Base científica das mudanças climáticas
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Base científica das mudanças climáticas
Volume 1 Base científica das mudanças climáticas primeiro rel atório de avaliação nacional 1 I n t r o d u ç ã o e P r i n c i pa i s Questões Discutidas Autores Principais Tércio Ambrizzi – Universidade de São Paulo; Moacyr Araújo – Universidade Federal de Pernambuco Autores Revisores Luiz Gylvan Meira Filho – Universidade de São Paulo; Pedro Leite da Silva Dias – Laboratório Nacional de Computação Cientifica – Petropólis/RJ; Ilana Wainer – Universidade de São Paulo Sumário Executivo Os sequentes Relatórios de Avaliação elaborados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) têm destacado, progressivamente, o papel das forçantes antrópicas sobre o processo de aquecimento global. Estas avaliações baseiam-se na análise acumulada de grandes quantidades de dados observacionais, sobre os quais são utilizadas técnicas mais ou menos sofisticadas, visando à compreensão dos mecanismos atuantes e das margens de incerteza em suas determinações. Diante da complexidade do clima planetário e da importância dos mecanismos remotos e de suas teleconexões, é de se esperar que a qualidade das análises realizadas e a redução de incertezas nas projeções das mudanças climáticas globais e regionais sejam diretamente relacionadas à quantidade de estudos científicos e de levantamentos existentes nas diferentes regiões do planeta. Nesse sentido, uma análise simples da literatura referenciada pelo Grupo de Trabalho 1 – Bases das Ciências Físicas do Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do IPCC evidencia o desequilíbrio inter-hemisférico e regional nos quantitativos de produção científica e de levantamentos observacionais utilizados na avaliação, traduzindo a necessidade de esforços adicionais para minimizar estas diferenças. Ciente do potencial de contribuição do Brasil para a compreensão das mudanças climáticas globais, e da necessidade de uma abordagem nacionalizada sobre o tema, foi instituído em setembro de 2009 o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O PBMC é um organismo científico nacional criado pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Meio Ambiente (MMA). Com estrutura espelhada no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o PBMC objetiva fornecer avaliações científicas sobre as mudanças climáticas de relevância para o Brasil, incluindo os impactos, vulnerabilidades e ações de adaptação e mitigação. As informações científicas levantadas pelo PBMC são sistematizadas por meio de um processo objetivo, aberto e transparente de organização dos levantamentos produzidos pela comunidade científica sobre as vertentes ambientais, sociais e econômicas das mudanças climáticas. Desta forma, o Painel poderá subsidiar o processo de formulação de políticas públicas e tomada de decisão para o enfrentamento dos desafios representados por estas mudanças, servindo também como fonte de informações de referência para a sociedade. O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do PBMC publicado em 2012 é composto de três volumes, correspondentes às atividades de cada Grupo de Trabalho (www.pbmc.coppe.ufrj.br). O presente documento traz uma síntese das principais contribuições para o RAN1 do Grupo de Trabalho 1 (GT1) – Bases Científicas das Mudanças Climáticas, cujo objetivo é avaliar os aspectos científicos do sistema climático e de suas mudanças Introdução e principais questões discutidas 15 ESTRUTURA DO CAPÍTULO O documento está estruturado de acordo com o escopo do GT1, que foi previamente definido, coletivamente, resultados mostram tendências negativas no norte e oeste da parece ser mais provável do que aquela verificada sobre os com os Autores Principais dos Capítulos. Os levantamentos aqui apresentados resultam de uma extensa pesquisa bibliográfica, quando se Amazônia, positivas no sul da Amazônia, positivas no Centro- extremos de precipitação. A enorme escassez de dados de procurou, de um lado, evidenciar as implicações para o Brasil dos principais pontos do IPCC AR4 e, de outro, registrar e discutir os principais Oeste e Sul do Brasil, e ausência de tendência no Nordeste. estação sobre vastas áreas tropicais como a Amazônia e o trabalhos científicos publicados após 2007, com destaque para aqueles relacionados mais diretamente às mudanças climáticas na América A tendência de aumento da precipitação entre 1950-2000 no centro-oeste e leste do Brasil limita o estabelecimento de do Sul e no Brasil. Sul do Brasil e outras partes da baixa Bacia do Paraná/Prata, conclusões acuradas para estas regiões usando dados de As sínteses de cada Capítulo são apresentadas a seguir, e foram organizadas de modo a responder a questões-chaves específicas de cada principalmente entre o período anterior e posterior à década estação. Estudos recentes mostraram que fatores como mu- domínio da pesquisa. O conjunto das respostas a estas questões forma a primeira contribuição do Grupo de Trabalho 1 (GT1) – Bases de 1970, aparece em outros modos interdecadais, principal- dança de uso da terra e queima de biomassa podem influ- Científicas das Mudanças Climáticas para o Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. mente no quarto modo, sendo que esta tendência é supor- enciar a temperatura nestas regiões, sobretudo na Amazônia tada por séries um pouco mais longas. e no Cerrado; porém, a magnitude e extensão espacial do P r i n c i pa i s Q u e s t õ e s Discutidas c apítulo 2 observações ambientais atmosféric as e de propriedades da superfície Questão 1: Quais são os resultados observacionais relacionados às variações de parâmetros ambientais que podem representar efeitos da variabilidade climática natural de longo período e, em alguns casos, indicações de efeitos da ação humana? Para verificar se as tendências associadas com o 1º modo sinal de longo prazo dessas influências sobre a temperatura interdecadal de precipitação se devem apenas a mudança de em superfície ainda precisa ser investigado. Conforme será fase da OMA ou se são parte de comportamento consistente discutido nas próximas seções, o efeito da mudança de uso de mais longo período, seriam necessárias: (i) séries mais da terra e da liberação de calor antropogênico nos grandes longas de precipitação e (ii) consistência entre estas tendên- centros urbanos, conhecido como ilha de calor urbana, pode cias e as mudanças de precipitação apontadas nessas regiões ser importante agente contribuindo para o aumento da tem- pelas projeções de mudanças climáticas feitas por numero- peratura média global. sos modelos. Portanto, é necessário esperar algum tempo Dados de reanálises, desde 1948, fornecem evidência para ter certeza sobre tendências na precipitação do Brasil e de aumento de temperatura em baixos níveis na atmosfera também verificar sua consistência com projeções climáticas. de forma mais acentuada em direção aos trópicos do que Da mesma forma, ainda é difícil de analisar o quanto as mu- nos subtrópicos da América do Sul, durante o verão austral. danças antropogênicas têm influenciado os eventos extremos Neste caso, a temperatura média anual junto da superfície de precipitação, cujas variações também podem estar mais nos trópicos tem apresentado tendência positiva desde relacionadas a oscilações climáticas naturais. então, enquanto nos subtrópicos há tendência negativa des- Estudos de tendência da temperatura utilizando dados de de meados da década de 1990. O aumento da temperatura Esta questão é abordada no Capítulo 2 do GT1. Conforme da. Portanto, análises de tendências em séries relativamente estação sobre a América do Sul limitam-se, na sua maioria, também foi verificado sobre o Atlântico Tropical, sugerindo apresentado a seguir, os resultados descritos revelam o curtas de parâmetros climáticos, que compreendem períodos ao período entre 1960-2000. Os resultados mais significati- que possam ter ocorrido mudanças no contraste oceano- grande impacto da variabilidade interanual, que pode pro- antes e depois dessa década, são mais sugestivas do que con- vos referem-se às variações de índices baseados na tempera- atmosfera e, portanto, no desenvolvimento do sistema de duzir alterações por um fator maior que quatro nas chuvas clusivas. Parte das tendências detectadas na precipitação do tura mínima diária, que indicam aumento de noites quentes monções. Estas mudanças podem causar alterações no sazonais em certas regiões, como a Amazônia. Brasil pode ser explicada por mudanças de fase em oscilações e diminuição de noites frias na maior parte da América do regime de precipitação e nebulosidade e criar “feedbacks” A maior fonte de variabilidade interanual são os eventos interdecadais, no entanto, é possível que outra porcentagem Sul, com consequente diminuição da amplitude diurna da ainda desconhecidos na temperatura e no clima local. Mu- El Niño e La Niña. As variações decadais/interdecadais apre- já seja uma consequência do atual aquecimento global obser- temperatura, especialmente na primavera e no outono. Estes danças nos campos médios globais e na TSM, antes e após sentam menor diferença entre fases opostas (alterações por vado. Por exemplo, algumas das tendências detectadas são resultados são mais robustos para as estações localizadas nas o período conhecido como “climate shift”, no final dos anos até fator de dois), mas são relevantes em termos de adapta- consistentes com a variação produzida na segunda metade costas leste e oeste dos continentes e são confirmados para 70, podem ter exercido importante papel no regime de tem- ção porque são persistentes, podendo causar secas prolonga- do século passado pelo primeiro modo interdecadal de chu- séries em períodos mais longos. peraturas e respectivas tendências e precisam ser considera- das ou décadas com mais eventos extremos de chuva. Os vas anuais, que é significativamente correlacionado com um Embora a influência da variabilidade dos oceanos Atlân- das para se avaliar corretamente o efeito do aquecimento modos de variabilidade interdecadal produziram forte varia- modo de tendência de temperatura da superfície do mar tico e Pacífico no comportamento de longo prazo das temper- global sobre a América do Sul. Neste contexto, também é ção climática na década de 1970, devido à superposição de (TSM), mas também com a Oscilação Multidecadal do Atlân- aturas sobre a América do Sul precise ser levada em conta, a importante avaliar o impacto de oscilações climáticas nat- efeitos da mudança de fase de diferentes modos nessa déca- tico (OMA) e com a Oscilação Interdecadal do Pacífico. Estes influência antropogênica sobre os extremos de temperatura urais interdecadais sobre a temperatura na América do Sul. 16 Painel brasileiro de mudanças climáticas Introdução e principais questões discutidas 17 c apítulo 3 cupantes do que aquelas divulgadas no início dos anos Os giros subtropicais do Atlântico Norte e Sul têm se observações costeir as e oceânic as 2000. Variações de 20 a 30 cm, esperadas para ocorrer ao tornado mais quentes e mais salinos. Como consequên- longo do todo o século XXI, já devem ser atingidas, em cia, segundo conclusão do IPCC-AR4 e de estudos mais algumas localidades, até meados do século ou até antes recentes, é bastante provável que pelo menos até o final disso. Deverá haver também maior variabilidade espacial do último século a Célula de Revolvimento Meridional da resposta do nível do mar entre os distintos locais do do Atlântico (CRMA) tenha se alterado significativa- globo. Na costa do Brasil são poucos os estudos real- mente em escalas de interanuais a decenais. Questão 2: Qual o papel dos oceanos, e em particular do Atlântico tropical e subtropical sul, como indutor e como indicador das variabilidades climáticas de origem natural e antrópica observadas no Brasil e na América do Sul? izados com base em observações in situ. Mesmo assim, No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos O Capítulo 3 trata do sistema oceânico, que participa intensificado a partir da segunda metade do século XX, taxas de aumento do nível do mar na costa sul-sudeste sugerem variações importantes nas propriedades físicas de forma decisiva no equilíbrio climático. Devido à sua possivelmente devido a mudanças na camada de ozônio já vêm sendo reportadas pela comunidade científica e químicas das camadas superiores do oceano, associa- grande extensão espacial, e à alta capacidade térmica da sobre o Polo Sul e também ao aumento dos gases efeito brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90. das com alterações nos padrões da circulação atmos- água, é indiscutível que o aumento do conteúdo de calor estufa. De forma consistente com um clima mais quente, O aumento do nível do mar, assim como o aumento férica. Esses estudos mostram que, em consequência dos oceanos e o aumento do nível do mar são indica- o ciclo hidrológico tem também se alterado, refletindo de temperatura, mudanças no volume e distribuição das do deslocamento do rotacional do vento em direção dores robustos de aquecimento do planeta. Apesar da em mudanças na salinidade da superfície do mar. Estu- precipitações e concentrações de CO2 afetarão de modo ao polo, o transporte de águas do Oceano Índico para grande dificuldade de se observar o oceano com a cobe- dos mostram que a região subtropical do Atlântico Sul variável o equilíbrio ecológico de manguezais, depen- Atlântico sul, fenômeno conhecido como o “vazamen- rtura espacial e temporal necessária para melhor moni- está se tornando mais quente e mais salina. dendo da amplitude destas alterações e das característi- to das Agulhas”, vem aumentando nos últimos anos. cas locais de sedimentação e espaço de acomodação. Análises de dados obtidos remotamente por satélite e in torar e entender mudanças nos oceanos e as respostas Abaixo da superfície, há evidências claras do aumen- dessas mudanças no clima, há de se reconhecer que to da temperatura nas camadas superiores do oceano. Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são situ mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico grandes progressos têm sido obtidos nos últimos anos. Reanálise de dados históricos, obtidos por batitermógra- vários os trechos em erosão, distribuídos irregularmente Sul associados a mudanças na salinidade das camadas Observações remotas por satélite têm sido realidade já fos descartáveis (XBTs), mostram uma clara tendência de e muitas vezes associados aos dinâmicos ambientes de superiores. Resultados de observações e modelos sug- há algumas décadas e programas observacionais in situ, aquecimento nos primeiros 700 m da coluna de água. desembocaduras. Diversas são as áreas costeiras densa- erem que o giro subtropical do Atlântico Sul vem se ex- como o Argo, têm permitido a obtenção de conjuntos Estudos independentes com dados obtidos até 2000 m mente povoadas que se situam em regiões planas e pandindo, com um deslocamento para sul da região da de dados valiosos desde a superfície até profundidades de profundidade com perfiladores Argo sugerem um baixas, nas quais os já existentes problemas de erosão, Confluência Brasil-Malvinas. intermediárias do oceano. Recentemente, vários esforços aquecimento significativo também abaixo de 700 m. drenagem e inundações serão amplificados em cenários Há também fortes indícios de que as características têm sido despendidos na reavaliação de dados históricos, Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 e outros mais possibilitando interpretações mais confiáveis por mais recentes também apontam para variações no conteúdo Importantes massas de água estão se alterando. últimas décadas. Como consequência, tem havido uma longos períodos de tempo. de calor e na elevação do nível do mar, em escala global. As “águas modo” (águas de 18oC) do Oceano Sul e as mudança nos modos de variabilidade da TSM no Atlân- Com base em um número considerável de trabalhos Variações nessas propriedades promovem alterações nas Águas Profundas Circumpolares se aqueceram no perío- tico Sul. Essas alterações nos padrões de TSM favore- publicados nas últimas décadas, o Quarto Relatório de características das diferentes massas de água, o que fa- do de 1960 a 2000. Essa tendência continua durante a cem precipitações acima da média ou na média sobre Avaliação do Clima do IPCC (IPCC-AR4, 2007) concluiu, talmente leva a alterações nos padrões de circulação do presente década. Aquecimento similar ocorreu também o norte e nordeste brasileiro e mais chuvas no sul e de forma inequívoca, que a temperatura do oceano glob- oceano. Por sua vez, mudanças na circulação resultam nas águas modo da Corrente do Golfo e da Kuroshio. sudeste do Brasil. al aumentou entre 1960 e 2006. Apesar das controvérsias em alterações na forma como o calor e outras proprie- decorrentes de alguns pequenos enganos no IPCC-AR4, dades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas na a grande maioria dos estudos científicos realizados nos superfície da Terra. últimos 5 anos têm confirmado, de forma indiscutível, O nível do mar está aumentando. Grande parte das o aquecimento das águas oceânicas. A temperatura da projeções de aumento do nível do mar para todo o século superfície do mar (TSM) no Atlântico tem aumentado XXI deve ser alcançada ao longo das primeiras décadas, o nas últimas décadas. No Atlântico sul, esse aumento é que faz com que se configurem perspectivas mais preo- 18 Painel brasileiro de mudanças climáticas de mudanças climáticas. dos eventos de El Niño no Pacífico estão mudando nas Introdução e principais questões discutidas 19 c apítulo 4 abandono de sítios e de população em escala regional, que informações paleoclimátic as br asileir as deve estar associado a marcantes mudanças climáticas. Questão 3: Quais as evidências observacionais do clima do passado que contribuem para o entendimento das variabilidades climáticas observadas no presente e para a inferência de cenários prognósticos de mudanças no clima do Brasil e do continente sul-americano? Genericamente, observa-se um número ainda bastante restrito de registros paleoclimáticos e paleoceanográficos A Pequena Idade do Gelo (de ca. 1500 a 1850 AD) foi provenientes do Brasil e da porção oeste do Atlântico Sul. caracterizada, na porção (sub)tropical da América do Sul ao De fato, apenas nos últimos anos foram publicados os pri- sul da linha do Equador, por um aumento na precipitação meiros estudos (e.g., Cheng et al., 2009; Chiessi et al., 2009; que provavelmente está associado a um fortalecimento do Souto et al., 2011; Laprida et al., 2011; Stríkis et al., 2011) Sistema de Monção da América do Sul e a uma desintensi- para algumas regiões (e.g., região Centro-Oeste, Zona de ficação da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. Confluência Brasil-Malvinas) e temas (e.g., temperatura da Esta questão é abordada no Capítulo 4, que traz o conjunto uma célula de revolvimento que não foi nem significativa- Entretanto, os mecanismos climáticos associados não estão superfície do mar para o Holoceno, variabilidade multide- de estudos paleoclimáticos desenvolvidos com registros mente mais fraca, nem uma versão significativamente mais consolidados e o número de registros paleoclimáticos e pa- cenal e secular na precipitação). Neste sentido, é de suma continentais e marinhos brasileiros e, subordinadamente, forte, se comparada com sua intensidade atual; (ii) um leoceanográficos disponíveis em ambientes (sub)tropicais importância que lacunas nesta área do conhecimento se- de outros países da América do Sul e dos oceanos adjacen- aquecimento das temperaturas de superfície do Atlântico deste evento é particularmente reduzido. jam preenchidas nos próximos 10 anos. tes. As análises realizadas permitem afirmar que as mudan- Sul durante eventos de diminuição na intensidade da Cé- ças na insolação recebida pela Terra em escala temporal lula de Revolvimento Meridional do Atlântico em períodos orbital foram a principal causa de modificações na precipi- específicos da última deglaciação (e.g., Heinrich Stadial 1 c apítulo 5 tação e nos ecossistemas das regiões tropical e subtropical (entre ca. 18,1 e 14,7 cal ka AP) e Younger Dryas (entre ca. ciclos biogeoquímicos e mudanç as climátic as do Brasil, principalmente aquelas regiões sob influência do 12,8 e 11,7 cal ka AP)); e (iii) o estabelecimento de um pa- Sistema de Monção da América do Sul. Valores altos de drão similar ao atual de circulação superficial na margem insolação de verão para o hemisfério sul foram associados continental sul do Brasil entre 5 e 4 cal ka AP. a períodos de fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul e vice-versa. Na escala temporal milenar, foram observadas fortes O nível relativo do mar na costa do Brasil atingiu até 5 Questão 4: Como os principais processos biogeoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáticas nos biomas e sistemas hídricos brasileiros? m acima do nível atual entre ca. 6 e 5 cal ka AP e diminuiu gradativamente até o início do período industrial. No Brasil são esperadas mudanças profundas e variáveis tempo em que esse tipo de limitação nos impede de fazer e abruptas oscilações no gradiente de temperatura do Análises paleoantracológicas indicam que por um lon- no clima conforme a região do país. É esperado que essas uma generalização para um determinado bioma, serve Oceano Atlântico, bem como na pluviosidade associada ao go período do Quaternário tardio o fogo tem sido um fator mudanças afetem os ecossistemas aquáticos e terrestres como um alerta sobre a limitação destas informações em Sistema de Monções da América do Sul e à Zona de Con- de grande perturbação em ecossistemas tropicais e sub- do Brasil. Neste quesito, o país é um dos mais ricos do escalas compatíveis com as grandes áreas de nossos bio- vergência Intertropical. A causa destas mudanças climáticas tropicais e, juntamente com o clima, de suma importância mundo, tendo seis biomas terrestres (Amazônia, Mata mas. Há uma carência de informações crítica para determi- abruptas reside aparentemente em marcantes mudanças na determinação da dinâmica da vegetação no passado Atlântica, Pantanal, Pampas, Cerrado e Caatinga), que nados biomas, como os Pampas, o Pantanal e a Caatinga. na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do geológico. englobam alguns dos maiores rios do mundo, como o Um volume maior de informações se encontra na Amazônia Atlântico. Períodos de enfraquecimento desta célula foram Apesar de ainda existirem marcantes controvérsias Amazonas, Paraná e São Francisco; e uma costa com cerca e, secundariamente, no Cerrado. Somente recentemente es- associados a um aumento da precipitação nas regiões a respeito de pontos importantes relacionados à ocupa- de 8.000 km, contendo pelo menos sete grandes zonas tudos têm sido desenvolvidos na Mata Atlântica, mas ainda tropicais e subtropicais do Brasil. ção humana das Américas (e.g., idade das primeiras mi- estuarinas e toda a plataforma continental. O foco principal concentrados em algumas poucas áreas. Marcantes alterações na circulação da porção oeste do grações, quantas levas de migrações ocorreram, por que deste capítulo será investigar como os principais processos A previsão mais crítica para a região Amazônica é a Atlântico Sul foram reconstituídas para o Último Máximo caminhos se processaram as migrações), pode-se afirmar biogeoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáti- “savanização” da floresta. Uma mudança tão profunda Glacial (de 23 a 19 cal ka AP), a última deglaciação (de 19 a que toda a América do Sul já estava ocupada pelo Homo cas nos principais biomas e bacias brasileiras. na vegetação acarretaria perdas significativas nos es- 11,7 cal ka AP) e o Holoceno (de 11,7 a 0 cal ka AP). Dentre sapiens ao redor de 12 cal ka AP e tais ocupações já mo- Devido à falta de informações espaciais compatíveis toques de carbono tanto do solo, como da vegetação. elas pode-se citar: (i) uma diminuição na profundidade dos stravam padrões adaptativos e econômicos distintos entre com as escalas dos biomas brasileiros, as análises feitas Além das perdas de carbono, haveria outras mudanças contatos entre as massas de água intermediária e profunda si. A aparente estabilidade na ocupação humana do Brasil neste capítulo serão concentradas em regiões de cada bio- fisiológicas e fenológicas similares àquelas descritas mais durante o Último Máximo Glacial, que foi caracterizado por foi interrompida entre ca. 8 e 2 cal ka AP, com significativo ma onde informações se encontram disponíveis. Ao mesmo adiante para o Cerrado brasileiro. Tais mudanças se refle- 20 Painel brasileiro de mudanças climáticas Introdução e principais questões discutidas 21 tiriam não somente no ciclo do carbono, mas também implicaria também em uma redução na produtividade no ciclo do nitrogênio. primária do Cerrado. O mesmo aumento na duração A Mata Atlântica estoca quantidades apreciáveis de car- do período seco pode potencialmente resultar em um bono e nitrogênio em seus solos, principalmente em maio- aumento na vulnerabilidade ao fogo no Cerrado. O au- res altitudes. Os aumentos previstos para a temperatura do mento da ocorrência de eventos de fogo resultaria em ar na região Sudeste do Brasil levaria a um aumento nos uma diminuição nos estoques de biomassa e nutrientes processos de respiração e decomposição, gerando um au- através de escoamento profundo, erosão, transporte de mento nas perdas de carbono e nitrogênio para a atmos- partículas e volatilização. c apítulo 6 aerossóis atmosféricos e nuvens Questão 5: Como as mudanças antropogênicas sobre o campo de aerossóis podem interferir sobre a precipitação e a circulação atmosférica? Quais as incertezas na representação dos processos envolvendo a modelagem de aerossóis e nuvens? fera. A pergunta que permanece por falta de informações De forma geral, há uma grande incerteza em rela- Neste capítulo é apresentada uma revisão de algumas das tribuições do transporte de aerossol marinho para dentro é se essas perdas seriam compensadas por um aumento ção aos efeitos de alterações climáticas nos recursos principais contribuições científicas para a caracterização dos do continente, de episódios de transporte de poeira do na produtividade primária líquida do sistema. Nos cam- hídricos do Brasil. As bacias hidrográficas mais impor- aerossóis atmosféricos sobre o Brasil, incluindo o papel exer- Saara, e de emissões biogênicas da vegetação. Em termos pos sulinos dos Pampas, similarmente à Mata Atlântica, os tantes do país, segundo seus atributos hidrológicos e cido por suas fontes naturais e antrópicas, como queima de de contribuição absoluta à massa do material particulado, solos detêm um apreciável estoque de carbono. Portanto, ecológicos, são as do Amazonas, Tocantins-Araguaia, biomassa, poluição urbana, dentre outras, e para o entendi- as emissões biogênicas primárias são dominantes. aumentos na temperatura previstos para o futuro aumen- Paraná, Paraguai e São Francisco. Essas bacias cortam mento dos processos de microfísica de nuvens. tariam as emissões de CO2 para a atmosfera. regiões que devem sofrer diferentes impactos relacio- Ainda que em anos recentes tenha sido observada sistema Terra-atmosfera é normalmente classificado como O balanço entre a vegetação lenhosa e a vegetação nados a alterações de temperatura e precipitação (vol- uma redução nas taxas de desmatamento (Koren et al., efeito direto e indireto, sendo o primeiro dado pela inte- herbácea é um importante aspecto da fisionomia do Cer- ume e frequência de chuvas), com efeitos distintos na 2007), é certo que as queimadas na Amazônia são ainda ração direta com a radiação (absorção e espalhamento) e rado. A vegetação lenhosa tem estoques de nutrientes disponibilidade de água ao uso humano, assim como a principal fonte antrópica de partículas de aerossol em o segundo através da modificação das propriedades mi- mais recalcitrantes na forma de raízes profundas e caules, à manutenção de processos ecológicos. Regionalmente, escala continental na América do Sul e no Brasil. Em menor crofísicas e, por consequência, na dimensão e no ciclo de enquanto a vegetação herbácea é mais prontamente de- o aumento de eventos extremos associados à frequên- escala, mas com importante impacto no clima regional, vida das nuvens. Neste último caso, um parâmetro chave composta pelo fogo. Áreas onde a duração da seca fosse cia e volume de precipitação também é previsto. Os também ocorrem queimadas nas culturas de cana-de-açú- é o número de partículas de aerossol com capacidade de maior favoreceriam em tese um aumento na incidência cenários apontam para diminuição da pluviosidade nos car (Lara et al., 2005). Por outro lado, há uma importante atuar como núcleos de condensação (CCN) e de gelo (IN). de fogo, que, por sua vez, favoreceria o aparecimento meses de inverno em todo país, assim como no verão contribuição de emissões situadas em regiões urbanas, A maioria dos estudos das propriedades dos CCN e de uma vegetação herbácea, implicando em mudanças no leste da Amazônia e Nordeste. Da mesma forma, a fruto principalmente de emissões veiculares. Ainda que das nuvens na América do Sul se concentra na Região importantes no funcionamento do Cerrado. A produ- frequência de chuvas na região Nordeste e no Leste da não sejam majoritárias no conteúdo total de emissões, Amazônica (e, em menor extensão, sobre o Nordeste). tividade primária do Cerrado pode potencialmente ser Amazônia (Pará, parte do Amazonas, Tocantins, Maran- as partículas de aerossol das emissões urbanas exercem Esse número limitado de experimentos de campo e a in- reduzida frente às mudanças climáticas projetadas para hão) deve diminuir, com aumento da frequência de dias papel importante no clima urbano e na saúde pública das existência de medidas em grande parte do Brasil impõem este bioma. O aumento da temperatura provavelmente secos consecutivos. Este cenário deverá impor um stress metrópoles brasileiras (e.g., Andrade et al., 2010). óbvias limitações à representação dos processos microfísi- resultará em uma redução do processo fotossintético nas sério aos já escassos recursos hídricos da região Nor- Diversos experimentos realizados na região amazôni- cos em modelos aplicados sobre o território nacional. Os plantas do Cerrado, implicando em um possível decrés- deste. Em contraste, o país deve observar o aumento ca, quase todos dentro do contexto do experimento LBA trabalhos existentes baseiam-se na análise de dados de cimo de sua biomassa. Adicionalmente, na estação seca o da frequência e da intensidade das chuvas intensas na (Experimento de Larga Escala da Biosfera Atmosfera da satélite e, em menor número, em campanhas intensivas Cerrado passa a ser uma fonte de carbono para a atmos- região subtropical (região Sul e parte do Sudeste) e no Amazônia), foram capazes de qualificar e quantificar a de medidas de campo. Por exemplo, medidas in situ re- fera. Portanto, um aumento na duração deste período extremo oeste de Amazônia. composição do aerossol presente na atmosfera amazôni- alizadas na bacia amazônica durante o experimento LBA/ ca. A composição do aerossol natural na região amazônica SMOCC 2002, em região de pastagem em Rondônia, que pode ser observada durante a estação chuvosa, quando cobriram um período com intensa atividade de queima- atividades relacionadas às queimadas são desprezíveis. das (setembro), transição (outubro) e o início da estação A conclusão geral dos trabalhos focados na região é de chuvosa (novembro), indicam um grande aumento no que o aerossol natural amazônico é uma soma das con- número de partículas no período seco em função das quei- 22 Painel brasileiro de mudanças climáticas O papel dos aerossóis no balanço de energia do Introdução e principais questões discutidas 23 madas. As medições de Martins et al. (2009), realizadas Por exemplo, Andreae et al. (2004) sugerem que a para previsão de tempo e clima e para as simulações modelos atualmente disponíveis dependerem significa- com aeronave, estudaram as propriedades dos CCN na fumaça produzida a partir das queimadas na Amazô- de mudanças climáticas no Brasil e no mundo ainda tivamente de parametrizações de convecção. Outro as- Região Amazônica, comparando regiões limpas e regiões nia produz efeitos significativos sobre a microestrutura se caracteriza pela utilização de um grande número de pecto importante a ser considerado é a variabilidade na sob intensa atividade de queima de biomassa. Os autores das nuvens, com uma redução no diâmetro médio das simplificações nos processos envolvendo nuvens. É par- forma da distribuição de tamanho das gotículas, que é observaram um decréscimo generalizado na concentração gotículas, inibindo a colisão-coalescência. Esta noção é ticularmente significativo que as escalas dos movimen- ao mesmo tempo um fator fisicamente relevante no de- de CCN desde o final da estação seca até o início da es- corroborada por Freud et al. (2008), que discutem que há tos convectivos não sejam explicitamente resolvidas senvolvimento da precipitação, assim como a fase gelo, tação chuvosa. A comparação entre dias poluídos e dias um aumento consistente em cerca de 350 m na altitude na maioria desses modelos. Isto se dá em função da que se constituem em fontes de incerteza importantes na limpos mostra uma concentração pelo menos cinco vezes sobre a base da nuvem na qual a colisão-coalescência limitação de recursos computacionais e pelo fato de os modelagem dos processos de nuvens. maior para os dias poluídos. Diferenças ainda maiores são dispara a formação de chuva quente para cada 100 nú- verificadas quando áreas limpas e poluídas foram com- cleos de condensação (a uma supersaturação de 0,5%) paradas para uma mesma data, indicando que a atividade adicionados por cm3. Indícios no mesmo sentido são c apítulo 7 de queima de biomassa é mais eficiente em produzir, prin- também apresentados por Costa e Pauliquevis (2009), forç ante r adiativa natur al e antrópic a cipalmente, partículas pequenas e com pequena fração cujos resultados apontam para altitudes de chuva quente solúvel. Mais recentemente, Pöschl et al. (2010) mostraram (isto é, a altitude em que o processo de formação de que partículas finas, faixa em que predominam os CCN, chuva quente se inicia), indo de 1200-2300 m em ambi- são preponderantemente compostas de material orgânico entes marítimos e costeiros a 5400-7100 m em ambien- secundário formado pela oxidação de precursores biogêni- tes influenciados por queimadas. Questão 6: Quais são as estimativas da forçante radiativa e dos efeitos radiativos, sobre a atmosfera e a superfície, causados por agentes naturais e antrópicos, sobre o Brasil e a América do Sul? cos, enquanto que partículas grossas, importantes nu- Como apontam Lee e Penner (2010), o fato de nu- cleadores de gelo, consistem de material biológico emitido vens cirrus cobrirem tipicamente mais de 20% do planeta O clima é controlado por diversos fatores, chamados agen- O conceito de forçante radiativa, tal como definido diretamente pela floresta. faz com que as mesmas sejam importantes para o bal- tes climáticos, que podem ser naturais ou originados de no relatório IPCC-AR4, é um passo intermediário que não Os chamados efeitos indiretos dos aerossóis constituem anço radiativo planetário. Nuvens convectivas profundas, atividades humanas (antrópicos). Um certo agente climáti- necessita, em princípio, de modelos climáticos para seu os mecanismos através dos quais estes modificam a micro- particularmente nos trópicos, são responsáveis por me- co pode contribuir para aquecer o planeta, como por cálculo, por isso os valores de forçante radiativa podem ser estrutura das nuvens, com consequências para suas pro- canismos de transporte vertical cruciais para a circulação exemplo os gases de efeito estufa antrópicos, enquanto mais objetivamente interpretáveis. Uma forçante radiativa priedades radiativas e seu ciclo de vida. Jones e Christopher geral atmosférica. Nesse sentido, os aerossóis cumprem outro agente pode tender a resfriá-lo, como as nuvens. Ao positiva significa que um agente tende a aquecer o planeta, (2010) estudaram as propriedades estatísticas da interação um papel significativo na microestrutura de nuvens cu- tomador de decisões seria conveniente conhecer qual a ao passo que valores negativos indicam uma tendência de aerossóis-nuvens-precipitação sobre a América do Sul, em mulonimbus, sendo que suas estimativas apontam para influência quantitativa de cada agente climático. Por ex- resfriamento. Uma inconveniência do conceito de forçante busca de indicativos do efeito indireto dos aerossóis sobre valores de diâmetro efetivo de 10 a 20% menores sobre emplo, conhecer qual a contribuição de cada agente para radiativa é que em geral ela é expressa em termos de Wm os processos associados a nuvens quentes. Os autores tra- o continente do que sobre o oceano e com uma mar- as variações de temperatura na superfície do planeta, ou 2 (Watt por metro quadrado), que é uma unidade menos balharam com a hipótese de que, se os efeitos indiretos cada variabilidade sazonal nessa variável em regiões com mesmo no Brasil. No entanto, os modelos climáticos que familiar que graus Celsius, por exemplo. Se um agente (e também o semidireto) se manifestarem, em condições queima de biomassa, como a Amazônia. Medidas in situ constituem o estado da arte atual, no mundo todo, ainda climático representa uma forçante radiativa de +2 Wm 2, poluídas, como consequência da redução nos processos de das propriedades microfísicas de nuvens frias e de fase precisam de anos de desenvolvimento para que forneçam isso indica que ele tende a aquecer o planeta. Uma vez colisão e coalescência ou aumento na estabilidade, deveria mista sobre o Brasil, no entanto, são extremamente lim- resultados confiáveis e consistentes para previsões de mu- determinado o valor da forçante radiativa de um agente, haver uma diminuição na precipitação estratiforme em com- itadas, havendo indicações de dados coletados apenas danças climáticas: ainda há grandes divergências entre pre- pode-se usar esse valor em modelos climáticos que pro- paração com condições mais limpas no mesmo ambiente. durante um experimento de campo, o TRMM-LBA (Tropi- visões de temperatura, cobertura de nuvens, precipitação, curarão traduzi-lo, por exemplo, como mudanças de tem- Comparando amostras sem chuva, com chuva e chuva in- cal Rainfall Measuring Mission - Large-Scale Biosphere- etc., elaboradas com modelos diferentes. No Capítulo 7 peratura à superfície, ou mudanças no volume de chuvas, tensa, concluíram, porém, que as condições atmosféricas de Atmosphere Experiment in Amazonia). discutem-se estimativas da forçante radiativa e efeitos ra- etc. Como os modelos climáticos ainda apresentam resul- diativos, sobre a atmosfera e a superfície, causados por tados bastante divergentes, um mesmo valor de forçante agentes naturais e antrópicos sobre o Brasil. pode dar origem a diferentes previsões, dependendo do maior escala são mais importantes para o desenvolvimento da precipitação do que a concentração de aerossóis. 24 Painel brasileiro de mudanças climáticas A modelagem dos processos envolvendo nuvens na maior parte dos modelos globais e regionais utilizados Introdução e principais questões discutidas 25 modelo climático escolhido e das condições em que ele Este capítulo apresenta a definição formal de forçante a resfriá-lo. Desse modo, é importante destacar que esse As mudanças antrópicas no uso do solo, como, por é utilizado. É nesse contexto que o conceito de forçante radiativa, do potencial de aquecimento global e do potencial resultado não pode ser automaticamente estendido para exemplo, o processo de longo prazo de urbanização das radiativa oferece um meio de comparação entre diferen- de temperatura global, que são grandezas utilizadas para pa- outras regiões, com padrões de nuvens e características de cidades brasileiras, ou a conversão de florestas para a ag- tes agentes climáticos, independentemente da precisão dronizar uma metodologia de comparação, e que permitem superfície diferentes da região amazônica. ropecuária na região amazônica desde 1970, resultaram em dos modelos climáticos atuais. A quantificação numérica estimar quantitativamente os efeitos de diferentes agentes No Brasil, a principal fonte de gases de efeito estufa modificações de propriedades da superfície vegetada como, da intensidade da forçante radiativa permite ao tomador climáticos. O capítulo apresenta uma revisão bibliográfica de e aerossóis antrópicos é a queima de biomassa, utilizada por exemplo, o albedo (refletividade da superfície). No caso de decisão visualizar quais os agentes mais significativos, estudos recentes, efetuados sobre o Brasil ou sobre a Améri- como prática agrícola ou na mudança da cobertura do solo. da Amazônia, em geral, substitui-se uma superfície mais classificando-os por ordem de magnitude relativa. Calcular ca do Sul, que identificaram alguns dos principais agentes Como técnica agrícola, as queimadas são empregadas no escura (floresta), por superfícies mais brilhantes (e.g., plan- a forçante radiativa de um agente climático é como definir climáticos naturais e antrópicos atuantes no país. Embora combate a pragas e na limpeza de lavouras com objetivo tações, estradas, construções, etc.), o que implica em uma uma escala padrão, que permite a possibilidade de se esti- a intenção fosse apresentar, em números, a contribuição de facilitar a colheita, como no caso do cultivo da cana-de- maior fração da luz solar sendo refletida de volta ao espaço. mar a intensidade de sua perturbação sobre o clima, para para a forçante radiativa atribuída aos diferentes agentes, a açúcar. O uso de queimadas para alteração do uso do solo Encontrou-se um trabalho sobre a mudança de albedo em algum local ou região do globo. inexistência de trabalhos científicos no país para vários deles é observado especialmente na região amazônica. No caso regiões desmatadas desde 1970 na Amazônia, que estimou trouxe outra dimensão ao capítulo. dos gases de efeito estufa, grande parte do esforço das em 7,3±0,9 Wm 2 como a magnitude dessa forçante an- Além de agentes climáticos independentes, ocorrem também situações de interdependência entre agentes, Os efeitos climáticos mais significativos em escalas de pesquisas no Brasil atualmente se concentra na elaboração trópica. Note-se que esse valor é semelhante à forçante de chamados processos de retroalimentação, que tornam ainda dezenas a centenas de anos, no Brasil, são os efeitos radiati- de inventários de emissão. Não se encontram na literatura aerossóis antrópicos, porém, é importante salientar que o mais complexa a compreensão de qual o efeito climático vos de nuvens, a forçante radiativa dos gases de efeito estu- científica estimativas de cálculos da forçante radiativa desses desmatamento na Amazônia tem caráter virtualmente “per- final de um certo agente. Alguns agentes climáticos podem fa, a forçante de mudança de uso do solo, e a dos aerossóis gases considerando as condições das emissões brasileiras. manente” (i.e., a maioria das áreas degradadas em geral não influenciar o ciclo hidrológico. Por exemplo, alguns pes- (fumaça) emitidos em queimadas por fontes antrópicas. Aerossóis antrópicos, emitidos principalmente em volta a ser recomposta como floresta primária), enquanto quisadores afirmam que a fumaça emitida em queimadas Nuvens exercem um efeito radiativo natural, mas suas queimadas, podem absorver e refletir a luz do Sol. Essa aerossóis de queimada têm vida média da ordem de dias. Es- na Amazônia pode alterar o funcionamento natural das propriedades podem ser alteradas pela ação humana (e.g., interação direta entre aerossóis e a luz (radiação) solar sas observações indicam a necessidade de se realizar estudos nuvens, diminuindo o volume de chuvas que essas nuvens efeitos indiretos de aerossóis, mudança de propriedades da define a forçante radiativa direta de aerossóis. Vários es- mais aprofundados sobre essa forçante originada nos pro- podem produzir. Se isso acontece, então a menor ocorrên- superfície, entre outros). Essas alterações podem envolver tudos quantificaram essa forçante de aerossóis antrópicos, cessos de mudança de uso do solo, em especial incluindo-se cia de chuvas pode favorecer a ocorrência de um número processos de retroalimentação, com possíveis impactos so- sobretudo na Amazônia. Uma média ponderada de alguns o efeito da urbanização histórica e da expansão agropecuária ainda maior de queimadas, e assim se estabelece um ciclo bre o ciclo hidrológico, causando alterações na disponibi- dos resultados compilados neste capítulo resultou em uma em nível nacional e em várias escalas temporais. de retroalimentação. Em tais ciclos de retroalimentação, as lidade de água doce, ou na frequência de ocorrência de forçante radiativa de -8,0±0,5 Wm 2, indicando que, em Aerossóis também interagem com nuvens, modifican- relações de causa e efeito são complexas, e por esse motivo eventos extremos de precipitação, como secas ou tem- média, a fumaça emitida em queimadas contribui para do suas propriedades. As nuvens modificadas, por sua vez, a avaliação do impacto sobre o clima é denominada efeito pestades severas. Os resultados compilados neste capítulo resfriar o planeta, contrapondo-se parcialmente ao aqueci- interagem com a radiação solar. Dessa forma, define-se a radiativo, e não uma forçante radiativa. Essa distinção é uti- mostram que as nuvens constituem o agente climático mais mento causado por gases de efeito estufa antrópicos. É forçante indireta (i.e., mediada pela interação com nuvens) lizada de forma rigorosa neste capítulo. importante do ponto de vista de balanço de radiação sobre muito importante, no entanto, ressaltar que aerossóis e de aerossóis. As estimativas de forçante radiativa para os É importante levar em consideração escalas de tempo e a Amazônia, reduzindo em até 110 Wm 2 a radiação à su- gases têm escalas de tempo e espaço muito diferentes: en- efeitos indiretos de aerossóis encontradas na literatura espaço. Mudanças climáticas que ocorrem em longo prazo, perfície, e contribuindo com cerca de +26 Wm 2 no topo da quanto gases de efeito estufa tendem a se espalhar aproxi- apresentaram uma ampla gama de valores. A maioria dos em escalas de milhares a milhões de anos, são controladas atmosfera. Isso significa que as nuvens na Amazônia atuam madamente de modo uniforme sobre o planeta, e têm resultados tem sinal negativo, variando entre cerca de -9,5 por variações orbitais do planeta. No entanto, numa escala causando em média um resfriamento da superfície, mas tipicamente vida média de centenas de anos, aerossóis a -0,02 Wm 2 para diferentes tipos de superfície, indicando de centenas de anos as mudanças orbitais são virtualmente um aquecimento do planeta. Cabe ressaltar que o modo emitidos em queimadas na Amazônia espalham-se sobre condições de resfriamento climático. Este é um tópico que irrelevantes, e outros fatores predominam. Um exemplo é a como os estudos consideram as nuvens distribuídas na grande parte do continente da América do Sul, e têm vida ainda necessita de mais estudos de caracterização e verifi- influência antrópica sobre o clima devido à emissão de gases vertical desempenha um papel fundamental nos resultados média de dias (são removidos da atmosfera e depositam- cações independentes, para que esse componente da for- de efeito estufa, que vem causando um aumento anômalo obtidos: nuvens altas tendem a contribuir com um efeito de se sobre a superfície). Assim, a comparação das forçantes çante antrópica sobre o Brasil possa ser adequadamente da temperatura média na superfície do planeta. aquecimento do planeta, enquanto nuvens baixas tendem de aerossóis e gases não pode ser feita diretamente. representado em modelos climáticos. 26 Painel brasileiro de mudanças climáticas Introdução e principais questões discutidas 27 Não foram encontrados trabalhos avaliando a forçante evidenciam a existência de lacunas significativas em estudos aquecimento na região leste da Amazônia. Os autores de- Outro fenômeno de importância para o clima da AS é o radiativa no Brasil devido ao aerossol de origem urbana, ao de forçantes radiativas no Brasil. Conhecer com precisão a stacam ainda que as projeções destes modelos diferem em Jato de Baixo Nível (JBN). Os resultados de Soares e Maren- aerossol natural de poeira oriunda da África, ou de erupções magnitude dessas forçantes e aprimorar a compreensão relação às regiões onde são verificados os maiores aqueci- go (2009), com a utilização do modelo HadRM3P, indicar- vulcânicas, nem à formação de trilhas de condensação pelas de seus impactos resultarão em melhorias nos modelos de mentos (acima de 8ºC), por exemplo, na Amazônia oriental am um total de 169 casos de JBNs detectados no período atividades da aviação comercial. Essas forçantes radiativas, previsão de tempo e clima. Tais modelos são ferramentas ou na Amazônia ocidental, dependendo do modelo regional 1980-1989, enquanto que as ocorrências entre 2080 e 2089 por ora desconhecidas, podem, ou não, serem comparáveis importantes para instrumentalizar a tomada de decisões utilizado. Conforme mencionado em Marengo et al. (2010, totalizaram 224, evidenciando assim o impacto do SRES A2 àquelas devido a gases de efeito estufa e aerossóis antrópi- políticas e econômicas diante das mudanças climáticas que 2011), estas incertezas só podem ser reduzidas com avanços na frequência de ocorrência de JBNs da AS. cos. Os trabalhos analisados na elaboração deste capítulo vêm atuando no país. no conhecimento do sistema climático. c apítulo 8 avaliação de modelos globais e regionais climáticos Questão 7: Qual a capacidade dos modelos numéricos em reproduzir o clima presente e futuro sobre o Brasil e a América do Sul? Apesar dos acelerados avanços teóricos e computacio- Vários estudos utilizando modelos globais atmosféricos nais verificados nos últimos anos, as projeções climáticas e acoplados e regionais climáticos abordaram fenômenos são cercadas de imperfeições e incertezas, oriundas da meteorológicos que atuam na AS, em particular no Brasil. própria dinâmica do sistema climático. Existem pelo menos Por exemplo, com relação à Zona de Convergência do duas principais fontes de incerteza inerentes às projeções Atlântico Sul (ZCAS), os trabalhos de Pesquero (2009) e do clima: aquelas relacionadas aos cenários de emissões, Pesquero et al. (2009), que utilizaram o modelo Eta aninha- e à modelagem do clima e suas parametrizações. Embora do às condições do HadAM3P, verificaram a capacidade do os cenários de emissões sejam baseados em um conjunto modelo em reproduzir a circulação de monção da América de suposições coerentes e fisicamente consistentes sobre do Sul e a frequência de eventos de ZCAS, tanto no clima suas forçantes, tais como demografia, desenvolvimento presente (1961-1990), quanto no clima futuro (2070-2099), socioeconômico e mudanças tecnológicas, não se pode Este tema é abordado no Capítulo 8 do GT1. Nele são descri- Tendo em vista que os modelos regionais climáticos utilizando-se o cenário A1B do IPCC-SRES. Os resultados afirmar exatamente como estes vão evoluir ao longo das tas as características e desenvolvimentos do modelo global possibilitam um maior detalhamento dos cenários climáti- indicaram não haver diferenças importantes entre os fluxos próximas décadas. Em relação às incertezas na modelagem atmosférico do CPTEC e modelos regionais climáticos. O cos fornecidos pelos modelos globais, que geralmente de umidade em toda a estação chuvosa, quando compara- do clima, técnicas diferentes de regionalização e/ou pa- Modelo de Circulação Global Atmosférico do CPTEC/INPE, apresentam baixa resolução espacial e menor custo com- dos aos períodos de ZCAS sobre a Região SE. No entanto, rametrização podem produzir diferentes respostas locais, base do Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global putacional, vários estudos, com diferentes modelos, têm em relação a precipitações intensas, constatou-se a ocor- ainda que todas as simulações sejam forçadas pelo mesmo (MBSCG), tem sido desenvolvido desde a sua versão inicial sido realizados ao longo dos últimos anos. rência de valores de precipitação entre 90 e 140 mm/dia em modelo global, além da possibilidade de erros advindos diversas situações do clima futuro. dos próprios MCGs. CPTEC/COLA de 1994. A variação sazonal da precipitação, Por exemplo, Marengo et al. (2009), utilizando três mod- pressão ao nível do mar, ventos em altos e baixos níveis, elos regionais (HadRM3P, Eta-CCS e RegCM3) cujas simula- bem como a estrutura vertical dos ventos e temperatura, ções foram realizadas com as mesmas condições de con- têm sido bem representados pelo MCGA CPTEC/COLA. Os torno do modelo global HadAM3P, obtiveram simulações principais centros associados a ondas estacionárias nos dois do clima atual e projeções de clima futuro para o final deste hemisférios são razoavelmente bem reproduzidos. Entretan- século sobre a América do Sul (AS). Em relação ao clima to, a precipitação é subestimada principalmente na região da atual, os autores mostraram que os modelos têm um viés Amazônia e centro-sul da América do Sul e superestimada negativo de precipitação na parte mais setentrional da AS e no Nordeste do Brasil e nas regiões de convergência inter- também um viés negativo que domina quase todo o conti- tropical (ZCIT) e da América do Sul (ZCAS). Embora erros nente, com exceção da parte mais central, que se mostrou sistemáticos sejam mais destacados nas regiões tropicais, mais dependente da sazonalidade. Os resultados indicaram as maiores correlações entre anomalias de precipitação do que o Eta-CCS apresenta um maior aquecimento no oeste modelo e observadas ocorrem nessa região, que inclui o da Amazônia quando comparado aos modelos RegCM3 e extremo norte do Nordeste do Brasil e leste da Amazônia. HadRM3P, enquanto que estes últimos apresentam maior 28 Painel brasileiro de mudanças climáticas Introdução e principais questões discutidas 29 c apítulo 9 CERRADO Aumento de 1ºC na temperatura superficial padrões de chuva em torno de 5% a 10%. Em medos do mudanças ambientais de curto e longo prazo: projeções e atribuição com diminuição percentual entre -10% a -20% na pre- século (2041-2070), continuam as tendências de aumento cipitação durante as próximas três décadas (até 2040). Em gradual de 1,5º a 2ºC na temperatura e de 15% a 20% nas meados do século (2041-2070) espera-se aumento entre chuvas, sendo que essas tendências se acentuam no final 3º e 3,5ºC da temperatura do ar e redução entre -20% e do século (2071-2100), com padrões de clima entre 2,5º e -35% da pluviometria. No final do século (2071-2100) o 3ºC mais quente e entre 25% a 30% mais chuvoso. Questão 8: Quais as mudanças climáticas projetadas para curto e longo prazo que irão afetar os principais biomas brasileiros? aumento de temperatura atinge valores entre 5º e 5,5ºC e a retração na distribuição de chuva é mais crítica, com PAMPA No período até 2040 prevalecem condições de diminuição entre -35% e -45%.. clima regional de 5% a 10% mais chuvoso e até 1ºC mais Cenários futuros do clima são projeções ou simulações -45% nas chuvas) e muito mais quente (aumento de 5º geradas por modelos que levam em consideração os dife- a 6ºC de temperatura). Enquanto tais modificações de rentes cenários de emissões globais de gases do efeito clima associadas às mudanças globais podem compro- PANTANAL Aumento de 1ºC na temperatura e diminuição e 1,5ºC e intensificação das chuvas entre 15% e 20% estufa (GEE) propostos pelo IPCC. Atualmente, a melhor meter o bioma em longo prazo (final do século), não entre -5% e -15% nos padrões de chuva até 2040, man- até meados do século (2041-2070). No final do século ferramenta científica disponível para a geração das pro- obstante, a questão atual do desmatamento decorrente tendo a tendência de redução das chuvas para valores entre (2071-2100) as projeções são mais agravantes com au- jeções de mudanças ambientais é o downscaling (region- das intensas atividades de uso da terra representa uma -10% e -25% e aumento de 2,5º a 3ºC de temperatura em mento de temperatura de 2,5º a 3ºC e chuvas de 35% a alização) dinâmico, cuja técnica consiste em usar um mod- ameaça mais imediata para a Amazônia. Estudos obser- meados do século (2041-2070). No final do século (2071- 40% acima do normal. elo climático regional “aninhado” a um modelo climático vacionais e de modelagem numérica sugerem que, caso 2100), predominam condições de aquecimento intenso (au- global (maiores detalhes sobre modelagem encontram-se o desmatamento alcance 40% na região, se esperam mento de temperatura entre 3,5º e 4,5ºC), com diminuição no Capítulo 9). Os resultados científicos consensuais das mudanças drásticas no ciclo hidrológico, com redução acentuada nos padrões de chuva de -35% a -45%. projeções regionalizadas de clima nos diferentes biomas de -40% na pluviometria durante os meses de julho a do Brasil, considerando os períodos de início (2011-2040), novembro, prolongando a duração da estação seca, bem MATA ATLÂNTICA Como este bioma abrange áreas des- biomas Amazônia e Caatinga, cujas tendências de aqueci- meados (2041-2070) e final (2071-2100) do século XXI, são como provocando aquecimento superficial em até 4ºC. de o sul, sudeste até o nordeste brasileiro, as projeções mento na temperatura do ar e de diminuição nos padrões sumariados neste capítulo. Assim, as mudanças regionais pelo efeito do desmata- apontam dois regimes distintos. Porção Nordeste (NE): regionais de chuva são maiores do que a variação média Em geral, as projeções climáticas possuem desem- mento somam-se àquelas provenientes das mudanças Aumento relativamente baixo nas temperaturas de 0,5º a global. Em termos de atribuição de causa física, sugere-se penho (“skill”) relativamente melhor nos setores norte/ globais, constituindo, portanto, condições propícias à 1ºC e decréscimo nas chuvas em torno de -10% até 2040, que essa mudança climática de redução na pluviometria nordeste (Amazônia e Caatinga) e sul (Pampa) do Brasil, prevalência de vegetação do tipo cerrado, sendo que mantendo a tendência de aquecimento entre 2º e 3ºC e se associa aos padrões oceânicos tropicais anomalamente e desempenho pior no centro-oeste e sudeste (Cerrado, esse problema de savanização da Amazônia tende a ser diminuição pluviométrica entre -20% e -25% em meados mais aquecidos sobre o Pacífico e o Atlântico (esperados Pantanal e Mata Atlântica). As projeções consensuais mais crítico na porção oriental. do século (2041-2070). Para o final do século (2071-2100), num clima futuro de aquecimento global), os quais modi- esperam-se condições de aquecimento intenso (aumento ficam o regime de vento de forma a induzir diminuição no para os biomas brasileiros, baseadas nos resultados quente, mantendo a tendência de aquecimento entre 1º Em virtude do alto grau de vulnerabilidade das regiões norte e nordeste do Brasil, ressalta-se que as projeções mais preocupantes para o final do século são para os científicos de modelagem climática global e regional, CAATINGA Aumento de 0,5º a 1ºC na temperatura do de 3º a 4ºC) e diminuição entre -30% e -35% nos pa- transporte de umidade e prevalência de circulação atmos- são as seguintes: ar e decréscimo entre -10% e -20% na chuva durante as drões de chuva regional. Porção Sul/Sudeste (S/SE): Até férica descendente (células de Hadley e Walker) sobre o próximas três décadas (até 2040), com aumento gradual 2040 as projeções indicam aumento relativamente baixo Brasil tropical, inibindo a formação de nuvens convectivas e AMAZÔNIA Reduções percentuais de -10% na distri- de temperatura para 1,5º a 2,5ºC e diminuição entre -25% de temperatura entre 0,5º e 1ºC, com intensificação nos explicando assim as condições de chuva abaixo do normal. buição de chuva e aumento de temperatura de 1º a 1,5ºC e -35% nos padrões de chuva no período de 2041-2070. até 2040, mantendo a tendência de diminuição de -25% No final do século (2071-2100) as projeções indicam a -30% nas chuvas e aumento de temperatura entre 3º e condições significativamente mais quentes (aumento de 3,5ºC no período 2041-2070, sendo que no final do sécu- temperatura entre 3,5º e 4,5ºC) e agravamento do déficit lo (2071-2100) as mudanças são mais críticas, com clima hídrico regional com diminuição de praticamente metade significativamente menos chuvoso (redução de -40% a (-40 a -50%) da distribuição de chuva. 