Tema em destaque - Associação Portuguesa de Medicina Geral e

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Tema em destaque - Associação Portuguesa de Medicina Geral e
III Série - nº8 - Setembro 2000
Director: Maria do Carmo Cafede
Sub-directores: José Falcão Tavares,
Antónia Lavinha
Editor: Miguel Múrias Mauritti
Redacção: Vitor Frias,
Nuno Bessone, Paulo Pereira Coutinho
Propriedade e Administração: INFORSALUS
Apartado 109 - 2302 Tomar Codex
Redacção: Estrada de Benfica,
719 - 1º Esq. - 1500-088 Lisboa
e-mail: [email protected]
Publicação mensal de informação geral e médica
Registo ICS: 112976;
Depósito Legal: 84639/94 - ISSN 0871 - 763X
Preço: 200$00 - 1€ (IVA incluído)
Alfredo Pequito denuncia:
O Presidente da República, três Ministros
da Administração Interna, duas da Saúde,
Secretários de Estado da Saúde e
Deputados, o Procurador Geral da
República, dois Directores da Polícia
Judiciária, coadjuvados por Inspectores,
Graduados, Cabos e simples Agentes, o
SIS, Bastonários da Ordem dos Médicos e
dos Farmacêuticos, os Presidentes do
INFARMED, da ANF e o da Apifarma,
grande número de Directores Gerais de
companhias Farmacêuticas e de
Delegados de Informação Médica,
milhares de médicos, enfermeiros,
maqueiros e outro pessoal auxiliar, entre
muitas outras pessoas, nacionais e
estrangeiras, estão envolvidos no caso
Pequito. Em maior ou menor grau, todos
intervieram ou intervêm activamente no
processo do ex-Delegado de Informação
Pág. 8
Médica da Bayer Portugal
Crónica
Mário Moura
Isto é um escândalo!
Pág. 38
Opinião
António Branco
A Regra é a excepção
Pág. 15
Posição
JP Santos Gonçalves
Carta aberta
à Ministra da Saúde
Pág. 18
Actualidade
Enfermeiros
trocam hospitais por
Centros de Saúde
Pág. 22
Tema em destaque
Proposta para uma
nova definição de
Medicina Geral e Familiar
Pág. 23
5º Congresso MF
Políticos exigem medidas de segurança idênticas às dispensadas a Bill Clinton
PEQUITOGATE
Centro de Saúde de S. João
Pág. 39
Pág. 3
Tubo de Ensaio em risco de fechar: já há salários em atraso
Número 8
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Setembro 2000
Editorial
A nova
Formação à
Distância
Luís Pisco
Presidente da APMCG
No recente Congresso da Associação Mundial de
Médicos de Família, em Viena, fui mais uma vez
questionado por vários colegas, Alemães e Italianos,
que procuravam saber o segredo da enorme representação Portuguesa, a contrastar com a reduzida participação de outros Países. A pergunta não era, obviamente, nem inocente nem desinteressada, pois como
confessaram, nos seus Países, ao contrário das outras
especialidades, os Médicos de Família não se podem
deslocar a acções de formação ao estrangeiro financiados pela Industria Farmacêutica. O que queriam saber
é como é que nós conseguimos.
Lá vou explicando como posso a conjuntura favorável
e o facto de em Portugal termos uma situação ímpar a
nível europeu, pois temos o reconhecimento do
Ministério da Saúde da importância da formação
contínua, com a concessão de dispensa gratuita de
serviço de 15 dias anuais para esse efeito, e termos a
Industria Farmacêutica disposta a financiar essa
formação. Temos, pois, algo muito importante que é
tempo e dinheiro. Falta-nos a organização.
Esta aposta levar-nos-á a que um
dia destes uma qualquer
Comissão Organizadora nacional
ou internacional se recuse a
compactuar com a situação e não
emita os Certificados de Presença.
A médio prazo, é de recear que
um dia possamos vir a estar na
mesma situação dos nossos
colegas Italianos e Alemães. Não
viajar a expensas da Indústria
O Desenvolvimento Profissional Contínuo deve ser
gerido e não pode ser deixado ao acaso ou a iniciativas
individuais. Não estou a falar de desenvolver novas
maneiras de aprender, mas sim da criação de um
processo de gestão que suporte o Desenvolvimento
Profissional Contínuo e que o torne evidente e relevante, não só para todos os profissionais de saúde, mas
também para o Centro de Saúde como um todo.
A Educação Contínua tem que ter reflexos no Centro
de Saúde, influenciando a Qualidade dos Cuidados
prestados aos doentes, assim como a própria organização da prestação desses cuidados.
Devem ser avaliadas as necessidades formativas
individuais e organizacionais de molde a poder preparar planos de formação individuais e institucionais, que
devem ser geridos localmente.
Estamos, pois, a desperdiçar uma oportunidade e uma
conjuntura favoráveis para implantar no nosso País um
sistema de desenvolvimento profissional contínuo
credível, prestigiante e útil para todos os profissionais
dos cuidados de saúde primários, com reflexos positi-
vos nos cuidados prestados aos cidadãos. Tempo e
dinheiro parecem não faltar.
O caminho parece, contudo, não ser esse e receio que
se continue a apostar numa nova forma de Educação à
distância que se efectua o mais distante possível do
País e o mais distante possível do local das sessões,
tão em voga no nosso meio médico e não só na
Medicina Geral e Familiar.
Esta aposta levar-nos-á a que um dia destes uma
qualquer Comissão Organizadora nacional ou internacional se recuse a compactuar com a situação e não
emita os Certificados de Presença. A médio prazo, é de
recear que um dia possamos vir a estar na mesma
situação dos nossos colegas Italianos e Alemães. Não
viajar a expensas da Indústria.
partilhar alguns temas do Vol. 3, n.º 4 de Outubro de
1999: divisão familiar das tarefas domésticas; a minha
mulher tem Alzheimer; as necessidades formativas podem ter origem nas emoções?; ética de bem morrer. Interessantes? O seu desenvolvimento não desapontou e,
de um modo científico, são apresentados trabalhos que
abordam a humanização das actividades diárias, sejam
elas praticadas por médicos ou não. São quatro números por ano, a não perder.
Por último, a questão da humanização durante a formação. O último n.º da publicação "Medical Education"
(Agosto 2000), apresenta três artigos sobre o desenvolvimento de qualidades humanísticas nos estudantes de
medicina. Ao considerar a medicina como 'a ciência
mais humana e a mais científica das humanidades', os
textos abordam as questões da comunicação com os
pacientes e as qualidades humanistas da maioria dos
tutores. Mas o artigo que cativou a minha atenção revela um estudo exploratório sobre os hábitos de leitura (não
médica) dos estudantes de medicina, as suas atitudes perante a literatura e a introdução de humanidades no currículo formativo. Algumas das conclusões são interessantes: todos os estudantes liam mais antes de entrarem
para a faculdade, e a falta de tempo não é o único fac-
tor, a perda de um ambiente facilitador, a família, foi
referido como importante;
um dos efeitos da leitura era
permitir um melhor conhe- Maria do Carmo Cafede
Directora
cimento da vida, para lá da
do próprio estudante…; por
outro lado estimulava a inspiração e a introspecção;
os livros podiam evocar respostas emocionais, como o
medo, humor e contentamento; o livro mais citado foi
'A Bíblia' e o segundo 'Os Cisnes Selvagens'; George
Orwell e Jane Austen são dois dos autores referidos
como importantes para os próprios e como sugestões
para outros estudantes. Este estudo fez-me pensar se
não estaremos presentes perante um caso de 'ovo ou
galinha', ou seja, o que surge primeiro, a paixão pela
leitura e logo o gosto pelas humanidades e uma capacidade diferente de olhar o mundo, ou a humanidade
é uma qualidade intrínseca e a leitura é uma
consequência? Se assim fosse não valeria a pena o
investimento em novas formas de ensino e aprendizagem, porque tudo se aprende, treina e melhora. E fico
cheia de inveja se as escolas médicas introduzirem nos
currículos aulas de literatura!
Crónica
Humanização II
Acalmem-se os mais atentos porque não me aconteceu
nada e não visitei nenhum recanto perdido do nosso 'SNS'…
Apenas voltei ao tema devido à coincidência de três razões. A primeira, porque ao recordar a frase (que celebrizou
o meu professor de físico-química do 9º ano de escolaridade), "o calor não dilata os corpos", antes os diminui em
densidade e concentração, apercebi-me que também a
humanização se afastou dos locais onde era mais necessária. O calor, o número reduzido de profissionais por
sector, a ansiedade perante as férias (por gozar ou já gozadas, tanto faz), a maior quantidade de trabalho, tudo
contribui para o esquecimento de algumas regras básicas, de educação, ou como é politicamente correcto dizer, de cidadania. Os mais desprotegidos (os doentes, os
socialmente excluídos, os idosos, etc.) são os que mais
sofrem. Talvez não seja difícil, a nível local, tomar consciência do problema e passar a implementar algumas medidas práticas. E para slogan de campanha, Verão rima
com humanização…
A segunda razão chama-se "HUMANA" e é uma publicação periódica da Sociedade Espanhola de Medicina
Familiar e Comunitária dedicada, como se pode deduzir, às questões da humanização. Já não me lembro de
como a conheci, mas foi uma boa surpresa e passo a
Número 8
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Setembro 2000
Investigação
Médicos com salários em atraso
Tubo de Ensaio
corre risco de encerrar
O Centro de Saúde de S. João, no Porto, carinhosamente baptizado de Tubo de Ensaio pelos
subscritores do projecto inovador que ali se desenvolve, corre o risco de encerrar. Tudo porque o
Departamento de Clínica Geral (DCG) da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
(FMUP) já esgotou os recursos próprios que até aqui têm permitido cobrir o déficit que se regista
ao nível das receitas, cujo acumulado ascende já a cerca de trinta mil contos. A situação é de tal
modo crítica que os médicos ali destacados gozaram férias sem terem posto olho no respectivo
subsídio e no final do mês, tudo o indica, não haverá dinheiro para pagar, por inteiro, os salários
a clínicos, enfermeiros e administrativos. Cumprindo o que já constitui imagem de marca do seu
mandato, Manuela Arcanjo, a Ministra, logo que informada, despachou sinais de que este
problema era mesmo para resolver. Só não disse quando, nem por quem. Conclusão: a promessa
feita aos clínicos do Porto - como a maioria das que tem feito - ainda está por cumprir
Número 8
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Setembro 2000
Investigação
E
m Setembro de 1998, a
ARS Norte e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto assinaram um
acordo de cooperação - que Maria de Belém homologaria no mês
seguinte - através do qual as duas
instituições estabeleceram os termos em que se iria desenvolver o
projecto "Tubo de Ensaio", cujo
objectivo genérico era o da criação de uma Unidade de Saúde Familiar (USF) ligada funcionalmente ao Departamento de Clínica
Geral da Faculdade de Medicina,
englobada na rede de centros de
saúde do SNS. Uma USF que, no
compromisso assumido pela FMP
se deveria constituir como centro
de excelência e modelo de boa
prática.
De modo a garantir a realização
do objectivo proposto, ficou assente que o Tubo de Ensaio teria
de adoptar, como referência obrigatória, a Declaração de Alma-Ata,
de 1976 - que define a área dos
cuidados de saúde primários como
alicerce fundamental de qualquer
sistema de saúde. Ora, como os
princípios e valores devem traduzir-se em realizações efectivas, a
equipa coordenadora do projecto
comprometeu-se, entre muitos
outros objectivos, a promover a
inovação, a criatividade e a experimentação no quotidiano das estruturas prestadoras de cuidados de
saúde primários e dos profissionais
que aí exercem actividade; a possibilitar o "ensaio" de novos modelos e novas práticas; a possibilitar a criação de um modelo tão
eficaz que pudesse servir de referência e tão real que fosse comparável; a constituir um espaço de
formação pré e pós-graduada, destinado aos profissionais dos CSP,
que permitisse o desenvolvimento, não só dos conhecimentos e
capacidades, como também das
atitudes que devem possuir estes
profissionais.
Um negócio da China...
Nos termos do protocolo, a ARS
Norte disponibilizou as instalações necessárias à implementação
do projecto, adaptadas e equipa-
das de acordo com as necessidades descritas pelo grupo coordenador, ficando a administração,
organização e funcionamento a
cargo do Departamento de Clínica Geral da FMUP.
Por outras palavras: o Ministério da
Saúde passaria a pagar, por um pacote
de serviços que incluía, entre outros, um
atendimento mais eficaz dos utentes,
consultoria científica e de gestão e
formação médica especializada, menos
de um terço do que paga pelo mais
comum dos serviços que os centros de
saúde prestam aos utentes do SNS
A autonomia financeira do "Tubo
de Ensaio" foi também fixada no
acordo homologado por Maria de
Belém: "pelo serviço prestado pagará a ARS à FMP a retribuição
prevista (...) no n.º 2 do Despacho
de S. Exa. A Ministra da Saúde n.º
3181/97", ou seja, 400 escudos
por utente inscrito (380 escudos
pelos serviços médicos e 20 pelos
de enfermagem). Com esta verba,
o Departamento de Clínica Geral
asseguraria o pagamento de água,
luz, telefone e... dos salários devidos a médicos, enfermeiros e pessoal administrativo e auxiliar.
O negócio não poderia ser melhor
para o Ministério. Isto porque o
custo médio por utente nos demais centros de saúde da Região
Norte ultrapassa os mil e trezentos escudos. Por outras palavras:
o Ministério da Saúde passaria a
pagar, por um pacote de serviços
que incluía, entre outros, um atendimento mais eficaz dos utentes,
consultoria científica e de gestão
e formação médica especializada,
menos de um terço do que paga
pelo mais comum dos serviços
que os centros de saúde prestam
aos utentes do SNS.
Maria de Belém não hesitou e a
7 de Julho de 1999 a nova unidade abriu as portas. No final
desse mesmo ano, já tinha inscritos os 15 mil utentes previstos no acordo.
Contar com o ovo...
Diz o povo que quando a esmola é grande o Santo desconfia.
No caso em apreço, não duvidou. E os problemas financeiros
não tardaram a surgir. Contas
feitas, a verba transferida pela
ARS Norte não cobria as despesas com salários.
Enquanto aguardavam resposta a
uma exposição entregue na ARS
e no Gabinete da Ministra,
alertando para o problema, os responsáveis do projecto decidiram
avançar com verbas provenientes
do orçamento do DCG. Ao todo,
a Universidade do Porto adiantou
cerca de trinta mil contos, sem os
quais não teria sido possível pagar, por inteiro, o salário a médicos, enfermeiros e administrativos. Na exposição enviada à tutela, a 20 de Fevereiro deste ano os
responsáveis do Tubo fazem o
relato dos altos e baixos financeiros vividos na instituição: "os
déficites mensais vieram a diminuir
à medida que as inscrições iam aumentando, com excepção do mês
de Dezembro, devido ao 13º mês
de salários. Porém, ao atingir os
1500 utentes por médico - um
número que corresponde à carga
de trabalho existente no SNS - o
déficit estabiliza-se em cerca de
1.500 contos mensais a que é necessário acrescentar os 13º e 14º
meses. O déficit acumulado nos
primeiros 6 meses de actividade
ultrapassa já os 17 mil contos, a
que se junta o investimento inicial feito pelo Departamento, no
montante de um pouco mais de 5
mil contos. O esforço financeiro
do Departamento atinge já 22.116
contos e não será possíve l
estendê-lo mais. A Universidade
do Porto e a Faculdade de Medi-
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Setembro 2000
Investigação
A manterem-se as actuais
circunstâncias, é de prever o
encerramento deste Projecto antes
de completado um ano do seu
funcionamento". Sete meses após ter
recebido a carta, Manuela Arcanjo
ainda não encontrou tempo - ou
vontade - para lhe dar uma
qualquer resposta
tros centros da Região". Já no que
respeita ao montante a pagar em
retroactivos, "o valor apurado é de
24 mil e seiscentos contos, quantia muito aquém dos cerca de 30
mil de déficit que o Departamento de Clínica Geral acumulou com
despesas de administração do centro, pagas com receitas próprias
provenientes dos mestrados que
realiza, verbas essas que terão de
ser repostas", explicou ao nosso
jornal aquele responsável.
cina não têm recursos passíveis de
afectação a este efeito, ainda menos num ano em que o Governo
obriga estas instituições a uma
refracção
das
despesas
orçamentadas. A manterem-se as
actuais circunstâncias, é de prever
o encerramento deste Projecto
antes de completado um ano do
seu funcionamento". Sete meses
após ter recebido a carta, Manuela
Arcanjo ainda não encontrou tempo - ou vontade - para lhe dar uma
qualquer resposta.
Contas mal feitas
Para os críticos do projecto - que
sempre suspeitaram da insuficiência do financiamento - o Ministério da Saúde não deveria ter fechado negócio: "a Ministra sabia que
a importância paga por utente não
era suficiente para fazer face às
despesas previstas, pelo que deve-
ria ter "chumbado" o acordo", explicou ao nosso jornal um responsável do Ministério. Por outro lado,
acusa a mesma fonte, "o Professor Sousa Pinto (Presidente da Comissão Directiva do Centro de
Saúde de S. João - Tubo de Ensaio e Director do DCG da
A Ministra sabia que a importância paga
não era suficiente para fazer face às
despesas, pelo que deveria ter
"chumbado" o acordo".
Por outro lado "o Prof. Sousa Pinto
também sabia que a verba era
insuficiente. Assinou o acordo porque
contava que a Ministra actualizaria o
Despacho que fixa a retribuição a pagar
por utente até ao final de 1999. Só que
não contou com a hipótese de uma
mudança ministerial e com a
possibilidade da nova responsável não se
mostrar interessada em resolver a
situação. Agora, tem a criança nos braços
e não sabe o que lhe há-de fazer"
FMUP) também sabia que a verba era insuficiente. Assinou o acordo porque contava que a Ministra
actualizaria o Despacho que fixa a
retribuição a pagar por utente até
ao final de 1999. Só que não contou com a hipótese de uma mudança ministerial - como veio a
acontecer - e com a possibilidade
da nova responsável não se mostrar interessada em resolver a situação. Agora, tem a criança nos
braços e não sabe o que lhe há-de
fazer".
Contactado pelo Médico de Família, Sousa Pinto reconheceu ter assinado o acordo porque recebera
da anterior inquilina da João
Crisóstomo a promessa de uma
actualização rápida do valor atribuído por utente. "Aliás - explicou-nos - essa promessa também
tinha sido feita aos dois ou três
centros de saúde que estão a funcionar em regime de convenção".
Telefonei-lhe todos os dias
Confrontado com as alterações
na equipa ministerial, Alexandre
Sousa Pinto decidiu informar o
Gabinete de Manuela Arcanjo da
precária situação financeira do
"Tubo": "em Janeiro deste ano,
o Departamento de Clínica Geral e a Comissão Directiva expuseram a situação à ARS e ao Ministério da Saúde, advertindo que
não seria possível pagar o mês
de férias, o que levaria ao seu encerramento em Julho. Nessa exposição, sugeriam-se diferentes
soluções, chamando a atenção
para as consequências que resultariam de cada uma delas para o
normal funcionamento do Centro de Saúde".
Paralelamente, Sousa Pinto tentou,
em vão, encontrar-se com
Manuela Arcanjo: "logo que a Ministra tomou posse, tentei marcar
uma audiência. Telefonei todos os
dias para o Gabinete, sem sucesso. Disseram-me que ligariam marcando a data. Não ligaram e a certa altura desisti de tentar!"
Quanto é preciso?
Para evitar o eminente fim do
"Tubo de Ensaio", Sousa Pinto
aponta a necessidade de se "alterar o quantitativo do Despacho
para, pelo menos, 580 escudos pelos cuidados médicos mais 55 pelos de enfermagem, com efeitos
retroactivos a partir de 1 de Janeiro deste ano". Segundo este responsável, a alteração proposta
"obrigaria a um aumento da despesa da ARS de apenas 3.250 contos por mês, valor muito aquém
do que teria de pagar se o centro
de saúde funcionasse nos moldes
em que funcionam todos os ou-
Prognósticos
Descrito o caso, uma das questões
que de imediato se coloca é a de
saber o que acontecerá se a situação não for resolvida. Recorde-se
que o Centro de Saúde de S. João
assiste uma população de cerca de
15 mil utentes, inseridos nas listas
de 10 médicos.
De acordo com responsáveis
contactados pelo Médico de
Família, é pouco provável, se
não mesmo impossível, o encerramento da unidade, por
t o d a s a s ra z õ e s p o l í t i c a s,
assistenciais e económicas.
N o m e m o r a n d u m e nv i a d o a
Manuela Arcanjo, Sousa Pinto
adianta algumas hipóteses de
solução, que a seguir se transcrevem:
Hipótese A
Aguardar a actualização
"A solução ideal é, obviamente, a
de continuar a esperar a actualização anunciada do quantitativo
do Despacho 3181 / 97, visto que
um dos objectivos do Projecto
Tubo de Ensaio é o de permitir
analisar em pormenor o que se
passa no regime da convenção e
não há nenhum interesse em
criar para este Projecto um ambiente de excepção. Porém, aguarda-se já há anos essa actualização
e não parece que o actual ambiente de polémica em tormo deste
assunto apresse a decisão. Se essa
actualização não for despachada
antes do fim do mês de Março,
será necessário, antes dessa data,
atribuir ao Projecto um subsídio
extraordinário que lhe permita
continuar à espera mais outro ano.
Número 8
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Setembro 2000
Investigação
Uma redução das despesas correntes
mesmo que fosse possível para metade,
não atingiria mais de 400 contos mensais.
A supressão dos serviços de enfermagem e
dos serviços domiciliários atingiria 600
contos mensais, mas seria muito ressentida
pelos utentes e reflectir-se-ia muito
negativamente na qualidade dos serviços
prestados. Seria, na verdade, uma outra
forma de destruir este Projecto"
Esse subsídio terá de ser suficiente
para cobrir o déficit acumulado, isto
é, cerca de 22 mil contos.
Hipótese B
Subsídios extraordinários
"Mais barato e, certamente, tentador, seria atribuir subsídios
extraordinários de cerca de 1.500
contos mensais, para cobrir o déficit futuro. Tal solução criará um
ambiente de incerteza e ansiedade no pessoal e será seguramente uma forma de destruir o ambiente de trabalho e a motivação
do pessoal que é indispensável
para conseguir ganhos de eficiência e produtividade. Seria, seguramente, a forma de conseguir
instalar no Centro de Saúde de
S. João o ambiente prevalecente
noutros centros de saúde e baixar a sua produtividade para os
mesmos níveis, o que aumentaria os custos e, a curto prazo, o
déficit. Não nos parece uma solução aceitável, e apenas a poderíamos aceitar por poucos meses,
e apenas para que ficassem demonstradas, para quem não quiser ver, as suas nefastas consequências aqui previstas".
Hipótese C
Reduzir as despesas
"Menos realista e menos conveniente nos parece a tentativa de reduzir as despesas. (...) As contas
"mostram uma estrutura de despesas que não permite reduções
significativas sem alterações importantes da quantidade e qualidade dos serviços, isto é, sem reduzir os serviços, e a sua disponibilidade. Das despesas, 90,96% são
com pessoal e, destas, 90,9% são
os vencimentos dos médicos e do
pessoal administrativo, insusceptíveis de redução, visto serem tabelados e constituírem direitos
adquiridos. Uma redução das despesas correntes mesmo que fosse
possível para metade, não atingiria mais de 400 contos mensais. A
supressão dos serviços de enfermagem e dos serviços domiciliários atingiria 600 contos mensais,
mas seria muito ressentida pelos
utentes e reflectir-se-ia muito ne-
gativamente na qualidade dos serviços prestados. Seria, na verdade,
uma outra forma de destruir este
Projecto".
Hipótese
Alargar as listas de utentes
"Igualmente irrealista e condenada ao fracasso seria a tentativa de
esperar que o aumento das inscrições venha a cobrir o déficit. Seria
necessário esperar mais 4.250 inscrições o que ao actual ritmo de
crescimento de cerca de 500 mensais demorará 9 a 10 meses, acumulando-se, nesse espaço de tempo, mais 15 mil contos de prejuízo que o Departamento de Clínica Geral não está em condições de
suportar. E, para isso, seria necessário impor aos médicos listas de
2.000 utentes sem qualquer compensação ou esperança dela, o que
seria uma outra forma de destruir
o ambiente de trabalho e de efectivamente destruir este Projecto.
Recorda-se que os médicos têm o
direito de regressar ao seu lugar de
origem e não temos dúvidas de
que o farão se as condições de re-
muneração se tomarem inferiores
às que tinham nesses seus lugares.
A opinião dos analistas
Na opinião de analistas contactados pelo Médico de Família, caso
a situação não seja resolvida rapidamente e o Departamento de
Clínica Geral da FMUP decida
denunciar o acordo, a ARS Norte
assumirá o controlo do Centro,
evitando as consequências negativas que um encerramento certamente traria. Se assim acontecer,
o Tubo não será mais de Ensaio
passando a funcionar de acordo
com o modelo adoptado para os
restantes centros da Região. Os
médicos seriam pagos pela ARS e
o restante pessoal - com vínculo
ao DCG - contratado ou dispensado de acordo com as necessidades detectadas. A ARS passaria a
gastar, por utente, 1340 escudos,
ascendendo a despesa mensal a
cerca de vinte mil contos.
Uma outra hipótese adiantada foi
a do Ministério propor aos clínicos envolvidos a adesão ao Regime Remuneratório Experimental.
Nesta hipótese, os médicos seriam pagos pela ARS, podendo o
"Estamos a trabalhar para a saúde dos
portugueses; sacrificamos muitas horas
que deveriam ser de descanso, tentando
encontrar modelos que permitam
melhorar as condições de atendimento
dos utentes. Não ganhamos mais um
centavo por isso, pelo contrário. Um ano
depois, com ordenados em atraso e o risco
de chegar ao fim do mês e não receber
nada, é natural que nos questionemos
sobre se valeu mesmo a pena...
DCG decidir pela manutenção do
acordo (alterado) ou pelo abandono do projecto.
Certo, certo, é o péssimo ambiente
que se vive no Tubo, com médicos,
enfermeiros e administrativos a deitarem contas à vida, confrontados
com a iminente suspensão do pagamento dos salários... Que no caso
dos médicos já estão em atraso.
Certa, também, é a desilusão que
nos confessaram: "estamos a trabalhar para a saúde dos portugueses; sacrificamos muitas horas que
deveriam ser de descanso, tentando encontrar modelos que permitam melhorar a prática, as condições de atendimento dos utentes
e trabalho dos profissionais; cumprimos todos os compromissos a
que nos obrigámos quando assinámos o acordo. Não ganhamos
mais um centavo por isso, pelo
contrário. Um ano depois, com
ordenados em atraso e o risco de
chegar ao fim do mês e não receber nada, é natural que nos questionemos sobre se valeu mesmo a
pena... Se vale a pena fazer alguma coisa quando o prémio por se
fazer é o que recebemos".
