Volume 2 N.º 2 Ano: Julho/Dezembro 2013

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Volume 2 N.º 2 Ano: Julho/Dezembro 2013
Estado da arte na terapêutica anticoagulante: Novas abordagens
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ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA
Vol 2 N.º 2
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
2
Estado da arte na terapêutpica antigoagulante: Novas abordagens
ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA
Vol 2 N.º 2
www.ofporto.org
Conselho Editorial
Diretor
Agostinho Franklim Marques
Editores Associados
António da Rocha e Costa
João Paulo Sena Carneiro
José Luís Martins
Pedro Barata Coelho
Natércia Aurora Teixeira
Secretariado
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Conselho Científico
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Franklim Marques
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Maria Margarida Caramona
Natércia Teixeira
Pedro Barata Coelho
Rita Sanches Oliveira
Rui Manuel Pinto
Vitor Seabra
A Acta Farmacêutica Portuguesa é uma revista de caráter científico que funciona na modalidade de revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial constituído por peritos
em anonimato mútuo (peer review). É essencialmente dirigida a Farmacêuticos e todos os
que se interessam pelas Ciências Farmacêuticas. A Acta Farmacêutica Portuguesa abarca um
vasto leque de questões relacionadas com as Ciências Farmacêuticas, publicando artigos de
diferentes tipos: artigos de revisão, artigos originais, artigos sobre avanços nas Ciências Farmacêuticas, editoriais e opiniões. Periodicamente a Acta Farmacêutica Portuguesa publica
números especiais dedicados a uma área em específico das Ciências Farmacêuticas.
Estado da arte na terapêutica anticoagulante: Novas abordagens
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Editorial
Franklim Marques
Diretor
Deve admitir-se que o atual momento da vida económica e financeira do nosso Pais acarreta
consigo um manancial de medidas, cuja amplitude redutora para o crescimento de muitas e distintas
áreas é por todos sobejamente conhecida.
A Ciência e a Educação são das áreas mais sacrificadas como se pode aquilatar pelo contínuo
desinvestimento, em termos de financiamento público, de uns tempos a esta parte, e que deve merecer um cuidado particular, dadas as inerentes e potenciais implicações que daí poderão advir para o
futuro.
Na realidade, é notório, em particular nos países com maiores dificuldades económicas, o retrocesso que se verifica na consciencialização da importância do conhecimento e do saber adquiridos
para o desenvolvimento das sociedades e da modernidade.
Países com maior investimento em ciência e educação são os que se caraterizam por uma maior
capacidade de inovação, de evolução e de competitividade.
O conhecimento e o saber são a chave da dinamização económica e do sucesso de um país,
conduzindo-o necessariamente a um patamar de crescimento mais elevado e consistente, e a um nível
superior de colaboração e de entendimento entre os seus concidadãos e com as comunidades com
que interagem.
O saber egoísta é um saber morto. O saber partilhado e vivido é a essência da motivação e do
progresso.
A Acta Farmacêutica Portuguesa não pretende ser mais do que um simples e activo mediador
na partilha do conhecimento, num contributo contínuo a favor do desenvolvimento dos saberes no
âmbito da Saúde, em particular na área das Ciências Farmacêuticas.
Apesar da sua curta existência, angariou um significativo ganho de reconhecimento e de confiabilidade junto daqueles que são o objeto da sua existência. Por si só, estas são razões que nos fazem
querer ir mais além e alimentam a nossa vontade em prosseguir este caminho.
Com o vosso apoio, esta revista será, seguramente, bem mais que uma revista destinada à divulgação da ciência, da investigação e do conhecimento: será a vossa revista, a Acta Farmacêutica Portuguesa.
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Estado da arte na terapêutica anticoagulante:
Novas abordagens
Correia-da-Silva, Marta1, Sousa, Emilia1, Marques, Franklim2, Pinto, Madalena M. M.1
(1) Centro de Química Medicinal – Universidade do Porto (CEQUIMED-UP), Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica, Departamento de Química, Faculdade
de Farmácia, Universidade do Porto, Rua de Jorge Viterbo Ferreira, 228, 4050-313, Porto, Portugal.
(2) Unidade de Análises Clínicas, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Rua de Jorge Viterbo Ferreira, 228, 4050-313,
Porto, Portugal.
Autor correspondente: Marta Correia da Silva
Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica, Departamento de Química, Faculdade de Farmácia
Universidade do Porto, Rua de Jorge Viterbo Ferreira, 228, 4050-313, Porto, Portugal.
Resumo
A terapêutica anticoagulante foi, durante muito tempo, limitada ao uso de heparinas e varfarinas. Recentemente foram introduzidas no mercado novas alternativas a esta terapêutica antitrombótica. A disponibilidade para uso oral quer de agentes inibidores do FXa quer da trombina tem proporcionado resultados
clínicos revelantes em ensaios para a profilaxia da trombose venosa pós-operatória. No entanto, estes fármacos não apresentam a polifarmacologia única das heparinas. Neste contexto, a investigação de pequenas
moléculas sulfatadas que mimetizem as funções dos glicosaminoglicanos, sem os inconvenientes característicos das grandes cadeias de heparinas, tem surgido como uma área de investigação alternativa. Neste trabalho,
são expostas as principais abordagens na terapêutica para o tratamento da trombose venosa e é dado um
enfoque especial ao estudo desenvolvido no nosso grupo de investigação na procura de pequenas moléculas
com atividade dual anticoagulante e antiagregante plaquetária.
Palavras-chave: Terapêutica anticoagulante, Varfarina, Glicoaminoglicanos sulfatados
Abstract
Anticoagulant therapy was for a long time, limited to the use of heparins and warfarins. Recently, has
been introduced in the market new alternative antithrombotic to this therapy. The availability of an oral of
FXa or thrombin inhibitors has provided relevant clinical results in assays for the prophylaxis of postoperative
venous thrombosis. However, these drugs do not have the polypharmacology of heparins. In this context,
the investigation of small molecules that mimic the functions of the sulfated glycosaminoglycans, without
the drawbacks characteristic of large chain heparins, has emerged as an area of ​​research alternative. In this
work, the major therapeutic approaches for the treatment of venous thrombosis are exposed, and is given a
special focus to the study of our research group in the search for small molecules active dual antiplatelet and
anticoagulant.
Keywords: Anticoagulant therapy, Warfarins, Sulfated glycosaminoglycans
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Introdução
rivaroxabano e o apixabano, também designados de
novos anticoagulantes orais (NOAC).
A hemostase é o nome que se dá ao mecanismo de defesa que, em caso de lesão, permite que
os tecidos sejam reparados, impedindo a perda excessiva de sangue. Este fenómeno, que depende
de interações complexas entre a parede dos vasos,
as plaquetas, as enzimas e os cofatores, é regulado
por diferentes mecanismos que incluem várias fases: constrição do vaso lesado, formação do trombo
plaquetário, formação do coágulo de fibrina (coagulação), seguida pela dissolução do coágulo (fibrinólise)1. Existem vários reguladores do sistema
hemostático; a antitrombina III (ATIII) é o principal
regulador da coagulação inibindo vários fatores intervenientes, nomeadamente o fator Xa (FXa) e o
Figura 1. Agentes anticoagulantes utilizados na terapêutica e os respetivos alvos. (AVK, antagonistas da vitamina
K; HBPM, heparinas de baixo peso molecular; HNF, heparina não fracionada)
fator IIa (FIIa).
Desequilíbrios no sistema hemostático con-
Assim, são apresentadas cada uma das classes
duzem a situações patológicas de trombose ou de
de fármacos anticoagulantes, com referência à clas-
hemorragia2. Cerca de 90% das doenças cardiovas-
sificação química, descrição do mecanismo de ação
culares são causadas por eventos trombóticos e 10%
e principais vantagens e desvantagens.
causadas por eventos hemorrágicos. Geralmente,
Com a revelação de outros mecanismos de
no caso da trombose que ocorre nas artérias (trom-
ação que influenciam a atividade anticoagulante da
bose arterial), onde o sangue é rico em plaquetas,
heparina, esta tornou-se um modelo interessante na
são utilizados agentes antiagregantes plaquetários.
procura de novas alternativas. Assim, no final desta
No caso da trombose que ocorre nas veias (trom-
revisão será dado um especial enfoque a uma nova
bose venosa), onde o sangue é pobre em plaquetas,
classe de compostos em investigação, os polifenóis
são utilizados agentes anticoagulantes. No entanto,
oligossacáridos sulfatados que, nos últimos anos, têm
em certas situações é necessária a sua utilização
sido alvo de estudo pelo nosso grupo de investigação3.
conjunta.
Com a introdução de novos fármacos anti-
Antagonistas da Vitamina K (AVK)
coagulantes com novos mecanismos de ação,
surge a necessidade de efetuar uma revisão da
Os antagonistas da vitamina K (AVK) são usa-
terapêutica anticoagulante. A Figura 1 representa
dos como anticoagulantes há mais de 60 anos4. A
os atuais agentes anticoagulantes utilizados na
descoberta dos AVK surgiu com o aparecimento de
terapêutica e os respetivos alvos. Na terapêutica
uma doença hemorrágica em bovinos, no centro-
de curta duração, profilática ou de emergência,
-oeste dos EUA, na década de 1920, após uma popu-
têm-se utilizado a heparina não fracionada (HNF),
lação de imigrantes ter destruído uma plantação de
as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) ou
gramíneas nativas para construir as suas casas e fa-
o fondaparinux. Em tratamentos prolongados, são
zendas. Esta doença foi atribuída à ingestão de trevo
utilizados os antagonistas da vitamina K (AVK) e,
doce deteriorado, tendo Karl Link conseguido isolar
mais recentemente, o etexilato de dabigatrano, o
a substância responsável pela hemorragia. Este es-
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tudo conduziu à comercialização do dicumarol, em
exemplo pelos polimorfismos da enzima CYP2C9.
1941, e na continuidade, esforços para desenvolver
Adicionalmente, a lista extensa de interações com
um derivado sintético resultaram na obtenção da var-
medicamentos e alimentos ricos em vitamina K,
farina (nome oriundo de Wisconsin Alumni Research
limitam grandemente o seu uso.
Foundation), aprovada para uso médico em 1954.
Os AVK são compostos de baixo peso molecular
Ativadores da antitrombina III (ATIII)
e de natureza não polissacárida, derivados da
4-hidroxicumarina, com um substituinte aromático
Heparina não fracionada (HNF)
volumoso na posição 3 (Figura 2). Estes dois requisitos
estruturais, um substituinte volumoso na posição 3 e
A HNF tem sido utilizada para a prevenção e
o grupo hidroxilo na posição 4, são essenciais para a
tratamento de trombose, desde a década de 19307.
atividade anticoagulante desta classe de compostos.
A HNF é um produto natural, de fontes bovina ou
Os AVK têm propriedades farmacocinéticas e efeitos
porcina, que contem uma mistura de cadeias de
secundários semelhantes entre si , sendo a varfarina
polissacáridos de diferentes tamanhos (número de
o AVK mais frequentemente usado.
resíduos entre 10 e 80) e uma diferente distribuição
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dos grupos sulfato. O peso molecular médio de
15.000, implicando a presença de cerca de 65-85
cargas negativas, em média, por cadeia (Figura 3).
Figura 2. Antagonistas da vitamina K (AVK) em uso clínico.
Os AVK inibem, no fígado, a epóxido redutase da
vitamina K e a carboxilação da vitamina K-dependente
dos fatores de coagulação protrombina, FVII, FIX,
FX. Subsequentemente, os fatores de coagulação
parcialmente carboxilados apresentam um efeito
coagulante
reduzido.
Os
AVK
Figura 3. Heparina não fracionada (HNF).
correspondem
A HNF aumenta significativamente a taxa de
ao tratamento padrão para a profilaxia a longo
inibição, por parte da ATIII, de várias enzimas da
prazo, de acidentes vasculares cerebrais (AVC),
coagulação, incluindo a trombina, o FXa, FIXa, FXIa,
em pacientes com fibrilação atrial. No entanto, os
FXIIa e TF/ FVIIa, sob condições fisiológicas. A trom-
AVK estão associados a um conjunto considerável
bina e o FXa são os mais sensíveis à inibição pelo
de limitações ​​(Tabela 1). Os AVK apresentam uma
complexo HNF/ATIII, sendo este o principal meca-
janela terapêutica estreita, bem como a necessidade
nismo envolvido na ação anticoagulante da HNF8.
de uma monitorização frequente da coagulação e de
Para catalisar a inibição da trombina, a HNF liga-se à
ajustes de dosagem. A hemorragia é o efeito adverso
ATIII, através de uma sequência pentassacárida DE-
mais comum com os AVK . Além disso, estes agentes
FGH, e simultaneamente à trombina. Em contraste,
possuem um efeito lento, quer no aparecimento
para promover a inibição do FXa, a HNF necessita
quer no desaparecimento do efeito anticoagulante,
apenas de se ligar à ATIII através da sua sequência
o que implica a associação de heparinas durante
pentassacárida. As cadeias de HNF contendo 18
a fase inicial do tratamento. O metabolismo dos
unidades sacarídicas são demasiado curtas para se
AVK é afetado por fatores genéticos, ou seja, por
ligarem a ambas, trombina e ATIII e, portanto, não
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podem catalisar a inibição da trombina. No entanto,
estes fragmentos mais curtos de HNF podem catalisar a inibição do FXa. Como quase todas as cadeias
de HNF são de comprimento suficiente para fazer a
Heparinas de baixo peso molecular (HBPM)
ponte da ATIII à trombina, a HNF promove a inibição da trombina e FXa igualmente bem e é atribuída uma proporção de anti-FXa de antitrombina de
1,259. A HNF é um agente parentérico, administrado
para uma série de indicações, nomeadamente, em
quer por via intravenosa ou subcutânea . Geralmente, a HNF tem um início de ação imediato e uma
parnaparina.
7
Nas últimas décadas assistiu-se à introdução
de várias HBPM, que ganharam maior aceitação
pacientes que sofrem de HIT. As HBPM (Figura
4) em uso incluem a enoxaparina, a dalteparina,
a nadroparina, a tinzaparina, a reviparina e a
curta duração de ação, embora a semi-vida biológica
da HNF seja variável e dependente da dose administrada e da via de administração. A administração
intravenosa provoca níveis iniciais elevados, com
um tempo de semi-vida curto (1 hora). A administração subcutânea conduz à libertação lenta de HNF
e tem um efeito equivalente à HNF intravenosa na
profilaxia da trombose.Os problemas da terapêutica com HNF resultam da sua estrutura molecular.
Os extensos fragmentos de cadeias altamente aniónicos são responsáveis por um grande número de
interações com proteínas plasmáticas, o fator 4 das
plaquetas, macrófagos hepáticos, osteoblastos, osteoclastos e células endoteliais. Estas interações
limitam a biodisponibilidade e conduzem a uma
Figura 4. Heparinas de baixo peso molecular (HBPM).
As HBPM derivam da HNF por despolimerização enzimática ou química. Estes derivados correspondem a uma diminuição no peso molecular de
cerca de um terço da HNF (~ 2000-5000 Da; média
resposta anticoagulante altamente variável, sendo
causadoras dos efeitos adversos da HNF​​, tais como,
complicações hemorrágicas, trombocitopenia in-
de 3000 Da) e apenas 25% a 50% das moléculas de
duzida pela heparina (HIT) e o aumento significativo dos valores das transaminases hepáticas11.
A adicionar ao seu caráter polianiónico, a
HNF apresenta milhões de sequências que diferem
umas das outras na posição dos grupos sulfato,
gerando considerável micro-heterogeneidade e
das cadeias de HBPM são demasiado curtas para se
polidispersidade. Essa complexidade estrutural da
HNF ​​também oferece caminhos para utilização em
doping12, como o demonstrado pelos acontecimentos
recentes em que um contaminante13 presente na
de 2:1 a 4:114.
HNF comercial levou a várias mortes nos EUA. Além
disso, a origem animal deste fármaco é uma causa de
preocupação no que diz respeito à contaminação com
caracterizadas, em doses baixas, por possuirem
agentes potencialmente infeciosos de origem vírica.
que a HNF. O risco de desenvolver complicações
10
HPBM contêm um número de sacáridos igual ou superior a 18. Por conseguinte, pelo menos metade
ligarem simultaneamente à trombina e à ATIII. Assim, as HBPM têm menor atividade contra a trombina que a HNF. Em contraste, retêm a ação inibitória
contra o FXa14, apresentando índices de aceleração
da inibição do FXa versus da trombina que variam
Quando comparadas com HNF, as HBPM
apresentam uma reduzida ligação às proteínas do
plasma, plaquetas e outras células. As HBPM são
uma maior biodisponibilidade, um maior tempo de
semi-vida e um efeito dose-resposta mais previsível
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hemorrágicas e incidência de HIT em resposta
O fondaparinux só potencializa a taxa de neu-
à terapêutica com HBPM é diminuído apesar de
tralização de FXa pela ATIII e, ao contrário da HNF e
ainda existir . Quando as HBPM são utilizadas
das HBPM, não inativa a trombina. A inibição seletiva
no tratamento da trombose venosa profunda é
do FXa faz do fondaparinux um anticoagulante me-
observada hepatotoxicidade, definida como a
lhor tolerado do que a HNF e as HBPM. O fondapa-
elevação de transaminases hepáticas maior do que
rinux não tem nenhum efeito conhecido na função
três vezes o limite superior do normal11. As HBPM
plaquetária, atividade fibrinolítica ou no tempo de
ainda são heterogéneas em termos de atividade
hemorragia; o fondaparinux não induz toxicidade
biológica e duração de ação. Cada HBPM tem um peso
hepática16 e, como não se liga ao factor 4 das plaque-
molecular específico que determina a sua atividade
tas, tem sido utilizado com sucesso para tratar doen-
anticoagulante e duração de ação, de modo que
tes com HIT17. O fondaparinux é preferencialmente
cada agente é considerado um medicamento único.
recomendado nas diretrizes recentes para o trata-
Devido ao seu modo de ação dependente da
mento antitrombótico devido à sua eficácia e perfil
ATIII, a HNF e as HBPM não são capazes de inativar a
de segurança favorável, assim como ao facto de se
trombina ligada à fibrina ou o FXa ligado às plaquetas
apresentar numa dose única diária, sem necessidade
ativadas.
de monitorização. No entanto, o fondaparinux man-
14
tém o risco de hemorragia, como o observado nos
Fondaparinux
pacientes tratados com HBPM; no caso de uma hemorragia incontrolável, o FVIIa recombinante pode
As vantagens farmacocinéticas e biológicas das
ser eficaz18.
HBPM relativamente à HNF têm estimulado o inte-
A necessidade de administração parentérica
resse em fragmentos de HNF ainda menores. A des-
subcutânea19 torna o fondaparinux um fármaco in-
coberta, nos anos 1980, de que um domínio de ape-
conveniente e dispendioso. Além disso, o fondapa-
nas cinco resíduos (DEFGH) na HNF ativava a ATIII
rinux não inibe o FXa ligado ao complexo de pro-
para acelerar a inibição do FXa, mas não da trombina,
trombinase e é dependente da ATIII.
conduziu à síntese de uma única sequência pentassacarídica, o fondaparinux (Figura 5). A primeira sín-
Inibidores diretos de fatores de coagulação
tese química do pentassacárido compreendeu mais
de 60 passos e este foi produzido com rendimento
No que diz respeito à inibição direta da coagu-
e pureza suficientes para utilização como fármaco.
lação, foram propostos como alvos a trombina e o
Apesar da sua síntese em larga escala ser realizada
FXa. Os inibidores diretos da trombina e do FXa po-
com sucesso na indústria, ainda hoje compreende
dem ligar-se diretamente à trombina e ao FXa, res-
várias etapas. O fondaparinux chegou ao mercado
petivamente, enquanto que os inibidores indiretos
nos EUA e na Europa em 200215.
são dependentes da ATIII. Estes fármacos inibidores
diretos de trombina e de FXa formam uma grande
classe de reguladores da coagulação que são considerados superiores às heparinas uma vez que inibem
ambas as enzimas circulantes e ligadas ao coágulo20.
No entanto, carecem dos efeitos polifarmacológicos
das heparinas, nomeadamente das suas proprieda-
Figura 5. Fondaparinux.
des anti-inflamatórias, antiangiogénicas, etc.
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Inibidores diretos da trombina (IDT)
Os inibidores diretos da trombina (IDT) ligam-se à trombina e bloqueiam a sua interação com os
seus substratos, a formação de fibrina e a ativação de
plaquetas e dos FV, FVIII, FXI e FXIII21.
A trombina é o agonista mais potente da ativação das plaquetas. Através da ativação dos receptores ativados por protease (PAR), presentes na superfície das plaquetas, conduz à libertação de grânulos
e à agregação das plaquetas através dos receptores
GPIIb/IIIa. Assim, anticoagulantes que inibem a atividade da trombina reduzem a ativação plaquetária
através dos receptores PAR. Estes fármacos também podem inibir as vias intracelulares de transdução do sinal induzidas pela trombina, incluindo
a ativação das plaquetas induzida pela trombina.
Existem dois tipos de IDT, dependendo da interação que estabelecem com a molécula de trombina.
Figura 6. Inibidores diretos da trombina (IDT) parenterais. A. Hirudina ligada à trombina (imagem de PDB;
4HTC). B. Estrutura do argatrobano.
Os IDT bivalentes (hirudina, lepidurina, bivalirudi-
boembolismo venoso, o ximelagatrano demonstrou
na) ligam-se tanto ao local ativo como ao exosítio
ser mais eficaz ou comparável à varfarina23. No en-
1, enquanto que os IDT univalentes (argatrobano,
tanto, o uso deste fármaco foi suspenso em 2006
melagatrano, dabigatrano) ligam-se apenas ao lo-
devido a toxicidade hepática observada24. Em março
cal ativo. A hirudina, a lepidurina, a bivalirudina e
de 2008, um segundo inibidor direto da trombina
o argatrobano são IDT de administração parenteral.
por via oral, o etexilato de dabigatrano (Figura 7),
A hirudina é um péptido de origem natural pro-
foi aprovado para comercialização na Europa25.
veniente das glândulas salivares de sanguessugas
(tais como Hirudo medicinalis) (Figura 6 A). A bivalirudina é uma forma quimicamente derivada da
hirudina e a lepidurina uma forma recombinante
da hirudina. O argatrobano é uma pequena molécula inibidora direta da trombina (Figura 6 B). Os
IDT parenterais são geralmente reservados para o
tratamento de pacientes com HIT. A principal limitação da sua ação é a ocorrência de hemorragias22.
Figura 7. Inibidores diretos da trombina (IDT) e respetiva bioativação.
O primeiro IDT disponível (2003-2006) para
O etexilato de dabigatrano é um duplo pró-fár-
uso clínico por via oral foi o ximelagatrano (Figu-
maco que, após administração oral, é rapidamente
ra 7), um pró-fármaco do melagatrano. O apareci-
absorvido e por hidrólise, catalisada por esterases
mento deste medicamento representou um grande
no plasma e fígado, convertido na sua forma ativa,
avanço em relação aos AVK orais existentes, pois não
o dabigatrano (Figura 7). Este novo anticoagulante
exigia monitorização ou ajuste de dose . Em ensaios
não apresenta os problemas dos AVK, no que con-
clínicos para o tratamento e prevenção de trom-
cerne as interações com medicamentos e/ou ali-
23
Estado da arte na terapêutica anticoagulante: Novas abordagens
11
mentos. Há que referir a possibilidade de aumen-
nal com AVK está contra-indicado, foi descrito re-
to de hemorragia com o uso concominante com
centemente30.
fármacos que bloqueiam a agregação plaquetária,
como os anti-inflamatórios não esteróides. Por outro lado, o etexilato de dabigatrano é um substrato
da glicoproteina P, pelo que inibidores desta bomba
de efluxo reduzem a sua eficácia (ex. amiodarona,
cetoconazol, quinidina).
Inibidores diretos do FXa
Figura 8. Inibidores diretos do FXa: rivaroxabano e
apixabano.
Na Tabela 1 são resumidas as principais vantaO FXa é o local primário de amplificação no
processo da coagulação: uma molécula de FXa cata-
gens e desvantagens dos anticoagulantes de utilização clínica.
lisa a formação de cerca de 1000 moléculas de trombina26. Os inibidores de FXa inibem a formação de
trombina, de forma potente e seletiva, em vez da
Em investigação: nova classe de polifenóis oligossacáridos sulfatados
atividade da trombina. Por esta razão, o desenvolvimento de fármacos que inibam o FXa é uma estra-
Embora existam substâncias úteis na terapêu-
tégia promissora na investigação farmacêutica. Uma
tica, há ainda muito a fazer no sentido de se obte-
vez que a intervenção do FXa fora da coagulação é
rem agentes mais eficazes e com menos efeitos se-
menor do que a da trombina, estes inibidores têm
cundários. Uma lição importante que surgiu a partir
uma janela terapêutica mais larga do que os inibido-
dos numerosos ensaios antitrombóticos é que só o
res da trombina e, aparentemente, não conduzem,
aumento da potência antitrombótica por si só não
após a interrupção, à hipercoagulabilidade, regular-
garante necessariamente um maior benefício clíni-
mente observada após a paragem dos inibidores de
co e, em geral, as abordagens com antitrombóticos
trombina.
potentes devem ser reservadas para pacientes de
O rivaroxabano é um derivado da oxazolidona
alto risco. A ocorrência de hemorragias representa
(Figura 8), um inibidor direto competitivo do FXa e
o fator mais importante que influencia a terapêutica
altamente seletivo, que foi aprovado, em setembro
a longo prazo e o benefício clínico global da tera-
de 2008, na Europa, para a prevenção do tromboem-
pêutica antitrombótica. A principal preocupação em
bolismo venoso em pacientes submetidos a cirurgia
relação aos fármacos antitrombóticos existentes re-
ortopédica27, 28. O rivaroxabano não apresenta intera-
laciona-se com a janela terapêutica e a necessidade
ções com alimentos, como os AVK; no entanto, pos-
de monitorização. Assim, os principais desafios no
sui interações com alguns medicamentos inibidores
desenvolvimento destes inibidores, incluem atingir
da glicoproteína P, inibidores da protease e com
uma afinidade de ligação para as enzimas da coagu-
inibidores potentes do CYP3A4 (ex. rifampicina).
lação que não esteja associada com um efeito he-
Em maio de 2011, outro inibidor oral do FXa,
morrágico excessivo e evitar a toxicidade hepática.
o apixabano (Figura 8), foi aprovado na Europa para
Numerosas substâncias com atividade anti-
a prevenção de tromboembolismo venoso após ar-
trombótica com ação em vários outros alvos, no-
troplastia eletiva da anca ou joelho29. O sucesso do
meadamente no co-fator da heparina (HCII), proteí-
apixabano na prevenção de AVC em pacientes com
na C, FIX, FVII, FXIa31-33, encontram-se atualmente
fibrilação atrial, nos quais o tratamento convencio-
em diferentes etapas de desenvolvimento.
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Estado da arte na terapêutpica antigoagulante: Novas abordagens
Tabela 1. Agentes anticoagulantes na terapêutica
AdministraçãoVantagens
Desvantagens
Antídoto
ATIVAÇÃO DA ATIII HNF i.v.
Rápido
(2 ou 3 vezes por dia) início/fim de ação Pode ser usada na gravidez
HBPM
s.c.
Não requer
(2 ou 3 vezes por dia)
monitorização
Fondaparinux
s.c.
Não requer
(1 vez por dia)
monitorização
Origem sintética Não se observa HIT
AdministraçãoVantagens
Administração parenteral Depende da ATIII
Origem animal
Complicações hemorrágicas
Monitorização
HIT severa (4-5 dias)
Ativação plaquetária
Administração parenteral Depende da ATIII
Origem animal
Complicações hemorrágicas
Risco de HIT
Administração parenteral Depende da ATIII
Complicações hemorrágicas
em pacientes com insuficiência
renal
Desvantagens
Sulfato de protamina
Sulfato de protamina FVIIa recombinante
Antídoto
AVK
Varfarina
oral
Administração Início de ação lento
Vitamina K
(1 vez por dia)
oral Complicações hemorrágicas
Plasma fresco
Tratamento prolongado
Requer monitorização
Teratogénico
FIX/protrombina
Baixo custo
Polimorfismo
Interações com medicamentos
e alimentos
IDT
Hirudina, i.v.
Não se observa HIT Administração parenteral Sem antídoto
Lepirudina,
Episódios hemorrágicos graves
Bivalirudina
Argatrobano Etexilato de
oral
Administração
Experiência clínica reduzida
Sem antídoto
dabigatrano
(2 vezes por dia)
oral
INIBIDORES DIRETOS DO FATOR Xa Rivaroxabano
oral
(1 vez por dia)
Apixabano
oral
(2 vezes por dia)
Rápido
Experiência clínica reduzida início/fim de ação
Resposta previsível
Interações com
medicamentos e alimentos
pouco relevantes
Rápido Experiência clínica reduzida
início/fim de ação
Resposta previsível
Interações com
medicamentos e alimentos
Sem antídoto
Sem antídoto
Legenda: HBPM, heparinas de baixo peso molecular; AVK, antagonistas da vitamina K; IDT, inibidores diretos da trombina; i.v., intravenoso; s.c.,
subcutâneo; HIT, trombocitopenia induzida pela heparina.
Estado da arte na terapêutica anticoagulante: Novas abordagens
13
No entanto, na última década, com a descober-
como venotrópicos, nomeadamente, a diosmina
ta de um conjunto de mecanismos envolvidos na ati-
(D), a hesperidina (H), a rutina (R) e a etoxirutina
vidade anticoagulante da HNF , vários esforços têm
(ER) 41, bem como uma série de outras moléculas
sido dirigidos na procura de miméticos da heparina,
pertencentes a outras classes químicas (Figura 9),
mas que apresentem uma composição bem definida,
por serem utilizadas como nutracêuticos ou suple-
síntese eficaz, menores efeitos secundários e uma
mentos nutricionais, pelas suas propriedades anti-
resposta terapêutica previsível, sem necessidade de
-inflamatórias e antioxidantes, como por exemplo, o
monitorização. Podem destacar-se, nomeadamente,
glucosídeo de trans-resveratrol (SB), a mangiferina
as tentativas de obtenção de heparina totalmente
(M), etc42, 43.
34
sintética, de oligossacáridos miméticos da heparina35-37, bem como tentativas de desenvolvimento de
formulações de heparina oralmente ativa38.
No nosso grupo de investigação temos vindo a
desenvolver nos últimos anos pequenas moléculas
com atividade antitrombótica no sentido de mimetizar as funções dos anticoagulantes polissacáridos
sulfatados da terapêutica39.
Assim, foram definidas três caraterísticas estruturais essenciais: i) possuir grupos sulfato, necessários para a atividade anticoagulante; ii) ser uma
Figura 9. Matérias-primas selecionadas para sulfatação.
pequena molécula que, relativamente às macromo-
Os derivados polissulfatados (Figura 10) foram
léculas da terapêutica, corresponda a uma estrutura,
obtidos por um processo sintético mais simples que
do ponto de vista de síntese, mais acessível, conten-
o utilizado para o fondaparinux (podendo mesmo
do um menor número cargas negativas e um caráter
ser efetuado numa só etapa a partir das respetivas
mais hidrofóbico, no sentido de minimizar os seus
matérias-primas), com rendimentos superiores a
efeitos secundários; iii) e possuir uma porção glico-
80%41-43.
sídica que consinta aplicar o princípio da extensão
molecular e aumentar o número de cargas negativas
permitindo assim o reconhecimento molecular caraterístico dos anticoagulantes polissacarídicos.
