Música do Século XX - História da Cultura e das Artes / História

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Música do Século XX - História da Cultura e das Artes / História
SÉCULO XX
Índice
1)
Pós-Romantismo ou Ultra-Romantismo: viragem do século........................................... 2
2)
Três novas correntes em França ........................................................................................ 4
2.1 César Frank ......................................................................................................................... 4
2.2 Saint-Saëns e Gabriel Fauré ................................................................................................ 5
2.2 Claude Debussy, Maurice Ravel e o Impressionismo ......................................................... 7
2.3 O movimento anti-impressionista e Erik Satie (1866-1925) ............................................. 10
3)
O século XX ....................................................................................................................... 11
3.1 Características gerais da música do século XX ................................................................. 11
3.2 Igor Stravinsky .................................................................................................................. 12
3.3 Neoclassicismo e Nacionalismo ........................................................................................ 15
3.4 Expressionismo ................................................................................................................. 20
3.5 Segunda Escola de Viena .................................................................................................. 20
3.6 Futurismo .......................................................................................................................... 23
3.7 A Vanguarda do Pós-Guerra ............................................................................................. 24
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1) Pós-Romantismo ou Ultra-Romantismo: viragem do século
1) Hugo Wolf (1860-1903) – compositor austríaco, companheiro de estudos de Mahler e aluno
de Bruckner. Recebe uma grande influência de Wagner, sendo entusiasta de Bach, Haendel,
Gluck, Mozart, Beethoven, Schubert e Schumann. Entre a sua produção musical destacam-se os
seus 250 lieder, que prolongam a tradição alemã do canto solista com acompanhamento de
piano. Compôs cinco grandes coleções de lieder, cada uma inspirada ou num poeta – Morike
(Morike Lieder, 53 lieder de 1888), Eichendorff (Eichendorff Lieder, 20 lieder de 1889), Goethe
(Goethe Lieder, 51 lieder de 1890) – ou num mundo poético – Espanha (Spanisches
Liederbuch, 44 poesias populares espanholas traduzidas por Geibel e Heyse) e Itália
(Italienisches Liederbuch, 22 das 46 poesias populares italianas traduzidas por Heyse). O
compositor chegou a orquestrar alguns dos seus lieder, que refletem a influência da harmonia
Wagneriana.
Lieder de Hugo Wolf
 Insere-se na “veia progressista” do género – lieder pós-romântico, juntamente com
Gustava Mahler, Max Reger, Richard Strauss; segue a tradição do lied schubertiano e
schumaniano.
 “Poemas para voz e piano” – o poema é “transposto” para o piano (grande
expressividade – colocar em música imagens textuais); o texto vem apenas precisar a
imagem ou o clima criado pelo instrumento.
 Linguagem musical: passagens cromáticas (influência de Wagner), embora também
recorra ao diatonismo; frases melódicas irregulares (estilo arioso, próximo do
recitativo), com uma declamação contínua da voz centrada mais na expressão do que
no poema; tratamento rítmico inovador, numa combinação de ritmos simples e
complexos (irregularidades rítmicas, muitas vezes pela sobreposição de ritmos de
pulsação binária e ternária); quanto à forma, os seus lieder raramente utilizam
estruturas estróficas, é mais usual a durchkomponiert (lied de melodia contínua).
Wolf também compôs peças para piano, obras sinfónicas, uma ópera completa (Der
Corregidor, 1896), um quarteto de cordas e a Serenata italiana para pequena orquestra.
2) Gustav Mahler (1860-1911) – estudou piano, harmonia e composição no Conservatório de
Viena, especializando-se depois em filosofia e história da música. Começa por trabalhar como
professor e neste período compõe Das klagende Lied (1880). Em 1880, é convidado para dirigir
a orquestra do teatro de Bad Hall e fá-lo com tal mestria que, em 1883, assume funções
idênticas nos teatros de ópera de Liubliana, Olomouc, Kassel, Leipzig e Praga. Todo o tempo
que lhe resta dedica-o à composição, escrevendo sobretudo operetas, de pouca valia artística.
Após uma paixão mal recebida, desperta-se a sua veia dramática e assim surge a sua primeira
obra-prima: o ciclo de canções Lieder eines fahrenden Gesellen (1885). Ganha fama mundial
como maestro e, entre 1906 e 1910, realiza uma série de digressões pelos Estados Unidos da
América. Na Metropolitan Opera House, dirige representações memoráveis de Mozart,
Beethoven e Wagner. No fim desta digressão, exausto e deprimido, começa a sentir
premonições da morte, que são agravadas por uma doença cardíaca. O compositor viria a falecer
alguns meses depois, com 51 anos. Não teve alunos diretos, pelo menos com carácter regular,
mas contam-se entre os seus discípulos Bruno Walter, Mengelberg, Zemlinsky e Schoenberg.
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Escreveu 9 sinfonias completas (tipicamente pós-românticas: longas, formalmente complexas,
de carácter programático e requerendo grandes recursos de execução), estando a 10ª sinfonia
(Fá# menor) incompleta (1910, 1ª andamento, Adagio; esboços para os outros 4 andamentos –
Scherzo, Purgatorio, Scherzo, Finale). Compôs vários ciclos de lieder: 4 Lieder eines fahrenden
Gesellen, 1883-1885; 12 Lieder aus Des Knaben Wunderhorn, 1892-1895; Kindertotenlieder, 5
melodias com versos de Rückert, de 1901-1904; e Das Lied von der Erde (A Canção da Terra,
1909).
A Canção da Terra: obra baseada num ciclo de seis poemas, traduzidos do chinês por Hans
Bethge, sob o título A Flauta Chinesa. O primeiro, Das Trinklied vom Jammer der Erde (A
Canção-brinde à Miséria da Terra) é uma canção que confronta a eternidade da Terra e o
carácter efêmero do homem neste planeta. O segundo, Der Einsame im Herbst (O Solitário no
Outono), descreve a Terra envolta numa névoa outonal, como alegoria de desencanto amoroso.
O terceiro poema, Von der Jugend (Da Juventude), recria imagens da juventude: o ruído de
“jovens belamente vestidos” dentro de “um pavilhão de verde e branca porcelana”. O
quarto, Von der Schönheit (Da Beleza), retrata uma paisagem campestre, onde a beleza,
especialmente a humana, é ressaltada pela luz da natureza e, no final, um par de jovens trocam
calorosos olhares. O quinto, Der Trunkene im Frühling (O Bêbado na Primavera) relaciona
a vida a um mero sonho e assim o personagem se entrega ao simples prazer de beber. O
sexto, Der Abschied (A Despedida), reúne um dos tons mais sombrios e melancólicos desta
obra, aludindo à nostalgia da amizade e à decisão de partir. Características desta obra:
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Há uma estreita relação entre o texto e a música, em que a textura exótica do texto
(corrente orientalista) é levemente evocada por alguns pormenores orquestrais e pela
utilização da escala pentatónica.
Combinação equilibrada da voz humana com o acompanhamento orquestral – a
orquestra sustenta e reforça o texto (a integração da voz na massa orquestral pode ser
vista nas suas sinfonias, onde o compositor utilizou a voz).
O dualismo do texto ou a ambivalência de sentimentos (êxtase do prazer e a premonição
da morte) estão presentes de uma forma perfeita – uma característica da música de
Mahler é este dualismo, presente sobretudo nas suas sinfonias (mistura o misterioso
com o grotesco, o simples com o sofisticado, utiliza o lirismo, o folclore austríaco,
evoca a Natureza, utiliza ritmos populares de dança, etc.)
Mahler foi um importante compositor de transição. Surge como herdeiro de toda a tradição
romântica (Berlioz, Liszt, Wagner), sobretudo do ramo vienense (Beethoven, Soubera, Brahms,
Bruckner). Contudo, foi um compositor que também fez novas experiências (por exemplo,
Mahler terminou cada uma das suas sinfonias numa tonalidade diferente daquela em que
começara), sendo que algumas das suas técnicas foram posteriormente exploradas como
contribuição para a desagregação da organização tonal tradicional. Deste modo, influenciou os
compositores vienenses da geração seguinte (Schoenberg, Berg e Webern).
3) Richard Strauss (1869-1949) – compositor e maestro alemão, o mais famoso dos
compositores alemães pós-românticos. Nasceu em Munique e em 1885 torna-se diretor musical
da corte em Meiningen. Em 1886 torna-se maestro em Munique e a partir de 1898 encontra-se
em Berlim, onde se torna diretor geral música em 1908. De 1917-1920 é professor de
composição no Conservatório de Berlim e de 1919-1924 ocupa o cargo de diretor da Ópera
Estatal de Viena. Depois, reside em Garmish e de 1933-1935 é presidente da Câmara de Música
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do Reich). Enquanto Mahler ainda se insere numa conceção “tradicional” ou “clássica” da
sinfonia, sendo o último da linhagem de compositores sinfónicos alemães (Haydn, Mozart,
Beethoven, Schubert, Schumann, Brahms, Bruckner e Mahler), Strauss insere-se na tradição
romântica mais radical do poema sinfónico (influência de Berlioz e Liszt).
Escreveu peças para piano, música de câmara, obras corais, obras orquestrais
(Metamorphoses, 1945, para 23 instrumentos solistas), sinfonias programáticas (Sinfonia
Domestica, 1903; Sinfonia dos Alpes, 1915), 150 lieder, contudo, as suas obras mais
importantes são os poemas sinfónicos (Don Juan, 1889; Morte e Transfiguração, 1889; Assim
falou Zaratustra, 1896; As Alegres Aventuras de Till Eulenspiegel, 1895; Don Quixote, 1897,
etc.) e as óperas – Guntram (Weimar, 1894), Feuersnot (A Carência do Fogo, Dresden, 1901),
Salomé (Desden, 1905), Elektra (Dresden, 1909), Der Rosenkavalier (O Cavaleiro da Rosa,
Dresden, 1911), Ariadne auf Naxos (Ariadne em Naxos, Estugarda, 1912), etc.
De destacar nas suas óperas as ideias musicais e as sonoridades instrumentais perfeitas
exploradas pelo compositor para caracterizar pessoas e ações. Nas primeiras óperas é evidente a
influência de Wagner, nomeadamente dos leitmotivs (muitas vezes, Strauss associa também
determinadas tonalidades a certos personagens). Contudo, Strauss vai fazendo novas
experiências: mistura de diferentes estilos musicais (erotismo, farsa, paródia, macabro, etc.);
ritmos inovadores; utiliza harmonias subtilmente expressivas ou então recorre a um
vocabulário harmonicamente dissonante e complexo (sobretudo com as óperas Salomé e
Elecktra, que escandalizaram o público da época, a primeira principalmente pelo tema e a
segunda pela música), que foi uma influência importante para o desenvolvimento do
Expressionismo, contribuindo assim para a dissolução da tonalidade da música alemã na
primeira metade do século XX; contraposição entre cromatismo, politonalismo e diatonismo.
2) Três novas correntes em França
Em 1871 é fundada a Sociedade Nacional da Música Francesa, cujo objetivo era estimular
a atividade dos compositores nacionais (nacionalismo, patriotismo, reavivar a música nacional).
Não só ocorreu a valorização do folclore, mas também se valorizou a música do passado
(Rameau, Gluck, etc.). Mais tarde, em 1894, ocorre a fundação da Schola Cantorum, em Paris,
com a realização de importantes estudos musicais (nomeadamente ao nível da ópera).
2.1 César Frank
César Franck (1822-1890) insere-se numa tradição mais cosmopolita. Destinado pelos pais
à carreira de virtuoso teve uma infância difícil, marcada pela prepotência e pela exploração.
Ainda muito novo, o seu pai matricula-o na Escola Real de Música de Liége e aos 11 anos é já
obrigado a fazer digressões como dotado pianista. Aos 13 anos apercebendo-se das limitações
inerentes a uma educação mal organizada e inconsequente, muda-se para Paris, na intenção de
ter aulas com o célebre pedagogo que já havia ensinado Berlioz, Liszt e Gounod: o professor
Anton-Joseph Reicha. Infelizmente, este morre em 1836, deixando o pequeno César numa
situação difícil. Quando concorre ao Conservatório de Paris, a instituição recusa-lhe
liminarmente a matrícula por ser belga. O pai emprega todos os esforços e, depois de apelar a
um funcionário do ministério dos negócios estrangeiros que muito admirava o talento do jovem
César, consegue a naturalização francesa para os dois filhos. Franck é, então, admitido no
Conservatório, inscrevendo-se nas aulas de Zimmermann, de Leborne e, depois, de François
Benoist.