Miguel Múrias Mauritti
Número 8
8
Setembro 2000
Pequitogate
Primeira página
a história de um atentado
A rapidez com que o leitor veio
Presidentes do INFARMED, da
saber pormenores do título da
ANF e o da Apifarma, um
primeira página, dá-me a
número ainda não apurado
certeza de que a história é
de Directores Gerais de
importante e merece ser
companhias Farmacêuticas e
contada.
O
de Delegados de Informação
Presidente da República, três
Médica, alguns milhares de
Ministros da Administração
médicos (a fazer fé nas duas
Interna (o anterior ao ex, o ex
listas de alegados subornos,
e o actual) duas da Saúde (a
mais
É
verdade!
de
cinco
mil),
ex e a reconduzida), um número indeterminado
enfermeiros, maqueiros e outro pessoal auxiliar,
de Secretários de Estado da Saúde e de
cidadãos anónimos de diferentes idades, sexos,
Deputados à Assembleia da República, o
filiações partidárias, graus académicos, credos
Procurador Geral da República, os dois
e preferências sexuais, entre muitas outras
Directores que a Polícia Judiciária teve desde
pessoas, nacionais e estrangeiras, estão
1997, coadjuvados por Inspectores, Graduados,
envolvidas no caso Pequito. Em maior ou menor
Cabos e simples Agentes, o SIS (o número de
grau,
colaboradores envolvido é secreto), alguns
activamente, quase todas contra o ex-Delegado
Bastonários da Ordem dos Advogados, da dos
de Informação Médica, que processou e foi
Médicos e o da Ordem dos Farmacêuticos, os
processado pela Bayer Portugal
todas
intervieram
ou
intervêm
Número 8
9
Setembro 2000
Primeira página
A
leg adamente, algumas
delas levaram o desagra
do pela denúncia de ligações perigosas entre médicos e
indústria farmacêutica a extremos
de coacção: perseguiram-no de
carro - e a Garcia Pereira, o abnegado causídico que o aceitou defender; ameaçaram-no na via pública e na da PT. No limite, houve
mesmo quem alegadamente o tivesse agredido, por duas vezes,
com uma arma branca, causandolhe ferimentos na cara, na parede
torácica, no braço e flanco direitos com extensões até 15 centímetros e uma profundidade máxima
de três milímetros, garantem os
médicos que o assistiram e a polícia que o acompanhou.
Depois de ter resistido três anos à
tentação de abordar em letra de
imprensa o muito mediático
Bayergate, decidi quebrar o jejum
e levar ao prelo, preto no branco,
toda a História do Delegado cujo
relato, iniciado pelo Diário de
Notícias e pela SIC, em 4 de Setembro de 1997, não mais deixou
de marcar presença nas primeiras
páginas dos jornais e na abertura
dos noticiários das TV`s. Mas
contá-la toda, sem omitir os pormenores com que o principal actor, Alfredo Pequito, a enriquece
quando a conta aos jornalistas e
que estes invariavelmente omitem.
A versão integral de uma entrevista a Pequito é no mínimo bombástica e todos os meus queridos camaradas de profissão que tiveram
a felicidade de o contactar o sabem. Só que, divulgados por grosso, os horrores que se denunciam,
pela sua dimensão obscena, ou lançariam no descrédito toda estrutura social ou levariam as almas
menos crentes à tentação de não
acreditar: a julgarem o texto fruto
da mente alucinada de um redactor.
O respeito que me merecem os
leitores e a fé que deposito na sua
Algumas acusações e
denúncias de Pequito
"Há uma recompensa de 500 mil contos
para quem me matar"
Alfredo Pequito, 24 Horas ,
29/02/00
"(Jor ge Sampaio) sabe que corr o risco de
vida. Deve estar à espera de receber em
audiência a viúva"
Ibidem
capacidade crítica, obrigam-me a
nada sonegar.
Neste primeiro fascículo que entendi apodar de Pequitogate, divulgo alguns dados recolhidos de fontes que conheceram de perto o
nosso herói e uma entrevista telefónica que este amavelmente concedeu ao nosso jornal e que foi
gravada em simultâneo, garantiunos, pelos serviços da Procuradoria Geral da República, Polícia Judiciária, SIS e muito possivelmente por muitas outras pessoas ao
serviço de outras tantas sinistras
instituições.
O percurso de um DIM
Antes de ingressar na Bayer, em
1992, Alfredo Pequito passou por
outros laboratórios. Entre 1986 e
1989 foi DIM da Schering-Plough,
de onde se trasladou para a já extinta Farmofer, para a área hospitalar.
A selecção de Alfredo para a casa
da Aspirina esteve a cargo de
Teixeira da Cruz, à altura director
de marketing e vendas, hoje trabalhador independente, que acompanharia todo o seu percurso na
companhia. Com Pequito, entraram nessa leva cerca de 40 novos
DIM, no que constituiu a maior
contratação que a Bayer efectuara
até então. Contactado pelo Médico de Família, um antigo chefe de
Alfredo Pequito explicou os critérios que conduziram à
contratação: "era muita gente ao
mesmo tempo e a selecção foi feita com menos segurança do que
era habitual. O Pequito foi beneficiado pelo facto de ser filho de
uma médica do Hospital de Santa
Maria, professora catedrática e
parente próximo dois outros clínicos". Deram-lhe carro e depois
de uma estadia em Lisboa, enviaram-no para Évora a visitar médicos.
Com o tempo, viria a constatar-se
que Alfredo era senhor de um feiDN (4/9/97) 1ª acusação Médicos prescrevem a troco de
prendas da Bayer.
Público (18/9/97) - Denúncia:
destr uição de documentos por
parte das m ultinacionais. Ministério
Público não actua.
Capital (16/10/97) - Denúncia: as
far mácias também colaboram com
a indústria, ao fornecerem aos
DIM informações sobre venda de
medicamentos prescritos pelos
médicos.
Independente (29/5/98) -
tio especial: "era uma pessoa muito conflituosa, dada a provocar barulho. Quando se lhe metia uma
ideia na cabeça ai de quem o contestasse". Os infractores, garante
o ex-chefe, eram brindados com
intenções de "porrada", que semp re
procuravam
evitar.
Aleg adamente, ele mesmo terá
sido vítima de um desses avanços
emotivos que quase sempre se antecediam com característicos "o
que é queres, hamm!? O que é que
foi, hamm!?" acompanhados de
movimentos coordenados dos
membros superiores e agressões a
gravatas e colarinhos. "Não respeitava os chefes"... desabafou ao
nosso jornal este ex-responsável.
Ao feitio belicoso, juntava-se uma
fraca produtividade: "chegava a
passar um mês sem enviar para a
sede os relatórios semanais de visita. E depois, havia relatórios de
visitas falsas... Houve mesmo um
médico de Elvas, da lista do
Pequito, que me veio pedir informações, dizendo que não era visitado por ele".
Os chefes directos de Pequito
queixaram-se a Teixeira da Cruz,
pedindo uma intervenção que este
sempre recusou. E porquê? O exchefe e um ex-colega explicam: "é
preciso perceber como é que naquele tempo as coisas funcionavam na Bayer. Era o Dr. Teixeira
da Cruz quem seleccionava os delegados e por isso era-lhe difícil
reconhecer que se tinha enganado a respeito de um. Era corrente
ouvir o Dr. Teixeira da cruz dizer
que os delegado eram bestiais
"porque fui eu que os escolhi". Era
assim...! Nunca quis dar o braço a
torcer. Quando nos queixávamos,
a sua resposta era sempre a mesma: vocês é que o acompanham
por isso ensinem-no, expliquemlhe como é que as coisas
são...Ponham o gajo na ordem... E
não saía disto. Houve mesmo o
caso de um delegado, que toda a
Ameaça de morte e car ro
abalroado.
Independente (21/8/98) - Denúncia: Inspecção Geral da Saúde não
trabalha bem.
Público (22/9/98) "despedimento da Bayer foi
injusto".
DN (4/9/98) - "Estou a ser
perseguido".
Púb lico (4/09/98) - Pequito acusa
partidos políticos e de putados de
silêncio ensurdecedor sobre o seu
caso.
"(Jorge Sampaio)
sabe que corro risco
de vida. Deve estar à
espera de receber em
audiência a viúva"
Alfredo Pequito, ‘24 Horas’, 29/02/00
“Maria de Belém
telefonava para conversar
comigo (...) era uma
pessoa muito afável. Sabia
de tudo mas tinhas as
mãos atadas”
Alfredo Pequito, ‘Médico de Família’
Pequito acusa Manuela
Arcanjo de nada fazer,
António Guterres de não o
receber e Cunha Rodrigues
de omissão.
Alfredo Pequito, ‘24 Horas’, 29/02/00
Pequito denuncia:
Médicos prescrevem a troco
de prendas da Bayer.
‘DN’, 4/9/97
Pressões e ameaças da
Ordem dos Médicos.
‘CM’, 22/9/98
Pequito:
"farmacêuticos
ajudaram a Bayer a
corromper médicos".
‘Euronotícias’, 5/11/99
CM (22/9/98) - Den uncia:
pressões e ameaças da Ordem dos
Médicos .
Ca pital (25/11/98) - Denuncia
pr essões do Gover no alemão sobre
o Gover no português. E diz: "a
minha cabeça vale meio milhão de
contos"; "as autoridades sabem
quanto vale darem-me um tiro".
DN (26/11/98) - "Estado tem
dívida mor al para comigo"
24H (1/2/99) - "Quem manda em
Portugal? A Bayer ou o Estado
por tuguês?"
24H (10/3/99 - Pequito acusa
hospitais de Santa Maria, S. José,
Santa Marta e Capuchos de
realizarem ensaios clínicos com
ciproxina, também em crianças.
Euronotícias (16/6/99) "Pequito vai requerer a abolição do
segredo de justiça. A partir de
então, pode ser que se saibam
algumas coisas incómodas para
muitos intervenientes no processo,
ameaça"
Euronotícias (9/7/99) - "Pequito
volta ao ataque" - "o ex-dele gado
Número 8
10
Setembro 2000
Primeira página
Nelson Baltazar, deputado do PS e
coordenador da área da Saúde,
não adiantou para já qualquer
acção dizendo apenas que "iria
estudar o dossier"
Existem no mercado português
"500 medicamentos que não têm
eficácia terapêutica ou são
perigosos, pelo devem ser
descomparticipados" pelo Serviço
Nacional de Saúde (SNS), afirmou
Alfredo Pequito
diz ter infor mação relativa à
realização de ensaios ilegais por
parte da Bayer em quatro centr os
de saúde".
DN (10/7/99) - Pequito acusa
hospitais de Santa Maria, S. José,
Santa Marta e Capuchos de
realizarem ensaios clínicos com
Ciproxina. Há crianças a servirem
de cobaias.
DN (28/10/99) - Pequito vai
processar criminalmente Belil
Creixel [Director da Bayer para a
Península Ibérica] por difamação.
Euronotícias (29/10/99) Pequito acusa médicos de cor rupção.
Público (3/11/99) - Pequito acusa
o Procurador Geral da Repúb lica
(PGR), Cunha Rodrigues, de
negligência.
Euronotícias (5/11/99) - Pequito:
"farmacêuticos ajudaram a Bayer a
corromper médicos".
24H (29/2/00) - Pequito acusa
Manuela Arcanjo de nada fazer;
Jorge Sampaio de não o r eceber;
António Guterres do mesmo;
gente sabia que era problemático,
que só foi corrido depois de quinze anos de serviço. Tudo porque
tinha sido o primeiro DIM que o
Dr. Teixeira da Cruz seleccionou.
Costumava dizer, com orgulho:
este foi o meu primeiro!
O Dr. era um bom homem... Só
que não tinha coragem para tomar
uma atitude. E depois, a Bayer
nunca despedia ninguém...Por isso
deixámos as coisas andar... Até que
aconteceu o que aconteceu".
O que é que levou a que o despedissem? O ex-chefe e dois ex-colegas explicaram-nos: "as coisas já
tinham ido longe de mais e a de 2
de Feve reiro de 1996 o Dr.
Teixeira da Cruz mais o Dr. Pratas, que era o responsável pelos
recursos humanos, encostaram-no
à parede: você anda a fazer visitas
falsas, não cumpre, não manda relatórios... O único protesto que
Pequito formulou então foi o de
que não era nenhum Zatopeck
[campeão mundial dos 5 e 10 mil
metros em 1952]. Reconheceu que
tinha sido apanhado "numa situação de facto", pediu que lhe fizessem as contas e fez-se à vida. Levou consigo menos de mil e quinhentos contos. Não foi despedido, saiu de livre vontade. Toda a
gente lá dentro sabe que esta é que
é a verdade". A saída do delegado
ocorreria 4 dias mais tarde, a 7 de
Fevereiro de 1996.
Na entrevista que concedeu ao
nosso jornal, Alfredo desmentiu
que as coisas se tenham passado
assim: "chamaram-me ao gabinete do chefe de pessoal e disseramme que eu não servia, porque não
entrava nos "esquemas"".
Como é que Alfredo sobreviveu
no laboratório alemão tanto tempo, sem compactuar com os tais
"esquemas"?
Como é que se manteve quatro
anos sem "fazer o que lhe mandavam"? O ex-delegado explica: "eles
visitavam os médicos [da sua lista]
nas minhas costas e tratavam dos
"esquemas" sem eu saber de
nada".
Quanto à sua saída "amigável",
Alfredo afirma: "não foi nada pacífica". Mas não explica porque
razão aceitou os mil e quinhentos
contos de indemnização e, também, porque esperou mais de um
ano e meio para divulgar os "esquemas" e processar a companhia...
Já no que respeita aos documentos que alegadamente comprovam
as visitas falsas, Pequito desmente
a sua existência.
No entanto, Médico de Família
sabe que no julgamento que corre
no Tribunal do Trabalho foi apresentado pela Bayer, como prova,
um progr ama de visitas,
alegadamente falsas, alegadamente
escritas pelo punho de Pequito,
que a empresa juntou como prova.
Recorde-se que o processo que o
e x-deleg ado mov eu contra a
multinacional alemã foi adiado
quando se encontrava já na recta
final. Em causa, uma queixa que
Alfredo enviou ao Tribunal da
Relação, onde se acusam duas das
Juízas do colectivo de parcialidade. De acordo com fontes próximas do processo, esta manobra de
Garcia Pereira, o advogado, teve
como objectivo adiar um caso cujo
desfecho, tudo o fazia supor, seria desfavorável a Alfredo. A continuação do processo aguarda,
pois, melhor decisão do tribunal
superior.
Cunha Rodrigues e Germano de
Sousa de omissão.
Tal e Qual (10/3/00) - Pequito
denuncia: PGR agiu de for ma
displicente, ao mesmo tempo que
acusa Lobo Antunes de estar a ser
utilizado pela Bayer e levanta
suspeitas sobre a imparcialidade do
Presidente da Repúb lica, Jorge
Sampaio, o ex-Ministro da Justiça,
Vera Jardim, o da Defesa, Castro
Caldas e o da Justiça, António
Costa. Em causa, a sociedade de
advogados de que estes são sócios.
24H (3/5/00) - Pequito acusa
indústria Far macêutica de estar por
detrás do ataque de que foi alvo
(golpe na face).
Diário Digital (3/5/00) - "Julgamento adiado. O ex-dele gado de
propaganda médica, que em 1997
denunciou alegados casos de
corrupção praticados pela Bayer,
terá sido atacado por um desconhecido às 20h30 de quinta-feira
no jardim de casa dos seus pais, em
Lisboa. Ferido no rosto por um
objecto cor tante, Pequito foi
Em busca de
um novo emprego
Depois de sair da multinacional
alemã, Alfredo concorreu a vários
laboratórios. "Um deles foi a
Pfizer" - revelaram ao nosso jornal os ex-colegas - "só que mandou um currículo tão vasto e tão
elaborado que os tipos acharam
que era de mais e riram-se, dizen-
do que aquilo era um currículo
para Chefe.... Repare que quando
um delegado sai de uma companhia, toda a gente da indústria sabe
se foi a bem ou a mal. Foi o que
aconteceu com o Pequito!"
E como explicam os ex-colegas a
denúncia feita aos jornais algum
tempo após o despedimento? "É
simples: como viu que não arranjava lugar em sítio nenhum, resolveu chantagear a Bayer. Escreveu
umas cartas para a sede, na Alemanha e ameaçou dar aos jornais
os papéis que tinha. É claro que
na Alemanha não lhe ligaram nenhuma e mandaram as cartas de
volta para Portugal".
Fizeram mal! A 4 de Setembro de
1997, sete meses após a saída de
Alfredo da Bayer, o Diário de
Notícias dava à estampa a história
dos delegados que subornavam
médicos.
Queixa à Alemanha
Nas cartas que enviou para Alemanha, dirigidas ao Presidente da
Bayer "Mundo", Pequito avisa que
se não houver uma solução para o
caso, ver-se-á obrigado a denunciar a situação à imprensa e a recorrer a "instâncias" nacionais e internacionais. Em declarações ao
Médico de Família, o ex-delegado
confirma o envio das missivas e a
ameaça de recorrer às "instâncias
internacionais" recusando, todavia,
a acusação de chantagem: "pensava que a Bayer mundial não tinha
conhecimento destes "esquemas".
Vim a saber, depois, que afinal sabiam de tudo".
Numa outra carta, Pequito pediria aos ex-patrões que não boicotassem a sua tentativa de arranjar
trabalho.
Mas nem só de instâncias e de trabalho se fala nas cartas: "também
falei de financiamento de partidos,
da Procuradoria Geral da República e de muitas outras coisas...".
Pequito afirma possuir cópias das
assistido nas urgências do hospital
de São José. "Toma. Agor a vai-te
limpar", foi o recado do agressor,
se gundo Pequito. Curiosamente, a
agressão teve lugar na véspera de
uma audiência de julgamento do
se gundo processo contra a Bayer,
em que Alfredo Pequito é testemunha, o que leva alguns elementos
ligados à investigação a admitir a
hipótese de autoflagelação".
Expresso (3/6/00) - a Direcção
Nacional da PSP emitiu um
comunicado a esclarecer que
Número 8
11
Setembro 2000
Primeira página
Do Hospital de Curry Cabral,
em Lisboa, Pequito denuncia:
puseram benzodiazepinas
no soro para que
fossem detectadas
cartas enviadas para a Alemanha que a Bayer entregou à Polícia Judiciária, como prova. Quisemos
vê-las. Recusou, explicando:
"divulgá-las-ei quando muito bem
entender. Tenho os meus
timing`s... Percebe? Ainda assim,
ofereceu apoio ao nosso jornal: "se
quiser, dou-lhe o número de telefone do gabinete do Presidente da
Bayer Mundo e você telefona-lhe
a perguntar. Tenho os contactos
todos"
Alguns incidentes de percurso
Durante o tempo que esteve na
Bayer, Alfredo sofreu alguns sobressaltos, a que na altura os colegas não atribuíram grande importância. Um deles diz respeito à viatura de serviço que lhe tinha sido
entregue. No Verão de 1995, ao
regressar de casa de um colega,
aonde se deslocara para recolher
equipamento audiovisual destinado a ap resentações médicas,
Pequito deu de caras com o seu
Alfredo Pequito tem segur ança
pessoal a cargo do Corpo de
Segur ança Pessoal da PSP "que o
tem acompanhado, e continuará a
acompanhar em permanência,
sempre que se encontre fora da sua
residência". Avança que na passada
quinta-feira, pelas 17h30, esta
equipa deixou Pequito na sua
residência, tendo o antigo dele gado
de propaganda médica dispensado
os seus serviços, "solicitando-lhes
que a mesma fosse retomada na
sexta-feira, pelas 8h45.
Opel completamente carbonizado.
Possível causa: uma faísca no depósito de combustível. Para os excolegas, que reconheceram não ter
atribuído, então, grande importância ao caso, o incidente revestia-se
de alguma singularidade. "Era a
primeira vez, na história da companhia, que um Opel se incendiava. Toda a frota era Opel e só o
carro daquele gajo é que pegou
fogo? E depois o carro estava parado e eu nunca ouvi falar de carros que se incendiassem sozinhos,
depois de estarem parados horas
a fio", questiona o antigo chefe de
Alfredo Pequito.
Facadas em Évora
Os alegados crimes de sangue de
que Alfredo Pequito terá sido vítima nos últimos meses não constituem novidade para o ex-delegado da Bayer. De facto, não é de
hoje que Alfredo Pequito é agredido por estranhos. Em Setembro
de 1995, quando participava, em
"Pequito afirma ter ‘provas’ de que a
Bayer r ealizara ensaios clínicos ‘ilegais
com crianças’ em, pelo menos, quatro
hospitais públicos"
"Garcia Pereir a, advogado de
Alfredo Pequito, o ex-dele gado de
infor mação da Bayer (...) que foi
ontem esfaqueado, atribui responsabilidades ao Estado e às autoridades portuguesas pelo acto contra o
seu cliente".
TSF (2/6/00) - Garcia Pereira
mostrou-se revoltado com os
Évora, na reunião preparatória das II Jo rnadas de
Diabetologia do Sul e Ilhas hoje Jornadas de Diabetologia
do Sul e Regiões Autónomas,
Alfredo Pequito deu entrada
no Hospital de Elvas, cerca da
uma hora da manhã, vítima de
agressão por parte de desconhecidos. Afirmou, então, ter
sido alvo de uma tentativa de
assalto, numa zona er ma,
desabitada, para lá do aqueduto da cidade. As agressões:
duas "facadas" no baixo ventre, superficiais, pelo que receberia alta nesse mesmo dia.
Contactado pelo nosso jornal,
Alfredo confirmou ter sido
vítima desta agressão.
O pós escândalo
Depois de ter entregue à comunicação social as listas que
alegadamente comprovavam
ligações perigosas entre médicos e companhias farmacêuticas, a que juntou dados
de outras empresas, Pequito
não mais deixou de ser tema
de primeira página dos jornais, abrindo com pompa e
circunstância os noticiários
das TV`s. O seu caso serviu
para tudo: denunciar alegadas
práticas de corrupção, prescrição em função de prémios,
erros políticos da tutela, crime organizado... Aos poucos,
quase todos os responsáveis
políticos portugueses foram
sendo envolvidos na trama,
do Presidente ao Deputado
do líder ao militante. Os recortes de imprensa não deixam margens para dúvidas: a
ser ve rdade tudo o que
Alfredo afirma, estamos perante a maior conspiração de
que há memória, em Portugal e além fronteiras. Nestas
páginas, recordamos algumas
(ver caixa).
acontecimentos e avisou: "Eu
exigo e xplicações da parte dos
órgãos responsáveis do Estado e
assaco, desde já, formalmente, ao
Estado português, ao Gover no, ao
senhor procurador-geral da
República, ao director da Judiciária
e ao director nacional da PSP as
responsabilidades por este e por
quaisquer outros actos que
eventualmente se venham a
verificar, não só contra o meu
constituinte e os seus familiares
como contra testemunhas"
Comunicado do Partido Comunista dos
Trabalhadores Portugueses
Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado
Sobre a selvagem agressão de que foi vítima
Alfredo Pequito
A respeito da selvagem e cobarde agressão de ontem à noite, cometida sobre
Alfredo Pequito, constituinte do camarada Garcia Pereira, o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses tem a dizer o seguinte:
1.O ignóbil ataque que conduziu Alfredo Pequito ao hospital comprova inequivocamente que a mafia organizada constituída pelas grandes multinacionais
da indústria farmacêutica, para além de estar disposta a tudo para cumprir as
múltiplas ameaças de morte que há muito vem proferindo contra Alfredo
Pequito e Garcia Pereira, bem como as suas respectivas famílias, se encontra
também em total desespero de causa face ao processo judicial em curso que,
muito claramente, põe a nú os seus processos de actuação tentaculares e criminosos, os quais até aqui têm contado com a complacência total do Estado
burguês que temos.
2.Se vivemos, como incansavelmente propagandeiam os seus epígonos, num "Estado de direito democrático", o povo português tem agora que perguntar de
novo que "direito democrático" é este que permite que um qualquer energúmeno
a soldo daquelas multinacionais actue contra a integridade física daqueles que,
corajosamente, ousam pôr a nú os seus métodos corruptos e criminosos...
3.O PCTP, em consonância, responsabiliza os diversos órgãos do aparelho de
Estado pelo sucedido, exigindo uma completa mudança de atitude por parte
dos mesmos, a qual passe efectivamente a garantir a integridade física de Alfredo
Pequito, de Garcia Pereira, das suas respectivas famílias, bem como de todas
as testemunhas envolvidas no processo em curso.
4.A não se verificar tal, o PCTP considera inteiramente justa a posição já expressa pelo camarada Garcia Pereira de se recusar a comparecer em tribunal
nas actuais condições de intimidação que pesam sobre todos quantos estão firmemente dispostos a apurar a verdade dos factos, lembrando ademais que Garcia
Pereira é candidato, publicamente assumido, à Presidência da República.
5.O referido "Estado de direito democrático" não tem, a este respeito, que fazer
mais nem menos do que fez com o chefe-de-fila do imperialismo norte-americano, Bill Clinton, ao facultar-lhe uma segurança de centenas e centenas de
policiais no decurso da sua visita provocatória a Portugal (devidamente enquadrados, aliás, por centenas de agentes da CIA... ) e que custou milhares e
milhares de contos ao erário público.
Lisboa, 2 de Junho de 2000.
Púb lico (3/6/00) - Pequito acusa
indústria Far macêutica de tentativa
de assassinato.
Visão (6/7/00) - Pequito faz
queixa de 2 juízas do tribunal do
trabalho, acusando-as de parcialidade.
Capital (4/9/00) - Pequito
apresenta nova lista de médicos,
alegadamente aliciados pela Bayer.
DN (4/9/00) - Pequito acusa o
PGR de actuação negligente.
Lusa (12/9/00) - Pequito "foi
ferido nas costas, no peito e no
braço direito, infor mou o próprio à
Lusa.
Pequito foi assitido no local por
uma equipa do Instituto Nacional
de Emergência Médica (INEM) e
foi posteriormente transpor tado
para o Hospital Cur ry Ca bral, em
Lisboa, encontrando-se fora de
perigo."
Púb lico (13/9/00 - Pequito revela:
- Recebeu ameaças telefónicas de
morte
- Apontaram-lhe uma ar ma à cabeça,
que disparou 4 vezes em seco
12
Número 8
Setembro 2000
Primeira página
Alfredo Pequito acusa em entrevista ao nosso jornal
Conspiração hospitalar
"Puseram
benzodiazepinas
no soro"
Aqui há dias, Pequito foi
vítima de um novo atentado,
amplamente divulgado pela
comunicação social. Logo
depois surgiram rumores,
também na imprensa, de que
tudo não teria passado,
afinal, de um caso de
automutilação, hipótese
avançada pela Polícia
Judiciária e pelos médicos que o assistiram. Os golpes: ferida incisa no tórax,
com 15 cm; ferida incisa no flanco direito, com aproximadamente 7 cm e
ferida incisa no braço direito, com 15 cm. Em aditamento, a nota:
"superficiais". De acordo com fontes do hospital, a profundidade máxima das
lesões não ultrapassaria os 3 milímetros
- A sua mulher foi perse guida de
car ro
- Ele também foi perseguido de
car ro
- te ve ameaça de bomba no
automóv el
- Carro da mãe foi incendiado na
vésper a do seu julgamento
24H (13/9/00) - Garcia Per eira
an uncia que vai pôr em tribunal o
Presidente da R epública, o
Primeir o Ministro, o Ministro da
Administr ação Inter na e o PGR
por que o Estado não assegurou
pr otecção a Pequito.
