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Artigo traduzido
A História do futuro das bibliotecas jurídicas:
Lições a partir dos prognósticos e previsões
de bibliotecários jurídicos do passado
Scott Frey
Tradução de Maria Tereza M. T. Walter
Analisa as previsões feitas por bibliotecários jurídicos a respeito
das bibliotecas jurídicas e da profissão. Os bibliotecários
jurídicos da atualidade, podem querer ver o que o futuro pode
oferecer, em parte porque é divertido imaginar, mas também
porque dá uma perspectiva sobre o que é feito agora e o que
deveria ser feito para avançar a profissão. De forma semelhante,
olhar para as previsões do passado (e para o passado em
geral) pode nos fornecer insights acerca da situação atual.
Palavras-chave: Biblioteca jurídica. Bibliotecário jurídico.
A history of the future of law libraries :
Lessons in forecasting from law librarians’
predictions of the past
The article discusses the forecast about the future of law
libraries. Law librarians might want to see what the future may
hold, in part because it’s fun to imagine but also because it
gives us perspective on what we do now and what we might do
to advance the profession. Similarly, looking at past predictions
(and the past in general) can give us insight into our current
situation.
Bibliotecário de Referência,
Western State University
College of Law, Fullerton,
California
[email protected]
Keywords: Law Library. Law librarian.
Tradução autorizada pelo autor. Publicado originalmente em: AALL Spectrum, p.9-11, June
2015. Disponível em: http://www.aallnet.org/mm/Publications/spectrum/archives/Vol-19/
No-8/future-forecast.pdf. Acesso em: 7 jul. 2015.
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Scott Frey
A história do futuro das bibliotecas jurídicas
Em 1915 – 100 anos atrás – bibliotecários jurídicos já previam o futuro das
bibliotecas jurídicas. Você pode ter lido prognósticos recentes, ou inclusive ter feito
algum, mas será que está ciente de que “nós” é que estamos naquele futuro distante?
Algum dia, provavelmente, alguém publicará Olhando o passado das
bibliotecas jurídicas de 2065-2015 ou mesmo …2115-2015... . Claro que não é
possível, neste momento, olhar do futuro para o passado, exceto se for por um
processo experimental de pensar. Podemos, entretanto, ver como os bibliotecários de
1965 ou 1915 imaginavam os tempos vindouros e determinar o que eles anteciparam
de forma acurada. Esse exame pode nos instruir sobre como fazer nossos próprios
prognósticos de forma mais realista.
Futurologia é um jogo perigoso. O risco é que os bibliotecários jurídicos (ou
robôs de informação jurídica?) de 2065 ou 2115 rirão de nós. Felizmente, previsões
de longo prazo sobre bibliotecas jurídicas não são tão perigosas quanto as de prazos
mais curtos. Não iremos elaborar orçamentos, tomar decisões com relação ao staff,
acumular recursos, investir em tecnologias ou construir espaços em bibliotecas
baseados em visões de 50 ou 100 anos à frente. No entanto, devemos ser curiosos
acerca da aparências das bibliotecas jurídicas ou no que se transformarão (por
exemplo, haverá bibliotecas voadoras no século XXII?), como as pessoas conduzirão
as pesquisas jurídicas e sobre como bibliotecários jurídicos se encaixarão nesse
cenário.
Como bem demonstrado por Gail M. Daly, decana associada para biblioteca e
tecnologia, diretora da Underwood Law Library, e professora adjunta na Southern
Methodist University em Dallas, não existe biblioteca jurídica na Nave Enterprise,
embora pareça ter havido (haverá?) bibliotecários jurídicos em algum lugar no espaço
da Federação. Assim como os criadores e os fãs de Star Trek1, nós, os bibliotecários
jurídicos da atualidade, podemos querer ver o que o futuro pode nos oferecer, em
parte porque é divertido imaginar, mas também porque nos dá uma perspectiva sobre
o que fazemos agora e o que deveríamos fazer para avançar a profissão. De forma
semelhante, olhar para as previsões do passado (e para o passado em geral) pode
nos fornecer insights acerca da situação atual.
