Revista Arautos do Evangelho
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Revista Arautos do Evangelho
Número 91 Dezembro 2010 O primeiro entre os Santos SumáriO Escrevem os leitores ���������������������������������������� Flashes de Fátima 4 ...................... O primeiro entre os Santos (Editorial) . . . . . . . Director: Manuel Silvio de Abreu Almeida Conselho de redacção: Guy Gabriel de Ridder, Juliane Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto Blanco Cortés, Mariana Morazzani Arráiz, Severiano Antonio de Oliveira Editor: Associação dos Custódios de Maria R. Dr. António Cândido, 16 1050-076 Lisboa I.C.S./D.R. nº 120.975 Dep. Legal nº 112719/97 Tel: 212 338 950 / Fax: 212 338 959 www.arautos.pt / www.arautos.org.br E-mail: [email protected] Assinatura anual: 24 euros Com a colaboração da Associação Privada Internacional de Fiéis de Direito Pontifício Arautos do Evangelho Impressão e acabamento: Pozzoni - Istituto Veneto de Arti Grafiche S.p.A. Via L. Einaudi, 12 36040 Brendola (VI) Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos, desde que se indique a fonte e se envie cópia à Redacção. O conteúdo das matérias assinadas é da responsabilidade dos respectivos autores. São Thomas Becket – “Não te é lícito”! A voz do Papa – Europa deve abrir-se para Deus ...................... ........................ 6 Comentário ao Evangelho – Dois silêncios que mudaram a História ...................... 10 18 O dom de sabedoria ao vivo ...................... 36 Aconteceu na Igreja e no mundo ...................... 40 História para crianças... Um presente para o Menino Jesus Uma obra de arte teológica ...................... 32 5 Boletim da Campanha “O Meu Imaculado Coração Triunfará!” Ano XII nº 91 - Dezembro 2010 Os Santos Inocentes – Testemunhas do triunfo de Jesus 22 ...................... 46 Os santos de cada dia ...................... 48 Sinal de uma Noite Feliz Arautos no mundo Membro da ...................... Associação de Imprensa de Inspiração Cristã Tiragem: 40.000 exemplares 26 ...................... 50 E screvem Referta de bons artigos e notícias Recebi com profunda alegria e agradeço a imensa gentileza do envio da revista Arautos do Evangelho. Já a conhecia há muito e de quando em vez tinha acesso à mesma através de um sacerdote amigo. Além de ter uma impressão singular, a revista está referta de bons artigos e de notícias muito atuais sobre a nossa Mãe Igreja. Desejo-lhes um fecundo apostolado, in Christo. Dom Hugo da Silva Cavalcante, OSB Presidente da S ociedade Brasileira de Canonistas Brasília – Brasil Sólida doutrina católica Queria saber, se possível, o porquê do atraso do envio das revistas nos meses de setembro e outubro passados. Infelizmente, isso fez com que não pudesse aproveitar a reflexão de Mons. João Scognamiglio Clá Dias na confecção de minha homilia, no domingo correspondente, pois a revista chegou depois; é claro que aproveitei para minha meditação pessoal. A revista continua excelente, com sólida doutrina católica, bem mariana e nos unindo sempre ao Romano Pontífice. Padre Carlos da Silva de Oliveira Petrópolis – Brasil Artigos tão interessantes como o Qumran Desejo agradecer-lhes pelo envio de sua revista e pelo trabalho que realizam para oferecer-nos artigos tão interessantes como o Qumran, da edição de setembro passado, as Histórias para crianças e tudo quanto diz respeito à nossa Mãe Santíssima, aos santos e às missões que os os leitores Arautos do Evangelho realizam em diferentes países. Que Nosso Senhor continue abençoando-os e lhes conceda todo o necessário para seguir em frente, especialmente nestes tempos em que as coisas parecem ficar mais difíceis para os cristãos e católicos em muitas partes do mundo. María Isabel Munita Concepción – Chile Muitas vezes esquecemos os Sacramentais Sou catequista e às vezes ajudo na formação de outros catequistas. Sempre tenho à mão a revista Arautos do Evangelho, porque nela encontro bom material para nossa formação. Falo não só por mim, mas também por meus colegas, pois conversamos longamente e comentamos como é importante apoiar esses labores apostólicos, havendo tão pouco operários para uma messe quase inabarcável. Não desanimamos graças aos excelentes exemplos que nos chegam com sua revista; refiro-me em especial aos extraordinários ensinamentos do Santo Padre Bento XVI, os quais a revista sempre transmite fielmente, como um eco, e tudo quanto ela nos traz, abordando temas da atualidade. Chamou-me muito a atenção, na edição de agosto último, o artigo sobre os Sacramentais, pois muitas vezes os esquecemos ou até os desprezamos, e são de importante ajuda para alcançar uma vida mais de acordo com nossa Fé. Como é bom contarmos com operários apostólicos que nos sustentam com o alimento que perdura! Sigam em frente, pois a messe é grande! Obrigada por dar-nos a conhecer e amar os tesouros da Igreja Católica. Lucy Vega Ambato – Equador 4 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Transformação espiritual e social Há muito tempo venho recebendo em minha residência a Revista Arautos do Evangelho. É com muita alegria e gratidão que a leio, pois o empenho em nos fortalecer na Fé é demonstrado com a sabedoria inigualável de seus artigos. Guardo todos os números recebidos e acredito piamente que a minha transformação espiritual, social e pessoal se deve às leituras de tão importante revista. Erico de Matos Moura Via e-mail – Brasil Algo de novo e interessante Agradeço enormemente por enviar-nos a revista. É muito emocionante abri-la a cada mês, quando nos chega. Todo membro de nossa família descobre em cada edição algo de novo e interessante que o ajuda em seu crescimento espiritual. Margarita Arroyo de González Aguascalientes – México Instrumentos da Nova Evangelização Tenho a bênção de pertencer a uma família católica onde o Senhor Jesus e sua bendita Mãe, a Virgem Maria, escolheram duas pessoas para Lhes dizerem sim! São meus sobrinhos, que sentiram um chamado para serem arautos e estão há dois anos no Seminário dos Arautos do Evangelho, um no Brasil, o outro na Colômbia. A bênção para a família de meu irmão e todos os seus é muito grande, pois aumentou depois disso o amor a Deus em seu lar. Por meio de sua revista, vemos o labor que desenvolvem e como é grande a missão desses jovens, grandes servidores e construtores do Reino na Terra, verdadeiros instrumentos da Nova Evangelização. Luis Alfredo Ruiz Cruz Guatemala – Guatemala Editorial O primeiro entre os Santos D 91 Número ro 2010 Dezemb s Santos o entre o O primeir São José com o Menino Jesus - Mosteiro carmelitano de Brescia, Itália (Foto: Hugo Grados) esde 1223, quando São Francisco de Assis organizou pela primeira vez uma encenação do Natal para melhor explicar ao povo o mistério da Encarnação, a cada mês de dezembro armam-se presépios, desde os mais simples até os mais requintados, nas igrejas e nos lares piedosos. E conquanto o número de figuras neles representadas possa até ultrapassar a centena, os elementos centrais permanecem invariáveis: o Menino na manjedoura, ladeado por sua Mãe e São José. Sim, São José está sempre presente, mas para muitas pessoas, seu papel na Encarnação é desconhecido. Vários o recordam apenas como um pobre e humilde carpinteiro, e raros são os que, de fato, têm uma noção mais aprofundada sobre o valor real desse inigualável varão. Ora, como deveria ser alguém escolhido pela Providência para a missão de conviver com Jesus e Maria, de protegê-Los e sustentá-Los? A resposta pode ser encontrada aplicando-se a ele um raciocínio semelhante ao que se faz a respeito de Maria Santíssima. Quando proclamou o dogma da Imaculada Conceição, em 1854, o Beato Pio IX, na Bula Ineffabilis Deus, afirmou que o Pai tinha de preparar para seu Filho Unigênito uma Mãe que fosse cumulada, “muito acima de todos os anjos e santos, com a abundância dos dons celestiais tirados do tesouro da Divindade”. Cabe se perguntar, então, qual não deve ter sido o cuidado do Criador ao escolher também, desde toda a eternidade, um esposo castíssimo para sua Predileta! Deus, que tudo faz com infinita perfeição, haveria de preparar para Ela alguém que Lhe fosse de algum modo proporcionado, enriquecendo-o com um imenso acervo de dons, a começar com o da sabedoria, que lhe possibilitaria ver e julgar todas as coisas através dos “olhos” divinos. Destinado a ser pai adotivo de Deus, tocando assim na própria União Hipostática, São José era tão profundamente vinculado ao Redentor que sua genealogia é citada logo no início do Evangelho de São Mateus, com o fito de demonstrar-lhe a descendência direta de Davi (Mt 1, 1-17). Além disso, foi São José quem conduziu Nossa Senhora a Belém para que se cumprisse a profecia de que ali nasceria o Salvador (Lc 2, 4-7). Foi ele também quem levou a Mãe e o Menino para o Egito, fugindo de Herodes conforme fora predito em outra passagem das Escrituras (Mt 2, 13-15). E quem decidiu estabelecer-se com Eles em Nazaré da Galileia, segundo o anunciado pelos Profetas (Mt 2, 19-23). Por isso, seus próprios conterrâneos perguntavam: “Porventura não é ele Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?” (Jo 6, 42). Na bula Ineffabilis Deus, Pio IX assevera também que Deus uniu o Salvador e Nossa Senhora numa indissolúvel aliança: “Nem Maria sem Jesus, nem Jesus sem Maria”. Não é demasiado afirmar que à Mãe e ao Filho congregou também São José, o primeiro entre todos os Santos. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 5 A voz do Papa Europa deve abrir-se para Deus A contribuição específica e fundamental que a Igreja quer dar à Europa centrase nesta realidade simples e decisiva: Deus existe e é Ele quem nos deu a vida; Ele não é antagonista do homem e inimigo de sua liberdade. U ma frase da primeira leitura afirma com admirável simplicidade: “Os Apóstolos davam com grande coragem testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus” (At 4, 33). Com efeito, no ponto de partida de tudo o que o Cristianismo foi e continua sendo não se encontra uma iniciativa ou um projeto humano, mas sim Deus, que declara Jesus justo e santo frente à sentença do tribunal romano que o condenou por blasfemo e subversivo; Deus, que da morte arrancou Jesus Cristo; Deus, que fará justiça a todos os injustamente humilhados da História. “Disto somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus dá a todos aqueles que Lhe obedecem” (At 5, 32), dizem os Apóstolos. Com efeito, eles deram testemunho da vida, morte e Ressurreição de Cristo Jesus, a quem conheceram quando Ele pregava e fazia milagres. A nós, queridos irmãos, cabe-nos hoje seguir seu exemplo, conhecendo a cada dia mais o Senhor e dando um testemunho claro e valente do seu Evangelho. Não há maior tesouro que possamos oferecer a nossos contempo- râneos. Assim imitaremos também São Paulo, o qual, em meio a tantas tribulações, naufrágios e solidões, proclamava exultante: “Levamos em vasos de barro esse tesouro, para que se veja que esse poder extraordinário provém de Deus, e não de nós” (II Cor 4, 7). Relacionamento baseado na lógica do amor e do serviço Junto a essas palavras do Apóstolo dos gentios, estão as próprias palavras do Evangelho que acabamos de ouvir, as quais convidam a viver segundo a humildade de Cristo que, cumprindo em tudo a vontade do Pai, veio para servir, “para dar sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 28). Para os discípulos que querem seguir e imitar Cristo, o servir aos irmãos já não é uma mera opção, mas parte essencial de seu próprio ser. Um serviço que não se mede pelos critérios humanos do imediato, do material e do aparente, mas que torna presente o amor de Deus a todos os homens e em todas as suas dimensões, e dá testemunho d’Ele, inclusive através dos mais simples gestos. Ao propor esse novo modo de 6 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 relacionar-se na comunidade, baseado na lógica do amor e do serviço, Jesus dirige-Se também aos “chefes dos povos”, porque onde não há dedicação pelos demais surgem formas de prepotência e exploração que não deixam espaço para uma autêntica promoção humana integral. Gostaria que esta mensagem chegasse, sobretudo, aos jovens: precisamente a vós, este conteúdo essencial do Evangelho vos indica o caminho para que — renunciando a um modo de pensar egoísta, de curto alcance, como tantas vezes vos é proposto, e assumindo o de Jesus — possais realizar-vos plenamente e ser semente de esperança. Quem peregrina a Santiago procura encontrar-se com Cristo Isto é o que nos relembra também a celebração deste Ano Santo Compostelano. E é isto que, no íntimo do coração, de modo explícito ou sentindo sem saber explicitar, vivem tantos peregrinos que caminham rumo a Santiago para abraçar o Apóstolo. A fadiga do andar, a variedade das paisagens, o encontro com pessoas de outras nacionalidades, os L'Osservatore Romano abrem àquilo que de mais profundo e comum nos une aos homens: seres em busca, seres necessitados de verdade e de beleza, de uma experiência de graça, de caridade e de paz, de perdão e de redenção. E no mais recôndito de todos esses homens ressoa a presença de Deus e a ação do Espírito Santo. Sim, a todo homem que faz silêncio em seu interior e toma distância das apetências, desejos e afazeres imediatos, ao homem que reza, a este Deus ilumina para que O encontre e reconheça Cristo. Quem peregrina a Santiago, o faz, no fundo, para encontrar-se, sobretudo, com Deus que, refletido na majestade de Cristo, o acolhe e abençoa ao chegar ao Pórtico de la Gloria. Tragédia da Europa: considerar Deus como antagonista do homem Deste lugar, como mensageiro do Evangelho que Pedro e Santiago firmaram com seu próprio sangue, desejo voltar o olhar para a Europa que peregrinou a Compostela. Quais são suas grandes necessidades, temores e esperanças? Qual é a contribuição específica e fundamental da Igreja para essa Europa que percorreu no último meio século um caminho rumo a novas configurações e projetos? Seu aporte centra-se numa realidade tão simples e decisiva como esta: Deus existe, e é Ele quem nos deu a vida. Somente Ele é absoluto, amor fiel e imutável, meta infinita que transluz por detrás de todos os bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo; admiráveis, mas insuficientes para o coração humano. Bem compreendeu isto Santa Teresa quando escreveu: “Só Deus basta”. É uma tragédia o fato de na Europa, sobretudo no século XIX, ter-se afirmado e divulgado a convicção de que Deus é o antagonista do homem e inimigo de sua liberdade. Pretendia-se com isso ensombre- O Papa Bento XVI, após celebrar Missa na Praça do Obradoiro, em Santiago de Compostela cer a verdadeira fé bíblica em Deus, que enviou ao mundo seu Filho Jesus Cristo, a fim de que ninguém pereça, mas todos tenham a vida eterna (cf. Jo 3, 16). O Autor sagrado afirma peremptoriamente perante um paganismo para o qual Deus é invejoso do homem ou dele guarda ressentimento: Como teria Deus criado todas as coisas se não as tivesse amado, Ele que, em sua infinita plenitude, de nada necessita? (cf. Sab 11, 24-26). Como teria Ele Se manifestado aos homens se não quisesse velar por eles? Deus é o fundamento e o cume de nossa liberdade Deus é a origem de nosso ser e fundamento e cume de nossa liberdade; não seu opositor. Como pode o homem mortal ser seu próprio fundamento, e como pode o homem pecador reconciliar a si mesmo? Como foi possível fazer público silêncio sobre a realidade primeira e es- Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 7 sencial da vida humana? Como isso que é nela o mais determinante pode ser encerrado na mera intimidade ou relegado à penumbra? Nós homens não podemos viver às escuras, sem ver a luz do sol. Então, como é possível que se negue a Deus, sol das inteligências, força das vontades e bússola de nossos corações, o direito de propor essa luz que dissipa toda treva? Por isso é necessário que Deus volte a ressoar gaudiosamente sob os céus da Europa; que esta santa palavra jamais seja pronunciada em vão; que não seja deturpada para fazê-la servir a fins que lhe são impróprios. Deve-se proferi-la santamente. Precisamos percebê-la assim na vida cotidiana, no silêncio do trabalho, no amor fraterno e nas dificuldades que os anos trazem consigo. Cruz e amor: palavras sinônimas em nossa História A Europa deve abrir-se para Deus, sair sem medo ao seu encontro, trabalhar, com a sua graça, por aquela dignidade do homem que as melhores tradições tinham desco- berto: além da tradição bíblica, fundamental nesta matéria, também as da época clássica, medieval e moderna, das quais nasceram as grandes criações filosóficas e literárias, culturais e sociais da Europa. Esse Deus e esse homem são os que concreta e historicamente Se manifestaram em Cristo. Esse Cristo que podemos encontrar nos caminhos até chegar a Compostela, pois em suas encruzilhadas há uma cruz que acolhe e orienta. Essa cruz, símbolo supremo do amor levado ao extremo, e por isso simultaneamente dom e perdão, deve ser nossa estrela guia na noite do tempo. Cruz e amor, cruz e luz têm sido palavras sinônimas em nossa História, porque Cristo nela Se deixou cravar para dar-nos o sumo testemunho de seu amor, para convidar-nos ao perdão e à reconciliação, para ensinar-nos a vencer o mal pelo bem. Não cesseis de aprender as lições desse Cristo das encruzilhadas das estradas e da vida, n’Ele vem a nosso encontro Deus como amigo, pai e guia. Ó Cruz bendita, brilha sempre nas terras da Europa! A contribuição da Igreja: velar por Deus e velar pelos homens Permiti-me proclamar aqui a glória do homem, adverti-lo das ameaças à sua dignidade pela espoliação de seus valores e suas riquezas originárias, pela marginalização ou morte infligidas aos mais débeis e pobres. Não se pode prestar culto a Deus sem proteger o homem, seu filho, e não se serve ao homem sem se perguntar quem é seu Pai e dar-lhe a resposta. A Europa da ciência e das tecnologias, a Europa da civilização e da cultura, precisa ser ao mesmo tempo a Europa aberta à transcendência e à fraternidade com outros continentes, ao Deus vivo e verdadeiro a partir do homem vivo e verdadeiro. Essa é a contribuição que a Igreja deseja dar à Europa: velar por Deus e velar pelo homem, a partir da compreensão que de ambos nos é oferecida em Jesus Cristo. (Excertos da homilia em Santiago de Compostela, 6/11/2010 – Tradução: Arautos do Evangelho) O limite do poder político A História ensina que ignorar ou distorcer os valores essenciais do ser humano conduz amiúde a injustiças e totalitarismos. N ão há progresso justo nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas em sua totalidade de alma e corpo. Sem esta exigência irrenunciável, a vida pública se debilita em suas motivações e “os direitos humanos correm o risco de não serem respeitados, porque ficam privados do seu fundamento transcendente ou porque não é reconhecida a liberdade pessoal” (Caritas in veritate, 56). Esses valores essenciais enraízam-se profundamente na verdade do ser humano que, criado à imagem e semelhança 8 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 de Deus, constitui por si mesmo o limite de todo poder político e, ao mesmo tempo, a razão de seu serviço. A este respeito, a História ensina que ignorar ou distorcer essa verdade sobre o homem conduz amiúde a injustiças e totalitarismos. Por outro lado, quando o Estado se do- L'Osservatore Romano ta dos instrumentos legislativos e jurídicos adequados para