buscando reconhecer comportamentos de indivíduos a

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buscando reconhecer comportamentos de indivíduos a
BUSCANDO RECONHECER COMPORTAMENTOS
DE INDIVÍDUOS A PARTIR DO PROPOSTO POR
KURT LEWIN
Cleon Gostinski
Bacharel em Comunicação Social, Mestre em Administração de Empresas pela UFRGS;
Docente dos Cursos de Comunicação Social e Administração de Empresas da FACCAT/
Faculdades de Taquara.
E-mail: [email protected]
www.cleongostinski.com
RESUMO
O presente artigo propõe-se a desenvolver uma reflexão sistêmica a partir da teoria de campo de Kurt
Lewin (1965), de modo a mapear processos de raciocínio de indivíduos e estabelecer pontos de
acesso para determinar suas motivações e reatividades comportamentais frente à estímulos
ambientais.
Palavras-chave: comportamento; estímulos; motivações; comunicação; teoria de campo
_________________________________________________________________________________
Ao fazer citações deste artigo, utilize esta referência bibliográfica:
GOSTINSKI, Cleon. Buscando reconhecer comportamento de indivíduos a partir do proposto por Kurt Lewin.
Intelecto C. n. 1, jan-mar 2008 – Novo Hamburgo: Catânia. p. 93-106.
Disponível em:
<http://www.intelectoc.com.br/betas/files/sumario/Buscando_reconhecer_comportamentos_de_individuos_a_parti
r_do_proposto_por_Kurt_Lewin-Intelecto_C.pdf>
ABSTRACT
This article aims at developing a systemic reflection based on the field theory of Kurt Lewin (1965), so
as to map processes of individuals´reasoning and establish points of access to determine their
motivations and behavioral reactivities in face of environmental stimulations.
Key-words: behavior, stimulations, motivations, communication, field theory
Pressupostos
A Teoria de campo de Kurt Lewin pode ser inicialmente reconhecida por
um processo de caracterização do ambiente psicológico de um determinado
indivíduo como um todo. Isto significa dividir e identificar os seus diversos
componentes, passando a se estabelecer uma análise cada vez mais específica e
pormenorizada de cada um dos componentes.
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É fundamental distinguir a dimensão de realidade-irrealidade dentro do
espaço de vida psicológico. Isto depende das crenças do indivíduo quanto ao seu
passado, presente e futuro psicológicos, que correspondem às situações de vida
que existiram, existem e existirão na sua vida. Já o nível de irrealidade, abrange as
suas fantasias e aspirações e seus sonhos e desejos.
Desta forma, o indivíduo é atraído por determinadas atividades. E quando
ele consegue realizar um determinado desejo há uma mudança de atratividade. Um
determinado desejo ao ser alcançado pode refocalizar suas necessidades em busca
de repetições, refinamento ou evolução para outros desejos.
Para entender este e outros processos complexos, Lewin (1965) propõe
uma Topologia – uso da geometria para indicar a estrutura das relações
psicológicas.
Primeiramente ele considera o indivíduo dentro de um conceito estrutural
e o representa como uma entidade separada do mundo. O que cerca esta pessoa é
o ambiente psicológico, que pode se traduzir em um processo de constante
interpretação do mundo físico e social ao qual ela tem acesso.
Dentro de uma constituição dinâmica, o mundo físico e social bombardeia
constantemente o ambiente psicológico do indivíduo. Este, através de iniciativas,
procura promover mudanças no ambiente psicológico para alcançar a obtenção de
seus interesses.
O indivíduo interpreta o mundo de forma absolutamente abstrata, pois ele
cria representações mentais dos objetos do seu ambiente psicológico em sua mente.
A estrutura mental da pessoa é heterogênea, não homogênea. Ela está
divida em partes separadas, mas intercomunicantes. Para representar esta situação,
a área que corresponde ao ambiente psicológico está dividida em zonas.
Cada região é um fato psicológico (observável ou não) com caráter
inibidor, facilitador ou neutro de concepções abstratas e dinâmicas. Os fatos quando
interagem criam eventos.
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Para que se possa fazer uma análise profunda do indivíduo é
imprescindível que possamos reconhecer uma possível estrutura de seu espaço de
vida.
P= pessoa; A= ambiente psicológico – projeção mental do mundo físico e social; MF = mundo físico e
social – não psicológico
Figura 1 – A pessoa e uma possível estrutura de seu espaço de vida.