30 Painel brasileiro de mudanças climáticas Introdução e principais questões discutidas 31 refer ê ncias Ambrizzi T., Rocha R., Marengo J.A., Pisnitchenko I., Alves L.M. 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Grimm - UFPR; Gilvan Sampaio - INPE Autores Colaboradores Celso von Randow – INPE; Expedito Ronald Gomes Rebello – INMET; Francinete Francis Lacerda – ITEP/PE; Francisco de Assis Diniz – INMET; Gabriel Blain – IAC/SP; Guillermo Obregón – INPE; Iracema Cavalcanti – INPE; José Fernando Pesquero – INPE; Leila Maria Vespoli Carvalho – UCSB; Lincoln Muniz Alves – INPE; Manoel Ferreira Cardoso – INPE; Orivaldo Brunini – IAC/SP; Osmar Pinto Júnior – INPE; Prakki Satyamurty - UEA. Autores Revisores Gilberto Fisch – IEA/CTA; Maria Cristina Forti - INPE 34 Painel brasileiro de mudanças climáticas Sumário Executivo Neste capítulo são apresentados resultados observacionais a respeito de variações de parâmetros ambientais que podem representar efeitos da variabilidade climática natural de longo período e, em alguns casos, indicações de efeitos da ação humana. As séries temporais climáticas são um produto de interações complexas do sistema climático terrestre, representando um efeito combinado de oscilações intra e interanuais, decenais/ interdecenais e até escalas de tempo maiores (por exemplo, milhares a milhões de anos), que são naturais do sistema climático. A separação dessas variações naturais das alterações antropogênicas não é uma tarefa fácil, e talvez nem possível na maioria dos casos, tendo em vista que tais resultados são geralmente baseados em séries temporais de observações feitas durante períodos relativamente curtos, bem inferiores às escalas de tempo paleoclimatológicas, tratadas no Capítulo 4. Portanto, é necessário cautela na atribuição das causas das variações observadas. De qualquer maneira, quer sejam variações naturais que venham a ser revertidas após uma ou mais décadas, quer sejam reais tendências causadas por ação humana, tais variações necessitam ser conhecidas para que seja possível planejar a adaptação a elas, para enfrentá-las em seus aspectos negativos ou delas tirar o máximo proveito. A magnitude tanto das variações naturais como das mudanças climáticas antropogênicas tem repercussões para a sociedade, uma vez que diversas atividades econômicas, particularmente, a hidroeletricidade e a agricultura, são afetadas com variações de longo prazo, principalmente do elemento climático precipitação. 36 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 37 2.1 pad rõ e s d e va r ia b i l i da d e d o c l i m a É importante caracterizar, no contexto deste capítulo, a vari- A caracterização desta variabilidade será feita basi- abilidade natural do clima na América do Sul, tendo em vista camente em termos das variações de precipitação, pois que esta é bastante significativa e pode, muitas vezes, ser são estas as mais documentadas. Antes de apresentar confundida com tendências climáticas associadas com mu- as variações climáticas, é interessante revisar os aspec- dança climática antropogênica. Essa variabilidade climática tos básicos dos regimes de precipitação na América do natural é um modulador de baixa frequência da variabili- Sul, com foco no Brasil, para que a variabilidade climática dade sinótica diretamente ligada aos sistemas de tempo e possa ser enfatizada nas estações do ano em que apre- influencia também a frequência de eventos extremos. senta maior impacto. 2.1.1 Padrões de variabilidade do clima Na Figura 2.1 é mostrado um painel abrangente dos regimes Norte do Brasil, ao norte do equador, o outono e inverno de precipitação da América do Sul (Grimm, 2011). A maior austrais constituem a estação chuvosa, enquanto o verão aus- parte do Brasil está sob o efeito do regime de monção, tral é relativamente seco. Nas partes leste e oeste desta região, coerente com altos totais mensais de chuva no período de prevalece o outono austral como estação chuvosa, enquanto primavera e verão e baixos valores no outono e inverno. A no centro prevalece o inverno austral. precipitação mais intensa começa na primavera no centro do Ao sul do equador, o inverno é a estação seca na faixa Brasil (em torno de 10°S, onde a estação chuvosa é dezem- tropical (0-25°S), com exceção de regiões costeiras junto bro-janeiro-fevereiro, DJF) e avança para sul e para norte, ao Atlântico, particularmente na costa do Nordeste. Na de modo que em parte do Brasil a estação mais úmida é maior parte do Sul do Brasil, onde há disponibilidade de janeiro-fevereiro-março (JFM) e nas proximidades do equa- vapor de água durante todo o ano, condições dinâmicas dor é março-abril-maio (MAM), ou mesmo mais tarde. Na na atmosfera favorecem máximos relativos de precipitação realidade, a precipitação já é intensa no noroeste do Brasil no outono, inverno e primavera em diferentes regiões, antes do que no centro, não como parte da estação chuvosa, embora ocorra precipitação durante o ano inteiro. O Sul mas sim porque naquela região a precipitação é intensa du- do Brasil é uma região de transição entre os regimes de rante o ano inteiro. No Brasil Central, a variação sazonal de monção de verão e de regime de inverno em latitudes precipitação é influenciada pela migração sazonal do sistema médias, tendo sua precipitação bem distribuída ao longo de alta pressão do Atlântico Sul. do ano (Grimm, 2009a). F i g. 2 .1 10N 5N EQ 5S 10S 15S 20S 25S 30S 35S 550 440 330 220 110 0 40S 45S 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w Fig. 1. Ciclos anuais de precipitação em regiões de 2.5°×2.5° latitude-longitude, calculados com pelo menos 25 anos de dados no período 1950-2005 (Grimm, 2011). Fig. 2.1. Ciclos anuais de precipitação em regiões de 2.5°×2.5° latitude-longitude, calculados com pelo menos 25 anos de dados no período 1950-2005 (Grimm, 2011). 2 .1. 2 Variabilidade I nteranual A monção começa a enfraquecer em março, à medida Existem vários outros trabalhos atuais que vêm descre- que a área de convecção profunda se desloca para o noro- vendo a variabilidade do período chuvoso sobre a região A variabilidade interanual de precipitação aqui analisada estudados em Zhou e Lau (2001), Paegle e Mo (2002) e este. Sobre as regiões próximas à costa do Norte do Brasil, monçônica, assim como uma descrição detalhada dos re- baseia-se em dados observados do período 1961-2000, Grimm e Zilli (2009). Além destes, há estudos regionais, a convecção profunda só enfraquece após abril, com o des- gimes de precipitação (p.ex., Carvalho et al., 2010; Krish- dos quais não foram filtradas as oscilações interdecenais como o de Matsuyama et al. (2002) para a região tropical locamento da Zona de Convergência Intertropical para o namurthy e Misra, 2010; Nieto-Ferreira, e Rickenbach, 2010; (Grimm, 2011). Portanto, elas estão presentes nos dados, do continente, e Grimm (2009b) para o Brasil. Hemisfério Norte. No norte do Nordeste do Brasil, a estação Raia e Cavalcanti, 2008; Reboita et al., 2010), onde em geral embora sejam mais especificamente analisadas na próxi- Os principais padrões de variabilidade da precipi- chuvosa ocorre de março a maio, quando a Zona de Con- podemos verificar que as Monções Sul-Americanas têm ma seção. Os padrões de variabilidade interanual de pre- tação podem variar de estação para estação ao longo vergência Intertropical está em sua posição mais a sul. No passado por várias transições ao longo dos últimos anos. cipitação na América do Sul no verão já foram também do ano. São mostrados apenas os primeiros modos de 38 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 39 Traduzir título marcado? variabilidade total anual e das estações de primavera e nordeste da América do Sul, especialmente no leste da verão, que fazem parte da estação chuvosa na maior Amazônia e norte do Nordeste do Brasil. Para se ter uma parte do Brasil. ideia do impacto deste modo sobre a precipitação, na A variabilidade dos totais anuais de precipitação e sua área de 2°×2º no norte do Nordeste (em torno de 43ºW associação com a temperatura da água do mar (TSM) en- e 3ºS), que tem chuva média mensal de 168,7 mm, no fatizam a grande influência de eventos El Niño-Oscilação ano de 1983 (El Niño) ocorreu precipitação média men- Sul (ENOS) na América do Sul. O primeiro modo (Figura sal de 54,2 mm, enquanto no ano de 1985 (La Niña) foi 2.2) tem um padrão de correlação com TSM que reproduz de 243,4 mm. Por outro lado, em uma área de 2°×2º no as principais características do padrão ENOS nas anoma- Sul do Brasil (em torno de 53ºW e 27ºS), que tem chuva lias de TSM global, especialmente no Oceano Pacífico. média mensal de 122,2 mm, a chuva média mensal no Este modo mostra anomalias de precipitação negativas ano de 1983 (El Niño) foi 176,4 mm, enquanto no ano (positivas) ao sul de 23° S, sobre o sudeste da América de 1985 (La Niña) foi de 92,8 mm. Estes contrastes entre do Sul, principalmente no Sul do Brasil durante episódios fases opostas de ENOS podem ser ainda mais fortes em La Niña (El Niño) e anomalias positivas (negativas) no estações específicas, como será mostrado adiante. F i g. 2 . 2 b 60N 30N EQ 30S 60S 0 60E 120E 180120w60w 0 Fig. 2.2a F i g. 2 . 2 c A nnual - 1 st mode 10N 3 variance 23 . 55 % 5N 25 EQ 20 5S 15 2 1 0 10 10S -1 Fig. 2. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do -2 0 primeiro modo de variabilidade da precipitação total anual, com a variância explicada e o -3 -5 1965197019751980198519901995 2000 mapa de coeficientes de correlação com1960 a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes correlação positivos -10 Fig. 2.osDistribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporalde(painel inferior direito)e do negativos (Grimm, 2011). Fig. 2.2. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo de variabilidade da pre-15 5 15S 20S 25S 30S 35S 40S 45S 40 Painel brasileiro de mudanças climáticas primeiro modo de variabilidade da precipitação total anual, acorrelação variância explicada cipitação total anual, com a variância explicada e o mapa decom coeficientes de com a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores e o os níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e negativos (Grimm, 2011). -20 mapa de coeficientes de correlação com aindicam TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam -25 confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e os níveis de negativos (Grimm, 2011). 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 41 Fig. 2. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo de variabilidade da precipitação total anual, com a variância explicada e o Traduzir título marcado? O segundo modo de variabilidade da precipitação anual (não apresentado) tem anomalias de precipitação por oscilações interdecenais, abordadas na seção seguinte No inverno, o primeiro modo de variabilidade também vergência do Atlântico Sul (ZCAS), com variações de sinal tem conexão com ENOS, tendo maior impacto na variabi- oposto no noroeste e sudeste da América do Sul. Ele se lidade da precipitação no Sul e no Norte do Brasil, com assemelha e é devido ao primeiro modo de verão, a ser sinais opostos (não mostrado, ver Grimm, 2011). apresentado a seguir. A ZCAS é uma banda de nebulosi- O primeiro modo de precipitação da primavera (Figura dade na direção noroeste-sudeste, muito presente durante 2.3) exibe um padrão dipolo com regiões de variações inver- a monção de verão (entre outros, Grimm et al., 2005; Vera sas no centro-leste e sudeste do continente (Grimm e Zilli, et al., 2006; Marengo et al., 2010b). 2009; Grimm, 2011). Este modo pode produzir variações de O primeiro modo de variabilidade da precipitação an- intensidade e localização da ZCAS. Apresenta forte correla- ual acima descrito é devido à variabilidade da precipitação ção com anomalias de TSM associadas com ENOS, espe- de outono, sendo semelhante ao primeiro modo de vari- cialmente as anomalias subtropicais no Pacífico Central Sul. abilidade para esta estação. Este primeiro modo de outono Estas anomalias parecem ser importantes para causar varia- (não mostrado, ver Grimm, 2011) também mostra conexão ções de chuva no sudeste e centro-leste da América do Sul, com ENOS, embora os padrões de correlação no Oceano através de teleconexões que são mais fortes na primavera Atlântico sejam também fortes, especialmente no Atlântico (Barros e Silvestri, 2002; Cazes-Boezio et al., 2003; Grimm e tropical. As anomalias de TSM associadas com ENOS são as Ambrizzi, 2009). Nesta estação, há forte impacto de ENOS. maiores responsáveis pelas anomalias de precipitação no Por exemplo, em uma área de 2°×2º no Sudeste (em torno sudeste da América do Sul no outono, enquanto as anoma- de 42ºW e 17ºS), cuja precipitação média mensal na prima- entre as anomalias de TSM ao sul e ao norte do equador, são mais conectadas com variações de chuva no nordeste e noroeste da América do Sul. Contudo, embora a conexão da chuva no Nordeste do Brasil com ENOS não seja tão F i g. 2 . 3 a (e.g., Kayano e Andreoli, 2007). associadas mais fortes nas proximidades da Zona de Con- lias no Atlântico tropical, mais especificamente a diferença Fig. 2. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evo primeiro modo de variabilidade da precipitação to mapa de coeficientes de correlação com a TSM (pa os níveis de confiança (melhores que 0.90) par negativos (Grimm, 2011). spring - 1 st mode variance 30 .16 % 10N 5N EQ 5S 40 30 20 10S 10 15S 0 20S -10 25S 30S 35S 40S -20 -30 -40 Fig. 2. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução 45S temporal (painel inferior direito) do 80w 75w70w65w60w55w50w45w40w35w primeiro modo de variabilidade da precipitação total anual, com a variância explicada e o vera é de 78,8 mm, a chuva média mensal de primavera no deanocoeficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam ano de 1982 (El Niño) foi de 22,1 mm,mapa enquanto no de 1971 (La Niña) foi de 116,7 mm. Por os outro níveis lado, em umade confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e F i g. 2 . 3 b área de 2°×2º no Sul do Brasil (em torno de 53ºW e 28ºS), negativos (Grimm, 2011). cuja precipitação média mensal na primavera é de 170.8 forte quanto com o gradiente latitudinal de TSM, a influên- mm, a chuva média mensal de primavera no ano de 1982 cia de ENOS pode ser considerada forte e é intensificada (El Niño) foi de 295,3 mm, enquanto no ano de 1971 (La se este gradiente de TSM for positivo (negativo) durante Niña) foi de 104,1 mm. Em ambas estas regiões, a primavera El Niño (La Niña). Tanto a intensidade de ENOS quanto é parte da estação chuvosa e nelas há bacias contribuintes a a intensidade e sinal deste gradiente podem ser alterados reservatórios de importantes usinas hidroelétricas. Fig. 3. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evo primeiro modo de variabilidade da precipitação explicada e o mapa de coeficientes de correlação co cores indicam os níveis de confiança (melhores q positivos e negativos (Grimm, 2011). 60N 30N EQ 30S 60S 0 60E 120E 180 120W60W 0 -0.999 -0.975 -0.95 -0.9 0.9 0.95 0.9750.999 42 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 43 Traduzir título marcado? Fig. 2.3c F i g. 2 . 4 a Summer - 1 st mode 3 variance 26 .52 % 10N 2 5N 1 EQ 40 0 5S 30 -1 10S -2 50 20 10 15S 0 -3 20S 19601965 19701975 1980 198519901995 2000 -10 Fig. 2.3. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo de variabilidade da do al (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) precipitação de primavera (SON), com a variância explicada e o mapa de coeficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste bilidade da precipitação dede confiança primavera a (Grimm, variância mapa, as cores indicam os níveis (melhores que 0.90) para (SON), coeficientes de correlaçãocom positivos e negativos 2011). ficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, as anomalias associadas dede TSM estão no Atlântico suverão, o primeiro modo (Figura 2.4) se assemelde confiança No(melhores que 0.90) para rescoeficientes correlação mm, 2011).ha ao primeiro modo de primavera, mostrando o bem doeste e são, na realidade, causadas pela influência das conhecido dipolo de variações entre as anomalias no 25S -20 30S -30 35S -40 -50 40S variações de nebulosidade sobre o centro-leste do Bra- tro-leste do Brasil e por anomalias de TSM junto à costa 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w Fig. sil e o oceano próximo. A variação produzida por 2. esteDistribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo na região da ZCAS é muito grande. Por exemplo, modo de variabilidade da precipitação total anual, com a variância explicada e o mapa de coeficientes de correlação em uma área de 2°×2º no Sudeste (em torno de 45ºW F i g.com 2 . 4 b a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam e 17ºS), cuja precipitação média mensal noos verãoníveis é de de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e 176,3 mm, a chuva média mensal de verão negativos em 1970 foi (Grimm, 2011). de 65,1 mm, enquanto em 1979 foi de 259,5 mm. Fig. 4. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evo 60N No verão, a variabilidade associada a ENOS está repprimeiro modo de variabilidade da precipitação de v resentada pelo segundo modo (Figura 2.5), que, ao conmapa de coeficientes de correlação com a TSM (pai 30N trário da primavera, apresenta o mesmo sinal de variaos níveis de confiança (melhores que 0.90) para ções no centro-leste e no sul do Brasil. Para mesmo sinal EQ negativos (Grimm, 2011). de anomalias de TSM na primavera e no verão (comparar do Sudeste do Brasil. A correlação deste modo com TSM mapas de correlação nas Figs. 3 e 5), as anomalias de mostra que há menos forçamento remoto deste modo chuva no centro-leste são opostas, coerentemente com que do primeiro modo da primavera, pois há menos os mecanismos explicados em Grimm et al. (2007), Dufek anomalias de TSM remotas associadas a ele. As maio- e Ambrizzi (2008) e Grimm e Zilli (2009). centro-leste e no sudeste da América do Sul. Contudo, as anomalias no centro-leste são mais fortes e extensas que na primavera, enquanto no sudeste da América do Sul são mais fracas. Embora este modo pareça uma continuação das anomalias da primavera, não é este o caso, pois, como demonstrado em Grimm et al. (2007) e Grimm e Zilli (2009), há tendência de inversão dessas anomalias de precipitação da primavera para o verão, devido a interações superfície-atmosfera causadas na primavera por anomalias de umidade do solo no cen- 45S 30S 60S 0 60E 120E 180 120W60W 0 -0.999-0.975-0.95 -0.9 0.9 0.95 0.9750.999 44 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 45 Traduzir título marcado? Fig. 4. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo de variabilidade da precipitação de verão (DJF), com a variância explicada e o Fig. Distribuiçãode espacial (painel esquerdo) evolução temporal (painel inferior direito) do mapa de2.coeficientes correlação com a TSM e(painel direito). Neste mapa, as cores indicam Fig. 4.os Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal inferior direito) primeiro modo de variabilidade total anual, com a(painel explicada e o do Fda i g. 2precipitação . 5 b0.90) níveis de confiança (melhores que para coeficientes devariância correlação positivos e mapa de coeficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam primeiro modo de variabilidade negativos (Grimm, 2011). da precipitação de verão (DJF), com a variância explicada e o Fig. 2.4c os níveis de de confiança (melhores 0.90) para coeficientes de correlação positivos e mapa de coeficientes correlação com aque TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam (Grimm, 2011). os níveis negativos de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e 60N negativos (Grimm, 2011). 3 2 1 30N 0 EQ -1 -2 30S -3 1960 1965 1970 1975 19801985 1990 1995 2000 60S al (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do 0 60E 120E 180 120W60W Fig. 2.4. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do primeiro modo de variabilidade da precipitação de verão com a variância explicada e o mapa de coeficientes correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, e o idade da precipitação de(DJF),verão (DJF), com a devariância explicada as cores indicam os níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e negativos (Grimm, 2011). Fig. Neste 4. Distribuição espacial esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do orrelação com a TSM (painel direito). mapa, as cores(painel indicam primeirode modo de variabilidade da precipitação de verão (DJF), com a variância explicada e o melhores que 0.90) para coeficientes correlação positivos e 0 -0.999-0.975 -0.95 -0.9 0.9 0.95 0.9750.999 Fig. 2.5a Summer - 2 nd mode variance 12 . 0 4 % mapa de coeficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam i g. 2correlação .5c os níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes Fde positivos e negativos (Grimm, 2011). 10N 5N 3 50 EQ 40 5S 30 10S 15S 20S 25S 2 1 0 Fig.Fig. 5.20Distribuição espacial (painel (painelinferior inferiordireito) direito)dodo 3. Distribuição espacial (painelesquerdo) esquerdo)eeevolução evolução temporal temporal (painel -1 segundo modo de variabilidade da precipitação de verão (DJF), com(SON), a variância eo primeiro modo de variabilidade da precipitação de primavera com explicada a variância 10 -2 correlação mapa de coeficientes a TSM (painel Nestedireito). mapa, as cores indicam explicada e o mapade decorrelação coeficientescom de com adireito). TSM (painel Neste mapa, as 0 cores indicam os níveis de confiança (melhores 0.90) para coeficientes de correlação os níveis de confiança (melhores que 0.90) paraquecoeficientes de correlação positivos e -3 -10 positivos e negativos (Grimm, 2011).1960 1965 1970 1975 19801985 1990 1995 2000 negativos (Grimm, 2011). Fig. 5. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do 30S Fig. 2.5. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do segundo modo de variabilidade da -30 precipitação de verão com a variância explicada e o mapa de coeficientes correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, e o segundo modo de variabilidade da precipitação de(DJF),verão (DJF), com a devariância explicada 35S -40 as cores indicam os níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e negativos (Grimm, 2011). mapa de coeficientes de correlação com a TSM (painel direito). Neste mapa, as cores indicam -50 40S os níveis de confiança (melhores que 0.90) para coeficientes de correlação positivos e 45S 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w negativos (Grimm, 2011). 46 Painel brasileiro de mudanças climáticas -20 Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 47 Fig. 5. Distribuição espacial (painel esquerdo) e evolução temporal (painel inferior direito) do 2.1.3 Variabilidade interdecadal e de longo prazo F i g. 2 . 6 b A variabilidade interdecenal é aqui considerada como aquela pode simplesmente indicar mudança de uma fase positiva, com escala de tempo acima de 8 anos (Grimm e Sabóia, predominante na década de 1960 até meados da década 2011a, b). Seus efeitos são por vezes confundidos com de 1970, para uma fase predominantemente negativa, de efeitos de mudanças climáticas antropogênicas, devido ao meados da década de 1970 até meados da década de relativamente curto período das séries de dados disponíveis. 1990. Tal possibilidade é concreta, pois este modo é sig- O primeiro modo de variações interdecenais da pre- nificativamente associado com um modo de variabilidade cipitação total anual (Figura 2.6, Grimm e Saboia, 2011a) interdecenal de TSM denominado Oscilação Multidecenal indica que no período 1950-2000 houve oscilação da do Atlântico (OMA), que possui escalas de tempo longas chuva no nordeste da Argentina e Centro-Oeste do Bra- de variação. Tal modo de TSM, representado na Figura 2.8c sil, com oscilação mais fraca de sinal contrário no Norte (Grimm e Saboia, 2011b), mostra variações semelhantes -1 do Brasil. Analisando a evolução temporal, poder-se-ia às do modo de precipitação no período de sobreposição -1.5 dizer que houve nela uma tendência decrescente, princi- de ambos (1950-2000), apresentando mudança de fase na palmente entre 1970 e 2000. Contudo, esta “tendência” década de 1970 e outra na década de 1990. Modo 1, rotacionado anual (1950-2000) 2 1.5 Factor Score 1 0.5 0 -0.5 -2 195019551960 19651970 19751980 1985 199019952000 Periodo (anos) Fig. 2.6a F i g. 2 . 6 c Cor ano com rotaç ã o (1950-2000 ) modo 1 15N Cor. sig.: cp1 Rot. e TSM: Anual 1950-2000 - cor 10N 5N EQ 1 0.8 5S 0.6 10S 0.4 15S 0.2 0 20S -0.2 25S -0.4 30S -0.6 -0.8 35S 0 60E 120E 180120W60W 0 -0.05 -0.025-0.001 0 0.001 0.025 0.05 -1 40S 45S 50S 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w 48 Painel brasileiro de mudanças climáticas 50N 40N 30N 20N 10N EQ 10S 20S 302 40S 50S Fig. 2.6. Primeiro modo de variabilidade interdecadal da precipitação anual (18,4% da variância): (2.6a) distribuição espacial das anomalias; Fig. 2.6. Primeiro modo de variabilidade interdecadal da precipitação anual (18,4% da variância): (painel superior esquerdo) distribuição espacial das anomalias; (painel inferior esquerdo) evolução temporal; (painel direito) mapa de coeficientes de correlação com a TSM. Neste mapa, as cores indicam os níveis de significância (melhores que 0.05) para coeficientes de correlação positivos e negativos (Grimm e Saboia 2011a, b) (2.6c) evolução temporal; (2.6b) mapa de coeficientes de correlação com a TSM. Neste mapa, as cores indicam os níveis de significância (melhores que 0.05) para coeficientes de correlação positivos e negativos (Grimm e Saboia 2011a, b). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 49 F i g. 2 . 7 a Também seria possível ajustar “tendências” a alguns dos O primeiro modo de verão (Figura 2.7b, Grimm e Sab- outros modos de variabilidade interdecenal da precipitação oia, 2011a) mostra também um dipolo de oscilação entre o anual durante o período 1950-2000, mas não seria possível centro-leste e o sudeste da América do Sul, e sua evolução Cor pri com rota ção dizer se são realmente tendências ou produto de mudança temporal é muito similar àquela do primeiro modo da pri- (19 50 - 20 0 0 ) modo 1 de fase de oscilação interdecenal natural durante este perío- mavera. Contudo, o sinal das anomalias é oposto, most- do. Na próxima seção, serão analisadas “tendências” pos- rando que a tendência à reversão entre a primavera e o 5N sivelmente associadas à mudança climática antropogênica. verão, mostrada em Grimm et al. (2007) e Grimm e Zilli EQ Tendo em vista que a primavera e o verão (austrais) fazem parte da estação chuvosa na maior parte do Brasil, é interessante conhecer as oscilações climáticas de longo período nestas estações e as relações entre elas. (2009), ocorre também em escalas de tempo interdece- 15N 10N 1 0.8 5S nais e não apenas interanuais. O segundo modo de variabilidade de verão (Figura 2.7c, 0.6 10S Grimm e Saboia, 2011a) apresenta padrão semelhante ao 0.4 15S O primeiro modo interdecenal de primavera (Figura primeiro modo de variabilidade da chuva total anual (Figura 2.7a, Grimm e Saboia, 2011a) é semelhante ao primeiro 2.6), mostrando que este modo anual tem maior contri- 20S modo interanual de primavera (Figura 2.3), deixando bem buição da variação das chuvas de verão. Como a fase posi- 25S clara a modulação interdecenal a que está submetido o im- tiva destes modos exibe sinais opostos para as anomalias, a pacto de ENOS (e.g., Kayano e Andreoli, 2007). Este modo é variação temporal também é oposta, mas está claro que há mais fortemente conectado ao modo de TSM denominado mudança de fase no sentido de aumento da precipitação Oscilação Interdecenal do Pacífico (OIP, IPO em inglês), que em meados da década de 1970 no norte da Argentina, no é associada à Oscilação Decenal do Pacífico (PDO, em in- Uruguai e no Centro-Oeste do Brasil, com fraca tendência a glês) apenas no Pacífico norte, possuindo outras característi- diminuição no Norte do Brasil. Este modo e o corresponden- cas em nível global (Figura 2.8b, Grimm e Saboia, 2011b). te primeiro modo de totais anuais serão ainda analisados Quando esta oscilação está em sua fase positiva, reforça na próxima seção. No entanto, deve ser mencionado que (enfraquece) episódios El Niño (La Niña), enquanto em sua vários outros estudos têm destacado a transição climática da fase negativa ocorre o oposto. Este modo mostra que nas década de 70, particularmente com relação à Monção da últimas décadas antes de 2000 houve aumento de precipita- AS e à importância da temperatura da superfície do mar, ção da primavera no sudeste da América do Sul, incluindo o por exemplo, Carvalho et al. (2010); Kayano et al. (2006) e Sul do Brasil, enquanto no Centro-Leste houve diminuição. Garcia e Kayano (2009). 0.2 0 -0.2 -0.4 -0.6 30S -0.8 35S -1 40S 45S 50S 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w Modo 1, rotacionado de primavera (1950-2000) 2.5 2 1.5 Factor Score 1 0.5 0 -0.5 -1 -1.5 -2 195019551960 19651970 19751980 1985 199019952000 Periodo (anos) 50 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 51 Fig. 2.7b F i g. 2 . 7 c Cor ver com rota ç ã o (1950-2000 ) modo 1 Cor ver com rota ção 15N (19 50 - 20 0 0 ) modo 2 10N 15N 10N 5N 5N EQ EQ 1 1 0.6 10S 0.2 0 20S 0 -0.2 -0.2 25S 0.4 15S 0.2 20S 0.6 10S 0.4 15S 0.8 5S 0.8 5S 25S -0.4 -0.4 -0.8 -0.8 35S -0.6 30S -0.6 30S 35S -1 -1 40S 40S 45S 45S 50S 50S 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w 80w75w70w65w60w55w50w45w40w35w Modo 2, rotacionado de verão (1950-2000) 2 Modo 1, rotacionado de verão (1950-2000) 1.5 2.5 1 Factor Score 2 1.5 Factor Score 1 0.5 0.5 0 -0.5 0 -1 -0.5 -1.5 -1 -2 19501955 19601965 1970 1975 19801985 19901995 2000 -1.5 -2 19501955 19601965 1970 1975 19801985 19901995 2000 Periodo (anos) 52 Painel brasileiro de mudanças climáticas Periodo (anos) Fig. 2.7. (a) 1º modo de variabilidade interdecadal da precipitação na primavera; (b), (c) 1º e 2º modos de variabilidade interdecadal da precipitação no verão (Grimm e Saboia, 2001a). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 53 Fig. 2.8a F i g. 2 . 8 b ACP TSM anoROT (1) COR-GAUSS de (1900 - 2000) 60N 50N 40N 30N 20N 10N EQ 10S 20S 302 40S 50S 60S 0 60E 120E 180120W 60W ACP TSM anoROT (2) COR-GAUSS de (1900 - 2000) 0 60N 50N 40N 30N 20N 10N EQ 10S 20S 302 40S 50S 60S -1 -0.8-0.6-0.4-0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 60E 120E 180120W 60W 0 -1 -0.8-0.6-0.4-0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 Modo 1, rotacionado COR/GAUSSano, VAR (COR/GAUSS 31.42% ) VAR ( 31.42% ) Modo 1 - ano, Rotacionado Modo 1, rotacionado COR/GAUSS ano, VAR ( 15.63% ) Modo 2 -ano, Rotacionado COR/GAUSS VAR ( 15.63% ) 2 2 3 3 1.5 1.5 2 2 0.5 0.5 0 0 -0.5 -0.5 FactorScore Score Factor Factor Score Factor Score 1 1 1 1 0 0 -1 -1 -1 -1 -1.5 -1.5 -2 -2 1900 1920 1940 1960 1980 2000 1900 1920 1940 1960 19802000 Periodo (anos) Periodo (anos) 54 Painel brasileiro de mudanças climáticas -2 -2 -3 -3 1900 1920 1940 1960 1980 2000 19001920 1940 1960 1980 2000 Periodo (anos) Periodo (anos) Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 55 2 .1. 4 M odo de mudança climática ? Fig. 2.8c ACP TSM anoROT (3) COR-GAUSS de (1900 - 2000) 60N 50N 40N 30N 20N 10N EQ 10S 20S 302 40S 50S 60S 0 60E 120E 180120W 60W 0 -1 -0.8-0.6-0.4-0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 Modo 3, rotacionado ano, COR/GAUSS VARCOR/GAUSS ( 15.30% ) VAR ( 15.30% ) Modo 3 - Rotacionado ano, 2.5 2.5 22 FactorScore Score Factor 1.5 1.5 11 0.5 0.5 00 -0.5 -0.5 -1 -1 -1.5 -1.5 -2 -2 1900 1920 1940 1960 Periodo (anos) 1980 2000 1900 1920 1940 1960 19802000 Periodo (anos) É impossível afirmar que exista uma tendência consistente Centro-Oeste do Brasil/sul da Amazônia e do Sul do Brasil nos modos interdecenais de precipitação para o período e outras regiões da baixa Bacia do Paraná/Prata, como o 1950-2000, tendo em vista tratar-se de um período relati- nordeste da Argentina e Uruguai (Figura 2.9). Os padrões vamente curto e, portanto, tal “tendência” pode apenas ser de correlação da Figura 2.9 são muito semelhantes aos efeito de mudança de fase na oscilação interdecenal. Con- padrões espaciais do 1º modo interdecenal de precipita- tudo, quando se estuda a variabilidade global da tempera- ção anual (Figura 2.6). Este modo tem maior correlação tura da superfície do mar (TSM), em período de 100 anos justamente com o primeiro modo de TSM (“tendência”), ou acima (Parker et al., 2007; Grimm e Saboia, 2011b), o mas também é significativamente correlacionado com o 3º primeiro modo de variabilidade descreve tendência con- modo (OMA), que tem evolução temporal semelhante no sistente de crescimento quase global da TSM, acrescida período 1950-2000, como se pode ver na comparação das de algumas oscilações (Figura 2.8a). Deve-se ressaltar, Figuras 8a e 8c. Os padrões de correlação deste modo com contudo, que as séries de TSM não são muito confiáveis TSM (Figura 6, painel direito) mostram tanto semelhanças nas primeiras décadas do século XX, por basearem-se em com o 1º modo de TSM (as anomalias nos oceanos ao sul, poucas observações (Rayner et al., 2003). Índico e Atlântico), como com o 3º modo (as anomalias Quando a série temporal de variação deste modo é subtropicais no Atlântico Norte e Pacífico Norte). Há tam- correlacionada com séries médias de precipitação (1950- bém correlação com o modo PDO de TSM (não mostrado, 2000) em áreas de 2,5° × 2,5° na América do Sul, apare- mas revelado pela correlação forte com TSM no Pacífico cem correlações significativas em várias regiões do Brasil, Norte extratropical). Todos estes modos tiveram variações como se indicassem também tendências de longo período semelhantes no período 1950-2000, que explicam estas na precipitação (Figura 2.9). Contudo, como as séries de correlações. A mais forte, no entanto, é com o 1º modo. precipitação são mais curtas que as de TSM, a correlação Estes resultados concordam com estudos anteriores só é possível no período de sobreposição dos dois tipos feitos sobre tendências e variações interdecenais na de dados, ou seja, 1950-2000. Como neste período houve Amazônia. Por exemplo, Marengo (2004) aponta que em mudança de fase de uma importante oscilação interdece- meados da década de 1970 o norte (sul) da Amazônia nal de longo período, a Oscilação Multidecenal do Atlân- passou a receber menos (mais) precipitação, o que con- tico (OMA, 3º modo, Figura 2.8c), esta mudança de fase corda com a Figura 2.6 e atribuiu isto a variações de TSM pode ter influenciado esta correlação. Na realidade, foi isto no Pacífico, o que concorda com o fato de que este modo que ocorreu, pelo menos em boa parte, pois as regiões esteja muito associado com um modo de TSM com pa- e o sinal de correlação significativa entre precipitação na drão da PDO (não mostrado aqui). Também o fato de América do Sul no período 1950-2000 e o modo de TSM que Zeng et al. (2008) consideram a seca de 2005 no sul de “tendência” (1º modo) e o modo OMA (3º modo) da Amazônia associada à TSM mais quente no Atlântico são muito semelhantes (a correlação não é mostrada tropical norte concorda com o fato de que o modo da aqui para o modo OMA). As regiões em que estas cor- Figura 2.6 esteja muito associado ao modo AMO (Figura relações indicam aumento de precipitação são partes do 2.8c) (Carvalho et al., 2011a). Fig. 2.8. (a) 1º modo de variabilidade das médias anuais de TSM no período 1900-2000, indicando uma “tendência” quase global de aquecimento da TSM durante o período. (Painel esquerdo) distribuição espacial; (Painel direito) evolução temporal; (b) o mesmo para o 2º modo; (c) o mesmo para o 3º modo (Grimm e Saboia, 2011b). 56 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 57 Traduzir título marcado? Fig. 2.9 Cor. sig. : cp 1 R ot. e C h uva: 10N A nual 1950 - 10 0 - cor 5N trário no norte do Brasil (Figura 2.6) e as correlações de sinal minuição). Contudo, a tendência a aumento, indicada no contrário nesta região (Figura 2.9), indicando tendência à di- Centro-Oeste do Brasil nas Figuras 6 e 9, não é coerente minuição de chuva nesta região, mostram coerência apenas com as mudanças projetadas para esta região na Figura 2.10. parcial com a projeção de diminuição de precipitação em Nem a diminuição de chuva projetada no extremo norte da parte desta região em DJF em cenário de mudança climáti- América do Sul encontra correspondência na Figura 2.6. ca. Contudo, também nesta região as séries são geralmente Uma indicação de que pelo menos na baixa Bacia do curtas. Estes aspectos são mais facilmente visíveis na Figura Rio da Prata e pelo menos no século passado há tendên- 0.1 2.10, que mostra as mudanças projetadas na precipitação a cia crescente de precipitação é mostrada pela série de 0.05 partir de uma média ponderada das projeções de 19 mode- precipitação de verão numa estação nesta região (Figura 10S 0.025 los usados no IPCC AR4 (Nohara et al., 2006). Comparando 2.11a). O padrão de correlação desta série com TSM (Fig- 15S 0.001 as Figuras 6 e 9 com a Figura 2.10, nota-se que algumas ura 2.11b) reproduz bem o 1º modo de TSM (Figura 2.8a, “tendências” observadas são coerentes com as mudanças modo de “tendência”). Contudo, há tendência decres- projetadas, como no extremo sudoeste da América do Sul cente nas últimas décadas. Portanto, é necessário cautela (diminuição) e no norte da Argentina e Uruguai (aumento), na suposição de que a tendência crescente se manterá EQ 5S 0 20S -0.001 25S -0.025 -0.05 30S -0.1 35S Fig. 9.no Coeficientes de correlação entre o 1º modo de variabilidade de TSM (modo de norte do Nordeste do Brasil e parte da Amazônia (di- (Bombardi et al., 2008a, b; Jones et al., 2011a,b). “tendência”) e a precipitação média anual em áreas 2,5° × 2,5°, no período 1950-2000. As cores representam os níveis de significância melhores que 0,10 (para correlações positivas e negativas) e Saboia, 2011b). F i g.(Grimm 2 .10 40S C h a n g e i n A n n u a l M e a n P r e c i p i tat i o n R 2 w e i g h t e d e n s e m b l e m e a n [ m m / d ay ] 45S 80w75w 70w 65w 60w55w 50w 45w 40w35w Fig. 2.9. Coeficientes de correlação entre o 1º modo de variabilidade de TSM (modo de “tendência”) e a precipitação média anual em áreas 2,5° × 2,5°, no período 1950-2000. As cores representam os níveis de significância melhores que 0,10 (para correlações positivas e negativas) (Grimm e Saboia, 2011b). Para verificar se as “tendências” associadas com o 1º cia do Paraná/Prata a maioria dos modelos aponta aumento modo interdecenal de precipitação (Figura 2.6, Grimm e Sa- de precipitação de verão (DJF) em cenário de mudança boia, 2011a) se devem apenas a mudança de fase da OMA antropogênica, o que é coerente com os resultados acima. ou se são parte de comportamento consistente de mais Por outro lado, os modelos não apontam significativas mu- longo período, seriam necessárias: i) séries mais longas de danças na precipitação do Centro-Oeste do Brasil, o que precipitação e ii) consistência entre estas “tendências” e as pode sugerir que as anomalias indicadas nesta região pelo mudanças de precipitação apontadas nessas regiões pelas 1º modo de precipitação (Figura 2.6) e as fortes correlações projeções de mudanças climáticas feitas por numerosos entre precipitação nesta região e o modo de “tendência” de modelos e através da recuperação de dados paleoclimáti- TSM (Figura 2.9) não indicam efeito de mudança climática cos com alta resolução, como apontado no Capítulo 5. O nesta região. Infelizmente as séries de precipitação nesta relatório IPCC AR4 (2007) aponta que na parte baixa da Ba- região são relativamente curtas. As anomalias de sinal con- 58 Painel brasileiro de mudanças climáticas 70N 60N 50N 40N 30N 20N 10N EQ 10S 20S 30S 40S 50S 60S 0 -1 60E 120E 180 120W 60W-0 -0.5 -0.2 -0.1-0.05 0 0.05 0.1 0.2 0.5 1 Fig. 10. Mudança na precipitação média anual (mm/dia) a partir de uma média ponderada das Fig. 2.10. Mudança na precipitação (mm/dia)AR4, a partir de uma médiaoponderada das projeções de 19A modelos usados no IPCC AR4,calculada projeções de 19 modelos usadosmédia noanualIPCC para cenário A1B. mudança foi para o cenário A1B. A mudança foi calculada entre os períodos 2081-2100 e 1981-2000 (adaptado de Nohara et al., 2006). entre os períodos 2081-2100 e 1981-2000 (adaptado de Nohara et al., 2006). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 59 2.2 F i g . 2 .11a Série Temporal de Chuva (VER) - 00066602 1000 As análises de variabilidade interdecenal e/ou mudanças não conclusivos e com pouca confiabilidade de represen- climáticas no Brasil têm usado, em geral, séries curtas tar mudanças climáticas. Não é possível separar com con- 900 de observações e com descontinuidades provocadas por fiança as variações naturais das antropogênicas na maioria 800 vários motivos (vide seção 2.3.5). O problema principal dos resultados apresentados. Apesar das limitações, os destas análises reside no fato de que as tendências, qual- estudos apresentados nas próximas seções são úteis no quer que seja a metodologia utilizada, são muito sensíveis sentido de apresentar variações observadas em padrões ao período utilizado, dando lugar a resultados geralmente de precipitação, temperatura e outras variáveis. 700 Chuva (mm) O b s e r vaçõe s d e m u dan ç a s na Am é r i c a d o S u l 600 500 2 . 2 .1 Hidrologia : precipitação , vazões 400 300 200 Ano 100 0 1892 1904 191619281940 1952196419761988 2000 ano F i g . 2 .11b Cor. sig.: Est. 00066602 Verao 60N 45N 30N 15N EQ Nesta seção faz-se referência a vários estudos de mudan- muito conspícua. Análises de tendências climáticas para o ças climáticas realizados para o Brasil. Como a variabili- período de 1965 a 2006 efetuadas pelo Serviço Nacional dade climática natural de chuvas e vazões associada à vari- de Meteorologia e Hidrologia do Peru (2010) mostram abilidade climática natural em escala global ou em certos que as precipitações anuais, na região da selva (Amazô- oceanos é muito forte na América do Sul (e.g., Grimm nia), apresentam diminuição estatisticamente significativa, 2011; Grimm e Sabóia, 2011a, b), tais estudos podem reve- coerente com o mostrado no oeste da Amazônia. Já na lar “tendências” que são devidas a fatias temporais desta região montanhosa, há predomínio de tendência positiva, variabilidade natural, pois estes estudos são geralmente mas são escassos os valores estatisticamente significativos baseados em séries relativamente curtas. e as regiões sul, centro e norte apresentam características Há alguns estudos identificando tendências climáticas regionais próprias. Com base em 18 longas séries de es- na chuva e vazões da Amazônia (e.g., Chu et al., 1994; Dias tações situadas ao longo do Amazonas (1925-2007, com de Paiva e Clarke,1995; Marengo, 2004; Chen et al. 2003). falhas), Satyamurti et al. (2009) concluíram que, na mé- Chu et al. (1994) mostraram um aumento sistemático da dia destas estações, não há tendência significativa e que, convecção sobre o norte da Amazônia desde 1975, que portanto, não se pode afirmar que a chuva na Amazônia poderia indicar um aumento de chuva na região; por outro esteja sofrendo mudança significativa. Algumas estações lado, Dias de Paiva e Clarke (1995) mostram tendência de mostram tendência positiva, outras mostram tendência aumento na parte central/leste da Amazônia e de diminu- negativa, sendo a tendência na maioria delas não signifi- 15S ição na parte oeste/noroeste. Marengo (2004) aponta cativa e de forma alternada no espaço. É interessante notar 30S tendências negativas em toda a bacia e, a nível regional, que a maioria destas estações está ao sul do Rio Amazonas 45S tendência negativa no norte da Amazônia e positiva no e próxima do rio, portanto, numa região de fracos com- sul. O trabalho de Obregón e Nobre (2003) mostra que ponentes do primeiro modo interdecenal de chuva anual 60S as décadas de 1950 houve uma diminuFig. 11. (a) Série de precipitação de verão no século passado em estaçãoentre localizada naa 1990 baixa ição significativa de precipitação no extremo noroeste da Fig. 2.11. de precipitação de verão no século passado em estação localizada na baixa Bacia do (b) Paraná/Prata (33.01S; Bacia do(a) Série Paraná/Prata (33.01S; 58.30W); correlação desta série com TSM. Amazônia, com a presença de variabilidade interdecenal 0 60E 120E180120W60W 0 (Figura 2.6, Grimm e Saboia, 2011a). Contudo, entre as estações no oeste da bacia, a maioria apresenta tendência 58.30W); (b) correlação desta série com TSM. negativa, e uma das séries mostradas como exemplo de 60 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 61 tendência negativa (Benjamin Constant) mostra variação cias” podem ser muito diferentes, dependendo dos perío- também foram observadas nas vazões dos rios Paraguai, Uru- Em algumas bacias do Sudeste e Nordeste do Brasil, os interdecenal muito semelhante à deste primeiro modo dos estudados, das épocas do ano em que são analisadas guai e Paraná, no seu trecho inferior, e no rio Paraná, em registros do rio Paraíba do Sul em Resende, Guaratinguetá (Figura 2.6), indicando que a tendência revelada na reali- e dos dados utilizados. Por exemplo, enquanto a Figura 2.6 Corrientes (Robertson e Mechoso, 1998). Foram observados e Campos, do rio Parnaíba em Boa Esperança (Região Sud- dade se deve à mudança de fase deste modo. mostra que nesse período a chuva total anual aumenta no incrementos da chuva em partes da bacia do Paraná/Prata, este) e do São Francisco em Juazeiro (região Nordeste) Embora haja algumas discrepâncias no conjunto de sul da Amazônia, Brasil central e norte da Argentina, sem de cerca de 6% para o período de 1971 a 1990, em relação apresentam tendências hidrológicas nas vazões e cotas resultados acima descritos, devido a diferentes períodos e grande componente no Sul do Brasil, assim como a chuva a 1930-1970 (Obregon e Nobre, 2003; Tucci, 2003). Milly et que não são consistentes com redução ou aumento na diferentes conjuntos de dados analisados, a maioria deles de verão no modo 2 (Figura 7c, Grimm e Saboia, 2011a), al. (2005) também observaram aumento de vazão na Bacia chuva nas bacias, indicando que é pouco provável que o concorda com as variações do primeiro modo de variabi- Liebmann et al. (2004) encontraram uma grande tendên- do Paraná/Prata entre os períodos 1900-1970 e 1971-1998 clima esteja mudando significativamente nestas regiões lidade interdecenal apresentado na Figura 2.6. Este modo cia no Sul do Brasil entre 1976 e 1999 para a precipitação (Figura 2.12). Essas variações de vazão são consistentes com (Marengo et al., 1998, Marengo e Alves, 2005). Isto é coer- mostra que há variações opostas de precipitação em regiões de verão, com sinal contrário no sul da Amazônia e centro- o modo 1 de variabilidade interdecenal (Figura 2.6) e com o ente com o modo 1 da Figura 2.6, no qual não há fortes diferentes da Bacia Amazônica. Este modo, como já citado leste do Brasil, coerente com o 3º modo interdecenal de modo 4 (não mostrado). É interessante notar que os aumen- componentes nesta região, e com o campo de correlações anteriormente, é muito ligado com os modos AMO e PDO, verão (não mostrado aqui). Neste período, encontraram tos nas vazões geralmente são maiores que os aumentos na na Figura 2.9. No caso do rio Paraíba do Sul (Marengo e que, entre 1950 e 1990, apresentaram mudanças de fase também tendência negativa no norte da Argentina para o precipitação das bacias, o que tem sido explicado pela mu- Alves, 2005), as vazões e cotas apresentam uma tendência que produziram a maioria das “tendências” acima detecta- verão, quando na realidade, em período maior e para to- dança no uso do solo (Tucci e Clarke, 1998; Collischonn, 2001; negativa sistemática desde 1920, e a chuva durante a es- das: positiva no sul da Amazônia e negativa no norte/noro- tais anuais, tal tendência é reconhecidamente positiva (e.g., Liebmann et al., 2004). No norte da Argentina, o aumento das tação chuvosa (DJF) no vale do Paraíba do Sul não apre- este e oeste da bacia. Contudo, é necessário ressaltar que Piovano et al., 2002). A tendência de aumento da precipi- chuvas produziu o aumento do nível da Laguna Mar Chiquita senta tendência negativa que poderia explicar as reduções em épocas recentes, principalmente na última década, es- tação entre 1950-2000 no Sul do Brasil e outras partes da (Piovano et al., 2002) e a extensão da fronteira agrícola. nas vazões. Assim, é possível que as variações observadas tes modos assumiram variação em sentido oposto àquele baixa Bacia do Paraná/Prata, também notada por Haylock da década de 1970 (não mostrada após 2000) e, portanto, et al. (2006), principalmente entre os períodos anterior a precipitação nestas regiões pode sofrer “tendências” em e posterior à década de 1970, aparece em alguns outros sentido contrário na década mais recente. Isto já é visível, modos interdecenais, especialmente no modo 4 da chuva por exemplo, nas estações Benjamin Constant e Iauretê, total anual (não mostrado). Nas estações meteorológicas no oeste do Amazonas (Satyamurti et al., 2009). As fortes do Rio Grande do Sul, foi registrado aumento na precipita- recentes secas em 2005 (e.g., Marengo et al., 2008) e 2010 ção no período de 1913 a 2006. A década mais seca foi a (Marengo et al., 2011) no sul da Amazônia podem ser indi- de 1940 e a mais chuvosa nos anos 1980 (Sansigolo and cações desta nova fase. Kayano, 2010). Na Bacia do Rio Paraná-Prata, foi observada Algumas aparentes discrepâncias nas “tendências” são tendência positiva de precipitação desde os anos 1960, também visíveis no estudo de outros parâmetros relacio- com um aumento maior nos meses de novembro a maio nados, como o transporte de umidade na Bacia Amazôni- (Boulanger et al., 2005). ca. Por exemplo, para Costa e Foley (1999) houve redução Em outros países da América do Sul, há tendência posi- no transporte de umidade no período 1979-96, enquanto tiva na precipitação do período 1960-2000 no Equador e para Curtis e Hastenrath (1999) houve tendência positiva noroeste do Peru, Paraguai, Uruguai e nordeste da Argentina, no período 1950-99. e negativa no sul do Peru, Chile e sudoeste da Argentina, de O aumento de chuva no sul da Amazônia, concentrado acordo com Haylock et al. (2006). principalmente entre 1970 e 1990, estende-se ao Centro- Na Região Sul do Brasil, o aumento das chuvas no perío- Oeste, Sudeste e norte da Argentina, conforme apresenta- do mencionado pode também ser observado nos registros do na Figura 2.6 e documentado em alguns outros estudos hidrológicos, como a vazão do rio Iguaçu e do alto Paraná de “tendências”, citados a seguir. Contudo, estas “tendên- (Liebmann et al., 2004). Tendências positivas neste período 62 Painel brasileiro de mudanças climáticas F i g. 2 .12 40 30 20 10 5 2 -2 -5 -10 -20 -30 -40 40 40 30 30 20 20 10 10 5 5 2 2 -2 -2 -5 -5 -10 -10 -20 -20 -30 -30 -40 -40 Fig. 2.12: Variação percentual de vazões entre os períodos 1900-1970 e 1971-1998 (Fonte: Milly et al., 2005). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 63 causas relacionadas à atividade humana. Os principais aspectos descritos acima estão con- F i g. 2 .13 sistentes com as tendências calculadas para o período P r e c i p i ta ç ã o Tota l - A n u a l O primeiro modo interdecenal de totais anuais de 1951-2000 por Obregon e Marengo (2007) e apresenta- precipitação (Figura 2.6) não mostra fortes componentes das na Figura 2.13: tendências negativas no norte e oeste no Nordeste do Brasil. Contudo, o segundo modo (não da Amazônia, positivas no sul da Amazônia, positivas no 5ºN mostrado) revela que naquela região há forte variabilidade Centro-Oeste e Sul do Brasil, ausência de tendência no 0º decenal, com períodos em torno de 12 anos e maiores, Nordeste. Contudo, conforme já alertado, tais “tendên- associada principalmente com a variabilidade do Atlântico cias” podem dever-se à mudança de fase de modo de (Grimm e Saboia, 2011a, b), mas sem clara “tendência” variabilidade interdecenal no período analisado. As Figu- 10ºS 40 no período 1950-2000, podendo esta assumir diferentes ras 14a-d mostram as tendências da precipitação total sa- 15ºS 0 sinais de acordo com o período analisado. Um exemplo zonal. As estações de verão (DJF) e outono (MAM) apre- 200 160 120 5ºS desta dependência das tendências em relação ao período sentam padrões similares ao da tendência anual, com 20ºS analisado pode ser encontrado na comparação de diferen- valores que variam de acordo com a estação chuvosa de 25ºS tes estudos: enquanto Santos e Brito (2007) detectaram cada região. Nas outras estações a distribuição é relativa- tendência positiva no Rio Grande do Norte e Paraíba no mente diferente e a intensidade das tendências é menor. período 1935-2000, Lacerda et al. (2009) identificaram Ressalte-se que no extremo noroeste da Amazônia e na tendência negativa em Pernambuco no período 1965- região Sul as tendências seguem padrões similares que 2004. A inspeção do modo de variabilidade interdecenal ao do total anual. Já no centro-leste do Brasil (MG, BA, com mais fortes componentes no Nordeste do Brasil no ES) as “tendências” na primavera e verão são opostas na período 1900-1993 (figura não mostrada, ver Grimm e Sa- maioria das estações, o que é consistente com a relação boia, 2011a) revela que realmente as tendências da chuva entre os primeiros modos interdecenais de primavera e no Nordeste nestes dois períodos são opostas e que no verão, descrita na seção 2.2.3 e mostrada nas Figuras 7a, longo prazo pode não haver tendência. b (Grimm e Saboia, 2011a). 80 -40 mm/Década sejam provocadas pelo gerenciamento regional da água e -80 -120 30ºS -160 -200 70ºW 65ºW 60aºW55ºW 50ºW45ºW 40ºW 35ºW 2.13. Tendência da precipitação total anual no período1951-2000 (mm/década). Círculos com contornos grossos Fig.Fig.13. Tendência da precipitação total anual no período1951-2000 (mm/ indicam significância estatística do Teste Mann-Kendal ao nível de significância de 0.05 (Obregon e Marengo, 2007). com contornos grossos da indicam significância do período1951Teste Mann-Ke Fig. 13. Tendência precipitação totalestatística anual no significância de 0.05 (Obregon e Marengo, 2007). com contornos grossos indicam significância estatística do Tes F i g. 2 .14 a significância de 0.05 (Obregon e Marengo, 2007). a ) P r e c i p i ta ç ã o Tota l - D J F 80 5ºN 60 0º 20 10ºS 0 15ºS -20 20ºS -40 25ºS -60 30ºS -80 70ºW 65ºW 60aºW55ºW 50ºW45ºW 40ºW 35ºW 64 Painel brasileiro de mudanças climáticas mm/Década 40 5ºS -100 Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 65 ecipitação total anual no período1951-2000 (mm/ década). Círculos ndicam significância estatística do Teste Mann-Kendal ao nível de F i g . 22007). .14b egon e Marengo, F i g. 2 .14 d P reci pita ç ã o Tota - MAM Fig. 13. b)Tendência da lprecipitação total anual no período1951-2000 (mm/ década). Círculos d ) P r e c i p i ta ç ã o Tota l - S O N com contornos grossos indicam significância estatística do Teste Mann-Kendal ao nível de 80 5ºN 5ºN significância de 0.05 (Obregon e Marengo, 2007). 0º 0º 40 40 10ºS 0 15ºS 20ºS -20 25ºS -40 20 10ºS 15ºS 0 mm/Década 20 mm/Década 5ºS 5ºS 20ºS 25ºS -20 30ºS 30ºS -80 70ºW 65ºW 60aºW55ºW 50ºW45ºW 40ºW 35ºW 70ºW 65ºW 60aºW55ºW 50ºW45ºW 40ºW 35ºW -40 Fig. 14. Tendência da precipitação total sazonal (1951-2000) em mm/ década (Obregon e Fig. 2.14. Tendência da precipitação total sazonal (1951-2000) em mm/década (Obregon e Marengo, 2007). Marengo, 2007) F i g . 2 .14c 2 . 2 . 