que ela seja generosamente salvaguardada e favorecida, o regime de liberdade e de autêntica participação civil se consolida, o tecido social se reforça e a assistência aos mais necessitados se fortalece. [...] Os sustentáculos de toda comunidade humana As autoridades equatorianas prestarão um grande serviço ao país se aumentarem esse insigne patrimônio humano e espiritual [do povo equatoriano], do qual se pode extrair energias e inspiração para continuar construindo os pilares sustentadores de toda comunidade humana que se preza desse nome, como a defesa da vida desde sua concepção até seu término natural, a liberdade religiosa, a livre expressão do pensamento, bem como as demais liberdades civis, constituindo estas últimas a autêntica condição para uma efetiva justiça social. Esta, por sua vez, só poderá afirmar-se a partir do apoio e tutela, inclusive em termos jurídicos e econômicos, da célula original da sociedade, a qual não é outra senão a família estabelecida sobre a união matrimonial de um homem com uma mulher. [...] Excelência, uma das grandes metas que seus concidadãos se propuseram é a de conseguir uma ampla reforma do sistema educativo, do nível primário ao universitário. A Igreja no Equador tem uma fecunda história na área da instrução da infância e da juventude, tendo exercido seu trabalho docente com especial abnegação em regiões distantes, isoladas e pobres da nação. É justo não ignorar essa árdua tarefa ecle- O novo Embaixador do Equador junto à Santa Sé, Luis Dositeo Latorre Tapia, apresenta suas credenciais ao Santo Padre sial, exemplo de sadia colaboração com o Estado. A comunidade cristã deseja continuar pondo ao serviço de todos sua longa experiência nesse campo. Por isso está pronta a colaborar para a elevação do nível cultural, que constitui um desafio prioritário para o reto progresso humano, o que exige ao mesmo tempo aquela liberdade sem a qual a educação deixaria de ser tal. Com efeito, a identidade mais profunda da escola e da universidade não se esgota na mera transmissão de dados e de informações úteis, mas responde à vontade de infundir nos alunos o amor à verdade, a fim de conduzi-los àquela maturidade pessoal com a qual terão de exercer seu papel de protagonistas do desenvolvimento social, econômico e cultural do país. O Poder público deve garantir o direito de educação Ao aceitar esse desafio, a Autoridade pública deve garantir o direito que corresponde aos pais, tanto de formar seus filhos de acordo com suas convicções religiosas e seus critérios éticos, como de fundar e manter instituições escolares. Nessa perspectiva, é importante também que a Autoridade pública respeite a identidade específica e a autonomia das instituições educativas e da universidade católica, em consonância com o modus vivendi, subscrito há mais de setenta anos pela República do Equador e pela Santa Sé. Por outro lado, em virtude de seus direitos educativos, os pais devem poder contar com que a liberdade de educação seja promovida também nas instituições docentes estatais, onde a legislação continuará garantindo o ensino religioso escolar, num currículo correspondente às finalidades próprias da escola enquanto tal. (Excertos do discurso ao novo Embaixador do Equador, 22/10/22 – Tradução: Arautos do Evangelho) Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana. A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 9 Comentário ao Evangelho – IV Domingo do Advento Dois silêncios que mudaram a História Duas criaturas puramente humanas intervêm no mais grandioso acontecimento da História: a Encarnação do Verbo. Diante do silêncio de Maria face à realização n’Ela desse sublime Mistério, São José atravessa uma provação terrível e lancinante. E pratica, também em silêncio, um dos maiores atos de virtude jamais realizados sobre a Terra. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP I – Dois silêncios se entrecruzam A singela descrição do Evangelista pode-nos causar a impressão de que tudo transcorreu de modo suave e aprazível Com breves e inspiradas palavras, narra-nos São Mateus o mais grandioso acontecimento da História, a Encarnação do Verbo, e os episódios subsequentes. À primeira vista, a singela descrição do Evangelista pode-nos causar a impressão de que tudo transcorreu de modo suave e aprazível, não havendo lugar para qualquer sofrimento e menos ainda para a terrível provação que levou São José à extrema decisão de “abandonar Maria em segredo”. Tanto nesta passagem do Evangelho quanto na de São Lucas que, com igual simplicidade, narra a Anunciação do anjo a Maria (cf. Lc 1, 26-38), deparamo-nos com realidades situadas no mais alto plano da Criação, acessíveis à nossa inteligência somente pela luz da Fé, que nos faz vislumbrar os grandes mistérios da graça e da glória. Conforme revela o anjo, Maria será Mãe por obra do Espírito Santo, sem concurso humano. Precisamente por esse motivo, dir-se-ia ser São 10 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 José na Sagrada Família um mero complemento destinado a fazer o papel de pai apenas para efeitos civis e de opinião pública. Sua função seria, então, quiçá dispensável, no plano da Encarnação do Verbo e, portanto, na Redenção do gênero humano. Sem embargo, uma consideração mais aprofundada do Evangelho proposto para este 4º Domingo do Advento nos revelará atraentes verdades a respeito deste varão incomparável, pai adotivo de Jesus e esposo da Virgem Imaculada. Após a Encarnação, Maria guarda silêncio “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”. 18 De acordo com o direito judaico da época, o matrimônio entre israelitas era constituído por dois atos distintos aos quais poderíamos chamar de esponsais e núpcias. “São José e Nossa Senhora” Sainte Chapelle, Paris “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pe18 la ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados’. 22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’. 24 Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa” (Mt 1, 18-24). Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 11 Sérgio Hollmann a Evangelho A Sérgio Hollmann A Encarnação do Verbo deu-se depois da cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir habitar na casa do esposo “Esponsais de São José e Nossa Senhora”, por Fra Angélico Museu do Prado, Madri São José era justo, e diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, tomou uma atitude admirativa Antes do casamento, os pais dos nubentes redigiam o contrato matrimonial, onde constavam os bens que cada parte entregaria para formar o patrimônio da nova família. Bem estabelecido esse ponto, realizava-se uma cerimônia, diante de testemunhas, na qual o noivo entregava simbolicamente à noiva um objeto de valor. Com esse gesto ficava selado o compromisso, tornando-se os contraentes marido e mulher, pois os esponsais judaicos “constituíam verdadeiro contrato matrimonial”.1 Embora a partir desse momento fosse permitido ao casal morar sob o mesmo teto, era costume esperar até as núpcias, que seriam celebradas algum tempo depois, durante as quais o esposo conduzia solenemente a esposa à sua casa, entre festas e manifestações de júbilo. Assim, ao afirmar que Maria “estava prometida em casamento a José e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”, o Evangelista situa o momento da Encarnação do Verbo no período posterior à cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir habitar na casa do esposo. É nesse intervalo que a Mãe de Deus, acompanhada por José, empreende a viagem à casa de sua prima. Ainda não eram visíveis os sinais da gravidez de Maria; e quando Isabel glorificou-Lhe a maternidade divina, proclamando-A bem-aventurada, falou sob inspiração do Espírito Santo. A solene saudação da prima não perturbou nem surpreendeu a Virgem Maria; mas, exímia 12 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 na prática da humildade, esforça-Se em elevar a atenção até Deus, proclamando no Magnificat as grandes maravilhas feitas n’Ela pelo Altíssimo. Nada diz da aparição do Arcanjo Gabriel, nem sequer anuncia a maior novidade de todos os tempos: a chegada do Redentor! Pareceria compreensível que Ela convidasse parentes e amigos para se unirem em orações de preparação e de ação de graças, durante os nove meses de espera do nascimento do Messias. Entretanto, Maria guarda completo silêncio sobre aquele mistério inefável, até com o próprio esposo, pois nenhuma ordem recebera de Deus em sentido contrário. Revela, assim, uma excelsa submissão e docilidade aos desígnios da Providência. O esposo de Nossa Senhora era justo 19a “José, seu marido, era justo...”. São José era justo, frisa o Evangelista. E diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, cuja virtude deixou surpresos até os anjos,2 tomou uma atitude humilde e admirativa. Pode-se conjecturar que, à medida que melhor A ia conhecendo, crescia seu enlevo por Ela. Percebia a indignidade de qualquer homem, por mais virtuoso que fosse, para ser esposo daquela Virgem angelicalmente pura, que não padecia da fames peccati, a inclinação para o mal presente em todos os seres humanos. Certamente, admirava-se de ver como tudo Ela fazia de maneira perfeita: desde um simples movimento de mão ou um rápido olhar, até a forma de pronunciar as palavras com o mais harmonioso dos timbres de voz; o modo incomparavelmente afável de acolher os outros ou o recolhimento com que rezava. A cada dia devia aumentar sua convicção de estar em total desproporção com aquela Virgem Santíssima que a Providência lhe outorgara por esposa. Ora, alguns meses depois, quando São José foi buscar Nossa Senhora na casa de Santa Isabel, eram visíveis os sinais da gestação do Menino Jesus. Contudo, Ela nada lhe disse... E ele nada perguntou... Uma coisa era certa: como afirma um famoso mariólogo, “ele bem sabia como era admirável a virtude de Maria, e, apesar da evidência exterior dos fatos, não conseguia acreditar ser Ela culpada”.3 A santidade da Virgem Maria era inquestionável e afastava qualquer suspeita da mente rios sobrenaturais de tal maneira impenetráveis, São José sentia-se cada vez menos merecedor do sublime convívio com Maria Santíssima e o Filho que d’Ela iria nascer. Assim entende, por exemplo, o padre Jourdain: “José quis afastar-se de Maria por julgar-se indigno de viver na companhia de uma virgem tão santa”.6 Silêncio motivado pela humildade Bem se compreende que José tenha resolvido abandonar Maria “em segredo”, a fim de pô-La a salvo de qualquer suspeita. Mas, por que ocultar-Lhe essa decisão? Somente um extremo de delicadeza, próprio das almas mais alcandoGustavo Kralj do Santo Patriarca. Todavia, também evidente e inexplicável era a realidade. Compreendeu, então, que se deparava com um mistério e, não diminuindo em nada sua admiração pela Virgem das Virgens, aceitou sem reparos os desígnios divinos que não alcançava a entender. A virtude ímpar de sua Esposa falava mais alto do que aquela situação incompreensível, como canta com inspiradas palavras São João Crisóstomo: “Ó inestimável louvor de Maria! Acreditava São José mais na castidade de sua Esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais na graça que na natureza: percebia claramente que Ela era Mãe, e não podia crer que fosse adúltera; julgou ser mais possível uma mulher conceber sem concurso de varão do que Maria poder pecar”.4 Não há dúvida de que São José, diante do mistério da milagrosa Encarnação do Verbo, proclama um verdadeiro “fiat!”. Pois, sem deixar-se levar por uma visualização humana, e confiando inteiramente na virtude da Mãe de Deus, põe-se docilmente nas mãos da Providência: “Faça-se aquilo que Vós quereis, embora eu não chegue a compreendê-lo!”. José decide abandoná-La em segredo “... e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo”. 19a Segundo a lei mosaica, estando Maria para dar à luz sem a menor participação dele, devia José adotar uma das quatro atitudes seguintes: a primeira era denunciar a Esposa a um tribunal, pedindo anulação dos esponsais; a segunda, levá-La para sua casa, como se fosse o pai do nascituro; a terceira, repudiá-La publicamente, embora escusando-A e sem pedir castigo; e a quarta, emitir libelo de repúdio em privado, diante de duas testemunhas e sem alegar os motivos.5 Ora, qualquer dessas hipóteses era impensável para São José, pois em todas ficaria lesada a honra de Nossa Senhora. Havia, entretanto, uma quinta saída: fugir, abandonando a esposa grávida, subtraindo-se assim às obrigações impostas pela Lei. Deste modo, assumiria sobre si a infâmia de ter abandonado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade. Foi esta a sua escolha. Ademais, como bem aponta uma importante corrente de comentaristas, diante de misté- Quando Isabel glorificou a maternidade divina de Maria, proclamando-A bem-aventurada, falou sob inspiração do Espírito Santo "Visitação de Nossa Senhora" - Pro Catedral de Hamilton (Canadá) Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 13 II – O anjo do Senhor resolve o impasse O episódio da provação de São José é dos mais pungentes e grandiosos já havidos, em matéria de confiança. Nele, esta virtude é eximiaGustavo Kralj Bem se compreende que José tenha resolvido abandonar Maria “em segredo”, a fim de pô-La a salvo de qualquer suspeita. Mas, por que ocultar-Lhe essa decisão? radas, pode nos explicar esse silêncio: receava colocar sua Esposa na contingência de expor-lhe aquele mistério que ele, por humildade, julgava não ser digno de conhecer. Na viagem de volta da casa de Santa Isabel, possivelmente, meditava São José sobre tudo isso em seu coração, e ao chegar a Nazaré foi dormir, na paz, com a disposição de no dia seguinte partir às ocultas. Nossa Senhora, por sua vez, tendo ciência infusa, discernia o que se passava na alma do esposo, e rezava. Que admirável equilíbrio de alma o do santo Patriarca, capaz de, nessas circunstâncias, conciliar o sono! Quão extraordinária virtude a desse incomparável varão, cuja alma a Providência acrisolava com o sofrimento, a fim de melhor prepará-lo para o seu papel de pai jurídico de Jesus e guardião da Sagrada Família! mente praticada tanto por Nossa Senhora em relação a Deus e a seu esposo, como por este em relação a Deus e a Ela. Ambos souberam manter um silêncio humilde e confiante. Vejamos como resolveu a Providência o impasse criado por esses dois silêncios que se entrecruzaram... “Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi ...’”. 20a Frisando ser José, como Maria, filho de Davi, o anjo evoca a promessa divina de que Cristo nasceria dessa linhagem, ou seja, da mais nobre estirpe do Povo Eleito. Afirmação esta que Fillion leva mais longe ainda, ao escrever: “José era então o principal herdeiro de Davi”.7 Aparece aqui um importante elemento para bem avaliarmos o papel de São José na Sagrada Família e na própria ordem da Encarnação. Assim como Deus escolheu desde toda a eternidade a Mãe da qual nasceria Jesus, algo semelhante fez com aquele que seria o pai nutrício do Verbo Encarnado, dotando-o dos mais altos atributos, inclusive do ponto de vista natural. O anjo dissipa a provação de São José “... não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”. 20b Para dissipar a provação de José a respeito de sua insuficiência no campo sobrenatural em relação à santidade de Maria, o anjo o convida a não ter medo de recebê-La como esposa. Ao anunciar-lhe que Maria concebera pelo Espírito Santo, mostrava-lhe também não estar Ela — como, aliás, nenhuma criatura humana — à altura desse sublime Mistério. Portanto, o Paráclito que A escolheu haveria de dar-Lhe as graças para o cumprimento de sua incomparável missão. E o mesmo se passaria com ele, José. São José sentia-se cada vez menos merecedor do sublime convívio com Maria Santíssima e o Filho que d'Ela iria nascer. Detalhe da “Adoração dos Magos”, por Fra Angélico e Fra Filippo Lippi - National Gallery of Art, Nova York 14 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 “Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus,...”. 21a Logo depois de revelar-lhe a miraculosa maternidade de Maria, o anjo dirige-se a São José Gustavo Kralj como verdadeiro chefe da família, a quem compete dar o nome à criança. Trata-se do reconhecimento de sua participação no magno acontecimento da Encarnação: apesar de não haver contribuído em nada fisicamente para aquela concepção, e embora sendo inferior a Jesus e Maria no plano sobrenatural, é-lhe reconhecido o direito, como esposo, sobre o fruto das entranhas de sua mulher. Cumpre-se a profecia de Isaías “... pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. 21b As primeiras palavras do anjo haviam salientado o acerto da atitude heroicamente virtuosa de São José quando, considerando estar diante de uma manifestação sobrenatural cujo significado ele não alcançava, decidiu guardar silêncio e confiar na Providência Divina. Mas, aqui, a realidade surge mais grandiosa do que ele poderia ter imaginado. O Menino “vai salvar o seu povo dos seus pecados”, disse-lhe o anjo. Ora, isto só é possível a Alguém divino. Deixa assim patente o mensageiro celeste que o filho por nascer de Maria era não só Filho do Altíssimo, mas também Deus Ele próprio. Com base simplesmente nas profecias do Antigo Testamento, ninguém poderia afirmar que o Messias, o Justo, seria o próprio Criador! Pois a Encarnação do Verbo, a Redenção e a participação do homem na natureza divina, pela graça, são verdades inacessíveis à mente humana pelo mero concurso da razão. Ademais, ao dizer “vai salvar o povo dos seus pecados”, aponta bem o anjo a diferença entre a missão sobrenatural do Messias e a ilusão mundana, nutrida pelos fariseus, de uma libertação do jugo dos romanos e de uma supremacia temporal do Povo Eleito. “O meu Reino não é deste mundo”, dirá mais tarde Nosso Senhor (Jo 18, 36). “Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’”. 22 “José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua Esposa” “Sonho de São José” - Vitral da Catedral de Bayonne, França As palavras do anjo a São José haviam confirmado de modo irretorquível estar se cumprindo naquele momento a profecia feita por Isaías ao rei Acaz, a qual se encontra na Primeira Leitura da liturgia deste domingo: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho...” (Is 7, 14). O que fora incompreensível para Acaz por causa da sua dureza de coração, o Esposo de Maria compreendeu inteiramente graças à sua robusta e humilde fé. A obediência exímia de São José “Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa”. 