Revista HUGV 2014 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Revista HUGV 2014 n.2 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.13. N. 2 JUL./DEZ. – 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4708 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aristóteles Comte Alencar Armando de Holanda Guerra Júnior Celsa Moura Domingos Sávio Nunes de Lima Edson de Oliveira Andrade Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Eurico Manoel Azevedo Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Francisco Mateus João Giuseppe Figliuolo Ione Rodrigues Brum Ivan da Costa Tramujás Jean Jorge Silva de Souza José Correa Lima Netto Julio Mario de Melo e Lima Juscimar Carneiro Nunes Kathya Augusta Thomé Lopes Leíla Inês de A. R. da Camara Coelho Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos Marcus Vinicius Della Coletta Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro Lobato Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Márcia Melo Damian Marcus Tolentino Massanobu Takatani Miharu Magnória Matsuura Matos Patrícia Bandeira de Melo Akel Petrus Oliva Souza Ricardo Torres Santana Rodolfo Fagionato Rossiclei de S. Pinheiro Rubem Alves da Silva Júnior Sandra Lúcia Euzébio Taís Freire Galvão Wilson Bulbol Zânia Regina Ferreira Pereira revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.13. N. 2 JUL./DEZ. – 2014 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2014 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITORA DA UFAM Prof.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva SUPERINTENDENTE DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Dr. Rubem Alves da Silva Júnior PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Fernando de Souza Neto ORGANIZAÇÃO Thaís Borges Viana DIRETORA DA EDUA Prof.ª Dra. Suely Oliveira Moraes Marquez DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho EDITOR-CHEFE DA REVISTA Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luiz Pereira CAPA Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 13, n. 2 (2014) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2013 104 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) CDU 61(051) Sumário Editorial 11 Fernando Luiz Westphal Artigos Originais Incidência de Desnutrição em Crianças de Zero a 12 Meses no Município de Manaus: Uma Análise entre os Anos de 2000 a 2009 13 Anne Caroline Gomes de Lima, Rosana Pimentel Correia A Saúde Brasileira e suas Implicações Econômicas: Uma Breve Reflexão 20 Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de Oliveira Chaves Narciso Ferreira, Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,Edson de Oliveira Andrade Educação em Saúde: Uma Intervenção Multiprofissional com um Grupo de Diabéticos 33 Giuliana Arie, Abner Souza Paz, Anne Karina Pereira de Andrade, Bruna Loretta Flores da Silva, Betânia de Oliveira Rebouças, Gesiane Araújo Frota Relato de Caso Teratoma Cístico Gigante de Ovário em Criança: Relato de Caso 41 Vitor Emanuel Pires Montenegro, Maria Auxiliadora Neves de Carvalho, Marcelo Marques da Cunha, Paulo Henrique Klein, Bruna Cecília Neves de Carvalho O Uso dos Novos Anticoagulantes Orais na Fibrilação Atrial 46 Samantha Lima dos Santos Carvalho,Rovanda Sena, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias Infarto do Miocárdio Causado Por Arma de Fogo com Balas de Chumbo. Uma Rara Causa de Miocardiopatia Isquêmica 57 Kelly Simone Castro dos Santos, Ana Cláudia Carvalho Prieto, Adimar Pires da Silva Júnior, Tatiane Lima Aguiar, Marcus Grangeiro Fernandes de Menezes, Marlúcia do Nascimento Nobre Hérnia Lombar Espontânea Encarcerada e Estrangulada: Um Relato de Caso 63 Yan Coelho e Silva, Camily Carolina Abecassis da Cruz, Christine Rondon Pedrosa, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo Relato de Caso: Infarto Agudo do Miocárdio Extenso com Coronárias Angiograficamente Normais Ana Márcia Freitas Carlos, Elisângela Canterle Sedlacek, Marlúcia Nobre, Ronaldo Rabelo, Marilu Cavalcante Gomes 68 Trombólise durante Parada Cardiorrespiratória, Secundária a Infarto Agudo do Miocárdio Com Supradesnivelamento do Segmento ST 73 Elisângela Canterle Sedlacek, Ana Márcia Freitas Carlos, Marlúcia Nobre, Ronaldo Marques Pontes Rabelo Síndrome do QT Longo Congênito: Análise de um Caso Clínico 78 Renayra Tallita Luciano Alonso, Ana Carolina Santos Silva, Raisa França Ribeiro, Adimar Pires da Silva Jr., Jaime Arnez Pancreatectomia Central: Um Relato de Caso 83 Giselle Macedo de Souza, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Priscilla Ribeiro dos Santos, Leonardo Simão Coelho Guimarães, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto Mixoma Atrial em Paciente Jovem Evoluindo com Insuficiência Cardíaca e Fibrilação Atrial: Relato de Caso 89 Samantha Lima dos Santos Carvalho, Marlúcia do Nascimento Nobre, Tatiane Lima Aguiar, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias Apendicite Aguda Ocasionada por Ingesta de Projétil de Arma De Fogo: Um Relato de Caso 95 Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo, Nélcia de Castro Tavares, Tâmara Mendes Ferrugem, Yan Coelho e Silva, Giovanna Luiza dos Santos Cabral Reconstrução da Parede Torácica com Retalho Miocutâneo Pediculado Vertical do Músculo Reto Abdominal: Relato de Caso Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Ricardo Augusto Monteiro Cardoso, Lincoln José Trindade Martins 100 Contents Editorial Fernando Luiz Westphal 11 Original Articles Incidence of Malnutrition in Children from 0 To 12 Months Old in Manaus: An Analysis Between From 2000 to 2009 13 Anne Caroline Gomes de Lima, Rosana Pimentel Correia Brazilian Health System and yours Economic Implications: A Brief Reflection 20 Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de Oliveira Chaves Narciso Ferreira, Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,Edson de Oliveira Andrade Health Education: A Multidisciplinary Intervention with a Diabetic Group 33 Giuliana Arie, Abner Souza Paz, Anne Karina Pereira de Andrade, Bruna Loretta Flores da Silva, Betânia de Oliveira Rebouças, Gesiane Araújo Frota Relato de Caso Giant Cystic Teratoma in Children Ovary: Case Report 41 Vitor Emanuel Pires Montenegro, Maria Auxiliadora Neves de Carvalho, Marcelo Marques da Cunha, Paulo Henrique Klein, Bruna Cecília Neves de Carvalho The Use of New Oral Anticoagulants in Atrial Fibrillation 46 Samantha Lima dos Santos Carvalho,Rovanda Sena, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias Myocardial Infarction Caused by Gun Fire with Lead Bullets. A Rare Cause ff Ischemic Cardiomyopathy 57 Kelly Simone Castro dos Santos, Ana Cláudia Carvalho Prieto, Adimar Pires da Silva Júnior, Tatiane Lima Aguiar, Marcus Grangeiro Fernandes de Menezes, Marlúcia do Nascimento Nobre Incarcerated and Strangulated Spontaneous Lumbar Hernia: A Case Report 63 Yan Coelho e Silva, Camily Carolina Abecassis da Cruz, Christine Rondon Pedrosa, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo Case Report: Extensve Acute Myocardial Infarction with Angiographically Normal Coronay Arteries Ana Márcia Freitas Carlos, Elisângela Canterle Sedlacek, Marlúcia Nobre, Ronaldo Rabelo, Marilu Cavalcante Gomes 68 Thrombolysis During Cardiopulmonary Arrest due to Acute Myocardial Infarction 73 Elisângela Canterle Sedlacek, Ana Márcia Freitas Carlos, Marlúcia Nobre, Ronaldo Marques Pontes Rabelo Congenital Long QT Syndrome: A Case Analysis 78 Renayra Tallita Luciano Alonso, Ana Carolina Santos Silva, Raisa França Ribeiro, Adimar Pires da Silva Jr., Jaime Arnez Central Pancreatectomy: A Case Report 83 Giselle Macedo de Souza, Mônika Maya Tsuji Nishikido, Priscilla Ribeiro dos Santos, Leonardo Simão Coelho Guimarães, Adriano Pessoa Picanço Júnior, Rubem Alves da Silva Neto Atrial Mixoma in Young Patient Evolving with Cardiac Insufficience and Atrial Fibrilation: Case Report 89 Samantha Lima dos Santos Carvalho, Marlúcia do Nascimento Nobre, Tatiane Lima Aguiar, Renata Jales Barreto, Ciça Penedo, Tatiane de Oliveira Farias Lead Shot Intake Acute Appencicitis: A Case Report 95 Mônika Maya Tsuji Nishikido, Ana Maria Sampaio de Melo, Nélcia de Castro Tavares, Tâmara Mendes Ferrugem, Yan Coelho e Silva, Giovanna Luiza dos Santos Cabral Chest Wall Reconstruction with Pedicled Vertical Rectus Abdominis Myocutaneous Flap: Case Report Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Ricardo Augusto Monteiro Cardoso, Lincoln José Trindade Martins 100 Editorial Revista HUGV: uma trajetória de luta e vitória Dra. Miharu Maguinoria Matsuura Matos - Gerente de Ensino e Pesquisa do HUGV Ao tempo em que expresso minha alegria por mais esta oportunidade, agradeço a honra dada pelo Editor da Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas – RHUGV para proferir minhas impressões sobre esta obra, a qual me orgulha ter acompanhado, nos últimos anos, sua trajetória de luta e vitória. Este ano de 2014, a RHUGV lança a sua 13ª edição marcando seus doze anos de existência. Sua trajetória se iniciou em 2002, quando foi lançado seu primeiro número, sob a edição do Prof. Dr. Gerson Suguiyama Nakajima, docente da Universidade Federal do Amazonas e chefe da Clínica Cirúrgica do HUGV, atendendo assim aos anseios de toda a equipe de colaboradores por um instrumento de divulgação de trabalhos científicos. Vale ressaltar, neste momento, a importante colaboração da Drª Maria de Jesus Coutinho Varejão, pesquisadora do Inpa, no processo de concretização da publicação. Por meio do lançamento da RHUGV, a comunidade cientifica dispôs de uma ferramenta para divulgar os trabalhos realizados dentro e fora do Hospital. É o início da integração das atividades realizadas na assistência com o ensino, em prol do desenvolvimento das pesquisas. A revista marca, então, o ineditismo da produção científica na área de saúde na Amazônia. No ano de 2005, com a ida do Prof. Nakajima para vice-reitoria da Ufam, o Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal, cirurgião torácico, docente da Universidade Federal do Amazonas e coordenador de Ensino e Pesquisa do HUGV, assume o cargo de Editor-Chefe da RHUGV com o compromisso de manter ativo o cultivo das publicações e ampliar a veiculação dos conhecimentos elaborados na área de saúde. Nesse propósito, em 2007, a Profª Drª Kathya Augusta Thomé Lopes, chefe da Divisão de Apoio à Pesquisa Científica da Coordenação de Ensino e Pesquisa do HUGV, inicia uma série de palestras e reuniões orientando os profissionais do HUGV, em especial os residentes médicos, para a realização de projetos de pesquisa, desde a pergunta ao qual se pretende responder, até a contextualização efetiva do trabalho, ação que foi chamada de “Residente Pública”. Essa iniciativa foi uma centelha para que os profissionais do HUGV buscassem novas informações com base em pesquisas bem elaboradas, cabendo à RHUGV o importante papel de divulgação desses achados científicos. Um fato que promoveu o aumento da produção científica do Hospital foi a publicação dos anais da “Jornada de Saúde da Amazônia Ocidental na RHUGV”, a partir de 2007. Esse evento, de cunho científico, ocorre a cada dois anos e tem como objetivo promover o encontro de profissionais das diversas áreas de saúde inter-relacionadas para a divulgação das ações realizadas pelo HUGV, bem como para o intercâmbio de conhecimento por meio da apresentação dos Temas Livres Orais e de Pôsteres. Os melhores trabalhos são premiados e publicados na íntegra na RHUGV. Outro fato que ocorreu no ano de 2007 foi a disponibilização na internet de todos os artigos publicados na RHUGV. Esse foi um importante passo para a visibilidade do periódico no mundo eletrônico. Devemos, porém, ter sempre em mente que todo o trabalho depende de foco e atenção constantes | 11 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 para sua manutenção. A ausência de incentivo constante e fomento à redação de artigos para serem publicados é a principal causa para o desaparecimento das revistas científicas. Com essa preocupação, a Coordenação de Ensino e Pesquisa e a Coordenação de Residência Médica – Coreme, do HUGV, estimulam o residente médico a publicar artigo na Revista HUGV como uma forma de apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso, a partir de 2008. Com isso, o que antes era publicada anualmente, a partir de 2010, a revista passa a ter edição semestral. Nesse mesmo ano, o HUGV é o pioneiro na criação do Programa de Residência Multiprofissional no Estado do Amazonas. A Comissão de Residência Multiprofissional – Coremu, também comprometida com a produção científica do Hospital, estimula os seus residentes uni e multiprofissionais para a publicação de artigos científicos como seu trabalho de conclusão de curso. Outro aspecto importante a ser ressaltado é a contribuição dos revisores, que não recebem estímulo financeiro para a confecção de pareceres e, ainda, utilizam o tempo dos momentos de lazer para fazê-los. Esses profissionais do HUGV não medem esforços para avaliar os trabalhos apresentados à publicação com o rigor científico, valorizando sempre pela qualidade da revista. Nesse momento, a RHUGV está atingindo a estabilidade de publicação, mas a busca por seu ingresso nas plataformas científicas é incessante. Para tal, várias estratégias estão sendo abordadas pelo Editor da revista juntamente com a Gerência de Ensino e Pesquisa do HUGV. A entrada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) na gestão do HUGV oportunizou a aquisição de 15 (quinze) bolsas de iniciação científica, o que de certa forma motivará o avanço das investigações e o aumento das publicações científicas no periódico. Assim, encerro esta retrospectiva dos doze anos da RHUGV parabenizando todo o corpo editorial, a comunidade do HUGV (profissionais, docentes e discentes) e as IES colaboradoras por essa conquista e os convido para uma nova jornada de aprimoramento e ampliação desse grande periódico do HUGV da Universidade Federal do Amazonas, consolidando cada vez mais as ações da assistência na produção de saberes científicos em benefício do bem-estar da população. Não podemos deixar que a única memoria contextualizada do HUGV desapareça. Nossa luta sempre será constante e diária... Participe, publique! | 12 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009 INCIDENCE OF MALNUTRITION IN CHILDREN FROM 0 TO 12 MONTHS OLD IN MANAUS: AN ANALYSIS BETWEEN FROM 2000 TO 2009 Anne Caroline Gomes*, Rosana Pimentel Correia** Resumo Objetivo: Identificar os fatores associados ao declínio da desnutrição em crianças de zero a doze meses, residentes em Manaus, no período de 2000 a 2009. Métodos: Trata-se um estudo baseado em análise de dados secundários, obtidos por meio do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) no município de Manaus. Resultados: A desnutrição em crianças menores de um ano em Manaus, no período de 2000 a 2009, reduziu aproximadamente 20%. Associada a esse dado, houve uma redução de 14,73% na quantidade de crianças que vivem em situação de baixa renda, redução de 11,54% de gestantes com idade inferior a vinte anos, aumento de mais de 6% na quantidade de gestantes que realizaram a assintência pré-natal e uma quantidade, aproximadamente, três vezes maior de crianças menores de quatro meses de idade em aleitamento materno exclusivo. Conclusão: Configuram-se como fatores determinantes à prevalência de desnutrição infantil condições sociais, econômicas, culturais e de acesso à saúde. Palavras-chave: Desnutrição; Condições sociais; Condições de saúde; Aleitamento materno; Nutrição infantil. Abstract Objective: To identify factors associated with the children malnutrition decrease rate up to twelve months old, living in Manaus, from 2000 to 2009. Methods: This study is an analysis on the National Health System (Datasus) from Manaus city database. Results: Children’s malnutrition under one year old decreased approximately 20% from the period of 2000 to 2009 in Manaus. This data was associated with a 14.73% reduction in the children living in low-income situation, a 11.54% decrease of pregnant women under the twenties, an increase of more than 6% in the number of women who underwent prenatal assistance and approximately three times higher amount of children who went through four months old exclusively breastfed. Conclusion: Social, economic and cultural factors as well health access configures themselves as determinating points in infant malnutrition. Keywords: Malnutrition; Social Conditions; Health Conditions; Breastfeeding; Child Nutrition. * Residente Multiprofissional do HUGV **Preceptora da Residência Multiprofissional do HUGV/Ufam | 13 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009 Introdução A desnutrição ou, mais corretamente, as deficiências nutricionais são doenças que decorrem do aporte alimentar insuficiente em energia e nutrientes ou ainda do inadequado aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos. Por serem, universalmente, mais vulneráveis a deficiências nutricionais, as crianças são habitualmente escolhidas como grupo indicador da presença da desnutrição na população, admitindo-se que o percentual de crianças com retardo de crescimento propicie uma excelente indicação da magnitude da desnutrição em uma dada coletividade.1 Embora seja considerado um problema de saúde pública, a incidência de desnutrição infantil no Brasil tem declinado consideravelmente. De maneira semelhante, a análise dos indicadores de saúde do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde do município de Manaus demonstrou uma redução significativa na incidência de desnutrição em crianças de zero a 12 meses. Segundo o Departamento de Atenção Básica (DAB) da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, os principais fatores atribuíveis à redução da desnutrição no Brasil se devem ao aumento da escolaridade materna, ao crescimento do poder aquisitivo das famílias, a expansão da assistência à saúde e a melhoria das condições de saneamento. De modo similar, estudos têm revelado a associação positiva entre redução da desnutrição às condições de renda familiar, infraestrutura domiciliar, idade materna, realização de pré-natal durante a gestação e ampliação do período de aleitamento materno exclusivo.2 A pobreza é a principal causa ligada à desnutrição e aos seus determinantes e ameaça à infância.1 O aumento do poder aquisitivo das famílias se relaciona diretamente à melhoria nas condições de habitação, acesso a serviços de saúde e saneamento básico e a maior disponibilidade de alimentos. Torna-se possível o acesso à qualidade e quantidade suficiente de alimentos que irão garantir o adequado consumo alimentar da família. Estudos demonstram que crianças desnutridas possuem mães mais jovens que as não desnutridas. Dessa forma, a idade materna apresenta-se como um dos fatores de risco para a desnutrição infantil.3 A assistência pré-natal objetiva o acompanhamento da gestação, a fim de promover a saúde da gestante e criança e possibilitar a recuperação e melhora clínica de alguma intercorrência detectada. O peso da criança é um dos fatores que são acompanhados durante a gestação, a fim de evitar o baixo peso no momento do parto. O baixo peso, ao nascer, está relacionado ao comprometimento do estado nutricional, além de comprometer a amamentação e aumentar a vulnerabilidade para a ocorrência de doenças na infância.4 A substituição do leite materno por alimentos complementares tem constituído um importante fator para a ocorrência de desnutrição infantil, bem como a introdução da mamadeira, o que acaba por expor essas crianças a maiores riscos de comprometimento nutricional e problemas de saúde.4 O presente trabalho tem como objetivo identificar os fatores associados ao declínio da desnutrição em crianças de zero a doze meses, residentes em Manaus, no período de 2000 a 2009. Tais informações são de grande relevância aos profissionais e autoridades de saúde para a elaboração de políticas públicas que visam à redução dos índices de desnutrição na população do Norte do país, uma vez que há pouco conhecimento a respeito dos determinantes nutricionais pela notável escassez de estudos nesse grupo. Metodologia Trata-se de estudo baseado em análise de dados secundários, obtidos por meio do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) do município de Manaus. A prevalência de desnutrição foi mensurada por dados de crianças entre zero a 12 meses. Foram tabuladas quantidades de crianças pesadas e crianças desnutridas, mês a mês (janeiro | 14 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Lima et al a dezembro) nos anos de 2000 a 2009. Após a quantificação, foi verificado o percentual de desnutrição relaciado ao total de crianças pesadas. Posteriormente, tirou-se uma média anual desse percentual de desnutrição. Para a quantificação e cálculo de percentual e média dos indicadores foi utilizado o programa Microsoft Office Excel Versão 2010. Resultados Os fatores associados à desnutrição em crianças Foram analisadas as quantidades de crianças no primeiro ano de vida foram identificados por pesadas e a quantidade de crianças desnutridas, levantamento bibliográfico. classificadas de acordo com parâmetros de peso, comprimento e idade. Nota-se que no ano Ainda no Datasus foram verificados indicadores de 2000 a desnutrição afetou aproximadamente desses fatores relacionados à desnutrição, 20% das crianças em idade de zero a 12 meses. coletados entre os anos de 2000 a 2009. No ano seguinte esse percentual caiu para a Foram analisados os dados que quantificaram metade, menos de 10%. Em 2009 o índice de o percentual de crianças em situação familiar crianças desnutridas representa menos de de baixa renda, a quantidade de gestantes 1% do total de crianças pesadas. Observa-se, em acompanhamento pré-natal, a quantidade dessa forma, importante declínio do quadro de de gestantes com idade inferior a vinte anos desnutrição em crianças menores de um ano de e quantidade de crianças menores de quatro idade na cidade de Manaus. meses em aleitamento materno exclusivo. Gráfico 1: Percentual de desnutrição em crianças de zero a 12 meses no período de 2000 a 2009, Manaus/AM. O Gráfico 2 demonstra o percentual de crianças em situação domiciliar de baixa renda. A análise foi feita pela quantificação dos percentuais de crianças que vivem em situação cuja renda per capta da família é inferior a ¼ do salário mínimo. Pode-se notar aumento do poder aquisitivo das famílias dessas crianças, visto que houve uma queda de aproximadamente 15% no número de famílias em situação de baixa renda. | 15 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009 Gráfico 2: Percentual de crianças em situação familiar de baixa renda no período de 2000 a 2009, Manaus/AM A idade materna, fator de risco à incidência com o Gráfico 3, houve redução de mais de de desnutrição em crianças, foi analisada pela 10% nos casos de gravidez na adolescência no quantificação do percentual de gestantes com período de 2000 a 2009. idade inferior a 20 anos de idade. De acordo Gráfico 3: Gestante com idade inferior a 20 anos de idade no período de 2000 a 2009, Manaus/AM. O Gráfico 4 demonstra a quantidade de gestantes que realizaram a assistência pré-natal durantes os anos de 2000 a 2009. A mensuração desse percentual foi realizada pela quantificação do total de gestantes e quantidade de gestantes em atendimento pré-natal. Observa-se crescente adesão ao acompanhamento assistencial durante esse período, com aumento de aproximadamente 6% no número de gestantes com realização do pré-natal. | 16 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Lima et al Gráfico 4: Percentual de gestante em acompanhamento pré-natal no período de 2000 a 2009, Manaus/AM. No Gráfico 5 observa-se a quantidade de crianças menores de quatro anos em aleitamento materno exclusivo. Nos anos de 2000 a 2009 houve aumento significativo, aproximadamento três vezes maior na quantidade de crianças em aleitamento materno sem recebimento e intervenção de alimentação complementar. Gráfico 5: Incidência de crianças menores de quatro meses em aleitamento materno exclusivo no período de 2000 a 2009, Manaus/AM. Resultados da desnutrição foi reduzida em cerca de 50%.5 A análise dos dados obtidos por meio do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde demonstrou uma significativa queda na incidência de desnutrição em crianças menores de um ano na cidade de Manaus, no período de 2000 a 2009. De modo similar, em estudo realizado no Brasil, baseado em inquéritos demográficos coletados durante os anos de 1996 a 2007, a prevalência O aumento do poder aquisitivo familiar das crianças manauenses entre 2000 e 2009, sobretudo nas classes de menor poder aquisitivo, é consistente com estimativas baseadas nas Pesquisas Nacionais do Datasus que indicam melhoria na distribuição da renda nacional e redução da proporção de indivíduos vivendo com renda abaixo da linha | 17 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INCIDÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ZERO A 12 MESES NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UMA ANÁLISE ENTRE OS ANOS DE 2000 A 2009 da pobreza, particularmente a partir de 2000. Para estudiosos do assunto, a tendência recente de melhoria na distribuição da renda e redução da pobreza no Brasil seria consequência da reativação do crescimento econômico e da consequente diminuição do desemprego, de reajustes do salário mínimo acima da inflação e da forte expansão da cobertura dos programas de transferência de renda.5 774 crianças por meio de entrevista, avaliação antropométrica e exames laboratoriais, com objetivo de identificar a prevalência e os fatores associados à desnutrição em crianças com menos de 60 meses, sugere que a desnutrição infantil apresenta-se como um importante problema de saúde pública, associado aos indicadores de iniquidades sociais, acesso aos serviços de saúde e ausência da mãe no domicílio, e aponta o baixo peso ao nascer como fator associado ao A evolução da idade materna entre 2000 e 2009 déficit de peso para estatura.8 Nesse contexto, é considerada fator singular para a redução a assistência pré-natal pode atuar de forma da desnutrição nesse período e na melhoria a minimizar a ocorrência de nascimento com de indicadores do desempenho dessas mães, baixo peso, a fim de evitar o acometimento de fator observado tanto em Manaus quanto no desnutrição nessa população. Brasil ao longo da década de 1990. De modo similar, em estudo realizado por intermédio de O aleitamento materno exclusivo permite ao entrevistas e avaliação antropométrica com 250 organismo do bebê adaptar-se à demanda crianças assistidas por creches em João Pessoa energética necessária durante os períodos (PB) durante o ano de 2009 evidenciou-se que a de amamentação. O leite materno fornece idade materna inferior a 20 anos constitui fator macronutrientes e micronutrientes na de risco associado ao défict de peso infantil.6 quantidade adequada ao bebê, sendo Isso pode ser justificado pelo fato de que mães dispensável a inclusão de água e outros líquidos adolescentes podem não estar preparadas nessa fase. Em um estudo realiuzado na cidade adequadamente para cuidar de uma criança, de Pelotas (RS), em 2000, com 350 crianças, por e ainda por não poder contar com o apoio meio de entrevista e avaliação antropométrica, familiar e paterno. A maternidade surge então foi possível observar efeito do leite materno como um agravante na incidência de depressão sobre o indicador antropomêtrico peso/ e conflitos pessoais, fazendo que essa mãe altura, com um risco para desenvolvimento negligencie o cuidado ao filho. Em outro estudo de desnutrição de 1,7% para crianças realizado por meio de entrevista no Estado de desmamadas.9 Com esse estudo, os autores Minas Gerais, no ano de 2000, com 476 mães, puderam observar que o parâmetro de altura/ 237 adolescentes e 239 não adolescentes, idade reflete predominantemente as condições demonstrou que a prevalência de aleitamento socioeconômicas subjacentes, enquanto o materno exclusivo foi maior em mães não peso/altura reflete predominantemente as adolescentes, aproximadamente 77%, e relata condições ambientais sob as quais a criança como fatores associados ao desmame o estado vive no momento. conjugal, atividade fora do lar após o parto, dificuldade para amamentar nos primeiros Conclusão dias e aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar, sugerindo que a maternidade nessa Com base em inquéritos levantados em dados faixa etária tenha peculiaridades que a mantém secundários de Manaus, o presente artigo como objeto especial de estudo.7 evidenciou, por meio de números, o declínio significativo da desnutrição nesse município. O acompanhamento pré-natal configura-se Levantamento de estudos sobre fatores como fator de primordial importância para associados à desnutrição infantil configura evitar incidências de desnutrição infantil, pois como fatores determinantes à prevalência pode prevenir o baixo peso ao nascer, detecção e de desnutrição infantil: condições sociais, prevenção de distúrbios nutricionais que possam econômicas, culturais e de acesso à saúde. vir acometer a criança no primeiro ano de vida. Em estudo realizado no Acre, em 2002, com Os dados obtidos em bancos de dados públicos | 18 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Lima et al demonstram que, concomitante ao declínio da desnutrição durante o período analisado, houve o aumento do poder aquisitivo das famílias manauenses, diminuição do índice de gravidez na adolescência, aumento da adesão à assistência pré-natal e da prática do aleitamento materno exclusivo. Dessa forma, pode-se sugerir que, assim como em outros estudos, esses fatores podem de alguma forma interferir no quadro de desnutrição infantil. Isso nos leva a fomentar a adoção de políticas públicas de incentivo à saúde, voltadas à gestante e ao estímulo ao aleitamento materno exclusivo, bem como políticas para melhorem as condições econômicas da família a fim de aumentar o seu poder aquisitivo e proporcionar maior acesso a produtos e serviços. n. 12, Rio de Janeiro, dec. 7. Frota DAL, Marcopito LF. Amamentação entre mães adolescentes e não adolescentes. Montes Claros, MG. Rev Saúde Pública. 2004; 38(1): 8592. 8. Souza OF, Benício MHD’A, Castro TG, Muniz PT, Cardoso MA. Desnutrição em crianças menores de 60 meses em dois municípios no Estado do Acre: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2012; 15(1): 211-21. 9. Olinto MT, Victora C, Barros F, Tomasi E. Determinantes da Desnutrição Infantil em uma População de Baixa Renda: um Modelo de Análise Hierarquizado. Cad. Saúde Públ. Rio de Janeiro. 1993; 9 (supl. 1): 14-27. Referências 1. Monteiro CA. Fome, Desnutrição e Pobreza: além da Semântica. Saúde e Sociedade. 2003; 12, 1, 7-11, jan-jun. 2. Barroso GS, Sichieri R. Salles-Costa R. Fatores associados ao déficit nutricional em crianças residentes em uma área de prevalência elevada de insegurança alimentar. Rev Bras Epidemiol. 2008; 11(3): 484-94. 3. Muradas MR, Carvalho SD. Fatores que influenciam a desnutrição infantil em um centro de saúde do município de Campinas (SP). Cienc. Cuid. Saude. 