Púb lico (15/9/00) - Pequito acusa
PJ de "manobras de diversão"
Diário Digital (15/9/00) "Alfredo Pequito, o ex-dele gado
de infor mação médica (DIM) da
Bayer , recusa liminar mente a tese
de que se automutilou na segunda-f eira nas costas, toráx e braço
direito. A hipótese, avançada pela
PJ à TVI, não é porém afastada
pelo relatório dos peritos do
Instituto de Medicina Le gal, que
anteontem examinaram os
ferimentos provocados por uma
ar ma branca (...) Pequito considera, mais uma vez, que a tese de
autom utilação é "manobra de
di ver são" da PJ para desviar as
atenções das in vestigações aos
casos de cor rupção entre médicos
e la boratórios, que denunciou em
1997".
TVI (15/9/00) - "A PJ não terá
encontrado na camisa que Alfredo
Pequito v estia na altura do alegado
ataque vestígios de uma segunda
pessoa. "Não houve confronto
físico, eu apenas me defendi", alega
Pequito.
Púb lico (15/9/00) - "um portavoz do gabinete do secretário de
Estado da Administração Interna,
Luis Patrão, declarou que "Alfredo
Pequito tem medidas de segurança
em tudo semelhantes à dos quatro
ministros que têm segurança. Só o
Primeiro-Ministro e o Presidente
da Re pública possuem mais
se gurança do que Alfredo Pequito"
"O PÚBLICO sabe que os
A
reforçar a suspeita da po
lícia de que se terá trata
do de uma "manobra de
diversão", destinada a imprimir
novo fôlego à imagem de vítima que
tem sido difundida pela comunicação social, alguns dados, curiosos.
Primeiro, não há registo, nos anais
da Judiciária, de um caso semelhante. Atacado, Pequito não apresenta
mais do que uma incisão nos membros superiores, como seria de esperar num indivíduo que é atacado
e que, por instinto, tentaria defender a cara e o tronco. Depois, o tipo
de golpe de que alegadamente foi
vítima: não tentaram perfurar o corpo, como seria de esperar. Por fim,
o inusitado movimento de jornalistas que rodeou toda a operação:
quando a ambulância chegou ao
hospital, já havia câmaras de televisão à espera. Quisemos saber da
boca de Pequito as peripécias que,
segundo ele, marcaram a agressão
de que alegadamente terá sido ví-
peritos do Instituto de Medicina
Legal f izeram uma análise aos
ferimentos que não pôe de parte
a possibilidade de ter ocorrido
uma autof lagelação. Os
ferimentos são superficiais e em
nenhum terá ocorrido uma
perfuração com objecto cor tante".
"Os dois ataques contêm vários
elementos de perplexidade:
ocorrer am no mesmo local [junto
ao muro exterior e no interior do
13
Número 8
Setembro 2000
Primeira página
tima. Em entrevista ao nosso jornal, Alfredo conta a sua versão dos
acontecimentos. Falou de conspirações no hospital de Curry Cabral
envolvendo médicos e Polícia Judiciária e de como lhe puseram
benzodia-zepinas no soro para que
fossem detectadas nas análises.
Falou, também de quem suspeita...
Foi ferido, pela segunda vez, no espaço
de dois meses. Agora, surge a
informação de que se terá tratado de
automutilação; de que as feridas eram
superficiais... É também isso que vem
no seu relatório médico...
Essa informação foi dada pela TVI.
Só que a palavra "superficiais" foi
acrescentada. Porquê, não sei! A Polícia Judiciária apareceu com essa tese
à velocidade da luz. É preciso ver o
que é que vai sair daqui.
No relatório médico diz-se que o
Pequito entrou sonolento,
desorientado... Foi assim?
É uma perfeita mentira! Senti-me
apenas maldisposto e por insistência dos senhores do INEM sentei-me numa maca. Mais nada!
O relatório diz que lhe foram
detectadas benzodiazepinas no
sangue... A tontura terá vindo daí?
Não consumo benzodiazepinas.
Eles detectaram o que quiseram
detectar. Se você está a soro e lhe
puserem outro medicamento qualquer - que eu não sei qual foi detecta-se o que se quiser...
E o que é que isso quer dizer?
Quer dizer que eu não sei se me
puseram alguma coisa no soro.
Coloca, então, a hipótese de lhe terem
colocado as benzodiazepinas no soro?
Claro que sim! Tudo isto é
estranhíssimo.
O que é que o leva a pensar desse
modo?
Porque é que a Polícia Judiciária
quintal], ao final da tarde e sem
testemunhas, apesar do jardim ser
visível do exterior e da mãe de
Pequito se encontrar no interior
da residência, e deixaram
ferimentos pouco pr ofundos,
embora extensos".
"fonte g overnamental declarou ao
PÚBLICO que a segurança
pessoal concedida "nunca
registou qualquer mo vimento ou
incidente suspeito de pessoas ou
viaturas ao long o dos anos que
esteve reunida com o chefe de
equipa durante uma hora? Porque
é que entraram pela porta de trás
e não pela da frente? Para não serem vistos.
A agressão teve lugar
na véspera de uma
audiência de
julgamento do
segundo processo
contra a Bayer, em
que Alfredo Pequito é
testemunha, o que
leva alguns elementos
ligados à investigação
a admitir a hipótese
de autoflagelação".
Como é que soube que eles lá estavam?
Foi um segurança do hospital que
informou o Dr. Garcia Pereira de
que eles lá estavam. E só depois
dele regressar [o chefe de equipa]
é que resolveram fazer a análise ao
sangue. Não percebo a propósito
de quê quiseram fazer-me uma
análise. Se fosse o caso de um acidente de automóvel, ainda compreendia.
Diz-se que recusou fazer a contra
análise. É verdade?
A minha mãe foi Directora do Serviço de Hematologia do HSM e
tem vários laboratórios de análises. Portanto, se há uma coisa que
ela percebe é de análises. Ora, um
hemograma demora, no máximo,
cinco minutos a fazer. Eu estive
duas horas e meia à espera dos resultados. Percebe...?
Porque é que andam à procura de
opiácios e de barbitúricos? É que
essa é a tese que foi espalhada pela
indústria farmacêutica: que eu era
toxicodependente. Percebe...? É
por isso que eu não tenho grandes dúvidas de que a Polícia Judiciária aproveitou essa oportunidade para ver se me apanhava com
alguma coisa. Está a ver...?
Aliás, a indústria faz reuniões periódicas para delinear este tipo de
‘Diário Digital’, 3/5/00
estratégias. A última foi na Roche!
Como é que explica estas tentativas de
agressões? De quem é que suspeita?
Indústria farmacêutica, empresas
congéneres e outras entidades. E
por outras entidades, entenda mesmo isso: outras entidades. Percebe...?
Não.
Olhe, este telefonema está a ser
ouvido!
Está a ser ouvido? Por quem?
De certeza que o telefone está sob
escuta! Mas não tenha problemas,
que eu também não tenho.
"Pequito afirma ter ‘provas’
de que a Bayer realizara
ensaios clínicos ‘ilegais com
crianças’ em, pelo menos,
quatro hospitais públicos"
Garcia Pereira
acompanha Alfredo P equito que
justificasse o ref orço do corpo de
vigilância".
"A se gurança de Alfredo Pequito
acompanha-o em todas as
deslocações pelo país e apenas
não está presente quando ele se
encontra na sua residência.
Quando c hega a casa, Alfredo
Pequito combina com os homens
da sua segurança "as horas a que
o apanham no dia seguinte", um
procedimento habitual com todas
as entidades do estado que
possuem seguraça pessoal. "Tudo
o que aconteceu a P equito foi
sempre dentro da sua residência
[da mãe], local onde nunca
solicitou a pr esença dos agentes"
Diz P equito: "Isto é muito
cómodo par a a PJ. "Sabe o quão
doente psiquicamente está uma
pessoa par a se auto-mutilar? Há
um g rupo musical cujo vocalista
se auto-m utila em palco nos
concer tos. Eu não sou o vocalista
dos Marilyn Manson. Estou na
Porque é pensa que o telefone está sob
escuta?
Não penso, sei que está! Isso foi
pedido ao senhor Ministro da Justiça pelo Dr. Garcia Pereira. A meu
pedido! Tanto o meu como o dele
estão sob escuta.
Voltando à autoria das agressões.
Acha que é a gente da Bayer que está
por detrás de tudo?
Podem ser eles como podem ser
outras entidades. E por outras entidades, entenda mesmo isso: outras entidades. Percebe...?
Veja bem, a Bayer não é virgem
nestas coisas. Se você ler a revista
Fortune, vê que eles têm um corpo de operações. Está a compreender...?
Ó Pequito, para uma companhia que
tem uma força dessas não seria mais
fácil "limpá-lo"?
Eventualmente seria. Mas isso era
assumir publicamente que eu tenho razão. Está a ver...? Quando
se arranjam estes fait`divers é para
desviar a atenção daquilo que devia acontecer e não acontece.
posse das minhas faculdades
mentais"
Existem no mercado português
"500 medicamentos que não têm
eficácia terapêutica ou são
perig osos, pelo de vem ser
descomparticipados" pelo Ser viço
Nacional de Saúde (SNS),
afirmou Alfredo P equito
Todos os de putados que receberam
Alfredo Pequito mostraram-se
"surpreendidos e pr ontos a
Deixe-me fazer de "advogado do
Diabo". A primeira agressão foi
para o calarem, para lhe meterem
medo numa lógica de "se falas...".
Ora, você não se calou. Porque é
que a Bayer não "resolveu" o
problema, já que tem a tal força de
operações?
Para você ter uma noção do que é
a Bayer, posso-lhe dizer que o presidente da companhia ameaçou o
Chanceler Alemão de que se não
aceitasse algumas das suas imposições, ele retiraria todas as fábricas da Bayer da Alemanha. Se ele
faz isto em relação ao Estado Alemão, imagine o que faz ao Estado
Português. Percebe...?
Deixe-me explicar-lhe o seguinte:
a Bayer tem dois processos complicadíssimos, um com a Eva Kor
- que há-de cá vir a Portugal dar
umas conferências para explicar o
que é que é exactamente a Bayer.
Lembre-se [não me lembro de
nada] que só para que ela não colocasse um processo, a Bayer ofereceu-lhe quatrocentos milhões de
contos.
O outro caso sou eu! Percebe...?
estudar" o documento, revelou o
ex-dele gado de informação médica.
De pois de ter estudado atentamente o grosso volume, Alfredo
Pequito consider ou que devia
revelar o caso e alega que, se nada
for discutido no Orçamento de
Estado, vai voltar "à carga par a que
não esqueçam esta matéria".
Nelson Baltazar, deputado do PS
e coor denador da área da Saúde,
não adiantou para já qualquer
acção dizendo apenas que "iria
estudar o dossier".
14
Número 8
Setembro 2000
Primeira página
Pensa que a Bayer pressionou o
Estado Português no sentido de
"abafar" o caso?
Não tenho qualquer dúvida, com
certeza que sim! Repare uma coisa: o Estado Português está refém da Bayer e da indústria farmacêutica. Qual é a dívida do
Ministério da Saúde às farmacêuticas? 72 milhões de contos. Não
se esqueça das ameaças que a
Apifarma fez, ainda no tempo da
Maria de Belém, de que podia
vender a dívida do Ministério a
um banco europeu e no dia seguinte o banco poderia exigir o
pagamento. Ora, a dívida aumentou cerca de 40 milhões de contos... Acha que a indústria não
faz pressão tendo esse dinheiro
a haver?
Pequito levanta suspeitas sobre a
imparcialidade do Presidente da República,
Jorge Sampaio, o ex-Ministro da Justiça, Vera
Jardim, o da Defesa, Castro Caldas e o da
Justiça, António Costa. Em causa, a sociedade
de advogados de que estes são sócios.
‘Tal & Qual’, 10/3/00
Se eles têm esse poder todo, porque é
que não dão cabo de si? Não era mais
fácil? Afinal, você é incómodo, um
estorvo...
Sou um estorvo, sou! E sou uma
pessoa determinada. Não são estas coisas que me vão fazer desistir. Se pensam que me vou calar,
estão muito enganados.
Sinceramente, você acha que a Bayer
seria capaz de mandar alguém com um
canivete atrás de si para o cortar?
Claro que sim! Se ler o artigo da
Fortune, vê lá escrito que a máfia
tem um dedinho lá dentro.
Mais uma razão para darem cabo de
si. Se, como diz, o presidente da Bayer
é um mafioso que vive com o receio do
que irá surgir amanhã nos jornais...
Até era fácil, já que pela teoria que
tem sido apresentada, você tem
problemas de dívidas de jogo e muitos
inimigos...
Eu não digo que é só a Bayer que
tem interesse em calar-me... Há
outras entidades interessadas. E
por outras entidades, entenda mesmo isso... Outras entidades. Percebe...?
Não percebo, não. Mas também
não cabe ao jornalista perceber
estas coisas. Porque é que se publicam...
Ainda assim, sem perceber bem
porquê, enquanto escrevia este
fascículo e meditava no próximo:
nas revelações bombásticas que
se adiantam, veio-me à memória
um excerto do texto do tradutor
de Tizangara, do romance "O
último Voo do Flamingo", de
Mia Couto.
"Agora, pergunto: explodiram na intei-
ra realidade? Diz-se, em falta de verbo.
Porque de uma explosão sempre resta
alguma sobra de substância. No caso,
nem resto, nem fatia. Em feito e desfeito, nunca restou nada do seu original
formato".
E como ele, pergunto:
O nosso herói morreu? Foi morto? Encontrarão a resposta no próximo fascículo de Pequitogate. Por
lá, Alfredo fala dos telefonemas
que Maria de Belém lhe fazia a
buscar conselho, do mau feitio de
Manuela Arcanjo, do papel do Presidente da República e do Primeiro Ministro em toda esta história
e de muitos outros personagens,
que têm contribuído de forma decisiva para o estrondoso sucesso
da novela.
É preciso investigar, doa a quem
doer... Separar o trigo do joio. Mas
será que esta é a melhor forma de
o fazer?
Não estarão Pequito e o seu tutor,
mesmo sem o saberem, a contribuir para que a verdade nunca venha a ser apurada?
Será que Pequito pode ser responsabilizado pelo que diz?
Será que é Alfredo quem mais beneficia com a cobertura mediática
que se dá ao caso? Beneficia mesmo? Do quê?
Miguel Múrias Mauritti
Reflexos
"A Trajectória do Amor"
Comentado por um leigo em medicina
O
livro de Mário Moura,
testemunho de coragem
ao apresentar a visão
bio-psico-social ainda no auge
da medicina tecnológica, e quando se começa a tentar retroceder nos conceitos e perfis da
medicina de família, tem despertado alguma curiosidade mesmo
nos meios não médicos, em pessoas com uma visão holística do
homem.
Transcrevemos hoje, com a devida vénia, uma critica publicada no
"Sem Mais Jornal", semanário publicado no distrito de Setúbal, feita pelo professor da Universidade
de Lisboa, doutor Viriato
Soromenho Marques, que já foi
presidente da "Quercus".
O Princípio do Amor
Nova obra de Moura
Mário da Silva Moura é um médico e um cidadão que provavelmente
não necessita de uma longa apresentação perante os leitores deste jornal, que, aliás, honra com a sua
assídua e informada colaboração.
No seu vasto percurso sobressaem
as suas múltiplas facetas de médicos, jornalista, membro de numerosas associações cívicas, científicas e
culturais, cristão empenhado, e cidadão sempre envolvido nas causas
onde se jogue a dignidade das pessoas, e a possibilidade de minorar sofrimentos ou combater injustiças.
Contudo, embora a vida de Mário
da Silva Moura seja plural como são
os seus interesses e a generosidade
do seu carácter, a verdade é que uma
faceta existe onde todas as características do seu labor e da sua "visão
do mundo" se concentram, permitindo uma leitura do sentido global do
seu trabalho, e de seu entendimento
da vida como uma missão permanente. Estou a referenciar-me à sua
faceta de escritor, que ficou mais uma
vez confirmada com a recente publicação de uma obra com o título de:
A Trajectória do Amor, Ensaio
Sobre a Medicina Familiar.
Sendo embora um livro onde se reflecte em cada página a vasta e competente experiência de uma vida dedicada à Medicina Geral e Familiar, o livro de Mário da Silva Moura
não é uma obra que afaste os leitores por se fechar numa linguagem
tecnicamente hermética. Como é próprio do seu estilo de escrita, também neste livro Mário da Silva
Moura conjuga rigor com clareza.
A medicina que se revela neste livro é uma medicina envolvida no
tempo, na história e na cultura.
Sobr etudo, uma medicina
inseparável dos grandes desafios e
contradições da condição humana.
Com uma notável coragem intelectual, Mário da Silva Moura apresenta-nos uma medicina entretecida
nas forças, pulsões e relações fundamentais da pessoa humana, de onde
sobressai o amor como princípio vital e ontológico, isto é, estruturante
do ser de cada um e da própria humanidade. Com uma confiança
desarmante no destino da aventura
humana, o autor fala-nos de uma
medicina que, embora sem desprezar os enormes avanços da tecnologia, não esquece que a diferença entre a saúde e a doença diz sobretudo respeito a estilos de vida, a valores e comportamentos.
Numa cultura, como a ocidental,
onde sempre nos faltaram as palavras para expressar a importância
do amor, este livro de Mário da Silva Moura merece ser saudado pelo
refrescante e estimulante suplemento de inteligência e bondade que
constitui.
Viriato Soromenho Marques
15
Número 8
Setembro 2000
Opinião
A regra é a excepção
Quando se pretende resolver
um problema, procuram-se
soluções; quando não se quer
É
notável que se tenda a
atribuir a culpa ao "cliente" por um pretenso
"hiperconsumo" de tudo o que o
SNS lhe oferece: consultas, medicamentos, MCDT, urgências.
Numa lógica de mercado o SNS é
de sangue, diabéticos, grávidas,
crianças, etc.. Por tal motivo estes
foram isentados de taxas. Instalou-se, ao longo dos anos, uma colecção enorme de circunstâncias
em que o cidadão é dispensado da
taxa dita moderadora: a médio pra-
blemas da área social. São, entretanto, cada vez mais as excepções
nos descontos concedidos nos
medicamentos comparticipados
pela doença do paciente e, mais
recentemente, até pela especialidade do médico que prescreve.
verdadeiramente uma história de
sucesso: oferece muitos serviços
de urgência e eles estão sempre
cheios, contempla milhares de
medicamentos e eles são fortemente consumidos.
Vigora, entretanto, um instrumento cujo nome de baptismo pressupõe que visaria moderar o uso
dos serviços públicos de saúde, ou
não fossem chamadas TAXAS
MODERADORAS. O valor irrisório de algumas destas taxas e a
panóplia das isenções das mesmas
talvez expliquem a aparente inutilidade total na sua finalidade: nunca houve qualquer evidência de
que o tal consumo de cuidados
fosse por elas "moderado".
É notório que todos os cidadãos
são culpados pelo "hiperconsumo", mas foram encontradas
"atenuantes" para alguns: dadores
zo o número de cidadãos isentos
tenderá a constituir a totalidade da
população. A capacidade reivindicativa das diversas associações de
doentes e amigos dos doentes (entre estes amigos assume particular importância a generosidade de
algumas companhias farmacêuticas) tem sido o factor mais decisivo para a criação de cada vez mais
excepções aos preceitos da taxa e
até ao preço dos medicamentos.
Por outro lado, o SNS entrou, há
muitos anos, em competição directa com o sistema de segurança social. O rendimento das famílias é considerado quer para as
isenções de taxas moderadoras
quer para a criação de tabelas
especiais nos descontos concedidos no preço dos medicamentos, funcionando o SNS como
uma enorme almofada para pro-
Há necessidade de reflectir de forma aprofundada sobre a natureza,
finalidades e justeza dos vários
mecanismos de regulação em taxas e comparticipações: a coerência do próprio sistema de saúde a
isso deveria obrigar.
Com mecanismos reguladores que
têm gerado tantas excepções, é de
colocar a dúvida legítima sobre a
utilidade da regra.
resolver coisa alguma,
procura-se um culpado.
Um dos problemas mais
comuns que afecta os médicos
de família (aliás, todo o
sistema de saúde) é um
pretenso "hiperconsumismo" de
cuidados. Aqui já se descobriu
há um culpado: o cidadão. As
medidas para resolver este
problema, se é que ele existe
mesmo, constituem uma curiosa
colecção de regras e um
labirinto de excepções cuja
coerência é cada vez mais
obscura
Subsídio de fixação
O subsídio de fixação dos médicos de clínica geral foi apresentado
como um mecanismo que incentivaria a fixação na periferia.
O país foi dividido, por concelhos, em 4 categorias: A, B, C e D,
por pretensa ordem decrescente de inospitalidade. No entanto, o
grupo D inclui Lisboa, Porto e Coimbra, o que parece não "casar"
muito bem com um subsídio de fixação na periferia.
As condições concretas de vida em cada local de colocação (que
devia ser a freguesia e não o concelho, já que esta dimensão cria
injustiças relativas enormes) deveriam inspirar os critérios para
valoração dos subsídios se se pretende que eles incentivem, realmente, a colocação à periferia e compensem, de algum modo, a
"inospitalidade".
Mais do que uma classificação estática, publicada em 1982, sem
indicação explícita dos critérios utilizados, os vários escalões do
referido subsídio deveriam depender de indicadores objectivos e,
como tal, com a possibilidade de evoluir no tempo: as acessibilidades, os serviços disponíveis no local, o custo relativo da habitação,
a existência de escolas para os filhos, etc, não são realidades imutáveis no tempo.
António Branco
Médico de Família
Número 8
18
Setembro 2000
Posição
Carta Aberta a Sua Ex.a a Ministra da Saúde
H
á cerca de um ano, iniciámos em Samora Correia o RRE, que no fundo constituiu uma evolução do
Projecto Alfa que teve início em
01/10/1996. Este projecto englobava apenas cerca de 60% da população de Samora Correia mas
devido aos bons resultados alcançados foi decidido alargá-lo a toda
a freguesia, passando a abranger
uma extensão - o Porto Alto.
Como, entretanto, surgiu o Decreto-Lei que criou o RRE, procurámos integrar estes novos aspectos
no projecto inicial de forma a podermos candidatar-nos. Surgiu,
assim, o 1º RRE a nível Nacional.
Um ano volvido e muitas dificuldades ultrapassadas, surge agora
uma fase de, digamos, estagnação!... Queremos avançar, sabemos
o que queremos mas, faltam "Orientações Superiores" que indiquem claramente o caminho que
pretendem seguir e os respectivos
"meios" para podermos realizar no
terreno as tarefas pretendidas.
Reflectindo sobre este ano que
passou e tentando encontrar soluções para o futuro, surgiu-me
subitamente este Provérbio esquecido há algum tempo:
" O Homem que não pode
cometer um erro, não pode
fazer nada".
De facto, se analisarmos todo este
processo encontramos duas fases
distintas:
1. O lançamento do Projecto Alfa
2. O Regime Remuneratório Experimental
Qualquer destes projectos fazem
parte de um mais vasto e que se
"reclama" há vários anos - A Reforma do Sistema de Saúde e, em
particular dos Cuidados de Saúde
Primários.
No caso do projecto Alfa foi
lançada uma ideia e, procurou-se
dar a palavra aos profissionais de
saúde integrando-os no processo
de reforma. Verificar, com experiências no terreno, qual o melhor
caminho a seguir e, tirar as respectivas conclusões para o futuro dos
CSP. Foi necessário decidir e arriscar um possível fracasso ou sucesso. Mas, quem o fez não teve
medo de errar. Penso que, se a
ideia não tivesse resultado, seria
capaz de tirar as conclusões necessárias e, procurar outro caminho.
No fundo é assumir que, em todas as decisões existe uma margem
de erro, maior ou menor, mas que
na realidade existe. E, assumindo
que se pode errar, penso que se
deu um passo muito importante
no caminho da reforma dos CSP.
Foram poucos os grupos aderentes mas, foram em número suficiente para que se fizesse uma avaliação e se pudessem tirar algu-
Queremos avançar, sabemos o que
queremos mas, faltam
"Orientações Superiores" que
indiquem claramente o caminho
que pretendem seguir e os
respectivos "meios" para podermos
realizar no terreno as tarefas
pretendidas
mas conclusões sobre o caminho
a seguir. Também foi ultrapassada a desconfiança dos profissionais e, nomeadamente dos médicos, sobre as possíveis mudanças
criando-se mesmo a sensação de
que alguma coisa estava realmente a mudar!
Esta mudança consubstanciou-se
com o surgimento de 2 diplomas :
1. A criação do RRE;
2. A criação dos Centros de Saúde com Personalidade Jurídica
(3ª Geração).
Nesta fase, já com um suporte legal mais claro e atractivo, surgiram
diversas candidaturas (muito mais
do que se estaria à espera!).
Penso que a fase do projecto Alfa
foi importante, pois conseguiu
mobilizar não só a vontade de
mudança dos médicos que integraram os grupos (talvez os mais irrequietos e inconformados) mas
também despertou noutros coleg as essa mesma vontade, talvez
mais ador mecida ou receosa se
seria mais uma pedrada no charco, sem consequências práticas!
Talvez por isso, terão optado por
esperar mais um pouco, para ver
os resultados e, para tentar perceber se a Administração seria capaz
de mudar!
Os receios de que nada mudaria
esbateram-se com a saída dos referidos DecretoLei. Sentiu-se essa
mudança no ar!
E, naturalmente as candidaturas
foram aparecendo. Os profissionais responderam positivamente a
mais um desafio para a melhoria
da qualidade do seu trabalho e do
serviço que prestam aos utentes
que os procuram. É evidente que
existe aqui um componente
remuneratório mas, quantos grupos estão a receber correctamente? Há grupos a trabalhar há mais
de 6 meses, fazendo mais horas do
que anteriormente e a receber o
mesmo vencimento!!! Quando se
fala com colegas destes grupos ninguém
pensa em desistir !!!!!!!!
Porém, se repararmos na distribuição nacional dos grupos é estranho que eles surjam só na ARS
Norte e na ARS Lisboa e Vale do
Tejo (sem esquecer o caso isolado
de Beja). Penso que isto se deve a
um facto importante: nestas Regiões
os dirigentes não tiveram medo de errar.
Deram suporte aos grupos, dialogaram, procuraram resolver os
problemas surgidos com as mudanças que o RRE implicava, etc.
