Dicionário em Construção

Transcrição

Dicionário em Construção
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Dicionário em construção : interdisciplinaridade / Ivani C. A.
Fazenda (org.). - 2. ed. - São Paulo : Cortez, 2002
Vários autores. ISBN
85-249-0757-6
1. Interdisciplinaridade - Dicionários I. Fazenda, Ivani C. A.
01-1659
CDD-371.303
Índices para catálogo sistemático:
1. Interdisciplinaridade : Dicionários 371.303
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: Interdisciplinaridade
Ivani Fazenda (Org.)
Capa: Ricardo Hage de Matos
Ilustrações: Ricardo Hage de Matos
Programação: Wagner Tufano
Preparação de originais: Silvana C. Leite, Ana Maria Barbosa
Revisão: Maria de Lourdes de Almeida, Agnaldo Alves
Composição: Dany Editora Ltda.
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa
dos autores e do editor.
© 2001 by Autores
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
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Impresso no Brasil - fevereiro de 2002
SOBRE OS AUTORES
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Organizadora: Ivani Catarina Arantes Fazenda — Coordenadora do
GEPI
— Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade — PUC/SP,
Coordenadora do NEPI — Núcleo Emergente de Pesquisa
Interdisciplinar
— UNICID.
Autores:
• Ana Gracinda Queluz — doutora em Psicologia da Educação pela
USP, coordenadora do mestrado em Educação e Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação da Unicid.
• Ana Maria dos Reis Taino — mestranda em Educação: Currículo pela
PUC/SP, coordenadora e professora do Curso de Pedagogia, na
Faculdade Maria Augusta Ribeiro Daher, Jacareí/SP.
• Beatriz Di Marco Giacon — mestranda em Educação: Currículo pela
PUC/SP.
• Carla Maria Arantes Fazenda — mestre em Educação: Currículo pela
PUC/SP; doutoranda pela FAUSP.
• Cecília Gaeta — mestranda no Programa de Educação: Currículo pela
PUC/SP; professora do Senac.
• Célia Maria Haas — doutora em Educação PUC/SP, professora do
Mestrado em Educação da Unicid.
• Claudio Alves — mestre em Administração pela PUC/SP; doutorando
pela PUC/SP.
• Cristina Maria Salvador — mestre em Educação: Currículo pela PUC/
SP; participa de projeto de educação continuada junto à rede pública
municipal e estadual.
• Diva Spezia Ranghetti — mestre em educação: Currículo pela PUC/SP
e professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário de Jaraguá
do Sul (SC).
• Ecleide Cunico Furlanetto — doutora em Educação PUC-SP,
professora do Mestrado em Educação da Unicid.
• Ednilson Aparecido Guioti— mestrando em Educação: Currículo pela
PUC/SP.
• Élio Vieira — mestre em Educação (USP) e doutorando em Educação:
Currículo pela PUC/SP.
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
• Elisa Lucarelli — professora de la Universidad de Buenos Aires,
Argentina.
• Fábio Cascino — doutorando no Programa de Educação: Currículo
pela PUC/SP.
• Fernando Ribeiro Gonçalves — professor da Universidade do Algarve
— Portugal — Observatório Permanente da Qualidade de Ensino.
• Geralda Terezinha Ramos — docente do Curso de Pedagogia e Letras
do Unicentro Newton Paiva e do Curso de Pedagogia da Unicsul,
doutora em Educação: Currículo pela PUC/SP.
• João Viegas Fernandes — professor da Universidade do Algarve —
Portugal.
• José Armando Valente — coordenador do Depto. Multimeios e Nied —
Unicamp, professor-doutor do Pós-Graduação em Educação: Currículo
pela PUC/SP.
• José Tavares — professor da Universidade de Aveiro — Portugal.
• Jucimara Rojas — professora da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul. Doutora em Educação pela PUC/SP.
• Lucila MaPesce de Oliveira — mestre e doutoranda em Educação:
Currículo pela PUC/SP, coordenadora do curso de Pedagogia do
Centro Universitário São Camilo/SP.
• Lucrécia Stringhetta Mello — doutora em Educação: Currículo pela
PUC/ SP e docente do DED/FUFMS/Campus de Três Lagoas/MS.
• Luiz Carlos Pereira de Souza — mestre em Administração,
doutorando em Educação: Currículo pela PUC/SP e consultor
organizacional da Unicid.
• Margarete May Berkenbrock Rosito — Doutoranda pela Unicamp/SP.
• Maria Anita Viviani Martins — professora associada da Faculdade de
Educação da PUC/SP, diretora da Faculdade de Educação da PUC/SP.
• Maria Candida Moraes — professora doutora do Pós-Graduação em
Educação: Currículo pela PUC/SP, consultora nacional e internacional
em Educação.
• Maria Cecília Castro Gasparian — pedagoga, psicopedagoga e
terapeuta de família e de casal.
