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ISSN 1517-2422
cadernos
metrópole
gestão metropolitana
Cadernos Metrópole
v. 11, n. 22, pp. 285-640
jul/dez 2009
Book CM v11_n22.indb 285
17/3/2010 12:49:31
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia Bógus
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Raquel Cerqueira
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gestão
g
estão m
metropolitana
e t ro p o l i t a n a
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PUC-SP
Reitor
Dirceu de Mello
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Ana Maria Rapassi, Cibele Isaac Saad Rodrigues, Dino Preti, Dirceu de Mello (Presidente),
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Onésimo de Oliveira Cardoso, Thiago Lopes Matsushita
Coordenação Editorial
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Revisão de português
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Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Projeto gráfico, editoração e capa
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cadernos
metrópole
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COLABORADORES DESTE NÚMERO
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Lucia Cony (UnB, Distrito Federal, Brasil)
Maura Véras (PUC/SP, São Paulo, Brasil)
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Roberto Luiz do Carmo (Unicamp, São Paulo, Brasil)
Sol Garson Braule Pinto (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil)
Soraia Maria do Socorro Carlos Vidal (UFRN, Rio Grande do Norte, Brasil)
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sumário
293 Apresentação
dossiê
gestão metropolitana
Governing metropolises: issues, challenges 299 Governar as metrópoles: questões, desafios
and constraints of the constitution
e limitações para a constituição de novos
of new political territories
territórios políticos
Christian Lefèvre
Metropolitan effect and political culture: 319 Efeito metropolitano e cultura política:
new forms of exercising citizenship
novas modalidades de exercício da cidadania
in the metropolis of Lisbon
na metrópole de Lisboa
Manuel Villaverde Cabral
Metropolises, political culture 347 Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
and citizenship in Brazil
Sérgio de Azevedo
Orlando Alves dos Santos Jr.
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Political geography of congressional elections: 367 Geografia política das eleições congressuais:
a dinâmica de representação das áreas urbanas
the dynamics of the representation of urban
e metropolitanas no Brasil
and metropolitan areas in Brazil
Nelson Rojas de Carvalho
Political culture and participatory budget 385 Cultura política e Orçamento Participativo
Luciano Fedozzi
New governance for metropolitan areas. 415 Novas governanças para as áreas metropolitanas.
The international scene and prospects
O panorama internacional e as perspectivas para
for the Brazilian case
o caso brasileiro
Jeroen Johannes Klink
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Metropolitan areas – diversity and the fiscal 435 Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade
difficulty in cooperation
fiscal da cooperação
Sol Garson
Governance, government or management: 453 Governança, governo ou gestão: o caminho
the path for metropolitan action
das ações metropolitanas
Peter Kevin Spink
Marco Antonio Carvalho Teixeira
Roberta Clemente
Participatory urban management agenda versus 477 Agenda de gestão urbana participativa versus elite
conservative political elite: the case of Salvador
conservadora: o caso de Salvador
Antônio Sérgio Araújo Fernandes
Urban planning in Belo Horizonte: analysis 495 Planejamento urbano em Belo Horizonte:
of the municipal councils’ performance
análise da atuação dos conselhos municipais
in the management of the city
na gestão da cidade
Mônica Abranches
Between institutionalisation and daily 519 Entre a institucionalização e a vida quotidiana:
elementos para repensar o espaço
life: some elements to rethink
metropolitano de Brasília
Brasília’s metropolitan space
Igor Catalão
Evaluation of new urban projects in metropolitan 545 Avaliação de novos projetos urbanos
areas. Limits of the federal municipal entity
metropolitanos. Limites do ente federativo
municipal
Eulalia Portela Negrelos
Planning in the network society. Collaborative 571 Planejamento numa sociedade em rede. Práticas
practices of planning in Brazil
de planejamento colaborativo no Brasil
Nilton Ricoy Torres
Metropolitan management and integrated 593 Gestão metropolitana e gerenciamento integrado
management of water resources
dos recursos hídricos
Paulo Roberto Ferreira Carneiro
Ana Lúcia de Paiva Britto
Spatial patterns of idle buildings and Programa 615 Padrões espaciais de ociosidade imobiliária
e o Programa Morar no Centro da Prefeitura
Morar no Centro, of São Paulo’s municipal
de São Paulo (2001-2004)
government (2001-2004)
Fernando Cardoso Cotelo
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Apresentação
As metrópoles expressam e em certa medida aceleram a crescente desfusão do Estadonação. Com efeito, o Estado-nação resultou da fusão – em um todo significativo – da autoridade
central legítima, com os interesses privados e o sistema de solidariedade, o que implicou a
construção da concepção democrática do poder político e a universalização dos direitos de
cidadania. Esse processo foi diferenciado historicamente, correspondendo à trajetória histórica
de cada sociedade na busca de resposta ao desafio de combinar a simultânea construção da
comunidade política e da autoridade pública fundada em largas e profundas bases de legitimidade.
Como podemos depreender com base em vários autores a respeito das reformas sociais ocorridas
nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França nos 30 primeiros anos do século XX, as cidades
foram o laboratório da experimentação histórica da qual nasceram as instituições do moderno
Estado-nação. Os desafios gerados pelo crescimento urbano acelerado, pela industrialização, pelas
crises sanitárias e pela questão operária levaram as elites nacionais a transformarem a autoridade
pública organizada e legitimada sob as bases das concepções liberais do Estado na autoridade
que regula os interesses privados e distribui parcelas do bem-estar social através de um sistema
público de solidariedade social. As metrópoles, nesta fase do capitalismo mundializado e fundado
na economia de fluxos, expressam a crescente fragilização desse arcabouço institucional que,
durante o século XX, pôde materializar a fusão entre interesses privados, solidariedade social e
autoridade legítima.
Este é o tema central dos artigos reunidos neste número dos Cadernos Metrópole.
Sob ângulos e temas distintos, os artigos propõem a reflexão sobre os impasses e desafios da
construção da autoridade pública legítima sobre um território que concentra a força produtiva
da nação, mas no qual a sociedade enfrenta o imperativo de governar a população sem, no
entanto, possuir a capacidade de governar os fluxos econômicos que atravessam as metrópoles,
as modelam, estruturam e desestruturam. Nas escalas macro e micro, o fenômeno metropolitano
está atravessado pela dissociação entre urbes – a forma espacial e arquitetural da cidade – e
civitas – as relações humanas e políticas.
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Apresentação
Isso posto, cabe debater sobre as possibilidades de apreensão dos fenômenos sociais
que se manifestam no urbano em toda sua complexidade, buscando superar os entraves que se
apresentam ao investigador como produtor de conhecimento, ator social e agente político. Os
textos aqui reunidos ampliam o caminho para a realização desse debate.
O artigo Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações para a constituição
de novos territórios políticos, de Christian Lefèvre, utiliza os resultados de suas pesquisas
comparativas sobre os problemas da governança urbana de metrópoles europeias, mas não
exclusivamente, para sistematizar e refletir sobre as dificuldades da constituição das metrópoles
em territórios políticos. Evidencia a contradição entre o que vem apontando a literatura acadêmica
a respeito da crescente relevância das metrópoles e a ação dos atores que constituem os principais
protagonistas metropolitanos – o Estado, os poderes locais e atores da sociedade e do mercado,
que desenvolvem comportamentos dissociados desta importância estratégica. A leitura do texto
de Christian Lefèvre nos incentiva à reflexão sobre as forças fragmentadoras da dinâmica política
no território metropolitano que bloqueiam a constituição de um sistema de atores organicamente
vinculados por valores cívicos compartilhados e por instituições promotoras da solidariedade
social, sem o qual é inviável a constituição de uma autoridade pública nas metrópoles, legítima e
efetiva. É a partir deste diagnóstico que devemos entender os fundamentos do reiterado fracasso
das tentativas de constituição de governança das metrópoles.
A compreensão de tais obstáculos pode ser aprofundada com a leitura dos artigos Efeito
metropolitano e cultura política: novas modalidades de exercício da cidadania na metrópole de
Lisboa, escrito por Manuel Villaverde Cabral, e o Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil,
elaborado por Sérgio de Azevedo, Orlando Alves Santos Júnior e Luiz César de Queiroz Ribeiro.
Os dois trabalhos têm origem no survey sobre cultura política e cidadania realizado em Portugal e
no Brasil, respectivamente pelo Instituto de Ciências Sociais e o Observatório das Metrópoles, no
qual foram utilizados os indicadores do Internacional Social Programme (http://www.issp.org).
Partem da interrogação sobre os reais fundamentos do crescente desengajamento dos cidadãos
em relação à democracia que, para os quatro autores, decorre na realidade do desencantamento
com relação ao desempenho da classe política dos atuais regimes representativos e não
exatamente com relação aos valores democráticos. Portanto, o traço marcante das sociedades
contemporâneas é a crescente erosão da legitimidade da autoridade pública. A contraface dessa
erosão é a transformação das atitudes e dos valores que orientam o exercício da cidadania
política, cujo traço marcante é a automobilização dos indivíduos em ações políticas pontuais em
contraposição ao engajamento coletivo e permanente na área política através da sua associação
nas formas estabilizadas de organização cívica. As duas mudanças têm fundamentos societários,
mas estão fortemente presentes nas metrópoles em razão da relação entre o fenômeno urbano
nesta escala e a exacerbação do processo de individualização. Nestes trabalhos, temos indicações
importantes para um dos fundamentos dos obstáculos da politização do território metropolitano
que possa sustentar a constituição de uma autoridade pública com a fundada legitimidade para
torná-lo governado como sociedade política. Os traços predominantes da cultura política e do
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Apresentação
ambiente institucional (desconfiança interpessoal, desconfiança nas instituições, distância ao
poder, etc.) presentes nas metrópoles, com efeito, traduzem valores pouco propícios à constituição
de um sistema de atores.
Esta reflexão é enriquecida pela análise feita por Nelson Rojas sobre a dinâmica de
representação política oriunda nas áreas urbanas e metropolitanas no Brasil. Embora se trate de
um artigo ainda exploratório sobre a geografia social dos votos que constituem a Câmara dos
Deputados Federais, o artigo apresenta duas constatações relevantes para o tema do presente
número. Por um lado, a identificação de uma subrepresentação das áreas mais urbanizadas e
“metropolizadas” do país e, por outro lado, um padrão de votos concentrado de nossos deputados
metropolitanos. Como bem assinala Rojas, estamos diante de duas tendências não antecipadas
pela tradição da sociologia eleitoral. Enquanto o país se urbaniza e constitui grandes metrópoles
que concentram a riqueza, a população e os problemas sociais, os mecanismos de formação do
poder legislativo nacional não expressam este fato na composição geográfica dos votos que
elegem os deputados federais. Ao mesmo tempo, o artigo constata evidências da concentração
dos votos dos deputados federais eleitos como votos metropolitanos, o que pode indicar a
existência de um novo fenômeno, este sim ainda menos esperado pela sociologia política, ou seja:
a existência de um paroquialismo eleitoral nas metrópoles, o que deveria ser traço em eliminação
com o avanço da modernização cultural e o aumento da competitividade eleitoral nos grandes
centros urbanos do país.
Por outro lado, as dificuldades para arregimentar as forças congressuais para o tema
metropolitano podem ser melhor compreendidas se considerarmos também o sistema de
federalismo fiscal brasileiro, fundado em princípios de fixação de competências e de mecanismos
redistributivos que incentivam a adoção pelos deputados federais de práticas localistas de
representação e desincentivam a cooperação entre os níveis de governo em torno da solução
de interesses comuns, com enormes consequências negativas nas regiões metropolitanas. Esta
é uma das importantes contribuições do artigo escrito pela economista Sol Garson intitulado
Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação. O trabalho discute as
dificuldades de cooperação para a solução dos problemas comuns em regiões metropolitanas
brasileiras. Apesar de sua importância econômica e fiscal, esses territórios não recebem a
atenção dos formuladores de políticas públicas. Entre os obstáculos à cooperação destacam-se
as dificuldades do sistema federativo brasileiro, a ausência de instâncias de discussão e resolução
de conflitos, a rigidez da estrutura fiscal da União, estados e municípios e a própria experiência
anterior de gestão metropolitana.
A dissociação entre a realidade metropolitana enquanto definição institucional (e
acadêmica) e a sociedade tal qual é vivida no cotidiano pela população nos é demonstrada
pelo artigo Entre a institucionalização e a vida quotidiana: elementos para repensar o espaço
metropolitano de Brasília ; avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos de Igor Catalão,
que analisa a dissociação entre o espaço metropolitano de Brasília, tal qual está definido
institucionalmente e o espaço vivido pela população em seus deslocamentos diários.
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Apresentação
Temos neste conjunto de artigos elementos para aprofundar a compreensão das raízes
dos obstáculos e impasses da construção de instituições de governança das metrópoles: a
dissociação entre mercado, sociedade política e a sociedade política. Podemos ler este fato como
a consequência concentrada nas metrópoles da crescente dissociação entre Estado e nação, sob os
efeitos fragmentadores da economia de fluxos que atualmente organiza a produção, a circulação
e o consumo na era da mundialização.
O quadro esboçado por estes artigos nos permite aprofundar a reflexão sobre os balanços
das experiências de gestão das metrópoles, não apenas no Brasil, pois a mencionada dissociação
está presente, com maior ou menor força, em todas as sociedades. Neste sentido, são de grande
relevância os cinco artigos Novas governanças para as áreas metropolitanas. O panorama
internacional e as perspectivas para o caso brasileiro ; Governança, governo ou gestão: o caminho
das ações metropolitanas ; Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos. Limites do ente
federativo municipal ; Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro
da Prefeitura de São Paulo (2001-2004) e Gestão metropolitana e gerenciamento integrado
dos recursos hídricos. No primeiro, Jeroen Johannes Klink chama a atenção para a necessidade
de considerar as diversidades de experiências práticas buscadas pelos atores presentes na
cena pública das regiões metropolitanas em várias escalas, através de ações de cooperação
intergovernamental em políticas setoriais, como respostas às dificuldades da construção de
arcabouços institucionais mais abrangentes. Constata a existência de um caleidoscópio de
arranjos institucionais existentes nas regiões metropolitanas brasileiras; ações úteis mas incapazes
de fundarem uma autoridade pública sobre o território metropolitano. Peter Kevin Spink, Marco
Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente utilizam no segundo artigo, resultado de largo
estudo empírico, na elaboração de balanço das experiências brasileiras de gestão metropolitana.
Concluem também com a reflexão sobre os limites da utilização da ferramenta dos consórcios
intermuncipais. O terceiro artigo, de autoria de Eulalia Portela Negrelos, descreve duas operações
urbanas na Região Metropolitana de São Paulo para demonstrar os obstáculos das ações de
cooperação em projetos de grande vulto decorrentes da inexistência de segurança institucional
e de recursos decorrentes do nosso pacto federativo. Em uma linha semelhante de análise, é o
quarto artigo, escrito por Fernando Cardoso Cotelo, que examina as falhas do Programa Morar no
Centro implementado entre 2001 e 2004 pela Prefeitura de São Paulo em articulação com a Caixa
Econômica Federal. Já o artigo assinado por Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva
Britto analisa as frequentes e dramáticas inundações na periferia da metrópole do Rio de Janeiro
como efeitos catastróficos sobre a população, da inexistência de articulação do planejamento do
uso do solo, de competência municipal, e a gestão dos recursos hídricos, de competência estadual.
Esta desarticulação poderia ser resolvida se estes níveis de governo tomassem as bacias urbanas
que reúnem grande quantidade de rios e córregos como espacialidade e conceito de um sistema
de gestão integrada dos recursos hídricos da metrópole fluminense. A questão, neste e nos outros
artigos mencionados, é despolitização do território metropolitano.
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Apresentação
É importante frisar que tal hipótese não significa a existência de um território sob uma
espécie de anomia política. Entendendo a política como expressão de agregação de interesses
privados – materiais e ideais –, ela está sempre presente na complexa realidade metropolitana.
O X do problema é a dissociação mencionada ao longo desta apresentação. Encontramos nas
metrópoles brasileiras algumas experiências de ação pública que buscaram contornar os limites
decorrentes desta dissociação. O artigo Planejamento urbano em Belo Horizonte: análise da
atuação dos conselhos municipais na gestão da cidade, de autoria de Mônica Abranches, relata
os resultados de pesquisa empírica sobre ação dos Conselhos Municipais de Belo Horizonte,
procurando examinar a contribuição destas novas esferas de articulação entre a sociedade civil e
os governos locais em regiões metropolitanas na constituição de políticas públicas democráticas
e efetivas. O artigo assinado por Luciano Fedozzi, sob o título Cultura política e Orçamento
Participativo, descreve interessantes resultados do survey realizado junto aos delegados do
conhecido processo decisório do orçamento participativo do município de Porto Alegre, no qual
foi utilizada parte importante dos indicadores sobre atitudes e valores de cidadania usados
nos surveys brasileiro e português mencionados anteriormente. Já o artigo Planejamento numa
sociedade em rede. Práticas de planejamento colaborativo no Brasil, de autoria de Nilton Ricoy
Torres, ao analisar algumas experiências de articulação entre atores de movimentos sociais,
planejadores e cidadãos, postula a hipótese da emergência, nas metrópoles brasileiras, de um
novo paradigma de gestão fundada na interação entre atores através de redes de informações,
onde negociação e conflito estariam instaurando uma prática dialógica de planejamento.
Os três trabalhos apontam alguns pontos de reflexão sobre possíveis caminhos práticos
para a construção da metrópole como território da política. Com efeito, a leitura destes artigos
nos induz pensar sobre a possibilidade de a criatividade social gerada por certos projetos políticos
desencadear experiências de politização do território por práticas de learning by doing e by
interacting, para usar dois termos frequentemente empregados pela economia do conhecimento.
Não há dúvida de que a constituição do sistema de atores na escala da metrópole – mencionado
no início desta apresentação como condição indispensável da construção de instituições de
governança urbana – depende certamente de um processo de socialização política que crie as
condições objetivas e subjetivas da mobilização cognitiva necessária para transformar indivíduos
em sujeitos com capacidade de agency. Pode ser um caminho para unificar no território
metropolitano governos e sociedade civil. Essas experiências de socialização política têm sido
empreendidas no Brasil por iniciativas de governos constituídos por coalizões progressistas por
razões político-ideológicas e mesmo por governos conservadores sob a pressão de organismos
internacionais que passaram a exigir a participação popular como condição de acesso a
financiamentos urbanos, como nos mostra Antonio Sérgio Araújo Fernandes no artigo Agenda
de gestão urbana participativa versus elite política conservadora: o caso de Salvador. Devemos,
contudo, assumir com precauções a hipótese educativa dessas experiências. Para que elas não
se confinem a ações empreendidas e comandadas por interesses corporativos territorializados,
portanto, fragmentadores, ou à simples instrumentação da população por elites conservadoras,
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Apresentação
mas, ao contrário, possam realizar a promessa de socialização política, é fundamental que as
experiências participativas tenham como referência um projeto político cuja essência deve ser
a fusão entre interesses privados, autoridade pública legítima e sistema de solidariedade social.
Em outras palavras, um projeto de transformação da metrópole em metropolis. A pergunta que
este número dos Cadernos Metrópole não alcança responder é: que forças da sociedade brasileira
estão verdadeiramente interessadas em tal projeto?
Responder a esta pergunta tornou-se um imperativo e um desafio para a coesão do
Estado com a nação brasileiros. Apesar do aumento das assimetrias, as metrópoles aumentaram
seu papel indutor do desenvolvimento econômico nacional. Para que as metrópoles sejam,
porém, mais do que mera plataforma de atração de capitais, mas, ao contrário, constituam-se em
territórios capazes de reterritorializar a economia e de impedir o aprofundamento da disjunção
entre Estado e nação é necessário que contenham os elementos requeridos pela nova economia
de aglomeração da fase pós-fordista, entre os quais se destacam os relacionados aos meios
sociais germinadores da inovação, confiança e da coesão social. As metrópoles devem, portanto,
se constituir em meios sociais capazes de promover a inovação, a confiança e a coesão social,
tornando-se veículos da junção entre Estado e nação.
Apesar de seus desequilíbrios, o nosso sistema urbano constitui importante ativo para o
desenvolvimento nacional. Ele é composto por 37 grandes aglomerados urbanos onde residem
aproximadamente 45% da população (76 milhões de pessoas) e concentram 61% da renda
nacional. Entre os 37 grandes aglomerados urbanos, temos 15 metrópoles, isto é, aglomerados
que apresentam características próprias das novas funções de coordenação, comando e direção
das grandes cidades na “econômica em rede”.
Os quinze espaços considerados metropolitanos têm enorme importância na
concentração das forças produtivas nacionais. Mas, ao mesmo tempo, neles estão concentrados
também os grandes desafios a serem enfrentados, na forma de passivos resultantes de um
modelo de urbanização organizado essencialmente pela combinação entre as forças de mercado e
um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriação privatistas das cidades.
Como consequência de sua história e do caráter de sua configuração, as metrópoles brasileiras
estão hoje despreparadas, material, social e institucionalmente para o crescimento econômico
baseado na dinâmica da inovação, na economia do conhecimento e na eficiência que mobilizam
não apenas a lógica do mercado, mas também os efeitos positivos da coesão social. Nelas está
conformado um conjunto de passivos cujo enfretamento é imperativo para que forças produtivas
consteladas na complexidade de nossa rede urbana possam alavancar o desenvolvimento
nacional.
Lucia Bógus
Luiz César de Q. Ribeiro
Editores científicos
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Governar as metrópoles:
questões, desafios e limitações para
a constituição de novos territórios políticos*
Governing metropolises: issues, challenges
and constraints of the constitution of new political territories
Christian Lefèvre
Resumo
Neste artigo, aborda-se a questão das dificuldades
da constituição das metrópoles em territórios políticos. De fato, enquanto as metrópoles surgem cada
vez mais como os espaços onde se apresentam os
interesses e os desafios das sociedades capitalistas
atuais, elas custam a se constituir em verdadeiros
lugares políticos. A partir de uma análise comparativa, principalmente europeia, mas não exclusivamente, o autor mostra em que e por que os
principais protagonistas metropolitanos – o Estado,
as coletividades locais e a sociedade civil (as populações e as forças econômicas) – desenvolveram
comportamentos e políticas em que as metrópoles
não ocupam o lugar que lhes é dado pela literatura
científica sobre a questão e pela retórica de inúmeros atores.
Abstract
In this paper, we address the difficulties involving
the constitution of metropolises as political
territories. In fact, while the metropolises are
increasingly emerging as the spaces where the
interests and challenges of current capitalist
societies are presented, it takes a long time for
them to be constituted as real political places.
Based on a comparative analysis, mostly European,
but not exclusively, the author shows where and
why major metropolitan protagonists – the State,
local governments and civil society (populations
and economic forces) - have developed behaviors
and policies in which the metropolises do not
occupy the place given to them by the scientifi c
literature on the issue and the rhetoric of many
actors.
Palavras-chave: metrópoles; governança; Estado;
coletividades locais; território político.
Keywords: metropolises; governance; State; local
governments; political territory.
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Christian Lefèvre
Desde as pesquisas iniciais de Friedmann
políticas, sociais, ambientais, levantadas pelo
e Wolfe (1982) e de Sassen (1991), as grandes
desenvolvimento do capitalismo contemporâ-
cidades ressurgiram em nível internacional co-
neo. Por outro, elas permanecem politicamente
mo um dos principais lugares do desenvolvi-
quase inexistentes, salvo raras exceções, o que
mento do capitalismo mundial. Desde então,
as torna dificilmente governáveis.
geógrafos economistas, como Scott (2001),
Para apresentar as dificuldades das me-
geógrafos políticos, como Brenner (2004) ou
trópoles em se constituírem como territórios
sociólogos, como Veltz (1996), destacaram a
políticos, debruçar-nos-emos sobre os com-
importância das metrópoles na globalização. A
portamentos dos principais protagonistas que
eles, sucederam-se organizações internacionais
são os Estados, as coletividades locais e a so-
como a OCDE (2001 e 2006) ou as Nações Uni-
ciedade civil (populações e atores econômicos),
das (UN-Habitat, 2000). As metrópoles se tor-
salientando, para cada um deles, sua relação
naram os lugares onde se colocam os grandes
com a metrópole. Por isso, na primeira parte,
desafios, antigos e novos, de nossas sociedades
acentuaremos a atitude desfavorável dos Esta-
modernas. As metrópoles se tornaram lugares
dos e das populações à constituição de novos
estratégicos, lugares de produção de riquezas e
territórios políticos metropolitanos; na segun-
do desenvolvimento econômico, espaços onde
da parte, trataremos das dificuldades das me-
acontecem as solidariedades e o viver em con-
trópoles em relação a esse empreendimento,
junto de populações sempre as mais diversas
interessando-nos pelo fracasso da criação das
nos âmbitos sociais, culturais e étnicos (Jouve
instituições metropolitanas, elemento emble-
et al., 2006), territórios onde se apresentam
mático do território político; na terceira parte,
com acuidade os problemas ambientais, etc.,
abordaremos o papel de oposição das coletivi-
em todos os âmbitos da vida humana.
dades locais e a falta de mobilização dos meios
Mas se as metrópoles se tornaram um
econômicos na escala metropolitana.
dos principais lugares onde se apresentam os
desafios econômicos e sociais das sociedades
modernas, elas custam a se constituir em atores coletivos, capazes de produzir as políticas
adequadas para responder, ao mesmo tempo,
O Estado e a população
contra a metrópole
a esses interesses e desafios e orientar seu futuro. Dito de outra maneira, as metrópoles têm
Os processos de descentralização observados
dificuldade em se tornarem verdadeiros territó-
ao redor do mundo se chocam ao fato metro-
rios políticos, dimensão ao mesmo tempo ne-
politano porque esse, dando crédito à ideia de
cessária e constitutiva de sua governabilidade.
um novo espaço político, vem abalar as rela-
Assim, as metrópoles encontram-se hoje
ções de poder entre as coletividades locais e
em situação paradoxal. Por um lado, a litera-
o Estado. Nesse contexto, o Estado fica, na
tura e a maior parte dos atores não deixam de
melhor das hipóteses, prudente, quando não
apresentá-las como espaços pertinentes pa-
oposto ao crescimento do poder político dos
ra tratar das inúmeras questões econômicas,
territórios metropolitanos.
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Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações...
Pelo menos na Europa, a metrópole é
política e institucional, é forçoso constatar que
uma aporia da descentralização, salvo alguns
além da retórica governamental, que parece
raros “acidentes” como no caso de Madri. Na
sempre dar crédito às abordagens do reesca-
França, as leis mais recentes se apresentam co-
lonamento político, a realidade é muito mais
mo paliativos imperfeitos ao fracassado encon-
nuançada.
tro dos anos 1980 entre a descentralização e a
Na França, o Estado expõe há vários
metrópole. De fato, neste país a descentraliza-
anos veleidades de políticas metropolitanas,
ção reforçou as instituições existentes, comu-
particularmente desde 1999 com a lei sobre a
nas e departamentos, e simplesmente esque-
intercomunabilidade que cria comunidades de
ceu o fato metropolitano. Na Itália, as “cidades
aglomeração e a lei de instalação do territó-
metrópoles” previstas, desde 1990, por várias
rio que instaura os contratos de aglomeração.
leis de descentralização continuam a não apa-
Mais recentemente, o Estado lançou um ape-
recer. Na Espanha, a questão metropolitana
lo à cooperação metropolitana visando que as
não é prevista na lei de 2003 sobre as cida-
coletividades locais pertencentes a territórios
des de grande população (Rodriguez-Alvarez,
metropolitanos de grande extensão cooperem,
2004) e apenas no Livro Branco de 2005 sobre
a partir de um projeto de desenvolvimento
a reforma das coletividades locais. Na Holanda,
estratégico. Ainda recentemente, em 2008, a
na Alemanha, no Reino Unido, mesmo que os
questão metropolitana ressurgiu com a publi-
debates aconteçam, eles não se traduzem em
cação do relatório parlamentar Imaginar as
metrópoles do futuro, exortando o Estado a
produzir políticas metropolitanas. E – cereja no
bolo – o governo criou em 2008 uma Secretaria
de Estado para o desenvolvimento da regiãocapital. Nem por isso, além de uma retórica
forte, as ações concretas acontecem, o Estado
não financiou cooperações metropolitanas, e
suas políticas continuam a não ter como alvo
as metrópoles.
Em outros lugares da Europa, a atividade do Estado no domínio metropolitano não é
mais forte, quando não é menor. Na Itália, o
Estado parece ter jogado a toalha. A Lei 142,
de 1990, que havia criado as cidades metropolitanas, nunca foi executada, e nenhuma
iniciativa do Estado foi tomada para sua atualização. Na Espanha, a ideia metropolitana
balbucia, o Livro Branco de 2005 menciona
apenas a ideia de convenções metropolitanas
(convênios metropolitanos) sem que por hora
avanços legislativos sobre a questão.
Uma literatura recente que se interessa pelo “reescalonamento político” (political
rescaling) considera que as metrópoles estão
se tornando um novo território da regulação
societária em nível mundial e que, nesse processo, o Estado desempenha um papel crucial
(Brenner, 2004). Referindo-se ao período atual
como “pós-keynesianismo espacial”, esta literatura, principalmente de origem neomarxista,
estima que hoje os Estados estão desenvolvendo políticas visando tornar as metrópoles territórios fundamentais ao crescimento econômico, rompendo assim com uma visão equilibrada
do território nacional. A Europa é um terreno
privilegiado destes trabalhos que anunciam o
fim das políticas de redistribuição espacial dos
governos centrais e anunciam uma “metropolização” das ações territoriais dos Estados. No
entanto, ao se observar de perto a situação
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o momento das realizações concretas tenha
pode-se perguntar se estas formas de demo-
visto o dia. Na Holanda, o debate sobre a cria-
cracia local, particularmente em razão de sua
ção de uma estrutura ou de um dispositivo
escala territorial, não concorrem a novamen-
de governo no nível da Randstad(a) não avan-
te pôr em discussão a metrópole como lugar
ça de maneira concreta, apesar de inúmeras
pertinente e legítimo para o debate e a ação
propostas locais. Na Alemanha, a questão me-
política. De fato, por ela repousar essencial-
tropolitana parece estar igualmente em pon-
mente sobre uma concepção restritiva da cida-
to morto. Apenas na Grã-Bretanha, reflexões
dania e por ela abraçar os territórios das insti-
em nível governamental foram conduzidas no
tuições locais e, principalmente, das comunas,
âmbito das cidades-regiões (city-regions), mas
em suma, por ela não considerar ou considerar
elas não levaram a nenhum projeto concreto,
muito mal o fato metropolitano, a democracia
até o presente momento.
local contribuiria a deslegitimar a metrópole.
As observações que acabamos de fazer
Nos últimos anos, a democracia local de-
sobre o caso europeu poderiam ser ampliadas
senvolveu-se principalmente nas cidades, por
à maior parte dos continentes (Rojas et al.,
meio do estabelecimento de dois instrumen-
2008; Weir e Lefèvre, 2009). Se o Estado não se
tos: as instituições inframunicipais e os dispo-
apressa para dar uma base política, administra-
sitivos de participação da população. Há mui-
tiva e financeira às metrópoles, não é porque
to, certo número de cidades europeias (Berlim,
se desinteressa por estes territórios. É por es-
Amsterdã, Roma, Madri, etc.) criou instituições
tar, ao contrário, muito presente e por quase
inframunicipais. Ao longo dos últimos anos,
sempre vê-los como contrapoderes potenciais à
a tendência foi a da multiplicação desse tipo
sua autoridade sobre o território nacional. Essa
de instituição na maior parte dos países e das
situação é ainda mais evidente quando se trata
metrópoles europeias e não europeias (Monte-
de capitais como os exemplos de Paris, Londres
vidéu, Paris, Roma, Berlim, Montreal, etc.) e da
e Lisboa o mostram para os Estados unitários.
tomada de força de sua legitimidade política e
Quanto a ela, a população das metrópo-
de suas competências. Progressivamente, es-
les não parece mais favorável que os Estados
sas instituições, que eram apenas escalões ad-
quanto à emergência desses espaços como ter-
ministrativos, tornaram-se quase-coletividades
ritórios políticos. O caso da democracia local
locais de exercício pleno.
parece particularmente demonstrativo.
Além disso, as reformas visando enco-
O desenvolvimento da democracia lo-
rajar a democracia direta em nível local, prin-
cal, entendida como todas as formas de in-
cipalmente autorizando os referendos e as
tervenção direta dos habitantes nas questões
iniciativas, multiplicaram-se em vários lugares.
políticas locais, leitmotiv na maior parte dos
Na Alemanha, os Länder introduziram essas
países democráticos, está repleto de virtudes:
disposições nas suas constituições. Na Itália,
ele permitiria políticas públicas mais eficazes,
na Holanda a prática do referendo também se
a criação de uma sociedade política local mais
desenvolveu. Durante muito tempo reticente,
forte e a luta contra o mal-estar democrático
a França seguiu o movimento. Se, fora da Eu-
ao aproximar eleitos e habitantes. No entanto,
ropa, países como o Canadá frequentemente
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autorizaram o referendo local, continentes até
instituições metropolitanas, por outro, quando
então pouco envolvidos como a América Latina
eles apresentam a questão da secessão de par-
ou a Ásia (Japão e Coréia do Sul no início dos
tes da metrópole.
anos 2000) começam a praticá-lo (CGLU, 2007).
Na Europa,1 os exemplos mais célebres
Ora, esse desenvolvimento de procedimentos
de referendos “antimetropolitanos” são os de
de democracia direta concerne essencialmente
Amsterdã, Roterdã e Berlim, em meados dos
às coletividades locais existentes, dito de outra
anos 1990, que viram eleitores recusarem, em
maneira, elas não são quase nunca de interesse
esmagadoras maiorias (93% em Amsterdã, por
da metrópole enquanto tal, mas simplesmen-
exemplo), o estabelecimento de uma autorida-
te de partes dela. A situação é idêntica para a
de metropolitana. Para ser justo, convém, no
grande maioria das estruturas de participação.
entanto, mencionar o único sucesso de refe-
Instituições inframunicipais, referendos
rendo sobre esse tema na Europa, o de Londres
locais, comitês de bairros fazem hoje parte do
em 1999, mas esse sucesso se deve a circuns-
panorama das metrópoles. Resta saber se esse
tâncias muito particulares (existência de insti-
desenvolvimento serve à democracia metro-
tuições metropolitanas há mais de um século,
politana ou se lhe é obstáculo. Três elementos
particularmente ausência de cidade-centro).
nos inclinam à segunda resposta: o papel das
Mas os referendos locais também foram
instituições inframunicipais na autonomiza-
usados para conseguir a secessão da metrópo-
ção dos territórios que cobrem, as estruturas
le. É nos Estados Unidos que encontramos os
e os dispositivos de participação como vetor
exemplos mais fortes com os sucessos de West
do Nimbismo
(b)
e o uso dos procedimentos de
Hollywood nos anos 1980 e a tentativa nos
democracia direta na recusa de “pensar como
anos 2000 de Hollywood e de San Fernando
metrópole”.
Valley (Boudreau, Didier e Hancock, 2004) ou
Frequentemente, as consultas aos habi-
em Nova York o desejo abortado de Staten
tantes se traduzem por reivindicações e pedi-
Island. No entanto, o desejo de secessão não
dos “localistas” que desdenham ou ignoram
se limita aos Estados Unidos e começa a ser
completamente as questões e os problemas
encontrado cada vez mais no Canadá (em
da metrópole. Não se trata aqui de novamente
Montreal em 2003) ou na Itália (várias tentati-
pôr em discussão a existência e o bem fundado
vas até aqui infrutíferas da zona de Mestre de
dessas estruturas de participação, mas denun-
chegar à secessão da cidade de Veneza). Se,
ciar sua falta de articulação com outras escalas
na Europa, poucas cidades estão submetidas
além de seus próprios territórios. São prova-
a tais pressões secessionistas, provavelmente
velmente os procedimentos referendários que
isso se deve ao fato de a maior parte das cons-
foram os mais usados em um sentido “localis-
tituições não dar esse direito às populações,
ta”, por um lado quando permitiram a popula-
contrariamente ao que acontece na América
ções se pronunciarem contra a instauração de
do Norte.
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O fracasso da constituição de
instituições metropolitanas
tais são algumas das observações feitas em referência às unidades institucionais que povoam
a metrópole. Uma das obras mais antigas e
mais célebres sobre o assunto leva um título
A metrópole não é uma entidade política, mas
sugestivo: 1400 governments. Publicada em
é um território que faz sentido para inúmeros
1961 e escrita por R. Wood, que se tornaria o
atores e atividades. É também um território que
primeiro-ministro federal do urbanismo do go-
faz sentido para algumas políticas públicas, co-
verno democrata de L. B. Johnson, ela denun-
mo os transportes ou a moradia. A literatura
cia a fragmentação extrema da organização
econômica e geográfica está repleta de análi-
político-administrativa da grande cidade ame-
ses mostrando e demonstrando a pertinência
ricana, aqui Nova York, resultando em uma
da escala metropolitana para abordar e resol-
quase impossibilidade de seu governo caso es-
ver certo número de problemas econômicos,
sa situação se perpetuasse. R. Wood não teria
mas também sociais; e especialistas e homens
um sucesso político igual ao seu sucesso aca-
políticos que lamentam a ausência ou a inade-
dêmico, mas seria um dos primeiros a apontar
quação da organização político-institucional
o problema metropolitano do ponto de vista de
seu governo, a saber, a inadaptação, a inadequação entre o território funcional da metrópole e sua organização institucional.
na escala metropolitana, pois, diante de uma
metrópole, território funcional das atividades
humanas, o sistema político-administrativo pa-
Desde então, a literatura sobre a questão
rece mal elaborado e inadaptado.
As evoluções tecnológicas, particular-
foi prolífica e os debates numerosos no âmbito
mente nas comunicações, e a urbanização
acadêmico. No plano político, pelo menos na
que dela é parcialmente tributária, levaram a
Europa, o objetivo foi praticamente constan-
uma extensão urbana de grande amplitude,
te: adequar o território funcional com a orga-
um alastramento (sprawl) que continuamente
nização institucional para chegar ao que um
ampliou os limites físicos da cidade. Geógrafos,
geógrafo como Bennet (1989) chamou truly
estatísticos e economistas se empenharam em
bounded, expressão que pode ser traduzida por
“corretamente administrado, pois adaptado
territorialmente”.
identificar e compreender esses fenômenos elaborando várias noções e conceitos: metrópole,
megapolo, megalópole, aglomeração, área urbana, metápole, todos igualmente imperfeitos
para contê-los. Os especialistas da geografia
administrativa, das ciências administrativas e
O debate entre reformadores e os
defensores das escolhas públicas2
de gestão, alguns juristas, mais recentemente
os cientistas políticos, debruçaram-se sobre o
Nos anos 1950 e 1960 nos Estados Unidos, duas
sistema político-administrativo desses territó-
correntes de pensamento se afrontam diante da
rios funcionais, insistindo na maior parte dos
questão do governo metropolitano. De um lado,
casos em denunciar sua inadaptação. Muito
os reformadores, seguindo Wood, um de seus
pequenas, muito grandes, muito numerosas,
líderes, estimam que o problema número 1 é a
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Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações...
fragmentação institucional das cidades ameri-
de reforma, mas igualmente uma forte razão
canas, fragmentação tanto mais danosa por se
política. Se os habitantes da metrópole come-
fazer em proveito das coletividades locais dis-
çam a ser cada vez mais interdependentes e
pondo de uma forte autonomia que lhes per-
a fundar uma comunidade de vida, é preciso
mite relativamente desdenhar o seu ambiente
então que essa comunidade seja politicamente
econômico e social. A forte urbanização que
representada.
atinge as metrópoles americanas se traduz por
Suas propostas de reforma são verdadei-
uma suburbanização que julgam excessiva e
ros projetos para uma nova e total fundação da
que se deve combater particularmente porque
sociedade local americana. Julguemos então!
ela tem, segundo eles, um custo econômico
Inicialmente, eles pedem a abolição do princí-
e social enorme, tanto maior por ela não ser
pio do Home Rule(c) para as municipalidades,
controlada. Eles denunciam a onipotência das
espécie de garantia jurídica de sua autonomia.
municipalidades e dos distritos especiais, pe-
Pedem uma redução das competências dessas
quenos e verdadeiros reinos dispondo de elei-
mesmas comunas. Em paralelo, desejam o es-
tos, de recursos fiscais e de competências sobre
tabelecimento de autoridades metropolitanas
territórios e/ou setores de políticas muito limi-
poderosas. Eleitas por sufrágio universal di-
tadas em relação aos desafios apresentados
reto, seu território de jurisdição seria a área
à metrópole. Para os reformadores, é urgente
metropolitana. Disporiam de competências im-
planejar o território metropolitano para trazer-
portantes no domínio do planejamento e dos
lhe coerência em termos de políticas públicas
transportes que elas poderiam usar contra as
e para conter a suburbanização. Eles consi-
outras coletividades locais. Desempenhariam
deram que a fragmentação institucional é a
igualmente um papel de coor denação. En-
principal responsável daquilo que chamam de
fim, elas possuiriam recursos fiscais próprios
caos, assim como duplicações de serviços que
permitindo-lhes exercer suas funções. A essas
observam um pouco em todas as cidades, pois
autoridades metropolitanas, eles dão um nome
não há coordenação nem cooperação entre os
sugestivo, Gargantua.
governos locais. Julgam igualmente que essa
A escola das escolhas públicas rejeita
fragmentação é responsável pelo desenvolvi-
com força essas alegações e as proposições dos
mento da segregação socioespacial particular-
reformadores. Para os defensores dessa escola,
mente em razão das políticas de zoneamento
como V. Ostrom ou C. Warren, a organização
(zoning) que são decididas pelas comunas.
institucional das metrópoles americanas é tudo,
A análise dos reformadores provém
menos caótica. Eles preferem falar de sistema
igualmente da visão que têm da metrópole, a
policêntrico ou de economia pública local com-
saber, a visão de uma nova comunidade po-
plexa e recusam o termo fragmentação. Eles
lítica emergente especialmente em razão do
afirmam que tal sistema reflete a vontade dos
desenvolvimento de tecnologia de comunica-
habitantes e, mais ainda, estimam que se tra-
ção que permite trocas cada vez mais intensas
te de um sistema desejável. Eles consideram de
entre os homens. Não há apenas razões eco-
fato que tal organização permite às populações
nômicas, sociais e técnicas para seus desejos
uma escolha em sua localização. Assim, dizem
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que é preciso haver uma multiplicidade de cole-
institucionais serão o problema número um do
tividades locais para que essas formem um mer-
governo das metrópoles, pois não apenas não
cado. Em tal mercado, o habitante poderá assim
resolverão as questões atuais, mas se tornarão
escolher viver no território da coletividade local
obstáculos à democracia e à livre escolha dos
que lhe oferecerá o montante de serviços que
habitantes.
melhor corresponda às suas necessidades.
Eles denunciam os erros de análise dos
reformadores, especialmente sobre a noção
de território funcional. Para os defensores das
A pertinência atual do debate
e os novos argumentos
escolhas públicas, não existe território funcional único, o da metrópole, mas, ao contrário,
Ninguém tem razão neste debate, pois aí, como
múltiplos territórios funcionais de acordo com
o diz substancialmente o próprio Wood, trata-
o setor de atividade, o equipamento conside-
se de um “combate de valores”. Combate en-
rado. Não há então uma resposta única para
tre, por um lado, os reformadores que colocam
a questão da inadequação entre território fun-
o coletivo à frente, uma noção do interesse
cional e institucional. Mas a crítica mais forte
geral como sendo diferente da soma dos inte-
que fazem aos reformadores diz respeito à
resses individuais e devendo por isso ser levado
questão institucional. Eles se opõem assim em
pelo público e uma instituição democrática, e
pelo menos dois pontos cruciais. O primeiro diz
por outro, os defensores das escolhas públicas
respeito à pertinência da constituição de uma
que afirmam a primazia do indivíduo sobre o
institucional metropolitana, a fortiori de um
coletivo e não falam de segregação, mas de es-
Gargantua, para regrar o problema da duplica-
colha de localização.
ção de serviços e de sua coordenação. Segun-
Este debate, principalmente norte-
do eles, as economias de escala como as ne-
americano, não marcou fortemente a Europa,
cessidades de coordenação podem muito bem
com exceção relativa da Grã-Bretanha, parti-
ser consideradas pelos próprios operadores de
cularmente no período de Thatcher. Por isso,
serviço, aí compreendidos então os operadores
parece-nos sempre digno de interesse, por-
privados, sem ter automaticamente recurso à
que provavelmente remete justamente a va-
criação de novas instituições. O segundo ponto
lores. Não é de fato um debate técnico, mas
concerne à democracia. De fato, eles acusam os
um debate político. Se a questão das econo-
Gargantua de serem antidemocráticos, pois se
mias de escala e da coordenação dos serviços
tratará estruturas burocráticas muito grandes e
foi em grande parte regulada na maior parte
pesadas para estarem próximas dos habitantes
dos países europeus (com exceção uma vez
e dos eleitores. Mais ainda, esse peso e esse
mais da Grã-Bretanha onde as posições da
distanciamento dos habitantes não incitarão
escola das escolhas públicas foram em parte
estes últimos a participarem da vida política da
executa das nos anos 1980 e 1990), outros
metrópole. Concluindo, os defensores das es-
elementos vieram a se acrescentar e dar vigor
colhas públicas consideram que os Gargantua
a esse debate.
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Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações...
De maneira um tanto paradoxal e des-
entre o território funcional metropolitano e
viante, um dos argumentos dos reformado-
sua organização institucional seja sempre um
res em favor da criação de uma institucional
problema a resolver mesmo se as razões para
metropolitana era o fato de que a metrópole
resolvê-lo tenham evoluído. Nessa maneira de
que se via nascer estava se constituindo em
pensar, o que dizer então de sua execução?
comunidade social e política. Mesmo por já
se tratar de uma visão do espírito no contexto
americano dos anos 1960, hoje é por razões
Estado da arte da questão institucional
inversas, pois a metrópole se fragmenta no plano social e político, que muitos apelam a uma
Não existe nenhum balanço internacional re-
instituição ou a um dispositivo institucional
cente da constituição de autoridades metropo-
que permitiria remediar essa fragmentação. Na
litanas, de seu funcionamento e de seus resul-
mesma ordem de ideias, as questões de soli-
tados. Em compensação, encontram-se nume-
dariedades territoriais estão hoje na agenda do
rosos estudos mais ou menos precisos sobre
governo das metrópoles, problema pouco pre-
esta questão, realizados por associações como
sente politicamente na Europa nos anos 1960,
Metrópolis, alguns relatórios e artigos publicados em diferentes períodos por pesquisadores
e especialistas, entre os quais o autor (Lefèvre,
1998 e 2001). Esse balanço, é preciso dizer,
não é globalmente positivo do ponto de vista
quantitativo. Mais ainda, as poucas estruturas
institucionais metropolitanas que se encontram
no mundo são de natureza disparatada em
função de seu estatuto político (verdadeiras
coletividades locais como em Lima, Londres,
Portland, Quito ou Stuttgart, entidades intercomunais como em Lisboa, Montevidéu ou
Montreal, administrações de Estado como em
Santiago ou no Cairo, simples associações como em Barcelona ou Turim, que ampliaremos
mais adiante, de suas competências (principalmente estratégicas como em Londres ou Barcelona, amplamente operacionais como as comunidades urbanas francesas) e de seus recursos
financeiros e fiscais (com fiscalização própria,
fortemente dependentes de outros níveis de
governo, etc.). Enfim, no plano territorial (a
adequação entre o território metropolitano e
embora bastante presentes nos Estados Unidos
nesse período. Em terceiro lugar, o sujeito das
competitividades dos territórios em uma economia globalizada volta a dar força à questão
institucional metropolitana. Na competição
territorial levada pelas metrópoles entre si, os
territórios municipais não são mais suficientes
para produzir a força econômica, as amenidades e os equipamentos necessários para melhor
se posicionarem nessa competição. As alianças
institucionais entre as coletividades locais, particularmente, são então importantes para que
certas políticas mudem de escala, para que
estratégias comuns de desenvolvimento sejam
executadas, para que a promoção da área metropolitana seja eficaz.
Isso não significa que a questão institucional seja a única boa questão neste novo
contexto, mas significa que, tanto nos anos
1960 quanto hoje, a maior parte dos atores,
pelo menos na maioria dos países europeus,
com ou sem razão, considera que a adequação
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um dispositivo institucional), aí ainda se encon-
mas todas essas instituições não cobrem o con-
tra de tudo: uma Grande Londres ou uma Gran-
junto dos espaços funcionais metropolitanos
de Tokyo tão pequenas em relação à metrópole
e, sobretudo, não dispõem forçosamente de
real, uma comunidade autônoma de Madri ou
competências e de recursos adequados para
uma região Île-de-France que a circunscrevem
produzir políticas necessárias ao tratamento
bem... mas por quanto tempo ainda?
dos problemas e desafios metropolitanos.
As experiências “bem-sucedidas” de instituições metropolitanas são quase sempre tributárias da história do sistema político nacional
e local e de acidentes ou de situação excepcionais. Neste sentido, elas devem raramente sua
Novas experiências: a instituição
metropolitana como resultado
de um processo
existência às considerações teóricas e técnicas
das quais acabamos de falar. É o caso, por
exemplo, da metrópole madrilenha que dispõe
Diante do desaparecimento de estruturas me-
hoje de uma verdadeira autoridade metropoli-
tropolitanas (caso espanhol) e/ou da incapaci-
tana com a comunidade autônoma de Madri.
dade do estabelecimento de instituições metro-
Ora essa comunidade autônoma, essa região,
politanas (caso italiano das cidades metropoli-
que viu o dia no início dos anos 1980, é uma
tanas), algumas metrópoles (Barcelona, Bilbao,
construção ad hoc cujo território é fruto de um
Bolonha, Florença, Turim, Veneza, etc.) se lan-
compromisso político entre os dois grandes
çaram em empreendimentos visando construir
partidos políticos espanhóis pós-franquistas
um sistema de direção da cidade no âmbito de
e no qual a questão da área funcional nunca
políticas de procedimentos. Frequentemente,
foi considerada (Rodriguez-Alvarez, 2002). A
essas políticas adotaram o planejamento estra-
autoridade metropolitana de Stuttgart só pode
tégico como instrumento e dispositivo de dire-
ver o dia com a ocorrência excepcional de cir-
ção, colocando à frente a importância da cons-
cunstâncias com a constituição de uma Grande
trução de alianças, coalizões e de cooperações
Coalizão no seio do Land de Bade-Wurtemberg
entre atores na base de uma adesão progressi-
que forçou um compromisso entre o conjunto
va e da procura por consenso. Essa adesão pro-
das coletividades locais da metrópole alemã
gressiva a um projeto e a orientações de desen-
(Albrecht e Benz, 1999).
volvimento se efetua ao longo de um processo
Resta a situação francesa, em vários
marcado por dispositivos e procedimentos vi-
aspectos original e única no mundo, mas cujo
sando enquadrar e assegurar o sucesso. Na Eu-
balanço deixa a desejar. Com certeza, a quase
ropa, hoje, provavelmente são as experiências
totalidade das aglomerações francesas possui
de Barcelona e de Turim que são as melhores
hoje uma estrutura institucional de direção de
ilustrações desta maneira de fazer.
seus territórios – exceção notória da região Île-
Em Turim, a direção do desenvolvimento
de-France – sob a forma de estabelecimentos
da metrópole está assegurada por uma assem-
públicos de cooperação intercomunal (comuni-
bleia metropolitana, uma estrutura associativa
dades urbanas e comunidades de aglomeração),
cuja missão principal é a execução do segundo
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plano estratégico e a coordenação das ati-
(enlace) (estruturas cuja missão é articular as
vidades e das políticas dos principais atores
reflexões e as ações do plano estratégico com
implicados. Essa assembleia agrupa 122 mem-
os outros procedimentos e documentos em
bros representando as coletividades locais, as
andamento sobre a metrópole como o plano
empresas e suas associações, a Câmara de Co-
territorial, mas também com as reflexões das
mércio, as universidades e centros de pesquisa,
outras coletividades locais e nacionais). Essa
as agências de desenvolvimento, as sociedades
comissão executiva é igualmente presidida
paramunicipais e intercomunais, os sindicatos,
pelo prefeito de Barcelona e age por meio de
os bancos, os meios culturais, etc. Um comitê
uma verdadeira mobilização do conjunto da
de coordenação de 10 membros toma as deci-
sociedade de Barcelona.
sões. É presidido conjuntamente pelo prefeito
No entanto, mesmo se os procedimentos
da cidade-centro, Turim, e pelo presidente da
e os dispositivos associam o conjunto da so-
província (que garante assim os interesses das
ciedade metropolitana, eles permanecem em
outras coletividades diante da cidade-centro e
ambos os casos direcionados por instituições
é assistido por uma estrutura de gerenciamen-
políticas, geralmente as cidades-centro. Nes-
to, Torino Internazionale).
te sentido, o político e o público permanecem
Em Barcelona, a direção da metrópole
no comando. É também o caso da iniciativa
se realiza pelo ângulo do plano estratégico
da cidade de Paris por meio da realização de
metropolitano que concerne a AMB (Área Me-
uma conferência metropolitana em 2006 e
tropolitana de Barcelona, ou seja, 31 comunas
sua transformação progressiva em uma ins-
e mais de 3 milhões de habitantes). Lançado
tituição de estudos e de reflexões no âmbito
após os três primeiros planos estratégicos
da aglomeração, mesmo se contrariamente às
focalizados principalmente na comuna-centro,
experiências de Turim e de Barcelona os meios
o novo plano visa à escala metropolitana. Para
econômicos e a sociedade civil são muito pou-
que aconteça, ele é elaborado e realizado por
co solicitados.
meio de uma engenharia institucional sofisti-
As iniciativas de Barcelona e Turim são
cada: uma assembleia geral de 300 membros
interessantes porque procuram resolver um
que reúne a quase totalidade dos atores me-
problema espinhoso da questão institucional
tropolitanos: as coletividades locais, as estru-
metropolitana, o das relações entre a cidade-
turas intercomunais, a CCI, as universidades,
centro e as outras coletividades locais. As for-
os sindicatos, as uniões patronais, os bancos,
mas de organização estabelecidas em Barcelo-
os meios culturais e associativos, etc. Essa as-
na e Turim associam um leadership da cidade-
sembleia é presidida pelo prefeito da cidade-
centro no seio das estruturas cuja composição
centro. A administração do plano é confiada
garante ao mesmo tempo a representação das
a uma comissão executiva de 30 pessoas (co-
principais forças econômicas e sociais, mas
missio delegada) que dirige certo número de
também a dos outros atores político-institucio-
comitês e de conselhos (prospectiva, desen-
nais, no caso de Turim com um papel específico
volvimento estratégico, planejamento, seto-
atribuído à província, o de representar os inte-
res estratégicos, etc.) técnicos e de “ligação”
resses das outras municipalidades.
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especialmente porque na França, contraria-
As coletividades locais
e as forças econômicas
contra as metrópoles?
mente à maior parte dos Estados europeus e
mesmo em outros lugares do mundo, existe
um instrumento, o acúmulo dos mandatos, que
dá às coletividades locais um acesso privilegia-
As coletividades locais contra
a metrópole
do à instância nacional, a que vota as leis. O
acúmulo dos mandatos explica assim em grande parte por que as leis de descentralização dos
Grande parte da história da constituição das
anos 1980 se fizeram por sistema institucional
instituições metropolitanas é a das lutas das
constante (exceto a criação das regiões, que
coletividades locais existentes seja para re-
foram, no entanto, pensadas como coletivida-
jeitá-las seja para esvaziá-las de seu sentido
des fracas).
(Lefèvre, 1998). Nessa história, são as coletivi-
Em outros lugares a situação não é me-
dades locais que ganharam um pouco em todo
lhor, inclusive nos países que conseguiram o
mundo. Fortalecidas por sua longa história, por
que alguns cientistas políticos chamaram de
sua legitimidade democrática e pela identifica-
modernização da sua organização territorial e
ção das populações com seu território e seus
institucional (compreender a forte redução do
eleitos, particularmente em nível municipal, as
número de coletividades locais), como Alema-
coletividades locais quase sempre chegaram a
nha, Grã-Bretanha ou Holanda.
seus objetivos ou a “limitar os prejuízos”.
Na Espanha, o poder dado às regiões pe-
Na França, a comuna é a “célula de base
la Constituição de 1978 traduziu-se inicialmen-
da democracia”. Ela faz parte do “patrimônio
te para as maiores cidades pela abolição das
genético da nação”. Tais expressões emprega-
únicas autoridades existentes neste país. Assim
das correntemente denotam o caráter intocável
a comunidade autônoma do País Basco aboliu
dessa coletividade. Aliás, todas as reformas ou
a Corporação Metropolitana do Grande Bilbao
projetos de reforma da organização territorial
em 1980. Alguns anos mais tarde, em 1986, é
francesa prestaram atenção, especialmente nos
a vez da Corporação Grã Valência de desapa-
seus preâmbulos, para não colocar em causa a
recer após uma lei da Generalitat de Valência.
existência municipal.
Essa mesma Generalitat aboliria em 1999 o
A constatação é clara. As coletividades
Conselho Metropolitano de Horta, órgão criado
locais delegam ou transferem o mínimo de
em 1986 para remediar a supressão da Corpo-
competências possível e o mínimo de recursos
ração Gran Valência. Enfim, a Catalunha supri-
à sua disposição às estruturas de governo das
me a Corporação Metropolitana de Barcelona
áreas metropolitanas. Quando obrigadas a is-
em 1987. Mesmo se o fato de todas essas es-
so, como no caso das comunidades urbanas no
truturas administrativas metropolitanas terem
final dos anos 1960, os eleitos municipais se
sido criadas sob o regime franquista justifique
esforçaram para esvaziar de sentido as transfe-
politicamente em parte essas abolições, não
rências de competências. Com certeza, as coi-
deixa de ser verdade que a principal razão
sas mudam, mas evoluem muito lentamente,
é elas não poderem fazer sombra às jovens
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regiões recentemente criadas (Rodriguez-Alva-
leis regionais (Toscana e Emília-Romanha,
rez, 2004). De resto, a lentidão dessas regiões
particularmente) que lhes deram relativa legi-
em delegar competências em nível municipal,
timidade, apesar das inovações em sua con-
como o pede o processo de descentralização di-
cepção e execução, como em Bolonha (Jouve e
to do “pacto local” e a não concretização das
Lefèvre, 1996), elas ficaram letra morta porque
propostas de constituição de novas entidades
contra elas se voltou o conjunto do sistema de
sobre essas metrópoles, ilustram a reticência
coletividades locais, uma maioria dos partidos
das coletividades locais a se engajarem em pro-
políticos pelo menos no âmbito local, e porque
cessos que fortaleceriam o nível metropolitano.
nunca receberam o apoio do Estado. Em 1999,
A situação é idêntica na Alemanha. Es-
a lei 142 foi “revisitada” dando a iniciativa do
se país que foi dado como exemplo, pois sou-
processo às municipalidades. Quase dez anos
be dividir por três o número de suas comunas
depois é o status quo que prevalece.
nos anos 1960 e 1970, mostra-se desde então
O continente europeu não é o patinho
incapaz, salvo algumas exceções, de organizar
feio da metrópole no âmbito mundial. Todos
politicamente e mesmo administrativamente
os continentes estão na mesma situação. Nes-
suas maiores cidades como Berlim, Hamburgo,
te contexto, o país onde a idéia metropolita-
Frankfurt ou Munique. Aqui domina a potência
na de um ponto de vista político-institucional
das cidades-centro, que têm um estatuto espe-
percorreu o menor caminho são os estados
3
cial e que recusam todas as estruturas locais
Unidos. Salvo raras exceções, nenhuma grande
dirigindo-as.
metrópole americana dispõe de qualquer es-
Na Holanda, são as grandes cidades e as
trutura de governo. Aqui, país da democracia
províncias que se opõem aos projetos de cria-
local, dizem-nos, são as municipalidades e as
ção de uma “Delta Metropolis” na Randstad.
populações que constantemente rejeitaram há
Na Grã-Bretanha, são as municipalidades
décadas os projetos, frequentemente tímidos,
(boroughs em Londres e districts nas outras
de constituições de instituições metropolitanas
cidades) que se opõem ao fortalecimento dos
(Lefèvre, 1992). Nos Estados Unidos, a ideia
poderes da autoridade da Grande Londres ou
metropolitana causa medo, pois ela aparece
que se preocupam com a criação de cidades-
como o inimigo do local, do entre si, das co-
regiões.
munidades que as municipalidades encarnam.
Nos anos 1990, a Itália quis sair de seu
Aliás, é nos Estados Unidos que se expressa a
imbróglio político-institucional votando um
projeto de lei, a lei 142. Todo um capítulo dessa
lei concerne à constituição das cidades metropolitana (città metropolitane) nas dez maiores
cidades do país. Essas città metropolitane, autoridades eleitas por sufrágio universal direto
e dispondo de competências fortes e numerosas, nunca viram o dia. Não obstante algumas
rejeição à metrópole por movimentos de secessão urbana que têm frequentemente a aprovação das “legislaturas” dos Estados federados.
Os processos de descentralização,
quaisquer que sejam suas formas, não parecem então resultar em uma ordem institucional que consagraria politicamente o fato
metropolitano.
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A metrópole é um território de
mobilização das forças econômicas?
principais atores do governo das metrópoles.
No Reino Unido, mesmo sendo verdade que
as empresas estão presentes, o âmbito geral
da ação pública é fixado pelo Estado que, in-
A governança, dizem-nos, corresponde a uma
clusive, intervém fortemente com suas normas,
abertura do sistema de atores na condução
suas regras e financiamentos, quando não age
das políticas públicas. A literatura nos repete
diretamente tomando o controle das estrutu-
que as metrópoles se tornaram um dos princi-
ras de desenvolvimento, como se vê para os
pais territórios onde está em jogo o futuro de
novos estabelecimentos (Urban Development
nossas sociedades, e o processo de globaliza-
Corporations) da capital.
A questão da participação dos atores
econômicos na condução das metrópoles, de
sua implicação nas políticas que modelam o
futuro desses espaços é objeto de debates. Por
um lado, autores como Moulaert et al. (2003)
mostram uma forte implicação dos meios
de negócios, sobretudo das firmas do setor
bancário, dos seguros e da promoção imobiliária
(setor FIRE em inglês) na elaboração e execução
dos grandes projetos urbanos nas cidades
europeias. Outros autores que trabalham
sobre redes técnicas, as infraestruturas e os
serviços urbanos (Campagnac, 1992; Lorrain,
1992) mostraram a intervenção crescente dos
construtores e dos operadores desses setores na
governança das metrópoles com uma evolução
mais recente da implicação dos grandes bancos
internacionais em razão da “financeirização”
das infraestruturas urbanas (Torrance, 2008).
Para esses autores, os meios econômicos estão
cada vez mais mobilizados para essas questões
por causa dos processos de desregulamentação
e de privatização que lhes outorgam mais poder
e legitimidade na governança da metrópole.
Boudreau e Keil (2004), baseando-se nos
trabalhos de Sklair (2001), vão particularmente
mais adiante e identificam uma “classe
capitalista transnacional” implicada no âmbito
das cidades-regiões.
ção insiste nos elementos de competitividade
econômica no âmbito de uma competição entre as metrópoles em âmbito mundial. Em tal
contexto, não é sempre ilegítimo colocar-se a
questão da implicação dos atores econômicos
(principalmente as empresas e suas estruturas
de representação) na conduta das metrópoles.
O que realmente acontece?
A Grã-Bretanha é provavelmente o país
onde a abertura do sistema de atores nas cidades mais se fez em proveito do mundo da
empresa. Quando o partido conservador toma
o poder em 1979, a análise que faz da situação
econômica e social o predispõe diretamente
a fazer essa escolha. De fato, o novo governo
considera que tanto o excesso de Estado quanto de público são uma das causas principais da
crise. É a partir desse diagnóstico que ele vai
então iniciar profundas reformas que vão abalar a sociedade britânica e a marcam fortemente até hoje. Assim as empresas estão presentes
em todo lugar, a parceria público-privado tendo se tornado um dos paradigmas das políticas
urbanas.
No entanto, ao serem considerados os
outros grandes países europeus, a abertura dos
sistemas de atores não é tão evidente. Na França, Itália, Alemanha e mesmo na Espanha, o
setor público e o setor político permanecem os
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No entanto, de encontro a Moulaert et al.
Provas parciais de tal mobilização podem se
(2003), Salet e Gualini (2007) não encontram
encontrar igualmente em uma metrópole co-
nenhuma prova sistemática da mobilização de
mo Londres, particularmente com a criação de
tais atores nos grandes projetos urbanos, mes-
London First em 1995 e as numerosas ativida-
mo quando eles estudam os mesmos projetos!
des dessa associação de grandes firmas inter-
As conclusões de Salet e Gualini são claras:
nacionais em âmbito metropolitano (Lefèvre,
Nossos resultados mostram nitidamente que a promoção do desenvolvimento
econômico é realizada com prioridade
pelas coletividades locais e regionais nos
sete estudos de caso... A natureza dos
interesses econômicos implicados não é
nada evidente. Uma pressão explícita da
parte do capital internacional é apenas
evidente no caso do projeto de Zuidas em
Amsterdã. (p. 270)
2008). Mas resta demonstrar que se trata aí
de uma tendência geral mais do que de casos muito particulares como o sugere Lefèvre
(ibid.) que quanto a ele antes acentua a não
mobilização das forças econômicas no âmbito
metropolitano.
Enfim, resta demonstrar que mesmo
quando há implicação dos meios econômicos,
estes últimos ocupam um lugar suficientemente importante para dispor de influência, parti-
Se a implicação dos meios econômicos
cularmente na sua participação em regimes po-
na condução das políticas urbanas gera deba-
líticos urbanos (Stone, 1989). Por um lado, não
te, o mesmo acontece com a escala desta im-
apenas os exemplos de regimes políticos me-
plicação. De fato, se é certo que as empresas
tropolitanos são muito pouco numerosos, mas
são partícipes em numerosos projetos urbanos
não está demonstrado que esses regimes são
e operações urbanas, estes são geralmente
eles próprios dominados pelos atores políticos
muito localizados. Mesmo se é verdade que al-
indicados. Em seus importantes trabalhos com-
guns desses projetos urbanos possuem por sua
parativos sobre as políticas de desenvolvimen-
amplitude e seus interesses uma envergadura
to urbano das cidades-centro, Kantor e Savitch
metropolitana, é por isso que as empresas se
(2002) mostram de maneira convincente que
implicam na governança da metrópole em seu
a composição dos regimes políticos urbanos e
conjunto?
das estratégias que eles elaboram e executam
Boudreau e Keil parecem responder
é resultado de quatro variáveis (as condições
afirmativamente. Em seu estudo sobre To-
econômicas, as relações entre coletividades pú-
ronto, eles identificam um grupo de atores
blicas, a cultura local e o controle dos eleitores
privados que se investe no âmbito do conjun-
e dos habitantes). A combinação das duas pri-
to da metrópole. Eles definem esse grupo co-
meiras variáveis produz uma situação de nego-
mo uma classe transnacional composta “por
ciação (barganing situation) que, cruzada com
responsáveis das firmas transnacionais, por
as duas outras, explica amplamente a natureza
chefes dos PME e por grandes agricultores,
dos regimes políticos urbanos e o conteúdo de
por burocratas globalizados, por políticos e
suas estratégias. Esses dois autores mostram
especialistas globalizados e pela classe média
igualmente que, enquanto cidades possuem
urbana consumista (consumption-oriented)”.
regimes políticos dominados pelos meios de
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negócios, outras são dirigidas por regimes em
políticas e estratégias porque as cidades são
que as coletividades públicas são preponderan-
atores que “não são simples folhas no vento da
tes. Esses regimes não produzem as mesmas
globalização”.
Christian Lefèvre
Formado em Ciência Política e Planejamento e Urbanismo. Professor Pesquisador do LATTS e do
Institut Français d’Urbanisme, da Université Paris Est Marne La Vallée (Paris, França). Responsável
pela especialização Stratégies Métropolitaines du Master de l’IFU.
[email protected]
Notas
* Gouverner les métropoles: enjeux, défis et contraintes de la constitution de noveaux territoires
politiques – Texto traduzido por Eveline Bouteiller.
(a) (N.T.) Randstad – zona metropolitana que se estende de Amsterdã a Roterdã.
(b) (N.T.) Nimbismo – Síndrome dos indivíduos que não desenvolvem atitudes comunitárias, por sua
responsabilidade ou das políticas urbanísticas. ‘NIMBY’ (not in my backyard, não no meu quintal) pode ser uma comunidade que resiste à instalação de um equipamento ou instituição (por
exemplo, um centro de atendimento a tóxico-dependentes) que considera necessária... mas
nunca no seu bairro. O “nimby” reclama os seus direitos, mas não se sente obrigado perante a
colectividade. (http://www.esas.pt/~defacto/o_urbanismo.htm)
(c) (N.T.) Home rule – Solicitação de autonomia de governo por parte de um Estado diante do governo central.
(1) Limitamo-nos aqui à Europa, mas é claro que os Estados Unidos são o país onde os referendos
negativos sobre as autoridades metropolitanas foram os mais numerosos.
(2) Para ter uma ideia sintética deste debate e de seus resultados, o leitor poderá ler com utilidade
os seguintes artigos citados nas referências: Wood (1958), Ostrom, Tiebout e Warren (1961),
Newton (1982) e Keating (1995).
(3) Estas cidades são kreisfreie stadt, quer dizer comunas ”isentas de kreis”. As kreise são estruturas
políticas e administrativas no nível de nossos départements (N.T. Départements – Divisão administrativa da França.)
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Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações...
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
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Efeito metropolitano e cultura política:
novas modalidades de exercício
da cidadania na metrópole de Lisboa*
Metropolitan effect and political culture: new forms
of exercising citizenship in the metropolis of Lisbon
Manuel Villaverde Cabral
Resumo
Desde o final do século passado vem se falando de
um desengajamento em relação à democracia. Na
realidade, não se trata de desencanto com os valores democráticos, mas sim com o desempenho da
classe política e dos atuais regimes representativos.
O autor tem estado envolvido numa pesquisa sistemática sobre as principais dimensões do conceito
de cidadania política e sobre os obstáculos objetivos e subjetivos ao seu pleno exercício. Neste capítulo, pretende-se explorar o impacto da metropolização sobre o conjunto de questões envolvidas no
exercício dos direitos cívicos e políticos. A capital
portuguesa, Lisboa, é assim estudada na perspectiva das relações entre metrópole e cultura política,
de modo a averiguar a existência ou não de um
efeito metropolitano específico sobre o exercício
individual da cidadania.
Abstract
Since the early 1990s many authors have been
talking about a disengagement from democracy.
Actually, there is no popular disenchantment with
democratic values, but with the performance
of politicians and of the representative system.
The author has been involved in a systematic
research on the main dimensions of the concept
of political citizenship as well as the objective
and subjective obstacles to its full exercise. In this
paper, the impact of metropolisation upon the
whole set of issues involved in the exercise of civic
and political rights is explored. The Portuguese
capital, Lisbon, is thus studied in the perspective
of the relationship between metropolis and
political culture, in order to show whether there
is a specific metropolitan effect on the individual
exercise of citizenship.
Palavras-chave: cidadania; cultura política; metrópole; efeito metropolitano.
Keywords:
citizenship; political culture;
metropolis; metropolitan effect.
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Manuel Villaverde Cabral
principais dimensões envolvidas no conceito de
Enquadramento teórico
e metodológico
cidadania política, bem como dos obstáculos
objetivos e subjetivos ao seu pleno exercício,
desde os direitos sociais e a equidade do sis-
Embora os direitos de cidadania sejam habitual-
tema de recompensas socioeconômicas até à
mente valorizados pela teoria democrática,
literacia e à representação partidária, passan-
nem sempre as condições que permitem o seu
do pela distância ao poder entre governantes
pleno exercício atraíram no passado a atenção
e governados, com ênfase recente numa pers-
que têm vindo a adquirir na última década e
pectiva histórica e comparativa entre Portugal
meia. Existe, na realidade, um longo lapso de
e Brasil (Cabral, 1997; 1998a; 2000; 2001a;
tempo entre o clássico de Marshall (1950) e a
2001b; 2003; 2004a; 2006).
reativação dos estudos sobre a cidadania com
No presente texto, pretendo explorar
os livros de Bryan Turner (1993, 1994). E não
agora o impacto da urbanização e daquilo que
se trata apenas de um lapso temporal mas
a literatura norte-americana designa por urban
também teórico, já que o interesse atual por
sprawl, correspondente a formas variadas de
suburbanização e periferização, frequentemente diversas das prevalecentes nos Estados
Unidos, em suma: explorar as consequências
da metropolização das grandes aglomerações
urbanas contemporâneas sobre o mesmo conjunto de questões envolvidas no exercício dos
direitos cívicos e políticos. Dito de outro modo,
pretende-se não só averiguar a existência ou
não de um efeito metropolitano sobre o exercício da cidadania, como explorar também as
eventuais relações entre as grandes metrópoles
e a cultura política atual. Com a importante excepção de Robert Putnam (2000), a literatura
corrente tem tido pouco a dizer sobre os efeitos
positivos e negativos que a vida metropolitana possa exercer sobre o exercício efetivo da
cidadania assim como as suas modalidades
específicas.
Na verdade, a dimensão urbana da cidadania, embora crucial nas primeiras formulações do conceito, como em Max Weber (1958
[1921]), perdeu importância na literatura recente, especialmente naquela que se baseia
em dados de pesquisas quantitativas (surveys)
estas questões despertou de forma totalmente
diversa à abordagem positiva de Marshall num
momento em que os direitos cívicos e políticos
estavam precisamente a ser reforçados, a seguir à 2ª Guerra Mundial, pela consolidação
dos direitos sociais nas sociedades mais desenvolvidas; em contraste com isso, as abordagens
atuais partem da observação de um défice crescente da participação política convencional,
assim como do declínio da identificação com
instituições democráticas tais como os partidos
e parlamentos.
Efetivamente, pelo menos desde o início
dos anos 90 do século XX que se observam
diversas formas de “desengajamento em relação à democracia” (Johnston, 1993), o qual
revelou ser, na realidade, não propriamente
um desencanto com os valores democráticos
enquanto tais, mas sim com o desempenho da
classe política e da maioria dos atuais regimes
representativos, colocando desde logo um problema de “auditoria democrática” (Beetham,
1994). Eu próprio tenho estado envolvido desde então numa pesquisa sistemática acerca das
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Efeito metropolitano e cultura política
que pretendem captar a formação e o exercício
também em formações sociais com tradições
da cidadania ao nível nacional e internacional
políticas que se afastam da corrente demo-
( cross national ), como tem vindo a acontecer
liberal dominante nos estudos de cidadania,
desde o início dos estudos quantitativos so-
em suma, sociedades como a portuguesa e a
bre a cultura política (Almond e Verba, 1963;
brasileira, mas também a espanhola e a italia-
1980). Veremos, contudo, que a vida urbana
na por exemplo (Alabart, Garcia e Giner, 1994).
enquanto tal, pelo menos no que diz respeito
Por último, teremos ainda em conta as críticas
à área metropolitana de Lisboa, tem um im-
teóricas (Cohen e Arato, 1992, pp. 177-341) e
pacto mensurável tanto na dimensão da ação
sociológicas (Alexander, 1998) às visões con-
coletiva como nas concepções dos direitos e
vencionais – na realidade, idealizadas – da
deveres cívicos, e ainda nas diferentes moda-
chamada sociedade civil. Em derradeira ins-
lidades de exercício da cidadania. Com efeito,
tância, o objetivo do estudo é contribuir para
o nosso projeto tem o objetivo de revisitar com
um melhor entendimento do exercício da cida-
novas bases empíricas as teses segundo as
dania e do papel que as populações urbanas e
quais o exercício da cidadania é não só favore-
metropolitanas desempenham na vida cívica
cido pelo modo de vida urbano como constitui,
e política. Os debates correntes sobre a teoria
na realidade, uma manifestação fenomenoló-
democrática poderão também beneficiar das
gica do urbanismo no sentido sociológico clás-
nossas aquisições, nomeadamente em demo-
sico (Wirth, 1938).
cracias da “terceira vaga”, como Portugal e o
Simultaneamente, teremos oportunidade
Brasil.
de testar tendências contrárias à manifestação
da cidadania que levaram autores como Robert
Putnam a acreditar que determinadas evoluções
recentes das grandes aglomerações urbanas,
tais como a transformação de muitas cidades
A composição sociodemográfica
da metrópole de Lisboa1
modernas em enormes áreas metropolitanas
substancialmente diversas daquelas cidades
É importante conhecer a composição da popu-
que estiveram na origem da teoria de Weber e
lação metropolitana, por contraste com a res-
da sociologia urbana clássica de Simmel a Park
tante população portuguesa, porquanto é pre-
(Grafmeyer e Joseph, 2004), estariam de fato
visível que muitas das diferenças de atitudes e
a gerar efeitos opostos à produção de capital
comportamentos entre a metrópole e o resto
social e à manutenção daquelas redes de so-
do país se devam, precisamente, às diferentes
lidariedade que contribuíam para favorecer as
composições demográficas e socioculturais de
modalidades convencionais do exercício da ci-
cada um dos conjuntos. Com efeito, só podere-
dadania (Putnam, 2000).
mos falar de um autêntico efeito-metrópole na
A isto acresce a necessidade de estudar
medida em que o simples contraste entre viver
todas estas tendências e contratendências não
ou não na metrópole venha a se verificar ne-
só nas sociedades onde convencionalmente
cessário, estatisticamente, para explicar as di-
prevaleceria a chamada cultura cívica, mas
ferenças que subsistirem depois de os impactos
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Manuel Villaverde Cabral
Tabela 1 – Classe social2
Percentagens (%)
Burguesia
Nova burguesia assalariada
Pequena burguesia tradicional
Salariato não manual
Trab. manuais independentes
Salariato manual
Total
N
Metrópole
de Lisboa
8.9
19.5
2.8
36.0
3.7
29.0
100
830
Portugal não
metropolitano
7.9
10.9
3.4
25.5
9.7
42.8
100
746
Portugal
(média ponderada)
8.6
14.8
3.2
27.9
8.0
37.6
100
1.575
x2= 75.99; p <.000
das restantes variáveis sociodemográficas das
Uma nota suplementar de extrema im-
respectivas populações. Portanto, é necessário
portância acerca da composição social da po-
ter consciência que estas populações diferem
pulação metropolitana é o fato de ela contar
de forma significativa a quase todos os níveis
hoje com a presença de 14,5% de pessoas de
relevantes.
nacionalidade estrangeira (contra apenas 2%
A composição de classe, para começar,
fora da metrópole lisboeta), na sua grande
é muito diversa, residindo as diferenças mais
maioria trabalhadores imigrantes e seus fami-
significativas no fato de as duas categorias
liares. Também aqui é notória a diferença entre
típicas da modernidade – a nova burguesia
o centro e a periferia da metrópole, com 5%
assalariada e o salariato terciário, por contras-
de imigrantes no primeiro e 16% na segunda.4
te sobretudo com os trabalhadores manuais
Se é certo que este segmento populacional
(assalariados e independentes) – terem muito
contribui para conferir à metrópole de Lisboa
mais peso na população metropolitana do que
esse cosmopolitismo que tipifica as megacida-
no resto do país: 55,5% contra 35,5%; inversa-
des atuais, nem por isso a difusão do multicul-
mente, os trabalhadores manuais representam
turalismo deixa de entrar em contradição com
apenas um terço da população na metrópole
as modalidades de exercício da cidadania as-
contra 52,5% no resto do país. Vale a pena no-
sociadas às sociedades étnica e culturalmente
tar que, dentro do conjunto metropolitano, há
homogêneas.
diferenças significativas quanto à composição
Esta é apenas a primeira manifestação
de classe entre o centro (concelho de Lisboa)
da operação simultânea, nas áreas metropoli-
e a periferia (agrupando os demais 11 conce-
tanas contemporâneas, de fatores favoráveis e
lhos por impossibilidade amostral de distin-
fatores desfavoráveis ao exercício da cidadania
guir entre eles), apresentando a periferia uma
demoliberal convencional, como veremos mais
percentagem muito superior de trabalhadores
adiante. Note-se, contudo, que as diferenças
assalariados, sejam manuais ou não manuais,
objetivas na composição social da população
3
exatamente 66%.
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metropolitana e no resto do país só em parte é
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Efeito metropolitano e cultura política
Tabela 2 – Nível de instrução
Percentagens (%)
Nenhum
Até ao 1º Ciclo
Até ao 3º Ciclo
Secundário
Superior
Total
N
Metrópole
de Lisboa
16.7
24.7
14.0
25.4
19.2
100
845
Portugal não
metropolitano
20.5
38.4
14.5
16.8
9.8
100
756
Portugal
(média ponderada)
18.6
21.2
15.1
20.4
14.7
100
1.601
x2= 65.21; p <.000
Média (0 – nenhum a 4 – superior)
2.05*
1.57*
1.82
*Teste: t (1599) = 7.34; p <.000
reconhecida, subjetivamente, pelos inquiridos.
isto, se necessário fosse, a capacidade da cida-
A previsível concentração subjetiva em torno
de – para mais, capital do país e antiga sede
das classes médias é, afinal, o reflexo do cha-
do império colonial – para captar e reproduzir
mado efeito de classe média induzido pela mo-
recursos humanos qualificados em função da
bilidade social e pela desindustrialização, mas
sua estrutura econômica e político-adminis-
também pelos padrões do consumo de massas
trativa. Esses traços combinados da população
e da exposição aos meios de comunicação
metropolitana sustentam, sociologicamente,
igualmente massificados (Estanque, 2003;
uma maior exposição à vida política, bem como
Cabral, a publicar).
uma maior propensão para o envolvimento na
Previsivelmente, esta composição de
esfera pública. O mesmo acontece com as di-
classe aponta no sentido de a população me-
ferenças de rendimento, que se correlacionam
tropolitana possuir, em média, níveis de ins-
com padrões atitudinais e comportamentais
trução francamente superiores aos do resto
similares, como veremos mais tarde.
do país: quase 20% de diplomados do ensino
superior contra menos de 10% fora da metrópole e 44,6% nas duas categorias superiores
Composição cívica e cultural
contra 26,5% no resto do país. Reproduzindo
as diferenças já observadas entre centro e pe-
Porém, as diferenças na composição das duas
riferia, esta última apresenta previsivelmente
populações não são apenas de ordem socio-
menos pessoas com nível superior de instrução
demográfica e econômica; são também de
(17.6%) do que o concelho de Lisboa (43,6%)5.
natureza cultural em sentido forte: valores que
Numa escala de 0 a 4 níveis, a média situa-se
implicam por seu turno atitudes e comporta-
em 2.05 na região metropolitana e 1.57 no res-
mentos. É a este nível que vão operar as teorias
to do país, apesar da universalização e da des-
sobre a especificidade da vida urbana, tais co-
centralização do aparelho escolar. Demonstra
mo as expostas por Simmel (1903; 1909), Park
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Manuel Villaverde Cabral
Tabela 3 – Estado civil
Percentagens (%)
Casado(a)
Viúvo(a)
Divorciado(a)
Separado(a)
Solteiro(a)
Total
N
Metrópole
de Lisboa
48.7
11.2
6.0
1.8
32.4
100
840
Portugal não
metropolitano
60.9
13.3
4.6
0.8
20.3
100
757
Portugal
(média ponderada)
56.9
12.2
4.9
1.0
25.0
100
1.598
x2= 38.34; p <.000
(1925; 1926; 1929) e Wirth (1938), ao chama6
isolados é superior a 40% na metrópole de
rem a atenção para a estimulação nervosa e a
Lisboa contra menos de 28% no resto do país,
diversidade de experiências que concorrem na
onde os casados e viúvos se elevam a perto de
grande cidade, em contraste com as tendências
três quartos da população contra menos de
simultâneas para o bowling alone, igualmente
60% na metrópole. Para os homens a diferença
próprio da metrópole e ao qual Putnam alude
é ainda maior!
no título do seu livro. Uma vez mais, estamos
Ora, do ponto de vista da participação
diante da vida metropolitana enquanto com-
cívica e da mobilização política, sabemos des-
binatória de efeitos positivos e negativos para
de Durkheim que a anomia tende a prevalecer
o desenvolvimento de atividades individuais e
entre as pessoas isoladas, imigrantes por exem-
coletivas habitualmente associadas à participa-
plo, que se revelam, tudo ponderado, menos
ção ativa na esfera pública.
proeminentes na esfera cívica do que os indiví-
Com efeito, independente da estrutura
duos com laços familiares e locais mais fortes.
etária, a propensão da população metropolita-
Tipicamente, em Portugal os casados votam
na para a conjugalidade convencional é signi-
mais do que os solteiros e divorciados (Cabral,
ficativamente menor do que no resto do país.
1998a). De novo se verifica, pois, como acon-
Demonstra-se assim, por contraste, que um
tecia com as situações de multiculturalismo
dos traços característicos da vida nas grandes
étnico e religioso, a operação de fatores me-
metrópoles modernas reside no peso que nelas
tropolitanos que jogam contra o exercício das
têm as pessoas isoladas, sobretudo entre os jo-
modalidades convencionais da cidadania políti-
vens, ou seja, exclusive dos viúvos e viúvas que
ca, como é o caso do celibato e do isolamento,
predominam nos meios pequenos. Agregando
por seu turno correspondentes à metáfora do
solteiros, divorciados e separados, verifica-se
bowling alone, como à do próprio estrangeiro
(Simmel, 1909).
que o peso desta categoria sociológica dos
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Efeito metropolitano e cultura política
Tabela 4 – Prática religiosa
Percentagens (%)
Prática religiosa nula
Prática religiosa rara
Prática religiosa irregular
Prática religiosa regular
Total
N
Portugal não
metropolitano
14.9
34.6
18.0
32.5
100
757
Lisboa
33.5
41.6
10.4
14.5
100
846
Portugal
(média ponderada)
19.9
37.0
15.6
27.5
100
1.602
x2= 132.93; p <.000
Média (1 – nula a 4 – regular)
2.06*
2.68*
2.51
* Teste: t (1601) = -11.81; p <.000
Outro fator de ordem cultural, ligado de
resto à mobilidade espacial e à menor pro-
média de 2.08 nesta última e no centro menor
ainda (1.84).7
pensão para constituir agregados familiares
Não surpreende pois que, dada a ligação
tradicionais, distingue de forma muito signifi-
histórica inversa entre religiosidade católica e
cativa a população metropolitana e a do resto
progressismo político, os cidadãos da metrópole
do país. É a prática religiosa. De acordo com
se situem francamente à esquerda dos do resto
a teoria convencional da secularização, a me-
do país, incluindo mais uma vez os do Sul, na
trópole de Lisboa, além de estar culturalmente
habitual escala Esquerda/Direita (4.70 contra
integrada na região meridional do país, histori-
5.17), sendo de notar a elevada percentagem
camente caracterizada pela fraca implantação
de entrevistados, sobretudo fora de Lisboa mas
das estruturas da igreja católica, é conhecida
também na metrópole, que recusaram situar-
há mais de um século pelos observadores con-
se nesta escala. Em compensação, a percen-
temporâneos como acentuadamente seculari-
tagem de entrevistados que não se identifica
zada, tendo mesmo sido palco de continuadas
com qualquer formação do espectro partidário
manifestações anticlericais (Cabral, 1979). Nu-
nacional é francamente superior entre os resi-
ma sociedade como a portuguesa, marcada por
dentes na região metropolitana (perto de 44%)
práticas religiosas comparativamente elevadas
do que no resto do país (cerca de 32%), o que
e pela forte influência do catolicismo (Cabral,
constitui desde logo um indício de autonomia,
1998a), a metrópole lisboeta destaca-se, por-
senão mesmo de rebeldia, em relação à oferta
tanto, pelo fato de a prática religiosa regular
partidária, de acordo com o modelo do cidadão
ser inferior a metade e a prática nula mais do
crítico (Norris, 1999). Note-se, contudo, que is-
dobro do resto do país, incluindo o Sul. A dife-
so se deve sobretudo à população da periferia,
rença entre o centro e a periferia da metrópole
que a este respeito se mostra muito mais rebel-
é pequena mas significativa, sendo a prática
de do que a do centro da metrópole.8
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Assim, embora a orientação ideológica
à esquerda esteja historicamente associada
verbal, para interiorizar as normas demoliberais, como veremos a seguir.
ao exercício ativo da cidadania, não deixa de
ser exato que a anomia urbana, bem como a
secularização e talvez a quebra da identificação partidária, contribuem negativamente, em
concurso com outros fatores identificados por
Os deveres e os direitos
do “bom cidadão”
Putnam (2000), como por exemplo o urban
sprawl, para a integração social e a formação
de redes de confiança e participação habitualmente associadas à geração de capital social e
à mobilização cívica e política. Podemos deste modo aperceber-nos já de que, na grande
metrópole moderna, devido às suas próprias
características de modernidade, cujas dimensões psicossociológicas foram admiravelmente
identificadas por Simmel e por Walter Benjamin
(1986 [1935]), há fatores contrários operando
em simultâneo, por assim dizer, a favor e contra o envolvimento cidadão na esfera pública e
na vida política.
É isso que sucede a nível da participação eleitoral, que tende atualmente a ser menor na metrópole do que fora dela.9 O mesmo
acontece com os valores convencionalmente
associados aos chamados deveres do “bom
cidadão”. Temos aqui várias linhas de interpretação, possivelmente operando mais uma vez
em simultâneo: por um lado, maior tendência
dos residentes na metrópole, por causa do
seu capital social e cultural comparativamente
maior, para se entregar ao “cinismo político”
ou, então, para resistir à “espiral do silêncio”
(Noelle-Neuman, 1995), ou seja, para ter
menor relutância em admitir publicamente o
desrespeito pelo dever cívico de votar; por outro lado, no resto do país, é possível que a população revele maior disposição, pelo menos
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Dependendo daquilo que se entenda por “bom
cidadão”, acabamos de ver que os cidadãos lisboetas, apesar de possuírem em maior grau do
que os do resto do país muitos dos atributos
sociodemográficos associados ao exercício da
cidadania, mas também alguns desfavoráveis a
isso, assumem mais facilmente do que a população não metropolitana a dissensão relativamente às normas demoliberais.
Em todo o caso, se é difícil dirimir a questão da maior ou menor orientação cívica dos
residentes na metrópole, sendo exato que não
é só ao nível dos valores mas também das práticas que eles votam menos do que no resto do
país, já não é verdade que participem menos
em associações nem há motivo para pensar
que são menos vigilantes em relação à atividade governamental, ao contrário do que dão a
entender quando aderem verbalmente menos
do que os outros inquiridos àquelas normas cívicas. Embora a maioria das diferenças observadas não seja estatisticamente significativa,
os cidadãos metropolitanos tendem sistematicamente a aderir de forma mais reservada
aos valores demoliberais do que os do resto do
país no que diz respeito às atitudes esperadas
do “bom cidadão”, mesmo quando sabemos
que os seus comportamentos efetivos não são
menos cívicos, antes pelo contrário, do que o
dos outros portugueses.
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Efeito metropolitano e cultura política
Tabela 5 – Deveres do bom cidadão
Escala: 1-não importante 7-muito importante
(médias)
Metrópole
de Lisboa
Portugal não
metropolitano
Teste -t
Portugal
(média ponderada)
Votar sempre nas eleições
N
5.89
843
6.00
746
n.s.
5.97
1584
Nunca tentar fugir aos impostos
N
6.23
840
6.27
746
n.s.
6.26
1580
Obedecer sempre as leis e regulamentos
N
6.30
843
6.33
744
n.s.
6.32
1580
Manter-se atento à atividade do governo
N
5.75
836
5.90
708
t(1542)= -2.39;
p<.01
5.89
1519
Participar nas organizações sociais ou políticas
N
4.67
836
4.91
709
t(1543)= -2.75;
p<.01
4.88
1523
Tentar compreender diferentes opiniões
N
5.92
842
6.00
743
n.s.
5.99
1578
Usar produtos bons para a natureza, mesmo que caros
N
5.50
835
5.64
724
n.s.
5.62
1545
Ajudar pessoas em Portugal, que vivem pior
N
6.04
839
6.15
749
n.s.
6.13
1585
Ajudar pessoas do resto do mundo que vivem pior
N
5.70
836
5.83
732
n.s.
5.81
1557
Disposto a prestar serviço militar
N
4.82
802
4.90
680
n.s.
4.87
1461
A importância atribuída a cada um dos
interiorizados pelo conjunto das população, so-
deveres enunciados é, de resto, muito seme-
bretudo fora da metrópole; nesta última, o de-
lhante e bastante alta, sendo de notar que,
ver menos interiorizado é a participação cívica,
tanto para os habitantes da metrópole como
o que poderá refletir o distanciamento ante a
para os outros, a participação cívica e a vigi-
oferta partidária ao qual nos referimos há pou-
lância política são dos deveres menos valori-
co, embora não tenha, comparativamente ao
zados por ambas as populações, indiciando as
resto do país, tradução nos comportamentos.
baixas percentagens que viremos a encontrar
Do mesmo modo que ante os deveres,
nestes domínios. Os deveres mais interioriza-
os cidadãos metropolitanos também interio-
dos são, tanto para uns como para outros, a
rizaram menos os seus direitos, verbalmente
obediência à lei e o pagamento dos impostos,
pelo menos, do que os do resto do país. É difícil
mas não atingem os valores extremamente ele-
dizer se é a população metropolitana que exi-
vados que se observam em países de cultura
be, comparativamente, maior grau de cinismo
cívica arreigada.10 Reminiscência das guerras
político ou, com igual probabilidade, se são os
coloniais nas décadas de ‘60 e ‘70 ou de atitu-
outros entrevistados que revelam menor so-
des mais arreigadas no passado rural, a pres-
fisticação e maior pressa, por assim dizer, em
tação do serviço militar é dos deveres menos
aderir às normas demoliberais veiculadas pelas
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Manuel Villaverde Cabral
Tabela 6 – Direitos dos cidadãos
Escala: 1-nada importante a 7-muito importante
(médias)
Metrópole
de Lisboa
Portugal não
metropolitano
Teste -t
Portugal
(média ponderada)
Nível de vida digno
N
6.64
846
6.71
755
n.s.
6.69
1600
Autoridades respeitarem os direitos de minorias
N
6.41
843
6.54
476
t(1588)=-2.77;
p<.01
6.51
1586
Autoridades tratarem todas as pessoas por igual
N
6.54
845
6.62
751
n.s.
6.61
1593
Políticos escutarem os cidadãos
N
6.40
846
6.62
747
t(1591)= -5.17;
p<.000
6.56
1589
Ter mais oportunidade de participar nas decisões de
interesse público
N
6.24
6.43
842
734
Participar em ações de desobediência civil quando se
está contra as ações governamentais
N
5.03
5.66
816
663
t(1574)= -3.75;
p<.000
t(1478)= -7.31;
p<.000
6.39
1566
5.49
1443
elites e pela comunicação social, de acordo
na prática, surgindo assim o “cinismo político”
com os mecanismos da “espiral do silêncio”.
aparente dos residentes na metrópole como
Seja como for, esta última pesa sobre ambas as
uma manifestação do “cidadão crítico”, afinal
populações, as quais apresentam, como ante-
mais associado e mobilizado do que no resto
riormente, um ordenamento muito semelhan-
do país.
te dos valores e lhes atribui sempre elevada
importância.
Dito isto, ambas as populações consideram que o primeiro direito dos cidadãos é “um
Contudo, as diferenças entre elas são
nível de vida digno”, o que não só confirma a
graficamente exemplificadas pelo fato de, ape-
mitigada adesão da população portuguesa aos
sar de os residentes na metrópole valorizarem
valores pós-materialistas, como constitui um
menos do que os outros o direito a “ter mais
efetivo desvio à norma demoliberal, segundo a
oportunidades de participar em decisões de
qual a liberdade, designadamente a liberdade
interesse público”, são eles quem mais recor-
de organização e de protesto, é supostamente
re, na prática, a esse direito, como veremos
o mais alto valor democrático. O segundo direi-
adiante. Portanto, tanto no plano dos “deve-
to mais valorizado por ambas é “o tratamento
res” como no dos “direitos”, a adesão verbal
igual por parte das autoridades”, o que indicia
às normas demoliberais prevalece sistematica-
indiretamente a reivindicação de mais equida-
mente entre aquela população, não metropoli-
de processual (Vala e Marinho, 2003), uma vez
tana, que menos revela identificar-se com eles
mais com prioridade sobre a liberdade.
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Efeito metropolitano e cultura política
Atributos políticos das
populações metropolitanas
e não metropolitanas
da metrópole, onde a média, numa escala de
1 (confiança mínima) a 5 (confiança máxima),
é de 2.12 contra 2.47 no centro.11 A avaliação
da democracia, feita de forma genérica, sem
referência ao desempenho concreto do regime
Por atributos políticos, entendemos proprieda-
português, situa-se ligeiramente acima da mé-
des tais como a compreensão e a eficácia polí-
dia, mas também não diferencia a população
ticas, que por seu turno configuram o próprio
metropolitana e não metropolitana; em com-
interesse pela vida pública e a atenção à vida
pensação, diferencia a população do centro
política, as quais medeiam, por assim dizer, en-
da metrópole e a periferia, onde a avaliação é
tre os caracteres sociodemográficos, econômi-
francamente mais negativa: 5.63 contra 6.30
cos e culturais, e as atitudes e comportamentos
numa escala de 1-10.12 Em suma, a relativa in-
políticos propriamente ditos. De uma forma
diferenciação entre as populações, bem como
geral, as médias são superiores na metrópole
os níveis baixos de compreensão, eficácia e
mas, ao contrário do que se poderia esperar,
confiança políticas podem ser interpretados co-
o sentimento de eficácia política é baixo tanto
mo sintomas da crise da representação política
na metrópole como no resto do país e as dife-
(Porras Nadales, 1996), à qual tenho aludido
renças observadas, embora no sentido previsí-
no caso de Portugal (Cabral, 2004b).
vel, não são estatisticamente significativas. Em
compensação, a população metropolitana considera-se melhor informada sobre os principais
acontecimentos políticos do país do que os restantes cidadãos, devido entre outras razões à
Socialização política
e confiança social
sua proximidade física e social aos diversos organismos do Estado (maioritariamente localiza-
Obviamente, isso dever-se-á também à socia-
dos em Lisboa), mas a verdade é que, em agre-
lização e à experiência políticas dos portugue-
gado, a compreensão política dos dois univer-
ses. Estas questões não foram inquiridas no
sos não apresenta diferenças estatisticamente
módulo do ISSP, mas foram testadas no módu-
significativas. Ambos partilham um acentuado
lo especial aplicado em Portugal e no Brasil.13
sentimento de impotência e alheamento em re-
Embora as diferenças entre os residentes na
lação ao processo político-partidário.
metrópole de Lisboa e fora dela sejam relevan-
Algo de semelhante se passa com a confiança política, isto é, a confiança declarada
tes, elas acabam por não ter mais impacto do
que as variáveis anteriores nas análises finais.
nos agentes partidários e governamentais. Ain-
Dois indicadores diretos sobre a socia-
da que ambas as populações apresentem graus
lização para a vida política recebida na ado-
elevados de desconfiança no pessoal político,
lescência e juventude, junto da família e na
registam-se entre os habitantes da metrópo-
escola, apontam para níveis de motivação mui-
le graus de cinismo político superiores aos do
to baixos, mas que mesmo assim diferenciam
resto da população, especialmente na periferia
claramente os universos metropolitano e não
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Manuel Villaverde Cabral
Tabela 7 – Socialização primária
Escala:
0 - baixa a 3 – elevado
Média
N
Metrópole de Lisboa
0.91*
817
Portugal não
metropolitano
0.67*
704
Portugal
0.78
1506
* Teste: t(1519)=5.40; p <.000
metropolitano no sentido esperado, isto é, uma
país. No conjunto, as diferenças não são sig-
socialização para a vida política claramente
nificativas, mas é importante reter que é no
superior entre a população metropolitana à do
local de trabalho e com os familiares e amigos,
resto do país; o mesmo acontece entre o «cen-
sobretudo estes últimos, que os habitantes da
tro» e a «periferia» da metrópole de Lisboa,
região metropolitana de Lisboa reconstroem,
sendo a socialização política primária nesta
por assim dizer, a sua socialização política,
última muito inferior à do centro (0.81 contra
consideravelmente mais do que isso ocorre no
1.46),14 mas mesmo assim superior à do resto
resto do país, onde se fala menos de assuntos
do país.
políticos, mas em compensação se usam mais
Quanto à socialização secundária, há
as dimensões comunitárias – vizinhança e as-
manifestamente duas variáveis que funcionam
sociações locais – do que na metrópole, como
de forma inversa na metrópole e no resto do
aliás acontece também no Brasil. Confirma-se,
Tabela 8 – Socialização secundária
Falar de política…
(médias)
... no local de trabalho
N
… encontros com amigos
N
... em casa/familiares
N
... reuniões associativas
N
... conversas de bairro
N
Média Escala: 1 baixa – 4 elevada
N
Lisboa
2.09
790
2.27
842
2.28
845
1.53
750
1.71
836
Lisboa
1.96*
716
Portugal
Portugal não
Teste -t
(média ponderada)
metropolitano
1.94
t(1509) = 2.91;
2.01
721
p < .01
1518
2.10
t(1595) = 3.63;
2.17
755
p < .000
1597
2.17
t(1598) = 2.46;
2.23
755
p < .05
1599
1.55
1.56
n.s.
696
1457
1.80
1.78
n.s.
744
1574
Resto do país
1.89*
678
Portugal
1.93
1412
Alpha de Cronbach =.86
*Teste-t = n.s.
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Efeito metropolitano e cultura política
contudo, que o fato de se viver em contexto
ainda na periferia do que no centro da metró-
metropolitano influencia a ressocialização
pole, o que poderá ficar a dever-se à subur-
política. Neste caso, a discussão política é
banização maciça e relativamente recente da
não só uma prática mais frequente entre os
periferia da Lisboa, onde a confiança média é
cidadãos da metrópole, como também ocorre
de 2.24 contra 2.43 no centro da metrópole15 e
em círculos de sociabilidade mais alargados do
2.58 no resto do país.
que a família ou a vizinhança, podendo pois
Confirma-se, pois, que também em
já falar-se de processos de geração de capital
Portugal a confiança tende a diminuir com a
social. Não é impossível, antes pelo contrário,
dimensão dos aglomerados populacionais e com
que a ressocialização, por exemplo em con-
a metropolização. Contudo, só um indicador –
texto laboral, influencie retrospectivamente a
as pessoas tentarão aproveitar-se de mim – se
reconstrução da própria socialização primária
revelou estatisticamente discriminante, já que
(Inkeles e Smith, 1974).
a consistência do índice é muito baixa. Esta
Finalmente, no que diz respeito à con-
quebra da confiança interpessoal seria, segundo
fiança social, já sabemos através de múltiplas
Putnam, um fator relevante na explicação
pesquisas que ela não é um atributo da socie-
do declínio do envolvimento cívico e político
dade portuguesa (Halman, 2001). Acresce que,
nas atuais grandes áreas metropolitanas
de acordo com as teorias prevalecentes a este
em virtude da sua fragmentação recente.
respeito, a confiança social tende a diminuir
Na realidade, em Portugal, a confiança não
nas grandes metrópoles, correlativamente à
figurará entre os preditores de qualquer das
anomia e ao isolamento, em relação às comu-
nossas duas variáveis dependentes, a saber, as
nidades mais pequenas. Com efeito, é isso que
atitudes e práticas ante o associativismo e a
acontece na metrópole de Lisboa e é menor
automobilização.
Tabela 9 – Confiança interpessoal
Pessoas tentam aproveitar-se de mim ou
serão honestas
N
Pessoas são de confiança ou todo o
cuidado é pouco
N
Metrópole de
Lisboa
2.36*
794
2.18**
796
Portugal não
metropolitano
2.52*
Portugal
2.48
729
1536
2.20**
2.19
742
1558
* Teste: t(1521) = -3.97; p <. 000
** Teste-t: n.s.
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Manuel Villaverde Cabral
previsível, o interesse pela política está mais
O interesse pela política
e as suas manifestações
difundido na metrópole do que no resto do
país, embora a diferença não seja significativa,
o que se poderá explicar, porventura, pelo fato
O interesse pela política, independente dos fa-
de ele estar bastante mais difundido, dentro do
tores sociodemográficos que eventualmente o
espaço metropolitano, no centro do que na pe-
expliquem, tem revelado em múltiplas pesqui-
riferia: 2.63 contra 2.16 numa escala de 1 (ne-
sas funcionar virtualmente como uma variável
nhum interesse) a 4 (muito interesse).16
independente; noutros casos, como sucede
A mobilização cognitiva é a designação
com os resultados desta pesquisa, ele não vai
técnica dada no Eurobarômetro, realizado re-
figurar como preditor na maioria das análises
gularmente pela Comissão Europeia em todos
de regressão, mas manifesta-se através de
os países membros da União, a um conjunto de
alguns dos seus correlatos potenciadores, co-
dois indicadores que medem a frequência com
mo a mobilização cognitiva e a exposição aos
que os inquiridos falam de política e a sua pro-
media informativos. Em todo o caso, como era
pensão para tentar influenciar outras pessoas
Tabela 10 – Mobilização cognitiva
1.27*
Portugal não
metropolitano
1.12*
842
742
Metrópole
Média
N
Portugal
1.18
1578
Escala: 0 – nula a 3 – máxima
* Teste: t(1582)= 4.09; p <.000
Tabela 11 – Exposição aos media informativos
Médias
Lê assuntos políticos nos jornais
N
Vê noticiários da televisão
N
Ouve noticiários da rádio
N
Utiliza a Internet para saber
notícias e informação política
N
Metrópole
1.61
845
3.59
846
2.01
844
0.69
Não metrópole
1.33
745
3.62
750
1.87
748
0.30
841
742
Teste -t
t(1588)= 4.07;
p<.000
n.s.
n.s.
t(1581)= 7.13;
p<.000
Portugal
1.44
1581
3.61
1590
1.93
1587
0.45
1575
Escala: 0 – nula a 4 – total
Média
N
Lisboa
1.98*
841
Resto do país
1.78*
740
Portugal
1.86
1571
Alpha de Cronbach =.55
* Teste: t(1578)= 4.96; p <.000
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Efeito metropolitano e cultura política
quando estão convictos das suas opiniões
política, por sua vez potenciadoras da ação
(r=.52). Por outras palavras, trata-se de um
individual e coletiva, a mobilização cognitiva
índice psicossociológico de liderança, nomea-
e a exposição aos meios de comunicação no-
damente em matéria política. Previsivelmente,
ticiosos irão surgir com bastante relevo como
a presença de indivíduos com um papel de lide-
preditores da cidadania ativa.
rança nas discussões políticas é muito maior na
Para terminar a análise da cadeia de in-
metrópole do que no resto do país e também
centivos e obstáculos que surgem no caminho
no centro desta última em relação à periferia.17
da ação cívica e política, sendo certo, como
A mobilização cognitiva parece refletir a maior
nos tem lembrado uma série de autores desde
complexidade da vida metropolitana e terá, co-
Mancur Olson (1998) a Wanderley Guilherme
mo tal, um peso elevado na predição das variá-
dos Santos (1998), que a relação custo-bene-
veis dependentes.
fício da iniciativa política é de difícil cálculo e,
No que diz respeito à exposição aos
frequentemente, os riscos são percepcionados
media, o problema, como sabemos pela literatura mais sofisticada (Sapiro, 2002), não reside
tanto no acesso a uma informação superabundante, mas sim na motivação para procurar a
informação mais relevante entre o ruído constante produzido pela multiplicidade de meios
de comunicação. Os habitantes da região
metropolitana informam-se mais; já tínhamos
visto que se consideravam de fato melhor informados e assim parece ser. Sobretudo no que
diz respeito aos jornais, que têm sido o meio
mais discriminante até surgir a Internet; em
contrapartida, a periferia diferencia-se do centro por consumir um pouco mais informação
através da televisão e muito menos através dos
jornais, da rádio e da internet.18 Enquanto manifestações fenomenológicas do interesse pela
como demasiado elevados para serem corridos, a verdade é que os atores só conhecerão o
resultado das suas eventuais iniciativas depois
de as tomarem. Ora, de acordo com o índice
criado para o módulo luso-brasileiro utilizado
neste estudo, há uma relação virtuosa (r=.47)
entre a tomada de iniciativas e a resposta das
autoridades ( responsiveness): a expectativa de
obter uma boa resposta incita a tomar iniciativas e o fato de estas se repetirem acaba por
originar, et ceteris paribus, melhores expectativas quanto aos resultados. O índice construído
é bastante grosseiro ainda, não permitindo
ultrapassar a “questão do ovo e da galinha”,
como acontece tipicamente na relação entre
confiança e capital social (Newton, 2001), mas
ele surgirá com algum poder preditivo dentro
Tabela 12 – Iniciativa e resposta política
Média
N
Lisboa
1.97*
781
Resto do país
1.88*
651
Portugal
1.92
1407
Escala: 1 – mínima a 4 – máxima
r=.47
*Teste: t(1430)= 2.19; p <.05
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Manuel Villaverde Cabral
em pouco. Como seria expectável nesta fase do
ções enquanto proxy do capital social conven-
argumento, a propensão para tomar iniciativas
cional (Putnam, 1973; Field, 2003), e por ou-
de natureza cívica e política é substancialmen-
tro, a automobilização, isto é, uma modalidade
te maior na metrópole do que fora dela, mas
distinta de envolvimento cívico e político indi-
entre o centro da metrópole e a periferia não
vidual ou grupal em manifestações, petições,
há diferenças significativas, sento até margi-
debates na internet, etc. Com estas duas no-
nalmente superior nesta última, em parte da
ções pretende-se marcar a diferença entre, por
qual continua a operar politicamente a tradição
um lado, formas relativamente passivas de en-
operária da Margem Sul.
volvimento como membro de uma associação,
especialmente grandes instituições históricas
como os partidos políticos e os sindicatos, que
se ocupam de aspectos gerais da vida social e
Associativismo e
automobilização
económica; e por outro lado, formas pró-ativas
de mobilização, de tipo pontual e geralmente
orientadas para questões específicas ( issue-
Debruçando-nos finalmente sobre os comportamentos cívicos e políticos que pretendemos
explicar, as duas variáveis dependentes do presente modelo de análise são, por um lado, o
associativismo, ou seja, a pertença a associa-
oriented ).
