Revista HUGV 2014 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas

Transcrição

Revista HUGV 2014 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.13. N. 2 JUL./DEZ. – 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
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Fernando Luiz Westphal
Francisco Mateus João
Giuseppe Figliuolo
Ione Rodrigues Brum
Ivan da Costa Tramujás
Jean Jorge Silva de Souza
José Correa Lima Netto
Julio Mario de Melo e Lima
Juscimar Carneiro Nunes
Kathya Augusta Thomé Lopes
Leíla Inês de A. R. da Camara Coelho
Lourivaldo Rodrigues de Souza
Luís Carlos de Lima
Luiz Carlos de Lima Ferreira
Luiz Fernando Passos
Marcus Vinicius Della Coletta
Maria Augusta Bessa Rebelo
Maria do Socorro Lobato
Maria do Socorro L. Cardoso
Maria Fulgência Costa L. Bandeira
Maria Lizete Guimarães Dabela
Márcia Melo Damian
Marcus Tolentino
Massanobu Takatani
Miharu Magnória Matsuura Matos
Patrícia Bandeira de Melo Akel
Petrus Oliva Souza
Ricardo Torres Santana
Rodolfo Fagionato
Rossiclei de S. Pinheiro
Rubem Alves da Silva Júnior
Sandra Lúcia Euzébio
Taís Freire Galvão
Wilson Bulbol
Zânia Regina Ferreira Pereira
revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.13. N. 2 JUL./DEZ. – 2014
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS
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EDITOR-CHEFE DA REVISTA
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CAPA
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TIRAGEM 300 EXEMPLARES
FICHA CATALOGRÁFICA
Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287
R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 13, n. 2 (2014) / Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2013
104 p.
Semestral
Título da revista em português inglês
ISSN – 1677-9169
1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas.
CDU 61(051)
CDU 61(051)
Sumário
Editorial
11
Fernando Luiz Westphal
Artigos Originais
Incidência de Desnutrição em Crianças de Zero a 12 Meses no Município de Manaus: Uma
Análise entre os Anos de 2000 a 2009
13
Anne Caroline Gomes de Lima, Rosana Pimentel Correia
A Saúde Brasileira e suas Implicações Econômicas: Uma Breve Reflexão
20
Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de
Oliveira Chaves Narciso Ferreira, Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,Edson de Oliveira
Andrade
Educação em Saúde: Uma Intervenção Multiprofissional com um Grupo de Diabéticos
33
Giuliana Arie, Abner Souza Paz, Anne Karina Pereira de Andrade, Bruna Loretta Flores da Silva, Betânia de
Oliveira Rebouças, Gesiane Araújo Frota
Relato de Caso
Teratoma Cístico Gigante de Ovário em Criança: Relato de Caso
41
Vitor Emanuel Pires Montenegro, Maria Auxiliadora Neves de Carvalho, Marcelo Marques da Cunha, Paulo
Henrique Klein, Bruna Cecília Neves de Carvalho
O Uso dos Novos Anticoagulantes Orais na Fibrilação Atrial
46
Samantha Lima dos Santos Carvalho,Rovanda Sena, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira
Farias
Infarto do Miocárdio Causado Por Arma de Fogo com Balas de Chumbo. Uma Rara Causa de
Miocardiopatia Isquêmica
57
Kelly Simone Castro dos Santos, Ana Cláudia Carvalho Prieto, Adimar Pires da Silva Júnior, Tatiane Lima
Aguiar, Marcus Grangeiro Fernandes de Menezes, Marlúcia do Nascimento Nobre
Hérnia Lombar Espontânea Encarcerada e Estrangulada: Um Relato de Caso
63
Yan Coelho e Silva, Camily Carolina Abecassis da Cruz, Christine Rondon Pedrosa, Mônika Maya Tsuji Nishikido,
Ana Maria Sampaio de Melo
Relato de Caso: Infarto Agudo do Miocárdio Extenso com Coronárias Angiograficamente
Normais
Ana Márcia Freitas Carlos, Elisângela Canterle Sedlacek, Marlúcia Nobre, Ronaldo Rabelo, Marilu Cavalcante
Gomes
68
Trombólise durante Parada Cardiorrespiratória, Secundária a Infarto Agudo do Miocárdio
Com Supradesnivelamento do Segmento ST
73
Elisângela Canterle Sedlacek, Ana Márcia Freitas Carlos, Marlúcia Nobre, Ronaldo Marques Pontes Rabelo
Síndrome do QT Longo Congênito: Análise de um Caso Clínico
78
Renayra Tallita Luciano Alonso, Ana Carolina Santos Silva, Raisa França Ribeiro, Adimar Pires da Silva Jr.,
Jaime Arnez
Pancreatectomia Central: Um Relato de Caso
83
Giselle Macedo de Souza, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Priscilla Ribeiro dos Santos, Leonardo Simão Coelho
Guimarães, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto
Mixoma Atrial em Paciente Jovem Evoluindo com Insuficiência Cardíaca e Fibrilação Atrial:
Relato de Caso
89
Samantha Lima dos Santos Carvalho, Marlúcia do Nascimento Nobre, Tatiane Lima Aguiar, Renata Jales
Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias
Apendicite Aguda Ocasionada por Ingesta de Projétil de Arma De Fogo: Um Relato de Caso
95
Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo, Nélcia de Castro Tavares, Tâmara Mendes Ferrugem,
Yan Coelho e Silva, Giovanna Luiza dos Santos Cabral
Reconstrução da Parede Torácica com Retalho Miocutâneo Pediculado Vertical do Músculo
Reto Abdominal: Relato de Caso
Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Ricardo Augusto Monteiro Cardoso,
Lincoln José Trindade Martins
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Contents
Editorial
Fernando Luiz Westphal
11
Original Articles
Incidence of Malnutrition in Children from 0 To 12 Months Old in Manaus: An Analysis
Between From 2000 to 2009
13
Anne Caroline Gomes de Lima, Rosana Pimentel Correia
Brazilian Health System and yours Economic Implications: A Brief Reflection
20
Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de
Oliveira Chaves Narciso Ferreira, Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,Edson de Oliveira
Andrade
Health Education: A Multidisciplinary Intervention with a Diabetic Group
33
Giuliana Arie, Abner Souza Paz, Anne Karina Pereira de Andrade, Bruna Loretta Flores da Silva, Betânia de
Oliveira Rebouças, Gesiane Araújo Frota
Relato de Caso
Giant Cystic Teratoma in Children Ovary: Case Report
41
Vitor Emanuel Pires Montenegro, Maria Auxiliadora Neves de Carvalho, Marcelo Marques da Cunha, Paulo
Henrique Klein, Bruna Cecília Neves de Carvalho
The Use of New Oral Anticoagulants in Atrial Fibrillation
46
Samantha Lima dos Santos Carvalho,Rovanda Sena, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira
Farias
Myocardial Infarction Caused by Gun Fire with Lead Bullets. A Rare Cause ff Ischemic
Cardiomyopathy
57
Kelly Simone Castro dos Santos, Ana Cláudia Carvalho Prieto, Adimar Pires da Silva Júnior, Tatiane Lima
Aguiar, Marcus Grangeiro Fernandes de Menezes, Marlúcia do Nascimento Nobre
Incarcerated and Strangulated Spontaneous Lumbar Hernia: A Case Report
63
Yan Coelho e Silva, Camily Carolina Abecassis da Cruz, Christine Rondon Pedrosa, Mônika Maya Tsuji Nishikido,
Ana Maria Sampaio de Melo
Case Report: Extensve Acute Myocardial Infarction with Angiographically Normal Coronay
Arteries
Ana Márcia Freitas Carlos, Elisângela Canterle Sedlacek, Marlúcia Nobre, Ronaldo Rabelo, Marilu Cavalcante
Gomes
68
Thrombolysis During Cardiopulmonary Arrest due to Acute Myocardial Infarction
73
Elisângela Canterle Sedlacek, Ana Márcia Freitas Carlos, Marlúcia Nobre, Ronaldo Marques Pontes Rabelo
Congenital Long QT Syndrome: A Case Analysis
78
Renayra Tallita Luciano Alonso, Ana Carolina Santos Silva, Raisa França Ribeiro, Adimar Pires da Silva Jr.,
Jaime Arnez
Central Pancreatectomy: A Case Report
83
Giselle Macedo de Souza, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Priscilla Ribeiro dos Santos, Leonardo Simão Coelho
Guimarães, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto
Atrial Mixoma in Young Patient Evolving with Cardiac Insufficience and Atrial Fibrilation:
Case Report
89
Samantha Lima dos Santos Carvalho, Marlúcia do Nascimento Nobre, Tatiane Lima Aguiar, Renata Jales
Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias
Lead Shot Intake Acute Appencicitis: A Case Report
95
Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo, Nélcia de Castro Tavares, Tâmara Mendes Ferrugem,
Yan Coelho e Silva, Giovanna Luiza dos Santos Cabral
Chest Wall Reconstruction with Pedicled Vertical Rectus Abdominis Myocutaneous Flap:
Case Report
Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Ricardo Augusto Monteiro Cardoso,
Lincoln José Trindade Martins
100
Editorial
Revista HUGV: uma trajetória de luta e vitória
Dra. Miharu Maguinoria Matsuura Matos - Gerente de Ensino e Pesquisa do HUGV
Ao tempo em que expresso minha alegria por mais esta oportunidade, agradeço a honra
dada pelo Editor da Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas – RHUGV para proferir minhas
impressões sobre esta obra, a qual me orgulha ter acompanhado, nos últimos anos, sua trajetória
de luta e vitória.
Este ano de 2014, a RHUGV lança a sua 13ª edição marcando seus doze anos de existência.
Sua trajetória se iniciou em 2002, quando foi lançado seu primeiro número, sob a edição do
Prof. Dr. Gerson Suguiyama Nakajima, docente da Universidade Federal do Amazonas e chefe da
Clínica Cirúrgica do HUGV, atendendo assim aos anseios de toda a equipe de colaboradores por um
instrumento de divulgação de trabalhos científicos. Vale ressaltar, neste momento, a importante
colaboração da Drª Maria de Jesus Coutinho Varejão, pesquisadora do Inpa, no processo de
concretização da publicação.
Por meio do lançamento da RHUGV, a comunidade cientifica dispôs de uma ferramenta para
divulgar os trabalhos realizados dentro e fora do Hospital. É o início da integração das atividades
realizadas na assistência com o ensino, em prol do desenvolvimento das pesquisas. A revista
marca, então, o ineditismo da produção científica na área de saúde na Amazônia.
No ano de 2005, com a ida do Prof. Nakajima para vice-reitoria da Ufam, o Prof. Dr. Fernando
Luiz Westphal, cirurgião torácico, docente da Universidade Federal do Amazonas e coordenador
de Ensino e Pesquisa do HUGV, assume o cargo de Editor-Chefe da RHUGV com o compromisso de
manter ativo o cultivo das publicações e ampliar a veiculação dos conhecimentos elaborados na
área de saúde.
Nesse propósito, em 2007, a Profª Drª Kathya Augusta Thomé Lopes, chefe da Divisão de Apoio à
Pesquisa Científica da Coordenação de Ensino e Pesquisa do HUGV, inicia uma série de palestras e
reuniões orientando os profissionais do HUGV, em especial os residentes médicos, para a realização
de projetos de pesquisa, desde a pergunta ao qual se pretende responder, até a contextualização
efetiva do trabalho, ação que foi chamada de “Residente Pública”.
Essa iniciativa foi uma centelha para que os profissionais do HUGV buscassem novas informações
com base em pesquisas bem elaboradas, cabendo à RHUGV o importante papel de divulgação
desses achados científicos.
Um fato que promoveu o aumento da produção científica do Hospital foi a publicação dos anais da
“Jornada de Saúde da Amazônia Ocidental na RHUGV”, a partir de 2007. Esse evento, de cunho
científico, ocorre a cada dois anos e tem como objetivo promover o encontro de profissionais das
diversas áreas de saúde inter-relacionadas para a divulgação das ações realizadas pelo HUGV, bem
como para o intercâmbio de conhecimento por meio da apresentação dos Temas Livres Orais e de
Pôsteres. Os melhores trabalhos são premiados e publicados na íntegra na RHUGV.
Outro fato que ocorreu no ano de 2007 foi a disponibilização na internet de todos os artigos
publicados na RHUGV. Esse foi um importante passo para a visibilidade do periódico no mundo
eletrônico.
Devemos, porém, ter sempre em mente que todo o trabalho depende de foco e atenção constantes
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para sua manutenção. A ausência de incentivo constante e fomento à redação de artigos para
serem publicados é a principal causa para o desaparecimento das revistas científicas. Com essa
preocupação, a Coordenação de Ensino e Pesquisa e a Coordenação de Residência Médica – Coreme,
do HUGV, estimulam o residente médico a publicar artigo na Revista HUGV como uma forma de
apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, a partir de 2008. Com isso, o que antes era
publicada anualmente, a partir de 2010, a revista passa a ter edição semestral.
Nesse mesmo ano, o HUGV é o pioneiro na criação do Programa de Residência Multiprofissional no
Estado do Amazonas. A Comissão de Residência Multiprofissional – Coremu, também comprometida
com a produção científica do Hospital, estimula os seus residentes uni e multiprofissionais para a
publicação de artigos científicos como seu trabalho de conclusão de curso.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é a contribuição dos revisores, que não recebem
estímulo financeiro para a confecção de pareceres e, ainda, utilizam o tempo dos momentos de
lazer para fazê-los. Esses profissionais do HUGV não medem esforços para avaliar os trabalhos
apresentados à publicação com o rigor científico, valorizando sempre pela qualidade da revista.
Nesse momento, a RHUGV está atingindo a estabilidade de publicação, mas a busca por seu ingresso
nas plataformas científicas é incessante. Para tal, várias estratégias estão sendo abordadas pelo
Editor da revista juntamente com a Gerência de Ensino e Pesquisa do HUGV.
A entrada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) na gestão do HUGV oportunizou
a aquisição de 15 (quinze) bolsas de iniciação científica, o que de certa forma motivará o avanço
das investigações e o aumento das publicações científicas no periódico.
Assim, encerro esta retrospectiva dos doze anos da RHUGV parabenizando todo o corpo editorial, a
comunidade do HUGV (profissionais, docentes e discentes) e as IES colaboradoras por essa conquista
e os convido para uma nova jornada de aprimoramento e ampliação desse grande periódico do
HUGV da Universidade Federal do Amazonas, consolidando cada vez mais as ações da assistência
na produção de saberes científicos em benefício do bem-estar da população. Não podemos deixar
que a única memoria contextualizada do HUGV desapareça. Nossa luta sempre será constante e
diária... Participe, publique!
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INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS
DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE
MANAUS: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE
2000 A 2009
INCIDENCE OF MALNUTRITION IN CHILDREN FROM 0 TO 12 MONTHS OLD IN MANAUS:
AN ANALYSIS BETWEEN FROM 2000 TO 2009
Anne Caroline Gomes*, Rosana Pimentel Correia**
Resumo
Objetivo: Identificar os fatores associados ao declínio da desnutrição em crianças de zero a doze
meses, residentes em Manaus, no período de 2000 a 2009. Métodos: Trata-se um estudo baseado
em análise de dados secundários, obtidos por meio do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde
(Datasus) no município de Manaus. Resultados: A desnutrição em crianças menores de um ano em
Manaus, no período de 2000 a 2009, reduziu aproximadamente 20%. Associada a esse dado, houve
uma redução de 14,73% na quantidade de crianças que vivem em situação de baixa renda, redução
de 11,54% de gestantes com idade inferior a vinte anos, aumento de mais de 6% na quantidade
de gestantes que realizaram a assintência pré-natal e uma quantidade, aproximadamente, três
vezes maior de crianças menores de quatro meses de idade em aleitamento materno exclusivo.
Conclusão: Configuram-se como fatores determinantes à prevalência de desnutrição infantil
condições sociais, econômicas, culturais e de acesso à saúde.
Palavras-chave: Desnutrição; Condições sociais; Condições de saúde; Aleitamento materno;
Nutrição infantil.
Abstract
Objective: To identify factors associated with the children malnutrition decrease rate up to twelve
months old, living in Manaus, from 2000 to 2009. Methods: This study is an analysis on the National
Health System (Datasus) from Manaus city database. Results: Children’s malnutrition under one
year old decreased approximately 20% from the period of 2000 to 2009 in Manaus. This data
was associated with a 14.73% reduction in the children living in low-income situation, a 11.54%
decrease of pregnant women under the twenties, an increase of more than 6% in the number
of women who underwent prenatal assistance and approximately three times higher amount of
children who went through four months old exclusively breastfed. Conclusion: Social, economic
and cultural factors as well health access configures themselves as determinating points in infant
malnutrition.
Keywords: Malnutrition; Social Conditions; Health Conditions; Breastfeeding; Child Nutrition.
* Residente Multiprofissional do HUGV
**Preceptora da Residência Multiprofissional do HUGV/Ufam
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INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS:
UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009
Introdução
A desnutrição ou, mais corretamente, as
deficiências nutricionais são doenças que
decorrem do aporte alimentar insuficiente em
energia e nutrientes ou ainda do inadequado
aproveitamento biológico dos alimentos
ingeridos. Por serem, universalmente, mais
vulneráveis a deficiências nutricionais, as
crianças são habitualmente escolhidas como
grupo indicador da presença da desnutrição na
população, admitindo-se que o percentual de
crianças com retardo de crescimento propicie
uma excelente indicação da magnitude da
desnutrição em uma dada coletividade.1
Embora seja considerado um problema de saúde
pública, a incidência de desnutrição infantil no
Brasil tem declinado consideravelmente. De
maneira semelhante, a análise dos indicadores
de saúde do Banco de Dados do Sistema Único
de Saúde do município de Manaus demonstrou
uma redução significativa na incidência de
desnutrição em crianças de zero a 12 meses.
Segundo o Departamento de Atenção Básica
(DAB) da Política Nacional de Alimentação e
Nutrição, os principais fatores atribuíveis à
redução da desnutrição no Brasil se devem
ao aumento da escolaridade materna, ao
crescimento do poder aquisitivo das famílias, a
expansão da assistência à saúde e a melhoria
das condições de saneamento. De modo similar,
estudos têm revelado a associação positiva
entre redução da desnutrição às condições de
renda familiar, infraestrutura domiciliar, idade
materna, realização de pré-natal durante a
gestação e ampliação do período de aleitamento
materno exclusivo.2
A
pobreza é a principal causa ligada à
desnutrição e aos seus determinantes e ameaça
à infância.1 O aumento do poder aquisitivo das
famílias se relaciona diretamente à melhoria
nas condições de habitação, acesso a serviços
de saúde e saneamento básico e a maior
disponibilidade de alimentos. Torna-se possível
o acesso à qualidade e quantidade suficiente de
alimentos que irão garantir o adequado consumo
alimentar da família.
Estudos demonstram que crianças desnutridas
possuem mães mais jovens que as não
desnutridas. Dessa forma, a idade materna
apresenta-se como um dos fatores de risco para
a desnutrição infantil.3
A
assistência
pré-natal
objetiva
o
acompanhamento da gestação, a fim de
promover a saúde da gestante e criança e
possibilitar a recuperação e melhora clínica de
alguma intercorrência detectada. O peso da
criança é um dos fatores que são acompanhados
durante a gestação, a fim de evitar o baixo
peso no momento do parto. O baixo peso, ao
nascer, está relacionado ao comprometimento
do estado nutricional, além de comprometer
a amamentação e aumentar a vulnerabilidade
para a ocorrência de doenças na infância.4
A substituição do leite materno por alimentos
complementares tem constituído um importante
fator para a ocorrência de desnutrição infantil,
bem como a introdução da mamadeira, o que
acaba por expor essas crianças a maiores riscos
de comprometimento nutricional e problemas
de saúde.4
O presente trabalho tem como objetivo
identificar os fatores associados ao declínio da
desnutrição em crianças de zero a doze meses,
residentes em Manaus, no período de 2000 a
2009. Tais informações são de grande relevância
aos profissionais e autoridades de saúde para
a elaboração de políticas públicas que visam à
redução dos índices de desnutrição na população
do Norte do país, uma vez que há pouco
conhecimento a respeito dos determinantes
nutricionais pela notável escassez de estudos
nesse grupo.
Metodologia
Trata-se de estudo baseado em análise de dados
secundários, obtidos por meio do Banco de
Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) do
município de Manaus.
A prevalência de desnutrição foi mensurada por
dados de crianças entre zero a 12 meses. Foram
tabuladas quantidades de crianças pesadas
e crianças desnutridas, mês a mês (janeiro
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Lima et al
a dezembro) nos anos de 2000 a 2009. Após
a quantificação, foi verificado o percentual
de desnutrição relaciado ao total de crianças
pesadas. Posteriormente, tirou-se uma média
anual desse percentual de desnutrição.
Para a quantificação e cálculo de percentual e
média dos indicadores foi utilizado o programa
Microsoft Office Excel Versão 2010.
Resultados
Os fatores associados à desnutrição em crianças Foram analisadas as quantidades de crianças
no primeiro ano de vida foram identificados por pesadas e a quantidade de crianças desnutridas,
levantamento bibliográfico.
classificadas de acordo com parâmetros de
peso, comprimento e idade. Nota-se que no ano
Ainda no Datasus foram verificados indicadores de 2000 a desnutrição afetou aproximadamente
desses fatores relacionados à desnutrição, 20% das crianças em idade de zero a 12 meses.
coletados entre os anos de 2000 a 2009. No ano seguinte esse percentual caiu para a
Foram analisados os dados que quantificaram metade, menos de 10%. Em 2009 o índice de
o percentual de crianças em situação familiar crianças desnutridas representa menos de
de baixa renda, a quantidade de gestantes 1% do total de crianças pesadas. Observa-se,
em acompanhamento pré-natal, a quantidade dessa forma, importante declínio do quadro de
de gestantes com idade inferior a vinte anos desnutrição em crianças menores de um ano de
e quantidade de crianças menores de quatro idade na cidade de Manaus.
meses em aleitamento materno exclusivo.
Gráfico 1: Percentual de desnutrição em crianças de zero a 12 meses no período de 2000 a 2009, Manaus/AM.
O Gráfico 2 demonstra o percentual de crianças
em situação domiciliar de baixa renda. A análise
foi feita pela quantificação dos percentuais de
crianças que vivem em situação cuja renda per
capta da família é inferior a ¼ do salário mínimo.
Pode-se notar aumento do poder aquisitivo das
famílias dessas crianças, visto que houve uma
queda de aproximadamente 15% no número de
famílias em situação de baixa renda.
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INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS:
UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009
Gráfico 2: Percentual de crianças em situação familiar de baixa renda no período de 2000 a 2009, Manaus/AM
A idade materna, fator de risco à incidência com o Gráfico 3, houve redução de mais de
de desnutrição em crianças, foi analisada pela 10% nos casos de gravidez na adolescência no
quantificação do percentual de gestantes com período de 2000 a 2009.
idade inferior a 20 anos de idade. De acordo
Gráfico 3: Gestante com idade inferior a 20 anos de idade no período de 2000 a 2009, Manaus/AM.
O Gráfico 4 demonstra a quantidade de gestantes
que realizaram a assistência pré-natal durantes
os anos de 2000 a 2009. A mensuração desse
percentual foi realizada pela quantificação do
total de gestantes e quantidade de gestantes em
atendimento pré-natal. Observa-se crescente
adesão ao acompanhamento assistencial
durante esse período, com aumento de
aproximadamente 6% no número de gestantes
com realização do pré-natal.
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Lima et al
Gráfico 4: Percentual de gestante em acompanhamento pré-natal no período de 2000 a 2009, Manaus/AM.
No Gráfico 5 observa-se a quantidade de crianças
menores de quatro anos em aleitamento
materno exclusivo. Nos anos de 2000 a 2009
houve aumento significativo, aproximadamento
três vezes maior na quantidade de crianças
em aleitamento materno sem recebimento e
intervenção de alimentação complementar.
Gráfico 5: Incidência de crianças menores de quatro meses em aleitamento materno exclusivo
no período de 2000 a 2009, Manaus/AM.
Resultados
da desnutrição foi reduzida em cerca de 50%.5
A análise dos dados obtidos por meio do Banco
de Dados do Sistema Único de Saúde demonstrou
uma significativa queda na incidência de
desnutrição em crianças menores de um ano na
cidade de Manaus, no período de 2000 a 2009.
De modo similar, em estudo realizado no Brasil,
baseado em inquéritos demográficos coletados
durante os anos de 1996 a 2007, a prevalência
O aumento do poder aquisitivo familiar das
crianças manauenses entre 2000 e 2009,
sobretudo nas classes de menor poder
aquisitivo, é consistente com estimativas
baseadas nas Pesquisas Nacionais do Datasus
que indicam melhoria na distribuição da
renda nacional e redução da proporção de
indivíduos vivendo com renda abaixo da linha
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INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS:
UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009
da pobreza, particularmente a partir de 2000.
Para estudiosos do assunto, a tendência recente
de melhoria na distribuição da renda e redução
da pobreza no Brasil seria consequência da
reativação do crescimento econômico e da
consequente diminuição do desemprego, de
reajustes do salário mínimo acima da inflação e
da forte expansão da cobertura dos programas
de transferência de renda.5
774 crianças por meio de entrevista, avaliação
antropométrica e exames laboratoriais, com
objetivo de identificar a prevalência e os fatores
associados à desnutrição em crianças com menos
de 60 meses, sugere que a desnutrição infantil
apresenta-se como um importante problema
de saúde pública, associado aos indicadores
de iniquidades sociais, acesso aos serviços de
saúde e ausência da mãe no domicílio, e aponta
o baixo peso ao nascer como fator associado ao
A evolução da idade materna entre 2000 e 2009 déficit de peso para estatura.8 Nesse contexto,
é considerada fator singular para a redução a assistência pré-natal pode atuar de forma
da desnutrição nesse período e na melhoria a minimizar a ocorrência de nascimento com
de indicadores do desempenho dessas mães, baixo peso, a fim de evitar o acometimento de
fator observado tanto em Manaus quanto no desnutrição nessa população.
Brasil ao longo da década de 1990. De modo
similar, em estudo realizado por intermédio de O aleitamento materno exclusivo permite ao
entrevistas e avaliação antropométrica com 250 organismo do bebê adaptar-se à demanda
crianças assistidas por creches em João Pessoa energética necessária durante os períodos
(PB) durante o ano de 2009 evidenciou-se que a de amamentação. O leite materno fornece
idade materna inferior a 20 anos constitui fator macronutrientes
e
micronutrientes
na
de risco associado ao défict de peso infantil.6 quantidade adequada ao bebê, sendo
Isso pode ser justificado pelo fato de que mães dispensável a inclusão de água e outros líquidos
adolescentes podem não estar preparadas nessa fase. Em um estudo realiuzado na cidade
adequadamente para cuidar de uma criança, de Pelotas (RS), em 2000, com 350 crianças, por
e ainda por não poder contar com o apoio meio de entrevista e avaliação antropométrica,
familiar e paterno. A maternidade surge então foi possível observar efeito do leite materno
como um agravante na incidência de depressão sobre o indicador antropomêtrico peso/
e conflitos pessoais, fazendo que essa mãe altura, com um risco para desenvolvimento
negligencie o cuidado ao filho. Em outro estudo de desnutrição de 1,7% para crianças
realizado por meio de entrevista no Estado de desmamadas.9 Com esse estudo, os autores
Minas Gerais, no ano de 2000, com 476 mães, puderam observar que o parâmetro de altura/
237 adolescentes e 239 não adolescentes, idade reflete predominantemente as condições
demonstrou que a prevalência de aleitamento socioeconômicas subjacentes, enquanto o
materno exclusivo foi maior em mães não peso/altura reflete predominantemente as
adolescentes, aproximadamente 77%, e relata condições ambientais sob as quais a criança
como fatores associados ao desmame o estado vive no momento.
conjugal, atividade fora do lar após o parto,
dificuldade para amamentar nos primeiros Conclusão
dias e aleitamento materno exclusivo na alta
hospitalar, sugerindo que a maternidade nessa Com base em inquéritos levantados em dados
faixa etária tenha peculiaridades que a mantém secundários de Manaus, o presente artigo
como objeto especial de estudo.7
evidenciou, por meio de números, o declínio
significativo da desnutrição nesse município.
O acompanhamento pré-natal configura-se Levantamento de estudos sobre fatores
como fator de primordial importância para associados à desnutrição infantil configura
evitar incidências de desnutrição infantil, pois como fatores determinantes à prevalência
pode prevenir o baixo peso ao nascer, detecção e de desnutrição infantil: condições sociais,
prevenção de distúrbios nutricionais que possam econômicas, culturais e de acesso à saúde.
vir acometer a criança no primeiro ano de vida.
Em estudo realizado no Acre, em 2002, com Os dados obtidos em bancos de dados públicos
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Lima et al
demonstram que, concomitante ao declínio da
desnutrição durante o período analisado, houve
o aumento do poder aquisitivo das famílias
manauenses, diminuição do índice de gravidez na
adolescência, aumento da adesão à assistência
pré-natal e da prática do aleitamento materno
exclusivo. Dessa forma, pode-se sugerir que,
assim como em outros estudos, esses fatores
podem de alguma forma interferir no quadro de
desnutrição infantil.
Isso nos leva a fomentar a adoção de políticas
públicas de incentivo à saúde, voltadas à
gestante e ao estímulo ao aleitamento materno
exclusivo, bem como políticas para melhorem
as condições econômicas da família a fim de
aumentar o seu poder aquisitivo e proporcionar
maior acesso a produtos e serviços.
n. 12, Rio de Janeiro, dec.
7. Frota DAL, Marcopito LF. Amamentação entre
mães adolescentes e não adolescentes. Montes
Claros, MG. Rev Saúde Pública. 2004; 38(1): 8592.
8. Souza OF, Benício MHD’A, Castro TG, Muniz PT,
Cardoso MA. Desnutrição em crianças menores
de 60 meses em dois municípios no Estado do
Acre: prevalência e fatores associados. Rev Bras
Epidemiol. 2012; 15(1): 211-21.
9. Olinto MT, Victora C, Barros F, Tomasi E.
Determinantes da Desnutrição Infantil em
uma População de Baixa Renda: um Modelo de
Análise Hierarquizado. Cad. Saúde Públ. Rio de
Janeiro. 1993; 9 (supl. 1): 14-27.