NT: Star Trek, série e filme que mostram as aventuras de humanos e alienígenas da Frota Estelar, uma
armada pacífica que serve à Federação Unida dos Planetas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Star_Trek. Acesso em: 3 jul. 2015.
1
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
Assim, pegue sua Enterprise, TARDIS2, ou outra máquina do tempo de forma
que possamos nos aventurar no passado, na época da “Guerra para acabar com
todas as Guerras3”, da Grande Depressão, e do amanhecer da era do computador
(em outras palavras, da era pré-Lexis). Vamos ver o que os bibliotecários jurídicos de
então pensavam das bibliotecas jurídicas do futuro.
Livros! Livros! Livros!
Em 1915, Arthur C. Pulling4 apresentou um trabalho sobre The law library of
the future5. Em 1930, George S. Godard6 apresentou o artigo The past, present, and
future of law library7. E, em 1935, Olive C. Lathrop escreveu The law library of 19858.
(Estes artigos coincidiram com as 10ª, 20ª e 25ª Convenções Anuais da American
Association of Law Libraries9). Posso resumir os problemas descritos nessas três
publicações com uma citação de três palavras de Godard: “Livros! Livros! Livros!”.
À luz do crescimento numérico e das despesas com livros jurídicos, Pulling
lamentou, “Sem dúvida os problemas enfrentados pelos bibliotecários jurídicos do
futuro ultrapassarão grandemente os de seus predecessores.”
NT: TARDIS: Nave espacial e máquina do tempo no seriado de ficção científica Doctor Who. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/TARDIS. Acesso em: 3 jul. 2015.
2
3
NT: "A guerra para acabar com a guerra", também "a guerra para acabar com todas as guerras" (em
inglês: The war to end war) foi um bordão usado para a Primeira Guerra Mundial. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_guerra_para_acabar_com_a_guerra. Acesso em: 3 jul 2015.
NT: Arthur Clement Pulling: Bibliotecário jurídico responsável pela organização de várias bibliotecas
jurídicas nos Estados Unidos. Disponível em: https://villanovalawlibrary.wordpress.com/2014/08/19/
remembering-arthur-pulling/. Aceso em: 3 jul. 2015.
4
5
NT: As bibliotecas jurídicas do futuro. The Law Library Journal, v.8, p.72-76, 1915-1916.
6
NT: George Seymour Godard: Bibliotecário Jurídico responsável pela criação de serviços de referência
legislativa e organização de uma biblioteca jurídica para a Suprema Corte. Disponível em: http://
www.goddardfamilies.org/uploads/5/4/1/5/5415489/gsgodard.pdf. Acesso em: 3 jul. 2015.
7
NT: O passado, presente e futuro da biblioteca jurídica. Law Library Journal, p.14-17, 1931.
8
NT: A biblioteca jurídica de 1985.
9
NT: No original: AALL Annual Meetings. (Convenções Anuais da Associação Americana de Bibliotecas
Jurídicas.)
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Godard vislumbrou a cooperação pela via do empréstimo entre bibliotecas,
com bibliotecas maiores provendo livros para as menores. Ele foi além:
Deveria ser possível, e acredito que algum dia será, para qualquer um
que realmente tenha necessidade de consultar qualquer livro em
particular, que seja capaz de fazê-lo praticamente de sua própria casa.
Pode não ser na forma da edição original, mas será em alguma forma
de uma separata impressa, ou uma reprodução facsimilar por meio de
cópia fotostática ou alguma máquina similar de foto-reprodução.
Apesar de Godard não estar exatamente falando de e-books, ele estava
dizendo que a tecnologia poderia, eventualmente, prover qualquer livro a qualquer
pessoa praticamente em qualquer lugar e a qualquer tempo, o que é algo do qual
estamos nos aproximando agora.
