excelentíssimo senhor doutor juiz de direito da unidade

Transcrição

excelentíssimo senhor doutor juiz de direito da unidade
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA UNIDADE DA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL/SC
O MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA – MPSC, vem, perante Vossa
Excelência, com base nos elementos informativos colhidos no Inquérito Civil n.
06.2005.00000114-2
(08.2013.00348549-3),
instaurado
para
apurar
possíveis
irregularidades na execução das permissões do Serviço de Taxi no município de
Florianópolis, com fundamento no art. 127 e no art. 129, inc. II, ambos da Constituição da
República Federativa do Brasil e nos arts. 17 e seguintes da Lei n. 8.429/1992, ajuizar a
presente AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com pedido de antecipação
dos efeitos da tutela jurisdicional e declaração de inconstitucionalidade incidental,
em face de:
ISAIAS GOMES DOS SANTOS, brasileiro, casado, motorista profissional,
portador do CPF n. 888.701.979-72 e do RG n. 2.903.401, residente e domiciliado na Rua
dos Tucanos, esquina com a Pintasil, em frente ao n. 81, Pedra Branca, São José/SC;
SINDICATO
DOS
CONDUTORES
AUTÔNOMOS
DE
VEÍCULOS
RODOVIÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS, por seu representante legal, pessoa jurídica de
direito privado, com sede na Av. Mauro Ramos, n. 390, Centro, Florianópolis/SC. CEP:
88020-300, Telefone: (48) 3025-2615 ou (48) 3223-2635;
NORBERTO STROISCH FILHO, brasileiro, portador do RG n. 1306840 –
SSP/SC e do CPF n. 305.856.789-87, natural de Blumenau, filho de Hildegard M. Stroisch
e de Norberto Stroisch, residente e domiciliado na Av. Luiz Boiteux Piazza, 5933, apto.
303, bairro Ponta das Canas, CEP: 88056-000, Florianópolis/SC;
JOÃO BATISTA NUNES, brasileiro, Administrador, Secretário Municipal
do Continente, portador do RG n. 3.709.501-3 e do CPF n. 671.678.709-78, residente e
domiciliado na Rua Antonio Irineu da Silva, n 86, Córrego Grande, Florianópolis/SC,
1
podendo ser encontrado na Rua João Evangelista da Costa, nº 827 – Coloninha, CEP:
88090-300, Telefone: (48) 3271-7900; e
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, pessoa jurídica de direito público, por
seu Prefeito Cesar Souza Junior, com endereço na Rua Tenente Silveira, n. 60 - 5º andar,
Centro, Florianópolis/SC - CEP: 88010-300, Telefone: (48) 3251-6060.
1 – DO QUADRO FÁTICO.
1.1 – Da Regulamentação do serviço de táxis.
A Lei Complementar Municipal n. 85/2001, do Município de Florianópolis,
foi responsável por disciplinar o Serviço de Táxi na Capital do Estado de Santa Catarina.
Tal regramento traz, em seu art. 3º, que:
Art. 3º O serviço de Táxi será administrado e gerido pelo Prefeitura Municipal de
Florianópolis, através de seu Órgão Gestor, com a competência de planejar, controlar,
fiscalizar e delegar prestação de serviço mediante permissão, cabendo-lhe todas as
tarefas pertinentes àquela atividade, conforme previsto em Lei.
Da mesma forma, há na legislação municipal dispositivos que definem
como se dará a outorga da permissão para a exploração do serviço de táxi e a atribuição
de competência ao "Órgão Gestor de Transportes da Prefeitura Municipal" para sua
expedição, veja-se:
Art. 4º A prestação dos serviços de Taxi fica condicionada à outorga de permissão para
sua exploração e a "Licença de Tráfico" para o veículo trafegar, que será expedida pelo
Órgão Gestor de Transportes da Prefeitura Municipal.
Assim, por expressa disposição legal a Administração Pública poderia, por
meio de permissão, autorizar particulares a explorar a serviços de Táxi, cabendo ao órgão
gestor de transportes do Município, ou seja, à Secretaria Municiapal de Transportes,
Mobilidade e Terminais a atribuição para sua fiscalização.
Cumpre ressaltar, ainda, que, como não poderia deixar de ser, o art. 6º da
Lei Complementar n. 85/2001, vinculou a outorga da permissão a realização de
procedimento licitatório. Não obstante, em flagrante ilegalidade formal, a referida Lei
permitiu a continuidade da prestação de serviço de táxis àqueles prestadores existentes
por ocasião dos fatos, sem a devida licitação (art. 64).
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Possibilitou, ainda, que o vencedor do certame que cumprisse os
requisitos legais instituídos no art. 11, tivesse um "condutor auxiliar" (art. 12, inc. II, da LC
85/2001). Surge, então, a figura do condutor auxiliar, definido como "condutor ligado ao
permissionário por qualquer vínculo de direito" (art. 2º, inc. V, da LC 85/2001), um terceiro,
alheio ao procedimento licitatório, que passa a prestar o serviço apenas para auxiliar o
permissionário.
Conclui-se deste conjunto de textos legais que, após o ano de 2001 – a
despeito daqueles que já exerciam o serviço de táxis, que foram admitidos no serviço sem
o certame - apenas poderiam explorar o serviço de táxi os permissionários, aprovados em
procedimento
licitatório,
e
os
condutores
auxiliares,
individuos
indicados
pelo
permissionários para auxiliar na prestação do serviço.
Tanto é verdade, que o art. 26, inc. IX, da Lei Complementar Municipal
85/2001, que trata das "Obrigações e Responsabilidades", dispõe:
Sem prejuízo das obrigações e responsabilidades prescritas nesta Lei, obriga-se, ainda,
o Permissionário a: [...] não ceder ou transferir, seja a que título for, a permissão
outorgada ou a 'Licença de Tráfego' do veículo, exceto nos casos previstos em lei ou em
caos excepcionais mediante autorização expressa do Órgão Gestor.
Não obstante, há no texto legal a possibilidade, ainda que implícita, de
cessão ou transferência da permissão nos casos "previstos em lei" ou em "casos
excepcionais"
Com relação à primeira hipótese, deve-se deixar assentado que, como
regra de transição, o art. 64 da Lei Complementar Municipal n. 85/2001 assegurou que as
autorização e permissões já conferidas, permaneceriam vigentes pelo prazo de 15
(quinze) anos e possibilitou, no artigo subsequente que, no prazo máximo de 180 (cento e
oitenta) dias da publicação da Lei, os antigos permissionários solicitassem ao Órgão
Gestor a transferência da permissão com o objetivo de regularizar a permissão e adequála aos novos requisitos legais:
O permissionário poderá, a contar da data de publicação desta lei, no prazo de 180
(cento e oitenta) dias, mediante requerimento devidamente justificado ao Órgão Gestor,
efetuar a transferência da permissão, com o objetivo exclusivo de sua regularização.