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Aos 20 anos, desiste de concorrer ao Grande Prémio de Roma, para atender a uma
intimação do pai, que o chamava com urgência a Liége: este estava farto dos demorados estudos
do filho e queria que ele retomasse a carreira de virtuoso que lhe destinara. Depois de algumas
altercações familiares, o jovem retorna a Paris, desiste do Conservatório e, para se sustentar,
começa a dar aulas de piano. Trabalhador infatigável, pouco se preocupando com o sucesso,
consegue dedicar duas horas por dia à composição (das cinco às sete da manhã), escrevendo
durante este período as suas mais conseguidas obras sacras, todas elas para a gaveta. Entretanto,
em 1858, é nomeado organista da Basílica de Santa Clotilde e no ano seguinte inaugura, em 19
de Dezembro de 1859, o novo órgão construído pela firma Cavaillé-Coll, de quem é
“representante artístico”, nele estreando todas as suas peças sacras.
Em 1871, de maneira inesperada para todos e ainda mais para o próprio, é nomeado
professor de órgão no Conservatório de Paris, substituindo Benoist, que havia sido seu
professor. O período que medeia de 1874 até à sua morte caracteriza-se por uma atividade
criativa intensa: escreve oratórias, peças para piano, quartetos de cordas, uma sonata para
violoncelo, poemas e variações sinfónicas e obras para o órgão. Morre em 1890, em
consequência de uma infeção pulmonar, agravada pelas sequelas mal resolvidas de um acidente
de viação. Foi sepultado, sem honrarias, no cemitério de Montrouge, sendo posteriormente
trasladado para o de Montparnasse. A Administration des Beux-Arts Françaises não se fez
representar e Léo Delibes foi o único professor do Conservatório que se dignou acompanhar o
colega à última morada.
César Franck foi, talvez, o artista mais ignorado do seu tempo: as suas obras passaram
despercebidas e as suas qualidades de carácter (honestidade, amor ao trabalho, bondade) nunca
lhe granjearam amigos e por certo nunca lhe trouxeram a admiração dos poderosos nem a
curiosidade do público. Franck nunca conheceu a adulação nem o sucesso; viu apenas uma das
suas obras, o Quarteto de cordas, reconhecido, moderadamente, pelos seus pares e isto quando
contava 68 anos e estava perto da morte. Compôs nos géneros instrumentais tradicionais
(sinfonia, poema sinfónico, sonata, variações, música de câmara), numa lógica quase que antiromântica, afastada dos excessos expressivos, valorizando a religião e acreditando na missão
social do artista. O seu principal discípulo foi Vicent d´Indy (1851-1931).
2.2 Saint-Saëns e Gabriel Fauré
Saint-Saëns (1835-1921) e Gabriel Fauré (1845-1924) inserem-se numa tradição
tipicamente francesa, caracterizada pela contenção, ordem, numa música essencialmente lírica e
não épica ou dramática, simples e não grandiloquente.
Chegando a ser descrito como o Mozart francês, Saint-Saëns foi uma talentosa e precoce
criança, cujos interesses não se limitavam apenas à música, mas a todas as artes e a todas as
ciências em geral. Foi um espírito renascentista, desenvolvendo competências em quase todos
os domínios, pois para todos era excecionalmente dotado. Fez a sua formação no Conservatório
de Paris, onde foi discípulo de Benoist e de Halévy. Os seus espantosos dotes depressa
conquistaram Gounod, Rossini, Berlioz e, especialmente, Liszt, que lhe admirava a
extraordinária e inata proficiência ao órgão. A partir de 1835, é organista das mais importantes
catedrais parisienses, nomeadamente de Saint-Merry e da basílica da Madalena. A partir
de1861, é professor na Escola Niedermeyer onde tem como alunos Messager, Gigout e Gabriel
Fauré, apenas dez anos mais novo que ele; a amizade que os dois compositores então
estabelecem, manteve-se por toda a vida. Em 1882, é eleito para o Instituto em detrimento de
Erik Satie que concorreu na mesma ocasião. Foi um dos fundadores da Société Nationale de
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Musique, organização cujo objetivo principal consistia na defesa da música francesa, sobretudo
contra o Pan-Germanismo e o estilo wagneriano. A partir de 1880, organiza várias digressões
onde se apresenta como pianista excecionalmente dotado, todas elas obtendo um êxito
estrondoso. Sempre ativo, continua até à morte a dedicar-se não só à música, mas a tudo aquilo
que lhe despertasse a curiosidade e o interesse.
Enquanto compositor, Saint-Saëns pode ser considerado um tanto anacrónico. Tendo
nascido na década de quarenta do século XIX, no que concerne à escrita composicional,
manteve os valores do romântico até à sua morte, em 1921, altura em que outras técnicas e
outros estilos tinham feito já o seu aparecimento. Arroladas entre as suas obras, estão doze
óperas, nomeadamente Henry VIII (1883) e Samson et Dalila (1887), cerca de quarenta obras
sacras, uma oratória, três sinfonias, quatro poemas sinfónicos, entre os quais figura a famosa
Danse Macabre (1874), três concertos e mais de cem peças soltas para órgão e piano.
Gabriel Fauré, menino-prodígio, muito cedo na vida deu sinais de um talento excecional
para a arte dos sons. Os pais, todavia, não lhe aprovavam a vocação, pelo que teve de arranjar
meios alternativos para se poder instruir. Mas era uma criança ladina, à qual não faltavam
recursos: com apenas 9 anos, arranja maneira de se fazer ouvir pelo deputado da sua região e
este, maravilhado com a sua proficiência, faz com que o aceitem gratuitamente na célebre escola
Niedermeyer. Aqui, é aluno Camille Saint-Saens que é, apenas, 10 anos mais velho que ele
próprio. Entre os dois estabelece-se uma sólida amizade baseada no respeito e admiração
mútuos, que se irá manter durante toda a vida.
Quando, em 1865, Fauré acaba o curso, de imediato se emprega como organista em várias
igrejas de Paris, incluindo finalmente a da Madalena, em 1886. Apesar dos seus pares não lhe
reconhecerem os méritos enquanto compositor, continua, febrilmente, a escrever: em 1897,
musica a comédia de Molière, Le Bourgeois Gentilhomme. Uma das peças desta partitura será,
no ano seguinte, reutilizada para o Pelléas et Mélisande, de
Maeterlinck, ganhando muita popularidade através de uma série de arranjos, incluindo a versão
orquestral do autor e os arranjos para violino, violoncelo e piano. A sua nostálgica Pavana,
também da mesma época, começou por ser uma peça orquestral com uma parte vocal opcional,
aposta como um padrão sugestivo. Porém, nas interpretações modernas, é geralmente omitida.
Com o relativo sucesso destas duas peças, consegue que o nomeiem professor de composição no
Conservatório, dando início a uma muito bem-sucedida carreira como pedagogo: entre os seus
alunos, incluíram-se Maurice Ravel, George Enescu, Charles Koechlin, Roger-Ducasse e
Alfredo Casella, entre outros. Em 1905 torna-se diretor do Conservatório, substituindo
Théodore Dubois, obrigado a demitir-se em consequência de um escândalo relacionado com
Ravel. Aproveita o ensejo para introduzir uma série de reformas curriculares, muito necessárias,
ao mesmo tempo que afasta alguns “velhos do Restelo” incómodos e ultrapassados. Aposenta-se
em 1920, pois havia muito sofria de surdez, podendo então devotar-se de “alma e coração” à
composição. Neste período, conseguiu terminar duas peças de música de câmara notáveis, um
trio e um quarteto de cordas. Viria a falecer em Paris, em 1924, vitimado por uma pneumonia. O
seu funeral realizou-se na igreja da Madalena ao som do seu Requiem e com honras de estado.
Foi sepultado no cemitério de Passy. Fauré é um compositor de canções de primeira
importância, capturando nas suas partituras o espírito do seu tempo, essa ânsia insaciável dos
coloridos romanescos. A sua música, aristocrática e finamente delineada pela pureza das linhas
melódicas com que se envolve, dir-se-ia quase que alheia ao mundanismo de correntes estéticas
ou modas. Mas o verdadeiro talento e perícia de Fauré só podem ser apreciados na sua música
de câmara, que inclui duas sonatas para violino, dois quintetos de piano, um trio para piano,
violino e violoncelo, e várias transcrições das suas próprias peças para outros instrumentos.
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Numa primeira fase da sua carreira, a escrita composicional de Fauré é floreada, romântica, mas
de estilo clássico; na fase final da sua vida, despoja-se de adereços, cingindo-se a uma música
simplificada aos seus mais importantes elementos, mas extremamente assertiva. De facto, em
contracorrente em relação aos compositores de princípios do séc. XX, Fauré nunca abandonou a
escrita tonal, talvez por um sentido inato de classicismo e delicadeza.
2.2 Claude Debussy, Maurice Ravel e o Impressionismo
Impressionismo: termo originalmente aplicado a uma escola de pintura francesa que floresceu
por volta de 1860-1870 até ao final do século. A sua génese está num grupo de jovens artistas
que se reunia no Café Guerbois para discutir sobre as suas atitudes na pintura. Apelidados de
Impressionistas pelo crítico Léon Leroy, aquando da primeira exposição deste grupo no atelier
do fotógrafo Nadar, em 1874. O principal representante na pintura foi Claude Monet (18401926), nomeadamente com o quadro Impression, soleil levant, mas também com Pierre-Auguste
Renoir, Paul Cézanne, Camille Pissrro, Edagar Degas, Édouard Manet. Os pintores contrapõem
à arte do estúdio a pintura ao ar livre, com o seu jogo de luz e sombras, os seus valores
cromáticos em vez do desenho linear, com a impressão de um ambiente, de uma atmosfera.
Trata-se de uma pintura expressiva, cujas cenas de referência passam a ser as paisagens, os
passeios a pé e de barco (a água foi um dos principais elementos de inspiração), a praia, os
jardins, os lazeres citadinos e as cenas da vida quotidiana (retratos da cidade de Paris – dos
cafés, dos músicos, de aulas de dança, dos caminhos-de-ferro), etc.
A pintura impressionista procurou a captação do instante luminoso, fugaz e fugidio, em
constante mutação. Tecnicamente caracteriza-se pela justaposição, na tela, de pinceladas
pequenas, nervosas, em forma de vírgula ou interrompidas, executadas com grande rapidez e ao
ar livre. Ocorre assim a dissolução da forma, da superfície e dos volumes, desaparecendo, quase
que por completo, a corporeidade dos objetos. Ficou também marcada pela utilização de cores
puras, pelo seu aspeto “em bruto”, rude e inacabado, pouco trabalhado. Talvez por este motivo
os pintores impressionistas não tenham sido reconhecidos pelo público, vendo-se obrigados a
expor as suas obras nos chamados “Salões dos Recusados”, por eles instituídos e apelidados.
A corrente impressionista expandiu-se para as outras artes, nomeadamente para a literatura e
para a música. Segundo Debussy: “Os músicos foram escolhidos para captar toda a magia de
uma noite ou de um dia, da terra ou do céu. Só eles conseguem fazer despertar a sua atmosfera
ou o seu permanente pulsar”. Em termos musicais:
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Antecedentes: obras de Chopin (por exemplo, o final do noturno em Réb maior) e de
Liszt (por exemplo, as últimas obras para piano de Liszt ou As Fontes da Villa d´Este,
peça incluída na terceira série de Années de pélerinage). Transformam-se impressões
exteriores em impressões interiores, apelando-se ao irracional, ao atmosférico e ao
fantástico.
Apreço pelos valores sensoriais e tímbricos.
Procura-se evocar estados de espírito, impressões sensoriais, atmosferas, sentimentos
vagos.
Expressão moderada dos sentimentos, afastada das efusões enérgicas e profundas dos
românticos.
O Impressionismo na música está associado à escola francesa, nomeadamente a Claude
Debussy e a Maurice Ravel.
