Tanto o AUB-1 como o AEB-1 (a versão com trastes do mesmo modelo) não tiveram grande sucesso de venda, mas alguns baixistas acharam eles interessantes. Um deles foi Rick Danko do The Band, que utilizou o Ampeg fretless nas gravações de Cahoots (1971) e Rock of Ages (1972). Em 1970, a Fender lançou um modelo fretless do Precision, que assim como o Ampeg não teve muito sucesso comercial. Um dos primeiros baixistas a usar esse modelo foi Freebo, em seu trabalho com Bonnie Raitt. 70 Pode parecer estranho que Jaco tenha arrancado os trastes de seu baixo se já existiam baixos fretless à venda, mas, como já foi dito, ele sempre usou modelos Jazz Bass, e a Fender só foi fabricar um Jazz Bass fretless muitos anos após sua morte. Apesar de Jaco não ter sido o primeiro baixista a tocar o fretless, ele foi o primeiro virtuose do instrumento (assim como James Jammerson foi para o baixo elétrico). O primeiro a explorar profundamente as possibilidades técnicas do instrumento e o responsável pela introdução do fretless no jazz. Jim Roberts, em seu livro How The Fender Bass Changed the World ilustra a contribuição de Jaco para o baixo fretless da seguinte forma: “Antes de Jaco, o fretless era apenas uma nota de rodapé na história do baixo. Depois de Jaco, ele se tornou um capítulo inteiro”. Quando Joe Zawinul decidiu chamar Jaco para entrar no Weather Report, a primeira pergunta que ele fez foi “Você também toca baixo elétrico?”. Segundo Zawinul42 o som de Jaco era tão “quente” e “rico” que ele pensava que se tratava de um baixo acústico (MILKOWSKI, 2005, p. 87). Ou seja, o instrumento era tão desconhecido que um grande músico, como Joe Zawinul, sequer imaginava a sua existência. Lembrando que no ano em que esse episódio com Zawinul aconteceu (1976), o baixo fretless já era fabricado há dez anos pela Ampeg e há seis anos pela Fender. A contribuição que Jaco deu para o instrumento nesse mesmo ano foi enorme. O lançamento de Jaco Pastorius, Bright Size Life, Black Market e, no ano seguinte, Heavy Weather transformou um instrumento desconhecido em foco de estudo de baixistas do mundo todo. 42 Até esse momento Zawinul não tinha visto Jaco tocar, apenas tinha ouvido as gravações que ele havia lhe dado. Entre elas estão a gravação feita no Criteria Studios e uma prévia das gravações de seu LP solo. 71 O sucesso de Jaco trouxe consigo uma onda de baixistas que tentavam imitálo, como acontece com todos os grandes músicos da história (Charlie Parker, Jimi Hendrix, John Coltrane etc.). Mas muitos foram além da mera imitação e criaram seu estilo próprio de tocar o baixo fretless. Um bom exemplo é Percy Jones, da banda de fusion Brand X, que já havia consolidado um estilo único de tocar fretless mesmo antes de ter ouvido Jaco (ROBERTS, 2001, p.148). Citando alguns baixistas que usam o fretless, temos: Steve Bailey, Mark Egan, Pino Palladino, Richard Bona, Alain Caron, Gary Willis, Carlos Benavent, Jonas Hellborg, Tony Franklin, Nico Assumpção, Cláudio Bertrami e Arthur Maia, entre outros. 1.4.3 Acoustic 360 Como já foi dito, em 1970 Jaco assistiu a um show da banda Nemo Spliff e ficou impressionado com o baixista, Carlos Garcia. Além de começar a estudar a técnica de Garcia, ele e seu amigo Bob Bobbing foram no dia seguinte até uma loja e compraram um Acoustic 36043 (o amplificador usado por Garcia). Segundo Bobbing, esse amplificador deu a Jaco o poder e a clareza que ele precisava para desenvolver sua sonoridade. Pela primeira vez, ele podia tocar a corda E solta e, ao mesmo tempo tocar acordes e harmônicos nas outras cordas, em um volume alto sem que houvesse distorção no som. O Acoustic possuía um falante de 18’’ que ficava voltado para as costas do gabinete. Esse falante, comparado com o falante do primeiro amplificador de Jaco (um Sunn de 15”) possuía uma pequena perda nos agudos, mas que era compensada pelo 43 Podemos ver Jaco com o Acoustic 360 na figura 24 (p. 77) 72 ganho nos graves e em outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento de sua sonoridade (MILKOWSKI, 2005, p. 33). Graças aos graves fortes do amplificador, Jaco poderia usar apenas o captador da ponte de seu Jazz Bass, sem que houvesse perda no peso do som. Além disso, o pré-amplificador possuía, em uma de suas configurações, um som “estalado”, que auxiliava no caráter percussivo de seus grooves. Um fato interessante é que o falante do Acoustic vibra em todas as direções, assim como o corpo de um baixo acústico. Com volumes baixos, ele conseguia tirar de seu fretless um som muito semelhante ao do baixo acústico. Jaco costumava usar dois Acoustics ligados em linha para conseguir um som com mais peso. 1.4.4 Cordas Rotosound As cordas Rotosound Roundwound foram criadas em 1963 pelo inglês James How. Ao invés de encapar as cordas com uma camada de metal liso44, como era o usual, ele utilizou apenas fios de níquel enrolados, sem uma camada protetora, o que produzia um timbre mais brilhante do que as outras cordas da época. Entre seus primeiros usuários estão os rockeiros John Entwistle (The Who) e Chris Squire (Yes) (ROBERTS, 2001, p. 90-1). Jaco começou a usar cordas Rotosound algum tempo após ter visto Carlos Garcia e comprado o Acoustic 360. O timbre brilhante das cordas foi mais um componente na formação de sua sonoridade. 44 Esse tipo de corda é chamado de flatwound. Ou seja, as cordas lisas são flatwound, e as com voltas aparentes são as roundwound. 73 1.4.5 Efeitos Como já foi dito, Jaco costumava usar dois Acoustics ligados em linha para conseguir um som com mais peso. Quando ele utilizava algum efeito, geralmente deixava um deles com o som limpo e o outro com o efeito45. Jaco algumas vezes gravava dois baixos em uníssono no estúdio para gerar um efeito natural de phasing. Quando queria essa sonoridade ao vivo ele utilizava o MXR F/x-113 Digital Delay. Jaco diz na entrevista cedida a Steve Rosen que gostava bastante da ambiência desse pedal enquanto solava, especialmente quando utilizava a técnica de harmônicos. Esse pedal também possuía uma função de repetição que ele utilizava bastante ao vivo (o solo “Slang”, do álbum 8:30 é um exemplo desse uso). Ele tocava um groove e usava essa função de repetição do pedal para deixar o que havia tocado em loop e depois começava a improvisar e a sobrepor vozes sobre o groove incial (MILKOWSKI, 2005, p.115). Além disso, ele também utilizava, ao vivo, um oitavador (o Boss Octave Divider) e a saturação do próprio amplificador (quando queria tocar com o baixo distorcido suas versões das músicas de Jimi Hendrix, por exemplo). 45 Informações retiradas de uma entrevista cedida a Steve Rosen em 1978, disponível no site www.jacopastorius.com 74 Fotos Figura 20 – Jaco Pastorius (ROBERTS, 2005, p. 124) 75 Figura 21 – Na turnê do LP Shadows and Light, de Joni Mitchell (1979) (MILKOWSKI, 2005, p.115) 76 Figura 22 – Tocando teclado (1977) (MILKOWSKI, 2005, p.91) Figura 23 – Aos dezesseis anos, com o Las Olas Brass (1967) (ROBERTS, 2005, p. 122) 77 Figura 24 – Jaco com o Acoustic 306 ao fundo (1985) (Modern Electric Bass, 2002, p. 26) 78 CAPÍTULO 2: ANÁLISE DE HAVONA “Havona” foi composta em 1973, três anos antes de Jaco entrar no Weather Report. Esse foi um período bastante fértil no início de sua carreira. Nessa época, Jaco ainda não tinha nenhum problema com o álcool e as drogas. Pelo contrário, ele tinha uma total aversão a esse tipo de vício. Sua vida era dedicada somente à música, aos esportes e à família. Jaco ainda era casado com sua primeira esposa, Tracy Lee, e vivia com ela e com sua filha Mary Pastorius (que tinha apenas dois anos) em um apartamento sobre uma lavanderia (MILKOWSKI, 2005, p. 51). Vizinho ao apartamento da família Pastorius, morava o pianista Alex Darqui. Darqui e Jaco estavam sempre tocando juntos, e Jaco tinha livre acesso ao apartamento do pianista. É bastante provável que essa música tenha sido composta ou no piano de Darqui, ou no Fender Rhodes que Jaco comprou (influenciado por Herbie Hancock) e deixou no apartamento do pianista. Foi um período em que Darqui e Jaco estavam explorando novas possibilidades musicais e iam a fundo nesses estudos, ficando horas e horas trabalhando sobre novas idéias. Outros músicos também vinham participar dessas jams no apartamento de Darqui. Entre eles estavam o guitarrista Randy Bernsen, e o baterista Bobby Economou. Bernsen cita que esse foi um período de busca para Jaco, tanto musicalmente como espiritualmente. Além dos já citados interesses de Jaco pela família, os esportes e pela música, ele também possuía um grande interesse por questões filosóficas/religiosas, como o significado da vida e a vida após a morte. 79 Economou lembra de passar horas com Jaco lendo a Bíblia e discutindo esse tipo de questão. Tanto o baterista como Jaco possuíam uma forte formação cristã. E a figura de Jesus Cristo tinha um grande impacto sobre Jaco. Foi nesse período de busca musical e espiritual que Jaco entrou em contato com O Livro de Urântia46, um livro de aproximadamente 2000 páginas que, segundo a Urantia Foundation, teria sido escrito por seres celestiais (extraterrestres) com o intuito de trazer conhecimento aos habitantes de nosso planeta, chamado por eles de Urântia. O livro divide o universo em oito partes. Sendo a primeira o Universo Central, e as outras sete partes Superuniversos que permeiam esse Universo Central. Sendo que o nosso planeta faz parte (segundo o livro) do sétimo Superuniverso (chamado de Orvônton). O livro possui quatro partes. A primeira trata do Universo Central. A segunda trata do Universo Local em que se encontra nosso planeta (dentro de cada Superuniverso existem milhares de Universos Locais), chamado de Nebadon. A terceira parte trata da história de nosso planeta. E a quarta, e última parte, trata da vinda de Jesus Cristo para nosso planeta. Essa quarta parte do livro era uma das que mais interessavam a Jaco. Pois ela possui narrativas sobre a vida de Jesus que não se encontram na Bíblia, relativas à sua infância. Além dessa parte, ele também ficou bastante interessado pela descrição feita no livro do papel da música e dos músicos, não apenas em nosso planeta, mas também em outras esferas de existência (MILKOWSKI, 2005, p. 54). 