Nilton Nunes Carvalho, Jose Dourado

Transcrição

Nilton Nunes Carvalho, Jose Dourado
http://6cieta.org
São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.
ISBN: 978-85-7506-232-6
AGROECOLOGIA: PRÁTICAS E SABERES EM
ASSENTAMENTOS RURAIS NA MICRORREGIÃO
DO ALTO SOLIMÕES (AM)
Nilton Nunes Carvalho
Graduando em Geografia
Universidade do Estado do Amazonas
Centro de Estudos Superiores de Tabatinga
Núcleo de Pesquisa em Estudos Agrários, Território e Trabalho - NUPEATT
[email protected]
José Aparecido Lima Dourado
Professor da Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Amazonas
Centro de Estudos Superiores de Tabatinga
Núcleo de Pesquisa em Estudos Agrários, Território e Trabalho - NUPEATT
[email protected]
INTRODUÇÃO
A agricultura é praticada pela humanidade há mais de dez mil anos de forma
natural, conservando a biodiversidade e produção natural dos alimentos. Com os vários
acontecimentos que marcaram a história na metade do século XX, que mudaram a realidade
no campo e na cidade, devido à segunda guerra mundial, onde as indústrias químicas
fabricantes de venenos e armamentos para guerra encontraram na agricultura uma nova
maneira de obter renda a partir da comercialização de seus produtos. Os países
desenvolvidos, cujo objetivo era aumentar a produção e produtividade agrícola usando
produtos químicos fundamentados na ideia da Revolução Verde com o propósito de
eliminara fome da população mundial. Outro desdobramento da Revolução Verde foi o
aumento da produção no meio agrícola.
Com benefícios desiguais, a Revolução Verde fomentou os problemas
ambientais, a precarização das relações de trabalho no campo, o uso intensivo de
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agrotóxicos devido ao novo padrão de produção insustentável. Nesse sentido entra em cena
a agroecologia em contraposição aos produtos químicos, uma maneira alternativa de
produzir alimentos sem contaminação por resíduos químicos, ou ainda, geneticamente
alterados, promovendo assim uma alimentação mais saudável, não prejudicando a saúde e
o meio ambiente.Esse movimento cresceu e assumiu maior complexidade, caracterizado por
suas ações sociais e políticas, assumindo um papel destacado na agricultura com sua forma
de produção mais sustentável que integram aspectos sociais, econômicos e ambientais.
A agroecologia tem um papel fundamental no que se refere à minimização dos
impactos ambientais e redução da fome, associada à concepção de soberania alimentar,
cujos princípios são a sustentabilidade e o direito de cada um decidir como será feita a
produção do alimento que vai ser consumido. Esses dois princípios estão simultaneamente
ligados na luta pela minimização no uso de insumos químicos na produção de alimentos,
iniciado a partir dos processos da modernização agrícola.
Dessa maneira, o interesse em pesquisar sobre a temática agroecologia surgiu
através do contato com o Núcleo de Pesquisa em Estudos Agrários, Território e Trabalho –
NUPEATT, grupo esse focado em fomentar o debate sobre a questão agrária no Brasil, a
partir da realidade vivenciada no Alto Solimões (AM). Nessa pesquisa, analisaremos as
práticas agroecológicas em assentamentos do Alto Solimões, como forma de privilegiar uma
agricultura baseada em saberes-fazeres tradicionais. Compreender o manejo dos recursos e
as práticas agroecológicas usadas por agricultores em assentamento requer considerar as
múltiplas questões que envolvem as lutas e conquistas dos sujeitos que trabalham no
campo.
Tabatinga e Benjamin Constant estão localizados na microrregião do Alto
Solimões (AM), na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru. Para a coleta de dados foram feitas
visitas ao Assentamento São José, localizado na Ilha de Aramaçá, no município de Benjamin
Constant e no Assentamento Tacana, em Tabatinga. Nessa parte da região amazônica a
agricultura é uma das principais atividades econômicas, constituindo-se uma fonte de
geração de emprego e renda, com a movimentação da economia local e regional. Embora a
agricultura familiar camponesa represente um grande potencial de produção de alimentos e
de geração de emprego e renda, esta ainda encontra-se à margem das políticas públicas
implantadas pelo Estado, fato que impede que a população que vive do trabalho na
agricultura tenha melhores condições de vida.
