uvir ílvra de zu zus lesar dòs ruídos rae nossa época
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uvir ílvra de zu zus lesar dòs ruídos rae nossa época
>uvir ílvra de zu z us lesar dòs ruídos rae nossa época Walter C. K aise Moisés Silva Introdução à H erm enêutica Bíblica © 2002, Editora Cultura Cristã. O riginalm ente publicado nos E U A com o título A n Introduction to Biblical H erm eneutics © 1994, W alter Kaiser, Jr. e M oisés Silva - G rand Rapids, M ichigan, 49530, USA. Todos os direitos são reservados. 4 l 5 edição - 2002 - 3.000 exem plares Tradução Paulo C ésar N unes dos Santos Tarcízio José Freitas de Carvalho Suzana Klassen R evisão R ubens Castilho C laudete Á gua de M elo E ditoração Rissato Capa A ntônio Carlos Ventura Publicação autorizada pelo Conselho Editorial: C láudio M arra (P residente), A lex Barbosa Vieira, A proniano W ilson de M acedo, Fernando H am ilton Costa, M auro M eister, Ricardo A greste e Sebastião Bueno Olinto. € CDITOAA CULTURA CRISTA R u a Miguel T eles Junior, 3 8 2 /3 9 4 - C am buci 01540-040 - S ão Paulo - S P - Brasil C .P o stal 15.136 - S ã o P aulo - S P - 0 1599-970 F one (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255 w w w .cep.org.br - cep @ cep .o rg .b r 0 8 0 0 -1 4 1 9 6 3 Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra P ara Dr. A ríh u r e A lice H olm es, extraordinários servos de Cristo, com gratidão p e lo s conselhos espirituais e acadêm icos durante o curso universitário e p e la am izade ao longo da vida. W alter C. K aiser, Jr. A Tia Fina. M oisés Silva índice P re fá c io .............................................................................................................. A b re v ia tu ra s...................................................................................................... 7 10 Parte 1. A B u sca por Significado: O rientações Iniciais 1. Q uem P recisa de H e rm e n ê u tic a ? ............................................... 13 2. O Sentido do S ig n ific a d o ............................................................. 25 3. Vam os Ser Lógicos: U sando e A busando da L in g u a g e m .... 45 Parte 2. C om preendendo o Texto: O Sentido nos G êneros L iterários 4. “R ecordo os feitos do S enhor”0 Sentido da N a rra tiv a ....... 65 5. “D e B oas Palavras T ransborda o M eu C oração” : O Sentido da Poesia e da S a b e d o ria ......................................... 81 6. “E stes, porém , foram registrados para que creiais” : O Significado os E v a n g e lh o s...................................................... 99 7. C om o L er um a Carta: O Sentido das E p ís to la s ...................... 117 8. E quanto ao futuro?: O Significado da P ro fe c ia .................... 135 v. Parte 3. R espondendo ao Texto: Significado e A plicação 9. “A ssim com o a corça suspira pelas correntes de água” : O U so D evocional da B íb lia ..................................................... 157 10. O bedecendo à Palavra: O U so C ultural da B íb lia .............. 167 11. Juntando as peças: O U so Teológico da B í b l ia ................... 18“ Parte 4. A B usca por Significado: O utros D esafios 12. U m a B reve H istória da In te rp re ta ç ã o ..................................... 203 13. V isões C ontem porâneas da Interpretação B íb lic a .............. 221 14. E m Favor da H erm enêutica de C a lv in o ................................ 243 15. O bservações F in a is ....................................................................... 263 G lo s s á rio ............................................................................................................ 275 B ibliografia A n o ta d a ...................................................................................... 278 ín d ice de Passagens B íb lic a s ....................................................................... 279 ín d ice de N o m e s ............................................................................................. 284 índice de A s s u n to s .......................................................................................... 286 Prefácio D a m esm a fo rm a que a obra de B e rn a rd R am m P ro te sta n t B ib lic a l Interpretation (Interpretação bíblica protestante) foi escrita em 1956 para um amplo espectro de leitores, assim tam bém Uma Introdução à H erm enêutica Bíblica busca alcançar a m esm a am plitude de leitores leigos e profissionais para ajudá-los a com preender os textos bíblicos. Porém , as m udanças na for ma com o os textos são entendidos não foi nada menos que catastrófica no curto período de tempo desde que Ramm escreveu sua obra. Quase todos os pressupostos de Ramm já foram questionados e testados pelos novos ventos da m odernidade e da pós-m odernidade. As correntes de pensam ento m uda ram de m odo tão radical os padrões de raciocínio a ponto de nos perguntar mos (apesar de, a nosso ver, só por um momento) se o leitor deste prefácio é capaz de compreender o que dissemos até aqui! O fato é que, aquilo que carac teriza nosso tempo, como observa o subtítulo, é A Busca pelo Significado. Os fatores que diferenciam este livro dos outros numa área que tornouse subitam ente um tanto cheia de novos títulos depois de um longo período com poucas publicações estão (1) na singularidade de nossa abordagem , (2) na m aneira com o afirmamos a urgência em nossos dias da necessidade de uma obra como esta que apresentam os e (3) no cuidado que tivemos para tornar este livro útil tanto para o leitor leigo como, especialm ente na parte 4, para o estudante mais avançado. * Nossa abordagem é tão surpreendente que pode ser que alguns tenham olhado duas vezes quando viram os nomes de Kaiser e Silva como co-autores, achando que esses dois não se encaixam com tanta facilidade. M as é por isso que esta obra é singular. Não é um caso no qual dois ou três autores ceir. pontos de vista idênticos ou similares sobre as questões de interpretação de::dem escrever um livro para apresentar uma única visão. Pelo contrário. :u '_ mos escrever um único livro sobre herm enêutica bíblica sabendo cue um de nós com preende o processo de interpretação de m aneira diferente em algum as áreas-chave que representam os pontos mais críticos de discussão sobre a interpretação nos dias de hoje. Desse modo, os leitores de nosso texto não recebem um a única opinião, e são levados, portanto, a chegar às suas próprias conclusões depois de ouvirem uma discussão vibrante entre dois autores que ousam concordar com o fato de que discordam satisfatoriam ente (em certos pontos críticos). Os estudiosos - até m esm o os evangélicos - teri am mais sucesso se contássem os com mais exemplos de colegas envolvendose neste tipo de experiência. Mas os leitores devem ficar avisados de que há mais áreas nas quais concordam os do que nas quais discordam os, incluindo questões fundam entais como a autoridade das Escrituras e a prim azia do sig nificado autoral. Mas algumas de nossas discordâncias concentram -se em questões que são graves e críticas para o futuro. As diferenças entre as idéias de cada autor ficam evidentes especialm ente nos capítulos 8, 11 e 14. E nesse espírito que convidam os os leitores a participar conosco de um a conversa cordial, porém prudente. Apesar de o tom ser amigável, nossos leitores não devem se enganar achando que aquilo que está envolvido em suas conclusões é menos sério. Enquanto Ram m lutou com questões a respeito do modo como as suposições naturalistas afetam a herm enêutica, nossa geração valoriza tanto o individua lism o, a liberdade e a iniciativa da pessoa, que a pergunta mais im portante não é mais “E verdade?” e sim, “Isso im porta?” Assim, a questão da relevân cia tomou precedência sobre a pergunta “O que o texto significa?” Aliás, o sentido do que vem a ser significado é extrem am ente com plexo e discutido acaloradam ente tanto por evangélicos como por não-evangélicos. Se algum dos significados ou todos os significados sugeridos podem ou não ser consi derados válidos e qual deve ser o critério para tal validação são questões que geram em nós, os leitores m odernos da Bíblia, um desconforto cada vez m ai or. Enquanto isso, toda uma geração esta à espera de ouvir um a palavra de Deus. E quase como o antigo dilem a filosófico: Será que a árvore que caiu na floresta fez algum barulho, tendo em vista que não havia ninguém para ouvir? Em nosso caso, a questão é: Será que Deus, de fato, revelou algum a coisa aos profetas e apóstolos se eles não entenderam algumas das coisas (ou todas as coisas) que eles mesmos escreveram e se nós, os leitores, tem os tantas opini ões diferentes sobre o que foi com unicado? Por isso este diálogo é tão urgente e crítico. Os resultados deste debate irão m oldar a próxim a geração de crentes a ponto de estas questões poderem ser consideradas entre as tendências mais relev an te s d a te o lo g ia evangélica. Mas esta obra vai além do enfoque nas questões críticas. Ela considera seriam ente o aspecto da busca m oderna por relevância que, para nós, é tão cabível e já fazia parte da intenção divina desde o princípio. Preocupam o-nos em ajudar os leitores a responder à pergunta: “O que im porta?” Crem os que o processo interpretativo não se com pleta quando declaram os o que o autor estava tentando dizer, pelo contrário, acreditam os que a interpretação e a exegese devem tam bém decidir qual é a relevância atual, a aplicação e o sig nificado contem porâneo desse texto. Se tudo isso é parte ou não do processo de significado, é um dos pontos sobre os quais temos diferentes opiniões. Assim, em vez de escrever um livro que sim plesm ente analisa o problem a, decidim os que tam bém devemos oferecer o m áximo de ajuda possível ao m ostrar a leigos e estudiosos como extrair benefícios contem porâneos da in terpretação de vários tipos de textos bíblicos. M esm o parecendo surpreen dente, é possível que o estudioso esteja numa posição m enos vantajosa nesse passo do processo de significado do que o leigo que já vem perguntando qual é a “moral da história” desde o começo! Por fim, esperam os que esta obra não fuja de seu enfoque principal que é sobre as Escrituras em si. Nosso desejo foi, na m edida do possível, apresen tar uma discussão breve e direta das questões e dos métodos e então deixar o leitor a sós na presença do texto das Escrituras e do m inistério do Espírito Santo. Que esse prazer e alegria na Palavra e o Deus Soberano da Palavra estejam presentes com você nos próxim os dias. Devem os um a palavra especial de agradecim ento a Leonard G. Gross, o editor de im pressão, por seu entusiasm o durante as prim eiras fases deste pro jeto; a Jam es E. Ruark, gerente de edição, por sua paciência e auxílio na produção final desta obra e a Stanley N. Gundry, editor-chefe, por sua pro posta inicial esse projeto. Abreviaturas AB A JT ATR AV BAGS BJRL CTJ CTQ GiC HUCA ICC IDPSup IJF M JB C JBL JETS JR JTV1 KJV LB LCC NIV NTS SBET SBLDS SR TJ TSK VT W BC W TJ A nchor Bible Asia Journal ofT heology A nglican Theological Review Authorized (King James) Version W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich, and F. W. Danker, Greek-English Lexicon o fth e Testament Bulletin o fth e John Rylands University Library Calvin Theological Journal Concordia Theological Quarterly Gospel in Context Hebrew Union College Annual International Criticai Com m entary lnterpreter’s Dictionary o fth e Bible, supp. vol. International Journal o f Frontier M issions Jerome Biblical Commentary, ed. R. E. Brown et al. Journal o f Biblical Literature Journal o fth e Evangelical Theological Society Journal o f Religion Journal o fth e Transactions o fth e Victorian Institute King James (Authorized) Version Linguistica Biblica Library of Christian Classics New International Version N ew Testament Studies Scottish Bulletin o f Evangelical Theology Sciety of Biblical Literature Dissertation Series Studies in Religion/Sciences religieuses Trinity Journal Theologische Studien und Kritiken Vetus Testamentum W ord Biblical Com m entary Westminster Theological Journal PARTE 1____________ A Busca por Significado: Orientações Iniciais O próprio uso do termo hermenêutica levanta uma questão importante: Por que deve-se esperar que leitores da Bíblia estudem os princípios de interpretação? Apesar do que nossas experiências cotidianas possam sugerir, o processo envolvido na compreensão de um texto é bastante complicado. As dificuldades aparecem prin cipalmente quando tentamos ler um livro que é produto de uma outra cultura ou época, como podem deixar claro alguns exemplos de Shakespeare. No caso de documentos da antigüidade escritos em outra língua, precisamos fazer um esforço adicional e levar em consideração seu contexto original mediante um método conheci do como exegese gramático-histórico. A Bíblia como um todo é um livro relativamente claro para a leitura e pode ser útil especifi car em quais áreas surgem as dificuldades: linguagem? estilo lite rário? aplicação? Além disso, o caráter divino das Escrituras suge re que precisamos adotar alguns princípios especiais que não seri am relevantes para o estudo de outros escritos. CAPÍTULO 1_______________ Quem Precisa de Hermenêutica? M o is é s S il v a O term o herm enêutica (assim como seu prim o mais ambíguo e até m isterio so, herm enêutico) tem -se tornado cada vez mais popular em recentes déca das. Com o resultado, tem sido ampliado e estendido de todas as form as. U sa do por tantos escritores, o term o transform a-se em alvo m óvel, gerando ansie dade nos leitores que buscam, em vão, defini-lo e compreender o que significa. Seu significado tradicional é relativam ente simples: é a disciplina que lida com os princípios de interpretação. Alguns escritores gostam de cham ála de ciência da interpretação; outros preferem falar de arte da interpretação (talvez com a implicação: “Ou você a tem ou não!”). Deixando de lado essas diferenças de perspectiva, o interesse básico da herm enêutica é claro o sufici ente. Deve ser acrescentado, entretanto, que quando os escritores usam o ter mo, na m aioria das vezes o que eles têm em m ente é a interpretação bíblica. M esm o quando é outro texto que está sendo discutido, a B íblia provavelm en te assom a por trás. Esta últim a observação suscita uma questão interessante. Afinal, por que tal disciplina deveria ser necessária? N unca tivemos aula sobre “Com o Inter pretar o Jornal” .'Nenhum colégio propõe um curso sobre “A Herm enêutica da C o n v e rsaç ã o ” . Isso é um a rea lid a d e até com resp e ito a cursos sobre Shakespeare ou Homero, que certam ente tratam de interpretação da literatu ra, m as em que nenhum pré-req u isito de herm enêutica aparece. Por que então som os inform ados subitam ente em nossa instrução acadêm ica que precisam os nos tornar hábeis em um a ciência de som exótico, se q u e re m os en tender a B íblia? U m a resposta possível que pode ocorrer é que a Bíblia é um livro divino, e assim exige de nós algum treinam ento especial para entendê-la. M as esta solução sim plesm ente não satisfaz. Com o expressou um estudioso católico rom ano, “Se alguém é capaz de falar de m aneira absolutam ente clara e tornar-se com preensível com eficácia irresistível, esse tal é Deus; portanto, se há algum a palavra que poderia não exigir um a herm enêutica, essa seria a palavra divina” .1 Os protestantes, por essa razão, têm sempre enfatizado a doutrina da perspicuidade ou clareza das Escrituras. A Bíblia em si nos diz que o prérequisito essencial para entender as coisas de Deus é ter o Espírito de Deus (IC o 2.11), e que o cristão, tendo recebido a unção do Espírito, não precisa nem m esm o de um professor (lJ o 2.27). O que ocorre, na realidade, é que precisam os da herm enêutica não exa tam ente pelo fato de a Bíblia ser um livro divino, mas porque, além de ser divino, é um livro humano. Estranho como possa soar aos ouvidos, esta m a neira de olhar nosso problem a pode nos colocar no cam inho correto. A lin guagem hum ana, por sua própria natureza, é grandem ente equívoca, isto é, capaz de ser com preendida em mais de um a forma. Não fosse assim, nunca duvidaríam os do que as pessoas querem dizer quando falam; se proposições pudessem significar somente uma coisa, dificilm ente ouviríam os debates so bre se Johnny disse isso ou aquilo. Na prática, é claro, o núm ero de palavras ou sentenças que geram m al-entendidos constitui um a proporção m uito pe quena do total de proposições em itidas por um determ inado indivíduo em um determ inado dia. O que precisam os reconhecer, porém, é que o potencial para um a má interpretação está sempre presente. Em outras palavras, precisam os da herm enêutica para textos além da Bíblia. Na verdade, nós precisam os de princípios de interpretação para enten der conversações triviais e até m esm o acontecim entos não-lingüísticos - afi nal, a falha em com preender o piscar dos olhos de alguém poderia significar um desastre em certas circunstâncias. M as, então, retornam os à nossa questão original: Por que não nos foi exigido estudar herm enêutica no segundo grau? Por que é que, apesar dessa om issão em nossa educação, quase sempre com preendem os o que nosso próxim o nos diz? A resposta simples é que aprendem os herm enêutica durante toda a nos sa vida, desde o dia em que nascem os. Pode até ser que as coisas mais im por tantes que aprendem os sejam aquelas que fazemos inconscientem ente. Em resum o, quando você com eça um curso de herm enêutica, pode estar certo de que já conhece muito bem os princípios mais básicos de interpretação. Toda vez que você lê o jornal ou ouve um a história ou analisa um acontecim ento, prova a si m esm o que é um entendido na arte da herm enêutica! 1 L uis A lonso-S chõkel, H erm enêutica de Ia Palavra (M adrid: C ristandad, 1986), 1:83. Isso talvez seja algo perigoso de se dizer. Você pode ser tentado a fechar este livro “inútil” im ediatam ente e devolvê-lo à livraria, na esperança de con seguir seu dinheiro de volta. Entretanto, é necessário que apresentemos a ques tão e a ressaltem os. Além de gozar de um relacionam ento correto com Deus, o princípio mais fundam ental da interpretação bíblica consiste em colocar em prática o que fazem os inconscientem ente todos os dias de nossa vida. A herm enêutica não é prim ariam ente um a questão de aprender técnicas difí ceis. O treino especializado tem o seu lugar, mas é, na verdade, bastante se cundário. Poderíam os dizer que o que im porta é aprender a “transpor” nossas rotinas interpretativas costum eiras para a nossa leitura da Bíblia. E justam en te aí que com eçam nossos problem as. Por um a razão, não devem os pensar que o que fazem os todos os dias seja tão sim ples assim . Antes que você pudesse ler um a revista, por exem plo, você teve que aprender inglês. Você acha que isso é fácil? Pergunte a qualquer estrangeiro que tentou aprender inglês depois da adolescência. N o tavelm ente, você atravessou esse difícil e com plicado processo com grande sucesso nos prim eiros poucos anos de sua vida. Aos 4 ou 5 anos de idade, você - e todo e qualquer ser hum ano sem deficiências - já teria dom inado centenas e centenas de regras fonológicas e gram aticais. Na realidade, seu vocabulário era bastante lim itado, mas aprendê-lo é a parte mais fácil do dom ínio de um a língua. Além disso, sua mente recebe, cotidianam ente, incontável núm ero de impressões. Estas são os fatos da H istória - prim eiram ente suas experiências pessoais, porém suplem entada pelas experiências de outros, incluindo infor mação sobre o passado - com todas suas associações, quer psicológicas, sociais ou outras quaisquer. De m aneira não m enos im pressionante que a aquisição de um a língua, seu cérebro organiza cuidadosam ente essas m ilhões de im pressões, m antendo algumas na superfície, outras em nível sem iconsciente, e ainda outras em algo equivalente a uma lata de lixo. E tudo um com ponente essencial da interpretação eficiente. Sigamos nossa ilustração um tanto fictícia: Toda vez que você recebe uma impressão, sua m ente verifica se esse já é um fato arquivado; se não, ela relaciona essa nova im pressão às obtidas anteriorm ente a fim de que possa fazer sentido. Usando outra analogia comum , seu cérebro é com o um filtro que seleciona todos os dados novos. Se um fato anterior despercebido não passa pèlo filtro, seu cérebro tem apenas duas escolhas imediatas: forçá-lo pelo filtro distorcendo a evidência ou rejeitá-lo completamente. O último é o equivalente inconsciente “Já tomei um a decisão - portanto, não me perturbe com os fatos” . Há, porém, um a terceira opção: adm itir sua ignorância e deixar o novo fato de lado até que seu filtro seja capaz de lidar com ele. Vemos, então, que nossa prática diária de interpretação não é tão sim ples com o podíam os ter im aginado. Exige um processo bastante com plexo (ainda que geralm ente inconsciente) que concentra-se na linguagem e na H is tória, usando ambos os termos num sentido bastante amplo. O bviam ente, nossa com preensão é reduzida à m edida que a linguagem ou os fatos que estão sendo in te r p r e ta is são desconhecidos para nós. Se um advogado usa linguagem técnica legal quando procura iniciar um a conversa com um estra nho no m etrô, dificilm ente se pode esperar que haja m uita com preensão. De m aneira semelhante, um a pessoa que não acom panhou os desenvolvim entos do governo am ericano, por um período extenso de tem po, não será capaz de com preender um editorial de um jornal, ou até mesmo caricaturas políticas. O problem a torna-se mais sério se existem diferenças lingüísticas e cul turais entre o interlocutor (ou escritor) e o ouvinte (ou leitor). Suponham os que, tendo somente uma fam iliaridade básica com os escritos de Shakespeare, decidim os com preender Otelo. Em vários m om entos atravessaríam os passa gens contendo certas palavras que nunca vimos antes ou que parecem ter sentidos bastante incomuns. Por exemplo: I f I do prove her haggard, Though that her je sse s were my dear heart-strings I ’d whistle her o ff and let her down the wind To prey atfo rtu n e. ... (3.3.260-63) M esm o após descobrirm os que haggard é igual a “falc ão ” e que je s s e s corresponde a “fech o s” , acharem os m uito difícil identificar o que O telo quer dizer, isto é, se acaso sua esposa se m ostrasse infiel, ele perm itiria que seu coração se partisse ao deixá-la ir em bora. Considere um problem a ainda mais enigm ático. No início da peça, o duque de Veneza e alguns senadores estão discutindo notícias recentes a res peito de um a arm ada turca, mas há considerável discrepância quanto ao nú m ero de galés envolvidas. O duque diz então: / do not so secure me in the error, B ut the main article I do approve In fe a rfu l sense. (1.3.10-12) O que pode nos frustrar em uma passagem como esta é que todas as palavras são fam iliares a nós - na verdade, até m esm o o sentido dessas palavras se aproxim a do uso moderno - ainda assim, o sentido total parece nos escapar. A m enos que estejam os bastante fam iliarizados com a literatura shakespeariana, levará um tem po até interpretarm os essa afirm ação corretam ente. Em prosa m oderna, “o fato de que existe um a discrepância nos relatos não m e dá ne nhum sentido de segurança; é com espanto que devo dar crédito ao ponto principal da história”. Os problem as mais traiçores, porém , surgem quando um a palavra ou expressão é fam iliar e o sentido a que nos atemos tem lógica no contexto, entretanto nossa ignorância sobre a história da linguagem nos engana. Q uan do lago relata algo que Cássio disse enquanto dorm ia, Otelo cham a-o de m onstruoso. lago lem bra Otelo que se tratava apenas de um sonho, pelo que o último responde: “Mas isso significou um conclusão precedente” (3.3.429). Em nossos dias, a expressão uma conclusão precedente significa “um resulta do inevitável”, e é possível obter algum sentido da passagem se tom arm os este com o sendo o sentido aqui. Nos tempos elisabetanos, porém , a expressão simplesmente significava “uma experiência prévia” ; Otelo acredita que o que Cássio dissera enquanto dormia refletia algo que realmente já havia acontecido. Esses são os tipos de dificuldade que encontram os quando lem os um trabalho escrito em nossa língua e produzido dentro da cultura ocidental geral da qual fazemos parte. Quando nos aproxim am os da Bíblia, porém , encontra mos um livro que não é escrito nem em nossa língua nem em linguagem m oderna relacionada de m aneira próxim a dela. Além disso, nos defrontam os com um texto que está extrem am ente distante de nós quanto ao tem po e espa ço. Percebem os, então, que, com respeito tanto à linguagem quanto à H istó ria, a interpretação da Bíblia se apresenta como um desafio para nós. Por conseguinte, uma com preensão acurada das Escrituras requer o que veio a ser conhecido como exegese gmm ático-históricci.2 O term o exegese (usado freqüentem ente pelos estudiosos bíblicos, mas raram ente por especialistas em outros campos) é uma form a rebuscada de se referir à interpretação. Pressupõe que a explicação do texto envolveu análise cuidadosa e detalhada. A descrição gram ático-histórica indica, naturalm ente, que essa análise deve prestar atenção tanto na linguagem em que o texto original foi escrito quanto ao contexto cultural específico que deu origem ao texto. Não podem os, por exemplo, partir do pressuposto de que as regras lin güísticas da sintaxe de nossa língua ou as nuanças das palavras de nosso vo cabulário correspondam àquelas do grego do Novo Testamento; caso contrário, corremos o risco de impor nossas idéias sobre o tpxto bíblico. Semelhantemente, se falharm os em tom ar nota das características distintivas culturais da socie dade hebraica ou das circunstâncias históricas por detrás de um livro do A nti go Testamento, permitiremos que nosso “filtro” mental - isto é, nossos precon ceitos - determinem o que as passagens bíblicas podem ou não podem significar. 2 Term os com o gram ático-histórico e histórico-gram aticcd são usados tam bém com o m esm o senti do. O bserve, entretanto, que a expressão histórico-crítica tem outras associações m ais controversas. Veja as discussões sobre o m étodo histórico-crítico no cap. 2, pp. 29, 30, e cap. 13, pp. 2 2 7 -2 ;-. N aturalm ente, a tentativa de encaixar nossos preconceitos no texto bí blico tem criado um a disciplina acadêm ica extrem am ente am pla e complexa. Em parte por causa da distância (tanto lingüística quanto histórica) que nos separa da B íblia ser tão grande; em parte porque a B íblia é um docum ento bastante extenso escrito por muitas pessoas durante um vasto período de tem po; em parte porque a Bíjplia tem atraído a atenção profissional de m uitos estudiosos durante os últimos vinte séculos; em parte porque a B íblia toca nos problem as mais profundos enfrentados pelas pessoas de todos os lugares - por estas e outras razões, nenhum outro docum ento literário suscitou um corpo m aior de escritos acadêm icos, envolvendo pesquisa especializada de todos os tipos e gerando debates acalorados. Apesar disso, devemos observar novam ente que, em princípio, não há diferença entre os problem as da interpretação bíblica e aqueles que confron tamos em nosso dia-a-dia. A maioria de nós não diz que está praticando exegese gram ático-histórica quando lê um a carta de um parente, mas é precisam ente isso o que estam os fazendo. A diferença é, por assim dizer, quantitativa em lugar de qualitativa. (Até o momento, é claro, estam os voltados apenas para as características hum anas das Escrituras. As questões especiais relacionadas com o caráter divino da Bíblia ainda serão vistas mais adiante.) Em outras palavras, quando lem os a Bíblia deparam os com um número m uito m aior de detalhes sobre os quais somos ignorantes do que quando interpretam os textos em nossa língua contem porânea. A propósito, esse modo de tratar a questão nos ajuda a reconhecer que os problem as da interpretação bíblica são norm alm ente nossos problem as, não da Bíblia! Apesar de existirem , de fato, algumas passagens nas Escrituras que, em razão do assunto apresentado, são intrinsecam ente difíceis de enten der, a m aior parte das passagens não pertence a esta categoria. Fundam ental m ente, a Bíblia é um livro bastante simples e claro. Nós, entretanto, somos pecadores e ignorantes. Q uer seja por causa de nossas lim itações ou nossa preguiça, freqüentem ente falham os em dim inuir a distância que nos separa do texto bíblico, e é isso o que nos causa problem as. M as agora perguntemos: Qual é a dificuldade existente para a m aioria de nós poder entender a Bíblia? Grandes porções das Escrituras consistem de narrativas de sentido claro. Nesses textos, apenas raram ente deparam os com um a palavra que nos traz dificuldade de com preensão, ou um a excentricidade gram atical que não pode ser solucionada. (Em outras palavras, todas as tradu ções padrão tratam essas passagens essencialm ente da m esm a form a). Além disso, nossa inform ação com respeito ao contexto histórico é geralm ente bem adequada para dar sentido a esses textos históricos. Por que, então, tanto de bate acerca da interpretação bíblica? Podemos ser capazes de responder a essa questão se considerarmos um exemplo bastante específico e típico. Em Mateus 8.23-27 lemos a curta e bem conhecida história de Jesus e seus discípulos entrando num barco no M ar da Galiléia. Enquanto Jesus estava dormindo, uma tempestade repentina começou a sacudir o barco. Os discípulos acordaram Jesus e lhe pediram para salvá-los. Jesus os repreendeu em razão de sua pouca fé e acalmou as ondas. Espantados, os discípulos disseram: “Quem é este que até os ventos e o m ar lhe obedecem ?” A questão sobre o significado dessa passagem pode ser considerada em vários níveis. Vejamos cada um deles. 1. O nível lingüístico, não encontram os nenhum a dificuldade aqui. To das as palavras gregas dessa passagem são clara e am plam ente comprovadas. E m bora tradutores possam diferir ligeiram ente quanto às palavras de nossa língua que m elhor representem os term os gregos correspondentes, não há um debate real sobre o que essas palavras gregas significam. De m aneira sem e lhante, não ocorrem form as gram aticais raras. 2. Com respeito ao contexto histórico (cultura, geografia, etc.), tam bém não há discussão. A referência ao “lago” (com o visto na NIV; lit., “o m ar”) é certam ente ao Lago de Genesaré, ou o M ar da Galiléia. Tam bém sabem os sobre as tem pestades repentinas que surgem na região. 3. O “sentido” da passagem , porém, inclui mais do que puram ente os fatos da história. N orm alm ente tem os interesse no ensino da passagem . E n tretanto, m ais uma vez aqui a intenção prim ária da história é cristalina. O acontecim ento dem onstra o grande poder de Jesus, de m aneira que não havia necessidade de os discípulos se desesperarem. 4. Mas, e quanto à historiciãade da narrativa? Muitos debates hermenêuticos concentram-se precisamente nesta questão. No presente caso, ela surge por duas razões. Em primeiro lugar, uma comparação dessa narrativa com as passagens paralelas (Mc 4.35-41; Lc 8.22-25) revela algumas diferenças interessantes. Teria o acontecimento ocorrido em um determinado ponto no ministério de Jesus em que Mateus o coloca, ou foi justamente depois que Jesus proferiu as parábolas do reino, como Marcos nos relata? Os discípulos eram respeitosos, como Mateus parece retratá-los, ou eram mais impulsivos (cf. Mc 4.38)? Em segundo lugar, muitos estudiosos modernos rejeitam a possibilidade de milagres. Se as ocorrên cias sobrenaturais estão fora de questão, então certamente essa passagem será interpretada de maneira diferente de seu sentido manifesto. 5. Ainda outro nível de sentido surge quando distinguim os o aconteci m ento histórico em si de seu contexto literário. Este ponto torna-se especial m ente claro se novamente com pararm os M ateus com os outros evangelhos. Por exem plo, o fato de M ateus colocar a história logo após dois incidentes ligados ao discipulado (M t 8.18-22) pode nos transm itir algo importante. Quando observam os que a história em si é apresentada com a declaração de que “seus discípulos o seguiam ” (palavras não encontradas em M arcos ou Lucas), podem os razoavelm ente inferir disso que uma das razões pelas quais M ateus relata a história é para nos ensinar acerca do discipulado, que é um im portante tem a em todo o evangelho. (Observe, todavia, que a intenção do autor é grandem ente parte dos dois prim eiros itens acima. As distinções que estam os apontando aqui podem tornar-se um tanto artificiais). 6. A lém do contexto literário, precisam os ter em m ente o contexto canônico m ais am plo, isto é, com o a passagem se relaciona com o todo do cânon (a com pleta coleção) das Escrituras? Fazer esta pergunta é m over-se em direção à área da teologia sistem ática. Com o a repreensão de nosso Se nhor sobre os discípulos se encaixa no ensino bíblico geral acerca da fé? O poder de Jesus sobre a natureza nos ensina algo acerca de sua divindade? Perguntas com o estas certam ente são parte da herm enêutica considerada de form a geral. 7. Mas podem os até m esm o ir além dos limites das próprias Escrituras e considerar a história da interpretação. Em bora seja muito im portante distin guir o sentido do texto bíblico das opiniões de leitores subseqüentes, existe de fato um a conexão próxim a, visto que hoje nos encontram os no final de uma longa tradição. De fato, não é possível pular os últimos vinte séculos com o se não tivessem acontecido. Quer estejam os cientes disso ou não, a história da interpretação tem nos influenciado direta e indiretam ente. Quanto mais tiver mos consciência desse fato, mais fácil será identificar e rejeitar aquelas inter pretações que acharmos inaceitáveis. O que precisa ser assinalado, porém , é que todos nós, de m aneira bastante freqüente (m esm o que inconsciente) par timos do pressuposto de que um a interpretação específica seja o sentido do texto, quando na realidade podem os sim plesm ente ter assim ilado (por meio de serm ões, conversas, etc.) o que a história da igreja preservou. 8. Finalm ente, devemos considerar “o que a passagem quer dizer para m im ” , ou seja, o significado presente da passagem .3 Tradicionalm ente, esse passo é descrito como aplicação e distinguido bem nitidam ente do sentido do texto. Em décadas recentes, porém , um núm ero de escritores influentes - não apenas no cam po da teologia mas tam bém da filosofia e do criticism o literá rio - têm protestado que a distinção não tem sustentação. A rgum enta-se, por exem plo, que, se não sabemos como aplicar um m andam ento das Escrituras para nossa vida diária, então não podem os realm ente afirm ar saber o que aquela determ inada passagem significa.4 R ejeitar a distinção entre sentido e * A lgum as vezes o term o contextualizcição é usado para assinalar este ponto, enfatizando nossa n ecessidade de ver a relevância da passagem em nosso próprio contexto. 4 Veja o cap. 13, sessão 4 (“O Papel do L eitor”). aplicação parece um a posição extrem a, mas não há dúvidas de que há uma m edida de verdade nisso (observe que esta oitava categoria é m uito sem e lhante à terceira). Certam ente, quando a m aioria dos cristãos lê a Bíblia, eles querem saber o que fazer com aquilo que lêem . Também podem os considerar que o tanto que a Bíblia afeta nossa vida é pelo menos uma m edida do quanto nós a com preendem os. O que aprendem os a partir desses vários níveis de sentido? E m prim eiro lugar, com eçam os a com preender porque, por um lado, a Bíblia é tão clara, enquanto, por outro, sua interpretação pode tornar-se com plicada. Até onde a exegese histórico-gram atical diz respeito (principalm ente os níveis 1 e 2, mas tam bém parcialm ente 3 e 5), a história do acalm ar da tem pestade é, na verda de, uma narrativa sim ples. Nesse sentido, a história é bastante típica, conside rando outras que encontram os na B íblia como um todo. Evidentem ente, algu mas passagens poéticas do Antigo Testam ento apresentam sérias dificuldades lingüísticas; as visões do livro de A pocalipse não são sem pre claras; gosta ríam os de ter mais dados históricos relativos ao livro do Gênesis; e assim por diante. É um pouco enganoso, porém , dar tanta atenção às passagens proble m áticas a ponto de esquecerm os a clareza apresentada na m aior parte das Escrituras. (Precisam os lem brar constantem ente da clareza essencial da m en sagem bíblica, pois um livro que trata da interpretação bíblica, por sua pró pria natureza, vai concentrar-se nos problem as.) Em segundo lugar, a distinção nas oito partes apresentadas acim a pode nos ajudar a entender por que muitos estudiosos que não professam eles pró prios a fé cristã (pelo menos não em um sentido evangélico) são capazes de escrever com entários proveitosos e por outro lado interpretar a Bíblia. Um ateu, por exem plo, pode rejeitar a possibilidade de m ilagres (e portanto “dei xar de com preender” com pletam ente o nível 4) e ao mesmo tem po ser capaz de entender o significado da passagem para sua vida (nível 8) e ter um conhe cim ento teológico defeituoso sobre a natureza da fé (nível 6). Precisam os enfatizar, entretanto, que as distinções que apresentam os são um pouco incom uns. A m aior parte dos intérpretes raram ente tem consciên cia delas. Além disso, os vários níveis estão tão intim am ente entrelaçados que isolar qualquer um deles seria um procedim ento artificial. Por exem plo, não é incom um ouvir dizer que qualquer um, m esm o um descrente, pode interpretar a B íblia e som ente quando ele a aplica é que surge a questão da fé. H á um a m edida de verdade nessa form ulação, mas a distinção parece dem a siadam ente simples. Afinal, pode alguém interpretar a Bíblia de uma form a com pletam ente desapaixonada? Visto que todos (mesmo um ateu) têm algum tipo de com prom etim ento de fé, esse com prom etim ento não interfere sempre no processo exegético? Em todo caso, deve ficar claro que ao categorizar esses níveis de signifi cado com o fizemos, nos deslocamos quase im perceptivelm ente das caracte rísticas hum anas das Escrituras para sua característica divina. O nível 4 acer ca da historicidade, por exemplo, dificilm ente pode ser desassociado de uma visão do leitor acerca da inspiração bíblica. O nível 6 acerca do contexto de canonicidade tem pouco pes#o para alguém que não está convencido da unida de divina das Escrituras. Finalm ente, o nível 8 im plica que quando lem os a B íblia nós a reconhecem os como sendo a Palavra de Deus dirigindo-se a nós; certam ente, se não nos apropriam os da m ensagem de Deus, podem os consi derar que estam os tendo falhas herm enêuticas. Mas agora, se a Bíblia é de fato um livro divino e único, não deveríam os esperar usar princípios de interpretação que se aplicam a ela de m aneira espe cial? C ertam ente que sim. Até este ponto vimos aquilo que é freqüentem ente cham ado de herm enêutica geral, isto é, critérios que são relevantes para a interpretação de qualquer coisa. Existe tam bém aquilo que é cham ado de herm enêutica bíblica. Enquanto alguns estudiosos discutem acerca da neces sidade para tal disciplina em particular, ninguém que com preenda o caráter especial das Escrituras desejará ignorá-la. 1. Em prim eiro lugar, devemos aceitar o princípio de que som ente o Espírito de D eus sabe as coisas de Deus, com o Paulo ensina em 1 Coríntios 2.11 (parte de uma rica porção das Escrituras com amplas im plicações). C on seqüentem ente, somente alguém que tem o Espírito pode esperar adquirir um a verdadeira e satisfatória com preensão das Escrituras. E justo notar que nesse versículo o apóstolo não está tratando diretam ente da questão da inter pretação bíblica.5 Apesar disso, se admitirmos que a Bíblia é onde devemos ir para descobrir acerca “das coisas de D eus”, então a relevância das palavras de Paulo para a herm enêutica bíblica é inegável. 2. Este princípio da necessidade da presença interior do Espírito Santo é enfatizado de um ângulo diferente em 1 João 2.26,27b. Os cristãos a quem João está escrevendo estão enfrentando problem as com falsos m estres que desejam alterar a m ensagem apostólica. Esses cristãos, intim idados pelo novo ensino, tornaram -se vulneráveis. Eles precisam de instrução. Assim, João diz: “Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar. Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes perm anece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine.” Antes, no versículo 20, ele havia deixado claro o que tinha em mente: “E vós possuis unção que vem do Santo e todos tendes conhecim ento.” Temos, então, um segundo princípio da inter pretação bíblica: a essência da revelação de D eus - a verdade —é comparti5 E até m esm o possível que a inspiração apostólica esteja em vista aqui. Cf. W aíteT c. K aiser”Jr., “A N eglected T ext in B ib ü o lo g y D iscussions: 1 C orinthians 2 :6 -1 6 ”. W T J 43 (1980-81): 301-19. Ihada p o r todos os que crêem. N ão precisam os de mais ninguém para suprir, nem mesmo para contradizer, a mensagem do evangelho. 3. Indiretam ente, porém , as palavras de João nos levam a um terceiro critério. O fato de que os cristãos sabem a verdade e que não deveriam deixar ninguém os afastar dela sugere que a mensagem de D eus para nós é consis tente. Em outras palavras, deveríam os interpretar as várias partes das E scritu ras de m aneira que se harm onizem com seus ensinos centrais. M uitos em nossos dias opõem -se a este princípio. O fato de que Deus usou autores hu m anos para nos dar a Bíblia, afirmam eles, significa que deve haver contradi ções nela. M as um a Palavra de Deus corrom pida pela ignorância e inconsis tências dos seres hum anos não seria mais a Palavra de Deus. Não podem os lançar um a parte das Escrituras contra outra, nem podem os interpretar um detalhe das Escrituras de form a que enfraqueça sua m ensagem básica.6 4. Finalm ente, uma interpretação satisfatória da bíblia requer uma pre disposição submissa. O que nos motiva a estudar a Bíblia? O desejo de ser m os eruditos? Considere o alvo do saímista: “D á-m e entendim ento, e guarda rei a tua lei; de todo o coração a cum prirei” (SI 119.34). Nosso Senhor disse aos judeus que ficaram confusos com seu ensinam ento: “ Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por m im m esm o” (Jo 7.17). O desejo de guardar os m andam entos de Deus, a determ inação em fazer a vontade de Deus - este é o grande prérequisito para a verdadeira com preensão bíblica. Q uem precisa de herm enêutica? Todos nós precisam os. Este livro é m eram ente um guia para ajudar você a ler a Bíblia com o você lê qualquer outro livro, e ao m esm o tem po, lê-la como não faz com nenhum outro livro. 6 N osso reconhecim ento de que a B íblia é hum ana, assim com o divina, im plica, de fato, que deve ríam os considerar a d iversidade de seus vários autores, a diversidade de ênfases, suas form ulações únicas, e assim por diante. N ão deveríam os im por um a uniform idade artificiai sobre o texto bíhiico. C om o im plem entar este princípio sem enfraquecer a unidade d a E scritura é, às vezes, d i f L \ C apítulos posteriores deste livro tratarão d esta questão. A definição de significação de um texto mudou dram atica mente em 1946 com a declaração de que é uma falácia depender que o autor queria dizer como forma de determinar o significado do texto. Desde aquela época, três figuras tenderam a dom inar os contínuos refinamentos ou protestos a respeito dessa dita falácia: H ans-G eorg Gadam er, Paul R icoeur e E. D. Hirch. G adam er enfatizou a “fusão de horizontes” (quase numa recriação da dialética de Hegel usando termos atuais), Ricoeur visualizou um conjunto completam ente novo de operações quando trata-se de com unica ção escrita, enquanto Hirsch afirmou que é impossível validar o significado se este não estava ligado às afirmações sobre a verdade por parte do autor e diferenciado dos sentidos do texto. No m om ento, há quatro modelos principais para se enten der a Bíblia: o m étodo de texto-prova, o m étodo histórico-crítico, o m étodo de reação do leitor e o m étodo sintático-teológico. O prim eiro com freqüência é ingênuo, o segundo já foi conside rado improdutivo, o terceiro muitas vezes é uma reação ao pri m eiro, e o últim o é holístico e envolve tanto as aplicações histó ricas quanto práticas. Em meio a todas essas grandes m udanças, descobrim os que a palavra “significado” é usada nos dias de hoje de modo a in cluir o referente, o sentido, a intenção do autor, a im portância que uma passagem tem e suas conseqüências. CAPÍTULO 2_________ O Sentido do Significado W alter C. K a is e r , J r . “ Q uando uso um a p a la v ra ” , disse H um pty D um pty em um tom bem d e s denhoso, “ significa apenas o que escolho que ela signifique - nem m ais, nem m enos.” “A questão é” , disse Alice, “se você pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.” “A questão é”, disse Humpty Dumpty, “quem deve ser o mestre, afinal.”7 Alice apresenta um princípio válido: as palavras freqüentem ente possuem um a am pla gama de possíveis significados, mas o significado que exibem em um contexto particular e que tam bém partilham no foro público não pode ser desconsiderado ou arbitrariam ente usado de form a intercam biável. M as A li ce não está sozinha em sua luta para interpretar e entender o que os outros e stã o d ize n d o ou escrev en d o . E stu d io so s m o d ern o s e le ito re s leig o s freqüentem ente sentem -se tão confusos quanto Alice quando tentam com pre ender qual pode ser o significado de alguns diálogos e livros. N a realidade, os problem as são até mais com plicados do que a pobre Alice suspeitava. De fato, como Lewis Carrol continuou a nos dizer: Alice estava muito confusa para dizer algum a coisa, assim , após um m inuto Hum pty Dum pty começou novamente. “Im penetrabilidade! É isso o que eu digo!” “Você me diria, por favor” , disse Alice, “o que isso significa?” ... " L ew is C a rro ll, T h ro u g h the L o o k in g G la ss (F ila d é lfia : W in sto n , 1923; re im p re s so 1957). p. 213. “O que eu quis dizer por ‘im penetrabilidade’ é que já tivemos o suficien te acerca desse assunto, e que seria propício se você m encionasse o que você pretende fazer em seguida, pois suponho que não pretenda parar aqui todo o resto de sua vida.” “Isso é que é fazer uma palavra significar tanto!” , asseverou Alice, em tom cuidadoso. « “Quando eu faço um a palavra trabalhar bastante deste m odo” , disse H um pty Dumpty, “eu sempre pago um adicional.” “O h!” disse Alice. Ela estava confusa dem ais para fazer qualquer ou tra observação.8 Três Novos Humpty Dumptys O problem a do significado m udou dram aticam ente em 1946. Dois críticos literários, W. K. W im satt e M onroe Beardsley, dispararam um tiro que, cedo ou tarde, foi ouvido em todo o m undo literário. W im satt e Beardsley distinguiram cuidadosam ente três tipos de evidência interna de significado, adm i tindo que dois tipos são apropriados e úteis. Entretanto, a m aior parte de suas qualificações e distinções já desapareceu, engolidas na versão popular do dogm a de que qualquer coisa que um autor queira significar ou pretenda dizer por m eio de suas palavras é irrelevante para nossa obtenção do significado daquele texto! Assim aconteceu que, de acordo com esse conceito, quando um a obra literária era term inada e entregue aos seus leitores, tornava-se inde pendente de seu autor no que se refere ao seu significado. A principal falha das gerações anteriores, de acordo com a Nova Crítica, era a “falácia intencional” , ou seja, a falácia de depender do que um autor queria dizer pelo seu próprio uso das palavras no texto escrito com o a fonte do significado naquele texto.9 Porém m omentos ainda mais decisivos neste século de m udanças herm enêuticas ainda estavam por vir. H a n s-G eorg G adam er A teoria m oderna da interpretação foi abalada mais um a vez em 1960, quan do H ans-Georg G adam er publicou na A lem anha seu livro Truth and M ethod (Verdade e m étodo).10 O título de seu livro contém o tem a de sua tese central: A verdade não pode residir na tentativa do leitor de voltar ao sentido do autor, pois esse ideal não pode ser realizado tendo em vista que cada intérprete tem *7bid., pp. 213-214. 9 W. K. W im aatt e M onroe B eardsley, “T he Intentional Fallacy” , Sew anee R eview 54 (1946); reim presso em W illiam K. W im satt, Jr., The Verba! Icon: Studies in the M eaning o f P oetry (N ova York: Farrar, Straus, 1958), pp. 3-18. 10 H ans-G eorg G adam er, Truth a n d M ethod: E lem ents o f P hilosophical H erm eneutics, trad. inglês (N ova York: Seabury, 1975; reim presso, C rossroad, 1982). um conhecim ento novo e diferente do texto no próprio m om ento histórico do leitor." A partir dessa tese central fluíram quatro afirm ações12 em seu método: 1. O preconceito (alemão, Vorurteil) na interpretação não pode ser evita do, mas deve ser incentivado para que se possa compreender o todo da obra e não apenas as partes. Esse pré-entendimento vem de nós m es mos e não do texto, visto que o texto é indeterminado em significado. 2. O significado de um texto sempre vai além de seu autor. Disso pode mos inferir que a com preensão não é um a atividade reprodutiva, mas produtiva. O assunto em questão, e não o autor, é o determ inante do significado. 3. A explicação de um a passagem não é nem inteiram ente o resultado da perspectiva do intérprete nem com pletam ente aquela da situação histórica original do texto. E, sim, um a “fusão de horizontes” (ale mão, Horizontverschmellzung). No processo de compreensão, as duas perspectivas são contidas em um a terceira nova alternativa. 4. Significados passados não podem ser reproduzidos no presente por que o ser do passado não pode se tornar ser no presente. P aul R ic o e u r Na obra Interpretation Theory,n publicada em francês em 1965, Paul Ricoeur questionou a idéia de que um texto é sim plesm ente “a fala escrita” , um diálo go colocado em papel. Em lugar disso, segundo sua perspectiva, a escrita fundam entalm ente altera a natureza da com unicação e oferece um conjunto todo novo de operações, incluindo estas quatro: 1. Um texto é sem anticam ente independente da intenção de seu autor. O texto agora significa o que quer que diga, não necessariam ente o que seu autor tinha pretendido. 2. Gêneros literários fazem mais do que apenas classificar textos; eles na realidade dão um código que form a o cam inho pelo qual um lei tor irá interpretar aquele texto. 3. U m a vez que os textos foram escritos, o significado deles é não mais determ inado pela com preensão que os leitores originais tinham des 11 E. D. H irsch, Jr., Valiclity in Interpretation (N ew Haven: Yale U niversity Press, 1967), trata a teo ria de G adam er de interpretação no apêndice 2, pp. 245-64. 12 Para a organização geral dos pontos relacionados a G adam er e subseqüentem ente a Paul R icoeur e E. D. H irsh, sou grato a S andra M. Schneiders, “From E xegesis to H erm eneutics: T he P roblem s o f C ontem porary M eaning in Scripture” , H orizons 8 (1981): 23-39. 13 Paul R icoeur, Interpretation Theory: D iscourse a n d the S urplus o f M eaning, trad. Inglês iF crt W orth, Tex.: Texas C hristian U niversity Press, 1976). ses m esm os textos. Cada público subseqüente pode ler agora sua própria situação no texto, pois um texto, diferentemente da fala, trans cende suas circunstâncias originais. As novas leituras não são em nada m enos válidas. Elas não devem ser com pletam ente contraditó' rias à com preensão do público original, mas podem ser diferentes, m ais ricas, ou mais«empobrecidas. 4. U m a vez que um texto é escrito, o significado daquilo que exprim e não está mais relacionado diretamente ao seu referente, ou seja, àquilo de que se trata. O novo sentido é libertado de seus limites situacionais, abrindo, deste modo, um m undo todo novo de significado. E . D . H ir s h O único am ericano a exercer m aior influência sobre a herm enêutica durante a im portantíssim a década de 60 foi E. D. Hirsch, um professor inglês da U ni versidade de Virgínia. Hirsch se mostrou contrário às tendências estabelecidas por W im satt e Beardsley, Gadam er e Ricoeur. Ele afirmou que o significado de um a obra literária é determ inado pela intenção do autor.14 Na realidade ele se baseou nos estudos de Em ilio Betti, um italiano historiador da lei, que tinha fundado um instituto para teoria da interpretação em Rom a em 1955. Porém foi Hirsch quem popularizou essa visão e, portanto, é o m ais conheci do pelos seguintes conceitos: 1. O significado verbal é qualquer coisa que alguém (norm alm ente o autor) desejou expressar por meio de uma seqüência particular de palavras e que podem ser partilhadas por meio de sinais lingüísticos. 2. A verdadeira intenção do autor fornece a única norm a genuinam ente discrim inadora para se distinguir interpretações válidas ou verda deiras das inválidas e falsas. 3. O prim eiro objetivo da herm enêutica é tornar claro o significado verbal do texto, não sua significação. O significado é aquele que é representado pelo texto e que um autor desejou dizer pelos sinais lingüísticos representados. A significação, ao contrário, denom ina um relacionam ento entre o sentido e um a pessoa, conceito, situa ção, ou outro possível núm ero de coisas. 4. O significado do texto não pode mudar, mas a significação pode e m uda na realidade. Se o significado não fosse determ inado, então não haveria norm a determ inada por meio da qual julgar se um a pas sagem estava sendo interpretada corretam ente. 14 H irsch, Validity in Interpretation; idem, The A im s o f Interpretation (C hicago: U niversity o f C h i cago Press, 1976). Essas são as principais formas do desenvolvimento da teoria hermenêutica contem porânea. O im pacto que cada um a já teve em nossa geração de intér pretes - sem m encionar as futuras gerações de intérpretes de todos os tipos não foi nada menos que a principal revolução na form a como atribuím os o significado a m ateriais escritos, incluindo a Bíblia. Dificilm ente qualquer es fera do processo interpretativo escapou de uma reestruturação e reconsideração m aior desde a década de 60. A vida do intérprete nunca será com o antes da últim a m etade deste século. Os efeitos dessa revolução podem ser ilustrados em quatro m odelos para uso da Bíblia. Quatro Modelos para Entender o Significado da Bíblia O MODELO TEXTO-PROVA A abordagem texto-prova para a compreensão do significado da Bíblia enfatiza o lado prático e pastoral da vida.15 Tipicam ente um significado bíblico é ne cessário para algum propósito referente à vida real, e o intérprete então pro cura alguns textos escriturísticos que apóiem o tem a atual ou a posição pas toral desejada. Os textos escriturísticos são valorizados mais por seu uso cur to, epigram ático de diversas palavras-chave coincidentes com o tópico ou assunto contem porâneo escolhido do que pela evidência que na realidade tra zem de seu próprio contexto. Tendo em vista que ignora o contexto, este método é com pletam ente inadequado. O que é pior, ele tende a tratar a Bíblia como se fosse um livro m ágico ou talvez nada mais que um a antologia de ditos para cada ocasião. Textos individuais, todavia, pertencem a unidades m aiores e são dirigidos a situações específicas, resultantes de propósitos históricos pelo quais foram escritos e contextos pelos quais agora são relevantes. O modelo texto-prova freqüentemente se apóia em leitura simples do texto. Pode desprezar o propósito pelo qual o texto foi escrito, o condicionamento his tórico em que é colocado, e as convenções de gênero que lhe dão forma. Conse qüentem ente, este m étodo é vulnerável à alegorização, psicologização, espiritualização, e outras form as de ajustes rápidos e fáceis das palavras escriturísticas para dizer aquilo que se deseja que elas digam na cena contem porânea, ignorando o propósito pretendido e uso conform e determ inado pelo contexto, gram ática e pano de fundo histórico.' O MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO A ssim com o o m étodo texto-prova gozou de relativa hegem onia em m uitos círculos evangélicos no passado, tam bém o m étodo histórico-crítico atingiu um a condição sem elhante entre os intérpretes eruditos do século 20. 15 P ara alguns d os conceitos referentes aos quatro m odelos sou grato a S chneiders, “ From E xegesis to H erm eneutics” , pp. 23-39. Este m étodo está mais preocupado em identificar as fontes literárias e os contextos sociais que deram vida a segmentos m enores do texto do que em concentrar-se em quaisquer discussões sobre quão normativos esses textos são para os leitores contem porâneos e para a igreja. Com freqüência, esse m étodo tem evitado qualquer discussão da relação do texto com a revelação divina, sua função com o <cânon na igreja, ou seu uso no em preendim ento devocional-teológico-pastoral dos cristãos. N este m étodo, a teoria do significado e interpretação determ ina o que o texto quis dizer em um tem po, lugar e cultura distantes. Esta é pretensam ente um a questão de pesquisa desinteressada nos fatos objetivos da gram ática, H istória e m etodologias críticas m odernas. A tarefa de descobrir o que o texto significa hoje para a igreja e o indivíduo é relegada a teólogos e pastores não a exegetas, estudiosos críticos e lingüistas cognatos. A lém disso, a tarefa interpretativa é declarada com pleta após o texto ter sido dissecado e deixado - norm alm ente - desencaixado em um contexto antigo com pouco ou ne nhum sentido para seus leitores contem porâneos. M as o tem po tem provado estar contra este intrincado m odelo de inter pretação da Bíblia. O significado do texto é necessariam ente atrofiado desde o início por causa da recusa do m étodo em oferecer qualquer assistência com relação a com o a igreja deve entender esses textos. O problem a pastoral e pessoal da aplicação foi deixado de lado sem tratam ento. O processo de inter pretação foi interrom pido quando estava apenas parcialm ente com pletado. A lém do mais, este m odelo enfatizava sua lealdade mais a teorias contem po râneas sobre a form ação de textos e a supostas fontes orientais e clássicas que estão por trás delas do que a uma consideração daquilo que o texto, tanto em suas partes quanto em sua totalidade, tinha a dizer. O MÉTODO DE RESPOSTA DO LEITOR Em reação à frustrante apatia do m étodo histórico-crítico de determ inação de significado, um terceiro método surgiu em torno das contribuições de G adam er e Ricoeur. Enquanto essa perspectiva freqüentem ente vê o m étodo históricocrítico com o um passo necessário e legítim o para discernir o que um texto significava, ela enfatiza a necessidade de perm itir ao leitor e ao intérprete determ inar o que o texto significa agora - em sua m aior parte sentidos novos, diferentes e parcialm ente conflitantes. Finalm ente chegou a hora de a igreja e o indivíduo receber algum a ajuda da exegese. O processo interpretativo não poderia afirm ar ter atingido seu objetivo de qualquer form a até que tivesse envolvido o texto e o seu contexto original com as questões, significados e respostas dos leitores contem porâne os desse texto. Infelizm ente, este m étodo reagiu de tal form a aos abusos do m étodo histórico-crítico que, assim como m uitos pêndulos, tam bém inclinou-se lon ge dem ais na outra direção. O que se perdeu na m istura foi a prim azia da intenção do autor e a maioria das possibilidades de testar a validade das várias interpretações sugeridas. Todos os significados têm agora uma base potenci alm ente sem elhante, mas poucos intérpretes são capazes de dizer quais são normativos. O resultado é que a igreja continua perdendo toda autoridade derivada do texto, visto que ninguém pode classificar, e m uito menos deter minar, qual é o significado correto ou preferencial em grande núm ero de sig nificados concorrentes. O MÉTODO SINTÁTICO-TEOLÓGICO Velhos livros sobre herm enêutica inclinaram -se a designar o honrado m étodo dos intérpretes dos séculos 18 e 19 com o sendo o m étodo histórico-gram atical de exegese. Entretanto, de lá para cá esse nome provou-se enganoso. Q uan do Karl A. G. Keil usou esse termo em 1788, a expressão gramm atico se aproxim ava daquilo que entendem os pelo term o literal, o que ele expressava com o sendo o significado simples, claro, direto ou habitual. Ele não estava sim plesm ente referindo-se à “gram ática" que era usada. Igualm ente, o con texto “histórico” em que o texto foi redigido era tam bém m uito im portante para essa perspectiva, visto que deseja chegar tão próxim o quanto for possível dos tempos e contextos em que o autor original estava falando. A fim de enfatizar mais da inteireza da obra literária e ressaltar que a exegese não teria com pletado seu trabalho quando o intérprete tivesse anali sado todas as palavras e observado os usos naturais e históricos das m esm as, classificam os este quarto m odelo para interpretação da Bíblia com o sendo o m odelo sintático-teológico. Este m odelo faz o tradicional estudo históricogram atical do texto, seguido por um estudo de seu significado que dem onstra sua relevância histórica - tanto com respeito ao resto das Escrituras quanto com respeito à sua aplicação contem porânea. Com freqüência, os intérpretes m odernos falham em observar os relacionam entos sintáticos e teológicos que as palavras e conceitos têm nas Escrituras. Este m odelo de com preensão do significado enfatiza a necessidade de se apreender perícopes inteiras ou unidades com pletas de discussão como base para interpretar um texto. As decisões interpretativas-chave giram em torno de com o a sintaxe de expressões, cláusulas e frases contribui para a form ação dos vários parágrafos que form am o bloco total do texto sobre aquele determ inado assunto ou unidade de pensam ento. Em razão de a Bíblia preten der ser a palavra de Deus, a tarefa de localizar o significado não está term ina da até que se possa apreender o propósito, o escopo, ou razão (a teologia, na verdade) pelo qual esse texto foi escrito. Aspectos do Significado Antes de continuar diretam ente a nossa busca pelo significado da Bíblia, pre cisam os olhar mais cuidadosam ente para a própria palavra significado. Com o verem os, significados diferentes desta palavra estão intim am ente ligados com vários outros conceitos-chaves da herm enêutica, incluindo aqueles de refe rente, sentido, intenção e significação.16 O S IG N IF IC A D O CO M O R E F E R E N T E Com o os exem plos de Shakespeare no capítulo 1 deixam claro, é possível saber o significado de cada palavra em um texto e ainda assim não fazer a m ínim a idéia do que está sendo dito. Em tais casos, o que geralm ente está faltando é um a noção do que está sendo falado - o referente. O referente é o objeto, acontecim ento, ou processo no m undo para o qual um a palavra ou toda um a expressão é direcionada. Questões referenciais aparecem com bastante regularidade na interpreta ção bíblica, tanto dentro da Bíblia quanto nas interpretações que fazemos dela. Naturalmente, alguns leitores estão satisfeitos com seu próprio entendimento das passagens na Bíblia. Entretanto, o intérprete que deseja entender fará a m esm a pergunta referencial que o leitor etíope fez acerca do Servo Sofredor em Isaías 53 ao evangelista Filipe: “Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?” (At 8.34). Em outras palavras, a quem estas palavras se referem? Naturalmente, o etíope podia entender as palavras, mas ele não tinha idéia de qual era exatamente o referente. Questões sem elhantes sobre a identidade dos referentes surgem em vá rias passagens. Por exemplo, do que que Jesus está falando em João 6.53: “Se não com erdes a carne do Filho do hom em e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós m esm os” ? M esm o que João não tivesse previam ente re gistrado a instituição da Ceia do Senhor, a linguagem aqui traz um reconheci m ento desse assunto. “Carne” nos Evangelhos era uma referência à encarnação de Jesus, e “sangue” referia-se à sua morte, ou seja, à sua vida oferecida violentam ente pela morte. Tomando a parte pelo todo, esperava-se que os ouvintes de João viessem a crer na vida e no m inistério do Cristo encarnado, assim com o crer em sua m orte e em tudo o que ela alcançou. Igualm ente, os “falsos apóstolos” de 2 Coríntios 11.13, que tinham re cebido um “espírito diferente” , aceitavam um “evangelho diferente” , e prega ram um “outro Jesus” (v. 4), precisavam ser identificados a fim de que se pudesse com preender contra quem Paulo estava se opondo em 2 Coríntios 10-13. Estes “superapóstolos” (2Co 11.5) eram ou gnósticos pneum áticos ou 16 Para m uitas partes da discussão seguinte sou grato a G. B. C aird, The L anguage anel Im agery oj the B ible (Filadélfia: W estm inster, 1980), cap. 2, “T he M eaning o f M eaning,” pp. 37-61. triunfalistas, judeus helenistas operadores de m ilagres que queriam zorr.r^r de Paulo com suas próprias criações teológicas. Mas novamente devemos perguntar primeiro: De que Paulo está falando? Quem são estes superapóstolos? Nossa com preensão de 2 Tessaionicenses é grandemente enriquecida quando podem os identificar os referentes para o “hom em da iniqüidade” e “aquele que agora o [homem da iniqüidade] detém ” em 2 Tessalonicenses 2.3 e 7. N orm alm ente o prim eiro é tido como o Anticristo do final dos tem pos e o último é visto com o a pessoa do Espírito Santo. M as essas identificações não podem ser feitas levianam ente, pois a interpretação dessa passagem é radical m ente afetada pela escolha que se faz do referente. Sem elhantem ente, o “pastor” de Ezequiel 34.23,24 é crucial para o en tendim ento da passagem , O Bom Pastor de João 10 vem a ser o m esm o que foi contrastado com os maus pastores (isto é, todos os líderes, sacerdotes, profetas, príncipes, entre outros) que tinham roubado e vitim ado o rebanho de Deus no livro de Ezequiel. Claram ente, o referente é um fator crucial. Quando perguntam os: “O que você quer dizer?” algum as vezes estam os tentando descobrir do que se trata toda a discussão ou sobre quem /o quê está sendo falado. O SIGNIFICADO COMO SENTIDO Outro im portante em prego da palavra significado é seu uso com o “sentido” . Significado com o o referente nos diz do que está sendo falado, porém o signi ficado com o sentido diz o que está sendo falado acerca do referente.17 Logo que o sujeito ou objeto do discurso é estabelecido, partim os para descobrir o que o autor atribui àquele sujeito ou objeto. Quando perguntam os pelo sentido de uma palavra ou um a passagem , estam os pro cu ran d o por um a definição ou por algum tipo de cláu su la aposicional que nos mostrará como a palavra, ou todo o p a rá g ra fo , está f u n c io nando em seu contexto. Significado com o sentido é qualquer coisa que algum usuário desejou expressar por interm édio de um a palavra em particular ou por um a série de palavras em um a sentença, parágrafo ou um discurso. Além da sentença, o relacionamento das proposições nos parágrafos e discursos carregam o sentido que o escritor deseja transmitir. Com o ilustração, considere Rom anos 9*30-10.12. Esse texto tem sido objeto de quase todo extrem o de interpretação, o mais das vezes sim plesm en te porque o intérprete falha em, prim eiram ente, estabelecer o referente exato ao qual a passagem está se dirigindo e, em segundo lugar, em m ostrar qual o significado ou sentido em que essa passagem contribui com esse referente ou r Para um a m aneira diferente de distinguir os term os sentido e referente, veja M oisés Silva, Bíblica: Words a n d T heir M eaning: A n Introduction to Lexical Sem antics (G rand R apids: Z o n d e n ir.. 1983), pp, 102-8. sujeito. M uitas vezes as predileções teológicas parecem ser m ais form ativas para aquilo que se espera encontrar no texto do que um ouvir paciente do que o texto tem a dizer. Para observar o sentido-significado nessa passagem , deve-se entender o que significam quatro proposições-chave no texto. Observe com o algum as das proposições são em pregadas em aposição a outros term os na passagem e com o cada um a das quatro proposições, usada a partir do público judaico, ao qual se dirigia, opõe-se em contraste com quatro termos correspondentes usados no método dos gentios de buscar os mesmos objetivos que a comunidade judaica. nomon diakaiosyés - Romanos 9.31, Israel buscava uma “lei de justiça” a li’hós ex ergon - Rom anos 9.32, “não decorreu da fé e sim [como se fosse possível] com o que das obras” zélon theou (...) ou k a t’ epignósin - Rom anos 10.2, “eles têm zelo por Deus... não com entendim ento” kai tem idian - Rom anos 10.3, eles procuraram estabelecer “a sua pró pria [justiça]” Claramente, o referente dessas quatro proposições era a população judaica. Mas quais os significados e qual o sentido que o apóstolo Paulo ligou a cada uma? Israel, de acordo com essas quatro proposições, tinha empreendido o processo de buscar a justiça (o tópico anunciado em Romanos 9.30) de modo totalmente invertido. Paulo estava, deste modo, exortando: Não acusem a lei m osaica, nem culpem a Deus, o legislador, por aquilo que Israel fez aqui. Israel era culpado de inventar sua própria lei para substituir a lei de Deus e fazer uma nova lei a partir da justiça de Deus. Em vez de ir a Deus pela fé, lamentava Paulo, Israel insistia em fazer da justiça um program a de obras, como se isso fosse possível! Em bora devamos admirar o zelo de Israel, este zelo não era baseado no conhecimento que veio da Palavra de Deus (Rm 10.4). O resultado era um a justiça caseira, tão valiosa quanto um níquel de madeira. O que poderia ser mais claro: os gentios obtiveram a justiça de Deus ao crerem naquele que é aqui cham ado Pedra e Rocha, nosso Senhor. Assim, não deveriam se envergonhar. M as Israel, que criou um plano faça-você-m esm o, errou não apenas na m aneira apropriada de receber esta graça, mas tam bém na finalidade ou objetivo da lei (Rm 10.5), que não era menos que o próprio Cristo e sua justiça. De fato, m uito antes, nos dias de M oisés e da própria Torá, a m esm a justiça tinha sido descrita em Levítico 18.5 e D euteronôm io 30.10-14 (o texto grego deliberadam ente usou palavras que juntaram as duas citações em vez de contrastar as duas). A palavra que M oisés pregou foi a m esm a palavra de fé pregada por Paulo. O sentido está na totalidade da passagem : A justiça de Deus apontava para Cristo e vinha somente pela fé, não por obras. A pessoa que fizesse essas coisas viveria na esfera delas. Portanto, Rom anos 10.5 introduziu duas cita ções de Moisés, apoiando o sentido consistente iniciado na questão introdutória em 9.30 e sustentada em cada um dos quatro contrastes exibidos nas proposi ções dos parágrafos. O sentido do uso dessas palavras, enquanto form am o sentido de toda a passagem , é o segundo significado mais im portante a obter um a vez que o referente foi identificado. O SIGNIFICADO COMO INTENÇÃO Ao falar de significado como intenção, não pretendemos entrar na mente, na psicologia ou nos sentimentos do autor. Não temos nenhuma forma de obter ou controlar tal informação. Em lugar disso, estamos interessados somente na inten ção verdadeira do autor expressada na maneira como ele juntou palavras indivi duais, expressões e sentenças em um trecho literário para formar um significado. É preciso reconhecer, também, que não é sempre possível dissociar signifi cado como sentido de significado como intenção. Os dois são freqüentemente idênticos, de m aneira que as distinções feitas aqui são arbitrárias e sim ples m ente refletem nossa tendência a usar vocabulário que muitas vezes se sobre põe. M as alguns pontos precisam ser determ inados sob o título “o significado com o intenção” , com o segue. O im pacto deixado por W im satt e Beardsley é que a intenção de um autor não determ ina o que um a obra literária significa. Em lugar disso, o que um interlocutor quis dizer não coincide necessariam ente com o que a sentença significa. Perm ita-nos com plicar a questão um pouco mais: p ro fessores com freqüência avaliam o trabalho de um aluno para depois rec e ber seu protesto de que o professor não com preendeu o que ele quis dizer. Tipicam ente o professor responderá: “Eu só posso dar nota a você por aqui lo que você escreveu de fato, não por aquilo que você queria dizer.” D esta m aneira, pensam os, o significado do texto tem um significado independen te de seu autor. Todavia essa ilustração vale som ente com o um com entário sobre a habilidade artística ou, neste caso, a habilidade lingüística do estu dante. A utores, assim com o outros com unicadores, com freqüência afirm am coisas de m aneira m uito sim plória com am bigüidades ou elipses, assum in do que o referente seja conhecido sem ser citado. Todavia, a intenção do interlocutor nunca é irrelevante, pois o único cam inho de fuga do' atoleiro criado por esta objeção é perguntar ao interlocutor o que ele ou ela quis dizer - e se o interlocutor ou escritor não está m ais disponível, devem os buscar o contexto para term os pistas adicionais. P. D. Juhl ilustra como isso pode funcionar quando um homem diz: “Gosto mais da m inha secretária do que a m inha esposa.” Quando exclam am os com sobrancelhas erguidas: “É verdade m esm o?” ele im ediatam ente percebe que não entendem os o que ele pretendia comunicar. “Não, você não me com pre endeu” , protesta ele. “Eu quero dizer que gosto mais dela do que a m inha esposa gosta.” Ainda não está absolutam ente claro o que ele pretende, mas estam os mais perto agora do que estávamos antes. O hom em chegou a ter êxito em influenciar o significado da sentença anterior, m esm o que sendo c o n stru íd a de form a bastante lim ita d a .18 E ntretanto esses são casos de in co m p etên cia de autoria. F reqüentem ente é possível inferir do contexto o que um autor quer dizer, m esm o quando ele ou ela falhou em expressar sua intenção claram ente. C o m o a i n t e n ç ã o a f e t a o s i g n i f i c a d o . A intenção pode afetar o significa do de diversas m aneiras. Prim eiram ente, a intenção do autor determ ina se as palavras devem ser entendidas literalmente ou figurativamente. Portanto, quan do o salm ista escreve que as árvores batem palm as, fica claro que a união de um sujeito inanim ado com um predicado norm alm ente atribuído a seres ani m ados é suficiente para nos dar o indício de que a linguagem é figurativa. Em segundo lugar, a intenção do autor determ ina o referente que uma palavra irá ter. Aqui estão alguns exemplos em que é dito algum as vezes que um a elocução teve um significado além daquele que o autor original preten d ia.19 Por exemplo, se nos lim itarm os no m om ento somente ao significado com o referente, as seguintes afirmações pareceriam contradizer nossa tese de que a intenção do autor determ ina o sentido: (1) afirmações em geral podem ser aplicadas a qualquer m embro de uma classe, (2) verdades em geral podem ser facilm ente transferidas a outras, e (3) cum prim entos parciais dentro de um a série de previsões, pertencentes a uma linha que m ostre solidariedade associada entre todas as partes, pode tam bém ir além do im ediato e particular à m anifestação final da previsão. M arcos 10.25 ilustra a prim eira objeção levantada contra nosso princí pio de intencionalidade autoral: “E mais fácil passar um cam elo pelo fundo de um a agulha do que entrar um rico no reino de Deus.” De acordo com a perspectiva de alguns, essa elocução vai além do referente im ediato do autor. Essa afirm ação se aplicaria não apenas ao povo rico dos tem pos de Jesus, mas a todos aqueles mem bros pertencentes à m esm a classe dos “ricos” de qual quer época. Entretanto, visto que o princípio não m udou tanto no contexto bíblico quanto em nossos tem pos modernos, a verdade-intenção perm anece a m esm a. Em vez de quebrar nossa regra, apenas ajuda a desenvolvê-la mais. 18 P. D. Juhl, Interpretation: A n E ssa y in the P hilosophy o f L iterary C riticism (P rinceton, N.J.: Princeton U niversity Press, 1980), pp. 52-65. 19 Veja a boa discussão em G. B. C aird, The L anguage a n d Im agery o fth e Bible, pp .56-58. A segunda objeção pode ser ilustrada por M arcos 7.6, em que Jesus se queixou: “Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas...” Podem os responder a esta objeção em termos sem elhantes ã prim eira. Isaías não se dirigiu diretam ente a um público que passou a existir setecentos anos após sua m orte, mas a verdade que ele afirmou foi prontam ente transferida ao lon go dos séculos em razão do fato de que aquilo que ele havia dito poderia perfeitam ente ser dito tam bém acerca dos contem porâneos de Jesus. Não há m udança na intencionalidade autoral. A te rc e ira c a te g o ria de e v id ê n c ia lev an tad a co n tra nossa tese da intencionalidade autoral tom a o significado do referente com o sendo m últi plo, isto é, aponta para um núm ero de pessoas que cum priram a previsão e, portanto, além da im ediata intenção do autor - da m esm a form a que a previ são acerca da vinda do “pequeno chifre” , ou anticristo, em Daniel 7.8, 11, 25 é tida pela m aioria com o sendo sim ultaneam ente um a referência a Antíoco Epifânio IV e à m anifestação final do diabo nos últim os dias. Porém até m es mo 1 João 2.18 diz que “m uitos anticristos têm surgido” , sem m enosprezar o fato de que “com o ouvistes que [ainda] vem o anticristo” . N aturalm ente, concordam os que alguém com perfil diabólico que vio lentam ente se opôs ao reino de Deus foi e é um legítim o referente em subse qüentes gerações, m esm o em bora essa pessoa possa não ser a m anifestação final do anticristo do fim dos tempos. Apesar disso, é o significado pretendido pelo autor que deve ser o ponto de partida de onde toda a com preensão se inicia. E na ilustração considerada há pouco, em bora existam m últiplos cum prim entos por toda a História, enquanto o tem po avança para o seu final, nenhum desses cum prim entos constitui um caso de significados duplos ou múltiplos. Todos eles participam de um único significado, ainda que tenha havido um núm ero m últiplo de cum prim entos por todo o curso de tempo. Esta é a singularidade da questão que estam os defendendo. E sem elhan te à perspectiva apresentada pela escola de Antioquia de interpretação do 5o ao 7o séculos d.C. Foi um caso de cum prim entos m últiplos com um sentido único ou significado que incorporou todos eles, por causa da natureza genéri ca do term o usado ou o coletivo, natureza singular do term o usado, ou a soli dariedade associada que os muitos referentes com partilhavam com o repre sentativo que corporificava todo o grupo. O único caso em nossa cultura ocidental em que um fenôm eno sem e lhante ocorre é na designação de uma com panhia, tal como GM C. GM C sig nifica “General M otors Com pany” , o nom e oficial, mas, se eu tivesse que processar a com panhia, de um a perspectiva geral, o processo se denom inaria Kaiser versus GMC. Para os propósitos da lei, ambas as partes seriam tratadas como se fossem indivíduos, m esm o que GM C signifique um conjunto de ad m inistradores, em pregadores e acionistas, não apenas um a pessoa. Esta é um a ilustração da solidariedade associada, em que m uitos e um são tratados como uma entidade, m esm o que sejam compostos de várias partes. I n t e r v e n ç ã o D i v i n a . N o caso das E scrituras, porém , outra intenção m aior devè ser considerada: a intenção divina. Devem os perguntar neste pon to: É a intenção divina dentro da palavra revelada a mesma que a intenção autoral, ou é diferente? Há casos nas Escrituras em que as “intenções” de Deus diferem clara m ente daquelas dos hom ens que ele estava usando para cum prir seus propósi tos. Por exemplo, José disse a seus irmãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem ” (Gn 50.20). De m aneira sem elhante, os assírios pretendiam destruir Israel, mas Deus tencionava que eles fossem apenas a vara da disciplina em suas mãos (Is 10.5-11). Não m e nos ignorante dos propósitos e usos para o qual Deus o com issionou, foi Ciro, o m edo-persa, pois Ciro nem m esm o ainda o conhecia (Is 45.1-4). Contudo nenhum desses exemplos trata da redação das Escrituras. O que está sendo confundido aqui é o propósito-intenção com a verdade-inten ção. No caso dos autores das Escrituras, havia tal concordância entre o divino e o hum ano (ou seja, um “andar ju n to ” no dom ínio do pensam ento) que o Espírito de Deus era capaz de tom ar as verdades de Deus e ensiná-las em palavras aos autores das Escrituras. O principal texto que dem onstra este ensino quanto a esta declaração está em 1 Coríntios 2.6-16.20 O versículo 13 enfatiza que os escritores da B íblia receberam não palavras ensinadas pela sabedoria hum ana, mas “ [pala vras] ensinadas pelo Espírito” . Ou seja, o Espírito de Deus não sussurrou m ecanicam ente o texto aos ouvidos do escritor, nem os autores viram -se es crevendo autom aticam ente. Em lugar disso, experim entaram um a assim ila ção viva da verdade, de modo que o que haviam experim entado no passado por m eio de cultura, vocabulário, sofrimentos e coisas sem elhantes foi absor vido e assim ilado em só produto que veio sim ultaneam ente da personalidade única dos escritores. De m aneira igualm ente verdadeira, todavia, veio tam bém do Espírito Santo! E o Espírito Santo estava com os escritores não ape nas no estágio conceituai ou das idéias, mas por todo o cam inho do estágio da escrita e verbalização de sua com posição do texto. É o que Paulo reivindicava para si e para os profetas e apóstolos, portanto, é difícil ver como o produto do texto pode ser separado em com ponentes divinos e hum anos, cada um refle tindo um a intenção independente - um a hum ana e outra divina. Assim, enten der a intenção do autor hum ano é entender a intenção do autor divino. 20 Veja W alter C. Kaiser, Jr., “A N eglected Text in B libiology D iscussions: 1 C orinthians 2 .6 -1 6 ” W TJ 43 (1980-81): 301-19. Deve-se acrescentar rapidam ente, porém , que isso não é dizer que : ? referentes divinos pretendidos fossem lim itados àqueles que o autor via ou significava. Era necessário somente que o escritor tivesse um entendim ento adequado daquilo que era pretendido tanto no futuro próxim o quanto no dis tante, m esm o que não pudesse com preender todos os detalhes que deveriam ser incorporados ao progresso da revelação e da História. SIGNIFICADO COMO SIGNIFICAÇÃO Em m uitos contextos, os term os significado e significação se sobrepõem . Em seu uso em estudos textuais, todavia, somos advertidos a fazer distinção entre os dois seguindo as linhas traçadas por E. D. Hirsch. Significado é aquilo que é representado pelo texto; é o que o autor quis dizer por m eio do seu uso de um a seqüência particular de sinais; é o que os sinais representam . Significação, por outro lado, designa um relacionam ento entre esse significado e um a pessoa, ou um a concep ção, ou um a situação, ou na realidade qualquer coisa im aginável. Em outro lugar, Hirsch resum iu a distinção desta forma: A c a ra c terístic a im p o rtan te do sig n ificad o com o d istin to da sig n ifi cação é que esse sig n ificad o é a re p resen tação d ete rm in a d a de um texto p ara um in térp rete. ... S ig n ificação é o sig n ificad o re la c io n a do a algo m ais.21 Nesses term os, o significado é fixo e imutável; a significação nunca é fixa e sem pre é m utável. Com o Hirsch afirmava: “Banir o autor original com o o determ inante do significado [é] rejeitar o único princípio norm ativo convin cente que poderia em prestar validade à um a interpretação.”22 M as seria igualm ente trágico concluir as próprias responsabilidades interpretativas com a tarefa de determ inar o que o texto significava para o autor e os leitores orginais, sem ir adiante em lidar com a significação con tem porânea do texto. A tarefa herm enêutica deve continuar até dizer o que o texto quer dizer ao leitor ou ouvinte contem porâneo. Este sentido como significação poderia tam bém ser cham ado de sentido conseqüente ou implícito. Juntam ente com o fato de existir apenas um único significado-com o-sentido (que é o que estam os aceitando aqui), há.inum eráveis significados-com o-significação que podem e devem ser indicados. A l guns desses significados mais recentes estendem-se a pessoas contemporâneas, acontecim entos ou questões que vão além daqueles dos escritores originais e 21 H irsch, Valiclity in In terpretation , p. 8; idem, The A im s o f Interpretation, pp. 79-80. 22 H irsch, Validity in Interpretation, pp. 4-5. de seus leitores. Outros são novas relações que podem ser legitim am ente vis tas entre um a elocução textual mais antiga e o m undo do público contem po râneo. A significação pode tam bém estar relacionada a certas inferências teo lógicas, contidas tanto no texto com o vindo de fora dele. De fato, o com enta rista G eorge Bush apresentou um a boa alegação para a im portância das inferências na interpretação: , Se as inferências não estão ligadas na interpretação da lei divina, então apontaríam os para o m andam ento expresso que foi violado por N adabe e Abiú ao oferecer fogo estranho [Lv 10.1 -3], e que custou a vida deles. Q ualquer proibição em term os rígidos acerca dessa m atéria será procu rada em vão. Por outro lado, não teria nosso Salvador dito aos saduceus p a ra inferirem que a doutrina da ressurreição era verdadeira, a partir do que D eus havia dito a M oisés na sarça?23 O texto pode tam bém conter uma alusão a suas próprias significações e inferências dentro de si, como em Atos 5.30: “O Deus de nossos pais ressus citou a Jesus, a quem vós m atastes, pendurando-o num m adeiro.” Por que o apóstolo Pedro não usou sim plesm ente o verbo crucificar em lugar da desa jeitada expressão “pendurando-o num m adeiro” ? Sem dúvida Pedro quis cha m ar a atenção para as conotações de D euteronôm io 21.22,23 com suas refe rências para a execrável condição de todos os que m orressem dessa m aneira. Não poderia a inferência ser a de que o M essias morreu debaixo da “m aldi ção” de Deus sobre o pecado de Israel e do m undo ao tom ar nosso lugar? A im plicação teológica e significação da crucificação com o Pedro e Lucas en tenderam são trazidas desse modo para o próprio contexto do leitor ou ouvin te. Em lugar de classificar esse tipo de inferência com o sendo um a expressão direta da intenção autoral, parece m elhor considerá-lo com o um exem plo de significações “conseqüentes” ou “im plícitas” que o texto das Escrituras nos estim ula a encontrar como parte legítim a de seu significado total. E im portante, contudo, estarm os certos de que o sentido conseqüente ou im plícito que atribuím os a um texto é aquele que reflete acuradam ente a ver dade fundam ental ou princípio no texto, e não algo separado ou diferente. Conseqüentem ente, Paulo em pregou de m aneira correta (não: alegorizou) o princípio de não am ordaçar um boi em Deuteronôm io 25.4 à aplicação práti ca de pagar um pastor ou trabalhador cristão. Tanto a lei deuteronôm ica quan to o apóstolo construíram sobre o m esm o princípio, a saber, que desenvolver atitudes de benevolência e dádivas com alegria de um a substância é (neste caso) mais im portante que m eram ente preocupar-se com o tratam ento de ani m ais (Dt 25), ou m esm o pagar trabalhadores aquilo que deveria ser pago por 23 G eorge B ush, Notes, C riticai a n d Practical, on the B ook o f Leviticus (N ova York: N ew m an and Ivision, 1852), p. 183, ênfase dele. seu trabalho (IC o 9.7-12). Não apenas Paulo disse que aquilo que estava es crito em D euteronôm io não foi escrito para bois, mas inteiram ente para nós; tam bém fica claro que a coleção de leis na seção de Deuteronôm io da qual esta foi tirada tem plenam ente como seu objeto a recom endação de um espí rito de gentileza e generosidade acerca deles.24 De maneira semelhante, Jesus usou Oséias 6.6 (“M isericórdia quero e não holocaustos”) para justificar o fato de seus discípulos comerem com publicanos e pecadores (M t 9.10-13) e para justificar a ação de seus discípulos de colher e comer espigas no sábado (Mt 12.1-7). Certamente, as aplicações diferiam uma da outra, mas o princípio por trás tanto do texto do Antigo quanto do Novo Testamento perm anece o mesmo - a saber, a atitude do coração é mais impor tante e sempre toma precedência sobre a mera obrigação exterior. Se esses textos ilustram legítim as inferências que carregam em si o sen tido para novas áreas, mas em que as significações são da m esm a ordem que aqueles contidos no sentido que o autor queria demonstrar, que ilustração podem os dar de uma inferência que é separada e diferente do sentido do autor e portanto deve ser evitada como herm eneuticam ente incorreta? Um a ilustra ção assim encontra-se em M alaquias 3.6: “Eu, o Senhor, não m udo.” Alguns têm exposto desta maneira: Prem issa maior: D eus é absolutam ente im utável (Ml 3.6). Prem issa menor: O que é absolutam ente im utável é eterno (sabido pela razão, mas não ensinado aqui) Portanto: D eus é eterno. Todavia não existe autoridade nesse texto para alegar que Deus é eterno. N es se caso a im plicação e a aplicação são separadas e diferentes daquilo que é ensinado no texto, e portanto não se trata de uma inferência que vem do princípio ensinado no texto. A eternidade não é demonstrável exegeticamente nesse texto, visto que ele está falando acerca do atributo divino da imutabilidade. Infere-se a eternidade, não com base naquilo que esse texto ensina sobre Deus, mas, em lugar disso, a partir daquilo que se conhece acerca de Deus de fontes total m ente diferentes e de um a definição do que significa ser Deus. Neste ponto a teologia já passou por cim a dos procedim entos exegéticos, e está sendo trazida ao texto ab extra (ou de fora) e colocada com o um filtro sobre o texto. É totalm ente diferente da afirm ação feita no texto. A com para ção entre “Eu não m udo” e “Eu sou eterno” não é um a distinção de coisas 24 Veja argum entação m ais detalhada em W alter C. K aiser, Jr., “A pplying the Principies o f the Civil Law : D euteronom y 25.4; 1 C orinthians 9 .8-10” , em The Uses o f th e Olcl Testam ent in the Sev. (C hicago: M oody Press, 1985), pp. 203-20, esp. pp. 218-219. sem elhantes, mas de dois atributos diferentes de Deus.25 De fato, a eternidade nesse caso é provavelm ente nada mais que um a extrapolação teológica. M as naquele caso deveria ser deste modo classificado e não diretam ente atribuído ou ligado com a autoridade das Escrituras com o sua fonte em M alaquias 3.6. Não há dúvida de que a grande contribuição de nosso século para o debate herm enêutico será nossa preocupação com o leitor e com a aplicação contem porânea e a significação que um sentido passado tem para hoje. Devese ter cuidado, porém , em seguir o fio condutor da intenção autoral e tornar clara qualquer conexão vista entre um princípio num texto e as circunstâncias m odernas. Concentrar-se na significação de um texto não deve levar a proporse um novo sentido do texto que não seja, de fato, ensinado nas Escrituras. Fazer o contrário significaria arriscar-se à perda de autoridade, pois tais inferências não seriam parte da natureza escrita do texto e portanto não seriam autoritativas para nós hoje. O U TRO S SE N T ID O S D E “ S IG N IF IC A D O ” O significado pode ter definições adicionais além das quatro esboçadas ante riorm ente aqui. O significado como valor aparece quando dizem os: “O livro de Isaías significa mais para mim do que todos os outros livros proféticos.” Esta é uma expressão de preferência e prioridade. Todavia, nenhum a reivin dicação foi feita quanto ao sentido, verdades ou significação do livro de Isaías. O significado como im plicação é outro uso desta palavra de amplo sen tido. “Isto é guerra” , entoou o presidente dos Estados Unidos, significando que um fenôm eno levou inexoravelm ente a outro. Ou, usando outro exemplo, na vida de nosso Senhor, sua obediência inabalável à vontade do Pai levou-o ao sofrim ento. “ [Jesus] aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8). Observe que Jesus não foi à escola a fim de “aprender” obediência, nem precisou ser ensinado como obedecer: em lugar disso, ele aprendeu o que a obediência pressupunha. Neste caso o sentido de “aprender” para o escritor de Hebreus trazia consigo uma im plicação sobre como o intérprete irá, algu mas vezes, ver sentidos associados com palavras bíblicas como im plicações legítim as que fluem de uma com preensão válida do texto. N aturalm ente, d izer isso não o transform a em fato, pois cada um desses exem plos deve ser dem onstrado com evidência apropriada. D evese ter cuidado com o uso da im plicação para que não se caia na arm adilha de aceitar um a inferência separada e diferente daquilo que o texto re a l m ente apresenta evidência. ^ Veja C. F. D eV ine, “T he C onsequent Sense” , C athoüc B ib lica l Q uarterly 2 (1940): 151-52. T am bém W alter C. Kaiser, Jr., “A R esponse to A u th o r’s Intention and Biblical Interp retatio n ” , em H erm eneutics, Inerrancy a n d the Bible, org. por Earl D. R adm acher and R obert D. Preus (G rand Rapids: Z ondervan, 1984), pp. 443-46. Conclusão Neste capítulo apresentam os vários conceitos revolucionários usados na in terpretação de textos no século 20. Conquanto muitas dessas novas aborda gens estejam interessadas na com preensão dos textos de form a mais profun da e criativa, é preciso que busquem os entendê-las corretamente. Por esta razão procuram os m anter um equilíbrio entre dois princípios: (1) um foco criativo sobre as necessidades do leitor, e (2) um desejo de validar sentidos e aplicações do texto como sendo corretos, autoritativos e, portanto, normativos. Com o Hirsch dem onstrou, a base para a validação do sentido de qual quer passagem pode somente ser localizada no sentido que o autor pretendia. M as a significação legítim a em todas as aplicações contem porâneas dessa passagem deve ser achada na identificação de todos os relacionam entos váli dos que existem entre o sentido pretendido do autor e quaisquer questões contem porâneas sugeridas, leitores e intérpretes. Em outras palavras, a auto ridade para o sentido de um texto é de solidez proporcional ao nosso entendi m ento da verdade que o autor pretendia expressar. O ato de isolar cada um dos quatro significados um do outro é na verdade algo arbitrário e teórico. M esm o assim , cada um realiza um p a pel, um a função real. O problem a é que o ato de entender e in terpretar ajunta todas essas várias funções novam ente. D este m odo, os assim ch a m ados cinco sentidos que discutim os separadam ente para o prop ó sito de análise deve agora ser restaurado a um m odo holístico de o lhar para o texto quando procuram os interpretá-lo. Muitas questões levantadas no estudo da Bíblia estão relacio nadas ao significado lingüístico e os argumentos usados para apoi ar determinadas idéias muitas vezes não são válidos. Devemos ter cuidado para não m inimizar a importância das línguas originais das Escrituras, tendo em vista que é fácil compreender as nuanças que o texto apresenta em nossa língua, mas não em grego ou hebraico; além disso há, por vezes, detalhes de interpretação que podem ser resolvidos somente lançando-se mão do original. Por outro lado, alguns leitores acabam exagerando a importância das línguas bíblicas como se a versão em nossa língua fosse inadequa da e portanto incapaz de transmitir o significado correto. Outros possíveis perigos tam bém m erecem atenção, como a tendência de alguns de partir do pressuposto de que o significa do de um a palavra é baseado em sua história; devemos evitar em particular as interpretações que apóiam -se muito fortem ente na etim ologia de um a palavra. Por outro lado, com freqüência lemos ou ouvimos exposições que com binam os vários significa dos que um a palavra pode ter; em vez de identificar a função específica de um a palavra dentro de um determ inado contexto, os significados são lidos para dentro da passagem. Por fim, é im portante não enfatizar excessivam ente as distinções sutis de vocabulário e gram ática, pois o autor depende do poder da passa gem escrita com o um todo (e não de tênues diferenças lingüísti cas) para transm itir o significado. CAPÍTULO 3_________ Vamos Ser Lógicos USANDO E ABUSANDO DA LINGUAGEM M o is é s S ilva Todos gostam os de pensar em nós m esm os como seres hum anos racionais e perspicazes, especialm ente se estam os envolvidos em um a discussão com al guém. É de se entender, portanto, que quando nos vemos perdendo terreno na disputa, estam os prontos a usar nossa m elhor arm a - na realidade, a tática definitiva para silenciar alguém - “Você está sendo ilógico!” Juntam ente com “isto é apenas a sua in terp retação ” e outras respostas escolhidas, a re c la m ação de que nosso oponente não é lógico pode ser sim plesm ente um ataque verbal injusto. É inegável que algumas vezes podem os ter boas razões para suspeitar da capacidade de raciocínio de nosso oponente. Pode bem ser que, por exemplo, quando afirmamos: “Esta é apenas a sua interpretação” , tenham os percebido que a outra parte está sim plesm ente declarando um a opinião e, portanto, con fundiu o significado do texto com um a das opções interpretativas disponíveis. Poderia ser m ais produtivo (em bora dificilm ente garantido!) especificar quais outros sentidos parecem razoáveis e dem onstrar que deveríam os ter bases persuasivas para a escolha de um entre os outros. Sem elhantem ente, há m aior probabilidade de progresso em um debate se, em lugar de lançar uma alegação geral sobre um lapso lógico de um indi víduo, fizerm os um esforço para identificar a falácia específica que detecta mos. Observe a palavra esforço. A m aioria de nós é form ada de pensadcre> preguiçosos. Podem os estar vagam ente cônscios de que um argum ento é fr^- co, mas não estam os realm ente preparados para dizer como. Infelizm ente, este problem a não está restrito a discussões pessoais. As m esm as questões surgem quando lem os um com entário bíblico, ou m esm o quando estam os ponderando sozinhos acerca do sentido de um versículo. O objetivo deste capítulo é fornecer algum a ajuda na avaliação dos argu m entos. Não tentarem os dar, um tratam ento com pleto, visto que há vários livros excelentes disponíveis.26 A lém disso, nosso interesse prim ário não corresponde em todos os aspectos àqueles da disciplina filosófica que cham a mos de lógica, mas em nos concentrarm os mais especificam ente no uso da linguagem . As ligações entre lógica e linguagem são, na verdade, muito pró xim as, mas estam os m enos diretam ente interessados nas questões tradicio nais da filosofia do que nos problem as típicos que surgem quando estudantes da B íblia buscam descobrir o sentido do texto e quando procuram defender sua interpretação. Visto que um a grande proporção de argum entos exegéticos recorre ao grego e ao hebraico, precisarem os prestar atenção especial ao que diz respei to ao uso apropriado das linguagens bíblicas. Podem os com eçar consideran do duas tendências opostas que freqüentem ente aparecem no estudo das E s crituras, a saber, a m inim ização e a superestim ação das línguas originais. Não Minimize a Importância das Línguas Originais Para alguns cristãos, ouvir referências ao grego ou ao hebraico pode ser bas tante intimidador. Talvez porque receberam ensino fraco, com um a visão de que a Versão King James (KJV) é inspirada e é, portanto, tudo de que se precisa. Esta não é um a posição m uito “lógica” porque levanta inúm eras per guntas sem resposta. Com o sabem os que a KJV e não outra tradução é inspi rada? O que as pessoas de fala inglesa utilizavam antes que a KJV fosse pro duzida no século 17? Deus inspira traduções individuais em cada língua m o derna? Além disso, podem os dem onstrar que aqueles que produziram a KJV tiveram , eles m esm os, que traduzir das línguas originais. Outros crentes, percebendo que nenhuma tradução é infalível, apresentam um a objeção mais razoável. Tem a ver com o princípio bíblico de que nós não precisam os de nenhum intermediário humano (quer sacerdote ou estudioso) entre nós e Deus. Jesus Cristo é o único mediador (lT m 2.5). Se eu tiver de depender de um especialista em línguas para entender a Bíblia, não estaria en tão comprom etendo essa preciosa verdade? 