46 As informações sobre O Livro de Urântia foram obtidas no próprio livro e no site: www.urantia.org 80 Como já foi dito, O Livro de Urântia divide o universo de uma forma em que existe um Universo Central rodeado pelos outros Superuniversos. Esse Universo Central é chamado de Universo de Havona. O Universo de Havona é descrito da seguinte forma pelo livro: Havona, o universo central, não é uma criação no tempo; tem uma existência eterna. Este universo, sem começo e sem fim no tempo, consiste em um bilhão de esferas de perfeição sublime e é rodeado por enormes corpos escuros de gravidade. No centro de Havona está a Ilha do Paraíso... (O Livro de Urântia, 2007, p. 129) A Ilha do Paraíso citada acima é descrita no livro como sendo a morada do Pai Universal, ou Deus. Ou seja, Havona é a morada de Deus, o centro em torno do qual toda a criação gravita. Essa idéia de Havona como centro tem uma ligação bastante forte com a harmonia da música, como veremos a seguir. “Havona” foi gravada em 1974 por Jaco, acompanhado de Alex Darqui (piano), Bobby Economou (bateria) e Don Alias (percussão). Essa versão foi lançada em um bootleg japonês chamado Legendary Demo & Live Tracks, e pode ser ouvida na faixa 5 do CD que acompanha este trabalho. A gravação que será analisada é do LP Heavy Weather, de 1977 (Faixa 6 do CD). Existem algumas diferenças entre essas duas gravações. A primeira não possui a introdução, que é bastante marcante na música. O acompanhamento de Jaco ainda não possuía o caráter latino da versão de 77. E a própria melodia aparece de forma mais sutil nessa primeira gravação. 81 A seguir temos uma partitura da melodia e harmonia de “Havona”, retirada do New Real Book, Volume 1. E em seguida a análise da música, que será dividida em três tópicos: “Introdução e Coda”, “Tema e Acompanhamento” e “Solo”. Figura 25 – “Havona” Parte 1 82 Figura 26 – “Havona” Parte 2 83 2.1. Introdução e Coda47 Figura 27 - Introdução Figura 28 - Coda 47 A introdução e a coda se encontram respetivamente nas faixas 7 e 8 do CD que acompanha este trabalho. 84 2.1.1 Aspectos Harmônicos Todos os acordes da introdução possuem a mesma estrutura superior. Ou seja, as quatro notas superiores de todos eles formam um acorde “sus4”, sem sétima, disposto da seguinte maneira: 4ªJ, T, 5ªJ e 8ªJ. Essa é uma abertura que mistura intervalos de 5ªs e 4ªs entre as notas. O acorde sus4 sem a sétima tem a sua origem em uma cadência IV-I não resolvida. Como podemos ver no exemplo a seguir: Figura 29 –Origem do acorde sus4 A nota fá, em vez de resolver no mi, se mantém no acorde seguinte gerando o acorde sus4 (MILLER, 1996, p. 38). O fato de possuírem a mesma estrutura superior gera uma unidade entre todos os acordes. Enquanto isso, o baixo se encontra ou nos intervalos de 2ªm, 2ªM, 4ªJ, 5ªJ ou 6ªm em relação à tônica do acorde superior. Esse tipo de relação gera policordes, que são “formações acordais compostas pela sobreposição de uma ou mais tríades ou tétrades sobre uma base simples ou composta” (LIMA, 2006, p. vi). 85 No caso da introdução de “Havona”, o que ocorre é uma tríade (que nesse caso possui a quarta no lugar da terça e um reforço na fundamental uma oitava acima) que se encontra sobre uma base simples, ou seja, sobre uma nota não pertencente ao acorde no baixo. Lima48 classifica esse tipo de formação como “policorde simples” (2006, p. 34). A notação feita na partitura já é policordal, considerando o baixo e o acorde superior como partes independentes. Seguindo uma cifragem mais tradicional, os acordes poderiam ser vistos da seguinte forma: Csus/D Dm7(11) Bsus/E Esus9 Asus/B Bm7(11) G#sus/A Amaj7(#11) F#sus/G# G#m7(11) Bsus/F# F#sus4 (com sétima) G#sus/E Emaj7(6) F#sus/G# G#m7(11) Bsus/C# C#m7(11) Esus/B Bsus4 (com sétima) Porém a forma de cifragem utilizada na partitura serve justamente para ressaltar o fato de que todos os acordes possuem a mesma estrutura superior, enquanto a variação interna de um acorde para o outro ocorre no desenvolvimento melódico do baixo. 48 Adriano Fagundes Oliveira Lima em sua tese: Policordes: Sistematização e Uso na Música Popular. 86 A cifragem tradicional, por sua vez, ajuda na visualização da relação entre os acordes. As cadências não são tonais, mas partindo do principio que o tom da música é E maior, é possível perceber que os quatro primeiros acordes se encontram na região da subdominante, passando pelo IVm (um empréstimo modal de A menor), Vsus e IIm até chegar à própria subdominante. A décima primeira aumentada nesse contexto caracteriza o acorde como quarto grau de E maior. O primeiro acorde (Dsus, ou Gsus9) é tocado na introdução com um efeito de fade in feito pelo sintetizador, podendo ser ouvido de forma mais clara na coda (por isso os parênteses). Pelo fato de não possuir baixo ele pode ser visto tanto como um Dsus (que é como está escrito na partitura) como um Gsus9, já que a nota sol é a mais grave. Figura 30 – Aspectos Harmônicos (Intro) 1 Em seguida, após uma passagem pelo IIIm e pelo IIsus, o I grau é tocado no primeiro tempo do terceiro compasso, seguido pelos terceiro e sexto grau menores. Em seguida ocorre uma passagem melódica pelas notas Dó sustenido e Ré sustenido, resolvendo na nota Mi no acorde seguinte. Essa passagem melódica acentua a chegada na tonalidade central da música (E maior). Porém o acorde sobre o qual a nota Mi é tocada não é o primeiro grau, e sim o Vsus, que faz a preparação para o trecho que virá a seguir, no qual ocorrerá a resolução na tonalidade central. 87 Figura 31 – Aspectos Harmônicos (Intro) 2 O caráter modal dessa introdução se deve em parte ao fato de Jaco evitar resoluções de tipo dominante–tônica, optando no lugar delas por resoluções subdominante–tônica, também conhecidas por cadências plagais49. O acorde de Bm7(11) resolvendo no Amaj7(#11) no segundo compasso, e o F#sus7(4) resolvendo no Emaj7(6) no terceiro compasso, são exemplos de cadências plagais. A própria introdução em si é uma grande cadência plagal. Pois começa sobre a região harmônica da subdominante para depois ir para a região da tônica. A figura a seguir mostra essa relação: Figura 32 – Aspectos Harmônicos (Intro) 3 49 A cadência plagal também é conhecida como “cadência do amém”, por ter sido muito utilizada para harmonizar essa palavra em hinos religiosos. 88 Em seguida ocorre um turnaround50, sobre uma cadência de engano. Essa cadência foge do usual pelo fato de tanto o IV como o V grau serem acordes maiores com sexta e nona. Esses acordes resolvem em um segundo grau menor com décima primeira, no qual a nota Mi é a voz superior. No quarto tempo do oitavo compasso temos o acorde Bsus/G#, que também pode ser visto como um Emaj9 sem a sétima com baixo em G#. O acorde é utilizado como uma passagem para a volta do A6(9) e pode ser visto como uma dominante deste, mesmo não possuindo sétima menor. Figura 33 – Aspectos Harmônicos (Intro) 4 Esse turnaround é tocado três vezes, e em cada uma dessas vezes um elemento novo é acrescentado à música. Na primeira vez ocorre a entrada da bateria, no sexto compasso, seguida por uma nota Si tocada pelo sintetizador a partir do quarto tempo do sétimo compasso aproximadamente. 50 Os acordes não estão escritos na partitura, mas o símbolo (símile) sobre o último acorde do quarto compasso indica que a estrutura dos acordes que virão é a mesma utilizada até o momento. 89 Essa nota continua sendo tocada na primeira repetição do turnaround até o terceiro tempo do décimo segundo compasso (Emaj9/G#). No décimo quarto compasso, sobre o acorde de F#m7(11), uma nota Ré sustenido é tocada pelo sintetizador com o mesmo timbre que a anterior. Essa nota é tocada até o final do turnaround, permanecendo até o primeiro tempo do compasso seguinte. O timbre utilizado por Zawinul51 nessas duas notas possui um forte caráter “espacial”. O que é bastante coerente, sabendo-se a origem do nome da música. Em seguida a cadência do turnaround é repetida com o final alterado, chegando em Esus7(4) no lugar de F#m7(11). A voz superior desse acorde também muda do mi para o lá. Podemos perceber que quando a nota mi, que é a nota da tonalidade central da música, está na voz superior ela não está no baixo e vice-versa. Esse acorde suspenso sobre a tônica funciona mais como um impulso para os acordes que virão a seguir do que como um repouso. Figura 34 – Aspectos Harmônicos (Intro) 5 51 Nessa música Zawinul utiliza, além do piano, dois sintetizadores. Sendo eles o Oberheim Polyohonic e o Arp 2600. 90 A seguir, temos várias relações plagais em sequência. A começar pelo Esus7(4) e o D6(9), que por sua vez é seguido pelo Amaj9/C# (sem sétima), do qual é o quarto grau (o acorde está classificado como IV/IV na figura abaixo). O acorde na sequência é um Emaj9/G# (sem sétima). Em seguida temos a cadência A6(9), B6(9), que tem seu repouso final sobre o acorde Esus/D. Esse acorde também pode ser visto como Bm7(11) ou como um grande Dsus, possuindo a nona, a décima primeira e a décima terceira. Porém em todas essas visões do mesmo acorde fica claro que nesse momento deixamos de estar sobre a região de E maior e fomos para a região de E menor. Esse acorde soa por três compassos e após uma pausa de um compasso o tema se inicia sobre E lídio. E junto com o tema, o baixo de Jaco Pastorius (todos os baixos da introdução são baixos sintetizados por Zawinul). Figura 35 – Aspectos Harmônicos (Intro) 6 Na coda da música, a introdução é repetida, porém uma oitava abaixo e com uma abertura mais fechada seguindo o padrão: 4ªJ, 5ªJ e T. Mas isso não altera em nada a estrutura harmônica desse trecho, já que a única nota que deixa de ser tocada é a dobra da fundamental uma oitava acima. Na coda também não ocorre turnaround, e após os acordes A6(9) e B6(9) ocorre uma resolução final sobre o acorde F#m7(11), uma resolução bastante inusitada sobre o segundo grau, mas a melodia resolve sobre a nota mi, o que traz a sensação de resolução. 