§ 1º - a transferência de que trata o 'caput' deste artigo será permitida apenas por uma
vez, e desde que o permissionário sucessor preencha os requisitos estabelecidos nesta
lei.
§ 2º - A transferência da permissão será assegurada a meeira e/ou herdeiros, no caso de
falecimento ou invalidez.
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[…]
Com relação à segunda exceção, não há qualquer definição ou
regulamentação legal, ficando relegado ao crivo do Órgão Gestor a análise do que
poderia ser enquadrado como "caso excepcional".
Vê-se, pois, que apesar de sua aparente nobreza de intenção, a Lei
acabou por chancelar algumas ilegalidades formais, a maior delas consistente na
concessão do serviço de táxis àqueles prestadores existentes por ocasião dos fatos, sem
a devida licitação (art. 64), permitindo, igualmente, a transferência de titularidade do
serviço em comento, sem o devido processo licitatório, o que resultou em diversos
abusos.
1.2 – Das transferências irregulares.
No vácuo legislativo criado, diversos permissionários passaram a
repassar a permissão pública para terceiros, o que deu azo a diversas investigações e
pedidos de tomada de providências oriundos da Procuradoria Regional do Trabalho – que
recebia denúncias com relação aos motoristas contratados para dirigir os veículos – (fls.
6-11) da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Santa Catarina – OAB/SC (fls. 139141), do vereador à época, João Antônio Heinzen Amin Helou (fls. 330-331) e de
comunicante anônimos prestadas por outros canais de comunicação (fls. 307-314, 319322, 325-326 e 328).
A gravidade da situação gerada resultou na instauração de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito
na Câmara Municipal de Florianópolis que
apresentou seu relatório final solicitando a remessa de cópia ao Ministério Público para
que fossem tomadas as providências cabíveis, a qual, não só apontou, mas comprovou
diversas fraudes, sinalizando, inclusive, pela necessidade de cassação de inúmeras
concessões.
Pois bem.
De todos os elementos colhidos, pôde-se verificar que, de fato, houve
verdadeira banalização do repasse e arrendamento das permissões para exploração do
serviço de táxi no município de Florianópolis. Com base em texto legal de
constitucionalidade duvidosa – como se verá adiante – foi criada possibilidade ilegal de
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transferência das permissões sem qualquer procedimento licitatório prévio e sem qualquer
controle direto da Administração, que não detinha mais informações precisas sobre o
permissionário ou sobre os motoristas auxiliares.
1.2.1 Das transferências em favor de ISAÍAS GOMES DOS SANTOS.
Verificou-se que ISAIAS passou a ser beneficiado por diversas
transferências ilegais, passando a controlar diversos pontos de táxi da Cidade, criando
quase que um monopólio clandestino. Aprofundadas as investigações, verificou-se que
ISAIAS procurava os permissionários e lhes oferecia uma quantia mensal determinada
para passar a explorar a permissão pública. Feito isso, era firmado entre ISAIAS e o
permissionário contrato particular que autorizava ISAIAS a explorar o ponto de táxi do
permissionário.
Evidentemente que, sem a chancela de agentes públicos, que vendaram
os olhos para as transferências irregulares, jamais teríamos chegado à dimensão tomada
pelo problema, o que demonstra que a participação dos ex-secretários foi determinante no
resultado lesivo verificado.
Já no controle ilegal das permissões, ISAIAS contratava, sem qualquer
registro ou controle dos órgãos formais de controle, diversos motoristas para sua frota de
taxis, motoristas estes que passavam a trabalhar, diversas vezes, por tempo muito
superior ao permitido e condições precárias. Tais fatos, deram azo à propositura de várias
Ações Trabalhistas contra ISAIAS - que era tido pelos motoristas como "proprietário do
táxi" e, portanto, parte legítima para ser demandada na Justiça Especializada.
Por conta das inúmeras informações similares, a Procuradoria Regional
do Trabalho da 12ª Região instaurou Procedimento Investigativo, tendo, ao final,
concluído que (fl. 7):
Das informações colhidas até o momento nesta investigação depreende-se que alguns
permissionários arrendariam a terceiros suas "placas" (permissões) e que esses
arrendatários, a seu turno, contratam motoristas, em regime de colaboração, sem o
devido registro trabalhista.
Há inclusive, um exemplo, numa informação constante dos autos, de que um
"arrendatário" deteria 23 "placas" de táxi, contando com motoristas colaboradores para
operar os respectivos veículos.
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O réu ISAIAS agia de diversas formas. Por vezes, requeria a
transferência da permissão com base na legislação complementar municipal (art. 26, inc.
IX, da Lei Complementar Municipal 85/2001), o que, como se verá adiante, não subtrai o
caráter ilícito de seu proceder, e, em outras, firmava com o permissionário contrato de
gaveta que lhe permitia explorar o serviço em troca de pagamento mensal.
No primeiro caso, ISAIAS procurava o legítimo permissionário, negociava
o "arrendamento" da permissão outorgada pelo Poder Público. Posteriormente, requeria,
junto à Secretaria Municipal de Transportes a transferência do direito de explorar o serviço
público diretamente para o seu nome ou para um de seus parentes, que serviam apenas
de laranjas para o demandado. Com a anuência dos Secretários de Transporte – o que se
explorará mais adiante – era firmado, então, "Contrato de Adesão de Outorga de
Permissão para o Serviço de Táxi".
Assim foi que ISAIAS conseguiu, de forma fraudulenta, expropriar do
Poder Público e da população do município de Florianópolis as seguintes permissões –
conforme relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito e Anexos 4 a 4F do
Relatório Final:
1) Permissão 0138 – Transferida por meio do Processo 35451/2004 do
permissionário Edson Vieira Geremias para Isaias Gomes dos Santos,
com anuência do Secretário de Transportes à época Norberto Stroisch
Filho.
2) Permissão 0007 – Transferida por meio do Processo 12890/2005 da
Permissionária Márcia Beatriz Pugsley Moreira para Tatiani Cristina da
Silva Santos (esposa de ISAIAS), com anuência do Secretário de
Transportes à época Norberto Stroisch Filho.