SOBRE OS AUTORES
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• Maria Célia Barros Virgolino Pinto — mestranda em Educação:
Currículo pela PUC/SP. Professora da Universidade Estadual do Pará e
da Universidade Federal do Pará.
• Maria de Fátima Viegas Josgrilbert — professora da Faculdade de
Educação de P. Porã, MS, mestre em Educação pela UFMS,
doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP.
• Maria de Nazaré Trindade — professora da Universidade de Évora —
Portugal.
• Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira — doutora e mestre em
Educação — PUC/SP; licenciada e bacharel em Física pela PUC/SP;
licenciada em Pedagogia pela FECS/SP.
• Maria Ermelinda Donato — professora de la Universidad de Buenos
Aires, Argentina.
• Maria Inês Diniz Gonçalves — professora de piano da Escola de
Música da UFG/GO. Professora da Faculdade de Educação, UnB,
Brasília, DF. Doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP.
• Marisa Del Cioppo Elias — professora titular da PUC/SP e da
Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes.
• Miriam Suzete de Oliveira Rosa — professora da UFRS; doutoranda
pela PUC/SP.
• Nelly Zumilda Menéndez — professora do Curso de Metodologia de la
Investigación Pedagógica, de la Facultad de Odontologia de la
Universidad de Buenos Aires, Argentina.
• Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos — farmacêuticobioquímico. Mestre e doutor em Educação: Currículo pela PUC/SP.
Professor pesquisador da UFMS. Membro efetivo da ONG HAI —
Health Action International.
• Reginaldo Dalla Justina — mestrando em Educação; currículo pela
PUC/SP.
• Ricardo Hage de Matos — arquiteto e artista plástico pela
Universidade de São Paulo, FAU/USP, mestre e doutorando em
Educação: Currículo pela PUC/SP, professor de Metodologia da
Pesquisa na Faculdade Santa Marcelina.
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
• Roberto Galasso Nardi — mestranda em Educação: Currículo pela
PUC/ SP, coordenadora de Informática Educacional da AACD,
coordenadora pedagógica do Lar Escola São Francisco — CR.
• Rosamaria de Medeiros Arnt — mestranda em Educação: Currículo
pela PUC/SP.
• Ruy Cezar do Espirito Santo — professor-doutor da PUC/SP.
• Sylvia Helena Souza da Silva Batista — doutora em Psicologia da
Educação pela PUC/SP; professora do mestrado em Educação da
Unicid.
• Valéria Sperduti Lima — doutoranda no Programa de Educação:
Currículo pela PUC/SP.
• Vera De Faria C. Ronca — doutoranda em Educação: Psicologia pela
PUC/SP; professora da PUC/SP.
• Vítor Trindade — professor da Universidade de Évora — Portugal.
• Vitória Kachar — doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP,
professora do Curso de Pedagogia na Unifieo e da Universidade Aberta
à Maturidade — PUC/SP.
• Vitória Helena Cunha Espósito — professora titular da Faculdade de
Educação da PUC/SP, presidente da Sociedade de Estudos e Pesquisa
Qualitativos.
• Wagner Tufano — mestrando em Educação: Currículo pela PUC/SP,
professor de Informática nos cursos de Administração, Secretariado e
Turismo na Universidade São Judas Tadeu.
Apresentação
APRESENTAÇÃO
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Construindo aspectos teóricometodológicos da pesquisa sobre
Interdisciplinaridade
Ivani Catarina Arantes Fazenda
Desde 1979, quando publicamos nosso primeiro trabalho sobre
Interdisciplinaridade, solicitavam-nos a construção de um glossário de
termos que servisse não apenas como incentivo a novas pesquisas, mas
fosse vetor de aspectos pouco discutidos no cotidiano da Educação.
Produzimos inúmeras pesquisas e orientamos outras. Por nosso
grupo de estudos passaram nomes que se projetam de formas variadas no
cenário da educação brasileira e mundial. Foi impossível o contato com
todos nessa primeira etapa, mas a participação está aberta aos que se
dispuserem a compor um verbete para este nosso dicionário que sempre
estará em construção.
O presente trabalho procura introduzir alguns pontos que aqui são
apresentados para discussão, a partir das pesquisas desenvolvidas na área
da interdisciplinaridade.
Iniciamos por uma breve síntese do que temos esclarecido,
aprofundado e ampliado a partir dos pressupostos da
interdisciplinaridade:
Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do
conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de
aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão.
Exige, portanto, na prática uma profunda imersão no trabalho
cotidiano.
A metáfora que a subsidia, determina e auxilia sua efetivação é a do
olhar, metáfora que se alimenta de natureza mítica diversa.
Cinco princípios subsidiam uma prática docente interdisciplinar:
humildade, coerência, espera, respeito e desapego.
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Alguns atributos são próprios de tais princípios, os determinam ou
identificam. São eles a afetividade e a ousadia que impelem às trocas
intersubjetivas, às parcerias.
