PDF Final6MB - Marco Antônio Caldeira Neves

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PDF Final6MB - Marco Antônio Caldeira Neves
Universidade Federal da Paraíba
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Música
A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola
Agreste do Norte de Minas Gerais
Marco Antônio Caldeira Neves
João Pessoa
Abril / 2010
Universidade Federal da Paraíba
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Música
A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola
Agreste do Norte de Minas Gerais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Música da Universidade Federal da Paraíba – UFPB como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Música, área de concentração em Etnomusicologia.
Marco Antônio Caldeira Neves
Orientador: Profa. Dra. Eurides de Souza Santos
João Pessoa
Abril / 2010
Dedico este trabalho ao meu filho, Marco Caldeira
Sampaio Neves, minha fonte maior de inspiração, pelo
apoio e amor, e a todos da comunidade quilombola Agreste,
pelo respeito, carinho e atenção...
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente ao Seu Lero, mestre da folia de Reis da comunidade
Agreste, e toda sua família, que me receberam com carinho e atenção, permitindo a minha
convivência durante as pesquisas de campo.
A todos os foliões participantes da Folia de Reis; Seu Tone, João Ferreira da Silva,
Seu Ernesto, Bastião, José Pedroso e Carlim Pedroso, meus sinceros agradecimentos pelas
valiosas contribuições que deram e que permitiram que este trabalho fosse realizado.
Agradeço também a seu Dema e família, pela acolhida sempre prestativa; a Zé
Nunes, um dos foliões mais antigos; e Dona Cleuza, que como interlocutores me forneceram
dados essenciais para minha compreensão do rico universo cultural da comunidade.
À diretora e professores da Escola Estadual Versol de Oliveira, única escola da
comunidade, na qual pude realizar oficinas de música.
Enfim a todos os habitantes de Agreste, que me receberam sempre com muito
carinho.
Agradeço ao grupo de estudos Negros do Norte de Minas: cultura, identidade e
educação étnica em uma comunidade quilombola, do qual fui integrante e representante do
curso de Artes/Música da Universidade Estadual de Montes Claros. A coordenadora do
Projeto Prof. Maria Helena de Souza Ide, aos colegas Profa. Cláudia Luz de Oliveira, Profa.
Mônica Maria Teixeira Amorim, Profa. Maria Railma Alves, Prof. Luciano Cândido e
Sarmento e o Prof. Clovis Zimmerman. As estagiárias Andréia e Ana Paula, que trabalham
com muito afinco no Projeto.
Entre as instituições que me apoiaram direta e indiretamente, exercendo papel
fundamental para viabilizar meus estudos, agradeço principalmente à Universidade Federal da
Paraíba, UFPB, pela oportunidade de cursar o mestrado e aprimorar os meus conhecimentos e
a minha formação musical; a FAPEMIG, Fundação de amparo à Pesquisa de Minas Gerais,
que apóia o Projeto Negros do Norte de Minas; à Universidade Estadual de Montes Claros,
UNIMONTES, onde leciono no curso de Artes/Música; ao Conservatório Estadual de Música
Lorenzo Fernandez, que contribuiu imensamente para meu desenvolvimento como docente.
Ao
longo
da
realização
do
trabalho,
diversas
pessoas
contribuíram
significativamente, dando apoio e incentivo às minhas buscas, e me ajudando a concretizar o
desenvolvimento adequado da pesquisa em seus diferentes níveis. Destaco o nome do Prof.
João Batista de Almeida Costa, sub-coordenador do Projeto Negros do Norte de Minas, que
muito contribuiu para o desenvolvimento dos estudos sobre a temática das comunidades
quilombolas norte mineiras.
Durante o mestrado muitos professores auxiliaram a minha imersão no campo da
etnomusicologia. Portanto agradeço de maneira especial à Professora e Orientadora Eurides
de Souza Santos, que esteve sempre presente, acompanhando a pesquisa e analisando o
trabalho, demonstrando sua responsabilidade diante do compromisso com o processo de
orientação.
Agradeço também de forma especial ao Prof. Luis Ricardo Silva Queiroz, com quem
pude discutir experiências e aprendizados, contribuindo para o aprimoramento dos meus
conhecimentos em etnomusicologia e diretamente para o resultado do trabalho.
É importante mencionar também a participação e o apoio dos demais professores do
PPGMUS da UFPB; Vanildo Mousinho Marinho, Guiomar Carvalho, Adriana Fernadez,
Alice Lumi, Maurílio José A. Rafael e Carlos Sandroni, estendendo meus sinceros
agradecimentos a Didier Guigue e José Henrique Martins, respectivamente coordenador e
vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPB, assim como a Izilda
de Fátima da R. Carvalho, secretária do Departamento do Mestrado, que sempre me tratou
com atenção e respeito.
Agradeço aos colegas de turma pelo companheirismo assim como os colegas de
apartamento Geraldo de Alencar Durães Filho, Giann Ribeiro Mendes, Mario André W.
Oliveira, Elder Pereira Alves e Fábio Henrique Ribeiro, que durante todo este período
dividiram comigo as angústias, dúvidas e discussões acerca dos conhecimentos musicais.
A Ana Luisa pela paciência, carinho, companheirismo e apoio.
De forma muito especial agradeço também aos meus Pais José das Neves Correia e
Luiza Caldeira Neves, por tudo que me proporcionaram e a toda minha família pelo apoio.
Ao meu Filho Marco Caldeira Sampaio Neves, pelo amor e apoio, sendo minha fonte
de inspiração para seguir em frente.
Finalmente agradeço a Deus pela oportunidade de poder cumprir mais uma etapa
importante neste processo de crescimento intelectual e emocional e por ter a Música como
grande parceira na minha vida.
RESUMO
A cultura africana teve forte impacto nas definições culturais identitárias brasileiras, sendo
que, entre as várias formas de manifestações do universo afro-descendente existentes no país,
encontramos nas comunidades quilombolas uma das mais importantes expressões. No Brasil,
existem comunidades quilombolas vivendo em pelo menos dezenove Estados, entre os quais
Minas Gerais, que foi um dos que possuíram maior população negra escrava do país. Na
região norte mineira, condições ambientais do vale do rio Verde Grande foram propícias à
fixação de africanos e de seus descendentes, constituindo assim uma região com formação de
várias comunidades quilombolas. Dentro desse universo cultural, discuto neste trabalho sobre
a música da comunidade Agreste, localizada no Norte de Minas, objetivando apresentar os
principais aspectos que constituem a música da Folia de Reis. Essa manifestação, que contém
traços lusos e africanos e reverencia a presença dos três Reis Magos após o nascimento do
Menino Jesus, está presente em grande parte das comunidades quilombolas dessa região.
Constitui-se como uma tradição religiosa e cultural em que os foliões fazem suas louvações
com músicas, rezas e entoando cânticos com muita demonstração de fé. Para realização da
pesquisa, elaborei uma abordagem etnomusicológica da Folia de Reis da comunidade, tendo
como suporte metodológico e instrumento de coleta de dados amplo estudo bibliográfico,
pesquisa de campo, observação participante, realização de entrevistas, registros em áudio,
fotos e vídeo. Para o processo de análise dos dados, foram utilizadas ferramentas condizentes
com o campo estudado, como a constituição do referencial teórico, que foi fundamental para a
interpretação e análise dos dados; edição das gravações de áudio e de vídeo; seleção das
fotografias; realização de transcrições textuais dos relatos e depoimentos orais obtidos a partir
das entrevistas; descrição analítica dos aspectos gerais da música dos foliões, enfocando os
elementos definidores das estruturas no que se refere às suas características organológicas,
rítmicas, melódicas e vocais; e finalmente a descrição e análise etnográfica como também
histórica e estrutural da manifestação. A partir do trabalho, foi possível concluir que a
manifestação tradicional da Folia de Reis representa uma forte expressão cultural da
comunidade, na qual a religiosidade cristã, fundada no catolicismo popular e mesclada com
práticas de matriz africana, dá forma a esse diversificado e complexo universo. Foi possível
concluir também que este universo quilombola carece de pesquisas que possam demonstrar as
particularidades históricas, sociais, identitárias e culturais, além de uma maior atenção do
poder público e reconhecimento de seus direitos territoriais e culturais.
ABSTRACT
The African culture had a strong impact on the Brazilian cultural definitions of identity. Being
that among the different forms of manifestation of the African descent universe existing in the
country, we can find in the quilombola‟s communities one of the most important expressions.
In Brazil there are quilombola‟s communities living in at least nineteen states, among them
Minas Gerais, that was one of the states that had the highest black slavery population of the
country. In the north region of Minas Gerais, environment conditions of the Verde Grande
River‟s valley were tendentious to the African fixation and also to its descendants, forming a
region with various quilombolas communities. Within this cultural universe, I discuss in this
work about the Agreste community‟s music, located in the north of Minas, with the objective
to comprehend the main structural and sociocultural aspects of the manifestation of Folia de
Reis. This manifestation, that has Lusitanian and African traces and reverence the presence of
the Three Kings after Jesus‟ birth, is still present in a big part of the quilombola‟s
communities of the region. It‟s consisted as a religion and cultural tradition in which the
Foliões do their praises with songs, prays, singing songs with a strong faith demonstration.
For the research realization, I made an ethnomusicological approach of Folia de Reis of this
community, having as a methodological support and collecting data a wide bibliographic
study, fieldwork, participating observation, interviews, audio recording, pictures and video.
For the process of data analysis, it were used tools related with the studied field, like the
constitution of the theory referential, that was basic for the interpretation and analysis of the
data, audio and video recording edition, selection of pictures, realization of textual
transcriptions of the oral accounts and testimonials given in the interviews, analytic
description of the general aspects of the Foliões‟ songs, focusing in the defining elements of
the structures referring to the organologic, rhythmic, melodic and vocal characteristics, and
finally the description and ethnographic analysis as well as historic and structural of the
manifestation. With the work, it was possible to conclude that the traditional manifestation of
the Folia de Reis, represent a strong cultural expression, in which the Christian religiosity,
based on the popular Catholicism and mixed with African sources practices give form to this
different and complex universe. It was also possible to conclude that this quilombola‟s
universe needs researches that can demonstrate the historical, social, identitaries and cultural
particularities, besides a better attention of the public government and acknowledgment of its
territorial and cultural rights.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Capítulo 1
Figura 1 – Equipe do Projeto Negros do Norte de Minas. Pesquisa de campo em
Agreste. ................................................................................................................. 22
Figura 2 – Oficina de Percussão realizada com os alunos e professores da Escola
Municipal Versol de Oliveira. ............................................................................... 23
Figura 3 – Observação Participante. Eu tocando Caixa de Folia com Seu Lero, o
Mestre da Folia de reis em Agreste. ...................................................................... 26
Figura 4 – As ruas da comunidade. . ....................................................................................... 28
Figura 5 – A ponte sobre o rio Verde Grande. Fonte de lazer para os moradores de
agreste. .................................................................................................................. 31
Figura 6 – Moinho artesanal da farinha de mandioca. Casa de Seu João e Dona Ana.. ........ 32
Figura 7 – Um morador tocando violão na porta de sua casa e o Bar Esquema 3....... ........... 32
Capítulo 2
Figura 1 - Municípios com maior número de comunidades quilombolas ............................... 54
Figura 2 - Localização das comunidades quilombolas de Minas Gerais ................................. 54
Figura 3 - Localização das comunidades quilombolas segundo as regiões geográficas.
Minas Gerais. 2007 ............................................................................................... 55
Figura 4 – Municípios com comunidades quilombolas: mesorregião do Norte de
Minas ................................................................................................................... 60
Figura 5 – Mapa da localização estadual de Agreste ...............................................................65
Figura 6 – Escola Municipal Versol de Oliveira Lima ........................................................... 66
Figura 7 – O Cemitério de Agreste ......................................................................................... 66
Figura 8 – Croqui de Agreste e fazendas vizinhas ................................................................. 67
Figura 9 – Croqui de Agreste: casas e moradores.....................................................................67
Figura 10 – Lista de moradores e localidades...........................................................................68
Capítulo 3
Figura 1 - A casa de Seu Lero. Local onde é realizada a Folia de Reis. ................................. 78
Figura 1 – O Oratório .............................................................................................................. 80
Figura 3 - Sala da casa de seu Lero, onde é montado o Oratório para realização da
Folia. ......................................................................................................................................... 80
Figura 4 – Ônibus que faz o trajeto de São João da Ponte a Agreste. ..................................... 83
Figura 5 – Estrutura espacial da Folia de Agreste. ................................................................... 84
Figura 6 – O lanche servido pela filha e esposa de Seu Lero durante a Folia. ......................... 85
Figura 7 – Afinação dos instrumentos durante o intervalo ....................................................... 86
Figura 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora
Aparecida. ............................................................................................................... 86
Figura 9 – Esquema do trajeto dos foliões. Saem da casa, cantam na Igreja e
retornam a casa para continuação da Folia. ............................................................ 87
Capítulo 4
Figura 1 – Os instrumentos musicais da Folia de reis d Agreste: três Violas, uma
Rabeca, dois Pandeiros e uma Caixa de Folia ....................................................... 98
Figura 2 – A Rabeca usada pelos foliões em Agreste. ............................................................. 98
Figura 3 – Forma de tocar: apoiando a Rabeca abaixo do ombro ............................................ 99
Figura 4 – As Violas da Folia de Reis. ................................................................................... 100
Figura 5 – A Caixa de Folia e a forma como é tocada. .......................................................... 101
Figura 6 – Os Pandeiros artesanais da Folia de agreste .......................................................... 102
Figura 7 – José Pedroso tocando o Pandeiro. ......................................................................... 103
Figura 8 – O Canto de Saudação. ........................................................................................... 106
Figura 9 – Legendas para escrita da caixa e Pandeiro. Serve para todo o repertório. ........... 108
Figura 10 – Canto a Nossa Senhora Aparecida ...................................................................... 109
Figura 11 – Canto a São Sebastião..........................................................................................112
Figura 12 – Lundu. ................................................................................................................. 116
Figura 13 – O padrão rítmico do Pandeiro. ............................................................................ 118
Figura 14 – O Guaiano. .......................................................................................................... 119
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
........................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................ 19
Aspectos conceituais e metodológicos da pesquisa na Comunidade
Quilombola Agreste .................................................................................................. 19
Projeto Negros do Norte de Minas: o ponto de partida ................................... 20
A Pesquisa de Campo: característica básica da pesquisa
etnomusicológica ............................................................................................................ 23
Revelando o campo de Agreste: os primeiros contatos ............................... 28
Etnografia da Performance Musical .................................................................. 34
Descrições Metodológicas da Pesquisa ................................................................... 35
O universo da pesquisa ........................................................................................ 35
Instrumentos de coleta de dados ....................................................................... 36
Pesquisa Bibliográfica ......................................................................................... 36
Pesquisa Documental ............................................................................................ 36
Observação Participante ....................................................................................... 37
Entrevistas .............................................................................................................. 37
Registros em Áudio ............................................................................................... 39
Registros em vídeo ................................................................................................ 39
Registros Fotográficos .......................................................................................... 40
Instrumentos de organização e análise dos dados ............................................ 40
Referencial teórico ................................................................................................ 40
Transcrições das entrevistas ................................................................................ 41
Edição de vídeos e seleção das fotografias .................................................... 41
As transcrições musicais ..................................................................................... 42
Realização da Pesquisa e apresentação dos resultados .................................... 42
CAPÍTULO 2 ................................................................................................................. 44
Comunidades Quilombolas: um cenário de identidades
afro-descendentes no contexto nacional ........................................................ 44
Os Africanos no Brasil: contribuição e resistência............................................... 45
Quilombo: aspectos conceituais ............................................................................. 47
Minas Gerais e sua constituição quilombola .................................................... 51
Quilombos em Minas Gerais: situação atual .................................................... 53
Panorama da distribuição populacional quilombola em Minas
Gerais ....................................................................................................................... 53
Aspectos do modo de vida ................................................................................. 55
Saneamento ............................................................................................................ 55
Abastecimento de energia elétrica e comunicação ....................................... 56
Educação ................................................................................................................. 56
Titulação ................................................................................................................. 57
Conflitos e tensões ............................................................................................... 58
Cultura e religiosidade ........................................................................................ 58
Comunidades quilombolas do Norte de Minas: constituição e
características .............................................................................................................. 59
A comunidade quilombola Agreste: formação e características
básicas ............................................................................................................................. 64
Processo de formação .......................................................................................... 69
Processo de reconhecimento da comunidade ................................................ 70
CAPÍTULO 3 ................................................................................................................ 72
A Folia de reis: a crença, a reza e a festa ....................................................... 72
O ritual em Agreste ......................................................................................................... 77
O contexto sociocultural da representação da Folia de
Reis..........................................................................................................................................89
Agreste no “Tempo Antigo” e no “Tempo Atual”: condições de
vida............................................................................................................................ 90
Educação .................................................................................................................. 93
Religiosidade .......................................................................................................... 94
CAPÍTULO 4 ................................................................................................................ 96
Dimensões estruturais da Música na Folia de Reis de agreste.........96
Os instrumentos musicais e suas funções na constituição sonora
da Folia de Reis....................................................................................................... 97
Cordofones .............................................................................................................. 98
A Rabeca .................................................................................................................. 98
As Violas................................................................................................................ 100
Membranofones.................................................................................................... 101
Caixa de Folia ....................................................................................................... 101
O Pandeiro ............................................................................................................. 102
O Repertório: análise ................................................................................................. 103
Canto de Saudação: transcrição ...................................................................... 106
Canto de Saudação: letra .................................................................................. 108
Canto a Nossa Senhora Aparecida: transcrição ........................................... 109
Canto a Nossa Senhora Aparecida: letra ...................................................... 110
Canto a São Sebastião: transcrição ................................................................ 112
Canto a São Sebastião: letra ............................................................................ 114
Lundu: transcrição ............................................................................................... 116
Lundu: letra .......................................................................................................... 117
Guaiano: transcrição ........................................................................................... 119
Guaiano: letra ...................................................................................................... 126
A identidade da Folia de Reis: confluência dos elementos...........................127
CONCLUSÃO
............................................................................................................. 131
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 133
ANEXOS ........................................................................................................................ 142
Letras dos cantos transcritos pelo filho do Mestre da Folia de reis de
agreste ........................................................................................................................... 142
Canto a São Sebastião .............................................................................................. 142
Canto a Nossa Senhora Aparecida ...................................................................... 144
Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo na Comunidade
Quilombola Agreste .................................................................................................. 145
Relatório do PNNM. A escolha da Comunidade Agreste ............................ 155
Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007 ........ 160
Decreto n 4.887, de 20 de Novembro de 2003 .................................................. 168
Procedimento de certificação de Comunidades Quilombolas..................... 173
CD – Arquivo único contendo registros em Vídeo e Áudio da Fola
de Reis de Agreste................................................................................................ 174
15
INTRODUÇÃO
As
comunidades
remanescentes
quilombolas,
também
conhecidas
como
“Quilombolas” ou “Terras de Pretos”, possuem uma significante influência da cultura afrodescendente, cultura essa moldada pela contribuição de várias etnias africanas que aqui
aportaram no processo de diáspora durante o período de escravidão. No entanto, as discussões
acerca da temática quilombola no Brasil ainda são incipientes, pois só a partir dos anos de
1990 passaram a ser tratadas com atenção e debatidas no contexto social, principalmente após
a publicação do Texto da Constituição Federal de 1988, que ao instituir o Artigo 68 do seu
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), traz a essas comunidades o seu
direito territorial e cultural.
Nesse vasto contexto cultural quilombola brasileiro, o estado de Minas Gerais se
destaca, tendo em vista que foi um estado que recebeu uma grande quantidade de escravos e
consequentemente contém uma gama significativa de comunidades quilombolas que mantêm
uma variedade de expressões musicais e religiosas. Entre as várias regiões do estado, a norte
mineira é a que possui um maior número de comunidades quilombolas.
Nessa região, condições ambientais do Vale do rio Verde Grande, situado em
território mineiro e baiano, foram propícias à fixação de africanos e de seus descendentes,
constituindo assim uma região com formação de várias comunidades quilombolas, entre elas a
comunidade Agreste. A comunidade está localizada no interior do vale do rio Verde Grande,
que corta a região norte mineira, no sentido sul/norte, desde Montes Claros até a divisa com a
Bahia. É um povoado do município de São João da Ponte/MG e encontra-se situado na divisa
entre o município a que pertence e o município de Capitão Enéas, à margem direita do rio
Verde Grande, a uma distância de aproximadamente cento e trinta quilômetros de Montes
Claros e quinhentos e setenta quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte.
Como outras comunidades quilombolas da região, Agreste abarca uma diversidade
cultural que se mantém em suas manifestações musicais, rituais de dança e nos festejos
religiosos. Ampliar o conhecimento sobre essa diversidade cultural, através de uma
abordagem etnomusicológica, objetivando observar e registrar o que se faz musicalmente,
assim como investigar os aspectos socioculturais vividos, o ethos, o comportamento, requer
conhecer a extensão da realidade geográfica, histórica e estética dessas manifestações.
16
Para Merriam (1964), a música é um produto do comportamento humano e possui
estrutura, contudo sua estrutura não pode ter existência própria se separada do comportamento
de quem a produz.
Partindo dessa perspectiva, aprender o significado dessas músicas, ou seja,
compreender porque se faz o que se faz musicalmente, são pontos essenciais nesta pesquisa.
Entre as manifestações culturais que acontecem em Agreste, estão a festa de Nossa
Senhora Aparecida, as Festas Juninas e a Folia de Reis. Essa última foi selecionada para
análise, tendo em vista sua função social e religiosa, contribuindo para a construção da
identidade e para o sentimento de pertença, utilidade e reconhecimento nas pessoas da
comunidade.
De acordo com Brandão (1985), a Folia de Reis é uma festa popular, organizada por
leigos, e que foi trazida ao Brasil pelos Jesuítas e introduzida pela igreja católica como parte
da liturgia para catequização indígena e africana para o controle simbólico da ordem social.
A tradição da Folia de Reis teria chegado ao Brasil por intermédio dos portugueses
no período da colonização, uma vez que essa manifestação cultural era realizada na Península
Ibérica, sendo comum a doação e recebimento de presentes a partir da entoação de cantos e
danças nas residências. A Folia de Reis teria surgido no Brasil no século XVI, por meio dos
Jesuítas, como crença divina para catequizar os índios e posteriormente os negros escravos,
sendo, então, composta pelas manifestações culturais de diversas etnias e povos. Mesmo com
variações regionais, seja quanto ao estilo, ao ritmo e ao som, a Folia de Reis mantém a mesma
crença e devoção ao Menino Jesus e aos Três Reis Magos.
Considerando essas ponderações, este trabalho tem como objetivo apresentar os
aspectos diversos que constituem a música da Folia de Reis da comunidade quilombola
Agreste, enfocando os diversos elementos que constituem este fenômeno musical. O universo
da pesquisa foi constituído pelos habitantes da comunidade, considerando mais
especificamente os músicos participantes da Folia de Reis: o mestre e os foliões.
Para uma compreensão desses vários aspectos referentes à música da Folia de Reis de
Agreste, a estruturação do trabalho foi sistematizada em quatro capítulos, sendo que cada um
deles compreende um aspecto específico da pesquisa. Essa sistematização proporcionou a
discussão em separado de cada parte, sendo fundamental para a caracterização do trabalho,
possibilitando assim chegar a conclusões significativas acerca do tema proposto.
O capítulo 1 apresenta as descrições e reflexões em torno dos procedimentos
metodológicos desenvolvidos para a pesquisa, os instrumentos de coleta e uma detalhada
descrição dos processos de análise e sistematização dos dados, justificando as escolhas que
17
subsidiaram cada uma das etapas do trabalho e apresentação dos resultados da Pesquisa.
Apresento ainda uma discussão acerca da pesquisa de campo e suas implicações, como minha
inserção no campo e os desdobramentos desta. Apresento também, uma reflexão sobre a
etnografia da performance musical e sua importância na busca da compreensão do fenômeno
musical.
O capítulo 2 contempla uma discussão acerca da formação das comunidades
quilombolas, um cenário de identidades afro-descendentes no contexto nacional, no qual faço
um breve relato histórico da chegada dos africanos no Brasil e sua contribuição para a
formação cultural brasileira. Foram abordados também os aspectos conceituais sobre
quilombolas, assim como a constituição dessas comunidades em Minas Gerais, mais
especificamente na região Norte. Finalizo este capítulo historicizando a comunidade Agreste,
discutindo sobre sua formação e o processo de reconhecimento.
O capítulo 3 apresenta uma discussão teórica sobre as questões conceituais referentes
à Folia de Reis, assim como uma descrição do ritual na comunidade, demonstrando os vários
aspectos que caracterizam essa manifestação. Traço também, um panorama das dimensões
socioculturais dessa manifestação em Agreste, no qual foram abordados o contexto social da
representação da Folia, o modo de vida das pessoas, trabalho, educação e religiosidade. Interrelacionar o acontecimento musical dessa manifestação com dimensões mais amplas do
contexto, buscando compreender o significado e a importância da Folia para os participantes,
foi um ponto essencial para uma compreensão mais aprofundada dos aspectos socioculturais
do fenômeno musical.
No capítulo 4, foram apresentadas as descrições analíticas dos aspectos gerais da
música da Folia de Reis de Agreste, enfocando os elementos definidores das estruturas no que
se referem às características organológicas, rítmicas, melódicas e vocais. Os aspectos
estruturais foram examinados minuciosamente e analisados considerando os elementos
definidores da identidade musical que caracteriza a performance do foliões. Aqui, foram
apresentadas as transcrições musicais juntamente com as análises harmônicas, melódicas e
rítmicas, utilizando uma abordagem que focou a inter-relação entre música e dança, música e
elementos plástico-visuais, música como forma de entretenimento, música como fator de
afirmação social e música como expressão da religiosidade. Discuto também sobre Identidade
Cultural e Musical no contexto da comunidade.
De acordo com a estruturação deste trabalho e com base nas discussões realizadas e
elaboradas de maneira lógica e sistemática em cada um desses quatro capítulos, foi possível
apresentar os principais resultados da pesquisa, possibilitando compreender os valores e
18
significados particulares que constituem a manifestação, proporcionando um aprofundamento
nesse universo cultural. Assim, o trabalho contempla as principais características históricas,
socioculturais e estruturais da manifestação musical da Folia de Reis na comunidade
quilombola Agreste.
19
CAPÍTULO 1
Aspectos conceituais e metodológicos da pesquisa na Comunidade
Quilombola Agreste
A fim de compreender as bases do fenômeno musical que caracterizam a Folia de
Reis na comunidade Agreste, estruturei uma pesquisa que pudesse, com base nos preceitos da
etnomusicologia, propiciar uma visão ampla da música nesse contexto.
Haja vista a complexidade do fenômeno musical, as pesquisas em etnomusicologia
na atualidade têm exigido dos pesquisadores na área, metodologias cada vez mais
abrangentes, que permitam ao etnomusicólogo compreender, por múltiplas perspectivas, a
natureza musical do fenômeno que estuda.
Estudos recentes da etnomusicologia têm revelado aspectos diversos da
complexidade dos procedimentos metodológicos com os quais os pesquisadores lidam nos
trabalhos, evidenciando que, para uma compreensão da música enquanto fenômeno cultural, o
etnomusicólogo busca construir soluções aplicáveis aos conflitos surgidos do confronto entre
os conhecimentos teóricos e práticos característicos da área. Na pesquisa etnomusicológica, o
pesquisador deve estar atento ao decidir sobre as questões que nortearão as definições
relevantes para a pesquisa, buscando as ferramentas necessárias para alcançar os objetivos
propostos e definindo as bases epistemológicas e metodológicas que darão suporte à mesma.
Dessa forma, a escolha e definição de uma metodologia de pesquisa que contemple
investigação sistemática, coerência entre os objetivos e o referencial teórico, assim como o
comprometimento com a realidade pesquisada, são pontos fundamentais nas definições
metodológicas do trabalho.
Tomando por base que a etnomusicologia é o resultado dos encontros entre as
ciências humanas, no caso a antropologia e a música, permitindo perspectivas disciplinares
constituintes de ambas, como afirma Menezes Bastos (2004), e sendo a pesquisa de campo
fundamental para os estudos investigativos nessas áreas, considero que o trabalho de campo
com observação participante foram pontos nevrálgicos para realização desta pesquisa. Assim,
esse momento da pesquisa possibilitou a busca da compreensão das expressões musicais da
Folia de Reis na comunidade. A manifestação tradicional da Folia de Reis foi selecionada
para análise tendo em vista sua função social e religiosa, contribuindo para a construção da
identidade e para o sentimento de pertença, utilidade e reconhecimento nas pessoas.
Este estudo teve como referências teóricas, autores que apresentaram caminhos e
perspectivas consistentes na área da etnomusicologia e que fundamentaram meus estudos
20
durante o mestrado. Dessa forma autores como Merriam (1964), Hood (1971), Feld (1982),
Nettl (1983), Anthony Seeger (1992), Lühning (1991, 2004), Blacking (1995), Myers (1992),
Oliveira Pinto (2001), Reily (2002), entre outros, evidenciaram uma gama de caminhos
existentes para a área e contribuíram para o desenvolvimento teórico-metodológico do
trabalho.
Partindo dessas considerações, apresento neste capítulo o caminho metodológico que
percorro nesta dissertação, onde foram aplicados procedimentos adequados às necessidades
estabelecidas pelo foco do trabalho, descrevendo a pesquisa de campo e sua importância no
contexto deste, assim como os instrumentos de coleta, análise e sistematização dos dados,
abarcando alternativas múltiplas e uma ampla estruturação metodológica para compreensão
das manifestações musicais tradicionais de Agreste, focando as dimensões estruturais e
socioculturais da Folia de Reis.
Projeto Negros do Norte de Minas: o ponto de partida
Março de 2006. Minha ligação com a realidade da comunidade quilombola Agreste
inicia nesta época. Na Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES, onde leciono
no curso de licenciatura em Música, recebi um convite para me integrar a um Projeto de
Pesquisa e Extensão intitulado Negros do Norte de Minas: Cultura, Identidade e Educação
Étnica em uma Comunidade Quilombola.
Esse Projeto teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
(FAPEMIG) e se constituiu como uma atividade didática, pedagógica, científica e
extensionista que visava contribuir para o conhecimento da e para intervenção na realidade
sócio-cultural e política das populações negras existentes no norte de Minas, categorizadas
atualmente como quilombos (conceito que discutirei no próximo capítulo). Tinha como
objetivo geral realizar pesquisa multidisciplinar em uma comunidade quilombola no Norte de
Minas Gerais, objetivando compreender a realidade social, cultural, educacional e identitária
vivida pelos seus membros em suas relações internas e as que os vinculam à sociedade
englobante em suas dimensões local, regional e nacional.
Após uma primeira reunião com os professores e alunos participantes do Projeto,
percebi o quanto seria importante participar, pois o Projeto integrava áreas distintas buscando
desenvolver atividades de pesquisa e de extensão no âmbito da Sociologia, Antropologia,
Pedagogia e da área de Artes/Música da qual eu seria o representante.
21
Na primeira etapa do projeto, o objetivo era definir uma comunidade negra rural para
os estudos. Nesse contexto, a comunidade negra Agreste, situada na divisa dos municípios de
São João da Ponte e Capitão Enéas, foi a escolhida1.
Em relação à escolha da comunidade, após relatório de pesquisa realizado, o grupo
foi unânime em apontar a comunidade Agreste como aquela que reunia as características mais
próximas do objetivo do projeto. De acordo com o Relatório:
O distrito de Agreste possui uma população mais homogênea em termos de
grupo étnico, diante da percepção de uma presença maior de pessoas com
características afro-descendentes. Em termos fundiários, a região apresenta
uma grande concentração de terras em mãos de fazendeiros. A localidade
está rodeada de grandes fazendas, de forma que a população possui somente
seus terreiros ligados a casa, onde cultivam temperos, ervas, verduras, frutas
e criam pequenos animais. Não há sequer um pequeno pedaço de terra para
se fazer uma horta comunitária, conforme depoimento do presidente da
Associação de Moradores. A comunidade está ilhada. (IDE, 20062).
A partir daí, buscamos um amplo material bibliográfico que seria necessário para um
maior embasamento teórico acerca dos vários aspectos que envolvem os estudos da temática
quilombola. Trabalhos de antropólogos como Arruti (1997), Costa (1999, 2001, 2005, 2008),
Costa Filho (2005), Leite (2002), O‟Dwyer (2005), assim como os textos produzidos pelo
CEDEFES (centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) e da Fundação Cultural
Palmares, entre outros, contribuíram para o as reflexões teóricas e desenvolvimento da
pesquisa.