24 Bem podemos imaginar que, vencida a provação, ao acordar de manhã foi São José logo adorar a Jesus Cristo no seu primeiro e mais santo Sacrário: Maria Santíssima. Deus tinha Se encarnado e ali estava, sob sua guarda! Ele já não mais poderia olhar para Nossa Senhora sem adorar o Deus-Menino entronizado naquele incomparável Tabernáculo. É de supor-se que, sem dizer palavra alguma, ele tenha se ajoelhado diante de Nossa Senhora. Ela teria discernido, por esse ato de seu esDezembro 2010 · Flashes As palavras do anjo haviam confirmado de modo irretorquível estar se cumprindo naquele momento a profecia de Isaías de Fátima 15 Gustavo Kralj poso, que Deus lhe comunicara a grande nova, e deve ter dado graças ao Senhor. Sem dúvida São José, depois de atravessar, com admirável paz de alma, uma terrível e lancinante provação, teve esse momento gloriosíssimo da adoração ao Menino Jesus vivendo em Maria. III – Elevado ao plano da União Hipostática Ao selecionar este Evangelho para o último domingo antes da Natividade do Senhor, a Igreja nos convida a considerar duas criaturas puramente humanas — Maria e José — à luz da Encarnação do Verbo, elevando assim as nossas cogitações até o sétimo e mais alto plano da ordem da Criação, acima dos minerais, vegetais, animais, homens, anjos, e até da própria graça. Desse elevadíssimo plano hipostático, só Jesus Cristo, Homem-Deus, participa em estado absoluto. Também Nossa Senhora, a seu modo, participa dessa ordem hipostática, por ter cooperado de forma moral e livre para a Encarnação, com seu fiat, bem como por ter contribuído fisicamente para a formação do Corpo de Cristo. “Por essa colaboração, Maria consegue tocar com sua própria operação a Deus”, afirma o dominicano frei Bonifácio Llamera.8 Ora — segundo o padre Bover e vários outros autores — o próprio São José foi unido a esse mistério extraordinário, embora “não fisicamente, como a Virgem Mãe de Deus, mas moral e juridicamente”.9 Pois, segundo afirma o mencionado padre Llamera, além de intervir na constituição da ordem hipostática pelo seu consentimento livre e voluntário, ele coopera de forma direta e imediata na conservação dessa mesma ordem.10 A análoga conclusão chega, sob um prisma diverso, o padre Garrigou-Lagrange, o qual afirma que a missão de São José vai além da ordem da natureza, e não somente humana, mas também angélica. Para melhor frisar seu pensa- Não houve nenhuma graça concedida a qualquer santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José “São José” - Oratório de São José, Montreal (Canadá) 16 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 mento, o teólogo dominicano levanta uma pergunta a respeito dessa missão: “Será ela somente da ordem da graça, como a de São João Batista, o qual prepara as vias da Salvação; como a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas; ou a missão particular dos fundadores de ordens?”. E apresenta esta resposta: “Observando de perto a questão, vê-se que a missão de São José ultrapassa até a ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação”.11 “Deus pediu à Virgem — comenta o padre Llamera — seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”.12 Mas também ao santo Patriarca foi solicitada sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação, sem entender, do mistério da Encarnação: mais acreditou ele na inocência de Maria do que na evidência da gravidez, constatada pelos seus olhos. Sem dúvida, foi esse “fiat!” de São José um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra. Abre-se assim ante nossos olhos, às portas do Natal, um vastíssimo panorama em relação aos tesouros de graça depositados na alma do espo1 LLAMERA, OP, Bonifacio. Teologia de San José. Madrid: BAC, 1953, p.39. 2 “Não se pense que somente quando os anjos viram a Maria no Céu e sentada no trono da glória, A saudaram como Rainha. Não. Desde o primeiro instante de sua vida já Lhe tributaram os devidos obséquios, pelo fato mesmo de que, desde então, transportados em êxtase de admiração, suspiravam por esta Mulher singularíssima, que embora vinda de um deserto, se apresentava cheia de graça e de grandeza. Por conseguinte, perguntando-se uns aos outros, e pedindo-se mutuamente a explicação deste grande acontecimento, deste fato único nos anais dos fatos mais extraordinários e solenes, desta indizível maravilha, exclamavam: ‘Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias?’ (Ct 8, 5)” (BULDÚ, Ramon [Dir.] Tesoro de oratoria sagrada. 2.ed. Barcelona: Pons, 1883, v.IV, p.326-328.) 3 JOURDAIN, Zèphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, t.II, p.321. so virginal de Maria e pai adotivo de Jesus. Segundo piedosa afirmação, “sabemos que algumas almas, por predileção divina, como as de Jeremias e do Batista, foram santificadas antes de verem a luz do dia. Ora, o que diríamos de José? (...) [Ele] supera todos os outros santos em dignidade e santidade; somos, pois, livres para conjecturar que, embora não esteja consignado na Escritura, ele deve ter sido santificado antes de seu nascimento e mais cedo que qualquer um dos demais, pois todos os Santos Doutores concordam ao dizer que não houve nenhuma graça concedida a qualquer santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José. (...) A grande finalidade que Deus tinha em vista ao criar São José, era associá-lo ao mistério da Encarnação (...). Ora, para corresponder a tão elevada vocação, a qual, depois da Virgem Mãe, foi superior a todas as outras, quer dos anjos ou dos santos, José deveria necessariamente ter sido santificado em eminentíssimo grau, para ser digno de assumir sua posição na sublime ordem da União Hipostática, na qual Jesus teve o primeiro lugar e Maria o segundo”.13 Enfim, não desvendará ainda a Teologia insuspeitadas maravilhas na pessoa de São José, o castíssimo chefe da Sagrada Família e Patriarca da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana? 4 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Hom I in Mat., apud SUÁREZ, SJ, Francisco. Misterios de la Vida de Cristo. Madrid: BAC, 1948, v.V, p.254. 5 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Bíblia Comentada – Evangelios. Madri: BAC, 1964, v.V, p.27-28. 6 JOURDAIN, op. cit., p.323 7 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.25. 8 LLAMERA, op. cit., p.120. 9 BOVER. De cultu S. Joseph amplificando, p.32. Barcelona: 1928, apud Llamera, op. cit., p.132. 10 Cf. LLAMERA, op. cit., p.137-138. 11 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure, p.III, c.VII. 12 LLAMERA, op. cit., p.120. 13 THOMPSON, Edward Healy. The Life and Glories of Saint Joseph. London: Burns & Oates, 1888, p.41. Dezembro 2010 · Flashes “A missão de São José ultrapassa até a ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação” de Fátima 17 Uma obra de arte teológica Três destacadas figuras do mundo acadêmico foram unânimes em atribuir a nota “summa cum laude” à tese de Doutorado de Monsenhor João sobre o tema: “O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira”. Pe. Rodrigo Alonso Solera Lacayo, EP N o dia 22 de outubro, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, defendeu sua tese de Doutorado Canônico em Teologia sobre O dom de sabedoria na vida, mente e obra de Plinio Corrêa de Oliveira, perante a banca examinadora da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da Universidade Pontifícia Bolivariana de Medellín, Colômbia. Discorreu ele sobre esse dom do Espírito Santo, mantendo-se rigorosamente fiel ao ensino teológico, mas apresentando-o enquanto vivido por um personagem que se sobressaiu na História da Igreja Católica no século XX. A banca examinadora, formada por destacadas figuras do mundo acadêmico latino-americano,1 atribuiu à tese de Mons. João a nota máxima: summa cum laude. Objetividade no procedimento seguido No texto em que avalia a tese e justifica sua nota, frei Marcelo Santos das Neves, OP, expressou-se com o rigor e a clareza do carisma dominicano, voltado para a pesquisa da verdade: “Nosso julgamento não atinge o âmbito subjetivo, mas permanece no plano objetivo. Assim sendo, constatamos duas coisas em particular: primeiro que, apesar da amizade e da devoção do ‘Autor’ por Plinio Corrêa de Oliveira (elemento e razão subjetiva do ‘Autor’), o seu pensamento e raciocínio não foram em nada prejudicados, visto ter ele apresentado textos que reforçavam suas intuições. Dito de outra forma, não se tratou somente de um testemunho pessoal, mas de um testemunho documentado. Em segundo lugar, dons e carismas são aplicados à pessoa e obra de Plinio Corrêa de Oliveira sempre de forma rigorosa e coerente”. “Em suma, o ‘Autor’, sistematicamente, oferece ao seu leitor as razões de sua intuição: apresenta a doutrina (1ª premissa); ‘a mente, vida e obra’ de Plinio Corrêa de Oliveira, confrontando-as com a doutrina (2ª premissa); para, enfim concluir positivamente: em Plinio Corrêa de Oliveira estavam presentes o dom de sabedoria, assim como os carismas de profecia e discernimento dos espíritos (3ª premissa ou conclusão). Esta objetividade no procedimento seguido merece ser mencionada e louvada. Trata-se, no nosso modo de entender, de uma teolo- 18 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 gia da ‘mente, vida e obra’ de Plinio Corrêa de Oliveira”. Equilíbrio no modo de expor Pouco adiante, frei Marcelo Neves ressalta outra faceta dessa imparcialidade de julgamento de Mons. João: “O ‘Autor’ não só não perde de vista seus objetivos, mas, ainda, mantém aquele equilíbrio no expor e escrever que preserva todos os que de alguma forma não comungavam com o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira. Em suma, não se trata de um escrito contra alguém ou coisa (à exceção do vício e do pecado ao qual se opunha e se opõe sempre uma ‘contra-revolução’), mas a favor de alguém considerado virtuoso. O tato e a delicadeza que transpiram do texto são raros. Nenhum caráter polêmico. Acreditamos dever aplicar ao ‘Autor’ em vista desse seu procedimento o quanto ele diz no início do seu texto a respeito do dom de sabedoria; ou seja, ‘julgará e procurará ordenar tudo à luz das perfeições divinas’: e Deus não ofende! O que o ‘Autor’ fez foi seguir, ele mesmo, este impulso; dito de outra forma, submete e faz passar pelo crivo das perfeições divinas a ‘mente, vida e obra’ Otávio de Melo de alguém que estima e que marcou toda a sua vida. Faz obra de teólogo e não de simples cronista. A sua tese, também sob este aspecto é, e pode denominar-se, teológica. Preciosa”. Teologia narrativa e teologia argumentativa De seu lado, o padre Carlos Arboleda Mora destacou principalmente a importância da teologia narrativa na tese apresentada: “Este trabalho situa-se no que hoje poderíamos denominar teologia narrativa, ao apresentar a vida de uma pessoa como testemunho de uma experiência, unida a uma teologia argumentativa, na medida em que essa experiência está expressa teoricamente em grandes teólogos da Igreja. Geralmente a teologia narrativa critica o modelo neoescolástico pelo caráter demasiadamente argumentativo, uma vez que deduziria das teses dogmáticas certas conclusões já implícitas, esquecendo-se alguns críticos que os mistérios da vida de Cristo ocupam em São Tomás um lugar importante. “Como diz o teólogo Carlo Rocchetta, teologia narrativa e teologia argumentativa não são opostas, pois a narração pode ir de par em par com a argumentação. ‘Se a teologia narra, é para levar à reflexão teológica sobre os conteúdos de sua narração, desenvolvendo suas implicações e organizando-as numa visão unitária o mais articulada possível. O defeito da teologia argumentativa não estava no fato de argumentar, mas em que partia da argumentação ou se reduzia só a ela, acabando por se esquecer do fato de que a fé se estrutura, sobretudo, como uma revelação que se fez história, na qual o acontecimento e a palavra são constitutivos de uma narração que deve ser testemunhada enquanto tal, evitando-se reduzi-la tão-só a um sistema de verdades abstratas ou de asserções que é preciso demonstrar’. Mons. Luis Fernando Rodríguez Velásquez (ao centro) e Pe. Diego Marulanda Díaz (esquerda) fazem entrega do diploma a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP Outorga do título de Doutor em Teologia A Igreja Nossa Senhora do Rosário, no Seminário dos Arautos, na Grande São Paulo, foi transformada em Aula Magna da Universidade Pontifícia Bolivariana, no dia 3 de novembro, para a entrega solene do título de Doutor em Teologia a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP. Presidiu a sessão o Reitor Magnífico, Mons. Luis Fernando Rodríguez Velásquez, e fez parte da Mesa também o padre Diego Marulanda Díaz, Decano da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da mesma Universidade. Das brilhantes palavras do Reitor Magnífico destacamos o seguinte trecho: “Somos todos testemunhas de como Monsenhor fez todo o percurso durante a sua existência na busca da verdade, dan- do espaço à ação do Espírito em sua vida, dando espaço em seu coração ao amor de Deus. Esse dar espaço ao Espírito e ao amor de Deus lhe deu essa capacidade de conclamação para deixar que o Espírito atue, para deixar que o amor de Deus atue e possa ir suscitando no mundo uma comunidade como esta, os Arautos do Evangelho. O Senhor, por assim dizer, aproveita-Se de nós; e, neste caso, está Se aproveitando como instrumento valiosíssimo da pessoa, do ser, da vida do Mons. Clá”. “Seu título de teólogo — concluiu Mons. Luis Fernando — não é mais do que uma ratificação do que tem sido a sua vida. […] Uma tese feita com amor, uma tese feita com fé, uma tese feita com esperança, uma tese feita com qualidade”. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 19 Importância do exemplo vivo José Hinostroza Afirma ainda o padre Arboleda que na tese de Mons. João “o enfoque biográfico chega a ser um instrumento de investigação qualitativo, porque se fundamenta na subjetividade como unicidade e especificidade. O método biográfico chega a ser experiência heurística e hermenêutica, pois permite entender e permite interpretar em outro contexto histórico a mesma experiência. Aqui pode ser então também um método de formação, como pretende o autor da tese. A biografia nos conta uma experiência própria que um leitor pode reproduzir em sua própria vida e de acordo com sua própria biografia. A biografia de Cristo é a biografia modelo que cada cristão, em seu tempo e lugar, reproduz segundo sua natu- reza e vocação. A biografia central é a de Cristo, cuja experiência todos os crentes deverão ter e cuja narração deverá ser a vida do cristão. Ali se vê claramente o esquema ‘experiência e testemunho’, chave do Cristianismo, como no-lo recorda o Documento de Aparecida. Assim a biografia é mistagógica, pois oferece caminhos concretos de seguimento, já que a fé não é só noética, mas experiência de fé na vida concreta e única de cada pessoa,3 que pode, contudo, guiar a caminhada de outro ser humano como, paradoxalmente e em outra perspectiva de filosofia da religião pós-moderna, no-lo apresenta também Richard Rorty, quando nos diz que a biografia através da literatura nos faz compartilhar experiências, não abstratas, mas concretas, como a dor, a traição… que geram uma empatia que gesta solidariedade e compreensão. Há alguém como eu que teve essa experiência, e essa narração é válida e serve para minha vida. Nesta tese se mostra, por outro lado, a possibilidade de uma experiência transcendente, vivida em uma história, e válida para outras histórias”. “É, ademais, uma obra que permite uma dupla leitura. Sem as citações, é uma obra para leitores mesmo não peritos nas complexidades da filosofia. Com as citações é uma obra para autores que queiram aprofundar-se neste tema, cumprindo assim o objetivo de refletir teologicamente, mas também de formar para a vida de experiência e testemunho”. Horizonte teológico do qual se deve considerar a obra de Dr. Plinio O público interessado em assistir à defesa de tese, feita por videoconferência, lotou o auditório Pio XII, da UPB em Medellín 20 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Em suas considerações, outro membro da banca examinadora, o padre Alberto Ra- Sérgio Miyazaki “Este trabalho situa a narração da vida de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira acompanhada da correspondente argumentação baseada em muito bons teólogos. Tem o intuito de mostrar que a história da salvação não se dá separada da história humana, que a experiência da Fé não se dá fora de uma existência que a interpreta e atua, porque ‘os crentes admitem, pois, que Deus trouxe a libertação nos seres humanos e através deles; os homens são relatos de Deus’”.2 mírez Zuluaga, quis evidenciar de modo particular a originalidade do trabalho teológico de Mons. João, que apresentou aspectos inéditos da obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Afirmou ele em seu parecer: “Ter tido a oportunidade de conhecer o processo da elaboração da tese em sua última etapa foi, para nós, una verdadeira graça do Senhor, que me permitiu descobrir a transcendência teológica do objeto dessa investigação. Mons. João soube estabelecer magistralmente o horizonte teológico a partir do qual se deve considerar a obra de Dr. Plinio: a doutrina teológica e espiritual dos dons do Espírito Santo e, em geral, a pneumatologia com tudo quanto ela implica para a fundamentação do dom da sabedoria. Mas Monsenhor não realizou seu trabalho simplesmente como investigador de uma rica literatura, como é certamente aquela que Dr. Plinio nos deixou, mas também, e sobretudo, como testemunha fidedigna da vida desse grande homem, do qual me atreveria dizer, pela impressão que o testemunho de Monsenhor produziu em mim, que foi um dos maiores homens da História da Igreja nos últimos tempos, pelo que o Espírito de Deus tornou possível através de sua pessoa, de sua vida e de sua obra. “É belíssima a tese teológica elaborada por Mons. João, que se pode resumir em poucas palavras: demonstrar, pela consideração da pessoa de Dr. Plinio, a relação indissolúvel que existe entre a inocência e a sabedoria. Também, naturalmente, assinalar a significação dos passos que se deve dar na vida para que se torne possível esta relação na existência de um homem: o caminho da dor e da entrega. Monsenhor nos mostrou, com efei- A Igreja Nossa Senhora do Rosário foi transformada em Aula Magna da Universidade Pontifícia Bolivariana para a entrega solene do título de Doutor em Teologia a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP O padre Alberto Ramírez prossegue, destacando o seguinte co- mentário de Dr. Plinio a propósito do livro da Condessa de Paris, intitulado Tout m’est bonheur (Tudo me é felicidade): “‘Se me fosse dado escrever minhas memórias, poderia intitulá-las ‘Tudo me é luta!’. Interna ou externamente, tudo me é luta; mas, morrendo, tudo me é glória [...]. Se um homem redigisse com base na verdade o livro Tudo me é luta!, se a sua luta foi travada em favor do bem, ele mereceria o epitáfio tudo lhe foi glória!’