A interdisciplinaridade pauta-se numa ação em movimento. Pode-se
perceber esse movimento em sua natureza ambígua, tendo como
pressuposto a metamorfose, a incerteza.
Todo projeto interdisciplinar competente nasce de um locus bem
delimitado; portanto, é fundamental contextualizar-se para poder
conhecer. A contextualização exige que se recupere a memória em suas
diferentes potencialidades, resgatando assim o tempo e o espaço no qual
se aprende.
A análise conceitual facilita a compreensão de elementos
interpretativos do cotidiano. Para tanto, a linguagem deve ser
compreendida em suas diferentes modalidades de expressão e
comunicação, como uma linguagem reflexiva, mas sobretudo corporal.
A maioria dos países ocidentais vem debatendo a questão da
interdisciplinaridade, tanto no que se refere à organização profunda dos
currículos, à forma como se aprende, quanto à formação de educadores.
Embora desde a década de 70 as reformas na educação brasileira
acusem a necessidade de partirmos para uma proposição interdisciplinar,
ela não tem sido bem compreendida (Fazenda, 1979, 1984), mesmo nas
décadas subsequentes: 80 e 90. Quando nos preparamos para entrar no
terceiro milênio, deixa de ser questão periférica para se tornar objeto
central dos discursos governamentais e legais.
Nas décadas de 70 e 80, contávamos com um número reduzido de
pesquisas na temática da interdisciplinaridade e com uma bibliografia
pouco difundida. No final dos anos 80 e início dos 90, porém, começam a
surgir centros de referência reunindo pesquisadores em torno da
interdisciplinaridade na educação. É o caso do Centro de Pesquisa
Interuniversitária sobre a Formação e a Profissão/Professor (CRIFPE), e
do Grupo de Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Formação de
Professores (GRIFE), coordenado por Yves Lenoir, no Canadá, e do
Centro Universitário de Pesquisas Interdisciplinares em Didática
(CIRID), coordenado por Maurice Sachot, na França, bem como de
vários grupos de pesquisa sobre a interdisciplinaridade na formação de
professores surgidos em outros países. Esses grupos influenciaram e
direcionaram as reformas de ensino fundamental e médio em diferentes
instituições.
APRESENTAÇÃO
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Nos Estados Unidos, a partir dos estudos de Julie Klein, da Wayne
State University, e William Newell, da Miami University, as pesquisas
sobre interdisciplinaridade percorreram o país inteiro e disseminaram-se,
interferindo diretamente nas reformas educacionais.
Na década de 90, Gerard Fourez, na Bélgica, amplia seus estudos
sobre as questões da interdisciplinaridade na educação, unindo-se aos
grupos canadenses de Montreal, Vancouver e Quebec. O mesmo ocorre
com Maritza Carrasco, da Universidade Santa Fé, na Colômbia, e Heloísa
Bastos, da Universidade Federal do Recife, no Brasil.
Em 1986, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), sob coordenação de Ivani Fazenda, criou o Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Interdisciplinaridade na Educação (GEPI), produzindo
mais de cinquenta pesquisas sobre diferentes aspectos da educação. Esse
grupo iniciado na PUC-SP disseminou-se para outras universidades, tais
como a Universidade da Cidade de São Paulo (Unicid), que oferece
mestrado em Educação, cujo núcleo temático é Interdisciplinaridade,
Formação e Aprendizagem e conta com o Núcleo Emergente de Pesquisa
Interdisciplinar (NEPI).
No processo de pesquisar, forma pesquisadores, mestres e doutores,
interferindo diretamente no trabalho de algumas secretarias de Educação
de norte a sul do Brasil e indiretamente, por meio da socialização do
acervo construído nos mais de trinta livros que tratam da problemática,
do ponto de vista prático, epistemológico, metodológico e profissional.
Os referidos trabalhos também invadem Portugal e Argentina,
subsidiando cursos de graduação e pós-graduação nas universidades de
Lisboa, Aveiro, Évora e Buenos Aires.
Esta breve localização espaço-temporal procura, de certa forma,
situar o Brasil no movimento mundial que repensa a educação por
intermédio da interdisciplinaridade.
Alguns dos principais eventos em educação no Brasil e Portugal, ao
final dos anos 90 e início desta década, vêm contando com a participação
de professores e alunos desse grupo brasileiro em seus simpósios, mesasredondas, painéis, conferências, bem como em sua organização, ou seja,
sempre que a interdisciplinaridade na educação é requerida.
Embora as publicações sobre reformas curriculares no Brasil
apresentem uma forte tendência a privilegiar a interdisciplinaridade,
buscando
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
caracterizar os enfoques que visam à reorganização de modelos
conceituais e operacionais associados a concepções ligadas ao sistema
convencional das disciplinas científicas, existem outros modelos
organizacionais que partem de princípios diversos e procuram romper
com essas concepções.