Os meus conhecimentos sobre essas comunidades foram se aprofundando à medida
que as discussões durante as reuniões e debates do PNNM3 eram realizadas. Após três meses
de estudos teórico-metodológicos, realizamos a primeira pesquisa de campo na comunidade,
que ocorreu entre os dias 02 e 04 de junho de 2006. Essa primeira visita, ainda na perspectiva
do PNNM (FIG. 1), teve como objetivo estabelecer um primeiro contato com os habitantes,
buscando uma imersão no modo de vida dos moradores para tentar compreender sua cultura,
como também para conhecer a dimensão físico-geográfica da comunidade.
Outras visitas ao Agreste foram realizadas durante esse mesmo ano de 2006, no mês
de Setembro e também em 2007, no mês de outubro, através da quais busquei realizar um
levantamento das manifestações musicais tradicionais, assim como tive a oportunidade de
1
Não tive participação direta na escolha da comunidade, pois quando entrei no Projeto a pesquisa que resultou na
escolha de Agreste já havia sido realizada.
2
Maria Helena de Souza Ide, coordenadora do PNNM. Relatório em anexo
3
Projeto Negros do Norte de Minas
22
coordenar oficinas de Percussão (FIG. 2) juntamente com os alunos e Professores da Escola
Municipal Versol de Oliveira Lima, única escola de Agreste.
Nas viagens feitas com o PNNM, costumávamos permanecer de três dias a uma
semana. Já para a pesquisa da Folia de Reis em 2009, viajei sozinho e permaneci na
comunidade por dois dias, chegando no dia 19 e saindo na manhã do dia 21 de Janeiro.
Sempre ficamos hospedados nas casas dos moradores, que eram avisados com antecedência.
Relatos referentes à pesquisa de campo e os desdobramentos desta estarão dispostas adiante,
nos quais conceitos e a metodologia utilizada durante o processo de investigação serão
discutidos.
Essas primeiras experiências no contexto da comunidade Agreste me proporcionaram
vivenciar momentos únicos das práticas musicais, revelando a riqueza e a diversidade dos
aspectos socioculturais e estéticos das manifestações traduzidos nos festejos religiosos
populares como a Folia de Reis, a Festa de Nossa Senhora Aparecida e as Festas Juninas.
Como resultado desse processo vivido durante a participação no PNNM, experiência essa
enriquecedora, surgiu o interesse de uma pesquisa sistemática no universo cultural/musical de
Agreste.
Portanto, em 2008 ingressei no curso de Mestrado em Etnomusicologia, no Programa
de Pós-Graduação em Música da UFPB, com um projeto de pesquisa que foca as dimensões
socioculturais e estruturais da Folia de Reis de Agreste, buscando compreender os aspectos
fundamentais que caracterizam essa manifestação.
FIGURA 1 – Equipe do Projeto Negros do Norte de Minas. Pesquisa de
Campo em Agreste.4
4
As fotos, cujas fontes não estão indicadas no texto, são de minha autoria.
23
FIGURA 2 – Oficina de Percussão realizada por mim com alunos e professores da Escola Municipal
Versol de Oliveira.
A Pesquisa de Campo: característica básica da pesquisa etnomusicológica
A partir da segunda metade do século XX, a pesquisa de campo tornou-se condição
essencial para a busca investigativa no trabalho etnomusicológico, criando um novo
paradigma para seu campo de estudo e ganhando amplo reconhecimento, evidenciando que a
etnomusicologia utilizou-se abundantemente da etnografia e do trabalho de campo como
ferramentas de pesquisa. A partir das reflexões de Bruner, Clifford e Marcus, Myers (1992)
afirma que “o texto etnográfico veio a ser examinado como uma parte da literatura em seus
próprios termos, reconsiderado à luz de um novo humanismo5” (MYERS, 1992, p. 22,
tradução minha).
De acordo com Myers (1992), o termo pesquisa de campo com observação
participante foi criado pelo anglo-polonês Bronislow Malinowski (1884 – 1942), considerado
um dos pais da antropologia moderna, o qual expôs na introdução de sua primeira obra
Argonauts of the Western Pacific6, as questões fundamentais do trabalho de campo, como:
a relação entre teoria e método, estratégias de pesquisa indutiva versus
dedutiva; observação participante; importância da abertura de espírito e autocrítica; a ligação de dados aparentemente não relacionados; as diferenças
entre observação e insight; a distinção entre as observações dos
5
The ethnographic text came to be examined as a piece of literature in its own right […] reconsidered in the light
of this new humanism.
6
MALINOWSKI, B. Argonauts of the Western Pacific. London: Routledge, 1922.
24
pesquisadores e as idéias expressas pelos informantes nativos (dados êmicos
e éticos); o isolamento da aventura antropológica e a frustração, ansiedade e
desespero do choque cultural 7(MYERS, 1992, p. 24-25, tradução minha).
Para Lühning (1991), Malinowski não só criou o termo como realizou um estudo
desse tipo, opondo-se à imagem do armchair anthropologist8 e trazendo nova perspectiva
para os estudos antropológicos e etnomusicológicos.
A introdução da pesquisa de campo com observação participante na
etnomusicologia significa uma mudança qualitativa significante a partir do
momento em que a pesquisa e a análise seriam feitos por uma mesma
pessoa, possibilitando assim documentar a riqueza do fenômeno musical
dentro do seu contexto cultural, enfim tornando possível um estudo
contextual das músicas (LÜHNING, 1991, p. 114).
Nessa ótica, Oliveira Pinto (2001) argumenta que depois de deixar de ser uma
disciplina que enxerga os seus objetos a partir de uma perspectiva de gabinete (armchairperspective), a pesquisa de campo tornou-se condição sine qua non para a pesquisa
etnomusicológica. Assim, a partir da segunda metade do século XX, a etnomusicologia
deixou o aspecto meramente "musicológico", por vezes em segundo plano, para se utilizar da
antropologia, principalmente no que se refere às suas abordagens metodológicas. “Dessa
forma a etnomusicologia na busca da compreensão da música como fenômeno cultural
penetra no terreno da pesquisa antropológica” (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 19).
Quanto aos distintos conceitos de pesquisa de campo, podemos recorrer ao de
Hugues, citado por Myers (1992), afirmando que: “[...] é a observação de pessoas in situ que
implica em encontrá-las onde elas estão e permanecendo com elas um tempo, observando seu
comportamento para transformar em caminhos úteis para as ciências sociais, mas não
prejudiciais para os observados9” (HUGUES, citado por MYERS, 1992, p. 23, tradução
minha).
Na perspectiva de Silva (2000), o trabalho de campo é o processo pelo qual o
antropólogo (etnomusicólogo) observa de perto a comunidade pesquisada para interpretá-la,
7
The relationship of theory and method; inductive versus deductive research strategies; participant observation;
the importance of open-mindedness and self-criticism; the linking of apparently unrelated data; the diference
between observation and insight; the distinction between the scholar‟s observations and ideas expressed by the
native informant („emic‟ and „etic‟ data); the isolation of the anthropological adventure, and the frustration,
anxicty and despair of culture shock.
8
Antropólogo de gabinete.
9
Observation of people in situ; finding them where they are, staying with them in some role which, while
acceptable to them, Will allow both intimate observation of certain parts of their behaviour, and reporting it in
ways useful to social science but not harmful to those observed.
25
desempenhando dessa forma um papel fundamental na definição da antropologia, e
consequentemente da etnomusicologia.
Um dos aspectos mais característicos durante o trabalho de campo é a observação
participante (FIG. 3), na qual o pesquisador participa ativamente das atividades, tanto
musicais quanto extramusicais vividas. Com relação à relevância da observação participante
durante o trabalho, Myers (1992) declara que:
[...] é a principal estratégia utilizada no trabalho de campo. O
pesquisador vive na comunidade, participa da vida diária,
especialmente das atividades musicais, registra as observações e pede
aos membros da comunidade que as comentem. [...] A observação
participante aumenta a legitimidade dos dados, reforça a interpretação,
favorece a penetração na cultura e ajuda o investigador a formular
perguntas significativas10 (MYERS, 1992, p. 29, tradução minha).
O antropólogo George Stocking (1983) assinala que o observador deve adotar a
observação participante para se aproximar de uma comunidade e tornar-se, durante um tempo
e de certo modo, parte integrante de seu sistema, estabelecendo relações cara a cara, de modo
a que os dados recolhidos reflitam, na medida do possível, o ponto de vista do nativo. “Isso
implica considerar o trabalho de campo como uma experiência básica tanto para o
investigador como para a produção de conhecimento e adotar um enfoque holístico das
culturas ou sociedades que são os sujeitos dessa forma de conhecimento” (STOCKING,
citado por LANDA, 2003, p. 365, tradução minha).
A observação participante, através da participação musical junto ao grupo, tocando um
instrumento, cantando e dançando é uma importante estratégia da pesquisa de campo, na medida
em que as particularidades musicais, as suas regras, a percepção de padrões específicos ou os
critérios que definem “toques”, podem ser mais bem estudados através da prática musical, como
atesta Hood (1963). Contudo, alguns pesquisadores enxergam obstáculos para o observador
participante, não tanto entre o que vê e o fato em si, mas na discrepância entre o praticamente
intraduzível de sua experiência e uma linguagem de consenso geral no momento de comunicar o
que se viveu em campo, exigindo do observador participante uma abordagem interpretativa muito
criteriosa e ordenada.
10
The main strategy used in ethnomusicological fieldwork is participant observation; o researcher lives in the
community, participates in daily life, especially musical activities, records observation and asks community
members to comment on them […] Participant observation enhances validity of the data, strengthens
interpretation, lends insight into the culture, and helps the researcher to formulate meaningful questions.
26
FIGURA 3 – O autor tocando Caixa de Folia com Seu Lero ( Mestre da Folia de Reis de Agreste).
Esse tipo de pesquisa pode ser considerado como parte intrínseca na atividade de coleta
de dados, na medida em que durante o trabalho investigativo, o etnomusicólogo estabelece
contato direto com o universo pesquisado, imergindo diretamente no modo de vida e nas ações
das pessoas, buscando conhecer, entender e interpretar suas atitudes e o que é vivido
musicalmente. Dessa forma, esse tipo de pesquisa exige experiência e um talento para lidar com o
ser humano, procurando adaptar-se a um modo de vida distinto, assim como documentar uma
cultura musical não familiar. Essa característica é traduzida nas palavras de Helen Myers,
enfatizando que “no trabalho de campo nós expomos o lado humano da etnomusicologia11”
(MYERS, 1992, p. 21, tradução minha).
Para Bruno Netll (1964), o trabalho de campo em etnomusicologia abarca o
estabelecimento de relações pessoais entre o investigador e as pessoas que compõem a cultura
musical investigada, relações essas que vão além de simples reuniões e instruções escritas,
contribuindo para desvendar as bases do pensamento e do comportamento em relação à música,
buscando, assim, lidar com os conceitos, significados e com toda subjetividade da cultura
investigada “[...] pelo fato de que o trabalho de campo etnomusicológico, além de ser considerado
um tipo de atividade científica, é também uma arte12” (NETTL, 1964, p. 64, tradução minha).
Todavia, lidar com toda a subjetividade da cultura investigada é uma tarefa complexa
e requer habilidades diversas do etnomusicólogo em campo. Essas habilidades vão além de
11
12
In fieldwork we unveil the human face of ethnomusicology.
[...] because ethnomusicological field work, in addition to begin a scientific type of activity, is also an art.
27
gravar, ouvir, aprender, praticar, transcrever e perceber nuances que dão forma e sentido ao
fenômeno musical, de maneira que:
o pesquisador vai em busca de trazer e de explicar no seu código o que não
pode ser totalmente explicado, de traduzir algo que, de certa forma, não é
traduzível, de dizer o que não pode ser dito através da nossa linguagem
verbal e escrita. O que dá sustentação ao trabalho etnomusicológico é
justamente a capacidade do pesquisador de achar estratégias para
objetivamente conseguir expressar, refletir e interpretar o subjetivo
(QUEIROZ, 2005, p. 6).
Outro ponto essencial durante a pesquisa musical em campo é a preparação do
pesquisador para lidar com o equipamento que possibilite a gravação, a captação de sons e
fixação de imagens para análise posterior, arquivos e estudos futuros. “Para os
etnomusicólogos as habilidades mais essenciais são as de gravação e de fotografar. Esteja
completamente familiarizado com seu equipamento antes de chegar a campo13” (MYERS,
1992, p.31, tradução minha).
A manutenção de registros deve ser realizada de forma ordenada, auxiliada por
equipamentos mecânicos como gravadores de áudio e vídeo e microfones, como afirma Myers
(1992). “Uma das grandes responsabilidades na etnomusicologia é a preservação de registros,
seu transporte no campo e do campo para o arquivo [...] Esta inescapável parte do trabalho
requer presença de espírito e habilidade organizacional de mestre14” (MYERS, 1992, p.23-24,
tradução minha). Essa organização implica, entre outras coisas, conhecer o equipamento e
realizar testes anteriormente à pesquisa, o que facilita o trabalho e previne problemas de
última hora.
Na ótica de Oliveira Pinto (2001), há basicamente duas abordagens quando se fala
em documentar a música no seu devido contexto performático, a abordagem musicológica e a
antropológica. Na abordagem musicológica, o fenômeno musical, enquanto texto e estrutura
está em primeiro plano, assim a gravação musical é de fundamental importância, pois a
avaliação posterior deste aspecto depende exclusivamente do registro musical. Na abordagem
antropológica, a investigação de campo caracteriza-se pela postura do pesquisador, que vê a
música inserida no seu contexto cultural, dando-se importância ao todo, isto é, à "música na
13
For ethnomusicologist the most essencial skills are recording and photography. Be completely familiar with
your equipment before you arrive in the field.
14
A major burden in etnomusicology is the preservation and documentation of recordings, their transportation in
the Field, and then from field to home to archive [...] This inescapable part of the job requires presence of
mind and masterful organizational skills.
28
cultura" e à "música enquanto cultura" (MERRIAM, 1964; 1977). O registro do áudio e de
imagens ultrapassa os aspectos puramente musicais.
Partindo dessas premissas acerca da pesquisa de campo e sua importância para os
estudos etnomusicológicos e conseqüentemente para esta pesquisa, considero que esta se
constituiu como ponto fundamental para realização do trabalho, na medida em que através do
engajamento na comunidade, pude observar de perto o cotidiano dos moradores
acompanhando atentamente as práticas musicais, colhendo informações essenciais e
agregando as fontes de informações, como: o diário de campo, gravações de entrevistas, de
músicas, registros fotográficos e em vídeo. Assim, apresento a seguir o momento dos meus
primeiros contatos com o campo, a chegada à comunidade, minhas primeiras impressões do
lugar, natureza, pessoas e sons.
Revelando o campo de Agreste: os primeiros contatos
FIGURA 4 – As ruas da comunidade Agreste.
Minha primeira imersão no campo (FIG. 4), realizada entre os dias 02 e 04 de Junho
de 2006, juntamente com participantes do PNNM, como já foi descrito no início deste
trabalho, me trouxe a uma realidade que até então era desconhecida, um universo social e
cultural com características peculiares e distintas que busquei registrar em diário de campo,
fotos e vídeos. Portanto, através de uma narrativa etnográfica descrevo minhas primeiras
impressões do lugar, cultura e paisagem sonora.
29
Marcada a viagem, la estávamos nós, toda equipe do PNNM no Campus da
Unimontes, preparando para a partida. O meio de transporte foi o ônibus cedido pela Universidade,
local de onde saímos às 07h30min aproximadamente e chegando a Agreste por volta das 09h20min.
Percorremos 130 km de distância, sendo 100 de asfalto e 30 de terra. Ao chegar, dividimos a equipe
em pequenos grupos e seguimos para as acomodações nas casas dos moradores, que já nos
aguardavam, pois sempre eram avisados da visita da equipe.
A expectativa quanto a esse primeiro contato foi carregada de ansiedade, pois de fato
não sabia como seria a aceitação da minha presença, e consequentemente, se poderia
participar dos acontecimentos musicais para uma coleta de dados necessária à pesquisa.
Assim, concordo com as palavras de Silva (2000), onde ele afirma que:
Costumamos pensar na observação participante basicamente como uma
técnica ou um procedimento realizado pelo antropólogo para conhecer a
comunidade que estuda. Entretanto, não é apenas o antropólogo que procura
familiarizar-se com o universo cultural do grupo no qual se insere. O grupo
também mobiliza seu sistema de classificação para tornar aquele que
inicialmente era um “estrangeiro” em uma “pessoa de dentro”, isto é, um
sujeito socialmente reconhecido (SILVA, 2000, p. 287).
Assim sendo, para que este processo de mútuo reconhecimento acontecesse, procurei
estar atento as atitudes locais como também manter um relacionamento amigável com as
pessoas, o que facilitou o contato e possibilitou vivenciar ativamente o contexto cultural e
musical.
Como discutido por Brandão (1981), a atuação do pesquisador deve ser pautada pela
tranqüilidade, porque os próprios membros da comunidade irão observar o comportamento do
pesquisador, que também a vê como uma vivência. Essas proposições foram fundamentais
para a minha prática etnográfica em campo.
No caminho para a casa onde iria ficar, andando pelas ruas de terra, além de apreciar
o espaço físico local, ouvia músicas de contexto midiático que vinham dos aparelhos de som
das casas. Os aparelhos de som assim como os televisores são uma forma de entretenimento
que faz parte do dia-a-dia dos moradores, pois em todas as casas que visitei observei a
utilização desses.
A primeira impressão que tive na chegada foi em relação aos aspectos naturais do lugar, que
apresenta em suas características, uma paisagem cercada por “uma floresta de caatinga arbórea
com milhares de pequenas lagoas formadas a partir do assoreamento de dolinas15 que surgem
15
Depressão afunilada, produzida pela dissolução em regiões calcárias ou pelo desmoronamento resultante de
tais dissoluções. Fonte: Dicionário Eletrônico Aurélio.
30
da ruptura de tetos de cavernas existentes no sedimento calcário que recobre toda a região”
(COSTA, 2008, p. 1). A comunidade é margeada por lagoas e pelo rio Verde Grande (FIG.
5), que além de fornecer a água utilizada para consumo humano e dos animais, fornece
também o peixe, que é uma das mais importantes fontes de alimento, juntamente com a
farinha de mandioca que ainda é extraída de forma artesanal (FIG. 6). Outra importante
utilidade das lagoas e do rio é como fonte de lazer para os agrestinos, que passam os
Domingos banhando-se em suas águas.
Depois de acomodados, nos reunimos na parte central da comunidade para, a partir
daí, fazer uma imersão no modo de vida da coletividade e tentar compreender sua cultura.
Esse modo de vida a que me refiro é compreendido como ethos e visão de mundo numa
perspectiva geertziana. Geertz (1989) concebe a cultura como uma teia de significados que o
próprio homem tece para si, assim cultura:
[...] denota um padrão de significados transmitido historicamente,
incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em
formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e
desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.
(GEERTZ, 1989, p. 103)
Conforme esse autor, a cultura considera os aspectos morais e os elementos
valorativos que podem ser resumidos sob a noção de ethos, e os aspectos cognitivos,
existenciais designados pela noção de eidos ou “visão de mundo”. O ethos de um povo está
sintetizado no seu caráter, no seu estilo moral e estético e nas atitudes e disposições
subjacentes em relação a ele mesmo e ao seu mundo. O eidos, ou a visão de mundo desse
povo, é expresso através dos conceitos que ele utiliza para interpretar a realidade – seu
conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Dessa forma, para Geertz a cultura consiste
em uma interpretação realizada pelo nativo sobre a sua sociedade e a análise que o
antropólogo faz dessa interpretação, de maneira que a prática antropológica deve ser orientada
a partir da própria conceituação elaborada pelos nativos sobre seu modo de vida,
compreendido por ele como estilo de vida e como visão de mundo.
A partir desta ótica, conhecer o modo de vida da comunidade foi essencial para a
compreensão do fenômeno musical, pois para o estudo da música como cultura (MERRIAM,
1977), o etnomusicólogo considera não só o produto música, mas toda a complexidade
sociocultural que a envolve (MERRIAM, 1964), na medida em que não é possível realizar um
estudo etnomusicológico que não contemple tanto o homem quanto a música. Assim, o
sociólogo Michel Bozon (2000), citado por Prass (2006), enfatiza que para descrever a música
31
realizada por grupos distintos não é suficiente tratar seu repertório em suas especificidades
técnicas, mas principalmente, “mostrar qual o estilo de vida e de sociabilidade colocado em
ação com [determinada] prática musical” (Bozon, 2000, p. 153, citado por PRASS, 2007, p.
4).
Portanto, para compreensão e interpretação desses significados, e daquele modo de
vida, primeiramente andei por todo o lugar16, buscando um diálogo com as pessoas,
conhecendo e registrando em fotos e vídeo, assim como realizando gravações e anotações de
campo para análise.
Durante a caminhada foi possível perceber um ou outro morador tocando violão
sentado à porta de sua residência, ora tocando uma toada,17 ora uma música sertaneja de
contexto midiático, enquanto um grupo bate papo em frente a um bar ou na varanda de suas
casas (FIG. 7).
Ao cair da noite, alguns se recolhem frente à televisão, outros se confraternizam nos
bares. Nas Sextas Feiras e Sábados, alguns bares se transformam em Boates, com uma
iluminação e som “adequados”, além de reprodução de DVDs para o entretenimento das
pessoas.
FIGURA 5 – A ponte sobre o Rio Verde Grande. Fonte de lazer para os moradores de
Agreste.
16
17
Dados referentes aos aspectos físico-geográficos e históricos da comunidade estão dispostos no capítulo 2.
Termo geral para cantiga; usa muitas vezes a quadra poética na letra.
32
FIGURA 6 – Moinho artesanal de farinha de mandioca. Casa de Seu João e Dona Ana.
FIGURA 7 – Um morador tocando violão na porta de sua casa e o Bar Esquema 3.
Após conversas preliminares, procurei entrevistar pessoas que, como interlocutores,
me forneceram dados relevantes quanto à cultura local. Essas pessoas foram José Nunes dos
Santos, conhecido como Zé Nunes, um dos foliões mais antigos da comunidade; e Dona
Clêusa, que trouxe dados históricos relevantes sobre a vivência musical. Outra personagem
social importante se chama Aureliano R. dos Santos, conhecido como Seu Lero, que é o
mestre da Folia de Reis. Essas entrevistas18 foram muito importantes, pois me forneceram um
panorama cultural/musical da comunidade.
18
Entrevistas com Seu Lero e Zé Nunes, também foram realizadas em 2009, na qual me refiro a Folia de Reis
propriamente dita. Em anexo.
33
Neste trabalho de cunho etnográfico, tanto no momento da coleta de dados, quanto
no processo de elaboração das análises desses, o diálogo foi fundamental para os resultados
aqui apresentados. Refiro-me tanto aos diálogos realizados com os moradores quanto aos
diálogos que os próprios moradores estabeleciam entre eles e que tive a oportunidade de
observar. Conforme Vicenzio Cambria (2008), a idéia do diálogo sempre foi considerada uma
metáfora do trabalho etnográfico, atuando entre “nós” (cultura ocidental, dominante, escrita,
acadêmica, teórica, urbana, etc.) e os “outros” (culturas extra-ocidentais, dominadas, orais,
populares, folclóricas, rurais, etc.) e se daria como um encontro, uma negociação de
diferenças. Ainda segundo este autor, o diálogo, como forma de interação humana, também
sempre foi uma condição imprescindível de qualquer pesquisa de campo. “Neste caso, o
diálogo seria aquele entre um pesquisador (o representante do “nós”) e os informantes com
que ele trabalha em campo (que, muitas vezes, são assumidos como representantes de um
“outro”coletivo)” (CAMBRIA, 2008, p. 201). Deste modo, tanto as conversas realizadas nas
casas dos moradores quanto os „bate-papos” nos “botecos”, constituíram fontes relevantes de
coleta de informações.
Através desses dados fornecidos oralmente e registrados, tanto em gravador quanto
de forma escrita, ficou evidente que as práticas características das manifestações tradicionais
da religiosidade popular, como as Festas Juninas (realizada para Santo Antônio em Agreste), a
Festa de Nossa Senhora Aparecida e a Folia de Reis, são as mantenedoras das tradições e são
tidas como representantes da identidade19 local.
Os simbolismos contidos nas práticas dessas manifestações informam a realidade
sociocultural desta comunidade afro descendente norte mineira.
Todos os dados colhidos durante essas primeiras participações no contexto
investigado, somados a observação participante, possibilitaram vivenciar momentos
característicos das práticas musicais na comunidade, tanto nas diversões durante as noites
dançantes nas boates, como nas práticas tradicionais e suas danças e coreografias, os toques
dos instrumentos, o canto das músicas, etc. A experiência inicial neste contexto amplo e
complexo, fez perceber que na paisagem sonora20 de Agreste, as práticas tradicionais
19
20
Discussão sobre Identidade musical em Agreste está no capítulo 4.
Em meados da década de 1960 teve início no Canadá, mais precisamente na Simon Frayser University, um
movimento que se propunha realizar uma análise do ambiente acústico como um todo. Tal projeto foi
denominado World Soundscape Project e foi encabeçado pelo compositor canadense R. Murray Schafer. A
palavra Soundscape foi um neologismo introduzido por Schafer que pretendia criar uma analogia com a
palavra Landscape (paisagem). A paisagem sonora, segundo Schafer, seria então: o ambiente sonoro.
“Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p.
366).
34
dialogam e transitam com as sonoridades de contexto midiático, demonstrando diferentes
formas de vivência musical, onde “tradição e modernidade formam um mosaico de relações
aparentemente cacofônicas que precisa ser analisado a partir dos sentidos dados pelos
próprios atores sociais” (PRASS, 2007, p.4).
Etnografia da Performance Musical
Partindo dos dados etnográficos colhidos durante a pesquisa de campo e expostos
neste trabalho, proponho uma discussão sobre a etnografia da performance musical, que pode
ser considerada como uma ferramenta essencial para a compreensão dos fenômenos musicais.
A partir da década de 1980 a etnomusicologia vem buscando novas concepções sobre
a performance musical, numa tentativa de unir as abordagens musical e antropológica.
Estudos recentes demonstram que “para fornecer um registro adequado da música
como cultura, tanto sua estrutura apresentada em eventos reais quanto seu contexto histórico e
social, devem ser explorados em detalhes” (MURPHY, 2008, p. 15). Para este autor a
etnografia da performance musical é compreendida como uma metodologia que tenta
descrever as relações entre uma dada música e a sociedade em que ela existe, através de
análise detalhada de eventos de performance específicos.
Segundo Herndon e McLeod (1980), citados por Murphy (2008), a etnografia da
performance musical surgiu da necessidade de firmar base comum entre abordagens
musicológicas e antropológicas com a etnomusicologia, fixando a performance musical como
foco. Dessa forma, a etnografia da performance musical requer, de início, a determinação de
um campo social mais amplo “que inclua não apenas os sons físicos, mas também ações,
pensamentos e sentimentos dos envolvidos na concepção, performance e recepção da música
num contexto cultural particular” (HERDON; McLEOD, 1980, citados por MURPHY, 2008,
p. 15).
Outro autor que traz uma nova abordagem sobre as questões que envolvem a
etnografia da performance musical é Anthony Seeger (1992), que considera a etnografia da
música como o escrito sobre as maneiras que as pessoas fazem música. Ela deve estar ligada à
transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à transcrição dos sons, e
geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto declarações gerais sobre a música,
baseada em uma experiência pessoal ou um trabalho de campo.
Na ótica de Behague (1984), a performance tem sido atualmente o primeiro aspecto
de estudo da etnomusicologia que têm tendido, por isso, a desenvolver uma abordagem
35
bastante inclusiva do estudo da performance, considerando-a, na atualidade, não só como
evento, mas também como uma processo que reúne aspectos musicais e extra musicais.
Dessa forma, a etnografia da performance musical deveria esclarecer as maneiras pelas quais
os elementos não-musicais numa ocasião ou evento de performance influenciam o resultado
musical de uma performance. “Práticas de performance resultam da relação do conteúdo e do
contexto” (BEHAGUE, 1984, p. 7, tradução minha)21.
Assim, finalizando essa breve reflexão, podemos afirmar que para compreender o
fenômeno musical, devem ser levados em conta os vários aspectos representados na
performance, tanto musicais como extramusicais, buscando seu significado
de forma
contextualizada com o universo na qual é praticada.
Descrições metodológicas da pesquisa
O universo da pesquisa
As manifestações musicais tradicionais da comunidade Agreste são aspectos
fundamentais que traduzem um universo cultural abundante e peculiar. Neste contexto, esta
pesquisa foca a manifestação da Folia de Reis, que juntamente com outras manifestações,
como a Festa de Nossa Senhora Aparecida e as Festas Juninas, são tidas como demonstrativos
identitários dessa comunidade. Dessa forma, o universo da pesquisa foi constituído pelos
habitantes da comunidade quilombola Agreste, considerando e abrangendo mais
especificamente os músicos participantes da manifestação cultural da Folia de Reis: o mestre
da Folia e os músicos participantes.
A Folia de Reis neste contexto é uma prática que tem como principal função a
religiosa, onde através das rezas dos Terços e dos cantos, os foliões demonstram toda devoção
e fé aos Santos Católicos. Esta manifestação característica da religiosidade popular acontece a
mais de cem anos na comunidade e apesar das mudanças e transformações que ocorreram
com o passar do tempo, permanecem com respeito e fé aos Três Reis Magos e ao Menino
Jesus. Como afirma Seu Lero: “Pra cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião,
Santos Reis e Nossa Senhora Aparecida, pra cada Santo um canto, é devoção, tradição” (Seu
Lero, 2009).
21
Practices of performances result from the relationship of content and context.
36
Instrumentos de coleta de dados
Os instrumentos de coletas de dados que utilizei foram fundamentais para realização
da pesquisa e dentro das perspectivas da realidade da manifestação, o que permitiu uma
abordagem do campo pesquisado, como também, a coleta de informações imprescindíveis
acerca dos vários aspectos que constituem o fenômeno musical da Folia de Reis da
comunidade.
Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: pesquisa bibliográfica,
pesquisa documental, observação participante, entrevistas semi-estruturadas e registros
sonoros, fotográficos e em vídeo. A junção destes me forneceu o suporte devido para alcançar
o objetivo da pesquisa.
Pesquisa bibliográfica
A pesquisa bibliográfica foi realizada durante todo o tempo da pesquisa. Foram
consultadas obras que referem aos estudos relacionados à temática da formação das
comunidades quilombolas em diferentes contextos do Brasil, focando o Estado de Minas
Gerais e mais precisamente a região Norte. Foram pesquisadas produções bibliográficas
enfocando estudos e abordagens sobre os aspectos que constituem as expressões musicais
afro-brasileiras, a Folia de Reis, em suas dimensões estruturais, históricas e socioculturais,
assim como trabalhos diversos relacionados à etnomusicologia, antropologia e outros campos
relacionados com a abordagem da pesquisa. O trabalho foi realizado tendo por base a
produção de conhecimento a partir de livros e artigos científicos como fontes principais,
contudo, consultei fontes diversas, como: legislação, artigos da internet e dicionários com
termos técnicos.
Foram realizadas pesquisas na Biblioteca da Universidade Estadual de Montes Claros
- Unimontes, na biblioteca do Centro Cultural Hermes de Paula de Montes Claros como
também na biblioteca do Centro Cultural São Paulo, na capital paulista em outubro de 2008.
A pesquisa bibliográfica forneceu as bases conceituais e as linhas epistemológicas que
embasaram os caminhos traçados na pesquisa.
Pesquisa documental
A pesquisa documental também se consolidou como ponto fundamental para o
trabalho, tendo em vista a falta de material histórico referente a Agreste. Devido ao
37
“isolamento” da comunidade, não foram encontrados dados secundários (documentos) que
nos fornecessem informações necessárias, assim procurei trabalhar com dados primários
(colhidos por mim e pelos membros do PNNM) que foram, de acordo com nossos estudos, a
primeira coleta de informações sobre a vida da comunidade.
Dessa forma, a pesquisa documental abrangeu relatórios e outras fontes coletadas
pelo grupo, assim como registros referentes a dados censitários realizados por professores a
alunos participantes do PNNM. Esses dados foram relevantes para identificar as principais
transformações territoriais e socioculturais ocorridas em Agreste ao longo de sua história.
Observação participante
A observação participante foi o mais importante instrumento de coleta de dados
durante a pesquisa de campo.
Através deste instrumento foi possível vivenciar de perto a música da Folia de Reis e
compreender significados e valores estabelecidos e construídos pelos foliões e participantes.
Experienciar e participar, buscando em equilíbrio entre participação e observação, me
proporcionaram um contato direto com esse universo, revelando aspectos singulares tanto da
performance quanto do modo de vida dos foliões.
As observações foram feitas durante o ensaio e apresentação da Folia de Reis, assim
como em outros festejos religiosos realizados na comunidade com o intuito de compreender
aspectos particulares da música e de suas inter-relações socioculturais.
A partir dessa compreensão, procurei como pesquisador, durante a observação
participante, imergir num outro universo cultural, lidando tanto com características
comportamentais dessa realidade, como também com os conceitos e significados
estabelecidos durante as práticas musicais no contexto quilombola.