16 P ara aplicações d a lógica básica para o estudo d a B íblia, veja especialm ente Jam es W. Sire, S cripture Twisting: Twenty Ways the C ults M isreacl the B ible (D ow ners G rove, 111.: Intervarsity, 1980); e D. A. C arson, E xegetical Fallacies (G rand R apids: Baker, 1984). Parte da resposta a esta preocupação é afirm ar sem receio que as tradu ções disponíveis em nossa língua são perfeitam ente adequadas. M esm o algu mas das versões que não são da mais alta qualidade apresentam de form a bastante clara a m ensagem básica do evangelho e a obediência que D eus re quer de nós. Jam ais devemos pensar que um a pessoa sem um conhecim ento de grego e de hebraico ou sem o acesso direto a um estudioso corre o risco de não encontrar as verdades essenciais das Escrituras. N unca nos esqueçam os, porém , que quando lem os um a tradução em nossa língua, estam os de fato reconhecendo, m esm o que indiretam ente, nossa dependência dos estudiosos. A lguém teve que aprender as línguas bíblicas e fazer grandes esforços por um longo período de tem po antes que os dem ais leitores pudessem fazer uso de um a tradução que entendessem . Em bora as E scrituras afirm em que tem os acesso direto a Deus, as E scrituras tam bém deixam claro que D eus outorgou m estres à sua igreja (ex., E f 4.11). C erta m ente não haveria razão algum a para se ter m estres se os cristãos nunca precisassem de orientação e instrução em sua com preensão da revelação de Deus. E studiosos não podem im por seus pontos de vista sobre a igreja, nem podem agir com o se fossem os grandes depositários da verdade, mas a igre ja não deve esquecer o quanto ela tem sido beneficiada pelos seus esforços através dos séculos. De qualquer form a, seria um grande erro negar a im portância de se dar atenção às línguas originais. Alguns anos atrás, um pastor estava apresentan do um estudo bíblico no meio da sem ana e falava sobre Efésios 4. Usando a KJV, ele leu o versículo 26, “Irai-vos e não pequeis” . Ele então continuou afirm ando que esse versículo proíbe a ira na vida de um cristão. E com preensível a razão por que esse pregador sentiu-se com pelido a interpretar o versículo dessa m aneira. Afinal, outras passagens na B íblia pa recem condenar vigorosam ente a ira (ex., M t 5.22), assim ele deve ter suposto que a passagem de Efésios não poderia significar algo contrário ao resto das Escrituras. Sua conclusão foi que a palavra não se aplicava a ambos os ver bos, pecar e irar. Porém essa interpretação não é realm ente possível. Se há algum a am bigüidade para o leitor m oderno, ela não existe no grego original, onde a partícula negativa (que sempre afeta a jfalavra seguinte) vem depois do verbo irar e antes do verbo pecar. Algum a reflexão posterior sobre o ensino bíblico acerca da ira - incluindo o fato de que Deus m esm o é algum as vezes retratado com o estando irado (ex., Rm 1.18) - torna claro que essa em oção hum ana não é necessariam ente pecam inosa em si. O que o apóstolo pretende que entendamos é que, embora possa haver situações em que a ira é apropriada, não podem os perm itir que se tornem um a ocasião para pecar. Os m estres dos estudos bíblicos sem anais não são os únicos que ocasio nalm ente usam incorretam ente a Bíblia ao deixar de levar em conta as línguas originais. Estudiosos tam bém podem tropeçar. Um escritor bastante notável, que por acaso é um proponente da assim cham ada teologia existencialista, afirmou que a essência do ser é um dinâm ico “deixar ser” . Posteriorm ente em sua argum entação ele observa: “É significativo que a B íblia não com ece sim plesm ente afirm ando a existência de Deus, mas com seu ato de criação, que é a admissão da existência. Sua primeira afirmação é: “Let there be light” [em português a expressão foi traduzida “haja luz” - N.R.] e assim começa a história de seu “deixar ser” .27 O que o autor dessas palavras deixa de dizer ao leitor é que não há nada no texto hebraico de Gênesis 1.3 que corresponda precisam ente ao verbo “let” (deixar, perm itir). Em bora o hebraico (assim com o muitas outras línguas) tenha um a form a verbal específica para a terceira pessoa no im perativo, no inglês não encontram os essa forma. Em inglês tem os na verdade um a segun da pessoa do imperativo, com o em “C om e!” Para expressar a idéia de im pera tivo na terceira pessoa, contudo, usamos outros meios, tais com o “John m ust com e!” ou “L et John com e!” No segundo exemplo, o verbo let não tem o sentido usual de “perm itir”, nem qualquer sentido dinâm ico; em lugar disso, funciona m eram ente como um verbo auxiliar para expressar a idéia de im pe rativo. Resum indo, esse recurso teológico à tradução inglesa de Gênesis 1.3 para sustentar essa proposta m erece muito pouca recom endação. U sando a m esm a linha de argum entação, poderíam os apontar para o verso 11 (“Let the land produce vegetation” - [“Produza a terra relva”]) e concluir que a B íblia nos encoraja a falar sobre o “deixar produzir” de Deus. De form a m ais freqüente do que parece (como esses exem plos podem sugerir), um certo conhecim ento das línguas bíblicas prova seu valor de um a m aneira negativa, ou seja, ao nos ajudar a pôr de lado interpretações inváli das. Este ponto torna-se particularm ente significativo quando percebem os que perspectivas heréticas muitas vezes se baseiam em mau uso do texto. Alguns grupos, especialm ente as Testem unhas de Jeová, rotineiram ente apelam para o fato de que em João 1,1c, “E o Verbo era D eus” , o term o grego para Deus, theos, não tem o artigo definido, e assim, afirm am eles, significa tanto “um deus” quanto “divino” . Até m esm o um conhecim ento superficial do grego, porém , perm ite ao estudante notar que em muitas passagens que indiscutivel m ente se referem ao único Deus, o artigo definido está ausente no grego (m es mo em João 1, veja vs. 6 e 18). Estudantes com conhecim ento mais avançado da língua saberão que uma das m aneiras com o a gram ática grega distingue o 27 Jo h n M a c q u a rrie , P rin c ip ie s o f C h ristia n T heology, 2a ed. (N o v a Y ork: S c rib n e rs , 1977), pp. 109, 197. sujeito da sentença (aqui “o Verbo” , ho logos) do predicado (“D eus”, the os) é precisam ente reservando o artigo ao prim eiro mas om itindo-o com o último. No entanto, m uitas características das linguagens bíblicas tam bém têm um valor positivo para a interpretação, particularm ente quando o autor b í blico explora um a dessas características com propósitos estilísticos. Em Êxodo 16.15, por exem plo, som os inform ados de que os israelitas, ao ver o m aná, perguntaram o que era. M oisés respondeu: “Isto é o pão que o Senhor vos dá para comer.” N este caso, a últim a expressão pode ser traduzida lite ralm ente:28 “para vosso alim ento.” Não é um a expressão com um , e um im portante estudioso judeu sugeriu que essa pode ter sido um a alusão sutil a G ênesis 1.29, onde a m esm a expressão pode ser encontrada.29 Se puderm os entender assim , o escritor de Êxodo pode ter desejado que seus leitores vissem a experiência no deserto com o um período de teste com parável ao teste de A dão e Eva. Essa interpretação poderia ser apoiada contextualm ente em Êxodo 16.4 e D euteronôm io 8.2,3. Quando olham os para o Novo Testam ento, vemos que nenhum livro se utiliza de alusões desse tipo mais freqüentem ente que o evangelho de João. Um a possibilidade interessante é 19.30, que descreve a morte de Jesus com a expressão “rendeu o espírito” . Foi observado que o verbo que João usa aqui para “rendeu” (paredóken “deu, entregou”) não é a palavra com um usada nesse tipo de contexto. Posto que o evangelho tem inúm eras referências a Jesus outorgando o Espírito Santo a seus discípulos, alguns estudiosos suge rem que a expressão aqui serve para trazer esse tem a à m em ória. Seria forçar uma leitura sugerir que a dádiva do Espírito na realidade tenha acontecido naquele m om ento. M ais provavelm ente, João está lem brando seus leitores que o espantoso acontecim ento da crucificação não é um sinal de fracasso. Ao contrário, é o “erguer-se” de Jesus (3.14; 12.32), o tem po de sua glorifica ção, que torna possível o cum prim ento de sua prom essa (7.39). Essa interpretação da linguagem de João não seria aceita por todos. Na verdade, a abordagem que procura de form a m eticulosa demais por alusões sutis desse tipo com freqüência corre o perigo de descobrir coisas que não estão no texto. M ais tarde tratarem os desse risco neste capítulo com mais detalhe. Certam ente, não devemos depositar tanto peso em tais interpretações a m enos que elas possam ser confirmadas pfelo contexto. A pesar disso, há um a abundância de bons exemplos em que a atenção a essas sutilezas ajudou intérpretes a lançarem nova luz sobre o texto. A conclusão a ser tirada desta parte não é que todo cristão deve freqüen tar o sem inário e tornar-se um especialista em grego e hebraico. O que preci :s C om o em ARA . N ota do tradutor. U m berto C assuto, A C om m entary on the B o o k o fE x o d u s (Jerusalém : M agnes, 1967), p. 196. samos ter em m ente, porém , é que as versões em nossa língua p o r si m esm as não podem ser a base exclusiva para a form ulação da doutrina. Devem os, em particular, ser cuidadosos em não adotar novas idéias, se estas ainda não fo ram analisadas de acordo com o texto original. Além disso, quando há um a diferença de opinião entre estudiosos da Bíblia, o ideal seria procurar desco brir se o grego ou o hebraico lançariam luz sobre o debate. Porém , é válido ressaltar que, se possível, os pastores devem adquirir algum a proficiência nas línguas originais da Bíblia. Aqueles que ensinam suas congregações sem ana após semana e que devem oferecer orientação em questões teológicas não podem se permitir negligenciar uma ferramenta tão importante em seu ministério. Não Exagere a Importância das Línguas Bíblicas Em alguns aspectos, não é possível superestim ar o valor de se conhecer grego e hebraico. Porém , ao m udarem o seu foco de atenção, m uitos estudiosos da B íblia têm na realidade exagerado a im portância dessas línguas. Com o suge rim os na seção anterior, seria extrem am ente lam entável dizer que os cristãos que têm acesso à B íblia som ente por m eio de suas m odernas traduções são incapazes de aprender por si mesm os o que é a m ensagem de salvação. Os estudantes do sem inário são conhecidos por dar a im pressão de que qualquer um que não estiver fam iliarizado com as línguas originais deve ser um cristão de segunda classe. E mais de um estudioso parece argumentar, pelo menos indiretam ente, que a igreja não pode dizer nada que não tenha sido ilum inado pelos especialistas. U m m odo com um de superestim ar as línguas bíblicas é rom anceandoas, dando a im pressão de que o grego e o hebraico têm um a posição única (e quase divina?). N a tentativa de m ostrar a beleza do hebraico, por exem plo, alguns escritores olham as peculiaridades na gram ática que possam dar apoio à sua m aneira de com preensão. U m a ilustração m uito freqüente apresentada é o fato de o hebraico não ter gênero neutro, aspecto lingüístico que, suposta m ente, possui algum significado especial. Embora os substantivos no grego possam pertencer a um de três gêneros (masculino, feminino e neutro), os substantivos hebraicos podem ser somente masculinos ou femininos. Em razão dos conceitos abstratos serem freqüentem ente expressos em grego por m eio do gênero neutro, alguns escritores concluíram que os dois fatos estão intim am ente relacionados. Conform e expõe um antigo livro: “O pensam ento hebreu [é expresso] em figuras, e conseqüentem ente seus substantivos são concretos e vividos. Não existe algo com o um gênero neutro, pois, para o semita tudo é vivo.”30 ,0 E lm er W. K. M ould, E ssentials o f B ible H istory, ed. rev. (N ova York: R onald, 1951), p. 307. Estas palavras ou afirm ações sem elhantes têm sido citadas em livros recentes com o sendo apropriadas. Um a reflexão momentânea, entretanto, deveria deixar claro que, quer os hebreus pensassem ou não abstratamente, isso teria pouco a ver com a estrutura de sua língua. E m inglês, por exemplo, não há nenhuma distinção de gênero em substantivos e adjetivos (somente em pronomes pessoais). Poderíam os dizer que esse fato diz algo a respeito da habilidade do interlocutor inglês ou sua disposição de pensar abstratamente? E verdade que os interesses especiais de um a com unidade são algumas vezes evidenciados em sua língua, particular m ente em seu vocabulário. Mas, se queremos saber o que um grupo de pessoas realm ente pensa ou crê, deveríamos olhar para as afirmações feitas, não para a estrutura gramatical da linguagem usada. Parte do problem a aqui é que tendem os a transferir as qualidades daqui lo que o povo diz para a form a que costum am dizê-lo. Isso é especialm ente verdadeiro acerca do grego, um a língua que já recebeu m uita atenção. De fato, o grego é rom antizado ao extremo. Charles Briggs, um eminente estudioso bí blico do século passado, colocou desta forma: “A língua grega é a bela flor, a jóia elegante, a m aior obra-prim a concluída do pensam ento indo-germ ânico.” Ao considerar o grego clássico, Briggs usa term os com o complexo, artístico, belo, acabado, fo rte e vigoroso. Ele então acrescenta: “ Sua sintaxe é organi zada no m ais perfeito s iste m a .... [a língua grega] luta com a m ente, defendese e se lança, conquista como um exército armado.” Posteriorm ente, quando Deus escolheu o grego para transportar a m ensagem do evangelho, sua lin guagem foi “em pregada pelo Espírito de Deus e transform ada e transfigura da, sim, glorificada, com uma luz e santidade que a literatura clássica jam ais havia possuído” .31 É preciso lem brar que esse ponto de vista foi em parte influenciado pela opinião - m uito com um no século 19 - de que as línguas clássicas, grego e latim, eram inerentem ente superiores a quaisquer outras. Essa opinião, por sua vez, está relacionada à ênfase que os lingüistas naquele século deram ao estudo com parativo e histórico das línguas. D urante o século 20, todavia, os estudiosos fizeram pesquisas profundas sobre as línguas faladas nas culturas “prim itivas” , tais com o os índios da A m érica do Norte e do Sul, tribos africa nas e outros grupos. As próprias características gram aticais que costum avam estar associadas à suposta superioridade daslínguas clássicas (ex., um sistema verbal complexo) aparece em grau ainda maior nas “primitivas” . A grandeza da civilização grega não pode ser igualada ao sistem a gra m atical de sua linguagem . Não é a língua em si, mas como ela foi usada pelo povo que m erece admiração. De m aneira interessante, a form a do grego usa 11 C. A. B rig gs, G eneral Introduction to the Study o f th e H oly Scriptures (G rand Rapids: Baker. 1970, reim presso d a e d . 1900), pp. 64, 65-67, 70-71. Cf. a crítica de J. B a rre m The S e m a n a : s B iblical L anguage (Oxford-, O xfo rd U niversity P ress, 1961), pp. 246ss. da pelos escritores do Novo Testam ento é m ais sim ples do que aquela usada pelos grandes escritores do período clássico anterior. O grego do Novo Testa m ento, por exem plo, contém menos form as “irregulares” , e a ordem de pala vras nas sentenças é menos complexa. Um a de suas características mais dis tintivas, de fato, é que ela se aproxim a da linguagem com um ente usada pelo povo em sua conversação çliária. Fatos desse tipo não invalidam a beleza das línguas bíblicas. A té certo ponto, esta é um a questão de gosto pessoal, e os autores deste livro acreditam que o hebraico e o grego são quase tão belos quanto parecem! N em ao m enos precisam os negar que a poderosa m ensagem do evangelho teve um im pacto significativo sobre o grego, particularm ente em seu vocabulário. No final, todavia, não devem os confundir a m ensagem divina em si com os m eios hum anos que Deus usou para proclam á-la. E ssa questão tem clara relevância para o assunto da interpretação bíblica. A lgum as das falá cias das quais tratarem os no resto deste capítulo surgiram por causa da ex a gerada im portância atribuída ao sistem a lingüístico hum ano (hebraico e es pecialm ente grego). Os autores bíblicos não escreveram em linguagem m is teriosa ou codificada. Sob inspiração, eles usaram sua linguagem diária de um a form a norm al. Não Iguale o Sentido de uma Palavra com sua História Talvez o erro mais com um que surge em discussões que envolvem linguagem (e particularm ente as linguagens bíblicas) é a tendência de se em pregar erro neam ente o estudo da etimologia, ou seja, a origem e o desenvolvim ento de palavras. U m a im portante razão por detrás deste problem a é o interesse ine rente pelo assunto. Sem dúvida, a inform ação etim ológica pode m ostrar-se fascinante. Recordo-m e claram ente de ter ouvido em m inha época de facul dade um serm ão sobre o tem a da sinceridade. Para ajudar os ouvintes a enten der o conceito, o orador recorreu à etim ologia da palavra sincero. De acordo com o orador, ela vem de duas palavras latinas, sine cera, “sem cera” . A term inologia era usada para descrever estátuas que podiam ser consideradas autênticas, pois não havia sido usada cera para encobrir seus defeitos. E im portante observar que, como ilustração, esse elem ento de inform a ção foi bastante eficaz. O pensam ento tinha algo de fascinante, e nos ajudou a ver a virtude da sinceridade sob um a nova luz. O perigo, todavia, estava na possível inferência de que a origem latina da palavra sincero realm ente corresponde ao sentido da palavra hoje. O fato é que, quando os interlocutores usam esta palavra, cera e estátuas são as coisas mais distantes que poderiam ter em mente. Por isso, o sentido “puro” ou “não adulterado” dessa palavra é arcaico hoje. Quando interlocutores usam a palavra, o sentido que procuram transferir é sim plesm ente “verdadeiro” ou “honesto” . M as os problem as vão ainda m ais além. A transferência do físico (cera, no sentido literal) para o figurativo, pode ter sido acidental ou trivial. U m a m udança assim no sentido não provaria necessariam ente que alguém pode com preender a virtude da sinceridade com referência à venda de estátuas sem defeito. E m esm o se alguém o fizesse, por que deveríam os adotar a com pre ensão dessa pessoa acerca da sinceridade? Além disso, a B íblia não foi escrita em latim e assim , a associação com estátuas pode não ter sido parte do senti do que os autores do Novo Testam ento tinham em mente. Com o se tudo isso não fosse suficiente, um a breve análise de dicionários etim ológicos de nossa língua revela mais que depressa que não existe qual quer certeza de que a palavra sincero tenha vindo do latim sin ceral E alguns estudiosos que acreditam que exista essa ligação suspeitam que o contexto real era a descrição, não de estátuas, mas de mel. Reconstruções etim ológicas são freqüentem ente hipotéticas e em determ inados m om entos puram ente im a ginárias. A pesar disso, alguns pensadores ficaram conhecidos por desenvol ver grandes edifícios conceituais baseados em tais reconstruções. M uito in fluente, particularm ente entre os filósofos existencialistas, foi a suposta etim ologia da palavra grega para “verdade” , aletheia. E possível que esta palavra tenha sido form ada com binando-se a partícula negativa a- com o ver bo lanthano, “esconder”, e essa possibilidade é usada com o pretexto para m ostrar que o verdadeiro significado da verdade é a “transparência” ou “cla reza” .32 Entretanto, esta etim ologia é discutível e, m esm o que não fosse, não poderia provar que reflete um a visão filosófica da verdade - muito m enos que tal visão é correta! Um dos resultados lam entáveis de se recorrer à etim ologia é que ela em presta ao argum ento um tom científico e a posição do locutor soa m uito m ais autoritativa do que realm ente é. Alguns escritores, cônscios do caráter hipotético de seus argum entos etim ológicos, mas incapazes de resistir à ten tação de usá-los de qualquer m aneira, incluem um “talvez” ou algum a outra qualificação, mas a m aioria dos leitores é indevidam ente influenciada pelos argum entos e term inam aceitando a conclusão, m esm o que nenhum a evidên cia real tenha sido apresentada. A melhor maneira de ilustrar essa questão é cjiar alguns exemplos ultrajantes: Desconfio de rancheiros (ranchers) desde que conheci alguns que pa reciam mentalmente desequilibrados. Provavelmente não se trata de um mero acidente que a palavra inglesa ranch (•< rank < francês antigo reng < indo-europeu sker) esteja etimologicamente relacionada a deranged (demente). ” M acquarrie, P rincipies, pp. 86, 333. Cristãos deveriam ser otimistas. Deveríamos ter em mente que a pala vra pessim ista vem da palavra latina para “pé”, pes. Em razão de tro peçarmos com nossos pés, encontramos o verbo relacionado peccare, “pecar”, e o cognato inglês pecadillo. Assim, talvez possamos consi derar os pessimistas como pessoas que têm o hábito de cometer pe quenos pecados. 4 Em nosso grupo religioso não acreditamos ser necessário ter líderes. A palavra clero (do indo-europeu kel, “golpear”) está relacionada a cala m idade (< latim, “uma severa pancada”). Não é de se surpreender que, ao longo dos séculos, o clero tem abusado de seu poder e ferido pessoas. Dançar é certamente proibido para os cristãos. Não é sugestivo que a palavra b a lle t venha do grego bailo, que é também a origem de d ia b o lo s, “diabo”?33 As possibilidades são intermináveis! À parte de seu conteúdo excêntrico, o tipo de argumento (isto é, a lógica) exemplificada nessas quatros observações é ex trem am ente comum. E precisamente por ser esta lógica a mais freqüentem ente usada para tecer conclusões que não são absurdas, mas que parecem plausíveis, muitas pessoas são persuadidas por ela, mesmo que, a rigor, não seja acom pa nhada de nenhuma evidência substancial. Em com entários bíblicos e outros trabalhos sérios, é possível tam bém surgirem com entários etim ológicos que norm alm ente não lançam luz verda deira sobre o sentido do texto. E comum, por exemplo, que escritores com en tem que a palavra hebraica traduzida por “glória” , kabod, basicam ente signi fique “peso” . (Incidentalm ente, as palavras básico e basicam ente, quando aplicadas ao sentido de palavras, são excessivam ente ambíguas e são norm al m ente - e erroneam ente - tomadas para im plicar algo assim com o o sentido “real” ou “essencial” .) N este caso, a ligação não pode ser questionada, e podese ver facilm ente como a noção de “peso” pode estar relacionada àquela de “im portância” e, por isso, ao sentido mais específico quando usada em refe rência a Deus. Em bora este desenvolvimento histórico da palavra seja exato e interessante, é possível afirmar que, genuinam ente aum entaria nossa com pre ensão da palavra (ou m esm o do conceito por detrás da palavra) em passagens que falam das grandiosas m anifestações de Deus? Duvido m uito - a m enos que tenham os um a boa razão contextual para pensar que o próprio autor bíbli co estivesse associando essa palavra com o conceito de peso. Este problem a aparece de form a ainda mais freqüente nos estudos do Novo Testam ento, visto que muitas palavras gregas com postas são relativa 33 Os relacionam entos etim ológicos são tornados de R obert Claiborne, The Roots ofE nglish: A R eciders H andbook ofW ord O rigins (N ova York: Tim es Books, 1 9 8 9 ),pp. 119, 130-31, 184,218-19. m ente “transparentes” , ou seja, pode-se ver facilm ente que palavras foram com binadas para form arem um a só. Um dos exemplos mais com uns é o verbo hypom eno (“ seja paciente”), que é criado a partir da preposição hypo, “em b a ix o ” , e o verbo m eno, “perm an ecer” . Pregadores não se cansam de o b servar que a palavra grega realm ente significa “ficar por b a ix o ” e então continuarão descrevendo alguém carregando um fardo pesado por um longo p eríodo de tem po. C om o ilustração, essa figura pode provar ser útil, mas é altam ente questionável se ela nos leva para mais perto do sentido pretendido pelo autor bíblico. Precisam os ter em m ente que a linguagem figurativa rapidam ente perde o seu frescor, um processo que resulta em muitas “m etáforas m ortas” . Considere a palavra inglesa understand. Ajudaria um estudante estrangeiro saber que esta palavra vem de stand e under (em bora a m aioria das pessoas de fala inglesa norm alm ente não tenha consciência desse fato) e que ela foi ori ginalm ente um a figura de linguagem (ainda que não possam os dizer precisa m ente com o o novo sentido desenvolveu-se)? A etim ologia figurativa da pa lavra é, de fato, um tanto irrelevante para os interlocutores m odernos, visto que seu significado pode estar perfeitam ente claro sem o conhecim ento das origens das palavras. N aturalm ente, deve-se m anter sempre aberta a possibilidade de que um escritor bíblico tenha explorado intencionalm ente a história (ou outras asso ciações) de um a palavra. Um a técnica literária assim é encontrada com mais freqüência na poesia do que na prosa. Todavia, o único m eio de se determ inar se o autor agiu desse modo é prestar cuidadosa atenção ao contexto. Não podem os presum ir que um autor estava necessariam ente consciente da etim ologia de um a palavra. E se ele estava, não podem os supor, sem qualquer evidência, que ele desejava que seus leitores compreendessem a relação. Acerca da única evidência disponível a nós, devemos enfatizar novam ente, é o con texto, a força de um a passagem (ou até mesmo do livro) com o um todo. Com pouquíssim as exceções, observarem os que o contexto apóia o uso com um de um a palavra em lugar de sentidos desconhecidos. Não Leia os Vários Sentidos de uma Palavraf em um Uso Especifico M uitas vezes, estudantes são aconselhados a exam inar com o um a determ ina da palavra é usada ao longo de todas as Escrituras. Até m esm o cristãos que não aprenderam as línguas bíblicas podem usar certas concordâncias (assim como outras ferram entas) que estão ligadas a termos gregos e hebraicos. Em princípio, a recom endação é sadia, pois esse m étodo nos ajuda a determ inar o "alcance sem ântico” da palavra em questão, isto é, se tem os noção dos poss:'- veis usos de uma palavra, estaremos em m elhor posição para decidir que uso específico ocorre na passagem ou passagens que estam os estudando. As palavras erri itálico no parágrafo anterior ressaltam o alvo apropriado de tal estudo das palavras. Na prática, porém , os estudantes geralm ente igno ram exatam ente esse aspecto. Em vez disso, toda a com plexidade de sentidos é injetada em um a passagem . Norm alm ente, isso acontece de um a m aneira sutil. Até m esm o um com entarista responsável, ansiando lançar luz sobre uma palavra, pode inform ar ao leitor que a palavra em questão é usada em um a variedade de form as no Novo Testamento. Segue-se então um a lista desses empregos, incluindo citações de várias passagens, com a im plicação de que todas elas de alguma maneira contribuem para o sentido da palavra no versículo que está sendo analisado. De tem pos em tem pos, surgem mais casos de mal uso desse m étodo. Certa vez, quando um pregador de renom e estava pregando sobre Hebreus 12 cham ou a atenção para um a palavra específica naquele capítulo e disse à sua congregação que a palavra tinha quatro sentidos. Com base nisso ele havia produzido um esboço de quatro divisões que levou a quatro pequenos ser m ões com quatro textos diferentes, mesmo que ostensivam ente ele pretendes se explanar Hebreus 12. Porém , se refletirm os por alguns m om entos sobre nossa própria lingua gem , poderem os reconhecer o quanto esse tipo de abordagem consegue ape nas distorcer o sentido. Suponha que um turista asiático se veja diante desta frase: “A paciente teve uma dor aguda em seu joelho.” Esse estrangeiro, que não está fam iliarizado com a palavra aguda nos pergunta o que ela significa, e assim respondem os: Na geometria, a palavra é usada quando se trata de ângulos menores que 90 graus, enquanto que na música ela pode indicar um som em tonalidade alta. Ela também é usada para indicar um tipo de sinal para acentuar palavras em algumas línguas e textos. Em objetos, indica um lado pontudo. A palavra pode ser usada como um sinônimo para “inci sivo, discernidor, perspicaz”. Coisas que são de grande importância podem ser chamadas de agudas. Na medicina, ela pode descrever uma doença que pode levar a uma crise. Finalmente, a palavra pode signifi car “intensa”. Um tratado com o esse pode provar ser bastante interessante e informativo, mas, para entender a sentença em questão, o estrangeiro precisava sim ples m ente da últim a palavra. O único outro sentido que poderia lançar algum a luz sobre o assunto é o de “pontudo”, visto que um a dor aguda é aquela que freqüentem ente se assem elha à sensação de ser ferido por um objeto pontia gudo. A m aior parte das palavras em qualquer língua tem uma variedade de sentidos, mas com o regra o contexto autom ática e efetivam ente suprim e to dos os sentidos que não são apropriados, de m aneira que os ouvintes e leitores nem ao m enos pensam neles. A questão fica ainda mais com plicada ao considerarm os se certas asso ciações podem estar presentes em determ inada sentença (ver acim a os exem plos de Êxodo 16 e de João 19). Não é sem pre fácil decidir esta questão. Se lerm os em um a revista que “a desavença entre os eruditos foi aguda” , mais que depressa tom arem os o sentido como sendo “intensa, severa” , mas estare mos nós sendo influenciados pela freqüente com binação dor aguda, e assim deduzirem os, consciente ou inconscientem ente, que os eruditos em questão estavam passando por uma experiência dolorosa? É possível tam bém que, visto que as pessoas envolvidas são eruditas, o sentido “incisivo, discernidor” nos afete? Talvez sim e talvez não. Seria certam ente precário, todavia, dar interpretações baseadas naquilo que é apenas um a possibilidade teórica (a menos que seja apoiada por forte evidência contextual). Conquanto esta seção saliente a questão do vocabulário, devem os obser var um problem a relacionado quando recorrem os a fatos gram aticais. Em recente artigo que trata da difícil passagem com respeito às m ulheres em 1 Tim óteo 2, o autor diz o seguinte com relação ao versículo 12 (“Não perm i to que as m ulheres ensinem ”): A fim de alcançar maior reflexão do sentido dessa instrução, podemos encontrar auxílio no exame dos verbos em nosso texto. Essa é a tercei ra vez no capítulo 2 de Timóteo que aparece um verbo na primeira pessoa do singular. 1 Timóteo 2.8 começou com a primeira pessoa: “Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar.” O mesmo verbo está implícito no versículo 9, onde o autor se dirige às mulheres - “(Que ro) que as mulheres... se ataviem...” Agora, no versículo 12 temos outro verbo na primeira pessoa - “Não permito”. Na língua grega há nove usos diferentes do tempo presente. [Aqui, uma das gramáticas padrão é citada no rodapé]. Segundo P. B. Payne, a primeira pessoa do presente do verbo pode ser usada para indicar restrição temporária. Com esse sentido do verbo, entra em jogo uma restrição de tempo. Até que as mulheres tenham aprendido o que elas precisam a fim de obterem um pleno conhecimento do verdadeirt) ensino, elas não devem ensinar ou ter autoridade sobre homens. Não há razão para que estas mulheres não pudessem ter permissão posterior para ensinar e ter autoridade (como Febe, Priscila e Júnia), se aprendessem o verdadeiro ensino, submeten do-se a Timóteo para instrução.34 G lo ria N e u fe ld R e d e k o p , “L et th e W om en L earn : 1 T im o th y 2 .8 -1 5 R e c o n s id e re d ” , SR 19 1990): 242. A prim eira parte desse parágrafo é, de fato, irrelevante para a tese do autor. (Na verdade, ela serviu justam ente para m inar essa tese, visto que o verbo no versículo 8 certam ente não tem restrição tem poral). De tem pos em tempos surgem discussões de textos bíblicos que recorrem às línguas originais talvez somente para causar uma impressão; os leitores precisam saber discernir se algo substancia] está sendo realm ente apresentado. Nossa preocupação m ai or, todavia, é com a segunda m etade do parágrafo que, de fato, contém um argum ento de substância com base na gram ática grega. Para nossos propósi tos atuais, não precisam os determ inar se o verbo no verso 12 tem um restrição tem poral; a questão, sim, é saber se o recurso obtido do grego é convincente. A lógica do autor acim a é sim plesm ente olhar para os vários em pregos com provados ou sentidos do tem po presente, e então escolher um que se en caixe naquela com preensão da passagem do autor. Esta abordagem não é exa tam ente aquela que já discutim os; neste caso, o intérprete não leu todos os sentidos em um a ocorrência específica. O problem a é sem elhante, contudo, visto que a decisão da intérprete (até onde podem os dizer) baseou-se sim ples m ente num a certa gam a de usos e não foi controlada pelo contexto. No m íni mo, devem os dizer que a intérprete não apresentou uma razão contextual para escolher a função tem porariam ente restrita do tem po presente do grego. Não Superestime Pontos Sutis da Gramática e Vocabulário A perspectiva de que as linguagens bíblicas - grego em particular - são inigualavelm ente ricas ou precisas tem levado muitos estudiosos a depositar extrem a confiança em distinções de vários tipos. E muito comum a tendência de se procurar diferenças entre sinônimos como um a chave para a interpreta ção de passagens. Não podem os duvidar, por exemplo, que as várias palavras hebraicas usadas em referência ao pecado têm sentidos característicos (com parável com as diferenças em palavras de nossa língua como pecado, m alda de, mal, transgressão, etc.). Q ualquer estudo cuidadoso dos textos do Antigo Testam ento que contêm essas palavras requerem algum a atenção para as dis tinções, e uma abordagem descuidada quanto ao uso da palavra é indesculpável. Não podem os jam ais esquecer, porém , que os escritores freqüentem ente usam um vocabulário diferente por simples razões de estilo como, por exem plo, para evitar repetições. Nestes casos, podem os dizer que as diferenças entre as palavras são “neutralizadas” pelo contexto. Até m esm o quando um autor faz uma escolha léxica por razões semânticas (em vez de estilísticas), não se segue daí que nossa interpretação perm anece ou cai dependendo de nossa habilidade em determ inar precisam ente porque um a palavra foi esco lhida em vez de outra. Afinal, as pessoas norm alm ente não se com unicam pronunciando palavras isoladas, mas ao proferir sentenças completas. Em vista da im portância das palavras, o que realm ente nos interessa, então, é com o essas palavras foram com binadas pelo interlocutor. Visto que o foco do sentido é, portanto, a sentença (ou até m esm o o parágrafo), a força específica de qualquer palavra depende em grande parte do contexto mais amplo. Isso não significa negar que palavras individuais tenham um lim ite estável de sentidos - afinal, sem essa estabilidade a com unicação seria im possível. E útil pensarm os no relacionam ento entre palavra e sentença como algo recíproco. A palavra traz um a contribuição ao significado de toda a sen tença, mas a sentença com o um todo tam bém contribui para um sentido espe cífico da palavra. Poderíam os m esm o dizer que as línguas têm um sistem a incorporado de redundância, característica que torna possível com preenderm os algum as sen tenças até m esm o se um espirro ou algum outro barulho nos im pede de ouvir um a ou duas palavras. (De modo similar, não deixam os necessariam ente de apreender o sentido total de um sermão, se nossa m ente vagueia por alguns m inutos.) Considere como seu vocabulário continua a crescer quer você pro cure ou não palavras no dicionário. Consciente ou inconscientem ente, podese aprender o sentido de novas palavras sim plesm ente ao ouvi-las sendo usa das em sentenças específicas, visto que as sentenças como um todo suprem esse sentido para o ouvinte. Se esta é a m aneira como a língua funciona, podem os inferir que as sutis distinções léxicas desem penham apenas um papel secundário na interpreta ção. Quantos escritores arriscam tudo num a palavra, esperando que os leito res captem a única pequena distinção que determ ina o sentido de toda a sen tença? Não se pode negar, por exemplo, que há algumas distinções entre os dois verbos gregos para amor, agapao e phileo. E menos claro, porém , que essas distinções sejam refletidas, por exemplo, no diálogo entre Jesus e Pedro registrado em João 21.15-17. Os tradutores da NVI devem ter pensado assim, visto que traduziram o prim eiro verbo (na pergunta de Jesus) com o “verda deiro am or” , enquanto o último (usado por Pedro em sua resposta) é traduzi do sim plesm ente por “am or” . Tal distinção é altam ente questionável. Para m encionar apenas um problem a, o último verbo é usado pelo Filho acerca do am or de Deus em 5.20. Porém m esm o se a djstinção pudesse ser sustentada, seria razoável pensar que a com preensão apropriada da passagem se prende à nossa habilidade de descobrir um contraste assim tão fraco? U m a interpreta ção sólida deveria ser form ada sobre evidência muito mais am pla que esta. Podem os dizer, em term os gerais, que, quanto m aior o peso depositado sobre as distinções entre sinônimos, m aior será a probabilidade de que essas distinções estejam sendo exageradas. Por exemplo, os verbos gregos oida e ginosko podem ambos ser traduzidos por “saber, conhecer” . A distinção m aií freqüentem ente sugerida entre esses verbos é que o últim o pode ser usado m ais facilm ente em contextos que lidam com a aquisição do conhecim ento. Conseqüentem ente, oida é freqüentem ente encontrada onde tal aquisição não está em vista, mas isso deixa de fora inum eráveis contextos em que os verbos poderiam ser usados reciprocam ente. Em lugar disso, alguns estudiosos pro curam argum entar que gino$ko refere-se especificam ente ao conhecim ento em pírico, ou seja, algo adquirido pela experiência e não por m eio de conheci m ento inato ou intuitivo. Essa alegação, em bora plausível, é na m elhor das hipóteses algo hipotético e não leva com pletam ente em conta as m uitas pas sagens onde tal distinção não está presente. Aqueles que a aceitam , porém , algum as vezes vão além e sugerem que oida indica m aior certeza, sim ples m ente porque é encontrada em alguns contextos (ex.: Rm 8.28) que falam de segurança. Outros até mesmo sustentam que ela reflete o conhecimento divino. Se há perigo na sugestão das distinções léxicas, que dizer quanto às gram aticais? Veja por este ângulo: quando foi a últim a vez que você pensou não ter entendido um a frase por não poder determ inar por que o interlocutor escolheu usar o presente simples (ex: “Com o você se sente?”) em vez do gerúndio (“Com o você está se sentindo?”) Com raras exceções, esses tipos de decisões são feitos não com base em cuidadosa deliberação e sim, mais ou m enos de form a autom ática. E até m esm o quando param os para pensar sobre escolhas gram aticais, isso acontece norm alm ente porque estam os preocupa dos em usar nossa língua “corretam ente” , não porque o sentido viesse a ser substancialmente diferente (ex: “Depois que ele foi embora, os problem as co m eçaram ” significa o mesmo que a expressão mais formal: “Após ele ter parti do, com eçaram os problem as”). Q uando nos voltam os para o Novo Testam ento grego, porém , os estu dantes despendem grande som a de esforços tentando interpretar sutilezas gram aticais. C onsidere H ebreus 1.2: “N estes últim os dias, nos falou pelo Filho.” As últim as três palavras traduzem duas palavras gregas, en huio, literalm ente, “no filho” . A contece que o uso do artigo definido no grego não corresponde exatam ente ao artigo “o ”. U m a das diferenças tem a ver com a om issão do artigo grego quando nós, por causa do costum e de nossa língua, esperam os ver o artigo. Em algum as situações, a om issão pode refletir a possibilidade de que o foco do autor esteja m enos na identidade do objeto do que em sua qualidade. A d istin çã o é m in im am en te p e rc e p tív e l (em algum as p a ssa g e n s, inexistente) e não pode ser reproduzida em nossa língua. Quando pessoas tentam transm itir a idéia, acabam exagerando (ex.: com um a paráfrase como “em alguém que é por natureza um filho”). Um expositor popular chega a ser místico: “N ovam ente sentimos a pobreza de nosso idiom a, e devemos tradu zir: ‘Seu Filho” , ou ‘um F ilho’. M as, se disserm os repetidas vezes a nós m es mos as exatas palavras: D eus fa lo u a nós no Filho, nosso coração sentirá o significado, em bora nossas palavras não possam traduzi-las.”35 De fato, a pre sença ou ausência do artigo aqui não altera o sentido da oração. Constituiu-se num a escolha estilística que os leitores originais da epístola (e talvez até m es mo o escritor!) possivelm ente não pudessem ser capazes de justificar de for ma satisfatória. O uso incorreto mais com um da sutileza gram atical tem a ver com os tem pos gregos. Parte da razão é que o sistem a verbal grego inclui um a form a de tem po classificado como aoristo. Visto que o term o não é usado quando se relaciona com nossa língua, traz em si um sentim ento quase esotérico e in centiva uma interpretação errônea. Outra razão é o fato de que os verbos gre gos exploram distinções “de tem po” mais freqüentem ente do que fazem os nossos verbos. A distinção entre o passado simples em nossa língua (“eu comi”) e o im perfeito (“eu havia com ido”) é relativa ao tem po e corresponde m ais ou menos a um a distinção sem elhante no grego. Além disso, entretanto, o grego m antém a distinção no modo não indicativo, como o imperativo, e o fato cria problem as para o estudante. O tempo aoristo recebeu este nome de gramáticos gregos que reconheci am que havia algo de indefinido acerca dele (a palavra grega aoristo significa "indefinido”). Curiosamente, muitos intérpretes do Novo Testamento o vêem como especial em algum aspecto e exageram grandemente seu significado. Uma das séries de comentários mais freqüentemente usadas por estudiosos do grego do Novo Testamento reflete grandemente essa tendência. Por exemplo, sobre Filipenses 2.15: “para que vos torneis irrepreensíveis” , esse comentarista inter preta o verbo aoristo como significando que “pode ser definitiva e perm anente mente” . E sobre Apocalipse 2.5: “arrepende-te e volta à prática das primeiras obras”, ele diz que os “dois imperativos clara e peremptoriamente são aoristos: 'e arrepender (completamente) e fazer (decisivamente) as primeiras obras!’ como foi feito no primeiro amor durante os dias passados”.36 Em certos casos a escolha do tem po (ou algum outro detalhe gram atical) pelo autor grego talvez contribua em certa m edida para o significado que de outra m aneira está claram ente expresso no texto. Se é assim, a gram ática é, na m elhor das hipóteses, um apoio secundário para a interpretação da passagem . Entretanto, se um sentido proposto não pode ser estabelecido sem recorrer-se a um a sutileza gram atical, é possível que o argum ento seja inválido. Os escri ’5 W illiam R. N ew ell, H ebrews: Verse by Verse (C hicago: M oody, 1947), p. 3n. 16 R. C. H. L enski, The Interpretation o fS t. P a u is E pistles to the G alatians, to the E phesians, and to the P hilippians (M inneapolis: A ugsburg, 1961; orig. 1937), p. 802; idem, The Interpretation o fS t. J o h n s R evelation (M inneapolis: A ugsburg, 1961; orig. 1943), p. 88. tores bíblicos foram claros e explícitos e não esperavam que seus leitores tivessem de decifrar com plicados enigm as lingüísticos. De qualquer modo, estudantes leigos das Escrituras não deveriam ser influenciados tão facilm en te por um especialista que tenta persuadi-los por m eio de um a argum entação técnica desse tipo. 4 Sumário Em bora os princípios discutidos neste capítulo consistam de “nãos”, deve ficar evidente que todos eles im plicam diretrizes positivas. Podem os resum ir essas diretrizes em outras palavras: 1. R econheça a im portância das línguas bíblicas para obter uma in terpretação apropriada. Procure fam iliarizar-se com o grego e o hebraico. Se isso não for possível, acostum e-se com a idéia de que há um a distância lingüística e cultural que nos separa do texto bíblico. Em bora essa distância não deva ser exagerada, tom e cuidado ao ler na B íblia idéias que podem ser sustentadas som ente a partir da tradução em nossa língua. 2. Tenha em m ente que as traduções em nossa língua são confiáveis para a m aioria dos propósitos. Em bora devam os ser gratos aos especialis tas que podem nos ajudar com detalhes e am bigüidades, é im portante lem brar que o ensino das Escrituras com o um todo está prontam ente acessível a todos os crentes. 3. D ê prioridade ao uso comprovado e contem porâneo das palavras. Em bora as origens e o desenvolvim ento de um a palavra possam ser interes santes, os escritores dependem da m aneira como a língua é usada em seu tem po. N orm alm ente, sentidos propostos são válidos som ente se podem ser confirm ados por referências contem porâneas ao texto. 4. Concentre-se em usos específicos no contexto. Estar ciente de que existe uma ampla gama de possibilidades de sentidos para uma palavra pode ser útil como base para fazer uma escolha, mas devemos lembrar que (exceto por troca dilhos e outros tipos de alusões raras) outros sentidos que não os especificados pelo contexto não ocorrem normalmente ao interlocutor e seu público. 5. Enfatize o contexto. Este é o princípio fundam ental. É de fato a dire triz que se sobrepõe a todas as outras. Por exemplo, a razão pela qual não tem os de ser servos dependentes dos estudiosos é que o contexto m aior das Escrituras pode ser entendido sem um conhecim ento de detalhes técnicos. Antes de tentarm os resolver um problem a específico em um versículo, preci samos ler e reler todo o capítulo - na realidade, o livro todo do qual aquele versículo faz parte. Com certeza, a leitura constante das Escrituras em sua totalidade é a m elhor receita para se lidar com a Palavra corretam ente. PARTE 2___________________ Compreendendo o Texto: O Sentido nos Gêneros Literários A narrativa é um dos gêneros mais comuns na Bíblia. Mas, ao contrário da prosa, que declara os fatos diretam ente, a narrati va depende de seleção dos detalhes, da form a com o os aconteci m entos são organizados e de recursos retóricos para determ inar os princípios que deseja comunicar. Os elem entos mais im portantes da narrativa são a cena, o ponto de vista, o diálogo e os recursos retóricos como a repeti ção, a inclusão e o quiasm o. Cada elem ento ajuda o intérprete a com preender mais adequadam ente o significado e o propósito de cada episódio narrado ter sido incluído nas Escrituras. As narra tivas bíblicas m ostram os elem entos da estrutura em quatro ní veis diferentes: o nível verbal, o nível da técnica narrativa, o ní vel do universo narrativo e o nível do conteúdo conceituai. Nos casos em que a narrativa tam bém inclui referências a detalhes históricos de acontecim entos, pessoas ou datas do m un do real, esses detalhes tam bém podem e devem estar presentes na interpretação do texto à m edida que o autor os indicou para de m onstrar diferentes graus de preocupação apologética e interes ses relacionados à m ensagem do texto. CAPÍTULO 4_____________ “Recordo os Feitos do Senhor” O SENTIDO DA NARRATIVA W a l t e r C . K a is e r , J r . O gênero mais com um na B íblia é a narrativa, com bem mais que um terço de toda a B íblia nesta forma. A estrutura da narrativa estende-se desde a história de Deus lidando com a hum anidade da criação ao exílio de Judá nos livros de G ênesis a 2 Reis. Em term os de divisões do cânon hebraico,37 a narrativa é o gênero predom inante na Torá (esp. Gênesis, Êxodo e Núm eros), em todos os livros dos Profetas Anteriores, em alguns dos Profetas Posteriores (esp. partes principais em Isaías e Jerem ias, além de partes de Jonas e outros livros), e tam bém em vários livros dos Escritos (esp. Crônicas, Esdras, N eem ias, Rute, Ester e Daniel). E la tam bém dom ina os Evangelhos e o livro de Atos. A nar rativa é claram ente a principal estrutura de sustentação da Bíblia. A narrativa em seu sentido mais amplo é um relato de acontecim entos específicos no tem po e espaço com participantes cujas histórias são registradas com um com eço, m eio e fim. Diferentem ente da prosa, em que as coisas são declaradas diretam ente, a narrativa apresenta coisas indiretam ente. Seu estilo deriva da seleção do escritor (dentre um vastò núm ero de detalhes possíveis), -17 O C ânon H ebraico é dividido em três partes principais com o segue: Torá: O P entateuco E scritos P rofetas Poetas: Salm os, Jó, Provérbios Primeiros: Josué, Juizes, Sam uel, R eis C inco P equenos R olos: R ute, C antares, Últimos: Isaías, Jerem ias, E zequiel e E clesiastes, L am entações, E ster os 12 profetas m enores As H istórias: D aniel, E sdras, N eem ias. C rônicas disposição (não necessariam ente estritam ente seqüencial ou cronológica), e recursos retóricos. O últim o inclui declarações-chave proferidas pelas figu ras centrais da narrativa, perm itindo ao autor desse modo apresentar os pon tos que revelam o foco e o propósito de contar a história. Os leitores e intérpretes das histórias algumas vezes envolvem -se tanto com os personagens e a tram a da narrativa que se esquecem de considerar qual é a m ensagem de Deus para a igreja contem porânea. Para eles, a história torna-se um fim em si mesma. De m aneira mais freqüente, porém , encontram os o problem a oposto. M uitas vezes leitores projetam algum a verdade moral ou espiritual sobre um personagem bíblico ou acontecim ento, prestando mais atenção à lição moral que vêem na narrativa do que à história em si. A objeção subjacente a inter pretar a B íblia de form a m oralista, tirando exem plos de cada passagem de narrativa é que ela destrói a unidade da m ensagem da Bíblia. Nesse m étodo de lidar com o texto, cada narrativa tende a ser cortada da história redentora de Cristo e resulta em séria fragm entação da m ensagem da Bíblia. Em lugar de considerar todo o acontecim ento, personagem , e episódio que contribui para a form ação do contexto em que está posto, com dem asiada freqüência, um processo subjetivo de analogia passa a vigorar, junto com um isolam ento individualista de detalhes selecionados que passam a se ajustar aos caprichos dos propósitos do intérprete. Um processo de seleção assim tende a ser arbi trário, subjetivo, e geralm ente não relacionado ao contexto total da narrativa, m uito m enos à m ensagem total da Bíblia.38 Esse tipo de desonestidade herm enêutica do texto não pode trazer consi go a autoridade da Bíblia. O desejo de encontrar o que é prático, pessoal, desafiador e individualm ente aplicável é louvável; m étodos que essencial m ente nos perm item desconsiderar a narrativa em si, entretanto, deixam m ui to a desejar. A única cura para esse tipo de abuso é aprender a lidar com a questão de como essas narrativas estão sendo, de fato, apresentadas e usadas pelos escritores da Palavra. Sem dúvida, um grande núm ero de leitores da Bíblia é beneficiado por esse m étodo de tratam ento de textos narrativos que acabam os de criticar. U m a defesa com um de tal método personalizado de leitura da Bíblia é dizer: “Mas eu alcancei grande bênção a partir da lição moral que vi no texto bíblico; certam ente ele é verdadeiro!” Se a narrativa em si não expressou a verdade “vista” , porém , então tem os que dizer: “Ficam os felizes pela bênção - contu do não podem os dizer o m esm o pelo texto a que você está atribuindo!” Nossa 38 P a ra c o m e n tá rio s p ro v e ito so s so b re e ste tó p ic o , v e ja C a rl G. K ro m m in g a , “ R e m e m b e r L o t’s W ife: P re a c h in g O ld T esta m en t N a rrativ e T e x ts” , C T J 18 (1983): 33 -3 4 ; S id n e y G re id a n u s, S o la S c rip tu r a : P ro b lem s a n d P r in c ip ie s in P re a c h in g H is to r ic a l Texts (T o ro n to : W edge, 1 9 7 0 ), pp. 2 2 -5 5 . prim eira tarefa é prestar cuidadosa atenção ao texto das Escrituras - incluin do cada passagem narrativa. Recursos Literários na Narrativa Para ajudar nosso estudo dos textos da narrativa e do sentido que pretendem transm itir, tom em os a típica narrativa, olhando m ais cuidadosam ente para seus elem entos-chave. A CENA A característica mais im portante da narrativa é a cena. A ação da história é dividida em um a seqüência de cenas, cada um a apresentando o que aconteceu em determ inado tem po e lugar. O autor usa cenas para concentrar a atenção em um conjunto de ações ou palavras que ele quer que exam inem os. C ada cena norm alm ente não tem m ais que dois personagens. Q u an do há um grupo presente em um a das cenas, tende a fu n cio n ar com o um dos personagens. U m a das características mais notáveis da narrativa bíblica é “a presença difusa de D eus” . Freqüentem ente, Deus é um dos personagens nessas cenas, ou a voz do profeta que funciona em lugar da presença de Deus. Considere cenas sem elhantes de dois personagens em Gênesis como Deus e A dão (cap. 3), Deus e C aim (cap. 4), Deus e Noé (cap. 6) e Deus e Abraão (cap. 12). A presença de Deus, ou até m esm o a alusão à sua presença, freqüentem ente com eça a estabelecer o ponto de vista assum ido pelo narrador. Sobre o pano de fundo dessa presença explícita ou im plícita vêm as prom essas, ordenan ças, providência ou o poder de Deus nessas narrativas. O intérprete deve identificar cada um a dessas cenas, da m esm a form a que alguém desdobraria um a longa passagem em prosa em parágrafos. E útil esboçar um a síntese de proposição para cada cena, sim ilar à m aneira como poderíam os identificar o tópico ou a sentença tem a de cada parágrafo em um artigo. Essa síntese de proposição deve concentrar-se nas ações, palavras ou descrições na cena, tendo em m ente a direção que o autor parece estar seguin do em toda a seqüência das cenas. Se, num a prim eira análise, o ponto apre sentado pelo autor em determ inada narrativa é obscuro, podem os obter ajuda focalizando o m om ento da presença de Deu^, suas ações, os com entários em cada cena em que elas são relevantes. O PONTO DE VISTA As cenas têm um padrão básico, incluindo um a série de relações com um come ço, meio e fim. Normalmente, chamamos essa disposição de trama da narrativa. A trama traça o movimento dos incidentes, episódios ou ações de uma narrativa, normalmente, enquanto giram em tomo de algum tipo de conflito. Em algum ponto na narrativa, o autor leva ao clímax toda a série de episó dios nas várias cenas, desse modo suprindo todo o ponto de vista para a histó ria. Esse ponto de vista form a a perspectiva da qual toda a história é contada. A narrativa de 1 Reis 17, por exemplo, abruptam ente apresenta ao leitor um certo “Elias, o tesbita, dos m oradores de G ileade” . Podem os facilm ente identificar quatro cenas individuais nesse capítulo: 1. Elias no palácio perante o rei israelita Acabe (v. 1) 2. Elias sendo alim entado pelos corvos ju n to à torrente de Q uerite (vs. 2-7) 3. Elias pedindo à viúva à porta da cidade de Sarepta, Fenícia, para alim entá-lo, seguido pelo m ilagre da m ultiplicação do óleo e da fa rinha (vs. 8-16) 4. A m orte do filho da viúva na casa da própria viúva e Elias restaurando-o à vida com a ajuda de Deus (vs. 17-24) Porém , qual é o ponto de vista subjacente a todas essas quatro cenas? Se não puderm os responder a esta questão, as cenas para nós são apenas um a coleção aleatória de histórias. A prim eira vez que olhei seriam ente para essa passagem , lem bro-m e de tê-la lido e relido inúm eras vezes, procurando pelo ponto de vista e propósito do narrador ao introduzir esses quatro episódios. Observei a repetição da ex pressão palavra do Senhor, que aparece nos versículos 2, 8, 16 e 24. Em princípio a considerei sim plesm ente um a form a de introdução ou (em um caso) de conclusão. Entretanto, m inha visão dessas expressões m udou quan do percebi que o narrador m uitas vezes colocava o ponto que desejava apre sentar na form a de um a citação ou discurso na boca de um dos personagenschave em algum estágio culm inante na tram a. Partindo desse raciocínio, ob servei novam ente o versículo 24: “Então, a m ulher disse a Elias: ‘Nisto co nheço agora que tu és hom em de Deus e que a palavra do Senhor na tua boca é verdade’.” O “ponto de v ista ” do n arrad o r n essa passagem era d e m o n stra r que a p a la vra de D eus era digna de confiança em cada um a das circunstâncias da vida relatadas nas quatro cenas. O ponto de vista, portanto, funciona nesse texto de narrativa exatam ente com o aquilo que tenho cham ado de ponto pivô (ou fulcro) que funciona em textos didáticos ou de prosa.39 Essa característi ca, então, nos guia ao discernir que verdade o autor pretendia transm itir ao escolher e registrar esses episódios. Ao focalizarm os sobre o ponto de vista 39 W alter C. Kaiser, Jr., Toward an Exegetical Thology: B iblical E xe g esisfo r P reaching a n d Teaching (G rand R apids: B aker, 1981), pp. 152-55. do autor inserido no contexto literário m aior podemos evitar estabelecer m era m ente “lições” superficiais ou vagas “bênçãos” ao lermos as narrativas bíblicas. DIÁLOGO O terceiro elem ento principal da narrativa bíblica é o diálogo. Com o Robert A lter observou: “Tudo no m undo da narrativa bíblica definitivam ente gravita em direção ao diálogo. ... em term os quantitativos, um a parte notavelm ente grande do peso da narrativa é carregada pelo diálogo, as transações entre per sonagens tipicam ente se desdobrando por m eio das palavras que trocam entre si, com apenas a m enor intervenção possível do narrador.”40 O tem a da passagem , que o ponto de vista expressa, é geralm ente trans portado ju n to em seu m ovim ento progressivo pelo diálogo. A lter sugere duas regras úteis que alertam os intérpretes para a im portância desse m ovi m ento do diálogo: 1. O lugar em que o diálogo é prim eiram ente introduzido será um im portante m om ento na revelação do caráter de seu locutor - talvez m ais na m aneira do que na substância daquilo que é dito. 2. Observe onde o narrador escolheu introduzir o diálogo em vez da narração. O ritm o especial do m over-se entre diálogo e narrativa, enquanto centraliza-se em algum a troca verbal direta entre os perso nagens, nos ajudará a observar sua relação com Deus e entre si.41 O diálogo ocasionalm ente aparece na form a de um discurso estilizado, em que um personagem repete um a parte ou o todo do que outro personagem disse. Nesses casos, devemos observar cuidadosam ente quaisquer pequenas diferenças, ligeiras alterações, inversões de ordem , elaborações ou om issões. Tais variações podem m uito bem ser significativas ao revelar o personagem ou um a inclinação diferente para os acontecim entos que estão ocorrendo. Raram ente um narrador entra diretam ente na narração - como, por exem plo, para dar a moral da história. Mas o narrador, com grande freqüência, faz um discurso resum ido em um a conjuntura particularm ente crítica na narrati va a fim de (1) acelerar a fluência da narrativa, (2) evitar excessiva repetição, ou (3) dar algum a perspectiva para o que foi djto. O diálogo é um dos principais m eios pelos quais o narrador pode apre sentar a caracterização. A narrativa que envolve esse diálogo tende sim ples m ente a confirm ar o que é dito no diálogo. Conseqüentem ente, é m ais im por tante seguir o diálogo com cuidado para apreender o desenvolvim ento do ponto que está sendo apresentado - em geral de form a indireta - pelo autor. 4 R obert Alter, The A r t o f B iblical N arrative (N ova York: B asic B ooks, 1981), p. 182. 4- Ibid., pp. 74-75. O RECURSO RETÓRICO É com um narradores bíblicos utilizarem certos recursos retóricos que apare cem tam bém em outros tipos de prosa e na poesia. Três im portantes são: repetição, inclusão e o quiasmo. R e p e t i ç ã o . U m dos recursos retóricos favoritos da narrativa hebraica era a repetição. U m tipo de repetição usa a reincidência de palavras ou expres sões curtas; outro une ações, im agens, motivos, temas e idéias. A repetição de palavras era especialm ente significante. Em m uitos ca sos o autor usava palavras repetidas ou m esm o sentenças para expressar um a certa ênfase, sentido ou desenvolvim ento do texto. Deste m odo, 2 Reis 1.3,6 e 16 traz cada um a a m esm a pergunta: “Porventura, não há Deus em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, Deus de Ecrom ?” a fim de reforçar a idéia que o escritor queria apresentar. U m a repetição sem elhante por m eio do uso de um a pergunta reincidente aparece em um a narrativa com respeito a um profeta abatido e fujão. Duas vezes o narrador registra a pergunta do Senhor: “Que fazes aqui, Elias?” (lR s 19.9,13), em que “aqui” refere-se à caverna do M onte Horebe, a centenas de quilômetros do lugar onde Deus o havia mandado. Ainda, em outro exemplo, cada um dos três capitães enviados para cap turar Elias faz o m esm o discurso exceto pela im portante variação na terceira e últim a tentativa de trazer Elias perante o rei. Os prim eiros dois dizem a E lias asperam ente, “Hom em de Deus, o rei diz: ‘D esce im ediatam ente’” (2Rs 1.9,11; m inha própria tradução). O terceiro capitão, aparentem ente um pouco mais m oderado devido à experiência fulm inante de seus dois colegas anteriores, suaviza seu pedido com um respeitoso: “Hom em de Deus, seja, peço-te, preciosa aos teus olhos a m inha vida e a vida destes cinqüenta, teus servos; pois fogo desceu do céu [um circunlóquio para ‘D eus’] e consum iu aqueles dois prim eiros capitães de cinqüenta; porém , agora, seja preciosa aos teus olhos a m inha vida” (vs. 13,14). Outro tipo de repetição dentro da narrativa hebraica é a “repetição resu m ida” . N esse tipo, o narrador faz o leitor voltar ao ponto original na história após desenvolver um incidente relacionado. Assim, em 1 Samuel 19.12 lemos que “M ical desceu Davi por um a janela, e ele se foi, e escapou” . O leitor perm anece com M ical durante o tem po em que Davi tem sucesso em escapar. No verso 18, porém , somos levados de volta ao ponto principal pelo com entá rio do narrador de que “Davi fugiu, e escapou” .42 i n c l u s ã o . U m segundo recurso retórico que os narradores bíblicos usa vam é a inclusão, que na realidade é uma form a de repetição. “Inclusão” 42 D uas obras úteis acerca d a m atéria de interpretação de narrativas bíblicas são A dele B erlin, Poetics a n d Intepretation o f B iblical N arrative, e B urke O. L ong, “F ram ing R epetitions in B iblical H isto rio g rap h y ” , JB L 106 (1987): 385-99. refere-se a um a repetição que m arca o início e o fim de um a seção, colocando entre parênteses ou cercando o m aterial assinalado. Um a ilustração muito boa de inclusão pode ser encontrada em Êxodo 6.13 e 26,27. No verso 13 lemos: “Não obstante, falou o Senhor a M oisés e a Arão e lhes deu m andam ento para os filhos de Israel e para Faraó, rei do Egito, a fim de que tirassem os filhos de Israel da terra do Egito.” De form a especialm ente curiosa, o que se segue é um a lista genealógica de som ente três dos doze filhos: Rúben, Simeão e Levi, com um tratam ento m ais detalhado acerca de Levi - presum ivelm ente porque essa lista ia até M oisés e Arão. Aqui a genealogia term ina tão abruptam ente quanto havia com eçado. Então as seguintes palavras nos versos 26,27 aparecem como um a inclusão com o verso 13: “São estes Arão e M oisés, aos quais o Senhor disse: ‘Tirai os filhos de Israel da terra do Egito, segundo as suas hostes.’ São estes que falaram a Faraó, rei do Egito, a fim de tirarem do Egito os filhos de Israel; são estes M oisés e Arão.” A contece que esses três filhos de Jacó figuraram de um a m aneira nega tiva nos relatos anteriores da narrativa nas Escrituras. Rúben havia dorm ido com a concubina de seu pai (Gn 35.22; 49.4), e Simeão e Levi m assacraram os siquem itas após terem exigido que todos os hom ens siquem itas fossem circuncidados (Gn 34.25-31). Após tais incidentes, os leitores poderiam im a ginar com o seria possível para alguém que veio de tais origens ser usado por Deus. Não é de adm irar que o texto enfatize tão repetidam ente esta inclusão: “São estes Arão e M oisés!” A inclusão, portanto, nos ajuda m anter o foco sobre o fato de que o cham ado e os dons de Deus para liderança tinham muito pouco a ver com herança, habilitades naturais, ou linhagem humana. q i u a s m o . Um terceiro recurso retórico da narrativa bíblica é o quiasm o, um recurso literário que obteve esse nome a partir da letra chi grega (%). E assim designado devido ao cruzam ento, ou inversão, dos elem entos relacio nados em construções paralelas. Quiasm os podem envolver a inversão de qualquer coisa desde palavras ou cláusulas em duas linhas paralelas de poesia a uma série de diálogos, ou m esm o a um a série de capítulos de narração. E mais fácil identificar quiasm os onde as mesmas palavras, cláusulas, ou expressões estão invertidas. Um exem plo claro pode ser encontrado em Isaías 11.13: a Efraim b não invejará c' e Judá b' não oprim irá • c Judá a' Efraim O utro tipo de qiuasm o vai além de tal paralelism o em versos únicos. Existe tam bém em capítulos, seções, e algum as vezes até m esm o em livros inteiros da Bíblia. Longe de ser m eram ente um ornam ento superficial decora tivo, o quiasm o é um a das convenções mais artísticas usadas para narrativas na Bíblia. Com o tal, pode ser um a chave para detectar os alvos do autor, pois o acontecim ento ou idéiaprincipal tipicam ente aparece no ápice - ou seja, no m eio da história.43 U m a clara ilustração de quiasm o em uso num a seção de um livro bíblico pode ser vista na seguinte análise de Daniel 1-7: Introdução. Daniel 1 A. Daniel 2 Quatro Im périos Gentios do m undo B. Daniel 3 Perseguição dos Gentios sobre Israel C. Daniel 4 Providência divina sobre os Gentios C ’ Daniel 5 Providência divina sobre os Gentios B ’ Daniel 6 Perseguição dos Gentios sobre Israel A’ Daniel 7 Quatro im périos Gentios do m undo De acordo com essa estrutura quiástica, portanto, o centro dos prim eiros sete capítulos vem em D aniel 4 e 5. D aniel 4 foi a palavra final de D eus a Nabucodonosor, e Daniel 5 foi a palavra final de Deus a B elsazar; para todos os intentos e propósitos, esses dois reis foram a m onarquia inicial e conclu dente da dinastia babilônica. Com o tal, funcionaram tanto para incitar como para alertar todas as nações gentias sobre os planos, propósitos e graças que Deus oferece a todas as nações do mundo. Deve-se observar tam bém que uma análise como esta não com prom ete a unidade do livro de Daniel ou im plica que os prim eiros sete capítulos foram separados dos capítulos 8-12. Daniel foi escrito em duas línguas: aram aico, a língua popular daqueles dias, e que foi usada em Daniel 2-7, e o hebraico, que foi usado no restante do livro. Esse fato costum a corroborar com a linha de evidência que vem da form ulação quiástica. De fato, a m udança nas línguas pode muito bem ser um sinal hermenêutico de que o público principal para o qual cada seção está dirigida também muda precisamente naqueles mesmos pontos. Níveis Estruturais na Narrativa O NÍVEL VERBAL A análise da estrutura baseada no nível verbal concentra-se particularm ente em palavras ou expressões que são repetidas. S. Bar-Efrat44 ilustra esta form a 43 VejaY. T. R adday, “ C hiasm in S am uel”, LB 9/10 (1971): 21-31; id em , “C hiasm in T ora” , LB 19 (1972): 12-23. 44 S. B ar-E frat, “Som e O bservations on the A nalysis o f Structure in B iblical N arrative”, V T 3 0 (1980): 157-70. de estruturação pelo comentário da narrativa que aparece seis vezes em Gênesis 1: “H ouve tarde e m anhã, o prim eiro [segundo, etc.] dia” (vs. 5, 8, 13, 19, 23, 31). Outros exem plos são dos quatro m ensageiros de Jó 1, cujas palavras “só eu escapei, para trazer-te a nova” (vs. 15, 16, 17, 19) trazem um a estrutura quádrupla para o texto, e as quatro vezes em que D alila pergunta a Sansão pelo segredo de sua força (Jz 16.6, 10, 13, 15), que tam bém ressalta e de fato fornece a estrutura da narrativa. Outras características estilísticas em acréscim o à repetição incluem o uso de m etáforas, sím iles e construções incom uns da gram ática ou sintaxe. O NÍVEL DA TÉCNICA NARRATIVA A estrutura no nível da técnica narrativa é expressa pelos m odelos alternantes de (1) diálogo versus descrição do narrador; (2) narração versus descrição; e (3) com entário, ou até m esm o explicação e apresentação de cenas, versus resum o da ação. O mais im portante, todavia, é o prim eiro. A técnica narrativa afeta principalm ente o ritm o em que progride a nar ração e a questão da ordem dos acontecim entos. Quando o autor utiliza-se de um a apresentação cênica, o tem po passa vagarosam ente e somos deste modo forçados a prestar grande atenção aos detalhes, a fim de extrair a direção ou significância da narrativa. Mas quando o narrador m uda para sínteses de pro postas na narrativa, então a velocidade do tem po é acelerada e o ponto da narrativa pode ser declarado mais diretam ente. Os autores podem interrom per sua história em qualquer ponto, fazendo isso conform e técnicas estabelecidas. Um m arcador de estrutura desse tipo é o freqüente uso de retrospectivas para falar do passado, anterior ao com eço da narrativa. No hebraico, esses flashbacks eram indicados pelo uso da form a perfeita do verbo em vez do im perfeito normal. O NÍVEL DO MUNDO DA NARRATIVA O terceiro nível estrutural focaliza-se no m undo da narrativa, ou seja, o âm bi to em que a história acontece. Trata dos dois principais com ponentes ou con teúdos das narrativas: personagens e acontecim entos. Os personagens são desenvolvidos com respeito à sua identidade, suas características e suas funções. Intérpretes de#vem observar as ligações dos vários personagens enquanto aparecem em seqüência no texto. N orm alm ente o personagem introduzido em segundo lugar em um texto se torna o prim eiro a aparecer no próxim o link quando a narrativa progride. Seguir esses links pode nos fornecer um indício sobre onde o autor .deseja que centralizem os nossa atenção. A relação entre os acontecim entos de um a história com põem a trama. M uitas narrativas têm um a única trama. Em todo o livro de Ester, por exem- pio, o plano de Ham ã de exterm inar todos os judeus no im pério m edo-persa tom a o centro da ação, com as tentativas de M ordecai e Ester em revogar essas ações tendo um papel secundário. Na realidade, descrever a tram a ge ralm ente resum e-se à simples paráfrase da história. Recursos com uns de en redo incluem o clímax, o segundo clímax e a inversão. N orm alm ente as tra mas desenvolvem -se até o clímax e então descendem para um a conclusão pacífica. Algum as vezes esse m odelo é ignorado e a narrativa im ediatam ente ascende para um segundo clímax. Jó enfrentou os quatro m ensageiros, por exem plo, para depois ser confrontado por três “consoladores” para um novo desafio que teve de superar. Na inversão, a ação sofre um a m udança repentina no ponto crucial. O episódio do sacrifício de Isaque em Gênesis 22 ilustra a inversão, assim com o a narrativa sobre o retorno de Jacó para encontrar seu irm ão Esaú após vinte anos de serviço dedicados a Labão em Gênesis 32,33. Incluído no nível do m undo-narrativo da análise do texto estão as refe rências aos term os espaciais e tem porais usados na narrativa. Freqüentem ente, a ação de um a única história muda de um lugar para outro, criando deste m odo um a estrutura distinta. Igualm ente, a história pode m udar ao indicar um a alteração no tem po ou até m esm o quanto tem po o acontecim ento levou, com o na narrativa do dilúvio em Gênesis 7,8. O NÍVEL DO CONTEÚDO CONCEITVAL O nível final que dá estrutura às narrativas é aquele do conteúdo conceituai. Este elem ento focaliza-se em temas, que são norm alm ente apresentados em expressões curtas, ou em idéias, que ocorrem na form a de sentenças com ple tas. Os tem as apresentam as questões centrais da narrativa, enquanto as idéias apontam para a lição, a m ensagem ou o ensinam ento encontrado na narrativa. U m a vez que na m aioria dos casos tanto os tem as quanto as idéias da narrati va ficarão im plícitos, não afirmados explicitam ente, será necessário exercer um cuidado especial, junto com um intenso autocontrole e autocrítica. Neemias 4-6 pode nos fornecer ilustrações tanto dos temas quanto das idéias desses capítulos. Em linhas gerais, o livro pode ser dividido nestas idéias: Caps. 1-7: Princípios da liderança eficaz Caps. 8-10: Princípios da renovação espiritual Caps. 11-13: Princípios de excelência consagrada Os temas dos capítulos 4-6 poderiam bem ser dispostos da seguinte maneira: Cap. 4: A oposição à reconstrução Cap. 5: A opressão sobre o pobre Cap. 6: O dram a do líder As idéias dessa passagem estão unidas em seu foco sobre a obra de Deus: Cap. 4: Obstruindo a obra de Deus por interm édio de violência explícita Cap. 5: Obstruindo a obra de Deus por interm édio de pressão interna Cap. 6: O bstruindo a obra de D eus por interm édio de líderes ardilosos Em resum o, com o indica Bar-Efrat, podem os usar níveis estruturais para (1) dem onstrar a unidade de uma narrativa, (2) determ inar os lim ites de um a história, (3) dem onstrar os valores retóricos ou expressivos encontrados den tro de um texto, (4) entender o efeito que o autor quis causar no leitor, e (5) observar que elem entos do texto o autor desejou ressaltar.45 Considerações históricas na narrativa Em bora o gênero literário da narrativa abranja m uito m ais do que o relato histórico, não podem os negligenciar essa questão devido ao seu uso extensivo em ambos os Testam entos. Entretanto, a questão da historicidade é extre m am ente complexa, especialmente se insistirmos em nos atermos ao ideal do século 19 de uma história acurada, objetiva, imparcial e não interpretativa. M as não precisamos usar a palavra histórico dessa maneira. Será suficien te para os nossos propósitos observarmos se essas pessoas e acontecimentos que os escritores retratam como sendo parte do espaço-tempo contínuo real mente viveram durante os períodos que eles alegaram terem vivido e fizeram o que é atribuído a eles. Se isso também pode ou não ser compreendido como estando dentro dos limites do que tem sido tecnicamente designado como his tórico desde o século 19, é uma outra questão da qual nós não nos ocuparemos neste momento. Não é nem mesmo crucial que procedamos desse modo a fim de interpretar o texto com qualquer grau de justiça. A IMPORTÂNCIA DA HISTORICIDADE Sidney Greidanus definiu a questão crucial da historicidade de um a for m a precisa: Em bora haja muito a ser dito a respeito do poder da H istória e com o ela opera à parte da questão da historicidade, entretanto tam bém deve ser dito que procurar tratar todas as narrativas bíblicas com o sendo pará bolas se constitui em um a grosseira bipersim plificação, pois nem todas as narrativas bíblicas são anistóricas. ... A questão aqui novam ente é o intento ou propósito do texto. Se esse intento... nos leva a relacionar acontecim entos históricos, então esquivar-se desse intento na interpre tação deixaria de conceder plena justiça a esse sentido da narrativa.46 * Ibid.,~V12. 46 Sidney G reidanus, The M odern P reacher a n d th eA n cie n t Text: Interpreting and Preaching B iblical L iterature (G rand Rapids: E erdm ans, 1988), p. 199. A m aioria dos intérpretes m odernos preferiria dar a todo o corpo narra tivo o título de “relato” , que para eles significa que não contém H istória, mas era apenas - nas palavras de Hans Frei - “com o H istória” .47 A inda assim negar-se a existência de um a narrativa histórica no texto bíblico, quando o próprio texto assim reivindica, deve ser considerado o equivalente a negar sua m ensagem . Por exem plo, a negação ou elim inação das referências históricas na narrativa sobre a vida de Jesus e seu m inistério seria tão destrutiva com relação às verdadeiras intenções dos escritores quanto um a negação ou elim i nação de todos os contatos históricos na narrativa do êxodo. É verdade, obviam ente, que as alusões históricas não são norm alm ente o ponto principal das narrativas. Entretanto, funcionam com o corolários que validam o ensino e as afirm ações feitas no texto. Em m uitos casos, a teologia ensinada em um texto repousa diretam ente sobre a realidade dos aconteci m entos que ocorreram da m aneira com o foram postas. Se os acontecim entos não fossem verdade, a teologia que repousa sobre eles conseqüentem ente tam bém não seria verdadeira. Por exemplo, a teologia que declara que Jesus “so freu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morreu e foi sepultado; ressuscitou no terceiro dia...” está inequivocam ente ligada com a H istória. Se Pilatos não tivesse existido, e se não tivesse ocorrido a m orte, o sepultam ento, ou a ressurreição de Jesus no terceiro dia, o Credo A postólico seria, de fato, inútil, por refletir apenas um a im aginação descom edida. Por outro lado, a m ensagem de tais passagens que fazem alusões histó ricas não deve ser encontrada em suas apologéticas - ou seja, na defesa da facticidade e realidade do que está sendo aludido com o tendo acontecido no tem po e no espaço. A m ensagem ainda deve ser encontrada nos ensinos do texto literário diante de nós. Na m aioria dos casos, o texto tem outro propósi to além de sim plesm ente nos ensinar que esta pessoa ou o acontecim ento ocorreu ou não. Ainda assim a referência histórica não pode ser dispensada com tanta rapidez ou de m aneira leviana, com o muitos estudiosos m odernos pressupõem irrefletidam ente - talvez esperando por m eio disso evitar o atoleiro (e lam entavelm ente os fracos resultados para um a igreja que espera) da escola da crítica histórica. Existem um as poucas narrativas históricas em que a existência objetiva da referência histórica não tem conseqüências herm enêuticas para um a com preensão adequada da passagem . Greidanus m ostra-nos essa realidade com relação ao propósito dos livros de Jó e Jonas.48 Posso concordar com ele so bre o livro de Jó, mas não creio que o propósito de Jonas possa ser com pleta m ente com preendido sem colocá-lo diante de seus antecedentes históricos. 47 Frei usou o term o para este propósito em seu E clipse o f B iblical N arrative (N ew H aven: Yale U niversity Press, 1974), cap. 1. 48 G reidanus, The M odern P reacher a n d th e A n c ie n t Text, p. 195. No caso de Jó, nenhum contexto histórico particular é apresentado pelo livro. É somente quando se observa o fato de Jó realizar seus próprios sacrifícios (em lugar de depender de qualquer estrutura levítica) e observar características lingüísticas e culturais (tais como os termos que Jó usa para comprar) que se torna possível imaginar um contexto patriarcal durante os dias de Abraão, Isaque e Jacó. Ainda assim, nada no livro em si será seriamente afetado por essa identifica ção ou mesmo a ausência dela. Essa identificação serve somente para enriquecer nossa compreensão das nuanças, o contexto cultural e coisas desse tipo. Jonas é um a outra história. Deve-se reconhecer a brutalidade dos assírios e o que a capital de Nínive significava para todos aqueles que tinham sofrido tão im petuosam ente sob aquela im piedosa m áquina de guerra. Deste modo, com o na m aior parte das narrativas históricas, um com ponente-chave da his tória se perderia se a referência histórica fosse abandonada. Assim acontece com Jonas. A lém disso, abandonar o pano de fundo histórico do livro de Jonas representaria perder o contraste com a notícia dada em 2 Reis 14.25, em que Jonas, o filho de Am itai, o profeta de Gate-Hefer, foi usado por Deus durante os dias de Jeroboão II no reino do norte para profetizar acerca da expansão das fronteiras de Israel. Naquele papel Jonas era um proclam ador feliz, ao passo que seu papel de alertar o inim igo de Israel acerca do desastre im inente dava ao inim igo a oportunidade de arrependim ento e a extensão incerta da m isericórdia de Deus (incerta na visão distorcida do profeta infeliz) para um a população que Jonas queria logo ver liquidada. A pesar de toda esta discussão, a interpretação não é para ser confundida com fazer apologética ou a m era extração de fatos evidentes da narrativa. Tomar parte nessa confusão seria negar quase tudo que tem sido enfatizado nas prim eiras duas seções deste capítulo, e iria subverter o propósito original do autor a propósitos substitutos que são os nossos próprios, m esm o se esses propósitos fossem considerados com o sendo por uma boa causa - a defesa da fé. D esta form a, um a abordagem apologética do texto seria o m esm o que lêlo com o um a coleção de pedaços de evidência, separados e não relacionados um com o outro - um a expedição arqueológica ao texto. Essa abordagem traz evidência de m uito pouco sentim ento para o texto como literatura ou para sua m ensagem , em parte ou no todo. VERDADE OU SENTIDO NA NARRATIVA BÍBLICA * Os dois gigantes contemporâneos da herm enêutica que escreveram sobre a nar rativa bíblica são Hans Frei e Paul Ricoeur.49 Frei argum enta que os cristãos não devem continuar a fazer quaisquer afirmações acerca da autenticidade das histórias narradas na Bíblia. Em seu influente livro The Eclipse o f Biblical 49 Fui grandem ente ajudado em m inha com preensão destes dois eruditos p or G ary C om stock, “Truth or M eaning: R icoeur versus Frei on B iblical N arrative” , JR 66 (1986): 117-40. Narrative, ele afirma que em lugar disso era suficiente dizer que essas narra tivas eram cheias de significado. O problem a com eçou, até onde Frei pôde determinar, quando as forças do deísm o, da crítica histórica e da exposição de Hum e sobre as reivindica ções históricas convergiram para juntar a interpretação bíblica com a defesa da autenticidade das afirm ações históricas da Bíblia. Isso levou a um a perigo sa distinção entre “sentido’* (o que o texto diz) e as referências do texto (sobre o que é). Frei advertiu que as várias tentativas em transpor esse abism o foram todas m alsucedidas. Frei concluiu que a causa de sua falha era sim plesm ente que tais narrativas realísticas não perm item um a separação entre o sentido e sua referência. O que é encontrado no texto em sua form a literária, conse qüentem ente deve ser encontrado em seu sentido. Infelizm ente, o sentido de Frei do que ele cham ou de narrativa realista não está preso a um a discussão tanto das intenções do autor quanto do leitor ou suas respostas. Sua posição é que a narrativa refere-se a si m esm a e é autônom a. Q ualquer questão sobre a verdade de um a narrativa bíblica para esse estudioso é um lam entável erro de categoria, pois de que adianta se em penhar em conversação racional e defesa apologética dos fatos na narrativa, visto que eles somente seriam entendidos por aqueles que já fossem crentes? Outras pessoas sensatas seriam excluídas. Portanto, a m elhor solução, segun do Frei, é alargar os lim ites daquilo que consideram os “o texto em si” para incluir todas as experiências dos leitores cristãos da Cristandade. “Narrativas realistas” não convidam os leitores a avaliar a verdade das sentenças que eles usam ou para estim ar sua coerência lógica. Em lugar disso, as narrativas são unidades autônom as que não podem ser pressionadas a indagar se a figura cristã é m ais “verdadeira” do que qualquer outra. Paul Ricoeur concorda com Frei em que o sentido de um a história “histó rica” é sua tram a, a interatividade de seus personagens e suas circunstâncias direcionadas para um fim. Todavia Ricoeur interpreta essa tram a por algum tipo de audiência histórica - isto é, como essa evidência textual é construída por um público específico. Em bora a tram a seja encontrada “dentro” do texto, Ricoeur acrescenta que o m undo do texto (sua “referência”) surge da fusão de horizontes entre o texto e seu leitor.50 Entretanto, ele tam bém nega que as nar rativas realistas se refiram a objetos reais, pessoas ou acontecim entos referidos naqueles textos. Visto que o m undo do texto é ficcional (nas palavras de Frei, “com o História”), um novo m undo foi criado: um m undo possível.51 50 Para o term o “fusão de h orizontes” veja cap. 2, p. 29 51 N em Frei nem R icoeur desenvolveram form alm ente um a herm enêutica geral d a narrativa, m as am bos contribuíram para este assunto em seus escritos. Para obter os conceitos de R icoeur, veja seu Interpretation Theory: D iscourse a n d the S urphts o f M eaning (Fort W orth: Texas C hristian U niversity Press, 1976) e The C o nflict o f Interpretation: E ssays in H erm eneutics (E vanston, IL: N orthw estern U niversity Press, 1974). N ovam ente sou grato a C om stock por sua discussão de R ico eu r em “T ruth or M e aning” , pp. 131 -40. O USO DA HISTÓRIA NA NARRATIVA HISTÓRICA Até certo ponto, então, a questão de se a Bíblia tem quaisquer exem plos de escrito histórico, é um debate de semântica. Se insistirm os sobre a definição bastante lim itada de H istória que prevaleceu no século 19 - H istória com o "relato imparcial, objetivo” então a resposta é não. A B íblia nunca reivindi cou ter um ponto de vista desinteressado; ela é partidária de Deus e seu reino, e é assim que tem se apresentado. M as, se a H istória inclui (1) contar o que aconteceu, (2) dar a perspecti va do escritor sobre o que aconteceu, e (3) organizar tudo em um m odelo com significado para transm itir uma m ensagem - então a B íblia de fato inclui H istória.52 A principal diferença entre as definições m odernas da H istória e aquelas que estam os usando para m ateriais bíblicos é que a B íblia inclui uma interpretação dos acontecim entos e pessoas que descreve de uma perspectiva divina. A lguém poderia cham ar isso de escrito de História profética, com o sugere Greidanus. Todavia salientam os que não deve ser forjada um a fenda entre sentido e referente como Frei e R icoeur advertiram, pois isso novam en te se constituiria em erigir o “fosso feio” entre os acontecim entos da H istória e as reivindicações necessárias de fé. A interpretação da narrativa deve dar prioridade aos recursos literários e à estrutura literária, se desejam os ter sucesso em interpretar este gênero bas tante profuso. M as, se o sentido tam bém deve ser considerado responsável com respeito aos critérios de autenticidade e veracidade, será necessário estar pronto para m ontar esse texto no m undo prim ário de realidades em que ele reivindica ter acontecido. A triste história da m aior parte da em preitada hu m ana é que quando corrigim os um abuso (neste caso, a substituição da apologética para fazer interpretação), o pêndulo tende a balançar até atingir o outro extrem o. Com o um corretivo para esse tipo de reação excessiva, propo mos que os intérpretes incluam as referências históricas onde o texto assim o faz, pois provavelm ente foram incluídos pelo escritor porque ele sentiu que possuíam algum a contribuição relevante para o processo do sentido. 