editorial - Faculdade Novo Milênio

Transcrição

editorial - Faculdade Novo Milênio
Revista FOCO
Periódico dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Administração e Recursos
Humanos.
Faculdade Novo Milênio
ISSN: 1981-223X
EDITORIAL
COMISSÃO EDITORIAL
Cristiano das Neves Bodart (Editor Chefe)
Ana Cristina Scopel
Cassiane da C. Ramos Marchiori
Fernanda Mendes Pires
Ivone Gonçalves Luiz
Luciana Teles Moura
Marcela Dadauto Lestingi
Priscila de Nadai
Roniel Sampaio Silva
PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO
Ana Cristina Scopel
Cassiane da C. Ramos Marchiori
Cristiano das Neves Bodart
Eli Narciso da Silva Torres
Ezequiel Redin
Fernanda Mendes Pires
Ivone Gonçalves Luiz
Jessica Lobo Sobreira
Jocelia Gumiere da Silva
Patrícia Krauss Serrano Paris
Priscila De Nadai
Roniel Sampaio Silva
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
APRESENTAÇÃO
É com grande satisfação que apresentamos o volume 8, número 1, da revista FOCO. O periódico
tem por missão promover e difundir o conhecimento científico.
Seu objetivo é divulgar trabalhos
acadêmicos da áreas de Administração, Sociologia do Trabalho e da Administração, Recursos Humanos,
Administração Pública e Psicologia Organizacional.
Na seção PRIMEIROS ARTIGOS temos o artigo de Marcos Paulo Spinelli, graduado em
Ciência da Computação (UNESP) e especialista em Gestão Pública Municipal (UNIRIO) em coautora
com Rodrigo Mendes Leal, economista e professor da UNIRIO, intitulado “Receitas municipais de
transferências governamentais: estudo das alternativas do gestor municipal para interferir no repasse
de recursos do ICMS do estado de São Paulo”. Nesse artigo os autores buscam discutir alternativas para
interferir no cálculo do seu índice de participação e incrementar o repasse de recursos do ICMS. O
segundo artigo é de Douglas Santos Almeida, graduado em Administração pela Universidade Estadual do
Paraná (UNESPA), Juliano Domingues Silva, mestre em Administração pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM) e Adalberto Dias Souza, mestre em Administração pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). O artigo intitulado “Análise da gestão de estoque de uma micro empresa de autopeças de
Campo Mourão-PR: uso da classificação ABC dos materiais” tem como proposta demonstrar a
aplicação da classificação ABC no estoque de uma micro empresa de autopeças, demonstrando sua
simplicidade de utilização e sua importância para a tomada de decisão de gestores.
A seção ARTIGOS o leitor encontrar nove (09) trabalhos. O primeiro artigo, intitulado “O futuro
da governança da Tecnologia de Informação: vale apena pesquisar uma disciplina que não possui
definição de seus limites e de sua essência?” é de autoria de Alamir Costa Louro, graduado em Ciência
da Computação pela Universidade Federal do Espírito Santo, (UFES), especialista em Direito e Mestre
em Administração por essa mesma instituição. Esse artigo busca refletir sobre questões existenciais da
Governança da Tecnologia de Informação (GTI) e sua pesquisa acadêmica. O segundo artigo, intitulado
“Estudos sobre a implementação das normas internacionais de Contabilidade: O setor de
telecomunicações brasileiro”, é de Sidmar Roberto Vieira Almeida, mestre em Ciências Contábeis pela
Universidade Estadual do Rio de janeiro (UERJ). A proposta do autor é abordar a temática da
contabilidade em mercados regulados, buscando evidências empíricas no universo de empresas brasileiras,
buscando contribuir para o aperfeiçoamento das relações entre os diferentes players envolvidos com o
mercado de capitais. O quinto artigo trazido sob o título “A Educação para à sustentabilidade: um olhar
para o avanço econômico proporcionado por uma Mineradora no município de São João da Boa
Vista/SP” é de produção de Romilson Cesar Lima, mestrando em Desenvolvimento Sustentável e
Qualidade de Vida (UNIFAE). Nesse artigo, Lima se propõe a identificar acontecimentos envolvendo
uma mineradora no município de São João da Boa Vista e destacar o papel da conscientização pela
Educação para a Sustentabilidade. Um outro artigo é de autoria de Camillo César Alvarenga, mestrando
em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e traz como título “As formas complexas do
mundo da produção: as transformações da Modernidade e os impactos no trabalho intelectual no
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
1
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Recôncavo da Bahia”. Nele o autor investiga as relações sociais oriundas dos processos de modernização
do mundo do trabalho no Recôncavo da Bahia, o que é realizado a partir dos espaços privados de
formação educacional em nível superior da região. O quinto artigo intitulado “O discurso eleitoral e a
influência do marketing na gestão governamental” é de autoria de Alessandro Gomes, professor da
Faculdade Novo Milênio, bacharel em Comunicação e mestre em Ciências das Religiões – Linha Análise
do discurso - pela Faculdade Unida de Vitória – FUV e de Késia Stéphane Figueiredo Ferreira, graduada
em Publicidade e Propaganda pela Faculdade Novo Milênio e especialista em Marketing pela
Universidade de Vila Velha (UVV). Nesse artigo Gomes e Ferreira realizam uma análise do discurso dos
dois principais candidatos a governador do Estado do Espírito Santo no ano de 2010, nos dois últimos
programas da propaganda eleitoral gratuita na televisão. Fabiano Alves dos Reis, economista pelo Centro
Universitário Fundação Santo André e especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), traz o artigo “Gestão de expatriados no Brasil: a percepção de expatriados
japoneses à luz da Teoria do Ajustamento Cultural”. Nele, analisa as práticas dos departamentos de
recursos humanos na gestão internacional de recursos humanos, utilizando como referência a teoria do
ajustamento cultural. O sétimo artigo é intitulado “O imperativo da gestão de si na cultura capitalista
contemporânea e suas implicações para a saúde psíquica”, de Maria Regina Cariello Moraes, doutora
em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Moraes propõe discutir as competências
emocionais requeridas pelo mercado de trabalho como parte de um novo modelo de conduta relacionado
ao empreendimento de si próprio. O último artigo é de autoria de Marcelo Henrique Santos, graduado em
Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce, Especialista em Professional & Self Coach pelo Instituto
Brasileiro de Coach e especialista em Gestão de Pessoas pela Faculdade Novo Milênio (FNM), Stefânia
Brandão Pereira, graduada em Ciências Contábeis pela Faculdade Ciências Humanas de Vitória e
especialista em Gestão de Pessoas pela Faculdade Novo Milênio (FNM) e Cristiano das Neves Bodart,
doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professor da Faculdade Novo Milênio
(FNM). Nesse artigo, intitulado “Pensando a “construção” do líder a partir de Skinner e Bourdieu”, os
autores recorrem as contribuições de Skinner e Bourdieu para pensar a produção do líder.
Por fim, a presente edição traz uma entrevista realizada pela professora Ma. Ana Cristina
Scopel a Psicóloga e Professora Dra. Paola Vargas Barbosa, na qual é abordado algumas discussões e
contribuições fundamentais acerca do trabalho e da saúde mental do trabalhador.
Boa leitura.
Cristiano das Neves Bodart
Editor Chefe da revista FOCO
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
RECEITAS MUNICIPAIS DE TRANSFERÊNCIAS GOVERNAMENTAIS:
Estudo das alternativas do gestor municipal para interferir no repasse de recursos do
ICMS do Estado de São Paulo
Marcos Paulo Spinelli1
Rodrigo Mendes Leal2
RESUMO
Este artigo trabalha com a temática das receitas que os Municípios recebem de transferências
governamentais, em específico, aquelas oriundas do ICMS arrecadado pelos governos de Estado.
Podemos resumir nosso problema de pesquisa em uma questão fundamental: quais as
alternativas que o gestor municipal paulista dispõe atualmente para interferir no cálculo do seu
índice de participação e incrementar o repasse de recursos do ICMS para seu município ? O
trabalho visa identificar os fatores críticos que influenciam o repasse do ICMS recebido pelas
prefeituras paulistas. Para tanto será adotada como metodologia a análise de estudo de caso, nos
exercícios de 2003 até 2012, na prefeitura de Serrana/SP, pequeno município paulista, onde a
estrutura de fiscalização e arrecadação é reduzida. Os resultados apontam possibilidades de
obtenção de ganhos substanciais por meio de atuação de forma estratégica do Município no
aumento do índice de repasse do ICMS. Concluindo, o presente estudo pode servir de referência
para outros municípios de pequeno porte, em especial aqueles localizados no Estado de São
Paulo.
Palavras-chave: Receitas Municipais. Transferências Governamentais. ICMS.
MUNICIPAL REVENUES FROM GOVERNMENT TRANSFERS: Study of alternatives
municipal manager to interfere in the transfer of the São Paulo State ICMS resources.
SUMMARY
This article works with the theme of revenue that municipalities receive government transfers, in
particular, those from the GST collected by state governments. We can summarize our research
problem on a fundamental question: what are the alternatives that the São Paulo municipal
manager now has to interfere in calculating your rate of participation and increase the transfer of
ICMS resources for your municipality? The work aims to identify the critical factors that
influence the transfer of ICMS received by São Paulo municipalities. For that will be adopted as
the methodology case study analysis, in fiscal years 2003 through 2012, in the prefecture of
Serrana / SP, small city located where the supervisory structure and storage is reduced. The
results point to the possibility of achieving substantial gains by acting strategically in the city
increased the ICMS transfer rate. In conclusion, this study can serve as a reference for other
small communities, especially those located in the State of São Paulo.
Keywords: Municipal Revenues. Government Transfers. ICMS.
1
Marcos Paulo Spinelli (graduado em Ciência da Computação pela Unesp/Bauru, Especialização em Gestão Pública
Municipal – Programa CEAD – UNIRIO).
2
Rodrigo Mendes Leal (economista do BNDES, orientador de Trabalho de Conclusão de Curso do Programa
Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO).
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
3 1 Introdução
1.1 Tema
O ICMS – imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços, é de
competência estadual conforme definido na Constituição de 1988. Trata-se de um imposto não
cumulativo, compensando-se o valor devido em cada operação ou prestação com o montante
cobrado anteriormente. Em cada etapa da circulação de mercadorias e em toda prestação de
serviço sujeita ao imposto deve haver emissão da nota fiscal ou cupom fiscal. Do produto da
arrecadação do Estado, 25% são transferidos para os municípios, conforme artigo 158, inciso IV
da Constituição de 1988.
Cada Estado da federação determina quais serão os critérios de rateio do ICMS para
repasse as prefeituras de sua jurisdição, desde que preservado o peso mínimo de 75% para o
valor adicionado gerado pelo município. Os outros 25% do bolo de recursos destinados para
repasse devem obedecer à lei estadual e, entre esses critérios, podem se estabelecer grandes
diferenças de um Estado para outro. O repasse do ICMS aos municípios está regulado na Lei
Complementar Federal 63 de 1990, na qual se destacam alguns parâmetros, dentre eles a
possibilidade de fiscalização permanente pelo município ou por sua entidade de representação.
O objeto desta pesquisa é a regra de composição do índice de participação do repasse do
ICMS do Estado de São Paulo.
O gestor municipal, com base neste trabalho de pesquisa, poderá buscar atuar de forma
eficiente e eficaz no processo, gerando um incremento no valor financeiro recebido pela
prefeitura.
Importante destacar que os recursos arrecadados do ICMS devem no Estado de São Paulo
ser transferidos para a conta de cada município até o segundo dia útil da semana seguinte à da
arrecadação, conforme descrito no Manual da DIPAM 2013, havendo aqui uma oportunidade de
incremento da arrecadação com resultados potenciais de curtíssimo prazo.
Podemos resumir nosso problema de pesquisa em uma questão fundamental: quais as
alternativas que o gestor municipal paulista dispõe atualmente para interferir no cálculo do seu
índice de participação e incrementar o repasse de recursos do ICMS para seu município?
1.2 Objetivo
O objetivo geral deste trabalho de pesquisa é identificar e analisar os fatores críticos que
influenciam o repasse do ICMS estadual recebido pelas prefeituras paulistas.
Temos ainda alguns objetivos específicos a cumprir, como segue:
4 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
1-Realizar uma revisão bibliográfica sobre o assunto, organizando e estruturando as informações
disponíveis em material já publicado, como livros, artigos, periódicos, Internet, etc.;
2-Pesquisar práticas bem sucedidas de incremento do repasse do ICMS, selecionando um caso
para estudo aprofundado, de forma a detalhar de forma analítica suas causas e efeitos concretos.
3-Propor ao gestor municipal paulista uma relação de alternativas factíveis para execução de um
projeto local bem sucedido e eficaz de incremento da receita advinda do repasse do ICMS.
1.3 Justificativa
Conforme estudo de GARCIA (2002) 3 , os estados brasileiros passaram a instituir
modelos de distribuição do ICMS pertencentes aos municípios, utilizando-se em sua maioria de
critérios que possibilitassem uma distribuição mais equânime. Ao mesmo tempo em que o valor
adicionado representava um indicador de desempenho econômico por excelência, vários
indicadores sociais também foram utilizados, entre eles população, território, meio ambiente,
aspectos culturais, etc.
Os índices de participação dos municípios paulistas no produto da arrecadação do ICMS
são imprescindíveis no cálculo do repasse do imposto estadual. Quanto maior o índice de
participação, maior o montante repassado pelo Estado ao município. Objetivando o aumento do
valor adicionado do município, os servidores municipais podem acompanhar o desempenho das
empresas locais, através da checagem das suas operações de compras e vendas e do respectivo
valor adicionado em cada caso.
Com os dados desta pesquisa será possível, por exemplo, orientar os contribuintes para
reduzir as omissões de dados e eventuais divergências entre os valores considerados pela
Secretaria Estadual de Fazenda e os apurados pelo município.
A escolha do estudo se deve a importância destes recursos financeiros para estas
prefeituras, uma vez que esta verba tem repasse de forma automática e semanal, e sendo assim, o
gestor municipal conhecedor do mecanismo de apuração do repasse poderá intervir de forma
proativa e eficaz no processo buscando o incremento dos valores.
Munido deste conhecimento, o gestor municipal poderá ainda melhorar seus controles
tributários e aprimorar a eficiência dos servidores responsáveis pela tarefa de monitorar o repasse
destes recursos financeiros, atuando de forma proativa nas variáveis mais relevantes para sua
realidade local e buscando o aumento do seu índice de participação no ICMS paulista.
3
GARCIA, Francisco José Teixeira. A Distribuição de ICMS aos Municípios do Espírito Santo: Concentração ou
Desconcentração ? – Rio de Janeiro: EBAP/FGV,2002 (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado
Executivo em Gestão Empresarial da EBAPE/FGV, área de concentração Políticas & Estratégias), página 24.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
5 A dificuldade das prefeituras paulistas em entender as alternativas existentes para
interferir positivamente no cálculo do seu índice de participação, pode levar o município a deixar
de receber uma parcela significativa de recursos financeiros vitais para o melhor funcionamento
da estrutura de serviços públicos locais.
Com o melhor entendimento das alternativas existentes, o gestor municipal pode agir de
forma proativa buscando o incremento desta arrecadação e influenciar as variáveis mais
sensíveis em sua realidade local, através de um projeto de planejamento, fiscalização e controle
direcionado aos fatores mais eficazes na geração desta receita extra.
Existem variáveis que compõem o método de apuração do repasse do ICMS que possuem
maior significância no valor final financeiro que chegará aos cofres do município. Estes fatores
críticos que influenciam o resultado de valor adicionado se forem trabalhadas pelo gestor local
de forma eficiente e eficaz poderão gerar incremento de arrecadação substancial no curto prazo.
A hipótese que queremos comprovar é a possibilidade real do gestor municipal
conhecedor das alternativas para interferir nas variáveis importantes que compõem o seu índice
de participação, possa atuar de forma eficiente e eficaz no incremento do valor financeiro que
será repassado aos cofres municipais.
Queremos confirmar neste trabalho que o ajuste proativo de cada uma destas variáveis
poderá contribuir de forma significativa no incremento da arrecadação municipal, desde que o
gestor local conheça as peculiaridades de sua cidade e atue de forma eficiente sobre os fatores
mais críticos na formação do índice de participação de seu município, obtendo resultados
positivos no incremento do recurso financeiro disponível.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Referencial Teórico
A Constituição Federal
4
estabelece em seu artigo 158, as repartições das receitas
tributárias destinadas aos municípios. Entre os repasses originados nos Estados federados,
destacamos o inciso III, que prevê o repasse de cinquenta por cento do produto da arrecadação
do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus
territórios, e o inciso IV, que prevê o repasse aos municípios de vinte e cinco por cento do
produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de
4
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>
Acesso em: 27 de agosto de 2014.
6 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação.
Este trabalho de pesquisa tem enfoque no estudo do repasse estadual mencionado no
inciso IV do artigo 159, envolvendo o ICMS instituído pelo artigo 155, sendo de competência
dos Estados e do Distrito Federal instituir imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
De acordo com o parágrafo único do artigo 158, as parcelas de receita pertencentes aos
Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à
circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;
II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei
federal.
Conforme pesquisa de Garcia (2002)5 focada no Estado do Espírito Santo, o grande
parâmetro que regulamenta a transferência da parte definida através de legislação estadual é a
população, que tem peso de 13%.
O segundo maior peso é atribuído a um indicador de esforço tributário local, de caráter
educativo, punindo o “caronismo fiscal”, e privilegiando o esforço da maquina fazendária
municipal. Este indicador apesar de extremamente importante, sofre de uma dificuldade lógica,
na medida em que para ter um desempenho bom, o município deve aumentar sua participação da
receita tributária própria na receita tributária total. Ora, a cada aumento decorrente da melhoria
no desempenho deste indicador, compromete-se o atingimento de novo desempenho, porque
aumenta a relação entre transferência e receita própria.
2.2 Repasse do ICMS aos Municípios no Estado de São Paulo.
No Estado de São Paulo, o repasse tem como parâmetro primordial o índice de
participação municipal - IPM, que define a totalidade da destinação dos recursos de repasse do
ICMS.
O IPM é apurado anualmente, para aplicação no exercício seguinte, observando os
critérios estabelecidos pela Lei nº 3.201, do Estado de São Paulo, de 23/12/81, com alterações
5
GARCIA, Francisco José Teixeira. A Distribuição de ICMS aos Municípios do Espírito Santo: Concentração ou
Desconcentração ? – Rio de Janeiro: EBAP/FGV, 2002 (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de
Mestrado Executivo em Gestão Empresarial da EBAPE/FGV, área de concentração Políticas & Estratégias), página
67.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
7 introduzidas pela Lei Estadual nº 8.510, de 29/12/93, sendo que para a apuração do IPM são
considerados 07 (sete) índices, aplicados de forma ponderada, conforme relacionado a seguir:
1-Componente percentual Fixo (2%): que deve ser dividido igualmente pelo número de
municípios do Estado (645 prefeituras), independentemente de qualquer fator. Corresponde ao
valor de 0,00310077% por município.
2-Índice percentual de População (13%): trata-se da relação percentual entre a população do
município e a população do Estado. Os dados de população são fornecidos pelo recenseamento
demográfico do IBGE, sendo que o último ocorreu em 2010.
3-Índice percentual de Receita Tributária Própria - RTP (5%): a RTP constitui-se da arrecadação
municipal com os seguintes impostos: IPTU, ITBI e ISSQN. O total arrecadado no ano anterior
ao da apuração deve ser informado ao Estado através do formulário da Declaração de Receita
Tributária Própria Municipal (DREMU), conforme os dados do balanço apresentado ao Tribunal
de Contas do Estado. O índice é apurado com base na relação percentual entre a RTP do
município e a soma das RTP´s dos 645 municípios do Estado.
4-Índice percentual de Área Cultivada (3%): é apurado com base na relação percentual entre a
área cultivada de cada município e a área cultivada de todos os municípios do estado. Os dados
utilizados são do exercício anterior ao da apuração e são fornecidos pela Secretaria Estadual de
Agricultura e Abastecimento.
5-Índice percentual de Área Inundada (0,5%): a área inundada é aquela que, no exercício anterior
ao da apuração, se destine exclusivamente à formação de reservatórios para geração de energia e
que conste de levantamento da Secretaria Estadual de Energia. O índice é apurado com base na
relação percentual entre a área inundada do município e a área inundada dos municípios do
Estado.
6-Índice percentual de Área Preservada (0,5%): área preservada ou protegida é a área que conste
de levantamento, de acordo com o anexo da Lei 8.510/03, efetuado pela Secretaria Estadual do
Meio Ambiente.
7-Índice Percentual do Valor Adicionado (76%): obtido através da relação percentual entre o
valor adicionado ocorrido em cada município e o valor total do Estado, pela média dos dois
exercícios anteriores ao da apuração.
Como mostrado na Figura 01, a cada um dos sete indicadores são aplicados pesos fixos
pré-estabelecidos, de forma que o somatório dos indicadores após sua ponderação por esses
pesos resulta no índice de repasse do ICMS, correspondente à distribuição dos recursos.
8 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Figura 1 - Fórmula do IPM (índice de participação do município) paulista.
Fonte: PMSP, 2015.
A DIPAM paulista, Declaração para o Índice de Participação dos Municípios, consiste na
declaração dos contribuintes informando, à Fazenda Estadual, os valores das operações relativas
à circulação de mercadorias e das prestações de serviços de transporte ou de comunicação.
Conforme descrito no Manual da DIPAM - 20136, o componente mais importante, o VA Valor Adicionado, contribui com 76% do índice total e é calculado pela Secretaria da Fazenda
do Estado de São Paulo, com base nas informações fornecidas pelos contribuintes na Guia de
Informação e Apuração do ICMS - GIA, no Programa Gerador do Documento de Arrecadação
do Simples Nacional - Declaratório - PGDAS-D, na Declaração de Informações
Socioeconômicas e Fiscais - DEFIS e na DIPAM-A. O Valor Adicionado será atribuído ao
município onde o contribuinte esteja inscrito, exceto nas situações especiais previstas no
mencionado manual.
Conforme sítio da AFISCAMP (2014), o VA é a diferença entre as saídas (vendas) e as
entradas (compras) de mercadorias das empresas, não importando se a operação é tributada ou
amparada pela isenção ou imunidade. Reflete o resultado econômico da empresa no ano. Quanto
maior o VA, maior será a fatia do Município na cota-parte municipal do ICMS. Daí a corrida dos
agentes municipais junto às empresas estabelecidas em seus territórios visando aumentar o VA,
independentemente de haver ICMS na operação.
6
Manual da DIPAM 2013 - Declaração para o índice de participação dos municípios paulistas na arrecadação do
ICMS - artigo 19 da Portaria CAT 36/2003. Página 15. Disponível em:
<www.fazenda.sp.gov.br/download/dipam/manual_dipam_2013.pdf>. Acesso em: 01 de julho de 2014.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
9 Tristão (2003)7 afirma que o objetivo do critério majoritário do Valor Adicionado busca
propiciar o retorno do produto da arrecadação à localidade onde é gerado o movimento
econômico e são arrecadados os impostos correspondentes.
O autor propõe uma tipologia que demonstra, com certo grau de generalização, o
comportamento tributário dos municípios brasileiros. Inicialmente, podemos distinguir entre: os
“bons arrecadadores”, isto é, aqueles que utilizam bem a sua base tributária e os “maus
arrecadadores”, aqueles que dependem muito, ou quase totalmente, das transferências
intergovernamentais. Entre os “bons arrecadadores” existem aqueles que arrecadam melhor o
IPTU e aqueles que arrecadam melhor o ISS. Entre os “maus arrecadadores” podemos distinguir
aqueles que dependem mais da quota-parte do ICMS e aqueles que dependem mais do FPM.
Deste modo, conforme Quadro 01, o mesmo autor propõe 4 (quatro) tipos ideais para
descrever o comportamento tributário dos municípios brasileiros.
Quadro 1 - Tipologia do comportamento tributário dos municípios brasileiros
TIPO 1 –
TIPO 2 –
Os bons arrecadadores de IPTU
Os bons arrecadadores de ISS
•
Desempenho da arrecadação: bom.
•
Desempenho da arrecadação: bom .
•
Ênfase no IPTU.
•
Ênfase no ISS.
•
Cidades turísticas.
•
Centros metropolitanos.
TIPO 3 –
TIPO 4 –
Municípios com alta participação na Quota-parte
Municípios dependentes do FPM
do ICMS
•
Desempenho da arrecadação: fraco.
•
Grande dependência da quota-parte
ICMS.
•
Desempenho da arrecadação: muito
fraco.
•
Grande dependência do FPM.
Fonte: Elaboração própria.
Tristão (2003)8, relatou ainda que as transferências exercem um efeito desestimulante do
esforço fiscal. Este efeito é mais claramente notado nos municípios do tipo 3, que representa os
7
TRISTÃO, José Américo Martelli, A Administração Tributária dos Municípios Brasileiros: uma avaliação do
desempenho da arrecadação. São Paulo: EAESP/FGV, 2003. 172 p. (Tese de doutorado apresentada ao Curso de
Pós-Graduação da EAESP/FGV. Área de Concentração: Organização, Recursos Humanos e Planejamento), página
118.
8
TRISTÃO, José Américo Martelli, A Administração Tributária dos Municípios Brasileiros: uma avaliação do
desempenho da arrecadação. São Paulo: EAESP/FGV, 2003. 172 p. (Tese de doutorado apresentada ao Curso de
10 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
municípios que contam com a quota-parte do ICMS como sua principal fonte de receita. Como a
distribuição desta transferência é proporcional ao valor do ICMS agregado por cada município,
podemos inferir a existência de razoável potencial econômico e, portanto, possibilidades reais de
incremento da arrecadação própria. Uma possível explicação para esta inércia tributária seria o
fato de que, tendo uma fonte de recursos livre do ônus político decorrente da tributação,
dificilmente o município procurará aumentar substancialmente a sua arrecadação.
Uma medida recomendada pelo mesmo autor, é a inclusão nos mecanismos de
transferências, de dispositivos que recompensem os municípios que aumentarem a sua
arrecadação própria. Uma iniciativa neste sentido foi tomada pelo Estado de São Paulo que
acrescentou entre os critérios de repartição da quota-parte do ICMS a atribuição de um peso de
5% à relação percentual entre o valor da receita tributária de cada município e a soma da receita
tributária própria de todos os municípios do Estado. Deste modo, o município que conseguir
aumentar a arrecadação própria será recompensado também por um aumento na quota-parte do
ICMS. Um dispositivo semelhante poderia ser utilizado também nas transferências do FPM.
Outra recomendação importante é a intensificação das políticas públicas voltadas para o
incentivo ao aprimoramento da administração tributária dos municípios, a exemplo do que já
vem sendo feito pelo BNDES/PMAT - Programa de Modernização da Administração Tributária
e da Gestão dos Setores Sociais Básicos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES, disponibiliza linhas de financiamento para investimentos de modernização da
administração tributária, sendo uma excelente oportunidade disponível aos municípios
brasileiros.
Importante destacar o texto da Súmula 13 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo,
introduzida pela Resolução nº 03/95, TC-A 13754/026/95, de 30/10/95, onde temos que não é
lícita a contratação pelas prefeituras municipais de terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas,
para a revisão das Declarações para o Índice de participação dos Municípios - DIPAMs, a qual
deve ser feita por servidores públicos locais, valendo-se do auxílio da Secretaria Estadual da
Fazenda.
A Resolução SF-13/2006 emitida pela Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo,
aprovou a liberação do acesso das prefeituras ao Sistema de Consulta do Valor Adicionado - EDipam. Nos termos do artigo 2º, § 1º, da citada Resolução, o acesso aos dados se dará mediante
senha pessoal e intransferível, que será fornecida ao(s) servidor(es) indicado(s) pelo Prefeito
Municipal, após a entrega do Termo de Sigilo.
Pós-Graduação da EAESP/FGV. Área de Concentração: Organização, Recursos Humanos e Planejamento), página
172.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
11 De acordo com a Lei Complementar 63/1990, os municípios podem também impugnar o
índice preliminar publicado pela Secretaria da Fazenda, visando a corrigir o montante do valor
adicionado que lhe foi atribuído. A impugnação deverá ser apresentada no prazo de 30 dias
corridos, contados da data da publicação dos índices preliminares. Tratam-se basicamente de
diferenças ou omissões relativas à GIA, ao PGDAS-D/DEFIS e/ou à DIPAM-A. Importante
destacar que três circunstâncias podem justificar impugnações:
a) erro no valor adicionado apurado pela Secretaria da Fazenda, com base em dados informados
pelo contribuinte na GIA, no PGDAS-D/DEFIS ou na DIPAM-A;
b) inexatidão ou omissão de dados apresentados pelo contribuinte na GIA, no PGDAS-D/DEFIS
ou na DIPAM-A.
c) omissão de GIA, de PGDAS-D/DEFIS ou de DIPAM-A.
Garcia (2002)9 identificou que os principais motivos para a redução dos índices do VA no
Estado do Espírito Santo, a partir de 1998, foram o fechamento de empresas, a redução de custos
e a mudança de parte da produção para outros municípios. Em muitos casos, o elemento
motivador da transferência de empresas locais para outras cidades foi a concessão de créditos do
Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), e/ou outros benefícios tributários, causando a
chamada "guerra fiscal". Essa tendência pode ser observada no Estado de São Paulo também.
Conforme sítio da AFISCAMP (2014)10, verificamos que o Município de Campinas tem
sido bastante atuante no incremento do VA municipal. Há anos a prefeitura conta com uma
equipe permanente e especializada na verificação do VA do Município, a Fiscalização da
DIPAM. Anualmente os auditores municipais verificam os documentos fiscais do ICMS das
maiores empresas de Campinas, de segmentos específicos e de empresas de outros municípios
que devem efetuar o rateio de VA, buscando incorreções, inconsistências e omissões nos
lançamentos fiscais do imposto estadual. A equipe tem trabalhado também de forma preventiva,
orientando os contribuintes na correta escrituração fiscal do ICMS, evitando problemas futuros
de correção dos lançamentos.
Segundo o trabalho de RABELO (2010) 11 , o resultado dos trabalhos de auditoria
municipal nas empresas locais envolvem a análise, a diligência fiscal e a solicitação de
substituição de documentos, devendo prevalecer praticamente durante todo o exercício, pois se o
9
GARCIA, Francisco José Teixeira. A Distribuição de ICMS aos Municípios do Espírito Santo: Concentração ou
Desconcentração ? – Rio de Janeiro: EBAP/FGV, 2002 (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de
Mestrado Executivo em Gestão Empresarial da EBAPE/FGV, área de concentração Políticas & Estratégias), página
68.
10
Sítio da AFISCAMP - Associação dos Auditores-Fiscais da Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível em:
<http://www.afiscamp.org.br/site/prestando_contas/icms_fisco_municipal.php>. Acesso em: 01 de julho de 2014.
11
RABELO, Maria Aparecida Silvério. Auditoria Tributária como forma de Aumento de Repasses Constitucionais:
Quota Parte do ICMS dos Municípios – Valor Adicionado Fiscal. Monografia. CAD/Universidade Gama Filho.
Belo Horizonte, 2010, página 42.
12 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
documento não foi acatado pela Fazenda Estadual em um ano, poderá, mediante razões
explicitadas através de Recurso Administrativo do Município, ser considerado no movimento
econômico do exercício seguinte. O resultado da auditoria, base para repasses constitucionais do
ICMS estadual, é a substituição da declaração de informações fiscais, objeto de questionamento,
trazendo resultados positivos de movimento econômico e de maior receita ao município receptor
desses recursos.
Evidentemente a ação fiscal sobre a DIPAM e outras declarações fiscais não bastam para
a manutenção ou crescimento do índice. São necessárias ao município ações políticas de atração
de empresas e de manutenção das empresas.
2.3- Coleta e análise de dados
Estudaremos o caso da prefeitura de Serrana/SP, nos exercícios de 2003 até 2012
(últimos 10 anos), pequeno município paulista, onde a estrutura de fiscalização/arrecadação é
reduzida, podendo obter ganhos substanciais atuando de forma estratégica no aumento de seu
índice de repasse do ICMS.
Conforme informações do sítio do município de Serrana, dentre as atividades econômicas
do município, as que mais se destacam são: a lavoura de cana-de-açúcar, a prestação de serviços
em diversas áreas, as indústrias de usinagem e implementos agroindustriais e o comércio.
Serrana se destaca como um grande polo industrial e de logística do interior de São Paulo, com
destaque para duas usinas de açúcar e álcool: Usina Nova União e Usina da Pedra.
O Quadro 2 apresenta, para o IPM de 2011, o ranking das dez primeiras cidades paulistas
e a situação de Serrana, que se encontra na posição 192 para um total de 645 Municípios. Em
2011, o valor de repasse do ICMS para Serrana foi de R$ 15.683.554,94, que representa 244% da
sua Receita Tributária Própria, que foi de R$ 6.427.152,00.
Quadro 2 - Ranking das oito primeiras cidades paulista e Serrana no IPM 2011.
1
São Paulo
22,770%
2
Guarulhos
3,580%
3
São Bernardo do Campo
3,550%
4
Campinas
2,700%
5
São José dos Campos
2,360%
6
Paulínea
2,350%
7
Barueri
2,200%
8
Jundiaí
1,720%
192
Serrana
0,064%
Fonte: Resolução SF-71/2012, publicada do DOE/SP em 16/10/2012.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
13 Analisando os valores anuais da variável IPM definitivo, verificou-se forte queda do IPM
entre 2007 até 2012, atenuado por pequeno acréscimo nos ano de 2009 (1,4%). Esta constatação
de queda expressiva do IPM deve motivar a prefeitura de Serrana a investir urgentemente num
projeto de recuperação destas receitas.
Figura 2 - Evolução anual do IPM % definitivo – município de Serrana.
0,100000 0,090000 0,080000 0,070000 0,060000 0,050000 0,040000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: Elaboração própria.
Podemos obter os dados históricos do repasse global do ICMS e os respectivos valores
comparativos das variáveis que compõem o montante transferido anualmente para cada
município paulista, por meio de consultas ao sítio da Secretaria de Fazenda do Estado de São
Paulo12 e também ao Portal de Estatísticas do Estado de São Paulo - Fundação SEADE13 .
12
Sítio da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Disponível em:
<https://www10.fazenda.sp.gov.br/DIPAM/ConsultaIndice/DipamConsultaIndicesFinais.aspx>.
Acesso em: 01 de julho de 2014.
13
Sítio da Fundação SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
Disponível em: <http://www.seade.gov.br/banco-de-dados/>.
Acesso em: 01 de julho de 2014.
14 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Quadro 3 - Variáveis componentes do IPM – município de Serrana.
2-Valor
Variação
3-
Adicionado
anual %
População
(R$)
do VA
(hab.)
2003
358.628.749
-
32.603
1.847.380
9.938,70
0
0
0,08072949
2004
361.609.750
0,83%
32.603
2.168.882
9.938,70
0
0
0,09099953
12,72%
2005
405.828.679
12,23%
32.603
2.566.625
9.089,50
0
0
0,08572878
-5,79%
2006
565.904.083
39,44%
32.603
2.676.047
9.089,50
0
0
0,09480682
10,59%
2007
409.126.065
-27,70%
32.603
3.512.205
9.089,50
0
0
0,08975871
-5,32%
2008
484.619.227
18,45%
32.603
3.825.336
7.885,90
0
0
0,07705926
-14,15%
2009
504.597.161
4,12%
32.603
3.372.717
7.885,90
0
0
0,07813450
1,40%
2010
554.890.062
9,97%
38.878
4.338.473
7.885,90
0
0
0,07770598
-0,55%
2011
330.220.431
-40,49%
38.878
6.427.152
7.885,90
0
0
0,06372306
-17,99%
2012
282.838.165
-14,35%
38.878
6.686.733
7.885,90
0
0
0,04690035
-26,40%
Ano
base
4-Receita
Tributária
(R$)
5-Área
Cultivada
(Km2)
6-Área
Inundada
7-Índ.
Índ.
Protegida Participação
Variação
anual %
do IPM
-
Com relação a variável 2 (valor adicionado) verificou-se reduções drásticas nos anos de
2007 (-27,7%), 2011(-40,49%) e 2012 (-14,35%). Sendo este fator responsável por 76% do
repasse do ICMS, houve impacto relevante no planejamento e na execução do orçamento no
município de Serrana, além de afetar diretamente a qualidade da prestação de serviços públicos.
Em contraposição, nos anos de 2006 (39,44%) e 2008 (+18,45%) houve incremento
substancial da variável VA. Este comportamento errático da variável VA é explicado
principalmente pelo nível de atividade do setor agroindustrial no município, baseado em duas
grandes usinas de açúcar e álcool.
Esta oscilação do VA entre os exercícios fiscais, sem tendência definida afetou
diretamente o IPM do município de Serrana, com queda de arrecadação e no do gasto público,
prejudicando ainda o planejamento do orçamento municipal.
Podemos verificar que somente no ano de 2010 houve incremento positivo da variável 3
(população), motivado pela publicação do novo Censo Demográfico do IBGE, sendo este fator
constante nos demais anos. Com relação a variável 4 (receita própria) houve tendência positiva
constante em todos os anos, acompanhando a inflação e crescimento econômico vegetativo local,
sem contudo aproveitar a oportunidade de se obter um incremento significativo como resultado
de um necessário projeto municipal específico para tal fim.
Com relação a variável 5 (área cultivada) houve curva de declínio no período, com
quedas expressivas nos anos de 2005 e 2008, impactando negativamente o repasse estadual. Com
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
15 relação as variáveis 6 (área inundada) e 7 (área preservada) o município de Serrana possui
valores zerados.
Um município pode auferir receitas crescentes anos após ano, em termos de valores
absolutos de repasse do ICMS estadual, mesmo com quedas sucessivas do IPM municipal, uma
vez que o montante total do ICMS arrecadado no Estado de São Paulo possui incremento
nominal positivo nos últimos anos. Com o crescimento ano após ano do “bolo” de receitas a
distribuir, o “pedaço” do Município tende a ser maior que o ano anterior em valores absolutos,
ainda que percentual relativo de sua participação tenha sido menor, motivado pela queda do IPM
local.
De todo modo, o gestor municipal não pode ficar passivo e simplesmente torcer pelo
crescimento absoluto do “bolo estadual”, devendo sim agir localmente de maneira proativa para
estancar a queda no seu IPM relativo e buscar sempre o crescimento dos indicadores municipais
acima do crescimento dos indicadores estaduais, obtendo receitas extras do repasse do ICMS.
3 Considerações Finais
O gestor municipal paulista, para interferir no cálculo do seu índice de participação e
incrementar o repasse de recursos do ICMS para seu município, deverá atuar proativamente
sobre 6 (seis) variáveis que compõem o cálculo do IPM, uma vez que a sétima variável, o
Percentual fixo 2%, é fixada por lei.
As variáveis mais críticas e relevantes são em ordem de relevância: VA (valor
adicionado) com 76% de peso na composição do IPM, seguida pela População (13%), Receita
tributária própria (5%), Área cultivada (3%), área inundada (0,5%) e área protegida (0,5%).
Cabe aqui uma observação importante: os indicadores componentes do IPM não são
indicadores absolutos, mas sim indicadores relativos em âmbito estadual, revelando o
desempenho do Município em relação ao desempenho geral acumulado de todas as demais
cidades, assim sendo, não basta o crescimento nominal dos indicadores do Município ano após
ano, mas sim, por sua vez crescer em percentual superior ao crescimento dos outros municípios
do Estado.
Mais que isso, não necessariamente o maior retorno se dará pelo aumento naqueles
indicadores com maior peso, uma vez que o resultado final depende também da evolução dos
outros municípios. Dessa forma, se o Município for o único com incremento em área protegida,
poderá resultar em aumento significativo de valor. Por outro lado, se o Município aumenta a área
agrícola, mas os outros municípios também fazem o mesmo, esse movimento pode não resultar
16 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
em ganhos em termos de receita de repasses, inclusive podendo haver perda financeira no caso
do crescimento nominal municipal ser inferior ao crescimento nominal no Estado.
A variável VA é majoritária e de importância fundamental para manutenção ou
incremento do IPM municipal, devendo ser objeto de atenção especial do gestor municipal, na
busca de garantir o melhor valor possível neste índice, contudo sem negligenciar os demais
componentes do IPM local, devendo atuar de forma proativa em cada segmento que influi no
repasse do ICMS estadual, de acordo com a realidade geográfica e o contexto econômico de sua
cidade.
Um município que possui vocação agrícola ou tendência de expansão da área cultivada
deverá executar periodicamente um trabalho de revisão local do cadastro de áreas de plantio e
assim garantir junto ao governo do Estado, o valor correto da variável área cultivada com peso
de 3% no IPM paulista.
O mesmo raciocínio se aplica para cidades com potencial de áreas inundadas ou áreas de
preservação, uma vez que as estatísticas correspondentes devem estar sempre corretas e
atualizadas junto aos órgãos do governo do Estado, de modo a garantir ou preservar o percentual
municipal destas variáveis formadoras do IPM.
Em tese, considerando tudo o mais constante, seria muito mais vantajoso para o
município paulista, em termos de repasse do ICMS, destinar áreas à agricultura do que enquadrálas como áreas protegidas, uma vez que o peso relativo de uma área cultivada no IPM é 3% em
comparação ao peso de 0,5% de uma área protegida, contudo devemos respeitar os limites legais
e éticos na implementação de um programa municipal de incentivo a expansão da atividade
agrícola local, direcionando esse projeto à prospecção de áreas disponíveis e viáveis com
potencial agrícola não utilizado.
Deve ainda o gestor municipal manter atualizado e acompanhar periodicamente a
evolução dos números da população local junto ao IBGE (peso de 13% no IPM) e do índice de
Receita própria municipal (peso de 5% do IPM), enviando os valores corretos e nos prazos
estipulados, via formulário DREMU à Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo.
Finalizando este artigo, apresentamos a seguir um conjunto não exaustivo de medidas
práticas para subsidiar um projeto de incremento e/ou recuperação do repasse do ICMS em
pequenos municípios com vocação agroindustrial, como é o caso de Serrana, com enfoque
específico de atuação sobre a variável VA (valor adicionado):
1 - Montagem de uma equipe permanente e especializada na verificação do VA
municipal, os auditores verificam os documentos fiscais do ICMS das maiores empresas da
cidade, segmentos específicos e até empresas de outros municípios que podem influir no rateio
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
17 do VA municipal (setor elétrico e telecomunicações, por exemplo), buscando incorreções,
inconsistências e omissões nos lançamentos fiscais do imposto estadual. A equipe deve trabalhar
também de forma preventiva, orientando os contribuintes na correta escrituração fiscal do ICMS,
evitando problemas futuros de correção dos lançamentos, conforme descrito no sítio da
Afiscamp (2014)14.
2 - Ações políticas de atração de empresas e de manutenção das empresas locais, criando
leis de incentivos fiscais visando reverter o sentido migratório das empresas. Conforme descrito
no sítio do MBC (2014)15, os centros de distribuição e empreendimentos logísticos ganham
preferência em muitas prefeituras porque são investimentos que começam a operar mais
rapidamente que as indústrias. Isso significa retorno mais rápido em termos de Valor adicionado
e de repasse de ICMS. Além disso, temos Investimentos não poluentes, o que facilita o
planejamento de municípios que buscam crescimento ordenado. Para atrair as empresas, o mais
comum é oferecer isenção ou redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), além de
facilidade para obtenção dos alvarás de licenciamento e facilidades em relação às taxas
municipais, como a de fiscalização.
3 - Parcelamento de dívidas do ICMS e consequente elevação do repasse para a cidade,
uma vez que haverá maior recolhimento do imposto no município e consequente incremento do
IVA local. O resultado positivo se deve à contribuição expressiva do crescimento de adesões ao
Programa Especial de Parcelamento do ICMS (PEP)16, que prevê benefícios aos contribuintes
paulistas como redução do valor de multas e juros para parcelamento e quitação de débitos do
imposto. No período de 1º de março a 5 de junho de 2013, a Fazenda e a Procuradoria Geral do
Estado registraram 43.743 adesões ao PEP, conforme descrito no sítio do DCI (2014)17.
4 - Incentivo a adesão dos cidadãos do município ao programa estadual Nota Fiscal
Paulista, onde consumidores, pessoas jurídicas ou físicas, recebem créditos e prêmios pagos com
30% do ICMS após efetivamente recolhido pelo estabelecimento. A consciência sobre a carga
tributária serve para melhorar a arrecadação no município e consequente repasse do ICMS
estadual
14
Sítio da AFISCAMP - Associação dos Auditores-Fiscais da Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível em:
<http://www.afiscamp.org.br/site/prestando_contas/icms_fisco_municipal.php> . Acesso em: 01 de julho de 2014.
15
Sítio
do
MBC
Movimento
Brasil
Competitivo.
Disponível
em:
<http://www.mbc.org.br/mbc/ba/components/com_noticia/pop_up_PDF.php?id=5603>. Acesso em: 27 de agosto de
2014.
16
Sítio do PEP – Programa Especial de Parcelamento, do Governo do Estado de São Paulo. Disponível
em:<https://www.pepdoicms.sp.gov.br> . Acesso em: 01 de julho de 2014.
17
Sítio do DCI - Diário Comércio Indústria & Serviços. Disponível em:
<http://www.dci.com.br/politica-economica/parcelamento-de-dividas-eleva-repasse-de-icms-para-cidades-paulistasid350587.html> Acesso em: 27 de agosto de 2014.
18 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
5 - Conscientização e fiscalização periódica dos produtores rurais locais, educando e
incentivando os agricultores a declarar a sua produção agrícola, uma vez que a entrega dos talões
de notas fiscais para o preenchimento da DIPAM é realizada de forma gratuita, ou seja, o
produtor rural não terá nenhum ônus tributário e nem custo para a operação. Esta prática pode ser
observada em diversas prefeituras, como por exemplo no sítio de Laranjal Paulista (2014)18.
6 - Política de centralização das compras públicas, a prefeitura deve realizar suas compras
prioritariamente no comércio da cidade na medida do possível, buscando sempre o melhor preço
entre os estabelecimentos locais, e consequentemente fortalecendo o comércio local e
aumentando diretamente para o município os recolhimentos do ICMS.
Como recomendação para trabalhos futuros nesta área, podemos sugerir estudos de caso
em municípios paulistas de médio e grande porte com vocação industrial ou na área de serviços,
assim como pesquisas similares a esta para melhor entendimento da metodologia aplicada em
outros Estados brasileiros para repasse do ICMS aos seus municípios.
Referências bibliográficas
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 27
ago. 2014.
GARCIA, Francisco José Teixeira. A Distribuição de ICMS aos Municípios do Espírito Santo:
Concentração ou Desconcentração ? – Rio de Janeiro: EBAP/FGV, 2002. 221p. (Dissertação de
Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado Executivo em Gestão Empresarial da EBAPE/FGV,
área de concentração Políticas & Estratégias).
Manual da DIPAM 2013 - Declaração para o índice de participação dos municípios paulistas
na arrecadação do ICMS - artigo 19 da Portaria CAT 36, de 31/03/2003. Disponível em:
<www.fazenda.sp.gov.br/download/dipam/manual_dipam_2013.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2014.
RABELO, Maria Aparecida Silvério. Auditoria Tributária como forma de Aumento de Repasses
Constitucionais: Quota Parte do ICMS dos Municípios – Valor Adicionado Fiscal. Monografia.
CAD/Universidade Gama Filho. Belo Horizonte, 2010.
Sítio da AFISCAMP - Associação dos Auditores-Fiscais da Prefeitura Municipal de Campinas.
Disponível em: < http://www.afiscamp.org.br/site/prestando_contas/icms_fisco_municipal.php>.
Acesso em: 01 Jul. 2014.
18
Sítio da Prefeitura de Laranjal Paulista. Disponível em: <
http://www.laranjalpaulista.sp.gov.br/agenciadenoticias/produtor-rural-entrega-do-dipam-vai-ate-o-dia-28/ >Acesso
em: 27 de agosto de 2014. V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015.
19 Sítio do DCI - Diário Comércio Indústria & Serviços. Disponível em:
<http://www.dci.com.br/politica-economica/parcelamento-de-dividas-eleva-repasse-de-icmspara-cidades-paulistas-id350587.html>. Acesso em: 27 ago. 2014.
Sítio da Fundação SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Disponível em:
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Sítio
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Competitivo.
Disponível
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<http://www.mbc.org.br/mbc/ba/components/com_noticia/pop_up_PDF.php?id=5603> Acesso
em: 27 ago. 2014.
Sítio
do
PEP
–
Programa
Especial
de
Parcelamento.
em:<https://www.pepdoicms.sp.gov.br>. Acesso em: 01 jul. 2014.
Disponível
Sítio
da
Prefeitura
de
Laranjal
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Disponível
em:
<
http://www.laranjalpaulista.sp.gov.br/agenciadenoticias/produtor-rural-entrega-do-dipam-vaiate-o-dia-28/>. Acesso em: 27 ago. 2014.
Sítio da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Disponível em:
https://www10.fazenda.sp.gov.br/DIPAM/ConsultaIndice/DipamConsultaIndicesFinais.aspx>.
Acesso em: 01 de julho de 2014.
TRISTÃO, José Américo Martelli, A Administração Tributária dos Municípios Brasileiros: uma
avaliação do desempenho da arrecadação. São Paulo: EAESP/FGV, 2003. 172 p. (Tese de
doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV. Área de Concentração:
Organização, Recursos Humanos e Planejamento).