. E Mons. João comenta: ‘Ora, conforme cada item, cada capítulo é, sobretudo, o que o conjunto desta tese patenteia, tudo foi luta e glória em Plinio Corrêa de Oliveira. Portanto, tudo lhe foi sabedoria’. “Esta admirável conclusão é uma formidável tese teológica, uma afirmação fundamentada no testemunho da vida de um grande homem. Monsenhor desenvolveu passo a passo esta tese com uma lógica profunda e conseguiu realizar um belo tecido de ideias e palavras, de símbolos e sentimentos, num discurso teológico que é uma maravilhosa lição sobre a sabedoria e uma obra de arte teológica. A sabedoria é o dom que foi concedido a Dr. Plinio como ‘luz primordial’, não só para contemplar a Deus, mas para adquirir a capacidade de olhar tudo com o olhar de Deus, com os próprios olhos d’Ele. Ninguém, como Mons. João, seu filho, seu discípulo, podia explicar com tanto acerto esse segredo da vida e da obra de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira”. Compunham a banca examinadora: o Pe. Carlos Arboleda Mora, orientador, Doutor em Filosofia pela Universidade Pontifícia Bolivariana, Mestre em História pela Universidade Nacional da Colômbia e em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, especialista em ecumenismo do CESNUR, de Roma, e professor de pós-graduação da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da Universidade Pontifícia Bolivariana; o Frei Marcelo Neves, OP, teólogo do Studium Teologicum Bolognese, de Bolonha, Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campi- nas (UNICAMP), Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade São Tomás (Angelicum), de Roma, e professor da Faculdade de Direito Canônico da mesma Universidade; e o Pe. Alberto Ramírez Zuluaga, Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain, professor de graduação e de pós-graduação na Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Bolivariana, e no programa de Estudos Bíblicos da Universidade de Antioquia, de Medellín. Presidiu o ato o Pe. Diego Ma- rulanda Díaz, Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e Decano da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da Universidade Pontifícia Bolivariana. to, que a sabedoria, como característica que define a existência de Dr. Plinio, só pode ser explicada em relação à inocência que o acompanhou por toda a sua vida. Só pode chegar a ser plenamente sábio quem é plenamente inocente. A explicação teológica utilizada por Monsenhor para definir Dr. Plinio poderia ser considerada como um belo comentário de uma das sentenças do Manifesto do Reino dos Céus, o Sermão da Montanha, de Jesus: quem tem mais capacidade para contemplar a Deus e olhar tudo a partir d’Ele é quem tem o coração transparente” (cf. Mt 5, 8). “Tudo me é luta” – Tudo lhe foi sabedoria 1 2 SCHILLEBEECKX E. Los hombres relato de Dios. Salamanca: Sígueme, 1995, p.62. 3 ZUPPA, Pio; RAMIREZ, Sandro. Autobiografia e formazione ecclesiale. Roma: Edizioni Vivere, 2006. L. MEDDI, (Auto)biografia e formazione ecclesiale. Seminario sulla importanza del pensiero narrativo. In: www.catechetica.it. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 21 Linhas mestras da Tese de Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP O dom de sabedoria ao vivo É mais fácil viver os dons do Espírito Santo do que explaná-los cientificamente, afirmou um eminente teólogo. Monsenhor João superou essa dificuldade, dando uma focalização inédita à sua tese de doutorado em Teologia. E m sua tese O dom de sabe- Corrêa de Oliveira” — afirmou o nar mais palpáveis as verdades exdoria na mente, vida e obra padre Alberto Ramírez, outro exa- postas. de Plinio Corrêa de Olivei- minador. Necessidade de viver a Fé O padre Carlos Arboleda destara, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, quis abordar o tema cou outro ponto: a tese “tem o inMons. João expõe e escreve com de modo original, apresentando, mais tuito de mostrar que a história da equilíbrio e amor, e “faz obra de do que considerações abstratas sobre salvação não se dá separada da his- teólogo e não de simples cronista”, o dom de sabedoria, a força que ele tória humana, que a experiência da conforme observa o Frei Marcelo adquire em quem o vive intensamen- fé não se dá fora de uma existên- Neves. te. Por isso, a tese está dedicada a ana- cia que a interpreta e atua”. Com Com efeito, conquanto a telisar a ação do Espírito Santo em um efeito, para ter maior eficácia, o se apresentada tenha um forte cados maiores líderes católicos da His- ensino da teologia deveria condu- ráter biográfico, ela se mantém no tória recente: Plinio Corrêa de Olivei- zir a exemplos vivos, a fim de tor- patamar da autêntica teologia. Para, “personagem importanra compor uma obra teolóte para a história da Igreja gica atraente e bem-sucedido Brasil”, conforme destaca da, que não apenas ensine, Frei Marcelo Neves, memmas atraia para a virtude, é bro da banca examinadora. necessário ao autor viver as Mantendo-se sempre verdades estudadas. Ou se no plano objetivo — covive a Fé ou, como ensina mo afirmam os membros São Tiago, ela é morta (cf. da banca —, Mons. João dá Tg 2, 14-26). seu testemunho pessoal soEste importante aspecbre o dom da sabedoria em to do estudo teológico foi Plinio Corrêa de Oliveira, apontado, em outras palao que um convívio de 40 vras, pelo Papa Bento XVI anos proporcionou-lhe obnum discurso aos memservar detidamente. “Ninbros da Comissão Teológiguém, como o Mons. João, ca Internacional: “do ponseu filho, seu discípulo, to de vista de quem faz tepodia explicar com tanto ologia, a virtude fundamenA tese está dedicada a analisar a ação do Espírito acerto esse segredo da vital do teólogo é procurar a Santo em Plinio Corrêa de Oliveira, um dos maiores líderes católicos da História recente da e da obra do Dr. Plinio obediência à Fé, a humilda22 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Fé no Altar da Cátedra na Basílica de São Pedro, deixou consignado no primeiro capítulo da tese: “Pois bem, enquanto a pluma desliza sobre o papel para redigir estas linhas, novamente se encontra a mão esquerda do Autor sobre as Escrituras Sagradas e brota-lhe do fundo de sua alma esta declaração, dentro do mesmo espírito, seriedade e consciA força do testemunho de ência do anterior juramenSanto Antão: “Eu vi!” to”. E o autor assevera que todas as transcrições das Ao apresentar sua defepalavras de Dr. Plinio “corsa, já na abordagem do terespondem à realidade de ma, Mons. João faz quessuas expressões durante estão de mostrar a eficácia se período”, pois foram exdo testemunho, superior à traídas diretamente “do ardos meros argumentos tequivo de suas conferências, ológicos. Aduz, a este procomentários e conversas, pósito, o valor que teve paMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, conviveu além de seus escritos. Se ra os fiéis de Alexandria o muito de perto, ao longo de quarenta anos, com o algum exagero houver em exemplo de Santo Antão, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira minhas apreciações sobre proclamando a divindade de Cristo, na luta contra os arianos: Antão ergueu-se e exclamou: ‘Eu O ele, será por estar aquém de seus de“Santo Antão — afirmou na apre- vi!’. Um frêmito percorreu as naves vidos limites”. Em seguida, Mons. João pondesentação da tese — tinha visto mis- da igreja: ‘Ele O viu! Ele viu a divinticamente a divindade de Nosso Se- dade do Senhor!’, diziam os fiéis de ra que se trata de uma verdadeira nhor. Era ele um testemunho vivo joelhos. A imponente voz desse ho- felicidade ter conhecido esse tesoudessa verdade de Fé. Santo Ataná- mem, para quem a verdade sobre- ro de exposições orais e escritas que sio então mandou buscar Santo An- natural da natureza divina de Cristo se inserem nas explicitações doutritão e, na mesma noite em que este se tornara quase uma evidência em nárias elaboradas pela Santa Igrechegou à cidade de Alexandria, in- virtude de uma visão sobrenatural, ja, com base na Revelação, ao longo contáveis cristãos e hereges reuni- mais que toda a bela e lógica doutri- dos séculos. Entretanto — sublinha ram-se na basílica para vê-lo. O no- na exposta no Concílio, foi o maior ele — havendo convivido, “ao lonnagenário eremita, que pela me- golpe que recebeu a heresia. Eis um go de quarenta anos e muito de perra presença impunha respeito, sen- exemplo do valor e da contribuição to, com Plinio Corrêa de Oliveira”, foi também objeto de outra felicidatou-se perto do altar. Em seguida, de um testemunho vivo”. de, e “muito digna de nota”: ter podio Bispo subiu ao púlpito e proclaOrigem da tese, o testemunho do comprovar a “riqueza, esplendor mou a divindade de Nosso Senhor. do Autor: “Eu vi!” e grandeza” dessas doutrinas “de forSubitamente, uma voz saída do meio da multidão protestou. Santo AnApós tal introdução, Mons. João ma viva”, ou seja, “produzindo seus tão ficou espantado com aquela in- continua: “Ora, mutatis mutandis, efeitos na alma de um varão”. Assim, esta tese configurou-se decorosa interrupção e pediu a tra- deve-se dizer que esta tese nasceu dução das palavras que ouvira, pois também de um testemunho do Au- não como um simples discurso da não compreendia o grego. ‘O Se- tor”. Lembrando-se com entranhada razão, mas, sobretudo, como um tesnhor’ — traduziram-lhe — ‘era ape- emoção do dia 15 de março de 2005, temunho saído do mais fundo do nas um homem, criado por Deus e em que, antes de ser ordenado diá- coração para declarar a importânsujeito à morte e à transição’. Santo cono, pronunciou sua profissão de cia do exemplo vivo. Sim, porque as de da Fé que abre os nossos olhos: esta humildade que torna o teólogo colaborador da verdade. Desta forma não acontecerá que ele fale de si mesmo; interiormente purificado pela obediência à verdade, chegará ao contrário a fazer com que a própria Verdade, que o Senhor possa falar através do teólogo e da teologia”.1 Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 23 piritual. São na realidade, duas formas de sabedoria que estão aqui presentes: a do mundo e a do Espírito Santo. Inocência, a porta da sabedoria Depois de apresentar os pressupostos doutrinários sobre o modo de operar da graça e dos dons do Espírito Santo nas almas, assim como dos efeitos especulativos e práticos do dom de sabedoria, o Autor passa aos dados biográficos, confrontando os principais episódios da vida de Plinio Corrêa de Oliveira com a doutrina teológica soJá desde a infância mais remota, constatam-se bre o dom de sabedoem Dr. Plinio os efeitos da sabedoria ria e a mística. Dessa verdades sobrenaturais a respeito forma, a narração deixa transpareda graça e da ação do Espírito San- cer, como num compêndio, os efeito nas almas, mais concretamente o tos do dom de sabedoria na alma de dom de sabedoria, tornaram-se qua- Dr. Plinio. Contrariamente ao que se uma evidência para o autor no ocorreu a tantos místicos, que só alconvívio com Dr. Plinio, o qual foi cançaram a plenitude desses efeitos seu formador, líder, modelo e guia, após um longo percurso de ascenseu pai e fundador. “Eu o vi!”, pode são espiritual, em Dr. Plinio a sabedoria manifesta-se já na mais remoele bem exclamar. ta infância, podendo-se afirmar que O Reino de Deus para ele a porta da sabedoria foi a A tese inicia-se com uma exposi- inocência. Alguns efeitos contemplativos da ção teórica sobre a graça e os dons do Espírito Santo, feita a partir des- sabedoria patentearam-se especialte episódio do Evangelho de São mente na sua visualização da HistóLucas: “Os fariseus perguntaram ria, na qual Dr. Plinio sabia discerum dia a Jesus quando viria o Reino nir com grande acuidade os “passos de Deus. Respondeu-lhes: O Reino de Deus”. Para ele, o centro da Hisde Deus não virá de um modo os- tória era Nosso Senhor Jesus Cristo tensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou: e sua Esposa Mística, a Santa IgreEi-lo ali. Pois o Reino de Deus já es- ja, e da luta entre o bem e o mal decorria o verdadeiro rumo dos acontá no meio de vós” (Lc 17, 20-21). Neste diálogo tão simples estão tecimentos. Desse princípio básico implícitas duas concepções opostas deduziu a doutrina exposta em seu do Reino de Deus: a dos fariseus, ensaio Revolução e Contra-Revolumundana, e a de Jesus, toda ela es- ção. Outro efeito contemplativo da 24 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 sabedoria era sua escola de pensamento, na qual apresentava uma concepção do universo sob dois aspectos, como se fossem duas asas do espírito: o doutrinário e o simbólico. Conforme Dr. Plinio gostava de lembrar, as perfeições divinas se refletem no universo constituindo um esplêndido mosaico, o qual a alma bem formada deve saber interpretar e do qual ela deve servir-se como meio de elevar-se até o Criador. O “flash”, uma moção da graça sobre o dom de sabedoria Um dos mais importantes fundamentos da espiritualidade de Dr. Plinio eram certas moções da graça que atuam sobre o dom de sabedoria, as quais ele chamava “flash”, por se assemelharem a uma luz que ilumina repentinamente o entendimento e inflama a vontade, produzindo um deleite espiritual intenso, um robustecimento do amor, intensificada apetência pelas coisas sobrenaturais e, em conse quência, maior generosidade na prática da virtude. Segundo a opinião de Dr. Plinio, essas graças místicas são franqueadas a todos os fiéis, mais frequentemente do que se pensa. Porém, uma formação excessivamente racionalista leva muitas pessoas a não darem importância às moções do Espírito, e a secularização das mentalidades induz a só prestar atenção aos valores materiais e ao gozo desenfreado da vida. Caridade ardente, discernimento dos espíritos e profetismo Alguns efeitos práticos da sabedoria manifestaram-se em Dr. Plinio nos frutos de sua ardente caridade. O zelo pela glória de Deus era como que o motor que o impulsionava constantemente a entregar-se sem descanso às obras de apostolado, à formação espiritual de seus seguidores e a fazer esforços incessan- tes pela perseverança deles na vocação. Esse zelo pela salvação das almas levou-o a oferecer-se como vítima a Deus, em 1975, visando obter graças superabundantes para o florescimento do movimento laical por ele fundado. Os padecimentos resultantes de um violento acidente de automóvel ocorrido três dias depois, cujas sequelas o impediram de caminhar até o fim da vida, foram o preço de sangue pago com alegria e inteira generosidade. O carisma de discernimento dos espíritos, que fazia dele um inigualável diretor de almas, assim como o dom de profetismo, eram outros tantos efeitos práticos da sabedoria que nele se manifestavam. Seu carisma de profetismo ficou consignado em conferências públicas, em inúmeros artigos publicados em O Legionário, então órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, e noutros periódicos de grande circulação no Brasil, como a Folha de São Paulo, além de em suas reuniões diárias de formação. Bem-aventurados os pacíficos Ao dom de sabedoria corresponde, segundo o Doutor Angélico e a opinião comum dos teólogos, a sétima bem-aventurança: “Bem aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9). A paz é a tranquilidade da ordem, como ensina Santo Agostinho. Por isso, o sábio procura estabelecer a ordem primeiro em seu interior e depois em torno de si, criando assim as condições para que reine a verdadeira paz. Foi esse o ideal de toda a existência de Dr. Plinio: a restauração da Ordem, segundo a Lei de Deus, na sociedade temporal. Daí decorreu, também, esta grande perplexidade: não ver a realização de seus mais ardentes anseios, ou seja, a efetivação da promessa feita por Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Co- ração triunfará”. O que equivaleria à instauração do reinado espiritual de Cristo na Terra. Amor à cruz e configuração com Cristo Quem abre a alma para a sabedoria abraça a dor, dizia Dr. Plinio. Pois é pelo sofrimento que o cristão se assemelha mais a Jesus Cristo, e essa semelhança é o principal e mais excelso efeito do dom de sabedoria. Para a mentalidade hedonista do homem moderno, é difícil compreender esta verdade e aceitar com resignação a dor. Isso levaO sábio procura estabelecer primeiro a ordem va Dr. Plinio a ressalem seu interior e depois em torno de si tar, aos olhos de seus seguidores, a importância da cruz cimentos físicos e provações interiono processo de santificação: “Não res de seus derradeiros dias foram devemos fugir da dor, como de um suportados com uma serenidade, fantasma, mas entrar na série das mansidão e dignidade que impresogivas do sofrimento ao longo da sionaram vivamente todos quantos o vida. Elas nos conduzem ao magní- assistiram no hospital até o momenfico vitral da morte que se abre... e to extremo da partida para a eternientão vemos o Céu”. Essa imposta- dade. Pouco depois de exalar o últição de espírito levou-o a dizer, no mo suspiro, sua fisionomia, até enfim de sua vida: “Eu morreria de- tão marcada pela dor, iluminousapontado se tivesse ideia de haver -se com um discreto sorriso, fazenfugido de uma gota de dor”. do transparecer uma notável expresEssa determinação diante das ad- são de paz, a confirmar a autenticiversidades manifestou-se, sobretu- dade do que ele mesmo ensinara e do, na resignação cristã com que en- praticara: “É próprio do holocausto frentou a última enfermidade. Em- ser feito com tanta boa vontade que, bora pressentisse com alguns meses na hora do consummatum est, floresde antecedência seu fim próximo, e ce um sorriso”. o declarasse a alguns de seus colaboEstava consumada sua completa radores, não alterou a rotina de su- configuração com Nosso Senhor Jeas intensas atividades, não acusou os sus Cristo, o mais sublime efeito do sintomas da doença que lhe minava dom de sabedoria.² as forças, e avançou com confiança na Providência rumo ao “magnífico vitral da morte”, certo de ver o Céu depois de transpô-lo. Todos os pade- 1 Bento XVI, Discurso, 5/12/2008. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 25 Sacerdote arauto é nomeado Administrador Apostólico no Equador N de Napo, Dom Celmo Lazzari, CSJ, e de Aguarico, o mês de outubro último, o Papa Bento Dom Jesús Esteban Sádaba Pérez, OFMCap. XVI nomeou o Pe. Rafael Ramón Ao se dirigir ao povo pela primeira vez, Ibarguren Schindler, EP, sacero Pe. Rafael sublinhou seu desejo de codote argentino pertencente à Sociedameçar por conhecer bem a realidade de de Vida Apostólica Clerical Virgo do Vicariato e estreitar os vínculos Flos Carmeli, como novo Administraeclesiais com todos os movimentos dor Apostólico do Vicariato de São e congregações religiosas que nela Miguel de Sucumbíos (Equador), trabalham. após aceitar a renúncia, por limite Dom Arregui, por sua vez, de idade, do antigo vigário, Dom deu-lhe as boas-vindas em nome Gonzalo López Marañón, OCD. da Conferência Episcopal EquaA tomada de posse se realizou toriana. no dia 30 outubro na sede do viO Vicariato Apostólico de São cariato, em Lago Agrio, para onMiguel de Sucumbíos foi erigido pede o Pe. Rafael viajou acompanhala Santa Sé no dia 2 de julho de 1984. do pelo Núncio Apostólico, Dom Pe. Rafael Ramón Ibarguren Está situado ao nordeste do Equador, Giacomo Guido Ottonello, e pelo Schindler, EP em plena selva amazônica, abrangenPresidente da Conferência Episcopal do uma área 18.008 Km². A maior parte Equatoriana e Arcebispo de Guayaquil, da população, de 173.461 habitantes, dos Dom Antonio Arregui Yarza. Em penhor quais 80% são católicos, está composta por de fraternidade eclesial, estiveram também indígenas, afro-americanos e imigrantes. presentes os Bispos dos vicariatos vizinhos, Apresentação do Administrador – À esquerda, Dom Gonzalo López Marañón dá as boas-vindas ao novo Administrador, em presença do Núncio Apostólico, durante o ato de transferência do governo do Vicariato. À direita, o Pe. Rafael Ibarguren, EP, dirige suas primeiras palavras ao povo e aos movimentos. 26 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Atendimento pastoral – Ministrar os Sacramentos, conversar com os fiéis e dar-lhes orientação espiritual tem sido uma das primeiras preocupações do novo Administrador e dos sacerdotes arautos. Missa nas comunidades – Sacerdotes arautos espalharam-se por diversas capelas do Vicariato para conhecer os membros de cada comunidade e celebrar com eles a Eucaristia. Nas fotos, Missa dominical nas capelas de São José Operário (esquerda) e do Divino Menino Jesus (direita). Juramento do cargo – O Pe. Rafael Ibarguren, EP, durante a cerimônia de juramento na capela da Nunciatura Apostólica de Quito. Acolhida dos religiosos – Os franciscanos conventuais acolheram os Arautos do Evangelho com fraternal alegria. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 27 Dom Bruguès ministra curso de Teologia aos Arautos E ntre os dias 1 e 8 de novembro os Arautos do Evangelho tiveram a alegria de receber no seu Seminário, em São Paulo, o Secretário da Congregação para a Educação Católica, Dom Jean-Louis Bruguès, OP, que viajou de Roma a fim de ministrar um ciclo de quatro conferências no Instituto Teológico São Tomás de Aquino. Curso de Teologia Moral O curso versou sobre o tema “A Veritatis Splendor e a Teologia Moral hoje”. Participaram seminaristas e mestrandos em Teologia Moral dos Arautos do Evangelho. À primeira conferência estiveram presentes o Reitor da Universidade Pontifícia Bolivariana (UPB), de Medellín, Mons. Luis Fernando Rodrígues Velásquez, o Pe. Diego Alonso Marulanda Díaz, Decano da Escola de Teologia, Filosofia e Humanidades da UPB e o Pe. Jorge Iván Ramírez Aguirre, Vice-reitor Acadêmico da mesma Universidade. Celebração Eucarística – Durante a Missa, Dom Bruguès convidou todos a crescer na pureza de coração, conforme sublinhava a Liturgia. 28 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Além de Doutor em Teologia e conhecido moralista, Dom Jean-Louis Bruguès é Mestre em Ciências Econômicas e Ciências Políticas. Foi professor de Teologia Moral Fundamental na Universidade de Friburgo (Suíça), membro da Comissão Teológica Internacional de 1986 a 2002, Bispo de Angers e Presidente da comissão doutrinária da Conferência Episcopal Francesa até 2007, quando foi nomeado Secretário da Congregação para a Educação Católica. Convívio com os Arautos Dom Bruguès aproveitou os dias de sua estada no Brasil, para conhecer mais a fundo os Arautos do Evangelho. Seguindo uma programação intensa, celebrou a Eucaristia para a comunidade e visitou diversas casas da instituição, tomando conhecimento das atividades que nelas se realizam. Deu também palestras para o plenário, conviveu com os estudantes mais jovens e assistiu a uma apresentação do Coro e Orquestra Internacional dos Arautos, especialmente organizada para ele. Conferências – Em sua palestra para o plenário dos Arautos, Dom Bruguès tratou sobre o tema da ética nos tempos atuais. Conferências sobre a “Veritatis Splendor” O curso abordou a Encíclica Veritatis Splendor do Papa João Paulo II, que trata sobre questões essenciais do ensino moral da Igreja e expõe de forma atualizada os fundamentos da moral cristã. “Mestre, o que hei de fazer de bom para conseguir a vida eterna?” (Mt 19, 16): a pergunta do jovem rico a Jesus é usada nessa encíclica como a questão base, que abre as considerações no campo da ciência teológica sobre o bem e o mal, e sobre o dever. Temas como: liberdade e lei, consciência e verdade, opção fundamental e comportamentos concretos, e o ato moral, que são desenvolvidos nesta Carta, foram enfatizados na exposição de Dom Bruguès. Apresentação musical – Profundo conhecedor de música, Dom Bruguès acompanhou atentamente a apresentação feita pelo Coro e Orquestra Internacional. Encontro com os estudantes – Os mais jovens também quiseram ter a oportunidade de conviver por alguns momentos com Dom Bruguès. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 29 Lisboa – O Lar de idosos da ASAS recebeu a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A Presidente da ASAS, Maria Irene Salgado Zenha procedeu à coroação da imagem de Nossa Senhora, enquanto os idosos se consagraram de todo o coração à Virgem Maria. Todos os presentes aproximaram-se de Nossa Senhora e depositaram junto d’Ela os seus pedidos e orações. Silves – Nas paróquias de Alcantarilha e de Armação de Pêra, onde os párocos, Pe. Manuel Coelho e Pe. Joaquim Beato, receberam tão entusiasticamente o Oratório do Imaculado Coração, além do programa habitual, foi realizada uma solene coroação de Nossa Senhora, representando a consagração e entrega de todos os paroquianos a Jesus pelas mãos de Maria. Algoz – Na paróquia do Pe. Manuel Condeço, após a missa e coroação, estiveram reunidos mais de cem crianças e jovens para uma reunião de formação catequética, ministrada por um Arauto do Evangelho. 30 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Guimarães – Por ocasião da festa de Todos os Santos, realizou-se uma Eucaristia presidida pelo Revmo. Pe. Jorge Ignácio Villa Urrego, membro da Congregação para a Evangelização dos Povos. 1º ano da Paróquia dos Arautos D esde que foi criada há um ano a Paróquia Nossa Senhora das Graças — entregue aos Arautos do Evangelho — na Diocese de Bragança Paulista, tem havido um significativo aumento da frequência dos fiéis aos Sacramentos, nas doze comunidades que a compõem. Além das Celebrações Eucarísticas, procissões, catequese das crianças e outras atividades pastorais, os Arautos têm procurado organizar eventos que contribuam para estreitar os laços de amizade entre os paroquianos, como quermesses, mutirões, aulas de música, peças de teatro ou tardes de jogos para as crianças (foto acima). Procissão em honra a N. Sra. Aparecida Missão Mariana – Para comemorar o primeiro aniversário da Paróquia Nossa Senhora das Graças, cinquenta Arautos do Evangelho, divididos em sete grupos, percorreram diversas regiões do território paroquial conduzindo a imagem de Nossa Senhora de casa em casa. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 31 Os Santos Inocentes Testemunhas do triunfo de Jesus Essas bem-aventuradas crianças, as primeiras a participar dos sofrimentos de Cristo, estariam também entre as primeiras a se beneficiar dos méritos infinitos de sua gloriosa Paixão e a reinar junto d’Ele na Pátria celeste. Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP S entindo estar às portas da morte, o venerável ancião mandou chamar seus doze filhos para abençoá-los antes de partir. Ao primogênito Rubem, devido à sua má conduta, retirou a primazia, bem como aos dois seguintes, Simeão e Levi, pela crueldade de que haviam dado mostras (cf. Gn 49, 3-7). Coube a Judá, o quarto filho, receber do pai a autoridade sobre os irmãos e o privilégio de ver surgir de sua linhagem o Messias, Aquele a propósito de quem Deus havia prometido a Abraão: “Em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra” (Gn 22, 18). Assim, dezesseis séculos antes do nascimento de Jesus em Belém, o patriarca Jacó profetizava a vinda do Redentor. O momento da chegada desse Rei esperado, o velho patriarca o definiu com estas palavras: “Não se afastará o cetro de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha Aquele a quem pertencem e a quem devem obediência as nações” (Gn 49, 10). Mais tarde a estirpe de Judá, na pessoa de Davi, governou de fato sobre as demais tribos, ocupando o trono em Jerusalém. Embora, devi- do à infidelidade de seu sucessor Salomão, Deus tenha retirado à descendência de Davi o governo de dez tribos — permitindo que fosse fundado o “reino do norte” tendo por rei Jeroboão, um simples servo — nunca faltou a Davi “uma lâmpada” (I Re 11, 36), conforme lhe fora prometido: “Não retirarei dele a minha misericórdia, como a retirei de Saul, a quem expulsei de diante de minha face. E a tua casa será estável, e o teu reino se perpetuará diante do teu rosto, e o teu trono será firme para sempre” (II Sm 7, 1516). Assim, até a entrada de Nabucodonosor, rei da Babilônia, que devastou a cidade e levou a população para o cativeiro, houve sempre um filho de Davi, da linhagem bendita de Judá, sentado no legítimo trono de seu pai. Os filhos de Levi governam o Povo Eleito Quando, passados setenta anos deste doloroso exílio, o grande Ciro da Pérsia conquistou a Babilônia, emitiu um decreto autorizando a volta dos israelitas para sua pátria (cf. Es 1, 2-4). Muitos destes, então, dentre os quais um numeroso con- 32 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 tingente de sacerdotes e levitas, empreenderam a viagem de retorno a Jerusalém (cf. Es 2, 1-67). A influência preponderante exercida pela casta sacerdotal durante esse novo período deu origem a um clima de crescente religiosidade, tornando-se assim Israel um pequeno estado cada vez mais teocrático.1 Com efeito, apesar de estar o país ainda sujeito a soberanos estrangeiros — primeiro os persas, depois os gregos — os verdadeiros detentores do poder passaram a ser os sumos sacerdotes, assistidos por um conselho de anciãos, constituído por uma aristocracia que, por sua vez, era sacerdotal em sua maioria. No século II a.C, quando subiu ao trono da Síria Antíoco IV Epífanes — um “homem vil” (Dn 11, 21), verdadeira “raiz de pecado” (I Mac 1, 11) —, desencadeou-se uma furiosa perseguição contra a religião de Israel. Insurgiram-se contra o selêucida os Macabeus, de linhagem sacerdotal, obtendo grandes vitórias e adquirindo para a nação judaica um poder e uma glória comparáveis aos dos tempos antigos. Muitos israelitas julgaram ver nesse triunfo um sinal claro da mão divina, transfe- Sergio Hollmann Cego de orgulho, Herodes acreditou ter poder suficiente para mudar, segundo seus caprichos, aquilo que Deus determinara desde toda a eternidade "Matança dos Inocentes" - Catedral de Notre Dame, Paris rindo a realeza davídica para a tribo de Levi. Assim, os descendentes desses heróis, chamados Hasmoneus, passaram a ocupar simultaneamente a cátedra do supremo pontificado e o trono real. Se, muitos séculos antes, fora retirado o cetro à tribo de Judá, Israel continuava, entretanto, a ser regido por filhos do sangue de Jacó, sucessores do Patriarca Abraão, herdeiros das promessas de Deus. Herodes: o rei sanguinário As circunstâncias mudaram quando, alegando as lutas fratricidas nascidas no próprio seio da família dos Hasmoneus, Roma interveio pelas armas e o imperador Marco Antônio outorgou o título de rei dos judeus a um estrangeiro, detestado pela nação por pertencer ao povo idumeu, inimigo irreconciliável de Israel: Herodes. Não tardou o novo monarca em demonstrar serem todas as suas ações e atos administrativos movidos por orgulhosa cobiça. O ódio e o desprezo de seus súditos, que sentia pesar sobre si, somados à natural insegurança de quem é desmedidamente ambicioso, faziam-no temer, em qualquer pessoa que se sobressaísse por suas qualidades, ou conquistasse a simpatia do povo, um adversário de seu poder. Durante os anos de seu longo reinado, ele desembaraçou-se sem escrúpulos de todos os conspiradores ou daqueles que simplesmente deitavam sombra sobre sua pessoa. Um a um, os parentes mais próximos — entre os quais a esposa Mariamne e três filhos — e grande número de aristocratas da Judeia foram caindo sob os golpes de sua crueldade. Nada constituía obstáculo para essa vontade feroz, cheia de arrogância e sedenta de domínio. O tirano treme diante de uma Criança Qual não foi o sobressalto desse tirano sanguinário quando, já velho, amargurado pelo peso dos crimes sem conta que cometera, viu chegar a Jerusalém uma suntuosa caravana vinda do Oriente e três magos que perguntavam pelo “rei dos judeus que acabava de nascer” (Mt 2, 2)! Imediatamente a inquietude e a perturbação se apoderaram de seu coração: julgou ameaçada a estabilidade de seu trono. Essa agitação bem traduzia o quanto Deus estava ausente de suas cogitações e perspectivas, como comenta, com muito acerto, um piedoso autor: “A alma reta e sincera jamais se perturba, porque possui a Deus. Onde Deus habita, não há perturbação possível, diz o Espírito Santo. ‘Non in commotione Dominus’ (I Re 19, 11). Se uma alma chega a experimentar alguma perturbação, é porque perdeu a Deus e, com Ele, a retidão e a candura. Que Herodes se perturbasse, não deve nos surpreender; afinal, ele era um usurpador e, ao ouvir que um rei dos judeus acabava de nascer, certamente temeu vir a perder tanto o trono quanto a coroa”.2 Entretanto, usando da astúcia característica dos “filhos do século” (Lc 16, 8), Herodes inquiriu dos sacerdotes e dos mestres das Escrituras qual o lugar apontado pelos profetas como berço do Messias. Uma vez obtida a resposta, tomou a resolução de matar o recém-nascido. Fingindo grande piedade, mandou chamar os magos a fim de indicar-lhes o caminho de Belém, mas, na realidade, almejava servir-se deles para a realização de suas perversas intenções. Cego de orgulho, aquele iníquo monarca acreditou ter poder suficiente para opor-se ao plano divino e mudar, segundo seus caprichos, aquilo que Deus determinara desde toda a eternidade e anunciara pela boca de seus mensageiros! A esse propósito comenta São João Crisóstomo: “Tal é a maldade, pela sua própria natureza: contradiz-se a si mesma e empreende aquilo que é impossível. Considerai a insensatez de Herodes. Se ele acreditava na profecia e considerava inevitável sua realização, era evidente estar ele tentando algo irrealizável; se não acreditava nela nem esperava que se cumprisse o anunciado, não tinha motivo para temer Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 33 e se espantar, nem para pôr armadilhas a ninguém. Em nenhuma das duas hipóteses havia necessidade de mentir”.3 Duas discretas intervenções da Providência divina — um sonho enviado para alertar os magos e a aparição de um anjo a São José — bastaram para lançar por terra as hábeis maquinações do tirano. Este, porém, durante vários dias esperou impaciente e receoso o retorno daqueles nobres estrangeiros; ao perceber que fora enganado, deu largas à sua cólera e deliberou perpetrar o crime mais horrendo de sua vida: para que o pequeno Rei dos judeus não escapasse à sua vingança, deveriam perecer todos os infantes de Belém e das redondezas. Martírio dos inocentes Grande foi a consternação na cidade de Belém. Logo após ter alcançado a honra de receber o Esperado das nações, suas casas se encheram de cadáveres e pelas ruas ecoaram os gritos de dor das mães, misturados aos gemidos das crianças. Cena atroz e pungente: ver os peque- ninos arrancados dos braços maternos e transpassados pelas espadas dos mercenários. “Por que Cristo agiu assim?”, pergunta-se São Pedro Crisólogo. “Por que abandonou àqueles que Ele sabia seriam procurados por sua causa e por sua causa haveriam de morrer? Ele nascera rei e rei do céu, porque abandonou os que eram inocentes? Por que desdenhou um exército de sua mesma idade? Por que abandonou desse modo àqueles que, como Ele, descansavam num berço, e o inimigo, que procurava só ao rei, causou dano a todos os soldados?”.4 E o próprio santo responde: “Irmãos, Cristo não abandonou seus soldados, mas deu-lhes melhor sorte, concedeu-lhes triunfar antes de viver, fê-los alcançar a vitória sem luta alguma, concedeu-lhes as coroas antes mesmo de seus membros estarem desenvolvidos, quis, por seu poder, que passassem por cima dos vícios, que possuíssem o Céu antes que a terra”.5 Conforme fora profetizado por Davi, os soluços desses pequenos Desassossego de Herodes e triunfo das crianças ol lm an n Chama a atenção o antagonismo entre o estado de espírito de Herodes e o dos Santos Inocentes: de um lado encontramos a figura de um homem apegado ao poder, cioso de sua autoridade, julgando todos os fatos sob o prisma de medíocres interesses; no extremo oposto, crianças inocentes, confiantes e admirativas, incapazes de fazer algum mal. Depois do seu hediondo crime, Herodes experimenta em seu interior a tristeDurante vários dias Herodes esperou impaciente e receoso o retorno dos Magos, e ao za e o desassossego. perceber que fora enganado, deliberou perpetrar o crime mais horrendo de sua vida Nem mesmo após receber a notícia de te“Os magos diante de Herodes” e “Herodes ordena o massacre” Vitrais da Catedral Basílica de Saint Denis, Paris rem sido executadas H io rg Se mártires ressoavam na presença do Altíssimo como cânticos de glória e, ao mesmo tempo, censuravam o rei ímpio que os condenara: “O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos, de crianças que a mãe amamenta; eis a força que opondes aos maus, reduzindo o inimigo ao silêncio” (Sl 8, 3). Seu sangue subia ao Céu como sacrifício puro e agradável de “cordeiros sem mancha” (cf. Ex 12, 2-5) oferecido em honra do Divino Infante recém-nascido. Os meninos que brincavam aos pés de s uas mães deixaram seus inocentes jogos para irem brincar aos pés do trono de Deus! Com sua característica eloquência, assim comenta Bossuet: “Bem-aventuradas crianças, cuja vida foi imolada a fim de conservar a vida de vosso Salvador. Se vossas mães tivessem conhecido esse mistério, em lugar de lamentações e de lágrimas, só se ouviriam bênçãos e louvores”.6 34 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 A infância, modelo de inocência O Verbo Se fez carne e veio ao mundo para operar a Redenção e, a partir dela, publicar na terra “o ano da graça do Senhor” (Is 61, 2), um novo regime, baseado na caridade e na misericórdia, pelo qual o homem passou da condição de escravo para a categoria de filho de Deus, tendo por regra de vida a procura da perfeição, à imagem do Pai Celeste (cf. Mt 5, 48). Para sermos seus discípulos, não nos manda Jesus adquirirmos uma ciência erudita, nem mesmo exige a prática de penitências e austeridades por demais pesadas. Ele propõe, pelo contrário, um modelo acessível a todos: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). Gustavo Kralj, sob concessão do Ministério dos Bens Culturais da República Italiana suas ordens, desfrutará ele de alguma tranquilidade, pois, à aflição constante de perder o trono, somou-se o remorso do infanticídio cometido a lhe corroer a alma como, em breve, os vermes corroeriam suas carnes. De maneira bem diversa, os meninos viram-se elevados à categoria de irmãos de Cristo e príncipes de seu Reino. Ele os amava e, por isso, os colheu como um botão apenas desabrochando para a vida, para levá-los à visão beatífica quando abrisse, triunfante, as portas do Céu. Por que, pergunta-se São Bernardo, “haverá quem duvide das coroas dos Inocentes?”. E acrescenta: “É menor, por acaso, a piedade de Cristo que a impiedade de Herodes, para crer que este pudesse entregar alguns inocentes à morte e Cristo não pudesse coroar aqueles que foram mortos por Ele? [...] Estes são, verdadeiramente teus mártires, ó Deus, para que resplandeça com maior evidência o privilégio de tua graça naqueles em quem nem o homem nem o anjo descobrem mérito algum”.7 Grande foi a consternação na cidade de Belém, onde os gritos de dor das mães misturaram-se aos gemidos das crianças "Matança dos Inocentes", por Fra Angélico - Museu de São Marcos, Florença (Itália) Afirma o Papa São Leão I, num de seus sermões: “Cristo ama a infância, que assumiu em primeiro lugar, tanto na alma quanto no corpo. Cristo ama a infância, mestra da humildade, regra da inocência, modelo de mansidão. Cristo ama a infância, para a qual orienta o procedimento dos adultos e reconduz a idade dos anciãos. Ele atrai ao exemplo dela aqueles que eleva ao reino eterno”.8 Para sermos partícipes de seu Reino e convivas do banquete eterno, somos chamados a deixar-nos conduzir pela mão de Deus como crianças dóceis e confiantes, sem opormos resistência à sua santa vontade. Jesus traz, a cada Natal, o convite para a restauração da inocência e está pronto a restabelecê-la no coração de quem queira beneficiar-se de sua graça, já que, por nós mesmos, não temos forças suficientes para nos libertar de nossos pecados. Ele mesmo está à nossa espera e dar-Se-nos-á em recompensa na hora de nossa morte, tornando-nos herdeiros da felicidade sem fim: “Deixai vir a Mim as criancinhas, porque delas é o Reino de Deus” (Mt 19, 14). 1 Cf. ROBERT, André; TRICOT, A. Initiation biblique. 2.ed. Paris: Desclée, 1948, p.679. 2 D’HAUTERIVE, P. La suma del predicador. Paris: Louis Vivès, 1888, t.II, p.104. 3 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 2007, t.II, p.131. 