Como podemos ver, apesar de todos os
fatores associados à vida metropolitana que
operam genericamente contra o envolvimento
no espaço público e a ação cívica e política, os
Tabela 13 – Associativismo
Médias
Metrópole
Partido político
N
Sindicato, grémio ou associação profissional
N
Igreja ou organismo religioso
N
Grupo desportivo, recreativo ou cultural
N
Outra associação voluntária
N
0.17
842
0.47
844
0.82
843
0.59
844
0.35
838
Portugal não
Teste -t
metropolitano
0.16
n.s.
754
0.36
t(1599)= 2.71;
757
p <.01
0.84
n.s.
754
0.42
t(1597)= 3.80;
756
p <.001
0.27
t(1591) = 2.07;
755
p <.01
Metrópole
0.48*
835
Portugal não metropolitano
0.41*
749
Portugal
0.17
1597
0.40
1601
0.84
1597
0.48
1599
0.31
1596
Escala: 0 - nunca pertenceu a 3 – participa activamente
Alpha de Cronbach=.55
Média
N
Portugal
0.43
1586
* Teste: t(1578)= 4.96; p <.000
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Efeito metropolitano e cultura política
fatores positivos da condição metropolitana re-
capital social – o bonding, de cariz identitário,
velam ser mais fortes do que os primeiros. As-
e o bridging, que remete para redes de nature-
sim, na metrópole de Lisboa as pessoas tendem
za funcional e impessoal – a população da me-
a associar-se mais do que no resto de Portugal,
trópole apresenta valores mais elevados, tan-
em especial no que diz respeito aos sindicatos
to no que respeita à pertença a sindicatos ou
e às associações profissionais, mas também
associações profissionais (bridging), o que vai
em todo o gênero de agrupamentos sociais,
ao encontro do que se espera, como no caso
culturais e desportivos; em compensação, não
da pertença a grupos desportivos ou culturais
há diferenças significativas entre metrópole e
(tendencialmente do tipo identitário: bonding),
não metrópole no que respeita aos partidos
o que já era menos de esperar. Por outras pa-
políticos e às associações religiosas. Entre o
lavras, o tipo de associativismo não parece aju-
centro e a periferia da metrópole só a diferença
dar a distinguir as populações em análise; em
na participação em associações profissionais é
contrapartida, confirma-se que quem participa
significativa, sendo previsivelmente mais forte
mais, o faz independentemente do tipo de as-
19
sociação em causa. Adiante veremos os atribu-
no centro.
Contrariando até certo ponto as teses de
tos e atitudes que contribuem para explicar o
Putnam quanto à distinção entre dois tipos de
conjunto dos comportamentos associativos.
Tabela 14 – Automobilização
Metrópole
Portugal não
metropolitano
Teste -t
Portugal
Assinar uma petição
N
1.40
835
1.04
735
t(1568)= 9.13;
p<.000
1.15
1562
Comprar ou não produtos por razões políticas,
éticas e ambientais
N
1.17
0.92
823
724
Participar numa manifestação
N
1.17
837
0.86
739
t(1574)= 7.78;
p<.000
0.96
1570
Participar num comício
N
0.97
838
0.80
738
t(1574)= 4.40;
p<.000
0.86
1569
Contactar político ou alto funcionário do estado
N
0.91
834
0.71
734
t(1565)= 6.36;
p<.000
0.77
1559
Dar dinheiro ou recolher fundos para causas públicas
N
1.66
842
1.61
750
n.s.
1.63
1590
Contactar/aparecer nos media
N
0.84
837
0.63
731
t(1566)= 6.75;
p<.000
0.69
1556
Participar num fórum através da internet
N
0.79
823
0.54
699
t(1519)= 6.67;
p<.000
0.63
1500
Médias
t(1545)= 6.08;
p<.000
1.01
1541
Escala: 0 - nunca o faria a 3 – fez no último ano; Alpha de Cronbach=.84
Média
N
Metrópole
Portugal não metropolitano
Portugal
1.11*
783
0.89*
651
0.97
1405
*Teste: t (1432) = 8.17; p <.001
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Manuel Villaverde Cabral
Mais do que o capital social acumulado
sejam eles traços estruturais da condição me-
através da adesão a organizações pré-consti-
tropolitana como o isolamento e a falta de
tuídas, tais como um partido ou um sindicato,
confiança, ou fenômenos como o declínio da
possivelmente instrumentais para a carreira
prática religiosa e, mais recentemente, a su-
dos indivíduos, é sobretudo a automobiliza-
burbanização. No balanço entre os fatores que
ção, de caráter tendencialmente expressivo e
operam a favor e contra o envolvimento cívi-
frequentemente desinteressado (apoio a cau-
co, a população da metrópole de Lisboa exibe
sas, por exemplo), que mais socializa e resso-
uma predisposição bastante maior para se en-
cializa os cidadãos, parecendo ser ela também
volver nesse tipo de atividades do que os habi-
que deixa maior lastro de memória política. Em
tantes das áreas não metropolitanas. Quanto
suma, é através destas formas individualizadas
às diferenças entre o centro e a periferia da
e grupais de automobilização cívica, política e
metrópole, são significativas mas menores,20
social que os direitos de cidadania são crescen-
concentrando-se na participação em manifes-
temente exercidos, em especial na região me-
tações e nos contatos com a comunicação so-
tropolitana. A utilização da expressão formas
cial, que são ambos mais frequentes do centro,
não é trivial. Com efeito, o elemento distinta-
como era de esperar.
mente novo nas práticas políticas dos habitan-
Existe previsivelmente uma correlação
tes da metrópole de Lisboa relativamente aos
significativa entre a pertença a associações e
do resto do país, não é tanto o tipo de temas
o conjunto das modalidades de automobiliza-
que compõem a sua agenda como sobretudo
ção, tanto na metrópole como fora dela.21 Co-
as formas de mobilização utilizadas.
mo veremos adiante, essa relação é virtuosa,
Sendo estas formas de mobilização ati-
no sentido em que tanto o associativismo pode
va, mais dependentes da iniciativa pessoal e
predizer a mobilização como o inverso, mas é
grupal do que da convocatória das associa-
a mobilização que se revelará o preditor mais
ções formais, aquelas que se revelarão mais
forte dos dois, embora apresente correlações
estreitamente associadas ao exercício da ci-
negativas com algumas formas de associação,
dadania, era lícito formular a hipótese de que
nomeadamente as partidárias e as religiosas.
as diferenças entre os cidadãos metropolita-
Assim, as duas modalidades de exercí-
nos e não metropolitanos fossem ainda mais
cio da cidadania apresentam uma certa so-
substanciais do que as diferenças relativas ao
breposição entre elas, mas não deixam de se
associativismo, como efetivamente são, com a
revelar formas distintas de exercer os direitos
única exceção de “dar ou pedir dinheiro para
de cidadania. Na realidade, tratam-se de três
causas públicas”, que é de fato mais frequente
modalidades e não apenas de duas como o
na metrópole de Lisboa mas a diferença não é
modelo teórico postulava, já que a automo-
estatisticamente significativa. Todos os outros
bilização acaba por se dividir entre, por assim
indicadores, cobrindo um vasto leque de for-
dizer, uma mobilização politizada (Fator 1 com
mas de automobilização, mostram que as pes-
o maior peso na variância explicada) e uma
soas da grande cidade ultrapassam os fatores
mobilização despolitizada, oposta simultanea-
que possam inibir a atividade cívica e política,
mente às associações religiosas e sobretudo
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Efeito metropolitano e cultura política
Tabela 15 – AFCP dos indicadores
de mobilização e associativismo – Portugal
Factor 1
Factor 2
Factor 3
Participar em comício ou reunião política (mob)
0.766
0.206
0.036
Participar num fórum ou grupo de discussão através da Internet (mob)
0.732
0.017
0.119
Contactar/tentar contactar político ou alto funcionário (mob)
0.730
0.105
0.226
Participar numa manifestação (mob)
0.710
0.150
0.237
Contactar/aparecer na Comunicação Social para exprimir opiniões (mob)
0.694
0.073
0.174
Partido político (ass)
0.498
0.437
-0.449
Outra associação voluntária (ass)
0.061
0.686
0.317
Grupo desportivo, cultural, recreativo (ass)
0.217
0.657
0.161
Igreja ou outra organização religiosa (ass)
-0.089
0.599
-0.117
Sindicato, grêmio ou associação profissional (ass)
0.220
0.530
0.104
Dar dinheiro ou participar em peditórios para uma causa pública (mob)
0.186
0.230
0.646
Comprar/não comprar produtos por razões políticas, éticas ou ambientais (mob)
0.508
0.230
0.646
Assinar petição ou abaixo-assinado (mob)
0.529
0.163
0.554
Variância explicada (Total = 54%)
35%
11.1%
8.1%
às partidárias (Fator 3 com o menor peso),
por demandas competitivas” (Baron, Field e
enquanto a pertença a um partido político se
Schuller, 2000, p. 14). A automobilização – ca-
distribui, quase com o mesmo peso e sinal po-
suística, pontual e muitas vezes espontânea –
sitivo, entre a mobilização mais politizada e o
parece ser cada vez mais a regra do exercício
associativismo (Fator 2 com peso intermédio
da cidadania política. Como veremos adiante,
na variância explicada).
é este último tipo de capital social que melhor
A pertença a associações formais tende,
pois, a inserir-se num processo de acumula-
explica hoje, na metrópole de Lisboa, o exercício pró-ativo dos direitos de cidadania.22
ção de capital social de tipo convencional,
que poderá efetivamente estar em declínio,
como Putnam sugere, desde logo em termos
geracionais e de gênero. Em vez disso, a mobilização pró-ativa – politizada e não politiza-
Para uma explicação
do exercício da cidadania
da – parece gerar sobretudo um tipo de capital
social que tem vindo a ser reconstruído, teori-
O argumento do presente capítulo desenvol-
camente, como um capital de ligação (linking
veu-se em torno de dois eixos principais. Por
social capital, por contraste com o bonding e
o bridging) , ou seja, um conjunto de “redes
soltas e abertas (open ended) , com participantes variados, normas partilhadas e objetivos
comuns”, cujos níveis de confiança e de reciprocidade podem ser, contudo, “circunscritos
um lado, aquilo que apelidamos de efeitometropolitano, isto é, a influência específica
do fato de viver numa grande zona metropolitana sobre o exercício da cidadania política.
Por outro lado, a evolução das diferentes modalidades desse exercício, sob a influência não
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Manuel Villaverde Cabral
só do efeito-metropolitano, mas globalmente
indivíduos dotados de mais recursos sociais
das mudanças societais que têm vindo a afe-
e cognitivos, se articula com os conteúdos da
tar a nossa área geopolítica. A relação entre
chamada nova cultura política.
os dois temas é tanto mais estreita quanto a
Para já, a primeira conclusão ao nível do
metropolização e a suburbanização estão inti-
país é que o efeito-metrópole só é perceptível
mamente ligadas à emergência da cultura de
junto daqueles que exercem a sua cidadania
massas e, posteriormente, de uma “nova cultu-
política segundo a modalidade da automobi-
ra política” (Clark e Hoffman-Martinot, 1998),
lização. Em contrapartida, ao nível da região
com uma acentuada marca urbana, orientada
metropolitana, não se observa qualquer efeito-
a valores e comportamentos frequentemente
cidade, ou seja, um eventual efeito diferencia-
designados como pós-materialistas (Inglehart,
dor do centro em relação à periferia. Por outro
1997) e gradualmente desvinculada das cliva-
lado, para Terry Clark, a nova cultura política
gens de classe clássicas bem como das antigas
caracteriza-se basicamente pela novidade dos
lealdades partidárias. Iremos vendo, pois, em
seus temas. Ora, na verdade, há independência
que medida a evolução das formas de envol-
das formas em relação aos conteúdos da ação
vimento cívico e ação colectiva, porventura
coletiva, embora se detecte, do associativismo
menos passivas e institucionais, mobilizando
para a mobilização, uma convergência gradual
Tabela 16 – Regressão Linear Múltipla:
associativismo e mobilização – Portugal
Interesse pela política
Mobilização cognitiva
Iniciativa e resposta política
Exposição aos media noticiosos
Confiança interpessoal
Classe social
Classe social subjetiva
Escolaridade
Rendimento
Sexo
Idade
Prática religiosa
Socialização primária
Socialização secundária
Efeito-metropolitano
Posição política (esquerda versus direita)
Adjusted R2
N (Minimum)
Associativismo
Mobilização
–
–
0.144***
0.155***
–
0.078*
–
–
0.135**
-0.065*
0.111**
0.182***
–
0.220***
–
-0.103***
–
0.141***
0.112***
0.132***
–
0.110***
–
–
0.082*
0.055*
-0.083*
–
–
0.217***
0.081**
–
21.4%
1152
48.5%
1152
Nota: Os valores são coeficientes de regressão estandardizados (betas) estatisticamente significativos: *p < 0,05;
**p < 0,01; ***p < 0,001. As células vazias correspondem a coeficientes de regressão estandardizados estatisticamente
não significativos (p > 0,01)
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Efeito metropolitano e cultura política
entre novos temas e novas modalidades de
muito diferentes. Ter opinião própria sobre um
envolvimento na esfera pública. No caso pre-
leque alargado de temas, tomar a iniciativa de
sente, a nova cultura política é efetivamente
se associar e mobilizar para defender essas opi-
nova porque são jovens os seus agentes. Tipi-
niões e suportar os custos da iniciativa política
camente, o fator etário está presente em am-
exigem um conjunto de recursos socioculturais
bas as modalidades de exercício cívico: com
e até econômicos que não estão ao alcance de
o sinal mais no associativismo e menos na
todos, como aliás indica a presença da variá-
mobilização, daqui resultando que o primeiro
vel rendimento em ambas as modalidades; ao
é, objetivamente, uma modalidade antiga em
mesmo tempo, ambas requerem também uma
relação à segunda, já que são mais velhos os
forte socialização política favorecida pela socia-
seus aderentes.
bilidade metropolitana e que revela ter o maior
Paralelamente, o associativismo surge
como uma modalidade preferencialmente mas-
peso na explicação de ambas as modalidades
de exercício da cidadania.
culina (gênero presente com sinal negativo),
Uma vez que a capacidade explicativa do
enquanto a mobilização se distingue pela pre-
modelo analítico se revela muito superior pa-
sença preferencial das mulheres (gênero pre-
ra o caso da mobilização (49%) do que para
sente com sinal positivo). Associada à juventu-
o do associativismo (22%),23 é lícito concluir
de e à saliência da mulheres, mas dissociada
que, hoje em dia, o exercício dos direitos de ci-
da classe social e do nível de escolaridade, esta
dadania tende a manifestar-se de forma mais
modalidade de participação política revela-se
expressiva através da “geometria variável” da
mais sofisticada e seletiva do que as anteriores
automobilização do que da pertença associati-
formas de exercício da cidadania, como se de-
va, ou seja, através das formas convencionais
preende do fato de o fator com maior peso na
do capital social.24 O declínio destas formas
automobilização ser a “mobilização cognitiva”,
convencionais observado por Putnam (2000)
por sua vez ausente do associativismo, o qual
parece ser real, mas isso não dá conta da evo-
mantém, por seu turno, uma relação parado-
lução das novas modalidades de produção de
xalmente positiva com a maior orientação re-
capital social, especialmente do tipo linking,
ligiosa dos inquiridos e a sua maior inclinação
do mesmo modo que são reais a fragmentação
para a esquerda. Já na região metropolitana
urbana e o declínio das sociabilidades tradicio-
este resultado paradoxal não se observa: o as-
nais, sem que isso impeça a grande metrópole
sociativismo está associado à prática religiosa
de continuar a produzir, por si só, um efeito es-
e a automobilização às posições de esquerda; a
timulante para a abertura dos indivíduos à vida
maior diferença passa pela superior exposição
pública e à participação individual ou coletiva
aos media noticiosos dos cidadãos mobiliza-
nos movimentos cívicos.
dos; a socialização secundária continua a ser a
Contudo, Associativismo e Mobilização
variável com mais peso em ambas as modali-
não se excluem mutuamente, como de resto
dades de exercício da cidadania.
já vimos. Com efeito, é possível clarificar, para
À parte os traços assinalados, os perfis
concluir, a importante relação subsistente, tan-
da população associada e mobilizada não são
to na metrópole como no resto do país, entre
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Manuel Villaverde Cabral
Tabela 17 – Preditores do Associativismo25
MRA (Method Enter – block by block)
Portugal
Metrópole
Portugal não
metropolitano
1º bloco
Sexo
Idade
Escolaridade
Rendimento
Prática religiosa
Socialização I
Socialização secundária
Efeito metrópole (Lisboa versus resto do país)
-0.076**
0.134***
–
0.114**
0.188***
–
0.193***
–
-0.127**
0.158**
–
–
0.220***
–
0.157*
–
–
–
–
0.163**
0.167***
–
0.206***
–
2º bloco
Interesse pela política
Iniciativa e resposta política
Mobilização cognitiva
Exposição aos media noticiosos
Posição política (esquerda versus direita)
–
0.110***
–
0.109**
-0.086**
–
–
–
–
–
0.249***
0.362***
0.204***
25%
1152
33%
595
22%
539
19%
26%
17%
4%
2%
6%
3%
6%
2%
3º bloco
Mobilização
Adjusted R2
N minimum
1º bloco R2 Change
2º bloco R2 Change
3º bloco R2 Change
–
0.132**
–
0.140**
-0.121**
Nota: Os valores são coeficientes de regressão estandardizados (betas) estatisticamente significativos: *p < 0,05; **p < 0,01;
***p <0,001. As células vazias correspondem a coeficientes de regressão estandardizados estatisticamente não significativos
(p> 0,01)
essas duas modalidades da cidadania através
sociodemográficos, acrescidos no 3º bloco pe-
de duas análises de regressão segundo o mé-
lo impacto significativo da mobilização (6%),
todo enter block-by-block, fazendo entrar isola-
muito mais forte do que no resto de Portugal.
damente a mobilização como preditora do as-
Ou seja, em todo o país, mas especialmente
sociativismo e, depois, o associativismo como
na metrópole, a mobilização acaba por se re-
preditor da mobilização.
velar a variável com maior peso na explicação
Ao distinguirmos entre a região me-
do associativismo, por outras palavras, o ca-
tropolitana e o resto do país, verifica-se que
pital de ligação que sustenta muita da auto-
a adesão do associativismo ao modelo analí-
mobilização converte-se, frequentemente, em
tico da cidadania, sendo maior na metrópo-
capital social convencional, através da adesão
le, é no entanto nula ao nível das variáveis
de associações formais ou até da criação de
políticas propriamente ditas, ficando a ex-
novos tipos de associações, como as ONGs,
plicação da variância a dever-se aos fatores
típicas da nova cultura política.
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Efeito metropolitano e cultura política
Tabela 18 – Preditores da Mobilização
MRA (Method Enter – block by block)
Portugal
Metrópole
Portugal não
metropolitano
0.077**
-0.096**
0.132***
0.084*
-0.067*
–
0.184***
0.083***
0.108**
-0.126**
0.133*
0.201***
–
–
0.136**
–
–
–
0.140**
–
-0.089*
–
0.211***
–
2º bloco
Interesse pela política
Iniciativa e resposta política
Mobilização cognitiva
Exposição aos media
Posição política (esquerda versus direita)
–
0.086**
0.152***
0.111***
–
–
0.090*
–
0.153***
–
–
0.080*
0.163**
0.104*
–
3º bloco
Associativismo
0.166***
0.246***
0.146***
50%
1152
54%
595
44.4%
539
44%
46%
40%
5%
5%
5%
2%
4%
1%
1º bloco
Sexo
Idade
Escolaridade
Rendimento
Prática religiosa
Socialização primária
Socialização secundária
Efeito metrópole (Lisboa versus resto do país)
Adjusted R2
N minimum
1º bloco R2 Change
2º bloco R2 Change
3º bloco R2 Change
Nota: Os valores são coeficientes de regressão estandardizados (betas) estatisticamente significativos: *p < 0,05; **p < 0,01;
***p <0,001. As células vazias correspondem a coeficientes de regressão estandardizados estatisticamente não significativos
(p> 0,01)
Quanto à automobilização, não só ela
contribuía para explicar a adesão às associa-
adere mais plenamente ao modelo da cidada-
ções, também a pertença a estas últimas se
nia, sobretudo na Metrópole (54%), como o
revela o preditor mais forte para explicar a
modelo se revela mais sofisticado, pois quase
automobilização cidadã, embora um pouco
todas as variáveis consideradas contribuem
menos do que o inverso (4% em vez de 6%).
pata a sua explicação. Curiosamente, apesar
Neste sentido, o primado e a generalização
de o efeito-metropolitano estar presente no
que esta última modalidade de exercício da
conjunto do país, o que não sucedia com o
cidadania vem gradualmente assumindo con-
associativismo, a diferença entre metrópole
tribuem afinal, de maneira muito significativa,
e não metrópole é menor do que no caso an-
para alimentar as formas mais convencionais
terior. Finalmente, assim como a mobilização
da ação coletiva.
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Manuel Villaverde Cabral
Manuel Villaverde Cabral
PhD em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales-Paris. Pesquisador Coordenador
no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Lisboa – Portugal).
[email protected]
Notas
* Este ensaio insere-se numa série de estudos promovidos no ICS enquanto membro do International
Social Survey Programme [http://www.issp.org/] e, concretamente, no inquérito de 2004 relativo ao exercício da cidadania, cujo questionário foi complementado em Portugal e no Brasil por
um conjunto de variáveis destinadas a avaliar o efeito-metropolitano sobre as modalidades de
exercício ativo da cidadania política em grandes aglomerações urbanas como Lisboa e o Rio de
Janeiro, por meio de uma sobrerrepresentação das populações metropolitanas em relação ao
resto de cada um dos países (Cabral e Silva, 2007).
(1) A expressão “metrópole de Lisboa” não corresponde exatamente ao conjunto administrativo da
chamada Área Metropolitana, mas sim a um conjunto sociológico formado pela cidade de Lisboa e 11 concelhos limítrofes (por ordem alfabética): Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Loures, Moita, Odivelas, Oeiras, Seixal, Sintra e Vila Franca de Xira.
(2) O quadro resulta de uma adaptação da grelha concebida por John Goldthorpe (Erikson e
Goldthorpe, 1993), correspondendo à presente redução da agregação em 7 categorias para 6,
dada a impossibilidade técnica de distinguir os ativos agrícolas. Basicamente, as 6 categorias
apresentadas resultam do cruzamento entre os dois eixos principais da estratificação social: o
eixo da propriedade (a que pertencem as categorias da grande burguesia empresarial e das profissões liberais, da pequena burguesia patronal e dos trabalhadores manuais por conta própria)
e o eixo do salariato, em que se incluem os quadros médios e os profissionais técnico-científicos
por conta de outrem, os assalariados do setor terciário e o operariado de fábrica, da construção
civil e dos transportes, comunicações e energia. As distribuições entre as 3 categorias de topo
foram controladas pelo nível de rendimentos e de instrução. Os reformados foram classificados
de acordo com a última profissão exercida e os estudantes segundo a condição socioprofissional
do pai. Finalmente, as mulheres inativas foram classificadas segundo o estatuto socioprofissional dos maridos quando casadas ou dos pais quando solteiras (Cabral, 1998b).
(3) A diferença é estatisticamente significativa: x2= 25.52; p <.000.
(4) x2= 6.23; p <.01.
(5) x2= 31.44; p <.000.
(6) O fundamento psicológico sobre o qual se constrói a individualidade das grandes cidades é a
intensificação da estimulação nervosa, que resulta da mudança rápida de estímulos externos e
internos (Simmel, 2004 [1903], p. 62).
(7) *Teste: t (407) = -1.91; p <.01.
(8) x2= 24.40; p <.01
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Efeito metropolitano e cultura política
(9) A percentagem de cidadãos da metrópole de Lisboa que declarou não ter votado nas eleições precedentes (legislativas de 2002) é muito superior à do resto do país: 40% contra 25% (x2= 37.21;
p <.000).
(10) Não é possível apresentar estes dados fornecidos pelo mesmo inquérito do ISSP-2004, ao qual
dedicaremos no futuro outro artigo.
(11) * Teste: t (388) = 3.41; p .001.
(12) * Teste: t (382) = 2.53; p < .01.
(13) Testamos não só a socialização como também a experiência política, nomeadamente sob o fascismo em Portugal e sob a ditadura militar no Brasil. Contudo, os dois testes sobre a experiência
política ficaram prejudicados pelo elevadíssimo número de não respostas. Algo de semelhante
aconteceu com um dos três testes sobre a socialização política, pelo que aqui apenas apresentamos os dois testes sobre a socialização primária e a secundária.
(14) Teste: t (399)= 5.13; p .<.000.
(15) Teste: t (378)= -2.12; p <.05.
(16) Teste: t (405) = 4.04; p <. 000.
(17) * Teste: t (400)= 3.44; p .001.
(18) Teste: t (405)= 3.43; p .001.
(19) Teste-t(407) = 2.23; p<.05.
(20) *Teste: t (376) = 2.51; p <.01.
(21) Correlações entre Associativismo e auto-mobilização
Spearman Rho
Portugal
Metrópole
Não metrópole
.38
.46
.31
* p < .05; **p < 001
(22) O estudo comparativo em curso entre uma série de países europeus e americanos mostra que o
fenômeno, com variações substanciais entre esses países, é contudo geral.
(23) Na Metrópole, R2 ajustado=50% no caso da mobilização contra 27% no caso do associativismo.
(24) Independentemente do efeito-metropolitano, que só foi possível testar para Portugal e para o
Brasil, a adesão da mobilização ao modelo das modalidades de exercício da cidadania é superior
à do associativismo em todos os países europeus onde testamos este modelo num artigo a publicar em breve.
(25) 1º bloco: variáveis sociodemográficas (sexo, escolaridade, rendimento, idade, prática religiosa,
socialização, efeito metrópole); 2º bloco: indicadores do módulo Cidadania (interesse pela política, mobilização cognitiva, iniciativa e resposta política, exposição aos media, posição política – esquerda versus direita); 3º bloco: mobilização/associativismo.
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Manuel Villaverde Cabral
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Texto recebido em 30/abr/2009
Texto aprovado em 29/jun/2009
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Metrópoles, cultura política
e cidadania no Brasil
Metropolises, political culture
and citizenship in Brazil
Sérgio de Azevedo
Orlando Alves dos Santos Jr.
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Resumo
O artigo aborda a cultura política dos brasileiros à
luz daquilo que vem sendo denominado pela literatura Nova Cultura Política – NCP, buscando avaliar os limites e as possibilidades dessa abordagem
para interpretar a atual cultura política. A análise,
baseada em um survey realizado no país, indica a
existência de diferenças significativas na cultura
política dos brasileiros, quando se levam em consideração as diferentes cidades metropolitanas do
país. Apesar disso, constatam-se em todas as cidades pesquisadas, grupos de cidadãos expressando
opiniões, valores e atitudes associadas à Nova Cultura Política. Não obstante a identificação desses
traços, a análise indica que os valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Política estão
longe de se constituírem na principal gramática
cultural existente. Nesse sentido, poder-se-ia dizer
que no Brasil há um entrelaçamento de múltiplas
gramáticas culturais criando cenários extremamente diversificados de percepções, valores e comportamentos dos agentes.
Abstract
The article discusses Brazil’s political culture, in
the light of what has been called the New Political
Culture – NPC, aiming at evaluating the limits
and possibilities of this approach to analyze the
current political culture. The analysis, based on a
national survey, indicates that there are significant
differences in the political culture of Brazil, when
one takes into account the different metropolitan
cities of the country. Nevertheless, there are, in all
the surveyed cities, groups of citizens expressing
opinions, values and attitudes associated with the
New Political Culture. Despite the identifi cation
of these elements, the analysis indicates that the
values and behaviors related to the New Political
Culture are far from being the main existing
cultural grammar. In this sense, one could say
that in Brazil there is a mixture of multiple cultural
grammars, creating extremely diverse perceptions,
values and behaviors of the agents.
Palavras-chave: cultura política; metrópoles; nova cultura política; cidadania; associativismo.
Keywords: political culture; metropolises; new
political culture; citizenship; active participation.
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Sérgio de Azevedo, Orlando Alves dos Santos Jr. e Luiz César de Queiroz Ribeiro
O debate em torno da relação entre as
esferas econômica e cultural tem sido objeto
de uma diversidade de abordagens nas ciên-
Nova cultura política
e as idiossincrasias do Brasil
cias sociais. Reconhecendo sua complexidade,
o objetivo deste artigo é refletir sobre a cultura
Na abordagem da Nova Cultura – NCP, que
política e o exercício da cidadania no Brasil, a
tem como seu principal formulador o sociólogo
partir dos primeiros resultados de um survey
Terry Clark,3 a cidadania política contemporâ-
nacional realizado sobre o tema.1
nea associaria valores pós-modernos, com ên-
O processo de globalização contemporâ-
fase na defesa dos direitos individuais, maior
nea tem suscitado discussões envolvendo diver-
tolerância para diferentes padrões de com-
sos aspectos da dinâmica socioeconômica. Na
portamento, abertura para experimentação no
ciência política, em especial duas questões têm
plano individual, menor grau de subordinação
emergido como objeto de reflexão. A primeira
às normas preconizadas pelo Estado (com uma
pode ser sintetizada no tema da globalização e
diminuição da valorização, entre outros, do pa-
seus impactos sobre a dinâmica democrática e
gamento de imposto e da prestação do serviço
a concepção clássica de cidadania, envolvendo
militar como expressão do bom exercício da
a relação dos cidadãos com o Estado, o associa-
cidadania moderna), quase sempre acompa-
tivismo, a representação de interesses e a par-
nhada de certo conservadorismo no nível de
ticipação sociopolítica. A outra questão parece
políticas econômicas.
estar diretamente relaciona aos impactos que
Tendo em vista as transformações apon-
os processos de diferenciação, segmentação e
tadas, poder-se-ia dizer que nas áreas mais
segregação socioespacial têm ocasionado na
urbanizadas, caracterizadas pela heterogenei-
vida social, nas instituições democráticas, nos
dade social e habitadas por classes e grupos
padrões de interação e na cultura cívica das
com maior capacidade de poder político e eco-
grandes cidades. Ambas as questões estão in-
nômico, tenderiam a prevalecer traços dessa
terligadas ao que vem sendo designado pela
cidadania pós-moderna em contraposição às
literatura como Nova Cultura Política (NCP),
demais áreas urbanas, que manteriam maior
que busca evidenciar a emergência de novos
cristalização dos valores da cidadania clássica
laços entre a cidadania e a condição urbana.
hegemônica desde o século passado, composta
O presente artigo tem como objetivo discutir
por suas dimensões civil, política e social. Com
alguns aspectos teóricos relacionados a esse
efeito, como afirmam Cabral e Silva (2007), na
debate, de forma a refletir sobre a tese clássica
contemporaneidade, o exercício dos direitos de
da sociologia urbana segundo a qual o exercí-
cidadania tenderia a manifestar-se de forma
cio da cidadania, sobretudo na sua dimensão
mais expressiva através da “geometria variá-
da cidadania política, seria não só influenciada
vel” da automobilização do que através do
pelo modo de vida citadino como constituiria
associativismo clássico, vinculado fundamen-
2
mesmo a manifestação do “efeito cidade” em
talmente às formas convencionais de “capital
sentido sociológico.
social”.
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Podemos dizer que a NCP tem sua ori-
das melhorias ocorridas na última década e de
gem nas transformações políticas, econômicas,
termos entrado para o grupo dos países cha-
sociais, culturais e institucionais associadas à
mados “emergentes”, em virtude da nossa im-
globalização, tendo forte relação com a ascen-
portância econômica e política internacional.
são de valores pós-materialistas em sociedades
Mesmo assim, a desigualdade estrutural brasi-
que alcançaram níveis de desenvolvimento
leira – em parte uma herança do nosso passado
econômico.
escravocrata – continua sendo um elemento-
Os autores que abordam a questão da
chave que marca nossa modernidade e nossa
cidadania contemporânea identificam, em
cultura política. Ainda que o universalismo de
maior ou menor grau, as mudanças na cultura
procedimentos no Brasil – predominante nos
política e nas modalidades de ação coletiva à
países democráticos desenvolvidos – venha
pós-modernidade, que, no nosso entender, não
aumentando paulatinamente sua importância
pode ser compreendida fora do contexto atual
ao longo das últimas décadas, ele está longe
da globalização. Como afirma Harvey (2004,
de constituir a gramática hegemônica do nosso
p. 88), podemos conceber a globalização con-
dia-a-dia. Isto é ainda mais óbvio nas regiões
temporânea como “um processo de produção
menos desenvolvidas do país. Como lembra
de desenvolvimento temporal e geográfico
Edson Nunes, no Brasil se usam diferentes gra-
desigual” na atual fase de desenvolvimento
máticas políticas dependendo do momento e
do capitalismo. No novo cenário internacional,
do local de forma entrelaçadas: universalismo
algumas características do panorama político
de procedimentos, clientelismo, corporativismo
global se destacam. A mais evidente delas é o
e insulamento burocrático (Nunes, 1997).
enfraquecimento relativo do Estado nacional,
Além disso, é necessário chamar a aten-
instituição central da política desde a "Era das
ção para as idiossincrasias das nossas grandes
Revoluções", devido tanto ao seu monopólio
regiões metropolitanas para compreensão da
do poder público e da lei quanto porque cons-
sociedade brasileira. O Brasil possui cerca de
tituía o campo efetivo de ação política para a
29 regiões metropolitanas, nove delas institu-
4
maioria dos atores (Hobsbawm, 1995).
cionalizadas na década de 70, numa iniciativa
Atualmente, embora variando em função
do Governo Federal que, à época, estava nas
das características locais, há uma tendência
mãos dos militares. As demais foram criadas
de diminuição da participação direta do Esta-
nos anos 90 por iniciativa de governos esta-
do como produtor direto de bens e serviços.
duais, quando já havia sido resgatado o regi-
Além disso, em um contexto internacional até
me democrático. As regiões metropolitanas,
recentemente fortemente desregulado, o siste-
segundo a contagem da população de 2007,
ma financeiro reduzia fortemente as margens
reúnem aproximadamente 43% da popula-
de manobra econômica e política dos gover-
ção brasileira.6 Vale lembrar que a população
nos nacionais, especialmente na periferia do
metropolitana situa-se tão somente em 463
sistema.
5
Ressalte-se, ainda, no caso brasileiro, a
nossa extrema desigualdade estrutural, apesar
municípios (distribuídos em 18 estados e no
Distrito Federal) dos 5.560 existentes no país
(Garson, 2009).
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Sérgio de Azevedo, Orlando Alves dos Santos Jr. e Luiz César de Queiroz Ribeiro
O ritmo de crescimento demográfico das
regiões metropolitanas institucionalizadas na
última década foi um pouco superior à média
O exercício da cidadania
nas metrópoles brasileiras
nacional, indicando que essas regiões, apenas
com algumas exceções, não são mais polos
Tomando como referência a pesquisa realizada
de intenso crescimento populacional (Moura,
pelo Observatório das Metrópoles, em parceria
2004). Ressalte-se, entretanto, que as gran-
com outras instituições nacionais e internacio-
des metrópoles brasileiras continuam se ca-
nais, podemos traçar um quadro da cultura
racterizando não só por concentrarem a maior
política do Brasil buscando entender e explicar
parte da riqueza nacional, como também por
o exercício da cidadania e traçar uma radiogra-
possuírem expressivos focos de pobreza e de
fia comparativa da motivação dos brasileiros
exclusão social: encontram-se nas regiões
na ação política.7 Nessa análise, busca-se, de
metropolitana 8% dos pobres e 90% dos do-
um lado, comparar o Brasil com outros seis
micílios localizados em favelas (Davidovich,
países onde a mesma pesquisa foi realizada,
2001). Muitas dessas metrópoles e aglomera-
envolvendo o Canadá, os Estados Unidos, a
ções urbanas se articulam configurando novos
França, a Suécia, a Espanha e Portugal; e de
arranjos espaciais, com redobrada importância
outro, ressaltar a cultura política dos principais
no plano econômico e social e também redo-
centros urbanos metropolitanos do país, com-
brada complexidade política e cultural. Ao la-
parando os dados nacionais com os de outras
do das evidências do aumento da importância
sete cidades selecionadas – São Paulo, Porto
demográfica e econômica, as metrópoles bra-
Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife,
sileiras concentram hoje inúmeros problemas
Natal e Goiânia – buscando capturar diferen-
sociais complexos, cujo lado mais evidente e
ças que possam ser relacionadas à dinâmica
dramático é a exacerbação da violência, com
metropolitana.
seus impactos sobre as formas de exercício da
cidadania.
É a partir desse sucinto “pano de fundo”
delineado nesta seção e das informações sobre
Associativismo e mobilização
sociopolítica
o exercício de algumas das práticas da cidadania nas metrópoles brasileiras que poderemos
De uma forma geral, no caso brasileiro, so-
refletir até que ponto a denominada “Nova
bressaem os níveis de filiação a igrejas ou
Cultura Política” apresenta peso relevante, se-
organizações religiosas seguidas dos grupos
ja de forma mais ampla, seja em setores espe-
desportivos nas áreas metropolitanas e dos
cíficos dos moradores das cidades brasileiras.
sindicatos, quando se consideram as áreas não
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Tabela 1 – Associativismo – Brasil, 2006
Brasil - Formas de associativismo
Metropolitano
Não-Metropolitano
Partido político
0,17
0,25
Sindicato, grêmio, associação profissional
0,50
0,44
Igreja ou organização religiosa
0,99
1,24
Grupo desportivo, cultural ou recreativo
0,58
0,39
Outra associação voluntária
0,34
0,25
Obs.: avalia-se a atitude através de índice de 0 a 3 (3 - Participa ativamente; 2 - Pertence, não participa ativamente;
1- Já pertenceu; 0 - Nunca pertenceu).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
metropolitanas. Essas três categorias de asso-
organizações associativas, ao mesmo tempo
ciativismo aparecem, qualquer que seja a área
em que estes níveis se mostram mais elevados
considerada, com maior peso que as demais
nos polos metropolitanos do que nas demais
“Associações Voluntárias” e os “Partidos Políti-
áreas urbanas do país, o que poderia se apro-
cos” (Tabela 1).
ximar da adoção de práticas vinculadas à nova
Deve-se frisar que as metrópoles apre-
cultura política, tal como apontado na litera-
sentam maiores níveis de associativismo no
tura, apesar de constatarmos níveis extrema-
que concerne à filiação a sindicatos, associa-
mente baixos de mobilização política no país.
ções profissionais, grêmios esportivos e cultu-
Ressalte-se que os índices de mobilização po-
rais e a outras associações voluntárias, enquan-
lítica para aqueles que possuem nível superior
to as áreas não metropolitanas se destacam
são fortemente superiores aos que apresentam
por apresentarem maiores níveis de filiação a
baixa escolaridade (Tabela 2).
igrejas ou organizações religiosas e a partidos
No caso brasileiro, mesmo os índices de
políticos. Poder-se-ia dizer que as metrópoles
“mobilização social e política” para aqueles
tendem a ser um pouco menos religiosas que o
que possuem escolaridade superior e residem
restante das áreas urbanas. Ressalte-se, ainda,
em áreas metropolitanas são bastante infe-
que – apesar de suas baixas representativida-
riores aos percentuais de Portugal, que ocupa
des – os partidos políticos nas cidades meno-
nesse campo um dos mais baixos ranking entre
res, vis-à-vis às metrópoles, se apresentam
os países desenvolvidos. Nesse quesito, entre
instrumentalmente com maior cacife.
os sete países comparados, Canadá, Estados
Em geral, tal como observado nos de-
Unidos, Suécia e França ocupam as primeiras
mais países onde a pesquisa foi aplicada, o
posições, sendo o Brasil o último colocado,
Brasil apresenta níveis de mobilização so-
bastante distanciado do penúltimo colocado
ciopolítica superiores aos níveis de filiação a
que é a Hungria (Tabela 3).
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Tabela 2 – Mobilização sociopolítica e escolaridade – Brasil, 2006
Ação político-social
Até 4ª série 5ª a 8ª série
fundamental fundamental
Ensino
médio
Superior
Brasil
Assinar petição ou fazer abaixoassinado
0,90
1,11
1,28
1,65
1,15
Boicotar produtos
0,34
0,52
0,57
0,81
0,51
Participar em manifestações
0,54
0,70
0,92
1,15
0,76
Participar em comícios ou reuniões
políticas
0,95
1,05
1,19
1,23
1,07
Contatar políticos para expressar sua
opinião
0,43
0,58
0,69
0,89
0,60
Dar dinheiro para causas públicas
0,53
0,64
0,65
0,75
0,61
Contatar ou aparecer na mídia
0,30
0,43
0,53
0,74
0,45
Participar de fórum ou grupo de
discussão pela internet
0,20
0,40
0,54
1,01
0,44
Participar de greve
0,30
0,50
0,63
0,89
0,51
Obs.: Avalia o comportamento com índice de 0 a 3 (3 – fez no último ano; 2 – fez em anos anteriores;
1 – não fez, mas poderia fazer; 0 – nunca o faria).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
Tabela 3 - Índice de mobilização social e política (médias)
por países selecionados – 2006
Índice de mobilização social
e política
N
Canadá
1,36
1.068
Estados Unidos
1,22
1.485
França
1,22
1.485
Suécia
1,19
1.295
Espanha
0,96
2.481
Portugal
0,97
1.602
Brasil
0,70
2.000
País
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP (2006).
Escala: (3) fez no último ano; (2) fez em anos anteriores; (1) não fez, mas poderia ter feito;
(0) nunca o faria8
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Tabela 4 – Deveres do Bom Cidadão
Ajudar pessoas do resto do mundo que vivem em situação precária
País
Média
Brasil*
6,23
Espanha
5,82
Portugal
5,81
Canadá
4,83
Suécia
4,78
Hungria
3,80
Obs.: o indicador varia de 1 a 7 (7 – Muito importante, e 0 – Nada importante).
Fonte: International Survey Programme (ISSP) e European Social Survey (ESS) (2006),
Observatório das Metrópoles - IPPUR/UFRJ (2006).
Por outro lado, no que diz respeito aos
“Deveres do Bom Cidadão: ajudar pessoas do
individualistas, visto como reprováveis socialmente (Damatta, 1979).
resto do mundo que vive em situação precária”,
A persistência desse comportamento
em relação aos mesmos países da Tabela 3, a
cultural de forma mecânica e, portanto, pré-
situação se inverte completamente, ocupando
reflexiva, ou seja, visto como natural, explica-
o Brasil o primeiro lugar no ranking. Ressalte-
se, no nosso entender, particularmente, pelo
se, na Tabela 4, que os países com melhores
papel do familiarismo como instrumento de
programas de welfare states, como o Canadá
sobrevivência pessoal em uma sociedade on-
e Suécia, apresentam pontuações muito meno-
de historicamente tanto o mercado capitalis-
res que a brasileira.
ta, em termos econômicos, como o Estado,
Poder-se-ía arguir que alto índice no
enquanto provedor de direitos sociais básicos,
quesito em pauta apresentado pelo Brasil vis-
não foi capaz de proteger adequadamente as
a-vis aos demais países poderia, em parte, estar vinculado a uma cultura cívica de solidariedade ou mesmo a nossa forte cultura cristã, que designa como mandamento primeiro
“amar ao próximo como a si mesmo”. Entretanto, é mais provável que esse comportamento seja decorrente, sobremaneira, do caráter
fortemente relacional da nossa sociedade,
que em termos de valores prioriza as necessidades do grupo familiar em sua perspectiva
ampliada – que comporta, inclusive, amigos
e agregados – em detrimento de interesses
pessoas em momentos de crises. Ressalte-se,
que essa estratégia é um traço que corta transversalmente toda a sociedade, sendo mais forte, evidentemente, entre setores populares e
médios que apresentam famílias estruturadas
de forma tradicional.
Como no Brasil é comum se utilizar, concomitantemente, mais de uma gramática política (Nunes, 1997), não é por acaso que, mesmo mantendo o top de linha na Tabela 4, essa
opinião de Ajudar as Pessoas, seja levemente
inferior nas regiões metropolitanas em relação
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às demais áreas urbanas. Essa diferença, ainda
média nacional, com exceção de Belo Horizon-
que pequena, poderia ser decorrente, tanto de
te, que nos dois casos atingiu o menor índice.
uma maior desestruturação da chamada família clássica nas grandes cidades – onde cresce
fortemente o número de famílias monoparentais, chefiadas por mulheres – como de uma
Indicadores de predisposição
para a ação sociopolítica
maior força relativa da gramática oficial do
universalismo de procedimento, baseado no
mérito individual e na valorização da privacidade pessoal.
Uma outra possibilidade analítica está
relacionada à comparação entre as diferentes
cidades onde a pesquisa foi realizada.9 Nessa
perspectiva, os dados indicam que São Paulo
e Porto Alegre se diferenciam do conjunto das
demais cidades por alcançarem índices bem
superiores à média nacional, tanto no que se
refere à intensidade de associativismo quanto
à de mobilização sociopolítica (Tabela 5). As
demais cidades se situam mais próximas da
Os níveis de associativismo e mobilização sociopolítica certamente estão relacionados às
percepções em torno do sistema político. Mas
os comportamentos sociopolíticos são resultados de processos de socialização e aprendizagem, resultando, segundo o contexto social e
as opções pessoais, em atitudes políticas ativas
ou passivas. Entendendo que os comportamentos sociopolíticos são passíveis de aprendizado,
podemos dizer que o comportamento de uma
pessoa “como sujeito ativo ou como indivíduo
politicamente passivo tem muito a ver com a
própria trajetória” (Schmidt apud Baquero e
Tabela 5 – Associativismo e ação política e social (médias)
Brasil e cidades selecionadas – 2006-2008
Cidade
Associativismo
Mobilização
Média
N
Média
N
São Paulo
0,66 d
384
0,91 c
384
Porto Alegre
0,60 c, d
383
0,84 c
383
Rio de Janeiro
0,51 b
499
0,69 b
498
Belo Horizonte
0,37 a
383
0,57 a
378
Recife
0,42 a
381
0,70 b
374
Natal
0,42 a
379
0,64 a, b
376
Goiânia
0,55 b, c
381
0,69 b
380
Brasil
0,52
2.000
0,70
2.000
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP (2006-2008).
Escala: (0) nunca pertenceu a (3) participa ativamente.10
Anova: F (6,2783) = 18,341; p < 0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si; letras iguais, grupos não estatisticamente diferentes
entre si (Duncan a p < 0,05).
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Baquero, 2007), o que coloca em questão o
Paulo e de Porto Alegre, desta vez acompanha-
processo de socialização para a cidadania vi-
das da cidade do Rio de Janeiro (Tabela 6).
venciado pelos agentes sociais. Tendo em vista
Não obstante a importância dos proces-
esse quadro de referência, a pesquisa tomou
sos de socialização primária, é preciso levar
como indicador do processo de socialização
em consideração os novos processos de dife-
política – como um dos fatores que podem in-
renciação decorrentes da exposição a novos
fluenciar a predisposição para a ação sociopolí-
grupos de referência e novas experiências de
tica – a frequência com que se discutia política
vida. Nesse sentido, também é importante
em casa e/ou na escola ou universidade, consi-
avaliar em que medida as pessoas conversam
derando a fase adolescente e a juventude.
sobre política no seu cotidiano, levando-se em
Considerando esse fator como um ele-
consideração seu local de trabalho, encontros
mento de socialização primária na política,
informais com os amigos, em sua casa ou de
podemos perceber que, em geral, os brasileiros
seus familiares, em reuniões associativas ou
não têm o costume de falar de política quando
ainda em conversas com vizinhos. No âmbito
jovens nos espaços onde vivem ou estudam. De
da pesquisa, consideramos essas práticas co-
fato, em geral, na média os brasileiros apenas
mo processos de socialização secundária. Em
raramente discutem política nesses espaços.
geral, os índices nesse quesito se mostraram
Nesse tema, comparando-se as cidades brasi-
muito coerentes com o anterior, acompanhan-
leiras, mais uma vez se destacaram, situando-
do o baixo grau de socialização primária na
se acima da média nacional, as cidades de São
política. Em outras palavras, em geral, apenas
Tabela 6 – Socialização política, Brasil e cidades selecionadas – 2006-2008
Cidade
Socialização primária
Socialização secundária
Média
N
Média
N
São Paulo
2,38 d
380
2,26 d
382
Porto Alegre
2,42 d
378
2,24 d
380
Rio de Janeiro
2,11 c
486
2,09 c
496
Belo Horizonte
1,92 a
364
1,53 a
383
Recife
1,92 a
366
2,01 c
372
Natal
1,98 a, b
362
1,89 b
378
Goiânia
2,07 b, c
379
2,01 c
379
Brasil
2,06
1.979
2,06
1.979
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP (2006-2008).
Escala: (1) nunca a (4) frequentemente.11
Anova: F (6,2704) = 20,287; p < 0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si; letras iguais, grupos não estatisticamente diferentes
entre si (Duncan a p < 0,05).
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raramente discute-se política nesses espaços.
destaca-se o alto índice de alcançado em todas
Também aqui, destacaram-se, situando-se aci-
as cidades pelo acesso à televisão como prin-
ma da média nacional, as cidades de São Paulo
cipal fonte de informação política. No caso de
e de Porto Alegre, novamente acompanhadas
Porto Alegre, cabe mencionar a alta frequência
da cidade do Rio de Janeiro (Tabela 6).
de leitura de jornais como fonte de informação
Como já mencionado anteriormente, um
política, ficando muito acima das demais cida-
outro aspecto importante na construção das
des brasileiras (Tabela 7). Aqui é preciso consi-
percepções em torno da política diz respeito ao
derar o impacto diferenciado das várias fontes
acesso e à exposição à mídia informativa. Nes-
de informação na construção da opinião crítica
se ponto, é interessante observar as diferenças
dos cidadãos, quando consideramos o acesso
entres as cidades brasileiras pesquisadas. Sem
às informações decorrentes do rádio e da te-
grandes surpresas, repete-se o destaque para
levisão em comparação com diários e revistas
as cidades de Porto Alegre e de São Paulo, on-
semanais, no caso brasileiro agravado pela
de seus moradores aparecem mais expostos à
extrema desigualdade social, que torna a ca-
mídia informativa, nesse item seguido por Belo
pacidade cognitiva extremamente diferenciada
Horizonte. Olhando os dados relativos ao Brasil,
segundo os níveis de escolaridade.
Tabela 7 – Exposição à mídia informativa
Brasil e cidades selecionadas – 2006-2008
Mídia informativa
Brasil
São
Paulo
Porto
Alegre
a) Lê assuntos políticos nos jornais
2,22
2,84
3,18
Rio de
Belo
Janeiro Horizonte
2,69
2,57
Recife
Natal
Goiânia
2,26
2,16
2,53
b) Vê noticiários na televisão
4,10
4,50
4,32
3,98
4,07
4,04
4,02
4,19
c) Ouve noticiários no rádio
2,95
2,92
2,89
2,76
3,31
2,67
2,36
2,80
d) Utiliza a internet para obter
notícias e informação política
1,37
1,95
1,93
1,62
1,54
1,51
1,45
1,65
Média
2,66
3,05
3,09
2,77
2,88
2,64
2,51
2,79
N
2.000
384
382
498
383
377
378
384
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006-2008.
Nota: Anova: F (6,2765) = 23,534 ; p < 0,001.
Escala: (1) nula exposição e (5) máxima exposição.12
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Percepções sobre deveres e direitos
relativos ao exercício da cidadania
De uma forma geral, quando analisamos
as médias para o Brasil, destaca-se o fato que
os dois temas menos valorizados foram “es-
Quando analisamos as opiniões em torno dos
colher os produtos que consome” e, bastante
deveres relacionados ao bom exercício da ci-
preocupante, “participar em associações, sin-
dadania, podemos perceber a tendência dos
dicatos e partidos”. A relativa menor valoriza-
brasileiros valorizarem, pelo menos no plano
ção do primeiro tema talvez possa ser explica-
discursivo, práticas comumente relacionadas
do pelo ainda fraco movimento de defesa do
aos deveres associados ao exercício da cidada-
consumidor vis-à-vis aos países do chamado
nia, envolvendo o dever de votar nas eleições,
primeiro mundo. Por um lado, os avanços ins-
pagar impostos, obedecer às leis, ajudar as
titucionais nessa área – entre eles a criação do
pessoas e prestar serviço militar, entre outras
Código de Defesa do Consumidor e a criação de
questões (Tabela 8).
órgãos governamentais municipais de defesa
Tabela 8 – Opiniões sobre os deveres relativos ao bom exercício da cidadania
Brasil e cidades selecionadas, 2006-2008
Brasil
São
Paulo
Porto
Alegre
a) Votar sempre nas eleições
5,68
5,56
5,63
5,44
b) Nunca sonegar impostos
5,71
5,76
5,81
c) Obedecer sempre às leis
6,12
5,93
d) Manter-se informado sobre o
governo
5,68
e) Participar em organizações
sociais ou em partidos
Deveres relativos à cidadania
Rio de
Belo
Janeiro Horizonte
Recife
Natal
Goiânia
5,96
5,89
5,90
5,88
5,70
6,09
5,91
6,20
5,99
6,01
6,07
6,00
6,27
6,26
6,25
5,64
5,77
5,71
5,05
5,84
6,17
6,01
4,61
3,98
4,62
4,62
4,03
5,07
5,32
4,99
f) Tentar compreender diferentes
opiniões
5,74
5,74
5,72
5,84
6,01
6,14
6,21
5,88
g) Escolher produtos por questões
políticas, éticas ou ambientais
4,36
4,04
4,80
4,50
4,78
4,89
5,37
4,77
h) Ajudar as pessoas necessitadas
do Brasil
6,46
6,30
6,23
6,42
6,33
6,67
6,71
6,34
i) Ajudar as pessoas de outras
partes do mundo
6,23
6,06
5,63
6,17
5,86
6,45
6,59
6,26
j) Serviço militar
5,05
4,23
4,51
5,20
4,91
5,35
5,74
5,25
Média
5,57
5,32
5,47
5,57
5,50
5,85
6,05
5,76
N
2.000
384
384
497
384
381
381
382
Escala: 7 – Muito importante a 1– Nada importante.13
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do consumidor – possuem menos de três déca-
Na comparação entre as diferentes cida-
das. Por outro, devido à extrema desigualdade
des onde a pesquisa foi realizada, o que mais
do país, a maioria da população pobre tenderia
chama atenção são as diferenças que opõem,
a priorizar o acesso à quantidade dos produ-
novamente, as cidades de São Paulo e de Porto
tos necessários para sua sobrevivência, em re-
Alegre, caracterizadas por serem os lugares on-
lação à qualidade, o que implica a escolha de
de menos se valorizam comportamentos comu-
mercadorias mais baratas. De qualquer forma,
mente relacionadas aos deveres da cidadania
é possível dizer que isso tem mudado de for-
moderna, e Recife, Natal e Goiânia, em outro,
ma incremental primeiramente em relação aos
pela razão inversa, ou seja, pela maior valoriza-
produtos consumidos pela classe média e, de
ção dessas mesmas práticas, com as cidades do
forma mais lenta, no referente aos produtos de
Rio de Janeiro e de Belo Horizonte ocupando
consumo de massa.
um lugar intermediário nessa escala.14
Em relação ao segundo tema, a menor
Esse quadro se repete quando analisa-
valorização da participação em associações,
mos as opiniões relativas aos direitos de cida-
sindicatos e partidos pode ser explicada tendo
dania (Tabela 9). Os brasileiros, em geral, con-
em vista as características do sistema político e
sideram muito importante ter um nível de vida
social brasileiro, onde o universalismo de proce-
digno, o respeito aos direitos das minorias, o
dimentos – ainda que, na qualidade de retórica
tratamento igualitário, ser escutado e ter mais
oficial, venha aumentando paulatinamente o
oportunidades de participação nas decisões de
seu espaço na história republicana do país – é
interesse público. Mas também nesse caso po-
sobrepujado ou aparece entrelaçado por outras
demos perceber que os cidadãos de São Paulo
gramáticas políticas como o corporativismo, o
e de Porto Alegre, desta vez acompanhados
clientelismo e, em menor grau, com o insula-
pelos de Belo Horizonte, valorizam menos es-
mento burocrático (Nunes, 1997).
ses temas vinculados aos direitos de cidadania
No que concerne aos valores com índices
e que, inversamente, os moradores de Recife,
mais elevados, destacam-se as opiniões rela-
Natal e Goiânia, agora com os do Rio de Ja-
tivas a Ajudar Pessoas Necessitadas, tanto as
neiro, expressam maior importância a essas
brasileiras como, inclusive, de outras partes do
questões.
mundo. É provável que esse comportamento
Diante dos valores e das percepções que
seja decorrente, sobremaneira, do caráter for-
ficaram evidenciadas ao longo dessa sessão,
temente relacional da nossa sociedade, que
não é de estranhar que os brasileiros não de-
em termos de valores prioriza as necessidades
monstrem muito interesse pela política, pelo
do grupo familiar em sua perspectiva amplia-
menos da forma como percebem a política
da – que comportaria, inclusive, agregados e
oficial no Brasil. Na média, poder-se-ia definir
amigos – em detrimento de interesses indivi-
a posição do brasileiro como sendo de quase
dualistas, visto como reprováveis socialmente.
nenhum interesse. Coerente com as diferenças
(Damatta, 1979).
observadas ao longo da análise, de novo São
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
Paulo e Porto Alegre são as capitais que mais
Goiânia, do Recife e do Rio de Janeiro também
se diferenciam da média nacional, ultrapas-
ficaram levemente acima da média, apesar de
sando a barreira do pouco interesse. De qual-
distantes das duas anteriormente mencionadas
quer forma, vale registrar que as cidades de
(Tabela 10).
Tabela 9 – Opiniões sobre os direitos de cidadania
Brasil e cidades selecionadas, 2006-2008
Brasil
São
Paulo
Porto
Alegre
a) Nível de vida digno
6,64
6,55
6,58
6,71
b) Autoridades respeitarem os
direitos das minorias
6,46
6,45
6,56
c) Autoridades tratarem todas as
pessoas como iguais
6,66
6,57
d) Políticos escutarem os cidadãos
6,55
e) Ter mais oportunidades
de participar das decisões de
interesse público
Direitos do cidadão
Rio de
Belo
Janeiro Horizonte
Recife
Natal
Goiânia
6,68
6,67
6,79
6,68
6,61
5,62
6,67
6,69
6,73
6,57
6,76
6,63
6,70
6,77
6,81
6,38
6,54
6,73
6,46
6,53
6,55
6,67
6,46
6,23
6,35
6,69
6,41
6,41
6,65
6,46
Média
6,55
6,44
6,52
6,70
6,36
6,60
6,69
6,67
N
2.000
384
382
499
384
378
381
383
Escala: 7 - Muito importante a 1 - Nada importante.15
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006-2008.
Tabela 10 – Grau de interesse na política
Brasil e cidades selecionadas – 2006-2008
Média
N
São Paulo
Cidade
2,29 d
381
Porto Alegre
2,24 d
378
Rio de Janeiro
1,90 b
487
Belo Horizonte
1,65 a
375
Recife
1,95 b, c
370
Natal
1,68 a
375
Goiânia
2,07 c
380
Brasil
1,88
1.954
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP (2006-2008).
Escala: (1) não tem interesse nenhum a (4) muito interessado.16
Anova: F (6,2736) = 27,829 ; p < 0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si; letras iguais,
grupos não estatisticamente diferentes entre si. Duncan a p < 0,05.
Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 11, n. 22, pp. 347-366, jul/dez 2009
Book CM v11_n22.indb 359
359
17/3/2010 12:49:40
Sérgio de Azevedo, Orlando Alves dos Santos Jr. e Luiz César de Queiroz Ribeiro
Considerações finais:
a multiplicidade de gramáticas
culturais nas metrópoles
brasileiras
ligadas ao trabalho assalariado urbano de alta
qualificação ou do setor público.
Um segundo aspecto é que no caso brasileiro as demandas sociais baseadas em objetivos redistributivos permanecem pressionando
fortemente a política econômica e fiscal, tendo
Segundo Clark e Inglehart (2007) a NCP se ca-
em vista o grau de carência e desigualdades
racterizariam por sete elementos-chave: (1) a
sociais que vigoram em nosso país. Em terceiro
modificação da dimensão clássica entre direi-
lugar, no Brasil, ao contrário do primeiro mun-
ta e esquerda; (2) a explícita separação entre
do, as necessidades econômicas tradicionais,
as questões sociais e econômico-fiscais; (3) o
voltadas para a reprodução social, permane-
maior crescimento da importância das ques-
cem tendo uma grande relevância na agenda
tões sociais decorrentes da exacerbação da di-
política.
ferenciação sociocultural do que as demandas
Em quarto lugar, no Brasil, mesmo com
econômicas; (4) o crescimento concomitante
nuances e talvez sem a direta associação com
do individualismo de mercado e da responsabi-
a dualidade esquerda-direita, observa-se ten-
lidade social; (5) a existência de diversos ques-
dência similar de fortalecimento dos partidos e
tionamentos ao Estado de Bem-Estar Social;
líderes que associam o liberalismo econômico
(6) a emergência de políticas centradas em
com uma postura progressista na dimensão
questões-chaves e a ampliação da participação
social. Em quinto, em relação à defesa da des-
cidadã, por um lado, e o declínio das organi-
centralização político-administrativa para os
zações políticas hierárquicas, por outro; (7) a
níveis de governo local e mesmo para esferas
existência dos mais fervorosos defensores da
da sociedade, pode-se observar relativa difusão
NCP nas sociedade menos hierárquicas e entre
de valores semelhantes no Brasil. Entretanto,
os indivíduos mais jovens, mais instruídos e os
nos últimos anos, o revigoramento da crença
que vivem mais confortavelmente.
no planejamento público e, por outro, a disputa
Contrastando essas características com
sobre o sentido e conteúdo da descentralização,
o contexto brasileiro, podem-se levantar di-
tem se tornado objeto de polêmicas e de fortes
versas questões para o debate. Em primeiro
críticas entre acadêmicos e os atores sociais
lugar, a questão é que enquanto no contexto
mobilizados a chamada ideologia “neolocalis-
europeu a divisão entre direita e esquerda tra-
ta”, muito mais susceptível tanto à corrupção
dicionalmente organizou – e em certa medi-
como à chantagem por parte de grandes em-
da permanece balizando – o comportamento
presas e interesses privados das elites locais.
político e cultural da sociedade, no Brasil, em
Em quinto lugar, a análise da história brasilei-
contraposição, essa clivagem somente fazia
ra sugere maior cautela nessa dicotomia entre
sentido para a pequena parcela da população
mobilização e associativismo, possibilitando
detentora da cultura letrada e para a que se
por como hipótese a existência de vínculos
encontrava organizada nas formas associativas
não negligenciáveis entre esses dois processos,
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
especialmente nas áreas urbanas não metropo-
Grosso modo, poderíamos caracterizar a
litanas, apesar de podermos verificar também
média da população brasileira como apresen-
no Brasil a introdução de movimentos sociais
tando um discurso fortemente comunitarista
em torno dos direitos difusos.
e solidário a povos em situação de carência,
Por último, divergindo das diferenças an-
paralelamente a uma prática de mobilização
teriores, o caso de a chamada NCP tender a ter
social e política pífia em relação aos países
mais força nas metrópoles e centros urbanos
do primeiro mundo anteriormente citados.
mais modernos – caracterizados por alcança-
Essa nossa fragilidade permite elaborar uma
rem elevados padrões de qualidade de vida – e
hipótese de que países com altos graus de
atingir de forma mais forte os jovens. Tal ten-
mobilização social e política – como Canadá,
dência também pode ser observada no Brasil,
Suécia e França – mesmo que retoricamente
mesmo que em menor escala de intensidade
sejam bem menos “altruístas” que o Brasil,
em relação aos países do Primeiro Mundo,
na prática concreta seria capazes de mobilizar
devendo ainda ser destacada a possibilidade
ajudas a terceiros relativamente maiores que
de esses valores da NCP estarem associados
as nossas.
mais fortemente à vida metropolitana – o que
Ao longo deste ensaio exploratório
podemos denominar “efeito metrópole”, con-
buscamos evidenciar a emergência de novos
siderando-se as históricas e fortes desigualda-
laços entre a cidadania e a condição urbana.
des culturais entre os mundos sociais agrário e
Pretendemos continuar gerando novos conhe-
urbano na sociedade brasileira.
cimentos tanto a partir da reaplicação desta
Em termos relativos ao Brasil, quando
pesquisa em diversas metrópoles brasileiras
comparamos as pessoas moradoras em áreas
como desenvolvendo análises comparativas
metropolitanas com aquelas que habitam áreas
internacionais.
não metropolitanas, essas últimas parecem va-
Acreditamos ser possível de forma in-
lorizar mais ações e comportamentos vincula-
cremental levantar um conjunto de informa-
dos aos valores republicanos tradicionais. Esses
ções empíricas de caráter cross-national que
dados, em princípio, aparentemente paradoxais
nos permitam revisitar a referência clássica de
podem ser explicados pelo que denominamos
Max Weber sobre a dimensão urbana da cida-
“efeitos metrópoles” – na verdade um comple-
dania. Partimos do suposto que estas bases
xo resíduo de interações entre inúmeras variá-
empíricas nos permitem atualizar a tese clás-
veis não passíveis de serem desagregadas – do
sica da sociologia urbana segundo a qual o
ponto de vista estatístico após serem expurga-
exercício da cidadania – máxime, a cidadania
das, no limite do possível, variáveis clássicas
política – seria não só influenciado pelo mo-
como renda, educação, classe, gênero, etnia,
do de vida citadino, como constituiria mesmo
acesso a infraestrutura física, a serviços de con-
a manifestação do “urbanismo” em sentido
sumo coletivos, saúde, entre outras.
sociológico.
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Sérgio de Azevedo, Orlando Alves dos Santos Jr. e Luiz César de Queiroz Ribeiro
Sérgio de Azevedo
Professor Titular da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Pesquisador da rede
Observatório das Metrópoles e Consultor Ad Hoc de diversas agências governamentais na área de
políticas públicas. Graduado pela Escola Brasileira de Administração Pública, realizou pós-graduação
na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e mestrado no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. Realizou seu doutorado em Sociologia na Universidade Católica de Louvain e o
pós-doutorado na Universidade de Stanford. Foi Professor Titular da Universidade Federal de Minas
Gerais, Professor do Mestrado em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Na Universidade Estadual do Norte fluminense desempenhou as funções de Coordenador
de Mestrado, Chefe de Laboratório, Diretor do Centro de Ciências do Homem e Vice-Reitor. Publicou
inúmeros trabalhos na área de políticas públicas em livros e revistas aacadêmicas no Brasil e no
Exterior (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Orlando Alves dos Santos Junior
Sociólogo, doutor em planejamento urbano pelo IPPUR/UFRJ, atualmente é professor do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro da
coordenação da Rede Observatório das Metrópoles/CNPq, desenvolve pesquisas na área da política
urbana e da cultura política. Autor de diversas publicações sobre a política urbana, entre as quais
se destacam As Metrópoles e a Questão Social Brasileira (em co-autoria, ed. Revan) e Democracia e
Governo Local (ed. Revan, Fase) (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Mestre em Desenvolvimento Econômico e Social pela Université Paris 1 - Panthéon-Sorbonne e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É o coordenador geral do Observatório das Metrópoles.
Desenvolve estudos sobre os temas: metropolização, dinâmicas intrametropolitanas e o território
nacional, dimensão socioespacial da exclusão/integração nas metrópoles, governança urbana, cidadania e gestão das metrópoles. Co-editor da revista Cadernos Metrópoles www.observatoriodasmestropoles.net. Autor de diversas publicações, entre as quais destacam-se As Metrópoles e a Questão Social Brasileira (em co-autoria, ed. Revan) e Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a
cooperação e o conflito (organizador, ed. Fundação Perseu Abramo, Fase) (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) O Observatório das Metrópoles – IPPUR/UFRJ e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa (ICS-UL) vêm desenvolvendo um projeto comparativo sobre a análise das atitudes sociais e políticas de brasileiros no marco das redes do International Survey Research Programme
(ISRP) e da European Social Survey (ESS). No Brasil, o projeto conta também com a participação
do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
(2) Por “efeito cidade” consideramos – após isoladas as variáveis clássicas como renda familiar, formação educacional, socialização primária, instruções dos pais, etc. – um “resíduo” decorrentes
de trade offs entre diversas variáveis existentes em maior grau nas grandes metrópoles, ainda
que difícil de serem isoladas, como ambiente cultural diversificado, maior interação com diferentes equipamentos de acesso à cultura, livrarias, restaurantes internacionais, jornais, bibliotecas, livrarias, teatros, cinemas e concertos músicas, entre outros.
(3) Ver, entre outros, Clark e Inglehart (2007); Clark e Hoffmann-Martinot (1998) e Clark e Navarro
(2007).
(4) Esse processo de regulação do mercado pelo Estado é inerente ao próprio capitalismo. Como
destaca Karl Polany (2000), subordinar a substância da própria sociedade às leis do mercado (p.
84) resultaria no desmoronamento da sociedade. Segundo o autor, esta ameaça torna inevitável
o surgimento (como ocorreu ao longo dos séculos XIX e XX) de algum forma de protecionismo
que limitasse o poder do livre mercado: Despojados da cobertura protetora das instituições culturais, os seres humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social (p. 85). É para proteger
a sociedade do desse moinho satânico (p. 86) que surgem os contramovimentos de proteção
social. De fato, inclusive as próprias transações capitalistas devem ser também protegidas do
funcionamento irrestrito do mercado.
(5) Somente depois da recente crise internacional que afetou, em diferentes graus, todos os países
desenvolvidos, além da periferia do sistema, resolveu-se discutir seriamente as alternativas de
regulação do mercado financeiro internacional.
(6) Nesses números não foram consideradas cerca de uma dezena de iniciativas de criação de novas
regiões em andamento.
(7) Foram entrevistadas 2.000 pessoas no país, na amostra nacional, e complementarmente mais
1.304 pessoas distribuídas nas seguintes cidades: São Paulo (384), Rio de Janeiro (500), Porto
Alegre (384), Belo Horizonte (384), Recife (384), Natal (384) e Goiânia (384). No que se refere
à amostra nacional, temos 51,2% de mulheres e 48,9% de homens, todos maiores de 18 anos,
distribuídos entre as seguintes faixas etárias: (a) 34,6% entre 18 e 29 anos; (b) 31,6% entre 30 e
44 anos; (c) 19,9% entre 45 e 59 anos; (d) 11,8 entre 60 e 74 anos; e (e) 2,2 com mais 75 anos.
A maior parte dos entrevistados é solteira (49%), mas também é significativo o percentual de
casados (37%). A amostra também contou com 7% de viúvos e 7% de separados ou divorciados.
Em geral, o nível de escolaridade dos entrevistados é baixo, prevalecendo pessoas que cursaram
até o nível médio incompleto (68% da amostra).
(8) No questionário, a pergunta foi formulada da seguinte forma: “Abaixo são listadas algumas formas de ação política e social que as pessoas podem ter. Por favor, indique, para cada uma delas
se: (1) fez no último ano; (2) fez em anos anteriores; (3) nunca fez, mas poderia ter feito; (4)
nunca o faria. Formas de ação política e social: assinar uma petição ou fazer um abaixo-assinado; boicotar ou comprar determinados produtos por questões políticas, éticas ou ambientais;
participar em uma manifestação; participar em um comício ou em uma reunião política; contactar, ou tentar contactar, um político ou um funcionário do governo para expressar seu ponto de
vista; dar dinheiro ou tentar recolher fundos para uma causa pública; contactar ou aparecer na
mídia para exprimir suas opiniões; participar em um fórum ou em um grupo de discussão pela
internet”.
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Sérgio de Azevedo, Orlando Alves dos Santos Jr. e Luiz César de Queiroz Ribeiro
(9) Para controlarmos estatisticamente a comparação das médias dos índices para cada cidade, realizamos uma análise de variância para distinguirmos médias que não se diferenciam significativamente e formando grupos de médias que diferenciam significativamente entre si.
(10) Os índices de associativismo e de mobilização foram construídos com base nas médias das respostas das questões relativas a cada um dos índices (ver Tabelas 1 e 2), tendo como resultado
um índice que varia de 0 a 3.
(11) Na socialização primária, o índice corresponde à média alcançada em duas perguntas: “(a) quando o(a) senhor(a) tinha 14/15 anos, com que frequência se falava de política em sua casa?; (b)
na escola/universidade, com que frequência se fala, ou se falava, de política?”. Na construção
do índice, foram dados pesos diferenciados, de acordo com as seguintes respostas: “(4) frequentemente; (3) algumas vezes; (2) raramente; e (1) nunca”. Na socialização secundária, o índice corresponde à média alcançada em uma pergunta dividida em cinco itens: “Hoje em dia,
fora dos meios de comunicação (televisão, rádio e jornais), com que frequência ouve falar de
assuntos políticos em cada um dos seguintes locais: (a) local de trabalho; (b) encontros com os
amigos; (c) a própria casa ou a de seus familiares; (d) reuniões associativas; (e) conversas com os
vizinhos. Na construção do índice, foram dados pesos diferenciados de acordo com as seguintes
respostas: (4) frequentemente; (3) algumas vezes; (2) raramente; e (1) nunca”.
(12) O índice corresponde à média alcançada para a seguinte pergunta: “Com que frequência o(a)
senhor(a) faz cada uma das seguintes coisas?: (a) lê assuntos de política nos jornais; (b) vê os
noticiários na televisão; (c) ouve os noticiários da rádio; (d) utiliza a internet para obter notícias
e informação política. Sendo: (5) todos os dias; (4) 3-4 dias por semana; (3) 1-2 dias por semana;
(2) menos de 1 dia por semana; e (1) nunca”.
(13) A pergunta do questionário era a seguinte: “Há muitas opiniões diferentes sobre o que se deve
fazer para ser um bom cidadão. Numa escala de 1 a 7, em que 1 significa nada importante e 7
muito importante, que importância o(a) Sr(a). atribui, pessoalmente, a cada um dos seguintes
aspectos: (a) votar sempre nas eleições; (b) nunca sonegar impostos; (c) obedecer sempre às
leis e aos regulamentos; (d) manter-se informado sobre as atividades do governo; (e) participar
em associações, sindicatos e partidos; (f) tentar compreender a maneira de pensar das pessoas
com opiniões diferentes das suas; (g) escolher produtos por razões políticas, éticas ou ambientais, mesmo que eles custem mais caro; (h) ajudar as pessoas que, no Brasil, vivem pior do que
o(a) senhor(a); (i) ajudar as pessoas que, no resto do mundo, vivem pior do que o(a) senhor(a); e
(j) estar disposto a prestar serviço militar quando for preciso.”
(14) Se levarmos em conta apenas as médias gerais, Rio de Janeiro e Belo Horizonte se aproximariam das cidades de São Paulo e Porto Alegre, mas, de fato, olhando os diferentes componentes
da pesquisa percebe-se que elas flutuam fortemente na importância atribuída aos diferentes
valores.
(15) A pergunta do questionário foi a seguinte: “Há muitas opiniões diferentes sobre os direitos das
pessoas numa democracia. Nesta escala de 1 a 7, em que 1 significa sem importância e 7 muito
importante, que importância o(a) sr(a). atribui a: (a) todos os cidadãos terem um nível de vida
digno; (b) as autoridades respeitarem e protegerem os direitos das minorias; (c) as autoridades
tratarem todas as pessoas da mesma maneira, independentemente da sua posição social; (d) os
políticos escutarem os cidadãos antes de tomarem decisões; e (e) dar às pessoas mais oportunidades de participar nas decisões de interesse público.”
(16) A pergunta do questionário foi: “O senhor(a) diria que é interessado em política? Sendo: (4) muito interessado; (3) interessado; (2) não muito interessado; e (1) não tem interesse nenhum”.
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Metrópoles, cultura política e cidadania no Brasil
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
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Geografia política das eleições congressuais:
a dinâmica de representação das áreas
urbanas e metropolitanas no Brasil
Political geography of congressional elections: the dynamics
of the representation of urban and metropolitan areas in Brazil
Nelson Rojas de Carvalho
Resumo
Este artigo tem por finalidade proceder a uma análise de natureza exploratória sobre a geografia do
voto dos deputados federais eleitos em nossas regiões metropolitanas e nas áreas mais urbanizadas
do país. Duas são as preocupações que atravessam
o artigo apresentado: avaliar a extensão da subrepresentação dessas regiões e das áreas urbanas
na Câmara dos Deputados, por um lado, e identificar, por outro, o padrão de distribuição de votos
do que podemos designar por bancada metropolitana. Testamos e comprovamos ao longo do artigo
duas hipóteses: a existência de uma significativa
sub-representação daquelas áreas no Congresso
e um padrão de votos concentrado de nossos deputados metropolitanos, padrão não previsto na
tradição da sociologia eleitoral e que pode estar
na base de um novo fenômeno: um paroquialismo
metropolitano.
Abstract
This paper aims at carrying out an introductory
investigation into Brazilian congressmen’s
geography of votes. The congressmen who were
elected in the country’s metropolitan regions are our
main target. Two main concerns underlie this study:
to evaluate the extent to which the metropolitan
and more urbanized regions are underrepresented
in Congress, on the one hand, and to identify the
spatial distribution pattern of votes of congressmen
elected in the metropolitan areas, on the other
hand. We have tested and confirmed two main
hypotheses in this research: the more urbanized
areas of Brazil, including the metropolitan regions,
find themselves severely penalized as regards the
fair amount of representatives they should have in
Congress, and there is a concentrated pattern of
spatial distribution of votes of our representatives
that come from the metropolitan regions, which
may uncover a new phenomenon – a kind of urban
localism.
Palavras-chave: geografia eleitoral; localismo;
áreas metropolitanas.
Keywords : electoral geography; localism;
metropolitan areas.
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Nelson Rojas de Carvalho
legislativo, no segundo caso, os eleitores, su-
Introdução
jeitos à estrutura social fortemente verticaliza-
Este trabalho tem por finalidade fornecer topografia exploratória sobre a geografia política
das eleições legislativas no Brasil. Se o poder
político se expressa e se exerce ao longo do
território, o campo de estudos associado à geografia eleitoral deve constituir área de primeira
relevância no campo da ciência política. Embora a área já ocupe esse lugar de centralidade
no âmbito da comunidade acadêmica internacional, sobretudo nas universidades europeias,
da e hierarquizada, seriam prezas do clientelismo e os representantes se moveriam segundo
a lógica do particularismo e do paroquialismo
no terreno legislativo.
Uma das conclusões da presente investigação é demonstrar que, no caso das eleições
para a Câmara Baixa, há sub-representação
siste mática das áreas mais urbanizadas em
benefício dos chamados grotões. De fato, com
base na análise de quatro eleições para o Con-
entre nós as investigações sobre geografia elei-
gresso – 1994, 1998, 2002 e 2006 – verifica-
toral ainda se mostram incipientes. As questões
mos quase sem variação que aquelas áreas en-
e resultados aqui levantados são, portanto,
viam para o legislativo número de deputados
quase que forçosamente novos e fornecem in-
em proporção significativamente inferior a seu
sumos para pesquisas posteriores.
percentual de eleitores. Uma bancada de algo
Informa a presente investigação e a pes-
em torno de 100 deputados deixa de ser en-
quisa empírica correspondente indagação cen-
viada das áreas urbanas para o Congresso na
tral que guarda, por sua vez, preocupação de
operacionalização do nosso sistema eleitoral.
fundo normativo: na operacionalização de nos-
Tão ou mais importante do que a ve-
so sistema eleitoral, em que medida se veem as
rificação para o conjunto do país, em quatro
áreas urbanas – notadamente as capitais dos
eleições sucessivas, da sub-representação das
estados, as regiões metropolitanas e as maio-
áreas urbanizadas é uma segunda constatação
res cidades – representadas de forma justa, ou
decorrente da investigação empírica: também
seja, estão essas áreas a eleger deputados em
de forma sistemática, a quase totalidade dos
proporção que respeite a orientação democrá-
deputados de extração urbana entre nós apre-
tica consagrada no princípio one man, one vo-
senta um perfil de votação espacialmente con-
te? Tal questão traz subjacente uma motivação
normativa, desdobramento de hipótese clássica
da sociologia eleitoral: segundo a matriz da
sociologia eleitoral, o voto de extração urbana
implicaria representação de qualidade superior
ao que figuraria para essa literatura como seu
oposto, o voto de origem rural. Enquanto no
primeiro caso, o corpo de votantes se moveria, sobretudo, por orientação ideológica e os
representantes, pelo universalismo no campo
centrado. Como sabem aqueles familiarizados
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com a literatura consagrada à conexão eleitoral – ou seja, a perspectiva que infere as políticas favorecidas pelos deputados dos incentivos
oriundos de suas respectivas bases eleitorais
de origem –, deputados com votação concentrada tendem a se mover segundo a lógica
do particularismo, buscando favorecer a produção de benefícios desagregados para seus
distritos. Ao contrário, deputados com votação
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Geografia política das eleições congressuais
espacialmente dispersa tendem a se pautar pelo universalismo legislativo.
Ora, se os deputados egressos de nossas áreas urbanas, das regiões metropolitanas,
em particular – ambas sistematicamente sub-
Do debate sobre as disjuntivas
urbano-rural, capital-interior,
à disjuntiva concentraçãodispersão espacial dos votos
represesentadas no Congresso –, apresentam
padrão de votação espacialmente concentrado
Os estudos pioneiros no campo da sociologia
estaríamos, então, diante de um híbrido perver-
eleitoral no país identificaram na dimensão ur-
so, não previsto pela tradição de nossa socio-
bano/rural linha importante de clivagem atra-
logia eleitoral: a sub-representação das áreas
vessando a política brasileira. Essa dimensão
urbanas, de um lado, e o paroquialismo metro-
abrigaria a um só tempo indicadores socioeco-
politano, de outro. Embora de origem urbana,
nômicos diversos, realidades eleitorais distintas
a representação metropolitana no Brasil, ao
e culturas políticas antagônicas. Da infraes-
concentrar sua votação no espaço geográfico
trutura, a variável dotada de maior poder de
1
de um único município, se moveria – tal qual
impacto sobre a esfera política, consistiria no
os congêneres das áreas rurais – pela lógica do
grau de urbanização, variável que, para autores
particularismo, deixando fora de sua agenda
como Soares (2001), não seria redutível a ou-
temas de natureza universalista, como a gover-
tros indicadores socioeconômicos:
nança metropolitana.
Embora a urbanização se correlacione com
industrialização e muitas outras variáveis
estruturais, as análises de regressão e de
correlação revelam que, eleitoralmente, a
urbanização foi mais importante durante
o período democrático – acima e além da
industrialização e do desenvolvimento social. (p. 187)
O trabalho aqui exposto divide-se em
duas partes. Na primeira, situamos os principais termos oriundos da sociologia eleitoral,
com a respectiva qualificação da disjuntiva
rural versus urbano. Nesta seção apontamos,
ainda, para o estabelecimento de uma linha de
continuidade entre a matriz da sociologia eleitoral e aquela batizada por “conexão eleito-
A atividade política nas áreas rurais e
ral”: ambas as matrizes procuram correlacionar
urbanas do país estaria, então, associada a
a base dos representantes com as prioridades
dois universos de valores distintos, um primei-
e orientações de policy. Deputados oriundos
ro com ênfase nas dimensões particularistas,
de áreas rurais e áreas urbanas, num caso,
adscritas e sagradas da vida social, e um se-
ou de distritos concentrados e dispersos, no
gundo caracterizado por orientações univer-
outro, estariam orientados, respectivamente,
salistas, adquiridas e seculares. De um lado,
por valores paroquiais e universais. Na segun-
estaria situada a “política do atraso”, em que
da parte, expomos os resultados empíricos da
prevaleceriam a tradição e outras orienta-
pesquisa, que confirmam a sub-representação
ções não ideológicas, de outro, “a política do
das nossas áreas urbanas no congresso.
desenvolvimento”, caracterizada pelo papel
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Nelson Rojas de Carvalho
mais relevante desempenhado pelas classes
das cidades pequenas, alguns deles coronéis
sociais e pela ideologia, assim como por proje-
rurais descontentes com as decisões dos par-
tos orientados para o conjunto do país.
tidos conservadores no plano estadual e cujas
Se a clivagem urbano-rural daria lugar a
posições variavam de um conservadorismo
duas culturas políticas antagônicas, refletir-se-
declarado a um reformismo suave (p. 275). Ou
ia também em configurações político-eleitorais
seja, representantes de áreas distintas, muito
de cortes diferenciados nas duas áreas. Ao ana-
embora pertencendo a uma mesma agremia-
lisar de forma pioneira o impacto da variável
ção partidária, distinguiam-se por ostentarem
geográfica sobre as preferências políticas, no
comportamentos políticos diversos.
mesmo estudo, Soares (ibid.) afirma que uma
Ora, não só é possível, como também
nítida clivagem urbano-rural surgiu logo após
legítimo, estabelecer nexo de continuidade en-
a redemocratização, a qual teve início com a
tre a linguagem tradicional da sociologia elei-
queda da ditadura de Vargas. “Na maioria das
toral e a orientação institucionalista centrada
capitais do país, o Partido Comunista Brasilei-
nos estudos sobre conexão eleitoral: segundo
ro teve uma presença eleitoral marcante, mas
os estudos clássicos com o foco na conexão
no interior ele recebeu uma proporção bem
eleitoral, representantes voltados à maximi-
reduzida do total de votos “(p. 185). Na mes-
zação de suas carreiras políticas, mas associa-
ma direção, verificava-se à época forte corre-
dos a origens geográficas de natureza diversa
lação negativa (-, 080) entre o perfil espacial
apresentarão comportamentos legislativos
da votação do que o autor denomina partidos
diferenciados. Nos termos da linguagem neo-
oligárquicos – o PSD e a UDN – e as taxas de
institucionalista e dentro da perspectiva da
urbanização.
conexão eleitoral, deputados eleitos com base
Importante é destacar aqui o impacto da
nas capitais se veem sujeitos a incentivos no
variável urbanização: estaria na raiz da iden-
que se refere à ação legislativa: a) de priorizar
tificação da heterogeneidade das preferências
o posicionamento pessoal em relação a temas,
dos representantes no interior de uma mesma
ou seja, darão ênfase à tomada de posição,
agremiação partidária, como decorrência da
seja por meio de projetos de lei, pronuncia-
extração ora urbana, ora rural desses repre-
mentos e a da ação legislativa de uma maneira
sentantes. Ao se referir ao PTB, Soares (ibid.)
geral; e b) de pautar a conduta legislativa por
observa que o conflito existente dentro desse
orientação de caráter universalista. Os depu-
partido tinha também uma dimensão estadual:
tados provenientes do interior, ao contrário,
por um lado, os votantes das grandes cidades
tenderão a centrar seus esforços na direção da
e capitais, principalmente do Nordeste, repre-
obtenção de recursos desagregados para suas
sentando as massas operárias, subempregadas
respectivas localidades, pautando sua ação
e desempregadas, e em geral com posições
pela lógica do particularismo e do paroquialis-
bastante radicais; por outro, os representantes
mo legislativo.
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Geografia política das eleições congressuais
Padrões nacionais de concentração
e dispersão do voto
expressivo de deputados com votação concentrada, nos termos de Indjaian, ou de deputados
"distritáveis", nos termos de Dias.
Desse conjunto de estudos sobre geogra-
Ao lado da visualização da distribuição espacial
fia eleitoral surgiram questões centrais do pon-
dos votos segundo o critério dicotômico capital/
to de vista analítico e normativo. Indagou-se,
interior uma segunda dimensão da distribuição
inicialmente Lamounier (1982), se um sistema
dos votos no espaço geográfico vem ganhando
proporcional que, em sua operacionalização, se
lugar na literatura: o grau de concentração e
mostrava concentracionista não teria seu prin-
dispersão dos votos dos representantes eleitos
cípio orientador deformado. É no que pareciam
ao longo do território.
crer um conjunto de autores como Lamounier e
Como a ponderação do peso da repre-
Martins (1983). Ambos convergiam para admi-
sentação da capital e do interior nas instâncias
tir que a fragmentação do voto seria princípio
legislativas, cabe sublinhar, antes de mais na-
inerente – do ponto de vista doutrinário – aos
da, que a análise da concentração e dispersão
sistemas proporcionais. Nas palavras categóri-
espacial dos votos vem ocupando lugar de re-
cas de Martins,
levo não só nos estudos sobre as consequênA constatação de que no Brasil a dispersão espacial dos votos não é a regra e,
sim, a exceção precisa ser encarada de
frente: trata-se de um efeito contraditório,
uma consequência não esperada da premissa proporcional...
Para funcionar como se supõe que deve
funcionar, o voto proporcional tem que se
mostrar capaz de cumprir sua missão específica, que é a de retratar as correntes
de opinião compartilhadas pelos eleitores
que votam (tanto concentrada, quanto
dispersamente) na totalidade da circunscrição territorial. Se, em lugar de fazer isso, o sistema vigente limita-se a conferir
mandatos a representantes de interesses
locais (municipais ou microrregionais) ...
somos forçados a reconhecer que de fato
há algo de errado com o método proporcional que estamos praticando. (grifo nosso) (p. 149, 1983)
cias operacionais de nossa legislação eleitoral,
como também no debate doutrinário sobre as
virtudes e vícios dessa legislação. A análise e a
prescrição também nesse caso caminham lado
a lado.
Em breve histórico do tratamento do tema e dos termos do debate, cabe inicialmente
citar os estudos pioneiros de Fleischer (1976,
1983), onde o autor verificou para o caso de
Minas Gerais fração considerável de deputados
com base de votos fortemente concentrada
em algumas regiões: fato que, posteriormente,
se viu interpretado, pela literatura sobre o tema, como indício da possível existência de um
"sistema distrital de fato" operando no interior de nosso sistema proporcional. Os estudos
subsequentes (Indjaian, 1981; Dias,1991), com
enfoques metodológicos distintos, e analisando
respectivamente os estados de São Paulo, Pa-
Na mesma linha, Lamounier chama-
raná e Rio de Janeiro, acabaram em verdade
va a atenção para a gravidade de um siste-
por apontar para o mesmo fenômeno: a pre-
ma proporcional que se mostrasse de fato
sença, nos estados investigados, de número
concentracionista:
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Nelson Rojas de Carvalho
A confirmar-se em outros estados este
quadro de elevada concentração eleitoral, estaríamos, sem dúvida alguma,
testemunhando a frustração de um dos
valores mais caros à representação proporcional, que é a possibilidade de arrecadar votos numa circunscrição territorial
ampla, atendendo, supostamente, a correntes de opinião, e não a meros contornos geográficos criados por lei. Com
a circunstância agravante de que nesse
suposto sistema distrital de fato, o candidato não está exposto às pressões que o
vinculam de maneira mais próxima à base
eleitoral, no sistema distrital propriamente dito. (p. 30, 1982)
Uma segunda indagação derivada dos estudos sobre geografia do voto dialoga com as
premissas de Soares (1973a) sobre um dos efeitos políticos esperados pelo autor – certamente
o mais importante – da operacionalização da
candidatos "ideológicos" no tocante à proveniência espacial de seus votos (p. 11, 1982).
Assim, para Soares haveria duas naturezas de
representantes, conjugados a duas respectivas
modalidades de distribuição espacial do voto:
de um lado, os "coronéis", de votação concentrada, de outro, os "ideológicos", de votação
dispersa.
Cabe aqui por fim chamar a atenção para
o lugar central atribuído pela literatura especializada a esse eixo da distribuição espacial
dos votos dos eleitos – se mais ou menos concentrado no espaço geográfico –, no que diz
respeito às prioridades de política dos eleitos.
Como lembra Limongi (1994), de acordo com
a formulação de Weingast, Shepsle e Johnsen,
(1981, p. 644), a precisão e limitação geográfica da população-alvo definem a política de
natureza distributivista/particularista:
legislação proporcional: a paulatina erosão da
representação das áreas rurais e atrasadas, ou
ainda o enfraquecimento progressivo do poder
dos coronéis. Vale lembrar que foi exatamente
a expectativa de superação do localismo – antes da ideia clássica da representação como espelho das diferentes correntes de opinião – que
constituiu o ponto forte de defesa do sistema
proporcional no Brasil, explicando a sua introdução e sobrevivência desde 1932, por meio
de argumentos da linha seguida por Soares. O
sistema proporcional facultaria a possibilidade – ainda nos termos de Lamounier – de que
partidos urbanos e candidatos... mais "ideológicos" recolham votos no conjunto do estado,
ainda que diferencialmente distribuídos entre
as grandes cidades e municípios do interior.
O suposto básico é, portanto, a existência de
diferentes padrões entre os "coronéis" e os
372
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Uma política distributiva trata-se de uma
decisão de política que concentra benefícios em um distrito geográfico específico
e financia gastos por meio de uma taxação generalizada... se é claro que toda
política traz uma incidência geográfica de
custos e benefícios, o que distingue uma
política distributiva é que os benefícios
têm um alvo geograficamente definido.
A centralidade da dimensão geográfica e
seu impacto sobre a natureza das políticas implementadas também se acha indicada no trabalho clássico de Cain, Ferejohn e Fiorina, The
Personal Vote (1987):
Uma base territorial de representação inevitavelmente introduz preocupações particularistas e paroquiais no processo de formulação de políticas. Um representante
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Geografia política das eleições congressuais
eleito com os votos, esforços e recursos
de pessoas de uma área geográfica específica naturalmente atribui importância
especial a suas visões e demandas, tanto
por um senso de obrigação como de autointeresse. (p. 19)
áreas onde estaria situado o voto "avançado",
de extração ideológica, e às áreas do interior,
de outro, áreas comumente associadas ao voto "atrasado", cativo, de clientela. Na literatura sobre o tema, quando não se encontram
prescrições e fórmulas claramente voltadas a
Na mesma linha, Khrebiel assinala a
maximizarem o peso eleitoral das zonas urba-
dimensão geográfica associada às teorias
nas, observa-se pelo menos a defesa de uma
distributivas:
justa correspondência entre o número de repre-
Porque os legisladores estão sujeitos a
eleições periódicas e as constitucencies
eleitorais são geográficas nos Estados
Unidos, a “conexão eleitoral” implica que
todo membro do congresso tem fortes incentivos de obter benefícios de interesses
especiais para seus eleitores. (1991, p. 3)
sentantes oriundos dessas zonas e o número
de eleitores ali situados. Nessa linha, destacase o estudo de Aydos (1979) sobre o Rio Grande do Sul como investigação pioneira, onde o
autor verificou a sub-representação da capital
gaúcha e da região metropolitana do estado –
essas áreas funcionariam como colcha de reta-
Em síntese, ao lado da análise da disjun-
lhos de representantes com reduto no interior.
tiva rural/urbano e interior/capital, o eixo que
Deduziu dessa verificação uma consequência
tem nas extremidades um padrão concentrado
política perversa do funcionamento da legisla-
e outro disperso de distribuição dos votos no
ção proporcional nos estados federados:
espaço geográfico, está na raiz, respectiva-
Enquanto a sub-representação dos estados mais industrializados não se pode
atribuir à representação proporcional, a
sub-representação política das grandes
cidades e metrópoles lhe é inerente. A
imagem da colcha de retalhos é o lugar
comum que a prática político-eleitoral
tem reservado para as capitais estaduais – áreas onde todos os candidatos são votados e que, por isso mesmo,
dificilmente elegem candidatos próprios
para as assembleias estaduais e para
a Câmara Federal... a cidade de Porto
Alegre, que teria condições de eleger
cerca de 4 a 5 deputados, é responsável
por mais de 50% da votação de apenas
2 candidatos eleitos para a Câmara
Federal. (p .7)
mente, do paroquialismo e do universalismo
legislativos.
A sub-representação das
áreas urbanas – capitais,
grandes municípios
e regiões metropolitanas –
e o localismo metropolitano
Um dos tópicos mais controversos no debate
sobre as mazelas e virtudes de nossa lei eleitoral tem-se referido precisamente ao peso efetivo de representação consignado – de acordo com a operacionalização da lei – às áreas
Expectativa diametralmente contrária
urbanas, de um lado, em especial às capitais,
àquela assumida por Aydos (ibid.), sobre os
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Nelson Rojas de Carvalho
efeitos políticos da legislação proporcional,
exame do peso da representação do interior e
era sustentada por outro conjunto de autores,
das capitais dos estados, na Câmara Federal,
entre os quais Soares (1973a), para quem o
confirma em âmbito nacional a tese de Aydos.
sistema proporcional, aliado à crescente urba-
Assumindo-se que o deputado de ca-
nização, diluiria a expressão política das áreas
pital é aquele que tem ali sua principal base
do interior, valorizando e representando de
eleitoral ou, em termos numéricos, que ob-
forma progressiva o voto ideológico de extra-
tém pelo menos 50% de seus votos na capi-
ção urbana. Como já havíamos detectado em
tal, encontramos – como mostram as Tabelas
pesquisa anterior (Carvalho, 1996, 2003), o
1, 2 e 3 – nas legislaturas de 1995-99, 1999-
Tabela 1 – Representação política das capitais na legislatura 95-99
Capitais
Interior
A
%
eleitores
B
deputados
eleitos
C
%
deputados
Brasil
23
77
16
Mato G. do Sul
27
3
Mato Grosso
19
2
Rio de Janeiro
44
23
Estados
Santa Catarina
Pará
(C-A)
%
eleitores
deputados
eleitos
Total
-7
77
411
488
38
11
73
5
8
25
6
81
6
8
50
6
56
23
46
6
1
6
0
94
15
16
24
4
24
0
76
13
17
Amazonas
52
4
50
-2
48
4
8
Goiás
21
3
18
-3
79
14
17
Bahia
16
5
13
-3
84
34
39
5
0
0
-5
95
8
8
Tocantins
Minas Gerais
13
4
8
-5
87
49
53
São Paulo
31
16
23
-8
69
54
70
Piauí
19
1
10
-9
81
9
10
Acre
47
3
38
-9
53
5
8
Espírito Santo
11
0
0
-11
89
10
10
Pernambuco
19
2
8
-11
81
23
25
Rio Grande do Sul
14
1
3
-11
86
30
31
Rondônia
24
1
13
-11
76
7
8
Sergipe
25
1
13
-13
75
7
8
Paraná
16
1
3
-13
84
29
30
Alagoas
24
1
11
-13
76
8
9
Paraíba
13
0
0
-13
87
12
12
Maranhão
15
0
0
-15
85
18
18
Ceará
25
2
9
-16
75
20
22
Rio G. do Norte
22
0
0
-22
78
8
8
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Geografia política das eleições congressuais
Tabela 2 – Representação política das capitais na legislatura 99-2002
Capitais
Interior
A
%
eleitores
B
deputados
eleitos
C
% cadeiras
Brasil
23
78
16
Mato G. do Sul
27
2
Mato Grosso
19
1
Rio de Janeiro
44
19
6
24
Estados
Santa Catarina
Pará
(C-A)
Total
eleitos
% de
deputados
deputados
eleitos
-7
77
410
488
25
-2
73
6
8
12
-7
81
7
8
41
-3
56
27
46
0
6
-6
94
16
16
4
24
0
76
13
17
Amazonas
52
5
62
13
48
3
8
Goiás
21
1
5
-16
79
16
17
Bahia
16
6
15
-1
84
33
39
5
0
0
-5
95
8
8
Tocantins
Minas Gerais
13
2
3
-10
87
51
53
São Paulo
31
20
29
-2
69
50
70
Piauí
19
1
10
-9
81
9
10
Acre
47
2
25
-22
53
5
8
Espírito Santo
11
0
0
-11
89
10
10
Pernambuco
19
1
4
-15
81
24
25
Rio Grande do Sul
14
1
3
-11
86
30
31
Rondônia
24
1
13
-11
76
7
8
Sergipe
25
0
13
-13
75
8
8
Paraná
16
3
10
-6
84
26
30
Alagoas
24
2
22
-2
76
7
9
Paraíba
13
1
8
-5
87
11
12
Maranhão
15
1
5
-10
85
17
18
Ceará
25
5
23
-2
75
17
22
Rio G. do Norte
22
0
0
-22
78
8
8
2002 e 2006-2010, 16%, 16% e 13% de de-
dos. Como afirmamos, esses exemplos sem ne-
putados que cumpriam esse requisito e se
nhuma dúvida confirmaram, em âmbito nacio-
enquadravam, portanto, na definição. Ora, se
nal, a linha de argumentação de Aydos sobre a
as capitais abrigam 23% do eleitorado do país,
sub-representação das capitais.
houve um déficit que variou entre 7% a 10%
Tratar, no entanto, a dicotomia capital x
de representantes dessas áreas no Congresso
interior como proxy do contraste urbano-rural,
Nacional – déficit que perfaz uma bancada de
hoje, dificilmente representaria o caminho ana-
algo em torno de 35 deputados a 43 deputa-
lítico mais apropriado. Em relação a um número
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Nelson Rojas de Carvalho
Tabela 3 – Representação política das capitais na legislatura 95-99
Capitais
Interior
A
%
eleitores
B
deputados
eleitos
C
%
deputados
Brasil
23
66
Mato G. do Sul
27
Mato Grosso
19
Rio de Janeiro
44
Estados
Santa Catarina
Pará
(C-A)
%
eleitores
deputados
eleitos
Total
13
-10
87
422
488
2
25
-2
73
6
8
1
13
-6
81
7
8
20
43
-1
56
26
46
6
0
6
-6
94
16
16
24
0
0
-24
76
17
17
Amazonas
52
5
62
10
38
3
8
Goiás
21
1
5
-16
79
16
17
Bahia
16
2
5
-11
84
37
39
5
0
0
-5
95
8
8
Tocantins
Minas Gerais
13
3
5
-10
87
50
53
São Paulo
31
17
24
-7
69
53
70
Piauí
19
1
10
-9
81
9
10
Acre
47
4
50
3
53
4
8
Espírito Santo
11
0
0
-11
89
10
10
Pernambuco
19
1
4
-15
81
24
25
Rio Grande do Sul
14
0
3
-14
86
31
31
Rondônia
24
2
25
1
76
6
8
Sergipe
25
0
0
-25
75
8
8
Paraná
16
2
6
-10
84
28
30
Alagoas
24
1
11
-13
76
8
9
Paraíba
13
0
0
-13
87
12
12
Maranhão
15
1
5
-10
85
17
18
Ceará
25
3
13
-12
75
19
22
Rio G. do Norte
22
0
0
-22
78
8
8
significativo de cidades do interior, verifica-se a
conceitual consignado às capitais. Nessa di-
presença de indicadores socioeconômicos – co-
reção, cabe aqui avaliarmos a representação
mo os índices de desenvolvimento humano, ur-
desse novo interior na Câmara dos Deputados,
banização e escolaridade – cujos valores, quan-
testando a hipótese segundo a qual a sub-
do não são superiores, se assemelham àqueles
representação política das capitais estaria se
verificados nas capitais dos estados; áreas,
processando em benefício de um interior urba-
portanto, que do ponto de vista da sociologia
nizado. Ora, os dados da Tabela a seguir não
eleitoral, devem receber o mesmo tratamento
confirmam essa hipótese.