Lathrop viu a cooperação, codificação e classificação como formas de lidar
com o enorme volume de livros nas bibliotecas jurídicas. Em relação à cooperação
Lathrop ficou:
[...] impressionada um tempo atrás pelo denominado “serviço de
conferência” colocado no ar pela American Telephone and Telegraph
Company10 durante o seu jubileu de ouro. Nos disseram que essa era
uma ocorrência bastante comum para até cinco pontos do país,
distantes entre si, estarem simultaneamente em conferência por telefone.
Pensei que poderia ser um futuro desenvolvimento para as bibliotecas,
trocar ideias e informações para enfrentar problemas pelos vários
administradores de bibliotecas.
Teleconferência nos anos 1930! Claro que os bibliotecários hoje têm acesso a
uma variedade de tecnologias síncronas (como, por exemplo, conferências pela web)
e assíncronas (por exemplo listserv11) para comunicações de grupos. Mas penso que
10
NT: Companhia Americana de Telefonia e de Telégrafo.
11
NT: Listserv: O termo Listser, licenciado pela L-Soft International Inc. tem sido usado para ser referir
aos primeiros softwares de listas de endereçamento eletrônico para envio de mensagens a vários
destinatários simultaneamente sem identificação dos indivíduos da lista. Disponível em: https://
en.wikipedia.org/wiki/LISTSERV. Acesso em: 6 jul. 2015. (tradução nossa).
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
o ponto principal é que Lathrop identificou uma questão para as bibliotecas
(comunicação com grupos), seu significado, e a tecnologia para enfrentá-la.
Voltando aos anos de 1910 por um momento (aviso: viajar no tempo pode ser
vertiginoso), notarei que o Presidente da AALL, Luther E. Hewitt apontou uma variante
do problema da quantidade de livros – muitas fichas nos catálogos, o que ele
acreditava tornar difícil encontrar livros. Ele visualizou um sistema de catálogo de folhas
soltas como solução.
Com relação ao uso de livros no futuro, Hewitt imaginou “Serão inventadas
tabelas especiais nas quais os livros possam ser arranjados em classificações
temporárias para estudos especiais.” Seria isso um vislumbre do “memex” de
Vannevar Bush12 – um precursor dos atuais computador e internet – ou do
computador pessoal? (Se você não reconhece o memex, por favor, pare de ler meu
artigo, leia o artigo de Bush As we may think13 e depois retorne.)
Microimpressão, Memex, e a Ascenção das Máquinas
Pulling, Hewitt, Godard e Lathrop estavam escrevendo numa época précomputador e pré-microimpressão. Iniciando em meados da década de 1940, tanto a
microimpressão quanto os meios mecânicos e elétricos para uso em pesquisa
(discutidos por Bush) começaram a despertar a atenção daqueles interessados em
bibliotecas jurídicas. O memex de Bush impressionou uma dupla de acadêmicos
jurídicos no final da década de 1940, Louis O. Kelso e Lawrence A. Harper, que
procuravam por um memex para o Direito (Kelso o denominou de “Lawdex”). Outro
Professor, John Henry Merryman – que não era bibliotecário por treinamento, mas um
futuro bibliotecário jurídico em Stanford14 – não invocou o memex em seu artigo de
1951, Legal research without books15, mas descreveu um sistema de micro-cartões
12
NT: O texto As we may think de Vannevar Bush está disponível em: http://www.theatlantic.com/
magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/303881/. Acesso em: 6 jul. 2015.
13
NT: Como podemos pensar. The Atlantic Monthly, July 1945.
14
NT: Universidade de Stanford. Disponível em: https://www.stanford.edu/. Acesso em: 6 jul. 2015.
15
NT: Pesquisa jurídica sem livros. Law Library Journal, v.44, p.7-11, 1951.