Referências
1. Monteiro CA. Fome, Desnutrição e Pobreza:
além da Semântica. Saúde e Sociedade. 2003;
12, 1, 7-11, jan-jun.
2. Barroso GS, Sichieri R. Salles-Costa R. Fatores
associados ao déficit nutricional em crianças
residentes em uma área de prevalência elevada
de insegurança alimentar. Rev Bras Epidemiol.
2008; 11(3): 484-94.
3. Muradas MR, Carvalho SD. Fatores que
influenciam a desnutrição infantil em um centro
de saúde do município de Campinas (SP). Cienc.
Cuid. Saude. 2008; 7(1): 053-058.
4. Santos RB, Martin PA, Sawaya AL. Estado
nutricional,
condições
socioeconômicas,
ambientais e de saúde de crianças moradoras
em cortiços e favela. Rev Nutr. Campinas. 2008;
21(6): 671-681.
5. Monteiro CA, Benício MHA, Konno SC, Silva
ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da
desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev
Saúde Pública. 2009; 43(1): 35-43.
6. Souza MM, Pedraza DF, Menezes TN. Estado
nutricional de crianças assistidas em creches
e situação de (in)segurança alimentar de suas
famílias. Ciênc. saúde coletiva. 2012; vol. 17,
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A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES
ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
BRAZILIAN HEALTH SYSTEM AND YOURS ECONOMIC IMPLICATIONS: A BRIEF REFLECTION
Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de Oliveira Chaves Narciso Ferreira,
Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,** Edson de Oliveira Andrade.***
Resumo
Introdução: O presente artigo tem como objetivo retratar a evolução da saúde brasileira sob a
ótica do seu impacto sobre a economia e o processo de desenvolvimento nacional. Faz-se uma
retrospectiva desde o tempo do Brasil Colônia e os dias atuais, descrevendo as diversas políticas
públicas adotadas no setor pelos diversos governos brasileiros. Por fim, são destacados os desafios
a serem enfrentados pelo setor nos anos futuros. Metodologia: Revisão bibliográfica nos bancos de
dados de bibliotecas com acesso na internet, mediante uso de palavras-chave. Resultados: Foram
identificados diversos documentos que permitiram a construção de um painel sobre o histórico da
saúde pública brasileira. Conclusão: Esta revisão permitiu identificar o perfil evolutivo da saúde
pública no Brasil, bem como as ações públicas desenvolvidas nesse setor.
Palavras-chave: Saúde; Economia; Financiamento; SUS e Saúde suplementar.
Abstract
Introduction: This article aims to portray the Brazilian health evolution and its impact on national
economy and development. A retrospective from the colonial Brazil to the present day, describing
the various public policies adopted in the sector by the various Brazilian governments. Finally,
highlighting the challenges up to be faced in future years by the sector. Methodology: Literature
review on the libraries databases with Internet access, through the use of key words. Results:
Various documents allowed the construction of a Brazilian history public health panel have been
identified. Conclusion: This review identified the developmental profile of public health in Brazil,
as well as public actions carried out in this sector.
Keywords: : Health; Economy; Financing; SUS e Supplementary Health.
Introdução
O desenvolvimento econômico deve buscar a
melhora da vida das pessoas, mas não se alcança
esse objetivo sem melhorar o nível de saúde da
população.1 Mas a implantação da saúde em
nosso país tem se comportado de qual maneira?
A saúde brasileira é uma questão de polícia,
social ou econômica? Uma análise retrospectiva
da questão até os nossos dias irá mostrar que
a resposta vai depender do momento histórico
em que venhamos a nos colocar para responder
a pergunta.
Este artigo tem como objetivo fazer uma breve
* Trabalho realizado no Curso de Administração Noturno da Faculdade de Estudos Sociais (FES) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
** Alunos do Curso de Administração Noturno da FES/Ufam.
*** Professor do Departamento de Clínica Médica-FM/Ufam; aluno do Curso de Administração Noturno da FES/Ufam.
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A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
revisão sobre o papel da saúde no processo
econômico nacional desde o Brasil Colônia até
os dias atuais, e se justifica na necessidade
da compreensão do fenômeno histórico da
construção da saúde pública no Brasil para a
consolidação dos avanços necessários para o
setor, visando para a população brasileira de um
sistema público dotado de eficiência, eficácia e
efetividade em suas ações.
Metodologia
Adotou-se na elaboração deste artigo de uma
revisão bibliográfica, realizada com base em
uma pesquisa nos bancos de dados nacionais e
internacionais das bibliotecas com acesso pela
internet (periódicos Capes; Scielo; Bireme) com
as seguintes palavras-chave: história da saúde
pública brasileira/orçamento público da saúde/
políticas públicas de saúde/participação pública
e privada nos cuidados da saúde/financiamento
da saúde/avaliação econômica da política de
saúde.
De acordo com determinados autores,2 as
revisões podem ser classificadas segundo seu
propósito, abrangência, função e tipo de
análise desenvolvida. Nesse sentido, conforme
a classificação anterior, este trabalho pode ser
classificado como analítico, pois trata de um
tema específico; temático, por se debruçar
sobre uma avaliação das políticas públicas
brasileiras, e histórico, pois busca expor uma
literatura retrospectiva, comparando diversas
épocas e suas contribuições para as políticas
públicas de saúde no Brasil. O objetivo deste
artigo é realizar uma revisão na literatura da
área da saúde visando analisar o comportamento
das políticas públicas para a saúde no Brasil.
de vista da saúde pública, a preocupação
das autoridades basicamente se limitava ao
problema da limpeza das cidades que, de acordo
com as Ordenações Filipinas de 1604, era uma
obrigação da Municipalidade.3
Ainda naquele período histórico, o primeiro
impacto da saúde sobre a economia dá-se na
questão portuária, quando o contato de navios
portando pessoas doentes gerava na população
preocupações e atitudes que implicavam
em fatos econômicos. Assim, foram criadas
medidas sanitárias para isolamento de escravos
portadores de doenças, o que gerava um
impacto financeiro importante, considerando o
valor econômico de cada escravo na estrutura
produtiva existente à época no Brasil.
A grande novidade aparece em 1828 com a
criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia
do Rio de Janeiro, que lutará para impor-se
como guardiã da saúde pública, propondo, à
luz da Medicina, ajudar nas questões de higiene
pública, culminando na edição, em 1830, de um
Código de Posturas pela Câmara Municipal do
Rio de Janeiro.3
A partir 1848 ocorrem os primeiros casos de
febre amarela urbana na cidade do Rio de
Janeiro e, em 1855, tem-se uma epidemia de
cólera. Tudo isso, juntamente com os casos de
peste bubônica e de varíola, irá gerar impactos
futuros de natureza econômica a influenciar na
direção da saúde pública brasileira agora já sob
o regime da República.
1.1 Do Brasil Colônia à República Velha
Em 1902 assume a Presidência do Brasil o cons.
Rodrigues Alves. Naquela época, como diz
Cotrim: “O turista, que vem à América do Sul,
muitas vezes, aqui, nem baixa à terra bárbara,
do navio em que viaja, contentando-se com vêla de longe, além de feia e desinteressante, a
cidade é um perigo, foco das mais tremendas
moléstias infecciosas, a febre amarela, a peste
bubônica, a varíola”.4
Durante o período colonial, a principal
preocupação da Coroa portuguesa com a
saúde se limitava à fiscalização do exercício
da Medicina por meio da Fisicatura, órgão que
regulamentava a prática médica. Do ponto
A má fama da principal cidade brasileira,
fama também compartilhada pela cidade de
Santos, já um dos principais portos do Brasil,
estava impactando negativamente no comércio
internacional, posto que muitas companhias de
1. Um Retrospecto das Políticas de Saúde
Pública no Brasil
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navegação decidiram não mais parar os seus
navios nesse dois portos.
O presidente Rodrigues Alves, ouvindo o
médico Salles Guerra, indica o médico Oswaldo
Cruz para comandar a Repartição Geral de
Saúde Pública, iniciando assim uma revolução
sanitária que irá marcar positivamente o
Brasil. No início de seu trabalho, Oswaldo Cruz
foi fortemente hostilizado, chegando a ser
agredido fisicamente e submetido a todo tipo de
constrangimento, configurando tais condutas,
em muitas situações, um verdadeiro caso de
polícia. Contudo, Rodrigues Alves mantém o
apoio político, e com o sucesso da empreitada,
em quatro anos Oswaldo Cruz vai de vilão a
herói.5
como Lei Elói Chaves, deputado paulista que a
apresentou no Congresso Nacional, e instituiu a
Caixa de Previdência dos Ferroviários. A par dos
seus objetivos de oferecer uma aposentadoria
para aquela categoria de trabalhadores, trazia
em suas normas a previsão de cobertura de
gastos com a saúde deles conforme se verifica
no artigo 9.º que diz in verbis (com grafia da
época):
Art. 9.º – Os empregados ferro-viarios, a que
se refere o art. 2.º desta lei, que tenham
contribuido para os fundos da caixa com os
descontos referidos no art. 3.º, letra a, terão
direito:
1.º, a soccorros medicos em casos de doença em
Os anos seguintes são bastante tumultuados em sua pessôa ou pessôa de sua familia, que habite
todo o mundo. Na Rússia explode a revolução sob o mesmo tecto e sob a mesma economia;
bolchevique e por toda parte o movimento
anarquista se manifesta. O resultado é um 2.º, a medicamentos obtidos por preço especial
ambiente de trabalho agitado e convulsionado. determinado pelo Conselho de Administração.
As péssimas condições de trabalhos eram
fontes de parte dessas agitações. Embora o Era o gérmen do sistema previdenciário
tema em questão já tivesse sido disciplinado brasileiro e a questão do financiamento público
primeiramente na Alemanha, em 1884, pelo da assistência à saúde era pela primeira vez
príncipe Otto Leopold Eduard Von Bismarck- trazida à baila nacional.
Schönhausen, um dos mais importantes líderes
nacionais do século 19, no entanto, no Brasil, 1.2 Da Revolução de 30 aos Governos Militares
foi somente no ano de 1918, quando se logrou
aprovar o projeto de lei sobre acidentes do Em 1930 Getúlio Vargas lidera uma revolução que
trabalho, que fora organizado pela Comissão pôs fim a República Velha. Entre as inovações
Especial de Legislação Social, tendo à frente, administrativas apresentadas pelo novo regime
como relator, o deputado Andrade Bezerra. está a criação do Ministério de Educação e Saúde
Desse projeto surgiu o Decreto n.º 3.724, de 15 Pública tendo a frente Gustavo Capanema.
de janeiro de 1919, modificado pelo Decreto n.º
13.493, de 5/3/1919 e, por fim, regulamentado Nesse
período
consolida-se
o
modelo
pelo Decreto n.º 13.498, de 12/3/1919, que previdenciário brasileiro com a criação dos
surge a primeira lei brasileira em favor do Institutos de Aposentadoria e Previdência (Iaps)
infortúnio laboral.6 Essa legislação, mais que que assumia também a assistência à saúde de
interessada na situação sanitária, se preocupava seus segurados. Na época o próprio governo
com a estabilidade das relações produtivas. Era cria o Instituto de Previdência e Assistência dos
a questão social vista com olhos econômicos.
Servidores Públicos (Ipase). Quem estivesse fora
Como consequência dessas pressões sociais
é criado o Departamento Nacional de Saúde
Pública no governo de Epitácio Pessoa com
ações rurais e urbanas, demografia sanitária e
fiscalização dos portos e rios.
Em 1923 é editado o Decreto n.º 4.682, conhecido
desse guarda-chuva protetor era considerado
indigente e suas necessidades de saúde ficavam
a cabo das entidades filantrópicas e raros
serviços público existentes.
Sucedendo a Getúlio quando da redemocratização
brasileira pós-guerra, o presidente Gaspar Dutra
apresentou, em 1948, ao Congresso Nacional
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A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
o chamado Plano Salte que na área da saúde
pretendia, abrangendo a Campanha Nacional de
Saúde, elevar o nível sanitário da população,
sobretudo a rural.
1966, reuniu os seis Institutos de Aposentadorias
e Pensões no Instituto Nacional de Previdência
Social – INPS; que mais a frente, já na década
de 1970, se transforma no Sistema Nacional
de Previdência e Assistência Social, com o
Quando, em 1955, Juscelino Kubitschek assume Instituto Nacional de Assistência Médica da
o governo do Brasil, promete avançar cinquenta Previdência Social – Inamps, e o Instituto de
anos em cinco. Embora a saúde não fosse Administração Financeira da Previdência Social
um aspecto determinante em seus planos de – Iapas, restando no campo das políticas de
metas, do ponto de vista da política nacional, saúde programas de extensão da cobertura
essas relações entre saúde e desenvolvimento das ações básicas que se mostravam de difícil
aparecem de alguma maneira em todas as implantação. Apesar da mudança o mesmo
mensagens presidenciais a partir de 1949, modelo assistencial dicotomizado (segurados x
quando Dutra reconheceu que “as condições indigentes) continuava em vigor.9
sanitárias de um país circunscrevem-lhe
rigidamente o desenvolvimento econômico- 1.3 Da redemocratização até os dias atuais
social”.7 As relações entre saúde, doença e
pobreza e a necessidade de romper o “ciclo
O processo de redemocratização do Brasil
vicioso da doença e pobreza” e compreender
coincide com o “renascimento” do movimento
os “custos da doença e o valor da saúde” foram
sanitarista brasileiro, que propõe como
incorporadas no debate brasileiro por todos os
linha de intervenção a ocupação dos espaços
protagonistas.7 Embora minimizada diante de
institucionais e a formulação de políticas de
outros objetivos maiores, a saúde não deixa de
saúde diante da crise previdenciária do Estado.9
desempenhar um papel importante no projeto
Esse conjunto de forças sociais culmina na
desenvolvimentista de JK, uma vez que a sua
realização, em 1986, da 8.ª Conferência
desejada integração nacional não poderia
Nacional de Saúde, onde suas diretrizes para
ser executada sem uma ação sobre os graves
a construção de um sistema de saúde público
problemas de saúde pública que persistiam no
apontavam para uma formulação democrática;
país.
a criação de um novo Conselho Nacional de
Saúde com participação popular e a criação
Nos conturbados tempos de Jânio Quadros e
de conselhos nos Estados e municípios. Essas
João Goulart à frente do governo brasileiro,
propostas foram ampliadas e culminaram na
outros fatores eclipsaram a questão da saúde
elaboração do texto constitucional de 1988 e
no Brasil, fazendo que os modelos em curso
diz que:
de assistência persistissem sem alterações
significativas.
Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais
Com a chegada dos militares ao poder, entra em
e econômicas que visem à redução do risco
vigor uma política de recuperação econômica
de doença e de outros agravos e ao acesso
que junto com o crescimento econômico
universal e igualitário às ações e serviços para
trouxe uma concentração de renda que
sua promoção, proteção e recuperação.
acelerou a desigualdade no país. A falta de
equidade também afetou a assistência à saúde
Estavam assentadas as bases para a efetivação
do brasileiro aumentando ainda mais o fosso
do Sistema Único de Saúde, que seria implantado
existente entre os protegidos pela seguridade
pela Lei n.º 8.080/1990, que traz em seu bojo
previdenciária e os indigentes. Havia também
a regulamentação dos preceitos constitucionais
uma belíndia na saúde.8
de um sistema que contempla a universalidade;
a integralidade; a equidade; a descentralização
Durante o regime militar ocorre a unificação do
e a participação social. Era iniciada a discussão
regime previdenciário com a extinção do Iaps;
sobre o financiamento do sistema.
e o Decreto-Lei n.º 72, de 21 de novembro de
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Gonçalves et al
Correndo por fora da discussão do modelo
principal, mas não tanto que não houvesse uma
previsão legal no artigo 199, parágrafo 1.º,
da Constituição Federal de 1988, uma força
econômica começa a adquirir importância na
saúde brasileira: os planos de saúde. Nascidos
das medicinas de grupo, empresas de atenção
médica voltadas para a assistência subsidiária
ou substitutiva da assistência médica oferecida
aos trabalhadores; as medicinas de grupo
rapidamente evoluem para a oferta de uma
cobertura médica hospitalar “diferenciada”
à população, passando a angariar agora como
planos de saúde uma clientela cada vez maior
entre os trabalhadores e a classe média, que
se sentiam inseguros com um sistema público
de saúde, que embora bem-intencionado, não
consegue deslanchar em face de inúmeros
problemas operacionais e principalmente de
financiamento. São as mazelas do SUS o melhor
marketing dos planos de saúde.10
Nesse momento, aquilo que um dia foi um
caso de polícia e depois uma questão social
transforma-se substancialmente em uma
questão econômica.
38,5% e local (municipal): 7,4%. Já àquela
época, Mascarenhas chamava a atenção que
qualquer nova distribuição de atividades de
saúde pública para os governos municipais do
Brasil não pode ser outorgada, como aquelas de
administrar as unidades sanitárias locais, sem
que se modifique, profundamente, o sistema
tributário brasileiro, dando maior quinhão às
municipalidades... Velhas questões... Atuais
questões.12
Na tentativa de estudar os gastos públicos com a
saúde no Brasil, Mascarenhas somente consegue
informações do período de 1955 a 1962. Nesse
período o governo federal gastou em média 3,4%
de suas despesas gerais em saúde; os governos
estaduais gastaram 6,9% de seus gastos gerais
em saúde e os municípios 3,4%.
Destaca em suas conclusões que os gastos per
capita no período de 1955 a 1962 haviam subido
de US$ 1,82 para US$ 2,38 bilhões.
Com a implantação do SUS, ocorre a
universalização
do
atendimento
e
a
integralidade da assistência. Essas mudanças
de natureza política e econômica têm um
2. A Economia da Saúde e a Saúde na impacto grande nas contas públicas para o
setor. Em 1950, saímos de 1 para 2% do PIB, e
Economia
para 6% no meado da década de 1980. Em 1982
já gastávamos, em termos absolutos, US$ 80,
2.1 O financiamento da saúde pública no Brasil embora comparativamente os Estados Unidos
da América, à época, gastassem 15 vezes mais.1
Como bem diz Silvia Porto, existe um trabalho Atualmente os dados mostram que o gasto anual
pioneiro no estudo da questão do financiamento do governo com a saúde de cada brasileiro (US$
da saúde pública no Brasil: Financiamento dos 477 ou R$ 954), apesar de ter mais do que
Serviços de Saúde Pública, de autoria de Rodolfo dobrado na última década, permanece em um
Mascarenhas, publicado em 1967 na Revista de patamar inferior à média mundial (US$ 716 ou
Saúde Pública. Esse trabalho germinal foi um dos R$ 1.432) e representa apenas uma fração do
poucos elaborados e publicados antes da década que países ricos destinam a seus cidadãos.
de 1970, e onde é analisada a arrecadação dos
impostos, a descentralização dos serviços de Em Luxemburgo, por exemplo, que lidera a lista,
saúde pública e as despesas efetuadas em cada o governo gasta, por ano, US$ 5,8 mil (R$ 11,6
nível.11
mil) na saúde de cada habitante, ou 12 vezes o
valor do Brasil. Países vizinhos, como Argentina
Em sua análise sobre a distribuição da (US$ 869 ou R$ 1.738) e Chile (US$ 607 ou R$
arrecadação de impostos entre as três esferas 1.214), também destinam mais recursos na
de governo no Brasil, Mascarenhas mostra saúde de seus habitantes.13
que, desde 1940 até 1962, a distribuição
percentual dos impostos arrecadados se deu Na busca de se encontrar uma sustentação
na seguinte média: federal: 54,1%; estadual: financeira para o SUS, foi aprovada em
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A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
2008 a Emenda Constitucional n.º 29. A sua
regulamentação somente veio a ocorrer em
2012, pela Lei Complementar n.º 141, que
impôs à União a aplicação anual, em ações
e serviços públicos de saúde, do montante
correspondente ao valor empenhado no
exercício financeiro anterior, apurado nos
termos dessa lei complementar, acrescido de,
no mínimo, o percentual correspondente à
variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB)
ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária
anual, aos Estados 12% de sua arrecadação e
aos municípios a obrigação de aplicar 15% de
suas arrecadações em saúde. O Distrito Federal
deverá aplicar 12 ou 15%, conforme a receita
seja originária de um imposto de base estadual
ou municipal. Nessa lei também ficou definido o
que é gasto com saúde.
1960
1970
1980
1990
2000
2005
2006
2007
2008
2009
-
-
-
-
40,3
40,1
41,7
41,6
44
45,7
Argentina -
-
-
-
55,4
55,2
55,8
59,4
62,6
66,4
Alemanha -
72,8
78,7
76,2
79,8
74,3
74,4
74,5
74,6
75,7
Brasil
Canadá
42,6
69,9
75,6
74,5
70,4
70
69,9
69,9
69,5
68,7
EUA
23,1
36,2
40,8
39,2
43,2
45,5
46,4
46,8
47,8
48,6
França
62,4
75,5
80,1
76,6
79,4
76,9
76,4
76,3
75,9
76,6
Reino
85,2
87
89,4
83,6
79,3
81,9
81,9
82
82,6
83,6
Itália
-
-
-
79,5
72,5
75,2
74,7
75,4
76,3
77,3
Japão
60,4
69,8
71,3
77,6
81,3
80,4
79,4
80,3
80,5
80
Unido
Fonte: OECD e OMS.
Tabela 1: Gasto público como % do gasto total cem Saúde
Na Tabela 1 podemos observar em termos
temporais o comportamento dos gastos públicos
com a saúde em diversos países. No caso
brasileiro, nesse período, o percentual médio
dos gastos foi de 42,2%. Na atualidade é o que
existe em termos de financiamentos à saúde
pública brasileira. E não faltam reclamações
sobre falta de recursos para atender às
necessidades do setor.
2.2 O financiamento privado à assistência da
saúde do brasileiro
O nome é Sistema Único de Saúde – SUS, mas
na realidade ele não é o único sistema de
saúde existente no Brasil. Existe outro mundo
assistencial fora do SUS: o sistema dos planos
de saúde.10
Segundo o Conselho Federal de Medicina
(CFM), em dezembro de 2010, 46,6 milhões de
brasileiros eram usuários de um plano de saúde
no Brasil. Isso correspondia aproximadamente a
24% da população. Desse montante, 33 milhões
(80%) estavam ligados a um plano coletivo e
somente 20% a planos individuais.14
No primeiro trimestre de 2014, o setor de saúde
suplementar já contava com quase 51 milhões
de beneficiários de planos de assistência
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Gonçalves et al
médica e cerca de 21 milhões de beneficiários
de planos odontológicos registrados no Sistema
de Informações de Beneficiários – SIB.
Nos últimos dez anos, o número de beneficiários
em planos individuais cresceu 19,7%, atingindo
Data
10 milhões de vínculos, enquanto o de planos
coletivos por adesão cresceu 4,3% e o de
planos coletivos empresariais cresceu 106,6%,
alcançando 6,1 milhões e 33,1 milhões de
vínculos, respectivamente.15
Assistência médica com Exclusivamente
ou sem odontologia
odontológico
Dez./00
31.161.481 2
.603.001
Dez./01
31.727.080 3
.062.681
Dez./02
31.513.309 3
.677.782
Dez./03
32.074.667 4
.325.568
Dez./04
33.840.716 5
.312.915
Dez./05
35.441.349 6
.204.404
Dez./06
37.248.388 7
.349.643
Dez./07
39.316.313 9
.164.386
Dez./08
41.468.019
11.061.362
Dez./09
42.686.816
13.257.322
Dez./10
45.154.355
14.513.958
Dez./11
46.499.273
16.981.132
Dez./12
48.243.789
19.152.817
Dez./13
50.574.517
20.780.121
Mar./14
50.722.522
20.969.662
Fonte: ANS/MS.
Tabela 2: Beneficiários de planos de saúde privados por cobertura assistencial do plano
no período de 2000 a 2014
Segundo o CFM, a receita dos planos de saúde
não para de crescer. Conforme informado pelas
operadoras, o faturamento no primeiro trimestre
de 2011 foi de R$ 18,4 bilhões, 3,8% a mais que
no mesmo período de 2010. Analisando os dados
de 2010, as operadoras médico-hospitalares
tiveram uma receita de R$ 72,7 bilhões, 13,2%
a mais que em 2009.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
1960
1970
1980
1990
2000
2005
2006
2007
2008
2009
-
-
34,3
34,9
34,9
35,3
35,8
39,4
41,2
41,2
Argentina -
-
32,6
28,4
28,3
28,5
28,4
30,7
32,8
32,8
Alemanha -
-
41,1
43,3
41,1
41,6
41,4
41,9
42,7
42,7
Canadá
-
-
38,8
43,9
43,9
43,9
43,1
49,9
44,3
43
EUA
-
-
60,3
67,6
68,2
68,5
68,7
68,3
68,8
69,3
França
-
61,6
63,2
63,8
63,6
62,5
62,6
61,9
61,9
Reino
-
-
7,8
6,3
8
7,7
7,7
5,6
6,7
6,7
Itália
-
-
3,2
3,6
6,8
3,7
3,9
4,1
4,3
4,6
Japão
-
-
1,7
13,1
13,3
14,3
13,7
13,8
13,8
13,8
Brasil
Unido
Fonte: OECD e OMS.
Tabela 3: Parcela dos gastos privados em saúde disponibilizada em seguros de saúde e/ou
planos de saúde no período de 1960 a 2009
A Tabela 3 apresenta dados que apontam os
gastos do setor privado da saúde desde a década
de 1980, mostrando a ascensão dos gastos. Isso
ocorreu em todos os países, exceto Japão, Itália
e Reino Unido. Dois países se destacam com o
aumento percentual do setor: os Estados Unidos
da América (EUA) e o Brasil; o primeiro com
9% e o segundo com 6,9%. No caso dos EUA, a
população é compelida a recorrer a um seguro
de saúde privado capaz de arcar com despesas
referidas em momentos necessários, uma vez
que o sistema público disponível é bastante
restrito. O Brasil, apesar de possuir um sistema
de saúde universal, apresenta alta porcentagem
de usuários de seguros de saúde, o que pode
explicitar, além da ineficácia do sistema, uma
descrença por parte da população quanto a sua
qualidade.16
Duas conclusões econômicas, ainda que
preliminares, podemos tirar dessa situação: a
primeira é que o setor privado se responsabiliza
por uma parcela substancial da população
brasileira desonerando o SUS do atendimento.
Em segundo lugar, fica evidente que o setor tem
uma forte e crescente importância econômica
diante do volume de recurso movimentado. É
a questão da saúde se manifestando com sua
fascie econômica.
3. Os Desafios Socioeconômicos na Saúde
3.1 Mudança no perfil demográfico brasileiro
Durante todo o século 20 o Brasil foi considerado
um país de jovens. A pirâmide populacional em
1980 mostrava que tínhamos uma população
majoritariamente constituída por pessoas
abaixo dos 30 anos (Figura 1). Quando olhamos
para a mesma pirâmide populacional no ano
de 2010 (Figura 2), verificamos quanto o perfil
demográfico brasileiro mudou em tão pouco
tempo.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Gonçalves et al
Fonte: IBGE
Figura 1: Projeção da população brasileira no ano de 1980
Fonte: IBGE.
Figura 2: Projeção da população brasileira no ano de 2010
Mais marcante é a projeção da população e o Brasil se tornando efetivamente um país de
brasileira para o ano 2050, quando observamos idosos com mais de 13 milhões de habitantes
uma inversão completa da pirâmide populacional com 80 anos ou mais.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
Fonte: IBGE.
Figura 3: Projeção da população brasileira no ano de 2050
Esse comportamento populacional traz consigo
um impacto muito grande nas políticas de saúde
brasileira. Atualmente vivemos um momento de
transição demográfica e epidemiológica, em que
a gestão da saúde tem de atender demandas
de uma população jovem e seus problemas,
tais como doenças infecciosas e nutricionais
próprias dessa faixa etária, assim como as
doenças crônico-degenerativas e neoplasias
comuns na faixa etária mais idosa. Isso tem
impacto no planejamento e na alocação dos
recursos disponíveis para a saúde. Se hoje não
começarmos a criar as condições para atender os
nossos futuros idosos, não mais seremos um país
de jovens, ainda desassistidos, mas com certeza
seremos um país de velhos abandonados.
3.2 O desafio da incorporação de novas
tecnologias
econômica de pagamento.
Esse processo caracteriza-se por ser um
processo sistemático e multidisciplinar, que
procura direcionar o processo de decisão dos
diversos participantes do sistema de saúde:
médicos, pacientes, indústria de insumos,
administradores e gestores, bem como outros
atores interessados na questão.17
Sabe-se que a pressão pela assimilação
de novas tecnologias é muito grande dentro do
setor saúde. A própria disponibilidade de um
serviço é motor próprio para a sua utilização
futura, ainda que não necessária. Esse fenômeno
é chamado, no setor de saúde, como Lei de
Roemer.18
Diversos são os exemplos dessa lei econômica
na assistência à saúde. Em Manaus essa situação
É notório o processo de criação de novos foi documentada no episódio da oferta de
conhecimentos em todas as atividades humanas, exames de imagem em um plano de saúde. O
e em especial no setor saúde. Isso tem um Gráfico 1 demonstra o incremento do uso de
forte impacto econômico. O desafio está em se tomografias computadorizadas por prestador de
criar um método crítico para avaliar esse novo serviço, no período de 1998 a 2004, sem que
conhecimento com vista a sua assimilação no tivesse ocorrido um incremento no número de
sistema de saúde, público ou privado, tendo por usuários do plano de saúde no período.19
base critérios científicos válidos e possibilidade
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Gonçalves et al
Fonte: Andrade, E. O et. al. RAMB, 2011; 57(2): 138-43.
Gráfico 1: Incremento do uso de tomografias computadorizadas na Unimed-Manaus, por prestador de
serviço, no período de janeiro de 1998 a junho de 2004
Superados os problemas da falta de evidências
científicas, ainda restarão alguns dilemas a
serem resolvidos. Um dos primeiros dilemas a
ser apreciado é se existirá dinheiro suficiente
para pagar por toda essa evolução tecnológica.
O segundo dilema é se deverá haver
comportamento assimilador diferente para o
SUS e a saúde suplementar.
