Palhetas Duplas de Oboé

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Palhetas Duplas de Oboé
Artigo DaCapo
Palhetas Duplas de Oboé
A palheta é a ferramenta essencial para a produção de som no oboé. Com a
crescente exigência do reportório e a também crescente necessidade de
controlar o som produzido, os oboístas têm vindo a construir as suas próprias
palhetas. Desta forma, controlam as fases de construção que pretendem e
adaptam as palhetas a si próprios, aos seu instrumento, localização, entre outros.
Ao observar a forma como a palheta é construída apercebemo-nos do quão
minuciosa é esta arte e como necessita de tantas experiências, tantas tentativas
até que se domine a construção. O professor Luís Vieira costumava dizer “Só
custam as primeiras 10 000 palhetas”, precisamente para sublinhar a dificuldade
de dominar esta arte. E nem sempre sai um bom resultado da construção,
eventualmente se um oboísta comprar um saco de canas, não quer dizer que vão
todas resultar em óptimas palhetas e óptimas performances, antes pelo
contrário, muitas podem perder-se porque não resultaram em boas tentativas.
É precisamente esta minuciosidade e a diversidade da construção deste material
tão singular que pretendo que este livro dê a conhecer, ou seja, todo um trabalho
difícil, moroso e dispendioso que um oboísta realiza antes de entrar num palco.
Capítulo I: Breve História
Antes de falar na palheta, vou apenas enumerar alguns dos seus antecessores e
factos históricos da sua evolução e obrigatoriamente da evolução do oboé, pois
ao longo da história da música uma acompanhou a outra.
Temos antecessores com características como: corpo cónico ou cilíndrico feito de
madeira ou cana ou até casca de árvore, orifícios nesse mesmo corpo e uma
palheta dupla na extremidade, feita de cana. Alguns deles são: chifre curvo,
zurna, o famoso aulos duplos e a tíbia romana, a gaita de foles e a charamela e o
cromorne. Todos eles tinham palheta dupla, ainda muito grande e com uma
raspagem aparentemente simples. O cromorne tinha ainda uma cápsula que
envolvia e protegia a palheta, pelo que neste caso, o oboísta não tinha contacto
com a mesma, apenas o ar a punha em vibração.
Chifre Curvo, Aulos Duplos, Charamela, Cromorne (com cápsula)
Importa salientar que a charamela é um antecessor do oboé e não do clarinete,
pois o antecessor do clarinete chama-se “chalumeau”.
No período barroco, o som dito “rude” da charamela não entra na música cortesã
e fica-se pela designada música alta, tocada no exterior e num contexto mais
“popular”. Para a corte, Lully insere o hautbois (“madeira alta”) cujos sons
agudos e penetrantes agrada a muitos compositores, como Bach, Albinoni,
Telemann, Vivaldi. Tanto o corpo do instrumento e a palheta são mais
trabalhados e melhorados e o som é mais controlado, a palheta é ainda muito
larga. Aparece também o oboé d’amore e o corne-inglês.
Oboé Barroco
No período clássico e romântico, o oboé e a palheta evoluem ainda mais, tornamse mais estreitos e são melhorados cada vez mais, para que correspondam às
exigências do reportório clássico. A revolução industrial foi muito importante e
com ela desenvolveu-se o fabrico dos instrumentos. Aumentou o número de
chaves, foi criado o “sistema de pratos”, que assim facilitou a dedilhação, assim
como novas ferramentas para a construção de palhetas, como a máquina de
goivar. Aparecem também o Heckelphone e o Oboé Baixo. Surgem várias fábricas
e com elas diferentes modelos de construção, marcas que ainda hoje
conhecemos: Triébert, Lorée, Fossati, Marigaux, Yamaha, entre outras.
Estudantes e professores como Henri Brod, François Lorée e mais tarde Antonio
Pasculli procuraram sempre melhorar o oboé e as palhetas, sempre com o
objetivo de uma boa performance.
Oboé Triébert
Capítulo II: O que é uma palheta dupla?
Uma palheta dupla resulta da dobragem de uma só
cana. Depois de dobrada, a extremidade é aberta e o
ar passa, fazendo com que as duas canas vibrem
uma contra a outra e assim se produzam som, daí o
nome de “palheta dupla”.
O que se pretende é que o oboísta envolva a palheta
com os lábios e a suporte no lábio inferior, mas sem
uma força ou pressão exagerada que impeça o ar de passar. Os lábios devem
estar dobrados, envolvendo os dentes mas novamente sem “morder” a palheta. O
ar deve passar numa coluna contínua, com pressão diafragmática. Muitas vezes o
mais importante não é o excesso de ar mas sim a pressão/velocidade com que é
emitido, até porque o orifício por onde passa é bastante pequeno, quando
comparado com outros instrumentos.