Numa palavra: arriscaram cumprir a
Lei embora não tivessem, eles próprios,
muitas vezes, o suporte do Ministério da
Saúde para a execução das tarefas que
lhes competiriam naquele âmbito (do
RRE).
Nas outras Regiões, nomeadamente na ARS do Centro e na do Algarve, o espírito que transparece é
o de não fazer nada pois, isto pode correr mal e...
Não foi por falta de profissionais
que não surgiram grupos nestas
Regiões! Têm surgido candidaturas ou tentativas de as efectuar que
são bloqueadas de imediato com
os mais diversos e disparatados
argumentos!!!
No fundo é melhor não fazer nada! Há
uma Lei? Será que existe mesmo? E...
É para cumprir? E, se resulta mal?
É o que diz o Provérbio :
"Quem não pode errar, nunca
fará grandes coisas"
Mas o mais grave, é que não deixa os
outros fazerem o que quer que seja! E
se estas pessoas estão em lugares
de responsabilidade o seu "medo
de errar" bloqueia tudo e todos.
Sr.ª Ministra, precisamos urgentemente de sair deste impasse! O
entusiasmo esvai-se e dentro em
pouco não será possível cumprir
os objectivos estabelecidos.
Com o maior respeito que tenho
pelo trabalho de cada pessoa e em
particular por quem tem de tomar
decisões de fundo que implicam
mudanças fundamentais nos CSP,
atrevo-me a alertar V.Ex.a para a
urgente necessidade de reformular o
RRE. Dar-lhe um suporte informático
Número 8
19
Setembro 2000
Posição
que permita aos profissionais e à Administração cumprir os objectivos traçados nos seus planos de trabalho, nomeadamente, no aspecto da avaliação, que é fundamental em qualquer processo deste género, para
que o mesmo possa progredir saudavelmente.
Existe um relatório da Comissão
de Acompanhamento, criada por
V.Ex.a, que analisa os 2 anos de
RRE, as dificuldades detectadas e
propõe algumas soluções possíveis. Existe um relatório do Grupo REMO da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG) onde se apontam
algumas das dificuldades encontradas e se fazem sugestões para o
melhoramento do RRE. Este relatório baseia-se em reuniões que
o grupo REMO manteve com os
grupos que se candidataram e respectivas Regiões e Sub-Regiões
(ou com aquelas que nos quiseram
(...) É evidente que existe aqui um
componente remuneratório mas, quantos
grupos estão a receber correctamente?
Há grupos a trabalhar há mais de 6
meses, fazendo mais horas do que
anteriormente e a receber o mesmo
vencimento!!! Quando se fala com
colegas destes grupos ninguém pensa em
desistir !!!!!!!!
receber para uma conversa franca
e aberta).
V.Ex.a conhece as potencialidades
e limitações actuais do SINUS II,
que lhe foi formalmente apresentado em Samora Correia. Uma das
limitações importantes era a impressão do receituário que está
programada para o novo modelo
de receitas criado pelo Ministério
da Saúde e que, nós não temos
autorização de utilizar (e aqueles
que têm autorização não as usam
preferindo mantê-las nos "seus"
armazéns). Mostrámos disponibilidade para, mais uma vez, contribuirmos para o desenvolvimento
deste processo e, não entendemos
o porquê de não nos ser dada a
respectiva autorização. Parece-nos
que temos todas as condições para
o implementarmos para além de
considerarmos este um aspecto
importante para a avaliação qualitativa do trabalho desenvolvido
pelo grupo. Concordará certamente V.Ex.a, que este ou qualquer
outro suporte informático será da mai-
or importância para o futuro, não
só do RRE como, também, para
os Centros de Saúde de 3ª Geração e sua articulação com a Rede
Hospitalar.
Penso que será preciso, na
reformulação do diploma do RRE,
introduzir as alterações necessárias à sua boa articulação com o
Decreto-Lei sobre os Centros de
Saúde com Autonomia Jurídica (3ª
Geração).
Mas é importante e Urgente avançar!
Estamos bloqueados por aqueles
que nada fazem e que têm medo
de errar (ou decidir).
Não pertencendo V.Ex.a a este
grupo, espero que compreenda a
Urgência das decisões a tomar a fim
de relançar todo este processo que
acompanha desde inicio e que já
fez saber que é prioridade do seu Ministério.
Sentimos que este é um projecto
válido, com boas perspectivas de
evolução e com muitos profissionais seriamente empenhados em
contribuir para uma melhoria global dos CSP. Será pena perder-se
esta oportunidade e entusiasmo!...
Estarei disponível para ajudar,
positivamente e dentro das minhas
limitações, no desenvolvimento do
RRE e dos Centros de Saúde com
Personalidade Jurídica, caso V.Ex.a
assim o entenda.
José Paulo Santos Gonçalves
Chef e de Serviço de Clínica Geral
Centr o de Saúde de Benavente (USSC)
Número 8
20
Setembro 2000
Opinião
À atenção de António Guterres
V
ai sendo prática corrente
ninguém se satisfazer
com explicações dos Ministros da tutela e pedir respostas
e explicações ao Primeiro Ministro, como se só ele fosse o Governo inteiro e não a cabeça duma
equipa.
Todos os dias as oposições exigem
que o Eng. Guterres vá à Assembleia da República por causa de
problemas surgidos no país, seja
com os transportes, com a segurança, com a educação, com a saúde, como se os repectivos Ministros fossem uns irresponsáveis.
Embora me pareça um autêntico
atestado de incompetência, passado aos vários governantes, com o
que não estou de acordo, vou na
onda, e perante a gravidade do estado da saúde em Portugal, resolvi
também apelar ao nosso Primeiro
- não se declarou ele apaixonado
pela Saúde?? E o apelo que lhe dirijo é que leia o último número do
jornal "Médico de Família", pois
ficará com uma noção completa
dos antecedentes, da situação actual, dos problemas e até das soluções para remediar o descalabro no
nosso serviço nacional de saúde,
em alerta vermelho como dissemos no último número.
António Branco, na luta pela clínica geral
e pelos cuidados de saúde primários
desde a primeira hora, e vivendo "por
dentro" muitos dos sintomas da
"esclerose" diagnosticada, põe
genialmente e sinteticamente em
confronto uma atitude positiva de Blair e
tudo o que é negativo na equipa (melhor
nas equipas) dos nossos governos,
igualmente socialistas e igualmente
defensores da tal "terceira via". Lemos
nos jornais que Tony Blair estava a
perder popularidade, bem como o seu
governo trabalhista, tal como está a
acontecer em Portugal com António
Guterres. E o que faz Blair? Investe em
Saúde! Reforma o National Health Service
Os professores Sakellarides e
Cipriano Justo fazem de maneira
magistral o exame da situação,
indo buscar os seus antecedentes
e apontando razões de fundo da
inoperacionalidade, do fracasso e
até da saída de Maria de Belém.
O valor teórico do edifício que
construiu com a sua equipa, encaminhava a reforma do sistema para
Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral
CONVOCATÓRIA
Nos termos dos artigos 26º, 27º, 28º e 29º dos Estatutos da
Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, convoco a Assembleia Geral a reunir em sessão ordinária no dia 11
de Novembro de 2000, pelas 15 horas, na Sede da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, sita na Estrada
de Benfica, 719 - 1º Esq., em Lisboa, com a seguinte Ordem
de Trabalhos:
1 - Informações.
2 - Apresentação, discussão e aprovação do Plano de Actividades e do Orçamento para 2001.
Se na hora marcada não estiverem presentes metade dos
sócios, a Assembleia reúne em segunda convocatória uma
hora depois.
Lisboa, 8 de Setembro de 2000
Pelo Presidente da Assembleia Geral
Drª Ana Maria Pisco
(Secretária da Mesa da Assembleia Geral)
o reforço do serviço de saúde, para
a descentralização, para a contratualização, para a responsabilização dos agentes do processo, afrontava determinados Lobbys,
e fugia, declaradamente, aos neoliberalismos encobertos por rótulos como "terceiras vias" - sem
dúvida, a chamada esquerda perdeu a batalha!
Se, como disse Sakellarides, não foi
possível transformar o sistema de
saúde português em algo mais do
que "uma burocracia como outra
qualquer", e isso nos ameaça de
que ele se transforme num "negócio como outro qualquer", então
a chamada esquerda perdeu mesmo uma batalha!
O Prof. Daniel Serrão, para além
de diagnosticar com o rigor dum
patologista a escloreose do serviço de saúde, põe a tónica na necessidade urgente de dar a primazia de toda a mudança aos médicos de família, (o que todos nós
que nos preocupamos com este
problema andamos dizendo há
quase uma década) e adianta dez
medidas donde destaco a declaração fundamental: decidir que a
refundação dos hospitais deve ser
secundária à refundação da clínica geral.
Alguns outros artigos e opiniões
expressas no mesmo número do
"Médico de Família", mostram
o seu desconforto com a tendência internacional para desvirtuar
a medicina de família, mas
António Branco, comentando
recentes decisões de Tony Blair,
é quem lança o verdadeiro apelo
a António Guterres, ao pôr em
relevo todo o enorme investimento do Governo britânico no
seu serviço nacional de saúde de
"referência" - o NHS.
António Branco, na luta pela clínica geral e pelos cuidados de saúde primários desde a primeira
hora, e vivendo "por dentro" muitos dos sintomas da "esclerose"
diagnosticada, põe genialmente e
sinteticamente em confronto uma
atitude positiva de Blair e tudo o
que é negativo na equipa (melhor
nas equipas) dos nossos governos,
igualmente socialistas e igualmente defensores da tal "terceira via".
Lemos nos jornais que Tony Blair
estava a perder popularidade, bem
como o seu governo trabalhista,
tal como está a acontecer em Portugal com António Guterres. E o
que faz Blair? Investe em Saúde!
Ref o rma o National Health
Service.
E o que levou Clinton à sua primeira vitória?
Promessas de investimento em
Saúde!
E o que pode salvar um qualquer
Governo em crise, como o nosso,
que se diz de esquerda?
Investir em Saúde de maneira decidida e em força, investir em criatividade, em competência, em qualidade, inv estir em responsabilização por contratualização, investir em cuidados primários em
vez de hospitais, investir em clinica
geral e não em muitas outras especialidades que são superabundantes, investir em remunerações
capazes que premeiem a excelência, resolver a acessibilidade,
etc.,etc. e não apenas no rendimento mínimo nacional como
símbolo das preocupações sociais.
Daqui o nosso apelo a António
Guterres, sem exageros, se quer
ganhar as próximas eleições, ponha os olhos no nosso Serviço
Nacional de Saúde e...reforme-o
com vontade política verdadeira e
sem olhar a compadrios e Lobbys!
Mário da Silva Moura
Médico de Família
Número 8
20
Setembro 2000
Apontamentos
hostratamentos desumanos"
(Sournia, 1995, p. 277).
Também entre nós, com o triunfo
das ideias liberais, surgem as primeiras denúncias da condição
infra-humana em que viviam os
doentes mentais ("doidos, lunáticos, alienados", como eram então
rotulados). De entre os médicos
que se debruçam e se preocupam
com esse problema, destaca-se o
nome de Clemente Bizarro (18051860) que, em 1836, em sessão da
Sociedade das Ciências Médicas,
chama a atenção para "os insalubres, os pavorosos, e os acanhados recintos onde confusamente
estão misturados e em contacto
mais de duzentos alienados de
manias tão opostas e que por isso
exigem cuidados tão diversos" (cit.
por Mira, 1947, p. 420). Bizarro
referia-se mais concretamente à
Enfermaria de S. João de Deus do
Hospital de S. José onde se amontoavam sobretudo doentes do sexo
feminino:
"Doidas nuas e desgrenhadas, entregues a todos os seus desvarios,
gritando e gesticulando, encerradas às vezes num cubículo escuro
e infecto onde mal podem obter
um feixe de palha em que possam
revolver-se; um local de todo
apertadíssimo, com escassa luz,
imprópria ventilação, e nele jazendo perto de 150 infelizes alienados com o diminuto número de
três empregadas, que tantas são as
destinadas ao seus serviço" (citado por Costa, 1986).
Em 1837, Bizarro pedia a criação
de um hospício orientado especificamente para o acolhimento e
tratamento de doentes mentais. O
que veio a acontecer, dez anos
mais tarde: De facto, graças ao legado de um benemérito, é criada
em 14 de Novembro de 1848, o
primeiro estabelecimento para alienados. Alguns anos depois, o
manicómio de Rilhafolhes alberga já mais de meio milhar de doentes. Mais tarde, será seu director o médico Miguel Bombarda
(1851-1910), o qual além de ampliar e modernizar o estabelecimento, lutou vigorosamente contra os métodos repressivos então
ainda em uso (o "babeiro de cola",
a "coleira", o "berço-prisão", o
"colete de forças", etc.). Em 1948,
passou a chamar-se Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda.
Em 1883, entra em funcionamen-
to o Hospital de Conde de
Ferreira, pertencente à Misericórdia do Porto, e que foi construído
com o remanescente da herança de
J.F. Ferreira (1782-1866). Este último, depois de enriquecer no Brasil e em África, iria tornar-se um
dos grandes filantropos do reinado de D.Maria II.
O Conde de Ferreira, para o qual
transitaram os doentes mentais, até
então encerrados como animais
nos porões do Hospital de Santo
António - igualmente sob adminis-
começam a ser largamente objecto de investigação por homens
como os franceses G. Duchenne
(1806-1875), J.M. Charcot (18251893), J. Déjerine (1849-1917) e
sua mulher, P. Marie (1853-1940)
(uma das primeiras mulheres médicas), J. Babinsky (1857-1922), e
o inglês J. H.Jackson (1835-1911)
(Rosen, 1990; Sournia, 1995).
A fundação da neuropsiquiatria é
atribuída ao francês J. M. Charcot,
com a publicação em 1873 do seu
Curso sobre as doenças do siste-
5. Contestação da
Iatrogénese, da Medicina
tração da Misericórdia -, irá tornar-se a escola dos grandes
alienistas do nosso Séc. XIX: A.
M. Sena, Urbano Peixoto, Magalhães de Lemos e Júlio de Matos,
entre outros (Mira, 1947).
É a época do desenvolvimento da
neurologia e psiquiatria (ou melhor, da neuropsiquiatria), o qual
decorre, em grande parte, dos progressos realizados em disciplinas
fundamentais como a anatomia, a
fisiologia e a patologia. As funções
do cérebro e do sistema nervoso
e o seu papel na saúde/doença
ma nervoso. Posteriormente, o alemão E. Kraeppelin (1856-1926)
vai classificar as doenças mentais.
Voltando à França e ao fim do
Ancien Régime, não admira a
grande desconfiança (se não mesmo a suspeição e o repúdio) com
que a instituição hospitalar será
tratada no período revolucionário,
já que ela é sinónimo da caridade
mais abjecta. Como dirá Barère, no
relatório feito em nome do Comité de Salut Publique:
"Quanto mais esmolas, mais hospitais. Tal é o objectivo para o qual
Defensiva e do
Encarniçamento Terapêutico
No pós-25 de Abril, numa leitura
algo imediatista e datada, recusava-se a ideia de que a grande maioria destes provérbios fosse de
origem popular, dada a sua "função de ocultação ideológica" (Gomes, 1974). Na melhor tradição
jacobina e anticlerical, via-se aí a
língua viperina da padralhada, dos
frades e dos jesuítas, já que o povo
não podia ser intrinsecamente "reaccionário".
Populares ou não, os provérbios e
a Convenção deve caminhar sem
cessar, porque estas duas palavras
devem ser riscadas do vocabulário republicano " (cit. por Rochaix,
1995, p. 59).
Em contrapartida, em Portugal
será o Estado Novo, em pleno Séc.
XX, a recuperar a ideologia do
acto misericordioso e a sobrepor
a caridade individual à solidariedade social (Caixa 1).
outros lugares comuns da língua
portuguesa não deixam de reflectir uma experiência amarga da população, vítima não só de um ciclo infernal de epidemias que durou mais de 400 anos ("Da peste,
da fome, da guerra - e do bispo da
nossa terra, Libera nos, Domine!")
como do uso e abuso, por parte
dos praticantes de artes médicas
até meados do Séc. XIX, de técnicas terapêuticas ag ressivas,
invasivas e de duvidosa eficácia
como era o caso da purga e da sangria.
Nesta perspectiva, alguns provérbios podem ser vistos como formas de contestação avant la lettre
do encarniçamento terapêutico de
que é hoje acusada a medicina defensiva: "Se não morre do mal,
morre da cura".
Em meados do Séc. XVII, o uso
da sangria, praticada por cirurgiões e barbeiros-sangradores (uma
profissão só extinta entre nós em
1875) tal como a purga ou o clister
(administrada pelos cristaleiros e
cristaleiras), generalizara-se de tal
modo que dera motivo ao adágio
popular: "Em Lisboa não há sangria má nem purga boa". De facto, "havia médicos que numa mesma doença sangravam trinta e quarenta vezes" (Lemos, 1991,Vol. II,
p. 37). Outros provérbios terão
uma origem semelhante (Quadro
XII):
• "Arrenego da tijelinha de ouro
em que hei-de cuspir sangue"
• "Como é o braço assim é a sangria"
• "Dia de purga, dia de amargura";
• "O que faz mal ao corpo é o sangue"
• "Sangrai-o e purgai-o e, se morrer, enterrai-o";
• "Sangrar de saúde".
Além da prática da sangria, o barbeiro também era chamado para
tratar dos dentes: "A quem dói o
dente vai à casa do barbeiro". E
em quase todas as vilas e aldeias
deste país, até aos anos 60, ele era
para todos os efeitos um verdadeiro praticante da arte médica a
quem se recorria para tratar de
um abcesso, dar uma injecção ou
fazer um penso.
Luís Graça
Sociólogo (ENSP/UNL)
E -mail: [email protected]
http://www.terravista.pt/meco/5531
(a) Conjunto de cinco artigos que
começou a ser publicado pelo
Número 8
22
Setembro 2000
Actualidade
Sub-Região de Saúde de Lisboa
Enfermeiros trocam
hospitais por centros de saúde
A crise está instalada nas
unidades de saúde da
região de Lisboa. O
número de enfermeiros
formados pelas escolas é
insuficiente e os que já
estão no mercado de
trabalho trocam os
hospitais pelos centros de
saúde. Apesar de haver
vagas para estes
profissionais não existe
quem as ocupe
São Francisco Xa vier, um dos hospitais em crise
H
á falta de enfermeiros
nos hospitais e centros
de saúde portugueses. Na
base desta situação, está a escassez
de novos licenciados em virtude de
a formação ter passado para quatro
anos e as escolas superiores de Enfermagem não fornecerem o número suficiente para as necessidades.
Para tentar minorar o problema,
só nos últimos quatro anos foram
contratados cerca de 250 novos
profissionais para o preenchimento de vagas na área de Lisboa, número que ficou muito aquém das
necessidades.
Contactada pelo jornal Médico de
Família, Margaret Bensusan, da
Direcção de Enfermagem da SubRegião de Saúde de Lisboa, falou
sobre este problema: "até 1994
houve uma estagnação no que respeita à entrada de novos enfermeiros na área dos Cuidados de
Saúde Primários ao nível do distrito de Lisboa, dada a não abertura de concursos - por esta altura a média de idades dos enfer-
meiros era de cerca de 55 anos. a mobilidade dos profissionais do a baixar, situando-se, em 1999,
Com as profundas alterações es- entre as diferentes instituições". em 46.6 anos".
tratégicas organizacionais inicia- "Todavia - acrescenta - é evidendas com a regionalização dos ser- te que, desde 1994, muitos enfer- As "queixas" dos Hospitais
viços de saúde foi nomeada uma meiros têm saído dos nossos ser- Os hospitais queixam-se, não só
nova Direcção de
do número de
pessoal formaEnfermagem que,
O cansaço do trabalho por turnos é a
no seu plano de
do ser insuficiprincipal
razão
apresentada
pelos
ente - este ano
acção, definiu
como objectivos a
enfermeiros que justifica a troca de local
não saíram enfermeiros para
médio prazo renotrabalho. Para estes profissionais o
var e aumentar o
o mercado de
trabalho nos centros de saúde não é tão
trabalho devinúmero de enferexigente
em
termos
de
carga
horária.
A
meiros a prestado à passagem
do curso a lifalta de enfermeiros nas unidades de
rem serviço nos
Centros de Saúde.
cenciatura saúde tem sido vantajosa para os
mas também
Segundo esta resenfermeiros espanhóis, que têm vindo a
ponsável, "outra
de que os enocupar
as
vagas
deixadas
pelos
fermeiros esdas grandes preoportugueses nos hospitais
cupações desta
tão a trocar de
local de traban ov a Direcção
tem sido a de não
lho: os hospidesperdiçar a entrada de novos viços para a situação de aposen- tais pelos centros de saúde.
profissionais através da utilização tados. No entanto, o saldo é posi- O cansaço do trabalho por turnos
das vagas de descongelamento tivo visto que muitos têm entra- é a principal razão apresentada
(concurso externo) anualmente do pelos concursos atrás referi- pelos enfermeiros que justifica a
atribuídas e ainda a abertura de dos. Por esta razão, a média de troca de local trabalho. Para estes
concursos internos que facilitam idades dos enfermeiros tem vin- profissionais o trabalho nos cen-
tros de saúde não é tão exigente
em termos de carga horária.
A falta de enfermeiros nas unidades de saúde tem sido vantajosa para
os enfermeiros espanhóis, que têm
vindo a ocupar as vagas deixadas
pelos portugueses nos hospitais.
Os Hospitais em crise
Alguns hospitais da Região de Lisboa atravessam já uma verdadeira
crise, derivada da escassez de enfermeiros, agravada pela sangria
causada pelos concursos para centros de saúde. É o caso do Hospital de Santa Maria, S. Francisco
Xavier, Hospital de Cascais, Vila
Franca de Xira e o Hospital de
Torres Vedras. Pelo contrário, de
alguns hospitais os enfermeiros
não mostram vontade de sair. É o
caso da Maternidade Alfredo da
Costa, do Hospital de D. Estefânia
e do Hospital de São José, onde
as baixas são significativamente
menores. O ambiente de trabalho
que se regista nestas unidades estará na origem da debandada.
Número 8
23
Setembro 2000
Tema em destaque
Proposta para uma nova definição
de Medicina Geral e Familiar
Sugestão para
uma definição de
Medicina Geral e
Familiar
O médico de família é
um especialista
preparado para
trabalhar na primeira
linha do sistema de
saúde e dar os passos
iniciais na prestação
de cuidados para
qualquer problema
de saúde que os
pacientes possam ter.
O médico de família
presta cuidados a
indivíduos inseridos
numa sociedade,
independentemente
do tipo de doença ou
outras características
pessoais ou sociais, e
organiza os recursos
Nesta nova coluna do Médico de Família, procuraremos levar a debate temas
disponíveis no
que se revelem importantes para os leitores, introduzindo opiniões de
sistema de saúde no
especialistas. Neste número, continuaremos a explorar o tema iniciado na
melhor interesse dos
última edição, a proposta de definição de MGF, apresentada para discussão
pacientes. O médico
de família
por Frede Olesen, Jim Dickinson e Per Hjortdahl no Congresso da WONCA
compromete-se com
que teve lugar em Viena.
indivíduos autónomos
através dos campos
A tradução é da responsabilidade de André Rosa Biscaia, e o conteúdo não
da prevenção,
reflecte uma posição oficial da APMCG. Tem apenas como objectivo abrir a
diagnóstico, cura,
discussão sobre os novos enquadramentos e desafios da Medicina Geral e
cuidados e
tratamentos
Familiar enquanto especialidade médica, disciplina académica, campo de
paliativos, através da
ensino e de investigação
utilização e
integração das
ciências biomédicas,
psicologia e
sociologia clínicas
Suggested new definition of general practice
"The general practitioner is a specialist trained to work in the front line of a healthcare system and to take the initial steps to provide care for any health problem(s) that
patients may have. The general practitioner takes care of individuals in a society, irrespective of the patient's type of disease or other personal and social characteristics,
and organises the resources available in the healthcare system to the best advantage of the patients. The general practitioner engages with autonomous individuals across
the fields of prevention, diagnosis, cure, care, and palliation, using and integrating the sciences of biomedicine, medical psychology, and medical sociology."
Número 8
24
Setembro 2000
Tema em destaque
Clínica Geral: uma actividade
complexa e uma definição insuficiente
O
s autores desta definição e do artigo do BMJ
(British
Medical
Journal) de Fevereiro de 2000
"General Pratice - time for a new
defenition", são professores universitários de Clínica Geral e pretendem reflectir sobre a necessidade de reabrir o debate em torno do conteúdo do ensino da Clínica Geral, e da agenda de investigação necessária para tornar esse
currículo baseado em evidência
científica.
A definição proposta é decididamente inovadora quando fala da
necessidade de incluir as áreas da
psicologia, sociologia, antropologia e ética no ensino do futuro clínico geral e na necessidade da investigação qualitativa em cuidados
primários, bem como quando chama a atenção para a necessidade
de formação do futuro clínico
geral nas áreas de prevenção,
diagnósticos, cura, cuidar e cuidados paliativos.
As áreas do cuidar e cuidados paliativos são deficientemente ensinadas e o ensino na área da prevenção pode e deve ser baseado na
evidência científica já existente.
Outras áreas na definição merecem alguns reparos pelo que vou
tentar discuti-las mais detalhadamente:
1- O clínico geral é um
especialista preparado para
trabalhar na 1ª linha.
Esta afirmação embora verdadeira é incompleta. O médico de família pode e deve ser muitas vezes o primeiro contacto mas
também pode ser o último por
exemplo quando presta cuidados
terminais a doentes com doença
oncológica (ou outra) que pode
ter sido tratado durante mais ou
menos longos períodos de tempo em serviços hospitalares.
Quando referencia ao especialista hospitalar deve continuar a
acompanhar o doente pelo que
comunidade de forma a usá-los o
melhor possível para a resolução
dos problemas do paciente. Isto
também implica, na minha opinião, que o clínico geral aprenda a
trabalhar em equipa com outros
profissionais de saúde a nível dos
cuidados primários - administrativos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais etc. e tenha uma
atitude de diálogo com os especialistas hospitalares e com os profissionais que trabalham na comunidade.
pode prestar cuidados iniciais,
simultâneos ou terminais.
Ser médico de família é prestar um
serviço próximo do cidadão, em
ambientes pouco complexos, familiares em certos contextos, mas
organizados.
O médico de família não deve ser
somente a porta de entrada no
Sistema de Saúde deve ser antes o
Centro do Sistema, organizando
e acompanhando o percurso do
seu doente nas restantes componentes do sistema.
Um dos problemas que persiste
no nosso sistema é a má articulação entre os vários níveis de
cuidados e falta de comunicação.
Tal depende das atitudes individuais dos profissionais e de aspectos estruturais de org anização do próprio sistema. As atitudes dependem também do
treino. Qual de nós foi ensinado na faculdade sobre a importância da comunicação entre os
profissionais e a forma correcta
de o fazer?