3) Permissão 0061 – Transferida por meio do Processo 7434/2005 do
Permissionário Neri Valmor Machado para Sílvio Gomes dos Santos
(irmão de ISAIAS), com a anuência do Secretário de Transportes à época
Norberto Stroisch Filho.
4) Permissão 0071 – Transferida por meio do Processo 11930/2007 do
Permissionário Orlando dos Santos para Raquel de Souza Santos Freitas
(irmã de ISAIAS), com a anuência do Secretário de Transportes à época
Norberto Stroisch Filho.
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5) Permissão 0021 – Transferida por meio do Processo 48089/2005 da
Permissionária Vera Maria Frota Correia Lobo para Rosangela Souza
Gomes (irmã de ISAIAS), com a anuência do Secretário de Transportes à
época Norberto Stroisch Filho.
6) Permissão 0219 – Transferida por meio do Processo 40408/2007 do
Permissionário Dalcileno Mafra da Silva para Regiane da Rocha dos
Santos (cunhada de ISAIAS),
com a anuência do Secretário de
Transportes à época Norberto Stroisch Filho.
7) Permissão 0099 – Transferida por meio do Processo 40411/2007 do
Permissionário Luiz Fernando Vieira para Nilton César Freitas (cunhado
de ISAIAS), com a anuência do Secretário de Transportes à época
Norberto Stroisch Filho.
Da mesma forma, o demandado JOÃO BATISTA NUNES, que foi
Secretário de Transportes e detinha, por isso, competência para apurar as
inúmeras irregularidades que eram praticadas na prestação de serviços de táxi no
município de Florianópolis, obstando-as, deixou de cumprir com suas funções e foi
conivente com o arrendamento ilegal que se desenvolveu ao arrepio da lei. Ainda,
mesmo
possuindo
competência
para
anular
ou
instaurar
procedimento
administrativo para punir os permissionários responsáveis pelos repasses ilegais e
pelos arrendamentos, deixou de fazê-lo sendo, mais uma vez, omisso em suas
funções e, assim, favorecendo aqueles que se expropriaram da coisa pública em
prol de interesses privados, conforme bem apontado no relatório final da Comissão
Parlamentar de Inquérito - CPI, acostada aos autos em mídia.
Tais permissões foram expropriadas por ISAIAS por transferências ilegais
realizadas. Porém, o loteamento do serviço público levado a cabo por ele seguiu também
outros meios. Segundo informações obtidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito e
confirmadas também no Inquérito Civil instaurado por essa Promotoria Especializada,
além de ter o direto e indireto controle das permissões citadas, ISAIAS ainda detinha
outras permissões, que explorava por meio de contratos de gaveta ou verbais firmados
com os permissionários.
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Frise-se, restou evidenciado que, ISAIAS detém o controle dessas
permissões por vários elementos de prova colhidos. Em síntese, boa parte dos motoristas
por ele contratados para dirigir os Táxis ilegalmente arrendados ajuizaram ações
trabalhistas contra ele, tendo sido firmados vários acordos por ISAIAS para por fim as
demandas judiciais. Da mesma forma, a busca e apreensão deferida resultou na
apreensão de vários registros em que constava o número da permissão para controle
interno de ISAIAS.
Por ora, apurou-se que ISAÍAS detém, além daquelas sete já referidas
anteriormente, a gerência e o controle ilegal das seguintes concessões (72 - setenta e
dois):
Permissão 0001;
Permissão 0214;
Permissão 0005;
Permissão 0218;
Permissão 0009;
Permissão 0242;
Permissão 0010;
Permissão 0248;
Permissão 0015;
Permissão 0251;
Permissão 0022;
Permissão 0310
Permissão 0025;
Permissão 0313;
Permissão 0040;
Permissão 0319;
Permissão 0044;
Permissão 0320;
Permissão 0046;
Permissão 0323;
Permissão 0055;
Permissão 0327;
Permissão 0083;
Permissão 0329;
Permissão 0084;
Permissão 0330;
Permissão 0089;
Permissão 0338;
Permissão 0092;
Permissão 0342;
Permissão 0093;
Permissão 0343;
Permissão 0097;
Permissão 0346;
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Permissão 0109;
Permissão 0348;
Permissão 0110;
Permissão 0349;
Permissão 0126;
Permissão 0353;
Permissão 0129;
Permissão 0356;
Permissão 0132;
Permissão 0361;
Permissão 0133;
Permissão 0364;
Permissão 0134;
Permissão 0367;
Permissão 0137;
Permissão 0369;
Permissão 0150;
Permissão 0370;
Permissão 0157
Permissão 0383;
Permissão 0168
Permissão 0386;
Permissão 0186
Permissão 0392;
Permissão 0190;
Permissão 0404;
Permissão 0194;
Permissão 0415;
Permissão 0198;
Permissão 0429;
Permissão 0199;
Permissão 0460;
Permissão 0202;
Permissão 0464;
Permissão 0203;
Permissão 0467;
Permissão 0204;
Permissão 0476;
Deve-se deixar claro, ainda, que a Busca e Apreensão realizada
encontrou controle de abastecimentos, recibos de pagamentos de multa, contratos,
anotações para pagamento de motoristas e outros documentos que comprovam que tais
permissões estavam sendo controladas e exploradas por ISAIAS.
Em síntese, ISAIAS por vezes transferia de forma ilegal a permissão para
seu nome e de seus familiares e em outras fazia contratos verbais ou "de gaveta" e
passava a deter, de fato, o controle do serviço de táxi antes cedido a pessoa determinada
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pela Administração, burlando, desta forma, qualquer procedimento licitatório legalmente
previsto e indispensável para a obtenção da permissão do serviço.
E não é só.
Além da ilicitude do arrendamento levado a efeito por ISAIAS, pode-se
verificar que o demandado construiu estrutura para-estatal de exploração dos serviços de
táxi – diz-se estrutura para-estatal porque o demandado mantinha um escritório para
pagamento e recebimento de valores dos motoristas com alta movimentação, blocos de
controle de veículos, funcionários para o pagamento de multas e conserto dos taxis,
conforme ficou demonstrado pela busca e apreensão realizada pela Comissão
Parlamentar de Inquérito com autorização judicial (Anexo 5 do Relatório Final da CPI,
acostado em mídia no Inquérito Civil).