Assim, foi selecionado um conjunto de pequenas moléculas glicosiladas, que se encontrasse na
terapêutica, para submeter a modificação molecular
por sulfatação. Isto porque a probabilidade de com-
Figura 10. Alguns exemplos de novas pequenas moléculas
sulfatadas sintetizadas com propriedades anticoagulantes.
postos que resultem de modificações moleculares
de agentes terapêuticos já existentes poderem tam-
No que diz respeito aos tempos clássicos de
bém virem a ser utilizados em humanos é elevada.
coagulação, todos os compostos polissulfatados pro-
Como já dizia Sir James Black, prémio Nobel em fi-
longaram os tempos de coagulação in vitro, em con-
siologia e medicina (1988): “A forma mais proveito-
tacto com plasma humano, e dentro de cada classe
sa para a descoberta de novos fármacos é começar
química foi possível observar uma relação estrutura-
com fármacos já existentes” . Pelo exposto, foram
-atividade que evidenciou a importância do número
selecionados flavonóides utilizados na terapêutica
de grupos sulfato41-43. O tempo de tromboplastina
40
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
14
Estado da arte na terapêutpica antigoagulante: Novas abordagens
parcial ativado (APTT) e o tempo de protrombina
da ATIII41. A xantona XGS apresentou um perfil dife-
(TP) foram os testes que apresentaram maior sen-
rente exercendo atividade inibidora do FXa tanto na
sibilidade à presença dos compostos sulfatados. Os
presença como na ausência de ATIII43.
compostos mais potentes foram a rutina persulfatada (RS)
A agregação plaquetária foi também avaliada
e a 3,6-(O-β-D-glucopiranosil)xantona
na presença dos compostos sulfatados, em sangue
persulfatada (XGS)43 (Figura 10), tendo duplicado o
total, através da medição dos tempos de oclusão
APTT numa concentração da ordem dos micromolar.
do colagénio/5’-difosfato de adenosina (COL/ADP)
No entanto, com concentrações mais altas, os com-
e colagénio/epinefrina (COL/EPI) e por agregome-
postos ERS, RS , MS e XGS interferiram também
tria por impedância elétrica induzida pelo péptido
com o tempo de trombina (TT). Os tempos clássicos
de ativação do receptor de trombina (teste TRAP),
de coagulação, após a administração intraperitoneal
pelo ácido araquidónico (teste ASPI) e pelo 5’-di-
em ratinhos, foram também avaliados para três dos
fosfato de adenosina (teste ADP). Ambos os tempos
compostos polissulfatados (DS, RS, MS) 41, 43, tendo
de oclusão COL/ADP e COL/EPI apresentaram-se
sido observado um prolongamento do APTT para ní-
prolongados na presença dos flavonóides polis-
veis terapêuticos (2,5-3 vezes superior ao valor nor-
sulfatados ERS e RS41, do resveratrol persulfatado
mal do APTT) logo após 30 minutos. Os compostos
SBS42, e da xantona glicosilada persulfatada XGS43.
demonstraram provocar uma hipocoagulação com
Na presença das diosmina e hesperidina hexasulfa-
duração de ação adequada, uma vez que, após 120
tadas (DS e HS)41 e da mangiferina heptasulfatada
minutos, os tempos de coagulação ainda se encon-
(MS) 43, o tempo de oclusão COL/EPI permaneceu
travam prolongados. Os níveis das necroenzimas he-
dentro dos valores normais enquanto o tempo de
páticas foram também avaliados ao longo do ensaio
oclusão COL/ADP foi alterado, sendo este um perfil
in vivo e não foram observados sinais de hepatoto-
característico por exemplo, do clopidogrel. Alguns
xicidade.
compostos sulfatados, DS, ERS, RS, HS, SBS, MS e
41
41
43
A capacidade anticoagulante dos compostos
DS, ERS, RS, HS, SBS, MS e XGS
XGS, inibiram a agregação plaquetária induzida pelo
, na presença de
ácido araquidónico (teste ASPI), à semelhança do
sangue total humano foi avaliada por tromboelasto-
ácido acetilsalicílico, e pelo 5’-difosfato de adenosi-
grafia, tendo o tromboelatograma apresentado um
na (teste ADP).
41-43
perfil de hipocoagulação, sem sinais de fibrinólise.
A descoberta que os compostos DS, ERS, RS,
Relativamente ao possível mecanismo de ação
HS, SBS, MS e XGS apresentavam simultaneamente
justificativo da atividade anticoagulante, nenhum
atividades anticoagulante e antiagregante plaquetá-
dos compostos apresentou qualquer influência so-
ria, aumentou as expectativas relativamente aos seus
bre a atividade da trombina, mesmo na presença de
benefícios clínicos. Este tipo de perfil é vantajoso
ATIII. No entanto, alguns derivados sulfatados, DS,
relativamente à terapêutica de combinação de um
HS, ERS, RS, MS e XGS, mostraram seletividade para
anticoagulante e um antiagregante plaquetário, pela
o FXa (direta ou indiretamente) tendo sido observa-
sua farmacocinética menos complexa, pela probabi-
das algumas características interessantes de relação
lidade de incidência mais baixa de efeitos colaterais
estrutura-atividade, no que se refere à classe química
e pela menor exigência em fase de estudos clínicos.
e à posição do açúcar: enquanto que os flavonóides
Assim, os compostos sintetizados podem ser úteis
polissulfatados 3-rutinosídeos ERS e RS41 e a man-
concomitantemente na trombose arterial como na
giferina sulfatada MS43 foram inibidores diretos do
venosa, podendo vir, por isso, a constituir uma nova
FXa, os flavonóides polissulfatados 7-rutinosídeos
abordagem na prevenção e tratamento das doenças
DS e HS foram inibidores do FXa através da ativação
cardiovasculares39.
Estado da arte na terapêutica anticoagulante: Novas abordagens
15
cífico para utilização quando é necessária a reversão
Conclusão e perspetivas futuras
urgente parece ser um problema mais teórico do
A introdução das HBPM e do fondaparinux sim-
que prático, devido ao tempo de semi-vida relativa-
plificou a terapêutica anticoagulante parenteral e
mente curto do etexilato de dabigatrano e do rivaro-
estes agentes têm substituído a HNF para muitas in-
xabano. Assim, apesar das previsões otimistas sobre
dicações. Inesperadamente, foi provado que o pen-
a utilidade superior dos novos anticoagulantes orais
tassacárido sintético, fondaparinux, produz grandes
emergentes, a sua utilização terapêutica está longe
problemas de hemorragia em doses mínimas . As-
de ser a ideal47. Há que considerar o elevado cus-
sim, a sua utilização tem sido reservada apenas para
to que implicam para o paciente e mesmo para o
casos de desenvolvimento de HIT.
Sistema Nacional de Saúde se a todos os doentes
44
O desenvolvimento de novos anticoagulantes
orais para substituir os AVK em ambulatório em tra-
medicados com varfarina fossem prescritos indiscriminadamente os NOAC.
tamentos prolongados de doenças trombóticas tem
Assim, a procura de novas alternativas para a
sido mais lento do que o dos agentes parenterais.
terapêutica antitrombótica continua. A heparina pa-
Os AVK, como a varfarina, apresentam a vantagem
rece continuar a desempenhar um papel central nas
da administração oral, mas devido ao seu início de
principais linhas de investigação que poderão fazer
ação lento, não dispensam administração dos anti-
chegar, no futuro, à terapêutica anticoagulante, uma
coagulantes citados anteriormente, na fase inicial do
heparina totalmente sintética, uma heparina oral-
tratamento. Para além disso, apresentam várias inte-
mente ativa, ou pequenas moléculas polissulfatadas
rações com medicamentos e alimentos e originam
que mimetizem as funções das heparinas.
respostas com grande variabilidade inter-individual,
requerendo monitorização da resposta terapêutica,
Agradecimentos
o que conduz frequentemente à falta de adesão do
doente. Com o objetivo de ultrapassar estas desvan-
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT),
tagens, desenvolveram-se os NOAC. Foram introdu-
PEst-OE/SAU/UI4040/2011, FEDER, POCI, POPH,
zidos na terapêutica para uso oral quer agentes ini-
FSE, QREN pelo financiamento e pela bolsa de pós-
bidores do FXa quer inbidores da trombina que têm
-doutoramento a Marta Correia da Silva (SFRH/
proporcionado resultados clínicos impressionantes
BPD/81878/2011).
nos ensaios para a profilaxia de trombose venosa pós-operatória. Estes não requerem monitorização nem
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o caso dos AINEs
Castel-Branco, M. M.1,2, Santos, A. T. 1, Carvalho, R. M.3, Caramona, M. M.1,2, Santiago, L. M.3,4,
Fernandez-Llimos, F.5,6, Figueiredo, I. V.1.
(1) Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Pólo das Ciências da Saúde, Azinhaga de Santa Comba,
3000-548 Coimbra, Portugal.
(2 )Centro de Estudos Farmacêuticos (CEF), Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Portugal.
(3) USF Topázio, ARS do Centro, Portugal.
(4) Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, Portugal.
(5)Departamento de Sócio-Farmácia, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa, Portugal.
(6) Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal.
Autor correspondente:
Isabel Vitória Figueiredo – Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos
Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Pólo das Ciências da Saúde, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra, Portugal.
Tel: +351 239 488 400/430 – Fax: +351 239 488 503 – [email protected]
Resumo
A polimedicação aumenta o risco de reações adversas, interações e uso incorreto dos medicamentos.
Nos idosos é bastante prevalente, potenciando ainda mais os problemas relacionados com os medicamentos, uma vez que estes também resultam das alterações fisiológicas e multimorbilidades do envelhecimento.
Sabendo que os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são fármacos muito usados pelos idosos, foram
objetivos deste trabalho caracterizar potenciais interações entre AINEs prescritos e a restante medicação em
idosos e criar uma lista de recomendações relacionadas com a monitorização destes doentes, de modo a
evitar ou detetar precocemente tais interações.
Análise retrospetiva dos dados referentes à medicação prescrita de uma amostra de idosos de uma
Unidade de Cuidados de Saúde Primários (Centro de Saúde de Eiras, Coimbra, Portugal) presentes numa
consulta médica entre 2 e 16 de janeiro de 2012.
Foram revistos os regimes farmacoterapêuticos de 29 doentes a tomar pelo menos 1 AINE, cerca de
3 meses antes da recolha de dados, num total de 37 AINEs prescritos. Foram encontradas 123 interações
moderadas e 2 minor. As principais interações ocorreram entre AINEs e diuréticos (17,6%), antagonistas dos
recetores da angiotensina (14,4%), bloqueadores da entrada do cálcio (12,0%) e inibidores da enzima de conversão da angiotensina (8,8%). A prevalência de interações entre AINEs foi de 12,8%. Elaborou-se uma lista de
recomendações para monitorização dos doentes quando não se podem evitar as ditas interações. Estas interações devem ser tidas em conta no momento da prescrição e cedência de AINEs, pois podem desencadear
efeitos negativos tais como alterações renais e aumento da pressão arterial.
O farmacêutico pode desenvolver um papel relevante em serviços como a revisão da medicação, para
identificar estas interações potenciais, ou no acompanhamento farmacoterapêutico, na gestão destas situações quando devidamente identificadas. Salienta-se a importância da interação positiva com a Medicina Geral
e Familiar para a segurança e a eficiência das terapêuticas.
Palavras-chave: Idosos; Serviços farmacêuticos clínicos; Polimedicação; Interações medicamentosas;
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs).
20
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
Abstract
Polypharmacy – a frequent situation found among the elderly, related to their physiological changes and
multiple morbidities – increases the risk of adverse reactions, interactions, drugs misuse and drug-related
problems. Knowing that non-steroidal anti-inflammatory drugs (NSAIDs) are widely used among the elderly,
the aims of the present study were to assess the potential interactions that may occur between prescribed
NSAIDs and other drugs and to create a list of recommendations for monitoring elderly patients taking
NSAIDs, in order to prevent or minimize those negative outcomes.
With this purpose, a retrospective study was performed at Centro de Saúde de Eiras (Coimbra, Portugal). The study involved the systematic analyses of the medication regimens of a sample of elderly patients
selected from the elderly population of this primary health care unit. Eligible subjects were patients aging 65
or more years and at least with one NSAID included in their therapeutic schemes in the last three months.
A total of 37 prescribed NSAIDs were found in the 29 patients of the sample. 125 potential NSAID-drug
interactions were found: 2 minor and 123 moderate. Most interactions occurred between NSAIDs and antihypertensive drugs, such as diuretics (17.6%), angiotensin receptor blockers (14.4%), calcium channel blockers (12.0%) and angiotensin converting enzyme inhibitors (8.8%). The prevalence of interactions between
NSAIDs was 12.8%. These interactions can cause adverse effects with particular manifestations in the elderly,
such as renal impairment and increased blood pressure.
The pharmacist can develop a relevant role in services such as medication review, to identify these potential interactions, or pharmacotherapy follow-up, in the management of these situations when properly
identified. Stresses the importance of positive interaction with General and Family Practice for the safe and
efficiency of therapies.
Keywords: Elderly; Clinical pharmacy services; Polypharmacy; Drug interactions; Non-steroidal antiinflammatory drugs (NSAIDs).
Introdução
O envelhecimento progressivo da população
é uma problemática muito relevante no mundo
ocidental. Segundo os resultados dos Censos 2011
realizados em Portugal, 19% da população tem 65
ou mais anos de idade, ultrapassando os 2 milhões
de portugueses1. O envelhecimento é um processo
inevitável caracterizado pelo declínio das funções
fisiológicas e uma diminuição da facilidade em se
adaptar a alterações externas. De facto, o idoso é,
por definição, um indivíduo física, psíquica e socialmente diminuído e que, quando sofre uma alteração fisiológica, repõe o equilíbrio mais lenta e
dificilmente. No entanto, a idade cronológica nem
sempre reflete a “idade funcional”, tornando este
um grupo heterogéneo e difícil de tratar. Acresce a
isto que cada vez mais os idosos sofrem de múltiplas
doenças, muitas delas crónicas e, associadas a estas,
surge muitas vezes a polimedicação2.
Todo o regime terapêutico tem como objetivo a
cura de uma determinada doença, a redução ou eliminação da sintomatologia, o controlo da doença, o
retardar da sua progressão ou ainda a prevenção da
mesma. Um regime terapêutico pode considerar-se
ótimo quando resolve uma situação aguda, mantém
a saúde em geral ou previne o seu declínio. Contudo, estes três pontos são, por vezes, difíceis de atingir na população idosa, devido às multimorbilidades
e polifarmacoterapia. O uso de vários medicamentos em simultâneo pode ser benéfico no tratamento de múltiplas doenças, mas aumenta também o
risco de ocorrência de reações adversas e torna a
manutenção à terapêutica mais difícil. Em situações
de polifarmacoterapia, surgem por vezes casos de
duplicação da terapêutica, diminuição da qualidade
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
de vida e custos financeiros desnecessários. Com o
aumento do número de fármacos, aumenta também
o risco de ocorrência de interações entre estes. Nalguns casos torna-se mesmo difícil distinguir se um
determinado sintoma resulta do processo de envelhecimento, de doenças associadas ou se é um efeito adverso resultante da terapêutica2-4.
De entre as doenças mais comuns nos idosos
encontram-se a hipertensão, a doença cardíaca, o
cancro, a diabetes, a sinusite e a osteoartrite. A osteoartrite ou artrose é uma doença que afeta as articulações, sendo responsável por mais de dois terços
das queixas relativas à dor nos idosos. A osteoartrite
ocorre quando a cartilagem das articulações fica danificada e gasta, causando rigidez, dores e perda de
movimento na articulação afetada. A dor persistente
pode influenciar a capacidade de realizar atividades
diárias e diminui a qualidade de vida dos doentes,
podendo resultar em ansiedade, depressão, insónia
e dificuldades de concentração. A idade e a obesidade são dois dos principais fatores de risco associados a esta doença. Normalmente é uma doença
que afeta as pessoas com mais de 50 anos, sendo
mais comum nas mulheres do que nos homens. As
articulações mais afetadas são as dos joelhos, anca,
região lombar e mãos. Os sintomas mais comuns
são a dormência matinal, rigidez, inflamação (com
edema), dor e/ou movimentação limitada nas áreas
afetadas. Não havendo uma cura conhecida para a
osteoartrite, o tratamento baseia-se na diminuição
da dor, aumento da mobilidade nas articulações e
aumento da qualidade de vida4.
Os Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs)
têm sido utlizados como opção terapêutica para a diminuição da dor. São medicamentos massivamente
prescritos, sendo um dos grupos terapêuticos mais
utilizado a nível mundial. São também muito utilizados em situações de automedicação e estima-se
que a sua utilização por pessoas com idade superior a 60 anos se encontra entre os 40% e os 60%. O
seu mecanismo de ação baseia-se na inibição de um
grupo de enzimas, as ciclooxigenases (COXs), responsáveis pelo metabolismo do ácido araquidónico
em prostaglandinas, o que confere a estes fármacos
duas ações farmacológicas determinantes para o
21
seu uso na diminuição dos sintomas da osteoartrite: ação anti-inflamatória e ação analgésica (as prostaglandinas são mediadores pró-inflamatórios que
favorecem a vasodilatação prolongada, aumentam o
fluxo sanguíneo e potenciam a ação de substâncias,
como bradicinina, histamina e serotonina, capazes
de aumentar a permeabilidade vascular e ativar as
terminações nervosas)5,6.
Apesar de todos os efeitos benéficos que os
AINEs apresentam, a maior parte dos doentes não
tem a perceção do risco da sua utilização e dos potenciais efeitos adversos que este grupo de medicamentos origina, para além das interações possíveis
com inúmeros fármacos – estima-se que, de entre
os efeitos adversos que ocorrem, cerca de 25% se
devem aos AINEs6.
Vários dos serviços farmacêuticos clínicos –
entre os quais a revisão da medicação e o acompanhamento farmacoterapêuticos – têm como
componente crucial uma avaliação aprofundada
da farmacoterapia. Sabendo que a avaliação da farmacoterapia tem como finalidade permitir que os
medicamentos que um dado doente toma atinjam
os objetivos terapêuticos previamente definidos
(efetividade) sem agravarem ou gerarem novos problemas de saúde (segurança)7, foram objetivos deste trabalho identificar, numa amostra de idosos de
uma unidade de cuidados de saúde primários, as potenciais interações existentes entre AINEs prescritos
e a restante medicação habitual, bem como elaborar uma lista de recomendações clínicas relacionada
com a monitorização destes doentes, de forma a evitar ou detetar precocemente tais interações.
Metodologia
Análise retrospetiva dos dados referentes à medicação prescrita de uma amostra de idosos de uma
Unidade de Cuidados de Saúde Primários (Centro de
Saúde de Eiras, Coimbra, Portugal) presentes numa
consulta médica entre 2 e 16 de janeiro de 2012.
A amostragem foi feita após a subdivisão dos
idosos de acordo com a sua faixa etária: 65-70 anos,
71-75 anos, 76-80 anos e 81-85 anos. Formaram-se,
por conseguinte, quatro grupos, não necessariaActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
22
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
mente com o mesmo número de doentes por grupo.
Foi posteriormente recolhida, de forma aleatória, a
medicação prescrita de 25% do total de doentes de
cada grupo.
Os dados foram recolhidos tendo como critérios de inclusão dos doentes: a) a prescrição de, pelo
menos, um AINE; b) AINEs administrados apenas
por via oral ou por via intramuscular; c) AINEs prescritos a partir de outubro de 2011 (cerca de 3 meses
antes da recolha de dados), quer tenham resultado
de uma renovação dos medicamentos já prescritos
ou de medicamentos introduzidos recentemente no
regime terapêutico de cada doente.
Após a recolha dos dados identificaram-se os
AINEs mais prescritos e procuraram-se possíveis interações entre os AINEs e os restantes medicamentos prescritos, interações essas que foram posteriormente analisadas e contabilizadas. Para efetuar esta
análise recorreu-se a uma ferramenta disponível
online para qualquer profissional de saúde – o “sítio” Drugs.com8. Este “sítio” fornece rapidamente
informações concisas sobre os medicamentos disponíveis, incluindo possíveis interações que possam
ocorrer entre eles. Todas as interações indicadas em
Drugs.com foram validadas através da análise do
mecanismo de ação e/ou da farmacocinética de cada
fármaco. Foi considerada a classificação disponibilizada pelo Drugs.com referente aos tipos de interações existentes:
Interação minor: interação com significado clínico mínimo / procurar minimizar os riscos associados a este tipo de interação considerando a troca
por um fármaco alternativo, tentar diminuir os fatores de risco que potenciam a interação e/ou estabelecer um plano de monitorização.
Interação moderada: interação com algum significado clínico / de uma forma geral, tentar evitar
a combinação dos dois fármacos envolvidos na interação e, se forem mesmo necessários, utilizá-los
apenas sob circunstâncias especiais.
Interação major: interação com um significado clínico elevado / evitar o uso concomitante dos
dois fármacos envolvidos na interação uma vez que,
na maior parte das vezes, o risco ultrapassa o benefício.
Por fim, criou-se uma lista de recomendações
relacionadas com a monitorização dos doentes idosos a quem foram prescritos AINEs, de forma a evitar
ou detetar precocemente as interações identificadas. Essa lista foi elaborada tendo em consideração
os fármacos e a potencial interação entre eles, apresentando uma coluna referente à explicação detalhada da interações e outra referente à recomendação
prática ao profissional de saúde, tanto ao que prescreve como a todo o que integra a equipa de saúde
que cuida dos doentes.
Resultados
A Tabela 1 apresenta o número total de doentes
idosos do Centro de Saúde de Eiras, Coimbra, divididos por quatro faixas etárias, o número de doentes
incluídos na amostra de modo aleatório e o número
de doentes que cumpriam os critérios de inclusão,
divididos pelos mesmos subgrupos etários.
Tabela 1. Composição da amostra de estudo
Faixa etária
Nº total
5%
N.º de doentes
de doentes
dos doentes incl. no estudo
65 – 70 anos
112
28
5
71 – 75 anos
174
44
11
76 – 80 anos
111
29
8
81 – 85 anos
82
21
5
Total
479122 29
Na revisão dos regimes terapêuticos prescritos
dos 29 idosos incluídos no estudo identificaram-se
37 AINEs, o que, em termos percentuais, corresponde a 75,86% da amostra a tomar apenas um AINE
contra 24,14% a tomar dois ou mais AINEs em simultâneo.
De entre a variedade de AINEs utilizados, sobressaem três subgrupos terapêuticos como tendo sido
os mais prescritos: os derivados do ácido propiónico
(M01AE) (29,72%), onde se incluem o ibuprofeno, o
naproxeno, o cetoprofeno e o flurbiprofeno; os derivados do ácido acético (M01AB) (21,63%), como o
diclofenac e o aceclofenac; e os inibidores seletivos
da COX-2 (M01AH) (18,92%), como o etoricoxib e
o celecoxib. A nimesulida, derivado sulfanilamídico
(M01AX17), representou 13,51% das prescrições de
AINEs. Em menor quantidade foram prescritos os
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
oxicams (M01AC) (8,11%), que englobam o tenoxicam e o meloxicam, e os derivados do indol e do
indeno (M01AB) (8,11%), como a acemetacina e o
etodolac (Figura 1).
A análise das interações segundo a metodologia descrita originou um total de 125 interações,
23
tendo 2 sido classificadas como minor e as restantes
123 tendo sido classificadas como moderadas. A Figura 2 mostra a prevalência das interações entre os
AINEs e os restantes fármacos de diferentes grupos
farmacoterapêuticos.
Figura 1. Prevalência dos AINEs prescritos
Figura 2. Prevalência das interações AINE – fármaco. (ARAs – antagonistas dos recetores da angiotensina; AINEs
– anti-inflamatórios não esteroides; BECs – bloqueadores da entrada de cálcio; iECAs – inibidores da enzima de conversão da angiotensina; AAS – ácido acetilsalicílico (100 mg)).
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
24
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
A Tabela 2 corresponde à lista de recomendações elaborada para os profissionais de saúde que,
de alguma forma, cuidam do doente idoso que toma
AINEs. Depois de identificado o par de fármacos envolvido na potencial interação, descreve-se o meca-
nismo farmacodinâmico e/ou farmacocinético que
suporta a dita interação e apresentam-se recomendações muito concretas de monitorização destes
doentes, de modo a que eles possam retirar o máximo benefício da sua medicação com o mínimo risco.
Tabela 2 – Mecanismos das interações, potenciais efeitos adversos e recomendações encontradas para cada tipo de interação3,5,9.
Fármacos envolvidos
e tipo de interação
AINE ↔ AINE
Interação Moderada
AINE ↔ BEC
Interação Moderada
AINE ↔ IECA/ARA
Interação Moderada
AINE ↔ Diurético
Interação Moderada
Interações
Recomendações
A COX-1 é constitutiva e encontra-se na maior parte dos tecidos, sendo responsável
pela produção de níveis basais de prostaglandinas (PGs), que se encarregam do correto funcionamento renal, da integridade da mucosa gástrica e da hemostase, entre
outros. A COX-2, embora também seja constitutiva nalguns tecidos (cérebro, rim, ossos e cartilagens), expressa-se principalmente por estimulação das células que estão
envolvidas na inflamação, sendo por isso uma enzima “inflamatória ou indutível”. Os
AINEs, ao inibirem a atividade das COXs, podem ter efeitos adversos a vários níveis e
por diversas causas. O uso concomitante de AINEs pode potenciar estes efeitos, sendo dependentes das dosagens e da duração da terapêutica de ambos os fármacos.
• Efeitos gastrointestinais – inflamação, hemorragia, ulceração e/ou perfuração –
devido à inibição da síntese das PGs protetoras da mucosa gástrica e devido ao
potencial citotóxico da maioria dos AINEs (ao serem ácidos fracos, propiciam a
entrada de iões hidrogénio nas células epiteliais, induzindo assim a sua morte
celular).
• Efeitos renais – alterações hidro-eletrolíticas, insuficiência renal aguda, síndroma
nefrótico com nefrite aguda intersticial e/ou necrose papilar – devido à inibição da
síntese das PGs renais responsáveis pela regulação da pressão e perfusão sanguínea renal, vasodilatação e excreção de potássio.
• Efeitos hepáticos – hepatite, colestase, doença mista ou lesões hepáticas crónicas
– devido à eliminação dos AINEs pela bílis, produção de metabolitos ativos tóxicos
e sua acumulação nos hepatócitos.
Não usar vários AINEs
em simultâneo, uma vez
que, por um lado, não
existem evidências
científicas que demonstrem
sinergismo terapêutico e,
por outro lado, aumenta o
risco de efeitos
indesejáveis.
Os AINEs, ao inibirem as COXs, alteram o tónus vascular dependente da prostaciclina e de outras PGs vasodilatadoras, diminuindo assim os efeitos vasodilatadores dos
bloqueadores da entrada de cálcio:
• Potencial aumento da pressão arterial.
• Quando o AINE é retirado do tratamento, pode haver o risco de hipotensão.
Monitorizar regularmente a
pressão arterial.
Os AINEs, ao inibirem a produção de PGs renais, vão interferir na filtração glomerular e diminuir a excreção de água e sódio. Os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina, bem como os antagonistas dos recetores da angiotensina, bloqueiam
o efeito de vasoconstrição arteriolar eferente mediado pela angiotensina II, contribuindo assim para o aumento da filtração glomerular. O uso concomitante de um
destes dois tipos de fármacos com AINEs pode levar à deterioração da função renal,
principalmente em idosos ou em doentes com a função renal comprometida, podendo provocar os seguintes efeitos:
• Potencial aumento da pressão arterial.
• Deterioração da função renal, podendo originar um aumento na creatinina sérica,
necrose tubular e/ou glomerulonefrite.
Monitorizar regularmente a
pressão arterial.
As PGs renais aumentam a filtração glomerular devido aos seus efeitos vasodilatadores e aumentam a excreção de água e sódio. Os AINEs, ao inibirem as COXs, diminuem a perfusão do rim – sendo o risco aumentado em doentes desidratados ou
que fazem uma dieta de restrição de sódio – e provocam retenção de fluídos. Estes
efeitos reduzem a efetividade dos diuréticos:
• Potencial aumento da pressão arterial.
• Potencial aumento do risco do desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva.
• Potencial desenvolvimento de hipercaliémia.
• Risco de insuficiência renal aguda, normalmente reversível.
Evitar a desidratação.
Monitorizar regularmente
a função renal.
Monitorizar regularmente a
pressão arterial.
Monitorizar regularmente a
função renal.
Avaliar periodicamente o
ionograma.
AINE ↔ bloqueador
adrenérgico tipo β
Interação Moderada
Os AINEs, ao inibirem a produção de PGs renais, vão diminuir o fluxo renal e a filtração glomerular, provocando a retenção de fluidos. Estes fatores interferem com
o efeito anti-hipertensor de alguns grupos de fármacos, incluindo os bloqueadores
adrenérgicos tipo β:
• Potencial aumento da pressão arterial.
Monitorizar regularmente a
pressão arterial.
AINE ↔ Biguanida
(Metformina)
Os AINEs, ao inibirem a síntese das PGs renais responsáveis pela regulação da pressão e perfusão sanguínea renal, podem provocar uma diminuição da função renal,
diminuindo assim a excreção renal das biguanidas:
• Potencial desenvolvimento de acidose lática, devido à acumulação de metformina
Monitorizar regularmente a
função renal.
Interação Moderada
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
25
Tabela 2. Mecanismos das interações, potenciais efeitos adversos e recomendações encontradas para cada tipo de interação3,5,9(cont.).
Fármacos envolvidos
e tipo de interação
AINE ↔Sulfonilureia
(Gliclazida)
Interação Moderada
AINE ↔ ISRS
Interação Moderada
AINE ↔ AAS 100 mg
Interação Moderada
AINE ↔ Antiagregante
plaquetar
Interação Moderada
AINE ↔ Corticosteroide
Interação Moderada
AINE ↔ Bifosfonato
Interação Moderada
AINE ↔ Anticoagulante
oral (Varfarina)
Interação Moderada
AINE ↔ Expetorante
Interação minor
Interações
Recomendações
A maioria dos AINEs liga-se extensivamente às proteínas plasmáticas, assim como
as sulfonilureias; quando há o deslocamento das sulfonilureias pelos AINEs verifica-se um aumento da atividade destes fármacos, por aumento da sua concentração
plasmática livre:
• Potencial risco de hipoglicémia.
Monitorizar
regularmente a glicémia.
Caso seja necessária
a sua associação, deve ser
feito o ajuste das doses
de ambos os fármacos
(utilizar doses menores).
A serotonina promove a agregação plaquetária; com o uso de inibidores seletivos da
recaptação da serotonina, as concentrações de serotonina diminuem nas plaquetas
e aumentam nas sinapses nervosas, diminuindo também a sua ação na agregação
plaquetária. Por sua vez, os AINEs inibem a agregação plaquetária através da inibição
da produção do TxA2. Sendo assim, o uso concomitante destes dois tipos de fármacos pode provocar:
•Potencial aumento do risco de hemorragias.
Monitorizar clínica
e laboratorialmente
a eventual ocorrência
de hemorragias.
O ácido acetilsalicílico 100 mg inibe a agregação plaquetária através da acetilação
irreversível da COX-1, impedindo a formação plaquetária do TxA2 durante toda a
vida da plaqueta. Os restantes AINEs inibem a COX-1 de forma reversível, afetando
também a agregação plaquetária. Para além destes efeitos sobre as plaquetas, o uso
concomitante de ácido acetilsalicílico 100 mg com AINEs pode levar a uma diminuição acentuada da produção das PGs protetoras do trato gastrointestinal:
• Potencial aumento do risco de hemorragias, principalmente ao nível gastrointestinal.
Monitorizar clínica
e laboratorialmente
a eventual ocorrência
de hemorragias.
Os AINEs inibem a agregação plaquetar através da inibição da produção do TxA2; outros antiagregantes também inibem a agregação plaquetar através de vários mecanismos, tais como a inibição da fosfodiesterase (dipirimadol) e o bloqueio irreversível
do recetor do ADP (clopidogrel):
• Potencial aumento do risco de hemorragia.
Monitorizar clínica
e laboratorialmente
a eventual ocorrência
de hemorragias.
Os AINEs inibem a produção das PGs protetoras da mucosa gástrica. Os corticosteroides suprimem as respostas imunitárias e inflamatórias patológicas e fisiológicas,
originando assim diversas reações adversas. Ao nível gastrointestinal, os corticosteroides retardam a cicatrização de úlceras pépticas já existentes e também inibem a
síntese de PGs citoprotetoras:
• Potencial aumento do risco de efeitos adversos ao nível GI – inflamação, hemorragia, ulceração e/ou perfuração; este risco encontra-se aumentado em doentes
com história prévia de úlcera péptica, hemorragias gastrointestinais e em doentes
idosos ou debilitados.
Monitorizar clínica
e laboratorialmente
a eventual ocorrência
de hemorragias, tendo
especial atenção a
possíveis alterações que
possam ocorrer ao nível
gastrointestinal.
Os AINEs inibem a produção das PGs protetoras da mucosa gástrica. Os bifosfonatos
administrados por via oral podem causar irritação local da mucosa digestiva alta:
• Potencial aumento do risco de efeitos adversos ao nível gastrointestinal – esofagites, úlceras esofágicas e erosões esofágicas.
Educação para o doente:
o comprimido deve ser deglutido inteiro, com bastante
água, estando o doente
sentado ou em pé mas
sempre em posição vertical.
O doente não se pode deitar
na meia hora seguinte e o
comprimido deve ser tomado
após o jejum noturno, meia
hora antes da ingestão da
primeira refeição e bebida
ou de qualquer outro
medicamento ou suplemento.
Os AINEs inibem a agregação plaquetária através da inibição da produção de TxA2; a
varfarina atua como anticoagulante ao nível da cascata da coagulação, por antagonismo da vitamina K. A maioria dos AINEs desloca a varfarina da sua ligação às proteínas
plasmáticas, aumentando assim os seus níveis no sangue, o que pode ultrapassar o
limite superior da estreita margem terapêutica:
• Potencial aumento do risco de hemorragias.
Monitorizar os níveis de
protrombina através do
Tempo de Protrombina
(TP) e/ou Índice Internacional Normalizado (INR),
principalmente na altura
da introdução, alteração da
dose ou suspensão de algum
destes fármacos.