52 Estes critérios são sugeridos em parte em R onald E. C lem ents, “H istory and T heology in Biblical N arrative” , H orizons o fB ib ilic a l Theology 4-5 (1982-83): 45-60, conform e m e foram evidenciados por G reidanus, The M odern P reacher, p. 191, n° 11. U m terço do Antigo Testam ento e um a boa parte do Novo Testam ento aparecem em form a poética. Enquanto a principal característica da poesia hebraica é o paralelism o de pensam entos - apesar da discordância de alguns estudiosos da atualidade outras características que encontram concordância incluem a for m a concisa e um m aior uso de recursos retóricos. Todas as form as de literatura usam figuras de linguagem , mas os livros poéticos as apresentam com m aior freqüência. E s sas figuras podem ser agrupadas de acordo com os princípios de com paração, adição, associação, contraste ou omissão. A literatura de sabedoria da Bíblia inclui um a quantidade enorm e de subgêneros como provérbios, enigmas, adm oestações, diálogos e onom ástica. Cada subgênero requer um a adaptação da estratégia interpretativa. CAPÍTULO 5 “De Boas Palavras Transborda o Meu Coração” O SENTIDO DA POESIA E DA SABEDORIA W alter C. K a is e r , J r . Em bora a narrativa seja o gênero mais comum na Bíblia, a poesia não fica muito atrás. Ao todo, aproximadamente um terço do Antigo Testamento é escri to em forma poética, que, se fosse impresso em seqüência, comporia um volume cuja extensão total facilmente excederia o Novo Testamento. O Novo Testamento em si também exibe uma quantidade surpreendente de material poético. Neste capítulo consideraremos prim eiram ente algumas das característi cas deste gênero bíblico popular, incluindo figuras de linguagem que especial mente caracterizam a poesia. Porém, tendo em vista que todos os tipos de lite ratura bíblica fazem algum uso das figuras de linguagem, observaremos mais de perto esses recursos na segunda seção. Finalmente, examinaremos com mais pormenores a literatura conhecida como Sabedoria. Os livros de Sabedoria Jó, Provérbios, Eclesiastes, e, para alguns intérçretes, Cântico dos Cânticos expressam a sabedoria adquirida em grande parte por meio da experiência e reflexão nos caminhos de Deus. Os escritores bíblicos usaram muitas formas dife rentes para transmitir a sabedoria, que a terceira seção resumirá. Poesia A poesia mais conhecida na Bíblia pode ser encontrada nos Salmos, seguida talvez por Provérbios e outros livros de Sabedoria. M esm o assim , mal com e çamos a esgotar a riqueza da poesia encontrada no Antigo Testam ento. De fato, som ente sete livros do A ntigo Testam ento não contêm qualquer poesia. Levítico, Rute, Esdrás, N eem ias, Ester, Ageu e M alaquias. A poesia do Novo Testamento inclui (1) citações de poetas antigos (At 17.28; Tt 1.12; IC o 15.33); (2) possíveis hinos cristãos do século Io (ex.: Fp 2.5-11; lT m 3.16; 2Tm 2.1113); (3) passagens nos m oldes da poesia do Antigo Testam ento, com o no M agnificat de Lucas (1.46-55), Benedictus (1.68-79), Gloria in Excelsis (2.14) e Nunc Dimittis (2.29-32); e (4) passagens que têm o grandioso e m ajestoso estilo da poesia, tais com o o lam ento de Jesus sobre Jerusalém (Lc 13.34,35), partes do Discurso do Cenáculo (ex., João 14.1-7), e as canções e im agens de A pocalipse (ex.: 4.8, 11; 5.9-10, 12-13; 7.15-17; 11.17-18; 15.3-4; 18.2, 1424; 19.6-8). A poesia é, deste modo, um a form a extrem am ente im portante para os intérpretes com preenderem . A pesar da quantidade de poesia na B íblia e a riqueza do nosso conheci m ento acerca de poesia clássica dos poetas gregos e latinos, os intérpretes da Bíblia m uitas vezes desconhecem as exigências herm enêuticas especiais da poesia. Parte do problem a está dentro da própria disciplina de interpretação da Bíblia, pois algum as das mais im portantes decisões sobre com o devemos tratar a poesia ainda não foram resolvidas satisfatoriam ente pelos estudiosos desse gênero literário. Isso significa que devemos sempre ter um a atitude m ais hipotética na interpretação da poesia bíblica. PARALELISMO A era m oderna do estudo da poesia do Antigo Testam ento com eçou em 1753, quando Robert Low th publicou sua obra, considerada de grande autoridade sobre o assunto.53 Lowth desenvolveu a tese de que a característica principal da poesia no Antigo Testam ento era o que ele classificava de paralelism o hebraico. “A correspondência de um verso ou linha com outro, cham o de paralelism o. Quando um a proposição é em itida, e um a segunda é juntada a ela, ou feita com base nela, equivalente ou contrastante com ela em sentido, ou sem elhante a ela na form a de construção gram atical, a estas cham o de linhas paralelas; e às palavras ou expressões que respondem um a à outra nas linhas correspondentes, term os paralelos.”54 L ow th nom eou estes três tipos básicos de paralelism o: sinônim o, antitético e sintético. No paralelism o sinônimo, a segunda linha da form a poética repete a idéia da prim eira linha sem fazer qualquer adição significati va ou subtração a ela. Alguns exem plos deste tipo de poesia são: 53 R o b ert L ow th, D e sacra H ebraeorum praelectiones academ icae (C onferências sobre a poesia sagrada dos hebreus) (O xford: C larendon, 1753). 54 R obert L ow th, Isaiah: A N ew Translation, w ith a P relim inary D issertation a n d Notes, Criticai, P hilological, a n d E xplanatory, 10a ed. (B oston: Peirce, 1834), p. ix. Grita na rua a Sabedoria, Nas praças levanta a voz (Pv 1.20). Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos (Gn 4.23). A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador (Lc 1.46b,47a). No paralelismo antitético de Lowth, a segunda linha da poesia contrasta ou nega o pensamento e o sentido da primeira linha. Provérbios 10-22 é especialmente rico em exemplos desse tipo de paralelismo. Dois exemplos desse tipo são: O filho sábio alegra a seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe (Pv 10.1). Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos (Pv 27.6). A terceira form a - paralelism o sintético - tem sido um problem a desde que Lowth o introduziu. Esta não exibe uma rim a de pensam ento e um paralelism o de idéias, com o nas outras duas form as de paralelism o. Apesar de as linhas poéticas no paralelism o sintético poderem ser paralelas na form a, não estão equilibradas em pensam ento ou idéias com o estão as linhas dos dois tipos anteriores. Na form a sintética não há nem gradação nem oposição das pala vras nas linhas paralelas; as linhas são sim plesm ente paralelas na form a, p a recendo im itar o paralelism o real sem, de fato, fazê-lo. O prim eiro exem plo de Low th de paralelism o sintético foi: Louvai ao Senhor da terra, monstros marinhos e abismos todos; fogo e saraiva, neve e vapor, e ventos procelosos que lhe executam a palavra; montes e todos os outeiros, árvores frutíferas e todos os cedros; feras e gados, répteis e voláteis; reis da terra e todos os povos, ' príncipes e todos os juizes da terra; rapazes e donzelas, velhos e crianças (Sl 148.7-12). Em razão dos problem as surgidos ao procurar-se caracterizar cuidadosam en te esta terceira categoria (que até m esm o Lowth adm itia ser problem ática), e devido ao fato de um a porcentagem relativam ente pequena de poesia encai xar-se no tipo sinônim o ou antitético, um crescente núm ero de estudiosos questiona a tese geral de Lowth. Esse grupo, liderado por Jam es Kugel, afir m a que a segunda linha da poesia sempre acrescenta significado à prim eira linha, desenvolvendo de algum a form a o pensam ento da prim eira linha. Kugel, porém , reagiu tão fortem ente à estrutura de Lowth que chega quase a negar que a Bíblia tenha qualqyer poesia. Essa posição, a nosso ver, é exagerada.55 Em bora possam os considerar o paralelism o com o a principal caracterís tica da poesia bíblica, devemos adm itir que muitos poem as bíblicos exibem um paralelism o m uito fraco ou absolutam ente nenhum .56 A lém disso, algu mas form as da prosa hebraica m ostram um a sim etria que poderia ser classifi cada com o paralelism o. Além do paralelism o, outras características da poesia hebraica que cos tum am distingui-la da prosa são (1) um a concisão relativam ente m aior ou laconism o da form a e (2) um m aior uso de certos recursos retóricos. D iscuti rem os resum idam ente essas características nas seções abaixo. CONCISÃO OU LACONISMO DA FORMA Em contraste com a prosa, que é tipicam ente organizada em parágrafos, a poesia é dividida em estrofes. U m a das características mais com uns usadas para dem arcar o fim da estrofe é a presença de um refrão. Esta característica é atestada na poesia ugarítica, e ocorre em cerca de dezoito salmos (SI 39 ,4 2 43, 44, 46, 49, 56, 57, 59, 62, 67, 78, 80, 99, 107, 114, 136, 144, 145). Por exem plo, a tripla repetição do refrão no contínuo Salmo 42-43 o divide em três estrofes: Por que estás abatida, ó minha alma ? Por que te perturbas dentro de mim ? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu (Sl 42.5, 11; 43.5). A lém disso, é bem possível que a palavra hebraica selah tam bém possa servir para m arcar o fim, ou algum outro ponto significativo na estrofe. Ela ocorre 53 Veja Jam es L. K ugel, The Idea o f B iblical Poetry: P aralelism a n d Its H istory (N ew H aven: Yale U niversity Press, 1981), e, com um a visão m ais m oderada, R obert Alter, The A rt o f B ib lica l P oetry (N ova York: Basic, 1985). Para um a avaliação evangélica de m uitos destes m esm os assu n tos, veja as obras de T re m p e r L ongm an III: Literary A pproaches to B iblical Interpretation (G rand Rapids: Z ondervan, 1987); H ow to R ea d lhe P salm s (D ow ners G rove, IL.: InterV arsity, 1988); e “ B iblical P oetry” em A C om plete L iterary G uide to the B ible, org. por L eland R yken e T re m p e r L ongm an III (G rand R apids: Z ondervan, 1993), pp. 80-91. 56 Em L am entações, por exem plo, 104 das 266 linhas (39% ) não contêm nenhum paralelism o (de acordo com a contagem de D elbert H illers, L am entations, AB [G arden C ity, N. Y.: D oubleday, 1972], p. xxxiv). O s fatos aqui são particularm ente claros, visto que quatro de cinco capítulos em L am entações estão com pletam ente em form a acróstica alfabética, o que nos d á um exem plo dos m ais sim ples que tem os d a form a p oética bíblica. 71 vezes em 39 salm os assim com o em Habacuque 3.3,9,13. Infelizm ente, porém , ninguém sabe exatam ente qual é o sentido que essa palavra tem e m uito m enos se ela tem qualquer função poética. A poesia bíblica é bastante elíptica. Com freqüência, suprim e um subs tantivo ou o verbo da segunda linha, não deixando desse modó qualquer for ma gram ática paralela para equilibrar a linha. M ais difícil ainda para os intér pretes é a característica distinta da poesia hebraica em ser escrita geralm ente sem conjunções (ex.: e, mas, ou) e com poucos indicadores tem porais (quan do, então, depois) ou conectores lógicos (deste modo, portanto). Finalm ente, três características comuns da prosa hebraica são raras na poesia: o m arcador de objeto direto et, o pronom e relativo ‘aser (“quem ”, “qual”, “que”), e a form a narrativa do verbo hebraico (que consiste da conjunção “e” m ais o tem po im perfeito). RECURSOS RETÓRICOS A poesia bíblica - com o qualquer outra poesia - é rica no uso de im agens e figuras de linguagem , muitos exemplos dos quais veremos na seção seguinte. Observam os aqui três recursos retóricos que particularm ente caracterizam a poesia hebraica: quiasm o, discutido acim a no capítulo sobre narrativa, e dois outros tipos de paralelism o - o que poderíam os cham ar de sim bolism o em blem ático e paralelism o clim ático (ou escadaria). Esses recursos podem servir com o chaves que sinalizam a presença da poesia e alertam o intérprete para quaisquer nuanças especiais que o autor desejasse transm itir no texto. s i m b o l i s m o e m b l e m á t i c o . Neste tipo de paralelism o, um a linha tom a a form a de um enunciado factual bastante claro e sim ples, enquanto que a(s) linha(s) de equilíbrio tom a(m ) a form a de um sím ile ou m etáfora com o um a ilustração figurativa do m esmo enunciado. Exemplos deste fenôm eno são (com o sim bolism o em blem ático em itálico): Como jóia de ouro em focinho de porco Assim é a mulher formosa que não tem discrição (Pv 11.22). Como água fria para o sedento Tais são as boas-novas vindas de um país remoto (Pv 25.25). Como suspira a corça pelas correntes <Jas águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma (Sl 42.1). P a r a l e l i s m o c l i m á t i c o . N este recurso favorito (tam bém cham ado de “paralelism o de escadaria”), o poeta repete um grupo de duas ou três palavras em duas - algum as vezes três ou quatro - linhas sucessivas. O intérprete deve observar a ênfase e a beleza estética deste tipo de poesia. Aqui estão três exem plos de Salmos: E i s q u e o s t e u s in im ig o s , S en h o r , e is q u e o s te u s in im ig o s p e r e c e r ã o ; s e r ã o d is p e r s o s t o d o s o s q u e p r a t ic a m a in iq ü id a d e (92.9). L e v a n t a m o s r io s , ó S en h o r , le v a n t a m o s r io s o s e u b r a m id o ; le v a n t a m ^ o s r i o s o s e u f r a g o r (93.3). C a n t a i a o S en h o r u m c â n t ic o n o v o , c a n t a i a o S en h o r, to d a s a s te rra s . C a n t a i a o S en h o r, b e n d iz e i o s e u n o m e (96.1,2a). Figuras de Linguagem É o m om ento agora de olharm os mais sistem aticam ente para as figuras de linguagem em pregadas pelos autores bíblicos. Esses recursos aparecem na poesia, assim com o em narrativas, profecias, cartas e em todos os outros gê neros, com o acontece na literatura hum ana em todos os lugares. Em bora não conheçam os nenhum a regra totalm ente objetiva para distinguir todas as figu ras de linguagem que um autor bíblico tenha usado ao transm itir sua m ensa gem, ainda assim, há certas perguntas que podem os fazer ao texto que podem servir com o diretrizes para determ inar quando um autor saiu do sentido estri tam ente literal das palavras e expressões usadas: 1. Há um a desproporção entre o sujeito e o predicado, tais com o na declaração: “Deus é a nossa R ocha” , em que um sujeito anim ado (Deus) está ligado a um substantivo predicado inanim ado (rocha)? 2. Do m esm o modo, o predicado atribui ao sujeito ações que não são possíveis no m undo real, tais como “os m ontes bateram palm as” ? 3. U m a palavra [rica de sentidos] é im ediatam ente seguida por outra palavra que a define ou a restringe, tais com o “estam os m ortos” diretam ente seguida pela expressão “em nossos delitos e pecados” ? Neste caso, o term o “m ortos” é subitam ente transferido do dom ínio da sepultura para o dom ínio da conduta moral. 4. Poderia haver um a razão para um a figura de linguagem neste ponto do texto, a fim de dar um a ênfase m ais dram ática, um sentim ento elevado, ou torná-lo mais m em orável? 5. E possível identificar a característica que decidi cham ar de uma figura de linguagem em outros contextos? O mais com pleto guia sobre figuras de linguagem é aquele escrito por E. W. Bullinger.57 Em sua obra ele catalogou m ais de duzentas figuras de lin 57 E. W. Bullinger, Figures o fS p ee ch U sed in the B ible: E xp la in ed a n d Illustrated (1898; reim presso, G rand Rapids; Baker, 1968). Veja tam bém G eorge M. L am sa, Idiom s in the B ible E xplained (N ova York: H arper & Row, 1985). guagem e apresenta cerca de oito mil ilustrações de seu uso nas Escrituras. Em cada caso, ele prim eiro definiu a figura de linguagem , para depois citar exem plos do m undo clássico grego e dos autores rom anos, e finalm ente apre sentar inúm eros exem plos das próprias Escrituras. E um a coleção das mais valorosas para o intérprete da Palavra de Deus. M encionam os aqui os tipos observados com mais freqüência, dividindo-os em figuras de com paração, adição ou inteireza de expressão, relação ou associação, contraste e om issão.58 FIGURAS DE COMPARAÇÃO A mais sim ples e mais clara de todas as figuras de linguagem é o símile. U m sím ile é um a com paração expressa ou formal entre duas coisas ou duas ações em que um a é dita ser “com o” , ou “sem elhante a” outra, “ ...como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam , sem que prim eiro reguem a terra... assim será a palavra que sair da m inha boca” (Is 55.10,11). O sím ile é designado para ilustrar o sentido do autor. Visto que é um a com para ção expressa e afirmada, é a figura de linguagem mais fácil de ser reconheci da; sua função no texto é geralm ente inteiram ente clara. m e t á f o r a . M ais difícil que a anterior, porém m uito mais freqüente é a figura de linguagem da m etáfora. Aqui a com paração não é expressada nem fica im plícita. Neste caso, uma idéia é transm itida de um elem ento para outro sem que se diga diretam ente que um é “sem elhante” ou “com o” o outro. Por exem plo, Jesus, ao se referir a Herodes Antipas, disse: “Ide dizer a essa rapo sa” (Lc 13.32). Sem dúvida, Jesus deixou de lado as características físicas da raposa, tais com o sua pelagem , e salientou a sagacidade que as raposas ti nham em com um com Herodes Antipas. Jesus tornou essa com paração m e m orável, im prim indo por assim dizer, até certo hum or sobre ela, e agora po demos perceber que nos surge a idéia da figura de um a raposa todas as vezes que pensam os em Herodes Antipas. Observe que há três partes em cada sím ile ou m etáfora: (1) o sujeito ou item que é ilustrado pela im agem , (2) a im agem da com paração direta ou im plícita, e (3) o ponto da com paração direta ou im plícita e sim ilaridade. Em alguns casos, um a ou mais destas podem estar faltando e devem, portanto, ser supridas pelo intérprete. Por exemplo, quando Jesus enviou seus discípulos “com o ovelhas entre lobos” , ele não afirmou diretam ente (1), o que os intér pretes podem prontam ente suprir. S ím ile . i8 Cf. A. H. Snym an e J. v. W. C ronje, “Tow ard a N ew C lassification o f the Figures (SCH M A TA ) in the G reek N ew T estam ent” , N T S 32 (1986): 113-21. O s autores distinguem p rincipalm ente entre figuras gram aticais e figuras retóricas. A ssim , todas as figuras são agrupadas de acordo com q uatro princípios: repetição, om issão, m udança de expectativas e m edição de unidades. É possível tornar-se exageradam ente entusiasm ado pelas possibilidades de tais com parações e com eçar a sugerir um núm ero ilim itado de idéias dire tas ou indiretas. Lem bro-m e de ouvir um estudante de faculdade apresentar um discurso devocional com grande entusiasm o sobre o Salm o 104.16, que na Authorized Version diz, “As árvores do Senhor estão cheias de seiva". Ele então sugeriu todos os tipos(de com parações “viscosas” (mas m em oráveis) entre crentes e árvores que eram cheias de seiva. Não im portava o fato de que a p alav ra seiva não estivesse no texto original (a N V I diz: “As árvores do S enhor são bem reg ad as”); a seiva estava escorrendo, e assim foram se n do apresentadas as alusões sobre vários pontos de com paração com os crentes. G. B. C aird nos alertou para esse problem a. Quando o salmista nos diz que uma família unida é como óleo que desce para a barba de Arão e para a orla de sua veste, ele não está tentando nos persuadir de que a unidade da família é suja, sebosa, ou volátil; ele está pensando na fragrância penetrante que de maneira tão profunda marcou sua memória na unção do sumo sacerdote (SI 133.2).59 P a r á b o l a e A l e g o r i a . Quando um sím ile é estendido ao longo de um a histó ria, torna-se um a parábola. Jesus usou com grande eficácia esta form a de com paração. (Ver tam bém o capítulo 6, sob o título: “Falava a Eles em Pará bolas”). Igualm ente, a m etáfora também pode ser estendida em um a história, tornando-se deste modo um a alegoria. Um a das mais m em oráveis alegorias no texto bíblico é aquela relativa à fidelidade conjugal encontrada em Provér bios 5.15-23. A com paração que é m ostrada ali é entre a prática de beber água do próprio poço e a necessidade de ser fiel dentro das responsabilidades con jugais e privilégios do casam ento. FIGURAS DE ADIÇÃO OU AMPLITUDE DE EXPRESSÃO Um recurso literário que os escritores gostam de em pregar com o propósito de enfatizar o argum ento é a figura de linguagem cham ada de pleonasm o. Esta figura envolve um a redundância de expressão usada a fim de obter um certo efeito sobre o ouvinte ou leitor. Deste modo, Gênesis 40.23 nos inform a que “o copeiro-chefe, todavia, não se lem brou de José, porém dele se esqueceu” . O escritor poderia ter term inado a sentença após “José” . Entretanto, a ênfase era im portante para ele, de modo que acrescentou de form a redundante, “dele se esqueceu” . p a r o n o m á s i a . O utra m aneira de conseguir a atenção do ouvinte ou leitor é por interm édio da figura de linguagem conhecida com o paronom ásia. Ela envolve um a am plitude de expressão ao repetir palavras que são sem elhantes P le o n a s m o . 59 G. B. C aird, The L anguage a n d Im agery o fth e B ible (Filadélfia: W estm inster, 1980), p. 145. em som, mas não necessariam ente sem elhantes em sentido em todos os ca sos, pois freqüentem ente as palavras sem elhantes no som são usadas m era m en te p a ra dar um certo e feito . U m dos m ais fam o so s ex em p lo s de paronom ásia é encontrado no capítulo de abertura da Bíblia, tohu wabohu, “sem form a e vazia” (Gn 1.2). No Novo Testamento, há panti pantote pasan “ [em] tudo, [tendo] sempre, tudo” (2Co 9.8). O efeito é quase o m esm o como quando dizem os “rola a bola” , “com e e dorm e” ou algo parecido. É apenas algo divertido rim ar as palavras colocando-as juntas, mas não se pretende que uma palavra seja interpretada como tendo sentido à parte da outra palavra - como se, em nosso exemplo, “sem forma” fosse uma idéia separada de “vazia” . H i p é r b o l e . A hipérbole é um exagero consciente ou um tipo de excesso para aum entar o efeito do que está sendo dito. O salm ista clam ou com exage ro intencional no Salmo 6.6: “Estou cansado de tanto gemer; todas as noites faço nadar o m eu leito, de m inhas lágrim as o alago.” (Seria possível algum leitor deixar de perceber essa hipérbole im pressionante?!) Assim tam bém , o intérprete não deve tom ar literalm ente algum as das palavras de Jesus no Ser mão do M onte proferidas claram ente como hipérbole. Por exem plo, Jesus ensinou: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti” (Mt 5.29). O intérprete precisa ver aqui um exagero consciente da parte de Jesus, a fim de levar seus ouvintes a estarem sempre prontos a agir im ediatam ente rem ovendo aquilo que pudesse causar ofensa. Em Juizes 7.12 os m idianitas e os am alequitas que vieram contra Israel nos dias de Gideão eram com o “gafa nhotos em m ultidão” e “seus cam elos em m ultidão inum erável com o a areia que há na praia do m ar” . Tal figura de linguagem carrega consigo de form a dram ática um a certa idéia do nível de frustração e a aparente im possibilidade da tarefa que está à frente de Gideão. H e n d í a d i s . Outra m aneira de aum entar o efeito daquilo que está sendo dito é com a hendíadis - usando duas palavras para referir-se a apenas um a coisa. E m Gênesis 19.24 o hebraico literalm ente diz que “choveu enxofre e fogo” . A NVI, todavia, reconhece a hendíadis, traduzindo por “ súlfur arden te” (ou poderia tam bém ser “o enxofre que estava em fogo”). D entro do Novo Testam ento, é possível que João 1.17 tam bém seja um outro exem plo, em que "a graça e a verdade” pode sim plesm ente ser entendido como tratando-se da verdade graciosa de Deus. H e n d í a t r i s . Termo relacionado a hendíadis, em que três palavras são usadas para expressar apenas um conceito. Em João 14.6, Jesus declarou: “Eu sou o cam inho, e a verdade e a vida” , provavelm ente pretendendo com unicar que ele era o único, verdadeiro e vivo cam inho para o Pai. O m esm o poderia ser dito com respeito ao final da oração do Senhor em M ateus 6.13 que apare ce som ente em m anuscritos posteriores, “Pois teu é o reino e o poder e a glória para sem pre” . Esta hendíatris pretendia indicar que Cristo tinha um glorioso e poderoso reino que duraria para sempre. O utro exem plo vem de D aniel 3.7, onde o Rei N abucodonosor da B abilônia ordenou que ao som dos instrum entos “os povos, nações e as lín guas” (tradução literal) deveriam prostrar-se e adorar a im agem que ele havia erguido. D iante do fato de que as línguas não se prostram e m uito menos adoram , a figura é um a hendíatris em que as pessoas de todas as nações e línguas devem curvar-se em adoração ao ídolo. FIGURAS DE RELAÇÃO E ASSOCIAÇÃO Em razão das figuras de linguagem serem baseadas em algum tipo de sem elhança ou relação que diferentes objetos têm uns com os outros, é possível expressar um a causa quando o efeito é pretendido, ou substituir um substantivo por outro intim am ente associado a ele. Deste modo, referim o-nos ao estabelecim ento m ilitar dos Estados Unidos pelo prédio de cinco lados que ele ocupa, o Pentágono. Esta figura é conhecida com o m etoním ia. Assim Lucas 16.29 declara que os irmãos do hom em rico tinham “M oisés e os pro fetas” , m esm o que ambos já tivessem m orrido havia m uito tem po. O que se pretendia dizer é que tinham os livros que M oisés e os Profetas do Antigo Testam ento haviam escrito. Que a “casa” de Davi, que Deus prom eteu em 2 Sam uel 7.16 iria durar para sempre, como iria seu “trono”, não significa que tanto o trono quanto a casa possam ainda ser vistos até os nossos dias. A casa de Davi era sua dinastia e linhagem fam iliar; seu trono indicava seu reinado. S i n é d o q u e . Proxim am ente relacionado com a m etoním ia é a figura da sinédoque, na qual o todo pode ser com preendido pela parte, ou a parte pelo todo. Assim, Lucas 2.1 afirma que “todo o m undo” deveria recensear-se, quan do, de acordo com o contexto, ele queria dizer precisam ente o que os traduto res da NVI interpretaram com o “todo o m undo rom ano” . Igualm ente, M ateus 12.40 usa a fórm ula estereotipada “três dias e três noites” , sem todavia querer dizer um período com pleto de 72 horas com o tam bém não é o caso 1 Sam uel 30.12. N essa passagem , D avi colocou-se diante de um egípcio, parte da brigada que havia roubado todos os bens e a fam ília de Davi e de Ziclague, enquanto ele e seus seiscentos hom ens estavam ausentes. Q uando Davi exigiu que o egípcio dissesse quanto tem po havia se passado desde que ele tinha sido abandonado pelos invasores am alequitas, a quem Davi estava perseguindo, a resposta foi: “três dias e três noites” . Porém , então o egípcio acrescentou: “m eu senhor me abando nou quando eu fiquei doente, e hoje é o terceiro dia” (v. 13, lit.). D este m odo três dias e noites foram ajuntados porque esta era a fórm ula estereo tipada que sem pre aparecia junta. A lém disso, era habitual, com o num ero M e t o n ím ia . sos exem plos ilustram no texto, referir-se a um dia todo e noite (ou ano) quando a referência pretendida era apenas à parte dele. U m a ilustração final de sinédoque encontra-se em Juizes 12.7, em que o texto hebraico literalm ente traduzido apresenta o juiz Jefté sendo enterrado "nas cidades de G ileade” . N aturalm ente, Jefté não foi partido em pedaços e enterrado pedaço por pedaço em toda a terra de Gileade, mas o núm ero total de cidades ou vilas foram usados no lugar de um a parte, e assim a NVI corre tam ente interpreta: “ [ele] foi enterrado em um a cidade de Gileade.” FIGURAS DE CONTRASTE Q uando um escritor utiliza palavras para transm itir o oposto de seu sentido literal, isso é conhecido como ironia. É usado com m aior freqüência em contextos onde se pode achar tam bém sarcasm o ou ridículo. Assim a es posa de Davi, M ical, o ridicularizou: “Que bela figura fez o rei de Israel, descobrindo-se, hoje, aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo se descobre um vadio qualquer!” (2Sm 6.20). Jó exibe essa m esm a tendência ao querer dizer o oposto do que acabara de expressar quando concluiu severa m ente o que pensava sobre os seus assim chamados três amigos que haviam continuado a surrá-lo com más aplicações de teologia: "N a verdade, vós sois o povo, e convosco m orrerá a sabedoria!" (Jó 12.1). L i t o t e s . Lítotes são um a form a de declaração incom pleta que afirmam algo ao negar seu contrário. Assim, por exemplo, Paulo asseverou em Atos 21.39: “Eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia.” Abraão m enosprezou a si mesmo, dizendo que era só “pó e cinzas” (Gn 18.27), a fim de aum entar a grandeza de Deus. E u f e m i s m o . U m a terceira form a de contraste aparece na substituição por um a expressão mais branda, mais agradável e m odesta de um a palavra que é desagradável, ríspida e indelicada. Isso é conhecido com o eufem ism o. Assim com o algum as vezes preferim os falar “toalete” em vez de “banheiro” , encon tramos em Juizes 3.24 e em 1 Samuel 24.3 um a referência a um hom em “co brindo seus pés” com o um eufem ism o para o ato de defecar, devido ao fato de que suas vestes caíam em torno de seus pés enquanto ele se abaixava. Atos 2.39 e Efésios 2.13 usam um eufem ism o étnico,em suas referências a “todos/ aqueles que estão ao/m uito longe” . Claram ente, essa é um a form a de rodeio para se referir aos gentios sem ter de usar a palavra em si. F i g u r a s d e o m i s s ã o . Freqüentem ente o texto om ite certas palavras ou expressões, deixando o sentido para ser fornecido pelo leitor. Z e u g m a . U m a form a m uito interessante deste recurso é a zeugm a. Esta form a alia dois sujeitos e objetos juntos com um verbo em que o verbo na verdade funciona apropriadam ente somente para um dos dois sujeitos ou obje Iro n ia . tos. M uitos casos são esclarecidos pela inclusão de outros verbos nas mais m odernas traduções, aparecendo assim som ente em traduções literais do tex to hebraico e grego. M inha zeugm a favorita encontra-se em Gênesis 4.20: “ ...Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e gado” (lit.). Ao traduzir “ ... e criam gado” , a NVI nos m ostra mais diretam ente (mas de form a m enos rica) o que o escritor im aginava que seu público deveria entender. A ssim tam bém , um a declaração em 1 Tim óteo 4.3 se encaixa nesta m esm a categoria, pois critica aqueles que “proíbem o casam ento, exigem abstinência de ali m entos” . O acréscim o da expressão exigem era necessário por causa da ju n ção dos dois conceitos quando o prim eiro verbo da proibição foi com binado apenas com a prim eira idéia. E l i p s e . A maior categoria desse tipo de omissão é chamada de elipse. Nes te caso, um a declaração incompleta deve ser preenchida a fim de term inar o pensamento. Bullinger dedica as primeiras 130 páginas de seu Figures ofSpeech, de 1.100 páginas, à discussão da elipse. Pode haver elipses de tudo desde o sujeito, o verbo, um pronome, a cláusulas inteiras. O último tipo é melhor ilus trado em 2 Tessalonicenses 2.3, onde um a injunção introdutória “Ninguém, de nenhum modo, vos engane” é seguido pela declaração “porque [este dia não virá] sem que a rebelião ocorra e seja revelado o hom em da iniqüidade, o ho m em destinado à perdição” [NVI], em que colchetes são acrescentados para m ostrar a adição da cláusula omitida. Felizmente, a m aioria dessas elipses já foi adicionada em grande parte das traduções em nossa língua para incluir o senti do pretendido pelo contexto. Conclusão A B íblia contém muitas outras figuras de linguagem , das quais pudem os exa m inar e ilustrar algum as das principais. Elas sempre provarão ser um a fonte rica para reflexões, cham ando nossa atenção para algo que o escritor quer realçar entre todas as inform ações no texto. O intérprete, todavia, deve ser especialm ente cuidadoso quando lida com figuras de com paração (sím iles, m etáforas, parábolas e alegorias) para resistir à tentação de criar com para ções além daquela(s) que o escritor escolheu para sua com paração direta ou im plícita. D e m aneira semelhante, quando as figuras de relação, contraste, adição, ou om issão são usadas, deve cuidar em preservar ao m áxim o o ponto que está sendo apresentado tanto nas lim itações contextuais quanto na exten são de uso que essa figura de linguagem em particular irá ditar. Figuras de linguagem não são tão precisas em seus significados quanto a prosa. O que essas figuras perdem em precisão, todavia, é certam ente recom pensado por sua m aior h ab ilidade de nos dar ilustrações e tra n sm i tir um a vivacidade que a prosa com um não poderia oferecer. D esta m anei ra, nossa atenção é dirigida a certos itens que, de outro m odo, poderiam pas sar despercebidos. Literatura de Sabedoria Os três ou quatro livros da Bíblia conhecidos como literatura de Sabedoria expressam a preocupação dos escritores de que ordenemos nossa vida de acordo com a própria ordem de Deus no mundo. “Todo o dever do hom em é” , como Eclesiastes resum e, “tem e a Deus e guarda os seus m andam entos” (12.13). Aqueles que escolhem desprezar esta sabedoria e disciplina divina são aspe ram ente acusados de loucos (Pv 1.7). Além de Jó, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos, a erudição católica inclui os livros apócrifos Eclesiástico (Ben Sirach) e a Sabedoria de Salomão dentro da literatura de Sabedoria. A esta lista, tanto os judeus quanto os cristãos geralm ente acrescentam certos salmos com o m esm o estilo literá rio dos livros de Sabedoria ou o mesmo m aterial temático. Esses salmos exi bem várias características típicas da literatura de Sabedoria em geral: 1. Acrósticos alfabéticos (versos sucessivos com letras sucessivas do alfabeto hebraico) 2. Ditos num éricos (“seis coisas o Senhor aborrece; sim, sete...”) 3. Ditos com “B endito” 4. Ditos com “M elhor” (“M elhor é o pouco do justo do que a riqueza de muitos ím pios”) 5. Com parações e advertências 6. D iscursos de pai para filho 7. O uso de provérbios, sím iles, perguntas retóricas e expressões com o “o u ç a ” Assim, os Salmos 1, 19b, 32, 34, 3 7 ,4 9 ,7 8 , 111, 112, 119, 127, 128 e 133 são norm alm ente classificados com o salmos de Sabedoria. Para dizer a verdade, a Sabedoria hebraica não é simplesmente um gênero, mas um conjunto de muitos subgêneros. Um é a alegoria, que já consideramos na seção anterior. Entre os subgêneros estão o provérbio, o ditado, o enigma, a ad vertência, o diálogo e a onomástica (i.e., listas de nomes ou substantivos). O PROVÉRBIO Provérbios são ditos breves e m em orizáveis, que incorporam a sabedoria de m uitos, possuem um a plenitude de sentido com aplicabilidade am pla, e têm um certo tem pero que garante sua utilidade contínua. São encontrados em praticam ente todas as partes da Bíblia. Pela sua natureza e form a, os provér bios são declarações generalizadas que cobrem o mais vasto núm ero de ca sos, mas nenhum deles deve ser considerado um conjunto de regras inflexí veis a serem aplicadas a todo os casos sem exceção. Ao contrário, é possível jogar um provérbio contra outro tanto em nossa cultura quanto nas Escrituras, onde ocorre com freqüência. Por exem plo, um a pessoa aconselha outra sobre a perspectiva de se casar: “Quem pensa dem ais nada faz” , enquanto outro conselheiro adverte: “Olhe antes de saltar.” O ou vinte deve, então, apressar-se ou agir com cautela? De m aneira sem elhante, Provérbios 26.4,5 aconselha: Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele. Ao insensato responde segundo a sua estultícia, para que não seja ele sábio aos seus próprios olhos. O escritor desses provérbios, provavelm ente Salom ão (Pv 25.1), não estava indeciso sobre se alguém deveria ou não responder a um insensato; na verda de, ele nos apresentou dois cenários em que a pessoa sábia pode ser instruída se aplicar a verdade sabiam ente. Em alguns casos, a pessoa sábia precisa concluir que um insensato irá apenas enredá-lo na lam a e os dois em pouco tem po ficarão parecidos um com o outro. Em outros casos, a pessoa sábia pode concluir que um a palavra dita de m aneira apropriada no m om ento cor reto pode ser vencedora e salvar o insensato da destruição. O DITADO O ditado está intim am ente ligado ao provérbio. De um modo geral, ditados são declarações que relatam o que acontece ou deixa de acontecer em certas ocasiões. M ais um a vez, não devem ser considerados regras fixas, m as so m ente observações. Os ditados podem ser didáticos (ex.: Pv 14.31 - “O que oprim e ao pobre insulta aquele que o criou, mas a este [Deus] honra o que se com padece do necessitado”) ou m eram ente empíricos, descrevendo situações que costum am surgir com freqüência, porém que não têm regras fixas (ex., Pv 17.28 - “Até o estulto, quando se cala, é tido por sábio, e o que cerra os lábios, por sábio”). M uitas vezes, esses ditados são agrupados em torno de um tópi co, de form a m uito sem elhante ao que acontece em Provérbios 1-9, onde, por vezes seguidas volta-se a falar de duas m ulheres contrastantes - M adam e Estultícia e Senhora Sabedoria. O ENIGMA O enigm a é criado como um quebra-cabeça para o ouvinte ou leitor, deixan do-o perplexo para inicialm ente obscurecer e esconder algum as partes do seu significado testando, deste m odo, a acuidade e habilidade daqueles que ten tam solucioná-lo. O enigm a mais conhecido da Bíblia não ocorre nas seçoes de Sabedoria, mas em Juizes 14.14, em que Sansão testa os fílisteus deste modo: Do comedor saiu comida, e do forte saiu doçura. Após persuadir a m ulher de Sansão (Sansão cham ou isso de “lavrar com m i nha novilha” [Jz 14.18]), os fílisteus triunfantem ente anunciaram : Que coisa há mais doce que o mel e mais forte que o leão? A R ainha de Sabá foi um a das pessoas que foram até a corte de Salom ão para “te stá -lo ” com enigm as e perguntas difíceis (lR s 10.1). N a verdade, “entender um provérbio e um enigm a; os ditados e charadas do sábio” (Pv 1.6, m inha tradução) era um dos propósitos de Salom ão ao escrever o Livro de Provérbios. Também há enigm as no Novo Testamento. A pocalipse 13.18 pergunta se alguém tem entendim ento. Caso tenha, que “calcule o núm ero da besta, pois é núm ero de hom em . Ora, esse núm ero é seiscentos e sessenta e seis” . Alguns enigm as são tão difíceis que não tem os nem m esm o certeza de como traduzi-los num período tão posterior de tempo. Provérbios 26.10, por exemplo, foi interpretado pela AV, “O grande Deus que form ou todas as coi sas tanto recom pensou os loucos, e recom pensou transgressores” . Porém a NVI interpretou o m esm o verso da seguinte m aneira: “Com o um arqueiro que fere a qualquer um à sua volta é aquele que em prega um insensato ou qualquer transeunte.” Essas duas interpretações são com pletam ente diferen tes - e assim é a interpretação oferecida na N ew Jewish Publication Society ’s Tanakh - The H oly Scriptures: “Um m estre pode produzir algo, mas aquele que emprega um tolo é como aquele que emprega transeuntes.” O texto hebraico é suscetível ainda de outras interpretações. O verso foi planejado para ser um verdadeiro enigm a - e conseguiu! 4 ALEGORIA Um a alegria é um a m etáfora estendida - assim como a parábola é um sím ile estendido. Com o tal, a alegoria contém sua interpretação dentro de si m esm a, p f e vez das imagens e do significado serem m antidos separados, com o em m símile e um a parábola, na m etáfora e na alegoria, identifica-se o significalátocom a própria im agem . Deste modo, cristãos e sal são vistos com o um pela ^■ctáfora: “Vós sois o sal da terra” (M t 5.13). Jesus e a videira estão ligados l « m o um em João 15.1: “Eu sou a videira verdadeira, e meu pai é o agricultor.” A m etáfora que consiste de apenas um a palavra ou sentença não é uma 3Ée?oria. M as quando é expandida em um a narrativa com mais detalhes, a figura torna-se um a alegoria. A alegoria da “videira [tirada] do Egito” no Salm o 80.8-15 refere-se claram ente ao que Deus fez por Israel, que nesse caso é a “videira” . M as um exem plo ainda m elhor da m etáfora estendida pode ser encontrado em Provérbios 5.15-23. Essa alegoria incentiva a intim i dade sexual dentro da fidelidade conjugal com a im agem de se beber água da própria cisterna ou poço. A pista oferecida pelo escritor para desvendar essa alegoria surge no verso 18, em que ele parece interrom per o que pareceria de outro m odo ser um tratado sobre o dever de poupar-se água; ele, então, exorta: “Alegra-te na m ulher da tua m ocidade.” Essa declaração soa tão estra nha no contexto que, a princípio, somos tentados a crer que não há ligação com a afirm ação anterior - em que o sujeito é a água. Mas quando o escritor continua: “Saciem -te os seus seios em todo o tem po, seja sempre cativado pelo seu am or” (v. 19), fica claro que estam os lidando com um a alegoria. U m a outra surpreendente alegoria é encontrada em Eclesiastes 12.1-7, onde as imagens descrevem os efeitos do avanço dos anos sobre hom ens e m ulheres. O pregador retrata em linguagem vivida o m om ento em que “ces sarem os teus m oedores da boca, por já serem poucos” (v. 3c, a perda dos dentes dim inui a habilidade de m astigar com ida) e “cessar o som dos m oedores” (v. 4b, o desdentado somente pode m astigar com idas m acias). Os “hom ens fortes se curvarem ” (v. 3b), em prestando efeito a pernas vacilantes e joelhos fracos. “Com o floresce a am endoeira” (v. 5c) como o cabelo torna-se branco. “A alcaparra se tornou ineficaz” (v. 5e, cf. NASB) pode se referir à perda de potência sexual. O gênero de alegoria traz um a grande riqueza tanto para as seleções de sabedoria quanto para outras formas literárias na Bíblia. A ADMOESTAÇÃO Outro tipo de subgênero de sabedoria que é tão com um no antigo Oriente Próxim o é a adm oestação. Os egípcios, em particular, desenvolveram esta form a até se tornar um a arte elevada em suas muitas instruções dadas aos pretendentes a cargo de governador e outras lideranças no Egito. Adm oestações aparecem tanto de m aneira positiva (ordens) quanto como um a expressão negativa (proibições). Norm alm ente, um a cláusula elucidativa aparece ligada a cada adm oestação, explicando por que a injunção está sendo feita e observando os resultados que virão. Por exemplo, Provérbios 23.3 adm oesta: “Não cobices os seus [do governante] delicados m anjares, porque são com idas enganadoras.” O DIÁLOGO O livro de Jó ilustra o uso mais extenso do diálogo nos escritos de Sabedoria. O diálogo surge entre Jó e seus três “am igos” : Elifaz o tem anita, Bildade o suíta, e Zofar o naamatita. Posteriorm ente, Eliú o buzita e Deus entram no diálogo. Outras porções das Escrituras exibem algum as frágeis afinidades com o diálogo, com o Provérbios 5.12-14; 7.13-21; 8.4-36. M as a form a não é tão consistente nesses textos como acontece em Jó. * O.XOMÁSTICA Alguns estudiosos teorizaram que certos materiais de Sabedoria, como o poe ma sobre sabedoria em Jó 28 ou o discurso de Deus a Jó em Jó 38, junto com Salmos 104 e 148, talvez tenham surgido em parte oriundos de listas sobre vários tópicos que foram usadas pelos escritores de Sabedoria de m aneira secundária para organizar seu pensam ento sobre certos assuntos.60 Ninguém postulou ainda um a relação direta no uso das listas, mas alguns sugerem que a organização dos assuntos e questões que aparecem possa ter sido influenciada pelo conhecim ento prévio que os escritores tinham dessas listas. CONCLUSÃO O intérprete do gênero de Sabedoria deve, assim como acontece com a m aior parte dos gêneros, prim eiram ente determ inar a qual dos subgêneros o texto pertence. Cada subgênero exigirá uma adaptação na estratégia interpretativa para esse texto. Talvez um a habilidade prática seja mais exigida em determ i nar o caráter exato e a extensão deste tipo de literatura do que em qualquer outra form a bíblica. N aturalm ente, deve-se usar o contexto quando este se m ostra útil, esclarecendo o pano de fundo para quaisquer dessas diferentes formas. M as onde o contexto é incerto, o bom senso e discernim ento tornam se particularm ente im portantes para a análise do texto em mãos. t Veja, por exem plo, G erhard Von R ad, “ Job xxxviii and A ncient E gyptian W isdom ” , em Studies A n cien t Israelite W isdom, org. por J. L. C renshaw (19-55; reim presso, N ova York: Ktav. 19” r . pp. 267-77; Jam es L. Crenshaw , “W isdom ,” em O ld Testam ent Form C riticism , org. por Johr. H H ayes (San A ntonio, T X : T rinity U niversity Press, 1974), pp. 258-59. A prim eira questão da qual precisam os tratar no estudo dos Evangelhos está ligada à sua historicidade. Apesar de não ser incom um os estudiosos argum entarem que as narrativas dos evan gelhos não são confiáveis, não podem os, de fato, preservar a m ensagem do Novo Testamento se minimizarm os seu fundam ento histórico. Ainda assim, os Evangelhos não foram escritos apenas para com unicar inform ações fatuais e nem foram criados de acor do com os métodos e expectativas da narrativa histórica m oder na. Os autores foram bastante seletivos quanto ao m aterial que escolheram incluir e, além disso, apresentaram -no de modo a re fletir sua própria (e inspirada) interpretação e aplicação dos fa tos. Escreveram tanto na condição de historiadores com o na con dição de teólogos. Para a interpretação dos Evangelhos é de especial im por tância o papel desem penhado pelas parábolas nos ensinam entos de Jesus. Apesar de essas histórias terem como intenção instruir o povo em term os claros e concretos, elas tam bém eram um ins trum ento de julgam ento, pois endureciam o coração dos desobe dientes. Além do mais, um a com preensão correta das parábolas exige que prestem os m uita atenção em seu cenário histórico; se notarm os os detalhes culturais, é mais provável que com preen damos sua m ensagem. Por fim, precisam os levar em considera ção o contexto literário das parábolas, pois os escritores dos evan gelhos estavam interessados não apenas no papel de um a parábo la durante o m inistério de Jesus, mas tam bém em com o ela se aplicava à igreja cristã. O caráter distinto da form a com o Jesus ensinava aparece mais claram ente quando ela é com parada com o ensinam ento dos rabinos daquela época. Sem dúvida a abordagem de Jesus era diferente. O m ais im portante, porém , era o conteúdo de sua m en sagem. Um elem ento significativo de seus ensinam entos era sua ênfase sobre a graça, que por vezes era obscurecida pelos m es tres judeus daqueles dias. O tem a de cum prim ento tinha desta que especial: a vinda de Jesus significava a chegada do reino de Deus, com todas as bênçãos associadas a ele. CAPÍTULO 6_______________ “Estes, porém, foram registrados para que creiais” O SIGNIFICADO DOS EVANGELHOS M o is é s S ilva Os Evangelhos são história ou teologia? Com o vimos no capítulo 1, m uitas questões foram levantadas sobre o caráter histórico das narrativas bíblicas. Questões desse tipo tornam -se cruciais parti cularm ente quando lidam com os evangelhos. Afinal, para o cristão, nada é tão fundamental quanto a realidade da vida de Jesus, sua morte e ressurreição. É im portante lem brarm os que, quando falam os sobre o sentido ou inter pretação de um a passagem , qualquer um a dentre várias questões distintas podem estar em vista: um detalhe sintático, o intento prim ário da passagem , seu significado mais amplo, e assim por diante. A questão da historicidade pode parecer estar fora da categoria de interpretação, estritam ente falando, visto que o “sentido” de um a história não é norm alm ente afetado pela sua realidade factual. A interpretação da história de George W ashington e a cere jeira, por exem plo, perm anece a m esm a, quer essa história tenha ou não acon tecido realm ente - a saber, ninguém deveria mentir. Por que, então, a questão da historicidade surge com freqüência quando lidamos com a interpretação bíblica? Não seria mais fácil dizer que a história da tem pestade que foi acalm ada em M ateus 8 pode ser interpretada correta m ente sem referência à sua verdade histórica? (No capítulo 1, com pare a discussão da historicidade, o quarto nível do significado). Se sim, alguém poderia argum entar que, quer o incidente realm ente tenha acontecido ou não, M ateus deseja com unicar aos leitores o poder espiritual de Jesus e, desse m odo, incentivá-los a ser discípulos fiéis. Afinal, não é assim que norm al m ente tratam os as parábolas? A m aioria dos leitores reconhece que a história específica do Bom Sam aritano não precisa necessariam ente representar um acontecim ento factual; a verdade que Jesus ensinou com aquela parábola per m anece, a despeito de sua historicidade. Por que não abordarm os o resto do m aterial nos evangelhos da m esm a m aneira? Esta m aneira de leitura dos Evangelhos e Atos - ou pelo m enos parte do m aterial de narrativa contido neles - atrai muitas pessoas, incluindo um a m i noria de estudiosos evangélicos, porque ela os liberta de terem de se preocu par com discrepâncias históricas. Além disso, aqueles que abandonaram a crença no sobrenatural, m as desejam continuar sendo identificados com o cris tãos, acham aqui um a saída para o seu dilema. U m a “solução” assim, porém , é fácil demais - até m esm o ilusória. Ela enfrenta dois problem as principais - um teológico e outro literário. A fé bíbli ca, com o é quase universalm ente reconhecida, tem um caráter histórico em suas próprias fundações; em contraste com outras religiões, esta é um a de suas particularidades mais significativas. Os m odernistas que buscam afirm ar os ensinos religiosos da Bíblia, enquanto rejeitam suas reivindicações histó ricas são mais ousados que o m ágico Houdini. A incoerência resultante é logicam ente insustentável. Seria o equivalente a reivindicar fidelidade à D e claração de Independência [dos Estados Unidos da América] ao m esm o tem po que se repudia, como antiquado, o princípio de liberdade política. A lém desse obstáculo teológico, existe um outro obstáculo literário. Quando se lê qualquer tipo de literatura, nada é mais im portante que fazer justiça a seu caráter. Se tentarm os entender a obra Macbeth, de Shakespeare, com o a narrativa histórica sim ples, deturparm os seu sentido total. Podem os ainda ser capazes de interpretar muitos detalhes corretam ente e até mesmo dar sentido à sua “m ensagem ” , mas nenhum estudioso de Shakespeare iria tolerar as inevitáveis distorções que resultariam disso. Esse problem a é ainda m aior quando com etem os o erro oposto. Se alguém como W inston Churchill, ao escrever H istory o fth e English Speaking Peoples (História dos povos de fala inglesa), pretende descrever um acontecim ento factual, significa que a referência histórica faz parte, em grande proporção, de seu sentido. Ignorar o leitor ou rejeitar esse intento é fazer picadinho do escrito. No caso dos Evangelhos, tudo indica que os escritores esperavam que suas declarações fossem consideradas históricas. Lucas, em particular, com e ça tanto seu evangelho quanto o livro de Atos, tornando o propósito bastante explícito (veja Lc 1.1 -4 e At 1.1-3), enquanto os outros não deixam nenhum vestígio de que seu intento seja significativam ente diferente. A verdadeira razão pela qual não nos sentim os coagidos a interpretar as p arábolas histo ricam ente é que elas são apresentadas em estilo próprio - o leitor ou ouvin te fica im ediatam ente ciente de que elas pertencem a um gênero diferente (tipo literário). Sem dúvida, há um a m edida de verdade em toda m entira. A razão por que muitos estudantes da Bíblia acreditam que podem desprezar a historicidade das narrativas do Novo Testam ento é que essas narrativas nem sem pre estão em conform idade com os padrões da escrita da H istória moderna. Se quere mos fazer justiça ao caráter literário dos Evangelhos e de Atos, portanto, de vemos observar não apenas seu caráter histórico, mas tam bém algum as ca racterísticas adicionais. De especial ajuda aqui é a m aneira com o o evangelho de João expressa seu alvo: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém , foram registados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nom e” (Jo 20.30,31). Evidentem ente, ninguém esperaria ler um a de claração desse tipo na história de Churchill. O autor do Quarto Evangelho tinha em m ente mais do que apenas reportar fatos; ele queria m udar a vida dos seus leitores. Não se deve cair na arm adilha de fazer distinções claras e falsas. João dificilm ente m inim iza a verdade histórica de sua narrativa: “Aquele que isto viu testificou, sendo verdadeiro o seu testem unho” (19.35). Entretanto, seria um erro de julgam ento focalizar tanto sobre a questão histórica e deixar de considerar outros aspectos do evangelho, particularm ente com o eles podem ter afetado sua composição. M esm o um a observação rápida do evangelho de João deixa claro que não se trata propriam ente de um livro de H istória - m uito m enos um a bio grafia - no sentido habitual. N ada é dito sobre o nascim ento de Jesus ou sua infância. Exceto por algum as referências cronológicas (ex.: à P áscoa em 6.4), lem os a m aior parte do evangelho tendo apenas um a vaga noção de sua com posição tem poral. A lém disso, as propo/ções são desconcertantes: q u a se um terço do livro (caps. 13-19) é dedicado às últim as 24 horas da vida de Jesus! E specialm ente intrigante é a sim ilaridade de estilo entre as n arrati vas e os discursos: nesse evangelho (mas não em outros), Jesus fala da m a neira com o João escreve. Essas e outras características nos ajudam a entender que a fidedignidade dos Evangelhos não deve ser posta em term os da historiografia m oderna, que dá ênfase à seqüência cronológica rígida e clara, seleção equilibrada do m ate- rial, citações textuais, e assim por diante. Em sentido real, os escritores do evangelho são pregadores. Eles selecionam acontecim entos da vida de Jesus e seus ensinam entos, guiados não pela inteligibilidade, mas pelo seu propósi to ao escrever. Eles organizam o m aterial nem sem pre com base na ordem seqüencial, mas com a perspectiva de im prim ir sobre os leitores certas verda des específicas. t Caímos em um problema, portanto, quando abordamos o texto com ques tões que os escritores dos Evangelhos não estavam interessados em respon der. M esm o Lucas, que parece ter sido o mais preocupado em prover detalhes históricos, não estava escrevendo um tratado que pretendia ser um a enciclo pédia. Certam ente, ele nunca im aginou que, vinte séculos depois, estudiosos estariam analisando cada palavra que ele escreveu e com parando-a em deta lhe com os outros Evangelhos assim como com outros docum entos e dados arqueológicos do m undo M editerrâneo. Em resum o, devemos ler os Evangelhos e Atos já esperando que conte nham apenas inform ações parciais e descrições im precisas que tornam difícil - às vezes im possível - resolver aparentes discrepâncias. Isso não significa em m om ento algum que os escritores bíblicos não sejam dignos de confiança. A falta de precisão absoluta é inerente à linguagem humana. O grau de preci são esperado de um leitor ou escritor depende da questão em pauta assim com o dos objetivos determ inados (ou implícitos). Não acusam os um orador público de irresponsabilidade se, quando está falando a um público geral, ele apresenta, por exemplo, um valor arredondado sobre o custo de se enviar um satélite para o espaço. M as, se esta m esm a pessoa estivesse preparando um relatório financeiro para ser exam inado pelo Congresso, qualquer im precisão poderia ser ilegal. Vejamos por este lado: se M ateus tivesse fornecido cada detalhe que alguns leitores m odernos esperam , com a exaustiva precisão necessária para responder a todos os problem as em potencial, sua narrativa não seria apenas excruciantem ente longa - mas, o que é pior, o im pacto de sua m ensagem teria sido tragado pelo excesso de informação. Dentro de seu propósito, porém , M ateus apresentou a verdade da m aneira mais persuasiva possível. Pode ser proveitoso lem brar que nossa fonte de autoridade não está nos sim ples fatos da História, mas na apresentação inspirada desses fatos na B í blia. Alguns estudiosos, ansiosos por dem onstrar a historicidade de Jesus e sua obra, tentam ver “por detrás” dos Evangelhos e alcançar o autêntico Je sus. Fica a im pressão de que o im portante é o que Jesus “realm ente” disse e não aquilo que os Evangelhos relatam que ele tenha dito. Mas essa conclusão seria uma negação da autoridade divina no que diz respeito aos Evangelhos. Se Lucas, por exemplo, resum e um discurso de nosso Senhor ou parafraseia um de seus ensinamentos, é o relato de Lucas daquelas palavras - não a recons trução histórica do que Jesus “realmente” disse - que é divinamente inspirado. Considere a história do jovem rico. De acordo com M arcos 10.17,18 e Lucas 18.18,19, este jovem chamou Jesus de “bom m estre” e perguntou a Jesus o que ele deveria fazer para herdar a vida eterna. Jesus respondeu: “Por que me cham as bom? Ninguém é bom senão um, que é Deus.” Quando nos voltamos para o evangelho de M ateus, porém, encontram os um relato um pouco diferente. Aqui o jovem se dirige a Jesus com um título sim ples de “M estre” , e então pergunta sobre o que ele deveria fazer de bom para herdar a vida eterna. A resposta de Jesus foi: “Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom só existe um ” (M t 19.16,17). Tem-se procurado resolver essa discrepância, mas, se tentarm os fazer com que os três Evangelhos digam a m esm a coisa, podem os deixar passar um ponto m uito im portante que M ateus deseja que com preendam os. C ertam ente os cristãos prim itivos, quando leram ou ouviram essa história, conform e foi contada por M arcos e Lucas, ficaram perplexos com a resposta de Jesus, que soa com o se ele negasse que fosse bom. Talvez M ateus, antecipando esse problem a, conte a história de form a a ajudar o leitor a com preender m elhor o sentido da conversa de Jesus com o jovem . Na continuação do diálogo, Jesus aponta para os Dez M andamentos como que ensinando aquilo que o jovem deveria fazer. A resposta do hom em , entre tanto, revela seu problem a mais profundo: “M estre, tudo isso tenho observa do desde a m inha juventude” (Mc 10.20). Claram ente, esse hom em acha que é inculpável - ele está convencido de sua própria bondade. Quando ele cha mou Jesus de “bom ” , não estava reconhecendo a bondade única e divina de Jesus; estava na realidade tratando Jesus como um igual! Pensava, portanto, que poderia alcançar a salvação fazendo algum a coisa boa. Colocando em outras palavras a pergunta daquele jovem , M ateus nos ajuda a identificar seu problem a im ediatam ente. Podem os assim m elhor entender a instrução poste rior de Jesus. Ao pedir ao jovem que vendesse tudo o que tinha e desse aos pobres, Jesus estava forçando o hom em a reconhecer que ele estava com ple tam ente errado ao pensar em si m esm o com o bom; de fato, ele era culpado do m aior pecado de todos ao deixar de am ar a Deus acim a de tudo. Podem os ver, então, que as m udanças que M ateus introduz não preten dem enganar, nem são o resultado e um erro descuidado. Em lugar disso, ele está interpretando, sob inspiração divina, o significado desse encontro de Je sus com o jovem rico. Assim como todo bom pregador reconta e parafraseia o texto bíblico para torná-lo mais claro e para ajudar a congregação a aplicá-lo, assim tam bém fizeram os escritores dos Evangelhos. A diferença é que os autores dos Evangelhos falavam com a própria autoridade de Deus. Na reali dade, Jesus fala por meio desses escritores não m enos do que quando ele viveu na terra. A m aioria de nós tende a tratar os Evangelhos da m aneira com o trata mos janelas: olham os através deles para algo além. Em outras palavras, te mos o hábito de ler os Evangelhos somente com o meios de se alcançar os acontecim entos históricos p^ra os quais eles apontam. Todavia, esses escritos são m uito mais do que isso. Eles são como um vitral. Não apenas m ostram e refletem a luz que está por detrás deles como tam bém nos convidam a olhar para eles e desfrutar deles pelo que são. Não foi por acaso que Deus nos deu quatro evangelhos, m esm o havendo m uita sobreposição entre eles. A vida e a m ensagem de Jesus é tão rica que precisam os de m ais do que um a perspectiva. Você pode ver porque é tão erra do ignorar as diferenças entre os Evangelhos ou tentar m inim izá-las. Em vez disso, devem os concentrar nossa atenção nessas distinções e procurar com preender o que cada escritor está tentando nos contar. H istória ou teologia? Esta é um a pergunta falsa. Os escritores dos evan gelhos são tanto historiadores quanto teólogos. Eles recontam os fatos, mas tam bém os interpretam para que nós possam os crer. “Ensinava-Lhes Muitas Coisas por Parábolas” Talvez a característica mais distintiva dos métodos de ensino de Jesus era o seu uso de parábolas.61 (Veja o capítulo 5, sob “Figuras de Com paração”). Há algum as razões óbvias pelas quais ele pode ter escolhido essa form a de ins trução. Parábolas são simples e interessantes, de modo que um público geral podia seguir a história facilm ente. O que é mais im portante, essas histórias tratam diretam ente das realidades da vida diária. Assim, um ouvinte podia se “identificar” rapidam ente com o conteúdo da parábola e, assim, com preender sua relevância. Além disso, as parábolas têm a vantagem de desarm ar aqueles que possam ofender-se com sua mensagem, visto que o ouvinte freqüentem ente tem que esperar até o último m om ento da história para descobrir seu signifi cado (cf. esp. a parábola de Natã ao Rei Davi em 2Sm 12.1-10). Há um a im portante m edida de verdade em todas essas explicações, mas surge um sério problem a. Se as parábolas de Jesus são tão sim ples, por que há tantos debates acalorados sobre seu significado? A literatura erudita m oderna sobre o assunto é im pressionante. Em bora seja tentador culpar os próprios estudiosos, que não deixam as parábolas em paz, a verdade é que até m esm o 61 A presentar um a definição precisa d e p a rá b o la não é fácil, visto que o term o po d eria ser usado de m aneira m uito abrangen te para qualquer tipo de com paração. A m aior parte dos leitores d a B í blia, todavia, tem um a definição satisfatória do term o com o referindo-se às bem conhecidas histórias de Jesus. Isso é bom o suficiente para os propósitos deste capítulo. os discípulos de Jesus algum as vezes ficavam intrigados pelas histórias de seu m estre (Mc 4.13). Cristãos m odernos tam bém coçam a cabeça de vez em quando, im aginando, por exemplo, como Jesus podia elogiar o com porta m ento desonesto do adm inistrador infiel (Lc 16.1-15). Não era sim plesm ente injusto para um em pregador pagar a m esm a quantia a todos os trabalhadores, sem considerar quantas horas eles haviam trabalhado (M t 20.1-16)? Em resum o, precisam os de tanta “habilidade herm enêutica” para enten der as parábolas quanto precisam os para com preender outras partes das E s crituras. A lém disso, o uso que Jesus fez das parábolas reflete certas preocu pações teológicas que não podem ser ignoradas. O SIGNIFICADO TEOLÓGICO DAS PARÁBOLAS Em resposta à pergunta dos discípulos sobre a parábola do semeador, Jesus fez um a declaração que está entre as mais difíceis registradas nos Evange lhos: “A vós outros vos é dado o conhecer o m istério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam ; e, ouvindo, ouçam e não entendam ; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles” (Mc 4.11,12, citando Is 6.9,10). Jesus parece estar dizendo que seu propósito em usar parábolas com aqueles que não pertencem ao seu grupo de discípulos era o m esm o propósito (punição) por detrás do cham ado de Isaías: endurecer os ouvintes em sua descrença. M uitos estudiosos da Bíblia acham difícil acreditar nessa declaração por um a razão: parece incom patível com o desejo e a m issão de Jesus em buscar e salvar o perdido. Além disso, alguém poderia argum entar que assim com o não faz sentido para Deus enviar Isaías para fazer e dizer exatam ente aquilo que irá garantir o fracasso em seu m inistério, assim tam bém ninguém pode im aginar que Jesus iria intencionalm ente prejudicar sua própria prega ção do evangelho! Tem-se buscado, portanto, am enizar ou até m esm o expli car satisfatoriam ente o sentido aparente das palavras de Jesus. É im portante observar que, mesmo no caso do cham ado de Deus a Isaías, aceitar essas palavras não im plica caracterizar todo o m inistério de Isaías nesses termos. O profeta disse muitas coisas que tiveram outras funções ou propósitos. Sem elhantem ente, não se deve inferir que as palavras em M arcos 4.11,12 descrevem a razão exclusiva para o uso que Jesus fez das parábolas. As outras razões possíveis m encionadas no com eço desta seção - sim plicida de, solidez, e assim por diante - continuam sendo válidas se entendidas no contexto mais amplo da m issão de Jesus. Qual era essa m issão? Quando Jesus era apenas um bebê, um hom em justo cham ado Sim eão declarou que a criança era “destinada a causar tanto a ruína quanto o levantam ento de muitos em Israel (Lc 2.34). Em outras pala vras, Cristo é tanto a pedra angular (Mt 21.42-44) quanto uma pedra de trope ço (Rm 9.32,33); ele é fragrânçia de vida para aqueles que crêem e o cheiro de m orte para aqueles que o rejeitam (2Co 2.14-16). No estágio do m inistério de Jesus em que ele contou a parábola do semeador, as pessoas já haviam “se posicionado” . No capítulo 3 de M arcos, somos inform ados de que alguns dos fariseus, irados com a cura que Jesus havia realizado no sábado, com eçaram a tram ar sua m orte (v. 6). Oujxos m estres da lei o acusaram de expulsar dem ô nios pelo poder de Satanás (v. 22). Em reação a esses grupos que o rejeita vam, Jesus disse: “Qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é m eu irmão, irm ã e m ãe” (v. 35). Nesse contexto, podem os ver que as parábolas cum prem o propósito de discrim inar entre aqueles que ouviam Jesus. Certam ente, essas histórias não “criam pecado” no coração das pessoas inocentes! Ao contrário, as parábolas, quando endereçadas àqueles que haviam se posicionado contra o Senhor, tor navam -se instrum entos de julgam ento. Assim, “ ... ao que tem se lhe dará; e, ao que não tem , até o que tem lhe será tirado” (Mc 4.25). Q ualquer tentativa de interpretar as parábolas sem levar em consideração esse fator pecará ao não fazer justiça ao ensino de Jesus. Há outro ponto teológico a ser considerado com respeito ao uso que Jesus fazia das parábolas. De acordo com M ateus 13.35, esse m étodo de ensi no era o cum prim ento de uma profecia.62 A profecia em vista é: “Abrirei em parábolas a m inha boca; publicarei coisas ocultas desde a criação [do m un do]” (citando o SI 78.2). O ponto principal parece ser que as parábolas de Jesus cum prem o plano eterno de Deus em revelar sua verdade ao seu povo. Em segundo lugar, todavia, essas palavras sugerem um relacionam ento pró xim o entre a criação e a redenção. As verdades de Deus são, com o que “construídas dentro” da ordem criada. Jesus não olha acidentalm ente para a natureza esperando encontrar ilustrações interessantes! Com o aquele que é tanto Criador quanto Salvador, ele pode sim plesm ente extrair da ordem cria da esses paralelos que nos ajudam a entender seus propósitos.63 O CONTEXTO HISTÓRICO DAS PARÁBOLAS U m estudioso proem inente argum entou corretam ente que Jesus usava as p a rábolas como “arm as” contra seus oponentes.64 O ponto aqui é que as parábo las devem ser entendidas historicam ente, isto é, identificando-se as situações específicas em que elas foram usadas. 62 É preciso lem brar que a palavra profecia não deve sim plesm ente ser identificada com o predição. P articularm ente no evangelho de M ateus, a noção do cum prim ento profético tem um a extensão bastante am pla, que inclui não apenas a realização de um a predição m as tam bém idéias com o a o utorga de um a prom essa e a conclusão dos planos de Deus. 63 E sta idéia é resum idam ente sugerida por G eerhardus Vos, B ib lica l Theology: O ld a n d N ew Testam ents (G rand Rapids: E erdm ans, 1948), p. 380. 64 Joachim Jerem ias, The P arables o f Jesus, ed. rev. (N ova York: Scribners, 1963). A parábola do filho pródigo em Lucas 15, por exemplo, tem sido lida tradicionalm ente com o um a passagem evangelística. Pregadores, com o regra geral, concentram -se na m aldade do filho e no seu arrependim ento e, desse modo, exortam suas congregações a se converterem. Esse é um em prego com pletam ente legítim o da parábola, mas podem os obter um a reflexão mais pro funda de sua m ensagem , se observarm os que Lucas nos conta especificam en te qual era o contexto histórico em que Jesus contou essa história. No início do capítulo ele revela: “Aproxim avam -se de Jesus todos os publicanos e peca dores para o ouvir. E m urm uravam os fariseus e os escribas, dizendo: ‘Este recebe pecadores e come com eles’” (vs. 1-2). Jesus então passa a contar três parábolas - a ovelha perdida, a dracm a perdida e o filho (pródigo) perdido àqueles que estavam murm urando. E m bora a conversão dos fariseus e dos mestres naturalm ente fosse parte do objetivo ao contar aquelas parábolas, fica claro que Jesus estava usando essas histórias principalm ente para repreendê-los. O hom em que perde uma ovelha, m esm o se ela for uma em cem, experim enta grande alegria quando a encontra; certam ente a m ulher que perde uma entre dez valiosas m oedas fica rá ainda mais entusiasm ada se a encontrar. Ainda assim os fariseus reclam am em vez de se alegrarem quando um pecador é “achado” . A parábola do filho perdido funciona, então, com o um poderoso clímax. Essa história é m ais lon ga, e inclui detalhes m uito m aiores, mas o ponto a ser apreciado é o papel do filho mais velho, cujo único irm ão - não um em cem ou m esm o um em dez tinha se perdido. Esse irm ão mais velho representa os queixosos fariseus, que pareciam incapazes de com partilhar a alegria de Deus e dos anjos no céu. A atenção ao contexto histórico tam bém inclui sensibilidade para com o pano de fundo cultural das parábolas. Os leitores ocidentais no século 20 têm seu próprio conjunto de im pressões, que nem sempre correspondem àquelas dos ouvintes de Jesus. A tendência a perderm os algum as das nuanças é inevi tável.65 Por exemplo, o pedido do filho - “D á-m e a parte dos bens que me cabe” - poderia provavelm ente ser interpretado como um desejo pela m orte de seu pai. De qualquer form a, o incidente criaria um rom pim ento entre o filho e sua fam ília (e até m esm o a cidade como um todo) m uito mais severo do que seria o caso se as mesmas palavras fossem ditas em nossa sociedade. O utro detalhe interessante é o fato de que era de esperar que o irm ão mais velho, naquela situação, fizesse de tudo para reconciliar seu irm ão com o pai. Não apenas ele deixa de fazê-lo, mas até m esm o aceita sua própria parte da herança. Em outras palavras, desde o com eço da história o irmão m ais velho é colocado sob um a luz negativa. Na realidade, ele com partilha do 65 Para o que se segue, veja K enneth F. Bailey, Poet a n d Peasant: A L iterary C ultural A p p ro a ch to the P arables o fL u k e (G rand Rapids: E erdm ans, 1976), cap. 7. pecado de seu irm ão, e isso nos dá um a perspectiva m elhor com a qual pode mos entender sua indignação egoísta no final da história. Finalm ente, quando lemos acerca do pai correndo para se encontrar com o filho m ais jovem , vemos isso apenas com o um a expressão de alegria. No O riente M édio, todavia, particularm ente em áreas rurais, espera-se que um hom em m aduro sempre ande devagar e com dignidade. E provável que o pai na parábola corra para proteger o seu filho das crianças da cidade, que pode riam decidir atingi-lo com pedras. Ao fazê-lo, todavia, o pai hum ilha-se a si m esm o e torna-se um a poderosa figura do Deus da graça. Em bora o sentido prim ário da parábola não mude com base nesses deta lhes culturais, eles nos trazem um a reflexão dentro dos “aspectos ocultos” da história que acrescentam m uito à nossa com preensão do ensino de Jesus. O CONTEXTO LITERÁRIO DAS PARÁBOLAS O contexto histórico, porém , não é a única questão que requer atenção. Com o vimos, os escritores bíblicos não estavam interessados em com por narrativas neutras, isoladas. Em lugar disso, apresentam acontecim entos históricos de um ângulo particular; ao fazê-lo, eles interpretam os acontecim entos para nós. Quando estudam os as parábolas, portanto, precisam os nos interessar não apenas pela sua função durante o m inistério de Jesus mas tam bém pela m a neira com o elas são usadas pelos autores dos evangelhos. Sob inspiração divi na, eles aplicam o ensino de Jesus sobre a situação posterior das igrejas cris tãs. U m estudo cuidadoso dessa característica lança luz sobre com o nós tam bém podem os usar as parábolas. M ateus, em particular, organizou seu m aterial de m aneira tem ática e parece ter feito um esforço especial para aplicar as palavras de Jesus à igreja ou igrejas para os quais ele estava escrevendo. E evidente, por exem plo, que M ateus se preocupa com a falta de com prom isso genuíno entre alguns grupos cristãos, e assim o tem a do verdadeiro contra o falso discipulado torna-se um a ênfase m aior de seu evangelho. Considere a parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16). Não é difícil entender essa parábola à luz de seu contexto histórico, com o discutido na seção prévia. Essa história tam bém é um a arm a com a qual Jesus repreen de seus oponentes por se queixarem da graça de Deus sobre os pecadores. Na parábola, os trabalhadores que chegam no final do dia e trabalham apenas por um breve período no frescor da noite recebem o m esm o pagam ento que aque les que trabalharam o dia todo e tiveram que suportar o calor do dia. De m aneira não surpreendente, os últim os ficam ofendidos e reclam am . Porém o dono estava sim plesm ente sendo generoso. Sem dúvida ele sabia que nenhum hom em podia alim entar uma fam ília com uma pequena fração de um salário diário, e assim ele é gracioso para com o grupo que trabalhou por um período curto. Essa parábola, então, assem elha-se fortem ente ao ponto principal da parábola do filho pródigo. M ateus, porém , a aplica à igreja cristã pelo modo como ele introduz a história no contexto do evangelho com o um todo. Recordam os que, ao final do capítulo 19, ele havia relatado o incidente do jovem rico, um hom em que pensava que era bom o suficiente para herdar o reino dos céus. Q uando Jesus o fez perceber que isso não era verdade, ele se foi desapontado, e o Senhor com entou sobre a im possibilidade da salvação por meios hum anos. Nesse ponto, Pedro expressou seu com prom isso com o discipulado, e Jesus respon deu que os verdadeiros discípulos receberão muitas bênçãos e herdarão a vida eterna. Ele então term inou dizendo: “Porém muitos prim eiros serão últimos; e os últim os, prim eiros” (v. 30). Ao colocar a parábola dos trabalhadores im ediatam ente após esse inci dente e repetir as palavras de 19.30 no final da parábola,66 é com o se M ateus estivesse dizendo aos seus leitores cristãos: Não se sintam por demais confortáveis quando lerem sobre a repreen são de Jesus aos fariseus. Os mesmos problemas que Jesus teve de enfrentar estão presentes em nossas congregações. Há alguns de vocês que não entendem o que é a graça e o discipulado. Pensam que porque vocês se consideram “cristãos” não têm mais nada com que se preocu par, e em lugar disso menosprezam outros que não parecem tão bons quanto vocês. Bem, lembrem-se de que alguns de vocês que parecem ocupar os primeiros lugares terminarão no final, e àqueles que são con siderados humildes e indignos serão dados lugares de honra. Em resum o, o estudo cuidadoso das parábolas envolve não apenas vêlas no contexto histórico do m inistério de Jesus, mas tam bém entender como elas funcionam na narrativa de cada evangelho. Não deveríam os tratar os es critores do evangelho como jornalistas que deveriam ter tentado evitar inter pretar os fatos que relatam . Em lugar disso, eles eram teólogos inspirados e m estres cujo própria apresentação da obra de Jesus é uma chave essencial em nossa apreciação do texto bíblico. Ele os ensinou com autoridade Em bora o uso das parábolas fosse a característica mais distinta no m étodo de ensino de Jesus, dificilm ente é a única. U m a das descrições mais surpreen dentes do m inistério de Jesus é o com entário: “M aravilhavam -se da sua dou “ É naturalm ente im possível provar que Jesus m esm o não usou esta expressão após a p arábola, m as um estudo cuidadoso do m étodo de com posição de M ateus tem persuadido a m aioria dos eru d i tos de que esta é parte da técnica em pregada pelo évangelista. N ovam ente, não se deve pensar que um m étodo desses resulte em erro ou desonestidade. Sob inspiração divina, M ateus está tornando claro a seus leitores o significado da parábola. trina, porque os ensinava como. quem tem autoridade e não como os escribas” (Mc 1.22; cf. M t 7.28,29). Para a m aioria dos leitores dos Evangelhos, esse verso parece falar do poder da personalidade divina de Jesus. Sem dúvida, esta é parte da explicação para a reação do público. O próprio M arcos em vários pontos cham a a atenção para a adm iração que o Senhor inspirava na queles que estavam ao seu rpdor (Mc 4.41; 5.15; 10.32; 16.8), e talvez o clí m ax no evangelho seja a reação do centurião ao testem unhar a m orte de Je sus: “Verdadeiram ente, este hom em era o Filho de D eus!” (15.39). Apesar disso, é im portante observar que, ao falar da autoridade de Jesus, M arcos contrasta o ensino do Senhor com aquele dos “escribas” . Em outras palavras, não era tanto porque o ensino de Jesus era mais poderoso do que aquele dos mestres hum anos em geral; o contraste é especificam ente com os rabinos e escribas judeus, que estavam mais associados com a escola dos fariseus. Qual é, então, o foco da com paração? Parte do interesse pode ter sido sim plesm ente o estilo de ensino. A literatura rabínica (em bora date de um período posterior) nos dá algum a idéia da abordagem usada pelos rabinos do século I o. Grande parte dela consistia em debater as opiniões dos princi pais sábios, algum as vezes sem uma clara resolução. O bviam ente, a aborda gem de Jesus era bem diferente, e isso deve ter sido suficiente para causar um a forte im pressão naqueles que o ouviam. Porém , não apenas o estilo de ensino de Jesus era diferente, mas a pró pria substância de sua m ensagem . Aqui torna-se claro, mais um a vez, o valor de se com preender o pano de fundo histórico. U m a definição m uitas vezes provém da negação; ou seja, somos mais capazes de identificar objetos se puderm os distingui-los de outros objetos com os quais estam os fam iliariza dos. E precisam ente isso que M arcos está fazendo quando nos fala que Jesus não ensinava com o os escribas. Para dar sentido ao que M arcos quer dizer, entretanto, precisam os estar fam iliarizados com o ensino dos escribas. Em décadas recentes, pesquisas acadêm icas têm trazido algum as m u danças significativas para a nossa com preensão do pensam ento judaico do século I o. Fica claro agora, por exem plo, que não podem os sim plesm ente dispensar a teologia rabínica com o um “sistem a legalista” que ignorava total m ente a doutrina da graça divina.67 M uito da literatura judaica existente re flete uma com preensão genuína, senão com pleta, dessa doutrina. C om etería mos um penoso erro, porém , se concluíssem os que o “legalism o” não foi de 67 E m bora vários escritores na p rim eira m etade do século 20 tiveram o cuidado de desenvolver este ponto, a o bra m ais influente é a de E. P. Sanders, Paul a n d Palestinian Judaism : A C om parison o fP a tte r n s o fR e lig io n (Filadélfia: F ortress, 1977). Para m ais detalhes sobre o m aterial que se gue, ver m eu artigo “T h e P lace of H istorical R econstruction in N ew T estam ent C riticism ” , em H erm eneutics, A uthority, and C anon, org. por D. A. C arson e J. W. W oodbridge (G rand R apids: Z ondervan, 1986), pp. 109-33, esp. pp. 117-21. m aneira algum a um problem a para o judaísm o do século Io. Uso aspas por que o term o significa coisas diferentes para pessoas diferentes. A questão aqui não é se os fariseus eram “rigorosos dem ais” (com o verem os, eles não eram rigorosos o suficiente!) ou se eles estavam preocupados dem ais com questões da lei. Qual era, então, o problem a? N osso Senhor tratou a questão central mais diretam ente no incidente registrado em M arcos 7.1-13 (cf. M t 15.1-7), que nos conta que os fariseus reclam avam quando os discípulos de Jesus deixavam de observar o rito ceri m onial de purificar suas mãos antes de comer. Esse rito, todavia, não era uma injunção bíblica, mas sim parte da “tradição de anciãos” (v. 5; cf. G1 1.14). Uma característica básica do pensam ento rabínico é a ênfase na dupla Torá: a lei escrita (a Bíblia Hebraica, especialm ente os cinco livros de M oisés) e a lei oral (as tradições dos anciãos). A lei oral poderia ser vista até certo ponto com o um a interpretação e aplicação da lei escrita; ainda assim m uito dela consistia de debates que tratavam de questões legais técnicas, o que levou ao desenvolvim ento de novas regulam entações. Ironicam ente, muitas dessas regulam entações tiveram o efeito de em bo tar a força dos m andam entos bíblicos. Os fariseus, m uito conscientes da fra queza hum ana, procuravam interpretar as exigências rígidas da Torá de m a neira a torná-las, de fato, mais “cum príveis” . Por exemplo, a lei exigia que todos os débitos deveriam ser cancelados todo sétimo ano (Dt 15.1-3); a natu reza hum ana sendo o que é, aqueles que tinham meios para em prestar dinhei ro ficavam relutantes em fazê-lo, tem endo que não pudessem recuperá-lo. Com o resultado, o pobre sofria. Com vistas à resolução desse problem a, uma regulam entação foi adotada que interpretava a lei com o algo que se aplicava som ente a em préstim os pessoais. Se o em préstim o fosse dado para o tem plo, porém , a fim de que os sacerdotes pudessem distribuí-lo entre os pobres, en tão o recebedor continuaria a ter o direito de recebê-lo só m esm o no sétimo ano. (U m a regulam entação com parável, a de C orbã, é m encionada em M c 7.10-12). Em bora esse tipo de regra zom basse da lei (ver especialm ente a grave advertência em Dt 15.9,10), as pessoas convenciam -se de que agora estavam obedecendo à lei e desse m odo, com o dizem os hoje em dia, podiam “sentir-se m elhor consigo m esm as” . Jesus, porém, tinha muito pouca paciência com esse tipo de hermenêutica. Citando a condenação de Isaías com respeito à hipocrisia, ele acusou os fariseus de anular os m andam entos de D eus por interm édio da tradição hum ana (Mc 7.6-9, 13). De fato, o ensino dos escribas m inava a autoridade da Palavra de Deus. Essa crítica é especialm ente evidente no Serm ão do M onte, onde Jesus introduz diversos ensinam entos seus com as palavras: “Ouvístes que foi dito... eu, porém , vos digo” (M t 5.21ss). E curioso que m uitos leitores pen sem que Jesus está aqui se distanciando de, ou m esm o abolindo, os m anda m entos do A ntigo Testamento. M uito pelo contrário. Ele veio não para abolir esses m andam entos, mas para os cum prir (5.17); seu próprio ensino clara m ente intensificou a força desses m andam entos, diretam ente contra a tendên cia rabínica de relaxá-los. Ele deixa essa posição absolutam ente explícita tan to no início quanto no fim da passagem : “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em m uito a dos escribas e fariseus, jam ais entrareis no reino dos céus” (5.20). “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (5.48). Essa declaração conclusiva deixa m uito claro que o foco da controvérsia era entre Jesus e os rabinos. Ao contrário da tendência rabínica de relaxar o padrão divino, os discípulos de Jesus nunca podem ficar satisfeitos com m e nos que a perfeição. Isso significa que os verdadeiros discípulos de Jesus estão sem pre conscientes de seu pecado, e assim aprendem a depender não de sua própria força moral mas da graça de Deus, orando como o coletor de impostos: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13). Se definirm os “legalism o” como uma perspectiva que vê as pessoas com o m oralm ente autosuficientes, e deste modo de algum a form a contribuindo para sua própria sal vação, reconhecerem os que todos nós - até m esm o o mais m aduro dos cris tãos - m uitas vezes caím os vítimas disso. Também podem os ver com o esta tendência hum ana teria sido grandem ente exacerbada por um sistem a de in terpretação que, com efeito, dim inuísse as exigências divinas e influenciasse pessoas a se sentirem autocom placentes. Q uaisquer que sejam as intenções, um a perspectiva com o essa pode servir somente para obscurecer as riquezas da graça de Deus. O Serm ão do M onte, porém , cham a nossa atenção para outra diferença crucial entre o ensino de Jesus e aquele dos escribas. Na opinião de alguns estudiosos, o capítulo 5 de M ateus apresenta Jesus com o um novo M oisés que, de um a m ontanha, entrega a lei do reino para o seu povo. Na realidade, o período m osaico está term inado e um a nova era começou. Sem forçar demais este paralelo, devemos reconhecer que o Sermão do M onte reflete um ponto de vista escatológico (de “final dos tem pos”). M esm o as bem -aventuranças que introduzem essa passagem criam uma expectativa sobre a novidade da obra de Jesus. Conform e já vimos, nessa passagem o Senhor explicitam ente descreve o propósito de sua vinda com o tendo o objetivo de cum prir a lei e os profetas (5.17). Por essa razão, todo o evangelho de M ateus parece estar estruturado em torno desse tem a, visto que vezes seguidas o autor aponta para os acontecim entos na vida de Jesus que ocorreram a fim de cum prir o que havia sido profetizado nas Escrituras (1.22; 2.15, 17, 23; 4.14; etc.). No início de seu m inistério, Jesus indicou essa natureza escatológica de sua vinda com as palavras: “O tem po está cumprido, e o reino de Deus está próxim o; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). Lucas, que coloca grande ênfase sobre este tema, introduz o m inistério público de Jesus relatan do a visita à sinagoga em Nazaré (Lc 4.14-21). Ali Jesus anunciou que tinha vindo para cum prir a prom essa de Isaías 61.1,2: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração e vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Setihor (Lc 4.18,19). A presença do Espírito, que Jesus recebeu em seu batism o (cf, Lucas 3.21,22, em cum prim ento de Is 42.1), era o claro sinal de que os últimos dias haviam , de fato, chegado. Os milagres de Jesus, particularm ente seus exorcismos, eram por sua vez a evidência de que ele havia sido revestido do Espírito Santo: “Se, porém , eu expulso dem ônios pelo Espírito de Deus, certam ente é chegado o reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28). O evangelho de João, m ais do que qualquer outro, extrai o significado desta “escatologia realizada” para a vida dos crentes. Fazendo referência à profecia do fim dos tem pos de Ezequiel 36.24-27, João relata as palavras de Jesus a Nicodemos: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de D eus” (Jo 3.5). Num sentido importante, é com o se os seguidores de Jesus tivessem experim entado a ressurreição, m esm o que a ressurreição final seja ainda futura: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a m i nha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da m orte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os m ortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5.24,25, mas cf. vs. 28,29). Este ensino - os crentes já com eçaram a desfrutar da era final m esm o que ela ainda não tenha se m anifestado por com pleto - é expressado bela m ente no Discurso do Cenáculo. Em João 14.2, Jesus prom ete a seus discípu los que irá preparar um lugar para eles na casa de seu Pai, onde há muitos quartos (a palavra grega aqui para “quarto” é m one). Isso parece ser um a prom essa relativa ao céu no futuro. Porém, depois que ele lhes assegura que, em sua partida, o Pai enviará o Espírito Santo sobre eles, acrescenta: “Se alguém me ama, guardará a m inha palavra; e meu Pai o amará, e virem os para ele e faremos nele m orada [m one]” (v. 23). Pelo fato de ele nos oferecer seu Espírito (ver 7.37-39), podem os desfrutar sua própria presença em nossa vida. A antiga era sob a lei de M oisés term inou; a graça e a verdade agora reinam sobre aqueles que colocam sua confiança em Jesus. Verdadeiram ente Jesus “os ensinava com o quem tem autoridade e não com o os escribas” ! Conclusão Este capítulo tocou apenas em umas poucas questões que precisam ser leva das em consideração, se desejam os entender os Evangelhos. Certas aborda gens técnicas, tais como o estudo das fontes literárias, levantam outros assun tos im portantes que não podem ser ignorados em um exam e mais m inucioso desses docum entos. Tenha em m ente, porém , que é m uito fácil perder-se em detalhes. N unca se esqueça da “perspectiva geral” . Os princípios discutidos neste capítulo ajudarão a m anter um a estrutura que lhe perm itirá ler os Evan gelhos de m aneira responsável e proveitosa. Apesar de as epístolas do Novo Testam ento não serem um a “correspondência pessoal” no sentido mais freqüente, podem os facilm ente com preendê-las incorretam ente a m enos que as trate mos com o cartas reais e históricas (em vez de livros de teologia). Em term os práticos isso significa, em prim eiro lugar, que deve mos ler cada carta do Novo Testam ento com o um todo; nossa tendência a tratá-las como livros de referência dos quais se con sulta apenas um trecho de cada vez distorce nossa percepção de sua m ensagem . Em segundo lugar, esses escritos surgiram de ocasiões históricas reais, o que significa que devemos aprender a ler “nas entrelinhas” de modo a entender o texto dentro do seu contexto original. Em terceiro lugar, devemos aprender a tratar as cartas do Novo Testam ento do ponto de vista literário, isto é, reconhecendo que são docum entos pensados e que podem refle tir m étodos retóricos usados na antigüidade. Em quarto lugar, esses escritos devem ser lidos teologicam ente; ao m esm o tem po em que somos sensíveis à diversidade que eles representam , de vemos procurar apreciar suas características unificadoras, espe cialm ente a convicção dos autores de que os últimos dias haviam chegado com a vinda de Cristo. Por fim, não podem os nos esque cer que as epístolas do Novo Testam ento são escritos investidos de autoridade e, portanto, seu caráter histórico não diminui sua relevância para nossa vida. CAPÍTULO 7 Como Ler uma Carta O SENTIDO DAS EPÍSTOLAS M o is é s S ilva Há mais de meio século, um filósofo americano interessado especificam ente nos desafios do ensino superior chegou à conclusão de que os estudantes preci savam de ajuda para captar o sentido dos livros. E o que era verdadeiro acerca dos estudantes também se aplicava em mesmo grau às pessoas em geral. Con seqüentemente, ele publicou um volume intitulado How to Read a Book (Como ler um livro).68 Em bora alguns se admirem de alguém que ainda não saiba ler um livro pudesse ler esse, o volume tornou-se um sucesso instantâneo. N ão é de surpreender que a habilidade de decifrar um alfabeto e identi ficar palavras - e até m esm o ser capaz de captar o sentido de sentenças e parágrafos - é apenas um passo preparatório para a leitura “real” . Diferentes tipos de livros requerem diferentes estratégias de leitura, quer estejam os ou não conscientes do uso de tais estratégias. Todos nós podem os m elhorar nos sas habilidades enquanto buscam os ler obras desafiadoras com mais eficiên cia e precisão. O título deste capítulo, porém , pode causar algum espanto. Q ual p o d e ria ser a dificuldade de ler correspondência pessoal? A final, se há algum tipo de escrita que pode ser lida por quase qualquer um, m esm o por pessoas de nível prim ário, é um a carta de um am igo. Este capítulo é necessário, porém , justam ente porque a m aioria de nós não lê 1 C oríntios ou Tiago com o se fossem cartas. 