2008; 7(1): 053-058. 4. Santos RB, Martin PA, Sawaya AL. Estado nutricional, condições socioeconômicas, ambientais e de saúde de crianças moradoras em cortiços e favela. Rev Nutr. Campinas. 2008; 21(6): 671-681. 5. Monteiro CA, Benício MHA, Konno SC, Silva ACF, Lima ALL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública. 2009; 43(1): 35-43. 6. Souza MM, Pedraza DF, Menezes TN. Estado nutricional de crianças assistidas em creches e situação de (in)segurança alimentar de suas famílias. Ciênc. saúde coletiva. 2012; vol. 17, | 19 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO BRAZILIAN HEALTH SYSTEM AND YOURS ECONOMIC IMPLICATIONS: A BRIEF REFLECTION Alice Fernanda da Silva Gonçalves, Elinaldo Ferreira da Costa, Emerson Santos de Lima, Greice Kelly de Oliveira Chaves Narciso Ferreira, Karlla Brunna Mota Moura, Rafael Magalhães Barros,** Edson de Oliveira Andrade.*** Resumo Introdução: O presente artigo tem como objetivo retratar a evolução da saúde brasileira sob a ótica do seu impacto sobre a economia e o processo de desenvolvimento nacional. Faz-se uma retrospectiva desde o tempo do Brasil Colônia e os dias atuais, descrevendo as diversas políticas públicas adotadas no setor pelos diversos governos brasileiros. Por fim, são destacados os desafios a serem enfrentados pelo setor nos anos futuros. Metodologia: Revisão bibliográfica nos bancos de dados de bibliotecas com acesso na internet, mediante uso de palavras-chave. Resultados: Foram identificados diversos documentos que permitiram a construção de um painel sobre o histórico da saúde pública brasileira. Conclusão: Esta revisão permitiu identificar o perfil evolutivo da saúde pública no Brasil, bem como as ações públicas desenvolvidas nesse setor. Palavras-chave: Saúde; Economia; Financiamento; SUS e Saúde suplementar. Abstract Introduction: This article aims to portray the Brazilian health evolution and its impact on national economy and development. A retrospective from the colonial Brazil to the present day, describing the various public policies adopted in the sector by the various Brazilian governments. Finally, highlighting the challenges up to be faced in future years by the sector. Methodology: Literature review on the libraries databases with Internet access, through the use of key words. Results: Various documents allowed the construction of a Brazilian history public health panel have been identified. Conclusion: This review identified the developmental profile of public health in Brazil, as well as public actions carried out in this sector. Keywords: : Health; Economy; Financing; SUS e Supplementary Health. Introdução O desenvolvimento econômico deve buscar a melhora da vida das pessoas, mas não se alcança esse objetivo sem melhorar o nível de saúde da população.1 Mas a implantação da saúde em nosso país tem se comportado de qual maneira? A saúde brasileira é uma questão de polícia, social ou econômica? Uma análise retrospectiva da questão até os nossos dias irá mostrar que a resposta vai depender do momento histórico em que venhamos a nos colocar para responder a pergunta. Este artigo tem como objetivo fazer uma breve * Trabalho realizado no Curso de Administração Noturno da Faculdade de Estudos Sociais (FES) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). ** Alunos do Curso de Administração Noturno da FES/Ufam. *** Professor do Departamento de Clínica Médica-FM/Ufam; aluno do Curso de Administração Noturno da FES/Ufam. | 20 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO revisão sobre o papel da saúde no processo econômico nacional desde o Brasil Colônia até os dias atuais, e se justifica na necessidade da compreensão do fenômeno histórico da construção da saúde pública no Brasil para a consolidação dos avanços necessários para o setor, visando para a população brasileira de um sistema público dotado de eficiência, eficácia e efetividade em suas ações. Metodologia Adotou-se na elaboração deste artigo de uma revisão bibliográfica, realizada com base em uma pesquisa nos bancos de dados nacionais e internacionais das bibliotecas com acesso pela internet (periódicos Capes; Scielo; Bireme) com as seguintes palavras-chave: história da saúde pública brasileira/orçamento público da saúde/ políticas públicas de saúde/participação pública e privada nos cuidados da saúde/financiamento da saúde/avaliação econômica da política de saúde. De acordo com determinados autores,2 as revisões podem ser classificadas segundo seu propósito, abrangência, função e tipo de análise desenvolvida. Nesse sentido, conforme a classificação anterior, este trabalho pode ser classificado como analítico, pois trata de um tema específico; temático, por se debruçar sobre uma avaliação das políticas públicas brasileiras, e histórico, pois busca expor uma literatura retrospectiva, comparando diversas épocas e suas contribuições para as políticas públicas de saúde no Brasil. O objetivo deste artigo é realizar uma revisão na literatura da área da saúde visando analisar o comportamento das políticas públicas para a saúde no Brasil. de vista da saúde pública, a preocupação das autoridades basicamente se limitava ao problema da limpeza das cidades que, de acordo com as Ordenações Filipinas de 1604, era uma obrigação da Municipalidade.3 Ainda naquele período histórico, o primeiro impacto da saúde sobre a economia dá-se na questão portuária, quando o contato de navios portando pessoas doentes gerava na população preocupações e atitudes que implicavam em fatos econômicos. Assim, foram criadas medidas sanitárias para isolamento de escravos portadores de doenças, o que gerava um impacto financeiro importante, considerando o valor econômico de cada escravo na estrutura produtiva existente à época no Brasil. A grande novidade aparece em 1828 com a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que lutará para impor-se como guardiã da saúde pública, propondo, à luz da Medicina, ajudar nas questões de higiene pública, culminando na edição, em 1830, de um Código de Posturas pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro.3 A partir 1848 ocorrem os primeiros casos de febre amarela urbana na cidade do Rio de Janeiro e, em 1855, tem-se uma epidemia de cólera. Tudo isso, juntamente com os casos de peste bubônica e de varíola, irá gerar impactos futuros de natureza econômica a influenciar na direção da saúde pública brasileira agora já sob o regime da República. 1.1 Do Brasil Colônia à República Velha Em 1902 assume a Presidência do Brasil o cons. Rodrigues Alves. Naquela época, como diz Cotrim: “O turista, que vem à América do Sul, muitas vezes, aqui, nem baixa à terra bárbara, do navio em que viaja, contentando-se com vêla de longe, além de feia e desinteressante, a cidade é um perigo, foco das mais tremendas moléstias infecciosas, a febre amarela, a peste bubônica, a varíola”.4 Durante o período colonial, a principal preocupação da Coroa portuguesa com a saúde se limitava à fiscalização do exercício da Medicina por meio da Fisicatura, órgão que regulamentava a prática médica. Do ponto A má fama da principal cidade brasileira, fama também compartilhada pela cidade de Santos, já um dos principais portos do Brasil, estava impactando negativamente no comércio internacional, posto que muitas companhias de 1. Um Retrospecto das Políticas de Saúde Pública no Brasil | 21 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Gonçalves et al navegação decidiram não mais parar os seus navios nesse dois portos. O presidente Rodrigues Alves, ouvindo o médico Salles Guerra, indica o médico Oswaldo Cruz para comandar a Repartição Geral de Saúde Pública, iniciando assim uma revolução sanitária que irá marcar positivamente o Brasil. No início de seu trabalho, Oswaldo Cruz foi fortemente hostilizado, chegando a ser agredido fisicamente e submetido a todo tipo de constrangimento, configurando tais condutas, em muitas situações, um verdadeiro caso de polícia. Contudo, Rodrigues Alves mantém o apoio político, e com o sucesso da empreitada, em quatro anos Oswaldo Cruz vai de vilão a herói.5 como Lei Elói Chaves, deputado paulista que a apresentou no Congresso Nacional, e instituiu a Caixa de Previdência dos Ferroviários. A par dos seus objetivos de oferecer uma aposentadoria para aquela categoria de trabalhadores, trazia em suas normas a previsão de cobertura de gastos com a saúde deles conforme se verifica no artigo 9.º que diz in verbis (com grafia da época): Art. 9.º – Os empregados ferro-viarios, a que se refere o art. 2.º desta lei, que tenham contribuido para os fundos da caixa com os descontos referidos no art. 3.º, letra a, terão direito: 1.º, a soccorros medicos em casos de doença em Os anos seguintes são bastante tumultuados em sua pessôa ou pessôa de sua familia, que habite todo o mundo. Na Rússia explode a revolução sob o mesmo tecto e sob a mesma economia; bolchevique e por toda parte o movimento anarquista se manifesta. O resultado é um 2.º, a medicamentos obtidos por preço especial ambiente de trabalho agitado e convulsionado. determinado pelo Conselho de Administração. As péssimas condições de trabalhos eram fontes de parte dessas agitações. Embora o Era o gérmen do sistema previdenciário tema em questão já tivesse sido disciplinado brasileiro e a questão do financiamento público primeiramente na Alemanha, em 1884, pelo da assistência à saúde era pela primeira vez príncipe Otto Leopold Eduard Von Bismarck- trazida à baila nacional. Schönhausen, um dos mais importantes líderes nacionais do século 19, no entanto, no Brasil, 1.2 Da Revolução de 30 aos Governos Militares foi somente no ano de 1918, quando se logrou aprovar o projeto de lei sobre acidentes do Em 1930 Getúlio Vargas lidera uma revolução que trabalho, que fora organizado pela Comissão pôs fim a República Velha. Entre as inovações Especial de Legislação Social, tendo à frente, administrativas apresentadas pelo novo regime como relator, o deputado Andrade Bezerra. está a criação do Ministério de Educação e Saúde Desse projeto surgiu o Decreto n.º 3.724, de 15 Pública tendo a frente Gustavo Capanema. de janeiro de 1919, modificado pelo Decreto n.º 13.493, de 5/3/1919 e, por fim, regulamentado Nesse período consolida-se o modelo pelo Decreto n.º 13.498, de 12/3/1919, que previdenciário brasileiro com a criação dos surge a primeira lei brasileira em favor do Institutos de Aposentadoria e Previdência (Iaps) infortúnio laboral.6 Essa legislação, mais que que assumia também a assistência à saúde de interessada na situação sanitária, se preocupava seus segurados. Na época o próprio governo com a estabilidade das relações produtivas. Era cria o Instituto de Previdência e Assistência dos a questão social vista com olhos econômicos. Servidores Públicos (Ipase). Quem estivesse fora Como consequência dessas pressões sociais é criado o Departamento Nacional de Saúde Pública no governo de Epitácio Pessoa com ações rurais e urbanas, demografia sanitária e fiscalização dos portos e rios. Em 1923 é editado o Decreto n.º 4.682, conhecido desse guarda-chuva protetor era considerado indigente e suas necessidades de saúde ficavam a cabo das entidades filantrópicas e raros serviços público existentes. Sucedendo a Getúlio quando da redemocratização brasileira pós-guerra, o presidente Gaspar Dutra apresentou, em 1948, ao Congresso Nacional | 22 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO o chamado Plano Salte que na área da saúde pretendia, abrangendo a Campanha Nacional de Saúde, elevar o nível sanitário da população, sobretudo a rural. 1966, reuniu os seis Institutos de Aposentadorias e Pensões no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS; que mais a frente, já na década de 1970, se transforma no Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, com o Quando, em 1955, Juscelino Kubitschek assume Instituto Nacional de Assistência Médica da o governo do Brasil, promete avançar cinquenta Previdência Social – Inamps, e o Instituto de anos em cinco. Embora a saúde não fosse Administração Financeira da Previdência Social um aspecto determinante em seus planos de – Iapas, restando no campo das políticas de metas, do ponto de vista da política nacional, saúde programas de extensão da cobertura essas relações entre saúde e desenvolvimento das ações básicas que se mostravam de difícil aparecem de alguma maneira em todas as implantação. Apesar da mudança o mesmo mensagens presidenciais a partir de 1949, modelo assistencial dicotomizado (segurados x quando Dutra reconheceu que “as condições indigentes) continuava em vigor.9 sanitárias de um país circunscrevem-lhe rigidamente o desenvolvimento econômico- 1.3 Da redemocratização até os dias atuais social”.7 As relações entre saúde, doença e pobreza e a necessidade de romper o “ciclo O processo de redemocratização do Brasil vicioso da doença e pobreza” e compreender coincide com o “renascimento” do movimento os “custos da doença e o valor da saúde” foram sanitarista brasileiro, que propõe como incorporadas no debate brasileiro por todos os linha de intervenção a ocupação dos espaços protagonistas.7 Embora minimizada diante de institucionais e a formulação de políticas de outros objetivos maiores, a saúde não deixa de saúde diante da crise previdenciária do Estado.9 desempenhar um papel importante no projeto Esse conjunto de forças sociais culmina na desenvolvimentista de JK, uma vez que a sua realização, em 1986, da 8.ª Conferência desejada integração nacional não poderia Nacional de Saúde, onde suas diretrizes para ser executada sem uma ação sobre os graves a construção de um sistema de saúde público problemas de saúde pública que persistiam no apontavam para uma formulação democrática; país. a criação de um novo Conselho Nacional de Saúde com participação popular e a criação Nos conturbados tempos de Jânio Quadros e de conselhos nos Estados e municípios. Essas João Goulart à frente do governo brasileiro, propostas foram ampliadas e culminaram na outros fatores eclipsaram a questão da saúde elaboração do texto constitucional de 1988 e no Brasil, fazendo que os modelos em curso diz que: de assistência persistissem sem alterações significativas. Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais Com a chegada dos militares ao poder, entra em e econômicas que visem à redução do risco vigor uma política de recuperação econômica de doença e de outros agravos e ao acesso que junto com o crescimento econômico universal e igualitário às ações e serviços para trouxe uma concentração de renda que sua promoção, proteção e recuperação. acelerou a desigualdade no país. A falta de equidade também afetou a assistência à saúde Estavam assentadas as bases para a efetivação do brasileiro aumentando ainda mais o fosso do Sistema Único de Saúde, que seria implantado existente entre os protegidos pela seguridade pela Lei n.º 8.080/1990, que traz em seu bojo previdenciária e os indigentes. Havia também a regulamentação dos preceitos constitucionais uma belíndia na saúde.8 de um sistema que contempla a universalidade; a integralidade; a equidade; a descentralização Durante o regime militar ocorre a unificação do e a participação social. Era iniciada a discussão regime previdenciário com a extinção do Iaps; sobre o financiamento do sistema. e o Decreto-Lei n.º 72, de 21 de novembro de | 23 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Gonçalves et al Correndo por fora da discussão do modelo principal, mas não tanto que não houvesse uma previsão legal no artigo 199, parágrafo 1.º, da Constituição Federal de 1988, uma força econômica começa a adquirir importância na saúde brasileira: os planos de saúde. Nascidos das medicinas de grupo, empresas de atenção médica voltadas para a assistência subsidiária ou substitutiva da assistência médica oferecida aos trabalhadores; as medicinas de grupo rapidamente evoluem para a oferta de uma cobertura médica hospitalar “diferenciada” à população, passando a angariar agora como planos de saúde uma clientela cada vez maior entre os trabalhadores e a classe média, que se sentiam inseguros com um sistema público de saúde, que embora bem-intencionado, não consegue deslanchar em face de inúmeros problemas operacionais e principalmente de financiamento. São as mazelas do SUS o melhor marketing dos planos de saúde.10 Nesse momento, aquilo que um dia foi um caso de polícia e depois uma questão social transforma-se substancialmente em uma questão econômica. 38,5% e local (municipal): 7,4%. Já àquela época, Mascarenhas chamava a atenção que qualquer nova distribuição de atividades de saúde pública para os governos municipais do Brasil não pode ser outorgada, como aquelas de administrar as unidades sanitárias locais, sem que se modifique, profundamente, o sistema tributário brasileiro, dando maior quinhão às municipalidades... Velhas questões... Atuais questões.12 Na tentativa de estudar os gastos públicos com a saúde no Brasil, Mascarenhas somente consegue informações do período de 1955 a 1962. Nesse período o governo federal gastou em média 3,4% de suas despesas gerais em saúde; os governos estaduais gastaram 6,9% de seus gastos gerais em saúde e os municípios 3,4%. Destaca em suas conclusões que os gastos per capita no período de 1955 a 1962 haviam subido de US$ 1,82 para US$ 2,38 bilhões. Com a implantação do SUS, ocorre a universalização do atendimento e a integralidade da assistência. Essas mudanças de natureza política e econômica têm um 2. A Economia da Saúde e a Saúde na impacto grande nas contas públicas para o setor. Em 1950, saímos de 1 para 2% do PIB, e Economia para 6% no meado da década de 1980. Em 1982 já gastávamos, em termos absolutos, US$ 80, 2.1 O financiamento da saúde pública no Brasil embora comparativamente os Estados Unidos da América, à época, gastassem 15 vezes mais.1 Como bem diz Silvia Porto, existe um trabalho Atualmente os dados mostram que o gasto anual pioneiro no estudo da questão do financiamento do governo com a saúde de cada brasileiro (US$ da saúde pública no Brasil: Financiamento dos 477 ou R$ 954), apesar de ter mais do que Serviços de Saúde Pública, de autoria de Rodolfo dobrado na última década, permanece em um Mascarenhas, publicado em 1967 na Revista de patamar inferior à média mundial (US$ 716 ou Saúde Pública. Esse trabalho germinal foi um dos R$ 1.432) e representa apenas uma fração do poucos elaborados e publicados antes da década que países ricos destinam a seus cidadãos. de 1970, e onde é analisada a arrecadação dos impostos, a descentralização dos serviços de Em Luxemburgo, por exemplo, que lidera a lista, saúde pública e as despesas efetuadas em cada o governo gasta, por ano, US$ 5,8 mil (R$ 11,6 nível.11 mil) na saúde de cada habitante, ou 12 vezes o valor do Brasil. Países vizinhos, como Argentina Em sua análise sobre a distribuição da (US$ 869 ou R$ 1.738) e Chile (US$ 607 ou R$ arrecadação de impostos entre as três esferas 1.214), também destinam mais recursos na de governo no Brasil, Mascarenhas mostra saúde de seus habitantes.13 que, desde 1940 até 1962, a distribuição percentual dos impostos arrecadados se deu Na busca de se encontrar uma sustentação na seguinte média: federal: 54,1%; estadual: financeira para o SUS, foi aprovada em | 24 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO 2008 a Emenda Constitucional n.º 29. A sua regulamentação somente veio a ocorrer em 2012, pela Lei Complementar n.º 141, que impôs à União a aplicação anual, em ações e serviços públicos de saúde, do montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos dessa lei complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual, aos Estados 12% de sua arrecadação e aos municípios a obrigação de aplicar 15% de suas arrecadações em saúde. O Distrito Federal deverá aplicar 12 ou 15%, conforme a receita seja originária de um imposto de base estadual ou municipal. Nessa lei também ficou definido o que é gasto com saúde. 1960 1970 1980 1990 2000 2005 2006 2007 2008 2009 - - - - 40,3 40,1 41,7 41,6 44 45,7 Argentina - - - - 55,4 55,2 55,8 59,4 62,6 66,4 Alemanha - 72,8 78,7 76,2 79,8 74,3 74,4 74,5 74,6 75,7 Brasil Canadá 42,6 69,9 75,6 74,5 70,4 70 69,9 69,9 69,5 68,7 EUA 23,1 36,2 40,8 39,2 43,2 45,5 46,4 46,8 47,8 48,6 França 62,4 75,5 80,1 76,6 79,4 76,9 76,4 76,3 75,9 76,6 Reino 85,2 87 89,4 83,6 79,3 81,9 81,9 82 82,6 83,6 Itália - - - 79,5 72,5 75,2 74,7 75,4 76,3 77,3 Japão 60,4 69,8 71,3 77,6 81,3 80,4 79,4 80,3 80,5 80 Unido Fonte: OECD e OMS. Tabela 1: Gasto público como % do gasto total cem Saúde Na Tabela 1 podemos observar em termos temporais o comportamento dos gastos públicos com a saúde em diversos países. No caso brasileiro, nesse período, o percentual médio dos gastos foi de 42,2%. Na atualidade é o que existe em termos de financiamentos à saúde pública brasileira. E não faltam reclamações sobre falta de recursos para atender às necessidades do setor. 2.2 O financiamento privado à assistência da saúde do brasileiro O nome é Sistema Único de Saúde – SUS, mas na realidade ele não é o único sistema de saúde existente no Brasil. Existe outro mundo assistencial fora do SUS: o sistema dos planos de saúde.10 Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), em dezembro de 2010, 46,6 milhões de brasileiros eram usuários de um plano de saúde no Brasil. Isso correspondia aproximadamente a 24% da população. Desse montante, 33 milhões (80%) estavam ligados a um plano coletivo e somente 20% a planos individuais.14 No primeiro trimestre de 2014, o setor de saúde suplementar já contava com quase 51 milhões de beneficiários de planos de assistência | 25 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Gonçalves et al médica e cerca de 21 milhões de beneficiários de planos odontológicos registrados no Sistema de Informações de Beneficiários – SIB. Nos últimos dez anos, o número de beneficiários em planos individuais cresceu 19,7%, atingindo Data 10 milhões de vínculos, enquanto o de planos coletivos por adesão cresceu 4,3% e o de planos coletivos empresariais cresceu 106,6%, alcançando 6,1 milhões e 33,1 milhões de vínculos, respectivamente.15 Assistência médica com Exclusivamente ou sem odontologia odontológico Dez./00 31.161.481 2 .603.001 Dez./01 31.727.080 3 .062.681 Dez./02 31.513.309 3 .677.782 Dez./03 32.074.667 4 .325.568 Dez./04 33.840.716 5 .312.915 Dez./05 35.441.349 6 .204.404 Dez./06 37.248.388 7 .349.643 Dez./07 39.316.313 9 .164.386 Dez./08 41.468.019 11.061.362 Dez./09 42.686.816 13.257.322 Dez./10 45.154.355 14.513.958 Dez./11 46.499.273 16.981.132 Dez./12 48.243.789 19.152.817 Dez./13 50.574.517 20.780.121 Mar./14 50.722.522 20.969.662 Fonte: ANS/MS. Tabela 2: Beneficiários de planos de saúde privados por cobertura assistencial do plano no período de 2000 a 2014 Segundo o CFM, a receita dos planos de saúde não para de crescer. Conforme informado pelas operadoras, o faturamento no primeiro trimestre de 2011 foi de R$ 18,4 bilhões, 3,8% a mais que no mesmo período de 2010. Analisando os dados de 2010, as operadoras médico-hospitalares tiveram uma receita de R$ 72,7 bilhões, 13,2% a mais que em 2009. | 26 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO 1960 1970 1980 1990 2000 2005 2006 2007 2008 2009 - - 34,3 34,9 34,9 35,3 35,8 39,4 41,2 41,2 Argentina - - 32,6 28,4 28,3 28,5 28,4 30,7 32,8 32,8 Alemanha - - 41,1 43,3 41,1 41,6 41,4 41,9 42,7 42,7 Canadá - - 38,8 43,9 43,9 43,9 43,1 49,9 44,3 43 EUA - - 60,3 67,6 68,2 68,5 68,7 68,3 68,8 69,3 França - 61,6 63,2 63,8 63,6 62,5 62,6 61,9 61,9 Reino - - 7,8 6,3 8 7,7 7,7 5,6 6,7 6,7 Itália - - 3,2 3,6 6,8 3,7 3,9 4,1 4,3 4,6 Japão - - 1,7 13,1 13,3 14,3 13,7 13,8 13,8 13,8 Brasil Unido Fonte: OECD e OMS. Tabela 3: Parcela dos gastos privados em saúde disponibilizada em seguros de saúde e/ou planos de saúde no período de 1960 a 2009 A Tabela 3 apresenta dados que apontam os gastos do setor privado da saúde desde a década de 1980, mostrando a ascensão dos gastos. Isso ocorreu em todos os países, exceto Japão, Itália e Reino Unido. Dois países se destacam com o aumento percentual do setor: os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil; o primeiro com 9% e o segundo com 6,9%. No caso dos EUA, a população é compelida a recorrer a um seguro de saúde privado capaz de arcar com despesas referidas em momentos necessários, uma vez que o sistema público disponível é bastante restrito. O Brasil, apesar de possuir um sistema de saúde universal, apresenta alta porcentagem de usuários de seguros de saúde, o que pode explicitar, além da ineficácia do sistema, uma descrença por parte da população quanto a sua qualidade.16 Duas conclusões econômicas, ainda que preliminares, podemos tirar dessa situação: a primeira é que o setor privado se responsabiliza por uma parcela substancial da população brasileira desonerando o SUS do atendimento. Em segundo lugar, fica evidente que o setor tem uma forte e crescente importância econômica diante do volume de recurso movimentado. É a questão da saúde se manifestando com sua fascie econômica. 3. Os Desafios Socioeconômicos na Saúde 3.1 Mudança no perfil demográfico brasileiro Durante todo o século 20 o Brasil foi considerado um país de jovens. A pirâmide populacional em 1980 mostrava que tínhamos uma população majoritariamente constituída por pessoas abaixo dos 30 anos (Figura 1). Quando olhamos para a mesma pirâmide populacional no ano de 2010 (Figura 2), verificamos quanto o perfil demográfico brasileiro mudou em tão pouco tempo. | 27 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Gonçalves et al Fonte: IBGE Figura 1: Projeção da população brasileira no ano de 1980 Fonte: IBGE. Figura 2: Projeção da população brasileira no ano de 2010 Mais marcante é a projeção da população e o Brasil se tornando efetivamente um país de brasileira para o ano 2050, quando observamos idosos com mais de 13 milhões de habitantes uma inversão completa da pirâmide populacional com 80 anos ou mais. | 28 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO Fonte: IBGE. Figura 3: Projeção da população brasileira no ano de 2050 Esse comportamento populacional traz consigo um impacto muito grande nas políticas de saúde brasileira. Atualmente vivemos um momento de transição demográfica e epidemiológica, em que a gestão da saúde tem de atender demandas de uma população jovem e seus problemas, tais como doenças infecciosas e nutricionais próprias dessa faixa etária, assim como as doenças crônico-degenerativas e neoplasias comuns na faixa etária mais idosa. Isso tem impacto no planejamento e na alocação dos recursos disponíveis para a saúde. Se hoje não começarmos a criar as condições para atender os nossos futuros idosos, não mais seremos um país de jovens, ainda desassistidos, mas com certeza seremos um país de velhos abandonados. 3.2 O desafio da incorporação de novas tecnologias econômica de pagamento. Esse processo caracteriza-se por ser um processo sistemático e multidisciplinar, que procura direcionar o processo de decisão dos diversos participantes do sistema de saúde: médicos, pacientes, indústria de insumos, administradores e gestores, bem como outros atores interessados na questão.17 Sabe-se que a pressão pela assimilação de novas tecnologias é muito grande dentro do setor saúde. A própria disponibilidade de um serviço é motor próprio para a sua utilização futura, ainda que não necessária. Esse fenômeno é chamado, no setor de saúde, como Lei de Roemer.18 Diversos são os exemplos dessa lei econômica na assistência à saúde. Em Manaus essa situação É notório o processo de criação de novos foi documentada no episódio da oferta de conhecimentos em todas as atividades humanas, exames de imagem em um plano de saúde. O e em especial no setor saúde. Isso tem um Gráfico 1 demonstra o incremento do uso de forte impacto econômico. O desafio está em se tomografias computadorizadas por prestador de criar um método crítico para avaliar esse novo serviço, no período de 1998 a 2004, sem que conhecimento com vista a sua assimilação no tivesse ocorrido um incremento no número de sistema de saúde, público ou privado, tendo por usuários do plano de saúde no período.19 base critérios científicos válidos e possibilidade | 29 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Gonçalves et al Fonte: Andrade, E. O et. al. RAMB, 2011; 57(2): 138-43. Gráfico 1: Incremento do uso de tomografias computadorizadas na Unimed-Manaus, por prestador de serviço, no período de janeiro de 1998 a junho de 2004 Superados os problemas da falta de evidências científicas, ainda restarão alguns dilemas a serem resolvidos. Um dos primeiros dilemas a ser apreciado é se existirá dinheiro suficiente para pagar por toda essa evolução tecnológica. O segundo dilema é se deverá haver comportamento assimilador diferente para o SUS e a saúde suplementar. A não solução desses dilemas tem ocasionado instabilidade dentro dos sistemas de saúde. É notório o retardo do SUS em assimilar novas tecnologias, mesmo aquelas sobre as quais não existem mais dúvidas científicas de sua validade e importância clínica. Quase sempre a razão do silêncio é a falta de recursos para o financiamento. Por vezes, a situação se complica ainda mais quando o governo, por meio da ANS, oferece a mesma tecnologia recusada no SUS aos usuários dos planos de saúde. Nesses casos invariavelmente a questão termina num tribunal. É a questão econômica voltando a ser uma “questão de polícia” por intermédio da judicialização da saúde. Como o Poder Judiciário atua sob a perspectiva da justiça comutativa, sob o âmbito da microjustiça do caso concreto, o desafio de incorporar a política pública de saúde em suas decisões revela-se indispensável para o avanço da jurisprudência, no sentido de compatibilizar a justiça comutativa, dentro de cada processo, com a justiça distributiva, representada pela decisão coletiva formulada e formalizada por meio dos diversos atos normativos que compõem a política de assistência à saúde, emanados dos poderes Legislativo e Executivo do Estado.20 Esse é o desafio imposto ao Judiciário brasileiro e aos operadores do direito pátrio. 3.3 O desafio do financiamento futuro do sistema Como vimos nos dois itens anteriores, são grandes as pressões sobre o setor a demandar recursos cada vez mais crescentes. Do ponto de vista macroeconômico, considerando os próximos 20 anos estudados, a sustentabilidade do atual sistema de saúde dependerá de um crescimento médio do PIB superior a 5% ao ano, de uma inflação de gastos em saúde não superior ao dobro da inflação geral média do período, além de um ganho real de renda média das famílias, no período, não inferior a 0,5% ao ano, associado a uma melhor distribuição de renda.17 Conclusões Como podemos ver ao longo desta revisão, a saúde no Brasil passou por vários momentos até chegar ao modelo atual instituído pela Constituição de 1988. Embora em níveis diferentes de preocupação, os diversos governos brasileiros, de alguma forma, apresentaram | 30 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 A SAÚDE BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS: UMA BREVE REFLEXÃO políticas para o setor. O sistema constitucionalmente instituído em 1988 (SUS) é a forma existente ofertada para a totalidade da população brasileira. Junto com ele convive um sistema privado a cabo das operadoras de planos de saúde que atende cerca de um quarto da população. O desafio que se impõe para o agora e ao futuro é dotar esse sistema de qualidade, eficiência e eficácia, transformando os recursos empregados em melhoria de vida das pessoas, por meio da oferta de uma maior quantidade de benefício a uma maior quantidade de pessoas possível. Referências 1. Baer W, Campino A, Cavalcanti T. Saúde no processo de desenvolvimento do Brasil. In: Baer W, editor. Economia Brasileira. 