Entrevistas
As entrevistas foram essenciais para coleta de dados, possibilitando a averiguação
dos fatos e os motivos conscientes para opiniões, sentimentos ou condutas dos entrevistados.
Primeiramente realizei entrevistas semi-estruturadas com alguns interlocutores,
selecionados através da indicação dos próprios moradores de Agreste, que através de relatos
orais forneceram dados históricos e do modo de vida na comunidade. Em seguida realizei
38
entrevistas com os Foliões e moradores da comunidade que participam da Folia de Reis,
objetivando coletar dados essenciais para compreensão do universo da manifestação.
Busquei também trabalhar com a coleta de informações a partir da história oral, onde
através da memória do grupo as informações eram dadas e confirmadas pelos membros da
comunidade.
De acordo com Meihy e Holanda (2007) o ponto de partida das entrevistas em
história oral implica aceitar que os procedimentos são feitos no presente, com gravações, e
envolvem expressões orais emitidas com intenção de articular idéias orientadas a registrar ou
explicar aspectos de interesses planejados em projetos. Assim:
Entrevistas em história oral são a manifestação do que se convencionou
chamar de documentação oral, ou seja, suporte material derivado de
linguagem verbal expressa para esse fim. A documentação oral quando
apreendida por meio de gravações eletrônicas feitas com o propósito de
registro torna-se fonte oral. A história oral é uma parte do conjunto de fontes
orais e sua manifestação mais conhecida é a entrevista (MEIHY;
HOLANDA, 2007, p. 14).
Dessa forma, a história oral que é “um recurso moderno usado para a elaboração de
registros, documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de
grupos” (MEIHY; HOLANDA, p. 17), contribuiu de forma relevante para coleta de dados
referentes a vários aspectos da vida das pessoas de Agreste.
Na perspectiva de Gaskell (2002, p. 64) a compreensão dos mundos da vida dos
entrevistados e de grupos sociais especificados é a condição sine qua non da entrevista
qualitativa e tal compreensão poderá contribuir para um número de diferentes empenhos na
pesquisa.
Neste contexto, as entrevistas semi-estruturadas foram as mais utilizadas, com
roteiros pré-estabelecidos, que foram se desenvolvendo a partir das conversas. As entrevistas
foram realizadas na casa do Mestre da Folia, como nas casas dos interlocutores, sendo que
todo processo de gravação foi realizado com a utilização de um gravador modelo SONY
WALKMAN - NET MD KMAN – MZ - N707 TYPER-R – MDLP, que com boa qualidade
sonora, favoreceu o trabalho de transcrição e análise das informações obtidas.
Destaco aqui, a opção pelas entrevistas no lugar de questionários, pois percebi que
poderia colher mais informações acerca do modo de vida, assim como das manifestações
culturais, com este recurso metodológico. Apesar da importância dos questionários,
principalmente para coletar dados quantitativos que dão suporte a pesquisa, percebi que os
informantes mais velhos sempre tinham algo mais a revelar e extrapolavam nas respostas,
39
chegando a falar por horas em seus depoimentos, portanto mesmo com questionários prontos
para aplicação optei pelo recurso das entrevistas.
Através dos conteúdos das entrevistas e de uma análise aprofundada dos relatos, pude
coletar informações singulares das dimensões históricas, socioculturais e estruturais
específicas da Folia de Reis de Agreste.
Registros em Áudio
Os registros em áudio se constituíram como um importante instrumento de gravação
de campo.
Esses registros, gravados durante o ensaio e do ritual, possibilitaram captar detalhes
fundamentais dos aspectos das músicas. Além disso, as gravações em áudio foram de
fundamental importância para a construção de um arquivo sonoro para futuras transcrições e
análise musicais, captando os detalhes de cada elemento musical como ritmo, melodia, letra e
canto.
Para garantir a qualidade das gravações utilizei um aparelho portátil gravador SONY
WALKMAN MD, de modo que as gravações fornecem um suporte necessário para a coleta
das músicas que foram transcritas no trabalho, sendo utilizadas como exemplos
complementares das transcrições, pelo fato de que o registro gráfico não dá conta de traduzir
o fenômeno com todas as suas nuanças, o que pode ser proporcionado pela exemplificação em
áudio.
Registros em vídeo
Os registros em vídeo foram realizados enfocando aspectos particulares da prática
musical e outros elementos da performance (plástico-visuais e coreográficos) que se interregem com o fenômeno musical da Folia de Reis. Os registros em vídeo foram fundamentais
para o processo de análise, tendo em vista que possibilitaram a observação da prática musical
por uma perspectiva diferenciada.
Dessa forma, somando som e imagem foi possível perceber nuanças que nem sempre
podem ser captadas pela percepção exclusivamente sonora.
40
Registros fotográficos
Os registros em fotos foram feitos primeiramente, para registrar o modo de vida dos
moradores de Agreste, assim como os aspectos físicos da comunidade.
Quanto às manifestações culturais, focando a Folia de Reis, as fotos foram úteis para
captar aspectos gerais da performance musical dos foliões, como instrumentos, adereços,
movimentos coreográficos, detalhes da execução musical, etc. As fotos além de ampliarem as
possibilidades analíticas, serviram como importante ferramenta para ilustrar e complementar
aspectos musicais transcritos e descritos nos textos gerados durante o trabalho.
Os registros fotográficos também trouxeram imagens de personagens fundamentais
para a compreensão da manifestação que inseridas junto aos textos e as análises do estudo,
forneceram informações visuais que retratam as singularidades do universo musical estudado.
Instrumentos de organização e análise dos dados
Depois de coletados os dados para a pesquisa, esses dados foram organizados e
analisados, através de instrumentos que possibilitaram uma leitura e compreensão criteriosa
das informações detalhadas no contexto investigado.
Assim sendo, uma organização sistemática contribuiu imensamente para o processo
de análise, de forma que descrevo a seguir os principais instrumentos de análise:
Referencial teórico
A constituição do referencial teórico nesta pesquisa se deu a partir de uma pesquisa
bibliográfica que fundamentou as interpretações e análises dos dados, possibilitando reflexões
contextualizadas tanto com o universo pesquisado, quanto com o campo mais abrangente dos
estudos do fenômeno musical numa perspectiva etnomusicológica.
Abordagens teóricas da antropologia interpretativa forneceram as bases fundamentais
para a discussão acerca da temática quilombola no Brasil. Outras vertentes literárias foram
importantes para o campo teórico, como as abordagens de autores que escreveram sobre a
Folia de Reis e outras manifestações e expressões da cultura popular.
Dessa forma, o referencial teórico alicerçou e estabeleceu ao longo dos estudos, o
direcionamento das abordagens realizadas durante o trabalho, constituindo um amplo material
de estudo indispensável para a compreensão desse complexo e rico universo cultural.
41
Transcrições das entrevistas
A realização das transcrições textuais dos relatos e depoimentos orais, obtidos a
partir das entrevistas, foi essencial para análise dos elementos explicativos contidos nos
relatos, fornecendo dados substanciais para a compreensão dos aspectos históricos e
socioculturais da Folia de Reis.
A transcrição da fala foi apresentada no trabalho de forma que pudesse representar as
características lingüísticas e buscando valorizar as formas de expressão de cada entrevistado.
Assim optei por uma transcrição literal, que buscou ao mesmo tempo, descrever os
depoimentos sem descaracterizar o que era dito, mas possibilitando que o leitor captasse os
detalhes da estruturação da fala do entrevistado.
Para uma compreensão do discurso verbal, foram levados em consideração não só a
fala dos entrevistados, mas uma gama de outros significados que a caracterizaram
culturalmente, relacionando os depoimentos com as situações e momentos que cercam o
universo focado nas entrevistas.
De acordo com Lucena; Barbosa; Oliveira (2004, p. 37) com base em perspectivas de
análise lingüística, as práticas discursivas, da mesma forma que as práticas sociais, podem ser
compreendidas como fenômenos que envolvam o saber, o poder e os sujeitos, ora organizando
relações mais amplas com o universo cultural, ora construindo formas de discurso específicos
para situações localizadas.
Nesta perspectiva, Queiroz (2005) também argumenta que os depoimentos orais,
relatados durante as entrevistas, devem ser analisados segundo a perspectiva de que eles não
são simplesmente modos de produção do discurso, mas sim, representações que refletem
conceitos, comportamentos, processos, técnicas e formas diversificadas de expressões do
sistema cultural que as cria, as impõem, as mantém e as pratica.
Dessa forma a análise das falas foi imprescindível para compreensão do processo
discursivo.
Edição de vídeos e seleção das fotografias
Foram editadas partes das gravações em vídeo focando principalmente o giro de
folia, onde foram selecionados trechos relevantes para o processo de análise, desde a chegada
dos foliões, as rezas dos Terços, os cantos e as danças durante a manifestação.
42
A seleção das fotografias foi realizada considerando os registros que foram utilizados
tanto para análise quanto para ilustração do texto, contribuindo de forma expressiva para a
visualização dos aspectos e características da manifestação.
As transcrições musicais
As transcrições musicais, ou registros gráficos das músicas, foram realizados com
base nos registros sonoros e audiovisuais captados durante a Folia de Reis.
Durante o processo de transcrição, busquei utilizar categorias estruturais aplicadas no
meio musical acadêmico, de forma que, através da análise da métrica rítmica e dos intervalos
melódicos instituídos pela notação “ocidental”, foi possível uma quantificação de elementos
característicos das músicas dos Foliões, o que permitiu o entendimento e a tradução dos
códigos distintos desse fenômeno musical para uma linguagem “padrão”.
Assim como as transcrições verbais, a transcrição musical apresenta limitações
comuns desta ferramenta, porém não deixa de ser importante para o processo de análise e
descrição no estudo etnomusicológico.
Na visão de Ellingson (1992), a transcrição musical tem sido considerada, ao longo
do tempo, ferramenta fundamental para a metodologia dos estudos em etnomusicologia,
apresentando objetivamente dados quantificáveis e analisáveis que fornecem uma sólida base
para a etnomusicologia como disciplina científica.
Neste trabalho, as transcrições musicais tiveram como finalidade a organização
estrutural do repertório dos Foliões, como também apresentar aspectos essenciais das músicas,
servindo para ilustrar detalhes da melodia, do ritmo, das letras e da composição do repertório
possibilitando uma reflexão sistemática sobre esses mesmos aspectos.
Realização da pesquisa e apresentação dos resultados
A partir dos caminhos metodológicos utilizados durante o processo de realização da
pesquisa, a apresentação dos resultados foi desenvolvida de forma contextualizada em relação
ao universo investigado, buscando sempre a veracidade dos dados coletados e a coerência
necessária durante o processo de análise desses.
Com base nos elementos coletados e analisados, busquei estruturar de maneira lógica
e sistemática as informações que se revelaram essenciais para a compreensão dos aspectos
socioculturais e estruturais da Folia de Reis no contexto estudado.
43
A segmentação do trabalho, dividida em quatro capítulos, foi ordenada de forma
coerente com os objetivos do trabalho, buscando proporcionar em cada parte a apresentação
de um conjunto de elementos fundamentais acerca da manifestação estudada como também,
mostrar com clareza as perspectivas etnomusicológicas contextualizadas ao universo musical.
Para concluir, procurei apresentar neste trabalho, um panorama do fenômeno musical
estudado, indicando aspectos fundamentais que retratam a multiplicidade das características
que constituem a música da Folia de Reis na comunidade quilombola Agreste no Norte de
Minas Gerais.
44
CAPÍTULO 2
Comunidades quilombolas: um cenário de identidades afrodescendentes no contexto nacional
O Brasil, maior país da América do Sul, possui uma grande diversidade cultural,
onde aprender sua história nos remete a conhecer a história e cultura de vários povos, que
trouxeram em seus conhecimentos e memórias coletivas, elementos representativos, que
serviram de base para a construção da identidade e reconhecimento enquanto país pluriétnico
e multicultural.
Na formação da cultura brasileira, heterogênea, complexa e plural, o negro africano
foi um componente étnico que trouxe relevante contribuição para a formação cultural e
histórica do povo. Dessa forma, o desenvolvimento da identidade brasileira está condicionado
à participação dos africanos, cuja sabedoria está presente nas manifestações culturais, nos
gestos e nas relações.
No entanto, as realidades vividas pelos descendentes de escravos e comunidades
quilombolas ainda se encontram desconhecidas no contexto social brasileiro e só
recentemente passaram a ser debatidas no meio acadêmico, político e nos movimentos sociais.
A situação dessas comunidades é uma das questões emergentes da sociedade brasileira, tendo
em vista a falta de visibilidade social, cultural e territorial, agravada pelo esquecimento
evidenciado na história oficial. Atualmente, tem havido um movimento crescente de entidades
e instituições nacionais e internacionais, que vêm discutindo sobre essa realidade e formando
redes de apoio aos quilombolas.
O texto da Constituição Federal de 1988, fruto de uma ativa mobilização social, ao
instituir o Artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), deu um passo
importante para o reconhecimento dessa realidade ao estabelecer que aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos. Com esse Artigo a Constituição
Federal acena para o reconhecimento da diversidade étnica e cultural brasileira.
Partindo dessas reflexões, para um aprofundamento na discussão sobre os vários
aspectos que constituem a temática quilombola no Brasil, este capítulo traz um recopilado
panorama histórico que remete à chegada dos primeiros escravos africanos, sua contribuição
na formação sociocultural brasileira, assim como a resistência ao processo de escravidão.
45
Discorre também sobre a formação das comunidades quilombolas em Minas Gerais, focando
a região norte mineira e finalmente a história da comunidade Agreste.
Os Africanos no Brasil: contribuições e resistência
A compreensão acerca da formação das comunidades quilombolas e a realidade
sociocultural dessas na atualidade estão certamente associadas ao conhecimento do passado
vivido pelos escravos e sua contribuição na formação de uma identidade afro-descendente,
assim como as estratégias de sobrevivência e a resistência ao regime escravocrata. Para
discorrer sobre essas dimensões neste capítulo, foi necessário revisitar esse passado através da
documentação disponível na literatura, livros, artigos impressos e eletrônicos, entre outros.
O processo de escravidão negra no Brasil durou cerca de trezentos anos e de acordo
com a literatura pesquisada não se sabe a data exata da chegada dos primeiros africanos no
Brasil. Alguns dados indicam que os africanos aportaram a partir da primeira metade do
século XVI, outros autores indicam a segunda metade. Para o historiador Clóvis Moura
(1983), a primeira leva de escravos vindos da África ocorreu em 1549, quando o primeiro
contingente é desembarcado em São Vicente, porém, alguns historiadores acreditam que bem
antes dessa data já haviam desembarcado negros por essas terras. Já Brandão (1978) cita duas
datas como prováveis para chegada dos negros africanos. Um foi talvez por volta de 1531,
quando a caravela de Martin Afonso de Souza encontrou navios de transporte de escravos,
outra em 1538, quando Jorge Bixorda enviou carregamento regular de negros ao Brasil. O
fato concreto é que começaram a chegar ao século XVI, para trabalhar com a produção de
açúcar que se constituiu na primeira atividade rentável e a partir da qual teve início a
construção da base econômica do país.
De acordo com as diversas teses sobre a escravidão no Brasil, os negros foram
trazidos com o objetivo de constituir a mão-de-obra do colonizador português, que não
aceitava fazer o trabalho braçal em nome de uma nobreza muitas vezes auto-outorgada.
Todavia para Munanga e Gomes (2006), os colonizadores, para conseguir mão-de-obra
necessária, recorreram a um procedimento chamado escravidão, os quais buscaram destituir as
populações indígenas de todos os seus direitos sobre a terra de seus ancestrais e de seus
direitos humanos e transformando-os em força animal de trabalho.
Porém, com a resistência da arredia população ameríndia a este processo, o que
culminou com sua massiva exterminação, abriu-se um caminho ao tráfico negreiro, que trouxe
46
ao Brasil milhões de africanos, que escravizados, forneceram a força de trabalho necessária ao
desenvolvimento econômico da colônia.
Os africanos e seus descendentes, por mais de três séculos de escravidão,
constituíram a força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia.
Entre as várias contribuições relevantes dos negros africanos na construção do Brasil,
além da econômica mencionada anteriormente, podemos citar a demográfica, contribuindo
para o processo de territorialização e ajudando no povoamento, o que indica um grande
contingente de negros que desembarcara em solo brasileiro:
[...] a evolução demográfica, segundo alguns autores, mostra que, até 1830,
os negros constituíam 63% da população total, os brancos 16% e os mestiços
21%. A partir de 1850, data da abolição do tráfico negreiro, acompanhada
pela extinção da escravidão em 1888, a população negra começou a
decrescer sensivelmente por causa das más condições da vida em que se
encontrava e da mestiçagem com brancos e índios (MUNANGA; GOMES,
2006, p. 20)
No aspecto cultural, foram significativas as contribuições dos negros africanos, como
na dança, nas artes plásticas, na arquitetura, na língua portuguesa, no campo da religiosidade e
na música. Com relação à música e dança temos o coco, jongo, maculelê, maracatu, bumbameu-boi, os congados e também o samba, que de acordo com alguns autores é um referencial
da identidade cultural brasileira. Aspectos que foram amplamente retratados na literatura
nacional, em obras de autores como Mario de Andrade22.
Quanto à religiosidade, o Candomblé, a Umbanda e a Macumba, que fazem parte da
religiosidade popular afro-brasileira, são representativos da herança dos negros africanos ao
Brasil.
A influência e contribuição dos negros na língua portuguesa também foram
representativas, com a introdução de um vocabulário de muitas palavras africanas que são
utilizadas cotidianamente pelos brasileiros, como por exemplo: acarajé, bagunça, calunga,
dendê, fubá, marimba, muvuca, quitanda, vatapá, entre outras. Enfim, a abundância da
contribuição cultural africana na formação da cultura brasileira fica evidente nas
manifestações populares.
Contudo, esses traços culturais que foram inseminados na cultura brasileira
representam também uma história de luta e resistência ao processo de escravidão. “Onde
houve escravidão houve resistência”. (REIS; GOMES, 2008, p. 9).
22
ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002.
47
Entre as formas de resistência utilizadas, houve um tipo que pode ser considerada
como a mais característica e simbólica: a fuga de escravos. Essas fugas levavam à formação
de grupos de escravos fugidos, onde se associavam também outros personagens sociais. No
Brasil esses grupos eram chamados principalmente de quilombos, calhambos, calhambolas ou
mocambeiros. Este processo de aquilombamento ocorreu onde houve escravidão dos africanos
e seus descendentes, contudo não eram as únicas formas de resistência dos negros perante a
escravidão. Rebeliões, insubmissão às regras do trabalho nas roças ou plantações onde
trabalhavam, os movimentos espontâneos de ocupação das terras disponíveis, fugas,
abandonos das fazendas pelos escravos, assassinatos de senhores e suas famílias, suicídios,
organizações religiosas e revoltas organizadas também fizeram parte da história da escravidão
no Brasil.
Quilombo: aspectos conceituais
No momento hodierno, a temática quilombola vem alcançando maior visibilidade no
universo social nacional, exigindo para seu estudo enquanto temática específica, a cooperação
de múltiplas disciplinas e formações acadêmicas, sendo discutida por várias áreas do
conhecimento, como a antropologia, sociologia, história, filosofia e fundamentalmente neste
trabalho, por um viés etnomusicológico.
Para uma reflexão teórico-conceitual sobre o termo quilombo, buscou-se fazer
primeiramente uma referência ao passado histórico do período colonial, quando se tem pela
primeira vez no Brasil, de acordo com os autores pesquisados, o uso formal jurídico do termo.
No significado que remete ao período escravista o termo quilombo é entendido como “reduto
de negros escravos fugitivos”. De acordo com Moura, citado por Munanga e Gomes (2006),
em 1740 o Conselho Ultramarino, órgão colonial responsável pelo controle central
patrimonial, definiu formalmente quilombo como “toda habitação de negros fugidos que
passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se
achem pilões neles”. Este “conceito jurídico-formal que ficou, por assim dizer, frigorificado”
(ALMEIDA, 2002, p. 47) ainda é utilizado por alguns autores, contudo insistir nessa definição
consiste em invisibilizar o real significado e história desses grupos.
Quanto à semântica do termo, de acordo com Munanga e Gomes (2006):
a palavra Kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo
ovibundo, que se refere a uma instituição sociopolítica militar conhecida na
África Central, mais especificamente na área formada pela atual República
Democrática do Congo (antigo Zaire) e Angola, e apesar de ser um termo
48
umbundo, constitui-se em um grupamento militar composto pelos Jaga ou
Imbangala (de Angola) e os Lunda (do Zaire) no século XVII (MUNANGA
e GOMES, 2006, p. 71).
Ainda na perspectiva desses autores, a palavra quilombo, na África, refere-se a uma
associação de homens, aberta a todos, onde esses eram submetidos a rituais de iniciação que
os integravam como co-guerreiros num regimento de super-homens invulneráveis às armas
inimigas.
No ponto de vista de Théo Brandão (1978) quilombo é uma palavra que nomeia o
auto ou dança dramática e é corrente no Brasil para o reduto de negros, fugidos dos engenhos
de açúcar e fazendas, onde se encontravam em cativeiro, sobretudo durante o período
colonial. Os sítios de fuga e de defesa eram chamados geralmente de quilombos, palavra
oriunda da língua dos negros que neles predominavam, os bantos, e que significava
exatamente, de acordo com a opinião da maioria das autoridades, habitação (kilombo em
língua bundo-angolense).
A partir dessas definições, na busca de novas abordagens e interpretações, o conceito
de quilombo vem sendo ressemantizado, de forma que “é necessário que nos libertemos da
definição arqueológica” (ALMEIDA, 2002, p. 43).
Contemporaneamente, portanto, o termo quilombo não se refere a resíduos
ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica. Também não se trata de grupos isolados ou rebelados, mas,
sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de
resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos e na consolidação de um território próprio (O‟DWYER, 2002,
p. 18).
Os termos “quilombos”, “quilombolas”, “terras de pretos”, “comunidades negras
rurais” e “comunidades remanescentes de quilombos” vêm sendo objeto de debate não apenas
nos meios acadêmicos, mas também no âmbito das políticas públicas, tendo adquirido
visibilidade e uma significação atualizada principalmente após o Artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal brasileira de 1988,
que visa garantir os direitos territoriais e culturais aos remanescentes de quilombos, como
descrito no início deste capítulo.
Conforme O‟Dwyer (2002), o emprego do termo remanescente de quilombo na
Constituição Federal traz a seguinte questão: quem são os chamados remanescentes de
quilombos cujos direitos são atribuídos pelo dispositivo legal? A resposta a essa questão no
âmbito jurídico-legal é crucial para as comunidades, pois envolve a sua forma de organização
49
interna, o acesso fundamental ao seu território histórico e o alcance de benefícios sociais
especificamente direcionados aos quilombolas. Para Santos e Camargo (2008) é a definição
conceitual que pode determinar a inclusão de uma parcela da população brasileira nessa
categoria histórica e antropológica.
Do ponto de vista jurídico-legal, não há na Constituição da República uma
conceituação própria. Essa definição se encontra estabelecida no Decreto 4887, de 2003, que
define as comunidades quilombolas como “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de
auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,
com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida” (SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 36). É importante sublinhar que nesta concepção a
caracterização do grupo enquanto quilombola está subordinada ao critério de auto-atribuição a
ser definida pela própria comunidade.
Na atualidade o conceito de quilombola se dilatou, não está mais condicionado e
preso no termo histórico. Para Arruti (2003), o quilombo hoje é reconhecido pelas suas
características antropológicas e territoriais. A relação da comunidade com o território (uso e
apropriação), com a cultura de matriz africana e com a política é que estabelecerá se uma
comunidade é quilombola ou não. As formas de uso do território são outro diferencial
considerado nos estudos na atualidade, que passaram a conceber as comunidades quilombolas
como as chamadas populações tradicionais, que são grupos sociais que vivem, por períodos
relativamente longos, em um espaço geográfico definido e constroem sua identidade a partir
das relações que estabelecem com o território que ocupam.
Essas relações caracterizam-se pela ocupação da terra predominando seu uso comum,
sendo que a utilização dessas áreas obedece à sazonalização das atividades, sejam extrativistas
ou outras, caracterizando diferentes formas de uso e ocupação dos elementos fundamentais ao
ecossistema, que tomam por base laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de
solidariedade e reciprocidade.
O‟Dwyer (2002), considera que o texto constitucional não evoca apenas uma
identidade histórica às comunidades quilombolas, segundo o texto é preciso, sobretudo, que
esses sujeitos históricos presumíveis existam no presente e tenham como condição básica o
fato de ocupar uma terra, que, por direito, deverá ser em seu nome titulada.
Esse aspecto presencial, focalizado pela legislação, tem levado antropólogos
a seguir um princípio básico: fazer o reconhecimento teórico e encontrar o
lugar conceitual do passado no presente. Assim, qualquer invocação do
passado deve corresponder a uma forma atual de existência capaz de
50
realizar-se a partir de outros sistemas de relação que marcam seu lugar num
universo social determinado (O`DWYER, 2002, p. 14).
Segundo Santos e Camargo (2008), o reconhecimento dessa condição social foi
estabelecida pelo decreto 6.04023, de 7 de Fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional
de desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, onde em seu artigo
3º define que essas populações:
“são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações
e práticas geradas e transmitidas pela tradição” (SANTOS; CAMARGO,
2008, p. 36).
O reconhecimento dessas populações também ultrapassa a visão positivista de
homogeneidade da população, a concepção de “povo brasileiro” como atesta Almeida (1999).
Essa idéia carrega a noção de que a sociedade é homogênea e que nela há uma única
identidade coletiva por todos igualmente compartilhada.
Na nova concepção, surge a idéia da diferenciação social e da diversidade
cultural no seio de uma mesma sociedade. Essas mudanças vêm sendo
provocadas pelas lutas e articulações políticas dos movimentos sociais, que
buscam seus espaços em uma sociedade mais ampla, dominante e
homogenizadora. O fenômeno mais importante nesse sentido é que as novas
identidades se organizam em movimentos sociais (ALMEIDA, 1999, citado
por SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 37).
No modo de ver do antropólogo Alecsandro Ratts (2000), a discussão sobre
quilombos no Brasil é longa e complexa, a utilização ampla do conceito de quilombo e de
remanescente de quilombo merece ser discutida com cautela, levando em conta que pode
causar certa mescla e confusão conceitual que pretende dar conta da diversidade de formas de
acesso à terra e das formas de existir das comunidades negras rurais. “É preciso então tomar
cuidado, pois um conceito amplo de quilombo, usado política e juridicamente, corre o risco de
ser generalizado de uma realidade que é historicamente diversa e particular” (RATTS, 2000,
citado por MUNANGA e GOMES, 2006, p. 75).
Baseando-me nessas definições, tomo como referência para este trabalho o conceito
evidenciado por Santos e Camargo (2008), onde uma comunidade quilombola é aquela que
apresenta relações de parentesco entre seus membros; descendência africana e vínculos
históricos e culturais com determinado território, independentemente da época em que foi
23
Em anexo.
51
formada. A permanência de elementos de cultura africana pode ser observada ou não na
atualidade; porém, referências a um passado relativamente próximo são mantidas.
Minas Gerais e sua constituição quilombola
O Estado de Minas Gerais foi um dos estados brasileiros que possuiu maior
população negra escrava do país. Esse fato se deu devido à descoberta de ouro e
posteriormente de diamante, que provocou um intenso fluxo migratório para Minas Gerais em
fins do século XVII. Bandeirantes paulistas, “na caça ao índio, ao ouro e às esmeraldas”
(SILVA, 2005, p. 68), juntamente com baianos e pernambucanos migraram para Minas Gerais
e trouxeram consigo um grande contingente de negros escravos.
Para Ramos (2008) a escravidão foi a forma dominante de organização do trabalho
no surgimento da sociedade mineira e é no contexto do sistema escravocrata por inteiro que os
quilombos podem ser mais bem examinados.
A atividade mineradora teve seu apogeu na primeira metade do século XVIII, onde a
necessidade de mão-de-obra para a exploração mineral e a ávida corrida pelo ouro durante a
primeira metade do século causaram uma maior valorização do negro escravo na região. A
demanda por trabalhadores, assim como as dificuldades encontradas com o tráfico,
valorizaram o preço da mão-de-obra. Com essa valorização, proprietários de escravos de São
Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco também migraram para as Minas, onde os
negócios tornaram-se mais rendosos. O fluxo de migrantes e a grande riqueza mineral da
região fizeram com que Minas Gerais se transformasse no centro do poder econômico do país
durante o século XVIII.
A classe escrava destacou-se por seu grande número e rebeldia desde princípios do
século XVIII.
Existem indicadores que a classe escrava nunca foi inferior a 30% da
população total em Minas Gerais, e que em algumas regiões a população
livre foi menor que a população escrava. Por sua vez, a classe forra, que na
primeira metade do século XVIII equivalia a apenas 1,2% da população
escrava, em 1786 era 35% da população total e em 1808 atingiu 41%
(GUIMARÃES, 2008, p. 142).
Concomitante ao processo de escravidão, a fuga dos escravos e a conquista de terras
para viver em liberdade marcaram a história do estado, que se tornou um grande celeiro de
comunidades quilombolas. Após a abolição da escravatura, muitos quilombolas, ou
calhambolas, como eram chamados em Minas Gerais, permaneceram nos territórios
52
conquistados por seus antepassados ou ocuparam novos espaços a fim de iniciar uma vida de
liberdade. Nessa trajetória de luta histórica, muitos territórios foram ocupados. Atualmente, os
descendentes de escravos se articulam na luta para conseguir se manter em suas terras e ter
seu direito de propriedade sobre elas. E neste contexto de sistema escravocrata, os quilombos
marcaram esse período da história de Minas Gerais constituindo umas das mais complexas
formas de reação à escravidão.
Há vestígios de que a maioria das comunidades quilombolas em Minas Gerais surgiu
a partir da abolição da escravidão em 1888, como afirmam Santos e Camargo (2008), onde
grande parte dos negros não tinha local para fixar moradia, nem tão pouco, perspectiva de
integração à sociedade. Dessa forma muitas famílias de escravos alforriados migraram para
locais ermos, grotões e terras desabitadas.
Diferentes tipos de quilombo se formaram em Minas Gerais, alguns com grupos
menores que viviam de roubos a fazendeiros nas estradas, até grupos com estruturas
complexas formando vilarejos. As atividades desenvolvidas para sobrevivência foram
variadas, como a caça, agricultura, criação de animais, mineração, contrabandos, etc. Essas
comunidades, apesar de formadas no movimento de luta e resistência, em muitas ocasiões
eram toleradas pelo regime dominante, onde existiam formações de comércio e mão-de-obra
escrava ou barata. Guimarães (2008) enfatiza essa questão expondo os diversos tipos de
ligações entre os quilombos e a sociedade escravista:
[...] relações comerciais clandestinas com contrabandistas, taverneiros,
negras de tabuleiro e fazendeiros; ataques a viajantes, tropeiros, fazendas,
periferias de vilas e aldeias; uma rede de informações que começava dentro
das senzalas e terminava dentro dos quilombos; relações afetivas
estabelecidas entre escravos, forros e quilombolas, visto que estes
comumente freqüentavam as periferias dos centros urbanos ou fazendas do
meio rural (GUIMARÃES, 2008, p. 143).
Essas relações contribuíram para a multiplicação dos quilombos, que, embora
causassem estragos, serviam também como válvula de escape às tensões da escravidão.
Povos de diferentes regiões da África foram a base da formação das populações
quilombolas em Minas Gerais, como os Banto24, os Mina-jêje25, os Iorubas e Haussás26.
24
Povo originário das regiões Sul e Sudeste da África.
Oriundos do Oeste da África.
26
Originários da região nagô, situada na região Oeste da África.
25
53
Quilombos em Minas Gerais: situação atual
Para um estudo amplo sobre a situação geográfica, educacional, social e cultural das
comunidades quilombolas mineiras na atualidade, foi realizada uma pesquisa nos textos da
Fundação Cultural Palmares e do CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da
Silva, assim como trabalhos do antropólogo João Batista de Oliveira Costa, entre outros. De
acordo com as análises e reflexões, pôde-se constatar que essas comunidades podem ser
consideradas como um dos segmentos sociais mais pobres, esquecidos e desconhecidos da
nossa sociedade, pois pouco se sabia sobre elas até o início dos anos 2000. Tanto os órgãos
públicos, as organizações não governamentais (ONGs), como as entidades privadas ligadas às
questões da população afro-descendente no Estado não dispunham, até início da década de
2000, um maior conhecimento do universo quilombola.
Quem são, onde vivem e como vivem essas comunidades ainda são questões que
requerem maior atenção de todos os segmentos da sociedade mineira.