91 Figura 36 – Aspectos Harmônicos (Coda) Durante toda a coda é tocado um pedal sobre a nota si (esse pedal será explicado com mais detalhes no item 2.2.1). Mas podemos perceber que esse pedal também está implícito na harmonia da introdução, fazendo parte dos principais acordes dela. A tabela a seguir mostra em quais acordes a nota si está presente e em quais não. Acordes que possuem a nota si Acordes que não possuem a nota si Esus9, Bm7(11), G#m7(11), F#sus7(4), Dsus, Dm7(11) e Amaj7(#11). Emaj7(6) [a nota si não é tocada, mas sendo a quinta do acorde faz parte dele], C#m7(11), Bsus7(4), A6(9), B6(9), F#m7(11) e Esus/D [ou Bm7(11)/D] 92 2.1.2 Aspectos Melódicos Melodicamente, ocorre uma descida na voz superior sobre o E Mixolídio b6 (quinto grau da escala menor melódica de A), que vai até o terceiro tempo do segundo compasso [F#sus/G# ou G#m7(11)]. Nas vozes intermediárias, pelo fato dos acordes possuírem a mesma estrutura, ocorre a mesma descida. Mas começando na quinta justa, oitava abaixo ou na quarta justa. Dessa forma a descida também ocorre sobre o modo Mixolídio b6 em B e A, como mostrado a seguir: 1ª Voz Escala: E Mixolídio b6 (A menor melódica) Notas: C B A G# F# 2ª Voz Escala: B Mixolídio b6 (E menor melódica) Notas: G F# E D# C# 3ª Voz Escala: E Mixolídio b6 (A menor melódica) Notas: C B A G# F# 4ª Voz Escala: A Mixolídio b6 (D menor melódica) Notas: F E D C# B Enquanto isso, o baixo toca as notas D, E, B, A e G#, mantendo a intenção de E Mixolídio que ocorre na 1ª e 3ª voz e formando, com a soma de todas as vozes, um cromatismo praticamente completo. Das 12 notas, apenas o lá sustenido não é tocado nesses dois primeiros compassos de introdução. O que faz bastante sentido, porque como já vimos, nesse trecho da introdução ocorre uma polarização sobre o quarto grau (A) e dessa forma a nota lá sustenido descaracterizaria essa intenção. Essa polarização no quarto grau fica clara pelo uso do E Mixolídio b6, que é o quinto grau de A menor melódico. Mas paralelamente a esse A menor melódico também ocorre um E menor melódico e um D menor melódico. Ou seja as duas tonalidades vizinhas mais próximas de A (quarto e quinto grau) são tocadas 93 simultaneamente a esta. A soma dessas três escalas gera uma mudança harmônica do A menor para o A maior, já que as escalas D menor melódica e E menor melódica possuem a nota dó sustenido. Harmônicamente a passagem pelo A menor ocorre apenas sobre o acorde Dm7(11) que é o quarto grau menor de A. Sendo este o primeiro acorde a ser tocado, ele gera na melodia a escala menor melódica de A, como vimos acima. Mas este trecho se encontra fundamentalmente sobre A maior. Ou seja, este trecho é constituído de três escalas menores melódicas que quando sobrepostas alternam da região do A menor (no primeiro acorde) para a região do A maior (nos acordes seguintes). A partir do terceiro tempo do segundo compasso, a harmonia vai para a região da tônica e a melodia fica sobre a escala mixolídia de si. Essa escala continua a intenção mixolídia na melodia que havia nos acordes anteriores, porém sobre a região da tônica, e realça o fato da nota si ser um pedal implícito na harmonia. 94 2.1.3. Aspectos Rítmicos A principal figura rítmica utilizada na introdução é a semínima pontuada. No primeiro e segundo compassos essa figura é tocada quatro vezes em seguida, gerando um ciclo sincopado a cada três tempos. Sendo que a primeira nota do ciclo está no tempo e a segunda no contratempo. A figura a seguir mostra esse ciclo de três tempos com os quadrados sobre as figuras e as siglas “T” para tempo e “CT” para contratempo. Figura 37 – Aspectos Rítmicos (Intro) 1 As duas semínimas sem ponto de aumento no segundo compasso fazem com que o próximo acorde seja tocado sobre o tempo. Nos dois compassos seguintes a semínima pontuada volta, mas dessa vez é seguida por duas mínimas, o que gera uma síncopa diferente da que ocorreu nos compassos anteriores. Em vez de intercalar tempo e contratempo, ele utiliza dois contratempos seguidos. E após duas semicolcheias as mesmas semínimas que havia utilizado no terceiro e quarto tempo do segundo compasso. Figura 38 – Aspectos Rítmicos (Intro) 2 Ocorre um ciclo a cada dois compassos, que pode ser visto como uma expansão do ciclo de três tempos utlizado nos dois primeiros compassos. Podemos 95 dizer que ocorre um ciclo a cada dois compassos pelo fato de que a “cabeça” do primeiro tempo só é tocada nos compassos 1 e 3. Sendo que nos compassos 2 e 4, o primeiro tempo aparece ligado ao quarto tempo do compasso anterior. A figura a seguir mostra essa divisão a cada dois compassos, cujo símbolo é o grande retângulo com bordas arredondadas. Os círculos mostram as duas semínimas que marcam o final de cada ciclo nos compassos 2 e 4. A anacruse também está envolta por um círculo, pois funciona da mesma forma. Os retângulos (inseridos dentro do grande retângulo) mostram os pequenos ciclos dentro do grande ciclo. Sendo que o retângulo mais baixo mostra o ciclo gerado pelas semínimas pontuadas e o mais alto o gerado pelas mínimas. Podemos perceber que a primeira figura do terceiro compasso promete a volta ao ciclo de semínimas pontuadas (por isso está dentro de um retângulo mais baixo). Mas essa promessa logo é quebrada com o emprego das mínimas. Figura 39 – Aspectos Rítmicos (Intro) 3 A seguir temos um turnaround formado por 15 tempos divididos em um compasso em 3/4 e três compassos em 4/4. No compasso em 3/4 as semínimas pontuadas são utilizadas novamente. Mas sob essa fórmula de compasso elas não geram mais o efeito sincopado. Os três compassos seguintes são formados por uma semibreve ligada e uma semínima pontuada ao fim do décimo compasso. 96 Esse turnaround é tocado três vezes, e na primeira vez a bateria entra (oitavo compasso) fazendo uma levada bastante solta com uma forma de tocar característica do fusion. Que é como Alex Acuña conduzirá o ritmo por toda a música. Após o turnaround o ritmo dos dois primeiros compassos é repetido, porém sobre outros acordes. E em seguida ocorre uma volta ao compasso ternário (novamente formado por duas semínimas pontuadas) e ao compasso quarternário. Onde ocorre o repouso sobre a semibreve ligada. Figura 40 – Aspectos Rítmicos (Intro) 4 97 2.2.Tema 52 Figura 41 - Tema 52 O tema de “Havona” se encontra na faixa 9 do CD. 98 2.2.1 Aspectos Harmônicos Uma característica marcante nessa harmonia é a relação de terças, entre dois acordes maiores, que acontece tanto do Ema9(#11) para o Cma9, como do Bma9 para o Gma9. Esse tipo de relação nos remete à música “Giant Steps” de John Coltrane, na qual as tonalidades maiores de B, G e Eb (e suas respectivas cadências) se interpolam da forma como é mostrada a seguir53. Sendo que os acordes sublinhados são as tonalidades em que a música transita, e os outros acordes são as preparações para essas tonalidades. Giant Steps: // Bmaj7 D7 / Gmaj7 Bb7 / Ebmaj7 / Am7 D7 / Gmaj7 Bb7 / Ebmaj7 F#7 / Bmaj7 / Fm7 Bb7 / Ebmaj7 / Am7 D7 / Gmaj7 / C#m7 F#7 / Bmaj7 / Fm7 Bb7 / Ebmaj7 / C#m7 F#7 // Na música erudita, temos alguns exemplos do uso dessa relação de terças, especialmente em Beethoven. Sua sonata para piano “Waldstein” começa em C maior e modula para E maior (PORTER, 1998, p. 146). Outros exemplos na obra do compositor são: a sonata para violino em A maior, que possui um movimento central em F maior. E a sonata para piano em Eb maior, Op. 7, na qual o “Largo” está em C maior e o tema secundário em Ab maior (SCHOENBERG, 2004, p. 79). Porém, essas modulações acontecem graças a um desenvolvimento harmônico que acontece durante vários compassos até que a nova tonalidade se estabeleça. 53 A harmonia de “Giant Steps” foi obtida no New Real Book, Volume 2. 99 Modulações mais rápidas geralmente têm seu espaço, dentro da música erudita, nos desenvolvimentos e nas chamadas formas livres (prelúdios, fantasias, rapsódias, recitativos, entre outros). Na introdução da “Abertura Leonora nº3” em C maior, de Beethoven, ocorre um episódio de seis compassos sobre Ab maior, antecedida por uma dominante da tonalidade principal da peça (SCHOENBERG, 2004, p. 191). O que acontece tanto em “Giant Steps” como em “Havona” é o mesmo tipo de modulação das peças citadas, porém a velocidade entre as modulações é mais rápida ainda. Em ambas as modulações ocorrem, no máximo, a cada dois compassos. Graças a essa mudança rápida entre as tonalidades, o longo desenvolvimento harmônico construído nas peças eruditas é resumido, em “Giant Steps”, pelo uso das cadências IIm V7 I, ou apenas V7 I, da tonalidade seguinte. Já em “Havona” a modulação é mais direta ainda, pois nem mesmo as cadências são utilizadas como preparação. Schoenberg explica as modulações como sendo, na realidade, mudanças de região. E as contextualiza dentro de um conceito mais amplo de tonalidade: A mistura de notas e acordes alterados com diferentes progressões diatônicas, mesmo em segmentos não-cadenciais, era considerada modulação pelos teóricos antigos. Trata-se de uma visão limitada e, portanto, obsoleta da tonalidade. Não se deve falar de modulação a menos que uma tonalidade tenha sido definitivamente abandonada, e por um tempo considerável, e outra tonalidade tenha se estabelecido quer harmônica quer tematicamente. O conceito de regiões é uma conseqüência lógica do princípio da monotonalidade. De acordo com este princípio, considera-se que qualquer desvio da Tônica ainda permanece na tonalidade, não importando se sua relação com ela é direta ou indireta, próxima ou remota. Em outras palavras, há somente uma tonalidade em uma peça, e cada segmento, considerado antigamente como outra tonalidade, é apenas uma região, um contraste harmônico interno à tonalidade original. 