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Claude Debussy (1862-1918) nasceu no seio de uma família de pequenos comerciantes que
nada tinham a ver com a música. Mas os dotes do pequeno Achille-Claude eram tão excecionais
que os pais resolvem proporcionar-lhe lições de piano e, mais tarde, deixam-no ingressar no
Conservatório de Paris. Nos onze anos em que frequenta este estabelecimento de ensino, assiste
às aulas dos maiores compositores do seu tempo, entre outros, Jean-François Marmontel, César
Franck e Jules Massenet. Pobre, vê-se obrigado a trabalhar para custear os estudos: aceita
pequenos empregos e acaba ao serviço da célebre baronesa von Meck, mecenas erudita, como
pianista de acompanhamentos. Durante três anos segue esta senhora nas suas deambulações pela
Europa, dando pequenos recitais e lições de piano. Estas relações sociais elevam o seu nível
cultural e são decisivas na formação do seu gosto estético. Entretanto, em 1884, ganha o Prémio
de Roma com a cantata L'enfant prodigue. Porém, as suas composições primam pelo
inconformismo, não são convencionais e, segundo o libelo dos seus detratores, estão eivadas
dos princípios estéticos do impressionismo. Por esta altura, começam a surgir ataques diretos à
sua pessoa, e Debussy vê-se acusado de ser “um pequeno burguês esquisito, com manias
aristocráticas” que, segundo a rábula de um cronista cruel, “na arte da composição, só sabia
fazer progressos para trás”. Em 1887, farto das constantes críticas, volta para Paris, casa e
instala-se definitivamente na cidade, envolvendo-se com os movimentos intelectuais
vanguardistas que então fremiam na cidade. Depressa se relaciona com os grandes literatos do
seu tempo, Stéphane Mallarmé, Pierre Louys, Henri Régnier, Jules Laforgue, Paul Verlaine,
mas também com coreógrafos, pintores e compositores. Aliás, a sua última grande composição
orquestral, Jeux, resulta de uma encomenda de Sergey Diaghilev, que queria uma partitura que
se adaptasse à coreografia criada por Nijinsky. Entretanto, no seu estilo vão-se sentindo as
influências estéticas de todos os movimentos vanguardistas do seu tempo sem conseguirem, no
entanto, diluir os traços da sua própria personalidade. Em 1888, entra em contacto com a ópera
wagneriana, mas a forte impressão que esta lhe causa, depressa é substituída pela música
oriental, que ouve pela primeira vez na Exposição Universal de 1889. Ainda neste ano, conhece
Erik Satie, que encontra num dos cabarés de Montmartre, Le Chat Noir. De imediato, a mesma
visão do mundo irmana-os numa amizade de mais de trinta anos. Satie, o boémio, recomendalhe a análise dos pintores impressionistas como modelo da “nova música”, apresentando-lhe
Degas, Monet, Cézanne e Toulouse-Lautrec. Depois de publicar os seus Noturnos, em 1900,
começa a ficar conhecido do grande público, fama que se confirmará com o sucesso da Ópera
Cómica Pelléas et Mélisande, apresentada dois anos mais tarde. A partir daí e até ao fim da
vida, dedica-se inteiramente à composição, depurando o seu estilo até atingir uma sonoridade
fluida que evoca uma poesia tragicamente elegíaca.
Trabalhador incansável e misantropo por natureza, Claude Debussy não exerceu qualquer
cargo oficial de prestígio e, no seu tempo, nunca lhe reconheceram o estatuto de grande
compositor. Porém, sem jamais ter alunos diretos, exerceu uma larguíssima influência sobre as
novas gerações de músicos, franceses e mundiais. A sua linguagem musical extremamente
característica, muito francesa na sua inspiração, levou ao limite máximo os recursos harmónicos
e formais românticos.
Em 1917, a doença, que se agrava a passos gigantescos, obriga-o a abandonar a maior parte
dos seus projetos. Morre em 1918, sendo sepultado no cemitério parisiense Pére-Lachaise em
total anonimato; no ano seguinte, os seus restos mortais são transladados para o cemitério de
Passy, onde ainda hoje repousa.
Debussy escreveu apenas duas óperas, Rodrigue et Chiméne (1892) e Pelléas et Mélisande
(1902), uma versão da peça simbolista de temática medieval de Maurice Maeterlinck, cuja
história de um amor idealizado se quadrava perfeitamente ao seu estilo delicado. A nível
orquestral, destaca-se o Prélude à l'epres midí d'un faune, inspirado num poema homónimo de
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Mallarmé, servindo-lhe de “prelúdio”. Obteve imediata popularidade, ao contrário da violenta
rejeição suscitada pelas primeiras obras de Schoenberg, Stravinsky e outros. Um escândalo
surgiu após duas décadas da primeira execução, quando a peça foi utilizada para um ballet, com
coreografia de Nijinsky, cuja interpretação audaciosa chocou o público. Esta obra anuncia já
uma nova era, pois apesar de não ser atonal, liberta-se já das raízes da tonalidade diatónica
(maior-menor), como evidenciam os dois primeiros compassos da melodia da flauta, onde num
intervalo entre dó sustenido e sol todas as notas são incluídas e não apenas aquelas que
permitiriam identificar uma determinada tonalidade maior ou menor. Para além da ambiguidade
harmónica, é de salientar a liberdade formal (um tema ou motivo que aparece ao longo de todo o
Prélude, embora às vezes expandindo-se em ornamentações ou dispersando-se em fragmentos
independentes, contudo não ocorre uma desenvolvimento progressivo de longa duração, mas
mais uma espécie de improvisação), as oscilações de andamento e a utilização de ritmos
irregulares, assim como a delicadeza das nuances orquestrais e utilização sistemática da
instrumentação como elemento essencial da composição.
Na sua obra para orquestra é ainda de destacar os Nocturnes (1897-1899; Nuages, Fêtes,
Sirènes) e La Mer (1903-1905; De l´aube à midisurla mer, Jeux de vagues, Dialogue du vente t
de la mer). A música de piano de Debussy é uma digna sucessora da de Chopin, quer pelos
recursos harmónicos quer pela fluência melódica que evidenciam. Nela se destacam, enquanto
composições mais representativas, a Suíte bergamasque (1890), Estampes (1903), Images
(1905, 1907), Trois poêmes de Mallarmé (1913), Préludes (1º caderno 1909-1910, 2º caderno
1912-1913). Entre as suas obras vocais, contam-se canções (como as duas séries de Fêtes
galantes, 1892, sobre poemas de Paul Verlaine; as Chansons de Bilitis, 1897, sobre poemas de
Pierre Luys; e Trois ballades, 1910, sobre poemas de François Villon), a cantata La demoiselle
élue (1888) e música de cena (1911) coral e orquestral para o mistério Le martyre de SaintSebastian, de Gabriele d´Annunzio. É importante compreender que o impressionismo é apenas
um aspeto do estilo de Debussy, sendo que muitas das suas obras pouco ou nada têm de
impressionistas, como o seu quarteto de cordas (1893), a sua suite Pour le piano (1901), o seu
bailado Jeux (1912), as Épigraphes antiques (1914) para piano a quatro mãos (1915) ou as
Sonates pour divers instruments (1915-1917).
Linguagem musical de Debussy:
 Influências – estilo musical de Richard Wagner, música russa (Grupo dos Cinco,
nomeadamente Mussorgsky), música oriental (Ilhas da Indonésia Java e Bali; na
Exposição Universal de Paris, 1889, Debussy contacta com uma orquestra de
Gamelans).
 Linguagem musical híbrida: elementos tonais e modais – escalas diatónicas e
cromáticas, modos gregorianos, modo pentatónico (cinco sons por intervalos de 2ª
Maior e 3ª Menor), escala de tons inteiros (escala hexatónica), modos renascentistas.
 Harmonia não-funcional: acordes (frequentemente emprega progressões paralelas de
acordes) como unidades sonoras que conferem cor a uma determinada melodia.
 Utilização de acordes perfeitos, acordes de 7ª da Dominante, de 9ª Maior da Dominante,
acordes com notas alteradas, notas pedal.
 Libertação da melodia, da dinâmica, dos acentos, do timbre (o timbre como elemento
temático, muitas vezes um contraponto de timbres) e do ritmo (limita a perceção da
métrica, divisões irregulares do tempo).
 Emprego de formas livres, organizadas em pequenas secções (muitas vezes com
mudanças bruscas através de contrastes melódicos, harmónicos ou de textura).
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 Orquestração livre, equilibrada, com novas combinações de instrumentos e com a
exploração de efeitos (por exemplo, surdinas, divisi nas cordas, trilos, harmónicos,
registo infra-grave e sobre-agudo).
 Precisão de efeitos com um mínimo de meios.
Maurice Ravel (1875-1937) foi um importante compositor francês de transição para o
século XX. O seu pai, o engenheiro Joseph Ravel, era suíço e a mãe basca. Todavia, o pequeno
Maurice não cresceu nem no país de um, nem do outro: foi criado em Paris, onde estuda no
Conservatório de 1889 a 1895, voltando a reinscrever-se em 1897 para estudar com Charles de
Dériot e com Gabriel Fauré. Concorre cinco vezes consecutivas ao Prémio de Roma, sem nunca
o conseguir ganhar. Quando decide apresentar-se pela última vez a este concurso, em 1905, os
examinadores declaram que ultrapassou o limite de idade e recusam-lhe a inscrição. Esta
decisão do júri provoca um motim no qual o porta-bandeira é Romain Rolland. Em resultado
deste levantamento, o diretor do Conservatório, Théodore Dubois, é forçado a demitir-se, sendo
substituído no cargo por Fauré. Isto não impede que Ravel abandone definitivamente o
Conservatório e se lance por conta própria na carreira de compositor, daqui resultando o que é,
sem dúvida, o seu período mais produtivo: de 1906 a 1915, termina os ciclos de canções para
piano Miroirs e Sonatine, o quarteto Introduction et Allegro e apresenta o bailado Daphnis et
Chloé, a sua obra-prima, numa interpretação magistral da companhia de dança de Sergey
Diaghilev, com Nijinsky no papel principal. Faz a primeira guerra mundial como quarteleiro,
em razão de o terem considerado incapaz para o serviço. Quando esta acaba, compra uma
propriedade em Montfort l'Amaury, aí fixando residência a partir de 1920. Leva uma vida
retirada, rodeando-se dos amigos mais queridos e dos seus gatos siameses. Durante este período
faz numerosas viagens, digressões e concertos, nomeadamente aos Estados Unidos da América.
Em 1932, sofre um acidente de viação que lhe afeta o cérebro. Em desespero de causa, decide
fazer uma intervenção cirúrgica que lhe diziam poder resolver todas as suas maleitas. Porém,
esta é mal sucedida e Ravel acaba por morrer cinco dia após a operação.
Maurice Ravel teve o mérito de saber dar novos rumos à música francesa. É frequente
associarem-no a Debussy, embora ele próprio se dissesse mais influenciado por Liszt, SaintSaens e Fauré. Entre as suas obras mais marcadamente impressionistas destacam-se Jeux d´eau
(1901), as cinco peças intituladas Miroirs (1905) e as três intituladas Gaspard de la nuit (1908).
Contudo, Ravel, embora tenha adotado alguns elementos da técnica impressionista, não
abandonou um estilo mais “clássico”, com contornos melódicos e ritmos bem definidos,
estruturas sonoras sólidas e harmonias funcionais, apesar de complexas e requintadas. Esta
orientação pode ser vista em obras como Sonatine para piano (1905) ou na música de câmara,
que inclui um quarteto (1903), um trio com piano (1914), uma sonata para violino e violoncelo
(1922) e uma para violino e piano (1927).
2.3 O movimento anti-impressionista e Erik Satie (1866-1925)
Este movimento surgiu em França, onde se destacou no campo literário Jean Cocteau
(1889-1963, associado ao surrealismo, uma corrente estética que nasceu em França, em 1924, e
que se interessava pelas manifestações do pensamento liberto de toda a preocupação lógica,
artística ou moral) e no campo musical Erik Satie.
Satie teve uma infância difícil, particularmente depois da morte da mãe e da ruína financeira
do pai. Foi confiado por este ao avô e a um tio, pessoas simpáticas mas sem espírito prático. Em
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1879, entra para o Conservatório de Paris, mas não consegue adaptar-se ao regime de trabalho
árduo que aí lhe é exigido: os estudos depressa redundam em fracasso, revelando um carácter
indisciplinado e pouco estudioso. Neste período, escreve as primeiras peças, o tríptico
Sarabandes, as Gymnopédies e as Gnossienes, todas elas modais e com uma harmonia muito
ousada. Para se conseguir sustentar, arranja emprego como pianista nos cafés de Montmartre,
primeiro no Chaf Noir e depois no Auberge du Chou. É neste ambiente boémio que trava
conhecimento com Debussy, tornando-se seu amigo íntimo. É também nesta época que, devido
ao seu carácter hierático, se envolve com os Rosa-Cruz, mais tarde abandonando-os para fundar
a sua própria seita, de quem é, em simultâneo, líder e único congregado. Em 1882, candidata-se
à Academia, mas preferem Saint-Saëns. Seis anos mais tarde, fixa residência em ArceuilCachan, onde leva uma existência completamente despojada de conforto, fechando-se numa
reclusão de eremita. Embora tendo-se exilado de moto proprio da capital francesa, continua a
estar no centro das atenções do mundo académico. Com o virar do século, surgem no panorama
musical francês novos talentos que começam a levar muito a sério a sua música, de tal forma
que o transformam no líder carismático do ideal gaulês. Nesta época, torna-se amigo de Picasso,
de Cocteau, de Diaghilev e depois de Darius Milhaud e dos músicos do Grupo Jeune France.
Esta proximidade com outras correntes estéticas, porventura mais vanguardistas, favorece a
criação das suas peças mais ambiciosas, nomeadamente, os seus três bailados, Parade (1917),
Mercure (1924) e Relâche, do mesmo ano.
Erik Satie foi vítima de uma sistemática incompreensão que quase sempre degenerava em
rejeição. Para a maioria dos seus coetâneos, era apenas um excêntrico que intitulava as suas
obras de forma ridícula e se negava a cumprir os ditames da moda, lançando diatribes iradas do
alto da sua misantropia. No entanto, a verdade é que Satie foi sempre original. Apesar do seu
magnífico talento, nunca se quis levar muito a sério. Morreu na mais absoluta miséria, na qual,
aliás, sempre tinha vivido.