68 M ortim er J. A dler, H ow to R ea d a B ook: The A rt o fG e ttin g a L iberal E ducation (1940; ed. rev. N ova York: Sim on & Schuster, 1972). A edição atual não tem m ais o subtítulo. D izer essas coisas, entretanto, é levantar a questão do gênero literário. Ê m esm o necessário sugerir que as cartas de Paulo, por exemplo, são apenas com o cartas pessoais m odernas? O fato de que algum as vezes nos referim os a elas com o epístolas (o que sugere docum entos relativam ente longos e for mais) é um a indicação da diferença. Estudiosos têm discutido esta questão exaustivam ente. No passado alguns pensavam que as cartas de Paulo deviam ser tratadas com o as epístolas de escritores latinos com o Cícero e Sêneca, ou seja, com o docum entos cuidadosam ente elaborados com a intenção de ser lidos com o obras literárias. Esse ponto de vista foi, de modo geral, abandona do. Não há nenhum a boa razão para pensar que Paulo teve quaisquer preten sões literárias quando escreveu esses documentos. É igualm ente claro, porém , que não são sim plesm ente cartas “pessoais” . Em bora algum as poucas cartas de Paulo tenham sido escritas para indivíduos (1-2 Tim óteo, Tito, e especialm ente Filem om ), até m esm o estas vão muito além de assuntos pessoais. Assim com o nas outras cartas, os com entários pessoais desem penham um papel secundário e o tom geral é form al. Algum as delas contêm argum entação im plícita e até m esm o m ostram o uso de técnicas de retórica. Finalm ente, o mais fundam ental é que elas foram escritas com um tom de autoridade apostólica que dá a elas um caráter único. Porém , por m ais im portantes que sejam essas características, não devem obscurecer o que é essencial acerca desses docum entos do Novo Testamento: eles não foram originalm ente escritos como os livros m odernos publicados para grandes públicos - m ilhares de leitores que o autor nunca encontrou; eram , sim, cartas autênticas em que os autores, sob inspiração divina, deram instrução direta a uma igreja específica ou a um grupo de igrejas. (M esmo aquelas que têm um caráter mais pessoal parecem dirigir-se à igreja da qual o recipiente era um líder). N a sabedoria e providência de Deus, os cristãos de todas as partes e de todos os tem pos podem beneficiar-se dessas cartas como a Palavra de Deus para eles tam bém. Se desejam os usá-las com responsabili dade, porém , precisam os respeitar seu caráter. Com o observado no capítulo anterior, ler um relato histórico como se fosse uma poesia (ou vice-versa) é um a in justiça para com o escrito e leva a um a com preensão incorreta. Sem elhantem ente, ler um a das cartas de Paulo, como se fosse um livro técni co de referência ou um livro didático de sem inário de teologia, pode nos en veredar pelo cam inho interpretativo errado. Lendo as Cartas do Novo Testamento por Inteiro Talvez o aspecto mais óbvio ao ler uma carta é aquele que ignoram os mais facilm ente quando lemos as epístolas do Novo Testamento. Todos nós, ao receber um a carta de um conhecido, procuram os lê-la inteira de uma sentada (geralm ente nem m esm o esperamos para nos sentar!). Em parte por causa das divisões em capítulos e versículos de nossas Bíblias m odernas, os cristãos raram ente dedicam o tem po necessário para ler toda um a epístola. Na reali dade, podem os nos sentir m erecedores de um tapinha nas costas se conseguir mos term inar a leitura de um capítulo inteiro. O que pensar de um hom em que recebe um a carta de cinco páginas de sua noiva na segunda-feira e decide ler apenas a terceira página naquele dia, a última página na quinta, a prim eira página duas semanas depois, e assim por diante? Sabemos que ler um a carta de m aneira tão fragm entada provavelm en te não traz nada além de confusão. O sentido de um parágrafo na terceira página pode depender grandem ente de algo dito no com eço da carta - ou seu real sentido pode não ficar aparente até que a próxim a página seja lida. Q uan to mais bem redigida a carta, m ais arriscado seria dividi-la arbitrariam ente em segmentos. Além disso, parte do sentido de um docum ento é o im pacto total que provoca no leitor, e esse sentido, com freqüência é m ais do que a soma de suas partes. O utra m aneira de afirm ar esses pontos é dizer que seções específicas em um a carta do Novo Testam ento devem ser lidas no contexto. Com o vi mos antes, a interpretação contextual é um dos princípios básicos a ser lem brados quando buscam os com preender o que as pessoas dizem e escrevem . Ironicam ente, m uitos leitores costum am ignorar este princípio justam ente quando m ais precisam dele, isto é, quando estão tentando dar sentido a um a passagem difícil. U m bom exem plo disso é Hebreus 6.4-6, que parece ensinar que os cris tãos podem perder a fé e que, se isso acontecer, eles não podem ser restaura dos novam ente. Ao se concentrarem nesses versos de m aneira isolada do res to do livro, os leitores podem criar um bom núm ero de interpretações, sendo que todas são defensáveis de um jeito ou de outro: (1) cristãos podem, de fato, perder sua salvação perm anentem ente; (2) cristãos podem perder sua salva ção, mas a restauração é possível; (3) os cristãos podem perder seus galardões, mas não a sua salvação; (4) a passagem fala de pessoas que são apenas cris tãos professos, mas não verdadeiram ente regenerados; (5) a passagem é pura m ente hipotética; (6) a passagem não lida realrpente com a salvação pessoal mas com questões cristãs-judaicas mais amplas. E assim por diante. Com o desejam os ilustrar somente um princípio de interpretação, não nos preocupem os por enquanto com qual dessas com preensões está correta; pensem os em com o abordar o problem a. E justo dizer que a m aioria dos cris tãos que se vêem desnorteados com essa passagem tem apenas um a vaga idéia de qual seja o propósito geral de Hebreus, e m esm o aqueles que tentam ler o livro com algum cuidado geralm ente acabam um tanto confusos. Porque esse assunto não é fam iliar a nós, acham os Hebreus um a epístola difícil de entender. Com o resultado, tentamos dar sentido a 6.4-6 - uma passagem muito difícil em um livro difícil - ignorando seu contexto, m esm o que seja exata m ente o tipo de passagem que exige atenção especial para o contexto! Deveríam os ler com pletam ente toda a epístola diversas vezes, talvez em diferentes versões, até que nos tornem os bastante fam iliarizados com seu con teúdo, seus interesses e propósitos aparentes do autor, o modo com o o argu m ento é desenvolvido, e assim por diante. U m a característica im portante que descobrirem os é que 6.4-6 não é a única passagem desse tipo no texto. De fato, há quatro outras passagens cham adas de “passagens de advertência” em Hebreus (2.1-4; 3.7-15 e continuando através do capítulo 4; 10.26-31; 12.2529). Q uando tom am os o argum ento do livro com o um todo, parece m enos provável que essas quatro advertências estivessem tratando de situações dife rentes. Pelo contrário, elas criam um efeito cumulativo. O autor está profun dam ente interessado em seus leitores e tentando cuidadosam ente atingir seu grande alvo, ou seja, alertá-los para que não com etam algum pecado terrível que trará o severo julgam ento de Deus. Tendo reconhecido essa característica da carta, elim inam os mais do que depressa algum as interpretações sobre o texto de 6.4-6. A idéia de que a pas sagem está falando sobre a perda de galardões, por exemplo, sim plesm ente não se enquadra no caráter da carta com o um todo; é um a interpretação que não pode ser apoiada a partir do contexto. De m aneira sem elhante, qualquer visão que m enospreze o elem ento pessoal tam bém é suspeita, porque outras advertências (esp. 3.12) deixam claro que o que está em jogo é o relaciona m ento individual com Deus. Novam ente, a visão que tom a a passagem com o puram ente hipotética faz pouco sentido. Qual é a razão de escrever toda uma carta, com tais advertências severas e em ocionais para prevenir algo que na realidade não pode acontecer? D ecidir entre as opções restantes não é fácil e exige que levem os outros fatos em conta. Todavia, pode-se ver claram ente que, quanto mais difícil a passagem , precisam os da m áxim a atenção à relação da passagem com o con texto de todo o documento. Lendo as Cartas do Novo Testamento Historicamente Todo docum ento escrito deveria ser lido “historicam ente” , ou seja, devería mos levar em consideração que foi escrito por um determ inado indivíduo (ou grupo de indivíduos) em determ inada época na H istória e m otivado por algu m a ocasião em particular. Apesar disso, alguns tipos de escrita podem ser com preendidos muito bem m esm o quando conhecem os relativam ente pouco de seu contexto histórico. Ser capaz de ler livros de ciência no colegial, por exemplo, não depende tanto de se conhecer quais foram seus autores ou qual pode ter sido sua situação histórica.69 Em outras palavras, livros didáticos são dirigidos a públicos m uito amplos, para estudantes por todo o país, cujas ex periências pessoais variam grandem ente. Por outro lado, pense numa coluna de um jornal de um colégio. Nesse caso temos um escrito dirigido a um público muito mais homogêneo. Todos os estudantes compartilham muitas experiências importantes e uma base de co nhecim ento comum. Eles pertencem a uma região geográfica bem definida. Todos sabem quem é o diretor e a m aioria dos professores. O que é mais im por tante, compartilham percepções em comum sobre a escola, as pessoas que são parte dela, e os desafios que ela oferece. O jornal da escola, portanto, será compreendido por esses estudantes de um modo que um estranho não pode entender tão facilm ente - mesmo os pais podem ter que lutar com isso de vez em quando! Observe também que, em contraste com os livros didáticos, edito riais em um jornal estudantil tem uma expectativa de vida muito curta. O que era um “assunto quente” em um a edição particular do jornal possivelmente não terá nenhum a influência no ano seguinte, ou mesmo no mês seguinte. E qu an to às cartas do N ovo T estam ento? Os e stu d io so s b íb lico s freqüentem ente se referem a essas cartas como escritos ocasionais. Com isso, buscam enfatizar que Paulo, por exemplo, escreveu suas cartas para suprir as necessidades históricas específicas. Não é como se o apóstolo, não tendo nada m elhor para fazer, pensasse ser um a boa idéia escrever um artigo teológico para qualquer um que pudesse estar interessado nele! Pelo contrário. Sem pre houve um a ocasião concreta que o motivou a escrever esses docum entos. N or m alm ente, era em razão de igrejas específicas estarem experim entando pro blem as que tinham de ser resolvidos; em alguns casos, com o com os gálatas, a necessidade era urgente. Pelo fato de as cartas de Paulo lidarem com princípios perenes, é fácil não darm os im portância ao seu caráter ocasional. Se arrancarm os 1 Coríntios de seu contexto histórico, a m ensagem precisa de seu docum ento nos escapa rá. O que é pior, poderíam os deixar de interpretar corretam ente ou aplicar indevidam ente seu sentido. Tome o capítulo 7, verso 1: “E bom que o hom em não se case” (NVI; lit. “não tocar um a m ulher”). Alguns concluem a partir dessas palavras que o casam ento é um a coisa'm á a ser evitada. Tal interpreta ção, porém , dificilm ente é consistente com o ensino bíblico m ais geral, ou até ** M esm o n este caso tais questões não são com pletam ente irrelevantes. Se um livro de astronom ia tem q uatro décadas, con h ecer esse fato afeta o m odo com o lem os. Se d escobrim os que o au to r de tal texto tem um a m otivação fortem ente ideológica (tal com o o an ticriacionista Carl Sagan, ou talvez alguém determ inado a p rovar que o m undo foi criado em seis dias de 24 horas), provavel m ente pretenderem os levar esse fato em conta, enquanto buscam os interpretar declarações espe cíficas no livro. m esm o com as próprias declarações de Paulo em outros lugares (cf. E f 5.2233 e lT m 3.2; 4.3). Ao que parece, entre as muitas questões que dividiram os crentes de Corinto, uma das mais significativas tinha a ver com diferentes idéias sobre sexo e casam ento. Algum as pessoas na igreja tinham um a visão m uito liberal. Pensavam , por exemplo, qpe era justificável para um cristão unir-se a uma prostituta (6.15,16). Quando um sujeito em seu m eio tornou-se íntim o de sua madrasta, essas pessoas não puderam condená-lo (5.1,2). Outro grupo na igreja, porém , talvez em reação, foi a outro extremo. Criam que até m esm o no casa m ento o sexo deveria ser evitado (7.3-5), pois assim poderiam tam bém não se casar. Em apoio à sua posição, provavelm ente recorreram ao fato de o próprio Paulo ser solteiro. Pode-se notar facilm ente a dificuldade que estava diante de Paulo. Visto que o grupo m ais rigoroso se opunha à im oralidade, ele desejava apoiá-los o quanto possível. Além disso, há certas vantagens em continuar solteiro, e as sim ele não queria condenar aqueles que, pelas razões corretas, haviam esco lhido não se casar. O casam ento, entretanto, é uma instituição divina a ser defendida, e há também importantes razões práticas para a m aioria das pessoas se casar. Assim, quando ele com eça sua discussão no capítulo 7, Paulo afirma o que pode ter sido algum tipo de lema entre o grupo mais rigoroso: “É bom que o hom em não toque em mulher.” Ao fazê-lo, reconhece que existe algum a verdade na posição desse grupo, mas então continua desenvolvendo essa de claração e corrigindo os abusos. Se, em vez de escrever um a carta, Paulo tivesse com posto um tratado sobre ética cristã, seria razoável esperar um capítulo com pleto sobre casa m ento que desse um a apresentação mais “equilibrada” . Porém, devido ao fato de Paulo ter escrito 1 Coríntios para tratar de problem as históricos específi cos, o capítulo 7 precisa ser compreendido à luz desses problemas. Além disso, devemos ter em mente que, como resultado, suas instruções naquele capítulo são apenas um a parte do que a Bíblia como um todo ensina sobre casamento. A próxim a pergunta de grande im portância que deve ser feita é: Com o podem os dizer qual foi o contexto histórico das cartas do Novo Testam ento? O livro de Atos nos dá algum a im portante inform ação sobre o m inistério de Paulo e, desse modo, nos oferece um a estrutura básica para a leitura das car tas. Infelizm ente, muitos detalhes estão ausentes. Docum entos históricos além da B íblia lançam interessante luz aqui e acolá, mas ainda nos deixam com buracos im portantes. A partir daí, via de regra, dependem os de evidência in terna, ou seja, a inform ação que podem os apreender a partir das próprias car tas. O problem a é que essa evidência, para a m aior parte, é indireta. Paulo não ordenou prim eiram ente a situação em Corinto, por exemplo, antes de passar a tratar dela. Não era necessário fazê-lo! Os Coríntios estavam plenam ente conso e n te s dos problem as. Nós, por outro lado, somos forçados a supor quais m ia m sido os problem as. Em outras palavras, temos que “ler nas entrelinhas” a fim de reconstruir o contexto histórico. Por essa razão algumas pessoas podem objetar nossa ênfase sobre a interpretação histórica. Elas argum entarão que essa aborda gem injeta subjetividade demais no processo, visto que estudiosos diferentes surgirão com diferentes reconstruções. Esse tipo de objeção é usada não apenas por cristãos evangélicos que desejam preservar a autoridade e a clareza das Escrituras. Há tam bém um segmento entre os estudiosos contem porâneos que prefere tratar as cartas do Novo Testam ento estritam ente como objetos literários, ou seja, m ais ou m e nos desligados de seu contexto histórico. Um estudioso sim patizante desse ponto de vista reclam a que outros estudiosos dependem grandem ente da “leitura-espelho” . Em sua opinião, eles adm item de form a dem asiado fácil que no texto aos gálatas, por exemplo, podem ver o reflexo das pessoas que esta vam causando problem a entre as igrejas da G alácia.70 Em resposta, podem os prontam ente adm itir que a leitura nas entrelinhas pode ser um exercício perigoso e que o m étodo muitas vezes é objeto de abuso. Devem os ter em mente, porém , que toda leitura de um texto requer um a certa observação das entrelinhas. Como vimos no capítulo 1, a com pre ensão é possível somente dentro da estrutura de um conhecim ento suposto. A breve carta de Paulo aos gálatas teria se tornado um a enciclopédia de inúm e ros volumes se o apóstolo tivesse enunciado cada detalhe que constitui a rede total de conhecim ento relevante à sua m ensagem. Assim, a pergunta não é se devemos ler nas entrelinhas mas como deve m os fazê-lo. C ertam ente, quanto m ais um a in terp retação depende das inferências (e não de declarações explícitas no texto), m enos persuasiva ela é. Se um a reconstrução histórica perturba (em vez de reforçar) o sentido aparen te de um a passagem , precisam os ser céticos em relação a ela. Por outro lado, se um estudioso propõe uma reconstrução que surge do texto em si, e se essa reconstrução por sua vez ajuda a dar sentido a difíceis declarações no texto, não precisam os rejeitá-la com base no fato de ser apenas um a teoria. Um bom critério para avaliar a validade *assim como o valor que uma teoria pode ter para a exegese é fazer esta pergunta: A interpretação de uma passagem particular poderia ser sustentada mesmo se não tivéssem os a teo ria? Um a boa interpretação não deve depender tão fortem ente de inferências que não possam sustentar-se por si próprias sem a ajuda de um a construção 70 G eorge Lyons, P auline A utobiography: Toward a N ew U nderstanding, SB L D S 73 (A tlanta: Scholars Press, 1985), cap. 2. teórica. U m a teoria sobre a situação histórica pode nos ajudar a ficar mais atentos para certas características do texto que poderíam os de outra form a ignorar; mas, em últim a análise, é o texto que deve ser determ inante. Voltemos agora a 1 Coríntios. A teoria sobre a situação histórica contro la nossa leitura do texto, ou o texto em si sugere a teoria? Note que a questão surgiu porque tínham os consciência de um a dificuldade no texto. Ou seja, à prim eira vista, Paulo parece dizer algo que é inconsistente com outros aspec tos de seu ensino. Em segundo lugar, lem bre-se que tem os clara inform ação dos capítulos 5-7 sobre as disputas entre os coríntios quanto ao com porta m ento sexual. A lém disso, o capítulo 7 com eça referindo-se a um a carta que os coríntios enviaram a Paulo, e claramente foi essa carta que levantou a questão do casamento. Podem os dizer, então, que a concepção básica de nossa interpre tação, em bora sugerida por certas inferências históricas, depende prim ariam en te do texto em si, e não de especulação extravagante. Outros aspectos de nossa interpretação podem ser menos certos. M encio namos, por exem plo, que a teoria de que a declaração “é bom para o hom em não tocar em m ulher” pode ter sido um a expressão usada por um a das facções coríntias. Não há como provar que essa teoria esteja certa ou errada. M as observe que a teoria não é de todo essencial para a interpretação. M esm o se essas palavras fossem originais de Paulo, nossa leitura geral da passagem pode ainda ser facilm ente apoiada. Um a boa com preensão do contexto histórico de um docum ento pode ajudar-nos não apenas a lidar com versículos difíceis; pode tam bém aum entar nosso entendim ento sobre um a carta como um todo. Considere a carta de Paulo aos Filipenses. A m aioria dos cristãos fam iliarizados com este livro pensa im ediatam ente na repetida ênfase de Paulo sobre o tem a da alegria assim com o o notável “hino de C risto” em 2.6-11. Essas características, as sim com o a óbvia cordialidade do apóstolo por seus irmãos e irmãs em Filipos, sugere a m uitos leitores que essa igreja era um a congregação-m odelo, talvez sem m uitos problem as. U m a pequena leitura nas entrelinhas, porém , sugere um outro quadro. De fato tem os certa evidência externa de que essa igreja estava localizada na província da M acedônia. Atos 16, por exemplo, conta a fundação da congre gação por Paulo, Silas e Timóteo. Além disso, 2 Coríntios 8.1-5 deixa claro que esses crentes eram m uito pobres e, apesar de sua pobreza, excepcional m ente generosos em apoiar o m inistério de Paulo. Paulo com enta esse m esm o fato em Filipenses, tanto no início da carta (1.5, onde a palavra cooperação quase que certam ente se refere ao seu apoio financeiro) e no fim (4.14-16). Um a leitura cuidadosa de Filipenses 4.10-19 dá-nos a nítida impressão de que os problem as financeiros da congregação tinham se tornado uma preocupa ção crescente. Paulo havia acabado de receber um presente dessa igreja pelas m ãos de seu m ensageiro, Epafrodito (2.25). Conquanto o apóstolo queira ex pressar seus mais profundos agradecim entos por esse presente, ele claram en te deseja evitar a sugestão de que a abundância material é a chave para sua felicidade (observe esp. 4.11 e 17). Ele term ina a passagem assegurando-lhes que Deus atenderá às suas necessidades (v. 19). Tendo observado esses detalhes, outras características da carta com e çam aparecer de um a nova m aneira. Por exem plo, a forte exortação de P au lo para não ficarem ansiosos (4.6,7) provavelm ente estava relacionada às preocupações financeiras deles. Além disso, ao que parece, as num erosas referências à alegria na carta indicam , não que os filipenses eram um grupo alegre, m as exatam ente o oposto. Haviam perdido o seu contentam ento cris tão, e Paulo deve persuadi-los a recobrá-lo! U m a chave para essa recupera ção é poderem entender que a verdadeira alegria não depende do que se tem : “A prendi a viver contente em toda e qualquer situação” (4.11). D eve mos alegrar-nos no Senhor (3.1; 4.4) porque podem os fazer todas as coisas por interm édio dele (4.13). M ais séria ainda, porém , era a presença da dissensão dentro da igreja. A m aior parte dos leitores da Bíblia não im aginava que os filipenses precisavam enfrentar esse tipo de problem a, o que de fato é o caso. As exortações em favor da unidade e hum ildade estão presentes em 2.1-4 por algum a razão. Certos leitores parecem pressupor que Paulo achava que seria agradável falar nesse assunto! Os com entários introdutórios (v. 1) estão cheios de em oção e revelam a profunda preocupação, enquanto a advertência contra o egoísm o (v. 4) está proxim am ente relacionada com aquilo que ele teve de dizer para a mais dividida entre as igrejas prim itivas, a congregação de Corinto (veja IC o 10.24). Paulo até m esm o decide apresentar nomes. N a raiz da dissensão esta va algum a séria discordância entre dois im portantes m em bros, E vódia e Síntique (4.2,3). Com base em Filipenses 2.19-30, além disso, pode-se supor razoavel m ente o que a igreja disse a Paulo na m ensagem que acom panhou seu presen te. “Estam os tendo sérios problem as, Paulo. Precisam os de você aqui. Se você não puder vir, por favor, envie-nos seu amigo querido Timóteo. Você pode ficar com Epafrodito para sua assistência.” E claro que essa possível com uni cação dos filipenses não sobreviveu assim; essa m ensagem é especulativa (outro exem plo de reconstrução histórica) e certam ente não-essencial para a com preensão desses versos. Todavia a passagem, e até mesmo Filipenses como um todo, tom a um novo significado e faz m uito mais sentido quando lemos sob essa luz. De qualquer form a, é fácil ver como nossa percepção de um a carta pode ser aum entada de m odo significativo se fizerm os um esforço para identificar suas origens históricas. Novam ente, deveríam os lem brar que a razão por que somos capazes de entender cartas contem porâneas enviadas a nós é que te mos pleno conhecim ento de sua origem e contexto (e que a razão por que algum as vezes interpretam os mal essas cartas é justam ente causada por algu m a falha em nosso conhecim ento do contexto). Note ainda que tratar as cartas do Novo Testam ento historicam ente é um im portante m étodo para aplicar com sucesso a prim eira parte áeste capítulo, isto é, a necessidade de ler cartas com o docum entos inteiros. Se fizerm os isso, seremos não apenas capazes de apreciar a m ensagem total das cartas; estarem os em m elhor posição para re solver quaisquer problem as interpretativos que possam surgir à nossa frente. Lendo as Cartas do Novo Testamento como Documentos Literários U m a das razões de as cartas do Novo Testam ento serem algum as vezes refe ridas com o epístolas é que parecem mais form ais em caráter do que se espera de um a típica correspondência pessoal. Neste ponto precisam os ter um a vi são equilibrada. Tendo em vista que Paulo escreveu esses docum entos com o apóstolo, devemos m esm o esperar algo mais que alguns rabiscos apressados. O próprio fato de ele ter usado secretários sugere um cuidado especial duran te a redação.71 Em décadas recentes, estudiosos começaram a atribuir m aior reconheci m ento às qualidades literárias das cartas do Novo Testamento. E aparente, por exemplo, que Paulo tinha algum conhecimento das técnicas ensinadas por pro fessores de retórica do mundo antigo. Já a extensão de seus conhecimentos dessa técnica é uma questão aberta para debate. Sem elhantem ente, nem todos os estudiosos concordam sobre se Paulo fez uso consciente dessas técnicas. Podem os continuar insistindo que Paulo não enxergava suas cartas prim aria m ente como obras literárias para publicação geral. Porém, há muito a ser apren dido de estudos atuais sobre o caráter retórico dos documentos bíblicos. N enhum a carta recebeu mais atenção a esse respeito do que a epístola de Paulo aos cristãos da Galácia. O fato em si é sugestivo. Dado o tom altam ente em ocional e urgente dessa carta, não se deveria esperar que fosse um a obra cuidadosam ente elaborada. N a realidade, G álatas tem sido freqüentem ente usada com o evidência de que Paulo podia escrever em estilo “rude” . (Um dos m ais conhecidos exemplos dessa im polidez é Gálatas 2.4,5, que, falando es tritam ente, é um a sentença incom pleta no grego). Ao m esm o tem po, estudio sos reconhecem que o argum ento da carta é disciplinado e bem -elaborado. M as quão literária é essa obra? 71 O bserve esp. Rm 16.22. É geralm ente reconhecido que era dado algum arbítrio ao escrib a (ou am anuense) na escrita d a carta. Podem os com eçar observando alguns itens bastante óbvios sobre a es trutura de Gálatas. Com o faz em suas outras cartas, Paulo com eça esta com um a saudação (“Paulo...: graça e paz...”) e term ina com um a bênção (6.18). A lém disso, podem os identificar um a seção mais longa de introdução à carta (1.1-10) e outra de conclusão (6.11-18). Entre essas duas seções temos o corpo da carta, que, por sua vez, é dividido em diversas seções. A prim eira (1.112.21), em que Paulo p arece defender sua autoridade independente, tem um sabor histórico; a segunda (3.1-4.31) é m ais argum entativa e d o u trin á ria; a terceira (5.1-6.10) é p rim ariam en te exortatória, ou seja, c a ra c te riz a da por e x o rtaçõ es.72 Quando recebem os um a carta de um amigo, não tentam os norm alm ente apresentar um esboço. Por quer deveríam os fazê-lo com as cartas de Paulo? Parte da resposta é que essas cartas são um pouco mais longas (no caso de Rom anos e 1-2 Coríntios, diríamos muito mais longas) do que uma corres pondência pessoal típica; estar atento para os pontos onde ocorrem as m udan ças de tópico pode ajudar a orientar o leitor. M as há uma questão m ais funda m ental aqui. Até m esm o uma carta inform al de um amigo tem um a certa estrutura, quer o escritor tivesse consciência disso ou não. Em alguns casos, para ser claro, o argum ento pode ser um pouco incoerente e não apresentar um esboço inteligível. É sempre verdade, porém , que nossa habilidade para en te n d e r um a carta (ou qualquer outro docum ento) está ligada a quão acuradam ente percebem os sua estrutura. Esse processo de identificação é grandem ente inconsciente, mas, se receberm os um a carta mais longa e com plicada, podem os com eçar a nos perguntar sobre questões estruturais (“E sta ria o advogado falando sobre algo mais neste parágrafo, ou eu perdi a liga ção?”). Quanto mais explícitos form os com respeito a essas questões, mais sensíveis nos tornam os para com a inform ação que o contexto traz. A lém disso, este tipo de estudo fornece os meios para se com parar as várias cartas entre si, a fim de que possam os identificar o que é peculiar a cada um a delas. Ao estudarm os as saudações nas cartas de Paulo, por exem plo, percebem os que a m aioria delas é bastante curta. Apenas duas delas, Rom anos e Gálatas, são expandidas para incluir material substancial. No caso de Gálatas, esse detalhe pode m uito bem ser um a evidência adicional da ur gência com que Paulo escreveu essa carta. E l^ n ão m encionaria logo de início seu título de apóstolo, se não sentisse a necessidade de negar um a das acusa ções que m otivaram a redação da carta, de modo que ele nos assegura: “após tolo - não da parte de hom ens, nem por interm édio de hom em algum , m as por Jesus Cristo e por Deus Pai.” 72 E ste esboço tradicional do corpo de G álatas pode ser. encontrado, com algum as variações m eno res, em m uitos com entários e obras conhecidas. Verem os, porém , que estudiosos recentes têm discutido sobre alguns im portantes detalhes e até m esm o sobre a abordagem geral. A segunda parte da introdução (1.6-10) é até mais interessante. Nesse ponto, em suas outras cartas Paülo sem pre faz seus agradecim entos (ou pro nuncia um a bênção) a Deus pelas pessoas a quem ele estava escrevendo. Aqui, entrentanto, em lugar de com eçar com “Eu agradeço a m eu D eus” , ele excla ma: “Adm ira-m e que estejais passando tão depressa daquele que vos cham ou na graça de Cristo para outro evangelho.” Alguém fam iliarizado com as car tas de Paulo acharia essa obsefvação com pletam ente inesperada, e é o inespe rado que causa m aior im pressão sobre nós. O que é mais im portante, o ato de Paulo divergir dessa m aneira de sua prática nos diz m uito acerca de seu esta do e m otivação ao escrever Gálatas. Até aqui tudo bem. M uito poucas pessoas objetariam este tipo de dis cussão ou o esboço no qual está baseada. M as é possível adm itirm os que Paulo tenha feito uso m aior das técnicas literárias? Há muito tem po foi obser vado que em Gálatas 4.4,5 o apóstolo parece usar um quiasm o, ou seja, um a ordenação de cláusulas em um padrão A -B -B ’-A’: Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, jA} nascido sob a lei, {Bj para resgatar os que estavam sob a lei {B’j afim. de que recebêssemos a adoção de filhos. (A ’} Tomando essa passagem como indicação - assim como mais um a prova de que quiasm os eram usados com freqüência no m undo antigo - um estudioso do Novo Testam ento nos anos 60 pensou ter detectado outro e mais sofistica do quiasm o em G álatas.73 Na realidade, ele propunha que Gálatas com o um todo tratava-se de um im enso quiasm o, com posto de quiasm os secundários, que, por sua vez, eram feitos de quiasm os terciários, e assim por diante. A noção de que Paulo, ou qualquer outra pessoa sã investiria o tem po e o esfor ço para com por esse tipo de escrito sem nenhum benefício aparente (afinal, levou vinte séculos para alguém descobri-lo) foi dem ais para os estudiosos contem porâneos, a m aioria dos quais não foi persuadida por essa teoria. A m aior objeção a ela, porém , é que funciona somente forçando a evidência. Conquanto alguns dos quiasm os propostos pelo autor são intrigantes e pos sam ser válidos, m uitos outros dificilm ente podem ser considerados por meio de um a leitura natural do texto. M ais persuasivo, em bora ainda questionável, é a sugestão de que Gálatas reflete em sua estrutura os princípios retóricos da antiga oratória grega e lati na. Particularm ente influente tem sido a proposta de que Gálatas foi com pos ta com o um a “carta apologética”, com as seguintes seções: 73 John B ligh, Galatians in Greek: A Slructural Analysis ofS t. P a u is Epístle to the Galatians, with Notes on the Greek (D etroit: U niversity o f D etroit Press, 1966). Subseqüentem ente ele escreveu um com entário baseado nessas investigações; veja seu Galatians: A Discussion o f St. P a u is Epístle , H ou seh o ld er C om m entaries 1 (L ondres: St Paul, 1969). Prescrito epistolário, 1.1-5 Exordium (introdução aos fatos), 1.6-11 Narratio (declaração dos fatos), 1.12-2.14 Propositio (resumo do conteúdo legal da narratio), 2.15-21 Probatio (provas ou argumentos), 3.1-4.31 Exhortatio (exortações), 5.1-6.10 Pós-escrito epistolário, 6.11-1874 Alguns estudiosos discutem sobre a identificação precisa de G álatas com o uma carta apologética, outros protestam contra vários detalhes do esboço. M esm o esse esboço cuidadoso não é capaz de considerar todos os fatos (ex.: as exortações não se encaixam em qualquer padrão conhecido em escrita de correspondência formal). M ais fundam ental é a objeção de que o fato de Pau lo usar com tal detalham ento as regras da oratória pareceria inconsistente com seu repúdio à eloqüência de um discurso (1 Co 2.1-5; 2Co 11.6; Cl 2.4). Q uaisquer que sejam os problem as, há um crescente reconhecim ento da necessidade de se analisar as cartas do Novo Testam ento à luz das práticas retóricas antigas. Esse desenvolvim ento na erudição m oderna tem tido algu mas valiosas repercussões, das quais uma das mais im portantes é a renovada apreciação pela integridade e coerência desses docum entos. Um exem plo in teressante é a carta de Paulo aos Filipenses. No passado, alguns estudiosos argum entaram que Filipenses era, na verdade, com posta de duas ou três car tas diferentes. Estudos retóricos recentes, porém , m ostram que esse docu m ento é um todo literário e que as teorias de fragm entação não podem corresponder à sua estrutura. Lendo as Cartas do Novo Testamento Teologicamente M esmo após termos feito um esforço especial para entender as epístolas como documentos inteiros, questionando seu contexto histórico e estrutura literária, ainda nos resta um a tarefa crucial - a interpretação teológica. Na história da moderna erudição bíblica, esta tarefa tem, muitas vezes, sido m inimizada, ig norada ou mesmo rejeitada no todo como algo que está fora da responsabilida de do intérprete. N as décadas recentes, porém , a validade da reflexão teológica tem-se tornado extensamente reconhecida. Visto que as cartas do Novo Testa mento, especialm ente as de Paulo, tratam de questões teológicas de modo mais direto e extenso do que outras partes das Escrituras, as discussões sobre a teolo gia paulina são agora mais numerosas do que grãos de areia na praia. N a realidade, os estudiosos têm diversas idéias sobre o que significa interpretar a Bíblia teologicam ente. Para alguns, parece ser um exercício de 74 H ans D ieter Betz, Galatians: A C om m entary on Paul ’s Letter to the Churches in Galatia, H erm eneia (Filadélfia: Fortress, 1979), pp. 14-25. descobrir “contradições” entre os autores bíblicos (ex.: Paulo versus Tiago), ou m esm o entre dois escritos do m esm o autor (ex.: Rom anos versus Gálatas). No outro extremo, alguns estudiosos conservadores dedicam tanto de sua aten ção às características com uns entre os escritores das Escrituras que a m ensa gem bíblica torna-se irrelevante. Aqui, com o muitas vezes é o caso, é necessário equilíbrio. Por um lado, um com prom isso evangélico com a unidade divina das Escrituras certam ente im plica que devemos interpretar livros individuais dentro do contexto teoló gico total da Bíblia, a fim de que a ligação entre as partes e o todo torne-se tão clara quanto possível. Por outro lado, a sensibilidade para com o caráter hu m ano e histórico das Escrituras nos levará a reconhecer e até m esm o enfatizar a peculiaridade de cada porção. Na realidade, uma das diretrizes herm enêuticas m ais úteis que podem os usar consiste em perguntar a cada escrito: “Por que Deus incluiu este livro no cânon? Qual é a sua contribuição para o ensino total das Escrituras? Qual é o seu lugar na história da revelação?” Quando estudiosos abordam a Bíblia teologicam ente, um tópico m uito com um de discussão é se podem identificar um elem ento unificador no pen sam ento de um escritor. Conseqüentem ente, m uita tinta foi gasta em assuntos com o “o centro da teologia paulina” . Q uer possam os apresentar tal centro ou não - isto é, um núcleo doutrinário que considera tudo o mais que Paulo ensina - é um a questão com a qual não precisam os nos preocupar. Fica claro, todavia, que Paulo prestou atenção a conceitos fundam entais, e se desejarm os interpretar seus escritos com responsabilidade, terem os que considerar com o essas idéias básicas relacionam -se com passagens específicas. No tem po da Reform a Protestante, estudos teológicos procuravam con centrar-se no ensino do apóstolo sobre a justificação individual pela fé e não pelas obras. Hoje em dia, porém , alguns argum entam vigorosam ente que essa com preensão, m otivada pelas experiências pessoais de Lutero, reflete um a distorção de Paulo. Tal crítica é certam ente um a reação extrem ada. Pode-se ainda argum entar persuasivam ente que a doutrina da justificação pela fé fun ciona com o um tipo de rótulo conceituai que ajuda a dar sentido a grande parte do ensino de Paulo. Entretanto, há algum a verdade em toda falsidade, e os estudiosos m odernos apresentam um ponto im portante quando argum en tam que um a questão mais ampla, o relacionam ento entre judeus e gentios, deveria desem penhar um papel mais proem inente em nossa interpretação do ensino de Paulo. M esm o o argum ento de Gálatas 3, tão vital para a doutrina da justifica ção, é m otivado e fortalecido por um a questão m aior e dom inante, a saber: Q uem são os verdadeiros descendentes de Abraão? Poderiam surgir objeções, tendo em vista que a estrutura da epístola de Rom anos é m otivada pela m es ma pergunta. Fazer tal pergunta, todavia, é refletir sobre a natureza da histó ria redentora e desse modo sobre a form a com o Deus cumpriu suas prom es sas. Com o vimos em nossa discussão dos Evangelhos, um aspecto central do ensino de Jesus foi precisam ente o tem a do cum prim ento. Sua declaração de que o reino de Deus tinha vindo im plicava a chegada dos “últim os dias” e nos leva a pensar em sua m ensagem com o tendo um caráter escatológico básico. Não é de causar espanto que alguns estudiosos detectaram um a ênfase sem elhante em outras partes do Novo Testam ento, especialm ente nos escritos de Paulo.75 Na verdade, fica claro que Paulo com preendia a vinda de C risto em particular, sua ressurreição e exaltação - com o a m ais im portante virada na história da redenção. O foco escatológico do ensino de Paulo é algum as vezes m uito explícito, como em 1 Coríntios 10.11, onde ele diz que os cris tãos experim entam “o cum prim ento [lit., o fim] dos tem pos” . M esm o onde não está enunciado, esse tem a p arece fo rn ecer a estrutura p ara a teologia geral de Paulo. Esta perspectiva pode ser m uito útil para corrigir nossa com preensão de passagens específicas. Em Rom anos 1.3,4, por exem plo, em que Paulo parece resum ir a essência do evangelho que prega, ele focaliza Cristo com o aquele que, por um lado, “nasceu da sem ente de Davi segundo a carne” , mas por outro lado “foi determ inado Filho de Deus em poder segundo o Espírito de santidade na ressurreição dos m ortos” (trad. lit.). Tradicionalm ente, essa de claração era com preendida como uma referência às duas naturezas de Cristo, com a palavra carne, indicando sua natureza hum ana, e a palavra espírito a sua natureza divina. A idéia resultante era que, na ressurreição, a divindade de Jesus havia sido dem onstrada. Essa visão reflete-se parcialm ente na NVI: “que, quanto à sua natureza humana era um descendente de Davi, e que, por interm édio do Espírito de santidade fo i declarado com poder para ser o Filho de Deus por sua ressurreição dos m ortos” (itálicos acrescidos). Entretanto, alguns intérpretes recentes, argumentam persuasivamente que a passagem não se refere às duas naturezas (coexistentes) de Cristo, mas, em lugar disso, aos dois estágios (sucessivos) de sua obra m essiânica, ou seja, sua hum ilhação e sua exaltação.76 Em bora Cristo fosse eternam ente divino, o título Filho de Deus provavelm ente refere-se àquilo que Ele se tornou na res surreição, ou seja, o M essias exaltado, vitorioso (o verbo traduzido “declara 15 U m dos escritores m ais recentes a apresentar esse p onto foi G eerhardus Voos, The Pauline Eschatology (G rand R apids: E erdm ans, 1930). A m ais com pleta exposição d essa perspectiva é de H. R idderbos, Paul: An Outline o fH is Theology (G rand Rapids: E erdm ans, 1975). Pelo que segue, cf. a útil discussão em R ichard B. G affin, Jr., The Centrality o fth e Resurrection: A Study in P a u is Soteriology (G rand R apids: Baker, 1978). A lgum m aterial acim a vem de M oisés Silva, “ System atic T heology and the A postle to the G en tiles” (a sair em 77). 16 Veja a extensa discussão em G affin, Centrality, pp. 98-114, e a literatura citada por ele. do” pela N V I tem um a força m uito maior, com o “determinar, estabelecer, apontar”). Os dois estágios de Cristo, portanto, refletem dois períodos dife rentes na história da redenção: o presente tempo mau da carne e o tem po glorioso futuro do Espírito. O próxim o relacionam ento entre o Cristo ressus citado e o Espírito Santo é enfatizado em outras passagens, tais com o R om a nos 8.11; IC o 15.44,45; 2Co 3.17,18. A m aravilhosa verdade contida em Rom anos 1.3,4 e em passagens para lelas, portanto, é que com a ressurreição de Cristo a era futura torna-se uma realidade agora, pelo menos em parte, para aqueles que estão unidos com Cristo nessa ressurreição. Na verdade, no capítulo 6 da m esm a carta, o após tolo indica os cristãos como aqueles que m orreram com Cristo e que já foram ressurretos com ele para um a nova vida. Em razão de o Espírito Santo, que é a essência da era por vir, ter sido dado a nós no prim eiro episódio de nossa herança (cf. Ef. 1.13,14), fomos transportados, em um sentido m uito real, para o céu e nos sentam os lá com Cristo (E f 2.6; Cl 3.1-4; cf. Fp 3.20). Entretanto, não está a “presente era perversa” (G1 1.4) ainda conosco? Paulo não reconhece que os cristãos continuam a viver “na carne” (G1 2.20 lit.; NVI, “no corpo”)? E justam ente aqui que a im portância da m ensagem paulina fica aparente. No pensam ento judaico, “este m undo” deveria term i nar com a inauguração da “era por vir” . Por outro lado, segundo Paulo (e sua visão é refletida em outro lugar no Novo Testam ento), a nova era do Espírito com efeito sobrepõe-se à velha era da carne. Teólogos m uitas vezes falam dessa perspectiva como uma tensão entre o “já e o ainda não” . Em bora Jesus, com sua vinda, tenha instaurado o reino de Deus, e assim já tenha conquista do as forças do inim igo, ainda assim o pecado e a m iséria continuam conosco até a consum ação. Essa verdade tem im plicações abrangentes na m aneira com o interpreta mos o Novo Testamento. Fica claro, por exemplo, que as declarações difíceis de Paulo sobre a lei M osaica devem estar relacionadas à sua com preensão da carne e da m orte. Em bora o apóstolo claram ente entenda a lei com o divina m ente outorgada e, portanto, inerentem ente boa - im plicando que ela tem relevância para o cristão (Rm 7.12; IC o 7.19; G1 5.14) - ainda assim ele afirm a que, na fraqueza da carne, ela tornou-se instrum ento de pecado e m or te (cf Rm 7.8-10; 8.3; IC o 15.56; 2Co 3.6-8). O pacto m osaico foi um acordo tem porário, antecipando a vinda de Cristo (G1 3.23-25). Novam ente, a doutrina da santificação é grandem ente ilum inada pela abordagem escatológica de Paulo. O conflito entre a carne e o Espírito expe rim entado pelos crentes (G1 5.16-26) reflete um a luta não precisam ente entre duas partes de cada indivíduo, mas sim entre duas forças de proporções cós m icas. Todavia, visto que já m orremos para o pecado e não estam os sob a sujeição da lei, mas vivos para Deus, somos assegurados de que o pecado não terá dom ínio sobre nós (Rm 6.14). A luz desta segurança, fica m uito clara a responsabilidade do crente em levar um a vida obediente. Se o pecado foi destronado, sim plesm ente não tem os desculpa quando desobedecem os a D eus. O E sp írito de C risto nos libertou do pecado e da m orte. P odem os aprender a “ m ortificar os feitos do corpo” com o filhos de D eus que são guiados pelo seu E sp írito (Rm 8.13,14). Lendo as Cartas do Novo Testamento como Documentos Autoritados Devem os concluir este capítulo com um breve mas im portante lem brete de que, assim com o o restante das Escrituras, as epístolas vieram a nós do pró prio D eus e, portanto, trazem consigo sua autoridade. Q uando Paulo e s creveu suas cartas, ele o fez com a co nsciência de falar as palavras de D eus (cf. lT s 2.13), e não hesitou em ex ercitar sua autoridade apostólica quando necessário (cf. 2Ts 3.6). Esse ponto precisa ser dem onstrado porque nossa ênfase sobre as cartas com o docum entos históricos poderiam levar a um a dim inuição de sua im por tância com o Escritura. Não é com um ouvir com entários sobre o caráter contextualizado desses livros - deixando implícito que eles podem ter sido relevantes em um dado m om ento num contexto histórico particular, mas não agora. Com o com todo erro, há uma m edida de verdade nessa abordagem . Por exem plo, a m aior parte dos cristãos hoje não crê que seja necessário para as m ulheres cobrir a cabeça em adoração, como 1 Coríntios 11.5 sugere. A razão norm alm ente dada é que Paulo estava provavelm ente tratando de um a prática cultural que é estranha a nós. Sem dúvida, certos m andam entos e prin cípios nas Escrituras (não apenas nas cartas!) são difíceis de ser aplicados hoje; retornarem os a este tópico em capítulo m ais adiante. Não devemos concluir, porém , que esse tipo de dificuldade seja típico. Falando de m aneira geral, um conhecim ento da situação histórica nos ajuda a refinar nossa com preensão dos m andam entos das Escrituras, mas não rem ove sua validade para nós. E necessário haver m uitas razões textuais persuasivas para decidir que um a passagem em particular nas cartas do Novo Testam ento seja tão condicionada historicam ente que não tenha aplicabilidade atual. A fi nal, as Escrituras nos foram dadas com o algo “útil para o ensino, para a repre ensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). U m a surpreendente porção da Bíblia (27%), trata de previ sões acerca do futuro, m esm o que a função da previsão seja um aspecto m enos proem inente entre os profetas do que aquela da proclam ação. Esse tipo de profecia não é “H istória já escrita” , mas apresenta características como inteligibilidade, definição e unidade orgânica. A pesar do aforism o popular de que os “profetas escreviam m ais do que sabiam ” , a com preensão que os próprios profetas tinham de suas profecias é dem onstrada por m eio de sua cons ciência (1) dos resultados de suas palavras; (2) das im plicações de suas profecias; (3) do conhecim ento de coisas que eram h u m anam ente im possíveis de conhecer; e (4) da relação que os acontecim entos e circunstâncias contem porâneas tinham com um a série de acontecim entos futuros. Há três tipos de profecia: condicional, incondicional e seqüencial. Cada profecia deve ser interpretada de acordo com seu tipo para que a análise não se torne confusa. Para expressar o futuro, os profetas usavam term os, aconte cim entos e pessoas do passado. Também empregavam várias ex pressões proféticas para m arcar a presença de um a passagem so bre o futuro. Isso não levava a uma interpretação de “duplo senti do” da profecia, mas sim a um sentido único e com plexo em que o “já cum prido” e o “ainda não cum prido” eram vistos como partes claras de um significado com pleto, ligado, em seu ínterim , a um a série de cum prim entos múltiplos. CAPÍTULO 8 E quanto ao futuro? O SIGNIFICADO DA PROFECIA W a l t e r C . K a is e r , J r . O tópico da profecia com freqüência produz dois tipos de reações extrem as nos leitores e intérpretes: o assunto é totalm ente evitado ou visto com apatia ou então é transform ado em uma brincadeira. Essas duas reações são inade quadas e carecem do equilíbrio que é apresentado no texto bíblico. A profecia é um gênero bíblico mais amplo do que a m aioria das pessoas pensa. M uitos ligam a palavra profecia à idéia de futurologia. M as, em sua grande parte, tanto a profecia dos profetas m ais antigos (Josué, Juizes, Sam uel e Reis), quanto dos profetas mais recentes (Isaías, Jerem ias, Ezequiel, Daniel e os doze profetas m enores) e dos profetas do Novo Testam ento, na verdade envolve os m ensageiros de Deus na proclam ação da palavra do Senhor para a cultura contem porânea que precisava ser mudada, a fim de deixar de resistir à palavra de Deus. Nesse sentido, esses profetas eram “proclam adores” . O aspecto da profecia que é mais difícil de ser interpretado é aquele que trata da previsão. O núm ero de previsões sobre o futuro dentro da B íblia é tão grande em ambos os Testam entos que serve de repreensão silenciosa a qual quer um que hesite em estudar essas previsões. De acordo com os cálculos de J. Barton Payne, há 8.352 versículos que contêm algum tipo de previsão, dentro de um total de 31.124 versículos na Bíblia toda - a surpreendente porção de 27% da B íblia trata de previsões futuras. Payne calculou que o Antigo Testam ento contém 6.641 versículos sobre o futuro (de um total de 23.210 versículos, ou seja, 28,6% ), enquanto o Novo Testam ento apresenta 1.711. (de um total de 7.914, ou seja, 21,6% ) Ao todo, esses 8.352 versículos discutem 737 diferentes tópicos proféticos! Os únicos livros que não contêm previsões são Rute e Cantares no Antigo Testa m ento e 3 João no Novo Testamento. Os outros 62 livros da B íblia aparecem um a ou m ais vezes dentro dos 737 tópicos reunidos por Payne.77 Os livros do Antigo Testam ento com a m ais alta porcentagem de profe cias acerca do futuro são Ezequiel, Jerem ias e Isaías, com respectivam ente 65, 60 e 59% de seu total de versículos. No Novo Testamento, os três prim ei ros são Apocalipse, M ateus e Lucas com 63, 26 e 23% respectivam ente de seu conteúdo total. Assim, fica claro que a profecia sobre o futuro não pode ser vista super ficialm ente, se querem os fazer justiça à B íblia da form a com o Deus quis com pô-la. Q ualquer declaração da Palavra de Deus com o um todo precisa interagir com esses temas proféticos em um a escala relativam ente grande, tendo em vista que aproxim adam ente um quarto dos versículos da B íblia di zem respeito a esse tópico. As Características da Profecia Bíblica As profecias bíblicas têm o seu próprio conjunto de características e aspectos que a distinguem de qualquer im itação. Na virada do século, R obert B. Girdlestone tratou dessa questão, enumerando as seis características seguintes: 1. A profecia bíblica prevê de m aneira clara as coisas que estão por vir, sem envolvê-las em am bigüidades com o faziam os oráculos das na ções pagãs. 2. A profecia bíblica é planejada para ser um a previsão e não um a declaração retrospectiva, um a profecia não-intencional, ou um a adi vinhação que por um acaso acabou acontecendo. 3. Ela é escrita, publicada ou proclam ada antes da ocorrência do acon tecim ento a que se refere e de um modo que não poderia ter sido previsto pela simples sagacidade humana. 4. Ela é cum prida subseqüentem ente, de acordo com as palavras da previsão original. 5. E la não causa o seu cum prim ento, porém m antém -se como testem u nha até que o acontecim ento tenha ocorrido. 6. U m a profecia bíblica não é um a previsão isolada, mas pode estar relacionada a outras profecias, form ando, portanto, um a longa série de previsões.78 77 J. B arton Payne. E ncyclopedia o f B iblical Prophecy: The Com plete G uide to Scriptural Predictions a n d their F ulfillm en t (N ova York: H arper and Row, 1973), pp.631-82. 78 R obert B. G irdlestone. The G ram m ar o f P rophecy: G uide to B ib lica l P rophecy (reed., G rand R apids: K regel, 1955), p .l. É claro que nem todas as profecias encaixam -se em todas as categorias acima. M as, m esm o onde há exceções, elas ainda apresentam o ím peto e o espírito de todas as seis descrições. Agora, exam inarem os em mais detalhes algum as das características da profecia bíblica. INTELIGIBILIDADE U m a expressão popular diz que a profecia é “História já escrita” . Se, literal m ente, isso fosse verdade, a profecia seria tão óbvia e clara quanto escrever História. Mas a profecia possui um certo aspecto enigm ático, até m esm o quan do Deus fez conhecer sua palavra a M oisés em Núm eros 12.6-8. Nesse texto, é dito que M oisés tem duas vantagens claras em relação aos outros profetas que vieram depois dele. Em primeiro lugar, Deus falou diretamente com Moisés (“de sua própria boca, claram ente”), enquanto falou a outros profetas de for ma m enos clara (por exemplo, por enigm as). Em segundo lugar, Deus apare ceu pessoalm ente a M oisés, enquanto ele revelou-se a outros profetas por m eio de sonhos e visões. Esses fatores certam ente m arcam um contraste entre a clareza, facilidade de interpretação e definição daquilo que é observado em Moisés e aquilo que é visto nos outros receptores de profecias da Bíblia. Essa admissão, porém , não deve ser levada ao extrem o de afirm ar que não se pode com preender nada do m aterial profético até que Deus valide a palavra proclam ada por seu servo por meio do cum prim ento da profecia. N or m alm ente, usamos de m aneira equívoca a palavra completam ente quando afir m am os que: “um a profecia não é feita para ser completam ente com preendida antes de seu cum prim ento.” E claro que essa é um a afirm ação verdadeira, m as tam bém redundante. N aturalm ente, a prova está no resultado final. Toda profecia tinha a intenção de com unicar um a com preensão adequa da do futuro para os ouvintes que a recebiam , m esm o que fosse apresentada sob a form a de um enigm a, viesse acom panhada de sím bolos, envolta em uma visão e não fosse com pletam ente clara. Tais observações levam a longas discussões e debates para determ inar se as profecias devem ser entendidas “literalm ente” , “figuradam ente” ou “espiritualm ente” . O que significa um a visão literal? Raym ond Brown a define com o sendo “o sentido que o autor desejava passar e que é transm itido por m eio de suas palavras” .79 A pesar de a profecia, de fato, u'sar mais a linguagem figurada incluindo sím bolos, figuras de linguagem , alegorias e parábolas - do que as narrativas ou a prosa didática, isso não significa que as palavras ou termos usados são menos literais. Deve-se partir do pressuposto de que há um sentido gramati cal, simples e direto antes de se buscar o que está “contido dentro de” ou “encai xa-se em ” ou é “baseado em” alguma outra coisa além do sentido literal. 19 R ay m o n d E. B row n. “T h e L iteral Sense o f Scripture” , in JB C , pp. 601-10. Assim, é preferível procurar entender a profecia em sua form a natural, direta e literal. M as deve-se ter em m ente que “literal” aqui significa que as palavras devem ser com preendidas de acordo com o seu sentido gram atical e filológico normal; aliás, esse é o significado clássico do m étodo de interpre tação gram ático-histórico. Apesar de um a boa parte das palavras ser do tipo figurado, elas não são menos significativas sim plesm ente por serem figuradas pois, ainda assim, o autor queria dizer algum a coisa ao usar essas palavras. A questão do cham ado “sentido espiritual” é m uito mais com plexa. Esse sentido norm alm ente não é determ inado de m aneira explícita por m eio das intenções do autor ou pelo fato de a linguagem figurada ser usada nas profe cias. É com um dizer que esse sentido está nas entrelinhas e que não é identificável pela gram ática do versículo em si. Sob um outro ponto de vista, ele é prim eiram ente identificável no Novo Testamento e depois revisado como um novo valor dado a uma antiga leitura. Nesse sentido, portanto, tais releituras de antigos valores surgem de pressuposições que a pessoa trouxe para dentro da passagem baseando-se em suas próprias referências teológicas. (O proble ma, entretanto, não está no fato de que o intérprete possui um a série de pres suposições, ou em sua “espiral herm enêutica” . Devem os adm itir que todos nós tom am os um texto como produto de nossas origens, experiências e enten dimentos anteriores. E preciso que testemos essas pressuposições usando como referência a essência das Escrituras como um todo e, particularm ente, as evi dências da passagem que está sendo exam inada.) Um a questão apresenta-se aqui: “E possível que o significado antigo das palavras pretendido pelos autores do Antigo Testamento dentro de um conjunto de valores, adquira um novo conjunto de valores sem que a intenção original seja distorcida?” Um a questão-chave que divide os intérpretes em diferentes escolas de pensamentos é a form a como o termo “Israel” é usado no texto do Antigo Testamento. Tendo em vista estar claro nas Escrituras que existe apenas um “povo de Deus” , alguns chegaram à conclusão de que a palavra “Igreja” pode ser substituída em algumas importantes profecias do Antigo Testamento sobre o futuro de “Israel” . A explicação para essa substituição norm alm ente afirma que ela é um progresso da revelação e da unidade do povo de Deus aqui mencionada. Mas, a não ser que essa identificação possa ser localizada dentro do próprio Antigo Testamento essa interpretação seria um caso de eisegese, ou seja, forçar um sentido (neste caso, adquirido pelo Novo Testamento com o um todo) sobre um texto antigo (no Antigo Testamento). Aqueles que querem defender tal “sentido espiritual” podem acabar lançan do mão do que é chamado de analogia da fé - um método que aplica percepções da teologia sistemática na prática da exegese. Alguns, entretanto, argumentam contra tal prática, procurando basear a exegese o máximo possível apenas nas conclusões que são apoiadas pela análise de determinados textos. Em resposta a essas afirmações, aqueles que defendem o uso da “analo gia da fé” argum entam que é apropriado ler nas entrelinhas do Antigo Testa mento, tendo em vista que o autor de ambos os Testam entos é o m esm o Deus - e de que é ele que continua acrescentando às suas próprias revelações no processo de nos dar os dois Testamentos. Tratarem os mais desse assunto no capítulo 11 mas, por ora, observem os que tanto a “revelação progressiva” quanto a “analogia da fé” devem ser definidas com mais precisão se deseja mos refletir o que a igreja quer dizer com esses termos. A revelação progres siva tem um aspecto orgânico em que o gérm en contido nas prim eiras m en ções de um tem a continua ao longo do desenvolvim ento desse tem a sob a form a da m esm a idéia seminal, tom ando porém uma form a m ais desenvolvi da na revelação posterior. A analogia da fé, portanto, não estabelece significa dos adicionais mas reúne aqueles que já estavam presentes sob um a form a seminal ou rudim entar e passa a expressá-los de m aneira m ais plena pela exegese m ais com pleta da revelação progressiva.80 CLAREZA N osso Senhor nos advertiu que, ao contrário do caso de M oisés, haveria um a certa opacidade ou um a qualidade enigm ática ligada ao que os outros profe tas tinham a dizer. Isso não ocorre devido a um a falta de precisão da parte desses profetas ou do Revelador divino. Na realidade, tem a ver com coisas tais com o a “perspectiva profética”, “solidariedade corporativa” e a m istura de aspectos tem porais com o o “aqui e agora” com as revelações do tipo “já ocorrida” e “ainda não ocorrida” , que são encontradas nesse gênero de literatura. A “perspectiva profética” aparece com certa freqüência nos profetas do Antigo Testam ento. E um fenôm eno que m escla tanto os aspectos próxim os quanto distantes da previsão em um a única visão. Assim, Joel prediz que, de acordo com a reação do povo ao cham ado ao arrependim ento, Deus poderia reverter a devastação trazida pela praga de gafanhotos - a m anifestação do D ia do Senhor daquela época - m andando (derram ando) chuvas im ediata m ente (J1 2.23). Porém , ele “derram aria” tam bém o Espírito Santo de form a que viria a afetar a todos (versículos 28,29). Esse segundo aspecto realizou-se mais tard e -p a rc ia lm e n te , no Pentecoste (At 2.16). Essa profecia ainda espera um cumprimento pleno na segunda vinda de Cristo (J1 2.30,31). 80 Sobre este assunto, ver H. S. Curr, “ Progresive R evelation” , J T V I 83 (1951): 1-23; D. L. Braker, “P rogressive R evelation” , em Two Testaments, One Bible (D ow ners G rove: InterV arsity, 1976), pp. 76-87; Jam es I. Packer, “An E vangelical View o f Progressive R evelation” , em Evangelical Roots: A Tribute to Wilbur Smith, org. por K enneth S. K antzer (N ashville: N elson, 1978), pp. 143-58; W alter C. K aiser, Jr., “P rogressive R evelation” , em Toward Old Testament Ethics (G rand Rapids: Z ondervan, 1983), pp. 60-64. Ver tam bém Frederic G ardiner, “T he P rogressive C haracter o f R evelation” , em The Old and New Testaments in the M utual Relations (N ova York: Pott, 1885), pp. 28-61. Eis um dos aspectos da profecia que aum enta a dificuldade de interpre tação. Alguns referem -se a esse fenôm eno com o um resum o profético. A ilus tração com um é do pico de duas m ontanhas distantes que não perm item ao observador definir qual é a distância entre eles. Da m esm a form a, os intérpre tes que olham ao longo do corredor do tem po tendem a ver acontecim entos que vieram m ais tarde ligados ao contexto original. Os profetas do Antigo Testam ento costum avam ver a prim eira vinda de Cristo m esclando-se com acontecim entos ligados à sua segunda vinda. U m a outra form a de ilustrar essa m istura dos aspectos próxim os da pro fecia com os distantes é a im agem de um profeta olhando pela m ira de um revólver. A m ira mais próxim a ao olho alinha-se com a m ira do outro lado do cano da arm a; exatam ente da m esm a form a, o profeta está consciente do cum prim ento próxim o e da form a com o ele fará parte do cum prim ento final. Po rém , o intérprete deve cuidar para observar que, m esm o havendo m últiplos cum prim entos da profecia, na mente do profeta eles estão ligados a um único sentido e significado, tendo em vista que os cum prim entos fazem parte da unidade orgânica e do todo ao qual pertence cada acontecim ento futuro. Essa visão da profecia é conhecida com o o início da escatologia form al e tem um aspecto de “já cum prida” e de “ainda não cum prida” encontrado em m uitas das previsões tanto no Antigo como no Novo Testam ento. De acordo com essa visão, m uitos anticristos já vieram, alguns estão em cena no m o m ento, m as a aparição do anticristo final acontecerá no fim dos tem pos como afirm am várias passagens, em especial 1 João 2.18. Isso com para-se bem com o 1 João 4.3: “ ... este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentem ente, já está no mundo.” Da m esm a form a, o profeta Elias já havia m inistrado mas ainda iria voltar, mas João Batista tam bém tinha vindo “no espírito e poder de E lias” (Lc 1.17). A inda assim, Deus mais um a vez enviaria “o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor” (Ml 4.5). Jesus, é claro, confir m ou essa m esm a visão quando pregou em M ateus 11.14 que “se o quereis reconhecer [João Batista], ele m esm o é Elias, que estava para vir” . M ais tar de, em M ateus 17.11 Jesus acrescentou: “De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém , vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram ; antes, fizeram com ele tudo o quanto quiseram .” D iante disso, poderia pare cer que Jesus havia respondido ao m esm o tem po sim e não. João Batista foi o cum prim ento da prom essa de que Elias viria antes do grande Dia do Senhor, porém , ele só veio no “espírito” e “poder” de Elias. Jesus adm oestou que, se você for capaz de recebê-lo, ainda haveria uma vinda futura de Elias. Quem seria essa pessoa e de que form a isso aconteceria foram questões não soluci onadas por revelações posteriores. M as fica claro que a profecia possui tanto um aspecto de “já cum prida” com o de “ainda não cum prida” . Assim, não é de se adm irar que tantos tenham dificuldade em decidir quão clara é a palavra profética, tendo em vista que ela possui um núm ero com plexo de cum prim entos, m esm o que esses m últiplos cum prim entos este jam organicam ente relacionados e tenham um sentido unificado. A m elhor m aneira de descrever essa unidade é ilustrada pela linhagem m essiânica. Cada filho nascido na linhagem de Abraão e Davi foi um verdadeiro cum prim ento, um a antecipação do clím ax do cum prim ento que viria a se realizar no fim da linhagem . Cada um teve a função de proclam ador de Deus e de evidência tangível dentro da História de que a palavra de Deus sobre a prim eira e a segunda vinda do M essias era e continua sendo confiável. Ao longo desse tem po, cada filho apontava para Aquele que iria incorporar tudo aquilo que foram os m em bros da linhagem e m uito m ais. E aqui entra na discussão o conceito de “so lidariedade co rp o rativ a” , pois cada um dentro da lin h a gem de D avi era um a parte do Todo (que estava por vir) e dos m uitos (na linhagem da “S em ente”). UNIDADE ORGÂNICA Com freqüência, o padrão da revelação bíblica com eça apresentando um dos grandes tópicos da profecia de m aneira ampla e claram ente delineada, dei xando por conta de revelações subseqüentes expandir e desenvolver o tema. Essa interdependência das discussões proféticas dentro do texto bíblico tor na-se extrem am ente im portante para o intérprete; não podem os supor que cada previsão é um a unidade isolada. Raram ente esse é o caso! As profecias sobre Cristo com eçam sob form a germinal em Gênesis 3.15. M as elas continuam , reaparecendo com Noé (9.26,27), Abraão (12.3; 15.2-8; 18.18) e todos os patriarcas ao longo da linhagem de Davi. Da m esm a form a, o oráculo de B alaão (Nm 24.17-24) contém o germe profético de m uitas pro fecias que foram feitas mais tarde sobre as mesmas nações que haviam se posicionado contra o povo de Deus (ver exem plos em Am 1-2; Is 13-23; Jr 4651 e E z 25-32). Algumas vezes, o mesmo profeta repetia uma profecia semelhante sobre o m esmo assunto. Dessa forma, o profeta Daniel repetiu a questão do destino dos quatro impérios mundiais oposta à vinda do reino de Deus, sob a liderança do Filho do Hom em , em Daniel 7 assim como efe já havia citado no capítulo 2. Mas, Daniel 2 trata dos aspectos externos dessas potências mundiais, enquanto o capítulo 7 as observa do ponto de vista de seus aspectos internos. Assim tam bém, o carneiro de dois chifres e o bode de Daniel 8 são uma repetição do segundo e do terceiro império mundial de Daniel 2 e 7 (conforme a visão que Daniel recebe em 8.20,21). A compreensão que os profetas possuíam de suas próprias profecias U m a das respostas mais com uns à pergunta sobre qual era a com preensão que os profetas tinham de suas próprias profecias é a que diz que: “os profetas escreviam m ais do que sabiam.” Ao contrário desse aforism o repetido tantas vezes, os profetas com preendiam aquilo que estavam pregando e escrevendo. Isso não quer dizer que sua cognição era com pleta no que diz respeito a tudo o que registravam ou que sabiam de todas as im plicações de seus escritos. O tem po e a m aneira exata nos quais Deus iria cum prir suas prom essas para o futuro m uitas vezes eram tão desconhecidos para esses profetas quanto o são para nós. N ão pregavam, porém , palavras que não tinha sentido para eles e que nós, os intérpretes m odernos pudem os pela prim eira vez com preender à luz do Novo Testamento. Deus não inspirava os autores das Escrituras sim plesm ente ignorando a capacidade racional deles. Há quatro im plicações re lacionadas às evidências de que os profetas com preendiam suas m ensagens.81 Os profetas estavam conscientes dos resultados de suas profecias Jonas tinha tanta consciência daquilo que Deus requeria para ele que fugiu na direção contrária. Ele não queria que sua pregação fosse um a oportunidade de arrependim ento para um povo que tivera um relacionam ento tão sangrento e cruel com a sua própria nação (Jn 4.3). Da m esm a form a, M icaías sabia m uito bem que o rei Acabe iria se opor à sua profecia e, assim, a princípio ele profetizou de form a irônica e confusa (lR s 22.15b). A lém disso, ele tam bém sabia o que iria acontecer com os falsos profetas do grupo de Zedequias (versículo 25: eles iriam se esconder “de câm ara em câm ara”) e o que iria ocorrer ao rei Acabe na batalha sobre a qual ele buscava a orientação divina antes de lutar (versículo 28: ele não retornaria em segurança). OS PROFETAS ESTAVAM CONSCIENTES DAS IMPLICAÇÕES DE SUAS PROFECIAS Quando o profeta Amós recebeu as visões de que Deus m andaria a praga de gafanhotos e de fogo que consum iria tudo, ele apresentou objeções e suplicou a Deus que voltasse atrás (Am 7.1-6). Com o poderia Amós ter orado na fun ção de intercessor, se não fazia idéia do que significavam as duas visões? Jerem ias, por outro lado, foi proibido por Deus de interceder pelo povo em oração a favor de Judá, uma vez que Judá tinha ido longe dem ais (Jr 7.16; 11.14; 14.11). Não era mais um a questão de cum prim ento condicional da profecia caso o povo não se arrependesse; a palavra de Deus m encionou o que aconteceria de qualquer m aneira. E Jerem ias tam bém sabia! 81 E ssa d iscussão está am plam ente baseada no estudo bastante apropriado feito por D ouglas Stuart, “T he O ld Testam ent P rophets’ Self-U nderstanding o f T heir Prophecy”, Them elios 6 (1980): 9-14. OS PROFETAS RECEBIAM MENSAGENS DE COISAS QUE ERAM HUMANAMENTE IMPOSSÍ VEIS DE SABER Em diversas ocasiões Eliseu advertiu o rei de Israel para que estivesse prepa rado em um determ inado lugar (como, por exem plo, em 2 Reis 6.9). Aliás, Eliseu disse ao rei israelita as “exatas palavras” proferidas pelo rei da Síria em seu quarto (versículo 12b). Tais incidentes m ostram claram ente o que significava ser um recipiente de revelações. Esses profetas não apenas fala vam de segredos do quarto de dorm ir do inim igo, como tam bém eram trans portados por m eio de visões para observar o que estava acontecendo a quilô m etros de distância. Foi dessa m aneira que Ezequiel recebeu a visão daquilo que se passava em Jerusalém enquanto estava na Babilônia, a quase dois mil quilômetros de lá (Ez 8.3b-11.25). Assim, em lugar de estarem confusos, os pro fetas falavam com precisão, noção de detalhes e compreensão inigualáveis. OS PROFETAS RELACIONAVAM SUAS PROFECIAS A ACONTECIMENTOS E CIRCUNSTÂNCIAS DE SUA ÉPOCA N ão se poderia esperar que um a predição sobre um futuro distante com pouca relação com o presente fosse de interesse para os ouvintes do profeta ou tives se qualquer im pacto prático ou pessoal na vida do povo. E por essa razão que as profecias estavam enraizadas em determ inados acontecim entos contem po râneos. Em alguns casos, Deus prim eiro explicava o que ia fazer antes que o profeta passasse a m ensagem adiante para o seu público (Ez 14.2-11; Daniel 7.16-28; 12.8-10). O Senhor assegurou a Am ós de que não faria “coisa algu m a, sem prim eiro revelar os seu segredo aos seus servos, os profetas” (Am 3.7). A resposta de Am ós foi: “Falou o Senhor, quem não p ro fetizará?” (versículo 8). Havia um imperativo divino sobre a profecia uma vez que Deus havia falado e essa obrigação não era cum prida, enquanto os contem porâneos do profeta não tivessem um a chance de responder a essa m ensagem. C ertam ente está claro que os profetas escreviam apenas o que lhes era ordenado por Deus. Em cada caso, porém , possuíam um a com preensão do que estavam escrevendo, o que era adequado o suficiente para perceberem as im plicações e os resultados daquilo que estavam dizendo. Princípios para a interpretação profética * G irdlestone adverte que “não há um a estrada perfeita para o estudo c ie n tífico da p ro fe c ia ” .82 Duas razões im portantes para tal conclusão en co n tram -se no caráter enigm ático de grande parte do m aterial p rofético e na enorm e q u antidade de m aterial b íblico que existe em praticam en te todos os tópicos proféticos. 82 G irdlestone, G ram m ar o f Prophecy, p. 104. As seguintes diretrizes são dadas para ajudar o intérprete a navegar nas difíceis águas da profecia. Em m uitos casos, quando não existem problem as e sp e c ífic o s (por c a u sa da au sên c ia de sím b o lo s, tip o s ou lin g u a g e m apocalíptica), o intérprete pode geralm ente proceder como faria com um a passagem em form a de prosa. Porém , em muito do m aterial profético, um a ou m ais das quatro diretrizes a seguir devem ser levadas em consideração. PRO FECIAS INCONDICIONAIS D EVEM SER DISTINGUIDAS DE PRO FECIAS CONDICIO NAIS E SEQ ÜENCIAIS As profecias da Bíblia podem ser classificadas tom ando-se com o base seu cum prim ento: condicional, incondicional ou seqüencial. Esses três tipos apa recem com relativa regularidade e são acom panhados de indicadores no texto que ajudam o leitor ou intérprete a distinguir entre eles. P r o f e c i a i n c o n d i c i o n a l . A lista de profecias incondicionais não é m uito longa, mas elas ocupam algum as das posições mais cruciais na história da redenção. Essas prom essas são unilaterais no sentido de que não dependem de form a alguma da obediência ou comprom etim ento humanos para que ocorra seu cum prim ento. Estão norm alm ente ligadas à aliança. A aliança incondicional em Gênesis 15, na qual Deus de m aneira cerim o nial passou entre as carcaças dispostas para a cerimônia, é significativa. Em tais cerimônias, era costume cortar os animais sacrificiais ao meio e colocá-los de m aneira a form ar um corredor ao longo do qual passavam aqueles que estavam fazendo a aliança. Se uma das pessoas que havia passado pelo corredor não cum prisse com sua parte na promessa que havia jurado manter, sua vida teria o m esm o destino daquela dos animais que formavam o corredor (Jr 34.13). Tendo em m ente esse contexto, podemos então com preender por que Gênesis 15.9-21 é tão significativo para a aliança com Abraão. Deus, m ostra do com o um a tocha de fogo que passa por entre as carcaças dos anim ais, prom eteu sua aliança com Abraão, mas o próprio Abraão não passou pelo corredor.83 Foi isso que tornou a aliança unilateral e, portanto, incondicional da parte de Deus. O utras alianças incondicionais são: a aliança de Deus em relação às estações do ano (Gn 8.21,22); a prom essa de D eus de um a dinastia, reino e dom ínio para Davi e seus descendentes (2Sm 7.8-16); a prom essa de Deus de um a Nova A liança (Jr 31.31-34); e a prom essa de D eus de novos céus e nova terra (Is 65.17-19; 66.22-24). Essas prom essas estão relacionadas à nossa salvação por m eio da sem ente de A braão e Davi e da Nova A liança, 83 A lguns protestam veem entem ente c o n tra a visão de que a aliança com A braão foi incondicional. Para um a exploração m ais com pleta do problem a, ju n tam en te com um a b ib lio g rafia e um a res p o sta m ais detalhada, ver W alter C. Kaiser, Jr. Toward R ediscovering the O ld Testam ent (G rand R apids: Z ondervan, 1987), pp. 149-55. juntam ente com o trabalho de Deus de m anter as estações e restaurar os novos céus e nova terra. P r o f e c i a c o n d i c i o n a l . A m aior parte das profecias do Antigo Testam ento é condicional. Quase todas essas previsões são baseadas em Levítico 26 ou Deuteronôm io 28-32. Esses dois textos enum eram as conseqüências específi cas que resultam da obediência ou desobediência à palavra de D eus. Os dezesseis profetas literários do Antigo Testam ento citam ou fazem alusão a esses dois textos centenas de vezes.84 A característica mais m arcante dessas profecias é que cada um a tem um “se” ou de um “a m enos que” , quer ele apareça de form a explícita ou, mais freqüentem ente, im plícita. Assim, no caso de Jonas, não havia um a prom essa explícita de que, se o povo se arrependesse, seria poupado da calam idade que Jonas havia am eaçado que sobreviria em quarenta dias. Entretanto, a suposi ção de que Jonas sabia que tal cancelam ento da punição era possível, caso houvesse um inesperado arrependim ento, pode explicar sua profunda relu tância em proclam ar a declaração divina de julgam ento. Se o fim estava pró xim o, então por que Jonas não havia se deleitado em anunciar o súbito exter m ínio de seus inim igos? É provável que Jonas soubesse e contasse com o fato de que tudo m udaria em relação à destruição de Nínive, se o povo de repente resolvesse arrepender-se de seus pecados. O m esm o tam bém acontece com todas as outras declarações de bênçãos ou julgam ento. Jerem ias 18.7-10 identifica explicitam ente o aspecto condicional que muitas vezes aparece implícito, ao colocá-lo na form a de um princípio geral: No momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também, eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe. E, no momento em que eu falar acerca de uma nação ou reino, para o edificar e plantar, se ele fizer o que é mau perante mim e não der ouvidos à minha voz, então, me arrependerei do bem que hou vera dito lhe faria. Esse princípio é o cerne de todas as profecias condicionais. Levítico 26 e Deuteronôm io 28-32 listam alguns tipos m ais com uns de bênçãos e julgam entos que serão recebidos, dependendo da atitude de um a nação ou pessoa. 1 Reis 21.20-24 deixa claro cjue aquilo que é dito sobre as nações tam bém vale para as pessoas. Quando o rei Acabe arrependeu-se, Deus reverteu suas palavras sombrias e declarou que o julgam ento que havia am e açado não aconteceria nos dias de Acabe, tendo em vista que ele havia se hum ilhado diante da palavra de Deus. u Ver. por exem plo, D ouglas Stuart, H osea-Jonah, W B C 31 (W aco, TX : W ord, 1987), pp. xxxiixlii, que d á um resum o das citações dessas d uas passagens nos cinco prim eiros profetas m enores. S tuart encontrou 27 tipos de m aldições e dez tipos de bênçãos de restauração. P r o f e c i a s e q ü e n c i a l . Este terceiro tipo de profecia é m uito parecido com as profecias do tipo “já cum prida” ou “ainda não cum prida” que discutim os anteriorm ente. As previsões contidas nessas profecias colocam vários even tos juntos em um a única previsão, m esm o que venham a ser cum pridos num a seqüência e num a série de acontecim entos que podem se estender ao longo de vários séculos. , Diversas profecias dessa categoria já foram usadas por pessoas que não sim patizam com o ponto de vista da Bíblia para provar que m uitas das previ sões bíblicas nunca se cum priram , ou pelo menos não da m aneira com o o texto afirm ava que se cum pririam . N orm alm ente essa lista inclui: 1. A profecia da destruição de Tiro por N abucodonosor (Ez 26.7-14; 29.17-20). 2. A profecia de Elias contra o rei Acabe por ele ter assassinado Nabote (lR s 21.17-29). 3. A profecia de Isaías sobre a destruição de Dam asco (Is 17.1). A profecia de Ezequiel 26.7-14 pode ser tom ada com o um caso típico. E preciso que se observe que Ezequiel 26.3 declara que o Senhor “traria muitas nações” contra Tiro. E, de fato, Nabucodonosor, com o rei da Babilônia, é especificado no versículo 7 como sendo uma dessas muitas nações. O que a m aioria dos intérpretes não observa é que o versículo 12 apresenta um a m u dança súbita no pronom e, passando da form a singular vista nos versículos 811 (“ele”) para o plural no versículo 12 (“eles”). Quando juntam os isso com o term o “m uitas nações” do versículo 13, fica claro que estam os lidando com um a profecia seqüencial. A H istória confirm a essa interpretação. Depois de sitiar Tiro durante treze anos (aproxim adam ente entre 586-573 a.C.), Nabucodonosor só foi ca paz de em purrar a cidade de Tiro da costa cananéia para um a ilha dois quilô m etros para dentro do mar. Até m esm o Ezequiel 29.18, o m esm o contexto em que havia sido feita a previsão sobre o papel de N abucodonosor na queda de Tiro, reconheceu a frustração do rei por não ser capaz de conquistar Tiro. Centenas de anos mais tarde, o m acedônio Alexandre o Grande apareceu e ele tam bém quase se frustrou com sua tentativa de ir contra as forças fenícias de Tiro no m eio em que os fenícios sentiam -se em casa - o mar. Entretanto, de acordo com o que havia sido previsto pela profecia de Ezequiel, por volta de 323 a.C., Alexandre o Grande rem oveu “os muros, as pedras e o pó” (26.12) da velha e abandonada cidade à beira-m ar e literalm ente os lançou “no m eio das águas” a fim de construir um a ligação com a ilha sobre a qual estava a nova cidade de Tiro, que ele acabou tom ando com facilidade. Som ente esse tipo de tratam ento do texto encaixa-se na explicação do term o “m uitas na ções” e ilustra quais são as im plicações de um a profecia seqüencial. M as observe que o texto contém indicações que perm item o seu entendim ento. N ossa interpretação não foi im posta sobre o texto só porque sabíam os qual seria o seu cum prim ento.85 TERMOS EMPRESTADOS DA HISTÓRIA PASSADA DE ISR A E L PODEM SER USADOS PARA EXPRESSAR O FUTURO Poucas características da profecia são m ais com uns do que a expressão do futuro em term os que são tom ados em prestados do passado histórico de Israel. Tendo em vista que o autor e seu público obviam ente não haviam experim entado o futuro, com o o profeta poderia falar desse futuro de form a significativa, a m enos que usasse analogias para referir-se a ele? A lém dis so, os m étodos de D eus agir apresentam um padrão constante entre si tom ar em prestado do passado para nos ajudar a conceitualizar o futuro é a form a m ais lógica e natural de proceder. A lguns exem plos de term os usados para retratar o futuro são: 1. Criação. Os term os e conceitos de Gênesis 1-2 reaparecem no retra to de novos céus e nova terra em Isaías 65.17 e 66.22. 2. Paraíso. O Jardim do Éden é usado para ter idéia da futura situação paradisíaca da árvore da vida, com rios fluindo dela conform e apa rece em Isaías 51.3; Zacarias 1.17 e A pocalipse 2.7. 3. O dilúvio. Os dias de Noé e a form a como as pessoas continuavam vivendo do m esm o jeito, apesar de estarem diante de um desastre em Gênesis 6-8, serve de analogia de como serão os dias no tem po da v id a do F ilh o do H om em (M t 2 4 .3 7 -3 9 ). A té m esm o os escarnecedores daquele tem po são usados com o m odelos do dia escatológico vindouro (2Pe 3.3-7). 4. A destruição de Sodoma e Gomorra. O que Deus fez com as cinco cidades da planície em Gênesis 18-19 e Deuteronôm io 29.23 ele tam bém fará com os perversos num dia vindouro, de acordo com 2 Pedro 2.6; M ateus 10.15; 11.24; Apocalipse 14.10,11 e 19.20. 5. O êxodo. A ssim com o D eus tom ou seu povo p ela m ão nos dias do Faraó, ele o fará um a segunda vez quando ele voltar (Is 11.12 e Zc 10.10,11). 6. A experiência no deserto. A presença do pilar de nuvem e fogo, juntam ente com as fontes no deserto servem de indicadores sobre com o Deus irá agir no dia em que vier novam ente (Is 4.5, 35). 85 Para u m a discussão e outros exem plos sobre profecias seqüenciais, ver W alter C. K aiser, Jr., B ack Tow ard the Future: H in ts f o r Interpreting B ib lica l P rophecy (G rand R apids: B aker, 1989), pp. 37-40. 7. O pecado de A cã e o Vale de Acor. Aquilo que não havia passado de problem as para Israel por causa do pecado de Acã um dia se tornará um a “porta de esperança” (Os 2.15).86 A lém dos acontecim entos passados servirem de m odelo para expressar o futuro, da m esm a form a o texto utiliza personalidades históricas para carac terizar algum as pessoas que estão por vir. Elias, Josué, Zorobabel e Davi, por exem plo, são usados para nos ajudar a criar conceitos sobre com o serão as pessoas que no futuro irão tom ar o seu lugar (M t 11.14; Ag 2; Zc 3-4, 6 e 2Sm 7, lC r 17; SI 89 e 132). Um a boa ilustração desse uso do passado para retratar o futuro pode ser encontrada em Ageu 2.21-22: Fala a Zorobabel, governador de Judá: Farei abalar o céu e a terra; derribarei o trono dos reinos e destruirei a força dos reinos das nações; destruirei o carro e os que andam nele; os cavalos e os seus cavaleiros cairão, um pela espada do outro. H á pelo m enos três alusões históricas que podem ser encontradas nesse tex to sobre o que D eus fez no passado e que serve de base para com preender o que ele fará no futuro: (1) assim com o ele destruiu Sodom a e G om orra (D euteronôm io 29.23), assim ele “derribará” o trono dos reinos “naquele dia” (Ag 2.23); (2) assim com o “os cavalos e os cavaleiros caíram ” no m ar Verm elho (Êx 15.1, 5), assim tam bém os inim igos do M essias serão con quistados “ n aq u ele d ia” ; e (3) de m an eira sem elh an te à g ran d e c o n q u is ta de G id eão , em que cada hom em m atou o seu p ró p rio irm ão p e la e s p a da no cam po do in im igo (Jz 7.22), assim tam b ém será a v itó ria de D eus “ n aq u ele d ia ” . D essa form a, podem os e n te n d e r até certo p o n to coisas que nenhum de nós ainda ex p e rim e n to u , tendo em vista que esses a c o n tec im e n to s ainda não oco rreram . EXPRESSÕ ES PROFÉTICAS QUE SE R E P E T E M MARCAM A PRESENÇA D E PASSAGENS PROFÉTICAS N os casos em que um intérprete não está certo se um a passagem pode ser entendida com o profecia, é de grande ajuda tom ar com o referência algum as das principais expressões usadas com mais freqüência nas profecias. A m aior parte dessas expressões aparece com tanta freqüência que acabou tornandose um conjunto de term os técnicos para os conceitos que elas representam .87 86 P ara um a discussão m ais com pleta desse uso do passado para descrever o futuro, ver G irdlestone, G ram m ar o f P rophecy, pp.66-75. Ver tam bém Kaiser, B ack Towarcl the Future, pp. 51 -60. 87 O conteúdo principal dessa seção vem de G irdlestone, G ram m ar o f Prophecy, capítulo 8, “Recurrent P rophecy F orm ulae” A lista abaixo contém algum as dessas expressões: 1. N os dias vindouros ou nos últim os dias. Essa expressão refere-se ao período de tem po introduzido em conjunto com a série de acon tecim entos relacionados à segunda vinda de nosso Senhor. Os p ri m eiros exem plos dessas expressões aparecem na bênção de Jacó sobre seus filhos (Gn 49.1) e nas previsões de B alaão (Nm 24.14). O uso que os profetas fazem do term o refere-se ao tem po da res tauração (Is 2.2; Jr 49.39; M q 4.1; Os 3.5). Em João 6.39, 40, 44, 54 a expressão últim os dias é usada para o tem po de ressurreição dos crentes. 2. O dia do Senhor. Não se trata aqui de um período de 24 horas, mas de um conjunto de acontecim entos que precedem e incluem o se gundo advento de Cristo, durante o qual Deus trará o julgam ento e a salvação. Proclam ações desse dia podem ser encontradas ao longo de toda a história profética, mas o dia ainda está “próxim o” e não foi revelado. A m enção clássica desse dia pode ser encontrada em Amós 5.18. E possível que a prim eira referência esteja em Êxodo 32.34, “no dia da m inha visitação” . O term o aparece com freqüência nos profetas (com o por exemplo, J1 1.15; 2.1; 3.14; Is 13.6; Ez 30.3, Sf 1.7, 14). Algumas vezes o termo é usado simplesmente como “na quele dia” (Am 8.3, 9, 13; 9.11). 3. A vinda do Senhor. O livro de Judas (versículo 14) afirm a que desde a era pré-patriarcal, E noque esperava a nova vinda do Se nhor. Esse segundo advento é m encionado com o um a epifania, um nascim ento, um a form a de m anifestação do Senhor. Cristo voltará à terra para punir (Is 26.21), para salvar (Is 40.10), para ir ao seu tem plo (Ml 3.1) e para visitar Sião (Is 59.20). Ele o fará “subita m ente” (Ap 3.11; 22.7, 20) com o um relâm pago ou de m aneira sem elhante a um ladrão (lT s 5.2; 2Pe 3.10; Ap 3.3; 16.15). Os cren tes, portanto, precisam estar preparados e vigiar constantem ente (Lc 12.39; 21.34; lT s 5.4). 4. R estaurar a sorte do meu povo ou voltar do cativeiro. Deus irá liber tar o seu povo, Israel, em todas as partes do m undo pela segunda vez, assim com o ele os libertou do cativeiro egípcio. N orm alm ente, esse acontecim ento é colocado próxim o à sua vinda. Jerem ias e Ezequiel usam essa expressão repetidam ente (Jr 30.3; Ez 39.25). A m esm a expressão tam bém pode ser usada em relação à restauração das nações estrangeiras por Deus, a saber M oabe, A m on e Egito (Jr 48.47; 49.6. Ez 29.14). 5. O remanescente voltará. .Semelhante à expressão anterior, esta tam bém prediz a restauração de Israel à sua terra nativa de Canaã. Ela aparece pela prim eira vez em Gênesis 45.7, mas é usada repetida m ente nos profetas (Is 6.13; 10.21, 22 e em livros com o Joel, Amós, M iquéias, Sofonias, Jerem ias e Ezequiel). No Novo Testam ento, Paulo usa a idéia em Rom anos 9.27 e 11.5. Deus sem pre teve um pequeno grupo de fiéis que constituíram o rem anescente. 6. A habitação (ou tabernáculo) de D eus entre os homens. O tem a da prom essa na B íblia usa esse conceito com o parte de um a expressão com posta de um a tríade que se repete quase cinqüenta vezes ao lon go de ambos os Testamentos. Deus prom eteu que iria habitar no m eio de Israel (lR s 8.27), mas no dia final ele viria pessoalm ente para estar no m eio de seu povo (Ez 37.27, 28). A m esm a verdade é ensinada em Zacarias 2.10, 11; 8.3, bem como em Apocalipse 21.3. Assim como o verbo tornou-se carne e veio habitar (“tabernacular”) entre nós no prim eiro advento (Jo 1.14), assim tam bém Cristo virá mais um a vez para cam inhar e falar em nosso meio; só então ele tam bém irá governar e reinar. 7. O reino de Deus. O cântico de M oisés em Êxodo prom etia: “o Se nhor reinará por todo o sem pre” (Êx 15.18). Deus é reconhecido com o rei em 1 Sam uel 12.12, mas o conceito do M essias ter um reinado surge de uma prom essa feita a Davi em 2 Sam uel 7.16, da visão profética do M essias governando com o rei sobre toda a terra nos Salm os Reais e da figura encontrada em passagens com o Isaías 9.6,7; 24.23; M iquéias 4.7; Obadias 21; Daniel 7.14 que dão esse reino e dom ínio ao Filho do Hom em. Esse tem a torna-se um dos pontos principais do m inistério do Senhor nos Evangelhos e nas Epístolas de Paulo. Essas e muitas outras expressões semelhantes têm o papel importante de alertar o intérprete para a presença de m aterial profético. Quase sempre indicam que o cenário para o cum prim ento final do texto é o tem po da segunda vinda de nosso Senhor. Fique atento para a presença dessas expressões e observe se o uso das m esm as em cada contexto tem o significado técnico. ALGUNS TERMOS PROFÉTICOS SÃO RICOS EM ALUSÕES A linguagem da profecia muitas vezes tem um a história e textura vividas. As ações e descrições que ela usa com freqüência são típicas, sim bólicas e cheias de alusões a acontecim entos do passado. Alguns desses termos podem ajudar o intérprete a adquirir certa perspectiva sobre a literatura bíblica. Os seis termos a seguir estão entre os mais comuns:88 88Ibid., capítulo 7, pp. 48-53. 1. Terra. U m a das decisões m ais difíceis para o intérprete é se deve traduzir o term o ’eres como “terra” ou “Terra” . Isaías 24 é um bom teste. É provável que a profecia aponte para um contexto m undial, tendo em vista o uso de céu como contraponto no versículo 21. A s sim, podem os form ular a seguinte regra: quando o term o “Terra” é usado em contraste com céu, ele tem um sentido mais amplo; mas quando está num contexto que faz contraponto com os gentios, ele significa “terra” no sentido de “terra prom etida” . 2. M ar. O m ar pode referir-se a mais do que um grande corpo de água. Ele pode ser um a m ultidão de pessoas - como é o caso em Daniel 7.2,3 - da qual erguem -se os quatro impérios m undiais. 3. A reia na praia e estrelas no céu. Aqui tam bém am bas as form as de pensam ento significam um grande núm ero de pessoas e a popu lação incontável de Israel (Gn 22.17; Os 1.10; lR s 4.20; Gn 15.5; Hb 11.12). 4. D ias de nuvens e escuridão; sangue e fo g o e nuvens de fum aça. O sol se tornará em trevas e a lua em sangue. N orm alm ente, essas frases representam calam idades nacionais e m undiais. Elas são sím bolos de grande sofrim ento e destruição perm itidos por Deus e liga dos ao julgam ento da hum anidade na sua segunda vinda. As origens desses term os estão em cataclism os do passado, tais com o o dilúvio e a destruição de Sodom a e Gom orra. Ver textos com o Joel 2.10, 3031; 3.15; Isaías 13.10; 34.4; Ezequiel 32.7; 34.12; M ateus 24.29; A pocalipse 6.12. 