2 temperatura b) P reci pita ç ã o Tota l - J J A 5ºN 40 0º 5ºS 0 10ºS 15ºS -20 mm/Década 20 20ºS -40 recipitação total sazonal (1951-2000) em mm/ década (Obregon e 25ºS -60 30ºS A América do Sul possui a maior parte do seu território o clima. Mudanças no uso da terra frequentemente alteram localizado em áreas tropicais e subtropicais. Mudanças sa- a emissão de gases de efeito estufa que levam a mudanças zonais em padrões de temperatura em regiões tropicais climáticas e indiretamente influenciam a temperatura lo- são primariamente controladas por alterações da massa cal (Bonan, 2008; Macedo et al., 2008; Searchinger, 2008; de ar dominante que induz variações em nebulosidade e Giorgescu et al., 2009, 2011; Loarie et al., 2011). A queima consequentes mudanças nos balanços de energia (e.g., Mc- de biomassa vegetal e consequente emissão de aerossóis Gregor & Nieuwolt, 1998), enquanto nas regiões subtropic- podem ter um efeito significativo na temperatura da super- ais estas mudanças são devidas principalmente à passagem fície devido à absorção e reflexão da radiação solar pelos de ciclones extratropicais (frentes frias), que não apenas aerossóis e pela aumentada cobertura de nuvens induzida provocam mudança de nebulosidade, mas também a alte- por eles, conforme foi demonstrado por Davidi et al. (2009) ração da massa de ar dominante (de tropical para polar). para a estação seca na Amazônia. Mudanças na cobertura do solo também contribuem para A avaliação acurada de tendências de temperatura na variações regionais de temperatura. Por exemplo, alterações América do Sul em escala decenal a multidecenal está bas- Fig. 14. Tendência da precipitação total sazonal (1951-2000) em mm/ década (Obregon e a evapotranspiração e o albedo, influenciando diretamente Marengo, 2007) tante limitada pela disponibilidade de dados e sua distri- -80 70ºW 65ºW 60aºW55ºW 50ºW45ºW 40ºW 35ºW das vegetações nativas por agricultura ou pastagem alteram 66 Painel brasileiro de mudanças climáticas buição espacial não homogênea. Além disso, o controle de Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 67 qualidade de dados e os métodos de medidas aumentam o verão. Os autores também chamam atenção ao fato entre esses aumentos e mudanças na temperatura da Mais recentemente, Obregon e Marengo (2007) apre- as incertezas nas avaliações de tendências. Estas limita- de que a frequência maior de eventos El Niño durante superfície do mar (TSM). Fenômenos como El Nino/Os- sentaram uma análise observacional das tendências da tem- ções são ainda mais críticas em regiões tropicais como a os últimos 20 anos da análise (i.e., 1982-2002), com- cilação Sul (ENOS) têm um papel crítico para o controle peratura no período 1961-2000 (Figura 2.15), que aponta Amazônia e o Pantanal Matogrossense, sobre os quais a parativamente ao período anterior (1960-1980), poderia de nebulosidade e temperatura, com sinal significativo no para uma predominância de aumento das temperaturas mé- escassez de dados é um problema que persiste até hoje ter exercido um papel não desprezível na ocorrência de Sul do Brasil e Argentina (Barros et al. 2002; Rusticucci et dias, máximas e mínimas, tanto para valores anuais como sa- (e.g., Vincent et al., 2005). Devido a estas limitações, temperaturas mais altas e na tendência de extremos. al. 2003). Estudos numéricos têm mostrado a importân- zonais, com alguns casos de tendências negativas. A máxima existem relativamente poucas publicações com dados Foram usados índices de temperaturas extremas us- cia do Atlântico no controle da precipitação e circulação tendência observada das temperaturas médias anuais foi de históricos sobre mudanças de temperatura, incluindo ex- ando limites pré-determinados de temperaturas máxi- da América do Sul (e.g., Robertson et al., 2003). Porém, 0,6ºC/década, numa localidade do Nordeste. Para as tem- tremos, na América do Sul. mas e mínimas, com a finalidade de detectar dias frios estudos observacionais necessitam ser ampliados para peraturas máximas anuais, a máxima tendência observada Tendências nas temperaturas médias, desvios-padrão e quentes. O estudo mostrou que a frequência de dias compreender as implicações das anomalias globais de foi de 0,6ºC/década, enquanto para as temperaturas míni- e extremos foram avaliadas para o verão (dezembro-fever- considerados quentes, segundo estes índices, aumentou TSM na temperatura da superfície sobre o continente. É mas anuais foi de 1,4ºC/década. Por outro lado, Salati et al. eiro) e inverno (junho-agosto) entre 1959-98 sobre a Ar- durante o verão e o inverno, especialmente durante as importante destacar que Vincent et al. (2005) não anal- (2007) fizeram uma análise de diferenças de temperaturas gentina (Rusticucci e Barrucand 2004). Os autores mostr- duas últimas décadas da análise. As tendências positivas isaram estações sobre os países do norte da América do médias, máximas e mínimas anuais, entre diferentes perío- aram uma tendência negativa no número de noites frias e observadas nas temperaturas mínimas e nos dias mais Sul (Venezuela, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana e Su- dos de tempo (1991-2004 e 1961-1990), para as diferentes dias quentes, enquanto que o número de noites quentes e quentes durante o inverno ocorreram mesmo durante riname). Além disso, há uma grande escassez de estações regiões do Brasil. As diferenças foram positivas, variando de dias frios aumentou em várias localidades, sobretudo du- anos em que se observaram eventos extremos frios (ou em uma grande extensão da área tropical brasileira, a qual 1,5°C, para a temperatura mínima na Região Norte, a 0,3°C, rante o verão. Quintana-Gomez (1999) analisou tendên- friagens), como 1975, 1994 e 2000. inclui a Amazônia, o Centro-Oeste e Nordeste do Brasil. para a temperatura máxima da Região Sul. 1918-1990 e mostrou evidência de que houve um aumento examinaram tendências em diversos índices de tempera- sistemático das temperaturas mínimas e decréscimo na tura entre 1960-2000. Nesse estudo, foram utilizados amplitude do ciclo diurno com uma taxa acelerada, par- dados disponíveis de temperatura obtidos de estações ticularmente nos últimos 25 anos da análise. sobre a América do Sul, após serem submetidos a um Sobre o Brasil, vários estudos foram feitos para diferen- F i g. 2 .15 a Te m p e r at u r a m é d i a a n u a l forte controle de qualidade, tendo sido utilizados dados Temperatura Média - Anual tes regiões. Para a Amazônia, Marengo (2003) encontrou de temperatura diária de 68 estações. Esses resultados 5ºN5ºN uma tendência de aquecimento de 0,85ºC (em 100 anos) indicaram que não existem mudanças consistentes nos 0º 0º estimada até 2002. Marengo e Camargo (2008) investiga- índices que estão baseados em temperaturas máximas ram tendências na temperatura mínima e máxima e na am- diárias, enquanto tendências significativas foram encon- plitude térmica diurna e derivaram índices para temperatu- tradas nos índices baseados em temperaturas mínimas ras extremas entre 1960-2000 nos estados do sul do Brasil diárias. Concluíram ainda que há tendência significa- (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Verificaram tiva de aumento na porcentagem das noites quentes e que a maior parte das estações meteorológicas mostra um tendência de diminuição na porcentagem das noites frias 20ºS 20ºS acentuado aumento nas temperaturas noturnas (inferidas em grande parte das estações, sobretudo no verão (DJF) 25ºS 25ºS pelas temperaturas mínimas), comparativamente a um e outono (MAM). O aumento de temperatura noturna ligeiro aumento das temperaturas diurnas (inferidas pelas resulta em uma diminuição da amplitude diurna da tem- temperaturas máximas) durante todo o ano. Como conse- peratura. Uma observação relevante é que as estações quência, tem havido um decréscimo na amplitude térmica com tendências significativas estão localizadas, na sua diurna no período analisado. As tendências de aquecimen- maioria, próximas às costas oeste e leste da América do to foram mais fortes no inverno comparativamente com Sul, o que sugere a importância de compreender relações 0.6 0.6 5ºS5ºS 0.4 0.4 10ºS 10ºS 0.2 0.2 15ºS 15ºS Cº/Década Em um estudo mais abrangente, Vincent et al. (2005) ºC/Década cias de temperatura na Venezuela e na Colômbia entre 00 -0.2 -0.2 30ºS 30ºS 70ºW 65ºW 65ºW 60aºW55ºW 60ºW 55ºW 50ºW45ºW 50ºW 45ºW 40ºW 40ºW 35ºW 35ºW 70ºW -0.4 -0.4 Temperatura Máxima - Anual 5ºN 0.6 0º 68 Painel brasileiro de mudanças climáticas 10ºS 15ºS 0.4 Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 69 0.2 ºC/Década 5ºS 0.2 0.6 15ºS 0º 0 0.4 20ºS 5ºS 25ºS 10ºS -0.2 0.2 ºC/Década F i g . 2 .15b 30ºS 15ºS 20ºS 25ºS ºC/Década 5ºN 70ºW 65ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW -0.4 0 Tem per atu r a má xima a n ua l Temperatura Máxima - Anual 5ºN 5ºN 30ºS -0.2 0.6 0.6 0º 0º -0.4 5ºS 5ºS Temperatura Máxima - Anual 5ºN 0.6 0.2 0.2 ºC/Década 15ºS15ºS 0º 20ºS20ºS 5ºS 0.4 0 0 25ºS25ºS 10ºS 30ºS30ºS 15ºS 25ºS ºC/Década 70ºW65ºW 65ºW60ºW55ºW50ºW45ºW40ºW35ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW 70ºW F i g . 2 .15c 0º 5ºS Tem per atu r a mín ima a n ua l Temperatura Mínima - Anual 5ºN10ºS 5ºN cional para diagnosticar o efeito da plantação de cana-de- Amazônia e sobre o extremo oeste de Minas Gerais, com açúcar no clima regional. Nesse estudo, foi mostrado que, valores significativos de até -0,4ºC/década. No restante do em condições de céu claro e durante o dia, a conversão Brasil, com exceção do norte do Rio Grande do Sul e norte de vegetação natural de cerrado para uma mistura de agri- de São Paulo, onde as tendências são mínimas, os valores cultura e pasto aquece o cerrado em média 1,55ºC (varia- são positivos e significativos com valores entre +0,3ºC/ ção entre 1,45-1,65ºC). Uma subsequente conversão para década e +0,4ºC/década (~1,2 a 1,6ºC em 40 anos), cana-de-açúcar esfria a região em uma média de 0,93ºC na maioria dos casos. O valor extremo positivo é obser- (variação entre 0,78-1,07ºC), resultando em um aumento vado em Pesqueira (Nordeste), com valor aproximado de líquido de aproximadamente 0,6ºC. Estes efeitos combina- +0,6ºC/década (Figura 2.15, esquerda). Sobre a maior par- dos de modificação do uso da terra e queima de biomassa te das regiões com informação, observa-se um incremento podem contribuir para a existência de padrões espaçotem- da temperatura máxima média anual (Figura 2.15, centro), porais complexos nas tendências das temperaturas e seus com valores até de 0,6ºC/década (~2,5ºC/40 anos), que extremos em regiões tropicais. pontos isolados sobre a Amazônia e sobre o Sudeste, com que são as paisagens mais alteradas em relação aos ecos- valores negativos significativos em torno de -0,2ºC/década sistemas e processos naturais. A elevação das temperatu- a -0,3ºC/década (entre -0,8 a -1,2 ºC/40 anos). Valores pos- ras em grandes cidades é geralmente explicada em termos itivos de tendências da temperatura mínima média anual dos processos básicos de balanço de energia na superfície, 1 (Figura 2.15, direita) são observados sobre todas as regiões como trocas de radiação de onda curta e de onda longa e 1.4 1.4 do Brasil. Os valores máximos são observados sobre o es- fluxos de calor sensível e calor latente (Blake et al., 2011). tado de Tocantins, com valor de +1,4ºC/década. Valores Em relação à radiação de onda curta (ou radiação solar), não significativos são observados somente sobre parte do o albedo (ou refletividade) das cidades é muito menor extremo noroeste da Amazônia, Rio de Janeiro e leste do que as superfícies naturais, devido às diferentes cobertu- Rio Grande do Sul. ras (por ex., asfalto escuro, coberturas de edifícios, etc.) e 1.2 0º15ºS 0º 1.2 1.2 0.6 1 0.8 0.8 ºC/Década 0.4 10ºS25ºS 10ºS dia anual mostra valores negativos sobre a parte norte da peratura são especialmente fortes em centros urbanos, 0.8 5ºS20ºS 5ºS Loarie et al. (2011) desenvolveram um estudo observa- Brasil, com exceção da região Sul. Também se observam -0.2 1.4 70ºW 65ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW (2007), a distribuição das tendências da temperatura mé- Os efeitos da mudança de uso da terra sobre a tem- Temperatura Mínima - Anual 5ºN 30ºS em alterações importantes na temperatura. Por exemplo, são significativos estatisticamente sobre grande parte do 0 ºC/Década 20ºS 0.2 -0.2 -0.2 Cº/Década 10ºS10ºS 0.4 0.4 Cº/Década 70ºW 65ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW De acordo com o estudo de Obregon e Marengo A Amazônia, o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil aprisionamento de radiação nos “canyons” urbanos. Isto estão sob influência do sistema de monções da América produz eficiente absorção de radiação de onda curta. Os do Sul (SMAS) (e.g, Marengo et al., 2010b). Variações na profundos “canyons” urbanos resultam em reduzida visão nebulosidade e precipitação associadas com variações e do céu ao nível das ruas, dificultando processos radiativos mudanças no SMAS podem ter um papel na temperatura de resfriamento por radiação de onda longa. Além disso, que é desconhecido. Além disso, durante a estação seca, a geometria urbana vertical impacta os ventos, geralmente o aumento de aerossóis de queimadas pode resultar em reduzindo ventilação e resfriamento por calor sensível. A um resfriamento próximo à superfície (1000 hPa) devido a substituição de solo e vegetação natural por superfícies efeitos radiativos, mas um aquecimento em 850 hPa (no impermeáveis leva à redução da evapotranspiração e do (2.15.b) e temperatura mínima média anual (2.15.c), em °C/década. Círculos com contornos grossos indicam topo da camada limite) devido ao efeito de absorção (Da- resfriamento por calor latente. As densas superfícies imper- significância estatística do Teste Mann-Kendal ao nível de significância de 0.05 (Obregon e Marengo, 2007). vidi et al., 2009). Mudanças de uso da terra podem resultar meáveis com alta capacidade calorífica criam significativas 0.2 15ºS30ºS 15ºS 20ºS 20ºS 0.6 0.6 0 70ºW 65ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW 0.4 0.4 25ºS 25ºS 0.2 0.2 30ºS 30ºS 70ºW 65ºW60ºW55ºW50ºW45ºW40ºW35ºW 60ºW 55ºW 50ºW 45ºW 40ºW 35ºW 70ºW 65ºW 0 Fig. 2.15. Tendência (período 1961-2000) da temperatura média anual (2.15.a), temperatura máxima média anual 70 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 71 mudanças no tempo de armazenamento e liberação de calor, períodos anteriores, e resfriamento é observado em parte relacionada com a maior extensão geográfica da América do Goiás e Tocantins na última década (i.e., entre 2000 e 2009), se comparado às superfícies de solo e vegetação naturais. A da região subtropical (60°-20°S, 75°-50°W) (Figura 2.16). Os Sul em latitudes tropicais. A diminuição das áreas com T=18ºC comparativamente com períodos anteriores. A migração da alta densidade populacional e a atividade econômica em áreas resultados indicam que as variações de temperatura não são sobre o continente em DJF, comparativamente a outubro e isoterma T=15ºC em direção às mais altas latitudes sobre o urbanas produzem intensa liberação de calor antropogênico predominantemente produzidas por ENOS, mas por outra novembro (Figura 2.17), deve-se ao papel do aumento de Atlântico tropical (Figura 2.17b,d,f) está provavelmente as- em pequenas escalas espaciais (sistemas de aquecimento e variabilidade natural (como a oscilação interdecenal PDO/ nebulosidade e diminuição da radiação solar direta no pico da sociada com a tendência de aumento de TSM nesta região refrigeração, meios de transporte, uso de energia residencial IPO) e/ou pode ser antropogênica. monção de verão sobre a temperatura em baixos níveis. Carv- do Atlântico em décadas recentes (e.g., Seager et al., 2010). e comercial). A emissão de calor antropogênico tem sido bem Em estudo recente, Carvalho et al. (2011b) também alho et al. (2011b) mostraram que o aumento de temperatura Estas mudanças na temperatura dos baixos níveis têm papel documentada e pesquisada em países desenvolvidos como utilizaram dados da reanálise NCEP/NCAR para investigar não é uniforme sobre as áreas tropicais. Existem evidências importante para os contrastes oceano-atmosfera e para o de- um fator importante, causando o fenômeno de ilha de calor mudanças no sistema de monções da América do Sul e ex- de que o aquecimento está sendo mais pronunciado sobre senvolvimento e manutenção do sistema de monções. urbana (Ohashi et al., 2007). Blake et al. (2011) analisaram da- aminaram o aquecimento de baixos níveis (850hPa). Foram dos climáticos de longo período para 12 grandes cidades sobre utilizados dados médios em 5 dias no período que se estende o globo. Destas, 10 apresentaram tendências de aquecimento, entre 1948-2009 e com resolução espacial de 2,5º latitude por 14.6 sendo que em 7 delas esta tendência é significativa. No século 2,5º longitude. O nível de 850 hPa foi escolhido por se tratar 14.5 passado, entre todas elas, a maior tendência de aquecimento de um nível próximo à superfície (em torno de 1460 m de 14.4 ocorreu em São Paulo (+0,27ºC/década). O aquecimento de altitude), mas que se encontra acima da topografia média 14.3 São Paulo foi maior no inverno do que no verão. sobre áreas tropicais da América do Sul (com exceção dos 14.2 Apesar de alguns estudos indicarem que há discrepâncias Andes). Esse estudo examinou a variação interanual das áreas 14.1 entre dados de reanálises do National Centers for Environ- com T≥18ºC e T≤15ºC. Temperaturas maiores ou iguais a 14.0 mental Predictions/National Center for Atmospheric Research 18ºC em 850 hPa são observadas sobre áreas continentais 13.9 NCEP/NCAR (Kalnay et al., 1996), devidas a diversas razões, durante todo o ano. Portanto, o monitoramento de áreas com como mudanças nos sistemas de observações, problemas T≥18ºC pode ser utilizado como uma aproximação para in- do modelo em representar bem a topografia real, processos ferir o aquecimento em baixos níveis sobre áreas de terra, em de convecção e precipitação, processos de superfície, etc. contraste com áreas oceânicas. Por outro lado, temperaturas (Kalnay e Cai 2003; Cai e Kalnay, 2005; Rusticucci e Kousky, inferiores a 15ºC em 850 hPa são observadas em latitudes 2002; Nuñez et al. 2008), o uso de dados de reanálise per- subtropicais e sobre os oceanos. Portanto, o monitoramento mite estudos espacialmente mais abrangentes, com dados da evolução de áreas com este limiar representa o efeito de homogeneamente distribuídos. Por exemplo, Collins et al. aquecimento ou resfriamento sobre os oceanos. A Figura 2.17 (2009) investigaram a variação da temperatura do ar a 2 mostra a evolução dos limiares T=18ºC e T=15ºC a cada 5 23.8 12.7 m da superfície na América do Sul, usando dados dessa re- anos, iniciando em 1948 para os meses de outubro (Figura 23.6 12.5 análise, entre 1948 e 2007. No verão austral (DJF), a maior 2.17a,b), novembro (Figura 2.17c,d), dezembro (Figura 2.17e,f) 23.4 parte do continente tem temperatura entre 21ºC e 24ºC du- e janeiro (Figura 7g,h). Em meses de inverno (maio-julho), rante 1948-1975, mas para 1976-2007 a temperatura média áreas com T≥18ºC migram para a América do Norte acom- 72 Painel brasileiro de mudanças climáticas 2003 1998 1993 1988 1983 1978 1973 1968 1963 1958 1953 1948 2003 1998 1993 1988 1983 1978 1973 1968 1963 1958 1953 1948 13.1 24.0 12.9 12.3 12.1 23.2 11.9 23.0 11.7 22.8 2003 1998 1993 1988 1983 1978 1973 1968 1963 1958 1953 1948 11.5 2003 trópicos e extratrópicos. Esta expansão está, em grande parte, 13.3 24.2 1998 no Nordeste e sobre o Atlântico Norte, em comparação a Whole SA 1993 do Brasil nos últimos 60 anos do que em direção aos sub- Global 1988 aquecimento na região tropical do continente, especialmente 18.0 1983 tem se expandido muito mais em direção ao equador e leste 13.6 1978 mais quentes. Nos últimos 7 anos (2001-2007), houve maior 18.2 13.7 1973 o aquecimento em baixos níveis da atmosfera durante o verão 13.8 1968 recente, indicando que o Nordeste e o Centro do Brasil estão 18.4 1963 Sul em agosto. Os resultados destes estudos evidenciam que 18.6 1958 na região tropical (20°S-10°N, 80°-35°W) no período mais 18.8 1953 panhando o ciclo sazonal solar, retornando para a América do 19.0 1948 está acima de 24ºC. No inverno (JJA), a temperatura cresceu F i g. 2 .16 SSA Fig. 2.16. Evolução da temperatura média anual 2 m acima da superfície no período 1948-2007, em todo o globo e toda a América do Sul (painéis superiores) e na América do Sul tropical (TSA: 20°S-10°N; 80°-35°W) e na América do Sul subtropical (SSA: 60°-20°S; 75°-50°W) (painéis inferiores) (Fonte: Collins et al., 2009). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 73 F i g . 2 .17a F i g. 2 .17 c 5-yr aver ag e T > = 1 8. 0 C ( 85 0hPa ) : O c t 5 - y r av e r a g e T > = 1 8 . 0 C ( 8 5 0 h Pa ) : N o v 20 20 0 0 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -20 -40 -60 -20 -40 -60 -80 -60-40 -20 F i g . 2 .17b 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -80 -60-40 -20 F i g. 2 .17 d 5-yr aver ag e T = 1 5 . 0 C ( 85 0hPa ) : O c t 5 - y r av e r a g e T = 1 5 . 0 C ( 8 5 0 h Pa ) : N o v 20 20 0 0 -20 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -40 -60 -80 -60-40 -20 74 Painel brasileiro de mudanças climáticas -20 -40 -60 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -80 -60-40 -20 Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 75 F i g . 2 .17e 5-yr aver ag e T > = 1 8. 0 C ( 85 0hPa ) : O c t 20 0 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -20 -40 -60 -80 -60-40 -20 A Figura 2.18 mostra a evolução temporal das áreas com 1997 e em outubro existe uma mudança de regime em temperaturas maiores que 18ºC que interceptam a América 2001. Um grande número de estudos tem discutido a ocor- do Sul em setembro, outubro e novembro (adaptado de rência de mudança rápida (shift) no clima global em mea- Carvalho et al., 2011b), com respectivas tendências lineares dos e fim dos anos 70 (Zhang et al., 1998; Deser et al., 2004; (todas significativas ao nível de 5%). Mudanças de regime Deser e Phillips, 2006). Existem fortes evidências de que a da média (shifts) foram testadas para as séries temporais transição do clima nos anos 70 esteve associada a mudan- mostradas na Figura 2.18, de acordo com o método descrito ças na TSM dos oceanos Pacífico e Índico, e existe evidência em Rodionov (2004). Este método está baseado em um substancial de que estes oceanos têm sofrido aquecimento processamento sequencial de dados pelo qual são testa- desde 1977, com impactos globais. Mais estudos precisam das diferenças na média entre dois segmentos de dados de ser feitos para compreender as mudanças de regime obser- comprimento L. Diferentes valores de L foram utilizados. vadas nas áreas com T≥18ºC no final dos anos 90 e início Mostra-se que para 8≤L≤10 existe uma mudança de regime dos anos 2000, assim como a influência da variabilidade interdecenal sobre a temperatura América do Fig.17. Evolução média da isoterma T=18oCclimática (coluna da esquerda) e T=15oCna(coluna da Sul (Barros et al., 2006; Pereira Filho et al., 2007). Paradireita) o mês deem setembro, a mudança de regime ocorre em 850hPa para Outubro (a,b), Novembro (c,d), Dezembro (e,f), Janeiro (g,h). As cores representam períodos distintos. Os intervalos a cada 5 anos estão indicados na própria figura. Adaptado de Carvalho et al. (2011). para as áreas com T≥18ºC em novembro entre 1976 e 1977. F i g. 2 .18 F i g . 2 .17f A r e a 1 8 º C 8 5 0 h Pa ( k m 2 ) 5-yr aver ag e T = 1 5 . 0 C ( 85 0hPa ) : O c t September October 2.50E+07 November 20 2.00E+07 Area September =12278x-2E+08 R2=0.302 0 1.50E+07 Area October =14475T-3E+08 R2=0.458 -20 1948 - 1952 1953 - 1957 1958 - 1962 1963 - 1967 1968 - 1972 1973 - 1977 1978 - 1982 1983 - 1987 1993 - 1997 1998 - 2002 2003 - 2006 2007 - 2010 -40 -60 1.00E+07 5.00E+06 Area November =12251T-2E+08 R2=0.458 0.00E+00 -80 -60-40 -20 Fig.2.17. Evolução média da isoterma T=18oC (coluna da esquerda) e T=15oC (coluna da direita) em 850hPa para outubro (a,b), novembro (c,d), dezembro (e,f) e janeiro (g,h). As cores representam períodos distintos. Os intervalos a cada 5 anos estão 194019501970198019902000200020102020 Fig. 18. Evolução temporal da área com temperaturas ≥ 18oC em 850hPa sobre a América do Fig. 2.18. Evolução temporal da área com temperaturas ≥ 18oC em 850hPa sobre a América do Sul (1948-2009). Tendências lineares estão Sul (1948-2009). Tendências lineares estão indicadas na figura (adaptado de Carvalho et al. indicadas na figura (adaptado de Carvalho et al. 2011). 2011). indicados na própria figura. Adaptado de Carvalho et al. (2011). 10.0 8.0 6.0 4.0 ºC 76 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 77 2.2.3 eventos e x tremos Outros casos de precipitação extrema ocorrem em anos total anual devida a dias com precipitação que excedem neutros com relação ao ENOS, e podem ser associados a o percentil 95), R10 (número de dias com precipitação ≥ Eventos extremos de precipitação são relacionados com in- sim como ondas de calor que são prejudiciais à saúde, são outras forçantes, como variabilidade intrasazonal, telecon- 10 mm), CDD (número de dias consecutivos sem chuva), undações, enchentes, deslizamento de morros, que causam eventos extremos relacionados com temperatura. Casos exões, intensificação de sistemas sinóticos, situações de SPI (anomalias de precipitação normalizadas pelo desvio destruição em cidades e lavouras, perdas de vidas, afetando de enchentes, deslizamentos e secas têm ocorrido com bloqueio, sistemas de mesoescala. Alguns exemplos: a seca padrão). Observações em estações de superfície de 1960 vários setores da sociedade. Em uma escala de tempo maior maior frequência em várias regiões do Brasil. A frequência nas regiões Central e Sudeste do Brasil, em 2000/2001 (Cav- a 2000 mostram que houve tendência positiva em casos (mensal ou sazonal), as secas ou excesso de precipitação e intensidade de eventos extremos é afetada pela variabili- alcanti e Kousky, 2004), a qual provocou uma crise energé- extremos de precipitação mostrados por índices, no Sul e também afetam a sociedade e a economia do país, pelas dade natural climática (e.g., Grimm e Tedeschi, 2009), mas tica no Brasil; a intensa precipitação na Bacia do Prata em Sudeste do Brasil, enquanto no Nordeste do Brasil a tendên- perdas agrícolas ou pela redução de recursos hídricos, que poderia também ser afetada por mudanças climáticas em 2001/2002 e 2002/2003 (Silva e Berbery, 2006), e a seca cia foi negativa (Haylock et al., 2006). Tendências positivas influi na geração de energia. Casos de intensas incursões um sistema terrestre global modificado pela ação de gases prolongada na Amazônia em 2005 (Marengo et al., 2008). no número de casos no Sul e Sudeste do Brasil também de ar frio, que causam geadas e afetam a agricultura, as- antropogênicos (Trenberth et al., 2003). Outro caso recente de seca na Amazônia foi registrado em foram registradas por Marengo et al. (2010a), Penalba e 2010 (Marengo et al., 2011). O evento Catarina, considerado Robledo (2010), Rusticucci et al. (2010). Contudo, Lacerda um sistema híbrido tropical-extratropical, estudado por Pe- et al. (2010) mostram que na década de 2000 ocorreram zza e Simmonds (2005), embora não tenha causado intensa recordes históricos de totais diários de chuva no estado de 2 . 2 . 3 .1 eventos e x tremos de precipitação As Regiões Sul e Sudeste do Brasil são altamente vul- que há ocorrência da ZCAS, a qual permanece por vários precipitação, foi acompanhado por ventos intensos que cau- Pernambuco, especificamente nas bacias hidrográficas do neráveis com relação a eventos extremos de precipitação, dias sobre o Sudeste do Brasil. A maioria dos eventos ex- saram sérios prejuízos na região afetada. Una e do Mundaú. Estudos realizados para o período 1965- devido à alta concentração demográfica e por estarem tremos diários nesse estado foi associada a intensa ZCAS Fatores locais, como a topografia e a proximidade da 2005 por Lacerda et al. (2009), na microrregião do Pajeú, sujeitas à ação de sistemas meteorológicos que podem em Carvalho et al. (2002). Na região Sudeste do Brasil, costa, intensificam a precipitação nas áreas costeiras, o que no Sertão de Pernambuco, mostraram que há aumento dos causar intensa precipitação. A ocorrência de secas nessas 53% dos eventos extremos no período de novembro a influi nos extremos dessas regiões, principalmente sob a dias secos, da duração média dos veranicos e dos máximos regiões também é um fator importante, considerando que março ocorreram na presença de frentes frias e 47% foram ação de sistemas sinóticos. Casos extremos na Serra do veranicos. Os veranicos são definidos como um número de a maior usina hidrelétrica do país se encontra na Região associados à ZCAS (Lima et al., 2009). Mar no verão de 1983 e no outono de 2005, associados dias consecutivos sem chuva, considerando todos os valores Sul. Secas recorrentes no Nordeste do Brasil afetam con- A influência do El Nino-Oscilação Sul (ENOS) na precipi- a sistemas convectivos embebidos em sistemas frontais, da série menores ou iguais a 5 mm. Santos e Brito (2007) stantemente a subsistência nessa região; por outro lado, tação do Brasil é bem conhecida, com excesso de precipita- tiveram contribuição da topografia e da brisa marítima usaram índices de extremos climáticos propostos pelo IPCC casos de precipitações excessivas em alguns anos provo- ção na Região Sul e secas na Região Nordeste em El Niño e (Vasconcellos e Cavalcanti, 2010a). Teleconexões e modos AR4 para diagnosticar o aumento do número de dias com cam alagamentos e destruição. A região Amazônica tem oposto em anos La Niña (Kousky et al., 1984; Grimm, 2003; de variabilidade no Hemisfério Sul têm influência na pre- chuva e número de dias muito úmidos e aumento das experimentado situações de secas prolongadas na primei- 2004). A influência do ENOS também é notada com relação cipitação sobre o Brasil. O modo anular do Hemisfério Sul chuvas superiores a 50 mm nos estados do Rio Grande do ra década do século XXI, as quais têm um impacto grande aos eventos extremos de precipitação, como mostrado em ou Oscilação Antártica e o padrão Pacific-South America Norte e Paraíba, utilizando série histórica com 65 anos de na vazão dos rios, prejudicando o sistema de transporte Grimm e Tedeschi (2009), para cada mês dentro do ciclo (PSA) foram identificados como padrões dominantes em dados observacionais. Essas tendências devem ser alvo de fluvial, altamente necessário na região. ENOS. Em novembro do ano em que o El Nino se inicia, há casos extremos de verões chuvosos e secos no Sudeste do investigação mais profunda e detalhada, pois podem estar Os casos de precipitação intensa no Sudeste do Brasil registro de mais casos extremos de precipitação no Sul do Brasil, quando também ocorreu o dipolo de precipitação associadas a variações das anomalias de TSM nos oceanos têm sido relacionados com a ação de sistemas sinóticos, Brasil e menos casos na Região Centro-Leste (que inclui a entre o Sudeste do Brasil e a Argentina (Vasconcellos e Atlântico e Pacífico tropical, que podem explicar grande par- como sistemas frontais (Lima et al., 2009; Vasconcellos e maior parte do Sudeste). Em janeiro esse padrão se inverte, Cavalcanti, 2010b). Alterações produzidas na superfície em te da variabilidade climática observada na Região Nordeste. Cavalcanti, 2010a) e a Zona de Convergência do Atlântico propiciando mais casos na Região Centro-Leste. O mesmo grandes centros urbanos podem também alterar padrões Santos e Brito (2007) demonstraram que há forte correlação Sul (ZCAS) (Carvalho et al., 2002; Lima et al., 2009). No ocorre nos casos de La Niña, mas com sinais opostos. Alta de precipitação, embora o impacto de centros urbanos so- dos dias consecutivos secos com a dinâmica da vegetação Estado de São Paulo, onde têm ocorrido muitos casos de correlação de casos extremos de precipitação no Estado de bre a precipitação não seja tão bem estabelecido como o do bioma Caatinga, que é mais influenciada pela ocorrên- enchentes, alagamentos e deslizamentos de encostas, a São Paulo, com a TSM do Oceano Pacífico Central e Leste, impacto sobre a temperatura (Blake et al., 2011). cia de extremos de precipitação e de veranicos do que a maioria dos casos extremos de precipitação é registrada de foi encontrada também por Liebmann et al. (2001) durante outubro a março (Liebmann et al., 2001). É nessa época o período de outubro a março. 78 Painel brasileiro de mudanças climáticas Alguns índices têm sido usados para análises de ex- dinâmica da vegetação típica do setor leste do Nordeste, que tremos de precipitação, como R95t (fração da precipitação é composto, predominantemente, pela Mata Atlântica. Silva Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 79 Fig.17. Evolução média da isoterma T=18oC (coluna da esquerda) e T=15oC (coluna da direita) em 850hPa para Outubro (a,b), Novembro (c,d), Dezembro (e,f), Janeiro (g,h). As cores representam períodos distintos. Os intervalos a cada 5 anos estão indicados na própria figura. Adaptado de Carvalho et al. (2011). e Azevedo (2008) mostraram, para o município de Irecê, na Tal como no caso das precipitações totais mensais, sa- por Barros et al. (2002), que verificaram também o com- Uma análise da média de alguns índices de temperatura Bahia, que houve diminuição no total anual de precipitação zonais ou anuais, também as “tendências” de eventos extre- portamento oposto durante inverno de anos La Niña. para várias localidades da América do Sul indicou tendên- e aumento na intensidade das chuvas maiores que 20 mm, mos dependem dos períodos analisados. Análises com dados de estações no Rio Grande do Sul, cias maiores para o número de noites frias, noites quentes no período de 36 anos estudados. Ressalte-se que os estu- Eventos extremos de precipitação estão geralmente as- para o período de 1913 a 2006, indicaram tendência de e amplitude diurna, enquanto dias frios e dias quentes não dos citados acima utilizaram o método proposto por Frich et sociados a descargas atmosféricas. Embora a atividade de aumento das temperaturas mínimas e diminuição das apresentaram tendências (Vincent et al., 2005). Na média al. (2002), para obtenção dos índices climáticos extremos, e descargas atmosféricas seja resultado de processos microfísi- temperaturas máximas (Sansigolo e Kayano, 2010). Em das estações, para o período de 1960 a 2000, houve uma que esta mesma metodologia foi utilizada para elaboração cos e termodinâmicos essencialmente não lineares, ocor- uma escala decenal, as temperaturas mínimas mais tendência negativa no número de noites frias e tendências dos mesmos índices citados no relatório do IPCC AR4. No rendo em toda a troposfera e dependentes de inúmeros baixas no Rio Grande do Sul ocorreram nos anos 1920, positivas no número de noites quentes. O mesmo com- entanto, estudos recentes mostram a variabilidade interanu- parâmetros meteorológicos, é bem estabelecido na litera- e as mais altas nos anos 1990. As temperaturas máximas portamento foi observado nas análises realizadas por Alex- al de eventos secos e úmidos em toda a parte sul-sudeste da tura científica que os raios são sensíveis às variações de tem- mais baixas no verão foram registradas nos anos 1970 e ander et al. (2006) para o sudeste da América do Sul, no América do Sul, podendo estar associados a variabilidade de peratura em diversas escalas (Williams, 1992, 1994, 1999, as mais altas, na década de 1940 (Sansigolo and Kayano período de 1951 a 2003. Renom et al. (2010) encontraram TSM do Atlântico Subtropical (Muza et al., 2009). 2005; Price, 1993; Markson e Price, 1999; Reeve e Toumi, 2010). A temperatura mínima em Campinas (Figura associação significativa entre o número de noites frias no O aumento de casos extremos no Sul e Sudeste e a di- 1999; Price e Asfur, 2006b; Sekiguchi et al., 2006; Markson, 2.19) também exibe tendência positiva no período 1890- Uruguai e a fase negativa do modo anular do Hemisfério minuição no Nordeste em cada década no período de 1951 2007; Pinto Jr. e Pinto, 2008). Entretanto, atualmente não 2010 (Blain e Lulu, 2011). Nesta localidade, o período Sul no período de verão de 1949-1975, que não continuou a 2003 foram mostrados em Alexander et al. (2006). Contu- existem evidências de aumento na atividade global de raios compreendido entre 2001 e 2010 é o primeiro intervalo no período de 1976 a 2005. No inverno, a correlação entre do, Blain e Kayano (2011) não acharam significativas tendên- em resposta ao aquecimento global (Pinto Jr., 2009), em- de 10 anos (desde 1890) em que nenhum valor de o número de noites quentes e a TSM no Pacífico Tropical foi cias climáticas nas séries mensais do Índice Padronizado de bora existam evidências locais em centros urbanos (Pinto Jr. temperatura inferior a 3ºC foi observado. Antes desse alta durante o primeiro período e enfraqueceu no segundo. Precipitação de Campinas (SP) no longo período 1890-2007. e Pinto, 2008; Pinto Jr. et al., 2011) e evidências indicando período decenal, os maiores intervalos de tempo (anos Ondas de calor na região da Bacia do Rio da Prata foram Períodos de seca, assinalados pelo índice CDD (dias con- altas correlações entre a temperatura superficial do ar e a consecutivos) sem o registro de valores inferior a 3ºC relacionadas com forte subsidência na região, associadas secutivos sem chuva), apresentaram tendência negativa nas atividade de raios em intervalos curtos de tempo (Williams, ocorreram entre 1934 e 1941 e entre 1944 e 1950. à ZCAS intensificada ao norte (Cerne e Vera, 2010). regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil (Rusticucci et al., 2010). 2005; Price and Asfur, 2006a; Sekiguchi et al., 2006). gens. Ondas de calor também têm um impacto maior número de noites frias no Paraná e Santa Catarina, en- nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, onde as temperatu- quanto um pequeno aumento ocorreu no Rio Grande ras são mais amenas do que nas regiões Centro-Oeste do Sul (Marengo e Camargo, 2008). Menor frequência e Norte do país. de noites frias no Sul do Brasil ocorreu em invernos de Extremos de temperatura na América do Sul têm anos El Nino, comportamento também observado no sido estudados através de índices, os quais podem ser norte da Argentina por Rusticucci e Vargas (2005). O encontrados em Rusticucci e Barrucand (2004), Vincent aumento de temperatura em inverno de anos El Niño et al. (2005), Marengo e Camargo (2008), Rusticucci et no sudeste da América do Sul também foi reportado 80 Painel brasileiro de mudanças climáticas 2.0 2.0 0.0 0.0 -2.0 -2.0 Year 2000 2000 para o Sul do Brasil, foi observada uma diminuição no 1990 1990 gem o sul da Amazônia em casos conhecidos como fria- 4.0 4.0 1980 1980 rucand, 2004, Rusticucci e Renon, 2008). Em particular, 1970 1970 agrícolas nessas regiões, porém algumas incursões atin- 6.0 6.0 1960 1960 ca do Sul (Marengo e Camargo, 2008, Rusticucci e Bar- 1950 1950 inverno, muitas vezes há ocorrência de geadas e perdas 8.0 8.0 1940 1940 foram observadas em várias áreas do sudeste da Améri- 1930 1930 emente afetadas por incursões de massas de ar frio. No 10.0 10.0 1920 1920 na temperatura mínima e número de noites quentes 1910 1910 no Sul e Sudeste do Brasil, regiões que são frequent- 1900 1900 al. (2010), Marengo et al. (2010a). Tendências positivas 1890 1890 Mudanças nas temperaturas têm uma influência maior Cº ºC 2 . 2 . 3 . 2 eventos e x tremos de temperatura Fig. 18. Evolução temporal da área com temperaturas ≥ 18oC em 850hPa sobre a América do Sul (1948-2009). Tendências lineares estão indicadas na figura (adaptado de Carvalho et al. 2011). F i g. 2 .19 Ano Fig. 19. Dados anuais de temperatura mínima do ar em Campinas, SP, no período 1890-2010 (IAC/APTA/SAA-SP) Fig. 2.19. Dados anuais de temperatura mínima do ar em Campinas, SP, no período 1890-2010 (IAC/APTA/SAA-SP). Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 81 2.2.4 componentes de radiação e balanço de energia analisaram uma longa série de dados de fluxos coletados na partição de energia entre os fluxos de calor sensível e em dois sítios de pastagem e floresta em Rondônia, most- calor latente, resultantes de mudanças no uso ou cobertura Nas últimas décadas houve um enorme avanço no enten- pioneiras medições das condições microclimáticas próxi- rando diferenças marcantes entre os dois tipos de cober- da terra, podem ser esperados especialmente nas épocas de dimento de como a superfície terrestre interage com a at- mas à superfície na floresta Amazônica, durante um perío- tura vegetal. Os autores destacaram diferenças na radiação estação seca. Análises recentes dos resultados da rede de mosfera através de trocas de energia na forma de radiação do de 25 meses, na Reserva Ducke, próximo a Manaus, de onda curta (radiação solar) refletida, que aumentam torres do LBA (Rocha et al., 2009) mostram que as regiões e de calor sensível e latente. Estes avanços relacionam-se a AM. Medições adicionais do balanço de energia, incluindo aproximadamente 55% com a conversão de floresta para de floresta tropical com altas taxas de precipitação e estação desenvolvimentos tanto nas técnicas de modelagem como componentes de radiação, calor sensível e calor latente pastagem. O efeito combinado de maior albedo, com um seca curta têm taxas de evaporação tipicamente de 3 a 3,5 na crescente disponibilidade de equipamentos sofisticados (Shuttleworth et al., 1984a; 1984b; Shuttleworth, 1988; aumento de 4,7 % na emissão de radiação de onda longa, mm/dia e que a evaporação da estação seca pode ser até para estudar in situ os processos radiativos e a partição da Moore e Fisch, 1986), foram realizadas durante quatro resulta em uma redução do saldo de radiação na pastagem 10% maior do que na estação chuvosa. Já em áreas de Cer- energia disponível em fluxos de calor sensível e calor latente campanhas intensivas (Fisch et al., 2000). de até 13%, comparado à floresta primária. rado o padrão é inverso, e a evapotranspiração na estação (evapotranspiração) da superfície terrestre. Atualmente, os No início dos anos 1990, com o crescimento do in- Desmatamento de florestas ou possíveis mudanças da seca tende a diminuir em resposta à redução na umidade modelos computacionais de interação superfície-atmosfera teresse científico internacional sobre possíveis efeitos do vegetação de floresta densa para vegetação com caracter- do solo (da Rocha et al., 2009). Em áreas desmatadas, os incluem não apenas processos biofísicos, mas também pro- desmatamento na Amazônia no clima, o projeto ABRACOS ísticas de Savana causadas por mudanças climáticas podem impactos tendem a ser ainda maiores, com taxas de evapo- cessos de realimentação (“feedbacks”), com processos de foi elaborado, concentrando medições em 3 localidades: também causar importantes impactos no clima regional e transpiração até 40 % menores do que florestas primárias, assimilação e liberação de carbono da biosfera. Manaus (AM), Ji-Paraná (RO) e próximo a Marabá (PA) global (Salazar et al., 2007; Sampaio et al., 2007). Impactos na época seca (von Randow et al., 2004). Na América do Sul, somente a partir do início da déca- (Gash et al., 1996). Em cada localidade, pares de sítios da de 80, experimentos observacionais detalhados das experimentais foram instalados e as condições climáti- características dos componentes do balanço de radiação cas e de umidade do solo foram monitoradas por até 4 e balanço de energia à superfície começaram a ser realiza- anos. O valor do albedo da floresta tropical, determinado Os dados observados são a matéria-prima essencial para O terceiro problema é a presença de dados errados dos. Estes projetos focalizaram principalmente a Amazônia. pioneiramente pelas medições do ARME, foi confirmado a análise de variabilidade climática, detecção de tendên- ou espúrios (Grimm e Sabóia, 2011a, b). Neste aspecto, Destacam-se os projetos Amazon Region Micrometeoro- pelos dados observados durante o ABRACOS, com uma cias, ou qualquer outro estudo relacionado com mudan- um dos maiores problemas nos dados de precipitação logical Experiment (ARME), realizado em Manaus (AM), faixa de 0,11 a 0,13. Porém, as séries de dados mais longas ças climáticas. Na maioria dos estudos de variabilidade do Brasil é a existência de zeros espúrios que, em algum entre 1983 e 1985 (Shuttleworth, 1989), que realizou o disponíveis mostravam que em todos os sítios de floresta climática de longo prazo e de mudanças climáticas, ex- momento, foram inseridos no lugar de dados faltantes. primeiro conjunto de medições micrometeorológicas na havia variações sazonais no albedo, correlacionadas à umi- istem três problemas concomitantes. O primeiro é a es- Outros problemas comuns: existência de dados duvi- Amazônia, o Anglo-Brazilian Amazonian Climate Obser- dade do solo (Culf et al., 1995). O albedo nos dois outros cassez de séries longas e contínuas de variáveis climáticas, dosos, decorrentes de falhas na anotação ou digitação vation Study (ABRACOS), realizado entre 1990 e 1994 sítios de floresta foi ligeiramente maior do que no sítio de o que limita a detecção de mudanças de valores médios (por exemplo, 2476,7 mm/mês), duplicação de dados (Shuttleworth et al., 1991; Gash et al., 1996), em que os Manaus, com uma média para os três sítios de 0,13. Na mé- mensais, sazonais, anuais e, principalmente, de frequência em estações muito distantes entre si (mais de 1000 km), balanços de radiação e aspectos da partição de energia dia, o albedo das áreas de pastagem foi aproximadamente e intensidade de eventos extremos, ocorridos ao longo de alteração irreal de regime climático em uma estação, por foram avaliados tanto em áreas de floresta, quanto em 0,18 (Culf et al., 1995), variando de 0,16, com índices de área um período razoavelmente longo (um século ou mais), mudança de local ou outro motivo, como cópia de dados áreas desmatadas adjacentes, e o Experimento de Grande foliar baixos, a 0,2, com índices de área foliar altos (Wright independentemente das oscilações climáticas naturais. de outra estação. É, portanto, essencial uma verificação Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), que et al., 1996). O balanço de radiação também é afetado pela O segundo, associado intrinsecamente ao primeiro, é a cuidadosa dos dados, para detecção e correção destes compreende atualmente o maior programa científico de temperatura da superfície, que é bem maior em vegetação heterogênea densidade espacial de postos de observação, problemas, antes da realização de estudos climáticos. estudos de uma região específica da superfície terrestre de pastagem do que em áreas de floresta, causando maio- que são muito dispersos em certas regiões, distribuídos Adicionalmente, os instrumentos estão sendo mod- (Keller et al., 2009). Ressalte-se que nas últimas décadas res valores de emissão de radiação de onda longa. de acordo com algumas características geográficas region- ernizados (de mecânicos para eletrônicos), com uma No final dos anos 1990, o estabelecimento do projeto ais (por exemplo, na Amazônia os postos localizam-se maior taxa de aquisição de dados. Os convencionais LBA consolidou a tendência de realização de grandes pro- ao longo dos grandes rios), o que limita a caracterização mediam, em geral, três vezes ao dia (temperatura) e ag- No projeto ARME, que envolveu uma colaboração en- jetos interdisciplinares, coletando dados em períodos de climática regional e/ou local apropriada (Molion e Dal- ora podem coletar observações a cada hora, ou mesmo tre cientistas brasileiros e britânicos, foram realizadas as um ano ou prazos mais longos. Von Randow et al. (2004) larosa, 1990; Stott e Thorne, 2010). a cada minuto! tais experimentos observacionais foram principalmente para estudar a Amazônia. 82 Painel brasileiro de mudanças climáticas 2 . 2 . 5 problemas das observações Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 83 2.3 Num continente vasto como a América do Sul e num oca possuíam apenas 11 estações para cobrir aproximada- país grande como o Brasil, afetado por diferentes tipos de mente 4 milhões de km². Embora tenha havido expansão clima, é importante o estudo da variabilidade e da mudança da rede de estações pluviométricas desde o trabalho de climática através de observações meteorológicas confiáveis Henry (1922), ainda há áreas com insuficiente cobertura no Tendo em vista as dimensões continentais do Brasil e a mudanças de fase em oscilações interdecenais e, por- e bem distribuídas. Em uma publicação de 90 anos atrás Norte e Centro-Oeste do Brasil, como mostrado na Figura diversidade de regimes climáticos e de influências sobre tanto, não pode ser considerada prova de mudanças (Henry, 1922), foram apresentadas normais climatológicas 2.20. Além disto, grande parte das estações coleta apenas seu clima, é necessário ressaltar a necessidade de estu- climáticas. Por exemplo, as principais “tendências” de- de 94 estações do Serviço Meteorológico Brasileiro, calcu- dados pluviométricos, sem informações de temperatura, dos observacionais para bem conhecê-lo, em termos de tectadas são consistentes com a variação produzida na ladas para o período 1909-1919 (11 anos). Chamava-se a vento, umidade, evaporação, etc. Há necessidade de mais suas características, mecanismos e variabilidade. O con- segunda metade do século passado pelo primeiro modo atenção para a falta de observações em vastas áreas do investimento na rede de observações para que se possa hecimento do clima presente é o primeiro e necessário interdecenal de chuvas anuais, que é significativamente Brasil, como as regiões Norte e Centro-Oeste, que na ép- descrever mais precisamente o clima e suas variações. passo para o conhecimento do clima futuro. O futuro se correlacionado com um modo de “tendência” de TSM, aproxima a cada ano de uma vez e a adaptação ao futuro mas também com a Oscilação Multidecenal do Atlântico próximo deve ser parte do problema geral da adaptação e com a Oscilação Interdecenal do Pacífico. Estes resul- ao futuro distante. A adaptação ao clima do próximo ano tados mostram tendências negativas no norte e oeste da ou da próxima década, quer haja ou não aquecimento Amazônia, positivas no sul da Amazônia, positivas no global ou outras mudanças antropogênicas, deve ser Centro-Oeste e Sul do Brasil, ausência de tendência no uma das prioridades nacionais, principalmente em países Nordeste. A tendência de aumento da precipitação entre em desenvolvimento. 1950-2000 no Sul do Brasil e outras partes da baixa Bacia F i g . 2 . 20 5N EQ 5S 10S 15S 20S 15S 30S 75w 70w 65w 60w55w 50w INMET (SYNOP) CMCD / INPE ITEP /LAMEPE /PE CEMIG / MG SEMARH / DHM /AL SEMARH / BA CIRAM / SC CMRH / SE SEAG / ES SIMEPAR / PR SIMGE / MG FUNCEME / CE GEORIO / RJ IAC / SP DHME / PI SECTMA / AESA /PB EMPARN / RN FEPAGRO /RS COOPERATIVA / GO Fig.Distribuição 2.20. Distribuição espacial dasespacial pluviométricas disponíveis atualmente nopluviométricas Brasil. Fig. das estações disponíveis atualmente Brasil. Fig.20. 20. Distribuição estações espacial das estações pluviométricas disponíveis atualmente no no Brasil. 84 Painel brasileiro de mudanças climáticas s u már i o Vários estudos aqui descritos revelam o grande im- do Paraná/Prata, principalmente entre o período anterior pacto da variabilidade interanual, que pode produzir alter- e posterior à década de 1970, aparece em outros mo- ações por um fator maior que quatro nas chuvas sazonais dos interdecenais, principalmente o quarto modo. Esta em certas regiões, como a Amazônia. A maior fonte de tendência é suportada por séries um pouco mais longas, variabilidade interanual são os eventos El Niño e La Niña. mas apresenta inversão na última década. As variações decenais/interdecenais apresentam menor Para verificar se as “tendências” associadas com o diferença entre fases opostas (alterações por até fator de 1º modo interdecenal de precipitação se devem apenas dois), mas são relevantes em termos de adaptação porque a mudança de fase da OMA ou se são parte de com- são persistentes, podendo causar secas prolongadas ou portamento consistente de mais longo período, seriam décadas com mais eventos extremos de chuva. necessárias: i) séries mais longas de precipitação e ii) Os modos de variabilidade interdecenal produziram consistência entre estas “tendências” e as mudanças de forte variação climática na década de 1970, devido à su- precipitação apontadas nessas regiões pelas projeções de perposição de efeitos da mudança de fase de diferentes mudanças climáticas feitas por numerosos modelos. Por- modos nesta década. Portanto, análises de tendências em tanto, é necessário esperar algum tempo para ter certeza séries relativamente curtas de parâmetros climáticos, que sobre tendências na precipitação do Brasil e também ver- compreendem períodos antes e depois desta década, não ificar sua consistência com projeções climáticas, o que no são conclusivas. Mesmo análises de séries relativamente momento não ocorre, talvez ainda por falhas nos mod- longas devem ser encaradas com cautela, tendo em vista elos. Da mesma forma, ainda é difícil detectar mudanças que os resultados são extremamente dependentes do antropogênicas nos eventos extremos de precipitação, período analisado. A grande maioria das tendências de- cujas variações também parecem estar mais relacionadas tectadas na precipitação do Brasil pode ser explicada por com oscilações climáticas naturais. Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 85 Estudos de tendência da temperatura utilizando da- terra e da liberação de calor antropogênico nos grandes dos de estação sobre a América do Sul limitam-se, na sua centros urbanos sobre o fenômeno de ilha de calor ur- maioria, ao período entre 1960-2000. Os resultados mais bana tem sido bem estudado e documentado. refer ê ncias Alexander L.V., Zhang X, Peterson TC, Caesar J, Gleason B, Klein Tank A, Haylock M, Collins D, Trewin B, Rahimzadeh F, Tagipour A, Ambenje P, Rupa Kumar K, Revadekar J, Griffiths G, Vincent L, Stephenson D, Burn J, Aguilar E, Brunet M, Taylor M, NewM, Zhai P, Rusticucci M, Vazquez-Aguirre JL (2006). Global observed changes in daily climate extremes of temperature and precipitation. J. Geophys Res 111:D05109. doi:10.1029/2005JD006290. significativos referem-se às variações de índices baseados Dados de reanálises desde 1948 fornecem evidên- na temperatura mínima diária, que indicam aumento de cia de que tem aumentado a temperatura em baixos noites quentes e diminuição de noites frias na maior par- níveis na atmosfera de forma mais acentuada em di- te da América do Sul, com consequente diminuição da reção aos trópicos do que nos subtrópicos da América Barros, V. R., A. M. Grimm, e M. E. Doyle, 2002: Relationship between temperature and circulation in Southeastern South America and its influence from El Niño and La Niña events. Journal of the Meteorological Society of Japan, 80, 21-32. amplitude diurna da temperatura, especialmente na pri- do Sul durante o verão austral, tendo a temperatura mé- Barros, V., R. Clarke, P. Silva Días, (eds.), 2006. El cambio climático en la Cuenca del Plata. CONICET, Buenos Aires, pp. 67-92. mavera e no outono. Estes resultados são mais robustos dia anual junto da superfície nos trópicos apresentado para as estações localizadas nas costas leste e oeste dos tendência positiva desde então, enquanto nos subtrópi- continentes e são confirmados para séries em períodos cos há tendência negativa desde meados da década de mais longos. Embora a influência da variabilidade dos 1990. O aumento da temperatura também foi verificado oceanos Atlântico e Pacífico no comportamento de longo sobre o Atlântico Tropical, sugerindo que possam ter prazo das temperaturas sobre a América do Sul precise ocorrido mudanças no contraste oceano-atmosfera e, Blake, R., A. M. Grimm, T. Ichinose, R. Horton, S. Gaffin, S. Jiong, D. Bader, L. D. Cecil, 2011: Urban climate: Processes, trends, and projections. In: Climate Change and Cities: First Assessment Report of the Urban Climate Change Research Network , Rosenzweig, C., W. D. Solecki, S. A. Hammer and S. Mehrotra, Eds., Cambridge University Press, Cambridge, UK, 309 pp., Chapter 3, pp 43-81. ISBN: 978-1-107-00420-7. ser levada em conta, a influência antropogênica sobre os portanto, no desenvolvimento do sistema de monções. Bonan, G. B., 2008: Forests and climate change: forcings, feedbacks and the climate benefits of forests, Science, 320, 1444-1449. extremos de temperatura parece ser mais provável que Estas mudanças podem causar alterações no regime de sobre os extremos de precipitação. A enorme escassez precipitação e nebulosidade e criar “feedbacks” ainda de dados de estação sobre vastas áreas tropicais como a desconhecidos na temperatura e no clima local. Mu- Amazônia e o centro-oeste e leste do Brasil limitam o es- danças nos campos médios globais e na TSM antes e tabelecimento de conclusões acuradas para estas regiões após o período conhecido como “climate shift” no final usando dados de estação. Estudos recentes mostraram dos anos 70 podem ter exercido importante papel no que fatores como mudança de uso da terra e queima regime de temperaturas e respectivas tendências e pre- Cai, M., and E. Kalnay, 2005: Can reanalysis have anthropogenic climate trends without model forcing? J. Climate, 18, 1844-1849. de biomassa podem influenciar a temperatura nestas cisam ser considerados para se avaliar corretamente o regiões, sobretudo na Amazônia e no Cerrado; porém, efeito do aquecimento global sobre a América do Sul. Carvalho, L.M.V., C. Jones, and B. Liebmann, 2002: Extreme Precipitation Events in Southeastern South America and Large-Scale Convective Patterns in the South Atlantic Convergence Zone. J. Climate, 15, 2377-2394. desconhecem-se a magnitude e a extensão espacial do Neste contexto, também é importante avaliar o impacto sinal de longo prazo dessas influências sobre a tempera- de oscilações climáticas naturais interdecenais sobre a tura em superfície. Já o efeito da mudança de uso da temperatura na América do Sul. Barros, V.; Silvestri. G. 2002. The relation between sea surface temperature at the subtropical south-central Pacific and precipitation in southeastern South America. J. Climate, v.15, p. 251-267. Blain, G. C.; Kayano, M. T. 118 anos de dados mensais do índice padronizado de precipitação:série meteorológica de Campinas, Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Meteorologia (Impresso), v. 26, p. 287-294, 2011. Blain, G. C.; Lulu, Jorge. Valores anuais absolutos de séries diárias de temperatura máxima e mínima do ar no estado de São Paulo: tendências, periodicidades e probabilidades associadas. Revista Brasileira de Meteorologia (Impresso), v. 26, p. 29-40, 2011. Bombardi, R. J.; Carvalho, L. M. V., 2008a. Variabilidade do regime de monções sobre o Brasil: o clima presente e projeções para um cenário com 2xCO2 usando o modelo MIROC. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 23, p. 58-72. Bombardi, R. J.; Carvalho, L. M. 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Q J Roy Meteor Soc 110:1163-1169. 