Na sua obra destacam-se três operetas, cinco bailados, ballets russos, La Messe des Pauvres
para voz e órgão e três Gymnopédies (posteriormente orquestradas por Debussy). No seu estilo
de composição é de referir o seu espírito mordaz, anti-sentimental, a economia de texturas
(minimalismo) e a severidade da harmonia e da melodia.
3) O século XX
3.1 Características gerais da música do século XX
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Forte rutura com a tradição: o século da nova música, da música moderna, contemporânea
ou de vanguarda, que procura novas possibilidades de caminhar para além dos princípios
que até então regiam a tonalidade, o ritmo e a forma musical – mas mais do que isto: o
século da pluralidade de estilos (música erudita, música popular, música folclórica, música
comercial e publicitária, etc.), como nunca antes aconteceu.
Diversidade no panorama musical: uma série de movimentos que se sobrepõem no tempo
– cultivam-se práticas diferentes, muitas vezes tendências diferentes num mesmo
compositor ou então numa única composição.
Maior difusão da música – a rádio, a televisão e a fidelidade das gravações permitiram a
ampla difusão do reportório, desde Vivaldi a Prokofiev.
Música “MODERNA”: libertação do sistema de tonalidades maior e menor que motivou e
deu coerência a quase toda a música ocidental desde o século XVII. Rompimento das
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barreiras tonais: sentida nesta época por muitos compositores (Richard Strauss, nas suas
ópera Salomé e Elektra, Sibelius na Sinfonia nº4, Mahler na Sinfonia nº10, ou Alexander
Scriabin na última fase da sua composição) como uma consequência inevitável, mas a
revolução foi desencadeada por Schoenberg, seguido pelos seus alunos Alban Berg (18851935) e Anton Webern (1883-1945). Poucos compositores acabaram por aderir à
atonalidade - embora as partituras de Schoenberg fossem em geral publicadas dois ou três
anos depois de compostas, a maior parte das obras de Berg e Webern permaneceu em forma
manuscrita até aos anos 20. Além disso, as execuções eram raras e no caso de Schoenberg
geralmente mal recebidas. Gravações comerciais praticamente inexistiam até à década de
50. Em 1913, Schoenberg dirigiu em Viena um concerto em cujo programa figuravam duas
obras atonais, as Seis Peças Orquestrais de Webern e as recentes canções de Berg para
soprano e orquestra, sobre poemas de Peter Altenberg. Foi tal o clamor que as canções não
puderam ser concluídas e a polícia teve de ser chamada.
Em poucos anos, os princípios estabelecidos da tonalidade, direcionamento e equilíbrio
formal, continuidade temática, estabilidade rítmica e homogeneidade orquestral tinham sido
questionadas ------ a música nunca mais seria a mesma.
3.2 Igor Stravinsky
Stravinsky nasceu próximo de São Petersburgo no ano de 1882, e no decurso da sua longa
vida contribuiu tanto para a criação como para a exploração de muitos dos mais importantes
movimentos musicais do século XX. Nenhum outro compositor atravessou a gama completa dos
estilos modernistas, ou pelo menos com tanto sucesso: desde o nacionalismo eslávico dos seus
bailados russos ao neoclassicismo de meados do século, passando pela sua surpreendente
adoção do serialismo num período tardio. Exilado da Rússia durante grande parte da sua vida,
tornando-se primeiramente cidadão francês e posteriormente americano, as suas circunstâncias
materiais refletiam a natureza cosmopolita de muita da sua música, e porventura a sua
capacidade camaleónica de mudar e adaptar-se a novas ideias e formas de composição.
Período Russo (até 1920)
O pai de Stravinsky era baixo no Teatro Mariinsky e amigo de muitas das principais
personalidades musicais russas da época; devido ao seu trabalho, também possuía uma ampla
coleção de partituras às quais o jovem Igor tinha acesso. Havia tido aulas de piano até à sua
entrada na Universidade para estudar Direito, altura em que embarcou numa carreira musical e,
numa visita à Alemanha em 1902, abordou Rimsky-Korsakov que também se encontrava de
férias no país e que colocou o inexperiente compositor sob a sua proteção. São Petersburgo era
palco de uma cultura musical enérgica e Stravinsky teve imensas oportunidades de escutar as
mais recentes composições da Europa Ocidental. Assim como as novas peças de compositores
russos cimeiros, para além de, com a ajuda de Rimsky-Korsakov, ouvir ensaios das obras do seu
pupilo. Estas exibem, em trabalhos como Feyerverk (Fireworks,1908), algumas das
preocupações das suas peças posteriores, incluindo o uso da escala octatónica e da orquestração
experimental. Em 1909, Stravinsky tinha despertado a atenção do diretor de bailados Sergei
Diaghilev (1872-1929) e foi incumbido de compor um bailado para o conto popular russo
Zhar´ptitsa (O Verdelhão). Esta circunstância viria a ter um grande impacto não só sobre a vida
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de Stravinsky, como também na história da música do século XX. A primeira interpretação da
obra, O Pássaro de Fogo, realizada em Paris em 1910, com a sua orquestração brilhante e as
suas harmonias cromáticas derivadas de obras Rimsky-Korsakov e Skryabin, foi um enorme
sucesso e abriu a porta para a vida artística cosmopolita da cidade onde Stravinsky travou
conhecimento com os compositores Debussy, Satie e Ravel. Também ocasionou mais
encomendas, e no ano de 1911, também em Paris, surgiu Petrushka (Petrouchka) novamente
um enorme sucesso com o mesmo tratamento seguro da orquestra, subtileza rítmica e
cromatismo (incluindo a bitonalidade do trítono em Dó e Fá sustenido no tema de Petrushka em
dois clarinetes).
Stravinsky tinha estado a trabalhar com o pintor russo Nikolai Roerich em torno de uma
ideia para um bailado passado na Rússia pagã, Vesna svyashchennaya (A Sagração da
Primavera, 1913), que retrata a imolação de uma jovem mulher em benefício da Terra. Foi
estreada no Théâtre des Champs-Elysées a 28 de Maio, onde despoletou um motim. Isto deveuse tanto à coreografia do bailarino de Diaghilev, Vaclav Nizhinsky (1889-1950), e ao público
conservador quanto à música. A obra divide-se em duas partes: A Adoração da Terra (8 partes –
Introdução; Áugures Primaveris e Dança dos Adolescentes; Jogo do Rapto; Danças Primaveris;
Jogo das cidades rivais; Cortejo do Sábio; Dança da Terra) e O Sacrifício (6 partes – Despertar
da Terra; Círculo misterioso dos adolescentes; Glorificação da eleita; Os adolescentes evocam
os antepassados; Ação ritual dos antepassados; dança sagrada da eleita). A Sagração da
Primavera cedo viria a ser proclamada um grande sucesso, e nesse mesmo ano seguiram-se
novas interpretações. No entanto, com a deflagração da guerra em 1914, Stravinsky começou a
procurar novas ideias. Exilado na Suíça (só regressaria à Rússia aquando de uma visita à URSS
em 1962), deparou-se com futuristas italianos e começou a trabalhar em duas peças: uma delas,
Renard (1915-16), surge na senda russa dos seus bailados anteriores; a segunda, Les Noces (As
Núpcias), após uma recomposição substancial para quatro pianos, só seria interpretada em
1923. A obra que demonstra a direção que estava prestes a seguir é Histoire du soldat (1918),
que, através das suas forças pequenas (uma necessidade numa Europa despedaçada pela guerra)
e paródias musicais a danças incluíam o tango e o ragtime, exibe uma nova leveza no toque e no
engenho, para além de uma vontade de reinventar formas existentes – tendência reforçada pelas
suas reformulações de peças de Pergolesi com o intuito de criar o bailado Pulcinella (1919-20).
Um aproveitamento ligeiramente diferente desta recém-encontrada redução de forças e clareza
de composição é encontrado nas austeras Symphonies d'instruments à vent (Sinfonia para
Instrumentos de Sopro, 1920). O universo sonoro monumental da sua composição para
instrumentos de sopro de madeira e metais relembra os bailados russos, todavia colocado aqui
de uma forma bem mais controlada.
Período Neoclássico
Quando, em 1920, Stravinsky regressou da Suíça para França, estava preparado para
assumir uma posição mais ideológica em relação a estas novas ideias, etiquetada de
Neoclassicismo. Stravinsky havia decidido que a música deveria empenhar-se na procura de
uma elegância e de uma objetividade da forma e da linguagem, rejeitando explicitamente o ideal
romântico individualista centrado no compositor. A primeira obra em que esta posição se
projetou foi a ópera Mavra (1921-1922), mas foi discernida com muito mais sucesso no Octet
(1922-1923) para instrumentos de sopros. Ao longo dos 30 anos seguintes seguir-se-ia uma
série de obras em que Stravinsky viria a modificar e refinar as suas ideias relativamente ao
Neoclassicismo, mas todas elas retiveram o ideal desapaixonado, pelo menos em termos de
linguagem musical e forma. Notáveis entre estas obras são a ópera Edipus Eex (1926-7), na qual
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colaborou com o escritor Jean Cocteau (1889-1963) e onde o seu sentido de austeridade
antiquada foi reforçado por via do comentário do coro totalmente masculino, e o bailado
Apollon Musagéte (1927-1928), em que colaborou com o coreógrafo George Balanchine (190483), frequentemente considerado o maior trabalho neoclássico de Stravinsky e visto como um
importante contrabalanço em relação às obras de Schoenberg e da Segunda Escola de Viena.
Após terminar uma das suas última obras “europeias” Dumbarton Oaks (1938), embora
para um patrono americano, Stravinsky, no ano de 1939, quando estalou a Segunda Guerra
Mundial, deixou França para se instalar nos EUA. Stravinsky tinha viajado muito pelo país em
digressões de concertos, mas de início achou a Califórnia um território pouco familiar, e as suas
obras iniciais, tais como a Sinfonia em Três Movimentos (1942-5), atentam em estilos musicais
anteriores. No entanto, por altura do final da Segunda Guerra, o compositor tinha começado a
familiarizar-se com o contexto e havia absorvido alguma da cor da música local, escrevendo
Ebony Concerto (1945) para o músico de jazz Woody Herman (1913-87), seguido de duas obras
imaculadas do Neoclassicismo tardio, o bailado Orpheus (1947) e a ópera The Rake's Progress
(1947-51).
Período Dodecafónico (1952-1971)
Seria após o sucesso da ópera The Rake's Progress (1948-1951) que viria a criar mais uma
grande surpresa no mundo musical; depois de ter censurado publicamente as obras de
Schoenberg, Stravinsky produziu dois trabalhos que utilizavam a técnica serial daquele
compositor, embora de uma forma modificada. Poderá ter sido um declínio do interesse em
relação ao seu trabalho por parte dos compositores jovens a despoletar esta mudança, mas
tratou-se de um investimento no qual viria a marcar a técnica com o seu próprio estilo pessoal.
No Septet (1953), Stravinsky usa sequência de notas de 16 e não de 12 tons que implica uma
tonalidade, e em In memorian Dylan Thomas (1954), uma célula de cinco notas, mas desta vez
bem mais cromática. O compositor adotou sequências de 12 notas nos seus trabalhos seguintes,
incluindo o bailado Agon (1953-7) e as suas peças religiosas tardias, tais como The Flood
(1961-2) e Abraham and Isaac (1962-3), embora nunca se submetendo à rigidez ou à ortodoxia
no seu tratamento até ao fim da sua vida, em 1971.
Linguagem musical de Stravinsky:
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Influência do imaginário da cultura popular (exotismo russo e oriental) – carácter russo
nos ritmos e temas populares.
Frequente utilização de Ostinatos rítmicos (repetição de um motivo rítmico ou rítmicomelódico por um período de tempo considerável), frequentemente em múltiplas camadas
e agindo uns contra os outros, formam o principal elemento organizador.
Polirritmia: sobreposição de elementos rítmicos contrastantes numa textura polifónica ou
contrapontística; quebra da conceção convencional da linha de compasso (uma página
famosa do Sacrifício desenvolve-se em 2/4, 5/16, 2/16, 3/16, 2/8, 2/16, 2/8), ocasionando
dificuldades consideráveis para os intérpretes; deslocação dos acentos da métrica.
Harmonia – Politonalismo (bitonalidade ou politonalidade; uso simultâneo de duas
tonalidades diferentes), cromatismo, modalismo.
Gosto pelo contraponto.
Instrumentação rica em sopros.
O ritmo como elemento essencial, ao qual a melodia e a harmonia estão subordinadas.
Escrita musical por vezes extremamente complexa, racional e rigorosa.
14

Emprego do Jazz e do Ragtime, etc.