Panorama da distribuição populacional quilombola em Minas Gerais
De acordo com o CEDEFES (2008), até Junho de 2007 foram localizadas 435
comunidades negras27 em cerca de 170 municípios (FIG. 1), em 20% do total de municípios
do Estado. Berilo, Chapada do Norte, Minas Novas, Virgem da Lapa e Araçuaí, compõem no
Vale do Jequitinhonha, a maior concentração de quilombos do Estado. No Médio São
Francisco, há uma grande concentração nos municípios de Janaúba, Manga, Januária e Pai
Pedro, que juntos representam o que o antropólogo João Batista Almeida Costa (1999) define
como “campo negro”.
Com estudos realizados pelo CEDEFES em 154 comunidades, foi possível verificar
uma média de 54 moradias por comunidade. As comunidades que possuem maior número de
moradias são Brejo dos Criolos, no Norte de Minas, com 438, e Pinhões, na região da grande
Belo Horizonte, com 350. A média da população encontrada é de 264 pessoas por
comunidade. Com base nos dados estima-se que a população quilombola em Minas Gerais
seja de 100 a 115 mil pessoas.
27
Segue em anexo a lista das comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007.
54
FIGURA 1 – Municípios com maior número de comunidades quilombolas
Fonte: CEDEFES, 2007.
Mais de 97% das comunidades pesquisadas estão localizadas em áreas rurais (FIG.
2). Durante o período de escravidão, os negros fugidos buscavam áreas desocupadas e
distantes da população escravista e geralmente escolhiam locais de difícil acesso, como serras
e matas fechadas, formando grupos que também continham índios, mestiços e até brancos.
Com o fim da escravidão, essas populações não receberam qualquer compensação, assim, os
grupos diversos se espalharam pela vastidão do Estado em busca de locais isolados em que
pudessem sobreviver. Essa é ainda uma característica de boa parte das comunidades na
atualidade.
FIGURA 2 - Localização das comunidades quilombolas
de Minas Gerais.
Fonte: CEDEFES, 2007.
A maior parte das comunidades quilombolas está concentrada nas regiões Norte de
Minas, Jequitinhonha e Metropolitana de Belo Horizonte, onde se encontram mais de 70% do
55
seu total. No Vale do Rio Doce, 6,7%, na Zona da Mata, 4,8% e no Nordeste por volta de
3,4%. Outras regiões, como o Triangulo/Alto Paranaíba, a Central, Oeste, Sul e Campo das
Vertentes, apresentam registros pouco significativos.
FIGURA 3 – Localização das comunidades quilombolas segundo as
Regiões geográficas. Minas Gerais. 2007.
Fonte: CEDEFES, 2007.
Aspectos do modo de vida
Baseando nos dados levantados em 2006, em pesquisa realizada num universo de 180
comunidades quilombolas, o CEDEFES traz informações sobre infra-estrutura, saúde,
educação, conflitos e outras situações enfrentadas por essas populações. Muitas comunidades
em sua condição atual correm o risco de desaparecimento, tendo em vista que a falta de
perspectiva de geração de renda ou de subsistência, tem criado grande migração dos
moradores para os centros urbanos. Partindo desta observação, evidencio alguns dos
resultados da pesquisa realizada pelo CEDEFES, contribuindo para a compreensão da
realidade vivida por essas populações.
Saneamento
Tratamento de água, captação e tratamento de esgoto e coleta de lixo, são quase
inexistentes nessas comunidades. O lixo acumulado e o esgoto são jogados nos cursos d‟água,
o que desencadeia doenças de veiculação hídrica, como esquistossomose, amebíase, giardíase,
cisticercose, infecções, cólera, verminoses, entre outras. Este quadro, juntamente com a falta
de atendimento médico, tem aumentado o índice de mortalidade nas comunidades.
56
De acordo com o CEDEFES apenas 6,4% delas recebem a água tratada, as demais
utilizam água in natura, retirada dos rios, córregos ou poços. Quanto ao saneamento a situação
é ainda mais precária, pois existe apenas em quatro comunidades em 173 verificadas.
Quanto ao atendimento médico e postos de saúde, em 345 comunidades pesquisadas
pelo CEDEFES em 2006, apenas 16 (44%) possuem posto de saúde. Nenhuma comunidade,
com exceção das urbanas, possui acesso rápido a hospitais. O PSF (Programa de Saúde da
Família) tem atingido muitas comunidades e colaborado no atendimento médico e na
prevenção de doenças.
Abastecimento de energia elétrica e comunicações
De 150 comunidades pesquisadas, somente 76 possuíam energia elétrica em 2006.
Quanto à comunicação, poucas localidades possuem telefone público, apesar da grande
demanda, e se configuram como reivindicações pertinentes para o desenvolvimento e para a
geração de renda.
Quanto ao sistema de correios a situação é precária, principalmente nas comunidades
mais distantes, pois não existem agencias dos correios em muitas comunidades nem nas
proximidades, exceto nas situadas em áreas urbanas.
Educação
No que se refere à educação, a situação é diferente da saúde. Parcela significativa das
comunidades possui escola (até a quarta série) municipal ou estadual. Contudo a estrutura
física da maioria dessas escolas se encontra em quadro de precariedade. Muitas funcionam ao
ar livre, em prédios em péssimas condições e em alguns casos as aulas são ministradas em
Igrejas. A formação do professor que leciona na comunidade e a resposta pedagógica ao
ensino estão aquém da realidade e da necessidade dessas populações. O professor, na maioria
das vezes não é da comunidade e, assim, dificilmente consegue adentrar no mundo
etnicamente diferenciado dos alunos. A quantidade de escolas que lecionam até a oitava série
tem diminuído. Os problemas são os mesmos das escolas até a quarta série, todavia, a
obrigatoriedade da implementação da Lei 10.639, que inclui o ensino da história da África e
dos afro-brasileiros, ainda não ocorre.
57
Titulação
Desde o tempo de suas formações, as comunidades quilombolas viveram na
invisibilidade, não sendo reconhecidas pelas políticas públicas e sequer sendo citadas pela
legislação em vigor. Contudo, a situação vem tomando novos rumos com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, que assegurou às comunidades quilombolas o direito à
propriedade de suas terras. O primeiro item está definido no Art. 68, que já foi tratado neste
trabalho. A outra referência constitucional está definida no Art. 216 quando enfatiza que
“ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos” (SANTOS: CAMARGO, 2008, p. 51).
Os procedimentos para a identificação e titulação das terras quilombolas são
orientados por legislação federal e por legislações estaduais28. As legislações estaduais são
seguidas quando a titulação é conduzida por um órgão do governo do estado. Em fevereiro de
2008 seis estados contavam com normas próprias para a regularização das terras de quilombo:
Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Na esfera federal, o INCRA é o órgão responsável por titular as terras de quilombo,
seguindo os procedimentos estabelecidos no Decreto Federal nº 4.887 de 200329 e na
Instrução Normativa
30
INCRA nº 49 de 2008. Com o Decreto nº 4.887 de 2003, o governo
brasileiro aderiu a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o que
constituiu um novo avanço no reconhecimento dos direitos das comunidades. Segundo a
Convenção 169, é pela autodefinição que uma comunidade tradicional se firma enquanto tal.
Outro aspecto enfatizado na convenção é a proteção e o direito do uso dos recursos naturais
das áreas onde os povos residem, permitindo que, nesse contexto, os mesmos participem dos
ganhos.
Quanto à Instrução Normativa INCRA nº 49 de 2008, publicada em outubro de 2008,
mereceu o repúdio dos quilombolas e da sociedade. Essa é terceira instrução normativa
editada pelo INCRA na gestão do governo Lula. A cada nova instrução, o governo adiciona
novos empecilhos ao processo destinado a identificar e titular as terras quilombolas. A mais
recente norma do INCRA torna o processo de titulação ainda mais burocratizado, menos
eficiente e mais oneroso. Só para a etapa de contestação administrativa, a IN 49/2008 prevê
um prazo de até nove meses. A concretização das titulações, portanto, está seriamente
comprometida.
28
Ver em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/conheca_quilombos_estadual.htm
Decreto em anexo.
30
Ver em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/fed44.htm
29
58
Até Agosto de 2003, havia registro de três pedidos para titulação das terras
quilombolas no INCRA de Minas Gerais. Porém esses números vêm aumentando
gradativamente, sendo que a cada semana novos processos estão chegando ao órgão.
O cadastramento das comunidades para obtenção do título da terra e outros
benefícios, deve ser feito na Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura. O
procedimento é feito da seguinte forma: após o processo de auto-reconhecimento, a
comunidade encaminha a Brasília o pedido de registro no cadastro. A Fundação Cultural
Palmares já cadastrou, até Junho de 2007, 116 comunidades quilombolas em Minas Gerais.
Conflitos e tensões
Conflitos e tensões fazem parte da realidade vivida pelas comunidades quilombolas
em Minas Gerais. A falta de políticas públicas ou o desconhecimento pelos quilombolas dos
projetos de governos, que podem beneficiá-los, dificultam a sustentabilidade destes grupos em
seus locais tradicionais.
Problemas relacionados à grilagem de terras são um dos principais fatores de
conflitos nas terras quilombolas. Muitas comunidades perderam seus terrenos para grileiros
nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX. Além da grilagem de terras, a ocupação das terras
quilombolas para monocultura de eucalipto, a mineração, seja na forma de expropriação das
terras, como da destruição e poluição do seu ambiente, tem sido motivo de preocupação
comum para muitas comunidades.
Nas comunidades do Norte de Minas especificamente, a dificuldade de acesso e a
baixa qualidade da água são dificuldades visíveis, onde as regiões de melhor acesso a água
ficaram sob o domínio de fazendeiros. Para concluir, é importante frisar os problemas
causados pela poluição ambiental nas áreas quilombolas.
As atividades de monocultura, mineração, hidrelétricas e de pecuária no
entorno e dentro dos territórios tradicionais quilombolas comprometem as
práticas comuns como a pesca, a caça, a cata de raízes e frutos, entre outras,
que transitam nas esferas da cultura e da subsistência das comunidades
(SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 82).
Cultura e religiosidade
As comunidades quilombolas de Minas Gerais mantêm uma significativa variedade
de expressões musicais e religiosas. Manifestações culturais tradicionais que são transmitidas
59
oralmente através da manutenção de lendas e mitos, como o caboclo d‟água 31, a mãe do
ouro32, o bicho fortaleza33, entre outros. O artesanato, trabalhos em cerâmica, o buriti, a palha
e a madeira constituem uma forte expressão no Norte e Vale do Jequitinhonha, assim como a
feitura de bonecas de pano e retalho.
A culinária das comunidades, baseada na cultura do milho e da mandioca, ervas e
temperos, também é uma característica comum de matriz africana, que se expressa em
inúmeras festas e celebrações. A couve, a galinha, o angu e o feijão são comumente usados na
alimentação do dia-a-dia. Nas comunidades ribeirinhas a caça e o peixe são mais consumidos.
Quanto às manifestações culturais, o Congado e suas variantes estão presentes em
quase todas as regiões do Estado de Minas Gerais. A Folia de Reis é também uma
manifestação tradicional presente em várias comunidades, principalmente no Norte de Minas.
As comunidades quilombolas de Minas Gerais possuem forte religiosidade
cristã, fundada no catolicismo popular mesclado com práticas expressões
musical-religiosas, como o Batuque, o Congo, a Marujada, a Caretada, o
Candonmbe, o Lundum-de-pau, a Chula, o Caxambu, a Tapuiada, a Dança
de São Gonçalo, a Umbigada, o Sapateado, o Catopé, o Caboclo, o
Moçambique e o Jongo34 (SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 63).
As festas Juninas também são expressões freqüentes nas comunidades.
Comunidades
Quilombolas
do
Norte
de
Minas:
constituição
e
características
A região do Norte de Minas Gerais (FIG. 13) constitui como uma das 12
mesorregiões35 do Estado e é formada pela união de 89 municípios agrupados em sete
31
As comunidades quilombolas ribeirinhas do São Francisco têm uma forte ligação com o caboclo d‟água, uma
entidade que vive dentro do rio e pode se transfigurar em várias formas de homens, mulheres, canoas, peixes,
entre outras formas físicas ou abstratas.
32
A mãe do ouro é recorrente nas comunidades que estão nas antigas áreas mineradoras. Segundo uma moradora
da comunidade de Mato do Tição, no município de Jaboticatuba, a mãe do ouro aparece sempre de branco e à
noite para atrair os homens com uma luminosidade hipnótica. Os homens vão atrás dela e nunca conseguem
encontrá-la, sempre ficam perdidos.
33
A história do bicho fortaleza foi relatada por moradores do quilombo de Mumbuca, no município de
Jequitinhonha. Ele é a alma de um antigo morador que batia na mãe com a mão de pilão. Todos os moradores
temiam esse rapaz, e, quando ele faleceu, sua alma, na forma de uma criatura grande e peluda, assombrava os
moradores. Sua família descobriu que, oferecendo ao bicho fortaleza alimento durante certo período do ano,
ele sossega e não incomoda os moradores.
34
Sobre essas manifestações ver: SANTOS, Maria Elisabete Gontijo dos; CAMARGO, Pablo Matos.
Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte, MG.
Autêntica, 2008, p. 63-74.
35
Mesorregião é uma subdivisão dos estados brasileiros que congrega diversos municípios de uma área
geográfica com similaridades econômicas e sociais. Foi criada pelo IBGE e é utilizada para fins estatísticos e
não constitui, portanto, uma entidade política ou administrativa.
60
microrregiões36. Possui características similares às da Região Nordeste do Brasil com um
clima quente, beirando o semi- árido37, formada por Planalto Atlântico. Essa região, assim
como o nordeste mineiro, pertenceu ao estado da Bahia até meados de 1757 e mantêm uma
economia baseada na pecuária e extrativismo vegetal. Nessa região, a maior parte das
comunidades quilombolas se encontra nos vales dos rios Verde Grande e Gurutuba. A história
dessas comunidades na região norte mineira remete ao século XVII. “É importante frisar que
nos idos de 1660 os africanos e seus descendentes já haviam instituído comunidades
quilombolas no vale do rio Verde Grande” (COSTA, 2005, p. 3).
FIGURA 4 – Municípios com comunidades quilombolas: mesorregião Norte de Minas.
Fonte: Projeto Quilombos Gerais. CEDEFES – 2007.
A formação de quilombos constituiu-se em estratégia utilizada pelos africanos que,
escravizados, ansiavam por liberdade e, assim, instituíram alternativas ao sistema escravista
hegemônico, então vigente.
O princípio subjacente à formação de quilombo constitui-se na busca de
lugares de difícil acesso que propiciassem o estabelecimento de barreiras
estruturais, que tanto podiam ser naturais quanto sociais. Os agrupamentos
36
37
Microrregião é, de acordo com a Constituição braileira de 1988, um agrupamento de municípios limítrofes.
Sua finalidade é integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum,
definidas por lei complementar estadual
O clima semiárido é um tipo de clima caracterizado pela baixa umidade e pouco volume pluviométrico. Na
classificação mundial do clima, o clima semiárido é aquele que apresenta precipitação de chuvas média entre
300 mm e 800 mm.
61
humanos aquilombados pretendiam, dessa forma, impedir o contato do
mundo branco e escravista com o mundo negro vivendo em liberdade. Neste
sentido, as barreiras naturais apresentavam-se como: serras de difícil acesso
– Palmares -; áreas acima de corredeiras e cachoeiras próximas às cabeceiras
de rios – Erepecuru-Cuminá e Trombetas -; áreas alagadas e com
proliferação de doenças endêmicas, principalmente a malária – Baixada
Fluminense e região da Jahyba no Norte de Minas (COSTA, 2008, p. 25).
Ainda segundo Costa (2008), antes da chegada dos bandeirantes paulistas e baianos
no que é hoje o território mineiro, africanos fugidos da escravidão se fixaram em diversas
áreas. A bandeira de Mathias Cardoso de Almeida, que ocupou a partir de 1660 a região do
Médio São Francisco, tinha como funções aprear indígenas para vender como escravos na
Vila de São Paulo e exterminar os quilombos existentes na área. Contudo, condições
ambientais propiciaram a proliferação de endemias, o que impossibilitou a fixação de currais
e afastou a população branca e indígena do vale do rio Verde Grande, região denominada por
eles como Jahyba – “‟água podre”, “água ruim”. Para Costa (2005) a palavra tupi-guarani
jahyba, dependendo da forma de se articular as sílabas que a constituem, tem como
significação “água podre”, “água má”, “lugar de difícil acesso e esquisito” e, finalmente,
“brenhas do mato”. “Com esta denominação os bandeirantes formadores do norte de Minas e
do sertão sul da Bahia queriam informar a existência de malária no rio Verde Grande em toda
a extensão do seu vale” (COSTA, 2005, p. 2). E como a população de origem africana
apresentava maior resistência a essa doença endêmica, a malária serviu como escudo protetor
da ocupação do local por escravos.
O mesmo autor considera que o clima tropical com média anual em torno de 32o e
media pluviométrica em torno dos 900 mm anuais, foram fatores climáticos que contribuíram
para a proliferação da malária na região, assim:
Essas condições ambientais propiciaram a existência de endemia de malária
que afastou a população branca e indígena do interior do vale do rio Verde
Grande38 e, como terra de ninguém ou como terra que ninguém queria, os
negros fugitivos da escravidão no período colonial e imperial escolheram
para situar-se com liberdade e autonomia de vida. No interior dessas
condições ambientais centenas de pequenos núcleos negros, como quilombos
ou calhambos como referenciados regionalmente, foram formados e deram
origem a dezenas de pequenas comunidades negras rurais, muitas das quais,
atualmente, reivindicam para si os direitos vinculados ao Art. 68 dos ADCT.
(COSTA, 2008, p. 2).
A estratégia usada pelos quilombolas para sobrevivência nessas áreas resultou num
processo de invisibilização eficaz, o que proporcionou que a organização comunitária do
38
Nesse sentido vide Santos (1997) e Maurício (1995).
62
território permanecesse inalterada até meados do século XX. Esse quadro começa a mudar
quando se dá a instalação da estrada de ferro nos anos de 1940, feita com objetivo de ligar o
Rio de Janeiro a Salvador, o que favoreceu a penetração da população branca. Na construção
desta rede foram utilizadas como mão-de-obra, moradores das comunidades negras rurais que
viviam no interior da Mata da Jahyba. A utilização de mão-de-obra negra se deve à malária
endêmica que ocorria na região e que requereu do governo federal implantar dois postos de
tratamento a esta doença, um em Montes Claros e outro em Monte Azul, quase na divisa com
a Bahia.
Durante o governo Dutra, começa o combate à malária, com a presença de
funcionários da SUCAM39 desinseticizando o interior da mata e as lagoas, além da
distribuição de aralém. E foram os inseticidas e o aralém que propiciaram o processo de
afazendamento dos pecuaristas nas terras do vale do rio Verde Grande, conforme João Vale
Maurício, citado por Costa (2005).
os inseticidas e o aralém permitiram aos nossos pecuaristas invadirem o Vale
do Rio Verde Grande, com suas terras maravilhosas, antes totalmente
proibidas pela altíssima incidência da malária. Foi assim que surgiram as
primeiras grandes fazendas, enriquecidas de exuberante pastaria do colonião.
Podemos dizer que os nossos fazendeiros desceram os cerrados e
caminharam para a riqueza dos vales (MAURÏCIO, 1995, p. 163, citado por
COSTA, 2005, p.4).
A situação social do Norte de Minas na atualidade, se apresenta com um Índice de
Desenvolvimento Humano de 0,540, inferior à do Nordeste (0,548), sendo considerada uma
das regiões mais pobres do país. As fontes para a geração de renda das comunidades
quilombolas são bastante limitadas. A maioria dos moradores são trabalhadores rurais pagos
pelo sistema de diárias, por fazendeiros, contudo, a demanda de trabalho não é constante,
assim algumas comunidades se articulam para comercializar seus produtos em feiras locais,
tendo no artesanato uma fonte de renda.
Essas dificuldades levam à migração sazonal entre os moradores, que se dirigem para
São Paulo e Paraná, dedicando ao trabalho na colheita de café e o corte de cana. Essa
migração na busca de trabalho costuma durar seis, sete meses, fazendo com que diversas
comunidades ficam basicamente com a população de crianças, mulheres e idosos durante
metade do ano. Outro fator ligado a essa situação de sazonalidade, é que a população feminina
jovem das comunidades, usualmente migra para centros urbanos em busca de trabalho
doméstico e muitas não retornam. Todos esses fatores provocam a perda dos vínculos
39
Superintendência de Campanha de Saúde Pública
63
familiares e culturais, acarretando em muitas ocasiões a falta de transmissão dos saberes
tradicionais, o que pode causar a “extinção” dessas práticas.
Muitas comunidades quilombolas norte mineiras, vivem quase que somente da
subsistência e da prática do escambo de produtos produzidos nas comunidades, todavia a
aposentadoria rural e a bolsa família são a segurança de renda para essas populações.
Quanto ao reconhecimento regional desses grupos, as populações tradicionais no
Norte de Minas são denominadas de formas distintas, dependendo do bioma da região,
variando a denominação de acordo com o bioma em que estão inseridos no cerrado ou na
caatinga. São conhecidos como geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, chapadeiros e
ribeirinhos. Os que vivem nas chapadas da margem esquerda do São Francisco são
conhecidos como chapadeiros. Os veredeiros e os campineiros localizam-se na margem
direita. Já os que vivem nos vales do rio Verde Grande e do Gurutuba, são denominados
geraizeiros e caatingueiros. Os que vivem nos sopés da serra do Espinhaço, na região da Serra
Geral, são também chamados de caatingueiros. Os barranqueiros vivem nas margens do rio
São Francisco.
Já são 153 comunidades identificadas na região, passando assim a ser considerada a
região com maior número de comunidades quilombolas, através de levantamento feito até
2007. Santos e Camargo (2008) reiteram que foram encontrados dois grandes campos negros:
um na região do rio Gurutuba, com cerca de 30 comunidades, e outro na região da Jaíba. 40 A
área foi denominada como Território Negro da Jahyba (Costa, 2001) e tem sido largamente
utilizada pelo movimento social regional e estadual, como expressão histórica e simbólica da
resistência negra em Minas Gerais. A ampla ocupação negra do vale do rio Verde Grande
pode atestar os pedidos de reconhecimento como remanescentes de quilombos feitos por 62
comunidades rurais negras situadas no interior do referido vale.
Até o momento, apenas a comunidade Brejo dos Crioulos recebeu o título de
reconhecimento, o que trouxe uma série de benefícios a essa população. Este acontecimento
se deu no ano de 1998 e começou a ser difundido entre as comunidades negras rurais do
Território Negro da Jahyba.
40
Jaíba é um município do estado de Minas Gerais. Sua população estimada em 2008 era de 31.758 habitantes .
Jaíba limita a norte com os municípios de Matias Cardoso e Gameleiras, a oeste com Itacarambi, a leste com
Pai Pedro e a sul com Varzelândia, Verdelândia e Janaúba.
64
Segundo Costa (2005) somente no final dos anos 1990, as famílias de Brejo dos
Crioulos encaminharam solicitação à Fundação Palmares e ao Ministério Público Federal em
Belo Horizonte, tanto para o reconhecimento como comunidade remanescente de quilombos,
quanto à regularização fundiária. A partir dessa ação, o Território Negro da Jahyba começou
a ser visibilizado e a história regional a ser reescrita ao reconhecer o papel crucial dos negros
na constituição da sociedade regional. Dessa forma, Brejo dos Crioulos apresenta-se no
cenário do Território Negro da Jahyba como a “locomotiva” que deu partida ao processo de
territorialização étnica ao posicionar-se para conquistar os direitos advindos do Art. 68 dos
ADCT.
A comunidade quilombola Agreste: formação e características básicas
A comunidade quilombola Agreste (FIG. 5) está localizada no interior do vale do rio
Verde Grande, que corta a região norte mineira no sentido sul/norte desde Montes Claros, até
a divisa com a Bahia. É um povoado do município de São João da Ponte/MG e encontra-se
situado na divisa entre o município a que pertence e o município de Capitão Enéas, à margem
direita do rio Verde Grande, a uma distância de aproximadamente cento e trinta quilômetros
de Montes Claros e quinhentos e setenta quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte.
Agreste é cercada por duas grandes fazendas, como indicado no Croqui (FIG. 8),
dedicadas à pecuária extensiva. A comunidade possui uma única escola municipal de ensino
fundamental41 (FIG. 6), que foi recentemente construída em novo local; um posto de saúde
dotado de poucos recursos para apoio às ações do Programa de Saúde da Família; 5 casas
comerciais, sendo uma mercearia e 4 vendas. A comunidade se fixou ao redor de uma igreja,
como é característico nas formações das comunidades rurais. A formação arquitetônica do
povoado é relativamente simples com casas antigas feitas de adobe e telha comum, contudo
há casas mais modernas feitas de tijolos e telhas do tipo francesa, colonial ou amianto.
Em Agreste, também são realizados cultos evangélicos, que acontecem em uma casa
de um membro vinculado à Congregação Cristã do Brasil, contudo o evangelismo é recente na
comunidade. Há um cemitério (FIG. 7), embora nas fazendas existam sepulturas que
demarcam a territorialidade negra das mesmas. Conforme O‟Dwyer (2002), tão importante
quanto o culto aos santos é o culto aos mortos, o culto aos antepassados que faz dos
cemitérios um lugar sagrado, o lugar onde as cruzes marcam seus assentamentos. “(...) A
crença fundamental é de que os mortos, depois de uma passagem, se transformam em
41
Escola Municipal Versol de Oliveira Lima.
65
espíritos, identidades sobrenaturais que devem ser cuidadas pelos vivos. Cabem a seus
descendentes diretos esses cuidados” (O‟DWYER, 2002, p. 20).
Em Agreste, existe energia elétrica e abastecimento de água a partir de poço
artesiano, abertos em cada uma das habitações da localidade, assim como telefones públicos,
localizados em pontos específicos. Existe também uma associação de moradores do povoado,
que tem como objetivo coordenar o processo de desenvolvimento local, mas, objetivamente,
serve apenas, para receber parcos benefícios disponibilizados pela administração municipal.
“Uma característica fundamental na visão dos moradores é o esquecimento a que Agreste está
relegada” (COSTA, 2008, p. 4).
FIGURA 5 – Mapa da localização Estadual de Agreste.
A geração de renda das famílias se dá por meio de assalariamento de alguns de seus
membros nas diversas fazendas onde trabalham, e pela venda, esporádica, da mão-de-obra de
homens para limpeza de pastos e conserto de cercas de arame, assim como o trabalho de
mulheres para combate a formigueiros existentes nos pastos. Nos períodos em que há muito
serviço nas fazendas, normalmente na colheita de milho e na matança de formigas, todos os
dias, por volta das cinco horas, é possível ver um caminhão carregado de trabalhadores com
destinos às fazendas da região e só retorna no fim do dia.
66
FIGURA 6 – Escola Municipal Versol de Oliveira Lima e a Igreja Católica.
FIGURA 7 – Cemitério de Agreste.
67
FIGURA 8 – Croqui de Agreste cercada por fazendas.
Fonte: PNNM, 2006
Croqui de Agreste
FIGURA 9 – Croqui de Agreste.
Fonte: PNNM, 2006
68
Lista de Moradores e Localidades de Agreste
FIGURA 10 – Lista de moradores e localidades de Agreste, de acordo com o Croqui da FIG. 17.
Fonte: PNNM, 2006.
69
A diminuta extensão de cada área familiar impede a produção de recursos essenciais
à reprodução de suas vidas materiais, como lenha, peixes e trabalho. Assim, o trabalho
assalariado e esporádico nas fazendas, se tornou a fonte de renda de grande parte dos
moradores da comunidade.
Processo de formação
Agreste teve o início de sua formação em fins do século XIX, quando um grupo de
irmãos vindos da região de Catuni42, antiga São Gonçalo do Gurutuba, no alto curso do rio de
Gurutuba, se fixaram em diversas áreas, mas próximos um dos outros, como enfatiza Neri
(2008). Aos poucos as relações com outros moradores das localidades vizinhas foram se
fixando, notadamente, os de Vereda Viana e por meio de relações de casamento e compadrio
foram instituindo a comunidade de Guandu, que foi o primeiro nome da localidade.
Dessa forma, o processo de ocupação territorial de Agreste se deu seguindo um
padrão no qual membros de uma família dispersados por uma ampla área, buscam através do
casamento virilocal, requerer do noivo o estabelecimento do mundus familiar pela apropriação
da terra e pela transformação da natureza em um sítio familiar43. Este processo favorece um
tipo de interação social e organização de coletividades organizadas, apenas, pelos membros de
uma família que se espalhavam por diversos pontos distanciados da área, as interações sociais
propiciavam a coesão do grupo de parentes, que eram também amigos e, muitos, compadres.
O território é composto por menos de dois alqueires, ocupados por 123 famílias e 407
pessoas44 de um total de vinte alqueires doados no passado por Josefina, esposa de Filisbino
Martins de Castro, a Santo Antônio, o padroeiro da comunidade. Os moradores da
comunidade estão relacionados entre si por laços de parentesco e relatam sua procedência a
partir de cinco irmãos: Zizuíno Martins de Castro (Zuíno), Profile Martins de Castro, Maria
Martins de Castro, Filisbino Martins de Castro e Joaquim Martins de Castro (Joaquim Rio
Verde), que ocuparam aquelas terras antigamente, chamadas Gandú e onde hoje moram seus
descendentes. Essa irmandade, que compunha o povo mais antigo45 dos Martins de Castro,
corresponde a um grupo de irmãos que migrou para essa localidade no século XIX.
42
Catuni: é o nome da última elevação que a Serra do Espinhaço faz antes de chegar ao Rio São Francisco, na
região norte mineira.
43
Nesse sentido, vide Woortmann (1995).
44
Dados do censo realizado por Renato Aquino Neri, durante trabalho de campo realizado pelo PNNM, entre os
anos 2006 e 2008.
45
Povo mais antigo é uma categoria social local que se refere aos primeiros moradores.
70
Atualmente, Agreste é constituído por três troncos familiares bem definidos:
Rodrigues Barbosa, Nunes dos Santos e Fernandes de Souza, todos originários do tronco
ancestral Martins de Castro. Esses troncos se decompõem em oito grupos domésticos –
Rodrigues Barbosa, Nunes dos Santos, Fernandes de Souza, Martins de Souza, Martins dos
Anjos, Mendes Pereira, Gonçalves Martins e Santos.
Com a fixação dos agrestinos na terra de santo 46, dada a exigüidade do território,
começaram a surgir os primeiros grupos domésticos que iriam influenciar e moldar uma nova
estrutura de parentesco com a ampliação das redes de solidariedade e das relações de troca
para viabilizar a reprodução material e social do grupo. Maiores informações sobre esse
processo em Neri (2008).
Processo de reconhecimento da comunidade
O processo de reconhecimento da comunidade está em andamento juntamente com o
processo de Vereda Viana. Contudo, quanto aos esforços para conseguir o reconhecimento
dos seus direitos, Agreste se posiciona distintamente de Brejo dos Crioulos, que lutou contra
as adversidades locais para viver com dignidade, autonomia e liberdade em seu próprio
território.
Devido à relação de subordinação e dependência criada pelos fazendeiros, os
membros dessa comunidade negra rural não conseguem se perceber livres do “trabalho”
disponibilizado pelos fazendeiros. A dependência e subordinação, entretanto, não é apenas
material, ela é simbólica e de consciência, como afirmado por um de seus moradores. “A
maioria está com o pensamento muito do próprio fazendeiro, mas nunca que está sossegado.
Porque sossegado é aquele que é dono do seu nariz” (MORADOR, citado por COSTA, 2008,
p. 11). Como afirma Costa (2008), a aceitação da dominação, da submissão e da dependência
vincula-se ao medo de perderem a possibilidade de reprodução material, viabilizada pelo
assalariamento, desarticulando a possibilidade de posicionamento pela conquista do direito
fundiário, disposto no Art. 68.
Bernardo M. Oliveira (2007), um dos participantes do PNNM, ao realizar estudo
sobre as representações étnicas em Agreste, evidencia que a representação do ser quilombola
na comunidade não possui o mesmo conteúdo que em Brejo dos Crioulos. Para os agrestinos,
as imagens sobre quilombolas vinculavam-nos a desordeiros, preguiçosos e negros rebeldes.
Como se posicionam como um grupo sossegado e trabalhador, não era possível assumir tal
46
Terras doadas no passado a Santo Antônio o padroeiro da comunidade
71
representação. Entretanto, durante o seu trabalho de campo, Oliveira (2007) percebeu que a
Associação de Brejo dos Crioulos enviou para Agreste um número significativo de cestas
básicas, que recebeu além da demanda local. Enquanto as cestas foram distribuídas, o
presidente da Associação de Brejo dos Crioulos informava aos moradores a vantagem de ser
quilombola reconhecido pelo governo federal. A partir daí, o termo quilombola começou a ter
outra conotação em Agreste, seria, então, vantajoso ser reconhecido como tal.