Este aspecto é importante, entre
outras razões, pelo facto de que
acompanhar o utente no seu percurso no sistema de saúde exige
frequentemente discutir com ele
os diagnósticos e as opções terapêuticas propostas pelos especialistas hospitalares, informando o
doente e apoiando-o na tomada
de decisões.
2 - O clínico geral deve dar os
passos iniciais na prestação
de cuidados para qualquer
problema de saúde que os
pacientes possam ter.
Penso que também aqui a definição é redutora. O clínico geral na
maioria das situações ( 70 a 80%,
já que referencia apenas cerca de
20% das situações ou menos) não
só presta os cuidados iniciais
como resolve integ ralmente o
problema. Poderá resolver mais
problemas se tiver mais recursos
e mais treino e penso que essa
deve ser a tendência.
O que é ou não solucionado a nível dos cuidados primários é uma
á rea em mudança. Citando
Michael Boland " cuidados que
pertenciam aos médicos hospitalares são hoje realizados por rotina nos cuidados primários e algumas tarefas dos médicos de família são actualmente delegadas nas
enfermeiras, nas famílias e nos
próprios doentes. "
3 - O clínico geral presta
cuidados a indivíduos
inseridos numa sociedade,
independentemente do tipo
de doença ou de outras
características pessoais e
sociais.
Penso que ficaria mais correcto
reformular: O médico de família
presta cuidados a indivíduos inseridos numa família e numa sociedade, independentemente do
tipo de doença, idade ou outras
características pessoais e sociais.
A compreensão e avaliação da família pode ser muito importante
para a compreensão daquela doença naquele doente e da sua possível evolução. O clínico geral não
é certamente um terapeuta familiar mas deveria ter conhecimentos que lhe permitissem usar a família como recurso e evitar que
ela seja fonte de doença ou obstáculo à cura.
O clínico geral também deve estar
preparado e ter treino para tratar
crianças e grávidas, embora em alguns países tal não seja prática corrente. Mesmo no nosso país há diferenças entre médicos de família e
centros de saúde nesta matéria.
4 - O clínico geral organiza os
recursos disponíveis no
sistema de saúde no melhor
interesse dos pacientes.
Interpreto esta afirmação como a
necessidade que o clínico geral tem
de conhecer bem os recursos disponíveis no sistema de saúde e na
5 - O clínico geral
compromete-se com
indivíduos autónomos através
dos campos de prevenção,
diagnóstico, cura, cuidados e
tratamentos paliativos, através
da utilização e integração das
ciências biomédicas,
psicologia e sociologia
clínicas.
Esta é a parte da definição mais
inovadora e que merece todo o
meu apoio. Como os autores dizem no texto é necessário definir o que é importante ensinar
nestas áreas que seja útil para a
prática de clínica geral, assim
como é fundamental ensinar e
fazer investigação qualitativa (e
não só quantitativa) que permita aumentar o conhecimento e a
evidência pertinente para a clínica geral nesta área.
A discussão desta questão pretende ser um meio para definir o que
é importante ensinar na fase pré e
pós-graduada para formar um clínico geral competente e fazer
avançar a especialidade. Pretende
ser uma definição universal que se
aplique qualquer que seja o contexto. Embora essa ambição de
universalidade seja desmedida, no
entanto penso que num país como
Portugal será de reflectir a este
propósito sobre o ensino pré-graduado da Clínica Geral e perguntar se existe consenso sobre o que
e como ensinar?
Número 8
25
Setembro 2000
Tema em destaque
Um dos problemas que persiste no nosso sistema é a má articulação entre os vários
níveis de cuidados e falta de comunicação. Tal depende das atitudes individuais dos
profissionais e de aspectos estruturais de organização do próprio sistema. As atitudes
dependem também do treino. Qual de nós foi ensinado na faculdade sobre a
importância da comunicação entre os profissionais e a forma correcta de o fazer?
Penso que seria importante alargar este debate, sobretudo com
interesse académico, como os próprios autores afirmam, à área do
ensino da Clínica Geral em Portugal. O conteúdo e a metodologia do ensino da Clínica Geral em
Portugal é semelhante ou muito
diferente nas várias universidades
portuguesas?
É evidente que é a formação pós
-graduada (o internato complementar) que vai formar os especialistas de Clínica Geral e aí os
conteúdos e metodologias são comuns e explícitos e a articulação
entre as várias coordenações é
uma realidade, apesar de dificuldades conjunturais.
Continuidade de cuidados
Outro ponto interessante para
debate é a afirmação de que a continuidade de cuidados "o modelo
do médico que presta cuidados a
tempo inteiro, todo ano a uma
comunidade estável "é um papel
difícil com custos pessoais e
sociais altos para o médico na sociedade actual.
De facto este foi um dos temas
debatido no último congresso da
Wonca em Viena com o conferencista convidado (Douglas
Flemming) a posicionar-se abertamente contra este modelo de
continuidade de cuidados e propondo a continuidade não baseada num médico individual mas
num grupo de médicos que seriam responsáveis por um grupo de
utentes, sendo indispensável neste novo contexto bons registos
clínicos e boa comunicação entre
os profissionais. Penso que a continuidade de cuidados personalizada (um médico responsável por
uma lista de utentes) continua a
ter vantagens e é valorizada pelo
doente, no entanto tal não pode
continuar a significar que um
utente só é atendido pelo seu médico de família e se ele não está
por qualquer motivo tanto pior
para o doente. O Centro de Saúde deve organizar-se, e em muitos casos isso já acontece, para
prestar os cuidados necessários a
todos os utentes nele inscritos independentemente do médico de
família do doente, tentando no
entanto manter o atendimento
preferencial do utente pelo seu
médico de família.
Esta problemática depende do
contexto dos cuidados, da população e dos profissionais envolvidos e deve-se encontrar as respostas mais adequadas a cada situação, sem fundamentalismos, pensando no utente como centro do
sistema e tendo em conta os recursos locais.
Em conclusão...
Esta definição é pois em meu entender uma definição que pode e
deve ser melhorada mas é uma
boa base de discussão e em alguns
aspectos como já referi no texto é
inovadora e pode estimular na
prática mudanças necessárias no
ensino e na prática da Clínica Geral / Medicina Familiar.
Berta Nunes
Médica de Família
Dir ectora do Centro de Saúde
de Alfândega da Fé
Número 8
28
Setembro 2000
Tema em destaque
Será necessário redefinir a
medicina geral e familiar?
O
s artigos de Olesen,
Dickinson e Hjortdahl
1 e de Heath, Evans e
van Weel 2 no British Medical
Journal sobre a redefinição da clínica geral suscitam-me reacções
contraditórias. Uma imediata de
discordância e outra, mais racional, de achar útil revisitar, de tempos a tempos, este tema para actualizar ideias e conceitos.
A polémica levantada parece-me
pobre quando comparada com
outras definições e debates anteriores. Admito que os citados au-
conceptualizações, que ficam
aquém do que entretanto já foi
produzido.
Em Portugal, relembro o editorial
de Luís Rebelo na Revista Portuguesa de Clínica Geral de Julho de
1989 3. Aí estão sumarizados, de
modo sucinto, "os doze atributos"
da especialidade de medicina geral e familiar. É das definições mais
sistemáticas e completas que conheço. Talvez a APMCG e o autor pudessem rever esse texto,
aperfeiçoar e actualizar a sua redacção e divulgá-lo amplamente
É verdade que não temos que pensar da mesma maneira nem dizer
todos a mesma coisa. No entanto,
afirmar a identidade de uma disciplina implica definir um núcleo
consensual de características. Esse
núcleo foi razoavelmente bem definido na década de 70. Desde então, tem vindo a ser enriquecido
por diversos autores, instituições e
organizações internacionais. Hoje,
qualquer redefinição deve analisar
cuidadosamente as várias definições já existentes e a riquíssima
experiência entretanto acumulada.
nos melhores médicos de família
da Europa e do Mundo.
Já foi dito e redito que a medicina
geral e familiar se caracteriza por
alguns aspectos essenciais que, no
seu conjunto, a distinguem de outras disciplinas e especialidades
médicas, nomeadamente:
• O seu enfoque primordial - a
medicina da pessoa;
• O contexto do seu exercício medicina de proximidade, na
comunidade e no domicílio;
• O domínio de intervenção ou
cuidados, coordenação, cooperação intersectorial;
• Os métodos clínicos que aplica
para lidar com graus elevados de
incerteza e com situações complexas, em interligação com outros competências e recursos ;
• A integ ração prog ressiva em
equipas de saúde familiar, com
redução da prática individual
isolada, que infelizmente ainda
ocorre em Portugal em muitos
centros de saúde, mesmo que
neles se amontoem dezenas ou
centenas de profissionais.
A definição histórica difundida na
Europa pelo "Leeuwenhors t
Group" data de 1977 4. As iniciativas redefinidoras da WONCA e
os debates na Internet são factos
presentes. Pelo meio passaram
infindáveis documentos e debates
como, por exemplo, os "Essentials
in general practice" que animaram
durante anos as reuniões do "The
New Leeuwenhorst Group" em
várias cidades da Europa.
No essencial abordam-se os mesmos aspectos. Expande-se ou
comprime-se o número de ideias
e de palavras. Usam-se frases e
construções mais ou menos elegantes, simples ou elaboradas, para
frisar o que já está bem enraizado
"carteira de cuidados" - actividades de promoção, educação,
prevenção, cura, reabilitação,
cuidados paliativos;
• Os modelos teóricos e paradigmas a que recorre actualmente - modelo bio-psico-social e
paradigma salutogénico;
• Os principais instrumentos
relacionais - comunicação médico-doente; co-responsabilização
e parceria com os doentes e familiares na co-produção dos
cuidados; técnicas de abordagem pessoal e familiar, etc.;
• Os objectivos e papel na assistência aos cidadãos - acessibilidade, integ ração, custoefectividade, continuidade de
Do meu ponto de vista, uma coisa inovadora seria definir a medicina geral e familiar na perspectiva dos doentes e dos cidadãos. O
que é que os cidadãos e a sociedade esperam da medicina geral e
familiar? O que é que pode levar
os cidadãos - doentes ou não - a
valorizar este ramo da medicina e
a desejar escolher para si próprios
um bom especialista em medicina
geral e familiar?
Para responder a estas perguntas teremos de colocar-nos na
posição do cidadão-utente e,
melhor ainda, estudar regularmente as suas expectativas e preferências. É bem provável que,
para o cidadão, a medicina geral
O sucesso da medicina geral e familiar
não reside na qualidade e elegância das
suas definições mas no valor que a
sociedade atribuir á sua prática. E esse
valor há-de ser traduzido na livre escolha
e preferência dos cidadãos em relação
aos médicos de família. A via dos modelos
e esquemas técnico-normativos, por mais
lógicos que sejam, e das imposições
burocráticas, conduz a breve prazo ao
fracasso e à insatisfação tanto dos
médicos como dos utentes, nas sociedades
desenvolvidas actuais
tores, de prestígio internacional
inquestionável, procurem responder a necessidades actuais de carácter político. Se assim for, o
"basismo" e o "simplismo" que
predominam nos referidos textos
podem querer ter em conta audiências-alvo "externas", pouco sensíveis a conceptualizações teóricas
e a descrições epistemológicas
mais elaboradas. As formulações
simplistas que apresentam, podem
eventualmente conseguir uma
melhor comunicação mediática
para defesa e afirmação da disciplina/especialidade nos meios de
decisão político-social da Europa
e do Mundo. Caso contrário, não
vislumbro mais-valia nas referidas
tanto a nível nacional como internacional. Seria um contributo para
o presente debate.
Nenhuma outra disciplina médica
tem tido tanto empenhamento dos
seus cultores para produzir definições e textos conceptuais. Um
dos sinais deste processo é a sucessão e diversidade de designações - clínica geral, aliás, medicina
de família, aliás clínica geral /medicina familiar, aliás medicina geral, aliás medicina geral e familiar.
Na maior parte das especialidades
médicas a simples designação torna óbvia a definição? Por que não
acontece o mesmo com a medicina geral e familiar? Trata-se de uma
artificialidade teórica ?
29
Número 8
Tema em destaque
Setembro 2000
Tema em destaque
A relação
médico-paciente
e familiar que verdadeiramente
lhe interessa seja a que:
• se focalisa em primeiro lugar na
totalidade da sua pessoa independentemente da sua idade/
fase da vida, sexo ou tipo de
doença, integrando os diversos
factores de saúde e episódios de
doença nos seus contextos biográfico, pessoal e sócio-familiar;
• está próxima de si, é de fácil
acesso, incluindo no seu próprio
domicílio;
• o ajuda a obter informação e
conhecimentos relev antes
para a sua situação pessoal,
para promover e a proteger a
sua saúde e a dos seus familiares, incluindo aconselhamento
e "advocacia" para obter do
sistema de saúde as respostas
mais adequadas para os seus
problemas de saúde;
• o orienta e ajuda a aceder,
quando necessário, a outras especialidades e níveis de cuidados de saúde e assegura a continuidade e a coordenação dos
cuidados;
· tende, cada vez mais, a colocar ao seu dispor equipas de
saúde familiar, permitindo-lhe
usufruir de mais e melhores
serviços, mais acessibilidade e
segurança - mesmo nas ausências ou impedimentos do seu
médico assistente pessoal ou
médico de família.
As equipas de saúde familiar permitem dispor de um leque mais
alargado de competências e de
canais de informação, podem estabelecer vias de acesso privilegiado a outros níveis de cuidados e, por isso, ampliam consideravelmente a rede de recursos
de saúde com que cada cidadão
pode contar.
O sucesso da medicina geral e familiar não reside na qualidade e
elegância das suas definições mas
no valor que a sociedade atribuir
á sua prática. E esse valor há-de
ser traduzido na livre escolha e
preferência dos cidadãos em relação aos médicos de família. A via
dos modelos e esquemas técniconormativos, por mais lógicos que
sejam, e das imposições burocráticas, conduz a breve prazo ao fracasso e à insatisfação tanto dos
médicos como dos utentes, nas
sociedades desenvolvidas actuais.
A investigação, a formação e os
processos de qualidade em medicina geral e familiar ou contribuem para a sua eficácia técnico-científica, incluindo a adequada satisfação das necessidades e expectativas dos cidadãos ou se tornam
rituais irrelevantes.
Talvez por isso, mais do que novas definições, é preciso uma nova
orientação para o desenvolvimento da especialidade. E aqui os doentes e os cidadãos têm uma palavra decisiva a dizer. Creio que é
nesta linha de desenvolvimento
que podem surgir as novidades
mais interessantes.
Referências
1. Olesen F, Dickinson J,
Hjortdahl. General practice time for a new definition. BMJ
2000; 320: 354-357.
2. Heath I, Evans P, van Weel C.
The specialist of the discipline
of general practice. BMJ
2000; 320: 326-327.
3. Rebelo L. Doze atributos do
especialista de clínica geral/
medicina familiar. Rev Port Clin
Geral 1989; 6(7): 193-194.
4. The Leeuwenhorst Working
Party. The General Practitioner
in Europe. Leeuwenhorst,
1977.
Vítor Ramos
Médico de família
D
esde que a medicina é
digna desse nome que,
consciente ou inconscientemente, a relação médico-paciente é uma realidade usada com
êxito na prática clínica.
Depois de Balint, ficou consagrada a designação "Medicamento Médico", que valoriza a relação médico-paciente como uma
verdadeira acção terapêutica.
Os esforços internacionais para
encontrar uma definição do perfil
do moderno clínico geral e do médico de família, também incluíram
médicos e, eu sei lá, quantos pormenores mais devem ser levados
em consideração, para que o
doente se sinta acolhido, protegido, pelo médico.
Tudo isto se aproxima do conceito psicanalítico de transferência, a
partir do qual a relação médico-paciente começa a ter, verdadeiramente, a possibilidade de exercer uma acção terapêutica.
Se muitas estatísticas nos vão informando de que, mais de 70%
dos nossos pacientes têm problemas em que os factores emocio-
nizada, será sempre um retrocesso e uma ameaça à eficácia
dos médicos de família na sua
actividade clínica.
Temos consciência da dificuldade de criar condições práticas de
trabalho para este tipo de exercício médico, mas consideramos
que não podemos fazer cedências
neste domínio. Teremos sim de
pugnar para que tais condições tempo, formação, remuneração,
ambiente físico, motivação- sejam criadas e todos lucrarão com
isso: os doentes que serão mais
nessa definição a importância essencial da relação empática entre
o clínico e o seu paciente.
Na literatura médica foram crescendo em número os livros e os
trabalhos que, além de darem
força a esta arma terapêutica , a
vão desenvolvendo e estruturando de modo a ser usada e aplicada com o devido conhecimento e método (e estudo). A postura do médico na sua secretária, o seu semblante, o seu acolhimento, o seu maior ou menor
interesse pela narração do paciente, a sua capacidade de saber
ouvir afectuosamente, o próprio
ambiente da sala de espera, os
problemas íntimos dos próprios
nais, afectivos e relacionais são
preponderantes, é portanto absolutamente necessário, para
além de fazer uma completa história biográfica, estabelecer a tal
relação empática positiva para
termos alguma possibilidade de
ser úteis e eficazes sob o ponto
de vista terapêutico. Como poderemos começar a considerar
de "valor relativo", a relação
"amorosa" com os nossos pacientes, falando da passagem
desta relação individual para uma
relação com uma equipa?
É por isso evidente, para mim,
que uma redefinição do perfil do
clínico geral, em que esta relação
"pessoa a pessoa" seja subalter-
apoiados, os médicos que se sentirão mais realizados, as instituições que serão mais prestigiadas,
os cuidados de saúde primários
que completarão a sua missão, os
cuidados secundários que se verão aliviados de muitas "referências" desnecessárias e o erário
público que será aliviado de excessos de exames complementares e de medicamentos.
Eis a minha posição em relação
ao debate aberto sobre a tentativa duma nova definição do perfil do clínico geral, que nos aparece vindo das instâncias internacionais.
Mário da Silva Moura
Médico de Família
Número 8
30
Setembro 2000
Tema em destaque
Um passo atrás, um passo à frente
MGF - a especialidade da pessoa
O
Jornal o "Médico de Família" pede-me um comentário à proposta dos
Drs. Frede Olesen, Jim Dickinson e Per Hjortdahl sobre uma
hipotética nova definição de
Medicina Geral e Familiar. A
proposta foi apresentada no recente Congresso da WONCA,
em Viena de Áustria.
A minha primeira reacção é ler a
tradução do André Biscaia, ler o
original em inglês, ler os comentários dos Colegas portugueses
inseridos no Jornal e... ficar espantado!
Olho à minha volta e agarro-me
aos "Sinais do Tempo".
Só por acaso, ou não será por acaso, tenho na minha secretária o
último número da Revista da Sociedade Espanhola de Medicina de
Família e Comunitária "Dimension HUMANA" - que nome sugestivo e perspicaz !
Leio o sumário e confirmo que o
seu dossier principal - tratado por
médicos de família, filósofos, sociólogos e humoristas é a "relação
do médico com os pacientes". Na
contracapa leio os Cursos à Distância da SemFYC e da Semergen
para o 2º trimestre de 2000 - Cuidados à Criança, Cuidados à Mulher, Cuidados ao Idoso e Saúde
Mental. Estes cursos de 300 horas
lectivas são obrigatórios para a
obtenção do título de especialista.
Igualmente, chegou-me pelo correio o último exemplar do Boletim "FAMILIARMENTE", boletim do Grupo de Estudos da Família (GEF) que, idealizado e escrito maioritariamente por médicos de família portugueses vai no
seu 2º ano de publicação quadrimestral e tem pontuado na área da
Saúde das Famílias.
Por acaso, ou talvez não, no mesmo Médico de Família (Julho
2000) divulgam-se dois Congressos de interesse - o I Encontro
Luso-Brasileiro de Medicina Geral, Familiar e Comunitária que
entre os seus objectivos gerais tem
"Centrar a Medicina Familiar - a
Medicina do Séc. XXI...",
"Aprofundar conhecimentos em
promoção da saúde, prevenção da
doença e cuidados curativos".
Também é divulgada a próxima
Conferência da Sociedade
Europeia da Medicina Geral e Familiar em Tampere, Finlândia em
Junho de 2001 cujo lema é "General Practitioner - The Front-Line
Clinician" e em que a imagem da
divulgação diz mais que mil palavras - um consultório com plantas, um computador com o ecran
aberto na retaguarda, e um trio, um
bebé com uma otalgia? no colo da
mãe a ser observado por um médico - todos no mesmo plano.
Estou a organizar a vinda da Professora Janet Christie-Seely à Figueira ao 5º Congresso Nacional
As pessoas
primeiro, é o
nosso lema
distintivo. Como
sabem é mesmo
bom quando
alguém nos
apresenta a um
amigo com um
sorriso confiante este é o meu
médico
de Medicina Familiar. A sua sessão inaugural vai debruçar-se sobre "A importância da Família para
o Médico de Família no início do
Século XXI". A Professora, médica de família e terapêuta familiar escreveu no resumo da comunicação - "a segunda metade do
século XX caracteriza-se não só
por uma explosão tecnológica mas
também por mudanças sociais e
resultados de investigações dramáticos que apontam para o papel
crucial da Família em tudo o que
tem a ver com a saúde e doença".
Na Faculdade e na ARS estou a
apoiar a organização do Estágio
Clínico para alunos de Medicina
do 6º ano - é um ano profissionalizante, de prática tutelada, de
sínteses e reflexão da maior importância. A Faculdade pretende cumprir o seu dever de preparar alunos com uma fo rmação
pluripotencial capacitados e conhecedores do mundo que os espera. Pela primeira vez, vão estar
seis semanas em centros de saúde! E... vão ter que adquirir um
conjunto de procedimentos e conhecimentos considerados fundamentais. A lista é vasta e complexa. Resulta da proposta dos docentes das cinco áreas obrigatórias de
estágio - Medicina, Cirurgia, Pediatria, Obstetrícia - Ginecologia
e Clínica Geral/Saúde Mental.
Mas, dos cerca de 200 procedimentos propostos para treino, 150
podem ser treinados no Centro de
Saúde e dos restantes a maioria
corresponde à obstectricia que em
Portugal é uma área tipicamente
hospitalar. Que especialidade está
em melhor situação para ser local
de treino de "Comunicação médico-doente, médico - família e interpares", "Gestão da Consulta e da
prática", "Diagnóstico (considerando os factos físicos, psicólogos
e sociais)", "Colheita, registo e tratamento de informação clínica (R
MOP)", " Prescrição medicamentosa e avaliação dos seus efeitos",
"Avaliação familiar relacionada
com a saúde e a doença",
"Aconselhamento em sáude",
"Prescrição de dieta apropriada",
"Injecção intramuscular", "Avaliação de incapacidades funcionais",
"Otoscopia", "Exame do recém-nascido", "Instruções para autoexame da mama", "Atendimento
da Grávida, colheita de história
obstétrica", "Dor precordial" ou
"Crise hipertensiva"? Enfim, será
muito interessante avaliar o que os
estudantes vão conseguir treinar
por área de estágio ...
Por fim, recebo uma carta do grupo gestor do "Manual MGF" fazendo o ponto de situação deste
projecto, inovador e da maior relevância para a sólida construção
da idoneidade da especialidade e
da disciplina. Um MANUAL escrito por portugueses, para portugueses já com 200 (?) entradas e a
colaboração de 400 autores!
Vou buscar o artigo do BMJ e alguns comentários internacionais
que entretanto chegaram. Os autores, de reconhecido mérito e de
reconhecida influência britânica,
lançam a discussão por aparentemente (já) não se reverem na histórica definição de LeeuwenHorest (1974), da American
Academy of Family Phisicions
(1997) ou da WONCA (1991) ou
da OMS/WONCA (1994).
Mas será que mudou algo de essencial nestes últimos trinta anos?
Sim, mudou.
Se há trinta anos a existência da
disciplina e da especialidade eram
sobretudo um sonho intelectual,
hoje, tal como escreve John W.
Saultz no seu compêndio de Medicina Familiar (saído em 1999,
com 800 páginas !) no 2º capítulo
"a Medicina Familiar pode ser estudada por quem o quiser, os temas que aborda são importantes,
únicos e independentes de outras
disciplinas médicas".
Para mim, tal como o escrevi na
minha tese (passe a pretensão) a
nossa especificidade passa por três
conceitos que em conjunto a tornam diferente e única - O genera-
lismo, a continuidade de cuidados
e a abordagem familiar.
Neste quadro de referências a definição agora proposta é um claro
passo atrás.
Por outro lado, a confirmação que
o CECIL não chega para livro de
estudo do aluno de medicina e do
de MGF é um dado irrefutável.
Entende-se como muito positivo
o ênfase que é feito na necessidade de acrescentar aos saberes
biomédicos, os das ciências psicológicas e sociológicas quando exercemos o nosso metier de médicos
de família. É um passo à frente.
Portugal pode orgulhar-se do caminho percorrido nos últimos vinte e cinco anos. Um caminho rápido, cheio de marcos, original e
que pode ombrear com os movimentos internacionais de Medicina Familiar mais modernos e evoluídos que existem.
As pessoas primeiro, é o nosso
lema distintivo.
Como sabem é mesmo bom quando alguém nos apresenta a um
amigo com um sorriso confiante
- este é o meu médico.
Quanto à definição, estamos bem
muito obrigado.
Prof. Dr. Luís Rebelo
Médico de Família
31
Número 8
Setembro 2000
Reportagem - RRE
USF Horizonte
querer fazer melhor
Manuel Luciano
Ana Sardinha
Helena Sá Per eira
Jesus Perez Sanchez
Jaime Cor reia Sousa
Maria José Ribas
O sonho de poder organizar uma Unidade de Saúde de raiz, constituída por profissionais com
visões convergentes sobre o exercício da Medicina Geral e Familiar, levou um grupo de médicos,
enfermeiros e administrativos a decidirem-se pelo desafio que carrega o trabalhar com autonomia,
em equipa, num modelo organizacional construído interpares visando uma prática dirigida pela
qualidade. Candidataram-se ao Regime remuneratório experimental, viram o seu projecto aprovado
e em Novembro de 99 começaram a trabalhar. A quase um ano de distância, é possível contabilizar
resultados... Muitos... Pesem os meses... Também muitos... que aguardaram a compensação que
acompanha o RRE... Pese o facto de os administrativos ainda não terem data para a receber. É a
equipa da USF Horizonte, de Matosinhos. Fomos visitá-la!
O
sonho de poder organizar uma Unidade de
Saúde de raiz, constituída por profissionais com visões
convergentes sobre o exercício da
Medicina Geral e Familiar, já é
antigo. Todavia, a possibilidade de
se escolher a equipa com que se
trabalha nem sempre é possível.
Para que o fosse, um grupo de
médicos, enfermeiros e administrativos reuniram-se em torno do
projecto de implementação de
uma Unidade de Saúde Familiar
no âmbito do RRE. Projecto
aprovado, a USF Horizonte, de
Matosinhos, iniciou a sua marcha
rumo ao futuro, que na Medicina
Familiar se quer de Qualidade.
