São Paulo! comoção de minha vida... / Mário de Andrade

Transcrição

São Paulo! comoção de minha vida... / Mário de Andrade
4
VENDA PROIBIDA
Antologia inédita de prosa e poesia de
Mário de Andrade, este livro revela a ligação
visceral do escritor com sua cidade. Irônico
com sua obra, seu país e seu tempo, versando as contradições do progresso, as injustiças sociais e a inelutável solidão do homem,
sua literatura revela-se de impressionante
atualidade.
Coleção De Mão em Mão
Este projeto procura incentivar o gosto
pela leitura. Consiste em distribuir livros
gratuitamente em locais de ampla circulação. O leitor poderá levar as publicações sem
registrar a retirada, com o compromisso de
entregar as obras em pontos de devolução
para, assim, compartilhá-las com outros futuros leitores.
ISBN 978-85-393-0254-3
9 788539 302543
mário de andrade | SÃo Paulo! Comoção de minha vida…
CIRCULAÇÃO GRATUITA
MÁRIO DE ANDRADE
São Paulo!
comoção
de minha vida…
SELETA ORGANIZADA POR
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo
Sao_Paulo_comocao_de_minha_vida_CAPA_grafica.indd 1
09/08/12 14:57
Uma campanha de fomento à
leitura da Secretaria Municipal
de Cultura de São Paulo, em
parceria com a Fundação
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Carlos Roberto Campos de Abreu Sodré
Heloisa Jahn
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
José de Souza Martins
Luciana Veit
Samuel Titan Jr.
Sérgio Vaz
Mário de andrade
São Paulo!
comoção de minha
vida…
seleta organizada por
Telê Ancona Lopez
Tatiana Longo Figueiredo
© 2012 Editora Unesp
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CIP — Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
A565s
Andrade, Mário de, 1893-1945
São Paulo! comoção de minha vida... / Mário de Andrade; seleta
organizada por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo. – São
Paulo: Ed. Unesp: Prefeitura Municipal: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012.
176p. (Projeto De Mão Em Mão)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-393-0254-3 (Unesp)
ISBN 978-85-401-0086-2 (Imprensa Oficial)
1. Andrade, Mário de, 1893-1945. 2. Poesia brasileira. 3. Conto
brasileiro. 4. Modernismo (Literatura) - Brasil. I. Lopez, Telê Ancona.
II. Figueiredo, Tatiana Longo. III. Título. IV. Série.
12-5093.
CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
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Com a distribuição de livros gratuitamente em locais
de ampla circulação, este projeto procura incentivar o gos‑
to pela leitura.
O leitor poderá levar as publicações, sem necessida‑
de de registro de retirada, com o compromisso de que as
obras serão entregues em pontos de devolução e assim
partilhadas com futuros leitores. A iniciativa se insere
dentro das ações da Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo que buscam a efetivação das políticas de leitura
e informação, permitindo que todos os cidadãos tenham
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5
Sumário
Sobre este livro: São Paulo! 11
comoção de minha vida…
I. A poesia15
Inspiração17
Os cortejos 18
O rebanho 19
Tietê20
Paisagem no 1 21
Ode ao burguês 22
Domingo24
Anhangabaú26
Noturno27
Tu30
Colloque sentimental 32
Paisagem no 4 34
XIII – “Seis horas lá em S. Bento.” 35
XVII – “Mário de Andrade, 37
intransigente pacifista […]”
7
XXII – “A manhã roda 39
macia a meu lado”
XXXIII – “Meu gozo profundo 40
ante a manhã sol”
Sambinha41
Paisagem no 5 42
I – Descobrimento 43
II – “Meu cigarro está aceso.” 44
V – “Aquele quarto me sufoca,” 46
Momento48
Toada49
V – Dor 50
Momento52
“Minha viola bonita,” 53
“São Paulo pela noite.” 54
“Garoa do meu São Paulo,” 55
“Vaga um céu indeciso 56
entre nuvens cansadas.”
“Ruas do meu São Paulo,” 57
“O bonde abre a viagem,” 58
“Eu nem sei se vale a pena” 59
“O céu claro tão 61
largo, cheio de calma na tarde,”
“Na rua Barão de Itapetininga” 62
“Beijos mais beijos,” 63
“A catedral de São Paulo” 64
“Na rua Aurora eu nasci” 65
“Quando eu morrer quero ficar,” 66
A meditação sobre o Tietê 68
8
II. A ficção
Nas terras do igarapé Tietê
Túmulo, túmulo, túmulo
Primeiro de Maio
Balança, Trombeta e Battleship
ou o descobrimento da alma
81
83
89
105
117
III. O poeta por ele mesmo 145
Eu sou trezentos… 147
Notas/Glossário149
Bibliografia159
Endereços úteis 161
9
Sobre este livro
“São Paulo! comoção de minha vida…”
Este verso de Mário de Andrade (1893­‑1945), composto
em 1922, resume a ligação essencial do escritor paulista‑
no com uma cidade por ele transfigurada em sua cria‑
ção de artista. São Paulo perpassa a poesia e a prosa do
modernista que foi capaz de estender as fronteiras estéti‑
cas do modernismo de programa, afirmando­‑se moderno
na ironia do olhar sobre a própria obra, sobre seu país e
sobre seu tempo; na denúncia das injustiças sociais e das
contradições do progresso, assim como na constatação da
angústia e da inelutável solidão do homem. Sem esquecer
o riso, na consciência da precariedade da arte e da vida.
Estruturou um projeto literário renovador, muitas vezes
visionário, moldado em três vertentes – estética, ideológi‑
ca e linguística. O poeta, romancista e contista que pôde
tocar verdades humanas está atualmente traduzido em
diversos idiomas.
São Paulo, musa e espaço arlequinal, microcosmo per‑
corrido pelo eu lírico e pela narrativa de multiplicado
11
mário de andrade
foco, reflete a experimentação dirigida pelo crivo crítico
das vanguardas europeias e por meditadas lições do pas‑
sado, no anseio de ser brasileiro e assim contribuir para
o “contingente universal”. A Pauliceia mariodeandra‑
diana não admite a modernolatria alienada, o bairrismo
eufórico ou o nacionalismo ufanista. No mundo de hoje,
mostra­‑se, por vezes, de impressionante atualidade.
Na presente seleta, São Paulo demora­‑se na poesia des‑
de Pauliceia desvairada, 1922, marco em nosso modernis‑
mo; e em textos que caminham até “A meditação sobre
o Tietê”, poema concluído poucos dias antes de Mário
falecer, em fevereiro de 1945. Na prosa, abrange a rapsó‑
dia Macunaíma, Os contos de Belazarte, os Contos novos
e a novela inacabada Balança, Trombeta e Battleship,
situando­‑se na década de 1920 e nos anos que a seguiram,
até a morte do escritor.
Esta edição acata o vocabulário e a sintaxe os quais,
tanto na prosa como na poesia escolhidas, manifestam­
‑se na língua portuguesa falada no país, enquanto arti‑
fício resultante da pesquisa empreendida por aquele que
chegou a trabalhar em uma Gramatiquinha da fala bra‑
sileira. Ao pôr em prática a atualização ortográfica dos
textos pela norma vigente, a seleta não se furtou a cum‑
prir, paralelamente, a grafia fonética de determinadas
palavras e expressões, compartilhando a preocupação
com a prosódia e o sentido, o que, na parcela linguística
do nacionalismo do modernista, responde por idiossio‑
crasias ortográficas. Ao acatar essas formas e o discurso
“oral” de Belazarte (“Belazarte me contou”) ou o canto
do narrador rapsodo em Macunaíma, o estabelecimento
do texto respeitou a sonoridade e o ritmo da frase, ques‑
tões de importância estilística capital, assim como a pon‑
tuação. Formas como si, milhor, quasi, rúim, viada, ólio,
12
sobre este livro
dezanove, engulia, há­‑de, já­‑hoje, de­‑tarde, diz­‑que, cai‑
xadóclos, malestar, senvergonha, a­‑pé e outras, garantem
a fidelidade decalcada em manuscritos e tiragens realiza‑
das durante a vida do autor.
Cabe lembrar que o ingresso desta coletânea da obra
literária de Mário de Andrade no projeto De Mão Em Mão
vale como o eco que consolida a democratização do saber
pela qual este lúcido intelectual lutou, entre 1935 e 1938, à
frente do Departamento de Cultura da Municipalidade
de São Paulo. E o livro termina, aberto a novas dimensões
nos versos de “Eu sou trezentos…”.
13
I. A poesia
Inspiração*
“Onde até na força do verão havia
tempestades de ventos e frios de
crudelíssimo inverno.”
Fr. Luís de Sousa1
São Paulo! comoção de minha vida…
Os meus amores são flores feitas de original!…
Arlequinal!… Traje de losangos… Cinza e ouro…
Luz e bruma… Forno e inverno morno…
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes…
Perfumes de Paris… Arys!2
Bofetadas líricas no Trianon…3 Algodoal!…
São Paulo! comoção de minha vida…
Galicismo4 a berrar nos desertos da América!
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias, 1941.
17
mário de andrade
Os cortejos*
Monotonias das minhas retinas…
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar…
Todos os sempres das minhas visões! “Bon giorno, caro”.
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades…
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! os tumultuários das ausências!
Pauliceia – a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção…
Giram homens fracos, baixos, magros…
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar…
Estes homens de São Paulo,
todos iguais e desiguais,
quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
parecem­‑me uns macacos, uns macacos.
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922.
18
A poESIA
O rebanho*
Oh! minhas alucinações!
Vi os deputados, chapéus altos,
sob o pálio vesperal,5 feito de mangas­‑rosas,
saírem de mãos dadas do Congresso…
Como um possesso num acesso em meus aplausos
aos salvadores do meu estado amado!…
Desciam, inteligentes, de mãos dadas,
entre o trepidar dos táxis vascolejantes,
a rua Marechal Deodoro…
Oh! minhas alucinações!
Como um possesso num acesso em meus aplausos
aos heróis do meu estado amado!…
E as esperanças de ver tudo salvo!
Duas mil reformas, três projetos…
Emigram os futuros noturnos…
E verde, verde, verde!…
Oh! minhas alucinações!
Mas os deputados, chapéus altos,
mudavam­‑se pouco a pouco em cabras!
Crescem­‑lhes os cornos, descem­‑lhes as barbinhas…
E vi que os chapéus altos do meu estado amado,
com os triângulos de madeira no pescoço,
nos verdes esperanças, sob as franjas de ouro da tarde,
se punham a pastar
rente do palácio do senhor presidente…6
Oh! minhas alucinações!
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias, 1941.
19
mário de andrade
Tietê*
Era uma vez um rio…
Porém os Borbas­‑Gatos7 dos ultranacionais
[esperiamente!8
Havia nas manhãs cheias de sol do entusiasmo
as monções9 da ambição…
E as gigânteas vitórias!
As embarcações singravam rumo do abismal
[Descaminho…
Arroubos… Lutas… Setas… Cantigas… Povoar!
Ritmos de Brecheret!…10 E a santificação da morte!
Foram­‑se os ouros!… E o hoje das turmalinas!…11
– Nadador! vamos partir pela via dum Mato­‑Grosso?
– Io! Mai!… (Mais dez braçadas.
Quina Migone.12 Hat Stores.13 Meia de seda.)
Vado a pranzare con la Ruth.
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922.
20
A poESIA
Paisagem no 1*
Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio…
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas…
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!…
Há duas horas queimou sol.
Daqui a duas horas queima sol.
Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,
um tralalá… A guarda­‑cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente­‑se muito triste…
Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento…
Meu coração sente­‑se muito alegre!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!
E sigo. E vou sentindo,
à inquieta alacridade14 da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca…
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias,
1941.
21
mário de andrade
Ode ao burguês*
Eu insulto o burguês! O burguês­‑níquel,15
o burguês­‑burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem­‑curva! o homem­‑nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco­‑a­‑pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns milréis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam o Printemps16 com as unhas!
Eu insulto o burguês­‑funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês­‑mensal!
ao burguês­‑cinema! Ao burguês­‑tílburi!17
→
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias,
1941.
22
A poESIA
Padaria Suíça!18 Morte viva ao Adriano!
“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come­‑te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central19 do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,20
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
23
mário de andrade
Domingo*
Missas de chegar tarde, em rendas,
e dos olhares acrobáticos…
Tantos telégrafos sem fio!
Santa Cecília regorgita de corpos lavados
e de sacrilégios picturais…
Mas Jesus Cristo nos desertos,
mas o sacerdote no Confiteor…21 Contrastar!
– Futilidade, civilização…
Hoje quem joga?… O Paulistano.22
Para o Jardim América das rosas e dos pontapés!
Friedenreich23 fez gol! Corner! Que juiz!
Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô…
E o meu xará maravilhoso!…24
– Futilidade, civilização…
Mornamente em gasolinas… Trinta e cinco contos!
Tens dez milréis? Vamos ao corso…25
E filar cigarros a quinzena inteira…
Ir ao corso é lei. Viste Marília?
E Filis? Que vestido: pele só!
Automóveis fechados… Figuras imóveis…
O bocejo do luxo… Enterro.
E também as famílias dominicais por atacado,
entre os convenientes perenemente…
– Futilidade, civilização.
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922.
24
A poESIA
Central. Drama de adultério.
A Bertini26 arranca os cabelos e morre.
Fugas… Tiros… Tom Mix!27
Amanhã fita alemã… de beiços…
As meninas mordem os beiços pensando em fita
[alemã…
As romas de Petrônio…28
E o leito virginal… Tudo azul e branco!
Descansar… Os anjos… Imaculado!
As meninas sonham masculinidades…
– Futilidade, civilização.
25
mário de andrade
Anhangabaú*
Parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora…
Oh larguezas dos meus itinerários!…
Estátuas de bronze nu correndo eternamente,
num parado desdém pelas velocidades…
O carvalho votivo escondido nos orgulhos
do bicho de mármore parido no Salon…29
Prurido de estesias perfumando em rosais
o esqueleto trêmulo do morcego…
Nada de poesia, nada de alegrias!…
E o contraste boçal do lavrador
que sem amor afia a foice…
Estes meus parques do Anhangabaú ou de Paris,
onde as tuas águas, onde as mágoas dos teus sapos?
“– Meu pai foi rei!
– Foi. – Não foi. – Foi. – Não foi.”30
Onde as tuas bananeiras?
Onde o teu rio frio encanecido31 pelos nevoeiros,
contando histórias aos sacis?…
Meu querido palimpsesto32 sem valor!
Crônica em mau latim
cobrindo uma écloga33 que não seja de Virgílio!…
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922
26
A poESIA
Noturno*
Luzes do Cambuci pelas noites de crime…34
Calor!… E as nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores…
Gingam os bondes como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
cuspindo um orifício na treva cor de cal…
Num perfume de heliotrópios35 e de poças
gira uma flor­‑do­‑mal… Veio do Turquestã;
e traz olheiras que escurecem almas…
Fundiu esterlinas entre as unhas roxas
nos oscilantes de Ribeirão Preto…
– Batat’assat’ô furnn!…36
Luzes do Cambuci pelas noites de crime!…
Calor… E as nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores…
Um mulato cor de ouro,
com uma cabeleira feita de alianças polidas…
Violão! “Quando eu morrer…” Um cheiro pesado de
[baunilhas
oscila, tomba e rola no chão…
Ondula no ar a nostalgia das Baías…
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias,
1941.
27
mário de andrade
E os bondes passam como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
ferindo um orifício na treva cor de cal…
– Batat’assat’ô furnn!…
Calor!… Os diabos andam no ar
corpos de nuas carregando…
As lassitudes37 dos sempres imprevistos!
e as almas acordando às mãos dos enlaçados!
Idílios sob os plátanos!…
E o ciúme universal às fanfarras gloriosas
de saias cor­‑de­‑rosa e gravatas cor­‑de­‑rosa!…
Balcões na cautela latejante, onde florem Iracemas
para os encontros dos guerreiros brancos…38 Brancos?
E que os cães latam nos jardins!
Ninguém, ninguém, ninguém se importa!
Todos embarcam na Alameda dos Beijos da Aventura!
Mas eu… Estas minhas grades em girândolas39 de
[jasmins,
enquanto as travessas do Cambuci nos livres
da liberdade dos lábios entreabertos!…
Arlequinal! Arlequinal!
As nuvens baixas muito grossas,
feitas de corpos de mariposas,
rumorejando na epiderme das árvores…
Mas sobre estas minhas grades em girândolas de
[jasmins,
o estelário delira em carnagens de luz,
e meu céu é todo um rojão de lágrimas!…
28
A poESIA
E os bondes riscam como um fogo de artifício,
sapateando nos trilhos,
jorrando um orifício na treva cor de cal…
– Batat’assat’ô furnn!…
29
mário de andrade
Tu*
Morrente chama esgalga,40
mais morta inda no espírito!
Espírito de fidalga,
que vive dum bocejo entre dois galanteios
e de longe em longe uma chávena 41 da treva bem forte!
Mulher mais longa
que os pasmos alucinados
das torres de São Bento!
Mulher feita de asfalto e de lamas de várzea,
toda insultos nos olhos,
toda convites nessa boca louca de rubores!
Costureirinha de São Paulo,
ítalo­‑franco­‑luso­‑brasílico­‑saxônica,
gosto dos teus ardores crepusculares,
crepusculares e por isso mais ardentes,
bandeirantemente!
Lady Macbeth42 feita de névoa fina,
pura neblina da manhã!
Mulher que és minha madrasta e minha irmã!
Trituração ascencional dos meus sentidos!
Risco de aeroplano entre Moji e Paris!
Pura neblina da manhã!
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias,
1941.
30
A poESIA
Gosto dos teus desejos de crime turco
e das tuas ambições retorcidas como roubos!
Amo­‑te de pesadelos taciturnos,
Materialização da Canaã do meu Poe!43
Never more!44
Emílio de Menezes insultou a memória do meu Poe…45
Oh! Incendiária dos meus aléns sonoros!
tu és o meu gato preto!
Tu te esmagaste nas paredes do meu sonho!
este sonho medonho!…
E serás sempre, morrente chama esgalga,
meio fidalga, meio barregã,46
as alucinações crucificantes
de todas as auroras de meu jardim!
31
mário de andrade
Colloque sentimental*
Tenho os pés chagados nos espinhos das calçadas…
Higienópolis!… As Babilônias dos meus desejos
[baixos…
Casas nobres de estilo… Enriqueceres em tragédias…
Mas a noite é toda um véu­‑de­‑noiva ao luar…
A preamar dos brilhos das mansões…
O jazz­‑band da cor… O arco­‑íris dos perfumes…
O clamor dos cofres abarrotados de vidas…
Ombros nus, ombros nus, lábios pesados de adultério…
E o rouge – cogumelo das podridões…
Exércitos de casacas eruditamente bem talhadas…
Sem crimes, sem roubos o carnaval dos títulos…
Se não fosse o talco adeus sacos de farinha!
Impiedosamente…
– Cavalheiro… – Sou conde! – Perdão.
Sabe que existe um Brás, um Bom Retiro?
– Apre! respiro… Pensei que era pedido.
Só conheço Paris!
– Venha comigo então.
Esqueça um pouco os braços da vizinha…
– Percebeu, hein! Dou­‑lhe gorjeta e cale­‑se.
O sultão tem dez mil… Mas eu sou conde!
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias,
1941.
32
A poESIA
– Vê? Estas paragens trevas de silêncio…
Nada de asas, nada de alegria… A lua…
A rua toda nua… As casas sem luzes…
E a mirra 47 dos martírios inconscientes…
– Deixe­‑me pôr o lenço no nariz.
Tenho todos os perfumes de Paris!
– Mas olhe, embaixo das portas, a escorrer…
– Para os esgotos! Para os esgotos!
– … a escorrer,
um fio de lágrimas sem nome!…
33
mário de andrade
Paisagem no 4*
Os caminhões rodando, as carroças rodando,
rápidas as ruas se desenrolando,
rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos…
E o largo coro de ouro das sacas de café!…
Na confluência o grito inglês da São Paulo Railway…48
Mas as ventaneiras da desilusão! a baixa do café!…
As quebras, as ameaças, as audácias superfinas!…
Fogem os fazendeiros para o lar!… Cincinato Braga!…49
Muito ao longe o Brasil com seus braços cruzados…
Oh! as indiferenças maternais!…
Os caminhões rodando, as carroças rodando,
rápidas as ruas se desenrolando,
rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos…
E o largo coro de ouro das sacas de café!…
Lutar!
A vitória de todos os sozinhos!…
As bandeiras e os clarins dos armazéns abarrotados…
Hostilizar!… Mas as ventaneiras dos braços cruzados!…
E a coroação com os próprios dedos!
Mutismos presidenciais, para trás!
Ponhamos os (Vitória!) colares de presas inimigas!
Enguirlandemo­‑nos de café­‑cereja!
Taratá! e o peã50 de escárnio para o mundo!
Oh! este orgulho máximo de ser paulistamente!!!
* Poema publicado em Pauliceia desvairada, 1922, e em Poesias, 1941.
34
A poESIA
XIII*
Seis horas lá em S. Bento.
Os lampiões fecham os olhos de repente
À voz de comando do sino.
A madrugada imensamente escura
Abafa as arquiteturas da praça.
E a estátua de Verdi51 também, graças a Deus!
Mãos nos bolsos
Grupinhos entanguidos
Encafuados nas socavas dos andaimes
Os reservistas que nem malfeitores.
Dlem! Dlem!…
“SANT’ANA”
Vem vindo a procissão com tocheiros e luzes.
E principia o assalto agitado sem vozes.
Anticlericais!
Fora estandartes andores!
Desaparecem os padres da noite.
As filhas­‑de­‑Maria das neblinas
Espavoridas pelo Anhangabaú…
→
* Poema publicado em Losango cáqui ou afetos militares de mistu‑
ra com os porquês de eu saber alemão, 1926. Obra escrita em 1922,
ano no qual o autor, como reservista do exército, realiza exercícios
militares. O título Losango foi recortado do traje arlequinal do
poeta em Pauliceia desvairada, escolhida a cor cáqui dos unifor‑
mes militares à época. Deve­‑se notar, em determinados poemas
de Losango cáqui, a organização gráfica que concretiza, na página,
um desenho ligado ao tema, poesia visual, como nos Calligram‑
mes de Appolinaire (1880­‑1918), na vanguarda francesa.
35
mário de andrade
Assaltantes equilibrados nos estribos.
Estilhaço me fere nos olhos o sangue da aurora.
Risadas.
Chamados.
Cigarros acesos.
Incêndio!
Extermínio!
Vitória completa…
Faz frio de geada esta manhã…
A gente se encosta nos outros, pedindo
Uma esmolinha de calor.
E o bonde abala sapateando nos trilhos
Em busca das casernas sinistras cor­‑de­‑chumbo.
36
A poESIA
XVII*
Mário de Andrade, intransigente pacifista, internacio‑
nalista amador, comunica aos camaradas que bem con‑
travontade, apesar da simpatia dele por todos os homens
da Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é
atualmente soldado da República, defensor interino do
Brasil.
E marcho tempestuoso noturno.
Minha alma cidade das greves sangrentas,
Inferno fogo INFERNO em meu peito,
Insolências blasfêmias bocagens na língua.
Meus olhos navalhando a vida detestada.
A vista renasce na manhã bonita.
Pauliceia lá embaixo epiderme áspera
Ambarizada pelo sol vigoroso,
Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas.
Fumaça bandeirinha.
Torres.
Cheiros.
Barulhos
E fábricas…
Naquela casa mora,
Mora, ponhamos: Guaraciaba…
A dos cabelos fogaréu!…
Os bondes meus amigos íntimos
Que diariamente me acompanham pro
[trabalho… →
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926 e em Poesias, 1941.
37
mário de andrade
Minha casa…
Tudo caiado de novo!
É tão grande a manhã!
É tão bom respirar!
É tão gostoso gostar da vida!…
A própria dor é uma felicidade…
38
A poESIA
XXII*
A manhã roda macia a meu lado
Entre arranha­‑céus de luz
Construídos pelo melhor engenheiro da Terra.
Como ele deixou longe as renascenças do sr. dr. Ramos
[de Azevedo!52
De que valem a Escola Normal o Théatre Municipal de
[l’Opéra
E o sinuoso edifício dos Correios­‑e­‑Telégrafos
Com aquele relógio­‑diadema made inexpressively?
Na Pauliceia desvairada das minhas sensações
O Sol é o sr. engenheiro oficial.
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926.
39
mário de andrade
XXXIII*
“Prazeres e dores prendem a alma no cor‑
po como com um prego. Tornam­‑a corporal…
Consequentemente é impossível a ela chegar
pura nos Infernos.”
Platão
Meu gozo profundo ante a manhã sol
a vida carnaval…
Amigos
Amores
Risadas
Os piás imigrantes me rodeiam pedindo retratinhos de [artistas de cinema, desses que vêm
[nos maços de cigarros.