Os AINEs inibem a produção das PGs protetoras da mucosa gástrica e os mucolíticos
têm a capacidade de destruir a barreira da mucosa gástrica:
• Potencial aumento de danos gastrointestinais (inflamação, hemorragia, ulceração
e/ou perfuração) em doentes mais suscetíveis de desenvolver úlceras gastroduodenais.
Educação para o doente:
avisar o doente para separar
o horário da toma de ambos
os tipos de fármacos ou então reduzir a dose dos AINEs.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
26
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
Discussão
Após a análise dos dados relativos à medicação
dos 29 doentes idosos incluídos no estudo, podemos verificar que cerca de um quarto da nossa amostra utilizava dois ou mais AINEs por dia, aumentando
deste modo a probabilidade de ocorrência de interações com os restantes medicamentos. Apesar de ser
uma amostra reduzida, este estudo permitiu duas
coisas: por um lado, identificou situações muito prevalentes que podem constituir achados (findings)
num serviço de revisão da medicação, ou situações
a verificar se chegaram a manifestar-se num serviço
de acompanhamento farmacoterapêutico; por outro
lado, este estudo salienta a necessidade de uma colaboração entre duas áreas de conhecimento dentro
das ciências farmacêuticas: a da farmacologia e farmacoterapia e a dos cuidados farmacêuticos. Juntando estas ideias podem chegar a produzir-se normas
de orientação úteis para a prática diária, baseadas
em conhecimentos atualizados de farmacodinamia
e farmacocinética.
Foram encontradas 125 interações entre os
diferentes AINEs e os restantes fármacos. Destas, 2
foram consideradas minor e 123 foram classificadas
como moderadas, o que significa que a grande maioria das interações pode ter alguma influência sobre
os resultados pretendidos com o uso da medicação
em cada doente. Este estudo demonstra que há
interações, ainda que conhecidas há muito tempo
e frequentemente documentadas na literatura, que
chegam a níveis de prevalência que merecem a atenção dos farmacêuticos quando prestam serviços clínicos. A grande maioria das interações ocorre entre
os AINEs e os grupos de fármacos mais utilizados em
doenças relacionadas com o aparelho cardiovascular, como por exemplo hipertensão arterial e insuficiência cardíaca, por serem também doenças com
grande incidência na população idosa. Desta forma,
as principais interações ocorrem com os diuréticos
(17,6%), com os antagonistas dos recetores da angiotensina (14,4%), com os bloqueadores da entrada
do cálcio (12,0%) e com os inibidores da enzima de
conversão da angiotensina (8,8%). Também se verifica uma grande prevalência de interações quando
dois ou mais AINEs são utilizados num mesmo indivíduo (12,8%), para além de que não existem evidências científicas que demonstrem benefícios na
sua utilização simultânea.
Trabalhos como o presente, associando a farmacologia e os cuidados farmacêuticos, permitem
identificar também soluções para situações de uso
inapropriado da medicação. Por exemplo, numa
meta-análise em rede recente o naproxeno aparece como sendo o AINE associado a um menor dano
cardiovascular, ao invés do diclofenac e do ibuprofeno, que aumentam em mais de 30% o risco de ocorrência de eventos cardiovasculares10. Curiosamente,
o diclofenac e o ibuprofeno são os dois AINEs mais
prescritos na amostra de idosos estudada, onde todos fazem prevenção cardiovascular.
Por outro lado, encontrou-se que, para as interações mais prevalentes nos utilizadores de AINEs,
a intervenção mais apropriada é um acompanhamento farmacoterapêutico na maioria das ocasiões,
e não a simples modificação da medicação utilizada
pelo doente. O farmacêutico deve pensar sempre
que a medicação é prescrita porque é necessária
para o doente. O facto de existir uma interação não
deve levar a que o doente fique com algum dos seus
problemas de saúde sem tratamento, coisa que pode
acontecer se a interação não for adequadamente gerida. Monitorizar o efeito de um dos medicamentos
ou monitorizar o aparecimento de efeitos indesejados pode ser a estratégia mais apropriada perante
uma interação potencial, justificando-se ainda mais
o acompanhamento farmacoterapêutico.
Conclusão
O aparecimento de interações medicamentosas com significado clinico é muito frequente em
adultos idosos que utilizam AINEs. Muitas das vezes,
a melhor gestão destas interações não passa tanto
pela retirada de um dos fármacos mas pelo acompanhamento de algum indicador da manifestação
dessa interação. O farmacêutico pode desenvolver
um papel relevante em serviços como a revisão da
medicação, para identificar estas interações potenciais, ou no acompanhamento farmacoterapêutico,
As bases farmacológicas dos cuidados farmacêuticos: o caso dos AINEs
na gestão destas situações quando devidamente
identificadas. Salienta-se a importância da interação
positiva com a Medicina Geral e Familiar para a segurança e a eficiência das terapêuticas.
Referências bibliográficas
1. Portugal, Instituto Nacional de Estatística, I.P. –
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Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test
new pharmacological approaches
Mateus, Vanessa1,2, Faisca, Pedro3, Mota-Filipe, Helder2, Sepodes, Bruno2, Pinto, Rui2
(1) Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa - IPL
(2) Pharmacology and Translational Research Group, iMED – FACULDADE DE FARMÁCIA. UNIVERSIDADE DE LISBOA
(3) Departamento de Anatomia Patologica, Faculdade de Medicina Veterinária - ULHT
Autor correspondente:
Rui Pinto – E-mail:[email protected]
Abstract
IBD is a gastro-intestinal disorder marked with chronic inflammation of intestinal epithelium, damaging mucosal tissue and manifests into several intestinal and extra-intestinal symptoms. Currently used
medical therapy is able to induce and maintain the patient in remission, however no modifies or reverses
the underlying pathogenic mechanism. The research of other medical approaches is crucial to the treatment
of IBD and, for this, it´s important to use animal models to mimic the characteristics of disease in real life.
The aim of the study is to develop an animal model of TNBS-induced colitis to test new pharmacological approaches. TNBS was instilled intracolonic single dose as described by Morris et al. It was administered 2,5%
TNBS in 50% ethanol through a catheter carefully inserted into the colon. Mice were kept in a Tredelenburg
position to avoid reflux. On day 4 and 7, the animals were sacrificed by cervical dislocation. The induction
was confirmed based on clinical symptoms/signs, ALP determination and histopathological analysis. At day 4,
TNBS group presented a decreased body weight and an alteration of intestinal motility characterized by diarrhea, severe edema of the anus and moderate morbidity, while in the two control groups weren’t identified
any alteration on the clinical symptoms/signs with an increase of the body weight. TNBS group presented the
highest concentrations of ALP comparing with control groups. The histopathology analysis revealed severe
necrosis of the mucosa with widespread necrosis of the intestinal glands. Severe hemorrhagic and purulent
exsudates were observed in the submucosa, muscular and serosa. TNBS group presented clinical symptoms/
signs and histopathological features compatible with a correct induction of UC. The peak of manifestations
became maximal at day 4 after induction. This study allows concluding that it’s possible to develop a TNBSinduced colitis 4 days after instillation.
Keywords: IBD, TNBS-induced colitis, Inflammation, Metabolic pathways, Pharmacological targets
Resumo
DII é um distúrbio gastro-intestinal caracterizado por inflamação crónica do epitélio intestinal com
dano associado da mucosa, manifestando-se a partir de sintomas intestinais e extra-intestinais. A terapia médica utilizada é capaz de induzir e manter o doente em remissão, mas não modifica ou inverte o mecanismo
patogénico subjacente. A procura de outras abordagens terapêuticas é crucial para o tratamento de DII e,
para tal, é importante o uso de modelos animais para mimetizar as características da doença. O objetivo do
estudo é desenvolver um modelo animal de colite induzida por TNBS de modo a testar novas abordagens
30
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test new pharmacological approaches
farmacológicas. O TNBS foi instilado por via intracolónica em dose única como descrito por Morris et al. Foi
administrado 2,5% de TNBS em 50% de etanol através de um cateter inserido no cólon. Os animais foram
mantidos em posição Tredelenburg para evitar o refluxo. Nos dias 4 e 7, os animais foram sacrificados por
deslocamento cervical. A indução de colite foi caracterizada com base nos sintomas/sinais clínicos, determinação de ALP e análise histopatológica. No dia 4, o grupo TNBS apresentou uma diminuição do peso corporal e uma alteração da motilidade intestinal caracterizada por diarreia, edema severo do ânus e morbilidade
moderada, enquanto nos dois grupos controlo não foram identificados quaisquer alterações nos sintomas/
sinais clínicos com um aumento do peso corporal. O grupo TNBS apresentou as maiores concentrações de
ALP, comparando com os grupos controlo. A análise histopatológica demonstrou necrose grave da mucosa
com necrose generalizada das glândulas intestinais. Foi observado exsudato hemorrágico e purulento ao
nível da submucosa, muscular e serosa. O grupo TNBS apresentou sintomas / sinais clínicos e características histopatológicas compatíveis com uma correta indução de colite. O pico das manifestações tornou-se
máximo ao 4º dia após a indução. Este estudo permite concluir que é possível desenvolver colite induzida
por TNBS 4 dias após a instilação.
Palavras-chave: DII, Colite induzida por TNBS, Inflamação, Vias metabólicas, Alvos farmacológicos.
Introdution
Inflammatory bowel diseases (IBD), which include Crohn’s disease (CD) and ulcerative colitis
(UC), are chronic inflammatory diseases of the gastrointestinal tract, characterized by chronic recurrent ulceration of the bowels1. IBD affects between
7–10% of people worldwide, mainly of Caucasian descent2,3, promoting significant gastrointestinal symptoms, like bloody diarrhea, abdominal pain, anemia,
weight loss and other extra-intestinal manifestations1. Interplay between several factors, like genetic
predisposition, environmental trigger and aberrant
immune reaction seem to contribute to initiation
and progression of IBD4,5.
Pathogenesis of IBD is not fully understood,
but two broad hypotheses have arisen regarding its
fundamental nature. The first contends that primary
dysregulation of the mucosal immune system leads
to excessive immunologic responses to normal microflora. The second suggests that changes in the
composition of gut microflora and/or deranged epithelial barrier function elicit pathologic responses
from the normal mucosal immune system. Currently, it’s well accepted that IBD is indeed characterized
by an abnormal mucosal immune response but that
microbial factors and epithelial cell abnormalities
can facilitate this response6.
Currently used medical therapy of IBD consists
of salicylates, corticosteroids, immunosuppressants
and immunomodulators. These drug treatments
aim to induce and maintain the patient in remission
and ameliorate the disease’s secondary effects,
rather than modifying or reversing the underlying
pathogenic mechanism1,7. Second-generation agents
have been developed with improved drug delivery,
increased efficacy and decreased side effects
frequency1. However, their use may result in severe
side effects and complications, such as an increased
rate of malignancies or infectious diseases7. The
research of other medical approaches is crucial to
the treatment of IBD and, for this, it is important to
use animal models to mimic the characteristics of
disease in real life8.
Animal models are widely used to study pathogenesis of human diseases and to test new therapeutics9. Most of these models are based either on
chemical induction, immune cell transfer or gene
targeting4. Trinitrobenzene sulfonic acid (TNBS)
promotes a chemical induction of colitis by intrarectal instillation of the haptenating substances TNBS
dissolved in ethanol resulting in acute inflammation
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test new pharmacological approaches
with ulcers in rat and mouse10. The acute transmural
damage became maximal from 3 days to 1 week after instillation, and resolved within 2 weeks8,10-12. The
protocols of the TNBS-induced IBD model are not
standardized, such as the dosage of TNBS, the depth
of TNBS administration, and the time point for model evaluation. Therefore, it knows that the effects of
TNBS are dose dependent8. Thus, the aim of the
study is to develop an animal model of TNBS-induced
colitis to test new pharmacological approaches.
31
was administered and mice were kept for 1 min in
a Tredelenburg position to avoid reflux13,14. On day
4 and 7, the animals were sacrificed by cervical dislocation, however a cardiac puncture was made
immediately before in order to obtain samples
for determination of serum alkaline phosphatase
(ALP). The abdomen was opened by a midline
incision. The small intestine and colon were removed, freed from surrounding tissues and washed
with phosphate buffered saline. The results between day 4 and 7 were subsequently compared.
Material and methods
Materials
TNBS 5% aqueous solution was purchased from
Sigma Chemical Co. Ketamine (Imalgene® 1000) was
purchased from Merial. Xilazine (Rompun® 2%) was
purchased from Bayer. ADVIA® kit was purchased
from Siemens Healthcare Diagnostics.
Animals
Male CD-1 mice, 30-40 g in weight and 5-6
weeks of age, were housed in standard polypropylene cages with ad libitum access to food and water
in the Faculty of Pharmacy Central Animal Facility in
the University of Lisbon.
Experimental groups
Three groups of mice were used in the study,
which received an intracolonic administration of different preparations. The first group (n = 6) received
100 µl of 2.5% of TNBS in 50% ethanol (TNBS group)
for induction of TNBS-colitis. The second group (n
= 3) received 100µl of 50% ethanol (ethanol group).
The third group (n = 2) received 100µl of saline solution (sham group). It was used two control animals groups, namely ethanol and sham group.
Induction of TNBS-colitis
TNBS was instilled intracolonic single dose
as described by Morris et al (1989). Briefly, mice
were left unfed during 24h. In the induction day,
mice were anesthetized with Ketamine 100mg/Kg
+ Xilazine 10mg/Kg IP and a catheter was carefully
inserted into the colon until the tip was 4 cm proximal to the anus. Then, 2,5% TNBS in 50% ethanol
Clinical symptoms/signs
The animals were observed daily, monitoring
body weight, morbidity, stool consistency and anus
appearance.
Biochemical Marker
ALP in the sample catalyzes the hydrolysis of
colorless p-nitrophenyl phosphate to give p-nitrophenol and inorganic phosphate. At the pH of the
assay (10.3 e 10.4), the p-nitrophenol is in the yellow
phenoxide form. The rate of absorbance increase at
410/478 nm is directly proportional to the ALP activity in the sample. Optimized concentrations of zinc
and magnesium ions are present to activate the ALP
in the sample. The measurement was made by an
automatic analyzer: ADVIA 1200.
Histopathological analysis
Histopathology was carried out by an independent histopathologist of the Faculty of Veterinary Medicine of Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. The intestine samples were
fixed in 10% neutral buffered formalin, processed
routinely for paraffin embedding, sectioned at 5
µm, and stained with hematoxylin and eosin. The
morphological features of small intestine and colon
were evaluated in the same conditions for all studied groups (TNBS group, ethanol group and sham
group), according the number of days after induction and the localization of sections. It was evaluated at day 4 and 7, with several sections of small
intestine due to its length and with three sections of
colon (proximal to the cecum, in the middle of the
colon and distal to the rectum).
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
32
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test new pharmacological approaches
Microscopic assessment of colitis severity
The assessment of colitis severity was based on
previously described parameters15:
a) epithelial damage (0 = none, 1 = minimal
loss of goblet cells, 2 = extensive loss of goblet cells,
3 = minimal loss of crypts and extensive loss of goblet cells, and 4 = extensive loss of crypts);
b) infiltration (0 = none, 1 = infiltrate around
crypt bases, 2 = infiltrate in muscularis mucosa, 3 =
extensive infiltrate in muscularis mucosa with edema, and 4 = infiltration of submucosa).
The histological activity index (HAI) was calculated as the sum of the epithelium and infiltration
score, resulting in the total HAI score ranging from
0 (unaffected) to 8 (severe colitis).
At day 2, there were 2 deaths in the TNBS group.
The macroscopic analysis showed a severe obstruction to the colon filled with large fecal pellets. Severe swelling of the intestinal wall, inflammation
with presence of generalized strokes. The lesions
were apparently consistent with toxic megacolon.
Biochemical Marker
ALP was identified in all experimental groups,
but in different concentrations depending of the
group was evaluated. TNBS group presented the
highest values around 32.9 ± 5.5 U/L of serum concentration comparing with the other two groups.
Ethanol and sham groups presented decreased
values but quite similar around 10.8±1.5 U/L and
8.5±0 U/L, respectively.
Results
Monitoring of clinical symptoms/signs
Animals were observed daily for morbidity, stool
consistency and anus appearance. At day 1, TNBS
group presented an alteration of intestinal motility characterized by diarrhea or soft stools, severe
edema of the anus and moderate morbidity. Ethanol
group showed the same clinical signs, but lightly. At
day 4 and 7, TNBS group kept the observed clinical
signs, while in the ethanol group wasn’t identified
any alteration. Sham group remained without any
alterations during the study.
Regarding body weight, ethanol and sham
groups increased the weight of mice during the
study, but TNBS group showed a decreased body
weight at day 4 (Table 1).
Table 1 – Average of body weight during the study.
AVERAGE OF BODY WEIGHT ± SD (g)
TNBS GROUP
(n=6)
DAY 0
DAY 4
DAY 7
34.3 ± 4.7
29 ± 0
43.3 ± 4.6
ETHANOL GROUP 33.6 ± 1.6
(n=3)
44 ± 0
40.5 ± 2.5
SHAM GROUP
(n=2)
43 ± 0
47 ± 0
37 ± 2
Assessment of small intestine lesions
The small intestine was analyzed and it showed
similar histological results among evaluated groups
and the number of days after induction. Apparently,
no macroscopic lesions were observed, but
microscopically, a slight lymphoplasmacytic infiltrate
in the lamina propria was identified and it was similar
to all studied groups independently of the day after
induction (Figure 1).
Figure 1. Histopathological features of small intestine
sections (100x) from (a) TNBS group, (b) Ethanol group,
(c) Sham group.
Assessment of colitis severity
The colon was analyzed and it showed different
histological results depending of which group was
evaluated and the number of days after induction.
Regarding macroscopic evaluation of colon, it
was observed hemorrhagic focus and edema.
Microscopically, the TNBS group presented severe
lesions at day 2 and day 4, whereas no substantial
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test new pharmacological approaches
morphological changes were detected at day 7 (Figure
2). The histopathology analysis revealed severe
necrosis of the mucosa with widespread necrosis of
the intestinal glands. The remaining intestinal glands
were ectasic with squamous metaplasia. Severe
hemorrhagic and purulent exsudates were observed
in the submucosa, muscular and serosa.
The assessment of colitis severity was based on
two main parameters namely (a) epithelial damage
and (b) infiltration. At day 2 and 4, it was observed
the higher score (HAI of 8 – severe colitis) for all
samples evaluated on the TNBS group comparatively to the samples of ethanol and sham group, which
it was observed no lesions (HAI of 0-unaffected).
Figure 2. Morphologic changes of colon from TNBS
group in day (a) 2, (b) 4 and (c) 7.
In the ethanol and sham group, no histological alterations were observed in the colon (HAI of 0
– unaffected), independently of the day after induction (Figure 3).
Figure 3. Histopathological features of colon (40x) from
(a) Ethanol group and (b) Sham group, in day 4 and 7.
33
Discussion
The pathogenesis of IBD is similar between human disease and TNBS-induced colitis16, and this is
the reason why so many research groups are now
using this model to investigate novel approaches for
the treatment of IBD.
Regarding monitoring of clinical symptoms/
signs, TNBS group presented an alteration of intestinal motility characterized by diarrhea or soft stools,
severe edema of the anus and moderate morbidity,
while ethanol and sham groups remained without
any alterations. These clinical manifestations in the
TNBS group were expected and compatible with a
correct induction of UC15,16. The manifestations became maximal at day 4 after induction and resolved
at day 7. The literature refers that manifestations became maximal from 3 days to 1 week after instillation, and resolved within 2 weeks8,10-12, depending of
the dosage of TNBS, the depth of TNBS administration, and the time point for model evaluation8. The
peak of clinical symptoms/signs is also confirmed by
the decreased body weight of TNBS group at day 4,
comparing with ethanol and sham groups that increased its body weight during the study.
ALP is regularly measured in clinical practice
and its changes in serum levels are observed in a
number of clinical conditions of organs where it
can be found like bone, liver, bowel and kidney17.
Therefore, ALP was measured in all experimental
groups and TNBS group presented the highest values around 32.9 ± 5.5 U/L of serum concentration
comparing with ethanol and sham groups (10.8±1.5
U/L and 8.5±0 U/L, respectively). The low concentrations of APL in both control groups (ethanol and
sham group) suggest that the origin of increased
APL in the TNBS group is due to intestinal lesion inducted in this study. These our results are consistent
with other studies, which observed a higher AP activity in the colon from colitic animals compared to
the non-colitic animals from acute intestinal inflammation model induced by TNBS18,19. Intestinal ALP
has been considered a phenotypic marker of differentiation, which is up-regulated in experimental
chronic diarrhea and IBD19,20. It’s a small intestinal
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
34
Development of TNBS-induced colitis: animal model to test new pharmacological approaches
brush-border enzyme that functions as a gut mucosal defense factor, providing resistance to bacterial invasion when the intestine is subject to a certain
lesion like local or distant ischemic injury21. Based
on these results, administration of exogenous intestinal ALP enzyme to patients with the active form of
IBD may be a therapeutic option22.
The histopathological analysis showed a slight
lymphocytic inflammatory infiltrate in the lamina
propria similar with all experimental groups. These
lesions are consistent with a sub-acute to chronic
process, suggesting no relationship with this study.
Perhaps, the reason is that mice are not Specific
Pathogen Free, even because there are similar for
all experimental groups. These should therefore be
devalued.
The morphological features of colon in the
TNBS group were evaluated at day 2, 4 and 7. The
results revealed severe lesions of tissue between day
2 and day 4, whereas it was detected no substantial
morphological changes at day 7. The peak of clinical symptoms/signs is also confirmed by the severe
lesions at day 4. No histological alterations were observed in the colon from ethanol group and sham
group. The histopathology analysis revealed severe
necrosis of the mucosa with widespread necrosis of
the intestinal glands. The remaining intestinal glands
were ectasic with squamous metaplasia. Severe
hemorrhagic and purulent exsudates were observed
in the submucosa, muscular and serosa. These lesions are consistent with a correct induction of UC
by TNBS15,16.
Conclusion
This study allows concluding that it’s possible
to develop a TNBS-induced colitis 4 days after
instillation. This model will be interesting to clarify
the inflammatory mechanisms associated with
IBD in order to propose other pharmacological
modulation of the inflammatory response than the
currently known, with the main objective to facilitate
a more effective and selective treatment for this
disease.
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Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica.
Fonseca, Bruno M.1,2, Costa, Mariana A.1,2, Almada, Marta1,2, Soares, Ana3, Correia-da-Silva, Georgina1,2,
Teixeira, Natércia A.1,2
(1) Departamento de Ciências Biológicas, Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
(2) Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto
(3) Serviços Farmacêuticos, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa – Unidade S. Gonçalo
Autor correspondente:
Natércia A. Teixeira
Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto – Ciências Biológicas
Rua de Jorge Viterbo Ferreira n. º 228 – 4050-313 Porto – Portugal
Telefone: +351 222 428 000 – Fax: +351 226 093 390 – E-mail: [email protected]
Resumo
A utilização terapêutica da Cannabis sativa ou seus derivados é conhecida há muitos anos, no entanto, o
estudo das suas propriedades despontou recentemente com a descoberta de um sistema canabinóide endógeno (ECS). O ECS compreende os compostos endógenos similares ao tetrahidrocanabinol (endocanabinóides),
os recetores canabinóides (CB1 e CB2) e as enzimas envolvidas no seu metabolismo. Desde a descoberta do
ECS, a comunidade científica focou-se na investigação do seu potencial clínico com resultados encorajadores.
Em alguns países, os derivados da cannabis constituem uma opção farmacológica na estimulação do apetite
e tratamento da dor. O primeiro medicamento baseado no ECS, o rimonabant (um antagonista CB1), foi aprovado para o tratamento da obesidade associada a outros fatores de risco, no entanto foi retirado por questões
de segurança. Atualmente, e baseadas nos estudos pré-clínicos e clínicos, existem várias evidências do seu interesse clínico na modulação de diversas condições fisiopatológicas. Neste artigo discutimos o papel potencial
do sistema (endo)canabinóide na terapêutica e as recentes estratégias desenvolvidas na modulação do sistema.
Palavras-chave: Endocanabinóides, Recetores canabinóides, Farmacoterapia
Abstract
Although the medicinal use of Cannabis sativa derivatives is well known since antiquity, the study of
their properties expanded recently with the discovery of an endogenous cannabinoid system, which comprises the endogenous cannabis-like ligands (endocannabinoids), the cannabinoid receptors (CB1 and CB2)
and the enzymes involved in their metabolism. Since the discovery of the endocannabinoid system (ECS),
the scientific community focused on research of its clinical use and achieved important findings during the
last decade. In some countries, cannabis derivatives are a pharmacological option for appetite stimulation
and pain treatment. However, the first ECS-based drug rimonabant (a CB1 antagonist), approved for the
treatment obesity with associated risk factors, was withdrawn due to safety concerns. Nowadays, based on
the growing evidences resulting from preclinical and clinical studies of ECS modulators, these drugs are
currently pointed out as novel therapeutic approaches for several pathophysiological conditions. Here, we
review the potential role of (endo)cannabinoid system in therapeutics and the recent designed strategies for
the development of drugs that target this system.
Keywords: Endocannabinoids, Cannabinoid receptors, Pharmacotherapy
38
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
Introdução
As primeiras evidências da utilização de Cannabis sativa com fins medicinais datam do terceiro
milénio a.C., na Índia. Esta planta era utilizada devido às suas propriedades analgésicas, antieméticas
e anti-convulsivantes1. No entanto, a diversidade de
substâncias ativas da cannabis e a natureza lipídica
dos fitocanabinóides dificultou significativamente a
sua caracterização. Assim, o isolamento do seu principal composto ativo, ∆9-tetrahidrocanabinol (THC),
ocorreu apenas em 19642, pelo que o uso terapêutico da cannabis resumia-se à utilização de partes
da planta, resultando numa grande variabilidade na
dosagem dos seus princípios ativos e concomitantemente nos seus efeitos terapêuticos. Desta forma, o
uso terapêutico da cannabis foi preterido relativamente a preparações farmacêuticas com composição definida que permitiam um maior controlo dos
seus efeitos terapêuticos e secundários. Além do
mais, a utilização de Cannabis sativa com fins recreativos e o conceito pejorativo que lhe é inerente
foram determinantes para que a sua utilização médica fosse “rejeitada” pela sociedade, contribuindo
para o atraso na investigação das suas propriedades
farmacológicas.
Contudo, a descoberta do Sistema Endocanabinóide (ECS) e a consolidação do seu papel fulcral
na homeostasia de diversos sistemas biológicos contribuíram para a mudança de mentalidades e para
a aceitação do THC e análogos e outros fármacos
que modulam o sinal canabinóide como novas estratégias terapêuticas a explorar3. De facto, embora
existam referências com vários séculos à utilização
de THC na terapêutica, os últimos anos têm sido férteis no estudo das suas potencialidades clínicas. O
número de referências indexadas na base de dados
PubMed praticamente triplicou na última década demonstrando o interesse do seu estudo para a comunidade científica (Figura 1).
Sistema endocanabinóide: A descoberta
Apesar do longo historial do uso da cannabis
para fins recreativos e medicinais, apenas recentemente se começou a compreender os mecanismos
de ação que medeiam os efeitos amplamente conhecidos desta planta.
Figura 1. Número de publicações indexadas ao Pubmed “cannabinoids in therapeutics” nos anos de 1970 a 2012.
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
Dada a natureza hidrofóbica do THC e a sua
caracterização tardia, considerava-se que este canabinóide exercia os seus efeitos por interação com a
membrana celular. Esta linha de pensamento persistiu durante anos sem se questionar a existência de recetores específicos ou de canabinóides endógenos.
Contudo, este impasse foi ultrapassado com o desenvolvimento de análogos do THC que permitiram
identificar possíveis locais de ação dos canabinóides
a nível cerebral. Assim, em 1988, foi identificado um
recetor que era ativado pelo THC e seus análogos, o
recetor canabinóide 1 (CB1)4.
O CB1 é principalmente expresso a nível do sistema nervoso central e medeia os efeitos psicotrópicos dos canabinóides. Após a caracterização molecular deste recetor, seguiu-se a descoberta do primeiro
endocanabinóide (ligando endógeno capaz de ativar
os recetores canabinóides), a anandamida (AEA)5.
Etimologicamente, o nome anandamida provém da
palavra sânscrita “ananda”, que significa prazer, e da
natureza do seu grupo químico, uma amida. Posteriormente, em 1993, foi identificado o segundo recetor canabinóide, o CB26, localizado principalmente
em órgãos e tecidos periféricos. Nos anos seguintes,
outros endocanabinóides foram identificados tais
como o 2-araquidonilglicerol (2-AG), a virodamina,
a N-araquidonildopamina e o 2-araquidonilgliceril
éter. Estas moléculas variam em termos de eficácia
e afinidade para os recetores CB1 e CB2, sendo que
algumas delas são capazes de ativar apenas um destes recetores7.
Os endocanabinóides são sintetizados a partir
de precursores membranares e apenas sob estímulo, não se encontrando armazenados em vesículas
como a maioria dos neurotransmissores8. A síntese
de AEA é depois mediada por uma fosfolipase específica (“arachidonoylphosphatidylethanolamine-phospholipase D”; NAPE-PLD) enquanto o 2-AG é
sintetizado através de uma outra lípase (“diacylglycerol lípase”; DAGL). Uma vez sintetizados, os endocanabinóides são rapidamente degradados. A AEA é
degradada por uma hidrólase das amidas dos ácidos
gordos (“fatty acid amide hydrolase”; FAAH) enquanto o 2-AG é degradado pela FAAH ou por uma lípase
de gliceróis (“monoacylglycerol lipase”; MAGL).
39
Assim, o Sistema Endocanabinóide (Figura 2)
é constituído pelos recetores canabinóides, pelos
endocanabinóides, pelas enzimas envolvidas no seu
metabolismo e pelo respetivo transportador membranar (“Endocannabinoid membrane transporter”;
EMT)7.
Figura 2. Representação esquemática do Sistema Endocanabinóide. A anandamida (AEA) é sintetizada pelas enzimas N-acetiltransferase (NAT) e uma fosfolipase
específica
(“arachidonoylphosphatidylethanolaminephospholipase D”; NAPE-PLD). O 2-araquidonoilglicerol
(2-AG) é sintetizado através de uma outra lípase (“diacylglycerol lípase”; DAGL). Uma vez sintetizados a AEA e o
2-AG ligam-se ao transportador membranar dos endocanabinóides (EMT) ficando disponíveis para atuar nos
recetores canabinóides. O transportador remove rapidamente estes compostos sendo a AEA degradada por
uma hidrólase das amidas dos ácidos gordos (“fatty acid
amide hydrolase”; FAAH) resultando ácido araquidónico (AA) e etanolamina (EtNH2), enquanto o 2-AG é
degradado pela FAAH ou por uma lípase de gliceróis
(“monoacylglycerol lípase”; MAGL) a AA e glicerol. Um
mecanismo alternativo é mediado pela ciclooxigenase-2
(COX-2) que converte a AEA a prostaglandina etanolaminas.
Quando ativados, os recetores canabinóides interferem com várias vias de sinalização para exercerem os seus efeitos nos diferentes tecidos e órgãos9.
Nos neurónios, a estimulação pré-sináptica do CB1
inibe a libertação de neurotransmissores10. No fígado, onde a expressão do CB1 é normalmente baixa,
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
40
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
a sua estimulação conduz a um aumento de acetil-Coenzima A carboxilase e de ácidos gordos e consequentemente a um aumento da lipogénese11. Já a ativação do recetor CB2, maioritariamente expresso nas
células do sistema imunitário, parece mediar efeitos
imunossupressores12. Existem vários outros processos patofisiológicos onde a sinalização canabinóide
está envolvida, nomeadamente na memória, dor,
inflamação, apetite, reprodução e sistema cardiovascular (Figura 3)13-17. Assim, a modulação dos recetores canabinóides surge como uma abordagem potencialmente relevante numa perspetiva terapêutica.
Figura 3. O Sistema Endocanabinóide encontra-se envolvido em diversos processos fisiológicos. Particularmente relevantes e mais estudado está o seu envolvimento na dor, balanço energético, apetite, homeostase,
fertilidade, sistema endócrino e imune.
De facto, o envolvimento do sistema endocanabinóide em vários processos fisiológicos e patológicos despertou o interesse de várias empresas farmacêuticas para a investigação e desenvolvimento de
novas moléculas que tenham como alvo os diferentes membros deste sistema e portanto que modulem o sinal (endo)canabinóide.
THC e seus análogos na terapêutica
Como já foi referido, as propriedades medicinais da cannabis, que são conhecidas desde a an-
tiguidade, provêm principalmente do seu teor em
THC. Este canabinóide tem como principais efeitos
com interesse clínico a ação analgésica18, a diminuição da pressão intraocular19, a estimulação do apetite15, a atividade ansiolítica20 e antiemética21, efeitos
que resultam da ativação do recetor CB1. No entanto, os efeitos psicotrópicos, a potencial dependência
e efeitos adversos (sedação, disfunção cognitiva, taquicardia, hipotensão postural, ataxia, infertilidade,
imunossupressão e xerotomia22-23), impuseram restrições ao seu uso clínico.