4 SAN PEDRO CRISÓLOGO, apud ODEN, Thomas (Org.). La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2004, p.78. 5 Idem, ibidem. 6 BOSSUET, Jacques Bénigne. Œuvres choisies de Bossuet. Versailles: J. A. Lebel, 1821, p.425. 7 SAN BERNARDO DE CLARAVAL. Obras completas. Madrid: BAC, 1953, t.I, p.292-293. 8 SAINT LÉON LE GRAND. Sermo VII in Epiphaniae Solemnitate. In: Sermons. 2.ed. Paris: Du Cerf, 1964, v.I, p.280. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 35 Wikipedia São Thomas Becket – O Arcebispo mártir de Canterbury “Não te é lícito”! A verdade é invencível porque sua força provém do próprio Deus. Por mais que ela sofra aparentes derrotas, sempre acaba por triunfar. “São Thomas Becket” - vitral do séc. XIII da Catedral da Canterbury (Inglaterra) “N on licet tibi” — “Não te é lícito” (Mc 6, 18). As graves palavras do Precursor ressoavam nos ouvidos de Herodes Antipas, lembrando-lhe quanto desagradava ao Céu sua incestuosa união com Herodíades, a esposa de seu irmão Filipe. E quando, a instâncias de Salomé, os lábios de São João Batista foram para sempre calados pela espada do verdugo, dir-se-ia que essas recriminações haveriam de cessar definitivamente. Entretanto, não foi assim: o rei criminoso viveria até o fim de seus dias atormentado pela lembrança do profeta que continuava a interpelá-lo: “Non licet tibi”! Há nesta passagem evangélica um exemplo paradigmático da luta entre o bem e o mal na face da Terra. De um lado está o rei adúltero, orgulhoso, sensual e egoísta, lutando por satisfazer seus vícios e interesses; de outro, uma alma de inquebrantável retidão, disposta a defender a Lei do Altíssimo, com o preço de seu sangue se preciso fosse. Na aparência, a vitória foi do primeiro; mas, na reali- Irmã Maria Teresa Ribeiro Matos, EP dade, nem o cárcere nem o patíbulo conseguiram silenciar a força da verdade proclamada com destemor por quem era justo. Mais de um milênio após esse episódio, tendo a Igreja civilizado as nações e estabelecido sua influência espiritual sobre elas, uma voz serena e firme como a do Precursor fez-se ouvir na Inglaterra, recordando a um rei tirano os limites do poder real: a de São Thomas Becket. O início de uma contenda Era o dia 1º de outubro de 1163. Começava na abadia de Westminster o sínodo convocado pelo rei Henrique II para debater questões concernentes ao governo da Igreja na Inglaterra. O monarca não concordava com o privilegium fori do clero e, ademais, não admitia que súditos seus fossem excomungados sem o consentimento real. Queria, ademais, que fossem restauradas outras prerrogativas desfrutadas por seus antecessores normandos. Todos os Bispos eram unânimes quanto à impossibilidade de ceder a tais pretensões do soberano. Mas 36 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 quem se levantaria para enfrentá-lo? Cabia ao Arcebispo de Canterbury, Primaz da Inglaterra, a difícil tarefa. Thomas Becket, que ainda havia pouco era Chanceler Real e grande amigo de Henrique II, assumiu o grave encargo. No momento oportuno, levantou-se e explicou ao rei a independência do poder espiritual em relação ao temporal, discorreu sobre o caráter sagrado do sacerdócio e, afinal, alegou os antigos direitos que possuíam os Bispos de julgar e punir os membros do clero. O monarca encolerizou-se. Interrompendo as palavras do prelado, exigiu que todos aceitassem sem condições as propostas por ele feitas. São Thomas Becket respondeu que obedeceriam salvo ordine suo, isto é, na medida em que as regras por ele ditadas fossem lícitas para um clérigo. Ao ouvir isto, o rei se retirou irado, sem dizer sequer uma palavra de despedida. Harmonia entre os dois poderes A contenda entre os Bispos ingleses e seu monarca não resultava Nove cláusulas inaceitáveis Tomando conhecimento do acontecido em Westminster, o Papa Alexandre III enviou mensageiros a São Thomas Becket, recomendando-lhe que, pela paz da Igreja, procu- O Primaz da Inglaterra não podia rasse entrar em entendimento com o rei. Mas o monarca, ferido em seu de forma alguma aceitar essas consamor-próprio, exigia uma retrata- tituições que de tal modo subjugação pública perante todos os Bispos vam o poder espiritual ao temporal. Apenas cinco das dezesseis cláusue barões do reino. O Palácio de Clarendon, nas pro- las, concernentes de fato ao goverximidades da atual Salisbury, foi o lu- no civil, eram, de fato aceitáveis, e gar escolhido para tal encontro, que foram posteriormente admitidas pese realizou no dia 13 de janeiro de lo Papa. 1164, em um ambiente de demonsO julgamento de Northampton trações de fúria do rei e ameaças dos barões. Desejando o soberano deiO rei, porém, não pensava do xar ali bem assentadas as bases de mesmo modo. Estava decidido a seu domínio sobre a Igreja, mandou submeter a Igreja a suas pretenredigir uma lista completa das nor- sões e, para isso, decretou a ruína mas cuja imposição ele tinha em mi- de quem com tanta força se opura. Eram as tristemente conhecidas nha a elas. Acusando-o de falsos deConstituições de Clarendon, compos- litos jurídicos e financeiros, ademais tas por dezesseis cláusulas. de perjuro por não aceitar as ConsGrande choque teve o Arcebispo tituições de Clarendon — que havia quando leu o texto. Algumas dessas cláusulas atribuíam ao poder real decisões até então de competência da autoridade eclesiástica, outras atentavam contra a liberdade da Igreja. Assim, por exemplo, os Bispos passavam a depender da aprovação do soberano para sair do reino. Precisavam também de uma autorização de Henrique II para excomungar qualquer alto funcionário ou oficial do rei. Não podiam, nas causas eclesiásticas, apelar ao Papa como última instância. Quando ficava vacante uma sé episcopal ou uma abadia, esta caía em poder do soberano. Ele auferia todos os seus rendimentos e benefícios até tomar posse o novo titular, cuja eleição seria feita na capela real e com o Alexandre III recebeu a São Thomas com total consentimento do rei, ao benevolência e aprovou sua conduta qual o novo Bispo ou abade devia jurar lealdade "Encontro de São Tomas Becket com o Papa", alabastro, séc. XVI - Victoria & Albert Museum, Londres como vassalo. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 37 Dario Iallorenzi excessivamente incomum naqueles conturbados séculos. Os limites da separação dos poderes temporal e espiritual, estabelecida pelo próprio Cristo — “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21) —, não estavam bem definidos ainda, trazendo, como consequência, frequentes e acirrados conflitos. Por ser a Igreja uma sociedade visível, constituída por homens, muitos soberanos da época arrogavam-se o direito de nomear Bispos, legislar sobre a organização interna da Esposa de Cristo, dispor de suas rendas ou governar livremente sobre os membros do clero, obviando a circunstância de serem pessoas sagradas. Ora, é justamente a independência do poder civil que permite à Igreja desempenhar seu labor em favor da sociedade, criando condições que tornam a Terra aprazível e habitável, bem como iluminando o poder temporal — rigorosamente soberano, na sua esfera — com uma luz celeste que o eleva, consolida e nobilita. A Igreja necessita da ação do Estado sobre a sociedade, mas este jamais conseguirá alcançar com plenitude seu objetivo se não estiver em perfeito acordo com aquela. Da harmonia entre os poderes espiritual e temporal resulta que Deus jamais é tão bem servido como quando César se porta como seu filho; e César jamais é tão grande como quando é filho de Deus. Essa era a grande verdade que respaldava a atitude do Arcebispo de Canterbury, e que o orgulhoso rei Henrique não queria admitir. Dario Iallorenzi ciliação, ora promovidas pelo prometido aceitar sem conhePontífice, ora pelo rei da Francer seu conteúdo —, o eclesiça. Chegar a um acordo não ástico foi intimado a compareera fácil, pois, como escrevia cer diante da corte reunida em São Thomas ao Papa, se prevaNorthampton, no mês de outulecessem as exigências do mobro de 1164. narca inglês, “a autoridade da Ante as inusitadas denúncias, Sé Apostólica na Inglaterra deo Arcebispo pediu a Henrique sapareceria completamente ou um tempo para aconselhar-se seria reduzida a quase nada”.3 com seus irmãos no episcopado e preparar sua defesa. “Atua Henrique II, por seu lado, sem temor”, disse-lhe seu conreconhecia que, caso continufessor Robert de Merton, “escoasse com sua política de opolheste servir a Deus no lugar do sição à Igreja, teria de sofrer rei. Continua assim e Deus não penas canônicas. “Sei que te decepcionará”.1 lançarão um interdito sobre meu reino, mas não posso eu, Thomas compreendera a funque sou capaz de tomar uma do a luta na qual se engajara, e fortaleza por dia, aprisionar estava disposto a levá-la até o fim. um clérigo que ponha em inEntretanto, a maioria dos Bispos, terdito minha terra?”4, inquitemendo perder as boas graças do soberano, insistiam com o Pririu a um legado papal. maz para que cedesse perante o O temor a Deus não harei e renunciasse a seu cargo. via ainda se extinguido por O Arcebispo de Canterbury, inteiro na alma de Henrique entretanto, fazendo valer sua e, finalmente, após inúmeTriunfal foi a acolhida do povo de Canterbury primazia, proibiu os Bispos de ras ameaças da parte do Sua seu saudoso pastor tomarem parte no julgamento, mo Pontífice, resolveu fazer "São Thomas Becket desembarca em Sandwich, caso este chegasse a se realizar, um acordo com o Arcebispo. Inglaterra" - peça em alabastro, séc. XVI - Victoria & Albert Museum, Londres e ordenou que excomungassem Autorizou-o a voltar para sua qualquer um que usasse de vioDiocese, sem consentir, polência com ele. sa, depois de várias peripécias, cru- rém, em dar-lhe o beijo de paz. Dirigiu-se então ao castelo real zou o Canal da Mancha e foi refuDe volta à Pátria de Northampton, onde, após o Pri- giar-se na França, onde o rei Luís maz apresentar sua defesa, o rei VII o acolheu solicitamente. Triunfal foi a acolhida do povo reuniu o Conselho para decidir sua Logo depois se dirigiu para Sens, de Canterbury, no dia 2 de dezemsorte. Sentado em outro aposento, onde se encontrava temporariamen- bro de 1170, a seu saudoso pastor. Thomas Becket aguardava com cal- te o Papa Alexandre III. Este o re- Ele, entretanto, estava convencido ma e segurança a sentença. cebeu com total benevolência, apro- de que a paz não seria duradoura. Segundo um conceituado biógra- vou sua conduta e reafirmou a con- Como ensina Santo Agostinho, “a fo, o Arcebispo foi condenado prova- denação das Constituições de Cla- paz é a tranquilidade da ordem”.5 Se velmente à prisão perpétua. “Porém rendon. Também lhe concedeu o há- não prevalecesse a ordem posta pea sentença nunca foi declarada, por- bito da Ordem de Cister, que mui- las leis de Deus e da Igreja, não exisque quando uma comissão se apre- to almejava, passando o santo Arce- tiria verdadeira paz. sentou para dar-lhe conhecimento, bispo a residir na abadia de PontigNo dia seguinte, três mensageiros cada um foi passando para outro a ny, onde compartilhou a frugal vida chegaram a Canterbury da parte dos incumbência, ninguém a aceitou”.2 dos monges cistercienses e retomou Arcebispos Roger, de York, Gilbert, o estudo de teologia, principalmente de Londres, e Jocelin, de Salisbury, Seis anos de exílio e tratativas das Sagradas Escrituras. os quais mandavam pedir a revogaEnquanto isso, transcorreram qua- ção da excomunhão lançada sobre Vendo que havia sido decretada sua ruína, São Thomas Becket deci- se seis anos de intrincadas atividades eles, por terem procedido à cerimôdiu fugir do país. Numa noite chuvo- diplomáticas e de tentativas de recon- nia de coroação do f ilho do rei, con38 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 trariando proibição expressa do Arcebispo Primaz e do próprio Vigário de Cristo. Thomas mandou responder-lhes que uma pena imposta pelo Papa só por ele poderia ser abolida. A resposta fez reacender a cólera de Henrique II, já incomodado com a comovida recepção brindada pelo povo a seu legítimo Prelado. A cada dia, acentuava-se na corte o clima de inimizade contra o Arcebispo. Um biógrafo de Thomas Becket afirma que o rei, arrebatado de fúria, excitava seus cortesãos com frases como esta: “Que coleção de ociosos covardes tenho em meu reino, os quais permitem que um clérigo de baixa extração zombe vergonhosamente de mim!”.6 Alguns deles, decidiram ouvi-lo... Na tarde de 29 de dezembro, quatro cavaleiros se apresentaram em Canterbury como vindos “da parte do rei” e foram recebidos pelo Arcebispo num salão contíguo à catedral. Um deles interpelou o eclesiástico em termos agressivos, pela sua recusa em absolver os clérigos e monges excomungados. — A sentença não foi minha, mas do Papa. Que os interessados se dirijam a ele para pedir o perdão — respondeu Thomas. — Digo-te o que o rei disse: foste suficientemente louco para excomungar seus oficiais. A estas palavras, relativas aos anátemas lançados por São Thomas contra os barões que haviam se apropriado das terras da Diocese, o Arcebispo levantou-se, replicando: — Castigarei qualquer um que viole os direitos da Sé Romana ou da Igreja de Cristo. A vitória da verdade Os cavaleiros, furiosos, retiraram-se para pegar as armas, en- Se rg io l Ho lm an n Estava tudo acabado? Pelo contrário! A força da verdade uma vez mais seria vitoriosa “Martírio de São Thomas Becket” Catedral de Lisieux (França) quanto alguns monges e servidores do destemido Prelado, vendo o grande perigo que ele corria, conseguiram a custo levá-lo para a catedral. Era a hora do cântico das Vésperas e o templo estava cheio. Após o cortejo dos monges e do santo Arcebispo, penetraram furiosos ali os cavaleiros armados e, com as espadas desembainhadas, precipitaram-se sobre este último. — Absolve os Bispos! — gritou um deles. Investiram então, de espada em punho, contra o indefeso ministro de Deus. O primeiro golpe atingiu os ombros de Thomas, e os seguintes feriram-lhe a cabeça. Seu cruciferário, tentando desviar com o braço um dos golpes, recebeu uma forte lesão que lhe rompeu até os ossos. “Estou disposto a morrer por meu Senhor. Que meu sangue salve a liberdade da Igreja e a paz”7, exclamou o mártir, de joelhos. Um novo golpe o prostrou morto por terra, com os braços estendidos, como se estivesse rezando. Estava tudo acabado? Pelo contrário! A força da verdade, que levara João Batista a triunfar sobre Herodes Antipas, uma vez mais seria vitoriosa. O túmulo de Thomas Becket tornou-se centro de peregrinação, e entre os inumeráveis devotos que acorreram à sua sepultura encontrava-se o próprio Henrique II que, depois de ter pedido perdão ao Papa e renunciado às Constituições de Clarendon, se dirigira a Canterbury para pedir clemência ao santo mártir. Invencível é o poder da verdade. O erro e o mal encontram seu dinamismo na natureza humana decaída pelo pecado, aliada ao demônio. A força da verdade, porém, está em algo infinitamente superior: o próprio Deus. Ele jamais nega sua graça àqueles que lutam por seu nome. Assim, por mais que a verdade sofra aparentes derrotas, no fim é sempre vencedora, porque sua fonte é o Deus eterno e imortal. 1 KNOWLES, David. Thomas Becket. Madrid: Rialp, 1980, p.148 2 Idem, p.151. 3 Idem, p.180. 4 Idem, p.184. 5 SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus. L.XIX, c.13. 6 KNOWLES, op.cit., p.205. 7 AUBE, Pierre. Thomas Becket. Madrid: Palabra, 1994, p.334. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 39 card-fxthuan.org nia Litúrgica, que deverá realizar-se de forma discreta, “como uma celebração local”. Milenário da Abadia de Solesmes Com uma solene Missa pontifical, cantada em gregoriano, encerrou-se no dia 12 de outubro o ano comemorativo do milenário da Abadia de Solesmes, França. Foi principal celebrante o enviado especial do Papa Bento XVI, Cardeal Jean-Louis Tauran, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Participaram também do esplendoroso ato de louvor e ação de graças o Cardeal Jean-Pierre Ricard, Arcebispo de Bordeaux, o Arcebispo Luigi Ventura, Núncio Apostólico na França, quinze Bispos e quarenta abades de outros mosteiros. No Laos, primeira ordenação sacerdotal em 40 anos O Vicariato Apostólico de Luang Prabang, no Laos do Norte, anunciou “com compreensível alegria e emoção” a realização no próximo 12 de dezembro, da primeira ordenação presbiteral em quarenta anos nessa nação asiática — informa a agência AsiaNews. Caberá ao novo sacerdote, Pedro Buntha Silaphet, de 30 anos de idade, exercer seu ministério num país de seis milhões de habitantes, dos quais apenas 46 mil são católicos. A Igreja de Laos enfrenta numerosas dificuldades para praticar sua Fé. O Administrador Apostólico Dom Tito Banchong precisou obter diversas licenças das autoridades para poder realizar a cerimô- Iniciado processo de beatificação do Cardeal Van Thuân Comunhão e Libertação promove “Meeting do Cairo” “O Meeting de Rimini desembarca no Cairo com três mil participantes”. Com este título, o hebdomadário italiano Tempi (edição on-line, 29/10/2010) noticia a realização do primeiro Meeting para a Amizade entre os Povos no Cairo, nos dias 28 e 29 de outubro. Promovido pelo Movimento Eclesial Comunhão e Libertação — com a colaboração do Centro Cultural Ta’Wassul e da American Muslim Foundation International —, o evento contou com a presença do Patriarca Católico Copta de Alexandria, Dom Antonios Naguib, bem como de dois ministros do governo egípcio, um representante do Ministro da Cultura, e diversas personalidades do mundo cultural árabe, entre as quais o decano da Faculdade de Teologia da Universidade Islâmica de Al-Azhar e o vice-reitor da Universidade do Cairo. O vasto programa de exposições, espetáculos e debates teve como tema central o lema A beleza, espaço do diálogo. Foi presidido por Tahani al-Jibaly, vice-presidente do Supremo Tribunal Constitucional e primeira mulher egípcia a ocupar o cargo de juiz. 40 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 Em ato realizado no Palácio Lateranense no dia 22 de outubro, o Cardeal Agostino Vallini, Vigário do Papa para a Diocese de Roma, deu início à fase diocesana da causa de beatificação do Cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van Thuân. Nesta primeira etapa, a autoridade competente recolhe a documentação, ouve os depoimentos e faz as devidas investigações sobre a vida, as virtudes e a fama de santidade do Servo de Deus. Nguyên Van Thuân nasceu em 1928 e recebeu a ordenação sacerdotal em 1953. Foi nomeado Bispo de Nha Trang em 1967 e elevado ao cargo de Arcebispo coadjutor da antiga Saigon, em 24 de abril de 1975. Poucos meses depois, com o advento do regime comunista, foi preso e passou treze anos no cárcere, sem julgamento nem sentença. Libertado em 1988 e expulso do país em 1991, recebeu em Roma paternal acolhida do Papa João Paulo II, que o nomeou Presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz em 1998 e o elevou à dignidade cardinalícia três anos depois. Faleceu em 16 de setembro de 2002. Cardeal Rodé visita Angola como enviado pontifício O Cardeal Franc Rodé participou, como enviado especial do Concluído o Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio L'Osservatore Romano Os trabalhos encerraram-se com a aprovação “Parece-me que este é o dom mais importante do Sínodo que vivemos e realizamos: a comunhão que nos de 44 propostas divididas em três seções: A presenune a todos e que em si é também testemunho”. Com ça cristã