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Geografia política das eleições congressuais
Tabela 4 – Representação política das 100 maiores cidades
1994 – 1998 – 2007
Nº de cidades 07
Nº de cidades 98
Nº de cidades 94
repres. eleitos
eleitores
repres. eleitos
eleitores
repres. eleitos
eleitores
nenhum
72
12.298.910
61
10.180.160
64
11.040.234
1 representante
25
6.159.242
29
6.376.373
28
6.145.725
2 representantes
2
1.083.763
9
3.514.287
7
2.497.556
3 representantes
1
295.142
–
–
1
152.542
total de representantes
32
19.837.057
47
19.837.057
45
18.172.246
% de representantes
7%
19%
10%
19%
8%
19%
Selecionando-se o universo das 100
de 10% de deputados na eleição de 2006, ou
maiores cidades do país (excluídas as capi-
seja, uma bancada com algo em torno de 50
tais), cidades que no conjunto abrigam 19%
deputados. A assertiva de Aydos deve, portan-
do eleitorado brasileiro, verifica-se que tam-
to, ser requalificada: a imagem da “colcha de
bém essas áreas se veem sub-representadas
retalhos” não espelha somente a realidade das
na Câmara baixa. Como mostra a Tabela 4, em
capitais dos estados, mas igualmente das capi-
três legislaturas – 1994, 1998 e 2006 –, o in-
tais e do interior industrializado, que, juntos, te-
terior urbanizado em média enviou à Câmara
riam enviado à Câmara, nas eleições de 2006,
dos Deputados não mais do que 8% do total
uma bancada adicional de algo em torno de 90
dos deputados eleitos. Tal como observado no
congressistas, caso o princípio “um homem, um
que se refere às capitais dos estados, a sub-
voto” fosse seguido na delimitação de nossos
representação das áreas mais urbanizadas do
distritos eleitorais.
interior não parece, assim, constituir evento
aleatório de uma única eleição; à semelhança
dos dados referentes às três eleições para a Câmara Federal por nós analisadas – quando em
média 60% das cem maiores cidades do país
A sub-representação das regiões
metropolitanas e a distribuição
espacial do voto
não tiveram sequer um único representante
eleito2 –, sugere que estamos diante de um pa-
Um último e fundamental corte para a análi-
drão perene e não de um evento aleatório.
se da hipótese da sub-representação das áreas
Em uma palavra, os grandes aglomerados
urbanas no Congresso Nacional se refere ao
urbanos localizados fora das capitais e o inte-
percentual de representação que alcançam
rior industrializado apresentam igualmente um
as 14 Regiões Metropolitanas identificadas
déficit de representação, neste caso, um déficit
no território nacional, a saber, as Regiões
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Nelson Rojas de Carvalho
Metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo,
No que se refere ao peso eleitoral das
Vitória, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Goiânia,
Regiões Metropolitanas, sua densidade é ine-
Curitiba, Belém, Belo Horizonte, Salvador, Flo-
gável: 33% do eleitorado do país têm por lo-
rianópolis, Campinas e Distrito Federal.3 A des-
calização alguma das treze regiões metropo-
peito da ideologia de cunho municipalista que
litanas abaixo listadas.4 Considerando-se um
teve seu ápice na constituição de 1988, para
deputado oriundo de região metropolitana,
autores como Ribeiro (2000), as regiões metro-
aquele que recolheu ali pelo menos metade
politanas no caso brasileiro se sobrepõem aos
de seus votos, verificamos também neste caso
municípios não só como unidades de análise
incidência de sub-representação. Ao longo das
dotadas de maior sentido, mas constituem o
quatro últimas eleições, como mostra a Tabela
locus onde se verificam os maiores desafios do
país em termos de ação de governo.
5, houve em média déficit de 9% de representantes – uma bancada com algo em torno de
Tabela 5 – Bancada metropolitana
de acordo com % de eleitores e em anos diversos
Banca metropolitana
1994
1998
2002
2006
Deputados metropolitanos
167
111
120
124
118
% de deputados metropolitanos
33
22
24
25
23
Tabela 6 – Percentual de eleitores
por estado versus percentual de deputados eleitos
Eleitorado da
RM
% no
estado
Salvador (BA)
2.044.012
22
18
15
13
10
Fortaleza (CE)
2.108.642
37
14
36
23
23
Vitória (ES)
1.115.352
46
40
50
60
60
Goiânia (GO)
1.260.034
33
18
12
24
24
Belo Horizonte (MG)
3.724.851
27
15
15
11
17
Belém (PA)
1.291.669
29
24
24
24
6
Recife (PE)
2.553.925
42
16
20
32
40
Curitiba (PR)
2.138.347
29
10
20
27
27
Rio de Janeiro (RJ)
8.194.141
73
68
65
65
74
Porto Alegre (RS)
2.821.087
36
23
23
32
23
Florianópolis (SC)
689.265
16
6
13
6
0
RM
% deputados % deputados % deputados % deputados
1994
1998
2002
2006
Campinas (SP)
1.845.992
6
1
1
4
1
São Paulo (SP)
13.735.473
47
50
46
45
44
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Geografia política das eleições congressuais
45 deputados – que deixaram de ser recrutados
aspecto revelado pelos dados diz respeito ao
nas treze regiões metropolitanas analisadas.
padrão predominantemente concentrado da
Ora, se há uma sub-representação siste-
geografia dos votos da bancada metropolitana.
mática das regiões metropolitanas quando se
Não é preciso lembrar que, de acordo com a li-
tem em vista o peso eleitoral dessas regiões no
teratura voltada aos estudos da conexão eleito-
conjunto do país, o mesmo ocorre no interior
ral (conexão que estabelece o nexo entre a na-
dos estados. No âmbito dos estados, nas qua-
tureza da geografia do voto do representante,
tro últimas eleições para a Câmara dos Depu-
de um lado, e seu comportamento legislativo,
tados, verifica-se peso político das regiões me-
de outro), deputados com votação concentrada
tropolitanas inferior a seu peso eleitoral. Como
e dispersa no espaço se veem diante de pauta
a Tabela 6 sugere, na vasta maioria dos estados
de incentivos diametralmente opostos: no pri-
federados analisados – onze dos treze estados
meiro caso, os incentivos recaem sobre a ênfa-
nas quatro últimas eleições – as regiões me-
se conferida a bens de natureza desagregada, à
tropolitanas têm representação no Congresso
conduta paroquial, no segundo caso, os incen-
aquém de seus respectivos pesos eleitorais.
tivos conduzem os parlamentares na direção
Se a sub-representação é característica
ênfase em bens públicos e no universalismo.
que se depreende da dinâmica metropolitana
Como mostra a Tabela 7, a quase to-
e da geografia eleitoral dessas áreas, outro
talidade do que chamamos de bancada
Tabela 7 – Percentual de deputados
metropolitanos com perfil de votação concentrado
RM
Deputados
concentrados
Deputados
concentrados
Deputados
concentrados
2006
2002
1998
%
%
%
Deputados
concentrados
1994
%
Salvador
7
100
6
100
5
100
4
100
Fortaleza
3
100
8
100
5
100
4
80
Vitória
3
75
2
40
3
50
3
50
Goiânia
3
100
2
100
4
100
4
100
Belo Horizonte
8
100
7
88
5
83
7
78
Belém
4
100
4
100
4
100
1
100
Recife
4
100
5
100
6
75
6
60
Curitiba
3
100
5
83
7
88
6
100
30
100
30
100
30
100
33
97
Porto Alegre
5
71
5
71
5
50
5
71
Florianópolis
1
100
2
100
1
100
0
0
Campinas
1
100
1
100
3
100
1
100
São Paulo
34
95
32
89
32
94
29
93
106
96
109
91
110
89
103
87
Rio de Janeiro
Total
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Nelson Rojas de Carvalho
metropolitana – deputados com mais de 50%
metropolitano – do município que recebe a
extraídos na RM – têm os votos na região me-
maioria dos votos dos deputados dali egres-
tropolitana concentrados em um único municí-
sos. Selecionando dois pontos no tempo, as
pio.5 Nas quatro eleições aqui analisadas, em
eleições de 1994 e a de 2006, verificamos
média 90% dos deputados eleitos nas 13 Re-
que nossa bancada metropolitana, além de
giões Metropolitanas analisadas apresentam
concentrar a votação, tem seus votos – de
perfil de votação fortemente concentrado em
forma mais do que majoritária – extraídos
um único município.
dos municípios-polo (em geral, as capitais
Se sabemos que os deputados metro-
dos estados) e daqueles municípios mais
politanos (ou o que poderíamos designar
integrados das Regiões Metropolitanas. As
de nossa bancada metropolitana) têm sua
áreas menos integradas, mais periféricas
votação concentrada em um único muni-
das nossas Regiões Metropolitanas pouco se
cípio, cabe por fim identificar a natureza –
acham representadas, como mostram as Ta-
mais ou menos integrada dentro do espaço
belas 7 e 8.
Tabela 8 – Eleições de 1994
Característica de integração do município do deputado metropolitano
Polo
Muita alta
Alta
Média
Baixa
Bahia
6
0
1
0
0
7
Ceará
2
0
0
0
1
3
Espírito Santo
2
2
0
0
0
4
Goiás
3
0
0
0
0
3
Minas Gerais
6
0
1
1
0
8
Pará
4
0
0
0
0
4
Pernambuco
5
0
0
0
0
5
Paraná
3
0
0
0
0
3
Rio de Janeiro
Total
25
5
0
0
0
30
Rio Grande do Sul
5
1
1
0
0
7
Santa Catarina
1
0
0
0
0
1
Campinas
1
0
0
0
0
1
São Paulo
26
8
0
1
0
35
Total
89
16
3
2
1
111
380
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Tabela 9 – Eleições de 2006
Característica de integração do município do deputado metropolitano
Polo
Muita alta
Alta
Média
Baixa
Total
Bahia
4
0
0
0
0
4
6Ceará
5
0
0
0
0
5
Espírito Santo
3
3
0
0
0
6
Goiás
4
0
0
0
0
4
Minas Gerais
6
2
0
1
0
9
Pará
1
0
0
0
0
1
Pernambuco
9
1
0
0
0
10
Paraná
5
1
0
0
0
6
Rio de Janeiro
25
9
1
0
0
35
Rio Grande do Sul
5
1
1
1
0
8
Santa Catarina
0
0
0
0
0
0
Campinas
1
0
0
0
0
1
São Paulo
26
7
1
0
0
34
Total
94
24
3
2
0
123
Conclusões
Nesse artigo, de caráter exploratório, confirmamos algumas teses parcialmente testadas
e apontamos, com revelações novas, para caminhos outros de pesquisa. No primeiro caso,
confirmamos como tendência sistemática de
nosso sistema eleitoral, em sua operacionalização concreta, sub-representar as áreas
mais urbanizadas do país. Vimos, ao longo
das quatro eleições, que tantos as capitais
dos estados, como as cem maiores cidades
do país, como as 13 Regiões Metropolitanas
enviam ao Congresso percentual significativamente menor de deputados do que aquele que se exigiria se o princípio one man,
one vote fosse observado por outro tipo de
distritamento.
Ao lado dessa confirmação, a pesquisa
revelou um padrão de distribuição de voto dos
deputados metropolitanos – padrão predominantemente concentrado – que pode desafiar
supostos tradicionais de nossa sociologia eleitoral. Ora, se sabemos pela literatura voltada
à análise da conexão eleitoral que a extração
concentrada, numa ponta, gera comportamento paroquial, na outra ponta, poderíamos
estar diante de fenômeno novo, não previsto
pelo otimismo da velha sociologia eleitoral: um
paroquialismo com base urbana. É de esperar
que a ausência de temas metropolitanos da
agenda pública tenha por raiz o que podemos
chamar de paroquialismo metropolitano.
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Nelson Rojas de Carvalho
Nelson Rojas de Carvalho
Mestre e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Ciência Política do Instituto Multidisciplinar do Departamento de História e Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) Pesquisas posteriores devem trabalhar a partir de microdados. Temos por hipótese que, ao desagregarmos os municípios, nos confrontaremos com representantes com votação ainda mais
concentrada: redutos dentro dos municípios.
(2) Na última eleição, em 2006, 72 das 100 maiores cidades brasileiras não elegeram sequer um único representante.
(3) A despeito do número crescente de regiões metropolitanas criadas por lei, utilizamo-nos do critério adotado pelo IPPUR/Observatório das Metrópoles na definição das regiões metropolitanas
aqui analisadas.
(4) Brasília está fora de nossa análise, pelo fato de sua região metropolitana abrigar cidades de diferentes estados, notadamente, cidades de Minas e Goiás
(5) Consideramos um deputado metropolitano quando, dos votos obtidos na RM do seu estado, ele
concentra mais de 50% desses votos em um único município.
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Texto recebido em 19/jun/2009
Texto aprovado em 7/ago/2009
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Cultura política
e Orçamento Participativo
Political culture and participatory budget
Luciano Fedozzi
Resumo
O estudo analisa comparativamente dados
construídos nas investigações realizadas com os
Delegados do Orçamento Participativo de Porto
Alegre e com a população de diversas regiões
metropolitanas no país, no âmbito da pesquisa
Cultura Política e Cidadania coordenada pelo
Observatório das Metrópoles (IPPUR-UFRJ). Além
da comparação referida, o exame focaliza outras
duas questões principais entre os delegados
do OP: (a) a existência de valores e de padrões
de atuação expressivos da chamada Nova
Cultura Política discutida internacionalmente;
e (b) a verificação de possíveis transformações
na consciên cia social, decorrente do tempo de
participação no OP, representativas de uma
cultura política democrática, de cidadania ativa e
de fortalecimento do capital social.
Abstract
The study compares data provided by investigations
carried out with the Participatory Budget
(henceforth PB) Delegates of Porto Alegre (South
region of Brazil) and with the population of several
metropolitan areas in the country, in the scope
of the research Political Culture and Citizenship,
coordinated by the Observatory of Metropolises
(IPPUR-UFRJ). Besides the referred comparison, the
study focuses on two other main matters among
the PB delegates: (a) the existence of values and
performance standards which express the so-called
New Political Culture, which has been discussed
internationally; and (b) the verification of possible
transformations in the social conscience, deriving
from time of participation in the PB, which are
representative of a democratic political culture, of
active citizenship and of strengthening of the social
capital.
Palavras-chave: orçamento participativo; cultura política; cidadania; capital social; nova cultura
política.
Keywords:
participatory budget; political
culture; citizenship; social capital; new political
culture
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Metropolitanas do país, incluindo-se a Região
Introdução
Metropolitana de Porto Alegre3 (RMPA), assim
O presente estudo apresenta os resultados da
como indicadores de outros países.
pesquisa que efetuou análise comparativa de
dados produzidos sobre cultura política e cidadania entre os delegados do Orçamento Participativo de Porto Alegre (doravante OP) e os
O Orçamento Participativo
de Porto Alegre
dados extraídos da investigação realizada em
diversas Regiões Metropolitanas do país.
O OP é uma prática de democracia participa-
A intenção foi perceber se o OP, como
tiva local que goza de legitimidade e de reco-
forma de gestão urbana, agregadora de ação
nhecimento públicos, local, nacional e interna-
social e de formas associativas que constituem
cional, cujo funcionamento está completando
o capital social da cidade, apresenta indicado-
duas décadas em 2009. Julga-se, portanto, que
res de cultura política e de cidadania distintos
as questões acima elencadas possam ajudar a
da população das Regiões Metropolitanas e
elucidar a hipótese geral que associa a prática
das capitais pesquisadas no país, no âmbito
da participação à aprendizagem democrática,
da investigação Cultura Política e Cidadania
seja relacionada ao fortalecimento da dimen-
realizada pelo Observatório das Metrópoles
são institucional ou relacionada à construção
(IPPUR/UFRJ) em parceria com o Instituto de
de novos valores e de padrões de ação de ci-
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
dadania ativa dos atores da sociedade civil,
(CS-UL) e o IUPERJ (Instituto Universitário de
especialmente em contextos de profunda de-
Pesquisas do Rio de Janeiro).1
sigualdade social e de vigência de uma cultura
Intenciona-se fornecer parâmetros empíricos e interpretativos ante duas questões
societária autoritária e passiva, como é o caso
do Brasil.
principais: a) a possível expressão de valores
Frise-se que os achados da pesquisa
e de práticas de atuação dos delegados do
não podem ser generalizados como represen-
OP consoantes a denominada Nova Cultu-
tativos de todos os participantes do OP. Isso
ra Política2 (Clark e Inglehart, 1998; Cabral e
porque na estrutura de funcionamento dessa
Silva, s/d; Azevedo, Santos Jr. e Ribeiro, 2007;
modalidade de gestão local, os delegados
e b) a verificação – ante a tradição autoritá-
formam instâncias representativas da ampla
ria brasileira – de possíveis relações positivas
base social que participa das assembleias Re-
entre a participação na decisões da gestão
gionais (17) e Temáticas (6) abertas a todos os
pública local e a construção de uma cultura
indivíduos a cada ano. Os delegados consti-
política democrática, promotora de cidadania
tuem, portanto, um grupo relativamente sele-
ativa e de fortalecimento do capital social. São
to, eleitos na proporção de um para cada dez
abordados indicadores que permitem compa-
participantes nas assembléias. Eles formam os
ração com dados sobre a cultura política ex-
Fóruns de Delegados (FROP´s) em cada região
traídos da investigação em diversas Regiões
ou tema do OP, instâncias intermediárias de
386
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Cultura política e Orçamento Participativo
mediação e de relativo poder de decisão dian-
de 40 anos ou mais (37,9% têm 50 anos ou
te das comunidades que representam e diante
mais), de cor branca, ensino fundamental (in-
do governo durante todo o ciclo anual no fun-
completo ou completo), possuem renda fami-
cionamento do processo participativo. Acima
liar de até cinco salários mínimos, são chefes
dos delegados, está o Conselho do Orçamento
de família, possuem situações de emprego que
Participativo (COP), também eleito pelas as-
lhes permite flexibilidade no exercício da carga
sembleias anuais conforme o critério de dois
horária e residem em Porto Alegre há quase
conselheiros titulares e dois suplentes em ca-
três décadas.
da região e temática. O COP é a instância máxima de decisão do OP que também tem funcionamento permanente durante todo o ciclo
anual do orçamento.4
Metodologia e perfil
sociodemográfico da amostra
OP, cultura política
e cidadania
A investigação debruçou-se sobre um conjunto
de itens investigados em todas as cidades: importância das esferas governamentais, deveres
e direitos de cidadania, grau de interesse pela
A investigação utilizou-se de amostra proba-
política, avaliação da democracia e percepção
bilística inferida a partir do perfil social, em
da administração pública, mobilização socio-
termos de sexo, escolaridade e faixa etária dos
política e disposição para a ação, confiança e
delegados do OP, conforme os percentuais
eficácia da ação, nível de associativismo e de
5
desses indicadores existentes (2005). O nú-
ação política e social. Em cada um dos itens
mero de entrevistados (383 casos) corresponde
realizaram-se cruzamentos estatísticos com as
ao mesmo número que compôs a amostra da
variáveis: nível de ensino, renda familiar, gêne-
população de Porto Alegre incluída na amostra
ro, faixas etárias e raça/etnia. Pode-se adiantar
geral da RMPA (768 entrevistados). Todas as
a constatação de que no conjunto dos itens as
17 Regiões e as 6 Assembleias Temáticas que
médias apresentadas pelos delegados do OP
constituem as formas de base da participação
são superiores às verificadas com os grupos
no OP estiveram representadas. A pesquisa foi
das regiões metropolitanas e das capitais pes-
realizada em novembro de 2008 e os respon-
quisadas (com exceção do dever de escolher
dentes foram selecionados a partir das listas
produtos por razões políticas, éticas ou am-
dos delegados para o orçamento de 2009.
bientais). Esta constatação, ao se apresentar de
O perfil dos entrevistados é constituído,
em síntese, pela paridade entre os sexos, idade
forma generalizada, é central para os objetivos
do estudo, como se verá a seguir.
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Luciano Fedozzi
de forma importante nas condições de vida da
Valores da cidadania
na cultura política
dos delegados do OP
população.
Direitos e deveres do bom exercício
da cidadania
Importância das esferas
governamentais do Estado
Os resultados obtidos com as perguntas sobre
Os dados comparativos sobre a importância
os deveres o os direitos da cidadania junto aos
atribuída às eleições nos níveis de represen-
delegados do OP demonstram que tanto nos
tação da União mostram que a instância local
quesitos dos deveres quanto nos dos direitos
goza de grande prestígio entre os delegados
quase todas as médias são superiores às verifi-
do OP. Comparativamente aos dados da RMPA,
cadas nas demais cidades pesquisadas no país.
as eleições municipais foram avaliadas pelos
Por se dar no conjunto das médias, os dados
delegados do OP como “muito importantes”
adquirem importância significativa e podem
por 77% (contra 46,6% da RMPA), as eleições
revelar relações positivas entre a participação
legislativas por 73,9% (contra 39,5%) e as elei-
social oportunizada por esse novo modelo de
ções presidenciais por 81,5% dos entrevistados
gestão pública e a construção de uma cultura
(contra 59,8%). Portanto, o sentimento de pro-
política cidadã.
ximidade com o município é elevado. Junta-
Como se pode ver, a maior média na per-
mente com a região, o município é a instância
gunta sobre dever da cidadania é a da alterna-
que obteve o maior percentual de percepção
tiva “ajudar as pessoas necessitadas do Brasil”,
“muito perto” (25,6%), comparativamente
apontada como “muito importante” por 87,5%
ao Brasil (14,6%) e à América Latina (8,9%).
dos delegados do OP. A seguir, ressaltam-se as
Note-se que os percentuais não indicam perda
respostas “manter-se informado sobre as ativi-
da centralidade desempenhada pelo governo
dades do governo” e “participar em organiza-
federal (ou pela presidência da república, no
ções sociais ou partidos”, também classificadas
imaginário popular), mas, contrariamente, há
como “muito importante” por, respectivamen-
um papel significativo que também é atribuí-
te, 83,8% e 80,2%.
do à instância local, na medida em que esta se
mostra eficaz ante as demandas dos cidadãos.
Quando se trata da percepção sobre os
direitos da cidadania, a resposta “nível de vida
Esses dados, provavelmente, advêm da
digno” é a mais apontada (“muito importan-
experiência adquirida na prática da participa-
te” para 97,4%), seguida pelas respostas que
ção nas decisões locais, cuja sistemática con-
dizem que os “políticos devem escutar os ci-
tínua e longeva provavelmente contribua para
dadãos antes de tomarem as decisões” e que
reconhecer o papel dessa instância institucio-
“as autoridades devem tratar todas as pessoas
nal da Federação. O município passou a ser vis-
como iguais”, independentemente de sua po-
to também como ente responsável pela admi-
sição social (95% avaliam as duas respostas
nistração da coisa pública, que pode interferir
como “muito importantes”).
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Cultura política e Orçamento Participativo
Tabela 1 – Opiniões sobre os deveres relativos ao bom exercício da cidadania.
Brasil, cidades selecionadas e delegados do OP
Deveres relativos à cidadania
Brasil
São
Paulo
Porto
Alegre
Porto Alegre/
Delegados
do OP
Rio de
Janeiro
Belo
Horizonte
Recife
Natal
Goiânia
a) Votar sempre nas eleições
5,68
5,56
5,63
6,56
5,44
5,98
5,87
5,90
5,88
b) Nunca sonegar impostos
5,71
5,76
5,81
6,55
5,70
6,12
5,91
6,20
5,99
c) Obedecer sempre às leis
6,12
5,93
6,01
6,29
6,07
6,04
6,27
6,28
6,25
d) Manter-se informado sobre o
governo
5,68
5,64
5,77
6,73
5,71
5,04
5,84
6,17
6,01
e) Participar em organizações
sociais ou partidos
4,61
3,98
4,62
6,63
4,62
4,06
5,05
5,34
4,99
f) Tentar compreender diferentes
opiniões
5,74
5,74
5,72
6,59
5,84
6,02
6,16
6,22
5,88
g) Escolher produtos por razões
políticas, éticas ou ambientais
4,36
4,04
4,80
4,58
4,50
4,80
4,90
5,38
4,77
h) Ajudar as pessoas necessitadas
do Brasil
6,46
6,30
6,23
6,79
6,42
6,35
6,66
6,72
6,34
i) Ajudar as pessoas de outras
partes do mundo
6,23
6,06
5,63
6,50
6,17
5,88
6,43
6,60
6,26
j) Prestar serviço militar
5,05
4,23
4,51
5,59
5,20
4,96
5,34
5,75
5,25
Média
5,57
5,32
5,48
6,28
5,61
5,53
5,86
6,06
5,77
N
2000
384
384
370
500
384
384
384
384
2
Nota: χ (18) = 249,034 ; p < 0,001.
Obs.: Indicador de 1 a 7 , sendo 7 – Muito importante e 1 – Nada importante.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre (2008).
Tabela 2 – Opiniões sobre os direitos de cidadania.
Brasil, cidades selecionadas e delegados do OP
Direitos do cidadão
Brasil
São
Paulo
Porto
Alegre
Porto Alegre/
Delegados
do OP
Rio de
Janeiro
Belo
Horizonte
Recife
Natal
Goiânia
a) Nível de vida digno
6,64
6,55
6,59
6,97
6,71
6,68
6,68
6,79
6,68
b) Autoridades respeitarem os
direitos das minorias
6,46
6,45
6,56
6,90
6,61
5,63
6,68
6,69
6,73
c) Autoridades tratarem todas as
pessoas como iguais
6,66
6,57
6,57
6,91
6,76
6,63
6,70
6,77
6,81
d) Políticos escutarem os cidadãos
6,55
6,38
6,54
6,92
6,73
6,45
6,53
6,54
6,67
e) Ter mais oportunidades de
participar das decisões de interesse
público
6,46
6,23
6,35
6,88
6,69
6,41
6,40
6,64
6,46
Média
6,55
6,44
6,52
6,92
6,71
6,36
6,60
6,69
6,67
N
2000
384
384
380
500
384
384
384
384
Nota: χ2 (18) = 249,034 ; p < 0,001.
Obs.: Indicador de 1 a 7 , sendo 7 – Muito importante e 1– Nada importante.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre (2008).
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Luciano Fedozzi
Considerando-se que os tipos de respos-
6,47 dos homens) e quanto à ajuda aos neces-
tas mais valorizadas estão relacionadas aos
sitados no Brasil (média 6,92 contra 6,65 dos
temas da desigualdade social e das práticas
homens). Essas características são consoantes
participativas e fiscalizatórias no âmbito da
com as encontradas na base social dos partici-
sociedade civil, as médias das respostas indi-
pantes do OP, pois a maioria dos participantes
cam que a cultura política de cidadania, para
das Associações de Moradores (AM´s) são mu-
a grande maioria dos delegados do OP, está
lheres. Além disso, as mulheres conquistaram,
associada principalmente a um padrão de re-
gradativamente, paridade ou até maioria nos
presentações com características que podem
postos de direção das instâncias participativas,
indicar o fortalecimento, nesse grupo social, de
seja do OP (delegadas e conselheiras), seja da
princípios democráticos e republicanos histori-
direção das AM´s. Por outro lado, conforme de-
camente frágeis na matriz de ordenamento da
monstram estudos anteriores, o estado civil é
sociedade brasileira, quais sejam: a) um forte
uma variável que diferencia os gêneros quan-
conteúdo igualitário que contraria a histórica
desigualdade social e civil da sociedade brasileira; b) a importância da participação nas organizações sociais e nos partidos no âmbito da
sociedae civil ; e c) o exercício do controle social
e da transparência das ações governamentais.
to às oportunidades de eleição para os cargos
diretivos das instâncias do OP e das AM´s. A
presença das mulheres é proporcional somente
nas condições em que elas se encontram “independentes” dos laços de matrimônio (solteiras, separadas, viúvas). É provável que isso
expresse tanto a vigência da cultura patriarcal,
impedindo-as de exercer papéis na esfera dos
Deveres e direitos da cidadania conforme
sexo, escolaridade, renda e faixa etária
“negócios públicos”, assim como seja consequência da dupla jornada de trabalho (Fedozzi,
2007, p. 15).
O conjunto das médias obtidas sobre os direi-
Também a renda familiar se mostra inter-
tos e deveres de cidadania não apresentam
veniente no padrão das respostas, mas apenas
diferenças significativas quando analisadas por
para destacar as opiniões significativamente
sexo, escolaridade, renda e faixa etária. Vale,
diferentes do grupo com maior renda (superior
entretanto, ressaltar alguns aspectos separan-
a 10 salários mínimos). Estes, na maior parte
do-se deveres e direitos.
dos deveres, apresentam médias superiores
(Tabela 3). Veja-se que o grupo com maior renda apresenta diferenças significativas nos tipos
Deveres de cidadania
de deveres de cidadania associados, por um
lado, à solidariedade com os mais necessita-
As mulheres se destacam, como exceção, nos
dos no Brasil e no mundo, mas, por outro lado,
deveres de ativismo social e de preocupação
com um conjunto coerente de respostas que
com a solidariedade. As médias das mulheres
podem representar uma tendência à manuten-
são significativas quanto à participação em
ção da ordem social e do controle do Estado
associações e movimentos (média 6,78 contra
(votar sempre, não sonegar impostos, obedecer
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Cultura política e Orçamento Participativo
Tabela 3 – Médias dos deveres relativos
à cidadania e renda familiar dos delegados do OP
Renda
familiar
Votar nas
eleições
Média
Não sonegar
impostos
Obedecer
a lei
Informar-se
das
atividades
do governo
Escolher
Ajudar
Participar de
Compreender produtos por
Ajudar
necessitados
associações
opiniões
razões éticas necessitados de outras
e
diferentes
políticas
no Brasil
partes do
movimentos
ambientais
mundo
Prestar
serviço
militar
Até 2 SM
6,41
6,62
6,72
6,33
6,78
6,74
6,60
4,62
6,84
6,58
5,74
2 a 5 SM
6,31
6,59
6,41
6,31
6,71
6,66
6,57
4,47
6,77
6,49
5,64
5 a 10 SM
6,23
6,23
6,46
6,12
6,62
6,38
6,50
4,83
6,66
6,28
5,03
Mais de 10 SM
6,70
6,88 (+)
6,94 (+)
6,69 (+)
7,00 (+)
6,75
6,75
5,56
7,00 (+)
6,88 (+)
5,69
Conjunto
6,34
6,56
6,55
6,29
6,73
6,63
6,59
4,58
6,79
6,50
5,59
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para mais do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
à lei, informar-se sobre o governo). Não apre-
de instrução (até a 4ª série fundamental) tenha
sentam, assim, médias distintas em deveres
obtido uma média geral levemente maior em
que poderiam caracterizar uma consciência de
relação ao grupo com nível de escolaridade
caráter democrático societário, aberta a trans-
superior (6,75 contra 6,63), a variável nível
formações sociais, como escolha de produtos
de ensino – derivada dos capitais econômico
por razões éticas, políticas e ambientais, com-
e cultural –, não demonstra ser um fator que
preender as opiniões diferentes e participar de
distingue, de forma significativa, a opinião dos
associações e movimentos.
delegados do OP quanto aos direitos de cidadania. Esse fenômeno é reforçado pelo fato
de que os dois polos da estratificação escolar
Direitos de cidadania
(instrução até a 4ª série fundamental e ensino
superior) destacam-se nos mesmos tipos de di-
No que tange aos direitos de cidadania, perce-
reitos que apresentam médias estatisticamen-
be-se semelhança no padrão das opiniões en-
te significativas (média 7): o direito de nível de
tre os públicos com distintos níveis de escolari-
vida digno e o direito de respeito das autorida-
dade. Isto é, embora o grupo com menor nível
des pelas minorias.
Tabela 4 – Médias dos direitos dos cidadãos e escolaridade
Escolaridade
Média
Nível de
vida digno
Autoridades
respeitarem
minorias
Autoridades
tratarem todos
como iguais
Políticos
escutarem
cidadãos
Participação
nas decisões de
interesse público
Participar em
desobediência
civil
5,69
Até 4ª série fundamental
6,75
7,00 (+)
7,00 (+)
6,95
6,92
6,92
5ª 8ª série fundamental
6,54
6,96
6,89
6,91
6,82
6,87
4,79
Ensino médio
6,60
6,97
6,86
6,93
6,97
6,93
4,94
Ensino superior
6,63
7,00 (+)
6,98 (+)
6,84
7,00 (+)
6,78
5,17
Conjunto
6,60
6,97
6,90
6,91
6,92
6,88
5,00
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para mais do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
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No quesito dos direitos (assim como vis-
jovens (18-29 anos) comparativamente às de-
to no dos deveres), é a renda familiar a variável
mais faixas de idade, embora sem adquirir sig-
que mais interfere na diferença de percepção
nificância estatística (6,59 contra 6,58).
sobre os direitos de cidadania (Tabela 5). Os
Esse fato pode expressar uma importan-
segmentos com renda familiar a partir de mais
te transformação na cultura política autoritária
de 5 salários mínimos se destacam por valori-
e excludente do país. Provavelmente, repre-
zar de forma significativa direitos ligados aos
senta o avanço da consciência negra que vem
temas da igualdade social e civil e à relação
ocorrendo nas últimas décadas no país. No
democrática dos políticos com a população. O
OP, os negros são super-representados, pois
tema das minorias talvez seja o que mais apro-
somam 23% dos participantes contra 8,7% na
xima esses segmentos da representação de
população (Cidade, 2003, IBGE, 2000).
uma nova cultura política.
Se os dados analisados até agora de-
Fica fora do rol dos direitos, quando
monstram de certa forma as percepções re-
analisados pelas variáveis renda e escolarida-
distributivistas, participativas e de exercício
de, o direito de participação em ações de
da accountability na cultura dos participan-
desobediên cia civil. Aliás, esse direito é
tes mais engajados no funcionamento do OP
relevante estatisticamente apenas quando são
(como o são os delegados), vale destacar que
analisadas as médias das respostas de acordo
revelam limites da cultura política predominan-
com o critério racial/étnico. O grupo de cor
te desse público, ante uma perspectiva mais
preta é o único grupo, isoladamente, que apre-
crítica e transformadora da ordem social. Isso
senta essa disposição (média de 5,75, contra
pode ser percebido, por exemplo, pelas res-
4,79 dos brancos e 4,39 dos pardos, amarelos
postas obtidas no tema da obediência ou do
e indígenas). Além disso, quanto aos direitos
conflito com a lei. A média da resposta à pergunta “obedecer sempre à lei e regulamentos”
(6,29) é maior comparativamente às demais
regiões do país pesquisadas (e à população de
Porto Alegre). Ela foi classificada como “muito
de cidadania, os pretos obtêm uma média geral superior na comparação com os brancos
(embora sem significância estatística) (6,74
contra 6,56), o que também ocorre com os
Tabela 5 – Médias dos direitos dos cidadãos
e renda familiar dos delegados do OP
Média
Nível de
vida digno
Autoridades
respeitarem
minorias
Autoridades
tratarem todos
como iguais
Políticos
escutarem
cidadãos
Participação
nas decisões de
interesse público
Participar em
desobediência
civil
Até 2 SM
6,59
6,97
6,92
6,88
6,89
6,91
4,97
2 a 5 SM
6,61
6,96
6,89
6,93
6,90
6,89
5,06
5 a 10 SM
6,61
7,00 (+)
7,00 (+)
6,87
6,97
6,80
5,00
Mais de 10 SM
6,67
7,00 (+)
7,00 (+)
7,00 (+)
7,00 (+)
6,88
5,13
Conjunto
6,60
6,97
6,90
6,91
6,92
6,88
5,00
Renda familiar
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para mais do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
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Cultura política e Orçamento Participativo
importante” por 64%. Há ainda uma clara di-
um dever “muito importante”. A baixa valora-
visão de opiniões quando se trata do conflito
ção desse dever constituiu exceção ao padrão
entre “seguir a lei ou a própria consciência em
de médias mais altas obtidas com os delega-
certas ocasiões”. Da mesma forma, o direito à
dos do OP em comparação com outras regiões
“participação em ações de desobediência civil”
e cidades (ver Tabela 1). Uma das causas pa-
obteve o menor percentual entre as respostas
ra isso pode estar na baixa renda familiar da
sobre os direitos. É o único classificado como
maioria dos participantes que dificulta a prá-
“muito importante” por menos da metade dos
tica da aquisição de produtos mais onerosos.
respondentes (41,3%).
Não obstante, 37,3% declarou que nunca faria
Ora, se, por um lado, a adesão norma-
esse tipo de ação. O dado questiona, dentre os
tiva à ordem racional-legal pode representar
delegados do OP, a hipótese do alargamento
um avanço civilizatório, pois a perspectiva do
ou mesmo do deslocamento, no âmbito de
sistema social enseja possibilidades da cons-
uma Nova Cultura Política, da problematização
ciência de cidadania baseada nas normas im-
dos temas clássicos ligados à desigualdade so-
pessoais como critério de justiça (ante a tradi-
cial para temas de caráter sociocultural. Essa
ção particularista, patrimonialista e pessoali-
hipótese é reforçada pelo fato de que é baixa
zada da híbrida formação brasileira, conforme
a importância atribuída no OP à discussão de
apontam estudos clássicos (Holanda, 1993;
questões específicas e menos pragmáticas ou
Faoro, 1958; DaMatta, 1991a e 1991b), por
concretas, a exemplo do meio ambiente e do
outro lado, esse estágio de consciência repre-
desenvolvimento sustentável, das políticas pa-
sentativo da “Lei e da Ordem” é compatível
ra gênero, juventude e questões racial-étnicas,
com a perspectiva de uma cidadania confor-
questão esta que têm sido apontada como as-
mada. Ele não expressa ainda uma consciên-
pecto falho do mesmo.7
cia crítica que sobrepõe a justiça necessária
Sintetizando a análise dos dados até o
ao ordenamento jurídico-político ou aos va-
presente momento, pode-se dizer que eles não
lores dominantes na sociedade, como é caso
apóiam a hipótese de que a participação esta-
da consciência pós-convencional (Kohlberg,
ria ocorrendo a partir da construção de valores
1969 e 1981; Habermas, 1983 e 1989), quan-
e de padrões de atuação consoantes com a No-
do valores como justiça, liberdade e igualdade
va Cultura Política. Isso porque as percepções
adquirem prioridade sobre os demais direitos
dos direitos e dos deveres de cidadania, para a
6
(propriedade) da ordem social.
Chama a atenção ainda a menor importância atribuída àquele rol de deveres contemporâneos atribuídos ao consumo responsável
que é parte de uma Nova Cultura Política mundial. A resposta “escolher produtos por razões
políticas, éticas ou ambientais, mesmo que eles
custem mais caro” obteve a menor média entre todas (4,58) e apenas 30,8% o consideram
grande maioria dos delegados do OP (de todos
os segmentos de renda e de níveis de ensino)
estão associadas a um forte conteúdo igualitário como tarefa clássica não resolvida pela
sociedade brasileira. Nessa tarefa, segundo os
investigados, o Estado continua exercendo papel central no provimento do bem-estar social,
devendo fazê-lo com participação e controle da
sociedade civil.
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Luciano Fedozzi
Deveres e direitos de cidadania
e tempo de participação no OP
Talvez o dado que mais contribua para relativizar a profundidade dos possíveis efeitos da
participação social promovida pelo OP na ge-
Grau de interesse pela
política, avaliação da
democracia e percepção
da administração pública
no Brasil
ração de uma cultura política cidadã e crítica
seja o fato de que não se constatam alterações
Os delegados do OP demonstram altos índices
importantes na percepção dos direitos e dos
de interesse pela política. Comparativamente às
deveres de cidadania associados ao maior tem-
regiões pesquisadas no país eles obtêm isola-
po de participação no OP.
A inexistência de correlação positiva entre o tempo de participação e o aumento das
médias representativas dos direitos e dos deveres problematiza o possível alcance e o nível de
profundidade dos efeitos do OP na consciência
social dos participantes, algo que é comumente
atribuído a esse processo participativo. Entretanto, como se verá mais adiante, o possível
papel de “escola de cidadania” do OP tornase mais plausível no nível de crescimento do
ativismo em todas as modalidades de ação
sociopolítica, assim como no nível associado à
atividade política propriamente dita, na atitude crítica quanto às formas de gestão pública
e na valorização do regime democrático participativo. Ou seja, há clara tendência de crescimento destes itens associados ao maior tempo
de exposição ao OP. Esses aspectos, embora
menos profundos na topologia da consciência
social e com assimetrias decorrentes da renda
familiar, da escolaridade e das faixas etárias,
sugerem que o OP é uma estrutura de oportunidades que está promovendo mudanças da
cultura política, em favor da cidadania ativa e
do fortalecimento do capital social, fenômeno
que contrasta com o contexto de descrédito na
política e na própria eficácia da ação coletiva.
damente a maior média (Tabela 6) e altos per-
394
Book CM v11_n22.indb 394
centuais que medem o grau de interesse: 76,2%
corresponde à soma das categorias “muito interesse” (45,2%) e “algum interesse” (29,2%).
Dois fatores demonstram interveniência
significativa no nível de interesse pela política
dentre os delegados do OP: o tempo de participação e o nível de ensino (Tabela 7).
A associação significativa entre maior
tempo de participação no OP e o maior interesse pela política sugere aprendizagens importantes para a formação de uma cultura democrática, aumentando a valoração da política
como instância de mediação social.
Essa percepção relativamente positiva
quanto à política é acompanhada de relativa adesão normativa ao regime democrático,
pois quase 85% considera que “a democracia
é um regime bom”. Além disso, o alto percentual dos que avaliam que é “muito importante”
votar sempre nas eleições fortalece a hipótese
de que a experiência mais intensa com o OP –
como é o caso da função desempenhada pelos
delegados – pode estar vinculada à criação
de uma cultura que contraria o disseminado
descrédito na política, conforme a tradição autoritária do país e a realidade das sociedades
contemporâneas.
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Cultura política e Orçamento Participativo
Tabela 6 – Grau de Interesse na Política.
Brasil e cidades selecionadas, 2006. Delegados do OP, 2008.
São Paulo
Média
N
2,29 d
381
Porto Alegre
2,24 d
378
Porto Alegre/Delegados do OP
3,15
380
Rio de Janeiro
1,90 b
487
Belo Horizonte
1,64 a
374
Recife
1,95 b, c
369
Natal
1,68 a
374
Goiânia
2,07 c
380
Brasil
1,88
1954
Notas: Escala: 1 – não tem interesse nenhum a 4 – muito interessado. ANOVA: F (6, 2736) = 27,829 ; p <0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si e letras iguais representam grupos não
estatisticamente diferentes entre si. Duncan a p <0,05.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
Tabela 7 – Médias do grau de interesse na política
e tempo de participação dos Delegados do OP
Tempo participação OP
Interesse na política
Menos de 4 anos
3,01
De 4 a 12 anos
3,08
12 anos ou mais
3,60 (+)
Conjunto
3,15
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para mais do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
Não obstante, a adesão normativa aos
democrático, há resquícios consideráveis da
valores democráticos deve ser relativizada. Is-
matriz histórica da cultura política no país que
so porque parcela considerável (41%) admite
dão margem a opções autoritárias. Essa tensão
que o governo, quando considerar necessário,
é captada pela percepção sobre o papel dos
deve limitar os direitos democráticos, contra
partidos políticos. Por um lado, a maioria dos
50,1% que entende que isso não deve ocorrer
delegados do OP entende que estas instituições
em nenhuma circunstância (8,9% não sabe ou
clássicas “incentivam as pessoas a serem poli-
não respondeu). Esses dados podem indicar
ticamente ativas” (45,2% “concordam” e 6,8%
que, apesar da evolução na adesão ao regime
“concordam totalmente” com a afirmação).
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Luciano Fedozzi
Mas, ao mesmo tempo, a maioria expressa po-
continua obtendo o maior percentual de pre-
sição crítica quanto ao papel de representação
ferência (38,9%), seguido pelo PMDB (11%),
que os partidos políticos exercem, pois enten-
partido atual do Prefeito.8 A alta taxa de ade-
dem que eles “não dão aos eleitores escolhas
são partidária entre os delegados do OP pode
políticas reais” (52,2% “concordam” e 11,5%
significar, por outro lado, um processo de parti-
“concordam totalmente” com essa interpre-
darização e de captura do mesmo, embora esta
tação). Esses dados são coerentes com uma
hipótese deva ser relativizada. Isso porque nas
dupla situação vivenciada pelos delegados do
assembleias regionais e temáticas anuais, que
OP: a alta adesão aos partidos políticos e, ao
são a base do processo, praticamente metade
mesmo, a forte identificação com outras orga-
não tem preferência partidária.9 Essa identifi-
nizações da sociedade civil como as que melhor
cação com os partidos ocorre em grau maior
representam seus interesses, principalmente as
nas instâncias de representação, sejam elas
AM´s e os sindicatos (Tabela 8).
intermediárias, como os Fóruns de Delegados
(regionais e temáticos) ou no Conselho do OP
De fato, quase metade dos delegados do
(COP), instância máxima de sua estrutura.
OP pertence ou já pertenceu aos partidos políticos, sendo que 30,5% participa ativamente
A importância do pertencimento aos
deles. Outros 61,9% participou de reunião polí-
partidos e de suas consequências na dinâmica
tica ou comício no último ano. Esses índices são
da cultura política dos delegados do OP não
elevados em relação aos eleitores.
deve ser superestimada. Primeiro, porque o
Em termos de identificação partidária
vínculo com os partidos não é suficiente pa-
apenas 23,8% declarou não possuí-la. O PT
ra definir a opção eleitoral dos delegados. A
Tabela 8 – Instituições e entidades que melhor defendem os interesses
segundo delegados do OP
Num. Cit.
(ordem 1)
Freq.
%
Num. Cit.
(ordem 2)
Freq.
%
Num Cit.
(ordem 3)
Freq.
%
Políticos
30
7,8
48
12,5
78
20,4
Partidos
29
7,6
41
10,7
70
18,3
Juízes
39
10,2
29
7,6
68
17,8
Sindicatos e associações profissionais
53
13,8
55
14,4
108
28,2
Igrejas ou cultos religiosos
21
5,5
19
5,0
40
10,4
Organizações não-governamentais
39
10,2
42
11,0
81
21,1
155
40,5
89
23,2
244
63,7
7
1,8
16
4,2
23
6,0
10
2,6
14
3,7
24
6,3
Representação
Associações de moradores
N.S.
N.R.
Total Obs.
383
383
383
Obs.: questão de escolha múltipla com duas opções por ordem de importância.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre, 2008.
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Cultura política e Orçamento Participativo
grande maioria entende que nas eleições para
Pode-se aventar a hipótese de que o gru-
prefeito é mais importante votar no candida-
po participante constituído pelos delegados do
to e não no partido (78,3% contra 19,8%).
OP adquiriu certa aprendizagem e conhecimen-
Em segundo lugar, como visto, o pertenci-
to prático que lhe permite fazer parte do jogo
mento aos partidos não obscurece a forte
político-institucional com seus custos e benefí-
representatividade de outras organizações
cios. A experiência advinda da proximidade do
sociais no OP.
jogo de conflitos, alianças e contradições que
O tempo de participação, todavia, não
constituem a formação e o exercício do poder
é a única variável interveniente para medir o
local pode ter propiciado sentido à dimensão
grau de interesse pela política entre os dele-
política que normalmente não é oportunizada
gados do OP. Como já mencionado, a escolari-
de forma tão intensa e palpável para o conjun-
dade tem associação direta nesse item. O gru-
to da população. Todavia, a ação coletiva dessa
po com ensino de 5ª a 8ª série fundamental
camada de militantes sociais se ancora priorita-
apresenta proporcionalmente menos interesse
riamente nos laços que constituem as redes de
e o grupo com ensino superior, mais interesse
interesses articulados em determinado território
pela política (Tabela 9). Embora sem signifi-
da cidade ou por temas específicos. Nesse nível
cância estatística, os jovens também expres-
de ação é que se dá sua identidade maior e seu
sam menor interesse pela política em relação
sentido de pertencimento social pela mediação
às demais faixas de idades.
operada pelo OP com a dimensão institucional.
Tabela 9 - Médias do grau de interesse
na política e escolaridade dos delegados do OP
Escola 21
Interesse na política
Até a 4ª série fundamental
2,84
5 a 8 ª série fundamental
2,92 (-)
Ensino médio
3,31
Ensino superior
3,44 (+)
Conjunto
3,15
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (-)
e de (+) correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para menos e para mais do conjunto
da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Delegados do OP de Porto Alegre, 2008. Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
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Esse “otimismo”, todavia, contrasta com
Esse juízo negativo também é válido
a avaliação que os delegados fazem sobre a
para a percepção expressa sobre a prática da
prática real dos governantes e sobre a percep-
administração pública em geral no país. Os
ção que eles têm da administração pública no
dados, em geral, indicam uma percepção do
Brasil. Em geral, opinam que a relação é de obe-
funcionamento da administração pública ainda
diência dos cidadãos às decisões que são toma-
caracterizada pelos moldes tradicionais do par-
das exclusivamente pelos governantes (Tabela
ticularismo, do patrimonialismo e do clientelis-
10). Contrariamente a esse tipo de democracia
mo. Apesar de a maioria entender que há um
delegativa (O´Donnell, 1991), os membros do
relativo compromisso da administração pública
OP posicionam-se pela ideia de que “os gover-
com as pessoas na prestação dos serviços,10 a
nantes devem ouvir as opiniões dos cidadãos e
percepção é de baixa existência do conteúdo
decidir de acordo com a maioria (86,2%)”. Eles
da res publica na gestão do Estado, pois para
apresentam uma autoavaliação positiva sobre
60,1% a corrupção envolveria muitos ou todos
competências políticas, entendem que têm algo
os membros da administração pública (contra
a dizer sobre o que o governo faz e julgam-se
6,8% que opina que quase ninguém ou poucas
com boa compreensão e mais informados do
pessoas estariam envolvidas e outros 32,9%
que a maioria das pessoas para opinar sobre
que entendem ser apenas alguns). A prática da
assuntos políticos. Para eles, a população está
corrupção se constituiria em problema endêmi-
excluída das decisões, a gestão governamental
co no país.
Embora não tenha havido perguntas es-
no Brasil não é transparente e não tem interes-
pecíficas quanto à experiência de Porto Alegre,
se em valorizar a opinião popular.
Tabela 10 – Forma de atuação dos governantes no Brasil segundo delegados do OP
Forma de ação dos governantes
Os governantes tomam decisões importantes e os cidadãos obedecem
Casos
%
255
66,6
Os governantes decidem, mas antes de aplicarem as decisões explicam-se aos cidadãos
70
18,3
Os governantes ouvem as opiniões dos cidadãos antes e decidem em conformidade com a maioria
45
11,7
N.S.
11
2,9
N.R.
2
0,5
383
100
Total
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre 2008.
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alguns dados de outras pesquisas parecem
Outros dados corroboram a opinião sobre
constrastar as opiniões acima esboçadas quan-
a atualidade das práticas tradicionais que mar-
to à eficácia e à transparência da prática go-
cam a formação do Estado e da sociedade bra-
vernamental local. Como demonstra a Tabela
sileira: mais de 70% considera que os vínculos
abaixo, é alto o percentual que avalia a exis-
pessoais são determinantes para o acesso
tência de poder real das comunidades no com-
aos bens e serviços públicos, mais da metade
partilhamento das decisões orçamentárias com
(56,9%) demonstra desconfiança na ação dos
o governo (Tabela 11).11
governantes e 71% expressa a opinião de que
O sentimento de impunidade ou de impossibilidade de reversão de possíveis erros co-
a maior parte dos políticos está na política para
obter vantagens pessoais.
metidos por gestores é outro indicativo da des-
A desconfiança que se expressa em rela-
confiança nos governantes em geral. Mais da
ção ao campo institucional de gestão é acom-
metade (56,7%) acha “improvável” ou “muito
panhada pela desconfiança interpessoal, na
improvável” que erros possam ser corrigidos
medida em que mais de 70% opinou que na
(contra 33,9% que considera “provável” e
sociedade prevalece a “tentativa de vantagem”
8,4% “muito provável”). Essa incapacidade de
e não de “relações justas” entre as pessoas em
autorreforma do sistema ou mesmo de contro-
geral. Da mesma forma, a maioria vê o outro in-
le social sobre a prática dos administradores
divíduo como um potencial ameaçador (64%),
é corroborada pelo fato de que para 69,2% a
não pressupondo relações de confiança mútua.
administração pública não presta contas e não
Em princípio esse dado sobre a descon-
divulga de forma transparente e democrática
fiança interpessoal surpreendente tratando-se
seus resultados (24% opinaram que ela é trans-
do público do OP que vivencia em seu cotidia-
parente e outros 6,8% não souberam opinar).
no situações de ação coletiva e de mobilização
Tabela 11 – Poder de decisão da população no OP (1995-2005)
1995
1998
2000
2002
%
%
%
%
Nº
Sempre
33,0
30,2
29,4
29,1
400
27,14
Quase sempre
27,3
27,0
34,0
39,9
442
29,99
Às vezes
23,8
23,9
13,3
15,3
487
33,04
Nunca
0,6
2,8
1,9
1,6
44
2,99
Não sei
8,2
10,7
14,8
13,9
101
6,85
100,0
100,0
100,0
100,0
100
100,0
Na sua opinião, a população decide
realmente sobre obras e serviços no OP?
Total
2005
%
Fonte: Fedozzi (2007).
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social para a tomada de decisões junto ao go-
Além disso, vale ressaltar que a prática
verno. Entretanto, a forma das perguntas sobre
de democracia participativa do OP, ao longo
esse item não permitiu aprofundar o conheci-
dos anos (apesar de sua crise que se tornou
mento da questão. Não é possível saber, por
manifesta a partir de 2001 devido, entre outros
exemplo, se essa interpretação dos delegados
fatores, ao déficit financeiro da Prefeitura), ad-
do OP é válida para o público que participa
quiriu prestígio significativo entre os eleitores
desse dispositivo (em suas redes de relações e
da cidade. Pesquisas recentes demonstram
instâncias, de base ou de representação) ou se
que essa identidade simbólica entre a maioria
a opinião se refere aos indivíduos em geral. To-
da opinião pública e o OP tem constituído um
davia, baseando-se em dados de outra pesqui-
ambiente político-cultural favorável à institu-
sa com o público do OP, pode-se inferir a exis-
cionalização (em sentido sociológico) dessa
tência de confiança na instituição participativa,
forma de democracia participativa, mesmo com
por meio das respostas obtidas com a pergunta
a alternância de poder no Executivo local: 85%
“Quais são os agentes que possuem mais força
dos eleitores dizem saber o que é o OP e 74% o
para manter o OP?”. A pergunta justificou-se
consideram positivo para Porto Alegre (contra
porque iniciara uma nova gestão com alter-
5% que o consideram negativo, 11% são indi-
nância no poder nas eleições de 2004, após a
ferentes e 9% não opinou) (IBOPE, Jornal Zero
derrota do PT. Como se pode ver, o maior per-
Hora, 13/06/08, p. 5). Da mesma forma, como
se pode ver na Figura 1, a percepção sobre o
OP da população é majoritariamente positiva,
sendo que, nessa mesma pesquisa realizada
pelo Banco Mundial (2008), 20% declararam
centual é o que aponta os próprios participantes como sendo os principais agentes para a
continuidade do OP, algo que requer confiança
(Tabela 12).
Tabela 12 – Agentes como mais poder para manter o OP (2005)
Entre esses agentes, qual deles
tem mais poder para manter o OP?
2005
Conselheiros
Nº
Delegados
%
Meios de comunicação
56
3,7
1,7
2,2
Câmara de vereadores
174
11,6
8,7
10,0
Governo municipal
345
22,9
24,3
21,6
As comunidades que participam do OP
643
42,7
54,8
54,9
73
4,9
4,3
4,6
167
11,1
47
3,1
1.505
100,0
Partidos favoráveis à participação
Eleitores de Porto Alegre
N.R.
Total
6,1
6,8
–
–
100,0
100,0
Fonte: Fedozzi (2007)
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Cultura política e Orçamento Participativo
Figura 1 – Perceções públicas do OP por percentual de população (%)
Concorda totalmente
Concorda mais ou menos
É muito importante
Amplia a democracia
Aumenta a eficiência do governo
A favor dos pobres
Melhora a qualidade de vida
Fonte: BIRD, 2007
já ter participado em algum momento do OP. O
conjunto desses dados, na medida em balizam
a postura dos partidos políticos postulantes ao
poder local, podem significar uma mudança da
cultura política favorável à cidadania ativa e à
responsabilidade cívica.
Pode-se afirmar, em geral, que as percepções que os delegados do OP têm sobre a
cultura política brasileira e as práticas governamentais são representadas pela inexistência
de condutas baseadas em critérios universalistas, igualitários e impessoais, como condição
estrutural que requer a cidadania. Mas, diferentemente do público pesquisado no conjunto
da RMPA, o juízo negativo dos delegados do
OP de Porto Alegre sobre os procedimentos
da gestão socioestatal no país não tem co-
mo consequência o desinteresse ou mesmo a
rejeição da política como instância de mediação social. Como visto anteriormente, é alto
o grau de interesse na política e de ativismo
nos partidos e outras organizações sociais por
parte desse grupo. Isso pode sugerir, na cultura política dos delegados, a produção de uma
consciência social e um tipo de capital social
que leva em conta a relativa separação entre o
regime político democrático e as possibilidades
distintas que podem assumir os modelos da
gestão pública, em questões como o compromisso público, a transparência, a participação
nas decisões, a impessoalidade, a existência
de critérios igualitários e universalistas. O alto
grau de interesse na política e o otimismo em
relação à democracia – apesar do juízo crítico
dos governantes – como vistos anteriormente,
reforçariam essa hipótese.
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Atitudes e ação política dos
delegados do OP: mobilização
sociopolítica e disposição
para ação
pelos índices que demonstram haver disposição dos delegados do OP para envolver-se
em discussões com outros indivíduos em seu
cotidiano: 66,9% discute assuntos políticos de
modo “frequente” ou “algumas vezes” quando está entre amigos (contra 21,2% que o faz
“raramente” ou “nunca”); a maioria (52%)
Considerando-se a média geral do índice sobre
afirma que, quando possui opinião firme sobre
mobilização sociopolítica, os delegados do OP
qualquer assunto, costuma tentar convencer os
de Porto Alegre apresentam elevado grau de
demais que constituem suas relações, sejam
disposição para a ação, comparativamente as
amigos, colegas de trabalho, familiares. Da
médias do conjunto das regiões metropolitanas
mesma forma, a grande maioria opinou como
pesquisadas no Brasil e inclusive dos demais
sendo “muito provável” ou “provável” (soma
países presentes na investigação. A média de
de 81,2%) a disposição de se mobilizar, seja
2,01 supera em larga escala a média brasileira
sozinho ou coletivamente, contra uma situação
(0,52) e a da RMPA (0,8). (No Brasil, a maior
hipotética de aprovação de uma lei conside-
média é a da região metropolitana de São Pau-
rada injusta. Ou seja, os dados, em conjunto,
lo, com 0,91) (escala de 0 a 3) (Tabela 13).
indicam um perfil pró-ativo no padrão da dis-
Esse grau relativamente elevado de mobilização sociopolítica é verificado, inicialmente,
posição para a ação social e política cotidiana
desse segmento de indivíduos do OP.
Tabela 13 – Mobilização sociopolítica.
Brasil, cidades selecionadas e delegados do OP
Mobilização sociopolítica
Média
N
São Paulo
0,91 c
384
Rio de Janeiro
0,69 b
498
Porto Alegre
0,84 c
383
Porto Alegre/Delegados do OP
2,01
383
Belo Horizonte
0,57 a
377
Recife
0,70 b
374
Natal
0,63 a, b
375
Goiânia
0,69 b
380
Brasil
0,70
2000
Notas: Escala: 0 – nunca pertenceu a 3 – participa ativamente. ANOVA: F (6, 2783) = 18,341; p <0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si e letras iguais representam grupos não
estatisticamente diferentes entre si. Duncan a p <0,05.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre 2008
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Cultura política e Orçamento Participativo
Esse ativismo é acompanhado por uma
essa parcela de participantes do OP – elei-
perspectiva de eficácia de sua ação: a maioria
tos anualmente pelas assembleias dos mora-
(50,1%) entende que seria “muito provável”
dores – possui um perfil de ativismo social
ou “provável” que as instituições legislati-
e político que contrasta com a apatia ou a
vas nacionais levassem em conta suas reivin-
indiferença de grande parte da população no
dicações contrárias à lei. Esse percentual é
país, conforme apontam em geral as pesqui-
superior ao verificado na amostra da RMPA
sas nacionais.
(40,4%) e pode significar que a experiência
Mas a experiência de ação sociopolítica
do OP – baseada na dinâmica de atendimento
não é uniforme dentre o grupo. Ela sofre a in-
pelo Estado das reivindicações comunitárias –
terveniência de fatores socioeconômicos (esco-
esteja produzindo uma crença na eficácia da
laridade e renda familiar) e do tempo de parti-
ação dos cidadãos.
cipação no OP. Como se pode observar, quanto
Dentre as modalidades de ação, se des-
maior o nível de ensino, maior são as médias
taca em primeiro lugar a participação em co-
em cada uma das ações investigadas (com ex-
mícios ou reuniões políticas, seguida da par-
ceção de leve quebra entre os que possuem en-
ticipação em manifestações ou assembleias.
sino médio e a ação “participação em comícios
A ação em partidos políticos é coerente com
ou reuniões políticas”). Os grupos com ensino
o alto grau de pertencimento aos partidos
superior e renda maior que 10 salários mínimos
políticos verificada entre os delegados do
apresentam um padrão de ação mais intenso
OP. A ação com a menor média é a partici-
em quase todos os tipos de ações pesquisadas.
pação em discussões pela internet (Tabela
Certos tipos de ação, que requerem competên-
14). De forma geral, os dados indicam que
cias cognitivas, acesso a recursos e poder de
Tabela 14 – Médias das modalidades de ação social e política dos delegados do OP
Modalidades de ação social e política
Médias
Boicotar ou comprar determinados produtos, por razões políticas, éticas ou ambientais
1,76
Participar numa manifestação ou assembleia
2,38
Participar numa reunião política ou comício
2,53
Contatar, ou tentar contatar, um político ou um funcionário do governo para expressar seu ponto de vista
2,14
Tentar recolher fundos ou contribuir financeiramente para uma causa pública
1,91
Contatar ou aparecer na mídia para exprimir as suas opiniões
1,60
Participar num fórum ou grupo sde discussão através da internet
1,52
Assinar uma petição ou fazer um abaixo assinado
2,26
Média do grupo mobilização sociopolítica
2,01
Obs.: Avalia o comportamento com índice de 0 a 3 (3 – fez no último ano; 2 – fez em anos anteriores;
1 – não fez, mas poderia fazer; 0 – nunca o faria).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre 2008.
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influência (contato político, coleta de fundos,
apresenta um padrão de mobilização signi-
contato com a mídia e discussão na internet),
ficativamente maior em praticamente todas
são as que apresentam maior significância es-
as modalidades de atuação (com exceção da
tatística associada ao grupo com nível de ensi-
participação em reuniões e comícios políticos).
no superior e, contrariamente, uma significân-
Já entre os mais pobres (faixa de renda até 2
cia estatística para menos associada ao grupo
salários mínimos), a média é significativamen-
de baixa escolaridade (até a 8ª série do funda-
te menor em dois tipos de ações específicas,
mental) (Tabela 15).
quais sejam, coleta de fundos e discussão na
A assimetria é ainda maior quando a
internet, ações estas que dependem de deter-
renda familiar é tomada isoladamente. O gru-
minadas condições objetivas para sua realiza-
po com renda acima de 10 salários mínimos
ção (Tabela 16).
Tabela 15 - Médias das modalidades de ação sociopolítica
e escolaridade dos delegados do Orçamento Participativo de Porto Alegre
Escolaridade
Média
Abaixo
assinado
Boicote
Manifestação
Reunião
Contato
político
Coleta de
fundos
Contato Discussão
com mídia internet
Até a 4ª série
fundamental
1,71
2,03
1,59
2,08
2,34
1,76 (-)
1,46 (-)
1,19 (-)
1,25
5ª a 8ª série
fundamental
1,81
2,08 (-)
1,52 (-)
2,29
2,45
1,95 (-)
1,68 (-)
1,35 (-)
1,18 (-)
Ensino médio
2,13
2,34
1,87
2,48
2,64
2,29
2,09
1,73
1,60
Ensino superior
2,28
2,59 (+)
2,00
2,52
2,56
2,43 (+)
2,18 (+)
1,98 (+)
1,95 (+)
Conjunto
2,01
2,26
1,76
2,38
2,53
2,14
1,91
1,60
1,52
Escala de 0 a 3 (3 – fez no último ano; 2 – fez em anos anteriores; 1 – não fez, mas poderia fazer; 0 – nunca o faria)
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas.
Os números acompanhados de (-) e de (+) correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para menos e
para mais do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Delegados do OP de Porto Alegre, 2008. Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
Tabela 16 - Médias das modalidades de ação sociopolítica e renda familiar
Renda familiar
Média
Abaixo
assinado
Boicote
Manifestação
Reunião
Contato
político
Coleta de
fundos
Contato Discussão
com mídia internet
Até 2 SM
1,85
2,10
1,62
2,22
2,48
1,99
1,61(-)
1,45
1,32(-)
2 a 5 SM
2,00
2,25
1,72
2,44
2,52
2,09
1,91
1,55
1,51
5 a 10 SM
2,21
2,50(+)
1,78
2,48
2,65
2,45(+)
2,39(+)
1,81
1,59
Mais de 10 SM
2,49
2,75(+)
2,31(+)
2,75(+)
2,67
2,69(+)
2,53(+)
2,00
2,19(+)
Conjunto
2,01
2,26
1,76
2,38
2,53
2,14
1,91
1,60
1,52
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (-) e de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para menos e para mais do conjunto da amostra (ao
risco de 5%).
Fonte: Delegados do OP de Porto Alegre, 2008. Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
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Cultura política e Orçamento Participativo
Os mais jovens apresentam menor pre-
entre o grupo com instrução escolar até a 4ª
disposição para a mobilização sociopolítica
série e os de ensino superior. Essas assimetrias
(menor média dentre as faixas etárias - 1,87).
indicam que o OP não tem sido bem-sucedido
A exceção, como esperado, é a discussão pela
quanto à equidade nas aprendizagens de prá-
internet, que apresenta a maior média compa-
ticas de mobilização sociopolítica no contexto
rativamente às demais faixas etárias.
de profunda desigualdade de acesso aos bens
Duas questões podem ser ressaltadas na
e serviços urbanos.
análise dos dados acima apresentados.
Essas assimetrias, todavia, não devem
A primeira, é que as modalidades de
obscurecer um fato importante para a análise
ações mais utilizadas pelos delegados com
dos possíveis efeitos do OP no fortalecimento
maior nível de ensino e de renda dão margem à
do capital social e na mudança da cultura polí-
hipótese de este grupo estar mais próximo aos
tica: trata-se da clara tendência de crescimento
padrões de ação com formatos horizontais, me-
significativo das médias, em todas as modalidades de ação, conforme o maior tempo de participação no OP. Participantes com tempo de até
4 anos estão associados negativamente a pelo
menos metade das formas de ação, enquanto
os que participam a 12 anos ou mais estão associados a um ativismo mais intenso na maioria das modalidades de ação sociopolítica (conforme a Tabela 17). Esse padrão sugere uma
possível relação positiva entre participação no
OP, incentivo à formação de capital social e
de construção de uma consciência cívica e de
cidadania.
nos orgânicos e relativamente efêmeros, identificados com os padrões de ação da chamada
Nova Cultura Política.
A segunda questão, que tensiona com a
hipótese acima esboçada, diz respeito às barreiras advindas dos maiores custos para a ação
sociopolítica das camadas mais pobres. Não
sem razão, os que percebem renda familiar
até 2 salários mínimos têm média geral inferior
nas formas de mobilização, comparativamente
aos que têm renda de mais de 10 salários mínimos. O mesmo também ocorre na comparação
Tabela 17 – Médias das modalidades de ação sociopolítica
e tempo de participação no OP
Tempo de
participação
no OP
Média
Menos de 4 anos
1,83
2,12
de 4 a 12 anos
2,04
12 anos ou mais
2,34
Conjunto
2,01
Abaixo
assinado
Manifestação
Reunião
Contato
político
Coleta de
fundos
1,60
2,17(-)
2,34(-)
1,90(-)
1,73(-)
1,35(-)
1,43
2,30
1,72
2,47
2,67(+)
2,19
1,94
1,60
1,44
2,51(+)
2,18(+)
2,67(+)
2,67
2,56(+)
2,22(+)
2,07(+)
1,85(+)
2,26
1,76
2,38
2,53
2,14
1,91
1,60
1,52
Boicote
Contato Discussão
com mídia internet
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (-) e de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para menos e para mais do conjunto da amostra (ao
risco de 5%).
Fonte: Delegados do OP de Porto Alegre, 2008. Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
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Como esperado, devido ao caráter princi-
Nível de associativismo
entre os delegados do OP
palmente territorial do modelo do OP, o maior
percentual de pertencimento ocorre nas Associações de Moradores (AM´s) ou outros tipos
Apesar de o OP ser um sistema aberto à partici-
de associações voluntárias (média de 2,78 e
pação individual, não conferindo previamente
89,3%) (sendo 79,6% participantes ativos e
monopólio de representação a organizações
9,7% apenas pertencentes, contra apenas 5%
sociais, é alta a média do associativismo entre
que nunca pertenceu) (Tabela 19).
seus delegados, comparativamente aos não
Analisando-se por condições de vida, não
participantes do OP na cidade de Porto Alegre e
há diferenças significativas ou mesmo qualquer
nas regiões pesquisadas (Tabela 18).
tendência nas médias que indique interveniência
Tabela 18 – Associativismo
Associativismo
Média
N
São Paulo
0,66 d
384
Porto Alegre
0,51 b
499
Porto Alegre/Delegados do OP
0,60 c, d
383
Rio de Janeiro
2,32
383
Belo Horizonte
0,37 a
383
Recife
0,42 a
381
Natal
0,41 a
379
Goiânia
0,55 b, c
Brasil
0,52
381
2000
Notas: Escala: 0 – nunca pertenceu a 3 – participa ativamente. ANOVA: F (6, 2783) = 18,341; p <0,001.
Letras diferentes representam grupos estatisticamente diferentes entre si e letras iguais representam grupos não
estatisticamente diferentes entre si. Duncan a p <0,05.
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre,2008.
Tabela 19 – Médias das formas de associativismo dos delegados do OP
Associativismo
Partido político
Médias – Tipos de organização
2,4
Sindicato, grêmio ou associação profissional
2,1
Igreja ou outra organização religiosa
2,3
Grupo desportivo, cultural ou recreativo
2,02
Associação de moradores ou outra associação voluntária
2,78
Média do grupo associativismo
2,32
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre,2008.
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Cultura política e Orçamento Participativo
das variáveis nível de ensino, gênero, raça/etnia
nível de participação nos partidos políticos: en-
ou faixas etárias dos delegados em seus vínculos
quanto o grupo de menor renda (até 2 salários
associativos. Percebe-se, entretanto, que os jo-
mínimos) está estatisticamente associado com
vens (18 a 29 anos) apresentam tendência a
a menor participação nessas organizações, o
um menor engajamento social, pois sua média
grupo com renda entre 5 a 10 salários o está
é a menor dentre as faixas de idade (2,16). Isso
a uma média de maior participação. Além dis-
ocorre mesmo em “grupo desportivo, cultural
so, os que percebem renda familiar superior a
ou recreativo”. Nesse sentido, os dados enfra-
10 salários participam proporcionalmente mais
quecem a hipótese da formação de uma Nova
das associações voluntárias ou de moradores
Cultura Política dentre os participantes do OP.
(Tabela 20).
Já as variáveis renda familiar e tempo
Embora ocorra crescimento das médias
de participação no OP mostram-se estatisti-
dos vínculos associativos conforme o maior
camente relevantes na análise dos tipos de
tempo de participação no OP (crescimento das
associativismo. A renda familiar diferencia o
médias no tempo) (Tabela 21), não é possível
Tabela 20 – Médias das formas de associativismo
e renda familiar dos delegados do OP
Renda familiar
Média
Partido
político
Sindicato/
associação
Igreja
Grupo desportivo,
cultural ou
recreativo
Outras
associações
voluntárias
Até 2 SM
2,17
2,16(-)
1,83
2,35
1,79
2,71
2 a 5 SM
2,34
2,42
2,13
2,23
2,11
2,81
5 a 10 SM
2,42
2,70(+)
2,35
2,33
2,00
2,72
2,20
3,00(+)
2,02
2,78
Mais de 10 SM
2,39
2,44
2,08
2,25
Conjunto
2,32
2,40
2,10
2,30
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números acompanhados de (-) e de (+)
correspondem às médias por categoria significativamente diferentes para menos e para mais do conjunto da amostra (ao
risco de 5%).
Fonte: Delegados do OP de Porto Alegre, 2008. Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006.
Tabela 21 – Médias das formas de associativismo
e tempo de participação no OP
Média
Partido
político
Sindicato/
associação
Igreja
Grupo desportivo,
cultural ou
recreativo
Outras
associações
voluntárias
Menos de 4 anos
2,28
2,31
1,98
2,39
1,97
2,74
De 4 a 12 anos
2,30
2,27
2,07
2,32
2,07
2,77
12 anos ou mais
2,40
2,72
2,27
2,14
2,02
2,86
Conjunto
2,32
2,40
2,10
2,30
2,02
2,78
Tempo de participação
no OP
Os valores da tabela são as médias calculadas sem considerar as não-respostas. Os números em azul correspondem às médias
por categoria significativamente diferentes do conjunto da amostra (ao risco de 5%).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, IUPERJ, ICS-UL, ISRP, 2006. Para delegados do OP de Porto Alegre,2008.
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concluir de forma taxativa que a variável tem-
com o padrão de ação apontado na chamada
po desempenhe papel direto de incentivo à
Nova Cultura Política.
criação de capital social na cidade. Dados an-
Por outro lado, a experiência do OP de
teriores mostram inclusive que é decrescente
Porto Alegre demonstra que o contexto de ter-
o percentual de participação em entidades por
ceirização dos serviços públicos, que se proli-
parte do público que integra as edições anuais
fera no cenário internacional, tem incentivado
do OP: de 76%, em 1995, para 57%, em 2005
a criação de organizações para esse fim e/ou
(Fedozzi, 2007, p. 30).
transformado o caráter da ação das AM´s exis-
Além disso, dois fenômenos são insti-
tentes, ao repassar para elas funções de pres-
gantes para analisar essa complexa relação
tação de serviços comunitários, especialmente
entre a participação na gestão sociourbana,
nas áreas da assistência social e da cultura. Ho-
que ocorre há duas décadas por meio do OP, e
je, são centenas de convênios entre a Prefeitu-
o nível de associativismo dos seus integrantes:
ra e entidades da sociedade civil. Não se trata
a) o decréscimo de organizações autônomas da
aqui da simples transferência de responsabi-
sociedade civil, como os Conselhos Populares
lidades das políticas de bem-estar social para
ou Uniões de Vilas, existentes na fase anterior
organizações civis ou privadas, algo constatado
ao OP (1978-1988), os quais desempenharam
pela Nova Cultura Política. Mas, sim, do esta-
papel importante na construção do sistema de
belecimento de novas relações entre o Estado
participação institucional iniciado em 1989 (em
e redes associativas que constituem parcela do
2005, apenas 0,4% disseram pertencer a essas
capital social na sociedade civil, com tendência
entidades); e b) o crescimento percentual (de
a criar dependência dos fundos públicos. Essa
mais de 150% entre 2002 e 2005) de vínculos
“terceirização comunitária” tem levado a con-
com os tipos de associativismo representados
sequências políticas e culturais que parecem
pelos ONG´s, movimentos sociais e Clubes de
atualizar velhas formas de clientela e de tute-
Mães (somaram 19,5% dos vínculos em 2005)
la do Estado, prosseguindo, sob o discurso do
(ibid., p. 33). No OP, esses movimentos expres-
“empoderamento”, a tradição cooptadora do
sam, principalmente, os temas da cultura, do
sistema social, cultural e político do país.
cooperativismo habitacional, de gênero, de etnias/raças e das pessoas com deficiência.
O significado desse crescimento precisa,
entretanto, ser apurado mais aprofundadamen-
Considerações finais
te. Por um lado, o surgimento das ONG´s e de
novos movimentos sociais é consoante com a
Cabe retomar as questões que objetivaram o
nova realidade internacional da ação coletiva
presente estudo. Primeiramente, buscou-se efe-
que pode representar formas de ação menos
tuar análise comparativa de dados produzidos
hierárquicas e rígidas – comparativamente às
sobre cultura política e cidadania entre os dele-
organizações tradicionais (sindicatos, associa-
gados do OP de Porto Alegre e a população de
ções de moradores, entidades profissionais,
diversas regiões metropolitanas do país. Em se-
partidos, etc.) – sendo, assim, mais coerentes
gundo lugar, buscou-se verificar até que ponto
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Cultura política e Orçamento Participativo
a participação oportunizada por essa inovação
forte conteúdo igualitário, como tarefa clássica
sociourbana vem contribuíndo para transformar
não resolvida pela sociedade brasileira. Nessa
a cultura política e aumentar a consciência so-
tarefa, segundo os investigados, o Estado con-
cial em sentido democrático dos participantes.
tinua exercendo papel central no provimento
Partindo-se dos pressupostos da referida
do bem-estar social, devendo fazê-lo com parti-
investigação nacional sobre a formação de uma
cipação e controle da sociedade civil. Somente
Nova Cultura Política em âmbito internacional,
quando se analisam os tipos de ações mais uti-
se intentou verificar, primeiramente, até que
lizados pelos diferentes grupos são percebidos
ponto o modelo de participaão representado
indícios sugestivos de que o grupo que possui
pelo OP estaria expressando valores, padrões
maior nível de renda (mais de 10 salários mínimos) apresenta certas disposições mais próximas às modalidades de ação identificadas com
a Nova Cultura Política. Eles se destacam em
ações que se presume sejam mais horizontais,
menos orgânicas e relativamente efêmeras no
tempo, tais como contatos políticos, contatos
com a mídia, coleta de fundos e discussão na
internet. Mas esta possibilidade não pode ser
generalizada.
de atuação e formas associativas atinentes
a essa Nova Cultura Política. Conjuntamente
a esse objetivo, buscou-se constatar – ante a
tradição autoritária da societária brasileira – a
existência de relações positivas entre o tempo
de exposição ao OP, como modelo inovador de
gestão, e a construção de uma cultura política
democrática, favorável à promoção da cidadania ativa e do fortalecimento do capital social
na cidade.
b) Apesar de os delegados do OP possuírem
Verificou-se que, no conjunto dos itens
investigados, as médias apresentadas pelos delegados do OP são superiores às verificadas na
população das regiões metropolitanas e das
capitais pesquisadas (com exceção do dever de
escolher produtos por razões políticas, éticas
ou ambientais). Essa constatação é central para
os objetivos do estudo.
Não obstante, o conjunto dos dados não
apóia a hipótese de que a participação aventada dar-se-ia a partir da construção de valores
e de padrões de atuação consoantes à Nova
Cultura Política. Isso devido às seguintes constatações:
elevados níveis de vínculos associativos no âm-
a) as percepções dos direitos e dos deveres
jovens (18 a 29 anos) apresentam tendência de
de cidadania, para a grande maioria dos dele-
menor nível associativo (embora não significa-
gados do OP (de todos os segmentos de ren-
tivamente) mesmo naquelas ações mais fluídas
da e níveis de ensino), estão associadas a um
e efêmeras. Essa menor intensidade na ação
bito da sociedade civil (expressando coerência
com a trajetória histórica de construção dessa
modalidade de gestão local), os tipos de associativismo representam padrões clássicos da
ação coletiva ocorrida no período de redemocratização e da ativação da sociedade civil no
país: associações de moradores (principalmente), partidos políticos, igrejas, sindicados ou associações profissionais. Ora, estas organizações
apresentam, em geral, padrões de atuação
mais hierarquizados e tradicionais que não se
coadunam com as formas de ação identificadas pela Nova Cultura Política. Além disso, os
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dos jovens também não endossa um suposto
da Nova Cultura Política.
Não se confirma, portanto, a hipótese,
dentre os delegados do OP, do alargamento ou
deslocamento, no âmbito de uma Nova Cultura
Política, da preocupação com os temas clássicos ligados à desigualdade social e civil para
temas de caráter sociocultural – como seria a
ação de boicotar produtos por razões éticas,
políticas ou ambientais, por exemplo. É baixa
a importância atribuída a temas que não são
percebidos como “concretos” ou objetivos, a
exemplo do meio ambiente, do consumo responsável, do desenvolvimento local, das políticas para gênero, para a juventude e para as
questões de caráter racial e/ou étnico.
Por outro lado, quanto ao objetivo de
testar possíveis transformações na consciência
social proporcionadas pelo tempo de exposição ao OP, verificou-se, como já citado, que os
delegados apresentam maior nível de ativismo
sociopolítico, de associativismo e de interesse
pela política. Todavia, não se constataram di-
ferenças estatisticamente significativas quanto
aos direitos e deveres de cidadania associados
ao maior ou menor tempo de participação no
OP. Isso possivelmente significa inexistência de
transformações mais profundas na topologia
do nível de consciência social dos delegados
participantes.
Diferentemente, o nível de profundidade das transformações subjetivas é verificado
mais pelo crescimento do ativismo em todas
as modalidades de ação sociopolítica, assim
como no nível relacionado à atividade política propriamente dita, ao olhar crítico quanto
às formas de gestão pública e à valorização
do regime democrático participativo. Ou seja,
há clara tendência de crescimento destes itens
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associados ao maior tempo de exposição ao
OP. Nesse nível pode-se falar em mudança da
cultura política e incentivo à cidadania ativa,
no contexto geral de descrédito na política e na
eficácia da ação coletiva.
Cabe destacar, entretanto, os limites evidenciados na construção de uma consciência
social crítica necessária à transformação da
ordem social (apesar de os delegados do OP
apresentarem médias maiores nos indicadores de cultura política na comparação com as
demais regiões metropolitanas pesquisadas).
O direito de participação em ações de desobediência civil, por exemplo, é relevante (significância estatística) apenas quando analisado
pelo critério racial/étnico, quando os negros
apresentam essa disposição, seguidos pelos jovens (18 a 29 anos), embora estes com média
sem significância estatística.
Outro limite advém das assimetrias verificadas em termos de condições socioeconômicas (escolaridade e renda) na análise das modalidades de atuação dos participantes. Maior
renda e maior nível de ensino estão associados
ao aumento da participação nas ações em geral, significando existência de custos e barreiras aos mais pobres que lhes dificulta a igualdade e a intensidade de atuação no OP. O OP,
historicamente, não tem obtido sucesso quanto
à busca da equidade da participação.
Embora ocorra tendência de crescimento
dos vínculos associativos conforme o aumento
do tempo de participação dos delegados no
OP (crescimento das médias no tempo), não é
possível concluir que o maior tempo de exposição ao OP esteja associado ao maior nível de
organização do capital social na cidade. O significado desse crescimento precisa ser apurado
mais aprofundadamente. Além disso, pesquisas
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anteriores com amostra do público participante
esta que ganha relevo após a intensificação
nas edições anuais do OP (e não somente com
da polarização política decorrente da derro-
os delegados) mostram que é decrescente o
ta eleitoral do PT nas eleições de 2004 (após
percentual de participação em entidades.
quatro mandatos consecutivos) e 2008. Novas
Além disso, a “terceirização comunitária”
investigações devem aprofundar essa hipótese
tende a criar dependência com perigosas con-
relevante para a sustentabilidade atual e futura
sequências políticas e culturais que parecem
do OP.
atualizar velhas formas de clientela e de tutela
Essas questões que tornam complexa a
do Estado, em conexão com o sistema partidá-
análise do tema do associativismo em Porto
rio de sustentação governamental. Essa é uma
Alegre não obscurecem o fato de que o OP pos-
questão cuja complexidade desafia o conheci-
sivelmente esteja desempenhando um papel
mento e a reflexão crítica sobre a relação entre
catalisador de parcela da ação coletiva, assim
o funcionamento há duas décadas do OP e as
como das formas associativas e movimentos
formas de ação coletiva que vêm se (re)estrutu-
sociais que constituem o capital social da ci-
rando na cidade. O alto grau de pertencimento
dade, favorecendo, assim, o ambiente para o
aos partidos políticos por parte dos delegados
aprendizado democrático. Por meio do OP, é
do OP, se, por um lado, expressa politização e
oportunizado o contato permanente entre o
valorização da política como instância de me-
tecido social mobilizado por milhares de indiví-
diação social, pode também ensejar a hipótese
duos e de organizações sociais que passaram a
dos efeitos “perversos” desses vínculos, nas
compartilhar as decisões sobre gestão sociour-
práticas de cooptação e de exclusão. Hipótese
bana com os administradores da cidade.
Luciano Fedozzi
Sociólogo, mestre e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor
de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, do Departamento de Sociologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil).
[email protected]
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Notas
(1) O Observatório das Metrópoles – IPPUR/UFRJ e o ICS-UL (Lisboa) vêm desenvolvendo trabalho
comparativo sobre a análise das atitudes sociais dos brasileiros e dos portugueses no âmbito das
redes do Internacional Survey Research Programme (ISRP) e da European Social Survey (ESS).
(2) A Nova Cultura Política (NCP) é um conceito surgido nos países centrais nos anos 1970 para designar um conjunto de macroprocessos que teriam alterado profundamente a estrutura das relações sociais. São sete as principais características da NCP: 1) modificação do significado clássico
entre esquerda e direita desvinculando-os das divisões de classe; 2) separação explícita entre
as questões sociais e econômicas-fiscais; 3) crescimento da importância das questões sociais
decorrentes da exacerbação das desigualdades socioculturais em detrimento das demandas
econômicas; 4) o individualismo de mercado e a preocupação social crescem juntos; 5) questionamento do Estado de Bem-Estar Social e defesa de novas formas de provisão de bens públicos
que articulam Estado, empresas privadas e formas comunitárias. A crítica ao Welfare State é
acompanhada do declínio da importância dos governos nacionais e concomitante aumento da
relevância dos governos locais; 6) surgimento de um novo padrão de atuação política baseadas em questões específicas e ampliação da participação cidadã, assimo como o declínio das
organizações hierárquicas (sindicatos, partidos, etc.); 7) a NCP se expressa mais intensamente
em sociedades menos hierárquicas e por segmentos mais jovens, mais instruídos e que vivem
mais confortavelmente (Clark e Inglehart, 1998. In: Azevedo, S. ; Santos Junior, O. A. e Queiroz
Ribeiro, L. C., 2007).
(3) Ver a análise de Silva e Côrtes sobre a RMPA (Observatório das Metrópoles, 2008).
(4) É vasta a bibliografia sobre o funcionamento do OP (http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/). Para
análise de seus efeitos democratizadores do modelo de gestão sociourbana ver Fedozzi (1997).
(5) Cf. Fedozzi (2007).
(6) Para uma discussão aprofundada sobre os temas da justiça, da ordem e da transformação social,
na perspectiva dos níveis de consciência moral, como núcleo da consciência social, aplicada ao
caso do OP de Porto Alegre, ver Fedozzi (2008).
(7) Ver análise oficial da Prefeitura de Porto Alegre (Verle e Brunet, 2002) e Fedozzi (2007).
(8) O prefeito José Fogaça venceu as eleições em 2004 pelo PPS. Posteriormente, no final da gestão,
voltou ao PMDB e foi reeleito por este partido em 2008.
(9) 49,3% dos participantes em geral do OP não tinham preferência partidária em 2005 (Fedozzi,
2007)
(10) 16,2% consideram que a administração pública está “muito comprometida”; 44,1% “de alguma
forma comprometida”; 33,7% “pouco comprometida” e 5,5% “nada comprometida”; 0,5% nãoresposta.
(11) A diminuição da aprovação sobre o poder decisório em 2005 provavelmente se deve à crise financeira que se abateu na Prefeitura a partir de 2002, impedindo-a de cumprir, por dois anos
consecutivos, os Planos de Investimentos aprovados pelo OP.
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Cultura política e Orçamento Participativo
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Luciano Fedozzi
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
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Novas governanças para as áreas
metropolitanas. O panorama internacional
e as perspectivas para o caso brasileiro
New governance for metropolitan areas.
The international scene and prospects for the Brazilian case
Jeroen Johannes Klink
Resumo
Neste artigo discutimos os arranjos institucionais
que norteiam a organização, a gestão e o financiamento das regiões metropolitanas no Brasil.
Argumentamos que não existe um modelo único,
e que a própria trajetória institucional das áreas
metropolitanas se insere numa dinâmica socioeconômica e política mais ampla. Desenvolvemos
este argumento em três seções. Na primeira seção apresentamos um balanço do debate internacional, que privilegia a pactuação entre atores
e escalas territoriais, o que transcende qualquer
engenharia institucional. Na segunda, discutimos
o caleidoscópio de arranjos institucionais existentes nas regiões metropolitanas brasileiras. Enfatizamos que esta pluralidade de arranjos não pode
ser dissociada do processo de reestruturação de
escalas, e de negociação de conflitos entre os atores que influem na produção coletiva do espaço
metropolitano brasileiro. Na ultima seção, levantamos algumas hipóteses para serem exploradas
nas pesquisas que tratam do tema da governança
metropolitana no Brasil.
Abstract
IIn this paper we debate the institutional
arrangements that guide the organization,
management and financing of Brazilian metropolitan
regions. We argue that there is no single best model,
and that the institutional trajectory of metropolitan
areas is embedded within a broader socioeconomic
and political setting. This argument is developed in
three sections. In the first one, a synthesis of the
international discussion is presented, emphasizing
the restructuring process of territorial scales
and actors, which goes beyond any analysis of
institutional engineering. In the second section, the
kaleidoscope of institutional arrangements existing
in the Brazilian scenario is discussed. It is stressed
that this diversity of the institutional architecture
should be analyzed within a context characterized
both by restructuring of scales, and by negotiation
of conflicts among stakeholders that influence the
collective production of the metropolitan space
in Brazil. In the final section, some hypotheses
are presented that should be explored in further
research on metropolitan governance in Brazil.
Palavras-chave: governança metropolitana;
arranjos institucionais; reestruturação de escalas
territoriais de poder.
Keywords: metropolitan governance; institutional
arrangements; restructuring of territorial scales of
power.
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de arranjos institucionais não pode ser disso-
Introdução
ciada de um processo contínuo de reestruturação de escalas e atores, que consubstancia
O debate sobre as regiões metropolitanas
as governanças metropolitanas e regionais no
aponta para um paradoxo: enquanto concen-
país. Na conclusão, exploraremos algumas im-
tram importantes problemas e oportunidades,
plicações desta hipótese para a pesquisa teóri-
verificamos, ao mesmo tempo, que o arcabou-
ca e o debate contemporâneo sobre os novos
ço institucional que deveria nortear a organiza-
arranjos colaborativos nas áreas metropolita-
ção, gestão e financiamento desses territórios
nas brasileiras.
não está à altura de lidar com os desafios e
aproveitar as potencialidades. Não se trata de
um fenômeno exclusivamente brasileiro; vários
autores analisam a dinâmica socioprodutiva
das cidades-região na economia internacional
Uma primeira amostra das
experiências internacionais
e apontam para o dilema da ação coletiva no
espaço regional (Klink, 2008a; OCDE, 2001;
A literatura depara-se com um desafio concei-
Rojas et al. 2008). Ao mesmo tempo, no cená-
tual no sentido de como classificar e avaliar os
rio internacional, os próprios gestores retomam
diversos arranjos institucionais para a gover-
o tema e desencadeiam um processo coletivo
nança metropolitana (Klink, 2008a). No que se
de busca pelo aperfeiçoamento dos modelos
refere à classificação dos modelos, Rodríguez
de gestão e financiamento das regiões metro-
e Oviedo (2001) argumentam que os arranjos
politanas. Consequentemente, testemunha-
colaborativos podem ser agrupados em mo-
mos um processo efervescente e diversificado
delos supra ou intermunicipais. Como alega
de experimentação na gestão metropolitana
Lefèvre (2005), porém, este critério representa
no contexto internacional. Também no Brasil,
somente um entre vários recortes possíveis (se-
presenciamos uma retomada da discussão e
torial versus territorial; formal versus informal;
embriões de novas formas de gestão. Este arti-
arranjos que operam com autonomia financei-
go busca contribuir para o aprofundamento do
ra versus modelos caracterizados pela depen-
debate sobre o aperfeiçoamento dos modelos
dência financeira de transferências intergover-
de gestão e de organização das regiões metro-
namentais, etc.). Outro recorte (imperfeito),
politanas brasileiras. A partir de um balanço
utilizado por vários estudos da Organização
preliminar da experiência internacional, argu-
para Cooperação e Desenvolvimento Econô-
mentaremos que não existe um arranjo insti-
mico (OCDE, 2001; 2007; 2008), baseia-se na
tucional único para a organização das regiões
diferenciação entre os arranjos chamados mais
metropolitanas, e que os próprios modelos mu-
fortes e frágeis. Os primeiros caracterizam-se
dam no decorrer do tempo em função da dinâ-
pela coincidência entre a área administrati-
mica socioeconômica e política mais ampla da
va e a área funcional da região metropolita-
sociedade. Em seguida, analisaremos o cenário
na, enquanto nos arranjos mais frágeis não
brasileiro e raciocinaremos que a pluralidade
encontramos esta convergência.1 No tocante
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Novas governanças para as áreas metropolitanas ...
aos critérios de avaliação dos arranjos institu-
econômico), quanto na fragilização da coorde-
cionais, autores como Bourne (1999) sugerem
nação de funções de interesse comum, como
utilizar os critérios tradicionais de avaliação
o planejamento do uso e ocupação do solo.
de projetos, programas e políticas (eficiência,
Atualmente, o modelo madrilense encontra-se
efetividade, equidade, etc.) para a análise de
num ponto de inflexão, a partir do qual a cida-
estruturas de governança metropolitana.
de de Madri visa negociar a consolidação e o
A experiência das comunidades autôno-
aprimoramento de um processo de descentra-
mas espanholas em geral, e o caso específico
lização mais firme no bojo do pacto espanhol
da Comunidade Autônoma Madrilense, talvez
(visto que a descentralização sobrecarregou
representem o exemplo paradigmático do mo-
as comunidades autônomas, mas não reforçou
delo que anteriormente rotulamos como forte.
as cidades grandes). Sem mudanças, a cidade
A comunidade é a esfera provincial no siste-
central e a sociedade civil continuarão reivindi-
ma espanhol (quase) federativo e fruto de um
cando voz maior no processo de pactuação em
processo de descentralização incompleto, de-
escala metropolitana.2
sencadeado após o regime do general Franco.
O modelo norte-americano de gestão e
As comunidades autônomas transformaram-se
organização das regiões metropolitanas pode
em atores-chave no sistema metropolitano es-
ser caracterizado como um arranjo que ante-
panhol. No caso específico da região metropo-
riormente definimos como relativamente frágil.
litana de Madrid, encontramos uma situação
A evolução socioespacial e institucional das
excepcional, de acordo com a qual a chamada
metrópoles norte-americanas culminou num
região funcional coincidiu quase perfeitamente
sistema relativamente fragmentado e polari-
com a área administrativa/institucional (a esfe-
zado, tanto em termos raciais como espaciais.
ra da comunidade autônoma). Isso acarretou
Não cabe aqui, no entanto, abordar a literatu-
bons resultados em termos de coordenação dos
ra específica, que aponta os motivos para esse
investimentos e de gestão das grandes redes de
padrão de evolução metropolitana (Stephens e
infraestrutura, aproveitando-se as economias
Wikström, 2000). Uma legislação estadual de
de escala. Num período de tempo relativamen-
uso e ocupação do solo flexível, financiamen-
te curto, a comunidade autônoma conseguiu
tos subsidiados para a moradia suburbana da
ampliar de forma significativa o sistema de me-
classe média, investimentos maciços no trans-
trô e de transporte público, por exemplo.
porte rodoviário, governos locais relativamen-
Mais recentemente, contudo, a própria
te fortes e com autonomia para legislar sobre
cidade de Madri reivindicou um espaço de
o uso e ocupação do solo no município (pro-
interlocução maior na região metropolitana
duzindo, assim, um sistema de zoneamento
(OCDE, 2007). De certa forma, presenciamos
que podia, de direito e de fato, excluir a po-
um movimento de contestação num modelo
pulação de baixa renda), foram elementos que
de gestão forte por parte da cidade central,
contribuíram para uma rápida proliferação do
o que se reflete tanto na duplicação de inicia-
número de governos, além de todos os tipos
tivas (particularmente em áreas como ciên-
de autoridades locais. A região metropolitana
cia, tecnologia, inovação e desenvolvimento
de Nova Iorque, por exemplo, espalha-se por
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3 estados, 31 condados, 800 municípios e mais
nortear a gestão e organização das regiões
de 1.000 distritos específicos voltados para a
metropolitanas. As regiões metropolitanas
provisão de serviços setoriais de interesse co-
são espaços de contestação e de negociação
mum (Yaro, 2000, p. 45).
de conflitos, envolvendo um conjunto amplo
Todavia, principalmente a partir de mea-
de atores e de escalas territoriais de poder. De
dos dos anos 1990, testemunhamos também
certa forma, conforme alegam também auto-
nos EUA um ponto de inflexão no debate sobre
res como Vainer (2002), as próprias escalas
as regiões metropolitanas (Rojas et al., 2008).
são construções políticas, frutos de processos
As amplas evidências da intensa segregação
de negociação entre agentes sociais com inte-
racial e espacial e a polarização entre as áreas
resses frequentemente conflitantes.
centrais e as cidades do subúrbio colocam em
Nesse contexto, o debate internacional
cheque a própria viabilidade econômica, social
sobre os arranjos institucionais para a gestão
e ambiental das áreas metropolitanas como
metropolitana assume novo sentido; não se
um todo (Wheeler, 2002). Principalmente em
trata de aplicar uma fórmula única (fetiche ins-
função das interdependências funcionais entre
titucional), mas de buscar a melhor forma de
a cidade central (com os setores relativamente
se negociar os conflitos e conduzir um proces-
mais vulneráveis) e o subúrbio (que concentra
so de repactuação mais abrangente, democrá-
os segmentos mais abastados), algumas lide-
tico e aberto entre os vários agentes e escalas
ranças começam a se conscientizar do fato de
de poder (Salet et al., 2003). Ao mesmo tem-
que esta polarização intrametropolitana amea-
po, a discussão sobre os arranjos não pode ser
ça a própria viabilidade da metrópole. Assim,
dissociada do contexto socioeconômico, políti-
um número crescente de autores e formadores
co, histórico e jurídico mais amplo de países e
de opinião voltou a inserir o tema da gestão
regiões.
e da organização das áreas metropolitanas
As experiências internacionais mais re-
na pauta do debate político nos EUA, seja
centes apontam para este papel estratégico
sob o rótulo de crescimento compacto ( smart
da articulação e da pactuação entre os vários
growth), seja na linha dos autores que perten-
atores e escalas territoriais de poder em prol de
cem à vertente do chamado novo regionalismo,
um programa metropolitano, o que transcende
que prega, também, mecanismos de coopera-
qualquer engenharia institucional3 (Lefèvre,
ção mais fortes entre o mosaico de atores e
2008). O resultado deste pacto metropolitano
instituições na região metropolitana (Wheeler,
e o perfil dos arranjos institucionais não estão
2002; Katz, 2000).
pré-definidos, mas evoluem em função de um
Entre estes dois extremos de arranjos
processo mais amplo de negociação de confli-
fortes e frágeis encontramos uma gama de
tos entre atores e de reestruturação de escalas
experiências de gestão metropolitana. Ainda
territoriais de poder (Vainer, 2002). Em segui-
conforme o levantamento da OCDE (2001) so-
da, exploraremos como este pano de fundo
bre o cenário internacional, é difícil vislumbrar
conceitual pode ser aplicado para compreender
um modelo institucional único e ótimo para
o cenário brasileiro.
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Novas governanças para as áreas metropolitanas ...
O cenário brasileiro
escala metropolitana, principalmente ligadas
a setores como habitação, saneamento básico
e transporte. Vários dos organismos metropo-
A arquitetura institucional que norteia a gestão
litanos conseguiram captar financiamentos in-
e a organização das regiões metropolitanas
ternacionais.
brasileiras caracteriza-se pela diversidade dos
A crise fiscal, a redemocratização e o sur-
arranjos. Primeiramente, encontramos um ar-
gimento de novos atores sociais fizeram com
ranjo que tem origem na legislação federal dos
que esse modelo de organização metropolita-
anos 1970, que criou nove regiões metropolita-
na enfrentasse um processo de esgotamento
nas a partir de um conjunto de critérios unifor-
crescente nos anos 1980. Curiosamente, veri-
mes. A maior parte dessas regiões era compos-
ficamos, mesmo assim, uma segunda onda de
ta de capitais de estados, nas quais ocorrera o
proliferação de arranjos institucionais estadua-
primeiro surto de industrialização. Na visão do
lizados ao longo dos anos 1990.5
regime militar, essas regiões desempenharam
Paralelamente à crise e à reestruturação
papel-chave na consolidação do processo de
do nacional desenvolvimentismo, ao longo dos
desenvolvimento do país. A legislação federal
anos 1980 houve um desgaste do modelo de
definiu de forma uniformizada os potenciais
gestão metropolitana do regime militar. Ele-
serviços de interesse, como o planejamento
mento essencial nesse processo foi a própria
para o desenvolvimento econômico e social, o
crise fiscal do Estado nacional, que debilitou os
saneamento (água, esgoto, gestão de resíduos
fundos metropolitanos, um dos eixos centrais
sólidos), o uso e ocupação do solo, o transpor-
da política para as regiões metropolitanas. A
te e as estradas, a produção e distribuição de
redemocratização gerou também um clima no
gás canalizado, a gestão de recursos hídricos e
qual os prefeitos e os movimentos sociais co-
o controle de poluição ambiental. Também pre-
meçaram a questionar a estrutura fechada e
viu a criação de novos fóruns, particularmente
pouco transparente da gestão metropolitana.
os conselhos deliberativos e consultivos, para
Os novos atores sociais associaram o tema me-
coordenar a articulação com os municípios.
tropolitano ao regime militar e não o pautaram
Este arranjo estadualizado, que se con-
com a devida atenção e consistência no pro-
figurou em pleno regime autoritário, teve um
cesso constituinte de 1988. Ao mesmo tempo,
viés tecnocrata e um alto grau de centraliza-
o governo federal se distanciou dessa área te-
ção financeira e de tomada de decisões, com o
mática e delegou a responsabilidade de cria-
principal órgão (o conselho deliberativo) domi-
ção e organização das regiões metropolitana
nado pelos representantes indicados pelo go-
para a esfera estadual.
verno federal-estadual.4 Ao mesmo tempo, foi
Na literatura, encontramos uma visão
nessa fase que presenciamos a consolidação de
mais crítica acerca da performance do “modelo
vários órgãos estaduais de planejamento me-
estadualizado” (Brasil, 2004; Spink, 2005; Gar-
tropolitano, alguns dos quais ainda atuantes.
son, 2007; 2009). Com poucas exceções, as es-
Houve também fontes de financiamento seto-
truturas institucionais montadas pelos estados
riais relativamente estáveis e alocadas numa
nas regiões metropolitanas limitam-se à função
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de planejamento, com pouca capacidade de
escala cresceu no decorrer dos anos 1980,
alavancar a efetiva execução de serviços de
particularmente no bojo do processo mais am-
interesse comum. De acordo com Brasil (2005,
plo de descentralização e democratização. No
p. 88):
estado de São Paulo, por exemplo, o primeiro
governador eleito, Franco Montoro, enxergou
Tanto em relação à sistemática de gestão das RMs instituídas nos anos 70,
quanto das constituídas pelos estados,
após 1988, permanecem entraves para
a consolidação de modelos operacionais
capazes de responder às necessidades da
gestão compartilhada. A organização da
gestão apoiada nos conselhos consultivos e deliberativos das leis anteriores não
logrou operacionalidade, mesmo assim,
muitas das novas legislações incorporaram disposições quanto a modelos similares. A estruturação de órgãos técnicos para planejamento e gestão metropolitana
também deparou com limitações, de sorte
que entre as primeiras RMs instituídas,
poucas mantiveram seus entes em funcionamento, mesmo assim, precariamente.
na instituição do consórcio uma forma simples
e eficaz de promover a colaboração entre as
cidades, particularmente num ambiente institucional que ainda não disponibilizava recursos,
nem reconhecia, juridicamente, os arranjos
horizontais.
Enquanto os primeiros consórcios eram
principalmente formas setoriais de articulação,
nos anos 1990 também ocorreram, em algumas
regiões, inovações no sentido de lançar mão de
arranjos territoriais e multissetoriais. Ademais,
em algumas poucas regiões a gravidade da crise econômica e do processo de reestruturação
produtiva dos anos 1990 conscientizou os atores públicos e privados acerca da necessidade
de criação de instituições alternativas de go-
A maior parte dos órgãos metropolitanos
vernança regional/intrametropolitana. Nessas
criados ao longo tempo tem penetração so-
experiências, uma série de arranjos informais
mente na esfera técnica dos municípios, o que
(câmaras, agências de desenvolvimento, etc.)
limita sua efetividade. De acordo com Garson
complementaram as estruturas existentes para
(2007, 2009, p. 114), na maioria das vezes a le-
a governança metropolitana e regional.7
gislação estadual gerou regiões com um núme-
Apesar da fragilidade macroinstitucional
ro grande de municípios heterogêneos, criando
do cenário brasileiro, verificamos, ao mesmo
um desafio adicional para proporcionar uma
tempo, uma série de iniciativas mais recen-
6
cooperação voluntária. A abordagem embuti-
tes que ocorrem no âmbito do processo de
da no modelo estadualizado, isto é, a de coo-
repactuação da Federação brasileira. A partir
peração compulsória liderada pelo estado, esti-
do ano de 2003, o governo nacional, por meio
mulou contestação jurídica e um municipalismo
de uma articulação entre o Ministério das Ci-
autárquico. Por fim, a participação das esferas
dades, o Ministério de Integração Nacional e
não governamentais nos órgãos colegiados de
a Subchefia de Assuntos Federativos da Casa
decisão ainda está limitada.
Civil da Presidência da República reinseriu o
Além do modelo estadualizado, eviden-
tema da gestão metropolitana na pauta da
cia-se também um conjunto de arranjos hori-
agenda política do país,o que acarretou um
zontais de associativismo intermunicipal, cuja
avanço concreto na dimensão institucional
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que norteia (indiretamente) as regiões metro-
envolvimento dos atores locais, quanto um
politanas. Após várias discussões polêmicas,
reconhecimento da heterogeneidade entre os
o governo conseguiu criar e regulamentar a
municípios que compõem as regiões metro-
chamada Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº
politanas (Garson, 2007, 2009). Nas reuniões
11.107, de 6 de abril de 2005). A referida lei
mais recentes do chamado Fórum das Entida-
representou um avanço, principalmente em
des Metropolitanas, plataforma de articulação
função da precariedade jurídica dos consór-
composta pelos organismos de planejamento
cios existentes (de direito privado). Antes da
metropolitano dos governos estaduais, foram
lei, os consórcios estavam impossibilitados de
discutidas as mais recentes iniciativas (a maio-
prestarem garantias, de assumirem obrigações
ria ainda com resultados incertos e embrioná-
em nome próprio ou de exercerem atividades
rios), particularmente as desencadeadas em
de fiscalização, regulação e planejamento. A
Minas Gerais, Pernambuco e Paraná, entre ou-
lei ainda permite processos de repactuação e
tros exemplos.9
consorciamento entre vários entes federados.