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AGROECOLOGIA A SOBERANIA ALIMENTAR: UM DEBATE NECESSÁRIO
As práticas agroecológicas e os assentamentos podem ser compreendidos nos
marcos teóricos e práticos desenvolvidos na pesquisa por vários autores como Altieri(2004),
Caporal, Costabeber (2000), Carvalho e Vieira(2008), Melo Júnior, Silva e Cruz (2010) e entre
outros que serão citados no decorrer da pesquisa.
A Revolução Verde avançou no século XX pela América Latina, sendo que os
países desenvolvidos objetivavam aumentar seus lucros no campo mediante profundas
transformações como a moto-mecanização, o uso de insumos químicos e a adoção de
material genético modificado, fatos que mudaram a forma de trabalhar no campo sem
haver a preocupação de conservar os recursos naturais (solo, água, vegetação, entre outros).
A agricultura modernizada caracteriza-se por produzir alimentos em maior quantidade, pelo
combate de pragas com o uso de agrotóxicos. Essa nova forma de produzir trouxe
conseqüências como contaminação da água, dos solos e dos alimentos, a redução da
biodiversidade, concentração de terras e expropriação das famílias camponesas. Cabe
enfatizar que
(...) a modernização da agricultura, com a utilização de tecnologias intensivas em
insumos, aconteceu sem a distribuição da terra. Os benefícios dessas medidas –
geralmente chamadas de Revolução Verde – foram extremamente desiguais em
termos de sua distribuição, com os maiores e mais ricos agricultores, que
controlam o capital e as terras férteis, sendo privilegiados, em detrimento dos
agricultores mais pobres e com menos recursos. A Revolução Verde também
contribuiu para disseminar problemas ambientais, como erosão do solo,
desertificação, poluição por agrotóxicos e perda de biodiversidade (REDCLIFT e
GOODMAN, 1991).
O debate sobre agroecologia surgiu na década de 1930 como uma nova forma
que integrar as relações homem-natureza tendo como princípios as bases ecológicas,
buscando sempre a interação entre os elementos que compõem o meio ambiente: o solo, a
água, as plantas, os animais e o próprio homem. A discussão sobre agroecologia fortaleceu
a partir dos anos 70, incorporando os conhecimentos de diversas ciências, porém seus
princípios estão centrados na base ecológica.
Até que com o despertar do campo da ecologia de cultivos, no final da década de
20, estas duas ciências cruzam-se em um sentido de incorporar princípios
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ecológicos à agricultura. Sendo assim o próprio termo agroecologia, surge
apenas nos anos 30, para denominar uma ecologia aplicada à agricultura. Mas
foi a partir da década de 70 que a agroecologia evidenciou-se como campo de
produção científica, enquanto ciência multidisciplinar, preocupada com a
aplicação direta de seus princípios na agricultura, na organização social e no
estabelecimento de novas formas de relação entre sociedade e natureza (MELO
JUNIOR; SILVA e CRUZ 2010).
A agroecologia e soberania alimentar estão juntas nesse processo de produzir
uma agricultura pautada nos saberes-fazeres tradicionais das populações camponesas, pois
a “soberania alimentar consiste no direito de cada povo ou país a produzir os seus alimentos
e a organizar a sua produção conforme os seus hábitos e tradições” (VIEIRA 2008). Nessa
perspectiva, os assentamentos são fundamentais no tocante à produção de alimentos
pautada na agricultura familiar camponesa, sendo estes desdobramentos da política de
reforma agrária. Com a conquista dos primeiros assentamentos, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST colocou como desafio estabelecer novas relações de
produção agrícola, como formas de resistência e construção de uma nova realidade
agrária/agrícola para o campo brasileiro. Os assentamentos podem ser vistos como um
resultado de luta e enfrentamento por parte dos movimentos sociais pelo acesso a terra e
por melhores condições de vida e de trabalho.
A agroecológica busca melhorar as relações sociais entre aqueles que estavam
envolvidos no processo de transição agroecológica. Esta deve ser entendida como um
enfoque científico, uma ciência ou um conjunto de conhecimentos que nos ajuda tanto para
a análise crítica da agricultura convencional (no sentido da compreensão das razões da
insustentabilidade da agricultura da Revolução Verde), como também para orientar o
correto redesenho e o adequado manejo de agroecossistemas, na perspectiva da
sustentabilidade.