no Oriente Médio, A comunhão eclesial e O estas palavras sintetizou o Papa Bento XVI, durante o testemunho cristão: provas da ressurreição e do amor. almoço de encerramento do Sínodo dos Bispos para o Elas foram apresentadas ao Papa, para que este posOriente Médio, o clima de unidade e rica diversidade sa utilizá-las, se julgar conveniente, na preparação da Exortação Apostólica, documento com o qual se vivido nas duas semanas que durou essa Assembleia. “Vimos a diversidade dessa comunhão”, afirmou conclui oficialmente um Sínodo. Na homilia da Missa de encerramento, Bento o Santo Padre. “Sois igrejas de diversos ritos que contudo formam, junto com todos os outros ritos, a XVI fez notar que nessa Assembleia viveu-se a uniúnica Igreja Católica. É bonito ver esta verdadeira dade da Igreja na variedade das Igrejas do Oriente catolicidade, que é tão rica de diversidade, de pos- Médio. “Guiados pelo Espírito Santo, tornamo-nos sibilidades, de culturas diferentes; e todavia, é exata- ‘um só corpo e uma só alma’ na Fé, na Esperança e mente assim que cresce a polifonia de uma única Fé, na Caridade” — afirmou. Entre vários outros temas, Sua Santidade ressalde uma comunhão verdadeira dos corações, que só o tou a necessidade da paz, esclarecendo que a Palavra Senhor pode dar”. Inaugurada em 10 de outubro com solene Missa ce- da Salvação “é a única Palavra capaz de romper o círlebrada por Sua Santidade, a Assembleia especial do culo vicioso da vingança, do ódio, da violência”. Pois, acrescentou, “de um coSínodo contou com a parração purificado, em paz ticipação de 185 padres sicom Deus e com o próxinodais, que ao longo das 14 mo, podem nascer resoCongregações Gerais realuções e iniciativas de paz lizaram mais de 200 interem nível local, nacional e venções pessoais em torno internacional”. Por fim, do tema central dessas duenfatizou: “É preciso nunas semanas de reflexões e ca se conformar com a faldebates: A Igreja Católica ta da paz. A paz é possível. no Médio Oriente – ComuSessão de abertura A paz é urgente”. nhão e Testemunho. Papa Bento XVI, das comemorações do 25º aniversário de fundação da Conferência dos Religiosos e Religiosas de Angola, de 22 a 25 de outubro. Em Missa celebrada no dia 24 na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Luanda, o Cardeal assinalou, segundo informa a Rádio Nacional de Angola, que “nesta terra angolana os consagrados e as consagradas têm-se comprometido com as suas próprias vidas doadas por amor, trabalham com castidade contra a propagação do egoísmo, a pobreza, a sede do dinheiro e poder, a obediência livremente escolhida ao individualismo e ao relativismo que afligem a sociedade, com a intenção de torná-la com mais esperança”. No dia 27, antes de partir para Roma, o Cardeal teve uma audiência com o Ministro angolano das Relações Exteriores, Assunção Afonso dos Anjos, da qual participaram o Núncio Apostólico e altos funcionários do Ministério. Esse encontro, comentou o enviado do Papa, “reflete o bom estado das relações entre Angola e a Santa Sé”. Em declarações à agência Angop, reproduzidas por Zenit, o Cardeal mostrou-se convencido de que, dentro de alguns anos, a Angola poderá ser “uma nação totalmente diferente”, e reafirmou a colaboração da Igreja em “seu progresso espiritual e material”. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 41 Na missa dominical internacional no Santuário de Fátima, a 14 de Novembro, o Reitor do Santuário reflectiu sobre a carência de sacerdotes na Europa. “A carência de sacerdotes a que assistimos em Portugal e na Europa é um sintoma daquilo que é a sociedade em que vivemos: distante de Deus, fechada à dimensão espiritual da vida e constituída por pessoas cada vez menos generosas e, por isso, incapazes de por Ele dar a vida”, afirmou o Padre Virgílio Antunes durante a homilia da referida eucaristia. No entanto, considera o Reitor, a diminuição das vocações deve-se também à actuação da própria Igreja. O que há então a fazer? Na reflexão do Padre Virgílio Antunes a mudança ainda é possível. “Já começámos a redescobrir a força e o valor da oração que converte os corações dos homens e abre o coração de Deus às necessidades dos seus filhos. A Igreja já se sente a fazer um caminho de purificação, de abertura ao Espírito, de leitura dos sinais positivos e negativos. (…) As vocações sacerdotais hão-de continuar a surgir numa Igreja constituída por pessoas e comunidades que se constroem alicerçadas na fé, confiantes na força da oração, alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia, que trabalha com esforço e fadiga, que dá testemunho e persevera. Essa é a Igreja que estamos dispostos a edificar”, conclui o Reitor. Lançado o XII volume da Opera Omnia do Cardeal Ratzinger O XII volume da Opera Omnia do Cardeal Joseph Ratzinger foi apresentado à imprensa pelo Bispo de Regensburg (Alemanha), Dom Gerhard Ludwig Müller, em ato realizado no dia 3 de novembro, na Sala de Imprensa da Santa Sé. Proclamadores da Palavra e servos de vossa alegria – Teologia e espiritualidade do Sacramento da Ordem é o título do novo volume, editado em alemão, cujos textos — alguns pouco anteriores à abertura do Concílio Vaticano II — abarcam quase meio século. Pelos escritos recolhidos nesse volume, declarou Dom Ludwig, o atual Papa “indica um caminho para sair da crise na qual caiu o sacerdote católico por causa de posições teológicas e sociológicas deficientes, e de declarações capazes de suscitar em numerosos padres, que tinham empreendido com amor e zelo seu caminho, uma insegurança pessoal e uma perturbação no que diz respeito ao seu papel dentro da Igreja”. Gustavo Kralj Reitor do Santuário de Fátima reflecte sobre carência de sacerdotes na Europa Manuscritos do Mar Morto disponíveis na internet A Autoridade de Antiguidades de Israel (AAI) uniu-se à empresa norte-americana Google para pôr à disposição de todos gratuitamente, na internet, os 900 rolos dos Manuscritos do Mar Morto. O trabalho de digitalização está em andamento. Dentro de poucos meses estarão disponíveis as primeiras imagens, e prevê-se que o projeto será concluído no prazo de cinco anos. Os textos poderão ser consultados nos seus idiomas originais (hebreu, aramaico e grego) e na tradu- 42 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 ção em inglês. Os estudiosos contarão também com dados adicionais introduzidos para facilitar buscas e pesquisas. “Trata-se da descoberta mais importante do século XX e vamos compartilhá-la com a tecnologia mais avançada do século XXI”, afirmou à imprensa Pnina Shor, chefe da Seção de Conservação de Artefatos do Departamento de Antiguidades de Israel. Bento XVI proclama seis novos santos Dezenas de milhares de fiéis aguardavam a chegada do Papa Bento XVI à Praça de São Pedro, em 17 de outubro, para a canonização de seis bem-aventurados. A cerimônia começou com a leitura de breves dados biográficos de cada um deles, feita por Dom Angelo Amato, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. “Caros irmãos e irmãs, renova-se hoje na Praça de São Pedro a festa da santidade. [...] Demos graças ao Senhor pela dádiva da santidade que resplandece na Igreja e hoje transparece no rosto destes nossos irmãos e irmãs. Jesus convida também cada um de nós a segui-Lo para ter como herança a Vida Eterna” — incentivou o Santo Padre, em sua homilia. São estes os novos santos que a Igreja propõe a todo o orbe católico como exemplo a seguir e intercessores a invocar: Santo Estanislau Kazimierczyk Sołtys (1433-1489) – Sacerdote polonês, da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses. Grande devoto da Eucaristia, dedicou-se à educação e assistência aos necessitados. Santo André Bessette (18451937) – Religioso canadense da Congregação da Santa Cruz. Humilde porteiro do colégio, conhecido como “o Taumaturgo de Montreal”. (Ver biografia em Revista Arau- Cinco bispos anglicanos vão passar para a Igreja Católica Cinco bispos anglicanos devem ingressar em breve nos novos ordinariatos que estão sendo organizados pelo Vaticano segundo as normas da Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus. Três deles estão à frente das dioceses de Ebbsfleet, Richborough e Fulham, e dois são eméritos, embora continuem ativos como bispos assistentes honorários de Winchester e Exeter. Os cinco fazem parte de uma ala conhecida como anglo-católica, cuja aspiração sempre foi a de trabalhar para que a igreja nacional inglesa volte ao seio da Igreja de Roma. Eles assinaram uma declaração entregue à imprensa em 9 de novembro, na qual afirmam: “Ficamos perplexos por termos visto, durante os últimos 30 anos, os anglicanos e os católicos se distanciarem cada vez mais a respeito de questões da atualidade”. Referem-se à intro- dução, na Igreja Anglicana, de novidades que se chocam com a tradição e a doutrina católicas, como a ordenação sacerdotal e episcopal de mulheres, e problemas referentes à fé. A união dos cristãos, dizem eles, “só é possível na união eucarística com o sucessor de Pedro”. O Pe. Federico Lombardi, diretor do escritório de imprensa do Vaticano, comentando a notícia, afirma estar em estudo uma “constituição” que orientará a recepção de antigos bispos anglicanos na Igreja Católica. No momento oportuno, acrescentou, serão dadas a público notícias sobre o estabelecimento do primeiro ordinariato inglês. De seu turno, falando em nome da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e País de Gales, Dom Alan Hopes, expressou os votos de boas-vindas aos cinco bispos anglicanos. Wikipedia tos do Evangelho, nº 106 – outubro 2010). Santa Cândida Maria de Jesus Cipitria y Barriola (1845-1912) – Freira espanhola, fundadora da Congregação das Filhas de Jesus, para “levar a todos a esperança que não vacila, e de maneira especial àqueles que mais têm necessidade”, disse o Papa. Santa Maria da Cruz MacKillop (1842-1909) – Primeira santa australiana, fundadora da Congregação das Irmãs de São José do Sagrado Coração. Dedicou-se desde jovem à formação intelectual e espiritual dos pobres. Santa Giulia Salzano (18461929) – Freira italiana, fundadora da Congregação das Irmãs Catequistas do Sagrado Coração de Jesus. Santa Batista Camila Varano (1458-1524) – Princesa italiana que renunciou ao mundo e ingressou na Ordem da Clarissas. Filme sobre a vida do Cardeal Newman A beatificação do Cardeal John Henry Newman, por ocasião da recente visita do Papa Bento XVI ao Reino Unido, suscitou no mundo inteiro uma onda de interesse pela personalidade do novo Bem-aventurado, nascido no anglicanismo e convertido à Igreja Católica aos 44 anos de idade. Assim, a conhecida produtora e diretora Liana Marabini decidiu tomar a vida do Purpurado inglês como tema de uma película a ser lançada brevemente: The Unseen world (O mundo invisível), informa o diário inglês Catholic Herald. O roteiro do filme incluirá cenas em Roma, no seminário de Oscott, nas cercanias de Birmingham, cidade onde Newman exerceu intenso apostolado, e em Oxford. Segundo notícia da TV italiana RAI, Liana Marabini espera que sua obra O mundo invisível reflita o relacionamento metafísico entre Deus e os homens, patente nos escritos do Beato John Henry Newman. Faleceu o cofundador dos Padres Missionários da Caridade Faleceu no dia 15 de outubro, em Tijuana (México), o Pe. Joseph Michael Langford, que fundou em 1984, junto com Madre Teresa de Calcutá, o ramo sacerdotal dos Missionários da Caridade. Pe. Langford nasceu em Ohio, Estados Unidos, em 1951, cursou Filosofia e Teologia no Angelicum, de Roma, e foi ordenado sacerdote em 1978. Ainda seminarista, prestava serviços como voluntário no albergue para indigentes, mantido pelas Missionárias da Caridade nas proximidades do Coliseu. Em 1983, confidenciou a Madre Teresa seu desejo de que se formasse um ramo sacerdotal dos Irmãos Missionários da Caridade. Surgiu assim na Congregação, no ano seguinte, o ramo dos Padres Missionários da Caridade, que exercem seu ministério nas ruas e nos albergues das grandes cidades. O Pe. Langford foi seu superior geral no período 1996–1998. Em setembro de 2009, publicou o livro intitulado O fogo secreto da Madre Teresa. Transferiu-se em 1988 para Tijuana, onde desempenhou várias funções até o dia de sua morte. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 43 Polônia tem a maior imagem de Cristo do mundo Relíquias de Dom Bosco peregrinam pela Ásia e Oceania Na cidade polonesa de Swiebodzin, concluiu-se em 6 de novembro a construção de uma imagem do Cristo Redentor de 36 metros de altura: 33 metros da estátua, simbolizando os 33 anos de vida de Jesus, mais três metros da coroa dourada, símbolo dos três anos de sua vida pública. Colocada sobre um pedestal de 16 metros, a majestosa estátua pode ser vista de uma grande distância e é agora a mais alta imagem de Cristo do mundo, superando a do Cristo de La Concordia (Cochabamba, Bolívia, com 34 metros) e a do Cristo do Corcovado (Rio de Janeiro, com 33 metros). Foi o Pe. Sylwester Zawadzki, da Paróquia da Divina Misericórdia, de Swiebodzin, que lançou a ideia da grandiosa obra. Os trabalhos de construção duraram três anos e todos os gastos foram cobertos com donativos dos fiéis, coletados na Polônia e em diversos outros países. Recomeçou na Coreia do Sul, no dia da Solenidade de Todos os Santos, a peregrinação da urna contendo relíquias de Dom Bosco, que percorrerá até abril de 2011 a região salesiana da Ásia Leste e Oceania, informa a agência ANS. O ato inicial em Seul contou com a animação musical dos jovens do Dom Bosco Youth Centre, que fizeram ressoar instrumentos da tradição coreana, fabricados por eles mesmos. Num discurso de boas-vindas em nome de todos os salesianos da região, disse o Pe. Nam: “Bem-vindo à Coreia, Dom Bosco, pai dos jovens pobres! Fale aos nossos jovens! Encoraje-os! E especialmente conceda a todos os que o seguem a sua paixão pela salvação dos jovens!”. Capela Musical Pontifícia tem novo diretor O Papa Bento XVI nomeou diretor da Capela Musical Pontifícia, mais conhecida como “Capela Sistina”, o padre salesiano Massimo Palombella, professor da Pontifícia Universidade Salesiana, fundador e diretor do Coro Interuniversitário de Roma. Pe. Palombella nasceu em 1967 e foi ordenado sacerdote em 1996. Obteve doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Salesiana e diplomou-se em Composição Musical no Conservatório de Turim. É docente de Linguagens da Música na Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Sapienza, de Roma. O novo diretor substitui no cargo Mons. Giuseppe Liberto, que dirigia a Capela Sistina desde 1997. Nova sede do Seminário Arquidiocesano em Cuba O Serviço de Imprensa do Vaticano divulgou em 4 de novembro a mensagem do Papa Bento XVI ao Cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino, Arcebispo de La Habana (Cuba), por ocasião da abertura da nova sede, a primeira desde 1960, do Seminário Arquidiocesano dessa cidade. Nela o Santo Padre manifesta a esperança de que essa inauguração seja sinal e estímulo para “um renovado vigor no compromisso de velar pela esmerada preparação humana, espiritual e acadêmica” dos que ali se prepararão para o ministério sacerdotal. Cáritas espanhola amplia campo de assistência por causa da crise A Cáritas espanhola prestou ajuda para gastos de primeira necessidade (alimentação, higiene, etc.) a quase 800 mil pessoas na Espanha em 2009. Foram atendidos 786.273 solicitantes — 152.958 a mais do que em 2008 —, segundo relatório divulgado por essa instituição católica em 27 de outubro. Somando todos os seus programas de assistência, no ano de 2009 a Cári- 44 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 tas espanhola atendeu 1.507.736 pessoas na Espanha e 4.717.195 em outros países, mediante diversos projetos de cooperação internacional. Despendeu nessa atividade mais de 230 milhões de euros, 62 por cento arrecadados de doadores privados, e 38 por cento procedentes de subvenções governamentais. À medida que se agravam as consequências da crise, cresce também a generosidade da população católica espanhola: o número de sócios e contribuintes passou de 225.641 em 2008 para 472.873 em 2009. O grande número de doações de pequeno porte (10 ou 15 euros) demonstra que a crise desperta a solidariedade inclusive de pessoas que também estão em situação de necessidade, observou o Secretário Geral da Cáritas, Sebastián Mora. Madre Bárbara Maix é beatificada Cerca de 15 mil fiéis lotaram o Estádio Gigantinho, de Porto Alegre (Brasil), em 6 de novembro, para participar da cerimônia de beatificação da Madre Bárbara Maix. O ato litúrgico foi presidido pelo Arcebispo Dom Dadeus Grings, em presença do Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri e numerosos outros Arcebispos e Bispos. A bem-aventurada Bárbara nasceu em Viena, em 1818. Filha de família numerosa e pobre, ficou órfã de pai aos 15 anos de idade e passou a trabalhar como modista para garantir seu próprio sustento. Em 1843, abriu uma pensão para acolher empregadas domésticas, às quais procurava dar formação espiritual. Cinco anos depois, tinha já reunido em torno de si 21 jovens, com as quais partiu para o Brasil e fundou em 1949 a Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, que se desdobrava em atender crianças órfãs nos asilos, dar formação a moças abandonadas e cuidar dos doentes. Após a morte da fundadora, em 1873, a Congregação floresceu e expandiu-se para outros países da América e Europa. Brilhe a vossa luz diante dos homens Diante da actual cultura descrente, o Senhor dá-nos a missão de sermos evangelizadores, tornando Deus presente nas nossas vidas. N a visita a Santiago de Compostela e a Barcelona, o Papa Bento XVI mostrou grande preocupação pela actual ausência de Deus da vida pública e da consciência das pessoas. Sem Deus a pessoa humana fica sem referência e sem defesa na sua dignidade e humanismo. Deus é um incentivo à bondade, uma referência para a responsabilidade pela vida, uma fonte de humanismo. Sem Deus o homem fica sem defesa e o património moral sem alicerce. A fé em Deus ajuda a liberdade de cada um Certamente todos notamos o recuo moral que se vai processando na nossa cultura à medida que alastra a indiferença religiosa, o agnosticismo e o ateísmo. Embora os ateus militantes afirmem que Deus impede a liberdade do homem, na realidade o que está a acontecer é que a ausência de Deus conduz ao individualismo, à perda de referências e ao desmoronar dos valores morais. O que verificamos, verdadeiramente, é que a fé em Deus ajuda a liberdade de cada um a ser responsável e a garantir a liberdade e a dignidade dos outros. A actual ausência de Deus não é apenas uma realidade longínqua dos ateus intelectuais, daqueles que estão convencidos que nada mais existe para além do que conclui a inteligência deles. Alastra também no meio de nós. Indiferença e ateísmo são hoje uma moda fácil. Tornam-se presentes na família, nas crianças e adolescentes da catequese. Falta, frequentemente, o sentido de Deus, da Sua providência, do Seu amor e do Seu desígnio a respeito de nós. A ausência de Deus conduz à ausência de projecto e de sentido da vida nas crianças, nos jovens e adultos. Sem o sentido de Deus, a catequese e a educação cristã não têm apoio. A resposta dos crentes ao ateísmo O ateísmo e a indiferença podem ser um desafio a purificar a nossa imagem de Deus. O que muitas vezes recusam os descrentes são as imagens deformadas de Deus que lhes apresentamos ou a incoerência entre a fé que afirmamos e a vida que mostramos. Por isso, a resposta dos crentes ao ateísmo e à indiferença religiosa passa por uma fé mais esclarecida, por uma formação de adultos mais sólida que não seja apenas informação mas progresso no caminho de Cristo e aperfeiçoamento da prática do evangelho. Precisamos de procurar com mais interesse e empenho o rosto de Deus. Não somos donos de Deus, mas buscadores do Seu rosto. Numa atitude de humildade e diálogo com os descrentes. Mas a descrença é também um apelo a desempenharmos a missão que o Senhor confia aos que acreditam: que sejamos evangelizadores, que tornemos Deus presente na nossa vida, nas nossas palavras, para que possa ser anunciado pelo testemunho e pela palavra dos que crêem. A fé nasce do anúncio do evangelho. E o evangelho anuncia-se pelos sinais presentes na vida dos crentes e das comunidades, sobretudo pela bondade, pelo serviço fraterno, pelo perdão e pelo acolhimento. A visibilidade dos sinais é completada e interpretada pelo anúncio da palavra de Deus. A cultura descrente é, portanto, um chamamento a fazer brilhar a luz da fé pela prática do amor: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens”. 