3 ed. São Paulo: Nobel; 2008. p. 456-72. Kubitschek. História, Ciências, SaúdeManguinhos. 2009; 16: 313-31. 8. Baer W. Estagnação e boom: O Brasil nas décadas de 1960-70. In: Baer W, editor. Economia Brasileira. 3 ed. São Paulo: Nobel; 2008. p. 92-108. 9. Faleiros VP, Silva JFS, Vasconcellos LCF, Silveira RMG. A Construção do SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. 10. Andrade EN. O SUS e o direito à saúde do brasileiro: leitura de seus princípios, com ênfase na universalidade da cobertura. Revista Bioética. 2010; 18(1): 61-74. 11. Porto SM. Comentário: Avanços e problemas no financiamento da saúde pública no Brasil (1967-2007). Rev Saúde Pública. 2014; 40(4): 576-8. 12. Mascarenhas RS. Financiamento dos Serviços de Saúde Pública. Rev Saúde Pública. 1967; 1(1): 24-37. 2. Noronha DP, Ferreira SMSP. Revisões da Literatura. In: Campelo BS, Cendón BV, Kremer JM, editors. Fontes de Informação para 13. BBC Brasil. Governo gasta mais com saúde, Pesquisadores e Profissionais. Belo Horizonte: mas SUS ainda vive contradição no Brasil. http://noticias.terra.com.br/brasil/governoEd.UFMG; 2000. p. 191-8. gasta-mais-com-saude-mas-sus-ainda-vive3. Galvão MAM. Origem das políticas de saúde contradicao-no-brasil,5433adee541cd310VgnCL pública no Brasil: Do Brasil Colônia a 1930. D2000000ec6eb0aRCRD.html. 2013. 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Revista de Direito Sanitário. 2008; 9(2): 67-72. | 32 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS HEALTH EDUCATION: A MULTIDISCIPLINARY INTERVENTION WITH A DIABETIC GROUP Giuliana Arie,* Abner Souza Paz,* Anne Karina Pereira de Andrade,* Bruna Loretta Flores da Silva,* Betânia de Oliveira Rebouças, * Gesiane Araújo Frota Resumo Objetivos: Relatar a experiência de uma equipe multiprofissional de residentes em saúde junto a pacientes diabéticos na atenção primária. Metodologia: Estudo descritivo e qualitativo, realizado por meio da descrição dos resultados da vivência dos residentes do Programa de Residência Multiprofissional de Saúde do Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus/AM, numa intervenção em educação e saúde junto a um grupo de diabético, que ocorreu no período de junho a agosto de 2013 em uma unidade de saúde de Manaus/AM. A atividade contou com a participação de oito usuários. Resultados: Foi possível identificar os conhecimentos prévios e adquiridos durante os encontros e a percepção pessoal dos participantes acerca das atividades. Assim como a aplicação de uma metodologia que envolvesse os profissionais residentes numa perspectiva multiprofissional, possibilitando a construção de novos conhecimentos por meio da interação entre os profissionais e deles com os usuários. Desse modo, os participantes salientaram que as informações adquiridas são imprescindíveis para uma melhor qualidade de vida e controle da doença. Conclusão: A prática de educação em saúde compreende uma importante estratégia educativa para a promoção de saúde e inserção dos usuários na construção do conhecimento sobre saúde. E essa ação construída na cooperação de saberes multiprofissionais proporciona um avanço na dimensão do cuidado humanizado e integral aos usuários do SUS. Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Educação em saúde; Autocuidado. Abstract Objectives: To report a multidisciplinary residents health team experience in the diabetic patients’ primary care. Methodology: A descriptive and qualitative study, describing the residents experience results inserted in the University Hospital Getúlio Vargas Multidisciplinary Residency Program Health, Manaus/AM, in a health education intervention among a group of diabetic, which occurred between June and August of 2013 at a health unit in Manaus/AM. The study included 8 diabetic patients. Results: It was possible to identify prior knowledge and acquired ones during meetings and the participants’ personal perception about the activities. As well as the methodology application involving practitioners resident in a multidisciplinary perspective, allowing new knowledge construction through interaction between professionals and users. The participants stressed that the information acquired are essential to a better life quality and disease control. Conclusion: The health education practice includes an important educational * Residente Multiprofissional do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas | 33 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS strategy for health promotion and integration of diabetic patients in the knowledge construction about health. And this action built on the multidisciplinary knowledge cooperation, provides a dimensional breakthrough and humanized care to SUS users. Keywords: Diabetes Mellitus; Health education; Self Care. Introdução e autonômico. As principais manifestações clínicas de comprometimento somático são dormência ou queimação em membros O diabetes mellitus (DM) configura-se hoje como uma epidemia mundial e está entre os principais inferiores, formigamentos, pontadas, choques, problemas de saúde pública do Brasil. Sua agulhadas em pernas e pés, desconforto ou incidência vem aumentando consideravelmente dor ao toque de lençóis e cobertores, queixas nos últimos anos, sendo significativo o número de diminuição ou perda de sensibilidade tátil, de incapacitações, bem como os custos térmica ou dolorosa. O diagnóstico baseiaenvolvidos no seu controle e no tratamento de se na caracterização do quadro clínico com os sintomas e sinais clínicos mais típicos e na suas complicações.1 realização de testes neurológicos.1 No Brasil, o DM juntamente com a hipertensão arterial sistêmica (HAS) são responsáveis De acordo com o Ministério da Saúde,1 o DM é pela primeira causa de mortalidade e de um problema de saúde considerado Condição hospitalizações no Sistema Único de Saúde Sensível à Atenção Primária, ou seja, evidências (SUS) e representam, ainda, mais da metade demonstram que o bom manejo desse problema do diagnóstico primário em pessoas com ainda na Atenção Básica evita hospitalizações insuficiência renal crônica submetidas à diálise.1 e mortes por complicações cardiovasculares e cerebrovasculares. O DM leva a diversas complicações crônicas decorrentes das alterações micro e A percepção e entendimento do indivíduo macrovasculares que levam a disfunção, dano sobre a sua doença é única, assim como o ou falência de vários órgãos, contribuindo para significado que ele costuma dar a essa vivência. o aumento da morbidade e mortalidade dos O resultado dessa interação o direciona para o enfrentamento da situação, por meio de seu pacientes.2 modo de agir e reagir às demandas impostas Estima-se que 15% dos indivíduos com DM pela doença. desenvolverão uma lesão no pé ao longo da vida. Um dos grandes desafios para o A adesão nas condutas terapêuticas é diagnóstico precoce de indivíduos diabéticos fundamental para o controle da doença e em risco de ulceração é a inadequada ou a pode ser entendida como um complexo de não realização de um simples exame dos pés. fenômenos que envolvem desde o tratamento Por outro lado, está bem estabelecido que 85% medicamentoso até a mudança de estilo de dos problemas decorrentes do pé diabético são vida, prevenindo agravos e complicações que passíveis de prevenção com base em cuidados quando presentes geram sofrimento pessoal, familiar, gastos financeiros e comprometimento especializados.1 da qualidade de vida.3 A neuropatia diabética é a complicação mais comum e o pé diabético representa uma das Esse contexto demonstra a magnitude do DM mais mutilantes complicações crônicas do como um problema de saúde pública e o impacto diabetes. A neuropatia diabética compreende que pode causar na qualidade de vida dos um conjunto de síndromes clínicas que afetam indivíduos portadores da doença. Dessa forma, o sistema nervoso periférico sensitivo, motor a educação em diabetes deve estar voltada para a construção de conhecimentos que favoreçam | 34 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Arie et al o autocuidado e a autonomia das pessoas, na perspectiva de que possam ter um viver mais saudável. A educação é parte importante do tratamento do DM, e é por meio dela que os pacientes são capacitados para realizar o gerenciamento da sua doença. Como o atendimento ao paciente com DM é multidisciplinar, a educação em saúde deve envolver todos os profissionais que mantêm contato com ele. Autores têm relatado a importância do trabalho multidisciplinar na assistência a pacientes diabéticos, reforçando a importância da conjugação de saberes de diversas disciplinas, entendendo que um novo conhecimento é produzido com base no entrelaçamento de saberes e práticas oriundas de diversas especialidades da área de saúde.4 A abordagem educativa deverá ocorrer de forma integrada entre os profissionais de saúde, abordando, também, os fatores emocionais e sua influência na adesão ao tratamento. A integridade biopsicossocial desse paciente é condição decisiva para favorecer os cuidados com a doença, resultando, assim, em melhor qualidade de vida para ele.5 Buscou-se em Orem (Teoria do Autocuidado) e técnica de Grupo Operativo de Pichon-Rivière subsídios para desenvolver uma proposta de educação em grupo. A teoria do autocuidado focaliza a importância de reconhecer a pessoa como aquela que tem o direito de exercer o controle sobre si e sobre sua assistência. Na educação para o autocuidado, o indivíduo deve participar da decisão, considerando seus valores, crenças, nível de conhecimento, habilidades e motivação.6,7 educativa desenvolvida com o objetivo de ampliar o conhecimento dos diabéticos sobre sua doença, estimulando a adoção de práticas saudáveis e desenvolvendo habilidades para o autocuidado, visando assegurar que os indivíduos com diabetes tenham condições de adquirir conhecimentos e aptidões que lhes permitam e os habilitem a exercer o autocuidado com sua doença crônica. Metodologia Trata-se de um estudo descritivo e qualitativo. O método qualitativo permite desvelar processos sociais pouco conhecidos referentes a determinados grupos, propiciando a construção de novos modelos e conceitos no decorrer da investigação. Caracteriza-se pela empiria e sistematização progressiva do conhecimento até obter o conhecimento da lógica interna do grupo ou do processo investigado.8 A intervenção foi desenvolvida ao longo de dois meses, no período de julho a agosto de 2013. No processo de desenvolvimento do grupo, foram realizados seis encontros, uma vez por semana, com o objetivo de fornecer conhecimento para o desenvolvimento de habilidades para o autocuidado e controle da doença por intermédio da técnica de Grupo Operativo de Pichon-Rivière. Para determinar o público-alvo, a primeira ação realizada pela equipe multiprofissional, constituída por enfermeiros, psicólogo, fisioterapeuta, farmacêutico e nutricionista, foi o reconhecimento da unidade, para uma melhor visualização das necessidades e problemas da comunidade. Escolheu-se o público e as temáticas a serem trabalhadas baseadas na demanda de Na concepção de Pichon-Rivière, o grupo usuários atendida pelos profissionais de saúde apresenta-se como instrumento de da UBS. Observou-se que havia na unidade uma transformação da realidade, e seus integrantes demanda de pacientes diabéticos que poderiam passam a estabelecer relações grupais que ser o foco de intervenção, a partir da educação vão se constituindo, na medida em que em saúde. começam a partilhar objetivos comuns, a ter uma participação criativa e crítica e a poder Na segunda etapa foi realizado o planejamento perceber como interagem e se vinculam.4,7 da ação, com base na multidisciplinaridade. Os profissionais de cada área trouxeram No presente artigo relatamos a experiência da informações sobre suas intervenções, por meio equipe no desenvolvimento de uma proposta de roda de conversa puderam compartilhar os | 35 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS saberes e planejar uma atividade conjunta. A terceira etapa consistiu no convite a esses usuários, para que pudessem participar do grupo, por intermédio de cartazes fixados no mural da UBS e da informação passada pelos profissionais. Participaram da prática educativa oito usuários com diabetes mellitus tipo 2, que realizam acompanhamento médico na UBS, e manifestaram interesse e disponibilidade. Conforme Carvalho e Serafim,9 o método qualitativo está menos centrado na generalização, priorizando o aprofundamento e amplitude da compreensão da temática estudada, não sendo necessário na amostra um grande número de participantes. Assim, a amostra adequada dever ser capaz de contemplar o todo em todas as suas dimensões. Nos encontros trabalharam-se as seguintes temáticas: O que é diabetes, alimentação x diabetes, medicamentos x diabetes, exercício físico x diabetes, enfrentamento da diabetes e cuidados com os pés. aspectos relacionados a diabetes e à neuropatia por meio de um questionário, o MNSI (Michigan Neuropathy Screening Instrument). A avaliação constava dos dados pessoais e dos referentes à doença: tempo de diagnóstico da diabetes, presença de outras patologias associadas, última glicemia de jejum e 15 perguntas referentes a sintomas da neuropatia diabética, tais como sensação de adormecimento, queimação, agulhada e formigamento nas pernas e pés, entre outras. Além disso, a avaliação incluiu o exame de sensibilidade tátil dos pés com os monofilamentos de nylon, tipo Semmens-Weinstein (SORRI BAURU®) de diferentes espessuras – 4.17 (4 g), 5.07 (10 g) e 6,10 (300 g).11,12,13 O exame consiste em solicitar ao paciente com os olhos fechados que detecte os estímulos cutâneos dos monofilamentos pressionados sob a superfície plantar em alguns sítios correspondentes à inervação plantar: hálux, antepé medial, lateral, médio-pé e calcanhar.14 Esse teste é baseado no princípio de que a força necessária para curvar um determinado fio é a mesma em todas as tentativas, o que permite uma boa reprodutibilidade do método, o qual é recomendado pela Sociedade Brasileira de Diabetes e sugerido como conduta de avaliação em todos os pacientes diabéticos pelo Consensus of Diabetic Foot.15 Os indivíduos incapazes de perceber o monofilamento 5.07 foram classificados como neuropatas perante o teste. Armstrong et. al.16 observaram que o resultado Grupo de Educação de mais de três erros em dez pontos testados é característico de pé em risco de ulceração O primeiro encontro teve como objetivo neuropática. promover a integração grupal. Foi explicado ao grupo como funcionariam as atividades e No terceiro encontro abordou-se o tema dadas as instruções. Foi marcado pelo início “Alimentação x Diabetes”, no qual o nutricionista das relações no grupo e exteriorização das apresentou os alimentos ricos em fibras e com expectativas, desejos, sentimentos e opiniões. reduzida quantidade de carboidratos simples e Iniciou-se a educação em saúde com o tema glicose, efeitos da ingestão de alimentos sobre “O que é diabetes?”, no qual foi esclarecido a glicemia e recomendações complementares sobre a doença, sinais e sintomas e principais como fracionamento da alimentação, lista de complicações associados ao diabetes pela substituição, alimentos dietéticos e adoçantes, enfermeira da equipe. ressaltando sua importância no controle da doença e prevenção de complicações. No segundo encontro, os diabéticos foram entrevistados e examinados para investigação de No quarto encontro o tema trabalhado foi Ao final dos encontros foi aplicado um levantamento de informações acerca dos conhecimentos que já possuíam e os adquiridos após os encontros, outra coleta de informações se deu pelo MNSI (Michigan Neuropathy Screening Instrument), elaborado e validado na língua inglesa por Moghtaderi, Bakhshipour e Rashidi,10 que se refere a um questionário sobre neuropatia diabética. | 36 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Arie et al “Medicamentos x Diabetes”, na oportunidade a farmacêutica, segundo diretrizes do Ministério da Saúde e de acordo com o caderno da atenção básica de 2013,1 apresentou os medicamentos utilizados no tratamento e controle da glicemia, técnicas de administração, rodízio dos locais de aplicação, utilização de seringas e cuidados quanto ao armazenamento e dosagem recomendada, ressaltando a importância da adesão ao tratamento medicamentoso. produção coletiva. A proposta foi favorecer a construção de novos significados a partir dos sentidos elaborados no processo de adoecimento, tendo como objetivo trabalhar as dificuldades e facilidades na adesão ao tratamento estimulando a troca de experiências. Para realizar a atividade foi necessária uma prática multiprofissional, por sua vez essa No quinto encontro a fisioterapeuta abordou prática nas ações em saúde são imprescindíveis o tema “Exercício Físico x Diabetes”, nesse e buscam avançar o modelo centrado na momento foi realizado ginástica laboral e doença e no atendimento disciplinar. Diante exercícios de alongamentos com o grupo, os disso, o diálogo e a construção de um saber quais foram orientados a realizar exercícios baseado em metodologias multidisciplinares físicos diários de acordo com sua preferência, se fazem necessárias nos cuidados de saúde e disponibilidade e orientada pelo seu médico. ao mesmo tempo é um desafio na atuação dos Foi trabalhado com o grupo que o tratamento profissionais.17 medicamentoso deve estar associado a uma dieta saudável e balanceada e exercícios físicos. Para os residentes que estão em processo No sexto encontro, com o objetivo de desenvolver de formação em serviço foi uma experiência a prática do autocuidado com o pé diabético, singular, pois aproximou os diversos saberes realizou-se uma dinâmica de relacionar objetos para se trabalhar um único objetivo. ao autocuidado com os pés e solicitado que Salientando que não é uma atividade simples, as pessoas escolhessem alguns e discorressem exige planejamento e compromisso, ou seja, sobre eles, associando-os ao autocuidado, bem vai além de uma discussão e construção de como os riscos do uso de objetos inapropriados, conhecimentos técnicos, exige uma postura sendo assim construído um novo conhecimento ético-política por parte da equipe. para auxiliar no autocuidado com os pés. Em todos os encontros, a psicóloga trabalhou com o grupo o enfrentamento da doença, por meio de dinâmicas específicas que estimularam os participantes a se conhecerem, compartilharem experiências, expressar seus sentimentos. Realizou-se um exercício de apresentação em duplas, no qual cada participante apresentou seu parceiro para o grupo. Foi realizado um exercício denominado viagem ao passado. Os integrantes foram instruídos a fazer uma volta ao passado, fixando-se no momento imediatamente após a descoberta do diabetes. Resultados Participou das ações educativas em grupo um total de oito pessoas com diabetes mellitus do tipo II, com a participação de homens e mulheres adultos e idosos. O diabetes pode estar associado a outras patologias. Foi relatado, no grupo, que alguns participantes apresentavam Hipertensão Arterial Sistêmica. Verificou-se, ao analisar o exame de sensibilidade tátil dos pés, que os participantes apresentaram alteração da sensibilidade, principalmente em calcâneo, relatando a presença de sintomas A seguir, solicitou-se que os participantes característicos da neuropatia diabética nas colocassem sobre uma cartolina verde os pernas e pés (formigamento, adormecimento e sentimentos positivos e as facilidades na adesão sensação de agulhada), no entanto desconheciam ao tratamento, e sobre uma cartolina amarela que tais alterações poderiam ser decorrentes os negativos e as dificuldades encontradas da doença, assim como futuras complicações no controle da doença. Concluída essa etapa oriundas da perda da sensibilidade dos pés. da tarefa, iniciou-se uma discussão sobre a | 37 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS Por meio do questionário aplicado com os participantes foi possível sondar as informações que eles tinham previamente ao grupo, conhecimentos adquiridos durante os encontros e avaliação pessoal acerca das atividades desenvolvidas. Os participantes foram unânimes em afirmar que as novas informações adquiridas são imprescindíveis para uma melhor qualidade de vida e controle da doença. Visto que referiram ter pouco conhecimento prévio sobre o diabetes e cuidados, assim como poucas orientações sobre a doença pelos profissionais da saúde. Ao se analisar as dinâmicas dos encontros, verificou-se que houve melhora na comunicação estabelecida entre o grupo, valorizando o relato das experiências dos próprios participantes, o que possibilitou novas aprendizagens por intermédio do outro. As dinâmicas adotadas em grupo proporcionaram um forte incentivo para a educação em diabetes, uma vez que foram interativas e revelaram ser uma estratégia valiosa para o alcance dos objetivos educativos do programa, promovendo uma maior interação e propiciaram o estabelecimento de um vínculo efetivo entre o paciente e a equipe multiprofissional, o que repercutiu em maior adesão do grupo e permitiu a todos um processo integrador para um melhor controle terapêutico da doença. conhecimento sobre saúde. Discussão Entre as complicações crônicas do diabetes mellitus (DM), as úlceras de pés (também conhecido como pé diabético) e a amputação de extremidades são as mais graves e de maior impacto socioeconômico. A prevenção, por meio do exame frequente dos pés de pessoas com DM, realizado pelo médico ou pela enfermeira da Atenção Básica, é de vital importância para a redução das complicações. Há evidências sobre a importância do rastreamento em todas as pessoas com diabetes a fim de identificar aquelas com maior risco para ulceração nos pés, que podem se beneficiar das intervenções profiláticas, incluindo o estímulo ao 1 autocuidado. De acordo com a American Diabetes Association,1 é recomendado que toda pessoa com DM realize o exame dos pés anualmente, identificando fatores de risco para úlcera e amputação, no entanto pôde-se observar que nenhum diabético havia realizado o exame dos pés anteriormente, o que dificulta no diagnóstico precoce da neuropatia. A educação em DM prevê uma parceria entre o educando e o educador, com o objetivo de promover o autocuidado. O objetivo principal Entretanto, algumas dificuldades foram é treinar o paciente na tomada de decisões encontradas para a formação do grupo, como referentes ao seu tratamento, transformando-o a mobilização do público-alvo, que solicitou em gerente da sua doença e incentivando-o a da equipe estratégias variadas até alcançar utilizar o sistema de saúde como uma ferramenta um número significativo de participante, em para o seu controle, quando for necessário. seguida a estrutura física, pois não havia um espaço fixo e adequado para comportar um Equipes de saúde que conseguem interagir número maior de pessoas. Outro fator limitante apresentam um potencial na execução de foi o tempo disponível pela equipe para realizar seus planos terapêuticos, a interação entre a a atividade, visto que a permanência dos equipe possibilita muito mais que a troca de residentes em estágio na unidade ocorreu em conhecimento, ela influencia diretamente no um curto período de tempo, impossibilitando a atendimento aos usuários. realização de mais encontros e a formação de novos grupos. Dessa maneira, o processo educativo aumenta a autonomia dos pacientes. Para que esse A prática de educação em saúde por meio de processo seja bem-sucedido, o paciente grupo operativo mostrou ser uma importante deve ter participação ativa no processo de estratégia educativa para a promoção de aprendizagem, o conhecimento de cada pessoa saúde e inserção dos usuários na construção do deve ser valorizado, assim como o tempo e o | 38 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Arie et al espaço para trocas de informações devem ser garantidos.3 A coesão grupal e o clima de intimidade psicológica que se instaurou baseado nos primeiros encontros facilitou a discussão de crenças e sentimentos relacionados à doença e ao tratamento. Esse contexto acolhedor propiciou a troca de experiências e o apoio mútuo, maximizando alguns fatores terapêuticos comuns aos grupos. O desenvolvimento do trabalho grupal propiciou o estabelecimento de um vínculo efetivo entre o paciente e a equipe multidisciplinar, o que repercutiu em índices elevados de adesão. 2. Bosi PL et. al. Prevalência de diabetes melito e tolerância à glicose diminuída na população urbana de 30 a 79 anos da cidade de São Carlos/ SP. Arq Bras Endocrinol Metab., São Paulo. 2009; ago., 53(6). 3. Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Tratamento e acompanhamento do Diabetes Mellitus. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes. 2007. 4. Santos MA, Péres DS, Zanetti ML, Otero LM. Grupo operativo como estratégia para a atenção integral ao diabético. R Enferm UERJ, Rio de Janeiro. 2007; abr./jun., 15(2): 242-7. Esse trabalho preconizou a importância da conjugação de saberes de diversas disciplinas, entendendo que um novo conhecimento é produzido pelo entrelaçamento de saberes e práticas oriundas de diversas especialidades da área de saúde. 5. Ferraz AEP, Zanetti ML, Brandão ECM, Romeu LC, Foss MC, Paccola GMGF, Paula FJA, Gouveia LMFB, Montenegro Jr R. Atendimento multiprofissional ao paciente com diabetes mellitus no Ambulatório de Diabetes do HCFMRPUSP. Medicina, Ribeirão Preto. 2000; 33: 170-71. O grupo cumpriu seu papel de apoio e suporte psicológico para o enfrentamento da doença e do seu tratamento, promovendo uma maior aceitação do diabetes e, por conseguinte, uma atitude de maior aproveitamento dos aportes educativos fornecidos pelos demais integrantes da equipe multiprofissional. 6. Coelho MS, Silva DMGV. Grupo educaçãoapoio: visualizando o autocuidado com os pés de pessoas com diabetes mellitus. Ciência, Cuidado e Saúde. 2006; 5(1): 11-5. A implantação do programa como um todo proporcionou à equipe um campo fértil para o aprendizado e a criação de novos recursos para a operacionalização da educação em diabetes. 7. Bastos ABBI. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólogo informação. 2010; jan./dez., ano 14(14). 8. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec; 2010. 9. Carvalho AV, Serafim OCG. Administração de A atuação do residente multiprofissional como recursos humanos. 2 ed. São Paulo: Pioneira; educador em saúde possibilita a efetivação do 1995. cuidar na saúde coletiva por meio da educação participativa, em que usuários, familiares e 10. Moghtaderi A, Bakhshipour A, Rashidi H. profissionais trabalham juntos para proteger, Validation of Michigan neuropathy screening promover e recuperar a saúde. instrument for diabetic peripheral neuropathy. Clin Neurol Neurosurg. 2006; jul., 108(5): 81477. Referências 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: diabetes mellitus. Brasília: Ministério da Saúde. 2013. 11. Sacco ICN, João SMA, Alignani D, Ota DK, Sartor CDS, Silveira LT et. al. Implementing a clinical assessment protocol for sensory and skeletal function in diabetic neuropathy patients at a university hospital in Brazil. São Paulo Med J. 2005; 123(5): 229-33. | 39 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA INTERVENÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM UM GRUPO DE DIABÉTICOS 12. Cavanagh PR, Simoneau GG, Ulbrecht JS. Ulceration, unsteadiness, and uncertainty: the biomechanical consequences of Diabetes mellitus. J Biomech. 1993; 26(1): 23-40. 13. Sacco ICN, Sartor CD, Gomes AA, João SMA e Cronfli R. Avaliação das perdas sensório-motoras do pé e tornozelo decorrentes da neuropatia diabética. Rev Bras Fisioter São Carlos. 2007; jan./fev., 11(1): 27-33. 14. Sacco ICN, Amadio AC. A Study of biomechanics parameters in gait analysis and somatic sensorial thresholds of diabetic neuropathic patients. Clin Biomech. 2000; 15(3): 196-202. 15. Jirkovska A et. al. Identification of patients at risk for diabetic foot: a comparison of standardized noninvasive testing with routine practice at community diabetes clinics. J Diabetes Complications. 2001; mar./abr., 15(2): 8-63. 16. Armstrong D, Lavery L. Elevated peak plantar pressure in patients who have Charcot arthropathy. The Journal of Bone and Joint Surgery. 1998; 80(3): 69-365. 17. Peduzzi M, Palma JL. A Equipe de Saúde. In: Saúde do Adulto: Programas e Ações na Unidade Básica. Scraiber L, Nemes B, Mendes-Gonçalves R (orgs.). 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2000. | 40 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO EM CRIANÇA: RELATO DE CASO GIANT CYSTIC TERATOMA IN CHILDREN OVARY: CASE REPORT Vitor Emanuel Pires Montenegro,* Maria Auxiliadora Neves de Carvalho,** Marcelo Marques da Cunha,*** Paulo Henrique Klein,**** Bruna Cecília Neves de Carvalho.