5. O norte. Algum as vezes, o norte representa a Assíria, outras vezes a Babilônia ou a M edo-Pérsia. Isso acontece porque todos os conquis tadores do leste que foram contra Israel tinham que passar pelo nor te, tendo em vista que o deserto não perm itia um a incursão direta. M ais tarde, o norte passou a referir-se aos m onarcas da Síria e Selêucida, que governaram sobre a Síria e Palestina (Dn 11.6-40). Em Ezequiel 38-39, o rei do norte é identificado com Gogue, Rôs, M eseque e Tubal, identidades que foram consideradas por alguns com o sendo potências residentes na antiga União Soviética. Os m es mos tem as são encontrados em Ezequiel 38-39 e aparecem nova m ente em Apocalipse 19.17, 1 8 e 2 0 .8 . 6. A s bodas do Cordeiro. Este term o m arca a futura união de Cristo com a Igreja na conclusão da História (Ap 19.7-9; 21.2, 9). A profecia m uitas vezes usa um a grande quantidade de im agens sim bólicas, especialm ente nos trechos chamados de apocalípticos. A literatura apocalíptica aparece em Daniel 7-12, em todo o livro de Zacarias, em M ateus 24-25, em 2 Tessalonicenses e no livro de. Apocalipse. Aqui, a revelação é transm itida por m eio de anjos, visões e sonhos, juntam ente com outros meios sobrenatu rais. M esclados a essas m ensagens estão mares e tigelas de sangue, espíritos com aparência de sapos e outros símbolos. Esses sím bolos podem ser classi ficados em três grupos: 1. Sím bolos explicad-os no m esm o contexto (com o, por exem plo, Dn 2.37-44; 8.20,21; Ap 1.20; 4.5). 2. S ím bolos que são paralelos a im agens do A ntigo T estam ento (com o, por exem plo, a árvore da vida em Gn 2.9; 3.24 e usada em Ap 2.7; 22.2). 3. Sím bolos que não são explicados pelo contexto nem no A ntigo T estam ento (com o a “pedra b ran ca” de Ap 2.17 ou o “p ila r” em Ap 3.12), para os quais dependem os de costum es locais ou do uso do term o dentro do tex to .89 O suposto duplo sentido das profecias U m a das asserções feita com m ais freqüência acerca das profecias refere-se ao que alguns cham am de “duplo sentido” da profecia. N orm alm ente, o ter mo significa que a passagem profética tem dois sentidos diferentes, cada um separado do outro pelos contextos de ambos os Testam entos. Esse term o não inclui aqueles tipos de profecia em que o cum prim ento inicial contém o ger me ou as sementes do cumprimento final (como o caso da escatologia recente citada acima com sua profecia do tipo “já cumprida” e “ainda não cumprida”). O apoio a esse conceito de duplo sentido vem do fato de os escritores do Novo Testam ento parecerem ter um a certa am plitude na form a com o utilizam determ inadas passagens do Antigo Testamento. Se os escritores do Novo Tes tam ento puderam fazer uso desses textos mais antigos de um a form a que parece um tanto quanto ou totalm ente diferente dos propósitos originais, en tão, essa deve ser um a indicação divina de que há duplo sentido ou significa do, pelo m enos nos textos que tratam de profecias. Esse argumento, entretanto, falha ao não observar que algumas dessas pas sagens do Novo Testamento estão apenas usando a linguagem conhecida do An tigo Testamento. Outros argumentos não apresentam uma compreensão razoável de qual seria o ponto de concordância entre o Antigo e o Novo Testamento. Outros afirm am que algum as passagens proféticas devem receber um sentido duplo, pois certas profecias se referem a diferentes acontecim entos, um mais próxim o e outro mais distante, ou um tem poral e outro espiritual, ou até m esm o eterno. M as aí é que com eça a confusão. Esses exem plos não são 89 Ver m uitos outros exem plos em K aiser, B ack Toward the Future, pp. 41-49. propriam ente casos de duplo sentido, pois um a profecia pode, de fato, estar relacionada a mais de uma coisa (com o por exemplo, algo espiritual e tem po ral) mas ainda assim, ter um único sentido. Esse é o caso das profecias da escatologia recente. Entretanto, pode-se levantar fortes objeções contra a idéia de haver um verdadeiro duplo sentido das profecias. Se, por exemplo, as Escrituras podem ter diferentes significados, sendo possível constatar apenas um deles a partir da passagem em um dos Testam entos, não podem os então estar certos do que exatam ente aquele texto buscava ensinar. M ais um a vez, essa teoria do duplo sentido corrom pe o valor das profecias, pois ou ela com plica o significado, de form a a deixar dúvidas sobre o cum prim ento das m esm as ou ela evita esse perigo ao tom ar as profecias tão generalizadas que fica im possível um cum prim ento específico. Outra objeção surge quando se diz que o segundo e dife rente sentido é derivado de um novo significado que aparece pela prim eira vez no Novo Testam ento em relação a esse texto do Antigo Testam ento. Mas essa possibilidade dissipa a força de qualquer valor apologético que afirma que o A ntigo Testam ento antecipou o que aconteceu no Novo Testamento. A solução para essas questões pode ser encontrada principalm ente em duas afirmações: (1) Um a característica m arcante da profecia é que ela m ui tas vezes olha adiante, “não apenas para um único acontecim ento ou pessoa, mas para um a série de acontecim entos dentro de um a linha progressiva de desenvolvim ento, tendo... sempre o m esm o sentido, mas com diversos desdo bram entos e aplicações” ;90 e (2) na com binação de tipo e profecia, o que pode ser dito do tipo no Antigo Testam ento pode ser profeticam ente aplicado ao oposto desse tipo no Novo Testamento. Nessas concessões, pode-se ver que existe um certo grau de verdade nas afirm ações acerca do duplo sentido. M uitas profecias têm um desdobram ento de aplicações ou cum prim entos com o form a de assegurar que a palavra seja m antida viva enquanto aguarda pelo cum prim ento final, mas todos esses des dobram entos com partilham de um mesmo sentido. O único ponto que estam os negando aqui é que as profecias possam ter um significado ao serem proferi das de m odo natural ou original e outro significado supostam ente oculto exa tam ente nas m esm as palavras quando reaparecem mais tarde relacionada a um assunto diferente. Portanto, enquanto negam os a presença de “significados m últiplos” , “duplo sentido” ou qualquer teoria semelhante, afirmamos a existência de “cum prim entos m últiplos” . O m al-entendido surge quando não distinguim os lJ0 F rederic G ardiner, “T he A lleged ‘D ouble S e n se ’ o f S cripture”, em The O ld a n d N ew Testam ent a n d T h eir M u tu a l R ela tio n s (N ova York: Jam es Pott, 1885), p.271. D evo o form ato principal de m eu p ensam ento a essa seção d a obra de Gardiner. duplo sentido de m últiplos cum prim entos. Dou preferência para o term o usa do por W illis J. Beecher. Ele refere-se aos m últiplos cum prim entos com o um a “profecia genérica” , a qual ele define com o sendo “aquela que diz res peito a acontecim entos que ocorrem num a série de partes, separadas por in tervalos e que se expressam em linguagens que podem aplicar-se indiferente m ente à parte mais próxim a o^u à parte mais distante, ou ainda, ao todo - em outras palavras, um a previsão que, ao aplicar-se ao todo de um acontecim en to com plexo, tam bém aplica-se a algumas de suas partes” .91 Essa definição é um a das m elhores que temos à nossa disposição para tratar das várias ques tões aqui levantadas. A chave para isso tudo é uma idéia derivada de nossa herança antiga que foi novamente redescoberta neste século (da escola de interpretação de Antioquia, com sua visão de theoria, dos séculos 5o a T d.C.).92 A idéia essencial é de que há três aspectos na profecia, e não dois. Essas três partes são: 1. A palavra de previsão que antecede o acontecim ento para o qual ela aponta. 2. O meio histórico, pelo qual Deus m antém viva a palavra de previsão durante as sucessivas gerações, ao dar dem onstrações parciais que estão ligadas à prim eira proclam ação da palavra com seu cum pri m ento num clímax final. 3. O cumprimento fin a l dessa palavra na era do Novo Testam ento, no prim eiro advento ou nos dias do segundo advento. C ada cum prim ento é, portanto, a realização parcial do que foi prom etido e um a continuação da palavra que aponta para um futuro cum prim ento no clí m ax final. 91 W illis J. Breecher. The P rophets a n d the P rom ise (N ova York: T hom as Y. C row ell, 1905), p. 130. 52 Ver m ais sobre theoria e a escola de A ntio q u ia no capítulo 12, p. 213. PARTE 3___________ Respondendo ao Texto: Significado e Aplicação O m étodo devocional de estudo da B íblia está enraizado num forte desejo de aplicar a Bíblia à vida diária. Esse m étodo parte corretam ente do pressuposto de que as palavras das E scri turas são claras o suficiente para que se com preenda sua m ensa gem básica, mas não exige que todas as Escrituras sejam igual m ente claras e compreensíveis. O leitor depende do Espírito Santo para ilum inar as Escrituras usadas no estudo devocional. Incluí das de m aneira especial na obra esclarecedora do Espírito Santo estão as questões de aplicabilidade, o ministério de encorajam ento dos desanim ados e a tarefa de convencer a todos da presença do pecado ã m edida que os leitores são expostos às Escrituras. A m editação na Palavra de Deus é essencial para o m étodo devocional. A m editação não tem como objetivo a auto-abnegação, com o é norm alm ente o caso nas religiões orientais e algu m as outras seitas contem plativas de nossos tempos. Em vez dis so, a m editação bíblica procura estabelecer com unhão com Deus e adoração a ele ao envolver a pessoa com o um todo - corpo, alm a e m ente. Ela usa as Escrituras com o o foco em que está centrada essa m editação. CAPÍTULO 9________________ “Assim como a corça suspira pelas correntes de água” O USO DEVOCIONAL DA BÍBLIA W alter C. K a is e r , J r . A arte e disciplina de usar a Bíblia na vida devocional está rapidam ente tornando-se um hábito perdido do coração, da m ente e da alma. Para aqueles que ainda procuram m anter um a prática devocional diária, ela pode significar a leitura de alguns parágrafos de com entários am plam ente ilustrados em um guia devocional im presso em páginas m uito pequenas, de conteúdo facilm en te assim ilável em questão de m inutos e ostensivam ente centrado em torno de um versículo, expressão ou frase das Escrituras. Infelizm ente, as porções bíblicas m inguadas apresentam -se com freqüência desligadas de seu contex to na Bíblia e muitas vezes refletem pouca ou nenhum a ligação com seu pro pósito original dentro do cânon. M esm o que esse problem a tenha se tornado mais acentuado nos últim os anos, ele certam ente não é um a questão inédita no Corpo de Cristo. Próxim o do com eço deste século, W ilbert W. W hite, fundador de um sem inário em Nova York, detectou essa m esm a fraqueza nos hábitos de leitura e estudo da Bíblia daquela época. Na tentativa de ir ao encontro dessa deficiência, ele desenvolveu o que cham am os de m étodo indutivo de estudo da Bíblia. O ob jetivo principal do Dr. W hite era treinar os leitores da Bíblia para que desen volvessem por si m esm os um a form a independente de coletar dentro do texto das Escrituras idéias originais que os ajudariam a crescer na graça e conhe cim ento de nosso Senhor Jesus Cristo. Além disso, ele esperava que aqueles que tivessem descoberto esse novo m étodo de coletar os ensinam entos da Bíblia de forma sistemática e indutiva passassem o conhecimento adiante para outros, expandindo assim os benefícios desse novo uso devocional da Bíblia. C om o tem po, o m étodo indutivo tornou-se bastante fam oso, de m odo que nos dias de hoje há um grande número de pessoas que usam essa form a de estudar, m uitas das quais talvez nem tenham ouvido falar de W ilbert W hite. Atualm ente, m esm o não séndo cham ado de m étodo indutivo, ele está presen te de form a acentuada nos m inistérios paralelos da igreja das últim as quatro ou cinco décadas e aparece em diversos guias de estudo bíblico, especialm en te naqueles que estão voltados para os m inistérios com universitários no O ci dente. Esse m étodo desenvolve a paciência do leitor que se põe diante de um texto e o observa cuidadosam ente até que o texto tenha dom inado o observa dor, em lugar de o observador dom inar o texto. Q uer o m étodo indutivo seja ou não seguido de form a rígida, os crentes devem recorrer com seriedade ao seu uso devocional da Bíblia. Definição O m étodo devocional de estudo da Bíblia tem suas raízes num forte desejo de encontrar nos textos das Escrituras aplicações sólidas para a vida diária. Tal estudo não é m otivado pela curiosidade intelectual, histórica ou crítica; en volve, sim, um com prom isso claro de ver m udanças nas próprias atitudes, nos valores e nas ações pessoais. Os term os devoção ou método devocional estão ligados pelo verbo de votar, que pode ser definido como um ato de dedicação que envolve o dar-se por com pleto, tendo o foco da atenção centrado totalm ente no outro. Assim , o objetivo principal no exercício de ler as Escrituras de form a devocional não é o dom ínio do conhecim ento sobre Deus, mas o dom ínio de Deus sobre o leitor, por m eio do m inistério do Espírito Santo, à m edida que o leitor usa a Palavra de Deus com o um desafio a fazer progressos no crescim ento cristão e a dar frutos. U m a obra que tem enorm e influência na área que estam os discutindo é o livro de M erril C. Tenney, o falecido deão e professor de Novo T estam en to de W heaton G raduate School of Theology e entitulado Galatians: C harter o f Christian Liberty. N essa m aravilhosa antologia sobre os diferentes m o dos de se tratar o estudo do texto bíblico, Tenney definiu o estudo devocional da B íblia com o sendo “m ais um espírito do que um a técnica; é o espírito de anseio que busca a m ente de Deus; é o espírito de hum ildade que ouve a voz de Deus; é o espírito de aventura que busca com seriedade a vontade de Deus; é o espírito de adoração que descansa na presença de D eus” .93 95 M e rril C. T enney. G a la tia n s: C h a rte r o f C h ristia n L ib e rty (G ra n d R ap id s: E e rd m a n s, 1950), pp. 2 0 7 -8 . A própria B íblia estim ula os crentes a praticarem regularm ente a disci plina de estudar a Palavra de Deus, a fim de que cada pessoa possa ser renova da diariam ente por m eio da instrução, do incentivo, da repreensão e da orien tação encontrados na Palavra. Talvez o texto mais conhecido que incentiva esse tipo de contato com a Palavra de Deus seja aquele em que o Senhor diz a Josué quando este tomou as rédeas da liderança: “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, m edita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu cam inho e serás bem -sucedido” (Js 1.8). Esse texto define praticam ente o exercício devocional em sua totalidade. O estudo devocional deve ser regular (“dia e noite”), reflexivo (“medita nele”), aplicável (“tenha cuidado de fazer tudo quanto nele está escrito”) e constante (“não cesses de falar deste Livro da Lei”). As Escrituras não têm o propósito de ser apenas um campo de aprendiza do para estudiosos e profissionais do clero; elas são dirigidas ao povo. Aliás, um a das questões centrais da Reforma foi a clareza das Escrituras e o seu fácil acesso a todos os leitores. A Clareza das Escrituras Se todos os crentes são incentivados a usar a Bíblia de form a devocional, pressupõe-se que as palavras das Escrituras são com preensíveis, ou claras o suficiente para que possam ser entendidas por todos sem a ajuda de um estu dioso ao lado do leitor para instruí-lo. Seria essa é um a pressuposição razoá vel? Podem os estar seguros de que tais leitores não incidirão em erro ao per correrem o cânon das Escrituras, ao lerem os textos por conta própria e de acordo com sua visão e com preensão? N inguém foi mais veem ente em tom ar um a posição a favor da clareza de significado da B íblia e seu fácil acesso a todos do que M artinho Lutero. Sua declaração mais vigorosa desse princípio pode ser encontrada em seu livro On the Bondage o fth e Will, escrito com o resposta à obra do respeitado estu dioso Erasm o, On the Freedom o fth e Will. De acordo com Erasmo: Há certas coisas que Deus desejou que contemplássemos, à medida que o veneramos em silêncio místico; há, ainda, muitas passagens dos textos sagrados sobre as quais muitos comentaristas simplesmente tra çam suposições, mas que ninguém conseguiu tirar da obscuridade: tais como a distinção entre a trindade divina, a conjunção da natureza divi na e humana de Cristo, o pecado sem perdão; há, porém, outras coisas que Deus quis que ficassem evidentes e tais coisas são os preceitos de uma boa vida. Esta é a Palavra de Deus, que não é encontrada apenas nos mais altos céus ou nas terras mais longínquas, mas está ao nosso alcance, em nossa boca e em nosso coração. Essas verdades devem ser aprendidas por todos, mas o restante fica ao encargo de Deus, e é mais religioso simplesmente adorar essas outras coisas, mesmo sen do elas desconhecidas, do que discuti-las, tendo em vista que tam bém não são solucionáveis.94 A pesar de Lutero a princípio ter discordado violentam ente de Erasm o, afir m ando que as Escrituras eram claras e disponíveis, ele acabou adm itindo que há certos aspectos obscuros *das Escrituras. “Adm ito, é claro, que há m uitos textos nas Escrituras que são obscuros e de difícil com preensão, não por cau sa da m ajestade de seus assuntos [como argum entava Erasm o], mas por causa de nossa ignorância do vocabulário e da gram ática; mas esses textos de form a algum a im pedem o conhecim ento do conteúdo das Escrituras.”95 No final das contas, a discussão entre Lutero e Erasmo não era sobre a aplicação do aprendizado ou sobre o estudo, nem sequer era sobre se os textos das Escrituras eram claros o suficiente para que a mensagem principal da Bíblia pudesse ser compreendida pelo leitor comum. No fundo desse debate estava a seguinte questão: “Até que ponto o leitor comum, ou mesmo a igreja como um todo, tinha a obrigação de submeter-se às tradições e aos pronunciamentos ofi ciais do papa sobre a exposição adequada das Escrituras?” Os Reform adores afirmavam que para se conhecer o significado essencial da m ensagem da Bíblia o leitor não tinha essas obrigações! Não havia necessidade da história da tradi ção de ninguém para se interpretar as Escrituras; a Bíblia era suficientem ente inteligível sem esses elementos. O que significou, pois, o m om ento em que a B íblia foi declarada com o sendo clara e de com preensão acessível a todos? Sim plesm ente que a B íblia é considerada clara e possível de ser entendida em todos os aspectos neces sários para a nossa salvação e crescim ento em Cristo. Não se estava afir m ando que a B íblia é com pletam ente inteligível, não havendo nela nenhum m istério ou área que desafie a com preensão de um a ou outra geração de leitores. Se os leitores fizessem o m esm o esforço usado para a com preensão da literatura de um m odo geral, afirm ava-se que iriam adquirir e ntendim en to adequado e suficiente para guiá-los a um relacionam ento salvífico e a um a vida de obediência com seu Senhor. Essa definição sobre a clareza das Escrituras apareceu em m uitas obras ^protestantes logo após a Reform a. A mais conhecida é o parágrafo 7 sobre a doutrina das Escrituras da Confissão de Fé de W estm inster (1647). Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser 94 E. G. R upp et a l., organizadores, L u th e r a n d E rasm us: Free Will a n d Salvation, L C C 17 (F ilad él fia: W estm inter, 1969), pp. 39-40 (ênfase m inha). 95 Ibid., pp. 110-11. obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro pas so da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas (ênfase minha). H á m ais em jogo aqui do que a simples com preensão das palavras em si. M esm o quando os leigos comuns são capazes de obter um entendim ento ade quado e suficiente do que está sendo dito na Bíblia, ainda há uma outra di m ensão relacionada à recepção e aplicação dessas questões na própria vida e coração. Não teria isso um efeito sobre a questão da clareza das Escrituras? O Trabalho de Iluminação do Espírito Santo Um dos textos de suma importância que deve ser considerado aqui é a declaração feita pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” Enquanto trabalhava no meu progra ma de doutorado, tive uma experiência extraordinária em um dos seminários dos quais participei e que selou esse texto em minha mente e meu coração. Um distinto professor recém-chegado da Universidade de Yale estava ofere cendo um seminário especial sobre “As origens do Cristianismo” na universidade em que eu estava estudando na Costa Leste. Um dia, os alunos desviaram o as sunto de modo que o professor acabou discutindo sua compreensão de Romanos 1-5. Com eloqüência pouco usual e exegese perfeita, ele passou por esses capítu los com grande habilidade, declarando que todos ali presentes haviam pecado e, portanto, careciam da glória de Deus. Mas para aqueles que acreditassem no sacrifício do Filho de Deus pelos pecados, estes não seriam apenas transforma dos em pessoas retas mas também declarados justificados, como um juiz que encerra um caso por falta de provas sobre a culpa do acusado. Em poucas ocasi ões ouvi um a exposição tão audaciosa e clara do texto de Paulo. Depois de duas horas, entretanto, o encanto foi subitam ente quebrado quando um dos estudantes judeus em nossa classe, que juntam ente com ou tros que haviam acom panhado com certo desconforto a longa explanação, sim plesm ente falou (naquele clim a de nervosism o que, àquela altura h a via se instalado): “Será im pressão m inha, ou o p rofessor desta classe a c re dita nisso tu d o ?” Im ediatam ente, o professor respondeu em um tom de escárnio: “Quem falou em acreditar? Só estou argum entando sobre o que Paulo disse. Estou cansado de ouvir vocês, jovens estudantes neo-ortodoxos dizerem ‘E isso que este ou aquele tópico significa para mim Fui treinado sob a antiga teologia liberal; nós aprendem os o que Paulo disse. Só que, por um acaso, nós não acreditam os no que Paulo disse!” Com ecei a entender onde Paulo queria chegar com sua afirm ação em 1 Coríntios 2.14. Esse professor não “aceitava” (uma possível tradução para dechetai) aquilo que ele sabia tão bem a ponto de poder ensinar praticam ente com perfeição durante duas horas. Fica claro, portanto, que o m inistério e a obra do Espírito Santo, ao ilum inar a m ente e o coração daqueles que ouvem as verdades espirituais, não devem ser tratados levianam ente em toda essa área da interpretação bíblica, especialm ente no que diz respeito à aplicação daquilo que somos ensinados por m eio da Bíblia. Alguns acreditam haver dois tipos separados de lógica no m undo: um a para os crentes e um a para os descrentes. M as Paulo deixa claro em Rom anos 1-2 que aqueles que não são convertidos são capazes de entender a verdade sobre Deus o suficiente para se condenarem a si mesmos, tendo em vista que eles não agiram de acordo com aquilo que sabiam sobre Deus. E 1 Coríntios 2.14 reforça esse conceito - sem o m inistério e ilum inação interior do Espíri to Santo, tais pessoas não aceitarão nem tom arão para si as realidades encon tradas no texto bíblico. Assim, um a das obras singulares do Espírito Santo é de convencer, dar convicção e despertar o coração adorm ecido para aplicar na vida do indivíduo as verdades vistas nas Escrituras. A fim de os leitores se colocarem em posição em que o m inistério do Espírito Santo possa agir de form a mais eficaz, as Escrituras pedem que eles ponderem e m editem cuida dosam ente sobre o que está sendo dito no texto bíblico. O Ato de Meditar nas Escrituras A arte e prática de m editar nas Escrituras tem um papel im portante no uso devocional da Bíblia. A m editação é apresentada nas Escrituras com o um ato de adoração que envolve a com unhão com Deus. Em lugar de ser um a rota de fuga em que o indivíduo é, de algum a form a, assim ilado, absorvido ou m es clado com o ser divino por um processo m ístico não especificado - com o é ensinado com tanta freqüência por m uitas religiões orientais e algum as seitas ocidentais m odernas - a m editação nas Escrituras pode ser cuidadosam ente definida quanto aos seus objetivos, métodos de prática e resultados. Podem os ter um a boa idéia do que significa a m editação ao exam inar mos o contexto em que se encontram o conceito e as palavras de m editação. O Salm o 77 tem relevância especial, fazendo referência à m editação em três de seus versículos. O salm o pode ser dividido em duas partes: os versículos 1-9 expressam a tristeza de Asafe; os versículos 10-20 relatam com o ele superou esses problem as. No tem po de sua angústia e durante noites insones ele m edi tou sobre o Senhor (versículo 3). Em sua inquietação, o salm ista recordou-se de dias mais felizes no passado (versículo 5) e nas longas horas da noite seu coração m editou (versículo 6) no que ele aprendeu sobre Deus pela Palavra durante os bons tem pos da sua vida. E le se perguntou se Deus o esqueceria para sem pre. M as, então, no versículo 10 ele subitam ente lem brou-se dos feitos passados de Deus. N esse ponto ele decidiu: “C onsidero tam bém nas tuas obras [de Deus] todas e cogito [ou pondero, medito] dos teus prodígios” (versículo 12). Assim , o profundo desânim o do salm ista acabou cedendo ao livram ento de Deus, quando ele concentrou sua m editação nas obras de D eus. E sse é exatam ente o resultado desejado da leitura devocional dos textos das Escrituras. A m editação é um exercício do coração, ou seja, da pessoa com o um todo. Tal m editação é ressaltada no Salmo 19.14; 49.3; Provérbios 15.28 e Isaías 33.18. O objetivo da m editação, de acordo com o Salmo 49.3, é encon trar entendim ento, não da m aneira com o é m uitas vezes pregada nas religiões orientais ou em algumas seitas de nossos dias. Para meditar, não é preciso tentar esvaziar-se, para que supostam ente o divino possa fluir através do ser de um a form a panteísta. Em vez disso, deve-se procurar levar todo o ser corpo, alm a e espírito a concentrar-se em Deus, suas obras e especialm ente sua Palavra, que nos fala tanto de sua pessoa quanto de suas obras. B aseando-nos sim plesm ente no núm ero de referências, ao que parece a m editação que é incentivada pelas E scrituras tem seu foco central na P ala vra de D eus. Com o já observam os, Josué 1.8 ordena que a m editação no Livro da Lei seja praticada dia e noite. O próprio livro de Salm os com eça com um a benção para a pessoa que se deleita na lei de Deus e que m edita nessa lei dia e noite (SI 1.1,2). R epetidam ente, o Salm o 119 estim ula seus leitores a m editar “nos teus preceitos [preceitos de D eus]” (versículos 15, 78), nos decretos de Deus (versículos 2 3 ,4 8 ), na sua lei (versículo 97), nos seus testem unhos (versículo 99) e nas suas prom essas [palavras] (versículo 148). A m ente daquele que está m editando não deve ficar vazia; ela deve encher-se das E scrituras, a Palavra de Deus. Da m esm a form a, quando a lei de D eus está no coração da pessoa, seus passo não vacilam , pois “A boca do justo profere a sabedoria e a sua língua fala o que é ju sto ” (SI 37.30,31). É isso que significa m editar na Palavra de D eus quando ela é lida de m aneira devocional. O resultado é que a Palavra de Deus perm anece constante no coração do crente em qualquer situação em que ele se encontrar: quando está assentado em sua casa, andando pelo cam inho, ao deitar-se e ao levan tar-se (Dt 6.6-9; Pv 3.22-24; 6.22). Conclusão Não há apenas um m étodo de estudo da B íblia que possa exigir direitos ex clusivos sobre todos os outros. Aliás, Howard Vos identificou dezessete dife rentes form as de estudar a B íblia em seu livro Ejfective Bible Study.9b É ver 96 H ow ard Vos, E ffective B ible Stucly. 2a ed. (G rand R apids: Z ondervan, 1956). dade que alguns dos seus dezessete métodos envolviam mais de um a aborda gem; entretanto, o im portante é que uma pessoa pode fazer o seu estudo devocional do texto usando form as com o o m étodo biográfico, tópico, doutri nário, indutivo ou analítico. N enhum m étodo é um a vara de condão que dis pensa a necessidade de a pessoa usar sua m ente e de aceitar que é necessária um a disciplina rígida em todas essas form as de estudo. Aliás, é recom endável que os leitores da Palavra variem o uso devocional das Escrituras de tem pos em tempos. Não se deve ficar tão preso a ponto de não haver espaço para experim entar e am pliar a esfera de investigação. A única precaução necessária é deixar que, em prim eiro lugar, o texto diga aqui lo que ele quer antes que tentem os aplicar esse texto à nossa realidade con tem porânea. É sempre de grande ajuda colocar por escrito aquilo que pensa mos estar vendo no texto. Um registro de nossas observações em um caderno com pleta as ferram entas necessárias, especialm ente se vamos ju n ta r várias partes e organizá-las de modo que tenham os uma visão geral daquilo que estam os procurando. Finalm ente, um a das melhores formas de m editar sobre um texto é sele cionar um ou mais versículos da passagem sobre a qual estam os refletindo e m em orizá-los. U m a vez na m em ória, eles podem ser arm azenados para m o mentos futuros de pensam ento e reflexão e ser aplicados às diversas vicissitudes da vida. O intérprete deve servir de ponte entre os elem entos cultu rais que estão presentes no texto das Escrituras e aqueles de nos sos tempos. Um a proposta para transpor essa barreira é cham ada de etno-herm enêutica, que reconhece a presença de “horizontes” na interpretação em diferentes culturas: a cultura da Bíblia, a cultura do intérprete e a cultura do receptor. Deve-se cuidar para não perm itir que o segundo e o terceiro elem ento determ inem a m ensagem do prim eiro elem ento. Os pais da igreja prim itiva usavam term os como “condes cendência” , “adaptação” e “aculturação” para lidar com as ques tões culturais dentro do texto. Sob o ponto de vista deles, os as pectos culturais das Escrituras tinham a finalidade de tornar a verdade mais acessível e de nos ajudar a aplicar o texto ao nosso tem po presente. Há três opções disponíveis para a interpretação dos aspec tos culturais das Escrituras: (1) m anter a teologia ensinada ju n ta m ente com a expressão histórica e cultural daquele princípio ou (2) m anter a teologia da passagem substituindo a expressão do com portam ento ou ainda (3) substituir tanto o princípio quanto a prática. As cinco diretrizes para se fazer um a dessas interpreta ções são: (1) observar a razão oferecida pelo texto para a existên cia de um elem ento cultural, (2) m odificar a form a cultural m an tendo o conteúdo, (3) evitar todas as práticas relativas a culturas pagãs, (4) m anter as práticas baseadas na natureza de Deus e (5) fazer ajustes quando as circunstâncias alteram a aplicação de um a lei ou princípio. M as, acim a de tudo, ser hesitante e hum ilde em todos os casos em que estam os incertos. CAPÍTULO 10 Obedecendo à Palavra O USO CULTURAL DA BÍBLIA W a l t e r C . K a is e r , J r . A revelação de Deus nas Escrituras foi originalm ente escrita em hebraico, aram aico e grego, por escritores que representavam um a variedade de cultu ras que, m uitas vezes, diferenciavam -se de form a dram ática das culturas para as quais a Bíblia foi traduzida. Essas diferenças nem sempre são devidam ente consideradas até que com eçam os a traduzir a Bíblia para um a outra língua. Em seu livro Customs, Culture and Christianity, Eugene A. Nida relata com o a cham ada tradução literal da Bíblia pode gerar conotações errôneas num a outra cultura. Por exemplo, o povo Kpelle da Libéria considera o ato de espalhar ram os de palm eiras na passagem de Jesus durante a entrada triunfal em Jerusalém como um insulto, pois a sua cultura exige que todas as folhas sejam retiradas do cam inho para a passagem de qualquer dignitário. Da m es m a form a, o povo Zanaki da Tanganica acha estranho o fato de Jesus estar “batendo à porta” (Ap 3.20), pois em sua cultura um hom em pára diante da porta e pede para entrar. Só os ladrões batem à porta para ver se há alguém em casa antes de assaltarem .97 Aquilo que é verdade para a tradução da Íííb lia tam bém vale para a sua interpretação. O intérprete deve servir de ligação ao explicar os elem entos culturais que estão presentes no texto das Escrituras, levar em consideração sua própria bagagem cultural e transcender ambos para que possa com unicar a m ensagem original das Escrituras para a cultura do público de sua época. Tudo isso requer um a com preensão do que vem a ser cultura. 1,7 E ugene A. N ida, Custom s, C u ltives a n d C hristianity (L ondres: Tyndale, 1954), pp. 220, 218. Definição de Cultura Não é tão fácil definir cultura. Num sentido mais amplo, norm alm ente signi fica a m aneira padronizada de com o as pessoas fazem coisas juntas. Assim, ela im plica certo grau de hom ogeneidade ao longo de um determ inado perío do de tem po. De acordo com a definição de Eugene Nida, “Cultura é todo o com portam ento aprendido que é socialm ente adquirido, ou seja, as caracte rísticas m ateriais e não-m ateriais que são passadas de um a geração para ou tra” .98 D esta form a, o term o cultura designa a m aneira singular com o um grupo de pessoas encara e faz as coisas dentro de um certo período de tem po, incluindo seus valores, m odos, expressões e conquistas. Ao m esm o tem po que há certas necessidades básicas com uns à m aioria dos grupos de pessoas, é surpreendente como as culturas variam e diferem um a das outras. Na área da alim entação, por exemplo, os não-ocidentais m ui tas vezes ficam horrorizados ao pensar que os ocidentais com em leite fer m entado (queijo), enquanto alguns ocidentais escandalizam-se que os coreanos consum am picles de repolho, esquim ós com am a pungente carne de m orsa e os chineses degustem ovos ferm entados de pato. C onform e o ditado p o pular, o que é um banquete para alguns pode ser veneno para outros - m as assim são as culturas. A revelação de Deus em sua Palavra veio nos term os da cultura de seus prim eiros públicos de leitores e ouvintes. Portanto, se desejam os usar essa palavra de m aneira eficaz nos dias de hoje, precisam os ser capazes de nos com unicarm os por essa cultura bíblica com outras pessoas que desejam des dobrar a m ensagem do evangelho. Os escritores da B íblia usaram o m aterial cultural que estava à sua disposição, quer no em prego m eram ente incidental de term os que já possuíam toda um a história de associações e significados, quer no uso de um term o que era particularm ente significativo naquela cultu ra. Assim com eça o problem a da cultura, pois aquele term o não seria usado por pessoas de outras culturas mais m odernas para expressar determ inada idéia. O A ntigo Testam ento chega a m encionar o m onstro m arinho Leviatã e até m esm o dragões de sete cabeças! Se nossa cultura não vê essas figuras com o sendo significativas ou com o parte do discurso quotidiano, então o pro blem a é nosso, com o intérpretes, e não da Bíblia. O fato de a B íblia ter sido escrita em determ inada época e para um deter m inado grupo de pessoas por.um determ inado escritor e para um a determ ina da situação não ocorreu com a intenção de rem over da B íblia o seu caráter útil para as gerações futuras, mas sim para torná-la mais próxim a da realidade de um modo geral. Infelizm ente, algum as pessoas não com preendem essa ques tão e constroem em cim a disso o argum ento de que a especificidade da Bíblia ,Jli Ibid., p. 28. tom ou o seu texto inacessível para eles. Na verdade, a Bíblia seria inacessí vel para nós se tivesse sido escrita em algum tipo de m etalinguagem , com fatos que se passassem em algum outro planeta e que não tivessem contato, sentim ento ou em patia conosco. Assim, nem todo o aspecto da Bíblia deve ser visto sim plesm ente com o mais trabalho para nós. Ela deve nos dar um senso de afinidade e identificação, pois tam bém somos m ortais e com parti lham os necessidades tão detalhadas e específicas quanto aquelas que nos dei xam perplexos em outras culturas." A BÍBLIA E A RELATIVIDADE CULTURAL A Palavra de Deus chega até nós em determ inada linguagem cultural e histó rica que vai da época antes do Cristianism o até o prim eiro século cristão. Se querem os com preender o significado dentro da intenção original dos autores que, antes de m ais nada, foram aqueles que estiveram diante de Deus e rece beram dele a m ensagem que escreveram, devemos com eçar a entender o que eles queriam dizer por suas alusões culturais. Isso não significa que esse é o fim do processo, pois ainda precisam os ligar essa com preensão com a cultura para a qual desejam os anunciar essas palavras, sem esquecer ainda que é ne cessário levar em consideração nossa própria bagagem cultural com o intér pretes. Por enquanto, vamos nos concentrar na questão das alusões culturais dentro do texto. Em prim eiro lugar, devemos ser capazes de reconhecer os aspectos cul turais da Bíblia. N orm alm ente essas são as passagens mais problem áticas de ser aplicadas diretam ente para os dias de hoje. Os valores, associações e sig nificados que elas possivelm ente carregavam num a outra época não são fá ceis de ser transpostos para os nossos dias. Elas muitas vezes tam bém ilus tram com o certas verdades ensinadas nos textos estavam sendo postas em prática em outros tempos. Assim como lemos em Filipenses 4.2 “Rogo a Evódia e rogo a Síntique [que] pensem concordem ente, no Senhor” e norm alm ente não encontram os estranheza nessas palavras, devemos agir da m esm a form a em relação a outros elem entos culturais. A m aior parte das pessoas, nunca tendo se encontrado com Evódia ou Síntique, ensina que essa passagem é a ilustração de um princípio com o aquele de Efésios 4.32: “Antes, sede uns para com os outros benignos, com passivos' perdoando-vos uns aos outros, com o tam bém Deus, em Cristo, vos perdoou.” Ninguém tom a essa passagem de form a literal, agindo exatam ente como Paulo pediu que fizessem essas duas m ulheres. Por que, então, tem os tanta dificuldade em entender outras questões que, de algum modo, são sim plesm ente culturais? m Ver tam bém o W illow bank R eport G ospel a n d Culture, Lausanne O ccasional Papers n° 2 (W heaton, 1978), pp. 1-33. Talvez a lista de algum as passagens candidatas ao título de culturais nos ajude a concentrar de m aneira mais precisa no problem a. Considere as se guintes ordens bíblicas: -T a m b é m vós laveis os pés uns dos outros (Jo 13.14). - Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo (2Co 13.12). - É próprio que a m ulher ore a Deus sem trazer o véu? (IC o 11.13). - Conservem -se as m ulheres caladas nas igrejas (IC o 14.34). -T o d o hom em esteja sujeito às autoridades superiores (Rm 13.1). - É desonroso para o hom em usar cabelo com prido (IC o 11.14). - Em bainha a tua espada (M t 26.52). - Não em presta o seu dinheiro com usura (SI 15.5). - Quero que todos os hom ens sejam [solteiros] tais com o tam bém eu sou (IC o 7.7). - [Não se chegue] à m ulher na sua m enstruação (Ez 18.6). A m aioria desses exemplos é bem conhecida e pode servir de ilustração para o tipo de questão com a qual deparam os ao interpretar os elem entos culturais na Bíblia. No cerne dessa busca está o problem a de se distinguir aquilo que é universal e de autoridade perm anente daquilo que é cultural e, portanto, está mais relacionado a ilustrações de um princípio apresentado naquele tempo. Precisam os de um conjunto de diretrizes que nos ajude não apenas a determ i nar quando estam os lidando com uma questão cultural mas tam bém a enten der o seu uso em nossos dias e em outras culturas além da nossa própria. Desenvolverem os esses assuntos mais adiante neste capítulo. A Bíblia e a contextualização A contextualização está intim am ente ligada à exegese cultural e é um term o novo que recentem ente vem ganhando destaque na discussão teológica. Ao que parece, o term o foi usado pela prim eira vez em um docum ento preparado em 1972 pelos diretores do Theological Education Fund ao se referirem à oferta de educação teológica no terceiro mundo. Mais tarde, Bruce Nicholls o definiu com o sendo “a tradução do conteúdo imutável do evangelho do reino para um a form a verbal significativa para os povos em suas diferentes culturas e dentro de suas situações existenciais particulares” .100 Jam es Oliver Buswell III ofereceu um a outra form a de organizar nosso tratam ento das questões en volvidas na definição da contextualização, sugerindo que quebrem os o term o 1011 B ruce N icholls, “T heological E ducation and E vangelization” , in L et the E arth H ea r H is Voíce, org. por J. D. D ouglas (M inneapolis: W orld W ide Publications, 1975), p. 647. em três categorias: “contextualização da testemunha, contextualização da igreja e sua liderança e contextualização da Palavra.” 101 O tem a contextualização tem apresentado várias aplicações nos últimos anos, sendo algum as delas boas e outras que ficam aquém das Escrituras em term os de autoridade que seja de ajuda para as culturas contem porâneas. No aspecto m ais negativo, alguns têm usado essa idéia para apoiar causas sociais ou políticas que refletem seus próprios desejos (como, por exem plo, certos casos da teologia da libertação na A m érica Latina, algum as teologias fem i nistas, negras e asiáticas). Quando as preocupações do intérprete contem po râneo superam aquelas contidas no texto de tal form a que o texto se transfor m a num sim ples tram polim para propagar o que os pensadores m odernos desejam falar, o term o contextualização acaba passando de algo útil a um mero instrumento a serviço daqueles que o manipulam. O texto precisa continuar a ser prioritário e dirigir qualquer contexto sobre o qual esteja sendo aplicado. Ainda assim, há muito o que aprender com a contextualização, até mesmo por aqueles de tendência conservadora. Stanley Gundry comentou em seu discur so presidencial de 1978 no encontro anual da Evangelical Theological Society: Pergunto-me se realmente reconhecemos que toda teologia representa uma contextualização, mesmo a nossa própria teologia. Falamos da teologia na América Latina, da teologia negra ou feminista, mas sem titubear, supomos que a nossa própria teologia é simplesmente teologia e que, sem dúvida, apresenta-se em sua forma mais pura. Será que re conhecemos que a versão da teologia evangélica da maior parte daque les presentes nesta sala é, na verdade, norte-americana, branca e mas culina e que reflete e/ou está direcionada para valores e preocupações dessa população?102 N ossa prática da contextualização terá mais efeito do que a m aneira como transm itim os nossos sermões a diferentes culturas ou do que a m aneira com o aconselham os aqueles que estão passando por dificuldades; ela terá um im pacto poderoso na form a com o exercitarem os a teologia e no modo como apresentarem os as Escrituras para nós mesmos e para os nossos ouvintes. E im possível evitar a nossa perspectiva, mas ela deve ser levada em conta de m aneira honesta se querem os ser justos com ç>texto, com nós m esm os e com os outros. O texto conform e sua intenção original determ inada pelo autor, deve ser sempre a referência para nossas perspectivas e para as conclusões que tiram os dele. 101 Jam es O. B usw ell III, “C ontextualization: T heory, T radition and M ethod” , in Theology and M ission: P aper G iven a t Trinity C onsultation N ° 1,.org. por D avid J. H esselgrave (G rand R apids: Baker, 1978), pp. 89-90. 102 Stanley N. G undry, “ E vangelical T heology: W here S hould We Be G oing?” J E T S 22 (1979): 11 . Etno-hermenêutica e conceitos relacionados Em 1973, Charles H. Kraft defendeu o desenvolvim ento de um a nova m escla de disciplinas que ele chamou de etnoteologia cristã. 103 Nela, ele queria con siderar seriam ente tanto a teologia cristã quanto a antropologia. Em 1978 Larry W. C aldw ell propôs um outro cam po de estudo cham ado de etnoherm enêutica, que consideraria seriam ente as disciplinas da herm enêutica e da antropologia.104 ETNO-HERMENÊUTICA Na visão de Caldwell, o m odelo típico para a interpretação de um texto podia ser cham ado de m étodo de dois passos: prim eiro, extraía-se do texto aquilo que ele queria dizer de acordo com as m elhores técnicas gram ático-históricos disponíveis (Caldwell preferia cham ar esse m étodo de histórico-crítico). O segundo passo, então, era aplicar o texto e apresentar o seu significado em nossos tem pos. M as Caldwell percebeu que o seu m étodo de dois passos era com pletam ente ocidental no sentido de que não lidava adequadam ente com a perspectiva transcultural. Sua crítica era, de várias form as, m ais do que justificada. Não era mais possível discutir o processo de interpretação sem levar em conta as im plicações transculturais daquilo que estava sendo lido. Um outro teólogo ocidental apresentou um a form a de transpor o texto antigo para o m undo m oderno. Hans-Georg Gadam er enfatizou a necessidade de um a “fusão de horizontes” entre o m undo do texto original e o m undo do intérprete m oderno.105 Esse m esm o conceito foi abordado por vários outros escritores evangélicos, ainda que de m aneira m odificada. Anthony Thiselton, por exem plo, colocou esse conceito no título de seu livro The Two H orizons (Os dois horizontes), mas ele tam bém não conseguiu ver a necessidade de um a perspectiva transcultural no trabalho de interpretação.106 O que realm ente era necessário não era um m odelo com dois h o ri zontes, m as sim , um que tivesse três e incluísse a perspectiva transcultural. E le seria assim : 103 C harles H. K raft, “Tow ard a C hristian E thn o th eo lo g y ” , in God, Man, and Church Growth: Festschrift in H onor o f D onald Anderson McGavran, org. por A. R. T ippet (G rand R apids: E erdm ans, 1973), p p .109-26. m Ver outros três trabalhos de L arry W. Caldw ell: “T hird H orizon E thnoherm eneutics: R eevaluating N ew T estam ent H erm eneutical M odels for Intercultural B ible Interpreters T oday” , A J T 1 (1987): 314-33; “D oing T heology A cross C ultures: A New M ethodology for an O ld T ask” , IJFM 4 (1987): 3-7; “T hird H orizon Ethnoherm eneutics: R e-evaluating th e A p o stle P a u l’s H erm eneutical M e thodology for C ross-C ultural B ible Interpreters T oday” (T rabalho não publicado ap resenta do n a reunião d a E vangelical T heological Society em 19 de novem bro de 1988). 105 H ans-G eorg G adam er, Truth and M ethod (L ondres: Sheed and W ard, 1975) 273. 106 A nthony C. T hiselton, The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and Philosophical Description (G rand R apids: E erdm ans, 1980). Prim eiro horizonte: A cultura da Bíblia. Segundo horizonte: A cultura do intérprete. Terceiro horizonte: A cultura do receptor.107 Em cada um desses horizontes, um círculo de bagagem cultural e compreensões precisava ser levado em consideração a fim de que um a cultura não se tornasse norm ativa em relação às outras. Até aqui, podem os concordar com a necessidade de um novo programa como esse e o apoiamos prontamente. Entretanto, um novo elem ento surgiu quando alguns m em bros da escola da nova etno-herm enêutica afirm aram que a com preensão de Paulo do Antigo Testam ento sofreu um a revolução com pleta depois de sua conversão, de modo que suas interpretações sobre o que havia sido dito no Antigo Testam ento não eram m ais determ inadas pelo que o texto queria dizer para o seu escritor original, mas por aquilo que o contexto presente exigia.108 De acordo com C aldw ell, em term os antropológicos Paulo passou a determ inar o significado do Antigo Testam ento por m eio de sua própria visão de mundo. Ele com eçou a usar a técnica rabínica do midrash, que sim plesm ente significa “A quilo [o texto do Antigo Testamento] é isto [a nova realidade em nossa cultura]” . Foi proposto, então, que podem os fazer o m esm o tipo de revisão do texto nos dias de hoje, criando um a ponte entre a cultura bíblica e a cultura m oderna com a m ensagem da Bíblia. Tudo isso parece um tanto arrogante. A tendência é de se elevar um horizonte acim a de outros, especialm ente a nossa cultura m oderna e fazê-lo m ais norm ativo do que a revelação que veio de Deus. Podem os ver por m eio de um a argum entação de Charles R. Taber que esse uso de um a m etodologia rabínica para determ inar o significado de um texto como form a de legitim ar um relaxamento contemporâneo dos valores e significados antigos do texto não é um a aberração incomum no pensamento de nossos dias. De acordo com Taber: Os escritores do Novo Testamento usavam uma hermenêutica em rela ção às muitas citações do Antigo Testamento que era derivada da inter pretação rabínica, mas que estava no pólo oposto daquilo que conside raríamos legítimo nos dias de hoje. Em nossos termos, algumas das passagens do Antigo Testamento citadas estão claramente fora de con texto de forma que, ao afirma que ‘íX” é o cumprimento de “Y” pode nos parecer mais, na verdade, que “X” nos faz lembrar vagamente de “Y”. Em outras palavras, hoje rejeitamos radicalmente a hermenêutica 107 S obre esses assuntos, ver E ugene A. N ida, Message and Mission (N ova York: H arper & Row, 1960), p p .33-58; H arvey C onn, Eternal Word and Changing Worlds: Theology, Anthropology, and Mission in Trialogue (G rand R apids: Z ondervan, 1984), pp. 188-90; e D onald A. C arson, “ H erm eneutics: A B rief A ssessm ent o f Som e R ecent T rends” , Themelios 5 (1980): 17-20. 108 C aldw ell, “T hird H orizon E thnoherm eneutics” , pp. 8 , 11. rabínica do século I o; com que bases fazem os isso? Sei de várias tenta tivas de se contornar esse fato desconfortável. Por exem plo: que aque les escritores eram inspirados, portanto podiam fazer associações de idéias que não perm itiríam os aos nossos estudantes nos dias de hoje; que há duas ou m ais aplicações para essas passagens, e assim por dian te. M as o fato é que aquilo que eles consideravam um a herm enêutica correta era parte d a ta g a g e m de sua herança cultural, enquanto aquilo que consideram os b o a herm enêutica e exegese é parte de nossa heran ça cultura ocidental.109 N ão tem os com o escapar à pergunta de Taber: É possível rejeitarm os a herm enêutica rabínica do século Io com o sendo inapropriada para nós e, ao m esm o tem po, aceitá-la com o sendo uma exposição adequada daquilo que Paulo e outros escritores do Novo Testam ento estavam fazendo? Sem dúvida, Paulo era treinado nas técnicas rabínicas, pois ele havia recebido de Gam aliel a m elhor educação possível na sua época. M as usar esse fato que é aceito por todos para chegar às conclusões de Charles Taber dem onstradas na citação acim a é outra questão. De que form a esse tipo de argum entação poderia ter sustentado Paulo em sua apresentação apologética de que o Jesus que ele havia encontrado na estrada era o M essias do Antigo Testam ento? É possível im aginar Paulo falando “O Antigo Testam ento não diz aquilo que estou concluindo desses textos, mas, por favor, perm itam que eu m ostre com o posso provar por meus princípios de midrash que esses tex tos ensinavam exatam ente o que aconteceu com Jesus como M essias”? Seria essa um a base adequada para ganhar o povo da com unidade judaica para C ris to? Tal afirmação exige que exercitem os dem ais a im aginação. Colocando de um a outra form a, poucas pessoas na igreja da atualidade apresentam objeções em relação ao uso inocente de alegorias ou outro tipo de tratam ento subjetivo do texto bíblico para propósitos devocionais. Se os m es mos m étodos forem usados para incentivar novas doutrinas que consideraría mos heréticas (assim com o os judeus consideraram os ensinam entos de Pau lo), nos veríam os obrigados a voltar para o que está escrito no texto mais rapidam ente do que alguém conseguisse dizer “sensus literalis”. Assim, um a coisa é usar os m étodos midrash e pesher de exegese para ensinam entos devocionais sobre os quais já existe concordância, e outra coisa bem diferente é im aginar que os apóstolos usaram tais técnicas para argu m entar que o que havia acontecido com Cristo não era nem novo nem im pre visto! Sim plesm ente não se encaixa nas evidências do contexto do Antigo Testam ento e dos cum prim entos que aconteceram no Novo Testam ento dizer que os textos antigos eram meros lem bretes para os apóstolos de que o con 109 C harles R. Taber, “Is T here M ore T han O ne W ay to D o T h eo lo g y ? ” G iC , 1 n° 1 (1978): 8. teúdo do Novo Testam ento era verdadeiro. Seria isso motivo suficiente para alguém apostar sua vida e m orrer com o fizeram os apóstolos? Infelizmente, ao que parece, os estudiosos têm aplicado as admiráveis descobertas das metodologias herm enêuticas encontradas nos Papiros do Mar M orto em Qum ram em mais áreas do que são autorizados pelos fatos da ques tão. Há um a tendência de se pensar que toda a interpretação do século I o era semelhante àquelas que foram encontradas acidentalmente em Qum ram (uma form a de reducionismo!). Além disso, todos admitem que o próprio grupo que produziu esses papiros (possivelmente os essênios) e usou as formas de inter pretação midrash e peresh era uma seita à margem da sociedade judaica e difi cilm ente representava qualquer padrão investido de autoridade. Tal solução não deve ser transform ada em resposta para a m aior parte dos problemas com os quais deparamos ao interpretar aquela época e também não deve ser vista como um divisor entre o que o autor quis dizer e o que a cultura extraiu do texto. CONDESCENDÊNCIA, ADAPTAÇÃO E ACULTURAÇÃO A exegese rabínica não é a única form a usada para tentar juntar os três hori zontes e introduzir a etno-herm enêutica. Outras tentativas antigas falavam de “condescendência” , “adaptação” ou “aculturação” . Crisóstom o, um dos pais da igreja prim itiva, por exemplo, usou a idéia da “condescendência” de Deus (do grego synkatabasis) para tratar do fato de que os autores das Escrituras usaram um a ou outra im precisão a fim de falar de tal modo a fim de serem entendidos por seus ouvintes. Na visão de Crisóstom o, a condescendência não era um a form a indireta de declarar que aquele pequeno e inocente erro havia escapado dentro do texto das Escrituras, tam bém não era um a form a de desculpar os autores das Escrituras, que devem ter sido acusados daquilo que consideram os verdade sobre todos os mortais: “Errar é hum ano.” Porém tal conclusão é incorreta em ambos os aspectos. U m a coisa é apresentar determ inado assunto de m aneira aproxim ada, ainda assim referin do-se a ele de form a real e precisa; outra coisa é representar o assunto por m eio de term os que podem induzir ao erro. Os profetas e apóstolos usaram o prim eiro procedim ento e não o segundo. E concordam os com a afirm ação de que os escritores da Bíblia eram tão hum anos quanto nós. M as essa objeção em relação ao caráter hum ano dos escritores ignora o conteúdo essencial das Escrituras. Conform e B. B. W arfield m ostrou há muito tem po a luz pura da revelação de Deus não é distorcida ao passar por canais que sabemos ser hum a nos, assim como a luz solar pura não é distorcida ao ser filtrada por um vitral, pois o mesmo Deus que deu origem à luz do sol também arquitetou o vitral. A preparação que ocorreu na vida, rias experiências, no vocabulário e na visão de m undo dos escritores da B íblia é grandem ente significativa. Assim, quando se tornaram escritores bíblicos, as expressões que usaram foram tão autênticas que qualquer um de nós que os tivesse conhecido antes de seus escritos teria reconhecido instantaneam ente que era daquela m aneira que cada escritor falava. As expressões, o vocabulário, o estilo e outros aspectos eram singulares a cada escritor; ainda assim o produto final foi exatam ente aquele que Deus queria, tendo em vista que ele acom panhou cada escritor de form a que houvesse um a assim ilação viva da verdade - e não um ditado m ecânico das palavras, com o se Deus as tivesse sussurrado no ouvido dos escritores que, com m ovim entos involuntários da mão, as escreviam autom aticam ente. Em 1 Coríntios 2.13 Paulo afirma que essas verdades lhe foram “ensina das em palavras” . Ou seja, aquilo que ele escreveu havia se tornado com ple tam ente parte dele. É, de certa form a, como o que acontece com os nossos alunos hoje em dia, fazendo com que seja difícil dizer onde term inam as idéias do professor e com eçam as do aluno. N esse caso, entretanto, o produto total foi exatam ente aquele pretendido por Deus, pois ele estava presente ao lado dos escritores ao longo de todo o processo de verbalização das verdades que haviam assim ilado sob a tutela do Espírito Santo. A lém disso, há um tipo de condescendência que não envolve necessa riam ente o erro - a condescendência de nosso Senhor. N esse sentido, por tanto, pode-se estabelecer um a paridade entre “aquele que não pecou” com o sendo o Verbo incarnado e a proteção recebida por aqueles que escreveram a Palavra (IC o 2.6-16, especialm ente versículo 13). O que foi dito sobre a condescendência tam bém vale para a adaptação e a aculturação. Os aspectos culturais da m ensagem não foram desenvolvidos com a finalidade de torná-las mais difíceis de ser interpretadas, ou para nos enganar, e sim para fazer a verdade acessível, transform ando-se em parte de cada pessoa em cada era sucessiva da História. As particularidades do texto, quando ele introduz material culturalm ente relevante, tinham a intenção de nos ajudar a aplicá-lo a nossa vida diária ao verm os suas vividas ilustrações sobre com o os princípios ali citados foram colocados em prática naquela épo ca e cultura. Essas particularidades, portanto, não visavam ser um obstáculo para a análise contem porânea daquilo que estava sendo dito. O que resta, então, se admitirmos que há inúmeras alusões culturais dentro do texto bíblico? Nada é perm anente? Não há pontos fixos de referência? Paul B eaucham p foi de ajuda nesse aspecto ao cham ar a atenção para o esco po da m ensagem bíblica: D e acordo com a Bíblia, esse sinais com uns [conform e indicado em Jerem ias 20.10 e Ezequiel 26] de bem -estar espiritual e físico são onde D eus fala ao hom em , a todos os hom ens, independente de sua cultura. Com essa base, podem os procurar definir o elem ento com um da cultu ra: aquilo que é carne está relacionado ao espírito, a condição tem porá ria está relacionada à eternidade, aquilo que está dentro do tem po está relacionado ao que vai além do tem po. Por causa disso, as culturas contêm um pouco do Logos, de sua propensão, por assim dizer, de tornar-se carne. O conceito de Sabedoria, conform e é usado dentro da Bíblia, encaixa-se convenientem ente nessa definição provisória. A Sa bedoria é tanto inerente quanto transcendente, presente no tem po e eter na. M as um fato é motivo de grande adm iração para o leitor do A ntigo Testam ento. Israel está profundam ente consciente da Sabedoria com o sendo um dom universal de D eus ao hom em e não som ente a Israel. A própria Sabedoria... afirm a que desde o princípio ela está “regozijando-se no seu m undo habitável e achando as [suas] delícias com os fi lhos dos hom ens” (Pv 8.31), e não apenas com os filhos de Israel... A liás, podem os observar que, com exceção de uns poucos casos mais recentes, a literatura de Sabedoria evita deliberadam ente m encionar a história de Israel e contém preceitos que são de fácil aceitação em to das as partes do m undo.110 Esse, de fato, é um ponto m uito bem lem brado. A B íblia se inicia com uma visão universal em Gênesis 1-11. E só a partir do cham ado de Abraão que o tem a de Israel com eça a aparecer em prim eiro plano. Mas os livros de Sabe doria voltam aos tem as da criação e universalidade encontrados em Gênesis 1-11, fazendo assim com que suas declarações transcendam todas as culturas e épocas. Infelizm ente, parece que deixam os de lado os livros de Sabedoria durante m uito tem po e, portanto, nos encontram os um tanto despreparados em se tratando de responder a perguntas sobre a cultura e sobre aquilo que é perm anente. Na Sabedoria tem os um elem entos transcultural que m ostra o cam inho para que encontrem os valores aos quais todas as culturas e épocas podem se apegar sem sentir que sua própria cultura foi relegada a um segundo plano ou enganada. Diretrizes práticas para a interpretação cultural Fica claro em Hebreus 1.1 que Deus falou em sua Palavra a nossos pais pelos profetas “muitas vezes de m uitas m aneiras” . M esm o levando em considera ção a diversidade de métodos, entretanto, afirrr^m os a im portância das E scri turas com o um todo (2Tm 3.16,17) - incluindo as partes culturais! Assim , as diretrizes abaixo podem ser úteis ao tratarm os dos aspectos culturais e histó ricos das Escrituras. 110 Paul B eaucham p, “T he R ole o f the O ld Testam ent in the P rocess o f B uilding U p L ocal C hurches” , em B ible a n d Inculturation. Vol 3, em Inculturation: Working Papers on Living Faith a n d Cultures. O rg. por A ry A. R oset C rollius Rom e: Pontificai G regorian U niversity, 1983), pp. 6,7. Antes de com eçar a lista, porém , observe que nos vemos diante de três opções em cada um a dessas situações que envolvem um lado cultural ou his tórico da revelação que está sendo considerada. 1. Podemos m anter tanto a teologia ensinada (como, por exem plo, o princípio afirm ado no texto ou que fica subentendido no contexto) quanto a expressão histórico-cultural desse princípio. D aí os princípios delineados por Deus sobre alguns tipos de responsabilidades nos relacionam entos entre m a rido e mulher, pai e filho, soberano e cidadão que parecem ser afirm ados nas Escrituras. Se esse entendim ento é correto, m esm o que de form a lim itada, tem os aqui exem plos de casos em que o princípio teológico foi com binado com o costum e particular que expressa esse princípio. O grau em que o prin cípio perm anece contido dentro de um a cultura pode variar de acordo com os diversos sistem as de interpretação. M as fica dem onstrado o conceito de que tanto o princípio quanto parte (senão toda) a sua m anifestação histórico-cul tural ainda perm anece. 2. Podemos m anter a teologia da passagem (o princípio), m as substituir a expressão com portam ental p o r uma expressão mais recente, porém igual m ente significativa. Encontram os precedentes para esse procedim ento nas cham adas leis civis e cerim oniais de M oisés que são usadas com o ilustração para a lei perm anente de Deus. Em 1 Coríntios 5, por exemplo, o princípio da santidade do casam ento e da sexualidade hum ana é m antido, m esm o que a ordem de se apedrejar mãe e filho que são culpados de incesto tenha sido substituída pela excom unhão de ambos da com unidade de crentes. Por trás da lei m oral de Deus (encontrada, por exemplo, nos Dez M andam entos e na lei de santidade de Levítico 8-12) estava o caráter de Deus. Era isso que tornava esses princípios teológicos im utáveis; as sanções ou penalidades, entretanto, estavam sujeitas a m odificações.111 Assim, por trás da lei contra o incesto tanto no Antigo quanto no Novo Testam ento estava o caráter santo de Deus e a santidade do casam ento; o princípio perm aneceu, m esm o que a aplicação cultural tivesse variado. 3. Em alguns casos, tanto o princípio (como por exem plo o cham ado princípio econôm ico de subordinação) quanto a prática são substituídos. E o caso do costum e de usar véus ou certos penteados que foi substituído por práticas consideradas mais igualitárias e tam bém é o caso da substituição de conceitos fam iliares que são considerados por alguns um a hierarquia antiga ou m esm o patriarcal. Isso não significa que a simples decisão de fazer essas m udanças é autom aticam ente válida, pois a m odernidade e os defensores do pensam ento contem porâneo nem sempre têm as justificativas adequadas para 111 Para m ais esclarecim entos sobre esse ponto crítico, ver W alter C. Kaiser, Jr., “G o d 's Prom ise Plan and H is G racious Law ” , JE T S 33 (1990):289-302. afirm ar a autoridade das novas posições adotadas. Pode haver casos em que certos pontos teológicos considerados essenciais por algum as pessoas não passem de outras expressões de cultura e da época em que foram escritos, mas tudo isso deve ser dem onstrado por meio do texto e não apenas declara do, tendo com o base o pensam ento individual. De m odo geral, o texto irá fornecer suas próprias pistas sobre qual des sas três opções deve ser usada. Para oferecer ainda mais ajuda no m om ento de lidar com as questões culturais, nos voltamos para as cinco diretrizes a seguir: OBSERVE A RAZÃO PELA QUAL A ORDEM, O COSTUME OU O EXEMPLO HISTÓRICO APARE CE NO TEXTO Se a razão para a prática ou ordem que está sendo questionada tem como base a natureza de Deus, então essa prática ou ordem é relevante para todos e em todas as épocas. Gênesis 9.6, por exemplo, ordena que todo aquele que derra m ar o sangue de um a pessoa de forma deliberada e premeditada, deve sofrer a pena capital. A razão para isso encontra-se no caráter e natureza de Deus: “por que Deus fez o hom em segundo a sua própria imagem.” Conseqüentem ente, enquanto hom ens e mulheres forem a imagem de Deus, eles continuam a ter valor aos olhos do Criador. M as, e quanto à sanção da pena capital? Essa pena é necessariam ente um a obrigação em nossos dias sim plesm ente porque concordam os que a proi bição de tirar a vida de outro intencionalm ente é de natureza divina? É im pos sível com preender a força dessa razão teológica e moral até que observem os como a pena está intimamente ligada à teologia apresentada no texto de Gênesis 9.6. “Se alguém derram ar o sangue do homem, pelo hom em [pelas autorida des governantes, conform e é especificado mais tarde] se derram ará o seu. Porque Deus fez o hom em segundo a sua im agem .” A vida da pessoa que foi assassinada é tão preciosa que os hom ens (neste caso, os governantes - para evitar o surgim ento de “justiceiros” na sociedade) ficam devendo a Deus a vida daquele que foi m orto.112 E dessa form a que a razão para um a ordem ou costum e nos ajuda a saber se tanto a form a cultural quanto o conteúdo ainda estão em uso. EM ALGUNS CASOS, MODIFIQUE A FORMA CULTURAL, JMANTENDO PORÉM O CONTEÚDO O princípio da hum ildade, por exemplo, é um a ordem perm anente para todas as épocas, m esm o que as aplicações específicas - como lavar os pés uns dos outros - tenha m udado (supostam ente por causa do nosso m om ento histórico, m odelos de sapatos e nossos tipos de estradas). João 13.12-16 é claro sobre 112 P ara m ais observações sobre essa exegese, ver W alter C. Kaiser, Jr. Toward O ld T estam ent E thics (G rand Rapids: Z ondervan, 1983), pp. 165-68. Ver tam bém H ard S ayings o f th e O ld Testam ent (D ow ners G rove, 1L: InterV arsity, 1988), pp. 40-45. aquilo que Jesus fez e sobre sua ordem , mas o seu ponto principal é preserva do em M arcos 10.42-45: “Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm -nos sob seu dom ínio, e sobre eles os seus m aiorais exercem autoridade. M as entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o prim eiro entre vós será servo de todos. Rois o próprio Filho do Hom em não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por m uitos.” Assim tam bém , Tiago pede aos crentes que observem o princípio da im parcialidade (Tg 2.1-4) sendo que a form a que esse princípio tom a pode não ser a m esm a em todas as culturas. No caso de Tiago, consistia em ter os pobres sentados em cadeiras durante os cultos na igreja, enquanto os ricos ficavam de pé ou sentavam-se no chão. O princípio continua sendo o m esm o, mas a sua aplicação pode tom ar várias formas. RECUSE PRÁTICAS QUE ERAM PARTE INTEGRANTE DAS CULTURAS PAGÃS DA ÉPOCA A lgum as práticas são básica e inerentem ente erradas, pois originam -se de religiões e culturas pagãs e, em muitos casos, apresentam características às quais a B íblia se opõe em term os m orais, éticos e teológicos. Em alguns ca sos, a continuação ou adoção de algumas práticas podia servir de ponte que levava o praticante de volta ao paganism o de onde ele havia saído ou, em outros casos, o introduzia naquela form a de culto. A forte condenação bíblica à bestialidade, ao com portam ento hom osse xual, ao travestism o e à exibição deliberada da nudez está freqüentem ente ligada com aquilo que essas práticas significavam no paganism o. Cada um a dessas práticas cananéias ofendia um aspecto na natureza m oral de Deus e de seus a trib u to s. N esses caso s, não há d ú v id as de que a fo rm a estav a inseparavelm ente ligada ao conteúdo e significado da religião pagã e de suas práticas, que os crentes não deveriam seguir. MANTENHA PRÁTICAS QUE ESTÃO FUNDAMENTADAS NA NATUREZA DE D E U S A lgum as form as que, à prim eira vista, podem parecer simples expressões culturais são, na verdade, ordens inflexíveis baseadas na natureza de Deus. Assim, as questões de divórcio e segundo casam ento, obediência aos pais e o devido respeito ao governo, são alguns exemplos de ordens fundam entadas na natureza de Deus ou nas ordenanças de sua criação e que têm relevância universal e perm anente. Portanto, “o que Deus ajuntou não separe o hom em ” (Mt 19.6). E assim que tem sido e deve continuar sendo, pois Deus apresentou essa diretiva na criação. É interessante observar que não é cobrada do crente a responsabilidade moral de decidir sobre o pagam ento ou não de impostos para um governo que o indivíduo acredita estar contra a lei moral (ou por causa de algum a outra objeção igualm ente válida). O motivo pelo qual ele é liberado dessa respon sabilidade m oral está em Rom anos 13.7 que coloca os im postos na m esm a categoria do pagam ento por serviços prestados por profissionais. Quando pa gamos um encanador, eletricista ou um m arceneiro que tenha prestado servi ços para nós não estam os condescendendo e nem incentivando qualquer prá tica errônea que esses profissionais possam ter em sua vida pessoal. Nós pa gamos aquilo que eles cobram por seus serviços, sem abater da conta a quan tia que suspeitam os que estejam usando para jogar, beber ou trair a esposa. Da m esm a form a, quando pagam os impostos, damos a César o que lhe é devido; não tem os como deduzir aquela porcentagem que crem os ser utiliza da para guerras que não podem os apoiar ou para clínicas de aborto que não podem os justificar m oralm ente. Em contraste com essa ilustração dos im pos tos estão as ordens fundam entadas na natureza moral de Deus ou nas orde nanças de sua criação. OBSERVE QUANDO AS CIRCUNSTÂNCIA ALTERAM A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO Existe, de fato, precedente bíblico para se dizer que as circunstâncias podem alterar a aplicação das leis de Deus que não estão fundamentadas na sua natureza (na lei moral de Deus), mas que são verdadeiras, pois ele as proferiu dentro de um determinado contexto. As leis que não são baseadas na natureza de Deus mas em sua determinação numa ocasião especial são chamadas de leis positivas. U m exem plo da m udança na aplicação de um a ordem pode ser visto no com ando que foi dado a A rão e seus filhos. A princípio, só eles dev eri am com er o pão da proposição colocado diante do Senhor no tabernáculo (Lv 24.8,9). M as, quando surgiu um a em ergência no caso em que D avi e de seus hom ens estavam sem com ida, A im eleque ofereceu a D avi e seu exército esse alim ento sagrado e proibido (IS m 21.1-6). M as essa ilustração ainda m ostra de outras form as com o uma lei positi va pode ter sua aplicação m udada quando as circunstâncias assim o exigem . O próprio Jesus usou essa m esm a ilustração para justificar o fato de ter reali zado atos de m isericórdia no sábado, o que foi considerado por alguns com o um a violação de seu caráter sagrado (M t 12.1-5; Mc 2.23-25; Lc 6.1-4). O que, a princípio, parecia não perm itir exceções (tais com o realizar tarefas que eram consideradas trabalho no sábado), na verdacte tinha a condição de “sen do todas as outras coisas iguais” ligada a si.113 Isso não significa que estam os confundindo a lei moral (a qual afirmamos ser encontrada, em parte, nos Dez M andam entos) com a lei positiva, pois o m andam ento sobre o sábado é o único que m escla tanto aspectos morais quanto positivos. Ele é m oral no sen 113 Ver J. O liver B usw ell, A S ystem atic T heology o f the C hristian R elig io n , 2 vols. (G rand R apids: Z ondervan, 1962), 1:368-73. tido de que afirma que Deus é senhor do tem po e, portanto, tem o direito de receber de volta um a porção do nosso tem po em adoração a ele. M as é posi tivo ou cerim onial no sentido de que determ ina que exatam ente o sétim o dia deve ser guardado para essa finalidade. As Escrituras são absolutam ente leais aos princípios fundam entados na natureza de Deus, mas há bastante flexibilidade ao se aplicar os m andam en tos positivos com o leis de higiene e alim entação (ver M c 7.19 e At 10.15, onde todos os alim entos são declarados puros). Assim tam bém , a m esm a fle xibilidade é encontrada nos casos de regulam entações cerim oniais, com o por exem plo em 1 Reis 8.64 onde, em lugar de usar o altar conform e determ ina do, Salom ão usou o meio do átrio do tem plo para sacrificar diversos anim ais durante a cerim ônia de consagração, pois o altar era muito pequeno para aquela ocasião (ver 2Cr 4.1; lR s 9.26). De qualquer m aneira, o princípio de adora ção foi m antido m esm o que os meios tivessem variado. Precisam os estar atentos às leis positivas, observando sua ligação a um a determ inada ocasião histórica, mas tendo em m ente tam bém os princípios que estão envolvidos nelas. É de pouco valor observar de m aneira form al ordens como “Entra no barco” , “Solta o potro” ou “Lança ao fundo” . O contexto nos ajudará a ver que elas são referências específicas a pessoas específicas, mes mo que o princípio por trás seja o mesmo para todos que vieram depois. Conclusão Esta área da aplicação cultural e histórica da m ensagem bíblica nem fácil de ser resolvida em todos os casos. Quando nos vemos num devem os lem brar a necessidade de hum ildade. Tam bém só tem os quando m antem os em m ente os três horizontes de interpretação da sem pre é im passe, a ganhar Bíblia. A IMPORTÂNCIA DA HUMILDADE NOS CASOS DE INCERTEZA R obert C. Sproul nos dá o seguinte bom conselho sobre com o lidar com a dúvida nas questões de interpretação: E se, depois de estudo cuidadoso da ordem bíblica, ainda estam os in certos se ela é um a questão ligada ao princípio ou ao costum e? O que podem os fazer quando precisam os decidir com o tratar essa ordem de pendendo de seu caráter? É aqui que o princípio bíblico da hum ildade pode ser útil. A questão é sim ples - seria m elhor tratar um possível costum e com o se fosse um princípio e pecar pelo excesso de escrúpulo em nosso desejo de obedecer a Deus; ou seria m elhor tratar um possí vel princípio com o se fosse um costum e e ser culpado de desprezar um m andam ento transcendente de D eus, transform ando-o em m era con venção hum ana? Espero que a resposta seja óbvia.114 114 R. C. Sproul. “C ontroversy at C ulture G ap ” , E terníty (1976): 40. Em outras palavras, é m elhor errar por excesso de preocupação em se guir o texto do que supor que, quanto mais arriscada a posição que tom am os, mais aceitável será entre aqueles que valorizam a criatividade com o se ela fosse exclusivam ente representada por toda e qualquer novidade. A importância dos três horizontes Ao concluir este capítulo, voltam os à argum entação do início. H á, de fato, três horizontes: o da B íblia, o do in térprete e o do receptor. A essa altura, tam bém já deve ter ficado claro que cada um desses três horizontes tem um contexto. A Bíblia foi escrita dentro de determ inadas culturas e épocas. N enhum intérprete tem o direito de fazer com que cada texto diga aquilo que ele quer. Deve-se perm itir que o texto apresente aquilo que deseja transmitir, com o devido respeito pela situação particular e pela cultura na qual ele foi baseado. Enquanto alguns apontaram para o uso do Antigo Testam ento dentro do Novo Testam ento com o form a de legitim ar certos tipos de análise intuitiva, não podem os dizer que os escritores do Novo Testam ento não estavam interessa dos no significado original das Escrituras mais antigas, especialm ente no que diz respeito à form ação de doutrinas baseadas nesses textos anteriores ou quando os estavam utilizando com fins apologéticos para m ostrar que o C ris tianism o não era apenas um a fantasia inventada por alguém. Os intérpretes tam bém devem ter consciência da m aneira com o sua cul tura reforça algum as questões, mas os im pedem de ver outras possivelm ente de igual im portância. Além disso, quando os intérpretes deparam com um texto, já form aram dentro de si uma espiral herm enêutica que costum a im por categorias ou m aneiras de encarar determ inadas questões. Os intérpretes de vem passar constantem ente por períodos de auto-exam e para detectar quão livres realm ente são e para considerar como cada uma das atitudes adotadas anteriorm ente afeta a exegese. Por fim, leitores, ouvintes e o público de nossa época para os quais as antigas Escrituras estão sendo proclam adas tam bém devem ser levados em consideração, tendo em vista sua cultura e valores pessoais. Ninguém é uma ilha e ninguém entrou em cena com pletam ente inocente e com um a tabula rasa. Nossas falhas morais se m anifestam de m aneira diretam ente proporcio nal aos preconceitos que acumulam os. Aliás, quanto mais nos aproxim am os daquele cerne religioso ou filosófico de nossa vida, mais perto estam os de possíveis conflitos com outros pontos de vista culturais e espirituais. Poderia construir-se um a escala da interatividade cultural e espiritual: em um dos extrem os ficariam as questões m atem áticas - até m esm o Belzebu e um santo poderiam concordar com a resolução de determ inada equação. No m eio da escala estariam as ciências sociais, naturais e, finalm ente, no outro extrem o estariam as artes e ciências hum anas, em que conflitos trem endos aum entari am à m edida que nos aproxim ássem os dos lugares mais profundos da alma. Tendo em vista que a teologia e a interpretação das Escrituras estão situadas nesse segundo extrem o na escala, e não na área da m atem ática, é imperativo que procedam os com cuidado e estejam os abertos a um a rigorosa auto-análise do contexto cultural em que nos encontram os."5 115 P a ra e ssa seção , ver C. R en é P ad illa, “T h e In te rp re te d W ord: R e fle ctio n s o f C ontex tu ai H erm eneutics” , T h e m e lio s l (1981): 18-23. O uso da teologia no processo interpretativo m uitas vezes transform a algo que de outro modo seria um a divagação pouco interessante num a experiência poderosa e cheia de vida. Há duas ferram entas disponíveis para essa tarefa: a analogia da fé e a ana logia das Escrituras. A analogia da fé, apesar de receber interpretações variadas e freqüentemente ser mal utilizada, exige que interpretemos cada tre cho das Escrituras de modo que esteja de acordo com os ensinamentos da Bíblia com o um todo. Ela pressupõe (1) a coerência das E scri turas, (2) a natureza orgânica da Bíblia e (3) um cânon com pleto do Livro Sagrado. Quando a analogia da fé é aplicada dessa m a neira, as Escrituras interpretam as próprias Escrituras, especial m ente no uso de passagens verbal e topicam ente paralelas. N or m alm ente, entretanto, o uso da analogia da fé é reservado para o m om ento em que o intérprete já está preparado para conferir sua interpretação da passagem em relação ao resto das Escrituras. A analogia das Escrituras refere-se ao uso exegético de tex tos mais antigos que serviram de fonte para passagens mais re centes, oferecendo base, profundidade e em oção às palavras usa das. Elas incluem termos técnicos, citações diretas, citações in diretas, alusões a acontecim entos passados, pessoas, instituições ou alianças anteriores. Essa analogia é útil para colocarm os o foco sobre certas passagens-chave que são o fundam ento de determ inadas doutri nas. São esses capítulos que contêm a m aior concentração de ensinam entos em um só lugar sobre a doutrina em questão. Alguns dos princípios mais im portantes por trás do uso teo lógico profícuo da B íblia são: (1) a exegese vem antes de qual quer sistem a de doutrina, (2) as doutrinas não devem ir além das evidências encontradas nas Escrituras, (3) somente aquilo que é diretam ente ensinado nas Escrituras deve falar à consciência, e (4) a interpretação teológica deve ser relevante para a igreja. CAPÍTULO 11 Juntando as peças O USO TEOLÓGICO DA BÍBLIA W a lte r C. K a is e r , J r . A analogia da fé A interpretação bíblica é um dos campos de estudo mais críticos do trabalho teológico. Qualquer falha na missão interpretativa afeta im ediatam ente os resultados obtidos na teorização teológica.116 Sob um outro ponto de vista, para que a prática da herm enêutica seja realizada de form a com pleta, ela precisa envolver tanto o elem ento exegético quanto o teológico. A parte exegética do processo interpretativo exam ina os aspectos gram aticais, históricos e literários do texto. M as, um a vez que essas tarefas são concluídas, precisam ser relacionadas ao pensam ento geral daque le livro bíblico que está sendo estudado e a todo o cânon das Escrituras. E nesse ponto que o com ponente teológico do estudo interpretativo assum e o prim eiro plano, norm alm ente introduzindo o conceito muitas vezes mal utili zado da analogia da fé. A analogia da fé (analogia fid.es) é um cojiceito que tem muitos defen sores, mas poucos tom aram o tem po necessário para defini-la com cuida d o .117 Esse conceito vem de um a frase em Rom anos 12.6: “Tendo porém diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a 116 P ara um desenvolvim ento m ais detalhado de alguns assuntos deste capítulo, ver W alter C. Kaiser, Jr., “H erm eneutics and the T heological T ask” , 77, n.s., 12 (1990): 3-14. 117 U m a exceção notável é o estudo cuidadoso de H enri B locher “T he ‘A nalogy o f F a ith ’ in the Study o f S cripture” , S B E T 5 (1987): 17-38. proporção da nossa f é [kata tem analogian tes pisteos].” N orm alm ente, duas outras passagens tam bém são citadas: Rom anos 12.3, onde Paulo diz que ninguém pense de si m esm o além do que convém, mas sim que pense com m oderação “segundo a medida da f é [metron pisteos] que Deus repartiu” ; e 2 Timóteo 1.13: “M antém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com fé.” Em R om anos 12.6 Paulo m ostra que o dom da profecia deve ser “de acordo com ” ou “proporcional à” fé. Foram sugeridas três m aneiras p rin ci pais de se interpretar essa frase. Em prim eiro lugar: ela pode referir-se à fé pessoal em Cristo. A ssim , os profetas devem profetizar de acordo com o grau de sua própria com preensão e resposta à graça de Deus no evange lh o .118 Em segundo lugar, pode referir-se àquilo que é m atem aticam ente proporcional; o dom do profeta deve ser exercido dentro dos lim ites da fé, restrito aos propósitos e à esfera do p ro feta.119 E o terceiro ponto de vista entende que Paulo estava pedindo que o profeta falasse de acordo com ver dades anteriorm ente reveladas na Palavra de D eus. E ssa terceira definição pode apoiar a regra freqüentem ente usada de que o verdadeiro profeta j a m ais contraria a revelação já existente (Dt 13.1-5; 18.20-22; At 17.11; IC o 14.37; lJo 4 .1 -6 ).120 Cada um desses três pontos de vista apresenta um padrão em relação ao qual a profecia deve ser julgada. Nesse sentido, então, o uso que Paulo faz da frase analogia da f é não está tão distante do modo com o m uitos já o utiliza ram ao longo da história da interpretação. Nossa preferência, entretanto, é para com o terceiro ponto de vista, pelas razões citadas. Henri B locher resu m e apropriadam ente a situação ao comentar: “O apóstolo, quando estava di tando Rom anos 12.6 mal deve ter pensado no procedim ento técnico de ‘com parar as Escrituras com as E scrituras’; ainda assim, ele se preocupou com a concordância do discurso cristão em relação ao conjunto geral de ensinamentos oferecidos pela inspiração de Deus, sendo sua principal ênfase no equilíbrio (analogia), incluindo todas as partes. De m odo substancial, seu argum ento não estava tão distante do conceito de analogia da fé.” 121 O conceito de analogia da fé entra em cena no processo interpretativo depois que já foi estabelecido o significado particular da passagem em rela ção ao seu contexto imediato. Tendo em vista que a analogia da fé passa por todas as Escrituras sem se preocupar com a seqüência, é m elhor que seja 118 C. E. B. C ranfield, A C riticai a n d E xegetical C om m entary on the E pístle to the R om ans, ICC. 2 vols. (E dim burgo: T. & T. C lark, 1975-79), 2:621. 119 C onform e representado por John M urray, The E pistle to the R om ans, 2 vols. (G rand Rapids: E erdm ans, 1959-65), 2:123. 120 C onform e representado por L eon M orris, The E pistle to the R om ans (G rand R apids: E erdm ans, 1988), 441. 121 B locher, “A nalogy o f Faith” , p. 28. usada com o form a de sumário, na conclusão da investigação de cada parágra fo ou unidade básica do trabalho exegético. A analogia da fé reúne versículos de todo o cânon em um conjunto que é verdadeiram ente bíblico em sua deri vação. As doutrinas que são afirmadas e o apoio dado a cada um a das doutri nas dentro desse conjunto de versículos citados são tão úteis e válidos quanto a exegese que está por trás desse trabalho de construir o texto e suas definições. A analogia das Escrituras Antes de olharm os mais de perto como a analogia da fé pode ser usada no processo interpretativo, devemos considerar o termo paralelo - a analogia das Escrituras,122 Foi John Bright quem observou que a m aioria das passa gens bíblicas possui dentro delas algum aspecto teológico expressado de m a neira que transform a a passagem em um a parte da estrutura da B íblia com o um to d o .123 As raízes dessa teologia m uitas vezes foram encontradas em textos das Escrituras que vieram antes do texto em exame. As indicações de um a teologia anterior dentro do texto são: 1. O uso de certos term os que já adquiriram um significado especial dentro das Escrituras (por exem plo, sem ente, servo, rem anescente, herança). 2. O uso de citações diretas de escritores que precederam o texto exa m inado (com o por exemplo a tríade: “Eu serei o seu Deus, vós sereis o m eu povo e eu habitarei no meio de vós” ). 3. O uso de citações indiretas ou alusões a acontecim entos, pessoas ou instituições passadas (por exemplo, o Êxodo, a epifania do M on te Sinai ou quando Deus deu as leis) e 4. U m a referência à aliança e seu conteúdo (aliança com Abraão, Davi ou a Nova Aliança). Em cada caso o intérprete deve prestar m uita atenção no contexto anterior. N essas ocasiões, o escritor da passagem estava construindo sobre um a base bíblica que já estava à sua disposição. Nas palavras de John Bright, essas passagens anteriores “inform aram ” o texto mais recente, dando-lhe m aior sentim ento e profundidade. Não é difícil encontrar exem plos m odernos para esse processo. Pode mos m encionar “W atergate” ou o nome de qualquer um daqueles que estive rem envolvidos nesse escândalo durante a presidência am ericana de Richard Nixon e um a série de lem branças, associações e até m esm o um a ou outra 122 P ara m ais discussões ver W alter C. Kaiser, Jr., Toward a n d E xegetical Theology: B iblical Exegesis f o r P reaching a n d Teaching (G rand R apids: Baker, 1981), 134-40. 123 John B right, The A u th o rity o fth e O ld Testam ent (N ashville: A bingdon, 1967), pp. 143, 170. frase específica nos vêm à mente. Esse único fato tem influência sobre todos os personagens, acontecimentos e escritos da história americana a partir de 1973. D a m esm a form a, quando o profeta O séias m enciona em O séias 2.15 que D eus vai devolver a Israel “ as suas vinhas e o vale de A cor por porta de esperança” , ele está se referindo diretam ente ao pecado de A cã em Josué 7. N aquele incidente um único hom em trouxe grande tristeza sobre todo Isra el, então o apedrejaram nc5 vale de A cor (Js 7.24), pois ele havia trazido “problem as” e “desastre” (achor) sobre o povo. M as no grande anúncio que D eus faz por m eio de O séias, ele prom ete transform ar o que antes havia sido um lugar de desastre em um a “porta de esperança” ! Ao observarm os essa “teologia inform ada” , com preendem os quão com ovente e profunda é a alusão em O séias. U m intérprete pode entender m elhor a analogia das Escrituras ao con sultar edições anotadas da B íblia com referências anteriores, tais com o a Thom pson Chain Reference Bible e a D ickson Reference Bible e m uitas ou tras edições m odernas que trazem tais referências sobre alusões e citações. D eve-se ter o cuidado, entretanto, de elim inar todas as referências que citam passagens posteriores ao texto que está sendo investigado.124 O uso da analogia da fé A lgum as vezes, apesar de toda a ênfase dada aos detalhes, partes e m inúcias das Escrituras, os intérpretes modernos deixam de lado três elem entos de im portância vital que podem parecer antiquados: (1) a coerência das E scritu ras, (2) a natureza orgânica das Escrituras e (3) o cânon definitivo das E scri turas. B locher argum enta contra tal “m odernização” dizendo que “ se as E s crituras fossem um a coleção de ditados independentes, todos eles corretos, m as sim plesm ente justapostos, tratando de tópicos não relacionados entre si, de que form a poderia ser usada a analogia [da fé]?... M as a Escritura é como um diálogo e muito m ais.125 É aqui que a analogia da fé entra em cena mais um a vez. Tendo em vista que um a única M ente governa sobre as Escrituras, é apropriado e justo para Deus, o Espírito Santo, juntar a totalidade de seu pensam ento sobre um deter m inado assunto, de form a sem elhante como nós faríam os com os escritos de um autor humano. E se pressupomos a existência de comunicação, não estamos adm itindo tam bém que o autor apresenta coerência e unidade em seu pensa m ento até que se prove em contrário? Por que os estudiosos da Bíblia fazem 124 E ssas “B íblias tó p icas” podem ser úteis em outras ocasiões (m ais especificam ente na analo g ia da fé) m as não nos estados form ativos do processo de interpretação. U m a fonte rica em referências a passagens anteriores é a obra The Treasury o f S criptural K now ledge de R. A. Torrey, que c o n tém m ais de cinco m il referências d esse tipo. A o bra de Torrey c o n tin u a a ser reim pressa m esm o tanto tem po depois de sua m orte em 1928. 125 B locher, “A nalogy o f F aith”, pp. 32-33. suposições que ficam aquém disso? É possível que eles não acreditem em um a m ente divina unificada por trás das Escrituras como um todo? A suposi ção contrária à unidade da Bíblia, mais do que qualquer outro fato, tem afas tado evangélicos de buscar os princípios internos unificadores na teologia ou na ética bíblica, de modo que não com preendem por com pleto a legitim idade da teologia sistem ática. O sucesso nos m étodos analíticos de estudo tem im pedido o evangelicalism o de concentrar sua atenção nos estudos sinópticos e sintéticos m ais profundos que são necessários para a interpretação teológica da Bíblia. A unidade da Bíblia, entretanto, pode ser argum entada a partir de pelo m enos três pontos de vista. COERÊNCIA O argum ento a favor da coerência pode ser encontrado, em parte, no modo com o os escritores da B íblia fazem referências diretas ou indiretas à porções do texto bíblico que os precedem . Assim, Daniel “entendeu pelos livros [Es crituras]” que aquilo que Jerem ias havia dito menos de um século antes era aquilo “que falara o Senhor” (Dn 9.2 citando Jr 25.11,12 e 29.10 referindo-se ao fato de que o cativeiro de Judá na Babilônia iria durar setenta anos). E sobre esse m odelo dos setenta anos, então, que Daniel recebe sua revelação dos “setenta ‘setes’” (Dn 9.24). A concordância e dependência dos autores bíblicos entre si fica evidente ao longo de todo o texto. NATUREZA ORGÂNICA Existe um a natureza orgânica nas revelações pelo fato de as prim eiras m ani festações conterem form as seminais ou o germ e de idéias que ganharão ex pressão plena mais tarde, à m edida que a revelação progride. Assim, confor me indicou O. Palm er Robertson: Gênesis 15.6 - “Ele [Abraão] creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça” - ecoa deliberadamente em Habacuque 2.4 “... mas o jus to viverá pela fé” e nos dá bases para uma compreensão adequada do texto. Os mesmos radicais usados para os conceitos de fé e justiça [he emin, emuna, sedaqa, saddiq] aparecem em ambas as passagens. No contexto de Habacuque, fica evidente um teste de fé semelhante àquele pelo qual passou Abraão devido ao não cumprimento imediato da pro messa divina.126 Assim, textos separados entre si por séculos estavam organicam ente relacio nados um ao outro e a sem ente daquilo que mais tarde alcançaria a plenitude frutífera, já estava presente no prim eiro texto. 