De acordo com Caporal e Costabeber (2004) a agroecologia é uma ciência para o
futuro sustentável. Isto porque, ao contrário das formas compartimentadas de ver e estudar
a realidade, ou dos modos isolacionistas das ciências convencionais, baseadas no paradigma
cartesiano, a agroecologia integra e articula conhecimentos de diferentes ciências, assim
como o saber popular, permitindo tanto a compreensão, análise e crítica do atual modelo do
desenvolvimento e de agricultura industrial, como o desenho de novas estratégias para o
desenvolvimento rural e de estilos de agriculturas sustentáveis, desde uma abordagem
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transdisciplinar e holística.
Com os problemas, e as dificuldades provocados pela agricultura química muitos
agricultores buscam soluções que diminuam os acidentes pelo uso de implementos
químicos. O processo de transição de uma agricultura convencional (química) para uma
agricultura com bases ecológica (agroecologia) não é uma tarefa simples e rápida,
constituindo uma longa caminha. A agroecologia pode ser entendida como campo de
produção científica, cujos princípios procuram privilegiar a organização social e estabelecer
novas formas de relação entre sociedade e natureza. É ainda uma ciência e uma prática que
traz modificações no sistema e na produção sem colocar em risco os recursos naturais,
trabalhando sempre com a sustentabilidade da natureza. Isso permite usar de forma
correta os agrossistema sem o uso de fertilizantes químicos que prejudiquem o solo e vida.
O manejo agrícola é realizado conforme as características locais do ambiente, alterando-as o
mínimo possível. Assim sendo
Só uma compreensão mais profunda da ecologia humana dos sistemas agrícolas
pode levar a medidas coerentes com uma agricultura realmente sustentável.
Assim, a emergência da agroecologia como uma nova e dinâmica ciência
representa um enorme salto na direção certa. A agroecologia fornece os
princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto
produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam
culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis (ALTIERI,
1987).
Agroecologia é defendida como uma nova ciência em construção, como um
paradigma, que se baseia em de princípios que visa o uso e manejo dos recursos naturais,
estabelecendo formas de agricultura, mas sustentável com vistas a eliminar o uso de
agrotóxicos. Assim, a discussão sobre agroecologia foi sendo associada à soberania
alimentar de tal modo que hoje muitos autores e diversos movimentos sociais de luta pela
terra na América Latina já tratam esses temas como indissociáveis. Vale ressalta que o
debate sobre soberania alimentar ganhou destaque em 1996 pelo movimento internacional
com intuito de melhorar a alimentação e a reduzir a fome, atendendo as necessidades de
alimentação da humanidade, de forma mais segura e duradoura.
METODOLOGIA DA PESQUISA
Para a elaboração deste trabalho fez-se necessário um levantamento
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bibliográfico sobre os temas agroecologia, campesinato, assentamentos rurais, praticas e
saberes tradicionais buscando identificar diferentes visões sobre os mesmos. Num segundo
momento foi realizada a pesquisa de campo, que permitiu a observação do trabalho do
camponês na terra, os tipos de lavouras produzidas, além de analisar as formas de plantio e
produção sem o uso de agrotóxicos, ajudando-nos a entender a dinâmica da agricultura
local. O processo de investigação e observação é composto de diferentes momentos
embora articulados, de modo que as técnicas e a metodologia utilizadas possibilitem
apreender as características dos sujeitos, e assim fornecer elementos consistentes para a
compreensão e representação do problema que suscitou o desejo por realizar a pesquisa.