Apesar de as propriedades da cannabis na diminuição da pressão intraocular serem bem conhecidas, o consumo de marijuana não está recomendado para o tratamento do glaucoma19. De facto,
a curta duração de ação da marijuana (apenas 3-4
horas), que implica um consumo frequente, e os
efeitos no comportamento, que comprometem a capacidade cognitiva e mental, têm sido argumentos
frequentes contra a sua utilização. Outros aspetos
relevantes são os efeitos a nível do sistema nervoso
central e lesões pulmonares devido à diversidade de
compostos existentes na marijuana. Por outro lado,
a sua utilização sistémica reduz a pressão sanguínea
que pode ser prejudicial para o nervo ótico24. Com a
identificação dos recetores canabinóides a administração local poderá vir a diminuir os efeitos secundários.
Os primeiros fármacos desenvolvidos para modular o sistema endocanabinóide foram análogos
do THC com apropriada estabilidade metabólica,
biodisponibilidade oral e reduzidos efeitos adversos
(Tabela 1). A utilização do THC e análogos na prática
clínica foi reintroduzida na década de 80, particularmente nos Estados Unidos e Canadá. Inicialmente,
um derivado sintético do THC, o dronabinol, foi utilizado em doentes oncológicos para estimulação do
apetite e redução das náuseas e vómitos secundários à quimioterapia. O dronabinol tem como nome
comercial Marinol® e é distribuído sob a forma de
cápsulas pela Abbott Laboratories. Atualmente, a sua
utilização abrange também os doentes com SIDA, e
é usado como estimulante do apetite. Com interesse
terapêutico muito similar ao dronabinol, a nabilona
(outro derivado sintético do THC), é comercializada
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
41
Tabela 1. Utilização terapêutica dos medicamentos baseados na modulação do sistema endocanabinóide.
Tabela 1 – Utilização terapêutica dos medicamentos baseados na modulação do sistema endocanabinóide.
Nome comercial
Denominação Comum
Internacional
Uso Terapêutico
1Marinol®
Dronabinol
Estimulação do apetite e antiemético em doentes oncológicos e com SIDA
1Cesamet®
Nabilona
Estimulação do apetite e antiemético em doentes oncológicos e com SIDA
THC e Canabidiol
Tratamento da rigidez muscular e dor neuropática em doentes com Esclerose
Múltipla; Analgésico em doentes oncológicos terminais
Rimonabant
Redução do apetite; Tratamento da obesidade
Sativex®
2Acomplia ®
1 Não é comercializado em Portugal.
2 Autorização de comercialização suspensa em Outubro de 2008.
pela Valeant Pharmaceuticals International sob a
designação de Cesamet®. Embora o Cesamet® seja
usado há vários anos no Reino Unido e Canadá sem
historial de abuso ou intoxicação, a sua utilização nos
Estados Unidos continua proibida dada a sua classificação como estupefaciente. Em Portugal quer o
Marinol®, quer o Cesamet® não são comercializados.
Para além do THC, a cannabis tem elevados
teores de outros canabinóides25. Entre eles, o canabidiol (CBD) é o mais abundante e extensivamente
estudado, embora o seu mecanismo de ação ainda
não esteja totalmente compreendido. Apesar de não
apresentar afinidade para os recetores canabinóides,
o CBD parece bloquear a recaptação e degradação
da AEA. Além disso, o CBD parece possuir propriedades agonistas dos recetores da serotonina26. Adicionalmente, este canabinóide é desprovido de atividade psicomimética, atenuando inclusive os efeitos
psicomiméticos e ansiogénicos associados às doses
elevadas de THC. A constatação de que a associação
com o CBD melhorava o valor terapêutico do THC
levou a que, em 2005, fosse aprovado no Canadá
um outro medicamento derivado dos canabinóides,
o Sativex®. O Sativex® inclui na sua fórmula THC e
CBD em quantidades similares e está disponível na
forma de spray, o que permite uma absorção a nível da mucosa oral e concomitantemente um efeito
mais rápido. O Sativex® é utilizado para o tratamento
da rigidez muscular e dor neuropática em doentes
com Esclerose Múltipla e também como analgésico
em doentes oncológicos em fase terminal em associação com os opióides. Desde junho de 2012, o
Sativex® está autorizado em Portugal com indicação
terapêutica na esclerose múltipla e é comercializado
pela Almirall sob licença da GW Pharmaceuticals.
Embora a utilização terapêutica dos agonistas
canabinóides seja promissora e tenha já aplicação
clínica em situações selecionadas, a possibilidade
de dependência, bem como os seus efeitos prejudiciais a nível do sistema nervoso central continuam
a constituir os maiores obstáculos a uma utilização
mais ampla. Por outro lado, o bloqueio dos recetores canabinóides tem revelado resultados promissores, particularmente no controlo do apetite. Estudos
com o antagonista do CB1 rimonabant demonstram
uma diminuição significativa da ingestão de alimentos em animais27. Também com animais obesos sujeitos a uma dieta rica em gordura, o tratamento
crónico com rimonabant diminuiu a ingestão de
alimentos resultando numa perda de peso28. Simultaneamente, um outro estudo mostrou que animais
CB1 knock-out mostraram resistência em ganhar
peso, inclusive quando sujeitos a uma dieta hiperlipídica29. Tais evidências resultaram no desenvolvimento clínico e posterior autorização de introdução no mercado do rimonabant para o tratamento
da obesidade, em junho de 2006. Este fármaco foi
comercializado sob a designação de Acomplia® pela
Sanofi-Aventis em mais de 55 países mas foi retirado do mercado ainda antes de ser comercializado
em Portugal30. A comercialização do Acomplia® foi
suspensa na União Europeia dado que a sua utilização estava relacionada com um aumento do risco de
ansiedade e depressão31. Uma vez que estes efeitos
resultavam essencialmente da estimulação do CB1
a nível central, estuda-se a utilização de agonistas
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
42
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
parciais para prevenir os efeitos psiquiátricos secundários resultantes do bloqueio total do CB1. De
facto, a utilização de agonistas parciais leva a uma
menor prevalência de efeitos adversos, sem haver
uma diminuição da eficácia farmacológica31. Outra
estratégia seria desenvolver antagonistas do CB1
que não atravessem a barreira hematoencefálica. O
LH-21, antagonista do CB1 com menor penetração
no sistema nervoso central que o rimonabant, revelou uma diminuição do apetite e consequentemente
do aporte calórico em animais, apresentando uma
menor incidência de efeitos secundários32.
Outros ensaios clínicos sugerem que atenuar a
produção de endocanabinóides em vez de bloquear
os recetores CB1 pode constituir uma abordagem
mais fisiológica para a terapêutica da obesidade, já
que nos indivíduos obesos se verificam níveis elevados de endocanabinóides e não uma maior expressão de recetores CB1. Aliás, indivíduos obesos
revelaram uma menor expressão de recetores CB1
comparativamente com indivíduos normoponderais33. Tal estratégia passa por modular o sistema endocanabinóide de forma a corrigir níveis anormalmente elevados de endocanabinóides e constitui
uma nova abordagem terapêutica.
Perspetivas terapêuticas baseadas nos
endocanabinóides
Na última década emergiu uma nova perspetiva terapêutica com a síntese de fármacos que modulam o sinal canabinóide por ativação ou inibição
dos recetores canabinóides e das enzimas que sintetizam e degradam os endocanabinóides. Atualmente, as atenções incidem menos nos fármacos que
atuam diretamente nos recetores canabinóides (isto
é, agonistas canabinóides tais como o THC). Embora as propriedades farmacológicas do THC sejam
semelhantes às da AEA, esta é rapidamente hidrolisada pelo que a sua utilização clínica se encontra
limitada. Assim, uma estratégia promissora explora
a interferência com os processos de inativação (por
exemplo, inibidores da enzima de degradação, a
FAAH), aumentando os níveis dos endocanabinóides
e potenciando a sua atividade. Estes potenciadores
dos endocanabinóides são mais vantajosos pois são
pensados para
​​
preservar a especificidade endocanabinóide, limitando os efeitos adversos indesejáveis.
Atualmente existe uma grande variedade destas moléculas em estudos pré-clínicos. A inibição da
degradação da AEA é possível através de inibidores
da sua hidrólise pela FAAH, tais como URB597, PF04457845 e OL-13534 ou inibidores do transportador
dos endocanabinóides, tais como AM404, UCM707,
OMDM-1 e OMDM-2 e VDM11 35. Estes compostos
têm atraído a atenção de várias empresas, pois emergem como promissores no tratamento da ansiedade e da dor18, 36, o que tem sido corroborado pelos
resultados promissores de vários ensaios clínicos.
Neste sentido, atualmente está a decorrer um ensaio
clínico fase II para avaliar a segurança e eficácia do
inibidor da FAAH PF-04457845 no tratamento da dependência de cannabis 37.
Além do mais, foram descritos compostos
endógenos análogos dos endocanabinóides com
atividade biológica em modelos animais de dor e
obesidade que, apesar de desprovidos de ação nos
recetores canabinóides, interferem com a degradação dos endocanabinóides e consequentemente
com as suas concentrações.
Notavelmente, os endocanabinóides constituem um sistema distinto de sinalização envolvido
nas diversas funções fisiológicas, desde homeostase,
modulação de nocicepção, resposta imunitária e inflamatória e ainda função do sistema cardiovascular.
A modulação deste sistema constitui um promissor
alvo terapêutico pelo que o conhecimento mais profundo nesta área permitirá o desenvolvimento das
melhores estratégias para explorar a sua utilidade.
Conclusão
O uso medicinal da planta Cannabis sativa
foi abandonado em vários países, apesar de inúmeros relatos que confirmam a sua segurança e baixa
toxicidade. Ao longo dos últimos quatro mil anos,
O Sistema Endocanabinóide – uma perspetiva terapêutica
esta planta tem sido utilizada para o tratamento de
numerosas patologias mas, devido às suas propriedades psicoativas, o seu uso medicinal é altamente
restrito. Por outro lado, os canabinóides sintéticos
têm sido aceites pela comunidade médica.
Embora diversas evidências confirmem que as
propriedades analgésicas do THC são úteis e complementares às dos opióides, a sua utilização clínica é essencialmente como estimulante do apetite.
Contudo, a nabilona, ​​um análogo sintético do THC,
foi autorizada há já vários anos para o tratamento do
espasmo muscular e dor em doentes com esclerose
múltipla. Mais recentemente, o antagonista do CB1
rimonabant foi comercializado para o tratamento da
obesidade. No entanto, o uso terapêutico dos canabinóides também pode ser acompanhado por reações
adversas, tais como ataques de ansiedade ou pânico,
o que levou à retirada do mercado do rimonabant.
Em Portugal, foi recentemente autorizada a introdução no mercado do primeiro medicamento que interfere com o sistema endocanabinóide, o Sativex®,
com indicação terapêutica para a esclerose múltipla.
Particularmente relevantes são as evidências de
potenciais aplicações terapêuticas resultantes da manipulação do sistema endocanabinóide. A considerável investigação no conhecimento das suas ações
fisiológicas e a panóplia de mecanismos biológicos
em que os endocanabinóides se encontram envolvidos começa apenas agora a desvendar-se. A sua
utilização recai principalmente sobre os agonistas/
antagonistas dos recetores canabinóides (baseados
na estrutura química do THC ou dos endocanabinóides) e os potenciadores da ação dos endocanabinóides recorrendo à inibição da sua recaptação ou das
enzimas de degradação. De facto, a grande variedade
de funções fisiológicas afetadas pelos endocanabinóides sugere que o estudo aprofundado do sistema
endocanabinóide pode permitir o desenvolvimento
de novos fármacos com maior aceitabilidade social e
reduzidos efeitos secundários.
Após duas décadas de investigação no sistema
endocanabinóide, excitantes descobertas foram feitas. Embora o puzzle continue certamente incompleto, o que sabemos até ao momento indica que vale
a pena investir no seu estudo e manipulação clínica.
43
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Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
Oliveira, Tiago G.1, Borges, Olga2,3 e Cruz, Maria T.2,3
(1) Mestre em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
(2) Professora Auxiliar, Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
(3) Investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
Autor correspondente:
Maria Teresa Cruz – E-mail: [email protected] – Número de telefone: +351 938 204 793
Faculdade de Farmácia – Universidade de Coimbra – Pólo das Ciências da Saúde – 3000-548 Coimbra
Resumo
As células dendríticas (DCs) são células apresentadoras de antigénio dotadas de uma extraordinária capacidade de estimular e regular a resposta dos linfócitos T. Devido à sua capacidade imunomoduladora e ao
reduzido número de DCs ativadas capazes de gerar uma eficiente resposta imunológica, as DCs têm sido
muito utilizadas em ensaios clínicos com o intuito de obter ou amplificar uma resposta imune anti-tumoral.
Apesar de estudos clínicos evidenciarem que as vacinas de DCs são seguras e induzem uma resposta imunológica na maioria dos doentes, o número de casos com remissões completas do tumor ainda é pequeno.
Para aumentar a eficácia clínica é necessário melhorar e criar novas estratégias que incluam a amplificação
da imunidade adaptativa anti-tumoral e o bloqueio da proliferação de linfócitos T reguladores e do microambiente imunossupressor. A combinação de vacinas de DCs com os protocolos convencionais de quimio- e
radioterapia promovem a ativação de DCs, a apresentação cruzada de antigénios e a eliminação seletiva de
células imunossupressoras, revertendo o estado de imunossupressão inerente ao tumor. Assim, esta associação de quimioimunoterapia poderá explorar positivamente a capacidade das DCs na obtenção de uma
resposta imunológica mais eficaz.
Palavras-chave: Células dendríticas; Cancro; Imunoterapia; Vacina
Abstract
Dendritic cells (DCs) are professional antigen-presenting cells, which display an extraordinary capacity to induce and regulate T-cell responses. Because of their immunoregulatory capacities and because very
small numbers of activated DCs are highly efficient in generating immune responses against antigens, DCs
have been extensively used in clinical trials in order to elicit or amplify immune responses against cancer.
While clinical trials provide evidence that dendritic cells vaccines are safe and elicit immunological responses
in most patients, few complete tumor remissions have been reported. To improve the clinical efficacy, it is
mandatory to design novel and improved strategies that can boost adaptive immunity to cancer helping to
overcome regulatory T cells and allowing the breakdown of the immunosuppressive tumor microenvironment. The association of DCs vaccines with conventional chemo- and radiotherapy protocols could enhance
DCs activation and antigen cross-presentation, selectively eliminating immunosuppressive cells, thus reverting the immunosuppression state caused by cancer, suggesting that relevant chemoimmunotherapy associations could fully exploit DC capacity to trigger anticancer responses.
Keywords: Dendritic cells; Cancer; Immunotherapy; Vaccine.
46
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
Introdução
As células dendríticas (DCs) foram identificadas, pela primeira vez, por Paul Langerhans, em
1968, que durante um estudo anatómico da epiderme constatou a presença de uma rede de células
irregulares com longas extensões membranares, semelhantes a dendrites das células do sistema nervoso (células de Langerhans, LCs) 1. A sua incógnita
função estendeu esta analogia até meados do século
XX, erroneamente incluída como parte integrante do sistema nervoso periférico2. Posteriormente,
em 1973, Ralph Steinman e Zanvil Cohn observaram uma população de células no baço com forma
dendrítica, mostrando tratar-se de uma nova classe
de leucócitos com funções imunomoduladoras do
sistema imunitário3. Atualmente sabe-se que as DCs
são células apresentadoras de antigénio (APCs) altamente eficientes, essenciais e com uma capacidade
única de modulação da imunidade e tolerância2.
As DCs encontram-se normalmente num estado imaturo, sendo extremamente sensíveis a sinais
de “perigo” resultantes de processos inflamatórios,
infeciosos, ou de destruição celular4. Num processo
tumoral, as DCs migram através da circulação sanguínea até ao tecido tumoral, sendo gerados estímulos que desencadeiam a sua maturação5. Durante
este processo, as DCs perdem a sua capacidade fagocítica, ocorrendo a produção de citocinas e quimiocinas, alterações na expressão de recetores de
quimiocinas e ainda a sobre-expressão de moléculas
co-estimuladoras e moléculas do complexo major
de histocompatibilidade (MHC) contendo o antigénio que irá ser reconhecido pelo recetor dos linfócitos T (TCR) 6.
A heterogeneidade das DCs, aliada à sua capacidade de atingirem diferentes estados de maturação confere-lhes um papel extremamente dinâmico,
permitindo-lhes interagir com diversas células efetoras, incluindo linfócitos T, linfócitos B e linfócitos NK
(natural killer). Esta modulação entre resposta imunogénica e tolerância periférica torna-as num alvo
extremamente aliciante para o desenvolvimento de
novas estratégias imunoterapêuticas, nomeadamente na potenciação da resposta anti-tumoral, no desen-
volvimento de vacinas antimicrobianas e na indução
de tolerância em transplantes, alergias ou autoimunidade7. Deste modo, o conhecimento dos mecanismos inerentes às alterações funcionais e fenotípicas
desencadeadas durante o processo de maturação
assume um papel preponderante na manipulação
e compreensão de DCs, tendo em vista a otimização dos atuais protocolos imunoterapêuticos4.
Este texto pretende ser uma revisão da aplicação das DCs na imunoterapia anti-tumoral, tendo
por base os estudos recentes que demonstram segurança e viabilidade na indução de uma resposta
imunológica e clínica em doentes oncológicos5. Neste contexto, as DCs serão abordadas no que respeita
à sua imunobiologia, manipulação e imunoterapia,
assim como será feita uma descrição de resultados
de ensaios clínicos recentes.
Células dendríticas
Origem, diferenciação e classificação
As DCs têm origem a partir de células estaminais hematopoiéticas (HSCs) CD34+ da medula
óssea, onde as recém-formadas HSC dão origem a
uma série de precursores que migram através da circulação sanguínea até ao tecido alvo8. Entre esses
precursores encontram-se os progenitores comuns
mieloides (CMPs) e os progenitores comuns linfoides (CLPs) cujo potencial de diferenciação está
intimamente ligado à expressão e capacidade de
resposta destes progenitores ao ligando Flt3L (Fms-like tyrosine kinase 3 ligand) 2. Em condições de
stress fisiológico, os monócitos diferenciam-se em
DCs imaturas, entre uma variedade de outras citocinas, na presença do fator estimulante de colónias
de macrófagos e granulócitos (GM-CSF) 8. Segundo
o modelo de comprometimento gradual, os diferentes precursores não se encontram predestinados a
dar origem a um tipo particular de DCs. No entanto,
existe um gradiente de probabilidade que vai desde
precursores que podem originar todos os tipos de
DCs, precursores que só dão origem a DCs plasmacitóides (pDCs) e precursores que só dão origem a
DCs CD8+ e CD8- 2.
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
A enorme heterogeneidade apresentada pelas
DCs torna a sua classificação bastante complexa; no
entanto, genericamente, podem ser classificadas em
pDCs e DCs convencionais (cDCs). As primeiras, de
origem linfoide, encontram-se no sangue e órgãos
linfoides, sendo caracterizadas pela sua extraordinária capacidade na produção de interferão tipo 1
(IFN-α/β) após infeção viral ou após interação com
agonistas dos recetores do tipo Toll (TLR) 7 e 9. Do
ponto de vista funcional, apresentam enorme plasticidade podendo induzir respostas T auxiliares (Th)
1, Th2, ou tolerância, através da indução de células
T reguladoras (Tregs). Por outro lado, as cDCs são
de linhagem mieloide e encontram-se nos tecidos e
sangue periférico, estando envolvidas no reconhecimento de estruturas bacterianas e na produção de
citocinas pro-inflamatórias, designadamente o fator
de necrose tumoral α (TNF-α), interleucina 6 (IL-6)
e IL-12p70, ativando células Th1/Th17 e, consequentemente, recrutando linfócitos T citotóxicos (CTL).
As cDCs apresentam ainda elevada expressão dos recetores TLR1, TLR2, TLR3, TLR4 e TLR8 e constituem
os precursores de células de Langerhans ou de DCs
intersticiais, consoante os estímulos recebidos e o
microambiente a que são expostas3, 9. Tem sido demonstrado ainda que as pDCs aumentam a resposta
imune por cross-talking com cDCs através da produção de IFN-α e pela expressão de CD40L, ativando a
produção de IL-12p702, 10.
Imunobiologia de DCs
Captação, processamento e apresentação de
antigénios
Atuando como sentinelas nos tecidos periféricos não linfoides, as DCs imaturas são especializadas
na captura e processamento de antigénios, reconhecendo, assim, os designados pathogen associated
molecular patterns (PAMPs) ou padrões moleculares associados a agentes patogénicos. Estas estruturas, altamente conservadas, incluem lípidos microbianos, polissacarídeos, ácidos nucleicos e RNA viral,
sendo reconhecidas via recetores de reconhecimento de padrões (PRRs). Estes recetores são diversifica-
47
dos, que por sua vez incluem TLR, recetores nucleotide-binding oligomerization domain (NOD-like),
recetores da proteína cinase ativada (PKR) e helicases do tipo RIG-18. Após efetuado o reconhecimento
antigénico, a captação dos mesmos inclui mecanismos de macropinocitose, endocitose e fagocitose
mediada por recetores. A sua internalização é mediada por um vasto número de recetores que, por
processos de endocitose e fagocitose, inclui recetores para a porção FC das imunoglobulinas, recetores
de complemento, recetores scavenger, recetores de
lectina do tipo C e integrinas2.
As DCs processam antigénios endógenos e exógenos, apresentando-os aos linfócitos T sob a forma de péptidos antigénicos acoplados a moléculas
MHC. Este processamento é diferenciado, tendo em
conta a origem e a natureza molecular do antigénio,
encontrando-se descritos três mecanismo de apresentação: i) via MHC classe I ou citosólica (endógena); ii) via MHC classe II ou endocítica (exógena);
iii) apresentação de antigénios lipídicos acoplados a
moléculas CD1. As DCs possuem ainda a capacidade única de apresentar in vivo antigénios exógenos
aos linfócitos T CD8+ pela via MHC-1, num processo
designado por apresentação cruzada2, 10.
Maturação e estimulação da resposta imune
As DCs encontram-se normalmente nos tecidos periféricos num estado imaturo, sendo praticamente desprovidas de atividade imunoestimuladora. Contudo, após um estímulo de “perigo” (danger
signal) as DCs migram para os tecidos linfoides,
sofrendo uma complexa e coordenada série de alterações morfológicas, funcionais e fenotípicas, que
culmina com aquisição de potencial imunoestimulador (maturação) 2. Com efeito, DCs maturadas expressam altos níveis de moléculas co-estimuladoras,
assim como moléculas MHC, tornando-se capazes
de apresentar antigénios aos linfócitos B e T naive9.
Este processo, contínuo e altamente regulado por
vias de transdução de sinal, pode ser desencadeado de forma direta pelo reconhecimento de agentes
patogénicos através de PRRs (caracterizado pelo aumento da produção de citocinas e quimiocinas por
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
48
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
parte das DCs), ou de forma indireta através da exposição a mediadores inflamatórios produzidos por
outras células do sistema imunitário, o que resulta
num aumento da expressão membranar de moléculas co-estimuladoras2, 9.
Nos nódulos linfáticos, as DCs apresentam os
antigénios aos linfócitos T CD4+ e T CD8+ via MHC-II e MHC-1, respetivamente. Esta interação resulta
na ativação dos linfócitos T CD8+ e na diferenciação
dos linfócitos T CD4+ nos seus diferentes tipos de
células efetoras e reguladoras, requerendo estes
processos o fornecimento de três sinais distintos
por parte das DCs. O primeiro sinal consiste no reconhecimento antigénico via MHC. O segundo é
determinado pela interação entre sinais positivos
e negativos originados pela interação de moléculas
co-estimuladoras das DCs e respetivos ligandos nas
células T, desencadeando uma resposta imunogénica ou tolerância. Por fim, a secreção de citocinas e
quimiocinas por parte das DCs maturadas constitui
o sinal 3, provocando a diferenciação dos linfócitos T CD8+ em CTLs e a polarização dos linfócitos
T CD4+ em células efetoras (Th1, Th2 e Th17) ou
reguladoras (Tregs 1 e 3) 10. Por outro lado, o papel
das DCs na ativação de linfócitos B é maioritariamente indireto, através da indução da expressão de
CD40L e de IL-2 nos linfócitos T (fatores preponderantes na ativação de linfócitos B). Um número
crescente de evidências tem mostrado que as DCs
também interagem com outras células da imunidade inata durante as fases iniciais da resposta imunológica. Estas interações são recíprocas, produzindo
efeitos em ambas as células, ocorrendo fundamentalmente nos órgãos linfoides secundários e em locais de inflamação2.
A função desempenhada pelas DCs é, então,
crucial na modulação da imunidade, ao estabelecer
a ligação entre imunidade inata e adaptativa, direcionando a resposta imune ou promovendo tolerância
antigénica. O tipo de resposta depende do estímulo
indutor da maturação das DCs, do perfil de maturação induzido, da concentração do antigénio, da intensidade e duração da interação com os linfócitos e
dos fatores inerentes a estes2.
Imunoterapia anti-tumoral baseada em
DCs
Imunoterapia baseada em DCs
O recurso a DCs como estratégia imunoterapêutica baseia-se na sua capacidade em captar e
apresentar proteínas tumorais, desencadeando uma
forte e efetiva resposta imunogénica, através da ativação e expansão de células efetoras como os linfócitos Th1, linfócitos CTL e células NK (Figura 1) 11. A
imunidade inata desencadeia uma primeira resposta
através da libertação de citocinas que visam a lise de
células anormais (via células NK), ou através da internalização de antigénios (monócitos, macrófagos
ou DCs) para posterior apresentação às células T
(Figura 2)12. O reconhecimento de complexos peptídicos de células tumorais via MHC-I, através do recetor TCR, promove a ativação de CTL e a libertação
de citotoxinas (perforina e granzima), destruindo as
células malignas11, 13. A ativação de DCs via MHC-II
promove a diferenciação das células T CD 4+ naive em, pelo menos, quatro grandes linhagens (Th1,
Th2, Th17, Tregs) que participam em diversos tipos
Figura 1. Homeostase do Sistema Imunológico. As células Th1 produzem IFNγ juntamente com citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e TNF-β, que por sua vez ativam
DCs que irão regular a permanência das CTLs CD8+ como
células de memória. A resposta Th2 promove a produção
de IL-4 e IL-10 e está frequentemente relacionada com a
imunidade humoral. Já as células Th17 segregam IL-17 e
IL-22, provocando a inflamação dos tecidos implicados na
autoimunidade. (adaptado de: Borghaei H et al..12)
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
de resposta imune14. Contudo, as células tumorais
geram frequentemente um microambiente imunossupressor que impede uma efetiva ativação das DCs
e, consequentemente, uma inadequada resposta
anti-tumoral. Este microambiente está associado à
produção de IL-6, IL-10, fator de transformação do
crescimento β(TGF-β), fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) e indução de Treg2.
Figura 2. Imunidade inata e adaptativa na resposta antitumoral. As caixas cinzentas ilustram de um modo simplificado as respostas inata e adaptativa. As setas descrevem
o impacto das células imunes sobre as tumorais. (adaptado de: Borghaei H. et al.12)
Vacinas com DCs
A estratégia imunoterapêutica anti-tumoral
com recurso a DCs baseia-se no desenvolvimento
de vacinas que, partindo de precursores de DCs, são
posteriormente diferenciadas e carregadas com antigénios tumorais autólogos, favorecendo uma resposta imune direcionada e efetiva15. Tal como ilustra
a Figura 3, os precursores de DCs (monócitos ou
HSCs CD34+) são isolados a partir do doente oncológico (1). A incubação com GM-CSF e IL-4 promove a diferenciação dos monócitos em DCs imaturas,
enquanto a incubação com FLt3L, GM-CSF e TNF-α
diferencia as HSCs CD4+ (2). A maturação das DCs
é conseguida através da utilização de citocinas pró-inflamatórias, CD40L ou agonistas TLR (3). O carregamento com antigénios tumorais (proteínas ou
ácidos nucleicos tumorais ou um simples antigénio
alvo) pode ocorrer simultaneamente com a matu-
49
ração ou numa fase posterior a este processo (4) 15,
16
. Deste modo, DCs maturadas carregadas com o
antigénio tumoral são injetadas no doente (5), migrando para os tecidos linfoides. Neste local, o organismo desencadeia uma resposta inata e desenvolve, ainda, a ativação das células T CD4+ e CD8+ (6).
As células T ativas migram do tecido linfoide para o
tecido tumoral (7) inibindo o seu crescimento (8) 13.
Figura 3. Imunoterapia com DCs. O recurso a vacinas
como estratégia imunoterapêutica baseada em DCs para
o tratamento e prevenção do cancro tem sido, nas duas
últimas décadas, alvo de intensa investigação. A figura
ilustra de um modo simplificado este conceito de imunoterapia anti-tumoral. (adaptado de: Sabado RL, Bhardwaj N. 13)
A vacina ideal
A vacina de DCs ideal deverá ser capaz de induzir DCs maturadas, com capacidade migratória,
apresentar longevidade e estabilidade na apresentação do antigénio tumoral, de modo a iniciar e a
manter uma efetiva e adaptativa resposta imune. O
aumento da longevidade das DCs promove uma resposta dos linfócitos T mais efetiva e, portanto, aumenta a capacidade de eliminação do tecido tumoral17. Os principais e últimos parâmetros de avaliação
de desempenho da vacina têm em conta a taxa de
eliminação tumoral e o intervalo de sobrevivência
livre de doença. Os primeiros resultados clínicos
evidenciam segurança na administração deste tipo
de vacinas, que, no entanto, conduzem por vezes a
respostas imunes e clínicas limitadas3.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
50
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
Gerações e tipologia de vacinas
Os resultados dos primeiros ensaios com vacinas de DCs foram pouco conclusivos, uma vez que
a regressão tumoral foi apenas observada esporadicamente. Parte do insucesso foi atribuído à reduzida
carga antigénica apresentada pelas DCs, ao possível
ambiente imunossupressor gerado, à fraca migração
das DCs injetadas para os nódulos linfáticos e ainda
ao facto dos ensaios terem sido realizados em doentes com tumores em fase terminal, cujo sistema imunitário se encontrava bastante debilitado. Estudos
recentes referem que as DCs manipuladas ex vivo e
posteriormente injetadas têm um papel limitado na
estimulação direta dos linfócitos T in vivo. Pelo contrário, estas DCs ativam indiretamente os linfócitos
T CD8+ naive através da transferência dos antigénios de que são portadores para as DCs endógenas
que, subsequentemente, os apresentam às células
T CD8+. Desta forma a atividade imunogénica pode
ser limitada e os benefícios da transferência de antigénios para as DCs endógenas podem ser anulados pela atividade imunossupressora da maioria dos
tumores. As estratégias desenvolvidas no imediato
aludem para o uso simultâneo de vacinas de DCs em
combinação com o bloqueio da atividade imunossupressora tumoral através de anticorpos direcionados
para determinadas moléculas2, 18.
Como forma de ultrapassar algumas limitações
da manipulação ex vivo, tem vindo a ser desenvolvida uma nova estratégia anti-tumoral baseada na
administração in vivo de antigénios tumorais acoplados a anticorpos específicos para moléculas de
superfície das DCs, de modo a direcioná-los seletivamente para estas. Esta abordagem tem mostrado
resultados promissores em modelos animais, desencadeando respostas imunogénicas efetivas contra os
alvos de tratamento tumorais2.
Resistência Anti-tumoral
Um dos maiores obstáculos ao sucesso de vacinas com DCs é o desenvolvimento de mecanismos
imunossupressores desencadeados pelas células tumorais (Figura 4) 19. Com efeito, sob influência de
um microambiente tumorogénico, as DCs podem
adquirir um fenótipo tolerogénico. Deste modo, as
DCs condicionadas podem produzir uma variedade
de moléculas imunossupressoras e, assim, favorecer
a resistência tumoral9. As células tumorais produzem vários fatores imunossupressores como citoci-
Figura 4. Mecanismos de resistência anti-tumorais desenvolvidos pelas células tumorais. (a) A acumulação de lípidos
nas DCs devido à sobre-expressão de recetores scavenger
de macrófagos 1 (Msr1) inibe a apresentação de antigénios
solúveis pelas DCs. Ligandos do recetor X do fígado (LXR)
inibem a expressão do recetor de quimiocina C-C tipo 7
(CCR7) impedindo a migração das DCs. (b) A interação do
antigénio 2 do estroma da medula óssea (BST2) / immunoglobulin-like transcripts 7 (ILT7) suprime a capacidade de
produção de IFN-α/β pelas pDCs após estimulação TLR7/9.
(c) A sobre-expressão da proteína S100A9 por fatores
solúveis tumorais inibe o processo de maturação das DCs e
promove a acumulação de MDSCs, tal como acontece com
a libertação de GM-CSF. Exossomas de origem tumoral potenciam ainda as funções supressoras das MDSCs através
do transdutor do sinal e ativador de transcrição 3 (STAT3) e
da proteína de choque térmico 72 (HSP72). (d) Prostaglandinas E 2 (PGE2) reduzem a infiltração de DCs no tumor
(TIDC) através da libertação de IL-10 que induz DCs tolerogénicas a expressarem CD25 e IDO. (e) O ligando 21 da
quimiocina C-C pode ainda recrutar Tregs CD4+ e MDSCs.