A não solução desses dilemas tem ocasionado
instabilidade dentro dos sistemas de saúde. É
notório o retardo do SUS em assimilar novas
tecnologias, mesmo aquelas sobre as quais
não existem mais dúvidas científicas de sua
validade e importância clínica. Quase sempre
a razão do silêncio é a falta de recursos para o
financiamento. Por vezes, a situação se complica
ainda mais quando o governo, por meio da
ANS, oferece a mesma tecnologia recusada no
SUS aos usuários dos planos de saúde. Nesses
casos invariavelmente a questão termina num
tribunal. É a questão econômica voltando a ser
uma “questão de polícia” por intermédio da
judicialização da saúde.
Como o Poder Judiciário atua sob a perspectiva
da justiça comutativa, sob o âmbito da
microjustiça do caso concreto, o desafio de
incorporar a política pública de saúde em suas
decisões revela-se indispensável para o avanço
da jurisprudência, no sentido de compatibilizar
a justiça comutativa, dentro de cada processo,
com a justiça distributiva, representada pela
decisão coletiva formulada e formalizada por
meio dos diversos atos normativos que compõem
a política de assistência à saúde, emanados dos
poderes Legislativo e Executivo do Estado.20
Esse é o desafio imposto ao Judiciário brasileiro
e aos operadores do direito pátrio.
3.3 O desafio do financiamento futuro do sistema
Como vimos nos dois itens anteriores, são
grandes as pressões sobre o setor a demandar
recursos cada vez mais crescentes. Do ponto
de vista macroeconômico, considerando os
próximos 20 anos estudados, a sustentabilidade
do atual sistema de saúde dependerá de um
crescimento médio do PIB superior a 5% ao
ano, de uma inflação de gastos em saúde não
superior ao dobro da inflação geral média do
período, além de um ganho real de renda média
das famílias, no período, não inferior a 0,5% ao
ano, associado a uma melhor distribuição de
renda.17
Conclusões
Como podemos ver ao longo desta revisão, a
saúde no Brasil passou por vários momentos
até chegar ao modelo atual instituído pela
Constituição de 1988. Embora em níveis
diferentes de preocupação, os diversos governos
brasileiros, de alguma forma, apresentaram
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO
políticas para o setor.
O sistema constitucionalmente instituído em
1988 (SUS) é a forma existente ofertada para
a totalidade da população brasileira. Junto
com ele convive um sistema privado a cabo
das operadoras de planos de saúde que atende
cerca de um quarto da população.
O desafio que se impõe para o agora e ao futuro
é dotar esse sistema de qualidade, eficiência e
eficácia, transformando os recursos empregados
em melhoria de vida das pessoas, por meio da
oferta de uma maior quantidade de benefício a
uma maior quantidade de pessoas possível.
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processo de desenvolvimento do Brasil. In: Baer
W, editor. Economia Brasileira. 3 ed. São Paulo:
Nobel; 2008. p. 456-72.
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décadas de 1960-70. In: Baer W, editor.
Economia Brasileira. 3 ed. São Paulo: Nobel;
2008. p. 92-108.
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Silveira RMG. A Construção do SUS. Brasília:
Ministério da Saúde; 2006.
10. Andrade EN. O SUS e o direito à saúde do
brasileiro: leitura de seus princípios, com
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Bioética. 2010; 18(1): 61-74.
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(1967-2007). Rev Saúde Pública. 2014; 40(4):
576-8.
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1(1): 24-37.
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Literatura. In: Campelo BS, Cendón BV, Kremer
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Pesquisadores e Profissionais. Belo Horizonte: mas SUS ainda vive contradição no Brasil.
http://noticias.terra.com.br/brasil/governoEd.UFMG; 2000. p. 191-8.
gasta-mais-com-saude-mas-sus-ainda-vive3. Galvão MAM. Origem das políticas de saúde contradicao-no-brasil,5433adee541cd310VgnCL
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Fiocruz, editor. Oswaldo Cruz. Monumenta 00:informacoes-sobre-a-saude-suplementar-nohistórica. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1971. p. 21- brasil&catid=3. 2014. Acesso em: 23/9/2014.
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com.br/2008-jun-3/evolucao_historica_
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16. Gonçalves BP, Tejada CAO. Evolução dos
gastos com saúde-Brasil e demais países
selecionados. http://cti ufpel edu br/cic/
arquivos/2013/SA_00506 pdf. 2011. Acesso em:
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7. Hochman G. “O Brasil não é só doença”:
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17. Ferraz MB. Dilemas e Escolhas do Sistema de
Saúde. São Paulo: MedBook; 2008.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Gonçalves et al
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oferta de exames de imagem (tomografia axial
computadorizada e ressonância magnética) na
Unimed-Manaus. Revista da Associação Médica
Brasileira. 2011; 57(2): 138-43.
20. Marques SB. Judicialização do Direito à
Saúde. Revista de Direito Sanitário. 2008; 9(2):
67-72.
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EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL
COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS
HEALTH EDUCATION: A MULTIDISCIPLINARY INTERVENTION
WITH A DIABETIC GROUP
Giuliana Arie,* Abner Souza Paz,* Anne Karina Pereira de Andrade,* Bruna Loretta Flores da Silva,* Betânia de Oliveira Rebouças,
* Gesiane Araújo Frota
Resumo
Objetivos: Relatar a experiência de uma equipe multiprofissional de residentes em saúde junto a
pacientes diabéticos na atenção primária. Metodologia: Estudo descritivo e qualitativo, realizado
por meio da descrição dos resultados da vivência dos residentes do Programa de Residência
Multiprofissional de Saúde do Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus/AM, numa
intervenção em educação e saúde junto a um grupo de diabético, que ocorreu no período de
junho a agosto de 2013 em uma unidade de saúde de Manaus/AM. A atividade contou com a
participação de oito usuários. Resultados: Foi possível identificar os conhecimentos prévios e
adquiridos durante os encontros e a percepção pessoal dos participantes acerca das atividades.
Assim como a aplicação de uma metodologia que envolvesse os profissionais residentes numa
perspectiva multiprofissional, possibilitando a construção de novos conhecimentos por meio da
interação entre os profissionais e deles com os usuários. Desse modo, os participantes salientaram
que as informações adquiridas são imprescindíveis para uma melhor qualidade de vida e controle
da doença. Conclusão: A prática de educação em saúde compreende uma importante estratégia
educativa para a promoção de saúde e inserção dos usuários na construção do conhecimento sobre
saúde. E essa ação construída na cooperação de saberes multiprofissionais proporciona um avanço
na dimensão do cuidado humanizado e integral aos usuários do SUS.
Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Educação em saúde; Autocuidado.
Abstract
Objectives: To report a multidisciplinary residents health team experience in the diabetic
patients’ primary care. Methodology: A descriptive and qualitative study, describing the residents
experience results inserted in the University Hospital Getúlio Vargas Multidisciplinary Residency
Program Health, Manaus/AM, in a health education intervention among a group of diabetic,
which occurred between June and August of 2013 at a health unit in Manaus/AM. The study
included 8 diabetic patients. Results: It was possible to identify prior knowledge and acquired
ones during meetings and the participants’ personal perception about the activities. As well as
the methodology application involving practitioners resident in a multidisciplinary perspective,
allowing new knowledge construction through interaction between professionals and users. The
participants stressed that the information acquired are essential to a better life quality and
disease control. Conclusion: The health education practice includes an important educational
* Residente Multiprofissional do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS
strategy for health promotion and integration of diabetic patients in the knowledge construction
about health. And this action built on the multidisciplinary knowledge cooperation, provides a
dimensional breakthrough and humanized care to SUS users.
Keywords: Diabetes Mellitus; Health education; Self Care.
Introdução
e autonômico. As principais manifestações
clínicas
de
comprometimento
somático
são
dormência
ou
queimação
em
membros
O diabetes mellitus (DM) configura-se hoje como
uma epidemia mundial e está entre os principais inferiores, formigamentos, pontadas, choques,
problemas de saúde pública do Brasil. Sua agulhadas em pernas e pés, desconforto ou
incidência vem aumentando consideravelmente dor ao toque de lençóis e cobertores, queixas
nos últimos anos, sendo significativo o número de diminuição ou perda de sensibilidade tátil,
de incapacitações, bem como os custos térmica ou dolorosa. O diagnóstico baseiaenvolvidos no seu controle e no tratamento de se na caracterização do quadro clínico com
os sintomas e sinais clínicos mais típicos e na
suas complicações.1
realização de testes neurológicos.1
No Brasil, o DM juntamente com a hipertensão
arterial sistêmica (HAS) são responsáveis De acordo com o Ministério da Saúde,1 o DM é
pela primeira causa de mortalidade e de um problema de saúde considerado Condição
hospitalizações no Sistema Único de Saúde Sensível à Atenção Primária, ou seja, evidências
(SUS) e representam, ainda, mais da metade demonstram que o bom manejo desse problema
do diagnóstico primário em pessoas com ainda na Atenção Básica evita hospitalizações
insuficiência renal crônica submetidas à diálise.1 e mortes por complicações cardiovasculares e
cerebrovasculares.
O DM leva a diversas complicações crônicas
decorrentes
das
alterações
micro
e A percepção e entendimento do indivíduo
macrovasculares que levam a disfunção, dano sobre a sua doença é única, assim como o
ou falência de vários órgãos, contribuindo para significado que ele costuma dar a essa vivência.
o aumento da morbidade e mortalidade dos O resultado dessa interação o direciona para o
enfrentamento da situação, por meio de seu
pacientes.2
modo de agir e reagir às demandas impostas
Estima-se que 15% dos indivíduos com DM pela doença.
desenvolverão uma lesão no pé ao longo
da vida. Um dos grandes desafios para o A adesão nas condutas terapêuticas é
diagnóstico precoce de indivíduos diabéticos fundamental para o controle da doença e
em risco de ulceração é a inadequada ou a pode ser entendida como um complexo de
não realização de um simples exame dos pés. fenômenos que envolvem desde o tratamento
Por outro lado, está bem estabelecido que 85% medicamentoso até a mudança de estilo de
dos problemas decorrentes do pé diabético são vida, prevenindo agravos e complicações que
passíveis de prevenção com base em cuidados quando presentes geram sofrimento pessoal,
familiar, gastos financeiros e comprometimento
especializados.1
da qualidade de vida.3
A neuropatia diabética é a complicação mais
comum e o pé diabético representa uma das Esse contexto demonstra a magnitude do DM
mais mutilantes complicações crônicas do como um problema de saúde pública e o impacto
diabetes. A neuropatia diabética compreende que pode causar na qualidade de vida dos
um conjunto de síndromes clínicas que afetam indivíduos portadores da doença. Dessa forma,
o sistema nervoso periférico sensitivo, motor a educação em diabetes deve estar voltada para
a construção de conhecimentos que favoreçam
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Arie et al
o autocuidado e a autonomia das pessoas, na
perspectiva de que possam ter um viver mais
saudável.
A educação é parte importante do tratamento
do DM, e é por meio dela que os pacientes são
capacitados para realizar o gerenciamento da
sua doença. Como o atendimento ao paciente
com DM é multidisciplinar, a educação em
saúde deve envolver todos os profissionais que
mantêm contato com ele. Autores têm relatado
a importância do trabalho multidisciplinar na
assistência a pacientes diabéticos, reforçando
a importância da conjugação de saberes de
diversas disciplinas, entendendo que um
novo conhecimento é produzido com base no
entrelaçamento de saberes e práticas oriundas
de diversas especialidades da área de saúde.4
A abordagem educativa deverá ocorrer de
forma integrada entre os profissionais de saúde,
abordando, também, os fatores emocionais
e sua influência na adesão ao tratamento. A
integridade biopsicossocial desse paciente é
condição decisiva para favorecer os cuidados
com a doença, resultando, assim, em melhor
qualidade de vida para ele.5
Buscou-se em Orem (Teoria do Autocuidado) e
técnica de Grupo Operativo de Pichon-Rivière
subsídios para desenvolver uma proposta de
educação em grupo. A teoria do autocuidado
focaliza a importância de reconhecer a pessoa
como aquela que tem o direito de exercer
o controle sobre si e sobre sua assistência.
Na educação para o autocuidado, o indivíduo
deve participar da decisão, considerando seus
valores, crenças, nível de conhecimento,
habilidades e motivação.6,7
educativa desenvolvida com o objetivo de
ampliar o conhecimento dos diabéticos sobre
sua doença, estimulando a adoção de práticas
saudáveis e desenvolvendo habilidades para o
autocuidado, visando assegurar que os indivíduos
com diabetes tenham condições de adquirir
conhecimentos e aptidões que lhes permitam e
os habilitem a exercer o autocuidado com sua
doença crônica.
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo e qualitativo.
O método qualitativo permite desvelar
processos sociais pouco conhecidos referentes a
determinados grupos, propiciando a construção
de novos modelos e conceitos no decorrer da
investigação. Caracteriza-se pela empiria e
sistematização progressiva do conhecimento
até obter o conhecimento da lógica interna do
grupo ou do processo investigado.8
A intervenção foi desenvolvida ao longo de dois
meses, no período de julho a agosto de 2013. No
processo de desenvolvimento do grupo, foram
realizados seis encontros, uma vez por semana,
com o objetivo de fornecer conhecimento
para o desenvolvimento de habilidades para
o autocuidado e controle da doença por
intermédio da técnica de Grupo Operativo de
Pichon-Rivière.
Para determinar o público-alvo, a primeira
ação realizada pela equipe multiprofissional,
constituída
por
enfermeiros,
psicólogo,
fisioterapeuta, farmacêutico e nutricionista, foi
o reconhecimento da unidade, para uma melhor
visualização das necessidades e problemas da
comunidade. Escolheu-se o público e as temáticas
a serem trabalhadas baseadas na demanda de
Na concepção de Pichon-Rivière, o grupo usuários atendida pelos profissionais de saúde
apresenta-se
como
instrumento
de da UBS. Observou-se que havia na unidade uma
transformação da realidade, e seus integrantes demanda de pacientes diabéticos que poderiam
passam a estabelecer relações grupais que ser o foco de intervenção, a partir da educação
vão se constituindo, na medida em que em saúde.
começam a partilhar objetivos comuns, a ter
uma participação criativa e crítica e a poder Na segunda etapa foi realizado o planejamento
perceber como interagem e se vinculam.4,7
da ação, com base na multidisciplinaridade.
Os profissionais de cada área trouxeram
No presente artigo relatamos a experiência da informações sobre suas intervenções, por meio
equipe no desenvolvimento de uma proposta de roda de conversa puderam compartilhar os
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS
saberes e planejar uma atividade conjunta.
A terceira etapa consistiu no convite a esses
usuários, para que pudessem participar do
grupo, por intermédio de cartazes fixados no
mural da UBS e da informação passada pelos
profissionais. Participaram da prática educativa
oito usuários com diabetes mellitus tipo 2, que
realizam acompanhamento médico na UBS, e
manifestaram interesse e disponibilidade.
Conforme Carvalho e Serafim,9 o método
qualitativo
está
menos
centrado
na
generalização, priorizando o aprofundamento
e amplitude da compreensão da temática
estudada, não sendo necessário na amostra
um grande número de participantes. Assim,
a amostra adequada dever ser capaz de
contemplar o todo em todas as suas dimensões.
Nos encontros trabalharam-se as seguintes
temáticas: O que é diabetes, alimentação x
diabetes, medicamentos x diabetes, exercício
físico x diabetes, enfrentamento da diabetes e
cuidados com os pés.
aspectos relacionados a diabetes e à neuropatia
por meio de um questionário, o MNSI (Michigan
Neuropathy Screening Instrument). A avaliação
constava dos dados pessoais e dos referentes
à doença: tempo de diagnóstico da diabetes,
presença de outras patologias associadas, última
glicemia de jejum e 15 perguntas referentes a
sintomas da neuropatia diabética, tais como
sensação de adormecimento, queimação,
agulhada e formigamento nas pernas e pés,
entre outras.
Além disso, a avaliação incluiu o exame de
sensibilidade tátil dos pés com os monofilamentos
de nylon, tipo Semmens-Weinstein (SORRI
BAURU®) de diferentes espessuras – 4.17 (4 g),
5.07 (10 g) e 6,10 (300 g).11,12,13 O exame
consiste em solicitar ao paciente com os olhos
fechados que detecte os estímulos cutâneos dos
monofilamentos pressionados sob a superfície
plantar em alguns sítios correspondentes à
inervação plantar: hálux, antepé medial,
lateral, médio-pé e calcanhar.14
Esse teste é baseado no princípio de que a força
necessária para curvar um determinado fio é a
mesma em todas as tentativas, o que permite
uma boa reprodutibilidade do método, o qual
é recomendado pela Sociedade Brasileira de
Diabetes e sugerido como conduta de avaliação
em todos os pacientes diabéticos pelo Consensus
of Diabetic Foot.15 Os indivíduos incapazes
de perceber o monofilamento 5.07 foram
classificados como neuropatas perante o teste.
Armstrong et. al.16 observaram que o resultado
Grupo de Educação
de mais de três erros em dez pontos testados
é característico de pé em risco de ulceração
O primeiro encontro teve como objetivo neuropática.
promover a integração grupal. Foi explicado
ao grupo como funcionariam as atividades e No terceiro encontro abordou-se o tema
dadas as instruções. Foi marcado pelo início “Alimentação x Diabetes”, no qual o nutricionista
das relações no grupo e exteriorização das apresentou os alimentos ricos em fibras e com
expectativas, desejos, sentimentos e opiniões. reduzida quantidade de carboidratos simples e
Iniciou-se a educação em saúde com o tema glicose, efeitos da ingestão de alimentos sobre
“O que é diabetes?”, no qual foi esclarecido a glicemia e recomendações complementares
sobre a doença, sinais e sintomas e principais como fracionamento da alimentação, lista de
complicações associados ao diabetes pela substituição, alimentos dietéticos e adoçantes,
enfermeira da equipe.
ressaltando sua importância no controle da
doença e prevenção de complicações.
No segundo encontro, os diabéticos foram
entrevistados e examinados para investigação de No quarto encontro o tema trabalhado foi
Ao final dos encontros foi aplicado um
levantamento de informações acerca dos
conhecimentos que já possuíam e os adquiridos
após os encontros, outra coleta de informações
se deu pelo MNSI (Michigan Neuropathy
Screening Instrument), elaborado e validado
na língua inglesa por Moghtaderi, Bakhshipour
e Rashidi,10 que se refere a um questionário
sobre neuropatia diabética.
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“Medicamentos x Diabetes”, na oportunidade a
farmacêutica, segundo diretrizes do Ministério
da Saúde e de acordo com o caderno da atenção
básica de 2013,1 apresentou os medicamentos
utilizados no tratamento e controle da
glicemia, técnicas de administração, rodízio
dos locais de aplicação, utilização de seringas e
cuidados quanto ao armazenamento e dosagem
recomendada, ressaltando a importância da
adesão ao tratamento medicamentoso.
produção coletiva.
A proposta foi favorecer a construção de novos
significados a partir dos sentidos elaborados no
processo de adoecimento, tendo como objetivo
trabalhar as dificuldades e facilidades na
adesão ao tratamento estimulando a troca de
experiências.
Para realizar a atividade foi necessária uma
prática multiprofissional, por sua vez essa
No quinto encontro a fisioterapeuta abordou prática nas ações em saúde são imprescindíveis
o tema “Exercício Físico x Diabetes”, nesse e buscam avançar o modelo centrado na
momento foi realizado ginástica laboral e doença e no atendimento disciplinar. Diante
exercícios de alongamentos com o grupo, os disso, o diálogo e a construção de um saber
quais foram orientados a realizar exercícios baseado em metodologias multidisciplinares
físicos diários de acordo com sua preferência, se fazem necessárias nos cuidados de saúde e
disponibilidade e orientada pelo seu médico. ao mesmo tempo é um desafio na atuação dos
Foi trabalhado com o grupo que o tratamento profissionais.17
medicamentoso deve estar associado a uma
dieta saudável e balanceada e exercícios físicos. Para os residentes que estão em processo
No sexto encontro, com o objetivo de desenvolver de formação em serviço foi uma experiência
a prática do autocuidado com o pé diabético, singular, pois aproximou os diversos saberes
realizou-se uma dinâmica de relacionar objetos para se trabalhar um único objetivo.
ao autocuidado com os pés e solicitado que Salientando que não é uma atividade simples,
as pessoas escolhessem alguns e discorressem exige planejamento e compromisso, ou seja,
sobre eles, associando-os ao autocuidado, bem vai além de uma discussão e construção de
como os riscos do uso de objetos inapropriados, conhecimentos técnicos, exige uma postura
sendo assim construído um novo conhecimento ético-política por parte da equipe.
para auxiliar no autocuidado com os pés.
Em todos os encontros, a psicóloga trabalhou com
o grupo o enfrentamento da doença, por meio
de dinâmicas específicas que estimularam os
participantes a se conhecerem, compartilharem
experiências, expressar seus sentimentos.
Realizou-se um exercício de apresentação em
duplas, no qual cada participante apresentou
seu parceiro para o grupo. Foi realizado um
exercício denominado viagem ao passado.
Os integrantes foram instruídos a fazer uma
volta ao passado, fixando-se no momento
imediatamente após a descoberta do diabetes.
Resultados
Participou das ações educativas em grupo um
total de oito pessoas com diabetes mellitus
do tipo II, com a participação de homens e
mulheres adultos e idosos. O diabetes pode estar
associado a outras patologias. Foi relatado, no
grupo, que alguns participantes apresentavam
Hipertensão Arterial Sistêmica.
Verificou-se, ao analisar o exame de sensibilidade
tátil dos pés, que os participantes apresentaram
alteração da sensibilidade, principalmente em
calcâneo, relatando a presença de sintomas
A seguir, solicitou-se que os participantes característicos da neuropatia diabética nas
colocassem sobre uma cartolina verde os pernas e pés (formigamento, adormecimento e
sentimentos positivos e as facilidades na adesão sensação de agulhada), no entanto desconheciam
ao tratamento, e sobre uma cartolina amarela que tais alterações poderiam ser decorrentes
os negativos e as dificuldades encontradas da doença, assim como futuras complicações
no controle da doença. Concluída essa etapa oriundas da perda da sensibilidade dos pés.
da tarefa, iniciou-se uma discussão sobre a
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EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS
Por meio do questionário aplicado com os
participantes foi possível sondar as informações
que eles tinham previamente ao grupo,
conhecimentos adquiridos durante os encontros
e avaliação pessoal acerca das atividades
desenvolvidas.
Os
participantes
foram
unânimes em afirmar que as novas informações
adquiridas são imprescindíveis para uma melhor
qualidade de vida e controle da doença. Visto
que referiram ter pouco conhecimento prévio
sobre o diabetes e cuidados, assim como poucas
orientações sobre a doença pelos profissionais
da saúde.
Ao se analisar as dinâmicas dos encontros,
verificou-se que houve melhora na comunicação
estabelecida entre o grupo, valorizando o relato
das experiências dos próprios participantes,
o que possibilitou novas aprendizagens por
intermédio do outro. As dinâmicas adotadas em
grupo proporcionaram um forte incentivo para
a educação em diabetes, uma vez que foram
interativas e revelaram ser uma estratégia
valiosa para o alcance dos objetivos educativos
do programa, promovendo uma maior interação
e propiciaram o estabelecimento de um
vínculo efetivo entre o paciente e a equipe
multiprofissional, o que repercutiu em maior
adesão do grupo e permitiu a todos um processo
integrador para um melhor controle terapêutico
da doença.
conhecimento sobre saúde.
Discussão
Entre as complicações crônicas do diabetes
mellitus (DM), as úlceras de pés (também
conhecido como pé diabético) e a amputação
de extremidades são as mais graves e de maior
impacto socioeconômico. A prevenção, por meio
do exame frequente dos pés de pessoas com
DM, realizado pelo médico ou pela enfermeira
da Atenção Básica, é de vital importância para
a redução das complicações. Há evidências
sobre a importância do rastreamento em todas
as pessoas com diabetes a fim de identificar
aquelas com maior risco para ulceração nos
pés, que podem se beneficiar das intervenções
profiláticas,
incluindo
o
estímulo
ao
1
autocuidado.
De acordo com a American Diabetes Association,1
é recomendado que toda pessoa com DM realize
o exame dos pés anualmente, identificando
fatores de risco para úlcera e amputação, no
entanto pôde-se observar que nenhum diabético
havia realizado o exame dos pés anteriormente,
o que dificulta no diagnóstico precoce da
neuropatia.
A educação em DM prevê uma parceria entre
o educando e o educador, com o objetivo de
promover o autocuidado. O objetivo principal
Entretanto,
algumas dificuldades foram
é treinar o paciente na tomada de decisões
encontradas para a formação do grupo, como
referentes ao seu tratamento, transformando-o
a mobilização do público-alvo, que solicitou
em gerente da sua doença e incentivando-o a
da equipe estratégias variadas até alcançar
utilizar o sistema de saúde como uma ferramenta
um número significativo de participante, em
para o seu controle, quando for necessário.
seguida a estrutura física, pois não havia um
espaço fixo e adequado para comportar um
Equipes de saúde que conseguem interagir
número maior de pessoas. Outro fator limitante
apresentam um potencial na execução de
foi o tempo disponível pela equipe para realizar
seus planos terapêuticos, a interação entre a
a atividade, visto que a permanência dos
equipe possibilita muito mais que a troca de
residentes em estágio na unidade ocorreu em
conhecimento, ela influencia diretamente no
um curto período de tempo, impossibilitando a
atendimento aos usuários.
realização de mais encontros e a formação de
novos grupos.
Dessa maneira, o processo educativo aumenta
a autonomia dos pacientes. Para que esse
A prática de educação em saúde por meio de
processo seja bem-sucedido, o paciente
grupo operativo mostrou ser uma importante
deve ter participação ativa no processo de
estratégia educativa para a promoção de
aprendizagem, o conhecimento de cada pessoa
saúde e inserção dos usuários na construção do
deve ser valorizado, assim como o tempo e o
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Arie et al
espaço para trocas de informações devem ser
garantidos.3
A coesão grupal e o clima de intimidade
psicológica que se instaurou baseado nos
primeiros encontros facilitou a discussão de
crenças e sentimentos relacionados à doença
e ao tratamento. Esse contexto acolhedor
propiciou a troca de experiências e o apoio
mútuo, maximizando alguns fatores terapêuticos
comuns aos grupos. O desenvolvimento do
trabalho grupal propiciou o estabelecimento de
um vínculo efetivo entre o paciente e a equipe
multidisciplinar, o que repercutiu em índices
elevados de adesão.
2. Bosi PL et. al. Prevalência de diabetes melito
e tolerância à glicose diminuída na população
urbana de 30 a 79 anos da cidade de São Carlos/
SP. Arq Bras Endocrinol Metab., São Paulo. 2009;
ago., 53(6).
3. Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
Tratamento e acompanhamento do Diabetes
Mellitus. Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Diabetes. 2007.
4. Santos MA, Péres DS, Zanetti ML, Otero LM.
Grupo operativo como estratégia para a atenção
integral ao diabético. R Enferm UERJ, Rio de
Janeiro. 2007; abr./jun., 15(2): 242-7.
Esse trabalho preconizou a importância da
conjugação de saberes de diversas disciplinas,
entendendo que um novo conhecimento é
produzido pelo entrelaçamento de saberes e
práticas oriundas de diversas especialidades da
área de saúde.
5. Ferraz AEP, Zanetti ML, Brandão ECM,
Romeu LC, Foss MC, Paccola GMGF, Paula FJA,
Gouveia LMFB, Montenegro Jr R. Atendimento
multiprofissional ao paciente com diabetes
mellitus no Ambulatório de Diabetes do HCFMRPUSP. Medicina, Ribeirão Preto. 2000; 33: 170-71.
O grupo cumpriu seu papel de apoio e suporte
psicológico para o enfrentamento da doença
e do seu tratamento, promovendo uma maior
aceitação do diabetes e, por conseguinte, uma
atitude de maior aproveitamento dos aportes
educativos fornecidos pelos demais integrantes
da equipe multiprofissional.
6. Coelho MS, Silva DMGV. Grupo educaçãoapoio: visualizando o autocuidado com os pés
de pessoas com diabetes mellitus. Ciência,
Cuidado e Saúde. 2006; 5(1): 11-5.
A implantação do programa como um todo
proporcionou à equipe um campo fértil para o
aprendizado e a criação de novos recursos para
a operacionalização da educação em diabetes.
7. Bastos ABBI. A técnica de grupos-operativos à
luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólogo
informação. 2010; jan./dez., ano 14(14).
8. Minayo MCS. O desafio do conhecimento:
pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São
Paulo: Hucitec; 2010.
9. Carvalho AV, Serafim OCG. Administração de
A atuação do residente multiprofissional como recursos humanos. 2 ed. São Paulo: Pioneira;
educador em saúde possibilita a efetivação do 1995.
cuidar na saúde coletiva por meio da educação
participativa, em que usuários, familiares e 10. Moghtaderi A, Bakhshipour A, Rashidi H.
profissionais trabalham juntos para proteger, Validation of Michigan neuropathy screening
promover e recuperar a saúde.
instrument for diabetic peripheral neuropathy.
Clin Neurol Neurosurg. 2006; jul., 108(5): 81477.
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11. Sacco ICN, João SMA, Alignani D, Ota DK,
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and skeletal function in diabetic neuropathy
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
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Básica. Scraiber L, Nemes B, Mendes-Gonçalves
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO
EM CRIANÇA: RELATO DE CASO
GIANT CYSTIC TERATOMA IN CHILDREN OVARY: CASE REPORT
Vitor Emanuel Pires Montenegro,* Maria Auxiliadora Neves de Carvalho,** Marcelo Marques da Cunha,*** Paulo Henrique Klein,****
Bruna Cecília Neves de Carvalho.*****
Resumo
O teratoma é um tumor formado por células germinativas e pode ocorrer tanto em crianças como
em adultos. Na população pediátrica feminina, localizam-se sobretudo nos ovários. A maioria
das lesões é assintomática com exceção dos casos associados a complicações agudas. Possuem
achados radiológicos característicos que ajudam no diagnóstico. O estudo aborda um caso de
teratoma cístico gigante de ovário em uma criança de nove anos.
Palavras-chave: Ovário; Teratoma; Neoplasias ovarianas.
Abstract
The teratoma is a tumor composed of germ cells and can occur in both children and adults.
The majority of lesions are asymptomatic with exception of the cases that present acute
complications. They have radiological findings characteristics often tend to help in diagnosis.
The study deals with a case gigantic teratoma cyst in the ovary of a nine-year old child.
Keywords: Ovary; Teratoma; Ovarian neoplasms.