100 A monotonalidade inclui a modulação, ou seja, o movimento na direção de outro modo e, inclusive, seu estabelecimento. Mas ela considera tais desvios regiões da tonalidade, subordinadas ao poder central de uma Tônica. Adquire-se, assim, a compreensão da unidade harmônica no interior de uma peça. (SCHOENBERG, 2004, p. 37) Olhando dessa forma, fica claro que apesar de “Giant Steps” e “Havona” serem constituídas por modulações (que chamaremos agora de mudanças de região) constantes, elas possuem uma tonalidade central que se destaca sobre as outras. Em “Giant Steps” o centro está sobre B maior. Em “Havona” o centro está sobre E maior. Algumas dúvidas podem surgir em relação a qual tonalidade da música é a central, porém existe uma clara de resolução na nota mi no final da introdução, como já vimos anteriormente. E essa resolução também ocorre entre a convenção (compassos 17 a 22 do tema) e o início de um novo chorus com o acorde Emaj9(#11). Um paralelo pode ser traçado entre esse princípio da monotonalidade e o significado da palavra “Havona”. Como já foi dito, Havona é o nome dado ao centro do universo no Livro de Urântia. E todos os planetas e galáxias giram em torno desse centro, não importando o quão distante estejam dele. Da mesma forma podemos ver essa harmonia. Todos os acordes giram em torno de E maior, não importando o quão afastados dessa tonalidade eles possam parecer. A análise será feita mostrando tanto as relações existentes entre as tonalidades secundárias e a tonalidade central, como mostrando as relações entre as próprias tonalidades secundárias. Para explicar essas relações utilizarei a classificação feita por Schoenberg em seu livro Funções Estruturais da Harmonia. Ele divide as relações entre as tonalidades em cinco categorias: “Direta e Próxima”, “Indireta, Mas Próxima”, “Indireta”, “Indireta e Remota” e “Distante” (SCHOENBERG, 2004, p.91). 101 Nos compassos 1 e 2 temos o acorde de Emaj9(#11), seguido pelo acorde de Cma9 nos compassos 3 e 4. Essa relação entre acordes maiores uma terça maior abaixo faz parte da segunda categoria da classificação de Schoenberg “Indireta, Mas Próxima”. (SCHOENBERG, 2004, p. 79 e 80) O C maior é um acorde derivado da subdominante menor de E maior, por isso a relação entre os dois é considerada indireta. A subdominante menor é um acorde que faz parte da tonalidade de E maior graças a uma permutação com seu homônimo menor. A subdominante menor de E maior é um A menor. A mediante dessa subdominante menor é o C maior, que é classificado como uma submediante maior abaixada de E maior. Schoenberg ressalta que os acordes derivados da subdominante menor devem ser utilizados com cautela para não obscurecer a tonalidade. Esse obscurecimento da tonalidade certamente foi usado de forma bastante intencional por Jaco ao começar o tema da música com essa passagem harmônica (SCHOENBERG, 2004, p.76). A seguir temos uma mudança para a região da dominante, B maior (compassos 5 e 6). Esta é uma tonalidade vizinha à tonalidade central, sendo a relação entre as duas tonalidades classificada por Schoenberg como “Direta e Próxima”. A nota si possui um papel bastante importante nessa música, pois ela é a única nota em comum entre todos os acordes, um pedal implícito que aparece como quinta justa em E maior, sétima maior em Dó maior e terça maior em Sol maior (assim como também faz parte da maioria dos acordes da introdução). Durante a convenção, que vai do compasso 17 ao 22, esse pedal fica bem claro. A convenção inteira consiste em um B dominante e, durante a última convenção (4’52”), feita na reapresentação do tema, a nota si é repetida durante um longo tempo pelo baixo e pelo saxofone. Ou seja, o pedal que antes estava implícito na harmonia é 102 mostrado de forma bastante explicita. E após esta convenção o pedal na nota si continua ao longo da coda e segue até o final da música. A seguir temos um Gma9 (compassos 7 e 8). A relação da tonalidade de G maior com a tonalidade central, E maior, é classificada como “Indireta, Mas Próxima”. O Gma9 é um acorde derivado do homônimo menor da tonalidade central, ele é a mediante de E menor. Sua relação com o E maior é de mediante maior abaixada (SCHOENBERG, 2004, p.79-80). A relação entre o acorde Bmaj9 (compassos 5 e 6) e o acorde Gma9 (compassos 7 e 8) é a mesma relação que ocorre entre o E maior e o C maior. Ou seja, uma relação de terça entre duas tonalidades maiores, sendo que o G maior é a submediante maior abaixada de B maior. A volta do E maior acontece com uma passagem por seu homônimo menor no compasso 9, seguida pelo Emaj9(#11) no compasso 10. Essa passagem possui um significado múltiplo. Ao mesmo tempo em que o Emi9 é a submediante menor de G maior, também é o homônimo menor da tonalidade de E maior. Sendo que o acorde de G maior teve sua raiz justamente nesse homônimo menor, nada mais natural do que essa passagem por E menor. O que ocorre nos próximos seis compassos é uma repetição da harmonia dos compassos 3 a 8. Ou seja, as tonalidades maiores de C, B e G aparecem nessa ordem e com uma duração de dois compassos cada. A única variação está no acorde Bma9, que agora aparece como um Bmaj9(#11). Esse é um aspecto que merece bastante atenção. O primeiro acorde da música é um Emaj9(#11) e no compasso 13 o Bmaj9 também aparece com o acréscimo de uma décima primeira aumentada. 103 Na realidade, os quatro acordes maiores (E, C, G e B) podem ser considerados como acordes lídios. Isso não está explicito em todas as cifras, mas a décima primeira aumentada de todos os acordes é utilizada melodicamente durante o solo de Jaco. Essa informação não se choca com a análise feita até agora, pelo contrário, a complementa. Consideramos as quatro tonalidades como tonalidades maiores, no que se supõe que sejam definidas pelo modo Jônio. Porém o fato dessas tonalidades possuírem caráter Lídio não altera a relação entre elas. Em seu livro The Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization, George Russell explica que o modo Lídio difere do Jônio pelo fato do primeiro ser uma unidade auto-organizada, que não possui uma necessidade de resolução, como o segundo (RUSSELL, 2001, p.9). 104 2.2.2. Aspectos Melódicos A melodia de “Havona” é formada por dezesseis compassos, que podem ser divididos em dois grupos de oito compassos, como podemos ver na figura a seguir: Primeiro Grupo: Figura 42 – Aspectos Melódicos (Tema)1 Segundo Grupo: Figura 43 – Aspectos Melódicos (Tema) 2 Os últimos oito compassos consistem de uma variação harmônica e melódica dos oito primeiros compassos. Essa variação se inicia de forma antecipada, na metade do oitavo compasso. Um fator interessante a ser analisado, antes que comecemos a análise dos motivos, é que as notas da melodia são na maioria das vezes ou uma sétima maior ou uma nona maior em relação ao acorde sobre o qual estão. E mesmo quando mais de uma nota é tocada por compasso, a nota forte harmonicamente é sempre uma sétima ou uma nona. Como podemos ver na figura 44 (página seguinte). 105 Figura 44 – Aspectos Melódicos (Tema) 3 Essa alternância entre as duas tensões se repetindo continuamente traz um sentido de integração para a música. Pelo fato de todos os acordes (com a exceção do Em9) serem maiores, esse padrão melódico traz sempre uma sonoridade semelhante, porém transposta entre os quatro acordes. Nos quatro primeiros compassos ocorre uma descida cromática da nota ré sustenido para a nota ré natural. Essa descida cromática pode ser considerada o primeiro motivo melódico do tema e é repetida nos quatro compassos seguintes uma quarta abaixo. Figura 45 – Aspectos Melódicos (Tema) 4 106 No terceiro tempo do oitavo compasso se inicia um novo motivo, caracterizado pela terça menor entre o fá sustenido e o lá. Esse motivo é repetido com alteração uma terça maior abaixo, resolvendo em um ré sustenido, que marca a volta ao primeiro motivo. O interessante nessa volta é que o ré sustenido é precedido por um ré natural (o fá sustenido é um ornamento), ou seja, ocorre uma inversão do primeiro motivo. Além da mudança melódica no compasso 8, também ocorre uma mudança rítmica. O padrão de semibreves ligadas é substituído por um de tercinas, antecedidas na primeira vez por uma colcheia e na segunda por uma mínima com ponto de aumento. E como vimos, a mudança no padrão harmônico ocorre para acompanhar essa mudança melódica. Figura 46 - Aspectos Melódicos (Tema) 5 Essa volta ao motivo inicial54 é sentida mais como um desenvolvimento do que como um retorno, pelo fato do ré sustenido aparecer deslocado um compasso. A figura a seguir compara os compassos 9 e 10 aos compassos 1 e 2 e mostra esse deslocamento da nota ré sustenido. 54 A inversão do primeiro motivo no compasso 9 pode ser considerada uma preparação para a volta deste motivo. 