Me sinto a Assunção de Murilo!53
Já estou livre da dor…
Mas todo vibro da alegria de viver.
Eis porque minha alma inda é impura.
* Poema publicado em Losango cáqui, 1926 e em Poesias, 1941.
40
A poESIA
Sambinha*
Vêm duas costureirinhas pela rua das Palmeiras.
Afobadas, braços dados, depressinha,
Bonitas, Senhor! que até dão vontade pros homens da rua.
As costureirinhas vão explorando perigos…
Vestido é de seda.
Roupa­‑branca é de morim.54
Falando conversas fiadas
As duas costureirinhas passam por mim.
– Você vai?
– Não vou não!
Parece que a rua parou pra escutá­‑las.
Nem os trilhos sapecas
Jogam mais bondes um pro outro.
E o sol da tardinha de abril
Espia entre as pálpebras crespas de duas nuvens.
As nuvens são vermelhas.
A tardinha é cor­‑de­‑rosa.
Fiquei querendo bem aquelas duas costureirinhas…
Fizeram­‑me peito batendo
Tão bonitas, tão modernas, tão brasileiras!
Isto é…
Uma era ítalo­‑brasileira.
Outra era áfrico­‑brasileira.
Uma era branca.
Outra era preta.
* Poema publicado em Clã do jabuti, 1927 e em Poesias, 1941.
41
mário de andrade
Paisagem no 5*
De­‑dia um solzão de matar taperá55
Passeou na cidade o fogo de Deus.
Os paulistas andaram que nem caçaremas56 tontas
Daqui pra ali buscando as sombras de mentira.
Mas agorinha mesmo deram as vinte horas.
De já­‑hoje quando a noite agarrou empurrando a luz
[quente pra trás do horizonte
Brisou uma friagem de inverno refrescando os pracianos
[e a cidade rica.
As famílias pararam de suar.
Janelas abertas e portas abertas em todas as casas.
Se boia,57 se conversa descansado.
Nas varandas portas terraços escuros
Acende apagam os vaga­‑lumes dos cigarros.
Todas as bulhas se ajuntam num riso feliz.
Faz gosto a gente andar assim à toa
Reparando na calma da sua cidade natal.
* Poema publicado em Clã do jabuti, 1927.
42
A poESIA
I
Descobrimento*
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! muito
[longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos
[olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu…
* Parte I de “Dois poemas acreanos”, publicados em Clã do jabuti,
1927 e em Poesias, 1941.
43
mário de andrade
II*
Meu cigarro está aceso.
O fumo esguicha,
O fumo sobe,
O fumo sabe ao bem e ao mal…
O bem e o mal, que coisas sérias!
Riqueza é bem.
Tristeza é mal.
Desastres
sangue
tiros
doença
Dança!…
O elevador subiu aos céus, ao nono andar,
O elevador desce ao subsolo,
Termômetro das ambições.
O açúcar sobe.
O café sobe.
Os fazendeiros vêm do lar.
Eu danço!
Tudo é subir.
Tudo é descer.
Tudo é dançar!
O Esplanada58 grugrulha.
Todos os homens vão no cinema.
Lindas mulheres nos camarotes.
Leves mulheres a passar…
* Poema publicado na parte “Danças” de Remate de males, 1930 e
em Poesias, 1941. Explora graficamente o movimento da fumaça.
44
A poESIA
Não frequento cafés­‑concertos,
Mas tenho as minhas aventuras…
Desventurados os coiós!
A vida é farta.
O mundo é grande.
Tem muito canto onde esconder!
Subúrbios
casas
pensões
táxis…
Vejo sonâmbulos ao luar
Beijando moças estioladas.
Tolos! a poeira sobe no ar…
O fumo sobe e morre no ar…
Eu vivo no ar!
Dançarinar!…
45
mário de andrade
V*
Aquele quarto me sufoca,
Prefiro ar livre,
Não voltarei.
Ar livre, ar leve que dança, dança!
Dançam as rosas nos rosais!
São flores vermelhas
São botões perfeitos
São rosas abertas, gritos de prazer!
São Paulo é um rosal!
São Paulo é um jardim!
Morena, tem pena,
Tem pena de mim!
A rosa­‑riso dança nos teus lábios
vermelhos
mordidos…
Volúpias alegres…
O mundo não vê?
Nós nos separamos.
Nós nos ajuntamos.
O bonde passou,
O amigo passou…
O mundo não vê?
* Poema publicado na parte “Danças” de Remate de Males, 1930 e
em Poesias, 1941.
46
A poESIA
A vida é tão curta!
Quem tem certeza do amanhã!
Lourenço de Medicis?…59
Florença delira.
Paris queima,
Viena valsa,
Berlim ri…
E New York abençoa o jazz universal.
Negros de cartola
Turcos de casaca
Montecarlo e Caldas e Copacabana
Tudo é um caxambu!
EU DANÇO!
Dança do amor sem sentimento?
Dança das rosas nos rosais!…
47
mário de andrade
Momento*
Ninguém ignora a inquietação do clima paulistano…
Pois tivemos hoje uma arraiada fresca de neblina.
Depois do calorão duma noite maldita, sem sono,
Uma neblina leviana desprendeu das nuvens lisas
E pousou um momentinho sobre o corpo da cidade.
Ôh como era boa, e o carinho que teve pousando!
Não espantou, não bateu asa, não fez nenhuma bulha,
Veio, que nem beijo de minha mãe se estou enfezado
Vem mansinho, sem medo de mim, e pousa em
[minha testa.
Assim neblina fez, e o sopro dela acalmou as penas
Desta cidade histórica, desta cidade completa,
Cheia de passado e presente, berço nobre onde nasci.
Os beijos de minha mãe são tal­‑e­‑qual a neblina
[madruga…
Meu pensamento é tal­‑e­‑qual São Paulo, é histórico
[e completo,
É presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro…
Vem, neblina, vem! Beija­‑me, sossega­‑me o meu
[pensamento!
* Escrito em novembro de 1925, publicado na parte “Marco de vira‑
ção” de Remate de males, 1930.
48
A poESIA
Toada*
No outro lado da cidade,
Não sei o quê, foi o vento,
O vento me dispersou.
Viajei por terras estranhas
Entre flores espantosas,
Tive coragem pra tudo
No outro lado da cidade,
Sem tomar cuidado em mim.
Passeava com tais perícias,
Punha girafas na esquina,
Quantos milagres na viagem,
Meu coração de ninguém!
E pude estar sem perigo
Por entre aconchegos pagos,
Em que o carinho mais velho
Inda guardava agressão.
Busquei São Paulo no mapa,
Mas tudo, com cara nova,
Duma tristeza de viagem,
Tirava fotografia…
E o meu cigarro na tarde
Brilhava só, que nem Deus.
Fiquei tão pobre, tão triste
Que até meu olhar fechou.
No outro lado da cidade
O vento me dispersou.
* Poema datado de 1932; publicado na parte “A costela do Grã Cão”
de Poesias, 1941.
49
mário de andrade
V – Dor*
A cidade está mais agitada a meidia.
As ruas devastam minha virgindade
E os cidadãos talvez marquem encontro nos meus lábios.
Minha boca é o peixe macho e derramo núcleos de amor
[pelas ruas.
Que irão fecundar os ovários da vida algum dia.
Eu venho das altas torres, venho dos matos alagados,
Com meus passos conduzidos pelo fogo do Grã Cão!
Mas pra viver na cidade de São Paulo escondi na
[corrente de prata
60
A inútil semente do milho, a maniva,
E enroupei de acerba61 seda o arlequinal do meu dizer…
E agora apontai­‑me, janelas do Martinelli,62
Calçadas, ruas, ruas, ladeiras rodantes, viadutos,
Onde estão os judeus de consciência lívida?
Os tortuosos japoneses que flertam São Paulo?
Os ágeis brasileiros do Nordeste? os coloridos?
Onde estão os coloridos italianos? onde estão os
[turcomanos?
Onde estão os pardais, madame la Françoise,63
Ergo, ego, Ega,64 égua, água, iota, calúnia e notícias,
Balouçantes nas marquesas dos roxos arranha­‑céus?…
Não vos trago a fala de Jesus nem o escudo de Aquiles,65
Nem a casinha pequenina ou a sombra do jatobá.
→
* Poema datado de 15 de outubro de 1933; publicado na parte “Grã
Cão do outubro” de Poesias, 1941.
50
A poESIA
Tudo escondi no caminho da corrente de prata.
Mas eu venho das altas torres trazido ao facho do Grã Cão,
Lábios, lábios para o encontro em que cantareis
[fatalmente,
Ameaçados pela fome que espia detrás da coxilha,
A dor, a caprichosa dor desocupada que desde milhões
[de existências
Busca a razão de ser.
51
mário de andrade
Momento*
O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo…
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.
Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranha­‑céus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia… É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.
* Poema datado de abril de 1937; publicado na parte “Grã Cão do
outubro” de Poesias, 1941.
52
A poESIA
Minha viola bonita,*
Bonita viola minha,
Cresci, cresceste comigo
Nas Arábias.
Minha viola namorada,
Namorada viola minha,
Cantei, cantaste comigo
Em Granada.
Minha viola ferida,
Ferida viola minha,
O amor fugiu para leste
Na borrasca.
Minha viola quebrada,
Raiva, anseios, lutas, vida,
Miséria, tudo passou­‑se
Em São Paulo.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
53
mário de andrade
São Paulo pela noite.*
Meu espírito alerta
Baila em festa e metrópole.
São Paulo na manhã.
Meu coração aberto
Dilui­‑se em corpos flácidos.
São Paulo pela noite.
O coração alçado
Se expande em luz sinfônica.
São Paulo na manhã.
O espírito cansado
Se arrasta em marchas fúnebres.
São Paulo noite e dia…
A forma do futuro
Define as alvoradas:
Sou bom. E tudo é glória.
O crime do presente
Enoitece o arvoredo:
Sou bom. E tudo é cólera.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
54
A poESIA
Garoa do meu São Paulo,*
– Timbre triste de martírios –
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro,
Passa e torna a ficar branco.
Meu São Paulo da garoa,
– Londres das neblinas finas –
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre,
Passa e torna a ficar rico.
Garoa do meu São Paulo,
– Costureira de malditos –
Vem um rico, vem um branco,
São sempre brancos e ricos…
Garoa, sai dos meus olhos.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
55
mário de andrade
Vaga um céu indeciso entre nuvens cansadas.*
Onde está o insofrido? O mal das almas
Quase parece um bem na linha das calçadas,
A palavra se inutiliza em brisas calmas
De andantes, onde estou! No entanto é dia claro…
Toda forma de ação se esvai numa atonia,
Há desamparo e aceitação do desamparo.
– Essa história de amar quando começa o dia…
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
56
A poESIA
Ruas do meu São Paulo,*
Onde está o amor vivo,
Onde está?
Caminhos da cidade,
Corro em busca do amigo,
Onde está?
Ruas do meu São Paulo,
Amor maior que o cibo,66
Onde está?
Caminhos da cidade,
Resposta ao meu pedido,
Onde está?
Ruas do meu São Paulo,
A culpa do insofrido,
Onde está?
Há­‑de estar no passado,
Nos séculos malditos,
Aí está.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
57
mário de andrade
O bonde abre a viagem,*
No banco ninguém,
Estou só, stou sem.
Depois sobe um homem,
No banco sentou,
Companheiro vou.
O bonde está cheio,
De novo porém
Não sou mais ninguém.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
58
A poESIA
Eu nem sei se vale a pena*
Cantar São Paulo na lida,
Só gente muito iludida
Limpa o goto e assopra a avena,67
Esta angústia não serena,
Muita fome pouco pão,
Eu só vejo na função
Miséria, dolo,68 ferida,
Isso é vida?
São glórias desta cidade
Ver a arte contando história,
A religião sem memória
De quem foi Cristo em verdade,
Os chefes nossa amizade,
Os estudantes sem textos,
Jornalismo no cabresto,
Tolos cantando vitória,
Isso é glória?
Divórcio pra todo o lado,
As guampas fazem furor,
Grã­‑finos do despudor,
No gasogênio69 empestado,
Das moças do operariado
São os gozosos mistérios,
Isso de ter filho, néris,
E se ama seja o que for,
Isso é amor?
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
59
mário de andrade
Mas o pior desta nação
E ter fábrica de gás
Que donos­‑da­‑vida faz
Ianques e ingleses de ação,
Tudo vem de convulsão
Enquanto se insulta o Eixo,70
Lights, Tramas, Corporation,71
E a gente de trás pra trás,
Isso é paz?
Pois nada vale a verdade,
Ela mesma está vendida,
A honra é uma suicida,
Nuvem a felicidade,
E entre rosas a cidade,
Muito concha e relambória,72
Sem paz, sem amor, sem glória,
Se diz terra progredida,
Eu pergunto:
Isso é vida?
60
A poESIA
O céu claro tão largo, cheio de calma na tarde,*
É ver uma criança adormecida
Baixando as pálpebras sem pensamento
Sobre um mundo que ainda não viveu.
Luzes suaves e certas, luzes até nas sombras,
Doçura em tudo. Os homens estão mais longe,
São apenas recordações mansas pousando
Num sentimento sem temor.
Os ruídos se amaciam quase envelhecidos,
Doçura em tudo. O chão é vagarento,
O ar se esquece. A tensão do insofrido se abranda
Como a firmeza das continuações.
Eu te guardo, homem do meu caminho…
Ôh espelhos, Pireneus, caiçaras insistentes,73
Porque não sereis sempre assim!
Abril…
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
61
mário de andrade
Na rua Barão de Itapetininga*
O meu coração não sabe de si,
Não se vê moça que não seja linda,
Minha namorada não passeia aqui.
Na rua Barão de Itapetininga
Minha aspiração não aguenta mais,
A tarde caindo, a vida foi longa,
Mas a esperança já está no cais.
Na rua Barão de Itapetininga
Minha devoção quebra duma vez,
Porque a mulher que eu amo está longe,
É… a princesa do império chinês.
Na rua Barão de Itapetininga
Noite de São João qualquer mês terá,
Em mil labaredas de fogo e sangue
Bandeira ardente tremulará.
Na rua Barão de Itapetininga
Minha namorada vem passear.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
62
A poESIA
Beijos mais beijos,*
Milhões de beijos preferidos,
Venho de amores com a minha amada,
Insaciáveis.
Rosas mais rosas,
Milhões de rosas paulistanas,
Venho de sustos com a minha amiga,
Implacáveis.
Luzes mais luzes,
Luzes perdidas na garoa,
Trago tristezas no peito vivo,
Implacáveis.
Ideais, ideais,
Ideais raivosos do insofrido,
Trago verdades novas na boca,
Insaciáveis.
Jornais, jornais,
Notícias que enchem e esvaziam,
– Me dá uma bomba sem retardamento,
Implacável!
Horas mais horas,
Rio do meu mistério esquivo,
– Me dá violetas pelos meus dedos
Insaciáveis…
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
63
mário de andrade
A catedral de São Paulo*
Por Deus! que nunca se acaba
– Como minha alma.
É uma catedral horrível
Feita de pedras bonitas
– Como minha alma.
A catedral de São Paulo
Nasceu da necessidade.
– Como minha alma.
Sacro e profano edifício,
Tem pedras novas e antigas
– Como minha alma.
Um dia há­‑de se acabar,
Mas depois se destruirá
– Como o meu corpo.
E a alma, memória triste,
Por sobre os homens arisca,
Sem porto.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
64
A poESIA
Na rua Aurora eu nasci*
Na aurora de minha vida
E numa aurora cresci.
No largo do Paiçandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.
Nesta rua Lopes Chaves
Envelheço, e envergonhado
Nem sei quem foi Lopes Chaves.74
Mamãe! me dá essa lua,
Ser esquecido e ignorado
Como esses nomes da rua.
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
65
mário de andrade
Quando eu morrer quero ficar,*
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paiçandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade…
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há­‑de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade…
* Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma, [1946].
66
A poESIA
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
67
mário de andrade
A meditação sobre o Tietê*
Água do meu Tietê,
Onde me queres levar?
– Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar…
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como se a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto. De repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam75
Agora, arranha­‑céus valentes donde saltam
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade… É a emaranhada forma
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude.
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
→
* Último poema; versões escritas entre 30 de novembro de 1944 e 12
de fevereiro de 1945; Mário de Andrade morre no dia 25 do mes‑
mo mês. Poema publicado em Lira paulistana, edição póstuma,
[1946].
68
A poESIA
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho
[de morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
É um rumor de germes insalubres pela noite insone
[e humana.
Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,
Onde me queres levar?…
Por que me proíbes assim praias e mar, por que
Me impedes a fama das tempestades do Atlântico
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais
[voltar?
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,
Me induzindo com a tua insistência turrona paulista
Para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!…
Já nada me amarga mais a recusa da vitória
Do indivíduo, e de me sentir feliz em mim.
Eu mesmo desisti dessa felicidade deslumbrante,
E fui por tuas águas levado,
A me reconciliar com a dor humana pertinaz,
E a me purificar no barro dos sofrimentos dos homens.
Eu que decido. E eu mesmo me reconstituí árduo na dor
Por minhas mãos, por minhas desvividas mãos, por
Estas minhas próprias mãos que me traem,
Me desgastaram e me dispersaram por todos os
[descaminhos,
Fazendo de mim uma trama onde a aranha insaciada
Se perdeu em cisco e pólen, cadáveres e verdades
[e ilusões.
69
mário de andrade
Mas porém, rio, meu rio, de cujas águas eu nasci,
Eu nem tenho direito mais de ser melancólico e frágil,
Nem de me estrelar nas volúpias inúteis da lágrima!
Eu me reverto às tuas águas espessas de infâmias,
Oliosas, eu, voluntariamente, sofregamente, sujado
De infâmias, egoísmos e traições. E as minhas vozes,
Perdidas do seu tenor, rosnam pesadas e oliosas,
Varando terra adentro no espanto dos mil futuros,
À espera angustiada do ponto. Não do meu ponto final!
Eu desisti! Mas do ponto entre as águas e a noite,
Daquele ponto leal à terrestre pergunta do homem,
De que o homem há­‑de nascer.
Eu vejo, não é por mim, o meu verso tomando
As cordas oscilantes da serpente, rio.
Toda a graça, todo o prazer da vida se acabou.
Nas tuas águas eu contemplo o Boi Paciência
Se afogando, que o peito das águas tudo soverteu.
Contágios, tradições, brancuras e notícias,
Mudo, esquivo, dentro da noite, o peito das águas,
[fechado, mudo,
Mudo e vivo, no despeito estrídulo que me fustiga
[e devora.
Destino, predestinações… meu destino. Estas águas
Do meu Tietê são abjetas76 e barrentas,
Dão febre, dão a morte decerto, e dão garças e antíteses.77
Nem as ondas das suas praias cantam, e no fundo
Das manhãs elas dão gargalhadas frenéticas,
Silvos de tocaias e lamurientos jacarés.
Isto não são as águas que se beba, conhecido, isto são
Águas do vício da terra. Os jabirus e os socós
→
70
A poESIA
Gargalham depois morrem. E as antas e os bandeirantes
[e os ingás,
Depois morrem. Sobra não. Nem sequer o Boi Paciência
Se muda não. Vai tudo ficar na mesma, mas vai!…
[e os corpos
Podres envenenam estas águas completas no bem
[e no mal.
Isto não são águas que se beba, conhecido! Estas águas
São malditas e dão morte, eu descobri! e é por isso
Que elas se afastam dos oceanos e induzem à terra dos
[homens,
Paspalhonas. Isto não são águas que se beba, eu descobri!
E o meu peito das águas se esborrifa, ventarrão vem,
[se encapela
Engruvinhado de dor que não se suporta mais.
Me sinto o Pai Tietê! ôh força dos meus sovacos!
Cio de amor que me impede, que destrói e fecunda!
Nordeste de impaciente amor sem metáforas,
Que se horroriza e enraivece de sentir­‑se
Demagogicamente tão sozinho! Ôh força!
Incêndio de amor estrondante, enchente magnânima
[que me inunda,
78
Me alarma e me destroça, inerme por sentir­‑me
Demagogicamente tão só!
A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua
Se as tuas águas estão podres de fel
E majestade falsa? A culpa é tua
Onde estão os amigos? onde estão os inimigos?
Onde estão os pardais? e os teus estudiosos e sábios, e
Os iletrados?
→
71
mário de andrade
Onde o teu povo? e as mulheres! dona Hircenuhdis
[Quiroga!
E os Prados e os crespos e os pratos e os barbas e os gatos
[e os línguas79
Do Instituto Histórico e Geográfico, e os mu­‑
seus e a Cúria, e os senhores chantres80 reverendíssimos,
Celso nihil estate varíolas gide memoriam,
Calípedes flogísticos81 e a Confraria Brasiliense82
[e Clima83
E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as
Novas ruas abertas e a falta de habitações e
Os mercados?… E a tiradeira divina de Cristo!…
Tu és Demagogia. A própria vida abstrata tem vergonha
De ti em tua ambição fumarenta.
És demagogia em teu coração insubmisso.
És demagogia em teu desequilíbrio anticéptico84
E antiuniversitário.
És demagogia. Pura demagogia.
Demagogia pura. Mesmo alimpada de metáforas.
Mesmo irrespirável de furor na fala reles:
Demagogia.
Tu és enquanto tudo é eternidade e malvasia:85
Demagogia.
Tu és em meio à (crase) gente pia:
Demagogia.
És tu jocoso86 enquanto o ato gratuito se esvazia:
Demagogia.
És demagogia, ninguém chegue perto!
Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto
Esperto Ciumento Peripatético e Ceci
E Tancredo e Afrodísio e também Armida
E o próprio Pedro e também Alcibíades,87
→
72
A poESIA
Ninguém te chegue perto, porque tenhamos o pudor,
O pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, bem
Sutis!… E as tuas mãos se emaranham lerdas,
E o Pai Tietê se vai num suspiro educado e sereno,
Porque és demagogia e tudo é demagogia.
Olha os peixes, demagogo incivil! Repete os
[carcomidos peixes!
São eles que empurram as águas e as fazem servir de
[alimento
Às areias gordas da margem. Olha o peixe dourado sonoro,
Esse um é presidente, mantém faixa de crachá no peito,
Acirculado de tubarões que escondendo na fuça rotunda
O perrepismo88 dos dentes, se revezam na rota solene,
Languidamente presidenciais. Ei­‑vem o tubarão­‑martelo
E o lambari­‑spitfire. Ei­‑vem o boto­‑ministro.
Ei­‑vem o peixe­‑boi com as mil mamicas imprudentes,
Perturbado pelos golfinhos saltitantes e as tabaranas
Em zás­‑trás dos guapos Pêdêcês e Guaporés.
Eis o peixe­‑baleia entre os peixes muçuns lineares,
E os bagres do lodo oliva e bilhões de peixins japoneses;
Mas é asnático o peixe­‑baleia e vai logo encalhar
[na margem,
Pois quis engolir a própria margem, confundido
[pela facheada.
Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando
De dirigir a corrente, com ares de salva­‑vidas.
E lá vem por debaixo e por de­‑banda os interrogativos
[peixes
Internacionais, uns rubicundos sustentados de mosca,
E os espadartes a trote chique, esses são espadartes!
[e as duas →
73
mário de andrade
Semanas Santas se insultam e odeiam, na lufa­‑lufa
[de ganhar
No bicho o corpo do Crucificado. Mas as águas,
As águas choram baixas num murmúrio lívido,
[e se difundem
Tecidas de peixe e abandono, na mais incompetente
[solidão.
Vamos, Demagogia! eia! sus! aceita o ventre e investe!
Berra de amor humano impenitente,
Cega, sem lágrima, ignara, colérica, investe!
Um dia hás­‑de ter razão contra a ciência e a realidade,
E contra os fariseus e as lontras luzidias.
E contra os guarás e os elogiados. E contra todos os peixes.
E também os mariscos, as ostras e os trairões fartos
[de equilíbrio e
89
Pundhonor.
Pum d’honor.
Quedê as Juvenilidades
[Auriverdes!
Eu tenho medo… Meu coração está pequeno, é tanta
Essa demagogia, é tamanha,
Que eu tenho medo de abraçar os inimigos,
Em busca apenas dum sabor,
Em busca dum olhar,
Um sabor, um olhar, uma certeza…
É noite… Rio! meu rio! meu Tietê!
É noite muito!… As formas… Eu busco em vão as formas
Que me ancorem num porto seguro na terra dos homens.
É noite e tudo é noite. O rio tristemente
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
Água noturna, noite líquida… Augúrios90 mornos afogam
As altas torres do meu exausto coração.
→
74
A poESIA
Me sinto esvair no apagado murmulho das águas.
Meu pensamento quer pensar, flor, meu peito
Quereria sofrer, talvez (sem metáfora) uma dor irritada…
Mas tudo se desfaz num choro de agonia
Plácida. Não tem formas nessa noite, e o rio
Recolhe mais esta luz, vibra, reflete, se aclara, refulge,
E me larga desarmado nos transes da enorme cidade.