(adaptado de: Apetoh L. et al.19)
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
nas (TGF-β, IL-10 e IL-6) e moléculas de superfície
que medeiam este tipo de resposta (VEGF, ligando
Fas (Fas-L), ligando do recetor de morte celular programada 1 (PD-L1) e indolamina-2 e 3-dioxigenase
(IDO)). Neste microambiente, existem ainda, para
além das células tumorais, outras células imunossupressoras como fibroblastos associados ao tumor
(CAFs), DCs tolerogénicas, células supressoras de
origem mieloide (MDSCs), macrófagos imunossupressores associados ao tumor (TAMs) e células
Treg. Estas células imunossupressoras inibem a imunidade anti-tumoral por vários mecanismos, incluindo a depleção de arginina e a produção de ROS e
NO11. Atualmente, evidências emergentes sugerem
que uma forma efetiva para melhorar a eficácia da
imunoterapia com base em DCs reside na inibição
da regulação imunossupressora9.
Estratégias para melhorar a efetividade imunoterapêutica de vacinas
Para maximizar a efetividade anti-tumoral da vacinação com DCs, várias estratégias têm sido desenvolvidas neste sentido. Estas incluem a otimização
na diferenciação de DCs, o aumento da imunogenicidade via modificação genética das DCs e a inclusão
de adjuvantes, um carregamento de antigénios otimizado, o aumento da longevidade de DCs e a inibição dos mecanismos de imunossupressão.
Com o objetivo de melhorar a resposta imunológica dos linfócitos T, a diferenciação das DCs deve
ser adaptada e específica ao processo tumoral em
questão. A combinação de citocinas adicionadas ao
processo de diferenciação de monócitos em DCs
assume um papel crucial na qualidade de resposta
dos linfócitos T. Por exemplo, DCs maturadas obtidas pela incubação com GM-CSF e IL-15 assumem
um fenótipo característico de LCs. Em particular, são
mais eficientes in vitro no tratamento do melanoma
ao maximizar a resposta dos linfócitos T CD8+ naive
e, consequente diferenciação em CTLs, em comparação com as DCs obtidas após diferenciação induzida por GM-CSF e IL-420.
O aumento da eficácia e estabilidade da apresentação de antigénios pelas DCs inclui várias estratégias de otimização, entre as quais a administração
51
in vivo de antigénios tumorais acoplados a anticorpos específicos para as DCs do doente, assim como
uma variedade de processos de carregamento de
DCs com antigénios in vitro. De facto, antigénios
acoplados a anticorpos específicos para moléculas
de superfície de DCs, como a 33DI (anti-dendritic
cell antibody) ou DEC205 (dendritic and epithelial
cell receptor with a m.w. of 205 kDa), estão a ser
usadas em estudos pré-clínicos. Além disso, DCs
geneticamente modificadas ex vivo com RNAm ou
DNA tumoral, ou carregadas com péptidos tumorais,
estão a ser testados in vitro e in vivo na indução de
resposta imunológica9. O recurso a péptidos como
fonte de antigénios tem várias limitações quando
utilizados em ensaios clínicos, principalmente na
indução de imunogenicidade efetiva. Deste modo,
a inclusão de DCs transfectadas com RNAm para o
antigénio leucocitário humano (HLA) assim como
para um número limitado de antigénios imunodominantes associados ao tumor, tem demonstrado
maior benefício terapêutico relativamente a outras
estratégias de carregamento de antigénios na indução da resposta imune. A transfecção de RNAm
originará a apresentação de múltiplos epítopos antigénicos, possivelmente mais imunogénicos que
os anteriormente caracterizados, independentemente do haplótipo HLA do doente. Adicionalmente, o RNAm do tumor autólogo pode ser isolado e
amplificado, no sentido de obter antigénios de especificidade intrínseca ao próprio. Uma vez que o
RNAm tem uma semivida curta e não se integra no
genoma do hospedeiro, modificações genéticas nas
DCs por eletroporação com RNAm são consideradas
altamente seguras e uma ferramenta simples de aplicação clínica9, 10, 21.
O aumento da eficácia da imunoterapia anti-tumoral relaciona-se, intimamente, com a compreensão dos mecanismos complexos inerentes ao
equilíbrio entre imunidade e tolerância e com as características exigidas pelas DCs para uma resposta
efetiva. Com o objetivo de aumentar a eficácia das
DCs, estão a ser desenvolvidas estratégias que incluem a sua modificação genética, de modo a aumentar a expressão de reguladores positivos imunogénicos e a inibir reguladores negativos17.
Como supramencionado, a interação CD40/
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
52
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
CD40L é preponderante na expressão de citocinas,
quimiocinas e moléculas co-estimuladoras. Para mimetizar esta interação, as DCs podem ser modificadas por transdução via adenovírus ou por eletroporação de RNAm para expressão do ligando CD40L. A
fim de controlar e melhorar a expressão via CD40,
pode ser adicionado um indutor químico de dimerização (CID) AP1903. Esta estratégia induz uma resposta Th1 anti-tumoral mais eficaz, assim como uma
migração melhorada tanto in vivo como in vitro22.
Outras moléculas co-estimuladoras com evidência
positiva incluem a proteína relacionada com o TNFR
induzida por glucocorticoides (GITR-L), 4-IBBL,
CD70 e OX40L. A vacinação com DCs carregadas
com o RNAm correspondente ao antigénio tumoral
e que expressem o ligando GITR aumentam a resposta específica via linfócitos T, prolongando, ainda,
a semivida das células T de memória. A expressão
transgénica da molécula CD70 pelas DCs em murganhos mostrou quebrar a tolerância dos linfócitos
T CD8+, aumentando assim a imunogenicidade anti-tumoral. A eletroporação com RNAm que codifique
a combinação de CD70, CD40L, entre outras moléculas co-estimuladoras aumenta, deste modo, a capacidade de estimulação das células T17.
Modificações genéticas que visem a expressão
aumentada de mediadores solúveis, como citocinas
e quimiocinas, também aumentam a eficácia da vacinação com DCs. A produção local de citocinas pelas DCs, como a IL-12, evita a toxicidade associada à
administração sistémica de citocinas inflamatórias.
Esta sobre-expressão melhora a migração, maturação
e a atividade anti-tumoral numa variedade de modelos pré-clínicos17. A expressão de recetores TRANCE
(citocina induzida por ativação e relacionada com o
TNF) para os ligandos RANK (recetor ativador do NFκB – fator nuclear de transcrição kappa B) dos linfócitos T promove uma sinalização autócrina nas DCs, aumentando a sua potência na expressão de moléculas
co-estimuladoras e a secreção de citocinas que, por
sua vez, aumentam a potência de resposta dos linfócitos T. Esta estratégia aumenta a taxa de eliminação das
células tumorais em modelos pré-clínicos, sendo que,
no entanto, aguarda ainda por resultados clínicos23.
A longevidade das DCs é crucial para a eficácia da
vacina; assim, modificações genéticas que estimulem
a regulação de sinais anti-apoptóticos ou reduzam
os pro-apoptóticos estão sob investigação. O mecanismo PI3k (cinase responsável pela fosforilação da
posição 3 do fosfatidilinositol) / Akt (proteína cinase
B) regula múltiplas atividades celulares, críticas no
processo de produção, sobrevivência e secreção de
citocinas. Para aumentar a longevidade das DCs em
modelos pré-clínicos, a modificação genética da Akt
num sinal reforçado e constitutivo, regula a proteína
Bcl-2 aumentando a longevidade das DCs. A inclusão
de small interfering RNA (siRNA) direcionado para
moléculas proapoptóticas Bax, Bak e Bim favorece,
também, a longevidade de DCs em murganhos24.
Embora os reguladores positivos representem
uma abordagem promissora no desenvolvimento de
vacinas mais eficazes, as DCs permanecem sensíveis
a inibidores endógenos que, sob microambiente tumoral, auxiliam o processo de tolerância e evitam
a autoimunidade. Uma vez que um dos principais
objetivos é quebrar a auto-tolerância aos antigénios
tumorais, estes reguladores negativos apresentam-se como um dos principais obstáculos à imunoterapia anti-tumoral. Os recetores inibitórios estão
envolvidos no desenvolvimento de tolerância, na
manutenção da homeostase e na regulação negativa
da resposta imune. A inibição destes últimos é geralmente mediada por ITIMs (immunoreceptor tyrosine-based inhibitory motifs) nas regiões citoplasmáticas, que atuam por recrutamento de inibidores das
proteínas tirosina-fosfatases, tais como SHP-1 e SHP2. Estes recetores inibitórios podem ser úteis como
alvos de intervenção terapêutica. Por exemplo, vários estudos clínicos estão a ser desenvolvidos para
avaliar a segurança e a eficácia do bloqueio do recetor PD-1; alguns destes estudos combinam este bloqueio com anticorpos monoclonais17. O recetor de
macrófagos com estrutura de colagénio (MARCO)
é um recetor scavenger de classe A, expresso por
alguns macrófagos e DCs, cuja deficiência melhora
a migração de DCs. Assim, o silenciamento MARCO
mostrou melhorar este parâmetro tanto in vitro
como in vivo, sem alterar aparentemente a secreção
de citocinas, além de controlar o crescimento de tumores B16 (atividade anti-melanoma) 25. O recurso a
inibidores citoplasmáticos apresenta-se como outro
método de regulação inibitória de fatores negativos
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
responsáveis pela maturação de DCs, aumentando a
resposta imunológica dos linfócitos T. Assim, a proteína SOCS1 (supressor de sinalização de citocinas
1) atua como um regulador negativo da secreção
de citocinas inibindo a via JAK (cinase de Janus) /
STAT. O silenciamento do gene SOCS1 em células
dendríticas derivadas da medula óssea de murganho
(BMDCs) aumentou a resposta imune dos linfócitos
T e a regressão das células tumorais; esta resposta
foi mediada pelo aumento da produção de IL-12.
Resultados in vitro obtidos pelo silenciamento do
gene SOCS1 em DCs humanas corroboram os resultados obtidos em células de murganho ao aumentar
a resposta das células T26. A proteína A20 (proteína
3 induzida pelo TNF-α, TNFAIP3) é uma ubiquitina
modificada expressa em altos níveis nos órgãos linfoides, incluindo o timo e o baço. Esta proteína atua
como um regulador negativo a jusante do TLR e do
recetor TNF, inibindo, portanto, a sinalização NF-κB.
O direcionamento de siRNA para esta proteína em
BMDCs provocou uma produção robusta de citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α, IL-12p40 e a
IL-6, a inibição de Tregs, bem como o aumento da
atividade anti-tumoral das células T. De modo similar, a inibição desta proteína em DCs derivadas de
monócitos humanos aumentou os níveis de NF-κB e
a potência de resposta dos linfócitos T27.
Terapêutica de associação como estratégia anti-tumoral
Tendo em conta a diversidade de mecanismos
imunossupressores inerentes ao cancro metastático,
qualquer resultado clínico positivo que aumente a
extensão de resposta de vacinas com DCs é considerado notável. No entanto, para melhorar os resultados, estas vacinas têm de ser combinadas com outras
terapias que combatam o microambiente imunossupressor gerado pelo tumor. Tais regimes de combinação envolvem diversos fármacos que atuam em
diferentes alvos terapêuticos (Figura 5) 18.
Recentemente, surgiram novos paradigmas no
campo da pesquisa de vacinas contra o cancro. Em
particular, tem sido discutido o potencial uso de associações terapêuticas que incorporem imunomoduladores com quimio- e radioterapia antevendo-se
53
Figura 5. Vacinas de DCs em terapêutica combinada.
Os ensaios clínicos em decurso evidenciam regressão
tumoral considerável, em parte dos doentes estudados.
No entanto, a eficácia clínica pode ser limitada pelo desenvolvimento de células supressoras mieloides, células
inflamatórias Th2 e células Tregs. Torna-se essencial, portanto, desenvolver novas estratégias de modo a maximizar
a resposta adaptativa, bloquear células Treg e eliminar o
microambiente imunossupressor. A estratégia terapêutica
atual consiste na combinação destes três componentes
principais. (adaptado de: Palucka K. et al. 28) .
sinergia com as vacinas anti-tumorais. A quimioterapia citotóxica é, geralmente, considerada imunossupressora, devido à sua toxicidade para as células
em divisão na medula óssea e no tecido linfoide periférico. Deste modo, a combinação de vacinas anti-tumorais com quimioterapia foi, outrora, entendida
como inadequada, atendendo a que o efeito imunossupressor anularia a eficácia destas vacinas. No
entanto, têm surgido evidências que contrariam este
conceito, verificando-se um perfil de maior eficácia
quando a imunoterapia é combinada com a quimioterapia convencional. Por exemplo, o citotóxico gemcitabina, não só exerce ação anti-tumoral direta,
como também medeia efeitos imunológicos relevantes em imunoterapia. Estudos clínicos desenvolvidos
mostram que o tratamento combinado com este fármaco reforça a apresentação cruzada dos antigénios
associados ao tumor (TAAs) pelas DCs, aumentando
a expansão de CTL e a sua infiltração no tumor. Esta
apresentação cruzada não conduziu a tolerância.
Além disso, a gemcitabina reduziu o número de células supressoras mieloides, sem, no entanto, afetar
os linfócitos T CD4+ e CD8+, as células NK, os macrófagos ou os linfócitos B. Assim, este citotóxico parece não ser imunossupressor e, contrariamente ao
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
54
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
inicialmente suposto, aumenta a resposta à imunoterapia administrada e ativa ou apoia a resposta imunológica dirigida às células tumorais11. Ramakrishnan et al 29 provaram que a quimioterapia conduz
à sobre-expressão do recetor de manose-6-fosfato
dependente de catiões (CI-MPR) em células tumorais, aumentando o uptake de granzima B. Como resultado, as CTLs podem induzir apoptose num vasto
número de células malignas, eventos que se manifestam num clínico e evidente efeito anti-tumoral29.
Parte dos doentes com cancro avançado, que
responde inicialmente aos tratamentos de quimioterapia, pode sofrer uma recidiva devido à sobrevivência de uma pequena população de CSCs (células
estaminais cancerígenas). Esta subpopulação de células tumorais possui maior capacidade de proliferação, relativamente às restantes, podendo manter o
crescimento tumoral ou, até, iniciar novos tumores.
Embora a quimio- e radioterapia eliminem a maioria
das células tumorais, a sobrevivência de CSCs constitui um importante mecanismo de resistência, através
da sobre-expressão de transportadores ABC (ATP-binding cassette), reparações de DNA e resistência
à apoptose30. Deste modo, o desenvolvimento de estratégias imunoterapêuticas contra a população de
CSCs é altamente desejável, cujo sucesso dependerá
da eficácia da resposta imunológica, modulada por
vacinas de DCs. Recentemente foram produzidos híbridos de DCs e CSCs para aumentarem o potencial
de resposta das células CTL anti-CSCs. A fusão DC/
CSC induziu a proliferação de linfócitos T com elevados níveis de expressão de IFN-γ, matando as células
CSCs in vitro. Assim, uma abordagem que combine
a terapêutica convencional, como a quimio- e radioterapia que elimina grande parte das células tumorais, com CTLs reativas a CSCs, poderá representar
uma estratégia promissora no tratamento de estados tumorais avançados (Figura 6). Estes resultados
inauguram um novo campo de investigação para o
desenho de futuros ensaios clínicos11.
Uma vez que a terapêutica anti-tumoral citostática e combinada varia de tumor para tumor, torna-se necessário desenvolver protocolos clínicos
exclusivos que combinem DCs com a terapêutica
convencional (Figura 7) 18.
Figura 6. Terapêutica de associação: radio- e quimioterapia em combinação imunoterapêutica. Atualmente, as
terapêuticas convencionais, como a radio- e a quimioterapia, eliminam grande parte das células tumorais (CC), que
são menos resistentes que as CSCs. Apesar da regressão
inicial da massa tumoral, esta pode voltar a desenvolverse devido a CSCs residuais. A combinação da terapêutica
convencional com a imunoterapia surge, assim, como uma
nova abordagem que visa eliminar CSCs, promovendo a irradicação tumoral. (adaptado de: Koido S. et al. 11).
Figura 7: Intervenções terapêuticas para aumentar a
eficácia de vacinas de DCs anti-tumorais. Terapêuticas antitumorais como a oxaliplatina, antraciclinas ou radioterapia
podem aumentar a fagocitose e a apresentação cruzada de
antigénios tumorais pelas DCs, favorecendo a produção de
IFN-γ pelas células T CD8+ e, consequentemente, a imunidade anti-tumoral. Outros fármacos anti-tumorais como a
ciclofosfamida e o 5-fluorouracilo eliminam seletivamente
células Treg e MDSC, respetivamente. Já o paclitaxel e a
cisplatina podem sensibilizar as células tumorais aos CTLs
pelo aumento da permeabilidade à granzima B. Por fim,
a migração das DCs pode ainda ser melhorada pela prevenção da acumulação lipídica, inibindo a acetil-CoA carboxilase ou a síntese de colesterol com SULT2B1b (ligando
LXR responsável pela inativação da enzima sulfotransferase
2B1b). (adaptado de: Apetoh L. et al. 19).
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
Estudos clínicos e aplicação terapêutica
anti-tumoral
Apesar dos notáveis progressos na prevenção
e na terapêutica anti-tumoral, assim como no atual
decréscimo de mortes relacionadas, o cancro permanece uma das principais causas de mortalidade.
As estratégias que combinam a cirurgia com a radioe quimioterapia são, geralmente, bem-sucedidas na
eliminação de grande parte da massa tumoral, permanecendo, no entanto, células tumorais residuais
como as CSCs, responsáveis por eventuais recidivas.
Assim, as vacinas anti-tumorais de DCs surgem como
uma nova esperança dentro do campo oncológico,
ao oferecerem vantagens únicas que incluem baixa
toxicidade e o direcionamento de uma resposta imunológica efetiva contra moléculas alvo6.
Atualmente existe um vasto número de ensaios
clínicos em desenvolvimento, cujos resultados carecem, ainda, de ampla eficácia anti-tumoral. De um
modo geral, apenas uma fração dos doentes envolvidos apresenta uma resposta imunológica potente, que se traduz numa moderada resposta clínica
(aproximadamente 10-15%) 9. No entanto, para alguns tipos de cancro, os resultados obtidos são deveras promissores, contando já com aprovação imunoterapêutica pela FDA31.
Seguidamente são apresentadas breves referências de tumores sólidos, para os quais a imunoterapia com DCs tem sido intensamente estudada e
cujos resultados clínicos se afiguram promissores.
55
monstram que a imunoterapia pode melhorar o estado clínico destes doentes. Especificamente, um
estudo clínico envolveu 31 doentes com CH, os
quais receberam vacinas de DCs carregadas com antigénios de lisados autólogos tumorais. Foram registadas 14 respostas parciais e 17 conseguiram estabilizar o tumor. Os doentes obtiveram ainda uma taxa
de sobrevivência melhorada em 1 ano de vida (63%
vs 10%; P =.038) 32.
A α-fetoproteina (AFP), principal proteína do
soro fetal, encontra-se sobre-expressa na maior parte dos CHs, desempenhando um papel importante
no seu diagnóstico e na sua monitorização terapêutica. A sobre-expressão desta proteína correlaciona-se com o aumento da proliferação tumoral e resistência à apoptose pelas CSCs. Foram desenvolvidos
dois estudos clínicos que testaram vacinas peptídicas de DCs; em ambos verificou-se que os epítopos
peptídicos de AFP foram imunogénicos in vivo e
capazes de estimular os linfócitos T nestes doentes
com elevados níveis plasmáticos desta proteína. O
segundo estudo, que envolveu 10 doentes, demonstrou também que 6 destes aumentaram a produção
de IFN-γ. Registou-se ainda uma diminuição transitória dos níveis plasmáticos de AFP em 2 doentes31.
Uma vez que a ablação térmica por radiofrequência
estimula a resposta dos linfócitos T aos antigénios
tumorais, a combinação desta técnica com imunoterapia poderá ser uma abordagem mais eficaz para o
tratamento do CH31, 33.
Imunoterapia no cancro da próstata
Imunoterapia no cancro hepático
O cancro hepático (CH) constitui uma das
principais causas de morte em todo o mundo.
Este problema de saúde tem vindo a assumir contornos graves e preocupantes, ao registar-se um
aumento da incidência tumoral e de esteatose hepática na população mundial. Tumores pequenos e localizados são potencialmente curáveis por excisão cirúrgica ou por transplantação;
no entanto, a maior parte dos doentes apresenta um diagnóstico inicial de doença avançada31.
Os resultados de diversos estudos clínicos de-
Diversos estudos clínicos de fase 2 e 3 evidenciam abordagens imunoterapêuticas promissoras
em doentes com cancro da próstata31. Estas estratégias, baseadas em vacinas com DCs, representam
um avanço científico seguro e viável na indução de
respostas imunológica e clínica anti-tumorais5.
Os primeiros estudos envolveram vacinas de
DCs carregadas com péptidos derivados do antigénio de membrana específico da próstata (PSMA), obtendo-se respostas parciais em 26% dos envolvidos,
cuja diminuição do antigénio específico da próstata
(PSA) foi superior a 50%5.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
56
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
Recentemente, um ensaio clínico de fase 3 que
testou a administração da vacina sipuleucel-T em
512 doentes com cancro da próstata avançado, demonstrou prolongar a taxa média de sobrevivência
nestes doentes (25,8 meses no grupo sipuleucel-T
vs 21,7 meses no grupo placebo; P =.017), diminuindo em 22% o risco de morte devido ao tumor. Esta
técnica recorre a células autólogas mononucleares
do sangue periférico, que após incubação in vitro
com PA2024 (proteína de fusão de fosfatase ácida
prostática e GM-CSF), ativa APCs, como as DCs. O
mecanismo de ação ainda não é completamente conhecido, mas poderá envolver a expressão da CD54,
uma molécula de adesão crucial para a formação
da sinapse imunológica e consequente estimulação
dos linfócitos T. Esta vacina foi aprovada nos Estados
Unidos da América em Abril de 2010, pela Food and
Drug Administration, para o tratamento do cancro
da próstata assintomático, minimamente sintomático ou metastático, dado os seus perfis de eficácia
clínica, cujos efeitos adversos são similares aos do
grupo placebo2, 5, 31, 34.
Apesar destes resultados clínicos promissores,
a eficácia das diversas estratégias de tratamento à
base de DCs é ainda limitada para muitos doentes
com cancro prostático. Deste modo, torna-se essencial melhorar estas abordagens, que podem ser conseguidas através da combinação com outras terapêuticas como a radio- e quimioterapia, terapêutica
antiangiogénica ou hormonal, ou ainda com recurso
a anticorpos anti-tumorais5.
Imunoterapia no cancro do ovário
Estudos recentes têm mostrado uma correlação positiva entre o aumento de sobrevivência e a
presença de células T efetoras no seio das células
tumorais. A ausência de células reguladoras no tumor (Tregs ou MDSCs) evidencia o papel crucial de
vigilância imunológica na progressão do cancro do
ovário, conseguida, potencialmente, através da imunoterapia31.
Vários grupos de mulheres com cancro no ovário iniciaram, recentemente, estudos de vacinação
com células tumorais autólogas ou alogénicas, en-
volvendo DCs para direcionar uma resposta imunológica anti-tumoral, utilizando antigénios associados
ao cancro do ovário (CA 125, HER-2/neu, recetor de
folato, ou antigénio de mucina 1 – MUC1). Um ensaio clínico envolvendo DCs carregadas com Her-2/
neu–GM-CSF (vacina lapuleucel-T [APC8024]) demonstrou uma resposta clínica ligeira contra tumores HER-2/neu, como o cancro do ovário, permanecendo, ainda, em estudo se a vacina aumenta a taxa
média de sobrevivência destas doentes, de forma
análoga à vacina sipuleucel-T31.
Imunoterapia no cancro do pâncreas
Cinco doentes com cancro pancreático avançado foram incluídos num estudo clínico que envolveu
a combinação de gemcitabina (citotóxico padrão
utilizado em quimioterapia no cancro pancreático)
com vacinas de DCs. Foram ainda utilizados anticorpos monoclonais anti-CD3 para estimular células
NK. Como resultado, 1 doente apresentou remissão
parcial do tumor e 2 obtiveram uma estabilização tumoral de duração superior a 6 meses. Recentemente, imunoterapia baseada em vacinas de DCs combinada com gemcitabina/S-1 foi efetiva em doentes
com cancro pancreático avançado resistentes à
quimioterapia padrão. Os antigénios MUC1 e WT1
(gene tumoral de Wilms 1) encontram-se altamente expressos no cancro pancreático, constituindo
excelentes TAAs para o direcionamento imunoterapêutico. Foi desenvolvido um estudo clínico com 49
doentes com cancro pancreático, dos quais 38 receberam vacinação de DCs carregadas com o péptido
WT1. Alguns destes doentes receberam ainda outros
péptidos como a MUC1, CEA (antigénio carcino-embrionário) e CA125 (antigénio tumoral 125). Previamente a esta terapêutica combinada, 46 dos 49
doentes tinham sido tratados com quimioterapia ou
radioterapia mas sem qualquer efeito significativo.
Apesar das condições deficitárias no que concerne
à homogeneidade entre os grupos, surpreendentemente, 2 doentes registaram remissão completa do
tumor, 5 remissão parcial e 10 estabilizaram o tumor,
cujo tempo médio de sobrevivência aumentou 360
dias. O uso de vacinas de DCs em combinação direta
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
com quimioterapia pode ser uma verdadeira opção
para o tratamento de doentes com cancro do pâncreas avançado11. De facto, a gemcitabina aumenta a
expressão WT1 nestes doentes e sensibiliza as células tumorais pancreáticas WT1 para o aumento de
resposta específica T imunogénica35.
Imunoterapia no cancro do estomago
Kono et al36 observaram que a vacinação anti-tumoral com DCs carregadas com o péptido HER-2/
neu poderá ser uma opção terapêutica no tratamento de doentes com cancro gástrico. Segundo este
estudo de fase 1, 33% dos doentes reduziram os
marcadores tumorais após vacinação e 22% tiveram
uma regressão do tumor em mais de 50%, sem efeitos adversos significativos36. Além disso, resultados
recentes sobre o aumento da resposta imunológica
anti-tumoral, com recurso a DCs geneticamente modificadas por siRNA para o recetor IL-10, demonstraram ocorrer bloqueio da imunossupressão tumoral,
abrindo novas perspetivas para uma imunoterapia
baseada em DCs eficaz no tratamento do cancro do
estômago15.
Imunoterapia noutros tipos de cancro
Encontram-se atualmente em desenvolvimento
vários estudos clínicos e pré-clínicos que pretendem
avaliar a eficácia da imunoterapia com DCs aplicada
a outros órgãos em processo tumoral. Um estudo
clínico de fase I envolveu 13 doentes com cancro da
mama em fase inicial, os quais foram injetados com
DCs ativadas com uma mistura constituída pela citocina IFN-γ e pelo LPS, para produzirem IL-12p70.
As DCs foram carregadas com o péptido HER-2/neu,
que se encontra sobre-expresso neste tipo de tumor.
Czerniecki et al 37 detetaram uma resposta imunogénica robusta, como evidenciado in vitro pela indução de resposta das células T CD4+ e CD8+, assim
como in vivo pela infiltração na região tumoral de
células B e T, traduzindo-se numa redução drástica
do tumor. Os autores concluíram assim que esta estratégia pode apresentar-se vantajosa na prevenção e
tratamento do cancro da mama de fase inicial37.
57
Dohnal et al também demonstraram segurança e viabilidade na utilização de vacinas de DCs ativadas com IFN-γ/LPS para o tratamento de cancros
pediátricos. Não foram registados efeitos adversos
relevantes, ocorrendo secreção de IL-12p70 com
consequente ativação imunológica38.
O uso de DCs em doentes com melanoma
avançado mostrou também aumentar o potencial
de indução e amplificação da resposta anti-tumoral
nestes doentes. Esta técnica, designada por TriMix,
consiste na eletroporação de DCs com RNAm codificante do ligando CD40, CD70 e TLR4, amplificando
a produção de IL-12p70 9.
Conclusão
A década contemporânea representa, na história da imunologia, um período extremamente ambicioso no que concerne ao desenvolvimento de
vacinas anti-tumorais. Os consideráveis progressos
ao nível da compreensão da imunobiologia das DCs,
assim como das células T efetoras, abriram novas
estratégias para o desenvolvimento de protocolos
clínicos vastamente melhorados28. As DCs são um
elemento primordial do sistema imunitário pela
conexão que estabelecem entre imunidade inata e
adaptativa e pela capacidade única de modulação da
resposta adaptativa, podendo induzir imunidade ou
tolerância28. Tal papel primazia as DCs como recurso aliciante na potenciação de respostas anti-tumorais, ao amplificar e ativar a resposta dos linfócitos
T CD8+, CD4+ e CTL. Além disso, as DCs podem
melhorar a imunomodulação e potencial citotóxico
das células NK e, deste modo, dilatar a resposta anti-tumoral5.
Apesar da imunoterapia com DCs emergir
como terapêutica promissora no tratamento oncológico, é necessário, no entanto, aprofundar o conhecimento relativo aos mecanismos moleculares
responsáveis pelas alterações desencadeadas por
diversos sinais de “perigo” durante o processo de
maturação das DCs2,31. Não obstante, permanecem
ainda mecanismos de imunossupressão mediados
pelas células tumorais que culminam com a aquisição de um fenótipo tolerogénico por parte das DCs,
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
58
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
bem como fenómenos de resistência anti-tumoral
via CSCs, sendo necessário estratégicas terapêuticas
que contornem esses eventos9, 19.
Vários estudos clínicos têm sido desenvolvidos
neste âmbito, tendo por base a administração de
DCs carregadas com péptidos derivados de TAAs,
proteínas ou RNA. Os resultados obtidos são deveras promissores, demonstrando segurança e viabilidade na indução de resposta imunológica, tendo
sido recentemente aprovada pela FDA a vacina sipuleucel-T para o tratamento do cancro prostático5.
Apesar destes resultados clínicos positivos, a eficácia
da imunoterapia baseada em DCs permanece ainda
limitada para muitos doentes com os mais diversos
tipos de cancro sólido avançado. Portanto, torna-se
essencial melhorar as estratégias concebidas, passando pela combinação da vacinação imunoterapêutica com radio- e quimioterapia, anticorpos ou
terapêutica antiangiogénica18, 31.