92 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações ambientais atmosféricas e de propriedades da superfície 93 3 Observações costeiras e oceânicas Autores Principais Edmo Campos - USP; Dieter Muehe - UFRJ Autores Colaboradores Abdelfettah Sifeddine – UFF; Ana Luiza Albuquerque – UFF; Moacyr Araújo – UFPE; Ricardo Camargo – USP; Silvia Garzoli – NOAA; Sonia Gianesella – USP; Gustavo Goni – NOAA; Reindert Haarsma – KMNI; Milton Kampel – INPE; Eloi Melo – FURG; Yara Novelli – USP; Alberto Piola – Universidade de Buenos Aires; Paulo Polito – USP; Regina Rodrigues – UFSC; Olga Sato – USP; Eduardo Siegle – USP; Janice Romaguera Trotte-Duhá - Programa GOOS/Brasil da CIRM Autores Revisores Carlos Garcia – FURG; José Maria Landim Dominguez – UFBA; Clemente Augusto Souza Tanajura - UFBA; Michel Mahiques – USP; João Antônio Lorenzetti – INPE; Luiz B. de Miranda 94 Painel brasileiro de mudanças climáticas Sumário executivo O oceano participa de forma decisiva no equilíbrio climático. Devido à sua grande extensão espacial e à alta capacidade térmica da água, é indiscutível que o aumento do conteúdo de calor dos oceanos e o aumento do nível do mar são indicadores robustos de aquecimento do planeta. Apesar da grande dificuldade de se observar o oceano com a cobertura espacial e temporal necessária para melhor monitorar e entender mudanças nos oceanos e as respostas dessas mudanças no clima, há de se reconhecer que grandes progressos têm sido obtidos nos últimos anos. Observações remotas por satélite têm sido realidade já há algumas décadas e programas observacionais in situ como o Argo têm permitido a obtenção de conjuntos de dados valiosos desde a superfície até profundidades intermediárias do oceano. Recentemente vários esforços têm sido despendidos na reavaliação de dados históricos, permitindo interpretações mais confiáveis por mais longos períodos de tempo. Com base em um número considerável de trabalhos publicados nas últimas décadas, o Quarto Relatório de Avaliação do Clima do IPCC (IPCC-AR4, 2007) concluiu de forma inequívoca que a temperatura do oceano global aumentou entre 1960 e 2006. Apesar das controvérsias decorrentes de alguns pequenos enganos no IPCC-AR4, a grande maioria dos estudos científicos realizados nos últimos 5 anos têm confirmado, de forma indiscutível, o aquecimento das águas oceânicas. A temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico tem aumentado nas últimas décadas. No Atlântico Sul, esse aumento é intensificado a partir da segunda metade do século XX, possivelmente devido a mudanças na camada de ozônio sobre o Polo Sul e também ao aumento dos gases efeito estufa. De forma consistente com um clima mais quente, o ciclo hidrológico tem também se alterado, refletindo em mudanças na salinidade da superfície do mar. Estudos mostram que a região subtropical do Atlântico Sul está se tornando mais quente e mais salina. Abaixo da superfície, há evidências claras do aumento da temperatura nas camadas superiores do oceano. Reanálise de dados históricos obtidos por batitermógrafos descartáveis (XBTs) mostram uma clara tendência de aquecimento nos primeiros 700 m da coluna de água. Estudos independentes, com dados obtidos até 2000 m de profundidade com perfiladores Argo, sugerem um aquecimento significativo também abaixo de 700 m. Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 e outros mais recentes também apontam variações no conteúdo de calor e na elevação do nível do mar, em escala global. Variações nessas propriedades promovem alterações nas características das diferentes massas de água, o que fatalmente leva a alterações nos padrões de circulação do oceano. Por sua vez, mudanças na circulação resultam em alterações na forma como o calor e outras propriedades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas na superfície da Terra. O nível do mar está aumentando. Grande parte das projeções de aumento do nível do mar para todo o século XXI deve ser alcançada ao longo das primeiras décadas, o que faz com que se configurem perspectivas mais preocupantes do que aquelas divulgadas no início dos anos 2000. Variações de 20 a 30 cm esperadas para ocorrer ao longo do todo o sé- Observações costeiras e oceânicas 97 3 .1 I n t r o d u ç ã o culo XXI já devem ser atingidas, em algumas localidades, até meados do século ou até antes disso. Deverá haver também É indiscutível a importância do oceano nas variabilidades e possíveis mudanças no equilíbrio climático. Devido à grande maior variabilidade espacial da resposta do nível do mar entre os distintos locais do globo. Na costa do Brasil são poucos extensão dos oceanos e à alta capacidade térmica da água, o aumento do conteúdo de calor dos oceanos e o aumento os estudos realizados com base em observações in situ. Mesmo assim, taxas de aumento do nível do mar na costa sul- do nível do mar são indicadores robustos de aquecimento do planeta. Com base em um número considerável de trabal- sudeste já vêm sendo reportadas pela comunidade científica brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90. hos publicados nas últimas décadas, o Quarto Relatório de Avaliação do Clima do IPCC (IPCC-AR4, 2007) concluiu que a O aumento do nível do mar, assim como o aumento de temperatura, mudanças no volume e distribuição das pre- temperatura global do oceano aumentou cerca de 0,10 ºC no período de 1961 a 2003. Estudos recentes confirmam que cipitações e concentrações de CO2, afetarão de modo variável o equilíbrio ecológico de manguezais, dependendo da a temperatura do oceano tem aumentado (e g.: Gourestki e Reseghetti, 2010; Ishii e Kimoto, 2009; Levitus et al., 2009; amplitude destas alterações e das características locais de sedimentação e espaço de acomodação. Lyman et al, 2010; Lyman e Johnson, 2008; Domingues et al., 2008). Há evidências claras do aumento do conteúdo de Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são vários os trechos em erosão, distribuídos irregularmente e mui- calor nas camadas superiores do oceano (e.g.: Roemmich e Gilson, 2009; Carson e Harrison, 2010). Análises de dados tas vezes associados aos dinâmicos ambientes de desembocaduras. Diversas são as áreas costeiras densamente povoa- de batitermógrafos descartáveis (XBTs) mostram uma tendência de aquecimento de 0,64 W m-2 nos primeiros 700 m das que se situam em regiões planas e baixas, nas quais os já existentes problemas de erosão, drenagem e inundações da coluna de água. Adicionalmente, os dados obtidos até 2000 m de profundidade com os perfiladores Argo (uma rede serão amplificados em cenários de mudanças climáticas. global de 3000 flutuadores derivantes que medem a temperatura e a salinidade dos primeiros 2000 metros da coluna de Importantes massas de água estão se alterando. As “águas modo” (águas de 18oC) do Oceano Sul e as Águas Pro- água no oceano) sugerem um aquecimento significativo abaixo de 700 m, desde 2003. fundas Circumpolares se aqueceram no período de 1960 a 2000. Essa tendência continua durante a presente década. Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 e outros mais recentes (Leuliette e Miller, 2009; Letetrel et al., 2010; Leuliette Aquecimento similar ocorreu também nas águas modo da Corrente do Golfo e da Kuroshio. Os giros subtropicais do e Scharroo, 2010) também apontam para variações no conteúdo de calor e na elevação do nível do mar, em escalas Atlântico Norte e Sul têm se tornado mais quentes e mais salinos. Como consequência, segundo conclusão do IPCC-AR4 regional e global. Variações nessas propriedades promovem alterações nas características das diferentes massas de e de estudos mais recentes, é bastante provável que pelo menos até o final do último século a Célula de Revolvimento água, o que leva a alterações nos padrões de circulação do oceano. Por sua vez, mudanças na circulação resultam em Meridional do Atlântico (CRMA) vinha se alterando significativamente em escalas de interanuais a decenais. alterações na forma como o calor e outras propriedades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas. No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos sugerem variações importantes nas propriedades físicas e quími- Segundo o IPCC-AR4, importantes massas de água estão se alterando. As “águas modo” (águas de 18ºC referidas cas das camadas superiores do oceano, associadas a alterações nos padrões da circulação atmosférica. Esses estudos como “mode waters” no idioma inglês e traduzidas como “águas modais” por alguns autores brasileiros) do Oceano mostram que, em consequência do deslocamento do rotacional do vento em direção ao polo, o transporte de águas Sul e as Águas Profundas Circumpolares se aqueceram no período de 1960 a 2000. Essa tendência continua durante a do Oceano Índico para o Atlântico Sul, fenômeno conhecido como o “vazamento das Agulhas”, vem aumentando nos presente década (e.g.: Sarmiento et al., 2004; Douglass et al., 2012). Aquecimento similar ocorreu também nas águas últimos anos. Análises de dados obtidos remotamente por satélite e in situ mostram mudanças no giro subtropical modo da Corrente do Golfo e da Kuroshio (Kwon et al., 2010; Joyce, 2011). Os giros subtropicais do Atlântico Norte e do Atlântico Sul associados a mudanças na salinidade das camadas superiores. Resultados de observações e modelos Sul têm se tornado mais quentes e mais salinos (Durack e Wijffels, 2010; Lumpkin e Garzoli, 2011). Como consequên- sugerem que o giro subtropical do Atlântico Sul vem se expandindo, com um deslocamento para sul da região da Con- cia, é bastante provável que pelo menos até o final do último século a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico fluência Brasil-Malvinas. (CRMA) vinha se alterando significativamente em escalas de tempo interanuais a decenais (IPCC-AR4, 2007). Há fortes indícios de que as características dos eventos de El Niño no Pacífico estão mudando nas últimas décadas. No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos sugerem variações importantes nas propriedades físicas e Como consequência, tem havido uma mudança nos modos de variabilidade da TSM no Atlântico Sul. Essas alterações químicas das camadas superiores do oceano, associadas a alterações nos padrões da circulação atmosférica (Bias- nos padrões de TSM favorecem precipitações acima da média ou na média sobre o norte e nordeste brasileiro e mais toch et al., 2008, 2009; Lumpkin e Garzoli, 2011; Sato e Polito, 2008). Esses estudos mostram que, como resultado chuvas no sul e sudeste do Brasil. do deslocamento do rotacional do vento em direção ao polo, o transporte de águas do Oceano Índico para o Atlântico Sul, fenômeno conhecido como o “vazamento das Agulhas”, vem aumentando nos últimos anos. Análises de dados obtidos remotamente por satélite e in situ mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico Sul associados a mudanças na salinidade das camadas superiores (Sato e Polito, 2008; Goni et al., 2011). Resultados de observações e modelos sugerem que o giro subtropical do Atlântico Sul vem se expandindo, com um deslocamento para sul da região da Confluência Brasil-Malvinas (Goni et al., 2011; Lumpkin e Garzoli, 2011). 98 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 99 Apesar da grande dificuldade de se observar o oceano com a cobertura espacial e temporal necessária para melhor monitorar e entender mudanças nos oceanos e as respostas dessas mudanças no clima, há de se reconhecer que grande progresso têm sido obtidos nos últimos anos. Observações remotas por satélite têm sido realidade já há algumas décadas e programas observacionais in situ como o Argo têm permitido a obtenção de conjuntos de dados valiosos desde a superfície até profundidades intermediárias do oceano. Recentemente, vários esforços têm 3.2 M u dan ç a s d e p r o c e s s o s na s u p e r fíc i e d o o c ean o e i nt e r ação o c ean o -at m o s f e r a 3 . 2 .1 T rocas ar- mar de calor e flu x os de água doce sido despendidos na reavaliação de dados históricos, permitindo interpretações mais confiáveis por mais longos O movimento das águas oceânicas resulta predominante- precipitação (P), descarga e o fluxo total de água doce pela períodos de tempo (e.g.: Stott et al., 2008; Durack e Wijffels, 2010; Helm et al., 2010; Hosoda et al., 2009; Roem- mente das trocas de propriedades na interface ar-mar. O superfície dos continentes, e derretimento de gelo marinho miech e Gilson, 2009). fluxo de momentum (quantidade de movimento), por e de geleiras continentais. Uma vez introduzidos no oceano, No presente capítulo são apresentados estudos focando diferentes aspectos de mudanças no oceano, com meio do cisalhamento do vento, é o principal motor da a influência desses fatores pode ser modificada localmente ênfase na região do Atlântico Sul, dos trópicos até latitudes austrais. Especial atenção é dedicada à região oeste do circulação nas camadas superiores do oceano. O aqueci- por processos advectivos e de mistura causados pelas cor- Atlântico Sul e à zona costeira ao longo do continente sul-americano, procurando identificar possíveis mudanças mento ou resfriamento e a maior ou menor salinidade, rentes oceânicas. Portanto, é de se esperar que mudanças nessas regiões e suas correlações com alterações do clima em grande escala. decorrentes das trocas de calor e água com a atmosfera, no ciclo hidrológico sejam acompanhadas por flutuações na fornecem a energia responsável pela circulação termo- salinidade em diferentes locais e profundidades. 100 Painel brasileiro de mudanças climáticas halina, um importante mecanismo no controle do clima A salinidade da superfície do mar (SSM) é, em grande do planeta. Mudanças nesses fluxos ar-mar podem resultar parte, regulada pela troca de água entre o oceano e a at- em alterações significativas no sistema de circulação em mosfera através da evaporação e precipitação. Regiões de toda a coluna de água. Em contrapartida, alterações na alta salinidade são, por via de regra, regiões onde a evapo- circulação e nos fluxos ar-mar podem também alterar a ração supera a precipitação e vice-versa. Outros fatores temperatura e umidade do ar, com consequências na cir- que contribuem para os padrões de SSM são os efeitos culação atmosférica e no ciclo hidrológico. Apesar de sua advectivos da circulação oceânica e o derretimento de gelo importância, estimativas dos valores desses fluxos estão em altas latitudes. Segundo a relação de Clausius-Clapey- sujeitas a uma grande quantidade de erros de difícil cor- ron, a pressão de vapor da água aumenta em cerca de 7% reção. De acordo com o AR4 do IPCC (2007) ou mesmo por grau Celsius, a uma temperatura média de cerca de estudos mais recentes (e.g.: Gulev et al., 2007; Shaman et 14ºC. Dessa forma, apesar das incertezas das observações al., 2010), não é ainda possível fazer uma avaliação con- hidrológicas, espera-se que com o aumento da tempera- fiável de mudanças antropogênicas nos fluxos ar-mar. tura da superfície do mar (TSM) ocorra também um au- Os oceanos cobrem 71% da superfície do planeta, su- mento do ciclo hidrológico, com modificações e efeitos de portam quase a totalidade do ciclo hidrológico do globo retroalimentação associados à dinâmica atmosférica (Held (97%) e sobre sua superfície ocorrem mais de 80% dos e Soden, 2006; Wentz et al., 2007). Estudos baseados em fluxos associados a suas variações (Schmitt, 1995). Es- dados globais de salinidade mostram mudanças de sa- ses fluxos fazem parte dos processos de interação entre o linidade da superfície do mar de forma consistente com o oceano e atmosfera e influenciam diretamente a salinidade aumento da temperatura do planeta (Boyer et al., 2005a, na superfície. Desta forma, a distribuição da salinidade 2007; Roemmich e Gilson, 2009; Durack e Wijfels, 2010). nos oceanos reflete o balanço de larga escala do fluxo de No Atlântico Sul há também indicações de aumento da água doce que entra e sai do sistema que compõe o ramo salinidade no giro subtropical (Sato e Polito, 2008). marinho do ciclo hidrológico global (Figura 3.2.1). Na deter- Nas proximidades de 24ºS a termoclina tem se tor- minação do sinal da salinidade nos oceanos devem ser con- nado menos salina, com o decréscimo de aproximada- tabilizados diferentes fatores, tais como: a evaporação (E), mente 0,05 de salinidade, entre 1983 e 2009 (McCarthy Observações costeiras e oceânicas 101 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 para sul e intensificação dos ventos de oeste no hemisfério sul (Lumpkin e Garzoli, 2011; 111 112 Limpasuvan e Hartmann, 1999; Marshall, 2003; Gille, 2002, Thompson e Solomon, 2002; Cai et GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 113 al., 2003). Essa mudança pode impactar o transporte meridional de calor, através da modificação sul e de intensificação dosressurgência ventos de oeste no hemisfério (Lumpkin em e Garzoli, 2011; transporte Ekman e da de águas profundas,sulresultando um resfriamento e 114 111 do para 112 Limpasuvan e Hartmann, 1999; Marshall, 2003; Gille, 2002, Thompson e Solomon, 2002; Cai et 115 diminuição da salinidade das águas intermediárias (Oke e England, 2004). 113 al., 2003). Essa mudança pode impactar o transporte meridional de calor, através da modificação Sul estáalterar associado aumento de et al., 2011). No anterior foi obser- Atlântico nosperíodo ventos de e(1958-1983), oeste no hemisfério sul profundas, podem a ao circulação noinfluência Atlântico 116 114 Alterações do transporte de Ekman da ressurgência de águas resultando em um resfriamento e Sul 117 115 (Lumpkin and Garzoli, 2011; Goni et al, 2011) e também modular a célula de revolvimento do Oceano Índico através do “vazamento das Agulhas” vado um leve acréscimo de salinidade. Esse decréscimo diminuição da salinidade das águas intermediárias (Oke e England, 2004). 118 meridional Atlântico (mais conhecida Overturning Cell, ou MOC) e a Corrente (McCarthy et al., 2011).a circulação da salinidadedo é nos atribuído a uma do como ciclo Meridional Alterações ventos de intensificação oeste no hemisfério sul podem alterar no Atlântico Sul 116 Circumpolar Antartica, segundo Toggweiler e Samuels, 1995; Gnanadesikan, 1999. Experimentos 119 117 hidrológico, (Lumpkinemand Garzoli, 2011; Goni et al, 2011) e também modular a célula de revolvimento concordância com a observação de um Análises de dados de satélite, observações in situ e da120 118 numéricos com modelos de alta resolução (eddy-permitting) sugerem que o aumento no transporte meridional do Atlântico (mais conhecida como Meridional Overturning Cell, ou MOC) e a Corrente regime de precipitação aumentado na região (Piola, dos do PIRATA (Prediction e Research Moored Array the para Antartica, norte associado ventos de oeste intensificados no hemisfério sul éinlargamente 121 119 de Ekman Circumpolar segundocom Toggweiler e Samuels, 1995; Gnanadesikan, 1999. Experimentos 122 120 compensado por turbulentos em direção ao polo, quais que tendem a reduzir anomalias na 2010). As observações de salinidade em Tropical Atlanticos - programa de omonitoramento Atlânnuméricos com fluxos modelos de alta aumentada resolução (eddy-permitting) sugerem aumento nodo transporte 123 121 ressurgência de profundas (Farneti e Delworth, 2010). de Ekman paraáguas norte associado ventos de oeste intensificados noboias hemisfério sulmostram é largamente regiões com excesso de evaporação e decom decréscimo de tico tropical por meio de ancoradas) mu- 122 compensado por fluxos turbulentos em direção ao polo, os quais tendem a reduzir anomalias na em regiões com excesso de precipitação sug- danças no giro subtropical do Atlântico Sul associadas às 124 123 salinidade 3.2.3 Temperatura e salinidade da superfície ressurgência de águas profundas (Farneti e Delworth, 2010). do mar erem que essas mudanças constadas por McCarthy et alterações na salinidade da camada superior (Sato e Polito, 3.2.3 Temperatura e salinidade da do mar baseforam em causadas resultados de amplificação vários estudos atésuperfície 2005,Próximo o quarto relatório deencontraram avaliaçãotendêndo clima do 125 124 Com al. (2011) por uma do ciclo 2008). à 38ºS, esses autores IPCC (IPCC AR4) apresenta Entretanto, indicações bastante consistentes de mudanças da temperatura da 126 hidrológico (Durackresultados e Wijffels, 2010). dados cias opostas nas séries de tempo do armazenamento de do Com base de vários estudos até 2005, o quarto relatório de avaliação do clima 127 125 superfície do em mar. No Atlântico, conforme mostra a Figura 3.2.1 (Rayner et al., 2006), é observado (IPCC AR4) apresenta bastante consistentes de halinos, mudanças da lado temperatura 126 deIPCC oxigênio dissolvido sugerem que C o indicações aumento sa- calor, em cada da Zona de da 128 um aumento da ordem de .5o desde adedécada de devido 1930.aos Oefeitos Atlântico Sul, entretanto, apresentava superfície do mar. No Atlântico, conforme mostra a Figura 3.2.1 (Rayner et al., 2006), é observado 127 linidade observado entre 1958 e o1983 nodos sudeste do1960. Convergência doda Atlântico Sul.de 1970, também o Atlântico final partir década 129 128 uma umtendência aumento negativa, da ordem até de .5o C desde aanos década de A 1930. O Atlântico Sul, entretanto, apresentava apresenta uma tendência aumento. interessante que mesma odécada ocorreu 130 129 Suluma tendência negativa, até ode final dos anosÉ1960. A partir danotar década de nessa 1970, também Atlântico 131 130 umaSulresfriamento em latitudes medias do Atlântico norte, com o Sinal propagando para sul e norte F i g apresenta . 3 . 2.1 uma tendência de aumento. É interessante notar que nessa mesma década ocorreu 132 131 até uma meados dos anosem 80.latitudes medias do Atlântico norte, com o Sinal propagando para sul e norte resfriamento 132 até meados dos anos 80. Oc e ano At lânt ic o 3 . 2 . 2 T ensão de cisal h amento do vento E flu x os de momentum Importantes alterações no padrão de circulação na camada Por ser o vento um dos principais forçantes da circula- superior do oceano têm sido reportadas no Atlântico Sul ção oceânica, as alterações nos ventos no hemisfério estão nos últimos anos (Hurrell e van Loon 1994; Meehl et al. afetando a circulação no Atlântico Sul. O deslocamento para 1998; Thompson e Wallace 2000, Sato e Polito, 2008; sul do rotacional zero dos ventos de oeste, por exemplo, está Lumpkin e Garzoli, 2011; Goni et al., 2011). O modo de causando uma expansão do giro subtropical, com uma mig- variabilidade mais conhecido pelo acrônimo SAM (South- ração para sul da confluência Brasil-Malvinas (e.g.: Biastoch ern Annular Mode) é um dos padrões dominantes de et al., 2009; Lumpkin e Garzoli, 2011; Goni et al., 2011), que variabilidade no Hemisfério Sul. Estudos recentes repor- termina por modular a Célula de Revolvimento Meridional do tam que esse modo de variabilidade vem sofrendo uma Atlântico, mais conhecida como Meridional Overturning Cell, alteração, possivelmente devido a um deslocamento para ou MOC (Biastoch et al., 2008, 2009; Beal et al., 2011) e a sul e intensificação dos ventos de oeste no hemisfério sul Corrente Circumpolar Antártica (Toggweiler e Samuels, 1995; (Limpasuvan e Hartmann, 1999; Gille, 2002; Thompson e Gnanadesikan, 1999). Experimentos numéricos com modelos Solomon, 2002; Marshall, 2003; Cai et al., 2003; Lumpkin e de alta resolução (eddy-permitting models) sugerem ainda Garzoli, 2011). Essa mudança afeta o transporte meridional que o aumento no transporte de Ekman para norte, asso- de calor, através da modificação do transporte de Ekman ciado a ventos de oeste intensificados no Hemisfério Sul, é e da ressurgência de águas profundas, resultando em um largamente compensado por fluxos turbulentos em direção resfriamento e diminuição da salinidade das águas inter- ao polo, os quais tendem a reduzir anomalias na ressurgência mediárias (Oke e England, 2004). de águas profundas (Farneti e Delworth, 2010). 3 . 2 . 3 T emperatura e salinidade da superfície do mar 133 134 133 134 1900 1920 1940 1960 19802000 -1 -0.8-0.6-0.4-0.200.2 0.40.60.8 1 ºC Figura 3.2.1: Variação temporal entre 1900 e 2005 da media zonal das anomalias de temperatura da 135 superfície do mar entre1900ase 2005 latitudes 30Sdaseanomalias 60N no Atlântico, com relação à media do período 1961 da 135 136 Figura Variação entre e 2005 da media das anomalias temperatura Figura3.2.1: 3.2.1: Variação temporal entretemporal da média zonal1900 de temperatura da superfíciezonal do mar entre as latitudes 30S e 60N node Atlântico, 137 (Rayner et al., 2006). O Atlântico Sul, que apresentava uma anomalia negativa até o final da década 136 superfície do mar entre as latitudes 30S e 60N no Atlântico, com relação à media do período 1961 137 O quarto relatório de avaliação do clima do IPCC (IPCC AR4, A tendência positiva observada a partir da metade do 2007) discute mudanças da temperatura da superfície do mar. século XX é atribuída primariamente às mudanças na ca- No Atlântico, conforme mostra a Figura 3.2.1 (Rayner et al., mada de ozônio sobre o Polo Sul, as quais provocaram 2006), é observado um aumento da ordem de 0,5ºC desde uma intensificação do vórtice polar sul (Rayner et al., a década de 1930. O Atlântico Sul, entretanto, apresenta uma 2006). Análise de resultados de estudos numéricos mostra tendência negativa até o final dos anos 60. A partir da década que o aumento de gases de efeito estufa também con- de 1970, também o Atlântico Sul apresenta uma tendência tribuiu positivamente para o aumento de TSM observado de aumento. É interessante notar que nessa mesma década no Atlântico Sul. Esses resultados também mostram que o ocorreu uma resfriamento em latitudes médias do Atlântico crescente efeito estufa continuará a intensificar o vórtice Norte, com o sinal propagando para sul e norte até meados polar e um aumento generalizado da TSM no Hemisfério dos anos 80 (Rayner et al., 2006). Sul (Arblaster e Meehl, 2006). em relação à media do período de 1961 (Rayner et al., 2006). O Atlântico Sul, que apresentava uma anomalia negativa até o final da década de 1960, passa a ter (Rayner et al., 2006). O Atlântico Sul, que apresentava uma anomalia negativa até o final da década 4 uma anomalia positiva a partir dos anos 70. Por sua vez, o Atlântico Norte apresenta uma anomalia positiva consistente desde os anos 30, exceto por uma anomalia negativa em latitudes médias, a qual se propagou para sul e norte, chegando a atingir o Atlântico Sul por volta de 1980. 102 Painel brasileiro de mudanças climáticas Data: 23/11/2011 4 Data: 23/11/2011 Observações costeiras e oceânicas 103 F i g. 3 . 3 .1 3.2.4 síntese Sul e também ao aumento dos gases de efeito estufa. De sistentes com a indicação de que a temperatura da su- forma consistente com um clima mais quente, o ciclo hi- perfície do mar no Atlântico tem aumentado nas últimas drológico tem também se alterado, refletindo em mudan- décadas. No Atlântico Sul, esse aumento é intensificado a ças na salinidade da superfície do mar. Estudos mostram partir da segunda metade do século XX, possivelmente as- que a região subtropical do Atlântico Sul está se tornando sociado às mudanças na camada de ozônio sobre o Polo mais quente e mais salina. 3.3 M u da n ç a s n a T e m p e r at u r a e Co n t eú d o d e C alo r n o Atlâ n ti co S u l 10 Heat content (1022 joules) Os estudos mais recentes discutidos nesta seção são con- 5 0 -5 -10 1994 19961998 200020022004 20062008 2010 3.3.1 C amada superior Ano A Figura 3.3.1, que sumariza resultados de recentes es- aponta um aumento do conteúdo de calor da ordem de tudos baseados em um amplo conjunto de dados, inclu- 0,77±0,11 W m-2 no oceano global e 0,54 W m-2 para indo XBT, Argo e outros, no período 1993-2008, mostra toda a Terra (linha azul na Figura 3.3.1). Esse aumento que o conteúdo de calor na camada de 0 a 700 m do no armazenamento de calor em toda a profundidade oceano global está aumentando a uma taxa média, para coberta pelos flutuadores Argo é um indicativo de que o todo o planeta, de 0,64± 0,29 W m-2 (Trenberth, 2010; oceano está se aquecendo abaixo dos 700 m. Lyman et al, 2010). Esses estudos reforçam a percepção No Atlântico Sul, pouco se sabe a respeito da variação geral de que o oceano vem se aquecendo de forma con- do conteúdo de calor nas camadas superiores do oceano. sistente com o desequilíbrio radiativo de origem antro- Análise de dados Argo (não publicadas) parece indicar pogênica. Entretanto, Trenberth (2010) chama a atenção que o Atlântico Sul e o Índico apresentam uma tendência para discrepâncias com medidas de radiação no topo positiva nos últimos seis anos. Estudos baseados em dados da atmosfera, o que sugere algum problema com os da- de anomalias da elevação da superfície do mar obtidos dos oceânicos ou com o seu processamento. Pesquisa por satélite e dados das boias PIRATA (Arruda et al., 2005) independente (Von Schuckmann et al., 2009), baseada mostram uma tendência positiva na região da retroflexão em dados Argo para toda a camada de 0 a 2000 m, da Corrente das Agulhas no período de 1993 a 2002. 104 Painel brasileiro de mudanças climáticas Figura 3.3.1: Variação do conteúdo de calor na camada de 0 a 700 m do oceano global (linha preta). A tendência positiva da ordem de 0,64 W m-2 indica o aquecimento da camada superior do oceano. A linha azul representa a variação do conteúdo de calor para 0-2000 m, baseada em 6 anos de dados Argo. A taxa de aumento de 0,5 m-2 sugere que uma parte do aquecimento está acontecendo em profundidades superiores a 700 m (Trenberth, 2010). 3 . 3 . 2 O ceano profundo Como o oceano recebe calor em sua superfície, o de variabilidade naturais no Atlântico Norte dificultam a aquecimento das camadas profundas nas regiões de determinação de tendências de longo termo na quan- formação das massas de água ocorre nas camadas infe- tidade de calor nas camadas inferiores do oceano. No riores do oceano. São duas as regiões mais importantes: Oceano Sul, entretanto, há indicações de que grande o Atlântico Norte, onde é formada a Água Profunda do parte da coluna de água se aqueceu entre 1992 e 2005 Atlântico Norte (APAN), e a região ao redor da Antártica, (Johnson, 2008; Purkey e Johnson, 2010). O aquecimen- onde é formada a Água Antártica de Fundo (AAF). to da AAF é mais acentuado abaixo dos 3000 m (John- A pouca disponibilidade de dados observacionais nas son, 2008). Medidas no Canal de Vema mostram uma regiões profundas, em escalas de tempo mais longas e tendência de aquecimento da AAF no período entre 1990 espacialmente coerentes, e a predominância de modos e 2006 (Zenk e Morozov, 2007). Observações costeiras e oceânicas 105 3.3.3 T ransporte meridional de calor em uma seção transversal ao longo de 26,5ºN (Rapid/ responsáveis pela manutenção do clima, através da re- MOCHA Array) (Cunningham et al., 2007; Kanzow et al, distribuição de calor entre as diferentes bacias e latitudes 2007; Kanzow et al., 2010). Dados coletados nessa seção do planeta. No Atlântico, a circulação termo-halina tem a mostram intensas variabilidades em escala sazonal, mas, característica de uma correia transportadora, conduzindo dado o curto comprimento dessa série de dados, a de- calor de sul para norte, nas camadas superiores. O com- terminação de uma tendência de longo período é pratica- portamento temporal do transporte de calor na direção mente impossível. norte-sul (meridional) é, portanto, um importante indica- 70N 50N 36 35 30N No Atlântico Sul a situação é ainda mais precária. So- dor de variabilidade e/ou mudança do clima. mente nos últimos dois anos deu-se início à implementa- No Atlântico Norte, desde 2004 tem havido um esforço ção de uma rede transoceânica para o monitoramento da multinacional para monitorar o transporte meridional de célula meridional do Atlântico ao longo de 34,5ºS (Rede calor, através da manutenção de uma rede observacional SAMOC, http://www.aoml.noaa.gov/phod/samoc). 3.3.4 síntese aumento da temperatura (e conteúdo de calor) na Água camadas superiores do oceano (de 0 a 2000m) (e.g.: Tren- Antártica de Fundo. Estudos sobre tendências de longo berth, 2010). Nas camadas inferiores não há resultados período no transporte meridional de calor são também mais conclusivos, a não ser a indicação de um possível bastante incipientes e inconclusivos. 3.4 M u da n ç a d e Sa li n i da d e e Co n t e ú d o d e Ág ua D o c e O conhecimento dos padrões de variabilidade da salini- O painel esquerdo da Figura 3.4.1 mostra a dis- dade é essencial para se obter uma descrição detalhada tribuição média da salinidade na superfície do oceano da circulação oceânica em todas as escalas. Isto porque a Atlântico obtida através do processamento de 50 anos de salinidade é uma variável que, juntamente com a tempera- dados, entre 1950 e 2000 (Durack e Wijffels, 2010). Em tura, afeta a densidade da água do mar e os padrões de termos de trocas de massa na superfície, observa-se que circulação oceânica associados a ela. Seu papel tem sido a região próxima ao equador apresenta valores menores reavaliado nos últimos anos e foi amplamente constatado de salinidade (< 36), pois corresponde à região onde como sendo um elemento fundamental para uma comple- ocorre dominância da precipitação sobre evaporação. Por ta descrição, entendimento e previsibilidade das mudanças outro lado, as regiões tropicais que são caracterizadas por da circulação oceânica em escalas interanuais e decenais alto índice de evaporação coincidem com máximos de (Schmitt, 1995; Schimitt, 2008). salinidade na superfície (> 37). 10N 10S 30S 34 50S 60W20W 20E Há um aumento da quantidade de calor armazenado nas 106 Painel brasileiro de mudanças climáticas 37 Latitude A circulação termo-halina global é um dos mecanismos GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 F i g. 3 . 4 .1 70S 33 60W20W 20E FiguraFigura 3.4.1:3.4.1: MédiaMédia climatológica da salinidade de superfície entre entre 1950 1950 a 2000 (esquerda). 249 249 climatológica da salinidade de superfície a 2000 (esquerda). Figura 3.4.1: Média climatológica da salinidade de superfície entre 1950 a 2000 (esquerda). Tendência de 50 anos da salinidade de superfície para 250 250 Tendência de 50deanos da salinidade de superfície para o período todo ((50 anos)-1) (direita). Tendência 50 anos da salinidade de superfície para o período todo ((50 anos)-1) (direita). o período todo ((50 anos)-1) (direita). Adaptada de Durack e Wijffels (2010). 251 251 Adaptada de Durack e Wijffels (2010). Adaptada de Durack e Wijffels (2010). 252 252 3.4.13.4.1 Mudanças nas camadas superiores Mudanças nas camadas superiores 3 . 4 .1 M udanças nas camadas superiores 253 254 255 256 257 258 259 260 261 262 263 Alterações no ciclo hidrológico globalglobal são previstas comocomo consequência das alterações climáticas de de 253 Alterações no ciclo hidrológico são previstas consequência das alterações climáticas origem antropogênica, (Solomon et al.,et2007, Held Held e Soden, 2006).2006). Dentro de um de de 254 origem antropogênica, (Solomon al., 2007, e Soden, Dentro de cenário um cenário Os estudos de Antonov et al. (2002) e Boyer et al. Alterações no ciclo hidrológico global são previstas como aquecimento global, o aumento da temperatura na troposfera poderá acarretar um aumento da da 255 aquecimento global, o aumento da temperatura na troposfera poderá acarretar um aumento (2005a,b) que as Emori águas deesuperfície consequência das alterações de origem antropcapacidade de armazenar e transportar vapor d’água, (Bindoff et constataram al.,et2007, Emori e Brown, 2005,dos 256 capacidade de armazenar e climáticas transportar vapor d’água, (Bindoff al., 2007, Brown, 2005, subtrópicos se aumento tornaram mais enquanto que ogênica et al., 2007; Held e Soden, 2006). Dentro MeehlMeehl et al., Trenberth et al., fazendo com que haja da salgadas, amplitude do ciclo 257 et2007, al.,(Solomon 2007, Trenberth et2007), al., 2007), fazendo com queum haja um aumento da amplitude do asciclo hidrológico, de evaporação em regiões dominadas processos demais evaporação e 258 hidrológico, i.aumento e.,deaumento deglobal, evaporação emtemregiões porse processos de evaporação e águasdominadas de altaspor latitudes tornaram doces. A análise de i.ume., cenário aquecimento o aumento da mais mais chuvas em regiões dominadas pela precipitação, (Durack e Wijffels, 2010). 259 chuvas em regiões dominadas pela precipitação, (Durack e Wijffels, 2010). peratura na troposfera poderá acarretar um aumento da ca- de dados globais de salinidade realizada por Boyer et al. Consequentemente, essa amplificação dos processos de superfície irá afetar o sinal da salinidade 260 Consequentemente, essa amplificação dos processos de superfície irá afetar o sinal da salinidade pacidade de armazenar e transportar vapor d’água (Bindoff (2005b) mostra evidências de mudanças de longo termo nos oceanos. Portanto, a detecção de mudanças na salinidade nos oceanos é uméindicador das das 261 nos oceanos. Portanto, a detecção de mudanças na salinidade nos oceanos um indicador da salinidade do fluxo de água docesobre na região dosno giros no et 2007; Emori eda Brown, 2005;eMeehl al., 2007;instrumental Tren- instrumental tendências noal.,sinal da precipitação evaporação, paraeinferências sobre mudanças 262 tendências no sinal precipitação eetevaporação, para inferências mudanças ciclo ciclo hidrológico. 263 hidrológico. berth et al., 2007), fazendo com que haja um aumento da oceânicos e em escalas de bacia nos últimos 50 anos. 269 270 271 272 273 274 275 Tendências da salinidade das camadas próximas à superfície mostram que em geralmente 269 Tendências da salinidade das camadas próximas à superfície mostram queregiões em regiões geralmente oceanos. Portanto, a detecção de mudanças na salinidade que são normalmente associadas a maior precipitação dominadas por evaporação apresentam aumento de salinidade em todas as bacias oceânicas. Em Em 270 dominadas por evaporação apresentam aumento de salinidade em todas as bacias oceânicas. oceanos indicador das tendências no sinal da pre-as mostram tendências de diminuição dasão salinidade (Anregiões de nos alta latitude, em ambos os hemisférios, águas superficiais que são 271 regiões de altaé um latitude, em ambos os hemisférios, as águas superficiais que normalmente normalmente associadas com maior precipitação mostram tendências diminuição da Boyer salinidade (Antonov 272 associadas com maior precipitação mostram tendências deetdiminuição daetsalinidade (Antonov et al., cipitação e evaporação instrumental para inferências sobre detonov al., 2002; al. 2005b). Apesaretdeal., não 2002,2002, Boyer et al. 2005). Apesar de não ser um fator determinante, o derretimento do gelo, 273 Boyer et al. 2005). Apesar de não ser um fator determinante, o derretimento do mudanças no ciclo hidrológico. ser um fator determinante, o derretimento do gelo, gelo, a advecção e mudanças na célula de revolvimento meridional também podem contribuir para as 274 advecção e mudanças na célula de revolvimento meridional também podem contribuir para as anomalias na salinidade, (Häkkinen, 2002).2002). 275 anomalias na salinidade, (Häkkinen, 264 265 266 267 268 amplitude cicloethidrológico, de Tendências da salinidade próximas Os estudos de Antonov al.,et2002 eaumento Boyer etevaporação al.,et2005 constataram que asque águas decamadas superfície dos à dos 264 Os estudos dedoAntonov al.,i.e.,2002 e Boyer al., 2005 constataram as das águas de superfície subtrópicos tornaram mais salgadas que as águas de altas latitudes tornaram mais 265 subtrópicos sedominadas tornaram mais salgadas enquanto que as águas deque altas latitudes tornaram emseregiões por processos de enquanto evaporação e mais superfície mostram em regiões geralmente domi-mais doces.doces. A análise de regiões dados globais de realizado por Boyer et al. et (2005) mostra evidências 266 A análise de dados globais de salinidade realizado porevaporação Boyer al. (2005) mostra evidências chuvas em dominadas pelasalinidade precipitação (Durack e nadas por apresenta-se aumento de salinide mudanças de longo termotermo da salinidade e do fluxo de água região dos giros oceânicos e 267 de mudanças de longo da salinidade e do fluxo de doce água na doce na região dos giros oceânicos e Wijffels, 2010). Consequentemente, essa amplificação dos dade em todas as bacias oceânicas. Em regiões de alta em escalas de bacia nos últimos 50 anos. 268 em escalas de bacia nos últimos 50 anos. processos de superfície irá afetar o sinal da salinidade nos latitude, em ambos os hemisférios, as águas superficiais 276 276 Análise de dados obtidos no período de 1950 e 1990, entre entre 50S e50S 60N, evidenciam uma diminuição Análise de dados obtidos no período de 1950 e 1990, e 60N, evidenciam uma diminuição 277 277 da salinidade próxima às regiões polares e ume grande aumento de salinidade nas camadas da salinidade próxima às regiões polares um grande aumento de salinidade nas camadas Observações costeiras e oceânicas 107 278 278 superiores das regiões tropicais (Curry(Curry et al. et2003). Nas camadas superiores (acima de 500m), superiores das regiões tropicais al. 2003). Nas camadas superiores (acima de 500m), 8 8 Data:Data: 23/11/2011 23/11/2011 advecção e as mudanças na célula de revolvimento me- Essas alterações da salinidade podem também indi- ridional também podem contribuir para as anomalias na car mudanças da dinâmica da circulação dos oceanos. salinidade (Häkkinen, 2002). Cálculos da anomalia do calor armazenado no Atlântico 3 . 4 . 3 C ontribuição de descargas fluviais no Atlântico S ul Análise de dados obtidos no período de 1950 a 1990, Sul, separando-se as contribuições termostéricas e ha- O ciclo hidrológico sobre os continentes conta com um ex- Estudos baseados em dados do GRDC (Global entre 50ºS e 60ºN, evidenciam uma diminuição da salini- lostéricas, sugerem tendências opostas devido a efeitos cesso de precipitação sobre a evaporação. Esse excedente Runoff Data Center) e outros mostram uma tendên- dade próxima às regiões polares e um grande aumento halinos, em cada lado da Corrente do Atlântico Sul (Sato de volume de água doce chega aos oceanos via descarga cia linear negativa na descarga global de água doce de salinidade nas camadas superiores das regiões tropicais e Polito, 2008). Do lado norte há uma tendência de de- fluvial e é transportado para fora de sua região de origem nos oceanos (Dai et al., 2009). Embora não seja uma (Curry et al. 2003). Nas camadas superiores (acima de 500 créscimo na contribuição halostérica, o que implica em pelas correntes oceânicas. A descarga total no Atlântico é tendência significativa, o coeficiente de correlação entre m), verificou-se uma tendência de aumento de 0,1 a 0,4 uma tendência de diminuição da altura da superfície em de 0,608 Sv (1 Sv = 1x106 m3s-1) (Dai e Trenberth, 2002). a série analisada e o índice El Niño 3,4 é de 0,50. Essa entre as latitude de 25ºS a 35ºN. Ao sul de 25ºS registrou- escalas interanuais, possivelmente devido ao aumento A amplitude do ciclo sazonal é de 0,27 Sv, ou seja, 44% da correlação se deve à mudança na taxa de precipitação se uma tendência de diminuição da salinidade, com um da salinidade da Corrente do Brasil. Ao sul, os cálculos média, com máximo em maio e mínimo em dezembro, induzida pelo El Niño, sendo que a correlação entre a decréscimo de 0,2 psu. Análise de arquivos históricos apontam para uma tendência de elevação, em decor- aproximadamente em fase com a variação na descarga do descarga total no Atlântico e a precipitação nas bacias a e dados do programa Argo mostram aumento da salini- rência de diminuição da salinidade da Corrente das rio Amazonas (Dai e Trenberth, 2002). ele associadas é de 0,58. dade em regiões dominadas pela evaporação e diminu- Malvinas. Essas tendências opostas de variação da altura ição naquelas onde a precipitação predomina (Durack e contra o gradiente médio de pressão em cada lado da Wijffels, 2010). Isto indica que as tendências da salinidade corrente implicam em uma diminuição das velocidades ocorrem em resposta à amplificação do ciclo hidrológico. geostróficas (Goni e Wainer, 2001). 3.4.2 M udanças nas regiões profundas 3 . 4 . 4 síntese Há indicações de que a salinidade do oceano Atlântico McCarthy et al., 2011) apontam para um aumento da sa- tropical e equatorial está aumentando nas últimas décadas linidade associada do lado norte da Corrente do Atlântico (Curry et al., 2003; Donners e Drijfhout., 2004; Boyer et al., Sul, dentro do giro subtropical, e diminuição da salinidade 2005; Durack e Wijffels, 2010). Este aumento é mais pro- ao sul da mesma. A consequência da variação halostérica é uma redução do fluxo para leste, desacelerando o giro. Curry et al. (2003) observaram uma tendência média de di- tem se tornado menos salina, com diminuição de 0,05 de sa- nunciado nas camadas acima da termoclina, porém tam- minuição de salinidade ao norte de 40N de 0,03 em águas linidade entre 1983 e 2009 (McCarthy et al, 2011). Em período bém se manifesta de forma relativamente clara no oceano profundas associadas às massas d’água do Mar do Labrador anterior, entre 1958 e 1983, esses mesmos dados indicam um profundo (Donners e Drijfhout, 2004). (AML) e uma diminuição da salinidade de 0,02, na Água In- aumento na salinidade de 0,03. A tendência de diminuição de Em altas latitudes, onde se formam as massas d’água aparentemente se devem às (i) mudanças na componente termediária da Antártica (AIA), no Atlântico Sul. Esse estudo salinidade no segundo período, que ocorreu consistentemente que ocupam o fundo dos oceanos globais, nota-se uma E - P sobre os oceanos e (ii) alterações no processo de mostra ainda que para uma faixa entre 30ºN e 40ºN, há um ao longo de toda a seção, reverteu a tendência de aumento diminuição de 0,1 a 0,5 de salinidade ao norte de 45oN, formação de águas de fundo em altas latitudes. aumento na salinidade de 0,05 na massa água do Mar do do primeiro período. Os resultados da análise indicam que a da superfície até o fundo (Curry et al., 2003). Já no Hemis- A falta de dados e baixa significância estatística de Mediterrâneo. Durack e Wijffels (2010) também apresentam diminuição da salinidade está relacionada com a intensificação fério Sul, também há evidências de redução da salinidade, alguns dos resultados obtidos por esses estudos, espe- uma análise da variação da salinidade desde a superfície até do ciclo hidrológico. O aumento na salinidade pode ser tam- porém esta restringe-se aproximadamente aos primeiros cialmente no Atlântico Sul, demonstram que, para a de- 2000 m de profundidade no Atlântico. bém explicado com o aumento do vazamento da Corrente das 500 m do oceano (Curry et al., 2003). terminação das mudanças da salinidade, é fundamental Dados obtidos em seções transatlânticas cobrindo toda a profundidade do oceano indicam que a região da termoclina 108 Painel brasileiro de mudanças climáticas Agulhas na forma de anéis que trazem águas mais salinas do oceano Índico para o Atlântico (Biastoch et al., 2009). Em médias latitudes no Hemisfério Sul, múltiplos estudos (e.g.: Sato e Polito, 2008; Durack e Wijffels, 2010; Não é observada tendência significativa na descarga fluvial no Atlântico. Portanto, as mudanças descritas acima estabelecer programas observacionais de longa duração no oceano profundo. Observações costeiras e oceânicas 109 3.5 Alte r açõe s n a C i r c u l aç ã o e M a s sa s d e Ág ua 3.5.1 C irculação geral e variabilidade climática do O ceano Atlântico S ul de precipitação aumentada (Piola, 2010). A observação de jffels, 2010). Entretanto, dados de oxigênio dissolvido sug- salinidade aumentada sobre regiões com excesso de evap- erem que o aumento de salinidade observado de 1958 a oração e salinidade diminuída sobre regiões com excesso 1983 no leste do Atlântico Sul está associado ao aumento de precipitação sugere que essas mudanças são causadas de influência do Oceano Índico através do aumento do por uma amplificação do ciclo hidrológico (Durack e Wi- “vazamento das Agulhas” (McCarthy et al., 2011). 3 . 5 . 3 A lterações no vazamento das A gul h as no G iro S ubtropical e na C élula M eridional do Atlântico O Oceano Atlântico Sul é marcado pela sua circulação mé- se divide e a maior parte do seu transporte é dirigido para dia caracterizada pelo giro anticiclônico fechado, chamado norte através da Corrente de Benguela, que, por sua vez, Giro Anticiclônico do Atlântico Sul (Peterson e Stramma, alimenta a Corrente Sul-Equatorial (CSE). A CSE segue em Conforme discutido na Seção 3.2.2, existem evidências ob- ao polo, os quais também tendem a reduzir anomalias na 1991). Esse giro é mantido pela circulação geostrófica for- direção ao nordeste do Brasil, onde também se bifurca, servacionais e de modelagem indicando que o Módulo Anu- ressurgência de águas profundas (Farneti e Delworth, 2010). çada pela ação dos ventos na superfície do mar, sendo gerando um ramo para sul, que é a CB, e outro para norte, lar do Sul, o padrão de variabilidade interanual predominante Muito embora mudanças nos ventos de oeste pareçam muito semelhante em forma e extensão ao giro atmos- que é a Corrente Norte do Brasil (CNB). no Hemisfério Sul, está se deslocando em direção a uma fase ter impacto reduzido no transporte da CCA e na Corrente A Corrente Sul-Equatorial transporta uma mistura de mais positiva, associado ao aumento e deslocamento para sul das Malvinas (eg.: Fetter e Matano, 2008), as variabilidades Na sua borda ocidental, paralela ao continente sul- águas formadas ao sul da região de confluência das Cor- dos ventos de oeste neste hemisfério (Gille, 2002; Thomp- na intensidade e no rotacional do vento sobre o Atlântico Sul americano, o Giro Anticiclônico é delimitado pela Corrente rentes do Brasil e das Malvinas, com águas transportadas son e Solomon, 2002; Cai et al., 2003). Mudanças nos ventos podem ter impactos sobre a penetração para sul da Corrente do Brasil (CB). Como limite sul, o giro tem a região con- do Índico para o Atlântico, através dos anéis e filamentos de oeste no Hemisfério Sul podem modular a amplitude da do Brasil, o transporte do Giro Subtropical do Atlântico Sul e hecida como Frente Subtropical (FST), na qual a circulação na região de retroflexão da Corrente das Agulhas, ao Sul célula meridional (Toggweiler e Samuels, 1995; Gnanadesi- o aporte de águas do Oceano Índico através da Corrente das oceânica é dominada por um sistema de correntes chama- da África. Essa mistura de águas contribui para o ramo su- kan, 1999) e o transporte da Corrente Circumpolar Antártica Agulhas. Simulações numéricas de alta resolução sugerem do de Corrente do Atlântico Sul, ou Corrente Sul-Atlântica perior da Célula Meridional do Atlântico (CMA) (Peterson (CCA). Testes recentes desse efeito usando modelos com que o último, o “vazamento das Agulhas”, pode estar au- (CSA). Quando se aproxima do continente africano, a CSA e Stramma, 1991). resolução de vórtices oceânicos sugerem que o aumento mentando em resposta ao deslocamento para sul da forçante para norte do transporte de Ekman, associado ao aumento do vento, contribuindo para a salinização do Atlântico Sub- dos ventos de oeste no Hemisfério Sul, é largamente com- tropical Sul, com impactos na célula meridional do Atlântico pensado por fluxos turbulentos de mesoescala em direção (Biastoch et al., 2009). férico subtropical que domina o oceano Atlântico Sul. 3.5.2 V entilação e formação de massas de água Mudanças nas características de massas de água na região dos hidrográficos históricos (Roemmich e Gilson, 2009). subtropical do Atlântico Sul podem ter impactos substanci- As mudanças observadas são consistentes com a evidência ais na temperatura de superfície do Atlântico Norte, sobre de aquecimento recente de águas mais densas (γ > 27,5kg a atmosfera e na célula meridional de circulação do Atlân- m-3; γ representa a “anomalia de volume específico”, ou tico Sul (Weijer et al., 1999, 2001; Graham et al., 2011). seja, é a diferença entre o volume de água do mar em Análises de dados hidrográficos históricos têm revelado qualquer ponto do oceano e o volume específico da água que de 1955-1969 para 1985-1999 as camadas superiores do mar com salinidade 35 partes por mil (‰) e tempera- Há muita expectativa acerca da possibilidade de in- em dia pelo menos 1 bilhão de pessoas (e.g.: http:// do Oceano Atlântico entre 25S e o equador se tornaram tura 0oC, sob a mesma pressão) ao sul de 50ºS e resfria- úmeras cidades próximas ao mar ao longo do globo so- colli239.fts.educ.msu.edu/2007/10/15/sea-level-rise-of- mais salgadas em cerca de 0,05 a 0,5 (Curry et al, 2003). mento de águas mais leves (27,0 > γ > 27,2 kg m-3) mais frerem consequências diretas com as alterações no nível 25-meters-would-displace-about-1-billion-people-2007/). Em contraste, águas subtermoclínicas e subpolares entre ao norte (Böning et al., 2008; Gille et al. 2002). Similar- médio do mar associadas às mudanças climáticas. Ao Mesmo não atingindo aumentos tão elevados, ape- 45 e 10S têm se tornado menos salinas, em cerca de 0,05 mente, redução de salinidade de forma coerente em toda considerar a variabilidade do nível do mar em escala de nas 1 metro no nível médio do mar em escala global a 0,1. Tendências similares na temperatura e salinidade a bacia tem sido observada ao longo de 24ºS em toda a tempo geológica, com a configuração atual das cidades afetaria inúmeras localidades: áreas situadas abaixo do do oceano são observadas quando dados recentes dos termoclina no período 1983-2009 (McCarthy et al., 2011). ao longo do globo, um aumento hipotético de 25 metros atual nível do mar, como é o caso dos Países Baixos no flutuadores Argo (2004-2008) são comparados com da- O afloramento de inverno dessas águas reflete uma região no nível médio dos oceanos globais poderia afetar hoje norte da Europa, assim como ilhas tropicais, podem ser 110 Painel brasileiro de mudanças climáticas 3.6 Alt e r açõe s n o nív e l d o mar e na f r e q u ê nc ia d e e x t r e m o s na mar é m e t e o r o l ó g i c a Observações costeiras e oceânicas 111 permanentemente inundadas caso algumas perspectivas férico sobre águas superficiais mais aquecidas em boa de tendências se confirmem nas próximas décadas. No parte do globo. Levitus et al. (2005) apresentam uma compilação da puderam fazer estimativas de prazo mais longo. Em seguida, variação do calor armazenado nos oceanos no período Lombard et al. (2005b) contestaram Cabanes et al. (2001), Brasil, muitas cidades da orla marítima são totalmente Trabalhos envolvendo modelagem climática acop- 1955-2003, com base em séries históricas retrabalhadas e pois, ao isolar e re-estimar separadamente os efeitos com- vulneráveis a este tipo de influência, inclusive capitais de lada, em que diferentes cenários são simulados em fun- inúmeros dados atualizados, detectando um aumento de binados, encontraram taxas de 1,4+/-0,5 mm ano-1 devido vários Estados da Federação (Neves e Muehe, 2008). ção da concentração dos gases do efeito estufa, como 14,5x1022J nos primeiros 3000 metros, o que corresponde unicamente ao efeito eustático (acréscimo de volume), o Com o aumento do nível médio do mar, é possível Meehl et al. (2005), indicam que mesmo com uma esta- a um aumento médio de temperatura de 0,037oC. Mais de qual tem sido identificado como dominante nas últimas associar ocorrências de eventos extremos de inunda- bilização das concentrações do final do século XX e uma 50% deste aumento ocorreu na Bacia do Atlântico e, apesar décadas e será melhor detalhado na seção posterior. ções nas regiões costeiras mais frequentes. Não ob- estabilização do aumento de temperatura por volta de do maior aumento de temperatura ter ocorrido no Atlântico Church et al. (2008) apresentam uma abordagem bas- stante, a ocorrência desses eventos possui dependência 2020-2030, o nível do mar continuará a apresentar taxas Norte, não foi na mesma região em que a maior parte do cal- tante completa, destacando a correspondência das medidas direta do comportamento dos sistemas atmosféricos crescentes de aumento, podendo alcançar, no final do or foi armazenado. Posteriormente, Lombard et al. (2005a), altimétricas com o cálculo da expansão térmica da camada transientes, cujas projeções também envolvem consid- século XXI, valores até 3 vezes superiores àqueles veri- analisando o efeito estérico no período 1950-1999 com base 0-700 m. Estes mesmos autores analisam as projeções dos erações acerca de alterações do comportamento atmos- ficados atualmente. em duas diferentes bases de dados oceânicos (Levitus et al., modelos climáticos capazes de representar este acúmulo 2005; Ishii et al., 2003), esbarraram nas limitações ineren- de calor pelos oceanos, fazendo menção explícita à com- tes aos conjuntos de dados e, mesmo complementando a ponente devido ao potencial degelo não incluído nestas análise com 10 anos de dados altimétricos (1993-2003), não simulações (Fig.3.6.2). 3.6.1 A lterações devido ao aumento de temperatura Padrões espaciais do aumento do nível do mar no período dos por Church et al. (2004), os quais identificaram um inter- de 1950-2000 a partir de dados de altimetria e reconstruções essante comportamento ao analisar o Atlântico Sul, cuja por- históricas baseadas em dados de marégrafos foram identifica- ção oeste apresenta diminuição do nível do mar (Fig. 3.6.1). F i g. 3 .18 6.2 1.0 1.0 1.2 Paleo estimates 0.06 0.06 Sea level Sea level (m)(m) 60ºN 60ºN 60ºN 30º 30º 30º EQ EQ EQ 30º 30º 30º Additional contribuitions Additional contributions from potentialice-sheet ice−sheet from potential dynamic processes dynamic processes Tide gauges Satellite altimeters 0.04 0.04 0.02 0.02 Model Model projections projections 0.00 0.00 1990 1995 2000 2005 1990 19952000 2005 0.4 0.4 Year Year 0.2 0.2 60ºS 60ºS 60ºS -0.5 0.6 0.6 Sea (m) Sealevel level (m) 0.8 0.8 90ºE 90ºE 180º 180º 180º 0 1 2 90ºW 90ºW 90ºW 3 0.8 Tide gauges ± error Liverpool & Am 0.6 0.4 0.2 0 0º0º 0º 4 1 Global Mean Sea Level (m) F i g . 3 . 