Introdução
Os teratomas são um tipo comum de tumores de
células germinativas tanto em crianças quanto
em adultos.1,2 Podem surgir em diferentes
regiões como cabeça, pescoço, mediastino,
retroperitônio, região sacrococcígea ou nas
gônadas.1-3 Possuem histologicamente tecidos
provenientes dos três folhetos embrionários,
ectoderma, mesoderma e endoderma.1,4
Utilizando o sistema Gonzalez-Crussi, que
considera o grau de diferenciação dos seus
componentes, classifica-se os teratomas em
maduros ou imaturos.1,2 Os tumores imaturos
frequentemente apresentam um comportamento
maligno, por outro lado os maduros cursam para
a benignidade.1,2 Teratomas, também, podem
ser classificados segundo o seu conteúdo em
sólidos, císticos ou mistos.1,2 Massas ovarianas
representam os tumores mais comuns do trato
genital feminino em crianças e adolescentes.5,6
Estima-se a incidência de tumores ovarianos
em 2,6 casos por cem mil mulheres/ano.5,6 Na
faixa etária pediátrica 47 a aproximadamente
88% das massas ovarianas são tumores de
células germinativas e 95% dessas lesões
correspondem a teratomas maduros benignos.4,7
A sintomatologia tanto para os tumores
benignos quanto malignos é inespecífica.4,5 O
uso de métodos diagnósticos por imagem ou
marcadores tumorais é fundamental para o
correto manejo de lesões benignas ovarianas
em neonatos, crianças e adolescentes.5 O
tratamento cirúrgico principalmente por via
* Médico residente em Cirurgia Geral do HUGV.
** Cirurgiã pediátrica do HUGV. Doutora em Biotecnologia pela Faculdade de Medicina da Ufam.
*** Médico formado pela Universidade do Estado do Amazonas.
**** Aluno de graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Amazonas.
***** Médica residente em Cirurgia Geral do Hospital Santa Marcelina, São Paulo/SP.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO EM CRIANÇA: RELATO DE CASO
laparoscópica é a terapêutica mais utilizada
para correção dessas lesões.7
exame físico paciente apresentava-se em
regular estado geral, lúcida e orientada no
tempo e no espaço, eupneica, normocorada,
O objetivo do relato de caso a seguir deve-se hidratada, acianótica, anictérica e eutrófica.
a raridade dos teratomas nessas dimensões na Exame do aparelho cardiorrespiratório sem
faixa pediátrica, assim como o fato de a criança alterações à inspeção, ausculta ou à palpação.
apresentar inicialmente quadro clínico sugestivo Abdome distendido, tenso, doloroso à palpação
de outras patologias comuns, sendo infrequente superficial, ruídos hidroaéreos ausentes,
a investigação desses tumores no diagnóstico presença de massa abdominopélvica se
diferencial de massa abdominal em meninas. estendendo desde a região epigástrica até o
Além disso, o diagnóstico precoce associado à púbis de consistência sólido-cística e imóvel.
terapêutica imediata e o seguimento baseado Anexos não delimitados. Toque retal sem
em critérios bem estabelecidos são importantes alterações. Exame do aparelho genito-urinário
para um desfecho favorável no longo prazo.
sem alterações. Foram solicitados hemograma
completo, pesquisa de elementos anormais
no sedimento urinário e urinocultura, e os
Relato de Caso
marcadores tumorais ovarianos gonadotrofina
Paciente do sexo feminino, nove anos, branca, coriônica humana (β-HCG) e alfafetoproteína
natural de Manaus, Amazonas, e proveniente (AFP). Paciente apresentava hemograma sem
hematúria,
micro-hematúria,
do Pronto-Socorro da Criança da Zona Oeste de alterações,
β-HCG
de
1,8
nUI/ml
e
AFP
de 107 UI/ml.
Manaus. Procurou atendimento médico por conta
do quadro de distensão abdominal, dificuldade Solicitou-se ressonância nuclear magnética
de evacuação e disúria havia aproximadamente (RNM) de abdome total, sendo evidenciada
três meses. Ao exame físico foi identificada volumosa lesão expansiva cística e sólida,
uma massa abdominal. Realizou-se uma localizada na cavidade pélvica e exteriorizandoultrassonografia (USG) de abdome total, sendo se para a cavidade abdominal superior, de
encontrada uma massa de caráter cístico na provável origem anexial, medindo 27,6 cm
cavidade abdominal. Paciente foi encaminhada crânio-caudal por 19,4 cm látero-lateral por
para o Instituto da Criança do Amazonas (Icam) 10,3 cm anteroposterior associada à moderada
dilatação pielocalicial à direita, determinada
para investigação do quadro clínico.
por efeito compressivo da lesão expansiva sobre
Durante a admissão, a mãe relatou que o parto o terço proximal do ureter direito, e moderada
da criança ocorreu sem intercorrências e nega quantidade de líquido livre na cavidade pélvica
distúrbios hormonais durante a gestação. Ao (Figuras 1 e 2).
Figura 1: RNM do teratoma cístico gigante de ovário: corte coronal.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Montenegro et al
Figura 2: RNM do teratoma cístico gigante de ovário: corte transverso.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
A criança foi submetida à laparotomia
exploradora
diagnóstica
e
durante
o
procedimento foi observada uma massa tumoral
de componente sólido e cístico, de difícil
mobilidade, indo de região epigástrica até o
fundo de saco de Douglas. Foi feito esvaziamento
de aproximadamente 500 ml de líquido amarelo
citrino de parte cística facilitando o acesso,
exteriorização e ressecção completa de massa
tumoral (Figura 3). Ao exame histopatológico
foi constatada presença de neoplasia cística
teratomatosa do ovário, revestida por epitélio
pavimentoso estratificado e ceratinizado e
com presença de glândulas sebáceas e folículos
pilosos, concluindo tratar-se de um teratoma
cístico ou cisto dermoide do ovário.
Figura 3: Teratoma cístico gigante de ovário: visão macroscópica da peça cirúrgica.
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO EM CRIANÇA: RELATO DE CASO
Discussão
em neoplasias benignas quanto em malignas.4,5
Nestes, a distensão abdominal é a queixa
Tumores ovarianos são responsáveis por principal seguida pelos distúrbios menstruais,
aproximadamente 1% de todos os tumores como alterações nos ciclos ou período menstrual
em crianças e adolescentes.6,7 O tumor e dismenorreia.5 Sinais de abdome agudo
ovariano benigno mais comum na infância podem indicar torção ovariana, ruptura de cisto
é o teratoma.3,8 Aproximadamente 80% dos hemorrágico, abscesso tubo-ovariano ou mesmo
teratomas são benignos.3,8 Teratomas ovarianos gravidez ectópica.3
são classificados em maduros, imaturos e
ultrassonografia
(USG)
pélvica
ou
monodermal.1,4 Uma forma comum de teratoma A
transabdominal
é
o
exame
de
escolha
monodermal é o struma ovarii, lesão formada
principalmente por tecido tireoidiano.1 independente da faixa etária para investigação
Teratomas maduros, também denominados das lesões ovarianas.3,7,11 Possibilita avaliar
cistos dermoides, são as neoplasias ovarianas a localização, o tamanho e a estrutura da
mais comuns na população pediátrica1 e são lesão.7 A USG Doppler dos vasos ovarianos pode
constituídos por componentes variados como ajudar a determinar a presença ou ausência de
torção anexial.3,12 Em casos duvidosos, optacabelo, dentes ou tecido adiposo.3
se pela tomografia computadorizada ou pela
Deve-se iniciar a investigação de uma lesão ressonância nuclear magnética. Esta também
ovariana por meio da anamnese e exame físico pode ser utilizada para verificar as margens
detalhados. Os pais da criança são os principais da lesão e planejamento cirúrgico em casos
aliados para solução do caso. Questiona-se selecionados.3,7,11 Alguns achados radiológicos
inicialmente uma história de hipotireoidismo ou sugerem teratoma como presença de gordura no
diabetes gestacional, pois ambos os distúrbios interior da lesão, espaços císticos, calcificações
estão relacionados a cistos ovarianos fetais.3,8,9 ou as protuberâncias de Rokitansky, projeções
Em crianças pré-púberes, os pais devem papilares originadas da parede do cisto.1,11 Na
atentar para sintomas e sinais indicativos de maioria dos casos, tumores ovarianos menores
puberdade precoce ou atraso puberal.3,8 Nos do que 8 cm de diâmetro com componentes
pacientes pós-menarca, uma história menstrual císticos e sólidos devem ser considerados
cuidadosa deve ser colhida.3,8,10 O tipo de dor como teratoma.7,11 Lesões predominantemente
ajuda na compreensão do caso. Dor aguda ou císticas podem ser benignas ou malignas e,
intermitente e associada a náuseas ou vômitos para diferenciá-las, utilizam-se os marcadores
pode estar relacionada à torção anexial em 75% tumorais ovarianos β-HCG, AFP e o antígeno
do câncer 125 (CA 125).5,7,13 Esses marcadores
dos casos.3,8
são úteis na avaliação pré-operatória e
pós-operatório.7
Níveis
O exame físico isolado não diferencia as acompanhamento
4,5
lesões, mas é útil para a determinação do aumentados de β-HCG e AFP estão relacionados
risco de malignidade do tumor.3,4 Na maioria dos com tumores malignos.7,13 Os níveis de CA 125
casos, tumores malignos são bilaterais, sólidos, devem ser avaliados cuidadosamente, pois
fixos e irregulares à palpação e associados com estão elevados mesmo em situações benignas
o quadro ascite.3,4 O exame vaginal digital ou como endometriose, cistos de ovário, torção
por espéculo sem anestesia deve ser evitado ovariana, pancreatite, hepatite ou mesmo no
em crianças ou adolescentes não sexualmente período menstrual normal.3,13 É recomendado
ativos por conta da pequena abertura vaginal.3 lembrar que o teste laboratorial mais importante
que deve ser realizado em qualquer paciente
A maioria das lesões é assintomática, com com dor pélvica aguda é o β-HCG de urina para
exceção dos casos associados ao quadro de descartar gravidez.3
abdome agudo ou, raramente, degeneração
maligna para carcinoma espinocelular.1,8 A Qualquer que seja o procedimento cirúrgico
sintomatologia é variada e inespecífica.4,5 Dor realizado nos ovários ou anexos genitais de
abdominal é o sintoma mais encontrado tanto crianças e adolescentes os objetivos devem
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Montenegro et al
ser remover o tecido neoplásico, aliviar a
dor, estadiar a lesão nos casos de malignidade
e preservar tanto a fertilidade quanto a
produção hormonal ovariana.3,8 Independente
da localização ou idade do paciente, o princípio
básico para o tratamento dos teratomas é
realizar a ressecção cirúrgica completa da
lesão, independente do tipo histológico.3,14 A
abordagem clássica para teratomas maduros e
para outras lesões benignas é a ooforectomia,
quer na abordagem aberta ou laparoscópica.7,14
Esse método proporciona preservação tanto
do tecido como da função ovariana,4,5 e se
for realizado por via laparoscópica resulta em
menor tempo de internação e menor incidência
de infecção e sangramento intraoperatório.3,14 O
comprometimento da fertilidade em pacientes
jovens após a cirurgia pode ocorrer e está
associado à remoção dos ovários ou a formação
de aderências.1,8,10 Nos casos de grande
perda da função ovariana, mesmo em lesões
benignas, opta-se pela salpingooforectomia.5,8
Os teratomas maduros são as neoplasias que
mais se associam com o quadro de torção
ovariana. Nesses casos, a exploração cirúrgica
de emergência deve ser considerada.4,7 A
ooforopexia é recomendada em pacientes
com torção recorrente de um ovário normal,
ooforectomia anterior por torção sem massa ou
um anexo grosseiramente anormal.3
Então, observa-se a grande importância do
diagnóstico pontual nos casos de massas pélvicas
em crianças, propondo, assim, tratamento
adequado precocemente e, com isso,
diminuindo-se o impacto no futuro reprodutivo
dessas jovens.
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O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS
NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
THE USE OF NEW ORAL ANTICOAGULANTS IN ATRIAL FIBRILLATION
Samantha Lima dos Santos Carvalho,* Rovanda Sena,** Renata Jales Barreto,* Ciça Penedo,* Tatiane de Oliveira Farias.*
Resumo
A fibrilação atrial é a alteração do ritmo cardíaco mais comum na população, associada a aumento
da morbimortalidade, degeneração da função sistólica, eventos tromboembólicos e déficit de
cognição. É uma taquiarritmia supraventicular não dependente do nó atrioventricular, ocorrendo
ativação atrial caótica não coordenada, com deterioração da função ventricular. A terapia
antitrombótica com cumarínicos, atualmente, tem sido a principal estratégia de prevenção do
acidente vascular cerebral isquêmico. No entanto, essas drogas não são ideais e apresentam vários
efeitos adversos, que dificultam a aderência e a eficácia terapêutica, limitando seu uso em um
grande número de pacientes. O objetivo desta revisão é descrever os novos anticoagulantes, as
evidências de benefícios e peculiaridades do seu uso nos principais estudos, vistos como promessas
de uma nova abordagem da prevenção de eventos tromboembólicos nos pacientes com fibrilação
atrial.
Palavras-chave: Fibrilação atrial;1 Tromboembolismo;2 Anticoagulantes.3
Abstract
Atrial fibrillation is the most common heart alteration in the population associated with increased
morbidity and mortality, systolic function deterioration, thromboembolic events and cognition
deficit. It is a supraventricular tachyarrhythmia non-dependent of the atrioventricular node,
where chaotic uncoordinated atrial activation with ventricular function deterioration occurs.
Antithrombotic therapy with coumarin, currently has been the main strategy for ischemic stroke
prevention. However, these drugs are not ideal and have several adverse effects that hinder
adherence and therapeutic efficacy, limiting its use in a large number of patients. This review
aims to describe the new anticoagulants, the evidence of benefits and its peculiarities presented
in major studies, seen as promises of a new approach to prevention of thromboembolic events in
patients with atrial fibrillation.
Keywords: Atrial fibrillation; Thromboembolism; Anticoagulants.
Introdução
geral varia entre 0,95 e 2% e cresce
significativamente com o envelhecimento,
As doenças cardiovasculares são a principal chegando a 17,5% nos octogenários. A incidência
causa de mortalidade e incapacidade em varia aproximadamente de 1,1/1.000 doentes
indivíduos adultos no Brasil e no mundo. A aos 50 anos a 20,7/1.000 doentes com mais de
prevalência da fibrilação atrial na população 80 anos de idade.1 A prevalência e a incidência
*Médica residente de Cardiologia do HUGV.
**Médica cardiologista do Hospital Universitário Francisca Mendes, responsável pelo Ambulatório de Anticoagulação.
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O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
têm aumentado com o passar dos anos. Vários
fatores estão associados à gênese da fibrilação
atrial: ativação de fibroblastos, deposição de
tecido conjuntivo e a fibrose atrial. Surgimento
de potenciais de ação espontâneos, além de
microcircuitos de reentrada com desorganização
da atividade contrátil do átrio.2,3 Tendo em
vista esssa patogênese multifatorial, várias
condições estão associadas, por vezes com
relação de causa e efeito, mas também com
interseção entre fatores de risco. São exemplos
a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca,
a valvopatia mitral reumática, a insuficiência
coronariana, entre outros.
para anticoagulação, a avaliação do risco de
sangramentos e a utilização dos anticoagulantes
orais com ênfase a uma discussão sobre as
novas classes de medicamentos que estão sendo
utilizadas atualmente.
Revisão da Literatura
O conhecimento atual sobre o sistema de
coagulação baseia-se nas observações realizadas
em meados do século 19, época em que surgiram
os primeiros estudos sobre o mecanismo
fisiológico da coagulação sanguínea. Em 1964,
MacFarlane propôs a hipótese da “cascata” para
explicar a fisiologia da coagulação sanguínea,
dessa forma o sistema de coagulação consiste em
uma série de reações coordenadas e em cascata,
envolvendo proteínas plasmáticas específicas e
células sanguíneas, que culminam na formação
de um coágulo insolúvel.5 Considerando o papel
fundamental na formação do trombo, muitas
estratégias para prevenção e tratamento de
eventos tromboembólicos vêm se concentrando
na inibição da geração de trombina ou no
bloqueio de sua atividade. Assim, destacam-se
três principais vias inibitórias da coagulação:
via anticoagulante da proteína C, inibidor da via
do fator tecidual e antitrombina. Antagonistas
da vitamina K (varfarina) e heparina vêm sendo
clinicamente utilizados há quase 50 anos,
sendo inequívoca sua eficácia no tratamento e
na prevenção do tromboembolismo.6 Virchow
descreveu, há cerca de 150 anos, três condições
que contribuem para a formação de trombos:
anormalidades do fluxo sanguíneo (estase),
lesão endotelial e hipercoagulabilidade. A
estase sanguínea nos átrios é decorrente da
falta de contração efetiva por um aumento da
cavidade e restrição da velocidade de fluxo
sanguíneo. A fibrilação atrial, tanto paroxística
quanto crônica, confere ao organismo um
estado de hipercoagulabilidade, independente
de qualquer outro fator ou característica do
indivíduo.
Uma das principais consequências após o
estabelecimento da fibrilação é a dilatação
atrial que causa turbulência e estagnação
sanguínea, sobretudo nos apêndices atriais,
predispondo
a
formação
de
trombos
fracamente aderidos à parede atrial. Esses
trombos facilmente se transformam em
êmbolos sistêmicos ao se desprenderem do
átrio e, com frequência, acabam impactando
o território vascular cerebral. O acidente
vascular cerebral é a manifestação mais
frequente dos fenômenos tromboembólicos
associados à fibrilação atrial, podendo ocorrer
espontaneamente ou no procedimento de
cardioversão, independentemente de sua forma
de apresentação.4 A fibrilação atrial tem sido
responsável por mais de 50% dos fenômenos
tromboembólicos sistêmicos de origem cardíaca,
daí a importância do uso de anticoagulantes
como forma de prevenção primária. A maior
preocupação com a anticoagulação é a
ocorrência de sangramentos maiores, incluindo
os que necessitam de hospitalização, transfusão,
cirurgia ou aqueles que envolvam localizações
anatômicas mais sensíveis, sendo o sangramento
intracraniano o evento mais grave. Portanto,
é de extrema importância a estratificação de
risco para tal complicação, bem como a escolha
adequada da medicação anticoagulante a ser
utilizada, levando em consideração sempre o
risco-benefício e poder aquisitivo dos pacientes. O acidente vascular cerebral é a complicação mais
frequente e uma das mais temidas pelo grande
Esta revisão irá abordar os mecanismos potencial para incapacidades permanentes.
envolvidos da cascata da coagulação, a Cerca de 30% podem ser atribuídos como
estratificação de risco para tromboembolismo consequência da fibrilação atrial, sobretudo na
dos pacientes com fibrilação atrial com indicação idade avançada. A incidência de fibrilação atrial
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em indivíduos maiores de 70 anos pode chegar
a 10%.7,8
começaram a ser sugeridos para selecionar os
pacientes que obteriam real benefício com
a terapia de anticoagulação, aumentando a
Antes da década de 1990, as evidências especificidade da indicação. O escore CHADS2 se
relacionadas à terapia antitrombótica só haviam baseia em um sistema de pontuação para cada
sido verificadas em pacientes com valvopatia fator de risco presente, sendo conferidos dois
reumática, com próteses valvares metálicas ou pontos à história do evento tromboembólico
que haviam apresentado episódio de acidente prévio e um ponto aos demais fatores de
vascular cerebral. No caso dos pacientes com risco, pois o primeiro adiciona risco de modo
fibrilação atrial não valvar, cinco estudos proporcional à presença de dois outros fatores.
demonstraram o impacto da anticoagulação Observou-se a necessidade de se contemplar
nas taxas de ocorrência de tromboembolismo novos fatores de risco (idade e doença arterial),
(BAATAF, SPINAF, AFASAK, CAFA e SPAF), sendo proposto o escore CHA2DS2-VASC. As
com redução variando de 67 a 86%. Mesmo diretrizes mais recentes de fibrilação atrial não
sendo evidente o impacto na redução do recomendam o uso de um escore em particular.
tromboembolismo, a anticoagulação aumenta a No entanto, recomendam terapia antitrombótica
ocorrência de sangramentos, e os pacientes que em todos os pacientes com fibrilação atrial,
se beneficiariam do tratamento eram os que exceto naqueles com fibrilação atrial isolada ou
também tinham maior risco de hemorragia.9,10 com contraindicações,11 (Tabelas 1 e 2).
Consequentemente os escores de risco
CHA2DS2VAScE
SCORE
INSUFIVIÊNCIA CARDÍACA OU FE <= 40%
1
HIPERTENSÃO
1
IDADE > = 75 ANOS
2
DIABETES
1
AVC/AIT OU TROMBOEMBOLISMO
2
DOENÇA VASCULAR
1
IDADE 65-74 ANOS
1
1
Tabela 1: Pontuação e taxa ajustada de acidente vascular cerebral
SEXO FEMININO
CHADS2
ESCORE
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
1
HIPERTENSÃO
1
IDADE > 75 ANOS
1
DIABETES
1
AVC OU AIT
2
Tabela 2: Escore de Predição de eventos cerebrovasculares
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O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
A escolha do tipo de terapia antitrombótica
deve se basear nos riscos absolutos de
tromboembolismo e de sangramento. Indica-se
anticoagulação também em todos os pacientes
com próteses valvares metálicas e naqueles
que não a possuem, na presença de fatores
de alto risco para tromboembolismo (estenose
mitral e antecedente de tromboembolismo).12
A maior preocupação com a anticoagulação
é a ocorrência de sangramentos maiores.
A varfarina é uma das principais drogas
causadoras de efeitos adversos. Em 2010,
Pisters et. al. propuseram um escore chamado
HAS-BLED, baseado em informações facilmente
retiradas da história clínica e que poderiam ser
rotineiramente avaliadas13 (Tabela 3).
Características clínicas
Pontos
H
Hipertensão
1
A
Função renal e hepática anormal (1 ponto cada)
1 ou 2
S
AVC
1
B
Sangramento
1
L
INR variável
1
E
Idade > 65 anos
1
D
Drogas ou alcoolismo (1 ponto cada)
1 ou 2
Máximo Pontos 9
Tabela 3: Escore de HAS-BLED
1.1 Antagonistas da vitamina K (cumarínicos)
pacientes com indicação para anticoagulação
faz uso da varfarina. Entre os pacientes em
A varfarina é um anticoagulante oral antagonista vigência de terapia anticoagulante, o INR
da vitamina K capaz de reduzir o risco de acidente está fora da janela terapêutica, quase 30 a
vascular cerebral em aproximadamente 60 a 70% 50% do tempo, levando a maiores índices de
em comparação com o placebo, e em 40% quando fenômenos tromboembólicos, maior número
comparados à aspirina, sendo recomendado de internações e risco aumentado de óbito.15
para aqueles pacientes com risco moderado a Infelizmente, os pacientes de maior risco para
alto de fenômenos tromboembólicos. Apesar da o desenvolvimento de fibrilação atrial e, por
sua eficácia bem definida, a varfarina apresenta conseguinte, dos fenômenos tromboembólicos
algumas limitações, como início e término relacionados são os que apresentam cardiopatia
de ação lentos, reduzida janela terapêutica de base e os hipertensos entre 65 e 70 anos de
e metabolismo influenciado por dieta, idade, em que a terapia antitrombótica acarreta
medicamentos e polimorfismos genéticos.14 Em risco aumentado de sangramento. Apesar das
razão da variabilidade do efeito anticoagulante, controvérsias por muitos anos, atualmente
seu uso requer monitorização por meio do INR existe consenso na utilização da terapêutica
e ajustes frequentes da dose para assegurar anticoagulante na fibrilação atrial diante dos
sua eficácia e segurança. Essas limitações resultados demonstrados nos grandes ensaios
explicam o motivo pelo qual apenas metade dos clínicos. A taxa de acidente vascular encefálico
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foi significativamente reduzida com a varfarina
(de 4,5/ano para 1,4%/ano), embora o impacto
dessa redução seja atenuado pelo maior risco
de sangramento na população mais idosa (>
75 anos). De modo geral, esses estudos de
prevenção primária (AFASAK, SPAF, BAATAF,
CAFA, SPINAF) demonstraram que a varfarina
levou à diminuição do risco de embolia em 68%,
sem elevar o risco de sangramento. Os pacientes
< 65 anos de idade sem cardiopatia ou história
de hipertensão, eventos cerebrovasculares ou
diabetes melito, estão sob o risco baixo, não
havendo diferença significativa entre o uso de
cumarínicos ou aspirina nesse grupo específico.
Assim, o benefício da anticoagulação para
prevenção de eventos tromboembólicos deve
ser avaliado com o risco de hemorragias maiores,
em especial a hemorragia cerebral. O risco de
hemorragias maiores relaciona-se com a idade,
a intensidade da anticoagulação e a flutuação
do INR.
relacionadas à fibrilação atrial na dosagem de
36 mg 2 vezes/dia.
A ximelagatrana foi o primeiro membro da
classe dos inibidores orais diretos da trombina.
É rapidamente absorvida no intestino delgado,
com biodisponibilidade oral de 20% e pouca
interação com alimentos. Sua excreção se dá
predominantemente pela urina e não necessita
de monitorização nem dispõe de antídoto.17 Dois
grandes ensaios clínicos, SPORTIF III e SPORTIF
IV, compararam a segurança e eficácia da
ximelagatrana (em dose fixa de 36 mg 2 vezes/
dia) com a varfarina (em dose ajustada para
manutenção de RNI entre 2-3) em pacientes
com fibrilação atrial sem valvopatia e com
pelo menos um fator de risco para acidente
vascular cerebral. Os dois ensaios clínicos
de não inferioridade demonstraram que a
administração oral de ximelagatrana nas doses
citadas, sem a necessidade de monitorização
da coagulação ou ajuste de dose, foi tão eficaz
Nos últimos 50 anos, os antagonistas da quanto à terapia otimizada com varfarina para
vitamina K, assim como a varfarina, eram a prevenção de acidente vascular cerebral e
os únicos agentes anticoagulantes orais eventos embólicos sistêmicos com menor taxa
aprovados para uso em longo prazo, embora de sangramento.
apresentem grandes limitações. Esses agentes
apresentam início e término de ação lentos e Em agosto de 2004, o FDA proibiu a
efeito anticoagulante imprevisível em razão comercialização da ximelagatrana no mercado
de múltiplas interações com medicamentos, norte-americano pelas altas taxas de elevação
alimentação e polimorfismos genéticos.
dos níveis séricos de transaminases em
aproximadamente 5 a 6% dos pacientes em uso
1.2 Novos anticoagulantes orais
regular da medicação.18 Essa reação foi mais
comumente identificada entre o primeiro e o
1.2.1 Ximelagatrana
sexto mês de uso, entretanto sua gravidade e
incidência aumentavam com o tempo de uso. A
A ximelagatrana é um anticoagulante oral partir desse momento, a busca por novas drogas
lançado em meados de 2003 com a promessa de tinha um novo desafio – reduzir ou eliminar o
substituir a varfarina.16 Seu uso, inicialmente, risco de toxicidade hepática.
foi indicado para três situações clínicas:
1.2.2 Dabigatrana
a) Profilaxia primária de trombose venosa em
pacientes submetidos à artroplastia total de A dabigatrana é um anticoagulante oral, de
joelho na dosagem de 24 mg, 2 vezes/dia;
nova geração, inibidor competitivo direto da
trombina. Inicialmente, era usado na prevenção
b) Profilaxia secundária de trombose venosa e no tratamento de trombose arterial e venosa
profunda após o tratamento padrão do episódio (em cirurgias ortopédicas ou tratamento de
agudo de trombose venosa profunda na dosagem trombose aguda).19 Recentemente, foi aprovada
de 24 mg 2 vezes/dia;
para profilaxia de acidente vascular cerebral em
pacientes com fibrilação atrial pelo FDA e Health
c) Prevenção de complicações tromboembólicas Canada em outubro de 2010, e reafirmada em
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O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
publicação da AHA em 2012 como alternativa
à varfarina. É a pró-droga do componente
ativo dabigatrana que se liga diretamente
à trombina de modo reversível, com alta
afinidade e especificidade. Inibidores diretos da
trombina têm potencial vantagem em relação
aos indiretos, como heparina não fracionada ou
heparina de baixo peso molecular.20 Os inibidores
indiretos têm a capacidade limitada para inibir
o complexo fibrina-trombina e trombina livre
de forma efetiva, impedindo a progressão do
trombo. Possui meia-vida entre 12 e 14 horas
em pacientes com função renal preservada,
sendo prescrito em duas tomadas diárias. A
absorção não é afetada pela coadministração
do inibidor de bomba de prótons. Da mesma
forma, não apresenta variações com a dieta.
Possui excreção renal de 80 e 20% hepática.21
Não interfere no citocromo P450, porém é
substrato para transportadores de glicoproteína
P presentes, sobretudo, nos rins e intestino, e, se
administrada em conjunto com inibidores desse
transporte, o efluxo da pró-droga é diminuído,
o que aumenta os níveis séricos da dabigatrana.
Não há antídoto específico para a dabigatrana.
Em vigência de sangramentos, além das
medidas habituais, é importante lembrar que
a diurese efetiva deve ser mantida porque a
excreção da droga é predominantemente renal.
A diálise consegue remover 62% da droga após 2
horas e 68% após 4 horas. É contraindicada em
pacientes com cleareance de creatinina menor
que 15 ml/min.22
dabigatrana, independentemente da dose, em
relação à varfarina. No entanto, dabigatrana
150 mg aumentou a incidência de sangramentos
gastrintestinais comparativamente à varfarina.
Também foi apresentada como uma alternativa
eficaz à varfarina para cardioversão em análise
retrospectiva dos pacientes do estudo RELY submetidos ao procedimento. Quando se
enfoca a relação entre o uso da dabigatrana
e a função renal, o FDA e o ACC recomendam
o uso na dose de 150 mg 2 vezes/dia em
pacientes com função renal preservada e 75
mg 2 vezes/dia para pacientes com função
renal deprimida, estabelecida por propriedades
farmacocinéticas, pois não foi testada no RELY. Também não foi testada em portadores de
próteses valvares, fato que ainda bloqueia seu
uso nesses pacientes. Ainda são desconhecidos
os efeitos em longo prazo (dois anos foi a
duração do RE-LY) do inibidor da trombina,
uma vez que ela tem papel importante não
só na coagulação como também na resposta
imunológica, na infecção, na função endotelial,
no crescimento de tumor e na angiogênese.24
Essa segurança será avaliada no RELY-ABLE e
o resultado da eficácia na síndrome coronária
está sendo analizado no RE-DEEM.