107 Figura 47 - Aspectos Melódicos (Tema) 6 O motivo inicial retorna com o deslocamento mostrado acima e com uma mudança em seu padrão rítmico, de uma semibreve ligada para uma semibreve sem ligadura. Desta forma, a nota si é acrescentada entre as duas notas que compunham a melodia inicial (ré natural e lá sustenido), como vemos a seguir, em uma comparação entre os compassos 3-5 e 11-13: Figura 48 - Aspectos Melódicos (Tema) 7 A passagem do si para o lá sustenido pode ser considerada uma variação do motivo inicial uma terça maior abaixo, portanto teremos a seguinte disposição dos motivos do compasso 10 ao inicio do compasso 13: 108 Figura 49 - Aspectos Melódicos (Tema) 8 Nos compassos seguintes, ocorre uma variação maior do motivo inicial que gera outro motivo. Esse motivo consiste em um intervalo de quinta justa entre o Lá sustenido e o Mi sustenido, que é repetido uma terça menor acima no compasso seguinte. O resultado desse motivo e de sua repetição é um arpejo saltado de lá sustenido menor sobre o acorde de Bmaj9(#11). A resolução do sol sustenido no lá natural no compasso 15 se trata de uma inversão do motivo inicial cromático, mas transposto um trítono acima. Figura 50 - Aspectos Melódicos (Tema) 9 Os compassos 13 a 16 são uma variação dos compassos 5 a 8, sendo que três notas são interpoladas entre as notas lá sustenido e lá natural, e este é tocado uma oitava acima, como podemos ver na figura a seguir: Figura 51 - Aspectos Melódicos (Tema) 10 109 Essa finalização no Lá natural é uma resolução que fica em suspenso preparando para a convenção que virá em seguida. Do compasso 17 ao 22 acontece uma convenção que prepara para a volta ao início do chorus. Essa convenção consiste em três repetições dos acordes Asus e Bsus que culminam na frase do compasso 22, que é dobrada pelo baixo e pelo teclado. Essa convenção possui uma intenção de B Mixolídio bastante clara. O que caracteriza essa intenção é o movimento de lá para si, ou seja, de sétima menor para tônica. A frase final é construída sobre E Eólio. Na partitura do New Real Book, a frase aparece começando pela nota si, o que está certo, pois é o que o teclado faz. Porém analizando a linha de baixo55 podemos ver que antes da nota si, Jaco já inicia a frase no final do compasso anterior com a nota mi. Dessa forma a frase começa e termina com a nota mi, e a nota dó caracteriza o modo como E Eólio. O modo Eólio, como preparação para o E Lídio (que inicia o chorus), já havia sido utilizado anteriormente entre a introdução e a exposição do tema. Á seguir temos duas figuras, a primeira mostra a convenção e a frase final (como escritas no New Real Book), e a segunda mostra o baixo nessa frase que termina o chorus. Figura 52 – Convenção e Frase 55 Este trecho da linha de baixo se encontra na página 124 deste trabalho e foi retirado do livro Jaco Pastorius: The Greatest Jazz-Fusion Bass Player. 110 Figura 53 – Frase Final (Baixo) Encerraremos a análise melódica do tema com um resumo da disposição dos motivos na melodia: Figura 54 – Resumo da disposição dos motivos na melodia 111 3.2.3 O Baixo de Jaco Pastorius como Contracanto Figura 55 – Trecho 1 (Linha de Baixo) Esses são os seis primeiros compassos da linha de baixo de Jaco. E como podemos ver ela é muito mais dinâmica do que a melodia superior. Grande parte da linha de Jaco consiste em uma variação do motivo apresentado no primeiro compasso. Esse motivo pode ser dividido em duas pequenas partes, que chamaremos de incisos, e é construído sobre a escala pentatônica de A maior ou F# menor. O primeiro inciso é formado pelas notas mi e si, ou seja, a tônica do acorde e sua quinta, e é caracterizado ritmicamente pela antecipação da segunda nota em uma semicolcheia, seguida por outra semicolcheia. O segundo inciso se inicia no contratempo do segundo tempo, e é constituído pelas notas lá (quarta justa), si (quinta justa), dó sustenido (sexta maior), fá sustenido (segunda maior) e mi (tônica). Sendo que a nota lá é apenas uma passagem para chegar à nota si, sendo substituída muitas vezes por uma pausa ou por uma ghost note. O segundo inciso é caracterizado ritmicamente pelo uso das semicolcheias. 112 Figura 56 – Trecho 2 (Linha de Baixo) Podemos notar que a resolução na nota mi acontece no quarto tempo, ao invés de no primeiro tempo do compasso seguinte. Esse deslocamento gera um polirritimia, já que enquanto o resto da banda toca em 4/4, Jaco toca em ¾. Seguindo esse padrão, ele divide os três primeiros compassos em quatro grupos de três tempos cada, como mostra a figura a seguir: Figura 57 – Trecho 3 (Linha de Baixo) A barra que separa o segundo e terceiro grupo do primeiro e quarto grupo foi colocada para ilustrar a separação entre as repetições do motivo inicial. Se olharmos para esse trecho como sendo formado por quatro compassos em ¾, podemos perceber que o motivo inicial tocado no primeiro compasso sofre uma variação na qual a sua duração é dobrada no segundo e terceiro compasso (segundo e terceiro grupo). No segundo grupo a primeira nota do motivo é tocada com o dobro de sua duração, após ela ocorre uma passagem pelas notas ré sustenido e ré natural que têm um caráter mais rítmico do que melódico. Só após essa passagem rítmica é que a segunda nota do motivo é tocada, a quinta justa. A quinta é tocada sem a antecipação de semicolcheia, e após a repetição da mesma nota ocorre uma pausa (que ocupa o lugar da nota lá) a quinta é tocada de novo uma oitava abaixo, dando continuidade ao motivo. Porém a seqüência 5ªJ, 6ªM, 113 6ªM, 2ªM, 6ªM é mudada da seguinte forma: 5ªJ, 6ªM, 6ªM, T, T (oitava abaixo), sendo continuada depois pela 2ªM e 6ªM do acorde seguinte (Cmaj9). Essa continuidade do motivo no compasso seguinte possui duas alterações (além do fato de estar sendo tocada uma terça abaixo). A 2ªM (ré) possui a duração de uma colcheia, ao invés de semicolcheia. E a 6ªM (lá) é tocada uma oitava acima do que havia sido tocada anteriormente. Figura 58 – Trecho 4 (Linha de Baixo) A forma como Jaco utiliza o ritmo gera essa apoggiatura, passando pela 6ªM e 2ªM antes da resolução na nova tônica (dó), no terceiro compasso. Essa resolução é antecipada em uma semicolcheia. Além dessa antecipação, a única variação do motivo inicial apresentada no quarto grupo é que a 4ªJ não é tocada novamente. Figura 59 – Trecho 5 (Linha de Baixo) Após esses três compassos fecha-se o ciclo, já que o número doze (quantidade de tempos nesses compassos) é um número múltiplo de três e de quatro. Dessa forma, no compasso seguinte a frase se iniciará no primeiro tempo novamente. Nos próximos três compassos temos uma nova organização dos doze tempos. Ao invés de 3-3-3-3, agora Jaco divide-os em 4-2-3-3, sendo que o quinto pode ser dividido em dois tempos seguidos de três tempos. E novamente os dois grupos 114 intermediários formam um grande grupo, que nesse caso tem cinco tempos, onde ocorre uma variação estendida do motivo. Figura 60 – Trecho 6 (Linha de Baixo) O que ocorre ritmicamente no quarto compasso (quinto grupo) é uma variação do motivo inicial. Sendo o motivo rítmico inicial formado por três tempos, uma semínima é tocada no quarto tempo, o que gera a polirritmia, como já foi explicado. Porém, nesse quarto compasso a semínima é tocada no primeiro tempo, funcionando como uma preparação para o motivo rítmico inicial, que aparece com alterações no segundo tempo. Essas variações são que ao invés de uma colcheia pontuada seguida de duas semicolcheias ligadas, temos uma colcheia sem ponto e uma semicolcheia, seguidas pelas duas semicolcheias ligadas. Também ocorre de três das semicolcheias estarem ligadas. As figuras a seguir mostram o ritmo inicial e a variação feita no quarto compasso. Figura 61 – Trecho 7: Ritmo Inicial (Linha de Baixo) Figura 62 – Trecho 8: Variação do Ritmo Inicial (Linha de Baixo) Melodicamente ocorre uma variação quase total do motivo inicial. Após a fundamental ser tocada, ao invés de ir para a 5ªJ, Jaco passa pela 7ªM e 6ªM, para 115 depois tocar a 2ªM, a tônica oitava abaixo a 3ªM e a 6ªM. Ou seja, a única nota que permanece em relação ao motivo inicial é a última, a 6ªM (lá). Mas essa variação não altera a unidade da linha pelo fato do ritmo utilizado ser uma variação bastante próxima do motivo inicial. Figura 63 – Trecho 9 (Linha de Baixo) O sexto e sétimo grupo (quinto compasso a primeiro tempo do sexto compasso) são novamente uma variação estendida do motivo inicial, mas agora em cinco tempos ao invés de seis (como no segundo e terceiro grupo). A técnica utilizada por Jaco para estender o motivo inicial nesse trecho foi a de estender o primeiro inciso. Sendo que primeiramente ele toca a quintas justa sobre a “cabeça” do tempo para depois antecipa-la em uma semicolcheia uma oitava abaixo. Esse padrão rítmico nos remete ao do compasso anterior, com uma semínima no primeiro tempo e a antecipação de semicolcheia do segundo para o terceiro tempo. É como se melodicamente o motivo começasse no primeiro tempo, e ritmicamente começasse no segundo tempo. Após uma pausa ele inicia o segundo inciso do motivo, porém sem a 4ªJ precedendo a quinta e com o uso de uma ghost note na primeira semicolcheia do sexto compasso. 116 Figura 64 – Trecho 10 (Linha de Baixo) No oitavo grupo, o motivo aparece em seus três tempos usuais, porém seguindo o padrão rítmico dos compassos anteriores, ou seja, sem a antecipação de semicolcheia do primeiro para o segundo tempo (segundo e terceiro tempo do compasso, já que o grupo se inicia no segundo tempo) e com essa antecipação do segundo para o terceiro tempo (terceiro e quarto tempo do compasso). Nesse trecho a segunda quinta justa é tocada em colcheia, ocupando o tempo que pertenceria á 4ªJ no motivo inicial. Em seguida ocorre a antecipação da quinta justa em semicolcheia uma oitava abaixo, que ocupa o tempo da primeira 6ªM, para em seguida a 6ªM ser tocada, seguida pela 2ªM e por uma ghost note no lugar da última sexta maior. Para ajudar na visualização destas variações, abaixo temos um exemplo do motivo inicial sobre Bmaj9 seguido pela variação feita no sexto compasso. Figura 65 – Trecho 11: Motivo Inicial (Linha de Baixo) 117 Figura 66 – Trecho 12: Variação do Motivo Inicial (Linha de Baixo) Nos quatro compassos seguintes, Jaco passa a tocar normalmente sobre o 4/4. Isso ocorre pelo fato de que no meio do oitavo compasso a melodia superiora se torna mais dinâmica, e um novo motivo é inserido. A linha de baixo fica um pouco mais reta justamente para ressaltar essa mudança melódica. Sendo assim os grupos de notas de número 9 a 12 correspondem aos compassos 7 a 10, já que não ocorre polirritmia. Nos compassos 7 e 8, sobre Gmaj9, o motivo inicial é novamente tocado de forma estendida. Nesse caso o motivo de três tempos foi estendido para oito tempos. Do sétimo compasso até o contratempo do terceiro tempo do oitavo compasso temos três variações do primeiro inciso. Na primeira ocorre uma antecipação de semicolcheia sobre a própria tônica do acorde (ao invés da quinta), seguida de uma semicolcheia também na tônica. O padrão rítmico é quase igual ao utilizado no primeiro compasso, mas aqui as duas primeiras notas não são ligadas. A quinta justa é deslocada para o contratempo do segundo tempo, e tem a duração de uma colcheia, ao invés das duas semicolcheias utilizadas anteriormente. Na segunda variação (terceiro tempo) a tônica é substituída por uma segunda maior, seguindo o mesmo padrão rítmico da anterior, porém com a quinta justa aparecendo em seu lugar original com uma antecipação de semicolcheia. 