3.3 Neoclassicismo e Nacionalismo
Durante a Primeira Guerra Mundial, uma nova geração de compositores começou a
emergir em França, menos constrangidos e reverentes em relação ao passado e determinados a
dedicar-se plenamente ao recém-emergente mundo moderno, incluindo os seus estilos musicais
populares, particularmente o Jazz, e a mecanização da vida quotidiana. Procuravam absorver as
novas descobertas sem perderem o contacto com a tradição. Mantiveram-se fiéis a alguns
elementos familiares do passado, ao mesmo tempo que adotavam elementos novos e
desconhecidos. Surge assim o Neoclassicismo, na década de 20 do século XX, como reação ao
Pós-Romantismo. Os compositores recuperam elementos musicais do Classicismo e de períodos
anteriores: géneros e formas como suites, serenatas, sonatinas, concertos, sinfonias, ou
processos e técnicas de composição como a clareza e a ordem (formalismo e estruturalismo), a
preocupação com um desenho melódico, a salmodia, a utilização de ritmos bem marcados, etc.
Estes compositores encontravam-se particularmente associados ao grupo conhecido por
Les Six (Os Seis), identificados assim pelo crítico Henri Collet. Os seus membros eram:
Georges Auric (1899-1983), Louis Durey (1888-1979), Arthur Honegger (1892-1955), Darius
Milhaud (1892-1974), Francis Poulenc (1899-1963) e Germaine Tailleferre (1892-1983). Havia,
no seio do grupo, uma grande diversidade de métodos e ideias e em meados da década de 1920
separaram-se. Todavia, sob a orientação de Jean Cocteau, que reivindicava uma música
“puramente” francesa (distante da insidiosa influência de Wagner) e que abrangesse o mundo
quotidiano, o grupo utilizou os sons de máquinas e do Jazz, mas levou isto a cabo com uma
atitude espirituosa e descomprometida. O natural predecessor de Les Six foi Erik Satie, e
Parade, em particular, feita em colaboração com Cocteau, foi uma fonte de inspiração. Embora
descartassem os compositores estrangeiros, especialmente os alemães mas também excluindo
Stravinsky, a sua adesão continuada a uma forma de tonalidade (embora abrangesse modos e a
bitonalidade assim como as inflexões do Jazz e outras tradições musicais populares) e o uso da
paródia situa o trabalho do grupo muito próximo do Neoclassicismo de Stravinsky, e a sua
música é por vezes descrita segundo este rótulo.
Antes de se terem dispersado, Les Six haviam colaborado na produção de concertos para
promoção da sua música e da de outros compositores contemporâneos, um volume de obras
para piano (Album des Six, 1919) e (sem Durey) uma obra experimental de Cocteau, Les mariés
de la tour Eiffel (1921). Dos seis membros originais, Auric seguiria a carreira da música para
filmes, especialmente para os feitos por Cocteau, e Durey começou a envolver-se em causas
políticas, escrevendo peças para coros e bandas, para além de se ter juntado à resistência durante
a Segunda Guerra Mundial. Germaine Tailleferre continuou a trabalhar num idioma amplamente
neoclássico, especialmente nos seus concertos para piano (1923-4, 1933-4 e 1951), retendo um
estilo leve e espirituoso, embora uma situação doméstica difícil tenha restringido as atividades
da compositora a meio da sua carreira. Talvez os três nomes mais conhecidos do grupo sejam
Poulenc, Honegger e Milhaud. De entre estes, Honneger era porventura o que menos afinidade
nutria com a paródia descomprometida que era uma das marcas identificadoras de Les Six,
antitética das suas obras sérias, contrapontisticamente construídas, que não raro são arenosas e
se deleitam no cromatismo dissonante, preocupações que viriam a dominar uma série de cinco
sinfonias (compostas entre 1929-50). Todavia, escreveu uma das mais populares homenagens à
era dos caminhos-de-ferro, a obra orquestral Pacific 231 (1923); esta evocação do aço, do vapor
15
e da velocidade da locomotiva era uma preocupação comum dos compositores em meados do
século, onde se incluem Coronation Scott, 1948, de Vivian Ellis, e a música de Benjamin
Britten para o documentário Night Mail (1935-1936).
Poulenc e Milhaud, juntamente com Jacques Ibert (1890-1962; compositor comummente
associado a Les Six), permaneceriam profundamente ligados à ideia de paródia e de inclusão
(seja de material, influência ou público) durante a totalidade das suas carreiras. As obras de
Milhaud são extraordinariamente diversas, abrangendo desde sinfonias ao bailado e à música de
câmara, passando pelas canções. No entanto, todas elas são perpassadas por uma apropriação
eclética de estilos que vão desde o Jazz, em La création du monde (1923), à música folclórica
brasileira em La boeuf sur la toit (1919). Poulenc viria a seguir um caminho igualmente
independente. Talvez a sua maior contribuição para o cânone da música francesa sejam as mais
de 90 mélodies (canções) compostas para o barítono Piem Bernac (1899-1979) com quem
desfrutou de uma longa e frutífera colaboração. A sua competência em termos de composição
para voz também pode ser vista no seu substancial conjunto de obras religiosas e nas suas
óperas, incluindo Lesmamelles de Tirésias (1939-44), La voix humaine (1958) e Dialogues des
Carmélites (1953-6), sendo que a última, em particular, permanece no repertório. Jacques Ibert
é provavelmente conhecido sobretudo pelo seu anárquico Divertissement (1929-30) que inclui
um assobio da polícia e cita An der schonen blauen Donau e a marcha de casamento de
Mendelssohn de Sonho de uma Noite de Verão. No entanto, a sua ampla produção também
inclui óperas notáveis, Persée et Androméde (929), e Angélique (926), e os poemas sinfónicos
Escales (1922) e Symphonie marine (1931), para além de uma grande quantidade de música
para filmes.
Uma forma de neoclassicismo mais utilitária e menos autoconscientemente
descomprometida estabeleceu-se na Alemanha, na década de 1920. O seu mais proeminente
representante foi Paul Hindemith (1895-1963), que, depois de procurar um estilo pósromântico em obras que levaram a tonalidade aos limites, repudiou este excesso de expressão na
década de 1920 e se dedicou aos propósitos do movimento Neue Sachl ichkeit (“Nova
Objetividade”). Preocupado com a possibilidade de um imperativo da vanguarda estar a
impedir que os compositores apelassem a um público mais vasto, Hindemith, entre outros,
formulou a ideia de Gebrauchsmusik (“música para uso”) que tinha como propósito maior
comunicar. Nas obras de Ernst Krenek (1900-1991) e Kurt Weill (1900-1950), este aspeto
adquiriu a forma de teatro musical, especialmente em Jonny spielt auf (1927), do primeiro, e
Royal Palace (1925-6) e Die Dreigroschenoper (1928), do segundo. (Weill viria a emigrar para
os Estados Unidos da América, onde se afastou do seu estilo inicial de Weimar e produziu uma
série de obras para teatro musical imensamente populares, e indiscutivelmente mais bem
sucedidas, num idioma popular americano.) Hindemith inicialmente concentrou-se num
repertório puramente experimental, exibindo uma grande capacidade técnica na adaptação de
cada obra às características da sua instrumentação, embora ainda por vezes exigindo intérpretes
virtuosos. Em obras como Kemmermusiken (1922-7) e Concerto for Orchestra (1925), adota um
idioma neobarroco, pegando na ideia do concertato que consiste em colocar um solista ou um
grupo de intérpretes a solo contra um grupo maior, e almejando uma clareza na orquestração e
na textura que é por vezes obscurecida pela escrita contrapontística densa. Também professor e
teórico importante (propondo um sistema hierárquico de alturas e harmonias próximas e
distantes por via das quais se deveriam ordenar as composições), deparou-se com dificuldades
assim que o Partido Nacional Socialista subiu ao poder em 1933, e abandonou a Alemanha
seguindo para a Suíça em 1938. Foi durante a década de 1930 que escreveu uma das suas
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maiores obras, a ópera Mathis der Maler 0933-5), na qual propõe uma abordagem bem mais
emocional e essencial da arte do que aquela que havia sido advoga da pelo Neue Sachlichkeit.
Um estilo próximo do dos neoclassicistas franceses foi inicialmente adotado pelo
compositor inglês William Walton (1902-83). Sob o patrocínio da família Sitwell, foi exposto à
música de Stravinsky, Gershwin e ao Jazz dos primórdios. Estas influências misturaram-se na
música para Façade (1922-9), onde uma mistura engenhosa das técnicas modernistas da
bitonalidade e do ritmo irregular com a paródia e a música popular forma um pano de fundo
inteligente para os poemas de Edith Stilwell. Walton viria a tornar-se num dos músicos ingleses
mais inovadores e flexíveis do século XX, com um estilo que vai desde obras declaradamente
sérias, como a poderosa 1ª Sinfonia (1931-5), à exibição de um deleite quase pagão no ritmo e
na cor orquestral na obra coral Belshazzar's Feast (1930-1). No entanto, Walton permaneceu,
até certo ponto fora da recém-emergida escola inglesa que tinha procurado uma música nacional
a partir da canção folclórica, e através do regresso a compositores ingleses anteriores como
Tallis, Byrd e Purcell. Esta música, nas mãos de grandes executantes, como Ralph Vaughan
Williams (1872-1958) e Gustav Holst (1874-1934), não só é capaz de evocar idílios rurais
mitificados como também, à semelhança do caso de The Planets (1914-16), de Holst, viria a
combinar as inovações harmónicas e rítmicas dos compositores continentais com um idioma
reconhecidamente inglês para criar obras com um apelo genuinamente popular. Seria nas obras
de Vaughn Williams, todavia, que a Inglaterra viria a adquirir a base de um repertório nacional.
Estas vão desde as suas primeiras obras influenciadas tanto pela sua recolha de canções
folclóricas, com Cecil Sharpe (1859-1924), como pelo seu período de estudo com Ravel em
Paris, com particular destaque para as suas 2ª e 5ª Sinfonias (1911-13 e 1938-43), às mais
severas e harmonicamente ousadas denúncias dos horrores da guerra nas suas 3ª, 4ª e 6ª
sinfonias (1921,1931-4 e 1944-7, respetivamente), nas quais utiliza um cromatismo cortante (o
choque semitonal da abertura da 4ª, Dó/Ré bemol, e a Fá menor/Mi menor bitonal da 6ª), a
paródia (no primeiro movimento da 6ª) e um sentido desolado de modalidade flutuante
(especialmente nos últimos movimentos da 3ª e da 6ª).
Frederick Delius (1962-1934) foi um compositor inglês conhecido de Maurice Ravel. A
sua obra, relativamente ignorada no seu país de origem e merecedora de uma nova reapreciação,
exibe um sentido harmónico apurado e uma aptidão perspicaz para a cor orquestral. Embora
tanto Vaughan Williams como Holst tenham escrito óperas, seria uma figura posterior,
Benjamin Britten (1913-76), a produzir um conjunto de obras operáticas que viria a permanecer
no repertório. Depois de estudar com o compositor Frank Bridge 0879-1941) no Royal College
of Music, onde se sentiu mais atraído pelo trabalho de compositores austríacos como Gustav
Mahler e Alban Berg do que Vaughan Williams, trabalhou inicialmente no General Post Office
Film Unit, compondo música para documentários sob a direção do grande realizador John
Grierson (1898-1972). No entanto, foi em 1945 que surgiu o seu primeiro grande sucesso com a
ópera Peter Grimes. Notável pela forma como uma vida aparentemente nova tinha penetrado na
forma ao mesmo tempo que permanecia firmemente num idioma tonal, e especialmente pelos
interlúdios orquestrais evocativos que separam os atos, este retrato de um deslocado trágico e
incompreendido permaneceu no repertório desde a sua primeira interpretação. Seguiu-se uma
série de trabalhos, incluindo Albert Herring (1946-7), Billy Budd (1950-11) e The Turn of the
Screw (1954), que confirmou o seu lugar, a par de Michael Tippett, como um dos maiores
compositores de ópera da Inglaterra. Muitas das suas obras contêm papéis centrais para o seu
companheiro, o tenor Peter Pears (1910-86), e muito se escreveu - embora sem grande incisão
na música - em torno do papel que a homossexualidade de Britten poderá ter desempenhado nas
suas composições.
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Na Hungria, verificou-se uma abordagem musical mais radical para o desenvolvimento de
um estilo nacional. De facto, na primeira metade do século XX, as diferenças nacionais
continuam a sublinhar-se. Contudo, procede-se a um estudo mais científico e sistemático
(etnomusicologia), sobretudo com a utilização do fonógrafo e do gravador.