1.2.3 Apixabana
É um inibidor direto e seletivo do fator
Xa, administrada por via oral, é uma
medicação rapidamente absorvida, com
pico plasmático alcançado em três horas,
O estudo RE-LY, publicado em 2009, foi o primeiro com a biodisponibilidade > 50% e meia-vida
estudo randomizado a demonstrar a existência de 12 horas, apresentando eliminação fecal
de um anticoagulante oral mais eficaz que a (predominante) e renal.25 O estudo AVERROES,
varfarina.23 O desfecho primário para acidente publicado em 2010, foi um estudo multicêntrico
vascular cerebral (isquêmico ou hemorrágico) ou e duplo-cego que incluiu 5.599 pacientes de 36
embolia sistêmica foi de 1,5%, 1,1% e 1,7% por países. Os pacientes selecionados apresentavam
ano com dabigatrana 110 mg, dabigatrana 150 mg risco aumentado para acidente vascular
e varfarina, respectivamente. As taxas diferem, cerebral, mas também contraindicação para
sobretudo, nos acidentes vasculares cerebrais uso de varfarina. Pelo fato de o tratamento
isquêmicos. A dabigatrana 150 mg mostrou-se com aspirina para esses pacientes ser indicado,
significativamente mais eficaz que a varfarina, pela contraindicação ao uso de inibidores de
com 34% de redução dos eventos e sem aumento vitamina K, o estudo comparou o uso da vitamina
de sangramentos graves. A dabigatrana 110 mg K e da apixabana em relação aos desfechos.
não foi inferior à varfarina e, nessa dose, houve O desfecho primário de eficácia analisado foi
redução de 20% dos sangramentos graves. As a ocorrência de acidente vascular cerebral
taxas de acidente vascular cerebral hemorrágico ou tromboembolismo sistêmico, e o desfecho
foram significativamente mais baixas com primário de segurança foi a ocorrência de
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Carvalho et al
sangramento maior, definido como sangramento
clinicamente evidente associado à queda de
hemoglobina sérica >= 2g/dL em um período de
24h, transfusão de dois ou mais concentrados
de hemácias, sangramento em local crítico ou
quando fatal.26 Outros desfechos de interesse
incluíram taxas de ocorrência de infarto agudo
do miocárdio, de morte por causas vasculares
e de morte por qualquer causa. Os pacientes
deveriam ter idade >= 50 anos e fibrilação
atrial documentada nos seis meses anteriores
à inclusão, ou eletrocardiograma de 12
derivações no dia da randomização. Deveriam
apresentar também alguns fatores de risco
para tromboembolismo. Os pacientes foram
randomizados para receber apixabana na dose
de 5 mg 2 vezes/dia e aspirina na dose de 81
mg/dia a 324 mg/dia. O estudo foi interrompido
antes da data prevista para seu término em
razão do claro benefício em favor da apixabana
(tempo total de 1,1 ano). A taxa de ocorrência
do evento primário foi de 1,6% ao ano no grupo
da apixabana e de 3,5% para o grupo da aspirina.
Os autores concluíram que para pacientes
com fibrilação atrial não valvar com risco de
tromboembolismo, mas com contraindicação
ao uso de inibidores da vitamina K, o uso da
apixabana é superior ao uso da aspirina em
prevenção de episódios tromboembólicos sem
maior risco de sangramento ou mortalidade.27
1.2.4 Rivaroxabana
É um inibidor do fator Xa da cascata de
coagulação, de onde convergem a via
extrínseca e a intrínseca. É uma inibição
competitiva e dose – dependente. É quase
completamente absorvida após administração
oral e atinge o pico de concentração plasmática
três horas após administração. Sua absorção
não sofre interferência de alimentos, tendo
biodisponibilidade de 80% após administração
oral. Por ser muito pouco solúvel em água,
circula ligada a albumina. A metabolização
de dois terços da dose é feita no fígado pela
enzima CYP3A4, e a administração conjunta de
fármacos que utilizam essa via de metabolização
pode aumentar sua biodisponibilidade e causar
sangramento. Um terço é eliminado por via
biliar e outro terço pelos rins, o terço restante
de forma inalterada na urina.30,31,32
Os estudos RECORD 1, 2, 3 e 4 compararam
a rivaroxabana à enoxaparina em diferentes
doses e tempos diferentes de profilaxia na
cirurgia de quadril. Todos demonstraram a
superioridade da rivaroxabana nos desfechos
primários de mortalidade e incidência de
tromboembolismo venoso, sem aumentar o risco
de sangramento.33 No estudo ATLAS ACS-TIMI
46, a rivaroxabana, administrada durante seis
meses, reduziu significativamente as taxas de
O ARISTOTLE, publicado em agosto de 2011 por morte, reinfarto e acidente vascular cerebral,
Granger et. al., foi um estudo que randomizou quando comparada ao placebo, mas dobrou
18.201 pacientes para tratamento com as taxas de sangramento de maneira dose –
apixabana ou varfarina em dose ajustada. O dependente. O ROCKET-AF é o primeiro grande
objetivo primário foi testar a não inferioridade estudo comparando a rivaroxabana à varfarina
da apixabana em relação à varfarina no que na profilaxia primária de acidente vascular
diz respeito ao desfecho primário avaliado, e cerebral em pacientes portadores de fibrilação
o objetivo secundário, avaliar a superioridade atrial de etiologia não valvar. Foram incluídos
quanto ao desfecho primário e às ocorrências 14.269 pacientes de 1.100 centros em 45 países
de sangramentos maiores e morte por todas para acompanhamento por 40 meses, a partir de
as causas. O desfecho primário foi a taxa junho de 2009. Todos os pacientes apresentavam
de ocorrência de acidente vascular cerebral fatores de risco para acidentes vascular cerebral
ou embolia sistêmica, tendo como desfecho e mais de 80% deles tinham escore CHADS > 2.
secundário a morte por qualquer causa. Os Foram excluídos os pacientes com cleareance
pacientes incluídos tinham fibrilação atrial de creatinina < 30 ml/min. Os resultados iniciais
e fatores de risco para tromboembolismo. demonstram que a rivaroxabana não é inferior
A apixabana mostrou-se superior à varfarina à varfarina no desfecho primário de acidente
também nesse estudo, causou menor sangramento vascular encefálico. No desfecho secundário
e resultou em menor mortalidade.28,29
de sangramento, não houve diferença entre
os grupos no que se refere a sangramentos
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
maiores e menores. Houve maior incidência
de sangramento intracraniano no grupo
rivaroxabana quando comparado ao grupo
varfarina. Entretanto, houve maior incidência
de sangramento gastrointestinal com o uso
do rivaroxabana. Em relação à gravidade dos
sangramentos, houve menos sangramentos fatais
ou graves no grupo que recebeu rivaroxabana.
Um subestudo do ROCKET-AF analisou pacientes
com disfunção renal moderada, dividindo-os
em dois grupos, de acordo com o cleareance
de creatinina e comparando com a varfarina. O
estudo demonstrou que independente da terapia
empregada os pacientes com cleareance entre
30 e 49 ml/min apresentaram maior risco de
acidente vascular cerebral e embolia sistêmica,
mas não houve diferença entre os grupos nesses
desfechos. Esses são os primeiros dados que
demonstram que existe equivalência entre
rivaroxabana e varfarina na proteção contra
eventos tromboembólicos.
Discussão
O uso de cumarínicos há mais de 50 anos
vem combatendo e diminuindo o risco de
fenômenos tromboembólicos associados à
fibrilação atrial. Infelizmente, essas drogas
apresentam um perfil tanto farmacocinético
como farmacodinâmico inadequado para
sua utilização em todos os pacientes, que
permanecem fora da faixa terapêutica durante
a maior parte do tempo, mesmo em centros
especializados em anticoagulação. A estreita
faixa terapêutica, a necessidade de controle do
tempo de protrombina, a interação com outras
drogas e alimentos, a posologia variável de
acordo com o tempo de protrombina e o risco
de sangramento, mesmo na faixa terapêutica,
tornam-se limitações e geram medo e
ansiedade quanto ao uso desses medicamentos;
o que ocasiona um sobreuso de antiagregantes
que pouco interferem no risco de fenômenos
tromboembólicos.
Comprovadamente,
a
1.2.5 Endoxabana
proteção atribuída à aspirina é muito inferior à
da coagulação, com risco de sangramento não
É um anticoagulante ativo oral e inibidor direto desprezível. Já os pacientes que conseguem
do fator Xa. É rapidamente absorvido, atingindo se manter com aderência e controle rigoroso
concentração plasmática entre 1 e 3h após no tratamento têm sua qualidade de vida
administração, com meia-vida de 9 e 11h. Possui diminuída pelas restrições impostas pelo uso de
duplo mecanismo de eliminação, cerca de um anticoagulantes. A busca por novas terapias tem
terço é eliminado por via renal e o restante é sido incessante e essas opções, a partir de 2010,
excretado pelas fezes.34,35,36 Em estudos fase têm sido finalmente liberadas para uso clínico.
II, a endoxabana foi avaliada para profilaxia de Todos os estudos até o momento compararam
tromboembolismo em pacientes submetidos à cada um dos novos anticoagulantes à varfarina,
artroplastia de quadril eletiva e prevenção de não havendo ainda estudos com comparação
acidente vascular cerebral na fibrilação atrial. direta entre eles.
Está em andamento o estudo fase III ENGAGE
AF-TIMI 48, que compara as duas doses de Além da busca da superioridade em relação à
endoxabana (30 e 60 mg/dia) com varfarina varfarina, diversas medicações buscam também
para prevenção de acidente vascular cerebral ou maior abrangência de uso na prática clínica,
embolia sistêmica em pacientes com fibrilação englobando pacientes com contraindicação à
atrial e para início e tratamento a longo prazo de terapia com varfarina. Nessa linha de pesquisa,
trombose venosa. Até o momento a endoxabana a apixabana foi a única substância colocada
só havia sido testada no Japão (estudo fase II) à prova em dois estudos. Todos os novos
para prevenção de trombose venosa, em que medicamentos apresentam perfil de segurança
foi considerada eficaz, porém comparada ao e eficácia semelhantes entre si e com não
esquema de enoxaparina japonês, que difere do inferioridade em relação à varfarina. No caso
esquema empregado no restante do mundo, uma da apixabana e rivaroxabana existe até uma
vez que o protocolo japonês inicia enoxaparina discreta superioridade em relação à varfarina.
mais tardiamente e em doses mais baixas.
Questões sobre o manuseio dessas drogas em
situações especiais, como pré-operatórios e
pacientes com necessidades de antiagregação
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Carvalho et al
plaquetária única ou dupla associada, só
poderão ser respondidas após seu uso na
população geral. Grande parcela de pacientes
ainda apresenta contraindicações ao uso das
novas substâncias por não existirem estudos de
segurança e eficácia nesses casos específicos.
adicionais, mantendo-se o uso dos cumarínicos
ainda como única opção terapêutica. Somente o
tempo dará as respostas desejadas, não cabendo
no momento descartar o uso da varfarina, que
durante mais de 50 anos se mostrou, dentro
de suas limitações, eficaz em prevenir eventos
tromboembólicos. Com o surgimento de
antirrombínicos modernos, novos horizontes se
abrem para que a abrangência da anticoagulação
passe a ser indicada a todos os pacientes com
risco, com taxas de proteção contra embolias
cada vez maiores e com menores índices de
sangramento.
Do ponto de vista farmacocinético, as três
novas drogas já testadas têm perfil muito
semelhantes. Entretanto, a rivaroxabana leva
vantagem por ser usada em dose única diária,
o que facilita muito a aderência ao tratamento.
Dabigatrana, quando usado de forma crônica,
se mostrou seguro nos pacientes submetidos à
cardioversão, porém não há dados relativos à Referências
apixabana e rivaroxabana.
1. Carroll K, Majeed A.
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Descrita essa variedade de novas drogas 2001; 51(472): 884-6, 889-91.
anticoagulantes, torna-se imperativo a avaliação
de custo efetividade na hora de decidir sobre a 2. Macedo PG, Ferreira Neto E, Silva BT et. al.
substituição do uso atual da varfarina. Estima- Anticoagulação oral em pacientes com fibrilação
se que, para o paciente que se mantém > 70% atrial: das diretrizes à prática clínica. Rev Assoc
do tempo dentro da faixa terapêutica, a troca Med Bras. 2010; 56(1): 56-61.
da varfarina não é uma medida custo efetiva.
Torna-se importante o emprego do escore 3. Esmerio FG, Souza E, Leiria TL et. al. Uso
CHADS e a individualização da decisão para cada crônico de anticoagulante oral: implicações
paciente levando em consideração sempre as para o controle de níveis adequados. Arq Bras
condições clínicas e socioeconômicas. Atentar Cardiol. 2009; 93(5): 549-54.
para a decisão de quando contraindicar a terapia
baseada no escore de risco de sangramento. 4. Moreira DAR, Habib RG, Andalaft R et. al.
Quando se optar por terapia em pacientes de Abordagem clínica da fibrilação atrial. Rev Soc
alto risco, mantiver INR o mais próximo de Cardiol Estado de São Paulo. 2008; 18(3): 2052. Os fatores socioeconômicos são sempre os 20.
determinantes na decisão de se anticoagular.
Esse novo arsenal terapêutico tende a aumentar 5. Colman RW. Hemostasis and thrombosis: basic
e cabe aos médicos o desenvolvimento da principles and clinical practice. Philadelphia:
experiência em relação ao uso, aos efeitos Lippincott Williams & Wilkins; 2006.
colaterais, à tolerabilidade e ao acesso ao
medicamento em ambiente não controlado. 6. Leadley Jr RJ. Coagulation factor Xa
Os fármacos disponíveis no Brasil, dabigatrana inhibition: biological background and rationale.
e rivaroxabana, já têm recomendações de uso Curr Top Med Chem. 2001; 1: 151-159.
estabelecidas na diretriz de antiagregantes
plaquetários e anticoagulantes publicado 7. Wolf PA, Abbott RD, Kannel WB. Atrial
recentemente, 2014, porém deve-se atentar à fibrillation as an independent risk factor for
farmacovigilância e à inexistência de antídotos stroke: the Framingham Study. Stroke. 1991;
para essas drogas. Vale salientar que as novas 22: 983-988.
drogas não foram testadas nos portadores de
valvopatias, devendo-se limitar o uso nessa 8. Go AS, Hylek EM, Phillups KA et. al. Prevalence
subpopulação, que necessita de evidências of diagnosed atrial fibrillation in adults: national
Conclusão
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
INFARTO DO MIOCÁRDIO CAUSADO POR ARMA
DE FOGO COM BALAS DE CHUMBO. UMA RARA
CAUSA DE MIOCARDIOPATIA ISQUÊMICA
MYOCARDIAL INFARCTION CAUSED BY GUN FIRE WITH LEAD BULLETS.
A RARE CAUSE OF ISCHEMIC CARDIOMYOPATHY
Kelly Simone Castro dos Santos,* Ana Cláudia Carvalho Prieto,* Adimar Pires da Silva Júnior,* Tatiane Lima Aguiar,
**Marcus Grangeiro Fernandes de Menezes,*** Marlúcia do Nascimento Nobre.****
Resumo
O diagnóstico clínico de infarto do miocárdio (IM) envolve uma história clínica compatível com a
presença de desconforto isquêmico associada a evidências indiretas de injúria miocárdica, as quais
englobam a positividade de marcadores de necrose miocárdica, alterações eletrocardiográficas ou
ainda exames de imagem. É reconhecido que a principal causa do IM é a doença aterosclerótica
coronariana, em geral com trombose superposta, caracterizando um IM do tipo I. Porém, numerosos
processos patológicos, além da aterosclerose, podem envolver as artérias coronárias e resultar
em IM, como, por exemplo, as arterites, espasmos coronarianos, êmbolos, anomalias congênitas
das coronárias, desproporção entre oferta e consumo de oxigênio para o miocárdico, abuso de
drogas, doenças sistêmicas cursando com proliferação intimal, além de contusão miocárdica,
entre outras. Relatamos uma rara causa de necrose miocárdica, em um paciente com coronárias
normais e sem fatores de risco para doença aterosclerótica, pela presença de obstrução coronária
por balas de chumbo diagnosticada 21 anos após lesão penetrante torácica por arma de fogo, a
qual evoluiu para um quadro de insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica.
Palavras-chave: Infarto do miocárdio; Etiologia do infarto do miocárdio; Diagnóstico de trauma
cardiaco; Arma de fogo; Lesão coronariana; Complicações por arma de fogo
Abstract
The clinical diagnosis of myocardial infarction (MI) involves compatible medical history with
ischemic discomfort presence associated and indirect evidence of myocardial injury, which comprise
myocardial necrosis markers positivity, electrocardiographic changes or imaging. It is recognized
that the principal cause of IM is coronary atherosclerotic disease, often with superimposed
thrombosis, featuring an IM type I. However, numerous pathological processes, and atherosclerosis
may involve the coronary arteries and result in IM, for example, arteritis, coronary spasm, emboli,
congenital anomalies of the coronary arteries, imbalance between supply and myocardial oxygen
consumption, drug abuse, systemic diseases coursing with intimal proliferation, and myocardial
contusion, among others. Case report of a myocardial necrosis rare cause in a patient with normal
coronary arteries and without other risk factors for atherosclerotic disease, from the presence of
coronary obstruction by lead bullets diagnosed 21 years after injury penetrating thoracic firearm,
which evolved into a box of heart failure of ischemic etiology.
Keywords: Myocardial infarction; Myocardial infarction, etiology; Heart injuries, diagnosis;
Firearm; Coronary vessels, injuries; Wounds gunshot, complications.
* Médica residente de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas/Ufam.
** Especialista em Cardiologia. Médica assistente do Hospital Universitário Francisca Mendes/Ufam.
*** Membro titular da SBC e SBHCI. Cardiologista intervencionista do Hospital Universitário Francisca Mendes/Ufam.
**** Membro titular da SBC e SBE. Professora/chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas/Ufam.
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INFARTO DO MIOCÁRDIO CAUSADO POR ARMA DE FOGO COM BALAS DE CHUMBO. UMA RARA CAUSA DE MIOCARDIOPATIA ISQUÊMICA
Introdução
diagnosticada 21 anos após infarto agudo do
miocárdio de parede anterior extensa causado
É reconhecido que a maioria do infarto do por lesão por arma de fogo, não suspeitado à
miocárdio (IM) resulta de aterosclerose época do trauma.
coronariana, em geral com trombose
superposta, caracterizando um IM do tipo I. Relato de Caso
Porém, numerosas outras doenças, além da
aterosclerose, podem envolver as artérias Paciente do sexo masculino, de 39 anos, tabagista
coronárias e resultar em IM, como, por exemplo, (seia maços/ano), com relato de trauma torácico
as arterites, espasmos coronarianos, dissecção por arma de fogo com balas de chumbo aos 18
coronariana, êmbolos, anomalias congênitas anos de idade, tendo sido conduzido de forma
das coronárias, desproporção entre oferta conservadora e sem diagnóstico de infarto à
e consumo de oxigênio para o miocárdico, época, permaneceu assintomático ao longo
abuso de drogas, doenças sistêmicas cursando desses anos. Sua condição clínica permaneceu
com proliferação intimal, além de trauma inalterada por 21 anos, quando desenvolveu
miocárdico, entre outros.1
dispneia progressiva, ortopneia, associada a
edema de membros inferiores, palpitação e dor
Os principais mecanismos de lesão cardíaca torácica atípica, o que motivou a internação
traumática são o trauma contuso e a lesão hospitalar. Não havia história prévia de doença
penetrante. Os agravos mais comuns resultantes cardíaca. O eletrocardiograma mostrava
do trauma são ruptura do miocárdio, zona inativa e alteração da repolarização
contusão, laceração, insulto pericárdico, lesão ventricular em parede anterior extensa com
coronariana, lesão valvar, arritmias e distúrbios marcadores de necrose miocárdica normais.
de condução, sendo o mais comum a laceração.2.3 Realizado
ecocardiograma
transtorácico
com Doppler observou-se a presença de
A lesão da artéria coronariana pós-traumática é miocardiopatia dilatada com disfunção sistólica
uma complicação rara e ocorre em 5 a 9% dos moderada (fração de ejeção de 41% pelo
pacientes com lesões cardíacas, com índice método de Simpson) e acinesia das paredes
de mortalidade de 69%.1 Podem resultar em anterior e septal e de toda a região apical. A
infarto do miocárdio por dissecção da artéria cineangiocoronariografia eletiva (Figura 1)
coronariana, trombose, espasmo focal, ruptura mostrou a artéria coronariana Descendente
do vaso e embolia coronária.2
Anterior (DA) ocluída (Figura 2) em terço
proximal por projétil de arma de fogo localizado
As apresentações clínicas da injúria cardíaca junto à bifurcação com o 1.º ramo Diagonal
penetrante variam de estabilidade hemodinâmica (Figura 3), o qual apresentava obstrução de 90%
completa ao colapso cardiovascular agudo e na origem e presença de circulação colateral
franca parada cardiorrespiratória. O quadro 2+/4+ da coronária direita (CD) para DA. Optouclínico depende de vários fatores como o se pela conduta conservadora e não retirada
mecanismo do ferimento, o período de tempo dos projéteis nem a confecção de enxertos
decorrido até o atendimento inicial, a extensão vasculares, uma vez que o estudo de viabilidade
da lesão, a presença de tamponamento cardíaco, miocárdica não demonstrou benefício com
e de lesões não cardíacas associadas.2,4 O essa intervenção. O paciente evoluiu com boa
tratamento conservador pode ser suficiente para resposta clínica ao tratamento medicamentoso
o tratamento de pacientes hemodinamicamente para miocardiopatia.
estáveis descomplicados.5 As sequelas tardias
da oclusão coronariana e insuficiência cardíaca
são raras e detectadas, com mais frequência,
pela ecocardiografia dentro do primeiro ano
após a lesão.1
Relatamos um caso de miocardiopatia isquêmica
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Santos et al
Figura 1: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Direita Caudal.
Figura 2: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Esquerda Cranial mostrando a artéria
coronariana Descendente Anterior (DA) ocluída em terço proximal por projétil de arma de fogo localizado
junto à bifurcação com o 1.º ramo Diagonal.
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INFARTO DO MIOCÁRDIO CAUSADO POR ARMA DE FOGO COM BALAS DE CHUMBO. UMA RARA CAUSA DE MIOCARDIOPATIA ISQUÊMICA
Figura 3: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Esquerda Caudal (Spider) mostrando 1.º
ramo Diagonal com obstrução de 90% na origem e presença de circulação colateral 2+/4+ da coronária
direita (CD) para DA.
de sobrevivência geral para os pacientes com
lesões cardíacas penetrantes é de 30 a 90%,
Discussão
ao passo que para os pacientes com lesões por
O trauma tem sido sugerido, em série de casos, armas brancas é de 70 a 80%, para aqueles com
1
como um dos mecanismos não ateroscleróticos feridas por armas de fogo é de 30 a 40%.
levando ao infarto agudo do miocárdio, sendo o
trauma penetrante uma rara causa de isquemia. Os pacientes com trauma torácico penetrante
As manifestações cardíacas do trauma torácico devem ser avaliados para isquemia miocárdica,
penetrante podem ser de difícil diagnóstico e pois a detecção precoce do local da lesão
manejo complexo dado as possibilidades de é importante para a conduta de um infarto
choque cardiogênico, choque hemorrágico do miocárdio pós-traumático.8 A angina pósou choque obstrutivo simultâneos. Várias traumática é geralmente confundida com lesão
complicações, tais como laceração da torácica local ou contusão miocárdica, sendo
artéria coronariana, hemopericárdio, fístula necessária a realização de eletrocardiograma,
arteriovenosa coronariana, perfuração cardíaca, ecodopplercardiograma e em alguns casos
embolização do projétil têm sido relatadas após angiografia coronariana para auxiliar no
diagnóstico e na decisão terapêutica.5 O
trauma por arma de fogo.2.6
eletrocardiograma de 12 derivações e enzimas
A apresentação do quadro clínico depende cardíacas têm sido sugeridos para todo paciente
de vários fatores, como a energia cinética, com trauma torácico. O ecocardiograma
configuração e tipo de projétil, o tamanho deve ser realizado conforme justificado pela
do ferimento, as estruturas danificadas, a situação clínica. Apenas 13% dos pacientes com
presença de tamponamento cardíaco, e de infarto pós-traumático são submetidos a uma
lesões não cardíacas associadas.2,7 O índice angiografia coronária nas primeiras 24 horas
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Santos et al
pós-trauma.6
O
ecodopplercardiograma
é
facilmente
realizado à beira-leito e pode fornecer
informações
adicionais
sobre
derrame
pericárdico, tamponamento, anormalidades
na contratilidade segmentar e localização
dos projéteis. Portanto, ajuda a identificar
problemas que necessitam de intervenção
cirúrgica imediata ou complicações a longo
prazo. As sequelas tardias de fístula, oclusão
coronariana e insuficiência cardíaca são raras9 e
detectadas frequentemente pela ecocardiografia
no primeiro ano após a lesão. A incidência de
sequelas tardias pode ser de até 56%, sendo,
portanto, recomendado ecocardiografia durante
a hospitalização inicial para identificação de
lesões ocultas e acompanhamento três a quatro
semanas após a lesão.1 No caso apresentado, o
ecocardiograma não foi realizado na época do
trauma e 21 anos após mostrou a presença de
miocardiopatia dilatada com disfunção sistólica
moderada (fração de ejeção de 41% pelo
método de Simpson) e alteração na motilidade
do miocárdio, levantando a suspeita de doença
coronariana como etiologia da miocardiopatia.
Quanto à angiografia coronária, alguns
autores defendem o papel essencial em lesões
de embolização com sinais associados de
isquemia. É útil para ajudar a diferenciar entre
a embolização, hematoma luminal, doença
aterosclerótica com a ruptura da placa ou outras
causas de isquemia. A coronariografia permite
ainda avaliação da aorta, a identificação do
vaso culpado e intervenção com implante
de stent, se necessário.5 Nesse paciente, a
cineangiocoronariografia realizada tardiamente
identificou o vaso danificado ocluído pelo
projétil, porém a bala permaneceu no local e
o paciente foi tratado de forma conservadora,
não sendo necessária nenhuma intervenção
para revascularização do miocárdio.
Na configuração de uma única lesão coronariana e
na ausência de outras complicações cardíacas, o
tratamento médico conservador parece dar bons
resultados. Fatores que devem ser considerados
no momento da decisão terapêutica, se conduta
conservadora ou intervencionista, incluem a
localização do projétil, lesões associadas, a
disfunção da parede ventricular, ocorrência de
reperfusão e a distribuição do vaso afetado.5
Nosso paciente teve uma oclusão total da
artéria coronariana descendente anterior
e obstrução grave do 1.º ramo diagonal,
ocasionados pela deposição de projéteis de
chumbo após ferimento torácico por arma de
fogo, o que causou infarto do miocárdio de
parede anterior descomplicado. Na ocasião não
foi diagnosticada síndrome coronariana aguda, o
que poderia ter tido um resultado catastrófico,
com morte secundária a isquemia miocárdica
como descoberto em diversos relatos de análises
post-mortem.
O paciente permaneceu sem diagnóstico e
assintomático por cerca de 20 anos após o
trauma, quando foi admitido em uma unidade
de emergência com clínica de insuficiência
cardíaca, mais tarde comprovada como de
etiologia isquêmica.
Em conclusão, a lesão por arma de fogo
ocasionando infarto anterior extenso, sem
diagnóstico, tratamento ou seguimento após
o trauma e sua evolução para miocardiopatia
isquêmica apenas 21 anos após o evento, com
boa resposta clínica ao tratamento conservador,
contribui para a raridade do caso apresentado.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
HÉRNIA LOMBAR ESPONTÂNEA ENCARCERADA
E ESTRANGULADA: UM RELATO DE CASO
INCARCERATED AND STRANGULATED SPONTANEOUS LUMBAR HERNIA: A CASE REPORT
Yan Coelho e Silva,* Camily Carolina Abecassis da Cruz,** Christine Rondon Pedrosa,*** Mônika Maya Tsuji Nishikido,*
Ana Maria Sampaio de Melo.****
Resumo
Hérnias lombares são raras e representam apenas 2% de todas as hérnias. Ocorrem por defeitos
na parede abdominal posterior, podendo ser congênitas ou adquiridas. O conteúdo herniário mais
frequentemente encontrado é o cólon. A maioria dos pacientes permaneceu assintomática ou
apresenta desconforto em flanco ou dor lombar crônica. Estrangulamento ou encarceramento são
excepcionalmente encontrados e apenas 9% dos casos apresentam obstrução intestinal aguda.
Este relato descreve o caso de uma paciente de 57 anos, portadora de hérnia lombar espontânea,
encarcerada e estrangulada, diagnosticada inicialmente como lipoma e posteriormente tratada
com herniorrafia. O resultado foi satisfatório e a recuperação ocorreu sem intercorrências.
Palavras-chave: Hérnia lombar; Hérnia de Grynfeltt; Encarceramento; Herniorrafia.
Abstract
Lumbar hernias are rare and account for only 2% of all hernias. They occur because of defects
in the posterior abdominal wall, can be congenital or acquired. The hernia content is most
frequently observed as the colon. Most patients remain asymptomatic or present themselves with
flank discomfort or chronic lumbar pain. Strangulation or incarceration are uncommon, and just
9% of cases present with acute bowel obstruction. This report describes the case of a 57 years old
patient with spontaneous lumbar hernia, incarcerated and strangulated initially misdiagnosed as
lipoma and subsequently treated by herniorraphy. The result was satisfactory and the recovery
was uneventful.
Keywords: Lumbar hernia; Strangulation; Grynfeltt hernia; Incarceration; Herniorrhaphy.