Relacionamento de Variáveis no Espaço de Vida
Através do proposto por Lewin (1965), verifica-se que P+A = V(espaço de
vida); P+A+MF= R(realidade existencial do indivíduo); P= f(A); Comportamento=
f(V).
A diferenciação de um indivíduo se dá através de seu crescimento
intelectual e é caracterizado pelo desenvolvimento da linguagem, da absorção de
conhecimento, pelo exercício das inter-relações sociais, pela experimentação de
emoções, pelas vivências concretas (ações) e, através, do equacionamento da
dicotomia realidade-irrealidade.
Dentro de uma constituição dinâmica, o Mundo Físico e Social jamais está
plenamente consciente, fazendo-se presente através de um constante “bombardeio”
do ambiente psicológico do indivíduo.
A realidade existencial é estabelecida de forma absolutamente abstrata,
pois o indivíduo age de acordo com as representações do mundo em sua mente,
criadas pela e projetadas no ambiente psicológico.
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Configuração Básica do Ambiente Psicológico
Figura 2 – Uma possível configuração de ambiente psicológico.
O ambiente psicológico é sempre é complexamente estruturado. Contém
a totalidade de fatos possíveis e capazes de determinar o comportamento do
indivíduo. Ele inclui tudo que precisa ser conhecido para se compreender o
comportamento concreto de um determinado ser humano em um ambiente
psicológico específico em dado momento. Nele ocorre um constante processo de
interpretação do mundo físico e social ao qual o indivíduo tem acesso. Cada área é
um fato psicológico, observável ou não, com caráter inibidor, facilitador ou neutro de
concepções abstratas e dinâmicas.
A fragmentação do ambiente psicológico indica limitações de “movimento”
do indivíduo. Os fatos quando interagem criam eventos.
Dimensões do Ambiente Psicológico
Através de três diferentes indicadores, segundo Lewin (1965), pode-se
estabelecer a identidade de um determinado ambiente psicológico, são elas:
-Proximidade-distância: quanto mais próximas às áreas umas das
outras, maior são suas mútuas influências;
-Firmeza-fragilidade: existe uma relação de permeabilidade entre as
fronteiras dos fatos psicológicos – linhas finas (fragilidade) – linhas grossas
(impermeabilidade);
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-Fluidez-rigidez: quanto mais clara for a área mais fluída ela será, tendo
a propriedade de responder rapidamente a qualquer influência sobre ela. Já as
áreas mais escuras são aquelas que resistem às mudanças. São duras e inelásticas.
Forças Dinâmicas no Espaço de Vida
Lewin também avalia a existência de parâmetros de “atividade” dentro do
Espaço de Vida dos indivíduos, são eles:
- Tensão – é a força gerada pelas necessidades e imposições
existenciais do indivíduo;
- Energia psíquica – é a busca constante de equilíbrio dentro do
Ambiente Psicológico, provocada por relações de tensão;
- Valência – é a propriedade conceitual valorativa de tensão de uma
determinada área do ambiente psicológico. Podem variar de negativas a positivas
(fracas, médias ou fortes);
- Vetor – é aquele que caracteriza direção, potência e ponto de aplicação
da energia psíquica. A direção para qual este vetor aponta representa a direção da
força. O lugar onde a ponta da flecha se insere na fronteira externa da pessoa,
representa o ponto de aplicação. Ocorre somente dentro do Ambiente Psicológico;
- Locomoção – é o “caminho” específico que uma pessoa faz através de
seu Ambiente Psicológico;
- Necessidade – é uma motivação individual gerada por desejo, pulsão,
impulso, busca de satisfação, compensação emocional e ideais.
O conceito de necessidade é o único com o qual todos os outros
constructos dinâmicos estão coordenados. Uma necessidade libera energia,
aumenta a tensão, confere valor e cria força.
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As
forças
dinâmicas
estabelecem
pulsões
dentro
do
Ambiente
Psicológico. Elas acontecem constantemente e podem ser associadas às sinapses
cerebrais.
Figura 3 – Caracterização da pulsão dentro do ambiente psicológico.
É importante considerar as interferências sociais no Ambiente Psicológico
(principalmente no que diz respeito à interação entre indivíduos).
Assim, como demonstrado na figura 4, o indivíduo P(azul) caracteriza o
indivíduo P(vermelho) como um componente predominante dentro do seu ambiente
psicológico em função de condicionantes afetivas envolvidas em determinado
momento, por exemplo. Enquanto que o indivíduo P(vermelho) caracteriza o
indivídiuo P(azul), em seu ambiente psicológico, de maneira menos expressiva, por
reconhecer nele importância menor no seu contexto perceptual no mesmo espaço e
tempo.