Se todos esses dinossauros imponentes de luxo e
[diamante,
Vorazes de genealogias e de arcanos,
Quisessem reconquistar o passado…
Eu me vejo sozinho, arrastando sem músculo
A cauda do pavão e mil olhos de séculos,
Sobretudo os vinte séculos de anticristianismo
Da por todos chamada Civilização Cristã…
Olhos que me intrigam, olhos que me denunciam,
Da cauda do pavão, tão pesada e ilusória.
Não posso continuar mais, não tenho, porque os homens
Não querem me ajudar no meu caminho.
Então a cauda se abriria orgulhosa e reflorescente
De luzes inimagináveis e certezas…
Eu não seria tão somente o peso deste meu desconsolo,
A lepra do meu castigo queimando nesta epiderme
Que encurta, me encerra e me inutiliza na noite,
Me revertendo minúsculo à advertência do meu rio.
Escuto o rio. Assunto estes balouços em que o rio
Murmura num banzeiro. E contemplo
Como apenas se movimenta escravizada a torrente,
E rola a multidão. Cada onda que abrolha
E se mistura no rolar fatigado é uma dor. E o surto
Mirim dum crime impune.
75
mário de andrade
Vem de trás o estirão. É tão soluçante e tão longo,
E lá na curva do rio vêm outros estirões e mais outros,
E lá na frente são outros, todos soluçantes e presos
Por curvas que serão sempre apenas as curvas do rio.
Há­‑de todos os assombros, de todas as purezas e martírios
Nesse rolo torvo das águas. Meu Deus! meu
Rio! como é possível a torpeza da enchente dos homens!
Quem pode compreender o escravo macho
E multimilenar que escorre e sofre, e mandado escorre
Entre injustiça e impiedade, estreitado
Nas margens e nas areias das praias sequiosas?
Elas bebem e bebem. Não se fartam, deixando com
desespero
Que o resto do galé aquoso ultrapasse esse dia,
Pra ser represado e bebido pelas outras areias
Das praias adiante, que também dominam,
[aprisionam e mandam
A trágica sina do rolo das águas, e dirigem
O leito impassível da injustiça e da impiedade.
Ondas, a multidão, o rebanho, o rio, meu rio, um rio
Que sobe! Fervilha e sobe! E se adentra fatalizado,
[e em vez
De ir se alastrar arejado nas liberdades oceânicas,
Em vez se adentra pela terra escura e ávida dos homens,
Dando sangue e vida a beber. E a massa líquida
Da multidão onde tudo se esmigalha e se iguala,
Rola pesada e oliosa, e rola num rumor surdo,
E rola mansa, amansada imensa eterna, mas
No eterno imenso rígido canal da estulta91 dor.
Porque os homens não me escutam! Por que os
[governadores
Não me escutam? Por que não me escutam
→
76
A poESIA
Os plutocratas92 e todos os que são chefes e são fezes?
Todos os donos da vida?
Eu lhes daria o impossível e lhes daria o segredo,
Eu lhes dava tudo aquilo que fica pra cá do grito
Metálico dos números, e tudo
O que está além da insinuação cruenta da posse.
E se acaso eles protestassem, que não! que não desejam
A borboleta translúcida da humana vida, porque preferem
O retrato a ólio das inaugurações espontâneas,
Com béstias do operário e do oficial, imediatamente
[inferior,
E palminhas, e mais os sorrisos das máscaras e a
[profunda comoção,
Pois não! Melhor que isso eu lhes dava uma felicidade
[deslumbrante
De que eu consegui me despojar porque tudo sacrifiquei.
Sejamos generosíssimos. E enquanto os chefes e as fezes
De mamadeira ficassem na creche de laca e lacinhos,
Ingênuos brincando de felicidade deslumbrante:
Nós nos iríamos de camisa aberta ao peito,
Descendo verdadeiros ao léu da corrente do rio,
Entrando na terra dos homens ao coro das quatro estações.
Pois que mais uma vez eu me aniquilo sem reserva,
E me estilhaço nas fagulhas eternamente esquecidas,
E me salvo no eternamente esquecido fogo de amor…
Eu estalo de amor e sou só amor arrebatado
Ao fogo irrefletido do amor.
… eu já amei sozinho comigo; eu já cultivei também
O amor do amor, Maria!93
E a carne plena da amante, e o susto vário
Da amiga, e a confidência do amigo… Eu já amei
→
77
mário de andrade
Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça elevada,
[escolhido
Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu outro sinal.94
E também, ôh também! na mais impávida glória
Descobridora da minha inconstância e aventura,
Desque me fiz poeta e fui trezentos,95 eu amei
Todos os homens, odiei a guerra, salvei a paz!
E eu não sabia! Eu bailo de ignorâncias inventivas,
E a minha sabedoria vem das fontes que eu não sei!
Quem move meu braço? Quem beija por minha boca?
Quem sofre e se gasta pelo meu renascido coração?
Quem? senão o incêndio nascituro do amor?…
Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,
Bardo mestiço, e o meu verso vence a corda
Da caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares,
[e enrouquece
Úmido nas espumas da água do meu rio,
E se espatifa nas dedilhações brutas do incorpóreo Amor.
Por que os donos da vida não me escutam?
Eu só sei que eu não sei por mim! sabem por mim as fontes
Da água, e eu bailo de ignorâncias inventivas.
Meu baile é solto como a dor que range, meu
Baile é tão vário que possui mil sambas insonhados!
Eu converteria o humano crime num baile mais denso
Que estas ondas negras de água pesada e oliosa,
Porque os meus gestos e os meus ritmos nascem
Do incêndio puro do amor… Repetição. Primeira voz
[sabida, o Verbo.
Primeiro troco. Primeiro dinheiro vendido. Repetição
[logo ignorada.
Como é possível que o amor se mostre impotente assim
Ante o ouro pelo qual o sacrificam os homens,
→
78
A poESIA
Trocando a primavera que brinca na face das terras,
Pelo outro tesouro que dorme no fundo baboso do rio!
É noite! é noite!… E tudo é noite! E os meus olhos são
[noite!
Eu não enxergo sequer as barcaças na noite.
Só a enorme cidade. E a cidade me chama e pulveriza,
E me disfarça numa queixa flébil e comedida,
Onde irei encontrar a malícia do Boi Paciência
Redivivo. Flor. Meu suspiro ferido se agarra,
Não quer sair, enche o peito de ardência ardilosa,
Abre o olhar, e o meu olhar procura, flor, um tilintar
Nos ares, nas luzes longe, no peito das águas,
No reflexo baixo das nuvens.
São formas… Formas que fogem, formas
Indivisas, se atropelando, um tilintar de formas fugidias
Que mal se abrem, flor, se fecham, flor, flor, informes,
[inacessíveis,
Na noite. E tudo é noite. Rio, o que eu posso fazer!…
Rio, meu rio… mas porém há­‑de haver com certeza
Outra vida melhor do outro lado de lá
Da serra! E hei­‑de guardar silêncio!
O que eu posso fazer!… hei­‑de guardar silêncio
Deste amor mais perfeito do que os homens?…
Estou pequeno, inútil, bicho da terra, derrotado.
No entanto eu sou maior… Eu sinto uma grandeza
[infatigável!
Eu sou maior que os vermes e todos os animais.
E todos os vegetais. E os vulcões vivos e os oceanos,
Maior… Maior que a multidão do rio acorrentado,
Maior que a estrela, maior que os adjetivos,
→
79
mário de andrade
Sou homem! vencedor das mortes, bem­‑nascido além
[dos dias,
Transfigurado além das profecias!
Eu recuso a paciência, o boi morreu, eu recuso a esperança.
Eu me acho tão cansado em meu furor.
As águas apenas murmuram hostis, água vil mas
[turrona paulista
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas
Para o peito dos sofrimentos dos homens.
… e tudo é noite. Sob o arco admirável
Da Ponte das Bandeiras, morta, dissoluta, fraca,
Uma lágrima apenas, uma lágrima,
Eu sigo alga escusa nas águas do meu Tietê.
80
II. A ficção
Nas terras do igarapé Tietê*
[…]
Porém entrando nas terras do igarapé Tietê adonde o
burbom vogava e a moeda tradicional não era mais cacau,
em vez, chamava arame contos contecos milréis borós tos‑
tão duzentorréis quinhentorréis, cinquenta paus, noven‑
ta bagarotes, e pelegas cobres xenxéns caraminguás selos
bicos­‑de­‑coruja massuni bolada calcáreo gimbra siridó
bicha e pataracos, assim, adonde até liga pra meia nin‑
guém comprava nem por vinte mil cacaus. Macunaíma
ficou muito contrariado. Ter de trabucar, ele, herói!…
Murmurou desolado:
– Ai! que preguiça!…
Resolveu abandonar a empresa, voltando pros pagos de
que era imperador. Porém Maanape falou assim:
– Deixa de ser aruá, mano! Por morrer um carangueijo
o mangue não bota luto não! que diacho! desanima não
que arranjo as coisas!
Quando chegaram em São Paulo, ensacou um pouco
do tesouro pra comerem e barganhando o resto na Bol‑
sa apurou perto de oitenta contos de réis. Maanape era
* Excerto de “Piaimã”, capítulo 5 da rapsódia modernista Macunaí‑
ma, o herói sem nenhum caráter, 1928 (1ª. ed.).
83
mário de andrade
feiticeiro. Oitenta contos não valia muito mas o herói
refletiu bem e falou pros manos:
– Paciência. A gente se arruma com isso mesmo, quem
quer cavalo sem tacha anda de a­‑pé…
Com esses cobres é que Macunaíma viveu.
E foi numa boca­‑da­‑noite fria que os manos toparam
com a cidade macota de São Paulo esparramada a beira­
‑rio do igarapé Tietê. Primeiro foi a gritaria da papagaiada
imperial se despedindo do herói. E lá se foi o bando sara‑
pintado volvendo pros matos do norte.
Os manos entraram num cerrado cheio de inajás ouri‑
curis ubuçus bacabas mucajás miritis tucumãs trazendo
no curuatá uma penachada de fumo em vez de palmas e
cocos. Todas as estrelas tinham descido do céu branco de
tão molhado de garoa e banzavam pela cidade. Macunaí‑
ma lembrou de procurar Ci. Êh! dessa ele nunca pode‑
ria esquecer não, porque a rede feiticeira que ela armara
pros brinquedos fora tecida com os próprios cabelos dela e
isso torna a tecedeira inesquecível. Macunaíma campeou
campeou mas as estradas e terreiros estavam apinhados
de cunhãs tão brancas tão alvinhas, tão!… Macunaíma
gemia. Roçava nas cunhãs murmurejando com doçura:
“Mani! Mani! filhinhas da mandioca…” perdido de gosto
e tanta formosura. Afinal escolheu três. Brincou com elas
na rede estranha plantada no chão, numa maloca mais
alta que a Paranaguara. Depois, por causa daquela rede ser
dura, dormiu de atravessado sobre os corpos das cunhãs.
E a noite custou pra ele quatrocentos bagarotes.
A inteligência do herói estava muito perturbada. Acor‑
dou com os berros da bicharia lá embaixo nas ruas, dis‑
parando entre as malocas temíveis. E aquele diacho de
sagui­‑açu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em
que dormira… Que mundo de bichos! que despropósito
84
A ficção
de papões roncando, mauaris juruparis sacis e boitatás
nos atalhos nas socavas nas cordas dos morros furados
por grotões donde gentama saía muito branquinha bran‑
quíssima, de certo a filharada da mandioca!… A inteli‑
gência do herói estava muito perturbada. As cunhãs rindo
tinham ensinado pra ele que o sagui­‑açu não era saguim
não, chamava elevador e era uma máquina. De­‑manhãzi‑
nha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas
sopros roncos esturros não eram nada disso não, eram
mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máqui‑
na. As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam
fordes hupmobiles chevrolés dodges mármons e eram
máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curua‑
tás de fumo, em vez eram caminhões bondes autobondes
anúncios­‑luminosos relógios faróis rádios motocicletas
telefones gorjetas postes chaminés… Eram máquinas e
tudo na cidade era só máquina! O herói aprendendo cala‑
do. De vez em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel
escutando assuntando maquinando numa cisma assom‑
brada. Tomou­‑o um respeito cheio de inveja por essa deu‑
sa de deveras forçuda, Tupã famanado que os filhos da
mandioca chamavam de Máquina, mais cantadeira que a
Mãe­‑d’água, em bulhas de sarapantar.
Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser tam‑
bém imperador dos filhos da mandioca. Mas as três
cunhãs deram muitas risadas e falaram que isso de deu‑
ses era uma gorda mentira antiga, que não tinha deus
não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela
mata. A máquina não era deus não, nem possuía os dis‑
tintivos femininos de que o herói gostava tanto. Era feita
pelos homens. Se mexia com eletricidade com fogo com
água com vento com fumo, os homens aproveitando as
forças da natureza. Porém jacaré acreditou? nem o herói!
85
mário de andrade
Se levantou na cama e com um gesto, esse sim! bem guaçu
de desdém, tó! batendo o antebraço esquerdo dentro do
outro dobrado, mexeu com energia a munheca direita pras
três cunhãs e partiu. Nesse instante, falam, ele inventou o
gesto famanado de ofensa: a pacova.
E foi morar numa pensão com os manos. Estava com
a boca cheia de sapinhos por causa daquela primeira noi‑
te de amor paulistano. Gemia com as dores e não havia
meios de sarar até que Maanape roubou uma chave de
sacrário e deu pra Macunaíma chupar. O herói chupou
chupou e sarou bem. Maanape era feiticeiro.
Macunaíma passou então uma semana sem comer nem
brincar só maquinando nas brigas sem vitória dos filhos
da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava
os homens porém os homens é que mandavam na Máqui‑
na… Constatou pasmo que os filhos da mandioca eram
donos sem mistério e sem força da máquina sem mistério
sem querer sem fastio, incapaz de explicar as infelicidades
por si. Estava nostálgico assim. Até que uma noite, sus‑
penso no terraço dum arranha­‑céu com os manos, Macu‑
naíma concluiu:
– Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem
ela ganha deles nesta luta. Há empate.
Não concluiu mais nada porque inda não estava acos‑
tumado com discursos porém palpitava pra ele muito
embrulhadamente muito! que a máquina devia de ser um
deus de que os homens não eram verdadeiramente donos
só porque não tinham feito dela uma Iara explicável mas
apenas uma realidade do mundo. De toda essa embru‑
lhada o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz: Os
homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram
homens. Macunaíma deu uma grande gargalhada. Per‑
cebeu que estava livre outra vez e teve uma satisfa mãe.
86
A ficção
Virou Jiguê na máquina telefone, ligou pros cabarés enco‑
mendando lagosta e francesas.
[…]
87
Túmulo, túmulo, túmulo*
Belazarte me contou:
Caso triste foi o que sucedeu lá em casa mesmo… Eu
sempre falo que a gente deve ser enérgico, nunca desani‑
mar, que se entregar é covardia, porém quando a coisa
desanda mesmo não tem vontade, não tem paciência que
faça desgraça parar.
Um tempo andei mais endinheirado, com emprego
bom e inda por cima arranjando sempre uns biscates por
aí, que me deixavam viver à larga. Dinheiro faz cócega em
bolso de brasileiro, enquanto não se gasta não há meios de
sossegar, pois imaginei ter um criado só pra mim. Achava
gostoso esses pedaços de cinema: o dono vai saindo, vem
o criado com chapéu e bengala na mão, “Prudêncio, hoje
não boio em casa, querendo sair, pode. Té logo”. “Té logo,
seu Belazarte.”
Veio um criado mas eu não simpatizava com ele não.
Sei lá si percebeu? uma noite pediu a conta e dei graças.
Levei uns pares de dias assim, até que indo ver uns ter‑
renos longe, estava no mesmo banco do bonde um tiziu
* Texto publicado em Os contos de Belazarte, 1934 (1ª ed.), ali datado
de 1926; corresponde, de fato, à reescrita de 1934, refundida em
1943­‑1944. Neste livro, o autor transfigura alguns traços autobio‑
gráficos.
89
mário de andrade
extraordinário de simpático. Que olhos sossegados! você
não imagina. Adoçavam tudo que nem verso de Rilke.96
Desci matutando, vi os terrenos, peguei o bonde que vol‑
tava. Instinto é uma curiosidade: quando o condutor veio
cobrar a passagem e percebi que era o mesmo da ida, tive a
certeza que o negrinho havia de estar no carro. Olhei para
trás, pois não é que estava mesmo! Encontrei os olhos dele,
dito e feito: senti uma doçura por dentro uma calma lenta,
pensei: está aí, disso é que você carece pra criado. Mudei
de banco e meio juruviá puxei conversa:
– Me diga ũa coisa, você não sabe por acaso de algum
moço que queira ser meu criado? Mas quero brasileiro e
preto.
Riu manso, apalpando a vista com a pálpebra. Me
olhou, respondendo com voz silenciosa, essa mesma de
gente que não pensa nem viveu passado:
– Tem eu, sim senhor. O senhor querendo…
– Eu, eu quero sim, por que não havia de querer? Quan‑
to você pede?
Etc. E ele entrou pro meu serviço.
Quando indaguei o nome dele, falou que chamava Ellis.
Ellis era preto, já disse… Mas uma boniteza de pretura
como nunca eu tinha visto assim. Como linhas até que não
era essas coisas, meio nhato,97 porém aquela cor elevava o
meu criado a tipo­‑de­‑beleza da raça tizia. Com dezenove
anos sem nem um poucadico de barba, a epiderme de Ellis
era um esplendor. Não brilhava mas não brilhava nada
mesmo! Nem que ele estivesse trabalhando pesado, suor
corria, ficava o risco da gota feito rastinho de lesma e só.
Bastava que lavasse a cara, pronto: voltava o preto opaco
outra vez. Era doce, aveludado o preto de Ellis… A gente
se punha matutando que havia de ser bom passar a mão
naquela cor humilde, mão que andou todo o dia apertando
90
A ficção
passe­‑bem de muito branco emproado e filho­‑da­‑mãe.
Ellis trazia o cabelo sempre bem roçado, arredondando
o coco. Pixaim fininho, tão fofo que era ver piri de beira­
‑rio.98 Beiço, não se percebia, negro também. Só mesmo
o olhar amarelado, cor de ólio de babosa, é que descansa‑
va no meio daquela igualdade perfeita. É verdade que os
dentes eram brancos, mas isso raramente se enxergava,
porque Ellis tinha um sorriso apenas entreaberto. Estava
muito igualado com o movimento da miséria pra andar
mostrando gengiva a cada passo. A gente tinha impressão
de que nada o espantava mais, e que Ellis via tudo preto,
do mesmo preto exato da epiderme.
Como criado, manda a justiça contar que ele não foi
inteiramente o que a gente está acostumado a chamar de
criado bom. Não é que fosse rúim não, porém tinha seus
carnegões, moleza chegou ali, parou. Limpava bem as coi‑
sas mas levava uma vida pra limpar esta janela. E depois
deu de sair muito, não tinha noite que ficasse em casa. Mas
no sentido de criado moral, Ellis foi sublime. De inteira
confiança, discreto, e sobretudo amigo. Quando eu aspe‑
rejava com ele, escutava tudo num desaponto que só ven‑
do. Sei que eu desbaratava, ia desbaratando, ia ficando sem
assunto pra desbaratar, meio com dó daquele tão humilde
que, a gente percebia, não tinha feito nada por mal. Aca‑
bava sendo eu mesmo a discutir comigo:
– Sei bem que de tanto lavar copo vem um dia em que
um escapole da mão… Está bom, veja si não quebra mais,
ouviu?
– Sei, seu Belazarte.
E ficava esperando, jururu que fazia dó. Eu é que enca‑
fifava. Com aquele olho­‑de­‑pomba me seguindo, arru‑
lhando pelo meu corpo numa bulha penarosa de carinho
batido, eu nem sabia o que fazer. Pegava numa gravata,
91
mário de andrade
reparando que tinha pegado nela só pra gesticular, largava
da gravata, arranja cabelo, arranja não­‑sei­‑o­‑quê, acabava
sempre descobrindo poeira na roupa, ũa mancha, qual‑
quer coisa assim:
– Ellis, me limpe isto.
Ele vinha chegando meio encolhido e limpava. Então
olho­‑de­‑babosa pousava em minha justiça, tremendo:
– Está bom assim, seu Belazarte?
– Está. Pode ir.
Ia. Porém ficava rondando. Mesmo que fosse lá no andar
térreo trabalhar, me levava no pensamento, ia imaginando
um jeito de me agradar. E não tinha mais parada nos agra‑
dinhos discretos enquanto eu não ria pra ele. Então gengiva
aparecia. Quando chegava de noite já sabe, vinha pedindo
pra ir no cinema, eu tinha pena, deixava. E quantas vezes
ainda não acabei dando dinheiro pro cinema!
Nesse andar é lógico que eu mesmo estava fazendo arte
de ficar sem criado. Foi o que sucedeu. Ellis tomou conta
de mim duma vez. Piorar, piorou não, mas já estava difícil
de dizer quem era o criado de nós dois. Sim, porque, afinal
das contas quem que é o criado? quem serve ou quem não
pode mais passar sem o serviço, digo mais, sem a compa‑
nhia do outro?
– Ellis, você já sabe ler?… Uhm… acho que vou ensi‑
nar francês pra você, porque si um dia eu for pra Europa,
não vou sem você.
– Si seu Belazarte for, eu vou também.
Sempre com o mesmo respeito. Às vezes eu chegava
em casa sorumbático,99 moído com a trabalheira do dia,
Ellis não falava nada, nem vinha com amolação, porém
não arredava pé de mim, descobrindo o que eu queria pra
fazer. Foi uma dessas vezes que escutei ele falando no por‑
tão pra um companheiro:
92
A ficção
– Hoje não, seu Belazarte carece de mim.
Até achei graça. E principiei verificando que aquilo não
tinha jeito mais, Ellis não trabalhava. Estava tomando um
lugar muito grande em minha vida. Pois então vamos fazer
alguma coisa pelo futuro dele, decidi. Entramos os dois
numa explicação que me abateu, por causa dos sentimen‑
tos desencontrados que me percorreram. Ellis me con‑
fessou que pensava mesmo em ser chofer, mas não tinha
dinheiro pra tirar a carta. Tive ciúmes, palavra. Secreta‑
mente eu achava que ele devia só pensar em ser meu cria‑
do. Mas venci o sentimento besta e falei que isso era o de
menos, porque eu emprestava os cobres. Só que não pude
vencer a fraqueza e, com pretexto de esclarecer, ajuntei:
– Você pense bem, decida e volte me falar. Chofer é
bom, dá bem, só que é ofício perigoso e já tem muito cho‑
fer por aí. Muitas vezes a gente imagina que faz um giro
e faz mas é um jirau. Enfim, tudo isso é com você. Já falei
que ajudo, ajudo.
Foi então que ele me confessou que precisava ganhar
mais porque estava com vontade de casar.
– Ellis, mas que idade você tem, Ellis!
– Dezanove, sim senhor.
– Puxa! e você já quer casar!
Deu aquele sorriso entreaberto, sossegado:
– Gente pobre carece casar cedo, seu Belazarte, sinão
vira que nem cachorro sem dono.
Não entendi logo a comparação. Ellis esclareceu:
– Pois é: cachorro sem dono não vive comendo lixo
dos outros?…
Meio que me despeitava também, isso do Ellis gos‑
tar de mais outra pessoa que do patrão, porém já sei me
livrar com facilidade destes egoísmos. Perguntei quem era
a moça.
93
mário de andrade
– É tizia que nem eu mesmo, seu Belazarte. Se chama
Dora.
Encabulou, tocando na namorada. Falei mais uma vez
pra ele pensar bem no que ia fazer e me comunicasse.
Dias depois ele veio:
– Seu Belazarte… andei matutando no que o senhor me
falou, semana atrás…
– Resolveu?
– Pois então a gente pode fazer uma coisa: espero o dia­
‑dos­‑anos do senhor e depois saio.
Tive um despeito machucando. Decerto fui duro:
– Está bom, Ellis.
Não se mexeu. Depois de algum tempo, muito baixinho:
– Seu Belazarte…
– O que é.
– Mas… seu Belazarte… eu quero sair por bem da
casa do senhor… até a Dora me falou que… me falou que
decerto o senhor aceitava ser nosso padrinho…
Custou ele falar de tanta comoção. Olhei pra ele. O ólio
de babosa destilava duas lágrimas negras no pretume liso.
Me comovi também.
– Sai por bem, é lógico! Não tenho queixa nenhuma
de você.
– Quando o senhor quiser alguma coisa, me chame que
eu venho fazer. O senhor foi muito bom para mim…
– Não fui bom, Ellis, fui como devia porque você tam‑
bém foi direito.