No limiar do século XXI e no contexto da internacionalização
caracterizada por uma intensa troca entre os homens, a
interdisciplinaridade assume um papel de grande importância. Além do
desenvolvimento de novos saberes, a interdisciplinaridade fia educação
favorece novas formas de aproximação da realidade social e novas
leituras das dimensões socioculturais das comunidades humanas.
A formação na educação à, pela e para a interdisciplinaridade se
impõe e precisa ser concebida sob bases específicas, apoiadas por
trabalhos desenvolvidos na área, trabalhos esses referendados em
diferentes ciências que pretendem contribuir desde as finalidades
particulares da formação profissional até a atuação do professor. A
formação à interdisciplinaridade (enquanto enunciadora de princípios)
pela interdisciplinaridade (enquanto indicadora de estratégias e
procedimentos) e para a interdisciplinaridade (enquanto indicadora de
práticas na intervenção educativa) precisa ser realizada de forma
concomitante e complementar. Exige um processo de clarificação
conceitual que pressupõe um alto grau de amadurecimento intelectual e
prático, uma aquisição no processo reflexivo que vai além do simples
nível de abstração, mas exige a devida utilização de metáforas e
sensibilizações.
Os fundamentos conceituais advindos dessa capacidade adquirida
influirão na maneira de orientar tanto a pesquisa como a intervenção do
professor-pesquisador que recorrer à interdisciplinaridade.
Muito mais que acreditar que a interdisciplinaridade se aprende
praticando ou vivendo, os estudos mostram que uma sólida formação à
interdisciplinaridade encontra-se acoplada às dimensões advindas de sua
prática em situação real e contextualizada.
Uma imersão no social e no pessoal
Conhecer o lugar de onde se fala é condição fundamental para quem
necessita investigar como proceder ou desenvolver uma atitude
interdisciplinar na prática cotidiana.
APRESENTAÇÃO
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É mais fácil enfrentar entraves de natureza política, sociocultural,
material e pessoal quando se adquire uma visão da política educacional
em seu desenvolvimento histórico-crítico. Para tanto, a pesquisa
interdisciplinar pretende investigar não apenas os problemas ideológicos
a ela subjacentes, mas seu perfil disciplinar que a política e a lei
imprimem em todas as suas nuances. A partir de uma leitura disciplinar
cuidadosa da situação vigente, é possível antever a possibilidade de
múltiplas outras leituras. A interdisciplinaridade permite-nos olhar o que
não se mostra e intuir o que ainda não se consegue, mas esse olhar exige
uma disciplina própria capaz de ler nas entrelinhas (Fazenda, 2000).
O encontro com o novo demanda o respeito ao velho
Outro aspecto a ser salientado é a necessidade de privilegiar o
encontro com o novo, com o inusitado, em sua revisita ao velho. Recorrer
à memória em toda sua polissemia é difícil pois requer estratégias
próprias, criação de novas metodologias, metamorfose de metodologias
já consagradas, tais como as histórias de vida ou outras pouco
exploradas, como a investigação hermenêutica.
Para isso faz-se necessário um cuidado epistemológico e
metodológico na utilização de metáforas e nas intervenções (Fazenda,
1998, 1999, 2000).
A troca com outros saberes e a saída do anonimato, características
dessa forma especial de postura teórica, devem ser cautelosas, exigem
paciência e espera, pois travestem-se da sabedoria, na limitação e
provisoriedade da especialização adquirida (Fazenda, 1991).
A trilha interdisciplinar caminha do ator ao autor de uma história
vivida, de uma ação conscientemente exercida a uma elaboração teórica
arduamente construída. Tão importante quanto o produto de uma ação
exercida é o processo e, mais que o processo, é necessário pesquisar o
movimento desenhado pela ação exercida — somente com a pesquisa dos
movimentos das ações exercidas poderemos delinear seus contornos e
seus perfis. Explicitar o movimento das ações educacionalmente
exercidas é sobretudo intuir-lhes o sentido da vida que as contempla, o
símbolo que as nutre e conduz — para tanto torna-se indispensável cuidar
dos registros das ações a ser pesquisadas. — Esse tema tem sido objeto
de muitos de meus escritos e discussões (Fazenda, 1991, 1994, 1995).
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
O movimento ambíguo de uma pesquisa ou de uma didática
interdisciplinar sugere a emergência e a confluência de outros
movimentos, porém é imperioso que o movimento inicial se explicite, se
mostre adequadamente. Novos movimentos, nascidos de ações e práticas
bem-sucedidas, geram-se em movimentos anteriores (Fazenda, 1994). Só
podemos analisá-los e conhecê-los quando investigamos seus elementos
de origem. Negar o velho, substituindo-o pelo novo, é um princípio
oposto a uma atitude interdisciplinar na didática e na pesquisa em
Educação. A pesquisa interdisciplinar parte do velho, analisando-o em
todas as suas potencialidades. Negar o velho é uma atitude autoritária que
impossibilita a execução de uma didática e de uma pesquisa
interdisciplinar. Nos trabalhos de doutoramento recentemente orientados
por nós (Osório, 1996; Haas, 1996; Ferreira, 1996; Bastos, 1999)
encontramos exemplos dessa forma especial de pesquisar.