118 A terceira variação do primeiro inciso começa no contratempo do quarto tempo, possuindo um prolongamento na primeira nota que dura os dois tempos do compasso seguinte. A continuação do inciso com duas semicolcheias, que normalmente está sobre a quinta justa nesse caso aparece sobre a oitava justa, e sem a antecipação de semicolcheia. Uma variação do segundo inciso é tocada no final do oitavo compasso, sendo tocadas a 2ªM e a 3ªM do acorde em um ritmo semelhante ao usado no sexto compasso, porém com a última nota sendo uma colcheia ao invés de duas semicolcheias, e com a ghost note em outro local. Figura 67 – Trecho 13 (Linha de Baixo) Nos dois compassos seguintes Jaco faz um pedal sobre a nota mi, passando pelos acordes de Em9 e Emaj9(#11), com uma pequena variação no final do décimo compasso para preparar a mudança para o acorde seguinte (Cmaj9). Figura 68 – Trecho 14 (Linha de Baixo) Na figura abaixo podemos ver a relação da linha de Jaco com a melodia nos compassos 5 a 10. Como vimos anteriormente, á partir do sétimo compasso ele deixa de utilizar polirritmias para preparar a mudança na melodia superior. 119 O pedal na nota mi é uma nova contenção da parte de Jaco para dar ênfase à melodia. De forma geral quando a melodia está em notas longas ele cria outra melodia em contraponto usando bastante de semicolcheias, mas quando a melodia superior fica mais dinâmica ele dá o devido destaque a ela tocando menos notas e fazendo menos alterações rítmicas. Figura 69 – Trecho 15 (Linha de Baixo) Nos compassos 11 e 12 temos o uso de uma polirritmia semelhante a usada no quinto e sexto compasso. Porém ao invés de formar um grande grupo de cinco tempos seguido por um grupo de um grupo de três tempos o que ocorre é o contrário, um grupo de três tempos seguido por um grupo de cinco tempos, como mostra a figura a seguir: Figura 70 – Trecho 16 (Linha de Baixo) 120 No décimo terceiro grupo temos uma variação muito semelhante ao motivo original. Sendo que a diferença está no fato da terceira nota (sol) ser uma colcheia, ao invés de semicolcheia, e do uso da ghost note. Figura 71 – Trecho 17 (Linha de Baixo) O décimo quarto grupo pode ser considerado uma variação do terceiro e quarto compasso. Nas figuras a seguir temos os dois trechos: Figura 72 – Trecho 18 (Linha de Baixo) Figura 73 – Tracho 19 (Linha de Baixo) Podemos perceber que o décimo quarto grupo se inicia com a mesma célula rítmica utilizada no primeiro tempo do terceiro compasso e no segundo tempo do quarto compasso. Além disso sua segunda nota é um 7ªM (Si), que é uma nota que caracteriza bastante o quarto compasso. Em seguida temos uma passagem pelas notas ré, mi, lá e sol. Sendo que no quarto compasso temos as notas ré, dó, mi e lá. Ou seja, 121 ao invés de ir para o dó ele já foi direto para a terça (mi) e depois para a sexta (lá), tendo apenas pulado a tônica e tocado a nota sol após o lá. Sendo todo este trecho uma variação do primeiro inciso que inclui elementos do segundo inciso (citados acima). Essa variação continua no segundo tempo do décimo segundo compasso deixando o primeiro inciso mais claro, com uma figura igual á utilizada no terceiro compasso, porém com uma ghost note no lugar na pausa. O que é apenas um detalhe. Em seguida temos uma variação do segundo inciso que funciona como preparação para o acorde seguinte (Bmaj9). Do décimo terceiro compasso até o final do chorus, Jaco não utiliza mais nenhuma polirritmia. Porém ele antecipa a primeira nota do décimo quarto compasso em uma colcheia (como havia feito no oitavo compasso). No décimo terceiro compasso temos uma variação do motivo inicial na qual o primeiro inciso dura dois tempos ao invés de um, graças á passagem pela terça maior antes das quintas justas em semicolcheias, que aparecem no contratempo do segundo tempo. No segundo e quarto tempos há uma variação sobre o segundo inciso na qual a 4ªJ é substituída novamente por uma ghost note e uma das sextas maiores é substituída por uma pausa. Figura 74 – Trecho 20 (Linha de Baixo) 122 No compasso seguinte ele amplia a extensão do primeiro inciso com uma passagem pela 7ªM, 3ªM e 6ªM antes de chegar á tônica. E o segundo inciso sofre uma redução drástica sendo constituído apenas por duas notas Fá sustenido seguidas, porém com o ritmo característico deste segundo inciso. Figura 75 – Trecho 21 (Linha de Baixo) Nos dois compassos seguintes ocorre uma variação melódica sobre o primeiro inciso, com elementos melódicos do segundo inciso, e elementos rítmicos do primeiro inciso. No décimo sexto compasso Jaco toca as notas fá sustenido e lá, essas notas foram tocadas pela melodia no oitavo compasso, sobre o mesmo acorde, e são bastante marcantes, pois é justamente nesse momento que a melodia fica mais dinâmica. Em seguida temos uma frase de transição para a convenção que virá nos compassos seguintes. Figura 76 – Trecho 22 (Linha de Baixo) Na página seguinte temos a partitura da linha de baixo e da melodia do décimo compasso até o décimo sexto compasso, sendo que nos compassos seguintes teremos a convenção. 123 Como já dissemos, á partir do sétimo compasso ele deixa de utilizar polirritmias e nos compassos 9 e 10 faz um pedal sobre a nota mi para dar maior destaque á mudança que ocorre na melodia. Porém, no décimo primeiro compasso ele já volta a tocar mais notas e a utilizar polirritmia, que nesse caso inclui um ¾ e um 5/4 dividindo os oito tempos dos compasso 12 e 13. Á partir deste momento sua linha cresce cada vez mais culminando na convenção, que acontece do compasso 17 a 22. Figura 77 – Trecho 23 (Linha de Baixo) Nos compassos 17 e 18, Jaco toca apenas a tônica e a quinta justa, o que apesar de ser bastante usual nos remete ao primeiro inciso do motivo inicial. 124 Figura 78 – Trecho 24 (Linha de Baixo) Nos dois compassos 19 e 20 ele segue a convenção fraseando sobre a escala pentatônica de B menor Figura 79 – Trecho 25 (Linha de Baixo) No vigésimo primeiro compasso ele toca novamente a convenção e no compasso seguinte faz a frase que encerra o chorus. Essa frase foi construída sobre a escala eólia de E. No compasso 21 consideramos a nota si como fundamental, mas a partir da última semicolcheia deste compasso a nota mi passa a ser considerada a fundamental. Pois, apesar da frase não ser tocada sobre nenhum acorde ela começa e termina pela nota mi. Figura 80 – Trecho 26 (Linha de Baixo) 125 O acompanhamento de Jaco durante os solos de Joe Zawinul e Wayne Shorter não será analisado neste trabalho, após uma breve explicação sobre o aspecto rítmico da linha de Jaco seguiremos para a análise de seu solo. 126 2.2.4 Aspectos Rítmicos O aspecto rítmico, da apresentação do tema, possui bastante contraste entre os instrumentos. O saxofone e o teclado se encontram em um plano rítmico, onde um toca a melodia (formada por semibreves ligadas, até o oitavo compasso) e o outro a harmoniza seguindo seu tempo. Em outro plano temos a bateria, que toca de forma bastante livre com uma intenção tercinada. E ainda em outro plano ainda, temos o baixo de Jaco. Enquanto o baterista toca com intenção tercinada ele toca em intenção de semicolcheias. O que gera um contraste, além do já citado com o ritmo da melodia. O ritmo que ele usa é um ritmo cubano chamado cha cha cha. O cha cha cha foi criado na década de 40 pelo violinista Enrique Jorrin, o nome do ritmo remete ao som que os pés dos dançarinos faziam quando o arrastavam no chão. É um dos pouco ritmos quaternários cubanos. O ritmo surgiu de uma fusão entre o danzón e o son. Sendo o primeiro oriundo das danças de salão européias, e o segundo a grande base da música popular afrocubana, que deu origem ao montuno do piano da salsa. O cha cha cha costuma estar em andamentos entre 100 e 120 bpm, e as linhas de baixo geralmente são baseadas em colcheias. Jaco toca a sua linha baseada em semicolcheias, e no andamento de 140 bpm. Ou seja, em um ritmo muito mais acelerado do que o usual em um cha cha cha. O contato de Jaco com esse ritmo é bastante claro, pois já em seu primeiro LP a música “(Used To Be A) Cha-Cha” deixa esse contato explícito em seu próprio nome. 127 Colocarei a seguir alguns padrões rítmicos utilizados na linha de baixo do cha cha cha “Hasta Mañana”, de Oscar Stagnaro. Sendo este o padrão rítmico básico56, que origina os outros: Figura 81 – Cha Cha Cha 1 A partir desse padrão temos uma série de variações, mas nos focaremos em duas, que unidas formam o primeiro compasso da linha de “Havona”. Figura 82 – Cha Cha Cha 2: Primeira Variação Figura 83 – Cha Cha Cha 3: Segunda Variação O que Jaco fez, foi unir a primeira variação com o segundo compasso da segunda variação. Porém, sem a ligadura entre os dois compassos, e entre a quarta colcheia do segundo compasso, e a mínima. O que resulta no seguinte padrão rítmico: Figura 84 – Cha cha Cha 4 56 Podemos notar que ao dobrarmos o valor das figuras deste padrão rítmico do cha cha cha obteremos o padrão rítmico utilizado entre o segundo e o terceiro compasso da introdução de “Havona” (ver figura 37). 128 Que dobrado se transforma no ritmo do primeiro compasso da linha de Jaco: Figura 85 – Cha Cha Cha 5 ( Jaco) A forma como Jaco utiliza esse ritmo, como já vimos, inclui polirritmias. O que faz bastante sentido já que a música cubana está repleta de polirritmias, oriundas dos ritmos africanos. 129 3.3. Solo de Jaco Pastorius57 Figura 86 – Solo: Primeiro Chorus 57 A transcrição do solo foi obtida no site www.lucaspickford.com e foi conferida com mais duas transcrições, sendo elas a do livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player, e a transcrição feita por Ricardo Skinowisky para a revista Cover Baixo nº 06. O primeiro chorus do solo se encontra na faixa 10 do CD que acompanha este trabalho. 