E com o seu proceder, angariou ISAÍAS, até agora comprovado, mais de
79 (setenta e nove) permissões de exploração dos serviços de táxis ilegais mediante a
cessão ilegal dos direito cedidos pela municipalidade, construindo verdadeiro império as
custas do desrespeito a legislação vigente e aos princípios administrativos mais básicos
(o que está comprovado pelos docs constantes dos Anexos 4-4F, bem como pelo
relatório da CPI, acostado em mídia no Inquérito Civil).
1.2.2 – Das transferências fraudulentas das permissões.
A par das transferências ilegais acima descritas, aproveitando-se da
"brecha" legal, e estando impossibilitados de receber o serviço através de licitação,
passaram a buscar uma forma transversa de serem agraciados, mesmo que ilegalmente,
com a autorização para explorar o Serviço Público.
Desta forma, além das transferências ilegais realizadas para ISAIAS,
contesta o Ministério Público de Santa Catarina todas as transferências realizadas com
base no art. 26, inc. IX, da Lei Complementar Municipal 85/2001 porque eivados de
ilegalidade já em seu nascedouro, como se verá adiante.
Necessário pontuar, ainda, que a exceção legal que outorgava aos
herdeiros o direito de continuar explorando o serviço público – algo inaceitável em Estado
que se pretende Democrático de Direito – não é atacado nesse momento por já ser alvo
de medida judicial específica intentada pelo Ministério Público de Santa Catarina, e que
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implicará, na nulificação de todas as concessões embasadas na Lei Municipal n.º
85/2001, a propósito, já disse a Corte Catarinense:
“ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇAESTADUAL. PREFACIAL RECHAÇADA. LEI 85/2001 DO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS. SERVIÇO DE TÁXIS. MANUTENÇÃO E PRORROGAÇÃO DAS
AUTORIZAÇÕES E/OU PERMISSÕES ATUAIS. VIOLAÇÃO À EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE PRÉVIA LICITAÇÃO PÚBLICA. AGRONTA AO ART. 137 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO
PROCEDENTE”.
“Compete ao Tribunal de Justiça Estadual processar e julgar a ação direta de
inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo municipal, ainda que o texto da
Constituição Estadual violado traduza expressamente preceito da Carta Federal”.
Afronta a exigência constitucional de prévia licitação a lei que permite a manutenção e
prorrogação de autorizações e permissões para exploração do serviço de táxis sem que
se realize o devido certame licitatório. (ADIN N. 2010.025686-6 – Des. Fernando
Carioni.”
Vê-se, pois, que apesar de se encontrar em grau de recurso, a ilegalidade
da legislação já foi reconhecida, mesmo que de forma precária em razão do recurso que
se encontra pendente, o que implicará na ilegalidade de todas as autorizações
homologadas – podemos assim dizer – quando da edição da Lei 85/2001.
Não é demais lembrar a excrescência jurídica recentemente editada
através da Medida Provisória n.º 615, que mais uma vez tenta estabelecer “feudos” em
serviços públicos, de ilegalidade extreme de dúvidas, e que certamente gerará grande
polêmica e discussão jurídica.
1.3 – Da participação de agentes públicos na ilicitude.
Como se sabe, mesmo aqueles permissionários já referidos que não
passaram por procedimento licitatório, por possuírem permissão de exploração de serviço
público, estavam devidamente cadastrados na Secretaria Municipal de Transporte a qual,
evidentemente, por ser um órgão de controle, era o responsável por evitar o "repasse" da
permissão e a burla a licitação, o qual, frise-se, com a conivência e leniência dos
secretários NORBERTO STROISCH FILHO e JOÃO BATISTA NUNES que durante o
tempo que ficaram a frente do órgão responsável pela fiscalização foram omissos por
diversas vezes e, em tantas outras agiram, efetivamente, autorizando transferências
irregulares;
contando,
igualmente
com
o
SINDICATO
DOS
CONDUTORES
AUTÔNOMOS DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS , que atuavam, de
11
maneira efetiva e ilegal, para permitir os repasses indevidos das permissões, como se
verá adiante.
Além de todas as transferências em prol de ISAIAS já citadas nos itens
anteriores terem contado com a participação efetiva de NORBERTO STROISCH FILHO,
JOÃO BATISTA NUNES e do SINDICATO DOS CONDUTORES AUTÔNOMOS DE
VEÍCULOS RODOVIÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS, todos estes demandados foram
coniventes com a exploração ilegal levada à cabo por ISAIAS e, mesmo sabendo da
ilegalidade, nada fizeram para fazer cessar a promiscuidade com a coisa pública.
2 – DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL E
INCIDENTAL DO ART. 26, INC. IX, DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 85/2001
Como se sabe, é possível o controle de Constitucionalidade incidental
quando se verificar relação de prejudicialidade entre a questão Constitucional concreta e
a demanda judicial proposta.
Sobre o tema, aliás, Luiz Guilherme Marinoni e Ingo Wolfgang Sarlet e
Daniel Mitidiero lembram ensinam que:
Quando, no curso de uma causa comum é arguida a inconstitucionalidade da lei que
configura pressuposto à tutela jurisdicional do direito, o juiz brasileiro está autorizado a
tratar da questão constitucional como prejudicial à solução do litigio. A questão
constitucional é suscitada, introduzindo-se no processo e no raciocínio do julgador,
mediante o modo incidental. O objeto do processo, nestes casos, é um litígio entre as
partes, que não se confunde com a questão constitucional. Trata-se, portanto, de
questão de natureza constitucional, suscitada incidentalmente e ajustada como
prejudicial à resolução do litígio entre as partes. Quando isso ocorre, fala-se que há, por
parte do juiz, controle incidental de constitucionalidade (SARLET, Ingo Wolfgang;
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Direito Constitucional Brasileiro, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 773)
No caso em tela, as disposições da parte final do art. 26, inc. IX, da Lei
Complementar Municipal 85/2001 atentam diretamente contra os princípios da
Legalidade, da Impessoalidade e da Eficiência, todos previstos na Constituição Federal
(art. 37) e na Constituição do Estado de Santa Catarina (art. 16) impedindo, ainda, a
concretização da igualdade material entre os que querem contratar com a a Administração
Municipal.
Quando o texto legal descreve que poderá haver o repasse da permissão
em "caos excepcionais mediante autorização expressa do Órgão Gestor", traduz
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verdadeira quebra do princípio da legalidade e dá à Administração Pública a
possibilidade de decidir livremente em qual caso é possível o repasse direto da
permissão, sem a necessidade de submissão do cessionário ao procedimento licitatório
legalmente previsto.