Botei a mão no ombro dele pra sossegar o comovido
soluçante, estava engasgado, o pobre!… Sem se esperar,
rápido, virou a cara de lado, encolheu o ombro, beijou
minha mão, partiu fechando a porta.
Já me sentava outra vez, pensando naquele bei‑
jo que fazia a minha mão tão recompensada por toda a
94
A ficção
humanidade, a porta abriu de leve. E ele, não se mostran‑
do:
– Seu Belazarte, o senhor não falou que aceitava…
Até me ri.
– Aceito, Ellis! Quando que você casa?
– Si arranjar licença logo, caso no 8 de dezembro, sim
senhor, dia da Virgem Maria.
Não me logrou, porém logrou a Virgem Maria. Saiu de
casa dias depois do meu aniversário,100 e nem bem dona
República fez anos,101 casou com a Dora, num dia claro que
parecia querer durar a vida inteira. Cheguei do casamento
com uma felicidade artística dentro de mim. Você não ima‑
gina que coisa mais bonita Ellis e Dora juntos! Mulatinha
lisa, lisa, cor de ouro, isto é, cor de ólio de babosa, cor dos
olhos de Ellis! E nos olhos então todo esse pretume impos‑
sível que o medo põe na cor do mato à noite. Você decerto
que já reparou: a gente vê uns olhos de menina boa e jura:
“Palavra que nunca vi olho tão preto”, vai ver? quando mui‑
to olho é cor de fumo de mapinguim.102 É o receio da gente
que bota escureza temível nos olhos desses nossos peca‑
dos… Que gostosa a Dora! Era uma pretarana de cabelo
acolchoado e corpo de potranquinha independente. Tinha
um jeito de não­‑querer, muito fiteiro, um dengue meio fati‑
gado oscilando na brisa, tinha uma fineza de S espichado,
que fazia ela parecer maior do que era, uma graça flexível…
Nem sei bem o que é que o corpo dela tinha, só sei que
espantava tanto o desejo da gente, que desejo ficava de boca
aberta, extasiado, sem gesto, deixando respeitosamente ela
passar por entre toda a cristandade… Dora linda!
Ellis desapareceu uns meses e me esqueci dele. A vida
é tão bondosa que nunca senti falta de ninguém. Reapare‑
ceu. Foi engraçado até. Me levantei tarde, desci pra beber
meu mate, Ellis no hol, encerando.
95
mário de andrade
– Bom­‑dia, seu Belazarte.
– Ué! quê que você está fazendo aqui!
– Dona Mariquinha103 me chamou pra limpar a casa.
– Mas você não está trabalhando então!
– Trabalho, sim senhor, mas a vida anda mesmo dura,
seu Belazarte, a gente carece de ir pegando o que acha.
A fúria de casar borrara os sonhos do chofer. Vivia
de pedreiro. Mamãe encontrou com ele e se lembrou de
dar esse dinheiro semanal pro mendigo quasi. Um Ellis
esmolambado, todo sujo de cal. Dora andava com mui‑
to enjoo, coisa do filho vindo. Não trabalhava mais. Ellis
com pouco serviço. Estava magro e bem mais feio. De
repente uma semana não apareceu. Que é, que não é, afi‑
nal veio uma conhecida contar que Ellis tinha adoeci‑
do de resfriado, estava tossindo muito, aparecendo uns
caroços do lado da cara. Quando vi ele até assustei, era
um caroção medonho, parecendo abscesso. Foi no den‑
tista, não sei… dentista andou engambelando Ellis um
sem­‑fim de tempo, começou aparecendo novo caroço do
outro lado da cara. Mamãe imaginou que era anemia.
Mandamos Ellis no médico de casa, com recomendação.
Resultado: estava fraquíssimo do peito e si não tomasse
cuidado, bom!
Calvário começou. Ele não sabia bem o que havia de
fazer, eu também não podia estar recolhendo dois em
casa. Inda mais doentes! Vacas magras também estavam
pastando no meu campo nesse tempo… Foi uma tristeza.
Ellis andou de cá pra lá, fazendo tudo e não fazendo nada.
Mandou buscar a mãe, que vivia numa chacrinha empres‑
tada em Botucatu, foram morar todos juntos na lonjura
da Casa Verde, diz­‑que pra criar galinha e por causa do ar
bom. Não arranjaram nada com as galinhas nem com os
ares. Vieram pra cidade outra vez. Foram morar perto de
96
A ficção
casa, num porão, depois eu vi o porão, que coisa! Todos
morando no buraco de tatu, Ellis, Dora, a mãe dele e mais
dois gafanhotinhos concebidos de passagem.
Ellis voltara pra pedreiro, encerava nossa casa e outras
que arranjamos, andou consertando esgotos, depois na
Companhia de Gás… Não tinha parada, emagrecendo,
não se descobriu remédio que acabasse inteiramente com
os caroços.
Meio rindo, meio sério, nem eram bem sete da manhã,
um dia apareceu contando que era pai. Vinha participar e:
– Seu Belazarte, vinha também saber si o senhor que‑
ria ser padrinho do tiziu, o senhor já está servindo de meu
tudo mesmo.
Falei que sim, meio sem gostar nem desgostar, estava
já me acostumando. Dei vinte milréis. Mamãe, que era a
madrinha, andou indo lá no porão deles, arranjando rou‑
pas de lã pro desgraçadinho novo.
Nem semana depois, chego em casa e mamãe me con‑
ta que Dora tinha adoecido. Pedi pra ela ir lá outra vez,
ela foi. Mandamos médico. Dora piorou do dia pra noite,
e morreu quem a gente menos imaginava que morresse.
Número um.
Agora sim, e a criança? É verdade que a mãe do Ellis
tinha inda filho de peito, desmamou o safadinho que já
estava errando língua portuguesa, e o leite dela foi mudan‑
do de porão.
O dia do batizado, sofri um desses desgostos, fatigan‑
tes pra mim que vivo reparando nas coisas. Primeiro quis
que o menino se chamasse Benedito, nome abençoado de
todos os escravos sinceros, porém a mãe do Ellis resmun‑
gou que a gente não devia desrespeitar vontade de morto,
que Dora queria que o filho chamasse Armando ou Luís
Carlos. Então pus autoridade na questão e cedendo um
97
mário de andrade
pouco também, acabamos carimbando o desgraçadinho
com o título de Luís.
Havia muita lembrança de Dora naquilo tudo, há só
dois dias que ela adormecera. Fizemos logo o batizado
porque o menino estava muito aniquiladinho.
Engraçado o Ellis… Até hoje não me arrisco a entender
bem qual era o sentimento dele pela Dora. Quando veio
me comunicar a morte da pobre, até parecia que eu gosta‑
va mais dela, com este meu jeito de ficar logo num pasmo
danado, sucedendo coisa triste.
– Dora morreu, seu Belazarte.
– Morreu, Ellis!
Nem posto explicar com quanto sentimento gritei. Ellis
também não estava sossegado não, mas parecia mais inca‑
pacidade de sofrer que tristeza verdadeira. O amarelão
dos olhos ficara rodeado dum branco vazio. Dora ia fazer
falta física pra ele, como é que havia de ser agora com os
desejos? Isso é que está me parecendo foi o sofrimento per‑
guntado do Ellis. E pra decidir duma vez a indecisão, ele
vinha pra mim cuja amizade compensava. E seria mesmo
por amizade? Aqui nem a gente pode saber mais, de tanto
que os interesses se misturavam no gesto, e determina‑
vam a fuga de Ellis pra junto de mim. Eu era amigo dele,
não tinha dúvida, porém numa ocasião como aquela não
é muito de amigo que a gente precisa não, é mais de pessoa
que saiba as coisas. Eu sabia as coisas, e havia de arranjar
um jeito de acomodar a interrogação.
… e quem diz que na amizade também não existe esse
interesse de ajutório?… Existe, só que mais bonito que
no amor, porque interesse está longe do corpo, é mistério
da vida silenciosa espiritual. Depois, amor… É inútil os
pernósticos estarem inventando coisas atrapalhadas pra
encherem o amor de trezentas auroras­‑boreais ou caem
98
A ficção
no domínio da amizade, que também pode existir entre
bigode e seios, ou então principiam sutilizando os ges‑
tos físicos do amor, caem na bandalheira. Observando,
feito eu, amor de sem­‑educação, a gente percebe mesmo
que nele não tem metafísica: uma escolha proveniente do
sentimento que a babosa recebe dum corpo estranho, e
em seguida furrum­‑fum­‑fum. A força do amor é que ele
pode ser ao mesmo tempo amizade. Mas tudo o que existe
de bonito nele, não vem dele não, vem da amizade gruda‑
da nele. Amor quando enxerga defeito no objeto amado,
cega: “Não faz mal!” Mas o amigo sente: “Eu perdoo você.”
Isso é que é sublime no amigo, essa repartição contínua de
si mesmo, coisa humana profundamente, que faz a gen‑
te viver duplicado, se repartindo num casal de espíritos
amantes que vão, feito passarinhos de voo baixo, pairando
rente ao chão sem tocar nele…
Dora era corpo só. E uma bondade inconsciente. Eu
não tinha corpo mas era protetor. E principalmente era
o que sabia as coisas. Desta vez amor não se uniu com
amizade: o amor foi pra Dora, a amizade pra mim. Natu‑
ral que o Ellis procedesse dessa forma, sendo um frouxo.
Batizado fatigante. Não paga a pena a gente imaginar
que todos somos iguais, besteira! Mamãe, por causa da
muita religião, imagina que somos. Inventou de convi‑
dar Ellis, mãe e tutti quanti104 pra comer um doce em
nossa casa, vieram. Foi um ridículo oprimente pra nós
os superiores, e deprimente pra eles os desinfelizes. Esta‑
vam esquerdos, cheios de mãos, não sabendo pegar na
xicra. E eu então! Qualquer gesto que a gente faz, pegar
no pão, na bolacha, pronto: já é diferente por classe da
maneira, igualzinha muitas vezes, com que o pobre pega
nessas coisas. Parece lição. A gente fica temendo rebaixar
o outro e também já não sabe pegar na xicra mais. Custei
99
mário de andrade
pra inventar umas frases engraçadas, depois reparei que
não tinham graça nenhuma por causa da Dora se depen‑
durando nelas, não deixando a graça rir. De repente fui­
‑me embora.
Não levou nem semana, o desgraçadinho pegou mir‑
rando mais, mirrando e esticou. Número dois.
Ellis nem pôde tratar do enterro. Não é que estivesse
penando muito, mas o caroço tinha dado de crescer no
lado esquerdo agora. Na véspera tivera uma vertigem, nin‑
guém sabe por que, junto do filho morrendo. Foi pra cama
com febrão de quarenta­‑e­‑um no corpo tremido.
Era a tuberculose galopante que, sem nenhum respeito
pelas regras da cidade, estava fazendo cento­‑e­‑vinte por
hora na raia daquele peito apertado. Quando Ellis soube,
virou meu filho duma vez. Mandava contar tudo pra mim.
Mas não sei por que delicadeza sublime, por que invenção
de amizade, descobriu que não me dou bem com a tísica.
O certo é que nunca me mandou pedir pra ir vê­‑lo. Fui.
Fui, também uma vez só, de passagem, falando que esta‑
va na hora de ir pro trabalho. Mas não deixei faltar nada
pra ele. Nada do que eu podia dar, está claro, leite de vacas
magras.
Durou três meses, nem isso, onze semanas em que me
parece foi feliz. Sim, porque virara criança, e talvez pela
primeira vez na vida, inventava essas pequenas faceirices
com que a gente negaceia o amor daqueles por quem se
sabe amado. Mantimento, remédios, roupa, tudo minha
mãe é que providenciava pra ele, conforme desejo meu.
Pois de supetão vinha um pedido engraçado, que Ellis
queria comer sopa da minha casa, que si eu não podia
mandar pra ele ũa meia igualzinha àquela que usara no
batizado do desgraçadinho, com lista amarela, outra roxa
até em cima… Uma feita mandou pedir de emprestado a
100
A ficção
almofada que eu tinha no meu estúdio e que, ele mandou
dizer, até já estava bem velha. É lógico que almofada foi,
porém dadinha duma vez.
Da minha parte era tudo agora gestos mecânicos de
protetor, meu Deus! como a vida esperada se mecaniza…
Não sei… Ellis creio que não, mas eu já fazia muito que
estava acostumado a sentir Ellis morto. E aquela espera
da morte já pra mim era bem ũa morte longa, um andar
na gandaia dentro da morte, que não me dava mais que
uma saudade cômoda do passado. Era amigo dele, juro,
mas Ellis estava morto, e com a morte não se tem direito
de contar na vida viva. Ele, isso eu soube depois, ele sim,
estava vivendo essa morte já chegada, numa contemplação
sublime do passado, única realidade pra ele. Dora tinha
sido uma função. A vida prática não fora sinão comer,
dormir, trabalhar. No que se agarraria aquele morto em
férias? Em mim, é lógico. Isso eu sube depois… Levava o
dia falando no amigo, pensando no amigo. E todas aquelas
faceirices de pedidos e vontadinhas de criança, não passa‑
vam de jeitos de se recordar mais objetivamente de mim.
De se aproximar de mim, que não ia vê­‑lo.
Cheguei em casa pra almoçar, a mãe do Ellis viera dizer
que ele estava me chamando, não gostei nada. Si agora
ele principiava pedindo mais isso, eu que tenho um bruto
horror de tísica… Enfim mandei a criada lá, que depois
do almoço ia.
Quando cheguei na porta, os uivos da mãe dele me
deram a notícia inesperada. Sim, inesperada, porque já
estava acostumado a ficar esperando e perdera a noção
de que o esperado havia mesmo de vir. Entrei. Estavam
uma italianona vermelha de tanto choro por tabela e dois
tizius fumando.
– Morreu!
101
mário de andrade
– Ahm, su Beladzarte, tanto que o povero está chaman‑
do o sinhore!
– Mas já morreu, é!
– Que esperandza! desde manhãzinha está cham…
– Onde ele está?
Um dos tizius.
– Está lá dentro, sim senhor.
Jogou o cigarro e foi mostrando caminho. Segui atrás.
Pulei por cima dos uivos saindo duma furna que nunca viu
dia, e lá numa sala mais larga, com entrada em arco sem
porta dando pro quintal interior, num canto invisível, cho‑
rava uma vela, era ali. Ellis vasquejava com as borlas dos
caroços dependurados pros lados, medonho de magro. Esta‑
va morrendo desde manhã, sempre chamando por mim.
– Mas por que não me avisaram!
Eram não sei quantas vezes que agarravam a vela nas
mãos dele já em cruz, pra sempre fantasiadas de morte.
De repente soluço parava. O moribundo engulia em seco e
pegava me chamando outra vez. Afinal parara de chamar
fazia mais de hora. Parece que a coisa estava chegando.
Falei baixo, sem querer, me acomodando com o silêncio
da morte:
– Ellis… ôh Ellis!
Nada. Só o respiro serrando na madeira seca da gar‑
ganta. Os outros me olhavam, esperando o bem que eu
ia fazer pro coitado. Até parecia que o importante ali era
eu. Insisti, lutando com a amizade da morte, mais unifor‑
me que a minha. Com mentira e tudo, até me parece que
eu insistia mais pra vencer a predominância da morte, e
aqueles assistentes não me verem perder numa luta. Botei
a mão na testa morna de Ellis, havia de me sentir.
– Ellis! sou eu, Ellis!… Sossegue que já cheguei, ouviu!
Estou juntinho de você, ouviu!… Ellis!
102
A ficção
O soluço parou.
– Pronto! Ansim que está fatchendo desde de manhán,
ô povero!… Tira áa vela, Maria!
– Deixe a vela, ôh Ellis!
Ellis abriu as pálpebras, principiou abrindo, parecia
que não parava mais de as abrir. Ficaram escancaradas,
mas ólio de babosa não vê que escorrendo mais! pupilas
fixas, retas, frechando o teto preto. Pus minha cara onde
elas me focalizassem.
– Estou aqui, Ellis! Não tenha medo! você está me
enxergando, hein!
– Está sim, seu Belazarte. Viu! desde manhã que está de
olho fechado. Ele queria muito be… bem o senhor! tam‑
bém… também o senhor tem sido muito bom pro coita‑
do… de meu filho, ai!… aaai! meu filho está morrendo,
ahn! ahn! ahn!…
– Ellis! você está precisando de alguma coisa, hein! Eu
faço!
A gelatina me recebia sem brilhar. As pálpebras foram
cerrando um bocado. Instintivamente apressei a fala, pra
que os olhos inda recebessem meu carinho:
– Eu faço tudo pra você! não quero que te falte nada,
ouviu bem!
Os olhos se esconderam de todo com muita calma.
– Meu filho morreu! ai, ai!… Aaai!…
Tive um momento de desespero porque Ellis não dava
sinal de me sentir. Insisti mais, ajoelhando junto da cama.
– Ora, o que é isso, Ellis!…
– ahan… só falava no senhor, ahn… ontem mesmo
disse pra mim, ahan, que, ahn, milhorando cavava um
poço… fundo, aáin… pra enterrar todos os mi… micró‑
bios pra despois, pedir pra morar, ahn… no porão da casa
do senhor… aai!
103
mário de andrade
– Levem ela! não vale a pena ele estar escutando esse
choro!
Transportaram os uivos. Estaria escutando ainda?
Insisti numa esperança exacerbada pela anedota da negra,
sem querer, perverso, voz pura, doce de carícia:
– Ellis! você não me responde mesmo!
Abriu um pouco os olhos outra vez. Me via!
… foi tão humilde que nem teve o egoísmo de sustentar
contra mim a indiferença da morte. O olhar dele teve uma
palpitação franca pra mim. Ellis me obedecia ainda com
esse olhar. Fosse por amizade, fosse por servilismo, obe‑
deceu. Isso me fez confundir extraordinariamente com os
manejos da vida, a morte dele. Desapareceu mistério, fata‑
lidade, tudo o que havia de grandioso nela. Foi ũa mor‑
te familiar. Foi ũa morte nossa, entre amigos, direitinho
aquele dia em que resolvemos, meu aniversário passado,
ele ir buscar o casamento e a choferagem de ganhar mais.
Cerrava os olhos calmo. Pesei a mão no corpo dele pra
que me sentisse bem. Ao menos assim, Ellis ficava seguro
de que tinha ao pé dele o amigo que sabia as coisas. Então
não o deixaria sofrer. Porque sabia as coisas…
Número três.
104
Primeiro de Maio*
No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis
horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava muito bem­
‑disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros
da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar.
Os outros carregadores mais idosos meio que tinham
caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, traba‑
lho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucara com altivez
que não, não carregava mala de ninguém, havia de cele‑
brar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente.
Dia dele… Primeiro quis tomar um banho pra ficar
bem digno de existir. A água estava gelada, ridente, cele‑
brando, e abrira um sol enorme e frio lá fora. Depois fez
a barba. Barba era aquela penuginha meia loura, mas foi
assim mesmo buscar a navalha dos sábados, herdada do
pai, e se barbeou. Foi se barbeando. Nu só da cintura pra
cima por causa da mamãe por ali, de vez em quando a
distância mais aberta do espelhinho refletia os múscu‑
los violentos dele, desenvolvidos desarmoniosamente nos
braços, na peitaria, no cangote, pelo esforço cotidiano de
carregar peso. O 35 tinha um ar glorioso e estúpido. Porém
* Texto publicado em Contos novos, edição póstuma, 1947; escrito
entre 1934 e 1942.
105
mário de andrade
ele se agradava daqueles músculos intempestivos, fazen‑
do a barba.
Ia devagar porque estava matutando. Era a esperança
dum turumbamba macota,105 em que ele desse uns socos
formidáveis nas fuças dos polícias. Não teria raiva espe‑
cial dos polícias, era apenas a ressonância vaga daquele
dia. Com seus vinte anos fáceis, o 35 sabia, mais da leitu‑
ra dos jornais que de experiência, que o proletariado era
uma classe oprimida. E os jornais tinham anunciado que
se esperava grandes “motins” do Primeiro de Maio, em
Paris, em Cuba, no Chile, em Madri.
O 35 apressou a navalha de puro amor. Era em Madri,
no Chile que ele não tinha bem lembrança se ficava na
América mesmo, era a gente dele… Uma piedade, um bei‑
jo lhe saía do corpo todo, feito proteção sadia de macho, ia
parar em terras não sabidas, mas era a gente dele, defen‑
der, combater, vencer… Comunismo?… Sim, talvez fosse
isso. Mas o 35 não sabia bem direito, ficava atordoado com
as notícias, os jornais falavam tanta coisa, faziam tama‑
nha misturada de Rússia, só sublime ou só horrenda, e o
35 infantil estava por demais machucado pela experiência
pra não desconfiar, o 35 desconfiava. Preferia o turum‑
bamba porque não tinha medo de ninguém, nem do Car‑
nera, ah, um soco bem nas fuças dum polícia… A navalha
apressou o passo outra vez. Mas de repente o 35 não imagi‑
nou mais em nada por causa daquele bigodinho de cinema
que era a melhor preciosidade de todo o seu ser. Lembrou
aquela moça do apartamento, é verdade, nunca mais tinha
passado lá pra ver se ela queria outra vez, safada! Riu.
Afinal o 35 saiu, estava lindo. Com a roupa preta de
luxo, um nó errado na gravata verde com listinhas bran‑
cas e aqueles admiráveis sapatos de pelica amarela que não
pudera sem comprar. O verde da gravata, o amarelo dos
106
A ficção
sapatos, bandeira brasileira, tempos de grupo escolar…
E o 35 se comoveu num hausto forte,106 querendo bem o
seu imenso Brasil, imenso colosso gigan­‑ante, foi andando
depressa, assobiando. Mas parou de supetão e se orientou
assustado. O caminho não era aquele, aquele era o cami‑
nho do trabalho.
Uma indecisão indiscreta o tornou consciente de novo
que era o Primeiro de Maio, ele estava celebrando e não
tinha o que fazer. Bom, primeiro decidiu ir na cidade pra
assuntar alguma coisa. Mas podia seguir por aquela dire‑
ção mesmo, era uma volta, mas assim passava na Estação
da Luz dar um bom­‑dia festivo aos companheiros traba‑
lhadores. Chegou lá, gesticulou o bom­‑dia festivo, mas
não gostou porque os outros riram dele, bestas. Só que
em seguida não encontrou nada na cidade, tudo fechado
por causa do grande dia Primeiro de Maio. Pouca gente
na rua. Deviam de estar almoçando já, pra chegar cedo
no maravilhoso jogo de futebol escolhido pra celebrar o
grande dia. Tinha mas era muito polícia, polícia em qual‑
quer esquina, em qualquer porta cerrada de bar e de café,
nas joalherias, quem pensava em roubar! nos bancos, nas
casas de loteria. O 35 teve raiva dos polícias outra vez.
E como não encontrasse mesmo um conhecido, com‑
prou o jornal pra saber. Lembrou de entrar num café,
tomar por certo uma média, lendo. Mas a maioria dos
cafés estavam de porta cerrada e o 35 mesmo achou que
era preferível economizar dinheiro por enquanto, porque
ninguém não sabia o que estava pra suceder. O mais prá‑
tico era um banco de jardim, com aquele sol maravilho‑
so. Nuvens? umas nuvenzinhas brancas, ondulando no ar
feliz. Insensivelmente o 35 foi se encaminhando de novo
para os lados do Jardim da Luz. Eram os lados que ele
conhecia, os lados em que trabalhava e se entendia mais.
107
mário de andrade
De repente lembrou que ali mesmo na cidade tinha banco
mais perto, nos jardins do Anhangabaú. Mas o Jardim da
Luz ele entendia mais. Imaginou que a preferência vinha
do Jardim da Luz ser mais bonito, estava celebrando. E
continuou no passo em férias.
Ao atravessar a estação achou de novo a companhei‑
rada trabalhando. Aquilo deu um malestar fundo nele,
espécie não sabia bem, de arrependimento, talvez irritação
dos companheiros, não sabia. Nem quereria nunca decidir
o que estava sentindo já… Mas disfarçou bem, passando
sem parar, se dando por afobado, virando pra trás com o
braço ameaçador, “Vocês vão ver!”… Mas um riso aqui,
outro riso acolá, uma frase longe, os carregadores com‑
panheiros, era tão amigo deles, estavam caçoando. O 35 se
sentiu bobo, era impossível recusar, envilecido.107 Odiou
os camaradas.
Andou mais depressa, entrou no jardim em frente, o
primeiro banco era a salvação, sentou. Mas dali algum
companheiro podia divisar ele e caçoar mais, teve raiva.