No estado de Minas Gerais verificamos,
Isso quer dizer que o governo estadual pode
nos últimos anos, uma retomada do tema me-
fazer parte de um consórcio de municípios, de-
tropolitano, também impulsionada pela apro-
sencadeando trajetórias potencialmente ricas
ximação entre o governador e o prefeito da
de aprendizagem e contando com elementos
capital.10 Há um conjunto de reformas institu-
de coordenação vertical e horizontal entre en-
cionais em andamento, que conta com apoio
tes federados. O governo federal aperfeiçoou,
do governador e dos governos locais. A estru-
também, o diálogo com os entes dos demais
tura prevê uma assembleia metropolitana, um
níveis de governo na busca de um processo de
conselho deliberativo, uma agência de desen-
repactuação federativa. Nesse sentido criou,
volvimento e um fundo de desenvolvimento
no ano de 2003, o Comitê de Articulação e
metropolitano. O arranjo institucional de Belo
Pactuação Federativa (CAF), composto por
Horizonte é relativamente novo e seria ainda
representantes do governo federal e das três
prematuro para avaliações mais afirmativas.11
entidades municipalistas do país.8 O objetivo
Conforme observamos, o protagonismo metro-
do CAF é mobilizar os entes federativos, em
politano ganha um impulso adicional em fun-
geral, e os vários núcleos de poder dentro do
ção da aproximação dos atuais governador e
governo nacional em torno de um processo de
prefeito da capital. Essa convergência política,
repactuação da agenda metropolitana. Com
no entanto, gera a dúvida de vir a se transfor-
esse intuito, já foram organizadas várias reu-
mar numa dependência ou, na pior das hipó-
niões técnicas pautadas no tema da gestão
teses, numa debilidade do próprio sistema. Há
metropolitana.
antecedentes de que esse papel positivo das
Além da retomada pelo governo fede-
lideranças pode se transformar num passivo e
ral, presenciamos também um novo ativismo
numa fragilidade do arranjo como um todo.12
da esfera estadual em relação ao tema me-
Um aspecto positivo do arranjo embrionário
tropolitano, sob uma base metodológica dife-
da Grande Belo Horizonte é a preocupação
rente da dos anos 1970, buscando tanto mais
com o eixo territorial, principalmente por meio
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da integração entre os vários planos diretores
Empresa Metropolitana de Transporte Urbano
municipais e o plano integrado de desenvol-
(EMTU) e os municípios, com pouca participa-
vimento metropolitano. Reside aí uma possi-
ção desses últimos. A relação contratual entre
bilidade concreta de aglutinação de um con-
as cidades e a EMTU ocorre por meio de convê-
junto de atores públicos e privados em torno
nios, com pouca transparência para o usuário,
da execução de programas e de projetos de
e baixa capacidade de gerar um sistema mais
integração metropolitana. Entretanto, ainda
integrado.
se trata de um exercício ex-post ( mesmo as-
O novo modelo utilizará efetivamente a
sim desafiador), no qual os agentes buscam
articular os diversos planos diretores locais à
luz de um desenho metropolitano mais amplo.
Resta saber se, num futuro próximo, o sistema
será capaz de incorporar, ex-ante e no próprio
processo de elaboração dos planos municipais, diretrizes em prol da eficiência coletiva
no uso e ocupação do espaço metropolitano.
Outra questão ainda aberta refere-se à capacidade efetiva do sistema de transformar o esforço de planejamento coletivo num conjunto
de programas e projetos de transformação da
realidade metropolitana de Belo Horizonte.
Nesse sentido, o recém-criado fundo de desenvolvimento metropolitano terá de mostrar
uma capacidade de alavancagem maior que o
conjunto de fundos metropolitanos atualmente
em vigor no cenário brasileiro.
O governo do estado de Pernambuco,
em parceria com os municípios da Região Metropolitana de Recife, busca avançar na construção de um consórcio público interfederativo
de transporte público. A região metropolitana de Recife, com uma população de 3,7 milhões de habitantes, está em pleno processo
de modernização e ampliação do seu sistema
de transporte público, prevendo a construção
de onze novos terminais e a reforma de mais
dois até o ano de 2010. O atual modelo de
gestão caracteriza-se pela convivência entre a
lei dos consórcios públicos para criar uma au-
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tarquia regional interfederativa, com participação do governo de estado e dos municípios
como sócios. As quotas de participação acionárias (que se relacionam com o direito a voto)
no órgão superior de deliberação (o chamado
Conselho Superior de Transporte) são baseadas nas viagens geradas em determinado município, enquanto a participação financeira é
definida no contrato social da nova empresa e
baseada em índices que levam em consideração o tamanho do orçamento de cada cidade.
A expectativa do governo do estado é de que
o novo sistema esteja operando a partir do segundo semestre de 2010.
O governo do estado do Paraná está
consciente do esgotamento do atual modelo
de planejamento da Grande Curitiba e propõe,
junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e a outros parceiros, como o governo federal e os municípios da região metropolitana,
a formatação de um programa de desenvolvimento metropolitano cujo eixo estruturante
seria a retomada, sob bases mais amplas, de
um sistema integrado de monitoramento e fiscalização do uso e ocupação do solo nas áreas
mananciais, que fora elaborado anteriormente
pela Coordenação da Região Metropolitana de
Curitiba (COMEC), organismo de planejamento
metropolitano (COMEC, 2002).
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A parceria com o BID teria dois eixos.
Primeiramente, o arranjo institucional para a
região metropolitana deveria passar por um
processo de reformulação. Nesse processo, o
instrumento do consórcio público poderia, em
Perspectivas recentes:
as múltiplas governanças
para as áreas metropolitanas
brasileiras
princípio, desempenhar um papel útil, desde
que fosse complementado por instrumentos de
participação não governamental, por um fundo metropolitano de caráter interfederativo,
com participação das três esferas do governo e
alimentado de acordo com um plano de rateio
específico. Em segundo lugar, o planejamento integrado do uso e ocupação do solo e a
efetiva implantação do sistema de fiscalização
e monitoramento das áreas mananciais, com
base em uma rede de atores públicos e privados envolvidos e afetados pela deterioração
da qualidade da água na Grande Curitiba, deveriam inverter um cenário caracterizado pela
Os debates mais recentes entre os formadores
de opinião e gestores envolvidos na questão
metropolitana tendem a apresentar certa dicotomia entre duas visões.13 Por um lado, uma
vertente protagonizada principalmente pelos
representantes dos órgãos de planejamento na
esfera estadual, que defende um modelo com
um viés estadualizado, de acordo com o qual
a atribuição principal do planejamento, da gestão e da organização das regiões metropolitanas pertence à esfera estadual. De acordo com
essa visão, a lei dos consórcios públicos pro-
ameaça crescente ao abastecimento público
porciona, inegavelmente, um fortalecimento
de água na região metropolitana. Esse pla-
institucional e jurídico dos arranjos colaborati-
nejamento busca retomar um sistema mínimo
vos horizontais existentes entre os municípios,
de controle ex-ante da qualidade das águas
mas não pode ser considerado um instrumento
da região metropolitana, proporcionando, ao
que substitui a prerrogativa da esfera estadual
mesmo tempo, habitação de interesse social
na matéria das regiões metropolitanas. A lei
acessível, bem localizada e de boa qualidade
também não permitiria a delegação de funções
para os segmentos mais vulneráveis da região
de planejamento para o consórcio, limitando
metropolitana.
a aplicação desse instrumento ao domínio da
Apesar da consciência do governo do
execução de serviços de interesse comum. Por
estado da necessidade de uma estratégia me-
fim, os representantes dos órgãos de planeja-
tropolitana mais agressiva, a negociação com
mento estadual receiam que a lei dos consór-
o Banco sobre o programa não prosperou,
cios públicos também sirva para o governo
principalmente em função da dificuldade de
federal intensificar cada vez mais o trânsito
equacionar os conflitos intensos entre o go-
direto entre os ministérios e as cidades, esva-
verno do Estado e a cidade-polo de Curitiba
ziando ainda mais as funções de planejamento
(Klink, 2008b).
da esfera estadual.14
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Por outro lado, há uma vertente, que
setorial/territorial. Cabe ressaltar, por exem-
poderíamos rotular de municipalismo regio-
plo, a existência de arranjos colaborativos em
nalizado, de acordo com a qual o consórcio
setores como o transporte coletivo (por meio
público representa um embrião de um novo
de convênios entre os municípios e o Estado),
modelo institucional para a governança metro-
os recursos hídricos (via comitês de bacia ou
politana. Nessa perspectiva, a flexibilidade e o
comitês específicos para gerenciar programas
grau de abertura da nova lei proporcionariam
e projetos que contam com financiamento) 15 e
um ambiente favorável à experimentação e à
o desenvolvimento econômico local e regional
aprendizagem, com novos arranjos mais am-
(por meio de agências regionais, às vezes arti-
plos de colaboração interfederativa, mas sem-
culadas com participação ativa dos atores em-
pre impulsionada pela vontade autônoma dos
presariais e de segmentos da sociedade civil).
municípios.
Em várias regiões surgiram, também, arranjos
O debate dicotômico mencionado amea-
com certo grau de formalização – câmaras,
ça produzir uma discussão, sem vencedores,
fóruns e conselhos de desenvolvimento – para
sobre qual é o melhor arranjo institucional pa-
avançar no planejamento estratégico territo-
ra as regiões metropolitanas. Ignora também a
rial, articulando setores como meio o ambien-
pluralidade de arranjos colaborativos existen-
te, a infraestrutura urbana e o desenvolvimen-
tes, que são moldados em função de um pro-
to econômico, contando com participação ati-
cesso contínuo de negociação e reestruturação
va de atores não governamentais.16
entre escalas e atores. Ademais, considerando
No Quadro 1, adaptamos a classifica-
o tamanho e a heterogeneidade do espaço
ção geral de arranjos colaborativos nas áreas
brasileiro, o debate sobre os arranjos colabora-
metropolitanas de Rodríguez e Oviedo (2001),
tivos para a governança metropolitana assume
mencionada anteriormente e baseada na di-
complexidade ainda maior.
ferenciação entre modelos supra versus inter-
Mesmo reconhecendo o vácuo institucio-
municipais, para descrever a complexidade do
nal e a fragilidade dos arranjos que caracteri-
cenário institucional brasileiro. Ao analisar o
zam as regiões metropolitanas brasileiras até
quadro, percebemos que os consórcios públi-
hoje, presenciamos uma série de mecanismos
cos e as regiões metropolitanas representam
diferenciados de governança colaborativa. Um
somente dois instrumentos dentro de um calei-
dos exemplos mais emblemáticos, e ampla-
doscópio complexo de arranjos colaborativos
mente estudado na literatura sobre arranjos
existentes nas áreas metropolitanas brasileiras.
colaborativos foi o caso do ABC paulista, on-
Classificamos esses arranjos de acordo com o
de os atores sociais construíram um conjunto
perfil de articulação governamental (isto é, in-
de arranjos informais, mas com um forte em-
termunicipal ou envolvendo várias escalas de
basamento social, para lidar com os efeitos
poder), e segundo o critério da presença de
da crise socioeconômica que se abateu sobre
atores não governamentais (um arranjo predo-
a região (Reis, 2008). Além disso, verifica-
minantemente governamental ou um mecanis-
mos em diversas regiões metropolitanas uma
mo de articulação com presença importante de
proliferação de mecanismos de articulação
atores não governamentais).
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Quadro 1 – Uma classificação de arranjos colaborativos
nas áreas metropolitanas brasileiras
Arranjo governamental de múltiplas escalas
Arranjo governamental intermunicipal
Arranjo predominantemente governamental
Setorial
Territorial
Consórcios públicos, convênios, grupo
gestor interfederativo, contratos de gestão,
financiamentos e repasse de recursos
voluntários (transporte, habitação,
saneamento, etc.)
Consórcios de direito privado de
saúde, educação, resíduos sólidos, etc.;
consórcios públicos; acordos e convênios
intermunicipais
Consórcio público, região metropolitana
(regulamentada de acordo com as
constituições estaduais)
Consórcios de direito privado para
planejamento regional; consórcios públicos
Arranjo com presença importante de atores não govenamentais
Setorial
Comitê de bacias, câmaras setoriais,
conselhos, fundos e fóruns setoriais
(habitação, etc.), grupo gestor setorial,
unidades de esgotamento, etc.
Agências de desenvolvimento econômico
Territorial
Câmaras, conselhos e fóruns regionais
de desenvolvimento, grupo gestor
de monitoramento e fiscalização de
mananciais e bacias hidrográficas, etc.
Agências de reconversão territorial(*)
(*) Pouca presença no cenário institucional brasileiro.
Evidentemente, conforme também obser-
institucional dicotômico sobre o melhor arranjo
vam autores como Lefèvre (2008), esses recor-
(seja o consórcio, seja o arranjo estadualizado).
tes são relativamente aleatórios e incompletos.
Conforme constatamos também para o cenário
No caso brasileiro, por exemplo, outro critério
internacional, a arquitetura institucional que
importante refere-se ao grau de formalização
norteia a gestão e a organização das áreas
do mecanismo de colaboração, pois vários ar-
metropolitanas é composta por um conjunto
ranjos informais podem desempenhar papel
de arranjos colaborativos imperfeitos (second
importante no processo de aprendizagem cole-
best), cuja construção coletiva é objeto de um
processo político contínuo de negociação de
conflitos entre escalas e atores. Na conclusão,
exploraremos algumas implicações deste cenário para o debate contemporâneo sobre as regiões metropolitanas no Brasil.
tiva rumo às formas mais institucionalizadas de
governança metropolitana.
O quadro serve, entretanto, para mostrar
que a agenda metropolitana brasileira é mais
complexa que aquela proposta pelo debate
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elementos valiosos para gerar hipóteses mais
Conclusão
detalhadas sobre os motivos das fragilidades
que caracterizam as estruturas de governança
O arranjo que norteia a gestão, a organização e
nas regiões metropolitanas brasileiras.17 Na
o financiamento das áreas metropolitanas bra-
análise anterior, trouxemos essencialmente a
sileiras é frágil. Neste artigo, argumentamos
perspectiva de um verdadeiro caleidoscópio de
que não há um modelo ótimo e único de gover-
arranjos colaborativos imperfeitos, com pontos
nança metropolitana e que os próprios arranjos
de entrada diferentes (bacias hidrográficas,
institucionais mudam em função da dinâmica
rios, favelas, sistemas de transporte, projetos
mais ampla da sociedade como um todo. Os
de infraestrutura com grande impacto de vi-
convênios, contratos de gestão, comitês de
zinhança, etc.). De acordo com esse prisma, o
bacias, agências e câmaras de desenvolvimen-
debate sobre o aperfeiçoamento dos modelos
to interfederativas, entre outros exemplos,
de gestão e de organização nas regiões me-
são arranjos alternativos (e imperfeitos), cujo
tropolitanas passa pela questão de como au-
funcionamento, limites e potencialidades são
mentar a eficiência coletiva, o funcionamento,
raramente explorados nas pesquisas sobre go-
o controle social e a equidade desses arranjos
vernança regional e metropolitana. Nesse sen-
incompletos/second best, e de como induzir as
tido, é possível vislumbrar processos dinâmicos
várias escalas e agentes nesse processo de re-
de aprendizagem social, por meio dos quais os
pactuação federativa em prol da melhoria das
agentes desenham e executam uma série de
governanças metropolitanas.
programas colaborativos voltados à execução
Em segundo lugar, não existem respostas
de serviços de interesse comum, enquanto, ao
fechadas e fáceis para essas perguntas sobre
mesmo tempo, evoluem na direção de institui-
a melhor tática para aperfeiçoar a gestão e
ções e arranjos colaborativos enraizados numa
a organização das áreas metropolitanas. 18
cultura metropolitana mais forte? Cabem aqui
Entretanto, a análise anterior permite gerar
dois blocos de observações.
algumas hipóteses que podem ser exploradas
Em primeiro lugar, as pesquisas sobre os
em pesquisas posteriores.
arranjos colaborativos não podem cair na ar-
No que se refere ao papel da esfera fe-
madilha de uma engenharia social-institucional
deral, ela deveria voltar a desempenhar um
superficial, e precisam ser complementadas por
papel-chave nas áreas metropolitanas e induzir
um arcabouço teórico mais robusto para enten-
e mobilizar os agentes em torno de uma agen-
der a dinâmica sociopolítica mais ampla que
da de ações articuladas. Nesse sentido, vale
consubstancia as novas governanças metropo-
um destaque para o tema do financiamento
litanas. Nesse sentido, tanto no âmbito da teo-
para as regiões metropolitanas. Conforme já
ria institucional (path dependency/trajetórias e
observado por vários autores (Garson, 2009;
rotas dependentes, custos transacionais, etc.)
Rezende, Oliveira e Araújo, 2007), o cenário
(Souza, 2003; Machado, 2007), como no da
é pouco animador, pois as discussões mais
teoria política e estruturalista do federalismo
recentes sobre a reforma tributária basica-
(Fiori 1995; Oliveira, 1995), podemos encontrar
mente ignoraram as necessidades das regiões
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Novas governanças para as áreas metropolitanas ...
metropolitanas. E, para agravar a situação,
A atuação da esfera federal na arena
desde a última reforma financeira de 1966, o
metropolitana não pode, entretanto, acentuar
federalismo fiscal evoluiu para um sistema re-
um processo de crescente esvaziamento do go-
lativamente rígido, com pouca margem de ma-
verno estadual no pacto federativo em geral e
nobra dos governos subnacionais nas decisões
nas suas atribuições de organizar as áreas me-
de alocação de recursos, e com uma estrutura
tropolitanas em particular.20 Se, por um lado,
de transferências intergovernamentais de bai-
o arranjo cooperativo estadualizado, na sua
xa capacidade de reação às mudanças no ciclo
forma tradicional das regiões metropolitanas,
macroeconômico e em seus efeitos espaciais
representa fragilidade, é preciso reconhecer o
(Rezende, 2009, pp. 2-3).
papel-chave reservado à esfera estadual na or-
Ao mesmo tempo, todavia, é inegável
que o governo federal deixou de aproveitar um
ganização de arranjos colaborativos no espaço
metropolitano.21
conjunto de instrumentos financeiros de fo-
Existem instrumentos alternativos para
mento à pactuação metropolitana. O governo
avançar nesse processo de pactuação para rein-
poderia, por exemplo, lançar mão de uma es-
serir a esfera estadual na agenda de organiza-
tratégia mais agressiva de indução de arranjos
ção e gestão territorial da área metropolitana.
colaborativos, tanto integrando atores, escalas
Nas várias áreas temáticas de responsabilidade
e ações, ou por meio de recursos voluntários e
compartilhada entre os entes federativos, por
repasses negociados, quanto a partir da utiliza-
exemplo, a própria União poderia estimular a
ção das carteiras dos bancos de fomento, como
cooperação interfederativa em torno de pro-
a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional
gramas e projetos de reconversão territorial de
de Desenvolvimento e o Banco do Brasil. Outro
grande impacto territorial (portos, ferrovias,
tema delicado é a relativa rigidez de acesso dos
estradas, recuperação de bacias, programas de
governos subnacionais aos recursos nacionais
implantação de redes de infraestrutura energé-
e internacionais. Não somente inexistem meca-
tica, etc.). Nesse cenário, a reinserção da esfe-
nismos financeiros específicos para incentivar
ra estadual na agenda metropolitana surge no
o acesso ao crédito de arranjos colaborativos
âmbito de um processo mais complexo e aber-
interfederativos em geral, como também a re-
to de aprendizagem institucional e social entre
gulamentação dessa questão para as novas
os agentes, cujo contorno não é pré-definido,
instituições de governança em particular, co-
mas que evoluirá a partir de uma agenda de
mo a dos consórcios públicos, deixou lacunas
negociação de conflitos e de execução de pro-
significativas.19
gramas concretos.
Jeroen Johannes Klink
Economista pela Universidade de Tilburg, The Netherlands. Doutor em arquitetura e planejamento
urbano pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Professor, pesquisador universitário e coordenador do Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade
Federal do ABC (São Paulo, Brasil).
[email protected]
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Notas
(1) Existem várias metodologias para determinar a área funcional de uma região metropolitana. Nos
seus estudos territoriais, por exemplo, a OCDE costuma adotar uma definição com base na intensidade dos deslocamentos pendulares entre a área central e as cidades do entorno.
(2) O fato curioso é que, conforme apareceu no diagnóstico territorial elaborado pela OCDE, a rivalidade entre a Prefeitura e a Comunidade Autônoma (CA) ocorre mesmo que o presidente da CA
e o prefeito da cidade de Madri pertençam ao mesmo partido. O atual prefeito de Madri também já ocupou o cargo de presidente da comunidade autônoma.
(3) Negri (2002) enfatiza o papel estratégico das forças sociais e políticas (o chamado “poder constituinte”) na construção coletiva de arranjos institucionais para a governança colaborativa.
(4) Por exemplo, os municípios não dispunham de autonomia para deliberar sobre a decisão de entrar ou não no arranjo metropolitano.
(5) O que chama a atenção é que a maioria dos arranjos segue o padrão institucional do modelo anterior, com a presença de conselhos deliberativos e consultivos, além de um fundo metropolitano.
Na literatura institucional, este fenômeno de certa inércia institucional é analisado em termos
do conceito de path dependency (trajetórias dependentes), isto é, as instituições de amanhã
dependem parcialmente dos arranjos atuais e do passado. Ver North (1990).
(6) No que se refere ao caso da RM de São Paulo, Figueredo e Marques (2001, p. 5) observam que:
“o governo de estado de São Paulo, por sua vez, pouco ou nada fez para reavivar a gestão metropolitana, tanto pelo lado da política, quanto no que diz respeito à dimensão técnica. Em termos específicos, a Emplasa tem pouco poder, assim como baixíssima capacidade operacional. As
duas últimas gestões pouco ou nada fizeram para mudar este quadro, ou dotar outra agência de
capacidade de resolver a questão metropolitana”.
(7) Neste sentido, o sistema de governança regional do Grande ABC, com um consórcio intermunicipal, uma câmara regional e uma agência de desenvolvimento (essas últimas duas instâncias
contando com participação de empresas, sindicatos de trabalhadores e entidades não governamentais) representa um exemplo paradigmático. A respeito do caso do Grande ABC no contexto
federativo, ver, por exemplo, Abrucio e Soares (2001) e Reis (2008).
(8) A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Associação Brasileira de Municípios (ABM). Nesse primeiro momento, o comitê contou com nove representantes do governo central (escolhidos dentre os órgãos com maior incidência sobre as políticas de desenvolvimento local), além de três representantes de cada entidade municipalista.
(9) Várias destas iniciativas foram discutidas numa reunião de 11 de novembro de 2008, organizada pelo Fórum em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ademais, alguns
membros do Fórum apresentaram novas iniciativas no seminário nacional de planejamento regional e governança metropolitana, organizado no dia 27 de novembro pelo estado de
Pernambuco.
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(10) A reestruturação mais recente no sistema de governança metropolitana em Belo Horizonte
foi amplamente discutida no seminário “Experiências internacionais e brasileiras sobre a governança metropolitana”, organizado no dia 10 de junho de 2009 pelas Universidades PUCMinas e de British Columbia (UBC-Vancouver). O referido seminário ocorreu no âmbito de um
projeto de cooperação técnica entre Brasil e Canadá em torno do tema de novas governanças
metropolitanas. Para mais informações, ver o site: http://www.chs.ubc.ca/consortia/events/
eventsP-20090610.html
(11) Para uma comparação entre os arranjos da região metropolitana de Belo Horizonte e do ABC
Paulista, ver Machado (2007).
(12) Uma analogia pode ser feita com o caso do Grande ABC Paulista, onde o auge do planejamento estratégico regional ocorreu no âmbito da Câmara Regional do Grande ABC, em função da
aproximação política entre o então governador Mario Covas e o engenheiro Celso Daniel, então
prefeito da cidade de Santo André e presidente do Consórcio Intermunicipal. Sucessivas mudanças no quadro político, além da morte dessas lideranças, fizeram com que o planejamento e a
execução de projetos regionais sofressem uma queda na qualidade e no ritmo de implantação.
(13) Esse debate com certo viés dicotômico surgiu na reunião do Fórum das Entidades Metropolitanas de 11 de novembro de 2008, durante a qual um representante da Subchefia dos Assuntos
Federativos (da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da
República) apresentou o funcionamento da nova lei dos consórcios públicos.
(14) Esse medo não é sem fundamento. Um conjunto crescente de estudiosos aponta para certo esvaziamento financeiro e institucional da esfera estadual no federalismo brasileiro no cenário pós
1988. Nesse sentido, ver, por exemplo: Abrucio e Miranda (2001) e Rezende, Oliveira e Araújo
(2007). Vale lembrar, também, que na fase de negociação da lei dos consórcios públicos surgiu
um conjunto de conflitos e polêmicas, principalmente em torno da questão da titularidade dos
serviços de saneamento básico.
(15) Ver, neste sentido, a experiência do Grupo Gestor da Bacia de Beberibe (na Grande Recife),
composto por organismos do Governo do Estado de Pernambuco, os municípios de Camaragibe,
Olinda e Recife e diversas entidades da sociedade civil, que foi criado para melhorar a gestão
dos programas que contavam como financiamento externo (tanto os programas financiados pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), quanto os financiamentos internacionais). Para
uma análise mais detalhada da experiência do comitê gestor de Beberibe, ver Denaldi, Klink e
Souza (2009).
(16) A Câmara Regional do Grande ABC, mencionada anteriormente, representa um exemplo de planejamento informal. Os chamados COREDEs (Conselhos Regionais de Desenvolvimento), criados
pelo governo de estado de Rio Grande do Sul ao longo dos anos 1990, representam um instrumento de planejamento territorial formalizado. A principal atribuição dos COREDES é elaborar
os planos estratégicos de desenvolvimento regional e contribuir como instância de regionalização do orçamento do estado. Para uma avaliação mais detalhadas do papel dos COREDES no
estado de Rio Grande do Sul, ver, por exemplo, Rorato (2009).
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(17) Souza (2003) aplica o conceito de path dependency para analisar a persistência de um quadro
de fragilidade na governança das áreas metropolitanas brasileiras. Machado (2007) compara os
custos transacionais associados à formação de arranjos colaborativos no caso do ABC Paulista e
da Grande Belo Horizonte. Na visão de autores como Oliveira (1995) e Fiori (1995), a principal
fragilidade do pacto federativo brasileiro refere-se à ausência de mecanismos de solidariedade
e de cooperação entre os entes federados. Os ajustes liberais, provocados pela abertura macroeconômica dos anos 1990, reforçaram as forças centrífugas da globalização sobre o território
brasileiro em geral e sobre as regiões metropolitanas em particular. Consequentemente, nos
anos 1990 presenciamos um quadro generalizado de guerra tributária e de processos de desregulamentação competitiva e predatória entre estados e municípios. Na visão de Fiori (1995), nos
anos 1990 a Federação brasileira transformou-se, gradativamente, num pacto de mercadores,
enquanto, no que se refere à guerra tributária, a relação entre governos e empresas configurouse numa espécie de leilão invertido.
(18) Conforme também alertam vários autores, considerando a inserção subordinada do Estado-nação brasileiro no processo de globalização, é preciso reconhecer que o debate sobre a governança metropolitana não pode se limitar à engenharia institucional-social. O caráter incompleto
da formação do Estado brasileiro implica uma série de obstáculos estruturais que dificultam
avanços mais significativos na questão metropolitana no Brasil. Neste sentido, ver Ribeiro e dos
Santos Jr. (2009).
(19) Reside aqui uma hipótese importante para verificar a baixa disseminação da figura do consórcio
público.
(20) Na época, as polêmicas em torno da aprovação e negociação da lei do consórcio público ilustraram a preocupação dos governos estaduais com a articulação direta entre União e governos
locais. Ver Dias (2006).
(21) Neste sentido e, mesmo que timidamente, o PAC corretamente reforçou o papel dos governos
estaduais quando estimulou a criação dos Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs).
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
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Regiões metropolitanas – diversidade
e dificuldade fiscal da cooperação
Metropolitan areas – diversity
and the fiscal difficulty in cooperation
Sol Garson
Resumo
Este artigo discute as dificuldades de cooperação
para a solução dos problemas comuns em
regiões metropolitanas brasileiras. Apesar de sua
importância econômica e fiscal, esses territórios
não recebem a atenção dos formuladores de
políticas públicas. Entre os obstáculos à cooperação destacam-se as dificuldades do sistema
federativo brasileiro e a falta de instâncias de
discussão e resolução de conflitos, a rigidez da
estrutura fiscal da União, estados e municípios
e a própria experiência anterior de gestão
metropolitana.
Abstract
This article discusses the cooperation difficulties
concerning the solution of common problems in
Brazilian metropolitan regions. Although important
according to demographic and economic indicators,
among others, those territories do not receive the
necessary attention from policymakers. Among
the obstacles to cooperation, the article stresses
the difficulties of the Brazilian federal system,
the lack of institutions for discussing and solving
problems, the rigidity of the fiscal structure of
the Federal Government, as well as of States and
Municipalities, and the previous experience of
managing metropolitan regions in Brazil
Palavras-chave: regiões metropolitanas brasileiras; cooperação; sistema federativo; estrutura fiscal; políticas urbanas.
Keywords: brazilian metropolitan regions;
cooperation; federal system; fiscal structure; urban
policies.
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Sol Garson
a implantação do Plano Real, em 1994, quan-
Apresentação
do finalmente se estabiliza a moeda, porém
num ambiente de altíssimas taxas de juros. A
Apesar da indiscutível importância econômica
deterioração das finanças públicas foi dramá-
e do adensamento de problemas sociais, as
tica. Os gestores perdiam qualquer condição
regiões metropolitanas brasileiras ainda pade-
de planejar o dia seguinte, mesmo nos estritos
cem da falta de atenção dos que têm influência
domínios de suas jurisdições. Nesse ambiente,
na vida política nacional – aí incluídos não ape-
pensar em estados coordenando municípios e
nas os agentes públicos, mas também o setor
em cooperação federativa – entre União, esta-
privado e a sociedade que vive nos grandes
dos e municípios seria um sonho, quando nada
centros. Apenas recentemente se têm obser-
porque jamais (ou talvez raramente) o haviam
vado alguns movimentos no sentido de uma
feito.
visão do conjunto do território que orientem
A partir de 1995, os estados passaram a
uma ação coordenada, em substituição ao tra-
instituir novas RMs ou a inserir novos municí-
tamento fragmentado dos problemas comuns.
pios nas regiões existentes. Sem nenhum crité-
As primeiras 9 Regiões Metropolitanas
rio muito claro, e muitas vezes movidos apenas
– RMs foram criadas pela União, em 1973 e
pela esperança de políticos locais de algum be-
1974, a partir da competência que lhe foi con-
nefício, cada estado criou/expandiu RMs de for-
ferida pela Constituição de 1967. Em 1988, no-
ma tão particular que hoje temos um conjunto
vos ventos sopravam e a coordenação federal
extremamente diversificado de aglomerados,
era identificada como autoritarismo. As RMs,
composto por grupos de municípios com fortes
sem mãe, ganharam vários pais, os estados,
diferenças entre si, seja em aspectos econômi-
que passavam a poder instituí-las, tendo como
cos, seja em aspectos sociais. O Brasil tinha,
condição, apenas, que fossem constituídas por
em 31/3/2009, 358 municípios pertencentes
agrupamentos de municípios limítrofes (Cons-
a 24 RMs criadas por lei federal ou estadual,
tituição Federal, § 3º do Art. 25).
distribuídas em 18 estados.1 Apesar de legal-
A mesma Constituição consagrou a au-
mente instituídas, algumas dessas RMs não
tonomia municipal, conferindo aos municípios
podem ser consideradas, de fato, aglomerados
o direito a sua auto-organização e anulan-
urbanos metropolitanos, assim compreendidos
do, na prática, a pouca capacidade de intervir
os espaços urbanos que se caracterizam pela
dos estados, que podiam pois instituir as RMs,
forte densidade de pessoas e concentração de
mas não tinham legitimidade política para
atividades econômicas, cujos limites não coinci-
administrá-las. Essas mudanças institucionais
dem com os das jurisdições que os constituem.
se passam num ambiente econômico cada vez
Entre estes, circula diariamente um volumoso
mais precário. A década de 80, que viu a nova
fluxo de pessoas, de mercadorias e de servi-
Constituição, assistiu também à edição de três
ços. Caracterizam-se também esses espaços
planos de estabilização econômica. Na sequên-
pela existência de uma unidade principal, que
cia, os anos 90 iniciavam-se com uma inflação
se destaca pelo tamanho populacional e den-
alucinante. Outros três planos se seguiriam, até
sidade econômica, desempenhando funções
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
complexas e diversificadas e relacionando-se
brasileiro, considerando o federalismo como
com outros espaços urbanos no país e no exte-
uma forma de organização político-territo-
rior. Estudo desenvolvido pela Rede Observató-
rial do poder que combina autonomia com
rio das Metrópoles, em que foram demarcados
parceria.2
e classificados os espaços da rede urbana bra-
A ciência econômica nos fornece subsí-
sileira, identificou que os municípios que com-
dios para a análise a partir, principalmente, da
põem essas regiões diferem substancialmente
Teoria do Federalismo Fiscal e da Nova Econo-
entre si quanto à integração à dinâmica da
mia Institucional – NEI. A Teoria do Federalismo
aglomeração, entendida como o adensamento
Fiscal oferece os conceitos necessários à aná-
de fluxos econômicos e populacionais (Branco
lise da situação fiscal dos entes federativos –
et al., 2004, p. 7). Disso resultam unidades re-
municípios, estados e União, no caso brasileiro,
gionais bastante diferentes quanto ao efetivo
considerando não apenas as competências tri-
processo de metropolização, dificultando a
butárias atribuídas conferidas a cada ente, mas
identificação dos problemas comuns.
também as regras que conformam a estrutura
Diversidade e dificuldade de cooperação
de transferências intergovernamentais, base
metropolitana, este é o tema deste artigo. A
do financiamento das ações – prestação de
próxima seção oferece um pano de fundo das
serviços e investimentos – necessárias à solu-
abordagens teóricas que nos podem ajudar a
ção dos problemas comuns. As dificuldades de
pensar o tema da governança metropolitana
coordenação intergovernamental estão na ba-
no Brasil. A terceira seção traz indicadores que
se de alguns dos obstáculos à cooperação. Os
permitem avaliar a importância econômica e
aspectos fiscais, por sua vez, devem ser quali-
demográfica dos territórios metropolitanos e
ficados à luz do ambiente institucional em que
caracterizam sua estrutura fiscal, vis-à-vis aos
se desenvolvem as relações federativas (Oates,
municípios não metropolitanos. Na quarta
1994). A estrutura fiscal de uma federação é,
seção, conclui-se, identificando os principais
ela mesma, parte importante do ambiente
obstáculos à coor denação e à cooperação
institucional: por um lado, resulta da história
metropolitana.
econômica e política da federação e, por outro, traz restrições a serem consideradas em
suas alternativas de desenvolvimento. A Nova
Ação institucional coletiva
e cooperação metropolitana
Economia Institucional permite aprofundar a
compreensão da natureza dos obstáculos que
emergem do relacionamento fiscal federativo.
Para North (1990), autor consagrado da
A delimitação dos obstáculos à cooperação
NEI, instituições são as regras do jogo, cons-
em regiões metropolitanas requer uma abor-
tituindo restrições que configuram a interação
dagem interdisciplinar que busque, ao menos,
humana. Por essa via, definem estruturas de
contribuições na ciência política e na teoria
incentivos políticos, sociais, econômicos para
econômica. A primeira nos ajudará a identi-
a ação de organizações, entendidas como gru-
ficar as características do arranjo federativo
pos de indivíduos unidos por algum propósito:
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Sol Garson
partidos políticos, municípios, estados, firmas,
custos e benefícios de agirem conjuntamente.
sindicatos. Assim, a qualidade dos arranjos
Nessa linha, as políticas públicas expressariam
federativos é um produto das instituições, das
o resultado de negociações para alcançar resul-
regras que regulam as relações intergoverna-
tados de interesse comum.
mentais. Essas regras orientam a ação das or-
Desafiando essa crença, Olson defende
ganizações, a partir da existência – ou não – de
que o indivíduo racional e centrado em seus
instâncias de coordenação governamental pa-
próprios interesses prefere a força da união a
ra a discussão e negociação de soluções para
seu esforço isolado, mas buscará, sempre que
problemas comuns e resolução de conflitos. A
possível, beneficiar-se do resultado da ação co-
flexibilidade do arranjo facilita a adaptação a
letiva sem incorrer em custo (Orenstein, 1993,
mudanças nas condições econômicas (Moraes,
p. 63). Dessa forma, não se poderia assegurar
2001).
que os interesses comuns ao grupo seriam ob-
O conceito de organizações de North po-
jeto da ação coletiva, mesmo que houvesse
de ser aplicado a governos locais – os municí-
consenso sobre os benefícios potenciais. Olson
pios brasileiros e as regiões metropolitanas –
mostra que alguns indivíduos, percebendo que
considerando-os como organizações ou conjun-
usufruiriam de direitos sem precisar despender
tos de organizações – grupos de indivíduos que
esforços, não se engajariam na ação: são os
poderão se unir por algum propósito – para as
denominados free-riders. Restaria, então, dis-
quais se definem estruturas de governança. A
cutir de que forma a ação coletiva poderia ser
coordenação e cooperação entre as organiza-
incentivada e de que dependeria o seu sucesso.
ções podem reduzir custos de transação – de
Entre os requisitos importantes, estaria o tama-
monitorar e fazer cumprir os acordos. Em re-
nho do grupo, a diversidade de preferências,
giões metropolitanas, a ação conjunta poderá
a existência de mecanismos de coordenação
resultar em ganhos de escala ou gerar meca-
e os incentivos seletivos, que alcançariam os
nismos de compensação de externalidades.
membros de forma diferenciada. Estes pode-
Considerada uma vertente da NEI, a Teo-
riam ser positivos – retribuições materiais, por
ria da Ação Coletiva explica os resultados espe-
exemplo – ou negativos, sob a forma de coer-
rados da ação coletiva, em função das motiva-
ção sobre os membros que não cooperem.
ções de grupos com interesses diversos (Olson,
A partir da Teoria da Ação Coletiva no
1965). Para Nabli e Nugent, a questão central
plano individual, pode-se derivar uma Teoria da
da Teoria é a discussão de como motivações in-
Ação Institucional Coletiva – TAIC, buscando
dividuais conduzirão a ação de grupos – a ação
incentivos à cooperação, agora não apenas de
coletiva (Hardin, 1982, apud Nabli e Nugent,
indivíduos, mas de organizações (no sentido de
1989, p. 1338). A Teoria da Ação Coletiva se
North), em busca de benefícios comuns. Essas
contrapôs à crença generalizada de que gru-
organizações trabalhariam de forma coordena-
pos com interesses comuns agiriam de forma
da em busca de objetivos comuns.
coordenada, na busca de soluções para essa
A cooperação entre governos locais e en-
comunidade. Acreditava-se que, agindo de for-
tre estes e os demais níveis de governo numa
ma racional, os membros do grupo avaliariam
federação pode ser analisada com a aplicação
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
da TAIC. Os governos seriam organizações, que
brasileiro. Diferenças de porte e de densidade
se engajariam – ou não – em ações coletivas,
populacionais implicam prioridades diferentes,
com o objetivo de obter um benefício que não
para atender preferências diversas, podendo-
alcançariam através da ação individual. Para
se considerar os governos locais como uma
isso, eles avaliariam os benefícios que auferi-
agregação de preferências individuais. Se há
riam da ação coordenada e os custos a incorrer
grande diversidade de condições sociais indi-
e cooperariam quando os benefícios espera-
cando diferenças em preferências, será mais
dos fossem maiores que os custos de negociar,
difícil para os agentes políticos atenderem a
monitorar e fazer cumprir os contratos políticos
todas, dificultando a cooperação (Post, 2004,
que se firmariam entre os governos.
p. 71).
Assim como no caso da cooperação indi-
Os municípios são prestadores de ser-
vidual, as condições de sucesso da AIC incluem
viços diretos à população, por excelência. Na
considerações sobre o tamanho do grupo, a di-
busca de objetivos comuns, a cooperação pode
versidade de suas preferências, vis-à-vis à iden-
ser incentivada se acreditarem que extrairão
tidade de objetivos e a possibilidade de esta-
benefícios líquidos. A ação coordenada pode
belecer incentivos seletivos para recompensar
resultar em redução de custos na provisão do
ou punir os que não se engajassem na ação.
serviço, resultante de economias de escala que
Outro elemento frequentemente considerado é
derivam do uso mais intensivo de capacidade
a presença de um líder forte na condução da
produtiva. A coordenação não se limita aos
ação coletiva.
governos locais, mas aos governos estaduais
Tratando-se de entes federativos, quanto
e à União, evitando duplicação de esforços. O
menores os custos de transação da ação cole-
ganho a extrair da ação coletiva variará com
tiva, maior a probabilidade de cooperação. O
as características dos bens ou serviços e a di-
número de jurisdições, as condições econômi-
visão institucional de competências. Tome-se o
cas dos territórios, o tamanho de sua popula-
exemplo dos transportes, que implicam altos
ção e a heterogeneidade das condições em que
custos fixos e, no Brasil, têm uma clara atribui-
vive são alguns dos elementos importantes na
ção de competências, relacionada ao território
determinação desses custos.
sob sua jurisdição (aos municípios compete
Um número maior de governos locais im-
gerir o transporte no âmbito de sua jurisdição,
plicaria custos mais altos de monitoramento.
etc). A atividade isolada dos entes traz, sem
Um maior grau de homogeneidade econômica
dúvida, elevado desperdício. Um mesmo ser-
poderia contribuir para a cooperação, uma vez
viço pode comportar a cooperação apenas em
que os governos locais constituintes das regiões
algumas de suas atividades. Na área da saúde,
metropolitanas “partilhariam um mesmo desti-
a divisão de atribuições é incentivada quando
no” (Lefèvre, 2004). Embora se pudesse espe-
se trata de serviços de alta complexidade, que
rar que o grau de homogeneidade econômica
requerem maior quantidade de capital físico e
entre o centro e a periferia metropolitana fosse
humano (habilidades específicas). Este não é o
favorecido pela metropolização, nada se pode
caso da atenção básica, como as vacinas. Há
afirmar sobre isso, particularmente no caso
ainda os casos em que a falta de cooperação
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Sol Garson
pode até implicar resultado nulo da ação
de escala deveriam ser construídas sobre a
individual, como na vigilância sanitária. É im-
totalidade do território, em lugar de parcelas
portante observar que, num ambiente de divi-
desconectadas. Esse é o caso dos projetos de
são parcial do trabalho, a falha de um governo
infraestrutura urbana, que deveriam contar
em cumprir suas responsabilidades pode one-
com transferências intergovernamentais ou li-
rar o conjunto: se a prevenção à saúde é defi-
nhas especiais de crédito para o conjunto dos
ciente, os males se agravam e sobrecarregam
governos locais participantes.
as unidades de alta complexidade.
A regulação estadual e federal pode
A cooperação metropolitana pode contar
ser utilizada como instrumento para induzir a
com elementos conjunturais favoráveis. Esse é
ação coordenada, reduzindo custos de transa-
o caso de líderes inovadores, ainda que ajam
ção. Esse é o caso da nova Lei de Consórcios,
em busca de ganhos pessoais. Schneider, Teske
no Brasil, que pode estimular a cooperação
e Mintrom (1995, apud Post) denominam estes
setorial (embora não se deva esperar que dê
líderes “empresários políticos”. Atuando em
conta da coordenação metropolitana em sua
arenas políticas, ou “mercados”, podem ser
totalidade). O novo marco legal poderá con-
fundamentais na resistência posta por servi-
tribuir para reduzir os custos de transação da
dores ou sindicatos à possibilidade de coope-
AIC, conferindo segurança jurídica às ações
ração (Post, 2004, p. 79). No caso da Grande
conjuntas implementadas pela União, estados
Londres, o Prefeito K. Livingstone contribuiu
e municípios. No Brasil, os estados dispõem
de forma essencial para o sucesso do projeto
de parte do ICMS, distribuído segundo lei do
metropolitano, sendo reconhecido como re-
próprio estado. Os critérios de distribuição de
presentante legítimo dos interesses da região
recursos pela lei estadual podem incentivar
(Lefèvre, 2004).
a cooperação municipal, particularmente em
Para Olson, os custos da ação coletiva
áreas metropolitanas.
voluntária em pequenos grupos são menores.
Outros elementos podem ser citados co-
A expansão do grupo demanda uma terceira
mo redutores de custos de transação e incen-
parte para absorver os custos de organização,
tivadores da cooperação. Associações de mu-
aplicar a coerção ou oferecer incentivos seleti-
nicípios que produzem informações atualizadas
vos que reduzam os custos de transação (Olson,
para seus participantes e promovem a discussão
1965 apud Feiock, 2004). Num país federativo
de problemas comuns, programas de treina-
como o Brasil, o governo federal e os governo
mento que estimulam a troca de experiência,
estaduais deveriam ter um papel importante na
criando redes de cooperação, ainda que infor-
indução da cooperação através de incentivos
mais, são exemplos.
seletivos positivos ou mesmo pela coerção. Po-
A cooperação nas ações sobre o território
líticas setoriais federais ou estaduais em áreas
metropolitano não se deve se restringir à ação
metropolitanas, em que ações desenvolvidas
pública. Governos são um elemento necessário
por governos locais mais frequentemente ge-
à governança, mas não suficiente. Para Jouve
ram externalidades ou apresentam economias
e Lefèvre, passou-se da era do governo à da
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
governança, onde o desenho e implementa-
de cada RM, a população dos municípios-nú-
ção de políticas públicas passa a contar com
cleo e dos demais e evidencia a importância
a participação da sociedade e do setor privado
da RM em seu estado e do município-núcleo
(Jouve e Lefèvre, 1999, p. 20).
na respectiva região. Dentre o conjunto, as 5
Os atores privados que tenham interes-
RMs mais populosas abrigam 60% do total,
ses em negócios que ultrapassem as fronteiras
em 147 municípios. Comparando com a po-
de uma jurisdição poderão atrair o interesse
pulação de estado, em 9 delas, a população
do setor privado, facilitando a cooperação
metropolitana alcança mais que 39% do total
entre os entes federativos envolvidos. Nesse
estadual. A concentração no município-núcleo
caso, o setor privado será a terceira parte que
é também uma característica: em 13 RMs,
estimulará a cooperação: uma câmara de co-
mais de 60,0% da população nele se encon-
mércio, de indústria, uma grande firma esta-
tra. São territórios, em geral, de elevadíssima
belecida no local, por exemplo (Feiock, 2004,
densidade demográfica, o que tende a elevar
p. 9). A participação do setor privado, por sua
o custo de prestação de serviços. Outro aspec-
vez, é delimitada pela atividade regulatória do
to importante é a convivência, em uma mesma
governo.
RM, de municípios bastante distanciados em
porte populacional. Na RM de Belo Horizonte
(incluindo o Colar Metropolitano), 17 dos 48
Os municípios metropolitanos
na federação brasileira
municípios têm menos de 10.000 habitantes e
outros 17 não superam 50.000 habitantes. Na
RM de Curitiba, 5 municípios têm menos de 10
mil habitantes e outros 12 não superam 50 mil
Aspectos demográficos
habitantes.
A diferença em porte populacional tem,
entre outros impactos, rebatimento direto na
A importância dos municípios que compõem
estrutura fiscal, uma vez que a transferência
as regiões metropolitanas pode ser avaliada,
federal mais importante – do FPM – beneficia
entre outros indicadores, pela magnitude de
os pequenos municípios, em particular, das re-
sua população e da atividade econômica, bem
giões mais pobres. As diferenças em porte po-
como pela estrutura fiscal que reflete, de um
pulacional e a disparidade do município-núcleo
lado, as demandas a que está submetido e, de
em relação aos demais colocam em situação
outro, a magnitude e variedade de recursos à
de conflito municípios de uma mesma região,
sua disposição.3
particularmente na esfera fiscal: enquanto os
De acordo com a Contagem do IBGE de
maiores municípios lutam por expandir sua
2007, neles vivia cerca de 40,0% da população
receita própria, os pequenos tendem a acei-
brasileira. A Tabela 1 apresenta a população
tar barganhas que lhes ofereçam ganhos em
das 24 RMs. Destaca o número de municípios
transferências intergovernamentais.4
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Sol Garson
Tabela 1 – População 2007
Estados, regiões metropolitanas, municípios-núcleo e periferia
em 1.000 hab.
UF
AL
Região Metropolitana
Nº de
municípios
Total
Estado
(A)
Total
RM
(B)
Municípionúcleo
(C)
Periferia
(D)
RM/
Estado
(B)/(A)
Núcleo/
Total RM
(C)/(B)
Periferia/
Total RM
(D)/(B)
Maceió
11
3.037
1.089
874
215
35,9
80,2
19,8
AM Manaus
8
3.222
1.897
1.612
284
58,9
85,0
15,0
AP Macapá
2
587
436
344
92
74,2
79,0
21,0
BA Salvador
12
14.081
3.676
2.893
783
26,1
78,7
21,3
CE Fortaleza
13
8.185
3.437
2.431
1.005
42,0
70,8
29,2
7
3.352
1.625
314
1.311
48,5
19,3
80,7
ES
Grande Vitória
13
5.647
2.008
1.245
763
35,6
62,0
38,0
MA Grande São Luís
GO Goiânia
7
6.119
1.284
958
326
21,0
74,6
25,4
MA Sudoeste do Maranhão
8
6.119
325
230
95
5,3
70,7
29,3
MG Belo Horizonte
48
19.274
5.450
2.413
3.037
28,3
44,3
55,7
MG Vale do Aço
26
19.274
601
238
362
3,1
39,7
60,3
PA Belém
5
7.066
2.044
1.409
635
28,9
68,9
31,1
PB João Pessoa
9
3.641
1.050
675
375
28,8
64,3
35,7
14
8.485
3.655
1.534
2.121
43,1
42,0
58,0
26
10.285
3.166
1.797
1.369
30,8
56,8
43,2
PR Londrina
8
10.285
742
498
244
7,2
67,1
32,9
PR Maringá
13
10.285
571
326
245
5,5
57,1
42,9
RJ
17
15.420
11.335
6.093
5.241
73,5
53,8
46,2
9
3.014
1.255
774
481
41,7
61,7
38,3
31
10.583
3.959
1.421
2.538
37,4
35,9
64,1
4
1.939
760
520
239
39,2
68,5
31,5
PE
Recife
PR Curitiba
Rio de Janeiro
RN Natal
RS
Porto Alegre
SE
Aracaju
SP
Baixada Santista
9
39.828
1.606
418
1.188
4,0
26,0
74,0
SP
Campinas
19
39.828
2.635
1.039
1.596
6,6
39,4
60,6
SP
São Paulo
39
39.828
19.226
10.887
8.340
48,3
56,6
43,4
73.829
40.944
32.886
Total
358
Total Brasil
183.987
Total RM/Brasil (%)
40,1
Fonte: IBGE – Contagem 2007.
Importância econômica
com 85,3% do PIB estadual, dos quais apenas
a capital participa com 95,5%. Em São Paulo,
Responsáveis, em 2006, por 52,0% do PIB , os
as três RMs concentram mais de dois terços
municípios pertencentes a RMs geravam 49,0%
da economia estadual. A liderança do muni-
do valor agregado bruto da indústria e 54,2%
cípio-núcleo da RM é marcante: em 15 casos,
do setor serviços. A concentração econômica
o núcleo é responsável por mais de 60,0% do
é ainda maior que a populacional, como se ob-
PIB da RM e, em 20, por mais de 50,0%. As
serva na Tabela 2. Entre as 24 RMs, 10 concen-
diferenças econômicas, em geral, se traduzem
tram mais da metade da economia estadual.
na estrutura fiscal, uma vez que os municípios-
5
Os 8 municípios da RM de Manaus liderando,
442
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núcleo costumam concentrar a atividade de
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
Tabela 2 – Produto Interno Bruto 2006
Estados, regiões metropolitanas, municípios-núcleo e periferia
em R$ milhões correntes
Valor
UF
AL
Região Metropolitana
Total
Estado
(A)
Total
RM
(B)
Participação percentual
Municípionúcleo
(C)
Periferia
(D)
RM/Estado
(B)/(A)
Mun.núcleo/
Total RM
(C)/(B)
Periferia/
Total RM
(D)/(B)
15,9
Maceió
15.753
8.304
6.981
1.323
52,7
84,1
AM Manaus
39.166
33.427
31.916
1.510
85,3
95,5
4,5
AP Macapá
5.260
4.130
3.365
765
78,5
81,5
18,5
BA Salvador
96.559
48.677
24.072
24.604
50,4
49,5
50,5
CE Fortaleza
46.310
29.457
22.538
6.920
63,6
76,5
23,5
ES
52.782
33.399
16.291
17.109
63,3
48,8
51,2
57.091
21.941
15.872
6.069
38,4
72,3
27,7
12.010
11.217
793
42,0
93,4
6,6
1.670
1.353
317
5,8
81,0
19,0
80.601
32.725
47.876
37,5
40,6
59,4
8.635
4.949
3.686
4,0
57,3
42,7
Grande Vitória
GO Goiânia
MA Grande São Luís
MA Sudoeste do Maranhão
MG Belo Horizonte
MG Vale do Aço
28621
214.814
PA Belém
44.376
15.680
12.520
3.160
35,3
79,8
20,2
PB João Pessoa
19.953
9.283
5.967
3.316
46,5
64,3
35,7
PE
55.505
36.124
18.318
17.806
65,1
50,7
49,3
55.829
32.153
23.676
40,8
57,6
42,4
9.229
6.612
2.617
6,8
71,6
28,4
7.091
5.276
1.815
5,2
74,4
25,6
275.363
184.373
127.956
56.417
67,0
69,4
30,6
20.557
10.659
7.508
3.151
51,9
70,4
29,6
156.883
71.913
30.116
41.797
45,8
41,9
58,1
15.126
7.365
5.030
2.335
48,7
68,3
31,7
30.230
16.129
14.101
3,8
53,4
46,6
Recife
PR Curitiba
PR Londrina
136.681
PR Maringá
RJ
Rio de Janeiro
RN Natal
RS
Porto Alegre
SE
Aracaju
SP
Baixada Santista
SP
Campinas
SP
São Paulo
Total RMs
Total Brasil
802.552
2.083.351
62.657
23.625
39.032
7,8
37,7
62,3
450.605
282.852
167.752
56,1
62,8
37,2
1.233.290
745.342
487.948
2.369.797
Total RM/Brasil (%)
52,0
Fonte: IBGE.
serviços, constituindo uma base tributária mais
pobres entre sua população e mortalidade in-
ampla para a arrecadação do ISS e, por vezes,
fantil relativamente elevada.
suscitando comportamentos hostis dos vizinhos, que se engajam em guerra fiscal.
De acordo com Lefèvre (2004, p. 25), a
dominação espacial, demográfica e econômica
Vale observar, por outro lado, que não
de uma cidade central (Berlim, Montreal, Roma
necessariamente um PIB per capita mais alto
e Toronto, em países da OCDE) tem certamente
se traduz em melhores condições de vida pa-
impacto sobre a possibilidade de desenvolver
ra a população. São Francisco do Conde, na
um projeto metropolitano, entendido como
RM de Salvador, é o município com maior PIB
a base estratégica pela qual a superação da
per capita do Brasil, tinha, em 2000, 55% de
fragmentação dos atores possibilita responder
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Sol Garson
a problemas e orientar a ação coletiva. É difícil,
posicionamento político quanto à disputa por
segundo o autor, estabelecer se esse impacto
recursos.
será positivo ou não, tudo dependendo do contexto metropolitano.
Reflexo de sua economia, os municípiosnúcleo têm a melhor posição, em particular no
ISS, seguido pelo ICMS.8 Embora a maior participação de tributos próprios e de transferência
Finanças metropolitanas
do ICMS lhe confira certa flexibilidade – destes,
40% são destinados à saúde e à educação – as
Esta seção apresenta a estrutura fiscal dos mu-
transferências intergovernamentais prevalecen-
nicípios metropolitanos, comparando-a com a
tes – SUS e Fundeb – são totalmente vincula-
dos demais municípios brasileiros. Além disso,
dos, tornando seu orçamento mais rígido. No
evidencia as diferenças entre municípios-núcleo
que diz respeito à receita de capital, os valores
e os demais, a que denominaremos periferia
são pouco significativos, indicando que os inves-
metropolitana. A construção do banco tomou
timentos devam ser financiados pela poupança
por base os dados disponibilizados pela Secre-
corrente que consigam realizar a cada ano, após
taria do Tesouro Nacional – STN, do Ministério
cobertas as despesas com o serviço da dívida.
da Fazenda, no FINBRA e foram complementa6
das por informações de outras fontes.
Nas cidades periféricas, as receitas próprias são relativamente mais baixas, denotan-
Como regra geral, o orçamento de um
do uma menor base tributária e, pode-se supor,
município é afetado pelo tamanho e compo-
uma menor exploração das bases existentes. O
sição da base econômica, pelo tamanho da
componente de destaque é a transferência do
população, pelo fato de ser ou não a capital
ICMS, relacionado em muitos casos à existên-
do estado e pela capacidade de se habilitar e
cia de algumas unidades produtivas, cujo valor
cumprir exigências necessárias ao recebimen-
agregado beneficia o município no rateio da
to de transferências do estado e do governo
cota-parte desse imposto. Os municípios perifé-
federal (Rezende e Garson, 2006). A impor-
ricos guardam substanciais diferenças entre si,
tância dos municípios metropolitanos em ter-
havendo aqueles muito pequenos, que têm nas
mos de população e atividade econômica se
transferências redistributivas, como a do FPM,
reflete em sua estrutura fiscal: em 2007, os
sua base de financiamento. Mais que nos mu-
municípios metropolitanos foram responsá-
nicípios-núcleo, as transferências totalmente
veis por mais de 50% da receita corrente, e
vinculadas do SUS e Fundeb alcançam 17,5%
por três quartos dos tributos de todos os mu-
do total, a que se soma parte das Outras Trans-
7
nicípios brasileiros. Entre os 358 municípios
ferências Correntes, em geral fortemente vin-
metropolitanos, os 24 municípios-núcleo arre-
culadas – CIDE, convênios. Embora em melhor
cadaram 62% da Receita Corrente e 75% da
situação que os municípios-núcleo, também a
Receita Tributária. A composição das receitas
periferia tem pouco acesso a receitas de capi-
dos três grupos – núcleos, periferia e demais
tal, em particular a operações de crédito, ainda
municípios não metropolitanos – evidencia di-
que, em geral, seu endividamento seja mais
ferenças que condicionam suas prioridades e
baixo que o dos municípios-núcleo. Da mesma
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
forma que nos núcleos, o financiamento de
boa parcela do rateio da cota – parte do ICMS,
seus investimentos depende da capacidade de
esses municípios, em geral, têm fraca base tri-
gerar poupança corrente a cada exercício.
butária, o que não lhes garante receita própria
A escassez de recursos de operações de
e, por serem de grande porte e situados no Su-
crédito dificulta o planejamento de projetos
deste e no Sul, têm menos acesso ao FPM.
de longo prazo, particularmente no caso de
No caso dos municípios não metropolitanos, as receitas próprias são bem mais reduzidas, dependendo fortemente de taxas e da
receita do Imposto de Renda Retido na Fonte,
que compõem as Outras Receitas Tributárias.
A significativa presença do Fundeb denota a
maior municipalização do ensino (no Norte e
Nordeste, é maior a municipalização do ensino
fundamental). Destacam-se, em termos relativos, as transferências de capital, seja por
convênios para a execução de políticas públicas, seja por emendas parlamentares, para a
execução de projetos pontuais.
infraestrutura, que exigem volumes por vezes
vultosos e desigualmente distribuídos no tempo. Mesmo no caso de maior fluxo de transferências de capital, como ocorre em municípios
menores, em geral, a situação não seria muito
melhor, uma vez que estas, em geral, estão
vinculadas ao orçamento do ano.
Outro ponto a destacar é a situação desfavorável de municípios de porte médio, com
presença relativamente forte nas periferias
metropolitanas. Salvo o caso de disporem de
uma unidade industrial, que lhes garanta uma
Tabela 3 – Composição da Receita
Municípios metropolitanos e não metropolitanos – 2007
em R$ milhões correntes
Rubrica
Receita Total
Total Brasil
Metropolitano
Núcleo
Periferia
Demais municípios
216.345
57.912
35.779
122.654
100,0
100,0
100,0
100,0
96,8
97,9
97,0
96,2
21,3
36,5
19,8
14,5
IPTU
5,5
10,6
6,3
2,8
ISS
9,0
18,4
8,2
4,9
Outras Receitas Tributárias
6,8
7,5
5,3
6,9
61,8
43,6
63,0
70,0
FPM
15,3
4,6
11,1
21,6
SUS
8,2
9,3
6,3
8,3
ICMS
17,3
14,7
24,7
16,3
FUNDEB
Receita Corrente
Receita Tributária
Transferências intergovernamentais
11,4
6,9
11,2
13,7
Outras Transf. Intergov.
9,6
8,2
9,7
10,2
Demais Receitas Correntes
13,7
17,8
14,3
11,6
3,2
2,1
3,0
3,8
Operações de Crédito
0,5
0,5
0,5
0,6
Transferências de Capital
2,2
0,9
2,1
2,9
Outras Receitas de Capital
0,4
0,6
0,4
0,3
Receita de Capital
Fonte: Finbra/STN, TCE’s, Secretarias Estaduais de Fazenda, Datasus.
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Sol Garson
Tabela 4 – Composição da Despesa
Municípios metropolitanos e não metropolitanos – 2007
em R$ milhões correntes
Rubrica
Total Brasil
Município-núcleo
Periferia
Demais municípios
210.545
57.189
35.329
118.027
100,0
100,0
100,0
100,0
86,9
87,5
85,0
87,3
41,8
35,5
42,5
44,7
Juros e Enc. da Dívida
1,7
4,8
0,7
0,5
Outras Desp. Correntes
43,4
47,2
41,9
42,1
13,1
12,5
15,0
12,7
11,2
10,5
13,1
11,0
1,8
2,1
1,8
1,7
Despesa total
Despesa Corrente
Pessoal
Despesas de Capital
Investimento + Inversão
Amortização da dívida
Fonte: Finbra/STN, TCE’s, Secretarias Estaduais de Fazenda, Datasus.
Do lado das despesas, a divisão entre
depende, entre outros fatores, do tamanho do
despesas correntes e de capital é similar, mas
grupo, da diversidade de preferências, da exis-
a menor participação dos investimentos é dos
tência de mecanismos de coordenação e da
municípios-núcleo, que destinam cerca de
presença de incentivos seletivos.
7% das despesas ao serviço da dívida (cerca
Conforme anteriormente comentado, a
de 2,4% nos demais grupos). Além disso, são
proliferação de RMs implicou conferir condição
estes municípios que menos recebem, relativa-
legal a grupos bastante diferenciados. De fa-
mente, transferências de capital. A participa-
to, diversas Regiões Metropolitanas hoje exis-
ção relativamente maior de Outras Despesas
tentes, dificilmente podem ser caracterizadas
Correntes em municípios-núcleo pode estar
como aglomerados urbanos metropolitanos.
ligada, em parte, à maior terceirização de ser-
Além disso, a constante inclusão de municí-
viços. Mais provavelmente, no entanto, decorre
pios, ampliando o tamanho do grupo, muitas
de pagamentos de prestadores de serviços por
vezes sem critério claro, afeta a legitimidade
conta da gestão plena do SUS, o que explica
funcional desses territórios.
também a forte presença de recursos do SUS
As diferenças de condições demográficas
e econômicas e seu rebatimento fiscal fazem
entre as receitas.9
supor prioridades diversificadas, que dificultam
a constituição de uma identidade metropolitana. A concentração de população e atividade
Considerações finais
econômica, em particular no município-núcleo,
pode dificultar o diálogo e a ação conjunta en-
Na primeira seção deste artigo, trabalhamos
tre os municípios de uma região. Entre outros
com os conceitos de ação institucional coletiva
aspectos, está a distribuição de poder decisório
– AIC para discutir os obstáculos à cooperação
sobre que ações realizar e os critérios de ra-
em regiões metropolitanas. O sucesso da AIC
teio dos ônus das ações conjuntas. Em recente
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
mudança da legislação da Região Metropoli-
traduzem em prioridades diferenciadas. Por ou-
tana de Belo Horizonte, os municípios de Belo
tro lado, a continuidade do espaço econômico e
Horizonte, Betim e Contagem passaram a dis-
social, característica dos aglomerados urbanos
por de maior peso na composição do Conselho
metropolitanos, implica externalidades econô-
Deliberativo de Desenvolvimento Metropolita-
micas e acena com a possibilidade de ganhos
no, importante órgão de gestão da região.
de escala, ressaltando a importância da coope-
Em municípios pequenos, em geral forte-
ração na solução de problemas comuns.
mente dependentes da União, a realização de
Problemas comuns em RMs dizem
investimentos depende fortemente de transfe-
respeito sobretudo à infraestrutura urbana –
rências de capital (federal, no mais das vezes)
saneamento, habitação, transporte, por exemplo,
e está atrelada ao orçamento do exercício. Seu
áreas que exigem capacidade técnica específica
engajamento em ações coletivas de prazo mais
e de planejamento, além de comprometimento
amplo será objeto da desconfiança dos municí-
de recursos no longo prazo. Esse caráter de
pios maiores. Estes, por sua vez, padecem da
longo prazo gera incerteza, elevando os custos
pouca flexibilidade para decidir onde alocar re-
de transação e desincentivando a cooperação.
cursos: a forte vinculação de receitas lhes deixa
Em um aglomerado urbano metropolitano onde
pouca capacidade para escolher.
prevalece a heterogeneidade, os municípios
A falta de legitimidade política dos es-
constituintes podem ser diferentemente
tados, enfraquecidos em sua capacidade de
afetados por um mesmo problema, atribuindo
coordenação, os coloca, até mesmo, como
importância diferenciada a sua resolução. Eles
competidores de seus próprios municípios na
ponderarão o ônus esperado da ação cooperada
busca de recursos para infraestrutura urbana,
perante sua situação fiscal. O caminho para a
por exemplo.
cooperação passa a depender de instituições
Da falta de políticas urbanas coordena-
que ofereçam os incentivos seletivos –
das pelo governo federal resulta a ausência de
positivos ou negativos – que estimulem a ação
incentivos seletivos que estimulassem a coo-
coordenada. A construção dessas instituições,
peração entre os três níveis de governo nos ter-
por sua vez, é afetada pelas próprias regras que
ritórios metropolitanos.
restringem as relações intergovernamentais.
A breve caracterização dos municípios
No que diz respeito ao caso brasileiro, o
metropolitanos, objeto da seção anterior, deixa
arcabouço institucional do federalismo tem-se
clara a diversidade de condições que prevalece
mostrado inadequado para lidar com as desi-
nos territórios das RMs oficiais, onde convivem
gualdades regionais. O processo de descentra-
grandes metrópoles, junto a uma multiplicida-
lização federativa não foi acompanhado pelo
de de pequenos municípios, muitos originários
desenvolvimento de instituições que estimulem
do intenso processo de desmembramento, que
a cooperação entre os entes da federação e de
apenas recentemente parece ter sido estan-
fóruns de negociação e resolução de conflitos.
cado. Diferenças em porte populacional e em
Identificando a descentralização com municipa-
nível de atividade econômica se traduzem por
lização, os municípios assumiram uma postura
estruturas fiscais diversas que, por sua vez, se
autárquica.
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Sol Garson
O conceito de path dependence aplicado
sua vez, não tem privilegiado a ação coordena-
à mudança institucional (North,1990) ajuda a
da. Até o presente, vale lembrar, poucos foram
compreender o tratamento conferido à questão
os casos em que as políticas públicas se estru-
metropolitana no Brasil, destacando os condi-
turaram com visão territorial, exceção feita à
cionantes históricos e os aspectos institucio-
política de saúde. Ao lado disso, a política de
nais que permitem compreender os obstáculos
metas fiscais, implementada a partir do final da
à cooperação em regiões metropolitanas. Esses
década passada, resultou em forte contenção
obstáculos devem ser buscados na história das
do crédito público, que poderia se constituir em
nossas relações federativas, porque é a partir
instrumento para coordenar esforços em torno
dela que poderíamos, por um lado, compreen-
de projetos que ultrapassassem os limites de
der como foram se constituindo e, por outro,
cada jurisdição.
quais as alternativas para removê-los, ou ao
O estudo de experiências de gestão em
menos para atenuá-los. A postura autárquica
outros países deixa claro que não existe um
dos municípios e a falta de políticas urbanas e
único modelo de gestão metropolitana. As
regionais limitaram o desenvolvimento de insti-
dificuldades são inúmeras e a construção de
tuições para atuar sobre os problemas comuns
formas de cooperação parece ser uma obra em
que afetam os territórios metropolitanos .
andamento. As soluções variam a cada país
Do lado dos estados, o agravamento de
e, mesmo dentro de um país, elas variam no
sua situação fiscal e de endividamento ao lon-
tempo: é o caso de Toronto, no Canadá, que
go da década de 90 resultou em uma estru-
passa de um modelo de dois níveis, com go-
tura de intensa rigidez fiscal. Analisando as
verno metropolitanos convivendo com gover-
relações entre estados e municípios por meio
nos municipais para unificação na Cidade de
das transferências intergovernamentais, fica
Toronto. Enfim,as respostas são específicas a
evidente que, com raras exceções, os esta-
cada país e evoluem no tempo. Um ponto, no
dos não desenvolvem, de forma permanente,
entanto, fica claro: a estrutura fiscal, de que
políticas públicas junto a seus municípios.
decorrem as alternativas de financiamento das
Pode-se até mesmo identificar casos de com-
ações em território metropolitano, é parte es-
petição por recursos federais. As dificuldades
sencial do desenho de soluções para os pro-
na área fiscal se somam à falta de legitimi-
blemas metropolitanos.
dade atribuída aos estados e consagrada pela
Embora tenhamos focalizado, neste arti-
condição de ente federativo conferida pela
go, a necessidade da cooperação intergoverna-
Constituição de 1988, que retirou dos estados
mental, a solução para o déficit de infraestrutu-
qualquer possibilidade de influenciar a orga-
ra urbana não se restringe à ação de governos.
nização municipal.
Ela exige uma estrutura de governança em que
Essa situação continua sendo reforça-
estejam presentes não apenas atores de todos
da pelo relacionamento direto crescente entre
os níveis de governo, mas também o setor pri-
a União e os municípios, para a execução de
vado, as organizações não governamentais e a
políticas públicas. Esse relacionamento, por
sociedade civil.
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Regiões metropolitanas – diversidade e dificuldade fiscal da cooperação
Sol Garson
Economista pela Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense. Professora Doutora
Colaboradora e Consultora do Instituto de Economia da Universidade Federal Fluminense (Rio de
Janeiro, Brasil).
[email protected].
Glossário
CIDE – Contribuição sobre intervenção no domínio econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível.
DATASUS – Departamento de Informática do SUS – Secretaria Executiva do Ministério da Saúde.
FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.
IPTU – Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.
IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte.
ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
PIB – Produto Interno Bruto.
STN – Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda.
SUS – Sistema Único Saúde.
Notas
(1) No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, inclui o Colar Metropolitano. O estado de
Santa Catarina criou, por Leis Complementares de 1998/2000, seis RMs, abrangendo 95 municípios. Em maio de 2007, nova lei criou 6 novas Secretarias de Desenvolvimento Regional, e, em
seu artigo 209, revogou as Leis Complementares nº 162 e 221, que tratavam das RMs.
(2) Este capítulo toma por base Garson (2009).
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Sol Garson
(3) Para uma caracterização detalhada de aspectos econômicos, sociais e fiscais dos municípios metropolitanos, veja-se Garson (2009).
(4) Em sua eterna luta pela manutenção do ISS nas discussões sobre reforma tributária, os maiores
municípios sempre demonstram preocupação com uma possível posição dos menores, em troca
de ganhos em transferências federais, por exemplo.
(5) O Estado do Amazonas tem 62 municípios.
(6) Base Finbra. Disponível em www.stn.fazenda.gov.br, último acesso em 30/9/2008. As contas de
21 municípios metropolitanos não disponíveis no Finbra em 2007 foram estimadas a partir de
informações da própria STN, de site de Tribunais de Contas de Estados e Municípios, de Secretarias Estaduais de Fazenda e do Datasus/Ministério da Saúde. A base de dados contém informações de todos os municípios metropolitanos. No Total Brasil, estão presentes 94,5% dos 5.564
municípios e 97,1% da população.
(7) Os municípios não presentes no banco de dados são, em geral, pequenos e de pouco significado
fiscal.
(8) Dos 25% da receita estadual do ICMS partilhado com os municípios, 75% é distribuído de acordo com a atividade econômica e 25% de acordo com lei estadual, que, em geral, prioriza a
redistribuição.
(9) Os municípios-núcleo (mas não apenas estes), em geral, têm a gestão plena do SUS em seu território. Por essa razão, além de receber recursos do SUS que empregam em sua rede de saúde, recebem também recursos que destinam ao pagamento de conveniados do SUS: entidades filantrópicas, empresas privadas, etc. Essas despesas são classificadas em Outras Despesas
Correntes.
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 21/ago/2009
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Governança, governo ou gestão:
o caminho das ações metropolitanas
Governance, government or management:
the path for metropolitan action
Peter Kevin Spink
Marco Antonio Carvalho Teixeira
Roberta Clemente
Resumo
Este trabalho busca contribuir para o debate sobre
uma gestão pública política e socialmente competente e efetiva das metrópoles brasileiras a partir
da discussão crítica de possíveis caminhos de ação.
Inicia-se com uma discussão sobre os diferentes
sentidos da expressão metropolitana existentes no
imaginário social. Em seguida, apresenta um breve
resumo do processo brasileiro de metropolização
e, após, descreve a situação atual a partir de um
estudo empírico que envolveu contatos individuais
com as principais áreas metropolitanas, análise
de documentos e orçamentos estaduais e identificação dos tipos de atividades de gestão encontrados. Finalmente, a partir de observações sobre
as possibilidades e limites dos consórcios intermunicipais, busca identificar possíveis opções para o
encaminhamento pluralista de ações futuras.
Abstract
This paper seeks to contribute to the debate on
a politically and socially competent and effective
management of the Brazilian metropolitan areas
based on the critical discussion of possible paths for
action. It begins with a discussion of the different
meanings of the word ‘metropolitan’ that exist in
social imagery. Then, it provides an overview of the
Brazilian metropolitanization process, and finally,
it describes the current situation, using data from a
recent empirical study which comprised interviews
in the main metropolitan areas, document analysis,
as well as budget analysis in order to identify the
different kinds of management activities. Finally,
after commenting on the possibilities and limits
of inter-municipal consortia, the paper identifies
possible paths for action within a pluralist
perspective.
Palavra-chave: regiões metropolitanas (Brasil);
gestão metropolitana; consórcios intermunicipais;
experiências atuais; alternativas de ação.
Keywords: metropolitan management;
metropolitan regions (Brazil); inter-municipal
consortia; current situation; action alternatives.
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
Lembrando Celso Furtado, diríamos como ele que, nas metrópoles, estão
concentrados os processos que interrompem a nossa construção como
nação. Mas cabe, então, perguntar: se enfrentar a questão social é uma
necessidade simultaneamente social e econômica, além de um imperativo
moral, por que tão pouco tem sido feito? Por que a questão metropolitana
tem sofrido de uma ameaçadora orfandade política? Até quando será
possível conciliar o processo de democratização com a manutenção de
tamanhas e gritantes disparidades sociais?
Queiroz Ribeiro (2008, p.13)
Introdução
De acordo com dados da contagem popula-
Nosso foco é um grupo composto por
cional realizada pelo IBGE em 2008, em ter-
42% (81 milhões) 1 da população brasileira,
mos demográficos, há no Brasil, 62 milhões
incluindo os 39 milhões residentes em 13 mu-
de pessoas que se encontram em 4.980 muni-
nicípios com mais de 1.000.000 de habitantes,
cípios de perfil rural-urbano com populações
que formam as áreas metropolitanas. Este
até 50.000 habitantes. Existe outro grupo
outro país, foco dos Cadernos Metrópole, se
de 37 milhões de pessoas que reside em 456
encontra espremido em apenas 1,9% do ter-
municípios de 50.001 até 200.000 habitantes.
ritório nacional e em condições cada vez mais
Há, ainda, um agrupamento de 64 milhões de
desiguais e em franca degradação, numa com-
brasileiros que reside em 115 municípios mais
plexidade conurbada e interjurisdicional confu-
nitidamente urbanos, com população entre
sa, mas com a mesma cobertura institucional e
200.001 e 1.000.000 habitantes (e, mesmo
organizacional dos demais municípios do país.
assim, com áreas de atividade rural). Para
A lógica institucional, a infraestrutura jurídi-
quase todos estes, seria provavelmente váli-
ca, a forma organizativa básica do município
da uma autoimagem municipal de um centro
de menor porte populacional do país, como
urbano com diversos vilarejos espalhados en-
Borá, no Estado de São Paulo, no qual residem
tre áreas significativas de atividade rural. Em
818 habitantes em uma área territorial de 119
quase todos, as linhas de demarcação inter-
km2, é igual a de Altamira, no Pará, onde resi-
municipal acontecem normalmente no cam-
dem 96.842 pessoas numa área territorial de
po, entre árvores e rios e não entre pessoas
161.445,9 km2, e que também é idêntica a São
e ruas. É para estes mais de 5.000 municípios
Paulo, município mais populoso do país, onde
que a Constituição de 1988 foi em grande
habitam cerca de 10 milhões pessoas num es-
parte projetada.
paço territorial de 1.525 km2.
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
Existem amplas responsabilidades e
Histórico
áreas de atuação atribuídas às regiões metro-
A expressão conurbação foi criada em 19152
para chamar atenção para a continuidade do
urbano e para os desafios da gestão de serviços
públicos e de planejamento urbano que isso representa. Em geral, entende-se por conurbação
uma agregação policêntrica na qual os diferentes espaços urbanos se juntam, em razão do
crescimento de centros independentes e, como
consequência, torna-se uma fonte geradora de
novas questões trazidas por sua territorialidade complexa. Inúmeros são os exemplos, em
países desenvolvidos e em desenvolvimento,
de situações nas quais um lado da rua pertence a uma jurisdição e o outro a outra; ou de
uma casa ser enquadrada numa categoria de
zoneamento residencial e a casa vizinha, numa
politanas formalmente constituídas pela legislação brasileira, incluindo transporte público,
controle de poluição, água e esgoto, desenvolvimento regional, resíduos sólidos, urbanismo
e planejamento, habitação, educação, saúde,
entre muitas outras; entretanto, na prática,
como diversos autores (Souza, 2003; Queiroz
Ribeiro, 2004; Rodriguez-Acosta e Rosenbaum,
2005; Devas, 2005; Rojas, Cuadrado-Roura
e Fernandéz Güell, 2005) já comentaram, os
resultados são ainda muito tímidos, para não
dizer inexistentes. Não são as áreas metropolitanas4 brasileiras os exemplos escolhidos de
nossa capacidade inovadora pública para serem apresentados nos congressos e relatórios
internacionais.
outra jurisdição, fazer parte de um zoneamento
comercial; ou, como um prefeito da Grande São
Paulo comentou em entrevista, onde o fundo
Versões metropolitanas
de quintal de um município é a porta da frente
do próximo. Hoje o fenômeno da conurbação
Uma das dificuldades, especialmente quando
se estende pelos novos corredores rodoviários
se propõem questões comparativas de mode-
trazendo, por exemplo, sinais de uma futura in-
los de gestão, governança e governo, adotados
3
terconexão macrometropolitana urbana entre
em outros países – importante como estímulo
as áreas ao redor de Campinas, São José dos
para discutir pressupostos naturalizados – é
Campos, São Paulo e Santos, dentre outras.
que as noções de metropolitana presentes no
Nesse processo de agregação complexa,
imaginário social são variadas. Para muitos,
a expressão Gestão Metropolitana emerge co-
incluindo os acadêmicos, a expressão metro-
mo termo agregador da necessidade de plane-
politana tem uma certa obviedade natural.
jar e buscar soluções para as questões sociais
Parece que desde as visualizações épicas do
e econômicas decorrentes dessa justaposição
tipo Metropolis, de Fritz Lang (1927), todos sa-
de lógicas territoriais individuais. De país para
bem o que é metropolitana, virou parte da vida
país, diferentes soluções foram experimenta-
cotidiana. Muitos artigos e livros acadêmicos,
das, de gestão, de governança e de governo, às
políticos e ativistas simplesmente presumem
vezes de maneira uniforme e às vezes de ma-
que todos estão discutindo os mesmos atribu-
neira plural (Klink, 2008; Lefèvre, 2008).
tos de um mesmo fenômeno.
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
Planejadores, urbanistas e cientistas
uma área reformatada como metropolitana
sociais utilizam a expressão para se referirem
pode, como no caso dos Estados Unidos, trazer
descritiva e contextualmente a grandes áreas
novos incentivos para desenvolvimento (Frey,
urbanas e interurbanas espalhadas territorial-
Wilson, Berube e Singer, 2004). Em outros, o
mente. Agências oficiais de estatística forne-
efeito poderia ser o contrário. Torna-se interes-
cem visões mais nítidas em termos demográ-
sante aqui observar a persistência do municí-
ficos. Por exemplo, os seis países federativos
pio de Jundiaí em resistir à sua vinculação com
das Américas têm, cada um, descrições de
as áreas metropolitanas de Campinas ou São
áreas metropolitanas: no Canadá são Áreas
Paulo.
Censitárias Metropolitanas; nos Estados Uni-
Noções implícitas de metropolitana são
dos são Áreas Estatística Metropolitanas e,
encontradas nos jornais diários com suas se-
no México, na Argentina, no Brasil e na Vene-
ções ou cadernos metropolitanos. Aqui a ex-
zuela (Caracas) são produzidas estatísticas de
pressão pode ser referir aos assuntos locais
base metropolitana. Conforme apontam Frey,
de uma pequena cidade ou a acontecimentos,
Wilson, Berube e Singer (2004), a ênfase não
crimes e escândalos de grandes conurbações.
recai sobre as suas características políticas ou
Metropolitano pode carregar tons de centrali-
jurisdicionais, mas por ser uma “coleção de co-
dade cultural, a urbanidade de museus de arte,
munidades grandes e pequenas vinculadas so-
de teatros e casas de ópera ou até de ser uma
cial e economicamente”. Recentemente, uma
qualidade pessoal de ser atualizada cultural-
nova terminologia foi introduzida nos Estados
mente. Londres pode ter seu Tube, mas é Pa-
Unidos – Áreas de Estatística Micropolitana
ris que dará ao mundo sua expressão favorita
( Micropolitan Statistical Areas ). Essas áreas
para sistemas de transporte subterrâneo: Le
são constituídas de um ou mais condados, con-
Métropolitain ou Le Métro como é universalmente conhecido e encontrado em, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, onde, apesar
do nome, tem escopo somente municipal. Londres, entretanto, teria sua contribuição – pelo
menos no mundo de influência anglo-saxônica
com a criação em 1829 da polícia metropolitana, abrangendo toda área da grande Londres
e que existe até hoje. Em contraste, as cidades
de São Paulo e Rio de Janeiro têm suas Guardas Civis Metropolitanas – entretanto, tal como o metrô, para fins municipais, e não metropolitanos.
Na origem grega, metropolitana é a
cidade-mãe (metra–útero–polis), adotada pelos romanos como capital da província. Essa
centralidade política e hegemônica permeia
centrados em volta de uma área urbana contígua com uma população central de 10.000
a 50.000 habitantes. Mesmo com a presença
ampla e constante do termo metropolitana nas
agências estatísticas, o uso do termo de maneira constitucional é muito menos comum. Entre
os seis países federativos das Américas, somente o Brasil especifica a presença de regiões
metropolitanas na sua legislação institucional.
Fora do âmbito oficial, a expressão metropolitana tem ampla presença. Executivos de
empresas pensam metropolitana nos mesmos
moldes dos planejadores e técnicos de serviços
regionalizados: a distribuição de suas demandas e a gestão da logística dos sistemas de
entrega de serviços e bens.5 Às vezes, tendo
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
as línguas latinas modernas. A França hoje
agenda governamental. Mesmo nos espaços
permanece França Metropolitana em relação
profissionais como, por exemplo, o Conselho
a suas colônias ultramarinas e no Brasil a auto-
Nacional de Secretários Estaduais de Adminis-
ridade metropolitana não somente foi utilizada
tração (Consad), o assunto tem pouca pene-
em relação a Lisboa, mas também em relação
tração. No II Congresso do Consad de Gestão
à organização territorial e hierárquica da Igreja
Pública, realizado em 2009, de todos os traba-
Católica. Mesmo hoje, a Cúria Metropolitana
lhos apresentados, apenas dois tratavam do
de São Paulo continua a vigiar os assuntos cle-
tema gestão metropolitana. Suas associações
ricais do estado com o mesmo nome.
agregadoras e articuladoras como, por exem-
Metropolitana, portanto, poderia parecer
plo, o Fórum Nacional de Entidades Metropoli-
uma palavra inocente e óbvia, mas seus usos
tanas (FNEM) ainda lutam para se articular de
são às vezes sutilmente e outras vezes não tão
maneira efetiva.
sutilmente diferentes. Se na língua anglo-saxônica a tendência é de ver o termo como técnico
e descritivo, não há como escapar de suas tonalidades de poder nas línguas latinas.
Por que a questão da gestão metropolitana parece significativamente diferente de
outras questões de gestão pública a ponto de
Regiões metropolitanas –
uma primeira resposta
ao desafio da gestão
ser quase um tópico tabu? Não chegou a formar – pelo menos visivelmente – uma agenda
A Lei Complementar n. 14, de 1973, que criou
acadêmica de debate ou de estudos empíricos
as primeiras Regiões Metropolitanas no Brasil,
sobre alternativas organizativas. Avançou-se
não foi um simples produto de consenso téc-
bastante na análise de suas questões urbanas,
nico/militar. A questão metropolitana já estava
mas, em grande parte, suas propriedades orga-
presente na agenda de várias associações pro-
nizativas e institucionais foram ignoradas. Sua
fissionais com interesse em questões urbanas
orfandade política é também uma orfandade
e havia também iniciativas embrionárias como,
administrativa e organizacional; a temática
por exemplo, o Grupo Executivo para Grande
da gestão – entendida aqui como o conjunto
São Paulo, criado pelo governo do estado em
de ferramentas, habilidades e conceitos que
1967 e organizações similares em Porto Alegre,
permitem a concretização efetiva de desejos
Belém, Salvador e Belo Horizonte (Rolnik e So-
políticos e sociais – se encontra fragmentada
mekh, 2004). Na área metropolitana do Rio de
e longe de ter configurado os contornos míni-
Janeiro havia algo diferente. Após a mudança
mos de um debate acadêmico sério. Há posi-
do capital para Brasília, o Rio de Janeiro assu-
ções iniciais e observações, mas não há ainda
miu o papel de uma cidade-estado da Guana-
uma polêmica que estimule a construção de
bara, que manteve até 1975.
conhecimento. Não conseguem, como aponta-
A proposta de conceber as regiões me-
ram Azevedo, Mares Guia e Machado (2008),
tropolitanas enquanto comunidade socioeco-
se transformar em presença obrigatória na
nômica foi fruto de uma comissão presidencial.
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
Entretanto e, paradoxalmente, dada a força
Metro politanas deixou de ser uma imposi-
integradora da expressão, seu papel foi res-
ção do Governo Federal e passou a ocorrer
trito à manutenção de serviços comuns, uma
mediante Lei Estadual, como parte do processo
clara reflexão sob a ótica municipalista. Na
de planejamento das políticas públicas e ações
sua análise deste período, Guimarães (2004)
urbanas dos estados. Porém, continuou de
comenta que existiam outras propostas em
certa maneira impositiva: em alguns casos, a
circulação, incluindo uma para permitir que
legislação estadual permitiu aos municípios
estados e municípios se juntassem em con-
solicitarem ingresso, mas em nenhum caso um
sórcios voluntários. No entanto, a perspectiva
município pode optar por não fazer parte. Em
dominante foi de desenvolvimento econômi-
termos de definição o art. 25, § 3º, da Consti-
co centralizado – sem opções e sem levar em
tuição Federal especificou somente que:
consideração as experiências em cooperação
intermunicipal da época (Araújo Filho, 1996).
Mesmo as tentativas do IBGE de propor critérios demográficos e territoriais (por exemplo,
população, território, grau de conurbação, complexidade e integração social e econômica) foram de pouco efeito. Se tivessem sido adotados,
Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir Regiões Metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões,
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum.
teriam levado à inclusão de Santos, Campinas
e Goiânia, na época, áreas metropolitanas em
O que eram Regiões Metropolitanas,
termos estatísticos (Guimarães, 2004). Obriga-
aglomerações urbanas e microrregiões foi dei-
tório, com uma lista de serviços potencialmen-
xado para a imaginação. Posteriormente, diver-
te comuns tais como planejamento integrado,
sos estados incorporaram definições na legis-
água, esgoto, uso do solo, transporte, etc. (ver
lação local, mas sem um acordo geral. Existe,
Tabela 3), as regiões metropolitanas nasceram
em tramitação, uma proposta de definição no
com Fundos, Conselhos Deliberativos e Consul-
projeto de lei n. 3640, de 2004, de autoria do
tivos6 – os primeiros presididos por autoridades
deputado federal Walter Feldman, o Estatuto
estaduais e os segundos por autoridades muni-
das Metrópoles, que está em discussão no Po-
cipais sem poder de decisão –, todos nomeados
der Legislativo, mas mesmo com status provi-
dentro da cadeia de orientação política federal
sório, suas especificações incluíram um núcleo
(Rolnik e Somekh, 2004). Essa primeira fase te-
central com, no mínimo, 5% da população do
ve como resultado a criação de nove Regiões
país (de acordo com o Censo do IBGE de 2000,
Metropolitanas, todas elas em torno das princi-
nove milhões de pessoas), que, se aprovadas,
pais capitais brasileiras em que vivia na época,
excluiriam todas as áreas metropolitanas me-
aproximadamente, 29% da população brasilei-
nos uma, São Paulo.
Houve, sem dúvida, um avanço em re-
ra (Gouvêa, 2005, p. 93).
A segunda fase foi resultado da redemo-
lação à legislação anterior, já que os estados,
cratização e da elaboração da nova Constitui-
até então, apenas se responsabilizavam pela
ção Federal (1988). A criação de Regiões
estruturação das áreas metropolitanas que
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
lhes eram impostas pelo poder central. Entre-
centralizadora (Moura, 2003) tornando os
tanto, o formato geral e a ideia de uma Região
argumentos intermediários a favor de alter-
Metropolitana criada independentemente da
nativas de cooperação de pouco efeito. Edésio
vontade política dos municípios permaneceu
Fernandes, ao introduzir o estudo recente de
dando, implicitamente, continuidade ao mo-
Gouvêa (2005) sobre a questão metropolita-
delo desenvolvimentista anterior e seu path
na com ênfase na área metropolitana de Belo
dependency (Souza, 2001; 2005) foi fortalecido ainda mais pelo fato de que o art. 25, § 3º,
mencionou região metropolitana sem nenhuma definição adicional. O Congresso não criou
nenhum incentivo a mais para a cooperação e
o discurso municipalista tornou qualquer argumento a favor de outros arranjos organizativos
de pouco efeito.
Igualmente, não há como ignorar que,
ao nomear as Regiões Metropolitanas, os governos federais e depois os estaduais o fizeram
em relação a um município central, grande e
politicamente dominante, na maioria dos casos. Não pretendemos sugerir que o fracasso
da gestão metropolitana se deva unicamente
a um problema de nome, mas reduzir 39 histórias sociais, econômicas e políticas diferentes a
um denominador comum – como é o caso de
São Paulo – e, num país com tradições municipalistas, sugerir que um único município poderia dar a identidade de uma região, certamente
não foi e talvez continua não sendo necessariamente um incentivo à cooperação. Neste
sentido, vale apontar o caminho da Região
Municipal da Baixada Santista e notar também
que os consórcios intermunicipais – exemplos
mais focados de gestão intermunicipal – frequentemente optam por nomes de origem regional, ou de rios, pássaros e outros elementos
da natureza local.
No processo de redemocratização, após
a constituição 1988, prevaleceu o discurso municipalista em contraposição à cultura
Horizonte, comenta que uma proposta alternativa construída por representantes das então
regiões metropolitanas foi submetido à Assembleia Constitutinte, reconhecendo seu caráter político e propondo incluí-las como parte do pacto federativo junto com os estados
e municípios. Entretanto, dada a orientação
intensamente municipalista do congresso, a
“criança foi jogada fora com a água do banho”
(ibid., p. 15). Havia também poucas propostas para alterar o projeto constitucional – em
si uma indicação de falta de interesse – e todas, incluindo uma que transformaria todas as
regiões metropolitanas de mais de cinco milhões de habitantes em estados (tal como Guanabara) foram deixadas de lado. O resultado
foi uma sentença curta que forneceu pouca ou
nenhuma orientação e nenhum apoio financeiro obrigatório (ibid.).
No caso das regiões metropolitanas do
estado de Santa Catarina, a incorporação se
deu em grande parte como resultado da estratégia de planejamento regional do estado e
não a partir das noções convencionais sobre a
complexidade territorial, jurisdicional e densidade conurbada. Tanto assim que, em 2004, o
estado voltou atrás, ignorando as regiões metropolitanas e instituindo regiões de planejamento, até que, finalmente, a Lei Complementar n. 381, de 2007, as extinguiu.
Como esta história bastante resumida das fases de legislação metropolitana já
demonstra, houve, ao longo do processo,
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
Tabela 1 – As diferentes fases das Regiões Metropolitanas
Região
Estado
Região
geográfica
Ano
Municípios que
compõem a Região
Metropolitana
Belém
Pará
Norte
1973
5
Belo Horizonte
Minas Gerais
Sudeste
1973
34
Curitiba
Paraná
Sul
1973
25
Fortaleza
Ceará
Nordeste
1973
13
Porto Alegre
Rio Grande do Sul
Sul
1973
31
Recife
Pernambuco
Nordeste
1973
14
Salvador
Bahia
Nordeste
1973
10
São Paulo
São Paulo
Sudeste
1973
39
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Sudeste
1974
20
Vale do Aço
Minas Gerais
Sudeste
1995
26
Vitória
Espírito Santo
Sudeste
1995
6
Aracaju
Sergipe
Nordeste
1995
4
Baixada Santista
São Paulo
Sudeste
1996
9
Campinas
São Paulo
Sudeste
1996
19
Natal
Rio Grande do Norte
Nordeste
1997
6
Foz do Rio Itajaí
Santa Catarina (*)
Sul
1998
9
Florianópolis
Santa Catarina (*)
Sul
1998
22
Londrina
Paraná
Sul
1998
6
Maringá
Paraná
Sul
1998
8
Maceió
Alagoas
Nordeste
1998
11
Norte Nordeste Catarinense
Santa Catarina (*)
Sul
1998
20
São Luís
Maranhão
Nordeste
1998
4
Vale do Itajaí
Santa Catarina (*)
Sul
1998
16
Carbonífera
Santa Catarina (*)
Sul
2002
10
Goiânia
Goiás
Centro Oeste
1999
11
Tubarão
Santa Catarina (*)
Sul
2002
18
Macapá
Amapá
Norte
2003
2
João Pessoa
Paraíba
Nordeste
2003
9
Fonte: Emplasa, 2008.
(*) Regiões Metropolitanas extintas em 2007.
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
argumentos e contra-argumentos sobre o que
têm-se 20 áreas metropolitanas conforme Ta-
deveria constituir uma região metropolitana e
bela 2. A lista é maior do que aquela utilizada
como se deve pensar sua gestão, governança
pelo IBGE no seu estudo recente sobre a Rede
e até governo. Nessas duas fases legislativas,
Urbana Brasileira 8 (São Paulo, Rio de Janeiro,
foram criadas 28 Regiões Metropolitanas distri-
Brasília, Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Sal-
buídas pelas cinco grandes regiões geográficas
vador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto
do país (Tabela 1).
Alegre) e também da utilizada por Queiroz Ribeiro que em sua escolha de 15 “espaços metropolitanos” enfatiza as “aglomerações que
Áreas metropolitanas
e metrópoles
apresentam características próprias das novas
funções de coordenação, comando e direção
das grandes cidades na economia em rede”
(Queiroz Ribeiro, 2008, p. 12). Queiroz Ribeiro
Na discussão a seguir focalizamos um sub-
não incluiu Manaus, mantém Brasília, e adicio-
conjunto das Regiões Metropolitanas formais,
na Natal, Vitória, Florianópolis e Maringá.
assim reconhecendo a necessidade de assu-
Como o nosso foco se concentra nas
mir que o que é institucionalmente declarado
opções organizacionais, de governança e de
como metropolitano é necessariamente metro-
gestão, com ênfase na complexidade urbana,
politano no seu uso mais geral. Primeiro, consi-
preferimos uma opção mais conservadora de
deramos somente as áreas que foram incluídas
um conjunto cujos membros seriam reconheci-
dentro da lista formal, permitindo, assim, uma
dos por outros pesquisadores em outros países
análise comparativa de similaridades e diferen-
com preocupações específicas em relação à
ças dentro de um arcabouço constitucional e le-
gestão e governança. Não incluímos Brasília,
gal comum. Na sequência, focalizamos as áreas
Manaus ou Florianópolis, mas adicionamos
metropolitanas que se amoldam à definição
Baixada Santista, Campinas, João Pessoa,
explícita ou implícita de áreas metropolitanas
Aracaju, Londrina, São Luis e Maceió. Há ob-
encontrada entre pesquisadores, urbanistas,
viamente muito espaço para o debate, entre-
agências internacionais e agências de estatís-
tanto, o mais importante para o momento seja
tica nacionais: ou seja, áreas urbanas grandes
salientar que nenhuma das três listas segue a
e contíguas com mais de 500.000 e frequen-
lista oficial.
temente mais de um milhão de habitantes,
Todas as áreas metropolitanas na Ta-
envolvendo normalmente mais de uma jurisdi-
bela 2 são multijurisdicionais em forma, mas,
ção que são resultados de processos de urba-
como pode ser percebido, o peso do municí-
nização e conurbação crescentes. Ao juntar os
pio central varia bastante. Simplificando, há
dois critérios podemos focalizar situações so-
três grupos: o primeiro grupo é composto por
cioespaciais similares em contextos institucio-
áreas nas quais o município central é bastan-
nais comuns; uma base mais sólida a partir da
te dominante em termos populacionais com
qual poderemos examinar questões de gestão,
mais de 70% (Maceió, Salvador, São Luís,
7
governança e desempenho. Como resultado,
Fortaleza, Belém); segundo, um grupo onde o
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
município central tem entre 50-60% da popu-
e Vitória, Santos é somente 25% da região
lação total (Londrina, Aracaju, Goiânia, Natal,
“Baixada Santista” e Vitória concentra 19%
João Pessoa, Curitiba, São Paulo, Maringá e
da população da “Grande Vitória”. Esta se-
Rio de Janeiro) e o terceiro grupo é formado
paração em grupos, demonstrando a grande
por regiões nas quais o município central tem
variedade de centralidades e de balanços po-
menos de 50% da população metropolitana
pulacionais, permite levantar questões e até
(Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Cam-
dúvidas sobre a validade da busca para uma
pinas, Santos e Vitória). No caso de Santos
única solução metropolitana.
Tabela 2 – Concentração relativa da população
nas principais regiões metropolitanas
Região
Metropolitana
Pop. Total RM
2007
Município-polo
ou central
Pop. do
Município-polo
Pop. do Municípiopolo sobre a pop.
metropolitana (%)
Vitória (ES)
1.661.626
Vitória
317.085
19,08
Baixada Santista (SP)
1.666.453
Santos
418.375
25,11
Porto Alegre (RS)
4.101.032
Porto Alegre
1.440.939
35,14
Campinas (SP)
2.687.099
Campinas
1.059.420
39,43
Recife (PE)
3.646.204
Recife
1.515.052
41,55
Belo Horizonte (MG)
4.975.126
Belo Horizonte
2.399.920
48,24
11.467.222
Rio de Janeiro
6.136.652
53,51
Rio de Janeiro (RJ)
Curitiba (PR)
3.261.168
Curitiba
1.788.559
54,84
Maringá (PR)
586.441
Maringá
324.397
55,32
11.016.703
55,99
789.896
62,37
1.220.412
62,77
São Paulo (SP)
19.677.506
São Paulo
Natal (RN)
1.266.507
Natal
Goiânia (GO)
1.944.404
Goiânia
João Pessoa (PB)
1.062.799
João Pessoa
672.081
63,24
Aracaju (SE)
783.186
Aracaju
505.286
64,52
Londrina (PR)
750.188
Londrina
495.696
66,08
Belém (PA)
2.086.906
Belém
1.428.368
68,44
Fortaleza (CE)
3.415.455
Fortaleza
2.416.920
70,76
São Luís (MA)
1.225.879
São Luís
998.385
79,50
Salvador (BA)
3.408.273
Salvador
2.714.018
79,63
Maceió (AL)
1.138.879
Maceió
922.458
81,00
Fonte: Emplasa, 2008.
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
As áreas metropolitanas
na teoria e na prática
das decisões. Na Baixada Santista (RMBS), a
estrutura de gestão começou a ser formatada
em 1998, mas teve sua origem a partir do documento elaborado em 1983, intitulado “Carta
A Tabela 3 descreve, em resumo, o con-
da Baixada Santista”, em que os prefeitos da
teúdo das diferentes leis estaduais e suas
região procuravam demonstrar que a Baixada
atualizações recentes sobre o escopo de atua-
“reunia todas as condições físicas, econômicas
ção das 20 áreas metropolitanas escolhidas
e sociais que a caracterizava como uma autên-
para este estudo. Conforme pode ser visto,
tica Região Metropolitana” (Diba, 2004). Tal
o escopo é bastante amplo e, mesmo com a
carta deu impulso à criação da Coordenadoria
liberdade de legislação estadual, a tendência
Regional de Metropolização, composta pelos
é seguir os temas urbanos identificados na le-
nove prefeitos da Baixada.
gislação original de 1973. Aqui talvez a ques-
Atualmente, a estrutura de gestão é
tão seja menos de path dependency e mais de
composta pelos seguintes órgãos: Agência de
pragmatismo urbano. Estas atividades são difí-
Desenvolvimento (AGEM), Fundo Metropoli-
ceis de separar quando se enfrenta a realidade
tano de Desenvolvimento da Baixada Santista
dentro de uma conurbação.
(FMDBS) e Conselho de Desenvolvimento da
Se o escopo para a atuação metropo-
Baixada Santista (Condesb). Cabe à Agência
litana é grande, os resultados obtidos são o
promover a organização, o planejamento e a
inverso. Passados mais de 30 anos da criação
execução das funções públicas de interesse
das Regiões Metropolitanas brasileiras, em
comum e desenvolver o papel de fiscalizado-
apenas 7 foi identificada a existência de estru-
ra e executora das normas concernentes às
turas específicas, institucionalizadas e atuantes
regiões metropolitanas. Também cabe à Agên-
de gestão metropolitana que estão desenvol-
cia estabelecer metas, planos, programas e
vendo algum tipo de política pública. A Tabela
projetos de interesse comum, além de avaliar a
4 apresenta as 7 áreas metropolitanas identi-
execução dos mesmos. A maior parte das polí-
ficadas. Nenhuma delas está no grupo em que
ticas públicas executadas pela Agência refere-
o município-polo é altamente concentrado em
se a transporte e sistema viário, saneamento
termos populacionais; uma distinção que po-
básico, meio ambiente e atendimento social. O
deria ser considerada significativa. Cada um
Fundo tem o objetivo de financiar e investir em
dos órgãos gestores encontra-se em diferentes
estudos, programas, projetos, obras e serviços
estágios e apresenta formas diversas no que se
de interesse metropolitano e em equipamentos
refere ao tipo de política desenvolvida e tam-
quando a eles destinados. Seus recursos resul-
bém à incorporação de setores não vinculados
tam de aportes dos municípios e estado (50%
ao Poder Executivo no processo decisório. A Ta-
e 50%, respectivamente), além de receitas
bela 4, resume as principais dimensões.
oriundas de convênios. Cabe ao Conselho deli-
9
A tabela acima apresenta sete Regiões
berar acerca dos serviços públicos de interesse
Metropolitanas com distintas estruturas de
comum do estado e dos municípios na Região
gestão e diferentes formas de partilhamento
Metropolitana, além de aprovar objetivos,
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Tabela 3 – Políticas públicas de interesse comum listadas
na legislação específica das regiões metropolitanas estudadas
Política pública
Frequência dentre
Constante da
as 20 RMs
Legislação de 1973
Transporte público
17
sim
Controle de poluição
15
sim
Saneamento (água e esgoto)
15
sim
Desenvolvimento local e regional
15
sim
Urbanismo, uso e ocupação do solo
15
sim
Trânsito e vias públicas
14
sim
Preservação de ecossistemas
14
sim
Planejamento e gestão
14
sim
Habitação
12
não
Limpeza pública e sistemas de coleta, tratamento e destinação final do lixo
12
sim
Recursos hídricos, irrigação e drenagem
12
sim
Relações intergovernamentais
7
não
Assistência social
6
não
Indústria e comércio
5
não
Sistemas de informações
5
não
Relações intragovernamentais
5
não
Formação de mão-de-obra e geração de emprego e renda
5
não
Energia e recursos minerais (gás)
4
sim
Educação
4
não
Saúde
3
não
Prevenção de acidentes em áreas de risco
2
não
Orçamento e finanças
2
não
Policiamento
2
não
Outros, incluindo consórcios intermunicipais, participação popular e
abastecimento
1
não
Fonte: elaboração dos próprios autores.
Tabela 4 – Principais características das experiências metropolitanas atuais
Baixada
Santista
Campinas
Recife
Belo
Horizonte
Vitória
Porto
Alegre
João
Pessoa
Agência de desenvolvimento
sim*
sim*
não
sim
sim*
sim
não
Fundo metropolitano
sim
sim
sim
sim
não
não
não
Conselho paritário
sim
sim
sim
sim
sim
não
sim
Conselho com representação proporcional
não
não
não
sim
não
não
não
Sociedade civil
sim
não
não
sim
sim***
não
não
Legislativo
não
não
sim**
sim
Consórcio
não
não
sim
não
não
não
sim
Fonte: elaboração dos próprios autores.
* subordinada ao Estado / ** sem direito a voto / *** detém poder de equilíbrio
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
metas e prioridades de interesse regional. O
um dos 19 municípios e 19 representantes do
Conselho se apresenta como um órgão de ca-
Estado, constituindo-se em um espaço de de-
ráter prioritariamente técnico. É formado por
liberação no qual os prefeitos pactuam a ação
18 membros, sendo 1 representante por muni-
cooperada em parceria com as diferentes áreas
cípio (total de 9) e os 9 restantes indicados pe-
do governo estadual. O Legislativo e a Socie-
lo governo estadual. Não há representação da
dade Civil não possuem assento no Conselho.
Sociedade Civil e também não se faz presente
No Regimento Interno está prevista a partici-
nenhum representante dos poderes legislati-
pação de até seis representantes da Sociedade
vos municipais. A participação popular se res-
Civil organizada, em caráter consultivo. Não
tringe ao acesso de documentos, manifestação
há qualquer previsibilidade de incorporação
por escrito de discordância acerca de decisões
de representantes dos legislativos municipais,
e a possibilidade de realização de audiências
mesmo que em caráter consultivo, assim como
públicas. Um membro da Sociedade Civil po-
não foi identificada qualquer demanda de um
derá participar de reuniões desde que tenha
dos 19 legislativos locais com relação a essa
solicitado previamente, para defender algum
questão.
posicionamento sem direito de voto.