130 Jaco Pastorius abre seu solo com um motivo bastante semelhante ao desenvolvido por Michel Legrand58 na trilha sonora do filme Houve uma Vez um Verão (Summer of’ 42) de 1971, dirigido por Robert Mulligan. Não é possível saber até que ponto essa semelhança é apenas uma coincidência, mas alguns fatores nos levam a supor que Jaco conhecia essa música. Primeiramente o fato de que o citado filme teve bastante sucesso em sua época, tendo inclusive ganhado o Oscar de melhor trilha sonora. Além disso, no mesmo ano do lançamento do filme, o guitarrista George Benson gravou essa música em seu LP White Rabbit, que conta com as participações de Ron Carter e Herbie Hancock, dois músicos já citados como influência para Jaco. Tanto o filme, como a gravação de Benson, ocorreram seis anos antes da gravação de “Havona” com o Weather Report. Portanto parece ser bem provável que ele conhecesse essa música. Abaixo temos os dois primeiros compassos da música de Legrand59: Figura 87 – Trecho 1 de “Theme from Summer of’ 42” A música começa em tonalidade menor, o que a diferencia do solo de Jaco, porém no décimo sétimo compasso ocorre uma mudança para o homônimo maior. A seguir farei uma comparação entre esse trecho da música de Legrand com o início do solo de Jaco. 58 Michel Legrand é um compositor de trilhas sonoras francês bastante envolvido com o jazz e com a música brasileira. Chegou a gravar com músicos de jazz conceituados como Miles Davis, John Coltrane e Bill Evans. Aluno de Nadia Boulanger, compôs a trilha sonora de diversos filmes como O Mensageiro, Yentl, Os Guarda-Chuvas do Amor, Dingo (em parceria com Miles Davis), Uma Mulher É Uma Mulher, Lola e Disco entre outros. Em 2004 gravou um LP em parceria com o brasileiro Luiz Eça. 59 As transcrições dos trechos da música de Legrand foram feitas pelo autor desta monografia. 131 Legrand: Figura 88 – Trecho 2 de “Theme from Summer of’ 42” Jaco: Figura 89 – Trecho 1 (Solo) Comparando o décimo sétimo compasso da música de Legrand com o primeiro compasso do solo de Jaco, a única diferença melódica é que a frase de Jaco repousa sobre a quinta justa, e a de Legrand repousa sobre a fundamental do acorde. Além do fato das duas músicas estarem em tonalidades diferentes. Os dois possuem ritmos acéfalos. A maior diferença rítmica entre eles é que um está em 6/8 e o outro em 4/4, mas isso não altera muito a característica do motivo. Outra diferença a ser notada é que Jaco não faz a repetição da nota no segundo compasso. Mas esse é um detalhe que nem faz parte do motivo original da música, sendo utilizado pelo compositor apenas como uma variação rítmica. O motivo utilizado por Jaco e Legrand é praticamente idêntico, mas cada um o desenvolve de uma forma diferente, e sobre uma harmonia diferente. Após a apresentação do motivo sobre o acorde Emaj9(#11), Jaco toca uma frase de resposta com intenção lídia sobre Cmaj9. Essa frase possui o mesmo perfil melódico do motivo apresentado. 132 A seguir Jaco toca um o arpejo de B maior, enfatizando a 7ªM, que é a nota da melodia. As notas que pertencerem à melodia serão identificadas com a letra “M” como no exemplo abaixo. Figura 90 – Trecho 2 (Solo) Antes de continuarmos com a análise, gostaria de ressaltar o fato de que, a não ser quando comentado o contrário, devemos considerar que todo o solo está escrito oitava acima, portanto não será necessário o símbolo de oitava em todos os trechos. Em seguida ele faz uma frase de resposta utilizando a escala pentatônica de B menor, sobre o acorde Gmaj7, repousando na 6ªM do acorde e novamente ele inicia o compasso com uma nota da melodia. Figura 91 – Trecho 3 (Solo) No meio do oitavo compasso Jaco toca um trecho da melodia (continuando dentro da escala pentatônica de B menor), seguida por uma frase, que se inicia no terceiro tempo do nono compasso. A frase começa com um arpejo de Gmaj9. A seguir, ele utiliza uma passagem cromática para chegar à nota ré sustenido (que é a nota da melodia) no compasso seguinte. Sobre essa passagem cromática podemos dizer que as notas fá e ré bemol são respectivamente 5ªJ e 3ªm do acorde Bbm7. O uso de notas pertencentes à 133 tonalidade que formam trítono com o acorde é bastante comum no bebop60. As notas mi e dó podem ser vistas como fazendo parte da escala diminuta de E. Dessa forma Jaco cria uma passagem harmônica implícita na melodia. Ao chegar no ré sustenido (primeiro tempo do décimo compasso), ele toca sobre G# Eólio, dando uma intenção lídia para o E. A finalização dessa frase é uma variação do motivo inicial (que chamarei de Motivo Legrand) uma quarta abaixo. O acorde é de Emaj9, mas Jaco toca como se estivesse em B maior, dessa forma ele começa tocando sobre a nona do acorde. Se ele tocasse o motivo da mesma forma que tocou no primeiro compasso, após a nona, ele tocaria a 6ªM e a 7ªM e voltaria para a nona. Mas nessa variação ele vai da nona para a terça maior para depois ir para a 7ªM e repousar sobre a 6ªM. Ou seja, ele acrescentou uma nota e mudou a ordem das outras, mas mesmo assim o motivo inicial continua ali. Figura 92 – Trecho 4 (Solo) No décimo primeiro compasso o modo eólio é tocado meio tom acima, sobre o acorde de Cmaj9. Nesse caso não existe intenção lídia, ele está tocando sobre C maior apenas. Figura 93 – Trecho 5 (Solo) 60 Jaco explica como pensa em substituição por trítono na entrevista cedida a Steve Rosen. 134 A intenção lídia sobre C aparece no compasso seguinte, onde ele toca a escala pentatônica maior de D e C. Em seguida ele faz o mesmo padrão meio tom abaixo, sobre as pentatônicas maiores de C# e B. O último tempo do décimo segundo compasso é composto pela escala diminuta de G#. Figura 94 – Trecho 6 (Solo) A seguir, a pentatônica de C# maior é tocada novamente sobre o acorde de Bmaj7(b5), porém ao invés de ser seguida pela pentatônica de B maior (como no compasso 12) ela é seguida pela pentatônica de B menor, sobre o acorde Gmaj7. Figura 95 – Trecho 7 (Solo) A seguir temos um trecho correspondente à melodia (em clave de sol) destes compassos. Figura 96 – Trecho 8 (Solo) 135 Podemos notar que as notas da melodia (marcadas com “M”) aparecem em ordem invertida no compasso 13 e 14. No primeiro a nota fá (enarmônica do mi sustenido escrito na melodia) é tocada antes da nota lá sustenido. No segundo a nota sol sustenido é tocada antes da nota dó sustenido. No compasso 15 Jaco repousa sobre a nota da melodia (lá), que já havia sido tocada no mesmo compasso uma oitava acima. Esse repousi vai até o primeiro primeiro tempo no compasso seguinte, onde (antecedido por uma pausa de um tempo) Jaco continua a tocar sobre a pentatônica de B menor, em uma frase que faz a preparação para a convenção que virá a seguir61, que ele toca junto com os outros instrumentos. Após a convenção, em que ele toca as notas lá, si62. Jaco faz outra frase sobre a pentatônica de B menor. Ou seja, o trecho todo está sobre essa pentatônica. Figura 97 – Trecho 9 (Solo) Após um compasso de pausa (ele não toca a convenção da segunda vez) ele continua sobre a pentatônica de B menor em uma frase que vai até o segundo tempo do compasso seguinte. Podemos perceber que ele termina a frase com as notas si e lá, que são as mesmas notas que haviam sido tocadas na convenção do mesmo compasso, porém com a ordem invertida. 61 A partir do décimo sétimo compasso as notas não se encontram mais uma oitava acima do que foram escritas. 62 Essa forma de tocar que ele usa na nota si, tocando ela e depois em seguida a oitava (porém sem soltar a primeira) é bastante característica da forma como Jaco tocava. Sendo um efeito bastante expressivo no baixo fretless. 136 Figura 98 – Trecho 10 (Solo) No vigésimo segundo compasso ele faz uma pausa, enquanto o teclado toca a frase de preparação para o próximo chorus. 137 3.3.2 Segundo Chorus Figura 99 – Solo: Segundo Chorus Os números (64) e (66) indicam notas de rodapé nas páginas 139 e 143 respectivamente. 138 O segundo chorus63 se inicia com uma frase sobre F# mixolídio. Pode surgir alguma dúvida sobre se o modo sobre F# é mixolídio ou dórico, já que a terça (que seria a quarta aumentada de mi) não é tocada. Mas essa intenção lídia de E já se encontra bastante clara na harmonia, não deixando dúvidas sobre o modo ser o mixolídio. A nota que inicia a frase é a nota da melodia (ré#), que é tocada de forma bastante enfática três vezes. Podemos perceber que assim como no início do primeiro chorus, Jaco inicia com uma frase de ritmo acéfalo. Figura 100 – Trecho 11 (Solo) Logo após essa frase ele inicia uma frase em semicolcheias (novamente em ritmo acéfalo), que começa sobre a pentatônica de B maior e no compasso seguinte, quando a harmonia muda para Cmaj9, vai para a escala dórica de A, dando novamente uma intenção lídia ao C. A nota em que Jaco repousa (si) não é a nota da melodia que corresponde a esse momento, mas que é tocada na melodia na segunda vez em que esse acorde aparece, no décimo segundo compasso da melodia. Sendo assim uma variação da melodia, que aparece de forma antecipada em seu solo. Essa antecipação melódica foi grafada com a letra “M” entre parênteses. 63 O segundo chorus do solo se encontra na faixa 11 do CD. 139 Figura 101 – Trecho 12 (Solo) No compasso seguinte temos outra frase que se inicia em ritmo acéfalo. A frase começa sobre B frígio e no compasso seguinte, quando a harmonia vai para Bmaj7(b5) fica sobre a escala dórica de G#. No compasso 26 ele utiliza novamente um ornamento para dar ênfase á nota da melodia. Figura 102 – Trecho 13 (Solo) A nota sol sustenido segue até o primeiro tempo do compasso seguinte. Então ele começa uma frase64 com o arpejo de F# maior seguida de G# Dórico, mantendo a intenção lídia sobre B que vinha desde o compasso 27. No compasso 29 ele continua a frase em uma mistura entre as pentatônicas de G maior (primeiro tempo) e B menor (tempos restantes). Em relação á melodia, podemos perceber que as duas notas da melodia se encontram em posição de destaque apesar de Jaco não repousar sobre elas. A primeira 64 Essa frase, do compasso 28, possuía uma nota errada na partitura consultada. A nota lá sustenido estava escrita como um si. Corrigi esse erro fazendo uma comparação com a partitura do mesmo solo que se encontra no livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player. A partitura deste trecho que se encontra nesta página já está com a correção. 