Foi lá no fundo do jardim campear banco escondido. Já
passavam negras disponíveis por ali. E o 35 teve uma ideia
muito não pensada, recusada, de que ele também estava
uma espécie de negra disponível, assim. Mas não esta‑
va não, estava celebrando, não podia nunca acreditar que
estivesse disponível e não acreditou. Abriu o jornal. Havia
logo um artigo muito bonito, bem pequeno, falando na
nobreza do trabalho, nos operários que eram também os
“operários da nação”, é isso mesmo! O 35 se orgulhou todo
comovido. Se pedissem pra ele matar, ele matava, roubava,
trabalhava grátis, tomado dum sublime desejo de fraterni‑
dade, todos os seres juntos, todos bons… Depois vinham
as notícias. Se esperava “grandes motins” em Paris, deu
uma raiva tal no 35. E ele ficou todo fremente,108 quase sem
108
A ficção
respirar, desejando “motins” (devia ser turumbamba) na
sua desmesurada força física, ah, as fuças de algum… polí‑
cia? polícia. Pelo menos os safados dos polícias.
Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a
Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se
falasse vagamente em motins de­‑tarde no Largo da Sé.
Mas a polícia já tomara todas as providências, até metra‑
lhadoras, estava em cima do jornal, nos arranha­‑céus,
escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queima‑
va, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura,
pra evitar safadez dos·namorados, punha os bancos só
bem no sol. E ainda por cima era aquela imensidade de
guardas e polícias vigiando que nem bem a gente punha
a mão no pescocinho dela, trilo. Mas a Polícia permitira a
grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secre‑
tário do Trabalho, no magnífico pátio interno do Palácio
das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente
péssima. Não era medo, mas por que que a gente havia
de ficar encurralado assim! É! é pra eles depois poderem
cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou bes‑
ta! Quer dizer: vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma
visão tumultuária, rolando no chão, se machucava mas
não fazia mal, saíam todos enfurecidos do Palácio das
Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não!
a indústria é a gente, “operários da nação”, pegavam fogo
na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por
“drento”, mas pra que pegar fogo em nada! (O 35 chegara
até a primeira comunhão em menino…), é melhor a gen‑
te não pegar fogo em nada; vamos no Palácio do Gover‑
no, exigimos tudo do Governo, vamos com o general da
Região Militar, deve ser gaúcho, gaúcho só dá é farda,
pegamos fogo no palácio dele. Pronto. Isso o 35 consentiu,
não porque o tingisse o menor separatismo (e o aprendido
109
mário de andrade
no grupo escolar?) mas nutria sempre uma espécie de des‑
peito por São Paulo ter perdido na revolução de 32. Sensa‑
ção aliás quase de esporte, questão de Palestra­‑Coríntians,
cabeça inchada, porque não vê que ele havia de se matar
por causa de uma besta de revolução diz­‑que democrática,
vão “eles”!… Se fosse o Primeiro de Maio, pelo menos… O
35 mal percebeu que se regava todo por “drento” dum espí‑
rito generoso de sacrifício. Estava outra vez enormemente
piedoso, morreria sorrindo, morrer… Teve uma nítida,
envergonhada sensação de pena. Morrer assim tão lindo,
tão moço. A moça do apartamento…
Salvou­‑se lendo com pressa, oh! os deputados traba‑
lhistas chegavam agora às nove horas, e o jornal convida‑
vam (sic) o povo pra ir na Estação do Norte (a estação rival,
desapontou) pra receber os grandes homens. Se levantou
mandado, procurou o relógio da torre da Estação da Luz,
ora! não dava mais tempo! quem sabe se dá!
Foi correndo, estava celebrando, raspou distraído o
sapato lindo na beirada de tijolo do canteiro, (palavrão),
parou botando um pouco de guspe no raspão, depois
engraxo, tomou o bonde pra cidade, mas dando uma vol‑
tinha pra não passar pelos companheiros da Estação. Que
alvoroço por dentro, ainda havia de aplaudir os homens.
Tomou o outro bonde pro Brás. Não dava mais tempo,
ele percebia, eram quase nove horas quando chegou na
cidade, ao passar pelo Palácio das Indústrias, o relógio da
torre indicava nove e dez, mas o trem da Central sempre
atrasa, quem sabe? bom: às quatorze horas venho aqui,
não perco, mas devo ir, são nossos deputados no tal de
congresso, devo ir. Os jornais não falavam nada dos tra‑
balhistas, só falavam dum que insultava muito a religião e
exigia divórcio, o divórcio o 35 achava necessário (a moça
do apartamento…), mas os jornais contavam que toda a
110
A ficção
gente achava graça no homenzinho, “Vós, burgueses”, e
toda a gente, os jornais contavam, acabaram se rindo do
tal de deputado. E o 35 acabou não achando mais graça
nele. Teve até raiva do tal, um soco é que merecia. E ago‑
ra estava quase torcendo pra não chegar com tempo na
estação.
Chegou tarde. Quase nada tarde, eram apenas nove e
quinze. Pois não havia mais nada, não tinha aquela multi‑
dão que ele esperava, parecia tudo normal. Conhecia alguns
carregadores dali também e foi perguntar. Não, não tinham
reparado nada, decerto foi aquele grupinho que parou na
porta da estação, tirando fotografia. Aí outro carregador
conferiu que eram os deputados sim, porque tinham toma‑
do aqueles dois sublimes automóveis oficiais. Nada feito.
Ao chegar na esquina o 35 parou pra tomar o bonde,
mas vários bondes passaram. Era apenas um moço bem­
‑vestidinho, decerto à procura de emprego por aí, olhando
a rua. Mas de repente sentiu fome e se reachou. Havia por
dentro, por “drento” dele um desabalar neblinoso de ilu‑
sões, de entusiasmo e uns raios fortes de remorso. Estava
tão desgradável, estava quase infeliz… Mas como perceber
tudo isso se ele precisava não perceber!… O 35 percebeu
que era fome.
Decidiu ir a­‑pé pra casa, foi a­‑pé, longe, fazendo um
esforço penoso para achar interesse no dia. Estava era com
fome, comendo aquilo passava. Tudo deserto, era por ser
feriado, Primeiro de Maio. Os companheiros estavam tra‑
balhando, de vez em quando um carrego, o mais eram
conversas divertidas, mulheres de passagem, comenta‑
das, piadas grossas com as mulatas do jardim, mas só as
bem limpas mais caras, que ele ganhava bem, todos sim‑
patizavam logo com ele, ora por que que hoje me deu de
lembrar aquela moça do apartamento!… Também: moça
111
mário de andrade
morando sozinha é no que dá. Em todo caso, pra acabar o
dia era uma ideia ir lá, com que pretexto?… Devia ter ido
em Santos, no piquenique da Mobiliadora, doze paus con‑
vite, mas o Primeiro de Maio… Recusara, recusara repe‑
tindo o “não” de repente com raiva, muito interrogativo,
se achando esquisito daquela raiva que lhe dera. Então
conseguiu imaginar que esse piquenique monstro, aquele
jogo de futebol que apaixonava eles todos, assim não ficava
ninguém pra celebrar o Primeiro de Maio, sentiu­‑se muito
triste, desamparado. É melhor tomo por esta rua. Isso o
35 percebeu claro, insofismável que não era melhor, ficava
bem mais longe. Ara, que tem! Agora ele não podia se con‑
fessar mais que era pra não passar na Estação da Luz e os
companheiros não rirem dele outra vez. E deu a volta, deu
com o coração cerrado de angústia indizível, com um ven‑
to enorme de todo o ser assoprando ele pra junto dos com‑
panheiros, ficar lá na conversa, quem sabe? trabalhar…
E quando a mãe lhe pôs aquela esplêndida macarronada
celebrante sobre a mesa, o 35 foi pra se queixar “Estou sem
fome, mãe”. Mas a voz lhe morreu na garganta.
Não eram bem treze horas e já o 35 desembocava no
parque Pedro II outra vez, à vista do Palácio das Indús‑
trias. Estava inquieto mas modorrento,109 que diabo de sol
pesado que acaba com a gente, era por causa do sol. Não
podia mais se recusar o estado de infelicidade, a solidão
enorme, sentida com vigor. Por sinal que o parque já se
mexia bem agitado. Dezenas de operários, se via, eram
operários endomingados, vagueavam por ali, indecisos,
ar de quem não quer. Então nas proximidades do palácio,
os grupos se apinhavam, conversando baixo, com melan‑
colia de conspiração. Polícias por todo lado.
O 35 topou com o 486, grilo quase amigo, que policia‑
va na Estação da Luz. O 486 achara jeito de não trabalhar
112
A ficção
aquele dia porque se pensava anarquista, mas no fundo era
covarde. Conversaram um pouco de entusiasmo semos‑
tradeiro,110 um pouco de Primeiro de Maio, um pouco
de “motins”. O 486 era muito valentão de boca, o 35 pen‑
sou. Pararam bem na frente do Palácio das Indústrias que
fagulhava de gente nas sacadas, se via que não eram ope‑
rários, decerto os deputados trabalhistas, havia até moças,
se via que eram distintas, todos olhando para o lado do
parque onde eles estavam.
Foi uma nova sensação tão desagradável que ele deu de
andar quase fugindo, polícias, centenas de polícias, mode‑
rou o passo como quem passeia. Nas ruas que davam pro
parque tinha cavalarias aos grupos, cinco, seis, escondi‑
dos na esquina, querendo a discrição não ostentar força
e ostentando. Os grilos ainda não faziam mal, são uns
(palavrão)! O palácio dava ideia duma fortaleza enfeitada,
entrar lá drento, eu!… O 486 então, exaltadíssimo, descre‑
via coisas piores, massacres horrendos de “proletários” lá
dentro, descrevia tudo com a visibilidade dos medrosos, o
pátio fechado, dez mil proletários no pátio e os polícias lá
em cima nas janelas, fazendo pontaria na maciota.
Mas foi só quando aqueles três homens bem­‑vestidos,
se via que não eram operários, se dirigindo aos grupos
vagueantes, falaram pra eles em voz alta: “Podem entrar!
não tenham vergonha! podem entrar!” com voz de man‑
dando assim na gente… O 35 sentiu um medo franco.
Entrar ele! Fez como os outros operários: era impossível
assim soltos, desobedecer aos três homens bem­‑vestidos,
com voz mandando, se via que não eram operários. Foram
todos obedecendo, se aproximando das escadarias, mas
o maior número, longe da vista dos três homens, torcia
caminho, iam se espalhar pelas outras alamedas do par‑
que, mais longe.
113
mário de andrade
Esses movimentos coletivos de recusa, acordaram a
covardia do 35. Não era medo, que ele se sentia fortíssimo,
era pânico. Era um puxar unânime, uma fraternidade, era
carícia dolorosa por todos aqueles companheiros fortes
tão fracos que estavam ali também pra… pra celebrar?
pra… O 35 não sabia mais pra quê. Mas o palácio era gran‑
dioso por demais com as torres e as esculturas, mas aquela
porção de gente bem­‑vestida nas sacadas enxergando eles
(teve a intuição violenta de que estava ridiculamente ves‑
tido), mas o enclausuramento na casa fechada, sem espaço
de liberdade, sem ruas abertas pra avançar, pra correr dos
cavalarias, pra brigar… E os polícias na maciota, encara‑
pitados nas janelas, dormindo na pontaria, teve ódio do
486, idiota medroso! De repente o 35 pensou que ele era
moço, precisava se sacrificar: se fizesse um modo bem visí‑
vel de entrar sem medo no palácio, todos haviam de seguir
o exemplo dele. Pensou, não fez. Estava tão opresso,111 se
desfibrara tão rebaixado naquela mascarada de socialis‑
mo, naquela desorganização trágica, o 35 ficou desolado
duma vez. Tinha piedade, tinha amor, tinha fraternidade,
e era só. Era uma sarça ardente, mas era sentimento só.
Um sentimento profundíssimo, queimando, maravilhoso,
mas desamparado, mas desamparado. Nisto vieram uns
cavalarias, falando garantidos:
– Aqui ninguém não fica não! a festa é lá dentro,
me’rmão! no parque ninguém não para não!
Cabeças­‑chatas…112 E os grupos deram de andar outra
vez, de cá para lá, riscando no parque vasto, com vontade,
com medo, falando baixinho, mastigando incerteza. Deu
um ódio tal no 35, um desespero tamanho, passava um
bonde, correu, tomou o bonde sem se despedir do 486,
com ódio do 486, com ódio do Primeiro de Maio, quase
com ódio de viver.
114
A ficção
O bonde subia para o centro mais uma vez. Os relógios
marcavam quatorze horas, decerto a celebração estava
principiando, quis voltar, dava muito tempo, três minu‑
tos pra descer a ladeira, teve fome. Não é que tivesse fome,
porém o 35 carecia de arranjar uma ocupação senão arre‑
bentava. E ficou parado assim, mais de uma hora, mais de
duas horas, no Largo da Sé, diz­‑que olhando a multidão.
Acabara por completo a angústia. Não pensava, não
sentia mais nada. Uma vagueza cruciante, nem bem sen‑
tida, nem bem vivida, inexistência fraudulenta, cínica,
enquanto o Primeiro de Maio passava. A mulher de encar‑
nado foi apenas o que lhe trouxe de novo à lembrança a
moça do apartamento, mas nunca que ele fosse até lá, não
havia pretexto, na certa que ela não estava sozinha. Nada.
Havia uma paz, que paz sem cor por “drento”…
Pelas dezessete horas era fome, agora sim, era fome.
Reconheceu que não almoçara quase nada, era fome, e
principiou enxergando o mundo outra vez. A multidão já
se esvaziava, desapontada, porque não houvera nem uma
briguinha, nem uma correria no Largo da Sé, como se
esperava. Tinha claros bem largos, onde os grupos dos
polícias resplandeciam mais. As outras ruas do centro,
essas então quase totalmente desertas. Os cafés, já sabe,
tinham fechado, com o pretexto magnânimo de dar feria‑
do aos seus “proletários” também.
E o 35 inerme, passivo, tão criança, tão já experiente
da vida, não cultivou vaidade mais: foi se dirigindo num
passo arrastado para a Estação da Luz, pra os companhei‑
ros dele, esse era o domínio dele. Lá no bairro os cafés
continuavam abertos, entrou num, tomou duas médias,
comeu bastante pão com manteiga, exigiu mais manteiga,
tinha um fraco por manteiga, não se amolava de pagar o
excedente, gastou dinheiro, queria gastar dinheiro, queria
115
mário de andrade
perceber que estava gastando dinheiro, comprou uma
maçã bem rubra, oitocentão! foi comendo com prazer até
os companheiros. Eles se ajuntaram, agora sérios, curio‑
sos, meio inquietos, perguntando pra ele. Teve um instin‑
to voluptuoso de mentir, contar como fora a celebração,
se enfeitar, mas fez um gesto só, (palavrão) cuspindo um
muxoxo de desdém pra tudo.
Chegava um trem e os carregadores se dispersaram,
agora rivais, colhendo carregos em porfia. O 35 encostou
na parede, indiferente, catando com dentadinhas cui‑
dadosas os restos da maçã, junto aos caroços. Sentia­‑se
cômodo, tudo era conhecido velho, os choferes, os viajan‑
tes. Surgiu um farrancho113 que chamou o 22. Foram subir
no automóvel mas afinal, depois de muita gritaria, acaba‑
ram reconhecendo que tudo não cabia no carro. Era a mãe,
eram as duas velhas, cinco meninos repartidos pelos colos
e o marido. Tudo falando: “Assim não serve não! As malas
não vão não!” aí o chofer garantiu enérgico que as malas
não levava, mas as maletas elas “não largaram não”, só as
malas grandes que eram quatro. Deixaram elas com o 22,
gritaram a direção e partiram na gritaria. Mais cabeça­
‑chata, o 35 imaginou com muita aceitação.
O 22 era velhote. Ficou na beira da calçada com aque‑
las quatro malas pesadíssimas, preparou a correia, mas
coçou a cabeça.
– Deixa que te ajudo, chegou o 35.
e foi logo escolhendo as duas malas maiores, que ergueu
numa só mão, num esforço satisfeito de músculos. O 22
olhou pra ele, feroz, imaginando que o 35 propunha rachar
o ganho. Mas o 35 deu um soco só de pândega no velhote,
que estremeceu socado e cambaleou três passos. Caíram
na risada os dois. Foram andando.
116
Balança, Trombeta e Battleship
ou o descobrimento da alma*
Do nascimento até a chegada de Battleship na baía do
Rio de Janeiro, medeiam poucas informações. Viveu por
toda Londres num vagamundear de roubos e indiferen‑
ças, até que a paciência lhe ditou como melhor meio de
vida o pouco perigoso ofício de pickpocket.114 Aos doze
anos já adotara o nome de Battleship; e até essa noite dos
seus dezessete anos de idade só tivera duas prisões, quan‑
do topou com uma festa sobre a qual estava escrito em
letras luminosas: Café do Brazil. Vendo a bandeira por
cima das letras que a iluminavam, Battleship teve uma
sensação de repugnância por causa daquela mistura idio‑
ta de verde com amarelo, mas a entrada era franca e Bat‑
tleship estava enroupado como todos os ingleses deste
mundo, sobretudo, boné, botinas fortes, entrou. Dentro
havia cartazes provando que o Brasil era admirável, um
“Salve 15 de Novembro”, era o dia 15 de novembro, e bas‑
tante gente provando café do Brasil. Quando chegou a vez
de Battleship, coisa que jamais sucedera na vida, os olhos
dele até relampearam de gozo ao sabor da bebida incom‑
parável, que delícia! E como o tumulto lhe estava sendo
* Edição póstuma, 1994.
117
mário de andrade
extraordinariamente propício, ainda ficou por ali, se esfre‑
gando nos outros, olhando pras paredes ilustradas, até que
julgou suficientemente farta a colheita, bebeu nova xicra e
saiu. Mas que gosto ele trazia na boca, nem uísque!… Até
o cigarro tomara alma nova, tão generoso em seus pra‑
zeres que pela primeira vez na vida Battleship suspirou.
Não lhe valia de nada o que enxergara nas paredes, portos
civilizados, grandes cidades do Brasil e gentes como Lon‑
dres mesmo, via detrás dos olhos, era a já agora não repug‑
nante mais, porém selvagíssima paisagem verde e amarela
dum calor de esporte, índios, redes, palmeiras e ele rei sem
medo. Mas foi só quando mais tarde porém, esboçando o
riso da alegria ante a bolada boa colhida na festa, que nas‑
ceu em Battleship o mando de ir para o Brasil.
No dia seguinte esteve sem trabalho, banzando no por‑
to, a ver navios. O Brasil já se afastava aos poucos dele
entre a bruma, na azáfama dos cais e aquela naviozada
que partia pro mundo. Só permanecera firme o mando
de partir por conciliar dentro do moço a fadiga de dezes‑
sete anos monótonos com a liberdade de quem era só no
mundo. Na outra semana Battleship partiu rumo do Egi‑
to. Esteve lá, esteve em Marselha, voltou pra Londres no
outro inverno e caiu doente. Quando saiu do hospital, com
a mocidade exausta de reagir sobre a moléstia que o queria
matar, não tinha nada, estava na miséria, ao frio comple‑
to de janeiro. Lhe vinham nostalgias do Sol que doíam,
e se valendo da presença agradavelmente esbelta e sem
a mais leve sombra de fio de barba, apesar dos dezeno‑
ve, arranjou­‑se de steward115 num navio e foi pro Egito.
Em Lisboa fugiu de bordo, roubou três portugueses, foi
pra Madri, de lá pra Barcelona, com a intenção firme de
ir pro Egito. Estava com bastante dinheiro espanhol no
bolso do sobretudão que já pesava em plena primavera.
118
A ficção
Pôs o dinheiro dentro do boné, costume velho que lhe
vinha dos tempos de menino e lhe dava sempre a sensação
agradável de que era um pobrinho que os outros batiam,
roubavam, e por isso carecia se esconder. Lembrou de dar
o sobretudão pesado pra velha sentada no chão junto da
casa de moda, porém, olhando, se enxergou bem refletido
na vitrina, e aquela massa enorme de lã suspensa ao braço
lhe compunha tão bem a esbeltez da figura, não deu não.
Ia passar um sublime vapor italiano pra Buenos Aires. Na
Inglaterra, no Egito, em Marselha, e agora excessivamente
na Espanha, Battleship sempre escutara o nome de Buenos
Aires, comprou uma passagem pra lá.
Eis toda a vida sem mistério desse moço inglês, até o
momento em que ele desembarcou no porto do Rio de
Janeiro. Porque Battleship não foi pra Buenos Aires. Um
dia, um marinheiro que simpatizara muito com ele, lhe
contou que já estávamos nas costas do Brasil. Battleship
teve um sobressalto. Lhe veio completinha aquela noite
nunca mais lembrada em que entrara na festa do café do
Brasil. Tinha decidido vir pro Brasil e no entanto Egito,
Marselha, Egito, Londres, doença, Egito, Lisboa, Egito,
puxa quanto Egito! e agora Buenos Aires, Brasil mesmo!…
Battleship quase sorriu. O marinheiro estava caceteando
muito ele porque arranjara uma saída pro dia de para‑
da no Rio de Janeiro, pra visitar um fratello trabalhando
de engraxate na Avenida. Convidava Battleship pra pas‑
sear, que era lindo. Desceram juntos. Era uma manhã de
julho, dessas maravilhosas em que o Rio se dissolve numa
névoa quentinha de Sol. Os brasileiros estavam todos rin‑
do muito, que pessoal fácil da gente roubar, polícia nenhu‑
ma, todos se abraçavam, ninguém se amolava dos outros
encostarem. O marinheiro também estava caceteando
muito ele e de repente, de repente Battleship concebeu o
119
mário de andrade
mando de ficar no Rio, pra se ver livre do marujo. Entrou
num café com o pretexto de comprar cigarro, pediu pro
outro esperar na porta, e enquanto o marinheiro se dis‑
traía com a rua, foi sair na outra porta extrema, entrou
no café pegado, foi se esconder no mictório. Ficou numa
ansiedade medrosíssima, mais de uma hora ali, e o mari‑
nheiro não veio. Resolveu sair e na rua o marinheiro não
estava mais. Voltou pelo caminho andado, sempre cor‑
tado de medos naquele perigo insinuante de topar com o
marinheiro outra vez. Buscava as calçadas do outro lado
da rua e uma esquisita nostalgia de sofrer lhe punha nos
transeuntes a figura fatigante do companheiro. Não pene‑
trou no cais, foi seguindo por detrás dos armazéns até
uma nesga de ruela por onde enxergava o casco alevanta‑
do do navio. Os viajantes já voltavam dos seus passeios na
cidade, embarcavam. Battleship ficou ali espreitando até
que o navio foi embora.
Quem sabe a língua do Brasil?… Mas Battleship se
arranjou. Há sempre algum speackenglish116 no cami‑
nho e os brasileiros adivinham todas as línguas do mun‑
do. Battleship se sentia perfeito naquele inverno carioca
apesar do dinheiro estar finando aos poucos. Agora ele
percebia, muito riso, muito abraço, todos eram­‑se ami‑
gos íntimos, mas havia uma sensibilidade tal nos corpos
que era raro Battleship poder roubar. Roubava assim mes‑
mo, principalmente de algum estrangeiro civilizado do
velho mundo, mas estes apareciam pouco na vertigem das
multidões. Eram multidões feitas de brasileiros, e quando
Battleship conseguia iludir a sensibilidade de algum cor‑
po e surripiar uma carteira, era carteira mas não tinha
nada dentro, dez milréis!… Mas Battleship era prudente.
Quando percebeu que a semana seguinte seria difícil de
viver, falavam tanto que os mineiros eram ricos, partiu pra
120
A ficção
Belo Horizonte. Mas aí as carteiras continham era abso‑
lutamente nada dentro, nem dez milréis, e de resto, não
havia multidões. Fez como os retirantes, num golpe de
vista genial, buscou São Paulo.
Depois de Moji das Cruzes na manhã, já não havia
roça mais. Eram pequenas propriedades, bangalôs de
recreio, Egito, fábricas, campinhos bem verdes com três
vacas cada um, Battleship assuntara bem o companheiro
de cabina guardar alguma coisa debaixo do travesseiro,
agora não. Mas lá na suja estação de parada, aquela azá‑
fama, valises, todos queriam descer primeiro do vagão,
quando Battleship examinou a carteira, meia hora depois,
naquele parque subindo pra arranha­‑céus em delírio, sem
quase ninguém, eram três contos! Os paulistas deixavam­
‑se roubar.