Ainda de acordo com Oliveira (2007), os moradores de Agreste passaram a elaborar
a identificação “ser quilombola” tendo em vista a conquista de benefícios e, devido ao
utilitarismo presente, fragmentos culturais foram articulados como estratégia política na
marcação da identificação da coletividade. Mas, o ser quilombola em Agreste encontra-se
esvaziado de qualquer conteúdo conflituoso de regularização fundiária, uma vez que, apenas
pretendem estender ao governo federal a dependência e a submissão já vivenciada frente aos
fazendeiros que os circundam e os mantêm submetidos à sua dominação. Todavia,
independentemente das circunstâncias e dos motivos que levaram à incorporação dessa
identidade, hoje a comunidade de Agreste se auto-identifica como quilombola, sendo aqui
reconhecida e tratada com tal.
72
CAPÍTULO 3
A Folia de Reis: a crença, a reza e a festa
Crer, Rezar, Festar, Dançar
(BRANDÃO, 1985)
A Folia de Reis é uma forte expressão da cultura e religiosidade católico-popular
brasileira que ocorre em várias regiões do país, principalmente nos estados do Nordeste, em
Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, entre outros, sendo “a
viagem ritual mais difundida no Brasil e a mais rica de ritos e crenças próprias” (BRANDÃO,
1985, p. 138). Para Brandão (1985), a Folia de Reis é um ritual do catolicismo popular que
desde muitos anos tornou-se predominantemente rural e se fez em povoados, sítios e fazendas.
“O catolicismo popular rural é entendido como um sistema religioso da comunidade
camponesa e por isso uma religião de reprodução da prática religiosa e evitação da palavra
profética” (BRANDÃO, 1986, p. 139), ou seja, o padre não interfere na dívida do devoto com
o padroeiro. O mundo simbólico desse sistema religioso se divide, portanto, em “este mundo”
- o mundo dos humanos, e o “outro mundo” – o mundo dos seres celestiais, sendo ambos
regidos pelas mesmas regras e normas de troca.
Não pretendo aqui aprofundar-me no mérito da questão sobre o conceito de
catolicismo popular, pois abarca uma discussão ampla que é motivo de divergências entre
vários autores, todavia proponho algumas reflexões para um maior esclarecimento acerca do
tema.
Assim sendo, cito Thales de Azevedo (1966), que em sua tipologia divide os
católicos da seguinte maneira: os católicos formais, ou seja, aquelas que praticam o
catolicismo; os católicos tradicionais: aqueles que se dizem católicos, mas não praticam nem
conhecem o essencial do catolicismo oficial; os católicos culturais: aceitam elementos do
catolicismo não pelo seu valor religioso, mas como parte da cultura em vigor e, finalmente, os
católicos populares, vinculados às comunidades das zonas rurais tradicionais, despojado de
conteúdo dogmático e moral.
“essa religiosidade (católico-popular) relaciona-se mais com a estrutura da
comunidade local do que com a sociedade nacional e é relativamente
independente da Igreja formal. Também é certo que, muitas vezes, o culto do
santo da devoção do indivíduo é mais importante do que o do padroeiro da
comunidade” (AZEVEDO, 1966, p. 184).
73
O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira (1997) sugere uma definição de catolicismo
popular mais ampla, como descreve: “Podemos então definir o catolicismo popular como um
conjunto de representações e práticas religiosas autoproduzidas pelas classes subalternas,
usando o código do catolicismo oficial” (OLIVEIRA, 1997, p.47).
Segundo Simone G. de Oliveira (1976), citada por Silva (2006), o elemento central
do catolicismo popular é o santo. Para a autora, o santo está presente na sua imagem, mas não
se identifica com ela. É como se a imagem tivesse vida: o devoto conversa com ela, oferecelhe flores e velas, enfeita-a, visita-a no santuário, leva-a em procissão e romaria; mas pode
também vir a ser punida pelo mesmo devoto, quando este se vê desfavorecido pelo santo.
Dessa forma, é em torno da imagem que se organiza o culto popular,
O culto aos santos organiza-se através de lideranças leigas, sendo esporádica a
intervenção de sacerdotes, assim, segundo Oliveira (1977), pode-se descrever o catolicismo
popular como uma religião de grande quantidade de reza, com pouca missa; e, ainda, muito
santo e pequena presença do padre.
Quanto à origem da Folia de Reis ser principalmente no meio rural, Brandão (1985)
afirma que mesmo pela inexistência de um corpo de especialistas (padres, bispos, etc.) da
Igreja Católica, os habitantes do meio rural não deixaram de praticar seus atos religiosos e
homenagear seus santos.
Longe das cidades, nas imensas e despovoadas áreas dos sertões do país,
comunidades de camponeses e pequenas confrarias de grupos rituais cultuam
os seus padroeiros e uma pequena multidão de santos de preceito. Sem a
necessidade da presença de sacerdotes oficias, fazem os seus cultos e, entre
os seus especialistas do sagrado, distribuem quase todo o trabalho religioso
de que nutrem a vida, a fé e os sonhos (BRANDÃO, 1985, p. 134).
A Folia de Reis constitui-se de grupos de devotos dos Três Reis Magos, que durante
o período entre 24 de Dezembro a 6 de Janeiro, fazem visitações nas casas, onde realizam
louvações cantando ao Menino Jesus e aos Reis Magos, chamados Baltazar, Belchior (ou
Melchior) e Gaspar.
Porto (1982) afirma que as folias talvez tenham suas origens nas “Jornadas de
Pastorinhas”:
[...] eram meninas-moças que, no período litúrgico do Natal, percorriam as
casas das famílias citadinas, pedindo esmolas para as finalidades
assistenciais. Usavam-se graciosamente da música instrumental e vocal para
pedir os donativos e para agradecê-los. As “Companhias de Reis”
inicialmente eram uma revivescência, no campo, daquilo que as pastorinhas
faziam nas cidades. Com o passar do tempo, o povo foi criando os ritos, que
74
até hoje são observados com fidelidade. Enquanto que havia criatividade no
tocante às letras, eram religiosamente conservadas as melodias, sem dúvida
originárias do cancioneiro religioso do catolicismo ibérico (PORTO, 1982,
p. 14).
Para alguns pesquisadores, a tradição da Folia de Reis teria chegado ao Brasil por
intermédio dos portugueses no período da colonização, uma vez que essa manifestação
cultural era realizada por toda a Península Ibérica. Era comum a doação e recebimento de
presentes a partir da entoação de cantos e danças nas residências. A Folia fixou-se em terras
brasileiras no século XVI, por meio dos Jesuítas, como crença divina para catequizar os índios
e posteriormente os negros escravos. Assim, a Folia de Reis brasileira passou a ser composta
pelas manifestações culturais de diversas etnias e povos, com variações regionais, seja quanto
ao estilo, ao ritmo e ao som, entretanto, mantendo a mesma crença e devoção ao Menino Jesus
e aos Três Reis Magos.
Nessa mesma linha teórica, Brandão (1985) confirma que há indícios de que esse
culto popular à figura dos “Três Reis do Oriente” é quase tão antigo quanto o dos padroeiros
dos primeiros conquistadores.
Os missionários jesuítas costumavam catequizar os índios com o recurso de
autos e dramas litúrgicos, que faziam traduzir inclusive para a “língua geral”,
falada em quase toda colônia. De novo e com a liberdade que os interesses
da empresa conversionista torna necessária, índios e brancos e mais os
negros escravos tempos depois, cantam, representam e dançam durante as
festas, dentro das igrejas e nas procissões (BRANDÃO, 1985, p.143).
Brandão (1985) enfatiza também que:
O cerimonial de recepção a pessoas ilustres, quando elas visitam as reduções
indígenas dos missionários, possui procissões e cantos com dança. O teatro
litúrgico e catequético de José de Anchieta inclui seqüencias muito
semelhantes às dos momentos de chagada das Folias de Reis nas casas de
camponeses do interior do Brasil, hoje. Com a passagem dos anos de
conquista colonizadora para os do franco estabelecimento da empresa
colonialista, os rituais de catequese de índios misturam-se com os que os
habitantes brancos, mulatos e negros das cidades e dos sertões incorporam
aos seus festejos a santos padroeiros. Danças costumeiras, de que as folias
portuguesas seriam um possível exemplo, aparecem incorporadas às
dramatizações litúrgicas feitas com a presença do clero, no interior das
igrejas coloniais: nos ciclos do Natal e da Páscoa, em festas como as de
Corpus Christi e Pentecostes, nos festejos populares aos padroeiros de
cidades, corporações de profissionais e grupos étnicos e sociais [...] este é o
caminho pelo qual, pelas mãos dos missionários jesuítas, a Folia penetrou na
Colônia (BRANDÃO, 1985, p. 143 – 144).
75
O termo Folia designa uma celebração ou ritual da religiosidade popular, mais
precisamente do denominado catolicismo popular. Contudo, o termo tem variações conforme
a região, como explica Porto (1982). No Sul, são chamados Ternos de Reis, Pastorais do
Senhor Menino ou Folias de Reisadas. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, as folias são
mais diversificadas, tanto em número de pessoas quanto em variações, havendo lugares onde
se leva a bandeira. No Nordeste, predominam os ranchos Bois de Reis, Reisadas, Pastoris e
Bailes Pastoris, sem caráter necessariamente religioso, que dançam de praça em praça e nos
salões. No Sul de Minas e em Santa Catarina, a festa se chama Terno de Reis. No Rio Grande
do Sul, Companhia de Reis.
Nas afirmações de Brandão (1985), houve um tempo em que por toda parte, no
Brasil, se dançava e cantava alegremente dentro dos templos, diante dos altares cristãos, onde
padres e freiras davam as mãos ao que, à época, se nomeava como “o populacho” e todos
cantavam e dançavam dentro da igreja. Em parte, por isso, provavelmente ritos coletivos
depois expulsos para as ruas e para a roça são chamados “Folia” e os seus devotos, “foliões”
(BRANDÃO, 1985, p. 139).
O termo dominante no sudeste brasileiro é Folia de Reis, como assinala Reyli (2002),
mas alguns foliões preferem o termo Companhia de Reis. Ainda há certa tendência dos foliões
de chamar Folia de Reis quando eles estão se referindo à tradição genericamente, enquanto o
termo Companhia de Reis é usado quando eles se referem a um grupo particular. No norte de
Minas Gerais, a folia, que pode ser dedicada a diferentes santos (tais como Santa Luzia,
Santos Reis, São Sebastião, Bom Jesus, São José, entre outros) é performada por um conjunto
de tocadores, no caso os foliões, reunidos em grupo ou terno, que durante determinado
período circula por um território (giro)47, visitando as casas dos devotos, distribuindo bênçãos
a seus moradores em troca de ofertas para a festa do santo.
A Folia de Reis possui variações quanto a sua formação e características, contendo
aspectos próprios em cada localidade, contudo alguns personagens são comuns e
fundamentais para a compreensão da manifestação. Segundo Porto (1982), os componentes da
Folia de Reis geralmente se dividem em três grupos: o bandeireiro, o palhaço e o coro. Cada
um dos grupos possui seu significado e sua função no contexto da manifestação. A
personagem do bandeireiro tem a função de carregar respeitosamente a Bandeira,
apresentando-a ao chefe da casa onde a folia acaba de chegar, e receber os donativos
oferecidos pela família. As Bandeiras se constituem como o elemento sagrado da Folia e
47
O giro consiste na Jornada, ou na Viagem, que significa a caminhada que os foliões fazem percorrendo e
cantando de casa em casa. Na linguagem dos foliões, a folia não caminha, ela gira.
76
assim são tratadas, na medida em que os moradores das casas visitadas beijam-nas
demonstrando respeito e devoção. Conforme Brandão (1977), durante todo o tempo em que a
Folia está no pouso, a Bandeira dos Três Reis Santos é colocada na parede, sobre o altar, com
as fitas coloridas pendendo sobre ela. É comum que as pessoas beijem as fitas da Bandeira
quando a Folia chega a uma residência, quando a oração do terço termina ou quando a Folia
vai se retirar do pouso. A Bandeira é feita de pano brilhante e nela é colada uma estampa dos
Reis Magos.
Além da Bandeira, a Toalha é um apresto presente e importante nos grupos de folia,
sendo usada por todos os seus membros. São sempre brancas e, na maioria das vezes, trazem
bordadas inscrições alusivas à devoção. Usam-na dobrada em quatro (no comprimento). Por
ser também um símbolo sagrado, não pode ser utilizada de qualquer forma.
As figuras dos Palhaços, que geralmente são dois, são os puxadores das duas alas da
folia, trata-se de irmãos (simbolicamente) e têm obrigações e proibições específicas, como
jamais dançar diante da Bandeira, entre outras. Segundo Porto (1982), os palhaços são
denominados também marungos, alferes e, sobretudo, bastião, corruptela de bastão, objeto
geralmente usado por eles para as suas evoluções e acrobacias. Nas Folias, os palhaços são os
responsáveis pelos momentos lúdicos, quando assustam as crianças e divertem os adultos com
seus versos irreverentes e críticos. Ao fim da recitação das profecias, os palhaços,
acompanhados dos instrumentos musicais, iniciam sua performance com o recitativo das
chulas48, e suas danças acrobáticas.
Quanto ao Coro, Porto (1982) considera que esse é constituído quase sempre por seis
pessoas, cada uma com o seu nome especificado. Os membros do coro podem, ou não, ser os
tocadores dos instrumentos que acompanham o canto. O mais comum é serem, ao mesmo
tempo, cantores e instrumentistas. Entre essas peças que formam o coro da Folia, temos a
figura do Mestre, que é o personagem mais importante da folia, sendo o organizador. É o
Mestre que estabelece o trajeto e horários, tipos de enfeites dos instrumentos, enfim prepara e
coordena todos os movimentos da Folia. É conhecido também como Embaixador e uma das
suas importantes tarefas é improvisar os versos a serem cantados. Os demais membros de uma
Companhia, na ótica de Porto (1982), são: o Contramestre, que é chamado também de
Respondedor, tendo a função de comandar o coro e corresponde à 2ª voz; o Contrato, que faz
o dueto com a 2ª voz, é chamado de Ajudante de Respondedor; o Tipe, que faz a 3ª voz; o
48
Segundo Cascudo (1962), trata-se de “canto e dança quase desaparecidos no Brasil”, uma “espécie de lundu
ou baião, sensual, sempre cheia de pimenta verbal e paixão comprimida, no ritmo de dois por quatro.
Acompanhava-se a violão. (...) A dança ainda era popular em meados do séulo XIX no Rio de Janeiro” sendo
“igualmente conhecida em Portugal” (1962: 210).
77
Contratipe, que equivale ao tenor; e a Requinta ou Turina, considerada a voz mais
característica de uma folia, sendo cantada em resposta ao último verso de uma estrofe49.
Os cânticos da Folia de Reis referem-se, de modo geral, ao nascimento do Menino
Jesus e a visita dos Reis Magos. Existem basicamente três tipos de canto: o canto de chegada,
(consulta ao dono, entrega da bandeira ao mesmo e entronização da bandeira); de louvação
(pedindo licença para entrar, louvação aos moradores, pedido de esmolas e agradecimento) e
o canto de saída, ou de agradecimento seguido da festa de encerramento – baile e entrega da
Bandeira. Durante a cantoria os foliões se alternam em cantar versos enfatizando as
promessas feitas e confirmando a eficácia do devoto no cumprimento de seu voto. A música é
repetida por várias vezes durante os dias da jornada. Há casos em que ela é considerada como
típica daquela companhia e varia somente diante da adoração do presépio.
Quanto ao ciclo de visitações, denominadas também como giro ou jornada, consiste
basicamente na saída de determinada casa “pouso de saída”, visitações e pedidos de esmolas
em inúmeras casas e a chegada a casa onde se encerra o ciclo “pouso ou casa da entrega”
(IKEDA, 1994, p. 169).
Tomando como base essas referências conceituais acerca da Folia de Reis, este
capítulo traz na seqüência uma descrição etnográfica do ritual no contexto da comunidade
Agreste (sendo realizada uma análise de seus aspectos estruturais das músicas no próximo
capítulo); em seguida apresento o contexto sociocultural da representação da Folia.
O Ritual em Agreste
A Folia de Reis em Agreste pode ser considerada como um fenômeno cultural amplo
e complexo, possuindo características temporais e espaciais peculiares que a distinguem de
outras folias regionais que tive a oportunidade de pesquisar. Os dados aqui apresentados são
baseados na observação direta, o que possibilitou uma etnografia da manifestação, realizada
no dia 20 de Janeiro de 2009.
Nesse contexto, a Folia de Reis é chamada por alguns moradores como a Folia de
Seu Lero, apelido de Aureliano R. Soares, que é o mestre da folia e também organizador,
juntamente com seus familiares, fazendo o papel do festeiro. Seu Lero é o patriarca de uma
família de dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, sendo que apenas um filho, o Ângelo
Márcio G., mora em Agreste. Contudo, na época da folia, outros filhos retornam para
participar. Seu Lero é dono de uma venda que subdivide um dos cômodos de sua casa, sendo
49
A análise dessas vozes na Folia de Reis de Agreste está no próximo capítulo.
78
um dos poucos pontos de comércio na comunidade. Toda a família ajuda na organização da
folia, montando a Lapinha, providenciando o lanche, o almoço e o churrasco que é feito no
final da noite.
De modo geral, a liderança da folia se dá a partir da figura do Embaixador, que
geralmente é o membro organizador e que tem maior experiência e conhecimentos sobre a
prática dessa manifestação. São chamados também de Mestre, Capitão ou Guia e em alguns
casos esses Mestres são os mantenedores das tradições, como lembra Brandão (1977). Esse
pode ser o caso de Agreste, em que Seu Lero tem papel fundamental. A manifestação é
realizada sempre na casa do festeiro (FIG. 1), no dia vinte de Janeiro, dia de São Sebastião,
padroeiro de Seu Lero.
FIGURA 1 – A casa de Seu Lero. Local onde é realizada a Folia de Reis.
Antes da folia, realizei entrevistas50 semi-estruturadas com Seu Lero e o folião
chamado Toni. Ambos me forneceram informações relevantes sobre os vários aspectos
relacionados às músicas que compõem o ritual na comunidade.
Quando perguntado sobre o início da Folia na comunidade Seu Lero afirma:
50
Entrevistas em anexo.
79
Comecei quando eu morava na Vereda a partir de 1973 quando eu mudei
pra cá. Essa reza que eu faço é finalizando a folia. Eu fiz uma promessa,
eles até dançava lá (em Vereda Viana, comunidade vizinha), mas eu não
gostei e cortei, veio os foliões do Agreste. Versol me colocou na folia dele e
continuamos, quando ele faleceu entrou o Luisim, que era Folião dele,
tomou conta do terno de Folia e eu acompanhei durante o tempo que ele
teve aqui. Depois ele foi pra Jaiba, entrou pra outra Igreja e então pra não
acabar eu tomei frente, pedi ele as cópia do canto e fui estudando e decorei
os cantos e continuei muito tempo até os folião companheiro deu pra
bagunçar, beber muito, sair fora do ritmo, eu ia aconselhava eles e eles
brigavam comigo (SEU LERO, 2009).51
Essa folia organizada por Seu Lero, então, acontece desde 1973. Contudo, nos
depoimentos orais obtidos através de entrevistas com outros foliões, como Zé Nunes, 78 anos,
que é um dos mais antigos, a folia já existe há mais de 100 anos. Quando pergunto sobre ele
ser um dos foliões mais antigos ele responde:
De ajudante já sou bem velho né? Porque quando eu nasci, quando eu tava
criando, tinha um Terno que era do meu avô Filisbino, depois o outro terno
e o folião chamava Joaquim de Souza, que era tio de minha muié, depois
entrou o Versol, que era residente daqui, e eu, depois de Versol pra cá eu
fuliei toda vida, uns 20 anos (ZÉ NUNES, 2009).52
A data da folia na comunidade segue uma prática comum em muitas comunidades
que rezam para São Sebastião. Segundo alguns autores, a partir do dia 6 de janeiro, a Folia de
Reis se transforma em Folia de São Sebastião, cantando a vida e morte do santo mártir, na
qual os foliões usam as mesmas roupagens da Folia. O grupo acrescenta, ainda, um figurante,
que representa São Sebastião, em seus trajes de soldado romano, ou acrescentam a imagem do
Santo nas toalhas e também na Bandeira. Assim, o ciclo natalino da Folia de Reis se prolonga
até 20 de Janeiro. Em Agreste, a folia é tida como de Santos Reis e os foliões não usam a
vestimenta característica desta Folia, como a toalha por exemplo. Segundo Seu Lero, eles
usam a roupa que tiver no corpo. A Bandeira também não é utilizada no ritual: Num declaro
isso não, eu rezo um Terço para cada Santo, mas nunca usei carregar Bandeira (SEU LERO,
2009). Na Folia de Reis da comunidade são cantados, além do canto de saudação ao Oratório,
o canto a São Sebastião e o hino a Nossa Senhora Aparecida.
Os preparativos para a folia começam logo pela manhã, bem cedo. Márcio, filho de
Seu Lero, solta foguetes no quintal da casa indicando o dia Santo. Enquanto isso, a esposa de
Seu Lero, assim como sua nora, preparam a Lapinha, ou Oratório (FIG. 2 e 3) como é
chamado por eles. Ela é montada na sala, ornamentada com as imagens dos Santos Reis, São
51
52
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
80
Sebastião e Nossa Senhora Aparecida. Flores e uma iluminação a base de pequenas lâmpadas
coloridas também fazem parte do enfeite. Na parede ficam colocados os quadros com as
imagens dos Santos referidos.
FIGURA 2 – O Oratório com as imagens dos Três Reis Magos, São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida.
FIGURA 3 – Sala da casa de Seu Lero, onde é montado o Oratório para realização da Folia.
81
Apesar da participação dos filhos na organização da folia, Seu Lero afirma que não
há vontade por parte deles de continuar a tradição: Ninguém quer não, não vou falar mal dos
outros, nem meus filhos quis, então não adianta, o melhor das cartas é não jogar né? Então
ninguém quer (SEU LERO, 2009).53
Quando lhe pergunto por que acredita que a tradição está acabando, ele responde:
Uns faleceram, Versol e Francisco, os que tão aqui parou tudo...é falta de fé
né? O folião hoje muda muito, esse negócio de Igreja, lei, muda muito, uns
vão na Igreja, outros deixa de ir na Igreja, cada um faz o que quer. Mas o
folião aqui ta acabando...tá, tá acabando, pode dizer que ta acabando...eu
mesmo não vou correr aqui atrás de quem não quer mais não, tô ficando véi
da batalha e não tem outro que serve, então ta terminando (SEU LERO,
2009).54
Apesar dessa opinião, Seu Lero acredita que a tradição da folia deve permanecer,
afirmando que: “Eu achei no mundo, aqui eu deixo, não foi eu que plantei, foi os Três Reis
Magos né? Os primeiros que foram visitar Jesus, então acho que não deveria acabar não,
continuar, como eu já dei muita tradição pra muitos ai” (SEU LERO, 2009).
Em relação à tradição, discuto o conceito elaborado por Shils (1981). De acordo com
Shils (1981), a definição de tradição é muito ampla e responde bem ao problema da cultura
rural tradicional, que é o caso de Agreste, versus cultura moderna urbana não tradicional,
ambas construídas de complexas tradições. Contudo, essa complexidade difere em relação ao
seu tipo. Conforme Shils (1981), tradição é uma traditum, qualquer coisa a qual é transmitida
ou trazida do passado para o presente, tendo sido criada através das ações humanas, do
pensamento ou imaginação e é passada de uma geração para a próxima. Essa definição inclui
a substância a qual está sendo transmitida e o processo de transmissão. Essa substância a que
ele se refere significa todos os padrões conquistados pela mente humana, todos os padrões de
crença ou modos de pensar, todos os padrões de relações sociais conquistados, todas as
práticas técnicas e todos os artefatos físicos ou objetos naturais que são suscetíveis de
tornarem-se objetos de transmissão. Cada um é capaz de tornar-se uma tradição, formando o
que ele chama de “catálogo completo da cultura humana”. A elaboração desse catálogo em
detalhes, a enumeração e descrição das classes de entidades, as quais formam a substância da
tradição e suas qualidades, fazem parte do trabalho do etnógrafo.
Para Shils (1981):
53
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
54
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
82
Esses dois elementos – a substância e o processo de transmissão, os quais
formam a definição mínima – devemos agregar o valor que a sociedade
atribui à tradição. Tradição é sempre considerada autorizada, normativa ou
prescritiva, ademais, tem de ser consenso na sociedade neste ponto. (SHILS,
1981, p. 115, tradução minha)55.
Seguindo esta perspectiva, a compreensão dos processos de transmissão é condição
essencial para a compreensão da própria cultura, da tradição e sua manutenção. Assim,
fazendo um paralelo com a etnomusicologia, a transmissão musical é abordada como um dos
aspectos fundamentais para a compreensão da dinâmica do fenômeno musical, em que
significados e valores são representações socialmente construídas, criando as bases nas quais
a prática musical é forjada, bem como suas mudanças e permanências.
Retomando a descrição do ritual, enquanto a família fica responsável pela preparação
do local e do lanche, Seu Lero se encarrega de preparar os instrumentos, afinando as violas,
limpando e arrumando no sofá da sala. A folia não tem hora certa para começar. Quando
perguntado sobre o horário Seu Lero é enfático:
Não tem escolha, o ano passado nós rezamos de dia, três horas da tarde, nós
terminamos a noite, no ano atrasado, nós amanhecemos o dia, veio meus
parente de Sete Lagoas, meu filho de Montes Claros e nós amanhecemos o
dia, quando tem folião nós amanhece o dia, quando não tem termina cedo,
reza de dia e termina de dia mesmo (SEU LERO, 2009).
Com essa afirmação, ele deixa claro que a folia varia de horário, como também de
formação, pois não aparecendo os foliões a manifestação termina mais cedo. De fato, durante
a pesquisa, percebi que a terno não possui formação pré-estabelecida, pois a maioria dos
foliões participantes vem de comunidades vizinhas, chegando às vezes no mesmo dia. Dessa
forma, o ensaio e a divisão dos instrumentos dependem dessa condição.
Sobre o ensaio Seu Lero afirma que:
De primeiro tinha [...] Nós saia pra folia e cantava três dias na vizinhança,
dava o manifesto no dia 24 pra 25, parava, no dia primeiro de Janeiro nós
entrava cantando, tirando esmola. Até na Vereda nós foi na folia. Até o
dinheiro que tirava ganhava de esmola. Frango, tudo, não tinha dinheiro
dava um frango, e dava uma festa no dia 6. Ia de casa em casa. Pra mim
acabou-se. Não tem assunto de folia mais não, não tem folião, mas se pintar
algum ai nós faz né? Tomara que dê certo (SEU LERO, 2009)56.
55
To these two elements,-the substance and the process of transmission, which form the minimal definition,-one
must add the value that the tradition is assigned by society. Tradition is always considered authoritative,
normative or prescriptive. Moreover, there has to be consensus in the society on that point.
56
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
83
Ainda na parte da manhã, os foliões chegaram. Uns de carona, outros de ônibus (FIG.
4), e obviamente fiquei mais aliviado, pois tinha receio de que a manifestação musical não
acontecesse. Esse ônibus foi o mesmo que peguei para chegar a Agreste e demorou quase sete
horas para percorrer pouco mais de 180 km, pois passa por várias fazendas, transportando
também mercadorias e mantimentos encomendados pelos moradores locais.
FIGURA 4 – Ônibus que faz o trajeto de São João da Ponte a Agreste.
Por volta das 13h, após um almoço cedido pela esposa do festeiro, os foliões iniciam
a afinação dos instrumentos e em seguida o ensaio, em que Seu Lero reforçava as letras e a
harmonia.
A folia se iniciou às 14h, momento em que os foliões se organizaram em duas filas
paralelas, de três músicos cada, em frente ao Oratório doméstico, como indicado na estrutura
a seguir (FIG. 5). O conjunto musical dos foliões era formado por: Toni, o “rabequeiro”; Seu
Lero (o mestre) na Viola; Carlim Pedroso na viola; João Ferreira, também na viola; Ernesto
na caixa de folia e José Pedroso no pandeiro. Há um violão que também foi tocado pelo
rabequeiro durante o Guaiano. Não há participação feminina nessa formação, mas, caso fosse
necessário, Seu Lero colocaria a sua nora para cantar, na falta dos foliões. Essa formação com
violas, rabeca, caixa de folia e pandeiro é característica de muitas Folias de Reis na região
norte mineira.
84
Tanto os músicos como as rezadeiras e demais participantes se aglomeram em uma
pequena sala que mede aproximadamente 9m2, sempre ajoelhando e fazendo o Sinal da Cruz
em frente ao Oratório, ao entrar. A primeira música foi um canto de saudação ao Oratório (ver
transcrição 1, cap. 4), não sendo cantado o canto de chegada, que é característico em outras
folias. O canto de Saudação à Lapinha descreve a viagem dos Três Reis e os personagens
encontrados por eles na trajetória, do início da busca até a adoração ao menino Jesus. Em
Agreste, o canto faz louvação a Maria Mãe de Jesus e ao nascimento do Nosso Salvador Jesus
Cristo. Após o canto, os foliões se acomodam no sofá para participarem das rezas. A primeira
reza foi dedicada para São Sebastião. Na sequência, foi rezado o Terço dedicado a Nossa
Senhora Aparecida.
FIGURA 5 – Estrutura espacial da Folia e os foliões em formação.
Quem comanda a reza, ficando responsável pelos terços, é a filha de Seu Lero, que
juntamente com outras participantes fazem o papel das rezadeiras. Na maioria das vezes, a
reza do terço é um pedido do dono da casa, sendo que, os foliões consideram-na como uma
das obrigações da folia e nunca se negam a fazê-la. Conforme Brandão, a reza é um dos
únicos momentos em que as mulheres têm uma atuação ritual semelhante à dos homens.
Isto acontece por dois motivos. Primeiro porque a reza do terço é
compreendida como uma forma de oração familiar onde é importante a
presença de esposas e de filhas. Em segundo lugar, porque são as mulheres
as que melhor recordam na íntegra todos os momentos da reza (BRANDÃO,
1977, p. 12).
85
Após cada reza, é realizado um canto dedicado a cada Santo. Conforme Seu Lero: “Pra
cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião, Santos Reis e Nossa Senhora
Aparecida, pra cada Santo um canto, é devoção, tradição” (SEU LERO, 2009)57. Após cada
canto, são feitas as saudações: “Viva São Sebastião, Viva Nossa Senhora Aparecida, Viva os
Três Reis Magos, Viva o dono da casa, o festeiro, as rezadeiras”.
Entre o segundo e terceiro Terço, foi feito um intervalo, em que foi servido vinho
para os adultos e sucos e biscoitos para as crianças (FIG. 6).
FIGURA 6 – O lanche servido pela filha e esposa de Seu Lero durante a Folia.
Enquanto o lanche é servido, os foliões se juntam em um quarto ao lado da sala para
afinar os instrumentos (FIG. 7). Durante o processo de afinação58, percebi que os foliões
afinavam as violas tendo como referência a afinação da rabeca, não sendo utilizado nenhum
tipo de afinador, ou outro recurso para o processo. É uma afinação de ouvido como afirmou
Toni, o rabequeiro.
Outro fator que pude observar foi o revezamento dos instrumentos entre os músicos,
principalmente entre o violeiro e o rabequeiro. Essa situação se dava pela necessidade.
Quando o rabequeiro não conhecia a melodia da música, tocava a viola para acompanhar.
Quando alguém apresentava alguma dificuldade técnica em uma determinada música, o outro
que sabia acabava tocando.
57
58
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
Sobre a instrumentação musical, afinação dos instrumentos, vozes e transcrições musicais, no capítulo 4.
86
FIGURA. 7 – Afinação dos instrumentos durante o intervalo
Às 18h23min, os foliões seguiram para a Igreja (FIG. 8), onde foi cantado o hino a
Nossa Senhora Aparecida (ver transcrição 2, cap. 4). Em Agreste, não há mais o “giro”, indo
de casa em casa, há apenas o deslocamento para a Igreja, onde são realizados os cantos frente
ao altar e o retorno para a casa, como mostra o próximo esquema (FIG. 9).
FIGURA 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora Aparecida.
FIGURA 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora Aparecida
87
FIGURA 9 – Esquema do trajeto dos foliões. Saem da casa, cantam na Igreja e
retornam a casa para continuação da Folia.