Na Região Metropolitana do Recife
Na Região Metropolitana de Campinas
(RMR) foi constituído o Conselho de Desen-
(RMC), a estrutura de gestão se desenvolveu
volvimento da Região Metropolitana do Recife
a partir de 2003 e se assemelha à da Baixada
(Conderm). Seus 28 membros, 14 representan-
Santista. Possui uma Agência Metropolitana
tes dos municípios membros e 14 integrantes
de Desenvolvimento (Agencamp) com o obje-
nomeados pelo governo do estado, possuem
tivo geral de integrar a organização, o plane-
função deliberativa. Têm, ainda, assento no
jamento e a execução de funções públicas de
Conselho, só que em caráter consultivo e sem
interesse comum aos 19 municípios. Cabe, ain-
direito a voto, mas com direito à palavra, 1
da, à Agência fiscalizar leis e aplicar sanções
parlamentar de cada Legislativo municipal e
no que se refere a assuntos metropolitanos. As
3 deputados estaduais. Não há participação
políticas públicas são viabilizadas por meio de
da sociedade civil. Dentre as políticas públicas
recursos provenientes do Fundo de Desenvolvi-
que estão sendo desenvolvidas na área me-
mento da Região Metropolitana de Campinas
tropolitana do Recife destacam-se: transporte
(Fundocamp) ou, então, por intermédio de
público, contenção de morros e encostas, com-
convênios celebrados com órgãos da adminis-
bate à pobreza e saneamento básico. O finan-
tração direta e indireta ou com outras entida-
ciamento é proveniente do Fundo de Desenvol-
des nacionais e internacionais. Cabe ao Conse-
vimento da Região Metropolitana (Funderm)
lho de Desenvolvimento da Região Metropoli-
e os recursos se originam de diversas fontes:
tana de Campinas (CDRMC) definir quais são
operações de crédito, repasses de municípios,
os serviços públicos de interesse comum, além
estado e união, assim como a celebração de
de aprovar objetivos, metas e prioridades de
convênios com diferentes órgãos nacionais e
interesse regional. Formado por 38 membros,
internacionais. Em relação a transporte público,
o Conselho possui um representante de cada
foi criado em 2003 e consolidado formalmente
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
em 2008, o Grande Recife Consórcio de Trans-
Belo Horizonte, 1 representante da prefeitura
portes. Sua cultura de planejamento teve como
de Contagem e outro da prefeitura de Betim
base a experiência desenvolvida pela Empresa
e 3 representando os demais municípios) e 2
Municipal de Transportes Urbanos do Recife
representantes de organizações da sociedade
que tinha abrangência metropolitana. O novo
civil. O Conselho Deliberativo representa os
consórcio trabalha com foco metro politano,
diversos segmentos da Região Metropolitana
calculando seus índices com base nos limites
e, além disso, adota o princípio da proporcio-
orçamentários de cada município e ele que ad-
nalidade, o que acaba se transformando num
ministra as licitações para o sistema com um
fator de equilíbrio político na relação entre os
todo. É considerado o primeiro Consórcio efe-
municípios, independentemente do porte de
tivamente intermunicipal na área de transporte
cada um. A Assembleia Metropolitana con-
público.
tinua com os prefeitos e presidentes das câ-
Na Região Metropolitana de Belo Hori-
maras municipais, além de representantes do
zonte, em Minas Gerais, o órgão responsável
governo do estado e Assembleia Legislativa.
pelas questões metropolitanas é a Agência de
Entretanto, seu papel é bastante reduzido e é
Desenvolvimento da Região Metropolitana de
o Conselho Deliberativo que tem a função prin-
Belo Horizonte (Agência RMBH). Criada em
cipal (Azevedo, Mares Guia e Machado, 2008).
2006, enquanto uma autarquia com autono-
O instrumento de financiamento das ações de-
mia administrativa e financeira, a Agência
senvolvidas pela Agência é o Fundo de Desen-
desenvolve as funções de planejamento, asses-
volvimento Metropolitano (FDM). Sua função é
soramento e regulação urbana, viabilização de
fomentar a implantação de programas e proje-
instrumentos de desenvolvimento integrado,
tos estruturantes e investimentos relacionados
além de apoiar a execução de funções públi-
às funções públicas de interesse comum. Os
cas de interesse comum. Importante na recon-
recursos do Fundo se originam do orçamento
figuração da governança metropolitana foi a
do Estado, da contribuição de municípios e de
intensa discussão entre os níveis estaduais e
convênios. As ações estão direcionadas majo-
municipais buscando um novo pacto metropo-
ritariamente ao sistema viário, ao tráfego e ao
litano, agregando a comunidade técnica e aca-
transporte coletivo.
dêmica que anteriormente tinham vivenciado
Em Vitória, no Espírito Santo, a Fundação
a experiência da Assembleia Metropolitana de
Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) é uma
Belo Horizonte, composta pelos vinte e sete
autarquia estadual de apoio técnico à Gestão
prefeitos de cada município (independente-
Metropolitana. Por meio da Secretaria Geral
mente de tamanho), alem de vereadores e re-
de Assuntos Metropolitanos se encarrega de
presentantes do governo do estado, num total
tratar das questões da Região Metropolitana
10
de 84 participantes. Atualmente, a gestão
da Grande Vitória (RMGV). O Instituto auxilia
está submetida a um Conselho Deliberativo
o Conselho Metropolitano de Desenvolvimento
formado por 16 membros: 5 indicados pelo
da Grande Vitória (Comdevit) na realização de
governo estadual, 2 deputados estaduais, 7 re-
seus objetivos. O Conselho possui funções de-
presentantes de municípios (2 da prefeitura de
liberativas e é composto por 17 conselheiros:
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
7 indicados pelo governo estadual, 1 repre-
orientados e fiscalizados pelo Conselho Esta-
sentante para cada um dos sete municípios da
dual de Transporte Metropolitano Coletivo de
Região Metropolitana e 3 representantes da
Passageiros (CETM). O Conselho é formado
sociedade civil organizada, dando preferên-
por nove membros: cinco do Poder Executivo,
cia para a Federação de Associação de Mora-
ligados a políticas de transporte, um repre-
dores e os Movimentos Populares do Estado.
sentante do setor patronal de transportes,
Ou seja, a representação da sociedade civil
um representante do movimento sindical dos
acaba tendo peso decisivo em um eventual
trabalhadores em transporte coletivo e um re-
impasse entre municípios e estado. Para a via-
presentante indicado pelas entidades comuni-
bilização das iniciativas públicas de caráter
tárias. Não foi identificada a existência de um
metropolitano, foi criado o Fundo Metropolita-
Fundo que tenha sido criado especificamente
no de Desenvolvimento da Grande Vitória. Os
para o financiamento das políticas públicas,
recursos são provenientes do estado (60%) e
assim como não se verificou o envolvimento
da contribuição dos municípios (40%). Atual-
direto dos municípios nas discussões sobre
mente, a carteira de projetos é composta por:
questões de seus interesses. Tal situação co-
Programa Metropolitano de Educação Ambien-
loca a Região Metropolitana de Porto Alegre
tal Continuada com foco na conservação dos
numa situação aquém das regiões metropolita-
Recursos Hídricos e na Promoção do Turismo
nas anteriormente descritas quanto a estrutura
Sustentável, Elaboração de Planejamento Es-
de Gestão para a execução de políticas públi-
tratégico das Ações Integradas de Educação,
cas, como também na capacidade de mobilizar
Plano de Marketing para o Desenvolvimento
diferentes setores.
do Turismo, Estudo de Soluções para Resíduos
Faz-se importante destacar a experiên-
Sólidos de Saneamento, Plano de Marketing
cia da Região Metropolitana de João Pessoa
para o Desenvolvimento do Turismo e Plano de
(RMJP). Criada em 2003, para desenvolver
Sinalização Interpretativa de Pontos Turísticos
ações de interesse comum aos nove muni-
de Valor Histórico, Cultural ou Natural.
cípios, a Região Metropolitana acabou não
Em Porto Alegre, a Fundação Estadual
saindo do papel (ficou apenas na Lei), mas o
de Planejamento Metropolitano e Regional
problema em torno da necessidade de cons-
(Metroplan), em atividade desde 1975, é res-
truir um aterro sanitário metropolitano acabou
ponsável pela programação e execução de
levando à criação do Consórcio de Desenvol-
projetos e serviços de interesse comum na Re-
vimento Intermunicipal da Área Metropolitana
gião Metropolitana de Porto Alegre e outras
de João Pessoa (Condiam). Englobando os mu-
aglomerações urbanas do Rio Grande do Sul.
nicípios da RM, o Consórcio teve um papel fun-
Atualmente, está vinculada à Secretaria de Ha-
damental para a viabilização de recursos que
bitação, Saneamento e Desenvolvimento Ur-
resultou na construção de um aterro sanitário
bano e, também, é o órgão gestor do Sistema
adequado aos padrões ambientais e que vem
Estadual de Transporte Metropolitano Cole-
sendo utilizado por cinco municípios da Região
tivo de Passageiros (SETM). Quanto ao setor
Metropolitana desde 2007. Porém, essa é úni-
de transporte, os trabalhos da Metroplan são
ca iniciativa registrada no âmbito da Região
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
Metropolitana de João Pessoa, e por meio da
diversos interesses entre os municípios, além
criação de um Consórcio. Não há qualquer es-
do clássico problema orçamentário originado
trutura de Gestão Metropolitana em funciona-
pela ausência de um fundo mais substantivo
mento. No caso do Consórcio, ele é presidido
de financiamento das políticas metropolitanas
pelo governador do estado e conta com um re-
e também pela incapacidade financeira dos
presentante de cada uma das nove prefeituras,
municípios ante os diversos problemas que os
além do representante da Secretaria Estadual
mesmos já enfrentam isoladamente. Também,
de Planejamento. No entanto, nessa articula-
pode-se considerar a ausência (salvo raras ex-
ção, não há participação da sociedade civil ou
ceções) de organização popular e comunitária
do Legislativo.
no âmbito metropolitano que poderia contri-
Alem dessas experiências destacadas e
buir para exercer pressão social sobre as ad-
em progresso, há pelo menos uma experiência
ministrações municipal e estadual (Gouvêa,
que, mesmo tendo sido interrompida, mere-
2005). Na maioria das vezes, a sociedade civil
ce menção: o caso do Parlamento Comum de
se organiza em torno das fronteiras municipais
Natal. O Parlamento se iniciou na Câmara de
ou em outras lógicas territoriais como bacias
Vereadores de Natal e agregou apoios das de-
hidrográficas.
mais câmaras municipais da Região Metropoli-
Outro fator significativo refere-se ao fi-
tana e da Ordem dos Advogados do Brasil es-
nanciamento metropolitano. Da análise das
tadual (OAB-RN). Foi criado como um espaço
leis orçamentárias estaduais para o exercício
que não se sobreporia aos legislativos munici-
de 2008, somente seis receberam recursos
pais da área metropolitana, tendo como papel
superiores a R$40 milhões para órgãos de
a organização da agenda metropolitana. Sem
gestão metropolitana que são, em ordem de-
local fixo, foi visto como uma entidade política
crescente, Vitória, Curitiba, Recife, São Paulo,
que identificaria problemas comuns e buscaria
Porto Alegre e Goiânia. Ainda, quatro Regiões
garantir a sua solução. O sistema comum de
receberam recursos entre R$4 e 6,1 milhões:
resíduos sólidos e a criação do conselho metro-
Salvador, Baixada Santista, Campinas e Belo
politano foram resultados diretos do trabalho
Horizonte. Belém recebeu R$315.750,00, Vale
do Parlamento (Clementino, 2003).
do Aço, R$115.000,00 e Natal, R$100,00. As
Existem várias razões para explicar a di-
demais não foram contempladas com qualquer
ficuldade de se criarem políticas públicas me-
recurso. No entanto, mesmo as seis maiores
tropolitanas. Por exemplo, a dificuldade em es-
dotações, que se concentram na área de trans-
tabelecer uma ação cooperada em situação de
porte, representam menos do que um ponto
rivalidade política entre municípios ou mesmo
percentual do total do orçamento do estado
entre municípios e o governo estadual; as dife-
(Curitiba 0,28%, Porto Alegre 0,24%, Reci-
renças econômicas e demográficas entre os mu-
fe 0,43%, São Paulo 0,06%, Goiânia 0,39%
nicípios que integram a Região Metropolitana,
e Vitória 1,04%). Excluindo os investimentos
a constante mudança de legislação especí-
em transportes, as dotações específicas para
fica no âmbito estadual, a falta de um órgão
as Regiões Metropolitanas são irrelevantes.
gestor que consiga reunir horizontalmente os
Os resultados sugerem que há pouco incentivo
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
para programas metropolitanos e o que real-
não institucional, parece ter tido mais efeito.
mente existe é, em grande parte, o resultado
Os consórcios intermunicipais cresceram a par-
de uma estrutura organizacional local e de es-
tir de acordos organizacionais horizontais de
forços e ações individuais, acompanhados por
cooperação entre governos municipais com ba-
repasses convencionais entre secretarias esta-
se na associação voluntária.
duais e municipais.
As primeiras experiências foram registra-
Nossos dados confirmam os resulta-
das dentro do estado de São Paulo nos anos
dos do estudo de Rezende e Garson (2006)
1960 com o Consórcio para o Desenvolvimento
que aponta uma grande disparidade entre os
Social da região de Bauru, e nos anos 1970 com
orçamentos per capita entre os municípios
o Consórcio para o Desenvolvimento do Vale do
integrantes das diferentes regiões metropo-
Paraíba. São Paulo também seria o campo de
litanas, resultante de uma fórmula complexa
provas do primeiro consórcio intermunicipal de
usada para a distribuição das transferências
saúde na década de 1980 (Cruz, 2002). O uso
constitucionais aos municípios e também das
do modelo de consórcio entraria num boom no
diferentes capacidades de arrecadação tributá-
estado de São Paulo com o primeiro governo
ria própria de cada um dos municípios. Na au-
democrático de André Franco Montoro e, des-
sência de um fundo estadual específico para o
de esse período, existem consórcios em todas
nível metropolitano, existem poucos incentivos
as regiões do país e em muitas áreas de políti-
para que os municípios com maior orçamento
cas públicas. No caminho, experiências foram
per capita transfiram recursos para os de me-
transferidas dos pequenos municípios rurais ou
nor capacidade de investimento. Ao contrário,
da gestão de bacias hidrográficas e microde-
a tendência é cada um negociar diretamente
senvolvimento para os conglomerados urbanos
com o nível estadual a fim de resolver ques-
de grande porte. Na Grande São Paulo, os se-
tões municipais específicas em determinadas
te prefeitos da região do ABC negociaram um
áreas de políticas públicas.
consórcio intermunicipal que, iniciando com a
gestão de água, incluiria política social, infraestrutura e desenvolvimento regional e criação
O consórcio como uma
estratégia intermunicipal
ascendente?
do Conselho de Grande ABC que reuniria líderes do setor empresarial, além de sindicalistas,
grupos comunitários, movimentos sociais e
representantes do governo estadual (Abrucio
e Soares, 2001; Clemente, 1999; Cunha 2004;
Se as regiões metropolitanas tiveram, em ter-
Jacobi, 2001; Rolnik e Somekh, 2004).
mos federativos, uma implantação de cima
O fato de alguns municípios que formam
para baixo, apoiadas por uma moldura insti-
parte de uma região metropolitana serem
tucional formal caracterizada pela associação
capazes de criar formas altamente inovadoras
obrigatória no interesse público e com muito
de coordenação intermunicipal na formulação
pouco resultado prático, um segundo tipo de
e implementação de políticas públicas su-
arranjo para a gestão intermunicipal, desta vez
gere que os problemas com as agências das
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
regiões metropolitanas não se reduzem simplesmente a uma questão de incompetência
pública genérica na gestão de situações
A contribuição dos consórcios
e as regiões metropolitanas
organizacionais complexas. Por exemplo, além
do consórcio do Grande ABC, há mais quinze
Sem dúvida, entre as razões que poderiam ser
consórcios na região metropolitana de São
dadas para esse paradoxo entre os sucessos e
Paulo envolvendo pelo menos um ou mais
fracassos das duas abordagens articuladoras
municípios da área metropolitana com ou-
territoriais, há a questão da construção históri-
tros municípios de áreas limítrofes. Tampouco
ca dos sentidos da ideia metropolitana confor-
é uma questão do norte e do sul, como o
me já destacada. Deve-se considerar também
consórcio bastante efetivo de produção a abas-
que, em geral, os consórcios acontecem entre
tecimento alimentar de São Luis de Maranhão
municípios de tamanhos populacionais menos
(Cinpra) demonstrou (Barboza e Arouca, 2003).
dissimilares de que em certas áreas metropo-
Igualmente é difícil associar a culpa da ineficá-
litanas. Os consórcios são, comumente, mono-
cia das regiões metropolitanas à herança au-
temáticos, ou pelo menos se iniciam assim; um
toritária militar, porque, como diversos autores
outro fator pragmático-técnico que favorece
têm comentado (Rolnik e Somekh, 2004, Aze-
uma maior efetividade.
vedo e Mares-Guia, 2004), o debate profissio-
Em termos de democracia representati-
nal nacional e internacional sobre planejamen-
va ou até deliberativa, com poucas exceções11
to entre os urbanistas no período anterior ao
não há grandes avanços, tanto no consórcios
golpe de estado favorecia em muito esta ideia.
quanto nas Regiões Metropolitanas. São arran-
Poucos técnicos poderiam resistir ao canto da
jos em geral de gestão e de governança limi-
sereia representado pela ideia de uma agência
tada. Os méritos de um em relação ao outro
de desenvolvimento metropolitano.
continuam no campo técnico. Curioso também
Os consórcios nasceram sem nenhuma
é o fato do recém-promulgado Estatuto da Ci-
legislação e foram incluídos na constituição de
dade, que teve o envolvimento dos esforços de
1988 como uma opção para organização inter-
ONGs ativas no campo urbano e que exigem
municipal de maneira muito genérica, sem uma
que municípios acima de 20.000 habitantes te-
legislação específica. Tal situação perdurou até
nham um plano diretor democraticamente de-
março de 2005, quando o Congresso Brasileiro
senvolvido, tenha como foco o município, sem
finalmente aprovou a lei dos consórcios. Na-
contemplar as regiões metropolitanas.
quele mesmo momento, apesar da inexistência
Em contraste, os incentivos para muni-
de legislação, o IBGE estimava a existência de
cípios serem municípios são historicamente
algo em torno de 5.000 consórcios envolvendo
e culturalmente fortes. Para dar somente um
mais da metade dos municípios do país, in-
exemplo, na década de 1930, o Movimento
cluindo municípios em áreas metropolitanas.
Municipalista argumentou a favor da recriação
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
do pacto federativo em termos de uma fede-
resistências demonstradas no passado, que a
ração de municípios sem estados (Melo, 1993)
solução seja pelo caminho de “governo”, pelo
e, mesmo sem sucesso, não há dúvida que
menos neste momento. Na questão de gover-
essa tradição (seja por razões negativas ou
no, a presença de uma “memória institucional”
positivas) se manteve presente no processo
ou de um “conceito pré-existente e potencial-
constitucional de 1988, tornando o Brasil uma
mente transferível” parece, entretanto, impor-
exceção entre os países federativos por incluir
tante. Por exemplo, o único governo metro-
os municípios como parte do pacto. Mesmo
politano na América Latina (Quito, Equador)
hoje, a criação de novos municípios permane-
é fruto desse processo de aproveitamento de
ce um processo com forte vinculação popular.
arcabouços institucionais já existentes; sendo
As pessoas votam para se “emanciparem” de
construído em cima do modelo de Cantones,
uma municipalidade existente; o caminho é do
equivalente a um condado.
Sem dúvida, as experiências diferen-
maior para o menor e não ao contrário.
tes ao redor do mundo são uma fonte importante de inspiração, mas, pela tendência das
Conclusão – as opções
possíveis
discussões no Brasil, dificilmente serão modelos a serem copiados sem adaptação. Se
há uma lição importante das experiências em
outras partes do mundo é que se deve evitar
Qualquer busca por uma explicação simplifica-
a construção de um modelo único a ser utili-
dora para o sucesso relativo dos consórcios e o
zado por todos, indiscriminadamente. Além de
insucesso até agora das regiões metropolitanas
suas características inevitavelmente “de cima
seria inútil. Parece claro que não há uma única
para baixo”, a própria diversidade das poucas
explicação; ao contrário, há uma série de fios
experiências brasileiras (Tabela 4), incluindo a
explanativos que vão se juntando, criando um
variedade de formas de articular consórcios,
campo de forças que dificulta o avanço de um
sugere uma abordagem mais aberta: do esti-
e, aparentemente, facilita o avanço do outro.
lo Buffet onde se monta o cardápio de acordo
Além das explicações mencionadas, podemos
com as circunstâncias.
também considerar questões como a comple-
Quais são os possíveis ingredientes, ou
xidade interorganizacional – os consórcios se
caminhos, levando em consideração que – pe-
iniciam normalmente em número pequeno e
lo menos até o momento – o público parece o
monotematicamente, enquanto as regiões me-
grande ausente em quase todas as experiên-
tropolitanas normalmente começam com uma
cias, sejam institucionais, organizacionais,
grande agenda de questões e um grande elen-
multitemáticas ou monotemáticas. Se boa par-
co de atores municipais.
te dos governos estaduais, e dos prefeitos de
Mesmo tendo a experiência da cidade-
capitais, não prioriza questões metropolitanas,
estado de Guanabara e, hoje, do Distrito
uma pergunta imediatamente se coloca: fazer
Federal como um estado sem municípios,
o que? Várias respostas podem surgir. Uma
parece muito difícil, por causa também das
seria o clássico “fazer nada”; resposta esta
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
moralmente muito difícil diante dos desafios
agências metropolitanas. Experiências como a
sociais e econômicos presentes. As áreas co-
de Portland (Oregon) ou a de Vancouver ilus-
nurbadas existem como tal e as ações neces-
tram este processo.12 Entretanto, vale lembrar
sárias dificilmente não poderão permanecer
que o ponto forte dos consórcios não está na
restritas ao nível municipal. Mesmo que não
criação de novas instâncias democráticas.
calculados conjuntamente, os custos sociais
Uma quinta linha de ação seria a de
e as deseconomias da situação atual são
explicitamente organizar certos serviços
imensas.
(por exemplo, água, transporte coletivo, lixo,
Uma segunda resposta seria a de se con-
saneamento e saúde) em moldes puramente
siderar seriamente o papel técnico do órgão
metropolitanos, retirando-os institucionalmen-
gestor, dotando-o da estrutura e de orçamento
te do âmbito municipal e assumindo com serie-
necessários para o adequado desenvolvimen-
dade que o argumento da subsidiariedade não
to de seu trabalho. Faz parte deste caminho
é necessariamente monodirecional. Ou seja,
de ação, também, adensar o espaço político
reconhecer que há limites das capacidades
de articulação das Regiões Metropolitanas.
resolutivas municipais em situações conurba-
Experiências de parlamentos metropolitanos
das. Essa linha de argumentação é, sem dúvi-
e de organizações sociais construídas em ter-
da, mais fácil em situações de estado unitário
mos de demandas metropolitanas poderiam
onde há normalmente mais heterogeneidade e
estimular os processos democráticos e o de-
flexibilidade sobre o “quem faz o que”; situa-
senvolvimento de uma cultura política voltada
ção que dificilmente se aplicaria ao modelo
para as demandas de natureza metropolitana.
constitucional brasileiro. Uma variação desta
Uma terceira, decorrente desta, é de aceitar
abordagem é da jurisdição monotemática de
a dificuldade do trabalho integrado e concen-
políticas públicas específicas, como, por exem-
trar a atenção em estratégias monotemáticas,
plo, os distritos escolares independentes nos
criando agências para questões específicas e
Estados Unidos. Nestes casos, a organização
desenvolvendo mecanismos de governança de
é simultaneamente técnica e política; os resi-
maneira similar.
dentes da área territorial votam para os conse-
Uma quarta alternativa seria a de aceitar
como inevitável a dificuldade de construção de
lheiros, que serão os responsáveis pelas ações
temáticas específicas.
um nível de governança metropolitana como
Finalmente, resta ainda uma aborda-
tal e de estimular no espaço conurbado o de-
gem: o processo de emancipação ao inverso,
senvolvimento de consórcios inicialmente mo-
a criação de novos macromunicípios a partir de
notemáticos, com o objetivo de estimular os
um processo de absorção. Por mais estranho
municípios envolvidos a desenvolverem ações
que pareça, foi essa a estratégia usada pelo
conjuntas, a partir das demandas consideradas
Canadá para lidar – depois de diferentes ten-
por eles como empiricamente fundamentais.
tativas – com a conurbação que tem Toronto
Em tempo, tais consórcios poderiam vir a as-
como seu foco. Entretanto, dada a nossa for-
sumir outros temas e até ocupar o lugar das
te identificação municipalista, torna-se difícil
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Governança, governo ou gestão: o caminho das ações metropolitanas
imaginar que tal opção seria considerada vá-
se essencial e não opcional o monitoramento
lida no Brasil.
das experiências brasileiras em curso. Podem
Diante dessa variedade de opções que
ser nossos melhores guias para a discussão so-
refletem também em parte as opções identifi-
bre o que incluir no Buffet de opções práticas
cadas por Klink (2008) e Lefevre (2008), torna-
e sustentáveis.
Peter Kevin Spink
Doutor em Psicologia Organizacional pela Universidade de Londres. Professor Titular e Coordenador
do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas-São Paulo
(São Paulo, Brasil).
[email protected]
Marco Antonio Carvalho Teixeira
Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor e Pesquisador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas-São
Paulo (São Paulo, Brasil).
[email protected]
Roberta Clemente
Doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas-São Paulo. Pesquisadora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas-São
Paulo. Assessora Técnica da Assembleia Legislativa de São Paulo (São Paulo, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) Dados Emplasa, 2008. Disponível em http://www.emplasa.sp.gov.br/portalemplasa/infometropolitana/brasil/regioes.asp. Acesso em 14/6/2008.
(2) Patrick Geddes, Cities in Evolution, 1915.
(3) Conforme estudos desenvolvidos pela Emplasa.
(4) Neste texto, usamos áreas metropolitanas quando discutimos grandes aglomerados conurbados
em geral, e regiões metropolitanas quando tratamos dos conjuntos municipais especificados
pela legislação brasileira.
(5) Um colega de Argentina comentou uma vez que talvez a única pessoa que realmente se preocupava com a área metropolitana de Buenos Aires era o distribuidor de Coca-Cola.
(6) Um modelo de coordenação muito ortodoxo entre planejadores da época.
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Peter Kevin Spink, Marco Antonio Carvalho Teixeira e Roberta Clemente
(7) Gouvêa (2005) segue uma linha similar de argumento anotando a falta de precisão na Constituição de 1988 e a necessidade de distinguir entre regiões metropolitanas, aglomerações urbanas
de escala intermediária e microrregiões.
(8) IBGE. A rede urbana brasileira 2008. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/
geografia/regic.shtm. Acesso em 13/6/2009.
(9) Não queremos sugerir que gestão ou governança metropolitana seja impossível nas demais, mas
que talvez uma distribuição mais equânime dos portes populacionais facilita a discussão interjurisdicional. Sobre essa questão ver também Fernandes (2004).
(10) Ver Azevedo, Mares Guia e Machado (2008) para uma descrição mais detalhada.
(11) A experiência pontual do Parlamento Comum de Natal e o Consórcio do Grande ABC.
(12) No caso de Portland, a primeira ação foi na área de lazer: um jardim zoológico intermunicipal.
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Texto recebido em 17/jun/2009
Texto aprovado em 30/jul/2009
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Agenda de gestão urbana participativa
versus elite política conservadora:
o caso de Salvador
Participatory urban management agenda versus
conservative political elite: the case of Salvador
Antônio Sérgio Araújo Fernandes
Resumo
Este texto procura fazer uma breve discussão acerca da evolução da agenda de desenvolvimento
urbano dos organismos multilaterais, sobretudo o
Banco Mundial (World Bank), o Centro das Nações
Unidas para Assentamentos Humanos (UNCHS) Habitat e o Cities Alliance, procurando observar o
avanço desta agenda, que traz no contexto atual
uma ênfase na sustentabilidade das políticas, ou
seja, além da participação comunitária, o desenvolvimento de programas de educação, geração
de emprego e renda, junto com o fortalecimento
do capital social das comunidades envolvidas. Para
ilustrar, trazemos um exemplo paradoxal que é o
caso de Salvador, onde esta nova agenda progressista foi exercida a partir de um governo composto
por uma elite política conservadora.
Abstract
This text aims to discuss the evolution of the urban
development agenda of multilateral organizations,
especially the World Bank, the United Nations
Center for Human Settlements (UNCHS) - Habitat
and Cities Alliance, trying to observe the progress
of this agenda, which currently emphasizes
sustainable policies, that is, in addition to
community participation, the development of
education, employment and income generation
programs, along with the strengthening of the
social capital of the involved communities. To
illustrate this, we provide a paradoxical example
that is the case of the city of Salvador, where
this new progressive agenda was exercised by a
government composed of a conservative political
elite.
Palavras-chave: agenda de desenvolvimento urbano; organismos multilaterais; participação comunitária; elite política conservadora; sustentabilidade
das políticas.
Keywords:
urban development agenda;
multilateral agencies; community participation;
conservative political elite; sustainable
policies.
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Antônio Sérgio Araújo Fernandes
década, com o avanço da globalização econô-
Introdução
mica e financeira, as grandes cidades, mesmo
as metrópoles do terceiro mundo, começam a
Desde a década de 80 uma constatação tem
exercer papéis estratégicos dentro do cenário
sido reforçada, constituindo um paradigma do-
econômico mundial como locais de atração dos
minante no que se refere à intervenção urba-
novos investimentos diretos que surgem com
na em países em desenvolvimento tais como o
as empresas transnacionais industriais e de ser-
Brasil. Esta constatação diz respeito ao fato de
viços (Harvey, 1989; Borja e Cartels, 1996).
que a busca de soluções para o problema urba-
Do lado dos governos locais das grandes
no em países em desenvolvimento requer não
cidades brasileiras, essa compreensão se dá ao
apenas a intervenção física no espaço da cida-
longo do tempo pela falência do modelo cen-
de, mas também a participação da população
tralizado de financiamento habitacional e de
envolvida. À medida que vão se reduzindo as
infraestrutura, verificado desde a década de
carências urbanas, por meio de investimentos
80. Assim, experimenta-se um momento nas
e reformas no espaço urbano (saneamento, ha-
áreas metropolitanas brasileiras em que a re-
bitação e infraestrutura), esta visão vai sendo
solução de problemas urbanos relacionados à
aperfeiçoada ao longo da década de 90, quan-
habitação e à recuperação de áreas pobres e
do se observa o início de um novo consenso por
faveladas vai necessitar de uma complexa es-
parte de governos, terceiro setor e organismos
trutura de governança urbana que exige maior
multilaterais de apoio acerca da resolução do
agilidade e articulação por parte dos governos
problema das populações pobres e faveladas
locais. De processos que envolvem a popula-
em grandes cidades do terceiro mundo. Este
ção a participar da gestão da política, como se
consenso por parte dos envolvidos com a so-
verificou em muitas experiências durante a dé-
lução dos problemas urbanos em metrópoles
cada de 80 e 90 em grandes cidades do país,
de países em desenvolvimento, e que é preva-
tem-se mais recentemente a adição do critério
lecente no contexto atual, aponta para a neces-
de sustentabilidade da intervenção, que requer
sidade de aliar ao planejamento e às obras de
educar e capacitar as comunidades pobres,
urbanização, programas sociais como educação
além de promover oportunidades de emprego
básica, capacitação profissional e conscienti-
e fortalecer o capital social.
zação ambiental, além do fortalecimento da
Este texto procura fazer uma breve dis-
organização comunitária buscando utilizar e
cussão acerca da evolução da agenda de de-
potencializar o seu capital social.
senvolvimento urbano dos organismos mul-
Do lado das agências multilaterais de
tilaterais, sobretudo o Banco Mundial (World
apoio, esta constatação é um efeito lógico do
Bank), o Centro das Nações Unidas para As-
aprendizado de mais de trinta anos de prática
sentamentos Humanos (UNCHS) – Habitat e
de intervenção, resultando numa ênfase maior
o Cities Alliance, procurando observar o avan-
no relacionamento direto com as cidades e
ço desta agenda, que traz no contexto atual
seus atores envolvidos no problema urbano.
uma ênfase na sustentabilidade das políticas,
Junta-se a isso o fato de que ao longo da última
ou seja, além da participação comunitária, o
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
desenvolvimento de programas de educação,
internacionais que passava a incorporar as no-
geração de emprego e renda, junto com o for-
vas realidades em suas prescrições visando me-
talecimento do capital social das comunidades
lhores práticas. Assim, ao mesmo tempo que se
envolvidas. Para ilustrar, trazemos um exemplo
fala da evolução da agenda de política urbana
paradoxal que é o caso de Salvador, onde esta
das agências multilaterais se está falando tam-
nova agenda progressista foi exercida a partir
bém da evolução da agenda de política urbana
de um governo composto por uma elite política
do país por entender esses processos como re-
conservadora.
troalimentadores recíprocos na busca do esta-
O texto é composto de duas seções, além
belecimento de padrões que refletissem a reali-
desta introdução e de considerações finais. A
dade de uma política urbana exequível e viável.
seção a seguir trata da evolução da agenda
Ou seja, à medida que a agenda internacional
do Banco Mundial sobre política urbana em
avançava, a política brasileira também o fazia
paralelo à evolução da agenda de política ur-
no que se refere à gestão urbana de grandes
bana no Brasil. E a seção subsequente trata
cidades no país.
do caso de Salvador, com o desenvolvimento
Vamos tomar como base aqui os traba-
de um programa de recuperação urbana pelo
lhos no Brasil de Werna (1996), Klink (2003)
governo do estado da Bahia e sua companhia
além de Melo e Moura (1990) que já desen-
metropolitana de planejamento em parceria
volveram análises sobre a evolução da agen-
com o Banco Mundial realizado ao longo dos
da internacional de desenvolvimento urbano,
anos 90 e início do século XXI, que seguiu cri-
assim como alguns relatórios trazendo avalia-
térios de gestão prescristos pelo Banco em sua
ções abrangentes das próprias agências multi-
agenda mais recente, tais como governance e
laterais sobre política urbana, tais como World
capital social, ainda que a elite política do go-
Bank (1983; 1991) e UNCHS (1988), UNCHS-
verno baiano durante a gestão fosse bastante
World Bank-UNDP (1994) e demais referências
conservadora.
sobre o assunto que serão usadas durante o
texto.
Evolução da agenda
internacional e da gestão
urbana no Brasil
Anos 70 e primeira metade dos 80:
produtos de grande escala
metropolitana
A evolução da agenda das agências multilate-
Pode-se considerar como uma primeira fase da
rais sobre política urbana será analisada em pa-
agenda dos organismos multilaterais, com des-
ralelo à evolução da agenda de política urbana
taque aí para o Banco Mundial no que se refere
no Brasil. Acredita-se aqui que esses processos
à política urbana o período compreendido do
são concomitantes e à medida que a realidade
pós-guerra imediato até a primeira metade dos
política brasileira apontava para novos cami-
anos 70. Esse período foi fortemente domina-
nhos estes eram absorvidos pelos organismos
do por uma abordagem de cunho tecnocrático.
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Antônio Sérgio Araújo Fernandes
Enfatizava-se a elaboração de grandes progra-
conjunto de projetos urbanos nas três regiões
mas padronizados, com pouco envolvimento
metropolitanas do Nordeste: Recife, Salvador
dos cidadãos, tendo como característica bási-
e Fortaleza. O Programa RM/NE foi iniciado na
ca projetos de grande escala, frequentemente
Região Metropolitana de Recife em 1982, indo
importados dos modelos de desenvolvimento
até 1988 com o nome de Projeto Grande Re-
urbano europeus ou norte-americanos. Nes-
cife.1 Na região Metropolitana de Salvador, o
se período, a prioridade estava nos produtos
Programa RM/NE tem início em 1986 e finaliza
concretos, em geral homogêneos, como foram
em 1997, sob a gestão do governo do estado
as experiências dos grandes conjuntos habi-
da Bahia, por meio de sua companhia metro-
tacionais suburbanos que deveriam assegurar
politana, a Conder, com o nome de Projeto
eficácia e eficiência nas escalas de intervenção
Metropolitano.2
das agências de desenvolvimento e dos gover-
A política urbana no Brasil nesse perío-
nos federal e estaduais (Werna, 1996). O perfil
do estava alicerçada no Banco Nacional de
dos empréstimos na área urbana assume este
Habitação (BNH), criado em 1964 e extinto em
contorno nessa época desde 1971, quando se
1986, instituição financiadora, formuladora e
iniciam as operações urbanas do Banco Mun-
cogestora da política urbana no país. Mantido
dial no Brasil (Melo e Moura, 1990).
por recursos do FGTS, o BNH inicia suas ações
O resultado principal deste período é que
na área habitacional, porém, ao longo do tem-
o impacto para seu público-alvo foi pequeno,
po, foi se tornando uma agência multissetorial
ou seja, os grupos sociais de baixa renda foram
de desenvolvimento urbano financiando, além
pouco beneficiados. O padrão de financiamen-
da habitação, os setores de saneamento e
to dos projetos era normalmente alto e com is-
transportes (Arretche, 1996; Melo, 1993). Nesse
so terminaram nas mãos de famílias de renda
período, por meio de financiamento do BNH, é
média/alta, mesmo assim estas tendo uma sé-
criado o Planasa – Plano Nacional de Sanea-
rie subsídios e concessões do BNH. Ao longo do
mento (1971) que tinha como agências pro-
tempo, este tipo de intervenção entrou em crise
motoras nos estados as companhias estaduais
devido aos problemas financeiros do Estado,
de saneamento básico. Na área de habitação,
que não conseguiu viabilizar o financiamento
as cogestoras e executoras nos estados eram
da habitação popular com base em padrões
as COHABs e as prefeituras. As razões para a
tão elevados. Esse sistema obviamente acabou
extinção do BNH segundo os autores que in-
resultando em um número cada vez maior de
vestigaram este assunto, tais como Arretche
dificuldades ao se tentar obter os recursos fi-
(2000) e Melo (1993), se constitui numa teia
nanceiros necessários dos beneficiários na es-
complexa de causas, que estão ligadas, em
fera da cidade.
linhas gerais, à crise do FGTS no contexto da
No que se refere aos programas integra-
recessão econômica do início da década de
dos de desenvolvimento em escala metropoli-
80, quando, ao carregar a maior parte do seu
tana, destacam-se o Programa RM/NE iniciado
montante no desembolso indenizatório, levou à
em 1980 pelo Banco Mundial, juntamente com
redução de arrecadação líquida, fazendo com
o governo federal, e que visava financiar um
que o BNH ao longo do tempo se tornasse
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
insolvente. E também à desarticulação da
tipo lote urbanizado, característicos desta fase,
estrutura burocrática do BNH combinada com
não apenas provaram ser muito mais factíveis,
uma fraca coalização política durante a rede-
mas também aumentaram de forma substan-
mocratização para assegurar a reorganização
cial a flexibilidade do sistema de acordo com
da política habitacional do país em novas ba-
a demanda por habitação ao longo do tempo.
ses transformando o BNH numa nova agência
Normalmente, os programas eram combina-
de financiamento.
dos e complementados com mutirões ou até
Em paralelo a isso, na esfera do planeja-
mesmo com programas de autogestão. Entre-
mento dentro da estratégia centralista do go-
tanto, esses casos de sucesso dos programas
verno federal visando, mais uma vez, integrar
não conseguiram ser replicados massivamente,
o planejamento e desenvolvimento econômico
dado que não estavam suficientemente ligados
e social do país cria as regiões metropolitanas
a estruturas institucionais mais amplas e políti-
3
em torno de nove capitais brasileiras, junto
cas públicas gerais no nível das cidades. Além
com a criação das companhias metropolitanas
disso, no caso brasileiro, existia o contexto de
de planejamento. Planejamento este de cunho
forte centralização de recursos onde as cidades
urbanístico, isto é, zoneamentos urbanos e pla-
estavam submetidas a condicionantes do fede-
nos urbanísticos guiados por diretrizes de ex-
ralismo fiscal do país, que influenciou dramati-
pansão e controle do crescimento urbano em
camente o sucesso de projetos urbanos.
área metropolitana.
Um exemplo desta época é a criação,
No início da década de 80 a abordagem
em 1979, pelo governo federal, do Promorar
tecnocrática e centralizada passa por uma
(Programa de Erradicação de Sub-habitação),
rápida mudança, que indicava o embrião da
que recebeu empréstimos do Banco Mundial.
avaliação crítica que seria observada ao lon-
O Promorar visava a erradicação das favelas
go dos anos 80 pelo Banco Mundial acerca
com regularização da posse de terra e a subs-
dos resultados desse paradigma (World Bank,
tituição de barracos por casas de alvenaria na
1983). Essa mudança ainda que incremental
mesma área de moradia.4 Foi o único programa
no padrão de desenvolvimento urbano gira
desenvolvido pelo governo federal, até aquele
em torno de um modelo mais flexível em re-
momento, que possibilitava a permanência da
lação ao anterior. Os programas passam a ser
população ocupada em área anteriormente ha-
focados para as populações pobres, sendo ela-
bitada (Maia, 1996, p. 96). As unidades eram
borados dentro de uma escala menor e com o
entregues em terrenos de 75m², ocupando su-
envolvimento e participação direta das comu-
perfície de 25m² com cômodo polivalente e ba-
nidades locais. Como resultado, obtiveram-se
nheiro, oferecendo possibilidade de ampliação
melhores informações sobre as necessidades e
(Taschner, 1997, pp. 50-51). Além do Promorar,
carências, que levaram a projetos com padrões
cabe lembrar aqui também o Ficam (Financia-
urbanísticos mais realísticos, isto é, mais viá-
mento para a Fabricação de Materiais de Cons-
veis do ponto de vista financeiro e também
trução) e o João de Barro. Antes do Promorar,
mais alinhados com as condições econômicas
o governo federal criou o Profilurb (Programa
das famílias de baixa renda. Os programas do
de Financiamentos de Lotes Urbanizados) –
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site and service, programa habitacional para
famílias de baixa renda que tinha como objetivo
permitir a população pobre adquirir uma parcela de terra já servida de infraestrutura básica –
luz, água e esgoto (Taschner, 1997, p. 50).
Assim, pode-se definir esse primeiro
momento da agenda do Banco Mundial com
relação à política urbana como caracterizado
por projetos de grandes escalas – projetos integrados de desenvolvimento em escala metropolitana, assim como projetos setoriais e focalizados de habitação popular. Nesta fase são
valorizados os produtos e ainda é dada pouca
importância ao modus operandi, ou o processo
de gestão das políticas, algo que só se observará a partir de meados dos anos 80. No que se
refere ao padrão dominante de gestão urbana
no país que acompanhava em paralelo as prescrições políticas do Banco Mundial pode-se definir como um modelo tecnocrático, centralizado e fechado de intervenção, baseado no financiamento de grandes agências nacionais e sem
muita participação das comunidades locais.
que começou a ser tendência em projetos urbanos no final dos anos 80, ganha intensidade e
a capacitação de lideranças e das comunidades
tornou-se um elemento relevante. A capacitação não só beneficiaria os atores envolvidos
nos projetos, mas os tornaria facilitadores de
um processo mais amplo de aprendizado político pela prática. A primeira iniciativa dos organismos multilaterais neste sentido foi a criação,
ao final dos anos 80, do Programa de Gestão
Urbana (PGU), ação conjunta coordenada pelo
Habitat (UNCHS) com o apoio do Banco Mundial e do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Fundamentalmente,
a ideia essencial do PGU é promover estratégias e mecanismos de capacitação para mobilizar recursos humanos materiais e financeiros
para organizar a inserção de governos e agências municipais, comunidades de base e ONGs
no desenvolvimento de projetos urbanos e habitacionais. É nítido que, a partir deste marco,
torna-se importante na agenda internacional
de política urbana todo o ciclo do projeto com
ênfase nas etapas de monitoramento e a avaliação. Ou seja, há uma preocupação agora
Segunda metade dos anos 80
e início dos 90: processo de gestão
e a governance urbana
com o estabelecimento de boas práticas que
poderiam ser replicadas para uma escala maior
se fosse dada a devida atenção para o processo
de aprendizagem durante a fase de formulação
À luz das falhas observadas ao longo da década
e implementação. Isso implica o aumento do
de 70, as políticas de desenvolvimento urbano
trabalho direto entre as agências internacionais
dos organismos internacionais começaram no
por um lado, e as cidades como novos atores
final dos anos 80 e início dos 90 a caminhar pa-
territoriais, por outro lado, visando criar indica-
ra a chamada “abordagem do processo”. Sua
dores de avaliação dos processos e não mais
principal característica foi a conscientização
simplesmente dos produtos. Ou seja, os investi-
de que bons projetos e programas em si são
mentos daí para frente deveriam ser avaliados
insuficientes para assegurar desenvolvimento
pela capacidade de pessoal para gerenciamen-
urbano em países em desenvolvimento (World
to também e pela capacidade institucional de
Bank, 1983). O envolvimento das comunidades,
sustentabilidade.
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
Em 1991, o Banco Mundial publica sua
tipo: arcabouço institucional das cidades; redes
agenda de política urbana (World Bank, 1991)
de atores locais; estabelecimento de parcerias
para os anos 90 seguindo as diretrizes do PGU
público-privado (com ONGs e empresas); grau
e estabelecendo quatro pontos a serem se-
de descentralização política e administrativa. O
guidos que mostram claramente a adoção de
conceito de boa governança reforça o fato de
uma abordagem de processo para o desenvol-
que o governo local é um ator importante, mas
vimento urbano: a) melhoria da produtividade
não o único, na elaboração e implementação
urbana (pelo fortalecimento do setor privado);
de políticas urbanas. O papel do governo local
b) combate a pobreza; c) proteção ao meio
é articular e facilitar, ao invés de implementar,
ambiente; d) investimento em pesquisa. Essa
as políticas urbanas dentro de um sistema de
agenda do Banco Mundial para política urba-
redes de atores locais, composta por empresas
na encontra-se em um momento em que esta
e suas associações, sindicatos de trabalhado-
agência está passando por um processo de
res, ONGs, organizações comunitárias, universi-
redefinição do papel do estado nos países em
dades, centros de pesquisa e a imprensa local,
desenvolvimento. Seu relatório de 1992, inti-
entre outros (Diniz e Coelho, 1995). Além dis-
tulado: Governance and Development (World
so, as cidades são consideradas mais do que a
Bank, 1992), propõe o fortalecimento das ins-
soma total dos beneficiários dos projetos. Elas
tituições democráticas nos países em desen-
representam os novos atores territoriais, cada
volvimento com o envolvimento da iniciativa
vez mais ligados a uma economia internacio-
privada na provisão de serviços públicos, a
nal aberta, e com vantagens específicas para a
descentralização política e administrativa e a
criação de competitividade urbana e de novos
participação e controle social ( accountability )
espaços para a democratização da gestão ur-
por meio do empowerment da sociedade ci-
bana (Borja e Castells, 1996).
vil. O Banco Mundial, a partir de Governance
No Brasil, ao final da década de 80 e iní-
and Development, está reafirmando a importância da sociedade civil para a qualidade da
democracia e o bom desempenho dos governos. Para isso, o fortalecimento da sociedade
civil seria do ponto de vista do Banco Mundial
a única forma de contrabalançar o poder de
burocracias ineficientes e corruptas dos países
em desenvolvimento (Frischtak, 1994).
A governança urbana passa a prevalecer
na década 90 como padrão de desenvolvimento urbano. Neste momento, as agências multilaterais passam a trabalhar com indicadores de
desempenho nos programas ligados a habitação e infraestrutura compostos por variáveis do
cio dos anos 90, a agenda da política urbana
de capitais e grandes cidades vai encontrando
um consenso congruente com a reflexão das
agências multilaterais como o Banco Mundial
e o Habitat. Este consenso gira em torno da
constatação, por parte de gestores, políticos
e sociedade civil, de que a falência, desde a
década de 80, de um modelo centralizado de
financiamento habitacional e de infraestrutura urbana requer uma complexa estrutura de
governança que exige maior agilidade e articulação por parte dos governos locais. Assim,
processos de participação e controle social tornaram-se palavra de ordem para governantes
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de capitais e grandes cidades no país, como se
desempenho da atividade governamental a
verificou em muitas experiências durante a dé-
utilização de práticas de gerenciamento em-
cada de 90. A participação social no processo
presarial e marketing na gestão pública, este
de administração municipal é contemplada na
último visando à promoção interna e externa
Constituição de 1988 e regulamentada por leis
da cidade (Harvey, 1989; 1989a; 1989b).
complementares que preveem o estabelecimento de conselhos deliberativos no que tange
a descentralização das políticas sociais, com a
municipalização dos serviços de saúde e assis-
Século XXI: da governança
ao capital social
tência social, bem como na área de educação e
defesa da criança e do adolescente. Além disso,
Ao final da década de 90, a agenda de políti-
inúmeros governos locais de capitais e grandes
ca urbana internacional calcada pelos critérios
cidades ocupados por partidos ou coalizões de
de governança aprofunda a discussão acerca
partidos progressistas, ao longo da década de
do combate à pobreza em áreas urbanas fa-
90, vão desenvolver práticas objetivando de-
veladas no mundo. O consenso principal no
mocratizar a gestão e com isso ampliar o exer-
contexto atual por parte de governos, ONGS
cício da cidadania e realizar uma inversão de
e organismos multilaterais de apoio é que a
prioridades na agenda de governo, visando dar
complexidade do problema urbano para popu-
ênfase ao atendimento às carências urbanas
lações pobres de países em desenvolvimento
mais imediatas. Experiências já bastante co-
aumenta na medida em que se constata que
nhecidas e muito difundidas, como orçamento
apenas a intervenção física no espaço físico
participativo, mutirões habitacionais, fóruns
das cidades com participação e controle da po-
de cidade e conselhos municipais são exem-
pulação não é o suficiente para tornar susten-
plos de ativismo democrático na gestão local.
táveis os programas de reestruturação urbana
Uma outra dimensão da renovação da agenda
e combate à pobreza das populações residen-
de gestão municipal no Brasil na década de
tes em favelas. Junto com o planejamento e
90 refere-se a iniciativas de governos locais
as obras de urbanização e habitação, torna-se
em desenvolver parcerias com o setor privado
necessário aliar programas sociais como edu-
em políticas de desenvolvimento visando su-
cação básica, capacitação profissional e cons-
perar crises de governabilidade causadas por
cientização ambiental, além do fortalecimento
escassez de recursos públicos (Ribeiro, 1995).
da organização comunitária buscando utilizar
É a chamada perspectiva do empreendedoris-
e potencializar o capital social das comunida-
mo local em que o governo atua como articula-
des. Diante disso, foi criado em 1999, a Cities
dor de forças sociais a partir da criação de
Alliance, um fórum composto por organismos
mecanismos de cooperação público-privado,
multilaterais tendo à frente o Banco Mundial e
assim como a partir da formação de consen-
o Habitat que visa apoiar iniciativas dos gover-
sos em torno de projetos estratégicos (Moura,
nos de países em desenvolvimento em parceria
1996, pp. 34-35). Passa a ter relevância no
com a sociedade na erradicação de favelas e
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
melhoria das condições de vida urbana para as
comunidades carentes nas cidades do terceiro
mundo. Além disso, procura difundir entre a
comunidade internacional experiências bemsucedidas nessa área. Em seu último relatório
anual de 2002 (Cities Alliance, 2002), dois
O caso de Salvador:
o paradoxo da agenda
progressista atual do banco
mundial com uma elite
conservadora
projetos no Brasil aparecem como exemplos a
serem replicados, o Programa Ribeira Azul em
Programa Ribeira Azul em Salvador
Salvador que será comentado a seguir e o programa Bairro Legal desenvolvido pela Secreta-
Em Salvador, a grande área urbana localizada
ria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da
na chamada cidade baixa, que vai desde a en-
Prefeitura de São Paulo.
seada dos Tainheiros até a enseada do Cabrito,
Além disso, entra uma nova variável para
possui uma característica comum em toda sua
o combate à pobreza urbana que é o capital so-
ocupação, a existência de favelas dentro do
cial ou o estabelecimento de laços de confiança
mar, compostas de barracos sustentados por
e solidariedade capazes de aumentar a produ-
palafitas. Com a consolidação da ocupação, ao
ção de capital humano e capital fixo (Putnam,
longo do tempo, a principal e maior zona nessa
1996; 1993). Para o Banco Mundial, nos anos
área, foi denominada Alagados.5 As primeiras
recentes, o capital social tem sido identificado
ocupações naquela região datam de 50 anos
como um componente importante de desenvol-
atrás e durante o final da década de 70 e início
vimento econômico e social, tanto no nível ma-
da década de 80, a região de Alagados passou
cro quanto no nível microeconômico. Capital
por intervenções da Hamesa (Habitação e Me-
social refere-se a instituições, relações, redes e
lhoramentos Urbanos S/A), extinta empresa de
normas que moldam a quantidade e qualidade
habitação do governo do estado. Entretanto, o
das interações sociais (www.worldbank.org/
que se observou, desde aquele período até o
poverty/scapital). Essas relações conduzem os
início da década de 90, é que a invasão de pa-
atores a mobilizar os melhores recursos e a en-
lafitas em Alagados se multiplicou ao invés de
contrar os melhores objetivos. Apesar de ainda
diminuir ou desaparecer. Uma vez concluída a
não possuir nenhum relatório específico anali-
intervenção em Alagados, novas invasões den-
sando como as várias formas de capital social
tro do mar naquela região ocorreram formando
habilitam os pobres a participar ativamente
os Novos Alagados.
dos benefícios do processo de desenvolvimen-
A partir de 1993, o governo do estado
to, o Banco Mundial dedica um espaço subs-
da Bahia, por meio da Conder,6 em parceria da
tancial à contribuição de diversos técnicos e
ONG italiana Associação de Voluntários para o
diversos estudos de caso sobre experiências de
Serviço Internacional (AVSI)7 e o Banco Mun-
produção de capital social em todos os países
dial, passa a desenvolver intervenções contí-
em desenvolvimento.
nuas na região visando a retirada das palafitas
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e o reassentamento dos moradores para casas
desenvolveram o Programa Viver Melhor, que
com infraestrutura urbana em áreas contíguas
tinha como alvo de intervenção a área de Ala-
aos antigos barracos.
gados I e Alagados II. Em 1999 é que surge
O PRA surge em 1994 como um progra-
o PRA, que possuía como missão aumentar
ma de recuperação urbana da favela de Novos
a escala de intervenção na reestruturação
Alagados compondo parte do Projeto Metro-
urbana das favelas a partir da experiência de
politano. O Projeto Metropolitano, que contava
Novos Alagados, desta vez com um alcance
com empréstimo do Banco Mundial, foi inicia-
maior, buscando atingir uma parte da região
8
do em 1986. Entre 1988 e 1991, não obteve
do subúrbio de Salvador localizada entre a
alocação de recursos da União nem do governo
Enseada dos Tainheiros e a Enseada do Cabri-
estadual. Em 1992, o Projeto foi reformula-
to. A área total de intervenção prevista para
do, estabelecendo-se um montante de US$77
o PRA é de 4 km 2, que corresponde a 1,3%
milhões para sua aplicação, sendo US$36,6
da área do município de Salvador e busca be-
milhões a participação do Banco Mundial e a
neficiar 150.000 pessoas correspondendo a
contrapartida de US$40,4 milhões restantes
42.500 domicílios – sendo 2.500 destes em
bancada exclusivamente pelo governo do es-
palafitas e 40.000 em áreas adjacentes, o que
tado da Bahia. A maior parte dos recursos foi
representa 25% do total da população favela-
aplicada em limpeza pública – US$24 milhões
da da cidade. O perímetro de atuação do PRA
(31,3%) – e recuperação urbana – US$22,5 mi-
é composto por um conjunto de doze comuni-
lhões (29,4%), onde está inserida urbanização
dades: Alagados I; Alagados II; Alagados III,
da favela de Novos Alagados. Como projetos de
Alagados IV e V; Alagados VI; Baixa do Ca-
recuperação urbana na cidade de Salvador que
ranguejo; Joanes Centro-Oeste; Mangueira;
foram realizados pela Conder com recursos do
Mudança; Novos Alagados I; Novos Alagados
Projeto Metropolitano destacam-se: a recupe-
II e São João.
ração da favela Novos Alagados, a recuperação
Foram beneficiadas mais de 10.000
dos Parques de Abaeté, de Pituaçu e a cons-
pessoas, que passaram de ex-moradores
trução do Parque Costa Azul, a participação
das palafitas, que foram erradicadas. Até o
na recuperação do Centro Histórico Pelouri-
momen to as obras concluídas são: Novos
nho com a instalação da iluminação subterrâ-
Alagados (1ª etapa); Joanes Centro-Oeste;
nea, a construção de um edifício garagem e a
Mangueira; Mudança; Alagados I e II e Baixa
elaboração de estudos técnicos para o lugar
do Caranguejo. No momento encontram-se
(Conder, 1997). No projeto de recuperação da
em andamento as obras em Novos Alagados
favela de Novos Alagados, entre 1993 e 1997,
(2ª etapa); Alagados IV e V e Joanes Azul
foram construídas 1.692 habitações com custo
(1ª parte). E as próximas obras previstas são
total de U$5.000.000,00, dos quais cerca de
Alagados III e Joanes Azul (2ª parte). Além dis-
U$3.500.000,00 foram recursos oriundos do
so, uma parte da construção de uma pista de
Projeto Metropolitano.
borda que ocupará toda a margem da orla on-
A par tir de 19 9 8 , a Ur bis , junto
com a Conder em parceria com a AVSI,
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de antes existiam palafitas já foi feita e a obra
no momento encontra-se em continuidade.
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
O gasto orçamentário anual do projeto
Municipal de Salvador, 1 membro do Ministé-
somou cerca de U$ 52 milhões de dólares. Des-
rio das Relações Exteriores da Itália (MAE), 1
tes valores participaram junto com o governo
membro do Banco Mundial, 1 membro da AVSI
do estado da Bahia, o Banco Interamericano de
e 5 representantes comunitários que são esco-
Desenvolvimento (BID), a AVSI, o Ministério das
lhidos pelo Grupo de Representantes da Comu-
Relações Exteriores da Itália (MAE) e o Ban-
nidade. Essa instância abriga 52 lideranças das
co Mundial. O PRA é desenvolvido desde seu
11 comunidades na área de atuação do PRA e
início em parceria com a AVSI e tem adotado
foi formado em outubro de 2002.
uma metodologia de trabalho que busca incluir
à recuperação física do espaço urbano (água,
esgoto, pavimentação, drenagem e energia elétrica) a dimensão socioambiental (preservação
Elite política conservadora e a adoção
de uma agenda de gestão progressista
do manguezal), a promoção social (educação
básica, capacitação profissional e programas
Os aspectos de governance observados no
de geração de emprego e renda) assim como o
programa Ribeira Azul foram uma exigência
envolvimento da comunidade (associativismo e
do Banco Mundial e da ONG AVSI que partici-
cooperativismo).
param como cogestoras da política. A Conder
O Projeto de Apoio Técnico e Social
é um órgão que se caracteriza historicamente
(PATS) que representa a parte do PRA onde
por ter uma linha de ação tecnocrática, que se
se desenvolve a área social e de cidadania foi
coaduna com o perfil político da elite que di-
impulsionado com a vinda da missão de 2000,
rige o estado da Bahia liderada pelo senador
composta por representantes do MAE, do Ban-
Antônio Carlos Magalhães (ACM). Inclusive,
co Mundial da ONU-Habitat e do Cities Allian-
esse é um dos motivos que ajudam a explicar
ce. Foi com a discussão realizada por estes or-
a sobrevivência de uma companhia de plane-
ganismos com o governo do estado que o PRA
jamento metropolitano, dado que se observa
teve a orientação de inserir um Plano Social
que na maioria das capitais os órgãos metro-
dentro do PRA como pré-requisito necessário
politanos de planejamento ou foram extintos,
para o aporte de recursos. Com base, portanto,
ou existem com uma função assessória às Pre-
nas discussões e orientações, dos representan-
feituras (Fernandes, 1998, 2002; Souza 1997,
tes do MAE, a Conder elaborou o PATS que foi
2001). Apesar de se constituir numa grande
aprovado pelo Comitê de Orientação para o
força política hegemônica para o estado da
Desenvolvimento Cooperativo da Itália. Note-
Bahia, dentro da cidade de Salvador, o grupo
se que todos recursos doados pelo MAE estão
político liderado pelo Senador ACM do PFL
vinculados ao PATS.
não possuía a aprovação suficiente do eleito-
No que tange ao processo decisório, o
rado soteropolitano para torná-lo legitimado
PRA possuía uma instância que traça as dire-
hegemonicamente tal qual era no resto do Es-
trizes e avalia o PRA formada por um Comitê
tado. Isso fica demonstrado nos consecutivos
Consultivo que é composto por: 1 membro re-
insucessos eleitorais dos candidatos que con-
presentando a Conder, 1 membro da Prefeitura
correram para prefeito de Salvador, apoiados
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por ACM nos pleitos municipais da capital
Bom ressaltar que o grupo político que
pós-redemocratização. Apenas em 1996, ACM
compunha a Prefeitura entre os anos 1993-
consegue levar à vitória um candidato sob seu
1996 e que era de oposição ao grupo do PFL
apoio, após três derrotas consecutivas nos
ligado à ACM, é que se mostra mais sintoni-
anos de 1985, quando foi vencido por Mário
zado com a questão do avanço da agenda in-
Kértzs do PMDB, 1988, derrotado por Fernan-
ternacional de política urbana, uma vez que a
do José, também do PMDB e em 1992 com a
própria prefeita Lídice da Mata do PSDB tinha
vitória de Lídice da Matta, do PSDB. Ao perder
uma história ligada à luta pela reforma urbana,
a eleição municipal de 1992, a tática de ACM
sobretudo no que se refere às questões de par-
como governador o estado foi estabelecer uma
ticipação social e autonomia municipal, tendo
competição entre esferas de governo na ges-
sido vereadora entre 1982 e 1986 pelo PMDB
tão urbana de Salvador, procurando desenvol-
e participado ativamente na elaboração e apro-
ver uma série de obras importantes na cidade
vação de algumas leis importantes que criavam
por meio da Conder. Com isso visava desqua-
diversos mecanismos de participação social na
lificar o Executivo municipal, tentando mostrar
gestão municipal (Ivo, 2000, p. 93).9
que a prefeitura não possuía autonomia para
O grupo político ligado ao PFL e lide-
governar a cidade, dado que não realizava sa-
rado pelo Senador ACM10 seguiu sempre um
tisfatoriamente o que era de sua competência
padrão de administração pública calcada num
exclusiva e ao mesmo tempo procurava de-
processo decisório fechado, que o caracteriza
monstrar a eficiência e a competência da es-
como uma liderança capaz de formar quadros
fera estadual, dado que as obras importantes
tecnocráticos de perfil dinâmico e pragmático,
do município eram desenvolvidas pelo governo
porém pouco afeitos a mecanismos de partici-
do estado. Em quase todas as intervenções do
pação, controle social ou parceria público-pri-
governo estadual na cidade de Salvador, estas
vado. Este grupo político nunca esteve ligado
aconteceram com a prefeitura à margem de sua
às discussões de renovação da agenda interna-
análise e/ou deliberação. Desse modo, foram
cional de política urbana, nem no que se refere
realizados todos os grandes projetos urbanos
ao movimento de reforma urbana da constitui-
implantados em Salvador, como a recuperação
ção de 1988.
do Centro Histórico Pelourinho, a recuperação
Um fator importante para explicar a
dos Parques de Abaeté e de Pituaçu, o progra-
razão pela ligação de um governo de perfil
ma de saneamento ambiental Bahia Azul, a
tão conservador com políticas de corte mais
construção do novo aterro sanitário da cidade,
progressistas agenciadas pelo Banco Mundial
a construção do Parque Costa Azul, de uma
encontra-se no fato de que durante a década
marina na Baía de Todos os Santos, a recupe-
de 90 o governo da Bahia sob a gestão do PFL
ração da favela Novos Alagados e a ampliação
vai ser bem-sucedido na realização do Pro-
do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Esses
jeto Metropolitano, fazendo com que a elite
projetos e obras foram realizados sob a gestão
política do estado ganhasse prestígio junto
da Conder, tornando-a uma espécie de super-
ao Banco Mundial. Além disso, o governo da
prefeitura paralela de Salvador.
Bahia vai realizar uma política de ajuste fiscal
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
também bem-sucedida (Borges, 2000) que re-
agências como o Banco Mundial, a ONU-Habi-
força ainda mais a posição de destaque que o
tat e o Cities Alliance, nesta questão fazendo
estado da Bahia ganhou junto ao Banco Mun-
avançar a agenda. Ao mesmo tempo, buscou-se
dial. E isso pode ser evidenciado no relatório
observar como a questão da gestão urbana no
do Banco publicado em 2001 – Broadening
país avançou ao lado das agências internacio-
the Base of Growth – onde o estado da Bahia
é considerado como um caso exemplar de
“boa governança” e política fiscal exitosa,
sendo colocado em par com o exemplo recente mais conhecido de “bom governo” no
Nordeste brasileiro que é o estado do Ceará.
A visão que as agências internacionais possuem da elite política da Bahia mostra o paradoxo existente no estado onde um governo
composto por uma elite conservadora, apesar
disso mostra-se muito dinâmico e eficiente na
conduta da administração pública. Ou seja,
boa administração convive com desenvolvimento político baixo, uma vez que as práticas
de conduta do debate político democrático
ainda são questionadas no Estado dado à predominância por três décadas de uma mesma
liderança política.
nais. Foi analisado o contexto atual da agenda
internacional, em que predomina conceitualmente a utilização de mecanismos de governance, participação e estímulo à formação de
capital social.
Neste último aspecto o artigo trouxe
um exemplo de uma grande capital brasileira – Salvador, que mostra um interessante
paradoxo, onde o governo do estado, apesar
de governado há mais de uma década por uma
elite política conservadora – caracterizada
pelo tecnocratismo e pouco diálogo democrático, desenvolve uma importante política de
reurbanização de favelas com apoio do Banco
Mundial caracterizada pelo envolvimento da
sociedade no processo de gestão. Isso evidencia o lado dinâmico do grupo político em
questão, que mostra ser capaz de se alinhar à
tendência mais recente em voga nas agências
multilaterais, sobretudo o Banco Mundial, na
Considerações finais
orientação aos governos de países em desenvolvimento acerca da conduta das políticas de
desenvolvimento urbano, de que políticas ur-
O artigo procurou discutir a evolução da agen-
banas devem contemplar não só a recuperação
da de política urbana das agências internacio-
física do espaço, mas a participação e o contro-
nais, sobretudo no que se refere a programas
le social, bem como o combate à pobreza com
de habitação e recuperação de favelas e áreas
políticas assessórias de geração de emprego e
urbanas degradadas. O foco do texto recaiu
renda que estimulem a produção do capital so-
sobre as referências conceituais que guiaram
cial das populações envolvidas.
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Antônio Sérgio Araújo Fernandes
Antônio Sérgio Araújo Fernandes
Bacharel em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo. Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (Rio Grande do Norte, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) O Projeto Grande Recife foi coordenado pela empresa metropolitana de Planejamento do governo do estado, a Fidem (Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife)
e visava uma ação de requalificação, valorização e comercialização imobiliária para setores de
classe média e alta, integrada com a urbanização de áreas faveladas na região ribeirinha do
Capibaribe. Como esta região despontava com considerável potencial urbano pela localização
e pela disponibilidade de áreas ociosas, foram propostos parques e conjuntos residenciais para
diferentes faixas de renda. Além disso, ocorreram intervenções nunca concluídas e algumas realizadas, como a criação de conjuntos populares e os parques de Caiara e Santana.
(2) O Projeto Metropolitano desenvolvido pela Conder será comentado em maiores detalhes a seguir
quando trataremos do caso em tela no texto.
(3) Pela Lei Complementar n. 14, de 8/6/1973, art. 2º, são criadas as regiões metropolitanas de
Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto
Alegre.
(4) Uma avaliação do Promorar no Nordeste durante os anos em que durou, entre 1980 e 1989, é
feita por Moura et al. (1990).
(5) Os Alagados compõem a maior parte das favelas com palafitas existentes naquela região e se
estendem por inúmeros bairros da cidade baixa e subúrbio ferroviário, inclusive o bairro da Ribeira, um dos maiores que acabou dando o nome ao Programa Ribeira Azul.
(6) A Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (Conder), foi criada em
1974, como empresa pública ligada à Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia. Desde
sua origem, a Conder atua não só como empresa de planejamento metropolitano que fornece
assistência técnica aos municípios da RMS, mas também como órgão executor de obras. Em
1998, a Conder passou a se chamar Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
e ampliou sua área de atuação para todo o Estado. Em janeiro de 1999, a Conder incorporou a
URBIS – Habitação e Urbanismo da Bahia S/A.
(7) A AVSI é uma ONG reconhecida pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália (MAE) e credenciada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na condição de consultora. Foi
criada em 1972 e atua em 4 continentes com 60 projetos de ajuda ao desenvolvimento nos
setores da saúde, infância, educação, formação profissional, recuperação das áreas marginais
urbanas e desenvolvimento rural. Dezenas de voluntários profissionais – médicos, engenheiros,
agrônomos, psicólogos, educadores, prestam serviço nos países por períodos não inferiores de
dois anos. A AVSI é sustentada por um fundo em que 50% de sua captação é feita de doações
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Agenda de gestão urbana participativa versus elite política conservadora
privadas. Ela tem uma atuação nos países com organizações associadas e no Brasil sua associada
é a CDM (Cooperação para o Desenvolvimento da Moradia Humana). Além de Salvador tem projetos nas cidades de Belo Horizonte e Vitória.
(8) O Projeto Metropolitano como comentado anteriormente é um produto do Programa RM/NE iniciado em 1980 pelo Banco Mundial, juntamente com o Governo Federal, e que visava financiar
um conjunto de projetos urbanos nas três regiões metropolitanas do Nordeste: Recife, Salvador
e Fortaleza. O Programa RM/NE foi iniciado na Região Metropolitana de Recife em 1982, indo
até 1988 com o nome de Projeto Grande Recife. Na região Metropolitana de Salvador, o Programa RM/NE tem início em 1986, sob a gestão do governo do estado da Bahia, por meio de sua
companhia metropolitana, a Conder, com o nome de Projeto Metropolitano.
(9) São dessa época, a Lei de Regionalização do Orçamento Municipal e a criação do Conselho Municipal do Desenvolvimento Urbano (Condurb). Em 1983 sancionou-se a Lei n. 3.345/83 – Lei do
Processo de Planejamento e Participação Comunitária, que tornava a participação social uma
atividade permanente na cidade. Em julho de 1984, foi editada a Lei de Ordenamento, Uso e
Ocupação do Solo (Lei n. 3.377/84) e em 1985 foi aprovada a Lei Orgânica do Município de
Salvador (Lei n. 3.572/85), antes, portanto, da exigência contida na Constituição de 1988. Em
novembro de 1985, foi sancionada a Lei n. 3.592/85, que dispõe sobre o enquadramento e a
delimitação de Áreas de Proteção Socioecológica (APSE). Em dezembro de 1985, o conjunto de
medidas acerca da participação e do controle social consolidou-se no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU), regulamentado pela Lei 3.525/85.
(10) Consideramos como principais quadros políticos pefelistas diretamente ligados e formados na
burocracia do governo do estado durante as gestões de ACM: o ex-senador Waldeck Ornélas;
o governador Paulo Souto; o senador Rodolfo Tourinho Dantas; o deputado federal José Carlos
Aleluia, o prefeito de Salvador Antônio Imbassahy; o ex-deputado e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia Manoel Castro. Ao longo do tempo este grupo formado também por outros políticos, apesar de ainda coeso, vai mostrar divergências residuais em relação
à liderança do Senador ACM.
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Texto recebido em 20/jun/2009
Texto aprovado em 22/ago/2009
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Planejamento urbano em Belo Horizonte:
análise da atuação dos conselhos
municipais na gestão da cidade
Urban planning in Belo Horizonte: analysis of the municipal
councils’ performance in the management of the city
Mônica Abranches
Resumo
Este trabalho tem como escopo principal a análise
da atuação dos Conselhos Municipais de Belo Horizonte e sua contribuição para o planejamento urbano, considerando que esses instrumentos democráticos reúnem diferentes atores sociais (e interesses)
com a responsabilidade de discutir e decidir sobre o
destino das políticas públicas locais.
A partir da avaliação de sua atuação e da percepção dos conselheiros municipais sobre os problemas
e potencialidades da cidade, foi possível mapear a
distribuição das forças políticas e das decisões dos
conselhos no espaço urbano.
A análise espacial foi fundamental para conduzir
a pesquisa, pois enriqueceu o tratamento dos dados coletados e permitiu a visualização de diversas
nuances sobre as decisões técnicas e políticas e o
destino das políticas públicas locais.
Abstract
This work aims to analyze the performance of the
Municipal Councils of Belo Horizonte (southern
Brazil) and their contribution to urban planning,
considering that those democratic tools reunite
different social actors (and interests) with the
responsibility of discussing and making decisions
regarding the destiny of local public policies.
Based on the appraisal of their performance and
the municipal councilors’ perception of the city’s
problems and potentialities, it was possible to map
the distribution of political forces and the decisions
made by the Councils in the urban space.
The spatial analysis was fundamental to conduct
the research, as it enriched the treatment of the
collected data. It also allowed the visualization
of many nuances about technical and political
decisions, and the destiny of local public policies.
Palavras-chave: análise espacial; participação
social; conselhos municipais.
Keywords: spatial analysis; social participation;
municipal councils.
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Mônica Abranches
dois grandes eixos: a) novos modelos de plane-
Introdução
jamento, com uma metodologia interdisciplinar
e participativa, e com a utilização de diversos
Nas últimas décadas, as políticas públicas têm
recursos tecnológicos (SIG, entre outros) para
se aproximado dos estudos espaciais com o ob-
auxiliar os gestores e técnicos nos desenhos ur-
jetivo de incorporar às suas análises novos mé-
banos, nas discussões e decisões sobre as cida-
todos e técnicas para otimizar a solução de pro-
des; e b) novas formas de gestão que passam
blemas socioeconômicos, culturais e ambientais
pela articulação dos setores governamentais e
das cidades. As análises dos problemas urbanos
da sociedade civil, através de um processo de-
ficaram mais ricas e próximas das demandas
mocrático das decisões de caráter público.
da população com a integração de áreas como
Essa nova tendência democratizante tem
a geografia, a cartografia, a sociologia, o urba-
sido implementada nas diversas áreas sociais e
nismo, a antropologia, entre outros.
econômicas da União, dos estados e dos mu-
Pensar a dimensão das políticas públicas
nicípios, e tem exercido grande influência nos
através de métodos de estudos espaciais tem
espaços urbanos que demandam soluções
gerado grandes potencialidades para os estu-
maiores para problemas sociais e articulações
dos acadêmicos e para sua utilização nos cam-
políticas para a sua resolução. Essa nova ex-
pos do planejamento urbano e na administra-
periência tem transformado a paisagem das
ção dos serviços públicos, principalmente nas
cidades através da descentralização de obras,
questões metropolitanas que se constituem co-
serviços, equipamentos e distribuição da popu-
mo espaços mais diversificados para a implan-
lação nas cidades.
tação de políticas públicas no país, tanto pela
Considerando esse contexto atual, são
sua grande concentração e múltipla funciona-
relevantes os estudos sobre as entidades e os
lidade quanto pela sua grande concentração
setores que vêm atuando, direta e enfaticamen-
populacional e organização sociopolítica, que
te, na construção desse modelo que representa
geram um novo padrão de exclusão social.
uma tentativa de integração da sociedade civil
A utilização da análise espacial permite
na transformação do espaço urbano.
caracterizar configurações de uma dada organi-
Portanto, propõe-se uma discussão so-
zação e forma territorial, ou seja, empregar um
bre a condição política de gestão e de plane-
novo olhar sobre o território estudado discutin-
jamento, através da atuação dos Conselhos
do os problemas urbanos de uma forma mais
Municipais que representam, hoje, no processo
real, aproximando as hipóteses e as resoluções
de democratização brasileiro, o maior exemplo
a serem tomadas do espaço que vai receber a
da gestão paritária e da intervenção popular na
intervenção.
formulação e avaliação de políticas sociais efe-
As novas perspectivas teóricas, a partir
tivas para o desenvolvimento da cidade.
da década de 90, e as novas tecnologias vêm
As informações e a espacialização da
garantir a consolidação de um novo modelo de
atuação sociopolítica dos conselheiros muni-
elaboração e gestão das políticas sociais para a
cipais e sua intervenção no espaço urbano fo-
solução dos problemas urbanos, que passa por
ram importantes para uma análise crítica dessa
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
experiência, apontando suas inovações e falhas
embasamento do planejamento da organização
para a melhoria da qualidade de vida urbana e
desses espaços e paisagens que serão construí-
avaliando sua viabilidade, sua força política, as
dos ou modificados.
estratégias de funcionamento e resultados al-
Nesse sentido, a geografia humanística
cançados em relação ao desenvolvimento e às
apresenta-se como estudos que refletem sobre
mudanças no espaço da cidade.
os fenômenos geográficos através da análise
Tendo a cidade e suas transformações
das relações das pessoas com a natureza, do
como foco, a proposta é uma abordagem da
seu comportamento geográfico, bem como dos
percepção ambiental, pois se está consideran-
seus valores, sentimentos e ideias a respeito do
do nesta pesquisa a mudança da paisagem
espaço. Ela oferece um modo diferente de en-
(pelo planejamento urbano) a partir da “visão”
xergar esses fenômenos geográficos.
de atores com diferentes status e com interes-
A investigação prioritária do humanista
ses diversificados, já que os conselhos gestores
deve ser o olhar sobre como a qualidade da
possuem representação do governo, da socie-
emoção e do pensamento humano dão lugar a
dade civil e, dentro desta, de entidades públicas
um conjunto de símbolos que têm efeitos dire-
e privadas. Essa abordagem trata da investiga-
tos e indiretos sobre suas escolhas e ações em
ção sobre formas como os indivíduos percebem
relação ao espaço.
e tomam decisões a respeito da cidade.
De acordo com Tuan (1976),
[...] os lugares humanos variam grandemente em tamanho – uma poltrona perto
da lareira é um lugar, mas também o é um
Estado-Nação. Uma grande região está
além da experiência direta das pessoas,
mas pode se transformar em lugar (lealdade, paixão) (...) Como um mero espaço
se torna um lugar intensamente humano
é uma tarefa para o geógrafo humanista.
O papel da percepção
ambiental nos processos
de planejamento
A abordagem humanística em Geografia tem
uma ampla base epistemológica, destacandose aí trabalhos realizados por Yi-Fu Tuan, Anne
A geografia humanística valoriza as no-
Buttimer, Edward Relph e Mercer e Powel, entre
ções de espaço e lugar onde o homem está in-
outros. No Brasil, surgiram diversos trabalhos
tegrado e trabalha a partir da experiência do
nessa linha de pesquisa como os de Xavier e
indivíduo ou do grupo, visando compreender
Oliveira (1996), Bauzer (1983), Bley (1999),
o comportamento e as maneiras de sentir das
Amorim Filho (1987), Machado (1988) e Del
pessoas em relação aos seus lugares.
Rio (1990).
Nesse sentido, os estudos da percepção
Estudos como esses pretendem cobrir
ambiental são essenciais para compreender
as realidades dos indivíduos e de pequenos
melhor as interrelações do ser humano com o
grupos, analisar a percepção dos lugares e
seu meio ambiente, seja na relação individual
buscar explicação para a organização dos es-
ou na comunitária, analisando as expectativas,
paços e das paisagens atuais, bem como o
os julgamentos e as condutas dos mesmos. O
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Mônica Abranches
indivíduo ou grupo enxerga, interpreta e age
que significam outras coisas. Ícones, estátuas, tudo é símbolo. Aqui tudo é linguagem, tudo se presta de imediato à descrição, ao mapeamento... (p. 23)
em relação ao meio ambiente de acordo com
interesses, necessidades e desejos, recebendo
influências, sobretudo, dos conhecimentos anteriormente adquiridos, dos valores, das nor-
A percepção ambiental é uma atividade
mas grupais, enfim, de um conjunto de elemen-
mental de interação do indivíduo com o meio
tos que compõem sua herança cultural. Nos
ambiente, que ocorre através de processos de
processos de planejamento, por exemplo, esses
percepção e cognição. É através dos sentidos
estudos são fundamentais porque propiciam
que o homem percebe o mundo e cultiva a to-
o conhecimento das particularidades de cada
pofilia, ou seja, estabelece um elo afetivo entre
relação sociedade/indivíduo/meio-ambiente,
a pessoa e o lugar ou ambiente físico (Tuan,
possibilitando o desenvolvimento de progra-
1974) ou, ao contrário, a topofobia, que conduz
mas que realmente promovam a participação
a um sentimento de rejeição pela paisagem, pe-
e de soluções condizentes com as demandas
lo espaço vivido (Amorim Filho, 1996). Portanto,
sociais.
percepção é tanto a resposta dos sentidos aos
As mudanças de um espaço não podem
estímulos externos, como a atividade proposi-
ficar alheias às demandas das comunidades en-
tal na qual certos fenômenos são claramente
volvidas, mas devem procurar soluções em seu
registrados, enquanto outros retrocedem para
interior. É através da percepção e da compreen-
a sombra ou são bloqueados (Tuan, 1974).
são dos indivíduos sobre os diferentes espaços
A cidade é, portanto, subjetiva e sua in-
e lugares urbanos ou rurais que é possível or-
terpretação está grandemente orientada por
ganizar dados sobre o modo de desenvolver as
filtros culturais. As expectativas das pessoas
atividades e se relacionar com a natureza (seja
em relação ao espaço urbano estão permeadas
esta uma construção humana ou não). O papel
por valores e costumes que se diferenciam em
das populações envolvidas é ativo, possuindo,
relação aos estilos de vida, ao nível de renda,
simultaneamente, o poder de construir e trans-
grau de escolaridade e tipo de trabalho, entre
formar novas paisagens, novos espaços, assim
outros. Esses fatores são variáveis dentro da
como as respectivas imagens mentais, revelan-
cidade e, além disso, dentro de seus diferentes
do então, planos perceptivos mais ou menos
bairros.
claros, segundo suas necessidades vitais ou
limitações (principalmente aquelas de cunho
social e/ou cultural).
A percepção ambiental
no planejamento urbano
De acordo com Peixoto (1996),
[...] não se pode, na maioria das vezes, dizer nada a respeito de uma cidade além
do que os seus próprios habitantes repetem. O que já se disse recobre seus contornos e nuances. Nas cidades, os olhos
não veem coisas, mas figuras de coisas
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Muitas vezes, as tentativas de controle da natureza e a elaboração de legislações pela administração pública desconsideram ou não têm
conhecimento adequado da influência mútua
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
dos fatores psicológicos, econômicos e ambien-
no desenvolvimento e na planificação, com vis-
tais que devem direcionar a tomada de deci-
tas a uma realização mais eficaz de uma trans-
sões, e, portanto, a eficiência dos planos pode
formação mais apropriada.
ficar comprometida. O melhor modo de tratar
De acordo com Ferrara (1999):
das questões urbanas é com a participação de
A participação urbana é o resultado da
atividade de um conjunto de fatores que
revelam a cidade enquanto estrutura de
informação e comunicação. A cidade se
molda no constante fluxo de suas representações enquanto desafios perceptivos
que, se respondidos, levam o morador a
interferir sobre os destinos urbanos transformando-o em cidadão na defesa de interesses coletivos. (p. 80)
todos os cidadãos interessados.
Segundo Clark (1985),
[...] a imagem que o indivíduo tem da cidade determina se ela é amada ou odiada, e onde dentro dela, ou se em alguma
outra parte, ele escolherá para morar,
comprar, trabalhar e passear. (p. 37)
O estudo prévio das percepções ambientais da comunidade com a qual se pretende
Em relação ao planejamento, é relevante
trabalhar pode indicar características do grupo,
considerar que as profundas transformações da
levando os planejadores ao seu conhecimento
vida urbana obrigam a mudanças na estrutura
e ao desenvolvimento de programas definidos
de governo e gestão local, à reorganização da
de acordo com a identidade local, seus valores,
vida comunitária, ao incremento da participa-
sua forma de enxergar, interpretar e se relacio-
ção coletiva na construção da cidade, a novas
nar com o meio ambiente. Desta forma, será
formas de cidadania e convivência e a uma ad-
possível promover a participação de todos num
ministração pública eficaz e eficiente, que esta-
processo de decisão sobre a realidade.
beleça novas formas de relação e comunicação
As análises sobre a percepção do am-
com o cidadão.
biente resultam em informações mais confiá-
Esses novos formatos para o planejamen-
veis e legítimas para proposições futuras em
to e a gestão urbana têm seu marco no Brasil,
relação à melhoria da qualidade ambiental.
como a Constituição de 1988, que promoveu
O conhecimento de como as pessoas agem e
a abertura para o planejamento e orçamentos
por que agem desta forma, associado ao le-
participativos, entre outras experiências. Atra-
vantamento da organização comunitária, das
vés desses processos, avanços importantes têm
redes de influências e da intensidade e forma
sido conseguidos com formas mais democráti-
de participação da comunidade, das suas orga-
cas de gestão.
nizações, permitem orientar e direcionar o agir
A reestruturação econômica e as novas
no espaço para promover a participação e a
relações socioespaciais, locais e interescalares
corresponsabilidade de todos os envolvidos nas
em um contexto de fluxos cada vez mais globa-
questões urbanas.
lizados, sugerem que as articulações entre mu-
As pesquisas concernentes à percepção
danças sociopolíticas e o planejamento urbano
ambiental nas relações entre o homem e a
têm se tornado mais difíceis, mas imprescindí-
biosfera podem encorajar a participação local
veis e necessárias. Portanto, o planejamento,
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enquanto teoria e prática socioespacial e in-
daquilo que é idealizado pelos próprios bene-
corporada à gestão da coisa pública e coletiva,
ficiários e interessados.
tem encontrado espaços para (re)afirmar seu
Segundo Souza (2003),
papel norteador de avanços na participação e
organização da sociedade civil junto às práxis
de planejamento e gestão pública no nível
urbano.
Nesse sentido, entende-se que a experiência dos conselhos municipais funciona como um instrumento importante para garantir o
envolvimento da sociedade nas ações que vão
alterar a paisagem da cidade. Ao mesmo tempo, garantem uma gestão urbana democrática
e trazem para o nível de decisão do planejamento os diversos interesses da comunidade
pelo espaço da cidade.
O planejamento urbano tem como objeto
de intervenção a cidade, que deve ser entendida como um produto de processos espaciais
e que refletem a interação entre várias escalas
geográficas. A cidade, portanto, não deve ser
vista como uma massa passivamente modelável ou como um objeto controlável pelo Estado,
mas como um fenômeno complexo, imprevisível, fruto de interesses diversos e construída
por planejadores que representam o poder público e a sociedade civil.
O planejamento deve tratar de formular
políticas e elaborar estratégias de mudanças
ambientais e sociais, a partir de congregação
de vários conhecimentos e profissionais de
diferentes campos. Deve, ainda, considerar a
participação de atores sociais que estão fora da
instituição Estado para que as decisões sobre
o futuro das cidades possam se aproximar
500
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[...] o planejamento e a gestão urbanos
não precisam (nem devem) ser praticados
apenas pelo aparelho do Estado. ONGs e
outras organizações da sociedade civil
precisam se instrumentalizar e intervir
mais propositivamente (...) em planos
diretores alternativos até experiências
de gestão de cooperativas habitacionais.
(p. 86)
A ação de planejar deve sempre contemplar, igualmente, a espacialidade e as relações
sociais nas cidades, considerando que estes são
permeados por um conjunto de relações em
que a existência de conflitos de interesses e de
dominantes e dominados é um fator sempre
presente. Além disso, ao empregar determinado
modelo de planejamento urbano, é necessário
realizar uma reflexão teórica sobre a sociedade, a cidade e, especificamente, sobre o que se
considera como mudança social.
Segundo Santos Júnior, Ribeiro e Azevedo (1995),
[...] a construção do urbano como tema
e objeto de conhecimento e de ação confunde-se com o período no qual a questão
social é reelaborada em problemas urbanos. Esse processo histórico está no veio
da ideia do planejamento urbano como
conjunto de técnicas capaz de intervir na
cidade, para transformar a sociedade e,
consequentemente, a população e o seu
modo de vida. (p. 22)
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
O planejamento da cidade
e os conselhos municipais
de Belo Horizonte
Quanto ao perfil sociodemográfico dos
conselheiros de Belo Horizonte, os questionários revelam que a maioria dos conselheiros
pertencem ao sexo feminino (53%), tem idade
entre 41 e 60 anos (59%), trabalha (73%), é
casada (54,9%) e pertence à religião católica
Perfil sociodemográfico
dos conselheiros municipais
e sua distribuição espacial
(64,8%); 55,7% dos conselheiros se autodefinem como brancos.
A escolaridade e a renda dos conselheiros revelam um padrão social alto daqueles
O município de Belo Horizonte conta com 18
que participam das decisões públicas da cida-
conselhos em funcionamento na capital e em-
de, ou seja, 54,9% dos conselheiros possuem
bora todos eles fizessem parte do universo
3º grau, sendo que 28,7% desses já possuem
inicial de análise, apenas os conselhos munici-
pós-graduação e 45,9% recebem mais de oi-
pais abaixo participaram da pesquisa, através
to salários mínimos de renda total (maior que
dos questionários e a disponibilização das atas
2.000,00).1
de reuniões: Comissão Municipal de Emprego,
Analisando a situação de escolaridade
Conselho Municipal de Assistência Social, Con-
dos conselheiros no espaço da cidade, é pos-
selho Municipal da Cidade, Conselho Municipal
sível perceber:
dos Direitos da Criança e do Adolescente, Con-
a) os conselheiros que possuem ensino supe-
selho Municipal de Educação, Conselho Munici-
rior e pós-graduação ocupam áreas centrais da
pal de Habitação, Conselho Municipal do Idoso,
cidade (centro sul) e bairros mais homogêneos
Conselho Municipal do Meio Ambiente, Conse-
(residenciais e subcentros2 especializados);
b) pode-se encontrar conselheiros com nível
lho Municipal do Patrimônio Cultural, Conselho
Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência,
superior em áreas periféricas da cidade;
c) os conselheiros com primeiro grau são,
Conselho Municipal de Política Urbana e Conselho Municipal de Saúde.
Percebe-se que, no espaço da cidade,
majoritariamente, originários de áreas periféricas de Belo Horizonte;
a sede dos conselhos municipais das diversas
d) conselheiros com segundo grau têm uma
políticas públicas estão concentrados no hiper-
distribuição mais homogênea no espaço da
centro de Belo Horizonte ou bairros próximos.
cidade.
Essa localização pode ser explicada pela opção
Destacamos outros dados interessantes
do poder público em instalar as sedes em locais
como os 17% dos conselheiros participando
de fácil acesso para os conselheiros que se des-
desses instrumentos democráticos e que pos-
locam dos diversos bairros, e devido à prefei-
suem apenas o 1º grau e a presença de 1 con-
tura disponibilizar a infraestrutura de suporte
selheiro sem instrução; 15,6% de conselheiros
aos conselhos dentro de suas secretarias muni-
são aposentados e 10% não trabalham. Alguns
cipais, que já possuem capacidade instalada.
conselheiros não possuem nenhuma renda
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Mônica Abranches
(6%) ou recebem apenas 1 salário mínimo ou
sociedade para a representação nos conselhos.
menos (9%) e 39,3% afirmam serem negros
Essa configuração pode representar um perfil
ou pardos, com destaque para a presença de
de conselheiros mais preparado para as ativi-
2 conselheiros que afirmam ser indígenas. São
dades dos conselhos, considerando seu maior
números importantes que revelam a presença
acesso à informação (anos de estudo) ou pode
ativa de grupos sociais que vêm lutando pela
apresentar um problema na representativida-
inclusão social de seus representantes e pe-
de social, pois os conselheiros com esse perfil
la conquista de suas reivindicações históricas,
de instrução e renda podem não expressar as
sociais e políticas e o direito ao espaço da
demandas dos segmentos mais populares da
cidade.
cidade.
Em relação à renda e ocupação e sua dis-
Observando a distribuição espacial dessa situação de renda e escolaridade, conclui-se
tribuição nos espaços da cidade, temos:
a) os conselheiros que possuem renda mensal superior a 9 salários mínimos (maior que
R$2.300,00) estão concentrados nas áreas próximas ao centro e bairros mais homogêneos
(residenciais e subcentros especializados);
b) conselheiros sem renda ou que recebem
até 1 salário mínimo estão presentes nos espaços mais periféricos da cidade e bairros
mais vulneráveis das regionais leste e norte da
cidade;
c) conselheiros que se encontram em uma
posição mais intermediária (com salários entre
260,00 e 1.300,00) se dispersam pelo espaço,
apreendendo todas as regiões;
d) os conselheiros que não trabalham ou
estão aposentados têm sua origem predominante em bairros mais periféricos, com exceção
de 3 conselheiros que moram em bairros bem
centrais;
que os conselheiros que representam a maioria
nos conselhos são aqueles que têm uma boa
posição em todas as categorias e estão distribuídos nos melhores bairros da cidade (centro
e adjacências). Isso pode significar que demandas diretas dos lugares mais vulneráveis têm
uma menor representatividade nos conselhos
municipais.
Quanto à trajetória política dos conselheiros municipais dos diversos conselhos setoriais, temos que 59,8% são sindicalizados e o
mesmo percentual está filiado a outros órgãos
comunitários como associações de bairro, clubes, grêmios, entre outros. Ainda, 40,2% desses estão filiados a partidos políticos, sendo
que a maioria pertence a partidos de esquerda.
Esses dados não deixam dúvidas sobre o alto
grau de participação cívica dos conselheiros.
Quanto ao desempenho dos conselhos,
53,3% dos conselheiros consideram que o nú-
e) os conselheiros que trabalham são maio-
mero de deliberações dos mesmos é médio e
ria numérica e estão dispersos no espaço da ci-
36,1% afirmam que as decisões do conselho
dade por todas as regionais, com uma concen-
também têm média influência nas decisões da
tração nos bairros centrais e adjacências.
secretaria municipal, contra 25,4% que acham
Os dados de escolaridade, renda e
que as suas decisões têm pouca influência no
ocupação dos conselheiros confirmam uma
poder público. O compromisso do governo
presença majoritária de estratos médios da
municipal com os conselhos foi avaliado como
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
médio por 39,3% dos conselheiros e como
mesma pode contar com a “irradiação” de suas
pouco ou nenhum compromisso por 24,6%.
ideias com maior facilidade para o coletivo da
Isso pode significar que essa arena de
cidade. O mesmo acontece quando mapeamos
decisão colegiada está se fortalecendo e tendo
os conselheiros que avaliam positivamente a
o devido reconhecimento do poder público no
gestão da prefeitura.
que se refere a sua importância como espaço
Em relação à caracterização e funcio-
de discussão de interesses políticos diferencia-
namento dos Conselhos Municipais de Belo
dos e como um instrumento de contribuição ao
Horizonte, 33,6% dos conselheiros apontam
planejamento da cidade e de democratização
como 1ª alternativa de dificuldade do funcio-
das políticas públicas, considerando que, ainda,
namento dos conselhos a falta de capacita-
no somatório das impressões positivas, mais de
ção de seus membros e como 2ª alternativa,
60% dos conselheiros apontam como efetiva a
13,1% afirmam que a ausência de diálogo e
influência das decisões dos conselhos nas se-
negociação com representantes da prefeitura
cretarias municipais.
dificulta a atuação mais efetiva dos conse-
A relação entre conselhos e poder pú-
lhos. Os dados revelam claramente a necessi-
blico, no que se refere à posição política dos
dade de uma política de capacitação de con-
conselheiros em relação ao governo municipal
selheiros para que estes possam exercer sua
atual aponta que 52,5% dos conselheiros afir-
função de forma clara e segura. Percebe-se
mam que apóiam o mesmo, 29,5% têm uma
que, mesmo que o perfil de escolaridade dos
posição de independência e 9% fazem oposi-
conselheiros seja alto, a demanda por uma
ção à prefeitura.
capacitação específica é muito presente. Cha-
A espacialização dos dados sobre as re-
ma a atenção também o resultado que aponta
lações dos conselhos com o governo municipal
como uma dificuldade o não cumprimento das
permite compreender que há uma distribui-
resoluções dos conselhos pela Prefeitura, que
ção bastante homogênea de conselheiros que
aparece com 18% na primeira alternativa e
apóiam a prefeitura, o que pode indicar que a
com 9% na segunda.
Tabela 1 – Principais dificuldades no funcionamento dos conselhos
Dificuldades
1ª alternativa – % 2ª alternativa – %
Ausência de diálogo e negociação com representantes da Prefeitura
7,4
8,2
Ausência de diálogo e negociação entre os membros do Conselho
3,3
13,1
33,6
11,5
1,6
8,2
Falta de representatividade dos Conselhos
13,1
4,9
Não cumprimento das decisaões do conselho pela Prefeitura
18,9
9,0
Nenhum (resposta única)
12,3
37,7
9,8
7,4
100,0
100,0
Falta de capacitação dos membros do Conselho
Falta de informação dos Conselhos
Outros
Total
Fonte: Observatório das Metrópoles – PUC Minas, 2004.
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Como resultado positivo do funcionamen-
Em relação às condições de funciona-
to dos conselhos municipais em Belo Horizonte,
mento dos conselhos municipais, 30,3% dos
seus membros destacam como 1ª alternativa,
conselheiros consideram boa a infraestrutura
que os conselhos otimizam a democratização
disponível para o seu funcionamento, 34,4%
das informações e decisões relativas à políti-
as consideram médias e 18,9% fracas. Esses
ca municipal (34,4%), e como 2ª alternativa o
dados representam uma opinião dividida dos
mesmo percentual (34,4%) afirma que a pre-
conselheiros sobre o apoio das prefeituras para
sença dos conselhos aumenta o diálogo entre
a disponibilização de recursos básicos para a
os governos e a sociedade. Esse dado repre-
organização e o funcionamento desses instru-
senta uma percepção madura dos conselheiros
mentos. Isso indica que pode haver uma grande
sobre a função básica dos conselhos munici-
desigualdade de apoio do poder público entre
pais, de democratizar as políticas públicas do
os conselhos das diversas políticas. Os conse-
município garantindo a participação popular
lhos municipais de Saúde, da Cidade e de Polí-
nas decisões de caráter público. Essa percepção
tica Urbana foram os mais citados com boas e
fortalece esses instrumentos colegiados na me-
ótimas condições de funcionamento.
dida em que os conselheiros avaliam como po-
Vale ressaltar que o suporte dispensado
sitivo e produtivo o exercício do poder político
pelo poder público aos conselhos (sede, material
pelo bem comum e podem elaborar um novo
de consumo, equipamentos, transporte, etc.) é
regime de ação pública baseada na governança
de fundamental importância para garantir o fun-
democrática.
cionamento dos conselhos, considerando que:
Tabela 2 – Principais resultados no funcionamento dos Conselhos
1ª alternativa
%
2ª alternativa
%
Aumento da representatividade das instituições nas decisões do governo
4,1
1,6
Capacitação das entidades da sociedade para participarem das decisões locais
7,4
14,8
Capacitação dos membros do Conselho
4,9
34,4
Controle social (fiscalização) sobre as decisões da Prefeitura
19,7
8,2
Democratização das informações e decisões relativas à política municipal
34,4
8,2
Melhoria da qualidade de vida do município
23,8
13,9
Nenhum (resposta única)
4,1
6,6
Outros
1,6
9,8
Dificuldades
Total
100,0
Fonte: Observatório das Metrópoles – PUC Minas, 2004.
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
a) vários conselheiros precisam de vales-
Quanto à decisão de instalar os conse-
transporte para se locomoverem até os locais
lhos, 32,8% afirmam que a pressão da socieda-
de reunião, principalmente aqueles que moram
de foi responsável por sua implementação, 23%
em bairros de periferia;
dizem que a exigência legal do governo federal
b) o uso do correio, do telefone e do e-
para liberação de recursos para o município foi
mail é uma estratégia que pode garantir que
fator de decisão para implantar os conselhos, e
o quórum para as reuniões seja alcançado a
22,1% apontam o próprio interesse do prefei-
cada mês;
to ou dos secretários municipais como agente
c) é necessário garantir um sistema oficial
de instalação dos conselhos. Em Belo Horizon-
de registro das reuniões (atas, relatórios, pare-
te, não podemos desprezar uma porcentagem
ceres, lista de frequência), principalmente nos
considerável de conselheiros que confirmam a
conselhos deliberativos;
existência da força de pressão da sociedade.
d) os conselheiros precisam se preparar para
Isso pode significar para a cidade a concretiza-
as discussões e para isso é fundamental garan-
ção de um novo caminho construído em quatro
tir o acesso e a socialização das discussões e
décadas de governo democrático, incentivando
do material a ser discutido nas reuniões dos
os instrumentos participativos e de uma organi-
conselhos ou em suas câmaras setoriais ou
zação política da sociedade mais amadurecida
técnicas, através de xerox de leis, resoluções,
e consciente de que precisa ocupar os espaços
textos teóricos, etc.;
de decisão pública junto ao Estado.
e) para garantir toda essa infraestrutura é
Para 36,1% dos conselheiros represen-
necessária uma equipe mínima de trabalho
tantes da sociedade civil, suas entidades foram
para dar suporte aos conselhos (secretaria
escolhidas para participar dos conselhos atra-
executiva).
vés de formas democráticas de eleição, como
Sobre o equilíbrio de forças no interior
as conferências municipais. Outros 30,3% afir-
dos conselhos, 49,2% dizem que há equilíbrio
mam que a nomeação de suas entidades já es-
entre prefeitura, interesses privados e socie-
tava determinada pela lei de criação do conse-
dade, contra 30,3% que não concordam com
lho municipal e 16,4% alegam que a escolha
essa afirmação. A representatividade das en-
passou pela intervenção direta do poder públi-
tidades nos conselhos também foi avaliada
co. Esse último dado refere-se exclusivamente
positivamente, pois 57,4% dos conselheiros
à escolha das entidades governamentais. Nessa
consideram que as entidades que, atualmen-
mesma linha, 43,5% dos conselheiros afirmam
te, participam desses instrumentos de decisão
que estão participando dos conselhos e foram
coletiva, têm representado razoavelmente os
indicados por suas entidades através de pro-
setores existentes na cidade. Esse dado pode
cessos democráticos de escolha (assembleias e
indicar uma atuação efetiva dos representantes
conferências).
dos diversos segmentos, pois se existe a per-
Aos conselhos municipais cabe a função
cepção de que a representatividade é positiva
de controle social das políticas públicas, o que
isso é resultado de uma participação ativa dos
exige dos conselheiros uma atenção na fiscali-
indivíduos.
zação da prefeitura, das entidades envolvidas
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com cada política e o monitoramento da exe-
menor rotatividade de pessoas nos conselhos e
cução de suas próprias deliberações para o
à interlocução entre as discussões dos conse-
município. Nesse sentido, 59% dos conselhei-
lhos de diversas políticas setoriais.
ros dizem que estão fiscalizando a execução de
suas decisões e 63,9% afirmam que os resultados de suas discussões estão sendo socializados com o coletivo da sociedade. Essa con-
Percepção dos conselheiros sobre
a cidade de Belo Horizonte
dição pode apontar a capacidade dos conselhos em influenciar nas decisões públicas e de
A percepção dos habitantes sobre o espaço da
produzir impactos nas diversas políticas sociais
cidade pode otimizar diversos projetos de pla-
da cidade. Por outro lado, a pesquisa também
nejamento urbano, na medida em que o nível
apontou que os conselhos estão pouco estru-
de satisfação do usuário com o espaço da cida-
turados para a tarefa de monitoramento das
de e com seus serviços é um ponto fundamen-
políticas públicas considerando a utilização de
tal para o sucesso do empreendimento. A forma
mecanismos restritos para a fiscalização das
como a cidade é “desenhada” por indivíduos e
políticas públicas (publicação no Diário Oficial
coletividades oportuniza a reação e a resposta
do Município-DOM, solicitação de prestação
de contas aos secretários municipais). A divulgação de resultados e discussões para a sociedade também está restrita as publicações no
Diário Oficial do Município, mas é possível verificar a preocupação dos conselheiros com as
duas ações fundamentais dos conselhos.
Nos conselhos abordados na pesquisa
temos que 68% representam a sociedade civil,
27% representam o governo municipal e 4,1%
não quiseram declarar a sua representação, e
ainda, 49,2% dos conselheiros que participam
de mais de um conselho municipal. Essa participação em 2 conselhos ou mais representa
uma realidade constante na demanda dos conselhos em toda Região Metropolitana de BH e
é visto por vários pesquisadores como um comportamento negativo que pode inibir a participação de outras entidades que garantiriam a
presença de novos interesses e ideias sobre as
políticas públicas. De outra forma, pode ser
interpretada como uma prática positiva que
garante a continuidade dos trabalhos devido à
de cada indivíduo e é fruto de sua satisfação
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psicológica com o ambiente.
No caso específico deste trabalho, a percepção dos conselheiros sobre a cidade onde
residem, trabalham e descansam tem uma
importância ainda maior, considerando que os
mesmos também assumem a responsabilidade
de decidir sobre os projetos futuros da cidade e
os serviços e equipamentos que irão atender à
população nos seus mais diversos anseios.
Considerando que cada habitante tem
uma visão parcial do meio ambiente em que
vive e que a rigor, a cidade objetiva não existe
para os indivíduos, nos conselhos essa perspectiva também está presente, pois cada conselheiro traz para a arena de decisão os seus
conhecimentos prévios sobre o espaço urbano,
ou seja, a sua percepção da cidade, que também está condicionada ao lugar onde ele vive,
aos espaços por onde transita, a sua educação
e seu nível cultural , entre outros.