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
perfurados de materiais jurídicos, classificados por tópico, data, etc., o que me parece
ser primo do memex ou um proto-Lexis ou WestLaw16.
Então, em 1953, no primeiro artigo de sua carreira, J. Myron Jacobstein –
naquele tempo um bibliotecário com mestrado em Biblioteconomia e fazendo curso de
Direito – escreveu Scientific Aids for Legal Research17. Jacobstein citou Bush, Kelso,
Harper e Merryman, dentre outros, na descrição do potencial para uma pesquisa de
melhor qualidade do sempre crescente volume de material jurídico, auxiliado por
avanços no microtexto e na classificação. Ele acreditava que a solução para a
dificuldade na pesquisa jurídica era “uma máquina de busca eletrônica especificamente
projetada para uso em conexão com a pesquisa de literatura” juntamente com “um
código compreensível para a doutrina jurídica que pudesse ser ‘lido’ por máquina.”.
Seu candidato para a máquina era o Rapid Selector18, que tirava fotografias dos
abstracts relevantes do assunto desejado e os reproduzia em microfilme que podia se
despachado para o pesquisador. O código seria “a classificação familiar da lei
presentemente conhecida de todos os advogados.” A “máquina” imaginada por
Jacobstein me parece ser essencialmente um precursor de sistemas como Westlaw e
Lexis, enquanto o código é essencialmente o algoritmo que eles usaram, baseado em
parte em classificações legais. A saída não é um microtexto, mas resultados eletrônicos
de uma pesquisa.
Para seu aniversário de 50 anos, em 1956, a AALL lançou uma competição de
artigos Golden Jubilee Essay Contest19 com o tema AALL nos próximos 50 anos.
Foram publicados dois registros: o artigo vencedor, ... Be those that multiply the
16
NT: Banco de dados jurídico. Disponível em: http://legalsolutions.thomsonreuters.com/law-products/
westlaw-legal-research/. Acesso em: 6 jul. 2015.
17
NT: “Auxílio científico para pesquisa jurídica”. Chicago-Kent Law Review, v.31, n.3, p.236-245, 1953.
Disponível em: http://scholarship.kentlaw.iit.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1719&context=cklawreview.
Acesso em: 6 jul. 2015.
18
Rapid Selector foi uma máquina capaz de selecionar documentos microfilmados de forma rápida,
usando tecnologia de células fotoelétricas e lâmpadas estroboscópias. Disponível em: http://
people.ischool.berkeley.edu/~buckland/goldbush.html. Acesso em: 6 jul 2015.
19
NT: AALL - Jubileu de Ouro: competição de artigos.
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
commonweale20, de Howard Jay Graham, e The future of law library, de Robert W.
Wienpahl.
Graham pensou que classificação, indexação, especialização em Direito, e
cooperação ajudariam os bibliotecários a lidar com a massa de materiais jurídicos. Mas
a maior mudança viria da “revolução eletrônica micro-facsimilar”. Como Jacobstein,
Graham vislumbrou um sistema de microimpressão passível de ser pesquisado por um
código baseado numa classificação jurídica familiar.
Wienpahal acreditava que o “futuro de todos os tipos de bibliotecas” estava em
“medidas cooperativas ... para reduzir as despesas operacionais e em microedições
para reduzir o incrível problema de armazenamento.” Ele também considerou outros
meios pelos quais a tecnologia poderia beneficiar as bibliotecas: a fotocomposição e o
sistema de telefacsímile para enviar “material impresso por circuito de televisão” e uma
máquina para traduzir “material impresso de uma linguagem para outra.”