Às 18h45min, os foliões retornam para casa de seu Lero, onde é rezado o último
Terço para São Sebastião. Entre os trechos da reza, são cantadas músicas características do
folclore mineiro como Calix Bento e também são feitos pedidos pelos entes queridos, de cura,
constituindo um momento de muita emoção e choro. Após a reza, foi cantado o hino para São
Sebastião (ver transcrição 3, cap. 4). Ao término das rezas e cantos, costuma acontecer o
Leilão, o que não houve nessa data, tendo em vista que muitos participantes chegaram em
cima da hora, o que inviabilizou a organização. Com relação ao Leilão Seu Lero afirma:
É depois da reza, o ano passado ainda teve. Eu tenho um livrim com a foto
que explica, por trás (do livro) é oferecido a São Sebastião, o livrim explica
que na tradição antiga, antiga, (enfatiza a palavra antiga) o povo oferecia
porco, galinha pra São Sebastião, ele era o Santo que combatia a peste, a
guerra, a doença. É a fé que cura. Eu peguei essa promessa na Vereda
Viana e peguei com Deus, ele é um Santo muito milagroso (SEU LERO,
2009)59.
Seguindo a sequência do ritual, chega o momento de descontração da Folia, no qual
teve início o Lundu (ver transcrição 4, cap. 4) e posteriormente o Guaiano (ver transcrição 5,
cap. 4). “O Lundu (grafado também como landum, lundum, londu) designa na música
brasileira coisas distintas, que são em geral consideradas como interligadas”, como afirma
59
Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.
88
Sandroni (2001). “Ele foi primeiro o nome de uma dança popular, depois o de um gênero de
canção de salão e, finalmente, o de um tipo de canção folclórica” (SANDRONI, 2001, p. 39).
Para Mário de Andrade (1989), o Lundu é:
Canto e dança populares no Brasil durante o séc. XVIII, introduzidos
provavelmente no Brasil pelos escravos de Angola, em compasso 2/4 onde o
primeiro tempo é frequentemente sincopado. No início era dança cuja
coreografia foi descrita como tendo certa influencia espanhola pelo
alteamento dos braços e estalar dos dedos semelhante ao uso das
castanholas, tendo, no entanto, a umbigada característica. A coreografia foi
aproximada por alguns autores às do samba e do batuque. O lundu canção
foi conhecido durante o primeiro Império e, no séc. XIX, depois de ter
freqüentado os salões familiares, caiu em desuso. [...] O acompanhamento do
canto e da dança, que era feito por instrumentos de cordas dedilhadas, foi
substituído, nos salões pelo piano (ANDRADE, 1989, p. 291).
Andrade (1989) também se refere ao Lundu como uma forma característica do
folclore negro e certamente a mais generalizada.
Tinhorão (1988) salienta que a partir das composições poético-satíricas de Gregório
de Matos, houve a substituição do termo kilundu por lundus. Tinhorão também revela que os
negros se reuniam em territórios abertos, próximos da cidade, denominados quilombos, para
fins religiosos ou à procura de diversão, onde o Lundu era dançado.
O termo lundu é atualmente utilizado na tradição da Folia de Reis para designar um
dos gêneros de dança sapateada que faz parte de seu ritual religioso. Em Agreste, o Lundu foi
tocado com a mesma formação do restante da folia e acompanhado com palmas pelos
participantes e sem sapateado. Dessa forma, o Lundu da Folia de Agreste não contém em suas
características o aspecto “sensual” dos Lundus identificados no Brasil do século XVIII, como
a umbigada, por exemplo.
Após o Lundu, deram início ao Guaiano, que é uma dança composta pelo canto,
sapateado e palmas. Na Folia de Reis de Agreste, o Guaiano foi executado por apenas quatro
foliões, sendo três violas para o acompanhamento harmônico e caixa de folia. A letra do
Guaiano estudado tem caráter de entretenimento, não tendo vínculo religioso com o restante
do ritual. A dança é feita seguindo uma coreografia em forma de “S”, ou um “8”, na qual os
participantes giram entre si, cruzando e entrelaçando as duas duplas necessárias para sua
realização. Outra característica dessas canções são as emissões de dois sons extensos,
executados com a voz, ao fim de cada estrofe por dois participantes, cada qual com seu
registro. Esses sons, de registro agudo e registro grave, são chamados de requinta e baixô,
respectivamente. A requinta foi sempre cantada por Seu Lero durante o ritual.
89
É importante ressaltar que a figura do Palhaço, que é responsável pelas brincadeiras
na Folia, não existe em Agreste. De acordo com Seu Lero, nunca utilizaram esse personagem.
Quanto à faixa etária dos participantes, percebi pessoas de todas as idades, de
crianças a idosos. As crianças não participaram diretamente tocando instrumentos, contudo
estiveram presentes durante todo o ritual, aproveitando os intervalos para pegar num
instrumento e outro, demonstrando interesse em aprender.
Ao término do Guaiano, foram feitas as saudações e os instrumentos foram
guardados no quarto ao lado da sala, dando fim ao ritual. Entretanto, a festa continuou e foi
servido um churrasco, preparado pela família do festeiro. Durante e após o churrasco, que se
iniciou por volta das 23h30min, novos repertórios tomaram conta da noite, em que músicas
sertanejas de contexto midiático foram tocadas por alguns dos foliões, já no lado de fora da
sala, animando as pessoas até a madrugada.
O contexto sociocultural da representação da Folia de Reis
Para compreender essa expressão musical de forma contextualizada com os
significados e valores que a constituem é essencial procurar entender os vários aspectos que
caracterizam a manifestação em seu sistema social e cultural. “A música transcende os
aspectos estruturais e estéticos se configurando como um código estabelecido a partir do que a
própria sociedade que a realiza elege como essencial e significativo para o seu uso e a sua
função no contexto que ocupa” (QUEIROZ, 2005, p. 85).
Visando ampliar a compreensão dessa manifestação nesse contexto e entendendo a
importância dos aspectos sociais para a caracterização das práticas musicais, descrevo o
contexto social da representação da Folia de Reis em Agreste. Para esse fim, procurei me
embasar nas entrevistas e observações registradas em campo, assim como artigos e trabalhos
monográficos realizados por pesquisadores do PNNM.
É importante frisar que para a compreensão dos aspectos sociais de Agreste, assim
como seu desenvolvimento, não foi possível a utilização da ferramenta historiográfica, como
já foi descrito no primeiro capítulo deste trabalho. Assim sendo, a memória coletiva se
transforma no instrumento fundamental para o desenvolvimento da leitura dos acontecimentos
passados e consequentemente atuais desse grupo social. A memória coletiva tem sido
evidenciada em estudos e pesquisas da antropologia e outras áreas, podendo ser
compreendida, segundo O´Dwyer (2002), como sendo o mecanismo da estruturação do
processo histórico de certa comunidade ou grupo social através daquilo que está na lembrança
90
dos membros dessa comunidade ou grupo. Acionando a memória do vivido e ouvido por cada
membro de uma coletividade, é possível construir o processo histórico formando, assim, a
memória coletiva.
Outro aspecto importante em relação à memória coletiva, segundo Oliveira (2007), é
que não se pode basear nas narrativas de um único indivíduo e sim nas narrativas da maior
parte dos membros de um grupo e se possível de todos os seus membros. A memória social
pode ser compreendida como uma comunidade de memória, pois sendo coletiva ela se
encontra no conjunto das memórias dos seus membros60. A partir deste recurso metodológico
foi possível historicizar a formação da coletividade de Agreste e seu desenvolvimento social.
Agreste no “Tempo Antigo” e no “Tempo Atual”: condições de vida
De acordo com os estudos antropológicos realizados por Oliveira (2007), a
historicidade de Agreste, para seus membros, se divide em dois momentos distintos: o Tempo
Antigo e o Tempo Atual.
O Tempo Antigo, segundo os moradores, se inicia através de uma história de
deslocamento e expropriação territorial, em que diversas famílias negras
partiram de vários lugares na proximidade do atual povoado para formar o
que hoje se constitui a comunidade de Agreste. Antes deste período, algumas
dessas famílias viviam nas proximidades, outras se encontravam espalhadas
e distanciadas do território da comunidade atualmente (OLIVEIRA, 2007, p.
22 – 23).
Uma característica marcante desse período é o fato de que a terra era comum, ou em
comum, sendo o elemento central para os moradores, visto que era através dela que eles
produziam e reproduziam a vida familiar e coletiva. Nesse período, as famílias antigas
plantavam e cultivavam o que davam conta de cuidar. A roça não era muito grande e toda a
produção era somente para o necessário. Eram plantados feijão, arroz, mandioca, milho,
abóbora, cana e frutas. O hábito de caçar também era um elemento presente neste cotidiano
no intuito de permitir o acesso à proteína animal por parte dos membros do grupo. O cultivo
do algodão também era uma prática dos moradores, cujo produto era trabalhado na produção
de fios e depois tecidos em teares simples, produzindo então vestimentas utilizadas no dia-adia.
60
Neste sentido vide a tese de Borjas (1995) citado por Oliveira (2007), que trabalha com a memória de diversos
grupos que se confrontam na vida social de uma cidade goiana para narrar acontecimentos do passado dessa
coletividade.
91
Nas relações de trabalho, havia o que era chamado de troca de dia, quando em um
dia uma pessoa trabalhava para alguém e no outro este alguém é que trabalhava para aquele, o
que consistia num processo de solidariedade entre os trabalhadores. “Ainda no período do
Tempo Antigo, surgiram agrimensores que começaram a dividir as terras por solicitação de
fazendeiros da região e, posteriormente, a vender algumas glebas denominadas de ausentes
para outros fazendeiros” (OLIVEIRA, 2007, p. 24).
O período que se configura como a formação do Tempo Atual tem origem a partir de
1960. Nesse período, o governo federal decidiu fazer uma mudança geral na economia
brasileira e no caso da realidade regional havia um pensamento de que o Norte de Minas era
atrasado. Como parte da ação do governo federal, a região passou por uma transformação em
seu sistema econômico e nas relações sociais vividas. A isso foi denominado modernização
da economia brasileira (COSTA, 1999).
Neste período, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) passa a financiar o processo de mudança econômica e social da
região rumo à “modernização”. Isto ocorreu através de projetos que
permitiram, por um lado, as fazendas serem transformadas em empresas
rurais e, por outro lado, os fazendeiros da região expandir suas propriedades
realizando uma intensa concentração fundiária (OLIVEIRA, 2007, p. 25).
Esse processo é denominado como expansão da fronteira agrícola (COSTA, 1999), e
consistiu basicamente na expropriação de todo o território dos negros que viviam no interior
da mata da Jaíba durante o Tempo Antigo. Como resultado desse processo, os antigos
moradores, assim como seus descendentes que ainda vivem em Agreste, não foram capazes de
resistir às pressões de populações urbanas em busca da aquisição de terras para formarem
fazendas e usufruírem dos benefícios da SUDENE. Utilizando de diversas estratégias, aos
poucos as famílias vendem seus direitos de posse e se transferem para a Terra do Santo
Antônio.
A “aquisição” das terras foi empreendida através da compra de algumas
terras por preços insignificantes. É narrado que muitas vezes essas terras
eram trocadas por poucos animais como gado, ou por algumas outras
necessidades imediatas que aquelas pessoas tinham e, também, pelo uso da
violência, quando fazendeiros apossavam das terras sob a segurança de seus
jagunços (OLIVEIRA, 2007, p.25).
Esses fatos causaram uma mudança profunda no modo de vida daqueles moradores,
que passaram de uma coletividade que usufruía livremente dos recursos naturais e sociais para
trabalhadores rurais dependentes e sob o domínio dos fazendeiros, sendo obrigados a vender
92
sua mão-de-obra. Agreste se encontrava encurralada por cercas de arame farpado que
separavam as fazendas entre si e consequentemente a comunidade, de maneira que o território
que hoje a compreende não é suficiente para a produção de sua subsistência.
A partir dessas mudanças, tem-se um novo quadro da economia local, que se sustenta
com alguns poucos trabalhos permanentes nas fazendas da região como vaqueiro e caseiro,
trabalhos temporários como a matança de formigas, colheita de milho, que normalmente são
realizados pelas mulheres, e por trabalhos de manutenção de cercas e outras atividades
temporárias. Migrações sazonais para outras regiões do país nos períodos de corte de cana e
colheita do café também são comuns e constituem uma importante estratégia econômica. O
restante das rendas das famílias vem dos Programas do governo como Bolsa Família e
aposentadoria, assim como a caça e a pesca, que se constituem como meios de complementar
as despesas e possibilita uma renda extra.
Mesmo com essa situação complexa que hoje faz parte do cotidiano dos habitantes,
são poucos os conflitos registrados no contexto da comunidade, que pode ser considerada
pacata e com um índice de criminalidade baixo, indicando um bom relacionamento entre eles.
Os participantes da Folia de Reis de Agreste (os foliões, as rezadeiras) com exceção
de Seu Lero e sua filha que mora em Montes Claros, são trabalhadores rurais e se enquadram
diretamente nas dimensões sociais apresentadas.
Educação
A imersão na comunidade, ainda dentro da perspectiva do PNNM, me proporcionou
um contato com o contexto escolar e suas características. Além de conhecer o espaço físico da
escola, pude trabalhar com alguns professores na realização de oficinas de Música, que
ocorreram nos anos de 2006 e 2007. Através desse contato, foi possível compreender melhor
os processos que envolvem a educação na comunidade. Além da obtenção de dados coletados
através desses contatos, que contribuíram para uma discussão sobre o panorama educacional
da comunidade, foi essencial a realização de pesquisas tendo como referencial teórico os
artigos e monografias escritos pelos participantes do PNNM, ligados diretamente à área da
Educação.
Agreste possui uma única escola, a Escola Municipal Versol de Oliveira Lima (da
qual já me referi no capítulo anterior). A instituição pertence à rede pública municipal de
ensino e atende em três turnos de funcionamento, matutino/vespertino/noturno, atendendo a
turmas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio Cientifico e Educação de
93
Jovens e Adultos (SILVEIRA, 2009). A instituição atende por volta de 80 alunos das séries
iniciais do Ensino Fundamental e ao todo atende mais de 250 alunos. A escola conta com um
corpo de 12 professores, sendo um docente da educação infantil, quatro das séries iniciais do
Ensino Fundamental e sete das séries finais do Ensino Fundamental. Mas, algumas das
professoras que atuam nas séries iniciais também atuam nas séries finais do Ensino
Fundamental. A escola recebe estudantes de várias outras comunidades da região que vêm em
um ônibus alugado pela prefeitura de São João da Ponte.
Dados quantitativos obtidos por Silveira (2009) indicam que 80% dos 12 professores
entrevistados são do sexo feminino, e apenas 20% são do sexo masculino. Em relação ao local
de origem desses sujeitos, 25% dos entrevistados têm origem no distrito de Agreste e 75%
nasceu em cidades próximas como Montes Claros, Capitão Enéas, São João da Ponte ou em
outros distritos desse último município. Entretanto, 80% desses professores atualmente
residem em Agreste, condição favorável para melhor conhecimento da realidade escolar,
tendo em vista que a identificação do contexto sócio-político, econômico e cultural do seu
entorno se constitui em elemento fundamental para a construção do projeto político
pedagógico.
Quanto ao grau de escolaridade, 17% têm curso superior (diretora e supervisora),
sendo que um desses professores possui pós-graduação, 75% estão cursando o nível superior e
apenas um (8%) afirma possuir exclusivamente o magistério. Nesse sentido, apesar de ter sido
encontrado dentro do quadro de profissionais da escola um professor com apenas o
magistério, percebe-se que a maioria quase absoluta dos entrevistados tem se preocupado em
se adequar ao disposto nos artigos 61 e 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LDBDEN Nº 9394/96 que estabelece a obrigatoriedade de formação em nível superior dos
profissionais da educação que exercem a docência nos níveis fundamentais.
Com relação às “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnicas Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana61”, a escola
demonstra conhecê-las e estando, inclusive, de acordo com os norteamentos das mesmas.
Neste aspecto, percebe-se que escola de Agreste tem se preocupado em desenvolver um
trabalho de valorização da cultura negra, ao buscar nas diretrizes um auxílio para sua prática.
61
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foram homologada, em 18 de março de 2004, do Parecer 03/2004, de 10 de
março. Essa lei instituiu obrigatoriedade do ensino de História da África e dos Africanos no currículo escolar do
ensino fundamental e médio.
94
Outro ponto a ser frisado refere-se à concepção da escola em relação ao trabalho
coletivo, incluindo a participação da família na escola. De acordo com Silveira (2009), a
escola acredita que a participação dos pais é fundamental nesse espaço. Porém, é notado que
essa participação é desejada para tratar sobre questões rotineiras como: aspectos físicos,
materiais ou fazer o acompanhamento dos problemas de comportamento, notas e freqüências
dos alunos.
Durante a Folia de Reis, foi possível verificar a presença de alunos e professores,
indicando uma participação ativa do efetivo escolar nas festividades religiosas locais.
Religiosidade
As participações sociais nos acontecimentos religiosos no contexto de Agreste
demonstram uma vivência religiosa focada na fé e devoção aos Santos católicos. O
catolicismo popular divide espaço com o eclesiástico. Grande parte das pessoas da
comunidade se dá por católica, reunindo-se na Igreja aos Domingos para a reza da Missa. Não
há padres na comunidade, dessa forma, vem sempre um de fora para realização do culto.
Quanto ao catolicismo popular, é representado pelos festejos religiosos que ocorrem
anualmente na comunidade. São três as Festas que acontecem na atualidade: a Festa de Nossa
Senhora Aparecida, as Festas Juninas (ofertadas a Santo Antônio) e a Folia de Reis. Nesses
festejos, o sagrado e o profano simbolizam a cultura popular religiosa característica na
comunidade. Segundo Brandão (1986), “a melhor maneira de se compreender a cultura
popular é através de estudos sobre a religião, pois é ali que ela aparece viva e multiforme,
existindo em um estado constante de luta por sobrevivência e autonomia” (BRANDÃO, 1986,
p 15).
Os festejos religiosos populares em Agreste trazem em seu contexto a religiosidade e
a festa como representantes do catolicismo popular, em que a festa representa o lúdico e a
religião remete as regras e obrigações. Essa interseção entre a festa e os ritos religiosos é
característica em culturas em que a religiosidade popular se encontra presente e o fenômeno
festivo é aproximado do religioso.
Segundo o antropólogo Camurça (2003), citado por Silva (2006), é através da
exaltação coletiva, presente nos ritos religiosos e nas festas, que a sociedade gera imagens e
situações em que ela se cria e se repõe, pois enquanto expressões da sociedade, tanto a festa
(como ajuntamento puramente celebrativo) como o rito festivo religioso (ligado a motivações
de crença no além), tem a mesma função de criar e expressar o social.
95
Para Roberto DaMatta (1979), as festas são fenômenos recriadores e resgatadores do
tempo, espaço e relações sociais. As festas, diz DaMatta, mantêm a sociedade como tal e a
reabastecem de energia com esse momento de fuga, assim como reforçam as formalidades
sociais.
Além dos cultos católicos e festejos religiosos populares em Agreste, também há a
prática da religião Evangélica, sendo os cultos realizados em casas de moradores, pois como é
recente na comunidade, ainda não possui um templo.
A religiosidade é um elemento de grande importância para as análises realizadas
neste trabalho, haja vista que tem influência direta nas estruturas musicais, sendo aspecto
fundamental na definição das letras, na estruturação do canto, e no processo ritual como um
todo. A música tocada pelos foliões e dedicada aos Santos engloba aos elementos principais
de sua estrutura, princípios que refletem a crença, a devoção e a fé.
96
CAPÍTULO 4
Dimensões estruturais da Música na Folia de Reis de Agreste
A música da Folia de Reis de Agreste possui, em cada componente de sua estrutura,
características peculiares que associadas ao contexto sociocultural revelam um fenômeno
musical vasto e complexo, no qual a prática musical está relacionada com conhecimentos,
crenças, comportamentos, valores e significados da estrutura ritual.
As dimensões estruturais das músicas “são concebidas através das formas de
utilização dos instrumentos, dos padrões e variações dos ritmos, da organização do repertório,
das características das letras, do canto e das melodias” (Queiroz, 2005, p. 137).
Para a compreensão dos aspectos estruturais se faz necessária uma reflexão sobre o
modelo Tripartite utilizado por Merriam (1964), que procura investigar a música partindo de
três pontos: a conceituação da música, comportamentos relacionados à música e as estruturas
musicais. Música pode ser compreendida como:
[...] A intenção de fazer algo chamado música (ou sons estruturados
similares ao que nós outros chamamos música), em oposição a outros tipos
de sons. É a habilidade para formular uma cadeia de sons aceitos pelos
membros de um grupo dado como música (ou qualquer coisa que eles
chamam de música). Música é a construção e o uso de instrumentos que
produzem sons. É o uso do corpo para produzir e acompanhar os sons.
Música é a emoção que acompanha a produção, apreciação e a participação
na performance. Música é som, porem é também a intenção e a realização; é
tanto emoção e valor como estrutura e forma. A música é composta,
estudada, executada e recebida por membros de sociedades. Por outro lado a
música é um sistema de comunicação que abarca sons estruturados e
produzidos por membros de uma comunidade quando se comunicam com
outros membros. Esta é uma definição similar às de Jonh Blacking (1973) e
Alan Merriam (1964). (LANDA, 2004, p. 128, tradução minha)62.
Segundo Merriam (1964), a estrutura de um som musical deve pertencer a um
sistema geral que não se explica independentemente da existência de determinados seres
humanos, posto que ele seja produto de um comportamento específico, sendo este o
62
[…] La intención de hacer algo llamado música (o sonidos estructurados similares a lo que nosotros llamamos
música), en aposición a otros tipos de sonidos. Es la habilidad para formular cadenas de sonidos aceptados
por los miembros de un grupo dade como música (o cualquier cosa que ellos llamen música). Música es la
construcción y el uso de instrumentos que producen sonidos. Es el uso del cuerpo para producir y acompañar
los sonidos. Música es la emoción que acompaña la producción, apreciación y aparticipación en la
performance. Música es sonido, pero es también la intención y la realización; es tanto emoción y valor como
estructura y forma. La música es compuesta, estudiada, ejecutada y recibida por miembros de sociedades. Por
lo tanto, la música es un sistema de comunicación que abarca sonidos estructurados, y producidos por
miembros de una comunidad cuando se comunican con otros miembros.Esta es una definición similar a las de
Jonh Blacking (música como sonidos humanamente organizados; 1973) y Alan Merriam (música como
cultura, 1964).
97
fundamento da concepção da música. Dessa forma, para operar em um sistema musical, o
indivíduo deve ter consciência do tipo de comportamento que pode produzir o som desejado.
Esses conceitos não se referem apenas ao comportamento físico, social e verbal, e sim ao que
se pensa que a música é ou deveria ser.
Assim, as distinções entre música e ruído, a valoração da habilidade musical
individual, as normas sociais e o tipo de participação dos grupos no fazer musical, e muitos
outros fenômenos de toda atividade musical, têm sua razão de ser nos conceitos básicos que a
sociedade desenvolve a respeito. “Sem a concepção da música não pode haver
comportamento, e sem comportamento, não é possível produzir som musical” (MERRIAM,
1964, p. 51).
Portanto, para compreender a música da Folia de Reis no contexto da comunidade
Agreste, é essencial o entendimento do significado que a música tem para os próprios foliões,
assim como dos comportamentos desses no fazer musical.
Para este estudo, optei por analisar separadamente cada um dos elementos que
constituem o fenômeno musical, o que possibilitou melhor apresentação e discussão da
estruturação musical da Folia de Reis.
Os instrumentos musicais e suas funções na constituição sonora da Folia de
Reis
Peças fundamentais no contexto ritual, os instrumentos musicais (FIG. 1) utilizados
na Folia de Reis em Agreste são constituídos por cordofones (o som é produzido por uma
corda tensa) e membranofones (o som é produzido por uma membrana esticada). Entre os
cordofones, são utilizadas três instrumentos harmônicos e um melódico, sendo três violas e
uma rabeca respectivamente. Enquanto os membranofones são constituídos por uma caixa de
folia e dois pandeiros. Primeiramente, trato dos cordofones e em seguida dos membranofones.
98
FIGURA 1 – Os instrumentos musicais da Folia de Reis de Agreste: três Violas, uma Rabeca, dois
Pandeiros e uma Caixa de Folia.
Cordofones
A Rabeca
FIGURA 2 – A Rabeca usada pelos foliões em Agreste.
99
A rabeca ou rebeca é um instrumento de corda e arco semelhante ao violino, “de
origem portuguesa e ancestral árabe, o rebab” (MURPHY, 2008, p. 61). Apesar da evidente
semelhança entre os dois, a rabeca se distingue do violino em muitos aspectos, principalmente
na construção e no modo de tocar. A rabeca não possui um padrão universal, apresentando
muitas variações no tamanho, formato, número de cordas, afinações utilizadas e materiais
empregados em sua confecção. As características de cada instrumento obedecem às tradições
regionais e também à criatividade e aos meios de que dispõe o fazedor de rabecas. O som é
produzido através da fricção do arco nas cordas. O arco se constitui como uma vareta curvada
em forma de meia-lua, a cujas pontas se fixam as cordas que podem ser de crina ou náilon.
De acordo com os foliões, essa rabeca (FIG. 2) foi construída por Zé Côco do
Riachão63, que era violeiro, rabequista, sanfoneiro, pandeirista, compositor e um dos grandes
nomes da música caipira brasileira. Uma das características marcantes na rabeca de Zé Coco
do Riachão são as bolas brancas pintadas no braço. A usada em Agreste possui quatro cordas
de aço, tendo as seguintes dimensões: 58cm de comprimento, 20cm de largura e 5 cm de
altura (lateral). O arco possui 58cm de comprimento.
Quanto à maneira de tocar, o folião em Agreste apóia a rabeca pouco abaixo do
ombro esquerdo, mais precisamente no braço (FIG. 3). O arco é seguro com a mão direita e
tem as cordas feitas de crina.
FIGURA 3 – Forma de tocar apoiando a Rabeca abaixo do ombro.
63
José dos Reis Barbosa dos Santos. Nascido no ano de 1912, em Brasília de Minas, na região do Norte de
Minas. Foi Criado na localidade de Riachão, às margens do rio que leva o mesmo nome, na confluência dos
municípios de Mirabela e Brasília de Minas, no Vale do São Francisco. O pai era fazedor e tocador de violas.
No momento de seu nascimento, passava uma Folia de Reis e ele foi consagrado pela Mãe aos santos Reis;
por isso "dos Reis" registrado em cartório. Zé Coco deixava claro sua devoção aos Santos Reis, e sempre se
apresentava como José Reis Barbosa dos Santos. Foi descoberto aos 65 anos, gravou Brasil Puro em 1980, Zé
Coco do Riachão em 1981 e Vôo das Garças em 1987. Faleceu em 1998, aos 86 anos.
100
A rabeca tem a função de executar as melodias, dando suporte ao canto e a afinação
segue a do violino, mi4 -lá3 -ré3 -sol2 (do agudo para o grave).
As Violas
Na folia em Agreste são usadas três violas industrializadas (FIG. 4), feitas em
madeira e todas com dez cordas de aço, unidas aos pares, montando cinco pares. Os dois pares
mais agudos são afinados em uníssono, os outros três pares são afinados em oitavas (mesma
nota, com diferença de alturas de uma oitava).
As violas maiores têm as mesmas medidas: 35cm de largura do corpo; 98cm de
comprimento e 9cm de altura (lateral). A menor (conhecida como Viola Caipira) possui 68cm
de comprimento e 7cm de altura (lateral). Uma delas é enfeitada com fitas coloridas que
podem carregar um simbolismo. Para alguns autores, o enfeite dos instrumentos tem relação
com as festas populares de Folia de Reis, na qual se comemora a ascensão de Jesus ou, "do
Divino". São sete fitas e cada cor representa um personagem do nascimento de Jesus. A
Branca representa o próprio Jesus; a Azul clara representa Maria; a Rosa, São José; a
Amarela, o ouro dado como presente; a Vermelha, o incenso; a Verde, a mirra; e, por fim, a
Azul escura que representa São Gonçalo, Santo protetor dos violeiros.
FIGURA 4 – As Violas da Folia de Reis.
101
Cascudo (1962) descreve a Viola como:
“Instrumento de cordas dedilhadas, cinco ou seis, duplas, metálicas. [...] É
verdadeiramente o grande instrumento da cantoria sertaneja. [...] O século do
povoamento brasileiro, o séc. XVI foi a época do esplendor da viola em
Portugal, expresso nos autos de Gil Vicente e nos cancioneiros. [...] É ainda
o instrumento animador dos velhos bailes populares e devocionais no norte e
no sul do país” (CASCUDO, 1962, p. 774,).
As violas têm como função acompanhar e coordenar harmonicamente as canções,
sendo inclusive responsáveis pela ampliação de corpo e volume sonoro instrumental dos
cantos e danças.
Membranofones
Caixa de Folia
A caixa de folia (FIG. 5) consiste em um tambor cilíndrico de tamanho médio ou
pequeno, geralmente feito de madeira, com uma membrana (couro de boi) em cada uma das
extremidades, esticadas por cordas. Além da corda para dependurar no ombro, a Caixa
também possui afinadores, pequenos anéis de couro, que servem para manter as cordas
esticadas. Um detalhe característico da caixa de folia é uma corda na parte inferior desse
tambor que, esticada com um sistema de cravelha, faz com que o couro vibre quando rufado.
FIGURA 5 – Caixa de Folia e a forma como é tocada.
102
A caixa usada em Agreste possui tanto o corpo como o aro de madeira, tendo o
tamanho de 12” (polegadas) de circunferência e 30cm de altura, feita artesanalmente “por um
homem lá de Tamboril”64, como afirma Seu Lero.
A maneira como ela é tocada pelo folião consiste em pendurar o instrumento no
ombro esquerdo e tocá-lo com duas baquetas sem feltro (que também foram confeccionadas
artesanalmente). As baquetas são seguradas com os dedos polegar e indicador, com a mão
esquerda apoiada na borda e a mão direita direcionando a ponta da baqueta de baixo para
cima. Os toques são feitos tanto na membrana (pele), para uma sonoridade mais grave, como
no aro da caixa, para uma sonoridade aguda, criando possibilidades timbrísticas que
enriquecem a marcação rítmica da música da Folia.
A principal função da caixa na folia é a marcação rítmica mantendo um padrão
rítmico constante, apoiando a harmonia e a melodia dos cantos. Como afirma Seu Lero: “Para
cada Santo é um ritmo, pra São Sebastião é um ritmo, pra Nossa Senhora Aparecida é outro
e pra Santos Reis é outro”.
O Pandeiro
Assim como a caixa, o pandeiro (FIG. 6) é responsável pelo apoio rítmico na música
da Folia. Cascudo (1962) descreve o Pandeiro como um “instrumento de percussão, ritmador,
acompanhador do canto pela marcação do compasso. Foi trazido ao Brasil pelos portugueses,
que o tiveram através de romanos e árabes” (CASCUDO, 1962, p. 559).
FIGURA 6 – Os Pandeiros artesanais da Folia de Agreste.
64
Localidade próxima a Agreste.
103
Os pandeiros usados em Agreste também são construídos de forma artesanal, feitos
“de pele de Cotia”
65
, como explicado por Seu Lero. Assim como a caixa, esses pandeiros
foram feitos por uma pessoa que mora em Tamboril. Eles têm medidas diferentes, sendo um
de 8” de circunferência, por 5cm de base, e o menor (a direita na foto) com 6”, por 4cm de
base. O maior possui quatro duplas de platinelas (feitas com tampa de garrafa) e o menor
apenas três.
Apesar dos dois pandeiros encontrados na casa de Seu Lero, apenas um foi usado, o
maior. Ele é tocado de forma muito particular pelo pandeirista (FIG. 7) que segura o pandeiro
com a mão direita e choca a pele contra a ponta dos dedos da mão esquerda. Às vezes, para
conseguir o efeito de um rufo breve, o panderista escorrega os dedos da mão esquerda sobre a
pele explorando as várias sonoridades que este instrumento possibilita, explorando tanto uma
sonoridade grave quanto aguda através das platinelas.
FIGURA 7 – José Pedroso tocando o Pandeiro.
O Repertório
A composição do repertório é um elemento fundamental na constituição do ritual em
Agreste, trazendo nas nuances das letras dos cantos, nas harmonias, melodias e ritmos, um
65
Cutia, ou Cotia: mamífero roedor de pequeno porte.
104
corpo de significados que relacionados ao contexto expõem uma manifestação com
características da religiosidade popular, na qual elementos da cultura européia e africana estão
presentes.
O repertório da Folia em Agreste traz particularidades que o diferenciam de outras
folias realizadas na região. Como já discutido no capítulo anterior, o repertório da Folia de
Reis, de forma geral, se constitui nos cantos, sendo o canto de chegada e pedido de entrada na
casa, o canto de saudação aos moradores e a Lapinha (Oratório), canto de entrega da bandeira
ao (s) morador (es) e o canto de agradecimento e despedida, assim como os Lundus e
Guaianos, que são característicos na Folia norte mineira.
Contudo, o repertório da Folia em Agreste, contém, além do canto de saudação ao
Oratório, o guaiano e lundu, os hinos a São Sebastião e a Nossa Senhora Aparecida.