16 de Novembro de 2010 D. Manuel Pelino Domingues Bispo de Santarém Texto original no site www.diocese-santarem.pt Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 45 História para crianças... ou adultos cheios de fé? Um presente para o Menino Jesus Perto da meia-noite, as crianças se prepararam às escondidas e saíram pela janela. Carregavam com muito cuidado a caixa contendo o precioso presente. Beatriz Alves dos Santos A quela pitoresca aldeia da Alemanha parecia feita de marzipã. Era dezembro, e as casas tinham seus telhados cobertos por um manto alvíssimo, reluzente à tênue luz do sol de inverno, que parecia brincar de esconder com as nuvens. À noite, as bolinhas coloridas das árvores natalinas, a densa fumaça das chaminés e o perfume dos pães de mel faziam tudo adquirir aparência de sonho. Uma atmosfera jubilosa tomava conta dos corações e as crianças começavam a confeccionar, com as próprias mãos, presentes para serem ofertados ao Menino Jesus depois da Missa do Galo, na matriz. Rudolf era o filho mais velho de uma numerosa família. Ajudava a mãe no cultivo de legumes e tinha muita prática com as coisas do campo. Naquele momento achava-se serrando, com decisão e energia, uma grande tora de madeira conseguida no bosque. Aos poucos foram chegando os irmãos para ajudá-lo. Juntos, decidiram dar de presente para o Divino Infante um novo bercinho, pois o do presépio da matriz era tosco e estava muito gasto. Serraram, lixaram, bateram pregos, poliram e o ornamentaram com palha e ramos de pinheiro. Ficou pronto e lindo o movelzinho, feito com tanto amor. Horas mais tarde chegou a mãe, dona Gertrudes. Havia se tornado uma mulher amarga depois da morte do marido. Mas o pior fora sua súbita perda da fé. Como a família era pobre, com quatro crianças ainda pequenas, ela precisava trabalhar lavando roupas e fazendo faxina em outras casas para manter os filhos. Mas em vez de pedir auxílio ao Céu, confiando no bom Deus, que a ninguém desampara, revoltara-se com sua situação. Vendo o bercinho e adi- Aquela pitoresca aldeia da Alemanha parecia feita de marzipã 46 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 vinhando sua finalidade, tomou-se de cólera e atirou-o na lareira, dizendo: — Já lhes disse que neste ano não teremos Natal! Que vamos celebrar? Se o Menino Jesus existisse nos ajudaria... E, ademais, não temos dinheiro para a lenha. Estes pedaços de madeira vieram bem a calhar, porque faz frio e necessitamos alimentar o fogo. Com a fisionomia fechada, retirou-se à cozinha para preparar a refeição. As crianças começaram a chorar. Franz disse baixinho, entre soluços: — Rudolf, quer dizer que... nem poderemos oferecer um presente ao Menino Jesus? — Ânimo! Vamos pensar em algo... Helga, a caçulinha, replicou: — Podemos fazer-Lhe uma bonita roupinha! Procuraram alguns retalhos na caixa de costura da mãe. Mas não tinham tecido e muito menos mãos hábeis para confeccioná-la... Anette teve a ideia de prepararem bolachas e pães de mel, mas a falta de mantimentos e dotes culinários lhes tirou a alegria. Ralf ainda pensou em compor uma música. Pegou sua flautinha e começou a tocar, mas a desafinação foi geral. Edith Petitclerc Dona Gertrudes, atraída pela algazarra, dirigiu-se à sala. — Parem com este bulício, pois a vizinhança daqui a pouco vai querer saber o que está acontecendo! Helga, com voz trêmula, replicou: — Mas, mamãe, só nossa família não vai comemorar o Natal! — Isso não me importa! Se esse Jesus, de quem vocês falam, fosse Deus de verdade, já teria melhorado nossa mísera condição. Todos ficaram muito tristes e aborrecidos. Quando a mãe saiu, Franz disse aos irmãos: — Vamos rezar, pedindo a Nossa Senhora para nos ajudar a conseguir um presente para seu Divino Filho! — E para tocar o duro coração de mamãe. — acrescentou Anette. Ajoelharam-se todos e rezaram com muita devoção e piedade. Alguns dias depois, Rudolf foi à aldeia vizinha para vender os produtos cultivados na horta. No fim do trabalho, uma senhora, observando sua responsabilidade e empenho, deu-lhe uma bela rosa de seu jardim de inverno, para agradar-lhe. A fisionomia de Rudolf se iluminou! Ali estava o presente do Menino Jesus! Uma flor tão bela como aquela, em pleno inverno, era uma raridade! Regressou apressado, a fim de mostrar aos irmãos como Nossa Senhora atendera suas orações. Mas tiveram a precaução de esconder muito bem a flor numa caixa, para não ser destruída pela mãe. Chegada a véspera do Natal, dona Gertrudes decretou que todos deveriam ir para a cama antes das dez horas. Os outros lares da aldeia, até os mais humildes, estavam engalanados, alegres e cheios de iguarias. Os camponeses vestiam suas melhores roupas para participar da Missa do Galo. Só a casa de Gertrudes permanecia triste e apagada. Porém, perto da meia-noite, as crianças se prepararam às escondidas e saíram pela janela para ir à igreja. Parem com esse bulício! Daqui a pouco a vizinhança vai querer saber o que está acontecendo! Carregavam com muito cuidado a caixa contendo o precioso presente. Chegando à matriz, abriram-na para dar uma olhadinha e... grande espanto! A rosa estava completamente murcha! E agora? Sem ter outra solução, decidiram entregá-la assim mesmo, certos de que o Menino Jesus conheceria a intenção de seus corações. Depois da Missa, ao som do Stille Nacht, as crianças se dirigiram em cortejo ao presépio para entregar seus regalos: trajezinhos de veludo, incenso, perfumes, toda espécie de marzipãs e chocolates, cestas de frutos secos arranjadas com primor. Também os filhos de Gertrudes se aproximaram e, quando Rudolf abriu a caixa... Oh, prodígio! Não havia uma, mas cinco belíssimas rosas de cores variadas, unidas em gracioso buquê por uma delicada fita de seda! Nesse mesmo instante, entrou na matriz dona Gertrudes. Ao sentir-se envolvida pelo ambiente carregado de bênçãos e contemplar a fé inocente das crianças, a pobre mãe irrompeu em pranto. Entre lágrimas, ajoelhou-se diante do presépio, pediu perdão a Deus por suas faltas e ofereceu ao Divino Infante, diante de todos, seu coração contrito e humilhado. O povo amava esta senhora tão sofrida, apesar de todas suas rabugices e desfeitas. Condoia-se pela mísera vida levada por ela e tinha pena dos sofrimentos de seus filhos. Por isso, ao vê-la milagrosamente arrependida, a igreja inteira explodiu em um maravilhoso cântico de ação de graças. A partir desta noite, tudo começou a melhorar para aquela família. Rudolf achou um excelente emprego, perto de casa. Ralf, Franz, Anette e Helga cresciam dando alegrias à boa Gertrudes, a qual se tornara uma extremosa mãe e prestativa vizinha, além de uma das mais piedosas paroquianas da aldeia. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 47 ________ Os Santos de cada dia Santa Maria Josefa Rossello, virgem (†1880). Fundou em Savona, Itália, o Instituto das Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia, para instrução de meninas pobres. 1. Beata Clementina Nengapeta Anuarite, virgem e mártir (†1964). Religiosa da Congregação das Irmãs da Sagrada Família, morta por defender sua virgindade durante a Rebelião Simba, no Congo. 8. Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria. São Macário de Alexandria, mártir (†250). Instigado a renegar a Cristo, professou com maior firmeza a Fé e foi por isso queimado vivo em Alexandria, Egito. 2. São Silvério, Papa e mártir (†537). Recusando-se a reabilitar Antino, bispo herético de Constantinopla, foi, por ordem da Imperatriz Teodora, exilado na ilha de Palmaria, Itália, onde morreu. 9. São João Diego de Cuauhtlatoatzin, vidente de Guadalupe (†1548). São Pedro Fourier, presbítero (†1640). Dirigiu admiravelmente a paupérrima paróquia de Mattaincourt, França, e fundou o Instituto das Cônegas Regulares de Nossa Senhora, para formação gratuita das meninas. 3. São Francisco Xavier, presbítero (†1552). São Sofonias, profeta. No tempo de Josias, rei de Judá, anunciou a ruína dos ímpios e fortaleceu nos pobres e necessitados a esperança da salvação. 5. II Domingo do Advento. Beato Narciso Putz, presbítero e mártir (†1942). Sacerdote polonês encarcerado no campo de concentração de Dachau, Alemanha, onde morreu após atrozes suplícios. 10. Santa Eulália de Mérida, virgem e mártir (†304). Adolescente Sergio Hollmann 4. São João Damasceno, presbítero e doutor da Igreja (†749). Santo Anon, Bispo (†1075). Fundou muitas igrejas e mosteiros na Diocese de Colônia, Alemanha. Homem de valor e talento, gozou de grande prestígio nos meios eclesiásticos e civis, no tempo do Imperador Henrique IV. 48 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 11. São Dâmaso I, Papa (†384). Beato Arturo Bell, presbítero e mártir (†1643). Religioso franciscano executado em Londres no reinado de Carlos I, pelo simples fato de ser sacerdote católico. 12. III Domingo do Advento. Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina. Beato Tiago Capocci, Bispo (†1308). Religioso agostiniano designado Arcebispo de Benevento e depois de Nápoles, Itália. Destacou-se pela sabedoria, prudência e conhecimentos teológicos. 13. Santa Luzia, virgem e mártir (†304). Santa Otília, virgem (†séc. VII). Filha do Duque da Alsácia, França, primeira abadessa do mosteiro de Hohenburg, no qual instalou um hospital para doentes incuráveis e abandonados. Transformou em hospitais e conventos os castelos herdados de seus pais. 14. São João da Cruz, presbítero e doutor da Igreja (†1591). Beato Boaventura de Pistoia, presbítero (†cerca de 1315). Foi prior de vários mosteiros da Ordem dos Servos de Maria. Ajudou São Felipe Benizi a pacificar as facções em luta em muitas cidades da Itália. 6. São Nicolau, Bispo (†séc. IV). São José Nguyễn Duy Khang, mártir (†1861). Catequista e companheiro de viagem do Bispo Jerônimo Hermosilla, no Vietnã. Foi torturado e decapitado durante a perseguição do Imperador Tu Ðúc. 7. Santo Ambrósio, Bispo e doutor da Igreja (†397). que não duvidou em entregar sua vida por amor a Cristo em Mérida, Espanha, durante a perseguição de Diocleciano. “Santa Eulália” Catedral de Barcelona 15. Santa Virgínia Centurione Bracelli, viúva (†1651). Filha do Doge de Gênova, fundou a Obra das Irmãs de Nossa Senhora do Refúgio do Monte Calvário, para socorrer os necessitados. Seu lema era: Servir a Deus nos seus pobres. __________________ Dezembro íta em Unzen, Japão. Por causa de sua Fé, foi submerso em água fervendo. Gustavo Kralj 16. Santa Adelaide, imperatriz (†999). Esposa do imperador do Sacro Império, Oto I. Mostrou-se cheia de caridade para com os indigentes e construiu várias igrejas e mosteiros. 26. Domingo. Festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José. Santo Estêvão, diácono e protomártir. Santa Vicência Maria López Vicuña, virgem (†1890). Fundou em Madri o Instituto das Filhas de Maria Imaculada, para a assistência espiritual e material a empregadas domésticas. 17. Beato Jacinto Cormier, presbítero (†1916). Superior Geral da Ordem Dominicana nascido em Orleans, França, propôs-se restaurar tudo segundo o espírito do fundador, a começar pela oração e pelos estudos. 18. São Malaquias, profeta. Depois do povo judeu retornar da Babilônia, anunciou o grande dia do Senhor e a vinda do Redentor. 27. São João, Apóstolo e Evangelista. Santa Fabíola, viúva (†400). De nobre família romana, fundou um hospital e dedicou-se às orações e ao serviço aos pobres. 19. IV Domingo do Advento. Beato Guilherme de Fenolis, religioso (†1120). Foi um dos primeiros monges da Cartuxa de Casotto, Itália, onde viveu como simples irmão leigo. 20. São Domingos de Silos, abade (†1073). Restaurou a disciplina no mosteiro beneditino de Silos, Espanha, e o converteu num centro de piedade, arte e cultura. 21. São Pedro Canísio, presbítero e doutor da Igreja (†1597). São Temístocles, mártir (†séc. III). Pastor em Lícia, atual Turquia, ocultou aos soldados romanos o esconderijo de São Dióscoro e, tendo-se declarado cristão para fazê-los desistir da busca, foi torturado e morto. 22. Santo Hungero, Bispo (†866). Destacou-se por seu grande zelo pastoral na Diocese de Utrecht, Holanda, transtornada pela invasão dos normandos. 23. São João Câncio, presbítero (†1473). 28. Santos Inocentes, mártires. Santo Antônio de Lérins, monge (†cerca de 520). Após muitos anos de vida eremítica, terminou seus dias no mosteiro de Lérins, França. “São Davi, rei e profeta” Basílica de São Marcos, Veneza Santa Maria Margarida d’Youville, religiosa (†1771). Viúva, educou piedosamente seus dois filhos, encaminhando-os ao sacerdócio. Dedicou-se depois à assistência aos pobres, enfermos e anciãos. Fundou em Montreal, Canadá, a Congregação das Irmãs da Caridade. 24. Beato Bartolomeu Maria dal Monte, presbítero (†1778). Pregou ao povo cristão e ao clero em muitas regiões da Itália. Fundou a Pia Obra das Missões, para a formação missionária do clero diocesano. 25. Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Beato Miguel Nakashima, religioso e mártir (†1628). Catequista jesu- 29. São Tomás Becket, Bispo e mártir (†1170). São Davi, rei e profeta, de cuja estirpe nasceu o Salvador, ao qual os Evangelhos se referem várias vezes como “Jesus, filho de Davi”. 30. Beata Eugênia Ravasco, virgem (†1900). Fundadora do Instituto das Irmãs Filhas dos Sacratíssimos Corações de Jesus e Maria, para educação da juventude feminina e assistência aos meninos pobres e abandonados. 31. São Silvestre I, Papa (†335). Santa Catarina Labouré, virgem (†1876). Religiosa das Filhas da Caridade, em Paris, que recebeu as revelações de Nossa Senhora das Graças. Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 49 Sinal de uma Noite Feliz Deixemos que os inconfundíveis acordes da música natalina por excelência nos transportem misticamente à noite do nascimento do Divino Rei. Q uantas vezes um perfume, uma imagem, um som, um sabor, uma música ou até mesmo uma palavra nos recordam certa época de nossa vida, lembram algum episódio histórico, ou nos fazem reviver momentos especiais. Assim acontece, já no mês de novembro, quando ruas e lojas começam a se preparar para uma das festas mais importantes do ano: o nascimento do Menino Jesus. São muitos os sinais que evocam, sob aspectos diferentes, o momento no qual os Céus se abriram para permitir a descida do Redentor, vindo ao mundo por amor aos homens. A árvore de Natal, belamente enfeitada de bolas coloridas e feéricas luzes, lembra-nos, com seus presentes, o maior dom dado por Deus à hu- manidade: seu próprio Filho! No presépio representa-se a adoração que os Reis do Oriente renderam ao Menino Jesus, levando-Lhe ouro por ser o Rei dos reis, incenso por ser Deus verdadeiro em sua verdadeira humanidade, e mirra por ser o Redentor, que haveria de comprar com seu sofrimento a salvação dos homens. Não podemos nos esquecer do menu da Ceia, parte importante da celebração natalina. Pensado com antecedência, ele procura simbolizar os manjares celestiais em torno dos quais se reúnem os bem-aventurados no Céu empíreo, a fim de propiciar uma conversa amena e um convívio agradável. Mas talvez o que mais fale à alma sejam as músicas natalinas, pervadidas de inocência e trans- 50 Flashes de Fátima · Dezembro 2010 bordantes de afeto para com o Deus Menino nascido em Belém. E, entre todas, expressando por excelência o significado do Natal, está o Stille Nacht. Conta a tradição haver nascido esta famosa canção do coração de dois homens. Um deles foi o padre Joseph Mohr, a quem podemos imaginar no pequeno povoado austríaco de Obendorf, no ano de 1818, preparando seu sermão para a Missa do Galo. Eis que, enquanto ele se encontrava imerso na leitura das Sagradas Escrituras, deitando toda sua atenção sobre elas, tocou à sua porta uma camponesa pedindo-lhe ir abençoar o bebê recém-nascido de um lenhador. O sacerdote agasalhou-se e acompanhou a boa mulher. Pelo ca- Detalhe do presépio do Seminário dos Arautos do Evangelho, Caieiras-SP / Foto: Gustavo Kralj Silvana Gabriela Chacaliaza Panez minho, permanecia absorto, pensando na homilia que haveria de pregar, mas ao chegar à humilde cabana, o cenário com que se deparou marcou-o profundamente. Banhado por débil luz e aquecido por fraca lareira, um leito simples acolhia a jovem mãe com o recém-nascido doce e serenamente adormecido em seus braços, aguardando ser abençoado. Quanta paz! Quanta inocência! Quanta presença do sobrenatural havia naquela singela cena! No retorno, um poema fluiu com extrema facilidade de sua pena descrevendo os sentimentos que embalaram sua alma na pobre choupana. Estava escrito o Stille Nacht! Na manhã seguinte, o padre Mohr se dirigiu à casa de seu grande amigo, Franz Gruber, professor de música do lugar, e mostrou-lhe as linhas que havia escrito. Gruber se encantou com a poesia e, inspirado por sua natalina beleza, logo compôs uma melodia para ela. A partir daí, aquela que marcaria a História como a canção de Natal arquetípica foi sendo difundida aos poucos pelo mundo. E não foram as belas vozes dos cantores nem o melodioso som dos instrumentos que a consagraram, mas sua virtude para impregnar de candura natalina os ambientes onde ela é entoada. Saibamos aproveitar este tempo de Natal, pervadido de bênçãos e inocência, para ver, nas fragilidades de um Deus feito Menino, o Senhor e Criador do Universo. Que nossos sentimentos de ternura e compaixão ao contemplar sua infantil pequenez estejam cumulados de reverência e veneração, junto com o ardente desejo de que todos os homens Lhe entreguem suas vidas, sua vontade e todo o seu ser. Peçamos também a graça de ser inocentes, a fim de podermos entender a fundo o verdadeiro significado do que aconteceu na gruta de Belém. E deixemos que os acordes do Stille Nacht nos transportem misticamente à noite do nascimento do Divino Rei, para podermos rejubilar de alegria com toda a natureza, porque o Invisível se tornou visível, por sua Divina Humanidade, em uma “noite feliz”! Dezembro 2010 · Flashes de Fátima 51 Nossa Senhora com o Menino – Catedral Metropolitana de Birmingham (Inglaterra) M Gustavo Kralj aria, coroada de viva luz, templo do Senhor, lugar de paz e santidade, refúgio da Palavra. Mistério de vida sem pecado em nossa raça decaída, livre da sombra, Vós refletis a plenitude da graça. (Hino da Abadia de Stanbrook, Inglaterra)
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