126 O. P alm er R obertson, ‘“ T he Justified (by Faith) Shall L ive by ~His S teadfast T ru st’ - H abakkuk 2 :4 ” , P resbyterion 9 (1983): 65. O CÂNON COMPLETO A terceira parte da argum entação em favor da unidade da Bíblia envolve con siderações acerca da natureza com pleta do cânon. Nos últimos anos tem -se dado atenção novamente à situação canônica. Isso tem aberto cam inho para um a redescoberta parcial do conceito de princípio e fim na revelação de Deus. Esse conceito de inteireza/ios oferece um contexto geral que esclarece aquilo que a m ente organizadora das Escrituras tinha como visão. A própria idéia de cânon deixa im plícita a existência de um padrão ou recurso de m edida pelo qual um a coleção de livros é reconhecida com o nor m a para uma com unidade. Esse reconhecim ento tam bém contém um a idéia não apenas de princípio e fim, mas a sugestão de que há recursos conectivos dentro desse corpo de texto. Assim, enquanto as partes individuais do cânon têm valor por si m esm as, apenas quando o texto é visto como um todo é a que o intento de Deus em sua plenitude pode ser declarado em qualquer um dos vários assuntos que são tratados dentro dos livros. A tarefa teológica do intérprete A frase analogia da f é não é comum nos escritos dos pais da igreja prim itiva e na Idade M édia. Mas o conceito aparecia sob diversos outros nomes: a fé, regra de fé, m edida da fé, fé católica ou instituição apostólica da igreja. Em todos esses term os, o conceito de unidade das Escrituras é proem inente. Tal unidade baseia-se em quatro pilares: (1) o fato de as Escrituras terem um único e divino Autor; (2) o fato de Cristo estar presente no Antigo T estam en to, não apenas de m aneira virtual ou im plícita, mas diretam ente, tendo em vista que os profetas falam dele; (3) o fato de Cristo ser o centro das E scritu ras e (4) o fato de as doutrinas dentro das Escrituras estarem ligadas entre si ao longo de todo o texto e desenvolverem -se um a a partir da outra.127 O Ilum inism o e o advento do m étodo crítico superior levaram muitos dentro da igreja a rejeitar a unidade das Escrituras com o uma doutrina viável ou um aspecto herm enêutico utilizável. Isso deixou m uitos leitores contem p o rân e o s da B íb lia e x tre m a m en te co n fu so s e sem nenhum p rin c íp io organizador ou m étodo pelo qual poderiam juntar toda a história da Bíblia. Esses princípios devem ser revisados mais um a vez e é o que pretendem os fazer a seguir: A PERSPICUIDADE DAS ESCRITURAS O princípio de perspicuidade das Escrituras (ver tam bém capítulo 9, pp. 157164) afirm a que a m ensagem das Escrituras é clara o suficiente, de m odo que 127 D evo esta lista a R obert D. Preus, “T he U nity o f S cripture” , CTQ 54 (1990): 1-23. até o m enos instruído dos leitores é capaz de entender a m ensagem da salva ção que a B íblia apresenta. Essa afirm ação clássica de perspicuidade (“clara ao entendim ento”) ou da natureza clara da B íblia não significa que todas as partes da Bíblia são igualm ente claras e livres de qualquer dificuldade. A perspicuidade nunca foi pretendida como um atalho ou chave m estra para abrir todos os ensinam entos ou interpretações da Bíblia. O Bispo H erbert M arsh declara como esse princípio tem sido mal entendido e mal utilizado: U m a outra expressão usada pelos nossos Reformadores, a “perspicuidade dos Escritos Sagrados” não tem sido m enos abusada do que [outras] expressões sim ilares [tais com o “a Bíblia é sua própria intérprete”]. Q uando eles [os Reform adores] defenderam a perspicuidade da Bí blia, sua intenção não era argum entar contra a aplicação do Ensino, m as contra a aplicação da Tradição à exposição das Escrituras... N ão!, disseram nossos R eform adores; não precisam os da ajuda da nossa Tra dição; é suficientem ente perspícuo usar a Bíblia sem ela... Eles não tinham a intenção de declarar que a Bíblia era perspícua tanto para os instruídos com o para os não-instruídos. Se assim fosse, eles jam ais te riam oferecido aos não-instruídos explicações sobre ela .128 As Escrituras interpretam as Escrituras Com freqüência, aquilo que é obscuro numa parte da B íblia fica claro em outra parte. A ferram enta da herm enêutica a ser usada aqui é a de passagens paralelas. Quando o contexto im ediato não ajuda os intérpretes a descobrirem o significado da passagem , eles podem utilizar dois tipos de passagens para lelas encontradas em outras partes das Escrituras. P a s s a g e m P a r a l e l a V e r b a l . M uitas vezes, a mesm a palavra, frase, cláu sula ou expressão aparece em duas ou mais passagens com um a conexão se m elhante e com referência ao m esm o assunto ou a assuntos bastante próxi mos. É de grande im portância para o intérprete dem onstrar essa relação, pois a m era presença das m esm as palavras e expressões não é, por si, prova sufi ciente de ligação entre as duas passagens. U m a ilustração de uma passagem paralela verbal encontra-se em 1 Reis 19.9, 11, que fala de Elias no M onte Horebe - “Ali, entrou num a caverna, onde passou a noite... disse-lhe Deus: ‘Sai e põe-te neste m onte perante o Senhor.’ Eis que passava o Senhor.” A área para onde Elias havia fugido de Jezebel era a m esm a do M onte Sinai, onde M oisés havia recebido as duas tábuas da lei. O term o “caverna” em 1 Reis 19.9 sem dúvida é um a alusão à “fenda da penha” m encionada em Êxodo 33.22. O m ais im portante é que 128 B ispo H erbert M arsh, A C ourse o f Letters... in T heological Lectrning (B oston: C um m ings and H illiard, 1815), 18, itálicos dele. nessa passagem anterior o Senhor disse a M oisés: “Farei passar toda a m inha bondade diante de ti e te proclam arei o nom e do Senhor” (Ex 33.19). Além da relação entre a caverna de Elias e a fenda da penha de M oisés, a m enção em ambos os textos da passagem do Senhor faz a ligação entre os dois textos e aum enta a nossa com preensão da relação do Senhor com Elias nesse acontecim ento. O profeta desanim ado precisava claram ente da m esm a coisa que M oisés recebeu do Senhor: um a nova visão do Deus vivo trazida quando o Senhor fez passar os seus atributos diante deles com o form a de lembrá-los quem e o que ele é. Desse modo, o exame dos paralelos verbais pode acrescentar profundidade aos ensinamentos e pregações dos textos bíblicos. P a s s a g e m P a r a l e l a T ó p i c a . U m a passagem paralela tópica é aquela que trata dos m esm os fatos, assuntos, sentim entos ou doutrinas da passagem com a qual está sendo com parada, sem usar as mesmas palavras, cláusulas ou ex pressões. Bons exemplos desse tipo de fenôm eno podem ser encontrados no m aterial sinóptico dos Evangelhos e em Samuel, Reis e Crônicas. Além des ses relatos sinópticos, tam bém há pares de passagens que incluem os Salmos 14 e 53, Salm o 18 e 2 Samuel 22, Salmo 96 e 1 Crônicas 16 e Judas e 2 Pedro. Os cham ados oito salmos de fuga de Davi representam um outro tipo de passagem paralela tópica: Salm o 18, quando Davi foi livrado das mãos de Saul (2Sm 22). Salmo 34, quando Davi fingiu estar louco (IS m 21). Salm o 52, quando Doegue falou de Davi para Saul (IS m 22). Salm o 54, quando os zifeus foram até Saul (IS m 23). Salm o 56, quando os fílisteus capturaram Davi (IS m 21.10-15). Salmo 57, quando Davi fugiu para a caverna (IS m 22). Salmo 59, quando os homens de Saul vigiaram Davi (ISm 19.11-17). Salmo 142, quando Davi estava na caverna (IS m 24). Quando os intérpretes estudam esses salmos como um a unidade, ju n tamente com as passagens relevantes de Samuel, surgem elementos da experiên cia e da teologia de Davi que, de outro modo, perm aneceriam ocultos.129 Por fim, considere as palavras de Jesus em Lucas 14.26 dizendo que aqueles que o seguissem deveriam “aborrecer” pai e mãe. Recebem os ajuda para interpretar esse “aborrecer” usando com o referência a passagem parale la tópica em M ateus 10.37, onde Jesus pede que seus discípulos não amem seus pais “mais do que a m im [ele]” . 129 E sse e stu d o o b v ia m e n te d e p e n d e d a a n tig ü id a d e e a u te n tic id a d e d o s títu lo s dos S alm os. E sse s títu lo s vêm de an te s do sé c u lo 3 “ a .C ., o q u e é a te sta d o p e la fato d e os e s c rito re s da S e p tu a g in ta não tere m sid o c ap a z e s d e tra d u z ir m u ito s dos term o s d o s títu lo s e em vez d isso la n ç a ra m m ão d a tra n s lite ra ç ã o . T ais e v id ê n c ia s p o d e m se r s u p o s iç õ e s em fa v o r de su a a n tig ü id a d e . As passagens-chave Já argum entam os anteriorm ente que os estudos baseados na analogia da fé não devem ser usados com o su bstituto p ara a árdua tarefa de estu d ar exegeticam ente um a determ inada passagem das Escrituras dentro de seus pró prios term os. Pelo contrário, tais estudos são extrem am ente úteis no final do processo interpretativo, quando tem as, passagens e doutrinas sem elhantes podem ser considerados como um teste para o sentido geral e a veracidade da interpretação proposta. Assim, o uso da analogia da fé serve para verificar conclusões alcançadas por via da exegese e para indicar que direção o m esm o ensinam ento tomou em um m om ento posterior da revelação. Juntam ente com o estudo de passagens relacionadas em term os de ana logia da fé, tam bém é de grande ajuda nos concentrarm os nos capítulos-chave das Escrituras que tratam de im portantes assuntos como: G ênesis 1-2: A criação Isaías 40: O caráter incom parável de Deus Isaías 53: A natureza da Expiação 1 C oríntios 15: A R essurreição 2 Coríntios 5.1-10: A natureza do estado interm ediário Filipenses 2.1-11: A natureza da E ncarnação Capítulos desse tipo são cham ado na história da igreja de sedes doctrinae ou “assento da doutrina” . Essas passagens, que cham am os de passagens-chave, podem servir m uito bem para im por lim ites para os intérpretes, à m edida que estes buscam orientação sobre a interpretação de textos que são verbalm ente ou topicam ente paralelos. Essas passagens-chave contêm um a grande quanti dade de m aterial sobre determ inada doutrina reunida em um só lugar. De certa form a, representam um a função de “autopoliciam ento” das Escrituras que é particularm ente im portante para os Protestantes, que rejeitaram as lim i tações externas (como, por exemplo, a igreja ou a tradição) no seu processo de interpretação da Bíblia. Um sumário dos princípios Se Deus é, de fato, o autor de um a revelação autêntica sobre si próprio para os m ortais, é natural pensarm os que as Escrituras podem ser usadas para o ensinam ento doutrinário e teológico. 2 Tim óteo 3.16,17, aliás, coloca “dou trina” com o o prim eiro item num a lista de benefícios provenientes das E scri turas. O apóstolo Paulo fala sobre esse m esm o assunto ao m encionar que os rom anos deveriam obedecer às doutrinas de todo o coração (Rm 6.17). Em suas duas cartas ao jovem Timóteo, o m esm o apóstolo advertiu doze vezes para que ele cuidasse de m anter a sã doutrina. Toda essa ênfase na doutrina e nos ensinam entos não foi invenção de algum m ovim ento evangélico da época e nem um a reação exagerada de alguns teólogos, pois a m esm a ênfase nos ensinam entos é m arcante no próprio m inistério de nosso Senhor. O povo se adm irava com seus ensinam entos (M t 7.28). De fato, ele declarava claram en te que sua doutrina vinha do Pai (Jo 7.16). Portanto, o uso doutrinário da Bíblia não pode ser tom ado levianam ente e nem m enosprezado. Ele é, na verdade, aquilo que dá substância e form a a toda a fé cristã. A doutrina só é possível porque Deus falou por m eio das Escrituras. N esta parte final resum irem os os princípios básicos que estão por trás do uso teológico profícuo da Bíblia. 1 . O PESO MAIOR DOS ENSINAMENTOS DOUTRINÁRIOS DEVE SER COLOCADO SOBRE AS PASSAGENS-CHAVE. E ste princípio é preferível a qualquer outro princípio reducionista tal como dar prioridade ao Novo Testam ento em lugar do Antigo, ou aos Profetas em lugar da Lei ou ainda às Epístolas em vez dos Evangelhos. Cada um a dessas alternativas foi testada ao longo da História, em m uitos casos com efeitos desastrosos. Tal é a deferência em relação à suposta superioridade daquilo que é mais recente que se acaba im pugnando a revelação de Deus e criandose um cânon dentro do cânon. Ao longo de ambos os Testam entos a revelação de Deus sem pre m ostra de novo sua plenitude num a seqüência de doutrinas. C onseqüentem ente, é im portante que consultem os um a a um a essas passa gens-chave e nelas procurem os a expressão plena daquilo que Deus tinha em m ente sobre cada um a das grandes verdades didáticas. 2. A EXEGESE VEM ANTES DE QUALQUER SISTEMA DE TEOLOGIA. As Escrituras em si não são um livro didático para a teologia assim com o o m undo natural ao nosso redor tam bém não vem com pleto com um livro didá tico sobre geologia, física ou quím ica. M esm o que toda a criação tenha se originado de Deus, assim com o todas as Escrituras são obra de suas mãos, recebem os a ordem da criação já em funcionam ento e não o m anual de opera ção. A propensão hum ana para organizar, classificar e arranjar esses dados, tanto as revelações naturais como as sobrenaturais, provavelm ente reflete o fato de que fom os criados à im agem de Deus. M as quando essa propensão de form ar um a teologia volta-se para fontes fora da Bíblia, não há fim para os problem as que surgem. Tais fontes externas podem tornar-se grades que são colocadas sobre o texto servindo de lim itação e im pedim ento para o mesmo. E ssas grades podem ap resen tar-se na form a de filosofias com o o panteísm o ou o existencialism o, ou podem ser o com prom isso com determ i nados princípios organizadores de um a analogia separada da fé e desligada daquilo que é oferecido pela leitura da Bíblia em si. Nessa segunda categoria estão incluídos os nossos sistemas de revelação divina ou a nossa teologia sobre a Aliança bem como o Calvinismo, o Arminianismo, as teologias carismáticas ou de cessação. Não pretendem os dizer que um sistem a está certo e os outros estão errados mas sim, que se deve cuidar para que o sistem a venha em se gundo lugar depois da exegese da Bíblia. Em outras palavras, m uitas vezes tem os a tendência de fazer com que a Bíblia se encaixe em nossos sistem as e não o contrário e por isso nossos estudos e argum entações acabam não che gando a lugar nenhum. 3. As DOUTRINAS NÃO DEVEM IR ALÉM DAS EVIDÊNCIAS ENCONTRADAS NAS Es- CRITURAS. A tentação de se dizer mais do que é dito nas Escrituras é sem pre um risco, pois nós m ortais somos um grupo curioso. M as, além de nossa curiosidade, tem os tam bém um desejo profundam ente engendrado de fingir que sabem os m ais do que outros sobre assuntos relativos tanto a este m undo quanto ao próxim o. E nesse ponto que com eçam os a extrapolar as evidências que temos em m ãos, a fim de fazer aquilo que pensam os ser deduções perfeitam ente lógicas sobre algum as das doutrinas. Também é nesse ponto que os m odernis tas com eçam a fazer perguntas para as quais o texto não tem respostas diretas. Para a infelicidade da causa do evangelho, nós muitas vezes nos tornam os especialistas nessas extrapolações teológicas e forçam os outros a concorda rem com as nossas conclusões ou então a deixarem o “nosso grupo” . 4. A ANALOGIA DAS ESCRITURAS DEVE TER PRIORIDADE SOBRE A ANALOGIA DA FÉ. Tendo em vista que já apresentam os em algum detalhe os dois tipos de analo gia, serem os sucintos. M inha preocupação ao citar este princípio é de priorizar a exegese e aquilo que já se sabia por revelações anteriores de D eus e, só depois, acrescentarm os por sumários tudo o que o Senhor revelou mais tarde sobre um determ inado tópico. Em outras palavras, precisam os ler a Bíblia seqüencialm ente para não cairm os no erro de “inserirm os no texto” aquilo que esperávam os encontrar nele. O uso da “teologia inform ada” a partir da analogia das Escrituras pode fazer um a grande diferença em um a exegese qye, de outro m odo, seria anêm i ca e sem entusiasm o. Assim, quando Elias tomou “doze pedras” (e não dez) a fim de construir um altar que representasse as doze tribos e declarou “Teu nom e será Israel” , ele estava claram ente fazendo o povo relem brar a prim eira vez em que essas palavras haviam sido proferidas. Em Gênesis 32.28 e 35.10, duas vezes (tendo-se passado um período de trinta anos entre um a vez e ou tra) Jacó ouviu de Deus: “Já não te charharás Jacó, porém teu nom e será Israel.” Em ambos os casos (em um a das vezes ele lutou contra um anjo do Senhor em Peniel e na outra ele s.e preocupou se os cananitas iriam m atar sua fam ília depois do que havia acontecido no incidente sobre Diná em Siquém), Jacó foi advertido para que deixasse de lado a dependência em si m esm o e em seus ídolos. Quase um m ilênio depois, Elias teve que ensinar mais um a vez a m esm a lição aos descendentes de Jacó. “Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso m eio” ordenou o Senhor em Gênesis 35.2. Elias fez um pedido sem e lhante em 1 Reis 18.21. Assim, a teologia inform ada fortalece e enriquece nossa exegese dos textos bíblicos. A partir desse ponto é possível - e desejá vel - introduzir em nossa exegese da passagem um ensinam ento sem elhante de um texto posterior das Escrituras tratando do m esm o tópico, pois ambos form am um a analogia total da fé. E de suma im portância utilizar prim eiro a analogia das Escrituras (de um texto anterior) e depois a analogia da fé no sum ário de cada um dos pontos principais de um sermão. 5. SÓ AQUILO QUE É ENSINADO DE FORMA DIRETA NAS ESC R IT U R A S DEVE FALAR À CONSCIÊNCIA. De m aneira sem elhante à teologia, o mesmo princípio se aplica às áreas da m oralidade e da ética. Mais um a vez, ao m oldar-se um a ética ou m oralidade, existe a tendência de se colocar tanta confiança em extrapolações hum anas e deduções pessoais das Escrituras quanto nos textos das Escrituras em si. Isso não faz justiça nem à prim azia das Escrituras nem à com unidade dos crentes. A pelar para a consciência dos crentes sobre questões que não são ensi nadas diretamente nas Escrituras é correr o risco de criar um a nova tradição que venha a com petir por reconhecim ento com as próprias Escrituras. É com razão, portanto, que levantam os objeções a seitas que acrescentam às E scritu ras meras idéias hum anas. Da m esm a forma, devemos protestar contra as interpretações hum anas que são elevadas à categoria de Escrituras. Além dis so, tais inferências são um desrespeito à nossa liberdade cristã em Cristo. Deve-se ter cuidado ao aplicar este princípio, pois alguns, para evitar cair na vala de um lado da estrada, acabam caindo na vala do outro lado. Assim, devemos condenar aquilo que é diretam ente condenado nas E scritu ras. Tam bém devemos condenar aquilo que é condenado pela aplicação im e diata de um princípio. Mas, quando nenhum a dessas duas condições está pre sente, a consciência do cristão não pode ser m anipulada por qualquer outra fonte. Nos casos em que as questões se tornam mais controversas (como, por exem plo, quando supõe-se que certos ensinam entos bíblicos estão m esclados com o contexto cultural, como a ordem de se lavar os pés uns dos outros em João 13.14), é que nossa interpretação não deve ser tão inflexível e perm a nente, pelo m enos no que diz respeito a apelar para a consciência alheia. 6 . N e n h u m a d o u t r in a d e v e s e r b a s e a d a em u m a ú n ic a p a ssa g e m d a s E s c r i t u r a s , PARÁBOLA, ALEGORIA, TIPO, SENSUS PLENIOR OU NUMA LEITURA INCERTA DO TEXTO. O ensino doutrinário é valioso demais para ser confiado àquelas áreas da in terpretação em que os preconceitos subjetivos do leitor podem acabar sendo m ais fortes. Os m órm ons, por exemplo, transform aram 1 Coríntios 15.29 em um a doutrina-chave e é desse texto que tiram um a de suas principais característi cas - “Se, absolutam ente, os mortos não ressuscitam , por que se batizam por causa deles?” Provavelm ente, nessa passagem Paulo só estava argum entando com algum a outra pessoa. Seria demais afirmar que esse único versículo é evidência adequada para se construir um a doutrina sobre o batism o dos m or tos. Independente de como Paulo estava argumentando nesse ponto, é extrema mente perigoso tomar um único versículo e formular uma doutrina a partir dele. Vou me lembrar sempre do dia em que um homem abriu sua Bíblia no livro de Atos e declarou que pertencia à igreja “Somente de Jesus”, pois assim eram batizados em Atos 8.16 - “...mas somente haviam sido batizados em nome do Senhor Jesus” . E quanto ao que o resto das Escrituras tem a dizer sobre a Trinda de? Aquele homem já havia se decidido e formado sua própria denominação. Da mesm a form a é arriscado nos contentarmos com uma doutrina apoiada exclusivam ente no argum ento de uma parábola, alegoria, tipo, no cham ado sensus plenior ou num a passagem de leitura incerta. Alguns, por exemplo, basearam a doutrina da Trindade exclusivam ente em 1 João 5.7,8. As evidên cias, entretanto, indicam que esse trecho vem de m anuscritos mais recentes da Vulgata latina que acrescentou aproxim adam ente 25 palavras, incluindo aquelas traduzidas como “o Pai, a Palavra e o Espírito Santo” . Esse escrito não pode ser considerado parte do texto original, portanto não deve ser usado para a teologia e doutrina. Tais procedim entos são exem plo do em prego de um “texto-prova” , um m étodo que usa textos sim plesm ente porque contêm um a certa palavra ou idéia, sem levar em consideração o contexto ou a inten ção original do autor acerca do texto. 7. A INTERPRETAÇÃO TEOLÓGICA DEVE RECONHECER SUA RESPONSABILIDADE PE RANTE A IGREJA. O Espírito Santo não deu início à sua obra quando nós chegam os neste está gio da H istória e com eçam os a interpretar a Bíblia. Durante séculos, desde o Antigo Testam ento, tem havido um acúmulo fiel e constante de ganhos, com preensão e insights entre o povo de Deus. M ais um a vez, há um a vala de cada lado do caminho. Pode-se estar tão atento para aquilo que a igreja e os outros crentes do passado aprenderam das Escrituras a ponto de transform ar esses conhecim entos em tradições e fazer deles novas escrituras. Mas o outro lado tam bém é igualm ente problem ático. Alguns desprezam todos os insights e obras do passado, com o se estivessem selados dentro de um vácuo e todos os ensinam entos doutrinários tivessem com eçado a partir deles. O ensinam ento doutrinário das Escrituras deve ser com partilhado. O tra balho teológico deve ser feito com um espírito que convida outros crentes a avaliá-lo e com pará-lo aos padrões das Escrituras. Essa necessidade de se trabalhar em conjunto não é devida a um a natureza inadequada das E scritu ras, mas sim à inadequação dos leitores e intérpretes da Bíblia. Os Reform adores lançaram um sistema duplo de verificação e equilíbrio quando anunciaram o sacerdócio de todos os crentes e lançaram mão das lín guas originais da Bíblia. Se o sacerdócio tivesse precedência, o resultado pode ria ser a anarquia, pois cada um passaria a fazer o que fosse certo aos seus próprios olhos. Se o uso das línguas originais viesse antes, provavelmente terí amos sido abandonados à mercê dos estudiosos que acabariam constituindo o júri final sobre o que o texto estaria ou não dizendo. Felizmente, os Reformadores insistiram tanto no sacerdócio de todos quanto no uso das línguas originais das Escrituras. Isso trouxe o equilíbrio e a necessidade de que estudiosos e leigos passassem a depender uns dos outros. PARTE 4____________ A Busca por Significado: Outros Desafios U m conhecim ento da -história da interpretação pode ser um a das p roteções m ais eficazes contra o erro interpretativo. E ssa história co m eça com os Targums ju d aico s, que usavam tanto o sentido ex p lí cito quanto o oculto das leis m osaicas. Três grupos im portantes aju daram a form u lar diferentes aspectos d a interpretação judaica. O ra bino H illel representou o prim eiro grupo com suas sete regras que, de m odo geral, eram um desenvolvim ento lógico de princípios de bom senso. M ais tarde, o rabino E liezar expandiu as regras de H illel com um conjunto de 32 regras, incluindo diversas técnicas m ísticas para obter os significados m ais profundos das E scrituras. Os essênios dos papiros do M ar M orto desenvolveram o m étodos pesher, que tran s form ava pessoas e acontecim entos em valores e significados co n tem porâneos pela sim ples d eterm inação dos intérpretes. O terceiro grupo era com posto de ju d eu s da diáspora, sendo Philo o seu representante mais lem brado e que enfatizou a hyponoia, ou seja, um sentido mais profundo das Escrituras que podia ser descoberto por meio de alegorias. Os escritores do N ovo T estam ento usaram quase trezentas cita ções do A ntigo T estam ento ju n tam en te com centenas (ou até m ilha res, de acordo com alguns) de outras alusões a ele. E m uito pouco provável que Jesus e os apóstolos tenham usado a interpretação ale górica ou m esm o valores p e sh e r ou m idrash para textos do A ntigo T estam ento, a fim de provar que aquilo que afirm avam , ou seja, que a d o u trin a do A ntigo T estam ento sobre o M essias havia se cum prido em C risto e na igreja. Três escolas dom inaram os prim eiros séculos da era cristã: a de A lexandria, a de A ntioquia e a do O cidente. A escola de A lexandria especializo u -se no sistem a alegórico de interpretação baseado num a do u trin a de corresp o n d ên cia entre as realidades celeste e terrena, en quanto a escola de A ntioquia d efendia a doutrina da theoria, afirm an do que as E scrituras tinham um único significado que incluía o lite ral, o espiritual, o histórico e o tipológico. A escola do O cidente era m ais eclética, incorporando p rincípios das outras duas escolas e sen do rep resen tad a p o r hom ens com o Jerônim o e A gostinho. A Id ad e M éd ia deu origem aos vitorinos de P aris, S tephen L angdon, Tom ás A quino e um ju d e u convertido, N icolau de Lira. N icolau influenciou L utero e a R efo rm a com sua insistência no senti do claro do texto. R eu ch lin e E rasm o lançaram os fu n dam entos p ara a R eform a, m as L utero e C alvino lideraram os ataques contra a inter p retação alegórica. N a era pós-R eform a, os pietistas enfatizaram a a p lic a ç ã o das E s c ritu ra s à fé e p rá tic a in d iv id u a is, e n q u a n to o R acionalism o com eçou u m a tendência que acabou levando às form as histórico-críticas de estudo da B íblia. CAPÍTULO 12________________ Uma breve história da interpretação W a l t e r C . K a is e r , J r . U m a com preensão da história das interpretações da Bíblia pode ser de grande ajuda para aquele que está estudando as Escrituras. Pode servir, por exemplo, com o um a advertência para que não se com eta os m esm os erros do passado. Pode tam bém determ inar quais influências levaram a alguns m al-entendidos sobre a Palavra de Deus. Além disso, ela pode fam iliarizar o intérprete com alguns dos excelentes exegetas do passado e dem onstrar alguns dos m étodos que eles usaram para tratar das Escrituras. Independente da m otivação de cada um para entrar em contato com o trabalho daqueles intérpretes que nos precederam , certam ente o estudo cuidadoso de suas obras pode poupar o es tudante de perder tem po valioso e seguir por trilhas que não levam a lugar nenhum e já foram anteriorm ente testadas sem oferecer resultados. Pode-se dizer que, praticam ente desde o princípio, m uitos ouvintes e leitores da m ensagem da B íblia dem oraram para captar as verdades espiri tuais nela contidas. Os profetas reclam aram repetidam ente que Israel era um público tolo, insensato e rebelde: “tendes olhos e não vedes, tendes ou vidos e não ouvis” (Jr 5.21; ver tam bém J s 6.10; Ez 12.2). A situação não era diferente no tem po do Novo Testam ento. Paulo precisa escrever aos T essalonicenses pedindo: “não vos dem ovais da vossa m ente, com facilida de, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epísto la, com o se procedesse de nós” (2Ts 2.2). E é verdade que as cartas de Paulo contêm “certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam , com o tam bém deturpam as dem ais Escrituras para a própria des truição deles” (2Pe 3.16). As pessoas vão distorcer não apenas as cartas de Paulo m as as “dem ais E scrituras” tam bém . D aí a necessidade de uma breve história da interpretação da B íblia.130 A hermenêutica judaica A grande vantagem que o povo judeu possuía foi reconhecida por Paulo em Rom anos 3.1-2: “aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.” M as esse tesouro nem sem pre dirigiu as atitudes do povo, pois as leis foram ignoradas e os profetas foram perseguidos. Quando o povo retornou do exílio na Babilônia foi necessário, portanto, que tivesse os Targums (de um a palavra que significa “explicar”) para que pudessem ser orientados na interpretação das Escrituras, Assim, os ensinamentos orais tornaram -se um suplem ento fixo e crescente para o texto bíblico, tendo um a autoridade igual ã das Escrituras. Afirm ava-se que essa tradição havia sido passada fielm ente do escriba Esdras e dos mem bros da Grande Sinagoga que, por sua vez, supostam ente haviam recebido esses ensinam entos por meio da revelação divina. No início da era cristã, os rabinos judeus costum avam fazer um a distin ção entre dois sentidos do texto: o peshat, ou seja, o “claro” ou “sim ples” (daí o sentido literal ou histórico) que significava a passagem bíblica; e o remciz, o sentido oculto da lei m osaica e do Halaká. Havia tam bém o sentido derüsh (“buscado”) das Escrituras, isto é, o sentido alegórico expresso na form a de H agadot ou lendas. E dessa últim a palavra que veio o substantivo midrash “exegese” . O quarto m étodo usado na interpretação judaica era o sôd - o sentido m ístico ou cabalístico de um a passagem . A exegese que tratava de assuntos históricos ou dogm áticos era cham a da de midrash de Hagadot. Esse tipo de interpretação era mais ilustrada, prática e mesclada com um a grande quantidade de alegorias, lendas e histórias bíblicas emocionantes. Era basicamente uma visão homilética do estudo da Bíblia. A exegese, por outro lado, tratava de questões legais e era cham ada de m idrash de Halaká. Essa form a de interpretação procurava aplicar a lei por analogia e pela com binação de textos em casos excepcionais para os quais não havia nenhum a sanção na lei de M oisés. A interpretação judaica era determ inada, em grande parte, por sua pró pria estrutura teológica e pelos objetivos da com unidade, na qual as E scritu ras desem penhavam um papel. Três grupos im portantes ajudaram a form ular os diferentes aspectos da interpretação judaica: os rabinos; a seita de Qumram, dos papiros do M ar M orto, e a diáspora judaica. 130 Para um outro sum ário d essa h istórica com algum as perspectivas diferentes, ver M oisés Silva, H a s the C hurch M isread the B ible? The H istory o f Interpretation in the L ig h t o f C urrent Issues (G rand Rapids: Z ondervan, 1987), especialm ente os capítulos 2 e 3. OS RABINOS D epois da época de Esdras e dos mestres, ou Tanna’im (com o foram cham a dos após o ano 30 d.C), que vieram após a revolta dos M acabeus, deu-se início a um a tradição que acabou resultando em grandes coleções de escritos que na era cristã ficaram conhecidos como oM ishnah, o Gemara e o TalmucL.m No com eço, essa tradição de leis orais desenvolveu-se como um paralelo da Torá. M as com o passar do tem po, a validade dessas tradições precisava ser provada por meio da referências aos próprios textos bíblicos. Assim, desen volveu-se um a espécie de coordenação entre o texto bíblico, a tradição e a aplicação contem porânea. Os princípios para coordenar esses três elem entos foram estabelecidos por vários conjuntos de leis rabínicas conhecidas como middôt. Não se sabe ao certo qual a origem dessas leis, mas a m aioria afirma que o conjunto mais antigo de sete m iddôt é do famoso rabino Hillel, um contem porâneo de Jesus, m ais velho do que ele (30 a.C. a 15 d.C., aproxim adam ente). Estas são as sete regras de H illel:132 1. Inferência do sentido mais brando (prem issa menor) para o mais fo r te (prem issa maior), ou um argumento a fo rtio ri. Afirm a sim plesm ente que aquilo que é verdade sobre o m enor tam bém o é sobre o m aior. A ssim , tendo em vista que o sábado era m ais im portante do que os outros dias festivais, um a restrição colocada sobre um dia festival anual era ainda m ais aplicável ao sábado. 2. Analogia de expressões. Passagens ambíguas eram explicadas ao fa zer um a inferência da analogia de expressões, isto é, de palavras e frases sem elhantes usadas em algum outro lugar. Assim, considerando que Levítico 16.29 pede aos judeus: “afligireis a vossa alm a” no Dia da Expiação, sem explicar qual a natureza dessa aflição, interpretava-se que os judeus deviam abster-se de com ida no Yom Kippur, pois essa m esm a expressão tinha sido usada em Deuteronôm io 8.3 com a m enção explícita de fome. 3 .A plicação p o r analogia com uma cláusula ou a extensão do específ co para o geral. Nessa regra, textos eram aplicados a determinados casos se eram de natureza semelhante, mesmo que não fossem tratados de forma direta 131 A lgum as partes do T alm ud originaram -se no século 2 ” a.C., quando vários ensinam entos co m e çaram a ser passados oralm ente e aum entaram constantem ente a cada g eração. E ntão, no século 2° d.C ., lu d a h H á-N asi coletou esses ensinam entos n a form a escrita. E sse trabalho, que consiste de 63 tratados, ficou conhecido com o o M ishnah. C om o passar do tem po, o próprio M ishnah foi sujeito a um a interpretação escrita, o Gem ara. A com binação do M ishnah e do G em ara norm alm ente é cham ada de Talm ud. 132 Para um a explicação m ais com pleta dessas regras, ver M ikra: Text, Translation, R eading, and Interpretation o f th e H ebrew B ible in A n cien t Judaism a n d E arly C hristianity, org. por M artin Jan M ulder (Filadélfia: Fortress, 1988), pp. 699-702. Ver tam bém K arlfried Froehlich, B iblical Interpretation in the E arly Church (Filadélfia: Fortress, 1984), pp. 30-36. dentro das Escrituras citadas. Em outras palavras, um princípio geral era construído sobre a base de um ensinamento contido num versículo (cláusula). Assim, por exemplo, o caso do assassinato não-intencional de um companheiro lenhador que é citado em Deuteronômio 19 pode ser aplicado a qualquer tipo de morte aciden tal resultante de dois homens trabalhando juntos em um lugar público. 4. Aplicação p o r analogia com duas cláusulas. Essa regra é sem elhante à anterior, porém aqui ela é fortalecida por m eio de duas cláusulas, ou dois versículos para o princípio geral. Êxodo 21.26,27 determ inava que um escra vo que tivesse o seu “olho” ou “dente” destruído deveria ser libertado. Por analogia, essa regra poderia ser aplicada a todas as outras partes do corpo. 5. Inferência de um princípio geral para um caso ou exemplo específico. Essa regra pode ser usada de duas formas - do geral para o específico ou viceversa. Assim, Êxodo 22.9 diz que se um homem emprestar a outro seu boi, ju mento, ovelha ou vestimenta “ou qualquer coisa” , aquele que recebeu o emprés timo deve pagar uma restituição dobrada, caso venha a perder o que foi empresta do. Mas, por causa do uso do termo generalizado “qualquer coisa”, o texto mos tra que boi, jumento, ovelha e vestimenta são apenas exemplos e, portanto, a lei aplica-se a qualquer coisa - quer animada ou inanimada - que tenha sido tomada emprestada e perdida e que deve ser reembolsada em duas vezes o seu valor. 6. Explicação de uma outra passagem. Sem elhante à prim eira regra, esta explica uma passagem apelando para outro trecho das Escrituras. Foi colocada para o rabi Hillel a seguinte questão: o cordeiro da Páscoa deveria ser abatido no sábado se o décim o quarto dia de Nisan fosse um sábado? Ele respondeu que, tendo em vista que Núm eros 28.10 decreta que “sacrifícios diários” deveriam ser oferecidos tam bém aos sábados, então por analogia o cordeiro da Páscoa tinha de ser abatido no décim o quarto dia de Nisan, inde pendente do dia da sem ana em que caísse. 7. Aplicação de uma inferência evidente p o r si própria em um texto. U m a passagem não deve ser tom ada como um a declaração isolada, mas so m ente à luz de seu contexto. Portanto, a aparente proibição de que qualquer um saísse de casa no sétimo dia em Êxodo 16.29 deve ser interpretada em seu contexto para ser aplicada apenas na situação de se juntar m aná no deserto, que havia sido oferecido em dobro no dia anterior. M ais tarde, no século 2o d.C., o rabino Ishm ael ben Elisha aum entou para treze o núm ero de regras.133 O rabino Eliezar ben José as desdobrou em 32 regras. A essa altura, outras técnicas foram incluídas tais com o a gematria, ou com putação dos valores num éricos das letras com a finalidade de obter D avid D aube, “R abbinic M ethods of Interpretation and Hellenistic R hetoric” , HU CA 22 (1949):23964, argum enta de m odo bastante convincente que essas regras de m odo geral refletem a lógica e os m étodos d a g ram ática e da re tó rica helen ísticas. Veja tam bém B ernard R o sen sw eig , “T he H erm eneutic Principies and T heir A pplication” , Tradition 13 (1972): 49-76; e J.W e in g re e n , “T he R abbinic A pproach to the Study o f the O ld Testam ent”, B JR L 34 (1951-52): 166-90. significados mais profundos ao compará-los com outras palavras que tivessem a m esma combinação de números; o notrikon, quebra de uma palavra em duas ou mais, ou a reconstrução de uma palavra usando-se as iniciais de várias outras palavras, ou até mesmo a sugestão de uma nova frase usando todas as letras de um a única palavra como iniciais para as outras palavras que formavam a frase; ternura, a permutação de letras pelo uso de três alfabetos cabalísticos; e sôd, a busca pelo sentido alegórico ou místico. Essas derivações posteriores das sete regas de Hillel, que antes normalmente haviam refletido o peshat, ou sentido direto do texto, acabaram culminado no sistema cabalístico do século 13. A SEITA DE QUMRAM A com unidade de Qum ram é mais conhecida pelo conjunto de papiros do M ar M orto encontrado em 1947 e em anos subseqüentes. A m aioria identifica a seita que copiou esses textos com os essênios m encionados em Josefo, Philo, Strabo e outros escritores da antigüidade. Os essênios eram leitores ávidos da Bíblia. M uitos de seus com entários foram encontrados junto com cópias das Escrituras feitas por eles, especial m ente o com entário sobre Habacuque. N orm alm ente seus com entários cita vam um a passagem curta com dois ou três versículos. A citação era seguida da frase “Seu pesher é...” (da palavra aram aica psr, “interpretar”). O aspecto singular da interpretação que eles ofereceram , especialm ente dos livros pro féticos, foi que tudo do passado era transform ado e recebia um valor e um significado contem porâneo. O “ju sto ” em Habacuque 1.4, por exemplo, era o “M estre da Justiça” ou o fundador da seita dos essênios. E o “perverso [que] cerca o ju sto ” , na m esm a passagem era o “sacerdote perverso” ou o “hom em de mentiras” que perseguia o “Mestre da Justiça” . Os “caldeus” ou “babilônios” em 1.6 eram os rom anos, aos quais a seita se referia usando o nom e bíblico “kittim ” . E assim desenrolava-se a exegese pesher dessa seita. A DIÁSPORA JUDAICA A terceira form a de herm enêutica judaica foi aquela que surgiu entre os ju deus da diáspora, especialm ente aqueles em A lexandria, no Egito. A figura mais representativa provavelm ente foi Philo (20 a.C. a 50 d.C., aproxim ada m ente). Na capital helenística, o cânon ju^leu das Escrituras era a Septuaginta, a tradução grega da Bíblia. M uito da inspiração dos estudiosos helenistas foi decorrente do conceito de que as Escrituras continham um a verdade mais profunda, um sentido espiritual cham ado de hyponoia. Essa verdade mais profunda estava por trás das palavras hum anas e precisava ser descoberta por m eio da interpretação alegórica. Isso perm itia que o texto com unicasse algo m ais, além daquilo que as palavras significavam . Até m esm o H om ero e H esíodo, dois autores gregos b astan te co n hecidos e apreciados foram escrutinados para descobrir as verdades éticas e cósm icas mais profundas sob o véu de suas narrativas acerca de deuses e deusas. O m odelo usado por Philo para seu princípio herm enêutico era a divisão platônica do m undo e das pessoas em duas esferas - um a visível e outra em blem ática. O significado literal do texto era o visível, ou aquilo que correspondia ao corpo; o significado mais profundo, ou a hyponoia, era o sim bólico, ou aquilo que correspondia à alma. Sem pre que Philo era confron tado com aquilo que, para ele, parecia impossível, injusto ou absurdo dentro do texto bíblico, ele procurava cuidadosam ente por pistas tais como núm eros m isteriosos, etim ologias, expressões peculiares e coisas do gênero que pu dessem desvendar o ensinam ento de hyponoia por trás do significado superfi cial do texto.134 Na rarefeita cultura helenística em que vivia o povo da diáspora naquele tem po, pensava-se que era som ente por meio desses passos que os judeus poderiam sobreviver e tornar as leis de M oisés atraentes para a m enta lidade grega. O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento H á 224 citações diretas do Antigo Testam ento dentro do Novo Testam ento, sendo que cada um a é introduzida por um a expressão típica.135 Em sete outros casos elas são introduzidas pela palavra “e ” ; dezenove casos de paráfrases ou sum ários do Antigo Testam ento parecem depender de citações e 43 casos de clara sem elhança indicam que esses textos tam bém dependem do A ntigo Tes tam ento. Não há unanim idade sobre o número exato de alusões ao Antigo Testam ento dentro do Novo: C. H. Toy contou 613, W ilhelm Dittmar argu mentou que eram 1.640, enquanto Eugene Huehn pensou ter encontrado 4.105! O importante é que os escritores do Novo Testamento dialogavam com o Antigo Testamento e sentiam que estavam diretamente ligados a ele. Então, de que form a o Novo Testam ento interpretava o Antigo? Eles refletiam todos os três tipos de herm enêutica judaica que acabam os de iden tificar como se costum a afirmar? M uitas das sete regras de Hillel aparecem nos ensinam entos de Jesus, pois essas regras norm alm ente fazem justiça às intenções do autor que escre veu o testam ento m ais antigo. Ótimos exemplos que m ostram nosso Senhor fazendo uso dessa prática podem ser encontrados em M arcos 2.25-28 e João 134 Philo cham ava esse tipo de interpretação de “Leis da A legoria” {On A braham , 68). A s 23 regras de P h ilo foram organizadas por C harles A. B riggs sob quatro títulos: A legoria G ram atical, A le goria R etórica, A legoria p or M eio de N ovas C om binações e Sim bolism os. Ver C harles A ugustus B riggs, G eneral lntroduction to the S tudy o fH o ly Scripture, edição revista (1900; reim pressa , G rand Rapids: Baker, 1970), pp. 434-36. 1,1 Ver R oger N icole, “T he New Testam ent U se o f the O ld T estam ent” . em R evelation a nd Inspiration o f the B ible, org. por Carl F. H. H enry (G rand R apids: Baker, 1958), pp. 137-51). 7.23; 10.34-36. M as Jesus não nos dá nenhum exem plo de exegese medrash ou pesher. Alguns procuraram ver a expressão do Serm ão do M onte “Ouviste que foi dito... Eu porém vos digo” como um a form a de exegese pesher m uito parecida com aquela usada em Qum ram . Porém , em lugar dessa descoberta m udar o sentido daquilo que a revelação mais antiga ensinava, em cada um dos casos é possível encontrar concordância e mais subsídios para a m esm a argum entação de M oisés e dos profetas. Há tam bém dúvidas sobre se é possí vel encontrar um a visão alegórica no uso que Jesus fez das parábolas. Tendo em vista que a parábola é baseada num símile, as com parações são analogias diretas e não alegorias indiretas. E quanto a Paulo e os apóstolos? O próprio Paulo não confessou estar usando de alegoria ao falar de Sara e Agar em Gálatas 4.24-31? Existe um a linha m uito fina de distinção entre o uso que Paulo faz de um a alegoria e um a alegorização do Antigo Testamento. Esse ponto crítico encontra-se em Gálatas 4.24. N esse versículo, Paulo usou um a expressão grega bastante incom um que pode ser traduzida como “tudo aquilo que pode ser colocado em um a alegoria” . Àquela altura, Paulo havia decidido que desejava tanto transm itir sua m ensagem que decidiu adotar, m om entaneam ente, o m étodo com o qual tantos ju d eu s do seu público estavam fam iliarizados. E n tretan to , com isso ele não preten d ia in terp retar o que G ênesis havia afirm ado sobre aquelas duas m ulheres ou aquilo que G ênesis estava ensinado po r m eio de um sentido de hyponoia. N um a avaliação m ais detalhada, portanto, esse su posto exem plo d e sap a re ce .136 U m ponto de vista m uito m ais com um é de que os escritores apostólicos do Novo Testam ento usavam o m étodo medrash ou pesher de interpretação do Antigo Testam ento. Diz-se, por exemplo, que ao usar 1 Coríntios 10.1-6, Paulo estava baseando-se em um a lenda rabínica de um poço móvel em form a de pedra, aproxim adam ente do tam anho de um forno ou colm éia que ia rolan do atrás do povo no deserto enquanto eles percorriam m ontanhas e vales. De acordo com a lenda, sua água saciava a sede, curava e fazia correr rios que tinham em suas margens um tipo de gram a que servia de desodorante! M as confundir a “pedra” de 1 Coríntios 10.1-6 com um tipo de reserva tório am bulante é fazer associações onde,não há bases para isso. E verdade que a pedra é tida com o sendo “espiritual” , mas o adjetivo denota sua origem e não sua natureza. Ela era sobrenatural em origem, como dem onstram os acontecim entos em Êxodo 17.6, quando o próprio Senhor se coloca ao lado 136 U m outro exem plo citado com freqüência - o com entário de Paulo em 1 C oríntios 9.9 sobre não am arrar a boca do boi - tam bém não d em onstra u m a intenção de alegoria. Ver um a argum enta ção m ais detalh ad a desse exem plo em W alter C. K aiser, Jr., The Use o fth e O ld Testam ent in the N ew (C hicago: M oody, 1985), pp. 203-20. da pedra que jorrou água quando ele assim ordenou. N esse sentido, então, Cristo acom panhou Israel com sua presença real, assim com o Isaías viu C ris to no tem plo celeste (Is 6; ver tam bém João 6.41). D a m esm a form a, a discussão em Gálatas, quando Paulo insiste que o Antigo Testam ento não usou o plural sementes, mas sim semente, não é um exem plo de midrash. Quando, Paulo m ostra que a palavra é um substantivo singular coletivo que aponta prim eiro para o representante de todo um grupo - Cristo - e depois para todos os que estão incorporados nesse singular cole tivo - todos os que crêem (G1 3.29) - ele está argum entando em favor do m esm o significado defendido no Antigo Testamento. Essa argum entação é tão favorável ao Antigo Testam ento que é incrível observar com o m uitos dos estudiosos do Novo Testam ento nem a percebem! M uitos outros exemplos podem ser m encionados. E im peroso atentar para as sábias palavras de Frederic Gardiner há mais de um século: E m todas as citações que são usadas em form a de argum ento ou para estabelecer qualquer fato ou doutrina, obviam ente é necessário que a passagem em questão seja citada de m aneira justa, de acordo com sua intenção e significado real, a fim de que o argum ento nela apoiado seja válido. Tem havido m uita crítica precipitada sobre algum as dessas pas sagens e têm -se afirm ado im pensadam ente que os apóstolos, especial m ente Paulo, usaram a escola de pensam ento rabínica, fazendo cita ções das Escrituras de m odo rabínico e inconseqüente. U m a avaliação cuidadosa e paciente das passagens em si será suficiente para acabar com essas percepções errôneas.137 O método interpretativo e os pais da igreja primitiva As interpretações do período dos pais da igreja prim itiva e dos prim eiros sé culos cristãos tendem a encaixar-se em três escolas principais: a de Alexandria, a de A ntioquia e a do Ocidente. A ESCOLA DE ALEXANDRIA O prim eiro grande m estre da escola de A lexandria foi Titus Flavius C lem en te. Clem ente adotou o m étodo alegórico de Philo e propôs o princípio de que as Escrituras devem ser com preendidas alegoricam ente. Ele argum entou que “por m uitos motivos, as Escrituras escondem o sentido... sendo pois que os m istérios sagrados das profecias estão ocultos em parábolas” {M iscellanies 6.15). Em outra parte de sua obra ele ensinou que “quase todas as Escrituras são expressas em form a de enigm as” (Stromata 6124.5-6). O lem a da escola 137 Frederic G ardiner, The O ld a n d N ew Testam ent in Their M u tu a l R elation (N ova York: Jam es Port, 1885), pp. 317-318. de A lexandria era: “A m enos que você acredite, você não irá com preender” (uma tradução e aplicação incorreta de Isaías 7.9 na Septuaginta). O rígenes, um discípulo de Clem ente (185-253/254 d.C-, aproxim ada m ente) foi, provavelm ente, o m aior teólogo de seu tem po. Ele deve ser adm i rado m ais pelo seu prodigioso trabalho na área da crítica textual do que por sua obra de interpretação bíblica. Orígenes tam bém seguia o m étodo alegóri co de Philo, porém deu ao m étodo um a base bíblica e declarou que as E scri turas tinham um sentido triplo: corpóreo ou carnal, físico e espiritual. Ele delineia esses sentidos na obra On First Principies, o prim eiro tratado técnico sobre a teoria herm enêutica cristã: O seguinte m étodo, tirado dos próprios textos bíblicos nos parece, de fato, a m aneira correta de nos aproxim arm os das Escrituras e captar mos seu sentido. Em Provérbios de Salom ão encontram os o seguinte tipo de diretiva sobre as doutrinas divinas nas Escrituras: “Porventura, não te escrevi excelentes coisas acerca de conselhos e conhecim entos, para m ostrar-te a certeza das palavras da verdade, a fim de que possas re s p o n d e r c la ra m e n te aos q u e te e n v ia re m ? ” [de a c o rd o com a Septuaginta e o latim de Provérbios 22.20,21]. Isso significa que se deve gravar na alm a as intenções da literatura sagrada de m aneira tri pla; a pessoa mais sim ples pode ser edificada pela carne das Escrituras (ou seja, o entendim ento m ais óbvio); aqueles em estágio interm ediá rio, pela alm a das Escrituras; mas a pessoa que é experim entada e apro xim a-se da descrição do apóstolo: “Entretanto, expom os sabedoria en tre os ex p e rim e n ta d o s; não, p o rém , a sab ed o ria d e ste sé c u lo ...” [IC o 2.6,7], será beneficiada pela lei espiritual das Escrituras que c o n têm “ som bras dos bens v in d o u ro s” [H ebreus 10.1]. Pois, assim com o o ser hum ano consiste de corpo, alm a e espírito, assim tam bém acon tece com as E scritu ras que D eus com pôs p a ra a salvação da h u m a n id ad e (4 .2 .4 ).138 De acordo com Orígenes, todos os textos bíblicos têm um sentido espiritual, m as nem todos possuem tam bém um sentido literal. O fato de haver tantas pedras de tropeço para a interpretação literal do Antigo Testam ento forçou Orígenes a buscar nos textos um a com preensão m ais profunda. O m étodo que O rígenes usava para sua herm enêutica bíbliqa era o de anagoge (“ascenden te”), a ascensão da alm a do nível da carne para o universo do espírito. Os sucessores de O rígenes construíram sobre as fundações lançadas po r ele. Q uando O rígenes teve de deixar A lexandria por causa da p e rse guição, foi m orar em C esaréia, em Israel. A figura m ais distin ta dessa nova escola em C esaréia foi G regório T aum aturgo, seguido de P an fílio e 138 C onform e recentem ente traduzido por K arlfried Froelich, B ib lica l Interpretation in the E arly C hurch (Filadélfia: Fortress, 1984), pp. 57,58. E usébio. E usébio de C esaréia era tão devoto a P anfílio que tam bém é conhecido com o E usébio P anfílio. Eusébio de C esaréia chegou a afirm ar que M oisés e os profetas não esta vam falando para o público de seus dias. Gregório de Nissa (335-94) escreveu Life o fM o ses, que ilustra a com preensão analógica ou m ística do texto bíbli co naquela que é provavelm ente sua mais pura forma. Parece bastante possível a existência de listas de equivalentes alegóricos para m estres e pregadores pertencentes à escola de Alexandria. Tais chaves alegóricas estavam presentes na obra de Philo e agora, o Inventário Grego de Papiros 3718 da Universidade de M ichigan, que foi datado por paleógrafos com o pertencente ao século 7o d.C., parece confirm ar ainda m ais a existência de tais listas.139 Por m eio desses docum entos ficamos sabendo, por exem plo, que João 2.1 (“Três dias depois, houve um casam ento em Caná da G aliléia”) tem os seguintes valores alegóricos: os “dias” são Cristo; “três” é a fé; “um casam ento” é o cham ado aos gentios; e “Caná” é a igreja. Provérbios 10.1 (“O filho sábio alegra a seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua m ãe”) é alegorizado da seguinte m aneira: “o filho sábio” é Paulo; o “pai” é o Salva dor; o “filho insensato” é Judas; e a “m ãe” é a igreja.140 Esse docum ento, apesar de m ais recente que a m aior parte das evidências sobre a escola de A lexandria, sem dúvida pertence à m esm a tradição. O sistem a alegórico de interpretação é construído sobre a doutrina das correspondências. Em term os sim ples, ela afirmava que todo objeto ou acon tecim ento natural ou terreno é acom panhado de um objeto ou acontecim ento análogo correspondente e de natureza espiritual ou celeste. Em grande parte, essa idéia é derivada de Platão, que dividiu o m undo em dois: um m undo visível e o outro em blem ático; um palpável e o outro invisível. Em sua mais am pla aplicação, ele afirma que toda a vida e toda a história secular é uma alegoria e descrição de coisas espirituais ou celestes; outros restringem sua aplicação somente às Escrituras. Deve-se observar, entretanto, que em ne nhum texto a Bíblia ensina tal doutrina de sombras e im agens ou a doutrina das correspondências. Essas doutrinas são diretam ente derivadas da filosofia secular daquela época; assim, as Escrituras não podem ser culpadas de defen der tal ponto de vista. A ESCOLA DE ANTIOQUIA E m oposição à escola de A lexandria estava a escola de Antioquia. O verda deiro fundador da escola de A ntioquia, provavelm ente, foi L uciano de Sam osata, por volta do final do século 3o d.C. Outros consideram o distinto ™ Ib id T p p . 79-81. 140 H á outros dezesseis versículos que esse docum ento, m esm o que fragm entário, tam bém com enta de m aneira sem elhante. presbítero D iodoro com o sendo seu fundador em aproxim adam ente 290 d.C. Independente do fundador, não há dúvida sobre quais foram os dois m aiores discípulos dessa escola: Teodoro de M opsuestia e João Crisóstomo. O lem a da escola de Antioquia era theoria, que vem do grego “ver” . Eles afirm avam que o sentido espiritual não podia de form a algum a ser separado do sentido literal, como acontecia na escola de Alexandria. Os exegetas da escola de A ntioquia eram unidos e determ inados em sua preocupação de pre servar a integridade da H istória e do sentido natural da passagem . M as eles tam bém estavam igualm ente preocupados com o excesso de literalidade, bem com o com o excesso de alegoria ou aquilo que cham avam de “judaísm o” . Os dois extrem os eram igualm ente perigosos; somente a theoria podia oferecer o cam inho interm ediário afastado dos perigos de ambos os lados. Enquanto os estudiosos de Alexandria viam pelo menos dois sentidos justapostos em todos os acontecim entos, os de Antioquia afirmavam que um acontecim ento das Escrituras tinha somente um significado - um significado que, para a visão apurada do exegeta “teorético” , era tanto literal quanto espi ritual, histórico e tipológico.141 Os estudiosos de Antioquia davam grande ênfase à idéia de a theoria referir-se basicam ente ao fato de que havia um a visão ou percepção da verdade espiritual no cerne do acontecim ento histórico que os escritores da Bíblia estavam registrando. Afirm avam ainda que essa ligação entre o acontecim ento histórico e a verdade espiritual não era um duplo sen tido ou significado, mas um sentido único conform e havia sido a intenção original dos escritores da Bíblia. Os patriarcas de Antioquia não teriam com partilhado dos m esm os p res supostos da crítica histórica m oderna de que a ciência ou arte da exegese é essencialm ente um a disciplina histórica e não teológica. Em lugar disso, a theoria afirmava que o acontecim ento histórico era em si o veículo necessário para aquela verdade espiritual e teológica. M as, ao contrário da alegoria, eles insistiam que os acontecim entos históricos eram indispensáveis com o m eio que Deus havia escolhido para dar expressão à sua verdade eterna. Portanto, o objetivo da exegese estava tão envolvido com o esclarecim ento espiritual e doutrinário quanto com os fatos históricos e filológicos. A ESCOLA DO OCIDENTE A terceira escola do período dos pais da igreja era cham ada de escola do Ocidente. Ela parecia ser mais eclética em seus m étodos de interpretação pois incluía alguns elem entos da escola alegórica de A lexandria mas tam bém 141 A m elhor discussão sobre esses assuntos talvez seja aquela e ncontrada em John B reck, The P ow er o fth e Word in the W orshiping C hurch (C restw ood, N.Y.: St. V ladim ir’s S em inary Press, 1986), p p .25-113. E tam bém B radley N assif, “T h e ‘Spiritual E x eg esis’ o f Scripture: T he School o f A ntioch R evisited” , A TR 75 (1993): 437-70. incorporava alguns princípios de Antioquia. Sua característica mais m arcante, entretanto, era colocar em prim eiro plano um elem ento que até então não tinha sido um a questão im portante: a autoridade da tradição na in terpreta ção da Bíblia. Os principais representantes dessa escola são Hilário, Am brósio e, espe cialm ente, Jerônim o e Agpstinho. Jerônim o é fam oso por sua tradução da Bíblia Vulgata. Ele sabia grego e hebraico, enquanto o conhecim ento de A gos tinho das línguas originais era deficiente. Mas Agostinho especializou-se mais em sistem atizar as verdades da Bíblia do que em sua exegese. A gostinho expressou seus princípios herm enêuticos em sua obra De D octrina Christiana. Nela, ele ressaltou a necessidade de um sentido literal com o sendo a base essencial para o sentido alegórico. Mas Agostinho não hesitou em usar de form a um tanto livre o m étodo alegórico. Para ele, o fator decisivo sem pre que parecia haver dúvida nas Escrituras era a regula fid ei (“regra de fé”), que de acordo com ele significava o conjunto de doutrinas da igreja. É nesse ponto que a autoridade da tradição com eça a exercer um papel im portante nas práticas de interpretação de Agostinho, pois o uso adequado da regula fid ei pressupõe que, para m edir um texto, o seu significado já foi suficientem ente estabelecido e que aquela passagem pertence à doutrina, sen do usada com o “regra de fé” ; de outra forma, corre-se um risco enorm e de cair em eisegese. Infelizmente, Agostinho argumentava em favor de um sentido quádruplo das Escrituras: histórico, etiológico (uma investigação acerca das origens e cau sas), analógico e alegórico.142 O conjunto de quatro termos que acabaram sen do aceitos pela escola ocidental de herm enêutica era composto pelo sentido literal, alegórico, tropológico (moral) e anagógico (m ístico ou escatológico). A ilustração usual desse sentido quádruplo surgiu por volta de 420 d.C. nas Conferências (14.8) de João Cassiano: Jerusalém literalmente significa a cida de dos judeus; alegoricamente Jerusalém é a igreja (SI 46.4,5); tropologicamente, Jerusalém é a alma (SI 147.1,2, 12); e anagogicam ente, Jerusalém é nosso lar celestial (G14.26). Cassiano deixou claro que o sentido quádruplo não se encai xava em todas as passagens das Escrituras; devia-se sempre dar atenção prim ei ram ente ao sentido literal, conforme enfatizado pela escola de Antioquia. Mas os sentidos analógico e alegórico mantinham vivas as preocupações centrais da escola de Alexandria com os aspectos místicos e espirituais do texto, enquanto o tropológico perm itia que m oralistas judeus e cristãos descobrissem os ensinamentos morais e éticos do texto. 142 A gostinho, On the U sefulness o f B ible, 3.5-9. A gostinho trabalhou n essa lista para o A ntigo T estam ento b aseando-se nos term os técnicos gregos de um a análise retórica d a linguagem . A interpretação da Bíblia na Idade Média A Idade M édia não foi a época mais brilhante da igreja, nem da herm enêutica bíblica. Aliás, muitos mem bros do clero, sem falar nos leigos, eram ignoran tes até m esm o sobre o que a B íblia dizia. Mas até o ponto em que havia um a consciência das Escrituras, a interpretação de sentido quádruplo continuou conform e a proposta dos pais da escola do Ocidente. O que ganhou im portância, entretanto, foi o princípio de que a interpre tação da B íblia precisava adaptar-se às tradições e doutrinas da igreja. Um dos mais instruídos intérpretes das Escrituras daquela época, Hugo de São V ítor (10967-1141) declarou: “Aprenda prim eiro em que deve acreditar e então vá até a B íblia e encontre lá esse preceito!” Porém , m esm o que Hugo tenha vivido mais de cem anos antes de Aquino, ele parece ter captado um dos princípios de Tomás de Aquino de que a pista para o significado das profecias e m etáforas era a intenção do escritor, tendo em vista que o sentido literal incluía tudo o que o escritor do texto sagrado pretendia dizer. As figuras-chave desse longo período entre os anos de 600 e 1500 foram os vitorinos, do m osteiro de São Vítor em Paris. Com o já m encionam os, Hugo foi provavelm ente o representante m aior daquela escola, mas seu discípulo A ndré de São V ítor tam bém foi admirável por ter expandido essa ênfase no sentido literal usando o texto da Vulgata para o significado cristão da B íblia e o texto em hebraico para a explicação ju d aic a.143 Outra figura importante desse período foi Stephen Langdon (1150-1228), arcebispo de Canterbury. Foi ele quem dividiu a Bíblia em seus capítulos atuais. M as ele tam bém interpretou a Bíblia para enquadrá-la nas doutrinas da igreja. Para ele, a preferência deveria ser dada ao significado espiritual e não ao sentido literal, tendo em vista que ele considerava o prim eiro mais útil para a pregação e o crescim ento da igreja. A mais importante figura de toda essa era, entretanto, foi Tomás de Aquino (1225-74). Ele defendeu o sentido literal como base para todos os outros senti dos das Escrituras. Argumentou, porém, que o intérprete deve perceber que a Bíblia tem ainda um sentido simbólico, pois as coisas celestes não podem ser expressas em termos terrenos sem fazer uso de algum a form a de simbolismo. Além disso, a história de Israel encaminhava-se para a Nova Aliança. Assim, a antiga doutrina da correspondência, que havia ocupado o centro da interpreta ção alegórica das Escrituras, ainda era essencial à exegese da Idade M édia. M ais uma pessoa se destaca nesse período: Nicolau de Lira (1270-1340). Sendo um judeu convertido ao Cristianism o, Nicolau possuía dom ínio com pleto do hebraico. O que tornou o seu trabalho diferente foi que, mais do 143 A m elhor d iscussão sobre a exegese da Idade M édia é a obra d e B erryl Sm alley, The S tudy o f lhe B ib le in the M iddle A g es (N otre D am e, IN: N ote D am e Press, 1964). qualquer outro desde a época da escola de Antioquia, ele deu preferência ao sentido literal das Escrituras. Nicolau constantem ente pedia que se consultas sem as línguas originais e reclam ava que estava-se perm itindo que o sentido m ístico “sufocasse o literal” . Ele insistia que som ente o sentido literal deveria ser usado para provar qualquer doutrina. Foi sua obra que influenciou Lutero e afetou tão profundam ente a Reform a. Com o diz o aforism o “Si Lyra non lyrasset, Lutherus non saltasset” (Se Lira não tocasse, Lutero não dançaria). Interpretação da Bíblia na Reforma As bases para a Reform a foram preparadas, ainda, por mais dois hom ens do período da Renascença durante o com eço do século 16: Johannes R euchlin e Desidério Erasm o. Reuchlin, tio de Felipe M elanchthon, m erece seu título de pai do estudo hebraico na igreja cristã, pois foi ele quem publicou a gram ática hebraica, o léxico hebraico, um a obra sobre a acentuação e ortografia hebraica, além de um a interpretação gram atical dos setes salmos de penitência. Não é de adm irar que, ao se referirem a Reuchlin, alguns diziam que “Jerônim o havia renascido” . Erasm o (1467-1536) publicou a prim eira edição crítica do Novo Testa m ento em grego em 1516. Também publicou suas Anotações e suas Paráfra ses dos Evangelhos depois de ser incentivado por John Colet (1467-1519) a aplicar às Escrituras a nova ênfase hum anista do estudo histórico e filológico. O Novo Testam ento grego de Erasm o tornou-se a ferram enta básica de Lutero durante os anos form ativos e polêm icos da Reform a. M artinho Lutero prestou um grande serviço ao povo alem ão quando tra duziu a B íblia das línguas originais para o alem ão. As regras herm enêuticas de Lutero eram m elhores do que sua prática, pois ele insistia no sentido literal com o sendo a única base adequada para a exegese. Em frases características, Lutero difam ou o sentido alegórico das Escrituras dizendo que “as alegorias de Orígenes não valem mais do que pó” , pois “as alegorias são especulações vazias... a escória das Escrituras Sagradas” . “As alegorias são inconvenientes, absurdas, obsoletas, trapos soltos.” Ele advertiu que usar tal m étodo de inter pretação da Bíblia era o m esm o que “degenerar... em um jogo sem sentido” . “A alegoria é como um a bela m eretriz que se m ostra particularm ente sedutora para os hom ens desocupados.” 144 “O Espírito Santo” , declarou Lutero, “é o escritor m ais sim ples nos céus e na terra; portanto, suas palavras não podem ter mais do que um sentido simples, ao qual cham am os de sentido literal ou sentido das Escrituras.” 145 144 M artinho L utero, Lectures on G enesis, em L u th e r's W orks, vols. 1-3, org. por Jaroslav Pelikan (St. L ouis: C oncordia, 1958-61), com enta sobre G ênesis 3.15-30. 145 C onform e citado por Frederic W. Farrar, H istory o f Interpretation, B am pton L ectures, 1885 (G rand Rapids: Baker, 1961), p. 329. João Calvino tinha um a opinião igualm ente forte sobre essas questões. Em seu com entário sobre Gálatas 4.21-26 ele reclam ou que introduzir diver sos significados nas Escrituras é “ceder a Satanás” . E na introdução ao seu com entário sobre Rom anos ele advertiu: “É uma audácia próxim a ao sacrilé gio usar as Escrituras como nos apraz e brincar com elas como se fossem uma bola de tênis, com o muitos já fizeram anteriorm ente... a prim eira tarefa de um intérprete é deixar que o autor diga aquilo que expressa de fato, em vez de atribuirm os a ele aquilo que acham os que ele que dizer.” Apesar das doutrinas de sola fid e e sola gratia (“som ente pela fé” e “som ente pela graça”) terem constituído o princípio material da R eform a protestante, o princípio fo rm a l era o de sola Scriptura. A norm a para todas as doutrinas não seria encontrada na tradição ou na igreja, mas “som ente nas E scrituras” . Essa foi um a inversão da estratégia de interpretação que com e çou com a escola Ocidental dos pais da igreja. Há m uito que dizer sobre M elanchthon, Zw ingli, Bucer, B eza e outros, mas é possível que o m elhor resum o dos princípios da interpretação da Refor m a esteja nas palavras de W illiam Tyndale, o tradutor do prim eiro Novo Tes tam ento im presso em inglês (1525): V ós deveis co m p reen d er, p o rtan to , que as E scritu ras têm apenas um sen tid o , que é o sentido literal. E que o sentido literal é a raiz e a b ase p ara todos, e ân co ra que n u nca falha; se vos apo iard es nela, n ão ireis cair em erro ou d e sv ia r do cam inho. E se deix ard es o sen tido literal, certam en te d esv iareis do cam inho. A inda assim , as E s critu ras usam p ro v érb io s, sim ilitu d es, charadas e alegorias, com o o fa z e m o u tra s fo rm a s lite r á r ia s ; m as a q u ilo q u e o p ro v é r b io , sim ilitu d e, c h a ra d a ou aleg o ria sig n ifica é literal em seu sen tid o , o q ual deveis b u scar d ilig e n te m e n te .146 A interpretação da Bíblia na era pós-Reforma Os dois m ovim entos mais significativos para a história da interpretação no século 17 foram o pietism o e o racionalism o. O pietism o era um protesto contra o dogm atism o doutrinário e o institucionalism o que exibia um a falta de fé pessoal e ausência de prática cristã piedosa no estilo de vida do indiví duo. A lém de líderes do m ovim ento, com o Philip Jakob Spener e Augustus H erm ann Francke, as mais valiosas contribuições à interpretação foram feitas por John A lbert Bengel (1687-1752). Ele foi o prim eiro a classificar os m a nuscritos do Antigo Testam ento grego em fam ílias, baseando-se em suas se m elhanças. Ele tam bém publicou sua fam osa obra Gnomon do Novo Testa 146 W illia m T y n d ale, T he O b e d ie n c e o f a C h ristia n M a n (P a rk e r (o rg .) D o c tr in a l T reatises, 1928), pp. 3 0 7 -9 . mento (1742), exem plar para futuros com entários, pois m anteve-se próxim a ao sentido natural do texto enquanto incluiu por volta de cem figuras de lin guagem e suas respectivas definições no apêndice de seu quinto volume. Os prim órdios do racionalism o filosófico estão em René D escartes (1596-1650), Thom as H obbes (1588-1679), B aruch Spinoza (1632-77) e John L ocke (1632-1704). O racionalism o teológico, entretanto, estava d ire tam ente ligado a três fontes principais: C hristian von W olff (1679-1754), H erm ann Sam uel Reim arus (1694-1768) e G ottholdE phraim L essing (172981). W olff procurou ju n ta r a revelação bíblica ã revelação natural, enquanto R eim arus fez da revelação natural a origem do C ristianism o. Lessing c o n tribuiu para essas questões argum entando que as incertas verdades da H is tória jam ais poderiam ser um a prova para as verdades necessárias da razão. A ssim , podem os dar crédito a esses hom ens por m uito daquilo que m ais tarde se transform ou em C ristianism o liberal, incluindo a form a destrutiva de crítica à B íblia nos séculos 19 e 20. O século 18 experimentou uma continuação de pietismo e racionalismo. O pietismo, entretanto, recebeu a princípio mais visibilidade por meio das prega ções de John Wesley (1703-91). Os reavivamentos wesleianos, em especial, con vidavam homens e mulheres ao estudo da Bíblia em grupos e individualmente. Ainda assim , apesar de todas essas contribuições no estudo e interpreta ção da Bíblia de acordo com o seu sentido único, natural ou literal, um a cor rente paralela voltou a surgir nos escritos de Im m anuel Kant (1724-1804) e Friedrich Schleierm acher (1768-1834). Kant queria alcançar a esfera de tudo o que é universal, de Deus e da im ortalidade a partir de um a esfera inferior a fenom enal (a esfera de nossa vida cotidiana). No final, depois de ter escrito três livros, ele decidiu que isso era impossível, exceto por uma “im perativo categórico” , um “vós deveis” que perm anecia dentro de todos os mortais. Schleierm acher, por outro lado, enfatizou o Gefühl (sentim ento hum a no) com o base para a consciência que o ser hum ano tem de Deus. A religião não deveria mais originar-se de um livro, da razão ou de qualquer coisa exter na; sua fonte prim ária podia ser encontrada em nossos sentim entos de depen dência de outro alguém. Dentro desse novo conjunto de definições e diante da negação da B íblia como fonte com petente, o pecado era sim plesm ente uma interrupção desse sentimento de dependência em Deus, e não um a rebelião contra o Deus que havia se revelado nas Escrituras ou em Jesus Cristo. Albrecht Ritschl (1822-89) concordava com a posição de Schleierm acher em rejeitar a religião pessoal baseada em acontecim entos históricos ou em um livro com o a Bíblia. Ele argum entava que, em vez disso, o Cristianism o baseava-se num julgam ento de valores. A ênfase principal da religião deveria, portanto, ser o valor ético e moral do Cristianism o. O clím ax de grande parte dessa linha de pensam ento veio com A dolf von H arnack (1851-1930). Ele pediu uma volta à religião, mas não um a reli gião sobre Jesus. Assim, ele elim inou dos Evangelhos tudo o que, em sua opinião, representava acréscim os helenísticos que haviam sido subseqüente m ente agregados a eles. D entro desses debates, não sobrou muito tem po para as perguntas sobre com o interpretar a Bíblia, pois, à m edida que o liberalism o e o m odernism o cresciam , a interpretação tornou-se menos im portante para observadores e praticantes. Até a m etade do século 20, as energias dos estudiosos foram dedicadas a questões racionalistas, históricas e críticas sobre a Bíblia e a fé. Desse ponto em diante, a questão subitam ente torna-se extrem am ente com plexa à m edida que várias prioridades conflitantes surgem em m eio aos estudiosos e leitores da Bíblia. Chegam os, assim, às teorias contem porâneas de interpretação, assunto a ser tratado no próxim o capítulo. O campo da interpretação bíblica passou por m udanças drás ticas durante o século 20, em grande parte por causa do trabalho de estudiosos com o Karl Barth e R udolf Bultm ann, mas tam bém por causa do desenvolvim ento de outras áreas, com o a crítica literária, a filosofia e até m esm o a ciência. Em grande parte, es sas m udanças sinalizaram um a reação ao m étodo histórico-críti co que nasceu no século 19. Esse m étodo concentra-se no signi ficado histórico da B íblia de m aneira tão intensa que, com fre qüência, parece excluir sua relevância atual. A ascensão da Nova Crítica (nos estudos literários norteam ericanos) cham ou a atenção para o fato de que os textos literá rios têm significado por si m esm os, independentem ente da inten ção original do autor. Especialm ente quando aplicada à Bíblia, essa visão m inim iza a historicidade das narrativas. Além disso, um a ênfase crescente no papel do leitor vem introduzindo um forte elem ento de subjetividade ao trabalho de interpretação. A pesar de, possivelm ente, ser verdade que não devemos identifi car o significado de um texto de m aneira total e exclusiva com aquilo que o autor pretendia conscientem ente comunicar, é um erro grave deixar de lado o conceito da intenção do autor ou m es mo relegá-lo a um segundo plano. CAPÍTULO 13_________ Visões contemporâneas da interpretação bíblica M o is é s S ilva Principais desenvolvimentos do século 20 N ão é exagero dizer que o interesse contem porâneo por herm enêutica sinali za um a nova época no estudo científico da B íblia.147 Os observadores nor m alm ente vêem o início dessa época no trabalho de Karl Barth (1886-1968), um dos teólogos mais influentes dos tem pos modernos. Barth foi educado na tradição liberal clássica de estudiosos altam ente respeitados. A inda assim , ao deixar o m eio acadêm ico e dedicar-se ao pastorado, descobriu que seu treina m ento tinha pouco valor para a vida eclesiástica. Então, em 1914 veio a tragédia da Prim eira Guerra M undial, que afetou de m odo bastante direto o desenvolvimento da teologia na Europa. O libera lism o, crendo que a proclam ação do “evangelho social” traria ao m undo o reino divino de paz, havia se apoiado fortem ente numa visão otim ista da na tureza hum ana. Suas esperanças foram esm agadas pela guerra. Barth, é claro, foi afetado pessoalm ente por esses acontecim entos. Ele viu os professores que tanto reverenciava adotarem posições políticas que, para ele, contradiziam os m esm os princípios que eles haviam ensinado. A única porta que perm ane cia aberta para ele era rom per com o seu passado teológico; e assim ele o fez, de m aneira pouco usual. 147 E sse capítulo é um a versão revisada e abreviada do artigo de M oisés S ilva “C ontem porary T heories o f B iblical Interpretation” , em The N ew In terp reter’s B ible, vol.l (N ashville: A bingdon, a ser lançado). U sado com perm issão. Logo depois da guerra, Barth publicou um com entário sobre a epístola de Paulo aos Rom anos que causou ondas de choque entre os estudiosos. Como disse alguém , foi com o se um a bom ba tivesse caído sobre o jardim onde os teólogos estavam brincando. Ainda hoje, seu livro parece um tanto estranho. Ele tem pouca sem elhança com um com entário exegético típico. Em lugar de concentrar-se no significado histórico do texto, por causa de sua preocupação com a relevância do textò para o leitor da atualidade, Barth parecia ignorar esse significado. Com o era de se prever, o com entário não trouxe nada de novo para os estudos de Rom anos. Sua visão ousada, entretanto, pôs em m o vim ento um a transform ação dram ática na m aneira dos teólogos encararem a interpretação bíblica. Entra em cena R udolf Bultm ann (1884-1976), cujo relacionam ento com Barth no início era relativam ente amigável. Basicam ente um estudioso do Novo Testam ento com interesse especial na escola da história da religião, B ultm ann com partilhava com Barth uma profunda preocupação com a rele vância do Cristianismo. Por vários motivos, entretanto, eles logo seguiram cami nhos diferentes. Um fator importante foi Bultmann ter adotado o existencialismo, particularmente aquele apresentado pelo filósofo Martin Heidegger. Entre os artigos de Bultm ann, poucos são mais interessantes do que um com o título “É Possível um a Exegese Sem Pressuposições?” 148 A resposta à sua pergunta foi “não” . Bultm ann não estava sugerindo que os leitores da B íblia devem decidir de antem ão o significado específico de um texto: ele sem pre acreditou que a objetividade (devidam ente com preendida) é o alvo da exegese. Seu argumento, entretanto, era de que todos nós levamos para dentro do texto a nossa visão de m undo e que a supressão dessa visão de m undo está fora de questão. Bultm ann continuou seu argum ento de form a ousada: O m étodo histórico inclui a pressuposição de que a H istória é uma unidade no sentido que form a um contínuo fechado em seus efeitos e dentro do qual acontecim entos individuais estão ligados pela sucessão de causa e efeito... esse encerram ento significa que o contínuo dos acon tecim entos históricos não pode ser interrom pido pela inferência dos poderes sobrenaturais e transcendentes e que, portanto, não existem “m ilagres” nesse sentido da palavra. B ultm ann tinha razão ao argum entar que era im possível interpretar a B íblia (ou qualquer outro texto) sem pressuposições.149 O tipo de neutralidade que 148 R u d o lf B ultm ann, “Is E xegesis w ithout P resuppositions P ossible?” em E xistence a n d Faith: ShorterW ritin g s o f R u d o lf B ultm ann, org. por Schubert M. O gden (N ova York: W orld Publishing, 1960), pp. 289-96. As citações seguintes são das pp. 291-92. 149 E ssa ênfase não era exclusividade de B ultm ann. Já foram levantados m uitos questionam entos sobre a objetividade e im parcialidade d a tarefa científica em diversas áreas. N a teologia, o b ser var especialm ente o trabalho de C ornelius Van Til; construindo sobre a filosofia de A braham os estudiosos mais antigos haviam buscado não existe. Se os pressupostos do próprio B ultm ann estavam alinhados com as pressuposições dos escritores bíblicos ou não, é um a outra questão. Pode-se argum entar que um com pro m isso cristão autêntico deve ser com patível com a fé daqueles por m eio dos quais nos veio a revelação. E levantada, assim, a questão inevitável: Que sen tido faz-nos apegarm os à nossa identidade cristã se nossos pressupostos mais básicos (a questão da chamada inferência de Deus neste mundo) são conflitantes com aqueles das Escrituras cristãs? Observe, entretanto, que os objetivos teológicos de Bultmann, assim como os de Barth foram grandem ente afetados por uma preocupação com a rele vância. Ele argum entava que se nós m odernos não somos capazes de acredi tar em m ilagres, então devem os reapresentar a m ensagem cristã prim itiva em term os que nos sejam com preensíveis. Esse princípio levou B ultm ann a de senvolver um m étodo herm enêutico cham ado de desm itologização (ou talvez a descrição m ais precisa seja remitologizaçãó). Ele acreditava que os cristãos prim itivos usavam categorias m íticas para dar expressão à sua fé oriental. Deve-se repensar os mitos da m aneira como foram elaborados por seus cria dores. A visão de Bultm ann, aliás, não envolvia exatam ente a rejeição dos m itos m as a sua tradução em form a de mitos modernos. Com isso, B ultm ann estava antes de mais nada referindo-se às categorias da filosofia existencialista. Alguns dos discípulos de Bultmann, mesmo que insatisfeitos com vários elem entos das idéias de seu mestre, buscaram construir novas idéias durante as décadas de 50 e 60. Um exem plo foi o m ovim ento que ficou conhecido com o “a nova busca pelo Jesus histórico” e que procurou levar a fé cristã recente para mais perto do Jesus histórico muito mais do que B ultm ann havia permitido. Para os nossos propósitos, o desenvolvimento da Nova Hermenêutica foi ainda mais signficativo. Esse m ovim ento tinha pouca ligação com as pre ocupações tradicionais da herm enêutica,150 exceto pelo fato de concentrar-se, num sentido geral, no conceito de entendim ento. Aliás, os estudiosos repre sentantes da Nova H erm enêutica dificilm ente discutiam os m étodos pelos quais era determ inado o significado histórico do texto bíblico. Estavam mais interessados em desenvolver uma teologia que se assentava sobre certas vi sões continentais a respeito da linguagem e do pensam ento, especialm ente K uyper, ele desenvolveu um sistem a apologético, no qaal o papel das pressuposições era fu n d a m ental. Ver o seu livro The D efense o f the Faith, 3a ed. (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and R eform ed, 1967; reim presso 1985). 1M) O próprio term o h erm enêutica reflete um a m udança de perspectiva e “ pode tornar-se contíguo com a teo lo g ia cristã com o sendo a declaração do significado das E scrituras para os nossos d ias” (Jam es R. R obinson, “H erm eneutic since B arth” em The N ew H enneneutic, vol.2 de N ew Frontiers in Theology, org. por J.M . R obinson e John B. C obb, Jr. [N ova York: H arper and Row, 1964), pp. 1-77, especialm ente p. 6). O term o herm enêutica vem sendo usado de m odo bem m ais restrito para referir-se à d isciplina que trata dos princípios e m étodos d a interpretação. dos ensinam entos do filósofo existencialista M artin Heidegger (1889-1976). Por causa das im plicações amplas dessas idéias, entretanto, o m ovim ento teve um im pacto significativo sobre as discussões subseqüentes acerca da inter pretação bíblica. Enquanto esses acontecim entos desenvolviam -se entre os estudiosos bí blicos e teológicos, um conjunto paralelo de idéias com eçava a ganhar ex pressão no cam po da c rítita literária. Já em 1930, um im portante grupo de estudiosos literários argum entava que a visão tradicional da crítica não era satisfatória - especialm ente, que a preocupação habitual com o autor norm al m ente era mal direcionada. A intenção de um poeta ao escrever um poem a, por exem plo, pode ser de interesse histórico, mas tem pouca relevância para a nossa com preensão desse poema. Conhecida como Nova Crítica, essa visão tratava o texto com o um artefato independente de seu autor e, portanto, abria m ais um a vez a questão fundam ental do significado textual.151 A relação entre os discípulos da crítica literária, da filosofia e da teolo gia afetou profundam ente o debate ao longo das últimas décadas. Talvez a figura mais proem inente tenha sido o filósofo alem ão H ans-Georg Gadamer, cujo nom e norm alm ente (porém nem sempre com justiça) é associado à visão relativista da interpretação. Gadam er chegou, de fato, a dar a im pressão de que a verdade dentro da interpretação é um a questão de gosto pessoal.152 E im portante ter em mente, porém , o contexto dessa discussão. A m aior preocupação de Gadam er era refutar a afirmação de que apenas o m étodo científico é capaz de chegar à verdade. Na raiz desse m étodo está a dúvida especialm ente a dúvida sobre qualquer coisa que não possa ser repetida e verificada. Conseqüentem ente, a tradição é um a form a de “preconceito” e deve ser elim inada. Mas as ciências humanas, especialm ente a História, não estão sujeitas à repetição e verificação, podendo-se inferir, portanto, que as ciências hum anas não podem chegar à verdade. Em oposição a esse ponto de vista - que era quase lugar-com um há algum as décadas e ainda hoje continua a dom inar certos campos - Gadam er argum entou que o “preconceito” não pode ser elim inado. Aliás, o preconceito é essencial para a consciência e a com preensão. Sua intenção era reabilitar a tradição (em particular os clássicos) que oferece as pressuposições que p o dem ser testadas à m edida que são aplicadas ao texto. No desenvolvim ento IM Ver a discussão um tanto diferente sobre a N ova C rítica, intenção do autor e a obra de H ansG eorg G adam er, Paul R icoeur e E. D. H irsch no capítulo 2 “O Sentido do S ignificado” . 132 D e acordo com Joel C. W einsheim er em G a d a m e r’s H erm eneutics: A R ea d in g o f Truth and M ethod (N ew H aven: Yale U niversity Press, 1985): “ Se u m a interpretação é verdadeira ou não é u m a q uestão de gosto. Se isso parece d enegrir a verdade, é só porque denegrim os o gosto com o função congnitiva capaz de chegar à verdade. É som ente porque pensam os que a verdade é exclusivam ente algo que precisa ser provado” (p. 111). dessa concepção, entretanto, G adam er tam bém colocou ênfase excessiva na visão de que o passado não é fixo, que acontecim entos e textos anteriores m udam à m edida que vão sendo continuam ente com preendidos. Se assim for, não é possível identificar o significado do texto sim plesm ente pela in tenção do autor. Ironicam ente, logo depois da publicação da obra de Gadamer, a própria ciência m oderna passou por algumas transform ações radicais, em grande par te com o resultado do trabalho de Thom as K uhn.153 Apesar de muitos cientis tas continuarem talvez a fazer o seu trabalho como se nada tivesse aconteci do, é de conhecim ento geral que as ciências exatas não são fundam entalm en te tão diferentes das ciências hum anas. Am bas estão profundam ente envolvi das na herm enêutica, de modo que nenhum cam po de estudo tem com o esca par de um certo grau de relatividade. De qualquer m aneira, o pensam ento de G adam er teve um impacto profundo não apenas na discussão filosófica, como tam bém no estudo da literatura e, portanto, no estudo bíblico e teológico. O trabalho de Paul Ricoeur é especialm ente conhecido nesse sentido. Entre suas inúm eras idéias sugestivas, devemos notar sua ênfase na distinção das relações entre falar-ouvir e escrever-ler. No discurso oral, o significado do discurso sobrepõe-se à intenção do orador. “D entro do discurso escrito, porém , a intenção do autor e o significado do texto deixam de coincidir... o rum o do texto escapa do horizonte finito vivido por seu autor. O que o texto significa agora é mais im portante que a intenção do autor quando ele o escre veu.” '54 Conquanto o próprio R icoeur não fosse um estudioso da Bíblia, esta va profundam ente interessado no pensam ento religioso e, portanto, muitos teólogos e estudantes da Bíblia têm sido influenciados por seu trabalho. J. S. Croatto é um exem plo especialm ente interessante, tendo em vista que seus escritos, surgidos no contexto da teologia da libertação da A m érica Latina, tornaram -se bastante populares em países de língua inglesa.155 D e acor do com Croatto, a Bíblia não deve ser vista como um depósito fixo que já deu 153 T hom as S. K uhn. The Structure o fS c ie n tific R evolutions, 2a ed., International E ncyclopedia of U nified S cience 2 /2 (C hicago: U niversity o f C hicago Press, 1967). P ara m ais sobre a relevância do trabalho de herm enêutica de K uhn, Vern S. Poythress, Science a n d H enneneutics: ImpU cations o f S cientific M eth o d f o r B ib lica l Interpretation, F oundations o f C ontem porary Interpretation 6 (G rand Rapids: Z ondervan, 1988), caps. 3-4. 154 Paul Ricoeur, Interpretation Theory: D iscourse a n d the Surplus o f M eaning (Fort W orth: Texas C hristian U niversity, 1976), pp. 29-30; ver tam bém E ssays on B iblical Interpretation, intro d u ção por L ew is S. M udge (Filadélfia: Fortress Press, 1980). D entre as várias análises im portantes de R icoeur, ver especialm ente K evin J. V anhoozer, B iblical N arrative in the P hilo so p h y o fP a u l R icouer: A S tudy in H e n n en e u tic s a n d Theology (C am bridge U niversity Press, 1990). 