Em 1959, o estudante de Direito, Layman F. Allen, publicou Logic, law and
dreams21, no Law Library Journal. Allen sonhou com um sistema de lógica para
codificação e recuperação de legislação. Mais pertinente para nós era outro sonho que
Allen descreveu:
Resumindo, este sonho era sobre um usuário de biblioteca que teria
acesso completo ao corpus total de toda a informação escrita de dentro
de seu próprio escritório. Por um dispositivo similar ao telefone, este
usuário poderia ligar para qualquer local num repositório máster de toda
a informação escrita e o que estivesse disponível naquele local
apareceria numa tela em seu escritório. Se ele desejasse ter uma cópia
permanente de algo que aparecesse em sua tela, para seu uso pessoal,
haveria outro botão, e a cópia seria produzida e enviada para sua mesa
quase instantaneamente.
20
NT: Seja daqueles que multiplica a comunidade.
21
NT: Lógica, lei e sonho. Law Library Journal, v.52, p.131-144, 1959. Disponível em: http://
digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5525&context=fss_papers. Acesso em: 6 jul.
2015.
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
Este sonho foi quase todo realizado combinando-se internet, bases de dados,
computadores, monitores e impressoras. Westlaw, Lexis, etc., não provêem acesso ao
“total do corpus”, mas estão muito próximos.
Em 1963, Julius J. Marke, então presidente da AALL, considerou o futuro no
The glorious uncertainty of law Librarianship22. (Existe uma versão alternativa deste
artigo, intitulada The implications for the future23). Marke tentou fazer previsões (com
“gloriosas imprecisões” e, em retrospecto, misturou sucessos) sobre o alcance das
mudanças para as escolas e para as firmas de Direito; coleções de Direito nas
bibliotecas e para o staff; e para a formação de bibliotecários jurídicos. O maior
capítulo é sobre tecnologia. Ele supôs que “O bibliotecário jurídico do futuro
provavelmente gastará uma boa parte de seu tempo estudando ou aprendendo a lidar
com as mudanças acadêmicas e tecnológicas de uma nova era”. Estive nessa situação
e já fiz isso! Marke não se aventurou em previsões específicas sobre tecnologia, pois
reconhecia que “a taxa rápida de mudança científica e tecnológica resultará não
somente em uma acelerada obsolescência tecnológica do hardware utilizado pelos
bibliotecários, mas também de seu treinamento especializado.”
Nós finalizamos nossa viagem no tempo com o artigo Automation in the
Libraries24, de Jack A. Hiller, de 1965. Hiller, um professor de Direito, mencionou as
possibilidades de um sistema nacional centralizado de catalogação, indexação
automática de jurisprudência, e um sistema “pré-cognitivo” de organização e
fornecimento de informação que “não iria sofrer as limitações do presente”. Ele
também apontou um relatório considerando que os Catálogos da Biblioteca do
Congresso25 seriam:
[...] tão mecanizados que eles podem ser consultados eletronicamente
(em telas de visualização) com facilidades para o usuário e assuntos
para sua completa manipulação; e as coleções às quais os catálogos se
referiam serão tão mecanizadas por microprodução fotográfica ou
22
NT: O glorioso futuro incerto da Biblioteconomia. Law Library Journal, v.57, p.2, 1964.
23
NT: As implicações para o futuro.
24
NT: “Automação nas bibliotecas”. Modern Uses of Logic in Law, v.6, n.1, p. 7-12, mar. 1965.
25
NT: Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.loc.gov/. Acesso em: 6
jun. 2015.
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
eletrônica de tal forma a colocá-los ao alcance do controle eletrônico
dos usuários.
A embaçada bola de cristal
É impossível saber o que vai acontecer – na próxima semana e, certamente,
nos próximos 100 anos. No entanto, algumas coisas são mais difíceis de vislumbrar do
que outras. Como o autor de ficção científica William Gibson observou, o futuro é
desigualmente distribuído. Alguma coisa dele já está aqui; mas como identificá-la? (O
restante permanece no futuro e assim permanece um mistério.)
Pense em 10 anos atrás e considere o que ocorreu desde então e o que nós
podemos ter vislumbrado. (Escolho 10 anos ao invés de 50 ou 100 devido ao espaço
limitado deste artigo no continuum espaço-tempo. Resumir 50 ou 100 anos levaria um
tempo.)