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Lista de abreviaturas
ABC – ATP-binding cassette
AFP – α-Fetoproteina
Akt – Proteína cinase B
APCs – Células apresentadoras de antigénio
BMDCs – Células dendríticas derivadas da medula óssea de murganho
BST 2 – Antigénio 2 do estroma da medula
óssea
CAFs – Fibroblastos associados ao tumor
CA125 – Antigénio tumoral 125
CCR7 – Recetor de quimiocina C-C tipo 7
cDCs – Células dendríticas convencionais
CEA – Antigénio carcino-embrionário
CH – Cancro hepático
CID – Indutor químico de dimerização
CI-MPR – Recetor de manose-6-fosfato dependente de catiões
CLPs – Progenitores comuns linfoides
CMPs – Progenitores comuns mieloides
CSCs – Células estaminais cancerígenas
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
60
Imunoterapia anti-tumoral com células dendríticas
CTL – Linfócitos T citotóxicos
DCs – Células dendríticas
Fas-L – Ligando Fas
FDA – Food and Drug Administration
Flt3L – Fms-like tyrosine kinase 3 ligand
HLA – Antigénio leucocitário humano
HSCs – Células estaminais hematopoiéticas
GITR – Proteína relacionada com o TNFR induzida
por glucocorticoides
GM-CSF – Fator estimulante de colónias de macrófagos e granulócitos
IDO – Indolamina-2 e 3-dioxigenase
IFNα/β – Interferão tipo 1
IL – Interleucina
ILT7 – Immunoglobulin-like transcripts 7
ITIMs – Immunoreceptor tyrosine-based inhibitory
motifs
HSP72 – Proteína de choque térmico 72
LCs – Células de Langerhans
LPS – Lipopolissacarídeo
LXR – Recetor X do fígado
MARCO – Recetor de macrófagos com estrutura de
colagénio
MDSCs – Células supressoras de origem mieloide
MHC – Complexo major de histocompatibilidade
Msr 1 – Recetores scavenger de macrófagos 1
MUC1 – Antigénio de mucina 1
NF-κB – Fator nuclear de transcrição kappa B
NOD-like – Nucleotide-binding oligomerization
domain
PAMPs – Padrões moleculares associados a agentes
patogénicos
pDCs – Células dendríticas plasmacitóides
PD-L1 – Ligando do recetor de morte celular programada 1
PGE2 – Prostaglandina E 2
PI3k – Cinase responsável pela fosforilação da posição 3 do fosfatidilinositol
PRRs – Recetores de reconhecimento de padrões
PSA – Antigénio específico da próstata
PSMA – Antigénio de membrana específico da
próstata
RANK – Recetor ativador do NF-κB
siRNA – Small interfering RNA
SOCS1 – Supressor de sinalização de citocinas 1
STAT – Transdutor do sinal e ativador da transcrição
SULT2B1b – Sulfotransferase family cytosolic 2b
member 1
TAAs – Antigénios associados ao tumor
TAMs – Macrófagos imunossupressores associados ao tumor
TCR – Recetor dos linfócitos T
TGF-β – Fator de transformação do crescimento β
Th – Linfócitos T auxiliar
TLR – Recetores Toll-like (TLR)
TNF – Fator de necrose tumoral
TNFAIP3 – Proteína 3 induzida pelo fator de necrose tumoral α
TRANCE – Citocina induzida por ativação e relacionada com o TNF
Tregs – Linfócitos T reguladores
VEGF – Fator de crescimento vascular endotelial
WT1 – Gene tumoral de Wilms 1
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes
facilitados com drogas
Prior, João A.V.1, Ribeiro, David S. M.2, Santos, João L. M.3
(1) Professor Auxiliar, Requimte, Laboratório de Química Aplicada, Departamento de Ciências Químicas, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
(2) Investigador Auxiliar, Requimte, Laboratório de Química Aplicada, Departamento de Ciências Químicas, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
(3) Professor Auxiliar, Requimte, Laboratório de Química Aplicada, Departamento de Ciências Químicas, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
Autor correspondente:
João A.V. Prior
E-mail: [email protected]
Resumo
Embora os fármacos sejam desenvolvidos com fins terapêuticos, às vezes algumas substâncias são utilizadas com objetivos diferentes daqueles que o farmacologista teve em mente. A palavra fármaco também
contempla substâncias psicoativas que podem usar-se com objetivos medicinais ou não-medicinais nos quais
são incluídas substâncias legais e ilegais (comummente designadas por “drogas”). O uso de algumas substâncias com intenções não terapêuticas tornou-se um problema de saúde pública crescente, muito importante
do ponto de vista de estudos toxicológicos. Quando supostas vítimas informam que foram roubadas ou assaltadas enquanto incapacitadas por uma droga, a análise química toxicológica é imperativa para ajudar a fundamentar a denúncia da vítima. Este tipo de ofensas criminais denomina-se por crimes facilitados por drogas.
O ramo da ciência dedicado a estudos de toxicologia envolve a toxicologia forense e analítica, que são
interdisciplinares e que compreendem todos os factos científicos relacionados com crimes facilitados por
drogas. Normalmente, os casos de crimes facilitados por drogas implicam substâncias com fortes efeitos
depressores do sistema nervoso central, e que são usadas para transformar as pessoas em vítimas fáceis de
roubos ou assaltos sexuais. Dado que novas drogas são continuamente sintetizadas e, também surgem novos
métodos para drogar vítimas sem o seu consentimento ou conhecimento, é imperativo desenvolver novas
metodologias de análise química e toxicológica, para auxiliar na investigação científica de todos os factos dos
crimes cometidos com drogas, ou ainda possibilitar a implementação de medidas de prevenção. Por exemplo, um modo de drogar vítimas sem o seu conhecimento é através da colocação disfarçada de drogas em
bebidas, nos locais de diversão social, em festas, em “raves”, etc.. Nestes casos, as bebidas adulteradas são as
“armas do crime”.
Neste artigo, será abordado o enquadramento de crimes facilitados por drogas nas ciências de análise
química toxicológica e também, será realizada uma revisão bibliográfica das metodologias analíticas disponíveis para o controlo químico toxicológico de bebidas adulteradas com drogas de abuso.
Palavras-chave: Crimes facilitados por drogas; Metodologias automáticas; Bebidas adulteradas; Drogas
de abuso; Rastreio de drogas.
Abstract
Although drugs are developed with therapeutics intentions, sometimes some substances are used for
purposes other than those the pharmacologist had in mind. The word “drug” also involves psychoactive sub-
62
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
stances that can be used for medicinal or non-medicinal purposes in which it is included substances that are
legal or illegal. The use of drugs for intentions other than their therapeutic purposes has become a growing
public concern making their study very important from the toxicological standpoint. When alleged victims
report that they were robbed or assaulted while incapacitated by a drug, toxicological chemical analysis is imperative to help substantiate the victim’s claim. These criminal offenses are known as drug facilitated crimes.
The branch of science dedicated to toxicology studies has two application fields, forensic and analytical
toxicology, that are interdisciplinary and that comprise all the scientific facts related with crimes committed
through the use of drugs. Most often, the cases of crimes facilitated by drugs involve substances that have
strong central nervous system depressant effects that are availed to easily render victims to robberies or sexual assaults. As new drugs are continuously being synthetized and new methods are used for drugging victims
without their knowledge or consent it is important to develop new analytical methods that can assist in the
investigation for figuring out all the details about this sort of crimes or enable ways of their prevention. For
example, one way of drugging victims without being aware of is through drink spiking in social entertainment
places, during parties, raves, etc. In these cases, the spiked beverages are the “crime weapons”.
In this paper, it will be presented the relation of drug facilitated crimes and the toxicology science and
also a review focused on the available analytical methods for the detection of adulterated beverages with
drugs.
Keywords: Drug facilitated crime; Automatic methodology; Spiked drinks; Drugs of abuse; Drug
screening.
Introdução
Enquadramento toxicológico
A toxicologia é uma área da ciência dedicada
ao estudo dos efeitos adversos de compostos estranhos (xenobióticos e agentes químicos, físicos ou
biológicos) em organismos vivos e no ecossistema.
Inserida nesta área de conhecimento científico,
a toxicologia analítica lida com a deteção, identificação e quantificação de substâncias tóxicas ou venenos em diversos tipos de amostras, como por exemplo, biológicas (urina, sangue, etc.), ambientais
(terra, água e ar) e alimentares (líquidos e sólidos).
Desempenha assim um papel importante no prognóstico, diagnóstico, tratamento e, em alguns casos,
na prevenção de envenenamento, dado que os seus
estudos incidem na obtenção objetiva de evidências
da natureza e magnitude da exposição a um composto tóxico específico1. As análises toxicológicas
solicitam-se em várias situações, tais como, (i) exames tóxicos hospitalares de foro geral e de emer-
gência, incluindo o rastreio de venenos e (ii) em casos mais específicos como de toxicologia forense e
rastreio de drogas de abuso 2. De facto, o estudo dos
métodos analíticos usados na análise toxicológica de
diferentes amostras não pode dissociar-se de outro
campo da toxicologia, nomeadamente a toxicologia
clínica e forense.
A toxicologia forense é um híbrido de química
analítica e os princípios toxicológicos fundamentais.
Essencialmente, preocupa-se com a deteção e quantificação de agentes tóxicos possivelmente presentes
em situações criminais e por isso é uma ferramenta
importante para auxiliar nas investigações médicas
ou legais de casos de morte, envenenamento e abuso de droga. De facto, o objetivo principal do toxicólogo forense é encontrar as respostas às perguntas
que surgem durante a investigação criminal, como:
(i) “Esta pessoa foi envenenada?”; (ii) “Qual é a natureza do veneno? ”; (iii) “Como foi administrado o
veneno? ”; (iv) “Quais são os seus efeitos? ”; e (v)
“Foi uma quantidade perigosa ou letal?” 3. Assim, a
realização de análises químicas desempenha um pa-
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
63
pel muito importante para esclarecer a presença de
um veneno, quantificar a sua concentração e relacionar esta informação com a sua toxicidade conhecida
ou efeitos sobre o organismo.
A toxicologia forense pode dividir-se em três
áreas diferentes: toxicologia de investigação “post-mortem”, toxicologia forense de desempenho humano e toxicologia ocupacional 4.
A toxicologia “post-mortem” é a área da toxicologia forense onde o toxicólogo ajuda na investigação da possibilidade de relacionamento do abuso de
álcool, drogas ou outras substâncias tóxicas com a
causa de morte.
A toxicologia ocupacional determina a ausência
ou a presença de substâncias proibidas e dos seus
metabolitos em urina, sendo utilizada para controlo
dos trabalhadores nos locais de trabalho.
A toxicologia de desempenho humano trata de
avaliar a influência de álcool e determinadas drogas
no comportamento humano e no seu desempenho
normal. Deste modo, além das investigações relacionadas com atos de condução perigosa ou acidentes
de viação, a toxicologia de desempenho humano envolve as investigações relacionadas com o conceito
de uso de drogas para cometer crimes – Crimes Facilitados por Drogas (DFC).
fácil às mesmas, dada a dificuldade do seu controlo
por parte das autoridades competentes. O aparecimento de novas drogas faz também com que não
existam métodos analíticos para a sua deteção rápida.
Um cenário típico de DFC pode envolver a
adulteração dissimulada de bebidas ou de outros alimentos com drogas psicotrópicas de modo a tornar
a vítima passiva, submissa e incapaz de resistir ao
atacante. Nos casos de DFC, a maioria das vítimas
normalmente sofre de perda de memória do que
aconteceu durante e de imediato após a ocorrência. De facto, na mente do agressor, uma droga ideal
deve ser aquela que está prontamente disponível, é
fácil de administrar, atua rapidamente na perda da
consciência e faz com que a vítima tenha amnésia anterógrada de todos os eventos que ocorrem durante
a influência da droga utilizada. Além disso, também
deve originar na vítima desinibição, relaxamento de
músculos voluntários e perda do controlo 5.
Neste artigo, além do enquadramento do fenómeno de crimes facilitados por drogas na área das
análises químicas e toxicológicas, é feita uma revisão das metodologias analíticas disponíveis para o
controlo toxicológico de bebidas adulteradas com
drogas associadas a DFC.
Crimes facilitados por drogas
Substâncias comummente utilizadas
O fenómeno de Crimes Facilitados por Drogas
(DFC, do inglês “Drug Facilitated Crime”) e de Assaltos Sexuais Facilitados por Drogas (DFSA, do inglês “Drug Facilitated Sexual Assault”) envolve o uso
de substâncias químicas para modificar o comportamento de um ser humano com o intuito da realização de ações criminais, como por exemplo, violações, roubos e homicídios, sem o consentimento da
vítima, ou até mesmo, a sua perceção dos acontecimentos.
O crescente número de ocorrências registadas
(e muitas outras ocorrerão sem denúncia) de crimes
facilitados com o uso de drogas é um problema sério de saúde e segurança pública, originado pelo frequente aparecimento de novas drogas depressoras
do sistema nervoso central e também pelo acesso
O maior desafio encontrado na investigação de
um caso de DFC é a dificuldade na descoberta do
tipo de droga que se usou para cometer o crime. De
facto, segundo a Sociedade dos Toxicólogos Forenses (SOFT, do inglês “Society of Forensic Toxicologists”) existem mais de 50 drogas reconhecidas ou
suspeitas de terem sido usadas para cometer DFC 6.
As substâncias mais comummente encontradas nos
alegados crimes do tipo DFC (Tabela 1) podem ser
drogas de abuso recreativas, medicamentos sujeitos a receita médica obrigatória, medicamentos não
sujeitos a receita médica e etanol. Entre os fármacos normalmente implicados nestes casos podem
destacar-se as benzodiazepinas (flunitrazepam, diazepam, etc.), análogos de benzodiazepinas (zopiclone, zolpidem, etc.), barbitúricos, anti-histamínicos
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
64
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
e inclusive, um antidiabético oral (glibenclamida)
com pelo menos um caso registado 7. As substâncias
mencionadas acima têm todas em comum algumas
propriedades ansiolíticas, calmantes ou hipnóticas e
são depressores do sistema nervoso central. Adicionalmente, os seus efeitos são perigosamente potenciados quando as drogas são ingeridas com álcool 8.
sido drogada e consequentemente, não é efetuada
uma investigação minuciosa para determinar o que
realmente aconteceu 10. Por isso, é imperativo a recolha de matrizes de amostras adequadas e analisá-las recorrendo a metodologias analíticas de elevado
desempenho para permitir a identificação da substância utilizada no crime.
Tabela 1. Lista de drogas reconhecidas ou suspeitas de
terem sido usadas em DFC. (Adaptado de (SOFT) SoFT 6).
Matrizes de amostras
Etanol
A seleção da amostra correta para uma análise toxicológica é outra questão muito importante a
considerar numa investigação de suspeita de DFC.
As amostras normalmente escolhidas para a análise toxicológica são espécimes biológicos, nomeadamente urina e sangue, incluindo, plasma e soro.
Contudo, os resultados da análise toxicológica nestas matrizes de amostras podem fornecer um resultado negativo apesar de uma droga ter sido de facto ingerida. Esta situação pode ocorrer porque as
amostras biológicas impõem procedimentos de colheita especiais. Um dos problemas mais evidentes
é o atraso na denúncia do crime por diversas razões,
como por exemplo, devido à amnésia anterógrada
da vítima, confusão mental que origina dúvidas sobre o que pode ter acontecido e, possivelmente outras razões de foro psicológico incluindo vergonha,
medo e negação da ocorrência. Assim, pode decorrer tempo suficiente durante o qual a droga sofre
metabolização no organismo e eliminação pelas vias
biológicas normais. Consequentemente, as substâncias ingeridas podem atingir níveis de concentração
no organismo abaixo dos limites de deteção dos
métodos de análise disponíveis. De facto, a maioria
das drogas de DFC têm um tempo de semivida muito curto, sendo rapidamente biotransformadas em
vários metabolitos inativos e sofrer imediata eliminação. Como consequência dos rápidos processos
de metabolização das drogas, é muito importante
para o analista assegurar que as amostras biológicas são obtidas rapidamente, embora nem sempre
seja possível. A utilização de amostras biológicas de
sangue para análises toxicológicas é muito útil mas
apenas quando o crime de DFC ocorreu no espaço
de 24 horas anteriores à colheita. Em alternativa, as
Análogos de benzodiazepinas
Zolpidem
GHB e análogos
Zopiclone
Ácido gama-hidroxibutírico Zaleplon
1, 4-Butanodiol
Gama-butirolactona
Anti-histamínicos
Bromfeniramina
Benzodiazepinas
Clorofeniramina
Alprazolam
Difenidramina
Clonazepam
Doxilamina
Clorodiazepóxido
Diazepam
Barbitúricos
Flunitrazepam
Amobarbital
Lorazepam
Butalbital
Oxazepam
Pentobarbital
Triazolam
Fenobarbital
Secobarbital
Estimulantes
Anfetaminas
Drogas diversas
Cocaína
Cetamina
Metanfetamina
Escopolamina
MDMA
Ácido valpróico
Legenda: MDMA, 3,4-metilenodioximetamfetamina; GHB, ácido gamahidroxibutírico
Nos casos de DFC, a identificação da droga utilizada para cometer o crime (e que constitui uma evidência de crime) é extremamente importante para
estabelecer uma queixa criminal contra o perpetrador, desde que a droga usada seja a “arma” do crime.
Contudo, a avaliação dos efeitos farmacológicos nas
vítimas é de pouca ajuda para traçar um perfil toxicológico numa situação em que se desconfia de ter
ocorrido um crime do tipo DFC. De facto, os efeitos
depressores do sistema nervoso central da maioria das substâncias implicadas em DFC são muito
semelhantes, o que torna difícil identificar a droga
específica usada só pela avaliação dos sintomas das
vítimas 9. Além disso, os efeitos farmacológicos das
drogas comummente usadas em crimes do tipo DFC
são característicos de uma intoxicação com etanol,
levando em muitas investigações legais a supor que
a vítima estaria sob o efeito de etanol em vez de ter
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
análises de urina têm algumas vantagens porque estas amostras têm um intervalo de tempo maior para
a deteção das drogas frequentemente usadas em
DFC, e seus metabolitos. Contudo, recomenda-se
que a colheita de amostra de urina ocorra até 96 horas após a suposta ingestão da droga pela vítima 11.
Quando excedido o prazo final para reunir amostras
de urina e sangue, a análise toxicológica para identificar drogas DFC nestas amostras tem pouco interesse, porque o risco de não se detetar a droga aumenta consideravelmente embora na realidade possa ter
ocorrido um crime facilitado com o uso de drogas.
Nos últimos anos, o uso de outras matrizes de
amostras para análises toxicológicas complementares tem assumido especial relevância na investigação de crimes DFC. As amostras mais comummente
usadas na análise toxicológica complementar são o
cabelo e fluidos orais (saliva)12.
O cabelo constitui uma amostra importante
para executar uma análise toxicológica. De facto, a
análise de cabelo possibilita aumentar o intervalo de
tempo para deteção de drogas, de semanas a meses
dependendo do comprimento do cabelo, e também
distinguir uma exposição única do uso crónico de
uma droga, conhecimento esse de extrema importância. Adicionalmente, a estabilidade da droga dentro da matriz de cabelo é alta por longos períodos de
tempo, desde que as amostras recolhidas sejam armazenadas ao abrigo da luz e humidade. Adicionalmente, as análises do cabelo envolvem procedimentos de recolha não-invasivos e fáceis de executar.
Contudo, algumas desvantagens foram identificadas
no uso de amostras de cabelo para análise toxicológica. Um problema importante é a possibilidade de
obter falsos resultados positivos devido à contaminação ambiental do cabelo. Além disso, considerando
que o cabelo é uma matriz complexa, a sua análise
implica procedimentos de pré-tratamento laboriosos para evitar a possibilidade de existência de interferentes nas análises toxicológicas. Finalmente,
é importante referir que para obter informações de
um abuso crónico de drogas a análise de cabelo assume uma importância elevada, mas para obter dados sobre o uso de drogas num curto prazo após a
ingestão, as amostras de urina ou sangue são as mais
65
indicadas não se podendo depender apenas da análise ao cabelo 12.
As amostras de saliva já se usaram em investigações de crimes DFC apresentando algumas vantagens. Uma das vantagens é que a colheita de amostra
pode executar-se sob a supervisão direta das autoridades, sem necessitar de técnicas invasivas (como
na colheita de amostra de sangue) ou a perda da
privacidade (como na colheita de amostra de urina).
No entanto, estas amostras têm algumas desvantagens entre as quais, pode destacar-se a quantidade
insuficiente da amostra colhida da vítima. De facto,
há algumas drogas que podem inibir a secreção de
saliva e provocar secura na boca. Outra desvantagem
é o curto tempo de deteção, porque a concentração
de drogas na saliva depende da concentração plasmática das mesmas. Assim, drogas que têm curtos
tempos de semivida e que são rapidamente eliminadas do organismo são detetadas na saliva apenas por
um curto período de tempo. Tal constitui uma desvantagem das amostras de saliva comparativamente
às amostras de cabelo ou urina 12.
Concluindo, apesar da deteção da droga de
abuso nos fluidos biológicos da vítima ser de extrema importância para estabelecer uma acusação
eficaz, os resultados da análise toxicológica nestes
casos são geralmente negativos devido a problemas,
tais como o atraso na comunicação da ocorrência,
a administração de uma dose única e o curto tempo de semivida de algumas destas substâncias. Estes
factos originam concentrações dessas substâncias
abaixo dos limites de deteção das metodologias analíticas de controlo toxicológico, ou a total eliminação
das drogas do corpo das vítimas. Substâncias como
o ácido gama-hidroxibutírico (GHB) podem ser eliminadas do organismo num período de 12 horas.
Além das análises toxicológicas executadas em
amostras biológicas da vítima (sangue, urina, saliva ou cabelo) para descobrir a substância usada no
crime, as autoridades competentes foram aconselhadas por investigadores de crimes do tipo DFC a
procurar qualquer outro item de possível relevância
nos locais do crime, como bebidas ou resíduos de
bebida com suspeita de adulteração.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
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Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
Adulteração de bebidas
No decorrer de uma investigação de suspeita
de crime perpetrado com o auxílio de drogas colocadas clandestinamente em bebidas, estas devem
ser analisadas para a presença de drogas como parte
da investigação. As pretensas bebidas adulteradas no
local do crime devem ser recolhidas pelas autoridades para serem submetidas a análises toxicológicas
em laboratório ou, alternativamente, se as autoridades tiverem meios suficientes, pode executar-se uma
análise de rastreio no local.
Como já se mencionou, quando se realizam
análises toxicológicas em amostras biológicas, numa
investigação de crime do tipo DFC, os principais
problemas encontrados relacionam-se com os limites de deteção das metodologias analíticas, a colheita e conservação de amostras biológicas e o tempo
decorrido entre a ingestão da droga e a análise das
amostras. Assim, a combinação destes fatores indica que a análise das bebidas adulteradas nestes crimes é muito importante, dado que pode ser o único
modo de contornar alguns problemas inerentes na
análise de amostras biológicas da vítima. De facto,
os níveis de concentração das drogas nas bebidas
adulteradas são muito mais altos do que os encontrados em amostras biológicas, por causa da maior
estabilidade das drogas nas bebidas, onde o biometabolismo das substâncias não ocorre. Considerando
o aumento dos casos de crimes executados com o
auxílio de drogas, são comercializados no Reino Unido, por exemplo, alguns kits que afirmam detetar
no local a presença de drogas em bebidas. Contudo,
um estudo efetuado por Beynon et al. 13 demonstrou que dois kits bem conhecidos para detetar em
bebidas algumas drogas usadas em crimes DFC têm
uma acentuada falta de seletividade e sensibilidade.
De facto, o uso de tais kits pode fornecer falsos resultados negativos na deteção de drogas de abuso,
aumentando a preocupação relativa à verdadeira dimensão de crimes perpetrados com o auxílio de bebidas adulteradas com drogas no Reino Unido.
O rastreio rápido e a análise toxicológica de
drogas colocadas intencionalmente em bebidas representa um desafio para os laboratórios forenses e
uma necessidade de desenvolvimento científico de
novas técnicas analíticas ou a melhoria de metodologias já existentes.
Metodologias analíticas toxicológicas
Um dos problemas mais importante numa investigação de DFC é a limitação da sensibilidade das
metodologias analíticas de rastreio e das utilizadas
como métodos confirmatórios, dado que algumas
substâncias, como por exemplo, as benzodiazepinas, são utilizadas frequentemente numa dose baixa
e única. Assim, a necessidade de desenvolver novas
metodologias analíticas é evidente, podendo encontrar-se na literatura científica diversos trabalhos de
investigação realizados nos últimos anos para rastreio e quantificação de drogas geralmente utilizadas em DFC, em diferentes amostras 14.
Os métodos de rastreio de drogas utilizadas em
crimes DFC incluem imunoensaios com marcador
enzimático (EMIT, do inglês “enzyme multiplied immunoassay”), imunoensaios de fluorescência polarizada (FPIA, do inglês “fluorescence polarisation
immunoassay”) e kits de “Abuscreen OnTrak” ou
“OnLine imunoassays” (Roche Diagnostics) 15.
Para a confirmação da presença e identificação
de drogas utilizadas em DFC foram desenvolvidas algumas metodologias de separação envolvendo cromatografia gasosa, cromatografia líquida e eletroforese capilar (incluindo cromatografia eletrocinética
micelar (MEKC, do inglês “micellar electrokinetic
chromatography”) e eletroforese capilar de zona
(CZE, do inglês “capillary zone electrophoresis”))
que podem ser acopladas com diversas técnicas
de deteção, como por exemplo, espectrometria de
massa, espectrofotometria na região do ultravioleta,
matriz de fotodíodos, fluorescência, ionização em
chama (FID, do inglês “flame ionization”), captura
de eletrões (ECD, do inglês “electron capture”) e
detetor de azoto e fósforo (NPD, do inglês “nitrogen
phosphorous”) 14.
A generalidade das metodologias analíticas desenvolvidas para o controlo químico toxicológico,
usadas como métodos confirmatórios, destina-se à
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
análise de amostras biológicas, encontrando-se apenas um número muito reduzido de metodologias
para a deteção de drogas de abuso em bebidas.
Metodologias analíticas para análise de
bebidas
Um estudo de revisão realizado por Brown e
Melton 14, sobre métodos analíticos de determinação e quantificação de drogas publicados entre 2000
e 2010, revelou que a maioria de técnicas de análise
de flunitrazepam, GHB e cetamina, implica a deteção em amostras biológicas, enquanto só 4%, 5% e
67
2% das técnicas de análise, respetivamente, se destinaram a ser realizadas em bebidas.
Métodos instrumentais de elevado desempenho
analítico
Uma avaliação da literatura científica permitiu
compilar os trabalhos científicos que envolvem o
desenvolvimento de metodologias analíticas para
identificação e/ou quantificação de drogas de abuso em bebidas, potencialmente utilizadas em crimes
do tipo DFC. Esses trabalhos encontram-se compilados na Tabela 2 e são descritos resumidamente.
Tabela 2. Métodos para determinação e quantificação de drogas DFC em bebidas.
Substância
Matriz
Preparação de amostra
Separação e deteção
Recuperação
%
LOD
µg mL-1
LOQ
µg mL-1
Refer.
DIA
Refrigerantes,
sumos de frutas
LLE com clorofórmio
e éter dietílico
HPTLC - UV
74 – 84
-
-
(16)
BZDs
Bebidas alcoólicas,
chás e sumos
LLE com clorofórmio
e isopropanol
DEP-MS
-
-
-
(17)
DIA, ALP e CHL
Bebida alcoólica
“Toddy”
-
RP-HPLC-DAD
-
0,4 – 4,5
-
(18)
MECK
-
31,8 GHB
0,722-4,37BZDs
-
(19)
GHB e BZDs
Refrigerantes, água,
LLE com acetato de
bebidas alcoólicas, etilo (BZDs) e diluição
sumos
(GHB)
BZDs e outros
sedativos
Água, refrigerantes
e cerveja
-
LC-ESI-MS
-
-
-
(20)
GHB e GBL
Bebidas alcoólicas,
sumos e água
LLE com clorofórmio e
derivatização com TMS
GC-FID
GC-MS
-
-
(21)
GHB
Água, cerveja
e refrigerantes
GC-MS
-
1,5
(22)
GHB
Cerveja
SPME com derivatização direta na fibra
-
3GHB
5GBL
-
NMR
-
-
-
(23)
(24)
MECK-LIF
79 – 88
13
-
CZE-DAD
49,8 – 135,8
2,7-41,5
9,0 – 138,2
(25)
LLE
com diclorometano
LC-DED
78 – 95,5
0,02
-
(26)
Sumos e cerveja
LLE com clorofórmio
e isopropanol
GC – MS
73 – 112,6
1,3 – 34,2
3,9 – 103,8
(27)
GHB e GBL
Bebidas alcoólicas,
refrigerantes, sumos
e água
-
NMR – PURGE
-
0,03 – 0,1
1,1 – 9,8
(28)
FLU
Bebidas alcoólicas,
refrigerantes e
sumos
-
DESI – MS
-
-
3
(29)
SCO
Bebidas alcoólicas e
creme hidratante
LLE com metanol
(creme) e diluição
(bebidas)
P-CE-C4D
-
2,6 (bebidas)
0,6 (creme)
-
(30)
CLO, FLU e NIT
Bebidas
LLE com acetato
de etilo
BZDs
Refrigerantes,
bebidas alcoólicas
e sumos
-
FLU e NIT
Refrigerantes
BZDs e KET
Legenda: DIA, diazepam; BZDs, benzodiazepinas; ALP, alprazolam; CHL, hidrato de cloral; GHB, ácido y-hidroxibutírico ; GBL, y-butirolactona; CLO,
clonazepam; FLU, flunitrazepam; NIT, nitrazepam; KET, cetamina; SCO, escopolamina; TMS, trimetilsilano; LLE, extração líquido-líquido; SPME, microextração em fase sólida; HPTLC, cromatografia de alta eficiência em camada fina; DEP, sonda por eletronebulização direta; RP-HPLC, cromatografia
líquida de alta eficiência em fase reversa; MECK, cromatografia eletrocinética micelar; LC, cromatografia líquida; ESI, ionização por eletronebulização;
MS, espectrometria de massa; GC, cromatografia gasosa; FID, deteção por ionização com chama; NMR, ressonância magnética nuclear; LIF, fluorescência induzida por laser; CZE, eletroforese capilar por zona; P-CE, eletroforese capilar portátil; DAD, deteção por matriz de fotodíodos; DED, deteção
eletroquímica; DESI, dessorção/ionização por eletronebulização; C4D, deteção condutimétrica; LOD, limite de deteção; LOQ, limite de quantificação.
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Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
Em 1998, Sarin et al.16 desenvolveu uma metodologia baseada em cromatografia de alta eficiência
em camada fina para deteção e determinação de
diazepam em bebidas, implicando uma extração líquido-líquido com clorofórmio e éter dietílico para
pré-tratamento da amostra.
Em seguida, Chen e Hu17 em 1999 aplicaram
um método de deteção por eletronebulização direta/espectrometria de massa para análise qualitativa
de nove benzodiazepinas em várias bebidas. Também neste estudo, as amostras foram sujeitas a um
pré-tratamento por extração líquido-líquido com
clorofórmio antes da análise. Na opinião dos autores, o método é uma alternativa eficiente para identificar drogas em amostras de bebidas encontradas
nos locais de crime.
Depois, em 2004, Rao et al. 18 propôs uma metodologia baseada em HPLC de fase reversa com
deteção por matriz de fotodíodos para a separação,
identificação e determinação simultânea de hidrato de cloral, diazepam e alprazolam em bebidas alcoólicas fermentadas. Neste trabalho, o único pré-tratamento de amostra necessário foi uma filtração
por membranas de nylon com malha de 0,45 nm.
No mesmo ano, Bishop et al. 19 descreveu um método baseado em cromatografia eletrocinética micelar, com recurso ao tensioativo aniónico sulfato
dodecil de sódio (SDS), para a separação e deteção
de benzodiazepinas e ácido gama-hidroxibutírico
(GHB) em várias bebidas, e em que se realizou uma
extração líquido-líquido com acetato de etilo para as
bebidas que continham benzodiazepinas.
Em 2005, Olsen et al. 20 empregou uma cromatografia líquida com eletronebulização e deteção
por espetrometria de massa para a determinação de
drogas em diferentes bebidas. Também avaliaram se
nove fármacos com efeitos sedativos e obtidos comercialmente, quando acrescentados a bebidas diferentes causavam a incapacitação de vítimas e também, se os comprimidos causavam a modificação
da aparência e gosto das bebidas. Concluíram que
quando adicionado numa determinada quantidade
a uma bebida, os fármacos testados podem causar a
diminuição das capacidades motoras e de perceção
ou, mesmo a incapacitação. Adicionalmente, as dro-
gas testadas causaram a alteração da aparência das
bebidas e a maioria dos fármacos modificou o gosto
da bebida original.
Também em 2005, Elliott et al. 21 analisou as
substâncias ácido gama-hidroxibutírico e gama-butirolactona em 50 bebidas. Neste trabalho, as amostras foram analisadas inicialmente usando cromatografia gasosa com detetor de ionização de chama
(GC-FID) e de seguida usou-se cromatografia gasosa com espetrometria de massa para a confirmação
dos resultados positivos obtidos previamente por
GC-FID. Os autores extraíram as drogas de várias
bebidas usando clorofórmio.
Nesse mesmo ano, Meyers et al. 22 desenvolveu
um método de análise de GHB em várias bebidas
alcoólicas e não alcoólicas. O método desenvolvido envolveu inicialmente a extração de GHB de
amostras aquosas por microextração em fase sólida
(SPME) seguido de derivatização direta na fibra seguido de análise por GC-MS.
Em 2006, Grootveld et al. 23 explorou uma metodologia baseada em espectroscopia de ressonância magnética nuclear 1H de alta resolução para a
deteção e quantificação de GHB em saliva humana
e em cerveja não alcoólica.
Bishop et al. 24 em 2007 desenvolveu um método rápido de análise microfluídico para a deteção
de benzodiazepinas em bebidas adulteradas. Neste
trabalho, utilizou-se cromatografia eletrocinética
micelar com um corante de cianina (Cy5) para a
deteção indireta por fluorescência. Ainda, usou-se
uma extração líquido-líquido com acetato de etilo
para concentrar as amostras.
Ainda em 2007, Webb et al. 25 desenvolveu
uma metodologia baseada em eletroforese capilar
de zona (CZE) com deteção por matriz de fotodíodos (DAD) para a separação e determinação de seis
benzodiazepinas em várias bebidas frequentemente
consumidas em bares e festas. Este método empregou um tubo capilar duplamente revestido com cloreto de poli(dialildimetilamónio) e sulfato de dextrano. Neste trabalho, nenhum pré-tratamento de
amostra foi necessário para quantificar cinco benzodiazepinas nas bebidas testadas, com a exceção do
vinho, cuja complexidade da matriz para análise não
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
permitiu a quantificação exata de nitrazepam.
Honeychurch e Hart 26, em 2008, descreveram
uma técnica por cromatografia líquida (LC) com deteção eletroquímica para determinar flunitrazepam
e nitrazepam em bebidas adulteradas. As bebidas
testadas foram submetidas a um procedimento de
pré-tratamento de amostra antes da análise, através
de uma extração líquido-líquido com diclorometano.