Afinal, quando se fala em legalidade, deve-se ter em mente que, como
adverte Volnei Ivo Carlin, "só as leis válidas constituem base adequada à ação da
administrativa e obrigam as autoridades, donde a importância da lei ser clara e precisa"
(CARLIN, Volnei Ivo. Direito Administrativo: Doutrina, Jurisprudência e Direito Comparado,
Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001, p. 54).
É dizer, não pode a Lei, mesmo devendo se tratar de texto genérico e
abstrato, criar disposição obscura que esvazie a necessidade de respeito ao texto legal,
que torne o ato administrativo tão discricionário a ponto de se tornar arbitrário, já que,
como ensinam Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio
Júnior:
O princípio do estado de direito cifra-se na legalidade como medida do exercício do
poder, ou seja, o exercício do poder deve processar-se mediante processos jurídicos. É a
auto-limitação do Estado perante os direitos subjetivos e a vinculação da atividade
administrativa à Constituição.
No estado de direito, governam as leis e não os homens. É a supremacia da lei. Porque
assim é, exige-se sua observância incondicional, o que implica na proibição de que seja
violada. (PAZZAGLINI FILHO, Marino. ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR,
Waldo; Improbidade Administrativa, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 49)
Assim, a Lei Complementar Municipal 85/2001, ao dispor em seu bojo de
disposição tão genérica que possibilita ao órgão administrativo decidir, no caso concreto e
sem
qualquer vinculação prévia, se é possível ou não a transferência direta e
indiscriminada da permissão pública, afronta, diretamente o princípio da legalidade,
permitindo que a administração faça o que não está expressamente proibido e não
somente aquilo que está permitido.
Da mesma forma, deve-se ter em conta que a atividade administrativa
deve pautar-se, também, no princípio da impessoalidade, segundo o qual embora o ato
administrativo seja praticado por pessoas físicas e determinadas, não é a sua vontade
privada que deve prevalecer, já que não atuam de forma pessoal, mas sim a vontade da
administração pública.
Sob outro viés, tal princípio:
13
Torna cogente que a administração dispense igual tratamento a todos aqueles que se
encontrem em posição similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os
mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação
fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público. (GARCIA, Emerson.
ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, p. 21).
Assim, a outorga legal ao órgão gestor da possibilidade de definir em
quais
casos
haveria
a
possibilidade
de
transferência
atinge,
diretamente,
a
impessoalidade e vincula a atuação da administração unicamente a vontade de seu
agente. E há, ainda, a quebra do princípio da eficiência, já que não havia qualquer
controle acerca da qualidade do serviço prestado ou mesmo da adequação do cessionário
aos requisitos legais necessários para a obtenção da permissão.
Por fim, como se sabe a necessidade de procedimento licitatório tem
caráter dúplice. Se por um lado visa evitar excessos e garantir que a contratação com a
administração se dê de forma a respeitar os princípios da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade e da eficiência, por outro tem como escopo garantir igualdade de
oportunidades a todos que tenham interesse de contratar com a municipalidade.
Desta forma, quando a Lei Complementar Municipal 85/2001 dispõe que
é necessária a submissão do interessado a procedimento licitatório – como aliás não
poderia deixar de ser – mas traz a possibilidade de repasse da permissão ao bel prazer
do agente público responsável pelo órgão gestor de trânsito, inverte a lógica instituida
pela princípio da igualdade e possibilita a livre escolha e o loteamento das permissões
pública. Como de fato ocorreu.
Nesse norte, José dos Santos Carvalho Filho ensina que:
O outro fundamento da licitação foi a necessidade de proporcionar igualdade de
oportunidades a todos quantos se interessam em contratar com a Administração,
fornecendo seus serviços e bens (o que é mais comum), ou àqueles que desejam
apresentar projetos de natureza técnica, científica ou artística.
A se permitir a livre escolha de determinados fornecedores pelo administrador, estariam
alijados todos os demais, o que seria de se lamentar, tendo em vista que, em numerosas
ocasiões, poderiam eles apresentar à Administração melhores condições de contratação.
(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23. Ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 262)
Verifica-se, portanto, que a parte final do art. 26, inc. IX, da Lei
Complementar Municipal 85/2001 mitiga, sensivelmente, a igualdade que deveria pautar a
escolha e outorga das permissões para exploração do serviço de taxi em Florianópolis,
possibilitando, repita-se, que a administração decida livremente e sem qualquer
14
vinculação prévia, para quem autorizar o repasse da permissão antes concedida e sem
que se possa verificar se esse novo permissionário é, de fato, o que prestará o serviço
mais efetivo.
Porém, cumpre ressaltar que a declaração de inconstitucionalidade não é
o fundamento sob o qual se funda a presente demanda. Ainda que se entenda pela
adequação do texto normativo aos princípios da administração, tem-se que a atividade
administrativa engendrada com base no permissivo legal deve ser, da mesma forma,
considerada ímproba, como se verá adiante,
pois houve, na realidade, interpretação
totalmente equivocada e mal intencionada o texto legal para abarcar a transferência
indiscriminada das permissões e possibilitar a pilhagem do serviço público.
Assim, requer o Ministério Público seja declarada a inconstituicionalidade
parcial do art. 26, inc. IX, da Lei Complementar Municipal 85/2001, devendo ser
reconhecido que a expressão
"caos excepcionais mediante autorização expressa do
Órgão Gestor" atenta contra os princípios da legalidade, da igualdade, da impessoalidade
e da eficiência.
3 – DOS ATOS DE IMPROBIDADE DOS DEMANDADOS
Além disso, como alhures já afirmado, cumpre deixar claro que a conduta
dos demandados atenta, diretamente, contra princípios básicos que norteiam a atividade
administrativa como um todo e, por isso, devem ser considerados atos de improbidade.
A Lei n. 8.429/1992 responsável por dispor sobre "as sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras
providências", descreve como atos de improbidade três grandes grupos de condutas: os
que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei n. 8.429/1992), os que causam
prejuízo ao erário (art. 10º da Lei n. 8.429/1992) e os que atentam contra os princípios da
administração pública (art. 11 da Lei n. 8.429/1992).