À semelhança de Vaughan Williams e Sharp, os compositores Zoltán Kodály (1882-1967)
e Béla Bartók (1881-1945) passaram algum tempo a recolher música folclórica, e ambos foram
fortemente influenciados pelas tradições musicais com que se depararam, não apenas na
Húngria mas também em outros sítios da Europa de Leste e nos Balcãs. Bartók publicou perto
de duas mil melodias populares, escreveu livros e artigos sobre música popular, fazendo
também arranjos ou composições baseadas em melodias. Mas sobretudo conseguiu criar um
estilo que combinou elementos populares com um estilo de música mais erudito. Para além
disto, foi pianista e professor de piano em Budapeste (1907-1934). De referir entre as suas obras
a ópera O Castelo do Barba-Azul (1911), o bailado O Mandarim Miraculoso (1918-19), a Suite
de Danças para orquestra (1923), o Mikrokosmos (1936), a Música para Cordas, Percussão e
Celesta (1936), as Sonatas para Dois Pianos e Percussão, o Concerto para Orquestra (1943).
Foi um compositor bastante original, que cultivou o cromatismo, o diatonismo, o pentatonismo,
a politonalidade, a modalidade, etc. De destacar ainda as suas sonoridades, a orquestração que
utiliza, o estilo percussivo do piano na Música para Cordas, Percussão e Celesta ou o
virtuosismo no tratamento da percussão em Sonatas para Dois Pianos e Percussão.
A revolução Bolchevique de 1917 significava que uma das estrelas mais brilhantes da
Rússia, Stravinsky (que vinha de uma família seminobre), viria a permanecer fora do país, mas
isto não significou que a música fosse negligenciada pelo novo governo soviético. Na verdade,
São Petersburgo e Moscovo, em particular, tornaram-se epicentros de inovação artística e só
quando Estaline chegou ao poder, em 1927, é que estas atividades começaram a ser restringidas.
Foi durante o regime de Estaline que os dois maiores compositores da era da União Soviética,
Dmitri Shostakovich (1906-75) e Sergei Prokofiev (1891-1953) fizeram nome. Shostakovich
é hoje lembrado sobretudo pelo seu ciclo de 15 sinfonias, embora os seus quartetos para cordas
sejam amplamente interpretados e as suas óperas, tais como Nos (O Nariz, 1927-8) e Ledi
Makbet Mtsenskogo uyezda (Ladu Macbeth do Distrito de Mtsensk, 1930-2), comecem a
receber um maior reconhecimento. Durante a Guerra Fria, Shostakovich era visto por muitos
musicólogos no Ocidente como um símbolo da subversão artística contra o regime soviético, e
muito esforço foi investido no sentido de ler uma insatisfação subjacente na sua música, em
particular no sentido de identificar melodias aparentemente sardónicas ou uma pompa que se
julgasse irónica. É mais provável que a verdade de tudo isto seja uma complexa mistura de
emoção e intento, com certas obras a exibir ora um sentido de divertimento e de pura técnica
musical (como no 10º Concerto para Piano, 1933, com a parte de trombeta solo, ou a sua
orquestração de Tea for Two, 1927, de Vincent Youmans) ou, por causa da sua situação
histórica, uma tentativa genuína de falar ao povo soviético com uma voz patriótica (a 7ª
Sinfonia, 1941, Sinfonia de Leninegrado,que aborda programaticamente a heroica defesa de
Leninegrado contra os exércitos de Hitler, durante a II Guerra Mundial).
Prokofiev, por outro lado, permaneceu no estrangeiro desde a altura da revolução até 1936,
ano em que regressou para a então URSS, embora nunca tivesse quebrado os laços com a sua
terra natal, como fizera Stravinsky. Tendo passado muito do seu tempo em França, a música que
produziu tem muito em comum com a de Les Six. Prolífico em muitos géneros, incluindo óperas
(O Amor das Três Laranjas, 1919), concertos, sinfonias (Sinfonia Clássica) e música para
filmes, muita da sua música preservou o seu lugar na sala de espetáculos e a sua música para o
bailado Romeu e Julieta (1935-6) tornou-se, nas suas muitas interpretações em palco e na sala
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de espetáculos, numa das partituras para bailado mais frequentemente interpretadas em todo o
século XX. De destacar ainda o terceiro concerto para piano (1921), a suite sinfónica Tenente
Kijé (1934) e o conto de fadas sinfónico Pedro e o Lobo (1936), para narrador e orquestra.
O compositor francês Olivier Messiaen (1908-92) não só foi uma das vozes musicais mais
individuais do século XX, forjando uma linguagem distinta a partir de influências tão díspares
quanto Musorgsky, Debussy e Stravinsky, música indiana e indonésia, e ornitofonia, como
também foi um dos maiores organistas do século e um dos mais influentes professores do seu
tempo, contando-se entre os seus alunos Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen. Imensamente
inspiradas por uma fé católica mística, muitas das suas obras aspiram ao sublime, aspeto que é
tornado claro nos seus títulos meditativos. Incluindo frequentemente ornitofonias que
transcrevia no campo na sua música (Messiaen era um notável ornitologista), estendeu a sua
missão religiosa aos pássaros, ligando-os a anjos.
Enquanto frequentou o Conservatório de Paris a partir de 1919 progrediu rapidamente a
ganhou vários premier prix pelas suas qualidades, incluindo ao piano, na composição, ao órgão
e na improvisação. Paris encontrava-se na altura dominada pela música de Debussy, Stravinsky
e Les Six, e Messiaen viria a retirar elementos de cada um destes, desenvolvendo um estilo
modal altamente pessoal por altura da publicação da sua primeira obra, Le banquet celeste
(1928) para órgão. Em 1931 assumiu o posto de organista na Église de la Trinité e aí viria a
permanecer o resto da sua vida. Continuou a compor, sobretudo obras para órgão com uma
mensagem explicitamente cristã. No entanto, também tinha obras para orquestra, incluindo
Poèmes pour Mi (1937), e também escreveu Fête des belles eaux (1937). uma peça para ondas
Martenot, um dos primeiros instrumentos eletrónicos com um teclado e uma «fita» com a qual
era possível executar glissandos. As ondas de Martenot reapareceriam em muitas das suas obras,
e desempenha um papel central na sua monumental Turangalila-symphonie (1946-8).
Messiaen foi capturado e preso durante a II Guerra Mundial, e enquanto esteve num campo
de prisioneiros compôs uma das suas únicas obras de câmara e uma das mais claras exposições
da sua linguagem musical até à data (explicitamente sistematizada no seu livro Technique de
mon language musical. 1944). Quatuor pour la fin du temps (1940-1) para clarinete, violino,
violoncelo e piano (os músicos disponíveis no campo) patenteia o seu uso individual da
harmonia, construções triádicas que evitam a funcionalidade através da sua relação com o que
Messiaen chamou os seus “modos de transposição limitada”, assim designados porque só
podem ser transpostos um número reduzido de vezes antes de reproduzirem o mesmo grupo de
notas, incluindo a escala de tons inteiros e a escala pentatónica que apreendeu dos seus estudos
de Debussy e Stravinsky. Igualmente importante é o tratamento do ritmo, uma vez mais
influenciado pelo Stravinsky de A Sagração da Primavera, usando a sobreposição de estruturas
rítmicas aditivas e palíndromas como dispositivos formais.
Foi libertado para lecionar no Conservatório de Paris, ministrando composição e análise, e
depois da guerra começou a trabalhar numa das suas maiores peças, Turagama, um enorme
ensaio orquestral sobre o Universo e o amor sensual. Este trabalho em particular seria influente
nos seus alunos, incluindo em Boulez e Stockhausen, enquanto construíam as suas ideias de
serialismo integral, como as secções aplicam métodos seriais a estruturas rítmicas. No trabalho
posterior, Mode de valeurs et d'intensités (1949), expande a noção serial não só a valores
rítmicos como também à dinâmica. Não seguiu mais este caminho, concentrando-se, a partir
deste ponto, no lugar da ornitofonia nas suas composições, e embarcou no projeto da obra para
piano Catalogue d'oiseaux (1956-8). As próprias canções eram colocadas sobre a linguagem
musical que já havia desenvolvido, e eram por vezes nela incorporadas. O piano e um amplo
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conjunto de percussões afinadas constituíam os meios favorecidos pelo compositor para retratar
a ornitofonia, vista em Oiseaux exotiques (1955-6) e Couleurs de la Cité Céleste (1963). Seria
talvez inevitável que a obra maior viesse a combinar a ornitofonia com a sua fé católica; ambas
sobressaíram na sua ópera Saint François d'Assise (1975-1983), especialmente na cena do
Sermão dos Pássaros, em que as ornitofonias flutuam acima do resto da partitura com pouca
referência à música que está por baixo.
3.4 Expressionismo
O Expressionismo designa um movimento cultural que se manifestou nos mais diversos
campos artísticos (artes visuais, teatro, literatura, cinema). Este movimento parte das artes
plásticas com movimentos como Die Brucke (A Ponte), nascido em 1905 na cidade de Dresden,
e Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), nascido por volta de 1911 em Munique. Contemporânea
do movimento fauve, esta corrente de vanguarda tinha como intenção combater a arte do
passado, condicionada pela tradução da realidade objetiva, renovando os seus fundamentos,
rebelando-se contra a arte académica e contra o Impressionismo. Os Expressionistas impuseram
uma nova forma de pensamento artístico, uma arte que manifesta emoção extrema, intensa e
imediata. Reflete o homem moderno, isolado, impotente perante as forças que não compreende,
preso em conflitos interiores, vivendo em permanente tensão e ansiedade.
O termo rapidamente se estendeu à música de Schoenberg e dos seus discípulos (as
personagens de Pierrot Lunaire de Schoenberg e de Lulu de Berg, por exemplo), no sentido de
uma música pessoal, que rejeita aspetos extrapessoais e se apoia na expressão da alma do ser
humano. Deste modo, rejeitam-se as formas e técnicas tradicionais e evita-se todo o tipo de
equilíbrio clássico.
3.5 Segunda Escola de Viena
O rótulo atribuído à música de Arnold Schoenberg (1874-1951) e dos seus dois alunos
Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945) foi o de uma música da “Segunda
Escola de Viena”, por oposição a uma suposta Primeira Escola de Viena (clássica) que
compreendia Haydn, Mozart e Beethoven. A “emancipação da dissonância” a que Schoenberg
chegou, em 1908, deu origem àquilo que ficou conhecido por obras expressionistas, nome
recebido do movimento da Europa Central no campo das artes plásticas que procurava expor as
camadas emocionais e psicológicas escondidas por baixo da imagem de superfície. Aqui, a
comparação com uma técnica característica da pintura é mais válida do que no caso de Debussy
e do Impressionismo, na medida em que Schoenberg procura retratar um estado psicológico
através de uma coleção de sons aparentemente não racionais e desordenados. O interesse pelo
subconsciente e pela psicologia foi, evidentemente, um tema dominante nas artes e nas ciências
da Viena do fin de siécle. A obra em que Schoenberg alcançou pela primeira vez este intenso
retrato do estado psicológico interior foi Erwartung (Expetativa, 1909), descrito como um
monodrama para soprano e orquestra. Nele, uma mulher caminha só numa floresta e depara-se
com o cadáver do seu amante, e a música segue as sinuosidades aterradoras da sua mente, o que
por vezes ocasiona uma audição desconfortável. Ewartung foi seguida de outra obra para palco,
Die glückliche Hand (1909-13), e, seguidamente, Pierrot Lunaire (1912), que ao contrário das
suas outras obras atonais seria executada um bom número de vezes, encontrando um relativo
sucesso junto do público e atraindo a atenção de Debussy, Stravinsky e Ravel. Foi composta
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com base num conjunto selecionado de 21 poemas da tradução alemão, realizada por Erich
Hartleben do ciclo de poemas homónimo escrito por Albert Giraud (1860-1929). A obra estreou
no Berlin Choralion-saal em 16 de outubro de 1912. Música para voz recitante (sprechgesang) e
quinteto.
Sprechgesang – “canto falado”: tipo de emissão vocal entre a fala e o canto. Foi mais
inteiramente explorada por Schoenberg em Gurrelieder, Die gluckliche Hand, Pierrot Lunaire,
Die Jakobsleiter, Moses und Aron, Ode to Napolean e A Survivor from Warsaw. Contudo, a
interpretação do Sprechgesang está longe de ser padronizada. Schoenberg é mais explícito no
prefácio de Pierrot Lunaire, onde pede que a voz deve “dar o tom exato, mas depois deixá-lo
imediatamente numa queda ou ascensão”. Schoenberg utilizou também a designação
Sprechtimme (voz falada), Sprechmelodie (melodia falada) ou Rezitation.