Battleship só não foi pro Esplanada por civilização. Era
pickpocket, trinta contos que tivesse, o lugar dele era lugar
de pickpocket, foi pra um desses hoteizinhos de improviso
do centro da capital. Mas gastava sem pensar, fez roupas
de bom alfaiate, comprou dois bonés festivos, um cinza,
um bege, e novo sobretudão que o fim de agosto estava
duro. Sentiu­‑se em casa. Era completamente diferente,
bem mais suave, mas havia um vago ar de Londres, mis‑
turado com Marselha, um vago ar de Europa e Battleship
estava em casa. Ficou logo tomado de paixão pelos enor‑
mes polícias, limpos, esportivos, circulando com poses
fotográficas, e deixando roubar. E os secretas então, glo‑
riosamente visíveis, gordos, mucudos,117 todos uniforme‑
mente negros de bengalão. Mas olhavam tanto pros bonés
dele, aliás era no que toda a gente reparava nele, Battle‑
ship descobriu logo, ninguém não desconfiava dele, mas
todos desconfiavam do boné. Desistiu dos bonés. Com‑
prou chapéus de pano de fabrico paulista, duros, rijos
121
mário de andrade
como a lealdade, machucando a testa muito. Mas agora
tudo ficara completamente fácil, não havia o boné, e só
os camarões118 da Light and Power davam pra Battleship
viver de vida sossegada. Só, só neste mundo, só de amigos,
Battleship continuava em seus vinte anos imberbes, cor‑
po de efebo,119 cara esmaltada, sapatões, vivendo só nes‑
te mundo, estudando a linguagem brasileira nos jornais,
comprando todas as revistas ilustradas, que lia em casa,
se encharcando de café do Brasil, e fumando cigarros de
palha, fortíssimos, que só tinham o defeito de enegrecer
com rapidez os dentes. De­‑tarde saía da cama, raspava
de leve os dentes com o limpador de unhas, se vestia em
três segundos, se assoava bem, o que gostava muito de
fazer só, no quarto, escutando os barulhos curiosos que
lhe davam uma sensação cômoda da própria existência e
da higiene. Saía pra trabalhar. Parava na esquina pra beber
um café expresso, que não lhe agradava muito mas cuja
vasta máquina de níquel brilhando, lhe dava sempre uma
recordação sem saudades, feliz, da catedral de Londres.
Ora quando chegou o dia 7 de setembro que era de festa
nacional, Battleship foi, como todos, ver a grande parada
que se anunciara nos prados do Jockey Club. Battleship
estava bem, com bastante dinheiro no bolso, não muito
mas bastante, porém tinha o trabalho cotidiano. Foi no
prado da Mooca e foi roubar, mas sempre com aquela seve‑
ridade sem pensamentos dum velho professor de esco‑
la pública, apenas porque era dia de multidão e ele tinha
que trabalhar. Mas, está claro, tinha excessiva prática do
ofício pra não perceber desde logo que a menina estava
com intenção de o roubar. Uma única diretriz o domi‑
nou, enorme raiva. Se em vez de menina fosse alguma
mulher velha ou ladrão na força do homem, sem dúvida
que o moço teria muito se divertido daquela coincidência
122
A ficção
de ladrão roubando ladrão, mas tinha apenas vinte anos e
a menina presumivelmente quatorze pela indecisão ain‑
da dos seios, daí a raiva. O instinto de prestígio que nós
sempre sentimos diante dos que estão do mesmo lado da
nossa idade, lhe mostrara imediato o horror que havia,
não no ato puro e abstrato de roubar, mas daquela meni‑
na roubar. Era uma estúpida, merecia castigo, e Battleship
decidiu castigá­‑la.
Imediatamente sentiu que tinha muita pressa, o castigo
devia ser agora já. Mas isso não derivava do tamanho da
raiva, esta derivara pra aquela decisão aventurosa de cas‑
tigar a menina – o que o deixara inteiramente divertido. A
pressa vinha da sujeira da pequena, estava porca. Naquela
misturada matinal de gentes que a festa da independência
levara ao prado da Mooca, tudo endomingado, a menina
punha um gosto horrendo de fim de semana, suja, suja,
maltrapilha, com apenas o vestidinho que nem tinha mais
cor de vermelho, sobre o corpo repelente. Aqueles cabelos
pingando irregularmente da maçaroca inviolável sobre a
cara, o pescoço… Devia ter muito bicho naqueles cabelos.
Tudo na menina deixava Battleship violentamente sem
conforto. Sempre ele fora discretamente higiênico, mesmo
no tempo dos dez anos soltos em Londres, e agora então as
vacas gordas o punham: numa resplandecente exigência
de limpeza, álgido120 como a Lua da tarde. Carecia se des‑
cartar daquela sórdida, pra voltar ao prazer de si mesmo.
Battleship fincou os olhos no longe do campo, inteira‑
mente distraído de olhos, fácil da gente roubar. A menina
apressada se aproximou, e não tirava os olhos da cara dele,
ele bem via com o pensamento. Battleship estava outra
vez com raiva, mas agora indignado, a estúpida nem sabia
se distrair pra disfarçar! E eis que ela o toca no braço e
com tanto peso que era impossível Battleship continuar
123
mário de andrade
na distração. Agarrou a mão dela, era mãozinha fria, sem
prazer, e olhou com tanta força que a coitadinha teve um
estremeção, ficou imóvel. Vinha do fundo dos seus olhos
negros, agora abertos no medo, uma expressão de sofri‑
mento tão quietinho que deixava a existência consolada.
Battleship ficou surpreso. Pela primeira vez na vida teve
a noção, noção muito longínqua, de que era um desgra‑
çado também. Mas aqueles olhos negros lhe diziam tam‑
bém que era indiferente ser desgraçado. Estavam os dois
assim, um minuto, ela com medo, ele surpreso, quando se
lembraram de si. E a menina, recuperada, continuou na
intenção que o rapaz interceptara, pesou­‑lhe mais a mão
no braço e murmurou, fingindo vasta ansiedade:
– Me dá esmola!
Era esmola, não era roubo, Battleship ficou sem fim.
Não tinha piedade, não tinha raiva, não tinha pressa
mais, estava por tal forma sem razão, meia dificuldade
em respirar tão inútil se achou. “Me dá esmola!” que ela
repetia outra vez, certa da esmola agora, mais animada
porque ele não apertava tanto mais o braço dela e a olhava
sempre, mas sem aquela força de vista que a estarrecera
pouco antes, e sim com olhos inertes, ainda por qualifi‑
car. “Só um tostão!… pra pão!” ela insistia, animada cada
vez mais; porém, como a resposta não vinha, a frase nova
denunciava uma certa impaciência, enquanto a tradição,
contradizendo a impaciência leal, teatralizava cada vez
mais, com uma burrice que atingia o ridículo, a sua ati‑
tude de fingir desgraça. Battleship não estava com míni‑
ma intenção de dar esmola, estava literalmente aquó.121 E
agora que examinara bem a cara da menina, aquela suji‑
dade tão impregnada, tão conservada como um rito secu‑
lar, se era menos repugnante assim, não lhe deixava lugar
pro mais mínimo impulso de simpatia. Era apenas uma
124
A ficção
revelação surpreendente, Battleship ficara sarapantando.
Já umas duas ou três pessoas olhavam algumas vezes pros
dois, reparando, e o inglesinho era discreto. Mas ficara
nele uma curiosidade fixa, Battleship estava com pressa
outra vez, e, pra o normalizar inda mais nos projetos ante‑
riores, uma raiva nova lhe bateu no ser. Disse “não” frio,
largou de golpe o braço da pequena, fincou os olhos no
campo onde os soldados valsavam de focas de music­‑hall.
E a menina foi­‑se embora.
Mas Battleship não a perdeu de vista mais. Ela andou
por ali, colhendo esmola de um, recusa de outro, até que a
parada acabou. Dez mil pessoas se acossavam nas saídas
mas Battleship não roubou ninguém, seguia a menina.
Assuntou­‑a correr de bonde em bonde, jogar a mão den‑
tro dos automóveis, parar senhores de cinquenta anos, e
Battleship calculava nuns dez milréis a colheita quando se
lembrou que estava em S. Paulo, na carteira de três contos
e aumentou o cálculo pra vinte milréis. Afinal os bondes
foram rareando, e os próprios vendedores de pastéis se
arranjaram pra partir, tinha acabado a independência. A
menina se orientou na rua. Mas Battleship estava preveni‑
do agora que não tinha mais povo pro disfarçar, e ela não
o enxergou. Amarrou a espécie de lenço em que aperta‑
ra as moedas, e com uma no dedo foi comprar o doce do
doceiro.
Agora ela partia mesmo. Battleship ia segui­‑la quando
compreendeu de repente o que vale um doce. Jogou a moe‑
dinha de milréis na cesta enjoativa do doceiro e recebeu
dez doces num papel. Então seguiu atrás da menina. Ela
tomara por umas ruelas sem calçamento que rodeavam
o prado, depois atravessou um ajuntamento de casinhas
novas, bordejando a linha de bonde. Do outro lado era um
campo aberto, inda sem destino como se aquele lado da
125
mário de andrade
cidade acabasse ali. Havia bosquetes esparsos de arvore‑
tas plebeias, a faixa branca duma rodovia bem tratada, e
além um mato baixo que pra Battleship figurou a jungla122
selvagem. A pequena tomou pela vereda que enfiava pelo
mato e Battleship, já perto, deu um grito cuidadoso de paz,
chamando. Ela virou mas em vão Battleship forçava a boca
num riso e mostrava os doces na mão: nem percebeu quem
era, a menina desatou na carreira mato dentro. Battleship
correu também, sem refletir. O matinho acabava quase
que ali mesmo, e quando o rapaz entrou por ele já não
enxergou mais a menina, e apenas no fim do túnel sobrea‑
do, a moeda violenta do céu. O coração dele cerrou num
pressentimento de perda que doeu muito e desacostuma‑
do de sofrer, Battleship arremeteu com desespero na dire‑
ção da outra entrada da vereda. Chegado lá entreparou
pra se orientar e teve um baque. Junto mesmo à entrada
do matinho, à esquerda, no terreno que descia até o corpo
desmanchado dum riacho pluvial, havia um rancho. No
terreirinho de frente, descuidado, sujíssimo, estava uma
menina, tão suja como o chão, como [que] fazendo comida
num fogareiro miserável. Parara o gesto e o olhava, pasma.
Sentada na porta estava ainda uma mulher velha, devia ser
velhíssima, amulatada na cor, com uma enorme carapi‑
nha embranquecida, fumando num cachimbo comprido.
Atrás dela, de pé, se protegendo mais na entressombra
do rancho que na velha, a menina da parada recuou mais
assim que Battleship apareceu.
O moço abriu o papel e estendeu os dez doces como
apresentação. A menina do fogareiro arregalou os olhos
pro convite mas logo ficou sofridamente inquieta, olhou
pros doces, olhou pra velha, olhou pro riso do moço, olhou
pra velha outra vez… Mas a mulata que não perdera nada
da sua calma virtuosíssima com a chegada do estranho,
126
A ficção
fez uma careta de fúria castigante pra pequena, e esta
recomeçou a lidar com a panela sem saber. A velha voltou
logo ao seu aspecto de perfeição, mas os olhinhos ávidos,
piscando, estavam presos na direção dos doces, desmen‑
tindo a calma. Depôs lentamente o cachimbo no chão e
arrimou­‑se no batente solto, pra se erguer. A que estava
junto dela ajudou­‑a numa monotonia de obrigação. Era
uma velha bem grande, que se reduzia à metade, magrís‑
sima, engruvinhada por mil reumatismos. Deu uns passos
difíceis na direção de Battleship, e este, se compreenden‑
do aceito, veio ao encontro dela, e lhe depôs os doces nas
mãos trêmulas. A velha apertou o embrulho no peito que
saía duma camiseta já sem cor. Battleship recebeu dela
um fedor tão nítido de porqueira que, não pôde, recuou
um passo. Então saiu da velha uma voz muito fina, muito,
agradecendo. Voltou pra sentar de novo, mas lembrou que
o moço estava ali e ela devia representar, chamou:
– Balança, minha filha venha cá.
Isso a menina do fogareiro deu um pulo pra junto da
velha e estendeu a mão. A mulata olhou meio inquieta
pros doces, tinha mesmo que se resolver, deu um. Balança,
recebendo o doce, olhou pro moço, já sem nenhum medo.
E os olhos dela bem falavam que ele visse como era aquela
velha amaldiçoada, que só dava um doce tendo tantos. E
Trombeta recebeu também seu doce de favor.
Estes nomes estrambólicos, Balança e Trombeta, Bat‑
tleship veio a saber e a compreender só depois. Porque
ele estava mesmo decidido a não sabia mais o que, de
rumos tão impossíveis que tomara a aventura da para‑
da. Mas tudo ainda estava decidido nele que tinha de
haver qualquer coisa com a menina da parada, a Trombe‑
ta. A velha sentou de novo, sem preocupação de limpeza,
botou o papel inteiramente engordurado pelos doces no
127
mário de andrade
colo, e levantou do chão o cachimbo. Não houve inde‑
cisão nenhuma, porque todos percebiam que Battleship
era só bom, nasceu uma conversação longa que Battle‑
ship aguentou de pé, não tendo cadeira nem onde sentar.
As meninas entravam na conversa, sem nenhum respeito
pela velha, auxiliando as respostas.
Battleship fez umas perguntas e foi logo censurando a
sordidez das meninas. Mas ninguém não compreendeu do
que ele falava. Não era a relativa dificuldade com que ele se
expressava que trouxe a incompreensão, e sim a nenhuma
ideia de sujeira que havia nas três, piores que irracionais.
Viviam de esmolas. A velha, que as meninas chamavam
de dona Maria, afirmava que Trombeta era filha dela, mas
não havia entre ambas a mais mínima relação de pare‑
cença. Não se tratava porém duma mentira da velha, nem
mesmo propriamente dum esquecimento, e de fato ela
caducava bastante: se tratava sim duma espécie de aban‑
dono do passado, em quem só vivera e por quase cem anos
já, da exclusiva precisão do momento. Ela não sabia mais
e Battleship logo percebeu que a mulatona inventava res‑
postas, pela simples necessidade de responder. As meninas
é que traziam alguma verdade à história daquelas três.
Fazia pouco tempo que viviam ali. Trombeta con‑
tava que sempre, desde sempre, dona Maria esmolava
lá na cidade puxando ela pelo bracinho de quatro, seis,
oito anos. Moravam onde podiam, onde achavam no que
morar, mas sempre nas barras da cidade. À medida que
esta crescia, as duas eram enxotadas pra limites novos, pra
ranchos abandonados de carvoeiros, pra restos de bilhe‑
terias de circos idos, pra tábuas ficadas de algum acam‑
pamento de cigano. Aos poucos dona Maria ia ficando
encarangada, 123 o que levou naturalmente Trombe‑
ta a esmolar sozinha. Se deu logo um certo proveito de
128
A ficção
situação porque os oito anos sozinhos da pequena como‑
viam mais que menina e velha juntas. Também Trom‑
beta era inexperiente e se afoitava muito. A velha ficava
sempre pelas barras da cidade em suas caminhadas de
esmola. Batia nas chacras, nos mosqueiros124 de operá‑
rios, nas vendinhas de beira­‑estrada. E eram restos de
comida, farrapos sujos, algum raro tostão que recolhiam
as duas. Trombeta, menos por ambição que curiosidade,
principiou entrando pelos bairros, batucando os pezinhos
miúdos por avenidas calçadas, e uma vez, desvairada de
aventura e surpresa, subiu a ladeira do Carmo e chegou na
Rua Quinze. Então foi presa. Quando ela percebeu que o
soldado segurava no braço dela e a levava por um cami‑
nho que ela não decidia, botou a boca no mundo e reu‑
niu gente. Todos pediam pro soldado que deixasse ela ir
embora que ela não fazia mais, e também o soldado esta‑
va com enorme dó. Deixou que ela partisse, no princípio
devagar, sem coragem depois numa carreira entre lágri‑
mas, porém o dó de todos lhe ajuntara quase oito milréis.
Não lhe interessavam tantos milréis e sim o medo horrível
que tivera. Continuou esmolando pelas chacrinhas e bote‑
quins sem polícia. A quase irracional momentaneidade da
mulata já se infiltrara nela também. Uma lata de restos de
almoço lhe interessava mais que oito milréis de alimentos
por cozinhar ou panos pra costurar.
Devia ter dez, quem ia supondo isso era Battleship,
quando uma feita encontrou com outra menina na rua.
Esta seria Balança depois, porque naqueles tempos elas
se chamavam de “Chíu!” e “você”. Pois um dia Trombeta
encontrou uma menina na estrada e as duas brigaram por‑
que Trombeta ia com um ramo de árvore na mão, a outra
menina chegou e disse:
– Esse pau é meu.
129
mário de andrade
Bateram bastante uma na outra, se puxaram os cabelos,
contaram nomes feios e Trombeta seguiu seu caminho.
No outro dia fez questão de passar por ali mas a menina
não estava. Isto é, estava sim. Saiu de repente correndo
pela porta duma casinhola de estrada que ficara mais pra
trás, e se atirou aos tapas sobre Trombeta. Tornaram a se
bater muito, só que não doía porque as duas não tinham
força nenhuma, eram miserinhas de gente. Uma acabava
tomada de medo e a outra ficava com gosto de superio‑
ridade no instinto. Foi assim. A outra menina não tinha
nada que a prendesse em casa, nem a mãe, uma italianona
que batia às vezes, lhe agradava mais que a liberdade com
que a inimiga Trombeta seguia por caminhos inventados
e batia nos botequins. Um dia foi com Trombeta, dormiu
no quase relento da tapera e não mais se lembrou da ita‑
liana da mãe.
Dona Maria tinha instintos. Uma das meninas pedia
esmolas enquanto a outra ficava em casa, diminuindo o
reumatismo da velha e fazendo comida, se tinha comi‑
da pra cozinhar. Foi então que partiram pra mais longe e
vieram topar com o rancho abandonado em que estavam
agora. E eis que a zona era excelente por causa do Joc‑
key Club que nos domingos proporcionava uma colheita
regular de oito, nove milréis. E ali ficaram alguns anos até
Battleship chegar.
Battleship olhou em torno. O matinho seguia até o ria‑
cho e parava ali entre arvoretas esparsas. Do outro lado
continuava subindo o morro e se perdia no além. A uns
trezentos metros no campo se percebia a casa branca
duma chacra, com telhado de cottage,125 surgindo das ter‑
ras plantadas. Havia um burro no campo. A manhã estava
bem alta e Battleship olhou o relógio pulseira, meio­‑dia.
Sentiu fome. As três mulheres já tinham comido na panela
130
A ficção
mesmo, o feijão cozido. Ele nem tivera que recusar por‑
que não fora convidado, era rico. Então Battleship par‑
tiu deixando mais cinco milréis pra mulata e um riso de
despedida.
Depois que entrou pela vereda do matinho ouviu um
ruído de carreira atrás de si, virou. Era Trombeta sorrin‑
do, sem compostura. Chegou junto dele, e contou que
nem ela nem Balança chamavam dona Maria de “dona
Maria” entre si, mas de “Juízo Final”. Era também outra
palavra que elas tinham pegado do padre no dia em que
entraram na tal capela e escutaram o sermão, e tinham se
entrebatizado pelas palavras engraçadas que escutaram
da boca do padre. Então ela ficara Trombeta, e a com‑
panheira Balança. Dona Maria, principiaram chamando
de Juízo Final e achavam muita graça, mas um instinto
impossível de respeito, não, uma reserva de superioridade
por quem não era igual a elas, fizera com que não revelas‑
sem nunca pra velha que a chamavam de Juízo Final. E,
de fato, sem perigo nenhum, diante de dona Maria, uma
falava pra outra:
– Balança.
– Eu.
– Juízo Final é isto, um palavrão.
Ambas se riam.
Pra Battleship a revelação não adiantara nada. Não
imaginava o que fosse Juízo Final, nem balança, nem
trombetas dum futuro vale da justiça. Mas olhou mais
Trombeta, agora tão amiga dele, e uma simpatia gostosa,
fez ele esboçar um gesto de proteção. Reforçou a mão dele
um ar de pai que ia alisar os cabelos da menina, mas tudo
ficou por fazer, interrompido pelo nojo. Battleship disse
adeus e foi seguindo. No fim do matinho olhou pra trás.
Mas Trombeta não estava mais.
131
mário de andrade
No bonde o moço ia completamente transformado,
participando de tudo. Olhou a paisagem que deslizava
entre amostras de atividade humana, muito rápida e des‑
confortável. Mas só pôde ajuizar assim no primeiro minu‑
to de visão, enquanto a preocupação de tomar o bonde, de
pagar a passagem e tudo o deixavam ainda bem disponí‑
vel, porque logo os olhos principiaram não vendo mais o
que passava e parecia incrível pra Battleship que Balança
e Trombeta vivessem assim. Naquela sujeira. Imediata‑
mente ele decidiu que ia na cidade comprar uns vestidos,
sabões, toalhas pras duas, e foi decidido, mas as lojas todas
estavam fechadas porque era mais um feriado. Battleship
banzou muito desempregado. Mas quando foi de­‑tardi‑
nha, a ideia fixa de arranjar bem limpas as meninas lhe fez
conseguir uma carteira com cento­‑e­‑vinte milréis. Ligou
logo a felicidade com o caso da manhã e decidiu que as
meninas traziam sorte. Caiu uma chuvada braba e Bat‑
tleship foi pro hotel. Fez café, deitou pra fumar e dormiu
até o dia seguinte.
Quando acordou teve o bom­‑dia das meninas que ime‑
diatamente lhe vieram no pensamento, sorriu. Levantou­
‑se apressado, levou todo o dinheiro que tinha consigo,
podia bem gastar tudo porque as meninas davam sorte e
de resto era a primeira vez que Battleship imaginava na
possibilidade de faltar dinheiro como precisão constante,
e não apenas como precaução imediata. Estava fazendo
um frio úmido carregado de névoas claras. O rapaz enver‑
gou o sobretudão e foi pra rua comprar roupas. Comprou
muita coisa. Comprou até uma esponja cara, dessas que
as pessoas limpas usam pra acarinhar o corpo no banho.
E comprou também um vasto xale marrom pra mulatona.
Não tinha pensado nela até esse instante quando a ima‑
ginação lhe trouxe as meninas bem higiênicas nos seus
132
A ficção
vestidinhos azuis e uma velha pitando com elas e suja des‑
de nascer. Não se lembrou de limpar a velha também que
não lhe dava nenhuma raiva, mas a visão ficara inconfor‑
tável e Battleship comprou o xale pra esconder a sujeira
da velha.
Lá chegado, a velha estava sempre no mesmo lugar, só
que tremendo por causa da umidade. No fundo do terreno
o riacho nadava claro, refletindo as nuvens frouxas, muito
aumentado com a chuva da véspera. Trombeta veio corren‑
do, com o colo cheio de gravetos de cozinhar o feijão. Era
a vez dela cozinhar, Balança não estava. A menina sorriu
pra ele e Battleship teve uma comoção que ele julgou vio‑
lentíssima porque, desacostumado a carinhos, o presente
que trazia o impediu de falar, corou. Ficou mesmo encar‑
nado até no longo pescoço alvo que afundava no sobretu‑
dão, baixou os olhos aturdido porque essa era a primeira
consciência de falta que lhe pousava no espírito. Tudo ficou
suspenso assim, mas Battleship não podia aguentar com
suplício tamanho. Principiou varrendo com o pé um naco
de chão e Trombeta logo o ajudou, ajoelhada, varrendo o
chão com as mãos. Ela fazia tudo, olhando pra ele e rindo,
mas o moço bem quis, e não pôde sustentar os olhos dela.
Sorriu amarelo, ajoelhou no chão, desrespeitando sua linha
de limpo, e foi desatando os dois enormes embrulhos que
trazia. A mulata parara de fumar olhando com avidez.
Surgiu o xale que a cobriu. Depois vieram roupas brancas,
dois vastos pares de meia de lã, vestidinhos azuis, pentes,
uma barra translúcida de sabão de coco, a esponja, toalhas
de rosto, um pedaço comprido de fita de cetim preto que
era pras meninas amarrarem os cabelos, e a tesourinha
de unhas. Isso Battleship estava tão feliz! Os olhos dele se
enchiam de lágrimas ignoradas que o moço logo limpava
porque eram do vento frio. Trombeta se extasiava e não
133
mário de andrade
sabia qual dos vestidinhos escolher. Só a velha quando se
convenceu de que nada mais era pra ela, retomou o pito.
Lançou assim mesmo um olhar de ternura comovida sobre
Trombeta que agora ia andar bem vestidinha, e recaiu na
indiferença. Mas de repente a menina ficou muito inquieta
e segurou forte no braço de Battleship.
– Pra mim!…
– Hum­‑hum.
– Com Balança?…
– Hum­‑hum!