Em 2009, Acikkol et al. 27 desenvolveu uma metodologia baseada em cromatografia gasosa com
espetrometria de massa para a determinação simultânea de algumas benzodiazepinas e cetamina em
diversas bebidas. As drogas foram extraídas das bebidas adulteradas por extração líquido-líquido com
uma mistura 1:1 de clorofórmio e isopropanol.
Mais recentemente, em 2011, Lesar et al.28 analisou algumas bebidas adulteradas com GHB e GBL
através de 1H-NMR com um método de supressão
de água denominado PURGE. O método de PURGE
em combinação com a técnica de 1H-NMR permitiu a
identificação direta e a quantificação de GHB e GBL
em todas as bebidas exceto o vinho no qual a quantificação exata não foi alcançada devido a interferências da matriz da amostra.
Também em 2011, D’Aloise e Chen 29 usaram
uma nova técnica de desadsorção/ionização por eletronebulização acoplado a espetrometria de massa
para a determinação de flunitrazepam em várias bebidas. A bebida adulterada com flunitrazepam analisou-se sem necessidade de qualquer pré-tratamento.
Em 2013, Sáiz et al. 30 desenvolveu um método
de determinação de escopolamina em seis bebidas
alcoólicas e num creme hidratante utilizando um
equipamento portátil de eletroforese capilar, modificado pelos autores. A análise do creme foi realizada
após um procedimento de pré-tratamento da amostra por extração com metanol, enquanto as amostras
de bebidas implicaram unicamente como tratamento a diluição das mesmas.
As metodologias descritas para a análise toxicológica de bebidas com drogas usadas em crimes
do tipo DFC são muito exatas e algumas apresentam
elevada sensibilidade e seletividade, contudo a maioria dos procedimentos mencionados necessitam de
equipamento dispendioso, analistas altamente espe-
69
cializados e exigem um tratamento de amostras laborioso e específico usando reagentes de elevado risco
ambiental. Adicionalmente, estas técnicas só se executam em condições de laboratório muito especiais
com a intervenção rigorosa dos técnicos especializados. Também, é importante considerar que nem
todos os laboratórios dispõem de orçamento para a
aquisição e manutenção de muitos dos equipamentos necessários nas metodologias de análise referidas. Os métodos acima mencionados constituem,
sem qualquer dúvida, alternativas robustas para análises químicas toxicológicas, sobretudo como metodologias confirmatórias com alta confiabilidade nos
resultados fornecidos. No entanto, a maioria das
metodologias já desenvolvidas, para controlo químico toxicológico de bebidas adulteradas com drogas
de abuso, são completamente impróprias para rastreios rápidos das bebidas nos locais de consumo
ou do crime, dado que exigem equipamentos científicos de elevada dimensão e requerem tempos de
preparação de amostra e análise elevados.
O desenvolvimento de novas metodologias
analíticas para rápido rastreio ”in situ” de drogas de
abuso em bebidas é muito importante do ponto de
vista forense e toxicológico. Assim, para uma rápida
deteção de drogas de abuso nos locais de consumo,
o objetivo principal é utilizar metodologias simples,
rápidas, fiáveis e ainda com outras especificações que
permitam a execução de análises fora do ambiente
de um laboratório, nomeadamente: automáticas,
pequenas dimensões, portáteis, reduzido consumo
energético, versatilidade e facilidade de operação.
Para este fim, o recurso a métodos automáticos
de análise e mais precisamente as metodologias baseadas na análise em fluxo podem assumir um papel
importante.
Metodologias automáticas em fluxo
A automação dos procedimentos analíticos em
análises químicas permite efetuar rapidamente a
análise de um grande número de amostras, com a
diminuição da intervenção humana, e redução considerável do volume dos reagentes e amostras necessários à análise.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
70
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
Os métodos automáticos de análise têm aplicação em variados campos, inclusive análises clínicas e
toxicológicas; controlo de processos industriais, de
matéria-prima e produto acabado; análise regular
do ar, água e solo; e controlo de qualidade de alimentos, produtos farmacêuticos e agrícolas 31.
O conceito de multi-impulsão 32 através da utilização de micro-bombas solenóides apareceu em
2002, e constituiu uma nova estratégia de fluxo com
características hidrodinâmicas distintas (fluxo pulsado) das outras metodologias de fluxo e com outras diferenças importantes, nomeadamente, a conceção e montagem do sistema de fluxo, dado que
as etapas sucessivas de um procedimento típico na
análise em fluxo incluindo a inserção de amostra, a
adição de reagentes e a propulsão das soluções são
efetuadas pelo mesmo componente do sistema de
fluxo e não por equipamentos diversos, separados e
de controlo individual. Deste ponto de vista, é de referir ainda o avanço evidente na miniaturização dos
sistemas de análise.
A análise em fluxo por multi-impulsão é baseada na utilização de várias micro-bombas solenoides,
uma por cada solução de reagente envolvida na análise, que podem funcionar individualmente ou em
combinação na impulsão de líquidos podendo atuar
ao mesmo tempo como dispositivos de inserção de
amostra/reagente e unidades de comutação entre as
soluções.
As características e as potencialidades dos sistemas de fluxo baseados no conceito de multi-impulsão tornam esta estratégia de fluxo uma ferramenta
útil na implementação de procedimentos analíticos,
que podem usar-se com vantagens significativas relativamente às estratégias convencionais de análise.
De facto, a natureza do fluxo pulsado em
combinação com múltiplas tarefas executadas pela
micro-bomba e o seu controlo individual por meio
de um computador permite implementar sistemas
analíticos em fluxo mais compactos e que integram
menos componentes, controlados com uma grande
simplicidade operacional. A portabilidade destes sistemas, em virtude da sua miniaturização e exigências reduzidas de energia para funcionar, permite o
transporte para fora do ambiente de laboratório e
assim, possibilita executar análise de campo.
Outra característica essencial dos sistemas de
multi-impulsão é a versatilidade na implementação
de uma grande variedade de métodos analíticos. Na
literatura científica encontram-se diversos trabalhos
que descrevem várias metodologias explorando o
conceito de multi-impulsão com diferentes técnicas
de deteção, como por exemplo, espectrofotometria, fluorescência e quimioluminescência.
Considerando as vantagens da análise em fluxo
por multi-impulsão, este conceito foi também aplicado no desenvolvimento de sistemas automáticos
para o controlo químico e toxicológico de bebidas
adulteradas com substâncias de abuso potencialmente utilizadas em crimes do tipo DFC.
Em 2010, Ribeiro et al.33 desenvolveu um sistema miniaturizado e automático de análise em fluxo por multi-impulsão para o controlo químico de
diazepam em bebidas alcoólicas adulteradas, com
deteção fluorométrica (Figura 1). A metodologia
explorada neste trabalho envolveu apenas a foto-degradação de diazepam com radiação ultravioleta
e monitorização dos produtos de degradação fluorescentes. A interferência na análise de compostos
fluorescentes das bebidas constituiu uma desvantagem, pelo que restringiu a aplicação a bebidas alcoólicas brancas.
Figura 1. Sistema de fluxo por multi-impulsão (MPFS).
P1, P2 – micro-bombas solenoides (volume interno de 10
µL); X – ponto confluência; R – reator de 2 m; D – detetor
de fluorescência (λex = 272 e λem = 450 nm); L – lâmpada
de ultra-violeta da Philips; AP – percurso analítico de 10
cm; S – amostra; C – solução transportadora (0,2 mol L-1
NaOH); W – dreno. (Adaptado de Ribeiro et al.33) .
Também Ribeiro et al. 34, em 2011, implementou uma nova metodologia química para a determinação de glibenclamida em bebidas alcoólicas
adulteradas com o fármaco antidiabético. Neste tra-
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
balho, o conceito de química supramolecular foi explorado através da utilização de um tensioativo aniónico, o dodecil sulfato de sódio, para promover um
meio micelar organizado que se verificou otimizar
a emissão de radiação fluorescente do fármaco em
meio ácido (Figura 2). A portabilidade e o controlo
simples do sistema de fluxo verificaram-se devido à
sua simples configuração e, também se demonstrou
o potencial da metodologia proposta como um instrumento analítico valioso para a determinação de
glibenclamida em bebidas alcoólicas intencionalmente adulteradas. O funcionamento do sistema de
análise desenvolvido e os resultados com ele obtidos
permitiram verificar a importância da sua possível
aplicação em investigações laboratoriais de controlo
toxicológico.
71
dologia em fluxo de multi-impulsão foi muito importante na eficiência do processo de separação em
linha, principalmente, no fenómeno de desadsorção
do fármaco do carvão vegetal ativado. A monitorização foi realizada por fluorescência.
Figura 3. Sistema de fluxo por multi-impulsão (MPFS).
P1, P2, P3 – micro-bombas solenoides; X, ponto confluência; V1, V2, V3, V4 – válvulas solenoides (linha – solenoide
desligado; tracejado – solenoide ligado); D – detetor
de fluorescência (λex = 300 nm e λem = 404 nm); CL –
coluna de separação contendo carvão ativado (5,0 cm e
d.i. 0,2 cm); S – amostra: glibenclamida em 0,01 mol L-1
NaOH; C – solução de lavagem e condicionadora: 0,01
mol L-1 NaOH; E – solução eluente: 0,01 mol L-1 CTAB,
70 % etanol e 1,0 mol L-1 HCl; W – dreno. (Adaptado de
Ribeiro et al.35)
Conclusões
Figura 2. Sistema de fluxo por multi-impulsão (MPFS).
PC – micro-computador; P1, P2, P3 – micro-bombas solenoides (volume interno de 10 µL); X, ponto confluência;
D – detetor de fluorescência (λex = 301 nm e λem = 404
nm); AP – percurso analítico de 10 cm; S – amostra: glibenclamida em 50 % etanol/0,2 mol L-1 H2SO4; C – solução
transportadora: 0,2 mol L-1 H2SO4; R, 0,03 mol L-1 SDS;
W – dreno. (Adaptado de Ribeiro et al.34)
Em 2012, Ribeiro et al. 35 desenvolveu uma
metodologia analítica para o controlo toxicológico
de chás adulterados com glibenclamida (Figura 3).
Dada a complexidade das amostras de chás, bebidas ricas em diversos compostos que interferem em
muitas metodologias de análise, foi implementado
num sistema de fluxo miniaturizado um processo de
separação baseado numa unidade de pré-separação
constituída por uma mini-coluna com carvão vegetal
ativado, para a extração em linha de glibenclamida
em amostras de chás adulterados. O processo de separação (adsorção e desadsorção) foi automatizado.
A natureza de fluxo pulsado característico da meto-
As metodologias automáticas desenvolvidas
para o controlo toxicológico de bebidas constituíram uma notável contribuição para os métodos de
rastreio rápido de drogas usadas em DFC, colocadas
discretamente em bebidas alcoólicas e não alcoólicas, com o intuito de cometer crimes. As novas metodologias analíticas possibilitam atuar na prevenção
de abusos por drogas e auxiliam no apuramento das
responsabilidades legais dos crimes que envolvem
as drogas de abuso. Considerando as características especiais dos sistemas de análise em fluxo por
multi-impulsão, incluindo o tipo de componentes e
a sua configuração, modo operacional e particularidades da hidrodinâmica de fluxo, os sistemas de
fluxo desenvolvidos possibilitam portabilidade e um
baixo consumo de energia, o que os torna ferramentas promissoras para análises toxicológicas de campo. Os métodos automáticos desenvolvidos para o
rápido rastreio de drogas em bebidas adulteradas
podem usar-se não como alternativa, mas sim como
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
72
Controlo químico de bebidas adulteradas em crimes facilitados com drogas
complemento à análise toxicológica convencional de
amostras biológicas (sangue e urina). Adicionalmente, permitem identificar rapidamente e quantificar
a droga responsável usada em casos de crimes do
tipo DFC quando as bebidas adulteradas são identificadas e recolhidas, dado que o controle químico destas amostras não necessita normalmente de
métodos de quantificação com limites de deteção
baixos. Sem dúvida as metodologias como a cromatografia gasosa ou eletroforese capilar são de excelência em termos de desempenho analítico, mas tais
métodos tornam-se excessivos na análise de bebidas
adulteradas que não requerem limites de deteção e
quantificação baixos. Contudo, a matriz das amostras de bebidas constitui ainda uma grande dificuldade na aplicação de métodos de análise baseados
apenas em derivatização química, exigindo por isso,
métodos de análise com elevada seletividade e sensibilidade. De modo a possibilitar a aplicação com
sucesso das metodologias automáticas de análise
em fluxo na análise de bebidas contaminadas com
drogas de abuso é necessário desenvolver sistemas
com hifenização de técnicas de micro-separação e
outros métodos de deteção.
No futuro, o desenvolvimento de sistemas analíticos mais miniaturizados baseados em análise em
fluxo, com inferiores consumos energéticos e de
reagentes, deve ser explorado para obter-se métodos alternativos de análise passíveis de utilização em
análises de campo, para o rastreio rápido e em tempo-real de drogas em bebidas adulteradas em locais
de entretenimento social. No entanto, é importante
não esquecer que os resultados de uma análise toxicológica podem ter sérias consequências forenses e
legais, pelo que a qualidade dos métodos analíticos
precisa de um controlo constante e rigoroso.
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O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal
(2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Gomes, Maria J.1, Ramos, Fernando2
(1) Mestre em Ciências Farmacêuticas. Farmacêutica.
(2)Doutor em Farmácia – Especialidade de Bromatologia e Hidrologia. Professor Associado da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Centro de Estudos Farmacêuticos. Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Azinhaga de Santa Comba. 3000-549 Coimbra. Portugal
Autor correspondente:
Fernando Ramos
[email protected]
Faculdade de Farmácia. Universidade de Coimbra. Pólo das Ciências da Saúde. Azinhaga de Santa Comba. 3000-548 Coimbra
Resumo
Os medicamentos genéricos são, atualmente, uma forma de diminuir as despesas em Saúde em Portugal. Estes medicamentos surgem quando expira a patente de um medicamento original e apresentam,
normalmente, um preço mais baixo contribuindo, assim, para a sustentabilidade do Serviço Nacional de
Saúde. A quota de mercado dos medicamentos genéricos começou a aumentar a partir de 2003 refletindo
as medidas implementadas de promoção dos medicamentos genéricos. Os preços destes medicamentos
tem vindo a diminuir continuadamente ao longo dos anos, havendo uma redução de 42 % apenas do ano
de 2011 para 2012. As taxas médias de comparticipação dos medicamentos apresentam uma tendência para
diminuir levando a um aumento dos encargos em medicamentos por parte dos cidadãos. Ainda, neste âmbito, as farmácias vivem uma fase crítica, uma vez que, as margens de lucro tem vindo a diminuir, sendo em
alguns casos negativas. Devido a estes fatores, questiona-se a acessibilidade aos medicamentos por parte dos
utentes uma vez que vivemos uma crise económica e social acompanhada de uma potencial diminuição da
cobertura farmacêutica.
Palavras-chave: Medicamentos Genéricos, Preços de Referência, Farmácias, Acessibilidade aos Medicamentos
Abstract
Nowadays, generic medicines are used to reduce the health expenses in Portugal. These medicines
arise when the reference medicine patent expires and have usually a lower price in order to contribute to the
sustainability of the National Health Service. The Portuguese market of generic medicines began to increase
since 2003. This was the consequence of the policies implemented to promote generic medicines. The prices
of generic medicines have been declining constantly over the years, with a decrease of 42 % only from 2011
to 2012. The average reimbursement of medicines has a tendency to decrease which increases the amount
that the patients pay. In this context, pharmacies live a critical period because of the decrease of the profit
margins that are in some cases negative. Due to these situations, the accessibility to medicines by patients is
questioned, since Portugal live in an economic and social crisis accompanied by a potential decrease of the
pharmaceutical services coverage.
Keywords: Generic medicines, Reference Prices, Pharmacies, Accessibility to Medicines
76
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Introdução
Os medicamentos de marca são, normalmente,
inovadores numa determinada classe terapêutica ou
são resultado de um melhoramento de outros medicamentos ou tratamentos já existentes1. Esta inovação resulta de elevados investimentos por parte
da indústria farmacêutica durante um longo período de tempo. No final de um processo de desenvolvimento bem-sucedido, estes medicamentos são
protegidos por uma patente que permite a recuperação dos investimentos realizados uma vez que é
propriedade industrial do detentor de Autorização
de Introdução no Mercado (AIM) que lhe deu origem, conferindo-lhe uma situação de monopólio de
mercado. As patentes são um elemento fundamental do processo económico que conduz a obtenção
de inovações 2. A nível nacional, o Instituto Nacional
de Propriedade Industrial estabelece a duração do
registo de patente por um período de 20 anos, contado a partir da data de concessão 3.
Finalizado o período de proteção por patentes,
estima-se que a indústria inovadora já tenha recuperado os custos associados com a inovação sendo
a proteção de concorrência de outras empresas eliminada. Surgem, então os medicamentos genéricos
(MG) que são o foco principal deste trabalho. Assim, os MG apresentam um preço de custo substancialmente mais baixo em relação ao medicamento
original uma vez que não incorporam os custos de
investigação e desenvolvimento, refletindo-se num
menor custo para o cidadão e para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) 2.
Segundo o INFARMED, “um MG é um medicamento com a mesma substância ativa, forma farmacêutica e dosagem e com a mesma indicação
terapêutica que o medicamento original, de marca, que serviu de referência”4. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, no artigo 3.º,
n.º 1, alínea n, define MG como um “medicamento
com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por
estudos de biodisponibilidade apropriados” 5.
A avaliação da segurança e eficácia dos MG em
Portugal é da responsabilidade do INFARMED que
segue as normas técnicas aceites e aprovadas para
toda a Europa. De referir que o medicamento original tem vários anos de comercialização, aumentando a segurança uma vez que são enumerados outros
efeitos adversos não detetados em ensaios clínicos
de desenvolvimento. Assim, Os MG têm origem em
medicamentos para os quais existem um longo historial clínico. No entanto, são realizados ensaios de
biodisponibidade e bioequivalência (BD/BE), referidos anteriormente, para garantir que o MG e o medicamento de referência (MR) são intercambiáveis
entre si, isto é, com igual eficácia e semelhança de
efeitos adversos 6.
Os ensaios de biodisponibilidade e bioequivalência (BD/BE) são ensaios clínicos que visam
determinar se as concentrações sanguíneas de determinado medicamento e, eventualmente, os seus
metabolitos ativos atingem ou não os níveis exigíveis em diferentes parâmetros. Os intervalos de variação aceites são estreitos de forma a garantir uma
permuta segura entre o medicamento de referência
e o genérico 6.
Atualmente existe, ainda, desconfiança por parte dos cidadãos e de alguns profissionais de saúde
em relação aos MG. O assunto não é recente, tendo-se iniciado, fundamentalmente, com a introdução
da Nova Política dos Medicamentos há, aproximadamente, 10 anos. A crise financeira vivida em Portugal permitiu que os MG vivessem um momento de
elevada visibilidade e, consequentemente, de penetração de mercado. De facto, não podemos ignorar
o impacto socioeconómico destes medicamentos
uma vez que, desse ponto de vista, facilitaram o
acesso ao medicamento e contribuíram para a sustentabilidade financeira do SNS.
Assim, nos últimos 10 anos, o Estado tem vindo
a tomar diversas medidas no sentido de incentivar
o uso de MG. Para além disso, tem usado uma política de preços de referência que tem promovido
descidas dos preços de medicamentos. De facto,
estas políticas, a curto prazo, melhoram o acesso a
medicamentos e diminuem a despesa em Saúde7.
No entanto, devido a essas políticas, as farmácias
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
encontram-se numa situação de resultados líquidos
mais baixos, relativamente aos períodos anteriores.
Algumas apresentam-se em situação de insolvência,
ou até mesmo de falência, o que influencia negativamente a sua capacidade de abastecimento e dispensa de medicamentos ao cidadão, a curto e médio
prazos.
O presente artigo procura fazer uma análise do
mercado de medicamentos genéricos, nomeadamente a evolução do seu consumo e do seu preço
nos anos de 2011 e 2012. Além disso, procura, também, apresentar uma visão tripartida, avaliando o
impacto do consumo destes medicamentos na perspetiva do Cidadão, do Estado e das Farmácias.
Evolução histórica dos medicamentos
genéricos em Portugal
A Lei n.º 81/90, de 12 março foi o primeiro diploma que se referia a MG no que diz respeito à sua
produção, AIM, distribuição, preço e comparticipação 8. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 72/91, de 8
de fevereiro, estabeleceu a definição de MG e estabeleceu as condições de prescrição e dispensa 9. Outras medidas foram realizadas nomeadamente com
a Portaria n.º 623/92, de 1 de julho, que alterou o
regime de formação de preços dos MG (20 % abaixo
do PVP do MR) 10 assim como com o Decreto-Lei n.º
249/2003, de 9 de julho, que alterou as condições
de AIM. No entanto, apesar de terem sido tomadas
estas medidas, até esta última data, a quota de mercado de medicamentos genéricos era pouco significativa (inferior a 0,5 %) 7.
A partir de 2000 o Ministério da Saúde criou o
Programa Integrado de Promoção de Genéricos e é
a partir desta data que se inicia o crescimento sustentado da quota de mercado dos MG. Algumas das
medidas que contribuíram para este crescimento foram, por exemplo, a criação do Sistema de Preços
de Referência12 e a obrigatoriedade da prescrição
por Denominação Comum Internacional (DCI) para
substâncias ativas com MG autorizado 13.
Foram, ainda, realizadas campanhasa de informação sobre a qualidade, eficácia e segurança dos
MG tanto para profissionais de saúde como para o
77
público em geral e foram, também, estabelecidas
medidas dirigidas à indústria farmacêutica tais como
a simplificação de processos de AIM e melhorias no
processo de avaliação e aprovação de MG 14.
Contexto social e económico
Numa época de crise financeira, o sistema de
saúde português é questionado quanto à sua sustentabilidade, nomeadamente em aspetos relacionados
com os medicamentos. Na Figura 1 está representada o consumo per capita de medicamentos entre
1999 e 2010, verificando-se um aumento constante
desse consumo, refletindo-se, assim, num aumento
da despesa total com medicamentos havendo, contudo, uma desaceleração entre 2005 e 2007 7. De
fato, perante este aumento da despesa, era necessário serem tomadas uma série de medidas, surgindo,
deste modo, a Nova Política do Medicamento.
Figura 1. Consumo per capita de medicamentos pelo
Serviço Nacional de Saúde.
A Nova Política do Medicamento visa, essencialmente, a redução de preços, através do sistema de
PR, o incentivo ao uso de MG e ainda, a criação de
mecanismos de mercado para motivar descidas de
preços, tendo como objetivo reduzir a despesa com
medicamentos. Outros objetivos da Política do Medicamento são assegurar a equidade do acesso aos
medicamentos e promover a utilização racional por
prescritores e consumidores 15.
No entanto, as recentes medidas implementadas no âmbito da Política do Medicamento restringem-se, essencialmente, a aspetos financeiros, o
que, a longo prazo, se mostrará ineficaz 15.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
78
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
De referir que, no ano de 2011, Portugal solicitou ajuda externa, passando a ser um país governado a par com o que se convencionou chamar-se
Troika (Fundo Monetário Europeu, Banco Central
Europeu e União Europeia). Neste âmbito, foi estabelecido o Memorando de Entendimento com a
Troika que, para além de outras, define novas medidas para a Saúde e Medicamento que deverão ser
(ou que estão a ser) aplicadas em Portugal. Algumas
dessas medidas são: rever o atual sistema de preços
de referência com base nos praticados internacionalmente, sensibilizar os médicos para a prescrição
de MG e MR menos dispendiosos, remover as barreiras à entrada de MG e alterar o cálculo das margens de lucro para instituir uma margem comercial
regressiva e um valor fixo para as farmácias 16. No Orçamento de Estado de 2012 estas medidas ficaram
definidas visando a sua implementação 17.
Medicamentos Genéricos em Portugal
No Plano Nacional de Saúde (PNS) de 20042010 definiu-se uma meta para 2010 que estabelecia
uma percentagem da ordem de 15 a 20 % de MG
no mercado total de medicamentos. Esta meta foi
plenamente alcançada como se ilustra na Figura 2. O
Programa Integrado de Promoção dos MG, patrocinado pelo Ministério da Saúde, foi o elemento chave
do crescimento do mercado de MG na primeira metade da década de 2000 18.
Figura 2. Quota de mercado em valor e em volume de
medicamentos genéricos em Portugal.
Até meados do ano de 2001, o mercado de MG
em Portugal era praticamente nulo. A partir desta
data assistiu-se a um aumento desse mercado que,
embora inicialmente lento, viria a acelerar até meados da década. Após este rápido desenvolvimento,
verificou-se um ritmo de crescimento menos pronunciado, alcançando-se uma espécie de patamar a
partir de 2008 7. Estas taxas de crescimento ao longo
dos anos 2004 até 2010 estão ilustradas na Figura 318.
Figura 3. Taxa de crescimento do mercado de medicamentos genéricos em Portugal entre 2004 e 2010
Apesar do crescimento da quota de mercado
dos MG em Portugal ter aumentando ao longo dos
últimos anos, verifica-se que, em 2009, o mercado
de MG, quer em valor quer em embalagens, ficou
muito aquém de países como a Alemanha, Eslovénia
ou outros países da antes designada Europa de Leste 19. No entanto, Portugal apresentou uma melhor
posição em relação a Itália e Grécia, sendo, à época,
o único país em que a quota de mercado em valor
era superior à quota de mercado em embalagens,
verificando-se, assim, que se podia, ainda, percorrer
um longo percurso em relação ao mercado de genéricos, sobretudo no que ao número de embalagens
dizia respeito 19.
Uma vez que o objectivo deste trabalho se foca
nos anos de 2011 e 2012, aprofundar-se-á o estudo
da variação do consumo de medicamentos genéricos durante esse intervalo de tempo.
No ano de 2011 o comportamento do mercado
de MG está representando na Figura 4 em que se
pode observar que a quota de mercado, em valor,
diminuiu cerca de 4 % desde janeiro até dezembro
de 2011, enquanto que, em número de embalagens,
cresceu cerca de 0,5 % 20. Verifica-se, então, uma desproporcionalidade entre o crescimento em valor e
em embalagens que se explica através das alterações
frequentes dos preços, apesar do número de embalagens dispensado ter sido ser superior.
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Figura 4. Quota de mercado de medicamentos genéricos ao longo dos anos de 2011 e 2012.
Analisando, agora o ano de 2012, através da
Figura 4, verifica-se que o comportamento foi relativamente semelhante, havendo uma taxa de crescimento da quota de mercado, em embalagens, de
0,8 %, enquanto que, em valor, apresentou um valor
negativo na ordem dos 2,6 % 21.
Deste modo, observa-se que durante os anos
de 2011 e 2012 o comportamento do mercado dos
MG foi semelhante havendo uma diminuição relativamente constante da quota de mercado, em valor,
com um aumento em número de embalagens, refletindo um maior consumo de MG que, no entanto,
não compensou, do ponto de vista económico, as
descidas dos preços dos MG.
A evolução do preço dos medicamentos
genéricos
A formação dos preços dos medicamentos e o sistema de preços de referência
O PVP (Preço de venda ao público) dos medicamentos é composto por diferentes parâmetros: a)
Preço de venda ao armazenista (PVA): o preço máximo para os medicamentos no estádio de produção
ou importação; b) Margem de comercialização do
distribuidor grossista; c) Margem de comercialização da farmácia; d) A taxa sobre a comercialização de
medicamentos e e) IVA. O PVP dos medicamentos a
introduzir pela primeira vez no mercado nacional ou
os referentes a alterações da forma farmacêutica e da
dosagem não podem exceder a média que resultar
da comparação com os preços de venda ao armazenista em vigor nos países de referência para o mes-
79
mo medicamento ou, caso este não exista, para as
especialidades farmacêuticas idênticas ou essencialmente similares, acrescido das margens de comercialização, taxas e impostos vigentes em Portugal.
Até 2012, os países de referência eram a Espanha, a
Itália e a Eslovénia 22.
Em 2002, introduziu-se o sistema de preços de
referência (PR) em Portugal que alterou significativamente o mercado de medicamentos causando,
nomeadamente, facilidade à entrada de MG. O preço de referência é o valor sobre o qual incide a comparticipação do Estado no preço dos medicamentos
incluídos em cada um dos grupos homogéneosb,
quando o PVP é superior ao PR. O PR corresponde
à média dos cinco preços mais baixos dos medicamentos que integram cada grupo homogéneo. O
cálculo é feito com base em cinco preços distintos,
o que pode corresponder a mais do que cinco medicamentos, independentemente de serem genéricos.
A partir da média dos preços mais baixos é calculado
o Preço de Referência unitário 22.
O PR é estabelecido quando existem MG no
mercado, alterando a taxa de comparticipação sobre o medicamento original. Assim, traduz-se numa
maior sensibilidade ao preço por parte dos utentes,
uma vez que, normalmente, existe uma grande diferença no pagamento caso se opte, no momento da
aquisição, por um MG ou por um medicamento de
marca 2.
Em termos práticos, após obtida a AIM, o Ministério da Economia fixa um preço máximo de comercialização baseado numa comparação internacional. Caso seja um MG, o preço máximo é fixado
num valor inferior em 35 por cento dos respetivos
medicamentos de marca ou 20 por cento no caso de
medicamentos com PVP inferior a 10 euros. É feita
uma revisão trimestral dos preços de referência dos
grupos homogéneos (em que se pode alterar a composição dos mesmos) e existem, ainda, mecanismos
administrativos de revisão periódica dos preços 22.
Breve análise dos anos 2007 a 2010
A Figura 5 representa a evolução do preço dos
genéricos entre outubro de 2006 e fevereiro de 2011.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
80
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Esta evolução é explicada por uma série de medidas
que foram implementadas no sector do Medicamento, nomeadamente no sector dos MG.
Figura 5. Preço dos MG entre Outubro 2006 e Fevereiro
2011
Na Figura 6 estão evidenciados os preços de
moléculas mais representativas em 2007 e 2010, em
que há uma visualização gráfica da diferença dos preços.
nova portaria veio estabelecer que os PVPs máximos
dos MG superiores a 5 euros, aprovados até março
de 2008, seriam reduzidos em 30 % 24. Também em
2010 uma serie de medidas foram implementadas,
nomeadamente: definição do PVP dos novos medicamentos a comparticipar como inferior em 5 %
relativamente ao PVP do MG mais barato com pelo
menos 5 % da quota de mercado de MG do grupo
homogéneo e alteração das regras de cálculo do
preço de referência para os grupos homogéneos,
correspondendo à média dos cinco PVPs mais baixos praticados no mercado 25. Ainda, em outubro de
2010, foi definida uma redução de 6 % no PVP máximo dos medicamentos comparticipados 26.
Após uma breve revisão da evolução dos preços dos MG entre 2007 e 2010, segue-se uma análise
da variação dos preços dos anos de 2011 e 2012, nos
quais foram implementadas várias medidas no âmbito dos medicamentos, com o objetivo de contenção
da despesa pública em Saúde.
Evolução dos preços dos medicamentos genéricos
em 2011 e 2012
Figura 6. A) Diferença percentual entre o preço médio
de cada DCI praticado em 2007 e 2010. B) Comparação
do valor do preço médio para cada DCI praticado em
2007 e em 2010
Nota: DCIs com maior volume de vendas em embalagem
durante os anos 2007-2010.
Em março de 2007 foram estabelecidas novas
regras de fixação dos preços de medicamentos por
referenciação internacional e os preços deixaram de
ser preços fixos para passarem a ser preços máximos.
Além disso, estabeleceram-se reduções no preço dos
MG em função da evolução da quota de mercado e,
definiu-se, ainda, que o PVP dos novos MG tinha de
ser inferior a 35 % ao preço de referência, ou a 20 %
se o preço de referência fosse menor que 10 euros23.
Em Setembro de 2008 verifica-se uma diminuição
considerável dos preços dos MG uma vez que uma
No ano de 2011 foram implementadas novas
medidas no âmbito da Política do Medicamento
que, somadas às medidas dos anos anteriores e aos
mecanismos de mercado, resultaram numa diminuição relativamente constante ao longo desse período
como se pode ver na Figura 7. Segundo dados do
INFARMED, a média dos preços dos MG em 2011 foi
de 10,43 euros. Em janeiro, a média de preços rondava os 11,58 euros enquanto que no final do ano
rondava os 8,79 euros, o que corresponde a uma diferença de 2,79 euros 20.
Figura 7. Preço médio dos MG em 2011
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
O Decreto-Lei n.º 112/2011, de 29 de novembro, define novas políticas na área dos medicamentos em que o artigo 8.º estabelece a formação de
preços dos MG. Assim, o PVP destes medicamentos a introduzir no mercado nacional é inferior,
no mínimo, em 50 % ao PVP do medicamento de
referência, com igual dosagem e na mesma forma
farmacêutica. Excetuam-se os casos em que o PVA
é inferior a 10 euros em todas as apresentações em
que o PVP deverá ser inferior em 25 % ao do medicamento de referência, conforme foi determinado
pelo Decreto-lei n.º 112/2011, de 29 de novembro,
que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2012 22.