Figura 4 – Como dois indivíduos percebem-se um ao outro dentro de seus ambientes psicológicos em
um mesmo espaço e tempo.
O número de componentes do Ambiente Psicológico depende da
captação (foco) dos sentidos do indivíduo. Nem tudo que está na área de percepção
do indivíduo faz parte, em determinado momento, do seu Ambiente Psicológico. Os
sentidos do indivíduo focalizam determinados componentes e ignoram outros. Na
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ilustração anterior (figura 4), podería-se estabelecer que as áreas em destaque
(vermelha e azul) nos ambientes psicológicos fosse um objeto de consumo. Assim,
um mesmo objeto pode ser interpretado e valorado de forma diferente por indivíduos
distintos.
Os Componentes da Mente dos Indivíduos
A mente dos indivíduos, de acordo com Lewin (1965), está estruturada
através da região perceptual-motora (P-M) e de módulos P(periféricos) e C(centrais).
A estrutura do cérebro é heterogênea, não homogênea, sendo dividida em partes
separadas, mas intercomunicantes. Para representar esta situação, a área dentro do
círculo é dividida em zonas.
Figura 5 – O espaço topológico mental dos indivíduos.
Através de ações, a mente dos indivíduos procura promover mudanças
em seus espaços de vida para atingir seus objetivos, satisfazer suas necessidades e
promover seus interesses;
O cérebro, de acordo com o crescimento do indivíduo, promove novas
ligações neurais entre as células, estabelecendo novos conjuntos periféricos e
centrais.
Todos os processamentos mentais criam módulos de memória. Eles
podem ser: de conhecimento, de qualificação de objeto, afetivos, de lógica, de
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método, projetivos, de motricidade, de linguagem, de condicionamento, de místicas,
ético-morais, históricos, inter-relação social, experiência, de doutrina, entre outros.
Equações de Processamento Psíquico
As respostas aos estímulos, geradas por equações de processamento
psíquico, podem ser identificadas através de matrizes de resposta psíquica.
Exemplo de uma situação: Duas pessoas estranhas estão caminhando
uma em direção a outra no centro da cidade, se entreolham, e uma delas ofende a
outra verbalmente. Como é o processamento mental para a pessoa ofendida?
A palavra é ofensiva, chama a atenção, é reconhecido o modo como ela
foi articulada e sua intenção negativa; busca-se reconhecer o emissor, que valores
ele representa para o receptor; como é a sua aparência; verifica não tolerar a
ofensa; registra tendências em revidar ou conter-se em função do ambiente público;
resgata experiências passadas, determina riscos envolvidos e desdobramentos,
busca argumentos de revide...
Demonstração de uma Equação de Equacionamento Psíquico
De forma simplificada nomeiam-se os seguintes objetos como os mais
relevantes do ambiente psicológico (OR) no dado exemplo:
Conteúdo do estímulo
Emissor
Receptor
O raciocínio que promoverá respostas junto ao ambiente psicológico do receptor do
estímulo poderia envolver as seguintes propriedades intelectuais de abstração
mental:
Propriedades de relevância – a configuração do ambiente psicológico define
relevância de contexto?
Propriedades de intencionalidade emocional - os OR extrapolam limites
emocionais?
Propriedades de identidade - os OR possuem backgrounds significativos?
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Propriedades de valor afetivo - que valores afetivos se inter-relacionam com os
OR?
Propriedades de personalidade - que mecanismos reativos inerentes à
personalidade do receptor são válidos?
Propriedades de ambiente - que características de ambiente podem afetar
possíveis respostas?
Propriedades de experiência - que memórias são válidas para justificar
respostas?
Propriedades de salvaguarda - que riscos e possíveis desdobramentos estão
envolvidos em possíveis respostas?
Propriedades de linguagem - que argumentos são válidos para expressar as
respostas válidas?
Matriz de Processamento Psíquico
(
)
Figura 6 – Demonstração espacial da matriz de processamento psíquico.
Cada objeto e propriedade envolvidos são confrontados entre si,
extraindo-se, de cada relação, um parecer psíquico. Todos se agregam a uma
tensão psíquica interna em forma de cadeia de raciocínio. A resposta manifesta
será, então, formada pelo grupo de pareceres que demonstrarem a melhor sincronia.
101
h
b
d
E
f
a
c
e
g
Figura 7 – Representação de cadeia de respostas psíquicas ou respostas cognitivas a um
determinado estímulo.