Essa recorrência ao velho travestido de novo é fruto do exercício da
memória — dupla forma de memória: a memória registro, escrita,
impressa e ordenada em livros, artigos, comunicados, anotações de aulas,
diários de classe, resumos de cursos e palestras, fotos e imagens, e a
memória explicitada, falada, socializada, enfim, comunicada (Kenski,
1995). Essa forma especial de recurso à memória tem sido exercida nas
mais de cinquenta pesquisas que coordenamos, referentes a todos os
graus e áreas do ensino.
Ambas as formas ou recursos da memória permitirão a ampliação
do sentido maior do homem-comunicação (Fazenda, 1979, 1994). Esta,
quando trabalhada, permitirá que os fatos ocorridos nas práticas docentes
sejam relidos de modo crítico e a partir de múltiplas perspectivas e, desse
modo, ajudem a compor histórias de vida de professores.
Cuidadosamente analisadas, tais vidas poderão contribuir para a revisão
conceitual e teórica da didática e da educação.
Tão importante quanto o exercício da memória é o exercício da
dúvida (Fazenda, 1994). Se nossa intenção é revelar e explicitar o Homo
loquens — aquele que comunica — teremos de ativar o mecanismo mais
anterior e antropológico que o constitui, o do Homo quaerens — do
homem enquanto ser que pergunta e da situação específica de seu ato de
perguntar. O Homo quaerens constitui uma das últimas especificidades
do ser racional homem, pois, quanto mais se evolui na investigação do
homem como ser
APRESENTAÇÃO
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reflexivo, mais nos aproximamos de nossos antepassados e de suas
primeiras perguntas. Tanto a pergunta mais imediata, suscitada no
porquê, quanto em sua sequencialidade, mas por que, aspiram a uma
compreensão última ou total, interdisciplinar do conhecimento (Suero,
1986).
Uma educação ou uma didática interdisciplinar fundada na pesquisa
compreende que o importante não é a forma imediata ou remota de
conduzir o processo de inquirição, mas a verificação do sentido que a
pergunta contempla. Nesse processo interdisciplinar, precisamos aprender
a separar as perguntas intelectuais das existenciais. As primeiras
conduzem o homem a respostas previsíveis, disciplinares; as segundas
transcendem o homem e seus limites conceituais, exigem respostas
interdisciplinares. O saber perguntar, próprio de uma atitude
interdisciplinar, envolve uma arte cuja qualidade extrapola o nível
racional do conhecimento. Em nossas pesquisas, tratamos de investigar a
forma como se pergunta e se questiona em sala de aula, e a conclusão
mais genérica e peculiar revela-nos a importância do ato e da forma como
a dúvida se instaura — ela determinará o ritmo e o contorno que a ação
didática contempla. Em uma das pesquisas que orientamos (Garcia,
1990), procuramos descrever o movimento que a dúvida percorre durante
uma aula de cinquenta minutos, analisando em que medida o
conhecimento avança ou retrocede, movido pelo tipo de questionamento
que o alimenta.
A pesquisa e a didática interdisciplinar tratam do movimento (do
dinâmico), porém aprendem a reconhecer o modelo (o estático); tratam
do imprevisível (dinâmico), porém no possível (estático); tratam do caos
(dinâmico), mas respeitam a ordem (estático).
O objetivo da construção de uma didática e de uma pesquisa
interdisciplinar é a explicitação do contorno ambíguo dos movimentos e
das ações pedagógicas. Apenas o exercício da ambiguidade poderá
sugerir a multiface do movimento e, por conseguinte, do fenômeno
pesquisado.
Trabalhar na interdisciplinaridade é pesquisar na ambiguidade
A possibilidade de um trabalho de natureza interdisciplinar nas
pesquisas sobre sala de aula anuncia-nos possibilidades que antes não
eram oferecidas. Quando isso acontece, surge a oportunidade de
revitalizar as
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
instituições e as pessoas que nelas trabalham. O processo interdisciplinar
desempenha papel decisivo para dar corpo ao sonho de fundar uma obra
de educação à luz da sabedoria, da coragem e da humildade.
Nas questões da interdisciplinaridade é tão necessário e possível
planejar quanto imaginar, o que impede a previsão do que será
produzido, em quantidade ou intensidade. O processo de interação
permite gerar entidades novas e mais fortes, poderes novos, energias
diferentes. Caminharemos nele na ambiguidade (Fazenda, 1998), entre a
força avassaladora das transformações e os momentos de profundo
recolhimento e espera.
O cuidado primeiro é encontrar o ponto ótimo de equilíbrio no
movimento engendrado por essa ambiguidade: da imobilidade ao caos.