6.1 5 -0.5 00123 1 2 3 4 5 -0.5 45 -1 -1 mm mm mm yr-1 0.0 0.0 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050 2060 2070 2080 2090 2100 1990 20002010 20202030 204020502060 2070208020902100 Year −0.2 1500 1600 Year Fig. 6 Projected sea-level rise for the 21st century. The projected Fig. 7 Sea levels from range of global-averaged sea-level rise from the IPCC (2001) mostrada pelas linhas e sombreado (o sombreado escuro representa o envelope médio de todos os cenários SRES, o sombreado claro é o envelope para todos os cenários, e as linhas nas range of paleo observatio assessment report for the period 1990–2100 is shown by the lines extremidades incluem incertezas adicionais relativas ao gelo continental). A atualização do AR4-IPCC feita em 2007 está mostrada pelas barras plotadas em 2095, a barra magenta é o range from 1700 to 1860 indi and shading (the dark shading is the model average envelope for all projetado pelos modelos e a barra vermelha é o range estendido porém pobremente quantificado, que permite incluir a potencial contribuição de uma resposta dinâmica do gelo sobre a Europe’s longest tide-ga SRES greenhouse gas scenarios, the light shading is the envelope for Groelândia e a Antártica ao aquecimento global. Observe-se que o AR4-IPCC afirma que “valores maiores não podem ser excluídos, mas o entendimento destes efeitos from é muito limitado Fig. 2, the dark lin all models and all SRES scenarios, and the outer lines include an para avaliar sua probabilidade ou fornecer uma melhor estimativa ou um limite superior para o aumento do nível do mar”. A inserção mostra a projeção de 2001 em comparação com a taxa sea level from F average allowance for an additional land-ice uncertainty). The updated AR4 observada estimadaIPCC a partir de projections marégrafos (azul) e satélites altimétricos (laranja) (baseadolimits) em Church etmade al., 2001; Meehl et al., 2007;are Rahmstorf et al., 2007). the projections from Fig. (90% confidence in 2007 shown by the bars plotted at 2095, the magenta bar is the range of model projections and the red bar is the extended range to allow for the potential but poorly quantified additional contribution from a dynamic warming of about 3 response of the Greenland and Antarctic ice sheets toObservações global warming. costeiras e oceânicas 113 Note that the IPCC AR4 states that ‘‘larger values cannot be excluded, industrial values (G but understanding of these effects is too limited to assess their sustained warming ab likelihood or provide a best estimate or an upper bound for sea-level Figura 3.6.2 - Projeções do aumento do nível do mar para o século 21. A projeção de amplitude do aumento médio do nível do mar em escala global obtida pelo AR-IPCC (2001) é Figura 3.6.1 – Distribuição regional do aumento do nível do mar entre janeiro de 1950 e dezembro de 2000, a partir de reconstrução dos campos de nível do mar usando dados de marégrafos. A linha sólida representa 2,0 mm/ano e os intervalos de contorno são de 0,5 mm/ano (Fonte Church et al. (2004). 112 Painel brasileiro de mudanças climáticas an ongoing wastage o Accelerations in regional time series Despite the similarities referred time to above, 5. Accelerations in regional seriesit is clear from Figure 2 that some of the records from other parts of Despite the similarities referred to above, it is clear from the world do not demonstrate the same behaviour as Figure 2 that some of the records from other parts of the European, North American or ‘global’ time series. the world do not demonstrate the same behaviour as Therefore, it is of interest to consider in more detail the European, North American or ‘global’ time series. how any observed acceleration varies spatially, and if Therefore, it is of interest to consider in more detail Woodworth et al. (2009) enfatizam a complexa quansimilar findings are obtained in the different analyses. how any observed acceleration varies spatially, and if We concentrate on the evidence from the individual long tificação are das mudanças aumentoanalyses. do nível do similar findings obtainednas in taxas the de different records and results from the CW06 and J06 methods. We concentrate thedoevidence from the individual long mar of aoon redor globo (Fig.3.6.3), fazendo as devidas A property the CW06 method is that it can produceasrecords and results from the CW06 and J06 methods. comsea-level mudanças trends de longoand prazo na pressão atnear-globalsociações maps of accelerations, A property of the CW06 method is that it can produce even for regions with no tide gauge data, by relying the no sea-level vento e no conteúdo de calor. Esteson autores near-globalmosférica, maps of trends and accelerations, spatial interpolations between the available data provided even for regions with no menção tide gaugeséries data,temporais by relying the também fazem dosoníndices by the EOFs. Figure 4 showsa the spatial distribution spatial interpolations between the available data provided climáticos ao do século XXterm e suasfor correspondências of the coefficient of longo the quadratic the period by the EOFs. Figure 4 shows the spatial distribution 1870–2000, corresponding to the period of analysis of com a variabilidade das taxas de term aumento nívelperiod do mar of the coefficient of the quadratic fordothe Figure 1(a)–(d). Coefficients are positive in most parts of 1870–2000, corresponding to theterrestre. period of analysis of distintas partes doexception globo the ocean, nas with the primary of the West Pacific Figure 1(a)–(d). Coefficients are positive in most parts of Projeções aindaThis mais feature alarmantes recentemente and East Indian Oceans. is foram consistent with the ocean, with the primary exception of the West Pacific the trend to more El Niño-like conditions after nas thequais 1976as apresentadas por Grinsted e Moore and East Indian Oceans. This feature is (2010), consistent with climate shift (Folland et al., 2001; Trenberth et al., 2002 the trend to more El Niño-like conditions after the 1976 projeções do in IPCC consideraveland see below) and atualizadas a minimum thesubestimam rate of sea-level rise climate shift (Folland et al., 2001; Trenberth et al., 2002 mentePacific/eastern as taxas projetadas de aumento mar in the western Indian Oceandoin nível the do latter and see below) and a minimum in the rate of sea-level rise half of thecom 20thbase century (Church et al., 2004). A smaller em reconstruções paleogeológicas. Esteslatter resulin the western Pacific/eastern Indian Ocean in the region of negative coefficients can be seen in the northern half of thetados 20th centurypara (Church et al.,de2004). A smaller um aumento 1 metro nível do North Atlantic. apontam A similar spatial distribution for ado slightly region of negative coefficients can be seen in the northern extended period provided the global average acceleration North Atlantic. A similar spatial distribution for a slightly of 0.013 ± 0.006 mm/year2 from 1870 onwards reported extended period provided the global average acceleration F i g . 3 . 6.3 in CW06. 2 of 0.013 ± 0.006 mm/year from 1870 onwards reported in CW06. extent near to Portugal and in the North Sea (the CW06 quality tide gauge records are to be found). Common neganalysis does not extend to the Baltic where many highative acceleration can be seen for Japanese waters. Some quality tide gauge records are to be found). Common negcontrary findings can be seen for the seas near Sydney and ative acceleration can be seen for Japanese waters. Some Mumbai, and for the Mediterranean which demonstrates contrary findings can be seen for the seas near Sydney and positive acceleration as shown in Figure 4 compared with Mumbai, and for the Mediterranean which demonstrates negative values in Figure 1(b). (More detailed comparpositive acceleration as shown in Figure 4 compared with isons of Indian data with the CW06 reconstructions have negative values in Figure 1(b). (More detailed comparbeen given by and 2007). Howmar até ao Unnikrishnan invés with dos valores entreShankar, 0,3 e 0,4 inicialisons of 2100, Indian data the CW06 reconstructions have ever, some disagreements are perhaps to be expected as been by Unnikrishnan mentegiven determinados (Fig.3.6.4). and Shankar, 2007). Howthe individual tide gauge records do not always span ever,Resultados some disagreements are perhaps to para be expected as de recentes compilações dados Port the entire 1870–2000 period andde the EOF parameterithe individual tide gauge records do not always span zation willnasbeIlhas increasingly imperfect as por oneWoodtravels back Saintentire Louis Falklandsperiod foram apresentados the 1870–2000 and the EOF parameteriin time (and determines an acceleration over a longer zation be increasingly imperfect as one worth etwill al. (2010). Ao confrontar os dados da década de travels 1980 back period). The level of agreement between the original tide incom timemedições (and determines an acceleration realizadas James Clark Ross emover 1842, can aa longer gaugeas records and the por CW06 reconstructions been period). The level of agreement between the original tide seen forcom the asexample time series in Figure 2. The recontambém recentes medições maregráficas de 2009 em gauge records and the CW06 reconstructions can been struction time series are considerably smoother than those conjunto altimétricos, fica evidente um aumento seen for com the dados example time series in Figure 2. The reconof the individual records owing to the spatial averaging struction time series aredo considerably smoother than those da taxa de through aumento do nível marthe daslargest décadas recentes em imposed the use of spatial-scale EOF of the individual records owing to the spatial averaging modes. Quadratic coefficients obtained from the individrelação ao século passado (0,75mm/ano de 1842 a 1980 verimposed through the use of the largest spatial-scale EOF ual and fromemthe reconstructions tend to corresus records 2,5 mm/ano de 1992 diante – obtained era satelital from juntamente modes. Quadratic coefficients the individspond more closely when years within the data gaps of the ual records and from the reconstructions tend to correcom marégrafos). De are certaalso forma, estes aspectos individual records ignored in the refletem reconstruction spond more closely when years within the data gaps of the time series, providing further confidence in consistency a complexidade de fatores que regendo o comportaindividual records are alsoestão ignored in the reconstruction between analyses. mentoseries, do nívelproviding do mar nas décadas e o degelo dos time furtherrecentes, confidence in consistency A comparison can also be made between the individual between analyses. é o ponto a ser destacado a seguir. glaciares continentais long station records and the regional time series of A comparison can also be made between the individual J06 obtained by their ‘virtual station’ stacking technique long station records and the regional time series of which made use of short as well as long records. Their J06 obtained by their ‘virtual station’ stacking technique analysis subsequently combined the 12 regional series which made use of short as well as long records. Their analysis2 subsequently combined the 12 regional series Coefficient (mm/yr ) F i g. 3 . 6 . 4 1.6 1.5 1.4 GSL relative to 1980-1999 (m) 5. 1.2 1 1 0.8 0.5 0.6 0.4 0 1960 20002020 20402060 20802100 0.2 0 0.2 200 400 600 800 100012001400160018002000 Year (AD Figura 3.6.4 - Nível do mar projetado com base no cenário A1B do IPCC usando reconstruções de temperatura (Moberg et al., 2005). Distribuição empírica de probabilidade do nível de mar obtida a partir de conjunto inverso de Monte Carlo com 2 milhões de realizações. A linha preta fina representa a média, a faixa cinza escuro representa um desvio-padrão, a faixa cinza claro representa os percentis de 5 e 95%. 180º90ºW 0º 90ºE 180º 90ºN 90ºN A linha preta grossa representa o nível médio global reconstruído (Jevrejeva et al. 2006) estendido para 1700 usando o nível do mar de Amsterdam (van Veen 1945). Caixa mostra a estimativa do cenário A1B do IPCC. Inserções mostram as projeções e ajustes aos dados GSL em maior detalhe. 45ºN 45ºN 0º 45ºS 0º 3 . 6 . 2 A umento de massa devido a degelos de geleiras continentais 45ºS Determinações pioneiras do aumento do nível do mar dev- em escala regional com base em campos de temperatura ido ao degelo dos glaciares foram apresentadas por Meier oriundos de modelagem acoplada climática pioneira com (1984), que já naquela época afirmava que a contribuição o HADCM3 (Hadley Centre Coupled Model, version 3), dos glaciares poderia representar de 1/3 a 1/2 do aumento para a representação do efeito do aumento dos gases do nível do mar. De acordo com este autor, as estimativas do efeito estufa e também com a inclusão de aerossóis. de aumento de temperatura de 1,5 a 4,5ºC até o final do Foram encontradas variações alarmantes de 5 metros no século XXI estariam associadas a variações positivas de 8 nível médio do mar, sendo quase a metade deste aumento a 25 cm no nível médio do mar, e isso sem considerar o devido unicamente ao degelo (132 mm de contribuição efeito das grandes porções de gelo presentes na Groen- dos glaciares de modo geral, sendo 76 mm apenas do lândia e em outras partes do globo. Mais de uma década degelo da Groenlândia). Nesta mesma linha, Rignot et al. depois, Gregory (1998) apresentou estimativas de degelo (2003) apresentaram estimativas da contribuição do de- 90ºS 90ºS 180º90ºW 0º 90ºE 180º Figure 4. Spatial distribution of the quadratic coefficient of acceleration (half 0.004 of the acceleration itself) from the 0.020 analysis of CW06. The black -0.020 -0.016 -0.012 -0.008-0.004 -0.000 0.008 0.012 0.016 line indicates the zero acceleration contour. Figure 4. Spatial distribution of the quadratic coefficient of acceleration (half of the acceleration itself) from the analysis of CW06. The black line indicates the zero acceleration contour. Int. J. Climatol. 29: 777–789 (2009) Copyright 2008 Royal Meteorological Society DOI: 10.1002/joc Figura 3.6.3 - Distribuição espacial do coeficiente de quadrático de aceleração (metade da aceleração propriamente dita) a partir da análise Int. J. Climatol. 29: 777–789 (2009) Copyright 2008 Royal Meteorological Society de Churh & White (2006). A linha preta indica o contorno de aceleração zero. DOI: 10.1002/joc 114 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 115 gelo na Patagônia para o aumento do nível médio do mar, de CO2 atingia 1250±250 ppmv e o nível do mar era 73 met- das anteriores. Um resultado similar foi encontrado para Atlântico Sul para o período de 1951 a 1990, com o intuito comparando dados da missão SRTM2000 (NASA Shuttle ros acima do nível atual; por outro lado, no último máximo a média decadal das alturas máximas de MMPs. Nesse de identificar a influência atmosférica em escala sinótica Radar Topographic Mission, Edition 2000) com material glacial, cerca de 21000 anos atrás, as concentrações de CO2 caso, a média de altura das últimas 2 décadas excedeu a sobre o oceano, para eventos extremos de maré meteo- cartográfico histórico referente aos 63 maiores glaciares da eram as menores registradas (185 ppmv), e o nível do mar das prévias décadas em cerca de 8 cm. A média decadal rológica na costa sudeste brasileira. Os autores identifi- região. Este estudo revelou que a perda de massa apenas encontrava-se 120 metros abaixo do nível atual. da duração máxima anual desses eventos meteorológicos caram a variabilidade sazonal e concluíram que o outono nestes glaciares no período 1968/1975 a 2000 foi equiva- No trabalho de Sheperd e Wingham (2007), o volume mostrou um aumento de 2 horas nas últimas três décadas. e o inverno apresentaram a maior ocorrência de extremos lente a um aumento de 0,04± 0,002mm/ano no nível estimado do degelo considerando Antártica e Groenlândia Os autores atribuem uma possível explicação para essas positivos (40,2% e 30,8%, respectivamente), enquanto médio do mar; além disso, mais recentemente, de 1995 é aproximadamente 125Gt ano-1, o que equivale a uma alterações em frequência, altura e duração de MMPs em que primavera e inverno ficaram com maior número de a 2000, a diminuição da espessura destes glaciares devido taxa de aumento médio do nível equivalente do mar de Mar Del Plata a um aumento do nível relativo do mar. extremos negativos (47,2% e 32,3%, respectivamente). ao aumento da temperatura e à diminuição da precipita- 0,35 mm ano-1. Estes autores afirmam que este valor é Especificamente para a costa brasileira, Campos et al. Os resultados mostram que os casos mais importantes ção equivale a uma taxa de aumento de 0,105± 0,011 mm muito inferior aos 3 mm ano-1 recentemente detectados (2010) utilizaram dados de elevação do nível do mar do de elevações positivas do nível do mar ocorrem com a ano-1, a qual supera a contribuição dos glaciares do Alasca de aumento de nível do mar em algumas localidades, mas Porto de Santos-SP e campos de vento e pressão em su- evolução e persistência de sistemas de baixa pressão so- no aumento do nível do mar. enfatizam que os processos de degelo vêm apresentando perfície do NCEP/Reanalysis (Kalnay et al., 1996) (base de bre o oceano, com ventos de sudoeste acima de 8 m/s, nítida aceleração ao longo da última década, fato que pode dados continuamente atualizada, representando o estado juntamente com o anticiclone da retaguarda posicionado aumentar ainda mais estes valores. da atmosfera da Terra, com a incorporação de observações sobre o continente. Estes autores apresentam ainda uma Alley et al. (2005) afirmam que o comportamento dos glaciares da Antártica e da Groenlândia é crucial e dominante para a taxa de aumento do nível do mar ao longo do sé- Recentemente, Mitrovica et al. (2009) discutem a e de previsão numérica de tempo, elaborada pelo National estatística sobre a ocorrência de eventos extremos positi- culo XXI, e que, se forem completamente derretidos, podem questão de um aumento não homogêneo do nível do mar Centers for Environmental Prediction, USA), abrangendo o vos e negativos para o período 1951-1990 (Tab. 3.6.1). gerar um aumento de até 70 metros no nível do mar. As taxas em função da atração gravitacional que a massa congelada de aumento do nível do mar têm suas maiores incertezas exerce no oceano adjacente. Em suas considerações, estes em função deste comportamento. Além disso, levantam a autores analisaram o impacto do colapso da WAIS (West questão da influência do aporte de água doce em regiões es- Antarctic Ice Shelf), o qual mudaria a posição do Polo Sul pecíficas do globo na circulação oceânica de larga escala, que em cerca de 200 metros na direção oeste, e este pequeno Acima de +2 d.p Primaver a V erão Outono I nverno Total por sua vez pode afetar o transporte meridional de calor. Um deslocamento no eixo de rotação aliado ao efeito gravita- 1951 - 1960 16 12 48 28 10 4 dado interessante em escala de tempo geológica é a varia- cional seria determinante sobre o nível do mar: o sul da 1961 - 1970 13 16 49 41 119 ção do nível do mar e da existência de glaciares ao longo da América do Sul iria experimentar menores aumentos do 1971 - 1980 19 26 53 36 134 história do planeta em função da concentração de CO2: du- que o aumento eustático homogêneo, enquanto maiores 10 47 42 120 tendências seriam observadas no Pacífico Norte, no Atlân- 1981 - 1990 21 rante a última época em que não havia gelo permanente no planeta, cerca de 35 milhões de anos atrás, a concentração tico Norte e no Índico. 3.6.3 Alterações na frequ ência de ocorr ência de e xtremos de maré meteorológica Tabela 3.6.1a – Quantificação dos eventos superiores a +2 desvios-padrão, considerando a série filtrada de valores diários de elevação do nível do mar. Fonte: Campos et al. (2010). Tabela 3.6.1b – Quantificação dos eventos inferiores a -2 desvios-padrão, considerando a série filtrada de valores diários de elevação do nível do mar. Fonte: Campos et al. (2010). Abaixo de -2 d.p Primaver a V erão Outono I nverno Total 1951 - 1960 30 6 10 26 72 D’Onofrio et al. (2009) analisaram séries de nível do mar ca Positiva (MMP) baseada na sua intensidade, duração 1961 - 1970 17 6 2 27 52 no período 1956-2005 referentes a Mar Del Plata, Argen- e frequência, e seus resultados mostraram um aumento 1971 - 1980 45 9 7 14 75 tina, e puderam indicar tendências relevantes que também no número médio de MMPs por década. Considerando 7 8 20 70 todos os eventos, a última década (1996-2005) exibiu um 1981 - 1990 35 podem ser de grande valia para a costa brasileira. Estes autores fizeram uma caracterização da Maré Meteorológi- aumento médio de 7% quando comparada com as déca- 116 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 117 3.7 Dessa forma, os autores indicam que as flutuações termos percentuais, as variações interdecadais do total de de escala sinótica associadas a condições específicas pos- eventos positivos estão em 13%, enquanto as variações suem um comportamento típico, as quais apresentam negativas em 23%. Considerando todo o período analisa- pouca variação ao longo dos anos, conforme evidenciado do, Campos et al. (2010) encontraram uma média anual de nas tabelas de quantificação de ocorrências (Tab. 3.6.1). 12 eventos de maré meteorológica acima de + 0,38 metros Há pequenas variações também no total de casos ao com- e 7 eventos de maré meteorológica abaixo de - 0,38 met- parar as décadas consideradas, com tendência ao aumento ros. É importante destacar que o período analisado por es- Os oceanos representam o compartimento mais impor- temporal, ou seja, por monitoramentos e por estudos pa- do número de extremos positivos de 1951 a 1980. No caso tes autores não inclui as décadas mais recentes, de modo tante do ciclo biogeoquímico global de diversos elementos leoceanográficos. Para tal, programas internacionais que de extremos negativos, os totais são em torno de 70 casos, a não permitir maior correspondência com os trabalhos essenciais, dentre eles o carbono. O estoque de carbono visam o estudo da variabilidade de parâmetros oceanográ- com exceção da década 1961-1970, com apenas 52. Em referentes à costa da Argentina. nos oceanos supera em cerca de 50 vezes o estoque at- ficos e seus efeitos sobre diversos ciclos biogeoquímicos, mosférico (SCOR, 1988) e a dinâmica das trocas gasosas tais como GEOSECS (Geochemical Ocean Sections Pro- entre a atmosfera e o oceano exerce um papel fundamen- gram), WOCE (World Ocean Circulation Experiment), tal nos ciclos biogeoquímicos, como também nas mudan- JGOFS (Joint Global Ocean Flux Study), OACES (Ocean 3.6.4 S íntese M u da n ç a s n a b i o g e o q u ím i c a o c e â n i c a, i n c lu i n d o ac i d i f i c açã o d o o c e a n o 3 . 7.1 O C iclo de C arbono no Atlântico T ropical O comportamento do nível relativo do mar deve ser anali- Neste subcapítulo foram apresentadas considerações ças climáticas. Estas trocas são moduladas pelo desequilí- Atmospehere Carbon Exchange), BOFS (Biogeochemical sado e projetado considerando a contribuição do aumento acerca do conhecimento atual das tendências do nível brio entre as pressões parciais do CO2 na atmosfera e na Ocean Flux Study), SOLAS (Surface Ocean Lower Atmo- da temperatura das águas, o chamado efeito estérico, as- relativo do mar em escala global, tentando enfatizar quan- superfície dos oceanos, sendo uma consequência de com- sphere Study) e CARBOCEAN (Marine Carbon Sources sim como o acréscimo de volume em função do degelo do possível os diversos tipos de determinações sobre o plexas interações físicas, químicas e biológicas, incluindo and Sinks Assessment), dentre outros, têm contribuído dos glaciares continentais, o efeito eustático, além da par- Atlântico Sul e, em especial, na costa do Brasil. Estudos as alterações provocadas por atividades humanas. com dados desde a década de 70. A despeito destes pro- cela devida ao efeito isostático, que é referente à movi- realizados com base em observações in situ são pouco Ao longo das últimas décadas, a comunidade científica gramas internacionais, o Oceano Atlântico Tropical, em es- mentação vertical do continente. O monitoramento destes numerosos, basicamente em função da baixa disponibi- tem utilizado diferentes abordagens na tentativa de quanti- pecial a margem oeste do Atlântico Sul, ainda representa parâmetros, também em parte realizado nas duas últimas lidade de séries longas de nível do mar. Mesmo assim, ficar a contribuição das trocas de carbono inorgânico entre uma das regiões menos estudadas do planeta. Neste sen- décadas pelas plataformas orbitais, evidencia que o prob- taxas de aumento do nível do mar na costa sul-sudeste a atmosfera e os oceanos (Gruber et al, 1996; Sabine et tido, um importante esforço observacional foi decorrente lema é bastante complexo e que diferentes comportamen- já vêm sendo reportadas pela comunidade científica al., 2004). A despeito destas tentativas, uma abordagem do Programa REVIZEE (Programa Nacional de Avaliação do tos são constatados ao redor do globo. De acordo com brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90, metodológica conclusiva ainda não foi atingida (Vásquez- Potencial Sustentável de Recursos Vivos da Zona Econômi- as determinações recentes, grande parte das projeções de com base nas séries maregráficas de Cananeia, Santos, Rodriguez et al, 2009). Apesar disto, Sabine e Feely (2007) ca Exclusiva), realizado no período 1995-2001. O Programa aumento do nível do mar para todo o século 21 deve ser Ilha Fiscal e Recife (Mesquita et al., 1986, 1995, 1996; Silva estimaram que cerca de do CO2 de origem antrop- REVIZEE, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, alcançada ao longo das primeiras décadas, o que faz com e Neves, 1991; Harari e Camargo, 1995; Neves e Muehe, ogênica que chega à atmosfera é absorvido pelos oceanos, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, destinou-se a que se configurem perspectivas mais preocupantes do que 1995; Muehe e Neves, 1995). concentrando-se nas camadas superficiais, acima da ter- proceder um levantamento dos potenciais sustentáveis de 1/ 3 aquelas divulgadas no início dos anos 2000. Variações de Por outro lado, são relativamente numerosos os estudos moclina (Sabine et al., 2004). A capacidade de absorção captura dos recursos vivos na Zona Econômica Exclusiva 20 a 30 cm esperadas para ocorrer ao longo do todo o em escala global, sejam de cunho observacional ou numéri- do CO2 atmosférico depende da integração de processos (ZEE) brasileira. Para tal, foram realizados cruzeiros ocean- século XXI já devem ser atingidas em algumas localidades co, que consideram a complexa combinação de fenômenos físicos, ligados à circulação, como também da ação da ográficos em distintos períodos do ano, com a obtenção até a metade do século ou até antes disso, e deverá haver que resultam nas variações de escala global do nível do bomba biológica, os quais exportam o carbono das cama- de dados físicos, químicos, biológicos e geológicos. Estas maior variabilidade espacial da resposta do nível do mar mar, cujos resultados ainda mantêm razoáveis discordâncias das superficiais dos oceanos para o oceano profundo e campanhas permitiram registrar a variabilidade sazonal da entre os distintos locais do globo. acerca do seu comportamento em longas escalas de tempo. finalmente para os sedimentos (Cardinal et al., 2005). estrutura termo-halina, da composição química da água do 118 Painel brasileiro de mudanças climáticas Simulações de variações de estados de equilíbrio das mar, da biota e das características geológicas do assoalho trocas entre a atmosfera e o oceano são constantemente oceânico (Hazin, 2009). A partir destes levantamentos, foi verificados através da aplicação de modelos numéricos, os possível construir cartas de distribuição espacial média quais necessitam ser validados por dados em larga escala de Temperatura (°C), Salinidade, Alcalinidade Total (TA, Observações costeiras e oceânicas 119 mmol.kg-1), Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC, mmol. 3.7.1). Valores positivos de FCO2 na Figura 1 indicam libera- Os níveis de CO2 atmosférico têm aumentado em do Modelo Climático Global (NCAR – National Center kg-1), e Fluxo de CO2 na interface oceano-atmosfera (FCO2, ção de CO2 do oceano para a atmosfera, enquanto que va- aproximadamente 40% desde o período Pré-industrial for AtmosphericResearch – Model 3.1), considerando mmol.m-2.dia-1), na borda oeste do Atlântico Tropical Sul, lores negativos de FCO2 representam a captura de dióxido até hoje, passando dos 280 ppmv (partes por milhão as alterações no pH e na concentração de íons carbona- adjacente às Regiões Norte e Nordeste do Brasil (Figura de carbono atmosférico. volume) para 390 ppmv em 2011 (Mauna Loa – NOAA/ tos no Oceano Atlântico Tropical, em condições de 2X e ESRL), sendo 50% deste acréscimo ocorridos nas últimas 3X a concentração pré-industrial de CO2, mostram uma três décadas (Feely et al., 2009). A concentração de CO2 diminuição de -0,13 e -0,28 no pH, de -21% e -40,8% atmosférico é atualmente a maior dos últimos 800.000 na concentração dos íons carbonatos, respectivamente anos (Luthi et al., 2008), o que aumenta a necessidade (Feely et al., 2009). Estes resultados confirmam os pos- de melhorar o entendimento do equilíbrio entre a atmos- síveis drásticos efeitos do aumento das concentrações de fera e a superfície dos oceanos. CO2 na atmosfera, no tocante aos equilíbrios químicos e F i g . 3 . 7.1 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 D I C ( µ mo l k g - 1 ) Alc ali ni dade Total (µm ol k g - 1 ) 2100 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 2500 2300 0º 2200 5ºS 2100 2000 10ºS 2050 5ºN 2400 LATITUDE LATITUDE 5ºN 0º 5ºS 10ºS 1900 15ºS 54ºW48ºW42ºW36ºW 30ºW 1800 15ºS 54ºW48ºW42ºW36ºW 30ºW alterações no balanço químico dos oceanos, em especial Dentre os diversos efeitos da acidificação dos ocean- 1950 alterando o pH e o equilíbrio dos íons carbonatos e do es- os, as alterações no equilíbrio do sistema carbonato dos 1900 tado de saturação de calcita (Ωca) e aragonita (Ωar). Com oceanos são aquele que apresenta a maior repercussão 1850 o aumenta na concentração do CO2 nas águas superfici- sobre o organismos marinhos, em especial nas taxas de 1800 ais, devido ao equilíbrio com a atmosfera, há a formação calcificação e na saturação da CaCO3. Os ecossistemas 1750 de mais H2CO3. A maior parte deste H2CO3 se dissocia coralinos têm sido frequentemente afetados em diversas formando HCO3- e H+, o qual reage com o CO3-2, pro- regiões costeiras do Brasil e do mundo (Leão, 1996; Leão duzindo mais íons HCO3-. O resultado destas reações no et al., 1997; Baker et al., 2008; Albright e Langdon, 2011). 1700 F C O 2 ( mmo l C O 2 m d ) -2 -1 15 5ºN 10 5 LATITUDE 0º 0 5ºS -5 10ºS 687 687 688 688 689 687 689 690 690 688 691 691 689 692 692 690 693 693 691 692 694 694 693 695 695 694 696 696 697 697 695 698 698 696 699 699 697 700 700 698 699 701 701 700 15ºS -10 -15 Figura 3.7.1 Distribuição espacial média de Temperatura (C), Salinidade, Alcalinidade total (TA, Figura 3.7.1 Distribuição espacial média de Temperatura (C), Salinidade, Alcalinidade total (TA, Longitude mmol.kg-1), Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC, mmol.kg-1), e Fluxo de CO2 na interface mmol.kg-1), Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC, mmol.kg-1), e Fluxo de CO2 na interface oceano-atmosfera (FCO2, mmol.m-2.dia-1), borda oeste do Atlântico Tropical Sul, adjacente oceano-atmosfera (FCO2, mmol.m-2.dia-1), nana borda oeste do Atlântico Tropical Sul, adjacente àsàs Figura 3.7.1 Distribuição espacial média de Temperatura (C), Salinidade, Alcalinidade total (TA, Regiões Norte e Nordeste do Brasil (1995-2001). Os pontos negros na figura indicam a localização Regiões Norte eCarbono NordesteInorgânico do Brasil (1995-2001). Os pontos negros naefigura a localização mmol.kg-1), Dissolvido (DIC, mmol.kg-1), Fluxoindicam de CO2 na interface estações amostragem do Programa REVIZEE. Adaptado de: Silva al. (2005a, Santos et Figura 3.7.1 Distribuição espacial média de Temperatura (°C), Salinidade,REVIZEE. Alcalinidade (TA, Adaptado mmol.kg-1), Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC, mmol.kg-1), e b),b), dasdas estações dede amostragem do Programa Silva et et al. (2005a, Santos et às oceano-atmosfera (FCO2, mmol.m-2.dia-1), naTotalborda oeste dode: Atlântico Tropical Sul, adjacente (2008), Medeiros (2009) e Macedo (2009). Fluxo de CO na interface (FCO mmol.m-2.dia-1), na borda oeste do Atlântico Sul, adjacente às Regiões e Nordeste do Brasil al.al. (2008), Medeiros et et al.al. (2009) e Macedo et et al.al. (2009). Regiões Norte e oceano-atmosfera Nordeste do2, Brasil (1995-2001). Os Tropical pontos negros na Norte figura indicam a localização 2 Os pontos na figura indicam ado localização das estações deREVIZEE. amostragem do Programa REVIZEE. Adaptado Silva et al.et (2005a, Santos et das(1995-2001). estações de negros amostragem Programa Adaptado de:de:Silva al.b),(2005a, b), Santos et al. (2008), Medeiros al.et(2009) al. (2008), Medeiros et al. (2009) eet Macedo al. (2009). e Macedo et al. (2009). níveisdedeCO2 CO2atmosférico atmosféricotem temaumentado aumentadoememaproximadamente aproximadamente40% 40%desde desdeo operíodo períodoPréPréOsOsníveis industrial até hoje, passando dos 280 ppmv (partes por milhão volume) para 390 ppmv em 2011 industrial até hoje, passando dos 280 ppmv (partes por milhão volume) para 390 ppmv em 2011 (Mauna Loa – CO2 NOAA/ESRL), sendo 50% deste acréscimo ocorrido últimas três décadas (Feely (Mauna Loa –deNOAA/ESRL), sendo deste acréscimo ocorrido nasnas últimas três décadas (Feely Os níveis atmosférico tem50% aumentado em aproximadamente 40% desde o período Préet al., 2009). A concentração de CO2 atmosférico é atualmente a maior dos últimos 800.000 anos et industrial al., 2009).até A hoje, concentração CO2 é atualmente a maior dospara últimos passandodedos 280atmosférico ppmv (partes por milhão volume) 390 800.000 ppmv emanos 2011 (Luthi et al., o que aumenta a necessidade de melhorar o entendimento equilíbrio entre 120 Painel de mudanças climáticas (Luthi etbrasileiro al., 2008), o que aumenta a necessidade melhorar o entendimento dodo equilíbrio entre a a (Mauna Loa –2008), NOAA/ESRL), sendo 50% destede acréscimo ocorrido nas últimas três décadas (Feely atmosfera e a superfície dos oceanos. atmosfera e a superfície dos oceanos. et al., 2009). A concentração de CO2 atmosférico é atualmente a maior dos últimos 800.000 anos (Luthi et al., 2008), o que aumenta a necessidade de melhorar o entendimento do equilíbrio entre a atmosfera e a superfície dos oceanos. 54ºW 48ºW 42ºW 36ºW30ºW das trocas gasosas com os oceanos. 2000 Longitude Longitude A absorção do CO2 atmosférico pelos oceanos provoca sistema carbonato dos oceanos é o aumento dos íons H+ A transferência do carbono entre os compartimentos (decréscimo do pH) e decréscimo na concentração do íon atmosfera e oceano pode ser avaliado através de medidas CO3-2. Estas modificações juntas são reconhecidas como da distribuição de pigmentos fotossintetizantes no Atlân- a “acidificação dos oceanos” (Caldeira e Wickett, 2003, tico Sul, as quais estimam uma produtividade média de 2005; Orr et al., 2005; Doney et al., 2009; Feely et al., 2009; 4.6 Gt C.ano-1 (Antoine et al., 1996). O balanço entre a González-Dávila et al., 2010). produção primária e a acumulação de carbono nos sedi- Medidas realizadas desde a década de 80 pelos Es- mentos marinhos determina a extensão na qual os oceanos tudos de Séries-Temporais do Atlântico, nas Bermudas, sequestram o CO2 atmosférico. A produção primária global demonstraram um decréscimo de pH no leste do Atlân- dos oceanos foi estimada por Antonie et al. (1996) e Long- tico da ordem de 0,02 unidades por década (Solomon et hurst et al. (1995) como entre 36,5 e 50,2 Gt C.ano-1, sendo a al., 2009). Considerando as alterações ocorridas desde acumulação de carbono nos sedimentos estimada entre 126 o período Pré-industrial, a Royal Society (2005) estima e 160 Mt C.ano-1 (Berner, 1982; Hedges e Keil, 1995). De que o pH das águas superficiais dos oceanos mudou de acordo com estes estudos, apenas 2,5% a 4% do carbono 8.21 a 8.10, com expectativa de atingir um decréscimo biologicamente fixado nos oceanos são acumulados nos de 0,3 a 0,4 unidades de pH (Orr et al., 2005), caso a sedimentos, sendo grande parte remineralizado na própria pressão parcial do CO2 na atmosfera atinja 800 ppmv coluna d’água. Segundo Berner (1982), a acumulação de car- (Friedlingstein et al., 2006), que é uma das projeções do bono orgânico para a região pelágica do Oceano Atlântico é Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC) para da ordem de 3.6 x 1012g C.ano-1, com uma média de 0,05g o final deste século. Neste sentido, simulações a partir C.m-2.ano-1 para a bacia Atlântica. Contudo, é importante Observações costeiras e oceânicas 121 ressaltar que em áreas de ressurgências estes valores podem armadilhas de sedimentação na ressurgência na Namíbia Em grande parte do Oceano Atlântico Sul Tropical e subtropical e significativo para o balanço global do car- ser bastante diferentes das médias globais. Neste sentido, a revelaram que 0,8-1,1% da produção primária atinge pro- Subtropical, a acumulação de carbono orgânico nos sed- bono. Assim, o acúmulo de carbono nos sedimentos produção primária na ressurgência de Benguela foi estimada fundidade de 1000 m (Fischer et al., 2000), sendo que deste imentos é basicamente controlada pela produtividade na costa do Brasil é essencialmente controlado pela em 323 gC.m-2.ano-1, sendo a acumulação de carbono da percentual apenas uma pequena parcela deste carbono fica primária nas águas superficiais, descontados os proces- descarga de diversos rios, os quais transportam grande ordem de 1-2gC.m-2.ano-1 (Mollenhauer et al., 2004), en- acumulada nos sedimentos. François et al. (2002) concluíram sos de reciclagem na própria coluna d’água. A despeito quantidade de sedimentos, como também de matéria quanto que estimativas recentes do acúmulo de carbono na que as regiões tropicais produtivas, tais como as regiões de da alta produtividade primária registrada em diversas orgânica (Tintelnot, 1995). plataforma continental na região da ressurgência de Cabo ressurgência, representam as áreas de maior eficiência de áreas costeiras, algumas destas regiões apresentam Apesar da margem oeste do Atlântico Sul ser pouco Frio, litoral do Estado do Rio de Janeiro, mostraram valores transferência de carbono orgânico para o ambiente pelágico. baixos valores de fluxos de carbono orgânico para os influenciada por processos de ressurgência, em espe- que atingem até 1 mgCOT.m-2.ano-1 durante o último século Baseado em estudos de fluxo bêntico, Jahnke (1996) estimou sedimentos, e isto se deve às altas taxas de reciclagem cial quando comparada com a margem leste, a produ- (Albuquerque, 2011), a despeito das diferenças na magnitude que a maior parte da transferência de carbono para o am- nas águas superficiais, causando uma baixa eficiência no tividade costeira é mantida, além dos aportes fluviais, transporte de carbono para o fundo. Isto tem sido docu- pela confluência de águas frias e ricas em nutrientes da mentado por Hensen et al. (1998) na porção equatorial Corrente das Malvinas e as águas quentes e pobres em leste do Atlântico Sul. Neste sentido, Mollenhauer et al. nutrientes da Corrente do Brasil. A região da confluência (2004) apontam que pouco é ainda conhecido sobre a está localizada na região do Rio da Prata (39°S). Nesta porção da produção primária que efetivamente atinge região, movimentos frontais complexos e padrões de os sedimentos marinhos, em especial para os oceanos mistura destas massas d’água são formados. A interação em baixa e média latitudes. O aumento de estudos que entre a Corrente do Brasil e a Corrente das Malvinas abordem este tema nos oceanos tropicais aportaria im- produz uma forte dinâmica sedimentar e gravidade con- portante contribuição para o entendimento do papel do trolada pelos fluxos de massas (Garzoli, 1993; Peterson soterramento de carbono no ciclo global. et al., 1996; Hensen et al., 2000, 2003). A força das cor- dos sistemas de ressurgência (Figura 3.7.2). Estudos com 756 756 757 757 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 biente pelágico ocorre entre 30° de latitude norte e sul. GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 Baseado em estudos de fluxo bêntico, Jahnke (1996) estimou que a maior parte da transferência de F i g .estudos . 7.2 de fluxo Baseado para em bêntico, Jahnke estimou norte que aemaior carbono o3ambiente pelágico ocorre entre (1996) 30° de latitude sul. parte da transferência de carbono para o ambiente pelágico ocorre entre 30° de latitude norte e sul. -60-40 -20 0 20 LATITUDE (ºN) 0 0 -20 -20 -40 -40 -60-40 -20 0 20 Longitude (ºE) De acordo com Wollast (1998), de 0,5% a 3% da rentes de fundo nesta região dificulta acumulação de produção primária das plataformas continentais e do material fino, ocorrendo a predominância de deposição talude e cerca de 0,014% dos oceanos profundos ficam de material terrígeno na plataforma e no talude. A maior acumulados nos sedimentos. Assim, grande quantidade parte da descarga do Rio da Prata e de seus tributários da produção primária produzida nas zonas costeiras, não está depositada no delta, mas transportada para aproximadamente 2,2Gt C.ano-1, é exportada para o regiões mais distantes da bacia. Abaixo de 4000 metros, oceano profundo através de transportes transversais a Água de Fundo Antártica (AFA) forma uma potente (cross-shelf exchanges; Wollast, 1998). Uma fonte adi- corrente de contorno ao longo da margem continental cional de carbono é fornecida pelas descargas fluviais e Argentina, a qual transporta os sedimentos finos para a input eólico. As estimativas apontam que 0,4gTC.ano parte central da bacia (Ewing et al., 1964; Garzoli, 1993; -1 chegam às margens continentais (Schlesinger e Melack, 758 759 758 759 760 760 761 761 762 762 763 763 764 764 765 765 766 766 767 767 768 768 769 769 770 770 771 0.05 0.1 0.15 0.2 0.40.5 1 3 Acumulação de Carbono Orgânico (gC.m-2.ano-1) Figura 3.7.2. Acumulação de carbono orgânico no Oceano Atlântico Sul (Adaptado de Mollenhauer Figura 3.7.2. Acumulação de carbono orgânico no Oceano Atlântico Sul (Adaptado de Mollenhauer et al., 2004). Figura 3.7.2. Acumulação de carbono orgânico no Oceano Atlântico Sul (adaptado de Mollenhauer et al., 2004). et al., 2004). Em grande parte do Oceano Atlântico Sul Tropical e Subtropical a acumulação de carbono orgânico Em parte do Oceano Atlântico Sul Tropical e Subtropical aprimárias acumulação carbono orgânico nos grande sedimentos é basicamente controlada pela produtividade nasdeáguas superficiais, nos sedimentos é basicamente controlada pela produtividade primárias nas águas superficiais, descontados os processos de reciclagem na própria coluna d’água. A despeito da alta produtividade descontados os processos de reciclagem na própria colunadestas d’água. A despeito da altabaixos produtividade primária registrada em diversas áreas costeiras, algumas regiões apresentam valores primária registrada em diversas áreas costeiras, algumas destas regiões apresentam baixos valores de fluxos de carbono orgânico para os sedimentos, e isto se deve as altas taxas de reciclagem nas de fluxos de carbono orgânico para os sedimentos, e isto se deve as altas taxas de reciclagem nas águas superficiais, causando uma baixa eficiência no transporte de carbono para o fundo. Isto tem 122 Painel brasileiro de mudanças climáticas águas superficiais, causando uma baixa eficiência no transporte de carbono para o fundo. Isto tem sido documentado por Hensen et al. (1998) na porção equatorial leste do Atlântico Sul. Neste sido documentado poretHensen et al.apontam (1998) na leste do Atlântico Neste sentido, Mollenhauer al. (2004) queporção poucoequatorial é ainda conhecido sobre a Sul. porção da sentido, Mollenhauer et al. (2004) apontam que pouco é ainda conhecido sobre a porção da produção primária que efetivamente atinge os sedimentos marinhos, em especial para os oceanos produção que efetivamente atinge sedimentos marinhos, especial para os tropicais oceanos em baixa primária e média latitudes. O aumento de os estudos que abordem esteem tema nos oceanos Peterson et al., 1996; Hensen et al., 2000). 1981; Ittekkot, 1988; Hedges, 1992; Meybeck, 1993; É importante ressaltar que Mollenhauer et al. Ludwig et al., 1996). O destino deste material terrestre (2004), estudando 77 testemunhos distribuídos ao mais refratário é ainda pouco conhecido. Neste con- longo de toda bacia do Oceano Atlântico Sul, mostr- texto, a importância dos aportes fluviais, representados aram que a acumulação de carbono orgânico durante pelo rio Amazonas, rio São Francisco, rio Doce, rio da o Último Máximo Glacial foi cerca de 2 a 3 vezes maior Prata, rio Congo, dentre outros, é fundamental para a do que durante o Holoceno. Isto ocorre em resposta às produção de carbono no Oceano Atlântico tropical e mudanças na química da água do mar, na circulação Observações costeiras e oceânicas 123 e nos padrões de estratificação e formação de cama- acumulado. Desta forma, Anderson et al. (2009) aponta das de mistura. Além disto, a exposição da plataforma o papel vital do Atlântico Sul como regulador da variabi- continental devido à regressão marinha glacioeustática lidade das concentrações do CO2 atmosférico entre os também colaborou para a oxidação de parte do carbono períodos glacial-interglacial. 3.7.2 S íntese 3.8 M u dan ç a na e st r ut u r a d e Man g u e s 3 . 8 .1 Equilíbrio ecológico e estrutura do ecossistema A fisiografia das linhas de costa tropicais associadas a (Jimenez et al., 1985; Blasco et al., 1996). A rápida aco- manguezais, criadas ou modificadas por forças geomór- modação às novas condições é resultado do conjunto ficas (Thom, 1984), provê condições físicas nas quais as de espécies vegetais típicas de mangue que permitem Os oceanos representam o compartimento mais im- Medidas realizadas desde a década de 80 mostram um diferentes espécies vegetais de mangue se desenvolvem. a colonização de habitats que são dinâmicos, intermi- portante do ciclo biogeoquímico global de diversos el- decréscimo de pH em 0,3 a 0,4 unidades. Esse desenvolvimento ocorre de acordo com suas adap- tentemente favoráveis e desfavoráveis (Fromard et al., ementos essenciais, dentre eles o carbono. A dinâmica Outra importante forma de avaliar as transferên- tações individuais, tolerâncias e necessidades por fatores 2004; Cunha-Lignon et al., 2009). Essas características das trocas gasosas entre a atmosfera e o oceano exerce cias do carbono entre os compartimentos atmosfera e diversos, tais como níveis de maré ou de submersão, podem ser: (a) ampla tolerância a fatores ambientais; um papel fundamental nos ciclos biogeoquímicos, como oceano é através de medidas da acumulação de carbo- salinidade ou preferências edáficas. Cada espécie possui (b) rápido crescimento; (c) rápida maturação; (d) con- também nas mudanças climáticas. Ao longo das últimas no nos sedimentos marinhos. Neste sentido, alguns au- tolerância específica em termos de período, frequência tínua produção de flores e de propágulos; (e) elevada décadas, a comunidade científica tem utilizado diferen- tores apontam que a acumulação de carbono orgânico e profundidade de inundação (Semeniuk, 1994). Em se- liberação de propágulos (diásporos); e (f) possibilidades tes abordagens na tentativa de quantificar a contribuição para a região pelágica do Oceano Atlântico é da ordem guida, são as condições climáticas locais que modificam de dispersão de propágulos por via aquática a curtas das trocas de carbono inorgânico entre a atmosfera e os de 3.6 x 1012g C.ano-1, com uma média de 0,05g C.m-2. as características dos bosques, impondo limites à colo- e longas distâncias por agentes abióticos (correntes e oceanos. No entanto, nenhuma abordagem metodológi- ano-1 para a bacia Atlântica, apresentando valores ainda nização, crescimento e desenvolvimento (Thom, 1984; marés). Espécies diferentes podem ser capazes de colo- ca foi até agora conclusiva, a despeito dos esforços real- maiores em áreas de ressurgências. Em grande parte do Woodroffe, 1987; Schaeffer-Novelli et al, 1990; Cintrón e nizar novas áreas a diferentes taxas, tornando algumas izados por diversos programas de pesquisa nacionais e Oceano Atlântico Sul Tropical e Subtropical, a acumula- Schaeffer-Novelli, 1992). espécies mais capazes de se acomodarem aos vários internacionais. O programa REVIZEE (Programa Nacional ção de carbono orgânico nos sedimentos é basicamente Alguns efeitos locais, tais como os induzidos por mudan- de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos controlada pela produtividade primária nas águas su- ças no tamanho e na configuração de um estuário conside- Todos esses atributos fizeram com que muitos consider- da Zona Econômica Exclusiva) contribuiu significativa- perficiais. Estudos demonstram também que de 0,5% a rando orientação das correntes e áreas de geração (fetch), assem manguezais como sistemas sucessionais, quando, de mente através do registro da variabilidade sazonal da es- 3% da produção primária das plataformas continentais geologia das bacias hidrográficas associadas e o uso das ter- fato, se trata de ecossistemas autossustentáveis em ambien- trutura termo-halina, da composição química da água do e do talude e cerca de 0,014% dos oceanos profundos fi- ras à montante sobre os efeitos na altura das marés (Kennish, tes onde essas características se tornam requisito para suces- mar, da biota e das características geológicas do assoalho cam acumulados nos sedimentos. Assim sendo, as altas 2002; Berger et al., 2008), mudam continuamente enquanto so na sobrevivência (Lugo, 1980). Levando em consideração oceânico no Oceano Atlântico oeste. taxas de reciclagem nas águas superficiais acabam por o nível médio relativo do mar – NMRM – se eleva (trans- a dinâmica dos tipos de costa (Thom, 1984) e as respostas Desde o período Pré-industrial, os níveis de CO2 at- causar uma baixa eficiência no transporte de carbono gressão marinha) ou se reduz (regressão marinha). O man- do ecossistema às variações da hidrologia ou dos níveis de mosférico têm aumentado em aproximadamente 40%, para os sedimentos. Por fim, estudos paleoceanográfi- guezal também pode migrar, acompanhando as variações maré (Jimenez et al, 1985; Blasco et al, 1996), manguezais sendo atualmente a maior dos últimos 800.000 anos. cos demonstram que durante o Último Máximo Glacial do NMRM (Pereira, 1998; Soares, s/d; Behling et al., 2004; ocupam áreas costeiras tropicais extremamente dinâmi- A absorção do CO2 atmosférico pelos oceanos provoca a acumulação de carbono nos sedimentos foi cerca de 2 Cohen et al., 2005; Vedel et al., 2006; Hadlich e Ucha, 2009). cas (Thom, 1967; Kjerfve et al., 2002; Schaeffer-Novelli et alterações no balanço químico dos oceanos, em espe- a 3 vezes maior do que durante o Holoceno. Isto ocorre Testemunhos feitos na feição apicum (fácies hipersalino do al., 2002; Cunha-Lignon et al., 2009). Assim, as coberturas cial alterando o pH e o equilíbrio dos íons carbonatos em resposta às mudanças na química da água do mar, ecossistema manguezal) revelam presença de troncos de vegetais dos manguezais mais bem desenvolvidos estrutur- e do estado de saturação de calcita e aragonita, cau- na circulação e nos padrões de estratificação e formação mangue fósseis, indicando que o mar atingiu níveis superi- almente podem ser encontradas em áreas geomorficamente sando grande repercussão sobre organismos marinhos. de camadas de mistura. ores aos atuais na Baía de Sepetiba (Pereira, 1998; Portugal, ativas, sujeitas a fortes aportes deposicionais e a processos 2002) e na Baía de Todos os Santos (Hadlich e Ucha, 2009). erosivos (Kjerfve et al., 2002). Estes tipos de paisagem apre- Manguezais são sensíveis a mudanças no ambi- sentam mosaicos de habitats, incluindo centros de ativo ente externo e rapidamente se adaptam a alterações estabelecimento de novas plantas e áreas de crescimento das condições ambientais, ou prontamente sucumbem estável, da mesma forma que áreas com perda de bosques 124 Painel brasileiro de mudanças climáticas níveis do mar (Semeniuk, 1994). Observações costeiras e oceânicas 125 e com substratos sendo erodidos ou rebaixados (Schaeffer- cetibilidade à erosão. Os sedimentos que eram mantidos variação, dependendo da taxa local do aumento e da maiores temperaturas globais e consequentes degelos Novelli et al, 2002; Cunha-Lignon et al., 2009). aderidos pela massa radicial são liberados, sendo mais disponibilidade de sedimento para dar suporte ao res- nos últimos 150 anos. Aumentos eustáticos no NMRM suscetíveis à erosão. tabelecimento do manguezal. Ellison (1996) acrescenta são reportados em áreas de manguezal no Rio de Janeiro O sistema radicial constitui um dos componentes estruturais mais importantes dos bosques de mangue, Considerando cenários de aumento do NMRM, que, possivelmente, a amplitude de distribuição dos (Soares, s/d), Papua Nova Guiné (Pernetta e Osborne, dando origem a lodos espessos e fibrosos, como aqueles Soares et al. (2000) e Schaeffer-Novelli et al. (2002) manguezais pode ser mais plástica do que o esperado, 1988), Taperebal, Pará (Vedel et al., 2006) e Ilha de associados a parcelas cobertas por árvores do gênero propõem modelo conceitual para prever, em nível local, caso haja disponibilidade de novos espaços. Marajó, Pará (Behling et al., 2004). Nicholls et al. (1999) Rhizophora (Hesse, 1961). A construção das costas lo- o comportamento de manguezais diante das elevações Devido às diferenças locais e regionais, as paisa- indicam que, até o ano de 2080, haverá perda global de, dosas tropicais, onde se desenvolvem os manguezais, projetadas para o NMRM, considerando os seguintes fa- gens do Holoceno médio e superior incluem ambien- aproximadamente, 22% das zonas úmidas costeiras. A re- é basicamente uma função de quão rapidamente os tores: topografia; fontes de sedimentos; taxa de aporte tes de manguezais tanto transgressivos como regres- sposta exata de um manguezal a um cenário de elevação sedimentos são carreados e a razão na qual a matéria de sedimentos; área da bacia de drenagem; amplitude sivos. A importância da história do nível do mar para do NMRM depende do balanço local entre as taxas de orgânica (raízes e detritos orgânicos), produzida in situ, das marés; dinâmica costeira; e taxa de elevação do estudo dos manguezais é a de que os settings, “séries sedimentação e as taxas de elevação do NMRM (Wood- se incorpora ao substrato. A biomassa radicial subter- NMRM. Diante dos cenários construídos pelo modelo, de manguezais”, correspondem a escalas de tempo roffe, 1995; Blasco et al., 1996). Soares (s/d) e Pereira rânea agrega partículas de sedimento, construindo o é possível identificar três respostas do ecossistema: 1- geológico (Thom, 1984). Essas séries, criadas ou modi- (1998) fazem referência a regressões de manguezais na substrato que contribui para elevação da cota do terreno erosão (perda de estrutura); 2- retração (erosão na por- ficadas por forças geomórficas, correspondem, no caso Baía de Sepetiba, RJ, com avanços progressivos sobre a (Wells e Coleman, 1981; Huxman et al., 2010). Esse pro- ção de contato com a linha d’água, sem oportunidade dos manguezais, a diversos tipos de formas de relevo feição apicum, que passa a ser uma alternativa para a mi- cesso de elevação do substrato devido à sedimentação e de migração); e 3- resistência às alterações do NMRM que proveem substrato adequado e abrigo contra forças gração do manguezal para áreas mais interiores na Baía ao aumento da biomassa das raízes leva à formação de (equilíbrio entre as taxas de transgressão marinha e as erosivas (Thom, 1984; Vale, 2004). Núcleos de bosques de Todos os Santos, Bahia (Hadlich e Ucha, 2009). terraços deposicionais que podem expandir em direção taxas de aporte de novos sedimentos). Cada uma des- de mangue desenvolvidos sobre arenitos praiais (beach Estudos de Ellison e Stoddart (1991), feitos a partir de ao mar por progradação, ou migrar em direção à terra, sas respostas pode ocorrer com: a) manutenção; b) ex- rocks) serão eliminados por níveis do mar mais eleva- registros estratigráficos do Holoceno e curvas de nível do com o aumento do nível do mar. A morte da cobertura clusão; e c) formação de refúgios. O modelo conceitual dos, uma vez que terão seus sistemas radiciais perman- mar, revelam que aumentos do NMRM global entre 8 e vegetal do manguezal e a perda de biomassa radicial permite, ainda, categorizar as áreas de manguezal quan- entemente inundados. 9 cm/100 anos são compensados pelos manguezais; en- determinam a desintegração do substrato, aumentando to aos seus graus de vulnerabilidade, em baixa, média e a profundidade de inundação e, por conseguinte, a sus- alta (Soares, s/d). 3.8.2 Potenciais respostas estruturais dos manguezais aos impactos das mudanças climáticas 3 . 8 . 2 .1 A umento do N ível M édio R elativo do Mar-N M R M Para a costa amazônica, Cohen et al. (2005) sugerem quanto que aumentos de 9 a 12 cm/100 anos provocam que o aumento do NMRM em áreas de manguezal na estresse no ecossistema, e aumentos a partir de 12 cm/100 Península de Bragança, litoral do Pará, seja devido às anos causam perda ecossistêmica. 3.8.2.2 Aumento das temperaturas médias O aumento previsto para as temperaturas médias deverá sistema poderá, eventualmente, ocupar latitudes mais altas exercer pouca influência sobre o desenvolvimento dos man- para o norte e para o sul, porém sempre na dependência Manguezais possuem características biológicas que os da cobertura vegetal não são uniformes (Bacon, 1994). guezais em geral. Impactos indiretos do aumento térmico de vários outros fatores (Field, 1995). Contrariamente a esta tornam potencialmente sensíveis a alterações no nível do A capacidade de manguezais se adaptarem, e até de so- também devem ser considerados, como a possível perda ideia, Woodroffe e Grindrod (1991) e Snedaker (1995), cita- mar, sendo considerados bons indicadores dessas mudan- breviverem a despeito de alterações do nível do mar, não de manguezais protegidos por recifes de corais (conectivi- dos por McLeod e Slam (2006), argumentam que eventos ças (Deness, 1987; Woodroffe, 1990; Ellison, 1993; Blasco depende somente das propriedades individuais das espé- dade), devido à morte destes, por conta do branqueamento climáticos extremos de baixas temperaturas limitariam o et al., 1996; Ellison e Farnsworth, 1997; Soares et al., 2000; cies vegetais ou do bosque de mangue, mas dos processos (McLeod e Salm, 2006). Com o aumento térmico o ecos- deslocamento dos manguezais em direção aos polos. Schaeffer-Novelli et al., 2002). Predições de respostas e in- que operam ao nível da paisagem e a escalas regionais, no terpretação de diagnósticos atuais de um manguezal não espaço e no tempo. 