Médico de Família visitou a equipa, viu as instalações, constatou
dados de produtividade... Sondou
expectativas e desilusões.
Autonomia e remuneração
qual a prioridade?
O que leva médicos, enfermeiros e administrativos a trocarem
um modelo convencional de org anização do trabalho, marcado
pela rotina imutável imposta pela
hierarquia, por um outro em que
o sucesso ou insucesso do desempenho e a retribuição mensal dependem, quase exclusivamente, da vontade dos profissionais? Dinheiro ou satisfação
profissional? A equipa da USF de
Matosinhos explicou-nos: "acima de tudo, a vontade de trabalhar num grupo onde todos comungam do mesmo ideal do
deve ser a prática da Medicina
Familiar".
Ainda que reconheçam o interesse pelo novo modelo de remuneração, que premeia o esforço
quantitativ o e qualitativo, sem
contudo fomentar a produção de
actos desnecessários, para o grupo de Matosinhos o vencimento
não foi, de modo algum, o principal motivo da adesão, como o
prova o número de meses que resistiu, sempre motivado, sem a
correspondente retribuição.
De igual modo, o núcleo de enfermagem afirma-se satisfeito
com a mudança. E também garante que o incentivo monetário,
embora importante, não primou
na decisão de aderir - "apenas
duas enfermeiras não tinham 42
horas e até há bem pouco tempo aguardavam o horário acrescido. Sem desmobilizarem!" testemunharam ao nosso jornal
responsáveis da unidade.
As razões que motivam médicos
e enfermeiros são - ao menos no
que respeita à autonomia organizacional - partilhadas pelos
elementos que integram o sector administrativo. E é neste
grupo que o peso dos argumentos assume especial significado:
satisfação profissional ou dinheiro? Em Matosinhos, como
aliás acontece em quase todas as
unidades RRE, o pessoal administrativo ainda não conseguiu
ver aprovado o pacote de horas
extras contemplado na Norma
da Direcção Geral da Saúde. Há
11 meses que recebem menos do
que recebiam quando trabalhavam (menos) no CS "convencional". O trabalho em grupo com
colegas que escolheram é, pois,
a sua motivação, como também
o é o brio profissional de não
abandonar uma tarefa começada.
Todos participam
Em Matosinhos, todos os elementos da equipa, sem excepção,
participam na definição das regras de funcionamento da unidade, compiladas no Regulamento do Grupo, que se constitui
como um contrato interno entre
todos os profissionais, médicos,
enfermeiros e pessoal administrativo. Um contrato dinâmico,
que pode progredir no tempo de
acordo com a experiência e a
aprendizagem colectiva.
Em Matosinhos, é também por
consenso que se fixam os objectivos gerais do trabalho a desenvolver, que em termos gerais são:
• a melhoria da prática da Medicina Geral e Familiar, individual e colectiva;
• o privilégio dos padrões éticos e
deontológicos na prática clínica;
Número 8
32
Setembro 2000
Reportagem - RRE
• a melhoria da acessibilidade, da
continuidade e da equidade dos
cuidados a uma população definida e, portanto, do estado de
saúde dessa população;
• a promoção da saúde;
• a visão da pessoa global, num
todo bio-psico-socio-cultural
• o aumento da satisfação dos
utentes;
• o aumento da satisfação dos
profissionais;
• a orientação da Unidade de Saúde Familiar para a comunidade
e para a sua participação nos
cuidados de saúde;
• o princípio da liberdade de escolha;
• a cooperação intersectorial.
A satisfação dos utentes
Conhecida a motivação dos profissionais e a satisfação que manifestam por poderem trabalhar
como e com quem gostam, quisemos saber se o sentimento se
estendia aos utentes; se há hoje
razões para afi rmar que em
Matosinhos os cidadãos estão
satisfeitos com os serviços que
lhes são prestados no Centro de
Saúde. Os responsáveis pelo
projecto, esclareceram-nos: "o
ambiente de descontracção e
boa camaradagem que se regista entre todos os profissionais,
associado à nova forma de trabalhar agrada aos utentes. Depois, cerca de 50% dos nossos
utentes aguardavam em lista, há
já vários anos, por um médico
de família. O início de actividade da USF veio resolver a situação". Para breve, está agendada
uma avaliação da satisfação de
utentes e profissionais.
Maior acessibilidade
Em termos de acessibilidade, o
modelo de org anização que o
RRE introduz permite, disseram-nos em Matosinhos, a prestação
de cuidados personalizados a um
grupo restrito da população, que
conhece a equipa e que é conhecido por esta. Procura-se que os
utentes sejam atendidos com hora
marcada, de preferência pelo seu
médico, perdendo o menos tempo possível com os serviços.
Dados de Agosto de 2000
Comentário
A USF Horizonte oferece cuidados após as 20h nos dias úteis e entre as 8 e as 20h ao fim-de semana, permitindo aos seus utentes evitar ter de recorrer ao Serviço de Atendimento Permanente do Concelho de Matosinhos, que serve, para além do CS de Matosinhos, mais 3 Centros de
Saúde. Isto, em nosso parecer, constitui uma melhoria na oferta de cuidados, com maior rapidez
e personalização do atendimento. Qualquer utente que se dirija à Unidade, será atendido ape nas por um dos oito médicos, que têm acesso à sua informação clínica e ao seu próprio médico
se necessário e podem assim atendê-lo melhor.
O número de utentes inscritos é superior ao programado inicialmente e é fruto, em parte, da
manutenção da procura por parte dos utentes e suas famílias.
Todos os utentes inscritos têm cartão de utente requisitado e em via de ser entregue. Esta situação
corresponde a um esforço enorme dos assistentes administrativos que tiveram de efectuar a ins crição, em alguns casos, de toda a lista do médico. Calcula-se que tenham sido efectuadas mais
de 10 000 inscrições em Cartão de Utente entre Novembro de 1999 e Junho de 2000.
O grupo de enfermagem *
Os profissionais de enfermagem têm a seu cargo a sala de pensos, injectáveis e tratamentos; a
vacinação (na qual efectuaram formação no CS já após o início da actividade da USF); a gestão
da agenda de Saúde Infantil e da Mulher; o aconselhamento e fornecimento de meios de
contracepção, bem como o apoio integral a estas consultas e o apoio domiciliário aos utentes da
USF; a vigilância de hipertensos e diabéticos de acordo com os protocolos estabelecidos e a
triagem de situações agudas sempre que indicado.
A actividade destes profissionais desenvolve-se em articulação com os médicos em todas as áreas
identificadas. Divide-se, grosso modo, em: consultas de enfermagem e de equipa, actividades de
promoção e prevenção, intervenções de enfermagem, vacinação, visita domiciliária, educação
para a saúde e reuniões. Nas actividades de prevenção e promoção da saúde incluem-se as
consultas de Planeamento Familiar, Saúde Materna e Saúde Infantil, bem como o aconselhamento
e acompanhamento de diabéticos e hipertensos. Na USF Horizonte, as primeiras são efectuadas
em equipa. Para além do trabalho em equipa, cabe ainda aos profissionais de enfermagem, a
gestão do ficheiro de PF e o fornecimento de meios de contracepção, o aconselhamento para a
saúde dos grupos vulneráveis, a vigilância dos parâmetros antropométricos dos lactentes, o
aconselhamento e promoção de estilos de vida saudáveis a hipertensos e diabéticos. Destas
actividades, muitas não são concretizáveis por números.
A vacinação dos utentes da USF Horizonte iniciou-se em Janeiro uma vez que, até essa data,
houve necessidade de formação no Centro de Saúde. Esta foi efectuada pelos seis enfermeiros,
de forma rotativa, nos primeiros dois meses de actividade. No conjunto, entre atendimentos programados e não programados, bem como actos de enfermagem e visitas domiciliárias, contamse mais de 24 mil utentes atendidos em seis meses, isto é, 277 utentes por dia útil. Dito de outra
maneira, os enfermeiros da USF Horizonte atenderam, em média, 35 utentes por dia.
*Dados de Junho de 2000
Número 8
33
Setembro 2000
Reportagem - RRE
Quadro 1 - Freguesias
abrangidas pela USF Horizonte
(Junho 2000)
Quadro 2 - Distribuição dos utentes inscritos em
cada médico (Fonte: SINUS I)
Quadro 3 - Distribuição da consultas (totais)
Quadro 4 - Caracterização dos utentes no domicílio
Todos os utentes com situações
de doença aguda são atendidos no
próprio dia, existindo para tal um
sistema de atendimento médico
contínuo entre as 8.00h e as 23.00h
nos dias úteis e entre as 8.00h e as
20.00h ao fim-de-semana. A USF
Horizonte também oferece cuidados de enfermagem todos os dias
úteis da semana (no mesmo horário que o médico) e entre as 14.00h
e as 20.00h ao fim-de-semana.
As consultas médicas são preferencialmente programadas, com
hora marcada. A Consulta Aberta diária tem um horário pré-definido, que é conhecido pelos
utentes, ainda que se procure
satisfazer qualquer pessoa que
necessite de consulta por doença aguda que venha fora de horas buscar o auxílio do seu Médico de Família.
Entre Dezembro de 1999 e Junho
de 2000, realizaram-se 23688 consultas/contactos, num total de 145
dias úteis, correspondendo a uma
média diária de 163,36 consultas/
contactos (Quadro 3).
Nos primeiros seis meses do ano
2000, foram efectuadas 8274 primeiras consultas (66% dos utentes inscritos).
Consulta de grupos
vulneráveis
As consultas de Saúde Infantil e
Saúde da Mulher são programadas em dia e horário próprios. O
espaço destinado à consulta foi especialmente pensado para esse
fim, permitindo uma maior rentabilização do tempo de consulta
a par de uma melhoria da qualidade do atendimento. Nestas consultas privilegia-se o trabalho em
equipas fixas (o mesmo médico e
o mesmo elemento de enfermagem) de modo a alcançar-se uma
melhor articulação e conhecimento dos utentes, sobretudo crianças e grávidas.
Consulta de Permanência
Semanalmente, cada médico efectua
6 horas de permanência, atendendo
todos os pacientes que apresentem
doença aguda e não possam aguardar para serem observados pelo seu
médico. Nos dias úteis, são atendidos todos os utentes cujo médico
não se encontra presente ou não está
disponível para atender. Esta consulta de intersubstituição tem como
objectivo principal permitir que
qualquer utente possa ser atendido
em tempo útil em situação de doença aguda.
Apoio domiciliário
A USF Horizonte dispõe de um
sistema de acompanhamento médico e de enfermagem no domicílio, definido no Regulamento Interno e no Plano de Actividades,
que funciona em articulação
interprofissional, com a troca frequente de impressões sobre cada
um dos utentes em domicílio.
As características dos utentes da
USF Horizonte estão de acordo
com o número de doentes
acamados ou dependentes identificados.
Entre Dezembro de 1999 e Junho
de 2000 foram realizadas 317 consultas médicas no domicílio, numa
média de 45,3 domicílios/mês
(Quadro 4).
Constituição das listas
Na USF Horizonte, a constituição
das listas de utentes de cada médico realizou-se de diferentes formas.
Dois dos médicos que aderiram ao
projecto pertenciam ao CS de
Matosinhos, pelo que mantiveram
as suas listas (ainda assim, todos os
utentes destes clínicos foram informados sobre as alterações que iriam ser introduzidas no modelo
organizacional e instados a declarar a sua anuência, ou recusa, em
A actividade administrativa*
O atendimento dos utentes é a tarefa nobre dos assistentes administrativos e tem sido privilegiada dentro da USF Horizonte pelo que estes profissionais realizaram,
nos últimos meses, formação nesta área realizada em colaboração com a ULS de Matosinhos. Também têm vindo a obter formação na área de informática, quer
antes do início de actividade do grupo, em acção de formação coordenada pela equipa responsável pelo projecto, quer durante o tempo de actividade, com a
colaboração dos técnicos da SRS do Porto (programa SINUS I). Os assistentes administrativos foram os profissionais que mais se ressentiram com a afluência de
novos utentes à Unidade, pois houve necessidade de proceder à inscrição de cerca de 10 000 novos utentes em SINUS I - com respectiva requisição do Cartão
de Utente e emissão de cartão de marcação de consulta. Para além da pressão exercida pelos utentes para um atendimento rápido, estes profissionais viram-se
confrontados, frequentemente, com pedidos de inscrição simultânea da totalidade dos membros de um agregado familiar, facto que causou alguns "congestionamentos" na recepção.
Em tempo de "normalidade", se considerarmos que cada consulta médica com RAC efectuado implica, em média, dois contactos com o assistente administrativo
(antes e após a consulta), contabilizam-se, entre Dezembro de 1999 e Junho de 2000, 47 376 atendimentos (média de 326/dia útil).
Este grupo profissional tem ainda a seu cargo, no processo de atendimento de cada utente, para além da realização do RAC e emissão do respectivo recibo, a
recepção de taxas moderadoras, o levantamento do processo familiar do ficheiro centralizado e o envio deste ao consultório do médico (envio que frequentemente se transforma em entrega pessoal). Está também a seu cargo a gestão do processo de renovação de medicação prolongada e o atendimento e orientação
telefónicos, meio que foi privilegiado na USF Horizonte para contacto dos utentes com o Serviço.
Serviço de Retaguarda
Todo o serviço inerente ao funcionamento da Secretaria é efectuado pelos assistentes administrativos da USF, incluindo: a contabilidade das taxas moderadoras
e subsistemas; autorizações e registo de credenciais para alguns exames de diagnóstico, tratamentos e transportes; encaminhamento das referenciações aos
cuidados hospitalares e a elaboração dos mapas estatísticos mensais (têm colaborado em todos os levantamentos estatísticos efectuados na USF). Para breve, está
prevista a monitorização - que contará com o apoio dos pessoal administrativo - do tempo de espera de marcação de consulta e do tempo de espera na sala após
hora marcada. Constituem ainda tarefas deste grupo a gestão corrente do edifício, nomeadamente no que respeita a avarias e a articulação com os serviços de
limpeza.
*Dados de Junho de 2000
Número 8
34
Setembro 2000
Reportagem - RRE
permanecerem na lista). Estes clínicos aceitaram, ainda, novas inscrições. Outros dois elementos da
equipa médica vieram de Leça da
Palmeira. Os seus doentes afirmaram expressamente que desejavam
manter o médico, pelo que lhes foi
permitido
transitar
para
Matosinhos. Também estes clínicos aceitaram novas inscrições. Os
restantes quatro médicos iniciaram
as suas listas do zero. Hoje, contam com mais de 1600 utentes cada
e já se pressentem dificuldades em
inscrever todos os interessados
(Quadro 1).
População abrangida
A área de influência da USF Horizonte abrange as freguesias de
Matosinhos, Leça da Palmeira,
Guifões e Senhora da Hora, ocupando a orla marítima a Norte da
cidade do Porto. Inclui ainda utentes de freguesias de fora do
Concelho. Em Junho de 2000, encontravam-se inscritos na base
SINUS I 12 527 utentes.
A maioria da população abrangida
(71%) reside na freguesia de
Matosinhos, seguindo-se Leça da
Palmeira (20%), Guifões e Senhora da Hora (ambas com 2,7%). Nas
restantes freguesias - fora de área
- residem cerca de 3% dos utentes
inscritos (Quadro 2).
Apoios e obstáculos
Para alcançar o sucesso que hoje
se lhe reconhece, a USF Horizonte contou com todo o apoio da
ARS Norte e da Sub-região de
Saúde. Uma ajuda que, não
obstante o peso, não foi suficiente para resolver algumas falhas
importantes que ainda hoje se registam ao nível das obras e dos
equipamentos. Por outro lado, o
início de actividade da ULS de
Matosinhos introduzir algumas
dificuldades na articulação entre as
diversas entidades, que se reflectem, negativamente, no funcionamento do grupo.
O pagamento dos salários de acordo com o modelo estabelecido
Opinião
"o ambiente de
descontracção
e boa
camaradagem
que se regista
entre todos os
profissionais,
associado à
nova forma de
trabalhar
agrada aos
utentes.
Depois, cerca
de 50% dos
nossos utentes
aguardavam
em lista, há já
vários anos,
por um médico
de família. O
início de
actividade da
USF veio
resolver a
situação"
Os médicos e a
Senhora Ministra!
para os grupos RRE é outro dos
problemas cuja total resolução
ainda se aguarda. Para além dos
administrativos, que como se disse atrás, ainda não viram recompensado o seu desempenho, a remuneração por orientação de internos de CG devida aos médicos
e algumas outras retribuições previstas no RRE não têm sido liquidadas.
Também em sede de prioridades
para a resolução de problemas, não
é o dinheiro que lidera. A mais importante, e talvez aquela que interessava mais aos profissionais, é a
conquista de autonomia funcional,
que ainda se aguarda. O grupo não
dispõe de fundo de maneio; não
houve delegação de competências;
as enfermeiras continuam a ter que
apresentar relatórios mensais ao CS
e têm-se detectado diversas tentativas externas de "orientar" algumas
actividades.
A
Senhora Ministra da saúde disse algures, numa intervenção pública, que
"os médicos deviam ser a solução
e não o problema" para os defeitos e as carências do nosso serviço nacional de saúde.
Referia-se a nossa Ministra às frequentes críticas que, seja individualmente ou institucionalmente,
os médicos fazem constantemente às deficientes condições de
trabalho, aos atrasos das soluções dos problemas, à insatisfatória remuneração, ao não cumprimento de projectos, de promessas e até de legislação já aprovada, à excessiva burocracia e à
complacência com conhecidas
incompetências de alguns.
É evidente que, alguns médicos
se acomodaram a situações defeituosas, que alguns médicos
não mostram um empenhamento suficiente no seu desempenho, que alguns médicos cometeram até alguns actos condenáveis. Mas a realidade é que
para se fazer um diagnóstico,
para utilizar nomenclatura médica, se torna necessário procurar - com uma história clínica
bem feita e com um exame objectivo aprofundado - o conjunto de sintomas que permitam
equacionar as várias hipóteses
possíveis de diagnósticos - o que
quer dizer que, para se encontrar a doença de que sofre o nosso sistema de saúde era (e é) necessário listar esses sintomas que
permitam o diagnóstico, daí que
os médicos não se calem na denúncia do que está mal!
Mas a realidade, seguindo o mesmo raciocínio, depois das várias
hipóteses de diagnóstico se torna necessário fazer uma relação
por probabilidades e fazer depois
a eliminação do que é falso, colocando à cabeça o que cresce em
possibilidades de caminhar para
o diagnóstico - quer dizer que
para a doença crónica e arrastada do nosso sistema de saúde se
tem de usar a mesma metodolo-
gia, daí que os médicos discutam
e tentem fazer esse jog o de probabilidades falando, escrevendo
e discutindo sobre a importância e a gravidade dos vários defeitos do nosso sistema, mesmo
correndo o risco de incomodar
a nossa tutela!
E uma vez na pista do diagnóstico mais provável, começa a
pensar-se na medicação mais
apropriada, o que para a
"Esclerose" (no diagnóstico do
Sr. Prof. Daniel Serrão) do nosso sistema de saúde levará os
médicos também a não ficarem
calados e a porem várias hipóteses terapêuticas numa doença de
tão difícil tratamento - e temolo feito à sociedade apontando
o uso de medicamentos fortes, a
necessidade de certas exactidões
de tecidos, mas sempre necessitando do parecer dos "conselhos
de ética", que é como quem diz
dos superiores hierárquicos.
Todos nós sabemos que as soluções não se concretizam sem os
médicos (e não só!), que teremos
de ser solução para os problemas,
ou pelo menos elas passam por
nós. Mas a nossa Ministra tem de
compreender que os médicos estão "fartinhos" de denunciar, de
encontrar sintomas importantes,
têm apontado várias soluções, e as
coisas - por causa da Esclerose não mexem de modo a dar sinais
de melhoria .
E até os médicos (não devia
acontecer) desesperam perante a
ineficácia de algumas terapêuticas, a falta dos necessários "medicamentos", a demora dos pareceres do "conselho de ética",
que é como quem diz, das regiões e das sub-regiões e de outras estruturas do ministério.
Mas temos a certeza de que com
vontade política do Governo,
já que vários ministérios "mexem" neste "cozinhado", não
serão os médicos o âmag o do
problema!
Mário da Silva Moura
Médico de Família
36
Número 8
Setembro 2000
MoniQuOr - os melhores perfis
Centro de Saúde de Ponte de Sôr
de, na área do atendimento, é
precisamente a existência das
equipas de saúde. O médico, enfermeiro e administrativo adaptam-se mutuamente e conhecem
as características da sua lista de
utentes, o que leva à optimização
do trabalho.
• Ainda sem resposta a "Análise
e discussão periódica do perfil
de prescrição de fármacos".
Cada médico é independente e
autónomo na sua forma de
prescrição.
O Concelho de Ponte de Sôr, contrariando o que
habitualmente acontece no Alentejo, encontra-se em
franco crescimento, quer demográfico, quer industrial
D
e fo rma um tanto
aberrante, o concelho
dispõe de dois Centros
de Saúde, o Centro de Saúde de
Ponte de Sôr e o Centro de Saúde de Montargil. Segundo os dados do Censo de 1991, a área de
influência do Centro de Saúde de
Ponte de Sôr abrangeria uma população de 13390 habitantes.
Hoje, estão inscritos no Novo
Cartão de Utente 14477 indivíduos e sabemos que há ainda
uma parte significativa da população por inscrever.
O edifício actual do Centro de
Saúde é de construção recente,
mas muito deficitária. Primeiro
porque foi construído para uma
população bastante menor do que
a actual, segundo porque a construção enferma de erros graves
(má qualidade, gabinetes muito
pequenos, sem climatização).
Das cinco extensões existentes, só
uma, a de Galveias, possui boas
condições para as funções que
desempenha.
Se analisarmos o quadro de funcionários, verificamos que se encontra dimensionado para uma
população bastante inferior à que
é servida actualmente, e que
mesmo assim, não está totalmente preenchido.
Apesar de tudo, a classificação que
obtivemos nas avaliações cruzadas
do MoniQuOr, deixa-nos satisfeitos, mas ao mesmo tempo conscientes de que temos ainda muito
para fazer.
Analisando sumariamente os resultados do MoniQuOr, verificamos:
1. Organização e Gestão
Embora globalmente seja um capítulo positivo, há alguns pontos
que precisam de ser melhorados:
• Prover todos os lugares vagos
no Quadro e lutar pela adequação deste às necessidades da comunidade actual.
• Envolver todos os profissionais
nas questões da qualidade dos
serviços.
2. Direitos dos Cidadãos
Neste capítulo, todas as alíneas
foram consideradas como pontos fortes. O livro de Reclamações está disponível e acessível
aos utentes, existe um gabinete
do utente a funcionar adequadamente e todas as queixas ou sugestões apresentadas são analisa-
das e têm uma resposta.
3. Promoção da Saúde
Apesar de alguns pontos fortes, há
ainda aspectos importantes a melhorar:
• Activar a Comissão Concelhia
de Saúde. É importante promover a participação dos cidadãos
na vida do Centro de Saúde.
• É necessária uma maior intervenção nas escolas promovendo a Saúde e comportamentos
saudáveis.
4. Prestação de
Cuidados de Saúde
Este foi um dos pontos em que o
MoniQuOr identificou alguns
défices, que corrigimos já, na sua
maioria:
• Hoje, a obtenção de consulta no
próprio dia é uma realidade em
todas as equipas de saúde.
• Cabe à equipa a definição de
critérios para a visitação
domiciliária. Nesta área, muito à custa do sector de enfermag em, tem-se procura d o
optimizar a prestação de cuidados continuados.
• Um dos pontos fortes no funcionamento do Centro de Saú-
5. Educação Contínua e
Desenvolvimento da
Qualidade
Também aqui há aspectos importantes a corrigir:
• Avaliação da satisfação dos utentes. Foi aplicado um inquérito de
satisfação aos utentes em toda a
Sub-Região de Portalegre, no
entanto, não tivemos conhecimento nem da sua aplicação,
nem dos seus resultados. É im-
portante que seja o Centro de
Saúde a aplicar um inquérito
deste tipo.
• A avaliação do grau de satisfação dos profissionais é também
importante.
• A existência de reuniões periódicas para discussão de casos
clínicos é para nós uma meta a
atingir, no entanto o escasso número de médicos e a grande
quantidade de actividades, têm
dificultado as reuniões tão frequentemente como desejaríamos.
6. Instalações e
Equipamentos
Apesar de globalmente positivo,
pensamos que este capítulo necessita de ser melhorado.
• Melhorar o equipamento do
SAP
• Melhorar as condições de climatização do Centro de Saúde
• Informatizar todos os gabinetes
• Elaborar o Plano de Emergên-
Número 8
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Setembro 2000
MoniQuOr - os melhores perfis
CS de Santa Marta de Penaguião
cia em caso de catástrofe
Estes são alguns pontos importantes que gostaríamos de concretizar em breve, mas para tal temos
necessidade de mais verbas por
parte Sub-Região.
De salientar que muito se tem feito com vista a melhorar e
humanizar as condições de acolhimento. Merece um destaque especial o projecto de "Parque Infantil", apresentado e concretizado
pela Comissão de Humanização.
Hoje dispomos de um espaço
maravilhoso, para acolhimento e
entretenimento das crianças.
Em nosso entender, a grande vantagem desta iniciativa, MoniQuOr,
é a identificação de problemas,
que, porque parte interveniente,
nem sempre conseguimos ver.
Permitiu-nos verificar que, na
grande maioria dos aspectos, estamos a desenvolver um bom trabalho, por isso, continuaremos a
privilegiar o trabalho em equipas
multidisciplinares. Como estratégia para o funcionamento do Centro de Saúde, valorizaremos cada
vez mais a Medicina Familiar, em
todas as suas vertentes, continuaremos a promover a formação de
parcerias, quer com a comunidade, quer com outras Instituições
de Saúde. Mas também foram
identificadas algumas limitações.
Assim, é importante para o Centro de Saúde: envolver todos os
grupos profissionais nas questões
da qualidade, prover todos os lugares vagos no quadro e procurar
a sua adaptação às reais necessidades da comunidade, activar a
Comissão Concelhia de Saúde, intensificar as acções de educação
para a saúde, dinamizar mais os
cuidados domiciliários.
Finalmente, importa dizer que só
pela boa vontade, dedicação e
competência de todos os profissionais, foi possível obter este grau
de desempenho no MoniQuOr,
apesar das grandes carências que
temos. Na realidade, o bem maior
do Centro de Saúde é o conjunto
dos seus funcionários, não pela
quantidade, que é escassa, mas pela
qualidade, porque são todos óptimos profissionais.
Fer nando Oliveira Rodrigues
Director do Centro de Saúde
O
Centro de Saúde de Santa Marta de Penaguião
assumiu, desde sempre,
privilegiar a melhoria das relações
de trabalho entre os diversos grupos de profissionais em exercício.
A gestão de tipo participativo que
se adoptou, por se sentir ser necessário envolver e responsabilizar todos os profissionais, tem-se
mostrado como a ferramenta
ideal para incentivar todo o árdua
trabalho que carece ser desempenhado por toda a estrutura de
Saúde para a obtenção de resultados visíveis com a aprovação
da população que servimos.