As fontes novas de saber vivenciadas no conhecimento interdisciplinar
permitem-nos facilmente reconhecer que a estrutura na qual vivemos é
reflexo de outras épocas, gestadas no passado. Nesse processo, sentimonos tolhidos ao exercer o imperativo de ordens que não nos pertencem,
de valores que não desejamos, e nosso primeiro impulso é romper com
ele. Mas o processo de metamorfose pelo qual passamos, e que
fatalmente conduzirá a um saber mais livre, mais nosso, mais próprio e
mais feliz, é um processo lento, exige uma atitude de espera, não uma
espera passiva, mas vigiada. Alterar violentamente o curso dos fatos não
é próprio de uma educação que abraça a interdisciplinaridade. Ela exige
que provemos aos poucos o gosto da paixão por formar até nos
embebedarmos dela, porém o sentido que um trabalho interdisciplinar
desperta e para o qual não estamos preparados é o da sabedoria, de
aprender a intervir sem destruir o construído.
Em decorrência disso, um outro cuidado se faz necessário na
elaboração de princípios mais coerentes com essa atitude. Num processo
interdisciplinar, é preciso olhar o fenômeno sob múltiplos enfoques, o
que vai alterar a forma como habitualmente conceituamos. Não estamos
acostumados a questionar ou a investigar conceitos. Nosso discurso
pauta-se por conceitos como formação, disciplina, competência, ensino,
aprendizagem, didática, prática, como conceitos dados.
Numa dimensão interdisciplinar, um conceito novo ou velho que
aparece adquire apenas o encantamento do novo ou o obsoleto do velho.
Ele só adquirirá significado e força se for estudado no exercício de suas
possibilidades. A imagem que me vem à cabeça é a dos mil esboços
realizados por Picasso ao compor a Guernica — a totalidade conceitual
dessa obra
APRESENTAÇÃO
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foi gestada na virtude da força guerreira, no desejo transcendente de
expressar liberdade. A magnificente força que dela emana, o impacto que
sentimos quando dela nos aproximamos encontra-se na harmonia de cada
detalhe, na beleza da vida e na crueza da morte, assim como na crueza da
vida e na beleza da morte. Razão e emoção compõem a dança de luz e
sombra da liberdade conquistada.
Ao contemplá-la, cada um de nós chora e ri a partir dos sonhos
enunciados, das intuições subliminares, no jogo explícito das
contradições,
da
história
configurada.
Picasso
cuidou
interdisciplinarmente de cada aspecto de sua liberdade pessoal, exercitoua ao compor um conceito universal de liberdade. Ainda estamos por viver
esse exercício nos educadores. Geralmente cuidamos da forma,
negligenciando a função, a estética, a ética, o sagrado que colore o
cotidiano de nossas proposições educativas ou de nossas pesquisas.
Os cuidados anteriormente enunciados, quando analisados em sua
potencialização, certamente alterarão o conceito macro de ser professor.
Gradativamente precisamos nos habituar ao exercício da ambiguidade,
procedimento que rejeita a mediocridade das ideias, estimula a vitalidade
espiritual, é radicalmente contrário ao hábito instaurado da subserviência,
pois reconhece que este massacra as mentes e as vidas. A lógica que a
interdisciplinaridade imprime é a da invenção, da descoberta, da
pesquisa, da produção científica, porém gestada num ato de vontade, num
desejo planejado e construído em liberdade.
Na tentativa de coletar elementos para construir uma teoria da
educação fundamentada na prática, os estudos e pesquisas sobre
interdisciplinaridade detiveram-se, entre outros, na análise do significado
da temática mudança educacional nas três últimas décadas. Nossas
pesquisas encontraram na literatura da área três fortes vertentes de
reflexão: a filosófica, a sociológica e a antropológica, porém sem muita
luz, apesar de procedentes e importantes. As grandes "sacadas" que
pudemos observar acontecem quando as três configurações se interrelacionam num jogo de ambiguidades que metaforicamente almejam a
transcendência.
Um exemplo: ao rever o conceito de paradigma — tão ao gosto das
proposições disciplinares sobre formação de professores — deparamonos com as limitações disciplinares desse conceito e percebemos que a
realidade é poliparadigmática, pois nela persistem crenças, valores,
ideias,
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
modos diferentes de organizar a vida, ao lado de uma racionalidade que a
explicita.
Os projetos de formação de professores têm se construído apenas a
partir de paradigmas formais e externos ao professor, em que o dever ser
soma-se ao como fazer. Pouquíssimas vezes as proposições sobre
formação de educadores que temos analisado preocupam-se com o lugar
onde os sujeitos se encontram situados, com suas dificuldades na busca
do significado interior de suas aprendizagens ou com o que aprendem
com seus erros.