20 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
ANÁLISE DA GESTÃO DE ESTOQUE DE UMA MICRO EMPRESA DE AUTOPEÇAS
DE CAMPO MOURÃO-PR: uso da classificação ABC dos materiais
Douglas Santos Almeida1
Juliano Domingues Silva2
Adalberto Dias Souza3
Resumo
O objetivo da gestão de estoques é tomar decisões sobre o nível apropriado de
inventário. Na prática, os itens de estoque não podem ser todos controlados com a
mesma atenção. O sistema de inventário mais utilizado é o sistema de classificação
ABC. O objetivo dessa pesquisa é demonstrar a aplicação da classificação ABC no
estoque de uma micro empresa de autopeças, a fim de demonstrar a simplicidade
desse mecanismo e sua importância para a tomada de decisão dos gestores. Para
tanto, nossa pesquisa parte de uma revisão da literatura, para apresentar de forma
sistemática, como é aplicada a classificação ABC. Em seguida, com o auxilio do
software Microsoft Oficce Excel 2010, aplicou-se a técnica a partir do inventário de
estoque de um período de 12 meses da empresa de autopeças. Os resultados do
nosso estudo demostram que a empresa focal apresenta uma elevada concentração de
produtos no setor de estoque que não são considerados como itens de grande
importância na prática atual, com baixo fluxo de giro do estoque, criando uma situação
de risco para a empresa, podendo ocasionar outros prejuízos financeiros. Além disso,
essa pesquisa contribui com a literatura da administração, ao demonstrar de forma
simplificada e sistematizada, como gestores de micro e pequenas empresas podem
utilizar a Classificação ABC.
Palavras-chave: Classificação ABC. Gestão de estoques. Inventário.
INTRODUÇÃO
A competitividade, agregada a globalização, está provocando transformações
nos diversos níveis da sociedade, gerando efeitos positivos e negativos. Para não
gastar tempo e dinheiro, o gestor deve observar as oportunidades que o mercado está
oferecendo e obter êxito nos seus investimentos, tanto na aquisição de mercadorias,
como na venda de produtos ou serviços.
Tratando-se de micro e pequenas empresas, nos primeiros anos de existência a
sua sobrevivência é crucial para definir o sucesso ou fracasso do negócio. Diante
disso, o empreendedor deve estar preparado para as incertezas e desafios que o
mercado proporciona, com ferramentas gerenciais adequadas que consigam controlar
1
Graduado em Administração pela Universidade Estadual do Paraná, Campus de Campo Mourão (UNESPAR).
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Estadual de Maringá (PPA/UEM).
Professor Assistente do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá (DAD/UEM).
3
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Estadual de Paraná (UEPR).
Professor Assistente do Departamento de Administração da Universidade Estadual do Paraná, Campus de Campo
Mourão (UNESPAR).
2
suas atividades e proporcionem rentabilidade. De acordo com o SEBRAE (2014), a
partir da pesquisa Causa Mortis que avaliou o sucesso e o fracasso, nos primeiros
cinco anos, de 2800 empresas, com registro de abertura de 2007 a 2011, no munícipio
de São Paulo, entre outros resultados, constatou-se que 39% dos empreendedores não
sabiam qual era o capital de giro necessário para abrir o negócio e o principal motivo
para o encerramento das atividades, cerca de 19% dos empreendimentos, é a falta de
capital ou lucro, segundo a opinião dos empreendedores.
Letti e Gomes (2014) ressaltam que entre as dificuldades de gerenciamento nas
micro e pequenas empresas, a gestão de estoques se destaca com um desafio
constante. Isso porque, devido à limitação de recursos tecnológicos como sistemas de
tecnologia da informação, estoques elevados podem gerar problemas de obsolescência
de produtos, volume excessivo de produtos em estoque, diminuição de capital de giro,
produtos com validade vencida e alto custo de estoque (LETTI; GOMES, 2014). Uma
ferramenta administrativa que tornou-se de grande utilidade para a avaliação e tomada
de decisão para a gestão de estoques é a Curva ABC (POZO, 2002). Desse modo, a
disseminação do uso de ferramentas que contribuem para aumentar a competitividade
das empresas se torna salutar no campo da Administração.
Os estudos na literatura de administração que exploram o passo a passo para
realização da Classificação ABC, nem sempre direcionam seus processos para a
implementação desta técnica em pequenas empresas que, de fato, necessitam de um
capital
de
giro
eficiente
para
sobreviverem
no
mercado.
Demonstrar
a
operacionalização da Classificação ABC para pequenas empresas se torna necessária,
pois contribui para conhecer um mecanismo que tem o potencial para otimizar os
processos de gerenciamento do estoque a fim evitar baixa produtividade e,
consequentemente, possíveis perdas nos demais setores da organização.
Nessa pesquisa, realiza-se um estudo sobre a gestão de estoques em uma
microempresa do ramo de autopeças. O objetivo é analisar os processos do
gerenciamento do estoque sob o enfoque da aplicação do método de classificação
ABC. Na empresa abordada, a gestão de estoques é realizada por meio de método
empírico baseado na subjetividade do gestor, no qual a avaliação e classificação dos
produtos são realizadas de forma aleatória. Essa postura pode ser arriscada para a
empresa, pois há possibilidade de tomada de decisões equivocados quanto à politica
de compra de novos insumos, estabelecimento de prioridades de vendas e
mensuração de custos, pois a técnica usada para a classificação requer dos
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
22 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
funcionários vários anos de experiência e um amplo conhecimento no ramo de
autopeças (BRAIDO; MARTENS, 2013). A partir desta linha de raciocínio, Dias afirma
que (2012) a curva ABC é uma ótima técnica de análise gerencial do estoque, pois
evidencia os itens de maior importância em relação aos menos relevantes.
Quanto aos procedimentos para a realização da pesquisa, realizou-se uma
pesquisa quantitativa e descritiva, por meio de estudo de caso aplicado a uma
microempresa de autopeças. A coleta de dados ocorreu no segundo semestre de 2012,
a partir de visitas à empresa, a fim de observar e levantar todas as informações
necessárias, acompanhado da pesquisa bibliográfica, mediante consulta a livros,
artigos e demais trabalhos científicos na área de administração de materiais, logística e
afins.
Quanto à estrutura da pesquisa, primeiro expõe-se um referencial teórico sobre
a importância e as formas de realizar a gestão de estoques, o conceito e o roteiro
passo-a-passo para a aplicação do método de classificação ABC. Em seguida,
descreve-se a metodologia utilizada. Após, é realizada a análise dos dados fornecidos
pela empresa em estudo e, por fim, apresenta-se a análise dos resultados da
classificação ABC.
GESTÃO DE ESTOQUES
De acordo com Dias (2012) a Gestão de Estoques é definida como o
planejamento e controle de mercadorias para uma rápida reposição, desde a sua
entrada, até a sua saída. Para isso, o gerente de estoques deve estar atento as
seguintes situações:
a) Crescimento ou redução da rotatividade de mercadorias;
b) Aumento ou diminuição da obsolescência e dos custos dos produtos estocados;
c) Variação das vendas em virtude da estocagem de produtos realmente
necessários.
O gerenciamento de estoques reflete quantitativamente os resultados obtidos
pela empresa ao longo do exercício financeiro, o que, por isso mesmo tende a ter sua
ação concentrada na aplicação de instrumentos gerenciais baseados em técnicas que
permitam a avaliação sistemática dos processos utilizados para alcançar as metas
desejadas. (VIANA, 2002, p.107). Porém, conforme ressalta Oliveira (2005, p.54), caso
“o responsável pela gestão dos estoques não prever e planejar suas decisões acerca
23 da sua aquisição e reposição pode incorrer no aumento desordenado do estoque ou,
inversamente, na sua insuficiência”.
A função da administração de estoques é maximizar o efeito lubrificante no
feedback de vendas e o ajuste do planejamento da produção. Simultaneamente, deve
minimizar o capital investido em estoques, pois ele é caro e aumenta continuamente,
uma vez que o custo financeiro aumenta. Sem estoque é impossível trabalhar, pois ele
funciona como amortecedor entre os vários estágios da produção até a venda final do
produto. Quanto maior o investimento nos vários tipos de estoque, tanto maiores são a
capacidade e a responsabilidade de cada departamento. Para a gerência financeira, a
minimização dos estoques é uma das metas prioritárias. (DIAS, 2012, p.7).
De acordo com Dias (2012), os objetivos da gestão de estoques devem estar em
sintonia com os demais propósitos da empresa. Pode-se afirmar que a eficácia do
estoque é a disponibilidade imediata do produto para o setor de vendas, assim que o
cliente solicita a respectiva mercadoria. Para Oliveira (2005, p.54) “a boa gestão dos
estoques tem por objetivo dirimir o dilema da reposição dos estoques, conquanto
procura manter os níveis dos estoques e os custos logísticos os menores possíveis,
com uma ocorrência mínima de faltas”.
Em resumo, Dias (2012) destaca os objetivos essenciais do planejamento da
administração de estoques:
a) Aumentar a procura dos materiais disponíveis em estoque, proporcionando um
crescimento no capital de giro da empresa;
b) Estocar a quantidade necessária de produtos;
c) Buscar a eficiência nos processos operacionais, desde a entrega do produto
pelo fornecedor até a solicitação do setor de vendas.
Dias ressalta (2012, p.7) que “o objetivo, portanto, é otimizar o investimento,
aumentando o uso eficiente dos meios financeiros, minimizando as necessidades de
capital investido em estoques”. Na mesma linha de raciocínio, Viana (2002, p.51),
ressalta que “a classificação é o processo de aglutinação de materiais por
características semelhantes. Grande parte do sucesso no gerenciamento de estoques
depende fundamentalmente de bem classificar os materiais da empresa”.
Para Dias (2012, p.169) “o objetivo da classificação de materiais é definir uma
catalogação, simplificação, especificação, normalização, padronização e codificação de
todos os materiais componentes do estoque da empresa”.
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
24 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Chiavenato ressalta (2005, p.33) “O fluxo de materiais faz com que estes se
modifiquem gradativamente ao longo do processo produtivo. À medida que os materiais
fluem pelo processo produtivo [...] eles passam a se enquadrar em diferentes classes
de materiais”. Para o autor a classificação de matérias é ordenada da seguinte
maneira: (1) Matérias-primas; (2) Materiais em processamento (ou em vias); (3)
Materiais semiacabados; (4) Materiais acabados ou componentes e (5) Produtos
Acabados. Na mesma linha de raciocínio, Dias (2012, p.171) ressalta que “o sistema
decimal é o mais utilizado pelas empresas, pela sua simplicidade e com possibilidades
de itens em estoque e informações imensuráveis”.
CLASSIFICAÇÃO DA CURVA ABC
Por volta de 1897, Vilfredo Pareto (1848-1923) economista, sociólogo e
engenheiro italiano realizou um estudo a respeito da distribuição de renda entre a
população do sistema econômico capitalista. Neste estudo, constatou-se a existência
de uma concentração de riqueza em uma pequena parte da população, cerca de 80% a
90% sob o domínio de um pequeno grupo de pessoas (VIANA, 2002). A partir deste
fato, coletou os dados a respeito do número de pessoas que apresentavam diferentes
faixas de renda e montou um gráfico chamado Diagrama de Pareto, no qual possibilitou
o surgimento da curva ABC.
Viana (2002, p.64) conceitua a curva ABC como:
importante instrumento que permite identificar itens que justificam atenção e
tratamento adequados em seu gerenciamento. Assim, a classificação ABC
poderá ser implementada de várias maneiras, como tempo de reposição, valor
de demanda/consumo, inventário, aquisições realizadas e outras, porém a
preponderante é a classificação por valor de consumo (VIANA, 2002, p.64).
A partir deste âmbito, a identificação dos produtos, de maneira manual, em um
estoque com vários itens, é considerada uma tarefa difícil e demorada. Para Dias
(2012) a curva ABC é uma ótima técnica de análise gerencial do estoque, pois
evidencia os itens de maior importância em relação aos menos relevantes. Os produtos
mais importantes são responsáveis por grande parte dos lucros da empresa. A partir do
conhecimento dos produtos que tem preferência na gestão de estoques, a curva ABC
servirá de base no estabelecimento de políticas de vendas, na definição de prioridades
e resolução de outros problemas da empresa.
25 A análise ABC é uma das formas mais usuais de se examinar estoques. Essa
análise consiste na verificação, em certo espaço de tempo (normalmente 6
meses a 1 ano), do consumo, em valor monetário ou quantidade, dos itens de
estoque, para que eles possam ser classificados em ordem decrescente de
importância. Aos itens mais importantes de todos, segundo a ótica do valor ou
da quantidade, dá-se a denominação itens classe A, aos intermediários, itens
classe B, e aos menos importantes, itens classe C (MARTINS; ALT, 2000,
p.162).
De acordo com Viana (2002, p.64), “trata-se de método cujo fundamento é
aplicável a quaisquer situações em que seja possível estabelecer prioridades, como
uma tarefa a cumprir mais importante que outra, uma obrigação mais significativa que
outra”. O autor ressalta que a totalização das obrigações é resultado da soma das
mesmas, consideradas de extrema importância para a organização.
Segundo Dias (2012), a ordenação dos produtos da curva ABC divide-se em três
categorias:
a) Categoria A – Os produtos que são fundamentais para a administração;,
b) Categoria B – São os produtos que se encontram na posição intermediária entre
a categoria A e C;
c) Categoria C – Composto pelos produtos de menor relevância para a
administração, devido à baixa demanda.
Desse modo, ressalta-se que não existe forma totalmente aceita de dizer qual o
percentual do total dos itens que pertencem à classe A, B,C. Os itens A são os mais
significativos podendo representar algo entre 35% e 70% do valor movimentado dos
estoques, os itens B variam de 10% a 45%, e os itens C representam o restante. A
experiência demonstra que poucos itens, de 10% a 20% do total, são classe A,
enquanto uma grande quantidade, em torno de 50%, são da classe C e 30% a 40% são
da classe B (MARTINS; ALT, 2000).
DETERMINAÇÃO DA CURVA ABC
Segundo Viana (2002, p.66) “a construção da curva ABC compreende três fases
distintas”: a) Elaboração de tabela mestra; b) Construção de gráfico; c) Interpretação do
gráfico, com identificação plena de percentuais e quantidades de itens envolvidos em
cada classe, bem como de sua respectiva faixa de valores.
Para compreender as etapas de montagem da curva ABC, será exemplificada a
influência da relação de 10 produtos adquiridos por uma hipotética empresa, conforme
demonstração ordenada.
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
26 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Tabela 1 – Relação anual de materiais utilizados pela empresa.
Material
R$ Preço Unitário
Consumo Anual - Unidades
Valor do Consumo Anual (R$)
X – 01
R$ 25,00
200
R$ 5.000,00
X – 02
R$ 16,00
5000
R$ 80.000,00
X - 03
R$ 50,00
10
R$ 500,00
X - 04
R$ 100,00
100
R$ 10.000,00
X - 05
R$ 0,15
200000
R$ 30.000,00
X - 06
R$ 0,01
100000
R$ 1.000,00
X - 07
R$ 8,00
1000
R$ 8.000,00
X - 08
R$ 2,00
20000
R$ 40.000,00
X - 09
R$ 70,00
10
R$ 700,00
X - 10
R$ 5,00
Fonte: Viana (2002, p.66)
60
R$ 300,00
O objetivo da tabela mestra, de acordo com Viana (2002) é organizar o valor
total do consumo anual por ordem decrescente, para obter o valor total do consumo
acumulado. A partir deste resultado, é possível definir as porcentagens sobre o valor
total acumulado.
Tabela 2 – Tabela mestra para construção da curva ABC.
Material
Valor do Consumo
Anual (R$)
Valor do Consumo
Acumulado (R$)
% Sobre o Valor Total
Acumulado
X – 01
80000,00
80000,00
45,58
X – 02
40000,00
120000,00
68,37
X – 03
30000,00
150000,00
85,47
X – 04
10000,00
160000,00
91,16
X – 05
8000,00
168000,00
95,72
X – 06
5000,00
173000,00
98,57
X – 07
1000,00
174000,00
99,14
X – 08
700,00
174700,00
99,54
X – 09
500,00
175200,00
99,82
300,00
175500,00
100,00
X – 10
Fonte: Viana (2002, p.67)
O resultado do cálculo da percentagem sobre o valor acumulado pode ser obtido
a partir da seguinte fórmula apresentada na figura 1, onde: “X = valor percentual a ser
calculado, para cada item; VCA = valor do consumo acumulado sobre TA = valor total
do consumo acumulado”.
27 Figura 1 - Cálculo da percentagem sobre o valor acumulado.
Fonte: Viana (2002, p.67).
Segundo Carvalho4 (2002 apud Santos e Grander, 2012, p.6) “a construção da
curva ABC é um processo simples e que exige poucas informações: o código do
material ou item, a demanda em unidade de cada item durante o período de estudo”.
Na etapa seguinte é calculado a demanda em relação aos itens despachados, em
sequência ocorre a ordenação decrescente dos produtos e a elaboração da curva ABC.
Neste contexto, Viana (2002) recomenda seguir as seguintes etapas:
A construção do gráfico obedece as seguintes etapas: 1) Ordenadas e
abcissas – formação do quadrado; 2) Marcação de pontos; 3) Traçado da
curva; 4) Traçado da diagonal do quadrado e da tangente paralela à diagonal
no ponto extremo da curva; 5) Identificação dos ângulos, traçado das
bissetrizes dos ângulos e determinação de pontos na curva; 6) Determinação
das áreas A,B,C. (VIANA, 2002, p.68).
Após a organização da tabela, relaciona-se a influência de cada produto no
consumo total da empresa e com estas informações constrói-se o gráfico (figura 2).
Figura 2 - Determinação das áreas A, B e C.
Fonte: Viana (2002, p.69).
4
CARVALHO, J. M. C. Logística. 3. ed. Lisboa: Edições Silabo, 2002.
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
28 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Em relação à obtenção dos percentuais de quantidade, Viana (2002, p.69) relata
que o mesmo é feito “pela leitura das abcissas, enquanto os percentuais de valor são
obtidos pela leitura do eixo das ordenadas, respectivamente para cada classe A, B, C”,
de acordo com a demonstração na tabela abaixo.
Tabela 3 – Resumo dos percentuais das classes.
Classe
Resumo de percentuais
% Quantidades de
% de valor
Itens
A
11
49
B
38
46
51
5
C
Fonte: Viana (2002, p.69)
Quanto às faixas de valores, Viana (2002) destaca a sua obtenção, conforme
demonstração (tabela 4): da leitura no gráfico dos valores percentuais correspondentes
às classes A e C, no caso de 49 % e 95%, respectivamente, e da identificação, na
tabela mestra, dos valores de consumo anual respectivos aos percentuais das classes
A e C.
Tabela 4 – Faixa de valores das classes.
Classe
Faixa de valores
A
≥ R$ 70.000,00
B
> R$ 8.000,00 e > R$ 70.000,00
C
Fonte: Viana (2002, p.67).
≤ R$ 8.000,00
Para interpretar as informações coletadas, Viana (2002) relembra a definição
mencionada anteriormente:
a) A classe A representa o grupo de maior valor de consumo e menor
quantidade de itens, os quais devem ser gerenciados com especial atenção,
pois deles é a grande massa de imobilização de capital empatado na formação
de estoques da empresa, confirmando-se o diagrama de Pareto, objeto de
nossa síntese histórica anterior;
b) A classe B representa o grupo de situação intermediária entre as classes A e
B;
c) A classe C representa o grupo de menor valor de consumo e maior
quantidade de itens; portanto, menos importantes, que justificam menor
atenção no gerenciamento (VIANA, 2002, p.70).
De acordo com Dias (2012, p.80) “a curva ABC [...] toma a forma de uma reta,
quando todos os itens possuem o mesmo valor e consequentemente a mesma
29 participação no valor total (nenhuma concentração)”. Para detectar uma forte
concentração, os valores mais altos não devem estar distribuídos por vários itens.
METODOLOGIA
Para comprovação da viabilidade da gestão de estoques a partir da aplicação da
ferramenta ABC, foi realizado um estudo de caso na empresa Ramos e Almeida
Autopeças Ltda, cuja atividade principal é o comércio varejista de peças, acessórios e
tintas automotivas que atende Campo Mourão e região.
Os métodos utilizados nos estudos para a coleta de dados foram a partir de uma
pesquisa descritiva, com visitas à empresa, a fim de observar e registrar todas as
informações necessárias e levantamento bibliográfico, mediante consulta a fontes de
pesquisa, tais como: livros, artigos, entre outros trabalhos científicos da área de gestão
de estoques. Segundo Vergara (2007) a pesquisa descritiva expõe características de
determinada população ou determinado fenômeno. Pode também estabelecer
correlações entre variáveis e definir sua natureza.
Na análise dos dados foram consideradas as mercadorias registradas na
empresa e as vendas durante o ano de 2011, através de um programa (software)
responsável pelo controle de entrada e saída dos itens do estoque. Para relacionar os
produtos, separá-los de acordo com a importância e implementar a técnica ABC,
utilizou-se recursos do aplicativo Microsoft Office Excel
ANÁLISE DOS DADOS
Conforme informações da gerência e as observações constatadas durante a
pesquisa de campo, na classificação física do estoque, os produtos são estocados de
acordo com o espaço disponível para alocação. Os produtos de pequeno porte (como,
por exemplo: velas, borrachas, parafusos, fechaduras, correias, entre outros) estão
localizados, próximos à seção de vendas. Já os produtos de grande porte (como, por
exemplo: tampão assoalho, capô, para-choque, entre outros) se encontram no primeiro
andar.
A sequência de classificação dos produtos está propensa a mudanças, caso
exista limitação do estoque, necessidade de liberar espaço ou disponibilização da
mercadoria para a venda. A estocagem dos produtos não segue uma ordem ou
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
30 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
identificação, porque depende da quantidade e do tamanho. Às vezes, a questão é a
inexistência de espaço suficiente nas prateleiras para os produtos.
Para avaliar a importância de cada tipo de produto do estoque, a gerência afirma
que pode indicar de maneira aleatória os principais produtos contidos no setor. Com
base nas informações da gerência e observações sobre a movimentação dos produtos
armazenados, foi possível elaborar a classificação dos itens que tem maior impacto no
giro do estoque em relação aos outros que apresentam baixa movimentação no setor.
Desse modo, constatou-se que a empresa não adota a classificação ABC no
estoque e o sistema utilizado não possui esta função. Com base na relação de
produtos vendidos no ano de 2011 e considerando o preço de custo dos mesmos, foi
possível elaborar uma classificação da curva ABC dos produtos para a empresa,
conforme as tabelas 5, 6 e 7, na sequência. Cabe ressaltar, que para melhor
disposição do trabalho foram elaboradas três tabelas, uma para cada classe de
produtos.
Tabela 5 – Relação de produtos da classe A.
PRODUTO
Undersil Ray 1kl
Verniz Lazurill 8000
Primer Pu 4x1
Thinner Anjo 2750 gl
Parachoque Gol
Parachoque Fusca
Óleo Elaion 5w40
Primer Pu 5x1
Massa Plastica Rhai
Oleo motor vs
Verniz Opex
Tinta ind. Azul Astral
Kit rolamento roda/tras Gol
Moldura p/lama GM
Fita crepe 3m
Tinta ind. Preto
Elaion vw/gm
Thinner Anjo 2750
Massa Polister Anjo 750 gr
Moldura p/lama ld ka]+1
Guarnição porta gol 95
Kit rolamento roda/tras. Monza/corsa
Rolamento roda diant. Gol/par/sav
Thinner 454 litro
Fonte: Os autores, 2012.
VALOR ACUMULADO CLASSIFICAÇÃO
16.704,00
6,58%
A
15.714,00
12,76%
A
10.116,96
16,75%
A
9.827,90
20,61%
A
9.600,00
24,39%
A
9.600,00
28,17%
A
9.538,85
31,93%
A
7.696,80
34,96%
A
5.472,00
37,11%
A
5.256,00
39,18%
A
5.223,60
41,24%
A
4.697,16
43,09%
A
4.660,20
44,92%
A
4.366,80
46,64%
A
4.335,84
48,35%
A
3.793,86
49,84%
A
3.744,00
51,32%
A
3.666,00
52,76%
A
3.531,60
54,15%
A
3.493,44
55,52%
A
3.179,62
56,78%
A
3.107,35
58,00%
A
3.035,09
59,19%
A
3.035,09
60,39%
A
31 Na tabela 5 da classe A, classificam-se as mercadorias, que proporcionam maior
rentabilidade para a empresa e apresentam uma alta rotatividade no estoque, pelo fato
de existir certa demanda. Outra questão relevante é a quantidade inferior de itens nesta
classe, em relação às outras classificações. Destaca-se o produto Underseal utilizado
em reparos automotivos, que oferecer maior rentabilidade à empresa.
Tabela 6 - Relação de produtos da classe B.
PRODUTO
Primer universal Anjo
Guarnição porta Gol 94
Jogo friso lateral Fol iii
Kit rolamento roda/tras.
Vela Astra/Celat/Corsa flex
Correia Alt/Ba/Bh/Ac Gm
Vela Astra/Celta gas. Ac
Oleo para motor
Barra direção Gol
Bate pedra LA Anjo
Brascoved KPO
Moldura p/chque Fiat
Tinta prata
Tinta prata light Met
Jogo canaleta c/pest. Gol
Tinta preto fosco
Cilindro mestre Pampa
Tinta branco geada pol
Oleo lubrificante minerallubrax
Lixa ferro 36
Vela Vw/Br/Kombi
Palheta limpador Dyna-Cibier
Coxim motor Gol
Caixa ar ext. Palio/Strada 2p
Lanterna diant. Vw 95
Guarnição porta mala Gol 94
Tinta preta fosco
Capô Fusca
Alavanca freio mão gol 95
Friso lat. Tras. Contorno gol
Fluido freio dot 3
Filtro oleo Astra/Vectra/Corsa
Tinta preto fosco
Tinta preta Cadillac
Maçaneta ext. Gol 87 ld
Maçaneta ext. Gol 87 le
Fonte: Os autores, 2012.
VALOR
ACUMULADO
2.925,12
61,54%
2.890,56
62,68%
2.723,04
63,75%
2.529,24
64,75%
2.529,24
65,74%
2.529,24
66,74%
2.456,98
67,71%
2.400,00
68,65%
2.348,58
69,58%
2.257,20
70,46%
2.254,64
71,35%
2.183,40
72,21%
1.951,13
72,98%
1.951,13
73,75%
1.886,88
74,49%
1.882,80
75,23%
1.842,73
75,96%
1.806,60
76,67%
1.800,00
77,38%
1.740,00
78,06%
1.734,34
78,74%
1.695,60
79,41%
1.618,71
80,05%
1.445,28
80,62%
1.445,28
81,19%
1.445,28
81,76%
1.445,28
82,33%
1.440,00
82,89%
1.373,02
83,43%
1.373,02
83,97%
1.346,40
84,50%
1.320,00
85,02%
1.300,75
85,53%
1.300,75
86,05%
1.300,75
86,56%
1.300,75
87,07%
CLASSIFICAÇÃO
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
B
A respeito das mercadorias da classe B (tabela 6), encontram-se os produtos
que não apresentam uma grande movimentação e nem baixa demanda. Devido ao fato
destes produtos alocarem-se em nível intermediário, não significa que devem ser
desconsiderados, mas tratados de forma coerente.
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32 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Tabela 7 - Relação de produtos da classe C.
PRODUTO
Jogo tapete Gol/Par/Sant
Disco Hookit
Parachoque diant. Vw 77/86
Jogo forro porta Vw
Coletor agua tampa motor Vw
Tampa reservatório Vw
Palheta limpador Santana/Vectra
Cera Gran Prix tradicional
Cilindro mestre Gol GIII
Terminal direção Gol/Parati/Fox
Lixa seco 220
Lixa seco 80
Oleo ATF direção hid 1 lt
Ponteira p/choque Saveiro 93/97 ld
Ponteira p/choque Saveiro 93/97 le
Tampa reservatório Gm
Anti ferrugem
Cola universal 195gr
Cabo freio mão Gol 94
Palheta limpador dianteira 18
Tinta azul trator Ford
Maçaneta ext. Escort 92
Tinta ind. Amarelo
Bacia estepe Corcel
Lixa agua 320
Jogo cabo vela Corcel
Retrovisor Gol 83/87 le
Fecho inf. Gol 88/94
Jogo Deblum diant. Vw
Jogo Deblum tras. Vw
Boia tanque Vw
Ponta lateral traseira Corcel
Fecho sup. Capo Gol 94
Flexivel freio diant. Gol/Voy/Par
Lixa 2000
Eletrobomba Vw
Guarnição capo Vw
Bucha bandeja Santana 2.0 ferro
Manivela vidro Gol
Pino dobratica porta Corcel
Suporte parachoque Vw 76/96
Bacalhau tras Vw
Coxim amort. tras Uno
Ponteira p/choque Corcel
Parafuso roda 147/Uno/Palio
Kit parafuso forro porta
Tampa reservatório universal
Borracha suporte parachoque Vw
Maçaneta int. Cinza Vw
Mangueira limpador parabrisa
Carvão tampa distribuição
Filtro ar Celta 2001
Suporte guia parachoque
Batente capo Gol diant. Rosca
Fita isolante
Moldura maçaneta int. Gol 87 ld
Cabo capo Gol 87/94
VALOR
ACUMULADO
1.299,00
87,58%
1.228,49
88,07%
1.200,00
88,54%
1.156,22
88,99%
1.083,96
89,42%
1.083,96
89,85%
1.083,96
90,27%
1.083,96
90,70%
1.080,00
91,13%
1.011,70
91,52%
982,79
91,91%
982,79
92,30%
939,43
92,67%
903,30
93,02%
903,30
93,38%
867,17
93,72%
809,36
94,04%
756,00
94,34%
722,64
94,62%
722,64
94,91%
722,64
95,19%
654,24
95,45%
650,38
95,70%
650,38
95,96%
624,00
96,21%
563,66
96,43%
541,98
96,64%
505,85
96,84%
505,85
97,04%
505,85
97,24%
445,44
97,41%
433,58
97,58%
433,58
97,75%
433,58
97,93%
433,58
98,10%
396,60
98,25%
361,32
98,39%
346,87
98,53%
336,00
98,66%
289,06
98,78%
289,06
98,89%
289,06
99,00%
289,06
99,12%
252,92
99,22%
252,92
99,32%
216,79
99,40%
216,79
99,49%
173,43
99,56%
169,20
99,62%
144,53
99,68%
138,00
99,73%
132,00
99,79%
130,08
99,84%
86,72
99,87%
86,72
99,91%
72,26
99,93%
72,26
99,96%
CLASSIFICAÇÃO
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
C
Continua... 33 Conexão t alcool borracha
Suporte guia ponteira Gol
Tampão assoalho menor
Fonte: Os autores, 2012.
43,36
28,91
21,60
99,98%
99,99%
100,00%
C
C
C
Por fim, os produtos da classe C (tabela 7) têm menos comercialização e
apresentam maior quantidade de itens do que as demais categorias, ocupando grande
parte do estoque por um longo período. A mercadoria Tampão assoalho menor
evidencia-se como a menos requisitada por clientes, porém a gerência da empresa
afirma que, apesar da peça raramente ser comercializada, é recomendável tê-la em
menor quantidade e disponível em estoque.
A partir da tabela de classificação ABC dos produtos, tornou-se viável a criação
de um resumo dos percentuais demonstrados a seguir. A mesma apresenta cada
classe de produtos, a sua influência no total de itens e nos seus respectivos valores.
Tabela 8 - Resumo da classificação ABC aplicada.
Classe
Resumo da classificação ABC aplicada
Total de itens por
Quantidade de
Valor por
classe
itens
classe
Percentual de valor por
classe
A
20%
24
R$ 153.396,16
60,39%
B
30%
36
R$ 67.773,71
26,68%
C
50%
60
R$ 32.840,76
12,93%
Total
100%
120
Fonte: Adaptado de Viana (2002, p.69).
R$ 254.010,63
100,00%
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Em análise da relação de produtos que apresentam indispensáveis na soma
total dos custos de estocagem, os gestores avaliam os produtos de maneira simples e
arriscada, porque há possibilidade de resultados equivocados, além de ser um
processo confuso, demorado e de difícil compreensão, pois a técnica usada para a
classificação requer dos funcionários vários anos de experiência e um amplo
conhecimento no ramo de autopeças. A partir desta linha de raciocínio Dias (2012),
Vaz e Gomes (2011) afirmam que classificação ABC é uma técnica conveniente que
ajuda o gestor a distinguir os itens de maior importância em relação aos menos
relevantes. Os produtos mais importantes são responsáveis por grande parte dos
lucros da empresa. Para complementar Lourenço e Castilho (2006) afirmam que a
técnica ABC oferece a empresa um controle mais efetivo de gastos e custos de
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
34 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
estoque, com uma seleção mais apurada e organizada os itens de acordo com seu
devido valor mensurável e reduzindo a imobilização de recursos armazenados.
O ideal seria não ter um grande nível de estoque porque isso implicaria em
desperdício de dinheiro (capital parado) e também não ter um estoque baixo
que poderia paralisar a produção deixando de atender o cliente, por isso é
necessário conhecer os seus estoques e obter dados e informações, para
conhecer e controlar os estoques (VAZ; GOMES, 2011, p.119).
Em relação à classificação ABC, foi possível elaborar a Curva ABC do estoque
da empresa, utilizando o valor de aquisição dos produtos (figura 3).
Figura 3 - Curva ABC dos produtos em estoque.
Fonte: Os autores, 2012.
Tratando-se da interpretação da tabela de classificação ABC de estoque e do
resumo de percentuais e do gráfico da Curva ABC, percebe-se que os itens
correspondentes ao grupo A são os que proporcionam maior impacto, em valores, na
movimentação do estoque, o grupo B possui uma influência intermediária e o grupo C é
representado pelos itens de menos importância, em valores para a classificação. Em
análise mais detalhada, nota-se que existe uma elevada concentração de produtos no
setor de estoque que não são considerados itens de grande importância e apresentam
baixo fluxo no giro do estoque. Isso é uma situação desfavorável para a empresa,
porque esta inconformidade pode comprometê-la e ocasionar outros prejuízos ou
dificuldades no gerenciamento de estoque como:
• Impedimento do armazenamento de produtos de maior relevância, no caso itens
da classe A e B, em virtude do excesso de produtos de baixa demanda no setor;
• Aumento dos custos de estoque gerado pela grande quantidade de produtos
alocados no setor;
35 • Ausência de uma ferramenta administrativa eficaz para o controle de estoque
como a classificação ABC;
Em concordância nos resultados Vago et al. (2013, p.17) ressalta que “a
utilização da ferramenta curva ABC, no gerenciamento de estoque [...] foi possível
identificar uma grande quantidade de itens que talvez não devessem mais fazer parte
do estoque”, ocupando espaço de produtos da categoria A. Vago et al. (2013) ainda
ressaltam que a análise da curva ABC contribui para a identificação da grande
quantidade de produtos encontrados na categoria C, oferece maior confiabilidade na
compreensão dos fatos que acarretam a pequena saída anual de mercadorias em
relação aos itens das categorias superiores e condições para analisar corretamente
informações com intuito de obter êxito nas decisões gerenciais.
Portanto, a implementação da ferramenta ABC no departamento de estoque é
vantajosa para a organização porque favorece um adequado planejamento nos níveis
de estoque, propiciando uma estocagem otimizada dos produtos e controlando os
custos e investimentos, de forma a evitar gastos indevidos. (VAZ; GOMES, 2011,
KOVALESKI; STELA; LEITE, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa e a implementação da ferramenta ABC na pequena
empresa do ramo comércio varejista de peças, acessórios e tintas automotivas,
analisou os processos de gerenciamento de estoques, através da classificação ABC
dos materiais, além de evidenciar a importância das atividades desta área funcional
para os negócios da organização frente ao mercado competitivo de peças e acessórios
automotivos.
A primeira contribuição dessa pesquisa é prosseguir com a literatura da
administração ao demonstrar, de forma sistematizada e metodologicamente simples,
como é o passo a passo para a aplicação da Classificação ABC para a gestão de
estoques de uma micro empresa de autopeças. Assim, essa pesquisa pode auxiliar
futuros gestores a desenvolverem esse mecanismo, tanto em suas pesquisas
acadêmicas quanto em atividade prática nas empresas.
Outra contribuição desse estudo diz respeito a empresa focal pesquisada. O
resultado da classificação elaborada pode contribuir com os gerente-proprietários da
empresa de autopeças de forma relevante e significativa, pois proporciona o
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
36 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
conhecimento da implementação da classificação de estoque de acordo com o sistema
decimal e posteriormente a classificação ABC, demonstrando a influência dos produtos
em alta, média e baixa, nas classes A, B e C, para o setor de armazenamento. Alguns
produtos mencionados na classificação não eram de conhecimento dos proprietários
em relação ao estoque da empresa. Verificou-se que existe uma elevada concentração
de produtos no setor de estoque que não são considerados itens de grande
importância e apresentam baixo fluxo no giro do estoque, assim, cria-se uma situação
de risco para a empresa, porque essa inconformidade pode comprometê-la e ocasionar
outros prejuízos ou dificuldades no gerenciamento de estoque como o impedimento do
armazenamento de produtos de maior relevância, no caso itens da classe A e B, em
virtude do excesso de produtos de baixa demanda no setor, o aumento dos custos de
estoque gerado pela grande quantidade de produtos alocados no setor e a ausência de
uma ferramenta administrativa eficaz para o controle de estoque como a classificação
ABC. Assim, o trabalho demandou aos proprietários da empresa pesquisada, a adoção
de mecanismos para controlar os estoques, bem como um instrumento de tomada de
decisão para quais produtos devem ser atribuída a maior responsabilidade.
Futuras pesquisas podem explorar a ferramenta da Classificação ABC em outros
contextos organizacionais, como empresas que ao mesmo tempo comercializam
produtos e prestam serviços. Além disso, outros estudos podem explorar o impacto da
classificação ABC no faturamento da empresa ou no passivo, a fim de averiguar de
forma cientifica, a importância dessa metodologia para as organizações, principalmente
as pequenas e médias empresas.
REFERÊNCIAS
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1997.
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pequena empresa varejista de autopeças: proposição de um controle computadorizado
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CHIAVENATO, I. Administração de Materiais: Uma abordagem introdutória. Rio de
Janeiro. Elsiever, 2005.
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supermercado da Bahia: estudo obre a influência da gestão informatizada de estoques
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de Pós-Graduação da Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Salvador, BA, 2005.
POZO, H. Administração de recursos materiais e patrimoniais: uma abordagem
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SANTOS, J. A. A. dos; GRANDER, G. Análise e simulação do sistema de estocagem
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SEBRAE-SP. Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo.
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São
Paulo,
2014.
Disponível
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<http://www.sebraesp.com.br/arquivos_site/biblioteca/EstudosPesquisas/ - acesso em
25/08/2014 às 19 horas.
STELA, E. & LEITE, M. L. G. & KOVALESKI, J. L. Análise da estrutura logística
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Produção (ENEGEP), 2005, Porto Alegre-RS, Anais do XXV Encontro Nacional
Engenharia de Produção (ENEGEP) 2005. Porto Alegre: Associação Brasileira
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VAGO, F. R. M. et al. A importância do gerenciamento de estoque por meio da
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VAZ, R. A. de P.; GOMES, S. Gestão de Estoques nas micro e médias empresas: Um
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Ensino Superior de Catalão (CESUC), GO, ano XIV, n.24, p. 119-135, 1º Semestre.
2011.
VIANA, J. J. Administração de materiais: um enfoque prático. São Paulo: Atlas, 2002.
V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
38 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
O FUTURO DA GOVERNANÇA DA TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO:
vale apena pesquisar uma disciplina que não possui definição de seus limites e
de sua essência?
Alamir Costa Louro1
Resumo
O artigo objetiva refletir sobre questões existenciais da Governança da Tecnologia de
Informação (GTI) e sua pesquisa acadêmica. Longe de ser um tratado epistemológico, o artigo
amplia a visão sobre a disciplina, talhando seu futuro próximo e sua importância para a entrega
de valor aos stakeholders. Sua metodologia é teórica e realizada através da reflexão sobre a
produção acadêmica recente e experiência do autor como profissional ligado às práticas da GTI.
Como resultados deste processo reflexivo foram obtidos argumentos para apreciar a relevância
da GTI, apesar da percepção de ausência de identidade, de disciplina e a existência de
frameworks prescritivos sem o rigor acadêmico apropriado.
Palavras-chave: Governança de TI. Metodologia de pesquisa. COBIT. Estudos Organizacionais.
INTRODUÇÃO
O autor desse artigo, assim como quase todo profissional com formação na área de exatas
no Brasil, basicamente só conhecia a lógica de pensamento da escola positivista e, portanto,
acreditava em uma melhor forma de se realizar as atividades organizacionais, isto é, acreditava
numa “one best way”. Foi necessária uma imersão em outro paradigma de pensamento para
compreender que o conhecimento sobre GTI é socialmente construído e que uma abordagem
alternativa, não funcionalista, pode ser interessante para o aprofundamento de sua disciplina. A
GTI é aqui considerada uma disciplina porque pode ser vista como um conhecimento científico
válido e que possui uma ontologia única.
O termo GTI, surgiu junto com o termo “governança corporativa”, mas ganhou mais
vulto após o advento das fraudes financeiras/contábeis da Enron, WorldCom e Arthur Andersen
dos anos 2000 nos EUA e uma de suas consequências que foi a criação da lei americana
Sarbanes-Oxley (SOX), que visa garantir a transparência explicitando responsáveis pela
conformidade dos controles internos das empresas (KOHN, 2004). A GTI foi então talhada mais
especificamente por causa da necessidade de uma maior responsabilização (accountability) na
tomada de decisão em torno do uso da TI para satisfazer às necessidades das partes interessadas
(stakeholders).
Independentemente da necessidade de exposição de informações em bolsas de valores, o
1
Graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Espírito Santo, (UFES), especialista em
Direito e Mestre em Administração por essa mesma instituição.
39
termo se expandiu e ganhou forma entre os gestores de TI tanto da iniciativa privada quanto da
pública e ganha importância crescente devido à clara ubiquidade dos investimentos em TI e seu
papel crescente na integração organizacional nas últimas décadas. Há, portanto, uma necessidade
de avaliação equilibrada, precisa, oportuna e global dos investimentos em TI que é instrumento
determinante para o período atual de mudança socioeconômica, considerado tão monumental
quanto a Revolução Industrial (ORLIKOWSKI; BARLEY, 2001).
Outro ponto de partida para justificar o artigo é exatamente a questão do investimento em
TI e as diferentes constatações acadêmicas quanto à relação entre os gastos com TI e o
desempenho organizacional. Para Ray et al. (2007) não há nenhuma associação entre o nível de
gastos com TI e o desempenho do serviço fornecido aos clientes. Enquanto para Casolaro e
Gobbi (2007) a relação é positiva. Já para Heeley e Jacobson (2008) empresas que se utilizam
dos mais recentes avanços tecnológicos podem, inclusive, obter retornos negativos em relação à
média do mercado. Um dos fatores que mediam essa relação, entre os gastos com TI e o
desempenho organizacional, é a GTI, portanto é premente a necessidade de seu estudo.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A Difícil Definição de GTI
A GTI tem como uma de suas propostas de normatização a ISO 38500, de 2008 e
atualizada em 2015, que basicamente traça ações superficiais para avaliar, dirigir e monitorar a
GTI. Essa norma internacional estabelece seis princípios: responsabilidade, estratégia, aquisição,
desempenho, conformidade e comportamento humano. Esses princípios já mostram a
complexidade do tema e o caráter subjetivo que ele pode tomar. A governança corporativa de TI,
que é apenas um nome diferente para o termo GTI aqui utilizado, segundo a norma ISO 38500
(2015) é:
O sistema pelo qual o uso atual e futuro da TI é dirigido e controlado. Governança
corporativa de TI significa avaliar e direcionar o uso da TI para dar suporte à
organização e monitorar seu uso para realizar os planos. Inclui a estratégia e as políticas
de uso da TI dentro da organização.
De forma prescritiva, existem várias frameworks comumente e leigamente associados ao
tema, sendo que a mais específica é o COBIT (Control Objectives for Information and Related
Technology). Mais adiante discutiremos sobre sua aderência à essência da GTI. No momento nos
atentaremos ao conceito de GTI, que segundo o COBIT (2012), em sua quarta edição: "É a
responsabilidade dos executivos e do quadro de diretores, e consistem de liderança, processos e
V.8, nº 1. Jan./Jul. 2015.
40
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
estruturas institucionais para ter certeza que a TI sustenta e estende as estratégias e objetivos da
organização."
Importante destacar que o conceito do COBIT é mais abrangente e é possível inclusive
relacionar a descrição da ISO 38500 com apenas um domínio, Monitorar e Avaliar, dos quatro
do COBIT. Os outros três domínios são: Planejar e Organizar, Entregar e Suportar e por último,
Adquirir e implementar.
Para Weill e Ross (2006) a GTI é o “Modelo que define direitos e responsabilidades pelas
decisões que encorajam comportamentos desejáveis no uso de TI”. O conceito com o tempo
parece se expandir e ficar mais complexo. É possível encontrar vários autores que conceituam de
formas diversas. Por último, é necessário incluir o conceito de autores de vários livros na área,
(VAN GREMBERGEN; DE HAES; GULDENTOPS, 2004), para quem a GTI é: "Capacidade
organizacional exercida pela alta direção, gerência de negócios e gerência de TI para controlar a
formulação e implementação da estratégia de TI e, com isso, assegurar o alinhamento entre
negócios e TI".
É possível inferir desses quatro conceitos, diferentes, mas de certa forma convergentes e
de uma visão percebida do mercado, que a essência da GTI não é bem compreendida, ou
seguida, pelos gestores em geral. Necessário destacar que essa falta de compreensão pode ser
uma das causas de muitos investimentos em TI sem o retorno esperado.
Não obstante às várias definições anteriores dadas pelos principais autores sobre GTI, os
autores Wilkin e Chenhall (2010), em sua taxonomia, apontam os pilares da GTI: alinhamento
estratégico, gerenciamento de riscos, gerenciamento de recursos, entrega de valor, mensuração
de performance. Esses autores realizaram uma recente revisão bibliográfica para o
estabelecimento desses pilares. Interessante notar que o COBIT utiliza-se exatamente da mesma
estrutura que ele chama de “áreas foco” da GTI que são utilizadas para classificar seus
processos.
A partir da explanação sobre a conceituação da GTI, as perguntas que restam são: Qual o
futuro da GTI? Seria uma disciplina efêmera? Seus limites podem ser definidos de forma mais
explícita?
Para aprofundar foi necessário discutir dois pontos:
(i)
Qual a essência da GTI?
(ii)
Quais seriam os conhecimentos, perfis, metodologias e teorias que poderiam se
relacionar com a GTI?
41
Aprofundando a Definição De GTI
(i)
Qual a essência da GTI?
As questões que precisam ser respondidas quanto à essência são:
a)
Seria a GTI confundível com gestão da TI ou controle da TI?
b)
Quem efetivamente executa a GTI?
a) A resposta da primeira pergunta parece obvia devido à percepção que a existência de
nominações diferentes normalmente sugere conceitos diferentes, no entanto é bastante comum
essa confusão. A gestão de TI ou o controle da TI envolve os indicadores, metas, descrições de
processo de forma a se ter uma TI eficaz e eficiente, mensurando desempenhos e avaliando
riscos. Pode-se dizer que são fruto de um plano de curto e médio prazo para suportar os serviços,
produtos e operações da TI (VAN GREMBERGEN; DE HAES, 2010).
Como contribuição teórica inicial é sugerida que a ênfase na definição do termo GTI
deveria se deslocar do conjunto limitado de controles tradicionalmente cobertos pelo COBIT e se
expandir para incluir mais: estratégia, alinhamento TI/Negócio e principalmente evoluir no que a
ISO 38500 (2015) chama de “comportamento humano”.
Modelos prescritivos são mais úteis para o controle da TI e são aderentes apenas a uma
parte da GTI, mas o que lhes falta? Eles não estão tão preocupados com a geração de valor e
consequências de longo prazo relacionadas com as decisões estratégicas sobre os investimentos
em TI.
A responsabilização, “accountability”, é um conceito importante para se entender o que
falta à gestão e ao controle de TI em relação à GTI. No mesmo sentido, outro conceito
importante, é o princípio do comportamento humano que segundo a ISO 38500(2015) seria:
Compreensão das interações entre seres humanos e demais elementos de um sistema,
com a intenção de garantir o bem-estar e o desempenho dos sistemas. O comportamento
humano inclui, cultura, necessidades e aspirações de pessoas como indivíduos e como
grupos.
Voltando a discussão sobre controle, gestão e GTI, não seria necessário ter mais cuidado
para não cair em uma espécie de nominalismo? Segundo alguns autores das ciências sociais,
como a realidade é socialmente construída (BERGER; LUCKMANN, 1966) e o bom senso diz
que não se deveria legislar sobre significados, quem teria o direito de dizer a diferença entre a
GTI e os outros conceitos? O presente artigo se posiciona ao acreditar que tal diferenciação é
importante, até porque os diferentes termos comunicam significados e isso afeta, de forma
significativa, como os profissionais agem.
V.8, nº 1. Jan./Jul. 2015.
42
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Tentando exemplificar, é possível entender que apesar de um gestor de TI controlar e
gerenciar sua estrutura e seus processos de TI de forma positiva, em relação ao planejado e
acordado, esse profissional pode não ser um bom gestor sob a ótica da GTI. Um exemplo disso é
quando o gestor toma decisões estratégicas que deveriam ser de responsabilidade da alta gestão,
o que Weill e Ross (2006) classifica chamando de "monarquia da TI". Para tanto é necessário
diferenciar os termos gestão e controle da governança, porque sem diferenciar fica mais difícil a
argumentação sobre o papel que a alta gestão precisa desempenhar para se ter uma boa GTI,
porque é um assunto específico da GTI.