140 (lá sustenido) é a nota final da descida do arpejo de F# maior (compasso 28), e a segunda (lá natural) é a nota final da descida sobre a pentatônica de B menor. Figura 103 – Trecho 14 (Solo) Ritmicamente o início dessa frase (compasso 28) é bastante interessante, podendo ser dividida em um grupo de sete notas, que dura do segundo tempo (lembrando que o primeiro tempo é uma ligadura da nota final da frase anterior e não se encontra na figura) até a terceira semicolcheia do terceiro tempo (incluindo as pausas no primeiro tempo), seguido de um grupo de cinco notas, que dura da quarta semicolcheia do terceiro tempo até a quarta semicolcheia do quarto tempo. Ao final do compasso 29 se inicia um frase que vai até o ínicio do compasso 33. Dividiremos essa frase em três para facilitar a análise. A frase começa sobre a pentatônica de E menor, o que é bastante natural se tratando de um acorde de Em7. Porém no terceiro tempo ele começa a tocar sobre a escala frigia de C#, que pertence ao campo harmônico de lá maior. Essa breve mudança para a região da subdominante gera um acorde de E7 ímplicito na melodia, que faz a preparação para o Emaj7 no compasso seguinte. O modo frígio fica bastante claro pela utilização da nota sol sustenido que antecede a nota lá e no final deste trecho, quando a nota dó sustenido é antecedida pela nota ré. 141 Figura 104 – Trecho 15 (Solo) Saindo do dó sustenido, no compasso 32, a frase continua sobre a pentatônica de G#m, e a partir da quarta semicolcheia do segundo tempo vai para D# frígio (que também pode ser visto como E lídio começando da sétima). Novamente Jaco utiliza um padrão que não é de quatro notas sobre as semicolcheias. A partir da nota fá sustenido (que é o inpulso da continuação da frase, sendo que o dó sustenido é a terminação do trecho anterior e o ré sustenido é uma ghost note) temos dois grupos de cinco notas. Um do fá sustenido até o sol sustenido e outro do dó sustenido até o ré sustenido. Podemos notar que nos dois casos a nota final do grupo está uma nona abaixo da nota inicial. Figura 105 – Trecho 16 (Solo) No compasso seguinte a frase continua (sobre Cmaj9) com o uso de E eólio, seguido por um arpejo de C7M e pela pentatônica de E menor. Vendo de uma forma mais geral, o compasso inteiro está sobre C Lídio. Agora Jaco usa um padrão de quatro notas, porém deslocado em uma semicolcheia, dividido em dois grupos. O primeiro vai do sol (segunda semicolcheia 142 do segundo tempo) ao si (primeira semicolcheia do terceiro tempo) e o segundo vai do mi (segunda semicolcheia do terceiro tempo) ao lá (quarto tempo). Figura 106 – Trecho 17 (Solo) Á seguir temos outra frase grande que será dividida em quatro partes. Jaco inicia a frase sobre a pentatônica de G maior, que é equivalente á pentatônica de Em, da qual ele vinha do compasso anterior, em seguida toca uma descida melódica característica de G Jônio, que resolve na nota sol sustenido no compasso seguinte. Figura 107 – Trecho 18 (Solo) A frase continua no compasso seguinte sobre a pentatônica de G#m, seguida pela maior de C#. As notas da melodia se encontram em bastante evidência, sendo elas a primeira e a última nota sobre a pentatônica de C#. A nota mi natural (terceira semicolcheia do quarto tempo) é uma blue note utilizada como ornamento. Figura 108 – Trecho 19 (Solo) 143 Após o fá natural ele passa a tocar sobre a pentatõnica maior de F#, seguida pela pentatônica menor de D#. Que são a mesma escala, porém começando de outras notas. A nota sol natural utilizada de passagem (quarta semicolcheia do segundo tempo) também pode ser considerada uma blue note65. Figura 109 – Trecho 20 (Solo) Em seguida Jaco toca uma seqüência utilizando a corda G solta como pedal. Compasso 37 é construído sobre a pentatônica de B menor, e o compasso 38 sobre o modo Jônio de D, gerando uma intenção lídia sobre o sol. Figura 110 – Trecho 21 (Solo) Após essa frase, Jaco inica a convenção tocando bicordes66 de tônica-quinta, bastante característicos da linguagem do rock. Na repetição ele acrescenta uma nota no grave a esses bicordes, formando acordes de tônica-quinta-nona, mudando a harmonia de Asus/Bsus para Dsus/Esus. Esses acordes com nona, nesta região do 65 Essa nota é uma terça maior que resolve em uma terça menor. Geralmente em pentatônicas menores a quarta aumentada é a blue note, mas nesse caso essa nota também pode ser considerada como blue note por seguir o mesmo príncipio. 66 Na partitura utilizada esses bicordes não estavam escritos. A correção foi novamente retirada da transcrição do mesmo solo existente no livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player. 144 instrumento, necessitam de uma grande abertura entre os dedos para serem executados como uma entonação precisa no fretless. Figura 111 – Trecho 22 (Solo) Em seguida ele toca apenas as fundamentais dos acordes e finaliza o chorus dobrando a última frase com o teclado. Figura 112 – Trecho 23 (Solo) 145 Considerações Finais O segundo capítulo deste trabalho é um claro exemplo da capacidade de síntese que caracteriza grandes obras da música popular. Em apenas seis minutos de música temos uma enorme variedade de elementos que fazem com que cada compasso seja objeto de um estudo aprofundado. No caso de Jaco, o que chama bastante a atenção é a diversidade das fontes desses elementos musicais, indo do cha cha cha á Jimi Hendrix, passando pelo jazz modal e pelo bebop. As sessenta páginas que constituem o segundo capítulo se tornam pouco em relação á quantidade de elementos que estão contidos nestes seis minutos. Gostaria de finalizar o trabalho com um pensamento67 de Bobby Colomby, produtor do primeiro LP de Jaco. Enquanto ouvia com Jaco a mixagem final de seu primeiro LP, eu disse a ele para ficar quieto e ouvir...ouvir o barulho das cases de baixo se fechando ao redor do mundo. O que eu estava sugerindo é que muitos baixistas iriam desistir de tocar o instrumento após ouvir aquela gravação. Mas o que eu deveria dizer era: “Hey Jaco, escute o barulho de baixistas abrindo suas cases, inspirados como nunca, estudando o baixo e vendo o instrumento de uma forma completamente diferente. Parabéns, você mudou o som e a atitude do instrumento...” Bobby Colomby (01-11-01) 67 Este trecho foi obtido no site www.jacopastorius.com e foi traduzido pelo autor desta monografia. 146 REFERÊNCIAS Livros E. BERENDT, Joachim. O Jazz: do rag ao rock: São Paulo: Perspectiva, 1987. O Livro de Urântia: Fundação Urântia: Chicago, 2007. FRIEDLAND, Ed. The R&B Bass Masters: São Francisco: Backbeat Book, 2005. HOBSBAWM, Eric J. História Social do Jazz: São Paulo: Paz e Terra, 2004. LIEBMAN, David. 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A Contribuição dos baixos Fender para a evolução da técnica contrabaixística: São Paulo: FASM, 2006. LIMA, Adriano Fagundes Oliveira. Policordes: Sistematização e Uso na Música Popular: Campinas: UNICAMP, 2006. Revistas PESCARA, Jorge. Harmônicos. Coleção Toque de Mestre (Revista Cover Baixo). SKINOVSKY, Ricardo. Transcrição e Análise de Havona. Revista Cover Baixo nº6. Sites ADLER, Dan. Giant Steps and Cycle Diagrams. Obtido no site <http://www.danadler.com> Acesso em 05/06/08 BRADMAN, E.E. e SHIRAKI, Scott. Jaco’s Gear Through the Years. Obtido no site <http://www.jacop.net> Acesso em 01/10/08 CORYELL, Julie. Entrevista feita em 1977. Obtida no site <http://www.jacopastorius.com> Acesso em 15/09/08 ROSEN, Steve. Entrevista feita em 1978. Obtida no site <http://www.jacopastorius.com> Acesso em 15/09/08 James Brown’s Bassist. Obtido no site <http://www.bassplayer.com> Acesso em 20/10/08 Sobre o baixista “Sweet” Charles Sherrel – <http://www.sweetcharlessherrel.com> Acesso em 20/10/08 Sobre o Livro de Urântia - <http://www.urantia.org> Acesso em 25/10/08 Partituras Jaco Pastorius: “Come on Come Over”, “Liberty City” e “Birdland” - The Essential Jaco Pastorius: Hal Leonard. 148 Jaco Pastorius: “Havona” Linha de Baixo e Solo - Jaco Pastorius: The Greatest JazzFusion Bass Player: Hal Leonard. Jaco Pastorius: “Havona” Solo - <http://www.lucaspickford.com> Jaco Pastorius: “Havona” Solo – Revista Cover baixo nº6 Jaco Pastorius: “Havona” Introdução e Tema - The New Real Book, Volume 1: Petaluma: Sher Music, 1988. Jaco Pastorius: “Portrait of Tracy” - PESCARA, Jorge. Harmônicos. Coleção Toque de Mestre (Revista Cover Baixo) John Coltrane: “Giant Steps” - The New Real Book, Volume 2: Petaluma: Sher Music, 1991. CD’s B.B. King: Live & Well. BGOLP233. BGO Records. George Benson: White Rabbit. ZK 40685. CBS Records. Jaco Pastorius: Invitation. 9362-47909-2. Warner Bros. Jaco Pastorius: Jaco Pastorius. EPC 494850 2. Epic/Legacy. Jaco Pastorius: Legendary Demo & Live Tracks. VICJ-61566. Victor. Jaco Pastorius: Word of Mouth. 93624 8246-2. Warner Bros. Michel Legrand: Summer of ’42. 759927191-2. Warner Bros Miles Davis: Bitches Brew.C2K 65774 Weather Report: Heavy Weather. CK 65108. Columbia/Legacy. Vídeos PASTORIUS, Jaco. Modern Electric Bass: Miami: Warner Music, 2002. Solo “Slang” - <http://br.youtube.com/watch?v=RdY-KAmj5fU> 149 Faixas do CD 01. Trecho de “Liberty City” 02. Trecho de “Come On Come Over” 03. Trecho de “Portrait of Tracy” 04. Trecho de “Birdland” 05. “Havona” - Versão demo de 1974 06. “Havona” – Versão do LP Heavy Weather (1977) 07. Introdução 08. Coda 09. Tema 10. Primeiro Chorus do Solo 11. Segundo Chorus do Solo