151 J. Severino. C roatto, H erm enêutica bíblica. Para una teoria de Ia lectura com o prod u cció n de sentido (B uenos Aires: L a A urora, 1984), especialm ente pp. 7, 23-24, 73. T radução para o inglês por R. R. Barr, B iblical H enneneutics: Toward a Theory o fR e a d in g as the P roduction oj M ea n in g (M aryknoll, N.Y.: O rbis, 1987), pp. ix, 17, 66. toda a sua contribuição - não é urna questão da Bíblia “ter dito” tudo o que tinha a dizer, mas sim de que ela “continua dizendo” . Ao passar suas m ensa gens para a form a escrita, os autores bíblicos, em si, desapareceram , mas sua ausência significa riqueza sem ântica. O “encerram ento” do significado do autor resulta na “abertura” de um novo significado. Croatto chega a nos dizer que a responsabilidade do leitor não é a exegese - tom ar o sentido puro como alguém que tira um objeto d€ um baú de tesouros - mas sim a eisegese, ou seja, devemos “entrar” no texto com novas questões a fim de que sejam pro duzidos novos significados. Nunca é demais enfatizar o caráter radical desses desenvolvimentos. Para o praticante do método histórico é absolutamente chocante ouvir que a eisegese é um m odo perm itido - quanto m ais preferido! - de se aproxim ar do texto. D urante dezenove séculos o estudo da Bíblia m oveu-se justam ente no sentido contrário a esse tipo de visão (especialm ente na form a da interpretação alegó rica), de m odo que, com a m aturidade do m étodo histórico uma grande vitó ria foi conquistada pela exegese responsável. M as agora, nos dizem que a interpretação histórica é obsoleta. Em bora ninguém esteja argum entando que devem os voltar à alegorização incontrolável de alguns intérpretes antigos e m edievais, à prim eira vista, a busca por significados diferentes daqueles que foram pretendidos pelo autor original parece que estam os abrindo m ão de séculos de progresso herm enêutico. A situação se com plica ainda mais. Durante várias décadas testem unha m os o surgim ento de um a variedade de visões mais especializadas e até m es m o esotéricas com o o estruturalism o, o pós-estruturalism o, a desconstrução e assim por diante (ver abaixo a seção “O Papel do Leitor”). Nos extrem os mais radicais, algum as escolas questionam as próprias fundações do pensam ento ocidental e assim, sugerem a im possibilidade de se interpretar textos. E certo que ainda há alguns defensores em inentes da “intenção do au tor” no cenário contem porâneo, sendo E. D. Hirsch um dos mais conhecidos. Argum entando em favor de um a distinção entre significado (invariável e que era intenção do autor) e significação (a aplicação alterável de um escrito a diferentes contextos), Hirsch acreditava ser capaz de preservar o papel crucial do autor original contra os ataques de pensadores como G adam er.156 Além 156 E. D. H irsch, Jr., Validity in Interpretation (New Haven: Yale U niversity Press, 1967). E ssa o bra tem sido bem aceita por m uitos escritores evangélicos, incluindo W. C. Kaiser, Jr., The Uses oj the O ld Testam ent in the N ew (C hicago: M oody, 1985) e alguns outros estudiosos bíblicos p reocupados com a objetividade do significado histórico, m as H irsch não é bem aceito pela m aioria dos pensadores filosóficos e literários. Para u m a breve crítica ver A nthony C. T hiselton, N ew H o rizons in H en n en eu tics: The T heory a n d P ractice o f Transform ing B ib lica l R eading (G rand Rapids: Z ondervan, 1992), p. 13. B en M eyer, C riticai R ealism a n d the N ew Testam ent, (P rinceton T heological M onograph Series 17 (A llison Park, Pa.: Pickw ick, 1989), capítulo 2, defende o sentido intencionado do texto, reconhecendo, ao m esm o tem po, os pontos fracos da argum entação de H irsch. disso, a grande m aioria dos livros e artigos que tratam do texto bíblico conti nua a dar prioridade para o seu significado histórico. Um fato que causa per plexidade é que, de tem pos em tem pos, em reuniões de profissionais da área, pode-se ouvir um estudioso que parece teoricam ente ter adotado a nova visão, porém cuja verdadeira interpretação não se m ostra diferente da exegese histórica comum . Em outras palavras, o abandono das interpretações autorais e históricas seria difícil de docum entar em relação aos artigos usuais publica dos nos jornais de estudo bíblico reconhecidos. De qualquer form a, seria um erro inferir que os debates contem porâneos da herm enêutica são um mero exercício. Os questionam entos das visões tra d icio n a is são sérios e p recisam ser c o n sid erad o s com cuidado. E sses questionam entos têm, particularm ente, um a influência direta sobre a relevân cia da Bíblia para a com unidade da fé. Afinal de contas, seja lá o que os estudiosos estejam fazendo em suas publicações especializadas, deve-se per guntar qual é a responsabilidade dos pregadores ao se dirigirem às suas con gregações e tam bém de que form a o crente com o indivíduo deve encarar a leitura e o estudo das Escrituras. O método histórico-crítico Antes de olharm os mais detalhadam ente para os vários aspectos do atual de bate, devemos deixar claro aquilo a que os pensadores contem porâneos estão reagindo contra. Infelizmente, a term inologia nem sempre é tão precisa quanto gostaríam os. A té aqui, usei de paráfrases com o “interpretação histórica” e “crítica bíblica” para representar o trabalho da m aioria dos estudiosos da B í blia. Se com preendida num sentido geral, essa visão caracteriza de m aneira justa a m aioria dos estudiosos, m esm o que seus pontos de vista sobre o cará ter da B íblia possam ser diferentes uns dos outros. Nesse nível geral, talvez o m elhor descritor seja a exegese gramáticohistórica (ver discussão no capítulo 1). Esse term o antigo concentra a atenção na análise detalhada do texto em conform idade com a linguagem original e a situação histórica original. Essa visão foi desenvolvida com a clara intenção de opor-se à interpretação alegórica e à nossa tendência natural de interpretar o texto baseados em nossa língua m aternáe à luz de nossos próprios costum es e experiências. Um corolário im portante dessa visão afirmava, por exem plo, que antes aplicar Rom anos 8 às nossas necessidades, deveríamos pôr de lado os nossos preconceitos e perguntar o que o autor original queria dizer. De acordo com esse ponto de vista, em outras palavras, apenas quando tivésse mos descoberto o que Paulo desejava com unicar aos cristãos de Rom a pode ríam os fazer uso do direito de aplicar essa passagem à nossa situação. É possível, entretanto, dizer que essa visão é sem elhante ao m étodo “his tórico-crítico” ? M uitos daqueles que estudam a Bíblia, incluindo estudiosos im portantes, rejeitam esse m étodo com base no fato de que ele é incom patível com o caráter divino das Escrituras. É aqui que com eça a confusão, pois o rótulo de “histórico-crítico” não é usado por todos exatam ente com o m esm o sentido. Estudiosos que rejeitam o m étodo - norm alm ente cham ados de con servadores ou evangélicos - certam ente não têm objeções à leitura histórica da Bíblia. M uito pelo contrário, eles têm sido os defensores m ais articulados do sentido autoral e histórico, opondo-se às tendências atuais. Além disso, há muitos aspectos do estudo “crítico” dos quais eles têm participado sem receio.157 Infelizm ente, há um a profunda am bigüidade no term o crítica. M esm o deixando de lado as conotações negativas que a palavra tem no uso com um , pode-se distinguir diversos significados. Nos cam pos das artes e literatura ele refere-se à capacidade de avaliar a qualidade artística de determ inada obra (a aplicação dessa capacidade à B íblia foi um tanto duvidosa no passado, mas vem ganhando força na atualidade). Quando usado para referir-se ao estudo da Bíblia, a principal idéia é a investigação de modo científico das origens históricas, texto, com posição e transm issão literária dos docum entos. Para qualquer um que adm ita que a Bíblia tem tanto características hum anas quan to divinas, não pode haver objeção a tal estudo. O problem a surge, entretanto, por causa dos laços m uito próxim os entre o m étodo crítico e os princípios do Ilum inism o. A prioridade que foi dada à razão hum ana durante aquele período teve im pacto direto sobre a questão da autoridade religiosa. Essa prioridade ditava que a B íblia deve ser tratada “com o qualquer outro livro” , um a frase que não precisa ser considerada ofensiva pelo evangélico desde que tam bém haja o reconhecim ento de que a B íblia é singularm ente divina em sua origem e, portanto, deve ser tratada de m odo diferente de qualquer outro livro. No que diz respeito à Idade da R azão, entretanto, tal qualificação era inaceitável, pois é óbvio que seria destrutiva para o princípio da autonom ia hum ana. Da m esm a form a, a “crí tica bíblica” veio a significar não apenas a investigação científica dos docu m entos bíblicos, mas um m étodo que pressupõe desde o com eço o direito de o crítico ju lg a r as verdades afirm adas na Bíblia. A ssim , interpretar a B íblia historicam ente, por exem plo, significava quase que por definição adm itir que ela contém contradições.158 Em resum o, concordar com a visão 137 E ntre os estudiosos conservadores dos últim os dois séculos estão especialistas do N ovo T esta m ento com o J. B. L ightfoot, T heodore Z ahn, B ernhard W eiss, J. G resham M achen, H erm an R id d erb o se F. F. Bruce. N o cam po do A ntigo T estam ento, observe nom es com o E. H engstenberg, Franz D elitzsch, R obert D ick W ilson, E dw ard J. Young e o estudioso ju d e u U m berto C assuto. bit W. G. K üm m el, The N ew Testam ent: The H istory o fth e Investigation o f Its P roblem s (N ashville: A bingdon, 1972), p p .29-31 e em outras partes d a obra. de que a B íblia não era totalm ente confiável tornou-se um dos princípios orientadores do “m étodo histórico-crítico” . Q ualquer um que tivesse um com prom isso teológico com a visão tra dicional da inspiração certam ente não poderia exercer a “crítica” nesse sen tido. D esenvolvim entos subseqüentes, porém , criaram ainda m ais com pli cações. As form ulações da cham ada crítica superior159 sobre as origens his tóricas do docum ento bíblico apresentaram a crescente tendência a dene grir os valores religiosos da Bíblia. No com eço do século 20, as visões “conservadoras” e “liberais” haviam se tornado quase totalm ente po lariza das, apesar de a visão conservadora continuar a usar extensivam ente os es tudos críticos no que diz respeito à form a com o podiam ser integrados à estrutura da ortodoxia teológica. É bastante óbvio o significado desses desenvolvim entos para este capí tulo, m as há dois pontos que precisam ser enfatizados. Em prim eiro lugar, a antítese fundam ental entre as escolas conservadoras e críticas não deve obscurecer seu objetivo com um de descobrir o significado do texto. C om prom e tidas com a prioridade do intento autoral, ambos os lados pressupunham a necessidade de um a visão objetiva, científica e sem preconcepções, que deve ria ser diferenciada do trabalho de aplicação. Em segundo lugar, ironicamente, essa história tam bém nos faz lembrar que compromissos teológicos dificilmente podem ser separados de decisões sobre os princípios hermenêuticos. Diante das afirmações da Bíblia e das ex pectativas religiosas que ela coloca sobre seus leitores, a neutralidade teológica é um a ilusão. Não estamos com isso negando que pessoas de escolas teológicas m uito diferentes possam chegar às mesmas conclusões sobre diversos pontos em nível de detalhes e até mesmo em relação a questões mais importantes. Mas é ilusão pensar que podemos nos aproxim ar dos textos das Escrituras sem ne nhum preconceito em nossa mente. A ênfase atual da “pré-com preensão” , por tanto, é um desenvolvimento salutar que não deve ser ignorado. A autonomia do texto M esm o com pouca reflexão, podem os com preender que não é um a tarefa sim ples determ inar o significado de um texto. Para que ocorra a interpretação deve haver um autor, um texto e um intérprete (leitor ou ouvinte) e é ju sta m ente essa relação de três partes que pode gerar confusões. M esm o quando deparam os com afirm ações cujo significado parece óbvio, a verdade é que um a grande quantidade de conhecim ento e experiências prévias já preparou nossa m ente para tratar dessa inform ação nova. Não há garantias, entretanto, de que nossa mente está, de fato, preparada para processar a mensagem. 159 E sse título servia para d istin g u ir as visoes m ais controvertidas das investigações que se con cen travam n a linguagem e n a transm issão textual, que são referidas com o crítica inferior. No processo de determ inar o significado de uma determ inada palavra ou frase nas cartas de Paulo, por exemplo, os intérpretes freqüentem ente se per guntam: “Teriam os leitores originais captado tais e tais significados?” Não é incom um determ inada interpretação ser rejeitada justam ente porque não po deria se esperar que aqueles leitores chegassem a tal conclusão. Porém , prati cam ente todos os estudiosos adm item que algum as das nuanças mais sutis e ricas do apóstolo estavam além do alcance do público original. N a introdução ao seu fam oso dicionário do grego do Novo Testam ento, W alter B auer levantou a possibilidade de que aquilo... que Paulo dizia, condicionado por seu passado judaico, não era sem pre com preendido da m esm a form a pelos ouvintes cristãos gentios, que tam bém não podiam se desligar de suas form as de pensam ento anteriores... Tendo isso em mente, podem os concluir que algum as vezes há dois significados para a m esm a passagem , um do ponto de vista do escritor e outro que se torna evidente quando o indivíduo se coloca intelectual e espiritualm ente no lugar do recipiente; o lexicógrafo natu ralm ente sente a obrigação de tirar as conclusões apropriadas. A form a com o um a passagem é com preendida por seus prim eiros leitores pode ter efeito im ediato sobre sua interpretação posterior.160 Enquanto essa citação levanta diversas questões interessantes, neste m om en to precisam os apenas observar o reconhecim ento de que tal apelo aos leitores originais nem sempre funciona - que, por si só, tal apelo não é um a solução satisfatória para o problem a de interpretação. Em outras palavras, precisam os lidar com a possibilidade de um “distúrbio” entre dois pontos do triângulo interpretativo: o autor e o leitor. No m om ento em que admitimos esse problem a, porém , tam bém estam os adm itindo que escrever um texto (e, num certo sentido, fazer um discurso) envolve um risco. O texto passa a ter vida própria. É um assunto a ser enten dido de m aneiras diferentes daquelas que eram a intenção do autor. Essa com plicação cresce à m edida que o texto se distancia (geograficam ente, cronolo gicam ente ou culturalm ente) de seu autor, especialm ente à m edida que se perde a possibilidade de pedir uma explicação do autor. Os estudiosos da Bíblia interessados no significado histórico original do autor não têm ficado alheios a esse problema, apesar de nos perguntarmos se eles perceberam completamente quais são, de fato, suas implicações. Para eles, entre tanto, o problema era simplesmente um desafio a ser superado. Algumas vezes, uma solução definitiva pode estar além do alcance do intérprete, mas fazem-se todos os esforços possíveis para descobrir o que o autor pretendia dizer. 160 BAG D, p. xxiv. Com a ascensão da Nova Crítica, entretanto, os estudantes am ericanos de literatura com eçaram a ver esse fenôm eno não como um problem a a ser resolvido, mas como um a oportunidade para a criatividade interpretativa. Em vez de perguntar “O texto significa isto ou aquilo?” com a m esm a entonação que perguntam os “Café ou chá?”, deixando im plícito que só se pode escolher um a resposta, os críticos com eçaram a perguntar “É possível que o texto signifique isto ou aquilo?” com um a entonação de “C igarros ou bebidas?” e que vê o texto com o um a arca de m istérios que não aparecem na superfície. (H á um a certa discussão sobre se o autor sabe o que ele colocou na arca). Para dar um exem plo, podem os entender nas palavras de M arvell: E nquanto a m ente, com m enos prazer, R ecolhe-se em sua própria felicid ade que a m ente tem m enos p razer p o r cau sa da felicid ad e ou que é por c au sa da felicid ad e que a m ente se reco lh e? A resp o sta p assa a ser “As duas coisas - e que outros sentid o s podem os en c o n trar nessas p a la v ra s? ” 161 Livres das lim itações da intenção do autor, os críticos podiam então procla m ar a autonom ia do texto. Essa perspectiva tornou-se predom inante na crítica literária norte-am ericana durante os anos 40 e 50 apesar de ter dem orado a causar im pacto nos estudos bíblicos. Quando finalm ente isso aconteceu, ou tras correntes de pensam ento, tais como o “estruturalism o” francês, tam bém estavam entrando em cena. U m dos elem entos mais controvertidos dessa ênfase m oderna sobre a autonom ia do texto é a tendência de relegar a um segundo plano a referência a outras obras da literatura, especialm ente às obras históricas. Em outras pa lavras, um a ênfase na autonom ia do texto significa que o texto é separado não apenas do seu autor, mas tam bém da realidade extralingüística à qual ele pa rece fazer referência. Os estudiosos bíblicos do passado (tanto os “liberais” quanto os “con servadores”) com freqüência são criticados por darem atenção dem ais à ques tão da historicidade. Se os estudiosos conservadores se perguntam o que pode ter m otivado o personagem bíblico a agir de uma determ inada m aneira, são criticados por estarem concentrando-se num acontecim ento histórico e não nas habilidades literárias do autor bíblico. Se os estudiosos liberais realizam um a leitura um pouco mais conservadora de uma porção histórica, também são criticados por não com preenderem o que se passa. Em resum o, o próprio 161 G. W. T urner, Stylistics (B altim ore: P enguin, 1973, pp. 100,101. E im portante observar que a ênfase focaliza-se prim ariam ente sobre a poesia, um m eio que u sa freqüentem ente a am bigüida de intencional e, assim , suscita a ênfase im aginativa. ato de se fazer perguntas históricàs é considerado basicam ente irrelevante. U m proponente desse ponto de vista sugere que “a nova crítica literária pode ser designada como inerentemente anti-histórica” . Ele comenta ainda que “con siderar a B íblia como literatura é o princípio e o fim da tarefa do estudioso. A Bíblia é vista, antes de mais nada, com o um projeto literário” .162 Com o norm alm ente é o caso quando um a nova e provocadora idéia apa rece e é aceita por pensadores entusiastas, a idéia de autonom ia do texto tem m ostrado que possui dois lado. Tanto os resultados positivos quanto os nega tivos são claram ente diferenciáveis. E previsível que afirm ações aparente m ente extrem as tenham a tendência de prejudicar a nossa aceitação dos ele m entos positivos. Até m esm o os pontos de vista mais objetáveis, entretanto, podem refletir algum a verdade im portante e devemos nos esforçar para lhes fazer justiça. Sem dúvida a exegese histórica - apesaV de suas fam osas exceções tende a ignorar a qualidade literária intrínseca dos docum entos bíblicos. A Nova Crítica e outros desenvolvim entos mais recentes relacionados a ela nos ensinam a prestar atenção à “textura” da literatura bíblica. Essa qualidade não deve ser vista como o princípio e o fim de nosso interesse. Isso seria enfra quecer o que já foi tradicionalm ente reconhecido como um elem ento funda mental da religião bíblica, a saber, o seu caráter essencialmente histórico. De qualquer m aneira, a narrativa bíblica, bem como outros gêneros bí blicos que incluem referências históricas, não deve ser tratada com o se fosse neutra, livre de “desvios” interpretativos e teológicos. (A crença na inspira ção bíblica e na infalibilidade não torna impossível - e na verdade, intensifica - a im portância desse elem ento interpretativo.) M as a perspectiva teológica dos escritores bíblicos raram ente é expressa em term os explícitos; pelo con trário, ela reflete-se em sua com posição do texto. Assim, prestar atenção à qualidade literária da narrativa - m esm o quando ela é considerada relativa m ente independente da referência histórica - é um a prática de im enso valor para a com preensão do significado da história que está sendo apresentada pela narrativa. O papel do leitor Ao longo dos séculos, tem -se partido sempre do pressuposto de que a nossa percepção das inform ações corresponde exatam ente à realidade objetiva. Se vemos um cavalo preto, deve ser preto - e certam ente deve ser um cavalo! Afinal, de que outra form a o trabalho científico poderia prosseguir sem tal segurança? O que é verdadeiro para o observador científico, supostam ente tam bém é verdadeiro para alguém que está interpretando literatura, apesar de 162 D. R obertson, “ L iterature, the B ible as” , em Sup, pp. 547-51, especialm ente p. 548. ser preciso reconhecer que, nesse caso, há mais espaço para am bigüidades e m al-entendidos. Os intérpretes bíblicos antes deste século tinham , de fato, grande consciência sobre o papel das pré-concepções, mas sim plesm ente su punham que elas podiam ser superadas. Isso não acontece mais. Se há algo diferente na herm enêutica contem porânea é justam ente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação. As origens dessa perspectiva podem ser encontradas na filoso fia do pensador do século 18, Im m anuel Kant, cuja obra sem dúvida foi um divisor de águas entre o pensam ento m oderno e tudo o que o precedeu. O efeito da contribuição de Kant foi tão abrangente e de caráter tão fundam ental que nenhum a disciplina intelectual pode escapar ao seu im pacto - nem m es mo a interpretação bíblica, apesar de ter levado algum tem po para os exegetas entenderem o que estava acontecendo. Falando em termos simples, Kant estava profundam ente preocupado com a tensão insuportável que o Ilum inism o havia criado entre a ciência e a reli gião (o velho problem a filosófico da razão versus a fé, agora com nova rou pagem ). Sua própria solução para o problem a foi divorciar os dois ao deter m inar os seus papéis. A religião, por exemplo, deve reconhecer suas lim ita ções: os princípios básicos da fé não podem ser provados pela razão teórica. M as a ciência tam bém é restrita: os observadores nunca vêem as coisas com o elas realm ente são, tendo em vista que a m ente não é um simples receptáculo m oldado por sensações físicas, mas sim um órgão ativo que traz ordem em m eio à série de dados caóticos com os quais depara. Pode-se m uito bem ad m itir que o m undo como o conhecem os é um m undo criado pela nossa m anei ra de ordenar as sensações. M uitos cientistas continuaram .seu trabalho na mais sublim e ignorância, mas a sem ente das m udanças fundam entais na perspectiva científica havia sido plantada. Aliás, algum as das questões mais significativas debatidas na filosofia da ciência do século 20 estão relacionadas à relatividade do pensa m ento científico. Conform e já m encionam os, os escritos controversos de Thom as Kuhn serviram para sensibilizar a com unidade científica para essa questão. O interesse prim ário de Kunh era com preender o processo hum ano por m eio do qual aconteceram as grandes m udanças em nossa interpretação do m undo natural. Se observarmos com cuidado a “revolução científica” as sociada ao trabalho de Galileu e Copérnico, por exemplo, não encontram os apenas um a simples m udança de opinião baseada na investigação imparcial de dados objetivos. D iante de novas evidências descobertas, cientistas respei táveis continuaram apegando-se a visões tradicionais da física e da astrono m ia. Eles procuraram integrar algumas das novas evidências à sua interpreta ção geral; quando não conseguiam fazer isso, tratavam as novas descobertas como anomalias - ou seja, dados para os quais ainda não tinham uma explicação. Com o parte de seu argumento,-Kuhn chamou a atenção para um a fasci nante experiência psicológica. Nela, os investigadores usavam um baralho que continha algumas anom alias, tais com o um seis de espadas vermelho ou quatro de copas preto. As cartas eram rapidam ente m ostradas um a a um a e pedia-se que os sujeitos as identificassem. Em momento algum os sujeitos pa receram perceber as anomalias, pois eles prontamente integravam os novos f a tos a um sistema que era incofhpatível com esses fatos. Ao serem expostos m ais dem oradam ente ao baralho anômalo, a m aior parte dos sujeitos çetceVicu que \vavuY um problem a, mas não foi capaz de determ inar a anom alia. Com o aum ento do tem po de contato, eles foram capazes de identificar corre tam ente as cartas anômalas. Alguns sujeitos, entretanto, m esm o depois de terem um tem po de contato m uito mais longo do que os outros, continuaram a sentir dificuldade e tornaram -se bastante ansiosos. Para eles, era com o se um a inflexibilidade interpretativa os im pedisse de aceitar a nova evidência.163 A velha frase: “Eu já tom ei um a decisão - portanto não me perturbe com os fatos” norm alm ente é dita de m aneira jocosa, mas ela é m ais verda deira do que percebem os ou querem os admitir. Esse não é necessariam ente um caso de teim osia proposital ou desonestidade. Quando alguém interpreta incorretam ente aquilo que falamos, podem os encontrar consolo no fato de que “as pessoas ouvem aquilo que querem ouvir” . Talvez mais precisam ente, podem os dizer que as pessoas ouvem aquilo que sua m ente está preparada para ouvir. E im possível para nós com preender e assim ilar novas inform a ções a m enos que as relacionem os com aquilo que já sabem os, ou seja, fil trando-as de m odo que encaixem -se em nosso “pré-entendim ento” . É verda de que alguns de nós têm mais facilidade de realizar esse processo do que outros. A lém disso, alguns indivíduos sábios parecem capazes de identificar a anom alia rapidam ente e ajustar sua estrutura interpretativa de modo que esta leve em consideração o novo fato. De qualquer forma, o im portante é que os pensadores contem porâneos aprenderam a aceitar o papel da subjetividade do observador na pesquisa c ien tífica.164 M as se isso tudo se aplica às “ciências exatas” , nas quais as m edidas objetivas estão no cerne da pesquisa, o que dizer das ciências hum a nas e, especialm ente, da interpretação da literatura, nas quais o fator subjeti vo parece tão mais proem inente? Esses desenvolvim entos nos m ostram , entre outras coisas, que provavelm ente superestim am os as diferenças entre as ciên cias exatas e hum anas. Em ambas essas disciplinas tão abrangentes, o pesqui sador vê-se diante de dados que só podem ser interpretados à luz de conheci 163 K uhn, Scientific R evolutions, pp. 62-64. 164 D evo d eixar de fora do relato m uitos outros desenvolvim ento relevantes, tais com o as im p lica ções do princípio d a incerteza na área da física quântica. m entos prévios; em ambos os casos, portanto, o intérprete já tem - consciente ou inconscientem ente - um a teoria que busca explicar o m aior núm ero possí vel de fatos. Tendo em vista a natureza finita de todos os intérpretes hum anos, nenhum a explicação pode abranger absolutam ente todos os dados. Em m ui tos casos, é um conjunto de preconcepções, e não o peso das evidências, que determ ina a conclusão final. Nos dias de hoje essa é uma afirm ação am plam ente aceita. Alguns pen sadores, entretanto, argum entam que pelo menos no caso da interpretação literária precisam os ir além. Chega-se a sugerir que o papel do leitor é, e deve cada vez mais ser a única coisa que im porta. Tanto para os praticantes do m étodo histórico (que enfatiza o sentido geral pretendido pelo autor) quanto para os da Nova Crítica (que despreza qualquer intenção autoral), a única coisa na qual pode-se depender é na objetividade do texto. Para os proponen tes da “teoria da resposta do leitor” , entretanto - pelo menos em suas form as m ais extrem as - não existe um texto objetivo. Tendo em vista que todo leitor traz um a estrutura interpretativa para dentro do texto, cada leitor gera um novo significado e, portanto, cria um novo texto. Sem dúvida, a atual ênfase no papel do leitor está presente em vários pontos de vista. Incluídos na categoria geral, há insights profundos acerca do processo de interpretação, bem com o idéias ligadas a m odism os.165 O perigo está em que, perturbados por form ulações que nos parecem extrem as, pode mos acabar fechando nossos olhos para contribuições valiosas feitas por esse m ovim ento. Essa reação excessiva seria particularm ente infeliz, tendo em vista o caráter das Escrituras como livro que fala a todas as gerações. Se há algo dem onstrável na história do estudo bíblico, é o vigor e a constância com a qual os crentes põem em prática em sua vida os ensinam entos que recebem . Essa relevância não é resultado da atem poralidade da Bíblia, se com isso estam os nos referindo a um significado transcendente totalm ente isolado dos fatores históricos. Pelo contrário, é justam ente o fato de a m ensagem bíblica ter-se m ostrado relevante para um a variedade admirável de pessoas de diferentes idades e origens que prova seu caráter essencialm ente histórico. A palavra foi dada ao povo no contexto de suas situações de vida e foi pronta 165 O trabalho de Stanley Fish, ls There a Text in T his G lass? The A u th o rity o f Interpretative C om m u n ü ies (C am bridge, M ass.: H arvard U niversity Press, 1980), pp. 301 -21, é especialm ente influente. A rgum entando que seu ponto de vista não deix a im plícita um a “ pluralidade infinita de significados” , Fish observa que “as frases surgem apenas em situações, e dentro dessas situa ções, o significado norm ativo de determ inada afirm ação nem sem pre será óbvio, ou pelo m enos acessível, apesar de que em outra situação a m esm a afirm ação, que já não será exatam ente igual terá outro significado norm ativo que não será m enos óbvio ou acessível” (pp. 307-8). M ais um a vez, “é im possível até m esm o pensar em um a frase in dependente de seu contexto, e quando se pede que considerem os um a frase p ara a qual não foi especificado um contexto, nós autom atica m ente ouvirem os essa frase no contexto em que ela norm alm ente é en co n trad a” (p. 310). m ente contextualizada por leitores subseqüentes. (O que dificilm ente é aci dental. Afinal de contas, o Espírito Santo, autor das Escrituras, é quem ofere ce a com preensão ao leitor). Alguns pensadores vêem o conceito de contextualização com o um a revitalização da B íblia que a desprovê de sua autoridade. A pesar do conceito talvez ter sido mal usado em dçterm inados casos, a autoridade bíblica tam bém pode ser facilm ente enfraquecida ao m inim izar-se a realidade da varia ção histórica. A autoridade divina das Escrituras chega até os seres hum anos em suas situações concretas, que estão sujeitas a m udanças. A natureza abso luta dos m andam entos de Deus, portanto, não seria preservada, mas sim aca baria com prom etida, se esses m andam entos não fossem gerais e vagos o sufi ciente para poderem ser aplicados a todas as situações da m esm a m aneira. Esses comentários servem apenas para dar crédito ao intenso envolvimento do leitor no processo de interpretação das Escrituras. Não devem os, portanto, ser enganados pela aparente novidade e vanguarda da teoria de resposta do leitor. Enquanto a atual preocupação com o leitor é um fenôm eno recente, a novidade em questão está relacionada principalmente com o caráter consciente e explícito dessas descrições. Sem dúvida há um a realidade para a qual essas descrições apontam e essa realidade sempre esteve presente. Gostem os ou não, os leitores podem criar sentidos - e com freqüência o fazem - para um texto que lêem. Assim sendo, há várias opções à nossa dis posição (além de ignorar a realidade!). Em um extremo, podem os legitim ar todas as respostas dos leitores, ou pelo menos aquelas que sejam apoiadas pela autoridade de algum a com unidade; é de se duvidar, entretanto, que a integridade do Cristianism o possa ser preservada dentro desse tipo de estrutu ra. No outro extrem o, podem os tentar suprim ir os preconceitos do leitor. Com efeito, esse tem sido o alvo da exegese histórica: a objetividade total por parte do intérprete a fim de evitar-se injetar dentro do texto qualquer significado além do histórico. M as tal objetividade não existe. E se existisse, seria de pouca utilidade, pois então estaríam os sim plesm ente envolvidos num a árida repetição do texto que não leva em consideração nenhum valor duradouro. Paradoxalm ente, muito do sucesso da crítica bíblica m oderna foi obtida à custa de um a perda da relevância bíblica. O m étodo histórico não estava necessariam ente errado em distinguir entre o que a B íblia queria dizer e aquilo que ela quer dizer nos dias de hoje. Na prática, entretanto, esse m étodo tam bém separou os dois. A nova visão nos ensina, ou melhor, nos faz lem brar que se não sabem os o que a Bíblia quer dizer nos dias de hoje, é de se duvidar que saibam os o que ela queria dizer em sua época. Em todos os estágios da interpretação, algum a necessidade hum ana está sendo preenchida. N enhum a das ati vidades presentes é um a verdade “puram ente objetiva” livre de qual quer questão ou preocupação hum ana. Toda busca por “significado” é um a busca por um a aplicação pois se pedim os pelo “significado” de um a passagem , estam os expressando em nós m esm os um a ignorância, um a incapacidade de usar a passagem . Pedir por “significado” é pedir por um a aplicação das Escrituras para determ inada necessidade; estamos buscando nas Escrituras um a form a de rem ediar a falta, a ignorância, a incapacidade. D a m esm a form a, um a busca por “aplicação” é um pedi do de significado; aquele que pede não com preende a passagem bem o suficiente para usá-la para si m esm o.166 Em resum o, não é necessário suprim ir nosso contexto presente a fim de en tender o texto. Pelo contrário, em certos m omentos, precisam os nos aproxi m ar das Escrituras com nossos problem as e questões, se querem os verdadei ram ente com preender o que elas estão dizendo. Reconhecem os, assim, que para valorizar o texto o leitor deve assum ir um com prom isso. Um com pro m isso, entretanto, im plica um a “precom preensão” e tal preconcepção não é apenas perm itida com o tam bém necessária, (ver SI 119.33,34). A intenção do autor Sem dúvida, existe um a certa legitim idade na afirmação de que o sentido do texto não deve ser identificado com a intenção do autor de form a exclusiva e absoluta. Todo professor já deve, por exemplo, ter experim entado a realiza ção de ver um aluno fazer um a pergunta que parafraseia, interpreta e expande as questões m encionadas em um a aula. N ã o seria c o r r e to d iz e r q u e tu d o o q u e aluno diz fazia parte da intenção consciente do professor, mas o instrutor fica feliz em receber o crédito pelo “novo” significado, desde que seja um a inferência legítim a de sua aula. É possível dizerm os que a interpretação do aluno foi parte do significa do da aula? Em certo sentido, sim, podem os confirm ar isso pelo fato de que o professor aceitou a interpretação. Agora, se a m esm a interpretação tivesse surgido de um a conversa entre alunos, sem que o professor estivesse presente e, portanto, sem que ele pudesse confirm á-la, ela ainda seria parte do signifi cado. Essa possibilidade de expansão sem ântica aum enta no caso de um do cum ento escrito, pois o texto torna-se am plam ente disponível para um a nú m ero grande e diverso de pessoas que estão cada vez m ais distantes do con texto original do autor. O apóstolo Paulo, por exemplo, não poderia ter pre visto certos problem as específicos das igrejas cristãs do século 20. Q uer ad m itam os ou não, a “aplicação” das declarações paulinas sobre esses proble^ M o h n M . ¥ x iã ^ ~ T h e D o c tr in e o f th e K now ledge õ f G od (P hillipsburg, NJ: P resbyterian and R eform ed, 1987), p. 83. m as im plicam um a decisão sobre o significado do texto que certam ente não era parte da intenção original do autor. A questão torna-se ainda mais prem ente para os cristãos que vêem Deus como o grande autor das Escrituras. A convicção da autoria dupla - tanto hum a na quanto divina tem sido o fator motivador por trás de tanto uso controverso da Bíblia ao longo dos séculos. Q uer pensemos no tipo de exegese judaica associ ada ao rabino Akiba que encontrava um significado importante em cada deta lhe, ou no program a alegórico de Orígenes de Alexandria, ou na cham ada visão tipológica dos estudiosos de Antioquia, ou no apelo do sensus plenior (“signifi cado mais pleno”) ou simplesmente na leitura devocional realizada por m ilha res de crentes - todas essas visões pressupõem que há “m ais” no texto bíblico do que os autores humanos tinham consciência.167 Em resum o, m inha própria posição, tanto no cam po literário quanto no teológico, é de que o sentido da passagem bíblica não precisa ser identificado com pletam ente com a intenção do autor. É uma questão bem diferente, entre tanto, sugerir que o significado autoral seja dispensável ou até m esm o secun dário. Enquanto em certos casos a tarefa de identificar o que o autor bíblico queria dizer não é a única form a legítim a de se proceder, essa tarefa é sempre legítim a e deve, de fato, continuar a funcionar com o nosso objetivo essencial. Pode-se argum entar que essa é a única m aneira honesta de se proceder antes de se fazer outras considerações acerca do texto. Nossa interatividade social uns com outros está ancorada nesse princípio. Todos reconhecem os que é totalm ente injusto tom ar um a conversa que acabam os de ouvir e inter pretar as palavras de apenas um dos interlocutores num sentido diferente talvez até contraditório - daquele que era a intenção do interlocutor. De fato, denunciam os esse tipo de procedim ento diariam ente com o sendo um com portam ento m oralm ente inaceitável. E impossível justificar a idéia de que tal princípio pode sim plesm ente ser suspenso no caso de docum entos escritos. Considere, por exemplo, as afirm ações feitas pelo teólogo da libertação Croatto (resumidas anteriorm ente neste capítulo) de que intérpretes devem ler “para dentro” do texto o seu próprio significado. E provável que Croatto ficaria profundam ente ofendido (e com razão) se interpretássem os que seu livro significa que o m elhor tipo de herm enêutica é a fundam entalista, ou de que seu livro lança um a ética de capitalism o que serve de base para afirm ar que os Estados Unidos justificadam ente exercem pressão sobre a A m érica 167 D e fato, o p rofessor K aiser argum enta que o significado divino deve ser o m esm o que o signifi cado hum ano, de outro m odo o significado real das E scrituras seria inacessível para nós; afinal, a exegese g ram ático-histórica é n o ssa única m aneira de determ inar o que o texto em si diz (The Use o f the O ld Testam ent in the N ew [C hicago: M oody, 1985], pp. 63-66). Para um ponto de vista diferente, ver Vern S. Poythress, “D ivine M eaning in Scripture” , W TJ 48 (1986): 241-79. Latina. Tais interpretações da obra de Croatto seriam deploráveis e conside radas um insulto pessoal. Em resposta a isso, alguns podem sugerir que ele estava se referindo apenas a obras que se tornaram clássicas, quer religiosas ou de outros tipos. Sem dúvida, há certa m edida de verdade nesse argumento. Um a obra clássica torna-se parte de um a determ inada com unidade cujos m em bros, justam ente por usarem a obra, colocam sobre ela suas próprias impressões. M as adm itir isso está m uito longe daquilo que alguns m odernistas vêm sugerindo. Podese argum entar razoavelm ente que, quanto mais im portante é um a obra, mais liberdade pode-se tom ar com ela? Que quanto mais respeitam os um texto m ais justificativa temos para desconsiderar o autor? Independente de outras funções que um clássico possa ter, ele continua a ser um docum ento histórico e exige um a interpretação histórica. U m a parte da dificuldade surge do papel exercido pela poesia na m aio ria das sociedades. Quando alguém com põe um poem a ou produz um a pintu ra - ou seja, um produto puram ente artístico - o criador está, de fato, convidando-nos a interpretar aquela obra de várias maneiras. Mas os textos bíbli cos, nesse sentido, não são arte. Até m esm o a poesia hebraica do Antigo Tes tam ento não pode ser reduzida a arte pura. Sejam quais forem as característi cas artísticas e literárias que podem os encontrar nas Escrituras, seu propósito principal é de com unicar um a m ensagem inteligível que exige um a resposta. Conclusão O contato com as teorias contem porâneas de significado e interpretação não causa confusão; ele tam bém pode trazer angústia pessoal acerca da incerteza da experiência hum ana. Devemos ter em m ente, entretanto, que alguns dos estudiosos que questionam a definição e objetividade do significado continuam suas tarefas cotidianas pressupondo que interpretações não são apenas possí veis com o tam bém essenciais. Eles conversam com o funcionário do banco e acreditam que o dinheiro indicado no saldo está m esm o lá. Eles lêem no jo r nal o relato de um incêndio em outra cidade e não passam por uma crise em ocional questionando se o fogo de fato consum iu a casa que é m encionada na reportagem . Eles até m esm o escrevem livros sobre a m orte do autor e esperam que os leitores acreditem que eles próprios estão bem vivos. A visão de que é o leitor quem cria o significado faz lem brar um a antiga pergunta: Se um a árvore cai no m eio da floresta e ninguém ouve, será que ela vai produzir algum som? Suponham os que eu receba um a carta mas, tem endo aquilo que ela possa m e dizer, decida queim ar a tal carta sem antes lê-la. Pode-se argum entar que, tendo em vi&ta que o leitor para o qual a carta havia sido escrita nunca chegou a lê-la, então ela não teve sentido nenhum. Porém , a realidade objetiva da com unicação não é desfeita pela m inha reação - e certam ente seria tolice acreditar que eu não seria afetado como resultado da decisão de não ler a carta (que, por um acaso podia dizer: “Você deve ser operado até sexta-feira ou então m orrerá”). Para aqueles que acreditam que as Escrituras são o que dizem ser - a m ensagem de Deus para nós - deve-se fazer ainda m ais um a consideração. A B íblia apresenta Deus com o sendo o Criador de todas as coisas. Incluindo a fala hum ana. Aliás, a habilidade do hom em e da m ulher falarem parece estar relacionada de m aneira m uito próxim a ao fato de terem sido criados à im a gem de Deus, que fez o m undo por m eio de ordens faladas: “Haja...” A reali dade e eficácia da com unicação hum ana é um reflexo do poder de falar do próprio Deus. M as a fala hum ana é finita e, mais im portante ainda, profunda m ente afetada pela presença do pecado. Não é de se surpreender, portanto, que surjam perguntas válidas sobre a subjetividade do intérprete, o caráter relativo de cultura e a am bigüidade no significado. Esses são problem as que não devem ser ignorados ou deixados de lado em função de um apelo às considerações teológicas. De qualquer m aneira, o propósito do Criador, que é tam bém o Salvador, não pode ser frustrado por causa da fraqueza humana. Aliás, assim com o a neve e a chuva não voltam para o céu sem produzir fruto na terra, “assim será a palavra da m inha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo que designei” (Is 55.10,11). Para o cristão, o significado da revelação está inextricavelm ente ligado a Cristo, que veio para “explicar” ou “interpretar” (exegeomai) o Pai e cujas palavras temos garantia de que jam ais passarão (Jo 1.18; M c 13.31). O trabalho exegético de João Calvino, bem com o o sistem a teológico associado ao seu nome, pode ser de grande ajuda em nossa busca pelo desenvolvim ento de princípios e m étodos de interpretação. Os com entários de Calvino são um m odelo de cla reza e excelência. Além disso, sua obra - alinhada com a doutri na da graça com um - reflete um entendim ento crítico da contri buição que descrentes podem oferecer à nossa com preensão da verdade, e essas características têm algum as im plicações interes santes para os estudos evangélicos modernos. Um a questão mais controversa tem a ver com a relação entre a teologia e a exegese: enquanto os estudiosos bíblicos tendem a ignorar ou até mesmo rejeitar o valor da teologia sistemática para o seu trabalho de interpretação, pode-se argumentar que os com prometimentos teológicos inevitavelmente afetam o processo de exegese e que tal influência é tanto essencial quanto desejável. Por fim, entre as distinções doutrinárias do calvinism o, ne nhum a é mais fundam ental do que a ênfase na soberania de Deus. U m a com preensão desse ensinam ento pode aum entar em m uito nosso entendim ento da narrativa bíblica. Por m eio do conceito de aliança, ela nos dará um foco mais preciso sobre o sentido das Escrituras como um todo; irá até m esm o nos ajudar a ver com o o próprio processo de interpretação é guiado pela sabedoria de um Deus am oroso e todo-poderoso. CAPÍTULO 14_________________ Em favor da hermenêutica de Calvino M o i s é s S ilva A palavra calvinista (além de qualquer conotação negativa que possa ter para alguns de meus leitores), contém um a am bigüidade. O meu interesse está nos m étodos de interpretação usados por João Calvino, o reform ador protestante do século 16 em seus com entários bíblicos? Ou o título deste capítulo referese ao sistem a de teologia que originou-se das Institutas da R eligião Cristã de Calvino e que alcançou sua plenitude de expressão um século depois na C on fissão de Fé de W estm inster?168 A am bigüidade é intencional, tendo em vista que um de meus objetivos é ressaltar a estreita relação entre a interpretação bíblica e a teologia sistem á tica. E verdade que seria um exagero afirm ar que o m étodo exegético de Calvino em seus com entários é absolutam ente idêntico ao uso que ele fez da Bíblia nas Institutas, mas deve-se reconhecer que ao longo de duas décadas, o pensam ento teológico de Calvino guiou sua exegese, enquanto sua exegese contribuiu continuam ente para a sua teologia. (A prim eira edição das Institutas apareceu em 1536 e a últim a em 1559 e, durante essas duas décadas foi pro duzida a m aior parte dos com entários.) 168 N a A m érica do N orte, o calvinism o d a C onfissão de*W estminster desenvolveu-se por m eio dos puritanos, especialm ente John E dw ards, e m ais tarde pelos grandes teólogos de P rinceton do século 19 e por C harles H odge e B. B. W arfield no com eço do século 20. (E ste ú ltim o escreveu o a rtigo “C a lv in ism ” para The New Schaff-H erzog Encyclopedia o f Religious K nowledge [reim presso, G rand R apids: Baker, 1977], 2:359-64, que pode servir com o um a breve p orém útil introdução). D epois de 1929, essa tradição teológica tornou-se associada prim ariam ente com o W estm inster T heological Sem inary, especialm ente por causa do trabalho de John M urray e C ornelius Van Til. A sem elhança do título deste capítulo com a obra de Van Til The Case fo r Calvinism (Filadélfia: P resbyterian and R eform ed, 1964) é m ais do que um a coincidência. M ais um a vez, alguns podem objetar que há diferenças significativas entre o próprio Calvino, de um lado, e o calvinism o de outro.169 Essas dife renças, entretanto, têm sido m uito exageradas. M esm o havendo característi cas que, sem dúvida, distinguem essas duas expressões de teologia (como, por exemplo, a organização, formulação e ênfase), tais distinções tornam-se me nos importantes diante dos comptomissos fundamentais que as mantêm unidas. É justo avisar o leitor de que o ensino em um a instituição que, tendo derivado da Confissão de Fé de W estmisnter, busca preservar, propagar e cons truir sobre a posição teológica apresentada naquele docum ento. Em outras palavras, m inha objetividade nesta área está aberta para questionam entos. Tam bém vale a pena m encionar, entretanto, que não fui criado num meio calvinista e que m inha educação inicial em teologia veio de uma tradição bem diferente. É curioso que os mesm os meios conservadores dos quais faço parte aliás, o evangelicalism o am ericano de um modo geral - açoia-se fortem ente nas publicações de estudiosos reformados, tais como B. B. Warfield, J. Gresham M achen e E. J. Young, mas ao m esm o tem po são um tanto críticos sobre aquilo que chamam de “intelectualismo frio” da tradição de Princeton-Westmisnter e sobre as características fortem ente calvinistas de sua teologia. Ao lermos qualquer livro, não há dúvidas de que devemos reter sem dem ora aquilo que é valioso e rejeitar o que é danoso. Mas será apenas coincidência que essa tra dição teológica, mais do que qualquer outra, tem suprido os meios para pre servar a integridade intelectual do evangelicalism o? Faz sentido lançar críti cas sobre o rigor acadêm ico desses estudiosos, enquanto usamos livrem ente os frutos do seu trabalho acadêm ico? E será possível que, aquilo que o evangelicalism o considera digno de objeção dentro de sua teologia seja ju sta m ente o que torna possível sua contribuição para os estudos conservadores?170 Sejam quais forem nossas respostas a essas perguntas, podem os certa m ente sair ganhando ao considerarm os as distinções da “herm enêutica de C alvino” . Observe, porém , que não posso defender adequadam ente todas as m inhas afirm ações neste texto, especialm ente tendo em vista que algum as delas exigiriam extensas discussões teológicas. (Os eventuais com entários 'm E specialm ente depois d a ascensão d a cham ada teologia neo -o rto d o x a em 1920, tornou-se c o m um desprezar os teólogos calvinistas dos séculos 17 e 18 com o estudiosos que enfraqueceram o espírito dos R eform adores. M ais tarde, alguns autores procuraram fazer um a divisão clara en tre C alvino e a C onfissão de W estm inster. Para u m a crítica d essas tentativas, veja Paul H elm , C alvin a n d the C alvinists (C arlisle, Pa: B anner o f T ruth, 1982). 170 Pode-se argum entar, por exem plo, que a d efesa de W arfield à infalibilidade das E scrituras, m es m o tendo sido am plam ente adotada pelos evangélicos não-calvinistas, está intim am ente relaci onada ao seu com prom isso com a soberania divina. Ver a introdução de C ornelius Van Til a B. B. W arfield The Inspiration a n d A u th o rity o fth e B ible, org. por S. G. C raig (reim presso, F ilad él fia: Presbyterian and R eform ed, 1964), especialm ente p. 66. bibliográficos nas notas de rodapé podem ser de valor para os leitores que desejam saber mais sobre essas questões.) Também não desejo sugerir que as qualidades positivas apresentadas abaixo são propriedade exclusiva dos estu dos Reform ados. Se coloco as distinções Reform adas em contraste com o evangelicalism o amplo, é apenas para esclarecer as questões. De fato, a tradi ção calvinista que sofre com suas próprias fraquezas, tem muito que aprender com os cristãos de outras linhas de pensam ento. Excelência e clareza da exposição Ao tentar m ostrar os pontos a favor da visão calvinista sobre a interpretação bíblica, é preciso antes de m ais nada apelar para aqueles com entários bíblicos pelos quais Calvino com razão se tornou fam oso. M uitos estudiosos, alguns dos quais pouco propensos a aceitar o calvinism o, enfatizam as virtudes ex traordinárias de Calvino com o intérprete das Escrituras. Um breve sum ário das opiniões sobre esse assunto é oferecido por Philip Schaff, figura proem i nente entre os historiadores da igreja do século 19: “Calvino foi um gênio exegético de prim eira ordem. Seus com entários são insuperáveis em term os de originalidade, profundidade, perspicácia, solidez e valor perm anente... Reuss, o editor chefe das obras [de Calvino], ele próprio um em inente estudi oso da Bíblia, afirma que Calvino está ‘sem som bra de dúvida entre os gran des exegetas do século 16’... Diestel, o m elhor historiador da exegese do A n tigo Testam ento cham a-o de ‘criador da autêntica exegese’.” 171 É ainda mais adm irável que exegetas profissionais de nossos dias continuem a se referir a Calvino com naturalidade quando com entam sobre o texto bíblico. M esm o que Calvino tenha vivido m uito antes do desenvolvim ento da visão científica m oderna, é bastante provável que nenhum com entarista de antes da metade do século 19 seja citado com tanta freqüência quanto ele. Entre os traços característicos do trabalho de Calvino com o com entaris ta, nenhum é tão im portante quanto o seu desejo de claridade e brevidade.172 Esses não eram dois objetivos separados, mas sim ideais gêmeos que ele bus cava num a distinção consciente em relação aos trabalhos que o antecederam . Ao olhar para trás, para a história da redação de com entários bíblicos, ele descobriu que havia um teólogo que se destacava com o m odelo para os intér pretes bíblicos: João Crisóstomo, o pregador de Antioquia do século 14. Q uan 171 History o fth e Christian Church (N ova York: Scribners, 1885-1910), 8:524-25. 172 E m um a carta para Sim on G rynaeus, ele afirm a que a principal virtude do intérprete está in perspicua brevitae. Ver R ichard C. G am ble, “Brevitas et facilitas: Tow ard an U nderstan d in g of C a lv in ’s H erm eneutic” , WTJ 47 (1985): 1-17, especialm ente pp. 2-3. Para o que vem depois, ver pp. 8-9 e 13-15. O bserve tam bém que os serm ões de C alvino são u m a fonte rica p ara ilustrações d e alguns pontos aqui discutidos. do com parados com os escritos de Crisóstom o, a m aior parte dos escritores subseqüentes parecia prolixa. M as, se Calvino tinha objeções contra com entários m uito longos, a ra zão não era sim plesm ente im paciência em relação a um determ inado estilo era, sim, o inevitável obscurecim ento da m ensagem contida no texto que o preocupava. A tarefa do intérprete é de esclarecer o significado pretendido pelo autor, enquanto o acúm ulo de m aterial norm alm ente distancia o intér prete desse propósito. Ao m anter esse princípio, Calvino conscientem ente evitava lidar com opiniões contrárias (a menos que a om issão das m esm as pudesse confundir os leitores) pois, conform e ele dizia: “Não há nada que considere m ais im portante do que a edificação da igreja.” A lém disso, ao que parece, ele procurava escrever em estilo que era m odelado de acordo com as próprias E scrituras. A B íblia tem sua p rópria eloqüência: a e lo q üência da sim plicidade. N em todos os seguidores de Calvino o im itaram nesse aspecto. Os puri tanos do século 17 tinham a tendência de escrever enorm es exposições, tal com o a obra influente de W illiam Gurnall, The Christian in Complete Arm our, um tratado sobre Efésios 6.11-20 que tomava mais de 1.200 páginas. Nas últim as duas décadas, o crescim ento do ensino tem levado m uitos estudiosos a escrever longas obras tam bém. Seria im prudente ignorar a m aravilhosa con tribuição de alguns desses com entários para a nossa com preensão do texto bíblico. A inda assim, o exem plo de Calvino precisa fazer-nos lem brar quais devem ser os nossos principais objetivos. E m uito fácil nos im pressionarm os com os problem as exegéticos ou com as necessidades devocionais que perce bemos; em ambos os casos, acabam os perm itindo que a m ensagem central e sim ples do texto tom e um a posição secundária. Se, porém , tivermos em m en te que não há motivo mais im portante do que a edificação da igreja - sendo a base para isso o próprio ensinam ento de Deus e não a nossa im aginação nossos esforços perm anecerão concentrados no significado histórico inten cionado pelo autor bíblico. A graça comum U m a segunda característica distinta do m étodo de interpretação de Calvino preocupava-se profundam ente com o aprendizado hum ano. Nesse sentido, C alvino era produto do R enascim ento e, inevitavelm ente, seguidor do hum anism o ligado a E rasm o.173 Antes de dedicar sua vida ao m inistério cris tão, Calvino havia sido treinado nas ciências hum anas e produzido um co m entário detalhado sobre De clementia, um a obra filosófica de Sêneca, o 173 Ver Q uirinus B reen, John C alvin: A Study in French H u m anism (G rand Rapids: E erdm ans, 1931). E specialm ente capítulos 4-5. estóico espanhol do século I o. Independente do que se possa pensar desse com entário, ele revela claram ente que Calvino havia refinado suas aptidões dentro dos m elhores m étodos de análise filológica e literária disponíveis em sua época. Também fica claro que, subseqüentem ente, em vez de abandonar sua devoção aos estudos clássicos (com o fez Jerônim o - ou pelo menos assim ele afirmava), Calvino colocou esses estudos a serviço da interpretação bíbli ca e reflexão teológica. Conform e expressou em suas Institutas, “Os hom ens que se alim entaram das artes liberais ou pelo menos as experim entaram são capazes de, com sua ajuda, penetrar em lugares mais profundos e secretos da sabedoria divina” . E tam bém , “M as se é vontade do Senhor que sejam os au xiliados pela física, dialética, m atem ática e outras disciplinas tais, por m eio do trabalho e do m inistério dos descrentes, façamos uso dessa assistência. Pois, se negligenciarm os a dádiva das artes, oferecida gratuitam ente por Deus, devem os sofrer a ju s ta punição por nossa indolência” .174 O uso que Calvino fazia do ensino “secular” é especialm ente significa tivo, pois reflete um conceito teológico-chave, a saber, sua visão da cham ada graça comum. Esse é um ponto crucial, pois a visão de Calvino deve ser diferenciada daquela de outros estudiosos evangélicos que usam livrem ente m étodos críticos, m esm o que estes tenham sido desenvolvidos sem conside ração pela fé bíblica (e algumas vezes em oposição a ela). O problem a aqui não é exatam ente o fato de esses métodos serem usados, mas que são usados sem um a reflexão cuidadosa sobre suas im plicações teológicas. Em outras palavras, raram ente vemos um a tentativa de se integrar os princípios dos estu dos críticos com as características do pensam ento evangélico. Fica a im pres são de que, a m enos que um a conclusão específica dos estudos contradiga explicitam ente algum preceito da teologia “conservadora”, devemos nos apro priar livrem ente da obra dos críticos “liberais” . Essa atitude, acabará m inan do a integridade do evangelicalism o. A própria coerência da fé evangélica pode acabar enfraquecida quando elem entos possivelmente incom patíveis são adotados sem avaliação crítica. Além disso, a visão não agrada os estudiosos não-evangélicos que argum entam , com certa razão, que a credibilidade do pensam ento conservador torna-se suspeita.175 Em resum o, o desejo de se ga nhar respeitabilidade intelectual sai pela culatra. Então, em que a visão de Calvino era diferente? Como se sabe bem, o reform ador suíço começou suas Institutas discutindo epistem ologia, ou seja, refletindo sobre as questões fundam entais do conhecimento: como exatam ente 174 João C alvino, h istitu tes o f the C hristian R eligion, org. por J. T. M cN eíll, traduzido por F. L. B attles, L ibrary o f C hristian C lassics, vols. 20-21 (Filadélfia: W estm isnter Press, 1960), 1.5.2 (p. 53), 2.2.16 (p. 275). 173 M as nem sem pre essa observação é precisa ou justa, Jam es Barr, em sua obra Fundam entalism (Londres: SCM , 1977), especialm ente no capítulo 5, levanta questões que m erecem nossa atenção. podem os conhecer Deus? Sua resposta foi que o conhecim ento de Deus e o conhecim ento de nós mesm os estão intim am ente relacionados. Ele argum en tava que não podem os olhar para nós mesm os sem pensar em Deus. “Pois, claram ente, as grandes dádivas que recebem os não vêm de nós; aliás, nosso próprio ser não é nada além da subsistência no Deus único. Então, por m eio desses dons que são derram ados sobre nós com o o orvalho que cai do céu, somos guiados feitos riachos correndo para a própria fonte.” A rebelião de A dão certam ente trouxe ruína, mas até m esm o esse fato “nos com pele a olhar para o alto” . Ele continua dizendo que, de qualquer m odo, não podem os espe rar adquirir um conhecim ento claro de nós mesm os - tendo em vista que somos dados à hipocrisia - a menos que olhem os cuidadosam ente para Deus e julguem os todas as coisas pelos seus padrões.176 Em capítulos subseqüentes Calvino ainda tem m uito a dizer sobre a re velação geral e sobre outras evidências da graça de Deus para com a hum ani dade em geral. E de especial interesse para nós a sua discussão sobre o apren dizado hum ano com o um dom do Espírito: Ao depararm os com esses assuntos [artes e ciências] nos escritores se culares, deixem os que a luz adm irável da verdade que brilha neles nos ensine que a m ente do hom em , m esm o que caída e pervertida de sua integridade, ainda assim continua vestida e ornada com as excelen tes dádivas de D eus. Se consideram os o Espírito de D eus com o única fonte de verdade, não devem os rejeitar a própria verdade nem desprezála onde quer que ela se m anifeste, a m enos que desejem os desonrar o Espírito de Deus. Pois ao darm os pouco valor às dádivas do Espírito, estam os condenando e repreendendo o próprio Espírito... É im possível lerm os os escritos da antigüidade sobre esses assuntos sem grande ad m iração... M as podem os considerar algo com o sendo nobre ou louvá vel sem reconhecerm os, ao m esm o tem po, que vem de D eus?... Porém , antes de pensarm os que qualquer hom em é verdadeira m ente abençoado quando possui grande poder de com preender a ver dade nos elem entos deste m undo, devemos acrescentar que toda a ca pacidade de entendim ento e o entendim ento que dela é decorrente, é instável e transitória diante de D eus, se não está apoiada sobre a sólida fundação da verdade.177 E essencial com preenderm os o equilíbrio de Calvino nessa citação. Ao reco nhecer ao m esm o tem po o caráter m aravilhoso e louvável do aprendizado hum ano com o sendo um dom divino, e tam bém a sua instabilidade inerente por causa da m ente caída e pervertida do pecador, ele pôde fazer justiça à coerência do ensinam ento bíblico. 176 C alvino, ln stitu te s, 1.1.1-3 (pp. 35-39). 177 Ibid. 2 .2.15-16 (pp. 273-75). A teologia reform ada posterior não foi sempre coerente na aplicação das idéias de Calvino. Na tradição holandesa, entretanto, a doutrina da graça com um tem um papel proem inente e controverso e poucos deram a ela mais atenção do que Cornelius Van Til. M esm o sem entrarm os em detalhes sobre seu sistem a apologético, podem os m ostrar certas características que são par ticu larm en te relevantes para a herm enêutica bíblica. A im p o rtân cia do pressuposicionalism o e, portanto, a negação da neutralidade são essenciais para Van Til. Em contraste com a tradicional distinção católico-rom ana entre natureza e graça - e, portanto, entre razão e fé - Van Til argum entou que, de acordo com as Escrituras, todos os seres humanos sabem muito bem que Deus existe e que foi seu poder que criou o mundo. A lém disso, todos eles rejeita ram esse conhecim ento e rebelaram -se contra ele (ver especialm ente R om a nos 1.18-23). Os seres hum anos, portanto, não são observadores neutros que precisam ser persuadidos por m eio de argum entos racionais de que existe um Deus para que possam em seguida experim entar a fé. Pelo contrário, eles escolheram por vontade própria adorar a criatura em lugar do Criador, seu m odo de pensar é distorcido pela presença do pecado. Os leitores vão notar que essa form ulação é um a m aneira específica de expressar a doutrina Refor m ada sobre a depravação total. Van Til tam bém enfatizou, entretanto, que hom ens e m ulheres não são pecam inosos por completo. O pecado fundam entalm ente distorceu, m as não destruiu o seu caráter como im agem de Deus. Em outras palavras, eles são inconsistentes tanto no seu modo de pensar com o em sua conduta. E aqui que a doutrina da graça com um se m ostra claram ente. Deus continua a m andar o calor do sol a este m undo pecam inoso; ele refreia o progresso do mal em m eio à sociedade hum ana como um todo. Com o resultado disso, m uitos que rejeitam a bondade de Deus conseguem viver uma vida aparentem ente exem plar, m esm o que seu ponto de partida devesse levá-los à com pleta licenciosidade. Do m esm o modo, apesar de terem desprezado o conhecim ento do único e sábio Deus, a m ente deles ainda alcança feitos adm iráveis. M as o progresso intelectual dessas pessoas é feito à custa de “capital em prestado” , ou seja, ao se aproveitarem das m esm as verdades que elas contradizem por seus com pro m etim entos. Assim, a visão de Van Til, m esm o 0sendo radicalm ente antitética, de form a algum a nos leva ao desprezo das conquistas da hum anidade; pelo contrário, ela possibilita que as com preendam os.178 178 Ver C ornelius Van Til, The D efense o f the Faith, 3a ed. (P hillipsburg, NJ: Presbyterian and R eform ed, 1967) capítulo 8, e idem C om m on G race (Filadélfia: Presbyterian and R eform ed, 1947), especialm ente p. 91, sobre o caráter correlativo da graça com um e da depravação total e p. 95: “E som ente quando pressionam os o valor objetivo das afirm ações cristãs em cada um de seus pontos que podem os nos perm itir serm os ‘g e n ero so s’ com respeito ao hom em natural e suas conquistas. Q uando estam os totalm ente conscientes de nós m esm os é que podem os c o o p e T anto a h istó ria da “A n tig a P rin c e to n ” 179 quanto de W estm inster exem plificam com o essa com preensão calvinista do pecado e da graça co m um podem afetar os estudos teológicos. Os teólogos mais conhecidos de Princeton, Charles H odge (1797-1878) e Benjam in B. W arfield (1851-1921) não estavam somente a par de todo o progresso contem porâneo das ciências exatas e hum anas e do estudo bíblico crítico;180 tam bém fica claro que seu próprio pensam ento foi afetado positivam ente por aqueles avanços. Enquanto m uito de seu trabalho tinha um lado fortem ente polêm ico que ia contra os estudiosos descrentes, é inegável que seu próprio pensam ento refletia um a integração entre o cham ado conhecim ento secular e os ensinam entos bíbli cos. Não foi, entretanto, a adoção ingênua de idéias não-bíblicas, mas sim plesm ente o reconhecim ento de que Calvino estava certo ao insistir que o Espírito de Deus é a fonte de toda a verdade e, portanto, não devemos desprezála onde quer que ela apareça; em outras palavras - usando de um ditado pro fundo que para alguns tornou-se um clichê ambíguo - “toda a verdade é a verdade de D eus” . Especialm ente na área dos estudos bíblicos, ninguém ilustra esse princí pio de m aneira mais poderosa do que J. Gresham M achen (1881-1937), que lecionou Novo Testam ento em Princeton até 1929 e então, por causa de con flitos m odernistas-fundam entalistas naquela época, levou vários de seus co legas a fundar o W estm inster Theological Sem inary na Filadélfia. Tendo estu dado com alguns dos teólogos liberais m ais proem inentes na A lem anha, M achen lutou contra os questionam entos feitos acerca da autoridade das E s crituras e da integridade da fé evangélica. No final, tornou-se o principal inte lectual a opor-se ao m odernism o fazendo, ao m esm o tem po, uso pleno dos estudos associados a esse m ovim ento. As duas principais obras de M achen - “The Origin of P aul’s R eligion” (1925) e “The Virgin Birth o f C hrist” (1930) - são exem plos brilhantes do ensino evangélico, sendo que em ambas ele procura desconstruir lógica e pacientem ente os princípios básicos da teologia liberal. É importante enfatizar, entretanto, que M achen não dom inava o estudo liberal sim plesm ente para ter m ais m unição intelectual contra ele (com o costum am fazer diversos estudio sos evangélicos). A seriedade com que ele considerava esses estudos fica evi rar com aqueles que tam bém recebem aquilo que nos é de direito.” Em outras palavras, só quando não estam os equivocados quanto a antítese entre os pontos de vista cristão e não-cristão é que podem os, com legitim idade, usar o trabalho do descrente. 179 Ironicam ente, m uito do trabalho de Van Til foi desenvolvido com o reação ao sistem a de apologética que estava sendo usado em Princeton. Ao corrigir certos aspectos da visão de W arfield, en tre ta n to, Van Til estava com efeito trazendo a ap ologética do calvinism o am ericano para m ais perto de sua teologia. ls" Ver M ark N oll, “T he P rinceton R eview ” , W TJ 50 (1988): 283-304, especialm ente pp. 302,3. dente em cada página assim como o fato de que ele não tinha m edo de apren der com o estudo liberal. Não é de se surpreender que um conhecido crítico alem ão, que questionava a validade da tese de M achen, tenha escrito um arti go crítico de vinte páginas sobre a obra “The Virgin Birth of C hrist” , no qual ele considerava o livro como sendo “tão circunspecto e inteligente em suas discussões que deve ser plenam ente reconhecido como um a im portante con quista” .181 Ainda assim, não podem os ignorar que o próprio M achen conside rava sua visão como “ sendo com pletam ente apologética” .182 Nos dias de hoje, a crescente presença dos evangélicos em fóruns de estudiosos, tais como a Sociedade de Literatura Bíblica (Society o f Biblical Literature) é, ao m esm o tem po, encorajadora e enervante. Algum as vezes, tem e-se que essa participação seja reflexo da tendência de dividir o intelecto em com partim entos. Os com prom issos com a verdade bíblica são suspensos, não sim plesm ente para propósitos tem porários de discussão, mas talvez como reflexo da visão de que as questões têm um caráter neutro. (Em princípio, é bastante apropriado incluir estudiosos não-evangélicos num am plo espectro de questões sem aum entar a ansiedade em relação às pressuposições teológi cas. M as é preciso observar se, no processo de discussão, nosso próprio pen sam ento não se torna independente de nossa fé.) Com exceção de ocasionais desacordos sobre idéias específicas, raram ente se encontra um esforço, ou m esm o um desejo no sentido de analisar o caráter fundam ental dos principais pontos de vista à luz da fé evangélica. Talvez um pouco de reflexão sobre com o Calvino e alguns de seus sucessores relacionaram o seu estudo das Escrituras ao aprendizado hum ano possa ajudar os estudiosos conservadores m odernos em seu processo de fazer o mesmo nestes tem pos tão desafiadores. Teologia e exegese Com o sugerido ao leitor na seção anterior, não é viável separar a interpreta ção bíblica da teologia.183 A relação entre exegese e teologia sistem ática tem sido um a das questões m ais controvertidas na história do estudo da Bíblia. 181 F. K attenbusch, crítica em TSK 102 (1930): 454. 182 J. G resham M achen, The Virgin Birth o f Christ, 2a ed. (N ova York: H arper & Row, 1932), p. x. A lgum as vezes pensa-se q u e a visão de M achen era incom patível com a de Van Til; esse co n cei to errôneo é tratado de m aneira adequada por G reg L. B ahnsen, “M achen, Van Til, and the A pologetic T radition o f the O P C ” , em Pressing Toward the M ark Essays Commemorating Fifty Years o fth e Orthodox Presbyterian Church, org. por C. G. D ennison e R. C. G am ble (Filadélfia: C om m ittee for the H istorian o f the O rthodox P resbyterian C hurch, 1986), pp. 259-94. Para m ais sobre esse assunto, porém , gostaria de sugerir que o caráter daquilo que M achen e alguns de seus predecessores fizeram (quaisquer que fossem os seus princípios apologéticos conscientes) serviu de m odelo para Van Til no que diz respeito ao uso apropriado dos estudos de descrentes. IS1 Parte do m aterial dessa seção foi tirado de “System atic T heology an the A postle to the G e n tile s”, a ser p u blicado em TJ. M uitos estudiosos duvidam , ou até m esm o negam, que seja de fato possível usar a Bíblia com o propósito de se desenvolver um a teologia sistem ática. De acordo com esse ponto de vista, os diversos autores bíblicos possuíam teologias diferentes e até m esm o incom patíveis; portanto, tratá-los com o um a uni dade pode resultar apenas na distorção do texto. Estudiosos bíblicos evapgélicos rejeitaram essa proposta, mas isso não significa que têm a teologia sistem ática em alta consideração. Pouquíssim os entre eles dem onstram algum interesse no assunto que, aliás, é visto com suspeita. Para eles, a sugestão de que a teologia sistem ática deve influenciar a exegese é particularm ente digna de objeção. Ainda assim, é justam ente essa relação que desejo afirm ar e aqui, mais um a vez, Calvino proporciona um m odelo admirável. Quando a prim eira edição das Institutas foi publicada, C alvino ainda era bastante jovem e as revisões e expansões subseqüentes refletem tanto o cres cim ento de seu conhecim ento da teologia histórica (referências aos pais da igreja prim itiva e aos teólogos medievais aum entam pronunciadam ente a cada edição subseqüente) quanto sua m aior atenção ao trabalho exegético. E im provável que alguém argum ente que esses dois lados de sua obra sejam inde pendentes um do outro - como se ele se esquecesse de sua teologia quando exercitava a exegese (e é por isso que seus com entários são tão bons!) ou não desse atenção à Bíblia quando fazia teologia (e é por isso que as Institutas são tão ruins!). M inha própria tese é de que tanto suas interpretações quanto sua teologia são excelentes justam ente por estarem relacionadas.184 A inda que se tenha pouco uso para o sistem a de Calvino, desejo sugerir que a exegese só tem a ganhar se for feita de m aneira consciente dentro da estrutura da teolo gia do exegeta. E necessário adm itir que tal visão parece absolutam ente oposta às afir m ações da exegese gram ático-histórica. Há três séculos os estudiosos já esta vam argum entando, com grande vigor, que a teologia sistem ática - especial m ente em sua form a clássica - deveria ser m antida separada da interpretação bíblica. De fato, não era difícil m ostrar com o desvios teológicos com fre qüência tinham posto a perder o trabalho da exegese. Cada vez mais, a verda deira exegese “histórica” era vista com o um a interpretação que não é influen ciada por com prom etim entos teológicos. Leopold Im m anuel Rückert, no pre 184 O próprio C alvino via esses dois projetos com o sendo com plem entares. Em sua declaração intro d u tó ria às Institutes (“John C alvin to the R eader” ), ele nos diz que seu objetivo n essa obra é de ajudar os “candidatos à teologia sagrada” a captarem a “ som a da religião em todas as suas p artes” , e assim guiá-los no estudo das E scrituras. Tal com pêndio lhe possibilitaria evitar longas d iscussões quando estivesse escrevendo com entários. D e acordo com esse ponto de vista, o uso adequ ado de com entários pressupunha que o estudante estivesse “arm ado com u m co n h ecim en to desta obra, com o um a ferram enta necessária” (pp. 4,5). fácio de seu com entário sobre Rom anos, escrito em 1831, afirmou que o in térprete bíblico deve abandonar sua própria perspectiva. Em outras palavras, exijo dele estar liberto do preconceito. Com o exegeta, o intérprete do Novo Testam ento não tem um sistem a e não deve ter um, quer seja dogm ático ou em ocional. Em sua posição de exegeta, ele não é nem heterodoxo nem ortodoxo, nem supernaturalista nem racionalista, não é favorável ao panteísm o e nem a qualquer outro “ism o” que possa existir. Ele não é nem piedoso e nem perverso, não é m oral nem im oral, não é sensível nem insensível.185 U m de seus contem porâneos, o grande çxegeta do Novo Testam ento H einrich Augustus W ilhelm Meyer, expressou a m esm a idéia com o vemos a seguir: As áreas dogm áticas e filosóficas devem ficar fora de um com entário. Pois a tarefa da exegese é determ inar de m aneira im parcial e históricogram atical o significado que o autor desejava transm itir por m eio de suas palavras. De que forma o significado assim determinado se relacio na com os ensinam entos da filosofia, até que ponto está em concordân cia com os dogm as da igreja ou a visão dos teólogos, com o ele será usado pelos estudiosos dessas ciências - para o exegeta com o um exegeta, essas são questões que não lhe dizem respeito.186 Nos dias de hoje, a m aioria das pessoas diria que essas duas form ulações são incrivelm ente ingênuas. M as não devemos nos enganar. O com prom etim ento por trás delas ainda está m uito vivo. Além disso, há m uitos exegetas que recu sariam essas afirmações, porém cujas obras, m esm o que não intencionalm en te, são um a expressão perfeita desse ponto de vista. Contrário a essa visão, desejo argum entar que a exegese correta deve ser inform ada pela reflexão teológica. Colocando da m aneira mais chocante possível: meu sistem a teoló gico deve me dizer com o exercitar a exegese. E possível um a posição tão ultrajante ser defendida? Há três considerações que tornam essa posição não apenas defensável como, de fato, a única opção real. Em prim eiro lugar devemos reconhecer que a teologia sistem ática é, em grande parte, um exercício de contextualização, ou seja, a tentativa de se reform ular os ensinam entos das Escrituras de m aneiras que sejam significati vas e com preensíveis em nosso contexto atual. E verdade que algum as vezes os teólogos deixaram a im pressão (ou até m esm o afirmaram ) que suas descri ções eram exatam ente os ensinam entos das Escrituras e, por serem indepen dentes do contexto histórico do teólogo, essas descrições teriam validade per m anente. M as o próprio processo de se organizar os dados bíblicos - isso sem 185W. G. K üm m el, The N ew Testament: The H istory o f the Investigation o fth e Its P roblem s (Nashville: A bingdon, 1972), p. 110. m [bid„ p. 111. falar no uso de um a língua diferente num diferente contexto cultural - traz à tona o contexto do teólogo. Até m esm o Charles H odge que afirm ava com orgulho que nenhum a idéia nova jam ais havia sido proposta em P rinceton187 era, de fato, um pensador criativo, e sua obra System atic Theology reflete em todas as suas partes a integração inovadora de algum as linhas da filosofia do século 19 com a teologia clássica Reform ada. Não há nada intrinsecam ente digno de objeção na procura por se enten der e explicar um escrito antigo por meio de categorias contem porâneas em si, ainda assim, os estudiosos bíblicos partem do pressuposto de que tal pro cedim ento é indesejável. Com o foi expresso por um escritor, a interpretação bíblica deve ser feita “em term os daquilo que o próprio texto diz... fazer uso de... form ulações mais recentes não é apenas um a forma de anacronism o como tam bém obscurece o im pacto das palavras específicas que o autor escolheu usar naquela ocasião. Em resumo, tal visão é metodologicamente indefensável.188 M as o sim ples uso de nossa língua m ãe para explicar o texto bíblico significa que estam os lançando m ão de uma expressão formal subseqüente. Se, por exem plo, um escritor m oderno deseja explicar o pensam ento de Aristóteles, todos nós adm itim os não apenas a legitim idade, mas tam bém o grande valor e até m esm o a necessidade de se fazê-lo pelo uso de term os filosóficos con tem porâneos que tornem possível expressar claram ente as obras do escritor da antigüidade. Alguém que sim plesm ente voltasse a declarar os ensinam entos de A ristóteles em grego ou m esm o em equivalentes rígidos de nossa língua m ãe, não seria capaz de explicá-los justam ente por não ter-se feito nenhum esforço para contextualizá-los. Em segundo lugar, nossa visão evangélica da unidade das Escrituras exige que considerem os a B íblia em sua inteireza com o contexto de qualquer uma de suas partes. Um exem plo relacionado ao estudo de Aristóteles tam bém é útil neste caso. O estudioso m oderno olha para toda a obra de A ristóteles em busca de ajuda para com preender algum detalhe em um de seus escritos indi viduais. Se vemos as Escrituras como vindas de um único Autor, uma com preensão sistem ática da Bíblia contribui para a exegese das passagens indivi 187 E ssa referência foi feita especialm ente em relação ao jornal que ele editava (ver N oll, “T he P rinceton R eview ”, p. 288). E claro que H odge não era tão ingênuo quanto essas palavras p o dem fazer parecer. Seu uso de um a hipérbole tinha a intenção de m ostrar a substância d o u trin á ria e não a form a com o as doutrinas eram form uladas. A lguns escritores m odernos, de fato, enfatizam - e criticam fortem ente - o uso inovador do realism o escocês p o r H odge. Sem negar q u e alguns aspectos d esse contexto têm um efeito negativo, devem os dar atenção tam bém aos benefícios. E m todos os casos, é m inha opinião que a suposta dívida d e H odges e de estudiosos subseqüentes de P rinceton ao realism o é grandem ente superestim ada. 1811 C linton E. A rnold, revisão crítica da obra de Silva, P hilippians, in C riticai R eview o f B o o ks in R elig io n 1991 (A tlanta: Scholars Press, 1991), p. 232. duais. A dm itim os que há alguns perigos nesse m étodo. Com base num a leitu ra duvidosa de Rom anos 12.6 certos cristãos apelaram com freqüência para a “analogia da fé” de uma form a que não faz justiça à distinção dos escritores da Bíblia com o indivíduos. Além disso, é fácil cair na arm adilha da eisege, de interpretar um texto como sendo um a idéia teológica abrangente só porque nós (algum as vezes inconscientem ente) desejam os evitar as im plicações da quilo que o texto realm ente está dizendo. Portanto, é com preensível que o professor K aiser queira restringir os princípios da analogia da fé ao final do processo interpretativo, e ainda assim apenas com o m eio de resum ir os ensinam entos da passagem .189 Fazê-lo, entretanto, é negligenciar a m ais im portante dádiva herm enêutica de Deus para nós, a saber, a unidade e a inteire za de sua própria revelação. Em terceiro lugar, e finalm ente, m inha proposta soará m uito m enos cho cante se nos lem brarmos que, de fato, todos nós incluímos a teologia na exegese de qualquer form a. Quer tenham os ou não a intenção de fazê-lo, quer goste mos ou não, todos lem os o texto conform e interpretado por nossas pressupo sições teológicas. Aliás, o argumento mais sério contra a idéia de que a exegese deve ser feita independente da teologia sistem ática é que tal ponto de vista é irrem ediavelm ente ingênuo. A m era possibilidade de entender qualquer coisa depende de nossas estruturas anteriores de interpretação. Se observam os um fato que faz sentido para nós, é sim plesm ente porque conseguim os encaixá-lo dentro de um conjunto com plexo de idéias que assim ilam os anteriorm ente. E claro que, algum as vezes nós forçam os o fato a se encaixar em nossas preconcepções e assim, o distorcem os. A solução entretanto, não é negar que tem os essas preconcepções e nem tentar reprim i-las, pois estaríam os apenas enganando a nós m esm os. É mais provável que tom em os consciência dessas preconcepções, se buscarm os conscientem ente identificá-las e então usá-las no processo exegético. Desta form a, quando depararm os com algo que vai contra a direção que nossa interpretação está tom ando, estam os mais prepara dos para reconhecer essa anom alia por aquilo que ela é, a saber, um a indica ção de que o nosso esquem a interpretativo é falho e precisa ser m odificado. Em contraste, é m enos provável que exegetas que convencem a si m esm os de que podem entender a Bíblia diretam ente, pof m eio de técnicas filológicas e 18‘J Ver acim a, p. 189. O utros escritores são mais negativos e tendem a enfraquecer a coerência das Escrituras. Ver C alvin R. Schoonhoven, “T he ‘A nalogy o f F aith’ and the Intent o f H ebrew s” em Scripture, Tradition and Interpretation: Essays Presented to Everett F. Harrison by His Students and Colleagues in Honor o f His Seventy-fifth Birthday, org. por W. W. G asque e W. S. L aSor (G rand Rapids: E erdm ans, 1978), pp. 92-110, especialm ente p. 105. A inda de m ais ajuda é Henri B locher, “T he ‘A nalogy o f F aith’ in the Study o f the Scripture: In Search o f Justification and G uidelines’, SBET 5 (1987): 17-38, apesar de que eu gostaria de ir u m pouco m ais além que ele. históricas puras e sem a m ediação prévia de com prom etim entos exegéticos, teológicos e filosóficos, percebam o caráter real de suas dificuldades exegéticas.190 O velho conselho de que aquele que está estudando a B íblia deve buscar ao m áxim o encarar o texto sem um a idéia form ada sobre seu significado (e que, portanto, os com entários devem ser lidos depois da exegese e não antes dela) tem a vantagem de estim ular o pensam ento independente; além disso, ele nos faz lem brar que nosso objetivo principal é, na verdade, descobrir o significado histórico e de que estam os sempre correndo o risco de im por o nosso significado sobre o texto. De qualquer m aneira, esse conselho é funda m entalm ente equívoco, pois não é verdade em relação ao processo de aprendi zado em si. Em vez disso, eu sugeriria que o estudante que se encontra diante de uma passagem e traz consigo, por exemplo, um contexto dispensacionalista, deve buscar o significado do texto supondo que o dispensacionalism o é correto. Eu chegaria até m esm o a dizer que, ao deparar com um detalhe que não se encai xa em seu esquem a dispensacionalista, o estudante deve “fazê-lo” encaixarse. O propósito aqui não é lidar incorretam ente com o texto, mas tom ar cons ciência daquilo que estam os prestes a fazer de qualquer m aneira. Com o resul tado, deve-se ter um aumento na sensibilidade em relação aos aspectos do texto que perturbam a nossa estrutura interpretativa e, em conseqüência dis so, um a prontidão m aior para se m odificar essa estrutura.191 A soberania de Deus na interpretação bíblica A teologia de Calvino é m ais conhecida por sua ênfase na soberania divina, particularm ente em sua expressão por meio do conceito da predestinação. A verdade, entretanto, é que poucos teólogos foram tão equilibrados quanto Calvino em sua tentativa de dar expressão à plenitude do ensinam ento bíbli co. O próprio fato de ele ter escrito com entários sobre quase todos os livros da Bíblia deve servir para nos mostrar alguma coisa. Mesmo em meio a um contexto fortemente polêmico, ele conseguiu fazer justiça a cada locus teológico. E irônico que seu equilíbrio seja especialm ente evidente na form a com o tratou a predestinação. Essa doutrina não ocupa lugar tão proem inente nas Institutas, como se poderia imaginar. Ela não é tratada no prim eiro capítulo e nem m esm o em todo o livro 1. É preciso esperar até o livro 3, capítulos 21-24 para encontrar, então, um texto de 44 páginas, o que eqüivale a m enos de cinco por cento das Institutas. Em resum o, um a com preensão da doutrina de 190 T alvez valha a pena dizer que m uito antes da ênfase d ada por R u d o lf B ultm ann a um “ prée n te n d im e n to ” se tornasse u m assunto popular, e certam ente antes de Tornas K unn q u estio n ar a neutralidade da investigação científica, C ornelius Van Til expôs de m odo ainda m ais radical o papel das pressuposições na vida com o um todo. 191 O u pelo m enos é o que esperam os - nesse ponto, entretanto, a disposição psico ló g ica no rm al m ente acaba tom ando conta! Calvino sobre a soberania divina aplicada à salvação deve levar em conta seu lugar no contexto de seus ensinam entos com o um todo. De um outro ponto de vista, entretanto, essa doutrina foi ainda mais im portante para Calvino do que norm alm ente nos damos conta. O fato de não ser um assunto de discussão explícita nos livros 1 e 2 dificilm ente significa que não está presente neles. M uito pelo contrário. A reverência e adm iração de Calvino diante da majestade e do poder de Deus sobre toda a criação perm eia sua teologia com o um todo de form a fundam ental. N a tradição calvinista, essa ênfase tem exercido um papel im portante. Em lugar de anular a liberda de hum ana, a soberania divina absoluta, em si, faz com que essa liberdade tenha significado.192 Pelo fato de nosso ser encontrar-se som ente em Deus, a liberdade fora de sua vontade é inconcebível. Da m esm a form a, tendo em vista nossa escravidão ao pecado (Rm 6.16-23), seria ilusório pensar que a salvação pode, de algum a forma, depender do nosso esforço ou vontade (Jo 1.13; Rm 9.14-16). Qual a relevância disso tudo para a herm enêutica bíblica? Podem os ape nas ilustrar o seu significado com alguns exem plos. No que diz respeito à prática exegética, a doutrina da soberania divina nos torna particularm ente sensíveis ao agir de Deus na história da redenção. Em nenhum a parte a narra tiva bíblica sugere que o plano divino tenha sido frustrado por acidentes his tóricos ou pela obstinação humana. Enquanto a livre iniciativa e a responsabi lidade aparecem de m aneira bastante clara, as realidades hum anas são m os tradas com o estando em coordenação com - e na verdade sob - a vontade de Deus para o seu povo. Um texto que cham a particularm ente a atenção é o relato dos acontecim entos nos dias de Roboão, cujas decisões perversas opri m iram Israel levando à tragédia de um reino dividido: “O rei, pois, não deu ouvidos ao povo; porque este acontecimento vinha do Senhor, para confirmar a palavra que o Senhor tinha dito por intermédio de Aías a Jeroboão, filho de Nebate (lR s 12.15). Os profetas entenderam bem o significado desse princípio: 192 C onform e aparece n a C onfissão de Fé de W estm isnter 3.1 “P or toda a eternidade e p o r m eio do m ais sábio e santo conselho de sua própria palavra, D eus ordenou o que quer que venha a acontecer; m as ain d a assim D eus não é o autor do pecado, e nem a v iolência é oferecida de acordo com a vontade de suas criaturas e nem é tirada delas a liberdade ou a c o ntingência, estas são, sim, estabelecidas” (grifo m eu). E ste certam ente não é o lugar para se oferecer um a defesa filosófica d esta doutrina. O bserve, entretanto, que um m undo no qual absolutam ente qualquer coisa acontece fo ra d a vontade de D eus, é um m undo inevitavelm ente governado pela c o n tin g ência, ou seja, pela incerteza radical. Se D eus sabe ao certo o que vai acontecer no futuro (a d o u trin a fundam ental do conhecim ento prévio), então tudo o que acontece é aquilo que deveria acontecer. Porém , se os acontecim entos não são “d eterm inados” nesse sentido, então D eus não tem com o saber o que vai acontecer, o que significa que q u a lq u er coisa p oderia ocorrer e D eus estaria um tanto lim itado sobre o que poderia fazer a tal respeito. Jurou o Senhor dizendo: Como pensei, assim sucederá, e, com o determ inei, assim se efetuará. Porque o Senhor dos Exércitos o determ inou; quem , pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem po is a fa r á voltar atrás? (Is 14.24, 27J. A relevância desses conceitos aparece inesperadam ente em vários problem as exegéticos. A crítica à redação, por exem plo, m ostra com o m uitas vezes a narrativa bíblica colore e interpreta acontecim entos históricos. Para alguns estudiosos, essa característica é prova de que os escritores bíblicos m anipula ram os fatos. Os escritores conservadores, tem endo as im plicações, m uitas vezes se esquivam de tais aspectos e procuram , por exemplo, m inim izar as diferenças entre os Evangelhos. Estudiosos evangélicos que conhecem o va lor do trabalho de crítica à redação nem sempre tratam com seriedade dos im portantes questionam entos teológicos levantados por esse m étodo. A visão reform ada da inspiração bíblica, entretanto, cam inha lado a lado com a com preensão reform ada da História. O Deus que controla os acontecim entos da H istória é o m esm o Deus que interpreta esses acontecim entos nas Escrituras e, portanto, não pode haver qualquer contradição inerente entre os dois. Isso não significa que estam os livres para adotar qualquer visão das narrativas, m esm o que enfraqueça sua confiabilidade. Também não sugere uma solução autom ática para m uitos problem as difíceis. Mas significa que não precisam os “proteger” a credibilidade das Escrituras ao garantirmos que estejam em con formidade com as nossas expectativas em relação aos escritores históricos.193 A doutrina da soberania divina tam bém nos ajuda a com preender o cará ter central do conceito de aliança nas Escrituras. Com o bem sabem os, o calvinism o é caracterizado por um a visão cham ada de teologia da aliança. O term o significa diferentes coisas para diferentes pessoas; ele serve, de fato, com o form a conceituai de abranger um a rica e am pla variedade de ênfases, algum as mais claram ente bíblicas do que outras. Fundam entalm ente, referese à disposição de Deus em seu plano da salvação. É Deus quem tom a a iniciativa de form ar um povo para si, de modo que a afirm ação “Eu sou o teu D eus e vós sereis o m eu povo” oferece um princípio que perm eia toda a his tória da redenção (de Gênesis 17.7,8 a Apocalipse 21.3). Em vários pontos, a exegese deve ser guiada pela fidelidade a esse prin cípio, com o nas passagens baseadas na doutrina da salvação pela graça, ou quando analisam os a função da lei m osaica em relação à aliança com Abraão. Este conceito, evidentem ente, tem m uito a dizer sobre questões relacionadas 191 T ratei desse problem a em “N e d B . Stonehouse and R edaction C riticism ” , W TJ 4 0 (1977-78): 777 8 ,2 8 1 -3 0 3 . à profecia e ao lugar do povo em Israel. Tradicionalm ente, por exem plo, o dispensacionalism o criou um a forte separação entre Israel e a igreja cristã. Escritores mais recentes reconhecem características im portantes com uns a am bas,194 porém a unidade orgânica do povo de Deus ao longo do tem po é um a ênfase distintiva da teologia da aliança. Essa ênfase, por sua vez, tem im plicações profundas sobre nossa com preensão da eclesiologia (inclusive as questões de governo da igreja, batismo, etc.), do uso que o cristão faz do A ntigo Testam ento e m uito mais. Finalm ente, um entendim ento da doutrina de Calvino ou Agostinho (a m esm a de Paulo!) acerca da soberania e da predestinação afetam diretam ente a com preensão da interpretação bíblica.195 Não basta reconhecer o senhorio de Deus sobre a história bíblica, se nós m esm os, com o intérpretes, não nos subm eterm os a esse senhorio. Aliás, não faz sentido afirmar, por um lado, que os acontecim entos relacionados às Escrituras, bem como a redação das E scri turas são um cum prim ento da vontade de Deus e, por outro lado, supor que nossa interpretação desse m aterial tem um a espécie de natureza neutra e cará ter independente. Ainda assim, alguns daqueles que estudam a Bíblia pare cem pensar (ou pelo m enos agem com o se pensassem ) que depois de “todo o trabalho” de acom panhar a redação das Escrituras por muitos indivíduos di ferentes durante muitos séculos, Deus resolveu ficar apenas observando, en quanto os crentes tentam entender o que fazer com os textos bíblicos! B em ao contrário. Os propósitos divinos estão sendo cum pridos ainda hoje na vida dos crentes, enquanto ouvem as E scritu ras da m esm a form a com o e s ta vam sendo cum pridos quando D eus acom panhou os acontecim entos da histó ria da re d e n ç ã o .196 As im plicações dessa verdade são um tanto abrangentes. No m ínim o, ela deve nos encher de um senso de hum ildade perante a m ajestade de Deus; verdadeiram ente, sem ele nada podem os fazer (Jo 15.5), e é só porque ele nos unge com o seu Espírito que somos capazes de aprender (lJ o 2.27). Esse princípio tam bém lança algum a luz sobre as difíceis perguntas que cercam assuntos com o a aplicação correta das Escrituras, o uso de m étodos alegóri 15,4 N o capítulo 8 o p rofessor K aiser p rocura um m eio-term o entre o d ispensacionalism o e a teologia d a aliança n essa questão. P orém , não fica claro para m im se ele fez ju stiç a à ênfase com a qual os escritores do N ovo T estam ento encaram as prom essas do A ntigo T estam ento cum pridas no contexto da igreja. 195 Para um a discussão m ais geral sobre essa questão ver Vern S. Poythress, “G o d ’s L ordship In Interp retatio n ” , W JT 50 (1988): 27-64. 