Assim ao construir os eixos que estabelecem a articulação dos dados empíricos com a teoria
procurou-se direcionar as análises de maneira estruturada para evitar uma abordagem
engessada de conceitos, sem relação com o cotidiano dos sujeitos pesquisados, cuja
realidade estampa uma teoria já construída. Utilizando como parâmetro para agrupar as
afinidades teóricas e fenômenos interpretados estabeleceu-se uma proposta de trabalho
cuja abordagem parte dos eixos temáticos: Agroecologia, Assentamentos Rurais, Soberania
Alimentar, Camponeses, Alto Solimões (AM). A leitura geográfica espacial do Alto Solimões a
partir da integração desses eixos temáticos permitirá ao pesquisador levantar elementos
que possibilitem uma compreensão dos processos e fenômenos inerentes às práticas
agroecológicas desenvolvidas nos Assentamentos São José e Tacana.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foi constatado no Assentamento São José, na ilha do Aramaçá o uso de
agrotóxicos (pesticidas, principalmente) apenas na cultura de maracujá. Nesse mesmo local
assentamento (Fotos 1 e 2), os camponeses/assentados produzem uma variedade de
alimentos de forma natural, como milho, arroz, chicória, coentro, banana, goiaba, feijão,
abóbora, açaí, couve, rúcula, alface e mandioca. Associados à agricultura, os camponeses
criam galinhas, porcos e praticam a pesca artesanal, já que o peixe é um dos principais
alimentos nessa região. Os conhecimentos herdados sobre a maneira de produzir de forma
que a natureza não seja prejudicada, conservando assim tradições e saberes repassado
pelos antepassados devem ser valorizados e preservados no sentido de fazer o
enfrentamento ao modelo de desenvolvimento adotado para o campo brasileiro baseado na
exploração exacerbada dos recursos naturais (terra e água), na utilização intensiva de
agrotóxicos.
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Foto 1. Plantio do maracujá. Assentamento São José.
Fonte: Trabalho de Campo, 2014. Fonte: DOURADO, J. A. L.
Foto 2. Limpeza da área para o plantio. Assentamento São José.
Fonte: Trabalho de Campo, 2014. Autor: DOURADO, J.A. L.
O trabalho de limpeza da área é feito pelos próprios agricultores e seus
agregados familiares, a capina para o plantio da mandioca ou de qualquer espécie é muito
importante, devido a região ser uma área com vegetação intensa. Alguns camponeses já
fazem a limpeza da área utilizando pequenas roçadeiras, movidas à gasolina. Essa
tecnologia foi introduzida na região na década de 1980 pelo Estado, na tentativa de
modernizar a agricultura da microrregião do Alto Solimões. Recentemente foi introduzido o
plantio do maracujá no Assentamento São José, transformando-se em uma importante
fonte de renda para famílias, além de permitir a reprodução da família assentadas. A
introdução da cultura do maracujá tem dinamizado a economia desse assentamento,
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ampliando a oferta de alimentos e mantendo os preços acessíveis. Além de permitir a
melhoria das condições de vida dos assentados.
No Assentamento Tacana a agricultura é baseada nos princípios agroecológicos,
muito embora já venha sendo feito o uso de agrotóxicos (herbicidas) para a limpeza da área
a ser plantada. A utilização de herbicidas é bem recente, restringindo-se a poucos
agricultores, pois as lavouras cultivadas nesse assentamento não necessitam desses
insumos para produzir. A limpeza das áreas a serem cultivadas é feita por meio da capina,
da roçadeira ou ainda pelo uso do arado de tração animal. Através do cultivo de milho,
feijão, chicória, frutas como cupuaçu, açaí, melancia, sendo que as principais lavouras nesse
assentamento são a produção de abacaxi e mandioca (Foto 3). Com a mandioca é produzida
a farinha consumida pelas famílias, cujo excedente é comercializado nas feiras livres da
cidade de Tabatinga e Benjamin Constant. Alguns assentados praticam a agricultura
associada à criação de peixes (piscicultura) em pequenos lagos construídos artificialmente,
como forma de complementação da renda familiar. A pesca artesanal é feita no Igarapé
Tacana ou ainda nos lagos que se formam em meio à floresta, sendo essa atividade de
fundamental importância para a dieta alimentar local porque representa uma fonte de
proteína para os camponeses.
Foto 3. Plantio de Mandioca e banana no Assentamento Tacana.
Fonte: Trabalho de Campo, 2014. Autor: DOURADO, J. A. L.