A gestão e o controle da TI também envolvem muitas possibilidades de frameworks
específicas para tratar problemas específicos, como o ITIL (do inglês Information Technology
Infrastructure Library), ou sua versão ISO/IEC de número 20000, para o controle dos serviços
prestados pela TI, que normalmente é associado às centrais de “Service desks”, mas que na
verdade esse conceito é apenas uma pequena parte do que é estipulado pelos cinco longos livros
que descrevem os processos do framework. Há outras frameworks mais específicas ainda como
as relacionadas ao acompanhamento e avaliação da maturidade do desenvolvimento de software,
como o CMMI (do inglês Capability Maturity Model Integration) ou sua versão brasileira, o
MPS.BR (Melhoria de Processos do Software Brasileiro).
Uma das possíveis razões pelas quais a alta gestão tem dificuldade em tomar decisões
estratégicas sobre a TI e se responsabilizar por elas é exatamente a confusão conceitual gerada
por essa enorme quantidade de normas, metodologias, frameworks relacionadas com a TI. Por
exemplo, a engenharia de software, que é apenas uma subdisciplina da TI, é reconhecidamente
fecunda em novos termos relacionados a frameworks de processos, metodologias, padrões,
normas e procedimentos que estão no dia a dia dos programadores e analistas e que, no entanto,
pouco faz sentido para os gestores. É comum encontrar em artigos acadêmicos os conceitos de
gestão e controle de TI confundidos com outros conceitos que seriam, na verdade, modelos de
ciclo de vida de software ou abordagens de desenvolvimento de software: desde o antigo modelo
em cascata, passando pelos modelos interativos e incrementais como o Rational Unified Process
(RUP) (KRUCHTEN, 2004) até outras opções mais recentes e ligadas de alguma forma ao
Manifesto Ágil (agilemanifesto.org), como o Scrum (SCHWABER, 2004), o extreme
programming (XP) (BECK, 2005) e o feature driven development (FDD) (COAD, 1999). Há
uma infinidade de normas internacionais relacionadas com à TI: ISO/IEC 27001:2005 e
27002:2005 para a área de segurança da informação, a ISO/IEC 31000:2009 para a gestão de
riscos, ISO/IEC 12207:2008, ISO/IEC 15504:2003 e a ISO/IEC 29110:2012, também
relacionadas ao processo de desenvolvimento de software.
43
De forma resumida, é necessário parcimônia para não colocar tudo no mesmo conceito e
associá-los à GTI, sendo que alguns nem são relacionados à gestão de TI, muito mesmo à GTI,
mas para tal é necessário para o pesquisador um conhecimento mais aprofundado da TI.
b) A segunda pergunta, relacionada a quem, no sentido de que perfil, executa ou que
deveria executar a GTI, a resposta parece simples: a alta administração, como parte das
ações/decisões da governança corporativa. Mas na falta de atenção ou de conhecimento em TI
dela, a cúpula da TI deve agir para garantir a responsabilização na tomada da decisão por parte
desses altos executivos, porque para várias teorias sobre GTI está claro que a entrega de valor
para o negócio não pode ser realizada apenas pela própria TI.
Já quanto à cúpula da TI, também chamada gerência sênior, abre-se um leque de
candidatos oriundos de formações específicas e todos aparentemente com mais contras do que
prós se comparados a profissionais interdisciplinares. Não basta ser apenas eficiente (obter a
melhor opção da relação recursos versus resultados) e eficaz (conseguir atingir uma meta, um
objetivo, através de um plano), é necessário ser efetivo (gerar valor que perdure para as partes
interessadas). Para tanto, características ligadas à liderança e outras relações humanas são
exigidas dos profissionais da cúpula da TI. Mas é perceptível do mercado que geralmente os
profissionais seniores são técnicos em demasia e não possuem formação relacionada à gestão.
Uma visão puramente orientada à capacidade de execução de planos parece ingênua. O
diretor executivo ,ou CIO (do inglês chief executive officer), precisa ter uma visão mais holística
da organização e seu relacionamento com a alta gestão precisa ser amplo e com foco em
resultados no médio e longo prazo, para tal é necessário que ele tenha condições de discutir de
forma orientada a negócio diretamente com o nível executivo (VAN GREMBERGEN; DE
HAES, 2010) .
Segundo Nfuka e Rusu (2011) a liderança da TI, situada no pilar alinhamento estratégico
de Wilkin e Chenhall (2010), deve entender os objetivos de negócio e as possibilidades de
contribuição da TI para obter a atenção da alta gestão. A liderança de TI refere-se à capacidade
do CIO, ou posição equivalente, em articular uma visão para da TI junto ao nível executivo, isto
é, depende muito da capacidade comunicativa, do “comportamento humano”, do CIO.
De fato a relação com a alta gerência não é o único ponto onde os erros de tomada de
decisão são engendrados, mas é onde mais se deixa de entregar valor e atender às expectativas.
Óbvio que isso tem implicações principalmente para a cúpula dos profissionais de TI e suas
pretensões de carreira.
Essas definições de gestão e controle da TI em contraposição à GTI afirmam que os
benefícios da efetividade não são preocupações da gestão e do controle, mas sim da GTI, que
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
tem uma ligação mais forte com a estratégia dos stakeholders, e, por conseguinte, pode-se
afirmar que existe diferença entre elas e a GTI, portanto a GTI possui uma identidade própria.
(ii)
Quais seriam os conhecimentos, perfis, metodologias e teorias que poderiam
se relacionar com a GTI?
Respondida a questão da essência, isto é, a questão ontológica, é necessário agora
descobrir se é possível analisá-la. É fato que muitas das pesquisas em GTI não se baseiam em
teorias consolidadas. Apesar dos resultados, pontuais, mas positivos quanto ao COBIT
(TUTTLE; VANDERVELDE, 2007) é natural que a academia veja os modelos prescritivos não
tendo um rigor acadêmico apropriado de uma forma geral, porque longo é o caminho para se
conseguir: a validade dos construtos, a validade interna e externa e a confiabilidade nos estudos
empíricos.
Muitos profissionais que operam as pesquisas em GTI não possuem conhecimento em TI
e ao mesmo tempo em gestão, como resultado, a disciplina sofre em termos de capacidade de
predição e/ou de uma superficialidade técnica. A incapacidade de predição é frequentemente
difícil de aceitar por parte dos gestores, assim como a superficialidade técnica também
desaponta, demonstrada pela confusão no uso de termos relacionados a TI dentro e fora da
academia. Como apontado por Van Grembergen e De Haes (2010), por envolver TI no nome,
inicialmente a discussão sobre GTI pairava entre os profissionais de TI, que normalmente não
possuem o conhecimento das teorias de estudos organizacionais.
Um exercício válido a qualquer acadêmico é recorrentemente tentar responder À questão:
“Quão válido é o conhecimento que temos sobre determinada disciplina?” Em parte, isso
depende da metodologia de pesquisa que se tem empregado, mas, em parte, é uma questão do
tipo de conhecimento que se está trabalhando. O método normalmente está ligado à teoria
relacionada, e atualmente como não se escolheu o viés teórico da GTI então o método também
está em aberto.
A pesquisa acadêmica em GTI precisa encontrar ainda sua própria dialética, e o presente
artigo tenta apontar possibilidades para tal. No momento, diferentes quadros teóricos sobre GTI
podem gerar resultados absolutamente diferentes, o que pode ser encarado como inconsistência,
no entanto pode também dar a visão da GTI como um campo aberto, que atualmente seria um
campo de conceitos de interface entre a TI e a administração. É necessário um trabalho árduo
para se criar uma teoria para a GTI que seja robusta, consensual e que ultrapasse o positivismo
“one best way”.
Como o principal objetivo da GTI é gerar valor para o negócio, pode-se sugerir que o
negócio, e, por conseguinte, a área da administração em sua disciplina de estudos
45
organizacionais, poderia ser a fonte mais adequada para o aprofundamento da pesquisa em GTI.
Mas poucos são os acadêmicos, fora dos cursos de administração e economia que estão
familiarizados com as teorias organizacionais, como por exemplo: teorias institucionais
(TOLBERT; ZUCKER, 1996), teoria da contingência (DONALDSON, 1996), teoria dos custos
de transação (BARNEY; HESTERLY, 1996) ou teorias relacionadas a poder das e nas
instituições. Apontamos essas teorias como algumas das mais indicadas para embasar as
pesquisas em GTI, além da sugerida necessidade de conhecimento em TI para não incorrer na
superficialidade em relação a seus termos.
Apesar dos gestores, responsáveis pela efetividade de suas ações, apontarem o caminho
da busca por guias normativos, que de certa forma racionalizam a GTI instrumentalmente, o
presente artigo assumiu o pressuposto que a pesquisa em GTI paira mais sobre as ciências sociais
do que sobre as ciências exatas.
É necessário ressaltar o esforço de alguns autores (BERNROIDER; SCHMÖLLERL,
2012), (PRASAD et al., 2012), (NFUKA; RUSU, 2011) em inferir respostas razoavelmente
generalizáveis a partir de uma abordagem positivista de pesquisa usando de estatísticas e
modelos matemáticos, mas como existem questões ontológicas ainda não bem compreendidas
por muitos autores uma abordagem qualitativa parece ser mais adequada, apesar de que não há
necessidade de exclusão do uso de provas quantitativas em estudos de caso (YIN, 2003).
As limitações da abordagem prescritivas precisam ser conhecidas. De certo é necessário
ponderar que “melhores práticas” não são panacéias, pois assumem que é possível definir o
sucesso e tendem a ignorar os contextos. Deveriam ser apenas um direcionamento de como se
fazer e não encaradas como soluções herméticas, isto é, os gestores que as utilizam deveriam se
sensibilizar quanto à necessidade da interação entre recomendações normativas e a adaptação
contextual, entre o realismo do positivista e o relativismo do interpretativista.
Teorias racionais são oriundas da economia e assumem que os gestores possuem
capacidade de sistematizar e escolher as melhores alternativas com base em certos critérios (por
exemplo, custos versus benefícios) para alcançar um resultado desejado (por exemplo, maior
eficiência). Teorias racionais são úteis para o desenvolvimento de modelos conceituais e
prescritivos, no entanto, teorias racionais têm menos capacidade para levar em conta outros
aspectos do fenômeno da GTI, incluindo sua natureza criada socialmente.
Além das teorias, citadas anteriormente, que são bastante conhecidas dos estudos
organizacionais, outra visão conhecida dessa disciplina da Administração é a teoria da “Ecologia
Populacional” de HANNAN e FREEMAN (1989). Segundo esses autores essa teoria não analisa
o ambiente do ponto de vista de uma organização, mas possui como unidade de análise os grupos
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46
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
de organizações com características estruturais similares, formando assim populações. Segundo
essa teoria o gestor age de forma indiferente, pois os resultados independem de sua ação e quem
faz a seleção das empresas que sobreviverão é o ambiente. Contrapondo a essa visão inercial a
teoria “upper echelon” afirma que a alta gestão não é indiferente para os resultados devido ao
seu componente comportamental para a tomada de decisão estratégica e as idiossincrasias dos
tomadores de decisão (HAMBRICK, DC; MASON, PA. 1984), psicologicamente falando, suas
bases cognitivas e seus valores. Para esses autores os resultados da organização podem ser
preditos pela capacidade/habilidade dos gestores que ela possui. Essa teoria é apontada daqui
como especialmente importante para embasar a proposição de novo pilar para a GTI: a liderança
em TI. O tema desse novo pilar é referenciado em artigos recentes (NFUKA; RUSU, 2011;
MAES et al., 2011) e pode ser considerado para a evolução da disciplina GTI como uma nova
ramificação que precisa ser validada quanto à plausibilidade (YIN, 2003).
Quanto à estratégia de pesquisa para a GTI é destacado aqui o estudo de caso,
exploratório, explanatório ou descritivo, por ser considerado o mais apropriado quando “como”
ou “porque” são as formas das perguntas feitas sobre um conjunto contemporâneo de
acontecimentos, sobre o qual o investigador tem pouco ou nenhum controle (YIN, 2003).
Além disso, estudos de caso são considerados adequados para investigar um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não são claramente definidos (YIN, 2003). Há adequação também onde
existe pouca ou nenhuma investigação anterior. Não é exatamente o caso da GTI, muito já se
pesquisou, mas a ponderação necessária é: será que o tema não é ainda incipiente considerando
que seus pilares ontológicos não são completamente conhecidos?
CONCLUSÕES
A ausência de uma identidade, ser uma disciplina de interface, e a constatação que as
frameworks prescritivas não possuem o rigor acadêmico apropriado, são os problemas apontados
da disciplina de GTI. O presente artigo tentou argumentar contra cada um desses problemas e
forma conclusiva é dado um parecer final sobre a importância e premência do seu estudo devido
aos altos investimentos em TI e sua importância organizacional.
Há um entendimento positivo quanto à identidade da GTI para a ação profissional e para
a pesquisa acadêmica. Sua essência precisa ainda ser melhor consensada na academia, e para
tanto discutir seus pilares é um dos caminhos, outro caminho paralelo poderia ser aprofundar
47
mais os conceitos que estão na interface entre a TI e a Administração, essa interface é que pode
definir melhor os limites de estudos da disciplina GTI.
A GTI está longe de ser algo que possa ser estudado com um viés prescritivo devido a sua
ligação essencial com o comportamento humano e as implicações de temas como a liderança em
TI, que foi apontada como um novo pilar da GTI, relacionada ao papel do CIO na estratégia e no
alinhamento com o negócio, além da necessidade de várias diretrizes ou políticas que a alta
administração precisaria avaliar, dirigir, monitorar além de publicar (ISO 38500, 2015). Por
exemplo, diretrizes ou políticas sobre a gestão da informação e do conhecimento; obtenção,
desenvolvimento e retenção de competências de pessoal; avaliação e estímulo à melhoria do
desempenho gerencial e pessoal.
Foi apontado que a pesquisa acadêmica em GTI precisa encontrar ainda uma dialética
própria e que a melhor opção é ela ser executada por pesquisadores interdisciplinares, devido à
profusão de termos da TI e a necessidade de conhecimentos em estudos organizacionais.
É comum de se verificar no mercado e pode-se considerar razoável que as organizações
adotem frameworks prescritivas sem investirem tempo e recursos consideráveis para
questionarem a validade de seus construtos e suas dimensões tanto quando aplicadas em
determinadas tarefas quanto em relação a suas necessidades e cultura particulares
(BERNROIDER; IVANOV, 2011), até porque segundo os autores Tuttle e Vandervelde (2007)
parece que falta uma teoria empiricamente válida de controle interno para identificar métricas
que determinariam o que seria um bom controle de TI. Decorrente, mas a despeito desse
argumento, o presente artigo propõe o uso de teorias não positivistas e de metodologias
interpretativistas, fenomenológicas, devido à aceitação da ótica da criação social da realidade,
mesmo que para isso assuma um viés momentâneo de despreocupação em relação a mostrar a
utilidade da GTI no contexto gerencial. Isto é, está se sugerindo a busca por uma via para a
compreensão do fenômeno, sem objetivar a melhoria dos resultados da GTI ou das organizações.
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
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V.8, nº 1. Jan./Jul. 2015.
50
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
ESTUDOS SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE
CONTABILIDADE: O setor de telecomunicações brasileiro
Sidmar Roberto Vieira Almeida1
Resumo
A pesquisa tem por objetivo abordar a temática da contabilidade em mercados regulados,
buscando evidências empíricas no universo de empresas brasileiras, tendo como foco contribuir
para o aperfeiçoamento das relações entre os diferentes players envolvidos com o mercado de capitais. O
entendimento da eficiência do mercado de capitais brasileiro após adoção dos padrões
internacionais de contabilidade e o papel das notas explicativas em apresentar informações mais
completas a respeito das operações empresariais é fundamental. Esta pesquisa buscou através da
apresentação e discussão de estudos realizados, oferecer uma gama de contribuições a
investidores, analistas de mercado, reguladores e outros pesquisadores; no sentido de uma
melhor compreensão dos efeitos gerados no setor de telecomunicações.
Palavras-chave: Convergência ao IFRS. Setor regulado. Padrões Contábeis.
Studies on the implementation of international accounting standards:
The Brazilian telecommunications sector
Abstract
The research aims to address the issue of accounting in regulated markets, seeking empirical
evidence in the universe of Brazilian companies, focusing contribute to the improvement of
relations between the different players involved in the capital market. Understanding the
efficiency of the Brazilian capital market after adoption of international accounting standards
and the role of the explanatory notes to present more complete information regarding the
business operations is critical. This research sought through the presentation and discussion of
studies, offer a range of contributions to investors, market analysts, regulators and other
researchers; towards a better understanding of the effects generated in the telecommunications
industry.
Keywords: Convergence to IFRS. Regulated sector. Accounting Standards.
Introdução
O cenário contábil, a partir do início do século XIX, vem consolidando inúmeros
processos e práticas para atender às necessidades manifestas do ambiente negocial, mergulhado
na gestão mediada pelas tecnologias de informação e comunicação. Neste ambiente de mudança,
os usuários externos necessitam de informações contábeis-financeiras transparentes e confiáveis
para auxiliar na tomada de decisão. Com o desenvolvimento do mundo dos negócios e a
1
Mestre em Ciências Contábeis pela UERJ. Professor e coordenador do Curso de Ciências Contábeis da Faculdade
Cenecista da Ilha do Governador.
51 globalização, houve a necessidade mundial de reorganizar, repadronizar e rearmonizar práticas
contábeis de diferentes países, evitando possíveis distorções das informações, reflexos oriundos
das informações geradas pela contabilidade.
No Brasil, um passo importante para o atingimento destas necessidades ocorreu em 28
de dezembro de 2007, quando foi promulgada a Lei n. 11.638 que alterou, revogou e introduziu
novos dispositivos à lei das Sociedades por Ações. Essa nova legislação teve, principalmente, o
objetivo de atualizar a legislação societária brasileira, possibilitando o processo de convergência
das práticas contábeis adotadas no Brasil com aquelas constantes nas Normas Internacionais de
Contabilidade – International Financial Reporting Standards (IFRS) –, emitidas pelo
InternationalAccounting Standards Board (IASB), órgão responsável pela elaboração dos
padrões contábeis internacionais, e permitir que as novas normas e procedimentos contábeis
sejam expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em consonância com os padrões
internacionais de contabilidade.
Todavia, por mais que existam padrões contábeis que exijam determinadas
informações, sua divulgação não se é explorada de forma mais profunda, até porque, no
mercado, inúmeros interesses divergem do que é necessário divulgar em suas demonstrações.
Ainda não existe um consenso sobre o que efetivamente deveria ser divulgado, como e para
quem. As formulações de conceitos e estruturas utilizados pela Contabilidade são determinadas
por diversos fatores que ao longo do tempo podem sofrer alterações quanto às suas práticas ou
regras. Fatores como os econômicos, legais, éticos ou mesmo psicológicos modelam o que se
entende como aceitável.
Por inserir-se no âmbito social-aplicado e por servir de importante ferramenta ao
processo de desenvolvimento dos mercados, a Contabilidade sofre modificações ao longo do
tempo para se adequar ao contexto econômico e social em que se encontra a sociedade. Neste
escopo, a Contabilidade também sofre com disputas de interesses diversos quanto o que deve ser
ou não apresentado a seus usuários, assumindo um importante papel de redutor da assimetria
informacional. Porém, a divulgação financeira só é útil na redução da assimetria informacional
quando é confiável, porque, se não repetir exatamente a realidade, seus usuários serão
prejudicados por tomarem decisões baseados em informações não congruentes com a verdadeira
situação da empresa. Dessa forma, constitui papel dos órgãos reguladores garantir a
confiabilidade da contabilidade por meio de normas e regulamentos. (MURCIA; BORBA,
2005). Portanto faz-se necessário, estudos que testem com maior amplitude possível a qualidade
e aos efeitos.
V.8, nº 2, Jan./jul. 2015.
52 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Pohlmann e Alves (2012) discorrem que a ausência de investigações dos custos e
benefícios da evidenciação estabelecida pelos pronunciamentos emitidos por órgãos reguladores
ao longo do tempo implica a identificação de possíveis falhas no mercado e não implica
necessariamente uma ação governamental, a menos que seja explícita esta falha. Este processo
regulatório precisa ser autônomo (ou seja, ter autonomia política) e confiável (corpo técnico
qualificado), a fim de garantir a melhor eficiência e a credibilidade do sistema. (SALGADO;
MOTTA, 2005).
Estudos sobre a divulgação de informações das empresas para o mercado são
importantes, uma vez que, compreender o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro
passa necessariamente pelo aprimoramento da relação existente entre os diferentes colaboradores
deste mercado, atendendo as exigências legais e as expectativas dos envolvidos. Assim,este
estudo tem como foco contribuir para o aperfeiçoamento das relações entre os diferentes players
envolvidos com o mercado de capitais.
Nos últimos anos, alguns autores (CORDAZZO 2008; DING e SU 2008; JEANJEAN e
HERVÉ 2008) analisaram o impacto do processo de convergência aos padrões internacionais de
contabilidade, no tocante a transparência, a comparabilidade e a relevância das demonstrações
contábeis de empresas na Europa e na Ásia. No Brasil, em virtude do processo de convergência
ser recente, os estudos sobre o tema ainda são incipientes. Dessa forma, abre-se a oportunidade
para se investigar o impacto da mudança do padrão contábil nos números contábeis reportados
pelas empresas brasileiras de capital aberto. Para uma análise mais minuciosa, optou-se por
restringir à investigação as empresas que compõem o setor regulado de telecomunicações.
Justifica-se a escolha deste setor por sua relevância econômica, pela importância para o
desenvolvimento do país e, principalmente, pelo fato de existir uma contabilidade regulatória
específica, possibilitando que seja testado empiricamente se determinados números contábeis
possuem as características qualitativas definidas pelos órgãos reguladores.
O processo de Regulação
A regulação envolve toda a organização de uma atividade econômica por parte do
Estado, no exercício do poder de polícia ou na concessão de serviço público.
No Brasil foi aprovada a Lei nº 9.472/97, conhecida como Lei Geral de
Telecomunicações, que estabeleceu a livre concorrência e privatizou a Telebrás, antiga
prestadora dos serviços, através de leilão das autorizações e concessões para empresas privadas e
estabelecendo a Agência Nacional de Telecomunicações como agência reguladora independente.
53 Segundo Nascimento (2008), o Sistema Nacional de Telecomunicações, através da
disponibilização de redes de transporte e de serviços, integrou o Brasil, possibilitou a
comunicação de todo o país com todas as nações do mundo e permitiu a abertura do caminho do
desenvolvimento e da integração nacional das diversas regiões do país, especialmente, asde
menor poder econômico, político e social.
De acordo com Flower e Lefèbvre (1997), as demonstrações contábeis atendem aos
acionistas, que buscam verificar a valorização e a rentabilidade de investimentos; aos
administradores, que buscam uma melhor gestão dos negócios que lhe foram confiados; ao
governo, que as utiliza no cálculo dos tributos e, até mesmo, aos empregados, que as utilizam
para negociações salariais. As necessidades de informação são diversas, muito embora tenham a
mesma finalidade básica: mostrar a posição financeira e o desempenho das entidades, no
passado, no presente e suas projeções para o futuro.
Ainda de acordo com Flower e Lefèbvre (1997), a regulação contábil pode ser
classificada como governamental ou privada. Quando governamental, pode ser feita de duas
formas: pelo Poder Legislativo, através de legislações, na maioria das vezes tributárias, ou
mesmo de contabilidade, e pelo Poder Executivo, através de seus órgãos governamentais de
fiscalização. A regulação é dita privada quando as normas contábeis são elaboradas por
entidades profissionais vinculadas ao mercado financeiro e de capitais.
No sistema brasileiro, são aptos a emitir normas contábeis, principalmente, órgãos como
a Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Conselho Federal de Contabilidade (CFC);
Secretaria da Receita Federal (SRF); Banco Central do Brasil (BACEN); Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP) e as Agências Reguladoras, cada um dentro de sua esfera de
competências.
As agências reguladoras são autarquias federais criadas para regular e fiscalizar a
execução de serviços próprios do Estado, porém prestados por entidades privadas. Haja vista o
fato de que, de um lado há o interesse público na oferta e na qualidade de serviços cuja prestação
primariamente caberia ao Estado, e de outro há o interesse privado na obtenção de lucro
decorrente da exploração desse serviço, torna-se presente a necessidade de fiscalização da
prestação desse serviço, realizada por um órgão público imparcial em relação aos interesses do
Estado, da concessionária e dos consumidores.
Neste processo de regulação, as agências de concessão de serviços públicos – Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL),
Agência Nacional de Petróleo (ANP), entre outras – têm a responsabilidade de fiscalizar as
V.8, nº 2, Jan./jul. 2015.
54 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
empresas de seus setores e, para isto, têm definido normas contábeis específicas, inclusive a
adoção de um Plano de Contas padronizado.
Para Carmo e outros (2012), o processo de regulação contábil, emdeterminadas
situações, limita a liberdade das organizações em divulgar informações, por pressões que grupos
de interesses exercem nos órgãos responsáveis pela emissão das normas contábeis. Em certos
casos, os reguladores não procuram identificar se estas normas surtiram os efeitos esperados e se
os retornos suplantam os custos de sua implantação. (ZINGALES, 2004).
A literatura divide normalmente as pesquisas sobre a ótica da adoção voluntária e
compulsória das normas internacionais de contabilidade. Os estudos que envolveram a adoção
voluntária podem ser classificados em três categorias: (1) estudos que analisam as consequências
econômicas da adoção do IFRS, essencialmente em termos da liquidez de mercado e custo de
capital; (2) estudos que examinam a qualidade dos relatórios financeiros em IFRS em relação a
outro GAAP, assim como a observância efetiva dos padrões internacionais; e (3) estudos que
examinam outros aspectos da adoção como o impacto na previsão dos analistas e a presença de
investidores institucionais. (DASKE et al., 2009).
Estudos que abordam o nível de aderência às divulgações obrigatórias vêm
sendodesenvolvidos nos últimos anos, como os que envolvem os pronunciamentos emitidos
peloIASB ou informações exigidas por órgãos reguladores, que buscam analisar características
que influenciem o cumprimento de tais exigências.
Impactos da adoção do IFRS
Durante o processo de estruturação do arcabouço teórico, diversas ideias foram
surgindo acerca do tema “Adoção do IFRS no Brasil” até que foi percebida uma forte tendência
dentro universo acadêmico de se realizar comparações entre a norma vigente no país (padrão
local) e a norma internacional de contabilidade em diversos momentos durante o período de
convergência. Alguns pesquisadores realizaram estudos sobre possíveis impactos em
determinado mercado mediante as diferenças entre as normas contábeis. Outros desenvolveram
pesquisas durante o período de transição e revelaram resultados parciais referentes ao processo
de convergência; assim como existem trabalhos realizados após a convergência, estes, em vias de
regra, apresentaram resultados mais consistentes, menos especulativos.
Para Watts e Zimmermam (1986), não se pode encontrar uma teoria que explique e
prediga todos os fenômenos contábeis, pela razão de que são apenas simplificações da realidade
de um ambiente muito complexo e em constantes transformações.
55 O Quadro 1 apresenta o resultado de alguns estudos internacionais sobre os impactos
da adoção do IFRS.
Quadro 1 – Resultado de Pesquisas Nacionais e Internacionais sobre IFRS.
Autores
CALLAO,
JARNE
E
LAÍNEZ
(2007)
CORDAZZO
(2008)
Amostra
26
empresas
de capital
aberta na
Espanha
178
empresas
de capital
aberto na
Itália
Objetivo
Verificar o impacto
da adoção do IFRS
na comparabilidade
e na relevância da
informação contábil
Verificar o impacto
do IFRS sobre o
lucro líquido e o
patrimônio líquido
das
empresas
italianas.
Discutir o processo
de convergência ao
IFRS na China.
DING e SU
(2008)
China
JEANJEAN
e
HERVÉ
(2008)
1.146
empresas
de capital
aberto na
Inglaterra,
França e
Austrália
254
empresas
de capital
aberto na
Grécia
Investigar
o
impacto do IFRS na
qualidade
da
informação contábil
dando ênfase no
gerenciamento de
resultado
Investigar
o
impacto da adoção
do
IFRS
nas
empresas gregas
318
empresas
brasileiras
de capital
aberto do
período
2007
e
2008
50
empresas
presentes
no índice
Bovespa
Analisar o impacto
da
implantação
inicial (01 fase) do
IFRS no resultado
das
empresas
brasileiras
IATRIDIS e
ROUVOLIS
(2010)
SANTOS
(2010)
LIMA et al.
(2010)
Investigar
os
determinantes do
processo
de
convergência
contábil no Brasil
Resultados
A comparabilidade diminui e não houve
melhora na relevância da informação contábil
Na média geral, o Lucro Líquido aumentou
14% com a adoção do IFRS. O Patrimônio
Líquido na média foi reduzido em 5% e o
ROE aumentou em 12,5% com a
implementação do IFRS.
Comparação entre o IFRS e a norma chinesa
baseado em trabalhos anteriores. As empresas
chinesas em geral não estão prontas para a
convergência, pois o governo é o principal
acionista das principais empresas e o próprio
Estado quem regula o mercado.
O gerenciamento de resultado não diminuiu
na Inglaterra e na Austrália após a adoção do
IFRS, sendo que na França houve um
aumento do gerenciamento de resultado.
Os resultados divulgados com base no GAAP
grego são significativamente diferentes
daqueles com base no IFRS. A adoção do
IFRS reduz o nível de gerenciamento de
resultado. Medidas contábeis divulgadas com
base no IFRS possuem maior value
relevance.
Dentre as normas que geraram aumentos mais
expressivos no lucro das empresas
destacaram-se: a exclusão dos custos de
transação e prêmios na emissão de títulos da
apuração do resultado.
O estudo confirma que existe associação
positiva e significante entre o tamanho da
Companhia e o nível de atendimento ás
práticas
contábeis.
Existe
associação
estatística positiva e significativa no grau de
exposição ao mercado internacional e o nível
de atendimento as novas práticas contábeis.
Existe
associação
estatística
entre
necessidade de financiamento e o nível de
atendimento às normas internacionais.
Fonte: Almeida et al (2014).
V.8, nº 2, Jan./jul. 2015.
56 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Nota-se que as pesquisas realizadas em diferentes países buscaram evidências sobre o
impacto da adoção das normas internacionais de contabilidade em diferentes países, embora,
cada um deles apresente focos distintos em sua análise, nos quais podemos citar: (a) impactos no
lucro líquido e no patrimônio líquido das empresas, (b) comparabilidade e relevância das
informações contábeis e (c) alterações no nível de gerenciamento de resultado.
Costa
(2012)
deu
prosseguimento
às
sugestões
propostas
por
Cunha
(2009),investigando o nível de divulgação do IAS 16 pelas empresas listadas na Bolsa de
Valores de Lisboa, no período de 2005 até 2010. Na amostra, composta por 55 empresas, o autor,
por meio de um modelo de regressão linear múltipla, buscou controlar os efeitos para os anos
analisados, encontrando como resultado um índice médio de divulgação de 67%, sendo que,
gradativamente, o grau de cumprimento aumentou ao longo dos seis anos analisados:
inicialmente 66% (2005) e, no último ano investigado, chegando aos 70% (2010). Os resultados
corroboraram os encontrados por Cunha (2009), alegando que, no decorrer de um determinado
espaço de tempo, as empresas melhorariam os níveis de cumprimento do novo padrão contábil.
Salienta-se que, na comparação entre os resultados encontrados pelos pesquisadores no ano de
adoção das normas internacionais, as empresas listadas em Lisboa, obtiveram um índice
significativamente maior que os apresentados em Madri. Assim como nos resultados de Cunha
(2009), verificou-se nos testes de Costa (2012), que o porte da empresa explica o grau de
cumprimento do IAS 16.
Impactos da adoção do IFRS no setor regulado
As pesquisas sobre a introdução obrigatória do IFRS normalmente podem ser
classificadas em duas categorias: (1) estudos que examinam a reação do mercado acionário para
os eventos chaves associados com o processo de mudança obrigatória para o IFRS; e (2) estudos
recentes que analisam os efeitos da adoção obrigatória em países que passaram a exigir as
normas internacionais.
De acordo com Almeida et al (2013), a existem três tipos comuns de regulação: (1)
controle à entrada e saída ; (2) definição tarifária e; (3) desverticalização. O principal objetivo da
regulação é gerenciar e tornar compatíveis os princípios constitucionais econômicos nos setores
regulados.
No processo de regulação, os princípios regulatórios utilizados são: redistributividade,
difusão do conhecimento econômico e cooperação. Este marco regulatório precisa ser autônomo
57 (ou seja, ter autonomia política) e confiável (corpo técnico qualificado), a fim de garantir a
melhor eficiência e a credibilidade do sistema. (SALGADO; MOTTA, 2005).
Akhtaruddin (2005) investigou as práticas de divulgação das empresas cotadas em
Bangladesh e se elas cumpriam as obrigatoriedades estabelecidas pelos órgãos reguladores. O
autor também verificou se a idade, o porte, o lucro e o setor econômico influenciavam o nível de
cumprimento dos requisitos obrigatórios a serem divulgados. A amostra do estudo foi composta
por 94 empresas listadas na Bolsa de Valores de Dhaka (DSE) e na Bolsa de Valores de
Chittagong (CSE), sendo analisadas as demonstrações contábeis anuais referentes ao
encerramento do ano fiscal de 1999. Foi utilizado um questionário com 160 perguntas comas
exigências dos órgãos reguladores bengaleses, sendo as análises realizadas através da elaboração
de um modelo de regressão elaborado pelo autor. Os resultados do estudo indicam que as
empresas em geral não atenderam adequadamente às exigências de divulgação obrigatória, com
um índice médio de 44% de evidenciação. O autor considera que o nível de divulgação baixo
pode ser reflexo da ausência ou ineficácia da atuação dos órgãos reguladores do mercado. Das
variáveis analisadas, somente o porte da empresa e faturamento foram significantes, enquanto
que se apresentaram como não significantes: o setor econômico, o lucro líquido e a idade da
empresa.
Almeida e outros (2014) relatou que em estudos efetuados no ano de 2009 referentes ao
setor regulado de telecomunicações brasileiro relativos ao impacto da implementação das normas
internacionais de contabilidade, apontam que os pronunciamentos que mais trouxeram efeito no
patrimônio líquido das empresas foram os CPC 15 (Combinação de Negócios), CPC 25
(Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes) e o ICPC 08 (Contabilização da
Proposta de Pagamento de Dividendos). Em relação ao lucro, os pronunciamentos que mais
trouxeram efeito foram os CPC 15 (Combinação de Negócios), CPC 38 (Instrumentos
Financeiros: Reconhecimento e Mensuração).
Considerações Finais
Neto e Pereira (2011) relatam que existe a separação entre a propriedade e o controle
de capital nas Companhias Abertas, o que da origem a um conflito de interesses entre o agente
(administrador) e o principal (investidor). E que o acionista deve-se cercar do maior número
possível de instrumentos para evitar que seja expropriado pelo administrador. Para tanto, é
necessário que ambos tenham acesso às mesmas informações na tomada de decisões.
V.8, nº 2, Jan./jul. 2015.
58 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Desta forma, a Contabilidade busca atender `a diferentes usuários com as mais diversas
informações, e, por isso, tem na divulgação dos relatórios contábeis e financeiros seu principal
meio de comunicação com o público externo a organização. A existência da assimetria
informacional gera a necessidade de se entender seus efeitos e, por conseguinte, provoca o
desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas de conhecimento de todas as ciências sociais
aplicadas. (BARBOSA, 2008). Esta pesquisa buscou oferecer uma gama de contribuições a
investidores, analistas de mercado, reguladores e outros pesquisadores; no sentido de uma
melhor compreensão dos efeitos gerados no setor de telecomunicações. Tal estudo é relevante na
medida em que se propõem a analisar os impactos da adoção das normas internacionais de
contabilidade em um setor específico, propiciando uma visão mais aprofundada sobre quais
alterações contábeis foram mais impactantes nos setores em questão. O entendimento da
eficiência do mercado de capitais brasileiro após adoção dos padrões internacionais de
contabilidade e o papel das notas explicativas em apresentar informações mais completas a
respeito das operações empresariais é fundamental. Segundo Dias, Rodrigues e Colauto (2011),
sob uma ótica moderna, a evidenciação de informações contábeis direciona-se não apenas ao
processo de tomada de decisões que envolvam critérios financeiros ou econômicos, mas também,
que englobem a prestação de contas à sociedade.
Os benefícios econômicos futuros são gerados pelas firmas conforme o seu
posicionamento e suas ações no mercado de produtos. Esses benefícios econômicos gerados e os
potenciais futuros são divulgados aos agentes econômicos (investidores, analistas, acionistas, por
exemplo) por meio das demonstrações contábeis que são o canal de informação entre a firma e o
mercado.
A pesquisa teve por objetivo abordar a temática da contabilidade em mercados regulados,
buscando evidências empíricas no universo de empresas brasileiras. Com isso, podemos aferir, a
grosso modo, que muitos países tiveram dificuldades na implementação das normas
internacionais de contabilidade, mas é extremamente relevante, na medida em que busca pela
transparência e a fidedignidade das informações prestadas pela empresa contribuem
positivamente para o perfeito funcionamento do mercado de títulos e valores mobiliários
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62 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
A EDUCAÇÃO PARA À SUSTENTABILIDADE: Um olhar para o
avanço econômico proporcionado por uma Mineradora
no município de São João da Boa Vista/SP
Romilson Cesar Lima1
Resumo
A educação é considerada uma importante fonte de transformação do ser social. Provocações e
novos desafios surgem a cada dia em busca de analisarmos se estamos atuando ou não de forma
moral e ética. A sustentabilidade e o consumismo são características bem opostas, de um lado
empresas que primam pelo progresso, oferecem vagas de empregos e beneficiam seres humanos
com suas atividades, do outro, uma nova educação, dotada de preocupações com a preservação
ambiental. Considerado um dos assuntos mais comentados na atualidade, a educação para
sustentabilidade está intrinsecamente ligada à solidariedade, respeito e afetividade e precisa estar
conectada a três pilares: prosperidade econômica, respeito ao meio ambiente e proteção social.
Para isto, é necessário que as pessoas substituam o pensamento capitalista consumista, mantendo
a sustentabilidade. Esta pesquisa teve o objetivo de identificar acontecimentos atuais provocados
por uma mineradora no município de São João da Boa Vista e o quanto a conscientização pela
Educação para a Sustentabilidade pode proporcionar para a localidade e humanidade. Investigouse a Lei Orgânica e Legislação Municipal a fim de evitarem a ação da mineradora e manter, sem
maiores danos, o turismo local e regional.
Palavras-chave: Educação. sustentabilidade. sociedade.
Abstract
Education is considered an important source of transformation of social being. Provocations and
new challenges arise every day in order to analyzy whether or not we are acting with morals and
ethics. Sustainability and consumerism are quite opposite characteristics on the one hand
companies that strive for progress, offer job openings a new education, endowed with concerns
over environmental preservation.
Considered as one of the most discussed subjects currently, education for sustainability is
intrinsically linked to solidarity, respect and affection and has to be connected to three pillars:
economic prosperity, environmental respect and social protection. To achieve this we need that
people of a role model to replace the consumerist capitalist thinking, maintaining the
sustainability.
This research aimed to identify current events caused by a mining company in São João da Boa
Vista and awareness how much the Education for Sustainability can provide to the location and
humanity. The Organic Law and Municipal Law were investigated in order to prevent the action
of mining and maintain, without further damage, the local and regional tourism.
Keywords: Education. Sustainability. Society.
1
Administrador de Empresas (UNIP) com especialização em Gestão Empresarial (PUC) e MBA em Gestão
Industrial (FGV). Mestrando em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida (UNIFAE). Professor na
Faculdade Jaguariúna (FAJ) e Consultor Empresarial.
63
1 Introdução
A educação no Brasil é determinada na Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) que são organizadas pelos níveis governamentais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios. Cada sistema educacional público é responsável por sua
manutenção, que gere fundos, bem como os mecanismos e fontes de recursos financeiros. A
nova constituição reserva 25% do orçamento do Estado e 18% de impostos federais e taxas
municipais para a educação. A educação brasileira é regulamentada pelo Governo Federal,
através do Ministério da Educação, que define os princípios orientadores da organização de
programas educacionais. Os governos locais são responsáveis por estabelecer programas
educacionais estaduais e seguir as orientações utilizando os financiamentos oferecidos pelo
Governo Federal. As crianças brasileiras têm que frequentar a escola no mínimo por nove anos,
porém a escolaridade é normalmente insuficiente. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece
que "educação" é "um direito para todos, um dever do Estado e da família, e está a ser
promovida com a colaboração da sociedade, com o objetivo de desenvolver plenamente o
desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação nos trabalhos com vista
ao bem-estar comum. O Brasil ocupa o oitavo lugar com 13,2 milhões de analfabetos com 15
anos ou mais, segundo o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2012, sendo
que este resultado podemos levar em consideração como um dos fatores dos impactos ambientais
e sociais2.
No estado de São Paulo, formado por 645 municípios, com uma população no ano de
2010 de 41.262.199 pessoas, 25.963.109 já freqüentaram creche ou escolas, apenas 5.380.325
pessoas concluíram o ensino fundamental e 2.051.109 frequentaram o ensino médio, o que para a
graduação, apesar de todos os programas existentes que contribuem para a realização, 1.540.046
pessoas realizaram. Para o título de mestres esse número reduz para 52.746 pessoas e doutorado
25.568 pessoas no Brasil das escolas públicas e particulares. (IBGE, 2015a).
O município de São João da Boa Vista tem 83.639 habitantes, com uma área total de
516,418 km² em um bioma de cerrado e mata atlântica sendo que atualmente existem 30.782
estudantes da pré-escola ao ensino fundamental nas escolas públicas com o empenho de 1.882
docentes (IBGE, 2015b). No município existem escolas particulares para todos os níveis de
ensino, inclusive uma das instituições tem o Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e
Qualidade de Vida (Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino - UNIFAE).
2
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2014/01/1404371-brasil-e-o-8-pais-com-mais-adultosanalfabetos-aponta-unesco.shtml> Acesso de: 10 jun. 2015.
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015
64
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Para os autores Pelicioni e Philippi Jr (2002) a educação ambiental busca desenvolver o
ser humano de forma integral, formando-o e preparando-o para a sociedade em busca de reflexos
críticos e ações corretivas. Diferente do modelo econômico vigente que só pensa em lucros,
preços e competição, frutos de um sistema capitalista; a educação ambiental prima pela justiça
social, solidariedade e cooperação. Sua base conceitual é aplicada à educação e questões de
meio ambiente. É difícil o desenvolvimento de um processo ambiental sem um diagnóstico
situacional onde os objetivos educativos deverão ser alcançados. Trata-se de enfatizar a relação
de causa e efeito dos processos de degradação com os sistemas sociais.
A consciência ecológica vem aumentando e ganhando apoio desde meados do século XX.
Na década de 70, a educação ambiental tornou-se fundamental para alterar a situação de
destruição do nosso planeta. Em 1977, a Conferencia de Tbilisi (Geórgia, ex-URSS), enfatizou a
importância da abordagem interdisciplinar para conhecimento e compreensão das questões
ambientais por parte da sociedade como um todo.
A sustentabilidade nas empresas tornou-se um tema muito comentado em nosso
cotidiano e não pense que é devido às empresas estarem duradouras, mas, por estar ocorrendo
muitos encerramentos prematuros de empresas em todos os níveis estruturais, seja ela uma
empresa de pequeno porte ou uma de grande porte, conhecida em todo o mundo. Um dos fatores
significativos que está afetando a maioria das empresas a manterem a sustentabilidade é o fato
das organizações estarem competindo globalmente devido a mundialização, principalmente os
concorrentes com produtos vindos da China e Índia e não mais nacionalmente, como era de
costume. Empresas estão tendo que competir em um ambiente de negócios cada vez mais
complexos, onde é preciso existir um nível cada vez maior de conhecimentos em busca de maior
eficiência e eficácia em seus processos internos e externos. Quando pensamos no conceito
sustentabilidade, sabemos que se trata em viver mais, mas é preciso saber como.
Segundo Gomes (2006), os padrões de consumo impostos por uma sociedade capitalista
precisam ser revistos, sob o motivo de que aqui há algum tempo, poderá não haver mais recursos
para uma sobrevivência no planeta Terra. A educação para consumo é uma das alternativas
fundamentais para que a sociedade possa se conscientizar em relação a sua responsabilidade
diante de um melhor desenvolvimento sustentável no planeta.
As perguntas que realmente surgem é o que deve ser feito para manter uma empresa
sustentável? A educação para a sustentabilidade faz a diferença? Como está o compromisso das
pessoas para com as ações capitalistas empresariais? As pessoas contribuem para o consumismo
de produtos feitos por exploração de solos de forma consciente?
65
Esta pesquisa teve o objetivo de identificar acontecimentos atuais provocados por uma
mineradora no município de São João da Boa Vista e o quanto a conscientização pela Educação
para a Sustentabilidade pode proporcionar para a localidade e humanidade.
2 Referencial teórico e objetivos
Uma das maiores preocupações do século XXI está em sabermos como devemos educar
as pessoas para que o planeta Terra pare de sofrer as degradações ambientais aceleradas causadas
pelo homem e aprenda a desenvolver uma consciência crítica, visto que a educação para
sustentabilidade inter-relaciona aspectos sociais, ecológicos, econômicos, políticos, culturais,
científicos, tecnológicos e éticos.
Em Dezembro de 2002, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, a Resolução
57/254, proclamando a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (DNUEDS), para o período de 2005-2014, em Johanesburgo, para o
Desenvolvimento Sustentável. Com a declaração pela UNESCO, o assunto ganhou importância
e prima por princípios éticos e práticas sustentáveis como inclusão social, defesa da diversidade
e inclusão do tema da sustentabilidade nas propostas pedagógicas, conforme solicitação pelo
Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional de Educação Ambiental.
Os municípios precisam de cidadãos informados e transformados, afinal, a
sustentabilidade clama pela transformação de hábitos e a construção de uma sociedade mais
igualitária e justa em busca de futuras gerações que aprendam lidar com desafios locais e globais
em uma trajetórias de mudanças. (site: <www.cidadessustentaveis.org.br>).
Neste sentido, esse trabalho teve como objetivo identificar acontecimentos atuais
provocando por uma mineradora no município de São João da Boa Vista e o quanto a
conscientização pela educação para a sustentabilidade pode proporcionar para a localidade e
humanidade, colaborando para desenvolver oportunidades de melhorias para manter a
sustentabilidade e empregabilidade. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva de ação
holística que relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo como referência que os recursos
naturais se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o ser humano.
2.1 Educação
O direito à educação no mundo atual foi assegurado para as pessoas na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, concedida por votação pelas Nações Unidas no artigo 26,
onde todas as pessoas têm direito a educação gratuita no ensino elementar e fundamental, sendo
V. 8, nº 1. Jan./jul. 2015
66
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
o ensino profissional e técnico generalizado. A educação superior deve existir para todos na
mesma condição de igualdade, visando o pleno desenvolvimento humano, respeitando os direitos
e liberdade, levando a compreensão, tolerância, amizade e atividades da nação promovendo a
paz. A evolução humana formada pela hereditariedade e adaptação biológica, depende dos
avanços do sistema nervoso, mecanismos psíquicos e interações sociais constituindo o
comportamento mental, sendo indispensável à formação do individuo. Na construção da
linguagem está a primeira interação que temos em vida, o que possibilita identificar costumes e
regras devido estarmos em contato com as coisas adquiridas por transmissão exterior, por meio
da educação e interações sociais formando assim a lógica e a moral. Diante disso, o papel
educacional enobrece o ser em condições já elaboradas, não que devemos formá-las, mas criar
condições para que o ser forme sua opinião sobre o certo e o errado, sendo este aprendizado
criado nos primeiros anos de vida com a família (Piaget, 1974).
Piaget (1996) trata sobre a importância de utilizarmos um método de ensino diferenciado,
voltado para a formação de personalidade livre e autônoma, até mesmo por motivo de não existir
apenas uma moral, mas vários tipos de reação moral, pois vivemos em um meio ambiente social
que sofre a pressão dos adultos, no caso das crianças ou a pressão do capital, no caso do
proletariado que depende da venda do seu trabalho para sobreviver, onde se sujeita a realizar
uma atividade quando envolve a necessidade básica para a vida. O ser como individuo é formado
pelo respeito “do pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho”
relata Piaget. Em 1977, Piaget realizou um estudo da construção moral das crianças resumidos
em quatro estágios, na qual, uma das identificações consideradas é quando o grupo combina suas
regras, envolvendo então a ética em uma atividade racional e social, com regras que servem a
todos participantes e não algo que privilegie apenas uma das partes.
César (et. al,. 2010) descreve segundo Arendt que o nascimento das pessoas é como um
novo início, na qual seu modo de repetição é previamente determinado pelo orientação presente
em sua vida, onde o orientador passará sua visão sobre mundo para essas pessoas.
A vida está em uma constante transformação, onde o começo e o fim encontram-se do viver ao
morrer sucessivamente. Quando assumimos a responsabilidade no desenvolvimento do Ser,
estamos criando a continuidade do mundo, sustentável ou insustentável perante nosso
direcionamento.
Arendt (2005) retrata que vivemos em uma sociedade que prioriza o trabalho e o
consumo, que valoriza a novidade e a inovação, eliminando consequentemente a tradição, a
autoridade e o ciclo de vida dos produtos e serviços. Essa modernidade impacta na condição do
67
homem e na sua alienação no Ter materialista, provocando uma aceleração social, onde
trabalhando mais, ganharemos mais para consumir mais.
Almeida (2008) descreve que segundo Arendt, o ser humano tem como necessidade de
vida o labor e as atividades mundanas, o trabalho, a ação e o pensamento e que para satisfazer as
necessidades de consumo, inicia o ciclo de produção, não simplesmente para satisfazer as
necessidades, mas para status, estilo de vida, emoções, aparência, imagem, gerando assim um
ciclo de vida dos produtos e serviço cada vez menor para atender novos desejos e ostentação.