Um processo de formação de professores que tenha a ambiguidade
por procedimento procura colocar as rotinas do professor em
movimento — desloca esse professor de seu tempo presente para um
tempo passado — numa relação pretérita com o conhecimento, na
tentativa de lançá-lo a um futuro mais promissor. Entretanto, a prática do
professor é diversa e plural, povoada de paradigmas igualmente diversos
e plurais. Seria absurdo negá-los; mas é preciso ter o cuidado de dirigilos interdisciplinarmente para várias direções.
Contemplar o percurso paradoxal que o professor viveu em sua
formação inicial exercita sua capacidade de confrontar paradigmas, de
analisar com outros critérios suas práticas de sala de aula (Salvador,
2000). Essa sistemática tem diminuído muito o exercício de práticas
espontaneístas e contribui bastante para um ensino mais livre e
promissor.
O processo interdisciplinar de formação que propomos, na medida
em que abre espaços para a doxa (opinião) do professor, é paradoxal por
natureza. Dizemos paradoxal porque, ao ensinar a revisitar as rotinas,
outorga a permissão para diversificá-las, colocá-las entre parênteses ou
mesmo superá-las.
O cuidado interdisciplinar no trabalho com conceitos tem alterado
profundamente o exercício da pesquisa e da prática cotidiana. Ao viver
interdisciplinarmente as proposições paradigmáticas, o professor é capaz
de identificar a origem de suas matrizes pedagógicas e analisar o grau de
consistência destas, bem como de distinguir entre as matrizes
incorporadas apenas na dimensão do discurso e as inerentes a seu ser
professor.
À medida que se habitua ao exercício de uma prática
interdisciplinar, o professor passa a identificar aspectos mais próprios do
conhecimento do
APRESENTAÇÃO
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homem, tais como o analógico ou o metafórico, percebe que a coisa a
conhecer não se esgota nela mesma, vivencia a possibilidade de se deixar
conduzir por outras dimensões que não apenas as concretas ou racionais,
como por exemplo, a simbólica.
O mesmo procedimento, portanto, reduz o modelo mecanicista da
aprendizagem disciplinar, questiona a racionalidade dos ensinos ou
didáticas, analisa os processos, a afetividade, o efeito da força e a força
dos efeitos, as dimensões sociais e institucionais, as estratégias
organizacionais, a articulação de saberes, toda e qualquer proposição que
tenha a diversidade como princípio. Um dos estudiosos dessa questão,
Mialaret (1995), alerta-nos para o cuidado com a espera que esse
procedimento demanda, salientando que toda mudança não é imediata ou
automática, todo esquema de ação precisa ser analisado no contexto da
ação e toda ação política exige o exercício da ambiguidade.
O mesmo Mialaret, num estudo desenvolvido com Ardoíno (1995),
fala do procedimento ambíguo necessário no trato com o conceito de
Educação. Para eles, o referido conceito apresenta-se equívoco e
polissêmico. Ao falarmos de Educação, falamos mais da instituição do
que da ação exercida, mais dos conteúdos do que dos efeitos por eles
exercidos.
Um procedimento interdisciplinar de Educação envolve outras
dimensões, como as da vontade, as normativas, as ideais, as políticas, as
projetivas e as científicas. Tal procedimento também ajuda a discernir a
que campo nos referimos (inicial, continuada, do sujeito, do cidadão, do
profissional etc), a identificar o discurso (ético, normativo, voluntarista
etc), a escolher o processo ou objeto de pesquisa capaz de produzir novos
conhecimentos.
Queremos demonstrar aqui o quanto o sentido da ambiguidade
torna-se a marca maior dos projetos interdisciplinares, o quanto eles
poderão contribuir para a reconstrução da Educação, e os cuidados
necessários para exercer uma educação que bem ou mal encontra-se
formatada nos moldes convencionais das teorias disciplinares.
Navegar na ambiguidade exige aceitar a loucura que a atividade
interdisciplinar desperta e a lucidez que ela exige. Toda ambiguidade
nasce de uma virtude guerreira, de uma força ética que naturalmente se
apresenta, sem que haja necessidade de imposições ditatoriais (Gusdorf,
1967).
22
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
A restauração da virtude ética que essa força pressupõe exigirá uma
disciplina de ação muitas vezes até contrária à época em que vivemos.
Essa ambiguidade exigirá a recuperação do que é próprio a cada um.
Nesses quase vinte anos de pesquisa, interviemos em várias redes
públicas de ensino fundamental e médio com nosso grupo de
pesquisadores (mestrandos e doutorandos), estabelecendo um diálogo das
pesquisas por nós desenvolvidas em nosso Grupo de Estudos e Pesquisas
com as rotinas e dificuldades vividas pelos professores em suas salas de
aula.
O trabalho tem exigido três atributos: preparo, espera e coragem —
coragem para nos desencastelar dos muros da academia, para retirar com
cuidado o pó das velhas pesquisas, para exercitar com cautela e espera a
provocação das mudanças e para nos realimentar com esse trabalho,
preparando-nos para pesquisas mais ousadas.