Nesse sentido, para compreender as forças políticas e sociais que movem a dinâmica
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Planejamento urbano em Belo Horizonte
dos conselhos é necessário compreender como
moradia dos 55,7% de conselheiros que pos-
os conselheiros se envolvem com os espaços
suem um sentimento parcial de segurança no
da cidade. Vale perguntar: as decisões dos con-
bairro e dos 20% que se sentem seguros, pode-
selhos e a priorização de atendimento de certa
mos encontrar áreas que possuem altos índices
região e não outra reflete qual visão sobre a
de violência urbana, como é o caso do Taquaril
cidade? A distribuição das resoluções pelo es-
na zona leste, bairros da zona oeste de BH e
paço da cidade reflete as forças de reivindica-
norte. Percebe-se que alguns deles também
ção dos conselheiros pelo favorecimento dos
foram citados pelos 22,1% que não se sentem
lugares onde moram ou que gostam?
seguros, ou seja, o mesmo local foi citado em
Foi importante o levantamento da per-
duas ou três categorias. Isso significa que o
cepção individual dos conselheiros sobre o
sentimento de segurança não se relaciona so-
lugar onde vivem e o sistema de transporte
mente com questões que envolvem violência
que os servem, a avaliação do espaço central
ou tráfico de drogas; significa também, que a
de Belo Horizonte, a indicação dos lugares de
sensação de segurança ou de insegurança é va-
que gostam e de que não gostam na cidade, o
riável de pessoa para pessoa. Verifica-se, ainda,
apontamento dos principais problemas enfren-
que a preocupação com a segurança é um fe-
tados pela população em Belo Horizonte, e a
nômeno que se dispersa por toda a cidade.
avaliação dos mesmos quanto aos melhores e
Sobre os espaços da cidade mais con-
os piores bairros, sendo estes últimos aponta-
templados com as decisões dos conselhos mu-
dos como aqueles que precisam de maior in-
nicipais, verificou-se que esses lugares estão
tervenção do poder público. Também permitiu
dispersos pela cidade, com menor ocorrência
que os conselheiros analisassem os bairros que
na regional norte. Essa dispersão pode ser
foram mais contemplados em suas discussões
resultado dos diversos tipos de políticas abor-
nos conselhos e os locais que ainda precisam
dadas nos conselhos considerando que foram
de uma maior atenção dos mesmos, por nunca
entrevistadas pessoas que decidem sobre dife-
terem sido contemplados ou porque necessi-
rentes assuntos e necessidades sociais.
tam de novas intervenções dos conselhos.
34,4% dos conselheiros admitem a exis-
Nessa perspectiva temos que 59,8% dos
tência de bairros que precisariam ser contem-
conselheiros apontam o bairro onde moram
plados nas discussões de seus conselhos. Es-
como um lugar bom para se viver. Pode-se ve-
ses dados espacializados permitem dizer que
rificar que muitos bairros localizados em áreas
a área central da cidade, a região do Barreiro,
de periferia desorganizada foram indicados co-
Venda Nova e Pampulha são apontados como
mo bom lugar para moradia. Isso significa que,
os lugares que ainda precisam receber maior
apesar das dificuldades de infraestrutura e ou-
atenção dos conselhos, bem como algumas
tros problemas sociais, seus moradores cons-
áreas de periferia desorganizada dispersas pe-
truíram relações afetivas com os lugares.
lo município (vilas, favelas).
Também é visível a influência das rela-
Dos bairros citados como os melhores
ções afetivas com os lugares quando a ques-
para se viver na cidade, temos diversas ca-
tão se refere a segurança pública. Nos locais de
racterizações que justificam a escolha dos
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conselheiros e que podem ser classificadas co-
geológico, acesso difícil, áreas degradadas,
mo: a) Estrutura Física: com boa infraestrutura
sujeira, topografia acidentada, desequilíbrio
urbana, arborizado e com áreas verdes, fácil
ambiental; b) falta de infraestrutura como sa-
acesso, boa topografia, limpeza, lugar/visual
neamento básico, eletrificação e a presença
bonito, pouca poluição; b) Laços afetivos:
de habitações subnormais; c) ausência de ser-
amizades no bairro, boa vizinhança, tempo de
viços básicos como postos de saúde, escolas,
moradia, lugar de referência cultural, e convi-
posto policial, estabelecimentos comerciais e
vência comunitária, c) Serviços Sociais Básicos:
problemas com transporte; d) questões sociais
lugar seguro, boa limpeza urbana, sistema de
graves como a violência, tráfico de drogas,
transporte bom, área comercial satisfatória e
desemprego e ocupação inadequada de algu-
d) outras características como aconchegante,
mas áreas. A espacialização desses problemas
tranquilo, parece cidade do interior, pouco vio-
aponta quase exclusivamente para áreas de
lento, satisfação com o lugar.
periferia desorganizada que convivem com a
No levantamento dessas informações
falta de urbanização e o crescimento de ocupa-
podemos verificar que os conselheiros se re-
ções desordenadas. Exceções são os bairros da
ferem mais aos bairros da regional centro sul
área central citados devido a problemas com
que possuem boa infraestrutura de serviços
violência (assaltos nas ruas, roubo de carros e
e comércio e são mais arborizados e as áreas
casas).
da Pampulha consideradas como local turís-
Perguntados sobre um lugar de Belo
tico com infraestrutura para lazer e áreas de
Horizonte de que gosta, a maioria dos Conse-
conivência coletiva. Bairros na regional Bar-
lheiros elegeu um local específico e em escala
reiro têm a vantagem da função comercial e
micro como uma rua, uma praça, parque, uma
da tranquilidade de “cidade do interior” em
edificação. Alguns indicaram um bairro como
alguns de seus pontos. Os lugares citados na
seu lugar de preferência e então foi possível
região norte e oeste são áreas de periferia,
mapear essas escolhas, que apontam a regio-
mas que primam pela convivência comunitária
nal centro sul como detentora dos lugares mais
e os bairros citados na região leste têm carac-
apreciados pelos conselheiros, principalmente
terística mistas de residenciais e comerciais,
as áreas consideradas como nobres e a conti-
com exceção do Taquaril, que é uma área de
nuação destas até a região da Serra do Curral
periferia com inúmeros problemas sociais, mas
(parque e áreas de preservação). Para os luga-
tem uma história de organização comunitária
res de que gostam os conselheiros valorizaram
bem consolidada.
a perspectiva física desses locais elogiando a
Dentre os bairros apontados como os
mais problemáticos de Belo Horizonte, per-
beleza da paisagem, a limpeza, a arborização
e a boa infraestrutura de comércio e serviços.
cebe-se uma infinidade de justificativas que,
Sobre o lugar da cidade de que não gos-
na sua maioria, remetem a situações geradas
tam, foi possível notar uma sobreposição de
por questões sociais como a pobreza dos lu-
escolhas com o item anterior (lugar de que
gares. São apontados os seguintes proble-
gosta), pois praticamente os mesmos bairros
mas: a) questões de ordem física como risco
da regional centro sul e Barreiro foram citados,
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criando uma ambiguidade nessas áreas em
segurança pública. Os demais bairros dispersos
relação à opinião dos conselheiros. Algumas
pelo município referem-se a áreas de periferia
foram apontadas mais de duas vezes em pers-
organizada e desorganizada: conjuntos habi-
pectivas diferenciadas – negativa e positiva.
tacionais, vilas e favelas. Para estes últimos,
Como exemplo dessa ambiguidade, po-
os conselheiros apontam a necessidade de
demos citar o bairro da Serra, que possui uma
reverter as condições precárias de habitação
área de residências de alto luxo e pontos que
e de vida, a intervenção nos altos índices de
abrigam vilas e grandes favelas, o mesmo
vulnerabilidade social, a falta de saneamento
acontecendo com a região do Buritis e Belve-
e serviços sociais básicos, além do combate à
dere. A Pampulha vive a contradição de ser
criminalidade. Quanto aos principais proble-
atrativo turístico e um polo arquitetônico e, ao
mas enfrentados pelo município de Belo Hori-
mesmo tempo, ser caracterizada como um lu-
zonte, os conselheiros apontaram questões em
gar poluído e fétido e ainda, outros bairros da
todas as políticas públicas, sendo os três mais
região central elogiados pela sua boa infraes-
citados: a violência e a insegurança na cidade,
trutura e condenados pelos índices crescentes
o desemprego e problemas com a estrutura da
de violência. Na classificação dos lugares de-
educação.
preciados da cidade ainda podemos encontrar
O que mais chama a atenção nesse tra-
uma concentração maior de bairros na região
balho é a associação dos problemas apontados
norte e Venda Nova, que são descritos como
pelos conselheiros e dos bairros onde ocorrem
áreas de periferia desorganizada. Aqui, a jus-
e a indicação dos locais para onde as decisões
tificativa dos conselheiros gira em torno dos
dos conselhos são direcionadas. Há uma clara
problemas sociais desses lugares (violência,
incoerência entre a indicação dos conselhei-
drogas, pobreza, transporte ruim), a estética
ros dos bairros que devem ser atendidos com
dos lugares (sujeira, feio, triste) e a falta de in-
determinado investimento público e aqueles
fraestrutura urbana.
que têm problemas emergentes e deveriam ser
Solicitados a apontar os bairros de Belo
atendidos com prioridade.
Horizonte que mais precisam de intervenção
A análise das atas dos conselhos, que
do poder municipal, os conselheiros cobriram
mostram os resultados e as decisões tomadas
todas as nove regionais da cidade com um
pelo coletivo de conselheiros nos mostra que o
número significativo de lugares citados, com
mapeamento das resoluções dos conselhos no
destaque para uma grande concentração de
espaço da cidade é diferente do mapeamento
bairros ao norte e em Venda Nova, que não
dos maiores problemas apontados pelos mes-
apareceram em outros itens espacializados,
mos. Percebe-se que as indicações dos lugares
confirmando essas regiões como as mais vul-
se associam mais aos lugares de moradias dos
neráveis da cidade. Os bairros da regional cen-
conselheiros e dos lugares que mais gostam.
tro-sul também aparecem com grande necessi-
Isso nos faz refletir sobre a existência direta da
dade de intervenção, somados aos bairros da
topofilia que faz com que os conselheiros, mes-
região do Barreiro, que necessitam de investi-
mo no âmbito público e decidindo pelo coleti-
mentos da prefeitura nas áreas de transporte e
vo da sociedade, valorizem e deem preferência
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para os lugares que lhe são afetos ou de convi-
coletivas. Estas se apresentam em um todo hete-
vência rotineira.
rogêneo, no qual os interesses e as expectativas
O mapeamento dos problemas da cidade
em relação à cidade são diferenciados, o que
e dos bairros que precisam de maior interven-
indica o desafio de lidar com projetos políticos
ção, na percepção dos conselheiros, não con-
diversos. Com o advento da municipalização
diz com a espacialização dos bairros atendidos
das políticas públicas em Belo Horizonte, foi
pelas decisões dos conselhos nem com a espa-
possível viabilizar espaços democráticos e ins-
cialização dos bairros que deveriam ser foco de
talar o poder de decisão próximo à comunidade,
discussão dos conselhos no futuro.
permitindo a abertura para a inserção de vários
setores sociais organizados e envolvidos com as
questões públicas, que favorecem ou prejudicam a qualidade de vida urbana.
Considerações finais
Nessa perspectiva, a experiência dos
conselhos municipais no planejamento urbano
A experiência da decisão colegiada traz para
assume a responsabilidade de garantir que es-
o futuro da cidade novos desenhos, conside-
ses instrumentos não sejam uma unidade vol-
rando que não é só o poder público que tem
tada para assuntos políticos de uma minoria,
sob sua responsabilidade as “escolhas” sobre
mas uma instituição de caráter público voltada
as resoluções dos problemas urbanos e o di-
para toda a comunidade. Devem existir para
recionamento dos benefícios para os diversos
criar estratégias de atuação sobre o orçamen-
“lugares” da cidade.
to, os serviços, os programas, a implementa-
Com a inserção da participação popular
na gestão pública, da representatividade de
ção e o controle das diversas políticas que
movem a cidade e seus habitantes.
diferentes segmentos e interesses nos assun-
É nesse sentido que a teoria da percep-
tos urbanos e da responsabilidade pelo bem
ção ambiental foi importante para sustentar a
comum (dimensão coletiva), tem-se uma am-
organização da coleta de dados da pesquisa
pliação do espaço público, entendendo-se este
e para a leitura dos dados sobre a implicação
de duas formas: a) como apropriação física dos
dos conselheiros com as políticas sociais e ur-
lugares da cidade pela população, utilizando
banas e o seu compromisso com o futuro da
os mesmos como equipamentos e locais de
cidade. É importante reconhecer que esses
lazer e serviços, e b) como exercício de cidada-
representantes possuem formas de expressão
nia, na medida em que uma ação política dos
diferentes de acordo com as suas necessidades
indivíduos requer o seu aparecimento nos es-
sociais e políticas, sua formação cultural e do
paços públicos de decisão, onde revelam ativa-
lugar de origem (a comunidade).
mente suas identidades pessoais e singulares,
Através da opinião dos conselheiros so-
que vão, aos poucos, se transformando em um
bre a atuação e o resultado do funcionamento
espírito coletivo.
dos conselhos e sua percepção sobre o espaço
Também se deve atentar para o contexto
da cidade sobre o qual estão decidindo, aliadas
de inter-relação no qual acontecem as decisões
ao perfil sociodemográfico dos representantes
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de órgãos governamentais e da sociedade ci-
Foi possível perceber que os canais de
vil organizada, foi possível avaliar esse novo
abertura para a organização de um planeja-
processo de planejamento realizado de forma
mento participativo em Belo Horizonte estão
colegiada em Belo Horizonte.
consolidados e têm seu marco legal na Lei Or-
A pesquisa permitiu dividir essa análise
em três pontos importantes:
gânica Municipal e no Plano Diretor de Belo
Horizonte, entre outras leis municipais que
a) a concepção de planejamento em Belo
regulamentam e incentivam a participação
Horizonte, sua funcionalidade e espacialização;
social nas políticas públicas. Também requer
b) a percepção da cidade e sua influência no
destaque o fato de que, além funcionamento
planejamento urbano;
dos dezoito conselhos municipais de diver-
c) as forças políticas distribuídas no espa-
sas políticas setoriais, estão em operação os
ço urbano de Belo Horizonte e sua influência
conselhos regionais e a prática do orçamen-
nas decisões públicas que alteram o espaço da
to participativo já instalado há mais de uma
cidade.
década.
No momento atual, o planejamento ur-
Esses instrumentos apontam para uma
bano brasileiro reflete claramente uma ruptura
renovação na contratualidade entre o público
com o planejamento tecnocrático que tinha a
e o privado, que considera o conflito e a ne-
decisão e ação do Estado como a única forma
gociação como ações legítimas da vida políti-
de regular as contradições sociais e políticas do
ca de uma cidade. Resta verificar se o espaço
país. Esse processo é fruto do avanço da capa-
público criado para as decisões coletivas está
cidade de mobilização e ação dos movimentos
sendo ocupado e utilizado de forma ativa pelo
sociais, incluindo as suas demandas sociais nas
governo e, principalmente, pela sociedade civil
decisões de caráter público, e da modernização
organizada.
do próprio Estado que, nas últimas décadas,
A pesquisa permitiu, então, analisar co-
incorporou novas formas de interação com a
mo se dá esse modelo de planejamento partici-
sociedade.
pativo no município, além de apontar algumas
Nessa perspectiva, pode-se analisar o
fragilidades dessa experiência democrática.
planejamento urbano na cidade de Belo Hori-
Entendendo o planejamento urbano co-
zonte, que já avançou no processo de transfor-
mo um processo contínuo e permanente de
mação da legitimação do exercício do poder,
avaliação do espaço da cidade, em sua tota-
permitindo outras formas de representação
lidade, e destinado a resolver, racionalmente,
política e o controle do Estado pela sociedade.
os problemas que influenciam na qualidade
A administração do município caracteri-
de vida de uma sociedade, através de uma
za-se por um projeto democrático popular que
ordenação e previsão de consequências e uti-
estabeleceu, para si, o desafio de minimizar as
lização ótima dos recursos, podemos estabe-
desigualdades sociais da cidade e introduzir a
lecer um olhar de referência para enxergar os
participação popular na gestão pública através
aspectos positivos e negativos que envolvem a
da sociedade civil organizada.
experiência de Belo Horizonte.
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Através da atuação dos conselhos muni-
diretos às necessidades básicas da população.
cipais, em Belo Horizonte, é possível promover
As questões que envolvem a regulação urba-
formas de mesclar as visões diferenciadas trazi-
na e processos de grandes empresas são itens
das por diversas representações sociais, sejam
prioritários nas atas de reuniões. Isso quer dizer
elas locais, regionais, técnicas, empresariais ou
que os conselhos estão priorizando discussões
populares, configurando um espaço político le-
relativas ao setor privado e garantindo resolu-
gítimo de discussão da cidade. Pode-se perceber
ções mais voltadas para a análise de processos
que essa nova contratualidade entre sociedade
pontuais. As atas indicam poucos momentos de
e Estado, representada pelos conselhos, permi-
discussão mais ampla sobre a implementação,
tiu uma maior visibilidade dos problemas da
avaliação e controle social das políticas urba-
cidade nas diversas áreas sociais e estruturais,
nas, ou seja, apesar de extremamente válidas
a partir de ângulos e interesses diferenciados,
as discussões sobre o avanço da utilização do
além de trazer um novo olhar para o espaço da
espaço pelo setor privado, se gasta muito tem-
cidade, considerando que os participantes dos
po com análises de processos particulares em
conselhos representam e “defendem” os dife-
detrimento de questões mais coletivas, que be-
rentes territórios da mesma. Também é relevan-
neficiariam a população como um todo e con-
te apontar que esse modelo de planejamento
solidariam a função social da cidade.
permite uma maior difusão das decisões pelo
Outro ponto importante que compromete
espaço e torna mais democrática a divisão de
o processo de planejamento é a verificação de
recursos e benefícios para as comunidades em
que há uma dificuldade de unificação das dis-
todas as partes do município.
cussões e ações que passam pelos conselhos.
A espacialização das decisões dos con-
Percebe-se que as análises de pontos importan-
selhos e o estudo das atas permitiram verificar
tes sobre a ocupação, utilização dos espaços da
que diferentes aspectos estão sendo abordados
cidade, distribuição da população, entre outros,
na cidade como: meio ambiente, urbanização,
são descoladas de análises que envolvam o de-
habitação, segurança, ocupação, territorializa-
senvolvimento econômico e social da cidade.
ção, utilização dos espaços da cidade, questões
Nesse sentido, o planejamento pode ser parti-
sociais que afetam a distribuição e a circulação
cipativo, mas não é integrado.
da população bem como sua qualidade de vi-
A organização da estrutura urbana pres-
da; e que as deliberações nesse sentido podem
supõe um conjunto de ações reguladoras e in-
alcançar a cidade em seus vários bairros e re-
dutoras da dinâmica de crescimento da cidade,
gionais. Isso quer dizer que a diversidade das
que passa por uma intervenção que atinja um
situações urbanas está sendo considerada e
processo de desenvolvimento urbano susten-
que existe um esforço de inclusão de todas as
tável e que promova, radicalmente, a inclusão
partes da cidade, sejam elas oficiais ou não.
de comunidades historicamente excluídas do
Na prática de participação dos conse-
contexto urbano. Assim, é fundamental o maior
lhos, a análise dos documentos demonstra,
número possível de aspectos que envolvem a
ainda, que as decisões dos conselhos deixam
dinâmica da cidade sejam considerados pelos
a desejar no que se refere aos atendimentos
conselhos em suas discussões.
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O segundo ponto importante, considera-
percepção ambiental gera possibilidades infor-
do na pesquisa, refere-se à influência da per-
macionais que podem criar uma escala de va-
cepção ambiental sobre as decisões dos con-
lores sobre o cotidiano urbano, ou seja, medir
selhos municipais. De acordo com a hipótese
a visibilidade e os significados da cidade para
inicial, é possível verificar que a construção co-
cada conselheiro, produz elementos que estru-
letiva é extremamente afetada pelas análises
turam a percepção urbana que influenciará na
individuais. Isso seria lógico, partindo da plu-
tomada de decisões das diversas políticas pú-
ralidade que existe em um movimento demo-
blicas e que alteram o espaço da cidade.
crático, que envolve diversas ideias em torno
Aqui, dois aspectos importantes são
de uma proposta; mas está se considerando al-
identificados e se confrontam: a imagem indi-
go mais profundo, que passa pela identificação
vidual da cidade desenvolvida pelo indivíduo/
das pessoas com os lugares em que vivem ou
cidadão (que está no conselho) e a imagem co-
trabalham, além de suas diversidades na for-
letiva da mesma (intersubjetiva), adotada pelo
mação política, educacional, cultural e social
indivíduo que exerce o cargo de conselheiro e
que se refletem em suas escolhas.
está sob a influência de outras opiniões e sob
A percepção da imagem da cidade é um
a pressão do senso coletivo nas decisões. Isso
elemento importante para entender as identi-
significa, de um lado, dizer que cada indivíduo
dades pessoais e os significados urbanos, pois
relaciona-se com os lugares de acordo com as
estes delinearão as formas de “compromisso”
identificações sociais e culturais, que ao longo
ou “não compromisso” das pessoas com os lu-
do tempo vão construindo uma imagem urba-
gares. Por isso, elegeu-se como um referencial
na que é valorizada ou desvalorizada pelos in-
para essa pesquisa a introdução da percepção
divíduos e que, futuramente, será decisiva para
ambiental para compreender a dinâmica con-
a sua opinião política. Por outro lado, a cidade,
creta que influencia as decisões dos conselhei-
em tempos atuais, vive o impacto crescente
ros no espaço da cidade.
dos veículos de informação e comunicação,
Portanto, para se estudar a distribuição
que têm criado um imaginário correspondente
das ações dos conselhos municipais no espa-
a um sentido de participação dos indivíduos na
ço da cidade é preciso entender os diferentes
minimização dos problemas urbanos, ou seja, a
ângulos pelos quais os lugares urbanos são
questão da participação tem sido apontada co-
enfocados; é necessário defrontar-se com a
mo forma de viabilizar a qualidade de vida nas
imagem criada e recriada pelo olhar de cada
grandes cidades. Isso entusiasma diretamente
conselheiro e que se altera conforme mudam
as pessoas que estão inseridas em instrumen-
as características individuais e sociais dos su-
tos democráticos de planejamento urbano,
jeitos que a produzem.
pois são elaborados motes que estimulam o
É uma estratégia complexa para captar
compromisso com uma cidade (imagem), cons-
a realidade, pois coloca a questão da análise
truída por um terceiro elemento a serviço de
qualitativa que deve interferir na realidade am-
diversos setores: os veículos de comunicação.
biental cotidiana e que deve modelar um perfil
Nesse contexto, a decisão política dos
urbano para cada indivíduo. Esse olhar sobre a
conselheiros municipais sobre os diversos
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problemas urbanos representa a percepção co-
que o centro deve ser revitalizado devido aos
letiva (intersubjetiva) da imagem urbana e esta
inúmeros problemas relacionados a segurança,
demonstra o poder que organiza a cidade e que
poluição, limpeza, trânsito, etc. e outros afir-
dele se utiliza para reproduzir-se. Essa imagem
mam que ele deve receber mais investimentos
final (mas dinâmica) constrói a hierarquia do
na sua aparência e funcionalidade, pois é en-
sistema urbano em termos políticos e de forças
tendido como um espaço de lazer, de comércio
sociais, e comunica a forma de entender, avaliar
e de referência histórica da cidade.
e valorizar a cidade em determinado momento.
O mesmo ocorre com algumas áreas já
Vale ressaltar que, de acordo com a reali-
classificadas pelos conselheiros como os me-
dade política e representativa de cada conselho
lhores lugares para se viver. Mesmo recebendo
municipal, essa imagem será mais institucio-
boas justificativas para a função de morada,
nalizada quando corresponder à assinatura do
essas áreas também aparecem na indicação
poder público sobre o planejamento urbano, ou
dos conselheiros como espaços que devem
mais democrática quando garantir e considerar
receber outras intervenções do poder público,
as observações e demandas da sociedade civil
apesar de já possuírem boa estrutura física e
através da representação de vários segmentos.
bons serviços sociais básicos.
Alguns conselhos vivem uma situação política
Analisando essa situação, a distribuição
de “imposição” dos interesses do poder público
dos lugares apontados pelos conselheiros co-
sobre os diversos setores sociais participantes.
mo aqueles que mais necessitam de interven-
Temos, então, para a realidade do pla-
ção pública, visualiza-se uma opção inversa,
nejamento urbano de Belo Horizonte, análises
ou seja, os bairros mais vulneráveis da cidade
interessantes quando avaliamos a percepção
(no olhar dos conselheiros) pouco são alvo
da cidade pelos conselheiros municipais e a es-
das resoluções de seus conselhos, que são os
pacialização das decisões finais tomadas pelos
órgãos responsáveis pela discussão e decisão
conselhos municipais.
das diversas políticas públicas que planejam
A distribuição espacial dos conselheiros
o futuro da cidade. Essa análise se fortalece
pela cidade indica uma concentração dos mes-
quando verificamos a caracterização das áreas
mos em bairros centrais e seu entorno. Essa
mais problemáticas da cidade e que, na opinião
distribuição é muito semelhante àquela que
dos conselheiros, estão localizadas na periferia.
apresenta o destino das decisões dos conselhos
A distribuição desses lugares nem sempre cor-
no espaço da cidade e o apontamento daque-
responde às áreas escolhidas pelos conselhos
les lugares que ainda necessitam de mais aten-
para serem alvos de ação pública nas diversas
ção por parte dos conselhos, apesar de já terem
políticas sociais. Os mapas construídos a partir
sido contemplados por decisões de mais de um
das atas dos conselhos municipais de habita-
conselho municipal. A área central é um exem-
ção, política urbana e meio ambiente reforçam
plo e aparece sempre como um lugar de prio-
essa constatação.
ridade para outras intervenções. Isso é reflexo
Essas análises nos indicam duas possibi-
tanto das análises negativas dos conselheiros,
lidades em relação ao destino das discussões
quanto das positivas, ou seja, alguns acham
e resoluções nos conselhos: as decisões estão
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diretamente influenciadas pelas identidades
consequentemente, maior renda, têm exercido
das pessoas com os lugares e por isso a direção
uma grande influência nos conselhos, atrain-
delas corresponde aos locais de morada, traba-
do as decisões para as suas áreas de origem.
lho ou lazer dos conselheiros, ou pode haver
A mesma situação aparece para a distribui-
uma forte influência da política da prefeitura
ção de conselheiros que são sindicalizados,
sobre o “olhar” dos conselheiros, instituciona-
ou seja, grande parte dos conselheiros com
lizando as decisões para áreas prioritariamente
formação superior são profissionais liberais
já definidas pelo poder público.
sindicalizados.
Somam-se a essas observações as aná-
Vale ressaltar que os conselheiros que
lises sobre a percepção dos conselheiros dos
representam os setores governamentais en-
lugares de que mais gostam e de que menos
contram-se distribuídos nessas áreas centrais
gostam na cidade. O apontamento dos locais
e isso pode justificar o número de conselheiros
“ruins” da cidade muitas vezes correspondem
que apóiam a gestão da prefeitura e que a ava-
aos lugares mais vulneráveis da cidade e vários
liam positivamente.
locais escolhidos como “bons” se confundem
Os conselheiros com a trajetória políti-
com os lugares de morada dos conselheiros.
ca de inserção em partidos políticos ou outras
Mais uma vez, é possível avaliar que os senti-
associações estão distribuídos por todo o ter-
mentos em relação aos lugares podem induzir
ritório da cidade, mas com maior número em
as escolhas políticas no espaço da cidade.
bairros periféricos. Nesse sentido, pode-se dizer
O terceiro ponto a ser analisado corres-
que essa característica não tem qualificado as
ponde à distribuição das forças políticas pelo
decisões dos conselhos, pois as áreas de origem
espaço. Isso quer dizer que o perfil sociodemo-
dos conselheiros com maior trajetória política
gráfico dos conselheiros tem grande influência
de participação não têm sido contempladas
nas decisões públicas. Mas, se esse perfil é um
significativamente pela maioria dos conselhos
ponto de interferência importante nas decisões
municipais.
políticas dos conselhos, este, associado ao local
A partir dessas considerações, pode-se
de origem dos conselheiros, também influencia
afirmar a importância da análise da distribui-
na organização dos espaços da cidade e na dis-
ção dos conselheiros municipais, enfocando
tribuição de políticas públicas internamente.
suas tendências políticas e seu capital social,
As áreas mais contempladas pelas de-
pois são fatores que contribuem fortemente
cisões dos conselhos municipais correspon-
nas decisões individuais de cada cidadão. O
dem àquelas onde moram os conselheiros
pertencimento a um grupo político, a partici-
que têm maior escolaridade (nível superior e
pação em movimentos de interesses públicos
pós-graduação) e com maior índice de renda.
ou privados, a inserção em associações comu-
Os espaços periféricos e mais vulneráveis da
nitárias, entre outros, influenciam as reflexões
cidade abrigam os conselheiros que têm menor
dos conselheiros no momento das discussões
renda ou sem renda e que possuem estudos
públicas que vão afetar direta ou indireta-
apenas até o primeiro grau. Pode-se dizer que
mente os vários grupos sociais do municí-
os conselheiros com mais anos de estudo e,
pio. A qualificação política dos conselheiros,
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associada ao alto grau de escolaridade e maior
O trabalho não se encerra aqui, e espera-
renda, empodera suas reivindicações e pode
se que os seus resultados possam contribuir
aproximar as decisões coletivas a favor de seus
e incentivar outros indivíduos para a inserção
interesses.
nas potencialidades da análise espacial.
Mônica Abranches
Assistente Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Educação pela Universidade Paulista de Campinas-São Paulo e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em
Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora
Assistente III da Escola de Serviço Social e Assessora da Pró-Reitoria de Extensão da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Minas Gerais, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) Salários com referência do ano de 2004.
(2) Definimos subcentro como áreas comerciais e de serviços ao longo das vias arteriais nos bairros
e em certas áreas como praças e entroncamentos, o que pode aumentar sua importância como
referência terciária no nível regional. Essa zona pode ser subdividida em: subcentros de grande
porte, áreas de shopping centers e subcentros especializados de saúde, de educação, de transporte, setor moveleiro, de confecção ou industrial.
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 11, n. 22, pp. 495-517, jul/dez 2009
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Entre a institucionalização e a vida
quotidiana: elementos para repensar
o espaço metropolitano de Brasília*
Between institutionalisation and daily life:
some elements to rethink Brasília’s metropolitan space
Igor Catalão
Resumo
Buscando demonstrar que as discussões concernentes às problemáticas metropolitanas devem
obrigatoriamente considerar a diferenciação
existente entre a metrópole como realidade experienciada, como conceito e como definição
político-administrativa, apresento aqui algumas
ideias para reflexão. A partir da análise de Brasília – abordando as formas de articulação regional
e a constituição de seu espaço metropolitano – e
tendo em vista corroborar o entendimento de que
é impossível pensar o espaço sem aceitar seu duplo papel de produto-produtor de relações sociais,
busco explicar que existe uma diferença entre as
regionalizações legal ou academicamente pensadas e o espaço compartilhado pela população que
nele vive a fim de que se possam encontrar medidas eficientes de resolução dos problemas.
Abstract
Aiming to demonstrate that the discussions
c o n c e r nin g m e t r o p o li t a n p r o b l e m s m u s t
necessarily consider the difference that exists
among the metropolis as experienced reality, as a
concept and as political-administrative definition,
I present here some ideas for reflection. Based on
the analysis of Brasília – approaching the forms
of regional articulation and the constitution of its
metropolitan space – and aiming to corroborate
the understanding that it is impossible to think of
space without accepting its double role of productproducer of social relations, I seek to explain that
there is a difference between regionalisation from
both the legal or scholarly viewpoints and the
space shared by the population that live in it. In
doing so, we can find efficient ways of solving
problems.
Palavras-chave: metropolização; espaço metropolitano; gestão metropolitana; mobilidade quotidiana; Brasília.
Keywords: metropolitanisation; metropolitan
space; metropolitan management; daily mobility;
Brasília.
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Igor Catalão
Introdução
todas as especificidades de cada formação
Para começar, partamos de um processo, a
quanto definição político-administrativa. No ca-
metropolização, e de uma forma dele carac-
so brasileiro, tanto aquelas que foram definidas
terística, o espaço metropolitano. Neste arti-
pelo governo federal na década de 1970 – as
go, meu esforço será o de demonstrar que as
primeiras Regiões Metropolitanas – quanto as
discussões que respeitam às problemáticas
que foram criadas pelos governos estaduais a
metropolitanas devem obrigatoriamente con-
partir da Constituição de 1988 – as novas Re-
siderar a seguinte diferenciação, apresentada
giões Metropolitanas –, além das Regiões Inte-
em ordem de importância.
gradas de Desenvolvimento. Essas metrópoles
socioespacial.
(3) Em terceiro lugar, há a metrópole en-
(1) Antes de tudo, a metrópole precisa
surgem, ou deveriam surgir, a partir da com-
ser entendida enquanto realidade prático-sen-
preensão de que primeiramente a metrópole
sível, qual espaço vivido e experienciado quo-
existe enquanto realidade, plena de problemas
tidianamente, composto de formas-conteú-
sociais, a partir da qual se criam mecanismos
do que são resíduos de outros tempos e que
institucionais para a resolução desses proble-
indicam claramente todas as ações práticas
mas, cuja explicação e compreensão, por sua
impetradas na produção do espaço, incluí-
vez, advêm das conceituações e teorizações.
da aí a apropriação, e que revelam todas as
Por essa razão, a metrópole como definição en-
contradições inerentes a essa produção. Esse
tra em terceiro lugar na diferenciação propos-
é o ponto de partida para quaisquer medidas
ta, pois é resultado das duas primeiras e, nesse
políticas e práticas que se pretendam efetivas.
sentido, tampouco coincide com a metrópole
Retornarei a este ponto mais adiante.
como realidade e com a metrópole como con-
(2) Partindo do entendimento supra-
ceito, justamente porque as definições são mais
exposto, em segundo lugar, é necessário en-
rígidas e envolvem critérios mais objetivos. Ain-
tender a metrópole como conceito utilizado
da assim, no caso brasileiro, temos um enorme
para qualificar a realidade e, portanto, para
afastamento do que se define como metrópole
analisá-la, explicá-la e consequentemente
e o que quotidianamente pode ser visto e vivi-
(inten tar) compreendê-la. Em outras pala-
do como tal. Essa é a razão pela qual notamos
vras, é importante reconhecer que para se
uma enorme dificuldade de criar mecanismos
elaborar toda e qualquer conceituação, co-
de gestão e ordenamento territorial metropo-
mo abstração mental que é, deve-se partir
litanos que sejam eficazes, isto é, em geral o
da realidade e a ela retornar num movimento
espaço sobre o qual se age não coincide com o
que busca sempre acompanhar o real, sempre
espaço sobre o qual se deveria agir.
dinâmico e mutante como é. Nesse sentido,
Na geografia e nas outras ciências dedi-
as conceituações e teorizações nunca coinci-
cadas à compreensão espacial da sociedade,
dem plenamente com a realidade no sentido
o esforço, nas últimas décadas, tem sido o de
de que são sempre aproximações do real e
corroborar o entendimento de que é impossível
nunca dão conta de todos os elementos e de
pensar o espaço sem aceitar seu duplo papel
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
de produto-produtor de relações sociais. Assim,
que se possa reconhecer que Brasília conforma
há a premência de inserir esse entendimento a
uma aglomeração com um conjunto de cidades
respeito da dialética socioespacial nas agen-
em seu derredor com características metropoli-
das políticas, tratando de encontrar uma práxis
tanas, não há consenso sobre que cidades são
que dê conta de, senão fazer coincidirem, ao
essas. Essa falta de consenso dificulta a cria-
menos tentar aproximar ao máximo a realida-
ção de um ente de gestão metropolitana efi-
de, o conceito e a definição da metrópole con-
caz e, consequentemente, interfere na maneira
temporânea.
como se administra o espaço metropolitano e
Nessa direção, discutirei um pouco a
respeito das formas de articulação regional no
como isso repercute na vida da população, sobretudo aquela da periferia mais distante.
Brasil, apontando as experiências presentes e
Na década de 1970, foram institucio-
pretéritas no caso da metrópole brasiliense,
nalizadas, pelo governo federal, as primeiras
com o objetivo de demonstrar que existe uma
Regiões Metropolitanas, localizadas em sua
diferença entre as regionalizações legal ou aca-
maioria no Sul e no Sudeste do país, cujos nú-
demicamente pensadas e o espaço comparti-
cleos eram constituídos pelas cidades de São
lhado pela população que nele vive. Em outras
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salva-
palavras, busco esclarecer que as formas de
dor, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Fortaleza
articulação regional precisam levar em conta
e Belém. Elas foram instituídas pela Lei Com-
critérios muito mais próximos do quotidiano vi-
plementar Federal n. 14, de 1973, à exceção do
vido se seu interesse é justamente o de resolver
Rio de Janeiro, cuja região metropolitana ficou
problemas vivenciados por aqueles que vivem
excluída da primeira oficialização, tendo sido
no espaço metropolitano.
incorporada posteriormente pela Lei Complementar Federal n. 20, de 1974 (Reolon, 2007;
Catalão, 2007) (Quadro 1).
Formas de articulação
regional
A criação dessas regiões tinha por objetivo a resolução dos problemas urbanos
partilhados pelas cidades aglomeradas e que
transpassavam a esfera dos municípios, neces-
O reconhecimento de Brasília como metrópo-
sitando uma ação conjunta no planejamento e
le é praticamente um consenso entre os estu-
na gestão dos bens e serviços metropolitanos,
diosos da urbanização brasileira e brasiliense,1
bem como na promoção do desenvolvimento
bem como o fato de que a produção de seu
socioeconômico numa escala regional (Bordo,
espaço não pode ser compreendida sem levar
2005). Entretanto, a gestão dessas regiões
em consideração as cidades goianas contíguas.
nunca foi uma tarefa fácil devido aos embates
Com efeito, Brasília possui uma vasta região
entre as esferas de poder municipal, estadual
de influência direta que se estende desde a
e federal, entre outros fatores, em que um en-
região do nordeste mineiro, passando pela mi-
te de caráter regional se torna um complica-
crorregião goiana do Entorno de Brasília, em
dor. Esse quadro se agravou, sobretudo, com
direção ao norte do país. Entretanto e se bem
a Constituição Federal de 1988, que reforçou
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Igor Catalão
o papel dos municípios e deixou o ente metro-
ao estudo para compreensão e explicação da
politano com menos poder e possibilidades de
realidade, e as vontades políticas, que versam
atuação.
pelam institucionalização de unidades regio-
À época da institucionalização das primeiras regiões metropolitanas, o Brasil iniciava seu período urbano, já que sua população
acabara de inverter-se de predominantemente rural a majoritariamente urbana, com as
primeiras metrópoles oficiais contando pelo
menos um milhão de habitantes, sem considerar seus respectivos espaços metropolizados
(Davidovich, 2003). As metrópoles sudestinas,
nais administrativas, seja para quais fins forem:
[d]e um lado, têm-se conceitos (metropolização, área metropolitana, região metropolitana, aglomeração urbana, questões metropolitanas) e, de outro, apenas
termos constitucionais (unidade regional,
região metropolitana, aglomeração urbana, microrregião, região integrada de
desenvolvimento, funções públicas de interesse comum). (2007, pp. 32-33)
sobretudo, apresentavam uma população cada vez maior, uma industrialização crescente e
Assim, enquanto as primeiras regiões
inúmeras possibilidades de expansão econômi-
metropolitanas foram oficializadas tendo por
ca (Catalão, 2007).
base critérios rígidos e mais coerentes com a
Sobretudo a partir de 1995, foram oficia-
realidade socioespacial de cada metrópole, as
lizadas as novas regiões metropolitanas, além
novas regiões metropolitanas foram definidas
de seus colares e áreas de expansão (Quadro
com base em critérios vagos, muitas vezes
1), já então pelos poderes estaduais, haja vis-
apenas políticos, agrupando cidades cujo con-
ta que, com a Constituição de 1988, tornou-se
teúdo e cuja morfologia e estrutura espaciais
atribuição dos estados federados a sua oficiali-
não dizem respeito obrigatoriamente a uma
zação. Não obstante, é de se notar que houve
realidade metropolitana. É fato que, em muitas
uma modificação no significado que a expres-
das situações, vislumbra-se uma integração ou
são ganhou a partir da institucionalização des-
interdependência entre duas ou mais cidades
sas novas unidades de administração regional.
de forma a se constituírem, porém, muito mais
Região Metropolitana parece se referir agora
em aglomerações urbanas que em regiões me-
muito mais a qualquer simples aglomeração de
tropolitanas. Segundo C. A. Silva (2006), a de-
cidades do que propriamente a um conjunto de
cisão das prefeituras pela inserção ou não de
cidades inserido num processo de metropoliza-
uma cidade em uma determinada região me-
ção. Se bem que possamos admitir que sempre
tropolitana liga-se aos interesses por recursos
tenha havido uma diferenciação entre a metró-
que se podem auferir e não às relações com-
pole como conceito, como realidade espacial
partilhadas num mesmo espaço de vida, como
e como definição político-administrativa, tal
se supõe.
como já apontei, agora tanto mais parece não
No caso da metrópole de Brasília, sua
coincidirem necessariamente os respectivos
especificidade político-administrativa, espacial-
significados aos quais os termos se remetem.
mente inscrita, deixou-a durante muito tempo
Como assevera Reolon (2007), inseridos no
à margem das definições oficiais, embora, des-
choque entre as questões científicas, dedicadas
de a década de 1970, algumas medidas para a
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Quadro 1 – Regiões metropolitanas,
regiões integradas de desenvolvimento, leis e anos de criação
Regiões
Novas Regiões Metropolitanas
Primeiras regiões
metropolitanas
Tipo
Região Metropolitana/Integrada de Desenvolvimento
Cidade-sede
Unidade Nº Lei de
Federativa criação
Ano de
criação
RM de Belém
RM de Belo Horizonte (+ colar metropolitano criado em 2002)
RM de Curitiba
RM de Fortaleza
RM de Porto Alegre
RM de Recife
RM de Salvador
RM de São Paulo
RM de Rio de Janeiro
Belém
Belo Horizonte
Curitiba
Fortaleza
Porto Alegre
Recife
Salvador
São Paulo
Rio de Janeiro
PA
MG
PR
CE
RS
PE
BA
SP
RJ
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 14
LCF 20
1973
1973
1973
1973
1973
1973
1973
1973
1974
RM de Aracaju
RM da Grande Vitória
RM da Baixada Santista
RM de Natal
RM da Grande São Luís
RM de Florianópolis (Núcleo + área de expansão metropolitana)
RM de Londrina
RM de Maceió
RM de Maringá
RM do Norte/Nordeste Catarinense (Núcleo + área de expansão
metropolitana
RM do Vale do Aço (Núcleo + colar metropolitano)
RM do Vale do Itajaí (Núcleo + área de expansão metropolitana)
RM de Goiânia (+ RID de Goiânia criada em 2000)
RM de Campinas
RM Carbonífera (Núcleo + área de expansão metropolitana)
RM da Foz do Rio Itajaí (Núcleo + área de expansão metropolitana)
RM de Tubarão (Núcleo + área de expansão metropolitana)
RM de João Pessoa
RM de Macapá
RM de Manaus
Aracaju
Vitória
Santos
Natal
São Luís
Florianópolis
Londrina
Maceió
Maringá
Joinvile
SE
ES
SP
RN
MA
SC
PR
AL
PR
SC
LCE 25
LCE 58
LCE 815
LCE 152
LCE 38
LCE 162
LCE 81
LCE 18
LCE 83
LCE 162
1995
1995
1996
1997
1998
1998
1998
1998
1998
1998
Ipatinga
Blumenau
Goiânia
Campinas
Criciúma
Itajaí
Tubarão
João Pessoa
Macapá
Manaus
MG
SC
GO
SP
SC
SC
SC
PB
AP
AM
LCE 51
LCE 162
LCE 27
LCE 870
LCE 221
LCE 221
LCE 221
LCE 59
LCE 21
LCE 52
1998
1998
1999
2000
2002
2002
2002
2003
2003
2007
RID do Distrito Federal e Entorno
RID da Grande Teresina
RID do Pólo Petrolina-Juazeiro
Brasília
Teresina
Petrolina
DF/GO/MG
PI/MA
PB/BA
LCF 94
LCF 112
LCF 113
1998
2001
2001
Fonte: Organizado pelo autor a partir das informações do IBGE, de pesquisa nas leis federais e estaduais, e de Catia Silva
(2006).
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Igor Catalão
resolução dos problemas urbanos crescentes e
Região geoeconômica de Brasília
para a promoção do desenvolvimento regional,
mormente focados em sua periferia goiana, tenham sido tomadas. Contudo, nenhuma delas
O Programa Especial da Região Geoeconômica
se mostrou satisfatoriamente efetiva, tanto no
de Brasília – PERGEB – foi criado na metade da
que diz respeito a uma integração da capital
década de 1970, no âmbito do II Plano Nacio-
com seu entorno goiano quanto no que tange
nal de Desenvolvimento – II PND –, tendo em
ao desenvolvimento regional como um todo.
vista a preocupação das autoridades ligadas
Voltei a esse assunto adiante na discussão de
ao governo federal e ao estado de Goiás com
algumas das formas de regionalização.
o acelerado crescimento migratório para a re-
Brasília, embora cientificamente reco-
gião que circunscreve a capital (Peluso, 1983).
nhecida como metrópole desde fins da déca-
O objetivo principal do programa era criar es-
da de 1970, como indicam Barbosa Ferreira
tratégias para promover o desenvolvimento da
(1985) e Paviani (1985a), esteve fora dessa
região sob influência direta de Brasília, visan-
categorização no que tange às decisões po-
do, sobretudo, evitar a ampliação da depen-
líticas até 1998, quando foi criada a Região
dência das cidades contíguas. Além do Distrito
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Fe-
Federal, sua escala de abrangência territorial
deral e Entorno – RIDE. Entretanto, no debate
atingia 88 municípios, tais como Abadiânia,
científico, outras discussões sobre a natureza
Alexânia, Cabeceiras, Corumbá de Goiás, Cris-
de seu espaço metropolitano têm sido impe-
talina, Formosa, Luziânia, Padre Bernardo,
tradas exaustivamente, tanto na Academia
Planaltina, Pirenópolis, em Goiás, e Unaí, em
quanto nos órgãos de pesquisa públicos; tanto
Minas Gerais, entre outros.
é que Steinberger (2003) chama a atenção pa-
No âmbito do PERGEB, a manutenção
ra o fato de que existem pelo menos seis2 de-
do papel de Brasília como centro político-ad-
limitações para a região que circunda Brasília,
ministrativo e cidade planejada era um fato
tendo cada uma delas sido feita de acordo com
marcante nas estratégias de desenvolvimento
objetivos específicos e integrando cidades di-
regional. Em linhas gerais, tratava-se de pro-
ferentes, muito embora o objetivo maior seja a
ver moradias, intraestruturas e empregos na
delimitação de uma região com semelhanças e
Região Geoeconômica ao mesmo tempo em
complementaridades entre as cidades abarca-
que se buscava desafogar os núcleos urbanos
das e, conseguintemente, a criação de um en-
periféricos internos ao quadrilátero do Distrito
te de gestão que dê conta das especificidades
Federal numa tentativa de evitar que Brasília
socioespaciais e que ofereça subsídios à reso-
se metropolizasse, sendo esse processo consi-
lução dos problemas metropolitanos. A seguir,
derado o gerador de conurbações3 e espaços
tomarei parte em algumas dessas discussões,
repletos de inconveniências (Construtora Oci-
buscando apontar as limitações das formas de
dental, [197-]), num momento em que apenas
articulação regional para, finalmente, indicar o
se iniciava o processo de metropolização de
que pode ser uma outra maneira de reconhecer
Brasília pela ocupação periférica do território
e delinear o espaço metropolitano de Brasília.
goiano limítrofe.
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Não é de se questionar a importância que
região em que a capital se insere. Além disso,
tinha a urbanização da capital e a influência
o programa ficou centrado muito mais no dis-
desse processo em uma escala regional desde
curso e na disputa político-partidária do que
a década de 1970, quando o PERGEB se apre-
nas estratégias para atingir os objetivos pro-
sentou, então, como um avanço na resolução
postos, de forma que a contradição entre estes
dos problemas urbanos ampliados para uma
e o orçamento financeiro de que dispunham as
escala regional, não obstante o fato de não se
autoridades para levá-los a cabo acabou por
tratar de uma tentativa de criação de um ente
enfraquecer o programa, que não chegou à dé-
de gestão metropolitana, como as regiões me-
cada de 1980 (Seduma, 2008).
tropolitanas criadas pelo governo federal entre
1973 e 1974. Além disso, o conjunto de municípios abrangidos pelo programa não apresenta-
Aglomerado Urbano de Brasília
va grande interação espacial com a capital, exceto Luziânia e Planaltina que, à época, come-
O Aglomerado Urbano de Brasília – AUB – foi
çavam a ser inseridos no processo de produção
pensado no âmbito de um estudo desenvolvido
do espaço urbano-metropolitano brasiliense.
em seis volumes para avaliar os instrumentos
Para aliviar a dependência já existente entre a
de planejamento e gestão do uso do solo e sua
nascente periferia goiana e Brasília, o núcleo
delimitação teve como base a inexistência de
metropolitano, vislumbrava-se a criação de
uma região metropolitana, tal como constitu-
um polo de implantação industrial na Região
cionalmente se indicou a definição, para Brasí-
Geoeconômica, mormente para atender ao
lia (Gestão do Uso do Solo, 2001), levando-se
município de Luziânia e sua gama de lotea-
em conta o fato de ter ele precedido a criação
mentos e conjuntos habitacionais dispersos na
da RIDE.4 Assim, sua composição foi indicada a
direção da capital. Se, por um lado, o PERGEB
partir do que comumente se denomina Entorno
propunha medidas de desenvolvimento regio-
Imediato, contando com os municípios goianos
nal e valorização socioeconômica da região de
de Água Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás,
influência direta de Brasília – reconhecendo a
Cidade Ocidental, Formosa, Luziânia, Novo Ga-
ampliação da urbanização da capital para uma
ma, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio
escala regional –, porém visando a impedir o
do Descoberto e Valparaíso de Goiás.
advento de um processo de produção metro-
Em relação à especificidade do termo En-
politana, por outro, ele traz em seu bojo a evi-
torno nos estudos sobre Brasília cabe ressaltar
dência do começo deste processo.
um ponto. Dentro do que usualmente se enten-
Segundo Paviani (1996a), a inexistência
de por Entorno, existe uma série de subdivi-sões
de resultados eficazes do PERGEB diz respei-
que varia de acordo com a metodologia de clas-
to à falta de estratégias numa escala regional
sificação das cidades. Em geral, todas as sub-
mais ampla que envolvesse, além do estado de
classificações agrupam as cidades em Entorno
Goiás, os estados de Minas Gerais e de Mato
Imediato – ou próximo, ou metropolitano, ou
Grosso, haja vista os resultados, para o Cen-
de alta polarização – e Entorno Distante – ou
tro-Oeste do país, do incremento migratório na
de média e baixa polarização. Contudo, não há
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Igor Catalão
coincidência entre elas, de sorte que o que se
a explicação do processo de periferização das
denomina Entorno Imediato num estudo, não
cidades goianas e a sua aglutinação pela urba-
corresponde necessariamente à mesma delimi-
nização de Brasília, ainda que coerente e bem
tação territorial em outro.5 Diante disso, embo-
elaborada, deixa uma indeterminação territorial
ra o AUB seja reconhecido como aquele forma-
em relação aos acontecimentos expostos. Se a
do pelas dez cidades do denominado Entorno
opção era tomar por base um estudo oficial pa-
Imediato citadas, não há referência aos critérios
ra evitar uma desnecessária inclusão de tópico
utilizados nessa classificação nem tampouco a
destinado a explicar o porquê da escolha das
6
nove cidades, a não explicitação dos critérios
Não obstante a relevância do estudo, essa im-
e a não especificação territorial dos processos
precisão pode demonstrar uma fragilidade na
deixou a delimitação imprecisa e questionável.
metodologia. Ademais, se não havia unidade
Ademais, a avaliação dos instrumentos de pla-
regional de caráter metropolitano reconhecida
nejamento e gestão do uso do solo – feita ape-
para Brasília à época, um estudo deste porte
nas para o Distrito Federal, é de se notar – so-
poderia corroborar para sua implantação, o que
mente aclarou o fato de que eles não existem
não aconteceu, haja vista que a criação da RI-
em uma escala regional, deixando em aberto
estudos precedentes que a tenham originado.
7
DE, em 1998, ocorreu a despeito dos delinea-
o porquê de se fazer um estudo para avaliar
mentos territoriais do estudo.
tais instrumentos no AUB, em que as demais
Assim, inúmeros questionamentos podem
cidades integrantes ficaram negligenciadas. Em
ser feitos no tocante à escolha das dez cidades,
outras palavras, como se poderiam avaliar os
posto que, no estudo, a delimitação territorial
instrumentos de gestão do uso do solo numa
do AUB visa a resolver a questão da inexistên-
escala regional, sendo que estes instrumentos
cia de uma unidade de gestão metropolitana,
não possuem tal abrangência? Se não existe
tal como a existente para as demais cidades
unidade de gestão metropolitana para Brasília,
estudadas nos outros volumes da publicação,
os instrumentos existentes não poderiam ater-
como São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre.
se senão ao território do Distrito Federal.9
Um exemplo é o porquê de Água Fria de Goiás
ter sido incluída no grupo, haja vista tratar-se
de um município de caráter rural, pouco povoado, distante do núcleo da aglomeração e
Região Integrada de Desenvolvimento
do Distrito Federal e entorno
com pouca representatividade no que tange à
integração espacial com a capital.8 Ademais,
Segundo Caiado (2006), a criação da Região In-
a formação do AUB é analisada tomando por
tegrada de Desenvolvimento do Distrito Fede-
base o crescimento da região circundante a
ral e Entorno – RIDE – foi uma saída encontra-
Brasília como parte do processo de produção
da pelo governo federal para instituir regiões
do espaço metropolitano, muito embora não
metropolitanas que abrangessem mais de uma
haja qualquer posicionamento sobre o papel
unidade federativa, haja vista que a Constitui-
que cumpriu cada cidade do aludido Entorno
ção de 1988 relegou aos estados da Federa-
Imediato nesse processo. Em outras palavras,
ção a função da criação dessas regiões, sendo
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
impossível a um único deles fazê-lo agregando
parte da estrutura territorial que o programa
municípios de um estado vizinho. Além da RI-
deixou, englobando hoje alguns dos seus muni-
DE, outras duas Regiões Integradas de Desen-
cípios e os desdobramentos deles, além de ter
volvimento foram criadas: a que une Teresina,
incorporado outros novos, inclusive no estado
no Piauí, e Timon, no Maranhão, e a que agre-
de Minas Gerais. Ela foi criada como área de
ga Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na
polarização do Distrito Federal para o desen-
Bahia (Quadro 1). Contudo, essas regiões, em-
volvimento socioeconômico conjunto com os
bora reconhecidas como de caráter metropoli-
municípios envolvidos. Embora reconhecida
tano como as demais regiões metropolitanas,
nacionalmente como de caráter metropolitano,
não contam com municípios integrados todos
a RIDE não apresenta integração desse caráter
com esse caráter, tendo obrigatoriamente uma
entre a capital federal e todos os demais mu-
metrópole como núcleo – o que seria de se
nicípios componentes, não obstante significar
esperar para toda região de caráter metropo-
um avanço em termos de política regional para
litano –, tal como acontece também com as
a região circundante a Brasília. Entre os seus
10
Regiões Metropolitanas.
objetivos, constam a redução das desigualda-
Assim, com vistas a coordenar atividades
des regionais, a implantação de linhas de cré-
de cunho administrativo entre a União, os es-
dito para atividades prioritárias, as isenções e
tados de Goiás e de Minas Gerais e o Distrito
os incentivos fiscais, a integração de serviços
Federal, a RIDE foi criada pela Lei Complemen-
públicos, a geração de emprego e a fixação de
tar Federal n. 94, de 19 de fevereiro de 1998,
mão-de-obra, entre outros (conforme Brasil,
e regulamentada pelo Decreto n. 2.710, de 4
1998a, 1998b, 2000).
de agosto de 1998, agrupando o Distrito Fede-
Segundo Caiado (2006), os perfis dos
ral, os municípios goianos de Abadiânia, Água
municípios componentes da RIDE são muito di-
Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Alexânia,
ferentes entre si, com a maioria apresentando
Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho de
uma forte participação no setor primário da
Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa,
economia, enquanto que aqueles mais direta-
Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre
mente ligados ao processo de expansão urba-
Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio
na da capital, denominados pela autora de En-
do Descoberto, Valparaíso de Goiás e Vila Boa e
torno Imediato, possuem estrutura econômica
os municípios mineiros de Unaí e Buritis (Mapa
baseada em atividades de caráter urbano.
1), além daqueles que porventura vierem a se
No que respeita às suas limitações, con-
originar por desmembramento de algum dos
siderando uma escala regional mais abrangen-
municípios citados.11 Para coordenar as ativida-
te, se a RIDE inova por agregar municípios
des da RIDE, foi criado, pelo mesmo decreto, o
muito diversos e territorialmente bastante
Conselho Administrativo da RIDE – COARIDE –
distanciados da capital – podendo trazer al-
como órgão colegiado integrante do Ministério
ternativas para a promoção do desenvolvi-
da Integração Nacional.
mento regional –, numa escala mais restringi-
É importante reconhecer que a RIDE her-
da, aquelas cidades com maior dependência e
dou tanto os princípios do PERGEB quanto boa
socioespacialmente mais integradas a Brasília
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Igor Catalão
Mapa 1 – Região Integrada de Desenvolvimento
do Distrito Federal e entorno – 2008
Água Fria
de Goiás
Mimoso
de Goiás
Vila Boa
Padre Bernardo
Planaltina
Buritis
Formosa
LEGENDA
Cocalzinho
de Goiás
Pirenópolis
Corumbá
Limites municipais
de Goiás
Alexânia
Distrito Federal
Municípios do estado de Goiás
Abadiânia
Municípios do estado de Minas Gerais
Municípios do entorno metropolitano de Brasília
Mancha urbana
Lago Paranoá
1.
2.
3.
4.
5.
Brasília
1
Cabeceiras
4
3
2
Cabeceira
Grande
5
Unaí
Luziânia
Águas Lindas de Goiás
Santo Antônio do Descoberto
Novo Gama
Valparaíso de Goiás
Cidade Ocidental
Cristalina
Fonte: Ministério das Cidades, SIEG/GO – 2000.
Organização: Igor Catalão e Paula Lindo (Unesp Presidente Prudente). 2008.
Nota: Não havia informações disponíveis sobre as manchas urbanas de Vila Boa, Cabeceira Grande, Buritis e Unaí.
não podem auferir muitos benefícios devido
Área metropolitana de Brasília
às incertezas dos âmbitos de ação do poder
público e da dificuldade de união de forças en-
Na Geografia Urbana, Paviani é um dos princi-
tre os níveis de poder envolvidos – municipal,
pais expoentes no estudo da metropolização de
estadual, federal e do Distrito Federal – que,
Brasília, desenvolvendo trabalhos nessa temá-
ao lado de outros agentes cujas decisões in-
tica desde meados da década de 1970, quando
fluenciam diretamente na produção do espaço
o processo de produção do espaço urbano bra-
metropolitano, se tornam excessivos. Em ou-
siliense começou a agregar as cidades goianas
tras palavras, falta à RIDE o reconhecimento
contíguas. Para o autor (1985a), o fenômeno
das especificidades municipais e do maior ní-
da metropolização da capital desenvolveu-
vel de interrelação existente entre as sete ci-
se de acordo com as mesmas características
dades consideradas e a capital. Isso se deve,
observadas em outras metrópoles, como São
quiçá, à falta de um fio condutor na delimita-
Paulo, Porto Alegre ou Recife, muito embora
ção dos critérios de junção das cidades pela
essas características não tenham tido a mesma
negligência de fatores importantes, tais como
importância nem se tenham apresentado todas
a mobilidade quotidiana.
da mesma maneira.
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Em princípio, o critério populacional por
imprescindível a criação da Área Metropolitana
si só não é suficiente para o reconhecimento de
de Brasília – AMB – como uma necessidade de
uma cidade como metrópole, haja vista trata-se
gestão em escala regional, cujo objetivo seria
a metropolização de um processo mais com-
direcionar esforços conjuntos à implantação de
12
plexo e heterogêneo. Não obstante, é difícil
intraestruturas e à geração de empregos nas
aceitar que o crescimento populacional de uma
cidades goianas que lhe seriam anexadas. Na
cidade se dê tout court, ou seja, em desvincula-
proposição de Paviani (1994, 1996a, 2007), a
ção com outros processos que o geram ou que
questão do emprego tem destaque no fortale-
dele decorrem. Isso significa que, por trás do
cimento do papel econômico da AMB, conside-
crescimento da população de uma cidade, em
rando a implantação de um setor industrial e
níveis metropolitanos, há uma série de outros
tecnológico e a dinamização dos setores de
fatores correlacionados, tais como dispersão
serviços, tais como abastecimento, hotelaria e
territorial urbana, especializações funcionais,
entretenimento.
aumento das desigualdades socioespaciais,
Não obstante, o esforço de Paviani
diferença na utilização do espaço e do tempo
(1996a, 2007) para o entendimento de uma
pelos habitantes, alargamento do espaço da
área metropolitana com vistas à resolução dos
vida quotidiana e intensificação da mobilidade
problemas regionais, sobretudo os entrevistos
(Dubresson, 2000).
nas cidades goianas limítrofes, diz respeito ao
No caso de Brasília, Paviani (1985a)
seu comprometimento com proposições volta-
destaca que o crescimento populacional, com
das mais para o questionamento das políticas
a consequente ampliação do tecido urbano –
do que para as definições administrativas, tanto
embora, devo ressaltar, sob formas mais disper-
é que a AMB, por ele proposta, ora é apontada
sas do que aquelas vislumbradas em outras
como coincidente com o AUB (Paviani, 2003),
metrópoles –, foi um fator preponderante em
ora é distinguida como o conjunto metropo-
seu processo de urbanização, não apenas no
litano formado pela capital mais as cidades
tocante ao volume populacional alcançado,
goianas fortemente integradas a ela (Paviani,
mas também no que tange à rapidez desse
2007), ficando na incerteza quais cidades se-
crescimento. Disso e de seu papel de capital
riam essas.
deriva também a complexificação e ampliação
Uma proposição de criação de uma área
das atividades, mormente nos setores terciário
metropolitana para Brasília é apresentada tam-
e terciário superior, ou quaternário, da econo-
bém por Mathieu e Barbosa Ferreira (2006),
mia, sobretudo os campos empresariais, da alta
muito embora a justificativa relativa às cidades
administração federal, dos serviços, do comer-
componentes dessa área siga a mesma impreci-
cio e da construção civil (Paviani, 1996a).
são de Paviani (1994, 1996a, 2007). No estudo,
Na análise da metropolização de Brasí-
são consideradas as cidades goianas perten-
lia, é de se destacar a importância que Paviani
centes ao AUB e novamente Água Fria de Goiás
(1985a, 1996a, 2003, 2007) confere à integra-
parece constar por um motivo aleatório não es-
ção espacial da capital com as cidades goianas
pecificado. Além disso, fala-se, no trabalho, da
que a circundam. Nesse sentido, ele vê como
necessidade de uma governança metropolitana
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Igor Catalão
aliando os governos do Distrito Federal, do es-
análise focada nos deslocamentos e na mobili-
tado de Goiás e dos municípios goianos contí-
dade. Em outras palavras, significa o desenvol-
guos, sem que se apresente a real necessidade
vimento da compressão sobre a aglomeração
disso, pois à riqueza de informações sobre o
brasiliense a partir dos estudos e definições já
Plano Piloto opõe-se a falta de detalhamento
existentes, quer de ordem político-administra-
sobre a periferia goiana. Por exemplo, as auto-
tiva – como o PERGEB ou a RIDE –, quer de
ras referem-se sempre à grande dependência
ordem científica – como o AUB ou a AMB –,
de empregos e serviços no centro metropoli-
enfocando dimensões espaciotemporais menos
tano, o Plano Piloto, por parte do entorno me-
valorizadas ou apresentadas de maneira insufi-
tropolitano, sem apresentar dados dessa região
ciente nos referidos estudos.
que comprovem essa dependência. Os dados
Retomando Steinberger (2003), ao referir-
apresentados dizem respeito apenas à concen-
se à região que circunscreve Brasília, a autora
tração de empregos no Plano Piloto em relação
alerta para o fato de que é necessário especi-
ao Distrito Federal e não às cidades goianas.
ficar sobre que região se está falando. Assim
sendo, este artigo não apenas se volta para a
compreensão da metropolização de Brasília como processo que afeta, sobretudo, a vida quo-
(Re)conhecendo o espaço
metropolitano de Brasília
tidiana da população, mas objetiva reconhecer
o espaço metropolitano a partir dos deslocamentos quotidianos dos habitantes da periferia
A partir do que foi discutido até agora com re-
goiana, por trás dos quais se revelam práticas
lação aos limites das delimitações territoriais
espaciais, ou seja, de sua mobilidade, enten-
regionais envolvendo Brasília e as cidades de
dendo-a como fator de grande importância na
seu entorno, metropolitano ou não, proponho-
dinamização do referido processo, haja vista
me a fazer alguns apontamentos no que con-
que a compreensão das dinâmicas inerentes ao
cerne a uma outra perspectiva de reconheci-
processo de urbanização – e, consequentemen-
mento do espaço metropolitano de Brasília que
te, de metropolização – deve necessariamente
fuja de abstrações ou imprecisões analíticas,
considerar as diferentes formas de mobilida-
mas que se configure numa maneira coerente
de espacial que as afetam (Dupont e Dureau,
de pensar o espaço metropolitano a partir de
1994), elemento desconsiderado nos estudos
uma perspectiva quotidiana. Assim, o reconhe-
e nas definições regionais supraexpostos. Ou
cimento de um espaço metropolitano que difi-
seja, trata-se da demarcação da área da qual
ra, em alguma medida, das delimitações supra-
estou falando e do porquê dessa demarcação,
apresentadas, ou de alguma outra, para o caso
considerando a espacialidade como um aspecto
de Brasília não se pretende inédito a não ser no
inerente à existência humana e como algo que
que diz respeito aos critérios usados para esse
é produzido quotidianamente. Trata-se de um
reconhecimento, que aqui ganham importância
espaço metropolitano que vai se (re)desenhan-
por deslocar o foco da análise para as escalas
do por meio das práticas espaciais da popula-
temporal e espacial do quotidiano, ou seja, uma
ção em seu processo de reprodução da vida.13
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Segundo Dureau et al. (2000), a mobili-
[...] reconhecer a metrópole significa reconhecê-la repetidamente [...] no ir-e-vir de
casa para o trabalho, para a escola, para
o lazer, para a vida social e cultural.
dade espacial é o fator central das dinâmicas
urbanas atualmente, podendo ser compreendida sob diversos aspectos, como a mobilidade
residencial ou quotidiana, e como ponto-chave
nos debates sobre o direito à cidade, à residência ou à mobilidade. Ademais, essa perspectiva
de análise preza pelo reconhecimento dos habitantes como agentes plenos das dinâmicas
de produção do espaço urbano-metropolitano.
Chauvin (2006), ao analisar o processo
de metropolização de uma das cidades da Índia, atenta para o fato de serem as metrópoles
espaços de mobilidade, cujo funcionamento só
pode ser entendido pela compreensão dos deslocamentos de população, tais como os deslocamentos residência-trabalho, que engendram
práticas urbanas diversificadas e cada vez mais
complexas.
Tendo isso em vista, considerando a
impossibilidade de abarcar todos os tipos de
mobilidade espacial e admitindo também que
os deslocamentos quotidianos são um dos
principais critérios de delimitação dos espaços
metropolitanos em nível internacional (IBGE,
2000; Chauvin, 2006), esse tipo de deslocamento foi utilizado no reconhecimento do espaço metropolitano de Brasília, que a seguir
Desse modo, o reconhecimento do espaço metropolitano de Brasília aparece num
duplo processo. Primeiramente, trata-se de
reconhecê-lo tendo em vista a multiplicidade
de delimitações territoriais referentes à região
circundante a Brasília, a partir da ideia de que
existe um espaço metropolitano de Brasília
que, porém, se articula muito mais em função
da mobilidade da população, como vou analisar mais detalhadamente a seguir, do que de
relações tomadas outrora no reconhecimento
dos espaços metropolitanos.
O segundo aspecto do processo, sobre
o qual não vou discorrer neste artigo, diz respeito ao reconhecimento quotidiano do espaço
metropolitano, ou seja, à vivência espacial da
população em seus deslocamentos e em suas
práticas, já que, se a mobilidade é um fator importante a ser considerado na dinamização dos
espaços metropolitanos (Dureau et al., 2000;
Chauvin, 2006), é a reprodução da vida das
pessoas por meio de suas práticas que anima
esse processo.
se apresenta. Trata-se de um reconhecimento
que encontra no espaço vivido a junção das
dimensões do percebido – do espaço em sua
configuração territorial – e do concebido – do
Um espaço reconhecido nos trajetos
quotidianos
espaço imaginado, vislumbrado, apreendido
subjetiva e simbolicamente –, que se realizam
14
plenamente no quotidiano.
O processo de metropolização de uma cidade
pode ser entendido sob dois aspectos. O pri-
Segundo Oliveira (2006, p. 64), é no quo-
meiro diz respeito à produção das condições
tidiano, nas experiências de vivência do espaço
para que uma cidade seja reconhecida como
e do tempo no plano do imediato, que se pode
metrópole, ou seja, o porte territorial e demo-
reconhecer um espaço como metropolitano:
gráfico, e a inserção no sistema mundializado
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Igor Catalão
de cidades (Dureau et al., 2000), no qual estas
Brasília e as cidades circundantes da região, e
apresentam os serviços necessários à reprodu-
demonstrou a predominância de algumas de-
ção do capital (Lencioni, 2006). O segundo as-
las em relação às demais do então denomina-
pecto se refere aos limites até onde se estende
do Entorno.15 Das 56.000 viagens computadas
o espaço metropolitano propriamente dito ou
pela pesquisa em 1990, Luziânia respondia so-
a área de atração do núcleo metropolitano de
zinha por 55% do total, sendo que, na ocasião,
que vou tratar agora.
Cidade Ocidental, Novo Gama e Valparaíso de
Segundo Dureau e Lévy (2007), os es-
Goiás ainda não se haviam emancipado. Pla-
paços metropolitanos podem ser entendidos
naltina e Santo Antônio do Descoberto – neste
como o conjunto de trajetos quotidianos de
contido também Águas Lindas de Goiás que, à
seus habitantes. Reconhecer tais espaços dessa
época, possuía população pequena e tampouco
maneira desloca o plano da análise da abstra-
possuía independência política – compartilha-
ção para o plano da vida, em que a realização
vam 13% e 11% respectivamente. Assim, essas
do ser social se faz espacialmente (Lefebvre,
três cidades contavam juntas 79% do número
2000).
total de viagens, estando entre as causas que
Assim, pois, dadas as variadas maneiras
existentes de reconhecer a aglomeração brasi-
orientavam os deslocamentos o trabalho, com
52% (Seduma, 2008).
liense, incluindo, cada uma delas, um conjunto
Já a partir dos dados dessa pesquisa,
diferente de cidades nos estados de Goiás e
pode-se notar a grande disparidade de mobili-
Minas Gerais, o reconhecimento do espaço me-
dade entre as três cidades supracitadas e as de-
tropolitano de Brasília para fins do estudo do
mais doze da chamada região do Entorno, que
qual se originou este artigo foi feito tendo por
juntas respondiam por 21% dos deslocamen-
base a mobilidade quotidiana da população de
tos. Assim, muito embora Brasília polarize uma
cada uma das cidades do entorno metropolita-
ampla região no Centro-Norte do Brasil, dentre
no em suas práticas espaciais e suas relações
as cidades que atualmente compõem a RIDE –
funcionais com o núcleo.
admitindo-se esta como uma região oficial de
Tomando como base a RIDE, é possível
caráter metropolitano para Brasília –, inegavel-
notar a concentração de fluxos de desloca-
mente não são todas que possuem interação
mento quotidiano em três eixos: sul, onde se
socioespacial com a capital em âmbito metro-
encontram as cidades de Novo Gama, Valpa-
politano, entendendo essa interação como o
raíso de Goiás, Cidade Ocidental e Luziânia;
resultado da mobilidade espacial da população,
oeste/sudoeste, onde se localizam as cidades
especialmente a mobilidade quotidiana. Nesse
de Águas Lindas de Goiás e Santo Antônio do
sentido, seria possível falar de duas zonas dis-
Descoberto; e norte, onde está situada a cidade
tintas na RIDE para agrupar as cidades que a
de Planaltina.
compõem, ambas relacionadas à centralidade
No começo da década de 1990, uma
de Brasília. A primeira seria a zona de atração,
pesquisa realizada pela Companhia de Planeja-
abrigando as sete cidades do entorno metropo-
mento do Distrito Federal – Codeplan – apon-
litano, e a segunda, a zona de influência, con-
tou a intensidade de fluxos quotidianos entre
formada pelas demais cidades (Mapa 1).
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Os dados do Censo Demográfico per-
residiam nas sete cidades que estou deno-
mitem uma melhor apreensão dos deslo-
minando entorno metropolitano, enquanto
camentos quotidianos entre Brasília e as
que as 8.797 pessoas restantes, ou 7,1% ,
demais cidades da RIDE 16 dez anos depois
eram residentes das demais quatorze ci-
da pesquisa realizada pela Codeplan. Em
dades. Esses dados demonstram, assim, a
2000, do total de pessoas dessa região que
grande força de atração de Brasília sobre as
trabalhavam ou estudavam em outra cida-
cidades da RIDE que compõem seu entorno
de, 123.425, ou 91,3%, faziam-no em Bra-
metropolitano, o que resulta numa mobili-
sília (Tabela 1). Destas, 115.878, ou 92,9%,
dade intensa entre periferia e núcleo.
Tabela 1 – Pessoas residentes na RIDE, exceto Brasília,
e no entorno metropolitano que trabalham ou estudam em outra cidade – 2000
Local de residência
Pessoas que trabalham ou estudam
Em outra cidade
Em Brasília
%
Abadiânia
Água Fria de Goiás
Águas Lindas de Goiás
Alexânia
Buritis
Cabeceiras
Cidade Ocidental
Cocalzinho de Goiás
Corumbá de Goiás
Cristalina
Formosa
Luziânia
Mimoso de Goiás
Novo Gama
Padre Bernardo
Pirenópolis
Planaltina
Santo Antônio do Descoberto
Unaí
Valparaíso de Goiás
Vila Boa
Total RIDE*
366
143
28.315
982
321
387
10.364
956
256
940
4.874
19.520
56
19.498
1.863
398
13.469
9.640
1.439
22.619
91
136.497
116
7
27.397
605
196
160
9.617
597
85
664
3.786
16.975
23
18.724
1.705
74
13.092
9.409
744
20.664
35
124.675
31,7
4,9
96,8
61,6
61,1
41,3
92,8
62,4
33,2
70,6
77,7
87,0
41,1
96,0
91,5
18,6
97,2
97,6
51,7
91,4
38,5
91,3
Entorno metropolitano**
Demais cidades da RIDE*
123.425
13.072
115.878
8.797
93,9
67,3
Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000, microdados da amostra.
Nota: *Exceto Cabeceira Grande – **Entorno metropolitano formado pelas cidades de Águas Lindas de Goiás, Cidade
Ocidental, Luziânia, Novo Gama, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás.
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Igor Catalão
Não obstante, os dados do Censo Demo-
Analisando a quantidade de passageiros trans-
gráfico indicam apenas os deslocamentos para
portados, 99% deles foram encontrados nos
trabalho ou estudo. Se considerado o número
trajetos ligando Brasília às sete cidades do en-
de viagens realizadas por transporte coleti-
torno metropolitano (Tabela 2).
vo entre as cidades goianas metropolizadas e
Para uma melhor apreensão do peso que
Brasília, sem discriminação do tipo de ativida-
tem cada cidade nos deslocamentos quotidia-
de que orientou os deslocamentos, os valores
nos entre o entorno e o núcleo metropolitano,
são ainda mais expressivos e mais distanciados
foi elaborado um índice a partir dos dados for-
para o entorno metropolitano em relação a ou-
necidos pela ANTT que relativiza a quantidade
tras cidades da RIDE, segundo demonstram os
de passageiros transportados pela população
dados do Anuário 2001 da Agência Nacional de
municipal de cada município. Assim, de acordo
Transportes Terrestres – ANTT (Tabela 2).
com o índice, Águas Lindas de Goiás é a cidade
Ao se tomar o grupo de cidades do en-
que apresentava mais passageiros transporta-
torno metropolitano mais Formosa e Padre Ber-
dos em relação à sua população em 2000, com
nardo – que, segundo os dados do Censo, foram
um índice de 111,58, seguida de perto pela Ci-
as duas cidades que mais se aproximaram do
dade Ocidental, com 100,22. Santo Antônio do
referido grupo em quantidade de pessoas que
Descoberto e Planaltina são as seguintes, com
se deslocam para Brasília para fins de trabalho
os índices muito próximos de 96,64 e 95,67 res-
ou estudo –, tem-se que, do total de 1.314.568
pectivamente. Luziânia e Valparaíso de Goiás
viagens realizadas para finalidades diversas no
apresentaram índices muito baixos em compa-
ano 2000, apenas 6,1% representavam os tra-
ração às cinco primeiras cidades e abaixo da
jetos entre Brasília e as duas últimas cidades.
média, porém ainda bastante distanciados de
Tabela 2 – Número de viagens e quantidade
de passageiros transportados entre Brasília e as cidades
do entorno metropolitano mais Formosa e Padre Bernardo – 2000
Trajetos
Nº de viagens
%
Transporte de passageiros
Volta
Total
%
Águas Lindas de Goiás - Brasília
231.852
17,64
5.889.037
5.910.085
11.799.122
25,42
Cidade Ocidental - Brasília
133.442
10,15
1.998.092
2.048.452
4.046.544
8,72
Luziânia - Brasília
267.816
20,37
3.848.474
3.782.207
7.630.681
16,44
Novo Gama - Brasília
139.430
10,61
3.457.180
3.291.139
6.748.319
14,54
Planaltina - Brasília
252.877
19,24
3.503.712
3.549.440
7.053.152
15,19
Santo Antônio do Descoberto - Brasília
110.240
8,39
2.471.195
2.544.263
5.015.458
10,80
Valparaíso de Goiás - Brasília
137.297
10,44
1.835.546
1.833.993
3.669.539
7,90
40.150
3,05
228.614
202.511
431.125
0,93
Formosa - Brasília
Padre Bernardo - Brasília
Total
Ida
1.464
3,05
13.824
14.349
28.173
0,06
1.314.568
100,00
23.245.674
23.176.439
46.422.113
100,00
Fonte: Empresas permissionárias e autorizatárias. Anuário ANTT 2001.
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Tabela 3 – População total municipal e quantidade total
de passageiros transportados entre Brasília e as cidades
do entorno metropolitano mais Formosa e Padre Bernardo – 2000
Trajetos
Águas Lindas de Goiás - Brasília
Transporte total de
População*
passageiros*
TPT/Pop***
105.743
11.799.122
111,58
40.378
4.046.544
100,22
141.081
7.630.681
54,09
Novo Gama - Brasília
74.380
6.748.319
90,73
Planaltina - Brasília
73.720
7.053.152
95,67
Santo Antônio do Descoberto - Brasília
51.896
5.015.458
96,64
Valparaíso de Goiás - Brasília
94.857
3.669.539
38,68
Formosa - Brasília
78.650
431.125
5,48
Padre Bernardo - Brasília
21.513
28.173
1,31
682.218
46.422.113
68,05
Cidade Ocidental - Brasília
Luziânia - Brasília
Total
Fonte: *IBGE – censo Demográfico 2000; **Empresas concessionárias, Anuário ANTT 2001.
Nota: *População recenseada em 2000; ***TPT/Pop – Total de população transportada anualmente dividido
pela população total municipal.
Formosa e Padre Bernardo, que aprestaram ín-
maiores índices de deslocamento para Brasília
dices pouco representativos em comparação às
– 56,67% e 50,49% respectivamente –, por
sete demais (Tabela 3).
exemplo, não são as que estão mais próximas
Avaliando esses índices, é possível no-
do centro metropolitano.
tar a preponderância das cidades do entorno
Para as demais cidades da RIDE, alguns
metropolitano em relação às demais da RIDE
casos também contradizem a ideia da dis-
quanto à mobilidade espacial quotidiana da
tância como fator explicativo principal dos
população entre periferia e núcleo. Essa pre-
deslocamentos para Brasília. Padre Bernardo,
ponderância também está ligada à proximi-
por exemplo, apresenta um índice cerca de 4%
dade territorial das sete cidades em relação
superior ao de Formosa, não obstante estar 26
a Brasília, ainda que esse não seja o fator ex-
quilômetros mais distante de Brasília, mesma
plicativo principal, haja vista que há cidades
situação que se observa para Cabeceiras e Pi-
que, estando mais próximas, não possuem
renópolis, Cocalzinho de Goiás e Unaí, etc. Es-
uma população que se desloca com tanta fre-
sa falta de coincidência entre os índices e as
quência para o núcleo metropolitano. Entre as
distâncias têm a ver com as carências intraes-
cidades do entorno metropolitano, Águas Lin-
truturais e de serviços, e com o papel que as
das de Goiás e Novo Gama, que possuem os
cidades desempenham na rede urbana.
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Igor Catalão
limites político-administrativos, englobando
As especificidades do entorno
metropolitano
algumas cidades limítrofes pertencentes ao
estado de Goiás. De fato, não se trata de um
fenômeno recente mas, se consideramos o con-
Brasília faz parte do processo de mudanças es-
texto do processo de produção do espaço ur-
paciais das metrópoles modernas, iniciado há
bano de Brasília iniciado com a construção do
cerca de trinta anos, que trouxe consigo modi-
Plano Piloto em fins da década de 1950, é bem
ficações significativas na condição urbana da
antigo, datando de meados da década de 1970.
sociedade e na maneira como interpretamos
Em 1985, Barbosa Ferreira já apontava esse fe-
essas mudanças, segundo relata Soja (2000).
nômeno em seu pleno desenvolvimento:
Talvez as mudanças mais marcantes digam respeito à exurbanização como processo de crescimento das metrópoles e dispersão do tecido
urbano para uma extensão territorial regional
cada vez mais acentuada. Para Soja (ibid.), essa
região circundante às metrópoles tem deixado
de ser apenas uma zona de transferência de
população via deslocamentos quotidianos para
Brasília hoje não pode ser considerada
apenas como o Plano Piloto de Lúcio
Costa, como era nos anos cinquenta.
Tampouco pode ser apenas a cidade com
seus núcleos periféricos dispersos, dos
anos sessenta. Ela é agora uma metrópole, que envolve além desses espaços
os municípios vizinhos do entorno do DF.
(1985, p. 56)
trabalho – commuting – para ganhar um modo de vida particular, com suas especificidades
Não obstante, se o desenvolvimento de
espaciais, sobretudo, atreladas à generalização
uma região fortemente urbanizada na periferia
do uso do automóvel e às escolhas residenciais,
metropolitana brasiliense é uma marca carac-
como também indicam Dureau e Lévy (2007).
terística da metrópole contemporânea, ou a
Trata-se de formas espaciais resultantes de uma
pós-metrópole a que se refere Soja (2000), o
urbanização difusamente generalizada nas pe-
centro metropolitano ainda se apresenta com
riferias metropolitanas, denominadas por Soja
forte poder de atração e centralização à escala
17
(2000) outer cities. As novas formas espaciais
regional, marcando uma continuidade entre a
das metrópoles contemporâneas marcam o
metrópole e a pós-metrópole, tal como existe
fim das metrópoles modernas como unidades
entre o fordismo e o pós-fordismo, a moderni-
espaciais monocêntricas, fortemente centrali-
dade e a pós-modernidade (ibid.).
zadas no núcleo e densamente ocupadas, e o
Considerando a metrópole de Brasília
início da transição para um espaço pós-metro-
como o conjunto de núcleos urbanos dispersos
politano que, entretanto, contém a metrópole
situados dentro dos limites do quadrilátero do
engendrada em período pretérito.
Distrito Federal e fortemente centralizados no
Em Brasília, o fenômeno do crescimento
Plano Piloto, muito grosseiramente pode-se
das cidades externas é uma característica mar-
aceitar que as cidades do entorno metropoli-
cante do processo de produção de seu espaço
tano brasiliense se constituem basicamente na
metropolitano, apresentando, no Brasil, a espe-
grande periferia goiana da capital. Assim, trata-
cificidade de que este espaço ultrapassa seus
se, nesse caso, de uma delimitação territorial
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
baseada apenas no critério político-administra-
a interligação entre os núcleos urbanos e mais
tivo. Inúmeras outras classificações poderiam
intensos são os fluxos de pessoas, sobretudo os
ser adotadas com base em critérios socioeco-
que se fazem quotidianamente. De fato, essa
nômicos ou na morfologia urbana, porém essa
obviedade existe, embora ela não seja aleató-
simplificação advém do fato de a análise se di-
ria. No contexto do processo de produção do
recionar para os espaços periféricos goianos.
espaço metropolitano de Brasília, a proximi-
Ao qualificar o entorno metropolitano de
dade das sete cidades consideradas foi um
Brasília como sua grande periferia, estou reto-
ponto de extrema relevância para a ocupação
mando o conceito de periferia empregado por
da região. Para o governo do Distrito Federal,
George (1983) em sua análise da aglomeração
estariam resolvidos os problemas de falta de
parisiense, que se forma com Paris como núcleo
moradia da população de baixa renda a partir
metropolitano e sua banlieue, formada pelas
de sua instalação no entorno goiano, sem que
demais cidades que integram a aglomeração.
houvesse falta de mão-de-obra para as diversas
Em outras palavras, a periferia diz respeito a
atividades desenvolvidas em Brasília e sem que
unidades urbanas com elevado grau de incom-
o poder público da capital tivesse de se ocupar
pletude dos serviços urbanos e, portanto, com
das demandas. Não se trata, pois, de uma situa-
grande dependência em relação ao centro (cf.
ção em que uma metrópole cresce até que seu
Miyazaki, 2008).
tecido urbano se torne contínuo ao de outras
Assim, na periferia goiana de Brasília,
cidades próximas – tal como aconteceu com
embora cada cidade tenha suas especificida-
São Paulo e algumas das cidades constitutivas
des e características socioespaciais próprias, de
de seu espaço metropolitano, por exemplo –,
forma geral, trata-se de um conjunto bastante
mas de uma intencionalidade de que o proces-
homogêneo, marcado por elevada dependên-
so de metropolização ocorresse dessa forma,
cia em relação a Brasília, pela precariedade de
isto é, criando cidades a fim de atenderem a
intraestruturas e serviços urbanos, pelo alto
um ou mais propósitos específicos.
índice de desemprego resultante da falta de
Assim, o espaço urbano situado ao redor
postos de trabalho locais e pelo elevado nível
da capital foi produzido por meio de parcela-
do que se tem denominado “violência urbana”.
mentos múltiplos de terras rurais desvaloriza-
Outrossim, ainda que as periferias atualmente
das, então tornadas urbanas, para supostamen-
apresentem novos conteúdos (Monclús, 1999;
te atender às finalidades de moradia das clas-
Sposito, 2004), na situação aqui estudada, per-
ses mais baixas, estando por trás a verdadeira
manece, em larga medida, o antigo significado
finalidade que era utilizar a terra com pouca
do termo, tal como George (1983) o empregou.
serventia para alavancar o mercado imobiliá-
É de se questionar se a proximidade ter-
rio, já que, no Distrito Federal, havia inúmeras
ritorial das sete cidades consideradas em rela-
restrições à ação dos agentes (cf. Peluso, 1983;
ção a Brasília é um ponto relevante para sua
Paviani, 1987).
denominação entorno metropolitano, excluin-
Ora, tendo surgido dessa forma, não
do-se as demais cidades da RIDE, haja vista
é de se estranhar que hoje o entorno metro-
parecer óbvio que, quanto mais perto, maior é
politano de Brasília se caracterize por dois
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Igor Catalão
principais aspectos. O primeiro deles é a forte
moradores de Brasília, muitos negavam, mes-
dependência em relação à capital e o segun-
mo tendo descrito um quotidiano de práticas
do, a oposição baseada sempre na carência, na
espaciais plenamente inseridas na dinâmica da
insuficiência, na precariedade dos serviços, dos
capital. Outros respondiam que sim e que não
equipamentos e das intraestruturas urbanas,
simultaneamente, demonstrando que, embora
em relação à reconhecida qualidade destes no
se reconhecendo como brasilienses pelas suas
Distrito Federal.
práticas espaciais, não se sentiam portadores
Não obstante, outros aspectos merecem
do direito sobre esse reconhecimento.
ser considerados na caracterização do entorno
Finalmente, a distância e os longos
metropolitano de Brasília, sobretudo porque
períodos gastos nos deslocamentos são aspec-
a diferenciação socioespacial é um fenômeno
tos também importantes para caracterizar não
presente em todos os espaços metropolitanos
apenas o entorno metropolitano, mas a própria
que, segundo Soja (2000), são como mosaicos
metrópole de Brasília, haja vista ser essa uma
de identidades, práticas e sistemas de reprodu-
realidade vivenciada por todos os brasilienses:
ção de desigualdades.
os que residem em áreas mais centrais têm de
O primeiro aspecto a ser citado diz res-
enfrentar os congestionamentos decorrentes
peito à conquista que representou para os mo-
da excessiva dependência de todo o espaço
radores do entorno metropolitano a obtenção
metropolitano em relação ao seu centro, en-
da casa própria, situação possível apenas em
quanto os que moram nas periferias, conquan-
decorrência dos mais baixos preços praticados
to possam contar com corredores mais desafo-
em toda a região. Muitos deles livraram-se de
gados de tráfego, padecem pelo enfrentamen-
aluguéis caros e de situações de desconforto
to das distâncias, tanto os da periferia situada
na capital, ainda que a realidade espacial atual
dentro dos limites do quadrilátero da capital
conte com a precariedade das infraestruturas e
quanto os da periferia goiana. Como as distân-
dos equipamentos e serviços.
cias e os deslocamentos longos já se banaliza-
Outro aspecto que caracteriza o entorno
ram no quotidiano da capital, o transporte e
metropolitano é a marcante presença do limi-
os altos custos com combustível preponderam
te político-administrativo da capital federal.
nas queixas de alguns moradores. Em outras
Ainda que este limite não seja um entrave ao
palavras, não apenas os incomoda o fato de
desenvolvimento de quaisquer atividades que
morarem longe mas, sobretudo, a necessidade
requeiram deslocamentos para o núcleo ou
de transportes eficientes a preços acessíveis.
para o centro metropolitano, ele é suficiente-
Ainda assim, não é a distância nem são
mente forte para levar ao não reconhecimen-
os transportes o que mais desagrada aos en-
to de muitos como pertencentes à metrópole,
trevistados. Insegurança e falta de equipamen-
muito embora suas vidas gravitem em torno
tos de uso coletivo, sobretudo de lazer, por
da dinâmica socioespacial de Brasília. Quando
exemplo, foram aspectos que estavam entre os
18
inquiridos em entrevistas sobre sentirem-se
538
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mais ressaltados em suas respostas.
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
Considerações finais
administrativo entre o estado de Goiás e o
Distrito Federal e essa constatação, embora
pareça óbvia, tem sido negligenciada e isso
A partir da ótica sob a qual enxergo o proces-
pode ser comprovado pela inexistência de po-
so de metropolização da capital federal, tentei
líticas extraterritoriais, no Distrito Federal, que
mostrar, neste artigo, a falta de coincidência
aliem poderes de outras instâncias de governo
entre o espaço sobre o qual se criam políticas –
para implementar medidas de resolução dos
a RIDE –, os outros espaços pensados com es-
problemas vivenciados na periferia goiana, tais
se objetivo – o AUB, a AMB, o PERGEB, etc. – e
como: (a) a falta de posto de trabalho, escolas
o espaço vivido pela população em seus deslo-
de qualidade e incentivos à implantação de ati-
camentos, para o qual se deveriam direcionar
vidades comerciais e de serviços diversos mais
esforços no sentido de propor medidas eficien-
especializados, o que gera grande dependên-
tes para a resolução dos problemas. Este é, tal-
cia do entorno em relação ao núcleo metropo-
vez, o maior limite e, ao mesmo tempo, a mais
litano; (b) a precariedade nas infraestruturas
importante possibilidade prática e política que
básicas, que causa falta de qualidade de vida
posso apontar aqui.
pela ausência ou precariedade, por exemplo,
Na direção da conscientização política
de rede de abastecimento e saneamento bási-
a respeito da espacialidade intrínseca à exis-
co, pavimentação asfáltica e calçamento, etc.;
tência humana e da necessidade de que as
(c) a falta de segurança pública e o crescente
alterações no ambiente construído aconteçam
aumento do tráfico de drogas e da violência,
levando em conta as práticas espaciais dos
entre outros.
habitantes e as relações quotidianas que têm
Ainda assim, embora exista um limite
lugar no espaço vivido, é necessário buscar-se
oficial entre Brasília e as cidades de seu en-
um caminho para alterar a prática espacial, no
torno metropolitano que as separa em duas
sentido da produção, como uma possibilidade
unidades federativas, o uso e a apropriação
de avanço nas ações de gestão metropolitana
do espaço por parte dos habitantes indicam a
que só serão eficazes se empreendidas na es-
fruição da vida de um lado a outro num movi-
cala do quotidiano.
mento contínuo e esse é o principal ponto a ser
Em termos empíricos, temos que o es-
tomado em consideração no estabelecimento
paço metropolitano de Brasília engloba ter-
de delimitações territoriais para fins políticos e
ritórios separados do ponto de vista político-
de gestão.
Igor Catalão
Geógrafo pela Universidade de Brasília. Mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista. Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista e pela Université d’Avignon et
des Pays de Vaucluse, França. Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Produção do Espaço e Redefinições Regionais” (GAsPERR) e da Unité Mixte de Recherche “Etude des Structures, des Processus
d’Adaptation et des Changements de l’Espace” (UMR ESPACE).
[email protected][email protected]
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Igor Catalão
Notas
(*) Este artigo foi elaborado a partir de minha dissertação de mestrado orientada pela Profa. Dra.
Maria Encarnação Beltrão Sposito, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unesp, São
Paulo, Brasil, e apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
(1) Como está bem demonstrado nas coletâneas organizadas por Paviani (1985b, 1987, 1996b, 1998)
e no estudo Regiões de Influências das Cidades 2007 (IBGE, 2008), entre outros.
(2) Região Geoeconômica de Brasília e Associação dos Municípios Adjacentes a Brasília – AMAB –, da
década de 1970; Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE – elaborado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE –, de 1994; Aglomerado Urbano de Brasília – AUB –, de 1997;
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – RIDE –, de 1998; e a Mesorregião de Águas Emendadas, ainda em gestação.
(3) Acredito que o termo conurbação não tenha sido utilizado, no Memorial Descritivo da Cidade
Ocidental, no sentido original elaborado por Patrick Geddes (1994), que dizia respeito a um processo de agrupamento de cidades em torno de uma cidade principal considerando uma continuidade espacial e não territorial, ou seja, mais em sua acepção popular de unificação da malha
urbana (cf. Sposito, 2004; Miyazaki, 2008).
(4) As demais cidades abarcadas no estudo, como o Rio de Janeiro e São Paulo, tiveram suas análises
voltadas para as respectivas regiões metropolitanas já oficialmente instituídas.
(5) Cf. Gestão do Uso do Solo (2001), SEPLAN (2003), A. Silva (2006), Miragaya (2006) e Caiado
(2006).
(6) Na verdade, há uma referência no texto sobre um estudo realizado em conjunto pela extinta
Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco – e pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Urbano – CNDU – a partir do qual se teria institucionalizado a região e se
teriam criado as Secretarias do Entorno, tanto no Distrito Federal quanto no estado de Goiás,
porém não há detalhamento algum sobre ele para justificar a adoção do referido conjunto de
cidades e a referência não aparece mais do que numa simples passagem do texto e ainda imprecisa (cf. Gestão do Uso do Solo, 2001, pp. 40, 50 e 144).
(7) Antes de os resultados do estudo serem publicados, o que só ocorreu em 2001.
(8) Ver, por exemplo, na Tabela 1, a irrisória participação da população de Água Fria de Goiás nos
deslocamentos quotidianos para Brasília.
(9) Ao que parece, nem para as demais metrópoles estudadas os instrumentos foram analisados em
uma escala regional, atendo-se muito mais aos núcleos metropolitanos.
(10) Notem-se, por exemplo, as Regiões Metropolitanas de Londrina e Maringá, no Paraná, e as antigas Regiões Metropolitanas catarinenses.
(11) Não obstante, o município de Cabeceira Grande, desmembrado do município de Unaí no final
da década de 1990 não tem figurado em documentos oficiais como pertencente à RIDE, como
também destaca Caiado (2006).
(12) Uma discussão mais aprofundada a esse respeito pode ser encontrada em Catalão (2008).
(13) Uma análise mais detalhada sobre a relação entre a produção/apropriação do espaço metropolitano e a reprodução da vida quotidiana pode ser encontrada em Catalão (2008).
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Entre a institucionalização e a vida quotidiana
(14) A esse respeito, conferir Catalão (2008). Sobre as articulações percebido-concebido-vivido, ver
também Lefebvre (2000) e Soja (1996, 2000).
(15) Pesquisa Domiciliar de Transporte. Brasília: Codeplan, outubro de 1990. O Entorno, à época
da pesquisa, abrigava quinze cidades: Abadiânia, Alexânia, Cabeceiras, Cocalzinho, Corumbá de
Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina,
Santo Antônio do Descoberto e Vila Boa, em Goiás, e Unaí, em Minas Gerais.
(16) Cabeceira Grande, MG, embora pertencente à RIDE, não foi aqui considerada, o que não acarreta
prejuízo para a análise por se tratar de um município de caráter rural e com pequena população
à semelhança de Água Fria de Goiás.
(17) “Cidades externas”. Outros temos são utilizados por Soja (2000) para aludir ao fenômeno, tais
como pós-subúrbio, exurbanização e urbanização periférica, entre outros.
(18) Refiro-me, neste trecho, ao conjunto de entrevistas realizadas em uma das cidades do entorno
metropolitano de Brasília em janeiro de 2008 em minha pesquisa de mestrado.
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do Entorno do Distrito Federal, e dá outras providências. Brasília, s/n.
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Igor Catalão
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 10/ago/2009
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Avaliação de novos
projetos urbanos metropolitanos.
Limites do ente federativo municipal
Evaluation of new urban projects in metropolitan
areas. Limits of the federal municipal entity
Eulalia Portela Negrelos
Resumo
Na lacuna da figura da região metropolitana como
entidade federativa brasileira, o marco legal relacionado às políticas públicas urbanas e regionais
oferece limitações a iniciativas municipais de desenho de grandes projetos urbanos que têm uma lógica de realização na articulação supramunicipal.
As avaliações de projetos urbanos – neste artigo,
duas operações urbanas na Região Metropolitana
de São Paulo, nos municípios de São Paulo e Santo André – possibilitam a compreensão dos limites municipais, em termos dos recursos de gestão
disponíveis, bem como a reflexão crítica que pode
orientar ações políticas no sentido da transformação do quadro jurídico-institucional relativo ao
pacto federativo.
Abstract
Due to the absence of the figure of the metropolitan
region as a Brazilian federative entity, the legal
landmark related to urban and regional public
policies offers important limitations to municipal
initiatives of design of great urban projects whose
logic of accomplishment lies in the supramunicipal
articulation. Evaluations of urban projects - in this
article, two urban operations in the Metropolitan
Region of São Paulo, in the cities of São Paulo
and Santo André – enable the understanding
of municipal limits, in terms of the available
management resources, as well as a critical
reflection that can guide political actions towards
the transformation of the legal-institutional frame
related to the federative pact.
Palavras-chave: gestão metropolitana; grandes
projetos metropolitanos; planejamento urbano e
regional; remodelação econômico-territorial; políticas públicas urbanas.
Keywords : metropolitan management; great
metropolitan projects; urban and regional planning;
economic-territorial reshaping; urban public
policies.
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Eulalia Portela Negrelos
Tamanduatehy, 1998 e São Paulo – Rio Verde-
Apresentação
Jacú, 2004 (Ver Mapa 1). Esses grandes projetos fazem parte de um processo de remodela-
O conjunto de instrumentos de indução de po-
ção econômico-territorial, entendido como um
líticas de desenvolvimento urbano presente no
conjunto de estratégias de reestruturação que
quadro jurídico nacional – Constituição Federal
ultrapassam o âmbito físico do território e se
(1988) e Estatuto da Cidade (2001) – oferece
justificam por seu caráter econômico, tanto no
ampla gama de alternativas para que os mu-
sentido da produção quanto no sentido da va-
nicípios construam políticas públicas urbanas
lorização imobiliária, imprimindo um novo mo-
que reúnam estratégias para a melhoria das
delo ao território e, ao mesmo tempo, manten-
condições da vida nas cidades. No entanto, no
do as bases da produção capitalista do espaço
âmbito metropolitano, em função, entre outros
urbano (Negrelos, 2005).
fatores, das características do pacto federati-
A avaliação focaliza as fragilidades im-
vo vigente em nosso país, que não incorpora
postas pelo quadro de fragmentação das polí-
as regiões metropolitanas como âmbitos de
ticas públicas ante novas estratégias de produ-
articulação efetiva de políticas públicas, a apli-
ção capitalista do espaço urbano que induzem
cação daqueles instrumentos (que comumente
à formulação pública de operações urbanísti-
exigem, no nível metropolitano, a formulação
cas de grande porte para a realização da velha
de ações solidárias entre municípios) encontra
equação dos investimentos estatais em infra-
impeditivos políticos, administrativos e insti-
estrutura como âncora para o estabelecimento
tucionais que obstaculizam a gestão metropo-
privado no território.
litana efetiva desses territórios. Essa situação
Outras iniciativas são consistentes com as
político-institucional se vê agravada pelo qua-
duas operações em relevo, todas elas indicando
dro de fragmentação e dispersão econômico-
a centralidade das estruturas viárias na confor-
territorial impostos pelo modo de produção
mação das intervenções sobre o território, tais
capitalista em sua forma flexível na nova glo-
como: a previsão de Zonas de Desenvolvimento
balização da economia.
Econômico em Sertãozinho e Capuava no Plano
Com o objetivo de avaliar a aplicação do
Diretor de Mauá (1998); a ampliação do aero-
instrumento da operação urbana consorciada
porto internacional em Guarulhos, já prevista
em municípios metropolitanos, analiso alguns
pelo governo federal desde o plano diretor ori-
efeitos da ausência de um espaço institucional
ginal de 1980/1981; o Rodoanel Metropolitano
metropolitano, e as tentativas de superação
em execução pelo governo estadual. No campo
dessa lacuna através de iniciativas municipais
da viabilização da acessibilidade as ações se
de construção de dois grandes projetos urba-
concentram de forma privilegiada na região
nos (GPU), baseados naquele instrumento,
metropolitana, uma vez que, apesar da compe-
em dois municípios da Região Metropolita-
tência constitucional do âmbito estadual para a
na de São Paulo (RMSP): Santo André – Eixo
gestão das regiões metropolitanas, sua atuação
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
Mapa 1 - Grandes Projetos Urbanos associados na RMSP
----
Limite de município
Represas e rios
Rodoanel metropolitano.
Alternativa traçado Dersa
Rodovias
Marginais
Lei de proteção e recuperação
de mananciais
Av. Jacú-Pêssego/Guarulhos
Av. Jacú-Pêssego/São Paulo
Av. Papa João XXIII/Mauá
Av. dos Estados/Sto. André-Eixo Tamanduatehy
Guarulhos - Aeroporto, ampliação (oficial) e
área de influência da extensão da
Av. Jacú-Pêssego (proposta nossa)
O.U.C. Rio Verde-Jacú – Lei nº 13.872/04
O.U.C. Rio Verde-Jacú – Perímetro estendido
em São Paulo (proposta nossa)
Projeto Eixo Tamanduatehy
Lei nº 8.696/04 - Plano Diretor
ZDE - Zona de Desenvolvimento Econômico
Mauá - Lei nº 3.052/98 - Plano Diretor
Fonte: Cebrap/Pólis, 2004 – Base Cartográfica; PMG e Pólis, 2002 – Sistema Viário de Guarulhos; Figueiredo Ferraz, 2004, p.