Conscientes que a conquista de
uma "Saúde para Todos" no concelho de Santa Marta de Penaguião, não depende apenas das estruturas do Ministério da Saúde,
desde sempre, o Centro de Saúde
juntou esforços com as diversas
instituições existentes no terreno
obtendo, com esta multidisciplinaridade, parcerias que se revelaram de extrema importância
para a resolução dos problemas
de saúde da população.
Desde 1996 e para dar resposta a
anseios legítimos da população, o
Centro de Saúde implementou o
seu funcionamento em horário
contínuo. A criação de Equipas de
Saúde, revelou-se como uma peça
fundamental para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade fornecendo satisfação profissional e uma melhor solução
dos problemas sentidos pelos
utentes.
Devido às características geográficas, terreno muito montanhoso
e características demo g ráficas
com grande número de idosos
com baixo nível de rendimento,
o Centro de Saúde desenvolveu
um "Projecto de Apoio Domiciliário" que é realizado por cada
Equipa de Saúde, semanalmente,
em períodos de quatro horas.
Este Projecto, apoiado pela ARS
Norte, no âmbito dos projectos
inovadores tem como objectivos:
garantir apoio domiciliário(AD) a
100 por cento do universo da população acamada; garantir o AD
a 100 por cento das famílias de
risco identificadas e garantir o
apoio imediato médico e de en-
fermagem a todos os recém-nascidos e grávidas.
Ainda no âmbito dos "Projectos
Inovadores", candidatou-se este
Centro de Saúde a um "Projecto
de Pequena Cirurgia", financiado
pela ARS Norte, com o objectivo
de dar resposta aos utentes deste
Centro de Saúde bem como aos
concelhos da Régua e Mesão Frio,
contribuindo não só para a diminuição das listas de espera para
pequena cirurgia, mas também
para a implementação do diagnóstico e controle precoces de situações neoplásicas e sensibilização
da população para os sinais e sintomas precoces de patologia
neoplásica.
Criou e implementou o uso do
"Cartão de Medicação Crónica". A
implementação do uso deste cartão logo apresentou vantagens significativas. Permitiu ao utente com
doença crónica obter mais facilmente o receituário "habitual", que
até aí era um processo moroso e
burocratizado que por vezes interferia com a dinâmica da consulta;
o médico de família passou a poder, de maneira simples e eficaz,
controlar efectivamente o cumprimento da prescrição além de evitar a automedicação.
A 13 de Janeiro de 1999, foi o
Centro de Saúde agraciado com
a Medalha de Ouro de Mérito
Municipal, pela Câmara Municipal de Santa Marta de Penaguião,
por muitos e relevantes serviços
prestados à comunidade.
Joaquim Baptista da Fonseca
Dir ector do Centro de Saúde
Número 8
Crónica
"Setembro negro" poderia ser outro título
desta minha meditação. É que, por via das
lutas pelas audiências, a SIC e a TVI entraram em concorrência renhida e resolveram,
para além dos concursos de milhões e do
"Big Brother", explorar um assunto de grande impacto nas pessoas: os problemas da
saúde em Portugal!
E assistimos durante vários dias a reportagens a "puxar" ao sensacionalismo, a explorar a sensibilidade das pessoas com fotos,
lágrimas e imagens de doentes graves, ou a
pôr a nu alguns elementos evidentes da desorganização e das carências do nosso sistema nacional de saúde.
Não é que casos de acidentes em hospitais, ou casos de faltas de médicos, técnico e enfermeiros não devam ser denunciados, não é que o Ministério da Saúde não
deva ser confrontado com as tais carências e desorganizações; não é que alguns
médicos não possam ter "telhados de vidro"; não é que não deva ser "gritado" que
certas zonas têm carência de médicos e
que certos centros de saúde não têm as
necessárias condições; não é que se não
deva pugnar pela humanização dos nossos serviços médicos; longe de nós pensarmos que o silêncio e o conformismo é
que deve ser cultivado pelos nossos meios de comunicação social.
Não estariam a cumprir uma das suas missões.
Mas pensamos que é um escândalo encher,
em horário nobre, nos telejornais da noite,
as populações deste país com casos que, a
38
Setembro 2000
Isto é um
escândalo!
maior parte deles, são pontuais; e apresentálos como se fossem a regra geral no nosso
serviço de saúde.
Quem viu a SIC no início deste mês ficou
com a ideia de que os doentes andam a
morrer por desleixo nos nossos hospitais,
que os centros de saúde não dão qualquer
assistência médica que se veja, que os médicos são uns energúmenos sem coração e
ignorantes, que a maioria das crianças em
Portugal nascem em ambulâncias, que só
temos uma medicina sem qualidade e médicos que não cumprem e só pensam em
dinheiro - nem faltou na TVI tempo de antena para o "Bayergate", para o pequeno
Pequito declarar que mais uns milhares de
médicos eram corruptos!
É realmente um escândalo que se tente desacreditar uma classe que trabalha tantas
vezes em condições deficientes, que ganha
pouco em relação à responsabilidade no seu
trabalho e em comparação com outros profissionais que não levam doze a quinze anos
de estudo para a sua formação e que têm de
manter-se em formação permanente.
É realmente um escândalo o tom sensacionalista, "lamexas" e insinuando sempre que os técnicos de saúde intervenientes nas histórias foram os responsáveis pelas mortes ou pelas consequências
trágicas de cada caso.
Há muito que os problemas médicos andam nos jornais e nas televisões sempre com
rótulos de desleixo e incompetência (a palavra da moda é "negligência"), tratados por
pessoas que pouco ou nada sabem do ver-
dadeiro sentido da doença, da medicina e
seus conceitos, dos serviços e das condições
de trabalho - ouvindo os relatos emocionais das famílias ou dos doentes sem se cuidar de ouvir as explicações dos técnicos
competentes - mas esta primeira semana de
Setembro tocou as raias da agressão e da
maldicência.
Não duvidamos da veracidade das histórias apresentadas e temos todo o respeito por
quem sofre e por quem sente na carne defeitos e carências do nosso sistema de saúde, mas tudo poderia e deveria ser apresentado de maneira tranquila e séria, tentando esclarecer os porquês dos casos apresentados.
Senhores jornalistas, sejam sérios!
O facto de se ouvir por escassos minutos a
Ministra da Saúde, o Bastonário da Ordem
dos Médicos ou um ou outro director de
hospital, em geral confrontados com um
interrogatório inquisitorial dos locutores
(estilo agressivo de Moura Guedes!), não
destrói a maneira "verrinosa" das reportagens e dos grandes títulos sensacionalistas.
É um mau serviço à medicina e ao povo
português só explicável porque os
orientadores das televisões sabem que to-
dos somos sensíveis aos problemas da saúde - não fez Clinton, na sua primeira campanha, a saúde como bandeira? Não veio
Blair com um programa de reformas do
serviço de saúde britânico, com muitos milhões de libras, ao sentir-se a descer nas sondagens?
Para além de um programa de TV que apresentou alguns casos de cirurgias arrojadas,
nada mais as televisões fizeram para mostrar como se trabalha bem em certos hospitais e em muitos centros de saúde, nada
se fez para mostrar que entre nós se faz absolutamente o mesmo que em outros países desenvolvidos e com bem menos recursos técnicos, humanos e financeiros.
A população portuguesa deve ser informada seriamente do que está mal, do que deve
ser modificado, mas deve igualmente saber
que tem um corpo médico competente que
muito luta e se sacrifica para trabalhar sempre melhor em prol da saúde dos portugueses.
Mário da Silva Moura
Presidente honorário da Associação
Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral
Ficha Técnica
Jornal Médico de FFamília
amília
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Ano de FFundação
undação
1988
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Tel:217620650
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Tiragem
7000 exemplares
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Número 8
Setembro 2000
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
Bem-vindos ao Congresso
Os Congressos Nacionais de Medicina Familiar, surgiram como
uma resposta à necessidade sentida de um espaço com
conteúdo técnico-científico mais explícito por contraponto aos
Encontros Nacionais, mais "políticos".
Pretendem, pois, ser um contributo para a actualização
científica dos médicos de família e um espaço onde os trabalhos
de investigação de internos e profissionais possam ser
apresentados e debatidos, sendo os médicos de família os
principais protagonistas.
É de salientar o grande número de internos inscritos no
congresso e nas comunicações livres, garantia de que a
especialidade se manterá viva, pois a criatividade e entusiasmo
dos mais novos são fundamentais para a renovação e
desenvolvimento da Clínica Geral.
A Conferência Inaugural é da responsabilidade da Prof. Christie
Seely, que constitui uma referência da Medicina Familiar e,
como tal, certamente virá enriquecer o conteúdo do Congresso,
transmitindo a sua experiência.
A adolescência, escolhida como "tema principal" do Congresso, foi-o porque pensamos ser necessário um
maior investimento dos Centros de Saúde neste grupo etário.
As polémicas, tema de sucesso nos Congressos anteriores, este ano apresentam, como novidade, uma maior
participação dos médicos através do "Televoter".
O programa social tem uma vertente cultural e de intervenção comunitária, contando com interpretações de
música clássica, uma exposição de pintura e um serão animado por uma Tuna Académica.
Por tudo isto e muito mais: Bem-vindos ao congresso!
"A importância da Família para o
Médico de Família no início do século XXI"
O
início do 5º Congresso
Nacional de Medicina
Familiar ficará marcado
pela intervenção da Prof. Janet
Christie-Seely, Professora do Departamento de Medicina Familiar
da Universidade de Ottawa, que
falará das profundas mudanças
ocorridas na segunda metade do
século XX, período caracterizado,
não só pelo advento de novas tec-
nologias, mas também pela mudança social e pelo importante e
crucial papel da família na saúde e
na doença.
Um período durante o qual os investigadores demonstraram que o
factor família é muito importante
para o diagnóstico de doenças,
como a angina e a diabetes e em
que se constatou que certas atitudes e comportamentos relaciona-
dos com a saúde, certos medos e
expectativas acerca das doenças
eram apreendidas dentro de casa,
no seio da família.
Na sua apresentação, ChristieSeely fará referência às alterações
que o Movimento Feminista provocou na sociedade, nomeadamente, na vida das mulheres, que
alcançaram a possibilidade de evoluir na carreira profissional e simultaneamente intervir na educação e saúde da família.
O sistema igualitário estendeu-se
por mais áreas da sociedade, in-
cluindo a da medicina familiar,
onde o velho modelo de "sacerdócio" e secretismo da prática médica deu lugar a um modelo de
interacção e comunicação entre o
médico e o doente. Com o passar
dos anos esta relação foi-se fortificando conduzindo ao surgimento
de problemas até aí mantidos na
reserva absoluta da intimidade da
vida familiar, como os abusos sexuais nas mulheres e crianças, trau-
mas, depressões e dependências,
problemas que viriam a ter consequências gravíssimas em termos de
saúde.
A Prof. Janet Christie-Seely falará
ainda sobre o papel dos médicos de
família na terapia familiar e da importância destes profissionais na prevenção de abusos e dependências.
Janet Christie-Seely
Prof essora do Depar tamento de Medicina
Familiar da Universidade de Ottawa
Domingo - 24 Setembro, 16.00 horas
Conferência Inaugural
40
Número 8
Setembro 2000
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
Com o patrocínio da Fundação Grünenthal
Combater o fatalismo da dor…
D
esde o 1º Congresso Nacional de Medicina Familiar, em Junho de
1996, altura em que teve lugar a
apresentação de um painel sobre
Dor, o que terá mudado em Portugal?
Naquela altura em que pouco se
falava sobre dor na área da Medicina Geral e Familiar, e por vivermos numa sociedade em que ainda para muitos (incluindo alguns
profissionais de saúde), a dor é
uma fatalidade merecedora de
pouco mais que resignação, julgámos importante sensibilizar os
médicos desta especialidade sobre
aspectos gerais relacionados com
essa temática, incluindo a classificação sistemática, fisiopatologia,
epidemiologia, aspectos psicológicos, clínica, terapêutica e ajudas ao
doente com dor.
A insuficiente formação pré-graduada e pós-graduada sobre esta
matéria tem marcado diversas gerações de clínicos, sendo difícil
delimitar as fronteiras exactas entre o conhecer, o saber e o saber
fazer, entre os médicos de cuidados de saúde primários actualmente em exercício. No entanto, a dor
é algo que nos surpreende quotidianamente em todos os tipos de
episódios de cuidados...
Para além da deficiente formação,
a dificuldade na gestão do tempo
de consulta, resultante em alguns
casos do excesso de doentes e da
falta de médicos e outros profissionais da equipa de saúde, contribui para que o médico banalize a
individualidade da dor como um
problema, atribuindo-lhe superficial interesse e optando apenas
pela prescrição instintiva e rotineira, desenquadrada de um verdadeiro plano de actuação. Esta situação, sobretudo para os doentes
que sofrem de dor crónica, leva-os a um enorme sentimento de
insatisfação, facilitando comportamentos depressivos e a procura de
soluções alternativas fora do controlo do médico de família, com
enormes desperdícios de recursos
de saúde.
A criação em 1999 de um Dia
Nacional de Luta Contra a Dor,
também já comemorado em Junho
deste ano, reflectindo o empenho
da APED (Associação Portugue-
sa para o Estudo da Dor) e uma
preocupação política do Estado,
polarizou a atenção da comunicação social para a importância do
problema, o que foi positivo, mas
ainda há muito a fazer.
O painel sobre dor anunciado
para o 5º Congresso Nacional de
Medicina Familiar, a realizar-se
após a conferência inaugural do
dia 24 de Setembro, na mesma
sala, cerca das 17 horas, é o amadurecimento de preocupações anteriores, assumindo-se sob a forma de novas questões, essencialmente dirigidas para a realidade
portuguesa.
• Qual o estado de conhecimento
sobre a realidade epidemiológica da
dor em Portugal? Os números provenientes de fontes europeias e americanas são assustadores quanto à
prevalência de dor crónica... Como
será entre nós? Quais as suas implicações? O que há para fazer?
Para responder a estas perguntas
convidámos o Professor Dr. José
Guilherme Jordão.
• Entre nós a abordagem terapêutica da dor, parece longe do
ideal... Se bem que existam consultas de dor, o clínico geral será
sempre a figura mais importante
num plano de luta contra a dor.
Quais os erros mais comuns cometidos pelos clínicos na abordagem terapêutica da dor? Que con-
sequências? O que fazer?
A discussão deste tema caberá à
Dra. Isabel Neto.
• O tratamento da dor envolve
uma vertente relacional importante. Como reforçar o envolvimento do doente no plano terapêutico
da dor? O mito dos opióides tem
marcado o comportamento de
várias gerações médicas. Embora
o uso dos opióides cada vez menos se confine à dor oncológica,
há problemas de acessibilidade na
prescrição. Que dificuldades enfrenta o médico no acesso ao receituário especial? Que soluções?
A estes desafios responderá o
Dr. Jorge Brandão.
• Existe um Prémio Dor (Prémio
Grünenthal Dor) para distinguir a
investigação sobre dor em Portugal. Como irá a investigação sobre
dor em Portugal? Quem faz e o
que faz? O que poderia ser feito
nos cuidados primários? Qual o
papel dos Internatos complementares de Clínica Geral?
Para nos actualizar sobre este tema
falará a Professora Dra. Deolinda
Lima, investigadora da Universidade do Porto, de renome internacional, envolvida em projectos
sobre dor.
• Finalmente, tendo em conside-
ração que vivemos no tempo das
chamadas novas tecnologias da
informação, de que a Internet poderá ser paradigma...
Queremos conhecer que ajuda a
Internet nos poderá oferecer no
campo da informação, formação
e discussão sobre dor. O Dr.
Telmo Baptista, psicólogo clínico
colaborador de projectos sobre
dor e experiente cibernauta falará
sobre sites e portais interessantes.
Esperamos com este painel, que
conta com o patrocínio da Fundação Grünenthal, chegar a algumas
conclusões que possam servir de
base para projectos e acções que
ajudem a mudar o comportamento nacional fatalista perante a dor.
Domingo - 24 Setembro, 17.00 horas
Painel sobre a Dor
Roncopatia - abordagem cirúrgica
O
ressonar é um som característico, essencialmente, inspiratório que
pode ser um sintoma de uma doença (síndrome obstrutiva de
apneia do sono, síndrome de resistência das vias áreas superiores)
ou apresentar-se isoladamente.
O ressonar é um dos sintomas
mais comuns com prevalência aumentada sobretudo a partir dos 40
anos, podendo ter consequências
a nível individual ou social.
A patogenia é complexa, multifactorial, não totalmente esclarecida,
onde as alterações da estrutura e
da função da faringe têm um papel importante. O ruído, que é gerado por vibração das paredes
faringeas e do palato mole, é o aspecto fisiopatológico essencial.
No estudo do doente que ressona
há que avaliar as várias vertentes,
nomeadamente a clínica onde o
exame das vias aéreas superiores,
apresenta aspectos particulares.
O tratamento da roncopatia crónica implica um diagnóstico preciso e terá de atender às repercussões no/a companheiro/a e no
doente, devendo ser ponderadas as
várias alternativas de tratamento.
O tratamento cirúrgico é dirigido
à eliminação do ressonar crónico,
quer pela remoção da obstrução,
por cirurgia nasal ou da faringe,
quer pela remoção dos tecidos
ex cessivos vibratórios da
velofaringe, mais frequentemente
por uvulopalatofaring oplastia
(UPPP), uvulopalaplastia (LAUP)
e sonoplastia.
O tipo de intervenção vai depender de vários factores, nomeadamente, da patologia subjacente
(tipo de palato, presença de amígdalas volumosas, etc.), da atitude
mais ou menos conservadora, da
anestesia utilizada, do local de
realização, da morbilidade associada, entre outros. São referidos aspectos particulares de cada técnica cirúrgica.
Agostinho Per eira da Silva
Médico especialista de Otor rinolaringologia
Chefe de Serviço do Serviço de
Otorrinolaringolo gia do Centro Hospitalar
de Vila Nova de Gaia
2ª feira - 25 Setembro, 9.30 horas
Patologia do Sono
João Amoedo
Médico de Família
41
Número 8
Setembro 2000
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
Actividade Física na Adolescência
A
maioria dos princípios
que norteiam a prática de
actividade física regular,
ou seja:
1. Que definem os seus objectivos
genéricos;
2. Que indicam os critérios de poder ser considerada adequada ou
inadequada a cada indivíduo
concreto;
3. Que apontam as suas vantagens,
riscos e inconvenientes mantêm-se constantes ao longo das várias fases da vida.
As especificidades bio-psico-sociais
próprias de cada etapa da vida, no
que à actividade física respeita, permitem concretizar os princípios gerais acima referidos, mas que se mantêm inalteráveis ao longo da vida.
Assim temos a considerar
1. Os dois principais objectivos
genéricos da actividade física
regular são a promoção da saúde e a melhoria/manutenção da
condição física.
Na maioria dos adolescentes a
promoção da saúde tem sobretudo a ver com medidas de prevenção primária, nomeadamente de situações que surgem na
idade adulta, e cuja prevenção
dev e começar desde jovem.
Referimo-nos sobretudo aos
factores de risco cardiovasculares, obesidade e osteoporose
e situações com estas relaciona-
das. Por exiguidade de tempo
não abordaremos de início, a
menos que solicitado pela assistência, o papel da actividade física na prevenção secundária e
terciária de doenças típicas da
adolescência, como a asma, a
diabetes de tipo 1 a as cardiopatias congénitas.
O outro grande objectivo da actividade física em qualquer idade é a manutenção ou a melhoria da condição física. Refere-se
o conceito de condição física e
as suas componentes. A adolescência é uma das fases da vida
em que a condição física tem
mais potencial de aumentar. A
este propósito discute-se quais
os níveis de condição física que
são vantajosos para a saúde e dia
a dia do indivíduo, e quais aqueles que apenas têm interesse para
desportistas
2. Independentemente da idade,
uma actividade física considerase adequada: a) quando promove a saúde com riscos mínimos
ou quase ausentes; b) quando é
agradável; c) quando é educativa;
d) quando é fácil de integrar no
esquema de vida, de modo a
poder ser praticada com regularidade e, e) idealmente, quando
promove a inserção social e o
convívio com a Natureza, nos
casos mais necessitados destas
componentes.
A adolescência oferece algumas
particularidades a vários destes
items:
a)A promoção da saúde foi
focada em 1 e abordaremos os
riscos em 3;
b)A idade é determinante naquilo que agrada ou desagrada. Habitualmente o adolescente escolhe a modalidade ou a actividade física que quer praticar,
isto é, que mais lhe agrada, e o
papel do médico é verificar se é
adequada ou não. Os desportos radicais merecem um aconselhamento particular. Pelo
contrário, os adultos são mais
receptivos ao exercício prescrito pelo médico;
c) A infância e a adolescência são
as idades da vida em que é mais
importante a componente
educativa do desporto, encarado como escola de vida, de vir-
tudes, de autodomínio, de esforço de melhoria e de auto-superação das próprias limitações;
d)Cabe ao médico fazer ver ao
jovem que não se deve limitar
a ser um estudante, o que não
significa retirar importância a
esta actividade prínceps dos
primeiros anos de vida. Há
que saber articular o estudo e
quiçá o trabalho com a vida
familiar e com a prática
desportiva. A escolha desta
tem que ter este contexto presente;
e)As modernas condições de vida,
nomeadamente o acréscimo de
horas passadas diante do computador ou da TV podem, para
certos casos, fazer com que o
convívio social e/ou com a Natureza seja das coisas mais importantes que se podem pedir
à actividade física, para compensar estes estilos de vida de crescente prevalência e aí a proposta de actividades físi-cas deverá
ser consentânea com estes objectivos.
3. Riscos decorrentes da prática de
actividade física existem sempre,
mas devem ser minimizados. A
adolescência é uma das fases de
vida em que a actividade física
não apresenta riscos major, excepto em casos excepcionais.
No entanto, existem situações
clínicas minor, aparentemente
sem importância, mas que o
médico assistente deve ter em
atenção quando procede a um
aconselhamento médicodesportivo. Chamaremos a atenção para situações tão banais
como as cáries dentárias, a desigualdade de comprimento dos
membros inferiores e os déficits
posturais. Se houver tempo,
abordaremos a questão do sopro cardíaco inocente e da
pseudo-doença cardí-aca e se
vale a pena pedir por rotina ou
não ECG aos jovens praticantes de actividade física.
José Themudo Barata
Especialista em Medicina Interna
e em Medicina Despor tiva
2ª feira - 25 Setembro, 14.30 horas
O adolescente do Século XXI
Vitaminas: prescrever ou não? E em que situação?
A
prendemos no curso de
Medicina e, posteriormente, na maior parte de
bibliografia médica sobre o assunto, que uma alimentação equilibrada fornece as quantidades diárias
necessárias ao organismo humano
em vitaminas e sais minerais.
Não existe portanto razão para
prescrever vitaminas a não ser em
situações especiais:
- Mulheres grávidas, a amamentar, adolescentes, doentes em
período de convalescença.
Em que a alimentação é inadequada:
- Pessoas debilitadas, com falta de
apetite, a fazer dietas de emagrecimento ou outras dietas não
equilibradas, grandes consumidores de bebidas alcoólicas, em
que a absorção dos alimentos
está diminuída;
- Idosos, doentes com diarreia
prolongada ou com doenças
gastrointestinais;
- Em situações especificas como
a toma de contraceptivos orais
ou antibióticos.
Nos últimos anos, os órgãos de comunicação social, de um modo generalizado, nos suplementos sobre
saúde ou nas revistas especializadas em problemas femininos ou
masculinos, têm vindo a fazer a
apologia do uso de vitaminas e
complexos vitamínicos que podem ser comprados sem receita
médica nas farmácias.
O consumo destes complexos
vitamínicos tem aumentado
(para "manter o cabelo e/ou
unhas saudáveis", por exemplo )
tornando-se esta autoprescrição
um fenómeno interessante para
reflexão.
Se as pessoas tomarem de uma
forma indiscriminada vitaminas
não prescritas pelo médico e em
situações de não carência, o que
se deve fazer quando isto acontece?
Ignorar, desaconselhar, incentivar
ou adequar a autoprescrição?
Baseado em que critérios?
Estes e outros aspectos relacionados com a prescrição de vitaminas que se vai discutir no 5º Congresso Nacional de Medicina Familiar da Figueira da Foz.
Pedr o Ribeiro da Silva
Médico de Família
2ª feira - 25 Setembro, 14.30 horas
Polémicas em Medicina Geral e Familiar
42
Número 8
Setembro 2000
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
Hiperplasia Benigna da Próstata
A
abordagem deste tema
tem como objectivo a
exposição de alguns aspectos referentes à H.B.P.:
- História natural, Etiologia, Manifestações Clínicas, Avaliação
do doente. Diagnósticos diferenciais e importância do Médico de Família na abordagem desta patologia.
A próstata é uma glândula localizada entre a bexiga e o recto, composta por tecido glandular fibroso e muscular, que atinge no adulto o volume aproximado de 20 c.c.;
produz a secreção prostática que
representa 15 a 30% do ejaculado.
A frequência da H.B.P. é prog ressiva com idade. Numa população
masculina com 40 anos de idade
e perspectiva de vida até aos 70
anos, cerca de 60% apresentarão
sintomas relacionados com a
H.B.P., dos quais cerca de metade
terão de ser submetidos a terapêutica agressiva, nomeadamente, cirurgia.
A sua etiologia não é totalmente
conhecida, sendo indiscutível que
os factores hormonais nela desempenham um papel muito importante.
É habitual classificar os seus sintomas em obstrutivos, irritativos
e outros. De entre os sintomas
obstrutivos são de referir:
- Atraso no início da micção;
- Esforço abdominal miccional;
- Alterações do jacto (força e diâmetro);
- Micção prolongada interrompida;
- Sensação de esvaziamento incompleto da bexiga;
- Gotejo terminal;
- Incontinência por regurgitação.
Os sintomas irritativos são:
- Polaquiúria diurna e noctúria;
- Disúria;
- Urgência miccional.
Outros:
- Hematúria;
- Disfunção sexual;
- Sintomas de infecção;
- Sintomas de insuficiência renal;
- Hemospermia.
Estes sintomas, porém, não são
patognomónicos da H.B.P., sendo hoje em dia designados por
LUTS (Low Urinary Tract
Sintoms), estando igualmente presentes noutras patologias (apertos
da uretra, alterações da contractilidade vesical, neoplasia da próstata, litíase vesical, neoplasia da
bexiga, etc.).
A avaliação clínica da H.B.P. fundamenta-se em três aspectos:
1. história clínica
2. exame físico
3. exames complementares de
diagnóstico
No que se refere à história clínica,
é importante a pesquisa de certos
antecedentes familiares (neoplasia
prostática e diabetes), antecedentes pessoais (diabetes, doenças
neurológicas, uretrites, traumatismos do períneo, ingestão de
medicamentos, etc.) e história
pregressa (evolução dos sintomas
e sua quantificação - "score" sintomático).