Para Arendt (2005) o homem deve lidar com a realidade local pensando globalmente nos
impactos que as ações proporcionam. As crianças são influenciadas ao longo da vida por aquilo
que lhe são apresentadas em ações particulares e públicas, onde todas devem ter a proteção de
sua intimidade e segurança para a qualidade de vida não ser prejudicada. Segundo Freitas (2010)
a crise é um momento que devemos refletir e crescer com o ânimo das pessoas envolvidas. O
desânimo, a descrença nas autoridades e a falta de responsabilidades são opostos ao desejo de
realizações e conquistas com uma nova ordem.
Freire (1994) explica que a importante relação do educador juntos aos seus educandos
implica na necessidade de mudança, onde o papel do educador sai de um narrador que enche
seus educandos de conteúdos, tornando-os repetidores, memorizadores, enchendo-os como um
depósito, oprimido pela cultura do silêncio, alienado na ignorância, formando escravos da
dialética, com a prática da dominação, na qual, após o momento da aula os educandos não
possuem tempo de refletir e agir com o assunto falado; dizendo que pensar autenticamente é
perigoso e que devemos ser parceiros dos nossos educandos, elevar nossas relações e
compreensão das contribuições para a formação da educação. Para a elite dominadora esta visão
livre se torna uma ameaça, formando pessoas questionadoras do certo ou errado, sendo contra o
princípio de manter acomodados, com medo e ingênuos ao mundo, isso deve ser superado. O
educador não apenas educa como é educado, é uma troca constante de valores e reflexões, o
mundo faz parte do homem e o homem faz parte do mundo.
Morin (2000) relata que percebemos a crescente contracorrente que tem se formado em
volta do ecológico, devido a catástrofes e degradação; a qualitativa em relação ao quantitativo
devido a qualidade de vida; a resistência à vida individual ampliada com a dedicação poética e
redes de comunicação; a mudança de consumo padronização pela customização sendo que cada
pessoa quer ver o seu eu; a relação pelo dinheiro se contrapõem com a relação humana e
solidária. Precisamos aprender a ser mais do que ter, a viver mais que ocupar nosso tempo com o
desnecessário, dividir mais do que querer tudo pra si mesmo, comunicar mais que se
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individualizar, comungar mais que ficar com uma ideia individual, com consciência ecológica,
cívica e espiritual.
De acordo com Mello e Souza (2000), existe uma necessidade da abordagem
interdisciplinar como síntese criativa de uma abordagem nova, sustentada pelas informações e
especialidades. A efetivação da educação ecológica só se dará com conhecimentos e habilidades
incorporados e formados a partir de valores éticos e de justiça social, pois são ações que
antecedem a ação.
A lei federal nº 6938 de agosto de 1981 dispõe sobre a política nacional do meio
ambiente com finalidades e mecanismos de formulação e execução, devendo ser considerada em
todos os níveis de ensino com o propósito de uma preparação ativa na comunidade em defesa do
meio ambiente. (BRASIL, 1981).
A lei federal n. 9795 de 1999 dispõe sobre a política nacional de educação ambiental e
afirma que todos têm direito a educação ambiental e que deve ser exercida de forma articulada
em todos os níveis e modalidades de ensino, sendo de responsabilidade do Sistema Nacional de
Meio Ambiente, do sistema educacional, dos meios de comunicação, do poder publico e
sociedade em geral (BRASIL, 1999). Como parte democrática, a educação ambiental por meio
da cidadania prepara para a participação ativa individual e coletiva, considerando os diferentes
processos que a influenciam. Para formar uma cidadania ativa e igualitária é necessário gerar
ação, reflexão e ação, preparando a sociedade para lutar pelos seus direitos e deveres a fim de
colaborar e influenciar políticas públicas e a construção de uma cultura democrática.
Freire (1992) destaca a abordagem sociocultural onde é um dos percussores na qual
coloca o homem como sujeito e objeto da história, com a possibilidade de transformação e de
sofrer influências de fatores sociopolíticos, econômicos e culturais.
Participando de Gramsci sobre embate hegemônico na sociedade capitalista, Guimarães
(2000), destaca duas grandes linhas de propostas para a educação. Uma vinculada aos interesses
da comunidade e de uma melhor qualidade de vida e outra que assume os interesses
mercadológicos. E, dentro desse contexto qualifica a educação ambiental apontando para uma
proposta popular emancipatória e que reforça a exclusão social.
Para Phillip e Pelicioni (2002) a humanidade precisa de uma nova visão que aborde a
questão integral do ser humano onde esta estabeleça o bem estar da promoção da vida, o que
determina reflexões e ações sobre as desigualdades sociais, pobreza, exclusão ao acesso a bens e
serviços, em relação às praticas de consumo. O que implica em uma nova reconstrução e
reflexões diante de suas ações. Pelicioni (2000) esclarece que a Conferência Internacional
Ambiente e Sociedade de 1977 realizada em Tessalônica na Grécia, propôs uma reflexão sobre a
69
reorientação da educação para sustentabilidade abordando que o conceito de meio ambiente
deveria englobar pobreza, habilitação, segurança, saúde, democracia, direitos humanos e paz,
onde as diferenças culturais e valores éticos e morais deveriam ser conservados. A formação do
individuo e a educação foram citados como pilares da sustentabilidade, junto à legislação, a
economia e a tecnologia em busca de mudanças de condutas e estilos de vida, bem como bem
estar e consumo. Afirma que redução das desigualdades sociais é fundamental para atingir êxito
a educação para sustentabilidade em todas as suas dimensões, começando pela distribuição de
renda nos país.
Brandão (1994) defende a educação popular como trabalho pedagógico para uma
educação participante e libertadora. Um trabalho que luta por conta própria, e que sonha ser
reconhecido na vida em sociedade.
Guimarães (2000) defende também a prática educativa como processo educativo de ação
política, formando ações criativas que sobrepõem as relações de dominação nesse modelo atual
de sociedade, com uma mistura de miséria social e miséria ambiental responsável pela
degradação ecológica do momento.
O documento Reigota (2003) que analisa a educação ambiental, no Brasil também
considera que a educação política busca cidadãos participantes em busca de alternativas para os
problemas sociais locais, regionais e mundiais. Essa ação é compreendida como a ação autônoma
de indivíduos e grupos, no plano nacional e mundial. De acordo com o autor, valores como
autonomia, cidadania, e justiça social são princípios básicos da educação. Onde a ideia baseia-se
na igualdade política entre todos da sociedade que enriqueceu. A diferença é que resulta em uma
participação política onde cada vez mais grupos sociais se organizam e rompem com a
hegemonia do discurso único. No Brasil, a desigualdade social é algo alarmante, e enquanto não
estiver em condições de enfrentar os desafios políticos e ecológicos e não houver distribuição
igualitária dos bens sociais e culturais que produz a sociedade não se tornará justa e solidária.
Diversos fatores têm contribuído para agravar a crise ambiental, porém está ultrapassado
pensar que os impactos sejam unicamente causados pela explosão demográfica ou crescente
urbanização e industrialização, é necessário analisar o contexto histórico e social desses fatores.
Capacitar indivíduos ao exercício da cidadania possibilitando uma base forte, diversificada.
Técnica e culturalmente, possibilitará que a educação ambiental resgate valores como respeito à
vida e a natureza, com o objetivo de formar sociedades mais justas e felizes (PELICIONI, 2000).
Somente através de bases políticas, conceituais, filosóficas e ideológicas é que se conseguirá
agregar novas maneiras de abordar e planejar o processo de desenvolvimento local e nacional
para uma educação com sustentabilidade.
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2.2 A sustentabilidade das empresas
Pesquisas demonstram que as empresas fracassam devido a má gestão de seus dirigentes.
Algumas empresas se esquecem de que devem focar o cliente e não apenas ficar restrito
internamente à empresa. Assim, deve-se perguntar ao consumidor o que ele realmente quer
adquirir, o preço que considera justo e qual o produto de sua maior preferência. Popcorn (1993)
argumenta enfaticamente que, o que é mais discutido em todos os lugares é sobre a
personalização em massa. Cada cliente deseja utilizar seus produtos de acordo com sua
necessidade. O cliente quer ver o seu Eu naquilo que compra. Hoje se tem o privilegio de ir a
uma concessionária e escolher um automóvel de acordo com a necessidade, econômico ou veloz,
com ou sem ar condicionado, com ou sem direção hidráulica.
Existem empresas que apresentam NOPAT (Net Operating Profit After Tax) negativo e
costumam culpar a conjuntura econômica pelas altas taxas de juros praticadas. Muitas vezes
confundem lucro líquido com lucro operacional, lembrando que este último representa
viabilidade do negócio. O retorno do capital investido independe da forma como a empresa é
financiada. O lucro líquido considera, em seu cálculo, tanto o desempenho operacional como os
encargos financeiros dos passivos, ou seja, as decisões de ativos e as decisões de financiamento.
Desta forma, o resultado líquido negativo pode ser formado pelo fraco desempenho dos negócios
ou pela alta alavancagem e juros elevados. Assim, é fundamental identificar claramente na
análise de balanços a origem de determinados desempenhos. Muitas empresas têm prejuízos
líquidos e altos endividamentos, porem mesmo que liquidasse integralmente suas dívidas, ainda
assim apresentaria um fraco desempenho operacional com o NOPAT baixo ou até negativo. Seu
problema básico é a inviabilidade de negócio, das estratégias operacionais e de investimentos da
empresa. Como exemplo tem-se a mineradora Vale na qual as dívidas e juros elevados
desequilibraram a empresa, mas não causaram o problema da empresa.
Outras empresas, por sua vez, não se aperceberam que o mundo mudou, como foi o caso
da General Motors. Os mercados mudam juntamente com seus consumidores e com a evolução
das tecnologias. Assim, as empresas devem tomar o cuidado de fazer fusões, inovar as
estratégias de vendas, dentre outras atitudes, para ter um bom negócio, como o ocorrido com a
Arisco. Fahey (1999) argumenta que para uma empresa ser bem sucedida no novo ambiente de
amanhã, a própria empresa deve submeter-se às mudanças significativas e, por vezes, radicais.
As empresas precisam se ajustar às megatendências, às novidades que o mundo
globalizado traz para criarem vantagem competitiva. O sucesso corporativo e longevidade estão
71
entrelaçados de uma forma que, atualmente é qualitativamente diferente da relação entre sucesso
e longevidade no ambiente econômico de cinco décadas atrás (KOTLER, 2000).
A longevidade das empresas é como a do ser vivo, todas exibem o mesmo
comportamento e certas características: elas buscam a vida, elas aprendem, constroem
relacionamentos com outras, crescem e se desenvolvem, obtendo a longevidade e a melhoria
contínua e encerram suas atividades, algumas mais cedo e outras mais tarde (GEUS, 1999).
As empresas que não acompanham a tecnologia e a forma de agilizar seus processos
estão sujeitas a não acompanharem o desenvolvimento e a demanda de produtos para suprir as
necessidades e expectativas dos clientes. A Phillip Morris, por exemplo, apresenta o
comportamento de uma empresa muito jovem, embora tenha sido criada em 1847 (COLLINS,
1995). Ainda podemos citar as empresas de tecnologias Google, Microsoft e Apple, que embora
recentes, com poucos anos de vida, se adaptam às novas circunstâncias e novas exigências do
mercado sendo consideradas corporações bem-sucedidas.
A figura 1 demonstra quando uma organização é ao mesmo tempo flexível e controlável,
ela não é nem jovem nem velha demais. Ela possui as vantagens da juventude e da maturidade,
da flexibilidade e da controlabilidade para ter sustentabilidade nos negócios.
Segundo Adizes (1997) este estágio é denominado de Plenitude. Essa organização pode
mudar sua direção e pode fazê-lo quando desejar. Pode, em suma, controlar o que quer fazer.
Figura 1 – A natureza do crescimento e do Envelhecimento
Alta
Baixa
Crescimento
Envelhecimento
Fonte: Adizes (1990).
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Geus (1999), nos anos 1990, já citava que muitos administradores ainda têm em mente
que uma empresa para ter longevidade precisa dar grandes (grifo nosso) retornos para seus
acionistas, o que não é necessariamente verdade. Atualmente os acionistas têm a mentalidade
que é mais vantajoso ter um retorno menor correndo menos riscos, do que ter um grande retorno
com um índice alto de perder o seu dinheiro.
O que dá o diferencial para a sustentabilidade das empresas é a forma de antecipar as
necessidades de mudança e como ela se adapta com o meio externo e acompanha as mudanças
do ambiente com agilidade e eficácia, usando estratégias. Essa diferença é criada pelo seu
principal capital, que são as pessoas. A criatividade das pessoas está mudando o mundo. Todos
achavam que este século seria regido pelas máquinas; hardware, software, que seriam a grandes
soluções das empresas. Entretanto, o maior potencial está no capital intelectual das pessoas
(SENGER, 1990).
O novo profissional precisa ter um nível de informação de maneira específica, mas no
geral, que possibilite ter acesso ao nível estratégico da empresa, afim de que a colocação seja
feita adequadamente, também é necessário ser dinâmico e estar sempre alerta às mudanças. Ter
domínio básico de informática, principalmente de processadores de texto e planilhas eletrônicas conhecimentos de assuntos como treinamento, reengenharia, entre outros, além de dinamismo,
criatividade, flexibilidade, abertura à negociação, liderança, desenvolvimento de habilidades
políticas, firmeza, persuasão e postura ética; pretende-se um generalista, que seja ao mesmo
tempo um especialista em sua área e tenha uma visão de conjunto da organização, que saiba
ouvir, propor soluções, ser analítico e crítico, enfim um profissional mais pensador, diferente do
perfil puramente executor de anos atrás (DOLABELA, 1999).
De acordo com Porter (1989) uma estratégia competitiva eficaz indica uma ação ofensiva
ou defensiva por parte das empresas de modo a criar um melhor posicionamento da empresa
dentro de um conjunto de forças de competição entre os concorrentes na indústria.
Hoje novos concorrentes ingressam em mercados de longa tradição, com novos conceitos
de como servir e satisfazer os clientes. Cada vez mais, o surgimento de produtos substitutos
provoca mudanças. As preferências dos clientes por vezes mudam de maneira inesperada, devido
a esta contínua transformação (FAHEY, 1999).
A rivalidade entre os concorrentes é um ponto que define a estratégia competitiva, pois
envolve a disputa de segmentos de mercado. Entre os fatores que influenciam a rivalidade das
empresas está o crescimento da empresa, o número de concorrentes no mercado, os processos de
criação de novos produtos, diferenciação dos clientes e principalmente os custos de mudança,
73
que são aqueles nos quais as empresas incorrem para redirecionar suas atividades dentro de um
novo mercado, abandonando o seu mercado anterior (NADLER, 1993).
As três estratégias competitivas básicas são a liderança no custo, cujo objetivo central a
ser alcançado pela empresa é obter um produto de menor custo sem perder as sua qualidade e as
suas bases de diferenciação, já que o produto deve ser considerado comparável e aceitável entre
os seus consumidores (PORTER, 1989).
É necessário buscar a cada momento a criatividade diante da necessidade para suprir e
superar as expectativas que os clientes esperam (CAMPOS, 1999).
A empresa brasileira vive, já algum tempo, um processo de revolução nos parâmetros que
definem o ambiente que opera. Os ingredientes são reconhecidos – a abertura às importações; as
oscilações associadas à estabilização da moeda, a passagem da superinflação para recessão do
início dos anos 90, e, na sequência, as oscilações associadas à estabilização da moeda, a
retomada de investimentos diretos nacionais e transnacionais na produção; entre outros –
impactam de forma diferenciada os diversos setores (DOLABELA, 1999).
2.3 Educação e consumo
Segundo Gomes, D. V (2006), os padrões de consumo impostos por uma sociedade
capitalista precisam ser revistos, sob o motivo de que daqui a algum tempo, poderá não haver
mais recursos para uma sobrevivência no planeta Terra. A educação para consumo é uma das
alternativas fundamentais para que a sociedade possa se conscientizar em relação a sua
responsabilidade diante de um melhor desenvolvimento sustentável no planeta.
Para Boff (2000), é necessário cuidar nesse momento e não dominar e explorar. A
natureza não pode mais ser vista como um recurso limitado apenas e sim como um todo integral
e interdependente em todas as suas esferas.
O sistema educativo passa por uma crise que precisa de modelos alternativos para essa
busca desenfreada pelo consumismo. É necessária a substituição de valores, em que o
fundamental era ter e não o ser, o que implica numa sociedade de mais informação e
conhecimentos. (MEDINA e SANTOS, 1999). O futuro do planeta e de todo individuo depende
do equilíbrio do meio ambiente. Sem harmonia e equilibro não há como ter qualidade de vida e a
existência das futuras gerações estará, sem dúvida, comprometida. Devemos primar por uma
mudança acerca de valores e crenças que orientem pensamentos, ações que permitam uma
percepção holística e integral com postura ética, responsável e solidária. É de responsabilidade
cidadã o consumo de forma consciente, responsável e cultural onde nela se inserem empresas e
os cidadãos, entendida como a criação de uma sociedade mais justa e igualitária. O ato de
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consumir seja também reconhecido como um ato de cidadania, ao escolher em que mundo se
quer viver. Satisfazendo assim suas necessidades sem prejudicar o bem-estar da coletividade.
Canepa (2004) ressalta que educação ambiental é indispensável na conscientização dos
cidadãos, entendendo que educação e cidadania são inseparáveis: quanto mais educado for o
indivíduo em todas suas esferas, mais capaz será de lutar pelos seus direitos. Diante disso,
percebe-se que o individuo tem papel preponderante nas suas escolhas cotidianas, seja nos
produtos que consome, seja quando ajuda a construir uma sociedade mais justa e igualitária. É
preciso novos parâmetros. Primar pela colaboração e participação de todos os indivíduos que,
somados a valores éticos, morais e sociais possam transformar uma sociedade de diferenças,
onde em que o objetivo seja uma educação sustentável que garantirá o futuro das novas gerações.
3 Procedimentos metodológicos
O emprego da pesquisa exploratória com abordagem qualitativa visou à familiarização
com o assunto investigado. Foi realizado uma revisão de literatura ressaltando a importância do
tema de pesquisa e também o levantamento de dados histórico do caso da mineradora publicados
dois em jornais do município de São João da Boa Vista/SP no período de 2013 a 2014. Foram
obtidas informações em 2 (dois) jornais (impresso e on-line), sendo que manteremos o padrão
das informações obtidas, incluindo os recortes no artigo. A pesquisa demonstra a importância do
tema e a sugestão de um modelo sistêmico de Educação para à Sustentabilidade para o município
de São João da Boa Vista. As reflexões foram construídas em rodas de conversas realizadas
durante a disciplina de Educação para Sustentabilidade do Mestrado em Desenvolvimento
Sustentável e Qualidade de Vida do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino
de São João da Boa Vista. Esta metodologia motiva à construção da autonomia dos sujeitos por
meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação e implica
num conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de novos
conhecimentos.
4 Resultados e discussão
A seguir é apresentado um breve relato de dois jornais (impresso e on-line) que
divulgaram informações sobre a mineradora em São João da Boa Vista, visto que, o foco do
trabalho envolve empresa mineradora e práticas ambientais.
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4.1 Jornal digital Portal do Meio Ambiente
Figura 2 – Mineradora começa a desmatar área em São João
Fonte:
Site
Portal
do
Meio
Ambiente.
Disponível
http://www.portaldomeioambiente.org.br. Acesso em: 10 mai. 2015.
em:
<
Uma semana após São João da Boa Vista lançar o Programa São João Mais Verde, a
cidade já começa a sofrer a ação de uma Mineradora.
Após a Prefeitura emitir uma Certidão de Uso do Solo à empresa, o que significa que o
Poder Público sanjoanense não vê empecilhos de uma mineração nas imediações da Fazenda
Aliança, a Destaque conseguiu junto à Cesteb uma licença de Limpeza e Instalação.
Ambientalistas foram alertados que a mineradora havia começado a limpar a área, destruindo
dezenas de árvores.
O que chamou a atenção e causou revolta nos ambientalistas, é
que a área a ser minerada é visível da Rodovia. Do acostamento
da estrada era possível ver as máquinas destruindo a vegetação.
“Não dá para entender como a Prefeitura emite uma certidão de
uso do solo para uma mineradora naquele espaço. Está próximo
da pista e está em uma área de nascentes e mata nativa. Isso é uma
loucura”, denuncia um membro de uma das organizações
ambientais da cidade. Os ambientalistas encontraram nas
imediações do local, espécies até ameaçadas de extinção e
fotografaram.
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A entrada das máquinas na área acontece exatamente dias após a imprensa soltar
reportagens sobre a intenção de mineração e do lançamento de um programa que visa preservar o
meio ambiente da cidade. “Não conseguimos entender como São João diz que quer ser uma
cidade verde e permite uma atividade dessas em uma das regiões mais antigas, históricas e rica
naturalmente. Só o prefeito tem o poder de cassar essa certidão. Agora está nas mãos dele e ele
vai mostrar se quer São João verde ou cinza”, dizem os ativistas.
4.2 Jornal digital “O Município”
Figura 3 – Mais uma vez São João é alvo de mineradora.
Fonte: Site: < http://www.omunicipio.jor.br/ >. Acesso em: mai. 2015.
O jornal impresso e digital O Município demonstra mais um relato da ação de mineradora
no município de São João da Boa Vista, agora voltado a extração de pedra brita no espaço da
Fazenda Aliança, que é considerado como um dos patrimônio histórico e ambiental do
município.
77
A empresa Destaque Participações e Empreendimentos LTDA já
possui a licença de instalação emitida pela Cetesb para a
exploração de pedra brita em área descrita no processo como
sendo no Km231+300m da Rodovia Adhemar Pereira de Barros
(SP 342), no bairro Colinas da Mantiqueira. Segundo
informações, trata-se da Fazenda Aliança, uma das mais antigas
propriedades de São João da Boa Vista. A administração
municipal anterior teria fornecido a certidão de uso do solo para
a empresa, alegando que não havia legislação municipal sobre o
assunto que impedisse a atividade. Porém, a emissão da certidão
não observou a Lei Complementar nº 1.926, de 16 de outubro de
2006, que instituiu o atual Plano Diretor de São João da Boa
Vista.
A Lei Complementar n° 1.926 descreve no artigo 49 que da avenida de acesso ao bairro
Alegre e Rodovia SP-342 deve ser preservado. “Esta região como toda a margem da Rodovia até
o Município de Águas da Prata deverá restringir sua ocupação para atividades ligadas ao
desenvolvimento turístico da região como, por exemplo: restaurantes, hotéis, pequenos centros
comerciais para artesanatos e bares, lojas de conveniências, postos de abastecimento e serviços e
comércio em geral”. No artigo 81 é instituído o Plano Diretor que detalha os roteiros do local e
aqueles que devem ser preservados e explorados racionalmente, através do turismo rural. Desta
forma é proibida a instalação de uma mineradora no local.
Licença de Instalação
A Licença Prévia e de Instalação emitida pela Cetesb, em 18 de dezembro do ano
passado, destaca, que a Prefeitura realmente forneceu a certidão de uso do solo ao
empreendimento, o que na prática quer dizer que a Prefeitura não vê impedimento para
que este tipo de atividade se instale no local.
A certidão de uso do solo é o primeiro documento do processo ambiental. Porém, a
maioria das cidades ainda não dispõe de regras claras para a sua emissão. Se a Prefeitura
negar a certidão, ou disser que ali tem outros planos de desenvolvimento, o
licenciamento ambiental não pode ser feito. E mais, tem validade. Em geral, as licenças
valem por um ano e a empresa terá que pedir a renovação, para dar continuidade ao
processo.
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A licença de instalação não dá direito à empresa iniciar as atividades. De acordo com a
Cetesb, não desobriga a mesma a requerer as aprovações municipais ou de outros órgãos
públicos, ou de qualquer esfera governamental, para sua instalação e edificação. A licença
permite, porém, que a empresa faça a “limpeza do local” e autoriza o corte de 196 árvores, mas
não especifica como a compensação ambiental será feita.
Um fato que chama a atenção no Processo
821.011/2010, que corre no DNPM (Departamento
Nacional de Produção Mineral), é que a requerente
titular da licença no órgão é, inicialmente, a
Construtora Simoso Ltda, em 2010. Porém, em 2012 o
requerente titular é transferido para a empresa
Destaque Participações e Empreendimentos Ltda.
A licença ainda prevê, de início, a exploração de uma pequena área dos 48 hectares total
da propriedade, para a qual a empresa já dispõe de registro no DNPM. Com isso, ela se exime de
realizar um estudo de impacto ambiental. “A divisão da exploração em pequenas partes é uma
artimanha utilizada para driblar a exigência de um estudo profundo de impacto ambiental. Mas,
no final das contas o que querem é explorar a área inteira”, dizem especialistas em meio
ambiente.
5 Considerações finais
É preciso buscar novas formas de desenvolvimento que respeite o meio ambiente e utilize
de modo racional e mais justo dos recursos naturais. A educação para sustentabilidade não é
apenas uma ideologia, é uma questão de sobrevivência do planeta e é a única opção das futuras
gerações. É preciso ser mais responsável e sustentável, para que a atitude de alguns não coloque
em perigo o bem-estar de todos.
Pessoas ligadas ao turismo do município, ambientalistas da cidade de São João da Boa
Vista e próximos da região como a da cidade vizinha Águas da Prata, asseguram que a
mineração na Fazenda Aliança pode trazer prejuízos inumeráveis a cidade.
De acordo com informações, a região da Fazenda Aliança engloba uma parte de área
protetora de mananciais, remanescentes de Mata Atlântica e explorar aquele local comprometerá
79
entre outras coisas, o abastecimento futuro de água da cidade e irá extinguir espécies raras que
habitam o local. Por ser uma mineradora, a exploração de pedra brita se dá pelo fogo primário,
ou seja, através de explosões, com dinamite. Ainda de maior impacto que a bauxita, a mineração
no local irá afetar a topografia, derrubando morros e deixando em seu lugar esqueletos
conhecidos como “pedreiras”, que possuem visual degradante para regiões que buscam o turismo
e para os vizinhos.
Bem mais que causa de degradação no meio ambiente, a educação para sustentabilidade
considera fatores que levam em consideração pessoas e comunidades afetadas, nas quais estão
sujeitas a consequências prejudiciais de sofrimento e degradação ambiental. É preciso salientar
que a educação para sustentabilidade abolirá a ideia errônea e individualista de que “estamos
sós”. E comprovará que tudo está interligado e conectado e, que, cada ação, negativa ou positiva,
terá seus reflexos no meio ambiente que nos cerca.
6 Referências bibliográficas
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morrem e o que fazer a respeito. São Paulo: Pioneira, 1997.
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BRASIL., Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política nacional de meio
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
AS FORMAS COMPLEXAS DO MUNDO DA PRODUÇÃO: As transformações da
Modernidade e os impactos no trabalho intelectual no Recôncavo da Bahia.
Camillo César Alvarenga1
Resumo
A presente pesquisa procurou investigar as relações sociais oriundas dos processos de
modernização do mundo do trabalho no Recôncavo da Bahia, a partir dos espaços privados de
formação educacional em nível superior da região. Objetivando entender a lógica entre oferta de
vagas e cursos, formação e demanda de profissionais para o mundo do trabalho. Na leitura do
contexto local, em questão, foram destacadas 2 cidades – Cachoeira e Governador Mangabeira –
por possuírem os seus respectivos centros de ensino, mais desenvolvidos, em relação a outras
instalações nas cercanias. Evidenciou-se uma realidade na qual a tendência das ofertas se faz em
função de uma formação técnica operativa e voltada para área da saúde e licenciaturas. A partir
da pesquisa, infere-se com base numa leitura sociológica, sustentada metodologicamente em
bases exploratórias de bibliografia necessária, juntamente com aplicação de questionários e
visitas às instituições, que, na realidade observada, a capacitação de intelectuais a serviço da
economia da produção das formas sociais locais, bem como uma parcela de mão de obra,
formada nos centros, serve predominantemente ao preenchimento de vagas no setor de
Educação.
Palavras-chave: Sociologia do Trabalho. Sociologia da Educação. Ensino Superior privado.
Recôncavo da Bahia.
Mapeamento das Instituições de Ensino Superior Privado no Recôncavo Baiano: um
olhar atual sobre a formação social da região a partir dos centros de ensino
A observação de transformações no mundo da produção e do trabalho, num contexto de
ampliação da base produtiva, direciona o plano de trabalho referido à investigação
especificadamente dos processos de surgimento e implantação de IES (Instituições de Ensino
Superior) oriundas de capital privado, entendidas enquanto empreendimentos de intervenção na
esfera pública. Nesse sentido, a ação empírica sobre a época atual, leva em conta que as relações
de poder, são determinadas pela estrutura econômica, o que nos faz apontar assim, para a região
do Recôncavo da Bahia num estado de marasmo econômico e apatia política – na periferia
regional, mas tateando saídas.
Ao averiguar os mecanismos de modernização operados no interior da dinâmica
produtiva da região, esta pesquisa, que ocorreu em âmbito institucional2, buscou por sua vez,
1
Mestrando em Sociologia no Programa de Pós Graduação (PPGS/CCHLA) – Universidade Federal da Paraíba –
UFPB.
2
Este artigo é uma leitura do meu relatório de pesquisa realizado durante o período em que cursava o bacharelado
em Ciências Sociais quando fui financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica –
PIBIC/CNPQ, através da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia nos anos de 2011e 2012.
84 atentar ao desenvolvimento social e econômico local, que caminha lado a lado ao enraizamento
da UFRB – Universidade Federal do Recôncavo. Não obstante, a lembrança de que “em
sociedades como a nossa, a universidade prepara quadros de "funcionários da ideologia"
dispostos a produzir os discursos condizentes com os interesses dos grupos detentores do poder”.
(BOURDIEU, 2009, p.XV).
Assim, a investigação sobre trabalho intelectual e os impactos no mundo da produção e
do trabalho aborda o ensino superior privado no Recôncavo e a formação de trabalhadores
qualificados para o mundo da produção. Logo, a questão social da educação é de relevância para
análises no campo das Ciências Sociais e humanas já que compõe de forma estrutural o quadro
da organização social e ainda mais que "a educação varia com as classes sociais" (DURKHEIM,
1987, p.40).
A justificativa, para tal relevância, advém de que a educação, entendida, enquanto
processo socializador, o que, segundo Durkheim, estabelece os alicerces para compreendermos a
ideia de que "nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de
sensibilidade e homens de ação" (DURKHEIM, 1987, p.35), enquanto Mésáros, através de
Gramsci, aponta que não pode haver separação entre “homo fabber” e “homo sapiens", fazendo
necessário rebelar-se contra uma concepção tendenciosamente estreita da educação e da vida
intelectual. (MÉSÁROS, 2005, p.49).
Os intelectuais, essa camada da sociedade, que aparece enquanto elite nas pesquisas de
Vilfredo Pareto, ou enquanto classe política em Gaetano Mosca, em Antônio Gramsci toma a
forma de uma categoria cara, aos estudos em Ciências Sociais – a noção conceitual de intelectual
orgânico, numa perspectiva de especialização do tipo social que lhe deve origem. E ainda mais,
aponta que a massa não elabora seus próprios intelectuais, já que estes são um grupo social
derivado duma estrutura econômica anterior, aliás a expressão do desenvolvimento desta
estrutura (GRAMSCI, 1982). Pensando metodologicamente, o tema é relevante em virtude de
que se reconhece
1)Ter uma ampla e autêntica projeção social e possibilidade de se refletir na
transformação da sociedade. Para tanto, a orientação do tema de pesquisa deve ser tal
que seus resultados sirvam na elaboração de estratégias para a solução ou a melhoria da
situação em que se encontra a sociedade ou grupo social. 2) Ser inovador, isto é, ter
singularidade e ser interessante, fornecendo ideias, hipóteses ou diretrizes para futuros
estudos. 3) Prever a organização e sistematização dos fatos analisados, visando a
conferir validez científica às previsões, para que estas levem ao desenvolvimento de
novas teorias. (SORIANO, 2004, p.41-42).
Desta forma, abrimos o debate para entender o real sentido da educação enquanto destino
do trabalho, a serviço do mundo capitalista, o que pode nos fazer entender, como nas palavras de
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
85 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Emir Sader (2005)3, que são transformados os “espaços educacionais em shopping centers
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro”. Procura-se indicar que se buscou fazer, com esta
pesquisa, um diagnóstico da situação do ensino superior privado no Recôncavo da Bahia, região
esta tomada enquanto objeto de estudo.
Assim poderemos detectar problemas concretos, descobrir relações entre eles e
hierarquizá-los, tudo com intuito de fornecer elementos que sejam de utilidade na
formulação de planos e programas institucionais. Com isso, a pesquisa social deixa de
ser um fim para se tornar um meio, ao ficar ligada ao planejamento e à programação, o
que permitirá dirigir e controlar as mudanças sociais mediante atividades e ações
concretas baseadas na informação proveniente da pesquisa social e de outras fontes.
(SORIANO, 2004, p.43)
Na busca por entender o sistema de relações estatísticas entre ofertas de cursos e vagas,
formação profissional – levou-se em conta a distinção entre licenciatura e bacharelado, além de
formações técnicas – destacou-se: o processo de seleção, a infraestrutura dos estabelecimentos
com atenção especial para as bibliotecas, bem como o tempo de funcionamento da instituição, a
duração média dos cursos de graduação e se ocorre de maneira presencial ou à distância.
O exercício intelectual de construção teórica-empírica interdisciplinar, que deu origem a
pesquisa historicamente fundada na finalidade de analisar a formação de classes sociais e suas
correspondências sócio culturais, dotou-se de “interesse científico, pois leva em consideração o
contexto socioeconômico, político e histórico” no sistema capitalista de produção regional4.
Com o objetivo de caracterizar o sistema de ensino superior no Recôncavo da Bahia, o
problema foi proposto em bases científicas tais, que a orientação do pensamento seguiu a linha
de uma investigação que ao poder identificar as formas objetivas do sistema de ensino superior
privado no recôncavo, foi possível contemplar com a observação científica variáveis no campo
da educação que revelem desenvolvimento e emancipação dentro de um universo regional
integrado, dialogando ensino e trabalho, a fim de alcançar resultados de base empírica.
No intuito de reconhecer a necessidade de conhecer a realidade de outras IES que atuam
no processo de formação de novos trabalhadores, além de experimentar através da atividade
científica o intercâmbio reflexivo sobre a realidade social da região a fim de atualizar os
conhecimentos sobre processos em marcha no território como a expansão do ensino superior.
3
SADER, Emir. Introdução In: MÉSÁROS, István. A educação para além do capital – São Paulo: Boitempo,
2005.
4
Sobre tal sistema, lê-se em A educação para além do capital, que “As determinações gerais do capital afetam
profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas as
instituições educacionais formais. Estas estão estreitamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não
podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da
sociedade como um todo” (MESÁROS, 2005, p.43).
86 "Naturalmente, as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, de
acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do capital" (MESÁROS,
2005, p.42).
Já no que concerne a "reprodução objetiva" Mesáros (2005) nos diz: "As instituições
formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização",
logo, são objetos que possuem em si, sentido e necessidade de uma investigação mais rigorosa.
Sob a forma sócio-histórica de apreciação do sistema de produção de conhecimento do interior
da Bahia, entende-se o objeto de pesquisa como sendo o foco do processo geral de capacitação
de trabalhadores qualificados e numa demarcação regional, na qual reconhece-se a potência de
emancipação social frente às práticas de poder e estratégias de sobrevivência, numa percepção da
reprodução social dos segmentos de classe no sistema sócio-produtivo e a relação entre a
atualização dos capitais em investimento e o sistema político vigente.
Ao estudar5 o sistema de ensino em face ao sistema produtivo e as interações com o
mundo do trabalho, de onde se deriva a estruturação das classes sociais, foi possível avaliar
consequentemente a relação entre as práticas educativas na região, no nível superior, e sua
articulação dos níveis tecnológico e profissional, através da caracterização e representação do
setor da indústria intelectual numa fonte de trabalhadores para áreas em expansão no mundo da
produção local.
METODOLOGIA
Segundo Soriano (2004) “a revisão e análise da bibliografia começam pela leitura das
publicações que relacionam títulos e obras e artigos editados no país e no exterior (índices e
abstracts)”, segue-se uma descrição e caracterização da região e do sistema de ensino superior,
numa pesquisa na qual a introdução de pressupostos da Economia Política com a Sociologia
demandou um arranjo epistemológico que pudesse abarcar as peculiaridades do universo em
questão.
5
Para isso é preciso ter sólida preparação teórica-metodológica e a capacidade de interpretar criticamente os
processos sociais para que, com o concurso de uma imaginação criativa, se atenda ao mesmo tempo às exigências
científicas e ao interesse social. (SORIANO, 2004, p.42)
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
87 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Na prática, a formulação do problema tem início com a exposição, em termos gerais e
às vezes pouco precisos, da questão que se pretende estudar; conforme se avança no
processo de pesquisa, consultando dados empíricos e revendo considerações teóricas e
elementos históricos sobre o assunto, o problema começa a ser proposto de forma cada
vez mais clara e precisa. (SORIANO, 2004, p.48).
A aplicação de questionário com perguntas mistas, tanto qualitativas e quantitativas,
aliada a observação dos centros de ensino, feitas nas visitas realizadas foram fonte de orientação
para os posicionamentos revelados pela investigação em curso. Bem como análise de fontes
documentais de pesquisa secundárias também serviram de base para a construção do presente
artigo.
O cronograma das atividades durante o ano ocorreu em regime de oscilação em função de
contextos específicos do funcionamento da instituição onde a pesquisa teve origem – greves,
paralisações etc. – e do acesso às instituições e as problemáticas no alcance das informações
necessárias. No entanto, as demandas científicas foram cumpridas a fim de alcançar os resultados
esperados e poder contribuir para o avanço do acúmulo de conhecimento sobre o tema em
questão e a região em estudo. Ainda que
Dado muitas vezes o trabalho de campo, o processamento e análise da informação
retardam a pesquisa, é recomendável levar em conta esses inconvenientes e reservar um
período mais longo para sua execução; o que torna indispensável uma troca permanente
entre os integrantes da equipe interdisciplinar. (SORIANO, 2004, p.46).
Dessa forma, “depois de analisar o material bibliográfico e a informação obtida
diretamente da realidade”, nos utilizamos de análises documentais, observações e questionários,
enquanto materiais de pesquisa e meios para se obter as informações, recolher os dados, de
maneira que possam satisfazer determinadamente a pesquisa. Sendo fundamentais para a
pesquisa os dados das coletas que foram realizadas.
O pesquisador entende que a “técnica é um conjunto de regras e operações formuladas
expressamente para o correto uso dos instrumentos, o que por sua vez possibilita a adequada
aplicação do método ou dos métodos correspondentes” (SORIANO, 2004, p.66) logo,
característica mais importante no levantamento de dados.
O processo de análise documental girou em torno de fontes primárias e secundárias.
Inclusive o uso de questionários enquanto instrumento de coleta de dados. O questionário é um
meio de investigar que se aplica por via impressa preparada para receber respostas a todas as
perguntas necessárias a um levantamento, as quais foram anteriormente estruturadas e
organizadas na melhor ordem de maneira agradável para facilitar as respostas e o retorno. Assim,
deve-se estruturar um questionário de forma objetiva, direta e ligado ao objeto a que se direciona
a pesquisa. Além de preservar a identidade do entrevistado é composto por questões objetivas ou
subjetivas, em geral, de fácil assimilação e conversão dos resultados obtidos para posterior
88 relatoria, além de ser de baixo custo.
Ainda assim, Soriano nos alerta sobre as variedades e possibilidades de abordagens ao
objeto. E, já que, a pesquisa foi também composta pela observação que se configura enquanto
uma das mais tradicionais e notáveis fontes de dados em pesquisa qualitativa na área de
educação, esta acontece em face ao objeto de estudo, observando os elementos necessários para
que possa nos fazer chegar ao sucesso da investigação, a fim, de ser instrumento metodológico
de uma atividade científica, fazendo-se útil apoiar-se em fundamentação teórica relacionada à
natureza dos fenômenos ou manifestações a serem averiguadas, além de uma preparação
anterior, no intuito de não desligar-se do problema colocado pelo estudo.
“Logo
podemos dizer que o método consiste em critérios e procedimentos gerais que,
dentro do correspondente marco teórico, orientam o trabalho científico visando ao conhecimento
objetivo da realidade” (SORIANO, 2004, p.66). A observação, por ser dotada de certa
complexidade, apresenta-se enquanto instrumento da pesquisa atual e realizada de maneira nãoparticipativa, onde o observador analisa tudo de longe, não participa da atividade, não procura
interagir com o grupo avaliado.
Pretendemos, assim, dar a entender que, com o uso dos elementos teóricos e conceituais
disponíveis, o pesquisador pode estabelecer, por um processo discriminativo, as
variáveis independentes que teoricamente se mostrem mais relevantes para a formulação
das hipóteses (SORIANO, 2004, p.62).
Ao realizar de maneira direta e ao ser necessária para o exercício de captação do
metabolismo das instituições, a pesquisa não-participativa assegura um grau de intervenção
mínima representado pela autonomia relativa do pesquisador frente ao objeto, ainda que sem
garantir o anonimato, aborda-se uma quantidade de variáveis circunscritas no universo da ação
socialmente verificável. Logo:
Estabelecidos os limites teóricos e conceituais do problema e o âmbito que abrange a
pesquisa, segue-se a formulação do problema em termos operacionais, ou seja, a
definição de relações e elementos específicos de acordo com o contexto específico
histórico-social em que se analisa o problema. Para tanto, será feita a enunciação de
causas e efeitos possíveis, das formas com que se apresenta o problema, de suas
diversas manifestações e ligações e suas tendências prováveis (SORIANO, 2004, p.53).
Na determinação de certo número de amostra de IES compondo assim as unidades de
observação, foram tomadas como centrais para a escrita do artigo a FAMAM (Faculdade Maria
Milza), FADBA (Faculdade Adventista da Bahia) e SALT (Seminário Latino Americano de
Teologia) por detectar nestas a concentração de características fundamentais necessárias ao
estabelecimento da discussão.
DISCUSSÃO
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
89 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
As Ciências Sociais derivadas do movimento intelectual operada no seio da modernidade
abre para Sociologia e para Economia Política, prerrogativas de interpretação que se coadunam
no contexto das relações sociais, principalmente, no que tange a avaliação do trabalho e do seu
lugar na modernidade. Assim, a instituição de ensino superior, ente que liga educação ao
trabalho, e onde se realiza um trabalho altamente qualificado como o trabalho docente, encontrase enquanto espaço formador de intelectuais.
No caso do Recôncavo Baiano vamos observar em especial o caso da FAMAM –
Faculdade Maria Milza – como polo de dinamização das classes sociais da região. E o caso da
Faculdade Adventista da Bahia, ao estudar o poder social da religião, erigindo uma nova ordem
de poder pela competência intelectual. Pontos derivados da investigação tendo no escopo da
observação os pontos de vista ideológico, filosófico, religioso e intelectual busca-se a relação do
profissional e do pensamento com a realidade social do Recôncavo contemporâneo. Num diálogo
estabelecido entre produção científica – capital intelectual – conhecimento e informação –
mercadoria.
Ao entender capital intelectual enquanto fonte de poder político e simbólico, econômico e
cultural tendo como consequência a capacidade do trabalho intelectual de gerar uma elite local –
no sentido de emancipação – e transformações na estrutura social, se faz necessário perceber a
complexidade dos processos sócio-históricos do capitalismo, mais bem evidenciada quando, por
exemplo, observamos eventos como a Colonização e a escravidão. Nesse sentido questiona-se:
A falta de braços era realmente a questão? Estava de fato vazio o mercado de trabalho?
Qual era o projeto presente no imaginário das elites baianas? Quais as alternativas para
resolver o problema da mão-de-obra? Por que a mão-de-obra se constituía num
problema, era ele de natureza quantitativa ou qualitativa? (PASSOS DA CUNHA, 2000,
p. 25).
Se numa abordagem sobre a questão social do trabalho vivido no Recôncavo no final do
século dezenove, início do século XX, Passos da Cunha (2000) aponta críticas para justificativas
como "inadequação tecnológica", "condições materiais" que determinavam o movimento da
massa de trabalhadores gerada a partir do fim da escravidão e sem encaixe na nascente sociedade
capitalista em modernização no Brasil, podemos dizer que na atualidade o movimento por busca
por melhores condições de trabalho e convive numa espécie de relação direta entre complexidade
da mentalidade do ser social, proporcional e relativa à busca por melhores salários.
Antes, o fluxo de intelectuais em formação em migração para Feira de Santana e Salvador
– polos de formação intelectual mais desenvolvidos, centros de consumo de lazer e moda,
inclusive comércio e serviços a exemplo da educação superior – mobilizavam a estrutura da
economia e da sociedade, da região em estudo, região que agora vive uma mudança estrutural de
90 fundação de um projeto intelectual. O que nos faz produzir a expressão-pergunta: que "projeto de
futuro das oligarquias baianas" se apresenta para o Recôncavo?
Pensando em premissas sociológicas, Sérgio Miceli na introdução à obra de Pierre
Bourdieu, A Economia das Trocas Simbólicas (2009), apresenta um esquema teórico no qual
tem-se “um sistema de determinações da carreira escolar”:
a) ponto de partida do processo de reprodução – as classes definidas por características
econômicas, sociais, culturais, morfológicas e demográficas, dotadas de um ethos e de
um certo montante de capital econômico e cultural; b) os diversos graus do sistema
escolar – primário, secundário, superior, etc. – com suas respectivas para cada classe ou
fração de classe, sendo que, a cada etapa do processo, o aparelho de produção simbólica
– no caso em pauta, o sistema de ensino – se encarrega de atualizar o sistema de
determinações ligados à classes de origem em função do peso diferente que pode
assumir um dado fator tendo em vista a estrutura dos fatores retidos pelo modelo
construído no curso das diversos etapas mais elevadas dos cursos;[...]d) o ponto de
chegada do processo de reprodução que estabelece as margens de possibilidades para a
utilização profissional das qualificações obtidas no sistema escolar (MICELI, p.
XLVIII, 2009).
A leitura social realizada em função da “estruturação das experiências escolares” como
“principio de estruturação de todas as experiências ulteriores” inclusive as “experiências
profissionais” nos dão mostra que são estas as que mais nos interessam como fim atingido no
processo da educação (MICELI, 2009).
Numa dialética entre condições materiais de existência e questões como “hereditariedade
cultural”, “futuro de classe”, “carreira”, “trajetória social”, o estudo se encontra com a Cultura
no sentido em que esta se apresenta enquanto um “sistema simbólico como a representação
alegórica do mundo natural e social” que notadamente por questões materiais e econômicas é
“dividido em termos de classes antagônicas, cumprindo, portanto, sua função político-ideológica
de legitimar uma ordem arbitrária”.
Logo, ainda, nas palavras de Miceli (2009) sobre o pensamento social francês de Pierre
Bourdieu, “a cultura, restringe-se, então à sua função de integração lógica e moral reproduzindo,
com materiais significantes próprios, a classificação social que reparte os homens pela
hierarquia”, gerando a exemplo da divisão de classes, uma espécie de ordenação material que
justifica a ordem social vigente. Entende-se, portanto, que a escolha das possibilidades de
formação profissional ofertada pelas instituições pesquisadas reflete de alguma maneira as
relações de classe existentes entre o mundo do trabalho e o mundo da produção local,
determinando assim a formação social a partir das oportunidades de formação profissional que
estes estabelecimentos vendem.
Assim, justifica-se a assertiva “ao perder a função de unificar, ou pelo menos, de tornar
possível a comunicação, a cultura recebe uma função de diferenciação” (BOURDIEU, 2009;
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
91 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
p.220) como foi possível deduzir de Durkheim e a Divisão Social do Trabalho, bem como em
seus escritos sobre a Educação. Seguindo com Bourdieu (2009), é “como se a escola fosse um
império dentro de um império e como se a cultura encontrasse nela seu começo absoluto” logo,
no ensino superior podemos inferir que as formas da cultura estejam maduras de tal maneira que
o próximo passo, ao completar a etapa no sistema de ensino superior, seja o encaixe nos modos
de produção a partir do aproveitamento da força produtiva agora recentemente atualizada pela
potência do sistema de ensino-aprendizagem das instituições estudadas.
Instituições estas que são responsáveis não só pelo ensino da atividade produtiva, do
ofício da ação profissional, mas também responde pela “transmissão das normas, dos valores,
dos símbolos e das crenças, enfim da estrutura intermental sem a qual nenhuma sociedade pode
funcionar” (BOURDIEU, 2009). Funcionamento este que depende de um “treinamento” para
posterior ocupação de cargos e posições que demandam certo grau de educação – no sentido de
bildung6 – para o movimento econômico e desenvolvimento social numa sociedade burguesa que
demanda especialização de técnicos para serviços na indústria e na cidade.
Ao considerar a região enquanto um complexo em modernização, resultado de processos
de expansão do capital derivado de uma cultura “cosmopolita e transnacional”, o Recôncavo
preserva sua unidade político-econômica. Onde condições institucionais de formação apresentam
um cenário que
É constituído ou reforçado pelo sistema de ensino, profundamente marcado por uma
história singular e capaz de modelar os espíritos discentes e docentes tanto pelo
conteúdo e pelo espírito da cultura que transmite como pelos métodos segundo os quais
efetua esta transmissão (BOURDIEU, 2009; p.227).
A pesquisa procurou, com as ferramentas – visitas para observação em campo e aplicação
de questionários –, encontrar a relação estabelecida entre os cursos oferecidos, sejam
bacharelados, licenciaturas nas respectivas áreas do conhecimento, a que respondem as
instituições, e as formas da cultura que se elaboram no seio da sociedade local, elaborando dos
resultados ou produtos derivados da execução da pesquisa, elementos que sejam capazes de
indicar avanços obtidos no conhecimento disponível.