Introdução
adquiridas podem ser classificadas em primárias
(espontâneas) ou secundárias. A apresentação
Hérnia lombar é uma protrusão do conteúdo típica é uma protuberância semiesférica saliente
intra-abdominal por meio de uma fraqueza na região lombar com um crescimento lento.
ou ruptura na parede abdominal posterior.1 É No entanto, elas podem apresentar conteúdo
considerada uma entidade rara, com cerca de intestinal encarcerado ou estrangulado, por isso
300 casos relatados na literatura desde que foi é recomendado que todas as hérnias lombares
descrita pela primeira vez em 1672.2,3 Vinte sejam tratadas tão logo diagnosticadas. Nove
por cento das hérnias lombares são congênitas por cento das hérnias lombares são agudas e
e 80% são adquiridas. As hérnias lombares exigem reparação imediata.4
* Médicos residentes de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.
*** Médica residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
**** Médica supervisora do Programa de Cirurgia Geral e chefe do Serviço de Cirurgia Abdominal do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
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MÚLTIPLOS FENÔMENOS EMBÓLICOS PULMONARESE PERIFÉRICOS SECUNDÁRIOS À TROMBOFLEBITE DE VEIA JUGULAR INTERNA:
UM RELATO DE CASO DE SÍNDROME DE LEMIERRE
O padrão-ouro para o diagnóstico é a tomografia
computadorizada, pois é capaz de delinear
camadas fasciais e musculares, detectar
defeitos em uma ou mais dessas camadas,
avaliar o conteúdo herniário, diferenciar atrofia
muscular de uma hérnia real e servir como uma
ferramenta.
Figuras 1.1 e 1.2: Tomografia computadorizada demonstrando hérnia lombar esquerda contendo alça de
intestino delgado (seta branca).
O tratamento deve ser sempre cirúrgico para
evitar complicações. Estudos recentes têm
demonstrado as vantagens de um reparo
laparoscópico em vez da abordagem clássica
aberta, como uma opção de tratamento ideal
para hérnias lombares.4
Ao exame físico notou-se presença de conteúdo
móvel em região lombar esquerda, irredutível
manualmente, fígado abaixo do rebordo costal
direito e com presença de ruídos hidroaéreos.
Paciente de 57 anos, sexo feminino, natural
de Jutaí/AM e procedente de Manaus/AM. Em
julho de 2014 iniciou quadro de dor e edema
em região lombar esquerda. Em setembro
do mesmo ano a dor começou a irradiar para
membro inferior esquerdo, sendo associada à
parestesia e hipoestesia.
A paciente foi submetida à correção da hérnia
por técnica aberta. Após bloqueio raquidiano,
em decúbito lateral esquerdo, realizou-se a
incisão sobre a protrusão lombar, com exposição
do saco herniário e liberação deste da falha da
parede, com cerca de 3 cm. A exposição do
conteúdo evidenciou apenas gordura de aspecto
isquêmico. Após a ressecção parcial e redução do
A tomografia computadorizada (TC) de abdome
total revelou hérnia na parede tóraco-lombar à
Nós relatamos um caso de hérnia lombar esquerda, com conteúdo de gordura, retraindo
espontânea, inicialmente diagnosticado como segmento de delgado em correspondência,
um lipoma e corrigido cirurgicamente com notando-se
borramento
e
densificação
técnica aberta.
da gordura no interior do saco herniário,
compatível com certo grau de encarceramento/
estrangulamento do conteúdo.
Relato de Caso
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Silva et al
conteúdo, procedeu-se o fechamento primário pequenos defeitos podem ser corrigidos sem o
da falha com sutura não absorvível, sem uso uso de prótese.
de tela, visto que, de acordo com a literatura,6
A
B
C
D
Figura 2: Foto do intraoperatório demonstrando em A: Saco herniário lombar esquerdo dissecado; B:
Visão anatômica da falha, após ressecção parcial do conteúdo e redução do restante; C: Visão da falha
anatômica, em detalhe; D: Aspecto final após correção da falha com sutura inabsorvível.
Discussão
Hérnias lombares são raras, com menos de
300 casos relatados na literatura médica e
representando apenas 2% de todas as hérnias.7
A primeira pessoa a documentar a existência de
hérnias lombares foi Paul Barbette, em 1672, na
França. Por volta de 1728, Budgeon descreveu
as características do que poderia ser o primeiro
caso conhecido de hérnia lombar congênita.4
Ravaton realizou a primeira abordagem cirúrgica
em 1750, em uma mulher grávida com uma
hérnia lombar estrangulada. Mais tarde, em
1768, Balin escreveu uma descrição superficial
sobre a área anatômica envolvendo a hérnia.8
O crédito final foi dado em 1783 para Jean
Louis Petit, que além de descrever uma hérnia
estrangulada, determinou as bordas anatômicas
do triângulo lombar inferior.8 Um século mais
tarde, em 1866, Grynfeltt descreveu as bordas
anatômicas do triângulo lombar superior.10
O triângulo inferior (de Petit) é superficial
e limitado inferiormente pela crista ilíaca,
lateralmente pelo m. oblíquo externo e
medialmente pelo m. grande dorsal.11
O triângulo superior (de Grynfeltt) é mais
profundo, abaixo da 12.ª costela e limitado
lateralmente pelo oblíquo interno e medialmente
pelo m. quadrado lombar.12
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HÉRNIA LOMBAR ESPONTÂNEA ENCARCERADA E ESTRANGULADA: UM RELATO DE CASO
As hérnias lombares ocorrem mais comumente
no sexo masculino (cerca de 2/3 de todos os
casos notificados); a grande maioria é unilateral
e são mais comuns no lado esquerdo. A maioria
dos pacientes são diagnosticados entre a sexta
e sétima décadas de vida. Além disso, são
mais originárias do triângulo lombar superior,
provavelmente porque é maior e mais fraco que
o triângulo inferior.13
Etiologicamente, podem ser congênitas (20%),
primárias ou espontâneas (55%), ou adquiridas
secundárias ao trauma ou cirurgia (25%).14
Hérnias congênitas aparecem na infância
por um defeito na musculatura esquelética
da região lombar e estão associadas a outras
malformações.
As primárias desenvolvem-se, como o nome
já diz, espontaneamente. Vinte e cinco por
cento dessas hérnias são diagnosticadas como
encarceradas, ao passo que 18%, na verdade,
são estranguladas.
As secundárias podem resultar de trauma,
infecção ou procedimentos cirúrgicos prévios.
Podem ser confinadas aos triângulos lombares
anteriormente descritos, mas uma força
contundente grande também pode perturbar
outras camadas da parede muscular e causar
uma hérnia difusa.
Hérnias
pós-incisionais
também
podem
ocorrer após cirurgias como nefrectomias,
adrenalectomias, reparação de aneurisma
aórtico, retalho miocutâneo do músculo grande
dorsal ou qualquer outra incisão em flanco ou
locais de exploração de crista ilíaca. Pelo fato
de não existir um defeito fascial, ela não é
considerada uma hérnia verdadeira e é corrigida
apenas por razões estéticas.4
O conteúdo mais frequente das hérnias
lombares é o cólon; no entanto, uma variedade
de órgãos intra-abdominais (intestino delgado,
estômago, baço, rim) pode herniar para o espaço
lombar. A maioria dos pacientes permaneceu
assintomática.15
Assim como ocorre com outras hérnias, elas
são precipitadas por condições associadas ao
aumento da pressão intra-abdominal, como
gravidez, obesidade, ascite ou bronquite
crônica.
Existem também algumas alterações anatômicas
na parede abdominal posterior que podem
predispor ao desenvolvimento de hérnias, tais
como o envelhecimento, atrofia muscular,
doença debilitante ou magreza extrema, porque
a perda de tecido adiposo pode levar à ruptura
de orifícios neurovasculares que penetram na
fáscia tóraco-lombar.4
A apresentação típica das hérnias lombares é um
paciente com uma protuberância semiesférica
saliente na região lombar, em particular na
zona suprailíaca posterior, que pode ser tanto
assintomática quanto apresentar graus variáveis
de dor.1
Outros sintomas podem incluir náusea, vômito,
disfunção renal (obstrução urinária se conteúdo
da hérnia for renal), inchaço, dor na região
lombar e outros sinais clínicos de obstrução
intestinal se encarcerada ou estrangulada.
Pode até haver dor ao longo do nervo ciático
ou dor referida no abdome anterior se houver
aprisionamento visceral.
É geralmente redutível se o paciente está em
decúbito dorsal. Se for assintomática, pode ser
muito difícil de diagnosticar até mesmo com um
exame minucioso, principalmente em pacientes
obesos e, especialmente, se a patologia não
está suspeita inicialmente.
O diagnóstico diferencial inclui: lipoma;
tumores de tecidos moles, como fibroma;
hematoma; abcesso; tumores renais; hidrocele
renal; rabdomioma; sarcoma; hérnia muscular;
paniculite ou hérnia lombo sacro-ilíaca panicular.
É importante salientar que nenhuma dessas
condições pode causar obstrução intestinal.4
A mortalidade é relatada entre 10 a 50% das
hérnias lombares. Desfechos desfavoráveis
são comumente associados com atraso no
diagnóstico e terapia, mau estado geral,
pacientes idosos com doenças coexistentes e
estrangulamento com gangrena intestinal.1,2
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Silva et al
Embora hérnias lombares sejam raras o
diagnóstico e tratamento precoces são os
fatores mais importantes na diminuição da
mortalidade e morbidade; portanto, a ação
rápida para diagnóstico e terapia é essencial.2
8. Stamatiou D, Skandalakis J, Skandalakis
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O caso relatado destaca a importância de um
exame clínico completo e um alto índice de
suspeita, mesmo na ausência de cirurgia prévia
em torno da localização anatômica da hérnia, 10. Grynfeltt J. Quelques mots sur la hernic
a fim de efetuar um reparo precoce antes do lombarie. Montpellier Med. 1866; 16: 323.
início da isquemia do conteúdo encarcerado.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO
MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS
ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIS
CASE REPORT: EXTENSVE ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION WITH
ANGIOGRAPHICALLY NORMAL CORONAY ARTERIES
Ana Márcia Freitas Carlos,* Elisângela Canterle Sedlacek,* Marlúcia Nobre,** Ronaldo Rabelo,*** Marilu Cavalcante Gomes.****
Resumo
É reconhecido que o infarto agudo do miocárdio (IAM) pode ocorrer com artérias coronárias
angiograficamente normais em 1 a 12% dos casos, e os mecanismos propostos para seu
desenvolvimento incluem obstrução dinâmica, vasoespasmo coronariano e aumento do consumo
de oxigênio pelo miocárdio. Os autores relatam o caso de um paciente que sofreu IAM com
supradesnivelamento de segmento ST anterior extenso com artérias coronárias angiograficamente
normais.
Palavras-chave: Infarto do miocárdio; Doença das coronárias; Vasoespasmo coronário.
Abstract
It is recognized that acute myocardial infarction (AMI) may occur with normal coronary arteries
angiographically image in up to 12% of cases, and the proposed mechanisms for its development
include dynamic obstruction, coronary vasospasm and increase in myocardial oxygen consumption.
Case report of a AMI with angiographically normal coronary arteries.
Keywords: Myocardial infarction; Coronary disease; Coronary vasospasm.
Introdução
não está bem esclarecida, mas alguns fatores
podem estar relacionados, como vasoespasmo
O infarto agudo do miocárdio (IAM) é a maior coronariano, disfunção plaquetária, síndromes
causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo, vasoespásticas associadas com fenômeno de
sendo responsável por 7,2 milhões de óbitos em Raynaud e respostas inflamatórias à infecção
2002, segundo dados da Organização Mundial por clamídia ou outra bactéria ou vírus.4 Além
de Saúde (OMS).1 A etiologia mais frequente é a disso, o tabagismo é considerado um dos mais
instabilidade e ruptura de uma placa de ateroma importantes fatores de risco, principalmente em
no interior do vaso.2,3 No entanto, desde o fumantes passivos e tabagistas de longa data.4,5
surgimento e aperfeiçoamento de técnicas de Futuros estudos prospectivos são necessários
angiografia coronariana é reconhecido que 1 a para melhor entendimento da fisiopatologia do
12% dos casos ocorrem com artérias coronárias IAM com coronárias normais.
angiograficamente normais.4 A causa ainda
** Residente do Serviço de Cardiologia do HUGV/Ufam.
** Professora do Departamento de Clínica Médica (disciplina de Cardiologia) da Ufam. Supervisora da Residência Médica em Cardiologia e Ecocardiografia do HUGV/Ufam.
*** Residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV.
**** Médica plantonista do Hospital Pronto-Socorro 28 de Agosto.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIs
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 36 anos, pardo,
agricultor, foi admitido na Reanimação do
Pronto-Socorro Municipal 28 de Agosto,
transferido de uma unidade de saúde da cidade
de Presidente Figueiredo (interior do Amazonas)
após sofrer trauma corto-contuso em joelho
direito durante o trabalho, o que precipitou um
quadro de precordialgia em ardência de forte
intensidade que irradiava para o dorso, com
duração maior do que 20 minutos, associada
à dispneia, sudorese fria e palidez cutâneomucosa. Apresentava como fatores de risco
ser tabagista havia dez anos (carga tabágica
de três maços/ano), sedentário, dislipidêmico,
além de história familiar positiva para doença
arterial coronária (DAC) prematura, com
pai falecido aos 45 anos de infarto agudo do
miocárdio (IAM). Ao exame físico, encontrava-se
eupneico, acianótico, afebril, bem perfundido,
sem edemas, com pressão arterial de 130 x
90 mm Hg, frequência cardíaca de 65 bpm.
Auscultas cardíaca e pulmonar sem alterações,
e oximetria de 97% em cateter nasal de oxigênio
(3 L/min). Exame do abdome e palpação dos
pulsos periféricos dentro da normalidade.
O eletrocardiograma evidenciou ritmo
sinusal com supradesnivelamento do segmento
ST em parede anterior extensa (V1 a V6, DI
e AVL) associado à imagem em espelho com
infradesnivelamento em parede inferior (Figura
1), com marcadores de necrose miocárdica
positivos (Tabela 1) e classe Killip I. Radiografia
de tórax dentro da normalidade.
Figura 1: ECG inicial com supradesnivelamento do segmento ST de V2 – V6, DI e AVL.
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Carlos et al
1
3/04 1
4/04
15/04 1
6/04 1
7/04 1
8/04
CPK
2031
5812
2599
1297
813 5
2
CKMB
302
1001
160 8
5
42 2
3
Tabela 1: Curva enzimática miocárdica.
Foi tratado com nitroglicerina endovenosa
na dose de 15 mcg/hora, recebeu bolus de
heparina de baixo peso molecular seguido
de dose para anticoagulação plena, além de
ácido acetilsalicílico e dose de ataque de
clopidogrel. Por indisponibilidade de Serviço
de Hemodinâmica no pronto-socorro, foi
trombolizado com tenecteplase com delta T de
6 horas, e tempo porta-agulha de 1 hora. Após
a trombólise, o eletrocardiograma apontava
o surgimento de zona inativa em parede
anterosseptal (alteração essa já presente
previamente) e em parede inferior (Figura 2).
Posteriormente o paciente foi encaminhado
à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde
realizou ecocardiograma transtorácico, que
mostrou discinesia apical, acinesia do segmento
médio e apical da parede anterior e septal,
disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (VE)
importante (fração de ejeção – FEVE – 35% pelo
método Simpson) e disfunção diastólica grau
II. A bioquímica sanguínea revelou dislipidemia
mista, com hipertrigliceridemia (triglicerídeos
215 mg/dL), LDL-C alto (116 mg/dL) e HDL-C
baixo (33 mg/dL).
Figura 2: ECG pós-trombólise.
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RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIs
No quarto dia de internação o paciente foi
transferido para a enfermaria do Hospital
Universitário Francisca Mendes (HUFM), já sem
dor anginosa, porém evoluindo com dispneia aos
mínimos esforços, aumento dos níveis tensionais
(157 x 96 mm Hg) e creptações até terço
médio na ausculta respiratória em ambos os
pulmões (Killip III), além de edema de membros
inferiores simétrico de 1+/4+. O tratamento
foi otimizado, incluindo inibidor da enzima
conversora de angiotensina, betabloqueador
e diurético, que permitiu melhora gradativa
da dispneia, do edema e dos níveis tensionais.
Ainda durante a internação, o paciente foi
submetido ao estudo hemodinâmico, que
revelou coronárias angiograficamente normais,
com ventriculografia esquerda demonstrando
acinesia anteromédio-apical e ínfero-apical.
Discussão do Caso
O IAM é caracterizado pelo processo de
necrose de parte do músculo cardíaco, por
aporte inadequado de nutrientes e oxigênio,
com redução do fluxo sanguíneo coronariano
de magnitude e duração suficientes para não
ser compensado pelas reservas orgânicas.5 É
considerada a principal causa de morte no Brasil,
assim como em países desenvolvidos, sendo
estimados cerca de 300 mil a 400 mil casos/
ano, apesar dos inúmeros avanços terapêuticos
obtidos na última década.
A principal etiologia é a instabilização de uma
placa aterosclerótica com trombose oclusiva,
vista em até 90% dos casos. Outras vezes, o IAM
pode ser ocasionado por processos patológicos
de natureza diferente que, no entanto, também
provocam desequilíbrio entre a oferta e o
consumo de oxigênio ao miocárdio.5
O IAM com artérias coronárias normais pode ser
encontrado em 1 a 12% dos indivíduos, sendo
definido como a ausência de irregularidades
endoluminais evidenciadas à coronariografia.3
Os pacientes são geralmente do sexo feminino
(40%), com idade média de 42 anos e possuem
menor risco cardiovascular que os pacientes
que possuem alterações endoluminais nas
artérias coronárias (doença arterial coronariana
– DAC), porém com relato mais frequente de
tabagismo.3 Sua fisiopatogenia ainda não está
bem esclarecida, no entanto alguns fatores estão
sendo aventados como possíveis causadores,
como espasmo coronariano, tabagismo, abuso
de álcool e/ou cocaína, disfunção endotelial,
infecções.
O espasmo coronariano é demonstrado como
causa de IAM com coronárias normais em até
1/3 desses pacientes,6,7 normalmente em
decorrência de disfunção endotelial sobre uma
placa de aterosclerose incipiente com liberação
de fatores vasoconstritores e de menor produção
de óxido nítrico. Nesse aspecto, o tabagismo, o
uso de cocaína e etilismo têm papel fundamental
na gênese dessa anormalidade endotelial.8
É demonstrada maior agregação e adesão
plaquetárias nesses pacientes, principalmente
em fumantes crônicos ou passivos de longa data,
por conta de lesão endotelial concomitante, por
efeito tóxico direto, elevando assim o risco de
trombose em coronárias normais.6
Recentes estudos sugerem a possibilidade
de associação de infecções por Chlamydia
pneumoniae, citomegalovírus e Helicobacter
pylori na etiologia de síndromes coronarianas
agudas em pacientes com DAC. Os possíveis
mecanismos sugeridos são lesão endotelial por
endotoxinas circulantes, reatividade cruzada
entre os antígenos bacterianos e as células
endoteliais.9,10 A presença de altos títulos de
imunoglobulina A (IgA) contra C. pneumoniae em
pacientes infartados e com coronárias normais,
em comparação com amostras de sangue
de doadores sadios, sugere um componente
inflamatório como causa de IAM naqueles
pacientes.3
A coronariografia, pela técnica de injeção
de contraste no do vascular, possui limitada
capacidade de estimar e quantificar a presença
de placa aterosclerótica. Nesse sentido, a
ultrassonografia intravascular possui maior
acuraria em caracterizar o lúmen do vaso e
geometria de sua parede, bem como a presença
e distribuição de placa aterosclerótica.6,10,11
O prognóstico de pacientes com IAM e
coronárias normais é favorável em até 95% dos
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Carlos et al
sobreviventes. Maiores taxas de mortalidade
são associadas à presença de arritmias e/ou
maior disfunção ventricular esquerda.6,10
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7. Da Costa A, Isaaz K, Faure E, Mourot S,
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Nesse caso relatado, o paciente se apresentava aetiological factors and long-term prognosis
dentro da faixa etária descrita como de maior of myocardial infarction with and absolutely
prevalência para IAM com coronárias normais, e normal coronary angiogram: A 3-years follow-up
possui como fator de risco principal o tabagismo, study of 91 patients. Eur Heart J. 2001; 22(16):
que está intimamente relacionado com 1459-65.
disfunção endotelial e espasmo coronariano.
Além disso, possui história familiar precoce para 8. Werns SW, Walton JA, Hisia HH, Nabel EG, Sanz
DAC. Na coronariografia não foi evidenciado ML, Pitt B. Evidence of endothelial dysfuntion
lesão obstrutiva. O paciente, apesar da in angiographically normal coronary arteries
terapêutica otimizada, permaneceu com of patients with coronary artery disease.
disfunção ventricular importante, o que pode Circulation. 1989; 79(2): 287-91.
inferir um maior risco de morte subsequente e
reinternações.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
TROMBÓLISE DURANTE PARADA
CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA
A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM
SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST
THROMBOLYSIS DURING CARDIOPULMONARY ARREST
DUE TO ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION
Elisângela Canterle Sedlacek,*Ana Márcia Freitas Carlos,* Marlúcia Nobre,* Ronaldo Marques Pontes Rabelo.***
Resumo
A parada cardiorrespiratória (PCR) é um evento dramático, com alta mortalidade e com possíveis
sequelas neurológicas. Em cerca de 70% dos casos, a causa primária da PCR é infarto agudo do
miocárdico ou tromboembolismo pulmonar, doenças potencialmente tratáveis com trombólise.
Classicamente, a trombólise nessas situações está contraindicada, sob o risco de complicações
hemorrágicas; o último consenso sobre o assunto só recomenda a trombólise quando a causa
primária foi tromboembolismo pulmonar. Entretanto, vários relatos de casos e estudos controlados
não confirmam esse risco e mostram benefício com o tratamento agressivo. A indicação de
trombólise nesses casos deve ser individualizada. Relata-se o caso de uma paciente de 59 anos,
que apresentou infarto agudo do miocárdio com 2 PCR seguidas, e que, durante o processo de
ressuscitação do segundo evento, recebeu trombolítico (tenecteplase), evoluindo com reversão
do evento hemodinâmico e sem déficits neurológicos.
Palavras-chave: Parada cardíaca; Infarto do miocárdio; Terapia trombolítica.
Abstract
Cardiopulmonary arrest is a dramatic event, with high mortality and common neurological sequel.
In about 70% of cases, the primary arrest cause is acute myocardial infarction or pulmonary
embolism. These two diseases could be treated with thrombolysis, however, thrombolysis is
usually contraindicated, because of bleeding complications risks, and the last consensus about
those specific situations only recommend thrombolysis to pulmonary embolism. Still, many case
reports and controlled studies show benefits when cardiac arrest is the myocardial infarction
cause. Indicating thrombolysis in these cases is individualized. We report the case of a 59 yearold patient, who had an acute myocardial infarction with two cardiac arrests in sequence. During
resuscitation efforts in the second event, a thrombolytic agent (tenecteplase) was administered,
successfully reversing the hemodynamic stoppage, and even better, without neurologic deficits.
Keywords: Cardiac arrest; Myocardial infarction; Thrombolytic therapy.
* Residente do Serviço de Cardiologia do HUFM (Hospital Universitário Francisca Mendes)/Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
** Professora do Departamento de Clínica Médica (disciplina de Cardiologia) da Ufam, supervisora da Residência Médica em Cardiologia e Ecocardiografia do HUFM/Ufam.
*** Residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV (Hospital Universitário Getúlio Vargas)/Ufam.
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TROMBÓLISE DURANTE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST
Introdução
A parada cardiorrespiratória (PCR) continua
sendo uma situação clínica com alta taxa de
mortalidade. Entre as principais etiologias se
encontram o infarto agudo do miocárdio (IAM)
e o tromboembolismo pulmonar (TEP), os quais
respondem por até 70% das PCR, principalmente
em ambiente extra-hospitalar. O médico
emergencista, no atendimento de uma PCR,
deve ser capaz de pensar nas possíveis causas
primárias relacionadas ao evento e refletir
sobre o melhor tratamento ao seu alcance,
de forma rápida e certeira. A despeito da
gravidade e do mal prognóstico da PCR, a
trombólise administrada durante as manobras
de ressuscitação tem sido contraindicada para o
IAM, por conta do risco de diátese hemorrágica
em órgãos variados.1 É possível encontrar,
entretanto, diversos relatos de casos em que o
paciente foi trombolisado e evoluiu de forma
satisfatória,2,3 como é o caso relatado a seguir.
Relato de Caso
Mulher de 59 anos, portadora de hipertensão
arterial sistêmica sem tratamento, dislipidemia
e tabagista, foi admitida no Hospital e
Pronto-Socorro 28 de Agosto, em Manaus/AM,
queixando-se dor precordial em aperto, de
início súbito, que irradiava para dorso e face
interna do braço esquerdo; acompanhada de
vômitos e sensação de “entalo”. Ao exame
físico, estava pálida, com sudorese fria e fácies
de dor; a pressão arterial sistêmica (PA) era 90
x 70 mm Hg, frequência cardíaca (FC) de 85
batimentos por minuto (bpm), saturação arterial
de oxigênio (SatO2) igual a 98% e glicemia
capilar igual a 197 mg/dL. Foi imediatamente
levada para sala de reanimação, onde logo
evoluiu com parada cardiorrespiratória (PCR)
em taquicardia ventricular (TV) sem pulso.
Imediatamente foram iniciadas manobras de
ressuscitação cardiopulmonar (RCP) segundo
recomendações vigentes do ACLS4 (Advanced
Cardiology Life Support). Após 15 minutos,
houve retorno à circulação espontânea em ritmo
sinusal, com FC = 109 bpm, PA = 80 x 0 mm Hg
e SatO2 = 97%, já sob ventilação mecânica via
tubo orotraqueal. Nesse momento foi realizado
eletrocardiograma (ECG), que evidenciou
supradesnivelamento de segmento ST de V1
a V6 (Figura 1). Após 18 minutos da primeira
PCR, a paciente evoluiu com nova PCR, dessa
vez em atividade elétrica sem pulso (AESP).
Foi novamente submetida às manobras de RCP.
Durante os esforços de ressuscitação, como a
paciente não apresentou retorno à circulação
espontânea e considerando a provável hipótese
de infarto agudo do miocárdio como causa
primária, optou-se pela administração de
tenecteplase (TNK), dose adequada para o
peso da paciente. Após 7 minutos da infusão do
fármaco, houve retorno à circulação espontânea,
em ritmo sinusal, PA = 100 x 80 mmHg, FC = 82
bpm. O ECG pós-trombólise mostrou redução
do supradesnivelamento do segmento ST e
presença de onda R pequena em parede anterior.
Horas depois a paciente foi transferida para a
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do mesmo
hospital, pela instabilidade hemodinâmica –
estava recebendo noradrenalina.
Figura 1: Eletrocardiograma da paciente após a trombólise. Ritmo sinusal, com alteração difusa da
repolarização ventricular e presença de supra de ST residual e progressão lenta do R de V1 a V6.
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Sedlacek et al
Durante a internação na UTI, a paciente
apresentou sinais de congestão pulmonar (Killip
II), sendo então iniciada infusão contínua de
fármaco inotrópico positivo (dobutamina).
Exames pertinentes realizados durante a
internação na UTI foram:
e médio-distal do septo anterior de ventrículo
esquerdo (VE) e fração de ejeção de VE 42%,
pelo método de Simpson;
• Curva enzimática positiva (usando CPK e CKMB,
uma vez que não havia dosagem de troponina
disponível) – vide Tabela 1.
• Ecocardiograma transtorácico: acinesia apical
DATA C
K (U/L)
CKMB (U/L)
1.º dia
2321
426
2.º dia
1725
418
3.º dia
867 7
7
4.º dia
456 5
1
5.º dia
369 4
5
6.º dia
?
26
Tabela 1: Curva enzimática durante os primeiros dias de internação na UTI.
No 9.º dia de internação na UTI, a paciente
foi submetida à cineangiocoronariografia, que
evidenciou lesão de 30% na origem da artéria
descendente anterior (ADA), e ecocardiograma
transtorácico de controle mostrou melhora da
fração de ejeção do VE, com valor igual a 68%
pelo método de Teicholz, ausência de alteração
segmentar, disfunção diastólica grau I. A
paciente recebeu alta da UTI vigil, contactante,
afebril, com dispneia leve ao repouso, sem
déficit motor.
incerteza, inúmeros relatos e séries de casos
e alguns estudos controlados investigaram o
seguimento clínico dessa situação peculiar, com
resultados discrepantes.
A maioria dos relatos e série de casos encontrou
bons resultados na trombólise de TEP suspeito,
utilizando diversos trombolíticos em dosagens
variadas. Os primeiros relatos datam da década
de 1990, que encontraram em ampla revisão,
34 pacientes trombolisados com uroquinase ou
rt-PA (alteplase) durante PCR com suspeita de
TEP, dos quais mais de 55% sobreviveram, mas
Discussão
com surgimento de sangramentos maiores.5
Relatos de casos em pacientes selecionados,
A maior contraindicação para a indicação do
com possíveis contraindicações à trombólise,
tratamento trombolítico durante o atendimento
além da PCR per si, confirmaram os mesmos
de PCR é o risco de sangramentos em órgãos
resultados.6,7,8,9,10,11 Já para PCR secundária a
nobres, como sistema nervoso central, embora
IAM, poucos casos foram relatados. Em uma
resultados de diversos estudos não justifiquem
série de quatro casos foi obtido duplo sucesso
essa preocupação, mostrando que o benefício
em 75%, isto é, retorno à circulação espontânea
é superior ao risco.1,2,3 Outro possível benefício
e ausência de sequelas neurológicas na alta
da trombólise durante a PCR seria evitar o
hospitalar.1.2
fenômeno “no reflow”, causado por disfunção
da microcirculação e caracterizado por isquemia
Estudos prospectivos, controlados, com número
cerebral persistente e de outros órgãos, após
de participantes significativo, são poucos e
retorno da circulação espontânea.1 Diante da
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TROMBÓLISE DURANTE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST
com resultados divergentes, e muitos desses
estudos incluíram tanto pacientes vítimas de
IAM quanto de TEP.13,14 Um estudo em 2006,
com 1.186 pacientes vítimas de PCR, dos quais
99 receberam trombolítico, evidenciou que
pacientes trombolisados apresentaram maiores
taxas de retorno à circulação espontânea e
com maior tendência à alta hospitalar, mas
sem diferença significativa.15 Em 2004 um
estudo piloto (TICA), randomisado e duplocego, verificou que pacientes que receberam
TNK apresentaram uma taxa muito maior de
retorno à circulação espontânea (42% x 6%).16 As
revisões mais recentes sobre o assunto sugerem
benefício no uso de trombolítico quando a
causa da PCR for um TEP maciço, e que outras
indicações podem ser avaliadas caso a caso,
inclusive no IAM.17,18
4. International Liaison Committee on
Resuscitation. 2005 International Consensus on
Cardiopulmonary resuscitation and emergency
cardiovascular care science with treatment
recommendations. Circulation. 2005; 112: III-1,
III-136.