***** Resumo O teratoma é um tumor formado por células germinativas e pode ocorrer tanto em crianças como em adultos. Na população pediátrica feminina, localizam-se sobretudo nos ovários. A maioria das lesões é assintomática com exceção dos casos associados a complicações agudas. Possuem achados radiológicos característicos que ajudam no diagnóstico. O estudo aborda um caso de teratoma cístico gigante de ovário em uma criança de nove anos. Palavras-chave: Ovário; Teratoma; Neoplasias ovarianas. Abstract The teratoma is a tumor composed of germ cells and can occur in both children and adults. The majority of lesions are asymptomatic with exception of the cases that present acute complications. They have radiological findings characteristics often tend to help in diagnosis. The study deals with a case gigantic teratoma cyst in the ovary of a nine-year old child. Keywords: Ovary; Teratoma; Ovarian neoplasms. Introdução Os teratomas são um tipo comum de tumores de células germinativas tanto em crianças quanto em adultos.1,2 Podem surgir em diferentes regiões como cabeça, pescoço, mediastino, retroperitônio, região sacrococcígea ou nas gônadas.1-3 Possuem histologicamente tecidos provenientes dos três folhetos embrionários, ectoderma, mesoderma e endoderma.1,4 Utilizando o sistema Gonzalez-Crussi, que considera o grau de diferenciação dos seus componentes, classifica-se os teratomas em maduros ou imaturos.1,2 Os tumores imaturos frequentemente apresentam um comportamento maligno, por outro lado os maduros cursam para a benignidade.1,2 Teratomas, também, podem ser classificados segundo o seu conteúdo em sólidos, císticos ou mistos.1,2 Massas ovarianas representam os tumores mais comuns do trato genital feminino em crianças e adolescentes.5,6 Estima-se a incidência de tumores ovarianos em 2,6 casos por cem mil mulheres/ano.5,6 Na faixa etária pediátrica 47 a aproximadamente 88% das massas ovarianas são tumores de células germinativas e 95% dessas lesões correspondem a teratomas maduros benignos.4,7 A sintomatologia tanto para os tumores benignos quanto malignos é inespecífica.4,5 O uso de métodos diagnósticos por imagem ou marcadores tumorais é fundamental para o correto manejo de lesões benignas ovarianas em neonatos, crianças e adolescentes.5 O tratamento cirúrgico principalmente por via * Médico residente em Cirurgia Geral do HUGV. ** Cirurgiã pediátrica do HUGV. Doutora em Biotecnologia pela Faculdade de Medicina da Ufam. *** Médico formado pela Universidade do Estado do Amazonas. **** Aluno de graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Amazonas. ***** Médica residente em Cirurgia Geral do Hospital Santa Marcelina, São Paulo/SP. | 41 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO EM CRIANÇA: RELATO DE CASO laparoscópica é a terapêutica mais utilizada para correção dessas lesões.7 exame físico paciente apresentava-se em regular estado geral, lúcida e orientada no tempo e no espaço, eupneica, normocorada, O objetivo do relato de caso a seguir deve-se hidratada, acianótica, anictérica e eutrófica. a raridade dos teratomas nessas dimensões na Exame do aparelho cardiorrespiratório sem faixa pediátrica, assim como o fato de a criança alterações à inspeção, ausculta ou à palpação. apresentar inicialmente quadro clínico sugestivo Abdome distendido, tenso, doloroso à palpação de outras patologias comuns, sendo infrequente superficial, ruídos hidroaéreos ausentes, a investigação desses tumores no diagnóstico presença de massa abdominopélvica se diferencial de massa abdominal em meninas. estendendo desde a região epigástrica até o Além disso, o diagnóstico precoce associado à púbis de consistência sólido-cística e imóvel. terapêutica imediata e o seguimento baseado Anexos não delimitados. Toque retal sem em critérios bem estabelecidos são importantes alterações. Exame do aparelho genito-urinário para um desfecho favorável no longo prazo. sem alterações. Foram solicitados hemograma completo, pesquisa de elementos anormais no sedimento urinário e urinocultura, e os Relato de Caso marcadores tumorais ovarianos gonadotrofina Paciente do sexo feminino, nove anos, branca, coriônica humana (β-HCG) e alfafetoproteína natural de Manaus, Amazonas, e proveniente (AFP). Paciente apresentava hemograma sem hematúria, micro-hematúria, do Pronto-Socorro da Criança da Zona Oeste de alterações, β-HCG de 1,8 nUI/ml e AFP de 107 UI/ml. Manaus. Procurou atendimento médico por conta do quadro de distensão abdominal, dificuldade Solicitou-se ressonância nuclear magnética de evacuação e disúria havia aproximadamente (RNM) de abdome total, sendo evidenciada três meses. Ao exame físico foi identificada volumosa lesão expansiva cística e sólida, uma massa abdominal. Realizou-se uma localizada na cavidade pélvica e exteriorizandoultrassonografia (USG) de abdome total, sendo se para a cavidade abdominal superior, de encontrada uma massa de caráter cístico na provável origem anexial, medindo 27,6 cm cavidade abdominal. Paciente foi encaminhada crânio-caudal por 19,4 cm látero-lateral por para o Instituto da Criança do Amazonas (Icam) 10,3 cm anteroposterior associada à moderada dilatação pielocalicial à direita, determinada para investigação do quadro clínico. por efeito compressivo da lesão expansiva sobre Durante a admissão, a mãe relatou que o parto o terço proximal do ureter direito, e moderada da criança ocorreu sem intercorrências e nega quantidade de líquido livre na cavidade pélvica distúrbios hormonais durante a gestação. Ao (Figuras 1 e 2). Figura 1: RNM do teratoma cístico gigante de ovário: corte coronal. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. | 42 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Montenegro et al Figura 2: RNM do teratoma cístico gigante de ovário: corte transverso. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. A criança foi submetida à laparotomia exploradora diagnóstica e durante o procedimento foi observada uma massa tumoral de componente sólido e cístico, de difícil mobilidade, indo de região epigástrica até o fundo de saco de Douglas. Foi feito esvaziamento de aproximadamente 500 ml de líquido amarelo citrino de parte cística facilitando o acesso, exteriorização e ressecção completa de massa tumoral (Figura 3). Ao exame histopatológico foi constatada presença de neoplasia cística teratomatosa do ovário, revestida por epitélio pavimentoso estratificado e ceratinizado e com presença de glândulas sebáceas e folículos pilosos, concluindo tratar-se de um teratoma cístico ou cisto dermoide do ovário. Figura 3: Teratoma cístico gigante de ovário: visão macroscópica da peça cirúrgica. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. | 43 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TERATOMA CÍSTICO GIGANTE DE OVÁRIO EM CRIANÇA: RELATO DE CASO Discussão em neoplasias benignas quanto em malignas.4,5 Nestes, a distensão abdominal é a queixa Tumores ovarianos são responsáveis por principal seguida pelos distúrbios menstruais, aproximadamente 1% de todos os tumores como alterações nos ciclos ou período menstrual em crianças e adolescentes.6,7 O tumor e dismenorreia.5 Sinais de abdome agudo ovariano benigno mais comum na infância podem indicar torção ovariana, ruptura de cisto é o teratoma.3,8 Aproximadamente 80% dos hemorrágico, abscesso tubo-ovariano ou mesmo teratomas são benignos.3,8 Teratomas ovarianos gravidez ectópica.3 são classificados em maduros, imaturos e ultrassonografia (USG) pélvica ou monodermal.1,4 Uma forma comum de teratoma A transabdominal é o exame de escolha monodermal é o struma ovarii, lesão formada principalmente por tecido tireoidiano.1 independente da faixa etária para investigação Teratomas maduros, também denominados das lesões ovarianas.3,7,11 Possibilita avaliar cistos dermoides, são as neoplasias ovarianas a localização, o tamanho e a estrutura da mais comuns na população pediátrica1 e são lesão.7 A USG Doppler dos vasos ovarianos pode constituídos por componentes variados como ajudar a determinar a presença ou ausência de torção anexial.3,12 Em casos duvidosos, optacabelo, dentes ou tecido adiposo.3 se pela tomografia computadorizada ou pela Deve-se iniciar a investigação de uma lesão ressonância nuclear magnética. Esta também ovariana por meio da anamnese e exame físico pode ser utilizada para verificar as margens detalhados. Os pais da criança são os principais da lesão e planejamento cirúrgico em casos aliados para solução do caso. Questiona-se selecionados.3,7,11 Alguns achados radiológicos inicialmente uma história de hipotireoidismo ou sugerem teratoma como presença de gordura no diabetes gestacional, pois ambos os distúrbios interior da lesão, espaços císticos, calcificações estão relacionados a cistos ovarianos fetais.3,8,9 ou as protuberâncias de Rokitansky, projeções Em crianças pré-púberes, os pais devem papilares originadas da parede do cisto.1,11 Na atentar para sintomas e sinais indicativos de maioria dos casos, tumores ovarianos menores puberdade precoce ou atraso puberal.3,8 Nos do que 8 cm de diâmetro com componentes pacientes pós-menarca, uma história menstrual císticos e sólidos devem ser considerados cuidadosa deve ser colhida.3,8,10 O tipo de dor como teratoma.7,11 Lesões predominantemente ajuda na compreensão do caso. Dor aguda ou císticas podem ser benignas ou malignas e, intermitente e associada a náuseas ou vômitos para diferenciá-las, utilizam-se os marcadores pode estar relacionada à torção anexial em 75% tumorais ovarianos β-HCG, AFP e o antígeno do câncer 125 (CA 125).5,7,13 Esses marcadores dos casos.3,8 são úteis na avaliação pré-operatória e pós-operatório.7 Níveis O exame físico isolado não diferencia as acompanhamento 4,5 lesões, mas é útil para a determinação do aumentados de β-HCG e AFP estão relacionados risco de malignidade do tumor.3,4 Na maioria dos com tumores malignos.7,13 Os níveis de CA 125 casos, tumores malignos são bilaterais, sólidos, devem ser avaliados cuidadosamente, pois fixos e irregulares à palpação e associados com estão elevados mesmo em situações benignas o quadro ascite.3,4 O exame vaginal digital ou como endometriose, cistos de ovário, torção por espéculo sem anestesia deve ser evitado ovariana, pancreatite, hepatite ou mesmo no em crianças ou adolescentes não sexualmente período menstrual normal.3,13 É recomendado ativos por conta da pequena abertura vaginal.3 lembrar que o teste laboratorial mais importante que deve ser realizado em qualquer paciente A maioria das lesões é assintomática, com com dor pélvica aguda é o β-HCG de urina para exceção dos casos associados ao quadro de descartar gravidez.3 abdome agudo ou, raramente, degeneração maligna para carcinoma espinocelular.1,8 A Qualquer que seja o procedimento cirúrgico sintomatologia é variada e inespecífica.4,5 Dor realizado nos ovários ou anexos genitais de abdominal é o sintoma mais encontrado tanto crianças e adolescentes os objetivos devem | 44 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Montenegro et al ser remover o tecido neoplásico, aliviar a dor, estadiar a lesão nos casos de malignidade e preservar tanto a fertilidade quanto a produção hormonal ovariana.3,8 Independente da localização ou idade do paciente, o princípio básico para o tratamento dos teratomas é realizar a ressecção cirúrgica completa da lesão, independente do tipo histológico.3,14 A abordagem clássica para teratomas maduros e para outras lesões benignas é a ooforectomia, quer na abordagem aberta ou laparoscópica.7,14 Esse método proporciona preservação tanto do tecido como da função ovariana,4,5 e se for realizado por via laparoscópica resulta em menor tempo de internação e menor incidência de infecção e sangramento intraoperatório.3,14 O comprometimento da fertilidade em pacientes jovens após a cirurgia pode ocorrer e está associado à remoção dos ovários ou a formação de aderências.1,8,10 Nos casos de grande perda da função ovariana, mesmo em lesões benignas, opta-se pela salpingooforectomia.5,8 Os teratomas maduros são as neoplasias que mais se associam com o quadro de torção ovariana. Nesses casos, a exploração cirúrgica de emergência deve ser considerada.4,7 A ooforopexia é recomendada em pacientes com torção recorrente de um ovário normal, ooforectomia anterior por torção sem massa ou um anexo grosseiramente anormal.3 Então, observa-se a grande importância do diagnóstico pontual nos casos de massas pélvicas em crianças, propondo, assim, tratamento adequado precocemente e, com isso, diminuindo-se o impacto no futuro reprodutivo dessas jovens. Referências 4. Rescorla FJ. Pediatric germ cell tumors. Semin pediatr surg. 2012; 21(1): 51-60. 5. Zhang M, Jiang W, Li G, Xu C. Ovarian masses in children and adolescents: an analysis of 521 clinical cases. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2014; 27: 73-7. 6. Cramer DW. The epidemiology of endometrial and ovarian cancer. Hematol Oncol Clin N Am. 2012; 26: 1-12. 7. Özcan R, Kuruoğlu S, Dervişoğlu S, Eliçevik M, Emir H, Büyükünal C. Ovary-sparing surgery for teratomas in children. Pediatr Surg Int. 2013; 29: 233-7. 8. 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Obstet Gynaecol Reprod Med 2011; 22(2): 33-7. 2. Pectasides D, Pectasides E, Kassanos D. Germ cell tumors of the ovary. Cancer treat ver. 2008; 34: 427-41. 3. Oelschlager AMEA, Sawin R. Teratomas and ovarian lesions in children. Surg Clin N Am. 2012; 92: 599-613. | 45 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL THE USE OF NEW ORAL ANTICOAGULANTS IN ATRIAL FIBRILLATION Samantha Lima dos Santos Carvalho,* Rovanda Sena,** Renata Jales Barreto,* Ciça Penedo,* Tatiane de Oliveira Farias.* Resumo A fibrilação atrial é a alteração do ritmo cardíaco mais comum na população, associada a aumento da morbimortalidade, degeneração da função sistólica, eventos tromboembólicos e déficit de cognição. É uma taquiarritmia supraventicular não dependente do nó atrioventricular, ocorrendo ativação atrial caótica não coordenada, com deterioração da função ventricular. A terapia antitrombótica com cumarínicos, atualmente, tem sido a principal estratégia de prevenção do acidente vascular cerebral isquêmico. No entanto, essas drogas não são ideais e apresentam vários efeitos adversos, que dificultam a aderência e a eficácia terapêutica, limitando seu uso em um grande número de pacientes. O objetivo desta revisão é descrever os novos anticoagulantes, as evidências de benefícios e peculiaridades do seu uso nos principais estudos, vistos como promessas de uma nova abordagem da prevenção de eventos tromboembólicos nos pacientes com fibrilação atrial. Palavras-chave: Fibrilação atrial;1 Tromboembolismo;2 Anticoagulantes.3 Abstract Atrial fibrillation is the most common heart alteration in the population associated with increased morbidity and mortality, systolic function deterioration, thromboembolic events and cognition deficit. It is a supraventricular tachyarrhythmia non-dependent of the atrioventricular node, where chaotic uncoordinated atrial activation with ventricular function deterioration occurs. Antithrombotic therapy with coumarin, currently has been the main strategy for ischemic stroke prevention. However, these drugs are not ideal and have several adverse effects that hinder adherence and therapeutic efficacy, limiting its use in a large number of patients. This review aims to describe the new anticoagulants, the evidence of benefits and its peculiarities presented in major studies, seen as promises of a new approach to prevention of thromboembolic events in patients with atrial fibrillation. Keywords: Atrial fibrillation; Thromboembolism; Anticoagulants. Introdução geral varia entre 0,95 e 2% e cresce significativamente com o envelhecimento, As doenças cardiovasculares são a principal chegando a 17,5% nos octogenários. A incidência causa de mortalidade e incapacidade em varia aproximadamente de 1,1/1.000 doentes indivíduos adultos no Brasil e no mundo. A aos 50 anos a 20,7/1.000 doentes com mais de prevalência da fibrilação atrial na população 80 anos de idade.1 A prevalência e a incidência *Médica residente de Cardiologia do HUGV. **Médica cardiologista do Hospital Universitário Francisca Mendes, responsável pelo Ambulatório de Anticoagulação. | 46 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL têm aumentado com o passar dos anos. Vários fatores estão associados à gênese da fibrilação atrial: ativação de fibroblastos, deposição de tecido conjuntivo e a fibrose atrial. Surgimento de potenciais de ação espontâneos, além de microcircuitos de reentrada com desorganização da atividade contrátil do átrio.2,3 Tendo em vista esssa patogênese multifatorial, várias condições estão associadas, por vezes com relação de causa e efeito, mas também com interseção entre fatores de risco. São exemplos a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca, a valvopatia mitral reumática, a insuficiência coronariana, entre outros. para anticoagulação, a avaliação do risco de sangramentos e a utilização dos anticoagulantes orais com ênfase a uma discussão sobre as novas classes de medicamentos que estão sendo utilizadas atualmente. Revisão da Literatura O conhecimento atual sobre o sistema de coagulação baseia-se nas observações realizadas em meados do século 19, época em que surgiram os primeiros estudos sobre o mecanismo fisiológico da coagulação sanguínea. Em 1964, MacFarlane propôs a hipótese da “cascata” para explicar a fisiologia da coagulação sanguínea, dessa forma o sistema de coagulação consiste em uma série de reações coordenadas e em cascata, envolvendo proteínas plasmáticas específicas e células sanguíneas, que culminam na formação de um coágulo insolúvel.5 Considerando o papel fundamental na formação do trombo, muitas estratégias para prevenção e tratamento de eventos tromboembólicos vêm se concentrando na inibição da geração de trombina ou no bloqueio de sua atividade. Assim, destacam-se três principais vias inibitórias da coagulação: via anticoagulante da proteína C, inibidor da via do fator tecidual e antitrombina. Antagonistas da vitamina K (varfarina) e heparina vêm sendo clinicamente utilizados há quase 50 anos, sendo inequívoca sua eficácia no tratamento e na prevenção do tromboembolismo.6 Virchow descreveu, há cerca de 150 anos, três condições que contribuem para a formação de trombos: anormalidades do fluxo sanguíneo (estase), lesão endotelial e hipercoagulabilidade. A estase sanguínea nos átrios é decorrente da falta de contração efetiva por um aumento da cavidade e restrição da velocidade de fluxo sanguíneo. A fibrilação atrial, tanto paroxística quanto crônica, confere ao organismo um estado de hipercoagulabilidade, independente de qualquer outro fator ou característica do indivíduo. Uma das principais consequências após o estabelecimento da fibrilação é a dilatação atrial que causa turbulência e estagnação sanguínea, sobretudo nos apêndices atriais, predispondo a formação de trombos fracamente aderidos à parede atrial. Esses trombos facilmente se transformam em êmbolos sistêmicos ao se desprenderem do átrio e, com frequência, acabam impactando o território vascular cerebral. O acidente vascular cerebral é a manifestação mais frequente dos fenômenos tromboembólicos associados à fibrilação atrial, podendo ocorrer espontaneamente ou no procedimento de cardioversão, independentemente de sua forma de apresentação.4 A fibrilação atrial tem sido responsável por mais de 50% dos fenômenos tromboembólicos sistêmicos de origem cardíaca, daí a importância do uso de anticoagulantes como forma de prevenção primária. A maior preocupação com a anticoagulação é a ocorrência de sangramentos maiores, incluindo os que necessitam de hospitalização, transfusão, cirurgia ou aqueles que envolvam localizações anatômicas mais sensíveis, sendo o sangramento intracraniano o evento mais grave. Portanto, é de extrema importância a estratificação de risco para tal complicação, bem como a escolha adequada da medicação anticoagulante a ser utilizada, levando em consideração sempre o risco-benefício e poder aquisitivo dos pacientes. O acidente vascular cerebral é a complicação mais frequente e uma das mais temidas pelo grande Esta revisão irá abordar os mecanismos potencial para incapacidades permanentes. envolvidos da cascata da coagulação, a Cerca de 30% podem ser atribuídos como estratificação de risco para tromboembolismo consequência da fibrilação atrial, sobretudo na dos pacientes com fibrilação atrial com indicação idade avançada. A incidência de fibrilação atrial | 47 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al em indivíduos maiores de 70 anos pode chegar a 10%.7,8 começaram a ser sugeridos para selecionar os pacientes que obteriam real benefício com a terapia de anticoagulação, aumentando a Antes da década de 1990, as evidências especificidade da indicação. O escore CHADS2 se relacionadas à terapia antitrombótica só haviam baseia em um sistema de pontuação para cada sido verificadas em pacientes com valvopatia fator de risco presente, sendo conferidos dois reumática, com próteses valvares metálicas ou pontos à história do evento tromboembólico que haviam apresentado episódio de acidente prévio e um ponto aos demais fatores de vascular cerebral. No caso dos pacientes com risco, pois o primeiro adiciona risco de modo fibrilação atrial não valvar, cinco estudos proporcional à presença de dois outros fatores. demonstraram o impacto da anticoagulação Observou-se a necessidade de se contemplar nas taxas de ocorrência de tromboembolismo novos fatores de risco (idade e doença arterial), (BAATAF, SPINAF, AFASAK, CAFA e SPAF), sendo proposto o escore CHA2DS2-VASC. As com redução variando de 67 a 86%. Mesmo diretrizes mais recentes de fibrilação atrial não sendo evidente o impacto na redução do recomendam o uso de um escore em particular. tromboembolismo, a anticoagulação aumenta a No entanto, recomendam terapia antitrombótica ocorrência de sangramentos, e os pacientes que em todos os pacientes com fibrilação atrial, se beneficiariam do tratamento eram os que exceto naqueles com fibrilação atrial isolada ou também tinham maior risco de hemorragia.9,10 com contraindicações,11 (Tabelas 1 e 2). Consequentemente os escores de risco CHA2DS2VAScE SCORE INSUFIVIÊNCIA CARDÍACA OU FE <= 40% 1 HIPERTENSÃO 1 IDADE > = 75 ANOS 2 DIABETES 1 AVC/AIT OU TROMBOEMBOLISMO 2 DOENÇA VASCULAR 1 IDADE 65-74 ANOS 1 1 Tabela 1: Pontuação e taxa ajustada de acidente vascular cerebral SEXO FEMININO CHADS2 ESCORE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA 1 HIPERTENSÃO 1 IDADE > 75 ANOS 1 DIABETES 1 AVC OU AIT 2 Tabela 2: Escore de Predição de eventos cerebrovasculares | 48 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL A escolha do tipo de terapia antitrombótica deve se basear nos riscos absolutos de tromboembolismo e de sangramento. Indica-se anticoagulação também em todos os pacientes com próteses valvares metálicas e naqueles que não a possuem, na presença de fatores de alto risco para tromboembolismo (estenose mitral e antecedente de tromboembolismo).12 A maior preocupação com a anticoagulação é a ocorrência de sangramentos maiores. A varfarina é uma das principais drogas causadoras de efeitos adversos. Em 2010, Pisters et. al. propuseram um escore chamado HAS-BLED, baseado em informações facilmente retiradas da história clínica e que poderiam ser rotineiramente avaliadas13 (Tabela 3). Características clínicas Pontos H Hipertensão 1 A Função renal e hepática anormal (1 ponto cada) 1 ou 2 S AVC 1 B Sangramento 1 L INR variável 1 E Idade > 65 anos 1 D Drogas ou alcoolismo (1 ponto cada) 1 ou 2 Máximo Pontos 9 Tabela 3: Escore de HAS-BLED 1.1 Antagonistas da vitamina K (cumarínicos) pacientes com indicação para anticoagulação faz uso da varfarina. Entre os pacientes em A varfarina é um anticoagulante oral antagonista vigência de terapia anticoagulante, o INR da vitamina K capaz de reduzir o risco de acidente está fora da janela terapêutica, quase 30 a vascular cerebral em aproximadamente 60 a 70% 50% do tempo, levando a maiores índices de em comparação com o placebo, e em 40% quando fenômenos tromboembólicos, maior número comparados à aspirina, sendo recomendado de internações e risco aumentado de óbito.15 para aqueles pacientes com risco moderado a Infelizmente, os pacientes de maior risco para alto de fenômenos tromboembólicos. Apesar da o desenvolvimento de fibrilação atrial e, por sua eficácia bem definida, a varfarina apresenta conseguinte, dos fenômenos tromboembólicos algumas limitações, como início e término relacionados são os que apresentam cardiopatia de ação lentos, reduzida janela terapêutica de base e os hipertensos entre 65 e 70 anos de e metabolismo influenciado por dieta, idade, em que a terapia antitrombótica acarreta medicamentos e polimorfismos genéticos.14 Em risco aumentado de sangramento. Apesar das razão da variabilidade do efeito anticoagulante, controvérsias por muitos anos, atualmente seu uso requer monitorização por meio do INR existe consenso na utilização da terapêutica e ajustes frequentes da dose para assegurar anticoagulante na fibrilação atrial diante dos sua eficácia e segurança. Essas limitações resultados demonstrados nos grandes ensaios explicam o motivo pelo qual apenas metade dos clínicos. A taxa de acidente vascular encefálico | 49 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al foi significativamente reduzida com a varfarina (de 4,5/ano para 1,4%/ano), embora o impacto dessa redução seja atenuado pelo maior risco de sangramento na população mais idosa (> 75 anos). De modo geral, esses estudos de prevenção primária (AFASAK, SPAF, BAATAF, CAFA, SPINAF) demonstraram que a varfarina levou à diminuição do risco de embolia em 68%, sem elevar o risco de sangramento. Os pacientes < 65 anos de idade sem cardiopatia ou história de hipertensão, eventos cerebrovasculares ou diabetes melito, estão sob o risco baixo, não havendo diferença significativa entre o uso de cumarínicos ou aspirina nesse grupo específico. Assim, o benefício da anticoagulação para prevenção de eventos tromboembólicos deve ser avaliado com o risco de hemorragias maiores, em especial a hemorragia cerebral. O risco de hemorragias maiores relaciona-se com a idade, a intensidade da anticoagulação e a flutuação do INR. relacionadas à fibrilação atrial na dosagem de 36 mg 2 vezes/dia. A ximelagatrana foi o primeiro membro da classe dos inibidores orais diretos da trombina. É rapidamente absorvida no intestino delgado, com biodisponibilidade oral de 20% e pouca interação com alimentos. Sua excreção se dá predominantemente pela urina e não necessita de monitorização nem dispõe de antídoto.17 Dois grandes ensaios clínicos, SPORTIF III e SPORTIF IV, compararam a segurança e eficácia da ximelagatrana (em dose fixa de 36 mg 2 vezes/ dia) com a varfarina (em dose ajustada para manutenção de RNI entre 2-3) em pacientes com fibrilação atrial sem valvopatia e com pelo menos um fator de risco para acidente vascular cerebral. Os dois ensaios clínicos de não inferioridade demonstraram que a administração oral de ximelagatrana nas doses citadas, sem a necessidade de monitorização da coagulação ou ajuste de dose, foi tão eficaz Nos últimos 50 anos, os antagonistas da quanto à terapia otimizada com varfarina para vitamina K, assim como a varfarina, eram a prevenção de acidente vascular cerebral e os únicos agentes anticoagulantes orais eventos embólicos sistêmicos com menor taxa aprovados para uso em longo prazo, embora de sangramento. apresentem grandes limitações. Esses agentes apresentam início e término de ação lentos e Em agosto de 2004, o FDA proibiu a efeito anticoagulante imprevisível em razão comercialização da ximelagatrana no mercado de múltiplas interações com medicamentos, norte-americano pelas altas taxas de elevação alimentação e polimorfismos genéticos. dos níveis séricos de transaminases em aproximadamente 5 a 6% dos pacientes em uso 1.2 Novos anticoagulantes orais regular da medicação.18 Essa reação foi mais comumente identificada entre o primeiro e o 1.2.1 Ximelagatrana sexto mês de uso, entretanto sua gravidade e incidência aumentavam com o tempo de uso. A A ximelagatrana é um anticoagulante oral partir desse momento, a busca por novas drogas lançado em meados de 2003 com a promessa de tinha um novo desafio – reduzir ou eliminar o substituir a varfarina.16 Seu uso, inicialmente, risco de toxicidade hepática. foi indicado para três situações clínicas: 1.2.2 Dabigatrana a) Profilaxia primária de trombose venosa em pacientes submetidos à artroplastia total de A dabigatrana é um anticoagulante oral, de joelho na dosagem de 24 mg, 2 vezes/dia; nova geração, inibidor competitivo direto da trombina. Inicialmente, era usado na prevenção b) Profilaxia secundária de trombose venosa e no tratamento de trombose arterial e venosa profunda após o tratamento padrão do episódio (em cirurgias ortopédicas ou tratamento de agudo de trombose venosa profunda na dosagem trombose aguda).19 Recentemente, foi aprovada de 24 mg 2 vezes/dia; para profilaxia de acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial pelo FDA e Health c) Prevenção de complicações tromboembólicas Canada em outubro de 2010, e reafirmada em | 50 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL publicação da AHA em 2012 como alternativa à varfarina. É a pró-droga do componente ativo dabigatrana que se liga diretamente à trombina de modo reversível, com alta afinidade e especificidade. Inibidores diretos da trombina têm potencial vantagem em relação aos indiretos, como heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular.20 Os inibidores indiretos têm a capacidade limitada para inibir o complexo fibrina-trombina e trombina livre de forma efetiva, impedindo a progressão do trombo. Possui meia-vida entre 12 e 14 horas em pacientes com função renal preservada, sendo prescrito em duas tomadas diárias. A absorção não é afetada pela coadministração do inibidor de bomba de prótons. Da mesma forma, não apresenta variações com a dieta. Possui excreção renal de 80 e 20% hepática.21 Não interfere no citocromo P450, porém é substrato para transportadores de glicoproteína P presentes, sobretudo, nos rins e intestino, e, se administrada em conjunto com inibidores desse transporte, o efluxo da pró-droga é diminuído, o que aumenta os níveis séricos da dabigatrana. Não há antídoto específico para a dabigatrana. Em vigência de sangramentos, além das medidas habituais, é importante lembrar que a diurese efetiva deve ser mantida porque a excreção da droga é predominantemente renal. A diálise consegue remover 62% da droga após 2 horas e 68% após 4 horas. É contraindicada em pacientes com cleareance de creatinina menor que 15 ml/min.22 dabigatrana, independentemente da dose, em relação à varfarina. No entanto, dabigatrana 150 mg aumentou a incidência de sangramentos gastrintestinais comparativamente à varfarina. Também foi apresentada como uma alternativa eficaz à varfarina para cardioversão em análise retrospectiva dos pacientes do estudo RELY submetidos ao procedimento. Quando se enfoca a relação entre o uso da dabigatrana e a função renal, o FDA e o ACC recomendam o uso na dose de 150 mg 2 vezes/dia em pacientes com função renal preservada e 75 mg 2 vezes/dia para pacientes com função renal deprimida, estabelecida por propriedades farmacocinéticas, pois não foi testada no RELY. Também não foi testada em portadores de próteses valvares, fato que ainda bloqueia seu uso nesses pacientes. Ainda são desconhecidos os efeitos em longo prazo (dois anos foi a duração do RE-LY) do inibidor da trombina, uma vez que ela tem papel importante não só na coagulação como também na resposta imunológica, na infecção, na função endotelial, no crescimento de tumor e na angiogênese.24 Essa segurança será avaliada no RELY-ABLE e o resultado da eficácia na síndrome coronária está sendo analizado no RE-DEEM. 1.2.3 Apixabana É um inibidor direto e seletivo do fator Xa, administrada por via oral, é uma medicação rapidamente absorvida, com pico plasmático alcançado em três horas, O estudo RE-LY, publicado em 2009, foi o primeiro com a biodisponibilidade > 50% e meia-vida estudo randomizado a demonstrar a existência de 12 horas, apresentando eliminação fecal de um anticoagulante oral mais eficaz que a (predominante) e renal.25 O estudo AVERROES, varfarina.23 O desfecho primário para acidente publicado em 2010, foi um estudo multicêntrico vascular cerebral (isquêmico ou hemorrágico) ou e duplo-cego que incluiu 5.599 pacientes de 36 embolia sistêmica foi de 1,5%, 1,1% e 1,7% por países. Os pacientes selecionados apresentavam ano com dabigatrana 110 mg, dabigatrana 150 mg risco aumentado para acidente vascular e varfarina, respectivamente. As taxas diferem, cerebral, mas também contraindicação