O exame físico deve incidir sobretudo sobre os genitais externos,
observação e apalpação da parede
abdominal e toque rectal.
O toque rectal é fundamental para
o diagnóstico e acompanhamento
da H.B.P. e deve-nos fornecer elementos importantes, tais como:
- tónus do esfíncter anal;
- existência de eventuais
hemorróidas;
- avaliação da próstata;
- percepção de eventual resíduo
pós-miccional.
As características da próstata ao
toque rectal devem ser avaliadas
nos seguintes aspectos: volume, limites, superfície, mobilidade, sensibilidade e consistência.
No referente aos exames complementares de diagnóstico são considerados obrigatórios: análises de
sangue (creatinémia e PSA em indivíduos com idade inferior a 70
anos) e urina (sedimento, estudo
bacteriológico) e av aliação
ecográfica (pré e pós - miccional).
Em certas situações poderá haver
necessidade de recorrer a outros
exames,
tais
como:
urofluxometria, ecografia transrectal da próstata, biópsia, exames
endoscópicos e uretrocistografia.
Quais as situações em que deverá
ser obrigatoriamente pedida a colaboração de um urologista? Tal
pode acontecer por várias razões:
1. aspectos sintomáticos (sintomatologia g rave, retenção
urinária, incontinência, hematúria, infecção);
2. antecedentes pessoais (diabetes,
doença neurológica, traumatismo ou cirurgia perineal
prévia, ingestão de certos fármacos);
3. idade (se inferior a 50 anos)
4. alterações do exame físico (existência de globo vesical, toque
rectal suspeito, alterações neurológicas);
5. alterações dos exames complementares (infecção urinária, insuficiência renal, PSA>4 ng/ml,
dilatação do aparelho urinário
superior, existência de
divertículo litíase ou resíduo
vesical, nódulo prostático periférico).
Relativamente à terapêutica H.B.P.,
ela assenta em quatro alternativas
possíveis:
1. Abstenção medicamentosa e
hábitos de higiene de vida;
2. Terapêutica medicamentosa
que engloba três alternativas:
2.1.Fitoterapia
2.2. Inibidores da α-5-a-redutase
2.3. α-a-1-bloqueantes
O mecanismo de acção destes
medicamentos é diverso; enquanto que os inibidores da α-5-aredutase actuam pela redução do
volume da próstata (componente
mecânico) os α-a-1-bloqueantes
actuam reduzindo o tónus muscular ao nível da uretra prostática
(componente dinâmico).
Relativamente à fitoterapia ainda
não está perfeitamente esclarecido o seu mecanismo em acção.
A acção destes medicamentos é
lenta para os inibidores da α-5-aredutase (3 a 6 meses) e rápida
para os α-1-a-bloqueantes (2 semanas).
A disfunção sexual e ejaculatória
é consequência possível desta medicação, não devendo esquecer
que os inibidores da α-5-aredutase reduzem o PSA e os α1-bloquenates são hipotensores.
3.Terapêutica cirúrgica
Pode ser realizada por cirurgia
aberta ou por técnicas
endoscópicas (RTU da próstata, incisão trans-uretral da próstata e vaporização). A mortalidade da cirurgia é inferior a um
por cento e as suas complicações
possíveis envolvem ejaculação
retrógrada, apertos da uretra e
loca, disfunção eréctil, etc., todas elas relativamente raras.
4.Te rapêuticas minimamente
invasivas
Envolvem várias opções de resultados discutíveis e a serem
consideradas em situações muito especiais.
Dentro destas é de referir:
hipertermia e termoterapia,
ablação trans-uretral por rádiofrequência (TUNA), terapêutica
por laser, terapêutica por ultrasons, dilatação com balão, dispositivos
intra-uretrais,
algaliação permanente.
Naturalmente que a opção terapêutica para determinado doente
dependente sempre de variados
factores a considerar: idade, estado geral, patologia, concomitante,
intensidade da sintomatologia,
volume da próstata, estado
evolutivo da doença, complicações, etc..
Fer nando Girão
Chefe do Ser viço de Urolo gia do Hospital
Distrital de Leiria
Sábado - 23 Setembro, 14.30 - 17.30 horas
Domingo - 24 Setembro, 9.30 - 12.30 horas
Curso 2 - O Doente Urológico
44
Número 8
Setembro 2000
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
Insulinoterapia na Diabetes Tipo 2
Quando e como iniciar?
A
diabetes é uma situação
crónica que, por forma a
responder às necessidades da população com este problema e às orientações técnicas da
Direcção Geral da Saúde, exige
uma organização de cuidados baseada nas suas características de
tratamento e seguimento e fundamentada quer na identificação da
população e sua caracterização,
quer nos recursos disponíveis
para a servir.
A estrutura de
cuidados de
saúde a esta
população, que
pode servir de
"modelo" a outras situações
de doença crónica, encontra dificuldades particulares a nível dos
Cuidados Primários que importam analisar, com o fim de encontrar soluções construtivas e dinâmicas tendo em vista assegurar a
melhor qualidade de cuidados e a
obtenção de resultados de saúde
positivos.
Se é prática o tratamento oral da
diabetes em Clínica Geral, verifi-
ca-se ser menos corrente o início
da utilização de insulina nos diabéticos que eventualmente dela
beneficiam.
O tratamento com insulina necessário a uma percentagem deste
tipo de doentes exige, para além
do conhecimento científico sobre
o fármaco, a aquisição e domínio
de técnicas de auto-injecção, autovigilância e autocontrolo.
O Grupo de Estudo da Diabetes
da APMCG, formado em 1991,
tem-se mantido activo na discussão de protocolos de actuação e
orientações técnicas, em conjunto com as entidades oficiais e na
formação em diabetes na Clínica
Geral.
Neste âmbito desenvolveu um
curso sobre "Insulinoterapia na
Diabetes tipo 2: quando e como
iniciar" que se propõe demostrar
num módulo de iniciação englobado no Congresso de Medicina
Familiar.
Este módulo colocará colegas interessados no tema, em contacto
real com as necessidades de aprendizagem dos doentes e as várias
técnicas e métodos de autovigilância, autocontrolo, e auto-injecção, propondo-se motivar ao início desta terapêutica sempre que
dela beneficie o doente e à necessária organização dos cuidados por
forma a manter um adequado controlo da situação.
Maria Rosa Gallego
Grupo de Estudo da Diabetes
(GED) da APMCG
Domingo - 24 Setembro, 9.30 - 12.30 e 16.30 - 19.30 horas
Curso 3 - Insulinoterapia na Diabetes Tipo 2
Quando e como comparticipar
As dependências nos doentes, médicos internos e em nós mesmos
Um modelo de compreensão e tratamento
Introdução
As dependências (abuso de substâncias tóxicas, trabalho obsessivo, pedidos de ajuda, entre outros) existem em alta prevalên-
cia - nos pacientes e médicos.
Devido ao orgulho e à auto-estima o silêncio continua a imperar nestas situações. Um modelo
de tratamento do medo, culpa ou
vergonha usando "Satir's Change
Process" e um modelo de comunicação e auto-estima serão apresentados no 5º Congresso de
Medicina Familiar.
Método
Após a exibição de um vídeo dramático onde são apresentados
comportamentos de dependência,
os participantes irão contar as suas
experiências (de doentes ou até
pessoais) que depois serão discutidas. O modelo "Satir´s Iceberg",
os conceitos de "Taming Your
Gremlin" e o modelo de "Selfesteem Sculpt" serão aplicados
num voluntário (que vestirá a pele
de doente ou de interno), e que
demostrará os seis níveis de tratamento visando aumentar a autoestima.
Resultados
No final desta Workshop os participantes serão capazes de:
1. Descrever o modelo de compreensão e tratamento de dependências, que poderá ser utilizado por médicos, internos e
doentes.
2. Esclarecer o papel do medo (de
falhar, de vulnerabilidade ou
perda do controle), do sentimento de culpa (de criar expectativas em nós e nos outros), da
vergonha (por exemplo: the
imposter syndrome) e das experiências anteriores.
3. Identificar os seis níveis da auto-estima e saber aplicá-los.
Conclusão
O sentimento de protecção ou o
paternalismo na medicina mantém
o silêncio sobre as questões da
vulnerabilidade dos profissionais
e das pessoas e este sentimento
supõe uma postura humanística .
Esta Workshop fornece conheci-
mentos para um auto-cuidado pessoal que depois pode ser usada
para ajudar os doentes, tendo por
base a teoria e a prática da terapia
familiar.
Luís Rebelo
Médico de Família. Faculdade
de Medicina de Lisboa
Domingo - 24 Setembro, 9.00 - 13.00 horas
Workshop - As dependências nos doentes,
médicos internos e em nós mesmos
Um modelo de compreensão e tratamento
Número 8
45
Setembro 2000
Núcleo de Internos da APMCG
Internato complementar de Clínica Geral
Questionário sobre a opinião dos Internos
Programa do
Internato de Clínica Geral
O programa do Internato de Clínica Geral é, actualmente, de 3 anos.
Não se encontra promulgado pelo Ministério da Saúde, pelo que existem variações entre as 3 Coordenações do Internato Complementar,
no respeitante aos estágios hospitalares e sua duração, formas de avaliação e duração dos estágios em Centro de Saúde.
Orientadores do Internato
Práticas entre orientador e interno
Em Outubro de 1999, o
Núcleo de Internos da
Associação Portuguesa
de Médicos de Clínica
Geral (APMCG)
realizou um
questionário aos
internos da zona sul,
com o objectivo de
conhecer, de forma
exploratória, as suas
opiniões e atitudes,
através de questões
gerais e específicas de
problemas concretos,
de modo a identificar
áreas importantes para
discussão e estudo
posterior.
São divulgados e
comentados os
principais resultados
das questões não
específicas da zona sul.
Parte destes resultados
foram apresentados
durante o 17º Encontro
Nacional de Clínica
Geral em Março de
2000, sob a forma de
póster e ainda na
reunião entre internos
e orientadores.
Devido à extensão do
questionário, os
resultados são
apresentados em duas
partes. A primeira
parte incluí questões
sobre:
• programa do
internato de Clínica
Geral;
• orientadores de
internato;
• Centros de Saúde de
formação do interno.
A segunda parte
incluirá questões sobre:
• estágios hospitalares;
• comissão de
representantes de
curso;
• satisfação e
qualidade de vida do
interno
• conclusões
Características do orientador
Como o interno se sente com o seu orientador
continua na página seguinte
46
Número 8
Setembro 2000
Núcleo de Internos da APMCG
5º Congresso Nacional de Medicina Familiar
O Centro de Saúde de formação do interno
Momentos importantes neste congresso
Práticas no Centro de Saúde
Apresentação das comunicações livres
U
m dos mais interessantes
momentos a que o prog rama dos Congressos
de Medicina Familiar nos vem habituando, é a activa intervenção de
muitos dos seus participantes através da apresentação de comunicações livres, sob diversas formas:
posters, comunicações orais, vídeo.
Culminando e premiando as melhores, o final do Congresso fica
indelevelmente marcado pelos
aplausos públicos aos apresentadores galardoados.
Neste 5º Congresso, também não
faltará esse momento especial, a
coroar a maratona de apresentações que os três dias de trabalhos
vão proporcionar.
Cento e cinquenta e cinco, foi o
número total de comunicações
apresentadas, sendo setenta e três
sob a forma de poster, oitenta e
uma destinadas a comunicação
oral e uma como vídeo.
Após o difícil e ingrato processo
de selecção, vão ser apresentadas
quarenta e quatro comunicações
orais e serão expostos quarenta e
nove posters.
Sob os olhares atentos e críticos
dos respectivos júris, os dezanove
temas de revisão, os dez casos clínicos, os onze relatos de investigação e os quatro trabalhos sobre
garantia de qualidade, irão proporcionar a todos os que assistam,
óptimos e exemplares momentos
de reflexão sobre práticas clínicas
empenhadas, imaginativas e
frutuosas.
Por tudo isto, vos convidamos a
atentarem nos momentos do programa em que serão feitas as apresentações, no domingo e na segunda-feira.
Jorge Brandão
Coordenador do Júri das
Comunicações Orais
Galeria do Casino da Figueira da Foz
Características do Centro de Saúde
Pintura ao vivo ao longo do congresso
I
nserida no 5º Congresso realizar-se-á, nos dias 24 e 25 de
Setembro, uma exposição de
pintura na Galeria do Casino que
oferece aos visitantes uma proposta inovadora: a pintura de quadros
ao vivo, pelos pintores com obra
exposta no certame
A ideia de uma exposição de pintura inserida num congresso médico não é de hoje. Todavia, a quinta edição do Congresso de Medicina Familiar conta com uma novidade: a pintura de quadros ao
vivo. De facto, para além das obras
que terão expostas na exposição,
os pintores convidados assumirão
a difícil tarefa de pintar, expostos
aos olhares curiosos de quem os
quiser ver, uma nova tela, a ser leiloada no dia 25, durante o jantar
de encerramento do Congresso.
Mário Silva, João Ricardo, José
Luís Ribeiro, Tesha, Zé Penicheiro,
Jorge Rodrigues, Filinto Viana,
Parracho Alves e Marylena Guimarães são os artistas convidados.
Ficha técnica do questionário
Questionário realizado durante as VII Jornadas do Internato Complementar (IC) de Clínica Geral (CG) da Zona Sul,
em Outubro de 1999. Estas jornadas geralmente contam com a participação de todos os internos da zona sul.
Número de internos do IC CG da zona sul em Dezembro de 1999: 131
Número de respostas obtidas: 83 (63%)
As associações entre variáveis foram calculadas pelo teste de qui-quadrado como sendo estatísticamente significativas se p<0,05. As respostas obtidas através de uma escala têm sugeridos, entre parêntesis, os valores
intermédios.
São apenas referidas as associações, bem
como as não associações, consideradas pelos autores como importantes. Não se incluíram questões relativas à coordenação do
internato complementar de clínica geral da
zona sul, bem como cursos obrigatórios, por
serem específicos da zona sul.
O estudo completo pode ser solicitado a:
Paulo Nicola - Núcleo de Internos da Associação Portuguesa de Médicos Clínica Geral - Tel: 21.7620650 - e -mail:
[email protected]
1975 e em Agosto deste ano venceu o 1º Prémio de Pintura da
C.M. de Vouzela.
José Luís Ribeiro
Começou a sua carreira em 1980
na área da pintura, escultura e
cerâmica. Já participou em inúmeras exposições, entre elas a
"Pintores residentes na Figueira" em 1994.
Zé Penicheiro
Iniciou a sua carreira artística
como caricaturista e ilustrador,
colaborando em várias publicações. Mais tarde rendeu-se à arte
da decoração e desde o final da
década de 70 que se dedica, a tempo inteiro à pintura.
Mário Silva
Este pintor, natural de Coimbra,
expõe com regularidade desde
1957. É director do núcleo centro
do ANAP e membro fundador do
GALUART.
Tesha
Com apenas nove anos de idade
ganhou o seu primeiro prémio de
pintura, numa iniciativa promovida pela Fundação Calouste
Gulbenkian. Daí, partiu à descoberta das muitas potencialidades
que em si mesmo adivinhava. A
seda, o papel e a tela são os suportes mais usados pela artista que se
encontra representada em colecções espalhadas pelos quatro cantos do mundo.
João Ricardo
Expõe individualmente desde
Parracho Alves
Natural da Figueira da Foz, este
professor de Educação Física vê
na pintura um escape. Em 1992
iniciou o seu ciclo de exposições na sua terra natal - e desde então
nunca mais deixou de expor.
Filinto Viana
Nascido na Figueira da Foz, este
pintor autodidacta é, como se
diz na gíria das artes, um self
made painter, que dedicado a sua
vida à arte. A "reinvenção" do
cubismo, o abstracionismo geométrico e muita poesia têm
sido o cerne da pintura deste
artista.
Marylena Guimarães
Neta do mestre Jorg e Garbaye que foi director da Escola de Belas Artes de Paris - Marylena
Guimarães iniciou-se muito cedo
na pintura. Em 1967 recebeu o
1º Prémio - no tema "Figura" numa exposição em Luanda. A
primeiro de muitas distinções
que tem recebido pela sua carreira.
Jorge Rodrigues
Este pintor, natural da Régua mas
radicado na Figueira da Foz, expõe, com regularidade, desde
1993. A obra de Jorge Rodrigues
é conhecida pela riqueza de cores
e tonalidades e pela mistura entre
estes dois elementos.
Número 8
47
Setembro 2000
Apontamentos
Coimbra
Vale de Cambra
XV Jornadas de 2º Encontro do Grupo Rural
Medicina Geral e
Familiar de
Coimbra
R
ealizam-se em Coimbra, nos dias 18,
19 e 20 de Outubro, as XV Jornadas de Medicina Geral e Familiar,
uma iniciativa da Delegação Distrital de
Coimbra da APMCG, presidida por Maria
da Luz Machado Martins.
Em debate estarão, entre outros temas, a
disfunção eréctil (dia 18 de Outubro), a qualidade de vida em saúde (dia 19) e a saúde
ocupacional dos médicos de família (dia 20
de Outubro).
As XV Jornadas de Medicina Geral e Familiar de Coimbra contarão ainda com algumas actividades, entre as quais um jog o
de futebol e um rally-paper.
As inscrições são gratuitas para sócios com
quotas em dia. Para os não sócios (e para os
sócios com quotas em atraso), o valor da
inscrição é de 10.000 escudos.
Para qualquer informação complementar, os
interessados deverão contactar a Delegação
Distrital de Coimbra da APMCG.
O correio dos leitores
A notícia "Burlões atacam Cartão de Utente" publicada no Médico de Família III série-nº7 Julho 2000 refere no seu penúltimo parágrafo "... contactada a Sub-Região de Saúde de Setúbal,
na tentativa de obter esclarecimentos complementares, fomos informados de que todas as informações à imprensa só são permitidas
quando autorizadas pelo Coordenador, que à hora de fecho deste
jornal se encontrava ausente, em
gozo de férias..."
Publicamente e para que não haja
quaisquer dúvidas, a informação
dada ao autor da investigação/notícia não corresponde à verdade. A
própria notícia é disso prova, isto
é: o Dr.Francisco Gouveia, director do Centro de Saúde do
Barreiro, fez as declarações que
entendeu e não pediu (e bem) autorização ao Coordenador para dar
"informações à imprensa".
Rui Monteir o
Coordenador da Sub-Região
de saúde de Setúbal
Nos próximos dias 24 e 25 de Novembro vai ter lugar em Vale da
Cambra o 2º Encontro do Grupo Rural, uma iniciativa do centro
de saúde local em colaboração com o grupo rural da APMCG.
Este encontro pretende ser uma oportunidade de discussão de
problemas como a Saúde e desigualdades sociais e económicas,
saúde ocupacional em meio rural e ensino à distância em Medicina Geral e Familiar, de forma a produzir recomendações
destinadas aos médicos que trabalham no contexto rural úteis
de forma a melhorar a qualidade dos cuidados de saúde destas
populações.
Arraiolos
I encontro de
enfermagem comunitária
N
os próximos dias 27 e 28
de Outubro realiza-se,
em Arraiolos, o I Encontro de Enfermagem Comunitária, uma iniciativa dos Centros
de Saúde da Sub-Região de Saúde
de Évora.
Dinamizar a partilha de experiências profissionais, contribuir para
a formação do espírito de rede nos
cuidados de enfermagem prestados e melhorar a prestação dos
cuidados de saúde são os objecti-
vos previstos para este encontro.
Ao longo dos dois dias estão
agendados vários debates que
abordam temas como a infância,
a adolescência, o adulto, o idoso e
a imagem transmitida pelas escolas superiores de enfermagem em
relação aos centros de saúde. O
programa está ainda incluído na
Feira das Tasquinhas.
Para mais informações contactar
o Centro de Saúde de Arraiolos
através do telefone 226499124.
Espinho
4 Jornadas de saúde e desporto
A
s 4ª Jornadas de Saúde e
Desporto vão decorrer
nos dias 20 e 21 de Outubro, na Nave Polivalente da cidade de Espinho, com a organização do Centro de Saúde de
Espinho, da Câmara Municipal
de Espinho e do Sporting de Espinho.
Para este evento e dentro do programa científico está aberto o concurso da melhor comunicação em
poster, a qual pode abranger quatro áreas temáticas: avaliação e garantia de qualidade, investigação,
relatos de casos e temas de revisão. Os trabalhos devem respeitar
o âmbito das Jornadas referentes à
Saúde e Desporto, bem como os
temas relacionados com a Promoção e Prevenção da Saúde, alimentação saudável, exercício físico e
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, entre outros. A
comunicação em poster deve apresentar título, nome dos autores,
instituições onde trabalham e endereço postal para contacto.
No programa desportivo, os participantes podem inscrever-se
numa modalidade colectiva e em
duas modalidades individuais, à
escolha entre futebol de cinco, ténis de mesa, ténis, voleibol, xadrez
e setas.
Para mais informações contactar
o Centro de Saúde de Espinho
pelo telefone 227341167.
Número 8
48
Setembro 2000
O Cromo do mês
Agenda
Isto é um escândalo!!!
Numa
intervenção no
encerramento do Congresso Americano de Médicos de Família, o ano passado em Orlando, um conhecido jornalista da CNN
reconhecia que os meios de
comunicação social nos Estados Unidos tratavam os
assuntos da saúde, alguns
deles de natureza bastante
complexa, de uma forma
assustadoramente simplista, transformando tudo em
preto ou branco, em bom
ou mau, contribuindo assim
para agravar a já de si
complexa e difícil situação
da saúde naquele País. As sumiu claramente que estavam, pois - palavras suas do lado do problema e não
da solução.
O que se passou na emissão da SIC nos passados
dias 3 e 4 de Setembro foi,
de facto, um escândalo.
Mais uma vez a SIC se colocou, ela também, muito
claramente, do lado do
problema.
Numa guerra de audiências e lutando por alguns
pontos de share, perante
um programa da concorrência que desceu abaixo
daquilo que seria imaginável e que se julgava possível, a SIC optou pela solução mais fácil, menos trabalhosa, pegando nalguns
velhos e requentados problemas da saúde duma forma sensacionalista, melodramática e pouco séria,
sem respeito pela dignidade de pessoas doentes e
sem respeito pelos seus telespectadores. Até ao estafado caso do falecido convocado para uma cirurgia
a SIC recorreu.
A montanha pariu um rato.
Setembro
28-30 Setembro - Colóquio de
Cefaleias 2000
Local: Casa do Médico Porto
Informações: 222002479
e-mail:
[email protected]
20-22 Setembro - Conferencia Internacional sobre Comunicação e
Saúde
Local: Barcelona
Informações: (+34)933177129
e-mail: [email protected]
19 Setembro a 17 Outubro - Ciclo
de Formação-Prevenção e Segurança na Actividade Laboratorial
Local: Relacre
Informações: 213139840
e-mail: relacre @mail.telepac.pt
Setembro 2000-F
evereiro 2001 2000-Fevereiro
Inscrições para os Cursos de pósgraduação do IHMT
Local: Instituto de Higiene e Medicina Tropical-Universidade Nova de
Lisboa
Informações: 213652608
Outubro
12 e 13 Outubro - IX Jornadas Medicina Interna de Braga
Local: Auditório Associação Industrial do Minho
Informações: 253613334
27 e 28 Outubro - I Curso de O.
R.L . para Clínicos Gerais
Local: Hospital do Barlavento
Algarvio
Informações: 082450300
Os tão propalados escândalos não passaram de algumas das já bem conhecidas e identificadas ineficiências e incapacidades do
nosso SNS.
Que existem problemas na
saúde, todos o sabemos: a
má acessibilidade, a falta de
humanização, as falhas na
comunicação, a má organização, a falta de recursos
humanos e materiais que
tardam em ser resolvidos,
são de todos conhecidos.
Os dramas humanos que se
vivem diariamente nos nossos Serviços de Saúde merecem toda a nossa solidariedade. Todavia, a mortalidade humana parece ter
desaparecido completamente do horizonte do Sistema de Saúde e cada vez
mais qualquer morte é encarada como uma falha do
Sistema... Como negligên-
cia médica.
Numa sociedade cada vez
mais agressiva, onde a arrogância e a prepotência
fazem parte do quotidiano,
onde todos julgam ter razão, onde todos têm direitos e ninguém tem deveres,
onde a infalibilidade é a
regra, não é fácil o caminho para a compreensão,
para a solidariedade.
Não é criando e promovendo um ambiente de confronto, de desconfiança, de
ressentimento e de acusações mútuas entre profissionais de saúde e cidadãos
que se vai melhorar esta situação.
Até porque nos Países onde
isso acontece, são os advogados e não os doentes
quem, por sistema, ganha
com a situação.
A saúde não deve ser palco de lutas políticas, de
demagogias. Muito menos,
deve ser utilizada para vencer guerras de audiências.
Os problemas a enfrentar
são tantos e tão complexos
que será necessária a cooperação e contribuição de
todos, dos profissionais de
saúde aos cidadãos, sem
dispensar políticos e gestores. Será necessária, também - e sobretudo - a contribuição dos Media, imprescindível ao esclarecimento isento da população.
A SIC prestou, neste caso,
um mau serviço aos espectadores e a si própria. Pode,
tem capacidade para tal e
deve, seguramente, fazer
muito melhor, quando aborda a área da saúde.
Espero que no futuro a SIC
possa prestar um pouco de
atenção, para além da que
presta aos "escândalos" e
aos "grandes sucessos da
medicina", ao que de bom
se faz diariamente nos nossos Centros de Saúde e
Hospitais; à melhoria acentuada dos nossos indicadores de saúde; aos milhares
de profissionais que trabalham de uma forma empenhada, muitas vezes em
condições difíceis.
Eu sei que é difícil, e que
um Centro de Saúde a trabalhar bem não é notícia.
O que interessa à notícia
é, invariavelmente, o que
trabalha pior.
Passar por cima da dignidade das pessoas, ainda
por cima doentes, fragilizadas, vulneráveis e carentes, utilizá-las por uns
efémeros pontos de share e vir depois cantar vitória isso sim: é um escândalo!
Luís PPisco
isco
Presidente da APMCG
28 Outubro - Journée Annuelle de
Communications
Local: Lyon
Informações: 0141909820
e-mail: http://www.sfmg.org
Outubro - Novembro - Inscrições
para o Mestrado em Gerontologia
Social
Local: Universidade de Barcelona
Informações:
934284585
(ext.243)
e-mail: [email protected]
13-17 Maio 2001 – 16th Wonca
Congress of Family Doctors
Local: Durban, África do Sul
Informações: +27315723771
13 de Outubro de 2000 a
11 de Novembro 2000 – 1º
Curso “Promoção da adesão a
rastreios oncológicos
Local: Instituto Superior de
Psicologia Aplicada
Informações: 218863184/5/6
Abril de 2000 a
Fevereiro de 2001 – PósGraduação em Sociologia da
Saúde
Local: Instituto Superior de
Ciências da Saúde-Sul
Informações:
[email protected]

Documentos relacionados