3.8.2.3 Alterações nas ta x as de C O 2 podem ser analisadas independentemente dos fatores que Field (1995) sugere que o aumento no NMRM deve O aumento na concentração de CO2 atmosférico aumenta sworth (1996a, 1997) relatam que o aumento da fotos- as afetam, podendo variar muito sob uma perspectiva lo- ser o fator mais importante a influenciar a futura distri- as taxas fotossintéticas em condições de baixa salinidade síntese devido ao aumento das taxas de CO2 atmosférico cal, uma vez que as estruturas do ecossistema e a zonação buição dos manguezais, e que seu efeito pode ter grande (Ball et al., 1997). Para o Caribe, estudos de Ellison e Farn- não compensará os efeitos dos aumentos do NMRM. 126 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 127 Aparentemente, existem diferenças interespecíficas no me- no substrato (Nellemann et al., 2009; Huxman et al., 2010; A amplitude latitudinal tropical e subtropical da linha de prazos, em pontos representativos ao longo da costa. O tabolismo de CO2, que podem modificar a dinâmica com- Donato et al., 2011). Esse processo de acumulação no sedi- costa do Brasil traz, em seu bojo, uma miríade de feições fato de manguezais serem um ecossistema extremamente petitiva entre as espécies de mangue (Farnsworth e Ellison, mento ocorre ao longo do tempo, enquanto que erosão ou fisiográficas onde se abrigam os manguezais, com diversi- adaptável às variações das condições do ambiente onde se 1996; Snedaker e Araújo, 1998). Aumento de CO2 também desmatamento da cobertura vegetal, como nos empreen- dade de estruturas pouco monitoradas em escalas tempo- insere exige muito mais tempo (décadas) do observador provoca branqueamento nos corais recifais, reduzindo a dimentos de carcinocultura, facilitam a liberação quase que rais adequadas ao escopo do presente levantamento. Essa para identificar respostas consideradas normais em relação proteção aos manguezais (conectividade) contra a ação imediata do CO2 para a atmosfera. Experimentos feitos em diversidade de características, sob as quais se desenvolvem àquelas que estariam sendo manifestadas diante de novas das ondas (McLeod e Salm, 2006). florestas de mangue na Malásia (Jin-Eong, 1993) revelam os manguezais, exige monitoramentos de médio e longo condições ambientais. Fato importante nos manguezais é a grande capacidade de fixar carbono, principalmente ao nível das raízes, que os sedimentos do manguezal liberam 50 vezes mais carbono que a quantidade sequestrada. 3 . 8 . 2 . 4 A lterações na pluviosidade 3.9 O co r r ên c ia d e e r o são e m p r aia s e Zo na s Co st e i r a s Ellison (2000, 2004) aponta que mudanças na precipita- mais tolerantes. Sendo assim, podem ocorrer perdas em ex- ção deverão ter efeitos sobre o crescimento e extensão das tensão e diversidade dos manguezais. Em contrapartida, nas áreas de manguezal. É apresentado um cenário de aumen- áreas com maiores precipitações, poderá haver aumento de tos de 25% de precipitação pluvial até 2050, com padrões diversidade em zonação dos bosques e de taxas de cresci- de distribuição irregulares. Em áreas com decréscimo de mento de algumas espécies de mangue, podendo aumentar A costa brasileira, com aproximadamente 9.000 km de extensão, Ondas geradas pelo vento apresentam um claro pluviosidade, deverá haver redução no crescimento, sobre- sua área de ocupação. Harty (2004) sugere que, nesses ca- apresenta uma grande diversidade de ambientes costeiros que padrão ao longo da costa, decaindo de sul para norte vivência de propágulos e na produtividade dos manguezais. sos, deve aumentar a capacidade dos mangues de competir se desenvolveram ao longo do período Quaternário (Domin- (Pianca et al., 2010). Os níveis relativos do mar na costa Este fato favorecerá a sua substituição por plantas halófitas com a vegetação de zonas mais internas. guez, 2009), e compreende os últimos dois milhões de anos, car- brasileira há 120.000 e 5.600 anos AP foram da ordem de acterizado por uma sucessão de períodos glaciais e interglaciais. 8 e 5 m acima do nível atual, respectivamente. Durante Em termos de processos morfossedimentares, uma variedade esses níveis transgressivos, sedimentos marinhos foram de forçantes condiciona a zona costeira, com a relativa interação depositados na forma de planícies de cristas de praia, entre ondas, marés e aporte sedimentar variando de norte a sul. pontais e barreiras arenosas. 3 . 8 . 2 . 5 M udanças em frequ ência e intensidade de tempestades tropicais Alterações na salinidade, nas taxas de inundação e no aporte guezais (Gilman et al., 2006). Alterações na linha de costa de sedimentos estão entre as condições verificadas em poderão desencadear processos de erosão e de deposição decorrência das tempestades tropicais (Ellison e Stoddart, em taxas que excedam a resiliência das espécies vegetais 1991). Essas condições podem comprometer a estabilidade típicas de mangue, passando a comprometer o equilíbrio e a composição das espécies na cobertura vegetal dos man- ecológico do ecossistema (Hopkinson et al., 2008). 3.8.3 Síntese 3 . 9 .1 A costa brasileira 3 . 9 . 2 E rosão observada na costa do Brasil A erosão costeira observada ao longo da costa brasileira é apre- teiros como proposta por Villwock (1994), Muehe (1998, 2005, sentada de acordo com a classificação de compartimentos cos- 2006), Muehe e Neves (1995) e Dominguez (2004, 2009). 3.9.2.1 Costa de manguezais dominada pela maré da região Norte Mudanças climáticas globais, mais especificamente em Os trabalhos consultados referentes às alterações Com uma extensa plataforma continental, altamente de Mosqueiro (ao norte de Belém) e ao longo da costa temperatura, concentração de CO2, precipitação, tormen- estruturais do ecossistema manguezal não fazem refer- influenciada pela descarga fluvial e deposição de sedi- Atlântica na região de Salinópolis e Ajuruteua. Souza-Fil- tas tropicais (furacões e tempestades) e nível do mar, em ências explícitas a que estas sejam especificamente mentos lamosos do rio Amazonas, essa região é sub- ho e Paradella (2003) observaram variações da linha de conjunto com impactos induzidos pelo homem, afetarão devidas às mudanças climáticas. Entretanto, deixam metida a um regime de macromarés, com alturas de costa na região de Bragança (PA) através de imagens de o equilíbrio ecológico dos manguezais. O nível do mar entrever que, com o aumento das taxas e da frequên- maré de até 10 m. Manguezais são abundantes e corre- radar. Das mudanças de área costeira observadas entre (NMRM), em muitos casos, é mais evidenciado, uma cia de recorrência de variáveis ambientais, há cenários spondem a 76% dos manguezais encontrados na costa 1972 e 1998, 60,6% representam áreas erosivas e 39,4% vez que é tido como o maior tensor dentre as mudanças de que certas respostas possam vir a ser associadas às brasileira (Muehe, 1998). Erosão costeira na região foi áreas acrescidas. Os autores observaram que as maio- climáticas (McLeod e Salm, 2006). mudanças climáticas. observada por El Robrini et al. (2006) na praia estuarina res mudanças observadas estão relacionadas a áreas de 128 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 129 manguezais sendo ocupadas por baixios arenosos, tor- Buçucanga, Ajuruteua e Vila dos Pescadores. Os autores nando essas áreas mais suscetíveis à erosão. Baseados relacionam a erosão na área com intervenções antrópi- em levantamentos da morfologia praial, Krause e Soares cas, com a ocupação, desmatamento de manguezais e (2004) destacam as variações em menor escala espa- estreitamento de canais de maré sendo relacionados cial da península de Bragança, incluindo as praias de com a tendência erosiva da região. 3 . 9 . 2 . 2 C osta do N ordeste com escassez de sedimentos A costa é caracterizada pelo domínio de falésias sedimentares al., 2006). Em Pernambuco, aproximadamente 30% das da Formação Barreiras e pode ser subdividida em um com- praias apresentam processos erosivos. A maioria destas partimento semiárido no norte (Piauí, Ceará e a costa oeste apresenta erosão em função de fatores naturais, como do Rio Grande do Norte) e uma porção mais úmida ao sul a circulação costeira e déficit sedimentar, enquanto in- (da costa sul do Rio Grande do Norte a Salvador, na Bahia). tervenções antrópicas muitas vezes intensificam esse 3.9.2.3 C osta deltaica dominada pela ação de ondas A presença de falésias sedimentares da Formação Bar- areia está sendo retida na plataforma continental interna reiras ainda é dominante, porém menos contínua no sul. pela cobertura de lama aportada pelo rio e pela deriva Planícies de cristas de praia se desenvolveram em frente litorânea dominante em direção ao sul, para fora da área aos rios Jequitinhonha e Caravelas, na Bahia, rio Doce afetada (Muehe et al., 2006). Outras áreas em erosão in- no Espírito Santo, e rio Paraíba do Sul no Rio de Janeiro. cluem as costas altamente urbanizadas de Macaé e Rio As mudanças no alinhamento dessas feições, associadas a modificações na deriva litorânea de sedimentos, indicam a alternância no domínio de ondas geradas pelos ventos alísios e ondas geradas pelas frentes frias do sul. Isso indica que essa região está localizada em uma região altamente suscetível a modificações no domínio entre das Ostras (Muehe et al., 2006). Ao sul de Cabo Frio, a costa com alinhamento leste-oeste está exposta diretamente às ondas de tempestade do sul. O transporte de sedimentos litorâneos tende a estar em equilíbrio ao longo do ano, com ondas de alta energia menos frequen- No setor semiárido, os segmentos mais impactados processo (Neves e Muehe, 1995; Manso et al., 2006). pela erosão costeira estão no Ceará, na região ao norte do Em Alagoas, a vulnerabilidade costeira é causada pelo Porto de Pecém e em Fortaleza. Em Pecém em função da reduzido aporte fluvial de sedimentos. A erosão é con- (Muehe, 2010). Nessa região da Bahia, aproximadamente deposição sedimentar em torno da estrutura portuária, e centrada principalmente na porção norte do estado, que 60% da costa estão em equilíbrio, e 26% da costa estão Marambaia, a linha de costa mostra sinais de instabili- em Fortaleza em função da retenção e desvio do fluxo de apresenta maior atividade relacionada ao turismo (Araújo em erosão, com intensos processos erosivos ocorrendo dade, com transposição de ondas e retração da escarpa sedimentos em algumas praias da região metropolitana et al., 2006). De acordo com Dominguez (1995), a susce- nas adjacências de desembocaduras fluviais. A retenção da pós-praia (Muehe et al., 2006). Retração da costa na após a construção de um quebra-mar para a proteção tibilidade da costa à erosão é demonstrada pelas falésias de sedimentos ocorre em Ilhéus e em cabos não con- ordem de 10 a 15 m foi observada em diversos lugar- do Porto de Mucuripe (Morais et al., 2006). Baseados ativas da Formação Barreiras, pela ausência de planícies solidados, como a planície costeira de Caravelas. Grandes es, sendo consequência principalmente de um grande em geoindicadores ambientais, Zuquette et al. (2004) costeiras e terraços Pleistocênicos, assim como a presença extensões de falésias no sul da Bahia, de Cumuruxatiba à evento de tempestade em maio de 2001. Não obstante classificaram a erosão costeira na região metropolitana de arenitos de praia (beach rocks), sinalizando a retração divisa com o Espírito Santo, estão sofrendo um balanço a linha de costa, considerando como tal a interseção da de Fortaleza como severa, sendo a sua aceleração rela- da linha de costa. Em Sergipe, de acordo com Bittencourt sedimentar negativo de longo termo (Dominguez et al., face praial com o nível médio do mar, entre Niterói e cionada a atividades antrópicas. Em Macau e Guamaré et al. (2006), os segmentos em erosão estão localizados 2006). No Espírito Santo, a linha de costa se alterna entre Arraial do Cabo, tem-se mantido estável (Muehe, 2011). (RN), a recessão da linha de costa está colocando em em Atalaia Nova (norte de Aracaju) e ao sul da desem- grandes extensões em erosão ou em equilíbrio, e alguns A longa e estreita barreira arenosa que separa a Baía de risco estações de bombeamento de petróleo (Vital et al., bocadura do rio São Francisco, onde a Vila do Cabeço segmentos em acresção. Acresção é observada nas planí- 2006). De acordo com os autores, a erosão é acelerada foi completamente erodida. Áreas com grande variabili- cies costeiras do rio Doce, ao norte, e na região do rio pela construção de estruturas perpendiculares nas praias dade da linha de costa estão localizadas nas adjacências Itabapoana, no limite sul do estado (Albino et al., 2006). de Macau, Caiçara do Norte e Touros. das desembocaduras dos rios Real, Vaza Barris e Sergipe, Estudando processos sedimentares na região do rio Na costa de falésias sedimentares, a erosão é ampla onde episódios erosivos causaram danos materiais sig- Doce, Dominguez et al. (1983) e Albino e Suguio (2010) e ocorre em quase toda a linha de costa do sul do Rio nificativos. De forma geral, a costa da Bahia entre Mangue mostram a importância dos padrões de direção da deriva Grande do Norte ao longo da Paraíba, Pernambuco e Seco, na desembocadura do rio São Francisco, e Salvador litorânea de sedimentos. Em função de sua configuração, Alagoas. O contrário ocorre na costa de Sergipe, onde a está em equilíbrio (Dominguez et al., 2006). No entanto, o delta do rio Doce causa modificações na direção do mais vulnerável a erosão, alagamentos e deslizamentos. abundante quantidade de sedimentos trazida pelos rios uma abordagem mais detalhada para a costa norte da Ba- transporte litorâneo na região, provocando a alternância A expansão de áreas urbanizadas sobre regiões baixas de mantém aproximadamente 57% da costa em equilíbrio, hia realizada por Bittencourt et al. (2010) mostra algumas entre eventos construtivos e destrutivos na região. Na antigas lagunas (e.g., Barra da Tijuca), com capacidade de enquanto 21% estão em erosão (Bittencourt et al., 2006). regiões com evidências de erosão contínua entre a Barra região norte do Rio de Janeiro, próximo à divisa com o drenagem limitada, representam riscos que vão aumentar Na Paraíba, segmentos da costa em erosão representam do Itariri e Sabaúma. Os autores relacionam os eventos Espírito Santo até Cabo Frio, erosão acentuada ocorre na sob cenários de aumento do nível do mar e de aumento em torno de 42% dos 140 km de linha de costa (Neves et erosivos na região à passagem de frentes frias. região ao sul do rio Paraíba do Sul em Atafona, onde nas intensidades de tempestades (Muehe e Neves, 2008). 130 Painel brasileiro de mudanças climáticas processos meteo-oceanográficos tropicais e subtropicais tes do sul e sudoeste sendo compensadas pelas ondas mais frequentes de sudeste. Entre Cabo Frio e a Ilha da Sepetiba do oceano, na porção oeste desse segmento, eventos de transposição e erosão da margem lagunar da barreira podem resultar em rompimentos temporários da barreira (Muehe, 2010). Na região metropolitana do Rio de Janeiro, que inclui a costa de Niterói, a grande densidade populacional torna a costa oceânica e estuarina Observações costeiras e oceânicas 131 3 . 9 . 2 . 4 C osta roc h osa do sudeste planas e baixas, nas quais os já existentes problemas de da praia para o campo de dunas e consequente aumento Esse compartimento, que se estende da Ilha Grande de Matinhos, restaurada com realimentação praial (Angulo erosão, drenagem e inundações serão amplificados em do déficit de sedimentos, enquanto que o aumento da (RJ) ao Cabo de Santa Marta (SC), é caracterizado pela et al., 2006). Em Santa Catarina, os estudos se concentr- cenários de mudanças climáticas. frequência e intensidade de ciclones extratropicais ten- proximidade da cadeia montanhosa da Serra do Mar. aram na porção centro-norte (Klein et al., 2006) e na ilha A vulnerabilidade dos diversos macrocompartimentos derá a aumentar a recorrência de eventos extremos com Modificações na linha de costa em função de erosão, em de Santa Catarina (Horn, 2006). Na porção continental, os analisados representa a vulnerabilidade atual que, quan- ondas altas, ventos forte e precipitações intensas afetando São Paulo, geralmente são isoladas e associadas com ob- riscos associados à erosão costeira são o resultado de ocu- do considerada sob os aspectos das mudanças climáticas partes do litoral Sul e Sudeste. Reajustamentos morfos- stáculos naturais ou artificiais que interrompem o fluxo pação desordenada e a ocorrência de tempestades. Pontos potenciais, principalmente a elevação do nível do mar, sedimentares de praias por transposição de ondas sobre de sedimentos ao longo da costa (Tessler et al., 2006). mais críticos estão localizados em Barra Velha, Piçarras e tende a se tornar mais crítica, particularmente quanto aos arenitos de praia submersos defronte a largos trechos do No Paraná, as modificações mais significativas da linha de Penha, com erosão de média intensidade, enquanto Bom- aspectos de erosão e inundação costeira, com reflexos litoral do Nordeste, assim como mudanças da intensidade costa ocorrem nas adjacências de desembocaduras estuari- binhas está sofrendo erosão de menor intensidade. Na ilha sobre as áreas urbanas de baixa altitude, como também e mesmo reversão do transporte litorâneo devido à al- nas (e.g., o canal do Superagui, Ilha das Peças, Ilha do Mel, de Santa Catarina, processos erosivos estão ocorrendo ao sobre as áreas de manguezais cuja capacidade de adap- teração do ângulo de incidência das ondas em todo o Pontal do Sul, Ponta de Caiobá e Guaratuba). Essas modi- longo da costa oceânica da ilha. O maior risco ocorre nas tação a uma elevação do nível relativo do mar poderá litoral, implicarão em erosão e acumulação sedimentar lo- ficações incluem erosão e acresção em diferentes trechos áreas urbanas do norte da ilha (e.g., praias de Canasvieiras, ficar comprometida, dependendo da disponibilidade de calizada. O aumento de eventos extremos poderá resultar da costa e ocorreram com taxas de até 100m em menos de Cachoeira e dos Ingleses) e na costa noroeste na Barra da espaço de acomodação e das taxas de aporte sedimentar em aumento do aporte de sedimentos da plataforma con- uma década (Angulo et al., 2006). A linha de costa oceânica Lagoa. Áreas urbanizadas na costa leste e sul com risco e de elevação do nível do mar. Um amento da evapora- tinental interna para a zona costeira, podendo compensar é mais estável, sendo as áreas mais impactadas pela erosão erosivo de médio a alto incluem Campeche, Armação e ção devido ao aumento da temperatura deverá se refletir parcialmente o déficit no balanço sedimentar decorrente as praias de Flamengo e Riviera e a porção central da praia Pântano do Sul (Horn, 2006). em aumento do transporte eólico no litoral do Nordeste da alteração no equilíbrio morfossedimentar, devido às semiárido, com aumento da transferência de sedimentos alterações provocadas pelas mudanças do clima. 3 . 9 . 2 . 5 A costa arenosa do S ul 3.10 Do Cabo de Santa Marta ao Chuí, a linha de costa é for- ao longo do tempo (Esteves, 2006; Esteves et al., 2006). mada por uma extensa e larga faixa de praia com sedi- Segmentos localizados de erosão costeira foram descritos mentos predominantemente finos em frente a um múlti- por Calliari et al. (1998) e Speranski e Calliari (2006) e plo sistema de ilhas-barreira. Deriva litorânea dominante são relacionados à convergência de ondas na região de na região é para norte, com algumas inversões relacio- Mostardas, entre Bojuru e Estreito, e em pequenos seg- nadas à sazonalidade do clima de ondas e orientação da mentos próximo à praia do Cassino e no extremo sul, linha de costa (Siegle e Asp, 2007). As praias mostram próximo ao Chuí. Através de uma revisão crítica da erosão Modos de variabilidade climática são padrões espaci- regionais de temperatura e precipitação daqueles as- grande variabilidade morfodinâmica, com alternância na costa do RS, Dillenburg et al. (2004) sugerem que o ais e temporais dominantes de variabilidade climática sociados a mudanças climáticas antrópicas. Além disso, entre longos trechos de avanço e retração da linha de balanço negativo de sedimentos em curto e longo termo causados por processos físicos naturais decorrentes das é fundamental entender como as mudanças climáticas costa (Toldo et al., 2006), com reversões nesses padrões é a maior causa da erosão nesse segmento da costa. interações entre a atmosfera e a terra, oceanos e crios- antrópicas podem alterar esses modos de variabilidade fera. Um melhor entendimento desses modos é essen- climática e consequentemente as anomalias de tempera- cial para distinguir seus efeitos nas variações globais e tura atmosférica e precipitação. 3.9.3 Síntese Alt e r açõe s n o s pad r õe s d e var iab i li da d e e s pac ial e t e m po r al d o o c ean o. E l N i ño O s c i l ação S u l e E st r ut u r a t e r m o h a li na . 3 .10 .1 P rincipais modos de variabilidade dos oceanos relevantes para o Brasil Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são vários o balanço sedimentar local e pode iniciar e/ou acelerar pro- os trechos em erosão, distribuídos irregularmente e muitas cessos erosivos locais. Esses processos certamente serão vezes associados aos dinâmicos ambientes de desembo- amplificados pela elevação do nível do mar e aumento na caduras. A ocupação desordenada é outra grande causa frequência e intensidade das tempestades associadas ao Os modos de variabilidade climática relacionados a varia- meridional do Atlântico Tropical, modo zonal do Atlântico apontada para a erosão em praias brasileiras. A construção aumento de temperatura do oceano. Diversas são as áreas ções dos oceanos mais relevantes para o clima do Brasil e o modo dipolo subtropical do Atlântico Sul. O ENSO é em áreas próximas à linha de costa por vezes compromete costeiras densamente povoadas que se situam em regiões são: El Niño-Oscilação Sul (ENSO, sigla em inglês), modo caracterizado por um aquecimento ou resfriamento an- 132 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 133 ormal das águas do Pacífico equatorial leste. Quando há 1993; Keenlyside e Latif, 2007). Já o modo meridional uma diminuição dos ventos alísios e enfraquecimento da dos eventos extremos no Brasil está relacionada a eventos um aquecimento, o evento é denominado El Niño e, no do Atlântico Tropical é caracterizado por um gradiente circulação de Walker causada pelo aquecimento global. de El Niño e La Niña, essas mudanças de comportamento caso de um resfriamento, é denominado La Niña. Essas meridional de anomalias de TSM: em sua fase positiva, Isto propicia uma maior variabilidade da TSM no Pacífico do ENSO são extremamente importantes. alterações da temperatura da superfície do mar (TSM) o Atlântico Norte Tropical apresenta anomalias de TSM equatorial central e não na região leste. deflagram uma série de mudanças na circulação atmos- positivas, enquanto que o Atlântico Sul Tropical apre- Resultados de Rodrigues et al. (2011) sugerem que devido ao aquecimento global continuar, de acordo com férica padrão global que afeta o clima de várias regiões senta anomalias de TSM negativas, e vice-versa na fase eventos de El Niño são responsáveis pelo desenvolvim- Rodrigues et al. (2011) haverá o desenvolvimento mais do mundo. O ENSO é o modo dominante de variabili- negativa. Acredita-se que esse modo é controlado pela ento das anomalias de TSM no Atlântico, que, por sua frequente de: 1) fases negativas do modo dipolo do Atlân- dade global em escala interanual e é responsável por boa atmosfera (Chang et al., 1997). Geralmente, a ocorrên- vez, determinam, junto com as mudanças na circulação tico Sul (polo equatorial quente e polo subtropical frio); 2) parte da variabilidade interanual de cobertura de nuvens, cia de uma fase positiva do modo meridional impede atmosférica causadas pelo próprio El Niño, o padrão de anomalias quentes de TSM no Atlântico equatorial, carac- temperaturas globais extremas, alterações nos padrões o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical precipitação sobre o Brasil. El Niños “Modoki” causam terizando uma fase positiva de Atlântico Nino; 3) anomalias de precipitação e na taxa de retirada do CO2 da atmosfera (ZCIT) para sul, inibindo chuvas sobre o norte e nordeste anomalias de TSM positivas no Atlântico Sul tropical e menos quentes ou neutras de TSM no Atlântico Norte Tropi- pelos oceanos (Bousquet et al., 2000; Jones et al., 2001; brasileiro. A ocorrência de anomalias frias no Atlântico anomalias negativas no Atlântico Sul subtropical (Fig. cal, caracterizando uma fase negativa do modo meridional Trenberth et al., 2002; Curtis e Adler, 2003). No Brasil, equatorial (Atlântico Niño) exacerba esta situação de 3.10.1). Este padrão configura a fase negativa do dipolo do (gradiente meridional de TSM negativo). Esses padrões de eventos de El Niño causam secas no norte e nordeste e seca. Já o modo dipolo subtropical do Atlântico Sul é Atlântico Sul. Das 11 fases negativas do dipolo do Atlân- TSM favorecem precipitações acima da média ou na média chuvas intensas, e até enchentes, no sudeste e sul. Em o principal modo de variabilidade do Atlântico Sul e é tico Sul que se estabeleceram no período de 1950 a 2005, sobre o nordeste brasileiro e mais chuvas no sudeste-sul do contrapartida, eventos de La Niña estão geralmente as- caracterizado por anomalias de TSM de sinais opostos 9 delas ocorreram em anos de El Niño “Modoki”. Além Brasil (Fig. 3.10.1). Porém, ainda não se tem uma previsão sociados a secas no sudeste e sul e precipitação acima da em um polo equatorial e outro polo subtropical sepa- disso, durante os El Niños “Modoki”, a língua de água fria do que acontecerá com os eventos de La Niña que poten- média no norte e nordeste (Grimm 2003). rados por uma linha fictícia ao longo de 30°S (Venegas do Atlântico não se desenvolve (fase positiva do Atlântico cialmente terão o efeito oposto. Os últimos eventos de La O modo zonal do Atlântico é considerado o modo de et al., 1997; Wainer e Venegas, 2002; Sterl e Hazeleger, Niño) e as anomalias de TSM no Atlântico Norte Tropical Niña de 2005/06 e 2010/11 já acarretaram secas extremas na variabilidade do Atlântico análogo ao ENSO no Oceano 2003). Uma fase positiva deste modo, isto é, anomalias são negativas, estabelecendo uma fase negativa do modo Amazônia (Lewis et al., 2011). A seca de 2005/06 tinha sido Pacifico e, por esta razão, chamado de Niño do Atlân- positivas de TSM no polo equatorial, acompanhadas por meridional. Foltz e McPhaden (2010) confirmam a existên- considerada um evento que acontece uma vez a cada 100 tico. É caracterizado por anomalias quentes ou frias anomalias negativas no polo subtropical, provoca o des- cia da interação entre os modos zonal (Atlântico Niño) e anos (Marengo et al., 2008). Porém, já aconteceram dois de TSM na região da língua fria do Atlântico equatorial locamento da ZCIT para sul, trazendo chuvas ao norte e meridional no Atlântico Tropical. Consequentemente, es- eventos de magnitudes comparáveis no intervalo de 3 anos leste e é controlado por processos oceânicos (Zebiak, nordeste brasileiro (Haarsma et al. 2003). sas anomalias de TSM no Atlântico Tropical permitem que (Lewis et al., 2011; Marengo et al., 2011). 3.10.2 Alterações dos modos de variabilidade do Atlântico Tropical e Sul devido a mudanças no E N SO Se o aumento da frequência de El Niños “Modoki” a ZCIT se mova para sul, trazendo chuvas para o norte e O estudo observacional recente de Tokinaga e Xie nordeste brasileiro. Já El Niños canônicos causam anoma- (2011) já confirmou o enfraquecimento da língua de água lias de TSM negativas no Atlântico Sul Tropical e anomalias fria do Atlântico (Atlântico Niño). Em outras palavras, os positivas no Atlântico Norte Tropical que coíbem a ZCIT de autores descobriram que a TSM tem aumentado no Atlân- Evidências observacionais recentes sugerem que El Niños Comparações entre as simulações para o século 20 e as se movimentar para sul e provocar chuvas no nordeste. tico equatorial leste nas últimas 6 décadas. A tendência canônicos com aquecimento no leste do Pacífico equa- simulações para o século 21, nas quais a concentração de Nota-se que os padrões de precipitação sobre o Brasil em de aquecimento chegou a 1,5°C/60-anos no núcleo da torial estão ficando menos frequentes e outro tipo de El CO2 é mantida constante e igual a 700 ppm (projeção de anos de El Niños canônicos são opostos àqueles em anos língua de água fria para o inverno austral (estação em que Niño com aquecimento no centro do Pacífico equatorial, mudanças climáticas A1B do IPCC), sugerem a maior ocor- de El Niños “Modoki” (painéis da direita na Fig. 3.10.1). este modo atinge seu pico). Esse aquecimento do Atlân- chamado “Modoki”, está ficando mais comum nas últimas rência de El Niños “Modoki” (Yeh et al., 2009). Esta alter- Há indícios de que isto se aplique a eventos de La Niña. tico equatorial leste leva a uma maior convecção atmos- décadas (Ashok et al., 2007; Ashok e Yamagata, 2009). A ação nas características do El Niño está ligada às mudanças Geralmente, secas no sul/sudeste eram acompanhadas de férica nesta região e a uma redução dos ventos alísios no ocorrência de El Niños canônicos diminuiu de 0.21/ano no estado básico dos oceanos causadas pelo aquecimento chuvas intensas no norte/nordeste em anos de La Niña. Atlântico, principalmente no inverno austral, quando estes no período de 1870 a 1990 para 0.11/ano no período de global, em particular na estrutura da termoclina do Pacífico Nos últimos eventos de La Niña, em 2007/08 e 2010/11, normalmente se intensificariam. Os autores não acharam 1990 a 2007. Já El Niños “Modoki” aumentaram de 0.05/ equatorial. A profundidade média da termoclina diminuiu pôde-se observar uma inversão destes padrões pelo me- relação entre essas mudanças e variações da circulação ano para 0.41/ano nos mesmos períodos (Yeh et al., 2009). no Pacífico oeste e aumentou no Pacífico leste devido a nos no sul/sudeste do Brasil. Considerando que a maioria termo-halina, o que leva a crer que talvez esteja relacio- 134 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 135 3 .10 . 4 Síntese nada a mudanças no ENSO. Morioka et al. (2011) também desenvolveram com mais frequência, porém, pelo núme- mostraram que, depois do El Niño canônico de 1997-98, ro pequeno de eventos, não é possível estabelecer uma Há fortes indícios de que as características dos eventos de esses padrões de TSM favorecem precipitações acima da fases negativas do dipolo subtropical do Atlântico Sul se tendência estatisticamente significante. El Niño no Pacífico estão mudando nas últimas décadas. média ou na média sobre o norte e nordeste brasileiro e Desde o forte evento canônico de 1997-98, todos os out- mais chuvas no sul e sudeste do Brasil. Porém, nenhum ros El Niños foram do tipo “Modoki” (Yeh et al., 2009). estudo semelhante foi feito sobre os eventos de La Niña. 3.10.3 Alterações dos modos de variabilidade do Atlântico Tropical e Sul devido a mudanças na C irculação Termohalina Como consequência, houve um enfraquecimento da alta Em termos dos efeitos das mudanças climáticas pressão do Atlântico Sul, levando a: 1) fases negativas do na circulação termo-halina do Atlântico, observações e modo dipolo subtropical do Atlântico Sul (polo equatorial modelos apontam para um enfraquecimento da célula Embora partes da circulação termo-halina no Atlântico um resfriamento do Atlântico Sul. Isto se deve ao fato quente e polo subtropical frio); 2) anomalias quentes de no Atlântico, mas um aumento da entrada das Agulhas. exibam uma variabilidade decadal considerável, dados de que a entrada de águas do Índico acontece através TSM no Atlântico equatorial, caracterizando uma fase posi- O impacto de ambos seria o mesmo no Atlântico Sul, de observacionais não sustentam que haja uma tendência da Retroflexão da Corrente das Agulhas no sul da África, tiva do modo zonal (Atlântico Niño); 3) anomalias menos aumento da temperatura e salinidade. Mas estudos ob- estatística coerente desta circulação (Carton e Hakkinen, que acaba soltando anéis ou vórtices que se propagam quentes ou neutras de TSM no Atlântico Norte Tropical, servacionais ainda não foram feitos para definir o efeito 2011). Porém, há indícios de que mudanças climáti- para o Atlântico (Beal et al., 2011). As águas originadas caracterizando uma fase negativa do modo meridional sobre os modos de variabilidade e consequentes alter- cas podem gerar uma desaceleração desta circulação no Oceano Índico que ficam aprisionadas dentro desses (gradiente meridional de TSM negativo). Por outro lado, (Gregory et al., 2005). Alguns trabalhos com modelos anéis são águas mais quentes e salinas. Portanto, uma numéricos já mostraram que a diminuição, ou até a interrupção da entrada dessas águas acarretaria um res- interrupção, da circulação termo-halina pode ocasionar friamento do Atlântico. O impacto disto seria um gradi- alterações nos modos de variabilidade do Atlântico. ente meridional positivo de TSM no Atlântico Tropical, Haarsma et al. (2008) mostraram que, com o colapso que empurraria a ZCIT para norte, causando secas no 15ºN da circulação termo-halina do Atlântico, a resposta de norte e nordeste do Brasil. Porém, estudos recentes 0º TSM seria caracterizada por uma fase negativa do modo baseados em observações e modelos mostraram que 15ºS meridional, isto é, anomalias de TSM frias no Atlân- houve uma migração para sul de todo o sistema de ven- 30ºS tico Norte Tropical acompanhadas por anomalias de tos sobre o Atlântico Sul, principalmente dos cinturões 45ºS TSM quentes no Atlântico Sul Tropical. Além disso, as de ventos de oeste, ocasionando um aumento da en- características do modo zonal (Niño do Atlântico) são trada de águas do Oceano Índico no Atlântico e não alteradas, a língua de água fria enfraquece e sua variabi- uma diminuição (Biastoch et al., 2008, 2009). Este au- lidade interanual fica reduzida. Por outro lado, a variabi- mento causa um aquecimento e salinização do Atlântico lidade maior passa a ocorrer na região de ressurgência Sul. Curry e Mauritzen (2005) e Sato e Polito (2008) já de Benguela. Como consequências dessas alterações de constataram um aumento da temperatura e salinidade TSM, há um aumento da precipitação sobre o norte e das camadas superiores entre 0 e 1000 m do Atlântico nordeste, com a migração para sul da ZCIT, principal- Sul, nas últimas décadas. Ambas as mudanças nos ven- mente no inverno austral. tos e nas características termo-halinas do Atlântico po- Por outro lado, de acordo com Haarsma et al. dem ocasionar alterações nos modos de variabilidade (2011), apenas a interrupção da entrada de águas do do Atlântico Sul, porém estudos observacionais ainda Oceano Índico no Atlântico (rota quente do braço su- não foram conduzidos e conclusões a esse respeito não perior da circulação termo-halina no Atlântico) geraria podem ser tiradas. GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 ações nos padrões de precipitação sobre o Brasil. GT1_RAN1_Draft_2_Cap.3 F i g. 3 .10 .1 El Niño Canônico Te m p e r at u r a D J F P r e c i p i ta ç ão MAM El Niño Modoki Te m p e r at u r a D J F P r e c i p i ta ç ão MAM 15ºN 0º 15ºS 30ºS 45ºS 160ºE160ºW 120ºW 80ºW 40ºW 0º 40ºW 0º 1368 1368 1368 1369 Figura 3.10.1. Anomalias TSM Dezembro-Janeiro-Fevereiro (DJF) ee anomalias 1369 Figura Figura 3.10.1. de (°C) em Dezembro-Janeiro-Fevereiro (DJF) anomalias de Figura Anomalias 3.10.1. Anomalias Anomalias de TSM em TSM dezembro-janeiro-fevereiro (DJF) e anomalias de precipitação (mm dia-1) em março-abril-maio 1369 3.10.1. de(°C)de TSM (°C)(°C) em em Dezembro-Janeiro-Fevereiro (DJF) e anomalias de de 1370 precipitação (mm dia-1) em Março-Abril-Maio (MAM) para eventos de El Niño canônico (painéis 1370 precipitação (mm dia-1) em Março-Abril-Maio (MAM) para eventos de El Niño canônico (painéis 1370 precipitação (MAM) (mm Março-Abril-Maio (MAM) para(painéis eventos Niño (painéis paradia-1) eventos de Elem Niño canônico (painéis de cima) e para eventos de El Niño Modoki de baixo). de DJF é El a estação do anocanônico em 1371 de ee para eventos de El Niño Modoki (painéis de baixo). DJF ééestação aa estação do ano em 1371 de cima) de cima) cima) para eventos de El Niño Modoki (painéis de baixo). DJF estação do ano em que os 1371 e para eventos de El Niño Modoki (painéis de baixo). DJF é a do ano em queque os os que os eventos de El Niño atingem seu pico (fase matura) e MAM é a estação chuvosa sobre o norte/nordeste e quando tem uma influência 1372 eventos de El Niño atingem seu pico (fase matura) e MAM é a estação chuvosa sobre oo 1372 eventos de El Niño atingem seu pico (fase matura) e MAM é a estação chuvosa sobre 1372 eventos de grande El naNiño atingem seude Rodrigues pico et al.(fase precipitação do Brasil. Adaptado (2011). matura) e MAM é a estação chuvosa sobre o 1373 norte/nordeste ee quando influência grande precipitação Brasil. Adaptado 1373 norte/nordeste norte/nordeste quando tem uma influência grande na precipitação do Brasil. Adaptado de 1373 e quando temtem umauma influência grande na na precipitação do do Brasil. Adaptado de de 1374 Rodrigues et al. (2011). 1374 Rodrigues et al. (2011). 1374 Rodrigues et al. (2011). <-1 -0.8 -0.6-0.4-0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8>1 1375 3.11 Relações entre Mudanças Climáticas e primeiros níveis rede 1375 3.11 Relações entre Mudanças Climáticas e os os primeiros níveis da rede 1375 3.11 Relações entre Mudanças Climáticas e os primeiros níveis da da rede 1376 trófica marinha 1376 trófica marinha 1376 trófica marinha 136 Painel brasileiro de mudanças climáticas 1377 1377 1377 3.11.1 Introdução 3.11.1 Introdução 3.11.1 Introdução Observações costeiras e oceânicas 137 1378 A da Biológica realizada outubro de Nagoya, Japão, apontou 1378 A Convenção A Convenção Convenção da Diversidade Diversidade Biológica realizada em outubro de 2010 2010 em Nagoya, Japão, apontou 1378 da Diversidade Biológica realizada em em outubro de 2010 em em Nagoya, Japão, apontou 1379 que em 40 anos se perdeu 30% da biodiversidade global, o que implica em perdas anuais entre 1379 que em 40 anos se perdeu 30% da biodiversidade global, o que implica em perdas anuais entre US$ 1379 que em 40 anos se perdeu 30% da biodiversidade global, o que implica em perdas anuais entre US$US$ 3.11 R e l aç õ e s e n t r e M u da n ç a s C l i m á t i c a s e o s p r i m e i r o s n í v e i s da r e d e t r ó f i c a m a r i n h a 3.11.1 introdução al. (2007): o efeito do aumento da temperatura sobre a indicam claramente que mudanças na temperatura pro- estrutura da comunidade fitoplanctônica. Os resultados movem alterações na base da rede trófica que acabam mostram que, para aumentos de temperatura de cerca tendo um reflexo expressivo também nos níveis tróficos de 3oC, dinoflagelados aumentaram em abundância superiores e demonstram o grau de complexidade que em mesocosmos experimentais aquecidos, e Thalassio- devem ter os estudos experimentais sobre os efeitos das nema nitzchioides foi mais abundante nos tratamentos mudanças climáticas e efeitos de retroalimentação sobre A Convenção da Diversidade Biológica realizada em outubro cies marinhas, sendo estimadas em mais 750 mil as espécies sob aquecimento, enquanto a diatomácea Skeletonema o clima, uma vez que elevações nas concentrações de de 2010 em Nagoya, Japão, apontou que em 40 anos se ainda a serem identificadas. Não estão computados neste marinoi, formadora de florações de primavera na região, CO2 atmosférico certamente serão acompanhadas de perderam 30% da biodiversidade global, o que implica em cálculo milhões de espécies de microrganismos, que rep- foi pouco abundante no mesocosmo mais aquecido. Es- aumentos na temperatura das águas superficiais. perdas anuais entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões que resentam 90% da biodiversidade oceânica. A falta de pro- sas alterações podem promover resultados não previstos Um outro importante trabalho recente (Boyce et não são computados nos cálculos do produto interno bruto teção das zonas costeiras e marinhas torna a situação ainda ao longo da rede trófica. Esses resultados experimentais al., 2010) mostra alguns resultados aparentemente con- (PIB) de cada país (PNUMA, 2010). Os ecossistemas marin- mais grave, uma vez que milhares de espécies podem vir a confirmaram alterações in situ observadas na comu- traditórios às extrapolações decorrentes dos estudos de hos representam um dos setores em que tais perdas têm se desaparecer sem mesmo terem sido conhecidas. No Brasil, nidade fitoplanctônica na Península Ocidental Antártica Riesebell et al. (2007). Analisando dados da concentra- tornado mais evidentes. O I Censo Marinho Global aponta apenas cerca de 1,5% da área costeira é protegida e menos por Montes-Hugo et al. (2009) e atribuídas por esses au- ção de fitoplâncton realizados com base em imagens de para um grande desconhecimento das espécies, sendo que, de 10% das espécies marinhas são conhecidas, sem que os tores ao aquecimento que a região tem sofrido. O clima satélite disponíveis desde 1979, esses autores verificaram até o momento, foram identificadas cerca de 250 mil espé- microrganismos entrem nesse cômputo. da península está passando por uma transformação, do possíveis flutuações em escala decadal ligadas à forçante tipo climático frio-seco para tipo climático quente úmido climática. Porém, a extensão temporal desses registros é 3.11.2 O papel do fitoplâncton na rede trófica marin ha e no “bombeamento biológico” subantártico. Utilizando dados de campo e de satélites insuficiente para identificar tendências de longo prazo. de três décadas, os autores documentaram que a produ- Mas, ao combinar valores de medidas de transparência tividade biológica, estimada a partir de dados de con- do oceano com observações in situ de clorofila, a fim de Cerca de 48% da absorção biológica global de carbono da revolução industrial, há cerca de pouco mais de 200 centração de clorofila, tem mudado significativamente estimar a dependência temporal da biomassa do fito- são de responsabilidade do fitoplâncton marinho (Field anos. Ainda segundo esses autores, cerca de 25-30% do ao longo da plataforma da península. Concentrações plâncton em escalas locais, regionais e global desde 1899, et al., 1998), microrganismos fotossintéticos que realizam CO2 antropogênico atravessam a superfície do oceano, de clorofila de superfície no verão declinaram cerca de Boyce et al. (op.cit.) verificaram um declínio global médio essa atividade através da fixação diária de CO2 em ma- aumentando a concentração de carbono inorgânico dis- 12% nos últimos 30 anos, com o maior decréscimo em de 1% ao ano na biomassa fitoplanctônica. A análise rev- téria orgânica pela fotossíntese. Parte do CO2 fixado nas solvido (CID) e a acidez das águas, com potencial prejuízo direção ao norte da península e aumento em direção elou ainda flutuações interanuais a decadais sobrepostas a regiões iluminadas do oceano eventualmente afunda para para o próprio fitoplâncton, principalmente aqueles que ao extremo sul. As tendências de variação latitudinal da tendências de longo prazo, fortemente correlacionadas a as regiões mais profundas, onde é reconvertida em CO2 apresentam elementos calcáreos em suas estruturas da clorofila refletem os padrões de desvios na cobertura de índices climáticos em escala de bacia oceânica, enquanto ou permanece sequestrado no sedimento. Esse processo célula, bem como para outros organismos marinhos. gelo, formação de nuvens e ventos, afetando a coluna as tendências de declínio se apresentam correlacionadas produz uma espécie de “bombeamento biológico”, re- Apesar dos oceanos representarem os maiores de água. Mudanças regionais no fitoplâncton coincidem a aumento da temperatura de superfície do oceano. Os sponsável por remover continuamente o CO2 (gás estufa) reservatórios de CID, apenas cerca de 1% encontra-se com mudanças observadas no krill (Euphausia superba), resultados obtidos apontam para uma necessidade de da atmosfera. em forma de CO2, a molécula requerida pela enzima fo- que está sendo substituído por salpas, e com mudanças que este declínio passe a ser considerado em estudos do Riebesell et al. (2007) descrevem evidências de que tossintética Rubisco, a qual opera com pouca eficiência nas populações de pinguins Adélia, que estão sendo ecossistema marinho, de ciclagem de nutrientes, circula- essa “bomba biológica” pode se tornar mais forte sob nas concentrações de CO2 típicas da água do mar. Dessa substituídos por pinguins Chinstrap. Estes resultados ção oceânica, pesca e modelos climáticos. concentrações elevadas de CO2 na atmosfera, e assim forma, o aumento das concentrações ambiente de CO2 prover uma retroalimentação negativa em relação à el- pode favorecer a eficiência fotossintética, aumentando a evação das concentrações de CO2 atmosférico. De acordo absorção do CO2 antropogênico (Riebesell et al., 2007). com seus cálculos, a retroalimentação representa 10% Entretanto, os trabalho de Lassen et al. (2010) focam um do CO2 extra bombeado para a atmosfera desde o início outro aspecto não considerado no estudo de Riebesell et 138 Painel brasileiro de mudanças climáticas Observações costeiras e oceânicas 139 3.11.3 Papel dos microrganismos marin hos na regulação climática tais modelos. Tais observações através de ampla faixa de siderar as observações experimentais ainda limitadas escalas de tempo permitem estabelecer a sensibilidade do que demonstram que concentrações elevadas de CO2 As preocupações em relação às mudanças climáticas da forte correlação entre dose de radiação solar e concen- clima da Terra, uma métrica que influirá sobre nossa capa- surpreendentemente suprimem as emissões de DMS contemporâneas e futuras têm focado principalmente o tração de DMS sobre a superfície global dos oceanos (Val- cidade de decidir o que constitui uma “mudança climática (Sunda et al., 2002). Caso esta resposta seja verificada aumento exponencial das concentrações atmosféricas de lina e Simó, 2007). Entretanto, os fatores que controlam a perigosa” (Andreae et al., 2005; Andreae, 2007). para o fitoplâncton de modo geral, um mundo futuro CO2 a partir do século passado, pelo aumento da queima emissão de DMS pelo fitoplâncton são pouco compreendi- Estudos de modelagem (Bopp et al., 2003; Gabric com alto CO2 poderá ter reduzida a eficiência de um me- de combustíveis fósseis e florestas. Entretanto, é cada vez dos (Liss, 2007), e isso limita a confiabilidade das previsões et al., 2004) sugerem que um pequeno aumento na canismo de retroalimentação negativo que pode auxiliar mais claro aos cientistas que outros gases de efeito estufa futuras dos fluxos de DMS para a atmosfera. produção de DMS oceânico em resposta a um aqueci- a baixar as temperaturas planetárias. Por outro lado, tais (GEE) além do CO2 são motores extremamente potentes Outros orgânicos voláteis, como os organo-haletos mento climático referente a um aumento duplicado das microrganismos são extremamente sensíveis a alterações do sistema climático global (IPCC 2007). Nesse sentido, (como metilbrometo), produzidos pela biota planctônica concentrações de CO2 depende fortemente de uma ambientais e as implicações dos efeitos das mudanças verifica-se que o papel do fitoplâncton na regulação marinha, também são importantes no contexto da ret- base limitada de dados de fluxos de DMS observados climáticas sobre os mesmos ainda são pouco claras, em climática não se traduz somente pela absorção e sequestro roalimentação do clima. Esse composto se decompõe, no oceano atual, como aqueles obtidos por Kettle et al. decorrência da falta de informações básicas sobre a com- diários de gás carbônico e liberação de oxigênio, mas estu- liberando brometo inorgânico, que atua sobre o balanço (1999). Efetivamente, esta classe de modelos deve con- posição e funcionamento dessa comunidade. dos recentes indicam que a comunidade planctônica pode atual do O3 (Yang et al., 2005). Tanto as emissões naturais contribuir para reduzir o fluxo de radiação para a superfície de brometo dos oceanos, como as de isopreno da biota e ampliar o albedo terrestre, através da produção de com- terrestre, são sensíveis ao clima e importantes de serem postos que se transformam em aerossóis que geram nú- quantificadas. Mudanças futuras na circulação atmosférica Conforme a Terra entra num período de mudanças e estabelecer políticas de conservação, que devem, en- cleos de condensação de nuvens na atmosfera (Charlson, podem promover o aumento de compostos reativos de climáticas antropogênicas rápidas, com possibilidades tretanto, estar interligadas às políticas que estabelecem 1987; Vallina e Simó, 2007; Liss, 2007). brometo inorgânico na baixa estratosfera, com o potencial de mudanças climáticas perigosas nas próximas poucas o uso de combustíveis fósseis, o uso do solo, qualidade de destruição do O3 (Yang et al., 2005; Pyle et al., 2007). décadas, o conhecimento da biologia e da geoquímica en- das águas dos rios, controle da poluição atmosférica, etc., Isto sugere que a produtividade primária pode exercer 3 .11. 4 síntese importante papel no controle da cobertura de nuvens so- As microalgas marinhas também são responsáveis volvidas nesses processos e seu papel no clima da Terra uma vez que, no caso do plâncton, estes organismos, bre os oceanos, como efetivamente demonstraram Meskh- por emissões contendo iodeto, as quais podem ser con- exige uma prioridade crítica de pesquisas. O Brasil, hoje, apesar de invisíveis a olho nu e habitantes distantes das idze e Nenes (2006). Estes autores combinaram observa- vertidas em partículas de aerossol e passar a ter, nessa encontra-se apto a participar de estudos de modelagem populações humanas, ao mesmo tempo em que exer- ções de satélite das concentrações de clorofila no oceano forma, importante significado climático, em função da climática mais minuciosos (Tollefsson, 2010), tanto em ter- cem tremendo controle sobre o balanço de gases ter- e a cobertura de nuvens sobre uma floração no oceano cor clara desses aerossóis em relação à cor escura dos mos de recursos humanos como tecnológicos que incluam restres, são extremamente frágeis e dependentes das Antártico, e verificaram que a produtividade biológica tem oceanos (O’Dowd e de Leeuw, 2007). Os fatores que os aspectos necessários apontados nesta revisão. próprias condições físicas e químicas dos oceanos, cujas um efeito significativo sobre determinados tipos de nuvens controlam a produção primária (i.e., o spray marinho) e Não se pode, entretanto, deixar também de consid- que se formam sobre o oceano, o que levou a uma grande secundária (a química oxidativa) dos aerossóis marinhos erar os diagnósticos sobre a biodiversidade no oceano modificação no fluxo radiativo de ondas curtas no topo da ainda estão por ser elucidados. atmosfera. Estudos feitos com simulações de perturbações Com base em constatações dessa natureza, Beerling em modelos climáticos oceano-atmosfera, que incluem et al. (2007) enfatizam que a incorporação de resultados ecossistemas oceânicos e ciclo global do enxofre, têm experimentais e observacionais recentes, especialmente a demonstrado a conexão DMS-clima, pois o aumento ou influência do CO2 sobre as emissões de gases-traço pelas redução das emissões desse gás-traço exercem forte efeito microalgas marinhas, aos modelos do sistema global é de retroalimentação negativa sobre o clima, aumentando uma prioridade. Resultados de tais modelos poderão ser ou reduzindo o albedo pelas mudanças na formação de confrontados com dados históricos das concentrações ob- nuvens (Gunson et al., 2006). Efeitos de retroalimentação tidos de cores de gelo polar estendendo-se até 650.000 negativa de DMS sobre o clima foram verificados através anos, que poderão fornecer referências para avaliação de 140 Painel brasileiro de mudanças climáticas modificações irão provocar alterações ainda difíceis de serem previstas sobre o seu metabolismo. 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Dias - LNCC 156 Painel brasileiro de mudanças climáticas Sumário executivo Os estudos paleoclimáticos desenvolvidos com registros continentais e marinhos brasileiros e, subordinadamente, de outros países da América do Sul e dos oceanos adjacentes permitem elaborar as seguintes afirmações: As mudanças na insolação recebida pela Terra em escala temporal orbital foram a principal causa de modificações na precipitação e nos ecossistemas das regiões tropical e subtropical do Brasil, principalmente aquelas regiões sob influência do Sistema de Monção da América do Sul. Valores altos de insolação de verão para o hemisfério sul foram associados a períodos de fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul e vice-versa. Na escala temporal milenar foram observadas fortes e abruptas oscilações no gradiente de temperatura do Oceano Atlântico bem como na pluviosidade associada ao Sistema de Monções da América do Sul e à Zona de Convergência Intertropical. A causa destas mudanças climáticas abruptas reside aparentemente em marcantes mudanças na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. Períodos de enfraquecimento desta célula foram associados a um aumento na precipitação das regiões tropicais e subtropicais do Brasil. Marcantes alterações na circulação da porção oeste do Atlântico Sul foram reconstituídas para o Último Máximo Glacial (de 23 a 19 cal ka AP), a última deglaciação (de 19 a 11,7 cal ka AP) e o Holoceno (de 11,7 a 0 cal ka AP). Dentre elas pode-se citar: (i) uma diminuição na profundidade dos contatos entre as massas de água intermediária e profunda durante o Último Máximo Glacial que foi caracterizado por uma célula de revolvimento que não foi nem significativamente mais fraca nem uma versão significativamente mais forte se comparada com sua intensidade atual; (ii) um aquecimento das temperaturas de superfície do Atlântico Sul durante eventos de diminuição na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico em períodos específicos da última deglaciação (e.g., Heinrich Stadial 1 (entre ca. 18,1 e 14,7 cal ka AP) e Younger Dryas (entre ca. 12,8 e 11,7 cal ka AP)); e (iii) o estabelecimento de um padrão similar ao atual de circulação superficial na margem continental sul do Brasil entre 5 e 4 cal ka AP. O nível relativo do mar na costa do Brasil atingiu até 5 m acima do nível atual entre ca. 6 e 5 cal ka AP e diminuiu gradativamente até o início do período industrial. Análises paleoantracológicas indicam que por um longo período do Quaternário tardio o fogo tem sido um fator de grande perturbação em ecossistemas tropicais e subtropicais e, juntamente com o clima, de suma importância na determinação da dinâmica da vegetação no passado geológico. Apesar de ainda existirem marcantes controvérsias a respeito de pontos importantes relacionados à ocupação humana das Américas (e.g. idade das primeiras migrações, quantas levas de migrações ocorreram, por que caminhos se processaram as migrações), pode-se afirmar que toda a América do Sul já estava ocupada pelo Homo sapiens ao redor de 12 cal ka AP e tais ocupações já mostravam padrões adaptativos e econômicos distintos entre si. A aparente 158 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 159 4 .1 I n t r o d u ç ã o estabilidade na ocupação humana do Brasil foi interrompida entre ca. 8 e 2 cal ka AP com significativo abandono de sítios e depopulação em escala regional que devem estar associados a marcantes mudanças climáticas. A Pequena Idade do Gelo (de ca. 1500 a 1850 AD) foi caracterizada na porção (sub)tropical da América do Sul ao sul da linha do Equador por um aumento na precipitação que provavelmente está associado a um fortalecimento do Reconstituições paleoclimáticas assumem marcante relevância atualmente, em face à necessidade de atribuir causas às alter- Sistema de Monção da América do Sul e a uma desintensificação da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. ações ocorridas no clima da Terra durante as últimas décadas e também para auxiliar o estabelecimento de cenários climáticos Entretanto, os mecanismos climáticos associados não estão consolidados e o número de registros paleoclimáticos e para as próximas décadas. paleoceanográficos disponíveis em ambientes (sub)tropicais deste evento é particularmente reduzido. São três os principais motivos que dão suporte a esta afirmação: (i) a necessidade de um profundo conhecimento da Genericamente, se observa-se um número ainda bastante restrito de registros paleoclimáticos e paleoceanográ- variabilidade climática natural da Terra para desacoplar os processos climáticos naturais dos processos antrópicos; (ii) a neces- ficos provenientes do Brasil e da porção oeste do Atlântico Sul. De fato, apenas nos últimos anos foram publicados sidade de validar os modelos numéricos utilizados em projeções climáticas futuras com eventos climáticos de natureza extrema os primeiros estudos (e.g., Cheng et al., 2009; Chiessi et al., 2009; Souto et al., 2011; Laprida et al., 2011; Stríkis et al., registrados no passado geológico; e (iii) a necessidade de conhecer as possíveis respostas do sistema climático e dos ecos- 2011) para algumas regiões (e.g., região Centro-Oeste, Zona de Confluência Brasil-Malvinas) e temas (e.g., tempera- sistemas perante significativas modificações em parâmetros climáticos específicos (e.g., concentração atmosférica dos gases de tura da superfície do mar para o Holoceno, variabilidade multidecenal e secular na precipitação). Neste sentido, é de efeito estufa e aerossóis, atividade solar, temperatura média da atmosfera, nível do mar). suma importância que lacunas nesta área do conhecimento sejam preenchidas nos próximos 10 anos. O território brasileiro e o Atlântico Sul, e mais genericamente a América do Sul e os oceanos adjacentes, apresentam condições climáticas extremamente diversas, envolvendo desde aquelas típicas de ambientes equatoriais até aquelas típicas das altas latitudes. Esta região oferece uma oportunidade única de se explorar a variabilidade climática pretérita ao longo de perfis representativos latitudinais e altitudinais, além de permitir o estudo de alguns dos mais relevantes fenômenos de teleconexões climáticas. O registro instrumental e histórico do clima no Brasil e na América do Sul é relativamente curto, raramente ultrapassando 100 anos de duração. Para capturar todas as escalas temporais e mecanismos de variabilidade do sistema climático, deve-se obrigatoriamente recorrer aos registros sedimentares, biológicos e biogeoquímicos (e.g., sedimentos marinhos e lacustres, espeleotemas, corais, testemunhos de gelo, anéis de crescimento de árvores) e também aos registros históricos. Os principais indicadores utilizados no estudo das condições climáticas pretéritas são aqueles que incluem: (i) propriedades físicas dos registros (e.g., tamanho das partículas, espessura das camadas, propriedades magnéticas); (ii) propriedades biológicas dos registros (e.g., assembleias microfossilíferas, biomarcadores); e (iii) propriedades geoquímicas e isotópicas dos registros (e.g., razões elementares, razões isotópicas, componentes atmosféricos). Alguns destes indicadores são utilizados no estabelecimento de modelos de idades dos registros paleoclimáticos, outros na determinação dos processos associados à formação dos registros e suas alterações diagenéticas, e outros ainda na reconstituição stricto sensu das propriedades físicas, biológicas e químicas dos paleoambientes. A paleoclimatologia é uma disciplina multidisciplinar por excelência, que depende do trabalho conjunto de especialistas em arqueologia, climatologia, ecologia, geologia, geomorfologia, geoquímica, glaciologia, limnologia, modelagem numérica, oceanografia, paleontologia, palinologia, pedologia, sedimentologia e vulcanologia, dentre outros. Uma porção substancial destas especialidades já foi aplicada em estudos paleoclimáticos em registros geológicos provenientes do Brasil e de outros países sul-americanos, como sintetizado neste capítulo. No entanto, as respostas regionais do clima do Brasil e da América do Sul perante as mudanças climáticas que ocorreram no Quaternário tardio aparentam ser muito mais diversas do que inicialmente sugerido. Dessa forma é necessário se obter, com certa urgência, conhecimento mais aprofundado da amplitude, extensão geográfica e velocidade de ocorrência das mudanças climáticas pretéritas. Esta urgência se torna mais sensível quando se consideram: (i) a marcante dependência de importantes setores econômicos do país e do continente ao atual padrão climático; (ii) a alta probabilidade da alteração destes padrões no futuro próximo, de acordo com os modelos atuais; e (iii) a vulnerabilidade da sociedade civil frente aos desastres naturais de origem climática. 