A trombólise é um procedimento consagrado
em literatura para tratamento do infarto agudo
do miocárdio com supra de ST, principalmente
durante as horas iniciais e na indisponibilidade de
laboratório de hemodinâmica para angioplastia
primária. A indicação da trombólise em pacientes
infartados e com parada cardiorrespiratória deve
ser cogitada. Nesses casos, em que a causa da
PCR é identificada, o prognóstico pode ser mais
favorável. Assim, a trombólise permanece como
uma situação extemporânea, a ser considerada
em casos extremos.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO:
ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO
CONGENITAL LONG QT SYNDROME: A CASE ANALYSIS
Renayra Tallita Luciano Alonso,* Ana Carolina Santos Silva,* Raisa França Ribeiro,* Adimar Pires da Silva Jr.,** Jaime Arnez.***
Resumo
A síndrome do QT longo (SQTL) congênito é uma canalopatia que leva a alterações na repolarização
miocárdica, tem como características clínicas síncope, taquicardia ventricular polimórfica e morte
súbita. A síndrome é responsável por arritmias malignas letais. A terapêutica deve ser brevemente
iniciada com uso de betabloqueadores, denervação simpática cardíaca esquerda ou cardioversor
desfibrilador implantável. Nos casos de morte súbita abortada, há indicação de implante de
cardioversor desfibrilador implantável. Relata-se o caso de paciente do sexo feminino, 21 anos,
com quadro recorrente de palpitações, síncope e cianose de extremidades que foi diagnosticada
clínica e eletrocardiograficamente com síndrome do QT longo congênito. A terapêutica realizada
foi implante de cardioversor desfibrilador (CDI).
Palavras-chave: Síndrome do QT longo; Morte súbita; Cardioversor desfibrilador implantável.
Abstract
The congenital long QT syndrome is a channelopathy that leads to changes in myocardial
repolarization, its clinical characteristics are syncope, polymorphic ventricular tachycardia and
sudden death. The syndrome is responsible for lethal malignant arrhythmias, therapy should
be initiated shortly with beta-blockers, left cardiac sympathetic denervation or implantable
defibrillator cardioverter. In aborted sudden death cases, there is an implant indication of
cardioverter defibrillators. Case report of a female patient, 21 years, with recurrent palpitations,
syncope and cyanosis which was diagnosed clinically and electrocardiographically with congenital
long QT syndrome, the treatment was an implanted cardioverter defibrillator implant (ICD).
Keywords: Long QT syndrome; Sudden death; Implantable cardioverter defibrillator.
Introdução
A síndrome do QT longo congênito é uma
canalopatia que cursa com alteração na
repolarização
ventricular.¹
Manifestase clinicamente por síncope, taquicardia
ventricular polimórfica (torsades de pointes) e
morte súbita.² Sua prevalência estimada é de
cerca de 1:5000 sujeitos.³
A mutação em genes específicos que codificam
a formação das subunidades dos canais iônicos
das células cardíacas responde pela etiologia
genética. Esses canais mutantes levam ao
prolongamento do potencial de ação que irá
predispor o paciente às arritmias ventriculares.³
O diagnóstico de síndrome do QT longo
baseia-se principalmente em dados clínicos e
eletrocardiográficos.4
Os pacientes
intervenções
podem ser tratados com
antiadrenérgicas
(beta-
* Médica residente de Clínica Médica/HUGV.
** Médico residente de Cardiologia/HUGV.
*** Médico assistente eletrofisiologista/HUFM.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO: ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO
bloqueadores ou denervação simpática cardíaca orientada, em bom estado geral, acianótica,
esquerda – DSCE) ou com cardiodesfibrilador níveis tensionais 100 x 60 mmHg, frequência
implantável (CDI).5
respiratória 26 incursões respiratórias por minuto
(irpm), frequência cardíaca 72 batimentos
por minuto (bpm). Ausculta respiratória com
Relato de Caso
murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos
Paciente do sexo feminino, 21 anos, procurou adventícios.
o Serviço de Arritmologia e Eletrofisiologia em
julho de 2013, pelo quadro súbito de dispneia, Aparelho cardiovascular – ictus não visível e
dor precordial em pontada sem irradiação, não palpável, ritmo cardíaco regular em dois
cianose de extremidades e palpitações, seguido tempos, bulhas normofonéticas e sem sopros.
de síncope. Informa que o quadro ocorreu fazia
cerca de nove dias antes da consulta. Relata Eletrocardiograma basal: frequência cardíaca
episódio semelhante havia quatro anos. Nega de 75 bpm, intervalo PR 200 milissegundos (MS),
uso de drogas lícitas, ilícitas e medicações. Na complexo QRS de 80 ms, eixo elétrico entre +60º
história patológica pregressa possuía diagnóstico e +90º, intervalo QTc 480 ms com padrão juvenil
(Figuras 1 e 2).
de asma desde a infância.
Relata que avó paterna faleceu por infarto
agudo miocárdico e tio paterno apresentou
morte súbita ainda na adolescência, causa não
identificada.
Ao
exame
físico
encontrava-se
lúcida
e
Ecocardiograma transtorácico dentro da
normalidade. Eletrólitos: Potássio 4,5 mEq/L,
sódio 143 mEq/L, cálcio iônico 1,28 mmol/L.
Realizado implante de cardiodesfibrilador
implantável (Figura 3) e paciente encontra-se
em acompanhamento clínico ambulatorial.
Figura 1: Eletrocardiograma mostrando ritmo sinusal e prolongamento do intervalo QT, medindo 480 ms.
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Alonso et al
Figura 2: Eletrocardiograma – Derivação DII evidenciando intervalo QT de 480 ms.
Figura 3: Radiografia de tórax (incidência posteroanterior) após a colocação do CDI.
Discussão
A síndrome do QT longo (SQTL) congênito é
causada por mutações nos genes de codificação
de canais de potássio e sódio cardíacos ou
proteínas celulares estruturais. Os pacientes
geralmente apresentam sintomas em uma idade
jovem,6 conforme o caso reportado, em que
a paciente recebe o diagnóstico aos 21 anos,
no entanto relata sintomatologia desde os
dezessete anos de idade. Centenas de mutações
em dez genes ligados à síndrome do QT longo
foram identificadas, no entanto mutações em
três genes, cada um codificando um canal
iônico cardíaco importante para a repolarização
ventricular, representam a grande maioria dos
casos. Os subtipos genéticos resultantes são
chamados LQT1, LQT2, e LQT3.7 A síndrome
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SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO: ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO
caracteriza-se por prolongamento do intervalo
QT no eletrocardiograma de superfície e um
aumento do risco de morte súbita geralmente
por conta da fibrilação ventricular. Estresse
físico e emocional são gatilhos comuns de
síncope ou morte súbita nessa síndrome.8 Como
descrito na literatura, a paciente do caso acima
exposto apresentou quadro de palpitação, a
qual poderia estar relacionada à taquicardia
ventricular polimórfica não sustentada se
tivesse sido documentada, além de síncope,
dor precordial e cianose. Essa sintomatologia
mostrou-se recorrente, uma vez que apresentou
quadro semelhante anteriormente, porém na
história clínica não fora encontrado nenhum
fator desencadeante.
denervação simpática cardíaca esquerda –
DSCE) e o cardiodesfibrilador implantável
(CDI).5 Medicações β-adrenérgicos representam
a primeira escolha na terapia sintomática
em pacientes com síndrome do QT longo
congênito, exceto em casos que apresentem
contraindicações específicas. Propranolol e
nadolol são os dois medicamentos mais eficazes
dessa classe.5 A paciente do caso relatado
possuía contraindicação formal ao uso de betabloqueadores, uma vez que era portadora de
asma brônquica, portanto optou-se por implante
de cardioversor como melhor terapêutica
elegível para o caso, somado ao alto risco para
morte súbita que necessita de uma terapêutica
mais agressiva.
A doença possui interesse crescente em
decorrência de suas manifestações dramáticas
caracterizadas por episódios de síncope, os quais
muitas vezes resultam em parada cardíaca e
morte súbita, que acometem indivíduos jovens
e saudáveis, a maioria crianças e adolescentes.
A doença possui uma taxa de mortalidade
muito elevada entre pacientes não tratados,
ao passo que terapêuticas muito eficazes
estão disponíveis, o que torna inaceitável a
existência de pacientes não diagnosticados ou
diagnosticados erroneamente.5
O uso de cardioversor implantável é amplamente
considerado em pacientes em alto risco de morte
súbita, incluindo aqueles com sintomas antes da
puberdade, aqueles com QTc muito longo (> 500
ms), e aqueles com síncope recorrente, pensado
ser por conta de arritmias graves.8 Em estudo
realizado por Susan et. al., em 2007, com 128
pacientes com síndrome do QT longo congênito,
os beta-bloqueadores foram utilizados em
126 (98%) e cardioversor implantável em 27
(21%) pacientes.10 Há consenso de implante
imediato do CDI em casos de parada cardíaca
documentada ou em pacientes com alto risco
A terapia é direcionada para a redução da de arritmias fatais avaliado pelo escore de risco
incidência de síncope e morte súbita. A falta M-FATO, para pacientes que já recebem algum
de estudos randomizados de tratamento reflete tratamento para SQTL (Tabela 2).5 De acordo
tanto a raridade da doença e a heterogeneidade com dados da literatura, no que se refere à
de suas apresentações clínicas.7 Crianças recorrência dos sintomas e gravidade do quadro,
e adolescentes com síndrome do QT longo a conduta escolhida diante do caso exposto foi
congênito possuem maior risco quando a colocação de cardiodesfibrilador implantável
comparados com os adultos. Como resultado, (Figura 3), para evitar desfecho grave e risco de
defende-se tratamento mais agressivo em morte súbita.
crianças e adolescentes portadores da síndrome
em questão,9 como fora realizado na paciente O relato de caso acima mostra a importância
do caso, que era jovem e apresentava sintomas da identificação precoce da síndrome do
condizentes com arritmia cardíaca grave, sendo QT longo, por conta de risco de arritmias
a indicação de implante de cardioversor uma malignas e morte súbita, a terapêutica
alternativa agressiva, porém plausível para deve ser rapidamente instituída com uso de
o caso em questão, pelo alto risco de morte β-bloqueadores, denervação simpática cardíaca
súbita.
esquerda e implante de cardioversor, sendo
este último reservado para casos mais graves,
A síndrome do QT longo congênito possui com sintomatologia recorrente e alto risco para
duas linhas de tratamento: intervenções morte súbita.
antiadrenérgicos
(beta-bloqueadores
e
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Alonso et al
-
1 ponto
– Livre de e ventos e m vigência d e Sim
terapia por mais de dez anos
0 ponto
+1 ponto
+ 2 pontos
-----
-----
-----
----- <
– QTc (ms)
– Antecedentes d e morte súbita ----abortada
ou = 500 500-550 >
Não
– Eventos apesar da terapia
----- N
– Idade de implante
-----
Sim
-----
im
-----
ão S
>20 anos
550
<20 anos
-----
Tabela 2: Escore de M-FATO.
Referências
169-76.
1. Goldenberg I, Moss AJ. Long QT Syndrome.
Journal Of American College Of Cardiology, New
York. 2008; 2291-2300.
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Syndrome in Children. Journal Of The American
College Of Cardiology, Utah. 2007; 1335-1340.
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Torsades de Point pós-parto. Arq Bras Cardiol.
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3. Andrew SJ, Moss AMD et. al. Long QT Syndrome
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Rochester, New York. 2007; 329-337.
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long QT syndrome: The rationale. Pharmacology
and Therapeutics, Pavia. 2011; 171-7.
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Arrhythmic Events in: Long QT Syndrome Patients
After Syncope. Journal Of The American College
Of Cardiology, Rochester, New York. 2010; 783788.
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family with a KCNH2 mutation. Heart Metab.
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8. Dan M, Roden MD. Long-QT syndrome, The
New England Journal of Medicine. 2008; 358-2,
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PANCREATECTOMIA CENTRAL:
RELATO DE CASO
CENTRAL PANCREATECTOMY: A CASE REPORT
Giselle Macedo de Souza,*** Mônika Maya Tsuji Nishikido,*** Priscilla Ribeiro dos Santos,*** Leonardo Simão Coelho Guimarães,*
Adriano Pessoa Picanço Júnior,** Rubem Alves da Silva Neto.**
Resumo
Pancreatectomia central é uma modalidade cirúrgica peculiar, a qual possui indicação precisa em
ressecções de neoplasias localizadas no colo e corpo proximal do pâncreas. A técnica cirúrgica
baseia-se na ressecção da região central do pâncreas, preservando a cabeça e a cauda dele. É
descrito neste relato o caso da primeira paciente tratada cirurgicamente com pancreatectomia
central com reconstrução pacreatojejunal em Y de Roux tipo telescopagem término-terminal no
Hospital Universitário Getúlio Vargas. Uma jovem de 24 anos, portadora de lesão sólido-cística
em corpo de pâncreas, a qual, após o procedimento cirúrgico, evoluiu satisfatoriamente, com
melhora das queixas álgicas abdominais.
Palavras-chave: Pancreatectomia central; Pâncreas; Neoplasias pancreáticas.
Abstract
Central pancreatectomy is a unique surgical approach, which has a narrow indications spectrum
such as tumor resection which are located in the pancreas neck and proximal body. The surgical
technique is based on the central pancreas region resection, preserving the head and tail. Case report
of the first patient treated surgically with central pancreatectomy and pancreaticojejunostomy
telescopic at Hospital Universitário Getúlio Vargas, a young 24 years old, with a solid-cystic lesion
in pancreas body, which, after surgery, progressed satisfactorily, with abdominal pain complaints
improvement.
Keywords: Central pancreatectomy; Pancreas; Pancreatic neoplasms.
Introdução
em Y de Roux no segmento distal do pâncreas
em um caso de secção pancreática traumática.2
A pancreatectomia central foi descrita com
essa finalidade em 1984 por Degradi e Serio,
na Italia,1 porém Guillemin e Bessot, em 1957,
foram os primeiros a descrever a técnica para
tratar um paciente portador de calcificação
pancreática localizada no corpo do páncreas.
Posteriormente, Letton e Wilson, em 1959,
descreveram a anastomose pancreatojejunal
A cirurgia tem como objetivo principal conservar
o parênquima pancreático normal, sendo
indicada principalmente em ressecções de
neoplasias localizadas no colo e corpo proximal
do pâncreas, de natureza benigna ou maligna
de baixo grau, tais como neoplasias endócrinas,
cistoadenomas, tumores intraductais não
* Chefe do Departamento de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV.
** Médico residente de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV.
*** Médica residente de Cirurgia Geral do HUGV.
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PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO
invasivos e tumores papilares sólido-císticos.3
Será abordado, neste relato, o caso da
primeira paciente tratada cirurgicamente
com pancreatectomia central no Hospital
Universitário Getúlio Vargas, jovem portadora
de lesão sólido-cística em corpo de pâncreas.
Relato de Caso
pancreatite aguda. Em 2012 apresentou novo
quadro de dor e iniciou acompanhamento
ambulatorial. Para investigação diagnóstica
foi solicitada ressonância magnética de vias
biliares, que evidenciou colelitíase e presença
de lesão expansiva lobulada no corpo do
pâncreas, medindo 4,2 x 3,8 cm nos maiores
eixos lateral e anteroposterior (Figura 1).
Posteriormente foi submetida à tomografia,
Paciente do sexo feminino, 24 anos de idade, confirmando lesão expansiva no corpo do
raça parda, estudante, natural de Tabatinga/ pâncreas (Figura 1) e endoscopia digestiva
AM e procedente de Manaus/AM. Paciente com alta observando abaulamento mucoso no corpo
antecedente de dor em hipocôndrio direito gástrico (aspecto sugestivo de compressão
e
pangastrite
endoscópica
associada a náuseas e vômitos havia dois anos. extrínseca)
enantematosa
leve.
Os
exames
laboratoriais
Evoluiu em 2011 com piora do quadro álgico
e icterícia, diagnosticada com colelitíase e não apresentaram nenhum tipo de alterações.
Figura 1: Lesão expansiva lobulada em corpo do pâncreas.
Com o diagnóstico de neoplasia de pâncreas
pelas características clínicas e de imagem,
foi indicada abordagem cirúrgica. Ele foi
realizado mediante incisão subcostal bilateral,
exposição do retroperitônio após secção do
ligamento gastrocólico, com visualização do
pâncreas em toda sua extensão. Em topografia
do corpo pancreático foi identificada lesão
sólido-cística, bem delimitada, de coloração
vinhosa, aspecto lobulado, comprometendo
parcialmente a espessura do parênquima
pancreático, extendendo-se do processo
uncinado pancreático por todo corpo, poupando
cauda (Figura 2).
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Souza et al
Figura 2: Neoplasia em corpo do pâncreas.
Depois da manobra de Kocher e dissecção
das bordas superior e inferior do pâncreas foi
realizada palpação minuciosa dessa glândula,
sem evidência de outras lesões. Dissecção
do corpo pancreático e da veia mesentérica
superior junto à extremidade lateral direita da
neoplasia e dissecção da borda lateral esquerda
do tumor pancreático junto à veia esplênica.
Posteriormente, identificação e reparo de artéria
esplênica, secção do pâncreas junto à borda
lateral esquerda da veia mesentérica superior,
dissecção do pâncreas incluindo o tumor em
direção corpo caudal, identificando e ligando
pequenos ramos tributários da veia esplênica,
e finalmente secção com margem de cerca de
2 cm do segmento pancreático comprometido
pelo tumor. Identificação do ducto de Wirsung
que tinha diâmetro aproximado de 3 mm
(cateterização com sonda de nelaton n.º 4)
(Figura 3).
Figura 3: Ducto de Wirsung cateterizado com sonda de nelaton n.º 4.
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PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO
Sutura do segmento pancreático proximal
(cabeça) com pontos separados em U com
fio de polipropileno 3-0, procedido o mesmo
tratamento para o segmento pancreático distal
(cauda). O segmento pancreático distal (cauda)
foi anastomosado com uma alça de jejuno em Y
de Roux, com sutura do tipo telescopagem em
dois planos, término-terminal, utilizando fio de
polipropileno numero três (Figura 4). Drenagem
da cavidade com dreno tubulolaminar tipo
Waterman, revisão da hemostasia e fechamento
da cavidade por planos.
Figura 4: Desenho ilustrativo da reconstrução pancreatojejuno anastomose em Y de Roux.
A dosagem de amilase da secreção do dreno
no 4.º dia de pós-operatório (30 ml de aspecto
quiloso) não foi possível, pois a máquina não
conseguiu realizar a leitura e a amilase sérica
apresentou um nível de 57 U/l. Paciente
apresentou pico febril no 7.º dia pós-operatório
com pequena drenagem de secreção purulenta
(26 ml) pelo orifício do dreno, sendo retirado
dreno de Waterman e acesso central no mesmo
dia. Evoluiu com melhora do quadro febril e não
apresentou outras complicações, recebendo
alta hospitalar no 9.º dia pós-operatório. No 17.º
dia de pós-operatório foi readmitida na unidade
hospitalar com quadro de febre, náuseas e
vômitos. Solicitado tomografia de abdômen e
exames laboratoriais, ambos sem alterações,
recebendo alta no 20.º dia pós-operatório
assintomática. Atualmente a paciente se
encontra no 2.º ano de pós-operatório, sem
nenhum tipo de manifestação clínica ou
alteração de exames laboratoriais.
O exame anatomopatológico demonstrou
pâncreas com neoplasia de linhagem epitelial,
constituído pela proliferação de células pequenas,
ovoides, núcleos vesiculosos, hipercromáticos,
citoplasma eosinofílico. Observou-se ainda
células revestindo eixo fibrovascular, estruturas
pseudopapilares, além de áreas de depósitos
de mucina. O diagnóstico histopatológico foi
de Carcinoma Sólido pseudopapilífero, também
conhecido como tumor de Gruber Frantz, com
estadiamento patológico de pT3, pN0.
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Souza et al
Discussão
que descrevem essa técnica, sua padronização
e aceitação como novo método de ressecção
Tradicionalmente as ressecções pancreáticas pancreática parecem estar bem estabelecidas,
padronizadas têm como referência a posição com algumas variantes no que se refere
da lesão no pâncreas em relação aos vasos à reconstrução e derivação do segmento
mesentéricos superiores, aquelas localizadas pancreático distal.7
à direita dos vasos mesentéricos superiores
resultam em duodenopancreatectomia e Considerando que uma das complicações mais
pancreatectomia corpo caudal ou caudal com frequentemente observadas na realização dessa
ou sem esplenectomia para as lesões localizadas técnica é a fístula da anastomose pancreática,
sua confecção em Y de Roux a excluiria do trânsito
à esquerda dessas estruturas vasculares.1
intestinal, facilitando assim o tratamento;
As lesões no corpo do pâncreas são desafios entretanto, existem grupos que preferem a
para cirurgiões. Lesões superficiais, benignas, realização da pancreatogastro anastomose pela
menores que 2 centímetros de diâmetro disposição anatômica do segmento pancreático
podem ser enucleadas, preservando dessa distal em relação ao estômago. O índice de fístula
forma
parênquima
pancreático
normal. pancreática observada nessa cirurgia oscila de
Contudo, as lesões profundas maiores que 2 0 a 63%. As anastomoses pancreatoentéricas
centímetros de diâmetro de comportamento empregadas atualmente são uma combinação
duvidoso requerem duodenopancreatectomia de várias técnicas cirúrgicas.2
ou pancreatectomia distal para obtenção de
margens livres adequadas. Naquele, 30-40% Geralmente, os tipos de anastomoses podem ser
do parênquima pancreático é ressecado. Essa divididos em término-terminais (telescopagem)
término-laterais
(ducto-mucosa).
A
ressecção mais extensa sacrifica uma parte e
considerável de tecido pancreático normal e pancreatojenunoanastomose término-terminal
aumenta o risco de insuficiência pancreática proposta por Child é o método que introduz o
coto pancreático no lúmen jejunal e com isso o
exócrina e endócrina.4,5
suco pancreático é drenado totalmente no trato
A pancreatectomia central é um procedimento intestinal. As desvantagens desse método são o
que vem sendo realizado com relativa tempo cirúrgico maior, sangramento do coto
frequência nas ultimas quatro décadas para o pancreático frequente que, uma vez rompida a
tratamento de lesões pancreáticas neoplásicas anastomose, todo o contéudo do trato intestinal
benignas e para as de baixo grau de malignidade, entra em contato com a cavidade abdominal. A
lesões inflamatórias e lesões traumáticas que anastomose término-terminal, o sangramento
comprometem o corpo do pâncreas.6 Quando do coto pancreático é improvável por conta
comparada com as ressecções tradicionais, da sutura da parede anterior e posterior deste
a pancreatectomia central resseca o tecido com a alça intestinal. Um problema dessa
doente poupando parênquima pancreático anastomose é o espaço morto que se faz entre
normal, oferecendo dessa forma melhor o coto do pâncreas e a parede intestinal que
preservação da função pancreática e aceitável pode acarretar pancreatite e deiscência. De
acordo com um recente estudo prospectivo
morbimortalidade.5
randomizado, a taxa de fístula pancreática
Atualmente, existem relatos do emprego dessa seguido de anastomose ducto-mucosa foi de
técnica em pacientes portadores de neoplasias 4% e após anastomose término-terminal tipo
benignas e neoplasias malignas de baixo grau telescopagem foi de 15%, porém sem diferença
localizadas no corpo pancreático, sendo estas estatística. A mortalidade operatória para o
suas principais indicações.2 Particularmente grupo ducto-mucosa foi de 6%, enquanto para
acredita-se que não existem na atualidade o grupo telescopagem foi de 9%. A taxa de
argumentos técnico-científicos que justifiquem fístula pancreática é influenciada pela técnica
sua realização em casos de neoplasia maligna. anastomótica, e que a técnica ducto-mucosa
Depois da análise de uma série de publicações término-lateral tem uma incidência de fístula
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PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO
menor em relação a outros tipos de anastomose.8
A paciente descrita neste relato de caso evoluiu
sem fístula pancreática segundo os critérios de
fístula pancreática proposto pelo International
Study Group on Pancreatic Fistula Definition,9
sem necessidade de tratamento específico, fato
mencionado na maioria dos casos dos trabalhos
que analisaram essa variável. Sendo o principal
fundamento dessa técnica a preservação
do parênquima pancreático, esse tipo de
abordagem cirúrgica deve ser considerado
em pacientes adultos jovens, especialmente
portadores de neoplasias benignas, de baixo
grau de malignidade, processos inflamatórios
e traumáticos que comprometam o corpo do
pâncreas, características essas presentes na
paciente deste relato.
Referências
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technique of central pancreatectomy-early and
late results. Langenbecks Arch Surg. 2005; 390:
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of pancreatic neck lesions. Arch Surg. 2006;
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M, Dias JA, Albagli R. Morbimortalidade
relacionada à técnica de anastomose pancreática
(ducto-mucosa x telescopagem) após cirurgia
de Whipple. Rev Col Bras Cir. 2005; 32(2): 74-7.
9. Bassi C, Dervenis C, Butturini G, Fingerhut
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(ISGPF) definition. Surgery 2005; 138 (1):8-13.
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Relato de casos y descripción de la técnica. Rev
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3. Iacono C, Verlato G, Ruzzenente A,
Campagnaro T, Bacchelli C, Valdegamberi A,
Bortolasi L, Guglielmi A. Systematic review of
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central versus distal pancreatectomy. Br J Surg.
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Yakaitis EA, Lee JA, Schrope BA, Chabot
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pancreatectomy for mid-gland lesions. Surgery.
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MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM
EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E
FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO
ATRIAL MIXOMA IN YOUNG PATIENT EVOLVING WITH CARDIAC INSUFFICIENCE AND
ATRIAL FIBRILATION: CASE REPORT
Samantha Lima dos Santos Carvalho,*Marlúcia do Nascimento Nobre,** Tatiane Lima Aguiar,*** Renata Jales Barreto,* Ciça Penedo,*
Tatiane de Oliveira Farias.*
Resumo
Tumores intracardíacos primários são condições raras. A grande maioria são benignos, sendo
aproximadamente 50% mixomas. Os sintomas são atípicos e muito variáveis. De acordo com o
tamanho e a localização dos tumores, os pacientes apresentam-se desde assintomáticos até
cursando com quadro de congestão pulmonar, podendo apresentar morte súbita por fenômenos
tromboembólicos. No presente relato, apresentamos caso de um paciente oligossintomático e com
fibrilação atrial, submetido à propedêutica cardiológica, que evidenciou grande lesão intra-atrial
esquerda, sendo, então, submetido à ressecção cirúrgica da mesma. O estudo anatomopatológico
confirmou o diagnóstico de mixoma. O paciente teve boa resolução do quadro e permaneceu sob
acompanhamento clínico ambulatorial.
Palavras-chave: Mixoma; Fibrilação atrial; Insuficiência cardíaca.
Abstract
Primary intracardiac tumors are rare conditions. In vast majority they are benign, and approximately
50% are myxomas. The symptoms are atypical and highly variable. According to the size and
tumor location, the patients present from asymptomatic to evolving with a pulmonary congestion
presentment, and may have sudden death from thromboembolic events. Case report of a patient
with few symptoms and atrial fibrillation and after cardiological propaedeutic, revealed a large
left intra-atrial lesion that underwent surgical resection. Pathological examination confirmed
the myxoma diagnosis. The patient had good resolution and remained under clínic ambulatory
monitoring.
Keywords: Myxoma; Atrial fibrillation; Heart failure.
* Médica residente de Cardiologia do HUGV.
** Médica cardiologista preceptora da Residência em Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
*** Médica do Hospital Universitário Francisca Mendes.
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MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO
Introdução
Os
tumores
cardíacos
primários
são
extremamente raros. Como um exemplo: em
uma série de mais de 12.000 autópsias, apenas
sete foram identificados, para uma incidência
de menos do que 0,1%. Por comparação, o
envolvimento metastático do coração é superior
a 20 vezes mais comum e tem sido relatado em
série autópsia em até uma em cinco pacientes
morrendo de câncer.1
Os tumores cardíacos podem ser sintomáticos
ou um achado acidental durante a avaliação
de problema aparentemente não relacionado.2
Em pacientes sintomáticos, a massa pode
ser
detectada
pelo
ecocardiograma,
ressonância magnética (MRI) e/ou tomografia
computadorizada (TC). Como os sintomas
podem imitar outras condições cardíacas, o
desafio clínico é de considerar a possibilidade
de um tumor cardíaco.
em determinadas posições corporais, pelo
movimento do tumor dentro do átrio. Ao exame
físico, um som característico o “plop tumoral”
pode ser ouvido no início da diástole.6
Além de interferir com a circulação, tumores
atriais podem liberar fragmentos ou trombos na
circulação sistêmica.
O presente relato de caso é de um paciente
jovem, do sexo masculino, que iniciou quadro
com sintomatologia de insuficiência cardíaca e
fibrilação atrial. Submetido à investigação, teve
diagnóstico ecocardiográfico de mixoma atrial.