Partindo dessa explicação, analiso cada um desses cantos a partir da transcrição
musical, lembrando que a escrita gráfica da música é um meio privilegiado para compreender
o fenômeno musical, contudo a transcrição não é a música. Segundo Anthony Seeger (1987),
as transcrições nunca devem ser um fim em si mesmas, mas sim uma ferramenta para levantar
questões e facilitar a compreensão da estrutura musical. Para Landa (2003), os
etnomusicólogos utilizam o método da representação gráfica da música com a intenção de
aderir aos conhecimentos dos princípios geradores das estruturas sonoras dotadas de sentido.
Já que se trata de regras aplicadas por todos os membros de determinado
conjuntos musicais [...] os emissores de mensagens sonoras atuam em
coordenação consensual, muitas vezes implícita, com os receptores dos
mesmos [...] que permite a todos considerar a esses produtos como música. E
que esses produtos podem tomar a forma de obras acabadas que é possível
repetir (com ou sem variantes), os discurso criados no momento da execução
(LANDA, 2003, p. 162, tradução minha)66.
A partir das análises das transcrições, foi possível descrever algumas características
comuns nas músicas da Folia. Entre essas características está a tonalidade, pois todas têm a
harmonia predominante dentro do sistema tonal tradicional, ficando basicamente entre a
Tônica e a Dominante, (1º e 5º Grau). Os andamentos dos cantos variam de semínima =
55bpm até 90bpm, cantados a quatro vozes (no caso de Agreste, podendo ser de até seis
vozes), em forma responsorial (solo/coro). Assim, em cada estrofe cantada repete-se a forma
66
Ya se trate de reglas aplicadas por todos los miembros de determinados conjuntos de músicos [...] los emisores
de mensajes sonoras actúan en coordinación consensual, a menudo implícita, con los receptores de los mismos
[...] que permiten a todos considerar a esos productos culturales como música. Y esos productos puedem
tomar la forma de obras acabadas que es posible repetir (con o sin variantes), o de discursos creados en el
momento de la ejecución.
105
responsorial entre solista e resposta coral. A forma de cantar com um timbre anasalado, com a
utilização de glissandos descendentes nos finais das frases, também é uma forte característica
no canto dos foliões. No início de todas as músicas, o rabequeiro toca a nota tônica auxiliando
os demais músicos na afinação vocal e harmônica.
Partindo dessas observações, descrevo a seguir as transcrições musicais seguindo a
ordem do ritual, sendo a primeira transcrição o Canto de Saudação; a segunda, o Canto a
Nossa Senhora Aparecida; a terceira, o canto a São Sebastião; a quarta, o Lundu; e, por
último, o Guaiano.
106
107
FIGURA 8 – Canto de Saudação.
108
Canto de Saudação: letra
Ó Bendito louvado seja
Louvado seja o Senhor
Louvado seja o Senhor
Ô da cepa nasceu a rama
Da rama nasceu a flor
Da rama nasceu a flor
Ô da flor nasceu Maria
Mãe do Nosso Salvador
Mãe do Nosso Salvador
O canto de saudação foi o primeiro canto realizado e a letra é curta se comparada às
letras dos outros cantos. Como descrito no capítulo anterior, o canto traz o louvor a Maria,
Mãe de Jesus e ao nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo. As duas vozes nesse canto
seguem em intervalos de terças paralelas durante toda a música, sendo cantada por Seu Lero
na primeira voz e Toni na segunda. Esse canto não segue o sistema de responsório, pois não
há solo e resposta do coro.
Tocada em compasso ternário, a música segue a harmonia tradicional na tonalidade
de Ré Maior, sem grandes saltos melódicos.
O padrão rítmico da caixa segue com variações de semínima, no andamento de
semínima = 90bpm. O folião executa o ritmo usando tanto a pele da caixa quanto o aro (vide
legenda abaixo). Nesse canto não houve a utilização do pandeiro, apenas da caixa de folia.
FIGURA 9 – Legendas para escrita da Caixa e Pandeiro. Servem para todo o repertório.
109
FIGURA 10 – Canto a Nossa Senhora Aparecida
110
Canto a Nossa Senhora Aparecida: letra
Entraremos meus companheiros
Entraremos meus companheiros
Nesta casa de alegria
Nesta casa de alegria
Pra fazer uma Saudação
Pra fazer uma saudação
A Nossa Senhora Aparecida
A Nossa Senhora Aparecida
Deus te salve ó Mãe santíssima
Deus te salve ó Mãe santíssima
Milagrosa Aparecida
Milagrosa Aparecida
Amparai os seus devotos
Amparai os seus devotos
Ó Virgem Mãe querida
Ó Virgem Mãe querida
Eu cheio de desejo
Eu cheio de desejo
De postar em vossos pés
De postar em vossos pés
Ó Virgem Mãe querida
Ó Virgem Mãe querida
Aumentai a nossa fé
Aumentai a nossa fé
Nossa Senhora Aparecida
Nossa Senhora Aparecida
Assuntai por caridade
Assuntai por caridade
Nossa Santa palavra
Nossa Santa palavra
Por ser Mãe de caridade
Por ser Mãe de caridade
Mãe de Deus e Mãe dos homens
Mãe de Deus e Mãe dos homens
Milagrosa de bondade
Milagrosa de bondade
Levai-nos no alto do Céu
Levai-nos no alto do Céu
Pela vossa Santa vontade
111
Pela vossa Santa vontade
Hora viva hora reviva
Hora viva hora reviva
Viva a Nossa Mãe querida
Viva a Nossa Mãe querida
Viva no céu e na terra
Viva no céu e na terra
Ó Senhora Aparecida
Ó Senhora Aparecida
O canto a Nossa Senhora Aparecida foi feito no interior da Igreja Católica da
comunidade, sendo tocado pelos seis foliões, contudo apenas quatro cantam, Seu Lero (o
Mestre e violeiro), Toni (o rabequeiro), José Pedroso (o pandeirista) e Seu Ernesto (o
caixeiro). A música mantém uma harmonia simples ficando na tônica, subdominante e
dominante (1º , 4º e 5º Graus) e o desenho melódico também é simples, com intervalos curtos,
sendo o maior de 4ª. A melodia da rabeca repete a segunda voz do canto, executando poucas
variações de notas.
O canto segue o formato de responsório, no qual a primeira dupla, denominada guia,
divide-se entre primeira e segunda vozes da guia. A segunda dupla, denominada resposta,
divide-se em primeira e segunda vozes da resposta, seguindo um intervalo de terças paralelas
entre as vozes.
O padrão rítmico das violas seguem o mesmo do pandeiro, que fazem o
acompanhamento utilizando basicamente semínima pontuada, semínima e colcheia,
característica rítmica típica de uma toada de folia do norte de minas. A marcação rítmica da
caixa segue um desenho com as figuras mínima, seminima e colcheia. O andamento é
aproximadamente seminima = 75bpm.
A função do canto é de devoção à Nossa Senhora Aparecida, a Santa padroeira do
Brasil.
112
FIGURA 11 – Canto a São Sebastião.
113
114
Canto a São Sebastião: letra
Na chegada nesta casa
Com sua bandeira na mão
Na chegada nessa casa
Com sua bandeira na mão
Nos viemos visitar
Martison67 Sebastião
Nós viemos visitar
Martison Sebastião
Oi Martison Sebastião
É um Santo milagroso
Martison Sebastião
É um Santo milagroso
Oi ele veio pra nos livrar
Desse mal contagioso
Ele veio pra nos livrar
Desse mal contagioso
Oi Martison Sebastião
Milagroso sem segundo
Martison Sebastião
Milagroso sem segundo
Pois ele veio nos livrar
Das injúrias desse mundo
Ele veio pra nos livrar
Das injúrias desse mundo
Martison Sebastião
Ele é filho do Pai eterno
Martison Sebastião
Ele é filho do Pai eterno
Ele veio pra nos livrar
Oi da peste, a fome e guerra
Ele veio pra nos livrar
Da peste, a fome e guerra
Oi Martison Sebastião
Milagroso como pode
Martison Sebastião
Milagroso como pode
Martison Sebastião
67
Transcrição literal de manuscrito elaborado pelo filho do Mestre da Folia. “Martison” tem o sentido de “Mártir
São Sebastião”. Conferir anexo.
115
Só ama seus filhos pobre
Martison Sebastião
Só ama seus filhos pobre
Oi dezenove de Janeiro
Este Santo assim falou
Oi dezenove de Janeiro
Este santo assim falou
Com suas palavras santas
E a guerra se aquebrantou
Com suas palavras santas
E a guerra se aquebrantou
Oi dia vinte de Janeiro
Este Santo alevantou
Dia vinte de Janeiro
Este Santo alevantou
Minhas vista meus irmãos
E a guerra se acabou
Minhas vistas meus irmãos
E a guerra se acabou.
O terceiro canto da Folia foi o canto a São Sebastião, que tem a função de
homenagear esse Santo, que é o padroeiro de Seu Lero. As vozes seguem em intervalos
paralelos de terça e, da mesma forma que o canto a Nossa Senhora Aparecida, seguem em
modo responsorial, cantado também a quatro vozes.
A música é tocada em andamento lento, seminima = 55bpm, em compasso
quaternário. Contudo, há uma modulação rítmica no sexto e décimo-primeiro compassos, nos
quais, a divisão é binária. A tonalidade é Mi Maior, com a harmonia tradicional, girando entre
a tônica, subdominante e dominante.
A rabeca segue a melodia da primeira voz do canto guia, executando um desenho
melódico simples com intervalos curtos, sendo de fácil memorização. A melodia da rabeca no
início faz a introdução do canto e se repete duas vezes
O desenho rítmico executado pelo pandeiro não segue um padrão único, executando
variações entre as figuras semínimas, semínimas pontuadas, colcheias, colcheias pontuadas e
semicolcheias. A caixa também não executa um padrão constante, seguindo o desenho das
vozes, servindo mais como reforço a elas.
116
117
FIGURA 12 – Lundu
Lundu: letra
Abre a porta que a chuva evem
Abre a porta que a chuva evem
Essa porta trancada é que não tem ninguém
Essa porta trancada é que não tem ninguém
Abre a porta e também a janela
Abre a porta e também a janela
Ai, ai, ai quem me escuta, abre toda janela
Ai, ai, ai quem me escuta, abre toda janela
Abre a porta e a janela ao contrário
Abre a porta e a janela ao contrário
Ai, ai, ai quem tá fora, é o Senhor Capitão
Ai, ai, ai quem tá fora, é o Senhor Capitão
Abre a porta que eu quero entrar
Abre a porta que eu quero entrar
Ai que beijo gostoso que eu quero te dar
Ai que beijo gostoso que eu quero te dar
Se eu dissesse que vinha com a velha
Se eu dissesse que vinha com a velha
Você ia saber que eu já tinha mulher
Você ia saber que eu já tinha mulher
118
O Lundu cantado em Agreste possui um caráter dançante, executado no andamento
aproximado de semínima = 90bpm, indicando um momento festivo da folia.
A letra não possui característica religiosa como nos cantos aos Santos. É cantado a
quatro vozes, contudo não segue a forma de responsório. As duplas cantam em intervalos
paralelos de terças, não havendo a utilização da requinta.
Tocada em 4/4, a música segue a harmonia tradicional, na Tonica e Dominante (1º e
5º Grau), na tonalidade de Ré Maior. O desenho melódico é simples, com melodias curtas e
sempre repetitivas.
A Rabeca não segue a melodia das vozes, executando um desenho melódico simples
e constante, com intervalos curtos, sendo de fácil memorização.
Quanto aos instrumentos harmônicos, foram utilizadas as violas, que mantêm uma
harmonia simples, seguindo um padrão rítmico constante
Em relação a percussão, tanto a Caixa quanto o Pandeiro dão apoio rítmico à
melodia. A Caixa segue com um padrão rítmico constante, executando um desenho com a
utilização das figuras colcheia pontuada e semicolcheia, executando poucas variações. O
pandeiro também segue um desenho rítmico constante com os seguintes padrões:
semicolcheia, colcheia, semicolcheia, nos primeiros e terceiros tempos dos compassos; e duas
colcheias preenchendo o segundo e quarto tempo, como transcrito abaixo:
FIGURA 13 – Padrão rítmico do Pandeiro
Ficou evidente durante a execução, que o pandeirista modifica o padrão rítmico no
momento que ele participa do canto, retornando ao padrão rítmico, transcrito na partitura,
quando ele não canta.
O Lundu não é dançado em Agreste, é apenas acompanhado por palmas dos demais
participantes.
119
120
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FIGURA 13 – Guaiano.
127
Guaiano: letra
La vem a velha
A velha evem
Mas que moça bonita
Que a Velha tem
La vem a Velha
A Velha evem
Mas que moça bonita
Que a Velha tem
Eu passo por dentro
Você passa por fora
Que espaço pequeno
Ai meu Deus a Viola
O Guaiano cantado em Agreste tem como características seu aspecto dançante,
tocado no andamento aproximado de semínima = 90bpm, acompanhado por palmas e
sapateado, indicando um momento festivo da folia. A forma da dança no Guaiano é uma das
suas características marcantes. Apenas quatro foliões participam da dança, como se
entrelaçando em formato de “S”, ou um “8”. As palmas são feitas pelos ouvintes e não pelos
foliões, que apenas executam o sapateado no final dos versos. O sapateado segue um desenho
rítmico com variações de semínimas, colcheias, colcheias pontuadas e semicolcheias.
A letra foge do caráter religioso, cantada sobre uma melodia de canção sertaneja com
caráter de entretenimento. As vozes cantam em intervalos paralelos de terças, neste caso a
primeira voz é cantada pelo rabequeiro, a segunda pelo Caixeiro e Seu Lero faz a requinta
(cantos agudos), isto é, dobrando a fundamental uma oitava acima no final das frases.
A música segue a harmonia tradicional, na Tônica e Dominante (1º e 5º Graus), na
tonalidade de Lá Maior. O desenho melódico é simples, com melodias curtas e sempre
repetitivas.
Com relação a percussão, apenas a caixa foi usada, tocando um padrão rítmico que se
repete de quatro em quatro compassos, com variações de semínimas, colcheias e
semicolcheias.
Quanto aos instrumentos harmônicos, foi utilizado um violão no lugar de uma das
violas, que juntamente com a caixa resultou numa sonoridade mais grave. Outra característica
do Guaiano é a não utilização da Rabeca, devido a dificuldade de executar os movimentos da
dança juntamente com o instrumento.
128
A identidade da Folia de Reis: confluência dos elementos
A confluência de todos os elementos apresentados e discutidos neste capítulo dá
forma e caracteriza a performance musical da Folia de Reis de Agreste. A junção de cada
detalhe presente no instrumental, nos gestos e nos cantos dos foliões traduz a identidade geral
dessa manifestação. Dessa forma, a caracterização da música dos foliões é forjada a partir dos
elementos que compõem as suas estruturas musicais, inter-relacionados a valores e
significados mais amplos do universo cultural dessa manifestação, como aspectos sociais e
religiosos.
Entendendo que a cultura é essencial na vida da coletividade de Agreste e que a
música tanto determina quanto é determinante desta cultura, a música da Folia de Reis é um
fator fundamental como sistema de comunicação e expressão humana, traduzindo em sua
performance os significados que dão forma e sentido à identidade cultural local.
A identidade cultural no contexto deste trabalho pode ser compreendida como um
sistema de representação das relações sociais entre indivíduos e grupos, e está relacionada
com os “aspectos de nossas identidades que surgem de nosso „pertencimento‟ a culturas
étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais” (HALL, 2006, p. 8). Essas
representações sociais podem servir como “um conjunto de saberes que expressam a
identidade de um grupo social” (OLIVEIRA e WERBA, 1998, p. 107). E esse “conjunto de
saberes” está em constante desenvolvimento, tendo em vista que identidade é um processo
dinâmico, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço e “por isso ela deve ser
entendida como mutável, porque o grupo pode alterar o significado da identidade conforme a
situação que ele vive” (ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, citado por
OLIVEIRA, 2007, p. 16).
Seguindo essa mesma ótica, Cunha (1986) afirma que os grupos elegem como
significativo para reconhecer as suas identidades um conteúdo cultural específico que, para
eles, irá marcar o que se pode entender como sendo as diferenças entre dois grupos, ou seja, a
cultura do contraste. Para essa autora, a identidade é situacional porque em cada contexto
vivido pelo grupo pode existir uma identidade diferente que este retira do seu material
cultural, e cada uma dessas identidades pode se alterar conforme o processo dessas vivências
grupais.
Assim, o conceito de identidade é construído a partir do contraste percebido entre
dois ou mais grupos que estabelecem interações sociais. À medida que reconhece que os
“outros” são diferentes, o grupo entende o que seria ele mesmo, ele compreende o que
129
constitui o “nós” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 5). Decorre desse mecanismo de
diferenciação o reconhecimento da identidade coletiva, assim como a certificação do que é o
“outro”, que é percebida na afirmação da diferença. Dessa forma, foi essencial para a
discussão sobre identidade neste trabalho, partir do pressuposto de que a comunidade Agreste
pode construir diversas identidades coletivas e, além disso, que a identidade é fruto de cada
processo situacional vivido pelos membros da coletividade.
Da mesma forma que discuto identidade cultural, a compreensão sobre identidade
musical é um aspecto importante para o desenvolvimento do trabalho. Recentes pesquisas em
etnomusicologia têm tratado da relação entre identidade musical e performance, no sentido de
que o desenvolvimento da identidade musical de um grupo ou coletividade pode ser definida
socialmente em torno de determinadas ações culturais, no caso a performance musical.
Entendendo que a música é um meio de comunicação que permite às pessoas
compartilhar emoções, intenções e significados, possibilitando a interação entre elas, sendo
“um meio valioso para entender pessoas e comportamentos” (MERRIAM, 1964, p. 13,
tradução minha) 68, é através da performance musical que um grupo se apresenta aos demais,
negociando e reconstruindo permanentemente sua identidade. A música, nesse processo, não
só reflete como também interfere e modifica a estrutura cultural pré-existente. Dessa forma, a
performance musical pode ser compreendida como uma atividade social pela qual a cultura é
criada, negociada e realizada, Seeger (1987).
A discussão em torno da identidade musical de um grupo está relacionada à
compreensão da sua performance musical e sua relação com o contexto social. Assim, de
acordo com Mendes (2004), a identidade musical constitui “o conjunto de acontecimentos
„musicais‟ que, caracterizado pela performance do grupo e pelo resultado sonoro, representa a
síntese dos elementos musicais essenciais componentes da música” (MENDES, 2004, p. 83).
Para Thomas Solomon (1997), a performance musical é uma prática para a
construção da identidade e isso tem sido lugar comum na etnomusicologia. Segundo esse
autor, a “performance musical é uma prática para incorporar identidade na comunidade,
registrando-a tanto na paisagem terrestre quanto na paisagem da mente [...] as pessoas de uma
comunidade, como um corpo social, são inseparáveis da paisagem onde vivem” (SOLOMON,
1997, p. 312, tradução minha)69.
68
[…] music is a means of understanding peoples and behavior and as such is a valuable tool in the analysis of
culture and society.
69
Musical performance is a practice for embodying community identity, inscribing it on earthly landscapes as
well as in the landscapes of the mind.
130
Stokes (1994) sugere que “o evento musical [...] evoca e constitui memórias coletivas
e experiências presentes do lugar com uma intensidade, força e simplicidade não alcançada
por outra atividade social” (STOKES, 1994, p. 3, tradução minha),70 assim a representação de
muitos aspectos da performance musical é particularmente proveitosa para a construção e
reconhecimento da identidade.
Dessa forma, sons produzidos coletivamente incorporam identidades coletivas
fazendo perceptíveis os fatos das relações sociais entre pessoas que têm tipos de experiências
sociais em comum. No caso de Agreste, a performance da Folia de Reis costuma ocorrer com
a presença de pessoas de outras comunidades; assim, essas ocasiões são a oportunidade para
chamar as comunidades vizinhas com seus representantes, criando espaço para a
representação das diferenças – diferenças entre as próprias comunidades. Dessa forma, o
modo como a performance musical ocorre, usando a respiração, lábios e cordas vocais para
cantar ou mãos para tocar instrumentos musicais, assim como o corpo para dançar, fazem essa
incorporação sensível de uma forma esteticamente diferenciada, tornando uma performance
única e demarcando as diferenças, construindo uma identidade que está sempre em processo.
70
The musical event [...] evokes and organizes collective memories and present experiences of place with a
intensity, power and simplicity unmatched by other social activity.
131
CONCLUSÃO
Realizar um estudo sobre a música da Folia de Reis na comunidade quilombola
Agreste me permitiu conhecer um universo cultural amplo e complexo, carregado de
significados e valores próprios, que traduzem uma vivência musical caracterizada pela fé e
devoção aos Santos Reis.
A partir do estudo realizado, através da utilização de abordagens distintas, ficou
evidente que a música da Folia de Reis na comunidade é caracterizada por um conjunto de
elementos que, de forma inter-relacionada, dão particularidades à estrutura rítmica do grupo, à
forma de cantar, a sonoridade dos instrumentos, entre outros aspectos.
Tendo em vista que a música é uma prática que agrega valores sociais, religiosos e
culturais, o estudo apresentou as principais características da prática musical da Folia de Reis
da comunidade, analisando-as a partir dos seus aspectos estruturais e das relações que o
fenômeno estabelece com o contexto sociocultural.
De forma geral, a música da Folia de Agreste congrega aspectos que podem ser
considerados fundamentais para dar forma e identidade à manifestação. Como discutido no
trabalho, a manifestação possui características temporais e espaciais próprias (não tendo
horário definido, como também não realizando o “giro”), o que reflete diretamente na
formação do conjunto musical e consequentemente no repertório. Devido a esses fatores, a
música da Folia permite algumas variações no canto, nos ritmos, na execução instrumental, no
repertório, entre outros aspectos, contudo sem descaracterizar o resultado sonoro que a
constitui.
No que se referem às suas estruturas, as músicas da Folia contêm aspectos comuns,
entre esses a tonalidade, pois todas têm a harmonia predominante dentro do sistema tonal
tradicional. Nas construções melódicas, fica evidenciada a utilização de frases curtas com
motivos melódicos simples, que criam melodias de fácil assimilação, padronizadas dentro de
centros tonais maiores. Os andamentos dos cantos variam de semínima = 55bpm até 90bpm,
cantados a quatro vozes, em forma responsorial (solo/coro). A forma de cantar com um timbre
anasalado com a utilização de glissandos descendentes nos finais das frases, também é uma
forte característica no canto dos foliões. No início de todas as músicas, o rabequeiro toca a
nota tônica, auxiliando os demais músicos na afinação vocal e harmônica.
A rabeca, as violas, a caixa de folia e o pandeiro, que constituem o instrumental da
Folia, criam a característica sonora da manifestação, em que os instrumentos são adaptados à
função sonora desejada pelos foliões. A utilização dos instrumentos descritos no trabalho
132
representa uma característica comum na Folias de Reis praticadas na região norte mineira,
contudo a forma de tocar é particular de cada folião.
Quanto à constituição histórica da manifestação no contexto estudado, trata-se de
uma prática centenária, tendo Seu Lero como Mestre desde o início da década de 1970. Diante
das mudanças que ocorreram com o passar do tempo, tanto na estrutura como no repertório,
os foliões mantêm a fé e devoção ao menino Jesus e aos Três Reis Magos, assim como nos
outros Santos católicos, representados nesta Folia por Nossa Senhora Aparecida e São
Sebastião. A religiosidade é um elemento de grande importância na constituição da música
dos foliões, haja vista que tem influência direta nas estruturas musicais, sendo aspecto
fundamental na definição das letras, na estruturação do canto, e no processo ritual como um
todo. Assim, a religiosidade representa um aspecto essencial na definição identitária da Folia.
A música da Folia de Reis de Agreste, também chamada Folia de Seu Lero, é
caracterizada pela confluência dos elementos estruturais da música com valores e significados
sociais e religiosos que, refletidos nas letras e na performance dos foliões, dão a esse
fenômeno musical características identitárias próprias. Assim, o cantar, rezar e festar são
expressos através da prática musical, que traduz em sua estruturação os aspectos estéticos e os
valores simbólicos que dão vida e forma à música dos foliões.
Durante minhas pesquisas de campo, fiquei hospedado nas casas das pessoas da
comunidade, que sempre me trataram com muita atenção e respeito, demonstrando a
característica acolhedora e pacífica dos habitantes.
Finalmente, através deste trabalho, foi possível concluir também que o universo
quilombola da região norte mineira, carece de pesquisas que possam demonstrar as
particularidades históricas, sociais, identitárias e culturais, além de uma maior atenção do
poder público e reconhecimento de seus direitos territoriais e culturais.
133
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141
ANEXOS
Letras dos Cantos – Transcritas pelo filho do Mestre da Folia de
Reis de agreste
Canto a São Sebastião
142
143
Canto a Nossa Senhora Aparecida
144
Entrevistas
Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo na Comunidade Quilombola
Agreste.
1ª Entrevista
Data: 20 de Janeiro de 2009
Nome: Aureliano Rodrigues Gonçalves. Seu Lero. (O Mestre da Folia de Reis de agreste).
Idade: 71 anos.
1) Seu Lero, bom dia e obrigado pela entrevista. A quanto tempo acontece a Reza e a
Folia de Reis no dia 20 de Janeiro, aqui no Agreste?
R: Comecei quando eu morava na Vereda a partir de 1973 quando eu mudei pra cá.
2) Essa Reza é finalizando a Folia de Reis, é o arremate?
R: É finalizando. Eu fiz uma promessa, eles até dançava lá, mas eu não gostei e cortei,
veio os foliões do Agreste, Versol me colocou na Folia dele e continuamos, quando ele
faleceu entrou o Luisim, que era Folião dele, tomou conta do terno de Folia e eu
acompanhei durante o tempo que ele teve aqui. Depois ele foi pra Jaiba, entrou pra outra
Igreja e então pra não acabar eu tomei frente, pedi ele as cópia do canto e fui estudando e
decorei os cantos e continuei muito tempo até os folião companheiro deu pra bagunçar,
beber muito, sair fora do ritmo, eu ia aconselhava eles e eles brigavam comigo. Zé Nunes
mesmo brigou, disse que não ganhava dinheiro pra ficar com a boca arreganhada, e eu
falei, não quer arreganhar a boca você fecha, costura, mas se você não quer, não vai, sai
fora.
3) E essa Reza, você faz para quais os Santos?
R: São Sebastião, meu padroeiro, Santos Reis e Nossa Senhora Aparecida, tudo no dia de
hoje.
4) E geralmente são quantos músicos, os tocadores que participam da Folia?
145
R: Antigamente nós era oito folião.
5) E quais os instrumentos?
R: Viola, violão, rebeca, a caixa, pandeiro...hoje não tá tendo mais nem folião, só tá tendo
eu e os três Reis Magos né?
6) E o Senhor reza três Terços né?
R: Um para Mosto São Sebastião, o segundo para Santos Reis e o Terceiro para Nossa
Senhora Aparecida.
7) Como é que é feita a Reza dos Terços, é a noite, de dia? Começa de dia, vai para
noite?
R: Não tem escolha, o ano passado nós rezamos de dia, três horas da tarde, nós
terminamos a noite, no ano atrasado, nós amanhecemos o dia, veio meus parente de Sete
Lagoas, meu filho de Montes Claros e nós amanhecemos o dia, quando tem folião nós
amanhece o dia, quando não tem termina cedo, reza de dia e termina de dia mesmo.
8) E os cantos Seu Lero?
R: Pra cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião, Santos Reis e Nossa
Senhora Aparecida, pra cada santo um canto, é devoção, tradição.
9) E esses cantos você pegou com Versol?
R: Eu só peguei de Santos Reis, pra falar a verdade ele não sabia os cantos de Nossa
Senhora Aparecida e nem de São Sebastião, ele cantava assim, falava no Santo, pra
oferecer pra imagem e tal, mais ele não sabia os cantos, depois com os anos que eu pedi a
cópia dos cantos e trazia os folião do Jacaré pra cá.
10) E essa reza costuma durar quanto tempo?
146
R: Não tem tempo, é até eu agüentar, a hora que eu não agüentar acabou, enquanto o
povo me segue ia até amanhecer o dia.
11) E o leilão, me parece que tem um leilão, ele é após a reza?
R: É depois da reza, o ano passado ainda teve. Eu tenho um livrim com a foto que
explica, por trás é oferecido a São Sebastião, o livrim explica que na tradição antiga,
antiga, (enfatiza a palavra antiga) o povo oferecia porco, galinha pra São Sebastião, ele era
o Santo que combatia a peste, a guerra, a doença. É a fé que cura. Eu peguei essa
promessa na Vereda Viana e peguei com Deus, ele é um Santo muito milagroso.
12) E essa reza acontece sempre dentro da casa do Senhor?
R: Sempre, é aqui na minha casa.
13) E vem gente de fora?
R: Vem...ano passado veio muita gente de fora, esse ano eu tô muito sem graça, muita
gente que ia vim e não pode, tô muito sem graça.
14) Agora aqui no Agreste, Seu Lero, tem algumas manifestações tradicionais que
acontecem aqui, a reza do Senhor e qual mais?
R: Só Elpidão, ali, costuma rezando dia 12 de Outubro, Festa de Nossa Senhora
Aparecida, mas no mais acabou. O Versol rezava dia 13, pra Santa Luzia, morreu, acabou,
teve um véi, o Francisco que também rezava pra Santa Luzia, morreu, acabou, tudo no dia
13. Tinha o Oliço ali que rezava dia 11 de Outubro. Acabou, parou...os festeiro só eu e
Elpidão.
15) No meio do ano tem as Festas Juninas né?
R: Mas é festa de Igreja né? Vem padre, Junho e Setembro, na primeira semana de Junho.
Primeiro era 8 de Junho e 8 de Setembro, agora passou para primeiro de Junho e primeiro
de Setembro, é conforme o primeiro sábado do mês.
147
16) Então o Senhor acredita que essa tradição no Agreste acabou porquê?
R: Uns faleceram, Versol e Francisco, os que tão aqui parou tudo...é falta de fé né? O
folião hoje muda muito, esse negócio de Igreja, lei, muda muito, uns vão na Igreja, outros
deixa de ir na Igreja, cada um faz o que quer. Mas o folião aqui ta acabando...ta, ta
acabando, pode dizer que ta acabando...eu mesmo não vou correr aqui atrás de quem não
quer mais não, to ficando véi da batalha e não tem outro que serve, então ta terminando.
17) E o Senhor acha importante manter essa tradição?
R: A...deveria, eu acho. Eu achei no mundo, aqui eu deixo, não foi eu que plantei, foi os
Três Reis Magos né? Os primeiros que foram visitar Jesus, então acho que não deveria
acabar não, continuar, como eu já dei muita tradição pra muitos ai. Na Vereda mesmo eu
plantei uma folia lá, que tava bonita demais, eles começou aqui comigo, eu trazendo eles
aqui pra folia mais eu. E pra falar a verdade, eles tava melhor do que eu, mas acabou eles
brigando lá, foi na Nossa Senhora Aparecida mesmo, um quebrou a rebeca na cabeça do
outro e virou uma cachorrada e acabou a tradição. Já tem maconheiro no meio. Eu só ando
na coisa certa, se num seguir a coisa certa num tem jeito. O Zé Nunes mesmo, folião mais
véio, podia me aconselhar e ajudar, mas num foi.
18) Então o Senhor é o Mestre da Folia daqui há mais de trinta anos?
R: Infelizmente só tem eu, só tem eu, mais ninguém.
19) Mas o Senhor não pensou em ensinar isso aos mais novos?
R: Ninguém quer não, não vou falar mal dos outros, nem meus filhos quis, então não
adianta, o melhor das cartas é não jogar né? Então ninguém quer.
20) E hoje, vai começar que horas?
R: Não tem precisão não, tem uma filha minha que ficou de chegar, deve tá por aí. É de
meio dia em diante, antes eu sei que não vai começar.
148
21) O Senhor monta a Lapinha aqui na sua casa?
R: É o oratório.
22) E a reza é em frente ao oratório?
R: É em frente ao oratório.
23) E todo mundo ajuda a montar?
R: É minhas filhas, minha nora, as rezadeira.
24) Seu Lero, e os músicos que acompanham o Senhor?
R: Já falei acabou, não existe mais ninguém, acabou. No ano passado eu coloquei até
muié pra me ajudar.
25) E chega a ensaiar antes?
R: De primeiro tinha, mas depois eles ia fazer errado, eu ia reclamar e eles brigavam
comigo, tinha de seguir o que eles queria, para fazer errado, do modo que eles queria eu
não queria, saí fora. Queria acompanhar as tradição com que eu aprendi e me explicava,
como que era o sistema da folia, mas eles não queria me seguir. Tinha um corião nosso
aqui, era o Luisim, e o Imperador era outro Luis. Nós saía pra folia e cantava três dias na
vizinhança, dava o manifesto no dia 24 pra 25, parava, no dia primeiro de Janeiro nós
entrava cantando, tirando esmola. Até na Vereda nós foi na folia. Até o dinheiro que tirava
ganhava de esmola. Frango, tudo, não tinha dinheiro dava um frango, e dava uma festa no
dia 6. Ia de casa em casa. Pra mim acabou-se. Não tem assunto de folia mais não, não tem
folião, mas se pintar algum ai nós faz né? Tomara que dê certo.