Novas medidas foram estabelecidas com
a Portaria n.º 4/2012, de 2 de janeiro, nomeadamente a revisão anual dos preços dos MG sendo
objeto de revisão em função do preço máximo,
administrativamente fixado, do MR com igual dosagem e forma farmacêutica. Assim, os PVPs dos
MG foram reduzidos até ao valor correspondente
a 50 % do preço máximo administrativamente fixado do MR para PVA superiores a 10 euros. No
caso de PVA inferiores a 10 euros, os PVPs foram
reduzidos para 75 % do preço máximo administrativamente fixado 27.
Assim, nesse mesmo ano de 2012, verificou-se uma nova descida do preço dos medicamentos genéricos 27. Na Figura 7 verifica-se que essa
baixa de preços acontece entre fevereiro e março
uma vez que as farmácias tinham uma margem de
90 dias para escoar os medicamentos com o preço
estabelecido antes destas novas medidas.
A média dos preços dos MG no ano de 2012
foi de 7,10 euros apresentando uma diferença de
3,33 euros face ao ano anterior. Em janeiro de
2012 o preço médio era de 8,5 euros, enquanto
que no final do ano era de 6,70 euros, havendo
uma descida de 1,8 euros. Como já referido, a
grande descida deu-se em março com uma diferença de 1,14 euros, face ao mês de fevereiro 21.
E em 2013?
Segundo dados do INFARMED, entre janeiro
e março de 2013 a quota de mercado, em volume,
81
de MG foi de 27,1 %, superior ao valor de 2012. Em
relação à quota de mercado em valor dos MG houve um aumento de 1,4 % relativamente ao valor de
2012, representando um valor de 18 % do mercado
total de medicamentos. O preço médio dos medicamentos genéricos foi de 6,71, 6,83 e 6,80 euros em
janeiro, fevereiro e março, respetivamente, havendo, assim, um ligeiro aumento dos preços 28.
Apesar da progressão no aumento de mercado
da quota dos MG em Portugal, na sexta atualização
do memorando de entendimento com a Troika, em
dezembro de 2012, foi estabelecido como objetivo
uma quota de mercado de MG em volume de 45%
em 2013 17 o que se afigura ser difícil, para não dizer
impossível, de atingir em presença dos resultados
do 1º trimestre de 2013.
Entretanto, uma nova portaria foi publicada,
Portaria n.º 91/2013 de 28 de fevereiro, que define
como novos países de referência para o estabelecimento do preço de MG, a Espanha, França e Eslováquia 29. Esta Portaria anula, também, a baixa do preço dos MG, no sentido de evitar a saída do mercado
português de inúmeros medicamentos genéricos
por inviabilidade económica que, como é sabido,
estava a ser comum 17.
Em 2013, introduziu-se, pela primeira vez,
um mecanismo de comparação internacional
de preços para os medicamentos utilizados em
meio hospitalar 17 através do Despacho n.º 4927A/2013, de 10 de abril, que estabelece uma reapre
ciação dos preços máximos e dos limites máximos
de encargos a que os hospitais do SNS estão autorizados 30.
Comparação dos preços e sistemas de
preços com países da OCDE
Em vários países da OCDE também existe uma
vontade de diminuir as despesas com os medicamentos. As medidas implementadas diferem de país
para país, no entanto algumas delas são comuns.
Sendo o foco deste estudo avaliar a evolução do preço dos MG, importa analisar que medidas são realizadas noutros países neste âmbito comparando com
as praticadas em Portugal.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
82
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Um estudo realizado pela PREMIVALOR Consulting , em julho de 2011, teve como objetivo comparar o preço dos MG em Portugal com os países da
EU (Espanha, Itália, França e Grécia) que, naquela
época, eram os países de referência estabelecidos19.
Os dados obtidos permitem concluir que os quatro
países referenciados apresentavam uma média dos
preços unitários mais elevada comparativamente a
Portugal, havendo maior discrepância com a Grécia
e menor com a Espanha 19. Os resultados obtidos da
análise das 5 DCIs com maior volume de embalagens
vendidas em Portugal indicam que, à data, os preços
praticados em Portugal eram, em geral, mais baixos.
Assim, compreende-se perfeitamente a entrada
em vigor da Portaria n.º 112-B/2011, de 22 de março,
que estabelecia o adiamento da revisão de preços
por um período de três meses, de forma a “permitir
reflexão”, uma vez que “que, em média, os preços
dos medicamentos já está abaixo dos PRs” 31.
Os preços dos medicamentos apresentam uma
evolução diferente em países com liberalização ou
com sistema de preços regulado. Analisando o que
se faz noutros países no âmbito da promoção dos
MG verifica-se que em vários países da Europa como
França, Alemanha e Itália também se implementou o
sistema de PR. No entanto, nos Estados Unidos e no
Reino Unido o sistema de preço mantém-se relativamente liberalizado o que se reflete em mecanismos
de mercado diferentes, observando-se que há uma
maior variação de preços dos MG nos Estados Unidos e no Reino Unido 32.
Assim, apesar dos Estados Unidos e do Reino
Unido não apresentarem uma estrutura rígida de
definição de preços com objetivo de manter preços baixos, estes dois países apresentam uma maior
descida dos preços dos MG. Isto sugere que quando
estamos perante um sistema de PR existe uma baixa
competição entre preços, havendo uma grande concentração de preços à volta do PR estabelecido e os
preços vão diminuindo de forma mais lenta 32. Ainda
de referir que no Reino Unido a penetração dos MG
no mercado assim como a diferença de preços entre MG e MR foi, em 12 medicamentos, superior à
de outros países europeus que têm PR estabelecidos33.
19
Após aplicação de novas medidas e ideias, deve-se avaliar os resultados e os impactos obtidos.
Com os estudos referidos, verifica-se que apesar
de se acreditar que o Sistema de Preços de Referência é o que permite uma maior diminuição dos
gastos do SNS em medicamentos por aumento da
concorrência com efeito significativo na diminuição de preços 2, não foi esse sistema que trouxe
uma maior penetração de MG no mercado nem
maior rapidez na diminuição dos preços do MG,
conforme se pode comprovar com o que aconteceu no Reino Unido.
Em países com os preços liberalizados as
empresas de MR têm tendência para aplicar preços mais elevados, enquanto que em países com
preços regulados os MR apresentam preços mais
baixos. No primeiro caso, os potenciais produtores de MG são atraídos a entrar no mercado uma
vez que poderão obter margens elevadas. Por outro lado, nos países com sistema de preços regulado, as medidas fazem com o que os preços dos
MG diminuam durante o seu ciclo de vida, o que
não estimula a entrada de MG no mercado 34. Este
aspeto explica os diferentes comportamentos do
mercado em países como o Reino Unido e Alemanha, por exemplo.
O mercado de MG não pode ser avaliado
apenas pelo fator preço. Nos países referidos outras medidas foram implementadas. Na área do
incentivo à prescrição dos MG pretende-se que
se alterem os padrões de prescrição, de dispensa e, também, de consumo. Procura-se tornar os
médicos sensíveis ao preço através da criação de
orçamentos de prescrição, da monitorização e auditoria e ainda, através da definição de normas de
prescrição33. No entanto, os orçamentos poderão
ter como desvantagem o racionamento baseado
na ordem de chegada e não na necessidade 2. No
que diz respeito ao farmacêutico, várias medidas,
no ato da dispensa, foram já realizadas, tais como a
autorização para substituição do MR pelo MG caso
o utente, devidamente informado, assim o permita. Esta medida foi também implementada em
Portugal e em países como a Alemanha, Estados
Unidos e Itália. Mas, para além disso, foram defi-
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
nidas taxas fixas ou margens regressivas em países
como a Alemanha, França, Espanha e Itália, em que
a dispensa de um MG ou de MR se torne igualmente rentável, não havendo dependência exclusiva do
preço dos medicamentos 33.
Uma medida comum a alguns países, como
França, Itália, Espanha e Estados Unidos, foi a definição de legislação que permite a entrada rápida dos
MG no mercado uma vez que os laboratórios de genéricos estão autorizados a iniciar o processo regulamentar antes da queda da patente de um MR. Para
além disso, nos Estados Unidos, o primeiro MG a entrar no mercado tem seis meses de exclusividade de
mercado o que estimula a rápida comercialização de
um MG 33. O maior ou menor sucesso das políticas
de promoção dos MG não depende única exclusivamente do seu preço, mas do conjunto de medidas
que podem ser aplicadas neste âmbito. O memorando da Troika prevê, aliás, uma série de medidas não
relacionadas com o preço.
O Estado e o cidadão: As taxas de comparticipação e a acessibilidade ao medicamento
O Estado apresenta três funções distintas no
sector da saúde: acionista, regulador e pagador. Este
papel tripartido concentra muitas responsabilidades
numa só organização, que poderão, inclusive, ser
contraditórias entre si, originando conflitos de interesses na tomada de decisão 1. A comparticipação do
Estado existe para proteger os utentes de riscos financeiros, funcionando como uma forma de seguro
de saúde (proteção contra a incerteza do momento
e volume de consumo necessário) 2.
Existem várias alternativas a nível do sistema
de comparticipação tais como o cidadão pagar a
totalidade do valor do medicamento, caso este não
seja comparticipado (nem todos os medicamentos
são abrangidos pela comparticipação), a comparticipação ser estabelecida por um preço de referência
(atual sistema português) ou os medicamentos possuírem iguais taxas de comparticipação independentemente de serem genéricos ou de marca 2.
Para melhor compreender como funciona a
83
comparticipação num sistema de preços de referência simula-se o cálculo do preço a pagar pelo utente
na aquisição de medicamentos: Sendo C a taxa de
comparticipação dos medicamentos, P o preço do
medicamento adquirido pelo utente e PR o preço de
referência estabelecido o utente pagará P – C x PR.
Ou seja, se P < PR o utente pagará um valor relativamente baixo ou mesmo nulo. Caso P > PR o utente
pagará (1–C)x PR + P–PR, ou seja, o utente pagará a
parte não abrangida pela comparticipação do preço
de referência acrescida da diferença entre o preço
do medicamento escolhido e o preço de referência.
Ao Estado cabe pagar C x PR.
É sabido que a entrada de MG altera a dinâmica
de mercado uma vez que há aumento de concorrência e assim originam preços menores no mercado 2.
Verifica-se, de fato, que existe uma grande diferença de preços entre MR com e sem MG no mercado.
Além disso, na presença de MG o Estado paga uma
quantia muito menor pelo medicamento. Assim,
compreendem-se as constantes medidas implementadas com o objetivo de promover os genéricos e
de, inclusive, facilitar a sua entrada no mercado.
Importa ainda referir que, apesar das diferenças substanciais de preço, existe sempre um grupo
de utentes que prefere (ou o médico assim o indica)
o medicamento de marca, sendo um grupo menos
sensível ao preço 2.
Na Figura 8 apresenta-se o comportamento da
taxa média de comparticipação entre 2007 e 2010
em que se verifica um crescimento até ao ano de
2010, com diminuição considerável nos anos 20102011.
Figura 8. Taxa média de comparticipação de medicamentos entre 2007 e 2011
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
84
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
O Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, definiu vários escalões de comparticipação. Os medicamentos foram englobados num dos quatro escalões
estabelecidos, dependendo das indicações terapêuticas, da utilização, das entidades que o prescrevem
e das necessidades acrescidas de certas patologias.
Assim, o escalão A tinha comparticipação de 95 %
do PVP, o escalão B 69 %, o escalão C 37 % e, por
último, o escalão D com 15 % de comparticipação
sobre o PVP 25. No Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1
de Outubro, a comparticipação do escalão A diminuiu em 5 %, ou seja, os medicamentos englobados
no escalão A passaram a ter 90 % de comparticipação 35.
A diminuição da taxa média de comparticipação reflete-se num aumento dos encargos em medicamentos para os utentes e numa diminuição dos
encargos para o SNS como se observa na Figura 9.
Os encargos per capita de medicamentos passaram
de 200,65 euros em 2010 para 162,69 euros em 2011
(menos 37,96 euros), enquanto que para o utente
passaram de 86,66 euros para 95,01 euros (mais 8,35
euros) 36.
Figura 9. Encargos per capita em medicamentos pelo
SNS e utentes.
Estas modificações, associadas à crise vivida em
Portugal, geram questões de acessibilidade aos medicamentos por parte dos utentes. Num estudo da
Universidade Nova de Lisboa37 realizaram-se inquéritos a utentes de 18 % das farmácias portuguesas, em
que 23 % dos inquiridos referiram ter abdicado de
comprar medicamentos. Destes, 60 % justificaram
que esse comportamento se ficou a dever a motivos
financeiros 37. Um outro estudo fez um inquérito a
78 utentes, em que 20 % não adquiriram a totalidade dos medicamentos prescritos. Destes 25% indi-
caram dificuldades económicas como a causa para
essa atitude15.
No entanto, existem exceções a este sistema de
comparticipações, nomeadamente as insulinas para
tratamento da diabetes. Estes produtos são financiados na totalidade pelo Estado, fazendo com que o
utente não suporte qualquer custo direto. Apesar de
ser uma patologia crónica que deve ser apoiada, o
fato de estes produtos serem cedidos gratuitamente
leva a uma tendência para um consumo excessivo
devido a desvalorização por parte do utente, originando, também, tendência para aumento do preço
por parte dos laboratórios que as produzem. Assim,
deve, eventualmente, ser encontrado um valor diferente na comparticipação destes produtos de modo
a equilibrar solidariamente os encargos de todos os
cidadãos para com o SNS.
Ao mesmo tempo que se procura a sustentabilidade do SNS, procura-se garantir o acesso aos medicamentos por parte dos cidadãos, o que se torna
um desafio cada vez mais relevante. Neste âmbito
importa introduzir o conceito de medicamentos
essenciais que são definidos pela OMS como aqueles que satisfazem as necessidades dos cuidados de
saúde prioritários para a população e que devem
estar disponíveis em qualquer momento nas quantidades, forma e dose adequadas, nos sistemas de
saúde, acompanhados com a informação adequada
e com garantia de qualidade e a preços individuais
suportáveis pela comunidade 38. Os medicamentos
essenciais devem ser apoiados com o maior escalão
de comparticipação de modo a garantir que, no mínimo, os indicadores de saúde em Portugal se comparem, ou continuem a comparar, com os restantes
países ditos desenvolvidos.
A Farmácia: Sustentabilidade e capacidade de abastecimento e dispensa de medicamentos
Segundo um estudo da Universidade Nova de
Lisboa 37, as farmácias passam por uma fase crítica da
sua atividade uma vez que, neste momento, com o
atual funcionamento do mercado tendem a ter margens negativas. Estima-se que, em 2011, o preço por
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
receita era de 33,04 e, em 2012, de 30,79 sendo o
custo marginal por receita estimado em 33,21 (dados de custo de 2010) 37.
Um outro estudo, este da Universidade de Aveiro 41, estima que o número de farmácias com resultado líquido negativo em 2010 era de 191, enquanto
que em 2011 seria já de 1210, um aumento de 1019
farmácias numa situação crítica, apenas num ano.
Diz ainda o mesmo estudo que em 2012 as farmácias
apresentavam uma rentabilidade líquida de vendas
negativa 41.
Um dos fatores que contribui para este resultado negativo está relacionado com o aumento dos
seus custos fixos que é consequência da legislação
aprovada em 2007. Neste ano, foi publicado o Decreto-Lei n.º 53/2007, de 8 de março, que estabelecia o alargamento do horário das farmácias 39, assim
como o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto,
que obrigava a cada farmácia a ter, pelo menos, dois
farmacêuticos 40. Estima-se que os custos fixos médios de uma farmácia em 2002 eram de 23 000 Euros enquanto que em 2010 eram de 44 000 Euros,
um aumento de, aproximadamente, 47%37. Poderíamos pensar que este aumento dos custos fixos fosse
compensado pela diminuição dos preços dos medicamentos, mas as margens de comercialização das
farmácias também foram alteradas (medida prevista
no memorando da Troika).
Nas margens das farmácias definidas pelo Decreto-Lei n.º 112/2011, de 29 de novembro22, verifica-se que há uma regressividade nas margens de lucro
em função do preço (quanto maior o preço, menor
a margem); existe um pagamento de uma quantia
fixa, independente da margem de lucro (forma de
remuneração do serviço prestado pela farmácia),
bem como é estabelecido um teto máximo, uma vez
que a partir de um determinado preço a farmácia
passa a receber um valor constante42.
Apesar das farmácias não comercializarem
apenas produtos com o preço regulado, verificou-se que as vendas de outros produtos representam
apenas 15 % em valor das vendas totais. Em 2005,
com o Decreto-Lei n.º 134/2005, de 16 de agosto, foi
liberalizada a venda de MNSRM fora das farmácias43,
havendo, em junho de 2012, 978 locais de venda que
85
concorrem com as farmácias na venda destes produtos37.
Mantendo-se este panorama, estima-se que
muitas farmácias irão encerrar o que vai colocar em
causa a equidade no acesso ao medicamento devido
a redução da cobertura farmacêutica. No entanto,
esta redução do número de farmácias poderá resultar na sobrevivência das restantes 41. Segundo a
ANF (Associação Nacional de Farmácias), em abril
de 2013, 10 % do das farmácias portuguesas (correspondendo a um total de 279 farmácias) apresentavam ações de insolvência e penhora. Segundo a
mesma fonte, desde de dezembro de 2012 até abril
de 2013 mais 14 farmácias apresentaram processos
de insolvência e 25 farmácias processos de penhora44.
Assim, com estas novas medidas, algumas farmácias encerram e outras apresentam tendencialmente margens negativas, não permitindo cobrir os
custos fixos. Questiona-se, então, a capacidade de
abastecimento e dispensa de medicamentos pelas
farmácias. Neste âmbito, o estudo da Universidade
Nova de Lisboa37 realizou inquéritos aos utentes e
11 a 12% indicaram dificuldade em encontrar os
medicamentos regularmente. Inquéritos realizados
aos proprietários ou diretores técnicos em 20 % das
farmácias, cerca de 88 % referem uma redução do
stock mínimo da maioria dos medicamentos e 86,5
% indicou uma redução do número de embalagens
solicitadas aos fornecedores, havendo uma diminuição do valor médio da compra diária ao grossista
preferencial 37.
Um outro inquérito, realizado no âmbito do Relatório Primavera 2013, concluiu que se reduziram
os stocks dos produtos sujeitos a IVA 6 % comparativamente com 2011 e que aumentaram os atrasos
no pagamento aos grossistas, resultando em cortes
de abastecimento. No entanto, mesmo na ausência
de atrasos no pagamento, existiam dificuldades na
aquisição de determinados medicamentos. Um dos
fatores que pode dar origem a situações como esta
é a exportação paralela para países Europeus que se
deve ao baixo preço dos medicamentos em Portugal17.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
86
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Considerações finais e conclusões
As medidas implementadas recentemente em
Portugal no setor do medicamento resultam, em
boa medida, do memorando de entendimento com
a Troika, com o objetivo de contribuir para a sustentabilidade do SNS. No entanto, antes da presença
da Troika, já várias ações tinham sido efetuadas no
setor do medicamento, nomeadamente, com a designada Nova Política dos Medicamentos. Estas medidas surgiram devido a um aumento constante da
despesa com medicamentos, correspondendo a 20
% da despesa em Saúde em 20101. Em países como
França, Espanha e Itália assistiu-se, também, a um
aumento da despesa com medicamentos ao longo
dos últimos anos semelhante à ocorrida em Portugal.
A promoção do uso de MG é uma das formas
de se diminuir a despesa com medicamentos uma
vez que apresentam preços mais baixos que os medicamentos originais. Até 2001 o mercado de genéricos era quase nulo, havendo um aumento da quota de mercado tanto em volume como em valor a
partir de 2003. Este crescimento de mercado de MG
deveu-se a várias medidas implementadas e à promoção junto de profissionais de saúde e do público
em geral. A partir de 2006, as taxas de crescimento
não foram tão elevadas como no período de tempo
entre 2003 e 2005. Até 2010 a quota em valor era
superior à quota em embalagens, invertendo-se esta
situação em 2011.
Os preços dos medicamentos em Portugal são
fortemente regulados havendo constantes atualizações dos preços de forma a proporcionar descidas
dos mesmos. Assim, observa-se uma diminuição dos
preços dos MG desde 2007 até aos dias de hoje, com
maiores descidas em 2008 e a partir de 2010. Em
2011 e em 2012 os preços dos MG viveram uma diminuição constante, com maior diferença entre fevereiro e março de 2012. Em janeiro de 2011 o preço
médio rondava os 11,58 euros e no final de dezembro de 2012 rondava os 6,70 euros, havendo uma
diferença de 4,88 euros, ou seja, uma diminuição de
42 %.
O mercado de MG é homogéneo o que provoca uma grande competição de preços promovendo
descida dos mesmos como se tem vindo a verificar.
Para isso, contribui, também, o fato de haver uma
grande quantidade de laboratórios produtores de
MG uma vez que existe uma relação inversa entre o
número de concorrentes e preço dos MG. O mesmo
não acontece com os medicamentos originais porque, apesar de estarem associados a custos superiores, existe uma percentagem de utentes fidelizados à
marca, ou seja, existe uma percentagem de mercado
“insensível” ao preço.
Nos vários países da Europa implementaram-se
várias medidas no âmbito da Política do Medicamento, algumas semelhantes, outras diferentes tal como
é o caso da regulação dos preços. Em Portugal implementou-se o sistema de preços de referência de
modo a aumentar a concorrência entre laboratórios
e contribuir, também, para a diminuição dos preços.
No entanto, em países que não aderiram a este sistema e mantêm (por exemplo, o Reino Unido) os preços liberalizados verifica-se uma descida dos preços
mais rápida e uma maior penetração no mercado.
O sistema de preços de referência apesar de apresentar resultados satisfatórios no que diz respeito ao
preço, poderá afastar potenciais produtores de MG
do mercado português.
Em Portugal, as estratégias focaram-se principalmente no que diz respeito à definição do preço.
Porém, outras medidas poderão ser implementadas
com o objetivo de promover o uso de MG e, com
isso, diminuir a despesa do SNS. Assim, existem
outras estratégias que podem ser aplicadas no setor do medicamento que ao mesmo tempo contribuem para diminuir a despesa no curto prazo e, a
longo prazo, proporcionam um gestão mais racional
e eficaz dos medicamentos e, até, melhoram os indicadores de saúde. O relatório da Deloitte1 sugere
uma gestão integrada do medicamento visando as
seguintes medidas: controlar a prescrição de medicamentos, dando seguimento ao desenvolvimento
de guidelines terapêuticas; avaliação benefício-risco
e avaliação económica dos medicamentos para efeitos de comparticipação; informação aos utentes de
modo a envolvê-los na sua terapêutica e, assim, au-
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
mentar a adesão à mesma; aceleração dos processos
de comparticipação do INFARMED e, ainda, criar informação útil sobre orientações terapêuticas desenvolvidas para os cidadãos que permite dotá-los de
conhecimento para melhor decidirem sobre a opção
por MG 1. Algumas destas medidas foram implementadas noutros países da OCDE que apresentaram alguns resultados positivos nesta área.
Poder-se-ia pensar que a descida dos preços
dos medicamentos beneficiava de igual modo SNS
e utentes. De fato beneficiou os dois lados durante um determinado período de tempo. No entanto,
verificou-se que a taxa média da comparticipação
de medicamentos diminuiu nos últimos dois anos,
provocando um aumento da fatia paga pelos utentes na aquisição de medicamentos. Em 2002 criou-se
o sistema de preços de referência que visava uma
maior adesão aos MG uma vez que estabelecia uma
diferença de preço considerável entre o MG e o MR.
Este preço é estabelecido quando existe um MG no
mercado e baseia-se nos preços praticados nos países de referência, sendo sobre este valor que incide
a comparticipação do Estado. Ou seja, na presença
de um MG no mercado, o Estado paga um valor fixo
independentemente da escolha do utente (ou do
médico por ele) aquando da aquisição dos medicamentos. Verifica-se que, na ausência de MG, os preços dos medicamentos originais são tendencialmente mais elevados e o Estado paga um valor maior, o
que explica os objetivos de facilitar e agilizar a entrada de MG. Outro aspeto importante a referir é que o
preço dos MG é definido com uma percentagem do
preço do MR, ou seja, está dependente do preço do
MR que pode diminuir drasticamente, eliminando as
margens de lucro dos MG 18.
No entanto, as medidas foram implementadas
sem se avaliar os impactos das mesmas: despedimentos no setor, encerramento de farmácias e desarticulação de estruturas existentes como redes de
distribuição de medicamentos e alterações na acessibilidade aos medicamentos são uma constante quase diária.
As Farmácias vivem uma fase crítica perante estas descidas constantes de preços e das margens de
comercialização dos medicamentos. Estima-se que,
87
desde 2010, as farmácias apresentam tendencialmente margens negativas, não tendo capacidade de
suportar os custos fixos. Compreende-se, assim, que
várias farmácias estejam em situações de insolvência
e falência levando, consequentemente, ao seu encerramento. Em 2007 ocorreram mudanças legislativas que conduziram a um aumento de custos fixos
como foi, por exemplo, o alargamento do horário e
a obrigação de cada farmácia ter, pelo menos, dois
farmacêuticos.
Perante este panorama existem atrasos nos pagamentos aos fornecedores por parte das farmácias
levando a uma quebra nos fornecimentos. Por sua
vez, os fornecedores, independentemente da existência de atrasos ou não, apresentam incapacidade
de repor stocks nas farmácias. Questiona-se, assim,
a capacidade de abastecimento e dispensa de medicamentos por parte das farmácias.
Não se deve olvidar que nas Farmácias existe
um quadro altamente qualificado que presta serviços e cuidados aos utentes com base em informação técnico-científica que contribui fortemente para
o sucesso do SNS e que esta capacidade instalada
na Farmácia tem de ser financiada. Além disso, não
pode ser esquecido a elevada importância de Laboratórios Farmacêuticos no desenvolvimento e produção de novas moléculas e medicamentos fundamentais para obter ganhos em saúde. Assim, com
a elevada expansão do mercado de MG é, também,
necessário repensar a forma de financiamento de
I&D de modo a não impedir o acesso à inovação.
É curioso que apesar dos preços dos medicamentos diminuírem, a questão da acessibilidade ao
medicamento é colocada. De fato, estas diminuições “excessivas”, com preços muito inferiores aos
praticados em países como França e Itália, podem
trazer, a curto e médio prazo, consequências como:
Baixa cobertura farmacêutica devido ao encerramento de farmácias;
Falta de medicamentos nos fornecedores e,
consequentemente, em Farmácias, devido a exportações dado que não compensa aos produtores comercializarem em Portugal;
Os MG poderão sair do mercado devido às baixas margens de comercialização que apresentam ou,
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
88
O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
até, potenciais MG não surgem no mercado quando
expiram patentes de MR uma vez que é um mercado
que não atrai produtores.
Deste modo, se as medidas se continuarem a
focar essencialmente no preço, as supostas soluções
passarão a constituir riscos para a saúde dos cidadãos, ainda mais se as taxas de comparticipação continuarem com a tendência atual e aumentarem os
encargos aos utentes.
Assim, a crise financeira está a criar um impacto
negativo em toda a cadeia de valor do medicamento: indústria farmacêutica, farmácias e grossistas17,
com profissionais de saúde qualificados, conduzindo à destruição de um mercado que representa uma
mais-valia para Portugal.
O medicamento é visto, atualmente, como um
custo pelo Estado e há um desejo constante de diminuir os seus preços. O medicamento tem de ser visto como uma tecnologia que traz ganhos em saúde,
integrado no sistema de saúde. Especificamente, os
MG apresentam a vantagem de proporcionar ganhos
em saúde para os doentes, nomeadamente em casos
de doenças crónicas, a um preço acessível. Além disso, é evidente a contribuição que proporcionam à
sustentabilidade do SNS.
Em jeito de conclusão final, e ainda que apenas
a título de autores, parece-nos que no ano de 2013
se deve procurar rever o atual sistema de preços e a
forma como as políticas no setor do medicamento
estão a ser implementadas, tendo em consideração,
sobretudo, a avaliação dos resultados das medidas
tomadas.
Assim, e sem querer sugerir nada seja a quem
quer que seja, mas tendo em conta os atuais riscos
vividos no setor dos medicamentos em ambulatório,
parece-nos evidente que uma “espécie de pacto de
regime” entre Governo/Farmácias/Indústria Farmacêutica/Distribuição Grossita tem que ser firmado
com regras claras e com um calendário bem definido.
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em 27 de junho de 2013], disponível em http://
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O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
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NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS À ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA
A Acta Farmacêutica Portuguesa, propriedade da Ordem dos Farmacêuticos, Secção Regional do Porto, aceita
para publicação artigos originais de investigação, arti­gos de revisão ou outros que contri­buam para o desenvolvimento dos conhecimentos científicos na área das Ciências Farmacêuticas e dos Cuidados Farmacêuticos.
A Acta Farmacêutica Portuguesa publica artigos da iniciativa dos autores e solicitados pelos edi­tores. Os artigos
podem ser artigos originais e de revisão, em texto dactilografado a 2 espaços, e não devem ultrapas­sar as 10 000
palavras. Admitem-se ainda, entre quadros, figuras e fotografias, até 10 ilustrações. Qualquer artigo da iniciativa dos
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não poderão ser reproduzidos, sem prévia autorização do seu Diretor, no seu todo ou em parte. Os artigos submetidos não podem ter sido objeto de qualquer outro tipo de publicação, nem ter sido simultaneamente pro­postos
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Os artigos apresentados à Acta Farmacêutica Portuguesa deverão apresentar um título, um resumo em português e em inglês, seguido pela inclusão de, no máximo, 5 palavras-chave, a descrição dos Autores, um corpo de
texto e referências bibliográficas, de acordo com o indicado nas normas internacionais.
Todos os artigos deverão ser redigidos em português, sendo contudo aceites textos em inglês ou espanhol.
A Acta Farmacêutica Portuguesa subscreve os requisitos constantes das normas de Vancouver, cuja última revisão pu­blicada se encontra no sítio Internet do International Com­mittee of Medical Journal Editors (ICJME) (http://
www.icmje.org).
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Os artigos devem ser dactilografados em qualquer processador de texto e gravados nos formatos Microsoft
Word, RTF ou Open Office.
As páginas devem ser numeradas.
A primeira página deverá incluir apenas o título do artigo, o nome do autor ou autores (devem usar-se apenas
dois ou três nomes por autor), o grau, título ou títulos profissionais e/ou académicos do autor ou autores, o serviço,
departamento ou instituição onde trabalha(m);
A segunda página deverá incluir apenas o número de telefone, endereço de correio electrónico e en­dereço
postal do autor responsável pela correspondência com a revista acerca do manuscrito;
A terceira página deverá incluir apenas o título do artigo e um resumo, em Português e em Inglês, que não deve
ultrapassar as 300 palavras, e no máximo cinco palavras-chave;
As páginas seguintes incluirão o texto do artigo, devendo cada uma das secções, em que este se subdivida, começar no início de uma página;
A página a seguir ao texto do artigo deverá conter o início do capítulo Referências bibliográficas e incluir o capítulo Agradecimentos, quando este exista.
As páginas seguintes deverão incluir as ilustrações. Estas devem ser enviadas cada uma em sua página, com indicação do respectivo número (alga­rismo árabe ou numeração romana) e legenda. Gráficos, dia­gramas, gravuras e
fotografias (figuras) deverão ser apresenta­dos com qualidade que permita a sua reprodução directa. As figuras em
formato digital devem ser enviadas como ficheiros separados, e não dentro do documento de texto. São aceites os
formatos JPEG, TIF e EPS, preferencialmente com uma resolução de 300 pontos por polegada (dpi) ou superior.
As Referências bibliográficas devem ser marcadas no texto utilizando algarismos árabes, pela ordem de primeira
citação e incluídas neste capítulo utilizando exactamente a mesma ordem de citação no texto. O numeral da referência deverá ser colocado antes da pontuação (ponto, vírgula, etc.), em superscript. Se houver lugar à citação de
mais do que uma referência estas deverão ser separadas por vírgulas, excepto se forem sequenciais onde deverão
ser separadas por hífen.
O uso de abreviaturas e símbolos, bem como as unidades de me­dida, devem estar de acordo com as normas
internacionalmente aceites. O uso de negrito está reservado apenas a títulos e o itálico apenas nas referências bi­
bliográficas, palavras estrangeiras e nomes técnicos das classi­ficações científicas. A indicação da casa decimal, quando necessário, deve fazer-se através de uma vírgula.
Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. 2 N.º 2
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O Preço dos Medicamentos Genéricos em Portugal (2011-2012): Estado, Cidadão e Farmácia
Título
Acta Farmacêutica Portuguesa
Vol. 2
N.º 2
ISSN
2182-3340
Depósito Legal
335338/11
Execução Gráfica
Minhografe – Artes Gráficas, Lda.
Braga
Tiragem
100 Exemplares
Preço
10 Euros