Com relação a estes últimos, colhe-se da doutrina de Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves:
A leitura do caput do dispositivo denota claramente que a improbidade poderá estar
consubstanciada com a violação aos princípios da legalidade e da imparcialidade
(rectius: impessoalidade), o mesmo ocorrendo com a inobservância dos valores de
honestidade e lealdade às instituições, derivações diretas do princípio da moralidade [...].
15
Além da tipologia eminentemente aberta constante do caput do art. 11, idêntica técnica
legislativa foi adotada na confecção dos incisos do referido dispositivo, alcançando um
vasto espectro de atos de improbidade praticados pelos agentes públicos.
O princípio da legalidade ganhou maior especificidade, sendo violado, v.g., com a
prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento diverso daquele previsto na
regra de competência (inc. I – nítida hipótese de desvio de finalidade), com a omissão
indevida na prática de atos de ofício (inc. II), com a revelação de fato nos casos em que
a lei tenha previsto o dever de segredo (inc. III), com o descumprimento da norma que
determine a publicação dos atos oficiais (inc. IV), com a inobservância da lei regente dos
concursos públicos (inc. V) e com a não-prestação de contas nos casos que a lei
determine (inc. VI). (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade
Administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 210)
In casu, o demandado ISAIAS subvertendo a hipótese normativa – de
constitucionalidade duvidosa, repisa-se – passou a explorar serviço público ao arrepio da
lei e em desconformidade com a disposições legais, expropriando-se de permissões
públicas a ele repassadas de forma contrária ao princípio da legalidade, da
impessoalidade, da eficiência e da igualdade.
Diz-se isso porque, como dito antes, os contratos de cessão firmados
entre os permissionários e o demandado não encontram base normativa alguma, foram
feitos de forma a favorecê-lo, sem comprovação de que o serviço seria prestado de forma
eficiente e colocando de lado todos os demais que teriam interesse em participar de
certame público para obtenção da permissão para explorar o serviço.
Por isso, ao firmar os contratos de cessão de permissão, o demandado
ISAIAS violou os princípios da igualdade, da legalidade, da impessoalidade e da
eficiência, estando perfeita subsumida sua conduta ao que dispõe o art. 11, inc. I, da Lei
n. 8.429/1992, veja-se:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato
visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência;
Da mesma forma, os demais demandados, ao deixarem de fiscalizar
(condutas omissivas) e anuírem com as transferência ilegais (condutas comissivas),
praticaram atos com verdadeiro desvio de finalidade. Afinal, agiram de forma pessoal,
visando favorecer pessoa determinada, desrespeitando comando normativo expresso que
vedava a transferência de maneira geral, sem se preocupar com a lisura do procedimento
e, muito menos, com a eficiência do serviço público.
16
E veja-se que José dos Santos Carvalho Filho deixa claro que é cabível o
enquadramento de condutas omissivas na hipótese de improbidade por desrespeito aos
princípios administrativos:
Finalmente, a natureza dos tipos implica condutas comissivas e omissivas. Como
exemplo das primeiras, cite-se a revelação pelo agente de fato de que tenha ciência em
virtude de sua competência administrativa (art. 11, III); já omissiva é a conduta em que o
agente 'deixa de praticar indevidamente ato de ofício" (art. 11, II). (CARVALHO FILHO,
José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 1183).
Assim é que os demandados NORBERTO e JOÃO BATISTA, por
diversas vezes autorizaram transferências que sabiam ilegais e que sequer se
enquadravam no conceito de casos excepcionais instituídos pela Lei Complementar
85/2001, agindo, também, com infringência ao princípio da legalidade, com a nítida
intenção de favorecer o demandado ISAIAS, pouco se importando com a eficiência do
serviço público e privando todos os demais que tivessem interesse em prestar o serviço e
participar de licitação pública para tanto.
Vê-se, assim, que os demandados formaram verdadeira rede de
corrupção com claro intuito de expropriação e loteamento das permissões para
exploração do serviço público de táxi em Florianópolis, alterando sensivelmente a lógica
administrativa e buscando a satisfação de interesses privados e não o bem comum
decorrente do interesse público.
E aqui, necessário lembrar que:
O princípio da legalidade exige a adequação do ato à lei, enquanto que o da moralidade
torna obrigatório que o móvel do agente e o objetivo visado e estejam em harmonia com
o dever de bem administrar. Ainda que os contornos do ato estejam superpostos à lei,
será ele inválido se resultar de caprichos pessoais do administrados, afastando-se do
dever de bem administrar e da consecução do bem comum (GARCIA, Emerson. ALVES,
Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 44).
Assim agindo, os demandados NORBERTO e JOÃO BATISTA praticaram
atos de improbidade consubstanciados nas condutas omissivas e comissivas de deixaram
de fiscalizar e revogar os repasses ilegais das permissões e autorizaram as transferências
sem qualquer substrato legal.
Da mesma forma, o SINDICATO DOS CONDUTORES AUTÔNOMOS DE
VEÍCULOS RODOVIÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS agia, como intermediador das
transferências
ilegais.
Sem
qualquer
substrato
normativo,
criou-se
verdadeiro
procedimento paralegal para as transferências ilegais, devendo, dentro dessa
17
pseudológica, o presidente do Sindicado concordar com a transferência e repassar o
"procedimento" à Administração que, então, autorizava o repasse da permissão.
4 – DAS PENALIDADES
Devidamente demonstrado que os demandados praticaram as condutas
descritas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, cumpre verificar quais as penas cabíveis para
tais condutas.
Como se sabe, o art. 12 da Lei de Improbidade descreve as penalidades
abstratamente previstas para as condutas ímprobas praticadas em detrimento de
princípios (art. 11 da Lei n. 8.429/1992), veja-se:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a
gravidade do fato:
[...]
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de três anos.
Contudo, no parágrafo único do art. 12 da Lei n. 8.429/1992 fica claro que
o juiz deverá, sopesando os reflexos da conduta ilícita, dosar qual reprimenda deverá
incidir em cada caso:
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Sobre o tema, já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que:
Ação civil pública. Improbidade administrativa. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS DE
AUTARQUIA PARA AS CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Burla NA LEI
ORÇAMENTÁRIA. O desvio de numerário em desacordo com a previsão orçamentária
e sem a devida autorização implica em ato de improbidade administrativa e impõe
censura, na medida que enseja afronta aos princípios constitucionais da Administração e
vulnera o controle das finanças públicas e a priorização das políticas públicas.