para sobretudo, nos acidentes vasculares cerebrais uso de varfarina. Pelo fato de o tratamento isquêmicos. A dabigatrana 150 mg mostrou-se com aspirina para esses pacientes ser indicado, significativamente mais eficaz que a varfarina, pela contraindicação ao uso de inibidores de com 34% de redução dos eventos e sem aumento vitamina K, o estudo comparou o uso da vitamina de sangramentos graves. A dabigatrana 110 mg K e da apixabana em relação aos desfechos. não foi inferior à varfarina e, nessa dose, houve O desfecho primário de eficácia analisado foi redução de 20% dos sangramentos graves. As a ocorrência de acidente vascular cerebral taxas de acidente vascular cerebral hemorrágico ou tromboembolismo sistêmico, e o desfecho foram significativamente mais baixas com primário de segurança foi a ocorrência de | 51 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al sangramento maior, definido como sangramento clinicamente evidente associado à queda de hemoglobina sérica >= 2g/dL em um período de 24h, transfusão de dois ou mais concentrados de hemácias, sangramento em local crítico ou quando fatal.26 Outros desfechos de interesse incluíram taxas de ocorrência de infarto agudo do miocárdio, de morte por causas vasculares e de morte por qualquer causa. Os pacientes deveriam ter idade >= 50 anos e fibrilação atrial documentada nos seis meses anteriores à inclusão, ou eletrocardiograma de 12 derivações no dia da randomização. Deveriam apresentar também alguns fatores de risco para tromboembolismo. Os pacientes foram randomizados para receber apixabana na dose de 5 mg 2 vezes/dia e aspirina na dose de 81 mg/dia a 324 mg/dia. O estudo foi interrompido antes da data prevista para seu término em razão do claro benefício em favor da apixabana (tempo total de 1,1 ano). A taxa de ocorrência do evento primário foi de 1,6% ao ano no grupo da apixabana e de 3,5% para o grupo da aspirina. Os autores concluíram que para pacientes com fibrilação atrial não valvar com risco de tromboembolismo, mas com contraindicação ao uso de inibidores da vitamina K, o uso da apixabana é superior ao uso da aspirina em prevenção de episódios tromboembólicos sem maior risco de sangramento ou mortalidade.27 1.2.4 Rivaroxabana É um inibidor do fator Xa da cascata de coagulação, de onde convergem a via extrínseca e a intrínseca. É uma inibição competitiva e dose – dependente. É quase completamente absorvida após administração oral e atinge o pico de concentração plasmática três horas após administração. Sua absorção não sofre interferência de alimentos, tendo biodisponibilidade de 80% após administração oral. Por ser muito pouco solúvel em água, circula ligada a albumina. A metabolização de dois terços da dose é feita no fígado pela enzima CYP3A4, e a administração conjunta de fármacos que utilizam essa via de metabolização pode aumentar sua biodisponibilidade e causar sangramento. Um terço é eliminado por via biliar e outro terço pelos rins, o terço restante de forma inalterada na urina.30,31,32 Os estudos RECORD 1, 2, 3 e 4 compararam a rivaroxabana à enoxaparina em diferentes doses e tempos diferentes de profilaxia na cirurgia de quadril. Todos demonstraram a superioridade da rivaroxabana nos desfechos primários de mortalidade e incidência de tromboembolismo venoso, sem aumentar o risco de sangramento.33 No estudo ATLAS ACS-TIMI 46, a rivaroxabana, administrada durante seis meses, reduziu significativamente as taxas de O ARISTOTLE, publicado em agosto de 2011 por morte, reinfarto e acidente vascular cerebral, Granger et. al., foi um estudo que randomizou quando comparada ao placebo, mas dobrou 18.201 pacientes para tratamento com as taxas de sangramento de maneira dose – apixabana ou varfarina em dose ajustada. O dependente. O ROCKET-AF é o primeiro grande objetivo primário foi testar a não inferioridade estudo comparando a rivaroxabana à varfarina da apixabana em relação à varfarina no que na profilaxia primária de acidente vascular diz respeito ao desfecho primário avaliado, e cerebral em pacientes portadores de fibrilação o objetivo secundário, avaliar a superioridade atrial de etiologia não valvar. Foram incluídos quanto ao desfecho primário e às ocorrências 14.269 pacientes de 1.100 centros em 45 países de sangramentos maiores e morte por todas para acompanhamento por 40 meses, a partir de as causas. O desfecho primário foi a taxa junho de 2009. Todos os pacientes apresentavam de ocorrência de acidente vascular cerebral fatores de risco para acidentes vascular cerebral ou embolia sistêmica, tendo como desfecho e mais de 80% deles tinham escore CHADS > 2. secundário a morte por qualquer causa. Os Foram excluídos os pacientes com cleareance pacientes incluídos tinham fibrilação atrial de creatinina < 30 ml/min. Os resultados iniciais e fatores de risco para tromboembolismo. demonstram que a rivaroxabana não é inferior A apixabana mostrou-se superior à varfarina à varfarina no desfecho primário de acidente também nesse estudo, causou menor sangramento vascular encefálico. No desfecho secundário e resultou em menor mortalidade.28,29 de sangramento, não houve diferença entre os grupos no que se refere a sangramentos | 52 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL maiores e menores. Houve maior incidência de sangramento intracraniano no grupo rivaroxabana quando comparado ao grupo varfarina. Entretanto, houve maior incidência de sangramento gastrointestinal com o uso do rivaroxabana. Em relação à gravidade dos sangramentos, houve menos sangramentos fatais ou graves no grupo que recebeu rivaroxabana. Um subestudo do ROCKET-AF analisou pacientes com disfunção renal moderada, dividindo-os em dois grupos, de acordo com o cleareance de creatinina e comparando com a varfarina. O estudo demonstrou que independente da terapia empregada os pacientes com cleareance entre 30 e 49 ml/min apresentaram maior risco de acidente vascular cerebral e embolia sistêmica, mas não houve diferença entre os grupos nesses desfechos. Esses são os primeiros dados que demonstram que existe equivalência entre rivaroxabana e varfarina na proteção contra eventos tromboembólicos. Discussão O uso de cumarínicos há mais de 50 anos vem combatendo e diminuindo o risco de fenômenos tromboembólicos associados à fibrilação atrial. Infelizmente, essas drogas apresentam um perfil tanto farmacocinético como farmacodinâmico inadequado para sua utilização em todos os pacientes, que permanecem fora da faixa terapêutica durante a maior parte do tempo, mesmo em centros especializados em anticoagulação. A estreita faixa terapêutica, a necessidade de controle do tempo de protrombina, a interação com outras drogas e alimentos, a posologia variável de acordo com o tempo de protrombina e o risco de sangramento, mesmo na faixa terapêutica, tornam-se limitações e geram medo e ansiedade quanto ao uso desses medicamentos; o que ocasiona um sobreuso de antiagregantes que pouco interferem no risco de fenômenos tromboembólicos. Comprovadamente, a 1.2.5 Endoxabana proteção atribuída à aspirina é muito inferior à da coagulação, com risco de sangramento não É um anticoagulante ativo oral e inibidor direto desprezível. Já os pacientes que conseguem do fator Xa. É rapidamente absorvido, atingindo se manter com aderência e controle rigoroso concentração plasmática entre 1 e 3h após no tratamento têm sua qualidade de vida administração, com meia-vida de 9 e 11h. Possui diminuída pelas restrições impostas pelo uso de duplo mecanismo de eliminação, cerca de um anticoagulantes. A busca por novas terapias tem terço é eliminado por via renal e o restante é sido incessante e essas opções, a partir de 2010, excretado pelas fezes.34,35,36 Em estudos fase têm sido finalmente liberadas para uso clínico. II, a endoxabana foi avaliada para profilaxia de Todos os estudos até o momento compararam tromboembolismo em pacientes submetidos à cada um dos novos anticoagulantes à varfarina, artroplastia de quadril eletiva e prevenção de não havendo ainda estudos com comparação acidente vascular cerebral na fibrilação atrial. direta entre eles. Está em andamento o estudo fase III ENGAGE AF-TIMI 48, que compara as duas doses de Além da busca da superioridade em relação à endoxabana (30 e 60 mg/dia) com varfarina varfarina, diversas medicações buscam também para prevenção de acidente vascular cerebral ou maior abrangência de uso na prática clínica, embolia sistêmica em pacientes com fibrilação englobando pacientes com contraindicação à atrial e para início e tratamento a longo prazo de terapia com varfarina. Nessa linha de pesquisa, trombose venosa. Até o momento a endoxabana a apixabana foi a única substância colocada só havia sido testada no Japão (estudo fase II) à prova em dois estudos. Todos os novos para prevenção de trombose venosa, em que medicamentos apresentam perfil de segurança foi considerada eficaz, porém comparada ao e eficácia semelhantes entre si e com não esquema de enoxaparina japonês, que difere do inferioridade em relação à varfarina. No caso esquema empregado no restante do mundo, uma da apixabana e rivaroxabana existe até uma vez que o protocolo japonês inicia enoxaparina discreta superioridade em relação à varfarina. mais tardiamente e em doses mais baixas. Questões sobre o manuseio dessas drogas em situações especiais, como pré-operatórios e pacientes com necessidades de antiagregação | 53 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al plaquetária única ou dupla associada, só poderão ser respondidas após seu uso na população geral. Grande parcela de pacientes ainda apresenta contraindicações ao uso das novas substâncias por não existirem estudos de segurança e eficácia nesses casos específicos. adicionais, mantendo-se o uso dos cumarínicos ainda como única opção terapêutica. Somente o tempo dará as respostas desejadas, não cabendo no momento descartar o uso da varfarina, que durante mais de 50 anos se mostrou, dentro de suas limitações, eficaz em prevenir eventos tromboembólicos. Com o surgimento de antirrombínicos modernos, novos horizontes se abrem para que a abrangência da anticoagulação passe a ser indicada a todos os pacientes com risco, com taxas de proteção contra embolias cada vez maiores e com menores índices de sangramento. Do ponto de vista farmacocinético, as três novas drogas já testadas têm perfil muito semelhantes. Entretanto, a rivaroxabana leva vantagem por ser usada em dose única diária, o que facilita muito a aderência ao tratamento. Dabigatrana, quando usado de forma crônica, se mostrou seguro nos pacientes submetidos à cardioversão, porém não há dados relativos à Referências apixabana e rivaroxabana. 1. Carroll K, Majeed A. Comorbidity associated with atrial fibrillation: a general practice-based-study. Br J Gen Pract. Descrita essa variedade de novas drogas 2001; 51(472): 884-6, 889-91. anticoagulantes, torna-se imperativo a avaliação de custo efetividade na hora de decidir sobre a 2. Macedo PG, Ferreira Neto E, Silva BT et. al. substituição do uso atual da varfarina. Estima- Anticoagulação oral em pacientes com fibrilação se que, para o paciente que se mantém > 70% atrial: das diretrizes à prática clínica. Rev Assoc do tempo dentro da faixa terapêutica, a troca Med Bras. 2010; 56(1): 56-61. da varfarina não é uma medida custo efetiva. Torna-se importante o emprego do escore 3. Esmerio FG, Souza E, Leiria TL et. al. Uso CHADS e a individualização da decisão para cada crônico de anticoagulante oral: implicações paciente levando em consideração sempre as para o controle de níveis adequados. Arq Bras condições clínicas e socioeconômicas. Atentar Cardiol. 2009; 93(5): 549-54. para a decisão de quando contraindicar a terapia baseada no escore de risco de sangramento. 4. 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Atrial recentemente, 2014, porém deve-se atentar à fibrillation as an independent risk factor for farmacovigilância e à inexistência de antídotos stroke: the Framingham Study. Stroke. 1991; para essas drogas. Vale salientar que as novas 22: 983-988. drogas não foram testadas nos portadores de valvopatias, devendo-se limitar o uso nessa 8. Go AS, Hylek EM, Phillups KA et. al. Prevalence subpopulação, que necessita de evidências of diagnosed atrial fibrillation in adults: national Conclusão | 54 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 O USO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS NA FIBRILAÇÃO ATRIAL implications for rhythm management and stroke prevention: the anticoagulation and risk factors in atrial fibrillation (ATRIA) study. JAMA. 2001; 285(18): 2370-5. trial. JAMA. 2005; 293: 690-698. 9. Petersen P, Boysen G, Godtfredsen J et. al. 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É reconhecido que a principal causa do IM é a doença aterosclerótica coronariana, em geral com trombose superposta, caracterizando um IM do tipo I. Porém, numerosos processos patológicos, além da aterosclerose, podem envolver as artérias coronárias e resultar em IM, como, por exemplo, as arterites, espasmos coronarianos, êmbolos, anomalias congênitas das coronárias, desproporção entre oferta e consumo de oxigênio para o miocárdico, abuso de drogas, doenças sistêmicas cursando com proliferação intimal, além de contusão miocárdica, entre outras. Relatamos uma rara causa de necrose miocárdica, em um paciente com coronárias normais e sem fatores de risco para doença aterosclerótica, pela presença de obstrução coronária por balas de chumbo diagnosticada 21 anos após lesão penetrante torácica por arma de fogo, a qual evoluiu para um quadro de insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica. Palavras-chave: Infarto do miocárdio; Etiologia do infarto do miocárdio; Diagnóstico de trauma cardiaco; Arma de fogo; Lesão coronariana; Complicações por arma de fogo Abstract The clinical diagnosis of myocardial infarction (MI) involves compatible medical history with ischemic discomfort presence associated and indirect evidence of myocardial injury, which comprise myocardial necrosis markers positivity, electrocardiographic changes or imaging. It is recognized that the principal cause of IM is coronary atherosclerotic disease, often with superimposed thrombosis, featuring an IM type I. However, numerous pathological processes, and atherosclerosis may involve the coronary arteries and result in IM, for example, arteritis, coronary spasm, emboli, congenital anomalies of the coronary arteries, imbalance between supply and myocardial oxygen consumption, drug abuse, systemic diseases coursing with intimal proliferation, and myocardial contusion, among others. Case report of a myocardial necrosis rare cause in a patient with normal coronary arteries and without other risk factors for atherosclerotic disease, from the presence of coronary obstruction by lead bullets diagnosed 21 years after injury penetrating thoracic firearm, which evolved into a box of heart failure of ischemic etiology. Keywords: Myocardial infarction; Myocardial infarction, etiology; Heart injuries, diagnosis; Firearm; Coronary vessels, injuries; Wounds gunshot, complications. * Médica residente de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas/Ufam. ** Especialista em Cardiologia. Médica assistente do Hospital Universitário Francisca Mendes/Ufam. *** Membro titular da SBC e SBHCI. Cardiologista intervencionista do Hospital Universitário Francisca Mendes/Ufam. **** Membro titular da SBC e SBE. Professora/chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas/Ufam. | 57 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INFARTO DO MIOCÁRDIO CAUSADO POR ARMA DE FOGO COM BALAS DE CHUMBO. UMA RARA CAUSA DE MIOCARDIOPATIA ISQUÊMICA Introdução diagnosticada 21 anos após infarto agudo do miocárdio de parede anterior extensa causado É reconhecido que a maioria do infarto do por lesão por arma de fogo, não suspeitado à miocárdio (IM) resulta de aterosclerose época do trauma. coronariana, em geral com trombose superposta, caracterizando um IM do tipo I. Relato de Caso Porém, numerosas outras doenças, além da aterosclerose, podem envolver as artérias Paciente do sexo masculino, de 39 anos, tabagista coronárias e resultar em IM, como, por exemplo, (seia maços/ano), com relato de trauma torácico as arterites, espasmos coronarianos, dissecção por arma de fogo com balas de chumbo aos 18 coronariana, êmbolos, anomalias congênitas anos de idade, tendo sido conduzido de forma das coronárias, desproporção entre oferta conservadora e sem diagnóstico de infarto à e consumo de oxigênio para o miocárdico, época, permaneceu assintomático ao longo abuso de drogas, doenças sistêmicas cursando desses anos. Sua condição clínica permaneceu com proliferação intimal, além de trauma inalterada por 21 anos, quando desenvolveu miocárdico, entre outros.1 dispneia progressiva, ortopneia, associada a edema de membros inferiores, palpitação e dor Os principais mecanismos de lesão cardíaca torácica atípica, o que motivou a internação traumática são o trauma contuso e a lesão hospitalar. Não havia história prévia de doença penetrante. Os agravos mais comuns resultantes cardíaca. O eletrocardiograma mostrava do trauma são ruptura do miocárdio, zona inativa e alteração da repolarização contusão, laceração, insulto pericárdico, lesão ventricular em parede anterior extensa com coronariana, lesão valvar, arritmias e distúrbios marcadores de necrose miocárdica normais. de condução, sendo o mais comum a laceração.2.3 Realizado ecocardiograma transtorácico com Doppler observou-se a presença de A lesão da artéria coronariana pós-traumática é miocardiopatia dilatada com disfunção sistólica uma complicação rara e ocorre em 5 a 9% dos moderada (fração de ejeção de 41% pelo pacientes com lesões cardíacas, com índice método de Simpson) e acinesia das paredes de mortalidade de 69%.1 Podem resultar em anterior e septal e de toda a região apical. A infarto do miocárdio por dissecção da artéria cineangiocoronariografia eletiva (Figura 1) coronariana, trombose, espasmo focal, ruptura mostrou a artéria coronariana Descendente do vaso e embolia coronária.2 Anterior (DA) ocluída (Figura 2) em terço proximal por projétil de arma de fogo localizado As apresentações clínicas da injúria cardíaca junto à bifurcação com o 1.º ramo Diagonal penetrante variam de estabilidade hemodinâmica (Figura 3), o qual apresentava obstrução de 90% completa ao colapso cardiovascular agudo e na origem e presença de circulação colateral franca parada cardiorrespiratória. O quadro 2+/4+ da coronária direita (CD) para DA. Optouclínico depende de vários fatores como o se pela conduta conservadora e não retirada mecanismo do ferimento, o período de tempo dos projéteis nem a confecção de enxertos decorrido até o atendimento inicial, a extensão vasculares, uma vez que o estudo de viabilidade da lesão, a presença de tamponamento cardíaco, miocárdica não demonstrou benefício com e de lesões não cardíacas associadas.2,4 O essa intervenção. O paciente evoluiu com boa tratamento conservador pode ser suficiente para resposta clínica ao tratamento medicamentoso o tratamento de pacientes hemodinamicamente para miocardiopatia. estáveis descomplicados.5 As sequelas tardias da oclusão coronariana e insuficiência cardíaca são raras e detectadas, com mais frequência, pela ecocardiografia dentro do primeiro ano após a lesão.1 Relatamos um caso de miocardiopatia isquêmica | 58 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Santos et al Figura 1: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Direita Caudal. Figura 2: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Esquerda Cranial mostrando a artéria coronariana Descendente Anterior (DA) ocluída em terço proximal por projétil de arma de fogo localizado junto à bifurcação com o 1.º ramo Diagonal. | 59 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 INFARTO DO MIOCÁRDIO CAUSADO POR ARMA DE FOGO COM BALAS DE CHUMBO. UMA RARA CAUSA DE MIOCARDIOPATIA ISQUÊMICA Figura 3: Cineangiocoronariografia em projeção Oblíqua Anterior Esquerda Caudal (Spider) mostrando 1.º ramo Diagonal com obstrução de 90% na origem e presença de circulação colateral 2+/4+ da coronária direita (CD) para DA. de sobrevivência geral para os pacientes com lesões cardíacas penetrantes é de 30 a 90%, Discussão ao passo que para os pacientes com lesões por O trauma tem sido sugerido, em série de casos, armas brancas é de 70 a 80%, para aqueles com 1 como um dos mecanismos não ateroscleróticos feridas por armas de fogo é de 30 a 40%. levando ao infarto agudo do miocárdio, sendo o trauma penetrante uma rara causa de isquemia. Os pacientes com trauma torácico penetrante As manifestações cardíacas do trauma torácico devem ser avaliados para isquemia miocárdica, penetrante podem ser de difícil diagnóstico e pois a detecção precoce do local da lesão manejo complexo dado as possibilidades de é importante para a conduta de um infarto choque cardiogênico, choque hemorrágico do miocárdio pós-traumático.8 A angina pósou choque obstrutivo simultâneos. Várias traumática é geralmente confundida com lesão complicações, tais como laceração da torácica local ou contusão miocárdica, sendo artéria coronariana, hemopericárdio, fístula necessária a realização de eletrocardiograma, arteriovenosa coronariana, perfuração cardíaca, ecodopplercardiograma e em alguns casos embolização do projétil têm sido relatadas após angiografia coronariana para auxiliar no diagnóstico e na decisão terapêutica.5 O trauma por arma de fogo.2.6 eletrocardiograma de 12 derivações e enzimas A apresentação do quadro clínico depende cardíacas têm sido sugeridos para todo paciente de vários fatores, como a energia cinética, com trauma torácico. O ecocardiograma configuração e tipo de projétil, o tamanho deve ser realizado conforme justificado pela do ferimento, as estruturas danificadas, a situação clínica. Apenas 13% dos pacientes com presença de tamponamento cardíaco, e de infarto pós-traumático são submetidos a uma lesões não cardíacas associadas.2,7 O índice angiografia coronária nas primeiras 24 horas | 60 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Santos et al pós-trauma.6 O ecodopplercardiograma é facilmente realizado à beira-leito e pode fornecer informações adicionais sobre derrame pericárdico, tamponamento, anormalidades na contratilidade segmentar e localização dos projéteis. Portanto, ajuda a identificar problemas que necessitam de intervenção cirúrgica imediata ou complicações a longo prazo. As sequelas tardias de fístula, oclusão coronariana e insuficiência cardíaca são raras9 e detectadas frequentemente pela ecocardiografia no primeiro ano após a lesão. A incidência de sequelas tardias pode ser de até 56%, sendo, portanto, recomendado ecocardiografia durante a hospitalização inicial para identificação de lesões ocultas e acompanhamento três a quatro semanas após a lesão.1 No caso apresentado, o ecocardiograma não foi realizado na época do trauma e 21 anos após mostrou a presença de miocardiopatia dilatada com disfunção sistólica moderada (fração de ejeção de 41% pelo método de Simpson) e alteração na motilidade do miocárdio, levantando a suspeita de doença coronariana como etiologia da miocardiopatia. Quanto à angiografia coronária, alguns autores defendem o papel essencial em lesões de embolização com sinais associados de isquemia. É útil para ajudar a diferenciar entre a embolização, hematoma luminal, doença aterosclerótica com a ruptura da placa ou outras causas de isquemia. A coronariografia permite ainda avaliação da aorta, a identificação do vaso culpado e intervenção com implante de stent, se necessário.5 Nesse paciente, a cineangiocoronariografia realizada tardiamente identificou o vaso danificado ocluído pelo projétil, porém a bala permaneceu no local e o paciente foi tratado de forma conservadora, não sendo necessária nenhuma intervenção para revascularização do miocárdio. Na configuração de uma única lesão coronariana e na ausência de outras complicações cardíacas, o tratamento médico conservador parece dar bons resultados. Fatores que devem ser considerados no momento da decisão terapêutica, se conduta conservadora ou intervencionista, incluem a localização do projétil, lesões associadas, a disfunção da parede ventricular, ocorrência de reperfusão e a distribuição do vaso afetado.5 Nosso paciente teve uma oclusão total da artéria coronariana descendente anterior e obstrução grave do 1.º ramo diagonal, ocasionados pela deposição de projéteis de chumbo após ferimento torácico por arma de fogo, o que causou infarto do miocárdio de parede anterior descomplicado. Na ocasião não foi diagnosticada síndrome coronariana aguda, o que poderia ter tido um resultado catastrófico, com morte secundária a isquemia miocárdica como descoberto em diversos relatos de análises post-mortem. O paciente permaneceu sem diagnóstico e assintomático por cerca de 20 anos após o trauma, quando foi admitido em uma unidade de emergência com clínica de insuficiência cardíaca, mais tarde comprovada como de etiologia isquêmica. Em conclusão, a lesão por arma de fogo ocasionando infarto anterior extenso, sem diagnóstico, tratamento ou seguimento após o trauma e sua evolução para miocardiopatia isquêmica apenas 21 anos após o evento, com boa resposta clínica ao tratamento conservador, contribui para a raridade do caso apresentado. Referências 1. Braunwald E, Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP. Tratado de doenças cardiovasculares. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier. 2010; 2 v. p. 1209, 1857-60. 2. Harinder K, Bali DM, Rajesh Vijayvergiya DM, Sunip Banarjee DM, Nikhil Kumar DM. Gunshot Injury of the Heart An Unusual Cause of Acute Myocardial Infarction. From: Department of Cardiology, Postgraduate Institute of Medical Education and Research, Chandigarh, India: 2003; 30[2]: 158-9. 3. Olsovsky MR, Wechsler AS, Topaz O. Cardiac trauma. Diagnosis, management, and current therapy. Angiology. 1997; 48: 423-32. 4. Juan A, Salvador NS, Walter F, Gustavo R, Patrizio P, Ali S et al. 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Estrangulamento ou encarceramento são excepcionalmente encontrados e apenas 9% dos casos apresentam obstrução intestinal aguda. Este relato descreve o caso de uma paciente de 57 anos, portadora de hérnia lombar espontânea, encarcerada e estrangulada, diagnosticada inicialmente como lipoma e posteriormente tratada com herniorrafia. O resultado foi satisfatório e a recuperação ocorreu sem intercorrências. Palavras-chave: Hérnia lombar; Hérnia de Grynfeltt; Encarceramento; Herniorrafia. Abstract Lumbar hernias are rare and account for only 2% of all hernias. They occur because of defects in the posterior abdominal wall, can be congenital or acquired. The hernia content is most frequently observed as the colon. Most patients remain asymptomatic or present themselves with flank discomfort or chronic lumbar pain. Strangulation or incarceration are uncommon, and just 9% of cases present with acute bowel obstruction. This report describes the case of a 57 years old patient with spontaneous lumbar hernia, incarcerated and strangulated initially misdiagnosed as lipoma and subsequently treated by herniorraphy. The result was satisfactory and the recovery was uneventful. Keywords: Lumbar hernia; Strangulation; Grynfeltt hernia; Incarceration; Herniorrhaphy. Introdução adquiridas podem ser classificadas em primárias (espontâneas) ou secundárias. A apresentação Hérnia lombar é uma protrusão do conteúdo típica é uma protuberância semiesférica saliente intra-abdominal por meio de uma fraqueza na região lombar com um crescimento lento. ou ruptura na parede abdominal posterior.1 É No entanto, elas podem apresentar conteúdo considerada uma entidade rara, com cerca de intestinal encarcerado ou estrangulado, por isso 300 casos relatados na literatura desde que foi é recomendado que todas as hérnias lombares descrita pela primeira vez em 1672.2,3 Vinte sejam tratadas tão logo diagnosticadas. Nove por cento das hérnias lombares são congênitas por cento das hérnias lombares são agudas e e 80% são adquiridas. As hérnias lombares exigem reparação imediata.4 * Médicos residentes de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas. ** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. *** Médica residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário Getúlio Vargas. **** Médica supervisora do Programa de Cirurgia Geral e chefe do Serviço de Cirurgia Abdominal do Hospital Universitário Getúlio Vargas. | 63 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 MÚLTIPLOS FENÔMENOS EMBÓLICOS PULMONARESE PERIFÉRICOS SECUNDÁRIOS À TROMBOFLEBITE DE VEIA JUGULAR INTERNA: UM RELATO DE CASO DE SÍNDROME DE LEMIERRE O padrão-ouro para o diagnóstico é a tomografia computadorizada, pois é capaz de delinear camadas fasciais e musculares, detectar defeitos em uma ou mais dessas camadas, avaliar o conteúdo herniário, diferenciar atrofia muscular de uma hérnia real e servir como uma ferramenta. Figuras 1.1 e 1.2: Tomografia computadorizada demonstrando hérnia lombar esquerda contendo alça de intestino delgado (seta branca). O tratamento deve ser sempre cirúrgico para evitar complicações. Estudos recentes têm demonstrado as vantagens de um reparo laparoscópico em vez da abordagem clássica aberta, como uma opção de tratamento ideal para hérnias lombares.4 Ao exame físico notou-se presença de conteúdo móvel em região lombar esquerda, irredutível manualmente, fígado abaixo do rebordo costal direito e com presença de ruídos hidroaéreos. Paciente de 57 anos, sexo feminino, natural de Jutaí/AM e procedente de Manaus/AM. Em julho de 2014 iniciou quadro de dor e edema em região lombar esquerda. Em setembro do mesmo ano a dor começou a irradiar para membro inferior esquerdo, sendo associada à parestesia e hipoestesia. A paciente foi submetida à correção da hérnia por técnica aberta. Após bloqueio raquidiano, em decúbito lateral esquerdo, realizou-se a incisão sobre a protrusão lombar, com exposição do saco herniário e liberação deste da falha da parede, com cerca de 3 cm. A exposição do conteúdo evidenciou apenas gordura de aspecto isquêmico. Após a ressecção parcial e redução do A tomografia computadorizada (TC) de abdome total revelou hérnia na parede tóraco-lombar à Nós relatamos um caso de hérnia lombar esquerda, com conteúdo de gordura, retraindo espontânea, inicialmente diagnosticado como segmento de delgado em correspondência, um lipoma e corrigido cirurgicamente com notando-se borramento e densificação técnica aberta. da gordura no interior do saco herniário, compatível com certo grau de encarceramento/ estrangulamento do conteúdo. Relato de Caso | 64 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Silva et al conteúdo, procedeu-se o fechamento primário pequenos defeitos podem ser corrigidos sem o da falha com sutura não absorvível, sem uso uso de prótese. de tela, visto que, de acordo com a literatura,6 A B C D Figura 2: Foto do intraoperatório demonstrando em A: Saco herniário lombar esquerdo dissecado; B: Visão anatômica da falha, após ressecção parcial do conteúdo e redução do restante; C: Visão da falha anatômica, em detalhe; D: Aspecto final após correção da falha com sutura inabsorvível. Discussão Hérnias lombares são raras, com menos de 300 casos relatados na literatura médica e representando apenas 2% de todas as hérnias.7 A primeira pessoa a documentar a existência de hérnias lombares foi Paul Barbette, em 1672, na França. Por volta de 1728, Budgeon descreveu as características do que poderia ser o primeiro caso conhecido de hérnia lombar congênita.4 Ravaton realizou a primeira abordagem cirúrgica em 1750, em uma mulher grávida com uma hérnia lombar estrangulada. Mais tarde, em 1768, Balin escreveu uma descrição superficial sobre a área anatômica envolvendo a hérnia.8 O crédito final foi dado em 1783 para Jean Louis Petit, que além de descrever uma hérnia estrangulada, determinou as bordas anatômicas do triângulo lombar inferior.8 Um século mais tarde, em 1866, Grynfeltt descreveu as bordas anatômicas do triângulo lombar superior.10 O triângulo inferior (de Petit) é superficial e limitado inferiormente pela crista ilíaca, lateralmente pelo m. oblíquo externo e medialmente pelo m. grande dorsal.11 O triângulo superior (de Grynfeltt) é mais profundo, abaixo da 12.