A operação do sistema social que dissimulada do sistema de relações objetivas,
estabelece as práticas profissionais frente às condições materiais de existência, expressando uma
estruturação social definida historicamente demarcada, a exemplo, no jogo entre o burguês,
classes inferiores e classes médias. Num universo de determinações e variação entre posição e
6
Fundação (Gründung), (Gestaltung) constituição, (Erziehung) formação, educação, (Wissen) cultura,
(Schulbildung) instrução. Auflage, PONS Standardwörterbuch Portugiesisch. Ernst Klett Sprachem GmbH, Stutgart
2007.
92 situação mediada pelo “sistema de relações de produção”, seja a noção de “insegurança
econômica” – determinada pelas condições materiais – revela a natureza do funcionamento da
estrutura social capitalista na modernidade.
Assim, se a noção de trajetória do processo social – imagem da ideia de totalidade –
produz o que podemos considerar como “a crença no valor da educação como instrumento de
ascensão social,” revela-se então a expressão sistemática da realidade econômica e social, num
conjunto entre condição e posição estrutural numa relação hierárquica entre classes e grupos de
status que se reflete pela dominação da ordem econômica.
Marcos teóricos nortearam a pesquisa, como a "necessidade de divisões e grupamentos",
bem como a apresentação da "lógica de dominação econômica ou política" fundamentadas no
pressuposto da reprodução social que apoia a reprodução cultural. Tendo a sociedade enquanto
sistema de relações, operando através de categorias, sob a forma de "arranjos institucionais" que
se manifestam "tanto no plano da divisão material como no plano da divisão simbólica".
A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso
nos grupos sociais fundamentais, mas é "mediatizada" em diversos graus, por todo o
contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são
precisamente "funcionários". (GRAMSCI, 1982, p.10).
Observando nesse contexto teórico, as interações entre atividade social e estrutura no que
tange o sistema de ensino e as implicações entre classe e grupo social. Nesse sentido emergiu no
universo de categorias investigadas a noção de "trabalho intelectual". Que é o significado
conceitual da atividade da educação diante do funcionamento do processo social capitalista já
que se entende como o aperfeiçoamento técnico científico para o encontro com o mundo do
trabalho e da produção.
Dialogando a ideia de "instrução técnico cultural" com o trabalho docente, responsável
pelo processo de formação e especialização que modelam os grupos sociais, leva-se em
consideração sua "função essencial no mundo da produção econômica", que então, sendo assim:
Quais são os limites "máximos" para acepção de "intelectual"? É possível encontrar um
critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades
intelectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modo essencial dos outros
agrupamentos sociais? O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, consiste
em se ter buscado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais
ao invés de buscá-lo no conjunto, ao que me parece, consiste em se ter buscado este
critério de distinção no que é intrínseco as atividades intelectuais, ao invés de buscá-lo
no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, portanto, os grupos que
as personificam) se encontram no conjunto geral das relações sociais (GRAMSCI, 1982,
p.10).
Não obstante, observa-se o processo em curso de expansão do sistema de ensino superior
na região em especial o de natureza privada, não só como representação do desenvolvimento da
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
93 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
estrutura produtiva local, mas sim uma forma de continuidade histórica diante das “mais
complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas” observadas a partir das novas
dimensões do mundo do trabalho, bem como os avanços no setor tecnológico e educacional.
Dando margem à origem de intelectuais urbanos no sentido gramsciano, voltados à
indústria e para a produção, atendendo a necessidade dos projetos políticos e de dominação das
elites que na fundação da produção demandam a formação profissional a serviço do sistema
social estabelecido, gerando “um modelo social na aspiração de sua condição e de melhorá-la”.
Tendo como observar de maneira profunda e, como que, em Gramsci (1982) “a formação
dos intelectuais tradicionais é o problema histórico mais interessante. Ele se liga certamente à
escravidão (...) e à posição dos libertos (...) na organização social” temos um diálogo com a
situação histórica da região do Recôncavo e a partir de onde se pode inferir que os cursos
ofertados na região também são sintoma de uma lógica onde a formação social se representa no
contexto especifico da formação em nível superior.
Vendo que a relação entre economia e educação é base fundante dos processos sociais e,
principalmente, de organização da cultura passemos adiante na fundação de um pensamento que
no intuito de avançar no campo científico vai operacionalizando suas hipóteses com relação ao
problema de pesquisa proposto. Para tal utilizou-se nos questionários as variáveis sobre a
educação inspiradas no questionário do INEP7 sobre a educação superior, em censo realizado
pelo Governo Federal, levando em consideração os indicadores sociais que se articulam com a
educação para gerar referências empíricas para pesquisa.
A saber, deu-se foco em descobrir nas instituições, através do questionário aplicado,
pontos como o nº de cursos e suas modalidades, o nº de vagas, o tipo de processo seletivo,
duração média dos cursos e se possui ou não pós-graduação. Podendo com essas informações
traçar um perfil e delinear um retrato, ainda que parcelar, da região do Recôncavo, sobre as IES
privadas. Além de realizar em lócus visitas que pudessem permitir a observação no sentido de
infraestrutura e outros sintomas que condicionam o funcionamento das IES. Observação esta que
serviu de instrumento de análise qualitativa das unidades de amostra do processo de pesquisa
empírico.
7
INEP. “Sinopse da educação superior no Brasil”. 2009. (Disponível em www.inep.gov.br)
94 Nesse universo de um recôncavo “afrobarroco”, derivado de um complexo processo de
organização social historicamente marcado pelo encontro de um grupo tradicional – os
ameríndios – que habitava a região pré-cabraliana, com as matizes de povos africanos
escravizados e europeus, asiáticos entre outras etnias importadas em instantes históricos
próprios. Distingue-se das outras regiões do estado, bem como da “Região Metropolitana de
Salvador, Litoral Sul, oeste e norte do estado.” Sobre a região estudada podemos dizer que
segundo Gustavo Falcón
O Recôncavo Baiano se impõe de forma ofuscante sobre as demais regiões do estado,
seja qual for a forma com a qual nos aproximemos desse espaço. Seja qual for o prisma
pelo qual o tema seja abordado. E isso é ais que compreensível. Fatores históricos,
econômicos, sociológicos, políticos, administrativos e culturais contribuem para realçar
a fisionomia do conjunto humano que se espalha nessa área litorânea, sublinhando a
sua importância no contexto da formação baiana e sua influência no plano nacional
(FALCÓN, 2012, p.21).
Levando em conta a “significação socioantropológica regional” identifica-se certa
hegemonia histórica na formação cultural do estado e que marcam suas relações políticoeconômicas consequente de seu processo de exploração produtivo pelo capital. Comentando a
leitura de Costa Pinto sobre a região, Falcón sugere que o autor
Sob um dos céus mais azuis do mundo, poetiza o sociólogo, a Baía de Todos os Santos
abre a grande boca e alarga o fundo colossal, em cujo costeiro recortado, que tem um
circuito de aproximadamente 200 quilômetros, abrem-se outras enseadas, esteiros,
angras, sacos e lagamares. (...) É nesse anfiteatro que o autor localiza as cidades
barrocas que os portugueses implantaram na América, fundamentalmente comerciais e
eu dão sustentação a sua economia, a um modelo de sociedade e certo estilo de vida
(FALCÓN, 2012, p.22).
Ainda no esforço de contextualização da pesquisa regional, com seus antecedentes
históricos e diálogos com as ciências sociais e humanas continuaremos com Falcón para ilustrar
que
Da mesma forma que a economia e a história – e de, alguma maneira, a sociologia –
tratam as questões estruturais ligadas aos processos mais amplos, respondendo pela
explicação da substituição do açúcar pelo petróleo, do trabalho escravo pelo assalariado,
do multicolorido sistema flúvio-marítimo do saveiro pelo transporte ferroviário e
rodoviário; a antropologia tem de olhar para os processos culturais ligados ao mundo
simbólico, estabelecendo a correspondência e a dialética entre planos e promovendo
uma leitura em diagonal do processo e da dinâmica da vida sociocultural. Da
convivência, mesclagem, mistura e sincretismo que nem sempre aparecem como
“precisões”, com a nitidez ilusória de apreciações de prancheta. Ao contrário: irrompem
com frescor e confusão, desafiando a inteligência de todos, de forma lacunar e
fragmentada. Demandando articulação e leitura crítica (FALCÓN, 2012, p.24-25).
Se nos lembrarmos que existe um número surpreendente
que surge na página, o
contingente de cerca de 49 mil estudantes universitários baianos, distribuídos em 108
instituições. Nessa microanálise sócio-histórica, a região caracteriza-se por ser
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
95 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Nesse espaço onde o tradicional e o moderno se entrelaçam e onde permanentemente a
criatividade artística e cultural inventa novas manifestações, a continuidade e a mudança
sempre estiveram presentes, como forças que dinamizam o processo produtivo no
campo material e simbólico. (FALCÓN, 2012, p.26).
Entre esses novos equipamentos culturais a FAMAM – Faculdade Maria Milza –
instituição de ensino superior, de natureza privada que apresenta relativo nível de interação com
a sociedade local, num sistema de ensino aprendizagem presencial, com cursos de duração média
de 4 anos, contemplando as modalidades de licenciatura, bacharelado e cursos de pós graduação
em nível de especialização, que tem ingresso por meio do vestibular, merece destaque no
organograma social da região no que diz respeito a seu viés de formação de profissionais em
nível acadêmico para áreas da saúde e com relevância operacional no sentido das licenciaturas
em ciências humanas, entendidas como ponto de partida para uma reflexão crítica da realidade
social vivida e as implicações históricas e políticas da região e seu contexto socioeconômico
atual, merecendo especial atenção a especialização em História e Cultura Afro-Brasileira,
Africana e Indígena que dialoga estreitamente com os dilemas étnicos expressos na região desde
sua origem até os dias atuais. Bem como o curso de Turismo que nasce aliado a vocação
cosmopolita e transnacional de que é dotada a região do Recôncavo Baiano.
Os recentes processos de modernização trouxeram novos dados ao caldeirão cultural do
Recôncavo da Bahia: novas tecnologias, migrações secundárias, reordenação do espaço
econômico, novos equipamentos, serviços, sonhos e utopias (FALCÓN, 2012, p.35).
Além dos bacharelados em ciências sociais aplicadas, ganha real valor no mercado a
formação de profissionais socialmente reconhecidos, e investidos de “prestígio e valor” como o
odontologista, o farmacêutico, o enfermeiro e o engenheiro biomédico na área de saúde. A
enfermagem ganha crédito na pós-graduação com vários desdobramentos, ressaltando seu
potencial de empregabilidade e renda para os profissionais formados nessa área. A questão da
docência em ensino superior é posta em debate em mais uma especialização oferecida pela
instituição o que representa um interesse na formação de docentes também para o nível superior
de ensino, chegando a ofertar 14 cursos lato-sensu, a FAMAM, como a pesquisa pode observar é
um conjunto de faculdades que reúne um complexo de ensino em diálogo com as necessidades e
potenciais da região que tem “suas atividades produtivas e cristalizações socioeconômicas
herdadas e fixadas numa tradição sub-regional.”
Do mundo escravista ao mundo capitalista, o Recôncavo Baiano não apenas acentuou a
sua influência no espaço da economia e da cultura do estado, como também acrescentou
a esse processo novas modalidades de hegemonia material e simbólica. (FALCÓN,
2012, p.39).
96 De tal maneira contempla-se um universo intelectual de 11 cursos de graduação, que são
eles: Bacharelado em Ciências Humanas Administração e Ciências Contábeis, Licenciaturas em
Educação Física, Geografia, História e Pedagogia além dos Bacharelados em Enfermagem e
Farmácia, Odontologia, Biomedicina e Turismo. Dos quais se desdobra um corpus da Pós
Graduação que contém desde especialização em Acupuntura, Bioestatística, Ciências da
Atividade Física e da Saúde, Docência do Ensino Superior, Enfermagem do Trabalho,
Enfermagem Pediátrica, Enfermagem em Urgência, Emergência e Unidade de Terapia Intensiva
(UTI), Farmacologia Clínica, Gestão Empresarial, Gestão de Pessoas até História e Cultura AfroBrasileira, Africana e Indígena, Psicopedagogia Institucional e Clínica, Saúde Coletiva - Com
ênfase em ESF, Segurança do Trabalho, Saúde e Meio Ambiente. Se ao falar em ensino superior
na região, no mínimo, a cargo de contexto dos investimentos em ensino acadêmico, comentamos
o caso da UFRB
que inclui quatro campi e levou para a região a perspectiva de formação profissional e
acadêmica para milhares de jovens. Seu impacto sociocultural e os efeitos positivos do
empreendimento já começam a ser sentidos, devendo contribuir para um intenso
processo de mudança social, com a elevação do nível cultural da juventude e os
desdobramentos no campo de ensino, da pesquisa e da extensão. A Universidade
Federal do Recôncavo tem ainda sentido integrativo mais forte, uma vez que vem
promovendo em várias áreas do conhecimento a articulação da região com outras áreas
onde estão implantadas universidades públicas, seja na Bahia, em outros estados e
mesmo fora do país. (FALCÓN, 2012, p.36).
Seguindo o raciocínio de Falcón, então já que este nos brinda intelectualmente com seu
ensaio, Recôncavo afrobarroco a face hegemônica da Bahia, quando diz que
Em municípios que estavam em total lassidão, como é o caso de Cachoeira, São Félix e
adjacências, esse tipo de equipamento cultural representou para a educação e as artes o
que a Petrobras representou, em termos econômicos, para a Bahia na década de 1950
(FALCÓN, 2012, p.36).
Trecho destacado, porque aparentemente condiz diretamente com nosso objeto de
investigação, ainda que ele faça referência ao “equipamento cultural” da IES de natureza
público, nosso entendimento se faz de igual maneira ao interpretar o fenômeno no caso das
instituições que compõem o campo controlado pelo capital privado.
Mesmo em cidades que já haviam alcançado dinâmica própria, por conta de um
desenvolvimento comercial e agrícola e de facilidades diante de algumas condições
estratégicas e fluxos produtivos bem sucedidos, como é o caso de Santo Antônio de
Jesus, o investimento no ensino superior significou um marco, um momento novo na
história local8. (FALCÓN, 2012, p.36).
Dessa forma em primeiro momento a investigação procurou caracterizar e descrever essa
realidade em face dos novos mecanismos técnicos-operativos, acadêmicos-científicos – a
exemplo do alargamento das fronteiras do ensino superior na modalidade privada – operados no
8
Grifo nosso.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
97 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
interior da dinâmica produtiva e suas implicações no mundo do trabalho para sociedade local e
adjacências.
Um caso a parte nesta dinâmica territorial é FADBA – Faculdade Adventista da Bahia – e
o SALT – Seminário Latino Americano de Teologia, que respondem por um complexo
institucional de 5 cursos de nível superior ao todo e uma especialização não informada no
questionário respondido pela Instituição. Possuindo uma licenciatura, revestido num curso de
Pedagogia, a concentração em bacharelados desde a Fisioterapia, Enfermagem na área de saúde,
Psicologia e Administração em humanas e Teologia no campo de formação para orientação
religiosa incidem de peculiaridades o estabelecimento investigado.
Com uma oferta de 647 vagas, sendo 120 vagas para Pedagogia, 150 para Teologia e 100
para Enfermagem, mais 100 entradas para Psicologia, e 100 para Administração enquanto são
oferecidas 57 vagas para Fisioterapia, o ingresso assim como na FAMAM é realizado pelo
vestibular. Funcionando há mais de 5 anos, com duração média de 4 anos para a conclusão dos
cursos, as IES’s de natureza privada funcionam em regime de educação presencial, apontando
um nível relativamente baixo de interação com a comunidade local, exceto os que comungam do
mesmo universo religioso, a saber, uma das vertentes do protestantismo de viés adventista.
Ampliando o raio de percuciência da investigação vamos inter-relacionar a teoria social
clássica de ordem weberiana, por tratar de razões que se assemelham as características peculiares
do objeto em questão com os elementos empíricos distintivos da nossa pesquisa. Assim nos
colocamos o desafio de conseguir reunir elementos e argumentos, aspectos e observações que
possam elaborar uma crítica análise da realidade social do Recôncavo no que pese o recorte
empírico e sua singularidade e aproximação possível com fragmentos da obra A ética protestante
e o espírito do capitalismo, do sociólogo alemão Max Weber.
É preciso, então, tendo em vista a rigidez metodológica, contida no arcabouço da
investigação weberiana, encontrar o que vem a ser o chamado "geist" do sistema social moderno,
de onde se infere que a concatenação de traços históricos, econômicos, políticos e religiosos que
se aglutinam para dar uma forma sociológica bem acabada do que Weber denominará cultura
capitalista moderna. Já vimos acima esses elementos descritos, agora o que importa é saber onde
a formação social oriunda da orientação intelectual influenciada pelo poder da religião se
distingue da organização da cultura local tradicional frente as suas implicações.
Assim a emergência de um ethos próprio para o modo de vida de inteiros grupos
humanos tem por base uma sustentação histórica no desenvolvimento e renovação das formas do
trabalho além de contar com uma "habilidade peculiar de cálculo para obtenção de lucro" no
âmbito da atividade comercial. Essa caracterização para o pathos protestante no contexto da
98 gênese e relações de causalidade que possibilitaram a expansão de tal "espírito do capitalismo",
que observa-se nas questões materiais e simbólicas que regem os adventistas, o que permite
perceber onde está a aparição de "um [novo] estado mental", uma cosmovisão que aceita-se e
melhor adapta-se as novas regras econômicas e políticas da sociedade em desenvolvimento, a
sociedade capitalista contemporânea.
A cosmologia protestante, puritana, calvinista entre outros segmentos possibilitou por
parte de seus seguidores a prática de uma espécie de "instinto de aquisição", aliado a doutrina do
ascetismo, determinaria segundo Weber o acúmulo por parte dos protestantes e explicaria seu
sucesso em relação aos católicos nos postos de trabalho e no processo de formação educacional
entre o gymnasium e os outros centros de formação acadêmica e técnica voltada para o mercado.
De forma que essa tal "fome de riqueza", baseada no espectro religioso, com o sustentáculo
intelectual, concretizou a passagem de uma consciência pré-capitalista para a "capitalista" que
segundo Weber afastar-se-ia das explicações de ordem materialista, consolidando-se enquanto
uma bela crítica ao materialista histórico.
Introduzimos assim o debate à lógica weberiana, temos o atrelamento da confissão
religiosa e estratificação social, de forma que os protestantes se desenvolveram economicamente
na direção de postos de trabalho elevados das grandes empresas, além de aparecerem
socialmente enquanto proprietários do capital, empresários formando uma espécie de camada
superior, e caracterizando-se também como mão de obra qualificada técnica ou comercialmente.
Ocorrendo assim, no interior da dinâmica capitalista baseada no trabalho, certa
reorganização da população em camadas sociais e profissionais segundo as suas necessidades. O
que por sua vez aparece enquanto causa, mas também consequência do fenômeno histórico em
estudo que é a redefinição das formas estruturais da organização sócio-econômica na
modernidade.
Do ponto onde se opera o rompimento de visão de mundo conservantista, dotada de um
arcaísmo para com a compreensão manifestação da modernidade na prática da vida social, no
que toca suas relações e modos operandi no bojo de uma passagem na qual “a reforma significou
não tanto a eliminação da dominação eclesiástica sobre a vida de modo geral quanto a
substituição de uma forma vigente por outra”. Logo, observa-se no conjunto de valores e ethos
que se elabora nessa “substituição” que por sua vez “penetrava todas as esferas da vida
doméstica e pública até os limites do concebível”, nos permitindo inferir das palavras de Weber
(1980, 2010) que com o trabalho não foi diferente, o que no nosso caso se representa no processo
de formação intelectual originado dentro de uma comunidade religiosamente orientada.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
99 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
No campo das doutrinas religiosas durante os períodos de dominação católica que
segundo os textos da ética, dão conta do século XV seguido pela dominação calvinista nos
séculos XVI e XVII ilustrando dessa maneira uma crítica a insuficiência de dominação
eclesiástico-religiosa, pois que nos seio da sociedade protestaniza se formularam as [classes
médias] “burguesas”. Atrelando diretamente a formação social a influência da cultura seja
intelectual e/ou religiosa.
Desencadeando assim a dominação cultural “consequência da superioridade estatística de
seu cabedal historicamente herdado” gerando diferentemente dos católicos, que geravam –
mestres artesãos –, o pathos protestante permitiu a formação de um grupo de trabalhadores que
podem vir a ser identificados como “operariados qualificados” e também ao passo ocupantes de
“postos administrativos” – dirigentes tecnicamente respaldados, o intelectual orgânico no sentido
gramsciniano elaborado no interior de grupos sociais específicos, que neste caso são os
protestantes – o que configura certa capacidade de liderança e por sua vez possibilidade de
emergência da classe dominante através da dominação do processo produtivo.
Entendendo todo esse processo como resultante de uma “peculiaridade espiritual
inculcada” que possibilitou a “escolha da profissão pela educação” num tipo de “destino
profissional”, o que sobremaneira concretiza o “racionalismo econômico”, e que por sua vez se
distingue do “materialismo”, pois que se baseia na “secularização dos conteúdos da vida”
(WEBER, 2010). Sendo assim avistamos como e porque os protestantes podem ser entendidos
como “detentores do desenvolvimento industrial moderno”. O que se revela na instituição
adventista como pioneirismo há mais de 30 anos que se desenvolve na região.
A compreensão do real vem com o estabelecimento do construto epistemológico posto
entre objeto, sentido e explicação. O espírito do capitalismo, imbuído da natureza do objeto,
revela o objetivo conceitual posto entre a individualidade histórica e a significação cultural – o
fenômeno histórico – apresentado, ou seja, o que compõem o corpus de “conexões genéticas
concretas” dando aspectos que delineiam caracteres que imperam no sistema social como:
“avareza, crédito, interesse, posses, dever” passam a definir a “essência da coisa” como um jeito
de ser em função de um “ethos do ganho” que cristaliza o leitmotive do “utilitarismo”
(WEBER,1980, 2010).
Essa índole pode ser apontada como razão para o sucesso do empreendimento
educacional, se observar que a instituição funciona em regime de empresa, comercializando a
educação e o trabalho docente. Dessa maneira recorremos ainda ao conceito de vocação em
Lutero bem como a racionalização para explicar o processo em observação.
100 A tentativa de descrever o racionalismo econômico como a feição mais
destacada da vida econômica como um todo tem sido feita particularmente por
Sombart, muitas vezes através de observações judiciosas e efetivas.
Justificadamente, sem dúvida, se por isto se entender a extensão da
produtividade do trabalho que, através da subordinação do processo de produção
a pontos de vista científicos, o tem aliviado de sua dependência das limitações
orgânicas naturais ao indivíduo humano. Este processo de racionalização no
campo da ciência e da organização econômica determina indubitavelmente uma
parte importante dos ‘ideais da vida’ da moderna sociedade burguesa. (WEBER,
1980, p.203).
Ampliando o campo de visão da elaboração, tanto para a epistemologia, quanto para a
metodologia, vemos o pensamento sociológico apontando para investigação do processo de
interação e desenvolvimento social em questões com bases na objetividade científica na
determinação de relações entre religião e realidade social ao passo que se vê também a
emergência do trabalho e da economia como normas centrais da cultura capitalista
contemporânea.
O trabalho a serviço de uma organização racional para o abastecimento de bens
materiais à humanidade, sem dúvida, tem-se apresentado sempre aos representantes do
espírito do capitalismo como uma das mais importantes finalidades de sua vida
profissional. Basta, por exemplo, ler a relação que faz Franklin dos seus esforços a
serviço dos melhoramentos comunais em Filadélfia para compreender claramente esta
virtude óbvia. (...) Similarmente, ela é uma das características fundamentais de uma
economia capitalista individualista, racionalizada com base no cálculo rigoroso, dirigida
com previsão e atenção para o sucesso econômico que é procurado, em chocante
contraste, com a precária existência do camponês e com o tradicionalismo privilegiado
do artesão da guilda e do ‘capitalismo aventureiro’, orientado na exploração de
oportunidades políticas e na especulação irracional. (WEBER, 1980, p.203).
Assim fundindo argumento e conceito, categorias e método, nos encontramos diante de
um quadro da consolidação do tempo em que a História reaparece com pressuposto para a teoria
sociológica clássica além de remontar os pontos de interpretação sobre bases onde uma tal
sociologia da religião toma forma de projeto intelectual que fundamenta tanto o trabalho como as
condições materiais a partir do estudo dos fenômenos da vida religiosa para explicar a expansão
da economia capitalista em variados contextos e sob formas peculiares, como no nosso caso da
comunidade de adventistas no Recôncavo da Bahia.
A busca por uma compreensão da conduta econômica dos indivíduos em relação à ética
protestante, especialmente a adventista. O que para Weber estabelece uma relação de causalidade
entre a prática religiosa e acumulação de capital, formação intelectual e a postura de alguns
empresários adeptos a seitas puritanas contribuindo com operações no sistema produtivo e no
mundo do trabalho para a consolidação do sistema econômico vigente na modernidade.
Afirma-se então que as instituições capitalistas como a instituição de ensino superior
privado, em estilo grande empresa, constituem a prova objetiva da racionalização do sistema
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
101 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
qualificado por modelos precisos e eficientes. O que nos falaz lembrar sobre a situação da
universidade as palavras de Marilena Chauí9 (2001) que nos diz que "está estruturada segundo o
modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia
como meio e as leis do mercado como condição."
Nessa relação das condições sociais e religiosas favoráveis ao capitalismo do “tipo
típico” ocidental, verifica-se este enquanto especifico frente análises da China, Índia ou em
países que praticam judaísmo. Problematizando atitude peculiar em relação ao trabalho e suas
implicações na arena da religião, doutrinamento do trabalho a Deus, além de apontar o êxito
econômico como símbolo de escolha para salvação, assim o trabalho se torna indubitavelmente o
meio pelo qual se chega ao salvador.
Possuindo então no individualismo uma espécie de derivação psicológica que favorece a
consolidação com o “compromisso eterno” posto diante da fé e que só se alcança diante da
superestima do trabalho, desse jeito temos em Weber um apurado senso critico que busca
demonstrar a relação direta entre atitude religiosa e o comportamento econômico que a
instituição em questão é um sintoma objetivo deste construto teórico metodológico.
Poderia, assim, parecer que o desenvolvimento do espírito do capitalismo seria melhor
entendido como parte do desenvolvimento do racionalismo como um todo, e poderia ser
deduzido da posição do racionalismo quanto aos problemas básicos da vida. Nesse
processo, o protestantismo deveria apenas ser considerado à medida que se constituiu
num ‘estágio historicamente anterior’ ao desenvolvimento de uma filosofia puramente
racional. Qualquer tentativa séria, porém, de desenvolver esta tese evidencia que um
modo tão simples de colocar a questão não daria resultado simplesmente por causa do
fato de a história do racionalismo apresentar um desenvolvimento que absolutamente
não segue linhas paralelas nos vários setores da vida. (WEBER, 1980, p.203).
A direção dos interesses individuais depende do compartilhamento coletivo de uma visão
de mundo e da conduta econômica numa tal gestão consciente e interessada dotada de
especialização na exploração, agência e manipulação dos “bens de salvação” que sobremaneira é
o que se vê na organização daquela comunidade religiosa. E o trabalho como eixo que força, que
transforma o ideal em real, justifica, regula e normatiza as condutas sendo a chave explicativa do
todo que se elabora em torno do modelo de vida que permite conhecer as práticas e as
motivações que as antecedem bem como as ordens e os elementos que compõem o capitalismo
enquanto cultura, parte dum fenômeno histórico moderno e sociológico, pois, que se entrevê no
que sobra da obra de Max Weber as fontes de manutenção do sistema de reprodução social que
persevera no organograma do ocidente, o capitalismo em suas metamorfoses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
9
CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2001.
102 A caracterização de uma parcela do sistema de ensino superior privado no Recôncavo da
Bahia, permitindo descrever o funcionamento do ensino superior no interior da Bahia, bem como
diferenciar o setor no público e privado, traçar contornos da formação de mão de obra para o
mercado de trabalho elencando, capacitação e qualificação como face do setor produtivo e sua
influência e relação com a formatação social no contexto das classes sociais, foi realizada, na
expectativa de lograr êxito, no intuito de colaborar para o aprofundamento da visão analítica
sobre a realidade social sustentada em sólidas bases empíricas.
Retornando em certa medida ao debate de Antunes (2000) sobre o lugar da ciência
enquanto força produtiva, reavaliando a relação entre trabalho e avanço técnico-científico em
âmbito regional, no contexto do ensino superior, revelando a ciência, no sentido de produção de
conhecimento e capital intelectual e cultural, como determinada por bases materiais, sob as
quais, se vive uma espécie de tecnologização da ciência nos termos do pensador húngaro István
Mésáros.
A expansão do trabalho intelectual, e sua aplicação sob a forma de serviços e bens
imateriais, como a educação, são reflexos da esfera informacional no sentido de formamercadoria do trabalho na atual era do capital, enquanto produção de valor para o conteúdo do
trabalho, apresentando assim transformações nas práticas de exploração do capital que se imbrica
e metamorfoseia numa lógica na qual a noção ampliada de trabalho e de produção de
mercadorias e de capital, se apresenta como tendência do trabalho intelectual abstrato no
contexto de gestação de conhecimento, inovações para a produção de mercadorias e novas
formas de capitais, apropriando as “capacidades cognitivas” alienando a subjetividade do
trabalhador a alguma atividade especializada em função do sistema produtivo. O que permite
justificar, na atualidade, cada vez mais a dependência entre os processos de produção do trabalho
intelectual com as demandas do mundo da produção já que o trabalho vem a se tornar cada vez
mais intelectual e assim não é diferente na região investigada. É preciso, de fato, relatar as
implicações da realização de um trabalho de natureza teórica-empírica no que pese a coleta de
dados específicos através dos quais se foi possível articular teorias que, no diálogo entre as
Ciências Sociais e a Economia, pudessem dar conta do problema proposto. Sem falar na
resistência das instituições procuradas em colaborar com a realização da pesquisa. No mais,
ressalto a necessidade de que se fosse possível ter havido mais tempo para ampliar os
referenciais empíricos e alargar o horizonte da pesquisa que por conta da amplitude do universo
de unidades de observação ficou concentrada num número reduzido de amostras, as quais
poderiam ser em numero bem maior.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
103 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
A ausência da realização de trabalhos técnicos no contexto da pesquisa, por ventura de
desajustes no quesito cronograma de produção de conhecimento e capacidade de apresentação de
resultados no decorrer da pesquisa, sem falar em um período de 12 meses onde a regularidade do
funcionamento da instituição onde foi gestada a pesquisa, inviabilizou em maior grau a
organização das atividades planejadas como seminários e simpósios sobre o tema em questão.
Aliás o que por demais inviabilizou a relação teórico-prática do processo de pesquisa foi a
burocratização do acesso as informações desejadas frente as instituições. Logo, ao passar do
tempo, a pesquisa reconheceu as limitações processuais do seu desenvolvimento, desdobrando-se
no presente artigo.
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V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
105 O DISCURSO ELEITORAL E A INFLUÊNCIA DO MARKETING NA GESTÃO
GOVERNAMENTAL
Alessandro Gomes1
Késia Stéphane Figueiredo Ferreira2
Resumo
Este trabalho apresenta uma análise do discurso dos dois principais candidatos a governador do
Estado do Espírito Santo no ano de 2010, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) e Renato
Casagrande (PSB), nos dois últimos programas da propaganda eleitoral gratuita na televisão. O
artigo toma esses programas como objetos de análises, juntamente, com a análise do discurso dos
principais candidatos a governador do Estado do Espírito Santo no ano de 2014, Renato
Casagrande (PSB) e Paulo Hartung (PMDB), no último programa da propaganda eleitoral
gratuita na televisão. O artigo traz uma trajetória da construção destes discursos e a influência do
marketing na gestão governamental. Os dados foram coletados e analisados através de
observação individual e pesquisa bibliográfica dos principais jornais do Espírito Santo. Para
embasamento teórico buscou-se, autores clássicos como: Aristóteles, Antônio Suárez Abreu,
Muniz Sodré, Isabel Florinda Furini, Eni P. Orlandi entre outros, com vistas ao entendimento
que envolve a oratória e o Marketing.
Palavras-Chave: Análise de discurso. Discurso. Retórica. Marketing Político Eleitoral.
1 INTRODUÇÃO
Em2010, no Espírito Santo, a disputa para Governador era acirrada entre Luiz Paulo
Vellozo Lucas e Renato Casagrande. Os discursos dos candidatos marcam uma época, visto que,
tanto no âmbito estadual quanto no nacional, esta disputa vem depois de um governo de oito
anos (eleição e reeleição) e entre os dois principais polos partidários do Brasil naquela época PT e PSDB.
Na campanha eleitoral, o trabalho de marketing é intenso e de curto prazo; a campanha
precisa ser bem planejada e ter discursos persuasivos para atrair os eleitores, uma vez que o
discurso é uma das ferramentas usadas em campanhas eleitorais. A função dele é persuadir o
interlocutor e mostrar que um candidato está mais preparado para assumir determinada posição
do que o outro.
Para a construção do discurso, também é levado em consideração seu foco. Pode ser o
fortalecimento de imagem, venda do produto (candidato), esclarecimentos ou prestação de contas
1
Professor do departamento de Comunicação e Administração da Faculdade Novo Milênio, bacharel em
Comunicação
Formada em
e mestre
Publicidade
em Ciências
e Propaganda
das Religiões
pela –Faculdade
Linha Análise
Novo
do Milênio,
discurso -pós-graduada
pela FaculdadeemUnida
Marketing
de Vitória
pelaUniversidade de Vila Velha - UVV.
2
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
106 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
de um período governamental. Mas, tudo precisa estar de acordo com o seu público-alvo,
podendo ser, por exemplo, um grupo de estudantes, um sindicato ou ainda para fiéis de uma
igreja.
Marketing Eleitoral é a aplicação das técnicas de Marketing ao processo de disputa por
cargos eletivos. É uma área de cruzamento do Marketing Político com o Marketing
Pessoal, dado o alto grau de personalização de uma campanha, quando a imagem
pessoal do candidato torna-se tão ou mais marcante do que as idéias que defende.
(VAZ, 2003, p.186).
Existem muitas estratégias para conquistar o voto do eleitor. Numa campanha eleitoral
cada detalhe influencia a visão que as pessoas terão daquele candidato. Como se veste e se porta
e, até mesmo, seu passado pode virar estratégia de ataque do adversário para enfraquecê-lo. Seus
quatro anos de mandato também devem ter uma estratégia de marketing. Nesta perspectiva,
buscaremos identificar quais foram às estratégias discursivas usadas pelos candidatos para a
construção dos discursos a fim de conquistar o eleitorado capixaba.
Para entender o ambiente da pesquisa e quais foram essas ferramentas, foi preciso
conhecer as características básicas de discurso, análise de discurso e retórica, além de analisar a
propaganda eleitoral televisa das últimas duas semanas anteriores à eleição do ano de
2010.Foram utilizados como base os dois últimos VT’s da propaganda eleitoral gratuita,
antecedentes à eleição, por ser a reta final da campanha. O trabalho foi realizado através de
observação individual. De modo qualitativo, este trabalho foi pesquisado, também, dentro do
grupo caracterizado como exploratório citado abaixo:
[...] empregam-se geralmente procedimentos sistemáticos ou para obtenção e
observações empíricas ou para as análises de dados (ambas, simultaneamente). Obtêmse frequentemente descrições tanto quantitativas quanto qualitativas do objeto de estudo
fenômeno, fato ou ambiente observado. Uma variedade de procedimentos de coleta de
dados pode ser utilizada, como entrevista, observação, participante, análise de conteúdo
etc [...] (Tripodi et Alii,1975 apud MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. 1999, p.87).
No ano em que concorreu a reeleição, o discurso do governador do Estado, Renato
Casagrande (vencedor das eleições em 2010),sofreu atualização nesta pesquisa através do
pronunciamento televisionado no final do ano de 2013, (publicado no YouTube em 01 de janeiro
de 20143) onde ele apresenta os principais avanços do Estado e as medidas tomadas para resolver
os problemas ocasionados pelas fortes chuvas que atingiram o Espírito Santo. A atualização do
discurso também foi realizada a partir do último programa eleitoral gratuito na televisão, no ano
3
https://www.youtube.com/watch?v=yXS7SDgq7MQ.
107 de 2014. Pois, marca a disputa entre Renato Casagrande4 e Paulo Hartung5 (vídeos
disponibilizados no YouTube dia 29 de setembro e 01 de outubro de 2014).
2 DISCURSO
O discurso não é uma fala despreocupada, pois o emissor quer chamar a atenção dos
ouvintes para aquilo que ele irá enunciar e assim tentar convencer o interlocutor sobre
determinada ideia. Para Barros (1993), o discurso é uma exposição preparada de pensamentos,
segundo as leis da retórica, com a finalidade de esclarecer, convencer ou comover a quem ouve.
A retórica é um ato de persuasão, de convencimento, ou seja, não necessariamente o que é dito é
uma verdade absoluta, mas a maneira como algo é dito pode se tornar verdadeiro pela força de
afirmação. “A política é um dos campos mais destacados para os oradores. A força da palavra, o
gesto grandiloquente, os termos claros e energéticos, as frases estéticas são elementos da oratória
política” (FURINI, 1999, p. 57).
O discurso falado, além de ser mais livre permite certos desvios que não podem ser
materializados na modalidade escrita. Como diz Barros (1993 p.86), “certos erros que na
linguagem escrita são intoleráveis, na linguagem oral constituem apenas ligeiros deslizes”. Os
discursos que são objetos deste artigo foram escritos pelas respectivas equipes de campanha dos
candidatos, mas isso não significa que os discursos não sejam a personificação de quem o fala,
afinal foram interpretados por eles no ato da gravação. Completando este pensamento, é
importante salientar que o discurso reflete o próprio sujeito. Ele é, além da expressão, o espelho
daquele que emite a mensagem. A esse respeito Orlandi (1999, p.16) diz que o discurso está na
relação do homem histórico com a sua “realidade natural e social”, assim não podendo tratá-lo
isoladamente.
Outra observação importante é quanto aos elementos que estão fora do discurso, mas que
lhe são complementares. Dentre eles, destacamos o cenário, as cores, os jingles, etc. Juntos, estes
componentes formam uma estrutura que dá suporte imagético ao discurso, fato que favorece o
seu trabalho persuasivo. Tudo isso faz do discurso um trabalho estético elaborado, Barros
(1993)tratadas quatro etapas básicas do esquema Aristotélico(exórdio, narração, provas e
peroração), as quais retomamos e destacamos a seguir:
4
https://www.youtube.com/watch?v=S0YDyXWdCB8&list=PLWg1QOQaMUKxzTXqrVKbD_ozFSjmeDHuS&in
dex=8.
5
https://www.youtube.com/watch?v=bvSlIghL8js.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
108 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Quadro 1 – Esquema Aristotélico.
Exórdio
Narração
Provas ou a
exposição
Peroração é a
conclusão da
oratória
O início do discurso. É a partir dele que se desperta a curiosidade no ouvinte, pois sua
função é de atrair e chamar a atenção.
Deve ser clara e ter verossimilhança, de acordo com a posição em que se está narrando.
Se for o gênero judiciário6, e se a posição é de defesa, a narração deve expor os fatos
de acordo com este objetivo. Entretanto, é importante lembrar-se do cuidado para que a
exposição de fatos, de contar a história, não seja tão exagerada e acabe denotando um
tom falso ou teatral. A narração não é obrigatória em um discurso. ”O gesto, a
expressão do rosto, o fogo do olhar [...]. Contudo, não se deve abusar desta maneira de
descrever as cenas, porque evoca muito de perto o teatro [...]” (BARROS, 1993, p.69).
Recursos úteis para a argumentação na exposição das provas. Segundo Barros (1993),
podem ser definições; analogia, contradição e diferenças; as causas e os efeitos; e
testemunhos humanos. Esses recursos servem para conduzir uma argumentação. Por
exemplo, é possível defender uma posição mostrando as causas e os efeitos benéficos
que ela traz ou usando a contradição. Se for uma posição de ataque, mostrar as causas e
os efeitos que outra ideia poderá trazer. As provas podem ser objetivas quanto
descritivas e elas precisam ser reais.
O orador fez uma introdução de modo a atrair o ouvinte, depois apresentou os fatos e
as informações descritivas e objetivas; agora é preciso finalizar, reafirmar tudo o que já
havia dito e encantar o ouvinte. Neste caso, o momento das demonstrações já é
passado, agora é preciso afirmar e apelar para a razão e para a paixão. Na ótica de
Barros (1993), as duas partes que compõem a peroração são o epílogo e o fecho. O
primeiro é uma revisão dos fatos principais de forma objetiva e firme, esta é a parte da
razão. O fecho é a parte onde o orador expõe o sentimento com a finalidade de
comover o ouvinte e esse sentimento será voltado de acordo com o assunto, visando o
lado social ou religioso, por exemplo.
Fonte: Quadro elaborado pelo autores.
3
ANÁLISE DO DISCURSO
Além de a análise do discurso contribuir com o estudo da ciência dos signos iniciada no
século XX, ela nos ajuda a entender que “[...] o discurso é lugar em que se pode observar a
relação entre língua e ideologia” (ORLANDI,2001, p.17). Segundo Bakhitin (1999, p.15) “o
signo é ideológico”. Ou seja, o signo não está ali somente para nomear alguma coisa, ele
expressa uma ideia, um comportamento de alguém ou de um grupo social. Para Orlandi (2005) a
análise do discurso apresenta, a partir de determinada época, novos locais de discussão do
discurso, o que revela a forte presença da ideologia.
Nos anos 60, a análise de discurso se constitui no espaço de questões criadas pela
relação entre três domínios disciplinares que são ao mesmo tempo uma ruptura com o
século XIX: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise (ORLANDI, 2005, p.19).
Isso quer dizer que as palavras são carregadas de sentido e que o homem, caracterizado
como sujeito discursivo, trabalha através do inconsciente e da ideologia. Assim, a linguagem
6
Gênero judiciário ou forense: gênero discurso voltado para o passado, visa buscar a verdade dos fatos.
109 também é um sistema de comunicação com ideologia, com construções sociais de cada local, de
cada grupo social.
Através da linguagem comunicamos nosso saber, conhecimentos, experiências, aptidão,
pensamentos, ideias, teorias, sentimentos, impressões, sensações, etc. (FURINI, 1999, p.
132).Por meio do discurso se fala com determinado grupo social, e a maneira como ele é feito e
para quem é feito pode dizer o seu propósito e em qual esfera social que o ouvinte e/ou orador
está.
O analista de discurso também procura saber o que não foi dito. O não dito pode
aparecer, por exemplo, como pressuposto: “deixei de fumar”. Sabe-se que se alguém parou de
fumar é porque fumava antes (o dito), mas o motivo pelo qual deixei de fumar (não dito, mas
presente) é pressuposto, fica subentendido (ORLANDI, 2005). É por isso, também, que a análise
de discurso não visa encontrar um significado único, mas sim, funções que ajudem a identificar
uma linha de objetivos. O mesmo texto pode ser analisado várias vezes e de formas diferentes.
Até mesmo a entonação da fala no discurso pode ser uma função, deixando implicitamente o que
se quer.
3.1 Figuras, gêneros e cânones
Segundo Abreu (2001, p.105) as figuras retóricas possuem um poder persuasivo
subliminar, ativando nosso sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções. As
figuras se dividem em figuras de som como a aliteração; figuras de palavra como a metáfora;
figuras de construção como a anáfora e a concatenação e figuras de pensamento como o
paradoxo. Existem muitas outras figuras, e serão esclarecidas de forma sucinta as mais
identificadas na análise deste trabalho. Mas, além das figuras, existem os gêneros da retórica que
apesar de diferentes podem estar misturados em uma mesma mensagem.
Leach (et al.,2004) diz que os gêneros ou estases da retórica são o deliberativo, o
judiciário ou forense e o demonstrativo ou epidêitico. O primeiro pode ser encontrado no cenário
político, orientado para o futuro - decide-se, aconselha-se sobre alguma coisa particular ou de
interesse público (deliberar, decidir); o segundo é encontrado na arena dos tribunais, orientado
pelos acontecimentos passados em busca da ¨verdade¨ - admite a acusação e a defesa; o terceiro
é orientado para acontecimentos no presente, admite a censura e o elogio, exemplo: cerimoniais
de premiação. Há elementos essenciais para o primeiro passo de exploração em uma análise
retórica, esses elementos são os Cânones(regras ou leis) retóricos (LEACH, et al., 2004):
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
110 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Quadro 2 – Cânones (regras ou leis) retóricos (LEACH, et al., 2004).
Ethos
Pathos
Logos
Está relacionado com o caráter da pessoa.
Significa paixão, ou seja, a presença do pathos num discurso remete ao apelo emocional. “A
publicidade está cheia de exemplos desse tipo de argumentação” (LEACH, et al., 2004, p.
302).
Radical bastante conhecida, advinda, também, do grego e que significa lógica/razão; é o
discurso por meio dos próprios argumentos lógicos e verdadeiros ou próximos da verdade.
Fonte: Quadro elaborado pelo autores.
Entende-se, que a boa retórica é aquela que preconiza a verdade demonstrando os fatos a
partir de uma boa argumentação. A persuasão, na demonstração da verdade ou o que parece ser a
verdade, surge com o caráter moral, atingindo os ouvintes quando esse discurso leva a sentir uma
paixão (tristeza ou alegria, amizade ou ódio entre outros sentimentos dicotômicos). Pode-se
perceber a diferença da retórica clássica e a que é usada hoje nos discursos políticos. Entre a
mentira e a dissimulação, encontra-se a retórica, mentir é diferente de dissimular, porque
dissimular é omitir fatos e não inventar fatos.
A dissimulação é diferenciada da mentira e tomada como meio honesto e necessário ao
governo para ocultar seus segredos seja por meio do silêncio seja por meio do equívoco
(MÍSSIO, acesso em 12 mar. 2011).
O uso do afeto, o ato de persuadir em uma campanha política, pode criar uma atmosfera
na qual o candidato é aquele que irá aplicar novas políticas públicas e consertar os erros do
passado. Pode-se perceber isso em algumas promessas.
Em contrapartida, os eleitores, em muitas ocasiões, nem se lembram em quem votaram.
“Quando as pessoas não têm memória do passado, visão de presente nem adivinhação do futuro,
o discurso enganoso em todas as facilidades” (PLEBE, 1978, SANTOS, acesso em 03 dez.
2010).
4 PARAMETROS PARA ANÁLISE DO DISCURSO DOS CANDIDATOS
Neste artigo realizaremos a análise do discurso dos candidatos com base nos conceitos de
ethos, pathos e logos. A análise de discurso feita será baseada nos conhecimentos adquiridos e
nos conceitos apresentados, como os três cânones (ethos, pathos e logos). Além dessas técnicas,
a voz, o olhar, os gestos têm papel importantíssimo na composição do discurso. “Os meios de
expressão do orador são a voz e os gestos” (FURINI, 1999, p.24). Mas, isso não que dizer que
111 gritos e gestos bruscos, por exemplo, comoverá a plateia, o espectador. Esta junção forma o
sentido, a emoção e é transmitida ao público.
As figuras de retórica servem para dar mais vida ao discurso. Entretanto, nas conversas
do dia a dia, as pessoas as usam sem perceber. A seguir há um quadro com uma pequena
descrição sobre algumas figuras identificadas neste trabalho. Na análise, alguns verbos serão
citados (no infinitivo), já que os verbos são palavras que exprimem ação, estado, mudança de
estado ou fenômenos da natureza. (SARMENTO, 2005).
Também, em alguns trechos, aparece o uso do advérbio, pois a sua natureza sintática e
semântica o uso do mesmo pode trazer mais intensidade à oratória. As principais locuções
adverbiais e advérbios são de tempo, modo, lugar, afirmação, negação, intensidade e dúvida.
Para mostrar a utilização no discurso, em algumas passagens os advérbios serão citados.
A utilização de todos esses recursos para compor o discurso não está restrita ao gênero
deliberativo, eles podem aparecer em outros gêneros linguísticos e, além disso, também na
publicidade, a fim de persuadir o consumidor. Será necessário, na análise, colocar algumas
palavras, em Caixa Alta para simbolizar, alguns dos trechos que os candidatos enfatizam. Os
trechos foram transcritos conforme legenda dos programas.
Quadro 3 – Figuras de linguagem e pronomes “eu” “nós”:
ANÁFORA
CONCATENAÇÃO
COMPARAÇÃO
INTERROGAÇÃO
EXCLAMAÇÃO
Pode ser a repetição de várias ou de uma palavra no início de diferentes frases,
mas do mesmo trecho. “[...] é a repetição da mesma palavra no início de frases
sucessivas, ou de membros sucessivos, em uma mesma frase” (ABREU, 2001,
p.125). Exemplo: Quero lhe ajudar muito esta semana. Quero trabalhar. Quero
também ter tempo para descansar.
(ABREU, 2001, p.128) “Concatenação consiste em iniciar uma frase com uma
palavra do final da frase anterior”. Exemplo: A melhor coisa é a felicidade. A
felicidade está dentro de nós.
Para não ser confundida com a metáfora, pode-se distinguir a comparação
quando há presença de uma junção comparativa, ou seja, ela não está
oculta(como, tal qual, assim como, etc.). “Salienta as semelhanças, relaciona
ideias, pessoas e coisas. Auxilia o orador oferecendo pontos de referência
válidos para o discurso” (FURINI, 1999, p. 137). Exemplo: “Que a saudade dói
como um barco, que aos poucos descreve um arco[...]” (HOLANDA, Chico
Buarque. Pedaço de Mim, 1978).