SANÇÃO. GRADAÇÃO DAS PENAS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. Conquanto
seja regra a aplicação cumulativa das penas fixadas na Lei n. 8.429/92 para repreensão
dos atos de improbidade administrativa, casos há em que a conduta do agente não se
evidencia merecedora de excessiva reprimenda, cabendo ao julgador selecionar e impor
a sanção que se mostrar mais adequada com as peculiaridades do fato, de modo a evitar
decisão condenatória iníqua. (TJSC, Reexame Necessário n. 2010.024250-6, da Capital,
rel. Des. Sônia Maria Schmitz, j. 25-07-2013).
18
Ocorre que, ao mesmo tempo em que a reprimenda deve ser fixada de
forma comedida, há a necessidade de dar resposta estatal efetiva aos atos ilegais
praticados, fazendo valer a tutela dos interesses coletivos como forma de demonstrar que
condutas como as aqui narradas não são mais aceitas pela ordem social e jurídica
vigente.
De mais a mais, pode-se verificar que com o presente esquema de
loteamento de permissões, os demandados infringiram vários princípios administrativos,
demonstrando total desapego à boa administração e ao interesse público. Transformando
o ideal democrático de bem comum como fim precípuo da administração pública em
atividade voltada unicamente para satisfação de interesses privados, razão pela qual a
dosagem das reprimendas deve, levando-se em conta o princípio da individualização das
penas (art. 5º, XLVI, da CF/88), ser feita tendo por conta a gravidade das condutas
praticadas e a extensão dos seus efeitos, já que, como visto, construiu-se verdadeiro
império as custas do desrespeito aos princípios administrativos mais comezinhos.
Devendo, ainda, uma vez reconhecida a improbidade das condutas que
ensejaram as transferências, serem anuladas todas cessões firmadas pelo demandado
ISAIAS e determinada a instauração de procedimento administrativo para a revogação da
permissão dos permissionários envolvidos no repasse ilegal da concessão pública,
penalizando também os demais demandados NORBERTO, JOÃO BATISTA e o
SINDICATO DOS CONDUTORES AUTÔNOMOS DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS DE
FLORIANÓPOLIS, que, todos conjuntamente, colaboraram para a concretização do
esquema de loteamento das permissões públicas de maneira ilegal.
5 – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL
Neste ponto, deve deixar claro, já de plano, que o Ministério Público de
Santa Catarina e a Prefeitura Municipal de Florianópolis firmaram Termo de Ajustamento
de Conduta visando, basicamente, a implementação de políticas e práticas para a
melhoria do serviço público de Táxis em Florianópolis.
Por força do acordado, a municipalidade comprometeu-se a instaurar
procedimento administrativo para averiguar as irregularidades apontadas pela Comissão
Parlamentar de Inquérito e por outras instituições, a realizar procedimento licitatório para
19
a outorga de novas 200 (duzentas) permissões para exploração do serviço, a inserir no
edital requisitos para melhoria da prestação de serviço e a estruturar melhor a secretaria
responsável pela fiscalização do serviço público, apenas para citar alguns dos
compromissos.
Desta forma, requer a análise do presente pedido de antecipação dos
efeitos de tutela após escoado o prazo para a tomada das providências pela
Administração, o que ocorrerá em 150 (cento e cinquenta) dias.
Dito isso, verifica-se que o art. 273 do Código de Processo Civil dispõe
que o juiz poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida, desde
que haja prova inequívoca da alegação, verossimilhança da alegação e esteja
configurado fundado receio de dano irreparável ou de dificil reparação (inc. I) ou fique
caracterizado abuso no direito de defesa ou manifesto intuito protelatório (inc. II).
Os pressupostos para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional,
quais sejam, a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, estão devidamente
demonstrados pela farta documentação que acompanha a presente ação, contando,
inclusive, com os relatórios finais prestados pela Comissão Parlamentar de Inquérito
instaurada para apurar irregularidades na prestação de serviços de taxi.
Sobre o tema, colhe-se da doutrina de Helio do Valle Pereira que:
A "verossimilhança da alegação" e a "sua prova inequívoca" têm em conta o direito
verberado pelo acionante. São a causa de pedir e o pedido que são trazidos por ele.
Para alcançar a antecipação da tutela, deverá o autor apresentar uma tese jurídica
consistente, é dizer, uma interpretação jurídica que seja convincente, que não esteja
sujeita a uma compreensão diversa. Não que se pretenda que o Direito possa ser
unívoco (com somente uma possível interpretação), mas que no caso concreto a visão
do autor seja a mais plausível, aquela que traga um destacado conforto. Claro que assim
ocorrerá quando houver a esse respeito uma sedimentação doutrinária e jurisprudencial sem prejuízo, é claro, da apresentação de uma tese original, que ainda não tenha sido
submetida ao anterior enfrentamento do foro. O que se exige, em outros termos, é que
ao juiz surja uma forte probabilidade de que a exegese apresentada pelo autor seja a
certa - ainda que teoricamente possam ser achados argumentos que a desabonem.
Ocorre que a pretensão deve também estar alicerçada em um fato, devendo ele estar
bem revelado nos autos. Quer dizer, deve haver provas de que a versão do autor, vista
sob o ângulo fático, seja verdadeira. A análise dos elementos de convicção já encartados
no processo hão de demonstrar a perspectiva de que a narrativa do autor seja autêntica.
(PEREIRA, Helio do Valle. Manual de direito Processual Civil: Roteiros de Aula Processo de Conhecimento. 2ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 562-563).
No que toca aos requisitos para o deferimento do pedido antecipatório,
cumpre analisar que as condutas ímprobas dos réus causam sérios danos à
Administração Pública. A perpetuação da promiscuidade no trato da coisa pública como
20
um todo e, especificamente neste caso, fere princípio básicos que devem nortear a
atividade administrativa, como a moralidade, a impessoalidade e, acima de tudo, a
legalidade.
Além disso, há a necessidade de reformulação geral da prestação do
serviço de taxis em Florianópolis que, ao longo dos anos, vem sendo expropriado do setor
público e tomado por interesses privados, deixando-se de lado o fim precípuo de qualquer
atividade da Administração – o bem comum – para servir unicamente como forma de
enriquecimento de um pequeno grupo.