ª costela e limitado lateralmente pelo oblíquo interno e medialmente pelo m. quadrado lombar.12 | 65 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 HÉRNIA LOMBAR ESPONTÂNEA ENCARCERADA E ESTRANGULADA: UM RELATO DE CASO As hérnias lombares ocorrem mais comumente no sexo masculino (cerca de 2/3 de todos os casos notificados); a grande maioria é unilateral e são mais comuns no lado esquerdo. A maioria dos pacientes são diagnosticados entre a sexta e sétima décadas de vida. Além disso, são mais originárias do triângulo lombar superior, provavelmente porque é maior e mais fraco que o triângulo inferior.13 Etiologicamente, podem ser congênitas (20%), primárias ou espontâneas (55%), ou adquiridas secundárias ao trauma ou cirurgia (25%).14 Hérnias congênitas aparecem na infância por um defeito na musculatura esquelética da região lombar e estão associadas a outras malformações. As primárias desenvolvem-se, como o nome já diz, espontaneamente. Vinte e cinco por cento dessas hérnias são diagnosticadas como encarceradas, ao passo que 18%, na verdade, são estranguladas. As secundárias podem resultar de trauma, infecção ou procedimentos cirúrgicos prévios. Podem ser confinadas aos triângulos lombares anteriormente descritos, mas uma força contundente grande também pode perturbar outras camadas da parede muscular e causar uma hérnia difusa. Hérnias pós-incisionais também podem ocorrer após cirurgias como nefrectomias, adrenalectomias, reparação de aneurisma aórtico, retalho miocutâneo do músculo grande dorsal ou qualquer outra incisão em flanco ou locais de exploração de crista ilíaca. Pelo fato de não existir um defeito fascial, ela não é considerada uma hérnia verdadeira e é corrigida apenas por razões estéticas.4 O conteúdo mais frequente das hérnias lombares é o cólon; no entanto, uma variedade de órgãos intra-abdominais (intestino delgado, estômago, baço, rim) pode herniar para o espaço lombar. A maioria dos pacientes permaneceu assintomática.15 Assim como ocorre com outras hérnias, elas são precipitadas por condições associadas ao aumento da pressão intra-abdominal, como gravidez, obesidade, ascite ou bronquite crônica. Existem também algumas alterações anatômicas na parede abdominal posterior que podem predispor ao desenvolvimento de hérnias, tais como o envelhecimento, atrofia muscular, doença debilitante ou magreza extrema, porque a perda de tecido adiposo pode levar à ruptura de orifícios neurovasculares que penetram na fáscia tóraco-lombar.4 A apresentação típica das hérnias lombares é um paciente com uma protuberância semiesférica saliente na região lombar, em particular na zona suprailíaca posterior, que pode ser tanto assintomática quanto apresentar graus variáveis de dor.1 Outros sintomas podem incluir náusea, vômito, disfunção renal (obstrução urinária se conteúdo da hérnia for renal), inchaço, dor na região lombar e outros sinais clínicos de obstrução intestinal se encarcerada ou estrangulada. Pode até haver dor ao longo do nervo ciático ou dor referida no abdome anterior se houver aprisionamento visceral. É geralmente redutível se o paciente está em decúbito dorsal. Se for assintomática, pode ser muito difícil de diagnosticar até mesmo com um exame minucioso, principalmente em pacientes obesos e, especialmente, se a patologia não está suspeita inicialmente. O diagnóstico diferencial inclui: lipoma; tumores de tecidos moles, como fibroma; hematoma; abcesso; tumores renais; hidrocele renal; rabdomioma; sarcoma; hérnia muscular; paniculite ou hérnia lombo sacro-ilíaca panicular. É importante salientar que nenhuma dessas condições pode causar obstrução intestinal.4 A mortalidade é relatada entre 10 a 50% das hérnias lombares. Desfechos desfavoráveis são comumente associados com atraso no diagnóstico e terapia, mau estado geral, pacientes idosos com doenças coexistentes e estrangulamento com gangrena intestinal.1,2 | 66 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Silva et al Embora hérnias lombares sejam raras o diagnóstico e tratamento precoces são os fatores mais importantes na diminuição da mortalidade e morbidade; portanto, a ação rápida para diagnóstico e terapia é essencial.2 8. Stamatiou D, Skandalakis J, Skandalakis L et. al. Lumbar hernia: surgical anatomy, embryology, and technique of repair. Am Surg. 2009; 75: 22-207. 9. Petit L. Traite des maladies chirurgeales et des opérations qui leur conviennent. Didot, Paris. 1774; 256-258. O caso relatado destaca a importância de um exame clínico completo e um alto índice de suspeita, mesmo na ausência de cirurgia prévia em torno da localização anatômica da hérnia, 10. Grynfeltt J. Quelques mots sur la hernic a fim de efetuar um reparo precoce antes do lombarie. Montpellier Med. 1866; 16: 323. início da isquemia do conteúdo encarcerado. 11. Maurice T, Kian L, Colm H. A unique presentation and repair of a traumatic lumbar Referências hernia. Injury Extra. 2005; 36: 438-441. 1. Teo K, Burns E, Garcea G, Abela J, McKay J. Incarcerated small bowel within a spontaneous 12. Walsh M, Springfield D. Spontaneous lumbar lumbar hernia: report of a case. Hernia. 2010; hernia: a case report. J Bone Joint Surg Am. 2004; 86-A: 1525-1527. 14: 539-541. 2. Marcus F, Patrick F, Marcelin N, Arthur E, Maurice S. Strangulated or incarcerated spontaneous lumbar hernia as exceptional cause of intestinal obstruction: case report and review of the literature. World Journal of Emergency Surgery. 2014; 9: 44. 13. Sharma L. Lumbar hernia. MJAFI. 2009; 65: 178-179. 3. Ponka J. Lumbar hernias. In: Ponka JL, ed. Hernias of the Abdominal Wall. Philadelphia: WB Saunders. 1980; 465-478. 15. 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Surg Radiol Anat. 2008; 30: 533-537. | 67 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIS CASE REPORT: EXTENSVE ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION WITH ANGIOGRAPHICALLY NORMAL CORONAY ARTERIES Ana Márcia Freitas Carlos,* Elisângela Canterle Sedlacek,* Marlúcia Nobre,** Ronaldo Rabelo,*** Marilu Cavalcante Gomes.**** Resumo É reconhecido que o infarto agudo do miocárdio (IAM) pode ocorrer com artérias coronárias angiograficamente normais em 1 a 12% dos casos, e os mecanismos propostos para seu desenvolvimento incluem obstrução dinâmica, vasoespasmo coronariano e aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Os autores relatam o caso de um paciente que sofreu IAM com supradesnivelamento de segmento ST anterior extenso com artérias coronárias angiograficamente normais. Palavras-chave: Infarto do miocárdio; Doença das coronárias; Vasoespasmo coronário. Abstract It is recognized that acute myocardial infarction (AMI) may occur with normal coronary arteries angiographically image in up to 12% of cases, and the proposed mechanisms for its development include dynamic obstruction, coronary vasospasm and increase in myocardial oxygen consumption. Case report of a AMI with angiographically normal coronary arteries. Keywords: Myocardial infarction; Coronary disease; Coronary vasospasm. Introdução não está bem esclarecida, mas alguns fatores podem estar relacionados, como vasoespasmo O infarto agudo do miocárdio (IAM) é a maior coronariano, disfunção plaquetária, síndromes causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo, vasoespásticas associadas com fenômeno de sendo responsável por 7,2 milhões de óbitos em Raynaud e respostas inflamatórias à infecção 2002, segundo dados da Organização Mundial por clamídia ou outra bactéria ou vírus.4 Além de Saúde (OMS).1 A etiologia mais frequente é a disso, o tabagismo é considerado um dos mais instabilidade e ruptura de uma placa de ateroma importantes fatores de risco, principalmente em no interior do vaso.2,3 No entanto, desde o fumantes passivos e tabagistas de longa data.4,5 surgimento e aperfeiçoamento de técnicas de Futuros estudos prospectivos são necessários angiografia coronariana é reconhecido que 1 a para melhor entendimento da fisiopatologia do 12% dos casos ocorrem com artérias coronárias IAM com coronárias normais. angiograficamente normais.4 A causa ainda ** Residente do Serviço de Cardiologia do HUGV/Ufam. ** Professora do Departamento de Clínica Médica (disciplina de Cardiologia) da Ufam. Supervisora da Residência Médica em Cardiologia e Ecocardiografia do HUGV/Ufam. *** Residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV. **** Médica plantonista do Hospital Pronto-Socorro 28 de Agosto. | 68 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIs Relato de Caso Paciente do sexo masculino, 36 anos, pardo, agricultor, foi admitido na Reanimação do Pronto-Socorro Municipal 28 de Agosto, transferido de uma unidade de saúde da cidade de Presidente Figueiredo (interior do Amazonas) após sofrer trauma corto-contuso em joelho direito durante o trabalho, o que precipitou um quadro de precordialgia em ardência de forte intensidade que irradiava para o dorso, com duração maior do que 20 minutos, associada à dispneia, sudorese fria e palidez cutâneomucosa. Apresentava como fatores de risco ser tabagista havia dez anos (carga tabágica de três maços/ano), sedentário, dislipidêmico, além de história familiar positiva para doença arterial coronária (DAC) prematura, com pai falecido aos 45 anos de infarto agudo do miocárdio (IAM). Ao exame físico, encontrava-se eupneico, acianótico, afebril, bem perfundido, sem edemas, com pressão arterial de 130 x 90 mm Hg, frequência cardíaca de 65 bpm. Auscultas cardíaca e pulmonar sem alterações, e oximetria de 97% em cateter nasal de oxigênio (3 L/min). Exame do abdome e palpação dos pulsos periféricos dentro da normalidade. O eletrocardiograma evidenciou ritmo sinusal com supradesnivelamento do segmento ST em parede anterior extensa (V1 a V6, DI e AVL) associado à imagem em espelho com infradesnivelamento em parede inferior (Figura 1), com marcadores de necrose miocárdica positivos (Tabela 1) e classe Killip I. Radiografia de tórax dentro da normalidade. Figura 1: ECG inicial com supradesnivelamento do segmento ST de V2 – V6, DI e AVL. | 69 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carlos et al 1 3/04 1 4/04 15/04 1 6/04 1 7/04 1 8/04 CPK 2031 5812 2599 1297 813 5 2 CKMB 302 1001 160 8 5 42 2 3 Tabela 1: Curva enzimática miocárdica. Foi tratado com nitroglicerina endovenosa na dose de 15 mcg/hora, recebeu bolus de heparina de baixo peso molecular seguido de dose para anticoagulação plena, além de ácido acetilsalicílico e dose de ataque de clopidogrel. Por indisponibilidade de Serviço de Hemodinâmica no pronto-socorro, foi trombolizado com tenecteplase com delta T de 6 horas, e tempo porta-agulha de 1 hora. Após a trombólise, o eletrocardiograma apontava o surgimento de zona inativa em parede anterosseptal (alteração essa já presente previamente) e em parede inferior (Figura 2). Posteriormente o paciente foi encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde realizou ecocardiograma transtorácico, que mostrou discinesia apical, acinesia do segmento médio e apical da parede anterior e septal, disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (VE) importante (fração de ejeção – FEVE – 35% pelo método Simpson) e disfunção diastólica grau II. A bioquímica sanguínea revelou dislipidemia mista, com hipertrigliceridemia (triglicerídeos 215 mg/dL), LDL-C alto (116 mg/dL) e HDL-C baixo (33 mg/dL). Figura 2: ECG pós-trombólise. | 70 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 RELATO DE CASO: INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO EXTENSO COM CORONÁRIAS ANGIOGRAFICAMENTE NORMAIs No quarto dia de internação o paciente foi transferido para a enfermaria do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM), já sem dor anginosa, porém evoluindo com dispneia aos mínimos esforços, aumento dos níveis tensionais (157 x 96 mm Hg) e creptações até terço médio na ausculta respiratória em ambos os pulmões (Killip III), além de edema de membros inferiores simétrico de 1+/4+. O tratamento foi otimizado, incluindo inibidor da enzima conversora de angiotensina, betabloqueador e diurético, que permitiu melhora gradativa da dispneia, do edema e dos níveis tensionais. Ainda durante a internação, o paciente foi submetido ao estudo hemodinâmico, que revelou coronárias angiograficamente normais, com ventriculografia esquerda demonstrando acinesia anteromédio-apical e ínfero-apical. Discussão do Caso O IAM é caracterizado pelo processo de necrose de parte do músculo cardíaco, por aporte inadequado de nutrientes e oxigênio, com redução do fluxo sanguíneo coronariano de magnitude e duração suficientes para não ser compensado pelas reservas orgânicas.5 É considerada a principal causa de morte no Brasil, assim como em países desenvolvidos, sendo estimados cerca de 300 mil a 400 mil casos/ ano, apesar dos inúmeros avanços terapêuticos obtidos na última década. A principal etiologia é a instabilização de uma placa aterosclerótica com trombose oclusiva, vista em até 90% dos casos. Outras vezes, o IAM pode ser ocasionado por processos patológicos de natureza diferente que, no entanto, também provocam desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio ao miocárdio.5 O IAM com artérias coronárias normais pode ser encontrado em 1 a 12% dos indivíduos, sendo definido como a ausência de irregularidades endoluminais evidenciadas à coronariografia.3 Os pacientes são geralmente do sexo feminino (40%), com idade média de 42 anos e possuem menor risco cardiovascular que os pacientes que possuem alterações endoluminais nas artérias coronárias (doença arterial coronariana – DAC), porém com relato mais frequente de tabagismo.3 Sua fisiopatogenia ainda não está bem esclarecida, no entanto alguns fatores estão sendo aventados como possíveis causadores, como espasmo coronariano, tabagismo, abuso de álcool e/ou cocaína, disfunção endotelial, infecções. O espasmo coronariano é demonstrado como causa de IAM com coronárias normais em até 1/3 desses pacientes,6,7 normalmente em decorrência de disfunção endotelial sobre uma placa de aterosclerose incipiente com liberação de fatores vasoconstritores e de menor produção de óxido nítrico. Nesse aspecto, o tabagismo, o uso de cocaína e etilismo têm papel fundamental na gênese dessa anormalidade endotelial.8 É demonstrada maior agregação e adesão plaquetárias nesses pacientes, principalmente em fumantes crônicos ou passivos de longa data, por conta de lesão endotelial concomitante, por efeito tóxico direto, elevando assim o risco de trombose em coronárias normais.6 Recentes estudos sugerem a possibilidade de associação de infecções por Chlamydia pneumoniae, citomegalovírus e Helicobacter pylori na etiologia de síndromes coronarianas agudas em pacientes com DAC. Os possíveis mecanismos sugeridos são lesão endotelial por endotoxinas circulantes, reatividade cruzada entre os antígenos bacterianos e as células endoteliais.9,10 A presença de altos títulos de imunoglobulina A (IgA) contra C. pneumoniae em pacientes infartados e com coronárias normais, em comparação com amostras de sangue de doadores sadios, sugere um componente inflamatório como causa de IAM naqueles pacientes.3 A coronariografia, pela técnica de injeção de contraste no do vascular, possui limitada capacidade de estimar e quantificar a presença de placa aterosclerótica. Nesse sentido, a ultrassonografia intravascular possui maior acuraria em caracterizar o lúmen do vaso e geometria de sua parede, bem como a presença e distribuição de placa aterosclerótica.6,10,11 O prognóstico de pacientes com IAM e coronárias normais é favorável em até 95% dos | 71 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carlos et al sobreviventes. Maiores taxas de mortalidade são associadas à presença de arritmias e/ou maior disfunção ventricular esquerda.6,10 arteries. Heart. 1998; 79(2): 191-4. 2. Wang R, Souza Filho NS, Fortes JAR, Moura LZ, Bernardi A, Spolador L et. al. Infarto agudo do miocárdio de parede inferior sem lesão obstrutiva coronária. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2009; 17(3): 423-6. 11. Mintz JS, Painter JA, Pichard AD, Kent KM, Satler LF, Popma JJ et. al. Atherosclerosis in angiographically “normal” coronary artery reference segments: an intravascular ultrasound study with clinical correlations. J Am Coll Cardiol. 1995; 25(7): 1479-85. 7. Da Costa A, Isaaz K, Faure E, Mourot S, Cerisier A, Lamaud M. Clinical characteristics, Nesse caso relatado, o paciente se apresentava aetiological factors and long-term prognosis dentro da faixa etária descrita como de maior of myocardial infarction with and absolutely prevalência para IAM com coronárias normais, e normal coronary angiogram: A 3-years follow-up possui como fator de risco principal o tabagismo, study of 91 patients. Eur Heart J. 2001; 22(16): que está intimamente relacionado com 1459-65. disfunção endotelial e espasmo coronariano. Além disso, possui história familiar precoce para 8. Werns SW, Walton JA, Hisia HH, Nabel EG, Sanz DAC. Na coronariografia não foi evidenciado ML, Pitt B. Evidence of endothelial dysfuntion lesão obstrutiva. O paciente, apesar da in angiographically normal coronary arteries terapêutica otimizada, permaneceu com of patients with coronary artery disease. disfunção ventricular importante, o que pode Circulation. 1989; 79(2): 287-91. inferir um maior risco de morte subsequente e reinternações. 9. Seiler C, Hess OM, Buechi M, Suter TM, Krayenbuehl HP. Influence of serum cholesterol and other coronary risk factors on vasomotion Referências of angiographically normal coronary arteries. 1. Guimarães HP, Avezum A, Piegas LS. Circulation. 1993; 88(5 Pt 1): 2139-48. Epidemiologia do infarto agudo do miocárdio. In: Timerman A, Mansur, AP. Epidemiologia 10. Bugiardini R, Merz CNB. Angina with “normal” das doenças cardiovasculares. Rev Soc Cardiol coronary arteries: a changing philosophy. JAMA. 2005; 293(4): 477-484. Estado de São Paulo. 2006; 1: 1-7. 3. Ammann P, Marschall S, Kraus M, Shmid L, Angehrn W, Krapf R et. al. Characteristics and prognosis of myocardial infarction in patients with normal coronary arteries. Chest. 2000; 117(2): 333-8. 4. Raymond R, Lynch J, Underwood D, Leatherman J, Razavi M. Myocardial infarction and normal coronary arteriography: a 10 year clinical and risk analysis of 74 patients. J Am Coll Cardiol. 1988; 11(3): 471-7. 5. McKenna WJ, Chew CY, Oakley CM. Myocardial infarction with normal coronary angiogram: Possible mechanism of smoking risk in coronary artery disease. Br Heart J. 1980; 43(5): 493-8. 6. Williams MJ, Restieaux NJ, Low CJ. Myocardial infarction in young people with normal coronary | 72 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TROMBÓLISE DURANTE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST THROMBOLYSIS DURING CARDIOPULMONARY ARREST DUE TO ACUTE MYOCARDIAL INFARCTION Elisângela Canterle Sedlacek,*Ana Márcia Freitas Carlos,* Marlúcia Nobre,* Ronaldo Marques Pontes Rabelo.*** Resumo A parada cardiorrespiratória (PCR) é um evento dramático, com alta mortalidade e com possíveis sequelas neurológicas. Em cerca de 70% dos casos, a causa primária da PCR é infarto agudo do miocárdico ou tromboembolismo pulmonar, doenças potencialmente tratáveis com trombólise. Classicamente, a trombólise nessas situações está contraindicada, sob o risco de complicações hemorrágicas; o último consenso sobre o assunto só recomenda a trombólise quando a causa primária foi tromboembolismo pulmonar. Entretanto, vários relatos de casos e estudos controlados não confirmam esse risco e mostram benefício com o tratamento agressivo. A indicação de trombólise nesses casos deve ser individualizada. Relata-se o caso de uma paciente de 59 anos, que apresentou infarto agudo do miocárdio com 2 PCR seguidas, e que, durante o processo de ressuscitação do segundo evento, recebeu trombolítico (tenecteplase), evoluindo com reversão do evento hemodinâmico e sem déficits neurológicos. Palavras-chave: Parada cardíaca; Infarto do miocárdio; Terapia trombolítica. Abstract Cardiopulmonary arrest is a dramatic event, with high mortality and common neurological sequel. In about 70% of cases, the primary arrest cause is acute myocardial infarction or pulmonary embolism. These two diseases could be treated with thrombolysis, however, thrombolysis is usually contraindicated, because of bleeding complications risks, and the last consensus about those specific situations only recommend thrombolysis to pulmonary embolism. Still, many case reports and controlled studies show benefits when cardiac arrest is the myocardial infarction cause. Indicating thrombolysis in these cases is individualized. We report the case of a 59 yearold patient, who had an acute myocardial infarction with two cardiac arrests in sequence. During resuscitation efforts in the second event, a thrombolytic agent (tenecteplase) was administered, successfully reversing the hemodynamic stoppage, and even better, without neurologic deficits. Keywords: Cardiac arrest; Myocardial infarction; Thrombolytic therapy. * Residente do Serviço de Cardiologia do HUFM (Hospital Universitário Francisca Mendes)/Ufam (Universidade Federal do Amazonas). ** Professora do Departamento de Clínica Médica (disciplina de Cardiologia) da Ufam, supervisora da Residência Médica em Cardiologia e Ecocardiografia do HUFM/Ufam. *** Residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV (Hospital Universitário Getúlio Vargas)/Ufam. | 73 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TROMBÓLISE DURANTE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST Introdução A parada cardiorrespiratória (PCR) continua sendo uma situação clínica com alta taxa de mortalidade. Entre as principais etiologias se encontram o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o tromboembolismo pulmonar (TEP), os quais respondem por até 70% das PCR, principalmente em ambiente extra-hospitalar. O médico emergencista, no atendimento de uma PCR, deve ser capaz de pensar nas possíveis causas primárias relacionadas ao evento e refletir sobre o melhor tratamento ao seu alcance, de forma rápida e certeira. A despeito da gravidade e do mal prognóstico da PCR, a trombólise administrada durante as manobras de ressuscitação tem sido contraindicada para o IAM, por conta do risco de diátese hemorrágica em órgãos variados.1 É possível encontrar, entretanto, diversos relatos de casos em que o paciente foi trombolisado e evoluiu de forma satisfatória,2,3 como é o caso relatado a seguir. Relato de Caso Mulher de 59 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica sem tratamento, dislipidemia e tabagista, foi admitida no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, em Manaus/AM, queixando-se dor precordial em aperto, de início súbito, que irradiava para dorso e face interna do braço esquerdo; acompanhada de vômitos e sensação de “entalo”. Ao exame físico, estava pálida, com sudorese fria e fácies de dor; a pressão arterial sistêmica (PA) era 90 x 70 mm Hg, frequência cardíaca (FC) de 85 batimentos por minuto (bpm), saturação arterial de oxigênio (SatO2) igual a 98% e glicemia capilar igual a 197 mg/dL. Foi imediatamente levada para sala de reanimação, onde logo evoluiu com parada cardiorrespiratória (PCR) em taquicardia ventricular (TV) sem pulso. Imediatamente foram iniciadas manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) segundo recomendações vigentes do ACLS4 (Advanced Cardiology Life Support). Após 15 minutos, houve retorno à circulação espontânea em ritmo sinusal, com FC = 109 bpm, PA = 80 x 0 mm Hg e SatO2 = 97%, já sob ventilação mecânica via tubo orotraqueal. Nesse momento foi realizado eletrocardiograma (ECG), que evidenciou supradesnivelamento de segmento ST de V1 a V6 (Figura 1). Após 18 minutos da primeira PCR, a paciente evoluiu com nova PCR, dessa vez em atividade elétrica sem pulso (AESP). Foi novamente submetida às manobras de RCP. Durante os esforços de ressuscitação, como a paciente não apresentou retorno à circulação espontânea e considerando a provável hipótese de infarto agudo do miocárdio como causa primária, optou-se pela administração de tenecteplase (TNK), dose adequada para o peso da paciente. Após 7 minutos da infusão do fármaco, houve retorno à circulação espontânea, em ritmo sinusal, PA = 100 x 80 mmHg, FC = 82 bpm. O ECG pós-trombólise mostrou redução do supradesnivelamento do segmento ST e presença de onda R pequena em parede anterior. Horas depois a paciente foi transferida para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do mesmo hospital, pela instabilidade hemodinâmica – estava recebendo noradrenalina. Figura 1: Eletrocardiograma da paciente após a trombólise. Ritmo sinusal, com alteração difusa da repolarização ventricular e presença de supra de ST residual e progressão lenta do R de V1 a V6. | 74 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Sedlacek et al Durante a internação na UTI, a paciente apresentou sinais de congestão pulmonar (Killip II), sendo então iniciada infusão contínua de fármaco inotrópico positivo (dobutamina). Exames pertinentes realizados durante a internação na UTI foram: e médio-distal do septo anterior de ventrículo esquerdo (VE) e fração de ejeção de VE 42%, pelo método de Simpson; • Curva enzimática positiva (usando CPK e CKMB, uma vez que não havia dosagem de troponina disponível) – vide Tabela 1. • Ecocardiograma transtorácico: acinesia apical DATA C K (U/L) CKMB (U/L) 1.º dia 2321 426 2.º dia 1725 418 3.º dia 867 7 7 4.º dia 456 5 1 5.º dia 369 4 5 6.º dia ? 26 Tabela 1: Curva enzimática durante os primeiros dias de internação na UTI. No 9.º dia de internação na UTI, a paciente foi submetida à cineangiocoronariografia, que evidenciou lesão de 30% na origem da artéria descendente anterior (ADA), e ecocardiograma transtorácico de controle mostrou melhora da fração de ejeção do VE, com valor igual a 68% pelo método de Teicholz, ausência de alteração segmentar, disfunção diastólica grau I. A paciente recebeu alta da UTI vigil, contactante, afebril, com dispneia leve ao repouso, sem déficit motor. incerteza, inúmeros relatos e séries de casos e alguns estudos controlados investigaram o seguimento clínico dessa situação peculiar, com resultados discrepantes. A maioria dos relatos e série de casos encontrou bons resultados na trombólise de TEP suspeito, utilizando diversos trombolíticos em dosagens variadas. Os primeiros relatos datam da década de 1990, que encontraram em ampla revisão, 34 pacientes trombolisados com uroquinase ou rt-PA (alteplase) durante PCR com suspeita de TEP, dos quais mais de 55% sobreviveram, mas Discussão com surgimento de sangramentos maiores.5 Relatos de casos em pacientes selecionados, A maior contraindicação para a indicação do com possíveis contraindicações à trombólise, tratamento trombolítico durante o atendimento além da PCR per si, confirmaram os mesmos de PCR é o risco de sangramentos em órgãos resultados.6,7,8,9,10,11 Já para PCR secundária a nobres, como sistema nervoso central, embora IAM, poucos casos foram relatados. Em uma resultados de diversos estudos não justifiquem série de quatro casos foi obtido duplo sucesso essa preocupação, mostrando que o benefício em 75%, isto é, retorno à circulação espontânea é superior ao risco.1,2,3 Outro possível benefício e ausência de sequelas neurológicas na alta da trombólise durante a PCR seria evitar o hospitalar.1.2 fenômeno “no reflow”, causado por disfunção da microcirculação e caracterizado por isquemia Estudos prospectivos, controlados, com número cerebral persistente e de outros órgãos, após de participantes significativo, são poucos e retorno da circulação espontânea.1 Diante da | 75 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 TROMBÓLISE DURANTE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA, SECUNDÁRIA A INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM SUPRADESNIVELAMENTO DO SEGMENTO ST com resultados divergentes, e muitos desses estudos incluíram tanto pacientes vítimas de IAM quanto de TEP.13,14 Um estudo em 2006, com 1.186 pacientes vítimas de PCR, dos quais 99 receberam trombolítico, evidenciou que pacientes trombolisados apresentaram maiores taxas de retorno à circulação espontânea e com maior tendência à alta hospitalar, mas sem diferença significativa.15 Em 2004 um estudo piloto (TICA), randomisado e duplocego, verificou que pacientes que receberam TNK apresentaram uma taxa muito maior de retorno à circulação espontânea (42% x 6%).16 As revisões mais recentes sobre o assunto sugerem benefício no uso de trombolítico quando a causa da PCR for um TEP maciço, e que outras indicações podem ser avaliadas caso a caso, inclusive no IAM.17,18 4. International Liaison Committee on Resuscitation. 2005 International Consensus on Cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care science with treatment recommendations. Circulation. 2005; 112: III-1, III-136. A trombólise é um procedimento consagrado em literatura para tratamento do infarto agudo do miocárdio com supra de ST, principalmente durante as horas iniciais e na indisponibilidade de laboratório de hemodinâmica para angioplastia primária. A indicação da trombólise em pacientes infartados e com parada cardiorrespiratória deve ser cogitada. Nesses casos, em que a causa da PCR é identificada, o prognóstico pode ser mais favorável. Assim, a trombólise permanece como uma situação extemporânea, a ser considerada em casos extremos. 7. Soltész S, Berg K, Molter G. Successful thrombolysis of a fulminante lung embolus during cardiopulmonary resuscitation. Anaesthesist. 1997; 46(10): 890-894. Referências 5. Böttiger BW, Böhrer H, Bach A, Motsch J, Martin E. Bolus injection of thrombolytic agents during cardiopulmonary resuscitation for massive pulmonary embolism. Resuscitation. 1994; 28(1): 45-54. 6. Grabner C, Wahl U, Reineke H. Successful cardiopulmonary resuscitation with a highdosage bolus injection of rt-PA after fulminant pulmonary embolism. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2001; 36(5): 306-8. 8. Czaban SL, Musiuk T, Siemiatkowski A. Thrombolysis during cardiopulmonary resuscitation – own clinical observations – case report. Przegl Lek. 2007; 64(7-8): 536-40. 9. Wenk M, Pöpping DM, Hillyard S, Albers H, Möllmann M. Intraoperative thrombolysis in a patient with cardiopulmonary arrest undergoing caesarian delivery. Anaesth Intensive Care. 2011; 39(4): 671-4. 1. Böttiger BW, Martin E. Thrombolytic therapy during cardiopulmonary resuscitation and the role of coagulation activation after cardiac arrest. Curr Opin Crit Care. 2001; 7(3): 176-83. 10. Koroneos A, Koutsoukou A, Zervakis D, Politis P, Sourlas S, Pagoni E, Roussos C. Successful resuscitation with thrombolysis of a patient suffering fulminant pulmonary embolism after 2. Tenaglia AN, Califf RM, Candela RJ, Kereiakes recent intracranial haemorrhage. Resuscitation. DJ, Berrios E, Young SY, Stack RS, Topol EJ. 2007; 72(1): 154-7. Thrombolytic therapy in patients requiring cardiopulmonary resuscitation. Am J Cardiol. 11. Perrott J, Henneberry RJ, Zed PJ. Thrombolytics for cardiac arrest: case report 1991; 68(10): 1015-9. and systematic review of controlled trials. Ann 3. Kürkcivan I, Meron G, Sterz F, Müllner M, Pharmacother. 2010; 44(12): 2007-13. Tobler K, Domanovits H, Schreiber W, Banki 12. Aliyev F, Habeb M, Babalik E, Karadag HC, Laggner AN. Major bleeding complications B. Thrombolysis with streptokinase during after cardiopulmonary resuscitation: impact of cardiopulmonary resuscitation: a single center thrombolytic treatment. J Intern Med. 2003; experience and review of the literature. J Thromb Thrombolysis. 2005; 20(3): 169-73. 253(2): 128-35. | 76 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Sedlacek et al 13. Ruiz-Bailén M, Aguayo-de-Hoyos E, SerranoCórcoles MC, Díaz-Castellanos MA, RamosCuadra JA, Reina-Toral A. Efficacy of thrombolysis in patients with acute myocardial infarction requiring cardiopulmonary resuscitation. Intensive Care Med. 2001; 27(6): 1050-57. 14. Janata K, Holzer M, Kürkcivan I, Losert H, Riedmüller E, Pikula B, Laggner AN, Laczika K. Major bleeding complications in cardiopulmonary resuscitation: the place of thrombolytic therapy in cardiac arrest due to massive pulmonary embolism. Resuscitation. 2003; 57(1): 49-55. 15. Stadlbauer KH, Krismer AC, Arntz HR, Mayr VD, Lienhart HG, Böttiger BW, Jahn B, Lindner KH, Wenzel V. Effects of thrombolysis during out-of-hospital cardiopulmonary resuscitation. Am J Cardiol. 2006; 97(3): 305-8. 16. Fatovich DM, Dobb GJ, Clugston RA. A pilot randomised trial of thrombolysis in cardiac arrest. Resuscitation. 2004; 61(3): 309-13. 17. Böttiger BW, Arntz HR, Chamberlain DA, Bluhmki E, Belmans A, Danays T, Carli PA, Adgey JA, Bode C, Wenzel V. Thrombolysis during resuscitation for out-of-hospital cardiac arrest. NEJM. 2008; 359: 2651-62. 18. Wetsch WA, Spöhr F, Teschendorf P, Böttiger BW, Padosch SA. Thrombolysis during cardiopulmonary resuscitation. Dtsch Med Wochenschr. 2010; 135(40): 1983-8. | 77 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO: ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO CONGENITAL LONG QT SYNDROME: A CASE ANALYSIS Renayra Tallita Luciano Alonso,* Ana Carolina Santos Silva,* Raisa França Ribeiro,* Adimar Pires da Silva Jr.,** Jaime Arnez.*** Resumo A síndrome do QT longo (SQTL) congênito é uma canalopatia que leva a alterações na repolarização miocárdica, tem como características clínicas síncope, taquicardia ventricular polimórfica e morte súbita. A síndrome é responsável por arritmias malignas letais. A terapêutica deve ser brevemente iniciada com uso de betabloqueadores, denervação simpática cardíaca esquerda ou cardioversor desfibrilador implantável. Nos casos de morte súbita abortada, há indicação de implante de cardioversor desfibrilador implantável. Relata-se o caso de paciente do sexo feminino, 21 anos, com quadro recorrente de palpitações, síncope e cianose de extremidades que foi diagnosticada clínica e eletrocardiograficamente com síndrome do QT longo congênito. A terapêutica realizada foi implante de cardioversor desfibrilador (CDI). Palavras-chave: Síndrome do QT longo; Morte súbita; Cardioversor desfibrilador implantável. Abstract The congenital long QT syndrome is a channelopathy that leads to changes in myocardial repolarization, its clinical characteristics are syncope, polymorphic ventricular tachycardia and sudden death. The syndrome is responsible for lethal malignant arrhythmias, therapy should be initiated shortly with beta-blockers, left cardiac sympathetic denervation or implantable defibrillator cardioverter. In aborted sudden death cases, there is an implant indication of cardioverter defibrillators. Case report of a female patient, 21 years, with recurrent palpitations, syncope and cyanosis which was diagnosed clinically and electrocardiographically with congenital long QT syndrome, the treatment was an implanted cardioverter defibrillator implant (ICD). Keywords: Long QT syndrome; Sudden death; Implantable cardioverter defibrillator. Introdução A síndrome do QT longo congênito é uma canalopatia que cursa com alteração na repolarização ventricular.¹ Manifestase clinicamente por síncope, taquicardia ventricular polimórfica (torsades de pointes) e morte súbita.² Sua prevalência estimada é de cerca de 1:5000 sujeitos.³ A mutação em genes específicos que codificam a formação das subunidades dos canais iônicos das células cardíacas responde pela etiologia genética. Esses canais mutantes levam ao prolongamento do potencial de ação que irá predispor o paciente às arritmias ventriculares.³ O diagnóstico de síndrome do QT longo baseia-se principalmente em dados clínicos e eletrocardiográficos.4 Os pacientes intervenções podem ser tratados com antiadrenérgicas (beta- * Médica residente de Clínica Médica/HUGV. ** Médico residente de Cardiologia/HUGV. *** Médico assistente eletrofisiologista/HUFM. | 78 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO: ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO bloqueadores ou denervação simpática cardíaca orientada, em bom estado geral, acianótica, esquerda – DSCE) ou com cardiodesfibrilador níveis tensionais 100 x 60 mmHg, frequência implantável (CDI).5 respiratória 26 incursões respiratórias por minuto (irpm), frequência cardíaca 72 batimentos por minuto (bpm). Ausculta respiratória com Relato de Caso murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos Paciente do sexo feminino, 21 anos, procurou adventícios. o Serviço de Arritmologia e Eletrofisiologia em julho de 2013, pelo quadro súbito de dispneia, Aparelho cardiovascular – ictus não visível e dor precordial em pontada sem irradiação, não palpável, ritmo cardíaco regular em dois cianose de extremidades e palpitações, seguido tempos, bulhas normofonéticas e sem sopros. de síncope. Informa que o quadro ocorreu fazia cerca de nove dias antes da consulta. Relata Eletrocardiograma basal: frequência cardíaca episódio semelhante havia quatro anos. Nega de 75 bpm, intervalo PR 200 milissegundos (MS), uso de drogas lícitas, ilícitas e medicações. Na complexo QRS de 80 ms, eixo elétrico entre +60º história patológica pregressa possuía diagnóstico e +90º, intervalo QTc 480 ms com padrão juvenil (Figuras 1 e 2). de asma desde a infância. Relata que avó paterna faleceu por infarto agudo miocárdico e tio paterno apresentou morte súbita ainda na adolescência, causa não identificada. Ao exame físico encontrava-se lúcida e Ecocardiograma transtorácico dentro da normalidade. Eletrólitos: Potássio 4,5 mEq/L, sódio 143 mEq/L, cálcio iônico 1,28 mmol/L. Realizado implante de cardiodesfibrilador implantável (Figura 3) e paciente encontra-se em acompanhamento clínico ambulatorial. Figura 1: Eletrocardiograma mostrando ritmo sinusal e prolongamento do intervalo QT, medindo 480 ms. | 79 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Alonso et al Figura 2: Eletrocardiograma – Derivação DII evidenciando intervalo QT de 480 ms. Figura 3: Radiografia de tórax (incidência posteroanterior) após a colocação do CDI. Discussão A síndrome do QT longo (SQTL) congênito é causada por mutações nos genes de codificação de canais de potássio e sódio cardíacos ou proteínas celulares estruturais. Os pacientes geralmente apresentam sintomas em uma idade jovem,6 conforme o caso reportado, em que a paciente recebe o diagnóstico aos 21 anos, no entanto relata sintomatologia desde os dezessete anos de idade. Centenas de mutações em dez genes ligados à síndrome do QT longo foram identificadas, no entanto mutações em três genes, cada um codificando um canal iônico cardíaco importante para a repolarização ventricular, representam a grande maioria dos casos. Os subtipos genéticos resultantes são chamados LQT1, LQT2, e LQT3.7 A síndrome | 80 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 SÍNDROME DO QT LONGO CONGÊNITO: ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO caracteriza-se por prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma de superfície e um aumento do risco de morte súbita geralmente por conta da fibrilação ventricular. Estresse físico e emocional são gatilhos comuns de síncope ou morte súbita nessa síndrome.8 Como descrito na literatura, a paciente do caso acima exposto apresentou quadro de palpitação, a qual poderia estar relacionada à taquicardia ventricular polimórfica não sustentada se tivesse sido documentada, além de síncope, dor precordial e cianose. Essa sintomatologia mostrou-se recorrente, uma vez que apresentou quadro semelhante anteriormente, porém na história clínica não fora encontrado nenhum fator desencadeante. denervação simpática cardíaca esquerda – DSCE) e o cardiodesfibrilador implantável (CDI).5 Medicações β-adrenérgicos representam a primeira escolha na terapia sintomática em pacientes com síndrome do QT longo congênito, exceto em casos que apresentem contraindicações específicas. Propranolol e nadolol são os dois medicamentos mais eficazes dessa classe.5 A paciente do caso relatado possuía contraindicação formal ao uso de betabloqueadores, uma vez que era portadora de asma brônquica, portanto optou-se por implante de cardioversor como melhor terapêutica elegível para o caso, somado ao alto risco para morte súbita que necessita de uma terapêutica mais agressiva. A doença possui interesse crescente em decorrência de suas manifestações dramáticas caracterizadas por episódios de síncope, os quais muitas vezes resultam em parada cardíaca e morte súbita, que acometem indivíduos jovens e saudáveis, a maioria crianças e adolescentes. A doença possui uma taxa de mortalidade muito elevada entre pacientes não tratados, ao passo que terapêuticas muito eficazes estão disponíveis, o que torna inaceitável a existência de pacientes não diagnosticados ou diagnosticados erroneamente.5 O uso de cardioversor implantável é amplamente considerado em pacientes em alto risco de morte súbita, incluindo aqueles com sintomas antes da puberdade, aqueles com QTc muito longo (> 500 ms), e aqueles com síncope recorrente, pensado ser por conta de arritmias graves.8 Em estudo realizado por Susan et. al., em 2007, com 128 pacientes com síndrome do QT longo congênito, os beta-bloqueadores foram utilizados em 126 (98%) e cardioversor implantável em 27 (21%) pacientes.10 Há consenso de implante imediato do CDI em casos de parada cardíaca documentada ou em pacientes com alto risco A terapia é direcionada para a redução da de arritmias fatais avaliado pelo escore de risco incidência de síncope e morte súbita. A falta M-FATO, para pacientes que já recebem algum de estudos randomizados de tratamento reflete tratamento para SQTL (Tabela 2).5 De acordo tanto a raridade da doença e a heterogeneidade com dados da literatura, no que se refere à de suas apresentações clínicas.7 Crianças recorrência dos sintomas e gravidade do quadro, e adolescentes com síndrome do QT longo a conduta escolhida diante do caso exposto foi congênito possuem maior risco quando a colocação de cardiodesfibrilador implantável comparados com os adultos. Como resultado, (Figura 3), para evitar desfecho grave e risco de defende-se tratamento mais agressivo em morte súbita. crianças e adolescentes portadores da síndrome em questão,9 como fora realizado na paciente O relato de caso acima mostra a importância do caso, que era jovem e apresentava sintomas da identificação precoce da síndrome do condizentes com arritmia cardíaca grave, sendo QT longo, por conta de risco de arritmias a indicação de implante de cardioversor uma malignas e morte súbita, a terapêutica alternativa agressiva, porém plausível para deve ser rapidamente instituída com uso de o caso em questão, pelo alto risco de morte β-bloqueadores, denervação simpática cardíaca súbita. esquerda e implante de cardioversor, sendo este último reservado para casos mais graves, A síndrome do QT longo congênito possui com sintomatologia recorrente e alto risco para duas linhas de tratamento: intervenções morte súbita. antiadrenérgicos (beta-bloqueadores e | 81 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Alonso et al - 1 ponto – Livre de e ventos e m vigência d e Sim terapia por mais de dez anos 0 ponto +1 ponto + 2 pontos ----- ----- ----- ----- < – QTc (ms) – Antecedentes d e morte súbita ----abortada ou = 500 500-550 > Não – Eventos apesar da terapia ----- N – Idade de implante ----- Sim ----- im ----- ão S >20 anos 550 <20 anos ----- Tabela 2: Escore de M-FATO. Referências 169-76. 1. Goldenberg I, Moss AJ. Long QT Syndrome. Journal Of American College Of Cardiology, New York. 2008; 2291-2300. 9. Susan EP, Shubhayan MDS et. al. Long QT Syndrome in Children. Journal Of The American College Of Cardiology, Utah. 2007; 1335-1340. 2. Barcelos AM et. al. Síndrome do QT longo e Torsades de Point pós-parto. Arq Bras Cardiol. 2009; vol 93(4): 58-9. 3. Andrew SJ, Moss AMD et. al. Long QT Syndrome in Adult. Journal Of The College Of Cardiology, Rochester, New York. 2007; 329-337. 4. Kramer DB, Peter ZJ. Long-QT Syndrome. Cardiology In Review, Boston. 2011; 217-225. 5. Schartz PJ. Pharmacological and nonpharmacological management of the congenital long QT syndrome: The rationale. Pharmacology and Therapeutics, Pavia. 2011; 171-7. 6. Jons C, Moss AMD et. al. Risk of Fatal Arrhythmic Events in: Long QT Syndrome Patients After Syncope. Journal Of The American College Of Cardiology, Rochester, New York. 2010; 783788. 7. Murphy C, Gill J. 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É descrito neste relato o caso da primeira paciente tratada cirurgicamente com pancreatectomia central com reconstrução pacreatojejunal em Y de Roux tipo telescopagem término-terminal no Hospital Universitário Getúlio Vargas. Uma jovem de 24 anos, portadora de lesão sólido-cística em corpo de pâncreas, a qual, após o procedimento cirúrgico, evoluiu satisfatoriamente, com melhora das queixas álgicas abdominais. Palavras-chave: Pancreatectomia central; Pâncreas; Neoplasias pancreáticas. Abstract Central pancreatectomy is a unique surgical approach, which has a narrow indications spectrum such as tumor resection which are located in the pancreas neck and proximal body. The surgical technique is based on the central pancreas region resection, preserving the head and tail. Case report of the first patient treated surgically with central pancreatectomy and pancreaticojejunostomy telescopic at Hospital Universitário Getúlio Vargas, a young 24 years old, with a solid-cystic lesion in pancreas body, which, after surgery, progressed satisfactorily, with abdominal pain complaints improvement. Keywords: Central pancreatectomy; Pancreas; Pancreatic neoplasms. Introdução em Y de Roux no segmento distal do pâncreas em um caso de secção pancreática traumática.2 A pancreatectomia central foi descrita com essa finalidade em 1984 por Degradi e Serio, na Italia,1 porém Guillemin e Bessot, em 1957, foram os primeiros a descrever a técnica para tratar um paciente portador de calcificação pancreática localizada no corpo do páncreas. Posteriormente, Letton e Wilson, em 1959, descreveram a anastomose pancreatojejunal A cirurgia tem como objetivo principal conservar o parênquima pancreático normal, sendo indicada principalmente em ressecções de neoplasias localizadas no colo e corpo proximal do pâncreas, de natureza benigna ou maligna de baixo grau, tais como neoplasias endócrinas, cistoadenomas, tumores intraductais não * Chefe do Departamento de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV. ** Médico residente de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV. *** Médica residente de Cirurgia Geral do HUGV. | 83 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO invasivos e tumores papilares sólido-císticos.3 Será abordado, neste relato, o caso da primeira paciente tratada cirurgicamente com pancreatectomia central no Hospital Universitário Getúlio Vargas, jovem portadora de lesão sólido-cística em corpo de pâncreas. Relato de Caso pancreatite aguda. Em 2012 apresentou novo quadro de dor e iniciou acompanhamento ambulatorial. Para investigação diagnóstica foi solicitada ressonância magnética de vias biliares, que evidenciou colelitíase e presença de lesão expansiva lobulada no corpo do pâncreas, medindo 4,2 x 3,8 cm nos maiores eixos lateral e anteroposterior (Figura 1). Posteriormente foi submetida à tomografia, Paciente do sexo feminino, 24 anos de idade, confirmando lesão expansiva no corpo do raça parda, estudante, natural de Tabatinga/ pâncreas (Figura 1) e endoscopia digestiva AM e procedente de Manaus/AM. Paciente com alta observando abaulamento mucoso no corpo antecedente de dor em hipocôndrio direito gástrico (aspecto sugestivo de compressão e pangastrite endoscópica associada a náuseas e vômitos havia dois anos. extrínseca) enantematosa leve. Os exames laboratoriais Evoluiu em 2011 com piora do quadro álgico e icterícia, diagnosticada com colelitíase e não apresentaram nenhum tipo de alterações. Figura 1: Lesão expansiva lobulada em corpo do pâncreas. Com o diagnóstico de neoplasia de pâncreas pelas características clínicas e de imagem, foi indicada abordagem cirúrgica. Ele foi realizado mediante incisão subcostal bilateral, exposição do retroperitônio após secção do ligamento gastrocólico, com visualização do pâncreas em toda sua extensão. Em topografia do corpo pancreático foi identificada lesão sólido-cística, bem delimitada, de coloração vinhosa, aspecto lobulado, comprometendo parcialmente a espessura do parênquima pancreático, extendendo-se do processo uncinado pancreático por todo corpo, poupando cauda (Figura 2). | 84 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Souza et al Figura 2: Neoplasia em corpo do pâncreas. Depois da manobra de Kocher e dissecção das bordas superior e inferior do pâncreas foi realizada palpação minuciosa dessa glândula, sem evidência de outras lesões. Dissecção do corpo pancreático e da veia mesentérica superior junto à extremidade lateral direita da neoplasia e dissecção da borda lateral esquerda do tumor pancreático junto à veia esplênica. Posteriormente, identificação e reparo de artéria esplênica, secção do pâncreas junto à borda lateral esquerda da veia mesentérica superior, dissecção do pâncreas incluindo o tumor em direção corpo caudal, identificando e ligando pequenos ramos tributários da veia esplênica, e finalmente secção com margem de cerca de 2 cm do segmento pancreático comprometido pelo tumor. Identificação do ducto de Wirsung que tinha diâmetro aproximado de 3 mm (cateterização com sonda de nelaton n.º 4) (Figura 3). Figura 3: Ducto de Wirsung cateterizado com sonda de nelaton n.º 4. | 85 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO Sutura do segmento pancreático proximal (cabeça) com pontos separados em U com fio de polipropileno 3-0, procedido o mesmo tratamento para o segmento pancreático distal (cauda). O segmento pancreático distal (cauda) foi anastomosado com uma alça de jejuno em Y de Roux, com sutura do tipo telescopagem em dois planos, término-terminal, utilizando fio de polipropileno numero três (Figura 4). Drenagem da cavidade com dreno tubulolaminar tipo Waterman, revisão da hemostasia e fechamento da cavidade por planos. Figura 4: Desenho ilustrativo da reconstrução pancreatojejuno anastomose em Y de Roux. A dosagem de amilase da secreção do dreno no 4.º dia de pós-operatório (30 ml de aspecto quiloso) não foi possível, pois a máquina não conseguiu realizar a leitura e a amilase sérica apresentou um nível de 57 U/l. Paciente apresentou pico febril no 7.º dia pós-operatório com pequena drenagem de secreção purulenta (26 ml) pelo orifício do dreno, sendo retirado dreno de Waterman e acesso central no mesmo dia. Evoluiu com melhora do quadro febril e não apresentou outras complicações, recebendo alta hospitalar no 9.º dia pós-operatório. No 17.º dia de pós-operatório foi readmitida na unidade hospitalar com quadro de febre, náuseas e vômitos. Solicitado tomografia de abdômen e exames laboratoriais, ambos sem alterações, recebendo alta no 20.º dia pós-operatório assintomática. Atualmente a paciente se encontra no 2.º ano de pós-operatório, sem nenhum tipo de manifestação clínica ou alteração de exames laboratoriais. O exame anatomopatológico demonstrou pâncreas com neoplasia de linhagem epitelial, constituído pela proliferação de células pequenas, ovoides, núcleos vesiculosos, hipercromáticos, citoplasma eosinofílico. Observou-se ainda células revestindo eixo fibrovascular, estruturas pseudopapilares, além de áreas de depósitos de mucina. O diagnóstico histopatológico foi de Carcinoma Sólido pseudopapilífero, também conhecido como tumor de Gruber Frantz, com estadiamento patológico de pT3, pN0. | 86 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Souza et al Discussão que descrevem essa técnica, sua padronização e aceitação como novo método de ressecção Tradicionalmente as ressecções pancreáticas pancreática parecem estar bem estabelecidas, padronizadas têm como referência a posição com algumas variantes no que se refere da lesão no pâncreas em relação aos vasos à reconstrução e derivação do segmento mesentéricos superiores, aquelas localizadas pancreático distal.7 à direita dos vasos mesentéricos superiores resultam em duodenopancreatectomia e Considerando que uma das complicações mais pancreatectomia corpo caudal ou caudal com frequentemente observadas na realização dessa ou sem esplenectomia para as lesões localizadas técnica é a fístula da anastomose pancreática, sua confecção em Y de Roux a excluiria do trânsito à esquerda dessas estruturas vasculares.1 intestinal, facilitando assim o tratamento; As lesões no corpo do pâncreas são desafios entretanto, existem grupos que preferem a para cirurgiões. Lesões superficiais, benignas, realização da pancreatogastro anastomose pela menores que 2 centímetros de diâmetro disposição anatômica do segmento pancreático podem ser enucleadas, preservando dessa distal em relação ao estômago. O índice de fístula forma parênquima pancreático normal. pancreática observada nessa cirurgia oscila de Contudo, as lesões profundas maiores que 2 0 a 63%. As anastomoses pancreatoentéricas centímetros de diâmetro de comportamento empregadas atualmente são uma combinação duvidoso requerem duodenopancreatectomia de várias técnicas cirúrgicas.2 ou pancreatectomia distal para obtenção de margens livres adequadas. Naquele, 30-40% Geralmente, os tipos de anastomoses podem ser do parênquima pancreático é ressecado. Essa divididos em término-terminais (telescopagem) término-laterais (ducto-mucosa). A ressecção mais extensa sacrifica uma parte e considerável de tecido pancreático normal e pancreatojenunoanastomose término-terminal aumenta o risco de insuficiência pancreática proposta por Child é o método que introduz o coto pancreático no lúmen jejunal e com isso o exócrina e endócrina.4,5 suco pancreático é drenado totalmente no trato A pancreatectomia central é um procedimento intestinal. As desvantagens desse método são o que vem sendo realizado com relativa tempo cirúrgico maior, sangramento do coto frequência nas ultimas quatro décadas para o pancreático frequente que, uma vez rompida a tratamento de lesões pancreáticas neoplásicas anastomose, todo o contéudo do trato intestinal benignas e para as de baixo grau de malignidade, entra em contato com a cavidade abdominal. A lesões inflamatórias e lesões traumáticas que anastomose término-terminal, o sangramento comprometem o corpo do pâncreas.6 Quando do coto pancreático é improvável por conta comparada com as ressecções tradicionais, da sutura da parede anterior e posterior deste a pancreatectomia central resseca o tecido com a alça intestinal. Um problema dessa doente poupando parênquima pancreático anastomose é o espaço morto que se faz entre normal, oferecendo dessa forma melhor o coto do pâncreas e a parede intestinal que preservação da função pancreática e aceitável pode acarretar pancreatite e deiscência. De acordo com um recente estudo prospectivo morbimortalidade.5 randomizado, a taxa de fístula pancreática Atualmente, existem relatos do emprego dessa seguido de anastomose ducto-mucosa foi de técnica em pacientes portadores de neoplasias 4% e após anastomose término-terminal tipo benignas e neoplasias malignas de baixo grau telescopagem foi de 15%, porém sem diferença localizadas no corpo pancreático, sendo estas estatística. A mortalidade operatória para o suas principais indicações.2 Particularmente grupo ducto-mucosa foi de 6%, enquanto para acredita-se que não existem na atualidade o grupo telescopagem foi de 9%. A taxa de argumentos técnico-científicos que justifiquem fístula pancreática é influenciada pela técnica sua realização em casos de neoplasia maligna. anastomótica, e que a técnica ducto-mucosa Depois da análise de uma série de publicações término-lateral tem uma incidência de fístula | 87 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 PANCREATECTOMIA CENTRAL: UM RELATO DE CASO menor em relação a outros tipos de anastomose.8 A paciente descrita neste relato de caso evoluiu sem fístula pancreática segundo os critérios de fístula pancreática proposto pelo International Study Group on Pancreatic Fistula Definition,9 sem necessidade de tratamento específico, fato mencionado na maioria dos casos dos trabalhos que analisaram essa variável. Sendo o principal fundamento dessa técnica a preservação do parênquima pancreático, esse tipo de abordagem cirúrgica deve ser considerado em pacientes adultos jovens, especialmente portadores de neoplasias benignas, de baixo grau de malignidade, processos inflamatórios e traumáticos que comprometam o corpo do pâncreas, características essas presentes na paciente deste relato. Referências 1. Iacono C, Bortolasi L, Serio G. Indications and technique of central pancreatectomy-early and late results. Langenbecks Arch Surg. 2005; 390: 266-271. 6. Adham M, Giunippero A, Hervieu V, Courbière M, Partensky C. Central pancreatectomy: singlecenter experience of 50 cases. Arch Surg. 2008; 143(2): 175-80. 7. Christein JD, Smoot RL, Farnell MB. Central pancreatectomy: a technique for the resection of pancreatic neck lesions. Arch Surg. 2006; 141(3): 293-9. 8. Mali Júnior J, Carvalho GS, Pierro G, Anghinoni M, Dias JA, Albagli R. 