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Uma característica marcante da agricultura praticada nos assentamentos
pesquisados é o policultivos. Isso se deve a duas questões principais: primeiro porque a
agricultura é de base familiar e, por outro lado, em função do tamanho dos lotes (5
hectares), há a necessidade de fazer o consórcio de lavouras, aspecto que contribui
sobremodo para manter a fertilidade do solo e a biodiversidade local. Assim, os camponeses
produzem a maioria dos produtos consumidos pela família, sendo o trabalho na terra um
elemento importante para a manutenção da soberania alimentar local. O trabalho na
agricultura conta com a participação do pai, da mãe e dos filhos, sendo constante e
essencial a participação da mulher durante as atividades de plantio, limpeza e colheita.
Através do trabalho coletivo, os saberes tradicionais resultantes do trabalho na terra
adquiridos com os antepassados são reproduzidos e repassados para as gerações atuais e
futuras. Outro aspecto é o fato de que a agricultura praticada nos assentamentos
pesquisados é em sua maioria pautada nos princípios agroecológicos. Vale ressaltar que nos
assentamentos São José e Tacana há agricultores de outras nacionalidades (Peru e
Colômbia), em função destes estarem na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru. É comum os
camponeses peruanos e colombianos que moram nos assentamentos trabalhar como
caseiros, não sendo os donos dos lotes. Tanto no Assentamento Tacana quanto em São José
tem escola onde os filhos dos camponeses estudam, aspecto importante para a
manutenção dos jovens/alunos rurais no campo, constituindo um dos elementos
fundamentais para a sucessão rural. Por outro lado, os jovens que vivem nos
assentamentos devem ser alvo de políticas públicas efetivas, de modo a criar oportunidades
para capacitação e melhorias nas condições de trabalho e estudo, garantindo renda e
inclusão social a partir do desenvolvimento de práticas agroecológicas. Fomentar a geração
de renda a partir dos princípios agroecológicos é uma alternativa para o desenvolvimento
rural que, a nosso ver, constitui uma estratégia para o fortalecimento do desenvolvimento
rural sustentável. Dessa forma, faz-se necessário uma atenção maior por parte do Poder
Público que tem papel destacado no tocante à implementação de políticas públicas de
desenvolvimento territorial rural, de modo a evitar a expansão do uso de agrotóxicos
através do fomento à manutenção de praticas. Nesse sentido, os assentamentos são vistos
como espaços de esperança, assumindo uma importante função no que diz respeito à
produção de alimentos e a soberania alimentar regional.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das práticas agroecológicas desenvolvidas nos Assentamentos Tacana
e São José deve ser feita a partir da realidade do campo no Alto Solimões, estando atento às
mudanças que vem ocorrendo no modo de produzir devido à introdução de insumos
químicos e o uso de roçadeiras. Destacam-se também as adequações que vem sendo feitas
pelos camponeses durante os períodos de cheia do Rio Solimões, momento em que as
dificuldades de escoamento da produção aumentam e as áreas de cultivo reduzem
significativamente por conta do alagamento. Ante a importância da agricultura camponesa
para a manutenção da soberania alimentar das comunidades rurais e da população que vive
nas cidades é necessário que as políticas públicas fortaleçam as práticas agroecológicas
como forma de contribuir para a produção de alimentos saudáveis bem como a
manutenção das famílias no campo com dignidade.
Percebeu-se que agricultura desenvolvida nos assentamentos visitados é
associada com a pesca, constituindo estas as principais atividades econômicas do Alto
Solimões, de onde provém a maior parte da renda das famílias que vivem no campo. Tanto
no Assentamento São José quanto no Assentamento Tacana a agricultura é baseada em
práticas agroecológicas, com destaque para a lavoura de mandioca, utilizada para a
produção de farinha e goma, consumidas largamente pela população local. O trabalho na
agricultura e na pesca envolve homens, mulheres e crianças, aspecto que contribui para a
valorização dos saberes tradicionais, de modo que estes sejam repassados de geração a
geração. A produção agrícola sem o uso de agrotóxicos contribui para a preservação dos
ecossistemas, visto que qualquer interferência pode resultar no desequilíbrio, dos sistemas
naturais. Dessa forma, a agroecologia enquanto modelo sustentável tem como fortalecer a
agricultura no Alto Solimões, havendo, pois, a necessidade de uma maior atenção por parte
do Poder Público para evitar que a utilização de insumos químicos e agrotóxicos seja feita
indiscriminadamente, colocando em risco a qualidade dos alimentos consumidos pela
população local.