Se arriscou a olhar pra menina outra vez. Trombeta
enfim compreendera. Ela já tinha atento o hábito de rece‑
ber, que os doces da véspera assim como essa rouparia não
passavam de esmolas pra ela. Era uma espécie de obriga‑
ção do mundo, e ela recebia a tudo com indiferença de
quem recebe o que tem que receber. Porém o excesso, os
panos não usados, a dúvida de que tudo aquilo não pas‑
sasse [de sonho], e ela não pensou, mas ela teve o senti‑
mento nítido de que havia sonhos, ela a sem sonhos, e
a dor insofismável126 de que havia burlas no mundo. Pra
mim! É sim pra você, Trombeta, eu comprei tudo pra
você, Trombeta, com sua companheira Balança; e ago‑
ra tudo isso que eu comprei eu dou pra você, Trombeta,
com sua companheirinha, Balança. A noção da dádiva
brotou nela feito um Sol macio. E de fato o Sol rompia
a frouxidão das nuvens e veio bater no terreiro. Battle‑
ship olhou pra ela e enxergou um rosto novo. Trombeta
não ria não porque os lábios estavam alastrados, fechadi‑
nhos, rubros de natureza, guardando um riso interior de
sublime festa. Os olhos estavam muito grandes, negros,
rutilantes, pela primeira vez vivendo o sentido da gra‑
tidão. E agora Battleship não podia mais tirar os olhos
dela, nem ela os seus de Battleship, ambos se examinando
134
A ficção
numa paciência curiosa que era de perfeita simpatia.
Eram iguais, sentiam­‑se iguais, companheiros de triste‑
za. Esse era o descobrimento explosivo que acabavam de
fazer. Brotara de tudo aquilo, arrebentando em escarcéus
barulhentos que não pouco os aturdia, a noção da felici‑
dade. Isto é, pelo contrário, a certeza de que nunca tinham
sido felizes. Em vão Trombeta representara a desgraça,
mentira pais doentes em casa, bancara de esfomeada, nos
seus caminhos de esmola, tudo fora gesto de teatro, não
lhe dera nunca a mínima inquietação, a mínima verdade.
Mas agora um sentimento próprio, pela primeira vez exa‑
tamente pessoal, e não nascido da paciência ou da pregui‑
ça, ou do costume, como a espécie de amor que ligava as
três mulheres, agora um sentimento dado a fundia com
mais alguém. Era a simpatia, a camaradagem, o amor de
amigo em toda a sua mais esplêndida integração. Pela pri‑
meira vez, estimando e desejando possuir alguém, nas‑
cia em Trombeta o instinto de comparação. Se comparou
com o moço e descobriu que não fora nunca feliz, que
era uma miserável desgraçada. Percebeu que estava feia.
Percebeu que estava suja, não, não percebeu nada disso, a
não ser como ilações127 necessárias mas não conscientes,
da sua infelicidade.
Battleship violentamente recebera o mesmo sentimen‑
to. Assim como Trombeta o julgava lindo, trabalhador,
capaz de dar, bom, mas completamente igual a ela nalgu‑
ma desgraça insabida, ele a examinava, simpática, ocu‑
pada com a vida, tendo gentes em torno pra se unir. Ele
não, era um sozinho maquinal, um estrangeiro, um sem
família vivendo fora da pátria. A saudade de Londres o
invadia. Nunca fora mais que um miserável desgraçado.
Ficaram um minuto assim, vivendo sem pensar todas
as suas poucas noções de desgraçados. As lágrimas
135
mário de andrade
corriam francamente pelas faces de Trombeta, mas agora
Battleship continha com energia sua enorme vontade de
chorar. Pouco antes suas lágrimas tinham sido por cau‑
sa do vento, mas agora ele sabia que as lágrimas eram do
choro, chorar não. E as suas violentas superioridades de
homem dirigiram a cena.
Sorriu. Murmurou uma carícia em inglês, como se dis‑
sesse “Bobinha!”, e desistiu de si mesmo pra adquirir uma
funda piedade daquela pobrezinha suja.
– Você precisa se limpar, Trombeta.
Ela imediatamente obedeceu. Olhou rápido em torno
se orientando, pegou numa das toalhas de rosto, na barra
de sabão e disparou na direção do riacho. Battleship teve
que sentar no chão, às gargalhadas. Trombeta desaparece‑
ra entre as arvoretas e o moço ficou trocando umas pala‑
vras com a velha.
Uns dez minutos depois Trombeta voltou. Tivera
honestamente ideia de se limpar mas sujara toda a toa‑
lha. A cabelaça era a mesma com uns pingos de água bri‑
lhando. Limpara as pernas mas os pés vinham do barro.
E nas mãos enrubescidas pela água inda fria, as unhas
pretas agora enojavam mais. Battleship deu um risinho
descontente. Levantou a cabelaça e viu uma orelha, infun‑
dia horror. Mas Trombeta era mesmo bonitinha de cara
e os nojos de Batlleship terminavam em simpatia, olhos
tão doces, negros! Junto da gola do vestido trapo a rapi‑
dez da limpeza deixara uns traços de sujeira no pescoço.
A toalha estava suja mesmo, Battleship pegou na toalha e
esfregou os traços com o que achou de limpo na toalha.
Mas o limpo era pano seco e o cascão não saiu. Battleship
ficou desesperado. Fazia tudo falando, ralhando já com a
menina, como se ela fosse dele, e Trombeta estava muito
triste porque não conseguia obedecer ao companheiro.
136
A ficção
– Vamos até o rio! que ele falou, se decidindo. Leva‑
ram as roupas, a tesoura, os pentes. Lá Battleship tirou o
sobretudão que já estava mesmo sobrando ao Sol, tirou o
paletó, o colete, arregaçou as mangas, e depois de sacudir
forte a arvoreta pra ver se a roupa dele não caía dos galhos,
se orientou. Mas pra chegar na água corrente, tinha um
metro e muito de lama, pra sujar Battleship. Além disso a
própria água corrente era de chuva, barrenta, imagem de
sujidão. Não havia outra água, mas não havia outra vasi‑
lha gamela na casa que não fosse a panelinha de cozinhar
o feijão. Foram até lá no rancho pra ver se descobriam
um jeito e encontraram a velha resmungando por causa
de Trombeta não estar preparando a comida. A menina
olhou pra Battleship enormemente desolada. Tudo aqui‑
lo afinal a estava divertindo muito e a Battleship também.
Então ele se lembrou, foi correndo até junto do riacho e
voltou com uma tabuinha de cacau que destinava pras
meninas. Deu pra velha, que comesse em vez de feijão
aquele dia, ela bem quis mas guspiu achando rúim. Então
o moço ficou meio zangado e falou pra ela que fizesse fei‑
jão ela mesma, o quê que tinha, um dia só! A velha obe‑
deceu por causa do xale e porque também pela primeira
vez despertara nela alguma coisa mais que o instante, e ela
descobrira que por causa das meninas era capaz de ter um
futuro risonho. Isto é, futuro sossegado, futuro de xale. O
moço que fizesse o que quisesse contanto que [ela recebes‑
se] xale e doces como os de ontem, cacau não.
Battleship entrou no rancho procurando. Encontrou
uma caneca e no mato atrás da casa, havia duas tábuas
aparelhadas, quem sabe quem tinha deixado ali! Leva‑
ram as tábuas, levaram a caneca e Battleship se deci‑
diu enfim a tirar os sapatos e ficar de pé no chão feito as
meninas. Quando foi pra arregaçar as calças, teve pena,
137
mário de andrade
amarfanhava tudo. Tirou as calças, ficou de cuecas depois
de olhar o horizonte. Mas as arvoretas apagariam qual‑
quer vista vinda do além e não tinha gente no horizonte,
só um burro branco no longe, comendo capim. Foram
dispondo tudo e Battleship descobriu que lá pra dentro do
matinho o riacho se estreitava mais, lá era melhor. Leva‑
ram então as tábuas pra um lugar muito propício, onde
elas ficaram de barranco a barranco, cinco centímetros
fora d’água. Estava tudo alegre e a água era limpa na escu‑
reza natural. O inglesinho sentia prazeres deliciados de
estar de pé no chão no frio. Vencera a repugnância e estava
só se rindo. Trouxeram tudo pra ali e Battleship mandou
Trombeta entrar n’água. Mas uma surpresa amarga o fez
exclamar. Se esquecera de comprar sapatos pras meninas,
e agora as meias estavam ali pra quê! Depois riu, ficavam
descalças mesmo essas porcas.
Foi, sem cerimônia, desabotoando o trapo de Trom‑
beta nos botões que sobravam, e a menina ficou nua. Ela
se ajuntou todinha ao contato do ar frio e Battleship, se
rindo, borrifou um pouco de água no corpinho escuro,
fizeram as pazes. Foi uma limpeza em regra. Aos poucos
desaparecera de ambos a noção de alegria, era um tra‑
balho; e o trabalho se fez com convicção. Só interrom‑
peu a seriedade, o fato de chegar Balança, que ficou logo
indignada com aquilo tudo e chamou Trombeta de sen‑
vergonha. Trombeta não sentiu nada porque o adjetivo
era comum entre elas, embora só no momento parecesse
ter sentido. Mas Battleship falou que Balança se aprontas‑
se, que ele a lavaria também. Balança gritou que não, que
não, seu isto! – uma palavra muito feia. Sentou numa raiz
e ficou olhando de soslaio128 pros dois.
Trombeta ia ficando aos poucos outra gente. Saíra
debaixo da sujeira quase um anjo claro, anjo brasileiro,
138
A ficção
é certo, de olhos e cabelos muito escuros, e um corpo
copiado da mulataria na esbeltez. Mas, insexuada como
os anjos, a sensação que Trombeta nos dava era a de grave
segurança no pudor. Se ficava tão calmo, contemplando
a menina, como deve ser o sentimento de paz depois de
uma guerra comprida.
Assim Trombeta vinha saindo do riacho, esguia, quase
um silvo, um silvo sim de cobra, eufônica129 junto dos mil
ruidinhos que a natureza estava chorando naquele mato
da manhã. Não se destacava nem se impunha, pé de car‑
rapicho, pé de flor sem nome, bonita feito folha que a chu‑
va lavou.
Battleship, esse estava feliz completamente, sentindo as
forças matemáticas do arquiteto. Contemplou um bocado
a menina toda entregue em se esconder na roupa nova,
mas tinha trabalho duro a completar. Se voltou, lançan‑
do o braço:
– Agora você, Balança.
A menina, enroscada num tronco áspero como ela,
estava espiando com desprezo, de soslaio sempre, aquela
novidade que saíra da companheira, e tinha, tinha o dese‑
jo enorme daquelas fazendas que ninguém nunca usara.
Mas que transportes a tomavam desde o instante em que
enxergara Trombeta nua e Battleship de cuecas, ambos
imensamente nus, se contagiando! E como se analisar?
saber o que sentia?… Se o que sentia era um mundo tão
novo, onde faltava nome ao mais mínimo afeto?… Balan‑
ça? Balança estava medonha por dentro, era medo, era
desejos, ciúmes, despeitos, era uma cólera hirsuta.130 A
mão de Battleship resvalou nela apenas. A menina deu
de banda com uma delícia de ritmos, e desembestaram os
dois matinho adentro, convertendo outra vez a existência
num brinquedo marginal. O erro, talvez erro procurado,
139
mário de andrade
foi Balança buscar o limpo pra correr. No matinho Bat‑
tleship não alcançava ninguém. Doíam­‑lhe os pés desa‑
costumados, se machucava muito, e a tristeza viria logo
pousar no corpo do inglesinho algum gênero de lassi‑
dão.131 Mas Balança, alcançado o limite do mato, junto ao
riacho, parou olhando pra trás. Battleship saiu bem mais
pra cima, na vereda, dez passos além. Olhou de cuecas
pro mundo, e era o mesmo deserto, só o burro ocupado
com o seu capim. Arrancou na disparada, Balança hesi‑
tou no rumo e estava presa. Então bateu. Battleship foi
aguentando, cheio de boas defesas, muito lorde no boxe,
mas chegou a vez dum tapa que machucou. O branco não
teve mais contemplação: com dois bofetes Balança parou
chorando. Isso é que ele queria, sentiu prazer inesquecível,
gosto de prolongar o sofrimento da vencida, foi ralhan‑
do muito com ela, em inglês, chamando ela de “senver‑
gonha” também, e outros nomes feios que escutara mais
vezes por aí. E agora Balança nunca mais fugiria dos pul‑
sos que a puxavam pro lugar do banho. Trombeta estava
lá, toda de azul, se rindo. Mas foi só quando enxergou
Trombeta que Balança compreendeu definitivamente: o
banho era impossível mesmo. Se debateu de novo, Battle‑
ship também era cabeçudo, e a briga de ambos tomou tais
proporções, tanto ódio verdadeiro, que não era fácil mais
adivinhar quem venceria. E os gritos de Balança haviam
de chamar alguém, pelo menos a velha. Mas o pickpocket
sentia um verdadeiro terror por qualquer ruído sem dis‑
crição. De repente empurrou Balança pra longe, largou­
‑a, ela caiu na concha da vereda. Trombeta estava ficando
enormemente séria por não compreender. Balança e Bat‑
tleship arfavam,132 imóveis, se olhando com lumes diabó‑
licos do olhar. Houve um momento incompreensível pros
três, até que o deslumbramento chegou.
140
A ficção
Foi que, quando Battleship perguntou furioso porque
ela não queria se lavar também, ficar linda, Balança, vai,
recomeçando o choro, disse que estava com vergonha de
Trombeta. E foi o deslumbramento.
– Eu viro, sua isto! desferiu Trombeta logo, botando a
língua pra legítima “senvergonha” que pusera o mal na
roda.
Balança também botou logo a língua, enquanto Trom‑
beta lhe dava as costas mais que depressa, pra não receber
o insulto em cheio sobre o olhar. Insulto de botar a língua
era dos mais fortes entre elas, mas só enquanto se enxer‑
gava o gesto da outra. “Ahan” Balança fez, reforçando o
insulto com som, pra Trombeta escutar. Tudo mecânico,
sem nenhuma convicção. Os três estavam longe, em que
mundos não sabiam, por demais deslumbrados.
Mas Battleship imaginou que tudo era por causa das
meninas estarem brigando, e alvitrou133 que pois então
Trombeta podia voltar pro rancho, fazer a comida da
velha. Trombeta partiu num rompante, mexendo a bun‑
dinha com raiva, nada curiosa, mas sofrendo a ingratidão
do amigo, meio disfarçando a primeira lágrima feminina
dos seus olhos. Deixara uma encabulação difícil nos dois
sozinhos, o que era aquilo! eles pensaram sem nenhuma
resposta do ser. Mas Battleship era menos completo, era
homem:
– Venha agora, Balança…
murmurou com mansidão, por não suportar mais tempo
o malestar, isto é, a imediatez do mal que estava ali. Então
Balança veio e ficou nua.
E para os olhos dos insetos se balouçando sobre as
águas, nada eles puseram de mal nessa lavação. Apenas
estavam muito sérios, e a alegria grátis, que nasce de si
mesma, não dá nada e nada exige, essa devia andar por
141
mário de andrade
outros seres, noutros riachos, talvez apenas nalgum mato
sem ninguém. Battleship, primeiro sentado, depois de
cócoras na tábua, lavava sempre com vigor. A esponja
procurava o corpo imóvel de Balança e se esmigalhava
em jorros de água, enquanto aos poucos a sujeira se diluía
listrando o corpo da menina em fios compridos. Os olhos
dela fixavam atentos a vereda, temendo que Trombeta
viesse. Battleship, imerso no trabalho, falava ralhos mei‑
gos, de voz grave, que Trombeta era muito boazinha, que
elas não deviam brigar tanto assim. Havia uma presen‑
ça vermelha de Trombeta ali, uma presença insuportável.
O corpo moreno de Balança emergia da limpeza parece
que mais moreno, um ocre rutilante que as sombras do
matinho acentuavam num quase negro, ao mesmo tem‑
po que empalideciam mais o branco violento do torso de
Battleship. E tudo pronto, depois dum tempo longo que
surpreendeu os dois pela curteza, quando o inglesinho
quis levantar pra se rever na obra pronta, ele percebeu que,
erguido, havia de mostrar pra menina a indiscrição agu‑
da em que se achava e teve um imenso dó. Agarrou sem
brinquedo Balança pelo corpo e pelas pernas, suspendeu­‑a
no colo e assim pôde se erguer n’água. Balança principiou
chorando miúdo no ombro dele, e, patinhando n’água,
depois no lamedo, e afinal marchando na terra firme, Bat‑
tleship carregou a menina até a vereda, onde o vestido azul
a esperava para disfarçar a virgindade que eles tinham
perdido n’água.
Dizei, ôh periquitos do ar e piabas d’água, onde nos
fica a virgindade!… Nem Battleship, nem Trombeta, nem
Balança tinham abandonado aquela integridade físi‑
ca que deixa os seres tão sem destino e pueris. Quanto
a saber, sabiam de tudo. Balança, Trombeta e Battleship
já eram sabidíssimos nesses caminhos da vida, nenhuma
142
A ficção
hesitação teriam no cumprir o ato do amor. Se diria que
a virgindade não depende nem do corpo nem das saben‑
ças do espírito, mas da consciência de um erro grande da
natureza, de que somos todos vítimas… Trombeta, Balan‑
ça bem que já podiam ter encontrado na várzea algum
rapaz destorcido que as derrubasse no chão. Sairiam do
sangue zangadíssimas, chamando de “senvergonha”, disto
e mais aquilo, o rapagão se rindo. Continuariam virginais.
E o mesmo com o pickpocket que olhava uma mulher de
alto a baixo, distinguia as boas, comentava doenças, mas
jamais não deixara que uma deusa de Londres lhe guar‑
dasse os dedos mais que o tempo de um chequendes.134 O
beijo? porcaria.
Pois com o espaço de um banho sério, ganha desde
ontem a noção agradável das companheiragens, ago‑
ra aqueles três tinham como a antecipação dolorosa de
que a amizade havia de ser terrível pra eles, devido a ter
a diferença de homens e mulheres neste mundo. Não se
compreendiam ainda, nem a ternura tivera espaço e expe‑
riência pra aveludar aqueles três corações fechadinhos.
Elas só o que tinham por enquanto era confiança no moço
e batera em Battleship o desejo de prestígio e de apadri‑
nhar, isso apenas.
Mas Balança estragara tudo por causa do temperamen‑
to mais inventivo. Num ímpeto primaveril de curiosidade,
inventou a vergonha e sexuou todos. Eles não provinham
mais nem do sal das águas nem do barro de Deus: provi‑
nham daquela vitória dos vivos que faz prevalecer, sobre
o destino perverso das diferenças, o instinto da felicidade.
E eles só viram então o presente, mui dourado e irregular,
por detrás de uma dedicação exclusivista, aí está. Trom‑
beta lá na panela mexendo, não escutava mesmo nada os
ralhos da velha, deslumbrada. Balança no riacho limpa,
143
mário de andrade
enxergara sequer no espaço alguma libélula prateando,
deslumbrada. Battleship, surpreso, ignorava se a limpeza
fora total na menina. Se sentiam todos três jogados num
turbilhão de ansiedades, desinfelizes todos os três, com
uma pressa indestinada, muito inculta, muito grosseira,
agora que estavam tão delicados por dentro, delicadíssi‑
mos, só capazes de acarinhar. E assim um riacho de chuva
levou a virgindade dos três.
144
III. O poeta por ele mesmo
Eu sou trezentos…*
(7 de junho de 1929)
Eu sou trezentos, sou trezentos­‑e­‑cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh Pireneus! ôh caiçaras!
Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as melhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios
[beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos­‑e­‑cinquenta,
Mas um dia afinal me encontrarei comigo…
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
* Poema publicado em Remate de males, 1930 e em Poesias, 1941.
147
Notas/Glossário
1.
2.
3.
“Onde até na força do verão havia tempestades de ventos e
frios de crudelíssimo inverno” Fr. Luís de Sousa: fragmento
destacado do capítulo V, da Vida de Arcebispo, obra de
Frei Luís de Sousa, cronista português (1555­‑1632), conside‑
rado um dos maiores escritores de língua portuguesa. Na
carta a Fernando Sabino, em 21 de março de 1942, Mário de
Andrade inclui esse título entre as leituras fundamentais
para a formação do intelectual.
Arys: o texto, ao incorporar marca de perfume feminino
do gosto da elite, atende à literatura de circunstância no
projeto literário do modernista. Eis o anúncio na revista
A Cigarra: “UN JOUR VIENDRA/ Perfume d’Arys o mais
luxuoso/ adoptado pelas pessoas elegantes/ o mais capti‑
vante e penetrante./ […] ARYS, 3, rue de la Paix, Paris –
em todas as perfumarias” (a. 6, no 125. São Paulo, 1o dez.
1919, p. 4).
Trianon: restaurante e confeitaria frequentado pela alta
burguesia e pela intelectualidade paulistana, no início do
decênio de 1920; local de banquetes de homenagem e de
encontros amorosos furtivos. No banquete oferecido a
Menotti Del Picchia, em 9 de janeiro de 1921, Oswald de
149
mário de andrade
Andrade ali discursou lançando o modernismo. Mário de
Andrade focalizou o acontecimento, em março de 1921, em
sua crônica “De São Paulo”, na série homônima na revista
carioca Ilustração Brasileira.
4. Galicismo: francesismo.
5. Pálio vesperal: céu róseo, protegendo a cidade como um
guarda­‑sol litúrgico, no fim do dia.
6. Presidente: na República Velha, os governadores dos esta‑
dos eram denominados presidentes.
7. Borbas­‑ Gatos: referência aos bandeirantes paulistas do
século XVII; metáfora a partir do nome Manoel de Borba
Gato, integrante da grande bandeira chefiada por Fernão
Dias Paes Leme em busca de esmeraldas.
8. Esperiamente: neologismo que alude ao Canottieri Espé‑
ria, o mais antigo clube de remo da cidade de São Paulo,
fundado por italianos em 1899, para ironizar a idealização
dos bandeirantes.
9. Monções: bandeiras que seguiam pelos rios nas capitanias
de São Paulo e Mato Grosso, nos séculos XVII e XVIII.
10. Ritmos de Brecheret: metáfora vinculada ao Monumento às
bandeiras do escultor Victor Brecheret (1894­‑1955), parti‑
cipante do grupo modernista de São Paulo.
11. Turmalinas: pedra verde, metáfora de um tempo sem
grandiosidade, utilizando o engano do bandeirante Fer‑
não Dias Paes Leme, que morre desconhecendo que as
esmeraldas, por ele descobertas, eram turmalinas sem
valor. O poema de Olavo Bilac “O Caçador de Esmeral‑
das” cria o delírio desse bandeirante.
12. Quina Migone: anúncio de tônico capilar, refletido no rio.
No último poema de Mário, em 1945, “A meditação sobre o
Tietê”, em 1945, São Paulo retorna espelhada no rio.
13. Hat Stores: anúncio da chapelaria de Serafino Chiodi, à
Rua Direita, no centro da cidade, espelhado no Tietê.
150
notas/glossário
14. Alacridade: alegria, vivacidade.
15. Burguês­‑níquel: exemplo do uso de pares de substantivos,
ao invés de adjetivos, nas injúrias endereçadas ao burguês.
O poeta assimila, assim, o Manifesto técnico da literatura
futurista.
16. Printemps: a Canção sem palavras em lá maior para piano,
op. 62, nº 6, de Felix Mendelssohn­‑Bartholdy (1809­‑1847),
conhecida como Canção da primavera ou Chanson de
Printemps. Peça do repertório dos estudos de piano das
moças da burguesia paulistana.
17. Tílburi: carro de duas rodas e dois assentos (condutor e
passageiro), sem boleia, com capota, puxado por um só
cavalo.
18. Padaria Suíça: naquela época, estabelecimento bastante
conceituado, à rua Formosa.
19. Central: delegacia da Polícia, no Pátio do Colégio.
20. Giolhos: joelhos, no português antigo.
21. Confiteor: parte da missa destinada à confissão.
22. Paulistano: time de futebol do Clube Atlético Paulistano,
fundado em 1900.
23. Friedenreich: Arthur Friedenreich (1892­‑1969), conside‑
rado pela crítica esportiva um dos maiores centroavantes
do Brasil, pertenceu a vários times de futebol; entre eles o
Paulistano.
24. Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô…/ E o meu xará
maravilhoso!…: na década de 1920, além de Friedenreich,
Bianco, Bartô e Mário Andrada eram os craques do fute‑
bol paulista.
25. Corso: programa da burguesia paulistana que se exibia
desfilando em seus automóveis; propiciava namoros.
26. Bertini: Francesca Bertini (1892-1985), grande atriz do
cinema mudo italiano.
151
mário de andrade
27. Tom Mix: (1880­‑1940) o mais famoso caubói do cinema
norte­‑americano.
28. As romas de Petrônio: referência ao filme italiano Quo
vadis, sucesso mundial do cinema mudo que, em 1913,
recria o romance homônimo do escritor polonês H. Sien‑
kiewicz (1846­‑1916). Dirigido por Enrico Guazzoni é tal‑
vez o primeiro longa­‑metragem conhecido. Na ação que
se passa em Roma, no século I d.C., durante a resistência
dos cristãos à perseguição movida por Nero, destaca­‑se o
personagem Petrônio, patrício romano e conselheiro do
imperador, vivido pelo ator Gustavo Serena.
29. Bicho de mármore parido no Salon…: referência a escultura
exibida no Salon d’Autonne, em Paris.