Embora Schoenberg tenha começado a esboçar uma enorme partitura orquestral e coral que
se viria a tornar na abandonada Die Jakobsleiter começava a tornar-se evidente que seria
necessária uma nova linguagem musical para conferir à sua emancipação da dissonância uma
coerência, uma linguagem que se encaixasse nas formas clássicas às quais se sentia impelido a
regressar. A técnica que criou para o alcançar foi o Serialismo, por vezes referida como música
dos doze tons ou dodecafónica. Aqui, é conferido um peso igual a todas as 12 notas da escala
cromática, o que impede que teoricamente qualquer uma delas adquira o estatuto de centro
tonal, embora isto fosse por vezes manipulado pelos compositores, especialmente Alban Berg,
para dar impressões claras de tonalidade. A técnica básica consiste nas 12 notas dispostas numa
“sequência de tons” fixa (a série). Na composição devem aparecer em ordem, umas atrás das
outras ou soando simultaneamente. A série permanece obrigatória em toda a obra (uma espécie
de tema oculto). Esta sequência básica pode depois ser manipulada: transposta (cada uma das 12
notas é movimentada para cima ou para baixo pelo mesmo intervalo), tocada de trás para a
frente (em movimento “retrógrado”), invertida (onde aos intervalos é dado o seu reflexo, isto é,
se um intervalo sobe por uma 3ª menor na sequência original, então desce por uma 3ª menor na
inversão), ou tocada em inversão retrógrada (a inversão tocada de trás para a frente), e cada uma
destas versões da sequência original pode ser transposta conferindo um vasto número de
permutações aos elementos básicos. As possibilidades são enormes, mas o princípio serial
funciona como garantia de que a composição terá um certo grau de coerência harmónica, já que
o intervalo básico não varia. O serialismo não é um estilo nem um sistema, mas fornece
sugestões ao compositor. Segundo Schoenberg, o objetivo era “usar a série e em seguida
compor como antes” (compor serialmente com liberdade) – “Minhas obras são composições
dodecafónicas e não composições dodecafónicas”.
Schoenberg viria a usar esta técnica em muitas das suas obras a partir da década de 1920,
vista pela primeira vez nas obras para piano Suite (1921-3) e Funf Klavierstucke, de 1920-3.
Embora a Suite se baseasse nas formas da suite de dança barroca, seguir-se-ia um conjunto de
obras que viria a explorar as formas clássicas juntamente com a nova dodecafonia, Quinteto
para Instrumentos de Sopro (1923-4), Suite para sete instrumentos (1925-6), Variationen for
Orchester (1926) e o 3º Quarteto para Cordas (1927), embora aqueles aspetos tenham
porventura encontrado a sua derradeira expressão na ópera inacabada Moses und Aron (1926-32). Schoenberg não viria, todavia, a abandonar completamente a tonalidade, à qual regressou
em trabalhos posteriores como a Kammersymphonie nº2 (1909-39) e o arranjo da oração judaica
Kol nidre (1938).
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Arnold Schoenberg (1874-1951)
Período Tonal
(1899-1907)
Período Atonal Livre
(1908-1923)
Período Dodecafónico
(1923-1951)
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Lideer da Juventude
Noite Transfigurada Op.4 (1899)
Gurrel Lieder (1900-1911)
Pelleas und Melisande Op.5 (1903)
Quarteto de Cordas nº1 Op.7 (1905)
Sinfonia de Câmara nº1 Op.9 (1906)
Sinfonia de Câmara nº2 Op.38 (1939)
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Quarteto de Cordas nº2 Op.10 (1908)
Livro dos Jardins Suspensos Op.15 (1908-1909)
Três peças para Piano Op.11 (1909)
Cinco peças para orquestra Op.16 (1909)
Erwartung (Expetativa) Op.17 (1909)
Tratado de Harmonia (concluído em 1911)
Pierrot Lunaire Op.21 (1912)
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Cinco peças para piano Op.23
Suite para piano Op.25
Quarteto de Cordas nº3 Op.30 (1927)
Peça para piano Op.33 (1928)
Variações para orquestra Op.31 (1928)
Moisés e Aarão (1931, ópera inacabada)
Peça para piano Op.33b (1931)
Concerto para violino e orquestra Op.36 (1936)
Concerto para piano e orquestra Op.42 (1942)
Foi deixada aos dois grandes pupilos de Schoenberg a responsabilidade de desenvolverem
a sua técnica dodecafónica. Alban Berg (1885-1935) é frequentemente visto como o romântico,
por oposição ao modernismo de Anton Werbern, embora talvez seja mais apropriado ver as suas
obras através do prisma do Expressionismo, posto que muitas delas se preocupam com uma
psicologia interior, seja a de uma obra aparentemente abstrata, como um concerto para violino,
ou a das personagens de uma ópera. É verdade que Berg continuou a trabalhar em formas
tradicionais e que de uma forma aparentemente miraculosa incorporou nas suas obras de doze
tons insinuações dos universos musicais de Wagner e Mahler, chegando mesmo ocasionalmente
a citar diretamente obras tonais de outros compositores, e por este motivo a sua música é mais
acessível do que a de Webern e tendeu a ser alvo de mais interpretações do que a dos seus
contemporâneos. As primeiras obras de Berg, compostas sob a orientação de Schoenberg,
demonstram uma compreensão firme da ambígua linguagem musical pós-romântica que
conduziu à eventual quebra da tonalidade, mas foi depois de se ter libertado do compositor mais
velho mesmo antes da I Guerra Mundial (professor e aluno tinham uma relação intranquila) que
começou a encontrar a sua própria voz. Isto foi pela primeira vez visto no ciclo de canções Fünf
Orchesterlieder nach Ansichkartentexten von Peter Altenberg (1912), notáveis pela sua
orquestração imaginativa, mas foi em Drei Orchesterstucke (1914-15) que o seu génio
organizacional centrado nas variações de pequenas células motívicas se destacou. Os cinco anos
que se seguiram foram ocupados com a feitura de uma das maiores proezas de Berg, a ópera
Wozzeck (1917-22), em que a variação continuada e a sua capacidade de organizar todos os
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parâmetros musicais de uma obra (incluindo dinâmica e camadas contrapontísticas) se
combinam num sistema de Leitmotifs. Nesta obra, alguns elementos da composição de doze tons
podem ser detetados, mas estes seriam explorados mais a fundo nos subsequentes
Kammerkonzert (1923-5) e Lyrische Suite (1925-6), onde exibe a sua considerável capacidade
de explorar relações interválicas. À parte a sua ópera inacabada Lulu (a orquestração foi
completada por Friedrich Cerha), o trabalho mais persistente de Berg é o seu Concerto para
Violino (1935). Composto como uma elegia a Manon Gropius (a filha de Alma Mahler e do
arquiteto Walter Gropius), Berg entrelaça a canção folclórica de doze tons, uma valsa vienense
e um coral de Bach (Es ist genug). Berg viria a morrer pouco tempo depois, sem escutar a obra,
que permanece como uma elegia apropriada ao próprio compositor.
Anton Webern (1883-1945) não podia ter sido mais diferente; a sua relação com
Schoenberg era mais fácil, porventura em virtude de uma preocupação permanente com a lógica
formal das estruturas clássicas e de um desejo de as reproduzir dentro dos limites de uma nova
linguagem musical. Miniaturista musical supremo foi o primeiro compositor a dedicar-se
exclusivamente à técnica dos doze tons, e no seu quase obsessivo controlo de todos os aspetos
da obra, incluindo o ritmo, a dinâmica e a cor orquestral, viria a preparar o terreno para o
“serialismo total” pós-Segunda Guerra Mundial. Depois das obras pós-românticas iniciais e das
canções atonais em que havia trabalhado durante o período de 1908-20, Webern adotou a
dodecafonia em inícios da década de 1920 e durante 1924-6 produziu uma série de canções
(op.17-19) utilizando o método, refinando a sua abordagem à medida que as trabalhava. Foi,
todavia, com o Trio para Cordas (1926-7) que se voltou para o estilo puramente instrumental
que viria a dominar as obras dos anos seguintes. Nestas, incluindo Sinfonia (1927-8), Quarteto
(1928-30) e Concerto (1931-4), chega ao meio por intermédio do qual as alturas das sequências
de tons fazem sentido apenas na relação consigo mesmas, não sendo possível qualquer
referência exterior, frequentemente alcançadas utilizando a técnica de pares de semitons dentro
das suas sequências de tons. A noção de deslocação em relação ao que tinha acontecido antes
também transparece na anotação esparsa e espacialmente desarticulada da cor instrumental, a
sua Klangfarbenmelodie, tão característica das obras maduras de Webern. Durante a década de
1930, Webern regressou às composições para voz, incorporando para o efeito as explorações
das suas obras instrumentais, mas também incluindo cânones e estruturas simétricas que são
proezas intensas em termos de competência técnica, preservando uma fidelidade ao método
dodecafónico.
3.6 Futurismo
Movimento do início do século XX, que nasceu em Itália. Foi desencadeado pela
publicação, pelo poeta e dramaturgo italiano Filippo Tomaso Marinetti (1876-1944), do
manifesto “Fundação e Manifesto do Futurismo”, na primeira página do jornal parisiense Le
Figaro, a 20 de fevereiro de 1909, seguido de outros manifestos que se irão propagar nos anos
seguintes por toda a Europa, estendendo-se também às artes plásticas, à arquitetura, à música, ao
cinema, etc.
Proclamando uma nova poética, Marinetti exaltou a civilização industrial, o movimento da
máquina e da velocidade. Desta forma, o futurismo valoriza o dinamismo, a exaltação da
técnica, a simultaneidade de espaços, de tempos e de sensações, a fusão de expressões artísticas,
a dessacralização das poéticas convencionais. Os poemas futuristas são facilmente identificáveis
por uma série de recursos destinados a abalar o leitor: profusão de exclamações, de apelos, de
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neologismos criados pela associação inédita de palavras, pelo emprego de termos insultuosos,
pela exploração dos efeitos fónicos das palavras, pela introdução de grafismos no poema, por
longas enumerações, pela utilização dos verbos no infinitivo, pelo uso aleatório da pontuação e
de maiúsculas.
Esta visão está intimamente relacionada com a vida moderna, onde palavras como energia,
movimento, ação, dinâmica, liberdade, aceleração, força, ritmo substituíam outras palavras de
uma visão romântica (inspiração, sentimento, perceção, sensação, imaginário). Era importante
quebrar formas estáticas e romper com a contenção de elementos expressivos provenientes de
causas emotivas. Pretendiam criar uma arte centrada no movimento.
Em 1910, surge o Manifesto dos Pintores Futuristas, subscrito pelos pintores Umberto
Boccioni, Carlo Carrá, Gino Severini, Giacomo Balla e Luigi Russolo. Na música, Francisco
Pratella (1880-1955) redigiu artigos nos quais manifestava as possibilidades da nova estética:
Manifesto del Musicisti Futuristi, Manifesto Técnico della Música Futurista, La Distenzioni
della Quadratura. Também o compositor Luigi Russolo (1885-1947) descreveu a nova estética
na obra L´Arte dei Rumori (1913) e criou instrumentos musicais designados por Intanorumori
(Entoadores de Ruído), com a intenção de produzir uma considerável variedade de ruídos numa
gama de escalas cromática e/ou diatónica. Compositores como Varèse foram influenciados por
estas ideias, apesar de utilizarem instrumentos acústicos. Ionisation para percussão e Integrales
para sopro e percussão de Varèse inserem-se, por exemplo, nesta desmultiplicação “som-ruído”.
3.7 A Vanguarda do Pós-Guerra
Depois da convulsão e da destruição ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial, muitos
dos compositores que pareciam estar na linha da frente da música europeia pareciam no pósguerra fazer parte de um mundo que se tinha ido para sempre. Muitas figuras importantes, tais
como Stravinsky e Schoenberg, tinham-se mudado, ou viriam a mudar-se, para os EUA, então o
poder dominante no Ocidente após o desmantelamento dos impérios europeus. Ali deparar-seiam com uma cultura musical crescente menos inclinada a olhar para o passado, com as suas
raízes a residir ora na fusão experimental da cultura europeia e americana que tipificou a música
de Charles Ives (1874-1954), em obras como a Central Park in the Dark (1906-9) e Fourth of
July (1912-18), construídas com múltiplas camadas, ora no estilo mais urbano de Aaron
Copland (1900-90), que abraçou o jazz e a música folclórica americana, em trabalhos como
Clarinet Concerto (1947-8) ou no bailado Appalachian Spring (1943-4). Havia também uma
maior noção de que a experimentação deveria ter lugar fora do âmbito das estruturas normativas
do cânone europeu, e portanto emergiram compositores como Conlon Nancarrow (1912-97),
que escreveu obras de grande complexidade contrapontística para pianolas, ou Virgil Thomson
(1896-1989), cujas obras do tipo colagem se baseavam numa ampla variedade de estilos
populares, e o mais recente Milton Babbitt (1916-2011), que seria influente em termos da
conceção da técnica serial e da composição eletrónica inicial no pós-guerra. Assistiu-se a um
processo similar na Austrália, onde o compositor Peter Sculthorpe (1929-) se voltou para a
música aborígene e da Ásia Oriental de modo a criar um estilo nacional.