A interrogação colabora para despertar o interesse do receptor da mensagem,
entretanto, como figura, não tende a ser respondida, como explica Furini (1999,
p. 134): É utilizada para dar força e vivacidade ao discurso. A pergunta chama a
atenção. Ajuda a despertar o interesse dos participantes. Para ser figura, a
pergunta não deve ser realizada esperando uma resposta, mas sim para intimar
mais e criar expectativa. Exemplo: O que você quer ser? Você é um ser humano
ou uma máquina?
Como a interrogação, a exclamação também pretende chamar a atenção do
receptor. Tende a retratar o sentimento vivo. (FURINI, 1999, p. 135) “Esta
figura serve para mover afetos. O volume da voz é alto é
Continua...
enfático”. Exemplo: Eu sei o quero e está decidido!
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
112 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
GRADAÇÃO
HIPÉRBOLE
IRONIA
METONÍMIA
METÁFORA
PRONOME “EU”
PRONOME “NÓS”
É uma sequência de ideias crescente ou decrescente (SARMENTO, 2005).
Exemplo: A projeção das pessoas umas nas outras as deixa cegas de raiva, de
amor, de prazer...como queira.
(BARROS, 1993, p.103) “[...] consiste no exagero artístico e pensado, com o
fim de produzir maior impressão no espírito”. Exemplos cotidianos: já disse
milhões de vezes isso; esperei três mil horas para chegar ao trabalho. Estou
morrendo de fome.
É quando se fala algo de uma forma contrária ao sentido real, forma contrária ao
sentimento ou pensamento daquela fala. (BARROS, 1993, p.102) “[...] exprime
o contrário daquilo que as palavras dizem no sentido natural”. Exemplo: você
faltou à prova, mas é claro que pode fazê-la uma semana depois.
É a substituição de um termo pelo outro. Exemplo: Li Machado de Assis. Na
realidade, leu a obra de Machado de Assis. (ABREU, 2001, p.111) “[...] é o uso
da parte pelo todo”.
A metáfora é comparação ousada. Existe vários tipos de metáfora, há presença
delas em poesias, letras de músicas, por exemplo. Barros (1993, p.97) diz que
“consiste numa comparação arrojada”. Como: “Que a saudade é o revés de um
parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu” (HOLANDA, Chico
Buarque. Pedaço de Mim, 1978).
Furini (1999, p. 142), “[...] a primeira pessoa no singular isola o orador”.
Diferente do uso da primeira pessoa no plural. Isso quer dizer que tem um valor
pessoal sobre aquilo que é falado. “Isso pode ser um recurso para enfatizar
algum mérito [...]”. (FURINI, 1999, p.142). Mas o uso constante do “eu” pode
afastar o público. Exemplo: Eu quero trabalhar nesta escola tão bem como
trabalhei nas outras.
No uso de pronome nós, remetendo a um grupo ou a campanha do candidato e à
sociedade, o candidato chama o eleitor para participar como se fizesse parte
mesmo, desta, isso cria uma aproximação entre o eleitor e candidato. Furini
(1999, p.142) “o comunicador dirá “nós” quando quer criar um ambiente
agradável e de camaradagem. Se for político empregará o “nós” quando falar em
nome do partido ou de seus companheiros”. O “nós” dá uma visão de
proximidade, de amizade. Exemplo: Nós vamos trabalhar juntos para melhorar
este município.
Fonte: Quadro elaborado pelo autores.
5 ÚLTIMO PROGRAMA ELEITORAL - TELEVISAO – 2010
5.1 Candidato Renato Casagrande - 27 de setembro de 20107
Assunto –Eleições: Renato Casagrande conclui a campanha como limpa e respeitosa,
apresentando propostas para a continuidade de um governo. Ataca, indiretamente, o adversário.
Visão de união e trabalho para essa continuidade. Verbos: dizer, reclamar, avançar, ir, superar,
discutir. Trechos e análises:
“As eleições estão CHEGANDO. E nessa RETA FINAL podemos dizer COM muito
ORGULHO que fizemos uma campanha LIMPA. Uma campanha RESPEITOSA com os
adversários e PRINCIPALMENTE com o POVO capixaba” (Tempo: 00’10” – 00’22”). Sua fala
7
https://www.youtube.com/watch?v=EpraNqAkr3o
113 é como se fosse uma conclusão de todo o trabalho realizado na campanha. Uso de concatenação,
pronome “nós” e do advérbio.
“Nunca
fui
de
reclamar,
nem
de
fazer
acusações”
(Tempo:
00’35”
–
00’38”).Indiretamente se dirige à campanha do PSDB: Advérbio de negação. O candidato do
PSDB, por diversas vezes, faz acusações, relembra o passado de Casagrande quando este estava
no poder e os problemas daquela gestão, além de atacar o PT, no âmbito estadual, principalmente
a administração da Prefeitura de Vitória. Assim, parece dar um tom um pouco irônico.
“E eu acredito que só com essa visão, com essa postura diante da política e da vida é
que a gente pode ir ainda mais longe (Tempo: 00’55” – 01’02”). Renato Casagrande diz que
acredita na união e, no final, sempre reforça com a ideia de continuidade, de ir mais longe.
Assunto - Agradecimento - O candidato diz que foi novamente a todos os municípios do
Espírito Santo, e afirma poder ter visto a confiança que as pessoas depositavam no governo dele.
Confiança de que a campanha está no caminho certo. Fala sobre oportunidades iguais para todos
os capixabas e os agradece pelo apoio. Verbos: debater, ouvir, agradecer, dar, desperdiçar, unir,
construir, ter, somar. Trechos e análises:
“(...) para a construção de um Espírito Santo cada vez mais forte e mais igualitário”
(Tempo: 06’34” – 06’38”). A continuidade que seu governo vai dar. “Quero agradecer aos
HOMENS e MULHERES de TODAS as regiões, de todos os CANTOS desse nosso ESPÍRITO
SANTO, pelo APOIO que RECEBI ao LONGO dessa caminhada” (Tempo: 07’08” – 07’19”)./
“Vocês mostraram, mais uma vez, como é importante a gente se unir, trabalhar juntos, somar
forças na construção e de uma vida melhor para todos. Muito obrigado pelo carinho e pela
confiança! Ainda temos muito futuro para construir juntos. E podem ter certeza ainda vamos
muito mais longe”(Tempo: 07’21” – 07’43”).
Agradece ao povo capixaba. Nesta parte há presença maior do Pathos, da parte final do
discurso conhecido como fecho e também há presença do pronome “nós”; fala individualmente
com cada espectador/eleitor quando usa o “você” dando o sentido que, sem os eleitores, o grupo
de eleitores, não seria possível entender como é importante a união, ou seja, um sentimento de
necessidade para com o eleitorado. E a exclamação, auxiliados do tom de voz, reforçando mais
ainda a questão do afeto.
5.2 Candidato Luiz Paulo Vellozo Lucas - 27 de Setembro de 20108
8
http://www.youtube.com/watch?v=2dbqLmF5Vz4
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
114 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Assunto - Ataque à gestão adversária: novamente fala sobre os problemas com o
aeroporto, estradas e o porto de Vitória. Pede o voto para presidente e governador. Verbos:
saber, estar, reconhecer, oferecer, votar. Trechos e análises:
“A INGRATIDÃO é uma falha de CARÁTER. O PT NUNCA teve capacidade de
reconhecer os MÉRITOS do Plano REAL e das reformas feitas na época do Fernando Henrique
cujos resultados vêm até hoje”. (Tempo: 01’21” – 01’36”). O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso fala sobre a posição do PT, noticiado também no jornal A Gazeta de 19 de abril de
2011: “O Lula que era contra a privatização, agora está em Londres falando para Telefônica e
ganhando R$ 100 mil. O filho dele é sócio de uma empresa de telefonia”. FHC disse ainda que
nos seus dois mandatos como presidente que foram iniciados os programas sociais ampliados
com a marca do governo Lula: “Me elegi duas vezes presidente. Fiz políticas sociais e quem
começou todos esses programas de bolsas foi o meu governo”.
“(...) Obras faraônicas, devendo na praça (...)” (Tempo: 00’56” – 00’58”). Hipérbole,
com a finalidade de produzir maior impressão sobre o assunto.
“Os partidos da base governista têm que assumir responsabilidade pelo descaso com que
o Espírito Santo vem sendo tratado. É o lanterna dos investimentos federais” (Tempo: 01’03” –
01’12”). No discurso do adversário, os recursos federais trazidos para o Estado, por Casagrande
são ressaltados. Mas a afirmação de Luiz Paulo encontra algum fundamento: na reportagem
publicada no Jornal A Gazeta de 02 de novembro de 2010 (matéria feita após as eleições)
aparece o seguinte:
O governo Dilma começará com um débito histórico com o ES: aeroporto paralisado,
dragagem do porto de Vitória interrompida pelo TCU em agosto passado
("sobrepreço"), e edital não publicado da concessão da BR 101 - promessa de mais de
uma década. Mesmo assim, ainda se imagina que o "superporto" será viabilizado pelo
governo federal. A BR 101 evidencia a discriminação do ES [...]Com investimento da
União diminuto, o Espírito Santo está sempre na lanterna, mas figura entre os dez
estados que mais contribuem com tributos federais.
No entanto, é importante ressaltar que o citado acima é apenas uma ilustração da relação
da fala do candidato com o que saiu publicado na imprensa logo em seguida. Tal pode ser objeto
de outra análise. “Na certeza de que o Espírito Santo pode mais, porque o Espírito Santo quer
mais. No dia 3, 45”(Tempo: 02’09” – 02’14”). Entende-se que pode ser de continuidade ao
Governo, entretanto no discurso completo, Luiz Paulo ataca o PT e o ex-governador Paulo
Hartung, se o entendimento fosse de continuidade ia se tornar contraditória, portanto é possível
entender que o Espírito Santo pode e quer mais do que foi feito, como se o que foi feito,
115 significasse pouco diante da capacidade do Estado. Neste dia, as propostas de Luiz Paulo
aparecem nos VT’s, ele usa o discurso para lembrar o trabalho do PSDB junto ao Governador e
fala contra o PT.
Sempre abusando do olhar, do tom de voz e dos movimentos com a cabeça, Luiz Paulo
reforça seu discurso. Neste dia ele se refere ao ex-governador Paulo Hartung, afirmando que o
PSDB foi fundamental para a recuperação das finanças públicas e participou com o exgovernador deste trabalho. Entretanto, afirma que o governador mudou de lado, por ter apoiado o
PT em Vitória, e agora a coligação adversária para governador. Neste dia ele pede o apoio das
pessoas, pede o voto para governador e para presidente do Brasil (José Serra).
5.3 Candidato Renato Casagrande - 29 de setembro de 20109
Assunto- Agradecimento e pedido de voto: o discurso de Casagrande é dividido em
quatro partes, sendo que, no final, após um VT, ele faz um agradecimento formal. Entre os
discursos, o VT produzido com depoimentos e várias imagens do Espírito Santo. Neste dia, o
discurso é basicamente para pedir o voto, pedir o apoio do eleitorado capixaba, aqueles que já
decidiram o voto na tentativa de influenciar seus amigos, parentes indecisos, ainda, para votarem
nele. Fala muito em dar continuidade ao trabalho do governo de Paulo Hartung e das coisas que
conquistou como governador. Verbos: dizer, chegar, conhecer, produzir, levar, fazer, entregar,
ser, der, quer, ter, consolidar, conquistar e enfrentar. Trechos enfatizados e análises:
“As pessoas quando confiam no seu TRABALHO, as pessoas depositam MUITA
expectativa naquilo que você pode produzir. E MUITOS me pediram, mas MUITOS mesmo me
pediram para que eu EXERÇA um governo que ATENDA aos segmentos mais VULNERÁVEIS,
às pessoas mais necessitadas. MUITOS me pediram ISSO” (Tempo: 02’39” – 03’05”). Tanto a
concatenação como a anáfora, são recursos que o orador usa para prender a atenção do ouvinte.
Trecho bastante enfatizado.
“Eu acho que é um importante eu dizer para pessoas o que é preciso para se chegar a
uma candidatura de governador, com possibilidades, com chances de vitória” (Tempo: 01’20” –
01’31”). / “Terceira condição é ter aliança política e ter uma tese política” (Tempo: 01’ 58” –
02’ 02”).Pronome “eu”, parece expressar a opinião dele. O candidato parece evitar o confronto
direto; muitas vezes, ele diz o que ele faz e o que é preciso fazer, e não o que o adversário deixa
de fazer. Desta maneira, parece induzir ao eleitor ao raciocínio de afirmação em relação ao que
Casagrande diz.
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https://www.youtube.com/watch?v=cp8jVW3Jkt8
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
116 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
“O Estado está organizado, está equilibrado financeiramente. O Estado está com
capacidade de investimento em diversas obras”. (Tempo: 03’48” – 03’59”). Anáfora,
concatenação e advérbio.
“(...) se a população me der oportunidade de chegar ao governo no Estado” (Tempo:
04’54” – 04’57”). / “Quero ser governador para continuar honrando o povo capixaba, quero
ser governador para continuar honrado a minha família, os meus filhos” (Tempo 05’24” 05’34”).
Repetição de palavras e uso do pronome “eu”, denotando mérito futuro ou valor
pessoal. Continua com os recursos de repetição na propaganda eleitoral deste dia; mas a
produção foi diferenciada dos outros programas, pois parece que Renato Casagrande está
respondendo a um entrevistador (que não aparece no vídeo).
O candidato fala com firmeza, com gestos mais rápidos do que nos outros programas,
(geralmente texto lido), mas parece dar um tom de espontaneidade ao discurso. O interessante
nesse vídeo é a presença do apelo emocional, da presença do afeto, já comentado neste artigo,
tanto no discurso quanto na construção imagética (VT). Esta é a parte final de toda propaganda
eleitoral gratuita daquela eleição de 2010. Ali são reiterados os pontos objetivos que no discurso
podem ser entendidos como epílogo e, principalmente, o fecho, que é parte sentimental, a
aproximação com o público que o vê ou que o ouve. Este último VT nem parece uma
propaganda política, parece um clipe sobre o Espírito Santo, a trilha sonora não é o jingle da
campanha, como vinha sendo até aqui. Neste programa a música escolhida parece religiosa. O
cânone pathos tem maior presença nesse momento. Os gestos de Casagrande também se
diferenciam dos outros programas, pois, ele usa ainda mais os gestos feitos com as mãos, abusa
da expressão facial e dos movimentos do tronco.
Perguntas: “Terceira condição é ter aliança política e ter uma tese política” (Tempo: 01’ 58” –
02’ 02”). Como fica a questão da oposição em relação à aliança política? Se não houver
oposição, não há porque ter disputa. Em relação à tese política, em que sentido o candidato tenta
colocar isso? Dizendo que o adversário não tem tese política, não tem projetos para o Estado?
5.4 Candidato Luiz Paulo Vellozo Lucas - 29 de Setembro De 201010
Assuntos-Agradecimento e pedido de voto: como o Candidato Renato Casagrande,
Luiz Paulo também utiliza seus últimos minutos na propaganda eleitoral televisiva para
agradecer, e, de certa forma, retomar tudo o que já havia falado nos outros programas, reiterando
seu pedido de voto. Usa a reportagem do Jornal “Data Folha" (SP) para mostrar o crescimento do
10
http://www.youtube.com/watch?v=5yq_u2E6B9c
117 candidato à Presidência, José Serra, aliando a imagem dos dois, ou seja, estão no mesmo
caminho, do mesmo lado, além disso, ele parece querer reforçar a imagem do candidato à
presidência. A utilização dos jornais como fontes de pesquisas serve, muitas vezes, como prova
para embasar o discurso dos candidatos. Verbos: ser, debater, ouvir, chegar, falar, responder,
fazer, viver, escolher. Trechos enfatizados e análises:
“Mas esse ESTADO não pode ser o MESMO em que mães continuam CHORANDO
pelos filhos MORTOS pela violência do TRÁFICO. Não pode ser o MESMO em que pais
continuam SOFRENDO, com filhos no COLO, à espera de um atendimento médico
DEMORADO e RUIM” (Tempo: 02’21” – 00’35”). Neste trecho o candidato usa concatenação,
anáfora e advérbio.
“Durante toda a campanha eu conversei olho no olho com você, meu amigo, minha
amiga. Falei que sinto e penso, diretamente, sem rodeios. Não disse que fiz coisas que outros
fizeram para que eu parecesse uma pessoa que não sou. Não mostrei o mundo cor-de-rosa”.
(Tempo: 00’38” 00’55”). Advérbio. Este trecho estimula intimidade com o eleitor quando Luiz
Paulo diz: “meu amigo, minha amiga”. E principalmente faz referência ao discurso de seu
adversário, Renato Casagrande, num tom irônico, uma vez que este sempre tenta mostrar coisas
que foram realizadas com o seu apoio durante o governo de Paulo Hartung e que poderão ser
continuadas caso vença as eleições. Entretanto, não faz as críticas de forma direta como em
outros programas. “Qual é o Espírito Santo que você quer? No dia 03 de outubro você vai
responder essa pergunta”(Tempo 03’24” – 03’31”). Interrogação, tentando despertar atenção
das pessoas.“(...) pessoas não tenham um futuro, mas sim vários” (Tempo: 04’13” – 04’16”).
“(...) você pode escolher esse Estado para você. Vote 45” (Tempo: 04’51” – 04’54”).
Imperativo.
As argumentações dos dois candidatos estão carregadas de forte apelo emocional. Talvez
isso ocorra devido ser este último da propaganda eleitoral televisiva antes das eleições; a
oportunidade é para retomar o que já foi dito e usar a emoção para persuadir o eleitor (epílogo e
fecho). Luiz Paulo continua na mesma linha de discurso oposicionista, entretanto, de forma mais
sutil. Luiz Paulo usa a face, os olhos e os movimentos da cabeça, para dar mais sentido ao
discurso (face e fala estão unidas no discurso).Além disso, na metade do VT há uso do BG
enquanto o candidato discursa (nos outros VT’s não havia), o discurso em alguns momentos
aparece em off, ou seja, aparecem apenas voz do candidato e imagens de outras pessoas ede
lugares do Espírito Santo. Neste momento em que a imagem dele está oculta, a trilha musical
também não é o jingle da campanha, o som é parecido com uma música clássica, chamando ao
sentimento.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
118 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Perguntas: “Não disse que fiz coisas que outros fizeram para que eu parecesse uma pessoa que
não sou. Não mostrei o mundo cor-de-rosa”. (Tempo: 0’’48” – 0’’ 55”).“Mas esse Estado não
pode ser o mesmo em que mães continuam chorando pelos filhos mortos pela violência do
tráfico. Não pode ser o mesmo em que pais continuam sofrendo, com filhos no colo, à espera de
um atendimento médico demorado e ruim”. (Tempo: 0’21” – 0’36”). No mesmo dia, Luiz Paulo,
de forma indireta, tenta atacar o adversário com coisas que ele teria falado e que não foram feitas
por ele, e também, fala dos problemas como a violência e mau atendimento médico. O que é
prioritário para avaliação de um governo? A economia? A paz? A saúde?
Algumas vezes a campanha eleitoral parece ser mais um espetáculo, com recursos dos
mais variados para atrair a atenção do eleitor. Parece que tendem a encantar as pessoas com todo
aquele frenesi. Será que o mundo “cor-de-rosa” que Luiz Paulo diz, faz parte deste espetáculo?
A partir das análises dos trechos dos dois últimos programas da propaganda eleitoral
gratuita na televisão em 2010. Segue análises sobre o pronunciamento do então governador,
Renato Casagrande e, posteriormente trechos do último programa da propaganda eleitoral
gratuita na televisão, em 2014.
6 PRONUNCIAMENTO DO GOVERNADOR RENATO CASAGRANDE DE FIM DE
ANO, PUBLICADO NO YOUTUBEEM 01/01/2014. VT DE 2’’.
Assunto - pronunciamento do final do ano- Resumo das conquistas nas áreas
prioritárias do governo, porém o assunto principal foi às fortes chuvas do final do ano. Verbos:
concluir, alcançar, poder, dever, decretar, buscar, iniciar, ir, estar, querer e renovar. Análise:
“Capixabas, concluímos hoje um ano de muito trabalho e GRANDES realizações. Na
saúde, na educação, na segurança pública, na infraestrutura, em todas as áreas da
administração estadual. São conquistas que alcançamos juntos, que se devem ao esforço de
todos e, por isso mesmo, PODEM e DEVEM ser comemoradas por todos. Infelizmente, fomos
surpreendidos neste final de ano pelo maior desastre natural de nossa história recente. Uma
tragédia que levou dezenas de vidas e causou destruição numa escala inédita” (Tempo: 0’04’’ –
0’38’).O Governador inicia o pronunciamento com o pronome na terceira pessoa do plural,
denotando ações e méritos do grupo, denotando que o trabalho e a conquista foram de todos os
capixabas, ou seja, levando os cidadãos como parte daquele trabalho. Utiliza também a gradação
crescente reforçando a ideia de somatória. Termina puxando para o maior problema de 2013 para
119 o Espírito Santo que foram as fortes chuvas. Neste momento usa o recurso do pathos, chamando
para a emoção.
“Decretei situação de emergência EM TODO O ESPÍRITO SANTO, para agilizar as
ações de socorro e acolhimento às milhares de famílias desabrigadas. Essa continua sendo
nossa prioridade MÁXIMA. Mas já começamos a buscar alternativas para que essas famílias
possam refazer suas vidas no menor prazo possível, e já iniciamos, também, o processo de
reconstrução do nosso Estado. Estive em TODAS AS REGIÕES e pude ver de perto a extensão
do trabalho que nos espera. Mas NÃO TENHO DÚVIDA de que vamos superar juntos mais esse
desafio”(Tempo: 00’39’ – 01’14’’).Neste momento, alterna entre a primeira pessoa do plural e a
primeira do singular, demonstrando a ação e a autoridade do governador para diante do
problema, quer dizer, àquele que faz. Mas destaca que a reconstrução do Estado é de todos
(nossa) e que a prioridade continua sendo as chuvas, para o grupo de trabalho daquele governo,
ou seja, não é só dele, neste caso envolve outras pessoas.
“A emocionante corrente de solidariedade que se formou nos últimos dias mostra
CLARAMENTE a FORÇA de nossa união. A FORÇA do povo capixaba. Estou colocando todos
os recursos de que dispomos a serviço da reconstrução do nosso Estado. E, se Deus quiser, as
marcas dessa tragédia logo serão só uma lembrança dolorosa para nós. Muito obrigado a
todos, CAPIXABAS E BRASILEIROS de todas as partes, pela solidariedade e pelo apoio. E que
o Ano Novo renove nossas esperanças, nossa força e nossa confiança no futuro” (Tempo:
01’15’’ – 01’52’’).Concatenação para ligar as ideias. Finaliza agradecendo e utiliza o fecho na
conclusão, ou seja, expõe mais o sentimento, visando comover o ouvinte e retoma a utilização no
pronome em terceira pessoa do plural.
7 ÚLTIMO PROGRAMA ELEITORAL - TELEVISAO – 2014
7.1 Candidato Renato Casagrande - 19º Programa De Televisão
“A eleição está chegando e fica cada vez mais claro que existem dois projetos MUITO
DIFERENTES nessa disputa. De um lado, um modelo de gestão que implantamos no Espírito
Santo. Fundado na transparência, na parceria com os municípios, no compromisso com as
famílias e no MAIS ABSOLUTO RESPEITO AO DINHEIRO PÚBLICO. Do outro, um governo
ARROGANTE que serve apenas a um pequeno grupo de AMIGOS e familiares”(Tempo: 03’17’’
– 03’46’’).Gradação crescente dos adjetivos do modelo de governo que Casagrande defende e
comparação do governo anterior com do que ele administra.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
120 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
“Um governo que, durante OITO ANOS, virou as costas para a saúde, não investiu na
segurança e deixou escolas abandonadas por TODO O ESTADO. E isso num período em que a
economia brasileira cresceu como nunca. Você sabe que eu governo em hora de muita
dificuldade. Mas, mesmo assim, em menos de quatro anos, fizemos os maiores investimentos
sociais de TODA NOSSA HISTÓRIA. Em saúde, em segurança, educação e qualificação
profissional”(Tempo: 03’47’’ – 04’20’’). Utilização de advérbios para trazer mais intensidade ao
discurso, gradação reforçando as melhorias nos diversos segmentos do governo. Busca falar
individualmente com o eleitor quando utiliza você e usa o pronome eu, trazendo a ideia de
mérito.
“Mudamos para melhor a vida dos capixabas, EM TODAS as regiões. E é pra concluir
esse trabalho que peço o seu voto, o voto da sua família, dos seus amigos e dos seus vizinhos.
Pois é assim, juntos que vamos seguir em frente”(Tempo: 04’21’’ – 04’39’’). Pronome nó
reforçando possivelmente a ideia do grupo político e da aproximação do candidato com o povo.
Faz o desfecho pedindo o voto do eleitor e dos familiares e amigos. Final muito comum nos
discursos políticos, especialmente, nos últimos programas eleitorais. As palavras em caixa alta
são para marcar trechos mais enfatizados pelo candidato, não só o tom da fala, mas o movimento
da cabeça e a expressão fácil.
Apesar de tentar manter o mesmo tom na fala, em 2014 o candidato a reeleição, Renato
Casagrande, assume em seus programas e em alguns debates, uma postura bem diferente da
primeira candidatura ao governo do Espírito Santo. Sem gravata bordô, aparece mais despojado
em seu último programa eleitoral, mesmo assim mantém uma das cores mais usadas pelos
candidatos, inclusive pelo seu adversário, camisa de botão azul claro. Apesar de ser o último
programa, no qual os candidatos resumem suas propostas e tendem a ter um fecho mais voltado
para o pathos, grande parte de seu 19º programa, está focado na estratégia de ataque ao seu
adversário, resumo de suas realizações e em três propostas: uma para a mobilidade urbana com a
volta do aquaviário; para a educação com o projeto da Universidade Estadual e para a segurança
com o programa de integração das policias capixabas.
Comparando com o último programa do candidato no ano de 2009, Renato Casagrande
em 2014, pede o voto ao eleitor, usa o pronome na primeira pessoa do plural para reforçar a ideia
de proximidade e de união com a população capixaba, mas os recursos emocionais estão bem
diferentes e menos intensos. Usa o seu tempo também para tentar uma comparação do governo
atual com o modelo anterior.
Perguntas: se o governo inicialmente era de continuidade, por que agora o candidato tenta
mostrar que em seu governo a administração foi melhor?
121 O jogo político, por vezes, faz com que candidatos adversários estejam no mesmo palanque. Será
que a aliança entre Paulo Hartung e Renato Casagrande mais do que uma conveniência foi uma
obrigação?
7.2 Candidato Paulo Hartung - 19º Programa De Televisão
“Chegamos ao final de nossos programas. Confesso que estou MUITO alegre e
confiante. CONFIANTE porque fui compreendido nas minhas propostas de campanha pelo
nosso querido povo. ALEGREpelo carinho, peloAFETO que recebi de TODOS por onde
passei”(Tempo: 03’20’’ – 03’37’’) utiliza o pronome nós para se aproximar do eleitor e em
primeira pessoa do singular para dizer do seu sentimento individual. Concatenação repetindo e
reforçando a confiança que o candidato está sentindo.
Vi nos abraços afetuosos, no sorriso, no aperto de mão de cada capixaba um sentimento
de esperança, de um futuro melhor para os nossos filhos e netos. É isso que me dá energia para
essa nova caminhada. Quero mais uma vez, pedir o SEU APOIO, O SEU VOTO para que juntos
a gente possa colocar novamente o nosso QUERIDO ESPÍRITO SANTO no RUMO certo, no
RUMO do desenvolvimento. MUITO OBRIGADO e que Deus abençoe a todos nós.(Tempo:
03’38’’ – 04’48’’). O candidato mescla a utilização da primeira pessoa no singular e no plural.
Busca a ideia de proximidade com os capixabas, com o grupo, mas não deixa de mostrar o
sentimento individual. Advérbio e gradação para dar a ideia de somatória e prender a atenção do
ouvinte.
Este programa eleitoral também mostra a trajetória de vida de Paulo Hartung, desde onde
nasceu até onde começou sua vida na política. Focou também seus méritos como prefeito de
Vitória e governador do Espírito Santo. O candidato tem o semblante calmo e alegre. Fala
sempre com um sorriso no rosto e só altera a voz para enfatizar algumas palavras (como algumas
que estão em caixa alta, nos trechos acima). Este último programa é marcado pela forte presença
do afeto, do apelo emocional. Neste discurso é há mais presença do fecho do que epílogo. Há
mais pathos do que ethos. O programa termina com a trilha do jingle de campanha pelo som de
violinos. Lembrando uma orquestra. A partir dos estudos realizados, pode-se dizer que a junção
desses recursos aproxima mais o eleitor. É interesse perceber ainda, que este último programa de
Paulo Hartung segue uma linha muito parecida com o último programa de Renato Casagrande,
porém em 2010.
Pergunta: apesar de sua aprovação e de mostrar uma postura serena em seu programa, o excandidato e atual governador, também ficou conhecido no Espírito Santo, como imperador, pela
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
122 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
sua maneira de governar. Será que quem tentou mostrar um “mundo cor-de-rosa” nessa eleição
foi Paulo Hartung?
8 CONSIDERACOES FINAIS
Uma campanha eleitoral parece mais um espetáculo. Mas é preciso considerar que existe
um planejamento de campanha, um trabalho árduo para se vencer uma eleição que vai além do
discurso, ou seja, exige-se um marketing estratégico. Todavia, é através do discurso que as
pessoas enxergam o candidato, independente se este estará na TV, no rádio ou fazendo algum
discurso de improviso em praça pública, pois, quem fala é o candidato, quem deve atingir a
emoção da massa é o candidato. Tanto Luiz Paulo quanto Renato Casagrande são pessoas
reconhecidamente com história política e assumiram discursos de acordo com o seu lócus
(aliança política ou oposição).
Nos VT’s, os dois candidatos, na maior parte das vezes, tentavam comprovar o que
estavam dizendo através dos principais jornais do Espírito Santo, dos VT’s e utilizavam a
presença de outras pessoas para dar credibilidade, o que pode servir para fazer as pessoas
ficarem mais dispostas a ouvir o que eles diziam. Luiz Paulo era mais espontâneo em seus
discursos. Em alguns momentos chegava a parecer que estava falando de improviso, sem uso do
teleprompter, (pode ou não ser usado, pois o VT será editado de qualquer forma), dizia o que
faria, o que acreditava estar errado e se direcionava ao candidato adversário ou ao PT, dando a
entender uma forte ligação à ideologia do partido, associando a participação em realizações do
governo e, além disso, sempre aliando a imagem dele à de José Serra, assim, buscava o voto na
chapa tucana.
Em contrapartida, Casagrande nos VT´S analisados não respondia diretamente as
acusações de Luiz Paulo. Ele não o responde chamando para o debate. Ele se posicionava no
discurso, sem tom direto de resposta, procurava demonstrar o que é preciso para ser candidato a
governador. Outra diferença entre os candidatos é na distribuição do discurso. O Candidato
Renato Casagrande tinha um tempo maior para o discurso, portanto dividia os assuntos
geralmente em três blocos e os intervalos desses blocos eram os VT’S editados, mostrando as
propostas, as ideias, os depoimentos relacionados com o que ele estava falando. Os discursos
dele eram mais programados e mais organizados. Já Luiz Paulo, com um tempo menor, também
dividiu o discurso e a edição dos VT’S, entretanto utilizou boneco de ventrículo, ironizando
123 alguns pontos críticos da saúde e segurança, por exemplo. Cada um, a sua maneira, buscava
persuadir o eleitor.
Em relação aos assuntos abordados, aqueles não eram focados em determinados grupos,
pois era uma campanha de massa e falava para pessoas de qualquer posição social e idade que
tivessem acesso ao programa eleitoral gratuito. Desta maneira, buscaram tratar assuntos de
interesse da maioria e atuais, no caso: aeroporto, estradas, corrupção e royalties, e os assuntos
prioritários: educação, saúde e segurança. Renato Casagrande não deixava de comentar sobre os
problemas, mas o discurso era focado na continuidade, no melhoramento e na somatória. Luiz
Paulo, por sua vez, apontava os problemas, a emergência da situação e prometia mudanças.
No dia 29 de setembro de 2010 o discurso foi diferente de todos os outros porque a sua
construção visava atingir mais o lado emocional. Tanto Renato Casagrande quanto Luiz Paulo
retomam, rapidamente, as suas propostas e tentam se aproximar mais do eleitor através da
emoção, do afeto. Renato Casagrande reforça a questão da união, falou dos depoimentos das
pessoas que confiaram nele e pediram para que trabalhasse em prol da sociedade. Falou de honra
em relação ao povo capixaba e à família dele; pediu o voto e agradeceu ao povo capixaba. No
início do discurso desse dia, Renato Casagrande parece falar mais espontaneamente do que nos
outros.
Já Luiz Paulo ressalta o crescimento do Espírito Santo, mas diz que os benefícios têm que
chegar para todos; fala da melhoria de vida para todos, da falta de importância do Estado para
com as pessoas, de oportunidades iguais, de opções de futuro para todos e reforça o voto 45. Ele
diz não ter mostrado um mundo “cor-de-rosa” e finaliza esse dia na mesma linha adotada durante
toda a campanha. Nos discursos, indiferentemente, de Renato Casagrande e de Luiz Paulo,
saúde, educação e segurança são os assuntos prioritários. Em contrapartida, os mais
problemáticos. Sendo assim, a percepção maior das pessoas em relação ao governo é quando
atinge o lado financeiro (cito: o que e quanto aumentou de preço e se o salário aumentou). De
qualquer maneira, nenhum governo vai conseguir resolver todos os problemas em quatro anos,
porque a luta para se alcançar os objetivos não termina junto com a campanha. É na gestão que
eles começam.
Em comparação com 2010, depois de avaliar o discurso do final de 2013, e estando às
vésperas de novas eleições estaduais, Casagrande permanece utilizando muito o pronome na
primeira pessoa do plural. Da mesma forma, há forte presença do pathos, recurso bastante
empregado, naquele período eleitoral, principalmente nos dias 27 e 29 de setembro de 2010, pois
eram as últimas propagandas televisivas. Considerando que o pronunciamento é de final de ano,
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
124 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
com situação de emergência pública, as pessoas ficam mais sensibilizadas, e isso é reforçado no
discurso do Governador, que utiliza mais recursos emocionais.
No pronunciamento de final de ano, a primeira trilha musical é uma melodia tranquila e
lenta e o segundo já na parte final do discurso (1’38’’) remete ao tempo natalino. O Governador
usa o mesmo tom da camisa e da gravata usados em alguns programas da campanha em 2010
(camisa azul claro e gravata bordô). Os gestos e o tom da fala são muito parecidos com os da
campanha também. Existe continuísmo. Por fim, os recursos alocados para formar o discurso
permanecem muito parecidos no momento da campanha, o tom de voz, as cores, os gestos, as
palavras, as figuras de linguagem. Sem tom de voz autoritário e de imposição, marcado pelo
sentido de proximidade com o cidadão, como se tivesse dialogando com ele.
É válido ressaltar que na eleição de 2010, Renato Casagrande era o candidato da situação,
apoiado pelo então governador Paulo Hartung e tinha um discurso de continuidade do
governo(basicamente até final de 2013). Porém, em 2014, na nova disputa eleitoral, o seu
adversário era Paulo Hartung e a então harmonia da continuidade ficou para trás. Renato
Casagrande assume uma postura de ataque, e seu tom de voz e semblante vão mudando a cada
programa.
Renato Casagrande tenta mostrar aos eleitores que seu adversário era corrupto e deixou
problemas na sua gestão. Para dar credibilidade às suas afirmações, o candidato se resguardava
com matérias de jornais e documentos. Em contrapartida, Paulo Hartung se posicionou
respondendo aos ataques afirmando que a disputa era propositiva e que os capixabas entenderam
o seu programa e também respondeu na justiça. Além disso, saiu do governo com um índice de
aprovação de 81% para administração e 72% dos eleitores afirmaram confiar nele, segundo a
pesquisa do Ibope realizada entre os dias 22 e 25 de julho de 2010 (Ibope, 2010).
Dentro da política o que hoje é sim, amanhã é não. O que hoje é grupo de situação para
mais melhoria e continuidade, amanhã é grupo de oposição para corrigir e voltar a crescer. No
campo da política há obviamente interesse público, mas como política também tem muito a ver
com poder, há interesse particular e o discurso pode mudar por causa deles. E um processo ainda
em evolução, cabe a nós, eleitores, tentar diferenciar a boa da má retórica, a mentira da
dissimulação, porque mais do que um dom ou um treinamento, o discurso ainda é
responsabilidade. A partir dessas análises e estudos é possível afirmar que sim, o discurso é uma
construção que usa da credibilidade, da criatividade, da história e dos interesses em jogo.
9
Referências Bibliográficas
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127 Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
GESTÃO DE EXPATRIADOS NO BRASIL: a percepção de expatriados japoneses à luz
da Teoria do Ajustamento Cultural
Fabiano Alves dos Reis1
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de analisar as práticas dos departamentos de recursos humanos
na gestão internacional de recursos humanos, utilizando como referência a teoria do ajustamento
cultural. A referida teoria defende que o ajustamento cultural de determinado empregado à
cultura do país para o qual ele foi expatriado é fundamental para o sucesso de sua designação.
Neste estudo, foi realizada pesquisa qualitativa com entrevistas a cinco empregados japoneses de
uma empresa japonesa que atua no ramo de óleo e gás no estado do Rio de Janeiro, a fim de
conhecer suas percepções sobre o processo de expatriação. Além de entrevistas com os
funcionários, lançou-se mão de levantamento bibliográfico sobre gestão de expatriados no Brasil
e sobre a teoria de ajustamento cultural. Com base na análise dos dados coletados, verificou-se
que o ajustamento cultural não deve ser o único fenômeno a ser levado em consideração pela
gestão internacional de recursos humanos das empresas no processo de administração de uma
designação internacional.
Palavras-chave: Recursos Humanos. Teoria do Ajustamento Cultural. Gestão Internacional de
Recursos Humanos. Gestão de Expatriados. Designação Internacional. Cultura Japonesa.
1 INTRODUÇÃO
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (2013), a quantidade total de vistos
de trabalho emitidos para estrangeiros no Brasil foi de 62.387; desses, 22.285 foram emitidos
para o estado do Rio de Janeiro, o que representa 35,72% do total. O estado do Rio de Janeiro
fica apenas atrás do estado de São Paulo, como emissão total no ano de 2013 de 27.710 vistos de
trabalho, o que representa 44,42% do total. No mesmo período, mais da metade de vistos de
trabalho emitidos para o estado do Rio de Janeiro referiam-se a “estrangeiro para trabalho a
bordo de embarcação ou plataforma estrangeira”. Este dado, junto aos números do Ministério de
Minas e Energia (MME) de 2013, que afirma que 71,1% da produção de petróleo no Brasil têm
origem no estado do Rio Janeiro, mostra que o segmento de óleo e gás é o maior demandante de
vistos de trabalho no estado do Rio de Janeiro.
Para Lima (2009), a gestão internacional das empresas resulta em um aumento expressivo
das relações interculturais à medida que a carreira internacional é cada vez mais incentivada
pelas organizações. O aumento do número de expatriações e a importância desses funcionários
para o desenvolvimento internacional das organizações traz desafios, sobretudo, para os
1
Economista pelo Centro Universitário Fundação Santo André e Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela
Universidade Federal Fluminense (UFF).
128
profissionais de recursos humanos. Segundo pesquisa de Black e Gregersen (1999), 80% das
médias e grandes empresas pesquisadas expatriam funcionários e 45% pretendiam aumentar seu
número de expatriações.
Aycan (1997) define como expatriados2 todos aqueles funcionários enviados para
subsidiárias de uma empresa para trabalhar e viver em outro país por um período entre seis
meses a cinco anos. Dada a crescente importância dos expatriados nas estratégias
organizacionais das empresas em um contexto como o do Rio de Janeiro, em que há um número
expressivo de funcionários estrangeiros trabalhando, sobretudo, na área de óleo e gás, fez-se
relevante entender os processos de gestão de expatriados nessas organizações. Sendo assim, a
presente pesquisa é motivada, primeiramente, pela seguinte pergunta: como está sendo feita a
gestão de expatriados no Brasil?
Considerando que o tema é vasto e que há poucos estudos profundos sobre processos de
expatriação no Brasil, o artigo pretende analisar essas práticas considerando, em específico, a
percepção de expatriados japoneses de uma empresa japonesa do ramo de óleo e gás que atua no
estado do Rio de Janeiro. Para tal, fez-se um estudo descritivo e explicativo, que, além do
levantamento bibliográfico, valeu-se de entrevistas realizadas com cinco executivos expatriados
japoneses para melhor entender seus processos de expatriação, dificuldades e/ou facilidades
como expatriados no Brasil.
Na literatura existente sobre expatriação e designação internacional, destaca-se a teoria
do Ajustamento Cultural proposta por Black, Mendehall e Oddou (1991), que atribui ao
ajustamento de um indivíduo a determinada cultura o sucesso ou o fracasso em sua designação
internacional. De acordo com os autores, a teoria do ajustamento cultural surgiu da falta de
estudos sobre o tema, embora já fossem conhecidos trabalhos sobre o ajustamento dentro de uma
mesma cultura. Por vezes, os estudos sobre ajustamento dentro de um mesmo país foram
aplicados também às práticas de designação internacional, mas não se mostraram eficientes, pois,
além dos ajustes sobre os aspectos relacionados ao trabalho, era necessário considerar no
contexto da designação internacional outras variáveis como o motivo pelo qual o funcionário
está sendo expatriado, se o funcionário tem perfil para ser expatriado, treinamentos necessários
para o funcionário e a família, entre outros. Sendo assim, fazia-se necessário entender a
designação internacional com suas próprias teorias e práticas, levando em consideração o
ajustamento cultural que iria além dos problemas relacionados unicamente ao trabalho
desempenhado em uma cidade diferente.
2
Em todo o artigo, o termo o expatriado se refere aos gêneros masculino e feminino.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
129
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Para Black, Mendehall e Oddou (1991), muitas empresas enviam funcionários para uma
designação internacional para premiá-los pelo bom desempenho e pelos resultados alcançados no
país em que mora. Contudo, os autores defendem a ideia de que o envio deve ser feito para
transferir conhecimento e desenvolver novas habilidades como um líder global. Sendo assim, um
funcionário que alcançou bons resultados não deve ser visto como potencial candidato para uma
designação internacional; no caso de uma expatriação, mais importante que seus resultados são
(a) sua facilidade em se socializar com pessoas diferentes de seu círculo, o que garantirá que o
expatriado estabeleça negócios com os empresários e clientes locais, (b) que seja culturalmente
flexível, ou seja, que não se restrinja às comunidades de seu país, mas que também busque
informações e entenda a cultura na qual está vivendo, (c) uma orientação cosmopolita, para
respeitar diferentes pontos de vista e diferentes tipos de vida, e (d) estilo de negociação
colaborativa, pois, como os negócios são conduzidos das mais diversas formas em diferentes
culturas, o expatriado precisa ser flexível para melhor conduzir as negociações. A empresa
precisa enviar o funcionário para uma designação internacional pelos motivos corretos, ou seja,
para lidar com situações que garantam desenvolvimento da empresa no longo prazo, o que irá
garantir também ao funcionário designado uma maior motivação e prestígio que o ajudará na sua
adaptação no país em que irá trabalhar. Dessa forma, Black, Mendehall e Oddou (1991)
defendem que o ajustamento cultural não começa no momento em que o designado chega no país
em que irá trabalhar e sim antes, na escolha da pessoa certa para designação internacional,
segundo as diretrizes propostas pelos autores.
Com base nos resultados encontrados, argumentamos que, mesmo sendo importante o
ajustamento cultural em uma designação internacional, essa não pode ser a única variável a ser
considerada para análise de um processo de expatriação: variáveis como a cultura do país do
expatriado e mesmo a cultura organizacional são tão importantes quanto o ajustamento cultural.
Procuramos, com isso, contribuir para a literatura existente e, mais especificamente, para as
práticas de gestão de expatriados feitas no Brasil.
2 PRÁTICAS DE RECURSOS HUMANOS PARA EXPATRIAÇÃO
Para Lievens (2007), com a globalização da economia, as empresas se movem para além
de suas fronteiras, como reflexo de joint ventures, cooperações internacionais, fusões e
aquisições. Com a globalização dos negócios cada vez maior, expatriados com habilidades de
gerenciamento em diferentes culturas podem ser muito importantes não só para empresas já
130
internacionais, mas também para aquelas que desejam se internacionalizar (KRAIMER,
SHAFFER e BOLINO, 2009). Dentro desse contexto, segundo Adisse (2009), cada vez mais o
departamento de recursos humanos deve seguir a evolução e interagir com as organizações,
estando sempre atualizado, e dessa forma dar suporte às áreas que necessitam de profissionais
expatriados.
As multinacionais que buscam maior competitividade no mercado internacional tentam
cada vez mais gerenciar, da melhor forma, empregados das mais distintas nacionalidades. A
criação e gestão das práticas de recursos humanos para expatriação devem ser feitas na empresa
pela gestão internacional de recursos humanos (GIRH), e não pela gestão de recursos humanos
tradicional (GRH). A complexidade das operações em diferentes países e a dificuldade de
empregar trabalhadores em diferentes partes do mundo é a diferença chave entre a GIRH e a
GRH, o que faz a primeira estar ligada diretamente às estratégias internacionais de expansão da
empresa (SCHULER, 2000).
De acordo com Lima e Braga (2010),
Um dos desafios para as empresas é oferecer apoio [...] durante os processos de
expatriação e repatriação, por meio das políticas e práticas de recursos humanos, pois
esse apoio contribui para a retenção e o sucesso do processo de adaptação dos
executivos, tanto na ida quanto na volta, em termos profissionais, pessoais,
organizacionais, sociais e culturais (LIMA; BRAGA, 2010, p. 1033).
Segundo Freitas (2006), os gestores internacionais de recursos humanos exercem vital
importância na criação e implantação de políticas para os funcionários expatriados, considerando
variáveis como as leis e costumes locais. Também é papel do gestor, e de grande importância,
desenvolver uma cultura interna que valorize um ambiente multicultural.
As práticas adotadas pela GIRH podem ser a diferença entre o sucesso e o fracasso dos
negócios internacionais de uma empresa (BLACK; GREGERSEN, 1999; MAGNUS;
VISWESVARAN, 2007). Para Black e Gregersen (1999), o ajustamento cultural é o principal
fator que irá determinar o sucesso de uma expatriação. Já para Magnus e Chockalingam (2007),
existem cinco variáveis que podem ser determinantes para o sucesso de uma expatriação, sendo
elas: (a) situação da família, (b) adaptação e flexibilidade, (c) conhecimento técnico e motivação,
(d) habilidade de relacionar e (e) receptividade a novas culturas. Mesmo com as diferenças das
variáveis abordadas pelos autores, todos defendem que devem existir práticas de GIRH efetivas
para minimizar as possibilidades de um eventual insucesso de uma designação internacional.
Embora apontada por Magnus e Chockalingam (2007) a importância da família do
expatriado no sucesso de sua missão, pesquisa conduzida por Franke e Nicholson (2002) mostra
que práticas atuais na gestão de expatriados quase ignoram a importância da família na
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131
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
designação internacional de um funcionário. A mesma pesquisa mostrou que a seleção de um
expatriado para uma designação internacional passa primeiramente pela competência técnica e os
resultados alcançados pelo funcionário em seu país de origem, ideias das quais discordam
completamente Franke e Nicholson (2002), Black e Gregersen (1999). No caso de uma
expatriação, mais importante que os resultados técnicos alcançados pelo funcionário será a sua
resiliência e habilidades interpessoais.
Para Brandão (2012) as práticas de seleção de potenciais expatriados podem variar muito,
pois essas envolvem diferentes culturas. Segundo o autor, no Japão, o ponto mais importante é a
experiência do funcionário na empresa; na Alemanha, a disponibilidade do funcionário para ser
expatriado; já nos Estados Unidos e Reino Unido, a competência técnica é o ponto mais
importante.
A falta de práticas efetivas na GIRH e por consequência insucesso na missão
internacional pode gerar custos de até 1,25 milhões de dólares americanos com despesas
associadas à mudança, passagens áreas e outros custos diretos e indiretos (BLACK;
GREGERSEN, 1999). O custo real de insucesso no processo de expatriação vai além dos gastos
monetários diretos; em caso de fracasso no processo de expatriação, a empresa pode perder seus
negócios no país hóspede e consequentemente sua competitividade nos negócios internacionais,
o que em um mundo globalizado representa uma significativa perda (ZEIRA; BANAI, 1985).
Para o expatriado, as perdas são também nocivas; ele pode sofrer com as perdas de confiança,
autoestima, reputação e motivação (TAKEUCHI et al., 2005).
Segundo Wang (2002 apud HOMEM; TOLFO, 2005), estudiosos constataram que a
distância cultural possui uma relação negativa com o ajustamento do expatriado. Se por um lado
a distância cultural não exerce uma relação negativa com o ajustamento dos expatriados, as
práticas de gestão internacional de recursos humanos exercem uma relação direta sobre o
ajustamento cultural do profissional. Os fatores organizacionais, ou seja, suas práticas, têm forte
relação com a eficácia da expatriação e devem representar parte das estratégias internacionais
das empresas que atuam de forma global.
Embora sejam muitas as vezes em que se busque a “melhor prática de recursos humanos
internacional”, essa pode e vai variar muito de país para país e de cultura para cultura. Por conta
da rápida troca de informações que a internet proporciona, as empresas têm se inspirado nas
melhores práticas que ocorrem, em sua grande parte, nos Estados Unidos, desprezando aspectos
culturais e mesmo geográficos importantes. Práticas comuns podem ser usadas em diferentes
países, para a criação de ações que abranjam tanto aspectos culturais, sociais e psicológicos, sem
deixar de lado as especificidades de cada local (HARRIS, 2007).