72, v. 2 – Decreto de Desapropriação para Ampliação do Aeroporto; Programa Cumbica Pimentas – Carta Consulta à Cofiex,
Sedu, Ministério do Planejamento.
se concentra na construção de estruturas de
transporte e acesso, articulando investimentos
em regiões estratégicas e atraentes para o capital e para as classes sociais privilegiadas: aeroporto, porto, área central remodelada – Nova
Luz, através de metrô, vias expressas. A hege-
Cenário dos novos requisitos
da produção capitalista da
cidade: grandes projetos
urbanos e a lacuna da gestão
metropolitana
monia do viário se confirma articulado a outros
projetos na região metropolitana, combinando
A complexa questão da elaboração de Grandes
planejamento, gestão, estratégia e projetos va-
Projetos Urbanos em regiões metropolitanas
riados, reafirmando o rodoviarismo para os flu-
deve ser enquadrada em um cenário construído
xos de produção e consumo.
internacionalmente a partir de novos requisitos
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Eulalia Portela Negrelos
da economia capitalista, sobretudo quanto aos
em constante ambiente de conflito de inte-
segmentos industrial e de comércio e serviços.
resses, principalmente os que ocorrem entre o
Esse processo de recomposição “estratégica”
capital e o trabalho. A centralidade do Estado
do sistema capitalista no âmbito internacio-
em termos de regulação gera uma série de con-
nal, que não é uma novidade dado o caráter
flitos e tensões, uma vez que o Estado tem um
internacional do capital desde as formulações
papel fundamental de construção das políticas
teóricas de Marx, se estende de forma prática,
públicas, ao mesmo tempo em que a sociedade
e principalmente ideológica, na transformação
deve ter cada vez mais capacidade de partici-
1
dos costumes, e está apoiado fortemente pela
par efetivamente e com instrumentos concretos
esfera estatal de regulação da vida social.
de controle sobre a formulação e implementa-
No âmbito territorial, em particular no
urbano,2 podemos verificar duas fortes tendên-
ção dessas políticas públicas no sentido de que
realmente atendam os interesses sociais.
cias analíticas históricas: a primeira, baseada
O Estado recebe uma série de pressões
na teoria política sobre “a cidade do capital”
políticas, sobretudo em forma micropolítica
(Lefebvre, 1999) referindo-se à análise crítica
(Foucault, 1979), sobre a decisão de aplicação
da cidade como meio de reprodução do capi-
de recursos na remodelação do âmbito urbano,
tal e, ao mesmo tempo, produto da produção
no sentido de “facilitar” investimentos priva-
capitalista do espaço, destinada a fomentar
dos e, dessa forma, contribuir para realizar ca-
crescentemente os efeitos perversos do sis-
da vez mais o capital que, na globalização, se
tema capitalista, sobretudo no que se refere
move de forma desterritorializada e capaz de
à segregação socioespacial e à valorização
assentar-se em qualquer lugar (Santos, 1999)
desproporcional de alguns lugares – de exce-
do espaço mundial.
lência para os investimentos – em detrimento
Nesse processo de crescente sobrecarga
de outros – de concentração popular de baixa
de atribuições do Estado em relação à poten-
renda e que serve como bacia de força de tra-
ciação dos investimentos, sobretudo na esfera
balho. A segunda diz respeito à visão segundo
municipal (que no Brasil se intensifica a partir
a qual a cidade, em meio a novos tempos de
da descentralização de atribuições ao municí-
globalização, está pressionada a converter-se
pio, propiciada pela Constituição Federal de
em palco, não de lutas sociais, como na teoria
1988), os instrumentos tradicionais de planeja-
anterior, mas em campo de ação “estratégica”
mento estatal, sobretudo na área do urbanis-
dos agentes congregados em um ambiente de
mo, já não são adequados aos novos requisitos
“consenso”, proporcionado pelos expedientes
de produção “estratégica”. Assim, a regulação
práticos do “planejamento estratégico”.
exercida pelo planejamento tradicional sofre
Em ambos os campos de abordagem so-
também uma remodelação metodológica e se
bre a cidade, adquirem centralidade o Estado
transforma em “estratégia” e “consorciação”,
e seu papel de regulação e regulamentação da
em operações urbanas que incorporam forte-
vida social, compreendida como uma complexa
mente seu caráter financeiro e remodelador
rede de movimentos de produção e consumo
de padrões através do desenvolvimento de
que, no modo de produção capitalista, se dão
projetos urbanos. A ação reformadora do final
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
do século XIX, baseada em sanitarismo (como
na cidade e na metrópole, e que a literatura do
discurso estatal) e na crença de reforma social
urbanismo vem tratando como Grandes Pro-
modernizadora (como discurso técnico), exacer-
jetos Urbanos, inclusive de âmbito metropoli-
ba, no final do século XX, sua face financeira e
tano (Ezquiaga, 2001; Lungo, 2005; Negrelos,
de exploração da renda fundiária, promovendo
2005). A remodelação econômico-territorial é
os similares históricos resultados de elitização
entendida aqui não apenas como um projeto
e expulsão das camadas populares daqueles
a mais para o município, mas como resultado
territórios que se convertem em interessantes
de estratégias empresariais que se infiltram
para o capital imobiliário ou produtivo.
na formulação estatal, premida por agir sobre
Para comportar tal movimento de trans-
seu âmbito territorial de poder – fundamen-
formação de paradigma de planejamento, pas-
talmente no município que é ente federativo
sando da norma à estratégia, o Estado formula
com competências constitucionais para a ela-
novos procedimentos, com a incorporação cres-
boração de projetos urbanos e de políticas de
cente dos agentes sociais e econômicos não
desenvolvimento urbano – no sentido de atrair
apenas como partícipes das decisões, mas como
para os seus limites os investimentos privados
partícipes formalizados na produtividade terri-
que podem ser potencializados por um Grande
torial, ou seja, criando expedientes legais para
Projeto Urbano, formulado com a capacidade
a efetiva participação financeira do capital no
de gerar novas condições para a produtividade
território como é o caso das “operações urba-
desse capital investido.
nas consorciadas” e as “parcerias público-pri-
É o município, e não a região metropo-
vado”. Essa adequação, que também demanda
litana, que comporta a base territorial para a
uma nova forma de relacionamento com a so-
formulação de grandes projetos, bem como o
ciedade e com a comunidade interna ao Estado
conjunto de instrumentos constitucionais para
(com ênfase no seu corpo técnico), se manifesta
a atuação e é nessa contradição que se cons-
como uma pretensa reforma do Estado em que
troem as duas operações urbanas aqui anali-
se dão diversas transformações de práticas, es-
sadas. São operações formuladas na lógica de
tratégias, procedimentos e ações, voltados pa-
seu desempenho na estrutura econômica me-
ra, por um lado, promover uma maior “eficiên-
tropolitana, e se relacionam necessariamente
cia e eficácia” e potencializar recursos públicos
de forma associada na Região Metropolitana
e, por outro lado, viabilizar a abertura de canais
de São Paulo, e mais, na Zona Leste da metró-
para as formas novas de participação do ca-
pole, em uma clara tentativa de oferecer uma
pital privado nos investimentos públicos. Esse
nova alternativa de investimentos ante as ope-
processo tem incorporado, inclusive, ainda que
rações desenvolvidas no vetor sudoeste a partir
de forma limitada, as camadas populares nas
dos anos 1990. Claramente é no âmbito terri-
arenas de discussão, resultado de fundamental
torial metropolitano que essas operações têm
pressão dos movimentos populares no sentido
defendida sua pertinência enquanto concepção
da democratização do acesso ao Estado.
e enquanto manejo de um conjunto de com-
Essa formulação conforma os novos ex-
ponentes da base técnica relativa ao planeja-
pedientes de remodelação econômico-territorial
mento físico-territorial (economia, sociedade,
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Eulalia Portela Negrelos
características físico-ambientais, tipologias de
americanas. No entanto, os projetos em desen-
projetos).
volvimento para a Zona Leste de São Paulo se
Como se verá, é patente a visualização de
devem muito menos a uma visão de reversão
que o município de São Paulo, de forma isolada,
do processo de exclusão socioterritorial e mui-
não compõe um polo de atração de população
to mais à confirmação e aprofundamento de
moradora ou trabalhadora. São Paulo é centro
um processo de extensão das possibilidades
de um tempo-espaço metropolitano; é centro
de maior acumulação de capital, ao “liberar”
de uma imagem de polo de atração, enquanto
fluxos e acessos entre os dois maiores equipa-
o fenômeno territorial neste lugar é metropo-
mentos logísticos de transporte de carga e mer-
litano. Nesse sentido, os Grandes Projetos Ur-
cadorias do Brasil – o aeroporto internacional
banos aqui se estruturam em torno da consoli-
de Guarulhos e o porto e Santos (Ver Figura 1).
dação do território construído como metrópole,
buscando a viabilização de fluxos e transporte
em sua associação nesse âmbito regional. Ao
mesmo tempo, buscam vincular-se à implementação das variadas políticas públicas de
âmbito social e econômico-territorial que ainda
são formuladas fundamentalmente na esfera
municipal, sem respaldo em instrumentos metropolitanos de gestão, inexistentes no quadro
Estratégias de cooperação
supramunicipal do município
de Santo André no
enfrentamento da reconversão
econômica do ABC
político-institucional do pacto federativo.
A formulação de uma grande operação
Em função do debate interno à região do ABC,
urbana para a Zona Leste do Município de São
no final dos anos 1980, acerca da crise que
Paulo por parte da administração municipal,
a desconcentração industrial, ou a chamada
com extensões de influência para municípios
“reestruturação produtiva”, vinha provocando
vizinhos, se deve à mescla de diferentes vi-
na economia regional do ABC paulista, alguns
sões sobre o território: por um lado, é inegá-
expedientes institucionais foram utilizados pa-
vel a confirmação de uma visão de futuro, de
ra tentar atuar na minimização de efeitos ne-
possibilidade de reverter uma situação de iso-
gativos que a denominada “evasão industrial
lamento e de adensamento periférico que foi
do ABC” tem causado tanto à produção de re-
baseado na construção de grandes conjuntos
cursos financeiros para investimentos públicos
habitacionais de promoção estatal, ocupações
quanto à elevação do índice de desemprego,
de moradia precária em áreas ambientalmente
principalmente industrial, comum às sete cida-
protegidas, componentes de um modelo de ex-
des da região (Santo André, São Bernardo do
tensão periférica fundamentado no lote com a
Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá,
casa própria autoconstruída. Esse foi o modelo
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) que tem
utilizado e empregado largamente em todas as
passado por um processo de envelhecimento
cidades metropolitanas brasileiras e que ser-
de suas estruturas urbanas e, com relevância,
ve como aplicação às grandes cidades latino-
de suas estruturas produtivas. Esse processo
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
Figura 1 – Ligação do Aeroporto Internacional em Guarulhos
ao Porto de Santos, na lógica combinada
dos grandes projetos analisados
Fonte: PMSP, 2004a.
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Eulalia Portela Negrelos
ocorreu em toda a região do ABC e particular-
e alguns secretários), dos sete prefeitos, de
mente em Santo André, pois
representantes da classe trabalhadora, da
classe empresarial e de entidades que reúnem
[...] com o apoio e incentivo do poder local, buscou-se na década de 90 reordenar o uso do espaço urbano e incentivar
a instalação e ampliação de atividades
industriais, comerciais e de novos serviços, visando com isso atender a novas
demandas do setor produtivo e também
da população da região. (Montagner,
2004, p. 8)
associações e entidades de caráter urbano e
regional (destaque importante deve ser dado
ao Fórum da Cidadania do Grande ABC, que
reúne diversas instituições sociais como associações de empresas e sindicatos de trabalhadores, agregando grupos de defesa do meio
ambiente e movimentos ecologistas) com o
objetivo de elaborar e implementar o que se
O primeiro dos expedientes foi a criação
denominava “projeto estratégico de desen-
do Consórcio Intermunicipal do ABC, em 1992,
volvimento da região”. Nessa nova arena de
instituição de direito privado, composta pe-
discussões, portanto, foram firmados acordos,
los 7 prefeitos, reunidos estrategicamente em
a partir da ideia de “consenso”, e foi criada,
torno da questão ambiental da disposição dos
em 1998, a Agência de Desenvolvimento Eco-
resíduos sólidos e no sentido da discussão conjunta de todos os temas de interesse regional.
Dentre eles, a inserção de 56% da região na
Área de Proteção dos Mananciais como impeditivo para a extensão das estruturas produtivas, sobretudo industriais em todo o território
(Rolnik e Somekh, 2004, p. 118).
Outro expediente foi a instalação de um
amplo debate na região do ABC, com extensão
estadual devido à competência constitucional
em assuntos metropolitanos, a respeito da
ampliação da participação da sociedade na
discussão realizada nas instituições locais e
regionais. Como o Consórcio agrega apenas
os prefeitos, outros setores vinham reivindicando sua participação na instituição, constantemente negada por motivos aparentemente
estatutários. Em março de 1997, foi instalada
a Câmara Regional do Grande ABC, com a participação do governo do estado (governador
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nômico do ABC, com a competência, inclusive,
de produção e divulgação de base atualizada
de dados e de análises científicas do panorama
socioeconômico da região do ABC. Esse conjunto de iniciativas pode ser analisado como a
efetiva construção do que conhece como uma
nova estrutura de governance aplicada no ABC
(Klink, 2001). Essa aplicação conceitual é consistente com uma nova governance que, numa
nova fase de atuação metropolitana, posterior
ao “neolocalismo pós-constituição de 1988”
(Azevedo e Guia, 2000, p. 545), a governança
poderia estar sendo alcançada ao superar
[...] a dimensão do desempenho administrativo, abarcando também o sistema
de intermediação de interesses, especialmente quanto às formas de participação
dos grupos organizados da sociedade no
processo de definição, acompanhamento
e implementação de políticas públicas.
(Ibid., 2000, p. 547)
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
O conjunto das instituições regionais
construídas no ABC
[...] é uma nova institucionalidade, única
no Brasil, que foi sendo criada ao longo
da década de 1990, acompanhada de um
conjunto de ações discutidas coletivamente, implementadas seja bilateralmente,
seja multilateralmente, ações de cooperação que envolvem, inclusive, cooperação
de municípios. (Daniel, 2003, p. 65)
• Os grandes estabelecimentos industriais
eram responsáveis por cerca de 60% da remuneração total dos ocupados na indústria no
Grande ABC, ficando os micro e pequenos com
apenas 14% e os médios com 26%. Nas demais
regiões do estado, os grandes estabelecimentos
desse setor ficavam com 38% da remuneração
total dos ocupados na indústria e os micro e
pequenos com cerca de 26%;
• Em relação à RMSP, o Grande ABC encon-
Como a questão da “evasão industrial”
trava-se super-representado nas atividades in-
afeta de forma mais aguda alguns municípios
dustriais (25% do valor adicionado e 20% dos
da região, foram traçadas estratégias diferen-
ocupados) e sub-representado nas atividades
ciadas para enfrentar os efeitos do processo de
comerciais (10% do valor adicionado e 11%
saída de unidades de produção da região. Os
dos ocupados);
municípios que mais sentem essa problemática
• Concentração espacial das atividades in-
são: a) do ponto de vista de diminuição da con-
dustriais, e também de outros setores da eco-
tribuição das indústrias, Santo André efetiva-
nomia, principalmente em São Bernardo do
mente; b) do ponto de vista da impossibilidade
Campo e Diadema (juntos representando 2/3
de atração de indústrias por conta da sua total
do valor adicionado e do pessoal ocupado na
inserção na Área de Proteção aos Mananciais,
indústria do ABC e, São Bernardo isoladamente
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
apresentando 50% do valor adicionado e 40%
Quando observamos alguns dados sobre
do pessoal ocupado no setor);
o quadro da região em termos de atividade
• Santo André contribuía com São Bernardo
econômica, temos os seguintes resultados, até
na soma do pessoal ocupado e do valor adicio-
1999 (Agência de Desenvolvimento Econômico
nado no setor comercial: juntos chegavam a
do ABC, 1999):
2/3 de ambos os indicadores, ficando cada um
• Acentuada concentração setorial da indústria no Grande ABC, principalmente em
montagem de veículos automotores, reboques
e carrocerias, produtos químicos, máquinas e
equipamentos e artigos de borracha e plástico,
que, juntos somavam cerca de 70% do total
industrial;
• Dessas áreas de produção, 40% se referem
a montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias, sendo que para as demais
regiões do Estado essa área representava apenas 7% do valor adicionado industrial;
com 1/3, tanto em ocupação quanto em valor
adicionado.
• Concentração muito grande da indústria
de transformação do ABC, pois apenas 9 grupos de 3 divisões da indústria da região participavam com 50% do valor adicionado e 40%
do pessoal ocupado, sendo responsáveis por
apenas 16% do total de estabelecimentos industriais da região. O estudo não aborda as dimensões territoriais ocupadas por essas indústrias, no entanto, sabemos que são unidades
produtivas de grandes dimensões que marcam
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Eulalia Portela Negrelos
fortemente o cenário das cidades, excetuando-
que configuram uma grande operação (ver Fi-
se Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
gura 2).
Esses dados são fundamentais para
O conjunto de projetos, de base terri-
compreender os objetivos de remodelação
torial por um lado e de base social por outro,
econômico-territorial das instituições e da so-
dizem respeito a estratégias tanto de ação re-
ciedade do ABC concentrando-se, no geral, na
gional quanto de ação municipal na construção
manutenção do quadro de estabelecimentos
da relação entre o regional e o local no cenário
industriais e comerciais em seu território, bem
da reestruturação produtiva. No que se refere à
como na elevação do emprego. No caso de
ação regional, o município traçou uma estraté-
Santo André, o foco se localizou na ampliação
gia de cooperação e conflito entre os agentes
de unidades com tecnologia atualizada, uma
sociais, políticos e econômicos locais e regio-
vez que o principal efeito negativo da “evasão
nais para gerar acordos regionais através do
industrial” no município se deve ao fato de
consenso; a outra estratégia regional foi a de
seu parque industrial ser antigo, relacionado
recriar o ABC na Região Metropolitana de São
ao primeiro estabelecimento da indústria de
Paulo não como periferia, mas como uma nova
transformação ao longo da Estrada de Ferro
centralidade quando
Santos-Jundiaí, na passagem do século XIX ao
XX. Diferentemente de São Bernardo do Campo, onde o desenvolvimento urbano-industrial
foi incrementado a partir do estabelecimento
das grandes indústrias automobilísticas da
década de 1950, com o desenvolvimentismo e
a disseminação do rodoviarismo no Brasil.
[...] a região deixaria de ser um subúrbio,
qualificado por ser uma passagem entre
a capital e o porto, para se tornar um lugar, uma cidade com dinâmica própria.
(Daniel, 1998, p. 3)
Nessa estratégia, os projetos urbanos
assumiram centralidade para o desenvolvi-
Santo André passa, paralelamente ao
mento local, destacando o Eixo Tamanduatehy,
processo de construção de políticas supra-
abrangendo a Avenida dos Estados, o Rio Ta-
municipais e de órgãos regionais de desen-
manduateí, a Avenida Industrial, chegando até
volvimento, à elaboração de Grandes Proje-
a Av. Dom Pedro II, considerado como o ponto
tos Urbanos com base no objetivo e discurso
crítico principal da realidade de “abandono”
da reconversão econômica e territorial, com
das plantas industriais antigas e a consequen-
elementos de gestão e políticas públicas e
te configuração de um quadro de deteriora-
bastante impregnado da metodologia do pla-
ção tanto urbanística quanto paisagística. Um
nejamento estratégico: “Santo André Cidade
conjunto de profissionais foi chamado a dar
Futuro” (processo considerado participativo,
legitimidade a todo o processo, já desde 1997,
envolvendo a sociedade local para formular as
desde suas primeiras discussões internas e de-
grandes diretrizes de desenvolvimento da ci-
bates públicos: Jordi Borja, Alain Lipietz, Andrés
dade para um período de vinte anos) e o “Pro-
Rodríguez-Pose. Foi a seguinte formulação que
jeto Eixo Tamanduatehy”, um grande conjunto
deu sustentação à construção do Projeto Eixo
de pequenas operações urbanas consorciadas,
Tamanduatehy:
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Uni ABC 1
Centro Regional de Logística
Duplicação da
Av. Industrial trecho 2
Av. Industrial
Ferrovia
Revitalização entorno
Estrada Utinga
Av. dos Estados
Conj. residencial
Local para
futuros projetos
Nova concessionária
Vigoritto
Novo trecho
a ser duplicado
Conj. residencial
Conj. hoteleiro
Ibis e Mercury
Pq. Celso Daniel
Nova
Rodoviária
Piscinão Sta. Terezinha
C&C Construção e Extra
Centro Empresarial
Praça Sta. Terezinha
Projetos implantados
Projetos em fase de construção
Projetos em implantação futura
Duplicação Av. Industrial
trecho 1
ABC Plaza Shopping
Land Pooling-Reajustamento de terras
1º empreendimento do Land Pooling
Sherwin Willians
Uni ABC Campus 3
1º empreendimento da
Cidade Pirelli - 2003
Cidade Pirelli
Parque da Cidade Pirelli
já em final de construção
Reurbanização Córrego Guarará
Pão de Açúcar e Parque 18 do Forte
18.000 m2 de área verde em reurbanização
Cobertura da Oliveira Lima
Global Auto Shopping
Complexo Global Shopping
Duplicação da Av. Giovanni B. Pirelli
Parte da contrapartida realizada da
implantação da Cidade Pirelli
Hipermercado e lanchonete
Parte do Complexo Global Shopping
Projetos de Inclusão Social e Habitação (SISH)
Nome: Reurbanização Favela Capuava
Projetos de Inclusão Social e Habitação (SISH)
Nome: BID 1 e BID 2 - Reurbanização Favela Capuava Unida e Capuava
Área do corpo principal
do Complexo Global Shopping
Novo Carrefour
Conceito Supermercado Parque
10.000 m2 de área verde
Projetos de Inclusão Social e Habitação (SISH)
Nome: 136 - Reurbanização Favela Capuava
Figura 2 – Projeto Eixo Tamanduatehy – Intervenções, operações urbanas e parcerias
Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
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Eulalia Portela Negrelos
O eixo da Av. dos Estados (complementado pela Av. Industrial) permite a
construção de diferentes cenários futuros. Na ausência de planejamento estratégico , essa zona pode permanecer
com uma ocupação rarefeita, com um ou
outro empreendimento privado de porte,
com dificuldades de acesso (apenas a alternativa rodoviária da Av. Estados, com
serviços ferroviários de baixa qualidade e
persistência de enchentes). Por oposição,
uma estratégia municipal consistente pode criar condições para, nas próximas décadas, transformar esse macroeixo num
centro urbano de terciário avançado de
dimensões regionais e até metropolitanas
(considerando que a expansão do terciário de ponta que vem ocorrendo no município de São Paulo pode perfeitamente se
espraiar pelo eixo da estrada de ferro em
direção ao Grande ABC – como ocorreu
no passado com a indústria – desde que
as condições urbanas propiciem essa possibilidade). Para isso, vários ingredientes
serão necessários: um projeto urbanístico de porte (combinado espaços públicos
amplos, monumentalidade, legislação
urbanística adequada e equacionamento
dos problemas de infraestrutura), capaz
de criar oportunidades de negócios (no
comércio, no terciário de excelência, em
lazer e entretenimento, etc.) compatíveis
com a apropriação pública de parte da
valorização imobiliária resultante dos
investimentos públicos; e a transformação da ferrovia num metrô de superfície
(elemento-chave para garantir acessibilidade diferenciada, livre dos congestionamentos de trânsito). (Daniel, 1998, p. 5.
O grifo é meu)
Tamanduateí e que contém uma importante extensão da ferrovia Santos-Jundiaí – e tampouco
com São Caetano do Sul, que apresenta tanto
o rio quanto a ferrovia em seu território. Nesse
sentido, os limites municipais para um projeto
de grande porte são imediatamente sentidos,
tanto do ponto de vista dos efeitos de atração
de investimentos quanto em relação às práticas
fiscais que seguem municipalizadas. Apesar dos
esforços intelectuais dos consultores em Santo
André de realizar articulações regionais com o
Projeto, que indicaram o Eixo Tamanduatehy como constitutivo de uma avenida “Diagonal Sul”
que articularia as zonas leste e oeste da região
metropolitana (formulação que foi absorvida
pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo em
2002), sem Mauá e São Caetano do Sul, ao trecho intermediário representado por Santo André
caberá uma limitada capacidade de transformação econômico-territorial e as diferenças intraregionais seguirão marcando a gestão municipal e regional (ver Mapa 1 e Figura 3).
Formulações com base
metropolitana a partir do
município de São Paulo.
Incorporação da Zona Leste
na lógica da remodelação
econômico-territorial
A operação urbana Rio Verde-Jacú, cujo centro
é a obra da Av. Nova Trabalhadores, mais co-
Os esforços de formulação do Projeto Eixo
nhecida como “Jacú-Pêssego”, liga a Rodovia
Tamanduatehy concentraram-se, por outro lado,
Ayrton Senna até o Município de Mauá (na
no município de Santo André, sem articula-
totalidade da formulação da proposta). Dessa
ção operativa com Mauá – onde nasce o rio
extensão total, a operação urbana já aprovada
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
Figura 3 – São Paulo – Operações Urbanas no PDE/2002
Legenda
Centro Integrado de Abastecimento de São Paulo
Operação urbana existente
Operação urbana prevista
Projeto estratégico (centro olímpico)
Projeto estratégico
Projeto estratégico em corredor
Parque linear (Rodoanel)
Sistema viário estrutural (nível 1)
Parques e reservas existentes
Limite de área de proteção ambiental
Referência urbana
Hidrografia
Limite de área de proteção e recuperação dos mananciais
Estação de metrô proposta
Estação de metrô existente
Rodoanel em operação
Rodoanel em obras
Rodoanel (alternativa de traçado proposto Dersa 2002)
Linha de trem
Limite do município de São Paulo
Limite dos municípios vizinhos de São Paulo
Fonte: Prefeitura do Municícpio de São Paulo, Secretaria Municipal de Planejamento Urbano
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Eulalia Portela Negrelos
se refere ao trecho de São Miguel Paulista até
Paulo no seu Plano Diretor Estratégico, como
São Mateus com a transposição da linha férrea
indicado anteriormente (ver Figura 3).
até a Rodovia Ayrton Senna (que ficaria a cargo
No interior da OUC Rio Verde-Jacú en-
da PMSP), e a transposição da Rodovia Ayrton
contra-se o “Polo Industrial de Itaquera”, apro-
Senna até Guarulhos (a cargo do governo do
vado desde a década de 1980 na Assembleia
estado de São Paulo).
Legislativa do Estado de São Paulo e conside-
Na porção sul do projeto, a avenida tem
rado, na lei da operação, como “ZEDE – Zona
previsão de extensão ainda pelo município de
de Desenvolvimento Econômico” e no Plano
São Paulo, no território da Subprefeitura de
Diretor como “ZIR – Zona Industrial em Rees-
São Mateus até o município de Mauá onde es-
truturação” (ver Figura 4).
sa prefeitura tem o projeto de ligá-la à Avenida
O pressuposto da formulação do pro-
Papa João XXIII que se articularia ao Rodoanel
grama, “mudar a região pelo desenvolvimento
Metropolitano no seu trecho sul (em constru-
econômico” esperava seu alcance através de
ção), no sentido de conduzir todo o fluxo de
três linhas de atuação: “Atração de investi-
veículos para as rodovias Anchieta e Imigran-
mentos, Empregos e ocupações de qualidade”,
tes (ver Mapa 1 e Figura 1).
“Formação de recursos humanos e de pesqui-
Esse Grande Projeto Urbano tornou-se o
sa”, “Integração com a metrópole” (PMSP,
eixo de um programa público da prefeitura de
2004c). O pressuposto aparece articulado à
São Paulo, na gestão 2001-2004, sob o título
ideia de que a Zona Leste é o centro da RMSP,
“Programa de Desenvolvimento Econômico da
com 32,68 km 2, 22% da área do MSP, com
Zona Leste” (Prodel). A iniciativa de formular
3,3 milhões de habitantes correspondendo a
o Prodel partiu da prefeitura paulistana e rece-
1/3 da população do município de São Paulo.
beu adesão das prefeituras envolvidas, princi-
A escala da operação urbana aumenta muito
palmente de Mauá e Santo André, interessadas
em relação ao previsto no PDE (Figura 3), che-
na efetivação dessas obras, considerando-as
gando a 77,6 km2, sendo que apenas a ZEDE
“alavancas” para uma transformação das pos-
incorpora 7 km2 (PMSP, 2004a), em um muni-
sibilidades de conexão produtiva e de fluxos
cípio com 1.509 km2 e a região metropolitana
de mercadorias. Mauá não tem ligação com
com 8.051km2, 2.139km2 urbanizados e cerca
nenhuma rodovia diretamente, apesar de pos-
de 17.800.000 habitantes (IBGE/2000).3
suir um importante parque industrial de base
As três linhas estruturadoras do progra-
petroquímica, e Santo André precisa articular-
ma, consideradas “linhas de ação para gerar
se com São Bernardo do Campo e Diadema
crescimento econômico, transformação urbana
para atingir as rodovias Anchieta e Imigrantes,
e inclusão social” têm a seguinte formulação
respectivamente. Para Santo André, há um
(PMSP, 2004a):
interesse adicional na conexão, desde Mauá,
• “Integração físico-territorial” – resultou
com a Avenida dos Estados, que comporta o
na Operação Urbana Consorciada Rio Verde-
Projeto Eixo Tamanduatehy, em cuja extensão
Jacú (lei municipal 13872, 13/07/04), baseado
segue o vetor sul-norte, chamado “Diagonal
no complexo viário da Avenida Jacú-Pêssego,
Sul” e “Diagonal Norte” pela Prefeitura de São
na extensão da Avenida Radial Leste até
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Figura 4 – Operação Urbana Rio Verde-Jacú – Localização Geral
Fonte: PMSP, 2004b.
Guaianazes e na implantação de rede viária
são os de “garantir agilidade na aprovação de
interna à Zona Leste, para permitir fluxos e co-
projetos e aprovar automaticamente propostas
municações na região, facilitando a mobilidade
que seguirem parâmetros pré-estabelecidos.”
para o trabalho e o consumo.
• Investimento em capacitação e em “edu-
• “Desenvolvimento Institucional” – resul-
cação e conhecimento”, localizado na região –
tou no Programa de Incentivos Seletivos para
orientou a instituição da Fundação Municipal de
a Área Leste do Município de São Paulo (lei
Ensino Superior e Técnico (lei municipal 13.806,
municipal 13.833, 27/5/2004), bem como a
10/5/2004), com implantação de escola supe-
instituição de um “comitê gestor”, misto entre
rior de saúde pública, na Cidade Tiradentes, e
representantes de órgãos da Prefeitura e de en-
previsão de implantação de escola superior de
tidades da sociedade civil e a estruturação de
engenharia e administração em Itaquera.
um “Escritório Técnico”, “para ser um órgão
Os dados sobre a Zona Leste, demanda-
empreendedor, na busca do investidor, no diálo-
dos em 2004 pela Prefeitura ao Cebrap, para
go com os agentes locais, na coordenação das
comparar as regiões Leste e Sul (na formula-
ações de várias esferas do governo e na busca
ção de um Plano de Desenvolvimento Metro-
de financiamento público e privado”. Impor-
politano que seria fator de negociações numa
tantes objetivos da implantação desse órgão
possível novo gestão através da reeleição para
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Eulalia Portela Negrelos
o período seguinte) demonstram a fragilidade
em investimentos privados industriais (princi-
econômica da sub-região leste do município,
palmente bens de capital e têxtil/moda), para
bastante populosa e com maiores índices de
a instalação de unidades na ZEDE, e não os
crescimento de sua população (Diniz, 2004):
do terciário avançado como se convencionou
• Aumenta sua população no período 1991
a 2004 (493 mil contra 789 mil);
acreditar fossem os únicos interessantes para
a implementação de operações urbanas con-
• Em 1996, apresentava 1,5% dos estabe-
sorciadas (como nas OUC Águas Espraiadas,
lecimentos de todo o município, empregando
Faria Lima e Água Branca que ainda não se
44.000 pessoas; representava 1,5% da ocupa-
consolidou como foco de atração de massivos
ção total do município em 15 grupos de ativi-
investimentos do setor terciário) (Sandroni,
dades e 58% do pessoal ocupado;
2002).
• Em 2001, continha 1,7% dos estabele-
É justamente na ZEDE, cujo perímetro
cimentos de todo o município, empregando
de função industrial já havia sido delimitado
40.000 pessoas (queda de 8,1%), com 18 gru-
havia duas décadas (e ainda não implemen-
pos de atividades e 67% do pessoal ocupado;
tado na sua totalidade até o momento), que
• Aumenta a diversificação nos setores
a OUC prevê a aplicação do instrumento de
econômicos, mas continua a fragilidade da
parcelamento, edificação e utilização compul-
indústria;
sória com a indicação da outorga gratuita do
• O setor de serviços apresenta o pior qua-
direito de construir por alguns anos para atrair
dro de fragilidade (sem atividades financeiras,
os investimentos industriais. Percebe-se aqui
por exemplo).
uma tentativa, isolada, de inversão do proces-
Ao mesmo tempo em que chegava à
so de avanço do terciário buscando retroceder
aprovação da operação urbana Rio Verde-Jacú
ao estabelecimento de cadeias industriais que
na Câmara Municipal, a Prefeitura de São Pau-
teriam correspondido à fase fordista de desen-
lo dava continuidade aos estudos sobre a Zona
volvimento industrial, ainda que no segmento
Sul, no intuito de desenvolver outra operação
têxtil se priorize, no corpo da operação, as ati-
urbana em torno do canal Jurubatuba, junto à
vidades relacionadas à moda e confecção.
represa do Guarapiranga.
O que se chamou “Foco no desenvol-
Em relação com a Zona Leste, a Zona Sul
vimento industrial da Zona Leste” apresenta
apresenta dados que demonstram uma maior
uma fragilidade, pois, embora a Zona Industrial
intensidade de atividade industrial (ibid.):
na Zona Leste já esteja prevista na legislação
• Diminui a população de 1991 a 2004 (225
mil contra 168 mil);
estadual como ZUPI – Zona de Uso Predominantemente Industrial, ampliada em 2003 de-
• Na Zona Sul aumenta produção entre
vido à lei aprovada na Assembleia Legislativa
1996 e 2001 (8,7% contra 10%), enquanto na
do Estado de São Paulo, se verifica que, durante
Zona Leste há baixa capacidade produtiva e de
a formulação da proposta do Prodel, o investi-
articulação interindustrial.
mento industrial ali se encontrava bastante ra-
Os empreendimentos buscados pelo
refeito; uma das hipóteses explicativas se refere
Prodel seriam prioritariamente os baseados
a uma possível retenção especulativa de valor,
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
aguardando os investimentos públicos para es-
de empreendimentos industriais ligados aos
corar e viabilizar os investimentos privados.
bens de capital, para a produção de máquinas
Por outro lado, há um âmbito de articula-
e equipamentos:
ção do marco regulatório municipal para o fo-
No que concerne à estruturação do espaço econômico do município as repercussões de tal adensamento podem ser
bastante positivas, uma vez que o setor
encontra-se relativamente disperso na
capital. Uma alternativa possível é a promoção de atividades na fronteira entre as
zonas sul e leste do município, região já
ocupada por empresas do setor de bens
de capital. Além disso, estes segmentos
têm média e alta propensão a vendas
externas. O reforço de condições adequadas de exportação, o que inclui desde a
melhoria do sistema modal até o porto
de Santos e aos terminais de carga do
aeroporto de Viracopos, pode ter repercussões positivas tanto do ponto de vista
macroeconômico como local, uma vez
que maiores exportações, certamente, se
traduzirão em maiores níveis de emprego,
renda e arrecadação para o município de
São Paulo. (Amitrano, 2004, pp. 28-29)
mento do desenvolvimento econômico com a
política industrial em âmbito federal. Os dois
setores da indústria visados para implantação
no âmbito do Programa de Desenvolvimento
Econômico da Zona Leste do Município de São
Paulo são têxteis e bens de capital (9,5% do VA
industrial do MSP).
Análises demandadas pela Prefeitura de
São Paulo para dar suporte técnico ao Prodel
(Cebrap, 2004), bem como a um programa de
caráter metropolitano com a eventual reeleição
municipal, oferecem uma série de indicações
vinculadas ao desempenho municipal e regional de um programa como esse. Ao analisar
os bens de capital com o setor de fármacos
(14,7% do VA industrial do MSP), esse estudo
indica que:
[...] do ponto de vista nacional esta aliança se justifica por serem estes setores
amplamente deficitários no comércio internacional, de sorte que a criação de instrumentos que aumentem os elos internos
da cadeia produtiva destes segmentos
contribuiria para a redução da vulnerabilidade externa. ... estes ramos de atividade
têm gastos em P&D muito superiores aos
demais setores do município, sobretudo
no caso de produtos químicos, com especial ênfase para a indústria farmacêutica.
(Amitrano, 2004, p. 24)
A força política à frente da Prefeitura e
responsável pela formulação da OUC Rio VerdeJacú e do Prodel pretendia sua reeleição para
a gestão 2005-2008, liderada pelo Partido dos
Trabalhadores. Para além do discurso técnico
das viabilidades apontadas pelos indicadores
econômicos, está o campo do discurso político
tanto de manutenção do poder no âmbito federal (aliado ao governo municipal no poder até
2004) e a articulação com a política industrial
Esses setores têm capacidade de gerar
federal elaborada no âmbito do IPEA – Institu-
emprego e renda diretos e indiretos e os far-
to de Pesquisas Econômicas Avançadas, seriam
macêuticos predominam na zona sul do muni-
um importante passo para o reforço de uma
cípio de São Paulo e em Guarulhos. Daí que se
aliança política entre São Paulo e o Planalto
mostrava viável o investimento para atração
Central.
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Eulalia Portela Negrelos
Uma avaliação da ação político-institu-
inclusive, sendo governadas por essa força des-
cional da PMSP orienta a compreensão sobre
de 1997, além de que Santo André e São Paulo
a OUC Rio Verde-Jacú como um campo expe-
tiveram seus primeiros governos petistas no
rimental de projeto de uma gestão metropo-
período 1989-1992.
litana, articulada ao corpo social através de
Esse fato indica o forte componente po-
entidades representativas como o Fórum de
lítico requerido para a formulação de ações
Desenvolvimento da Zona Leste e do Conselho
regionais e, neste caso, metropolitanas, na au-
Municipal de Desenvolvimento Urbano. Essa
sência de um espaço institucional, fosse ele go-
intenção de gestão metropolitana se identifica
verno metropolitano ou parlamento metropoli-
em todas as peças legais aprovadas pela Câ-
tano nos moldes propostos por Raquel Rolnik
mara Municipal com certa articulação estadual
e Nadia Somekh (2004, pp. 122-123), e corro-
através de poucos deputados estaduais – prin-
borados na cristalina formulação de Emilio Pra-
cipalmente os vinculados à ZUPI em Itaquera
dilla, em relação à experiência metropolitana
e os relacionados aos municípios articulados
no México, aplicável à região metropolitana de
diretamente à OUC, como Guarulhos e Mauá.
São Paulo:
Nesse sentido, o Prodel baseado na OUC lançou mão de recursos de gestão da sociedade
paulistana e metropolitana ainda que não tivesse alcançado repercussão na Assembleia Legislativa não superando iniciativas isoladas de
deputados estaduais.
Novos recursos de gestão
territorial e a demanda
por um espaço políticoinstitucional metropolitano
O crescimento metropolitano ultrapassou
os velhos limites políticos e administrativos das cidades; para garantir a democracia efetiva e a gestão integral, socialmente responsável e eficiente das metrópoles, e enfrentar suas contradições se
impõe o desenho de formas de governo
metropolitano – executivo, legislativo,
empresas públicas – e instrumentos de
desenvolvimento adequados para as novas formas socioterritoriais – metrópoles,
cidades-região, etc. (Pradilla, 2003, p. 13.
A tradução é minha).
No caso do município de São Paulo, o
Não é de menor importância o fato de que
corpo justificativo da operação indicava a ne-
parte das prefeituras envolvidas na discussão
cessidade do “Estabelecimento de um modelo
de programas e projetos com forte ênfase na
de relacionamento entre governo municipal e
cooperação metropolitana durante o período
a sociedade local com base na participação dos
de mandatos municipais de 2001 a 2004 (São
três níveis executivos da Federação (municipal,
Paulo, Santo André, Mauá e Guarulhos), estava
estadual e federal)” (PMSP, 2004a). No entanto,
comandada por lideranças de um mesmo parti-
no estudo não foram indicadas as repercussões
do político – o dos Trabalhadores – , todos alia-
metropolitanas do Programa após sua implan-
dos do governo federal, a partir da eleição de
tação. Uma das fragilidades nesse campo se
Lula em 2002. Santo André e Mauá já vinham,
refere ao exposto anteriormente, relacionado
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
às três linhas metodológicas de onde partiu a
rotas da produção, logística e comunicações
aprovação de uma das três leis municipais re-
nacionais e internacionais – Guarulhos e parte
lacionadas ao Prodel, os chamados “incentivos
do ABC. O desenvolvimento concomitante das
seletivos” ou uma renúncia fiscal para a atra-
análises de investimentos na zona sul do muni-
ção de investimentos industriais, sobretudo na
cípio de São Paulo e a articulação com Osasco,
ZEDE em Itaquera. Esse tipo de proposta, no
via operações urbanas ao longo das marginais
âmbito de uma política pública de base econô-
do rio Tietê e do rio Pinheiros, demonstra a op-
mico-territorial na região metropolitana, acirra
ção do método de investimento baseado na
a competição entre cidades.
competição interlugares (Cebrap, 2004).
O componente do desequilíbrio fiscal,
É particularmente interessante a con-
aliado ao desequilíbrio político (não superado,
firmação, a partir da avaliação das operações
mesmo com o quadro partidário que se confi-
urbanas consorciadas em Santo André e em
gurou de 2001 a 2004), tem aderência também
São Paulo, da ativação econômico-territorial
à “visão localista, focalista e setorialista da
da zona leste da RMSP, do processo indicado
política urbana”, fortalecida, inclusive pelo Es-
acima, de que após a crença, nos anos 1980,
tatuto da Cidade, que teve, nos anos 1990, no
de que o desenvolvimento poderia ocorrer em
planejamento com base na competição entre
qualquer parte do território, dada a capacidade
os lugares uma crença que
do capital, aliado às tecnologias de comunica-
[...] homogeneizou na sociedade brasileira o modelo de formulação de planejamento urbano baseado apenas na ideia
de que é possível aumentar a competição
entre os lugares oferecendo aos fluxos
econômicos que circulam na economia
nacional e mundial vantagens comparativas baseadas no critério de competição
dos lugares e no oferecimento de vantagens fiscais. (Ribeiro, 2004, p. 132)
ção, estar conectado em qualquer lugar, o crescimento continua nas regiões metropolitanas
(Ribeiro, 2004). As iniciativas de implementação de OUC na RMSP informam claramente a
visão de que poderiam se desenvolver ali dadas
as condições de atrair os fluxos econômicos
por sua localização privilegiada no interior da
aglomeração metropolitana e, mais, muito bem
equipada do ponto de vista logístico e de especialização de mão de obra. Por outro lado,
A OUC Rio Verde-Jacú, apesar de voltar o
os dados sobre a região informam processos
olhar para a periferia leste, estava imbuída da
de empobrecimento, degradação ambiental e
ideia de competição entre lugares, com o dis-
violência intraurbana, consistentes com a ideia
curso de alçar a Zona Leste à categoria de um
de que a metropolização ou a intensificação da
lugar de investimentos, produtivo e potencial-
metropolização é o “olho do furacão das ques-
mente modernizante. Nesse sentido, a articula-
tões sociais” (ibid.).
ção entre o município de São Paulo com os mu-
As operações urbanas avaliadas, implan-
nicípios da zona leste da RMSP se mostrou im-
tadas em setores de população majoritariamen-
prescindível. No entanto, a visão da competição
te de renda baixa e sujeitas a vulnerabilidades
entre lugares predominou ao priorizar aqueles
e riscos permanentes, incorporam elementos
municípios que têm localização privilegiada nas
que se referem a novas formas de relação entre
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os capitais industriais e o trabalho, com um
geração de subemprego, empregos informais
campo de parcerias entre empresas, sindicatos,
e desemprego, realidade premente na Região
universidades e prefeituras, do período pós-
Metropolitana de São Paulo. Isto porque é ine-
fordista (Lipietz e Leborgne, 1988). Expedientes
vitável a deflagração de um processo migrató-
desse tipo são encontrados na concepção da
rio para a região, induzido pela implantação
OUC Rio Verde-Jacú e nos seus subprodutos le-
de um “polo de desenvolvimento” ou parque
gislativos (além dos incentivos fiscais, a criação
industrial.
de uma instituição de ensino superior e técni-
Essa pressão demográfica ou popu-
co) no sentido de aliar novas tecnologias a uma
lacional, bem como a pressão em relação à
nova produção industrial.
empregabilidade, gera uma demanda especí-
A criação da instituição de ensino supe-
fica para cada setor de serviços públicos, tais
rior é comparável à iniciativa da USP – Univer-
como saneamento básico, habitação, saúde,
sidade de São Paulo e do governo do estado
educação, recreação, entre outros. Assim, po-
de SP em expandir o campus universitário para
de-se afirmar que os estudos que orientaram
a zona leste reformulando os fluxos metropoli-
a formulação da operação carecem justamente
tanos relacionados tanto ao ensino e pesquisa
da visão metropolitana sobre alternativas de
quanto às classes sociais. A USP Leste se arti-
investimento de recursos públicos em outros
cula diretamente com o discurso municipal de
tipos de projetos que pudessem ter um maior
São Paulo de expansão de infraestrutura para o
impacto na geração de emprego ou de outro
desenvolvimento do conhecimento, ainda que
tipo de emprego, ligado à economia popular.
seja conhecimento com base profissionalizante
Ao contrário da ênfase que os relatórios técni-
e técnico que atende diretamente à formação
cos dão à questão das exportações dos produ-
da bacia de empregos de uma grande camada
tos gerados na região a partir da implantação
da população pobre que ali reside.
do Programa, nem tudo é a exportação, e as
A avaliação dos estudos técnicos da
economias locais ou domésticas são possíveis
principal consultoria envolvida (Atkearney,
fontes de geração de riqueza que devem ser
2003a/b e 2004) nos possibilita algumas refle-
consideradas.
xões. Do ponto de vista da viabilidade econô-
O Programa, estruturado segundo as
mica dentro dos setores produtivos analisados,
orientações econômicas da consultoria, garan-
apesar do manejo de uma base de dados bas-
te aos investidores as condições de uma alta
tante sofisticada, não foi observado o efeito ti-
rentabilidade sem, no entanto, considerar os
po “dominó” de um programa como esse, bem
custos sociais implicados e que finalmente re-
como os efeitos benéficos e maléficos sobre as
cairiam sobre as finanças da autoridade local, e
regiões envolvidas. Não basta medir o impacto
inclusive nacional, uma vez que a implementa-
em relação à geração de empregos formais e
ção não é metropolitana dada a ausência desse
impacto na PEA – População Economicamente
espaço institucional.
Ativa ou em relação ao PIB – Produto Interno
No que se refere ao território, não fo-
Bruto. É fundamental aplicar técnicas de simu-
ram analisados os impactos ambientais sobre
lação de impactos em relação à capacidade de
os ecossistemas ecológico-ambientais, em
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nenhuma escala de abordagem (área da ZEDE,
fato de que ambos os projetos dessa lógica se
área da operação urbana, Zona Leste do mu-
articulam a um terceiro, a projetada ampliação
nicípio de São Paulo, Zona Leste da região
do aeroporto internacional em Guarulhos, e
metropolitana, Região Metropolitana de São
que o objetivo central e de futuro seja sua li-
Paulo como um todo), nem tampouco em rela-
gação com um dos maiores e mais importantes
ção a uma região economicamente articulada
equipamentos portuários do Brasil, representa-
como o chamado “Complexo Metropolitano
do pelo Porto de Santos. Ao mesmo tempo, é
Expandido”.
relevante que, já no final da gestão municipal
Ainda que o estudo reflita alguns âmbi-
do período 2001-2004, a partir do êxito do pro-
tos de comparação sub-regional ao interior do
cesso de construção e aprovação do Prodel, a
município de São Paulo, as comparações são
prefeitura de São Paulo tivesse estruturado
de curto alcance, porque a simples indicação
uma consultoria para a construção de subsídios
da localização da atividade econômica é insu-
para formular um Programa de Desenvolvimen-
ficiente para refletir a mobilidade ou dinâmica
to Metropolitano baseado fundamentalmente
dos impactos sobre os equipamentos e infraes-
em políticas de desenvolvimento para as Zonas
trutura pública no âmbito regional de pequena
Leste e Sul do município e da Região Metro-
escala, o que não dá elementos para planejar
politana de São Paulo (Cebrap, 2004) e que se
os futuros crescimentos e demandas populacio-
desenvolveria em um desejado novo mandato
nais sobre o território urbano e metropolitano.
que não ocorreu.
As operações urbanas em Santo André
Neste aspecto, é fundamental considerar
seguiram sua implementação a partir, inclusive,
a posição do governo do estado de São Paulo,
de sua articulação ao Plano Diretor aprovado
da mesma força política que a vencedora no
em dezembro de 2004 e a operação em São
município de São Paulo para o período 2005-
Paulo foi interrompida com a assunção de uma
2008: alegando falta de recursos para construir
nova força política eleita para o período 2005-
o trecho leste do Rodoanel Metropolitano, a Av.
2008.
Jacu-Pêssego, eixo da operação urbana, vem
A implementação das ações é, portanto,
sendo considerada desde então como substi-
municipal, e está sujeita a decisões nesse âmbi-
tuta do Rodoanel naquela região. Essa decisão,
to que lhe conferem êxito ou fracasso de acor-
em implementação atualmente, distorce de for-
do com o empenho na gestão realizada. No
ma radical a formulação da operação urbana
entanto, ainda que houvesse a possibilidade de
e induz a padrões de tráfego, mobilidade e de
efetivação do plano ou projeto de forma iso-
uso e ocupação do solo incompatíveis com o
lada, em termos da atração de investimentos,
desenvolvimento econômico-social para a zona
seja para São Paulo ou Santo André, a perspec-
leste no sentido de sua inclusão socioterritorial.
tiva de realização concreta desses investimen-
Ademais, o próprio governo do estado indica
tos é muito maior na lógica combinada, pois o
a fragilidade de seu âmbito de planejamento,
potencial de realização de economias regionais
uma vez que o Rodoanel Metropolitano não
e de ganhos de proximidade a mercado consu-
deveria, nos diversos traçados e formulações
midor aqui ainda é enorme. Não é desprezível o
desde sua concepção, interligar-se diretamente
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à malha urbana e a avenidas que, como a Jacu-
que a reivindicam seu espaço na luta social (Fó-
Pêssego, são estruturais na hierarquia viária
rum de Desenvolvimento da Zona Leste em São
urbana, em sua concepção e operação desde os
Paulo, Fórum da Cidadania do Grande ABC). Os
anos 1990.
agentes interiores ao poder político (dirigentes
Na construção dos discursos da transfor-
do executivo e do legislativo municipal, estadu-
mação, e considerados novos recursos de ges-
al ou federal) podem, inclusive, querer apoiar-
tão, os Grandes Projetos Urbanos são metáforas
se na participação social como expediente de
do manejo do capital no tempo e metáforas do
perpetuação no poder (manejo do discurso da
manejo do capital no espaço. Como metáforas,
promessa eleitoral), tentando capturar a esfera
são figuras de linguagem, dos discursos de ci-
da organização social, que é historicamente lo-
dade que os sustentam. Como vir a ser, essas
cal no Brasil.
operações fazem parte da categoria de projetos
Na escala dos Grandes Projetos Urbanos,
comuns, inclusive no manejo dos componen-
devido a seus extensos impactos na economia
tes físico-territoriais (obras que constituem seu
e no território, e devido à recente incorporação
corpo material – avenidas, marginais, transpo-
da questão da sustentabilidade ambiental pa-
sições, terminais de passageiros, pista de pou-
ra a defesa de um projeto, encontramos cada
sos e decolagens, entre outros) de um projeto
vez mais a relativa valorização dos estudos
urbano aplicado a um novo espaço que será
técnicos. No entanto, na questão do “desen-
construído e também das imagens arquitetô-
volvimento institucional”, enquanto conjunto
nicas que orientarão as novas edificações. Por
de métodos para transformar as estruturas de
outro lado, como vir a ser metrópole o Grande
discussão pública e de aprovação das peças le-
Projeto Urbano incorpora e maneja os compo-
gais que operacionalizarão o projeto, os expe-
nentes temporais do discurso das possibilidades
dientes são os mesmos de sempre: a influência
de um novo lugar: ser algo que ainda não é e
do poder econômico é muito mais efetiva nos
que depende do conjunto do ser social e polí-
espaços políticos de decisão sobre os projetos
tico para sua implantação. E virá a ser inclusive
de lei, ainda que sejam constituídos espaços de
para a realização do capital fundiário, principal
discussão pública dos projetos.
aspecto da transformação de um lugar ao ser
No sentido da abordagem desses Gran-
valorizado pela incorporação de transformações
des Projetos Urbanos associados na Zona Les-
territoriais promovidas tanto por obras públicas
te da metrópole, articulando-a de norte a sul,
quanto por investimentos privados.
tanto internamente quanto com outras regiões
Enquanto objeto de discussão pública, no
metropolitanas contíguas, é oportuno indicar
planejamento que incorpora a participação so-
algumas questões em torno da concepção de
cial, são variados os agentes que se agregam ao
projetos de âmbito metropolitano.
processo, inclusive os movimentos sociais co-
No tocante à eficiência isolada de cada um
mumente manejando os discursos divergentes.
dos projetos e sua relação com a eficiência vin-
A participação social quer ser, ela própria, um
culada à lógica combinada, as partes constituti-
elemento temporal de manejo de Grandes Pro-
vas da ligação entre o Aeroporto Internacional
jetos Urbanos, na medida em que há agentes
em Guarulhos e o Porto de Santos, através de
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Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos
zonas estratégicas de produção industrial co-
Do Projeto Eixo Tamanduatehy, a luta por
mo são Itaquera, Mauá e Santo André, ligadas
atrair os investimentos localizados, prioritaria-
pelo Rodoanel Metropolitano, deveriam ser to-
mente, ainda, no setor terciário, deverá seguir
das implantadas para que se alcance o objetivo
bastante intensificada. Este projeto, na escala de
final da acessibilidade regional em termos da
eficácia isolada, talvez seja o que menos possa
produção econômica e manutenção desse polo
avançar de forma autônoma com a magnitude
nacional de produção e controle do capital.
esperada, sem as obras estruturais de ligação
Considerando as ações articuladas em
entre o Aeroporto e o Porto. O cenário para San-
um Grande Projeto Urbano metropolitano que
to André não mudará tão intensamente quanto
se constitui de partes formuladas por dife-
já mudou nos últimos 15 anos, se não forem im-
rentes autoridades municipais, sua eficiência
plementados, para além dos investimentos nos
apenas poderá ser claramente dimensionada a
componentes do Santo André Cidade Futuro,
partir da conclusão de todo o eixo viário e das
projetos de articulação metropolitana.
operações urbanas e obras envolvidas. De for-
Ainda que os projetos se utilizem e se
ma individualizada, o que se pode esperar dos
beneficiem de alguma forma dos discursos de
projetos? Mais competição entre cidades é um
desenvolvimento local para sua justificativa, é
dos resultados mais prováveis.
relevante indicar a importância da vinculação
Da operação urbana consorciada Rio Verde–Jacu, mesmo sem sua desativação a partir
a outros projetos metropolitanos, com relevância para o Rodoanel.
de 2005, é visível um período longo de “espe-
Os discursos que sustentam em gran-
ra” pelo interesse imobiliário que tem um pe-
de parte a formulação dos projetos na ló-
rímetro muito extenso para investir e o poder
gica de sua articulação em um território
público tem obras estruturais para concluir, e
metropolitano e intermetropolitano, não
ainda implantar, relacionadas à acessibilidade
lograrão construir, isoladamente, realidades
interna da Zona Leste, à consolidação da Zona
solidárias na região, uma vez que estas se
Industrial em Itaquera. Além disso, uma com-
localizam no âmbito da realização macroe-
plementação da operação urbana consorciada
conômica e macrorregional. A reconversão
deve ainda ser formulada em projeto de lei, se-
econômica de um município, a localização
guindo o perímetro atual, que finaliza na Aveni-
geopoliticamente construída e a centralida-
da Ragueb Chohfi, até o limite com o município
de metropolitana não podem ser alcançadas
de Mauá. Este município, por sua vez, deverá
de maneira sustentável apenas como discur-
efetivar sua ZDE – Zona de Desenvolvimento
so; devem ser buscadas regionalmente com
Econômico, prevista no Plano Diretor de 1998,
a articulação e visualização de ganhos possí-
que reúne os enclaves industriais e de serviços
veis na lógica combinada, com políticas pú-
produtivos de Capuava e Sertãozinho, por onde
blicas de desenvolvimento social e econômi-
passa a Avenida Papa João XXIII que ligará ao
co a partir de recursos de gestão amparados
Rodoanel Metropolitano, peça-chave na consti-
em um novo ambiente jurídico-institucional
tuição da prevista ligação Aeroporto-Porto.
metropolitano.
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Eulalia Portela Negrelos
Eulalia Portela Negrelos
Arquiteta e urbanista pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, mestre e doutora em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo.
Professora doutora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São
Carlos da Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) No contexto da ideia de “globalização” como um neologismo para um novo período de internacionalização da economia.
(2) Urbano entendido como suporte das estruturas essenciais para a reprodução do capital nas unidades de produção na história da urbanização (que é história da produção de novas cidades
adequadas para a reprodução do sistema capitalista baseado na industrialização).
(3) Dados disponíveis em http://www.emplasa.gov.br, acesso em 27/1/2004. A ampliação do perímetro da operação Rio Verde-Jacú deveu-se, em grande parte, à visão de que a captura dos
recursos de outorga onerosa do direito de construir deveria ser aplicada em um perímetro contínuo, apesar de que o Estatuto da Cidade não indica objeção a perímetros descontínuos para
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Texto recebido em 22/jun/2009
Texto aprovado em 6/ago/2009
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Planejamento numa sociedade
em rede. Práticas de planejamento
colaborativo no Brasil
Planning in the network society.
Collaborative practices of planning in Brazil
Nilton Ricoy Torres
Resumo
Este trabalho aborda o planejamento como um
pleito participativo onde todos os argumentos são
discutidos através do debate democrático. Nessa formulação, o planejamento não é um cálculo
estratégico, mas um diálogo interativo no qual os
participantes constroem o consenso a partir do entendimento e da colaboração. O estudo analisa as
experiências de movimentos sociais, planejadores
e cidadãos diante de impasses e conflitos e, como
estes, agindo de forma dialógica e cooperativa lidam com situações complexas para resolver problemas onde os poderes instituídos fracassaram. O
trabalho discute a emergência das redes informais
de planejamento e identifica seu papel no contexto da prática de planejamento brasileiro. Avalia-se
em que medida estas redes indicam a emergência
de um novo modo de governança urbana em gestação no século XXI?
Abstract
This work deals with planning a democratic
enterprise in which all arguments are freely
discussed through a genuine debate. In this
formulation, planning is not a strategic calculation,
but rather a collaborative dialogue where people
seek to build consensus within a collaborative
and learning scenario. The research focuses on
the experience of social movements, citizens and
planners, facing conflicts. Acting collaboratively,
these agents seek to solve distressful problems
in contexts where public intervention is absent or
failed. The research highlights how the working
of a network of agents operating informally and
collaboratively can counteract power, by providing
information, counter information and technical
capacity. It identifies the emergence of “planning
networks” and their roles in the context of Brazilian
planning practice. Would these “webs” be an
emerging mode of urban governance in the twentyfirst century?
Palavras-chave: participação; redes; planejamento; colaboração; governança.
Keywords: participation; networks; planning;
collaboration; governance.
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das políticas sociais ou de habitação recentes,
A emergência de um novo
planejamento
levadas a cabo sob a iniciativa e tutela institucional do poder público – é frequente observar
resultados tímidos, aquém do esperado, muitas
Este trabalho aborda o que aqui se define co-
vezes com pouca eficácia para alterar o qua-
mo o despertar de um novo modo de fazer o
dro de desenvolvimento caótico e desigual das
planejamento caracterizado pela expansão e
cidades.
a multiplicação de práticas de organização,
As redes informais de planejamento –
mobilização e interação social, empreendidas
formadas por setores sociais organizados da
através da iniciativa informal de uma diversi-
sociedade civil – constituem uma resposta a
dade de agentes. Estas práticas emergem da
essa realidade. Resultam, em geral, de situa-
ação pontual de uma extensa rede de novos
ções marcadas pela ausência sistemática do
atores sociais: indivíduos, grupos ou organiza-
Estado, pela descrença na capacidade de ação
ções sem vinculações políticas, institucionais
das estruturas institucionais do poder público
ou corporativas que se articulam de forma não
e pela persistência de realidades caracteriza-
sistêmica a movimentos da população para a
das pela existência de privacidades e carências
resolução de problemas reais e imediatos. Estas
crônicas.
formas de ação em rede emergem muitas vezes
Em geral, esta articulação em rede ocorre
do vácuo deixado pela ausência do Estado e
junto e a partir da mobilização da população
tornam um contraponto às práticas formais de
local e tende a se desfazer rapidamente ao
planejamento.
completar o ciclo da ação e ao atingir os ob-
Nas práticas do planejamento formal não
jetivos propostos. Esta forma de mobilização,
são infrequentes situações em que as políticas
ou rede, pode se entendida como estruturas
de planejamento desenvolvidas através dos ca-
temporárias, não formais, sem vínculos insti-
nais institucionais tradicionais do Estado apre-
tucionais, onde os membros se mobilizam em
sentam problemas com relação à transparência
torno de ações concretas tendo em vista lograr
dos procedimentos técnicos e burocráticos uti-
a resolução de um problema específico. Não há
lizados na sua elaboração e/ou com relação à
uma diretriz ou uma política prévia formulada
eficiência dos processos utilizados na sua im-
externamente ao contexto da ação, mas ao
plantação. No primeiro caso, interesses domi-
contrário, o plano de intervenção é construído
nantes e com acessos privilegiados às esferas
ao longo do processo de planejamento pelos
de decisão buscam manipular informações e
atuais participantes no próprio lócus da ação.
recursos tendo em vista beneficiar interesses
O motor de toda empreitada é a necessidade
específicos. No segundo caso, não são inco-
de agregar capacidade (valor, poder, conheci-
muns os custos elevados e a morosidade asso-
mento e informação) ao processo de ação com
ciada aos processos de implantação das políti-
o objetivo de alcançar a meta desejada.
cas públicas. Até mesmo nas experiências mais
O presente trabalho avalia essas formas
democráticas vinculadas a procedimentos par-
de interação social, focalizando em particular a
ticipativos de planejamento – como nos casos
informalidade e a diversidade de suas conexões,
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os processos colaborativos de sua operação e
lidar com o tempo e com o espaço, o que, por
os resultados obtidos tanto ao nível da subs-
sua vez, implicaria o aparecimento de novas
tância do planejamento quanto do processo
circunstâncias, perspectivas e necessidades
de planejar. O argumento central do texto é
sociais.
que essas formas de interação subvertem os
Em resumo, a realidade contemporâ-
modos tradicionais de fazer planejamento ao
nea se caracterizaria pela mudança contínua,
inserir práticas de participação colaborativa
instigada por fluxos intensos e cada vez mais
capazes de substituir a ação do Estado e obter
rápidos de transformação das estruturas tec-
resultados em situações adversas e de confli-
nológicas e produtivas da sociedade impondo
to onde a ação pública é omissa ou fracassou.
por esse processo mudanças profundas e a
O aparecimento desses novos movimentos
recomposição contínua de todo tecido social.
sociais sugere a emergência de um modo de
As instituições da sociedade civil, forjadas nos
governança pelo qual as atuais instituições de
parâmetros da racionalidade técnica e do posi-
planejamento que integram a estrutura formal
tivismo universalista, não estariam mais aptas
do Estado se tornam apenas mais um partici-
para organizar e muito menos para governar
pante na articulação cooperativa de agentes
os conflitos gerados pelas as novas relações
sociais para a formulação e implementação
sociais e, por isso, sofrendo endêmicas crises
de ações concretas sobre o território urbano
de eficiência e legitimidade (Habermas, 1973).
(Innes e Booherr, 2003).
Essa nova realidade estaria, por um lado, pro-
O texto busca avaliar e responder em que
piciando o despertar de novas práticas de ação
medida e sob que circunstâncias estas formas
e fazer social, incitando desse modo o surgi-
de ação/articulação da sociedade civil estaria
mento de um novo tecido institucional a elas
a indicar o surgimento de novas formas de
vinculado e, por outro, inibindo a capacidade
organização institucional adaptadas às novas
de ação e provocando a obsolescência das ins-
circunstancias da sociedade pós-industrial do
tituições constituídas do mundo moderno.
século XXI. A hipótese de trabalho deste ensaio
é que as instituições modernas da sociedade
industrial já não seriam mais capazes de organizar a produção social e governar as relações
O texto
sociais no contexto do mundo contemporâneo.
Tal contexto, como afirmam vários autores
Este texto analisa dois tipos de experimentos
(Castells, 1996; Giddens,1990; Tourraine,1999),
relacionados com a ação participativa no pla-
apresenta uma realidade caracterizada pela
nejamento. O primeiro aborda a experiência de
complexidade das relações humanas, pela rapi-
planejamento levada a cabo na cidade de São
dez das transformações culturais e tecnológicas
Paulo quando da elaboração do Plano Diretor
e pela globalização dos mercados de produção
Estratégico. A experiência foi uma tentativa
e consumo. Esses fatores estariam, pois, a favo-
de implementar um novo processo de consul-
recer o surgimento de novas formas de relações
ta democrática através de ampla participa-
sociais caracterizadas por modos diferentes de
ção do cidadão nos processos deliberativos
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de planejamento. O experimento apresenta
pelos incluídos que participam dos processos
diversas dificuldades de ordem prática, provoca
de co-labor-ação participativa (Freire, 1978).
desapontamento e significativa decepção en-
O presente texto é dividido em três par-
tre os participantes e acaba por não represen-
tes. Na primeira abordam-se os pressupostos
tar uma alternativa de inclusão social para os
epistemológicos que sustentam as diversas
que vivem à margem da sociedade. O segundo
formas ou concepções de planejamento. Esses
tipo de experiência participativa aborda um
pressupostos são discutidos pela contraposição
conjunto de atividades independentes e des-
de duas concepções de razão. A primeira refe-
conexas de grupos e movimentos sociais que
re-se à razão técnico-científica aqui abordada
se organizam em torno de ações concretas di-
sob o termo instrumental e a segunda à razão
rigidas à resolução de situações emergenciais
simbólico-comunicativa entendida como razão
ou de carência iminente. Esses experimentos
prática. Sugere-se que a partir de cada concep-
envolvem a participação informal e a integra-
ção de razão se desenvolvem diferentes visões
ção entre os grupos alvo e meio da ação. São
acerca da origem e finalidade do planejamen-
processos similares às experiências de pesqui-
to, que tendem a se apresentar, pelo menos no
sa-ação-participativa onde a prática social se
nível teórico, como mutuamente excludentes.
resume na construção do diálogo-ação. Esta
Argumenta-se pela superação dessa dicotomia
prática – permeada sempre pela comunica-
por meio da adoção de uma epistemologia que
ção franca e aberta – envolve mútua apren-
incorpore no mesmo arcabouço metodológico
dizagem e trocas de recursos, experiências e
toda forma de conhecimento produzida pela
informação entre os participantes com o obje-
razão, onde estarão incluídos todos aqueles ge-
tivo precípuo de superação do problema con-
rados pela análise empírica da realidade como
creto ou alteração/transformação da realidade
aqueles derivados da avaliação hermenêutica
objeto da ação.
dos processos intersubjetivos comandados pelo
Para evidenciar esses fenômenos, o texto
diálogo (Yanov, 1995).
aborda um conjunto de experimentos que se
Na segunda parte avalia-se o caso de
produziram em diversos municípios do Brasil,
São Paulo. Essa experiência se caracteriza pela
pela ação de movimentos sociais em parceria
utilização deliberada do planejamento estraté-
ou não com o poder público. Tais experiên-
gico-instrumental fundamentado em concep-
cias apontam para a capacidade e o poder de
ções técnico-científicas de racionalidade e pela
ação de tais empreendimentos participativos
tentativa de incorporar a esta formulação ins-
não apenas pela habilidade de produzir solu-
tâncias da racionalidade comunicativa através
ções para os problemas situados (resultan-
da participação popular e de práticas de delibe-
tes substantivas), mas também para incitar o
ração coletiva.
aprendizado, a conscientização, a emancipação, e o “empoderamento” dos grupos envolvidos (resultantes processuais), grupos estes
formados não apenas pelos marginalizados,
excluídos ou descartados da vida, mas também
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Na terceira parte, abordam-se casos da
mobilização de grupos e/ou movimentos sociais em torno de situações concretas. O texto
analisa as formas de ação e de mobilização
utilizadas nessas práticas e os impactos criados
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pelas mesmas para efetiva transformação da
se obtém através do uso “eficiente” da ferra-
realidade. Avalia-se a natureza dessas novas
menta “adequada”.
formas de práxis social e especula-se em que
A razão instrumental utiliza o enfoque
medida essas experiências podem significar a
“meios-fins” como uma forma de ação racional.
emergência de novas instituições de governan-
Se os fins são a priori dados, o problema se re-
1
ça urbana.
sume em encontrar os meios mais “apropriados” para atingi-los. Se “apropriado” implicar,
por exemplo, eficiência de custos – custos
Razão por instrumento
ou por comunicação?
menores para obtenção do mesmo benefício
– qualquer ação se justifica, desde que aquilo
que for considerado custo seja minimizado e o
que for definido como benefício, maximizado.
Este trabalho se desenvolve avaliando os ar-
Nessa formulação de racionalidade, valores
gumentos que sustentam duas concepções de
morais, normas justas ou premissas éticas para
racionalidade: a racionalidade técnica-instru-
a seleção dos fins e dos meios estão fora de
mental e a simbólico-comunicativa. A primeira
questão. Meios e fins (mesmos que não isen-
tem por base cálculos técnico-racionais e a se-
tos de valor) se justificariam por si próprios.
gunda o diálogo. A racionalidade instrumental
Na verdade, por detrás de proposições “isen-
aposta no controle social e utiliza instrumentos
tas”, “neutras” e “racionais”, produzidas por
técnicos e científicos para exercê-lo. Já a racio-
sofisticados modelos técnico-instrumentais, se
nalidade simbólica busca o entendimento pela
escondem interesses e formulações morais de
via da comunicação e do diálogo. Cada con-
grupos específicos (Schön, 1983).
cepção envolve uma visão de mundo, um mo-
A racionalidade simbólica entende que
do de questionamento e uma maneira de agir
uma ação racional sensível não se desenvolve
sobre a realidade (Bernstein, 1978; Habermas,
a partir de uma ferramenta ou técnica de expli-
1970). exprimir
cação, mas da nossa capacidade de interação,
Na primeira concepção, questões de va-
de fala e de entendimento mútuo. Enquanto
lor ou significado estão ausentes do processo
atores sociais, nós interagimos, aprendemos
de racionalização. As verdades são introduzi-
e ensinamos mutuamente, e isso pressupõe a
das antes da formulação do problema com o
mobilização de atenção, modelagem da per-
objetivo precípuo de deixá-lo isento e livre de
cepção, alteração de convicções, promoção de
ambiguidades ou dupla significação. Questões
entendimentos, produção de crenças e criação
tais como quem racionaliza, quem se beneficia
de expectativas. Essas interações sociais são
deles e de quem são os problemas versados
constituídas de atos comunicativos que, numa
não são objeto do processo racionalização. Ra-
relação comunicativa qualquer, nos permite
cionalidade é vista como politicamente neutra
fazer afirmações contextuais e substantivas
e isenta de valor. O único compromisso é com
(Habermas, 1984). Ao agir de forma comuni-
a “melhor solução” – a proposta racional que
cativa, as pessoas utilizam atos da fala que
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tornam a comunicação possível e que emergem
é uma pessoa situada e vinculada ao seu mun-
nas relações sociais cotidianas de argumentar,
do social, histórico e cultural. Por isso a racio-
sugerir, prometer, explicar, questionar, endossar,
nalidade será sempre situada e, só poderá ser
alertar, aconselhar e notificar que são proferi-
derivada de um contexto particular, isto é, de
das sempre em contextos sociais, históricos e
um tempo e espaço específicos. De acordo com
institucionais particulares (Forester,1993). Para
Habermas (1984) soluções racionais para pro-
que haja um entendimento mútuo no processo
blemas que as pessoas confrontam não podem
da comunicação, as pessoas devem se certificar
ser genéricas, absolutas ou universais, como
de que podem compreender, acreditar, confiar e
se as pessoas fossem seres mecânicos e homo-
concordar com o que é dito pelo interlocutor.
gêneos. Pelo contrário, proposições racionais
Habermas (1984) afirma que tais ações
são aquelas que fazem sentido para as pessoas
comunicativas nunca são uma garantia de su-
e por isso mesmo carregam o potencial para
cesso, pois resultam sempre do desempenho
resolver e mudar situações não desejadas.
prático e contingente. No entanto, ele sustenta
Uma proposta de mudança só faz sentido se
que é somente através da interação comuni-
as pessoas assim o desejam e estão cônscias
cativa que um mundo racional pode emergir.
da mesma (Freire, 1987). Racionalidade é, fun-
Isso pressupõe um diálogo livre onde o único
damentalmente, um processo de mútuo enten-
objetivo é obter o entendimento e garantir que
dimento entre seres ativos e conscientes. Por
a comunicação não coercitiva progrida. Diá-
isso ela é sempre dependente de um contexto
logo, aqui, pressupõe uma arena situada de
social e cultural específico e vinculada a um
ações comunicativas, onde qualquer afirma-
momento histórico particular.
ção prática proferida por qualquer ator possa
Em resumo, a segunda concepção de
se testada, criticada e rejeitada pelos outros.
racionalidade tem por base a interação social
É exatamente isto que faz da ação comunicati-
e política que se desenvolve no cotidiano e a
va uma ação social contingentemente racional
comunicação prática voltada para dar sentido
(Bernstein, 1978).
à realidade, que dela resulta. Essa racionali-
Nesse modelo, questões normativas ou
dade prática lida com os valores simbólicos e
valores não são assumidos ou formulados a
com as questões morais de uma determinada
priori, mas são partes essenciais e constitutivas do próprio processo de racionalização. Racionalidade, como um processo comunicativo
e prático de agir, tem como foco questões tais
como quem age, no interesse de quem, em que
contexto, fazendo que tipo de escolhas, e em
que condições e limitações, sujeitos a quais regras e normas (Forester, 1989).
De acordo com o conceito da razão comunicativa, fatos e contextos não falam por si
mesmos, mas são interpretados. O ator racional
situação e lugar. Em lugar de variáveis ou cál-
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culos instrumentais, a razão simbólica se desenvolve através da interpretação do discurso
e dos significados imanentes do contexto. Racionalidade prático-simbólica não existe em
abstrato, fora do lugar ou do tempo, mas vincula-se a pessoas em lugares específicos, com
antecedentes históricos e culturais definidos.
Não há verdades universais, princípios gerais
ou leis transcendentais, mas apenas verdades contingentes, situadas, históricas e que
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afloram do entendimento fundamentado no
diálogo, na razão prática e no compartilhar de
significações – uma realização daqueles que
Planejamento, poder
e participação concedida
participaram coletivamente dessa construção.
O conhecimento científico – fruto de análises
O planejamento estratégico de São Paulo tem
técnicas e pesquisas empíricas – é sempre
origem no discurso, no discurso da participa-
bem-vindo ao mundo dos discursos, mas não
ção democrática, da transparência e da in-
de forma acrítica, como se fosse a única e de-
clusão social. Esses são os elementos básicos
finitiva palavra, mas como mais um discurso
da retórica do governo popular que assume a
que incorpora uma importante dimensão da
tarefa de elaborar um plano diretor de acor-
realidade à nossa reflexão (Habermas, 1984;
do com os moldes estabelecidos pelo recém-
Forester, 1989; Freire 1978). Nessa visão, ra-
aprovado Estatuto da Cidade. No entanto, a
zão é sempre produto do debate, do diálogo
aberto e da reflexão crítica de pessoas livres
e conscientes; enquanto que racionalização
define-se como o processo muitas vezes agonístico, mas também colaborativo de deliberação coletiva, pelo qual se constrói um sentido
comum às coisas que são relevantes para o
grupo (Healey, 1993; Hillier, 2003).
A seguir, aborda-se a experiência de
planejamento participativo na cidade de São
Paulo, onde a elaboração do Plano Diretor Estratégico da cidade apresentou diversos desafios operacionais e de comunicação durante o
processo de implementação e que resultaram
em inúmeras dificuldades para a legitimação
do mesmo. A experiência não correspondeu
às expectativas e acabou por não representar
uma alternativa real para aqueles tradicionalmente excluídos na sociedade. A experiência
demonstrou que, na prática, o processo de
planejamento não foi realmente de participação aberta e democrática, uma vez que muitas
das decisões consideradas estratégicas foram
tomadas em gabinete, a priori ao debate com
a população, em circunstâncias estranhas e
alheias ao processo participativo.
ideia de estratégia que vigora por detrás da
concepção dominante de planejamento pressupõe a busca racional dos fins desejados pela
via do cálculo estratégico e pela formulação
dos meios e encaminhamentos adequados para alcançá-los. Nessa ideia de estratégia não
estão evidente mente incluídos os significados do que seja adequado ou desejado, nem
a definição sobre quem calcula ou escolhe os
meios e nem sobre quem decide acerca do que
é desejado. Na verdade, os pressupostos de tal
planejamento não comportam tal discussão,
visto que já estariam (ideologicamente) incorporados aos mesmos, as premissas estratégicas (racionais) do que é adequado e/ou
desejado. Tampouco é necessário cogitar-se
da possibilidade de ampliar envolvimentos no
processo de decisão, visto ser este entendido
como matéria própria das elites detentoras das
diversas formas de poder, aí incluídas o poder
do conhecimento e da racionalização técnica,
capazes de justificar, pela via do instrumental
científico, as decisões racionais.
Na verdade, a elaboração do Plano
Estratégico de São Paulo tem início em círculos
fechados de consultas técnicas internas
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às instituições públicas. Diversas agências
sua chance de participar no nível local quando
municipais e estaduais de planejamento par-
da elaboração dos chamados Planos Regionais.
ticipam das conversações. Uma interminá-
De acordo com as prescrições da Sempla, o pla-
vel série de encontros, reuniões, discussões,
nejamento deveria ocorrer em várias etapas,
consultas, avaliações, reavaliações têm lugar
das quais o Plano Estratégico era apenas parte
durante os anos de 2001 e 2002, resultando
de um processo mais amplo (Villaça, 2005).
num impressionante volume de trabalhos e
Como o planejamento abordado no Plano Dire-
documentos confidenciais para discussão inter-
tor tratava apenas de questões estratégicas e
na. A tarefa em pauta é a formulação da agen-
estruturais, que com implicações para a cidade
da de planejamento, isto é, o recorte daquelas
por inteiro, “não era conveniente ampliar a dis-
questões que os tecnocratas acreditam serem
cussão”, até porque “tal empreitada requer co-
os problemas dos cidadãos e os temas funda-
nhecimento especializado”. Tal argumentação
mentais da cidade. A etapa seguinte é dirigida
procurava assim justificar a elaboração do Pla-
ao debate das questões selecionadas pela bu-
no Diretor como processo confinado a técnicos
rocracia, questões que direcionam a atenção
e especialistas. Pessoas comuns argumentava-
das pessoas para temas específicos, enquanto
se, “não estariam preparadas para discutir o
que outros são cuidadosamente negligenciados
que é ou não adequado para cidade como um
ou considerados apenas como não estratégi-
todo”. “Elas nunca pensam a cidade na sua in-
cos. Apesar dessas inconveniências, o executivo
tegridade, pois se preocupam apenas com seu
promulga, em 13 de setembro de 2002, o plano
mundo imediato”.
diretor de São Paulo sob a Lei 13.430. O Plano
A lógica ou o modelo de “razão” por
Diretor Estratégico, como vem a ser conhecido
traz de toda empreitada era o de propiciar
mais tarde, torna-se, no discurso das autorida-
(ou permitir) a participação do cidadão após
des municipais, uma das grandes realizações
o planejamento da cidade pelos planejado-
do povo de São Paulo. Após anos de frustradas
res. Assim, pela retórica oficial, o cidadão
tentativas, os cidadãos desfrutam de um novo
comum teria que esperar sua “hora e vez” de
plano –“o plano capaz de colocar São Paulo de
participar. Mesmo assim, os técnicos da Pre-
novo nos trilhos”. Os técnicos da Sempla – Se-
feitura sustentam que, concluído o plano em
cretaria Municipal de Planejamento do Municí-
suas instâncias técnicas, as “pessoas” seriam
pio de São Paulo, assim como os tecnocratas de
chamadas a participar nas audiências públi-
outras agências participantes, congratulam-se
cas a serem instaladas antes da submissão do
mutuamente, orgulhosos de seu trabalho – o
texto final à Câmara Municipal. Dessa forma,
processo de elaboração do plano mostra-se
os planejadores reconciliam os sonhos de um
“um real exercício de cidadania, onde todos
processo “racional” de planejamento, ao faze-
puderam contribuir e debater livremente”.
rem o jogo da precedência – após decisões
O fato de os cidadãos de São Paulo não
técnicas vinculadas às estratégias da racio-
terem tido voz no processo de elaboração do
nalidade instrumental (poder?), permite-se a
Plano não é uma questão importante para os
participação. Com o confinamento da parti-
planejadores da Sempla, pois a população teria
cipação da população às instâncias inferiores
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Planejamento numa sociedade em rede
do processo – após a definição das diretrizes
torna uma questão de decisão discricionária.
estratégicas de planejamento –, busca-se legi-
Ao convidar seletivamente pessoas para par-
timar o Plano e exibir suas propostas como um
ticipar, os planejadores arbitraram o processo
empreendimento democrático
de participação em conformidade com suas
Três aspectos são vitais nesses eventos.
conveniências (Forester, 1989). Na verdade,
Primeiro, a estratégia de planejamento que
a participação nunca constituiu um elemen-
emerge desse experimento é concebida como
to central das práticas daquele experimento,
um processo de cima para baixo, pelo qual a
mas um instrumento subsidiário do processo
atenção do grande público é dirigida para um
de planejamento, quiçá um ritual necessário,
conjunto de temas formulados em círculos fe-
compulsório, essencial para emprestar alguma
chados de deliberação técnica. Inexiste a par-
legitimidade ao processo que se pretendia de-
ticipação cidadã e não se contempla a possi-
mocrático.
bilidade de formular consultas ao público em
Terceiro, a racionalidade técnica-instru-
geral. Os temas do planejamento são coloca-
mental se revela essencial para os tecnocratas
dos (ou impostos?) como se fossem as únicas
do planejamento. Ela “deve” ter precedência
“verdades”, críveis e plausíveis a serem aceitas
sobre qualquer outro processo de deliberação
pela população. Oposição ou descrença, em
e por isso deve sempre “dirigir a atenção” do
relação às diretrizes propostas pelo Plano Dire-
público para “o que importa” – as questões
tor é tratada, pelos técnicos da administração,
fundamentais. As audiências para as quais a
como desconhecimento ou ignorância do gran-
população é convidada seguem sempre uma
de público: certamente é porque “leigos” não
agenda previamente definida, sendo que nos
podem entender os “verdadeiros” problemas
casos das reuniões locais as discussões são
por detrás da vida da cidade. Após o estabe-
sempre restritas a tópicos pré-selecionados.
lecimento das diretrizes estratégicas, os passos
Qualquer pessoa pode discutir e debater de-
seguintes se tornam apenas corolário – uma
mocraticamente, concordar ou discordar, mas
mera especificação de encaminhamentos no
sempre circunscrito aos temas da “agenda”.
nível local.
A estratégia de primeiro definir a agenda/
Segundo, a ideia da participação popular
diretrizes em círculos fechados para abri-los
na concepção dos planejadores aparece muitas
depois à participação caracteriza o experi-
vezes de forma ambígua: a participação, às
mento de São Paulo – um processo que re-
vezes, surge como participação do cidadão co-
duz a participação para atender às demandas
mum, outras vezes como participação de gru-
dominantes, suprime o diálogo para instituir
pos organizados/instituições da sociedade civil.
opções relacionadas ao “tecnicamente ade-
Como nessa visão o planejamento se subdivide
quado” e manipula e dirige a atenção do pú-
em temas estratégico-estruturais de um lado e
blico em assembleias burocráticas ou reuniões
em questões locais de outro, a participação se
ritualistas.
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(Habermas 1984). O diálogo em um processo
Experimentos informais de
planejamento participativo:
redes de colaboração
de mútua colaboração é na verdade o primeiro
passo da ação (Freire, 1978).
Colaboração envolve também diversidade e interdependência entre os participantes.
Planejamento colaborativo
Na verdade todos os atores sociais interessados devem ter acesso ao processo de nego-
O planejamento colaborativo não é apenas
ciação e ter a liberdade para expressar seus
mais um método para resolver problemas em
interesses de forma livre e democrática. Essa
situações de conflito ou de inépcia dos sistemas
perspectiva faz das redes de planejamento are-
tradicionais de planejamento, mas um modo de
nas de diversidade onde diferentes visões e in-
criar relações e de compartilhar conhecimentos
teresses conflitantes são discutidos e avaliados.
entre os participantes com o objetivo de criar
A diversidade é uma condição necessária para
capacidade para confrontar a situações proble-
os processos de interação em rede na medida
máticas. Tais conhecimentos incluem conheci-
em que ela propicia a criatividade na busca de
mentos especializados, conhecimentos das ne-
soluções que atendam aos interesses em jogo.
cessidades do outro, conhecimento das capa-
Colaboração implica também a interdependên-
cidades e das dinâmicas dos problemas na so-
cia entre os participantes, uma vez que a par-
ciedade. O planejamento colaborativo é apenas
ticipação coletiva tendo em vista a criação de
um modo de confrontar os problemas através
cenários que atendam aos interesses diversos,
de formas criativas e adaptativas de conduzir
muitas vezes, só se viabiliza pela ação integra-
a ação em direção a objetivos comuns em uma
da e colaborativa de todos envolvidos. Enfim,
era de informação e rápida transformação.
a construção das soluções para os problemas
Colaboração envolve, sobretudo, o diálo-
comuns muitas vezes é inatingível de forma
go entre participantes. Em situações de dispu-
particular, isto é, pela ação individual, pois
tas onde interesses conflitantes estão em jogo,
muitas vezes a saída para o problema de um
o diálogo é essencial para a busca da solução
interessado envolve muitas vezes a resolução
comum e compartilhada. O diálogo que se es-
conjunta dos problemas interdependentes dos
tabelece em cenários que envolvem a colabo-
outros participantes.
ração não pode ser apenas um processo formal
Nos processos informais de colaboração,
e ritualista de interação. É através do diálogo
os participantes, além de desenvolverem um
franco que as pessoas expressam suas necessi-
entendimento acerca de suas interdependên-
dades e seus sentimentos, ao invés de encobri-
cias, tendem também a construir um relaciona-
los em posições fechadas e excludentes. No
mento de reciprocidade. Através dessa forma
diálogo, o representante de um grupo deve ter
de relacionamento, os participantes aprendem
legitimidade para falar em nome de seus mem-
que em seu próprio benefício devem não ape-
bros e deve expor seu ponto de vista com sin-
nas trabalhar em conjunto com os outros, mas
ceridade, de forma compreensível e verdadeira
também oferecer algo aos outros já que os
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outros possuem algo a lhe oferecer. A descober-
lógicas de dominação. O processo participati-
ta da reciprocidade mútua é uma das principais
vo colaborativo de ação em rede tende a pro-
características das experiências de participação
blematizar contextos e as condições que são
em redes de colaboração. É pela cooperação
construídas ideologicamente como naturais
recíproca que se incrementa o capital social e
da realidade. Por esse processo, o participan-
a capacidade do grupo em desenvolver ações/
te questiona as condições e busca as soluções
soluções capazes de superar desafios muitas
para problemas intratáveis fora do campo da
vezes inatingíveis através das políticas formais
dominação ideológica, iniciando dessa forma o
de planejamento.
processo de conscientização-ação voltado para
Uma característica fundamental dos
processos interativos desenvolvidos através
a libertação e emancipação dos participantes
(Freire, 1978)
das redes de colaboração é o aprendizado que
Colaboração, por isso mesmo, impli-
permite o crescimento mútuo dos participantes.
ca construção de dimensões que permitam
Na verdade, a percepção de diferentes mun-
a capacidade de criar soluções. Muitas das
dos e realidades e o aprendizado acerca das
experiências do trabalho cooperativo demons-
circunstâncias que envolvem o problema real
tram, como veremos nos exemplos da próxima
confrontado tornam-se o fator preponderante
seção, a capacidade de criar e inventar solu-
que une e fortalece as relações entre os parti-
ções inovadoras por parte do grupo. Liberar a
cipantes. O processo de aprender em redes de
capacidade criativa é uma tarefa que o grupo
interação colaborativa não é uma experiência
se impõe muitas vezes pela necessidade de dar
individual, mas é, acima de tudo, um exercício
respostas consistentes para situações aflitivas
de aprendizado coletivo, pelo qual os partici-
iminentes. A inovação não significa apenas
pantes aprendem não apenas ao ouvirem ou
ideias criativas para um problema específico,
indagaram acerca das questões em pauta, mas
mas, muitas vezes, representam novas ideias
também ao interagirem entre si para construí-
que se transformam em novas práticas e por
rem uma percepção plausível sobre a situação
vezes em novas formas de instituição. Estas
que os envolve. Nesse processo, informações
inovações, dificilmente, emergem do trabalho
são incluídas, alternativas são avaliadas, ce-
técnico-burocrático produzido através das ins-
nários futuros imaginados, sempre através da
tituições formais do planejamento, mas se tor-
contribuição de cada um adicionando-se paula-
nam possíveis unicamente através do capital
tinamente peças ao quebra-cabeça. Nesse pro-
social que se produz através da participação e
cesso, os participantes aprendem não apenas
colaboração dos vários atores. O aprendizado
pelo que os outros dizem, mas também acerca
através da “problematização” do objeto da
de seu próprio papel no processo.
ação, em geral, propicia formas criativas de
O processo colaborativo aprender envolve também tomar consciência das relações
pensar e modos inovadores de levar a cabo
ações transformadoras.
que obstruem a efetiva resolução de entraves
A característica peculiar das experiências
ou dificuldades impostos pelas relações ideo-
de colaboração em rede é a capacidade de se
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adaptar e incorporar situações complexas aos
uma interação, uma experiência de troca entre
processos de busca de solução para problemas
os participantes tendo em vista dar continui-
adversos. Na verdade, a própria existência do
dade à resolução da questão em pauta. Ela é,
conflito e de atitudes agonísticas por parte
em geral, levada a cabo através de uma rede
dos participantes é que propicia o processo de
diversificada de agentes, rede essa formada,
entendimento e de construção de caminhos
em geral, pela população interessada, por
comuns. A cooperação não é necessariamente
grupos de ação local e por movimentos sociais
uma atitude natural dos processos de intera-
empenhados em trabalhar em colaboração
ção em rede, no entanto, o pressuposto de que
tendo por objetivo a transformação do obje-
a posição de uma parte possa ser exposta en-
to da ação: a realidade em foco. Os objetos
volve necessariamente a contrapartida de ex-
da ação são quase sempre os problemas reais
posição da posição contrária, o que acaba por
confrontados pelas pessoas em situações es-
implicar um modus vivendi pelo qual os par-
pecíficas.
ticipantes aprendem que viver juntos apesar
Os casos a seguir enfocam os modos de
de diferentes e a construir uma realidade on-
articulação desses grupos. Essas articulações
de os valores de cada grupo são preservados
nunca são pré-definidas, mas, ao contrário,
e respeitados dentro de um espaço comumal
vão se constituindo ao longo do processo. Es-
compartilhado.
sas articulações envolvem conexões entre os
agentes externos ao contexto e entre estes e a
comunidade por meio de debates e ações que
Redes de planejamento colaborativo
visam a construção dos meios para confrontar
os problemas vividos pela população. Tais gru-
Esta seção discorre sobre experimentos de
pos, em geral, não possuem vínculos políticos,
planejamento nos quais a participação tem
institucionais ou corporativos, não contam
origem em relações diferentes daquelas que
com qualquer suporte material ou financeiro,
foram abordadas na exposição da experiência
mas os constroem como parte do processo
de Planejamento de São Paulo e cujos resul-
de busca da solução para os problemas reais
tados produzem efeitos práticos mais constru-
e tangíveis confrontados pela comunidade. A
tivos e consequentes. Nesses experimentos, a
peculiaridade dessas experiências é o traba-
participação não é um processo que se inicia
lho coletivo, informal e colaborativo realizado
fora do contexto da ação, de cima para bai-
pelos participantes, que se articulam em redes
xo, empreendido por instituições formais vin-
de cooperação para agregar valor aos esforços
culadas a alguma instância de poder (público
mútuos. A característica recorrente do proces-
ou privado), mas pelo contrário, tem origem
so de colaboração em rede é a presença even-
no mundo da vida, nos problemas reais, em
tual do poder público como um coadjuvante do
situações concretas e nos contextos da vida
processo colaborativo.
cotidiana. A participação nesses experimentos
A história da administração local no
não é uma formalidade a ser cumprida, mas
Brasil é, em grande medida, uma história
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conservadora. Na maioria dos casos, as institui-
Nessa linha de reflexão, várias questões
ções locais apenas serviram aos interesses das
de ordem ontológica e deontológica se colo-
elites locais. Na verdade, essas elites criaram
cam. Em que direções estes experimentos e
as instituições e modelaram os procedimentos
transformações sociais apontam? Que tipo de
administrativos de forma a produzirem efeitos
inovação eles produzem? Qual o projeto polí-
que promovessem apenas os interesses daque-
tico ou utopia por detrás da ação desses gru-
les grupos, em geral em detrimento da maioria
pos sociais? Milton Santos argumenta que as
da população. Só recentemente, sob o impacto
inovações por si mesmas não explicam nada,
de governos populares e democráticos e de prá-
da mesma forma que não indicam a direção do
ticas de inclusão social e participação, esta rea-
processo. É importante ter a consciência de que
lidade começa a mudar. As primeiras experiên-
processos democráticos de deliberação podem
cias inovadoras de Lages e de Boa Esperança
encobrir seus significados. Em muitos casos, eles
nos anos setenta indicam a emergência de no-
podem ajudar a construir novos espaços públi-
vos atores sociais articulados em torno de or-
cos e novos modos de lidar com os problemas
ganizações populares locais tais como associa-
à mão, mas podem também, no entanto, servir
ções de bairro, organizações de trabalhadores
outros interesses. Na verdade, interesses domi-
rurais, movimentos sociais de defesa do direito
nantes podem capturá-los e usá-los para iludir,
à terra, à habitação e dos direitos humanos.
cooptar e controlar o processo democrático. Na
Essas primeiras experiências associativas e
verdade, tais processos podem até se tornar um
suas práticas participativas abrem o caminho
instrumento de manipulação de sonhos e de
para novos experimentos e, um importante
esperanças e agir para desarticular qualquer
processo de aprendizado social segue ao lon-
possibilidade de uma ação social genuína.
go dos anos recentes. Esses eventos provocam
Os casos a seguir analisados têm como
mudanças radicais na relação entre o poder pú-
referência experimentos já ocorridos ou ainda
blico e a sociedade, mudanças que indicam, por
em andamento relacionados a aspectos da vida
um lado, um poder crescente de mobilização e
municipal ou urbana em diversas regiões bra-
pressão da sociedade civil sobre os poderes ci-
sileiras. Os experimentos que aqui abordamos
vis instituídos e, por outro, uma capacidade de
têm lugar nas diversas esferas do sistema de
organização e de articulação da sociedade civil
governança tradicional-conservador (federal,
para assumir e empreender ações em contextos
estadual, municipal) e envolvem a participa-
ou situações onde o poder público é omisso ou
ção de várias formas de associação popular
fracassa. Essa nova realidade permite sugerir,
articuladas de diferentes maneiras e em dife-
como argúem alguns analistas (Innes e Booher,
rentes circunstâncias. Em geral, tais experimen-
2003), que a gestão futura dos problemas ur-
tos aparecem com mais frequência fora das
banos passa pela construção de uma nova cul-
instituições formais, mas podem também partir
tura política, que envolveria necessariamente
de iniciativas onde as instituições formais de
o estabelecimento e a montagem de novas
governança não participam de forma pró-ati-
relações entre as instituições de representação
va, mas como outro membro da rede de ação
pública e o cidadão.
colaborativa.
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A próxima seção descreve algumas experiências de planejamento participativo. Estas
experiências diferem em escopo, objetivo e
resultado daquelas abordadas no início deste
trabalho. Elas não têm origem em algum programa ou política governamental elaborada a
partir de instituições formais de governança,
mas em um sem-número de pequenas iniciativas informais e despretensiosas que são levadas a cabo por comunidades locais que buscam a solução de problemas concretos e reais.
Uma das características dessas experiências é
o trabalho participativo envolvendo a colaboração entre os participantes ao longo de todo
processo de interação. Nessas redes, os agentes se interagem colaborativamente, trocam
informações, tomam decisões e empreendem
ações sem requerer qualquer regulação formal
ou intermediação burocrática por parte da autoridade instituída.
Experimentos informais de
ação participativa local2
Experimento de Hulha Negra
Hulha Negra é uma pequena comunidade situada no estado de Rio Grande do Sul, onde uma
importante experiência de trabalho colaborativo tem lugar. Dois Conselhos Municipais operam separadamente sobre duas questões que
afligiam a comunidade local: a baixa qualidade
da merenda escolar e a depressão da economia
do município. O Conselho de Desenvolvimento
Econômico busca alternativas para a economia
local. A cidade, que tem sua economia com
base na agropecuária, era antes fornecedora
de produtos agrícolas para uma indústria de
laticínios local. Ao mudar-se do município, a
indústria deixa os produtores rurais sem alternativa para comercializar a produção local e a
O segundo traço dessa forma de participação é o diálogo democrático encravado no
economia do município entra em depressão. O
Conselho de Educação busca melhorar a me-
processo de construção (de baixo para cima)
renda escolar, considerada inadequada e por
de agendas e de mecanismos de ação. Nada é
isso uma das razões do baixo desempenho dos
pré-concebido, assumido ou imposto; ao con-
alunos nas escolas do município. Alguns pro-
trário, é discutido, avaliado, entendido e acor-
dutores rurais participavam de ambos os Con-
dado coletivamente. A terceira característica
selhos: de um lado buscando solução para a
desse tipo de ação é a capacidade de inova-
merenda de seus filhos e, de outro, alternativas
ção e superação dos agentes na formulação e
para a economia local. O Conselho de Econo-
produção de meios para obtenção dos fins pro-
mia inicialmente pensa que a única solução pa-
postos. De fato, as decisões dentro do proces-
ra reativar a economia e melhorar a renda local
so participativo não são fruto do pensamento
é aumentar venda dos produtos locais fora do
homogêneo e de conceitos universais, mas da
município. Descobrem mais tarde que a Prefei-
colaboração que exige um diálogo autêntico
tura usa os recursos municipais para comprar
entre os diferentes participantes, para constru-
a merenda escolar de fornecedores localizados
ção de soluções extraídas do consenso que se
fora do município. Através do diálogo e da co-
produz na diversidade de opiniões, de visões e
laboração entre a população, os dois conselhos
de interesses dos participantes.
e a Prefeitura, mudanças foram introduzidas
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nas políticas da administração municipal: os
seriam os novos participantes do programa no
produtores rurais organizaram uma cooperati-
plantio da safra seguinte. Após a colheita e dis-
va e começaram a fornecer as merendas para
tribuição da produção, o excedente é vendido e
as escolas municipais. Esta prática permite, por
distribuído entre os participantes. Durante to-
um lado, que os recursos públicos permaneçam
do o processo, a Associação dos ex-alunos, em
no próprio município e estimule a economia
conexão com a Universidade, promove progra-
local e, por outro, melhorias consideráveis são
mas de educação para a os membros da rede
introduzidas na qualidade da merenda escolar.
de colaboração.
Ao longo de sua implementação, o programa Hortas Comunitárias atinge vários obje-
Programa Horta Comunitária
tivos e seu sucesso corre por todo país. Um dos
principais objetivos alcançados pelo programa
Em 1995, a cidade de São Bernardo do Cam-
é sua habilidade de envolver diretamente a
po, no estado de São Paulo, inicia um programa
população objeto da ação. Além de contribuir
chamado Horta Comunitária, com o objetivo de
para reduzir os problemas relacionados com a
elevar a qualidade da alimentação consumida
alimentação da população de baixa renda e
pela população de baixa renda. O programa é
criar alternativas para elevar a renda dessas
apoiado por diversos agentes colaboradores:
famílias pelo trabalho direto dos participantes,
a administração local, a associação dos ex-
o programa contribui para elevar a autoestima
alunos da Universidade Metodista de São Ber-
daquela população e para o aprendizado de
nardo, empresas locais, cidadãos interessados e
sua capacidade de ação social.
a população alvo. Além de mitigar o problema
Este é um programa de colaboração so-
de alimentação da população pobre, o pro-
cial relativamente barato. A administração mu-
grama busca aumentar a renda familiar dessa
nicipal ganha por aliviar a pobreza no municí-
população, pois cada família participante deve
pio, as empresas privadas ganham ao melhorar
trabalhar em colaboração com as outras no
sua imagem na cidade, a Universidade e a As-
programa. A administração local e as empresas
sociação de Ex-alunos ganham ao fornecerem
privadas fornecem a terra para o cultivo das
uma oportunidade aos estudantes e ex-alunos
hortas; a população-alvo (de baixa-renda) tra-
da Universidade de aplicarem seus conheci-
balha a terra sob a supervisão de um professor
mentos e ganha enfim, a população carente
da Universidade, enquanto a Associação dos
ao melhorar sua alimentação e elevar sua ren-
Ex-Alunos fornece o suporte técnico e legal as-
da. Este é um notável exemplo de uma rede
sim como o gerenciamento de todo o projeto.
de participação. Não há líderes nem liderança,
Inicialmente, todos os membros discutem
apenas a vontade de agir em colaboração por
como distribuir a terra entre os participantes,
parte dos vários agentes. Cada um faz uso das
como preparar a terra para o cultivo e como
informações e recursos de que dispõe e juntos,
realizar o trabalho de colheita. Uma vez culti-
em cooperação, realizam uma ação simples e
vada a terra, novas reuniões são feitas para de-
localizada, provavelmente impossível de ser
cidir sobre como compartilhar a safra e quais
realizada pelos participantes separadamente.
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de soluções para uma situação considerada
O experimento de Monsenhor Tabosa
aflitiva. Terceiro, a comunidade foi capaz de
Monsenhor Tabosa é um pequeno município
do estado do Ceará, uma região reconhecidamente pobre do país. Por iniciativa da população local, tem início o Programa Arco-Íris, para
melhoria da qualidade de ensino local. Trata-se
de uma interessante rede de colaboração entre
a prefeitura local, o Conselho de Segurança do
Bairro Nossa Senhora de Fátima (uma associação de moradores local) e a Fundação Abrinq.
O principal objetivo do programa é melhorar a
qualidade da educação dos estudantes do ciclo
primário. Após várias discussões entre os participantes, fica decidido que o programa deveria
construir importantes conexões não apenas
com as instituições locais, mas também com
organizações em nível nacional. A articulação
desses grupos em torno da questão posta pela comunidade (e não vice-versa) promoveu a
necessidade de entendimento entre os participantes, tornado possível pelo diálogo franco
e pela vontade de cooperar. É evidente que o
produto dessa ação social não se resume apenas à resolução do problema imediato, mas na
criação de contextos e repertórios, no âmbito
das comunidades envolvidas, para ações mais
sólidas e decisivas no futuro.
melhorar a capacitação do professor a fim de
elevar a qualidade do ensino e incrementar o
desempenho escolar dos alunos. Cursos de reciclagem pedagógica em diversos tópicos (arte,
Novas instituições
de planejamento
história, ética, cidadania, etc.) são implementados com o objetivo de persuadir o professor
Estas formas de planejamento e de ação pú-
a revisar suas velhas práticas educacionais. Os
blica vêm se tornando cada vez mais comuns
principais custos do programa são assumidos
e têm se estendido por vários setores da admi-
pela Abrinq e a prefeitura arca com os custos
nistração pública no Brasil, o que nos faz acre-
de viagem e alimentação. Alguns anos mais
ditar que elas possam ser o embrião das novas
tarde, a municipalidade de Monsenhor Tabosa
instituições de governança urbana. Essas no-
apresenta uma dramática mudança no padrão
vas formas de ação possuem em comum certas
da educação municipal e uma notável transfor-
características determinantes: (1) elas apresen-
mação no desempenho escolar das crianças,
tam uma forma de ação que envolve o trabalho
como demonstrado pela redução dos índices de
coletivo e a cooperação (co-labor-ação) entre
reprovação e evasão escolar.
os participantes, (2) elas envolvem atores com
Essa experiência de participação cola-
diferentes habilidades e com diferentes interes-
borativa apresenta importantes aspectos. Pri-
ses, (3) elas são em grande medida autossufi-
meiro, o processo começa em uma pequena
cientes e autogeridas, e finalmente (4) elas são
cidade, longe dos grandes centos urbanos e
sempre moldadas e construídas em função de
de informação. Segundo, a iniciativa tem iní-
cada contexto particular, ou seja, o lócus da
cio fora das estruturas do governo formal, mas
ação. Essas formas de planejamento utilizam
na ação de uma comunidade local na busca
apenas a capacidade de seus participantes e
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buscam sempre tirar proveito da força existen-
Em lugar de procedimentos burocratizados,
te no próprio contexto da ação. Esses proces-
rea tivos e inflexíveis, as novas instituições
sos são autônomos, informais e não dependem
serão de ação pró-ativas e deverão ter a ca-
do poder público, mas possuem extrema habi-
pacidade para se adaptar a novas situações
lidade para articular e envolver as instituições
através da criatividade e da inovação. Esse
formais de tomada de decisão.
novo contexto será constituído por interações
A independência dessas novas institui-
permanentes entre os participantes e estas in-
ções vis-à-vis as instituições convencionais do
teirações se desenvolverão através de relações
Estado significa que a implementação de polí-
horizontais e de poucas relações hierárquicas,
ticas públicas é sempre problemática. No caso
enquanto que as medidas de desempenho não
de Hulha Negra, os participantes organizados
deverão ser mais estabelecidas com base em
em Conselhos Municipais foram capazes de
padrões, mas em termos de resultados efetiva-
construir uma nova política de desenvolvimen-
mente obtidos.
to e para a melhoria da merenda escolar e, na
As novas estruturas institucionais deve-
sequência, influenciar as decisões dos órgãos
rão aceitar a mudança e a evolução como pro-
municipais. Embora alguns integrantes dos con-
cessos normais. Deverão premiar a experimen-
selhos também fossem membros da prefeitura
tação e as novas ideias e considerar a possibili-
local, os participantes mantiveram sempre uma
dade de soluções que explorem caminhos alter-
autonomia em relação ao poder local e foram
nativos e produzam resultados de longo prazo.
capazes de desenvolver uma proposta que o
Estas novas instituições deverão entender que
poder público foi incapaz de conceber por si só.
os processos coletivos de decisão existem em
Toda ação foi possível porque os participantes
contextos complexos, incertos e controversos
puderam aprender entre si e perceber as opor-
e por isso devem promover o desenvolvimento
tunidades existentes no contexto da ação.
de uma inteligência coletiva, compartilhada e
Esses experimentos demonstram que a
adaptativa que tenha a capacidade de confron-
relação entre os processos informais de cola-
tar e conviver com as imprevisibilidades e as
boração em rede e as estruturas tradicionais
contínuas mutações da realidade.
de planejamento deverá continuar existindo no
O mais importante de todas essas cons-
futuro próximo, mas para que as novas formas
tatações é que, apesar de todos os obstáculos,
participativas se consolidem será necessária
as práticas de ação colaborativa têm se tornado
uma mudança mais profunda nas práticas do
cada vez mais recorrentes e se expandido por
planejamento tradicional. A institucionaliza-
vários instâncias e contextos do planejamento.
ção das práticas de colaboração deverá, por
Apesar de coexistirem de forma problemática
um lado, envolver a racionalização dos atuais
com outras formas de fazer o planejamento,
procedi mentos burocráticos para eliminar
um novo tipo de instituição parece emergir
ineficiências e possibilitar mais desenvoltura
dessas práticas.
da ação do estado e, por outro, promover a
Elas se apresentam de várias formas e ca-
descentralização do poder com a consequente
racterísticas, mas têm em comum a quebra do
redução das estruturas e níveis hierárquicos.
modelo hierárquico e a eliminação das rotinas
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e dos padrões burocráticos. Diferentemente das
so às arenas e aos processos de deliberação
instituições convencionais, elas se manifestam
coletiva. Por esta razão, os movimentos e as
através de práticas que buscam sempre a tro-
associações da sociedade civil organizada já
ca e a interação, o aprendizado e a adaptação,
levam incorporadas a sua práxis, uma forte ca-
a criatividade e a cooperação (Healey, 2003).
pacidade de união, de compartilhamento e de
Para se poder perceber a emergência desse
colaboração; uma história de organização em
fenômeno como uma instituição emergente
redes de solidariedade para a comunhão de
no mundo contemporâneo, é necessário, antes
ações e o fortalecimento mútuo (Freire, 1978).
de tudo, desenvolver uma nova mentalidade/
Esses movimentos são portadores de uma no-
entendimento acerca do significado de insti-
va ética social: a ética do respeito, da frater-
tuição, diferente daquele que tradicionalmente
nidade, da justiça e da liberdade – uma ética
identifica instituição com estruturas hierarqui-
que busca a igualdade de oportunidades num
zadas e organizações sólidas e inflexíveis. Ao
mundo de diversidades e diferenças.
contrário, as novas instituições de planejamen-
Essas experiências de ação social par-
to não se parecem a “aparelhos” mecânicos
ticipativa não aparecem em qualquer lugar.
ou a “organismos” do corpo humano, mas se
Elas são produto de conjunturas específicas,
assemelham mais com a constituição de uma
de atores políticos reais e da ação tangível de
“nuvem” composta por uma grande quantida-
grupos sociais internos e externos ao contexto
de de moléculas de água condensadas no ar,
da ação. Muitas vezes, as experiências resul-
coexistindo para um fim precípuo, sempre em
tam de ações informais, isoladas; outras vezes,
processo de formação, mas em continua trans-
podem ser vistas como parte de um movimen-
formação de sua forma e posição.
to maior de transformação das instituições da
sociedade civil. Em grande parte dos casos, a
própria decadência das forças políticas e das
instituições de governança conservadoras, in-
Observações finais
capazes de construir um pacto político, abre o
caminho para novos discursos e para a emer-
A história das lutas sociais no Brasil é uma
gência de novos atores políticos. Nesses con-
história de lutas pela cidadania e pela justiça
textos, novos agentes sociais emergem como
social que se resumem na busca da democra-
atores políticos constituindo movimentos e
tização da esfera pública. No caso do planeja-
práticas que irão semear novas formas de re-
mento, essa democratização passa pelo aces-
gulação social e política.