Os bibliotecários jurídicos de 2005 teriam certamente imaginado, de forma
correta, que a internet em geral e os recursos eletrônicos legais em particular
cresceriam em importância na década seguinte, pressionando as bibliotecas jurídicas a
se adaptarem. Essas tendências eram fáceis de extrapolar, das tendências de 2005,
não somente em bibliotecas jurídicas, mas em toda a sociedade. Sendo mais
específico, alguns bibliotecários devem ter previsto que Lexis e Westlaw seriam mais
parecidos com o Google ou que mais material jurídico estaria disponível de forma
gratuita online.
Mas quantos bibliotecários jurídicos previram a crise financeira de 2007
resultando na pressão a governos, empregadores na área jurídica, escolas de Direito e
bibliotecas jurídicas? Quantos visualizaram o crescimento do uso de smartphones e
tablets? (O iPhone foi introduzido em 2007. Aparentemente o Blackberry não antecipou
isso também.) Ou quem previu vários outros desenvolvimentos tecnológicos ou
mudanças nos campos relacionados ao Direito e no mundo? Se tivesse havido
previsão dessas mudanças, quantos de nós saberíamos ou acreditaríamos nelas?
Agora, projetando 10 anos para frente de 2015, quantos de nós sabemos,
digamos, se a maioria dos recursos jurídicos impressos correntes permanecerão
impressos ou qual será próxima grande tecnologia, ou quem vencerá a eleição
presidencial em 2024? Podemos fazer adivinhações mais fundamentadas,
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
especialmente concernentes aos recursos jurídicos, que estão no nosso reino
especializado de conhecimento e de experiência.
Quanto a 2065 e para além, que esperança temos de fazer previsões acuradas
de qualquer coisa específica? Será que o Lexis e o Westlaw existirão num formato
reconhecível em 50 anos? Serão muitos (ou quaisquer) livros ou periódicos jurídicos
impressos? Existirão bibliotecas jurídicas?
A função sobre a forma, no futuro
Acredito que se possa fazer algumas previsões para os próximos 50 anos que
possam, esencialmente, estar corretas. Não vou tentar fazer uma previsão muito adiante
aqui. Não é sábio, sem fazer referência a observações pós 1965 sobre as bibliotecas
jurídicas do futuro, que estão além do escopo deste artigo. Somente desejo mostrar
como as previsões pré-1965 ajudam nas atuais e esboçam uma previsão baseada
nelas.
Estudantes de Biblioteconomia/informação lêem As we may think 70 anos
depois porque o memex é uma solução reconhecível para necessidades que ainda
não desapareceram, mesmo que o memex não corresponda precisamente à
tecnologia de hoje. Bibliotecários jurídicos que fazem prospecção poderiam também
ler, falar, que vêem pontos familiares nas soluções apontadas pelos artigos de
Jacobstein e Marke. Não penso que uma previsão de longo prazo válida necessita
acertar com exatidão a tecnologia. Em realidade, é suficiente imaginar tecnologias que
permitam aos pesquisadores jurídicos descobrir recursos relevantes e obter as
informações que eles necessitam, assim como outras melhorias de manipulação de
coleções de bibliotecas.
O fato básico, de que pesquisadores jurídicos como um todo se beneficiam do
acesso a uma grande variedade de autoridades primárias e secundárias, especialmente
em assuntos jurídicos, e de ferramentas para ordenar esses resultados, era verdade
em 1915 e 1965; é verdade hoje e presumivelmente será verdade em 2065 e 2115.
Pulling viu um problema nessa situação (Livros! Livros! Livros!). Bibliotecários jurídicos
que vieram posteriormente viram problemas similares e soluções potenciais.