132
A seção seguinte examinará quais práticas as multinacionais estrangeiras ou brasileiras
adotam na gestão de seus expatriados no Brasil e se essas coadunam com a bibliografia e
experiências sobre o tema.
3 AS PRÁTICAS DE RECURSOS HUMANOS PARA EXPATRIAÇÃO NO BRASIL
Os resultados da pesquisa de Lima e Braga (2010) mostram que apenas quatro de 11
empresas brasileiras internacionalizadas possuem área destinada especificamente ao processo de
expatriação. Nas demais empresas, esse processo fica sob a responsabilidade de qualquer outra
área, em geral a de remuneração. A mesma pesquisa mostra que não necessariamente as
empresas que têm mais funcionários expatriados são as que possuem uma área específica para
esse processo.
De acordo com Homem e Tolfo (2005), GIRH é uma área pouco estudada, sendo seus
trabalhos recentes e pouco abrangentes, principalmente os que tratam de empresas
multinacionais brasileiras. Segundo Freitas (2006), os estudos no Brasil ainda não muito
escassos, para ela “é preciso que as empresas tenham claro que quando uma expatriação é bemsucedida não foi apenas um investimento bem aproveitado, mas também que uma política
organizacional foi bem construída” (FREITAS, 2006, p.52).
Embora Black e Mendehall (1999) tenham sinalizado o ajustamento cultural como
determinante para o processo de expatriação, segundo pesquisa de Aguzzoli, Antunes e Lengler
(2007) com 41 multinacionais brasileiras da região Sul do Brasil, apenas 37,5% dessas empresas
realizam capacitação e adequação cultural, frente a 87,5% de capacitação para gestão, 83,3%
capacitação em língua estrangeira e 70,8% capacitação técnica. No mesmo, estudo os autores
observaram que o setor de recursos humanos por vezes é o último a ser estruturado em uma
empresa que inicia o seu processo de internacionalização, com isso, frequentemente as
competências interculturais não são consideradas.
Segundo estudo da Global Line (2012), 29% das empresas brasileiras não têm políticas de
expatriação formal, ou seja, não existe qualquer gerenciamento dos expatriados e seus familiares
que trabalham que atuam fora. De acordo com a pesquisa Global Relocation Trends da
Brookfield (2013), o Brasil ocupa a segunda posição em um ranking das empresas que mais
apresentam dificuldades para os expatriados, ficando atrás apenas da China e na frente de países
como Angola, Nigéria, Líbia e Oman. Na mesma pesquisa da Brookfield, os entrevistados
expatriados citaram como pontos críticos em trabalhar no Brasil problemas como distância entre
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133
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trabalho, residência e escola dos filhos; falta de vagas em escolas para os filhos; burocracia para
emissão de vistos ou outros assuntos imigratórios; custo de vida; segurança; e diferença cultural.
Em outra pesquisa, agora conduzida pela Ernst & Young (2013), a Your Talent in Motion,
foi feito um ranking com os maiores desafios para a empresa em relação a seus expatriados no
Brasil. Em primeiro lugar ficaram assuntos relacionados à folha de pagamento, impostos e
aposentadoria social, dadas suas especificidades. Segurança ocupou a segunda posição,
acompanhada de assuntos imigratórios, escassez de imóveis para locação, elevada remuneração
como compensação e falta de escolas para os filhos, respectivamente.
Embora o ajustamento cultural sempre seja uma preocupação, no Brasil segundo pesquisa
Expat Explorer Survey do HSBC (2013), esse não parece ser um grande problema, já que os
dados mostram que o Brasil é um país mais fácil para se adaptar, não apenas pelas práticas de
recursos humanos, mas também pela receptividade de seu povo. Dada a interação das pessoas
dentro e fora do ambiente do trabalho com expatriados, ainda segundo pesquisa do HSBC, 90%
deles empenharam-se para aprender o idioma local, quando em outros países esse número não
passa de 60%.
4 A PERCEPÇÃO DE EXPATRIADOS JAPONESES SOBRE SUA EXPATRIAÇÃO
Os expatriados entrevistados são todos de origem japonesa, vivem há mais de um ano no
Brasil e atuam em uma grande empresa japonesa do ramo de aço na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no ano de 2013 o Japão ocupava o
12º lugar em países que mais enviam expatriados ao Brasil, com 2.024 vistos de trabalho
concedidos para cidadãos japoneses.
Vergara (2004) propõe dois critérios básicos de pesquisa: quanto aos fins e quanto aos
meios. Dentre as opções relacionadas aos fins, esse artigo se caracteriza como um estudo
descritivo e explicativo. Já em relação aos meios, além do levantamento bibliográfico, optou-se
pela realização de pesquisa de campo.
A pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou determinado
fenômeno, enquanto a investigação explicativa tem como principal objetivo tornar algo
inteligível, buscando, dessa forma, esclarecer quais fatores contribuem para a ocorrência de
determinado fenômeno (VERGARA, 2004). Ainda segundo Vergara (2004), a pesquisa de
campo, por sua vez, é uma investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu
134
determinado fenômeno, ou ainda que disponha de elementos que possam explicá-lo. Esta pode
conter entrevistas, aplicação de questionários, testes e observação participante.
Esta pesquisa procurou responder como se dá administração de expatriados japoneses no
Brasil com base na teoria do Ajustamento Cultural proposta por Black e Gregersen (1991), onde,
segundo os autores, a variável ajustamento cultural é a principal responsável pelo sucesso de
uma expatriação. Para responder ao problema de pesquisa, foi utilizada uma pesquisa tipo
survey, onde se utilizou a técnica qualitativa de coleta de dados, por meio de entrevista
semiestruturada com cinco expatriados japoneses que trabalham e residem na cidade do Rio de
Janeiro. A seleção dos expatriados para a entrevista foi feita de forma não probabilística e por
acessibilidade, que seleciona o sujeito da entrevista pela facilidade de acesso ao mesmo. O
roteiro de entrevista constitui o Apêndice I deste artigo.
O primeiro contato com os entrevistados foi feito exclusivamente através de e-mail,
convidando-os para participar deste estudo. Foram contatados oito expatriados japoneses, entre
os quais cinco concordaram em participar do estudo. As entrevistas foram realizadas entre os
dias 19 e 28 de agosto de 2014 de forma presencial com duração média de uma hora. Das cinco
entrevistas feitas, três tiveram o auxílio de uma falante de língua japonesa para que fossem
minimizadas possíveis limitações de informação advindas do conhecimento restrito do idioma
português e/ou inglês. Uma das entrevistas foi feita integralmente em português, dado o domínio
do entrevistado do idioma, e a última entrevista foi feita em inglês e português, já que o
entrevistado não achou necessário ser acompanhado por um falante em língua japonesa. Com o
objetivo de preservar a identidade dos entrevistados, seus nomes não serão divulgados, sendo
importante para esse trabalho apenas as suas respostas. Para identificar as respostas de cada
expatriado, eles serão tratados como: Expatriado 1, Expatriado 2, Expatriado 3, Expatriado 4 e
Expatriado 5.
O roteiro de entrevista é composto por 11 questões, dividas em duas seções. A primeira das
seções é composta pelas perguntas de 01 a 04 para termos um melhor entendimento da vida do
expatriado no Brasil. A segunda, composta das perguntas de 05 a 11, foram elaboradas de forma
a entender se o Ajustamento Cultural sugerido Black e Gregersen (1999) é aplicado aos casos
pesquisados e se esses acreditam que um ajustamento cultural pode ser determinante em uma
designação internacional.
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
135
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
Quadro 1 - Características e experiências de designação.
Expatriado 1
Expatriado 2
Expatriado 3
Expatriado 4
Expatriado 5
Tempo de designação
Experiências anteriores
4 anos e 2 meses
3 anos e 2 meses
3 anos e 5 meses
3 anos
3 anos e 5 meses
Primeira designação
Segunda designação
Primeira designação
Primeira designação
Segunda designação
Fonte: elaboração própria.
Com exceção do Expatriado 2, que acredita que irá voltar ao Japão em seis meses porque
está em idade de aposentadoria, os demais não sabem quando irão voltar; no entanto, segundo
eles, o normal é ficar na designação internacional por cinco anos. Contudo, todos conhecem
casos de pessoas que ficaram mais de cinco anos na designação internacional, sendo essa decisão
apenas da empresa. Todos os entrevistados têm vistos permanentes, o que garante à empresa que
seus expatriados possam ficar no Brasil pelo tempo que julgarem necessário.
Ao serem questionados se receberam algum tipo de treinamento sobre o Brasil e sua cultura
antes de virem (pergunta 05), apenas os Expatriados 1 e 3 afirmaram terem recebido aulas de
língua portuguesa por cerca de três meses. Com relação à cultura do Brasil especificamente,
nenhum recebeu qualquer treinamento. Todos os entrevistados responderam que tiveram a
oportunidade de trazer sua família (esposa e filhos) para o Brasil; contudo, apenas a esposa do
Expatriado 3 está no país atualmente. As esposas do Expatriado 2 e 5 vieram ao Brasil, mas já
voltaram para o Japão; o Expatriado 4 não é casado; e o Expatriado 1 optou por não vir com a
esposa. Os três expatriados que trouxeram suas esposas afirmaram que elas não receberam
treinamento antes de virem ao Brasil, mas quando chegaram puderam estudar a língua
portuguesa.
Dos cinco expatriados, quatro responderam que a maior dificuldade como expatriado no
Brasil (pergunta 08) é a comunicação, pois eles não falam o idioma português muito bem e no
geral as pessoas fora da empresa não falam inglês. Apenas o Expatriado 5 respondeu que a maior
dificuldade é o custo de vida que é muito elevado no Brasil, sobretudo na cidade do Rio de
Janeiro.
Quando questionados sobre pontos positivos e negativos de serem expatriados no Brasil
(pergunta 09), apareceu de forma unânime nas respostas o quão hospitaleiro é o povo brasileiro,
o que os ajuda no dia-dia como expatriado. Segundo os entrevistados, a riqueza cultural no Brasil
faz com eles se adaptem de forma tranquila, diferente do que aconteceu com os Expatriados 2 e 5
em designações anteriores. Ainda sobre os pontos positivos, foram citados os bons benefícios
que recebem por serem expatriados. Sobre os pontos negativos, foram destacados a grande
136
burocracia em todos os órgãos governamentais, a falta de pontualidade, a grande distância para o
Japão e o alto valor das passagens aéreas.
Ao serem perguntados sobre a que se deve o sucesso de uma expatriação (pergunta 10), dos
cinco entrevistados, quatro responderam que falar o idioma do país que está trabalhando,
entender a cultura e estar acompanhado pela família são determinantes para uma expatriação
bem sucedida. Apenas o Expatriado 3 vê como determinante para o sucesso de uma expatriação
a conclusão das atividades impostas antes de sua expatriação.
A última pergunta do questionário (“Caso você não se adapte ou não se adaptasse ao Brasil, você
tem/teria a opção de desistir dessa expatriação?”) era para melhor entender a cultura japonesa
quando se trata de uma não adaptação do expatriado ao país de destino. Quatro dos cinco
expatriados afirmam não ser uma decisão boa a se tomar, já que a volta ao Japão mostraria que
abandonaram o trabalho, suas obrigações e seus colegas de trabalho e, com isso, não haveria
possibilidade de ascensão na carreira. Todos concordam que, por questões graves, como algum
distúrbio mental ou problema de saúde, eles poderiam voltar, mas, excetuando essas duas
situações, uma possível desistência não seria uma boa atitude a se tomar. Todos pretendem ficar
no Brasil até a empresa os repatriar ou serem enviados para outro país.
Após descrição de todas as respostas dadas pelos entrevistados, cabe a análise das mesmas
para melhor entendimento nesta pesquisa. Nenhum dos entrevistados conhecia a teoria do
Ajustamento Cultural, contudo, fica claro nas respostas da pergunta 10 (sobre o sucesso de uma
expatriação) que o sucesso descrito por eles passa pelas ideias de sucesso proposta por Black,
Mendehall (1999), onde o ajustamento cultural é determinante para o sucesso de uma designação
internacional.
Embora os Expatriados 1, 2, 3 e 5 tenham família, apenas o Expatriado 3 está com a esposa
no Brasil. Embora as famílias dos Expatriados 2 e 5 tenham vindo para o Brasil no início de sua
designação, elas voltaram para o Japão com um ano, no caso do Expatriado 2, e e dois anos, no
caso do Expatriado 5. Nenhum dos familiares que acompanharam os expatriados recebeu
qualquer tipo de treinamento antes de virem ao Brasil, em consonância com os resultados da
pesquisa feita por Aguzzoli, Antunes e Lengler (2007), que mostra que apenas 37,5% das
empresas oferecem treinamento formal para seus expatriados e familiares.
Diferente do que defende Black, Mendehall e Oddou (1991) – que o expatriado deve saber
claramente sobre todo o processo de sua designação internacional –, os expatriados pesquisados
não sabem por quanto tempo ficarão no Brasil, ficando a cargo da empresa decidir o tempo
necessário dependendo de suas necessidades.
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
As respostas da pergunta 09 coadunam com as ideias de Wang (2002 apud HOMEM;
TOLFO, 2005), onde a distância cultural é uma relação negativa com o sucesso da expatriação.
Nenhum dos entrevistados colocou a distância cultural como responsável pelo sucesso de uma
expatriação. No caso do Brasil, o Expatriado 5 afirmou que, do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), o Brasil é o pais mais fácil de ser expatriado por conta de sua
cultura, resultado diferente da pesquisa da Brookfield onde o Brasil ocupa a segunda posição no
ranking de pior país para um expatriado. Diferente do que apontou as pesquisas da Brookfield e
da Ernest & Young, na visão dos expatriados pesquisados, temas como distância do trabalho,
segurança, distância cultural e falta de escola para os filhos não foram citados por nenhum dos
expatriados.
Com base no que foi analisado, vemos que a abordagem de Black, Mendehall e Oddou
(1991), que defende que os japoneses têm o maior índice de sucesso nas suas designações
internacionais por ficarem o tempo estipulado pela empresa, é relativamente limitada, visto que,
tanto nos casos pesquisados por Kudo (2011) e quanto pelas entrevistas feitas neste trabalho, os
expatriados afirmam ficar no Brasil não apenas pelo seu ajustamento cultural, mas também
porque, da a cultura japonesa se voltarem antes do tempo estipulado pela empresa, não terão
ascensão na carreira, além de serem mal vistos pelos colegas (como pontuou o Expatriado 4) e
serem uma vergonha para a sociedade japonesa (como afirmou o Expatriado 1).
5 CONCLUSÃO
O presente artigo teve como objetivo analisar algumas práticas de expatriação no Brasil a
partir da percepção de cinco expatriados de origem japonesa que estão no país há mais de um
ano. Além de entrevistas com os expatriados, baseamos nossa análise em estudo descritivo e
explicativo, utilizando-se de levantamento bibliográfico sobre o tema.
As multinacionais que almejam maior competitividade no mercado internacional buscam
cada vez mais habilidades de gerenciamento de funcionários das mais distintas nacionalidades e
culturas. Nesse contexto, é cada vez maior a responsabilidade do departamento de recursos
humanos para seguir e interagir com as evoluções das organizações. A gestão de expatriados
deve ser feita pela GIRH e não pela GRH, já que mesmo atividades corriqueiras como
recrutamento e seleção, quando se trata de uma designação internacional, devem ser feitas de
forma diferente, adaptando os conhecidos processos de seleção a situações mais específicas
relacionadas ao processo de expatriação.
138
Com base na análise dos dados coletados, chegamos a duas conclusões principais. Em
primeiro lugar, ainda que a teoria do Ajustamento Cultural figure como a mais conhecida no que
se refere à gestão de expatriados, pesquisas mostram que no Brasil poucas empresas dão real
importância para o tema, sendo pouco frequentes treinamentos para os expatriados e quase
inexistentes nos casos de esposa e filhos. Além disso, embora a teoria do Ajustamento Cultural
seja amplamente utilizada quando tratamos de GIRH, essa não deve ser a única variável para
mensurar o sucesso ou insucesso de uma designação internacional. Como a pesquisa com os
expatriados mostrou, os expatriados entrevistados ficam no Brasil não apenas por questões
relacionadas ao ajustamento cultural – por exemplo, porque se ajustaram à cultura brasileira –,
mas também por outros motivos diversos: porque, se voltarem ao Japão, não terão ascensão na
carreira; porque serão mal vistos pelos companheiros de trabalho; porque sentirão que são uma
vergonha para a cultura japonesa; entre outros.
Nesse sentido, o presente trabalho sinaliza a importância de uma gestão estratégica de
expatriados, não só pelo aumento na participação internacional da empresa, mas também na
gestão de seus recursos humanos.
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APÊNDICE I
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1 – Há quanto tempo você está no Brasil?
2 – Você sabe quanto tempo ficará no Brasil?
3 – O Brasil é sua primeira experiência como expatriado?
4 – Qual tipo de visto você tem?
5 – Antes da sua expatriação, você recebeu algum treinamento sobre o Brasil e sua cultura?
6 – Você teve a opção de trazer a família para o Brasil?
7 – Caso sua família esteja no Brasil, ela recebeu algum treinamento sobre o Brasil e sua cultura?
8 – Qual foi sua maior dificuldade como expatriado no Brasil?
9 – Quais pontos positivos e negativos você destaca em sua expatriação?
10 – Em sua opinião, a que se deve o sucesso de uma expatriação?
11 – Caso você não se adapte ou não se adaptasse ao Brasil, você tem/teria a opção de desistir
dessa expatriação?
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
141
O IMPERATIVO DA GESTÃO DE SI NA CULTURA CAPITALISTA
CONTEMPORÂNEA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A SAÚDE PSÍQUICA
Maria Regina Cariello Moraes1
Resumo
O texto discute as competências emocionais requeridas pelo mercado de trabalho
como parte de um novo modelo de conduta relacionado ao empreendimento de si
próprio, disseminado nas últimas décadas, a partir de ambientes corporativos. A
conduta de gestão de si é um padrão de racionalidade empresarial aplicado à vida
cotidiana. Envolve planejamento, estratégia, autocontrole emocional e intervenção na
própria personalidade, visando construir um vencedor. O impacto da cobrança por
requisitos subjetivos, característica da nova organização capitalista, foi tema de análise
de alguns autores que apoiarão a discussão. As inovações organizacionais geraram
ansiedades, temor de fracasso, de inutilidade, de dependência, de não atender a
expectativa de autonomia. Diante da insegurança causada pela instabilidade
econômica, pelo aumento do desemprego e predomínio de trabalhos informais, adquirir
habilidades emocionais e adequar-se aos requisitos impostos pelo mercado profissional
passou a ser questão de sobrevivência. Nesse sentido, a gestão de si adquire uma
dimensão imperativa na cultura capitalista contemporânea, mas, paradoxalmente, pode
gerar mais estresse e interferir de maneira negativa na produtividade dos
trabalhadores.
Palavras-chave: Gestão de si. Autocontrole emocional. Sociologia da administração.
Nova gestão.
Gestão de si e individualização
A gestão de si, traçada aqui como tipo ideal, é um modo de ser, agir e pensar
que implica autodisciplina e autocontrole para alcançar o que Richard Sennett (2006),
em A cultura do novo capitalismo, chamou de “individualidade idealizada”: autônoma,
flexível, criativa, pró-ativa, sempre disposta a mudanças, e, sobretudo, que se
mantenha independente de auxílio alheio. É um tipo de mentalidade empreendedora de
si própria, que utiliza a administração racional do corpo e das emoções para tentar
construir uma personalidade vencedora, adequada às novas necessidades do
capitalismo. Podemos também pensar em gestão de si como um modo de subjetivação
- para usar a terminologia foucaultiana – que constitui o sujeito administrador de si
mesmo como se fosse ele próprio uma empresa. Esse é o formato requisitado
1
Bacharel em Ciências Sociais e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
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atualmente nas sociedades capitalistas, um modo de subjetivação ao mesmo tempo
psicológico, administrativo e terapêutico que estimula a auto-observação, o
autoconhecimento e a construção da própria identidade. Corresponde à maneira
reflexiva de ação e inclui cálculo dos riscos individuais, planejamento e determinação
em prol de vida longa, produtiva e feliz.
Para Ulrich Beck, a modernização contemporânea é reflexiva porque se torna
um tema de reflexão para ela mesma e por produzir riscos e problemas que são
reflexos da radicalização da modernidade. O alto desenvolvimento da sociedade
industrial ter-se-ia convertido em risco potencial de autodestruição e é nesse sentido
que o autor fala de sociedade do risco (cf. BECK, 2010). Beck enfatiza o processo de
individualização, com o qual riscos, ameaças e ambivalências antes resolvidos pelos
referenciais dos grupos sociais passaram a ser de responsabilidade dos indivíduos.
Crítico, entende por individualização um tipo de conduta institucional que “considera o
individuo como ator, planejador e diretor de cena de sua própria biografia, identidade,
redes sociais, compromissos e convicções” (BECK, 1997, p.25). A modernidade
reflexiva apresenta-se como um “individualismo institucionalizado” (BECK; BECKGERNSHEIM, 2002, p. xxi), na medida em que existe uma pressão individualizadora
por parte dos Estados, das empresas e demais instituições para que os indivíduos
arquem com riscos produzidos pelo processo de modernização radicalmente
acelerado. Espera-se agora que os indivíduos dominem os riscos, sem que a
sociedade os capacite suficientemente para isso (cf. BECK, 1997, p.19). Em outras
palavras: “faça você mesmo”.
A economia neoliberal considera que qualquer indivíduo pode ser “empresário
de si” (self-entrepreneur, BECK; BECK-GERNSHEIM, 2002, p.xxi), o que contrasta com
a experiência mais real e cotidiana, que demonstra a “auto-insuficiência” (BECK;
BECK-GERNSHEIM, 2002, p.xxi) dos indivíduos e a necessidade de vínculos
institucionais, na maioria dos casos. Caracterizada pelos discursos do risco como
autonomia, emancipação e capacidade de agir conscientemente, a individualização
estaria sendo naturalizada, no sentido de ser vista com naturalidade, implicando, ela
própria, segundo Beck, um estilo de vida globalizado.
Trata-se, todavia, de “liberdade precária” (BECK; BECK-GERNSHEIM, 2002,
p.2), pois novas necessidades e controles passam a induzir os indivíduos a seguir
critérios estabelecidos pelo Estado e pelo mercado de trabalho. As instituições apenas
deixam de assumir responsabilidades, porém o individuo continua na dependência das
143
definições institucionais, dos critérios estabelecidos pelo mercado profissional, da
opinião científica dos especialistas e conselheiros. A individualização não é opcional,
mas compulsória; é um imperativo que força os indivíduos a operarem como agentes
de suas próprias vidas (cf. BECK, 1997, p.27). No fundo, representa a expansão das
regras e do modo de funcionamento do mercado para todas as áreas da vida (cf.
BECK; BECK-GERNSHEIM, 2002, p.202). Como resultado, as contradições sociais
passaram a ser experimentadas como fatores de ordem pessoal (disposições
psíquicas, insuficiência pessoal), enquanto riscos gerados pela extrema modernização
foram privatizados e distribuídos desigualmente, em proporção inversa à distribuição
das riquezas.
Nesse sentido falamos em uma dimensão imperativa, que não é da livre escolha
do indivíduo, já que a estrutura social está montada sobre a premissa de que cada um
é responsável por si mesmo e deve se gerenciar sozinho. Embora os fatores
econômicos não sejam os únicos determinantes para a adoção de condutas de gestão
de si, é inegável a interferência das exigências do mercado profissional na
conformação da necessidade de administrar-se, de desenvolver reflexividade e de
tomar pulso da própria vida sem dependência da ação institucional ou do cuidado
alheio.
Novos requisitos profissionais do capitalismo contemporâneo
A última metade de século foi palco de uma série de mudanças tecnológicas,
econômicas, políticas e comportamentais que afetaram diretamente a perspectiva
individual. O próprio capitalismo mudou, deslocando a ênfase da produção de
mercadorias para o consumo, já não apenas de produtos, mas de serviços diversos lazer, cultura, educação, informação, saúde e bem-estar - com promessas de sucesso,
felicidade, prazer e longevidade. O setor industrial encolheu, muitas funções foram
terceirizadas e transferidas para o setor de serviços, cuja expansão foi inflada ainda
mais com o surgimento de novas profissões e de novas necessidades de consumo de
bens culturais. A flexibilização das leis trabalhistas foi acompanhada do afrouxamento
dos laços sociais. A informática forneceu novos mecanismos para o controle gerencial
e para a avaliação de desempenho, revolucionando a gestão empresarial e interferindo
nas relações de dominação entre empresas e funcionários. Surgiram também novos
pré-requisitos para a contratação de profissionais, sobretudo o desenvolvimento de
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
144
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
competências subjetivas que atendam às necessidades organizacionais mais
complexas do capitalismo tecnológico em rede, o que inclui disposição para a
capacitação constante, para o autoaperfeiçoamento e para a gestão do corpo,
emoções e a aparência estética.
Mudanças
gerenciais
decorreram
da
alteração
na
economia
com
desdobramentos para a constituição das individualidades. Sennett (2006) teceu
comentários interessantes sobre os novos requisitos emocionais da economia
globalizada e a interferência para a constituição de um super-indivíduo independente,
disposto a abandonar as tradições de origem e a desenvolver habilidades que
mantenham o humano sempre “à frente da máquina” (SENNETT, 2006, p.47), de modo
a conseguir prosperar mesmo em situações de profunda instabilidade. Evidentemente,
isso é inatingível para a maior parte das pessoas. Todavia, os valores de
responsabilidade individual propugnados pela cultura do capitalismo foram assimilados
pelos governos e pelas sociedades civis em geral. O que se espera é “mais iniciativa e
capacidade empreendedora pessoais, sendo o bem-estar de cada um conduzido como
uma espécie de consultoria de negócios” (SENNETT, 2006, p. 48). A perda de
autocontrole e a dependência passaram a significar submissão aos outros, são
consideradas sinais de supremo fracasso e motivo de profunda vergonha, apontou
Sennett (2006).
A exigência cultural de uma personalidade autônoma é altamente estressante e
convive com estímulo à competitividade, imposição de prazos curtos, instabilidade do
emprego, insegurança das relações sociais. Dissemina-se o medo de tornar-se
supérfluo ou dependente, expande-se uma ansiedade a respeito das incertezas do
futuro que impele os indivíduos a moldarem suas personalidades conforme o ideal
estabelecido. Sennett observa que o fantasma da inutilidade ficou ainda mais
assustador à medida que o envelhecimento se tornou um peso econômico para os
Estados e empresas. Com o aumento da expectativa de vida, o déficit previdenciário supostamente decorrente do envelhecimento das populações em alguns países, já que
menos pessoas contribuiriam para o sustento de muitas - não permite o financiamento
público adequado para o descanso na velhice (Cf. SENNETT, 2006, p. 194). Esses
fatores também contribuem para um imperativo de gestão de si, sobretudo no que se
refere à adesão a comportamentos saudáveis que propiciem a manutenção de uma
vida presumivelmente longa, na qual não se possa contar com apoio institucional.
145
O modelo de gestão em rede dos anos 1990
A gestão de si é uma racionalidade que se expande a partir de um padrão
idealizado no meio empresarial para a racionalização da vida cotidiana como um todo
(cf. CASTEL, 1987; EHRENBERG, 2010a; BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009). O novo
modelo de organização empresarial, por sua vez, aproveita uma demanda cultural por
autonomia, liberdade e autenticidade, e converte-a em norma de conduta,
empregando-a institucionalmente para a avaliação de desempenho e contratação, ou
utilizando-a como medida para políticas de intervenção.
A comparação entre literaturas de gestão empresarial de diferentes épocas
possibilitou a Boltanski e Chiapello (2009) a identificação de um novo modo de
operação do que designaram capitalismo conexionista, ou neocapitalismo organizado
em rede, mais evidente após os anos 1990. Nesta literatura, os autores perceberam
que determinadas críticas dos movimentos radicais de contestação da década de 1960
foram, mais tarde, atendidas e revertidas a favor do fortalecimento do capitalismo,
resultando num engajamento maior dos indivíduos no mundo do trabalho. Os autores
classificaram as reivindicações contraculturais em dois principais conjuntos de críticas:
social e estético. Enquanto a crítica social dizia respeito à contestação da desigualdade
política e econômica produzida pelo capitalismo, a crítica estética demandava liberdade
de expressão individual em termos de criatividade e de autonomia para fazer as
próprias regras morais, para conduzir a vida de acordo com escolhas pessoais. Dentre
as reivindicações estéticas da contracultura incorporadas pelo capitalismo estão maior
autonomia, responsabilidade, criatividade e aceitação de singularidade individual ante a
visão homogeneizante da sociedade industrial. As principais mudanças averiguadas
nas novas propostas de gestão empresarial em rede referem-se ao reconhecimento
desses valores como legítimos e essenciais para a nova configuração econômica.
Valores que, todavia, tornaram-se hegemônicos, regulando condutas e determinando
modos de agir.
Se nos anos 1960 o tema da literatura de gestão era a motivação dos
funcionários, nos anos 1990 era a palavra mobilização que expressava a preocupação
com a falta de engajamento nos objetivos das empresas. Entre outros motivos
apontados pelos autores, o grande contingente de jovens oriundos da contracultura e
com maior nível educacional que ingressavam no mercado de trabalho já não se
submetia como antes. Nos anos 1970, a autoridade entrava em crise. Com as greves e
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
a desmotivação dos trabalhadores, a qualidade dos produtos caía, beirando o risco de
estagnação da produção por causa da resistência nas fábricas. Os jovens universitários
recusavam o trabalho alienante, muitos preferiam a marginalidade ou a informalidade
de empregos provisórios e atividades que lhes permitissem escapar de uma chefia.
Mesmo os executivos e engenheiros exigiam mais autonomia e maior participação nas
decisões da empresa (Cf. BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009).
Para solucionar esse problema, importava-se o modelo japonês de equipes
autônomas e pluridisciplinares, compostas por indivíduos com maior nível de
capacitação técnica, que assumiam a responsabilidade pela qualidade total dos
produtos. A produção em equipe requeria relações de confiança recíproca, cada um
seria seu próprio chefe, mas, ao mesmo tempo, instalava-se um novo dispositivo de
controle, no qual os membros do grupo passavam a se monitorar mutuamente. Além do
modo de organização em equipes e da acentuação psicológica dos relacionamentos
sociais dentro do trabalho, implantava-se a avaliação meritocrática individual e a
flexibilidade de horários. A chefia era redefinida para uma função amigável e
pedagógica, de aconselhamento e estímulo ao trabalho, substituindo o padrão de
imposição pela obediência. A organização era mais horizontal, a hierarquia rígida entre
superiores e subordinados começava a ser considerada ultrapassada. Sobre a
influência dos valores contraculturais no novo modelo administrativo, Daniel pereira de
Andrade destaca que:
Diante da contestação à racionalidade científica da administração fordista, a
resposta perfeita parecia ser uma solução vinda de uma cultura oriental (tão
valorizada na contracultura), com dispositivos de poder mais sutis e sedutores
e com uma organização do trabalho que permitia maior autonomia, tarefas
mais ricas, carreiras menos especializadas e uma integração coletiva mais
plena em empresas menos hierarquizadas, sem símbolos de poder e com
trabalho em equipe. Toda uma bibliografia referenciou-se entusiasmada no
modelo japonês, realizando um tratamento teórico-prático dele, de modo a
aprender e a ensinar as lições que poderiam ser aproveitadas (ANDRADE,
2012, sem paginação).
Todavia, a figura do líder ainda era fundamental, embora renovada pela noção
de gestor que é “facilitador” da interação da equipe para melhorar o processo produtivo.
O gestor não deixa de assemelhar-se a um “pastor de almas”, no sentido discutido por
Michel Foucault (Cf. 2006), ou seja, aquele que dá atenção a todos e a cada um,
conhecendo os problemas psicológicos dos colaboradores, aconselhando-os como um
guru, mestre ou terapeuta, estimulando-os não só para o desenvolvimento profissional,
mas também pessoal. Os
novos gerentes devem ser “carismáticos”, “intuitivos,
humanistas, generalistas, criativos” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 102;123).
147
Devem seduzir para que cada um adira de modo voluntário aos interesses da empresa
e auxiliar seus funcionários a dar significado às próprias vidas.
O sucesso foi garantido pela cooptação de diversas visões dos contestadores
na construção de um tipo de ideal de organização que prometia dar novo
sentido à vida ao propor uma visão holística de integração plena do indivíduo à
empresa concebida como uma comunidade moral de pertencimento
(ANDRADE, 2012, sem paginação).
A concepção de gestão empresarial eficiente deixou de ser aquela que manda
fazer e passou a ser a que leva alguém a fazer pensando que age por conta própria,
pois “já não é legítimo coagir” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 464), é necessário
o envolvimento pessoal nas tarefas. No entanto, a coerção não é eliminada, o controle
apenas passou a ser exercido de novo modo, com maior e mais constante pressão.
Boltanski e Chiapello (2009) reconhecem que alguns ganhos de autonomia, rendimento
e acesso ao consumo podem ser contabilizados, porém, hoje os prazos são muito mais
curtos e a tensão nervosa é muito maior que anteriormente. Além disso, como aponta a
análise desses autores, as garantias trabalhistas foram retiradas em troca de
autonomia, o que não é benéfico para o conjunto dos trabalhadores. As novas
habilidades
emocionais
exigidas
profissionalmente
não
representaram
melhor
remuneração, o principal ganho foi conseguir ocupar ou manter um lugar no mercado
de trabalho em meio ao crescimento do desemprego (cf. BOLTANSKI; CHIAPELLO,
2009). Os trabalhadores acabaram pagando caro por mais autonomia e liberdade,
muitas vezes com a própria saúde física e mental, atingida pela precariedade do
emprego no mundo conexionista.
A pedagogia da gestão de si na nova administração
O novo modo de operação do capitalismo em rede e o surgimento de novas
profissões e atividades no setor de serviços acentuaram a necessidade de habilidade
nos relacionamentos. A partir dos anos 1980/1990, as áreas de recursos humanos
assumiram a função pedagógica de formar funcionários adequados às novas
exigências subjetivas. Novas competências psicológicas, sobretudo de comunicação e
interação social, passaram a ser critérios de empregabilidade; são novas provas de
eficiência requeridas pelo mundo do trabalho2. As competências estão ligadas à
2
Outras qualidades, que constam em perfis requisitados pelo mercado profissional atualmente são: maleabilidade,
aprendizagem permanente, multifuncionalidade, imaginação, capacidade de resistir ao estresse e controlar a
irritabilidade, motivação, dedicação integral e envolvimento afetivo com o trabalho (Cf. BOLTANSI; CHIAPELLO,
V.8, nº1. Jan./jul. 2015.
148
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
expressão corporal e emocional - postura, voz, gestos, aparência – e à manifestação
de simpatia e cordialidade que fortaleça relações comerciais. A gestão de si requer
lidar eficientemente com as relações sociais, importante fonte de valor econômico na
nova economia.
Essa demanda empresarial contribui para gerar automonitoramento permanente
e impor um trabalho dos indivíduos sobre o corpo e as emoções para adequar-se às
novas circunstâncias e garantir emprego. Disso derivaria o “grande crescimento das
indústrias que cuidam da autoimagem” (moda, saúde, dietética, cosmética) e da
“indústria de desenvolvimento pessoal” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 192). É
importante dar provas de não ser um acomodado.
Como o engajamento nos objetivos da empresa dependia de estabilidade e,
contraditoriamente, a nova organização da produção precarizava o emprego, tanto as
teorias do desenvolvimento do potencial humano quanto as teorias da inteligência
emocional, nos anos 1990, foram as soluções encontradas para justificar a
necessidade de adequação das emoções às regras corporativas, responsabilizando os
trabalhadores pela eliminação de emoções que atrapalhassem a produtividade, tais
como estresse, ansiedade e desmotivação, muito embora “estas fossem derivadas da
própria gestão corporativa”, como observou Andrade (cf. 2011, 2012).
A teoria da inteligência emocional de Goleman combinava a neurologia com
formulações sobre o poder mental do século XIX, também presente na contracultura.
Inserida no novo modelo de gestão empresarial e fundamentada pela neurologia, a
perspectiva de inteligência emocional legitimava o treinamento das emoções,
classificando-as como “negativas” ou “positivas”.
Ao conceber o trabalhador como dotado de emoções simultaneamente
biológicas e sociais, os autores [da literatura de gestão] deslocaram a questão
da motivação da ação econômica dos interesses egoístas, visão muito criticada
pela contracultura, para uma dimensão moral e simbólica. A temática da cultura
organizacional buscou assim gerir as emoções por meio de uma missão ou
filosofia da empresa transmitida explicitamente em normas e comunicações
internas ou implicitamente por intermédio de uma cultura comum compartilhada
pelos líderes gerenciais e posteriormente por todos os empregados.
[...] Tratava-se de um modelo padronizado de interação no cotidiano que
recusaria tudo que pudesse perturbar a harmonia. [...] O dispositivo da cultura
organizacional estabeleceria assim uma relação holística com os trabalhadores
[...] A ênfase em ideias, comportamentos e valores comuns produziria a
integração social via consenso e a solidariedade entre os membros da
organização, legitimando a ordem existente e reduzindo conflitos (ANDRADE,
2012).
A invasão da vida cotidiana pela racionalização e pela burocracia era um dos
2009, p. 269).
149
alvos da crítica contracultural que a nova gestão empresarial procurava aplacar com a
introdução das emoções como temática forte nos ambientes de trabalho. A
reivindicação de humanização de todos os espaços sociais contra um mundo cada vez
mais tecnológico e artificializado foi atendida pela abordagem emocional dos
problemas. Entretanto, a incrível capacidade regenerativa do capitalismo encontrou
meios de extrair lucratividade da humanização concedida ao reforçar a transformação
da vida humana em capital, o capital humano, ao qual se refere Foucault (2008)3.
Ao mesmo tempo, estimulava-se o investimento do indivíduo em seu próprio
capital humano, o consumo e a circulação econômica em torno de novos bens
materiais e simbólicos. Pode-se falar aqui em um paradoxo das consequências (Cf.
WEBER, 2004)4 resultante da mobilização da contracultura por uma intensificação dos
aspectos emocionais e psicológicos que acabaram revigorando o capitalismo,
protegendo-o de críticas.
O arrefecimento da crítica social e a assimilação da crítica estética
proporcionaram uma empolgação com a empresa capitalista em sua nova roupagem
humanizada, o capitalismo deixou de ser visto como opressivo, pois já não reprimiria a
liberdade individual, nem se oporia à autonomia e à criatividade dos seres humanos. A
sedução do novo modelo de capitalismo em rede e sem hierarquias deixou a crítica
cega. Muito embora as condições de desigualdade social só tenham aumentado, os
antigos críticos compuseram uma nova esquerda que hoje considera que os
funcionários ganharam com as mudanças organizacionais, pois ficariam menos
alienados do que antes ao se tornarem responsáveis pela produção, além de ter havido
um enriquecimento do trabalho em termos de criatividade (Cf. BOLTANSKI;
CHIAPELLO, 2009, p. 102).
A cobrança de autocontrole emocional e o aumento de distúrbios psíquicos
Por outro lado, as inovações organizacionais geraram novas ansiedades, temor
3
No neoliberalismo americano, segundo Foucault (2008, p. 311), pode ser encontrada uma teoria do “homo
oeconomicus empresário de si mesmo, sendo ele próprio seu capital, sendo para si mesmo seu produtor”. O
neoliberalismo americano investiu saber psicológico na ideia de capital humano e generalizou a forma empresa para
todas as áreas da vida privada e social. A racionalidade administrativa e econômica operante no mercado passou a
ser um “princípio de inteligibilidade, de decifração das relações sociais e dos comportamentos individuais”
(FOUCAULT, 2008, p. 334).
4
Weber chamou de “paradoxo das consequências” o fato de os puritanos buscarem a salvação da alma por meio de
um estilo de vida glorificador do trabalho que acabou por colaborar com a acumulação de riquezas e a
transformação do lucro em uma meta final, em vez de ser um meio para alcançar maior bem-estar. O objetivo
religioso teve consequências imprevistas e indesejadas.
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de fracasso, de inutilidade, de dependência, de não atender a expectativa de
autonomia. Diante da insegurança causada pela instabilidade econômica, pelo
aumento do desemprego e predomínio de trabalhos informais, adquirir habilidades e
adequar-se aos requisitos impostos pelo mercado profissional passou a ser questão de
sobrevivência. O abalo psíquico não foi pequeno, conforme demonstram notórias
estatísticas de saúde mental.
Nesse sentido, outras contribuições para a compreensão do imperativo da
gestão de si provêm de Alain Ehrenberg (2010). Ao observar a sociedade francesa, o
autor verificou a disseminação das ideias de autonomia e responsabilidade individuais
vinculadas ao esporte e ao modo de condução da vida como aventura empreendedora,
fenômeno que surgiu nos EUA e também ocorreu em outros países, com a intenção de
formar funcionários que identificassem as empresas com um time que deve ser
campeão com sua ajuda. No novo modelo corporativo, o apelo é que o
desenvolvimento pessoal dos indivíduos resulta em desenvolvimento da empresa e
vice-versa. A conjugação da empresa com o esporte através da simbologia da aventura
empreendedora colaborou para a difusão de um novo modo de ação e de um modelo
de “indivíduo puro, sem raízes e sem passado, que não se refere a nada, a não ser a si
mesmo” (EHRENBERG, 2010, p. 25).
Reunida ao esporte, a gestão empresarial tornou-se “modelo de ação que
sintetiza rapidez, adaptação, mudança permanente, flexibilidade psíquica e corporal”
(EHRENBERG, 2010, p. 172). Com a assimilação da ideia de empreendedorismo, o
esporte, por sua vez, deixou de ser apenas exercício físico para representar “um estilo
de vida”, “um estado de espírito”, um “sistema de condutas de si que consiste em
implicar o indivíduo na formação de sua autonomia e de sua responsabilidade”
(EHRENBERG, 2010, p.17-18). A mesma pedagogia presente na empresa e no
esporte obriga os indivíduos a administrarem a própria vida cotidiana. Como assinalou
Ehrenberg (2010, p. 131):
A empresarização do comportamento dos assalariados em todos os níveis da
hierarquia das empresas busca fabricar uma mentalidade de massa na qual
cada um seja impulsionado a se governar por si mesmo. (EHRENBERG, 2010,
p. 131)
Porém, é antes uma autonomia artificial e fabricada, uma maneira de pensar que
convoca o indivíduo a assumir responsabilidades que o Estado e as empresas já não
são capazes de assumir. A aspiração à autonomia dos anos 1960 levou,
posteriormente, a um “poderoso investimento imaginário na forma empreendedora”
(EHENBERG, 2010, p. 116). Empreender deixou de significar exploração em benefício
151
do capital e passou a ser visto como solução justa para lidar com a desigualdade
social: “à autonomia pensada como resistência sucede a autonomia pensada como
integração”, dizia o autor (EHENBERG, 2010, p. 116).
No contexto empreendedor, a identidade é constituída por meio de esforço
individual sobre si, principalmente de construção de imagem corporal, pois conta mais
a aparência e a disposição de vencedor do que o desempenho propriamente dito. Os
músculos e a boa forma são sinais aparentes da disposição para superação dos
obstáculos da vida (Cf. COURTINE, 1995). Ser bem-sucedido significa “empreender
tornar-se si mesmo” (EHRENBERG, 2010, p. 172), descobrir seus potenciais naturais
e dar visibilidade à sua singularidade, extraindo-se da massa anônima por meio do
aprendizado de gestão de si. A liberdade de construir a própria individualidade singular
e de gerir-se deixa de ser uma escolha e torna-se um imperativo, uma norma
disseminada para todos os estratos sociais. Ninguém escapa do modelo empreendedor
que é o motor da nova economia, comenta Ehrenberg (2010, p.114).
Isso cria uma situação de ansiedade, na qual a cobrança social por
singularização, autorrealização e superação em uma sociedade altamente competitiva,
transforma a autonomia em um fardo e generaliza a depressão nervosa (Cf.
EHRENBERG, 2010, p. 132). O indivíduo medicalizado por drogas psíquicas é efeito
colateral da transformação do individuo em empresa. As pílulas da felicidade
reintroduzem “o bem-estar em um estilo de vida em que a tomada do risco, a prioridade
da singularidade individual, o autocontrole definem as normas da conduta de cada um”
(EHRENBERG, 2010, p 139). O aumento do consumo de drogas psíquicas, bem como
do alcoolismo e da toxicomania, é um jeito de livrar-se do peso da liberdade e da
autonomia, e principalmente de manter as condições emocionais para enfrentar a
concorrência, afirma o autor. Os medicamentos funcionam como uma espécie de
“autoassistência” (EHRENBERG, 2010, p. 155), eles multiplicam a resistência física e
psicológica para o funcionamento ilimitado do indivíduo. De acordo com o sociólogo
francês, predominariam os estimulantes e as “drogas de integração social e relacional”,
que permitem que as pessoas se mantenham totalmente socializadas embora
dopadas, mas também são bem consumidos os tranquilizantes para dormir e para
dominar situações de pressão. A autonomia acaba esvaziada pelo artificialismo dos
medicamentos e disfarçada por uma imagem de dinamismo e autocontrole emocional
(Cf. EHRENBERG, 2010, p. 143).
Assim, podem ser apontadas contradições importantes na cobrança de gestão
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de si, uma vez que a imposição social da necessidade de autocontrole pode acabar
causando situações de insalubridade psíquica e levar ao adoecimento, interferindo, por
isso, de modo negativo na produtividade que se espera obter. Essa visão é
corroborada por Boltanski e Chiapello, que assinalam o aumento de riscos à saúde
produzidos pela precarização das condições de trabalho no novo sistema produtivo.
Como, então, perguntam esses autores, “uma vida tão difícil e angustiante poderá
deixar de afetar a saúde física e psicológica?” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p.
256).
O aumento de cobrança social por autonomia e responsabilidade foi
acompanhado proporcionalmente pelo crescimento do número de indivíduos com
problemas hoje considerados da ordem da saúde mental - estresse, ansiedade,
depressão, fobias, alcoolismo, distúrbios do sono, etc. Diferentemente do que
acontecia no fordismo e no taylorismo, o sistema em rede incide muito mais na forma
de pensar, nos sentimentos e nos afetos do que nos corpos dos funcionários
propriamente ditos (Cf. GAULEJAC, 2007). No novo modo de organização do
capitalismo, a interferência dá-se no plano psíquico para que este opere sobre o corpo.
Porém, o corpo não é isento de disciplinamento, ainda que autoimposto. O estímulo à
disciplina corporal hoje faz parte das atuais políticas empresariais, muitas empresas
implantam centros de ginástica no local de trabalho ou programas de ioga, ginástica
laboral e outros, com o intuito de reduzir o estresse, aumentar a produtividade e evitar
as faltas por distúrbios psicossomáticos.
Entretanto, o estresse e a ansiedade não são vistos como problemas
decorrentes da estrutura de produção, ou da organização e das condições de trabalho,
são considerados apenas elementos inerentes ao empreendedorismo, passíveis,
portanto, de administração individual. Como consequência, para não serem
consideradas como administradores irresponsáveis de si, algumas pessoas dedicam-se
a atividades esportivas, outras recorrem à literatura de autoajuda para aprender a
gerenciar-se melhor, ou buscam programas de bem-estar que trabalhem o corpo e
acalmem a mente, na tentativa de conservar a sanidade. Muitos, no entanto, deixam de
pedir licenças por motivo de saúde, preferindo utilizar drogas psíquicas que lhes
possibilitem dar provas constantes de competência, a despeito dos efeitos iatrogênicos
que possam causar (Cf. EHRENBERG, 2010, p. 163). Poucos arriscarão terapias mais
longas. Afinal, embora a gestão de si seja um imperativo do mundo contemporâneo, o
tempo que lhes pode ser dedicado é escasso e o custo financeiro é alto.
153
Diante desse quadro, a gestão de si passa a ser uma prioridade não somente
como requisito para a atuação na vida profissional, adquire importância até mesmo
enquanto questão de saúde. Ou melhor, de bem-estar. Não por acaso, a concepção de
saúde transformou-se nas últimas décadas, passando a abranger o bem-estar
psíquico. A alta pressão psicológica do capitalismo atual teve como resultado o
aumento de distúrbios psíquicos. Certamente houve também aumento de diagnóstico e
de veiculação de informação sobre esses assuntos; hoje as pessoas manifestam esses
problemas de maneira mais aberta, o que pode simular o crescimento dos casos.
Todavia, não se pode negar que o processo de individualização, no significado
atribuído por Beck (2002), de transferência de responsabilidades sociais para os
indivíduos, sobrecarregou a capacidade psíquica de grande parte das pessoas e
passou a interferir no estado de saúde, no estado de ânimo e na produtividade. Isso
não passou despercebido das empresas, que descobriram ser um bom negócio investir
na saúde física e mental dos funcionários. Saúde e bem-estar tornaram-se, então,
problemas econômicos de peso, sobretudo com o envelhecimento das populações. No
entanto, o investimento é realizado principalmente para educar para a gestão de si e
para estimular hábitos saudáveis. Ou seja, mais uma vez, a responsabilidade cabe ao
indivíduo; o adoecimento e as indisposições são imputados ao modo de vida “errado” e
pouco racional.