Nilton Ricoy Torres
Arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Minas Gerais; mestre e doutor em planejamento
urbano pela University of Pennsylvania; doutor em arquitetura pela Universidad Pollitecnica Madrid.
Professor-doutor do Departamento de Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil).
[email protected]
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Planejamento numa sociedade em rede
Notas
(1) A palavra “governança” neste texto exprime: os processos pelos quais as sociedades e os grupos
sociais dentro delas se articulam para administrar seus interesses coletivos (Healey, 2003).
(2) Cf. Dowbor, 2002.
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Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 19/jul/2009
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Gestão metropolitana e gerenciamento
integrado dos recursos hídricos
Metropolitan management and integrated
management of water resources
Paulo Roberto Ferreira Carneiro
Ana Lúcia de Paiva Britto
Resumo
O artigo trata da necessidade de integração do
planejamento do uso do solo à gestão dos recursos hídricos, buscando estabelecer relações entre
as formas de uso e ocupação do solo urbano e os
problemas envolvendo as inundações urbanas. Que
novos paradigmas de planejamento e gestão poderão emergir da articulação da política nacional de
recursos hídricos com os novos instrumentos de ordenamento do uso do solo, de gestão consorciada
de entes públicos e de saneamento básico, recentemente aprovadas? O artigo traz essas questões para o debate, propondo alternativas que conduzam
à gestão integrada em bacias urbanas.
Abstract
The article deals with the need to integrate land
use planning into water resource management,
seeking to establish relations between the forms
of use and occupation of urban land and problems
involving urban fl oods. What new planning and
management paradigms may emerge from the
articulation of the national water resources
policy with the new tools of land use planning,
consortium management of public entities and
basic sanitation, which have been recently
approved? The article brings these issues to the
debate by proposing alternatives that lead to
integrated management in urban basins.
Palavras-chave: gestão metropolitana; gestão
de recursos hídricos; planejamento do uso do solo;
bacias urbanas; controle de inundações.
Keywords: metropolitan management; water
resources management; land use planning; urban
water basins; flood control.
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Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva Britto
pelos executivos estaduais, por sua vez indica-
Introdução
dos pelo governo federal. Os executivos estaduais presidiam os Conselhos Deliberativos das
Uma das questões centrais no campo do pla-
RMs e indicavam a maioria dos seus membros.
nejamento urbano hoje é a necessidade de
A participação dos municípios se dava no âm-
um ordenamento jurídico-institucional que dê
bito do Conselho Consultivo, que não possuía
expressão adequada ao ordenamento urbano
poder decisório.
territorial e socioeconômico que caracteriza as
Ao analisar a questão da gestão metro-
regiões metropolitanas. Nessa realidade urba-
politana, Azevedo e Guia (2004) situam três
na, um conjunto de questões se colocam em
fases distintas: uma primeira fase compreen-
escala supramunicipal, exigindo uma aborda-
dida entre o momento de criação das Regiões
gem integrada: habitação e segregação socio-
Metropolitanas e a Constituição de 1988, ca-
espacial, transportes urbanos, saneamento e
racterizada, segundo os autores, pela centrali-
outros aspectos ambientais e gestão integrada
zação da regulação e financiamento da política
de recursos hídricos.
da União, onde, apesar do componente auto-
As primeiras nove Regiões Metropolita-
ritário do modelo, havia uma estrutura insti-
nas (RMs) do país foram criadas em 1973, atra-
tucional e uma disponibilidade de recursos fi-
vés da Lei Complementar Federal n. 14 (Belém,
nanceiros que permitiram a implementação de
Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre,
vários projetos metropolitanos. Já Rolnik e So-
Recife, Rio de Janeiro,1 Salvador e São Paulo). A
mekh (2004) discutem a efetiva capacidade de
definição dessas áreas foi baseada no tamanho
planejamento das instâncias metropolitanas,
da população da aglomeração, na extensão da
afirmando que os projetos desenvolvidos eram
área urbanizada, na integração econômica e
definidos pelas companhias estaduais respon-
social do território e na complexidade das fun-
sáveis pelos setores/serviços (notadamente no
ções desempenhadas. Essas RMs são resultado
setor de saneamento), sendo fraco o papel dos
do projeto político do regime militar, que, a
órgãos de planejamento metropolitano, como
partir de suas estratégias de desenvolvimento
a Fundrem, no Rio de Janeiro e a Emplasa, em
econômico, investiu em um modelo padroniza-
São Paulo. Além disso, afirmam as autoras, a
do de políticas regulatórias e de financiamento
crise fiscal que marcou a década de 80, com a
centralizado em nível federal. A participação
consequente carência de recursos e diminuição
dos municípios nas instâncias de gestão me-
de investimentos públicos federais enfraque-
tropolitana era compulsória. O poder no âm-
ceu o papel das entidades metropolitanas.
bito das regiões metropolitanas era exercido
A segunda fase é identificada por Aze-
essencialmente pela União, através de órgãos
vedo e Guia (2004) como marcada pelo “neo-
federais que atuavam no âmbito urbano, como
localismo” e se inicia com a Constituição de
o BNH, que estabeleciam diretrizes de planeja-
1988. Nesta fase, as reivindicações pela auto-
mento e definiam linhas de investimento de re-
nomia municipal, cerceadas durantes o período
cursos públicos nas regiões metropolitanas. As
autoritário, vão ganhar espaço no contexto da
estruturas de gestão criadas eram controladas
redemocratização e encontrar sua expressão
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
na Constituição de 1988. Se a visão neoloca-
administrativa não permite uma visão sistêmica
lista traz uma perspectiva de democratização
do território no qual está inserida. Por sua vez,
de políticas públicas, ela apresenta uma outra
a ausência de uma definição clara da natureza
face, que é caracterizada por uma resistência
e das funções dos governos locais, em geral, li-
explícita à questão metropolitana, que passa
gadas às tarefas tradicionais de administração
a ser identificada com as políticas de cunho
e fiscalização territorial e prestação de alguns
autoritário e com o esvaziamento do poder
serviços locais e o fato de a maioria dos mu-
municipal produzido pelo regime militar. Na
nicípios terem reduzida autonomia orçamentá-
Constituição de 1988, essa visão municipalista
ria, tendo em vista que dependem fortemente
ganhou espaço, o que implicou um significa-
de transferências financeiras dos outros níveis
tivo aumento da receita fiscal dos municípios
de governo, dificulta ou até mesmo inviabiliza
e também uma ampliação das competências
uma participação mais efetiva na gestão das
municipais.
águas.
Por outro lado, na Constituição, a ques-
No caso específico da gestão de recursos
tão metropolitana perdeu espaço, tendo um
hídricos, a participação municipal em organis-
tratamento genérico. A criação de regiões me-
mos de bacia tem sido a principal, se não a úni-
tropolitanas passa a ser responsabilidade dos
ca, forma de interação com outros atores públi-
estados (artigo 25, que atribui aos estados a
cos e privados relacionados com a água.
competência para instituir regiões metropoli-
Muitos fatores dificultam a atuação do
tanas, aglomerações urbanas e microrregiões
município na gestão da água, sendo o princi-
pelo agrupamento de municípios limítrofes).
pal a impossibilidade legal, por determinação
Porém, segundo análise de Azevedo e Guia, as
constitucional, de os municípios gerenciarem
constituições estaduais também trataram o te-
diretamente os recursos hídricos contidos em
ma de forma genérica (2000).
seus territórios, a não ser por repasses de algu-
O processo de descentralização que marca as políticas públicas a partir da década de
mas atribuições através de convênios de cooperação com estados ou a união.
1990 traz uma tendência à ampliação do papel
Outro aspecto é que a natureza essen-
das esferas públicas locais em relação à gestão
cialmente setorial dos interesses dos governos
do meio ambiente, não obstante esse papel se
locais faz com que atuem mais como usuários
restrinja às funções que não implicam atos de
dos recursos hídricos do que como gestores
autoridade (monitoramento, recolhimento de
imparciais desses recursos (ibid.). A debilidade
dados) ou às funções que, embora impliquem
e falta de hierarquia institucional dos governos
atos de autoridade (funções substantivas),
locais ante os atores com interesse no recur-
estão circunscritas aos níveis inferiores de rele-
so traria maior vulnerabilidade e possibilidade
vância e autonomia administrativa (Jouravlev,
de captura e politização na gestão das águas
2003).
(ibid.).
A despeito de a esfera administrativa
Esses aspectos se agravam em áreas me-
do município ser a mais próxima das realida-
tropolitanas onde as administrações municipais
des sociais, sua escala de atuação político-
possuem, muitas vezes, interesses e prioridades
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antagônicas, criando ambientes de dissenso
com pouco espaço para a cooperação.
Segundo Peixoto (2006), a história do
processo de produção do espaço urbano e do
Não obstante existam restrições à par-
seu impacto sobre os recursos naturais e a
ticipação dos municípios como gestores dire-
qualidade dos assentamentos humanos evi-
tos dos recursos hídricos, não há dúvida em
dencia as dificuldades de articulação entre a
relação à importância dos governos locais no
temática ambiental e urbana. Ao mesmo tem-
planejamento e ordenamento do território e as
po, porém, observa-se a convergência dessas
consequências dessa gestão na conservação
temáticas no sentido da sustentabilidade, ex-
dos recursos hídricos. É atribuição do municí-
pressa na necessidade do planejamento e da
pio a elaboração, aprovação e fiscalização de
gestão urbana que podem evitar ou minimizar
instrumentos relacionados com o ordenamen-
os impactos negativos da urbanização.
to territorial, tais como os planos diretores, o
No entanto, o que se observa no país é
zoneamento, o parcelamento do solo e o de-
a desarticulação entre os instrumentos de ge-
senvolvimento de programas habitacionais, a
renciamento dos recursos hídricos e os de pla-
delimitação de zonas industriais, urbanas e de
nejamento do uso do solo, e entre esses e o
preservação ambiental, os planos e sistemas
planejamento do saneamento, na maior parte
de transporte urbanos. Também é atribuição
das vezes delegado à Companhias Estaduais
municipal, segundo a Lei 11.445, de 2007, a
de Saneamento. Segundo Tucci (2004), a maior
formulação dos planos municipais de sanea-
dificuldade para a implementação do planeja-
mento básico, que incluem abastecimento de
mento integrado decorre da limitada capacida-
água, esgotamento sanitário, coleta e dis-
de institucional dos municípios para enfrentar
posição final de resíduos sólidos e drenagem
problemas complexos e interdisciplinares e a
pluvial. Todas essas funções municipais têm
forma setorial como a gestão municipal é orga-
impacto considerável nos recursos hídricos,
nizada. Por outro lado, é importante reconhe-
principalmente em bacias hidrográficas predo-
cer a falta de legitimidade do planejamento e
minantemente urbanas.
da legislação urbanística nas cidades brasilei-
Um elemento importante na defesa da
competência específica do município diz res-
ras, marcadas por forte grau de informalidade
e mesmo de ilegalidade na ocupação do solo.
peito ao fato de ser de sua alçada o planeja-
Aqui, no entanto, cabe ressaltar as di-
mento e controle do uso e ocupação do solo,
ferenças entre os municípios: enquanto nas
atribuição essa recentemente reforçada com a
grandes cidades, principalmente nos núcleos
aprovação do Estatuto da Cidade. Nesse sen-
metropolitanos, encontramos administrações
tido, a possibilidade de construção de uma
eficientes, com boa capacidade de acesso à in-
gestão integrada e sustentável dos recursos
formação e com uma legislação relativamente
hídricos deve necessariamente passar por uma
moderna, em outras cidades, destacando-se
articulação clara entre as diretrizes, objetivos e
os municípios periféricos em áreas metropo-
metas dos planos de recursos hídricos, dos pla-
litanas, verifica-se uma total desatualização
nos reguladores do uso do solo e dos planos
da legislação agravada pela ausência de in-
municipais de saneamento básico.
formações confiáveis sobre os processos de
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
estruturação urbana e mesmo o pequeno nú-
das principais conferências internacionais que
mero e a baixa qualificação do corpo técnico
trataram da água. Essas conferências contri-
do setor (IBGE, 2002).
buíram substantivamente para a inclusão do
Essa desigualdade intermunicipal apresenta-se como um dos grandes obstáculos para
conceito de desenvolvimento e uso da água em
bases sustentáveis na agenda das nações.
a maior efetividade das estruturas de gestão
No entanto, como enfatizam vários au-
dos recursos hídricos e para a cooperação entre
tores (Dourojeanni e Jouravelev, 2001; Cepal,
as instâncias governamentais em escala metro-
1999; Silva, 2002), a gestão integrada dos re-
politana, temas que abordamos neste trabalho.
cursos hídricos requer a mudança de paradigmas no planejamento, tanto na esfera pública
como na privada.
A gestão integrada dos
recursos hídricos: interfaces
com as políticas setoriais
e a gestão do território
Segundo Silva e Porto (2003), o sistema
institucional de planejamento e gestão dos recursos hídricos enfrenta quatro ordens de desafios de integração, a saber:
• integração entre sistemas/atividades dire-
tamente relacionados ao uso da água na área
Com a aprovação, no ano de 1997, da Lei
da bacia hidrográfica, em particular o abaste-
9.433, o país passou a contar com um dos mais
cimento público, a depuração de águas servi-
completos marcos regulatórios voltados para o
das, o controle de inundações, a irrigação, o
gerenciamento de recursos hídricos no cenário
uso industrial, o uso energético ou ainda siste-
internacional. O Sistema Nacional de Gerencia-
mas com impacto direto sobre os mananciais,
mento de Recursos Hídricos tem por finalidade
como o de resíduos sólidos, tendo em vista a
coordenar a gestão dos recursos hídricos do
otimização de aproveitamentos múltiplos sob
país buscando integrá-la aos outros setores
a perspectiva de uma gestão conjunta de qua-
da economia; arbitrar administrativamente os
lidade e quantidade;
conflitos relacionados à água; implementar a
•
integração territorial/jurisdicional com ins-
Política Nacional de Recursos Hídricos; plane-
tâncias de planejamento e gestão urbana – os
jar, regular e controlar o uso, a preservação e a
municípios e o sistema de planejamento me-
recuperação dos recursos hídricos; cobrar pelo
tropolitano – tendo em vista a aplicação de
uso da água, dentre outros. A Lei estabelece
medidas preventivas em relação ao processo
que a bacia hidrográfica é a unidade territorial
de urbanização, evitando os agravamentos de
para a implementação da Política Nacional de
solicitação sobre quantidades e qualidade dos
Recursos Hídricos e para as ações do Siste-
recursos existentes, inclusive ocorrências de
ma Nacional de Gerenciamento dos Recursos
inundações;
Hídricos.
•
articulação reguladora com sistemas se-
Os princípios adotados pela lei das águas
toriais não diretamente usuários dos recursos
(Lei 9.433) estão adequados às declarações
hídricos – como habitação e transporte urbano –
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Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva Britto
tendo em vista a criação de alternativas reais
O setor de energia elétrica, um impor-
ao processo de ocupação das áreas de proteção
tante usuário da água, é um exemplo emble-
a mananciais e das várzeas, assim como a
mático no país de estrutura organizacional,
viabilização de padrões de desenvolvimento
regulatória e de planejamento de longo pra-
urbano que em seu conjunto não impliquem
zo que, historicamente, pautou suas decisões
agravamento nas condições de impermeabili-
de investimentos sob a ótica setorial. À parte
zação do solo urbano e de poluição sobre todo
os indiscutíveis benefícios trazidos pelo siste-
o sistema hídrico da bacia, à parte as áreas de
ma de geração de hidroeletricidade instalado
proteção aos mananciais de superfície;
no país, a forma autoritária como se deu sua
•
articulação com as bacias vizinhas, tendo
em vista a celebração de acordos estáveis sobre
implantação até a década de 1980 ocasionou
conflitos que persistem até os dias de hoje.2
as condições atuais e futuras de importação de
Entretanto, já é possível perceber um
vazões e de exportação de águas utilizadas na
maior equilíbrio na correlação de forças entre
bacia.
os setores usuários de água. No ano de 2003,
A integração e a articulação acima pro-
após um longo período de seca que culminou
postas passam pela construção de uma abor-
em uma séria crise de escassez hídrica na bacia
dagem de gestão integrada da água que en-
do rio Paraíba do Sul, articulou-se um processo
volve, portanto, articular e integrar diferentes
de tomada de decisão envolvendo grande nú-
políticas setoriais: abastecimento de água e
mero de instituições públicas e privadas.
coleta e tratamento de esgotos; proteção de
A transposição das águas da bacia do rio
mananciais; drenagem urbana e controle de
Paraíba do Sul para a bacia do Guandu é de
inundações; e ainda coleta e disposição final
grande magnitude (até 180 m3 /s) e tem eleva-
de resíduos sólidos. Em áreas metropolita-
da importância estratégica: ela permite gerar
nas, esses componentes devem ser tratados
energia elétrica, atender à demanda atual e fu-
de forma integrada e articulada a um plano
tura em abastecimento de água da maior parte
de desenvolvimento urbano metropolitano.
dos municípios da RMRJ e implantar diversas
Uma abordagem integradora para os proces-
atividades econômicas na bacia do Guandu. O
sos de gestão da água e de desenvolvimento
rio Guandu constitui o principal manancial de
urbano tem sido chamada “gestão total das
abastecimento para grande parte dos municí-
águas urbanas” (TUWM – Total Urban Water
pios da RMRJ, fornecendo água para cerca de
Management). Para o caso da Região Metro-
85% da população ali residente. Isso é possí-
politana de São Paulo, essa abordagem tem
vel graças a um complexo sistema hidráulico
sido explorada na Universidade de São Paulo
de reservatórios na bacia do Paraíba do Sul
(Braga et al. 2006). Esta abordagem é também
que foi sendo construído ao longo de décadas
destacada nos trabalho de Tucci (2004), onde
(Sondotécnica, 2006).
se enfatiza a necessidade de um planejamento
O esvaziamento contínuo dos reservató-
indissociável e integrado entre o gerenciamen-
rios da bacia por diversos anos seguidos pro-
to de recursos hídricos e os planos de desen-
vocou grande redução dos espelhos d’água,
volvimento urbano.
afetando municípios paulistas do entorno dos
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
reservatórios, ameaçando o abastecimento de
ser considerada bem-sucedida, e terminou mo-
água de milhares de pessoas.
tivando a criação do Grupo de Trabalho per-
Por iniciativa da Secretaria Executiva do
manente para acompanhamento da operação
Ceivap e de suas Câmaras Técnicas, foi desen-
hidráulica da bacia do rio Paraíba do Sul, para
cadeada, em meados de 2001, uma série de
atuação conjunta com o Comitê do Guandu
reuniões de trabalho com a ANA e o ONS, além
(Sondotécnica, 2006).
dos órgãos estaduais de recursos hídricos, em-
Entretanto, são poucas as experiências de
presas do setor elétrico, usuários e demais inte-
gestão realmente integradas no país, mormen-
ressados, para discutir o problema e definir as
te se considerarmos o tripé gerenciamento de
ações a serem tomadas (Formiga-Johnsson et
recursos hídricos – gestão ambiental – planeja-
al., 2005). A situação dos níveis dos reservató-
mento do uso do solo. A mais significativa ex-
rios continuou a agravar-se, comprometendo a
periência de planejamento envolvendo as prá-
qualidade da água em diversos trechos do rio,
ticas de gestão urbana e de gestão das águas
dando início à primeira experiência de gestão
vem sendo desenvolvida na bacia do Alto Tietê,
participativa na bacia, levando-se em conta os
na Região Metropolitana de São Paulo.
usos múltiplos e as necessidades da bacia do
Guandu (ibid.).
Segundo Formiga-Johnsson (2004), a
contribuição do Comitê do Alto Tietê e seus
No segundo semestre de 2003, foi neces-
subcomitês consiste na integração do geren-
sário restringir ainda mais as vazões efluentes
ciamento dos recursos hídricos com a política
dos reservatórios e na transposição para a bacia
ambiental para a definição e implementação
do Guandu. No processo de negociação foram
de uma ampla política de proteção e recupe-
tomadas diversas medidas para evitar o desa-
ração de mananciais. Para a autora, essa nova
bastecimento público e de usuários de recursos
abordagem representa um grande distancia-
hídricos (ibid.). A decisão sobre a melhor forma
mento da tradicional abordagem de qualidade
de superar a situação crítica, gerando energia
e quantidade, que separa o gerenciamento da
sem comprometer outros usos, principalmente
água dos aspectos ambientais, especialmente a
o abastecimento público, foi tomada no âmbito
poluição da água e o uso do solo. Outra ino-
de um colegiado envolvendo ANA, ONS, Aneel,
vação consiste na redefinição da regulação do
Ceivap, CBH-PS/SP, Comitê Guandu/RJ, DAEE/
território e a implementação de uma nova polí-
SP, Serla/RJ, Cedae, Cetesb, Cesp, Furnas, Light,
tica de proteção dos mananciais com a criação
Lab. Hidrologia da COPPE/UFRJ, SAPE Igaratá –
de sub-regiões de gerenciamento.
SP e Usuários.
Para Formiga-Johnsson (ibid.), apesar
Atuando-se de modo preventivo e inte-
do desigual estágio de desenvolvimento dos
grado, reduzindo-se ao máximo as vazões de
projetos entre diferentes subcomitês que com-
saída dos reservatórios, e acompanhando as
põem o Comitê do Alto Tietê, observa-se nas
condições de captação dos usuários, foi possí-
experiências em andamento que existem duas
vel garantir os estoques mínimos, evitando-se o
principais trajetórias de interação institucional:
desabastecimento e prejuízos socioeconômicos.
uma intersetorial no nível estadual, que envolve
Essa experiência de gestão participativa pode
principalmente os setores de recursos hídricos
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e ambiental e outra, entre o estado e os muni-
uso e ocupação do solo e saneamento) se colo-
cípios. Para a autora, um programa destaca-se
ca de forma mais evidente a partir do processo
dentre os demais: o Plano de Desenvolvimento
de intenso crescimento urbano e do agrava-
e Proteção Ambiental (PDPA) da sub-bacia do
mento de problemas relacionados à ameaça de
Guarapiranga. Este plano se tornou um mode-
escassez ou diminuição da disponibilidade de
lo para outros subcomitês, que incorporaram
água.
o planejamento participativo em consonância
com a realidade local das sub-bacias. Adicionalmente, o PDPA criou índices urbanos com
vista à preservação da qualidade da água e o
manejo do uso da terra.
Não obstante os avanços recentes em
gestão integrada e participativa, projetos seto-
Os novos arranjos
institucionais e a gestão
do território em bacias
hidrográficas metropolitanas
riais de impacto nos recursos hídricos continuam
sendo implantados sem negociação prévia com
os órgãos responsáveis pelo gerenciamento
dos recursos hídricos, muito menos junto aos
comitês de bacias hidrográficas. Se, por um lado, as instituições em seus usos setoriais apossam-se da água, em quantidade e qualidade,
para alcançarem seus propósitos específicos,
por outro lado, não há nenhuma consideração
pela manutenção das capacidades de fornecimento de água, de depuração dos corpos hídricos, nem pela sua administração (...). Não são
consideradas no bojo dos empreendimentos
as medidas de reflorestamento, de prevenção
à degradação, de manutenção e revitalização
dos mananciais e aquelas que permitiriam a
permanência das características quantitativas
e qualitativas dos corpos d’água. As atividades
de aproveitamento superam as preocupações
sobre a escassez e sobre a degradação, ou seja,
a visão vertical, setorial, é predominante e afeta o uso integrado (Christofidis, 2001).
Tucci (2004) relaciona alguns fatores que dificultam a aplicação dos conceitos de gestão integrada das águas nas áreas urbanas. São eles:
•
Desconhecimento generalizado sobre o
assunto: da população e dos profissionais de
diferentes áreas que não possuem informações
adequadas sobre os problemas e suas causas.
As decisões resultam em custos altos, em que
algumas empresas se apóiam para aumentar
seus lucros. Por exemplo, o uso de canalização
para drenagem é uma prática generalizada
no Brasil, mesmo representando custos muito
altos e geralmente tendem a aumentar o problema que pretendiam resolver. Com o canal, a
inundação é transferida para jusante afetando
outra parte da população. As empresas de engenharia lucram de forma significativa, pois estas obras podem chegar a uma ordem de magnitude 10 vezes superior ao do controle local;
•
Concepção inadequada dos profissionais
Nas áreas metropolitanas, a superação
de engenharia para o planejamento e controle
dessa visão fragmentada e a necessidade de
dos sistemas: uma parcela importante dos téc-
pensar de maneira articulada os diferentes
nicos que atuam no meio urbano está desatua-
sistemas setoriais de gestão (recursos hídricos,
lizada quanto à visão ambiental e geralmente
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
buscam soluções estruturais, que alteram o
logicamente, as questões que podem e devem
ambiente, com excesso de áreas impermeáveis
ser tratadas no âmbito local.
e, consequentemente, aumento de temperatura, inundações, poluição, entre outros;
•
Visão setorizada do planejamento urba-
no: o planejamento e o desenvolvimento das
áreas urbanas são realizados sem incorporar
os aspectos relacionados aos diferentes componentes da infraestrutura de água. Uma parte
importante dos profissionais que atuam nesta
área possui uma visão setorial limitada, identificando o saneamento como o abastecimento de água e esgotamento sanitário, quando o
problema é mais complexo e amplo, onde não
se pode desprezar os componentes de inundações e drenagem urbana, resíduos sólidos e
Nas regiões metropolitanas, os desafios
relativos ao abastecimento público de água, ao
uso industrial, ao esgotamento sanitário e ao
controle de inundações, quando combinados
ao intenso processo de ocupação do território,
desdobram-se em problemas específicos que
requerem uma abordagem própria dentro do
sistema de gestão de recursos hídricos.
Os subitens a seguir discutem os novos
arranjos institucionais e as perspectivas que
trazem para o preenchimento do vazio institucional deixado pela ausência de instâncias metropolitanas para o planejamento das cidades
intensamente urbanizadas.
saúde;
•
Falta de capacidade gerencial: os muni-
Comitês de Bacias Hidrográficas
cípios não possuem estrutura para o planejamento e gerenciamento adequado dos diferen-
A figura central no sistema de gerenciamento
tes aspectos da água no meio urbano.
de recursos hídricos é o comitê de bacia hidro-
A situação é ainda mais crítica nas
gráfica. Os comitês são organismos políticos de
regiões metropolitanas que apresentam alto
tomada de decisão, com atribuições normativa,
grau de conurbação, e onde os arranjos de ges-
deliberativa e consultiva, quanto à utilização,
tão metropolitana existentes têm-se mostrado
proteção e recuperação das águas, envolvendo
pouco efetivos na promoção de uma integra-
poder público, usuários e sociedade civil.
ção entre diferentes políticas setoriais. Essa
Os comitês funcionam como “parlamen-
questão da integração entre diferentes políticas
tos das águas”, atuando como instância de-
setoriais aparece de forma recorrente entre os
cisória de grupos organizados no âmbito da
diferentes autores que tratam da governança
bacia. A composição dos comitês, conforme
metropolitana, aqui definida como uma forma
previsto na Lei 9.433, é formada pela união,
de gestão do território e de ação pública fun-
estados e pelo distrito federal, cujos territórios
dada sobre uma concertação entre atores. Não
se situem, ainda que parcialmente, em suas
é sem motivo que novos arranjos institucionais
respectivas áreas de atuação; pelos municípios
para a gestão das metrópoles têm despertado o
situados, no todo ou em parte, em sua área de
interesse de técnicos e pesquisadores que iden-
atuação; pelos usuários das águas de sua área
tificam a necessidade da retomada do planeja-
de atuação e; pelas entidades civis de recursos
mento em bases regionais, sem desconsiderar,
hídricos com atuação comprovada na bacia. O
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número de representantes de cada setor, bem
hidrográfica, nem, tampouco, para influenciar o
como os critérios para sua indicação, serão es-
direcionamento dos investimentos em ações de
tabelecidos nos regimentos dos comitês, limita-
seu interesse. Esse último aspecto decorre do
da a representação dos poderes executivos da
fato da bacia hidrográfica não constituir um es-
união, estados, distrito federal e municípios à
paço de referência política para as instituições
metade do total de membros.
brasileiras.
Dessa forma, os Comitês de bacias hi-
Sem desconsiderar a importância dos
drográficas assumem um papel primordial na
comitês na descentralização das políticas pú-
implementação da política de recursos hídricos
blicas e participação da sociedade, os aspectos
no Brasil, pois se constituem no lócus descen-
apontados acima restringem as possibilidades
tralizado para a discussão e tomada de deci-
de os comitês funcionarem como instâncias
são sobre questões de utilização das águas nas
integradoras de políticas públicas de impacto
respectivas bacias, funcionando como instância
regional.
mediadora dos interesses em jogo.
Atualmente, existem aproximadamente
Portanto, os comitês são entidades pú-
139 comitês de bacias hidrográficas implanta-
blicas, constituídas com ampla representação
dos no Brasil (informação disponível em www.
de setores organizados da sociedade civil,
ana.gov.br), situados, principalmente, nas
governos e usuários da água, possuindo com-
regiões Sul e Sudeste. Destes, seis são comitês
petência legal para a coordenação das políti-
de rios de domínio Federal.
cas de recursos hídricos no âmbito das bacias
hidrográficas.
Por razões que decorrem tanto de uma
cultura arraigada de planejamento setorial –
Não obstante, é fato que os comitês im-
em grande medida consolidada entre as dé-
plantados no país têm encontrado enormes difi-
cadas de 1960/70 – como pela existência de
culdades para cumprir suas decisões e executar
estruturas reguladoras e administrativas que
seus planos de investimentos. Dois principais
atuam setorialmente, é pouco provável que o
aspectos podem ser apontados como limita-
sistema de recursos hídricos venha a assumir
dores da ação dos comitês: em primeiro lugar,
a coordenação e integração das políticas seto-
os recursos provenientes da cobrança pelo uso
riais nas três esferas de governo.
da água, única fonte própria de financiamento,
Essa dificuldade se agrava pelo fato de o
não são suficientes para a realização dos inves-
setor de recursos hídricos não possuir um ní-
timentos necessários à recuperação das bacias
vel hierárquico na organização institucional do
hidrográficas. Destarte, os comitês continuam
país que lhe confira a legitimidade necessária
dependentes das fontes tradicionais de inves-
para o cumprimento desse papel. Essa missão
timentos, que possuem mecanismos próprios
torna-se ainda mais difícil em regiões metropo-
de elegibilidade e priorização; além disso, os
litanas devido à complexidade dos problemas e
comitês não conquistaram a legitimidade polí-
a multiplicidade de agentes com atuações com-
tica e institucional necessária para a coordena-
plementares e, por vezes, sobrepostas em um
ção das políticas públicas relacionadas à bacia
mesmo território.
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
Os consórcios públicos
municípios com mais de 500 mil habitantes
(Spink, 2000, p. 68 apud Gouvêa, 2005). Para
A possibilidade de constituir consórcios no Bra-
Gouvêa (ibid., p. 139),
sil data do final do século XIX, no entanto, hou-
[...] o principal impedimento para a
ocorrência de cooperação intermunicipal
continua sendo o aspecto autárquico do
municipalismo brasileiro, no contexto de
um federalismo “compartimentado”, que
separa rigidamente os entes federados.
Assim, o arcabouço federativo brasileiro
não facilita a cooperação entre municípios, tendo em vista que inexistem, 3 no
direito público, mecanismos que proporcionem segurança política para que as
administrações municipais estabeleçam
processos de gestão integrada de política
de interesse plurimuinipal.
ve, ao longo do tempo, inúmeras configurações
na forma e na autonomia dessas instâncias de
cooperação intermunicipal. O Quadro 1 resume
as formas de consórcios previstas no Brasil ao
longo de mais de um século.
Como visto, entre 1964 e 1988 surgem
os consórcios administrativos, meros pactos
de colaboração sem personalidade jurídica,
reflexo do período de centralismo autoritário
dos governos militares. A partir da década de
1990, com base na Constituição de 1988, constituem-se no Brasil inúmeros consórcios públicos, principalmente na área de saúde. Também
Dentre as experiências de cooperação
são constituídos consórcios em torno de temas
intermunicipal no país, o Consórcio Intermuni-
específicos, sendo os mais comuns os de de-
cipal do Grande ABC paulista é, seguramente, a
senvolvimento regional e os de meio ambiente,
mais profícua e duradora. Fatores como a exis-
recursos hídricos e saneamento.
tência de um tipo específico de capital social,
Em sua maioria, os consórcios estabeleci-
que envolve um alto grau de associativismo e
dos no país envolvem comunidades pequenas
uma maior propensão à discussão de temas po-
e médias. Apenas 5% dos consórcios incluem
líticos (Daniel, 2001 apud Gouvêa, 2005, p. 140)
Quadro 1 – Formas de consórcios previstas no Brasil, no período de 1891 a 2007
Período
Forma de organização
De 1891
a 1937
Os consórcios eram contratos celebrados entre municípios cuja eficácia dependia de aprovação
do estado
1937
A Constituição reconhece que os consórcios (“associação de municípios”) são pessoas jurídicas
de direito público
1961
É criado o BRDE, a primeira autarquia interfederativa brasileira
1964 a 1988
Surgem os consórcios administrativos, meros pactos de colaboração sem personalidade jurídica
A partir
de 1998
Criação de inúmeros consórcios públicos. Em 2001, só na área de saúde, haviam 1.969
municípios consorciados. A Emenda Constitucional nº 19 alterou a redação do art. 241 da
Constituição, introduzindo os conceitos de consórcio público e de gestão associada de serviços
públicos
2005
Lei de Consórcios Públicos
2007
O Decreto 6.017, de 17-1-2007, regulamenta a lei de Consórcios Públicos
Fonte: Adaptado de Ribeiro, 2007.
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como razões de natureza histórica na formação
O consórcio também permite que pe-
do Grande ABC, que teve seu desdobramento a
quenos municípios ajam em parceria e, com
partir de um grande “município-mãe” (Abrucio
o ganho de escala, melhorem suas capacida-
e Soares, 2001 apud Gouvêa, 2005) explicam
des técnica, gerencial e financeira. Também é
o sucesso deste consórcio, constituindo-se mais
possível fazer alianças em regiões de interesse
em exceção do que em regra geral.
comum, como bacias hidrográficas ou polos
Outros consórcios têm obtido bons resul-
regionais de desenvolvimento, melhorando a
tados nas suas áreas de interesse, como é o ca-
prestação de serviços públicos. Os consórcios
so do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos
podem ser firmados entre todas as esferas de
rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari e Consórcio
governo, a única exceção é a união, que so-
Intermunicipal Lagos São João; no entanto, ca-
mente participará de consórcios públicos em
recem de autonomia administrativa e financei-
que também façam parte todos os estados em
ra e de segurança jurídica para o desempenho
cujos territórios estejam situados os municípios
mais eficaz de suas funções.
consorciados.
De acordo com informações veiculadas
Cabe avaliar se a constituição de consór-
em página eletrônica do governo federal (www.
cios públicos trará avanços no tratamento das
planalto.gov.br/sri/consorcios/consorcios.htm,
questões de interesse comum, sobretudo para
consultada em 14/1/2008), a discussão sobre a
as regiões metropolitanas. Por essa ótica, não
lei dos consórcios públicos teve início em agos-
restam dúvidas sobre os avanços concretos que
to de 2003 com o objetivo de regulamentar o
a lei traz em relação ao formato atual dos con-
artigo 241 da Constituição e dar mais seguran-
sórcios, que são, em grande medida, constituí-
ça jurídica e administrativa às parcerias entre
dos como associações civis de direito privado,
os entes consorciados. Em março de 2005, o
sem mandato legal para assumir competências
Congresso aprovou a nova lei, que passou a vi-
de ordem pública.
gorar em 6 de abril de 2005.
Segundo Dallari (2005), os consórcios
Os consórcios públicos, segundo a Lei no
públicos têm sido celebrados no Brasil, ou só
11.107/05, são parcerias formadas por dois ou
entre municípios ou só entre estados, e não
mais entes da federação para a realização de
têm sido dotados de personalidade jurídica.
objetivos de interesse comum, em qualquer
Para esse autor, entretanto, é perfeitamente
área. Os consócios podem discutir formas de
possível, não havendo quanto a isso qualquer
promover o desenvolvimento regional, gerir o
obstáculo de natureza constitucional, a amplia-
tratamento de lixo, água e esgoto da região ou
ção das possibilidades de novos arranjos entre
construir novos hospitais ou escolas. Eles têm
entes públicos, para a instituição de consórcios
origem nas associações dos municípios, que já
públicos, podendo-se, inclusive, atribuir-lhes
eram previstas na Constituição de 1937. Um
personalidade jurídica. A proibição contida na
dos objetivos dos consórcios públicos é viabi-
Lei das Sociedades Anônimas não atinge os
lizar a gestão pública nos espaços metropoli-
consórcios públicos, uma vez que aquela lei,
tanos, no qual a solução de problemas comuns
por sua própria natureza, trata apenas dos con-
requer políticas e ações conjuntas.
sórcios privados.
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
Dallari (ibid.), citando o estudo Parcerias
constituídos antes da Lei de Consórcios Públi-
na Administração Pública, de autoria de Maria
Sylvia Di Pietro, chama a atenção para o fato
de já existirem consórcios públicos que são,
amiúde, usados como instrumentos do poder
público para facilitar a gestão de serviços públicos e, paralelamente, os consórcios de direito
privado, como modalidade de concentração de
empresas, o que no Brasil está previsto na Lei
das Sociedades Anônimas, que é a Lei nº 6404,
de 15 de dezembro de 1976, segundo a qual os
consórcios privados não podem ter personalidade jurídica. Dessa forma, o autor afirma ser
da praxe brasileira o uso do consórcio público, o que vem ocorrendo com muita timidez e
muitas incertezas, pela inexistência, até então,
de uma lei que regulamentasse sua utilização.
Com a nova Lei dos Consórcios Públicos, essa
insegurança jurídica deixou de existir.
Esse conjunto de atribuições, fora outras
facilidades operacionais concedidas por Lei,
asseguram autonomia de ação – resguardados
os limites previstos em lei e pelos contratos de
gestão com os entes públicos consorciados –,
agilidade operacional e recursos, provenientes
de diferentes fontes. Em relação ao último ponto, a Lei prevê, no inciso 5º do Art 8º que
cos, poderão manter seu regime jurídico atual,
entretanto, como prevê o decreto que regulamentou a Lei de Consórcios Públicos (Decreto
6.017/07, art. 41), esses consórcios administrativos poderão ser convertidos em consórcios
públicos, caso contrário, a partir do exercício
de 2008 não poderão mais celebrar convênios
com a União (art. 39 do mesmo Decreto).
Com efeito, a nova Lei traz para a cena
pública um auspicioso instrumento para a gestão de problemas comuns em áreas urbanas. Se
os consórcios públicos não se constituem como
instância genuinamente metropolitana, como
prevê a Constituição Federal, sem demérito,
oferecem aos entes públicos uma alternativa
viável de cooperação para a gestão dos sérios
problemas que afligem as cidades, saindo do
imobilismo que perdura por duas décadas.
Mostram-se promissores os benefícios
que os consórcios públicos trarão para o planejamento, coordenação e implantação de
serviços de interesse supramunicipal, mormente pela amplitude das competências que lhes
são atribuídas. Dentre outras, destacam-se a
possibilidade de efetuarem desapropriações
de interesse público e social, e a possibilidade
[...] poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em sua lei
orçamentária, ou em créditos adicionais,
as dotações suficientes para suportar as
despesas assumidas por meio de contrato
de rateio.
Essa salvaguarda deverá resolver os problemas
de cobrar e arrecadar tarifas e outros preços
públicos pela prestação de serviços ou pela
outorga de uso de bens públicos por eles administrados. Não menos importante para a legitimidade e operacionalidade dos consórcios são
os poderes para conceder, permitir ou autorizar
obras ou serviços de interesse público.
Sendo, porém, formas de articulação vo-
de inadimplência frequentes nas modalidades
de consórcios não cobertas por esta Lei.
luntárias, a formação de consórcios depende
Cabe lembrar que os consórcios ad-
da ruptura de uma visão fragmentada que hoje
ministrativos (sem personalidade jurídica),
caracteriza a gestão das cidades, marcada por
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disputas político-partidárias e por uma situação
entes públicos de Estado, conforme prevê a Lei
de competição entre municípios, e a adoção de
9.433/97, com a legitimidade necessária para
uma nova visão, baseada na cooperação.
articular e integrar as políticas que incidam sobre o território metropolitano.
O abandono da questão metropolitana
Perspectivas para a gestão
integrada das aguas em áreas
metropolitanas: uma proposta
para a região da Baixada
Fluminense na RMRJ
pós-Constituição de 1988 ampliou a ausência
de coordenação e integração das políticas com
características plurimunicipais. As análises realizadas conduzem para a necessidade de criação de instâncias regionais de planejamento e
gestão com legitimidade institucional e autonomia política e administrativa para planejar o or-
As dificuldades para a integração de políticas
denamento do uso do solo de forma sistêmica,
setoriais são conhecidas e decorrem da própria
considerando a bacia hidrográfica como unida-
lógica de atuação das instituições. A fragmen-
de territorial para a conservação ambiental e
tação institucional implica igual fragmentação
prevenção de eventos hidrológicos críticos.
na gestão da água, de tal forma que para cada
Com a Lei nº 11.107, que autoriza a cons-
tipo de uso ou propósito temos uma instituição
tituição de Consórcios Públicos, o país passou
diferente para sua administração: a dicotomia
a contar com um auspicioso instrumento para
entre os aspectos quantidade/qualidade, tradi-
a gestão de problemas comuns em áreas ur-
cionalmente dissociados na cultura institucional
banas. O conjunto de atribuições facultadas
brasileira, deriva dessa fragmentação. Soma-se
aos consórcios públicos, fora outras facilidades
a esse aspecto o fato de cada setor possuir seu
operacionais concedidas pela Lei, asseguram
próprio ritmo de concepção e implantação de
autonomia de ação, agilidade operacional e re-
projetos, como também possuir características
cursos provenientes de diferentes fontes.
operacionais específicas e em grande medida
independentes uma das outras.
Até o momento, a retomada do debate
sobre a gestão das metrópoles está circunscrito
às instituições e atores diretamente vinculados
ao planejamento urbano e regional. Em relação
à gestão dos recursos hídricos, prevalecem as
expectativas de que os comitês de bacia pos-
Como observado por Gomes (2006),
[...] um dos pontos que davam ao consórcio ares de precariedade decorria da
aplicação a eles da perspectiva vigente
para os convênios, no sentido de que
as partes não ficavam obrigadas a cumprir seus encargos até o fim, ao menos
com o rigor que ocorre em uma relação
contratual.
sam exercer o papel de integradores das políticas setoriais e de ordenamento do território,
Sob a ótica da cooperação vigente até então
não obstante, passados 10 anos da institu-
seria difícil o estabelecimento de responsabili-
cionalização da Política Nacional de Recursos
dades recíprocas, ou, pior ainda, de penalidades
Hídricos, não tenham adquirido o status de
em caso de descumprimento. Dessa forma, tudo
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
dependia da boa vontade dos entes associados
A regulação do setor de saneamento
em cumprir suas atribuições e de manterem-se
unidos na empreitada.
Depois de um longo período sem um marco re-
O Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de
gulatório para os serviços de saneamento bá-
2007, que regulamentou a lei de Consórcios
sico, foi aprovada, em 5 de janeiro de 2007, a
Públicos, ampliou enormemente as perspectivas
Lei de Saneamento Básico (Lei nº 11.445). Com
para a retomada do planejamento das regiões
esta lei o país passa a contar com um marco
metropolitanas do país.
regulatório para o setor de saneamento básico,
Segundo Ribeiro (2007), com a gestão
atual, quanto aos seus fundamentos e princí-
associada autorizada por consórcio público,
pios de organização na estrutura federativa do
fica aberta a possibilidade da instituição de
Estado brasileiro, e integrada à Política Nacio-
agências reguladoras consorciais ou, ainda, a
nal de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.
definição uniforme ou integrada de tarifas pa-
A Lei estabelece diretrizes nacionais para
ra determinados serviços públicos. A gestão
o setor de saneamento básico, alterando a Lei
associada, além do planejamento, regulação e
nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, a Lei nº
fiscalização, também pode ser ajustada para a
8.036, de 11 de maio de 1990, a Lei nº 8.666,
prestação de serviços públicos. Nesse caso, se
de 21 de junho de 1993, a Lei nº 8.987, de 13
o próprio consórcio prestar os serviços, é ne-
de fevereiro de 1995, e revoga a Lei nº 6.528,
cessário que o protocolo de intenções preveja
de 11 de maio de 1978.
a outorga dessa competência à entidade con-
A lei considera como saneamento básico
sorcial. O contrato a ser assinado é o Contrato
os serviços de abastecimento público de água
de Programa, previsto pela Lei de Consórcios
potável; os serviços de coleta, transporte, trata-
Públicos (art. 13), que deve possuir cláusulas
mento e disposição final adequados dos esgo-
específicas, sob pena de não possuir validade
tos sanitários; a coleta, transporte, transbordo,
jurídica (art. 33 do Decreto 6.017/07).
tratamento e destino final do lixo doméstico e
Dessa forma, os entes federativos es-
do lixo originário da varrição e limpeza de lo-
tabelecem uma gestão associada de serviços
gradouros e vias públicas; a drenagem e mane-
públicos com um programa de trabalho que,
jo das águas pluviais urbanas, considerando o
mediante contrato, poderá ser executado por
transporte, detenção ou retenção para o amor-
empresa, fundação ou autarquia da adminis-
tecimento de vazões de cheias e o tratamento
tração indireta de qualquer um dos entes coo-
e disposição final das águas pluviais drenadas
perados. Com isso, a situação anterior, comum
nas áreas urbanas.
especialmente no saneamento básico, em que
A lei prevê em seus princípios fundamen-
uma companhia estadual celebrava sem licita-
tais, dentre outros aspectos, a disponibilidade,
ção um contrato de concessão com o municí-
em todas as áreas urbanas, de serviços de sa-
pio hoje foi substituído por um novo modelo
neamento e drenagem das águas pluviais ade-
(ibid., 2007).
quados à saúde pública e à segurança da vida
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e do patrimônio público e privado, a articula-
ou reunidos em consórcios públicos, aos quais
ção com as políticas de desenvolvimento urba-
poderão ser destinadas, entre outros recursos,
no e regional e a integração das infraestruturas
parcelas das receitas dos serviços, com a fina-
e serviços com a gestão eficiente dos recursos
lidade de custear, na conformidade do disposto
hídricos.
nos respectivos planos de saneamento básico, a
Quanto ao exercício da titularidade dos
universalização dos serviços públicos de sanea-
serviços, a lei regulamenta as formas de de-
mento básico. Esses fundos, somados aos re-
legação da prestação dos serviços pelos titu-
cursos de fontes tradicionais, poderão resolver
lares, sua regulação, fiscalização, nos termos
a crônica falta de financiamento para o setor,
do art. 241 da Constituição Federal e da Lei nº
principalmente em relação à drenagem urbana,
11.107, de 6 de abril de 2005 (Lei de Consórcio
cuja dotação de recursos é mais incerta.
Público), conforme analisado em “Os consórcios públicos”.
A lei consolida a possibilidade de constituição de Consórcio Público para a prestação
Neste aspecto, a lei veda a possibilidade
regionalizada de serviços públicos de sanea-
de prestação de serviços públicos de sanea-
mento básico, conforme previsto na Lei de
mento básico por entidade que não integre a
Consórcio Público e indica a bacia hidrográfica
administração do titular mediante convênios,
como unidade para o planejamento da gestão
termos de parceria ou outros instrumentos
dos serviços.
de natureza precária. A prestação de serviços
por entidades desse tipo só são admitidos por
contrato. Dessa forma, aumenta-se o controle
sobre o prestador na forma de um contrato,
Criação de uma agência regional
para a Baixada Fluminense
permitindo, em situações de descumprimento,
cobranças por vias judiciais.
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro se
Outros aspectos representam avanços
caracteriza por uma forte fragmentação insti-
sem precedentes da lei. O primeiro é a obriga-
tucional e a inexistência de um projeto da ges-
toriedade de elaboração pelos municípios dos
tão metropolitana. As instâncias e mecanismos
planos municipais de saneamento que orien-
mais efetivos de interação e de concertação
tem a prestação dos serviços, sendo os planos
entre municípios metropolitanos são poucos e
pré-condição para que o município possa dele-
apresentam baixa eficácia. É preciso destacar,
gar essa prestação. O segundo é a possibilida-
porém, que existe uma Secretaria Especial de
de de inclusão nos contratos de delegação de
Desenvolvimento da Baixada Fluminense, que
metas progressivas e graduais de expansão dos
tem por objetivo implementar políticas integra-
serviços, de qualidade, de eficiência e de uso
das essa sub-região da metrópole, que enfrenta
racional da água, da energia e de outros recur-
graves problemas sociais e ambientais. A Bai-
sos naturais, em conformidade com os serviços
xada apresenta uma população que, em média,
a serem prestados.
tem renda familiar de até dois salários mínimos,
Os entes da Federação também estão
é, na sua maioria, negra, jovem e feminina; nos
autorizados a instituírem fundos, isoladamente
oito municípios que conformam a região, a
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
realidade dos serviços de saneamento ambien-
Firjan articulou nova reunião com os prefeitos e
tal é precária em todos os seus componentes; o
vices eleitos das cidades de Nova Iguaçu, Niló-
assoreamento dos rios e canais e a ausência ou
polis, Mesquita, Queimados, Seropédica, Japeri
a precariedade da rede de drenagem, associa-
e Paracambi para rediscutir temas referentes à
dos à ocupação ribeirinha para fins industriais
necessidade de articulação intermunicipal. De
e de moradia, ao desmatamento, à crescente
fato, a criação do Conselho foi uma iniciativa
impermeabilização do solo com o asfaltamen-
da Firjan, que não teve maior impacto na arti-
to das vias, juntamente com a coleta e destino
culação dos municípios da região. Mesmo com
inadequado do lixo, colocam parte importante
o estimulo da Firjan, a associação não consegue
da Baixada Fluminense em situação de risco a
articular interesses e não tem nenhuma clareza
enchentes que provocam mortes, perdas mate-
de qual é, efetivamente, seu papel.
riais, aumento de doenças.
O principal Comitê de Bacia Hidrográfica
Além da Secretaria da Baixada, existe
Metropolitano é o Comitê da Região Hidro-
também uma associação de prefeitos, a As-
gráfica da Baía de Guanabara e dos Sistemas
sociação de Prefeitos da Baixada Fluminense,
Lagunares de Maricá e Jacarepaguá, criado em
reunindo 13 municípios da metrópole: Nova
16 de setembro de 2005. Essa região hidrográ-
Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti,
fica abrange quase todos os municípios metro-
Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Queimados,
politanos, incluindo total ou parcialmente as
Japerí, Paracambí, Magé, Guapimirim, Itaguaí
áreas de 17 municípios: Rio de Janeiro, Duque
e Seropédica (Observatório das Metrópoles,
de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Mes-
2005). A Associação foi responsável por um
quita, Belford Roxo, Nova Iguaçu, Petrópolis,
convênio envolvendo os municípios da Baixa-
Magé, Guapimirim, Cachoeiras de Macacu, Ita-
da Fluminense, a Companhia Estadual de Água
boraí, Tanguá, Rio Bonito, São Gonçalo, Niterói
e Esgoto – Cedae e o Ministério das Cidades,
e Maricá
com o objetivo de traçar um diagnóstico da
A aposta no Comitê da Bacia da Baía de
situação do saneamento ambiental na região.
Guanabara como agente promotor do uso in-
Assinado em 2003, o convênio não se desdo-
tegrado da água na região esbarra nas enor-
brou em nenhuma ação concreta até hoje.
mes dificuldades para a sua estruturação, por
Em 2005, no início dos novos mandatos,
reunir municípios com diferentes interesses e
os prefeitos da Baixada Fluminense, empresá-
estruturas político-administrativas fortemente
rios e ministros se reuniram no Porto de Sepe-
diferenciadas. Além disso, a participação desses
tiba para anunciar a criação do Conselho de
municípios no âmbito do Comitê é praticamen-
Desenvolvimento Econômico da Baixada Flumi-
te inexistente.
nense. O Conselho deveria atuar como articula-
Diante da ausência de uma proposta mais
dor de investimentos e empregos para a região,
sólida para a articulação dos municípios da Bai-
tendo a participação dos prefeitos da Baixada
xada Fluminense, e da urgência dos problemas
Fluminense, dos maiores empresários da região,
existentes, propomos aqui a discussão da cria-
do presidente da Federação das Indústrias do
ção de uma Agência Regional sob a forma de
Rio de Janeiro (Firjan). Em novembro de 2008, a
Consórcio Público, formado pelos municípios
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Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva Britto
pertencentes à região (Belford Roxo, Duque de
a) Gestão associada de serviços públicos;
Caxias, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e São
b) Prestação de serviços, inclusive de as-
João de Meriti) e pelo Estado, com a missão de
sistência técnica, a execução de obras e o for-
formular e integrar políticas públicas regionais.
necimento de bens à administração direta ou
A agência teria como responsabilidade o
indireta dos entes consorciados;
planejamento integrado dessa parte importan-
c) Compartilhamento ou o uso em comum
te da Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
de instrumentos e equipamentos, inclusive de
que concentra 3 milhões de habitantes, con-
gestão, de manutenção, de informática, de pes-
siderando questões envolvendo saneamento
soal técnico e de procedimentos de licitação e
básico, conservação dos recursos hídricos, im-
de admissão de pessoal;
plantação de sistemas viários, políticas habitacionais, planejamento do uso do solo voltado
para o controle de inundações urbanas, etc.,
devido ao alto grau de interdependência que
esses sistemas mantêm entre si.
d) Produção de informações ou de estudos
técnicos;
e) Promoção do uso racional dos recursos
naturais e a proteção do meio ambiente;
f) Exercício de funções no sistema de geren-
Uma agência regional, constituída como
consórcio público, teria mais legitimidade le-
ciamento de recursos hídricos que lhe tenham
sido delegadas ou autorizadas;
gal e política para planejar de forma integrada
g) Fornecimento de assistência técnica,
as intervenções de forte impacto no territó-
extensão, treinamento, pesquisa e desenvolvi-
rio, interagindo com as demais instâncias de
mento urbano, rural e agrário;
gestão setorial, inclusive os comitês de bacia
hidrográfica e suas representações sociais e
econômicas.
h) Ações e políticas de desenvolvimento urbano, socioeconômico local e regional.
Entre os objetivos listados acima se des-
O Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de
tacam as linhas b, e, f e h por serem de inte-
2007, que regulamentou a lei de Consórcios
resse direto para a proposta aqui formulada. A
Públicos, detalha a forma com os entes públi-
previsão para o exercício de funções multisseto-
cos poderão constituir consórcios. O primei-
riais abre caminho para a constituição de uma
ro aspecto a ser destacado é que o consórcio
agência técnica com competências legais para
público será constituído como pessoa jurídica
a integração de políticas públicas envolvendo
formada exclusivamente por ente da Federa-
meio ambiente, recursos hídricos, saneamento
ção, constituída como associação pública, com
e ordenamento do uso do solo com abrangên-
personalidade jurídica de direito público e na-
cia regional.
tureza autárquica ou como pessoa jurídica de
direito privado sem fins econômicos.
A possibilidade de accountability foi assegurada na regulamentação da lei ao prevê a
O objetivo do consórcio público será
participação de representantes da sociedade ci-
determinado pelos entes que se consorcia-
vil nos órgãos colegiados do consórcio público.
rem, admitindo-se, entre outros, as seguintes
No cumprimento de suas finalidades, o consór-
possibilidades:
cio público poderá:
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
●
firmar convênios, contratos, acordos de
qualquer natureza, receber auxílios, contribui-
Conclusão
ções e subvenções sociais ou econômicas;
ser contratado pela administração direta
Promover a integração das políticas públicas
ou indireta dos entes da Federação consorcia-
que interagem com os recursos hídricos, sanea-
dos, dispensada a licitação; e
mento e o ordenamento do uso do solo urbano
●
caso constituído sob a forma de associa-
é, provavelmente, a tarefa mais urgente e com-
ção pública, ou mediante previsão em contra-
plexa da agenda dos gestores públicos real-
to de programa, promover desapropriações ou
mente comprometidos com o futuro sustentado
instituir servidões nos termos de declaração de
das metrópoles.
●
No momento, não está claro se há deter-
utilidade ou necessidade pública, ou de interesse social.
minação política para a construção de arranjos
Os consórcios públicos poderão ainda
institucionais que retomem a gestão em bases
emitir documentos de cobrança e exercer ativi-
metropolitanas, em substituição ao modelo que
dades de arrecadação de tarifas e outros preços
predominou nos últimos vinte anos, fundado
públicos pela prestação de serviços ou pelo uso
mais na atomização das políticas, levando à
ou outorga de uso de bens públicos ou, no caso
ruptura do planejamento em bases regionais,
de específica autorização, serviços ou bens de
do que na desejável desconcentração de poder.
Como o artigo buscou demonstrar, exis-
ente da Federação consorciado.
A constituição da Agência Regional po-
tem razões para acreditar que os novos arran-
deria ser articulada em torno dos dois grandes
jos institucionais em vigor no país oferecem
projetos de infraestrutura em implantação na
alternativas para a gestão compartilhada entre
Região Metropolitana, o Arco Metropolitano e
estados e municípios, principalmente nas gran-
as obras de drenagem e urbanização, ambos
des aglomerações urbanas. Uma agência regio-
inseridos no Programa de Aceleração do Cres-
nal, constituída como Consórcio Público, teria
cimento (PAC).
mais legitimidade legal e política para planejar
O Arco Metropolitano, pela importância
de forma integrada as intervenções de forte im-
estratégica para a Região Metropolitana do Rio
pacto no território, interagindo com as instân-
de Janeiro, é um forte atrativo para a coopera-
cias de governo e da sociedade.
ção entre estado e municípios da sua área de
Especificamente em relação à atuação do
influência. A constituição da Agência Regional
município, existe um vasto campo de possibili-
teria o propósito de planejar a inserção do ar-
dades a ser perseguido, sobretudo após a apro-
co viário no espaço metropolitano, buscando
vação do Estatuto da Cidade. Os novos Planos
equacionar os gargalos de infraestrutura, den-
Diretores podem e devem incorporar mecanis-
tre outros o saneamento básico e a drenagem
mos mais eficazes de gerenciamento do uso do
urbana, coordenando o ordenamento do terri-
solo, utilizando-se de uma gama maior de ins-
tório e o controle da expansão urbana consi-
trumentos jurídicos, econômicos e fiscais volta-
derando a bacia hidrográfica como unidade
dos para o desenvolvimento urbano em bases
espacial de planejamento.
sustentáveis.
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Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva Britto
Recomenda-se fortemente a retomada
metropolitanas. Reforça-se, mais uma vez, a
do planejamento de longo prazo, calcados em
necessidade de criação de estruturas coopera-
mecanismos de cooperação eficazes, evitando-
tivas, não apenas entre os vários municípios de
se arranjos com viés voluntaristas, que têm
uma mesma área metropolitana, mas também
prevalecido nas últimas décadas.
entre estes municípios e a instância estadual,
Por fim, permanece o desafio do melhoramento técnico da gestão das regiões
para a definição e implementação de políticas
de forma integrada.
Paulo Roberto Ferreira Carneiro
Biólogo pela Universidade Federal da Bahia; Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; D.Sc.
em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pesquisa
e Pós-Graduação de Engenharia; Bolsista Recém-Doutor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro junto ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador do Laboratório
de Hidrologia e Estudos do Meio Ambiente do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pesquisa e PósGraduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected];
Ana Lúcia de Paiva Britto
Geógrafa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; doutora em urbanismo pelo Institut D’Urbanisme de Paris, da Université de Paris XII (Paris-Val-de-Marne); professora adjunta do
Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, PROURBFAU-UFRJ, e pesquisadora do Observatório das Metrópoles (Rio de Janeiro, Brasil).
[email protected]
Notas
(1) A Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi criada com a lei de 1974, após a fusão dos antigos
estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
(2) Cita-se como exemplo os contenciosos decorrentes da transposição do rio Paraíba do Sul no estado do Rio de Janeiro, em consequência da redução da vazão a jusante de Santa Cecília em
períodos críticos, que compromete a diluição de efluentes domésticos no rio Paraíba do Sul,
dificultando o tratamento da água utilizada no abastecimento público; e as péssimas condições
sanitárias do curso final do rio Piraí, na cidade de Piraí, que teve seu fluxo invertido para atender
a geração de energia elétrica do Sistema Light.
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Gestão metropolitana e gerenciamento integrado dos recursos hídricos
(3) A expectativa é que a nova Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/05) proporcione a segurança política necessária às administrações municipais, facilitando o estabelecimento de parcerias
para a gestão integrada dos temas de interesse comum.
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Paulo Roberto Ferreira Carneiro e Ana Lúcia de Paiva Britto
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Texto recebido em 19/jun/2009
Texto aprovado em 1/ago/2009
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Padrões espaciais de ociosidade
imobiliária e o Programa Morar no Centro
da Prefeitura de São Paulo (2001-2004)
Spatial patterns of idle buildings and Programa Morar no Centro,
of São Paulo’s municipal government (2001-2004)
Fernando Cardoso Cotelo
Resumo
A Prefeitura de São Paulo (2001-2004) criou um programa habitacional que procurava coordenar a utilização de crédito subsidiado da Caixa Econômica Federal com a oportunidade de recondicionamento de
alguns prédios ociosos na região do Centro Histórico. Este artigo mostra um levantamento dos imóveis
ociosos no Centro Histórico, comenta sobre a razão
de sua ociosidade, descreve o Programa Morar no
Centro, apresenta um método auxiliar na avaliação
de seu impacto no aproveitamento de imóveis ociosos e indica possíveis falhas na sua concepção que
podem ter contribuído para sua descontinuação. A
grande quantidade de área disponível, em contraposição ao pequeno número de projetos PAR demonstra a timidez da intervenção governamental e sua
relativa dispersão demonstra desconsideração às
externalidades e sinergias locais.
Abstract
The municipalit y of São Paulo, during the
2001-2004 administration, started a housing
programme which made efforts to coordinate the
use of public credit lines and the retrofit of vacant
buildings in the Historic Centre area. This paper
describes “Programa Morar no Centro” (Living
in the City’s Centre Programme) and presents a
method for its evaluation, indicating some flaws
in its basic ideas which might have contributed
to its discontinuation. The large amount of idle
buildings at disposal in contrast to the relatively
small number of retrofits proposed indicates the
poor impetus of the intervention and lack of
perception of the present externalities and local
synergies.
Palavras-chave: revitalização urbana; política de
habitação; uso do solo urbano; economia urbana;
geografia urbana.
Key words : urban revitalization ; housing
policy; urban land use; urban economics; urban
geography.
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Fernando Cardoso Cotelo
urbanos, metrô, corredores de ônibus) e toda
Introdução
a infraestrutura urbana necessária, como sa-
Existe uma agenda política que propõe medidas legais e administrativas para que se possibilite a revitalização da área central, de algum
valor histórico na cidade de São Paulo, mas,
principalmente, repleta de imóveis ociosos.
Durante o mandato do governo municipal eleito para o quadriênio 2001–2004, houve
certo consenso entre os urbanistas e os administradores públicos que se alinhavam com a
agenda política para assuntos de planejamento urbano e habitação, entre eles instituições
independentes como o Cebrap, através de seu
Centro de Estudos da Metrópole (Emurb e
PMSP, 2004), de que a degradação das áreas
centrais está, de alguma forma, relacionada
com a falta de ocupação do espaço urbano
durante o período noturno, o que sugeriria a
necessidade de incentivar que pessoas residam
nas áreas em questão. Este parece ser o entendimento de especialistas em, pelo menos, uma
instituição internacional independente (Lincoln
Institute of Land Policy) que trata do tema
(Clichevsky, 1999).
Atualmente, há muitos imóveis desocupados ou ocupados apenas parcialmente na região central de São Paulo. Isso ocorre por vários motivos, como estado avançado de depreciação ou degradação física, problemas legais
relacionados a débitos tributários ou disputas
judiciais entre herdeiros e outros. Há também
neamento básico, linhas de eletricidade e telecomunicações. Parte desse investimento em
infraestrutura se encontra ocioso, uma vez que
o espaço fica desabitado durante a noite. Daí,
mais uma vez, a necessidade de considerar a
ocupação residencial do espaço.
Até o ano de 2004, ainda se sentiam os
efeitos de um período em que havia um problema generalizado de falta de linhas de financiamento para a habitação, em especial a
habitação popular. A Prefeitura do Município
de São Paulo criou um programa habitacional
específico que procurava coordenar a utilização de linhas de crédito subsidiado da Caixa
Econômica Federal com a oportunidade de reforma e recondicionamento de alguns prédios
situados na região do Centro Histórico. Esses
prédios, na maioria edifícios comerciais, seriam
transformados em prédios residenciais e arrendados para famílias de baixa renda nos moldes
do Programa de Arrendamento Residencial.
Este artigo mostra um levantamento dos
imóveis ociosos no Centro Histórico de São Paulo, comenta sobre a razão de sua ociosidade,
descreve o Programa Morar no Centro da Prefeitura de São Paulo, apresenta um método auxiliar na avaliação de seu impacto no aproveitamento de imóveis ociosos e indica possíveis
falhas na sua concepção que podem ter contribuído, inclusive, para sua descontinuação.
muitos terrenos cuja única atividade econômica é seu uso como parque de estacionamento
O Programa Morar no Centro
subutilizando-se o seu potencial construtivo.
O Centro Histórico de São Paulo é uma
região urbana totalmente consolidada, com
A Prefeitura Municipal de São Paulo, duran-
vias de transporte rápido de massa (trens
te a administração de 2001 a 2004, criou um
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
programa que visava a aproveitar edifícios
O Mapa 1 mostra toda a Região Metro-
abandonados, em estado avançado de degra-
politana de São Paulo e os distritos centrais
dação ou ocupados por movimentos populares
do município de São Paulo, para dar ao leitor
ligados às lideranças de sem-teto para reforma
uma idéia da diferença de escalas necessárias
ou construção de habitações populares.
ao detalhamento da região considerada pelas
Sua versão oficial foi publicada no livre-
autoridades como “área central”. A área con-
to Programa Morar no Centro, editado pela
siderada central aparece dentro do quadro su-
Secretaria de Habitação e Desenvolvimento
perior e detalhada no quadro inferior. A região
Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo
onde foi realizado o estudo empírico de levan-
em 2004.
tamento dos imóveis considerados candidatos
Segundo esse documento, o Programa
a serem incorporados a um programa nos mol-
Morar no Centro é um conjunto integrado de
des do Programa Morar no Centro aparece cir-
intervenções municipais, coordenadas pela Se-
cundada pelos distritos centrais.
A Prefeitura, então, selecionou onze
cretaria Municipal de Habitação (SEHAB) com
os seguintes objetivos:
• melhorar as condições de vida dos morado-
res do Centro;
•
viabilizar moradia adequada para pessoas
que moram ou trabalham na região;
• evitar o processo de expulsão da população
imóveis considerados aptos a receberem a
implantação do programa na modalidade PLS
(Programa de Locação Social) e mais treze na
modalidade PAR (Programa de Arrendamento
Residencial) dentro desses distritos, com a intenção de instalar moradores de baixa renda
mais pobre, que muitas vezes ocorre em políti-
e, assim, iniciar uma agenda política que ten-
cas de reabilitação de centros urbanos.
desse a incentivar a ocupação desses espaços
Suas principais diretrizes eram:
• priorizar a reforma de prédios vazios;
•
ociosos com residências. Aqui neste trabalho o
PLS será apenas citado, sendo o estudo do PAR
analisado de maneira mais aprofundada.
combinar soluções habitacionais com ini-
ciativas de geração de rendas;
•
buscar a diversidade social nos bairros
centrais.
Para efeito dessa política, foram considerados como “Centro” os distritos da Sé e da
Levantamento dos imóveis
subocupados no Centro
Histórico
República e mais onze distritos que os circundam. São eles: Brás, Cambuci, Liberdade, Barra
Elaborou-se um levantamento quadra a quadra
Funda, Bela Vista, Consolação, Santa Cecília,
anotando a posição e os atributos relevantes
Bom Retiro, Pari, Belém e Mooca, com área de
de todos os imóveis que se situam dentro dos
aproximadamente 52km². O Censo Demográfi-
distritos da Sé e República e que se apresenta-
co do IBGE de 2000 estima que a população
vam de alguma forma subutilizados na ocasião
residente nesses distritos seja de aproximada-
da coleta dos dados. Para tanto, o autor cami-
mente 530 mil pessoas.
nhou a pé por quase todas as quadras tirando
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Mapa 1 – Região Metropolitana de São Paulo e distritos centrais
Fonte: Elaboração própria a partir de mapas do IBGE e CEM-Cebrap.
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
fotos de todos os imóveis a partir de ângulos
vista da densidade habitacional que poderiam
que permitissem sua identificação em fotos
comportar e poderiam em tese ser utilizados
de satélite. Os imóveis pesquisados foram lo-
para a construção de moradias populares da
calizados através de um sistema de gerencia-
mesma forma que outras construções. Se um
mento de imagens de satélite (Google Earth),
prédio pode ser reformado ou requalificado pa-
o que permitiu marcar sua posição e contorno
ra efeito das intervenções desejadas, também
aproximados em coordenadas geográficas.
se podem construir unidades habitacionais em
Posteriormente, foram transcritos em um sis-
terrenos onde há apenas construções leves, co-
tema informatizado de georreferenciamento
mo galpões ou outras estruturas destinadas à
(ArcGIS), para elaborar cálculos e mapas. So-
operação do negócio do estacionamento, sem
mente algumas quadras na região da Baixada
que isso importe em custos altos de demolição
do Glicério não puderam ser pesquisadas por
das coberturas e proteções para veículos. Em
motivos de segurança.
geral esses custos são menores do que a pró-
Esse estudo de campo permitiu que se
pria reforma de prédios já instalados.
fizessem estimativas diretas da área dos ter-
O Mapa 2 mostra a região dos distritos
renos dos imóveis considerados e que se iden-
Sé e República com a representação aproxima-
tificassem focos de acumulação de imóveis
da dos terrenos onde se localizam os imóveis
problemáticos e suas relações com as variáveis
pesquisados. Os polígonos representam as di-
socioeconômicas e geográficas das regiões de
visas dos terrenos em escala e as gradações de
seu entorno, bem como uma análise das exter-
cinza representam o tipo de subocupação en-
nalidades de vizinhança presentes. O estudo
contrada nos imóveis.
mostrou ainda que o potencial de aproveitamento de terras ociosas é muito maior do que
as ocupadas pelos imóveis assinalados no programa original.
A área recenseada corresponde ao terri-
Análise descritiva
do banco de dados
tório dos distritos Sé e República, com exceção
daquelas quadras onde não foi possível fazer a
As Tabelas 1, 2 e 3 mostram algumas relações
inspeção e tem aproximadamente 4,45km².
de coincidência entre as diferentes combina-
A partir desse levantamento, podem-se
ções de casos de “tipo de ocupação”, “tipo de
distinguir prédios comerciais e residenciais que
uso” e “tombamento”. As proporções de cada
se encontravam desocupados, semiocupados,
combinação devem fornecer uma primeira in-
ocupados ilegalmente, bem como imóveis utili-
tuição sobre a forma como os incentivos para
zados exclusivamente como estacionamentos.
a manutenção da função econômica de cada
Foram incluídos os terrenos utilizados
imóvel são tipificados.
exclusivamente como estacionamentos na ba-
Quase a metade das observações corres-
se de dados pela seguinte razão: os terrenos
ponde a terrenos utilizados como estaciona-
utilizados exclusivamente como parques de es-
mentos. Há, entretanto, um número significativo
tacionamento estão subutilizados do ponto de
de imóveis totalmente desocupados e imóveis
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Mapa 2 – Área do estudo de campo e imóveis observados
desocupados
térreo e sobreloja ocupados
poucos andares ocupados
terreno utilizado como estacionamento
Fonte: Elaboração própria a partir de mapas do IBGE e CEM-Cebrap e de informações levantadas em pesquisa de campo.
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Tabela 1 – Tipo de ocupação dos imóveis observados
Tipo de ociosidade
Área (m2)
Número
Terrenos baldios
Imóveis totalmente desocupados
Imóveis utilizados exclusivamente como estacionamentos
Imóveis ocupados por invasão organizada
Obras em andamento
Obras interrompidas
Imóveis onde a maioria dos andares está desocupada
Imóveis onde apenas o térreo está ocupado
13
105
235
6
12
7
44
101
2.50%
20.10%
44.90%
1.10%
2.30%
1.30%
8.40%
19.30%
7.224
46.993
207.443
5.224
6.091
3.822
22.156
44.149
2.10%
13.70%
60.50%
1.50%
1.80%
1.10%
6.50%
12.90%
Totais
523
100.00%
343.102
100.00%
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 2 – Tipo de uso do imóvel
Tipo de uso
Área (m2)
Número
Não identificado
Uso comercial
Hotel desativado
Uso misto
Uso residencial
258
178
14
58
15
49.30%
34.00%
2.70%
11.10%
2.90%
215.401
85.564
8.135
26.329
7.673
62.80%
24.90%
2.40%
7.70%
2.20%
Totais
523
100.00%
343.102
100.00%
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 3 – Tipo de ocupação e tombamento
Tipo de ociosidade
Terrenos baldios
Imóveis totalmente desocupados
Imóveis utilizados exclusivamente como estacionamentos
Imóveis ocupados por invasão organizada
Obras em andamento
Obras interrompidas
Imóveis onde a maioria dos andares está desocupada
Imóveis onde apenas o térreo está ocupado
Imóveis tombados
Não
Sim
Total
13
86
230
6
9
7
26
58
–
19
5
–
3
–
18
43
13
105
235
6
12
7
44
101
0.00%
18.10%
2.10%
0.00%
25.00%
0.00%
40.90%
42.60%
Fonte: Elaboração própria.
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onde apenas o térreo está ocupado, geralmente com lojas funcionando no nível da rua ou
•
custos administrativos, como cobrança de
aluguéis recebíveis;
outros casos em que apenas a parte de baixo
• custos tributários;
do imóvel é utilizada como estacionamento.
•
Em termos de área, 60,5% estão em terrenos utilizados exclusivamente como estacio-
custos de transações motivados por dis-
putas judiciais contra mutuários ou inquilinos,
fisco, administração local e espólio.
namentos. Aproximadamente 32% são forma-
As receitas necessárias para manter a
dos pelos terrenos onde há imóveis totalmente
viabilidade econômica do imóvel são cobertas
ou parcialmente desocupados.
pelas receitas de aluguel, de fato ou autoimpu-
Os imóveis com tipo de uso não identifi-
tado. A renda residual, depois que se deduzem
cado correspondem àqueles formados por ter-
esses custos, tem que ser maior ou igual ao
renos com construções provisórias ou galpões
custo de oportunidade do uso do imóvel como
utilizados como estacionamentos, bem como
capital (e não como moradia) para que a ma-
os considerados baldios.
nutenção física do imóvel seja sustentada pelas
Nota-se que o problema da ociosidade
receitas no longo prazo.
ocorre principalmente entre os imóveis de uso
Todos os imóveis antigos são sensíveis
comercial, que aparecem em número aproxi-
aos custos de transação, porque, devido à sua
madamente dez vezes maior do que os imóveis
vida útil como bem de capital e à dispersão de
de uso residencial e três vezes maior do que
relações jurídicas que vão se formando em tor-
aqueles de uso misto.
no dos direitos de propriedade a eles relacio-
Outro cruzamento de tipos mostra que
nados ao longo do tempo, a história jurídica do
18% dos imóveis totalmente desocupados vão
imóvel tende a se tornar mais complexa com
ser tombados. Quando somente o térreo está
o passar dos anos. Em geral, quanto maior o
ocupado, esse número sobe para 42,6%. Gran-
número de disputantes, mais cara a defesa jurí-
de número de imóveis tombados apresenta si-
dica dos direitos de propriedade.
nais de ruínas nos andares superiores. Para uso
Imóveis tombados são particularmente
do imóvel como estacionamento ou loja, isso
sensíveis aos custos de manutenção física, mas,
não representa um problema grave, pois os an-
dependendo de sua proximidade de demanda
dares superiores são utilizados apenas como
de espaço para estacionamento, podem rapida-
cobertura. Isso indica que a renda obtida pelo
mente se converter em estacionamentos sem
imóvel não é suficiente para cobrir sua depre-
aumento de custos físicos de manutenção. É
ciação física, mas é suficiente para garantir sua
por isso que há tantos deles.
A utilização de imóveis sem construções
viabilidade econômica.
A manutenção de um imóvel em boas
ou com construções leves, como galpões de
condições de habitabilidade e dentro da lei en-
cobertura para uso exclusivo como estaciona-
volve custos que podem ser decompostos da
mento, por outro lado, apresenta custos mui-
seguinte maneira:
to baixos. Com exceção de tributação sobre o
•
custos relativos à manutenção física do
imóvel;
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imóvel (IPTU) e sobre o serviço prestado pelos
manobristas (folha de pagamentos e ISS), os
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outros custos são praticamente inexistentes.
terrenos utilizados exclusivamente como
Desde que a demanda por vagas seja suficiente
estacionamentos.
para gerar uma renda maior do que a taxa de
No Mapa 3, a representação sugere uma
juros de mercado, esse tipo de uso se justifica
presença generalizada de observações com al-
do ponto de vista econômico. Outro fato que
guns pontos focais nos setores 3, 6, 7, 8, 13,
chama atenção é que, de todos os imóveis ob-
17 e 23.
servados, apenas seis estavam ocupados irre-
Quando separamos as construções subo-
gularmente por pessoas ligadas a movimentos
cupadas (desocupadas, somente com o térreo
organizados de moradia.
ocupado e com mais da metade dos andares
Os imóveis catalogados estão distribuí-
desocupados) dos terrenos sem construções
dos por todo o território considerado, mas não
utilizados como estacionamentos, sua distribui-
aleatoriamente. Existem aglomerados de imó-
ção no espaço é muito distinta. Isso sugere que
veis que surgem em determinadas regiões. Há
o motivo econômico pelo qual estão subutiliza-
várias hipóteses para a ocorrência desse fe-
dos é diferente, e pode-se mostrar que, de fato,
nômeno, entre elas a ocorrência de acidentes
os dois tipos de ineficiência estão relacionados
geográficos, proximidade de vias de grande cir-
a categorias distintas de externalidades.
culação de automóveis e existência de outros
A diferença mais óbvia é que no Mapa
imóveis em situação semelhante, uma espécie
5 a disposição dos estacionamentos forma um
de “externalidade negativa” causada pela pró-
anel relativamente uniforme em torno dos cal-
pria existência de outros prédios abandonados
çadões. Já no Mapa 4, onde só foram contadas
no entorno.
as construções subocupadas, não se pode di-
Para ilustrar esse fenômeno, os mapas a
zer que há uniformidade. A grande maioria das
seguir mostram a região dos distritos Repúbli-
observações se encontra nos setores onde es-
ca e Sé recortadas por células quadradas de
tão os calçadões (6, 8, 18), nos setores ao lon-
100m de lado. Os pontos indicam imóveis em
go da parte norte do Vale do Anhangabaú (3
condições de subocupação. A escala de cinza
e 25), e nos setores 15 e 13. Este último, com
indica a quantidade de imóveis em condição
sérios problemas de degradação, conhecido
de subocupação encontrada em cada célula.
como a “antiga cracolândia”, tem passado por
Desta forma, os mapas criam melhores condi-
intervenções públicas por ocasião das obras da
ções de visualização da distribuição espacial
Linha 4 do Metrô. Há “vazios” em vários se-
desses imóveis. Os distritos também foram
tores, chamando a atenção para aqueles que
divididos em “setores” formando uma espécie
estão em áreas de intensa atividade comercial
de mosaico (indicados pelos números dentro
especializada, como o setor 12 de comércio de
dos ovais com fundo branco) para facilitar sua
eletrônicos e os setores 4 e 5 onde há comér-
descrição.
cio de produtos têxteis. Outros setores, como o
No Mapa 3 contam-se todos os imó-
10, 11, 14, 16 e 19 são setores onde há muitos
veis cadastrados. No Mapa 4 são contados
prédios residenciais, corroborando, em par-
apenas os prédios (construções) desocupados
te, a ideia de que o uso residencial previne a
e subocupados e no Mapa 5 apenas os
degradação.
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Mapa 3 – Contagem de imóveis subutilizados nos distritos Sé e República
imóveis desocupados, térreo-ocupados, parcialmente ocupados
estacionamentos
mosaico
calçadões
contagem de todos os imóveis observados em cada célula
0
1
2
3
4-5
6-7
Fonte: Elaboração própria.
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Mapa 4 – Contagem de imóveis em condição de subocupação
nos distritos Sé e República
imóveis desocupados, térreo-ocupados, parcialmente ocupados
estacionamentos
mosaico
calçadões
contagem de todos os imóveis subocupados em cada célula
0
1
2
3
4-5
6-7
Fonte: Elaboração própria.
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Mapa 5 – Contagem de imóveis sem construção
utilizados exclusivamente como estacionamento nos distritos Sé e República
estacionamentos
imóveis desocupados, térreo-ocupados, parcialmente ocupados
mosaico
calçadões
contagem de todos os estacionamentos em cada célula
0
1
2
3
4-5
6-7
Fonte: Elaboração própria.
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
Mais adiante veremos como o Programa
Nacional de Habitação, vinculada ao Ministério
Morar no Centro falha ao não ter levado em
das Cidades. O texto se refere especificamente
consideração o fato de existirem essas diferen-
ao “equacionamento do problema da moradia
ças na distribuição espacial dos imóveis subuti-
para a população de baixa renda” como priori-
lizados ao escolher os imóveis que seriam alvos
dade principal do programa.
O governo federal disponibiliza uma série
de requalificação.
O fato de que a área dos terrenos utili-
de programas para a habitação popular.
zados exclusivamente como estacionamentos é
É importante mostrar quais são os prin-
duas vezes maior do que a área correspondente
cípios pelos quais a política oficial se rege no
a edifícios subocupados é suficiente para esva-
tocante à questão dos subsídios. O texto men-
ziar a importância especificamente de políticas
cionado acima, em seu capítulo sobre os obje-
de reforma e requalificação de edifícios para
tivos gerais da Política Nacional de Habitação,
fins residenciais. As dificuldades em orçar obras
no que se refere à questão da mobilização de
nessas condições são frequentemente maiores
recursos, identificação da demanda e gestão de
do que realizar orçamentos para prédios no-
subsídios, estabelece os seguintes princípios:
vos, uma vez que edifícios antigos apresentam
1) promoção e apoio a mecanismos de
toda sorte de problemas estruturais difíceis de
transferências de recursos não onerosos (na
detectar.
forma de transferência de renda) para atender
Entretanto, as informações coletadas em
a parcela de população sem capacidade de
campo podem servir de subsídios para descobrir
pagamento de moradia, identificada como per-
como criar incentivos para que a ocupação de
tencente à faixa de população abaixo da linha
um número inicial de imóveis gere uma massa
de pobreza;
crítica suficiente para gerar externalidades po-
2) concessão de subsídio à família e não ao
sitivas em seu entorno e um aumento da renda
imóvel, de forma “pessoal, temporária e intransferível”. O subsídio será dado uma única
vez em todo o território nacional, para famílias
que não possuam outro imóvel, o que implica
necessidade de um sistema de informações;
3) estruturação de uma política de subsídios
que deverá estar vinculada à condição socioeconômica do beneficiário, e não ao valor do
imóvel ou do financiamento, possibilitando sua
revisão periódica;
4) recuperação, ao longo do prazo, de financiamento para aquisição, ao menos de parte
dos subsídios concedidos, considerada a evolução socioeconômica das famílias;
5) recuperação total do subsídio concedido , nos casos de revenda ou alteração dos
do proprietário compatível com a manutenção
física do imóvel.
A utilização do PAR
na revitalização do Centro
Histórico de São Paulo
O documento oficial que expõe as intenções do
atual governo federal em relação à forma institucional que deve operacionalizar e viabilizar o
financiamento para o mercado imobiliário residencial é o texto chamado Política nacional de
habitação (Brasil, 2004) editado pela Secretaria
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Fernando Cardoso Cotelo
beneficiários durante a vigência do contrato de
aluguel propriamente dito nem uma promessa
financiamento.
de compra e venda, como veremos a seguir.
Essa série de princípios foi aplicada na
O programa estabelece que a tipologia
idealização do programa de financiamento pe-
mínima de cada unidade deva ser de dois quar-
lo qual estamos interessados, o Programa de
tos, sala, cozinha e banheiro, com área mínima
Arrendamento Residencial (PAR). Esse progra-
de 37m², mas é flexível no caso de projetos de
ma tem sido a via financeira disponível para a
requalificação, pois muitas vezes as plantas dos
operacionalização de programas de requalifica-
prédios a serem requalificados ou reformados
ção de prédios para efeito de revitalização em
não são facilmente conversíveis em unidades
regiões centrais degradadas quando a intenção
com as características mínimas recomendadas
é promover sua ocupação com famílias de bai-
pelas regras gerais do programa. Em sua maioria, os projetos do Programa Morar no Centro
xa renda.
Esses princípios, que tendem a vincular
o financiamento às pessoas, e não aos imóveis em si, podem gerar incentivos perversos
que tendem a promover alocações ineficientes, baixos incentivos à boa manutenção dos
imóveis, geração de mercados ilegais e perder
uma boa oportunidade de realizar verdadeiras
transferências de renda para as famílias pobres
envolvidas.
O PAR é uma linha de financiamento que
visa a arrendar unidades habitacionais para famílias com renda familiar mensal próxima de
seis salários mínimos, contemplando algumas
exceções. Estabelecendo regras para que selecionem famílias para participar do programa a
partir de uma medida de renda, sem prejuízo
de outras discriminações que se queiram fazer,
o Programa de Arrendamento Residencial cumpre os princípios 1, 2 e 3 acima. O contrato de
arrendamento significa que, tecnicamente, o ar-
contemplavam apartamentos com área menor
do que 37m². O valor máximo por unidade a
ser financiada era, em 2004, de R$40.000 na
Região Metropolitana de São Paulo.
A oferta funciona da seguinte forma: a
construtora interessada apresenta o projeto à
Caixa, que, no decorrer do cronograma da obra,
libera os pagamentos para o construtor. Uma
vez que este termina a construção, sai do negócio e em seu lugar entra uma administradora
encarregada de manter as condições do prédio,
cobrando uma comissão que é paga na proporção de 9,5% da arrecadação do arrendamento
e encargos por atraso.
Segundo as regras do programa, os projetos são escolhidos de acordo com as seguintes diretrizes:
•
menor valor das unidades habitacionais
conforme o projeto padrão para cada faixa de
renda a ser atendida;
•
maior contrapartida do poder público lo-
rendatário “aluga” a casa ou apartamento com
cal, por meio de aporte de recursos financeiros,
uma opção de compra que não pode ser exerci-
doação de áreas, execução de infraestrutura ou
da a qualquer momento durante a vigência do
isenção de taxas ou tributos;
contrato. A palavra aluga está entre aspas por-
•
menor taxa de condomínio;
que o arrendamento residencial é uma cons-
•
integração a programas de qualificação de
trução jurídica que não é nem um contrato de
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centros urbanos.
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
Pelos princípios 4 e 5 da gestão de sub-
preço de mercado de seu imóvel subir muito,
sídios da Política Nacional de Habitação, o
ele sempre pode encontrar um comprador e
subsídio deve ser concedido de forma a que
pré-pagar o financiamento, o que equivale a
uma parte seja recuperada no caso de cum-
repassá-lo adiante com ágio.
primento das obrigações e totalmente recupe-
No caso do PAR, se houver uma discre-
rada no caso de transferência do bem. Isto se
manifesta no contrato da seguinte forma: pelo
lado do arrendatário, a renda familiar mensal
mínima requerida é de R$1.800. O arrendatário faz um contrato com a Caixa Econômica
Federal chamado de Instrumento Particular
de Arrendamento Residencial com Opção de
Compra. O prazo de arrendamento é de 180
meses (15 anos) e a taxa de arrendamento é
de 0,7% do valor do imóvel. Ao final do prazo de arrendamento o arrendatário pode optar
pela devolução, pela compra ou pela renovação do arrendamento. No caso de desistência
ou inadimplência, o arrendatário não tem direito a recuperar os valores pagos a título de
arrendamento.
Dentro da tipologia proposta por Angel
(2000) o PAR apresenta, pelo lado da oferta,
uma combinação de transferências diretas dos
governos locais para os construtores, assim como a aquisição e venda de terrenos por valores abaixo do valor de mercado e controle de
preços, uma vez que a parcela a ser paga pelo
arrendatário é fixada de acordo com o valor
estipulado pelo órgão gestor do programa.
O problema de o arrendamento funcionar como uma espécie de controle de preços
é que esse tipo de contrato não tem a flexibilidade necessária para tolerar variações nos preços. Num contrato de financiamento bancário,
se a família, em algum momento de sua vigência, achar que pode repassar o financiamento
por um preço maior a outro interessado, pode fazê-lo de pleno direito. Na hipótese de o
pância entre o preço de mercado (ou aluguel)
de um imóvel com características semelhantes
no entorno, surgirão incentivos para que o arrendatário subloque sua unidade e embolse o
excedente. O mesmo pode ocorrer se o imóvel
for construído em uma área onde o entorno é
habitado por famílias com renda equivalente
morando em imóveis de pior qualidade.
É recorrente o surgimento de denúncias de esquemas de fraude em programas do
CDHU, a companhia mantida pelo governo do
estado de São Paulo e nos Projetos Cingapura
da Prefeitura de São Paulo. O motivo é sempre o mesmo: algumas famílias contempladas
pelo programa, em algum momento, percebem
que estão consumindo um produto cujo valor
mensal supera o valor que desejam, preferindo
consumir um produto de pior qualidade (alugar
um apartamento menor, ou em outro local, ou
mesmo em uma favela, por exemplo) e embolsar parte do excedente para satisfazer outras
necessidades.
Uma vez que a maioria dos contratos
firmados nesse tipo de programa não pode ser
transferida a outras famílias que ofereceriam
um valor maior pelos imóveis, o que geralmente ocorre é a intervenção de “máfias” atuando
como intermediários entre os compradores originais e aqueles que estão dispostos a pagar
um prêmio pela moradia. São firmados “contratos de gaveta” cujo cumprimento é garantido por intimidação e constrangimento ilegal.
Além de fomentar um mercado ilegal, esse tipo de intermediação é ineficiente do ponto de
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vista econômico, pois dissipa renda entre agentes que não produzem.
O Censo Demográfico do IBGE para o
ano 2000 produziu microdados do universo da
O que quero enfatizar aqui é que, mesmo
pesquisa associados a um mapa dos setores
que, por razões ideológicas e políticas justificá-
censitários. Não há, entretanto, uma variável
veis, entendêssemos que o formato de contrato
que indica a renda familiar média no setor,
imposto pelo PAR fosse ideal, isso não muda o
apenas o valor acumulado da renda de todos
fato de que, uma vez celebrados os contratos,
os responsáveis pelo domicílio. A renda média
os imóveis de uma maneira ou de outra estão
do chefe de domicílio é calculada tomando-se
sujeitos às forças de mercado. Assim sendo, os
a renda acumulada do distrito e dividindo-a
arrendatários ou locatários mudarão seu com-
pela quantidade de responsáveis dentro do
portamento para acomodar uma situação em
setor.
que a sua renda ou afetividade pelo imóvel não
Uma possível estimativa da renda média
é compatível com seu valor de mercado. Eles
domiciliar consiste em tomar a renda familiar
tenderão a quebrar subrepticiamente os con-
média da área de ponderação onde o setor se
tratos se a situação assim se impuser.
localiza e encontrar a proporção da renda mé-
O problema se torna mais complexo pe-
dia do responsável em relação à renda média
lo fato de que a própria escolha da localização
domiciliar. A partir daí, retorna-se aos valores
dos imóveis que integram o programa pode al-
encontrados para os responsáveis dentro dos
terar o valor dos imóveis em seu entorno. Isso
setores censitários e calcula-se o inverso des-
sugere a necessidade de escolher a localização
sa proporção, obtendo-se a estimativa para a
dos imóveis candidatos a esse tipo de progra-
renda média domiciliar dentro do setor censi-
ma de uma maneira que seja compatível com a
tário. Como as regras do PAR se referem a va-
distribuição espacial da renda no local onde o
lores considerados no final do ano de 2004, foi
projeto deve ser implantado.
necessário atualizar os valores encontrados no
A escolha de localização das famílias
depende da escolha de localização de outras
Censo e o índice utilizado foi o IPC-A, calculado
pelo próprio IBGE.
famílias, uma vez que existem efeitos de ex-
O próximo exercício é criar um mapa in-
ternalidades. Assim sendo, uma política pública
dicando a renda média domiciliar por setor e
que visa acomodar residências em imóveis que
verificar se a localização dos projetos PAR é
não foram originalmente projetados para isso
consistente com a ideia de que não pode haver
tem que levar em consideração a vizinhança do
muita diferença de renda familiar entre a renda
imóvel. Um dos determinantes das externalida-
média do setor e a renda máxima das famílias
des de vizinhança que podemos observar é a
a serem alocadas no projeto residencial.
renda média familiar nos arredores do local es-
O Mapa 6 mostra a região dos distritos Sé
colhido. Uma vez que a renda familiar mensal
e República com a representação aproximada
é justamente o critério principal para a escolha
dos terrenos onde se localizam os imóveis le-
das famílias que podem participar do programa
vantados. Os pequenos círculos representam a
PAR, faz-se necessária uma análise geográfica
localização e as gradações de cinza representam
da renda nas localidades.
o tipo de ocupação encontrada nos imóveis.
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Mapa 6 – Unidades PAR propostas e renda média familiar dos setores censitários
Legenda
observações
desocupados
térreo e sobreloja ocupados
menos da metade dos andares ocupados
unidades PAR propostas
setores censitários – renda domiciliar estimada
até R$1.800
acima de R$1.800
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria de Habitação de São Paulo.
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Se é verdade que as famílias escolhem
onde a população original tem renda menor do
o lugar onde vão morar levando em conside-
que a renda típica da família contemplada no
ração características socioeconômicas de seus
programa pode ocorrer um efeito em cadeia
vizinhos (veja Abramo, 2007; Becker, 1981 e
que traga valorização para os imóveis no en-
Schelling, 1978), dando preferência para locali-
torno. Nesse caso, a população original sofrerá
zações onde morem outras famílias com renda
com o aumento de seu aluguel e uma parte dela
igual ou maior à renda da própria família que
acabará tendo que deixar o local, dando causa
faz a escolha locacional, então é de fundamen-
para o fenômeno que os planejadores urbanos
tal importância que se leve em consideração a
chamam de “processo de gentrificação”.
condição financeira das famílias que moram no
Um modelo simples de segregação es-
entorno antes de escolher o imóvel que será
pacial formulado por Schelling (1978) também
objeto da política pública.
sugere que esses efeitos dependem de uma
O que não é desejável é que se criem
“massa crítica” necessária para que a dinâmica
condições para o estabelecimento de famílias
dos deslocamentos se torne autossustentada.
com rendas muito díspares em regiões muito
Essa afirmação pode ser entendida intuitiva-
próximas, pois isto tenderia a criar movimentos
mente da seguinte maneira: imagine uma qua-
imprevisíveis de população.
dra com 100 famílias e uma renda média de
No caso de se instalarem programas de
R$1.000 por mês. Se uma determinada classe
habitação popular em quadras onde a popu-
de famílias está disposta a morar na quadra
lação residente tenha renda muito maior do
contanto que a metade das famílias da quadra
que a renda típica das famílias contempladas
tenha renda maior ou igual à sua, no momento
pela política pública de habitação, o que pode
em que uma família com renda alta resolve dei-
ocorrer é uma fuga das famílias originalmente
xar a quadra, a renda média da quadra passa a
instaladas devido ao seu desejo de não morar
ser menor do que R$1.000. Isso levará outras
próximo a outras famílias mais pobres.
famílias a deixarem a quadra provocando uma
Por outro lado, pode também ocorrer
reação em cadeia.
que famílias com rendimento maior desejem se
O ponto importante que esse modelo
aproveitar da margem existente entre o preço
sugere é que existe uma massa crítica que de-
de mercado do aluguel na quadra e o preço
termina a sensibilidade dessa dinâmica. Uma
subsidiado do imóvel do programa público.
consequência estatística desse modelo é que
Esse é o caso em que estão dispostas a pagar
quanto maior o número de pessoas a serem
um prêmio para a família contemplada pelo
consideradas, menor a probabilidade de que o
programa público que seja o suficientemente
deslocamento de qualquer uma família provo-
maior do que a prestação do arrendamento e
que uma reação em cadeia.
suficientemente menor do que o preço de mer-
Por esse motivo, um programa de re-
cado, e é o caso que torna possível a atuação
vitalização baseado na ocupação de prédios
de máfias.
desocupados transformados em moradia tem
No caso oposto, aquele em que o pro-
maior chance de atingir seus objetivos quando
grama público escolhe um imóvel numa quadra
se concentram os imóveis escolhidos, de modo
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
a alocar famílias com rendas semelhantes pró-
(2006) reproduz um extenso estudo apresen-
ximas umas às outras.
tando um “levantamento e avaliação dos ins-
O Mapa 6 mostra como a escolha de lo-
trumentos urbanísticos e tributários instituídos
calização dos imóveis que fariam parte do pro-
ou implementados nos últimos quinze anos na
grama negligenciou a dimensão espacial, tanto
área central de São Paulo”. Seus autores cha-
no que se refere à escolha de acordo com a
mam a atenção para o emaranhado de proble-
distribuição geográfica da renda como à neces-
mas jurídicos relacionados aos imóveis ociosos
sidade de criar uma “massa crítica” de imóveis
e sua implicação na dificuldade de estabelecer
de modo a acumular famílias com condições
programas e obter resultados impactantes. O
econômicas semelhantes próximas umas às
estímulo ao repovoamento da região central
outras.
através da reforma e requalificação de imóveis
Os pontos marcados com um círculo no
abandonados financiado pelo PAR foi apenas
mapa mostram imóveis que, à época em que
uma de uma série de medidas adotadas para
foi feito o levantamento, estavam totalmente
reverter a situação de degradação e abandono
desocupados, encontravam-se somente com
em que a região se encontra.
seu térreo e sobrelojas comerciais ocupadas ou
com mais da metade de seus conjuntos comerciais vagos.
Os triângulos representam as localiza-
Conclusão
ções propostas para o programa de revitalização. Percebe-se que não se encontram próximas
Em primeiro lugar, evidencia-se a necessidade
umas das outras e grande parte está dispersa
da realização de estudos de campo que pro-
entre quadras com rendas médias maiores do
curam identificar a extensão e os padrões es-
que a da população-alvo.
paciais de incidência de imóveis subutilizados
A escolha de imóveis para esse tipo de
do ponto de vista da compatibilidade entre a
programa habitacional está longe de ser um
densidade demográfica, o uso e a disponibili-
problema trivial. Em geral ela depende de fato-
dade de infraestrutura da região do Centro His-
res que vão desde a condição física do imóvel
tórico. O estudo mostrou que a subutilização
e consequente viabilidade técnica do projeto
ocorre em padrões espaciais distintos quando
de reforma, passando por problemas de ordem
se consideram separadamente construções
tributária e até mesmo a existência de direitos
subocupadas e imóveis utilizados exclusiva-
patrimoniais contestados por herdeiros, como
mente como estacionamentos. O principal de-
é o caso de muitos dos imóveis abandonados
terminante parece ser de ordem urbanística e
no Centro de São Paulo. O documento elabo-
institucional. A introdução dos calçadões criou
rado pelo Laboratório de Habitação e Assenta-
dificuldades à circulação de automóveis que,
mentos Humanos da Faculdade de Arquitetura
aparentemente, afetou bastante, por um lado,
e Urbanismo da Universidade de São Paulo
a incidência de construções de uso comercial
intitulado Observatório do uso do solo e da
que se encontram atualmente desocupadas e,
gestão fundiária de do Centro de São Paulo
por outro lado, gerou uma demanda por vagas
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de estacionamento em todo o seu entorno. O
É compreensível que a Prefeitura quises-
desenvolvimento do parcelamento do solo e
se fazer uma experiência inicial para testar os
das normas de construção criou limitações a
resultados da proposta dessas políticas. Nesse
inovações arquitetônicas e, por consequência,
sentido, parecia razoável fazer uma intervenção
limitou a possibilidade de que os empresários
inicial em um pequeno número de imóveis. Por
da construção pudessem obter maiores ganhos
isso foram escolhidos 24 imóveis, menos de 5%
econômicos com produtos diferenciados, tanto
do total daqueles parcial ou totalmente ociosos
para uso comercial como para uso residencial,
ou estacionamentos encontrados somente nos
o que levou ao desinteresse e a quase ausên-
distritos Sé e República, que poderiam tornar-se
cia de novos empreendimentos imobiliários na
alvo de uma política urbana mais agressiva, ca-
região nos últimos 15 anos (Sandroni, 2004). A
so o plano piloto fosse bem-sucedido. Todavia,
grande quantidade de terrenos utilizados como
ao não ser considerado o problema das siner-
estacionamentos atesta o uso econômico alter-
gias, a experiência não teve um impacto signifi-
nativo do solo.
cativo na mudança do perfil de ocupação do so-
A grande quantidade de área disponível,
lo urbano. Este estudo sugere que o maior pro-
em contraposição ao relativamente pequeno
blema da abordagem implementada não esteve
número de projetos PAR demonstra a timidez
no pequeno número de imóveis focalizados,
da intervenção governamental e sua relativa
pois provavelmente limitações orçamentárias e/
dispersão demonstra uma falta de atenção à
ou problemas jurídicos dificultariam a aplicação
questão das externalidades e sinergias locais,
dessa política a uma quantidade maior. Por esse
uma vez que ficou demonstrado que a incidên-
motivo, especial atenção deveria ter sido dada à
cia de imóveis subocupados tende a ocorrer em
localização dos imóveis escolhidos; um impac-
pontos focais. Isto sugere que o problema deve
to positivo numa área pequena teria permitido
ser atacado não com intervenções dispersas,
um teste mais consistente da política proposta.
mas de forma a escolher uma localidade onde
Consideramos que a excessiva dispersão espa-
se concentrem projetos.
cial dos prédios nos quais foram aplicados os
A localização de projetos habitacionais
planos fez com que o impacto das intervenções
para famílias de baixa renda em quadras onde
se diluísse e, portanto, essa abordagem teria
a renda média é mais elevada invoca a hipótese
condenado o plano ao fracasso antes mesmo de
de Schelling sobre a dinâmica dos deslocamen-
que ele saísse do papel.
tos de massa devidos a mudanças pontuais nos
Finalmente, é essencial ter em mente
padrões de externalidades de vizinhança. En-
que o estudo de campo mostra apenas uma
tretanto, há uma grande diferença de faixas de
“imagem” congelada no tempo e, portanto,
renda entre os setores do mosaico. Com uma po-
não se pode fazer inferências sobre a dinâmica
lítica mais flexível, talvez mais tolerante a algum
da população induzida por essas intervenções,
grau de segregação espacial por renda pode se
permanecendo a hipótese de Schelling apenas
mostrar mais estável e previsível, possibilitando
uma conjectura e, a fortiori, apontando para a
uma maior gama de programas de incentivos e
necessidade de um acompanhamento perma-
a indução da participação do setor privado.
nente do mercado imobiliário da região.
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Padrões espaciais de ociosidade imobiliária e o Programa Morar no Centro...
Fernando Cardoso Cotelo
Bacharel em administração pública pela Fundação Getulio Vargas. Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em economia política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Doutor em economia de empresas pela Fundação Getulio Vargas (São Paulo, Brasil).
[email protected]
Referências
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SCHELLING, T. (1978). Micromotives and macrobehavior. Nova York, W.W. Norton & Company.
SILVA, H. M. M. B. (coord.) (2006). Observatório do uso do solo e da gestão fundiária do Centro de São
Paulo. Disponível em: www.usp.br/fau/depprojeto/labhab. Acesso em 8 de junho de 2009.
Texto recebido em 10/maio/2009
Texto aprovado em 5/jul/2009
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Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
Artigos de periódicos
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Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Trabalhos apresentados em eventos científicos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número,
ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final.
Exemplo:
SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília,
MPAS/SAS, pp. 193-207.
Teses, dissertações e monografias
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição.
Exemplo:
FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, FFLCH.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso.
Exemplo:
FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em 8 set. 2005.
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Próximas Chamadas de Trabalho
Cadernos Metrópole n. 23
Organização interna das metrópoles: trabalho e moradia.
Conexões e desconexões
Neste número propomos reunir trabalhos que analisem a mudanças das relações entre as
dinâmicas do mercado de trabalho e da moradia na organização interna das metrópoles e suas
consequências em termos de acessibilidade dos pobres ao emprego, à renda e aos bens coletivos,
desigualdades, segregação, etc. Será que estamos em vias de transformação do clássico modelo
centro-periferia das nossas metrópoles ou há uma continuidade deste modelo em outra escala
com a constituição de várias centralidades e periferias?
Data-limite para postagem dos trabalhos: 30 de outubro de 2009
Cadernos Metrópole n. 24
Metrópoles: desconcentração ou novo modelo de configuração urbana?
Neste número pretendemos reunir textos que coloquem em discussão o tema do suposto
crescimento do interior do Brasil em detrimento das áreas metropolitanas. Por outro lado, vários
trabalhos têm chamado a atenção da continuidade da força concentradora das grandes cidades
no Brasil, embora sob outras configurações territoriais que inclui em sua área de influências
outras cidades consideradas como interior.
Data-limite para postagem dos trabalhos: 15 de fevereiro de 2010
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