Na Europa, havia um desejo semelhante, no seio dos jovens compositores, de pôr de lado
tudo quanto havia sido feito antes, e, inicialmente, este desejo centrar-se-ia na Escola de
Darmstadt, nome da cidade onde um influente curso de Verão em composição teve lugar
durante a década de 1950. As quatro principais figuras associadas à Darmstadt são Pierre
Boulez (1925-), Karlheinz Stockhausen (1928-2007), Luigi Nono (1924-1990) e Bruno
Maderna (1920-1973). Cada um destes compositores viria a adotar e refinar as técnicas do
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serialismo derivadas das obras de Schoenberg e, em particular, de Webern. Não satisfeitos com
a restrição do conceito à estrutura da altura, viriam a aplicar a técnica a todos os parâmetros
musicais que podiam ser controlados pelo compositor, incluindo o ritmo, a dinâmica e o ataque,
para evitar qualquer repetição que pudesse dar azo a que o ouvinte assumisse uma hierarquia em
qualquer aspeto da música. Designado por “serialismo total/integral” (organização de todos os
parâmetros musicais possíveis de acordo com as regras da composição dodecafónica),
transpareceria pela primeira vez em Structures I (1951-2) para piano, de Boulez, mas
preocupações semelhantes estão subjacentes a obras de Stockhausen, como Kreuzspiel (1951).
Boulez dedicou-se ao seu interesse pelo serialismo total nos seus escritos teóricos e numa
série de obras que se viriam a tornar clássicos da vanguarda do pós-guerra, onde se incluem Le
marteau sans meitre (1953-5), Structures II (1956-61) e Pli selon pli (1957-62). Explorou as
possibilidades da distribuição espacial do som e de estruturas de fim aberto que poderiam ser,
teoricamente, continuadas indefinidamente. Influente enquanto professor, também permaneceu
no coração da vanguarda europeia através da fundação e da ocupação do cargo de diretor do
IRCAM (o Institute de Recherche et Coordination Acoustique/Musique), dedicado a aprofundar
os avanços na música electroacústica e que viria a ser utilizado por Boulez para realizar Repans
(1981-4) e Dialogue de l'ombre double (1985). Entre os jovens compositores que tenham
aproveitado a instituição sedeada em Paris contam-se Tristan Murail (1947-) e George Benjamin
(1960-).
Embora Boulez nunca tenha abraçado plenamente a música eletrónica, esta suscitaria um
grande interesse em Stockhausen, que produziu algumas das primeiras obras puramente
eletrónicas em Konkrete Etüde (1952) e Elektronische Studien (1953-4). (Anteriormente,
musique concrète havia sido produzida em Paris por Pierre Schaffer, 1910-95, utilizando sons
de fontes acústicas.) O som eletrónico é essencial em muitas das últimas obras de Stockhausen,
incluindo o monumental ciclo de sete óperas Licht (1977-2004). Através de peças eletrónicas
como Gesang der Junglinge (1955-6) e Kontakte (1958-60), viria a ser influente em relação a
músicos para além da vanguarda, particularmente na música popular. Stockhausen elevou ao
máximo o trabalho em torno da notação para obras instrumentais em Gruppen (1955-7), para
três orquestras, e a partir daí começou a explorar as ideias da música aleatória do compositor
americano John Cage (1912-92). Depois das suas obras para «piano preparado» (onde são
inseridos itens entre as cordas do piano para alterar o timbre) e a sua notável experimentação em
silêncio (4'33", 1952), juntamente com Morgan Feldman (1926-87), Cage tinha começado a
criar modos que permitissem aos intérpretes ter um muito maior controlo sobre a escolha do
material musical. Stockhausen respondeu a isto com obras como Klavierstuck XI (1956) e
Zyklus (1959), onde o intérprete pode começar no ponto que desejar.
O domínio crescente da vanguarda de Darmstadt foi rejeitado por duas importantes figuras
de finais do século XX, Gyõrgy Ligeti (1923-2006) e Elliott Carter (1908-2012). Ambos os
compositores, à sua maneira, responderam aos desafios de estabelecer um estilo pessoal, todavia
contemporâneo, contra uma escola dominante, rejeitando o serialismo total através do uso das
suas sensibilidades musicais consideráveis na criação de obras que têm texturas de superfície
complexas, particularmente em termos de ritmo, mas que todavia retêm uma clareza de
linguagem – no caso de Carter, a de um modernista atonal em obras como Concerto for
Orchestra (1969) e Symphonia (1994-7). Depois de obras iniciais como Atmosphères (1961),
em que Ligeti experimentou o uso de clusters (conglomerações semitonais ou mesmo
microtonais de notas), traria estas ideias juntamente com elementos da citação e do pastiche
para a sua obra seminal, a ópera Le Grand Macabre (1947-7). Esta coleção de técnicas e fontes
também se viria a provar terreno fértil para outro compositor que não da Escola de Darmstadt,
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Luciano Berio (1925-2003). Embora viesse a liderar a secção electroacústica do IRCAM no
período de 1974-80 e a compor muitas obras operáticas e instrumentais (incluindo as
Sequenzas), seria a sua Sinfonia (1968-9) a tornar-se na sua peça mais amplamente reconhecida.
Com as suas citações da 2ª Sinfonia de Mahler e vozes amplificadas ao vivo, simultaneamente
tomava como ponto de referência o cânone europeu e prestava tributo às tradições musicais
populares. Esta libertação da vanguarda rígida viria, ela própria, a tornar-se tão previsível
quanto o havia sido o serialismo total da Escola de Darmstadt.
A incorporação pós-moderna de elementos da música popular, e a alusão a ou citação de
obras do cânone, tornou-se omnipresente na música de uma nova geração de compositores:
Henryk Górecki (1933-2010), Mark-Anthony Turnage (1960-), Thomas Adés (1971-), etc.
Em séculos anteriores, os públicos estavam dependentes da escolha de um grupo restrito de
patronos ou de compositores, eles próprios responsáveis por levar ao palco obras de
proveniência contemporânea que eram escritas para suprir uma necessidade, fosse ela de
natureza comercial ou ritual ou estivesse associada ao entretenimento. Esta situação é hoje
completamente diferente em virtude da influência da tecnologia. A gravação ocasionou uma
enorme mudança no modo como os públicos selecionam a música que ouvem, e através dessa
escolha mantiveram-se em larga medida fiéis à música do passado, predominantemente à dos
séculos XVIII e XIX, com a inclusão de certos compositores do século XX que retiveram um
sentido de história nas suas obras - e especialmente de linguagem musical -, e não tanto àqueles
que procuraram apagar todos os vestígios do que havia sido feito antes.
O história da música demora a emergir, e muita da música adstringente dos últimos 50
anos, bem como o retiro para a academia que a acompanhou, ainda aguarda uma avaliação
suficientemente distanciada para constatar se será aceite por um público mais vasto, à
semelhança das tradições musicais desde a Idade Média até às primeiras décadas do século XX,
que continuam a trazer inspiração e prazer às vidas das pessoas.
Música electroacústica: As primeiras investigações musicais pós-seriais foram consideradas
experimentais, de tal modo pareciam audaciosas e marginais. Na época em que aparecia a
generalização do princípio serial, último estado de evolução da polifonia erudita, assistia-se aos
primeiros passos da música electroacústica. Essa é a época em que o mercado dos discos
começava a sua fantástica ascensão graças à invenção recente da microgravação e aos
progressos da gravação em fita. A expressão “electroacústica” impôs-se no uso corrente (Pierre
Henry parece ter sido o primeiro a utilizá-la) para designar a síntese, realizada a partir de 1956
(Gesang der Jünglingen, de Stockhausen), de duas técnicas inicialmente distintas e mesmo
opostas: as da “música concreta” e da “música eletrónica”.
1) A música concreta utiliza como material de base da composição sons e ruídos que se
consideram “concretos”, porque são produzidos pela vibração de corpos sonoros
familiares (instrumentos de música, mas também ruídos da natureza ou ruídos do nosso
meio quotidiano). Os sons originais não são produzidos pelo compositor, mas
transformados e reunidos. Em primeiro lugar eles são gravados e isolados, e em seguida
sofrem diferentes manipulações: modificações de velocidade, repetição em anel,
filtragem de certos componentes, recorrência (passagem ao contrário), mistura, eco, etc.
Os “objetos sonoros” assim tratados são reunidos por montagem e por mistura em
função do projeto de composição.
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2) A música eletrónica utiliza como material de base sons artificiais produzidos
eletronicamente. Estes sofrem o mesmo tipo de manipulação que na música concreta.
O primeiro instrumento eletroacústico (ou «eletrónico», segundo uma terminologia
imprópria) foi o “Telharmonium”, inventado por volta de 1900 pelo americano Taddeus Cahill:
os sons, produzidos por dínamos que uma consola de órgão comanda, são difundidos por
telefone. A este instrumento seguiram-se vários outros, como o “Trautonium”, de Trautwein,
em Berlim, e, sobretudo, as “Ondas musicais” de Maurice Martenot, em Paris, 1928. Mas estas
invenções só interessam aos fabricantes de instrumentos de música, e não introduzem novos
métodos de composição. Em compensação, os sintetizadores (primeira realização em 1935) são
utensílios de criação musical, pense-se o que se pensar da sua utilização abusiva. A investigação
de um método de composição baseado nas técnicas de gravação e de reprodução começou em
1936, quando Edgar Varèse se interessou pelas possibilidades de manipulação dos discos.
John Cage (1912-1993) empenhou-se no mesmo caminho e, em 1942, fez ouvir três
Imaginary Landscapes, com geradores de frequências, gira-discos de velocidade variável e
microfones de contacto. Mas a primeira tentativa coerente e continuada de música
electroacústica é a “Música concreta”, cujo método foi aperfeiçoado por Pierre Schaeffer (19101995), no estúdio que criou em 1948 no “Club d'essai” da Radiodifusão Francesa.
O primeiro concerto de música concreta realizou-se em Paris (Escola Normal de Música)
em 1950: entre as obras apresentadas figura a célebre Symphonie pour un homme seul de
Schaeffer e Pierre Henry (1927). À sua volta forma-se um grupo de investigação de que os
melhores representantes serão Michel Philippot (1925-1998) e Luc Ferrari (1929). Numerosos
músicos conhecidos virão iniciar-se nas novas técnicas ou realizar obras pessoais no “Studio
d'essai”, transformado um pouco mais tarde (1958) em Grupo de investigação musical: Olivier
Messiaen, Edgar Varèse (Deserts), Pierre Boulez (Deux Études), Darius Milhaud, Stockhausen,
Xenakis, Barraqué, Malec, etc.
Música e acaso. A música electroacústica introduz na composição fatores imprevisíveis:
passagem assíncrona de fitas desigualmente escalonadas, fenómenos provocados e
incontroláveis, ou fortuitos e controláveis, indeterminação das alturas e das durações (variação
contínua da velocidade de rotação), etc. Fatores análogos foram admitidos na música dita
“viva”, onde a sua importância se tornou capital. Mas nem por isso existe música puramente
aleatória, em que o acaso seja soberano; na verdade, a música só começa com a intervenção do
homem. Procurando, no início desta obra, as origens da música, afirmou-se que ela era um
“artefacto”. Quando o ouvinte de uma música não habitual não recebe desta música nenhuma
informação, não descobre nela qualquer ordem inteligível e declara que “é ruído”, julga-se em
presença de um fenómeno provável qualquer, isto é, do acaso. O que o ouvinte espera da música
é um fenómeno sonoro estatisticamente improvável, mas escolhido segundo critérios que lhe
são acessíveis.
A música dita “aleatória” deve ser considerada como uma tentativa de utilizar todos os
possíveis, sem exclusão a priori. O compositor utiliza o método de improvisar uma escolha
improvável no campo do possível. Assim, para que na música o acaso seja fecundo não deve
haver nela demissão do homem em benefício do mais provável: o acaso deve ser controlado,
recuperado pelo compositor, que extrai dele uma informação, uma novidade imprevisível.
Na música tradicional, pelo contrário, quanto mais o sistema é rigoroso (dodecafonismo
serial, por exemplo), mais esgota o seu devir: cada combinação, cada obra, é mais provável do
que a precedente. O acaso (ou melhor, a indeterminação) pode intervir na composição de
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maneiras diferentes. Uns recorrem à iniciativa imprevisível dos executantes: formas móveis,
improvisações coletivas, clusters, misturas ad libitum, glissandos livres, etc. Outros baseiam-se
nas leis estatísticas a que estarão submetidas as combinações aleatórias de um grande número de
fatores. A soma desses fatores acumulados tende estatisticamente para fórmulas de equilíbrio
que se relevam da teoria dos grandes números. Essa soma (a música) não é aleatória, mas
conjetural. Fazendo assim intervir o cálculo das probabilidades na composição, Iannis Xenakis
(1921-2001) dá à sua música o epíteto de “estocástica”, inspirado no matemático Bernouilli.
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