Considerações finais
Por último, não se deve confundir gestão de si com autogestão. A reivindicação
por autogestão dos movimentos contraculturais de contestação dos anos 1960, bem
como dos movimentos operários, era no sentido de participação da força de trabalho
nas decisões das empresas e nas decisões governamentais. O que foi concedido é a
gestão de si, ou seja, a ampliação da participação se deu somente no plano das
responsabilidades, não houve compartilhamento efetivo de poder, nem aumento
significativo de renda. As promessas de libertação individual e autonomia não se
realizaram de fato, embora isso seja propalado ideologicamente pelas instituições e
pelos mais diversos meios de informação. Ao contrário, sugerimos que a gestão de si
tornou-se um imperativo reflexivo, tanto no sentido de exigência de reflexão sobre si,
responsabilidade e consideração dos riscos na ação, quanto no sentido de produção de
novos riscos reflexos da extrema modernização, sobretudo riscos de saúde. Nesse
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sentido, o desejo individual de assumir as rédeas da própria vida, que não é novo, pois
vem de um longo processo histórico desde o Renascimento, torna-se agora uma
necessidade de sobrevivência, devido às transformações do sistema produtivo que
afetaram o sistema social com um todo.
Como esclareceram Boltanski e Chiapello (2009), não é possível imputar a
responsabilidade desse processo a um único sujeito maquiavélico, embora também
não se possa conceber ingenuamente que seja apenas uma mutação espontânea que
levará à emancipação do indivíduo para um estado de autonomia e responsabilidade.
Evidentemente, uma série de outras mobilizações culturais não relacionadas a fatores
econômicos contribuíram para a radicalização do processo individualizador, como os
efeitos da destradicionalização e da psicologização das sociedades durante o século
XX. Contudo, a gestão de si estabeleceu-se como normatividade, ou seja, como
imperativo estendido a todos os cidadãos, somente quando o gerenciamento de riscos
individuais e o empreendimento de si se tornaram necessários para o bom
funcionamento da nova economia. Somente a partir daí, a gestão de si passou a ser
difundida para a sociedade de uma forma mais ampla.
Por outro lado, a necessidade de gestão de si favoreceu a expansão de um
segmento econômico específico bastante rentável, direcionado para o desenvolvimento
das tais capacidades potenciais, para a construção da própria identidade, para os
cuidados com o corpo e a mente e para o aprendizado de técnicas que permitam
suportar a carga de estresse com menos sofrimento. Esse ramo de consumo chamado
de “indústria” ou “mercado do bem-estar” é composto por novos serviços, produtos e
informações (livros, cursos, palestras, treinamentos, autoajuda, etc.) relacionados à
saúde preventiva, à estética e ao conforto psíquico. O aquecimento do mercado de
bem-estar promoveu a ampliação do campo profissional da saúde, surgiram novas
profissões como a de acupunturista, algumas áreas de conhecimento passaram a ser
mais valorizadas, como a psicologia, a fisioterapia, a nutrição. Os médicos e
psiquiatras, por sua vez, cada vez receitam mais medicamentos para doenças afetivas.
Assim, a indústria farmacêutica também soube beneficiar-se da ascensão do bem-estar
a bem de primeira necessidade, fornecendo novas drogas psíquicas e cosméticas.
Dessa forma, é possível dizer que a gestão de si e a busca de bem-estar,
disseminados mais amplamente e de forma mais normativa a partir de novas
demandas
do
capitalismo,
tornaram-se
também
economicamente
relevantes,
retroalimentando a nova economia da qual são subprodutos.
155
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PENSANDO A “CONSTRUÇÃO” DO LÍDER A PARTIR DE SKINNER E BOURDIEU
Marcelo Henrique Santos1
Stefânia Brandão Pereira2
Cristiano das Neves Bodart3
Resumo
O presente artigo esboça algumas das colaborações teóricas do comportamentalismo
de Skinner e da Sociologia culturalista de Bourdieu para a compreensão da construção
do Líder do tipo ideal racional. Para tal, recorremos à centralidade dada por Skinner ao
Ambiente, e ao Habitus na teoria bourdieurdiana. Assim, compreendemos que a
formação de um Líder perpassa pela relação dialética entre seu contexto atual e seu
processo histórico, o que nos permite afirmar que o Líder se constrói por meio de
relação complexa, continua e de interação com o ambiente ou campo no qual esteve e
está situado.
Palavras-chave: Líder. Habitus. Ambiente. Campo.
CONSIDERING THE “CONSTRUCTION” OF THE LEADER FROM THE
PERSPECTIVE OF SKINNER AND BOURDIEU
Abstract
This article outlines some of the theoretical collaborations of the behavioralism of Skinner and
the culturalist sociology of Bourdieu toward an understanding of the construction of the typic
ideal rational leader. For this, we turn to the centrality as attributed by Skinner to the
Environment and to the Habitus of Bourdieu. By this, we understand that the formation of a
Leader passes through the dialectical relationship between its current context and its historical
process, allowing us to affirm that the Leader is constructed through a complex and continuous
relation of interaction with the environment or field in which it was, or is, situated.
Keywords: Leader. Habitus. Environment. Field.
1 Introdução
O estudo da liderança sempre fascinou e sempre intrigará pesquisadores e
estudiosos de diversas áreas do conhecimento, sobretudo das Ciências Sociais, das
Ciências Humanas e das Ciências Humanas Aplicadas, estas que vem se incumbindo
de desvendar o intrigante fenômeno das lideranças. Nesse contexto, destacamos os
estudos comportamentalistas e culturalistas, interessados por tal fenômeno.
1
Graduado em Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce, Especialista em Professional & Self Coach pelo
2 Graduada em Ciências Contábeis pela Faculdade Ciências Humanas de Vitória e aluna do curso de especialização
MBA em Gestão de Pessoas da Faculdade Novo Milênio.
3
Docente da Faculdade Novo Milênio (FNM). Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
158
Já descrevia Skinner:
Podemos discordar quanto à natureza ou à extensão do controle que o
ambiente mantém sobre nós, mas que há algum controle é óbvio. O
comportamento deve ser apropriado à ocasião. (SKINNER, [1953] 2003,
p.142).
É sob uma perspectiva comportamentalista e culturalista que buscaremos
compreender como se dá a formação de um Líder.
As ideias para tal estudo originou-se a partir de uma dúvida: Como podemos
entender a construção do “Líder do tipo ideal racional” nos dias atuais? Este
questionamento norteou o presente estudo.
Para delimitar o que entendemos por “Líder do tipo ideal racional”, nos utilizamos
da proposta categorizadora de Max Weber, a qual apresentaremos na segunda seção.
Antemão enfatizamos que o presente trabalho não tem a pretensão de apontar
padrões e/ou equações de como moldar um sujeito para tornar-se um Líder, no intuito
de criar algum manual. O propósito deste trabalho é exploratório e não normativo.
O presente trabalho recorre às contribuições de dois teóricos. De um lado um
dos maiores representantes do comportamentalismo, Burrhus Frederic Skinner, e por
outro, um dos maiores sociólogo culturalista do século XX, Pierre Felix Bourdieu.
Objetiva-se aqui destacar as colaborações teóricas do comportamentalismo e do
culturalismo para a compreensão da formação do Líder do tipo ideal racional. Para isso
recorremos a centralidade dada por Skinner ao Ambiente, e ao Habitus e campo, da
teoria bourdieurdiana.
O artigo estrutura-se em cinco seções. A primeira seção trata-se da presente
introdução. A segunda aborda as competências que compreendemos que o Líder tipo
puro deve possuir. Na terceira seção explanaremos o papel de Ambiente para Skinner,
e como esse ambiente cooperar para pensarmos a formação de um Líder. Na quarta
seção apresentamos a contribuição de Bourdieu, destacando os conceitos de Habitus e
campo e como tais conceitos cooperam para compreendermos a formação de um
Líder. Na quinta e ultima seção, apresentaremos algumas reflexões conclusivas
buscando uma aproximações das duas teorias na compreensão da formação um Líder.
2 O Líder e a liderança: breve conceituação
O adjetivo “Líder” é destinado ao indivíduo que exerce influência sobre outros.
Em outros termos, exerce poder em suas múltiplas formas, sendo o poder a condição
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de fazer valer a sua vontade. A designação e/ou status dado a um indivíduo chamado
Líder é, antes de mais nada, uma referência ao seu caráter de dirigir outros. Porém,
para entendermos o conceito de Líder proposto atualmente, utilizaremos como
referência algumas contribuições de Max Weber, sobretudo o conceito de dominação
racional, o qual nos dá margem para o desenvolvimento do conceito de Líder do “tipo
puro ideal racional”.
O fenômeno de liderar traz algumas nuanças, nas quais Weber ([1921] 1999,
p.1), apresenta como forma de dominação. Para este, “dominação é a probabilidade de
encontrar obediências para ordens específicas (ou todas) dentro de um determinado
grupo de pessoas”. Ainda de acordo com este autor, a submissão se dá por diversos
motivos. Como destacou,
Em cada caso individual, a dominação “(autoridade)” assim definida pode
basear-se no mais diversos motivos de submissão: Desde o hábito
inconsciente até considerações puramente racionais referentes a fins.
(WEBER, [1921] 1999, p.1).
Weber ([1921] 1999) propõe três tipos puros de dominação legítima, sendo
estes: i) de caráter racional; ii) de caráter tradicional e; iii) de caráter carismático.
Weber descrever os três tipos da seguinte forma:
1. de caráter racional: baseada na crença da legitimidade das ordens
estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens,
estão nomeados para exercer a dominação (dominação legal) ou 2. de caráter
tradicional: baseada na crença cotidiana da santidade das tradições vigentes
desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições,
representam a autoridade (dominação tradicional) ou por fim, 3. de caráter
carismático: baseada na veneração extracotidiana da santidade do poder
heroico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por estas
reveladas ou criadas (dominação carismática). (WEBER [1921] 1999, p.3).
Para compreensão destes tipos de dominação é necessário entender o que
Weber conceituava como “tipo ideal”. Para Weber, tipo ideal é, um conceito usado
através de determinadas características específicas para restringir uma parte da
realidade. Esta realidade nos permite ver particularidades que aproximam do objeto a
ser analisado e estudado. Sua utilidade é metodológica.
Um conceito ideal é normalmente uma simplificação e generalização da
realidade. Partindo desse modelo, é possível analisar diversos fatos reais como
desvios do ideal: Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços
particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de
nossas construções, determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico
e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é
simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia
mais lúcidas (WEBER, 1979 apud BARBOSA; QUINTANEIRO, 2002: 113).
160
Para que haja e se mantenha, a dominação, Weber enfatiza a importância da
legitimidade. Que para Weber,
[...] deve naturalmente ser considerada apenas uma probabilidade de, em um
grau relevante, ser reconhecida e praticamente tratada como tal. Nem de longe
ocorre que toda obediência a uma dominação esteja orientada primordialmente
(ou a pelo menos, sempre) por essa crença. (WEBER, [1921] 1999, p.2).
O tipo de liderança, que denominamos com base nas contribuições de Weber
como racional, demanda a existência de legitimidade, a qual será alcançada por meio
do reconhecimento racional de sua importância.
O que nos importa de forma mais direta nesse trabalho é a contribuição de
Weber para pensarmos o modelo de dominação legítima de caráter racional.
Esse modelo, de “dominação racional” nos ajuda a pensar a questão da
liderança, a qual envolve a noção de submissão. Sob essa ótica, traçamos a ideia de
“liderança racional”, a qual definimos como, àquele que influencia, pela sua capacidade
intrínseca de liderar, uma ou mais pessoas, as quais aceitam racionalmente a
submissão por compreenderem ser a melhor opção. Assim ao usarmos a expressão
“Líder” ao longo desta análise estaremos nos referindo apenas ao “Líder do tipo
racional puro”. O objetivo dessa delimitação de tipo é fornecer condições de uma
racionalização mais rigorosa.
Nos modelos atuais, o exercício de liderar exige capacidades e competências
específicas deste indivíduo (do tipo racional). Como nos apresenta Ervilha (2008, p.54),
“liderar é influenciar e conduzir pessoas nas situações em que é identificado um
objetivo claro e definido, que busca os resultados desejados”. O Líder racional é aquele
que
com
insights,
motivações,
conhecimento
e
perspicácia,
dentre
outras
características, conduz o grupo à um determinado caminho, seja este para um bem
comum ou não, visando auxiliar e ser representação dos anseios destes liderados.
Para Chiavenato (1999, p. 553), “[...] a liderança é uma forma de influência. A
influência é uma transação interpessoal em que uma pessoa age para modificar ou
provocar o comportamento de outra pessoa, de maneira intencional”. Atribuindo a
função de Líder como criador ou cultivador de liderados citamos e recorremos a
analogia feita por Meneghtti (2008 p.15), para quem “o líder é alguém que constrói a
função, a apara quando necessário e a aperfeiçoa; portanto, é um artesão”. Chiavenato
(2001, p. 26) destaca a importância da liderança, enfatizando a necessidade das
empresas em tê-la em cada um de seus departamentos.
Para Maxwell (2008, p.96):
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A responsabilidade pelo desenvolvimento das pessoas recai sobre o líder. E
isso significa mais do que apenas ajuda-las a adquirir habilidades profissionais.
Os melhores líderes ajudam os liderados não só em relação à carreira, mas
também em relação à vida pessoal. Eles os ajudam a se tornar pessoas
melhores, e não apenas bons profissionais. Os líderes potencializam os
liderados. E isso é muito importante, pois promover o crescimento das pessoas
gera crescimento para a organização.
Com a velocidade das informações da sociedade espera-se que o Líder possua
conhecimento do que se passa ao seu redor, esteja informado da realidade que
envolve sua sociedade, assim como de todo processo que envolve seu ambiente de
trabalho. Desta forma, podemos aferir que o conhecimento de um Líder deve perpassar
a diversas áreas do saber, muitas vezes não ligado diretamente à sua área de atuação.
São esses aspectos que darão legitimidade para que haja a liderança marcada
pela dominação de caráter racional weberiano, o qual acreditamos ter por objetivo
desenvolver as habilidades dos liderados e obter maiores resultados; aspectos que lhe
proporcionam confiança, o que o mantém em um ciclo de liderança legítima.
Com respeito ao assunto, Mota (1997, p.206) afirma que:
A capacidade que um indivíduo possui de influenciar alguém ou um grupo de
pessoas significa uma força psicológica, onde um age de modo a modificar o
comportamento de outro de modo intencional, essa influência envolve poder e
autoridade, alterando assim o modo de agir do influenciado.
É certo que a influência pode ocorrer de outras formas, tais como a coerção
física ou material, o que não julgamos apropriado em uma liderança que se propõe ser
legítima, sobretudo àquele classificada como racional.
É importante compreender que a concretização do processo de liderança passa
por variáveis, ou seja, o Líder e seus colaboradores vivenciam uma situação que os
ligam simultaneamente e esta ligação sempre estará respaldada através de algum tipo
de poder.
Assim, a princípio, compreendemos que para a concretização do processo de
liderança do tipo racional, é necessário atributos pessoais os quais são construídos a
partir do contexto social. Em outros termos, depende do ambiente (Skinner), o qual
produzirá um habitus (Bourdieu), característico de Líder do tipo racional. Assim o Líder
do tipo racional possui um repertório de atuação maior que do que seus liderados, o
qual é acumulado, segundo o que mostraremos, partir de seu Ambiente e Habitus.
162
3 Contribuições do ambiente em Skinner para compreender o processo de
formação do Líder Racional
A presente seção tem por objetivo revisitar o papel do “Ambiente” de Skinner a
fim de levantar subsídios para compreensão do processo de construção de um Líder
racional.
Skinner nasceu numa pequena cidade rural de Susquehanna, Pennsylvania.
Nesta mesma cidade concluiu seu ensino básico. No início de sua formação, ingressou
na carreira de escritor, ideia que foi abandonada para cursar o doutorado na Havard
University em 1928 no programa de Psicologia Experimental. Respectivamente entre
1930 e 1931 obteve o título de Master em PhD, permaneceu nesta instituição até 1936
onde no mesmo ano mudou-se para Minneapolis para assumir as atividades de
professor e pesquisador na University of Mennesota, onde obteve espaço para lecionar
e pesquisar sobre o behaviorismo (Schultz; Schultz, 1981).
Em sua trajetória, Skinner desenvolveu vários trabalhos com ênfase na análise
do comportamento, grande parte destes trabalhos estão relacionadas como a
Psicologia. Tais como, Verbal Behavior (Comportamento Verbal, 1957), onde trata do
pensamento humano e sua conduta social; Beyond freedom and dignity, (Além da
Liberdade e Dignidade, 1971), trabalhando conceitos sobre cultura; About behaviorism
(Sobre o Comportamento, 1974), analisando minuciosamente as facetas do
comportamento, entre outras obras.
Alguns críticos questionaram a capacidade da teoria skinneriana (SMITH, 2010,
p. 24-25).
Joseph Wood Krutch The measure of man (A medida do homem, 1953)
Michael Scriven (1956) leu passagens de sua obra A study of radical
behaviorism (Estudo sobre o comportamentalismo radical) em um colóquio de
filosofia da ciência organizado pela Universidade de Minnesota. Noam
Chomsky (1959), professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts,
publicou em Language uma longa crítica linguística de Verbal behavior. Carl
Rogers, criador do aconselhamento não diretivo e da terapia centralizada no
paciente, debateu com Skinner questões relativas à liberdade, ao controle da
conduta e da ação do homem. [...] O breve artigo satírico publicado em Punch
(Heathorn, 1962) não estava expressamente dirigido contra Skinner.
Tais críticos questionavam a capacidade de modelação do ambiente, quão
responsável este ambiente tem como influência para cada indivíduo em seu processo
histórico, e, se realmente existe alguma influência. Skinner, já argumentava sobre:
Não se nega a importância, qualquer que seja nossa filosofia do
comportamento, do mundo que nos cerca. Podemos discordar quanto à
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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
natureza ou à extensão do controle que o ambiente mantém sobre nós, mas
que há algum controle é óbvio. (SKINNER, [1953] 2003, p.142).
A abordagem de Skinner, sendo comportamentalista, tem como fundamento
explicações que se baseiam nas interações sociais entre o indivíduo e ambiente que
este se insere. Entendendo que:
[...] a constituição genética do indivíduo e sua história pessoal passada desempenham papel nesta determinação. Além disso, o controle repousa no
ambiente. As mais importantes forças, além disso, estão no ambiente social,
que no produto humano. O comportamento humano está, portanto
grandemente sob o controle humano. (BANACO, 2001, p. 299. Destaque do
autor).
Nesta perspectiva podemos compreender que, não existe comportamento certo
ou errado, assim, o que podemos descrever é que existe um organismo se
comportando diante de suas necessidades. Como relatou Skinner, “os homens agem
sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de
sua ação” (SKINNER, [1957] 1978, p.15).
O lugar do ambiente, na teoria Skinneriana, vai além de dimensões físicas e
sociais, ou seja, internas e externas aos indivíduos. Estas dimensões correlacionam e
estão em constante dinâmica. Como descreveu perfeitamente, Rodrigues.
Ao agir sobre o ambiente físico e social o sujeito modifica o ambiente e as
consequências advindas de suas ações, por sua vez, modificam o mundo à sua
volta [ambiente externo] e a si próprio [ambiente interno]. (RODRIGUES, 2006,
p.154).
Em Skinner observamos a importância deste ambiente social para a suas
análises, sendo este responsável pelo modelamento do comportamento dos indivíduos.
O comportamento social surge porque um organismo é importante para outro
como parte de seu ambiente. Portanto, o passo inicial é uma análise do
ambiente social e de quaisquer aspectos que porventura possua. (SKINNER,
[1953] 2003, p.326).
O termo importância, citado por Skinner, remete-nos a uma compreensão de
sobrevivência. Vale ressaltar que o peso dado ao ambiente em Skinner, se baseia no
modelo de seleção natural.
Skinner apresenta o resultado do comportamento humano como uma
consequência, uma séria de conjecturas. O comportamento humano é o produto do
conjunto de: i) contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção natural das
espécies; ii) contingências de reforçamento responsáveis pelos repertórios adquiridos
164
por seus membros incluindo e; iii) contingências especiais mantidas por um ambiente
cultural
evoluído
(SKINNER,
[1981]
2007).
A
partir
deste
entendimento,
compreendemos que para Skinner o comportamento operante é um processo evolutivo
que se encontra inserido no contexto cultural.
Desta forma, entendemos que para Skinner, qualquer unidade que produza
efeito em um organismo considera-se operante.
Na procura de entender a correlação entre a resposta após a emissão do
comportamento humano, Skinner descreve,
O termo operante, por outro lado, está relacionado à previsão e ao controle de
um tipo de comportamento. Ainda que observemos apenas instâncias, estamos
interessados nas leis que especificam os tipos. (SKINNER, [1957] 1978, p.20).
Assim, a manutenção do comportamento de liderar se dá através da eficiência
do comportamento operante, logo, os resultados atingidos pelo grupo. Pois, como
complementa Skinner, a ausência de um comportamento eficaz o faz cair em desuso.
O condicionamento operante continua a ser eficaz mesmo quando não há
mudança posterior que possa ser chamada de aquisição ou mesmo de
melhorar na habilidade. O comportamento continua a ter consequências e
estas continuam a ser importantes. Se não há consequências, ocorre a
extinção. (SKINNER, [1953] 2003, p.109).
Tal consideração nos faz compreender a importância do comportamento
operante na formação de um Líder, para tal, antes de adentrarmos na formação deste
Líder, apresentamos as contribuições de Pierre Bourdieu.
4 Contribuições do conceito de habitus de Bourdieu
processo de formação do Líder Racional
para compreender o
A presente seção tem por objetivo revisar o conceito de Habitus de Bourdieu a
fim de levantar subsídios para compreensão do processo de formação de um Líder
racional.
Pierre Bourdieu nasce na França, em 1930, em uma cidade chamada HautesPyrénées. Filho de funcionário dos correios ingressa em 1951 na Escola Normal
Superior em uma prestigiosa academia de Paris, onde é confrontado com a cultura da
elite burguesa, provida das classes sociais mais favorecidas da França (RODOLPHO,
2007). Após ter se formado em Letras, Bourdieu, em 1955, adquire formação em
Filosofia e posteriormente ingressa como pesquisador e professor na Argélia (idem).
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165
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Ainda de acordo com Rodolpho (2007), Bourdieu desenvolveu vários trabalhos,
sendo alguns deles: Sociologie de l’Algerie, 1958; Les Héritiers,1964; Um Art Moyen
Essai sur les usages sociaux de la photographie, 1965; L’Amour de l’Art, em 1967; Le
Métier de sociologue, 1967; La Reproduction, 1970; Esquisse d’une théorie de la
pratique, 1972; uma revista em 1975, Actes de la recherche em sciences sociales; La
Distinction, 1979; Le sens pratique, 1980; Questions de sociologie, 1981; Leçon sur la
leçon,1982. Em 1993 Bourdieu organizou a publicação de La misère du monde,
tratando-se de uma coletânea de vários intelectuais da vida política. (idem).
Para desenvolver sua teoria, Bourdieu desenvolveu uma série de conceitos, tais
como o de habitus, campo, capital simbólico, capital cultural, entre outros. No entanto,
no presente trabalho iremos nos ater aos conceitos de habitus e campo por
acreditarmos ser, em certa medida, suficiente para nossos propósitos. É impossível
compreendermos o conceito de habitus sem correlacioná-lo ao conceito de campo,
como desenvolveremos a seguir.
Bourdieu, a partir dos conceitos de campos e habitus, buscou superar a
oposição entre subjetivismo e objetivismo. (SCHENATO, 2011). Como destacou o
próprio Bourdieu (1990a, p. 150),
Em termos gerais, existe um dilema nas ciências sociais que se aventura por
dois caminhos aparentemente opostos e que não se casariam: subjetivismo e
objetivismo.
Bourdieu destacou que os fenômenos que envolvem o comportamento humano
não podem ser compreendidos de forma isolada, pois associar o subjetivismo e o
objetivismo torna a ciência substancial, uma vez que afirma que a ciência é o conjunto
da relação de entre fenômenos. (WACQUANT, 2007).
O conceito de campo apresentado por Bourdieu nos remete a ideia de locus
marcado por capitais simbólicos específicos, que de certa forma o caracteriza. Por
capital simbólico Bourdieu define:
O capital simbólico – outro nome da distinção – não é outra coisa senão o
capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente
dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da
estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido
como algo de óbvio. (BOURDIEU, 2003c, p.15).
Essa distinção são reconhecidas entre os pares e reproduzidas enquanto
afirmação destes. E é no campo que o capital simbólico faz sentido e tem importância.
166
O campo social é um campo de forças/lutas entre os agentes posicionados uns
em relação aos outros, orientam-se, sabedores práticos das regras, limites e
possibilidades que estruturam o jogo social do campo que re-produzem. Há na
agência dos indivíduos no interior do campo certa liberdade, improvisações,
inventividades, com estratégias (não-conscientes), tentando angariar uma
acumulação maior de capital (objeto de disputas), tentando atingir as posições
mais elevadas, logo, tentando adquirir poder (simbólico), reconhecimento,
reputação, autoridade e notoriedade (SCHENATO, 2011, p. 37).
Com relação ao funcionamento do campo, assim mencionou Bourdieu (2003b,
p.119):
Há leis gerais do campos: campos tão diferente como o campo da política, o
campo da filosofia, o campo da religião tem leis de funcionamento invariáveis
(é isso que faz com que o projecto de uma teoria geral não seja insensato e
com que, desde já, possamos servir-nos do que aprendemos sobre o
funcionamento de cada campo particular para interrogarmos e interpretarmos
outros campos, superando assim a antinomia mortal da monografia ideográfica
e da teoria formal e vazia.
Para compreender o funcionamento do campo é necessário conhecer os ritos e
regras que o envolve, pois como citado anteriormente existem vários campos com
regras e capitais simbólicos próprios.
Para que um campo funcione, é necessário que haja paradas em jogo e
pessoas prontas a jogar esse jogo, dotadas do hatibus que implica o
conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo, das paradas em
jogo, etc. (BOURDIEU, 2003a, p.120).
Na estrutura da formação do campo, Bourdieu (2004a, p. 23) descreve que no
campo existem capitais específicos, onde os indivíduos adquirem um determinado
habitus próprio deste campo. Tais capitais só fazem sentido no interior de seu campo,
pois este é fruto das relações intrínsecas daquele, em um processo de construção
mutua.
Os agentes criam o espaço, e o espaço só existe (de alguma maneira) pelos
agentes e pelas relações objetivas entre os agentes que aí se encontram. É a
estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles
podem e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles
ocupam nessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente,
suas tomadas de posição. (BOURDIEU, 2004b, p. 23).
O campo para deve ser compreendido a partir das relações, pois, através delas
que este se produz e se reproduz. O poder existente no campo se configura através
das relações simbólicas, e neste simbolismo o indivíduo (re)produz sua crença e seu
habitus.
Isso significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em
forma de uma - illocutionary force - mas se define numa relação determinada - e
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167
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos,
quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e reproduz
a crença. (BOURDIEU, 2003c, p. 14-15).
O campo fornece as condições para construção do habitus. Mas como podemos
entender o que é o habitus? O habitus, na teoria bourdieuriana, é fundamental para a
compreensão das relação entre o indivíduo e a sociedade.
Para melhor compreender o conceito de habitus, seria necessário recuperar a
problemática teórica, as premissas epistemológicas da obra de Pierre
Bourdieu. Ou seja, o conceito de habitus propõe identificar a mediação entre
indivíduo e sociedade como uma das questões centrais da produção teórica
desse autor. Grosso modo, a construção da teoria do habitus obedeceu a um
amadurecimento teórico que se expressou sobretudo na conciliação de duas
leituras do social até então vistas como antagônicas e contraditórias (ORTIZ,
1983 apud SETTON, 2002, p.63).
Este conceito [o habitus] nos permite compreender que as ações aparentemente
individuais e pessoais se expressam de forma orquestrada com o coletiva, não de
forma singular e individualizada. Como complementa Bourdieu (1992), o habitus é uma
subjetividade socializada, sendo expressado de forma pré-disposta, estando entre o
inconsciente e o consciente.
Desta forma, o habitus deve ser visto como um conjunto de esquemas
perceptíveis, esquemas de aprendizagem e ação, ou seja, relações que em seu
contexto, após experenciado e colocado em prática, o campo o “estimula e modela”, de
acordo com seu jogo de relações e poder. Estas relações apresentadas se configuram
como estruturas estruturadas e estruturantes. Como afirma Bourdieu,
[...] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionarem como estruturas estruturantes; isto é, como princípio gera e
estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente
“regulamentadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de
obediência de regras; objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha a
necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das operações
para atingi-los, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas, sem
serem o produto da ação organizadora de nenhum maestro. (BOURDIEU,
1994, p.61).
Vale ressaltar que o habitus não pode ser visto, como o destino, ou seja, uma
pré-determinação para um indivíduo, pois, este indivíduo além de receber os estímulos
produzidos no contexto que vive, está à disposição de novas experiências, além de
acumular as interações de seu processo histórico. Como nos permite compreender
Bourdieu,
168
O habitus não é destino, como se vê às vezes. Sendo produto da história, é um
sistema de disposição aberto, que é incessantemente confrontado por
experiências novas e, assim, incessantemente afetado por elas (1992, p. 108).
Dependendo das experiências que os indivíduos têm em suas vidas, estes dão
certas respostas a determinados estímulos, antes mesmo de uma tomada de
consciência, quando assim, estimulada por um fenômeno.
A relação entre os dois conceitos se apresentam de forma indissociável, pois um
conceito (habitus) é pensando a partir do outro (campo) para sua compreensão.
[...] a existência de um campo especializado e relativamente autônomo é
correlativa à existência de alvos que estão em jogo e de interesses específicos:
através dos investimentos indissoluvelmente econômicos e psicológicos que
eles suscitam entre os agentes dotados de um determinado habitus, o campo e
aquilo que está em jogo nele produzem investimentos de tempo, de dinheiro,
de trabalho etc. [...] Todo campo, enquanto produto histórico, gera o interesse,
que é condição de seu funcionamento. (BOURDIEU, 1990b, p. 126-128).
E como podemos compreender o Líder racional a partir da teoria do habitus?
Devemos considerar primeiramente o campo em que o presente Líder se encontra,
assim, compreendendo o campo o qual está inserido podemos, em certa medida,
compreender e analisar seus habitus.
Tal análise será proposta na próxima sessão, onde iremos ressaltar a relevância
dos conceitos de campo e habitus de Bourdieu e o papel do ambiente estacado Skinner
na formação de um Líder do Tipo Ideal racional.
5 Skinner e Bourdieu: Uma aproximação para pensarmos a construção de um
Líder do tipo racional
O objetivo deste artigo foi refletir sobre a “construção” do Líder do tipo racional a
partir de contribuições de Skinner e Bourdieu, buscando através de uma revisão
bibliográfica levantar elementos que nos ajudam a pensar tal construção.
A influência do ambiente, destacado por Skinner, nos convida a pensar que a
construção do Líder sob a influência deste. O ambiente na perspectiva skinneriana
remete-nos a tudo aquilo que é externo ao indivíduo, logo, este é parte integrante
daquele, ou seja, é visto sob uma análise relacional proposta pelo behaviorismo. Desta
forma, os gestores, os liderados, a estrutura organizacional [missão, visão e valores]
compõem o ambiente.
A partir de Bourdieu podemos compreender que no campo estão os agentes
posicionados para a disputa pelos símbolos ali valorizados, que proporcionam
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prestígios entre os participantes deste campo. Assim, como na política e na religião, o
contexto organizacional pode ser definido como um campo, sendo marcado por
valores, normas, estruturas organizacionais e relações de poder. É compreendendo
esse campo que encontraremos elementos para identificar elementos valorizados na
definição do sujeito como Líder do tipo puro racional.
Na teoria behaviorista o modelamento proporcionado pelo reforço positivo
contribui efetivamente com a formação do Líder. Este Líder sendo modelado pelo
ambiente e afetado por seu processo histórico passa a responder de forma operante.
Desta maneira, a forma como estes estímulos são proporcionados pelo ambiente junto
com as pré-disposições existentes na vida deste indivíduo, este se torna um Líder.
A partir de Skinner, podemos inferir que a relação com o ambiente estimulará
(ou não) as habilidades para a liderança, não deixando de evidenciar a importância das
contribuições do processo histórico deste indivíduo para esta formação.
Bourdieu buscando construir uma teoria disposicional da ação marcada pela
inventividade dos agentes retomou o conceito de habitus para explicar a complexa
relação entre objetivismo e subjetivismo; em outras palavras, a relação entre a
estrutura e essa inventividade do ator (agencia).
Sob a perspectiva bourdieuriana, para compreendermos a construção do Líder
devemos observar o habitus, o qual é forjado no interior do campo onde o indivíduo
esta inserido ou esteve inserido ao longo de sua trajetória biográfica. É no habitus que
iremos entender a relação entre o Líder e seus liderados e/ou sua organização, uma
vez que este é a pré-disposição para a ação. Se o habitus é a subjetividade
socializada, podemos compreender que esta se constrói através dos “depósitos” que
este Líder absorveu ao longo de suas experiências sociais. Através da interiorização
das experiências constrói-se “depósitos” que serão exteriorizados, os quais atuarão
como uma espécie de “guia de ações”.
O habitus reflete parte significativa das experiências históricas e socializadoras
dos indivíduos, isso porque é ele quem motiva muitas das ações destes ao longo de
suas trajetórias, sejam elas pessoais ou profissionais. Esta relação, entre história
ambiente, campo e habitus, contribui para a compreensão da formação de um Líder.
O Líder precisa compreender a relação simbólica existente no campo que este
pertence e buscar dotar-se de capitais simbólicos específicos. Se assim não for estará
fadado a não ser reconhecido como tal. Como afirmado por Bourdieu, é necessário
compreender as regras do jogo que se esta jogando. (BOURDIEU, 2003a).
170
Por fim, não é possível criar um manual para construção de um Líder, uma vez
que a produção do habitus depende das relações entre indivíduos e as experiências
obtidas no campo, levando em consideração a forma como o individuo absorve tais
experiências e cria o seu “depósito” próprio. Contudo as contribuições de Skinner e
Bourdieu nos apontam caminhos frutíferos para compreender elementos que merecem
atenção na busca pelo desvendar da construção de um Líder tipo puro racional.
6 A título de considerações finais
Ao fim das reflexões aqui realizadas, entendemos que um estudo de cunho
longitudinal contribuirá para a melhor compreensão da construção do Líder tipo puro
racional, sendo a proposta de um estudo de trajetória de vida algo que nos parece
produtivo, ainda que os resultados não poderão ser generalizados justamente pelo fato
de que o habitus, embora apresentando regularidades no interior de um campo, se
manifeste com peculiaridades por meios dos atores que seriam estudados/analisados.
No entanto, observar o ambiente ou o campo nos fará perceber os símbolos que os
indivíduos precisam conquistar para serem reconhecidos como um Líder tipo puro
racional, assim como as experiências produtoras do habitus desse Líder.
Dentre as colaborações aqui mobilizadas, consideramos que a Sociologia
culturalista de Bourdieu nos parece mais completa para pensarmos a formação do líder
do tipo racional, ainda que na realização de uma aproximação notamos contribuições
significativas vinda de Skinner.
Por fim, compreendemos que para a concretização de uma liderança do tipo
racional, é necessário atributos pessoais e habitus construídos por meio da interação
com o grupo social que integra o campo onde está inserido o Líder e que este seja
dotado dos capitais simbólicos valorizados nesse campo.
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V.8, nº 1. Jan./jul. 2015.
173
Revista FOCO. ISSN: 1981-223X
ENTREVISTA
O OLHAR DA PSICOLOGIA SOBRE O AMBIENTE ORGANIZACIONAL: a saúde
mental nas organizações.
Entrevista à Psicóloga e Professora Dra. Paola Vargas Barbosa
realizada por Ana Cristina Scopel
Nessa edição, a Revista Foco, por meio da Prof.ª Ma. Ana Cristina Scopel, trás uma entrevista à
Professora Dra. Paola Vargas Barbosa. Psicóloga e mestre pela Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Paola reside na cidade de Porto Alegre (RS) desde 2010, é professora em duas
Instituições de Ensino Superior localizadas na Grande Porto Alegre e atualmente dedica-se ao
Pós-Doutorado em Psicologia. A entrevistada traz discussões e contribuições fundamentais
acerca do trabalho e da saúde mental do trabalhador.
Ana Cristiana Scopel: Para iniciar nossa entrevista, conte-nos um pouco sobre sua
trajetória de vida.
Paola Vargas Barbosa: Sou psicóloga, formada em 2005 pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES). Minha trajetória profissional começou antes do ingresso no curso de
Psicologia. Aos 19 anos tive a oportunidade de ser sócia de uma empresa de educação
intercultural em Vitoria. Durante seis anos, dos 19 aos 25, portanto, vivenciei a experiência de
trabalhar com pessoas, de gerenciar pessoas. Aprendi nesse período a trabalhar com vendas, com
pessoas e com o mercado. Em 2005, com a finalização da graduação em psicologia, decidi correr
atrás do sonho de ser professora e vendi a empresa que, aliás, funciona em Vitória até hoje.
Ingressei no mestrado em Psicologia Social da UFES e, então, fui contratada por essa mesma
empresa de educação intercultural como psicóloga. Essa experiência foi bastante interessante
porque me permitiu vivenciar o mesmo negócio ocupando lados diferentes – inicialmente estive
ocupando o lugar do chefe/dono e, em seguida, como psicóloga, ocupei o lugar de funcionário.
Permaneci como psicóloga responsável pelos treinamentos dessa empresa até o ano de 2013.
Durante esse tempo terminei o mestrado e fui me dedicar à carreira docente, tendo a
oportunidade de trabalhar como professora de Psicologia em diferentes instituições de ensino
superior do Espírito Santo. Em 2010, dando sequência ao sonho da carreira docente, me mudei
para a cidade de Porto Alegre (RS) para fazer o meu doutorado em Psicologia na Universidade
174 Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente sou professora em duas instituições de
ensino localizadas na Grande Porto Alegre e faço meu pós-doutorado também na UFRGS.
Ana Cristiana Scopel: A psicologia, dentre outras coisas, preocupa-se com a saúde do
homem, correto? Poderia nos contar como essa ciência trabalha o conceito de Saúde Mental?
Paola Vargas Barbosa: O conceito de saúde é extremamente importante e explorado
pela ciência psicológica. Um conceito que abrange a complexidade humana, a complexidade que
é inerente à vida humana. Podemos entender a saúde mental como algo associado ao bem estar
emocional e cognitivo dos indivíduos. Nesse sentido, a saúde mental é afetada por características
individuais (como a minha identidade, meus valores, minha visão de mundo), por características
minhas que são construídas no meu contato com a vida (se sou uma pessoa pessimista ou
otimista, generosa ou cautelosa nas diversas relações sociais que estabeleço ao longo da vida) e
também por questões ligadas ao ambiente em que estou inserida. Se tenho bons relacionamentos,
um emprego que me satisfaz, amigos, tempo e disponibilidade para o lazer, me sinto melhor
comigo mesma e, ao mesmo tempo, com o mundo ao meu redor. Fica fácil perceber que a minha
saúde mental é, portanto, diretamente afetada pelas minhas experiências, bem como pelo
contexto social no qual estou inserida. Desse modo, o trabalho e o ambiente organizacional
também colaboram para a qualidade de nossa saúde mental.
Ana Cristiana Scopel: De que forma o ambiente organizacional exerce impactos sobre
a saúde mental de seus colaboradores?
Paola Vargas Barbosa: De todas as formas! Muitos de nós dedicamos grande parte do
nosso dia estando dentro das empresas que trabalhamos, vivenciando os valores e as práticas
daquela cultura organizacional. A cultura das empresas é capaz de imprimir um clima
organizacional com uma determinada qualidade, oscilando entre um clima positivo e um clima
negativo. As organizações são muito diferentes umas das outras, elas possuem um conjunto de
valores próprios, são singulares. E são esses valores que irão possibilitar um ambiente
organizacional mais ou menos saudável aos colaboradores. Aliás, esse ambiente organizacional
tem ultrapassado os muros das empresas, chegando a habitar as nossas casas, afetando nossas
relações familiares – tendo em vista o uso cada vez mais intenso de ferramentas e tecnologias
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que acabam misturando a vida pessoal do trabalhador com sua vida dentro da empresa em que
trabalha. O que quero dizer é que o uso de e-mail e das redes sociais, por exemplo, tem feito com
que a vivência do ambiente organizacional, por parte do trabalhador, extrapole esse espaço. Mas
pensando nos impactos que essa vivência organizacional tem produzido sobre a saúde do
trabalhador, é preciso ter clareza que há impactos tanto positivos quanto negativos. Assim, ter
um ambiente com condições físicas agradáveis (organizado, limpo, com iluminação e
temperatura adequadas, por exemplo), um ambiente que também seja capaz de proporcionar um
trabalho interessante, capaz de despertar sentimentos positivos do colaborador acerca da
organização e das tarefas que ele realiza, aguçando e permitindo sua criatividade e autonomia,
todos esses pontos acabam por contribuir positivamente com o bem estar e com a saúde mental
desses trabalhadores. Por outro lado, um ambiente inadequado, com metas irreais, marcado por
relações pouco amistosas estabelecidas tanto entre colaborador e chefia quanto entre os próprios
colaboradores, a perda do sentido e do significado daquele trabalho por parte do trabalhador, em
especial, tudo isso colabora para o adoecimento das pessoas. O que merece atenção, portanto, é
que muitas empresas, a partir de sua cultura organizacional, têm contribuído para o adoecimento
de seus colaboradores.
Ana Cristiana Scopel: Como as organizações podem atuar no sentido de minimizar
esses impactos negativos?
Paola Vargas Barbosa: Bem, ao entendermos que a saúde mental do colaborador se
constitui na interface existente entre suas características pessoais e as características ambientais,
torna-se inegável a contribuição das empresas nesse processo contínuo de produção da saúde do
trabalhador.
Há muito tempo a psicologia tem discutido sobre o importante papel que o trabalho
exerce na vida das pessoas. A atividade laboral de cada um de nós produz atravessamentos em
nossa subjetividade, como já discutido anteriormente. O lugar que cada um de nós ocupa nas
relações de trabalho, o significado desse lugar, o olhar da sociedade sobre essa posição ocupada,
enfim, o trabalho é (co)responsável não só por nosso sustento financeiro, mas especialmente por
nosso “sustento psicológico”. É através do trabalho que muitas pessoas criam sua identidade, seu
grupos de pertencimento, suas motivações para a vida. Repare como fazemos uso de nosso
trabalho para nos identificarmos em nossas relações sociais – as pessoas comumente perguntam
o nosso nome quando não nos conhecem, certo? Mas não são raras as situações em que mal
176 temos tempo de responder a essa primeira pergunta e lá estamos nós respondendo a segunda “E o
que você faz?”.
Portanto, não basta que as organizações estejam atentas somente às condições físicas da
empresa. Certamente que condições insalubres de trabalho terão enorme impacto sobre a saúde
do trabalhador. Mas quando se discute a saúde mental desse mesmo trabalhador, torna-se
imprescindível ao administrador e aos gestores, de modo geral, o olhar sensível para as
demandas psicológicas que cada colaborador carrega consigo. Tornar a organização um espaço
dotado de significados positivos, buscar o equilíbrio entre as necessidades da empresa e do
trabalhador – pensando aqui nas habilidades, gostos e preferências deste – são algumas boas
pistas de como minimizar esses impactos.
Ana Cristiana Scopel: E quais estratégias uma empresa poderia adotar para maximizar
a satisfação de seus colaboradores e, consequentemente, sua qualidade de vida no ambiente
organizacional?
Paola Vargas Barbosa: Volto a “bater na mesma tecla”: o trabalhador tem suas
necessidades, suas demandas – reconhecimento, autonomia, liberdade de criação etc. Vemos
como muitas empresas investem pequenas fortunas nas chamadas “estratégias motivacionais”
objetivando aumentar seus lucros. Pequenas fortunas aplicadas em estratégias que supostamente
garantem como retorno um trabalhador satisfeito e produtivo. O curioso é que muitas das
demandas advindas dos colaboradores acabam sendo ignoradas ou deixadas em segundo plano
por alguns gestores – e atendê-las, muitas vezes, significa gastar menos e obter um melhor
resultado.
Assim, estar atento às demandas dos trabalhadores pode ajudar a empresa a direcionar
melhor seus investimentos de forma a melhorar também sua produção e renda. Por exemplo,
algumas empresas resistem em investir em melhores salários ou em benefícios (planos de saúde
e odontológico, participação nos lucros etc.) para o trabalhador. Resulta disso colaboradores
menos qualificados, menos comprometidos e menos engajados com o desenvolvimento da
organização, impactando ainda em custos com a rotatividade, absenteísmo e baixa produtividade
dos colaboradores.
Portanto, esse dinheiro poderia ser melhor investido em vantagens direcionadas ao
quadro de colaboradores da organização. Às vezes, uma cesta básica faz diferença quando o
trabalhador avalia sua permanência na empresa. Do mesmo modo, um trabalhador de alto
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escalão pode ser motivado e trabalhar melhor se a empresa estiver aberta a ouvir suas demandas,
e, dentro do possível, prioriza-las.
Ana Cristiana Scopel: Quais contribuições a Psicologia pode oferecer aos profissionais
de Administração nessa busca por um ambiente organizacional capaz de render qualidade de
vida ao trabalhador?
Paola Vargas Barbosa: A psicologia há muito tempo tem sido convocada a pensar em
estratégias de melhor aproveitamento dos “recursos humanos”. Cabe um parêntese: a psicologia
organizacional é uma criação do início do século XX, e recebeu, portanto, grande influência da
Administração Científica de Frederick W. Taylor. Assim, a psicologia organizacional, em seus
primórdios, esteve concentrada em questões muito restritas, tais como encontrar o homem certo
para ocupar o lugar certo dentro das fábricas. A preocupação era quase exclusivamente
direcionada à produtividade do operário. O desenvolvimento social e político dos países
europeus e da América do Norte, especialmente a I e II Guerras Mundiais, foram
importantíssimos para que a psicologia organizacional vivesse um processo de amadurecimento.
Hoje, as organizações e seus especialistas ligados à área de Gestão com Pessoas preocupam-se
com questões que estão para além da produtividade, tais como os processos envolvidos na saúde
e no estresse do trabalhador. Entre os especialistas, lá está a figura do psicólogo.
O psicólogo, munido de ferramentas teórico-conceituais advindas da ciência psicológica,
está voltado aos aspectos subjetivos que atravessam o campo do trabalho. A compreensão do
homem e da subjetividade humana, as transformações que as relações de trabalho têm sofrido
nas últimas décadas e os impactos dessas transformações sobre a vida psíquica são preocupações
do profissional de psicologia.
Desse modo, toda a ciência psicológica torna-se interessante aliada aos profissionais de
Administração. A dimensão subjetiva/ nossa vida psíquica está presente no dia a dia das
organizações e esse aspecto não pode ser negligenciado pelos administradores. Se há
preocupação com o desenvolvimento organizacional, deve haver, em primeiro lugar,
preocupação com a saúde daqueles que são responsáveis por esse desenvolvimento: o
colaborador. É inegável o quanto o ambiente, ou o clima organizacional, se assim quisermos,
pode contribuir ou afetar na saúde mental dos trabalhadores. A relação é como uma via de mãodupla: o colaborador é afetado pelo ambiente organizacional e, em contrapartida, o
desenvolvimento da organização será afetado pela saúde desses mesmos trabalhadores.
178 Assim, não é possível “administrar” pessoas numa empresa esperando que elas se
comportem como máquinas, como peças pequenas de uma grande engrenagem, como desejava
Taylor. Os colaboradores, hoje percebidos como os “ingredientes” mais valiosos de uma
organização, possuem demandas afetivas, expectativas, vontades, sonhos, motivações.
Essas demandas precisam ser percebidas, detectadas, trabalhadas e minimanete atendidas
no ambiente organizacional. O dia a dia desses trabalhadores possui relação direta com a
qualidade com que essas demandas são ouvidas e, mais, atendidas. Incrivelmente ainda existem
empresas que tentam insistentemente negar e, pior, anular, a existência dessas variáveis
psicológicas. O Administrador que tenta, portanto, gerenciar pessoas sem levar em conta isso
que estamos chamando de “variáveis psicológicas”, necessariamente, está fadado a cometer
erros.
Assim, a psicologia tem produzido conhecimento sobre como essas dimensões subjetivas
constituintes da vida psíquica de qualquer trabalhador têm impactado positiva ou negativamente
na vida das organizações.
Não se trata de privilegiar um ator ou outro dentro do cenário social do trabalho, mas de
discutirmos a importância do trabalho para a saúde mental das pessoas e a importância de termos
pessoas psicologicamente saudáveis para o desenvolvimento do trabalho dentro das
organizações.
Ana Cristiana Scopel: A partir do olhar da Psicologia, quais seriam os maiores
desafios enfrentados pelos gestores na promoção de saúde mental no interior de suas
organizações?
Paola Vargas Barbosa: Acredito que o maior desafio esteja em equilibrar as
necessidades da empresa, (relacionadas ao alcance e manutenção das metas, lucro e produção) e
as necessidades dos colaboradores (reconhecimento, autonomia, maior liberdade nos processos
de trabalho e decisórios).
Gestores que estão mais próximos de seus colaboradores ampliam a possibilidade de
perceber quais são as necessidades colocadas em jogo. Percebem as qualidades e limitações que
cada um carrega consigo. No entanto, nem sempre conseguem espaço para equilibrar essas
necessidades (ou demandas psicológicas, como dito anteriormente) com as exigências que vem
de cima. E isso é um desafio enorme, sem dúvidas. Mas algumas pistas nos indicam alternativas
possíveis: gestões mais coletivas, capazes de construir espaços que atendam não só as
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necessidades e exigências da organização, mas espaços que também possibilitam o acolhimento
das demandas que chegam dos colaboradores. Se o trabalho nos identifica, se ele é dotado de
sentidos e de significados, construir espaços vivos de gestão coletiva torna-se especialmente
importante para que as organizações tenham colaboradores com melhor saúde mental e
qualidade de vida.
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