Em resposta ao estímulo, a matriz de processamento psíquico vai
agregando significados, criando tensões cognitivas, representadas pelas setas, que
eclodem em manifestações comportamentais, como demonstrado na figura 7, que
pode ser chamada de Cadeia de Processamento e Resposta Cognitiva a um
determinado estímulo.
Exemplo de uma Dinâmica Comportamental Básica dentro do
Espaço de Vida de um Indivíduo
As reflexões mentais definem comportamentos. Exemplificando: uma
adolescente passa diante de uma loja, olha a vitrine e fica estimulada a comprar
uma roupa esportiva. A visão da roupa desperta uma necessidade, e essa
necessidade dá início a três estados. Sua mente libera energia e, então, desperta a
tensão em uma região intrapessoal (o módulo de correspondência entre o consumo,
status, vaidade, valorização pessoal e auto-afirmação - p.e.). Este módulo confere
uma valência positiva à área (roupa esportiva). Ela cria um vetor que empurra a
adolescente na direção da roupa. Ela então é impelida a entrar na loja. Locomovese através de seu Ambiente Psicológico.
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Figura 8 - Dinâmica comportamental básica de um indivíduo – parte I.
Suponhamos que a jovem não tem dinheiro, então a fronteira entre ela e a
roupa torna-se intransponível. Ela vai se aproximar o máximo possível da roupa,
talvez encostando o rosto na vitrine, sem conseguir alcançá-lo.
Figura 9 – Dinâmica comportamental básica de um indivíduo – parte II.
Ela pode dizer a si mesma: talvez minha mãe me dê algum dinheiro. É
criada uma quase-necessidade, a intenção de conseguir algum dinheiro com a mãe.
Essa intenção desperta uma tensão, um vetor e uma valência.
Figura 10 - Dinâmica comportamental básica de um Indivíduo – parte III.
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E se a mãe recusar? Ela pode pedir para a avó!
Figura 11 - Dinâmica comportamental básica de um indivíduo – parte IV.
Outro exemplo demonstra o que Lewin (1965) denomina de dinâmica de
regressão: um adulto tem o desejo de comprar um veículo de luxo. Esta
necessidade não é, no presente, acessível ao indivíduo, pois ele sente que não ser
capaz de manter os gastos que este tipo de veículo demanda. Existe, portanto, uma
barreira para o objeto veículo de luxo. Então, a pessoa se volta para outro objeto
(veículo moderno), pois ele é capaz de gerar alguma satisfação para a necessidade.
Figura 12 - Dinâmica de regressão de um indivíduo.
Utilizando as referências de Lewin (1965), pode-se também exemplificar
uma dinâmica de decisão de compra: uma senhora quer adquirir um desodorizador
de ar pela primeira vez, pois quer passar a utilizar o porão de sua casa para seus
trabalhos manuais. Então ela se dirige a um supermercado, se deparando com uma
série de marcas.
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Figura 13 - Dinâmica de decisão de compra de um indivíduo.
Comparando duas dinâmicas de avaliação de relevância de estímulos
dentro do espaço de vida de dois indivíduos no mesmo espaço e tempo, podemos
desenvolver novo exemplo: um casal de namorados está assistindo à televisão
(programa esportivo), quando são submetidos a um intervalo comercial de cinco
anúncios. A importância dos comerciais, para cada indivíduo, será determinada em
função da correspondência dos estímulos com as suas necessidades.
Figura 14 – Dinâmica de avaliação de relevância de estímulos do indivíduo homem.
Figura 15 – Dinâmica de avaliação de relevância de estímulos do indivíduo mulher.
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Considerações Finais
Procurar reconhecer comportamentos de indivíduos através do que
propõe Kurt Lewin proporciona uma avaliação pontual de como são dimensionadas
as percepções das pessoas em torno de suas necessidades.
E, quando passa a ser possível desvendar os seus mecanismos de
valoração mental, cria-se a oportunidade de estabelecer como podem ser
arquitetados constructos individuais, explicando-se dinâmicas de comportamento
que, a priori, seriam bastante difíceis de estabelecer.
Ao relacionar os princípios delineados com situações de “convivência” das
pessoas em seus espaços de vida torna-se viável conhecer tendências de
comportamento, essenciais tanto para conceber estímulos mais persuasivos como
para proporcionar uma comunicação mais “saudável”, objetiva e eficiente.
Referência
1. LEWIN, Kurt. Teoria de campo em ciência social. São Paulo: Pioneira,
1965.
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