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A história do futuro das bibliotecas jurídicas
Extrapolar soluções a partir das tecnologias correntes ou em desenvolvimento
(por exemplo WestlexNext, serviços de armazenamento nas nuvens, Google Glass) é
perigoso a não ser que possamos identificar que aspectos são mais atraentes e úteis a
pesquisadores jurídicos. Microimpressão foi o futuro um dia; hoje é passado. Mas
algumas de suas características – como economia de espaço e acessibilidade – ainda
são vantagens, mesmo com o formato do material eletrônico de hoje.
Enquanto a função importa mais do que a forma; a forma tecnológica,
especialmente a forma física versus a forma virtual, ainda importa. Se há pouca
necessidade por material impresso ou volumoso de informação organizada e acessível,
então há reduzida necessidade de uma biblioteca física. Enquanto muitos
pesquisadores jurídicos atuais acham materiais impressos melhores do que os seus
equivalentes eletrônicos em alguns aspectos – por exemplo possibilidade de folhear a
obra, a não necessidade de energia elétrica, menos esforço visual – editores e
tecnólogos provavelmente continuarão a lutar por uma tecnologia que é comumente
considerada melhor que a impressa. (Provavelmente terminaremos com alguma coisa
que se pareça e, em alguns aspectos, funcione como material impresso, mas que é
essencialmente eletrônico e tenha benefícios que o material impresso não consiga
igualar.)
Nova tecnologia não é tudo. Como Marke indicou, muitas coisas (por exemplo,
Biblioteconomia, educação jurídica, sociedade) mudam e afetam as bibliotecas
jurídicas. Além disso, as bibliotecas jurídicas podem se tornar mais eficientes por meio
do treinamento e da cooperação. Mas até que nós atinjamos a utopia da
universalidade acessível e do acesso rápido a materiais jurídicos pertinentes em ótimos
e úteis formatos (isto é, nunca), serão necessárias melhorias em tecnologia.
Bibliotecários jurídicos entendem que agregamos valor aos recursos jurídicos e
à tecnologia. Para começar, nós estamos numa excelente posição para selecionar,
obter e explicar a tecnologia da pesquisa jurídica. Mas a longo prazo, será que as
comunidades jurídicas considerarão esse valor suficiente para manter os bibliotecários
empregados?
Felizmente, os bibliotecários jurídicos têm constantemente adicionado papéis ao
seu repertório – nós encontramos, criamos, organizamos, usamos, e mostramos como
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Scott Frey
A história do futuro das bibliotecas jurídicas
usar recursos jurídicos e não jurídicos, e implementamos e solucionamos problemas
de tecnologia também!
Se minha biblioteca é um exemplo representativo, então bibliotecas
paraprofissionais estão também ampliando seus conjuntos de habilidades. Boa sorte
para as futuras bibliotecas jurídicas e que elas continuem a se redirecionarem e se
expandirem de maneira a beneficiar seus clientes!
O Tempo numa garrafa
Agora alguém poderia, por favor, colocar esse artigo numa cápsula do tempo?
Do lado de fora da cápsula, por gentileza, grave instruções aos bibliotecários/inforobôs
jurídicos de 2065 para abrirem a garrafa e lerem o artigo para seu deleite. Se você
conhecer uma prova eletrônica futura equivalente a uma cápsula do tempo, coloque o
artigo nela também.
Como citar este artigo:
FREY, SCOTT. A história do futuro das bibliotecas jurídicas: Lições a partir dos
prognósticos e previsões de bibliotecários jurídicos do passado. Tradução de Maria
Tereza M. T. Walter. Título original: A History of the Future of Law Libraries : Lessons in
forecasting from law librarians’ predictions of the past. Cadernos de Informação
Jurídica, Brasília, v.2, n.1, p. 133-144, jan./jun. 2015. Disponível em: <http://
www.cajur.com.br>
Cadernos de Informação Jurídica, Brasília, v. 2, n.1, p. 133-144, jan./jun. 2015
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