160 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 161 baseados em registros de mudanças na vegetação e nível em escala temporal de vários milênios devido às variações de lagos em diversas regiões do Brasil (e.g., Absy et al.,1991; na insolação segundo o ciclo de precessão ficaram restritas Sifeddine et al., 1994; Ledru et al., 2005). Um grande avanço aos registros geológicos do hemisfério norte. Somente nas nesse tema ocorreu mais recentemente com os estudos de últimas duas décadas começaram a ser discutidas mudanças registros em depósitos carbonáticos de cavernas, mais con- de pluviosidade nos trópicos da América do Sul em escala hecidos como espeleotemas (e.g., Cruz et al., 2005; Cruz et temporal orbital, as quais são consistentes com os ciclos de al., 2009). Tais registros demonstraram como variações de precessão (e.g., Seltzer et al., 2000; Haug et al., 2001; Peter- insolação de verão produziram mudanças no regime de chu- son & Haug, 2006). No Brasil, os primeiros estudos foram vas tropicais e extratropicais durante o Quaternário Tardio. 60 40 20 a) Colônia 23.9ºS 0 -6 b)Botuverá 27.2ºS -5 -4 -3 -2 -1 4.2.1 E vidências paleoclimáticas a partir de registros lacustres Insolação fevereiro 30ºS (Wm-2) (Laskar et al., 2004) 0 520 Caverna Botuverá (Brasil) δ18O (%0, VPDB) (Cruz et al., 2005) Por muito tempo as discussões sobre mudanças climáticas 80 +intensidade do Sistema de Monções da América do Sul 4.2.1 I ntrodução +umidade M u da n ç a s c li má ti c a s e m e s c a l a te m po r a l o r b i ta l Outras evidências de fortes mudanças climáticas foram obtidas através de estudos palinológicos de um Paulo (23°52′Scoletado / 46°42′20″W). Este testemunho fornece resultados de na palinológicos composição Mata testemunho cratera de Colônia, atualmente domínio demudanças Mata Atlântica do Estado da de Outras evidências de no fortes mudanças climáticas foramno obtidas através de estudos de São um Atlântica no último ciclo glacialEste / interglacial (Ledru al., 2005, Essas mudanças discutidas Paulo (23°52′S / 46°42′20″W). testemunho forneceet resultados dede2009). mudanças na composição dadeMata testemunho coletado no cratera de Colônia, atualmente no domínio Mata Atlântica do Estado São principalmente com base freqüências de pólen de etresultados elementos arbóreos, refletem as alterações Atlântica no último ciclonas glacial / interglacial (Ledru al., 2005,de 2009). Essas discutidas Paulo (23°52′S / 46°42′20″W). Este testemunho fornece mudanças na mudanças composição da Matana cobertura florestal, sendo períodos de maior expansão eal., retração da floresta associados àsdiscutidas mudanças principalmente com baseosnas freqüências de pólen de etelementos refletem as alterações na Atlântica no último ciclo glacial / interglacial (Ledru 2005,arbóreos, 2009). Essas mudanças da cobertura umidade e temperatura ao longo dos últimos 100 ka (Fig. 4.2.1). Comparados a outros registros florestal, sendo os períodos de maior expansão e retração da floresta associados às mudanças principalmente com base nas freqüências de pólen de elementos arbóreos, refletem as alterações na paleoclimáticos, estessendo resultados exibem maiorexpansão consistência com ciclo de precessão (~23 ka), da umidade e temperatura longo dos últimos 100 kae(Fig. 4.2.1). Comparados a outros registros cobertura florestal, osaoperíodos de maior retração daofloresta associados às mudanças fornecendo evidências queao mudanças na últimos insolação sãokaos(Fig. principais na(~23 expansão F i g.e 4temperatura . 2estes .1 de resultados paleoclimáticos, exibem maior 100 consistência com ciclo declimáticos precessão ka), da umidade longo dos 4.2.1).oforçantes Comparados a outros registros e na redução da Mata Atlântica durante os últimos 100 ka em resposta a variação da precipitação. fornecendo evidências de que mudanças na insolação são os principais forçantes climáticos na expansão paleoclimáticos, estes resultados exibem maior consistência com o ciclo de precessão (~23 ka), efornecendo na reduçãoevidências da Mata Atlântica durante osnaúltimos 100são ka em resposta aforçantes variação da precipitação. de100 que mudanças insolação os principais climáticos na expansão e na redução da Mata Atlântica durante os últimos 100 ka em resposta a variação da precipitação. Cratera de Colônia (Brasil) pólen arbóreo (%) (Ledru et al., 2009) 4.2 193 195194 193 196195 194 197196 195 198197 196 199198 197 200199 198 201200 199 202201 200 202 201 202 c)30.0ºS As primeiras evidências do impacto das mudanças climáticas Outras evidências de fortes mudanças climáticas em relação aos parâmetros orbitais foram obtidas em regis- foram obtidas através de estudos palinológicos de um tros lacustres localizados na parte oriental da Bacia Amazôni- testemunho coletado no cratera de Colônia, atualmente ca, através de estudos multidisciplinares que associaram da- no domínio de Mata Atlântica do Estado de São Paulo dos de paleovegetação, sedimentologia e geoquímica de um (23°52S / 46°42’20’W). Este testemunho fornece resul- testemunho de seis metros coletado em um dos lagos da tados de mudanças na composição da Mata Atlântica serra dos Carajás (Absy et al., 1991; Sifeddine et al., 1994). Em no último ciclo glacial / interglacial (Ledru et al., 2005, uma sequência sedimentar de mais de 60 ka, foi observado 2009). Essas mudanças, discutidas principalmente com que a floresta úmida local foi substituída por vegetação típica base nas frequências de pólen de elementos arbóreos, de clima mais seco. De fato, tanto o registro polínico quanto refletem as alterações na cobertura florestal, sendo os os estudos sedimentológicos não deixam dúvidas sobre a ex- períodos de maior expansão e retração da floresta as- istência de períodos de maior aridez e abertura da floresta, sociados às mudanças da umidade e temperatura ao os quais foram identificados pela primeira vez na Amazônia longo dos últimos 100 ka (Fig. 4.2.1). Comparados a em três períodos em torno de 60 e 40, e entre 23 e 14 ka outros registros paleoclimáticos, estes resultados exibem AP, caracterizados pela presença de táxons de savana. Em maior consistência com o ciclo de precessão (~23 ka), comparação com a atual distribuição da densa floresta úmida fornecendo evidências de que mudanças na insolação Registros das razões isotópicas de oxigênio em espeleotemas de alta resolução de uma estalagmite coletada na caverna de da Amazônia, pôde-se admitir que a precipitação, que varia são as principais forçantes climáticas na expansão e na precisamente datados pelo método U/Th consolidaram-se Botuverá, Santa Catarina (27°13’24”S / 49°09’20”W) (Cruz hoje de 1500-2000 mm/ano na parte oriental de Amazônia, redução da Mata Atlântica durante os últimos 100 ka, em nos últimos anos como um dos melhores indicadores paleo- et al., 2005), que abrange os últimos anos 116 ka, variou de foi reduzida para 1000-1500 mm/ano durante essas fases. resposta à variação da precipitação. climáticos de regiões (sub)tropicais (e.g., Wang et al., 2001; acordo com mudanças na origem da umidade e quantidade Cruz et al., 2005). Registro de isótopo de oxigênio (δ18O) de chuva na área da caverna. A Fig. 4.2.1 mostra uma compa- 162 Painel brasileiro de mudanças climáticas 203203 204204 203 205205 204 206206 205 207207 206 208208 207 209209 208 209 500 480 460 440 420 0 20 40 60 80 100120 Idade (ka BP) 4.2.1 - Variações para osúltimos últimos 120kaka AP parâmetros a) porcentagem porcentagem pólen de arbóreos Fig.Fig. 4.2.1 - Variações AP a) de pólenarbóreos deelementos elementos arbóreosem em Fig.para 4.2.1 - os Variações para os120 últimos 120 ka nos APnos nosparâmetros parâmetros a) porcentagem de pólen dede elementos em 18 testemunho sedimentar coletado naCratera Cratera Colônia no Estado dede São Paulo (Ledru et 2009), dede18 OOdodo testemunho coletado naka Cratera de Colônia no Estado São Paulo (Ledru etde al., 2009), b)de valores deb) testemunho sedimentar coletado dede Colônia no Estado de Paulo (Ledru et al., al., 2009), b)valores valores em Fig. 4.2.1 - Variações para sedimentar osnaúltimos 120 AP nos parâmetros a)São porcentagem pólen elementos arbóreos espeleotema BT2 Carverna noEstado Estado de Santa Catarina (Cruz et al., c) insolação para 30°S δ18O do espeleotema BT2 da Carverna de Botuverá no Estado dedeSanta et al.,2005) 2005) eeec)2009), insolação espeleotema BT2 dada Carverna dedeBotuverá no de Catarina (Cruz et al., 2005) c) insolação parade 30°S testemunho sedimentar coletado naBotuverá Cratera de Colônia noSanta Estado SãoCatarina Paulo(Cruz (Ledru et al., b) valores 18para Opara do fevereiro (Laskar et al., 2004). 30°S para fevereiro (Laskar etno al., 2004). fevereiro al., 2004). espeleotema BT2 dapara Carverna de Botuverá Estado (Laskar de SantaetCatarina (Cruz et al., 2005) e c) insolação para 30°S para fevereiro (Laskar et al., 2004). 4 . 2 . 2 E vid ê ncias paleoclimáticas a partir de espeleotemas 77 7 Data:08/11/2011 Data:08/11/2011 Data:08/11/2011 Informações paleoclimáticas brasileiras 163 os últimos cinco ciclos de precessão. Essa relação está bem proximidades da costa venezuelana, durante os últimos 4 ka, marcada pela correspondência dos valores máximos e míni- foi associada à menor descarga fluvial na Bacia de Cariaco, GT1_RAN1_Draft_2_Cap.5 devido ao aumento de aridez na porção norte da América do as fases de insolação mínima e máxima, respectivamente. Sul. O contrário ocorreu durante o Holoceno inferior e médio Através desses estudos, foi possível observar aumento (di- (período entre ~11 e 4 cal ka AP), quando as maiores con- minuição) relativo das chuvas associado ao regime do Siste- centrações de Ti nos sedimentos marinhos são atribuídas ao ma de Monção da América do Sul (SMAS), durante as fases maior aporte de sedimentos terrígenos de origem continental, de insolação máxima (mínima) de verão. Nesse caso, varia- devido a condições mais úmidas no continente. Essa variação ções dos valores de δ18O de espeleotemas teriam estado de condições mais úmidas para mais secas por volta de 4 ka, associadas às mudanças na localização média e intensidade descrita nos trabalhos da China (Wang et al. 2001; 2008), de do sistema das monções no sul do Brasil, que é altamente de- Cariaco (Peterson et al. 2000; Haug et al. 2001), oeste da África -11 pendente das alterações na circulação atmosférica em escala (Gasse, 2000) e América Central (Lachniet et al., 2004), foi as- 0 global (Cruz et al., 2005; 2006; Wang et al., 2006). sociada a um deslocamento para o sul da Zona de Convergênde umidade na porção equatorial do Brasil. Um mecanismo escala temporal orbital no norte da região nordeste do Brasil. semelhante vem sendo largamente utilizado para explicar Análises de registros isotópicos de δ18O em espeleotemas do condições mais úmidas durante fases de insolação mais alta Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009) permitiram sugerir nos subtrópicos brasileiros (Cruz et al., 2005, 2006) e nos An- que as variações da paleoprecipitação seguiram as fases de des (Baker et al., 2001a, 2001b; Seltzer et al., 2002), que ocor- máxima e mínima da insolação de verão de fevereiro (10ºS), rem em oposição ao clima dos trópicos do hemisfério norte. mas que, neste caso, teria resultado em condições de di- O ponto mais importante de toda a discussão sobre o minuição e de aumento das chuvas, respectivamente. Essas padrão de variação paleoclimática acima definido em escala reconstituições, obtidas através da alta resolução dos valores orbital é que o mesmo não pode ser simplesmente expli- de δ18O em estalagmites potiguares, permitiram indicar que a cado pelo deslocamento meridional da ZCIT. Ao contrário insolação foi também a principal forçante das variações de pa- do esperado, as variações na precipitação do nordeste do leoprecipitação no Nordeste brasileiro, assim como observado Brasil (Cruz et al., 2009) que seguem o ciclo de precessão nas regiões sul e sudeste em registros temporalmente mais estão em fase com registros paleoclimáticos do hemisfério longos. No entanto, notou-se que as variações da paleopluvio- norte e são assim antifásicas com os registros da espeleo- sidade em escala orbital teriam ocorrido de modo antifásico temas do sul e sudeste do Brasil (Cruz et al., 2005, 2006) entre as regiões sul / sudeste e nordeste do Brasil, associadas, e de lagos / espeleotemas dos Andes (Baker et al., 2001a, por sua vez, às mudanças na circulação atmosférica do tipo 2001b; Seltzer et al., 2002; Breukelen et al., 2008). Esse pa- meridional e zonal. Nota-se que a relação antifásica na pre- drão antifásico de paleoprecipitação entre o nordeste e sul / cipitação entre as regiões Nordeste e Sul do Brasil é também sudeste brasileiro, proposto por Cruz et al. (2009), foi tam- observada no clima do presente (Dias & Marengo, 1999). bém observado na região da Chapada Diamantina (BA) e Do mesmo modo, correlações positivas foram observadas entre registros geoquímicos de Ti envolvendo os últimos 14 164 Painel brasileiro de mudanças climáticas sugere ser dominante na maior parte do nordeste do Brasil, do Rio Grande do Norte até a Bahia (Fig. 4.2.2). Cavernas Rainha, Furna Nova e Abissal (Brasil) δ18O (%0, VPDB) (Cruz et al., 2009) cilações da paleoprecipitação e da circulação atmosférica na a) Hulu 32.5ºN Sanbao 31.7ºN 440 -7 -8 -9 -10 460 480 500 b) Rainha, Furna Nova e Abissal 5.6ºS -2 -4 -6 470 460 450 430 -8 420 Caverna Botuverá (Brasil) δ18O (%0, VPDB) (Cruz et al., 2005) cia Intertropical (ZCIT), o que causaria, em teoria, aumento Caverna Hulu e Sanbao (China) δ18O (%0, VPDB) (Wang et al., 2001, 2008) mos das razões isotópicas do oxigênio dos espeleotemas com Nessa mesma linha de pesquisa, foram discutidas os- YD B-A HS1 -6 Insolação julho 65ºN (W m-2) (Laskar et al., 2004) ição das concentrações de Ti nos sedimentos marinhos nas Insolação fevereiro 10ºS (W m-2) (Laskar et al., 2004) principalmente pela mudança de insolação de acordo com F i g. 4 . 2 . 2 -1 -2 -3 -4 440 c)Botuverá 27.2ºS 450 460 470 480 Insolação fevereiro 30ºS (W m-2) (Laskar et al., 2004) (Haug et al., 2001), na Venezuela (~10ºN). No caso, a diminu- +intensidade do Sistema de Monções do Leste da Ásia de radiação solar para o mês de fevereiro a 30°S, controlados +precipitação cal ka AP dos testemunhos marinhos da Bacia de Cariaco +intensidade do Sistema de Monções da América do Sul ração entre as variações dos valores de δ18O com os dados 490 -5 0 2 4 6 8 10 12 14161820 270 271 272 273 274 275 276 277 278 279 280 281 Idade (ka BP) Fig. 4.2.2 - Comparação entre os registros de 18O de espeleotemas das cavernas de Hulu e Sanbao na China (Wang et al. 4.2.2 - Comparação entre os registros de δ18O de espeleotemas das cavernas de Hulu e Sanbao na China (Wang et al. 2001, 2001, 2008)Fig.(a), Botuverá no Estado de Santa Catarina, Brasil (Cruz et al., 2005) (b) e Rainha, Furna Nova e Abissal no 2008) (a), Botuverá no Estado de Santa Catarina, Brasil2009) (Cruz et al., (b) e Rainha, Furna Nova ecalculados Abissal no Estado do Rio Grande latitudes e meses Estado do Rio Grande do Norte, Brasil (Cruz et al., (c).2005) Valores de insolação para distintas do Norte, Brasil (Cruz et al.,do 2009) (c). Valores de insolação calculados para distintas latitudes e meses do ano podem também ser ano podem também ser observados (Laskar et al., 2004). observados (Laskar et al., 2004). O padrão anti-fásico das chuvas do hemisfério sul durante o Holoceno, assim como descrito para alguns trechos da última glaciação, pode ser explicado a partir da influência do SMAS sobre a circulação zonal dentro do continente, intensificada durante os períodos de insolação mais alta. Sugere-se que o aumento da radiação solar no topo da atmosfera teria aquecido oInformações continentepaleoclimáticas sul-americano em relação à superfície brasileiras 165 10 Data:08/11/2011 O padrão antifásico das chuvas do hemisfério sul du- superfície marinha, o que resultou numa maior convergên- (e.g., Voelker et al., 2002). No entanto, os mecanismos temporal e modelos de idade compatíveis com a dura- rante o Holoceno, assim como descrito para alguns trechos cia de umidade do oceano Atlântico tropical para a Bacia responsáveis pela formação e propagação destes even- ção dos eventos. A seguir serão sintetizados alguns dos da última glaciação, pode ser explicado a partir da influência Amazônica. Esse processo intensificou o sistema monçônico tos não se encontram perfeitamente esclarecidos (e.g., principais registros de mudanças climáticas abruptas do SMAS sobre a circulação zonal dentro do continente, in- e aprofundou o cavado do nordeste, feição responsável pelas Broecker, 2003; Barker et al., 2009; Stager et al., 2011). localizados no território brasileiro e no oceano Atlân- tensificada durante os períodos de insolação mais alta. Sug- condições de baixa (alta) pressão em altos (baixos) níveis da O conhecimento apropriado destes relevantes eventos tico Sul que ocorreram durante a última glaciação. Os ere-se que o aumento da radiação solar no topo da atmos- região durante o verão, que gerou condições mais secas no climáticos depende da existência de uma densa cober- prováveis mecanismos responsáveis por estas mudanças fera teria aquecido o continente sul-americano em relação à nordeste brasileiro e mais úmidas no restante do país. tura espacial de registros paleoclimáticos com resolução também serão abordados. 4 . 3 . 2 O s registros das mudanças climáticas abruptas do ú ltimo período glacial e interglacial 4.2.3 considerações finais Esta primeira síntese teve como objetivo estabelecer o estado neste estágio um esforço conjunto da comunidade científica da arte em relação às evidências da existência de registros das dedicada à paleoclimatologia no sentido de se obter e anal- No Brasil e na porção oeste do Atlântico Sul, as mudanças 4.3.2h). Dados de δ18O de espeleotemas do Rio Grande mudanças orbitais e seus impactos sobre os ciclos hidrológi- isar testemunhos lacustres (por exemplo por meio do Interna- climáticas abruptas milenares da última glaciação foram do Norte (Cruz et al., 2009) corroboram os resultados cos, como também sobre os ecossistemas continentais em tional Continental Scientific Drilling Program) e marinhos (por registradas em espeleotemas (e.g., Wang et al., 2004; Cruz apresentados por Wang et al. (2004) para o período do regiões tropicais e subtropicais do Brasil. O padrão de varia- exemplo por meio do Integrated Ocean Drilling Program) lon- et al., 2005), sedimentos continentais (e.g., Ledru et al., Heinrich Stadial 1 (HS1), além de permitir um detalha- ção de precipitação em escala orbital deve ser ainda melhor gos em regiões chaves para um melhor conhecimento dos 2001, 2006) e sedimentos marinhos (e.g., Arz et al., 1998; mento de parte da estrutura interna deste evento em estabelecido para o continente sul-americano com dados de impactos dos parâmetros orbitais sobre os ciclos hidrológicos Behling et al., 2000) (Fig. 4.3.1). Observa-se uma mar- função da alta resolução temporal do registro isotópico. outras regiões brasileiras. Torna-se extremamente importante como também sobre a vegetação. cante concentração dos registros das mudanças climáticas Ainda no continente, o registro polínico da Lagoa do abruptas na região NE do Brasil e no oceano adjacente. Os Caçó, estado do Maranhão, também registrou com seguintes fatores contribuem para tal concentração: (i) a certo detalhamento as mudanças vegetacionais ocor- alta amplitude do sinal das mudanças climáticas abruptas ridas durante a última deglaciação, na qual o HS1 se nesta região do continente e oceano em função do im- sobressai de forma marcante (Ledru et al., 2001, 2006). pacto da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) no Durante a última deglaciação, os autores descrevem o clima regional e da relação da ZCIT com processos de de- predomínio genérico de uma assembleia vegetacional 4.3 M u da n ç a s c li má ti c a s a b r u p ta s 4.3.1 I ntrodução Durante a última glaciação a Groenlândia apresentou mar- dignas de nota, uma vez que a sua recorrência apresen- gelo associados às mudanças abruptas; (ii) a alta resolução típica de climas secos, que é suplantada por uma signifi- cantes mudanças climáticas abruptas na escala temporal taria altos riscos à sociedade no que se refere à sua capa- temporal de alguns registros paleoclimáticos provenientes cativa expansão de espécies típicas de climas com maior milenar (e.g., Dansgaard et al., 1993; NGRIP members, cidade adaptativa: (i) rápidas mudanças no nível do mar destas regiões; e (iii) a maior quantidade de registros pa- umidade com pico entre ca. 17 e 15 cal ka AP, simultânea 2004). Os testemunhos de gelo da Groenlândia registr- devido ao aumento nas taxas de degelo; (ii) mudanças no leoclimáticos disponíveis nestas regiões. ao HS1. No entanto, os eventos quentes abruptos no aram mudanças de 7 a 12 C em poucas décadas que foram ciclo hidrológico que afetam vastas áreas por um longo Com base em 39 datações U / Th de espeleotemas hemisfério norte, a exemplo do evento Bølling-Allerød, acompanhadas de flutuações dramáticas nas concentra- período de tempo; e (iii) rápidas liberações de metano provenientes da região norte semiárida da Bahia, Wang podem também impactar o clima do nordeste do Brasil ções de metano e poeira atmosférica (e.g., Mayewski et aprisionado no permafrost e nas margens continentais. et al. (2004) definiram dez fases de crescimento de e criar um grande déficit na precipitação através do des- al., 1997; Blunier & Brook, 2001). Neste tópico, as mudan- Adicionalmente, alterações na Célula de Revolvimento Me- espeleotemas que indicam aumento considerável da locamento para o norte da ZCIT, assim como observado ças climáticas abruptas são aquelas que se processam em ridional do Atlântico (AMOC, do inglês Atlantic Meridional precipitação na região em períodos com duração entre no oeste da Bahia (Wang et al., 2007b) e no Rio Grande grande escala geográfica e que ocorrem no intervalo de Overtuning Circulation) advindas de mudanças no ciclo 500 e 2000 anos durante os últimos 90 ka (Figs. 4.3.1, do Norte (Cruz et al., 2009). tempo de algumas décadas ou menos, e causam rupturas hidrológico merecem também destaque. o substanciais nas sociedades humanas e sistemas naturais Desde as primeiras descobertas, eventos caracter- (Clark et al., 2008). Pelo menos quatro tipos de mudanças izados como mudanças climáticas abruptas foram iden- abruptas identificadas nos registros paleoclimáticos são tificados em diversas localidades ao redor do planeta 166 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 167 F i g . 4 . 3 .1 37 36 EQ 35 34 20ºS 33 32 40ªS 31 60ºS 30 90ºW80ºW70ºW60ºW 50ºW40ºW 30ºW Fig. 4.3.1 – Salinidade da superfície marinha (psu) (Antonov et al., 2010) para os oceanos Atlântico e Pacífico e precipitação acumulada (mm estação-1) para a América do Sul durante o verão do hemisfério sul (Xie & Arkin, 1997). A localização dos registros paleoambientais presentes na Fig. 4.3.2 estão representados por círculos amarelos, enquanto que outros registros paleoambientais discutidos no texto estão representados por círculo brancos (ODP999A: Schmidt et al. (2006); Bacia de Cariaco: Peterson et al. (2000), Gonzalez et al. (2008); MD02-2529: Leduc et al. (2007); Lagoa do Caçó: Ledru et al. (2001, 2006); GeoB3104-1/3912-1: Arz et al. (1998), Behling et al. (2000), Jennerjahn et al. (2004); GeoB39102: Jaeschke et al. (2007); cavernas Toca da Boa Vista (TBV) e Lapa dos Brejões (LBR): Wang et al. (2004); Caverna Santana: Cruz et al. (2006); Caverna de Botuverá: Cruz et al. (2005), Wang et al. (2006; 2007a), 36GGC: Carlson et al. (2008); GeoB6211-2: Chiessi et al. (2008)). bem documentados no Atlântico Norte. Em um dos testemun- os autores descrevem o aumento marcante na porcentagem hos sedimentares marinhos estudados por Arz et al. (1998), e diversidade de elementos florestais. Após 14.9 cal ka AP, as Behling et al. (2000) inferem a presença predominante de assembleias polínicas voltam a apresentar a predominância pólens de plantas do bioma caatinga no continente adjacente, de elementos típicos de gramíneas e savana. o que indica que condições climáticas semiáridas persistiram Quatro estudos apresentam reconstituições das varia- durante os últimos ca. 50 ka. Entretanto, as composições de ções das temperaturas oceânicas para períodos distintos da florestas mais úmidas se tornaram mais abundantes durante última glaciação e deglaciação na porção oeste do Atlântico os eventos HS6 a HS5, quando o fluxo de pólens para o sítio Sul, com resolução temporal adequada para capturar mu- de deposição aumentou significativamente, muito provavel- danças abruptas na escala milenar, a saber, Weldeab et al. mente devido ao aumento na precipitação e descarga fluvial (2006), Jaeschke et al. (2007), Carlson et al. (2008) e Chiessi (Fig. 4.3.2f). Com base em indicadores de geoquímica orgâni- et al. (2008) (Fig. 4.3.1). Destes estudos, apenas Jaeschke et ca, Jennerjahn et al. (2004) descreveram períodos milenares al. (2007) apresentam um registro que ultrapassa o Último coincidentes temporalmente com os eventos HS8-HS1, além Máximo Glacial e será tratado nesta seção, enquanto que os do Younger Dryas (YD), de menor degradação e predomínio demais registros serão apresentados na seção 5.4. Utilizando de matéria orgânica continental depositada no sítio marinho o índice de insaturação de alquenonas, Jaeschke et al. (2007) estudado (Figs. 4.3.1, 4.3.2e). Tais mudanças foram atribuídas reportam diminuições abruptas nas temperaturas da superfí- a um menor tempo de residência da matéria orgânica e a cie marinha com amplitude entre 0,5 e 2oC ao largo do es- um aporte fluvial mais intenso relacionado, por sua vez, com tado do Ceará, que são simultâneas aos eventos HS6-HS2, aumentos na precipitação no NE brasileiro. bem como a picos no aporte de sedimentos terrígenos (Arz O estudo detalhado das modificações na vegetação da et al., 1998), matéria orgânica continental (Jennerjahn et al., área de captação do testemunho marinho GeoB3910-2 (Fig. 2004) e fluxo de pólens (Behling et al., 2000) para o Atlântico. 4.3.1) permitiu identificar algumas características da estrutura Nas regiões SE e S do Brasil, registros de δ18O das interna do HS1 (Dupont et al., 2009). Durante o início do HS1 cavernas de Botuverá (e.g., Cruz et al., 2005; Wang et al., (ca. 18-16.6 cal ka AP), o aumento no fluxo de pólens indica 2007a) e Santana (Cruz et al., 2006) apresentam mar- elevação na precipitação da área de captação. No entanto, cantes excursões abruptas negativas milenares de até 2‰ nesta primeira fase os autores não identificaram marcantes durante os eventos HS10-HS1 e YD (Figs. 4.3.1, 4.3.2i). Os modificações na assembleia polínica, que apresenta uma mis- autores associam estas anomalias a períodos nos quais a tura de gramíneas e elementos típicos de savana, indicando principal fonte de umidade para as cavernas seria aquela que a erosão é o principal responsável pelo aumento no fluxo proveniente da Amazônia, a qual estaria relacionada ao de pólens. Durante uma segunda fase (ca. 16.6-14.9 cal ka AP), Sistema de Monção da América do Sul. 4 . 3 . 2 O s mecanismos responsáveis pelas mudanças climáticas abruptas Na porção equatorial oeste do Atlântico, Arz et al. (1998) total e refletem períodos de maior descarga sedimentar flu- caracterizaram 9 períodos com duração milenar de maior vial associados a aumentos consideráveis na precipitação no Os padrões de distribuição das anomalias de temperatura da NGRIP members, 2004) e do Atlântico equatorial (e.g., acúmulo de sedimentos terrígenos (Figs. 4.3.1, 4.3.2d) duran- continente. Arz et al. (1998) observaram ainda uma marcante superfície do mar (TSM) durante os eventos HS no Atlântico Jaeschke et al., 2007), enquanto que o Atlântico Sul (e.g., te os últimos ca. 80 ka. Tais incrementos estão registrados no sincronia entre os períodos de maior acúmulo de sedimentos apontam para uma marcante diminuição nas TSM nas altas Carlson et al., 2008; Barker et al., 2009) e a Antártica (e.g., aumento das razões Ti/Ca e Fe/Ca analisadas em sedimento terrígenos e os eventos HS6 a HS1, que se encontram muito e médias latitudes do Atlântico Norte (e.g., Bard et al., 2000; Blunier & Brook, 2001; EPICA, 2006) sofreram aquecimento. 168 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 169 e SSM estão associados a mudanças na AMOC, em resposta combinação terminaria por fornecer umidade empobrecida a pequenas modificações no ciclo hidrológico (e.g., Manabe isotopicamente para as regiões S e SE do Brasil (Vuille & Wer- & Stouffer, 1988; Crowley, 1992; Vellinga & Wood, 2002). A ner, 2005) conforme registrado (Fig. 4.3.2i) (e.g., Cruz et al., formação de Água Profunda no Atlântico Norte seria pertur- 2005; Wang et al., 2007a). bada por estas modificações no ciclo hidrológico e, por sua Adicionalmente, de forma análoga à situação observada vez, os fenômenos oceânicos e atmosféricos seriam respon- durante o inverno boreal (Lindzen & Hou, 1988), a migração sáveis pela transmissão global do sinal climático por meio para o sul da ZCIT durante os eventos HS pode ter causado de uma série de mecanismos de retroalimentação (e.g., uma assimetria meridional na circulação de Hadley (Wang et Broecker, 1997; Clark et al., 2002). Fundamentalmente, o en- al., 2004; Wang et al., 2006; Wang et al., 2007a; Cruz et al., fraquecimento da AMOC durante os eventos HS estaria as- 2009). O deslocamento para o sul da célula da Hadley alteraria sociado ao aquecimento (resfriamento) da superfície e das o transporte meridional de umidade, intensificando a movi- profundidades intermediárias do Atlântico Sul (Norte). Um mentação ascendente de massas de ar nas baixas latitudes grande número de reconstituições paleoambientais base- austrais, enquanto que os trópicos e subtrópicos do hemisfério adas em múltiplos indicadores corroboram o envolvimento norte seriam caracterizados por intensificação na movimenta- da AMOC nas mudanças climáticas abruptas (e.g., Bond et ção subsidente. Genericamente, as baixas latitudes do hemis- al., 1993; Rühlemann et al., 1999; McManus et al., 2004; Gh- fério sul(norte) sofreriam elevação(diminuição) na precipita- erardi et al., 2005; Leduc et al., 2007; Chiessi et al., 2008). ção (Clement et al. 2004; Chiang & Bitz 2005). Esta assimetria As modificações de TSM e SSM observadas no Atlântico inter-hemisférica na circulação de Hadley estaria particular- equatorial e Sul durante as mudanças climáticas abruptas são mente bem documentada nas tendências opostas observadas explicadas de maneira satisfatória pela diminuição na inten- em registros de δ18O baseados em espeleotemas da China e sidade da AMOC. No entanto, as mudanças no padrão de do Brasil (Wang et al., 2006; Wang et al., 2007a). Períodos de precipitação no Brasil, bem como na distribuição dos prin- enfraquecimento do Sistema de Monção de Verão do Leste cipais biomas, requerem uma avaliação mais detalhada dos de Ásia estariam associados à intensificação do Sistema de mecanismos potencialmente responsáveis. Durante o último Monção da América do Sul. Durante os eventos HS, as flo- período glacial, a marcante diminuição na intensidade da restas de baixas altitudes no extremo norte da América do Sul AMOC teria causado expansão na cobertura de gelo do mar tornaram-se menos densas, enquanto que a tendência oposta no Atlântico Norte e subsequente deslocamento da Zona de foi registrada no NE do Brasil (e.g., Ledru et al., 2001; Gonzalez Convergência Intertropical (ZCIT) para Sul (Chiang et al., 2003; et al., 2008; Dupont et al., 2009; Hessler et al., 2010). A resposta Chiang & Bitz, 2005). Este fenômeno foi muito provavelmente oposta encontrada em ambos os limites de migração sazonal responsável por uma mudança abrupta no ciclo hidrológico da ZCIT corrobora a hipótese de uma migração para o S da tropical, como reconstituído através de registros do norte da ZCIT durante os eventos HS (e.g. Peterson et al., 2000). 170 Painel brasileiro de mudanças climáticas -48 b) 32.5ºN 16 20 24 -8 -7 -6 -5 8 12 -9 -4 c)10.7ºN 0 5 d) 3.7ºS 10 9 8 7 6 Caverna Hulu δ18O (%0, VPDB) (Wang et al., 2001) Monção da América do Sul e do Jato de Baixos Níveis. Esta -10 10 15 20 GeoB3104-1 / 3912-1 Ti/Ca (Arz et al., 1998) méricos indicam que estes padrões de distribuição de TSM -44 e)3.7ºS 1 5 f) 3.7ºS 27 26.5 10 100 26 GeoB3104-1 fluxo de pólen (grains cm-2 yr-1) (Behling et al., 2000 Sul subtropical pode estimular a intensificação do Sistema de + intensidade do SMLA apresentaram elevação na SSM. Modelos conceituais e nu- + aporte terrígeno uma anomalia positiva de TSM na porção oeste do Atlântico a)75.1ºN + aporte terrígeno et al., 2008), bem como o Índico (e.g., Levi et al., 2007), -40 +T ao redor da Groelândia Mechoso 2000; Doyle & Barros 2002; Liebmann et al. 2004), +precipitação o Atlântico oeste e Sul (e.g., Schmidt et al., 2006; Carlson -36 + degradação da matéria orgânica Conforme observado em dados instrumentais (Robertson & g)4.2ºS 25.5 25 24.5 -6 -4 -2 Fases de crescimento de espeleotemas nas cavernas TBV e LBR (Wang et al., 2004) h)10.2ºS + umidade da Amazônia do Atlântico Norte (e.g., Bard et al., 2000), enquanto que NGRIP δ18O (%0, VSMOW) (NGRIP members, 2004) (e.g., Arz et al., 1998; Peterson et al., 2000; Wang et al., 2004). BACIA DE CARIACO reflectance (%, 550MM) (PETERSON ET AL., 2000) dicam significativa diminuição na SSM para as altas latitudes F i g. 4 . 3 . 2 GeoB3104-1/3912-1 δ15N(%0, air) (Jennerjahn et al., 2004) América do Sul e na região NE do Brasil (Fig. 4.3.2c,d,e,f,h) Caverna Botuverá δ18O GeoB3910-2 TSM (%0, VPDB) (ºC) (Cruz et al., 2005) (Jaeschke et al., 2007) Reconstituições de salinidade da superfície do mar (SSM) in- i) 27.2ºS 0 102030405060708090 Idade (cal kyr BP) Fig. 4.3.2 – Registros paleoclimáticos da porção leste da América do Sul e da porção oeste do Oceano Atlântico para o intervalo entre 10 e 90 cal ka AP, além de indicadores de temperatura das altas latitudes do hemisfério norte (a) e da intensidade do Sistema de Monção de Verão do Leste da Ásia (SMLA) (b). A latitude de cada registro pode ser encontrada na figura. Todos os registros encontram-se com seus modelos de idade originais. As siglas HS1, HS2, HS3, HS4, HS5 e HS6 se referem aos eventos do tipo Heinrich Stadial, cujas idades foram baseadas em EPICA (2006). Outras abreviações usadas na figura: LBR-Caverna Lapa dos Brejões, T-temperatura, TBV-Caverna Toca da Boa Vista, TSM-temperatura da superfície do mar, VPDB-Vienna Pee Dee Belemnite. Para a localização dos registros sul-americanos, ver a Fig. 4.3.1. Informações paleoclimáticas brasileiras 171 4.3.3 C onsiderações finais concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera). Adicio- validação de modelos numéricos de circulação (e.g., Knorr & nalmente, trata-se de períodos de marcante interesse para a Lohmann, 2003; Otto-Bliesner et al., 2007; Dias et al., 2009). Os registros paleoclimáticos e paleoceanográficos disponíveis durante os eventos Heinrich Stadial; (ii) a distribuição espacial na literatura evidenciam fortes e abruptas oscilações no gra- no Atlântico Sul das anomalias de temperatura e salinidade da diente de temperatura entre as altas e médias latitudes do superfície do mar durante os eventos Heinrich Stadial; (iii) a Apesar da relativamente pequena quantidade de dados prove- England, 1999; Came et al., 2003; Curry & Oppo, 2005); e Atlântico Norte e a porção equatorial do mesmo oceano, que distribuição vertical no Atlântico Sul das anomalias de temper- nientes da porção oeste do Atlântico Sul (Fig. 4.4.1), a compila- (iv) presença de uma massa de água proveniente do S (i.e., causaram variações abruptas de pluviosidade tanto no regime atura e salinidade durante os eventos Heinrich Stadial; (iv) a ção mais recente de temperaturas da superfície do mar (TSM) Água Antártica de Fundo, AABW, do inglês Antarctic Bot- de chuva associado às monções sul-americanas, quanto na velocidade da resposta dos diversos biomas às modificações vigente durante o LGM indica uma diminuição entre 1 e 2oC tom Water), abaixo de ca. 2000 m (atualmente AABW está área diretamente afetada pela Zona de Convergência Inter- na precipitação associadas aos eventos Heinrich Stadial; e (v) (média anual) na porção oeste do Atlântico Sul (Fig. 4.4.2c) presente abaixo de 3800 m) (Stramma & England, 1999; tropical. Essas mudanças são sentidas principalmente nos os mecanismos pelos quais os eventos milenares abruptos (MARGO Project Members, 2009). Os mesmos autores indi- Curry & Oppo, 2005). Esta distribuição apresenta marcantes eventos frios do hemisfério norte, do tipo Heinrich Stadial, modulam ciclos em escala secular a decenal de variação de cam um resfriamento entre 4 e 8oC (verão do hemisfério sul) consequências para: (i) a operação da Célula de Revolvi- mas em alguns casos também são coincidentes com eventos pluviosidade nos trópicos da América do Sul. Uma vez que para a região da atual Zona Subantártica do setor Atlântico do mento Meridional do Atlântico (AMOC, do inglês Atlantic quentes do hemisfério norte do tipo Daansgard-Oeschger. A é altamente provável que a Célula de Revolvimento Meridi- Oceano Austral. Uma vez que o resfriamento na Zona Suban- Meridional Overtuning Circulation) (e.g., Lynch-Stieglitz et causa destas mudanças climáticas abruptas reside aparente- onal do Atlântico apresente diminuição na sua intensidade tártica teria sido significativamente superior àquele observado al., 2007); (ii) a capacidade de o Atlântico aprisionar CO2 mente em marcantes mudanças na intensidade da Célula de (ca. 25%) no futuro próximo (até o final do século XXI) em latitudes mais baixas, acredita-se que o gradiente térmico atmosférico (e.g., Skinner et al., 2010); e (iii) a redistribuição Revolvimento Meridional do Atlântico. (e.g., Meehl et al., 2007) estudos mais aprofundados dos na porção N do setor Atlântico do Oceano Austral durante o de calor e nutrientes no Atlântico (e.g., Ganachaud & Wun- Apesar dos avanços no conhecimento dos eventos abrup- impactos das mudanças pretéritas na intensidade da Célula LGM tenha sido marcantemente superior ao atual (Gersonde sch 2000; Sarmiento et al., 2004). tos milenares que ocorreram no período glacial e deglacial, é de Revolvimento Meridional do Atlântico sobre o clima da et al., 2005; Groeneveld & Chiessi, 2011). A grande maioria dos Apesar da sua intrínseca relevância, ainda não está claro necessária ampla expansão desses estudos para novas áreas, América do Sul e dos oceanos adjacentes se fazem alta- dados de TSM disponíveis para o LGM se refere à utilização de se a operação da AMOC durante o LGM foi significativamente tendo em vista determinar: (i) a distribuição espacial no con- mente necessários, principalmente quanto à ocorrência de assembleias de foraminíferos, de diatomáceas e de radiolários, distinta da atual (e.g., Lynch-Stieglitz et al., 2007). Indicadores tinente sul-americano das anomalias positivas de precipitação extremos hidrológicos. sendo que a aplicação de outros indicadores ainda é extrema- cinemáticos (e.g., Pa/Th) da intensidade da AMOC ainda não mente restrita (MARGO Project Members, 2009). estão disponíveis para a porção oeste do Atlântico Sul. No 4.4 M u da n ç a s n a pa le o c i r c u l aç ã o da p o r ç ã o o e ste d o Atlâ n ti co S u l 4.4.1 I ntrodução Três períodos específicos serão tratados a seguir, a saber, o relativo do mar, concentração dos gases de efeito estufa na Último Máximo Glacial (LGM, do inglês Last Glacial Maximum) atmosfera) significativamente distintas daquelas observadas (entre 23 e 19 cal ka AP), a última deglaciação (entre ca. 19 e no Holoceno até período pré-industrial; (iii) conterem eventos 11,7 cal ka AP) e o Holoceno (entre 11,7 e 0 cal ka AP). Estes abruptos de mudanças na paleocirculação da porção oeste três períodos foram escolhidos por apresentarem pelo menos do Atlântico Sul; e (iv) permitirem explorar a variabilidade de duas das seguintes características: (i) estarem representados “alta” frequência (i.e., decenal, multidecenal, secular) na cir- por uma quantidade mínima de dados de reconstituição na culação da porção oeste do Atlântico Sul, sob condições de porção oeste do Atlântico Sul; (ii) representarem condições de contorno similares àquelas do período pré-industrial (e.g., ex- contorno (e.g., extensão das geleiras no hemisfério norte, nível tensão das geleiras no hemisfério norte, nível relativo do mar, 172 Painel brasileiro de mudanças climáticas 4 . 4 . 2 O Último Má x imo G lacial A distribuição vertical das massas de água na porção W entanto, indicadores cinemáticos analisados em testemun- do Atlântico Sul durante o LGM foi relativamente distinta da hos sedimentares de outras regiões do Atlântico fornecem sua distribuição moderna (e.g., Stramma & England, 1999; importantes informações a respeito da operação da AMOC Came et al., 2003; Volbers & Henrich, 2004; Curry & Oppo, durante o LGM. Aparentemente, o Atlântico durante o LGM 2005; Makou et al., 2010). Como principais diferenças pode- foi marcado por uma célula de revolvimento que não foi nem se mencionar: (i) diminuição na profundidade da lisóclina significativamente mais fraca nem uma versão intensificada (calcita) de ca. 4000 m para ca. 3200 m (Volbers & Henrich, da atual (e.g., Lynch-Stieglitz et al., 2007). A AMOC durante o 2004); (ii) diminuição na profundidade da porção central LGM foi provavelmente mais rasa do que a AMOC moderna da Água Intermediária Antártica (AAIW, do inglês Antarctic e o tempo de residência das águas profundas foi ligeiramente Intermediate Water) de ca. 1500 m para ca. 1000 m (Fig. superior aos valores que as mesmas massas de água apre- 4.4.2i) (Came et al., 2003; Curry & Oppo, 2005; Makou et sentam atualmente (e.g., McManus et al., 2004; Gherardi et al., 2010); (iii) presença de uma massa de água proveniente al., 2009). Vale notar que durante o LGM o gradiente zonal de do N (i.e., a equivalente do LGM da Água Profunda do Atlân- δ18O analisado em foraminíferos bentônicos (um indicador tico Norte, NADW, do inglês North Atlantic Deep Water), de densidade) no Atlântico Sul aproxima-se de zero, suger- centrada em ca. 1500 m (atualmente a NADW apresenta indo uma diminuição marcante na intensidade da porção su- sua porção central em ca. 2500 m) (Fig. 4.4.2i) (Stramma & perior da célula de revolvimento (Lynch-Stieglitz et al., 2006). Informações paleoclimáticas brasileiras 173 F i g. 4 . 4 .1 4.4.3 A ú ltima deglaciação Os eventos climáticos abruptos característicos da última uma elevação na TSM para períodos de desintensificação deglaciação (e.g., Heinrich Stadial 1 (HS1), Younger Dryas da AMOC (Weldeab et al., 2006), enquanto que recon- (YD)) causaram marcantes modificações na paleocircula- stituições de TSM com base no índice de insaturação de ção da porção oeste do Atlântico Sul (Fig. 4.4.2c, d, e, h, i, alquenonas não indicam qualquer alteração para os mes- j) (e.g., Arz et al., 1999; Chiessi et al., 2008; Pahnke et al., mos períodos (Jaeschke et al., 2007). Acredita-se que esta 2008). Apesar de ainda restrita, a quantidade de dados que diferença esteja relacionada às diferentes estações do ano registra a última deglaciação na porção oeste do Atlântico registradas em cada um dos indicadores utilizados, a saber, Sul já permite a elaboração de um cenário evolutivo para o verão para os foraminíferos e inverno para as alquenonas período. As latitudes subtropicais da porção oeste do Atlân- (Leduc et al., 2010). tico Sul sofreram aparente elevação nas TSM (Carlson et Na termoclina permanente das latitudes subtropicais al., 2008) durante os eventos de diminuição na intensidade da porção oeste do Atlântico Sul, temperatura e salinidade da AMOC e da TSM nas altas latitudes do hemisfério norte apresentaram evolução oposta àquela observada na su- (i.e., HS1, YD) (Fig. 4.4.2a) (e.g., Bard et al., 2000; McMa- perfície do mar durante a última deglaciação (Fig. 4.4.2j) nus et al., 2004; NGRIP members,2004). Esta situação é (Chiessi et al., 2008). Este comportamento foi associado compatível com a intensificação da Corrente do Brasil em em parte às mudanças no gradiente zonal de tempera- detrimento da Corrente Norte do Brasil (Fig. 4.4.2e) (Arz tura, principalmente na profundidade da termoclina per- et al., 1999), o aprisionamento de calor nas camada super- manente do Atlântico Sul, em resposta às mudanças na ficiais do Atlântico Sul (e.g., Carlson et al., 2008; Barker et intensidade da AMOC e em parte às alterações no fluxo al., 2009) e a operação de uma bipolar seesaw no Atlântico da massa de água central com alta salinidade que é conforme proposto em modelos conceituais e numéricos transportada do Oceano Índico para o Atlântico Sul pelo (e.g., Broecker, 1998; Vellinga & Wood, 2002). A desinten- Agulhas leakage, em resposta à migração meridional das sificação da AMOC e seus efeitos colaterais provavelmente frentes circum-antárticas (menor gradiente zonal durante causaram uma elevação na salinidade da superfície do mar HS1 e YD, e intensificação do Agulhas leakage no final (SSM) na porção oeste do Atlântico que também foi regis- do HS1). Em profundidades intermediárias das latitudes trada no talude continental brasileiro (Fig. 4.4.2d, h) (Weld- subtropicais da porção oeste do Atlântico Sul, Pahnke et eab et al., 2006; Carlson et al., 2008). Uma situação similar al. (2008) registraram aumento da participação de AAIW foi encontrada por Toledo et al. (2007a) no testemunho durante períodos de desintensificação da AMOC durante SAN76, apesar da resolução temporal mais baixa dos dados a última deglaciação (Fig. 4.4.2g). Este incremento estaria isotópicos do mesmo (Fig. 4.4.1). aparentemente associado à diminuição da competição en- Dois testemunhos sedimentares coletados no talude tre AAIW e a Água Glacial Intermediária do Atlântico Norte. continental do Nordeste do Brasil apontam tendências Ainda em profundidades intermediárias, Hendry et al. (no de variações de TSM aparentemente distintas durante os prelo) sugeriram que marcantes elevações no conteúdo eventos climáticos abruptos da última deglaciação (i.e., de nutrientes durante o HS1 e o YD estejam associadas a HS1, YD) (Fig. 4.4.2c) (Weldeab et al., 2006; Jaeschke et uma intensificação na ressurgência ao redor da Antártica, al., 2007). Reconstituições de TSM com base na razão em função de um alinhamento entre a porção central dos Mg/Ca analisada em foraminíferos planctônicos indicam ventos de oeste e da Corrente Circumpolar Antártica. 174 Painel brasileiro de mudanças climáticas EQ 25 10ºS 20 20ºS 15 30ºS 10 40ºS 60ºW50ºW40ºW30ºW Fig. 4.4.1 – Média anual da temperatura da superfície marinha (oC) para a porção oeste do Atlântico Sul (Locarnini et al., 2010) e localização dos testemunhos sedimentares marinhos discutidos no texto. Testemunhos com dados disponíveis apenas para o Último Máximo Glacial estão representados por círculo brancos (MARGO Project Members, 2009); testemunhos com dados disponíveis para outros períodos estão representados por círculos amarelos (GeoB3910-2: Arz et al. (2001), Jaeschke et al. (2007); GeoB3129/3911-3: Weldeab et al. (2006); GeoB3202-1: Arz et al. (1999); SAN76: Toledo et al. (2007a, b); 7606: Gyllencreutz et al. (2010); 36GGC: Came et al. (2006); Carlson et al. (2008); Pahnke et al. (2008); GeoB6211-2: Chiessi et al. (2008); SP1251: Laprida et al. (2011)). Informações paleoclimáticas brasileiras 175 4 . 4 . 4 O Holoceno 2 27 26 35 25 36 24 -0.8 -0.4 0 37 38 -8 -6 +salinidade da superfície do mar -7 +massas de água do S em 1268m 36GGC ε Nd (Pahnke et al., 2008) 0.4 -5 0.4 0.6 16 12 0.8 -40 8 -44 -48 +T ao redor da Antártica Epica DML δ18O (%0, VSMOW) (EPICA, 2006) 1.6 2 +massas de água do S em 1268m 36GGC CdSW (mol kg-1) (Came et al., 2003) 0.2 1.2 4 GeoB39-2 índice de dissolução Limacina inflata (Arz et al., 2001) 28 7606 granulação GeoB3129-1 / 3911-3 36GGC δ18Oivc-sw damédia (µm) SSM (psu) (%0, VSMOW) (Carlson et al., 2008 (Gyllencreutz et al., 2010) (Weldeab et al., 2006) -44 1 GeoB6211-2 T da Termóclina permanente (ºC) (Chiessi et al., 2008) +massa de água do N em 2362m -40 +T ao redor da Groenlândia -36 + intensidade da CB (%0, VPDB) (Arz et al., 1999) ∆δ18O G.ruber (pink) GeoB3910-2 TSM (ºC) (Jaeschke et al., 2007) NGRIP δ18O (%0, VSMOW) (NGRIP members, 2004) F i g . 4 . 4 .2 -52 0 2 4 6 8 10121416182022 Idade (cal kyr BP) Fig. 4.4.2 – Registros paleoceanográficos da porção oeste do Atlântico Sul desde o Último Máximo Glacial e indicadores de temperatura provenientes das altas latitudes dos hemisférios norte e sul. A latitude de cada registro pode ser encontrada na figura. Todos os registros encontram-se com seus modelos de idade originais. As três barras de cor cinza verticais marcam o LGM-Último Máximo Glacial (Mix et al., 2001), HS1-Heinrich Stadial 1 (McManus et al., 2004) e YDYounger Dryas (Rasmussen et al., 2006). Outras abreviações usadas na figura: CB-Corrente do Brasil, ivc-ice volume corrected, SSM-salinidade da superfície do mar, sw-sea water, T-temperatura, TSM-temperatura da superfície do mar, VPDB-Vienna Pee Dee Belemnite, e VSMOW-Vienna Standard Mean Ocean Water. Para a localização dos testemunhos marinhos ver a Fig. 4.4.1. 176 Painel brasileiro de mudanças climáticas Existe uma marcante carência de estudos paleoceanográ- a atual configuração de massas de água em profundidades ficos com resolução temporal adequada que tratem da intermediárias só foi atingida ao redor de 9 cal ka AP, con- porção oeste do Atlântico Sul (e.g., Leduc et al., 2010). Dois comitantemente ao aquecimento do Atlântico Norte. registros de TSM provenientes de baixas latitudes não in- Na plataforma continental S do Brasil, Gyllencreutz et dicam marcantes variações durante os últimos 10 ka (Fig. al. (2010) indicam uma marcante alteração na circulação 4.4.2c) (Weldeab et al., 2006; Jaeschke et al., 2007). Utilizan- superficial entre 5 e 4 cal ka AP. Os dados apresentados do registros de dissolução de carbonatos marinhos em um pelos autores sugerem que as condições hidrográficas at- testemunho coletado a 2362 m de profundidade na porção uais teriam se estabelecido neste período com o avanço oeste do Atlântico equatorial, Arz et al. (2001) sugerem que da Água da Pluma do Prata em direção ao N, em decor- durante os eventos Bond (eventos de diminuição na inten- rência do aumento da precipitação no continente e al- sidade da AMOC característicos do Holoceno; Bond et al., teração no regime de ventos (Fig. 4.4.2f). Na região da 1997) a dissolução tenha aumentado, refletindo o aumento ressurgência de Cabo Frio, Souto et al. (2011) indicam da proporção de massas de água mais corrosivas muito pro- dois períodos de aparente intensificação na ressurgência vavelmente do S, na localidade e profundidade estudadas. durante os últimos 1200 anos, a saber, entre 850 e 1070 Para latitudes subtropicais, Came et al. (2003) sugerem que AD e entre 1550 e 1850 AD. 4 . 4 . 5 C onsiderações finais O conhecimento a respeito das mudanças na paleo- Não obstante, estudos de calibração executados com circulação da porção oeste do Atlântico Sul é ainda bas- amostras de superfície de fundo da porção oeste do tante restrito e fragmentado. Extensas regiões da mar- Atlântico Sul estão disponíveis para uma quantidade ra- gem continental leste da América do Sul não apresentam zoavelmente grande de indicadores paleoceanográficos, praticamente nenhum estudo com resolução temporal apesar de a densidade amostral ser na maior parte dos mínima e modelo de idades confiáveis, como é o caso casos baixa (e.g., Harloff & Mackensen, 1997; Mulitza et entre ca. 10 e 20oS e ao S de 33oS (com exceção dos al., 2003; Frenz et al., 2004; Baumann et al., 2004; Ma- testemunhos CMU14 e ESP08 de Toledo et al. (2007b) hiques et al., 2004; Vink et al., 2004; Sousa et al., 2006; e o testemunho SP1251 de Laprida et al. (2011)). Adicio- Chiessi et al., 2007; Regenberg et al., 2009; Mahiques et nalmente, a ausência praticamente completa de estudos al., 2008; Groeneveld & Chiessi, 2011). A aplicação crite- que abordem as mudanças abruptas da última glaciação riosa destes indicadores em testemunhos sedimentares e que tratem do último interglacial representa uma im- com alta taxa de deposição e com modelos de idades portante barreira no sentido de utilizar cenários pretéri- robustos trará marcante avanço no conhecimento pale- tos de circulação da porção oeste do Atlântico Sul como oceanográfico da porção oeste do Atlântico Sul, como análogos futuros. pode ser observado nos últimos anos. Informações paleoclimáticas brasileiras 177 4.5 Var iaç õ e s n o n í v e l r e l at i vo d o m a r d u r ante o H o lo c e n o 4.5.1 I ntrodução Miranda et al. (2009) coletaram um testemunho de 124 cerca de 50.000 anos AP. Nesse estudo é apontada a última m de profundidade na planície holocênica da Ilha de Marajó, posição mais elevada do nível relativo do mar há cerca de no Estado do Pará, e mostraram que as fácies sedimentares 10.500 anos AP, seguida de seu abaixamento, que é acom- presentes retratam as oscilações positivas e negativas desde panhado de sedimentação lagunar regressiva. 4 . 5 . 3 O período de emersão da zona costeira atual Apesar de as primeiras referências a paleoníveis do mar do por volta de 5 m acima do nível atual (Elevação Máxima Holoceno no Brasil terem completado um século (Bran- do Holoceno, EMH), seguido de um abaixamento até O primeiro modelo (e.g., Bittencourt et al., 1979; Martin et com a curva de Salvador (Bittencourt et al., 1979; Suguio et al., ner, 1902; Hartt, 1975), estudos sistemáticos começaram atingir a presente situação. Este padrão geral é descrito al., 1980; Suguio et al., 1985; Angulo & Suguio, 1995) admite 1985) e com o modelo glacioisostático de Peltier (1998). Os apenas em meados da década de 60 do século passado por diversos autores (e.g., Bittencourt et al., 1979; Martin que o nível atual do mar foi ultrapassado pela primeira vez autores obtiveram uma curva resultante para as duas regiões (e.g., Andel & Laborel, 1964; Delibrias & Laborel, 1969). et al., 1985; Suguio et al., 1985; Dominguez et al., 1990; há cerca de 7500 cal anos AP e após a EMH ocorreram duas do estado, que não coincide plenamente com o modelo das Desde então, mais de uma centena de publicações que Martin et al., 2003; Angulo et al., 2006). Contudo, existem oscilações de alta frequência temporal e de menor magni- oscilações de alta frequência proposto para a região de Sal- abordam a história do nível do mar no Brasil foram pub- controvérsias sobre (i) quando o nível do mar ultrapas- tude. A EMH deve ter ocorrido há cerca de 5600 cal anos vador e também guarda diferenças de comportamento em licadas. Durante as décadas de 1970 e 1980, curvas de sou pela última vez o nível atual, (ii) o período e o valor AP (5100 anos AP) e duas oscilações negativas seguidas de relação ao modelo preditivo glacioisostático. Bezerra et al. variação do nível relativo do mar foram elaboradas para a dessa posição mais elevada, e, (iii) principalmente, sobre elevações entre 4300-3500 e 2700-2100 cal anos AP. (2003) apontam ser fundamental identificar adequadamente região compreendida entre as latitudes 5 e 34°S, apoiadas a maneira como ocorreu o abaixamento subsequente ao Essas curvas foram originalmente definidas com base em o ambiente deposicional e posicionar mais precisamente a em centenas de dados de radiocarbono (e.g., Bittencourt máximo transgressivo. Assim, o objetivo deste texto é mais de 700 datações radiométricas em diversos tipos de in- elevação dos ambientes em relação ao datum de referên- et al., 1979; Suguio et al., 1985). apresentar as principais características das variações rela- dicadores como sambaquis, cordões litorâneos em planícies cia. Além da necessidade das precauções sobre as incertezas O nível máximo do mar na costa brasileira após o tivas do nível do mar e as principais controvérsias que costeiras, arenitos de praia, vermetídeos, turfas e corais (e.g., existentes em relação ao binômio altura-idade, os autores Último Máximo Glacial (LGM, do inglês Last Glacial Maxi- envolvem esta questão fundamental na apreciação das Bittencourt et al., 1979; Martin et al., 1980; Suguio et al., 1985; afirmam ainda ser importante levar em consideração as re- mum) foi registrado no Holoceno Médio, com valores mudanças climáticas globais. Angulo & Suguio, 1995). Esses dados permitiram a elabora- spostas glacioisostáticas regionais e os fatores locais, como ção de curvas ligeiramente distintas para oito setores da costa tectônica e clima para determinar uma curva de variação do brasileira (i.e., Salvador, Ilhéus, Caravelas, Angra dos Reis, nível relativo do mar precisa. 