Necessário lembrar que há muito já se sedimentou ser possível o
deferimento de medida antecipatória no ramo de direito público, desde que demonstrados
os pressupostos e requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, veja-se:
[...] É cabível a antecipação dos efeitos da tutela em demandas ajuizadas contra a
Fazenda Pública, desde que presentes os requisitos da prova inequívoca e da
verossimilhança da alegação, não sendo empecilho à concessão, nessas circunstâncias,
o disposto no art. 475, I, do CPC, que se refere ao duplo grau de jurisdição. (TJSC,
Apelação Cível n. 2013.042682-6, de Criciúma, rel. Des. Jaime Ramos, j. 03-10-2013).
De mais a mais, a Comissão Parlamentar de Inquérito apresentou seu
relatório final indicando irregularidades no procedimento de transferência de 93 (noventa e
três) permissões. Porém, analisando a documentação constante do Inquérito Civil
instaurado e também aquela angariada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, tem-se
que é possível que, além dessas, outras permissões tenham sido repassadas com base
na legislação inconstitucional, estando ainda obscuras – justamente pela ilegalidade do
procedimento – quantas seriam elas.
De qualquer sorte, tem-se que há comprovação suficiente de que 72
(setenta e duas) permissões estejam sendo controladas de forma indireta e ilegal por
ISAIAS (conforme demonstrado no item 1.2.1); e de que outras 7 (sete) foram,
efetivamente, transferidas para ISAIAS, por atos ímprobos dos agentes públicos, sendo
exploradas diretamente e por intermédio de "laranjas" por ele (conforme demonstrado
no item 1.2.1) totalizando, assim, 79 (setenta e nove) permissões ilegais que devem ser
cassadas, de maneira liminar, não excluindo outras que, durante a instrução, sejam
descobertas.
21
A par dessas, pende de discussão e comprovação, outras tantas
transferências, aluguéis e outras irregularidades que durante a instrução serão
comprovadas, que não é objeto da antecipação ora pleiteada.
Por fim, deve-se apenas referir que sobre a reversibilidade da medida –
elemento fundante da possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela – tem-se que, em
caso remoto de improcedência dos pedidos, as permissões podem ser integralmente
restauradas, não havendo qualquer óbice, neste particular, ao deferimento do pedido
antecipatório.
6 – DOS PEDIDOS
Ante o acima exposto, requer o Ministério Público, após recebida esta
peça processual, requer-se:
A) A notificação dos demandados para, querendo, no prazo legal,
apresentem resposta escrita, devendo, após, ser recebida presente inicial (art. 17, § 7º,
da Lei n. 8.429/1992);
B) Expirado o prazo de 150 (cento e cinquenta) dias para o cumprimento
do acordado no Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público e a
Municipalidade, a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para suspender, de
plano, as 79 (setenta e nove) permissões transferidas ou repassadas com base na Lei
Complementar Municipal n. 85/2001 e exploradas de forma ilegal pelo réu ISAIAS citadas
nos item 1.2.1, eis que evidentemente havidas com prejuízo dos princípios administrativos
da legalidade, da impessoalidade, da igualdade e da eficiência;
C) a citação dos demandados, ISAIAS GOMES DOS SANTOS,
SINDICATO DOS CONDUTORES AUTÔNOMOS DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS DE
FLORIANÓPOLIS, NORBERTO STROISCH FILHO e JOÃO BATISTA NUNES para
querendo, opor-se à pretensão ora deduzida no prazo legal, sob as penas de Lei;
D) a citação do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, na pessoa de seu
representante legal, para compor a lide na condição de litisconsorte passivo;
E) a produção de todas as provas em direito admitidas, em especial a
juntada de documentos novos e ouvida das testemunhas ao final relacionadas;
22
F) a declaração da inconstitucionalidade parcial do art. 26, inc. IX, da Lei
Complementar Municipal 85/2001, devendo ser reconhecido que a expressão
"caos
excepcionais mediante autorização expressa do Órgão Gestor" atenta contra os princípios
da legalidade, da igualdade, da impessoalidade e da eficiência;
G) seja a final julgada procedente a presente Ação de Improbidade
Administrativa, com a conseguinte condenação dos demandados nas penas descritas no
art. 12, inc. III, pela prática dos atos ímprobos descritos no art. 11, ambos da Lei n.
8.429/1992, a revogação de todas as transferências das permissões feitas com base na
Lei Complementar Municipal 85/2001 e, em especial as 79 (setenta e nove) já descritas
no item 1.2.1, bem como a determinação para que a municipalidade instaure, em prazo
determinado, procedimento administrativo para a cassação das permissões dos
envolvidos no repasse ilegal que sejam descobertas durante a instrução;
H) o reconhecimento de que os demandados
SANTOS,
SINDICATO
DOS
CONDUTORES
RODOVIÁRIOS DE FLORIANÓPOLIS,
ISAIAS GOMES DOS
AUTÔNOMOS
DE
VEÍCULOS
NORBERTO STROISCH FILHO e JOÃO
BATISTA NUNES, praticaram atos de improbidade descritos no art. 11 da Lei n.
8.429/1992, devendo ser apenas nos termos do art. 12, inc. III, da mesma Legislação.
Inclusive, considerando que o monopólio de ISAÍAS já se espraiou para as demais
cidades da Grande Florianópolis, requer-se que
referidos sejam cientificados deste
processo e decisão, fazendo-se cumprir a proibição do exercício do serviço público em
sua plenitude.
I) a condenação dos demandados ao pagamento das custas processuais
e demais cominações de estilo;
Dá-se à presente causa, para efeitos de direito, o valor de R$ 100.000,00
(cem mil reais).
Florianópolis, 25 de outubro de 2013
GEOVANI WERNER TRAMONTIN
PROMOTOR DE JUSTIÇA
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Rol de testemunhas:
1 – GUILHERME PEREIRA DE PAULO, Vereador do Município de Florianópolis, podendo
ser encontrado no Centro Legislativo Municipal de Florianópolis, Rua Anita Garibaldi, 35 Centro Florianópolis - SC - CEP 88.010-500.
2 – TIAGO DA SILVA, Vereador do Município de Florianópolis, podendo ser encontrado
no Centro Legislativo Municipal de Florianópolis, Rua Anita Garibaldi, 35 - Centro
Florianópolis - SC - CEP 88.010-500.
3 – VINíCIUS COFFERRI – Servidor Público da Secretaria Municipal de Mobilidade
Urbana de Florianópolis, devendo ser requisitado.
4 – ADRIANO JOSÉ MAFRA, Secretário Adjunto da Secretaria Municipal de Mobilidade
Urbana, podendo ser encontrado na Rua Conselheiro Mafra. n. 656 – 10º andar, Centro –
CEP: 88010-914.
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