30. “– Meu pai foi rei!/ – Foi. – Não foi. – Foi. – Não foi.”: apro‑
priação dos versos 30­‑31 do poema de Manuel Bandeira
“Os sapos”, lido na Semana de Arte Moderna, em feve‑
reiro de 1922.
31. Encanecido: embranquecido.
32. Palimpsesto: papiro ou pergaminho cujo texto primitivo
foi raspado, para dar lugar a outro.
33. Écloga: referência aos poemas pastorais escritos pelo
romano Virgílio (70­‑19 a.C.).
34. Luzes do Cambuci pelas noites de crime…: No bairro do
Cambuci, localizava­‑se o presídio, inaugurado em 1922;
demolido na Revolução de 1930.
35. Heliotrópios: flores da baunilha­‑de­‑jardins.
36. – Batat’assat’ô furnn!…: pregão do vendedor de batata­
‑doce assada, nas ruas paulistanas.
37. Lassitudes: moleza, languidez.
38. Balcões na cautela latejante, onde florem Iracemas/ para
os encontros dos guerreiros brancos…: alusão a persona‑
gens do romance Iracema, de José de Alencar (1829­‑1877).
152
notas/glossário
39. Girândolas: fogos de artifício queimados em roda de
madeira.
40. Esgalga: longa e esbelta.
41. Chávena: xícara.
42. Lady Macbeth: personagem da peça Macbeth de William
Shakespeare (1564­‑1616).
43. Poe: Edgar Allan Poe (1809­‑1849), poeta norte­‑americano,
ficcionista e teórico da literatura.
44. Never more!: “Nunca mais!”, no refrão do poema de Edgar
Allan Poe “The Raven” (“O corvo”).
45. Emílio de Menezes insultou a memória do meu Poe…: crí‑
tica à paráfrase do poema de Edgar Allan Poe, “O corvo”,
feita, em 1917, pelo poeta parnasiano brasileiro Emílio de
Menezes (1866­‑1918), em Últimas rimas.
46. Barregã: prostituta.
47. Mirra: essência vegetal usada para embalsamar mortos.
48. São Paulo Railway: “The São Paulo’s Railway Company
Ltd”: empreendimento ferroviário formado em 1848 pelo
Visconde de Mauá e seus sócios ingleses. Inaugurado em
1867, representou progresso para São Paulo.
49. Cincinato Braga: (1864­‑1953), político e economista;
destacou­‑se no Partido Republicano Paulista – PRP.
50. Peã: canto de celebração pública entre os gregos da
Antiguidade.
51. Estátua de Verdi: escultura de Amadeo Zani (1869­‑1944),
no vale do Anhangabaú; presente da colônia italiana à
cidade, em 1921.
52. Ramos de Azevedo: Francisco de Paula Ramos de Azevedo
(1851­‑1928) arquiteto e engenheiro; responsabilizou­‑se por
diversas obras na cidade de São Paulo.
53. Assunção de Murilo: quadro do pintor espanhol Bartolomé
Estebán Murillo (1617­‑1682).
153
mário de andrade
54. Roupa­‑branca é de morim.: roupa de baixo de algodão
barato.
55. Taperá: andorinha.
56. Caçaremas: formigas dos cacaueiros.
57. Se boia: come­‑se.
58. Esplanada: hotel requintado, muito concorrido, sito atrás
do Teatro Municipal.
59. Quem tem certeza do amanhã!/ Lourenço de Medicis?…: o
poeta se apropria do verso famoso “Di doman non c’è cer‑
tezza” de Lorenzo de Medicis (1449­‑1492), poeta e estadista
do Renascimento.
60. Maniva: mandioca brava.
61. Acerba: áspera.
62. Martinelli: o segundo arranha­‑céu em São Paulo, cons‑
truído em 1928; o primeiro, o Sampaio Moreira, é de 1924.
63. Madame la Françoise: possível referência à leitura das
memórias de Françoise Athenaïs, Marquesa de Montes‑
pan (1641­‑1707).
64. Ega: João da Ega, personagem de Os Maias, do romancista
português Eça de Queirós (1845­‑1900).
65. Aquiles: herói da mitologia grega, participante da guerra
de Troia.
66. Cibo: sustento.
67. Avena: flauta.
68. Dolo: trapaça.
69. Gasogênio: aparelho usado nos automóveis durante a
Segunda Guerra Mundial; produzia um substituto da
gasolina, um gás resultante da combustão incompleta do
carvão vegetal.
70. Eixo: aliança da Alemanha nazista com a Itália fascista e o
Império do Japão na Segunda Guerra Mundial.
71. Lights, Tramas, Corporation: trocadilho visando a São
Paulo Tramway Light and Power Company, companhia
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90.
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92.
canadense responsável pelos bondes e pelos serviços de
geração e distribuição de energia elétrica no município de
São Paulo.
Relambória: sem graça, inexpressiva.
Ôh espelhos, Pireneus, caiçaras insistentes,: retomada do
verso 3 do poema “Eu sou trezentos…” de Remate de males.
Lopes Chaves: político paulista, Joaquim Lopes Chaves
(1833­‑1909), destacou­‑se no Império e na República.
Caxingam: coxeiam, mancam.
Abjetas: desprezíveis, ignóbeis.
Antíteses: figura de linguagem que demarca junção de
oposições.
Inerme: indefeso.
Línguas: intérpretes, tradutores.
Chantre: diretor eclesiástico dos coros em igrejas e capelas.
Celso nihil estate varíolas gide memoriam,/ Calípedes flo‑
gísticos: latim inventado, estapafúrdio, satírico.
Confraria Brasiliense: por Livraria Brasiliense, ponto de
encontro de intelectuais em São Paulo; trocadilho.
Clima: revista cultural paulistana (1941­‑1944).
Anticéptico: que nega a dúvida.
Malvasia: tipo de uva e de vinho de sabor doce.
Jocoso: engraçado, divertido.
Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto/ Esperto Ciu‑
mento Peripatético e Ceci/ E Tancredo e Afrodísio e também
Armida/ E o próprio Pedro e também Alcibíades: enumera‑
ção tomando personagens da história e da literatura.
Perrepismo: posição política reacionária ligada ao Partido
Republicano Paulista (PRP).
Pundhonor: ponto de honra.
Augúrios: presságios.
Estulta: estúpida.
Plutocratas: os ricos.
155
mário de andrade
93. O amor do amor, Maria!: o poeta alude ao próprio lirismo
amoroso, em “Tempo da Maria”, parte de seu livro Remate
de males (1930).
94. Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça elevada,
escolhido/ Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu
outro sinal.: referido, pelo poeta, o seu “Rito do irmão
pequeno” (1931).
95. Desque me fiz poeta e fui trezentos: o poeta refere­‑se ao seu
poema “Eu sou trezentos…”.
96. Rilke: Rainer Maria Rilke (1875­‑1926), poeta da língua
alemã.
97. Nhato: pessoa com o maxilar inferior proeminente,
queixudo.
98. Piri de beira­‑rio: matinho em terreno pantanoso.
99. Sorumbático: triste.
100. Dias depois do meu aniversário: Mário de Andrade nascera
em 9 de outubro, 1893.
101. Nem bem dona República fez anos: alusão a 15 de novem‑
bro, Proclamação da República.
102. Mapinguim: fumo muito apreciado, produzido no Sul e no
Sudeste; em Minas Gerais, principalmente.
103. Dona Mariquinha: apelido da mãe de Mário de Andrade,
Maria Luísa de Moraes Andrade.
104. Tutti quanti: expressão do idioma italiano, adotada em São
Paulo: todos, várias pessoas.
105. Turumbamba macota: grande tumulto, confusão.
106. Se comoveu num hausto forte: encheu o peito, tomou
fôlego.
107. Envilecido: humilhado.
108. Fremente: vibrante, entusiasmado.
109. Modorrento: sonolento, amolecido.
110. Semostradeiro: exibido.
111. Opresso: oprimido.
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131.
132.
133.
134.
Cabeças­‑chatas: apelido pejorativo dado aos nordestinos.
Farrancho: grupo que se dirige a uma festa.
Pickpocket: no inglês, batedor de carteiras, ladrão.
Steward: mordomo.
Speackenglish: pessoa que fala a língua inglesa.
Mucudos: que têm muque, musculosos.
Camarões: bondes fechados, gíria.
Efebo: jovem.
Álgido: gélido.
Aquó: sem ação.
Jungla: selva, de jungle, no inglês.
Encarangada: com dificuldade de andar.
Mosqueiros: moradias pobres.
Cottage: casa de campo inglesa.
Insofismável: indiscutível.
Ilações: relações.
De soslaio: de esguelha, obliquamente.
Eufônica: harmoniosa.
Hirsuta: áspera.
Lassidão: tédio, esgotamento.
Arfavam: ofegavam.
Alvitrou: julgou.
Chequendes: aperto de mão; shakehands, no inglês.
157
Bibliografia
ANDRADE, Mário de. Balança, Trombeta e Battleship ou o
descobrimento da alma. Edição genética e crítica de Telê
Ancona Lopez. São Paulo: Instituto Moreira Salles/ Insti‑
tuto de Estudos Brasileiros, 1994.
. Clã do jabuti. São Paulo: Ed. do autor no Estabeleci‑
mento Gráfico de Eugenio Cupolo, 1927.
. Os contos de Belazarte. 1ª ed., São Paulo: Editora Pira‑
tininga, 1934; 2ª ed., Rio de Janeiro: Americ­‑Edit, 1944;
nova ed.: estabelecimento do texto: Aline Nogueira Mar‑
ques. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
. Contos novos. Estabelecimento do texto: Hugo
Camargo Rocha e Aline Nogueira Marques. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
. Lira paulistana seguida de O carro da Miséria. São
Paulo: Livraria Martins Editora, [1946].
. Losango cáqui ou afetos militares de mistura com os
porquês de eu saber alemão. São Paulo: Ed. do autor na
Casa Editora A. Tisi, 1926.
. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 1ª ed., São
Paulo: Ed. do autor no Estabelecimento Gráfico de Euge‑
nio Cupolo, 1928; 2ª ed., Rio de Janeiro: Livraria José
159
mário de andrade
Olympio Editora, 1937; nova ed.: estabelecimento de texto:
Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopez. Rio de
Janeiro: Agir, 2008.
. Pauliceia desvairada. São Paulo: Ed. do autor na grá‑
fica da Casa Mayença, 1922.
. Poesias. São Paulo: Ed. do autor na Livraria Martins
Editora, 1941.
. Poesias completas. Edição crítica de Diléa Zanotto
Manfio. Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1987.
. Poesias completas. Estabelecimento de texto, intro‑
dução e notas: Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona
Lopez. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (no prelo).
. Remate de males. São Paulo: Ed. do autor no Estabe‑
lecimento Gráfico de Eugenio Cupolo, 1930.
BOAVENTURA, Maria Eugenia (Org.). 22 x 22: a Semana de
Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São
Paulo: Edusp, 2001.
160
Endereços úteis
Além dos pontos de distribuição da Coleção De Mão
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A seguir estão listados endereços de unidades vincula‑
das à Secretaria Municipal de Cultura.
161
mário de andrade
Bibliotecas públicas descentralizadas
Ao todo, são 52 bibliotecas espalhadas pelos bairros
da cidade. Oito delas fazem parte do projeto Bibliotecas
Temáticas, que oferece acervo e atividades específicas nas
suas áreas de atuação.
Adelpha Figueiredo
Pça. Ilo Ottani, 146, Canindé, tel.: 2292­‑3439
Afonso Taunay
R. Taquari, 549, Mooca, tel.: 2292­‑5126
Afonso Schmidt
Av. Elisio Teixeira Leite, 1470, Cruz das Almas, tel.: 3975­‑2305
Alceu Amoroso Lima – Temática em poesia
Av. Henrique Schaumann, 777, Pinheiros, tels.: 3082­‑5023 /
3081­‑6092
Álvares de Azevedo
Pça. Joaquim José da Nova, s/n, V. Maria, tel.: 2954­‑2813
Álvaro Guerra
Av. Pedroso de Moraes, 1919, Pinheiros, tel.: 3031­‑7784
Amadeu Amaral
R. José C. Castro, s/n, Jd. da Saúde, tel.: 5061­‑3320
Anne Frank
R. Cojuba, 45, Itaim Bibi, tel.: 3078­‑6352
Arnaldo Magalhães Giácomo, Prof.
R. Restinga, 136, Tatuapé, tel.: 2295­‑0785
Aureliano Leite
R. Otto Schubart, 196, Pq. São Lucas, tel.: 2211­‑7716
Belmonte – Temática em cultura popular
R. Paulo Eiró, 525, Santo Amaro, tels.: 5687­‑0408 / 5691­‑0433
Brito Broca
Av. Mutinga, 1425, Pirituba, tels.: 3904­‑1444 / 3904­‑2476
162
endereços úteis
Camila Cerqueira César
R. Waldemar Sanches, 41, Butantã, tel.: 3731­‑5210
Cassiano Ricardo – Temática em música
Av. Celso Garcia, 4200, Tatuapé, tel.: 2092­‑4570
Castro Alves
R. Abrahão Mussa, s/n, Jd. Patente, tel.: 2946­‑4562
Clarice Lispector
R. Jaricunas, 458, Siciliano, tel.: 3672­‑1423
Cora Coralina
R. Otelo Augusto Ribeiro, 113, Guaianases, tel.: 2557­‑8004
Érico Veríssimo
R. Diógenes Dourado, 101, Parada de Taipas, tel.: 3972­‑0450
Gilberto Freyre
R. José Joaquim, 290, Sapopemba, tel.: 2143­‑1811
Hans Christian Andersen – Temática em contos de fadas
Av. Celso Garcia, 4142, Tatuapé, tel.: 2295­‑3447
Helena Silveira
R. João Batista Reimão, 146, Campo Limpo, tel.: 5841­‑1259
Jamil Almansur Haddad
R. Andes, 491­‑A, Guaianases, tel.: 2557­‑0067
José de Anchieta, Pe.
R. Antonio Maia, 651, Perus, tel.: 3917­‑0751
José Mauro de Vasconcelos
Pça. Com. Eduardo Oliveira, 100, Pq. Edu Chaves,
tels.: 2242­‑8196 / 2242­‑1072
José Paulo Paes
Lgo. do Rosário, 20, Penha, tels.: 2295­‑9624 / 2295­‑0401
Jovina Rocha Álvares Pessoa
Av. Pe. Francisco de Toledo, 331, Itaquera, tels.: 2741­‑7371 /
2741­‑0371
Lenira Fraccaroli
Pça. Haroldo Daltro, 451, Vila Manchester, tel.: 2295­‑2295
163
mário de andrade
Malba Tahan
R. Brás Pires Meira, 100, Veleiros, tel.: 5523­‑4556
Marcos Rey
Av. Anacê, 92, Jardim Umarizal, tel.: 5845­‑2572
Mário Schenberg – Temática em ciências
R. Catão, 611, Lapa, tel.: 3672­‑0456
Menotti Del Picchia
R. São Romualdo, 382, Limão, tels.: 3966­‑4814 / 3956­‑5070
Milton Santos
Av. Aricanduva, 5777, Jardim Aricanduva, tel.: 2726­‑4882
Narbal Fontes
R. Cons. Moreira de Barros, 170, Santana, tel.: 2973­‑4461
Nuto Sant’Anna
Pça. Tenório Aguiar, 32, Santana, tel.: 2973­‑0072
Paulo Duarte
R. Arsênio Tavollieri, 45, Jabaquara, tels.: 5011­‑8819 / 5011­‑7445
Paulo Sérgio Milliet
Pça. Ituzaingó, s/n, Tatuapé, tel.: 2671­‑4974
Paulo Setúbal
Av. Renata, 163, Vila Formosa, tels.: 2211­‑1508 / 2211­‑1507
Pedro Nava
Av. Eng. Caetano Álvares, 5903, Mandaqui, tels.: 2973­‑7293 /
2950­‑3598
Prestes Maia, Pref. (fechada para reforma, retomará as ativida‑
des no 2º semestre de 2012)
Av. João Dias, 822, Santo Amaro, tel.: 5687­‑0513
Raimundo de Menezes
Av. Nordestina, 780, São Miguel Paulista, tel.: 2297­‑4053
Raul Bopp – Temática em meio ambiente
R. Muniz de Sousa, 1155, Aclimação, tel.: 3208­‑1895
Ricardo Ramos
Pça. Centenário de Vila Prudente, 25, Vila Prudente, tel.:
2273­‑4860
164
endereços úteis
Roberto Santos – Temática em cinema
R. Cisplatina, 505, Ipiranga, tels.: 2273­‑2390 / 2063­‑0901
Rubens Borba de Moraes
R. Sampei Sato, 440, Ermelino Matarazzo, tel.: 2943­‑5255
Sérgio Buarque de Holanda
R. Augusto C. Baumman, 564, Itaquera, tel.: 2205­‑7406
Sylvia Orthof
Av. Tucuruvi, 808, Tucuruvi, tels.: 2981­‑6264 / 2981­‑6263
Thales Castanho de Andrade
R. Dr. Artur Fajardo, 447, Freguesia do Ó, tel.: 3975­‑7439
Vicente de Carvalho
R. Guilherme Valência, 210, Itaquera, tel.: 2521­‑0553
Vicente Paulo Guimarães
R. Jaguar, 225, V. Curuçá, tels.: 2035­‑5322 / 2034­‑0646
Vinicius de Moraes
Av. Jardim Tamoio, 1119, Itaquera, tel.: 2521­‑6914
Viriato Corrêa – Temática em literatura fantástica
R. Sena Madureira, 298, V. Mariana, tels.: 5573­‑4017 / 5574­‑0389
Bibliotecas centrais
Tradicional instituição do país, a Biblioteca Mário de
Andrade possui acervo expressivo com destaque para as
coleções de artes, mapas, periódicos, obras raras e acervo
da ONU.
Já a Biblioteca Infanto­‑Juvenil Monteiro Lobato reú‑
ne significativo acervo de literatura brasileira, infantil e
juvenil, acervo bibliográfico e museológico sobre Montei‑
ro Lobato de textos teatrais.
Mário de Andrade
Av. São Luis, 235, República, tel. 3256­‑5270
165
mário de andrade
Monteiro Lobato
R. Gal. Jardim, 485, V. Buarque, tel.: 3256­‑4038
Bibliotecas do Centro Cultural São Paulo
Abrigam um dos mais significativos patrimônios
bibliográficos do país.
Na Biblioteca Sérgio Milliet destacam‑se obras nas
áreas de literatura latino‑americana, filosofia, religião,
ciências sociais e história. Possui seções especializadas
em artes, hemeroteca, recursos audiovisuais e banco de
peças teatrais.
A Biblioteca Louis Braille, planejada e equipada para
atender a pessoas com deficiência visual, possui acervo
em braile e áudio.
A Gibiteca Henfil tem mais de 8 mil títulos entre qua‑
drinhos, fanzines, periódicos e livros sobre histórias em
quadrinhos.
A Discoteca Oneyda Alvarenga possui acervo especia‑
lizado em música erudita e popular, nacional e estrangei‑
ra, constituído por livros, partituras, discos de 33 e 78 rpm
e CDs.
Centro Cultural São Paulo
R. Vergueiro, 1000, Paraíso
Biblioteca Sérgio Milliet – tels.: 3397­‑4003 / 3397­‑4074 / 3397­‑4075
Biblioteca Louis Braille – tel.: 3397­‑4088
Gibiteca Henfil – tel.: 3397­‑4090
Discoteca Oneyda Alvarenga – tels.: 3397­‑4071 / 3397­‑4072
166
endereços úteis
Biblioteca do Centro Cultural da Juventude
A Biblioteca Jayme Cortez possui um acervo com mais
de 10 mil exemplares entre livros, álbuns de HQ, mangás,
periódicos e material audiovisual. Conta também com um
Laboratório de Idiomas.
Biblioteca Jayme Cortez
Av. Deputado Emílio Carlos, 3641, Cachoeirinha, tel.: 3984­
‑2466, ramal 24
Pontos de leitura
Espaços criados em bairros desprovidos de equipamen‑
tos culturais ou de difícil acesso a Bibliotecas Públicas.
André Vital
Av. dos Metalúrgicos, 2255, Cidade Tiradentes, tel.: 2282­‑2562
Carolina Maria de Jesus
R. Teresinha do Prado Oliveira, 119, Parelheiros, tel.: 5921­‑3665
Graciliano Ramos
R. Prof. Oscar Barreto Filho, 252 (Calçadão Cultural do Grajaú),
Parque América – Grajaú, tel.: 5924­‑9135
Jardim Lapenna
R. Serra da Juruoca, s/n (Galpão da Cultura e Cidadania), Jar‑
dim Lapenna, tel.: 2297­‑3532
Juscelino Kubitschek
Av. Inácio Monteiro, 55, Cidade Tiradentes, tel.: 2556­‑3036
Olido
Av. São João, 473, Centro, tel.: 3397­‑0176
Parque do Piqueri
R. Tuiuti, 515, Tatuapé, tel.: 2092­‑6524
167
mário de andrade
Parque do Rodeio
R. Igarapé da Bela Aurora, s/n, Cidade Tiradentes, tel.: 2555­‑4276
Praça do Bambuzal
R. da Colônia Nova, s/n (Praça Nativo Rosa de Oliveira – Praça
do Bambuzal), Jardim Ângela, tel.: 5833­‑3567
São Mateus
R. Fortaleza de Itapema, 268, Jardim Vera Cruz – São Mateus,
tel.: 2019­‑1718
Severino do Ramo
R. Barão de Alagoas, 340, Itaim Paulista, tels.: 2963­‑2742 /
2568­‑3329
União dos moradores do Parque Anhanguera
R. Amadeu Caego Monteiro, 209, Parque Anhanguera, tel.:
3911­‑3394
Vila Mara
R. Conceição de Almeida, 170, São Miguel Paulista, tel.:
2586­‑2526
Bosques de leitura
Ambientes culturais alternativos em parques da cidade.
Abrem aos domingos e, em alguns endereços, também aos
sábados. Confira os dias e horários de funcionamento no
site www.bibliotecas.sp.gov.br ou pelo telefone 3675­‑8096.
Anhanguera
Av. Fortunata Tadiello Natucci, 1000, Perus
Carmo
Av. Afonso de Sampaio Souza, 951, Itaquera
Cidade de Toronto
Av. Cardeal Motta, 84, Pirituba
168
endereços úteis
Esportivo dos Trabalhadores
R. Canuto Abreu, s/n, Tatuapé
Ibirapuera
Av. República do Líbano, 1151 – Portão 7A, Moema
Jardim da Luz
R. Ribeiro de Lima, 99, Luz
Lajeado
R. Antonio Thadeo, 74, Lajeado
Lions Clube Tucuruvi
R. Alcindo Bueno de Assis, 500, Tucuruvi
Raposo Tavares
R. Telmo Coelho Filho, 200, Vila Albano – Butantã
Santo Dias
R. Jasmim da Beirada, 71, Capão Redondo
Ônibus‑biblioteca
Os ônibus­‑biblioteca levam livros, jornais, revistas,
gibis e programação cultural às comunidades de bairros
periféricos da cidade. Conta com paradas predetermina‑
das para cada dia da semana. Confira os roteiros da sua
região no site www.bibliotecas.sp.gov.br ou pelo telefone
2291­‑5763.
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Títulos da coleção
1 - Missa do galo e outros contos
Machado de Assis
2 - Contos Paulistanos
Antônio de Alcântara Machado
3 - A nova Califórnia e outros contos
Lima Barreto
4 - São Paulo! comoção de minha vida…
Mário de Andrade
5 - Histórias de horror
Vários autores
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Estabelecimento dos textos
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo (Poesia)
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo
(Ficção: Macunaíma, o herói sem nenhum caráter)
Aline Nogueira Marques (Ficção: “Túmulo, túmulo, túmulo”)
Hugo Camargo Rocha e Aline Nogueira Marques
(Ficção: “Primeiro de Maio”)
Telê Ancona Lopez (Ficção: Balança, Trombeta e Battleship)
Notas
Diléa Zanotto Manfio, Telê Ancona Lopez e
Tatiana Longo Figueiredo (Poesia)
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo (Ficção)
Edição de texto
Fabiana Mioto (Preparação de original)
Leandro Raniero Fernandes (Revisão)
Assistência Editorial
Olivia Frade Zambone
Editoração Eletrônica
Estúdio Bogari
Capa
Estúdio Bogari
Imagem de capa
“Painel de azulejos”, de Paulo von Poser.
Fotografia de Victor Tronconi.
Coordenação De Mão em Mão
Ananda Stücker (Secretaria Municipal de Cultura)
Oscar D’Ambrosio (Editora Unesp)
SOBRE O LIVRO
Formato: 12 x 21 cm
Mancha: 18 x 37 paicas
Tipologia: Minion Pro 10/13,5
Papel: Lagenda 80 g/m² (miolo)
Cartão triplex 250 g/m² (capa)
1ª edição: 2012
Impressão e acabamento
CTP, Impressão e Acabamento
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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