Por ser feita de cana, um material muito frágil, a palheta conta com várias
fragilidades a que o oboísta tem de fazer face. Por exemplo, ela altera consoante
as condições climatéricas, sendo o ambiente mais ou menos húmido, ela absorve
mais ou menos água e a sua vibração vai também alterar-se, influenciando a
performance. Podem também ser mais resistentes e talvez durar mais ou não.
Por isso, o oboísta tem de a adaptar e escolher consoante o clima, zona
geográfica, características do local, contexto musical em que está a executar.
O corne-inglês, oboé d’amore, fagote e contra fagote usam também palhetas
duplas, sendo que o funcionamento acústico é o mesmo.
Capítulo III: Diversidade na Construção de Palhetas
A construção de palhetas é um processo muito diverso, existem inúmeros
métodos de construção. No entanto, é possível distinguir as fases principais e
explicar no que consistem, mas os materiais usados, o método, medidas é algo
que os oboístas escolhem consoante o que melhor se adequa a si.
Há oboístas que constroem palhetas desde a fase do tubo de cana, outros que as
compram já amarradas, ou até já raspadas, no entanto têm sempre de a
modificar, adaptá-la.
Tudo começa no tubo de cana que cresce em zonas propícias até atingir a altura
necessária. Finalmente, e na altura ideal, é colhido, empilhado e posto a secar. É
cortado em tubos mais pequenos de 10 a 15 cm de comprimento e 10 a 11 mm
de diâmetro, para ser vendido em sacos.
Pilhas de Tubos de Canas
O tubo de cana é agora dividido em partes com uma lâmina ou faca. Escolhem-se
as partes mais perfeitas da divisão que vão ser goivadas. Ou seja, vai ser raspado
o interior da cana, a fim de torná-la mais fina. Para isso usa-se a máquina de
goivar. As medidas usadas na Europa variam entre 56 e 60 mícrones e podem ser
verificadas com um micrómetro.
Divisão do Tubo de Cana e Máquina de Goivar
É altura de dar à cana a forma pretendida, ou seja, talhar a cana. Para isso, usa-se
uma forma consoante o pretendido, pois existem várias e de medidas diferentes.
Forma e Cana goivada e talhada
Depois da cana ter a forma que queremos, tem de ser dobrada. Para isso, pode
usar-se o gabarito e marcar o centro da cana ou com os dedos provocar a
dobragem no centro natural da cana.
Cana Não-dobrada e dobrada e gabarito
E já pode ser amarrada ao tudel, com o fio. Recorde-se que ainda não está aberta
e é apenas uma cana dobrada. Para ser amarrada e não estalar durante esse
processo, deve ser posta na água durante algum tempo. Existem vários modelos
de amarragem assim como muitos materiais diferentes, que novamente ficam ao
critério do oboísta.
Amarragem
Depois de amarrada e de tomar a forma do tudel, já pode ser aberta. No entanto,
ela não toma logo a forma pretendida e deve ser posta a secar durante uns dias.
Muitos oboístas defendem que a forma mais correta é cortar a extremidade com
a faca ou uma guilhotina.
Corte com faca e cepo; guilhotina
Só falta raspar a palheta para que vibre e produza som. Tal processo é feito com
uma lingueta entre as canas e a faca ou com a máquina de raspar, uma
ferramenta que veio facilitar um pouco a vida dos oboístas. Novamente, os
modelos de raspagem são diversos mas conseguiu-se chegar a um padrão muito
generalizado consoante as práticas dos oboístas. Surgem assim os modelos
americano, alemão e francês/europeu, que não são obviamente regras mas sim
padrões. Eles diferem em formas, medidas, materiais, consoante cada oboísta.
Raspagem com faca e máquina de raspar
Modelos de raspagem e zonas da palheta: 1- ponta, 2 – “coração” ou centro 3- lados interiores 4marca da raspagem “U”, “V” ou “W” 5- Talão
Capítulo IV: O que é uma boa palheta de oboé?
Para procurar responder a esta pergunta procurei a opinião de alguns oboístas
profissionais: Frederico Fernandes, Samuel Bastos, Nelson Alves e Dominique
Enon. Ao fim de ler as suas opiniões só pude chegar a uma conclusão: não há uma
definição ou regra para a construção de uma palheta, pois trata-se de um
processo minucioso e depende de cada oboísta. Cada um tem os seus materiais,
métodos, técnicas, aquelas que são mais adequadas a si, ao seu instrumento, até à
sua localização. Por isso, não se pode apontar um método definido para um
processo tão diverso.
Ana Margarida Cardoso

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