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, 34 anos, natural
e procedente de Manaus/AM, apresentando
quadro de insuficiência cardíaca de evolução
havia três meses. Referia dispneia aos
pequenos esforços, precordialgia atípica,
palpitações, perda ponderal e apresentava
Os mixomas são os tumores mais comuns, edema de membros inferiores. Previamente
correspondendo a 50% de todos os tumores hígido, sem história familiar concomitante,
cardíacos. Ocorrem mais comumente em ex-tabagista. Apresentava ao exame físico
mulheres, diagnosticados entre os 50 a 70 anos ictus hiperdinâmico, aumento de VD e AE,
de idade, 90% no átrio esquerdo e 90% sendo sopro cardíaco sugestivo de insuficiência mitral
únicos.3 Algumas vezes são de origem familiar, e tricúspide e ritmo cardíaco de fibrilação
cerca de 10%, em cujos casos são observados atrial. O RX de tórax mostrava área cardíaca
em pacientes jovens e têm característica de globalmente aumentada e sinais de hipertensão
transmissão autossômica dominante.
pulmonar. Iniciado esquema terapêutico para
insuficiência cardíaca, evoluiu com melhora
A célula que origina o mixoma não é conhecida. parcial do edema e dispneia, obtendo-se o
Macroscopicamente tem aparência irregular e controle da frequência cardíaca e iniciado
ocasionalmente podem ser calcificados. Sua anticoagulação terapêutica. O ecocardiograma
natureza peduncular determina sua grande evidenciou aumento das cavidades, com
mobilidade e possibilidade de obstrução fração de ejeção de 48%, hipocinesia difusa e
valvar.4,5
ritmo cardíaco irregular. Insuficiência mitral
moderada e falha da coaptação dos folhetos e
Os tumores originados no átrio esquerdo, cerca insuficiência tricúspide moderada, PSAP = 54
de 90%, tendem a crescer para dentro do lúmen mmHg. No átrio esquerdo imagem arredondada,
atrial e causar sintomas obstruindo o fluxo móvel, hiperecogênica com pêndulo aderido ao
sanguíneo ou resultando em regurgitação mitral. septo interatrial que se projetava até a válvula
Mixomas, portanto, podem simular doença da mitral, sem ultrapassá-la, de tamanho de 5,8 x
válvula mitral e produzir insuficiência cardíaca 4,3 cm sugestivo de mixoma (Figuras 1, 2 e 3).
e/ou pulmonar secundária hipertensão. Sinais
e sintomas comumente observados incluem
dispneia, ortopneia, paroxística dispneia
noturna, edema pulmonar, tosse, hemoptise,
edema e fadiga. Os sintomas podem piorar
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Carvalho et al
Figura 1: Imagem ecocardiográfica janela 4 câmaras evidenciando massa em átrio esquerdo
aderida ao septo interatrial.
Figura 2: Imagem ecocardiográfica janela paraesternal evidenciando massa em átrio esquerdo
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MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO
Figura 3: Imagem ecocardiográfica evidenciando massa em átrio esquerdo dificultando fechamento
adequado da valva mitral.
Realizou-se o procedimento cirúrgico com
auxílio de circulação extracorpórea, por meio
de uma esternotomia mediana. A cardiotomia
consistiu de uma incisão transversa do átrio
esquerdo, ampliando-se a incisão por cerca de
2 cm rumo ao septo interatrial, visualizando um
tumor grande em átrio esquerdo preenchendo
quase toda a câmara cardíaca, com pedículo
aderido ao septo. Realizou-se a exérese do
tumor com retirada de sua base de implantação e
sutura direta da parede atrial seguido de plastia
mitral, com anel de Gregory 36, e anuloplastia
tricúspide a D’vega. Evoluiu com derrame
pericárdico leve no pós-operatório imediato. O
diagnóstico anatomopatológico foi conclusivo
com o diagnóstico de mixoma cardíaco. O
paciente permaneceu assintomático, porém
com fibrilação crônica em uso de anticoagulação
e em acompanhamento ambulatorial desde
então com resultados satisfatórios.
Discussão
Os mixomas são os tipos mais comuns de
neoplasia benigna cardíaca primária. Em nosso
serviço, somente no período de dois anos, foram
acompanhados três casos semelhantes, porém
com apresentações clíinicas diferentes. As
lesões benignas mais comuns são em ordem de
ocorrência: mixomas, lipomas, fibroelastomas
e rabdomiomas. Histologicamente, os mixomas
são compostos de células dispersas dentro de
um estroma de mucopolissacáride, produzem
o factor de crescimento endotelial vascular
(VEGF), o qual provavelmente contribui para a
indução da angiogênese e as fases iniciais de
crescimento do tumor.7,8
Macroscopicamente, os mixomas típicos são
lesões pedunculadas, como foi evidenciado no
caso acima, tem consistência gelatinosa e a
superfície pode ser lisa, vilosa ou friável. Tumores
variam em tamanho, de 1 a 15 cm de diâmetro e
pesam entre 15 e 180 g.9 Aproximadamente 35%
dos mixomas são friáveis e tendem a apresentarse com êmbolos; essa foi a maior preocupação
no caso apresentado por se tratar de paciente
com fibrilação atrial, tornando maior o risco de
tromboembolismo sistêmico. Tumores maiores
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Carvalho et al
são mais propensos a ter uma superfície lisa e
associação com sintomas cardiovasculares.
As manifestações cardiovasculares dependem da
localização anatômica do tumor. Cerca de 90%
dos mixomas originam no átrio esquerdo, como
no caso descrito, inclusive com insuficiência
mitral, e a maior parte do restante é encontrado
no átrio direito.10 Em adição aos seus efeitos
cardiovasculares, os pacientes com mixoma têm
frequentemente sintomas constitucionais (por
exemplo: perda de peso, febre) e alterações
laboratoriais que sugerem a presença de uma
doença do tecido conjuntivo.11 Embora a
etiologia desses sintomas não seja totalmente
compreendida, a produção de várias citocinas
e factores de crescimento pelo tumor podem
contribuir para essas anormalidades clínicas e
laboratoriais.12 Apesar da maior frequência de
mixomas em mulheres, os homens são os mais
propensos a ter evidência de embolização.
dificuldade para diferenciação ecocardiográfica
da massa, é recomendado um curto período
de anticoagulação para melhor definição. Em
alguns casos a Ressonância Magnética pode
ajudar na elucidação.
O método de escolha para o tratamento é
a ressecção cirúrgica por conta do risco de
embolização ou complicações cardiovasculares,
incluindo morte súbita.16,17 Deslocamento de
fragmentos do tumor podem ocorrer durante
a cirurgia, e há necessidade de redução da
frequência cardíaca ao máximo possível. O
paciente em questão apresentava fibrilação
atrial no diagnóstico, e foi de suma importância
pré-operatória o controle adequado da
frequência cardíaca.
O resultados da ressecção cirúrgica geralmente
são muito bons, como visto no paciente em
tela, com a maioria das séries relatando uma
taxa de mortalidade operatória inferior a 5%.18
Por conta da natureza das estruturas cardíacas A recuperação pós-operatória é geralmente
envolvidas, mesmo esses tumores benignos rápida, no entanto arritmias atriais ou anomalias
podem causar significante morbidade e atrioventriculares da condução podem ocorrer
mortalidade. As consequências do tumor ou manter-se no pós-operatório.
dependem do seu tamanho, invasividade,
friabilidade, taxa de crescimento e, mais Os pacientes podem apresentar recorrência pósimportante, sua localização no coração.13 O operatória do mixoma pela resseção incompleta
tumor do paciente descrito estava aderido ao ou reimplante de fragmentos liberados
septo atrial, abaulando-se para o átrio esquerdo durante o procedimento ou surgimento de
através da valva mitral, com importante lesões adicionais durante a evolução, o que
comprometimento desta, o que significava risco pode ocorrer em 2 a 5% dos casos nas formas
adicional caso embolização ocorresse. Além do esporádicas, 12% nas formas familiares e 22%
quadro da insuficiência cardíaca apresentada e nas formas complexas.19,20 Durante o período
arritmia, também possuía risco adicional para de acompanhamento do nosso paciente, no
tamponamento cardíaco, angina, infarto do entanto, não houve a recorrência. É de extrema
miocárdio e, durante o curso, morte.
importância que o procedimento seja feito
por mãos experientes e com boa inspeção das
O diagnóstico depende de alto grau de cavidades cardíacas em busca inclusive de
suspeição e é feito em estudos de imagem, possíveis focos tumorais adicionais.
sendo de grande importâcia sua diferenciação
de vegetação valvar e trombo atrial.14,15 Nesse A ecocardiografia anual é recomendada para
caso, como os sintomas eram constitucionais, seguimento de todos os pacientes, uma vez que
havia uma arritmia na apresentação, o as recorrências são geralmente assintomáticas.
diagnóstico foi como um achado em estudo de
imagem. Mixomas são geralmente heterogênos, Conclusão
enquanto que trombos são homogéneos, o
que ajuda na sua diferenciação ao exame de O presente relato mostra o caso de paciente
imagem, apesar de ambos poderem coexistir. jovem com apresentação clínica não sugestiva
Quando a massa é pequena e há alguma e de difícil suspeição de mixoma atrial,
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MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO
principalmente por evoluir com fibrilação atrial
e insuficiência cardíaca.
Salienta-se o papel da ecocardiografia na
elucidação do caso e a importância que a
correção cirúrgica teve para a cura do paciente,
sem os quais somente o tratamento clínico da
insuficiência cardíaca e da arritmia não teriam
sido suficientes.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA
DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO:
UM RELATO DE CASO
LEAD SHOT INTAKE ACUTE APPENCICITIS: A CASE REPORT
Mônika Maya Tsuji Nishikido,* Ana Maria Sampaio de Melo,** Nélcia de Castro Tavares,*** Tâmara Mendes Ferrugem,* Yan Coelho e Silva,*
Giovanna Luiza dos Santos Cabral.****
Resumo
Apendicite aguda é uma doença de alta prevalência, a qual acomete todas as idades. Sua
fisiopatologia decorre principalmente pela obstrução do lúmen do apêndice cecal, seja por
fecalitos, hiperplasia linfoide, parasitas ou até corpo estranho. O diagnóstico da apendicite aguda
é clínico, porém pode-se lançar mão de exames complementares como hemograma, elementos
anormais do sedimento (EAS), radiografia, ultrassonografia e tomografia axial computadorizada
(TAC). Este relato apresenta o caso de um homem de 50 anos com quadro clínico de dor abdominal
iniciada e localizada em fossa ilíaca direita, sem náuseas, vômitos ou febre, referindo ser
portador de nefrolitíase. Diante de um quadro atípico, porém possível, de apendicite aguda,
foram solicitados exames de imagens, identificando-se três imagens radiopacas as quais obstruíam
a luz do apêndice cecal e ocasionavam reação inflamatória nele. O paciente foi submetido à
apendicectomia e houve confirmação da presença de três projéteis de arma de fogo (chumbinho)
obstruindo e ocasionando isquemia e necrose do apêndice vermiforme. Evoluiu satisfatoriamente
no pós-operatório, sem complicações ou intercorrências.
Palavras-chave: Apendicite; Abdome agudo; Corpos estranhos; Armas de fogo.
Abstract
Acute appendicitis is a highly prevalent disease, which affects all ages. The pathophysiology arises
due to appendix lumen obstruction, either by fecaliths, lymphoid hyperplasia, parasites or even
foreign body. The acute appendicitis diagnosis is clinical, however, can make use of additional
tests such as blood count, urinalysis, x-ray, ultrasound and CT. Case report of a 50 years old
man with an abdominal pain initiated and located in the right iliac fossa, no nausea, vomiting
or fever, reporting nepholithiasis. Faced with an atypical but possible acute appendicitis, was
requested abdomen imaging, identifying three radiopaque images which obstructed the appendix
and occasioned the same inflammatory reaction. The patient underwent appendectomy and was
confirmation of the projectiles presence from a firearm (pellet) obstructing, causing ischemia,
and appendix necrosis. Progressed well postoperatively without complications.
Keywords: Appendicitis; Acute abdomen; Foreign bodies; Firearms.
* Médica residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas/HUGV.
** Supervisor do Programa de Residência de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV.
*** Cirurgiã do Instituto de Cirurgia do Estado do Amazonas/Icea.
**** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas/Ufam.
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APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: UM RELATO DE CASO
Introdução
abdome. O tratamento de escolha é cirúrgico.7
O apêndice cecal é considerado um órgão
vestigial, sem função atribuída nos seres
humanos. Acredita-se que atue em mecanismos
de defesa, por sua constituição de tecido
linfoide.1 Trata-se de uma porção do intestino
que possui amiúde cerca de 6 a 9 cm de
comprimento, podendo variar de 1 a mais
de 30 cm. Localiza-se na porção terminal do
ceco, como uma protuberância. Outro ponto
de referência para a localização do apêndice
é a intersecção entre as tênias mesentérica e
antimesentéricas, que convergem na junção do
ceco com a base do apêndice. Sua porção mais
distal está sujeita a variações de localidade,
sendo elas retrocecal, pélvica, lateralizada
para a direita, dentre outras.2
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 50 anos, natural
e procedente de Manaus/AM, iniciou quadro de
dor abdominal intensa e súbita tipo cólica em
fossa ilíaca direita (FID) com irradiação para
dorso e coxa ipsilateral, precedida de sudorese
e síncope, e associada a náuseas, hiporexia e
febre não aferida, com evolução de 24 horas.
Relatou ser portador de nefrolitíase. Nega
episódios eméticos e sintomas gastrointestinais.
Nega outras comorbidades e refere tuberculose
tratada havia 30 anos. Etilista social, nega
tabagismo. Negou ingesta de carne de caça no
momento da admissão.
Admitido no Hospital Pronto-Socorro 28 de
Agosto em bom estado geral, lúcido, orientado,
normocorado e hidratado. Ao exame físico
apresentou-se com abdome plano, flácido,
e doloroso à palpação superficial e profunda
em flanco direito e FID. Foram solicitados
hemograma, que apresentou leucocitose
de 16.420/mm3, EAS dentro dos padrões
de normalidade e radiografia de abdome,
Sua fisiopatologia decorre principalmente pela a qual evidenciou três imagens radiopacas
obstrução do lúmen do apêndice cecal, seja por em topografia de FID (Figura 1). Solicitou-se
fecalitos, hiperplasia linfoide, parasitas ou até então tomografia computadorizada de abdome
corpo estranho, sendo este último causa rara superior e pelve no qual se visibilizaram três
dessa doença.5 A incidência de apendicite aguda imagens de alta densidade produzindo artefatos
ocasionada por corpo estranho é de 0,005%.6 O lineares sugestivos de material metálico
diagnóstico é clínico, porém pode-se lançar mão localizado em luz de apêndice cecal (Figuras 2
de exames complementares como hemograma, e 3).
radiografia e tomografia computadorizada de
Apendicite aguda é a causa mais comum de
abdome agudo cirúrgico não traumático.3,4
Ocorre mais frequentemente na segunda e na
terceira décadas da vida e sua incidência é de
aproximadamente de 233/100.000 habitantes.
Existe uma incidência maior no sexo masculino
na proporção de 1,4:1.3
1
2
3
Figura 1: Radiografia de abdome evidenciando imagens radiopacas em topografia de apêndice cecal. Figuras 2 e 3:
Tomografia computadorizada de abdome com imagens produzindo artefatos lineares sugestivo de material metálico.
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v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Nishikido et al
Com o diagnóstico de apendicite aguda, o
paciente foi submetido à apendicectomia
retrógrada. No inventário identificou-se um
apêndice retrocecal, com a sua região distal de
aspecto necrótico, e contendo em sua luz três
objetos arredondados e endurecidos à palpação
(Figura 4).
Figura 4: Apêndice cecal com a sua região distal com aspecto necrótico e pinça indicando
abaulamento evidenciando o provável fator obstrutivo do seu lúmen.
Ao lado, desenho ilustrando a topografia dos chumbinhos.
Por meio da abertura da peça cirúrgica após o
término do procedimento, comprovou-se que os
três objetos palpados eram projéteis de chumbo
(Figura 5), muito usados para a atividade de caça
na região amazônica. Após o procedimento,
o paciente relatou ter ingerido carne de caça
havia cinco anos. O pós-operatório evoluiu sem
intercorrências e o paciente recebeu alta com
melhora do quadro prévio.
Figura 5: Peça cirúrgica de produto de apendicectomia, após secção longitudinal do apêndice cecal e
os três projéteis (chumbinho).
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APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: UM RELATO DE CASO
Discussão
A apendicite aguda é uma doença de grande
prevalência, sendo a apendicectomia uma das
cirurgias mais realizadas em todo o mundo.8
de níveis anormais de gás intestinal, entretanto
são úteis para descartar outras doenças.1,7
No entanto, no relato acima, com base nesse
exame, iniciou-se o raciocínio da hipótese do
fator etiológico da apendicite.
A TC é comumente utilizada na avaliação de
pacientes adultos com suspeita de apendicite
aguda. Técnicas de imaginologia melhoradas
fazem com que a sensibilidade seja cerca
de 90% e a especificidade de 80 para 90%,
para o diagnóstico de apendicite aguda
em pacientes com dor abdominal. Achados
clássicos incluem um apêndice com distensão
superior a 7 mm de diâmetro e aumento da
espessura da parede circunferencial, a qual
pode ter a aparência de uma auréola ou alvo.
Com a progressão da inflamação, pode-se
ver edema, fluido peritoneal, fleimão ou um
abscesso periapendicular. Esse exame detecta
apendicite em cerca de 50% dos pacientes
por ela acometidos. Não deve ser utilizada
deliberadamente, principalmente entre os
pacientes jovens, pois desperdiça tempo e
expõe o paciente a riscos relacionados ao uso
do contraste e a exposição à radiação ionizante.
No nosso relato, pela ausência de pródromos da
apendicite e da história prévia de nefrolitíase,
além de imagem sugestiva de corpo estranho de
componente metálico na radiografia, solicitouO diagnóstico de apendicite é clínico, se a TC para elucidação diagnóstica e observouentretanto exames complementares como se que ele estava impactado na luz do apêndice,
hemograma, EAS e exames de imagem são o qual apresentava borramento periapendicular,
bastante úteis para excluir outras doenças. imagem sugestiva de reação inflamatória local.
Os exames laboratoriais revelam leucocitose Não existe consenso para o manejo dos
suave, que varia entre 10.000 e 18.000/mm3, pacientes com corpos estranhos impactados
em apendicite não complicada e é muitas na luz do apêndice cecal, uma vez que,
vezes acompanhada por uma predominância atualmente, sua incidência é rara.6 Em um
moderada de polimorfonucleares.2,7 O EAS é estudo prospetivo com 62 esquimós que
útil para descartar pielonefrite ou nefrolitíase, possuíam chumbinhos impactados em apêndice
e nesses casos os leucóticos apresentam- cecal (verificados em radiografias de rotina),
se, também, muito mais elevados do que na nenhum deles evoluiu com apendicite aguda.9
apendicite, além da presença de hematúria, No entanto, outros estudos demonstraram uma
muitas vezes microscópica, no caso da litíase.1 incidência de sintomas em 93% dos pacientes
Diante do relato de cólica nefrética prévia do com corpo estranho em apêndice, dos quais
paciente em questão, o EAS foi importante para 88% foram submetidos a apendicectomia e 70%
destes apresentavam inflamação e necrose
orientar a hipótese diagnóstica.
histologicamente.6 No relato exposto, a
Radiografias simples são de pouca valia para o apendicectomia foi mandatória por conta das
diagnóstico de apendicite aguda, a menos que hipóteses diagnóstica e imaginológica sugestivas
haja a presença de um fecalito calcificado ou de apendicite aguda.
Ainda que a etiologia da apendicite permaneça
um pouco obscura, acredita-se que na maioria
dos pacientes há uma obstrução luminal que
leva ao crescimento bacteriano e à pressão
luminal aumentada, obstruindo o fluxo venoso
e depois influxo arterial, resultando em
isquemia da mucosa, gangrena e perfuração.1
Uma das causas para essa obstrução envolve a
hiperplasia linfoide, muito comum em jovens
e adolescentes, resultando em alta incidência
de apendicite nessa faixa etária. Fecalitos,
principalmente pós-calcificação, parasitas e
neoplasias também podem levar a obstrução e
apendicite. Acredita-se que aproximadamente
30% dos casos de apendicite aguda em adultos
estão ligados a fecalitos.1,7 Já a incidência de
apendicite por corpo estranho permanece
incerto pela sua raridade e era mais comum
antes do século 20 por conta do maior consumo
de animais de caça (ingesta de projéteis) e
da frequência de costura manual (ingesta de
agulhas e alfinetes) cuja prevalência era em
torno de 0,005%.6
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
Nishikido et al
Apesar de o diagnóstico da apendicite aguda
ser eminentemente clínico, atualmente, com
o advento de vários exames complementares,
pode-se realizar uma programação cirúrgica
mais segura, mesmo em cenário de urgência,
identificando-se muitas vezes o fator causal
dessa doença.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
RECONSTRUÇÃO DA PAREDE TORÁCICA COM
RETALHO MIOCUTÂNEO PEDICULADO VERTICAL
DO MÚSCULO RETO ABDOMINAL:
RELATO DE CASO
CHEST WALL RECONSTRUCTION WITH PEDICLED VERTICAL RECTUS ABDOMINIS
MYOCUTANEOUS FLAP: CASE REPORT
Fernando Luiz Westphal,* Luís Carlos de Lima,* José Corrêa Lima Netto,** Ricardo Augusto Monteiro Cardoso,*** Lincoln José Trindade Martins.****
Resumo
O porocarcinoma écrino é um tipo de câncer de pele relacionado às glândulas sudoríparas, tem
alto potencial de destruição local e de metástase. Surge da porção intraepitelial da unidade da
glândula sudorípara écrina, o acrossíringio. Ocorrem com maior frequência em idosos e mulheres.
Esses pacientes geralmente têm tumoração expressa em: cabeça, tronco e membros inferiores.
Relatamos o caso de uma paciente de 62 anos que apresentou um tumor na parede torácica,
com evolução de dois anos. Esta foi submetida à cirurgia de ressecção tumoral, associada a uma
mastectomia parcial. A estética e consequentemente a autoestima da paciente podem ser afetadas.
Para melhorar sua qualidade de vida, logo após a toracectomia foi realizado um procedimento de
reconstrução da parede torácica utilizando-se o método retalho miocutâneo pediculado vertical
do músculo reto abdominal.
Palavras-chave: Retalho miocutâneo; Porocarcinoma écrino; Tumor.
Abstract
The authors describe a patient case report with 62 years old, female, which presented a eccrine
porocarcinoma tumor in the chest wall, an area where it seldom happens. When it appears in
the chest wall, it may affect the breast and demand treatment that might affect the pacient’s
aesthetics, therefore affecting it self esteem, for example, a parcial mastectomy. Shortly after
the thoracectomy proceedings, it was performed a chest wall reconstruction utilizing a pedicled
vertical rectus abdominis myocutaneous flap (VRAM) as a method for this case.
Keywords: Myocutaneous flap; Eccrine porocarcinoma; Tumor.
Introdução
a parede torácica, nervos, músculos, tecido
conjuntivo, entre outros, pode dar origem a
Os tumores de parede torácica são pouco neoplasia nessa área.1 Esse tipo de lesão tem
frequentes com incidência de 5%.1 Podem se pico de incidência na quarta ou quinta décadas
originar de vários pontos, considerando que da vida e o índice de metástase atinge com
qualquer um dos componentes que formam maior frequência os pacientes na faixa etária
* Professor-adjunto da Universidade Federal do Amazonas.
** Médico assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
*** Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.
**** Acadêmico de Medicina da Universidade Nilton Lins.
Instituição em que o trabalho foi realizado:
Universidade Federal do Amazonas – Departamento de Clínica Cirúrgica
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.13. n.2 jul./dez. - 2014
RECONSTRUÇÃO DA PAREDE TORÁCICA COM RETALHO MIOCUTÂNEO PEDICULADO VERTICAL DO MÚSCULO RETO ABDOMINAL:
RELATO DE CASO
acima de 50 anos.2 O presente estudo de caso
relata a história de uma paciente com neoplasia
de parede torácica, com reconstrução fazendo
uso do retalho miocutâneo pediculado vertical
do músculo reto abdominal (VRAM) da parede
torácica.2
Relato de Caso
A paciente relata crescimento de tumoração
em parede torácica anterior com dois anos de
evolução, sendo que nos últimos meses notou
um escurecimento da lesão acompanhado
de extravasamento de secreção com odor
característico.
Ao exame físico percebeu-se lesão ulcerada
localizada em terço superolateral anterior
esquerdo, 7,0 cm de diâmetro, com área de
necrose central e drenagem constante de
secreção enegrecida (Figura 1). O rastreamento
de metástase a distância foi negativo.
A tomografia computadorizada do tórax no
pré-operatório revelou tumoração de parede
torácica, comprometendo o TCS e músculos,
entretanto sem comprometer o arcabouço da
parede torácica. Os exames pré-operatórios
cardiológicos e de prova de função pulmonar
foram permissivos para a cirurgia proposta.
A paciente foi submetida à toracectomia
interessando pele, TCS, musculatura peitoral
maior e menor, em monobloco, e com
margem de segurança oncológica (Figura 2). A
reconstrução da parede torácica foi realizada
com a transposição de um enxerto miocutâneo
do reto abdominal pediculado e mantido pela
artéria epigástrica superior (Figuras 3A e 3B).
A parede abdominal foi fechada com tela
inorgânica de GoreTex®. A paciente evoluiu no
pós-operatório sem complicações.
Figura 1: Lesão vegetante com necrose central na parede torácica anterior esquerda.
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Figura 2: segmento de parede costal contendo pele subcutânea m. peitoral maior,
menor e gânglio axilar.
Figuras 3A e 3B: Aspecto final do retalho miocutâneo pediculado do músculo reto abdominal.
Discussão
não têm nenhuma caracterísica histológica
relacionada à classificação benigna. As lesões
O porocarcinoma écrino é um tipo de câncer que caracterizam o PCE medem por volta de 2
de pele relacionado às glândulas sudoríparas; cm. Relatos apontam que sua expressão ocorre
tem alto potencial de destruição local e de geralmente na forma de nódulos únicos com
metástase; representa 0,005% das neoplasias extremidades, cor-de-rosa ou eritematosa,
cutâneas epiteliais.3,4 Surge da porção cobertas com pele normal, ulceradas ou
intraepitelial da unidade da glândula sudorípara crostas hemáticas. Podem também ter padrão
écrina, o acrossíringio. Podem ser divididos zosteriforme e aparência em cobblestone.
entre os que têm aparência benigna e os que Geralmente assintomáticas, podem apresentar
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RECONSTRUÇÃO DA PAREDE TORÁCICA COM RETALHO MIOCUTÂNEO PEDICULADO VERTICAL DO MÚSCULO RETO ABDOMINAL:
RELATO DE CASO
sangramento, dor e/ou prurido.5 Possui clínica
variada e podem originar metástases para os
linfonodos, 20% dos casos, e para órgãos internos,
10% dos casos.6 Nossa paciente apresentou lesão
ulcerada com evolução de dois anos.
mastectomia, não fornece tecido suficiente
para cobrir danos com extensão até a axila,
braço, ombros ou pescoço pela falta de
viabilidade da região IV, tendo em vista sua
pouca vascularização.9 Isso se deve ao fato de
que grande parte do enxerto provido pelo TRAM
A dificuldade para chegar ao diagnóstico do Livre não está localizado diretamente acima do
porocarcinoma écrino é baseada na variedade de reto abdominal e acaba por ser dependente dos
sua apresentação clínica, que pode variar desde vasos comunicantes perfurantes.10
uma pápula de 1,5 cm até uma lesão extensa,
com áreas ulceradas e bordas vegetantes.5 O enxerto do retalho VRAM está posicionado
O diagnóstico diferencial considera ceratose diretamente acima do músculo reto abdominal e
seborreica, verruga vulgar, metástase cutânea é bem irrigado pelos vasos perfurantes10. Certos
de neoplasias e outros tumores como Doença autores relataram o uso do retalho vertical
de Bowen, melanoma amelanótico, doença de do músculo reto abdominal em 16 casos; dois
Paget e hidroacantoma simples e carcinomas deles apresentaram necrose superficial e um
basocelular e espinocelular.5
apresentou perda distal de 2 cm do retalho.11
No presente estudo, houve pequena necrose do
O diagnóstico definitivo é histológico, no qual ângulo distal do enxerto.
existe a presença de grânulos de glicogênio
presentes no citoplasma das células tumorais Outras vantagens são baseadas em: o menor
(coloração ácido periódico Shiff –PAS), focos de tempo de execução da cirurgia, queda no índice
formação de ductos e a ausência de ceratinização de incidência de hérnias e, geralmente, a fáscia
são características inerentes ao diagnóstico remanescente do reto abdominal é fechada
diferencial.7 As células do PCE coram-se com o primariamente ou reconstruida com a utilização
antígeno carcinoembrionário (CEA), geralmente de tela.12 Esse procedimento também é utilizado
encontrado no citoplasma das células tumorais e quando se deseja prover pele adicional ou tecido
no lúmen das glândulas malignas. Esses achados subcutâneo que contenha e leve para área a
auxiliam a diferenciação entre os tumores de receber o enxerto seu suprimento sanguíneo.12
anexo e carcinomas epidérmicos, que são CEA
negativos.5
As desvantagens do procedimento consistem no
fato de que caso seja necessária uma reconstrução
Existem várias possibilidades de reconstrução mamária, podem ocorrer dificuldades do
da parede. No presente caso, a técnica remodelamento. Essa técnica não permite o
utilizada para efetuar a reconstrução de parede aprimoramento do contorno abdominal tal qual
torácica foi o retalho miocutâneo pediculado é permitido pelo TRAM Livre, característica
do músculo reto abdominal. Considerado uma importante que pode afetar a satisfação do
variação do retalho miocutâneo transverso do paciente com o procedimento.12 A opção de
músculo reto abdominal (TRAM), o VRAM utiliza adotar o tecido autólogo no procedimento é
como provedor de sangue os vasos epigástricos baseada no fato de que a relação do paciente
superiores e inferiores para suportar o enxerto com o seu tecido é melhor do que em relação
utilizado para corrigir não só defeitos na parede à prótese. Tanto os retalhos pediculados, como
torácica, mas também nas áreas pélvica e foi o caso, quanto microvascularizados têm boa
perineal.8
tolerância à radioterapia, porém essa afeta
os resultados estéticos do procedimento.13-14-15
O retalho miocutâneo pediculado vertical Outra desvantagem, que também afeta o
do músculo reto abdominal possui algumas resultado estético, é a cicatriz na área doadora,
vantagens quando comparado a outros métodos que fica em torno de 8 a 11 cm de comprimento.
de retalho miocutâneo, como, por exemplo, ao
TRAM Livre. O TRAM Livre, bastante utilizado No caso relatado, a paciente apresentou
para reconstrução mamária autóloga pós- tumoração no hemitórax esquerdo, a qual foi
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removida com margem de segurança, sem
prejuízo para função respiratória e nem para
função motora. O retalho utilizado é autólogo,
bem vascularizado e seguro, proporcionando
um resultado satisfatório para a paciente.
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