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De acordo com o tamanho e a localização dos tumores, os pacientes apresentam-se desde assintomáticos até cursando com quadro de congestão pulmonar, podendo apresentar morte súbita por fenômenos tromboembólicos. No presente relato, apresentamos caso de um paciente oligossintomático e com fibrilação atrial, submetido à propedêutica cardiológica, que evidenciou grande lesão intra-atrial esquerda, sendo, então, submetido à ressecção cirúrgica da mesma. O estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de mixoma. O paciente teve boa resolução do quadro e permaneceu sob acompanhamento clínico ambulatorial. Palavras-chave: Mixoma; Fibrilação atrial; Insuficiência cardíaca. Abstract Primary intracardiac tumors are rare conditions. In vast majority they are benign, and approximately 50% are myxomas. The symptoms are atypical and highly variable. According to the size and tumor location, the patients present from asymptomatic to evolving with a pulmonary congestion presentment, and may have sudden death from thromboembolic events. Case report of a patient with few symptoms and atrial fibrillation and after cardiological propaedeutic, revealed a large left intra-atrial lesion that underwent surgical resection. Pathological examination confirmed the myxoma diagnosis. The patient had good resolution and remained under clínic ambulatory monitoring. Keywords: Myxoma; Atrial fibrillation; Heart failure. * Médica residente de Cardiologia do HUGV. ** Médica cardiologista preceptora da Residência em Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas. *** Médica do Hospital Universitário Francisca Mendes. | 89 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO Introdução Os tumores cardíacos primários são extremamente raros. Como um exemplo: em uma série de mais de 12.000 autópsias, apenas sete foram identificados, para uma incidência de menos do que 0,1%. Por comparação, o envolvimento metastático do coração é superior a 20 vezes mais comum e tem sido relatado em série autópsia em até uma em cinco pacientes morrendo de câncer.1 Os tumores cardíacos podem ser sintomáticos ou um achado acidental durante a avaliação de problema aparentemente não relacionado.2 Em pacientes sintomáticos, a massa pode ser detectada pelo ecocardiograma, ressonância magnética (MRI) e/ou tomografia computadorizada (TC). Como os sintomas podem imitar outras condições cardíacas, o desafio clínico é de considerar a possibilidade de um tumor cardíaco. em determinadas posições corporais, pelo movimento do tumor dentro do átrio. Ao exame físico, um som característico o “plop tumoral” pode ser ouvido no início da diástole.6 Além de interferir com a circulação, tumores atriais podem liberar fragmentos ou trombos na circulação sistêmica. O presente relato de caso é de um paciente jovem, do sexo masculino, que iniciou quadro com sintomatologia de insuficiência cardíaca e fibrilação atrial. Submetido à investigação, teve diagnóstico ecocardiográfico de mixoma atrial. Relato do caso Paciente do sexo masculino, 34 anos, natural e procedente de Manaus/AM, apresentando quadro de insuficiência cardíaca de evolução havia três meses. Referia dispneia aos pequenos esforços, precordialgia atípica, palpitações, perda ponderal e apresentava Os mixomas são os tumores mais comuns, edema de membros inferiores. Previamente correspondendo a 50% de todos os tumores hígido, sem história familiar concomitante, cardíacos. Ocorrem mais comumente em ex-tabagista. Apresentava ao exame físico mulheres, diagnosticados entre os 50 a 70 anos ictus hiperdinâmico, aumento de VD e AE, de idade, 90% no átrio esquerdo e 90% sendo sopro cardíaco sugestivo de insuficiência mitral únicos.3 Algumas vezes são de origem familiar, e tricúspide e ritmo cardíaco de fibrilação cerca de 10%, em cujos casos são observados atrial. O RX de tórax mostrava área cardíaca em pacientes jovens e têm característica de globalmente aumentada e sinais de hipertensão transmissão autossômica dominante. pulmonar. Iniciado esquema terapêutico para insuficiência cardíaca, evoluiu com melhora A célula que origina o mixoma não é conhecida. parcial do edema e dispneia, obtendo-se o Macroscopicamente tem aparência irregular e controle da frequência cardíaca e iniciado ocasionalmente podem ser calcificados. Sua anticoagulação terapêutica. O ecocardiograma natureza peduncular determina sua grande evidenciou aumento das cavidades, com mobilidade e possibilidade de obstrução fração de ejeção de 48%, hipocinesia difusa e valvar.4,5 ritmo cardíaco irregular. Insuficiência mitral moderada e falha da coaptação dos folhetos e Os tumores originados no átrio esquerdo, cerca insuficiência tricúspide moderada, PSAP = 54 de 90%, tendem a crescer para dentro do lúmen mmHg. No átrio esquerdo imagem arredondada, atrial e causar sintomas obstruindo o fluxo móvel, hiperecogênica com pêndulo aderido ao sanguíneo ou resultando em regurgitação mitral. septo interatrial que se projetava até a válvula Mixomas, portanto, podem simular doença da mitral, sem ultrapassá-la, de tamanho de 5,8 x válvula mitral e produzir insuficiência cardíaca 4,3 cm sugestivo de mixoma (Figuras 1, 2 e 3). e/ou pulmonar secundária hipertensão. Sinais e sintomas comumente observados incluem dispneia, ortopneia, paroxística dispneia noturna, edema pulmonar, tosse, hemoptise, edema e fadiga. Os sintomas podem piorar | 90 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al Figura 1: Imagem ecocardiográfica janela 4 câmaras evidenciando massa em átrio esquerdo aderida ao septo interatrial. Figura 2: Imagem ecocardiográfica janela paraesternal evidenciando massa em átrio esquerdo | 91 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO Figura 3: Imagem ecocardiográfica evidenciando massa em átrio esquerdo dificultando fechamento adequado da valva mitral. Realizou-se o procedimento cirúrgico com auxílio de circulação extracorpórea, por meio de uma esternotomia mediana. A cardiotomia consistiu de uma incisão transversa do átrio esquerdo, ampliando-se a incisão por cerca de 2 cm rumo ao septo interatrial, visualizando um tumor grande em átrio esquerdo preenchendo quase toda a câmara cardíaca, com pedículo aderido ao septo. Realizou-se a exérese do tumor com retirada de sua base de implantação e sutura direta da parede atrial seguido de plastia mitral, com anel de Gregory 36, e anuloplastia tricúspide a D’vega. Evoluiu com derrame pericárdico leve no pós-operatório imediato. O diagnóstico anatomopatológico foi conclusivo com o diagnóstico de mixoma cardíaco. O paciente permaneceu assintomático, porém com fibrilação crônica em uso de anticoagulação e em acompanhamento ambulatorial desde então com resultados satisfatórios. Discussão Os mixomas são os tipos mais comuns de neoplasia benigna cardíaca primária. Em nosso serviço, somente no período de dois anos, foram acompanhados três casos semelhantes, porém com apresentações clíinicas diferentes. As lesões benignas mais comuns são em ordem de ocorrência: mixomas, lipomas, fibroelastomas e rabdomiomas. Histologicamente, os mixomas são compostos de células dispersas dentro de um estroma de mucopolissacáride, produzem o factor de crescimento endotelial vascular (VEGF), o qual provavelmente contribui para a indução da angiogênese e as fases iniciais de crescimento do tumor.7,8 Macroscopicamente, os mixomas típicos são lesões pedunculadas, como foi evidenciado no caso acima, tem consistência gelatinosa e a superfície pode ser lisa, vilosa ou friável. Tumores variam em tamanho, de 1 a 15 cm de diâmetro e pesam entre 15 e 180 g.9 Aproximadamente 35% dos mixomas são friáveis e tendem a apresentarse com êmbolos; essa foi a maior preocupação no caso apresentado por se tratar de paciente com fibrilação atrial, tornando maior o risco de tromboembolismo sistêmico. Tumores maiores | 92 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Carvalho et al são mais propensos a ter uma superfície lisa e associação com sintomas cardiovasculares. As manifestações cardiovasculares dependem da localização anatômica do tumor. Cerca de 90% dos mixomas originam no átrio esquerdo, como no caso descrito, inclusive com insuficiência mitral, e a maior parte do restante é encontrado no átrio direito.10 Em adição aos seus efeitos cardiovasculares, os pacientes com mixoma têm frequentemente sintomas constitucionais (por exemplo: perda de peso, febre) e alterações laboratoriais que sugerem a presença de uma doença do tecido conjuntivo.11 Embora a etiologia desses sintomas não seja totalmente compreendida, a produção de várias citocinas e factores de crescimento pelo tumor podem contribuir para essas anormalidades clínicas e laboratoriais.12 Apesar da maior frequência de mixomas em mulheres, os homens são os mais propensos a ter evidência de embolização. dificuldade para diferenciação ecocardiográfica da massa, é recomendado um curto período de anticoagulação para melhor definição. Em alguns casos a Ressonância Magnética pode ajudar na elucidação. O método de escolha para o tratamento é a ressecção cirúrgica por conta do risco de embolização ou complicações cardiovasculares, incluindo morte súbita.16,17 Deslocamento de fragmentos do tumor podem ocorrer durante a cirurgia, e há necessidade de redução da frequência cardíaca ao máximo possível. O paciente em questão apresentava fibrilação atrial no diagnóstico, e foi de suma importância pré-operatória o controle adequado da frequência cardíaca. O resultados da ressecção cirúrgica geralmente são muito bons, como visto no paciente em tela, com a maioria das séries relatando uma taxa de mortalidade operatória inferior a 5%.18 Por conta da natureza das estruturas cardíacas A recuperação pós-operatória é geralmente envolvidas, mesmo esses tumores benignos rápida, no entanto arritmias atriais ou anomalias podem causar significante morbidade e atrioventriculares da condução podem ocorrer mortalidade. As consequências do tumor ou manter-se no pós-operatório. dependem do seu tamanho, invasividade, friabilidade, taxa de crescimento e, mais Os pacientes podem apresentar recorrência pósimportante, sua localização no coração.13 O operatória do mixoma pela resseção incompleta tumor do paciente descrito estava aderido ao ou reimplante de fragmentos liberados septo atrial, abaulando-se para o átrio esquerdo durante o procedimento ou surgimento de através da valva mitral, com importante lesões adicionais durante a evolução, o que comprometimento desta, o que significava risco pode ocorrer em 2 a 5% dos casos nas formas adicional caso embolização ocorresse. Além do esporádicas, 12% nas formas familiares e 22% quadro da insuficiência cardíaca apresentada e nas formas complexas.19,20 Durante o período arritmia, também possuía risco adicional para de acompanhamento do nosso paciente, no tamponamento cardíaco, angina, infarto do entanto, não houve a recorrência. É de extrema miocárdio e, durante o curso, morte. importância que o procedimento seja feito por mãos experientes e com boa inspeção das O diagnóstico depende de alto grau de cavidades cardíacas em busca inclusive de suspeição e é feito em estudos de imagem, possíveis focos tumorais adicionais. sendo de grande importâcia sua diferenciação de vegetação valvar e trombo atrial.14,15 Nesse A ecocardiografia anual é recomendada para caso, como os sintomas eram constitucionais, seguimento de todos os pacientes, uma vez que havia uma arritmia na apresentação, o as recorrências são geralmente assintomáticas. diagnóstico foi como um achado em estudo de imagem. Mixomas são geralmente heterogênos, Conclusão enquanto que trombos são homogéneos, o que ajuda na sua diferenciação ao exame de O presente relato mostra o caso de paciente imagem, apesar de ambos poderem coexistir. jovem com apresentação clínica não sugestiva Quando a massa é pequena e há alguma e de difícil suspeição de mixoma atrial, | 93 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 MIXOMA ATRIAL EM PACIENTE JOVEM EVOLUINDO COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E FIBRILAÇÃO ATRIAL:UM RELATO DE CASO principalmente por evoluir com fibrilação atrial e insuficiência cardíaca. Salienta-se o papel da ecocardiografia na elucidação do caso e a importância que a correção cirúrgica teve para a cura do paciente, sem os quais somente o tratamento clínico da insuficiência cardíaca e da arritmia não teriam sido suficientes. Referências 1. Reynen K. Frequency of primary tumors of the heart. Am J Cardiol 1. 1996; 77: 107. 2. 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Eur J Echocardioghraphy. 2003; 4: 336-338. | 94 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: UM RELATO DE CASO LEAD SHOT INTAKE ACUTE APPENCICITIS: A CASE REPORT Mônika Maya Tsuji Nishikido,* Ana Maria Sampaio de Melo,** Nélcia de Castro Tavares,*** Tâmara Mendes Ferrugem,* Yan Coelho e Silva,* Giovanna Luiza dos Santos Cabral.**** Resumo Apendicite aguda é uma doença de alta prevalência, a qual acomete todas as idades. Sua fisiopatologia decorre principalmente pela obstrução do lúmen do apêndice cecal, seja por fecalitos, hiperplasia linfoide, parasitas ou até corpo estranho. O diagnóstico da apendicite aguda é clínico, porém pode-se lançar mão de exames complementares como hemograma, elementos anormais do sedimento (EAS), radiografia, ultrassonografia e tomografia axial computadorizada (TAC). Este relato apresenta o caso de um homem de 50 anos com quadro clínico de dor abdominal iniciada e localizada em fossa ilíaca direita, sem náuseas, vômitos ou febre, referindo ser portador de nefrolitíase. Diante de um quadro atípico, porém possível, de apendicite aguda, foram solicitados exames de imagens, identificando-se três imagens radiopacas as quais obstruíam a luz do apêndice cecal e ocasionavam reação inflamatória nele. O paciente foi submetido à apendicectomia e houve confirmação da presença de três projéteis de arma de fogo (chumbinho) obstruindo e ocasionando isquemia e necrose do apêndice vermiforme. Evoluiu satisfatoriamente no pós-operatório, sem complicações ou intercorrências. Palavras-chave: Apendicite; Abdome agudo; Corpos estranhos; Armas de fogo. Abstract Acute appendicitis is a highly prevalent disease, which affects all ages. The pathophysiology arises due to appendix lumen obstruction, either by fecaliths, lymphoid hyperplasia, parasites or even foreign body. The acute appendicitis diagnosis is clinical, however, can make use of additional tests such as blood count, urinalysis, x-ray, ultrasound and CT. Case report of a 50 years old man with an abdominal pain initiated and located in the right iliac fossa, no nausea, vomiting or fever, reporting nepholithiasis. Faced with an atypical but possible acute appendicitis, was requested abdomen imaging, identifying three radiopaque images which obstructed the appendix and occasioned the same inflammatory reaction. The patient underwent appendectomy and was confirmation of the projectiles presence from a firearm (pellet) obstructing, causing ischemia, and appendix necrosis. Progressed well postoperatively without complications. Keywords: Appendicitis; Acute abdomen; Foreign bodies; Firearms. * Médica residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas/HUGV. ** Supervisor do Programa de Residência de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV. *** Cirurgiã do Instituto de Cirurgia do Estado do Amazonas/Icea. **** Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas/Ufam. | 95 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: UM RELATO DE CASO Introdução abdome. O tratamento de escolha é cirúrgico.7 O apêndice cecal é considerado um órgão vestigial, sem função atribuída nos seres humanos. Acredita-se que atue em mecanismos de defesa, por sua constituição de tecido linfoide.1 Trata-se de uma porção do intestino que possui amiúde cerca de 6 a 9 cm de comprimento, podendo variar de 1 a mais de 30 cm. Localiza-se na porção terminal do ceco, como uma protuberância. Outro ponto de referência para a localização do apêndice é a intersecção entre as tênias mesentérica e antimesentéricas, que convergem na junção do ceco com a base do apêndice. Sua porção mais distal está sujeita a variações de localidade, sendo elas retrocecal, pélvica, lateralizada para a direita, dentre outras.2 Relato de Caso Paciente do sexo masculino, 50 anos, natural e procedente de Manaus/AM, iniciou quadro de dor abdominal intensa e súbita tipo cólica em fossa ilíaca direita (FID) com irradiação para dorso e coxa ipsilateral, precedida de sudorese e síncope, e associada a náuseas, hiporexia e febre não aferida, com evolução de 24 horas. Relatou ser portador de nefrolitíase. Nega episódios eméticos e sintomas gastrointestinais. Nega outras comorbidades e refere tuberculose tratada havia 30 anos. Etilista social, nega tabagismo. Negou ingesta de carne de caça no momento da admissão. Admitido no Hospital Pronto-Socorro 28 de Agosto em bom estado geral, lúcido, orientado, normocorado e hidratado. Ao exame físico apresentou-se com abdome plano, flácido, e doloroso à palpação superficial e profunda em flanco direito e FID. Foram solicitados hemograma, que apresentou leucocitose de 16.420/mm3, EAS dentro dos padrões de normalidade e radiografia de abdome, Sua fisiopatologia decorre principalmente pela a qual evidenciou três imagens radiopacas obstrução do lúmen do apêndice cecal, seja por em topografia de FID (Figura 1). Solicitou-se fecalitos, hiperplasia linfoide, parasitas ou até então tomografia computadorizada de abdome corpo estranho, sendo este último causa rara superior e pelve no qual se visibilizaram três dessa doença.5 A incidência de apendicite aguda imagens de alta densidade produzindo artefatos ocasionada por corpo estranho é de 0,005%.6 O lineares sugestivos de material metálico diagnóstico é clínico, porém pode-se lançar mão localizado em luz de apêndice cecal (Figuras 2 de exames complementares como hemograma, e 3). radiografia e tomografia computadorizada de Apendicite aguda é a causa mais comum de abdome agudo cirúrgico não traumático.3,4 Ocorre mais frequentemente na segunda e na terceira décadas da vida e sua incidência é de aproximadamente de 233/100.000 habitantes. Existe uma incidência maior no sexo masculino na proporção de 1,4:1.3 1 2 3 Figura 1: Radiografia de abdome evidenciando imagens radiopacas em topografia de apêndice cecal. Figuras 2 e 3: Tomografia computadorizada de abdome com imagens produzindo artefatos lineares sugestivo de material metálico. | 96 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Nishikido et al Com o diagnóstico de apendicite aguda, o paciente foi submetido à apendicectomia retrógrada. No inventário identificou-se um apêndice retrocecal, com a sua região distal de aspecto necrótico, e contendo em sua luz três objetos arredondados e endurecidos à palpação (Figura 4). Figura 4: Apêndice cecal com a sua região distal com aspecto necrótico e pinça indicando abaulamento evidenciando o provável fator obstrutivo do seu lúmen. Ao lado, desenho ilustrando a topografia dos chumbinhos. Por meio da abertura da peça cirúrgica após o término do procedimento, comprovou-se que os três objetos palpados eram projéteis de chumbo (Figura 5), muito usados para a atividade de caça na região amazônica. Após o procedimento, o paciente relatou ter ingerido carne de caça havia cinco anos. O pós-operatório evoluiu sem intercorrências e o paciente recebeu alta com melhora do quadro prévio. Figura 5: Peça cirúrgica de produto de apendicectomia, após secção longitudinal do apêndice cecal e os três projéteis (chumbinho). | 97 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 APENDICITE AGUDA OCASIONADA POR INGESTA DE PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO: UM RELATO DE CASO Discussão A apendicite aguda é uma doença de grande prevalência, sendo a apendicectomia uma das cirurgias mais realizadas em todo o mundo.8 de níveis anormais de gás intestinal, entretanto são úteis para descartar outras doenças.1,7 No entanto, no relato acima, com base nesse exame, iniciou-se o raciocínio da hipótese do fator etiológico da apendicite. A TC é comumente utilizada na avaliação de pacientes adultos com suspeita de apendicite aguda. Técnicas de imaginologia melhoradas fazem com que a sensibilidade seja cerca de 90% e a especificidade de 80 para 90%, para o diagnóstico de apendicite aguda em pacientes com dor abdominal. Achados clássicos incluem um apêndice com distensão superior a 7 mm de diâmetro e aumento da espessura da parede circunferencial, a qual pode ter a aparência de uma auréola ou alvo. Com a progressão da inflamação, pode-se ver edema, fluido peritoneal, fleimão ou um abscesso periapendicular. Esse exame detecta apendicite em cerca de 50% dos pacientes por ela acometidos. Não deve ser utilizada deliberadamente, principalmente entre os pacientes jovens, pois desperdiça tempo e expõe o paciente a riscos relacionados ao uso do contraste e a exposição à radiação ionizante. No nosso relato, pela ausência de pródromos da apendicite e da história prévia de nefrolitíase, além de imagem sugestiva de corpo estranho de componente metálico na radiografia, solicitouO diagnóstico de apendicite é clínico, se a TC para elucidação diagnóstica e observouentretanto exames complementares como se que ele estava impactado na luz do apêndice, hemograma, EAS e exames de imagem são o qual apresentava borramento periapendicular, bastante úteis para excluir outras doenças. imagem sugestiva de reação inflamatória local. Os exames laboratoriais revelam leucocitose Não existe consenso para o manejo dos suave, que varia entre 10.000 e 18.000/mm3, pacientes com corpos estranhos impactados em apendicite não complicada e é muitas na luz do apêndice cecal, uma vez que, vezes acompanhada por uma predominância atualmente, sua incidência é rara.6 Em um moderada de polimorfonucleares.2,7 O EAS é estudo prospetivo com 62 esquimós que útil para descartar pielonefrite ou nefrolitíase, possuíam chumbinhos impactados em apêndice e nesses casos os leucóticos apresentam- cecal (verificados em radiografias de rotina), se, também, muito mais elevados do que na nenhum deles evoluiu com apendicite aguda.9 apendicite, além da presença de hematúria, No entanto, outros estudos demonstraram uma muitas vezes microscópica, no caso da litíase.1 incidência de sintomas em 93% dos pacientes Diante do relato de cólica nefrética prévia do com corpo estranho em apêndice, dos quais paciente em questão, o EAS foi importante para 88% foram submetidos a apendicectomia e 70% destes apresentavam inflamação e necrose orientar a hipótese diagnóstica. histologicamente.6 No relato exposto, a Radiografias simples são de pouca valia para o apendicectomia foi mandatória por conta das diagnóstico de apendicite aguda, a menos que hipóteses diagnóstica e imaginológica sugestivas haja a presença de um fecalito calcificado ou de apendicite aguda. Ainda que a etiologia da apendicite permaneça um pouco obscura, acredita-se que na maioria dos pacientes há uma obstrução luminal que leva ao crescimento bacteriano e à pressão luminal aumentada, obstruindo o fluxo venoso e depois influxo arterial, resultando em isquemia da mucosa, gangrena e perfuração.1 Uma das causas para essa obstrução envolve a hiperplasia linfoide, muito comum em jovens e adolescentes, resultando em alta incidência de apendicite nessa faixa etária. Fecalitos, principalmente pós-calcificação, parasitas e neoplasias também podem levar a obstrução e apendicite. Acredita-se que aproximadamente 30% dos casos de apendicite aguda em adultos estão ligados a fecalitos.1,7 Já a incidência de apendicite por corpo estranho permanece incerto pela sua raridade e era mais comum antes do século 20 por conta do maior consumo de animais de caça (ingesta de projéteis) e da frequência de costura manual (ingesta de agulhas e alfinetes) cuja prevalência era em torno de 0,005%.6 | 98 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Nishikido et al Apesar de o diagnóstico da apendicite aguda ser eminentemente clínico, atualmente, com o advento de vários exames complementares, pode-se realizar uma programação cirúrgica mais segura, mesmo em cenário de urgência, identificando-se muitas vezes o fator causal dessa doença. 2005; 32(3): 136-8. 9. Reddy ER: Retained lead shot in the appendix. J Can Assoc Radiol. 1985; 36: 47-48. Referências 1. Matthews JB, Hodin RA. Acute Abdomen and Appendix. 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Surge da porção intraepitelial da unidade da glândula sudorípara écrina, o acrossíringio. Ocorrem com maior frequência em idosos e mulheres. Esses pacientes geralmente têm tumoração expressa em: cabeça, tronco e membros inferiores. Relatamos o caso de uma paciente de 62 anos que apresentou um tumor na parede torácica, com evolução de dois anos. Esta foi submetida à cirurgia de ressecção tumoral, associada a uma mastectomia parcial. A estética e consequentemente a autoestima da paciente podem ser afetadas. Para melhorar sua qualidade de vida, logo após a toracectomia foi realizado um procedimento de reconstrução da parede torácica utilizando-se o método retalho miocutâneo pediculado vertical do músculo reto abdominal. Palavras-chave: Retalho miocutâneo; Porocarcinoma écrino; Tumor. Abstract The authors describe a patient case report with 62 years old, female, which presented a eccrine porocarcinoma tumor in the chest wall, an area where it seldom happens. When it appears in the chest wall, it may affect the breast and demand treatment that might affect the pacient’s aesthetics, therefore affecting it self esteem, for example, a parcial mastectomy. Shortly after the thoracectomy proceedings, it was performed a chest wall reconstruction utilizing a pedicled vertical rectus abdominis myocutaneous flap (VRAM) as a method for this case. Keywords: Myocutaneous flap; Eccrine porocarcinoma; Tumor. Introdução a parede torácica, nervos, músculos, tecido conjuntivo, entre outros, pode dar origem a Os tumores de parede torácica são pouco neoplasia nessa área.1 Esse tipo de lesão tem frequentes com incidência de 5%.1 Podem se pico de incidência na quarta ou quinta décadas originar de vários pontos, considerando que da vida e o índice de metástase atinge com qualquer um dos componentes que formam maior frequência os pacientes na faixa etária * Professor-adjunto da Universidade Federal do Amazonas. ** Médico assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas. *** Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. **** Acadêmico de Medicina da Universidade Nilton Lins. Instituição em que o trabalho foi realizado: Universidade Federal do Amazonas – Departamento de Clínica Cirúrgica | 100 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 RECONSTRUÇÃO DA PAREDE TORÁCICA COM RETALHO MIOCUTÂNEO PEDICULADO VERTICAL DO MÚSCULO RETO ABDOMINAL: RELATO DE CASO acima de 50 anos.2 O presente estudo de caso relata a história de uma paciente com neoplasia de parede torácica, com reconstrução fazendo uso do retalho miocutâneo pediculado vertical do músculo reto abdominal (VRAM) da parede torácica.2 Relato de Caso A paciente relata crescimento de tumoração em parede torácica anterior com dois anos de evolução, sendo que nos últimos meses notou um escurecimento da lesão acompanhado de extravasamento de secreção com odor característico. Ao exame físico percebeu-se lesão ulcerada localizada em terço superolateral anterior esquerdo, 7,0 cm de diâmetro, com área de necrose central e drenagem constante de secreção enegrecida (Figura 1). O rastreamento de metástase a distância foi negativo. A tomografia computadorizada do tórax no pré-operatório revelou tumoração de parede torácica, comprometendo o TCS e músculos, entretanto sem comprometer o arcabouço da parede torácica. Os exames pré-operatórios cardiológicos e de prova de função pulmonar foram permissivos para a cirurgia proposta. A paciente foi submetida à toracectomia interessando pele, TCS, musculatura peitoral maior e menor, em monobloco, e com margem de segurança oncológica (Figura 2). A reconstrução da parede torácica foi realizada com a transposição de um enxerto miocutâneo do reto abdominal pediculado e mantido pela artéria epigástrica superior (Figuras 3A e 3B). A parede abdominal foi fechada com tela inorgânica de GoreTex®. A paciente evoluiu no pós-operatório sem complicações. Figura 1: Lesão vegetante com necrose central na parede torácica anterior esquerda. | 101 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Westphal et al Figura 2: segmento de parede costal contendo pele subcutânea m. peitoral maior, menor e gânglio axilar. Figuras 3A e 3B: Aspecto final do retalho miocutâneo pediculado do músculo reto abdominal. Discussão não têm nenhuma caracterísica histológica relacionada à classificação benigna. As lesões O porocarcinoma écrino é um tipo de câncer que caracterizam o PCE medem por volta de 2 de pele relacionado às glândulas sudoríparas; cm. Relatos apontam que sua expressão ocorre tem alto potencial de destruição local e de geralmente na forma de nódulos únicos com metástase; representa 0,005% das neoplasias extremidades, cor-de-rosa ou eritematosa, cutâneas epiteliais.3,4 Surge da porção cobertas com pele normal, ulceradas ou intraepitelial da unidade da glândula sudorípara crostas hemáticas. Podem também ter padrão écrina, o acrossíringio. Podem ser divididos zosteriforme e aparência em cobblestone. entre os que têm aparência benigna e os que Geralmente assintomáticas, podem apresentar | 102 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 RECONSTRUÇÃO DA PAREDE TORÁCICA COM RETALHO MIOCUTÂNEO PEDICULADO VERTICAL DO MÚSCULO RETO ABDOMINAL: RELATO DE CASO sangramento, dor e/ou prurido.5 Possui clínica variada e podem originar metástases para os linfonodos, 20% dos casos, e para órgãos internos, 10% dos casos.6 Nossa paciente apresentou lesão ulcerada com evolução de dois anos. mastectomia, não fornece tecido suficiente para cobrir danos com extensão até a axila, braço, ombros ou pescoço pela falta de viabilidade da região IV, tendo em vista sua pouca vascularização.9 Isso se deve ao fato de que grande parte do enxerto provido pelo TRAM A dificuldade para chegar ao diagnóstico do Livre não está localizado diretamente acima do porocarcinoma écrino é baseada na variedade de reto abdominal e acaba por ser dependente dos sua apresentação clínica, que pode variar desde vasos comunicantes perfurantes.10 uma pápula de 1,5 cm até uma lesão extensa, com áreas ulceradas e bordas vegetantes.5 O enxerto do retalho VRAM está posicionado O diagnóstico diferencial considera ceratose diretamente acima do músculo reto abdominal e seborreica, verruga vulgar, metástase cutânea é bem irrigado pelos vasos perfurantes10. Certos de neoplasias e outros tumores como Doença autores relataram o uso do retalho vertical de Bowen, melanoma amelanótico, doença de do músculo reto abdominal em 16 casos; dois Paget e hidroacantoma simples e carcinomas deles apresentaram necrose superficial e um basocelular e espinocelular.5 apresentou perda distal de 2 cm do retalho.11 No presente estudo, houve pequena necrose do O diagnóstico definitivo é histológico, no qual ângulo distal do enxerto. existe a presença de grânulos de glicogênio presentes no citoplasma das células tumorais Outras vantagens são baseadas em: o menor (coloração ácido periódico Shiff –PAS), focos de tempo de execução da cirurgia, queda no índice formação de ductos e a ausência de ceratinização de incidência de hérnias e, geralmente, a fáscia são características inerentes ao diagnóstico remanescente do reto abdominal é fechada diferencial.7 As células do PCE coram-se com o primariamente ou reconstruida com a utilização antígeno carcinoembrionário (CEA), geralmente de tela.12 Esse procedimento também é utilizado encontrado no citoplasma das células tumorais e quando se deseja prover pele adicional ou tecido no lúmen das glândulas malignas. Esses achados subcutâneo que contenha e leve para área a auxiliam a diferenciação entre os tumores de receber o enxerto seu suprimento sanguíneo.12 anexo e carcinomas epidérmicos, que são CEA negativos.5 As desvantagens do procedimento consistem no fato de que caso seja necessária uma reconstrução Existem várias possibilidades de reconstrução mamária, podem ocorrer dificuldades do da parede. No presente caso, a técnica remodelamento. Essa técnica não permite o utilizada para efetuar a reconstrução de parede aprimoramento do contorno abdominal tal qual torácica foi o retalho miocutâneo pediculado é permitido pelo TRAM Livre, característica do músculo reto abdominal. Considerado uma importante que pode afetar a satisfação do variação do retalho miocutâneo transverso do paciente com o procedimento.12 A opção de músculo reto abdominal (TRAM), o VRAM utiliza adotar o tecido autólogo no procedimento é como provedor de sangue os vasos epigástricos baseada no fato de que a relação do paciente superiores e inferiores para suportar o enxerto com o seu tecido é melhor do que em relação utilizado para corrigir não só defeitos na parede à prótese. Tanto os retalhos pediculados, como torácica, mas também nas áreas pélvica e foi o caso, quanto microvascularizados têm boa perineal.8 tolerância à radioterapia, porém essa afeta os resultados estéticos do procedimento.13-14-15 O retalho miocutâneo pediculado vertical Outra desvantagem, que também afeta o do músculo reto abdominal possui algumas resultado estético, é a cicatriz na área doadora, vantagens quando comparado a outros métodos que fica em torno de 8 a 11 cm de comprimento. de retalho miocutâneo, como, por exemplo, ao TRAM Livre. O TRAM Livre, bastante utilizado No caso relatado, a paciente apresentou para reconstrução mamária autóloga pós- tumoração no hemitórax esquerdo, a qual foi | 103 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.13. n.2 jul./dez. - 2014 Westphal et al removida com margem de segurança, sem prejuízo para função respiratória e nem para função motora. O retalho utilizado é autólogo, bem vascularizado e seguro, proporcionando um resultado satisfatório para a paciente. REFERÊNCIAS 1. Anderson BO, Burt ME. Chest wall neoplasms and their management. Ann thorac Surg. 1994; 58: 1774. 2. Burt ME. Primary malignant tumors of the chest wall. Chest Surg Clin N Am. 1994; 4: 137. 251: 67. 10. Beahm EK, Chang DW. Chest wall reconstruction for malignancies of the breast. In: Singletary SE, Robb GL, Hortobagyi GN, editors. Advanced Therapy of Breast Disease. 2nd ed. Shelton, CT. 2004. p. 529-538. 11. Maruyama Y., Onishi K. e Iwahira Y. Reconstruction chest walls with vertical abdominal fasciocutaneous flaps. Scand J Plast Reconstr Surg. 1986; 20: 79. 12. Váscones LO, Monteros AEL, De La Torre JL. Reconstruction Of The Breast With Rectus 3. Robson A, Greene J, Ansari N, Kim B, Seed Abdominis Musculocutaneous Flaps: Variations PT, McGee PH et. al. 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