REFERÊNCIAS
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produtiva da agricultura Sustentável. Porto
Alegre editora UFRGS, 2004.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e
desenvolvimento
rural
sustentável:
perspectivas para uma nova Extensão Rural.
Agroecologia
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Rural
Sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.16-37,
jan./mar. 2000.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A e PAULUS, G.
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paradigma para o desenvolvimento rural
sustentável. Brasil: DF, 2006.
MELO JÚNIOR, J. G.de; SILVA, V. C. S. da; CRUZ, D. C.
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do Pará, uma identidade da agricultura
camponesa impulsionada pelos Movimentos
Sociais. Anais... VIII Congresso Latinoamericano
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SAUER, S. e BALESTRO, M. V. (Orgs.). Agroecologia e
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VIEIRA,
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REDCLIFT, M.; GOODMAN, D. The machinery of
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1991.
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AGROECOLOGIA: PRÁTICAS E SABERES EM ASSENTAMENTOS RURAIS
NA MICRORREGIÃO DO ALTO SOLIMÕES (AM)
EIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial
RESUMO
Em decorrência da Revolução verde a agricultura passou por grandes transformações, surgindo
nos países desenvolvidos e propagando para os países em desenvolvimento, com o propósito de
aumentar a produção e produtividade no campo e erradicar a fome. Essa nova estratégia adotada
para a produção agrícola tem sido responsável por uma crise socioambiental sem precedentes na
história, envolvendo diversos fatores como a expulsão dos camponeses do campo, contaminação
e falta de alimentos, depredação do solo, desdobrando-se numa série de outros problemas.
Monocultura, o uso intensivo de agrotóxicos, redução dos postos de trabalho no campo, são
apenas alguns dos sérios impactos decorrentes da modernização agrícola, gerando intensos
debates sobre seus aspectos negativos. A busca pela produção de alimentos livres de agrotóxicos
centrada no combate à expansão/territorialização do grande capital no campo faz-se atual e
necessária, no sentido de garantir formas de produzir mais sustentáveis e saudáveis, privilegiando
as práticas e saberes dos povos tradicionais. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo
analisar as práticas e saberes agroecológicos desenvolvidos nos assentamentos rurais nos
municípios de Benjamin Constant e Tabatinga, localizados na microrregião do Alto Solimões (AM),
na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru. Dessa maneira, o interesse pela temática agroecologia
surgiu através do contato com o Núcleo de Pesquisa em Estudos Agrários Território e Trabalho –
NUPEATT, grupo esse focado em fomentar o debate sobre a questão agrária no Brasil, a partir da
realidade vivenciada no Alto Solimões (AM). Através das visitas feitas aos assentamentos rurais na
microrregião do Alto Solimões, ressalta-se a necessidade de instrumentalizar os agricultores
camponeses para que estes possam acessar as políticas públicas voltadas para o incentivo da
agricultura familiar produzindo assim alimentos saudáveis atrelados às praticas e saberes
tradicionais herdadas de geração em geração, entendendo a dinâmica, contradições e desafios
enfrentados por estes sujeitos. Para a elaboração deste trabalho fez-se necessário um
levantamento bibliográfico sobre os temas agroecologia, assentamentos rurais, saberes-fazeres
tradicionais, buscando identificar diferentes visões sobre os mesmos. Num segundo momento foi
realizada a pesquisa de campo, que permitiu a observação sobre o universo camponês e seus
saberes-fazeres relacionados ao trabalho na/com a terra. É preciso refletir sobre a importância da
agroecologia no contexto da agricultura familiar camponesa como estratégia para a valorização do
modelo de produção alternativo e sustentável para o campo, capaz de viabilizar mecanismos que
possibilitem processos de desenvolvimento social, econômico, ambiental e culturalmente
sustentáveis. Nesse contexto, a agroecologia possui intrínseca relação com a discussão acerca da
soberania alimentar, ambas entendidas como fundamentais para a luta anticapital, haja vista que
cada vez mais as populações urbanas empobrecidas buscam na luta pela terra a possibilidade de
garantir sua reprodução social e reinserção laboral.
Palavras-chave: agroecologia; assentamentos rurais; camponeses; soberania alimentar; trabalho.
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