26) Com relação aos instrumentos, algum era feito aqui ou era comprado?
149
R: Comprado. O que eles fazia aqui é os pandeiro, de couro de veado e cotia. A caixa
também, eles fazia aqui na Vereda. Zé Nunes deve ter uma aí.
2ª Entrevista
Entrevista com Zé Nunes. Um dos Foliões mais antigos de Agreste.
Nome: José Nunes dos Santos. (Um dos foliões mais antigos da comunidade).
Idade: 78 anos.
1) O Senhor é um dos primeiros foliões aqui de Agreste?
R: De ajudante já sou bem velho né? Porque quando eu nasci, quando eu tava criando,
tinha um Terno que era do meu avô Filisbino, depois o outro terno e o folião chamava
Joaquim de Souza, que era tio de minha muié, depois entrou o Versol, que era residente
daqui, e eu depois de Versol pra cá eu fuliei toda vida, uns 20 anos.
2) E o Senhor tocava qual instrumento?
R: Caixa, e até hoje...teve um tempo que eu afastei da folia, o povo foi morrendo, aí eu
encostei a caixa. Tava muito véia e enfraqueceu né? Lero tem viola, violão, agora eu
acompanho com a de Lero. Agora depois de Versol foi meu cunhado, ele não mora aqui não,
mora em Itacambira. Chama Luís. Agora depois dele Lero entrou, pra Lero não falar mal, a
folia aqui tá parada, porque Lero é assim, ele falta, mas qualquer falta dos outro e descobre e a
dele ele escapa e o povo não gosta disso e afasta. Folia agora só no dia 20 de Janeiro. O povo
canta guaiano, sapateia, Lero é bom festero, é boa pessoa só é nojento né? Mas ele é boa
pessoa. Todo ano nós brinca muito lá. Quando aparece os companheiro certo, não tem os
companheiro certo mais né? Às vezes é um que arrisca fazer e não sabe e descontrola né?
Agora mesmo, hoje pelo menos tem um que está internado em Montes Claros, o Preto, só tem
eu e Lero mesmo, se aparecer faz se não, ninguém sabe nem se tem.
3) Essa reza é muito antiga não é?
150
R: É, toda vida, já tem uns vinte anos, desde que ele mudou pra qui, e continuou a mesma
coisa, todo ano, todo ano.
4) E quantos foliões costumam participar da folia?
R: Bom...os folião tem que ser a base certa né? Tem que ser quatro pessoa, a folia mesmo
tem que ser quatro, agora pra fazer a assistência tem que ser oito pessoa, até oito pessoa,
agora se não tiver pode ser até quatro pessoa.
5) E quais são os instrumentos?
R: Viola, caixa, violão, pandeiro, rebeca, e o instrumento é esse. Aqui já foi muito bom,
pra folia era uma festa arrumada, agora acabou, nós era em oito folião, agora morreu
quase todos né? Já morreu quase todos..meu irmão era bom demais pra cantar, não sabia
tocar, não tocava não, mas era...ele batia pandeiro bom demais, morreu, tinha o Versol,
era o chefe da folia, morreu, tinha do nome Ciciano, morreu, seu Luis, morreu, os folião
véio morreu tudo né?
6) E os mais jovens, você não costuma ensinar as mais jovens?
R: O povo não quer moço, até quer, mas ocê sabe, é o que eu to falando com ocê, é o
modo de Lero, ele podia ensinar, até motivar o que tem vontade né? Mas ele não tem
paciência, aquilo qualquer é reclamado da pessoa, a pessoa vai, abusa e nem beira e vai
acabando né?
7) E aqui, por exemplo, nas tradições aqui, nas festas, foram acabando, tinha outras
tradições que foram acabando com o tempo, quais destas que o Senhor lembra e que
acabaram com o tempo?
R: Bom, óia, quando eu me conhecia por gente, as folias aqui era mês de Junho, festa da
Igreja né? Começava dia primeiro, ia até dia treze, era treze dia de festa, todo dia eles
rezava, e cantava e dançava, o povo morava mesmo ai..
8) Tinha o Batuque aqui?
151
R: Demais, demais...tinha Batuque a noite inteira, tinha tal cana verde..
9) Cana Verde? É uma Dança?
R: É uma dança, é uma dança das moça, as muié mais véia, ia batucar, aqueles homem e
aquelas moça ia. Essa cana verde eles chamava de cantiga de roda, dança de roda, pegava
o vulto e enchia aquela roda assim ó..(apontando para o terreiro).
10) E hoje não tem mais?
R: Agora, hoje acabou tudo isso, batuque também acabou, o povo começa ali, mas não é
como era não, se formar o batuque entra muita gente, mas não faz que nem fazia. Naquele
tempo o povo dançava mesmo o batuque, aqui no Arapuim tem, o povo ainda tem. La tem
um lugar que chama Caxambu, o povo é doido, dança, mas dança mesmo, e Arapuim,
Jaiba, era a gema do batuque, era lá...Agora, aqui tinha as dança de sala que eles chamava
era bailo, e o bailo era brincar mesmo, beber cachaça, jogar baralho, jogar tudo,
caipira...naquele tempo não tinha outro jogo não, era caipira, aquelas das pedrinha, e
baralho...naquele tempo o jogo era esse, não tinha sinuca, as luz das festa era candeia de
cera de abelha, não tinha vela não, toda vida tem vela mas é pouca, era pegar a cera de
abelha no mato, e ajeitava, fazia aqueles rolo, cortava assim, um dia tinha duas mil pessoa,
todo mundo com uma candeia na mão, então foi mudando tudo..
11) E o que acontece hoje? O que o Senhor vê, percebe? Qual o divertimento hoje?
R: Divertimento hoje tem, é a força, naquele tempo era sanfonero, pé de bode, quatro
baixo, oito baixo, hoje é no sol, cerveja..naquele tempo era cachaça, era só brincadeira
mesmo, não tinha cerveja, era cachaça, era a bebida do povo, quem bebia, a cachaça,
bebeu, quem não bebia, não bebia nada, não tinha refrigerante...Agora as dança, as dança
inclusive conforme era, é cada vez mais o povo aprendendo mais, quando é pra fazer um
forró ai, enche de gente né? Agora deferençô também os tipo de dança né? Antigamente o
povo dançava num sistema e hoje é de outro, o forró hoje tá mesma coisa de lambada né?
Antigamente o povo era mais grosseiro, num sabia disso não, chamava era forró,
tal...música assim, assim, falava ...eles não sabia disso não, até o nome das música deles
152
era diferente, de primeiro era um tal de sorteio, mazurca, era um tal de calango, o nome
era assim...hoje não tem mais.
12) Hoje eles ligam o som né?
R: Hoje tem o bar Esquema, o ponto de seu Lero, Cassiano. Sábado e Domingo eles liga o
som, na semana não tem não..Hoje eles não abrem não, hoje é dia de Santo, dia de São
Sebastião, ai eles não abre não, e então vai levando aí...A folia, os canto, tudo tem que...os
cara certo que canta junto, se entra outro não sai bem, responde direito...quando tá
acostumado não, sabe tudo, o que um fala lá, outro responde..
13) E o Senhor canta também?
R: Eu só acompanho, Lero é que guia, eu só acompanho...cada canto tem um sistema, até
o batido da viola, tudo tem interferência, tem uns mais avexado, outros mais compassado,
mas o canto de Reis, praticamente só faz pra aquele Santo, o som é um som, agora você
tem que agradecer pra aquele Santo que é o dia dele né?
14) Seu Zé Nunes, tem também as festas Juninas não é?
R: É no mês de Junho, no primeiro final de semana, abre a Igreja, o Padre é de São João
da Ponte, todo sábado e domingo tem leilão, vem o Padre, celebra missa, casa gente,
levanta a bandeira, pra Santo Antônio.
15) E tem folia nesta época?
R: Não tem não, nessa festa tem muita é dança, essas coisa, farra.
16) E em outubro tem a Festa de Nossa Senhora Aparecida?
R: Alguns festeja.
17) E tem folia também?
153
R: Não, na Vereda tem folia, lá tem um bocado de gente que reza lá e canta Reis, agora
por aqui quando aparece, não tem folia, só dança mesmo, é 12 de Outubro, de 11 pra 12,
uns faz 11, outros faz 12, não tem folia não, só dança, esses negócio..tem Santa Luzia
também que proteja as vista da pessoa né? Muita gente reza..
154
Relatório do PNNM – Escolha da Comunidade Agreste
Universidade Estadual de Montes Claros
Pró-Reitoria de Extensão
Mestrado em Desenvolvimento Social
Projeto de Extensão
“Negros do Norte de Minas: identidade, cultura e educação étnica em uma
comunidade quilombola”
Relatório de Viagem 1
Montes Claros, maio de 2006
155
RELATÓRIO DE VIAGEM
Data: 06 e 07 de maio de 2006
Professores participantes:
-Cláudia de Luz
-João Batista Almeida
-Luciano Sarmento
-Maria Helena Ide (Bárbara)
-Maria Railma Alves
-Mônica Amorim
Localidades visitadas71:
a) Município de Janaúba: Distrito de Quem-Quem
b) Município de São João da Ponte: Distrito Agreste e Comunidade Vereda Viana
c) Município de Capitão Enéas: Bairro Sapé
Objetivo
Localizar e selecionar comunidade quilombola para desenvolver atividade de pesquisa e
extensão.
Relatório
O presente relatório se estrutura em duas partes. Na primeira são descritas impressões
gerais das localidades visitadas e os contatos que foram estabelecidos; na segunda são
apresentados relatos específicos das percepções de cada grupo de professores, que
compõe a equipe interdisciplinar do projeto, sobre a comunidade selecionada.
71
A escolha das localidades a serem visitadas foi resultado de consulta anterior feita pelo prof. João Batista a
lideranças rurais que apontaram lugares habitados por população composta, em sua maioria, por pessoas negras.
156
Descrição da viagem e dos contatos estabelecidos
06/05/06
Distrito Quem-Quem, município de Janaúba
Chegamos à comunidade pela manhã. A primeira providência foi identificar pessoas de
referência que pudesse nos passar algumas informações básicas sobre a comunidade e sobre
pessoas mais velhas que fossem portadoras da memória da localidade.
Iniciamos o contato com uma pessoa que abordamos na rua, a qual nos indicou a casa da
professora Fatinha. Ela nos recebeu de forma muito aberta e se dispôs a relatar, de modo
geral, a história do distrito, apontando em sua fala pessoas mais velhas de referência na
comunidade.
Visitamos também duas senhoras anciãs, apontadas pela professora. Elas não acrescentaram
informações novas ao que já havíamos coletado. Uma terceira senhora, também mais velha
não quis nos receber. Ficou do terreiro nos observando, mas não sentiu confiança em
estabelecer contato. Fomos à casa de uma benzedeira, dona Tina. Ela é muito procurada pela
população para rezar as pessoas que estão com espinhela caída.
Foi possível perceber que parte da população de Quem-Quem é composta de pessoas que
possuem características de população de descendência africana. Porém, foi possível também
perceber, andando pelas ruas, que a população negra e branca é muito misturada, não
havendo, a primeira vista, uma concentração significativa de população afro-descendente.
Distrito de Agreste, município de São João da Ponte
Usando a mesma estratégia de Quem-Quem, procuramos contato inicial com pessoas mais
velhas e com o presidente da Associação de Moradores, seu Tito.
O grupo se dividiu. As professoras Bárbara (Maria Helena), Railma e Mônica foram
conversar inicialmente com a professora Maria Luisa, a qual apontou o senhor João Souza
como uma referência importante por ter sido criado pelo falecido Versol, que foi uma pessoa
chave na comunidade.
157
Os professores João Batista, Claúdia e Luciano fizeram contato com o senhor José Nunes,
uma pessoas mais velha, conhecedora da história da comunidade e com o Presidente da
Associação de Moradores, senhor Tito.
Os contatos permitiram levantar algumas informações iniciais importantes sobre a história da
comunidade.
O distrito de Agreste possui uma população mais homogênea em termos de grupo étnico. É
perceptível uma presença maior de pessoas com características afro-descendente. Em termos
fundiários, a região apresenta uma grande concentração de terras em mãos de fazendeiros. A
localidade está rodeada de grande fazendas, de forma que a população possue somente seus
terreiros ligados à casa, onde cultivam temperos, ervas, verduras, frutas e criam pequenos
animais. Não há sequer um pequeno pedaço de terra para se fazer uma horta comunitária,
conforme depoimento do presidente da Associação de Moradores. A comunidade está ilhada.
Comunidade de Vereda Viana
Acompanhados do senhor Tito, visitamos a comunidade Vereda Viana, distante cerca de 15
km(???) de Agreste. A comunidade apresenta uma ocupação territorial mais dispersa. As
casas se localizam distantes uma das outras. Como não encontramos o presidente da
Associação em casa, conversamos somente com senhor Tião e sua esposa. O senhor Tião, é
considerada uma pessoa portadora de um grande conhecimento sobre a origem da
comunidade.
Diferentemente de Agreste, as famílias de Vereda possuem pequenas propriedades, onde
praticam agricultura de subsistência.
07/05/06
Bairro Sapé, cidade de Capitão Enéias
O bairro Sapé parece possuir uma concentração maior de população negra dentro da cidade de
Capitão Enéias. Segundo relato de pessoas da comunidade, sua origem remonta a um
quilombo que se estabeleceu às margens da lagoa e que, devido a expansão da cidade, acabou
sendo incorporado ao perímetro urbano.
158
Assim como Quem-Quem, a presença da população negra dentro do bairro está muito diluída,
o que torna difícil inferir, em um primeiro contato, se ele realmente concentra uma população
afro-descendente de forma significativa para esta primeira fase do projeto.
Reunião de trabalho
1) Seleção da comunidade
Após a visita ao bairro Sapé, a equipe de professores se reuniu com o objetivo de
discutir a seleção da comunidade. Foi solicitado também que houvesse uma rodada de
colocações sobre as impressões iniciais a respeito da comunidade escolhida a partir da
ótica de cada campo disciplinar ligado ao projeto, quais sejam: antropologia, arte,
educação e sociologia.
Em relação à escolha da comunidade, o grupo foi unânime em apontar a comunidade de
Agreste como aquela que reúne as características mais próximas do objetivo do projeto de
trabalhar com uma comunidade quilombola. Agreste, entre todas as outras localidades
visitadas, foi a que mais concentra de forma menos diluída uma população de afrodescendentes. Foi possível perceber uma concentração maior e mais homogênea de pessoas
com descendência africana. Outra característica possível de ser inferida, a partir das
conversas, foi o processo de perda das terras pela população negra, com uma conseqüente
concentração no perímetro urbano, ficando a comunidade espremida pelas grandes fazendas
ao redor.
Na visão da equipe, o projeto a se iniciar com a comunidade de Agreste possui um grande
potencial para irradiar para outras localidades próximas de forma a abranger toda uma região
quilombola que se estabeleceu historicamente na bacia do rio Verde Grande.
159
Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007
Município
Nome da comunidade
Abadia dos Dourados
Dourados
Alagoa
Bairro Quilombo
Além Paraíba
Caxambu
Almenara
Marobá
Alvorada de Minas
Escadinha de Cima
Amparo da Serra
Estiva
Antônio Dias
Baú
Indaiá
Mangorreira
Araçuaí
Arraial da Ponte do Gravatá
Arraial dos Crioulos
Ambus
Baú
Córrego do Narciso do Meio (do Narciso ou Narciso do Meio)
Sapé
Pé de Serra
Tesoura
Arinos
Morrinhos
Ataléia
Ferreirão
Paulos
Salineiro
Mercês
Contenda
Belo Horizonte
Luízes
Mangueiras
Belo Oriente
Córrego Grande e Corguinho
Fazenda Esperança
Belo Vale
Chacrinha dos Pretos
Comunidade da Boa Morte
Berilo
Brejo
Caititu do Meio
Alto Caititu
Caititu de Baixo
Morro do Buteco
Quilombola (Calhambola)
Vila Santo Isidoro
Vai Lavando
Barro
Capivari
Relâmpago
Itacambira
Povo
Jatobá
Jacu
Bom Jardim
Mocó
Muniz
Água Limpa de Cima
Água Limpa de Baixo
Bias Fortes
Colônia do Paiol
Bocaiúva
Borá
Peixoto
Senhorinha dos Santos
Palmito
Mocambo
Bom Despacho
Tabatinga
160
Quenta Sol
Bom Sucesso
Carrapato
Bonito de Minas
Campo Redondo
Ilha do Retiro
Ilha Valerinho
Lapinha
Ressaca
Tamboril
Tapera
Buriti das Mulatas
Brasilândia de Minas
Porto
Brasília de Minas
Cercado
Paracatu
Brumadinho
Córrego do Feijão
Sapé
Cachoeira da Prata
Nicolau Teixeira / Ariranha
Caeté
Felipe
Candeias
Furtados
Capelinha
Cisqueiro
Galego
Santo Antônio do Fanado
Santo Antônio dos Moreiras
Vendinha
Capinópolis
Família Teodoro
Capitão Enéas
Barreiro Grande
Carlos Chagas
Marques I
Marques II
Cantagalo
São Felix
Catuti
Gado Velhaco / Gurutubanos
Maravilha / Gurutubanos
Chapada do Norte
Cruzinha
Cuba
Misericórdia
Moça Santa (Bom Jesus)
Gamela
Gravatá (Quebra-Bateia)
Córrego Santa Rita
Córrego do Rocha
Paiol
Poções
Porto dos Alves
Ribeirão da Folha
Ribeirão da Cachoeira
Ferreira
Água Suja
Chapada Gaúcha
Barra Vermelha
Buracos
Cajueiro
São Félix
Rio dos Bois
Retiro dos Bois
Vereda D'anta
Prata
Coluna
Furtuoso
Suaçuí
Conceição do Mato Dentro
Candeias
Congonhas do Norte
Três Barras
161
Contagem
Arturos
Coração de Jesus
São Geraldo
Coromandel
Chapadão do Pau Terra
Padre Lázaro
Couto de Magalhães
Canjicas
Crisólita
Deládio
Crucilândia
Correias
Curral de Dentro
Laranja
Curvelo
Passar de Pedra
Baú
Diamantina
Quartel de Indaiá
Dionísio
Baú
Divino
São Pedro
São Pedro de Cima
Dores de Guanhães
Fazenda do Berto
Fazenda Bocaina
São Pedro
Macuco
Felisburgo
Paraguai
Tanque
Ferros
Mendonça
Fervedouro
Paraíso
Formoso
Costa Barbosa
São Francisco (Mato Grande)
Francisco Badaró
Alta Passagem
Mocó
Tocoiós
Francisco Sá
Poções
Frei Lagonegro
Córrego das Areias
Fronteira dos Vales
Nunes
Prejuízo
Ventania
Gameleiras
Lagoa dos Mártires
Glaucilândia
Laranjão
Gouveia
Espinho
Guidoval
Ribeirão Preto
Itacarambi
Remanso
Vila Florentina
Pau Jau
Ilha do Capão
Brejo do Santana
Ilha do Retiro
Indaiabira
Brejo Grande
Fazenda Brejo Grande
Itabira
Morro Santo Antônio
Capoeirão
Engenho
Felipes
Gatos
Família Pascoal
Quilombo
Itaobim
Arraial dos Farranchos
Itaúna
Catumba
Jaboticatubas
Açude Cipó
162
Berto
Mato do Tição
Jaíba
Vila João Garcia (ou Lagoa de Barro) / Gurutubanos
Canudo / Gurutubanos
Janaúba
Açude / Gurutubanos
Barroca / Gurutubanos
Gorgulho / Gurutubanos
Guerra / Gurutubanos
Jacaré Grande / Gurutubanos
Lagoa de Barro / Gurutubanos
Loreana / Gurutubanos
Pacuí II / Gurutubanos
Salinas Maravilhas / Gurutubanos
Tabua / Gurutubanos
Taperinha II / Gurutubanos
Vila Sudário / Gurutubanos
Lagoa dos Mártires / Gurutubanos
Bodoque / Gurutubanos
Mocambinho / Gurutubanos
Januária
Água Viva
Balaieiro
Ilha da Capivara (Quebra Guiada)
Brejo do Amparo
Fazenda Picos
Gameleira
Pasto do Cavalo
Jeceaba
Bananal e Mato Félix
Jenipapo de Minas
Cachoeira do Bolas
Martins
São José dos Bolas
Lagoa Grande
Jequeri
Capuxá
Jequitibá
Doutor Campolina
Jequitaí
Buriti dos Neves
Quilombo
Lagoa Trindade
Jequitinhonha
Mumbuca
Farranchos
Joaíma
Barreirinhos
João Pinheiro
Santana da Caatinga
Lagoa Formosa
Campo Bonito
Leme do Prado
Ferreira
Porto Coris (Boa Sorte)
Luislândia
Júlia Mulata
Manga
Brejo de São Caetano
Ilha da Ingazeira
Justa I
Justa II
Pedra Preta
Puris
Riacho da Cruz
Bebedouro
Espinho
Malhadinha
Vila Primavera
Martinho Campos
Açude Ruim
Mato do Barreiro (Saco do Barreiro)
Fazenda do Olho D'água
Materlândia
Boa Esperança
163
Bufão
Córrego do Botelho
Costas e Roseiras
São Domingos
Turvo de Cima e Fidélis
Matias Cardoso
Lapinha
Praia
Medina
Arredor
Minas Novas
Gravatá
Mata Dois
Bem Posta
Macuco
Nagô
Quilombo
São Cristóvão
São Benedito do Capivari
Trovoada
Cabeceira do Ribeirão da Folha
São Pedro do Alagadiço
Cabeceiras
Santiago
Capão da Taquara
Mirabela
Borá
Moeda
Coqueiros
Monjolos
Rodeador
Monte Carmelo
Atalhos
Montes Claros
Buraco Redondo
Monte Alto
Montezuma
Vargem das Salinas (Fazenda São Bartolomeu)
Muzambinho
Barra Funda
Brejo Alegre
Nanuque
Gumercindo dos Pretos
Nazareno
Jaguara
Palmital
Nova Era
Comunidade da Luz
Oliveira
São Domingos
Onça de Pitangui
Rio do Peixe
Ouro Branco
Guidoval
Ouro Preto
Lavras Novas
Ouro Verde de Minas
Água Preta
Córrego Santa Cruz
Pai Pedro
Barra do Pacuí / Gurutubanos
Picada / Gurutubanos
Salinas I / Gurutubanos
Salinas II / Gurutubanos
Salinas IV / Gurutubanos
Salinas V / Gurutubanos
Salinas VI / Gurutubanos
São Domingos
Taperinha / Gurutubanos
Paracatu
Cercado
Comunidade dos Amaros
Machadinho
Pontal
São Domingos
Paraopeba
Pontinha
Passa Tempo
Cachoeira dos Forros
164
Patrocínio
Calunga
Pimenta
Cachoeira do Quilombo
Pescador
Ferreiras
Piracema
Quilombo
Tatu
Piranga
Santo Antônio de Pinheiros Altos
Guiné
Bacalhau
Pitangui
Velozo
Ponte Nova
Abre Campo
Baú
Fátima
São Pedro
Porteirinha
Mumbuca / Gurutubanos
Brutiá
Presidente Juscelino
Capão
Caiambola
Raul Soares
Bernardos
Ressaquinha
Santo Antônio do Morro Alto
Resende Costa
Curralinho dos Paula
Riacho dos Machados
Peixe Bravo
Rio Espera
Buraco do Paiol
Moreiras
Rio Pardo de Minas
Catulé
Fazenda Cachoeira
Rio Pomba
Coelhos
Sabinópolis
Córrego Mestre
Córrego São Domingos
Maritaca
Quilombo
Santa Bárbara e Barra
São José do Quilombo
Sesmaria
Salinas
Comunidade dos Bagres
Comunidade dos Firminos
Matrona
Santa Bárbara
Cachoeira de Florália
Santa Fé de Minas
Fazenda Genipapo
Santa Luzia
Pinhões
Santa Rita
Santa Maria de Itabira
Barro Preto
São Pedro
Quilombo
Macuco
Florença
Santana do Riacho
Xiru
Santo Antônio do Itambé
Botafogo
Mata dos Crioulos
Martins
Santo Antônio do Retiro
Passos Cavalos
Tamboril
São Domingos do Prata
Serra
São Francisco
Bom Jardim da Prata
Buriti do Meio
Lagoa da Prata
165
Lajedo
Ribanceiras
Pinhãozeiro
Porto Velho
São João Batista (Barra dos Caldeirões)
São Gonçalo do Rio Abaixo
Quilombo
São Gonçalo do Rio Preto
Rio das Pedras
São João da Ponte
Agreste
Terra Dura e Sete Ladeiras
Vereda Viana
São João da Ponte e Varzelândia Brejo dos Crioulos
Boa Vistinha e Limeira
São João do Paraíso
Fazenda Cariri
Fazenda Salinas
São José da Lapa
Dom Pedro
Fazenda Conceição
Maravilha / Fazenda Cabeleira
São Romão
Ribanceira
Senhora do Porto
Moinho Velho
Serra do Cabral
Buriti do Chega Nega
Serranópolis de Minas
Brejão
Brutiás
Campos-Pintados
Rio da Cruz
Touro / Gurutubanos
Serro
Ausente
Baú
Comunidade do Ó (Milho Verde)
Ribeirão dos Porcos
Rua Vila Nova (São Gonçalo do Rio das Pedras)
Teófilo Otoni
Bairro Palmeiras / Margem da Linha
São Julião
Imburama
Cama Alta
Três Pontas
Cascalho
Martinho Campos
Quebra-Pé
Uberlândia
Tenda dos Morenos
Urucuia
Baixa Funda
Varzelândia
Boa Vistinha
Limeira
Vazante
Bagres
Cabeludo
Bainha
Verdelândia
Cachoeirinha
Amargoso
Fazenda Polpa do Mundo / Mirassol / F. Santa Cruz / F. Corgão
Fazenda Limeira / Vista Alegre
Lagoa da Pedra / Lagoinha
Fazenda Boa Sorte / Fazenda Caitité / Comunidade União
Viçosa
Buieié
Quilombo da Rua Nova
Virgem da Lapa
Almas
Bugres
Curral Novo
Mutuca
Onça
Rosário
166
Pega
Capim Puba
Cardozo
Gravatá
Massacara
Visconde do Rio Branco
Bom Jardim
Baixo Paraopeba
Retiro dos Negros
Beira Córrego
Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais
Fonte: http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/mg/mg_lista_comunidades.html
167
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003.
Regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes
das comunidades dos quilombos de que trata o
art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI,
alínea "a", da Constituição e de acordo com o disposto no art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias,
DECRETA:
o
Art. 1 Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação,
a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.
o
Art. 2 Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste
Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria,
dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com
a resistência à opressão histórica sofrida.
o
§ 1 Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos
quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
o
§ 2 São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas
para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
o
§ 3 Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de
territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à
comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.
o
Art. 3 Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da
competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
o
§ 1 O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.
o
§ 2 Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e
instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito
Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.
o
§ 3 O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de
qualquer interessado.
168
o
o
o
§ 4 A autodefinição de que trata o § 1 do art. 2 deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral
junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do regulamento.
o
Art. 4 Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da
Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA
nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes
das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.
o
Art. 5 Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e
acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização
fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades
dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao
procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste Decreto.
o
Art. 6 Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em
todas as fases do procedimento administrativo, diretamente ou por meio de representantes por eles
indicados.
o
Art. 7 O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e
levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial
da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo, contendo as
seguintes informações:
I - denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;
II - circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;
III - limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem
tituladas; e
IV - títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas
suscetíveis de reconhecimento e demarcação.
o
§ 1 A publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o
imóvel.
o
§ 2 O INCRA notificará os ocupantes e os confinantes da área delimitada.
o
Art. 8 Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico
aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as
matérias de suas respectivas competências:
I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;
II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;
V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;
VI - Fundação Cultural Palmares.
Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-seá como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.
169
o
Art. 9 Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações a
o
que se refere o art. 7 , para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes.
Parágrafo único. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o
trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Art. 10. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do
Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.
Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à
faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de
Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando
garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do Estado.
Art. 12. Em sendo constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o
INCRA encaminhará os autos para os entes responsáveis pela titulação.
Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos
título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado
ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção
dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.
o
§ 1 Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de
o
propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7 efeitos de comunicação prévia.
o
§ 2 O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória
disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante
levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.
Art. 14. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades
dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento das
famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das benfeitorias
de boa-fé, quando couber.
Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos
remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação
das suas terras.
Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural
Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos
quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade
territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras
entidades ou órgãos que prestem esta assistência.
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da
Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes
das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.
Art. 17. A titulação prevista neste Decreto será reconhecida e registrada mediante outorga de
o
título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 2 , caput, com obrigatória inserção
de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade.
Parágrafo único. As comunidades serão representadas por suas associações legalmente
constituídas.
170
Art. 18. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao
IPHAN.
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro
ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Art. 19. Fica instituído o Comitê Gestor para elaborar, no prazo de noventa dias, plano de
etnodesenvolvimento, destinado aos remanescentes das comunidades dos quilombos, integrado por
um representante de cada órgão a seguir indicado:
I - Casa Civil da Presidência da República;
II - Ministérios:
a) da Justiça;
b) da Educação;
c) do Trabalho e Emprego;
d) da Saúde;
e) do Planejamento, Orçamento e Gestão;
f) das Comunicações;
g) da Defesa;
h) da Integração Nacional;
i) da Cultura;
j) do Meio Ambiente;
k) do Desenvolvimento Agrário;
l) da Assistência Social;
m) do Esporte;
n) da Previdência Social;
o) do Turismo;
p) das Cidades;
III - do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à
Fome;
IV - Secretarias Especiais da Presidência da República:
a) de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
b) de Aqüicultura e Pesca; e
171
c) dos Direitos Humanos.
o
§ 1 O Comitê Gestor será coordenado pelo representante da Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial.
o
§ 2 Os representantes do Comitê Gestor serão indicados pelos titulares dos órgãos referidos
nos incisos I a IV e designados pelo Secretário Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial.
o
§ 3 A participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço público relevante,
não remunerada.
Art. 20. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos
quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas
especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
Art. 21. As disposições contidas neste Decreto incidem sobre os procedimentos administrativos
de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares e o INCRA estabelecerão regras de transição
para a transferência dos processos administrativos e judiciais anteriores à publicação deste Decreto.
Art. 22. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-ão sem
ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área.
Parágrafo único. O INCRA realizará o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos
remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos que respeitem suas
características econômicas e culturais.
Art. 23. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas neste Decreto correrão
à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade,
observados os limites de movimentação e empenho e de pagamento.
Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
o
Art. 25. Revoga-se o Decreto n 3.912, de 10 de setembro de 2001.
o
o
Brasília, 20 de novembro de 2003; 182 da Independência e 115 da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Gilberto Gil
Miguel Soldatelli Rossetto
José Dirceu de Oliveira e Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 21.11.2003
172
Procedimento de Certificação de Comunidades Quilombolas
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicos raciais, segundo
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com formas de resistência à
opressão histórica sofrida.
Para a emissão da certidão de autodefinição como remanescente dos quilombos deverão ser
adotados os seguintes procedimentos:
I - A comunidade que não possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata de reunião
convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela
maioria de seus moradores, acompanhada de lista de presença devidamente assinada;
- A comunidade que possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata da assembléia
convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela
maioria absoluta de seus membros, acompanhada de lista de presença devidamente assinada;
III- Remessa à FCP, caso a comunidade os possua, de dados, documentos ou informações, tais
como fotos, reportagens, estudos realizados, entre outros, que atestem a história comum do grupo ou
suas manifestações culturais;
IV - Em qualquer caso, apresentação de relato sintético da trajetória comum do grupo (história da
comunidade);
V - Solicitação ao Presidente da FCP de emissão da certidão de autodefinição.
A Fundação Cultural Palmares poderá, dependendo do caso concreto, realizar visita técnica à
comunidade no intuito de obter informações e esclarecer possíveis dúvidas.
As comunidades quilombolas poderão auxiliar a Fundação Cultural Palmares na obtenção de
documentos e informações para instruir o procedimento administrativo de emissão de certidão de
autodefinição.
Quanto às questões de medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios
de
territorialidade
indicados
pelos
remanescentes.
Contudo,
compete
ao
Ministério
do
Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas.
173
CD – Arquivo único contendo registros em Vídeo e Áudio da Folia
De Reis de Agreste.
1 – A reza dos terços
2 – Canto de Saudação
3 – Canto a Nossa Senhora Aparecida
4 – Canto a São Sebastião
3 – Lundu
4 – Guaiano