196 É im portante ressaltar m ais um a vez que, apesar de parecer um paradoxo, a dou trin a d a sobera n ia divina dentro d a H istória não suspende a iniciativa h um ana nem coloca sobre D eus a re sp o n sabilidade sobre o pecado hum ano. D e m aneira sem elhante, a realidade da soberania de Deus em n ossa vida com o cristãos tam bém não garante q u e irem os sem pre fazer o que é certo e nem nos de sc u lp a q u a n d o fazem os o que é errado. cos e as declarações dos teóricos sobre o papel do leitor. Enquanto com parti lho da preocupação do professor K aiser sobre métodos superficiais de inter pretação (especialm ente nos estudos bíblicos das igrejas), m inha atitude em relação ao estudo com um e popular das Escrituras não é de form a algum a tão negativa. Apesar de não aprovar nem recom endar os m étodos herm enêuticos de Orígenes, é difícil para mim dispensá-los sim plesm ente sem fazer uma pergunta prem ente: Por que a interpretação alegórica falou ao coração de tantos crentes e por que continua a ir ao encontro de suas necessidades nos dias de hoje?197 Da m esm a form a, uma leitura da Bíblia que enfatiza o papel do leitor, especialm ente quando feita em oposição à interpretação histórica, pode facilm ente tornar-se uma desculpa sutil para encontrar aquilo que estamos procurando. Os questionam entos sobre essa nova visão são sérios dem ais para serem ignorados. Se acreditam os que o Espírito de Deus está de fato agindo quando os cristãos exploram as Escrituras e, se sua tarefa de esclarecer é algo m ais do que sim plesm ente identificar o significado do texto, não é verdade então que, de algum a form a, os intérpretes contribuem para o sentido da Bíblia a partir de seu próprio contexto? Deus não espera até que nos tornem os m estres do m étodo histórico-gram atical para nos ensinar algum a coisa. Em vez disso, ele usa até m esm o nossa ignorância para nos guiar até ele e lança m ão de nossa capacidade de fazer associações como um meio de reconhecerm os sua verda de. Há algum tem po atrás ouvi um pastor testem unhar sobre a bondade de Deus por causa de um acontecim ento um tanto trivial. Num m om ento de de sânim o enquanto caminhava, ele encontrou um galho atravessado sobre a cal çada. Por algum motivo, aquilo o fez lem brar da im agem bíblica do cajado e das m uitas verdades consoladoras associadas a ele. Devem os condenar esse pastor por sua interpretação alegórica daquele acontecim ento e proibi-lo de usar esse tipo de herm enêutica novamente? Ou devemos reconhecer que Deus, em sua sabedoria e soberania, deleita-se em trabalhar em nós seja qual for o nível de “receptividade” em que nos encontram os? O fato de Deus poder usar nossa ignorância para sua glória não é motivo para continuarm os ignorantes - e não ousemos apelar para a soberania divina para desculpar nossas falhas. D iante disso, devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para ajudar os crentes a com preenderem o caráter histórico das Escrituras e, assim, respeitarem seu significado original. M as é preciso que, em sua leitura da B íblia especialm ente para fins devocionais, os crentes repri m am as associações que lhes vem à m ente? O contato anterior com outras partes das Escrituras leva-nos inevitavelm ente a fazer associações literárias 197Ver m inha discussão em H a s the C hurch M isread the B ible? The H isto ry o f Interpretation in the L ig h t o f C urrent Issues (G rand R apids: Z ondervan, 1987), capítulo 3. que, do ponto de vista exegético, são forçadas. Mas, desde que tais associações sejam bíblicas - desde que não afirmemos aquilo que não faz parte do significa do original do texto que estamos lendo - será mesmo necessário condenarmos esse método comum (e que persistiu ao longo do tem po!) de se encontrar conso lo e orientação nas Escrituras? Será que a idéia do poder de Deus em nossa ativida de interpretativa não deve afetar nossa avaliação desse problema?198 H á mais um a conclusão a tirar da doutrina da soberania divina. Se reco nhecem os o senhorio de Deus em nossa interpretação, esse fato deve nos en cher de confiança. E certo que há m uito o que nos desestim ular quando estu dam os as Escrituras. Algum as vezes, o processo de nos fam iliarizarm os com a história da interpretação bíblica pode ser um a experiência desnorteante. M esm o nos dias de hoje, quando olham os à nossa volta, tom am os consciên cia das controvérsias teológicas entre os crentes e vemos quão deprim entes elas podem ser. E, com o se isso tudo não fosse suficiente, quando exam ina mos a nós mesmos encontramos ignorância, egoísmo, dureza, engano - e uma série de obstáculos que parecem eliminar todas as esperanças herm enêuticas! Entretanto, um m om ento de reflexão sobre a soberania de Deus deve ser suficiente para nos colocar nos eixos. Se o Senhor nos garante que sua palavra não voltará vazia para ele, pelo contrário, que ele realizará os seus desejos (Is 55.11), com o podem os pensar que seus propósitos serão frustrados e seu povo não chegará “à unidade da fé e do pleno conhecim ento do Filho de D eus” (E f 4.13)? Que possam os aprender a fazer todas as nossas interpreta ções bíblicas na certeza de que “aquele que com eçou boa obra em [nós] há de cum pri-la até o D ia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). 198 P or razões sem elhantes, estou aberto para a p ossibilidade de que os apóstolos, em sua leitu ra do A ntigo T estam ento, podem ter em algum as ocasiões usado de m étodos que não estão em c o n fo rm idade com aquilo que consideram os m etodologia exegética “ correta” . Sem , de form a a lg u m a, obscurecer a distinção entre a obra inspirada dos escritores bíblicos e o nosso uso das E scrituras, devem os fazer ju stiç a à ligação de co n tinuidade que há entre eles e nós. (Ver G. Vos, B ib lica l Theology: O ld a n d N ew Testam ents (G rand Rapids: E erdm ans, 1948), 325-36. O p ro fesso r K aiser considera d ifícil acreditar que Paulo p ed e ter usado um argum ento sobre as E scri turas que não representasse o sensus literalis do texto do A ntigo T estam ento (ver capítulo 10). Se a com preensão apostólica do A ntigo T estam ento era fundam entalm ente equivocada, seria im possível defen d er a viabilidade intelectual da m ensagem do evangelho. M as tam bém não posso aceitar que um a eventual alusão “livre” ou “associativa” - m esm o no m eio de um a argu m entação séria - reflete necessariam ente um a com preensão incorreta da o bra literária a que se refere. Ver m eu artigo “T he N ew Testam ent Use o f the O ld Testam ent: Text Form and A uthority” , em Scripture a n d Truth, org. por D. A. C arson e J. W. W oodbridge (G rand R apids: Z ondervan, 1983), pp. 147-65, especialm ente 157-58. O cerne da interpretação bíblica não se alterou m uito no últim o século e meio: Devemos ficar a sós com o autor. Entretan to, houve um a enorm e m udança: A tarefa herm enêutica não está com pleta até que tenham os lidado com o problem a da aplicação do texto. Agostinho percebeu esse m esm o dilem a há m uito tem po, porém sua solução levou à proposta insatisfatória de três ou tros sentidos para as Escrituras além do sentido literal: o alegóri co, o tropológico e o anagógico. Com o teste para determ inar se a teoria de um único signifi cado porém m últiplas aplicações aqui defendida é de fato utilizá vel, usamos as quatro principais “interpretações” dadas ao longo dos séculos para a parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1 16). Concluím os que elas não passam de quatro diferentes apli cações de um único princípio. Ajuda é oferecida ao intérprete para m over-se do princípio de significado único para a aplicação do significado do texto. Essa assistência pode ser encontrada (1) nas declarações explíci tas feitas na perícope, (2) nos sumários editoriais dados pelos autores das Escrituras, (3) nas cláusulas de m otivação ligadas às ordens bíblicas e (4) em ilustrações sobre como as Escrituras usam textos bíblicos anteriores para a edificação. Ao aplicar os princípios por trás das ordens bíblicas, devese ter cuidado de separar o que é ensinado daquilo que sim ples m ente foi registrado na Bíblia e de não universalizar e generali zar prom essas bíblicas além do seu escopo de referência. CAPÍTULO 15 Observações finais W a lte r C. K a iser, J r . E m 1859, Benjam in Jowett, o então Professor Régio de Grego da U niversida de de Oxford, publicou um artigo sobre a interpretação das Escrituras. Nesse artigo Jow ett propôs a tese de que “As Escrituras possuem um único signifi cado - o significado que tinham na m ente do Profeta ou Evangelista que falou ou escreveu para os ouvintes ou leitores que o receberam pela prim eira vez” . Interpretações, acréscim os posteriores ou idéias ligadas a um texto bíblico, ou até m esm o tradições que vieram depois dele deveriam ser deixados de lado em favor do significado único do texto. De acordo com Jowett: “O ver dadeiro uso da interpretação im plica livrar-se da interpretação para que fique mos a sós com o autor.” 199 A pesar de todos os anos que se passaram desde que essas palavras foram publicadas pela prim eira vez, a questão central sobre a interpretação da B í blia, de certa form a, não se afastou muito da tese central de Jowett. Porém , em outros aspectos, estam os a anos-luz de distância desse objetivo. Nos dias de hoje, o crescente papel da cultura, im aginação, o progresso da revelação, o papel do ouvinte e do leitor, o desenvolvimento das teorias histórico-críticas de com preensão da Bíblia e as novas descobertas tanto no universo científico quanto nas teorias da com unicação com plicaram as coisas de m aneiras que Jowett jam ais poderia ter imaginado. M as, quanto m ais se estuda o problem a do significado único versus m últiplos significados do texto, parece mais tentador dizer que essa discus 191) B enjam in Jow ett, “O n the Interpretation o f Scripture” , E ssays a n d R eview s, T ed. (L ondres: L ongm an, G reen, L ongm an and R oberts, 1861), pp. 330-433, citação nas pp. 378, 384. são, pelo m enos da form a como se apresenta entre evangélicos que acreditam nos m esm os conceitos de revelação, é um desacordo sobre o problem a da aplicação mais do que sobre o objetivo da interpretação em si. U m dos m aiores ganhos e mais incom uns benefícios que vimos na se gunda m etade do século 20 é a ênfase na idéia de que nossa tarefa herm enêutica não está com pleta até que nó§, bem com o nosso público contem porâneo, te nham os aplicado o significado que acreditam os que o autor está com unican do. Jam ais deveria ter deixado um vazio entre o que o texto significava e o que significa, entre o passado e o agora. Pode-se dizer que esse vazio existe apenas com o um a conveniência acadêm ica para um a separação m om entânea na tarefa de exam inar duas partes inseparáveis de um todo. M as aquilo que o estudioso separa a fim de realizar certos estudos sob seu m icroscópio, deve ser reunido novam ente pelo intérprete com o entendim ento de que o processo não está com pleto enquanto o texto não for aplicado e seu significado con tem porâneo não for com preendido. Sim patizo com aqueles intérpretes que lutam , por um lado, com o que parecem ser atribuições racionalistas de um único significado para o texto em questão e, por outro lado, com a necessidade de discernir algum significado espiritual e relevância teológica de narrativas perturbadoras como a bebedei ra de Noé, o assassinato de Sísera, a escolha de Ester para rainha ou um salm o de m aldição com o Salmo 137. Todos devem lutar com o dilem a de reconciliar o significado superficial de tais narrativas bíblicas e textos com a necessidade de mostrar como esses mesmos textos podem edificar o leitor contemporâneo. A solução de Agostinho para o problema do significado Agostinho percebeu o dilem a que apresentam os. Com o vimos no capítulo 12, ele propôs que, com o as Escrituras foram dadas para a edificação da igreja, além do sentido literal o intérprete poderia apelar para outros três sentidos, cada um correspondendo a um a virtude. O sentido alegórico correspondia à fé, tendo em vista que ensinava a igreja a crer; o sentido tropológico era a expressão do amor, pois ensinava aos indivíduo o que deviam fazer; e o sen tido anagógico apontava para o futuro e para a virtude da esperança. M as, m uito raram ente, nas mãos dos m elhores intérpretes entre os pais da igreja prim itiva e na igreja medieval, foi possível encontrar mais do que um signifi cado além do literal. Ao que parece, o que estava sendo defendido era que um texto precisava ainda ser aplicado a situações da vida real, bem com o com preendido em seu contexto original. U m a das aplicações podia ser doutrinária (Agostinho usa a expressão “fé”), outra podia ser moral e ética (“am or”), outra ainda podia estar relacionada ao escatológico e ao futuro (“esperança”). Cada um dos três sentidos normalmente era coordenado, um por vez, ao sentido literal, o que sugere que as palavras significado e sentido estavam sendo usa das por ele de m aneiras que se aproxim am de nossa idéia de “significação” e “aplicação” sem substituir o significado que o texto continha em si. M as não parece justo igualar tal sistem a de interpretação à observação freqüentem ente citada de C. S. Lewis, que com entou em seu livro Till We Have Faces: “U m autor não precisa necessariam ente entender o significado de sua própria história m elhor do que qualquer outra pessoa.”200 U m a aplica ção m últipla baseada em com preensão literal de um texto não é o m esm o que um a pluralidade de verdades ou níveis distintos de significado em um só, dentro da m esm a passagem (ou m esm o de um princípio desconhecido), sen do aplicada de m aneiras que não são governadas pelo texto. Um caso de teste para compreender o significado único Explorem os as diferenças entre (1) um princípio único ou verdade ensinada por um escritor hum ano nas Escrituras (que pode ter m últiplas aplicações em áreas da doutrina, m oral e acerca do futuro) e (2) m últiplos níveis de signifi cado para um determ inado texto. Com o caso para teste, considerem os a pará bola dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16).201 N essa parábola, o dono de um a vinha contrata trabalhadores para traba lhar durante todo o dia em sua vinha pelo salário costum eiro de um denário. Porém , ele acaba precisando de mais ajuda, então ele volta ao m ercado às nove, ao m eio-dia, às três e às cinco e contrata os trabalhadores que lá encon tra. A única prom essa que faz àqueles que contrata às nove, ao m eio-dia e às três da tarde é de que lhes dará o que é justo. Quanto aos trabalhadores que contrata às cinco, ele os m anda para a vinha sem nenhum a prom essa sobre o salário que irão receber. Quando chega a hora do pagam ento de cada trabalhador, o proprietário instrui o adm inistrador a pagar com eçando por aqueles foram contratados às cinco horas. Em vez de dar a eles apenas um doze avos de um denário, ele paga o salário de um dia. Quando aqueles que trabalharam desde cedo até o fim do dia recebem a m esm a quantia - um único denário - em vez da quantia adicional que esperavam quando viram os que haviam sido contratados por últim o receberem um denário, eles com eçaram a reclam ar. O proprietário, en tretan to , respondeu que não havia enganado ninguém , pois havia pago o que tinha prom etido. Se desejava ser generoso com aqueles que haviam chegado por últim o, esse era um privilégio seu. Jesus afirm ou que assim é o reino de D eus. 200 W. H. L ew is, org. Letters o f C. S. Lew is (N ova York: H arcourt, B race and W orld, 1966), p. 273. 201 Estou em dívida com D avid. C. Steinm etz em sua obra “T he Superiority o f Pre-critical E xegesis” , T heology Today 37 (1980): 27-38, especialm ente pp. 33-35, pelo esboço dos vários pontos de v ista aqui apresentados. Existem duas interpretações básicas dessa parábola: um a que provavel m ente surgiu com Irineu e outra com Orígenes. Orígenes via essa parábola com o um com entário sobre as várias idades em que um a pessoa pode conver ter-se a Cristo, sendo que o “dia” eqüivale a toda a vida de um indivíduo. Alguns serviram e am aram a Cristo desde sua infância; outros vieram a se guir a Cristo bem mais tarde na#vida. Irineu, entretanto, via a parábola como um a referência à história da salvação, na qual várias épocas da H istória - de A dão a Noé, de Noé a Abraão, de Abraão a Davi e de Davi a Cristo - eram retratadas, sendo que a Trindade seria o dono da vinha e Cristo o adm inistra dor. Os trabalhadores contratados na décim a prim eira hora eram os gentios. O dia do pagam ento veio com a ressurreição, quando os trabalhadores judeus reclam aram , pois haviam feito a m aior parte do trabalho daquele dia, mas Deus havia sido igualm ente generoso para com todos. O autor anônim o do século 14 da obra Pearl (Pérola) propôs um a tercei ra interpretação, aplicando a parábola à m orte de uma menina. M esm o que ela tivesse apenas 2 anos de idade, e tivesse, por assim dizer, entrado na vinha na décim a prim eira hora (às cinco da tarde), Deus não havia deixado de dar a ela a sua graça. John Pupper de Goch, um teólogo flam engo do século 15, sugeriu um a quarta interpretação. Para ele a parábola atacava a doutrina das recom pensas proporcionais no céu, de acordo com serviços prestados a Jesus Cristo. Os únicos a entrarem em contenda por causa de recom pensas proporcionais são aqueles representados pelos prim eiros trabalhadores contratados na vinha. M as o Senhor rejeitou a idéia de que, por terem trabalhado doze vezes mais, deveriam receber um pagam ento doze vezes maior. E m 1525, M artinho Lutero expandiu sua concordância inicial com a interpretação do teólogo flam engo ao insistir que a parábola celebrava a bon dade de Deus e resistia a toda religião baseada no cum prim ento da lei e nas boas obras. Todos os trabalhadores são indignos, m esm o que não o sejam pelas m esm a razões. A salvação não está fundam entada no m érito hum ano, mas apenas na bondade e graça de Deus. A questão que fica para nós é se esses quatro principais usos da parábola representam quatro níveis diferentes de significado, ou se representam um único nível e quatro diferentes aplicações. As evidências são a favor do se gundo caso, ou seja, quatro aplicações de um m esm o princípio que, por sua vez, vem do sentido natural ou literal da parábola. Todos os quatro concor dam que a parábola é um a declaração da generosidade e da graça de Deus para com os trabalhadores indignos. U m a vez que essa bondade de D eus é captada na passagem , a relação de judeu para gentio, o problem a de um a m orte prem atura ou de um a conversão tardia e a questão das recom pensas proporcionais podem ser vistas de várias m aneiras, nas quais o m esm o princí pio está sendo aplicado em diferentes culturas, épocas, contextos, necessida des e problem as pessoais. Cada aplicação é eficaz e válida desde que seja uma explicação mais detalhada do princípio comum que está por trás do texto. Assim, em vez de falar em níveis de significado em um texto, talvez o que se tenha procurado ao longo da história da interpretação - incluindo a atual preocupação com o papel do leitor - são níveis de aplicação e significa do, ou o que um escritor cham a de “significados conseqüentes” . Um fato com um a todas as quatro interpretações principais dessa parábola é a im agem do proprietário da vinha como um doador cheio de graça, generosidade e benevolência. Se esse princípio não fosse fundamental para todo o resto que esta va sendo dito, não haveria como validar a aplicação que estava sendo feita. Tam bém não haveria autoridade por trás da aplicação atribuída a essa parábola. Identificando e usando princípios gerais U m a grande parte da arte de interpretação de passagens é m over-se das ques tões específicas m encionadas no texto bíblico para o princípio geral que está por trás desses elem entos específicos. Ao relatar um a história de fam ília, Jack Kuhatschek, me fez lem brar de um a experiência parecida que tivemos com o fam ília com nosso filho mais novo, Jonathan.202 Jonathan ficou encantado quando finalm ente estava com idade suficiente para agradecer pela com ida à m esa em nome de toda a fam í lia. Para a exasperação de seus irm ãos e irm ã mais velhos, ele usou a oportu nidade para falar de praticam ente tudo o que viu sobre a mesa. “Obrigado pelo sal e pela pim enta. Obrigado, Senhor, por nossas colheres, garfos e fa cas. O brigado pelo leite, pela salada, pelo pão...” E assim ele continuou sua longa lista enquanto a com ida esfriava. Finalm ente, e para a felicidade de seus irm ãos já irritados, Jonathan concluiu com o “A m ém ” . Ou as instruções que havíam os dado a Jonathan sobre com o orar agrade cendo a com ida em geral não foram entendidas ou eram intencionalm ente ignoradas. Porém , passados alguns meses, um dia ele de repente nos surpre endeu ao dizer: “Senhor, obrigado pela com ida sobre nossa mesa. Em nome de Jesus, Am ém.” Jonathan havia aprendido a generalizar. A legitim idade de tais práticas de generalização é repetidam ente afir m ada no próprio texto bíblico. D eus não apenas resum e toda a sua lei em dez m andam entos (Ex 20.1-17; D t 5.6-21), com o tam bém dá outros sete sum ários de leis. O Salm o 15 conserva a Lei de D eus em onze princípios; Isaías 33.15 a expõe em seis m andam entos; M iquéias 6.8 as resum e em três ordens; Isaías 56.1 as reduz ainda m ais a dois m andam entos; e A m ós 202 Jack K uhatschek, A p p ly in g the B ible (D ow ners G rove, IL: interV arsity Press, 1990), pp. 51-52. 5.4, H abacuque 2.4 e Levítico 19.2, colocam toda a lei em um a única decla ração geral. O próprio Jesus deu continuidade a essa m esm a tradição ao resum ir a lei toda em dois princípios: “Am arás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alm a e de todo o teu entendim ento... O segundo, sem elhante a este é: A m arás o teu próxim o cornp a ti m esm o” (M t 22.37-40; Lc 10.26-28; D t 6.5; Lv 19.2, 18). A fim de identificar princípios gerais no texto bíblico, há três perguntas que os intérpretes devem fazer: O autor afirma o princípio de m aneira explí cita na passagem em questão? Se não o faz, um contexto mais am plo revela esse princípio geral? A situação específica do texto contém quaisquer razões, ex plicações ou dicas que poderiam sugerir o que m otivou o escrito r a ser tão concreto em vez de abstrato, ao m encionar as ilustrações específicas que ele escolheu? A busca pelos princípios no texto bíblico norm alm ente não se encontra em palavras ou frases isoladas e certam ente não está em versículos editoriais do texto. Em vez disso, tais princípios são m ostrados pela tese que controla parágrafos, capítulos, seções de um livro, e até mesmo livros inteiros da Bíblia. H á inúm eros exem plos de um princípio específico declarado explicita m ente dentro de um bloco de ensinam entos. E o caso, por exem plo, da quinta visão dentre as oito visões de Zacarias, em que ocorre a aparição enigm ática de um candelabro de ouro ladeado por duas oliveiras. Quando o profeta per guntou “Que é isto?” , recebeu como resposta - “Esta é a palavra do Senhor a Zorobabel: Não por força, nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Se nhor dos E xércitos” (Zc 4.6). Esse é princípio controlador geral de toda a passagem : o que for conquistado não virá pelas mãos de líderes políticos e religiosos; virá por m eio do Espírito Santo. Em 1 Coríntios 8 Paulo trata da questão de com prar com ida que foi oferecida a ídolos. No versículo 9 ele declara explicitam ente o princípio rele vante: “Vede, porém , que esta vossa liberdade não venha, de algum m odo, a ser tropeço para os fracos.” Essa idéia vale para qualquer liberdade ou restri ção a ser exercida na com pra de carne nos m ercados que eram conhecidos por sua ligação com o tem plo e seus rituais sacrificiais. M as, e se o texto não fala diretam ente qual é o princípio? Isso acontece com freqüência no texto narrativo que tende a declarar as coisas indiretam en te, em lugar de colocá-las na form a de discurso direto, com o acontece na prosa. Nesses casos, podem os contar com o contexto geral para nos ajudar. Gênesis 37-50 registra a história de José. Apenas um a ou duas vez du rante a longa narrativa dessa história recebem os algum a indicação do que trata esse episódio todo e por que Deus queria que ele fosse registrado em sua Palavra. Quando José se revelou aos seus irmãos, ele concluiu: “Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós m esm os por me haverdes vendido para aqui; porque, para a conservação da vida, Deus me enviou adi ante de vós... Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livram ento” (Gn 45.5, 7). M ais tarde, José repetiu esse tem a aos seus irm ãos ao dizer-lhes: “Vós, na verdade, intentastes o ma] contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, com o vedes agora, que se conserve m uita gente em vida” (Gn 50.20). O princípio da providência prevalecente de Deus, portanto, é a chave para a interpretação da narrativa sobre José. Som ente o contexto a revela, m esm o que cada episódio individual ou perícope dentro da história não m ostre esse princípio claram ente com o sua própria conclusão. Em outros casos, nem uma declaração direta do princípio e nem m esm o um a declaração indireta dentro do contexto mais amplo aparece. O que fazer então? Aqui, a busca pelo princípio geral deve ser feita com a m inúcia de detetives investigando a cena de um crim e em busca da pistas. Outros recursos literários são acionados nesse ponto, tais com o a cláu sula de motivo, que está freqüentem ente ligada aos m andam entos bíblicos.203 As cláusulas de motivo podem tom ar pelo menos um a entre quatro form as (a cláusula de motivo aparece em itálico): 1. E xplanatória - um apelo ao bom senso do ouvinte. “Se um h o m em a m aldiçoar a seu p a i ou a sua mãe, será m orto; am aldiçoou a seu p a i ou sua m ãe; o seu sangue cairá sobre ele ” (Lv 20.9; ver tam bém D t 20.19; 20.5-8). 2. É tica - um apelo à consciência, à m oral. “Q uando edificares um a casa nova, far-lhe-ás, no terraço, um parapeito, p ara que nela não ponhas culpa de sangue, se alguém de algum m odo cair dela ” (D t 22.8). 3. Religiosa e teológica - um apelo à natureza e vontade de Deus. “Não profanarão as coisas sagradas que os filhos de Israel oferecem ao Senhor, pois assim os faria m levar sobre si a culpa da iniqüida de, comendo as coisas sagradas; porque eu sou o Senhor que os santifico” (Lv 22.15,16; Ver Dt 18.9-12). 4. H istória da redenção - um apejo à intervenção do Senhor na histó ria de seu povo. “Quando vindim ares a tua vinha, não tornarás a rebuscá-la; para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva será o restante. Lembrar-te-ás que fo ste escravo na terra do Egito; pelo que te ordeno que fa ça s isso” (Dt 24.21,22). 203 O prim eiro estudioso de tem pos m odernos a m ostrar a função da cláusula de m otivo foi B erend G em ser, “T h e Im portance o f M otive C lause in O ld T estam ent L aw ” , em VT, volum e sup. 1 (1953): 50-66. U m a vez que identificam os o princípio geral, devemos aplicar esse prin cípio à nossa vida, seja à mesma situação que o texto das Escrituras apresenta ou a um a situação sem elhante ou comparável. O livro de Tiago ilustra ambas as form as de aplicar um princípio básico. Esse livro pode m uito bem ser o resum o de um a série de serm ões pregados por Tiago e que têm com o base lyna parte da Lei da Santidade, nesse caso, em Levítico 19.12-18. Cada versículo dessa passagem , exceto pelo versículo 14, é citado ou aludido no livro de Tiago.204 Em Tiago 2.1, o autor repete um a parte da “lei real do am or” de Levítico 19.15 que diz: “Não farás injustiça no juízo.” O princípio é declarado clara m ente. Ele tam bém é ilustrado em Tiago 2.2-7 quando se fala com o a igreja deve acom odar o hom em rico usando anéis de ouro e roupas de luxo e o pobre andrajoso. Se o hom em pobre está sentado no chão e o hom em rico recebe um bom assento, não seria esse um im portante tipo de discrim inação que ofende o princípio de não se m ostrar parcialidade? M as não é apenas nesse contexto que a m esm a política não-discrim inatória poderia ser usada com autoridade e precedência bíblica. Aliás, Tiago 2.9 repete o princípio m ais um a vez e m os tra com o ele se encaixa num princípio ainda maior: “Am arás o teu próxim o com o a ti m esm o” (Lv 19.18b; Tg 2.8). O princípio dessa passagem enquadra-se em qualquer situação que possa prejudicar meu próxim o (definido nas Escrituras com o qualquer necessitado). Assim, a aplicação pode envolver um a situação idêntica em que crentes negros ou os de outras origens étnicas eram segregados a um a parte m enos confortável da igreja, a fim de dar preferência ao grupo racial dom inante ou à classe que “pagava as contas” daquela igreja. Ou ainda, a aplicação pode estender-se além de uma situação igual ou idêntica para outras que sejam sem elhantes e com paráveis desde que tam bém estejam relacionadas ao prin cípio geral em questão. Situações especiais na aplicação dos princípios bíblicos Até aqui, argum entam os que devemos identificar o princípio geral da passa gem e procurar aplicá-lo a um a situação igual ou sem elhante em nossa vida nos dias de hoje. M as m uitas vezes deparam os com certos tipos especiais de problem as quando tentam os aplicar determ inadas form as literárias da Bíblia, especialm ente as leis, os exem plos e as prom essas bíblicas. Cada um a dessas situações deve ser exam inada em função de um a ou duas características sin gulares que cada uma apresenta. 204 Ver L u k eT . Johnson, “T h e use o f L eviticus 19 in th e L e tte r o f Jam es” , JB L 101 (1982): 391-401. Ver tam bém “A pplying the P rincipies o f the C erim onial Law: L eviticus 19 and Jam es” , capítulo 11 em W alter C. Kaiser, Jr., The Uses o f the O ld Testam ent in the N ew (C hicago: M oody, 1985), pp. 221-24. AS LEIS BÍBLICAS Em prim eiro lugar, considerem os as leis bíblicas. D iz-se com freqüência que o Antigo Testam ento tem mais de seiscentas leis. Na verdade, o núm ero usa do nos meios rabínicos é 613, mas em nenhum lugar do texto o Antigo Testa m ento declara o núm ero exato. Alguns crentes m odernos observam algum as (mas não todas) dessas leis. Existe algum a base real para tal distinção, ou ela é sim plesm ente deixada por conta dos instintos e sentim entos de cada crente? As próprias Escrituras nos oferecem um a form a de selecionar as leis que continuam a ter relevância em nossa vida e deixar de lado aquelas que se tornaram obsoletas por meio de uma declaração de Deus dizendo que elas já não são mais úteis. M esm o que a lei seja um a só, somos ensinados a distin guir pelo m enos três aspectos diferentes nessa lei. Jesus autorizou tal posição quando usou o conceito em M ateus 23.23 declarando que alguns preceitos são m ais im portantes do que outros. E essa classificação e priorização dentro da lei que estabelece que o caráter moral da lei é m ais elevado que os aspec tos civis e cerimoniais. Nesse versículo, justiça, m isericórdia e fidelidade são m ais im portantes que as leis sobre o dízim o das especiarias, pois, evidente m ente, refletem a natureza e o caráter de Deus. Quando Deus deu instruções sobre a construção do tabernáculo com todos os seus utensílios, cultos, rituais e m inistérios, ele deixou im plícita um “prazo de validade” ao inform ar M oisés de que ele deveria fazer e arrum ar todas essas coisas exatam ente “segundo o modelo que te foi m ostrado no m onte” (Êx 25.9, 40). Tendo em vista que M oisés construiu tudo de acordo com o m odelo daquilo que Deus lhe m ostrou, ele obviam ente não estava de posse do que era real. Esse tabernáculo verdadeiro perm anecia com Deus, separado de M oisés e de Israel, até m esm o quando o escritor de Hebreus tratou desse assunto (Hb 8.5). Depois que o verdadeiro análogo para cada um desses m odelos veio na prim eira vinda de Cristo, incluindo sua morte, ressur reição e m inistério, podem os supor que tudo o que fazia parte da antiga lei cerim onial podia ser colocado de lado, exceto a aplicação dos princípios que perduram até nossos dias. As form as, rituais e locais exatos foram substituí dos, conform e é ensinado em Hebreus 9, 10. Alguns ensinam que apenas aquelas leis que são repetidas no Novo Tes tam ento são normativas para os dias de hoje. M as há muitas leis que ainda oferecem orientação para o crente e não são encontradas no Novo Testam en to, que falam de questões como casam ento entre parentes próxim os, estupro, bestialidade, aborto, entre outros. O próprio Jesus tratou o Antigo Testam ento com o sendo provido de autoridade e, portanto, devemos fazer o m esmo. U m a lei bíblica pode continuar vigente nos princípios que ela incorpora m esm o que a obediência à sua form a exata possa não ser mais exigida nos dias de hoje. É o que acontece com a lei sobre não colher nas bordas de um cam po para que os pobres possam colher naquela parte. E ssa lei não é válida para as áreas agrícolas de nossas fazendas; porém , indo além da econom ia agrícola refletida na lei de L evítico 19.9,10, ainda tem os o b ri gação de expressar, das m aneiras que nos são possíveis, nossa p reo c u p a ção p rática com os pobres e os estrangeiros em nosso m eio. D iversos ou tros textos da B íblia tratam da m esm a questão (por exem plo, Êx 22.21-27; Dt 14.28,29; 15.12-14). Até m esm o a lex talionis (“olho por olho, dente por dente”) ainda é usada. A lei foi dada aos “juizes” (Ex 21.6; 22.8,9) como uma form ulação estereotípica que significa “faça com que o castigo seja apropriado para o crim e” ; não procure tirar vantagem indevida da situação. Em acordos sobre acidentes de carro, por exemplo, a regra é “pára-choque por pára-choque, pára-lam a por pára-lam a” , não tente se aproveitar do acidente para levantar fundos para a faculdade dos filhos. Enquanto a tendência do Antigo Testam ento é de dar leis específicas, para as quais devemos form ular ou identificar o princípio geral, as leis do Novo Testam ento muitas vezes já aparecem na form a geral e, portanto, nossa tarefa é identificar as situações específicas às quais o princípio se aplica nos dias de hoje. Quando, por exemplo, Paulo urge “Alegrai-vos sempre no Se nhor; outra vez digo: alegrai-vos. Seja a vossa m oderação conhecida de todos os hom ens” (Fp 4.4,5), a natureza geral dessa ordem é evidente. O que não fica tão evidente são as m aneiras como devemos m anifestar a alegria no Se nhor e a m oderação àqueles ao nosso redor. EXEMPLOS BÍBLICOS A segunda área em que a aplicação de princípios gerais adquire enorm e im portância é a da biografia e exemplos bíblicos. Tendo em vista que um terço da Bíblia é apresentado sob a form a de narrativa histórica, esse não é um pequeno problem a. Algum as passagens nos dizem exatam ente o que deve ser adm irado e im itado na pessoa que está sendo apresentada. No caso das duas parteiras no Egito, Sifrá e Puá, era o seu tem or de Deus (Êx 1.17). É verdade que elas tam bém m entiram para o faraó, mas essa questão moral não é tratada no tex to. Isso nos m ostra que devemos fazer a distinção entre o que a B íblia aprova e o que ela relata. Em outras situações, a questão que está sendo ensinada com base nos exem plos bíblicos é levantada de modo implícito. O que dizer, por exemplo, de Jonas? Em nenhum m om ento o texto faz uma pausa para um com entário moral, nem indica algo de bom ou mau sobre o caráter do profeta. M as a m e n s a g e m e s tá im p líc ita n a p e rg u n ta q u e o S e n h o r faz e co m a q u a l e n c e rra se o livro: “E n ã o h ei d e eu te r c o m p a ix ã o d a g ra n d e c id a d e d e N ín iv e ? ” (Jn 4 .1 1 ). A re lu tâ n c ia de J o n a s e m m in is tra r e m n o m e d e D e u s p a ra u m p o v o q u e h a v ia tra ta d o o seu p o v o tã o m al é o p o n to c e n tra l do liv ro , sem q u e isso a p a re ç a e s c rito de m a n e ira e x p líc ita . A ssim , é c o lo c a d a d ia n te d e nós a m e s m a p e rg u n ta q u e fo i fe ita a Jo n a s. A g ra ç a d e D e u s é m u ito m a io r e m a is m a g n â n im a d o q u e a d a m a io r p a rte d as c ria tu ra s de D e u s, q u e e x p e rim e n ta ra m e ssa m e s m a g ra ç a . PROMESSAS BÍBLICAS P o r fim , d e v e m o s o lh a r p a ra as p ro m e s s a s n a B íb lia . C o m fre q ü ê n c ia h á g ra n d e c o n fu sã o n e ssa á re a , te n d o e m v ista q u e m u ito s d e nós c re sc e m o s o u v in d o p a la v ra s c o m o : “T o d a a p ro m e s s a d a P a la v ra é m in h a.” Se e ssa s p a la v ra s fo re m c o m p re e n d id a s lite ra lm e n te , elas n ã o m o stra m q u e o e sc o p o d e a lg u m as p ro m e s s a s n ã o é u n iv e rsa l e q u e a lg u m a s p ro m e ssa s ta m b é m são a c o m p a n h a d a s d e c o n d iç õ e s. A lg u m a s p ro m e s s a s fo ra m fe ita s d ire ta m e n te a c e rto s in d iv íd u o s o u g ru p o s d e p e s s o a s e só p o d e m se e s te n d e r a lé m d e s s a s p e s s o a s , q u a n d o o s p r in c íp io s g e r a is in e r e n te s d a q u e le s te x to s p e r m ite m q u e is s o s e ja f e ito . U m p rin c íp io g e ra l n ão é a m e s m a c o is a q u e u m a p ro m e ssa . U m a p r o m e ssa b a s e ia -s e n a q u ilo q u e D e u s a firm o u q u e fa ria ou n ão fa ria ; u m p r in c í p io b a s e ia -s e em q u e m D e u s é, e m seu c a rá te r e su a n a tu re z a . A ssim , d e v e m o s fa z e r as s e g u in te s p e rg u n ta s ao e s ta b e le c e r os p rin c íp io s c o n tid o s nas p ro m e s s a s d e D e u s: É p o ssív e l d is c e rn ir no c o n te x to u m a d e te rm in a d a p e sso a ou g ru p o d e p e s s o a s a q u e m e ssa p ro m e s s a é o fe re c id a d e m o d o p a rtic u la r? H á n a p ro m e s s a q u a lq u e r e v id ê n c ia de q u e e la fo i o fe re c id a d u ra n te u m c e rto p e río d o de te m p o o u so b c e rta s lim ita ç õ e s de te m p o e c o n d iç õ e s ? E ssa p r o m e ssa é, d e a lg u m a fo rm a , q u a lific a d a n o p ro g re s s o d a re v e la ç ã o ? A p ro m e s s a d e D e u s d e c o n s tru ir u m a “ c a s a ” ou d in a stia a p a r tir do rei D a v i (2 S m 7 e lC r 17) c e rta m e n te lim ita -s e à lin h a g e m de D a v i e ao g o v e rn o e re in a d o m e s s iâ n ic o de D e u s em seu re in o v in d o u ro . N ã o h á b ases q u e p e r m ita m a p lic a r e s s a p ro m e s s a a q u a lq u e r c a sa no s e n tid o físic o (ou d e d in a s tia ) no s d ia s d e h o je. D a m e s m a fo rm a , o u tra s p ro m e ss a s ta m b é m têm c o n d iç õ e s e x p líc ita s ou im p líc ita s lig a d a s a e la s. 1 P e d ro 1.5, p o r e x e m p lo , a firm a q u e os c re n te s são “ g u a rd a d o s p e lo p o d e r de D e u s ” , m as ta m b é m e x p re ssa a c o n d iç ã o p a ra q u e isso a c o n te ç a : “ m e d ia n te a fé ” . É u m c a so se m e lh a n te ao d e C o lo sse n sse s 1 .2 2 ,2 3 , o n d e n ó s q u e u m d ia e s tá v a m o s a lie n a d o s a g o ra e sta m o s re c o n c ilia do s c o m D e u s e p e ra n te su a sa n tid a d e , sem c u lp a ou re p re e n s ã o - “se é q u e p e rm a n e c e is n a fé, a lic e rç a d o s e firm e s, n ão vos d e ix a n d o a fa sta r d a e s p e ra n ça d o e v a n g e lh o ” . O s c re n te s têm a s e g u ra n ç a e te rn a , m as h á a p ro x im a d a m ente vinte passagens de aviso nas Escrituras que devem ser colocadas ao lado dessas m aravilhosas promessas. Os provérbios do Antigo Testamento são especialm ente difíceis no exer cício de encontrar os princípios gerais das prom essas de Deus. Deve-se ter o cuidado de não supor que o provérbio é uma prom essa só porque ele se parece com uma. Provérbios são, na#verdade, ditados de Sabedoria que se aplicam a situações gerais, sem m encionar as exceções que muitas vezes os qualificam. Essa lim itação fica particularm ente evidente nos dois provérbios em 26.4,5, que parecem contradizer-se ao oferecer conselhos opostos - “Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia” e “Ao insensato responde segundo a sua estultícia” . Assim tam bém , o provérbio sobre a educação dos filhos em Provérbios 22.6 não é uma garantia absoluta de que se forem seguidas as regras estabelecidas no texto, então, obrigatoriam ente, tudo dará certo em relação à criança. M uitos acabam prejudicando-se ao transform ar os provér bios em verdades universais e incondicionais, ou em promessas sem qualifica ções. Há ocasiões em que fazendeiros podem ter cuidado bem de suas terras, mas ainda assim as colheitas não serem boas. A culpa não é do agricultor, mesmo que Provérbios 28.19 pareça garantir justamente o oposto. Portanto, devemos tomar o cuidado de discernir exatamente quais afirmações na Bíblia são promessas e de vemos também ter o cuidado de determinar se elas dirigiam-se exclusivamente a certas pessoas ou estavam condicionadas por certas qualificações. Conclusão N orm alm ente, é mais fácil propor teorias do que colocá-las em prática. De vários m odos, o mesmo é verdade para a interpretação da Bíblia. A inda as sim, nesse caso, é a prática (e não a habilidade de criar mais teorias) que leva à perfeição. Não há nada que substitua a atenção que deve ser dada aos deta lhes e à experiência com todo o acervo de textos bíblicos. O mais im portante trabalho necessário para nossos dias é o de encontrar verdadeiras aplicações que não devem ir além do que Deus revelou nos prin cípios de sua Palavra. Fazer os textos se encaixarem em nossos interesses e usá-los para responder a algumas perguntas imediatas que possam os ter é como usar a Bíblia da mesma forma que os gregos usavam os diversos oráculos de sua época. E brincar com a Bíblia como se ela fosse uma bola de tênis, condu zindo-a de um lado para o outro à mercê do serviço de nossos próprios jogos. Mas a Bíblia não é só um livro sobre pessoas do passado e nem mesmo é simplesmente um livro escrito para nós; é um livro no qual precisamos nos iden tificar de maneira muito pessoal com a história em todas as suas partes, em suas leis e em suas promessas. Ao fazê-lo devemos estar sempre atentos para a verda de única intencionada pelo autor, que afirmou estar no conselho de Deus e, por tanto, ouviu claramente a voz de Deus por todas as gerações vindouras. Glossário A m a n u e n se . U m e sc rib a ou se c re tá rio e m p re g ad o p a ra c o p ia r m an u sc rito s o u e sc re v e r tex to s d ita d o s. C o n te x tu a liz a ç ã o . C o m fre q ü ê n c ia , o term o é u sa d o c o m o sin ô n im o de aplicação (no c am p o das m issõ e s é sin ô n im o de índígenização) re fe rin d o -se ao p ro c esso d e c o m p re e n s ã o e e x p lic a ç ã o d e um tex to ou d o u trin a , levando em c o n ta o c o n te x to h istó ric o d o p ró p rio in té rp re te (su a situ a ç ã o d e vida). A p e s a r d e sse p ro c e ss o se r c o rre to e a té m e sm o in e sc a p á v e l, em c ertas o c a siõ e s ele p a rec e in c lu ir a a lte ra ç ã o do c o n te ú d o d a m e n s a gem d o ev an g e lh o p a ra e n c a ix a r-se no c o n te x to m o d ern o , fa ze n d o o term o a d q u irir u m a n u a n ç a n e g ativ a em a lg u n s m eio s co n se rv a d o re s. C rític a . A av aliaç ão ou in v estig a çã o c ie n tífic a de o b ra s de lite ra tu ra (e arte). P a ra m uitos, q u a n d o a p lic a d o à B íb lia , e sse term o d e ix a im p líc ita a in d e p e n d ê n c ia d o in té rp re te da a u to rid a d e re lig io sa , in clu in d o u m a n e g aç ão d a in falib ilid ad e . O term o crítica superior re fe re -se ao e stu d o das o rig en s d a c o m p o s iç ã o do texto; em d e c o rrê n c ia d e sse m éto d o co m freq ü ê n c ia (m as nem sem p re) re fle tir u m a v isão fraca da a utoridade e co n fiab ilid ad e d a B íb lia , ele ad q u iriu u m a c o n o ta ç ã o neg ativ a no m eio dos e stu d io so s ev an g é lic o s. O te rm o crítica inferior é um sin ô n im o ru d im e n ta r do m éto d o c ie n tífico de e stu d o b íb lic o qu e su rg iu n o sé c u lo 19 e c o n tin u a a se r u sa d o p o r um gru p o im p o rta n te de e stu d io so s; o term o n o rm a lm e n te d e ix a im plícita um a atitude de ceticism o em relação às afirm ações das E scrituras. D e ísm o . U m m o v im e n to filo só fic o do sé c u lo 18 q u e e n fatiz a v a a m o ralid ad e e a re lig iã o n a tu ral e n eg av a a in te rfe rê n c ia de D e u s so b re o m u n d o criado. D e sm ito lo g iz a ç ã o . U m m éto d o de in te rp re ta ç ã o (a p rin cíp io a sso c ia d o a R u d o lf B u ltm a n n ), qu e vê na m a io r pa rte d a B íb lia a p re se n ç a d e f o rm a s p rim itiv a s d e p e n sa m e n to e que p ro c u ra trad u z i-la s p a ra c ateg o ria s m odernas. D id á tic o . Q u e tem a fin alid ad e de ensinar. O term o c o m freq ü ê n c ia é u sa d o p a ra re fe rir-se aos livros b íb lic o s (co m o P ro v é rb io s, E c le sia ste s e as E p ísto la s do N ovo T esta m e n to ) que tê m um fo rte p ro p ó sito instrutivo. E sc a to lo g ia . O e stu d o d a s c o isas lin a is. O adjetivo escatológico é u sa d o c o m fre q ü ê n c ia p a ra id e n tific a r p a rte s das E s c ritu ra s q u e e n fa tiz a m o te m a d o c u m p rim e n to . O term o escatologia cum prida (ou recente ) re fe re -se ao c u m p rim e n to in ic ial ou p a rcial de a c o n te c im e n to s a sso c ia d o s ao lim do m undo. E stru tu ra lism o . E m lin g ü ística , um m éto d o que se c o n c e n tra no c a rá te r da lin g u a g e m c o m o um siste m a e stru tu ra d o (ao c o n trá rio da a n álise dos e le m e n to s iso lad o s uns dos o u tro s). N o e stu d o d a lite ratu ra, é um m o v im e n to que se c o n c e n tr a e m p a d rõ e s re p e titiv o s d e p e n s a m e n to e c o m p o rta m e n to . (O te rm o ta m b é m é u s a d o e m o u tra s d is c ip lin a s , c o m o a p s ic o lo g ia e a a n tr o p o lo g ia ). E tim o lo g ia . A o rig e m e o d e se n v o lv im en to h istó ric o das palavras. E x e g e se g ra m á tic o -h istó ric a . U m ç ié to d o de in te rp reta çã o q u e e n fa tiz a a n e c e ssid a d e de se levar e m c o n sid e ra ç ã o as lín g u a s o rig in a is e o c o n te x to h istó ric o das E sc ritu ras. P o r ser u sa d o c o m o um o p o sto da e x eg ese ale g ó ric a , o te rm o é um e q u iv a len te ru d im e n ta r d a in te rp re ta ç ã o literal. E x eg e se . A n á lise e e x p la n a ç ã o de um texto, n o rm alm en te fazen d o re fe rê n c ia a in te rp re ta ç õ e s d e ta lh a d a s e c ie n tíf ic a s ( “ c r í t i c a s ” ). O te rm o m u ita s v e z e s é d i f e r e n c i a d o d e herm enêutica, sen d o que e sta re fe re -se aos p rin cíp io s d a in te rp re ta ç ã o , e n q u a n to a exegese e stá re la c io n a d a à p rá tic a de e x p lic a r os textos. E x is te n c ia lism o . U m m o v im e n to filo só fic o m o d ern o que se c o n c e n tra n a e x is tê n c ia e lu ta do in d iv íd u o em um m u n d o q u e não pode se r c o m p re en d id o . A lg u n s teó lo g o s im p o rta n te s p ro c u ra ra m e n te n d e r a B íb lia u sa n d o as c ateg o ria s do e x iste n cia lism o . G ê n ero . U m tip o de c o m p o s iç ã o lite rária q u e p o d e se r d istin g u id o p o r a sp e c to s c o m o o c o n te ú do ou u m a fo rm a esp ecífica. H e rm e n ê u tic a . O e stu d o de p rin cíp io s e m éto d o s de in te rp reta çã o . O term o a lg u m a s v e ze s é u sa d o p a ra e n fa tiz a r a re le v â n c ia p re se n te de um texto. (T am bém pode re fe rir-se a u m a p e rs p e c tiv a te o ló g ic a e s p e c ífic a q u e o rie n ta d e te rm in a d a in te rp re ta ç ã o ). O te rm o herm enêutica gerai re fe re -se a p rin cíp io s que são a p lic áv e is à in te rp re ta ç ã o de q u a l q u e r tex to ; herm enêutica especial trata que q u e stõ e s d istin tiv as de um d e te rm in a d o tex to (ou g ru p o de tex to s re la cio n a d o s). In c lu s ã o (ta m b é m inclusia). U m a té c n ic a lite rá ria u sa d a p a ra in d ic a r os lim ite s de u m a u n id a de lite rá ria ao c o m e ç a r e te rm in a r com os m esm o s term o s ou term o s p a ralelo s. In te n ç ã o a u to ral. T erm o u sa d a em re fe rê n c ia ao sig n ific a d o p re te n d id o p e lo a u to r o rig in a l de u m tex to , d istin to de o u tro s p o ssív e is sig n ific a d o s que os leito res p o d e m a firm a r te r d e sc o b e rto no texto. In te rp re ta ç ã o a le g ó ric a . U m m éto d o que b u sc a outros significados a lém do h istó ric o (literal, sim ples) d a p assagem . O term o é associado com m ais freqüência a O rígenes de A lexandria que u sou as categ o rias da filosofia grega para d esco b rir esses outros significados. In te rp re ta ç ã o tip o ló g ica . D ife re n te d a in te rp reta çã o a leg ó rica, esse m éto d o a firm a a e x is tê n c ia do sig n ific a d o h istó ric o do tex to m as tam b é m o b se rv a que e n tid a d e s (p e sso a s, o b jeto s, a c o n te c im e n to s) m e n c io n ad o s no tex to p re fig u ra m e n tid a d es su b se q ü e n te s c o rre sp o n d e n te s (o rei D avi, por ex em p lo , é v isto co m o um tipo de C risto). L eitw ort (do a le m ão “p a la v ra p rin c ip a l” ). U m term o o u g ru p o d e term o s re la c io n a d o s q u e se re p e te m d e n tro de um d e te rm in a d o texto, re fle tin d o a e x istê n c ia de um tem a p ro e m i n e n te e, a ssim , a ju d a n d o o in té rp rete a id e n tific a r o sig n ific a d o do texto. L ite ra tu ra a p o ca líp tic a . U m tipo de e sc rito (c o m o o livro d e A p o c a lip se ou os ú ltim o s c a p ítu lo s de D a n ie l) que u sa sim b o lism o s para p re v er o futuro, e sp e c ia lm e n te o fim do m undo. M e táfo ra . U m a fig u ra de lin g u a g e m em que a pa la v ra u sa u m a c o m p a ra ç ã o não e x p re ss a para in d ic a r a que e la se a sse m elh a. M é to d o d a re sp o sta do leitor. U m a v isão da in te rp re ta ç ã o de tex to s que m in im iz a ou até m e s m o re je ita a in te n ç ão au to ral e e n fatiz a o papel do leito r no d e sc o b rim e n to e c o n stru ç ã o de sig n ific a d o . M e to n ím ia . U m a fig u ra d e lin g u a g e m na q u a l u m a palavra é usada para e x p re ssa r u m se n tid o d ife re n te do seu se n tid o literal, p o ré m re la c io n a d o a ele. P e n c o p e . U m a s e le ç ã o tira d a d e um liv ro , e s p e c ia lm e n te u m a se ç ã o e s c o lh id a p a ra le itu ra s litú rg ic a s . O te rm o é u sa d o n o s e s tu d o s b íb lic o s p a ra in d ic a r um p a rá g ra fo d if e r e n te , e s p e c ia lm e n te n o s E v a n g e lh o s , ou u m a s e ç ã o c o n tín u a d e te x to s o b re u m m e s m o a ssu n to . Q u ia sm o . T é c n ic a lite rá ria que in v erte o e le m e n to em d u a s frases p a ralela s (v er e x em p lo s no c a p ítu lo 5). R e tó ric a. O e stu d o dos p rin cíp io s d e c o m p o siç ão , e sp e c ia lm e n te as re g ra s fo rm u la d a s n o m u n do a n tig o p a ra a le itu ra e o ra tó ria eficaz. O term o c rític a retó rica re fe re -se a o e stu d o m o d ern o d a lite ra tu ra à luz de tais regras. S ed es doctrinae. (T erm o em latim para “assento/sede d a dou trin a”). U m ou m ais trechos bíblicos ex ten so s que apresentam e fundam entam determ inadas doutrinas. S e m ân tica . O e stu d o d o sig n ificad o . S e n su s p le n io r (T erm o em latim p a ra “ sig n ific a d o p le n o ” ). A v isão de q u e p a ssa g e n s das E s c ri tu ra s c o n tê m u m sig n ific a d o (ou sig n ific a d o s) p re te n d id o p o r D e u s, a lé m do sig n ific a do h istó ric o p re te n d id o p e lo e sc rito r hum ano. S in é d o q u e. U m a fig u ra de lin g u a g e m em q u e u m a pa rte é u sa d a no lu g ar d o to d o e vic e-v e rsa . T ex to -p ro v a. U m v e rsícu lo ou p a ssa g e m m ais longa u sa d o s p a ra p ro v a r u m d e te rm in a d o p o n to ou d o u trin a . A p e sa r d e sse m éto d o não se r co n d en á v el em seu p rin c íp io (su p o n d o que e le re fle te u m a ex eg e se c u id a d o sa ), o term o m u itas vezes im p lic a u m a v isã o q u e iso la a p a ssa g e m d e seu c o n te x to e assim , age a rb itraria m e n te. O b serv a çã o : e ste g lo ssá rio não inclu i to d o s os term o s téc n ico s, ten d o em v ista que a m aio r p a rte d e le s é d e fin id a e m seu c o n te x to e n ã o é u sa d a em o u tro s casos. Bibliografia anotada M uitas introduções úteis à interpretação b íblica foram publicadas na últim a década. U m a das m ais bem -sucedidas é a obra de G ordon D. Fee e D ouglas Stuart, How to Read the Bible fo r A li Its Worth: A Guide fo r Understandgins the Bible, 2“ ed. (G rand R apids: Z ondervan, 1993), que usa u m estilo claro e in te/essante para ajudar o leitor cristão a desenvolver um m étodo de estudo da B íblia. U m a obra que foi especialm ente popular durante os anos 50 e 60, mas ainda pode ser um a leitura profícua é Protestam Biblical Interpretation, 3a ed. (G rand Rapids: B aker, 1970), de B ernard Ram m . Para um a valiosa introdução que não foi escrita do ponto de v ista evangélico, veja R obert M organ e John B arton, Biblical Interpretation (N ovaY ork: O xford U niversity Press, 1988). E ntre as obras m ais extensas usadas com o livros de estudo para faculdades e sem inários, M ilton S. Terry, Biblical Hermenutics: A Treatise on the Interpretation ofth e Old and New Testaments (1885; reim presso, G rand R apids: Z ondervan, 1974) serviu de guia p ara várias gerações de estudantes; apesar de estar desatualizada, contém grande riqueza de inform ações úteis e interessantes. H á um a geração, a obra de A. Berkeley M ickelsen, Interpreting the Bible (G rand R apids: E erdm ans, 1963) era utn livro de estudo am plam ente utilizado. M ais re centem ente, surgiram duas obras bastante detalhadas para o estudante d e teologia: G rant R. O sborne, The Hermeneutical Spiral: A Compreliensive Introduction to Biblical Interpretation (D ow ners G rove, IL: InterVarsity, 1991) e W illiam Klein et a i, Introduction to Biblical Interpretation (Dallas: W ord, 1993). Q ualquer um desses dois livros pode ser visto com o leitura essencial para aqueles que precisam de um a exposição com pleta de todo o cam po da h erm enêutica bíblica. O utras duas contribuições recentes são D avid S. D ockery, Biblical Interpretation Then and Now: Contemporary Henneneutics in the Light o fth e Early Church (G rand Rapids: Baker, 1992) e M illard J. E rickson, Evangelical Interpretation: Perspectives on Hermeneutical Issues (G rand R apids: B aker, 1993). U m a o b ra m ais a v a n ç a d a e c o m p le ta e q u e c o b re um te r r e n o m a io r é A n th o n y C. T h s e lto n , N ew H o rizo n s in H enneneutics: The Theory a n d P ractice o f Transform ing B ib lica l R eading (G ra n d R ap id s: Z o n d e rv a n , 1992). H á tam bém vários livros disponíveis que apresentam um enfoque m ais específico. Os leitores inte ressados em d esenvolver um m étodo específico que inclua habilidades técnicas devem c o n siderar D ouglas Stuart, Old Testament Exegesis: A Handbook fo r Students and Pastors (Filadélfia: W estm inster, 1983). Para um a obra que trata de questões m ais am plas ver W alter K aiser, Jr., Toward an Exegetical Theology: Biblical Principies fo r Preaching and Teaching (G rand R apids: Baker, 1981) na qual ele desenvolve seu m étodo “sintático-teológico” . D ois livros que se concentram nos perigos que devem ser evitados são D. A. C arson, Exegetical Fallacies (G rand Rapids: Baker, 1984) e Jam es W. Sire, Scripture Twisting: 20 Ways the Cults Misread the Bible (D ow ners G rove: IL: InterVarsity, 1980). A Série Foundations o f Contemporary Interpretation (G rand R apids: Z ondervan, 1987-94), volta da p ara o estudante teológico iniciante e leigos cristãos interessados, concentra-se em q u e s tões interdisciplinares. Os volum es incluem M oisés Silva, Has the Church Misread the Bible? The History o f Interpretation in the Light o f Current Issues (vol. 1, 1987) que serve de introdução para a série; Royce G ordon G ruenler, Meaning and Understanding: The Philosophical Framework fo r Biblical Interpretation (vol. 3, 1987); M oisés Silva, God, Language, and Scripture: Reading the Bible in the Light o f General Linguistics (vol. 4, 1990); V. Philips L ong, T h e A rto f Biblical History (vol. 5, 1994); Vem S. Poythress, Science and Henneneutics: Implications o f Scientfic M ethod fo r Biblical Interpretation (vol. 6, 1988); e R ichard A. M uller, The Study o f Theology: From Biblical Interpretation to Contemporary Formulation (vol. 7, 1991). índice de passagens bíblicas G ê n esis 1-11 .................... 1 .. ...... 1 -2 ....................... ..... 1 .2 ....................... 1 .3 ....................... 1 .2 9 ..................... 2 . 9 ........................ 3 . 1 5 ..................... 3 . 2 4 ..................... 4 . 2 0 ..................... 4 . 2 3 ..................... 6 - 8 ....................... ..... 8 .2 1 ,2 2 ............... 9 . 6 ....................... 9.26,27 ............... 1 2 .3 ..................... 1 5 ......................... 1 5 .2 -8 ................. 1 5 .5 ..................... 1 5 .6 ..................... 15.9-21 ............... 1 7 .7 ,8 ................. 1 8 .1 9 .................. 1 8 .1 8 .................. ..... 1 8 .2 7 .................. 1 9 .2 4 .................. 2 2 ......................... 2 2 .1 7 .................. 32,33 .................. 32.28 .................. 34.25-31 ............ 3 5 . 2 ..................... 3 5 .1 0 ................... 35.22 .................. 3 7 -5 0 ................. 40.23 .................. 4 5 . 5 ..................... 4 5 . 7 ........................... 49.1 ..................... 4 9 . 4 ..................... 50.20 .................. ...... 177 73 147, 195 89 48 49 152 141 152 92 83 74, 147 144 179 141 141 144 141 151 191 144 258 147 141, 147 91 89 74 151 74 197 71 198 197 71 268 88 269 1 5 0 ,2 6 9 149 71 3 8 ,2 6 9 Exodo 1 .1 7 ..................... 6.13, 26,27 ...... 272 71 15.1, 5 .................... 1 5 .1 8 ................ 1 6 ............................ 1 6 .4 ......................... 1 6 .1 5 ...................... 1 6 .2 9 ...................... 1 7 .6 ........................ 2 0 .1 -1 7 .................. 2 1 . 6 ........................ 21.26,27 ................ 2 2 .8 -9 ..................... 2 2 . 9 ........................ 2 2 .2 1 -2 7 ................ 2 5 .9 ,4 0 ................. 32.34 ...................... 33.19, 22 ............... .. 193, 148 150 57 49 49 206 209 267 272 206 272 206 272 271 149 194 L evítico 1 0 .1 -3 ..................... 1 6 .2 9 ...................... 1 8 -2 0 ...................... 1 8 .5 ........................ 19.2, 1 8 ................. 1 9 .1 5 ................ 1 9 .9 ,1 0 .................. 1 9 .1 2 -1 8 ................ 2 0 . 9 ........................ 2 2 .1 5 ,1 6 ................ 2 4 .8 ,9 ..................... 2 6 ............................ 40 205 178 34 268 270 272 270 269 269 181 145 N ú m e ro s 1 2 .6 -8 ..................... 2 4 .1 4 ...................... 2 4 .1 7 -2 4 ................ 2 8 .1 0 ...................... 137 149 141 206 D e u te ro n ô m io 5.6-21 ..................... 6 . 5 ........................... 6 .6 -9 ....................... 8.2,3 ....................... 8 . 3 ........................... 1 3 .1 -5 ..................... 14.28,29 ................ 1 5 .1 -3 ,9 ,1 0 ......... 267 268 163 49 205 188 272 111 1 5 .1 2 -1 4 ............... 272 1 8 .9 -1 2 ................. 269 1 8 .2 0 -2 2 ............... 188 1 9 ........................... 206 20.5-8, 1 9 ............ 269 21.22,23 ............... 40 2 2 . 8 ....................... 269 24.21,22 ............... 269 2 5 . 4 ....................... 40 2 8 - 3 2 ..................... 145 29.23 ......................... 147, 148 3 0 .1 0 -1 4 ............... 34 Jo s u é 1 .8 .......................... ... 159, 163 7 . 2 4 ....................... 190 J u iz e s 3 . 2 4 ....................... 7 . 1 2 ....................... 7 . 2 2 ....................... 1 2 .7 ....................... 1 4 .1 4 ,1 8 ............... 1 6 .6 ,1 0 ,1 3 ,1 5 ..... 91 89 148 91 95 73 1 Sam uel 1 2 .1 2 ..................... 1 9 .1 1 -1 7 ............... 1 9 .1 2 ..................... 2 1 -2 3 ................... 2 1 .1 -6 ................... 2 1 .1 0 -1 5 ............... 2 4 ........................... 2 4 . 3 ....................... 3 0 .1 2 ..................... 150 194 70 194 181 194 194 91 90 2 S a m u el 6 . 2 0 ...................... 91 7 ............................ .... 1 4 8 ,2 7 3 7 .8 -1 6 .................. 144 7 . 1 6 ...................... .... 90, 150 104 1 2 .1 -1 0 ................ 2 2 .......................... 194 1 Reis 4 . 2 0 ...................... 151 8 . 2 7 ........................... 8 . 6 4 ........................... 9 26 .......... 10.1 ........................... 1 2 .1 5 ......................... 1 7 ............................... 18.21 ......................... 19.9, 11 .................... 19.9, 1 3 .................... 21 17-29.... 2 1.20-24, 27-29 .... 2 2 .1 5 ......................... 150 182 182 95 257 68 198 193 70 146 145 142 2 R eis 1 .3 ,6 ,9 ,1 1 ,1 6 .......... 6 . 9 .............................. 1 4 .2 5 ......................... 70 143 77 1 C rô n icas 1 6 ............................... 1 7 ............................... 194 148, 273 7 8 . 2 ....................... 8 0 .8 -1 5 ................. 8 9 ........................... 9 2 . 9 ....................... 9 3 . 3 ....................... 9 6 ........................... 9 6 .1 ,2 ................... 104 ..'..................... 1 0 4 .1 6 .................. 1 1 9 ......................... 119.33,34 ............ 1 1 9 .3 4 .................. 1 3 2 ........................ 1 3 3 .2 ..................... 1 3 7 ........................ 1 4 2 ........................ 147.1,2, 1 2 .......... 1 4 8 ........................ 1 4 8 .7 -1 2 ............. 106 96 148 86 86 194 86 97 88 163 237 23 148 88 264 194 214 97 83 Provérbios 2 C rô n ica s 4 1 182 Neemias 4 - 6 ............................ 74 Jó 1 ................................. 12.1 ........................... 73 91 2 8 ............................. 3 8 ............................. 97 97 Salm os 1.1-2 ........................ 6 . 6 .............................. 1 4 ............................ 1 5 ............................ 1 5 .5 ........................... 1 8 ............................. 1 9 .1 4 ....................... 3 4 ............................ 37.30,31 .................. 4 2 .1 ,5 , 11 ............... 4 3 . 5 ........................... 4 6 .4 ,5 ...................... 4 9 . 3 .......................... 52, 54, 56, 57, 59 . 5 3 ............................. 7 7 .............................. 163 89 194 267 170 194 163 194 163 84, 85 84 214 163 194 194 162 1 .6 ........................ 1 .7 ........................ 1 .2 0 ...................... 3 .2 2 -2 4 ................ 5 .1 2 -1 4 ................ 5 .1 5 -2 3 ................ .... 6 . 2 2 ...................... 7 .1 3 -2 1 ................ 8 .4 -3 6 .................. 8.31 .................... 10.1 ...................... .... 1 1 .2 2 .................. 14.31 ................... 1 5 .2 8 ................... 1 7 .2 8 ................... 2 2 . 6 .................... 22.20,21 ............ 2 3 . 3 .................... 25.1 .................... 25.25 .................... 2 6 .4 ,5 .................. .... 2 6 .1 0 .................. 2 7 . 6 .................... 2 8 .1 9 ................... 95 93 83 163 97 8 8 ,9 6 163 97 97 177 8 3 ,2 1 2 85 94 163 94 274 211 96 94 85 9 4,27 4 95 83 274 Eclesiastes 1 2 .1 -7 ................. 1 2 .1 3 .................. 96 93 Isa ía s 2 . 2 ....................... 4.5, 3 5 ................ 6 ........................... 6 .9 ,1 0 ................ 6 . 1 0 .................... 6 . 1 3 .................... 7 . 9 ...................... 9.6,7 .................. 1 0 .5 -1 1 .............. 1 0 .2 1 ,2 2 ........... 1 1 .1 2 ................. 149 147 210 105 203 150 211 150 38 150 147 71 141 149 151 258 146 151 151 150 149 267 163 151 195 149 113 38 147 32. 195 1 1 .1 3 ................. 13-23 ................ 1 3 .6 .................... 1 3 .1 0 ................. 14.24, 27 .......... 17.1 .................... 2 4 ....................... 24.21 ................. 24.23 ................. 26.21 ................. 3 3 .1 5 ................. 3 3 .1 8 ................. 3 4 . 4 .................... 4 0 ....................... 4 0 .1 0 ................. 42.1 ................... 4 5 .1 -4 ................ 5 1 . 3 ................... 5 3 ....................... ....... 55.10,11 ........... ....... 87,240 55.11 ................. 261 56.1 .................. 267 59.20 ................ 149 6 1 .1 ,2 ................ 113 6 5 .1 7 ................ ....... 144, 147 144 6 5 .1 7 -1 9 .......... 66.2 2-24......... ....... 144, 147 Jerem ias 5.21 .................. 7 . 1 6 .................. 11 .14 ............... 203 142 142 14.11 ................ 1 8 .7 -1 0 ............ 2 0 .1 0 ................ 2 5 .1 1 ,1 2 .......... 2 9 .1 0 ................ 3 0 . 3 .................. 3 1 .3 1 -3 4 .......... 142 145 176 191 191 149 144 3 4 .1 3 ......................... 4 6 -5 1 ....................... 48.47 ......................... 4 9 . 6 ........................... 49.39 ......................... 144 141 149 149 149 E zeq u iel 8 .3 - 1 1 .2 5 ................ 1 2 .2 ........................... 14 2-11 ................ 1 8 .6 ........................... 2 5 -3 2 ....................... 2 6 ............................... 26.3, 7 - 1 4 ................ 2 6 .1 2 ........................ 2 9 .1 4 ........................ 2 9 .1 8 ........................ 2 9 .1 7 -2 0 .................. 3 0 . 3 ........................... 3 2 . 7 ........................... 3 4 .1 2 ........................ 34.2 3 ,2 4 ................. 143 203 143 170 141 176 146 146 149 146 146 149 151 151 3 6.24-27................ 37.27,28 ................ 38-39 ..................... 39.25 ....................... D a n ie l......................... 2 .3 7 -4 4 .................... 3 . 7 ............................ 2, 7, 8 ...................... 7 - 1 2 ......................... 7 . 2 ,3 ......................... 7.8, 1 1 , 2 5 .............. 7 . 1 4 .......................... 7 .1 6 -2 8 .................... 8.20,21 .................... . 141, 9.2, 2 4 ..................... 1 1 .6 -4 0 .................... 1 2 .8 -1 0 .................... 2.23, 30,31 ........... 139 Am ós 1 -2 ............................. 141 143 3 . 7 ,8 .......................... 5 . 4 ............................. 267, 268 149 5 . 1 8 ........................... 142 7 .1 - 6 .......................... 149 8.3, 9, 1 3 ................. 9.11 ........................... 149 O badias 21 ............................... 150 Jon as 4 . 3 ............................. 4.11 ........................... 142 273 M iquéias 4.1 ............................. 4 . 7 ............................. 149 150 33 113 6 . 8 ........................... 267 150 H abacuque 151 149 1.4, 6 ....................... 207 2 . 4 ........................... 191, 268 3.3, 9, 1 3 ................ 85 72 152 90 141 151 151 37 150 143 152 191 151 143 Oséias 1 .1 0 .......................... 151 2 . 1 5 .......................... . 148, 190 149 3 . 5 ............................ 41 6 . 6 ............................ Joel 1 .1 5 ;2 .1 ; 3 . 1 4 ...... 2.10, 30-31 3 .1 5 ... 2.28, 29 .................... 149 151 139 Sofonias 1.7, 1 4 ...................... 149 Ageu 2 ................................. 2.20-23 ..................... 148 148 5 . 1 3 ........................... 95 112 5 . 1 7 ........................... 1 12 5.17, 20, 48 ............ 5 .2 1s s ....................... I 11 5 . 2 2 ........................... 47 5 . 2 9 ........................... 89 6 . 1 3 ........................... 89 196 7 . 2 8 ........................... 110 7.28,29 ..................... 99 8 ................................. 8 .1 8 -2 2 ..................... 19 19 8 .2 3 -2 7 ..................... 41 9 .1 0 -1 3 ..................... 147 1 0 .1 5 ......................... 194 1 0 .3 7 ......................... 1 1 .1 4 ................. 140. 148 147 1 1 .2 4 ......................... 1 2 .1 -5 ....................... 181 41 1 2 .1 -7 ....................... 113 1 2 .2 8 ......................... 90 1 2 .4 0 ......................... 1 3 .3 5 ......................... 106 111 1 5 .1 -7 ....................... 17.11 ....................... 1 9 .6 ......................... 19.16,17................. 140 180 103 109 1 9 .3 0 ......................... 2 0 .1 -1 6 .. 1 0 5 ,1 0 8 ,2 6 2 , 265 2 1 .4 2 -4 4 ................... 105 268 2 2 .3 7 -4 0 .................. 23.23 ......................... 271 24.29 ......................... 151 2 4 .3 7 -3 9 .................. 147 151 2 4 -2 5 ....................... 26.52 ......................... 170 Zacarias 147 1 .1 7 ........................... 150 2 . 1 0 ........................... 148 3 - 4 , 6 ........................ 268 4 . 6 ............................ 150 8 . 3 ............................ 10.10,11 ................. . 1 4 7 ,1 5 0 » M ala q u ia s 3.1 ............................ 3 . 6 ............................ . 4 . 5 ............................ 149 4 1 ,4 2 140 Mateus 1.22; 2.15, 1 7 .2 3 . 4 . 1 4 ........................ 112 112 Marcos 1 .1 5 ........................... 1 .2 2 ........................... 2.23-25 ..................... 2 .2 5 -2 8 ..................... 3.6, 2 2 ,3 5 ............... 4 .1 1 ,1 2 ..................... 4 . 1 3 ........................... 4 . 2 5 ........................... 4 .3 5 -4 1 ..................... 4 . 3 8 ........................... 4.41; 5 .1 5 ................ 7.1-13 ....................... 7 .1 0 -1 2 ..................... 113 110 181 208 106 105 105 106 19 19 7 . 6 ........................... 37 110 111 111 7.6-9, 1 3 .................. 7 . 1 9 ........................... 1 0 .1 7 ,1 8 .................. 1 0 .2 0 ......................... 1 0 .2 5 ......................... 1 0 .3 2 ......................... 1 0 .4 2 -4 5 .................. 13.31 ......................... 1 5 .3 9 ......................... 1 6 .8 ........................... 111 182 103 103 36 110 180 240 110 110 L ucas 1 .1 -4 .......................... 1 17 1.46,47 ..................... 1 .4 6 -5 5 ..................... 1 .6 8 -7 9 ..................... 2.1 ............................. 2.14, 2 9 - 3 2 .............. 2 . 3 4 ........................... 3 .2 1 ,2 2 ..................... 4 .1 8 ,1 9 ..................... 4 .1 4 - 2 1 ..................... 6 .1 -4 .......................... 8 .2 2 -2 5 ..................... 1 0 .2 6 -2 8 .................. 1 2 .3 9 ......................... 1 3 .3 2 ......................... 13.34,35 .................. 1 4 .2 6 ........................ 1 5 ............................... 1 6 .1 -1 5 ..................... 1 6 .2 9 ........................ 1 8 .1 3 ........................ 1 8 .1 8 -1 9 .................. 2 1 .3 4 ........................ 101 140 83 82 82 90 82 105 113 113 113 181 19 268 149 87 82 194 107 105 90 112 103 149 João 1.1 ............................. 1 . 6 ............................. 1 .1 3 ........................... 1 .1 4 .......................... 1 .1 7 .......................... 1 .1 8 .......................... . 2.1 ............................ 3 . 5 ............................ 3 . 1 4 .......................... 5 . 2 0 .......................... 5.24,25, 28,29 ...... 6 . 4 .......................... 6 .3 9 ,4 0 , 44, 5 4 .... 48 48 257 150 89 4 8 ,2 4 0 212 113 49 59 113 101 149 10*....................... 1 0 .3 4 -3 6 ............ 1 2 .3 2 .................. 1 3 .1 2 -1 6 ............ 1 3 .1 4 ................. 14.1-7 ................. 1 4 .2 ..................... 1 4 .6 .................... 1 4 .2 3 ................. 15.1 .................... 1 5 .5 .................... 1 9 ....................... 1 9 .3 0 ................. 1 9 .3 5 ................. 2 1 .1 5 -1 7 ........... 20.30,31 ........... 210 32 196 23 209 113 49 33 209 49 179 170, 198 82 113 89 113 95 259 57 49 101 59 101 A tos 1 .1 -3 .................. 2 . 1 6 .................... 2 . 3 9 .................... 5 . 3 0 ................... 8 . 1 6 ................... 8 . 3 4 ................... 1 0 .1 5 ................. 1 6 ....................... 17.11 ............... 1 7 .2 8 ................. 2 1 .3 9 ................. 101 139 91 40 199 32 182 124 188 82 91 6.41 ..................... 6 . 5 3 ..................... 7 . 1 6 ..................... 7 . 1 7 ..................... 7 . 2 3 ..................... 7 .3 7 -3 9 ............... 7 . 3 9 ..................... R om anos 162 1 - 2 ..................... 1 - 5 ..................... 161 1 .3 -4 .................. ....... 131, 132 47 1 .1 8 .................. 249 1 .1 8 -2 3 ............ 204 3 .1 -2 ................. 6 . 1 4 .................. 133 257 6 .1 6 -2 3 ............ 195 6 . 1 7 .................. 132 7.8-10, 1 2 ....... ....... 8 ....................... ....... 8.3, 11 ............ 8.13-14 ........... 227 132 133 60 8 . 2 8 .................... 257 9 .1 4 -1 6 ............. 150 9 . 2 7 .................... 35 9 .3 0 -3 2 ............. 33 9 .3 0 -1 0 .1 2 ...... 32 9.31, 3 2 ............ 106 9.32,33 ............. 34 1 0 .2 ,3 ................ 34 1 0 .4 ,5 ................ 35 1 0 .5 .................... 150 1 1 .5 .................... 188 1 2 .3 .................... 1 2 .6 ................... 1 8 7 ,1 8 8 ,2 5 5 170 13.1 .................... 181 1 3 .7 ................... 1 C o rín tio s 2 .1 -5 ................. 129 211 2.6-7 ................. 2 .6 -1 6 ............... .. 2 2 ,3 8 ,1 7 6 2.11 .................. 1 4 ,2 2 2 . 1 3 .................. 176 2 . 1 4 .................. ....... 161, 1 6 ' 170 4 . 3 4 .................. 5 ......................... 178 124 5 - 7 .................... p? 5.1,2; 6.15,16 . 7 ......................... ....... 122, 124 PI 7.1 ..................... ....... 7 .3 - 5 ................. 122 7 . 7 ..................... 170 7 . 1 9 .................. 132 8 ........................ ....... 268 9 .7 -1 2 ............... 41 1 0 .1 -6 ............... 209 10.11 ........... 131 1 0 .2 4 ................ 125 1 1 .5 .................. 133 1 1 .1 4 ................ 170 1 4 .3 7 ................ 188 1 5 ...................... 195 1 5 .2 9 ........................ 199 1 5 .3 3 ........................ 82 15.44, 4 5 ,5 6 .......... 132 2 C o rín tio s 2 .1 4 -1 6 ........... ......... 3.6-8, 17,18... ......... 5 .1 -1 0 ............. ......... 106 132 195 8 .1 -5 ............... ........ 9 . 8 .................. ........ 124 89 10-13 .................. 11.5, 1 3 ............... 1 1 .6 ...................... 1 3 .1 2 .................... G álatas 1 .1 -1 0 .................. 1.11-2.21 ........... 1 .4 ......................... 1 .6 -1 0 .................. 1 .1 4 ...................... 2.4,5 ..................... 2 . 2 0 ...................... 3 ............................ 3 .1 -4 .3 1 ............. 3.23-25 ................ 3 . 2 9 ...................... 4.4,5 ..................... 4 .2 1 -2 6 ................ 4 . 2 6 ...................... 4 .2 4 -3 1 ............... 5 .1 - 6 . 1 0 ............ 5.14, 1 6 -2 6 ....... 6 .1 1 -1 8 ............... 6 . 1 8 ..................... E fésio s 1.13,14; 2 . 6 ....... 2 . 1 3 ...................... 4 . 1 1 , 2 6 ............... 4 . 1 3 ...................... 4 . 3 2 ...................... 5.22-33 ............... 6 .1 1 -2 0 ............... 32 32 129 170 127 127 132 128 111 126 132 130 127 132 210 128 217 214 209 127 132 127 127 132 91 47 261 169 122 246 Filip en ses 124 1 . 5 ....................... 261 1 . 6 ....................... 2 .1 - 4 .................... 125 2 .1 -1 1 ................. 195 82 2 .5 -1 1 ................. 2 .6 - 1 1 ,2 5 .......... ..... 124, 125 2 . 1 5 ..................... 61 2 .1 9 -3 0 ............... 125 3 ........................... 130 3.1; 4 . 4 ............... 125 3 . 2 0 ..................... 132 4 . 2 ...................... 4.2,3 .................... 4 . 4 ,5 .................... 169 125 272 125 4 . 6 ,7 .......................... 4 .1 0 -1 9 ..................... 124, 125 4.11 ........................... 125 125 4 . 1 3 ........................... 124 4 .1 4 -1 6 ..................... 4 . 1 7 ........................... 125 125 4 . 1 9 ........................... Colossenses 1.22,23 ..................... 2 . 4 ............................. 3 .1 - 4 .......................... 273 129 132 1 Tessalonicenses 2 . 1 3 ........................... 5 . 2 ............................. 5 . 4 ............................. 133 149 149 2 Tessalonicenses 2 . 2 ............................. 2 . 3 ............................. 2 . 3 , 7 ........................ 3 . 6 ............................. 203 92 33 133 1 Tim óteo 2 . 5 ............................. 2.8, 1 2 ...................... 3 . 2 ............................. 3 . 1 6 ........................... 4 . 3 ............................. 46 57, 58 122 82 188 82 133 17 7 ,1 9 5 T ito 1 .1 2 ........................... 82 Hebreus 1 .1 ............................. 1 .2 ............................. 2.1-4; 3.7-15 .......... 5 . 8 ............................. 6 .4 -6 .......................... 177 60 120 42 119, 120 10.1 ........................... 1 0 .2 6 -3 1 .................. 151 56 120 Tiago 2.1 ............................. 2 . 9 ............................. 2 .2 -7 .......................... 2 . 8 ............................. 270 270 270 1 Pedro 1 .5 ............................. 273 2 Pedro 2 . 6 ............................. 3 .3 - 7 .......................... 3 . 1 0 ........................... 3 . 1 6 ........................... 147 147 149 203 1 João 2 . 1 8 ........................... 2.26,27 ............ 2 . 2 7 ........................... 4 . 3 .............................. 4 .1 - 6 .......................... 5.7,8 .......................... Jud as 1 4 ............................... 22 140 199 149 92, 122 2 Timóteo 1 .1 3 ........................... 2 .1 1 -1 3 ..................... 3 . 1 6 ........................... 3 .1 6 ,1 7 ..................... 8 . 5 ........................... 9 - 1 0 ........................ 1 1 .1 2 ......................... 1 2 ............................... 1 2 .2 5 -2 9 .................. » 271 271 211 120 Apocalipse 1 .2 0 ........................... 2 . 5 ............................. 2 . 7 ............................. 2.7, 1 7 ...................... 3.3, 11 ...................... 3.12; 4 . 5 .................. 3 . 2 0 ........................... 6 . 1 2 ........................... 1 3 .1 8 ......................... 14.10,11; 1 9 .2 0 ..... 1 6 .1 5 ......................... 19.7-9, 1 7 ,1 8 .......... 2 0 . 8 ........................... 2 1 . 3 ........................... 21.2, 9 ...................... 2 1 . 3 ......................... 2 2 . 2 ......................... 22.7, 20 .................... 152 61 , 152 152 149 152 167 151 95 147 149 151 151 150 151 258 152 149 índice de Nomes A d ler, M o rtim e r, 117 A g o stin h o , 2 02, 214, 259, 262, 264 A k ib a , ra b in o , 238 4 E lie z a r b e n Jo sé, rab in o , 2 02, 206 A lter, R o b e rt, 69 E p ifâ n io IV, A n tío c o , 37 A m b ró sio , 2 1 4 E rasm o , D e sid é rio , 159, 160, 2 02, 2 16, 246 E u sé b io , 212 A n d ré d e S ã o V ítor, 215 A q u in o , S ã o T om ás de, 202, 215 A ristó te le s, 2 5 4 F ra n c k e, A u s g u t H e rm a n n , 217 F re i, H a n s, 76, 77 B a r-E fra t, 72, 75 B a rth , K arl, 220-223 B au er, W alter, 2 3 0 G a d am e r, H a n s-G eo rg , 26, 28, 30, 172, 224226 B e ard sle y , M o n ro e , 26, 2 8 , 35 G a lile u , 233 B e a u c h a m p , P au l, 176 G ard in er, F re d e ric , 210 B e ec h er, W illis J., 154 G ird le sto n e , R o b e rt B ., 136 B e n g e l, Jo h n A lb e rt, 217 G re g ó rio d e N issa , 212 B e tti, E m ilio , 28 B e za , T h e o d o re , 217 G re g ó rio T au m atu rg o , 211 B lo ch er, H e n ri, 188, 190 G undry, Stanley, 171 B rig g s, C h a rle s, 51 G u rn all, W illia m , 246 G re id an u s, S ydney, 75, 76, 79 B rig h t, Jo h n , 189 B u c er, M a rtin , 217 H a rn ac k , A d o lf von, 219 H eid eg g er, M a rtin , 222, 224 B u llin g e r, E. W ., 92 H e sío d o , 207 B ro w n , R a y m o n d , 137 B u ltm a n n , R u d o lf, 220, 222, 223 H ilário , 214 B u sw e ll, Ja m e s O liv er III, 170 H ille l, ra b in o , 2 02, 205 -2 0 8 H irsc h , E. D ., 28, 39, 43, 226 C a ird , G . B „ 88 H o b b e s, T h o m a s, 218 C a ld w e ll, L a rry W ., 172, 173 H o d g e , C h a rle s, 2 50, 254 C a lv in o , Jo ã o , 202, 2 17, 24 2 -2 5 2 , 256, 257, H o m e ro , 13, 207 259 C a ssia n o , Jo ã o , 214 H u e h n , E u g en e , 208 C h u rc h ill, W in sto n , 100, 101 H u m e, D av id , 78 C íc e ro , 118 C iro , 38 C le m e n te , T itu s F la v iu s, 210, 211 C o let, Jo h n , 2 1 6 C o p é rn ic o , 233 Ish m a el b e n E lish a , rab in o , 206 C risó sto m o , Jo ão , 175, 213, 245, 246 C ro a tto , J. S., 225, 226, 238, 239 H u g o de S ão V ítor, 215 Irin eu , 26 6 Jerônim o, 202, 214, 216, 247 Josefo, 207 Jow ett, B enjam in, 263 Juhl, P. D., 35 D e sc a rte s, R e n é, 218 D ie ste l, 245 D io d o ro , 213 Kaiser, 255, 260 Kant, Im m anuel, 218, 233 K eil, K a rlA . G .,3 1 K raft, C harles H „ 172 K ugel, Jam es, 84 K uhatschek, Jack, 267 K uhn, T hom as, 225, 233, 234 L angdon, Stephen, 202, 215 L enski, C. H., 61 L essing, G otthold E phraim , 218 L ew is, C. S., 265 Locke, John, 218 L ow th, R obert, 82-84 L uciano de Sam osata, 212 L utero, M artinho, 130, 159, 160, 2 0 2 ,2 1 6 ,2 6 6 M achen, J. G resham , 244, 250, 251 M arsh, H erbert, 193 M arvell, 231 M elanchthon, Philipp, 216, 217 M eyer, H einrich A ugust W ilhelm , 253 N icholls, B ruce, 170 N icolau de L ira, 202, 215, 216 N ida, E ugene A., 167, 168 N ix o n , R ich a rd , 189 O rígenes, 211. 216, 238, 260, 266 Panfílio, 211 Paulo, 22, 34, 161, 162; alegorizando o Velho T estam ento, 209; interpretação de. 173, 174; cartas de, 118, 121, 123; retórica de, 126; teo lo g ia de, 130, 131 Payne, J. B arton, 135 Payne, P. B., 57 P hilo, 202, 207, 208, 210, 211, 212 Platão, 212 Pupper, John, 266 R eim arus, H erm ann Sam uel, 218 R euchlin, Johannes, 202, 216 Reuss, 245 Ricoeur, Paul, 27, 28, 30, 77-79, 225 R itschl, A lbrecht, 218 Robertson, D., 232 R obertson, O. Palmer, 191 Rückert, L eopold Im m anuel, 252 Schaff, Philip, 245 Schleierm acher, Friedrich, 218 Sêneca, 1 18, 246 Shakespeare, 13, 16, 32, 100 Spencer, P hilipp Jacob, 217 Spinoza, B aruch, 218 Sproul, R. C., 182 Strabo, 207 Taber, C harles, 173, 174 Tenney, M errill C., 158 T eodoro de M opsuéstia, 213 T hiselton, A nthony, 172 Toy, C. H „ 208 T yndale, W illiam , 217 Van Til, C ornelius, 249 Vos, H ow ard, 163 W arfield, B enjam in B., 175, 244, 250 W esley, John, 218 W hite, W ilbert W., 157, 158 W im satt, W. K „ 26, 28, 35 W olff, C hristian von, 218 Young, E. J., 244 Z w ingli, U lrich, 217 índice de assuntos A d m o e sta ç ã o , 96 E lip se , 92 A le g o ria , 88, 95, 96, 216 E n ig m a , 94 E p iste m o lo g ia , 247 A lia n ç a co m A b ra ão , 258 A lia n ç a nas E sc ritu ras, 189, 258 E p ísto las: a a u to rid ad e das, 133; c o n te x to h is tó ric o das, 122; q u a lid a d e s lite rárias A m a n u e n s e , 275 A n a g o g e , 211 d as, 126; o sig n ific a d o d as, 117-133; A n a lo g ia d a fé, 138, 186-190, 198 n a tu re z a o c a s io n a l d as, 121; le itu ra A n a lo g ia das E sc ritu ras, 186, 189, 190, 197, d as, 118-120; in te rp re ta ç ã o te o ló g ic a das, 129-133; co m o d o c u m e n to s in te i 255 A n tig o T esta m e n to : u so do, 259; p o e sia no, ros, 126. E sc a to lo g ia , 1 1 2 ,1 1 3 ,1 3 1 ,1 3 2 ; re c e n te , 140, 81, 82 A n tio q u ia , e sc o la de in te rp re ta ç ã o de, 212 A p lic a ç ã o : d a fé, 21; n ív eis de, 267; p rin c í 152 E sc o la o c id e n tal de in te rp re ta ç ã o , 213 pio s de, 267-270; o p ro b lem a da, 264, E sc ritu ras: a p lic a ç ã o d as, 2 6 7 -2 7 0 ; a u to rid a 265; d a s E sc ritu ras, 2 0 ,2 3 6 ,2 7 0 -2 7 4 d e d a s, 250; c la re z a d a s, 159, 160; A ra m a ic o , 167 co n ce ito de a lia n ça n as, 2 58; in te rv e n A ristó te le s, 254 B íb lia : e c u ltu ra, 167-184; ção divina das, 38; m ed itação nas, 162, u so dev o cio n al 163; “ p a ssa g en s-ch a v e ” d as, 195-197; d a , 1 5 7 -1 6 4 ; n a tu re z a o rg â n ic a da, p e rsp ic u id a d e d as, 14, 192; re d a ç ã o 191; u so te o ló g ic o da, 187-200; d as, 38; se n tid o ú n ico d as, 263; u n i u n i d a d e da, 191-193. Ver ta m b é m E s c ri da d e das, 192. Ver ta m b é m B íb lia . E sp írito S anto, 22, 38, 113, 132, 133, 139, turas. C â n o n , 20, 192; h e b raico , 65 1 5 6 ,1 5 8 ,1 6 1 ,1 6 2 ,1 7 6 , 1 9 9 ,2 4 8 , 268 C o m p re e n sã o d a B íb lia , 24. Ver ta m b é m S ig E ssê n io s, 175, 202, 207 E stru tu ra lism o , 275 n ificad o . C o n fissão d e F é de W estm inster, 1 6 0 ,2 4 3 , 244 E stu d o b íb lic o indutivo, 157, 158 C o n tex to , 1 1 9 ,1 5 7 ; h istó ric o , 1 2 2 ,1 2 4 ; c o E stu d o das p alav ras, 5 5 -6 2 , 276 n h e c im e n to so b re o, 125, 126; n ificad o , 58; e sig das E sc ritu ra s, 62, 122 E tim o lo g ia , 52 -6 2 , 276 E tn o -h e rm e n ê u tic a , 166, 172-177 C o n te x tu a liz a ç ã o , 170, 171, 235, 253, 257 E u fem ism o , 91 C re d o dos a p ó sto lo s, 76 E v a n g e lic a lism o a m e ric a n o , 244 C rític a à re d aç ão , 258 E v an g é lic o s, e stu d io so s, 250, 251 C rític a , 275: à re d aç ão , 258; ao term o , 228, E x eg e se g ra m á tic o -h istó ric a , 17, 18, 30, 31, 229 C rític a lite rária, 224, 232 C u ltu ra e a B íb lia , 167-184 D e ísm o , 78, 275 D e sm ito lo g iz a ç ã o , 2 23, 275 137, 138, 172, 227, 252, 276 E x e g e s e ju d a ic a , 2 3 8 . Ver ta m b é m H e r m e n ê u tic a r a b ín ic a . E x eg ese, 138, 276; d efin ição , 17; g ra m á tic o h istó ric a , 2 52; ju d a ic a , 2 38; p re ssu p o D iá lo g o , 96, 97 siç õ es na, 222; e teo lo g ia, 196, 197, D iá sp o ra ju d a ic a , 207, 208 D id á tic a , 275 2 5 1 -2 5 6 . Ver ta m b é m H e rm e n ê u tic a , D isp e n sa c io n a lism o , 256, 259 D ita d o , 94 In te rp re ta ç ã o E x iste n c ia lism o , 222, 276 E c le s io lo g ia , 259. Ver ta m b é m Igreja. F a lá c ia in te n c io n a l, 26 F a rise u s, 110, 111 E ise g e se , 138, 255 F ig u ra s de lin g u a g e m , n a p o e sia, 8 6 -92 F o rm a , n a p o e sia, 84, 85 p erío d o p ó s-R e fo rm a, 2 1 7-219; e a ig re G e m a ra , 205 G e m atria , 206 ja , 199; e o b jetiv id a d e, 235, 2 36; h istó G ê n ero , 2 76; narrativo, 6 5 -79 da, 20, 2 0 2 -2 1 9 ; g ra m á tic o -h is tó ric a , G ra ç a , 112; c o m u m , 2 4 6 -2 5 1 ; d o u trin a da, 110; de D e u s, 266, 273 G ra m á tic a , u so in co rre to da, 5 8 -6 2 G re g o , 4 6 -6 2 , 167 H a g a d o t, 204 H a lak á , 204 rica, 122, 227, 228, 235, 236; h istó ria 17, 18, 137, 138; lite rária, 235; m éto d o d e v o cio n al de, 156-164; m é to d o h istó ric o -c rític o de, 29, 30, 2 2 7 -2 2 9 ; p rin c í pios de, 13, 14; tip o ló g ica , 2 76; v isõ e s c o n te m p o râ n e a s da, 2 2 1 -2 4 0 . Ver ta m b é m E x e g e se , H e rm e n ê u tic a . H e b raic o , 4 6 -6 2 , 167 Iro n ia, 91 H e n d ía d is, 89 Je su s: o a u tê n tic o , 102; a a u to rid a d e de, 109- H e n d ía tris , 89 114; o C risto , 101; d isc íp u lo s de, 112; H e rm e n ê u tic a ra b ín ica , 173-175, 205 -2 0 7 e n sin a m e n to s de, 110, 112, 2 08; e os H e rm e n ê u tic a ; b íb lic a , 22; c a lv in is ta , 2 4 3 - D e z M a n d a m e n to s, 103. 2 6 1 ; in te r e s s e c o n te m p o râ n e o e m , L eg a lism o , 110-112 2 2 1 -2 4 0 ; d e fin içã o de, 13, 2 76; geral, L ei m o saica, 204, 258 22; ju d a ic a , 2 0 4 -2 0 8 ; n e c e ssid a d e de, 14, 15; ra b ín ica , 173, 174. Ver ta m L ei. Ver L ei m o sa ic a L e itw o rt, 276 b é m E x eg e se ; In te rp re ta ç ã o L ín g u a o rig in al, 4 6 -6 2 H ip é rb o le , 89 H istó ria , o p o d e r da, 75 H istó ria: d a in te rp re ta ç ã o , 2 0 2 -2 1 9 ; reg istro L ín g u a /lin g u a g e m , 15-18; figurativa, 55; o ri gin al, 46 -6 2 ; u so e abuso, 4 5 -6 2 ; p a lavras em , 56 m o d ern o da, 101; n a n arrativa, 75-79; L in g u a g e m figurativa, 137 n e c e ssá ria p a ra a in te rp reta çã o , 15; de L ín g u a s d a B íb lia , 4 6 -6 2 u m a p a la v ra, 52-55. L in g ü ístic a , 18 H isto ric id a d e : dos E v an g e lh o s, 9 9 -1 0 4 ; im p o rtâ n c ia da, 75 -7 7 ; do N o v o T esta L ite ral, 31, 138 L ite ra tu ra a p o ca líp tic a , 151, 276 m en to , 101 L ite ra tu ra ju d a ic a , 110. Ver ta m b é m G e m ara ; H y p o n o ia , 2 02, 207 -2 0 9 Id a d e d a R a zã o , 228 Id a d e M é d ia, in te rp reta çã o d u ran te a, 2 1 5 ,2 1 6 Ig re ja C a tó lic a R o m an a , 249 Ig reja , a: e a in te rp re ta ç ã o teo ló g ica , 199, 200 M id ra sh ; M ish n a h ; T alm ud; T arg u m s L ito tes, 91 L ó g ic a e lin g u a g e m , 46 M e d ita ç ã o nas E sc ritu ras, 162, 163 M e táfo ra , 87, 276 Ilu m in ism o , 228, 233 M é to d o de re sp o sta do leitor, 30, 31, 277 In c lu sã o , 70, 276 M é to d o d e v o cio n al de e stu d o d a B íb lia , 157- In te n ç ã o a u to ra l, 32, 35-39, 235, 276 In te rp re ta ç ã o a le g ó ric a , 212, 276 In te rp re ta ç ã o de S a b e d o ria , 93-97 In te rp re ta ç ã o h istó ric a , 122, 227, 2 28, 235, 236, 252 164 M é to d o h istó ric o c rític o d e in te rp re ta ç ã o , 29, 30, 78, 227 -2 2 9 M é to d o sin tá tic o -te o ló g ic o , 31 M e to n n h ia , 90, 276 In te rp re ta ç ã o lite rária, 235 In te rp re ta ç ã o tip o ló g ic a , 2 7 6 M id ra sh , 175, 204 In terp re ta ç ão : alegórica, 212; con tex tu al, 119; M id ra sh de H a lak á , 204 M id ra sh de H a g a d o t, 204 c u ltu ra l, 1 6 7-184; d e p ro fe c ia s , 143- M ish n a h , 205 152; d o s p ais d a ig re ja prim itiv a, 210- N arrativ a: h istó ria na, 75 -7 9 ; re c u rso s lite rá 2 14; d u ra n te a Id a d e M é d ia, 215, 216; rio s na, 6 7-72; sig n ific a d o da, 6 5-79; d u ra n te a R e fo rm a , 216, 217; d u ra n te o nív eis e stru tu ra is na, 72-75 N otrikon , 207 R e p etiçã o , no g ê n e ro narrativ o , 70 N o v a H e rm e n ê u tic a , 223 R e tó ric a , 277 N o v a C rític a , 26, 220, 2 24, 2 3 1 -2 3 2 , 235 R evelação, 141; geral, 248; progressiva, 263 N o v o T esta m en to : h isto ric id a d e do, 101; uso R e v elaç ã o p ro g ressiv a, 139 do A n tig o T esta m en to no, 2 0 8 -2 1 0 S a b e d o ria n a B íb lia , 177 O b je tiv id a d e d a in te rp re ta ç ã o , 235, 236 S a n tific aç ão , d o u tr in a d a , 132 O m issã o , 91 O n o m a stic a , 97 Sedes doctrinae, 277 Selah, 91 P a p iro s d o M a r M o rto , 175, 202, 207 S e m ân tica , 277 P a rá b o la s, 88, 101; c o n te x to literário das, 108, 109; sig n ific a d o te o ló g ic o d as, 105, Sensus plenior, 277 106; u sa d a s p o r Je su s, 104-109; P a ra le lis m o , 82-86 S en tid o , sig n ific a d o c o m o , 32 S e rm ão do M o n te, 111, 112 S ig n ific a çã o , sig n ific a d o com o, 32, 226 P a ro n o m á sia , 88 S ig n ific a d o dos E v an g e lh o s, 9 9 -1 1 4 P a ss a g e n s p a ra le la s, 193 S ig n ific a d o h istó ric o , 220 P e ríc o p e , 277 S ig n ific a d o : a sp e cto s do, 32 -4 2 ; e a in te n ç ão P e rsp e c tiv a p ro fética , 139 do autor, 26 -2 9 ; c o m o re q u isito , 42; P e rsp ic u id a d e d a s E sc ritu ra s, 14, 192 do s E v an g e lh o s, 99 -1 1 4 ; o se n tid o d o, Pesher, 202, 207, 209 25; m o d elo s p a ra a c o m p re e n s ã o do, P ie tism o , 217, 218 P le o n a s m o , 88 ç ão , 2 26; c o m o u m valor, 4 2 ; d e u m a P o e sia , 81-92; re cu rso s re tó ric o s na, 85, 86; palav ra, 52-58. Ver tam bém c o m p re u g a rític a , 84 P re ss u p o sic io n a lism o , 249 P ro fe cia : a lin g u a g e m da, 150; c a ra c te rís ti 29-31; das E sc ritu ras, 20; e sig n ific a ensão. S ignificados c o n seq ü en tes d as E sc ritu ras, 266, 267 c a s da, 1 3 6 -1 4 1 ; c o n d ic io n a l, 144- S im b o lism o na B íb lia , 215 147; e a c o n sc iê n c ia do p ro feta , 142, S ím ile, 87 143; e a H istó ria, 146-148; in co n d ic io S in é d o q u e, 90, 277 nal, 144; in te rp re ta ç ã o da, 143-152; lin g u a g e m fig u rativ a na, 137, 138; o S iste m a c ab a lístic o , 207 S o b e ra n ia d e D e u s, 256-261 sig n ific a d o da, 135-154; se n tid o d u SÔd, 204, 207 plo da, 152-154 S u b je tiv id ad e d a in te rp reta çã o , 2 33, 234 P ro v é rb io , 93, 94 T alm ud, 205 P s ic o lo g ia , 35 T argum s, 202, 204 P u rita n o s, 246 Ternura, 207 Q u ia sm o , 2 77; e m G á la ta s, 128; n a po esia, T eo lo g ia re fo rm a d a, 254 85, 86; no g ê n ero narrativ o , 71, 72 Q u m ra n , se ita de, 207. Ver tam bém p ap iro s d o M a r M o rto . R a c io n a lism o , 218 R e c u rs o s de re tó rica : em narrativa, 7 0-72; em p o e sia, 85, 86 T eo lo g ia siste m á tic a, 138, 255. Ver tam bém T eologia. T eologia: e e x eg ese, 196-198, 2 5 1 -2 5 6 ; lib e ral, 250, 251; R e fo rm a d a, 249, 254; sistem ática, 243, 252-256. Ver tam bém T e o lo g ia siste m á tic a. R e c u rs o s lite rário s, 67-69 R e fe re n te , 32, 34, 35, 79 T exto-prova, d a in te rp reta çã o , 29, 277 R e fo rm a , a, 1 5 9 - 1 6 0 ,2 1 6 ,2 1 7 T orá, 65, 1 1 1 ,2 0 5 R e le v â n c ia d a B íb lia , 222, 223 T rad içã o , a u to rid ad e da, 214 R e m ito lo g iz a ç ã o , 223 Z eu g m a, 91 R e n a s c im e n to , o, 246 Theoria, 1 5 4 ,2 1 3 In trodu ção à H erm enêu tica ■■■I B íb lica Com ouvir a Palavra de Deus apesar dos ruídos de nossa época Este livro busca alcançar leitores leigos e profissionais para ajudá -los a compreender os textos bíblicos. E uma obra notável e única, por causa da singularidade de sua abordagem, da maneira como evidencia a urgência em nossos dias da necessidade desse estudo, bem como pelo cuidado que os autores tiveram em tornar o livro útil para um número maior de estudiosos. „ r VValter C . Kaiser, Jr. Ph.D., Brandeis) é professor de Antigo Testamento no GordonConwell Theological Seminary. Seus muitos trabalhos publicados incluem Descobrindo o Antigo Testamento, desta editora. M o isés Silva (Ph.D., Manchester) é professor de Novo Testamento no Westminster Theological Seminary, em Filadélfia. CDITORA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Júnior. 382/394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil C.Postal 15.136 - São Paulo - SP - 01599-970 Fone (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255 www.cep.org.br - [email protected] 0800-141963