4.5.2 O período de submersão da plataforma e da zona costeira atual Santos, Cananeia-Iguape, Paranaguá, Laguna-Itajaí), dentre O segundo modelo (Fig. 4.5.1) (e.g., Angulo & Lessa, as quais a curva de Salvador, a mais setentrional do conjunto, 1997; Angulo et al., 1999; Angulo et al., 2006) foi elaborado Os dados radiométricos utilizados como indicadores do nível dados mais acurados e indicam períodos de estabilização no constituía a mais completa já obtida. Nos anos subsequentes, apenas com datações de carapaças de gastrópodes (i.e., ver- relativo do mar são geralmente escassos e pouco confiáveis nível relativo do mar antes da elevação máxima de 5600 cal mais datações foram adicionadas às curvas da região sul do metídeos) e sustenta que as duas oscilações de alta frequên- no período compreendido entre o LGM e aproximadamente anos AP. Na costa do Estado de São Paulo (23°30’S), conchas país, com base principalmente em vermetídeos (e.g., Angulo cia temporal apresentadas no primeiro modelo não ocorre- 7000 cal anos AP, sendo as curvas resultantes geralmente de moluscos, coletadas em sedimento de paleopraias situa- & Suguio, 1995). Por outro lado, as curvas da porção leste e ram. Angulo & Lessa (1997) revisaram as curvas da região de baseadas em feições morfossedimentares (i.e., terraços sub- das a 6 m abaixo do nível atual do mar apresentam idade de nordeste da costa brasileira tendem a apresentar uma EMH Paranaguá e de Cananeia-Iguape (e.g., Suguio et al., 1985), mersos que indicam estabilização no nível relativo do mar). 7850 ± 80 cal anos AP (Mahiques & Souza, 1999). Adicio- cerca de 2 metros mais elevada que aquela existente na por- reavaliaram os ambientes deposicionais e a confiabilidade A exceção é a paleocurva do nível relativo do mar produzida nalmente, quatro amostras de arenitos de praia, localizadas ção sudeste e sul. Martin et al. (1985) e Suguio et al. (1985) dos sambaquis como indicadores de paleoníveis do mar e por Correa (1996), baseada em indicadores mais precisos. a 13 ± 1 m abaixo do nível atual do mar, apresentam idade atribuíram essas oscilações de alta frequência a alterações no concluíram que os indicadores disponíveis não permitiam Segundo o autor, ocorreram estabilizações do nível relativo de 8000 ± 50 cal anos AP. Esses dados corroboram a idade geoide da Terra, baseando-se no trabalho de Morner (1982) interpretar a existência das oscilações de alta frequência do mar em 9000 cal anos AP (entre -32 e -45 m) e em 8000 de 7955 ± 170 cal anos AP para um nível de 1,4 ± 0,5 m ou a possíveis variações climáticas. temporal. Consequentemente, as taxas de variações do nível cal anos AP (entre -20 e -25 m). Dados mais recentes obtidos abaixo do nível atual do mar, apresentada por Martin et al. Bezerra et al. (2003) elaboraram uma curva de variação relativo do mar não seriam tão acentuadas como proposto por Mahiques & Souza (1999) e outros apresentados por Ma- (2003). Assim, a inundação da plataforma continental leste e do nível relativo do mar para a costa oriental e outra para a no primeiro modelo. Este segundo modelo é apoiado por hiques et al. (2010) constituem no momento o conjunto de nordeste brasileira deve ter ocorrido no início do Holoceno. costa setentrional do Rio Grande do Norte, comparando-as Ybert et al. (2003), que estudaram turfas da região de Cana- 178 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 179 neia-Iguape, no Estado de São Paulo. Angulo et al. (2006), larmente até a posição atual. Estas curvas são comparadas Dois estudos no Atol das Rocas (Kikuchi & Leão, 1997; comportamento geral da curva do nível relativo do mar finalmente, sugerem que cerca de 70% das datações previa- com um modelo glacioeustático produzido por Milne et Gherardi & Bosence, 2005), feitos em arenito de praia e holocênica, apesar de não apresentar indicadores preci- mente publicadas e utilizadas no primeiro modelo contêm al. (2005), com dados do Caribe e da América do Sul, e o no próprio recife, também mostraram a existência, naquele sos sobre a posição do nível relativo do mar. Estes estudos erros e, utilizando apenas as datações de vermetídeos, que ajuste entre os resultados do modelo geofísico e os dados de monte submarino, de um nível relativo do mar mais el- concentraram-se principalmente em áreas de manguezais consideram indicadores confiáveis, elaboraram duas curvas indicadores de paleoníveis do mar é muito bom. Segundo evado no Holoceno Tardio. Kikuchi & Leão (1997) dataram e baseiam-se em datações de amostra total de sedimento para a costa oriental do Brasil (Fig. 4.5.1). Tomando a latitude Milne et al. (2005), o nível atual do mar foi ultrapassado pela moluscos gastrópodes e corais no anel do recife e no ar- de testemunhos rasos (cerca de 150 cm de comprimen- de 28°S como um divisor, a curva para a porção norte tem primeira vez no Holoceno, durante a transgressão que seguiu enito de praia existente em uma das ilhas, obtendo idades to) que representam os últimos 1000-1500 anos. a EMH em cerca de 5500 cal anos AP, podendo ter atingido o LGM por volta de 8000 cal anos AP e a EMH alcançou cerca convencionais de cerca de 2500 anos AP a dois metros aci- Estudos do nível relativo do mar na Argentina (e.g., entre 2 a 4,5 m acima do nível atual. A curva para a porção de 4,5 m por volta de 7200 cal anos AP (Pernambuco e Rio ma do nível do platô recifal. Já Gherardi & Bosence (2005), Isla, 1989; Cavallotto et al., 2004) mostraram um compor- sul apresenta uma EMH estabilizada entre 5.800-4.000 cal de Janeiro). Na região de Santa Catarina, o nível atual teria com amostras de algas coralináceas, conseguiram um con- tamento do nível relativo do mar com semelhanças ao anos AP, que teria atingido entre 1 e 3 m acima do nível sido ultrapassado há mais de 7500 cal anos AP, atingido a junto de dados que lhes permitiu traçar o comportamento padrão proposto por Angulo et al. (2006), ou seja, com atual. Após a elevação máxima, o nível relativo declina irregu- EMH a cerca de 3 m por volta de 7.000 cal anos AP do nível relativo do mar nos últimos 3500 anos. Segundo uma EMH situada ao redor de 6000 anos AP e altitude esses autores, o nível relativo do mar no atol teria ultrapas- entre 2 e 4 m acima do nível atual, com um declínio ir- sado o nível atual pela primeira vez no Holoceno há cerca regular mas contínuo, sem a ocorrência de oscilações de de 3000 anos AP e a EMH teria atingido 1 m acima do nível alta frequência temporal. 4 Nível relativo do mar (m) Nível relativo do mar (m) F i g . 4 . 5 .1 3 2 1 0 -1 76543210 Idade (cal ka AP) É relevante notar que a tendência de rebaixamento relativa pouca idade, o atol não tem indícios que permitam do nível relativo do mar reconstituída para os últimos ca. 6 explorar o comportamento do nível relativo do mar no Ho- 5000 cal anos AP para a maior parte da região costeira 4 loceno Médio e Inferior. do Brasil tenha sido revertida nas últimas décadas (e.g., 2 As investigações na plataforma amazônica (Cohen 0 et al., 2005, 2008, 2009) mostram concordância com o -2 108 642 0 Idade (cal ka AP) Mesquita et al., 2003), conforme descrito no capítulo 3 deste relatório. 4 . 5 . 4 C onsiderações finais 6 O estudo das variações do nível relativo do mar durante toda a costa leste e nordeste do Brasil. Ressalta-se que ex- 4 o Holoceno avançou consideravelmente nos últimos 35 istem também ocorrências de recifes que podem fornecer 2 anos. Uma quantidade significativa de indicadores foi informações adicionais sobre o comportamento do nível 0 datada e o padrão geral transgressivo-regressivo do nível relativo do mar. Estudos que tenham produzido curvas relativo do mar é aceito por toda a comunidade. detalhadas do comportamento do nível relativo do mar -2 108 642 0 Idade (cal ka AP) Fig. 4.5.1 – a) Envelopes de variação do nível relativo do mar para os últimos ca. 7 cal ka AP para a região costeira do Brasil (linha contínua e círculos pretos representam a região ao norte de 28°S; linha tracejada e círculos brancos representam a região ao sul de 28°S), segundo Angulo et al. (2006). b) Comparação entre o envelope de variação do nível relativo do mar para os últimos ca. 6 cal ka AP de Angulo et al. (2006) (linha contínua representa a região compreendida entre Pernambuco e o Paraná) e os resultados do modelo geofísico de Milne et al. (2005) (linha pontilhada representa a região de Pernambuco; linha tracejada representa a região do Rio de Janeiro). c) Comparação entre o envelope de variação do nível relativo do mar para os últimos ca. 6 cal ka AP de Angulo et al. (2006) (linha contínua representa a região de Santa Catarina) e os resultados do modelo geofísico de Milne et al. (2005) (linha tracejada representa a porção sul de Santa Catarina). 180 Painel brasileiro de mudanças climáticas atual há cerca de 1500 anos AP. Resulta que, devido à sua No entanto, são ainda escassos os estudos de indicadores do nível relativo do mar na plataforma continental. na plataforma continental setentrional são inexistentes e precisam ser perseguidos. Isto deixa uma lacuna que precisa ser preenchida para que A resolução da controvérsia existente entre o primeiro se possa entender quando e como o nível relativo do mar e o segundo modelo que abordam o período de emersão inundou a plataforma e se encaminhou para a EMH, bem da zona costeira atual, no que se refere às oscilações de como períodos de rápida elevação do nível relativo do alta frequência temporal, pode ser encaminhada com a mar típicos da última deglaciação. Assim como já foram identificação de outros indicadores que possam aumen- estudados arenitos de praia submersos na plataforma con- tar o detalhamento e acurácia do comportamento dos tinental sudeste, formações similares são abundantes em paleoníveis do mar. Além disso, existem aspectos locais Informações paleoclimáticas brasileiras 181 como tectônica, clima e suprimento de sedimento ou re- amostras datadas. A utilização de modelos teóricos jun- (1994) observaram abundantes concentrações de frag- florestal e expansão do cerrado / campo nas áreas de gionais como o comportamento da crosta / manto que tamente com os dados de campo representa um avanço mentos de carvão com idades entre 7830 e 4500 cal estudo. Estes aspectos também permitiram a inferência podem contribuir para diferenças importantes no com- na abordagem das variações do nível relativo do mar que anos AP (7000 e 4000 anos AP) na Serra Sul de Carajás. da presença de um provável clima mais seco do que o portamento do nível relativo do mar. Somam-se a isso permitirá identificar e quantificar os fatores locais e re- Um registro contínuo dos incêndios florestais durante os atual e similar aos registros na Amazônia em período se- os necessários cuidados na adequada localização das gionais com maior eficácia. últimos 8300 cal anos AP foi determinado pela quanti- melhante. A comparação desses estudos sugere que, por ficação de microfragmentos de carvão depositados em um longo tempo, o fogo tem sido um fator de grande um sistema lacustre na vizinha Serra Norte de Carajás perturbação em ecossistemas tropicais e, juntamente (Cordeiro, 1995; Cordeiro et al., 1997, 2008). Fases de com o clima, de suma importância na determinação da intensa atividade de fogo foram observadas entre 7450 dinâmica da vegetação no passado, presente e futuro. 4.6 A s q u e i ma da s n o r e g i s t r o pa l e o c l i m á t i co 4.6.1 I ntrodução cal anos AP e 4750 cal anos AP e entre 1300 e 70 cal Registros similares de fragmentos de carvão foram anos AP, conforme indicado pela elevada concentração observados em sedimentos lacustres e solos nas regiões O fogo é um fator de perturbação dominante na história grande escala, como foi observado durante a seca severa de micropartículas de carvão. Piperno & Becker (1996) sudeste e central do Brasil durante o Holoceno (Pessenda das florestas naturais em várias partes do mundo (At- de 1997 e 1998 (Nepstad et al.,1999). encontraram fragmentos de carvão no solo que foram et al., 1996; Gouveia et al., 2002; Scheel-Ybert et al., 2003; tiwill, 1994), que afeta o ciclo biogeoquímico e global Nas últimas décadas diferentes setores da sociedade datados entre 1740 e 580 cal anos AP (1795 e 550 anos Pessenda et al., 2004b; Saia et al., 2008), reforçando o sig- do carbono (Andreae, 1991). Recentes experimentos de têm expressado sua preocupação sobre o uso indiscrimi- AP). Pessenda et al. (1998a, b; 2001) encontraram sig- nificativo papel dos paleoincêndios, em conjunto com os modelagem climática preveem os efeitos de uma substi- nado do fogo para fins agropecuários e das mudanças nificativas concentrações de fragmentos de carvão natu- fatores climáticos, na dinâmica e distribuição das forma- tuição em larga escala da floresta Amazônica por vegeta- do uso da terra em geral. Os impactos que os incêndios ralmente soterradas nos solos (Boulet et al., 1995) e ções vegetais no Brasil. ção de cerrado, até o final do século XXI. Expansão das provocam na vegetação nativa, dos fragmentos de Mata alterações na composição isotópica (δ13C) da matéria Um registro de alta resolução dos níveis de CO2 at- pressões econômicas, feedbacks positivos nos regimes Atlântica do sul e sudeste do país até a floresta Amazônica, orgânica do solo em transecções floresta – cerrado e flo- mosférico durante os últimos 11000 a foi obtido com o de fogo na floresta Amazônica e seca prolongada pode- envolvem questões que dizem respeito às trocas climáticas resta – campo no estado de Rondônia e na região de uso de bolhas de gás de um testemunho de gelo co- riam levar a uma degradação mais rápida das florestas passadas e futuras (Page et al., 2002; Harrison et al., 2007; Humaitá, sul do estado do Amazonas, respectivamente, letado no Taylor Dome na Antártica, que indicou um em futuro próximo, em associação com as altas taxas de Lynch et al., 2007). No momento, são notórias as questões num total de ~750 km. Essas variações na concentração aumento do CO2 atmosférico iniciado há cerca de 7000 desmatamento (Nepstad et al., 2008). Por exemplo, as e debates referentes à importância da ação do homem e de carvão foram relacionadas a trocas de vegetação de cal anos AP (Indermühle et al., 1999). Neste registro os condições de seca ao longo de grandes extensões da da natureza (clima) no estabelecimento dos incêndios e, floresta (plantas C3, associadas às árvores) para cerrado valores de δ13C indicam uma aproximação aos valores floresta Amazônica que surgem devido ao fenômeno por consequência, na dinâmica da vegetação e manuten- e campo (plantas C4, associadas às gramíneas), durante de fontes terrestres (entre -17 e -30 ‰) em detrimento El Niño criam um potencial para incêndios florestais em ção da fisionomia florestal. o Holoceno inferior e médio (~10000 e ~4000 cal anos a valores mais enriquecidos (~0 ‰) para as fontes AP). Tais trocas de vegetação associadas à presença de marinhas. No entanto, dados publicados por Carcaillet fragmentos de carvão (paleoincêndios) permitiram infer- et al. (2002) provenientes da América do Sul e Central ência em relação à presença de um clima mais seco (ou argumentam contra a crescente queima de biomassa 4.6.2 As queimadas no registro paleoclimático Estudos paleoambientais indicam que os incêndios em exemplo, no Alto Rio Negro, com idades 14C calibradas menos úmido) nas regiões de estudo. Na região nordeste relacionada à liberação de carbono no Holoceno mé- florestas podem ser inicialmente atribuídos às condições desde ~6860 cal anos AP, equivalente a ~6000 anos AP do Brasil, estudos palinológicos em sedimentos lacustres dio, aspecto distinto de publicações recentes (Bush et climáticas (Whitlock et al., 2006; Marlon et al., 2008), em- em idade 14C convencional (Saldarriaga & West, 1986). A na Lagoa do Caçó (Ledru et al., 2001, 2006) e isotópicos al., 2007; Cordeiro et al. 2008; Mayle & Power, 2008). bora ações humanas também tenham tido importância ocorrência de incêndios associados a alterações climáti- (δ13C) em solos do Maranhão (Pessenda et al., 2004a; Carcaillet et al. (2002) usou idades 14C de fragmentos como fonte de ignição (Huber et al.,2004), como consid- cas durante o Holoceno médio foi demonstrada por San- 2005) e isotópicos em solos do Piauí, Ceará e Paraíba de carvão do solo coletados em áreas entre 5°N e 5°S erado por Bar-Yosef (2002) durante a evolução humana ford et al. (1985) em vários tipos de floresta no Alto Rio (Pessenda et al., 2010) indicaram significativa presença no norte da bacia Amazônica, representando os últimos nas mais remotas regiões. Associados à vegetação de fi- Negro. Fragmentos de carvão de um solo de Amazônia de fragmentos de carvão durante o período ~10000 cal 2000 a, como evidência de altas concentrações de in- sionomia florestal, fragmentos de carvão foram encontra- Oriental foram datados entre ~6860 e 3170 cal anos AP anos AP e ~3600 cal anos AP, cujos dados polínicos e cêndios florestais. No entanto, estas amostras de solo dos em solos de diferentes locais na Amazônia, como por (6000 e 3000 anos AP) (Soubies, 1980). Sifeddine et al. isotópicos também indicaram a abertura da vegetação foram coletadas principalmente no primeiro metro do 182 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 183 4 . 6 . 3 C onsiderações finais solo, onde as datações da matéria orgânica correspon- das através das mudanças da dinâmica litorânea na parte dentes são mais recentes do que em maiores profundi- central da costa brasileira, sincrônicas com mudanças dades e onde normalmente os fragmentos de carvão se climáticas em outras áreas da América do Sul e sintetiza- É importante enfatizar que a combustão da biomassa cal (Adam & Faure, 1997). Tem sido também sugerido encontram mais agrupados. das como se segue (Martin et al., 1993): entre 7800 cal é a segunda maior fonte de emissão do gás carbônico, que as florestas tropicais têm diminuídas suas extensões Desde o início da Revolução Industrial, o impacto anos AP e 4320 3950 cal anos AP, numerosos períodos o principal gás do efeito estufa, para a atmosfera, que de modo significativo, especialmente no Oeste da África humano modificou cerca de 40% da superfície da terra, de condições do tipo El Niño provocaram uma série de sob determinadas condições climáticas passadas, como e América do Sul (Adam & Faure, 1997; Ray & Adams, aumentando o nível de CO2 atmosférico em cerca de períodos secos na Amazônia e altiplano Boliviano, como no Último Máximo Glacial, pode ter representado um 2001). Pode-se assumir que a substituição de floresta 30% (Vitousek et al., 1997), com taxas anuais de des- eventos úmidos no deserto de Sechura (Chile). Entre papel importante para a evolução do ciclo do carbono por biomas com vegetação mais aberta, tais como cer- matamento de florestas tropicais ao redor de 0.8%. 4320 e 3950 cal anos AP e 2930 e 2570 cal anos AP, nen- da Terra. Este período é caracterizado por um clima frio rado, campos e savanas, se dará através da ocorrência Houghton et al. (1991) calcula que, entre 1850 a 1980 huma ocorrência de condições de tipo El Niño se associa e seco quando comparado com o clima atual (Peltier de paleoincêndios devido à quantidade de combustível anos AD, cerca de 90 a 120 Gt de CO2 foram liberados a ocorrência de clima úmido na Amazônia e altiplano Bo- & Solheim, 2004; Justino & Peltier, 2008). Estas trocas, disponível e principalmente durante as estações secas. para a atmosfera, provenientes de incêndios florestais. liviano e clima seco no deserto de Sechura. Entre 2930 e em associação com reduzidas concentrações de CO2, Isto evidencia a necessidade de uma compreensão mais Comparativamente, durante o mesmo período, cerca 2570 cal anos AP e o presente, a ocorrência de condições induziram modificações no comportamento da vegeta- completa da interação entre os incêndios, o clima e a de 165 Gt de CO2 foram adicionados por nações in- de tipo El Niño foi menos frequente, porém pelo me- ção global, como a redução da floresta boreal na Sibéria, superfície terrestre, na medida em que tal análise pode dustrializadas através da queima de carvão, petróleo e nos três eventos podem estar relacionados a incêndios um aumento na cobertura da vegetação arbustiva na auxiliar a separar os fatores críticos para a dinâmica de gás (Houghton et al., 1991). Atualmente, a queima de durante o Holoceno Superior em Manaus (Santos et al., Europa e um aumento das áreas de deserto subtropi- ecossistemas modernos. florestas tropicais contribui com cerca de 2-4 Gt C por 2000) e Carajás (Cordeiro et al. 2008). ano, ou cerca de 30% do total das emissões antrópicas. As relações entre os paleoincêndios e as condições Fearnside (1996) calcula que o fluxo resultante de CO2 climáticas foram apresentadas por Pierce et al. (2004) para a atmosfera devido à soma das alterações de uso de e Whitlock (2004), com argumentos de que modifica- terras na Amazônia foi de aproximadamente 1,3 Gt de C. ções nos regimes de fogo durante o Anomalia Climática Na região sul da América do Sul, os impactos da Medieval e a Pequena Idade do Gelo foram baseados população nativa e a influência do clima na ocorrência nas alterações climáticas e sua influência na mistura dos de incêndios durante o Holoceno não foram possíveis de combustíveis, condições de ignição e comportamento do A América do Sul foi o último continente do planeta a ser continente resultaram da ação de fatores puramente lo- serem caracterizados em separado (Huber et al., 2004). fogo. Foi também verificado que o declínio da combustão ocupado pelo Homo sapiens. O debate sobre a antigu- cais, definidos a partir de uma escala continental. Trata- Entretanto, Whithock et al. (2006) atribuem a troca de da biomassa antes de 1750 anos AD ocorreu em fase idade da ocupação humana do continente é certamente se de um quadro essencialmente diferente, por exemplo, regime de incêndio superficial durante o Holoceno mé- com o resfriamento global, a despeito do aumento da intenso e está longe de ser resolvido. Há, no entanto, um dos continentes europeu e asiático, onde há abundantes dio nos Andes argentinos ao aumento da variabilidade população humana (Marlon et al., 2008). Em adição, o consenso de que toda a América do Sul já era ocupada há evidências de que processos de expansão demográfica climática interanual e ao início ou reforço de ENSO. Na fogo também teve importante papel no desenvolvimento cerca de 12 ka e que, o que é importante, tais ocupações transcontinentais teriam sido responsáveis pela introdução América do Sul tropical, foram evidenciados eventos dos ecossistemas da Terra e na dominância das comu- antigas já mostravam padrões adaptativos e econômicos de inovações como a agricultura ou mesmo o surgimento periódicos com efeitos similares ao fenômeno El Ninõ nidades de plantas (Meyn et al., 2007). Nos últimos 20 distintos entre si (Roosevelt, 2002). do estado. O isolamento geográfico da América do Sul é e com duração de dezenas a centenas de anos (Martin anos, incêndios florestais no Brasil e Indonésia podem ter Após a ocupação inicial, e o consequente e aparente- ainda mais interessante quando se considera o quadro de et al.,1993). Desde os últimos ~7900 cal anos AP até o reduzido substancialmente a biodiversidade e levado a mente rápido processo de diferenciação e especialização diversidade social, cultural, econômica e política presente presente, tem havido manifestações climáticas identifica- ocorrência de distinta seleção biológica (Gisberg, 1998). que a ela se seguiu, o continente permaneceu relativa- no continente à época do início da colonização europeia. mente isolado durante a maior parte de sua história até Todo esse quadro se constituiu por populações que de- o início da colonização europeia, no início do século XVI scendiam de poucos grupos humanos fundadores. É por DC. Isso quer dizer que quaisquer processos de mudança isso que, para a arqueologia, é possível tratar a América do ou de estabilidade verificados em diferentes partes do Sul como uma espécie de laboratório: trata-se do último 184 Painel brasileiro de mudanças climáticas 4.7 A ocupação humana e as mudanças climáticas 4 . 7.1 I ntrodução Informações paleoclimáticas brasileiras 185 continente a ser ocupado no planeta, por uma população tendo em vista os vários eventos de mudança climática ológico sugere, também, uma população numerosa. úmidos em amplas porções da América do Sul (Cruz et fundadora pequena, mas que, ao cabo de alguns milênios, abrupta que ocorreram desde então (Mayewski et al., Quais as possíveis relações entre as observações empíri- al., 2009), propiciando condições de assentamento em exibia todo o quadro de diversidade social e política carac- 2004), propiciando, no continente, ciclos de erosão e cas de cunho arqueológico e as mudanças climáticas áreas que, apesar de conhecidas por essas populações terístico da humanidade. sedimentação extremamente fortes (Thomas, 1994, para esta faixa cronológica? O modelo mais plausível antigas, não eram intensivamente ocupadas. A pressão Há ainda fortes controvérsias a respeito de pontos im- 2008) e, no litoral, variações muito grandes do nível do aponta para uma situação inicial de maior densidade populacional se daria tanto pelo crescimento vegetativo portantes relacionados à ocupação humana das Améri- mar (Angulo et al., 2002; Suguio et al., 1985). Por outro populacional na zona costeira, onde a estabilidade em da população (Scheinsohn, 2003), acompanhando o au- cas, tais como a idade das primeiras migrações, quantas lado, mesmo que existente, a presença humana na por- termos de clima e recursos alimentares é sempre maior mento da capacidade de carga do ambiente, como tam- levas de migração ocorreram, e por que caminhos isso ção interiorana da América do Sul durante o Pleistoceno do que em áreas continentais na mesma latitude (Dixon, bém pela elevação rápida e constante do nível do mar se deu (Dillehay, 2000; Dixon, 1999, 2001; Wagues- Final seria provavelmente pouco significativa do ponto 1999). A interiorização dessas populações se daria por desde o Último Máximo Glacial (Suguio et al., 2005). pack, 2007). Seja como for, evidências incontestáveis de vista numérico, composta por grupos humanos com um mecanismo duplo de pressão populacional e maior Tais fatores explicariam a “abrupta” e contemporânea da presença de seres humanos em território brasileiro baixa densidade populacional, e não necessariamente estabilidade climática. Os dados paleoambientais para o aparição das diferentes tradições arqueológicas no in- se dão a partir de 12 ka (Araujo & Neves, 2010; Kipnis, portadores de tecnologias de lascamento que privilegi- início do Holoceno apontam para climas mais quentes e terior do Brasil. 1998; Prous & Fogaça, 1999; Roosevelt et al., 1996). Tal assem a confecção de pontas de projétil, o que tornaria fato pode se relacionar a uma combinação de vieses sua detecção extremamente difícil. Dados esses fatores, de preservação e de baixa densidade populacional. A a discussão a respeito das relações entre ocupações hu- preservação de eventuais sítios arqueológicos anteriores manas e mudanças climáticas se dará a partir da tran- Os grupos humanos que ocuparam esses ambientes con- Dados a respeito da subsistência desses grupos sugerem ao Último Máximo Glacial pode ser extremamente rara, sição Pleistoceno / Holoceno. tinentais desde 12 ka são denominados genericamente de estratégias de subsistência generalistas, de amplo espec- “Paleoíndios”. Estudos de antropologia biológica mostram tro, com forte utilização de plantas e animais de pequeno que os crânios associados a essas populações antigas (que porte (Jacobus, 2004; Kipnis, 2002; Rosa, 2004; Schmitz apresentam morfologias australomelanésicas) são bastan- et al., 2004). Não parece haver qualquer correlação en- 4.7.2 A transição P leistoceno / Holoceno 4 . 7. 3 A ocupação paleoíndia no Holoceno I nicial Uma das feições mais impressionantes do registro ar- interna sugerem que os artefatos relacionados a tais te diferentes dos crânios dos indígenas atuais (de mor- tre as diferentes tradições de lascamento e a obtenção queológico do leste da América do Sul é a variabilidade tradições foram produzidos por grupos culturalmente fologia mongoloide), sugerindo populações distintas e, de recursos alimentares (Araujo & Pugliese, 2009), uma cultural existente já no início do Holoceno. A partir de diferenciados. Ao mesmo tempo, as idades contem- portanto, uma provável substituição populacional (Neves vez que em termos gerais os animais caçados são os 12 ka, ao menos três grandes tradições culturais são per- porâneas e recuadas constituem um paradoxo, uma & Hubbe, 2005; Neves et al., 1998; Neves & Pucciarelli, mesmos. Apesar da coexistência entre humanos e mega- ceptíveis numa vasta área que se estende desde o Nor- vez que não se esperaria uma variabilidade cultural tão 1990; Powell & Neves, 1999). Em que pese a falta de da- fauna, não se encontraram evidências de que esta tenha deste brasileiro até o Rio Grande do Sul, formando um grande se a ocupação da América do Sul tivesse se dado dos para a maior parte do Brasil, ao menos na região de sido consumida. Em linhas gerais, as estratégias de sub- polígono de, no mínimo, 800 km no sentido leste-oeste pouco tempo antes. Sabe-se que a deriva cultural, ou Lagoa Santa os últimos remanescentes dessa população sistência e as tradições culturais paleoíndias se mantêm por 2.300 km no sentido norte-sul. São elas conhecidas a diferenciação de aspectos culturais derivados a partir paleoíndia ocorrem por volta de 8 ka. estáveis entre 12 e 8 ka. por “Tradição Umbu”, “Tradição Itaparica” e, por falta de de uma cultura ancestral, se relaciona ao tempo decor- melhor definição, “Indústria Lítica Lagoassantense” (Fig. rido desde o evento de separação (Neiman, 1995). O 4.7.1). Na Amazônia verifica-se também um quadro de registro arqueológico sugere, portanto, uma cronologia diversidade, atestado pela presença de diferentes tipos longa para o povoamento da América do Sul, com gru- O quadro de estabilidade dos paleoíndios parece chegar Brasil, como também da América do Sul (Araujo et al., de tecnologias na produção de artefatos líticos, inclu- pos humanos apresentando uma grande diferenciação ao fim a partir de 8 ka. Amplas áreas na porção centro- 2006; Gil et al., 2005; Neves, 2007; Nuñez et al., 2001; indo indústrias de pontas bifaciais em alguns casos e de cultural já no início do Holoceno. Por outro lado, as leste do Brasil são aparentemente depopuladas, com Nuñez et al., 2002). A explicação mais parcimoniosa para artefatos unifaciais sem a presença de pontas de projétil, taxas de inovação cultural são também fortemente cor- poucos sítios datando do período entre 8 e 2 ka, com este fenômeno de abandono regional é o impacto que o em outros. Cada uma dessas tradições encerra em si relacionadas ao tamanho da população envolvida nos um mínimo de ocupação humana ocorrendo por volta período hipsitermal teve sobre as massas de ar e os re- modos distintos e peculiares de manufaturar artefatos. mecanismos de transmissão de informação (Neiman, de 5 ka. Tal evento, denominado de “Hiato do Arcaico” gimes de precipitação em termos globais, fazendo com Sua continuidade geográfica e relativa homogeneidade 1995; Shennan, 2001); nesse aspecto, o registro arque- (Araujo et al., 2005), se repete em outras áreas, tanto do que amplas áreas passassem a apresentar uma maior 186 Painel brasileiro de mudanças climáticas 4 . 7. 4 O “ Hiato do A rcaico” no Holoceno M édio Informações paleoclimáticas brasileiras 187 4 . 7. 5 A e x plosão demográfica , social e cultural posterior ao h iato instabilidade climática e tendência a regimes mais secos, eiros (Ybert et al., 2003), com feições cranianas mon- enquanto outras se tornariam mais chuvosas (Cruz et al., goloides e, portanto, distintos dos paleoíndios. Assim, 2009; Servant & Servant-Vildary, 2003). O deslocamento podemos propor o Holoceno Médio como um cenário de populações humanas interioranas a partir de regiões onde a convergência de fatores climáticos, densidades A partir do início do primeiro milênio AD, é notável um Na área de confluência dos rios Negro e Solimões, climaticamente instáveis para outras climaticamente demográficas nunca antes alcançadas e o advento de quadro de mudanças sociais e políticas, manifestadas os sítios mais antigos datam de 8.600 ka, mas é apenas mais estáveis é uma forte possibilidade, ainda que re- uma nova onda migratória propiciariam a reorganização em padrões claramente visíveis no registro arqueológico. a partir do final do primeiro milênio AC que os sinais de queira mais dados para ser corroborada. É importante de grupos humanos pré-históricos em territórios cada Dentre eles, cabe destacar: o estabelecimento de sinais ocupação humana ficam mais claros e visíveis (Neves, notar que, por volta de 5 ka, o litoral brasileiro já estava vez mais circunscritos, o que levaria, em muitos casos, a de modificações da natureza, ou seja, de criação de 2008). Esse processo culminou, já no primeiro milênio densamente povoado por grupos humanos sambaqui- uma maior complexidade social (Iriarte, 2006). paisagens ou antropização, (Neves & Petersen, 2006); o DC, com a formação de solos férteis e antrópicos con- estabelecimento de tradições cerâmicas distintas e com hecidos como “terras pretas”, associadas a sítios arque- localizações geográficas relativamente bem definidas, ológicos de grandes dimensões (Neves et al., 2003). Es- que em alguns casos podem ser associadas a grupos sas datas são compatíveis com datas obtidas em outros linguísticos conhecidos etnográfica e historicamente, o locais espalhados pela calha do rio Amazonas e seus estabelecimento da vida sedentária ao longo da Amazô- afluentes, como Araracuara, no rio Caquetá, a própria nia e áreas adjacentes nas terras baixas. Embora existam região de Santarém e o baixo Amazonas. A hipótese sinais anteriores de vida sedentária, estes se tornam mui- favorecida por arqueólogos propõe que tais sítios se to mais claros, visíveis e ubíquos a partir dessa época. formaram como resultado do estabelecimento de ocu- Esse padrão pode ser verificado: pações sedentárias e de longa duração (Arroyo-Kalin, F i g . 4 . 7.1 No Brasil central, onde, após 11 milênios de ocupação, se verifica, a partir do século VIII DC, uma mudança brusca Na bacia do alto rio Purus, estruturas de terra artifi- nas formas de vida, que se tornam muito mais sedentárias ciais, com formato geométrico circular, quadrangular ou e incluem o início local da produção cerâmica e a ocupação composto, conhecidas como “geoglifos”, têm sido iden- de aldeias de formato circular (Wüst & Barreto, 1999); tificadas (Parsinnen et al., 2009). As datas obtidas até o No litoral atlântico sul, grupos falantes de línguas da momento para a construção dos geoglifos mostram que família Tupi-Guarani vindos da Amazônia ocupam áreas an- essas estruturas artificiais começaram a ser construídas teriormente habitadas durante 7.000 anos por grupos con- no início do primeiro milênio DC; strutores de sambaquis (Scheel-Ybert et al., 2008); 188 Painel brasileiro de mudanças climáticas Na bacia do alto Madeira, há um registro que cobre Na ilha de Marajó, há uma longa sequência de ocupa- praticamente todo o Holoceno. Mesmo ali, malgrado as ção que se iniciou há pelo menos 5,5 ka, mas com sinais evidências relativamente antigas de estabelecimento de de crescimento demográfico e aumento da monumen- vida sedentária, os sítios se tornam maiores e mais den- talidade dos sítios a partir do início do primeiro milênio sos no milênio que antecede o início da era Cristã, com DC (Schaan, 2007); datas que se tornam mais frequentes nos primeiros sécu- Na região de Santarém, após um início de ocupação Fig. 4.7.1 - Localização geográfica das três principais tradições de pedra lascada do início do Holoceno: em amarelo, Tradição Itaparica; em azul, Indústria Lagoassantense; em cinza, Tradição Umbu. 2008; Neves et al., 2003); los posteriores ao anno domini. humana há 11 ka (Roosevelt et al., 1996) e da produção de A relativa rapidez, a aparente sincronia e a amplitude cerâmicas há 8 e 7 ka (Roosevelt et al., 1991, 1996), ocor- da escala geográfica dessas mudanças podem ter resul- reu um hiato que, com algumas interrupções, foi rompido tado dos eventos de mudança climática, com a estabili- apenas no primeiro milênio AC, através de ocupações as- zação de condições semelhantes às atuais, ocorridas a sociadas à fase Pocó (Guapindaia, 2009); partir do ano 1.000 BC. Informações paleoclimáticas brasileiras 189 4.8 4.8.2 DISCUSSÃO M U DA N Ç A S C L I M Á T I C A S D U R A N T E O ÚLTI M O M I L Ê N I O 4.8.1 I NT R O D UÇÃO Apesar do número ainda bastante reduzido, os estudos Na costa leste do Pacífico, os estudos de registros sedi- paleo-hidrológicos realizados nos trópicos e subtrópicos da mentares coletados na Zona de Mínimo Oxigênio (ZMO) da América do Sul (e.g., Haug et al., 2001; Baker et al., 2005; plataforma continental central do Peru e na plataforma con- Reuter et al., 2009; Pessenda et al., 2010; Bird et al., 2011) tinental norte do Chile revelaram mudanças consideráveis que abordam o último milênio mostram certa coerência na paleoceanografia regional durante o último milênio (e.g., Quando comparado com outros períodos da história ge- sistema climático a alterações relativamente pequenas nas alterações de precipitação durante a Pequena Idade do Sifeddine et al., 2008; Valdéz et al., 2008; Gutierrez et al., ológica da Terra, o último milênio (i.e., entre o ano 1000 nas forçantes externas, como também identificar a ex- Gelo (PIG; entre ca. 1400 e 1700 AD) (Mann et al., 2009). 2009). Durante a PIG, a produtividade primária foi relati- AD e o início do período industrial) é marcado por uma istência de ciclos climáticos naturais multidecenais a secu- Para o extremo norte da América do Sul, uma di- vamente baixa nesta região e a abundância de pequenos variabilidade relativamente baixa das principais forçantes lares que não se encontram adequadamente representa- minuição nas concentrações de titânio em sedimentos peixes pelágicos foi marcantemente reduzida. A partir de climáticas (e.g., gases de efeito estufa, radiação solar no dos nos registros climáticos instrumentais. No entanto, o marinhos coletados na Bacia de Cariaco (~10°N) sug- 1820 AD, houve a reintensificação da ZMO e aumento dos topo da atmosfera, erupções vulcânicas) e também por Hemisfério Sul apresenta uma quantidade extremamente ere aumento na aridez neste setor do Atlântico Tropical teores de matéria orgânica e de pequenos peixes pelágicos variações climáticas de relativa baixa amplitude. Neste reduzida de registros paleoclimáticos com modelos de (Haug et al., 2001; Peterson & Haug, 2006). Já os arquivos (Sifeddine et al., 2008; Valdéz et al., 2008; Gutierrez et al., sentido, o estudo em detalhe do clima durante o último idades confiáveis e resolução temporal adequada para o paleo-hidrológicos coletados ao sul da linha do Equador 2009). Segundo os mesmos autores, uma elevação nas milênio permite não só compreender a sensibilidade do último milênio (Fig. 4.8.1). na porção continental indicam um cenário oposto. Para TSMs descrita para o leste do Pacífico Tropical durante a PIG o Lago Titicaca (~15°S), os registros disponíveis indicam (e.g., D’Arrigo et al., 2005) poderia ter reduzido as condições aumento de precipitação (Baker et al., 2005). Na vertente de ressurgência nesta região e deslocado a Zona de Con- Atlântica dos Andes, ao redor de 6°S, Reuter et al. (2009) vergência Intertropical para o sul, conforme simulado por demonstraram que durante a PIG houve um aumento de Timmermann et al. (2007). F i g . 4 . 8.1 (a)1000 (b)1750 Fig. 4.8.1 - Localização dos registros paleoclimáticos utilizados por Jansen et al. (2007) para reconstituir as temperaturas do planeta para o último milênio (modificado de Jansen et al., 2007). (a) Registros com valores disponíveis desde 1000 AD; (b) registros com valores disponíveis desde 1750 AD. Termômetros vermelhos: registros instrumentais; triângulos marrons: anéis de crescimento de árvores; círculos pretos: poços profundos em rochas e sedimentos; estrelas azuis: testemunhos de gelo / poços profundos em geleiras; quadrados roxos: outros incluindo registros com baixa resolução temporal. Notar a pequena quantidade de registros no Hemisfério Sul. 190 Painel brasileiro de mudanças climáticas ca. 30% na precipitação em relação aos valores recentes. Dentre os raros estudos que utilizaram arquivos Um incremento na precipitação durante o mesmo período paleoambientais provenientes do Brasil ou do Oceano também foi descrito por Bird et al. (2011), ao estudar os Atlântico adjacente, Souto et al. (2011) basearam-se nas sedimentos depositados em um lago localizado na porção variações das associações de foraminíferos em um teste- oriental dos Andes do Peru (~10°S). Estas mudanças ob- munho coletado na zona de ressurgência do Cabo Frio servadas durante a PIG estariam associadas a uma intensi- (~23°S), para inferir uma intensificação da ressurgência ficação do Sistema de Monção da América do Sul (SMAS), durante a PIG, muito provavelmente associada ao forta- possivelmente controlada pela diminuição da temperatura lecimento dos ventos de NE. Por outro lado, Pessenda et da superfície do mar (TSM) do Atlântico Norte (e.g., Mann al. (2008) demostraram que no arquipélago de Fernando et al., 2009; Reuter et al., 2009; Bird et al., 2011). Neste de Noronha (3°S) a PIG apresentou diminuição na pre- cenário, as menores TSMs no Atlântico Norte poderiam cipitação, em consonância com os resultados obtidos na estar associadas a uma desintensificação da Célula de Bacia de Cariaco (e.g., Haug et al., 2001). Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC, do inglês Outro intervalo temporal do último milênio que apre- Atlantic Meridional Overtuning Circulation). Esta relação sentou alterações climáticas com duração de centenas de entre a intensidade da AMOC e do SMAS já foi descrita em anos foi a Anomalia Climática Medieval (ACM; entre ca. outras escalas temporais (e.g., Wang et al., 2007; Chiessi 950 e 1250 AD) (Mann et al., 2009). Entretanto, a ACM et al., 2009; Stríkis et al., 2011) e aparenta ser um me- encontra-se representada no Brasil de forma ainda mais canismo capaz de atuar em escalas temporais distintas e fragmentada e esparsa em relação à PIG e, por este mo- sob múltiplas condições de contorno. tivo, não será tratada neste subcapítulo. Informações paleoclimáticas brasileiras 191 Séries temporais provenientes da análise de anéis de (para o período de 80 anos) (e.g., Rigozo et al., 2008; do modelo em simular de forma robusta mudanças climáti- Ledru, 2003). Por outro lado, um aumento da precipitação crescimento de árvores da região sul do Brasil apresen- Prestes et al., 2011). Os registros mais longos atingem ca. cas futuras. A modelagem paleoclimática se baseia no es- de inverno foi reconstituído para o sul da Bolívia (Sylvestre tam variações cíclicas com períodos de ca. 2-7, 11, 22 350 anos e foram elaborados com amostras da espécie tudo de modelos climáticos numéricos com forçantes ajusta- et al., 1998). Além disso, dados isotópicos de espeleotemas e 80 anos, entre outros (e.g., Rigozo et al., 2002, 2004; Araucaria angustifolia (Prestes et al., 2011). das para períodos pretéritos da história geológica da Terra. do sul do Brasil (e.g., Cruz et al., 2005) também indicam Prestes et al., 2011). Estes períodos foram associados ao Apesar de virtualmente ausentes para o Brasil, recon- Os valores das forçantes são calculados ou reconstituídos climas relativamente úmidos durante o UMG nesta mesma modo de variabilidade climática El Niño-Oscilação Sul stituições climáticas baseadas em registros históricos já por meio de indicadores nas propriedades físicas, biológicas banda latitudinal. Entre 25 e 40oS a leste dos Andes, os níveis (para o período de 2 a 7 anos; anéis mais espessos estar- foram desenvolvidas com marcante êxito em outros países e geoquímicas dos registros paleoclimáticos. dos lagos foram mais elevados do que hoje (Bradbury et iam associados ao fenômeno El Niño com intensificação da América do Sul (e.g., Ortlieb & Macharé, 1993; Ortlieb, O estudo de feições do sistema climático do passado, das chuvas na região sul do Brasil) e aos ciclos de ativi- 2000; Neukom et al., 2009, 2010). Estes estudos, que na através de modelos numéricos, em conjunto com recon- dade solar Schwabe (para o período de 11 anos; anéis América do Sul usualmente abordam os últimos cinco sécu- stituições paleoclimáticas baseadas em indicadores físicos, Comparações entre reconstituições paleoclimáticas e mais espessos estariam associados à atividade solar mais los, costumam apresentar alta resolução temporal e apre- biológicos e geoquímicos, é importante para demonstrar saídas de modelos numéricos em certos casos podem ser intensa), Hale (para o período de 22 anos) e Gleissberg sentam grande potencial de desenvolvimento no Brasil. a capacidade de representação dos modeos numéricos problemáticas. Clauzet et al. (2008) demonstraram que a que são utilizados na elaboração de cenários climáticos temperatura da superfície do mar (TSM) simulada para o futuros, por exemplo. A curta duração dos registros dos UMG, com base no modelo CCSM, não é coerente com os dados oceanográficos e climáticos instrumentais (aproxi- dados de reconstitução paleocliática obtidos para as porções 4.8.3 C onsiderações finais al., 2001), enquanto em 50oS as condições eram mais secas (Clapperton, 1993; Markgraf, 1993). As informações paleoclimáticas a respeito do último anomalias de TSM no Atlântico Norte e com a intensidade madamente 100 anos para a América do Sul) é insuficiente leste, equatorial e de altas latitudes do Atlântico Sul. Também milênio no Brasil são extremamente fragmentadas e espar- da AMOC foi sugerida. para observar e estudar variações no sistema climático em com base em modelos numéricos, Lee et al. (2009) atribui sas. Apesar disto, pode-se inferir que a PIG foi caracteriza- Para preencher as lacunas existentes e para melhorar escalas de tempo maiores do que algumas décadas. A ob- maiores índices de precipitação no nordeste do Brasil du- da por uma diminuição na precipitação no extremo norte nosso entendimento a respeito das variações climáticas tenção de longas séries temporais através da modelagem rante o UMG, quando comparado às condições atuais. da América do Sul e por uma elevação na precipitação naturais multidecenais e seculares, fazem-se urgentes a numérica possibilita compreender a variabilidade climática A influência da TSM tropical durante o Holoceno no restante das porções tropicais e subtropicais de baixa busca, coleta, análise e interpretação de novos arquivos pa- em diversas escalas temporais. A necessidade de longas Médio (HM) é explorada por Jorgetti et al. (2006), com altitude do continente, incluindo a vertente Atlântica dos leoambientais que tenham registrado as condições climáti- séries temporais é fundamental para compreender e aval- base no modelo IPSL. Os autores sugerem que o con- Andes. A associação destas anomalias de precipitação com cas do último milênio em alta resolução temporal. iar o comportamento do Sistema Terra diante das mudan- trole exercido pelo El Niño-Oscilação Sul (ENOS) na pre- ças naturais e/ou forçadas. cipitação na América do Sul era menos frequente no HM 4.9 Co m pa r açõe s e n tr e r e co n s t i t u i ç õ e s pa l e o c li má t i c a s e da d o s d e m o d e lo s c l i m á t i co s 4.9.1 I ntrodução Outra motivação importante para simular condições em comparação com o clima atual e que a distribuição climáticas passadas é que estes experimentos oferecem a espacial da influência do ENOS é consideravelmente rara oportunidade de estudar a importância das retroalimen- diferente nos dois períodos. Utilizando o modelo atmos- tações entre os diversos componentes do sistema climático. férico global do CPTEC Melo & Marengo (2008), apon- A quantidade relativamente pequena de registros paleo- tam para condições mais úmidas na porção nordeste climáticos da América do Sul dificulta a avaliação precisa de da América do Sul, enquanto que as porções central e climas passados (e.g., COHMAP Members, 1988; Kohfeld & sudeste do continente teriam apresentado condições Um dos objetivos que motivaram a investigação da paleo- de frequência é necessária para se antecipar a dinâmica do Harrison, 2000). Adicionalmente, identificam-se na literatura mais secas durante o HM, em comparação com o Ho- climatologia foi a necessidade de determinar a variação sistema climático no futuro. O objetivo principal em se mod- interpretações climáticas relativamente distintas para um loceno Tardio. Dias et al. (2009) apresentam uma situa- do sistema climático através de uma longa escala contínua elar o paleoclima é o de se investigar os padrões, processos mesmo período e região. O Último Máximo Glacial (UMG) é ção similar para o HM, em comparação com o Holoceno de tempo. O clima varia em virtualmente todas as escalas e causas das mudanças climáticas e ambientais no passado. um bom exemplo. Registros lacustres entre o equador e 25oS Tardio, e demonstram que a migração na posição média temporais, desde as mais curtas (e.g., poucos dias) até as A validação de modelos climáticos com base na sua capacid- mostram uma lacuna na sedimentação (incluindo ausência de feições como a Zona de Convergência Intertropical mais longas (e.g., centenas de milhões de anos). Uma com- ade de reproduzir coerentemente situações paleoclimáticas de deposição de matéria orgânica), sugerindo condições (ZCIT) e a Zona de Convergência do Atlântico Sul é influ- preensão da variabilidade através de diversas destas bandas é uma atividade fundamental para demonstrar a capacidade secas durante o UMG (Ledru et al., 1998; Mourguiart & enciada pelo tipo feedback da vegetação. 192 Painel brasileiro de mudanças climáticas Informações paleoclimáticas brasileiras 193 4 . 9 . 2 M etodologia F i g . 4 . 9 .1 1) 3 2 1 0 -1 -2 -3 2) D J F M A M J J A S O N 5) 3 2 1 0 -1 -2 -3 3 2 1 0 -1 -2 -3 3) D J F M A M J 3 2 1 0 -1 -2 -3 J A S O N 6) D J F M A M J J A S O N 3 2 1 0 -1 -2 -3 4) 6 4 2 0 -2 D J F M A M J J A S O N D J F M A M J 7) D J F M A M J 3 2 1 0 -1 -2 -3 J A S O N J A S O N 8) D J F M A M J 3 2 1 0 -1 -2 -3 J A S O N D J F M A M J J A S O N 20ºN 16 plexas e distintas hierarquias tenham sido utilizados para 400 ppbv para CH4 e 275 ppbv de N2O. simular/entender o clima do UMG e do HM, nossas com- A simulação do HM é configurada de acordo com parações no presente trabalho tiveram como base resulta- os requisitos do Paleoclimate Modelling Intercompari- dos propostos pelo modelo NCAR-CCSM. Na simulação son Project 2 (PMIP2). A maior diferença entre o HM e UMG, definimos as quatro principais condições de con- simulações para o período atual decorrem da configu- torno da seguinte forma: (i) os parâmetros orbitais foram ração orbital. O ajuste nos parâmetros orbitais leva a fixados para os correspondentes vigentes em 21 cal ka AP; uma intensificação do ciclo sazonal de radiação solar na (ii) o albedo e topografia terrestres foram fixados de acor- parte superior da atmosfera no hemisfério norte, e a do com o modelo ICE-4G (Peltier, 1994); (iii) o nível do uma diminuição do mesmo no hemisfério sul (Bracon- mar foi corrigido de acordo com o modelo ICE-4G (Peltier, not et al., 2007). Isto pode indicar que o clima durante 1994); e (iv) as concentrações dos gases de efeito estufa o HM no hemisfério norte pode ter sido ligeiramente foram ajustadas com base em estimativas do testemunho mais quente que hoje no verão e mais frio no inverno de gelo de Vostok (e.g., Petit et al., 1999). Especificamente, (Otto-Bliesner et al., 2006). F i g. 4 . 9 . 2 a 14 12 11 7 estas concentrações foram levadas para 200 ppmv de CO2, 0ºN 15 13 10 Embora modelos numéricos climáticos com as mais com- 9 5 6 Umidade-anomalia-igm-CTR_djf 8 20ºS 10N 4 3 5N 2 40ºS EQ 13 1 5S 100º W 9) 3 2 1 0 -1 -2 -3 10) D J F M A M J J A S O N 13) 3 2 1 0 -1 -2 -3 70º W D J F M A M J 3 2 1 0 -1 -2 -3 D J F M A M J J A S O N D J F M A M J 10º W 11) J A S O N 14) 3 2 1 0 -1 -2 -3 40º W 3 2 1 0 -1 -2 -3 D J F M A M J 15) J A S O N 3 2 1 0 -1 -2 -3 D J F M A M J 6.5 3 2 1 0 -1 -2 -3 15S 3 2 1 0 -1 -2 -3 5 1 15S D J F M A M J -1 J A S O N 30S -3 35S -7 -11 40S D J F M A M J J A S O N Fig. 4.9.1 - Distribuição de reconstituições paleoclimáticas (círculo laranja: seco; círculo azul: úmido) e histogramas simulados de precipitação normalizados pelo desvio-padrão, mostrando as anomalias entre o Último Máximo Glacial e o período atual. As barras em azul e em laranja dos histogramas denotam o verão e o inverno austral, respectivamente. Modificado de Wainer et al (2005). 194 Painel brasileiro de mudanças climáticas 6 20S 16) J A S O N 7.5 10S 12) J A S O N 11 -13 45S 50S 55S 80W75W 70W65W60W55W50W45W40W35W Informações paleoclimáticas brasileiras 195 F i g . 4 . 9 .2b Umidade-anomalia-igm-CTR_jja 10N 5N EQ 13 5S 11 7.5 10S 6.5 15S 6 5 20S 1 15S -1 A Fig. 4.9.2 apresenta o campo das anomalias de umi- se comparada com a intensidade do presente (i.e., pré-in- dade relativa entre o UMG e o período atual a partir das dustrial). Deve-se notar que, embora os resultados do mod- simulação avaliadas por Justino et al. (2010). Com base elo mostrem que durante o inverno do hemisfério sul ex- neste estdo, torna-se claro que existem substanciais varia- istiram anomalias positivas de umidade relativa (Fig. 4.9.2), ções que são sazonalmente dependentes. Por exemplo, du- estes valores de um modo geral são extremamente baixos, rante o verão do hemisfério sul o continente sul-americano já que este é o período de estiagem para a maior parte da apresenta condições mais secas, com exceção do sul da América do Sul. No que concerne ao ciclo hidrológico, isto Argentina e Chile. Isto está de acordo com o proposto em pode indicar que as variações nas reconstituições são forte- algumas reconstituições paleoclimáticas (Fig. 4.9.1). Estas mente relacionadas às mudanças ocorridas no verão austral. anomalias de umidade relativa estão também de acordo A Fig. 4.9.3 mostra as anomalias entre as simulações com a intensidade de paleoincêndios detectados a partir de para o UMG e o período atual para a temperatura média an- estudos paleoantracológicos (e.g., Power et al., 2008). Para ual e para a temperatura do mês mais frio (MTCO). Pode-se a porção sul da América do Sul, algumas reconstituições in- observar uma razoável concordância entre os dois conjuntos dicam menor intensidade de paleoincêncios (i.e., clima mais de dados, principalmente no que concerne à média anual. úmido) durante o período glacial e a última deglaciação. Em Os valores na região equatorial mostram anomalias de tem- 30S -3 35S -7 contraste, as latitudes tropicais da América do Sul mostram peratura entre 4 e 6K, e valores mais baixos são encontrados -11 maior intensidade de paleoincêncios (i.e., clima mais seco), na região entre 10 e 25oS. 40S -13 F i g. 4 . 9 . 3 a 45S 50S 55S 10N 80W75W 70W65W60W55W50W45W40W35W 5N Fig. 4.9.2 - Anomalia do campo de umidade relativa entre o Último Máximo Glacial e o período atual para o trimestre dezembro-janeiro-fevereiro (direita) e junho-julho-agosto (esquerda). Modificado de Justino et al. (2010). EQ -1 -2 10S 4.9.3 R E S U LTA D O S -3 15S No que segue, são apresentados comparações entre os (círculos laranja) no período (Fig. 4.9.1). Algumas regiões, resultados propostos por Wainer et al. (2005) e Justino et todavia, apresentam condições mais úmidas (círculos azuis). al. (2008) para o clima do UMG e HM para a América do Os círculos com ambas as cores indicam diferenças nas in- 15S Sul, além de brevemente confrontados com reconstitu- terpretações dos dados de reconstituições paleoclimáticas. 30S ições climáticas baseadas em indicadores físicos, biológi- Para cada registro também é mostrado um histograma, o cos e geoquímicos. ciclo sazonal da precipitação simulada. Os valores foram -4 -5 20S -6 -7 -8 -9 35S -10 40S A Fig. 4.9.1 mostra uma seleção de reconstituições de normalizados por seu desvio-padrão. As melhores corre- precipitação para o UMG e diferenças de precipitação entre spondências entre os dois conjuntos de dados é notado nos 45S as simulações correspondentes ao UMG e aos dias atuais pontos 11, 13, 14 e 15, indicando condições mais secas para 50S (Wainer et al., 2005). A maior parte dos registros paleo- o UMG em relação ao presente, e nos sítios 3, 4, 7 e 12, climáticos selecionados mostram condições mais áridas mostrando condições mais úmidas durante o UMG. 196 Painel brasileiro de mudanças climáticas 0 5S -11 -2 to -4k -4 to -6k -6 to -8k -8 to -10k 55S 80W75W 70W65W60W55W50W45W40W35W X < -10K Informações paleoclimáticas brasileiras 197 REFERÊNCIAS F i g . 4 . 9 .3b Absy, M.L., Cleef, A.M., Fournier, M., Martin, L., Servant, M., Sifeddine, A., Ferreira da Silva, M., Soubies, F., Suguio, K., Turcq, B., Van Der Hammen, T., 1991. Mise en évidence de quatre phases d’ouverture de la forêt dense dans le sud-est de l’Amazonie au cours des 60000 dernières années. 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Estudos baseados em modelos numéri- Estudos estão em curso para caracterizar em detalhes a cos do sistema climático mostraram que a América do evolução climática da região da Mata Atlântica durante o Sul foi genericamente dominada por condições climáti- Holoceno, com o auxílio de modelos numéricos. Arz, H.W., Gerhardt, S., Pätzold, J., Röhl, U., 2001. Millennial-scale changes of surface- and deep-water flow in the western tropical Atlantic linked to Northern Hemisphere high-latitude climate during the Holocene. Geology 29, 239-242. Arz, H.W., Pätzold, J., Wefer, G., 1998. Correlated Millennial-Scale Changes in Surface Hydrography and Terrigenous Sediment Yield Inferred from Last-Glacial Marine Deposits off Northeastern Brazil. Quaternary Research 50, 157-166. Arz, H.W., Pätzold, J., Wefer, G., 1999. The deglacial history of the western tropical Atlantic as inferred from high resolution stable isotope records off northeastern Brazil. Earth and Planetary Science Letters 167, 105-117. 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