Nesse itinerário de vários anos, estabelecemos parcerias (categoria
maior da interdisciplinaridade) com iguais e diferentes, rede pública ou
academia. Pouco a pouco, procuramos atribuir significado às coisas e,
nesse processo, aprendemos que a intersubjetividade (princípio primeiro
da parceria) é muito mais que uma questão de troca, pois o segredo está
na intenção da troca, na busca comum da transcendência. Aprendemos
também o cuidado que precisamos ter com a palavra. Esta, tal como o
gesto, tem por significação o mundo, o importante é, pois, utilizar boas
metáforas, pois o sentido de poiesis, de totalidade, que elas contemplam
exerce um poder de despertar não apenas o intelecto, mas o corpo todo.
Quando adquirimos a compreensão da ambiguidade que o corpo
contempla, adquirimos a capacidade de lidar com o outro, com o mundo,
enfim, recuperamos o sentido da vida. Aprender e apreender-me na
experiência vivida — exercício de tolerância e de humildade próprios de
uma generosidade que inaugura a educação do amanhã.
A pesquisa interdisciplinar exige uma nova forma de
investigação
A investigação interdisciplinar por nós praticada, diferentemente de
outros procedimentos de pesquisa, não se baliza por métodos, mas
alicerça-se em vestígios. Os vestígios apresentam-se ao pesquisador não
como verdades acabadas, mas como lampejos de verdade. Cabe ao
investigador
APRESENTAÇÃO
23
decifrar e reordenar esses lampejos de verdade para intuir o que seria a
verdade absoluta, total, os indícios do caminho a seguir.
A investigação interdisciplinar pode ser exercida por meio de
metáforas, da construção de mandalas a partir do ato de desvendar em
espiral.
A espiral interdisciplinar, tal como na física, por exemplo, não se
completa linearmente, e sim pontualmente. Os pontos da espiral se
articulam de forma gradual, não de uma única vez, mas todos os pontos
que aparecem têm a ver com os que os antecederam:
• O primeiro ponto é a primeira pergunta que nasce do investigador
por intermédio da experiência ou da vivência pessoal.
• A vivência pessoal leva a experienciar sensorialmente e a viver o
conhecimento em suas nuances.
• A medida que se vive o conhecimento, inicia-se um caminho de
reflexão sobre o vivido e nele o encontro com teóricos de diferentes
ramos do conhecimento.
• A espiral se amplia ao retornar à consciência pessoal.
A pesquisa da interdisciplinaridade serve-se da forma de
investigação aqui explicitada, por compreender que esta é uma das
formas que nos permite investigar as atitudes subjacentes às inquietações
e incertezas dos diferentes aspectos do conhecimento.
O processo de orientação da pesquisa da
interdisciplinaridade exige um cuidado na elucidação de
conceitos
Trabalhar a prática pedagógica, pesquisando-a: essa tem sido nossa
principal proposta durante os últimos anos. O maior desafio que
enfrentamos tem sido cuidar desde a seleção até a descrição dos motivos
e movimentos que envolvem as práticas referidas. Esse é um processo
árduo, em que o cuidado analítico, necessariamente interdisciplinar,
alterna-se a um rigor disciplinar, que solicita uma revisão de áreas ou de
conceitos historicamente organizados no campo a ser pesquisado. Um
olhar interdisciplinarmente atento recupera a magia das práticas, a
essência de seus movimentos mas, sobretudo, nos induz a outras
superações, ou mesmo reformulações. Exercitar uma forma
interdisciplinar de teorizar e praticar
24
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Educação demanda, antes de mais nada, o exercício de uma atitude
ambígua. Estamos tão habituados à ordem formal convencionalmente
estabelecida, que nos incomodamos quando somos desafiados a pensar a
partir da desordem ou de novas ordens que direcionam provisórias e
novas ordenações.
O sentido da ambiguidade em seu exercício maior impele-nos ao
mesmo tempo a encontrar o caos e a buscar a matriz de uma ordem, de
uma ideia básica de organização. Navegar na ambiguidade exige aceitar a
loucura que a atividade interdisciplinar desperta e a lucidez que ela exige.
Seu caráter ideologizante torna toda produção "metadisciplinar", isto é,
causada e causante, ajudada e ajudante, mediatizada e mediatizante —
portanto, sempre passível de confronto, de inquirição, de dúvida. Toda
ambiguidade nasce de uma ação deliberada, de um sujeito individual ou
coletivo, em resposta a determinado ethos (Pereira, 1997). Consiste numa
composição de forças e intencionalidades orientadas para a realização de
um ato, de uma figura existencial, um modo de ser no mundo. A referida
aquisição de uma atitude interdisciplinar envolve, pois, um universo de
tramas, experiências e pensamentos, que constituem a lógica singular de
cada um, sua marca registrada, aquela que nos define como professores.
A característica profissional que define o ser como professor fundamentase sobretudo em sua competência, interdisciplinarmente expressa na
forma como ele exerce sua profissão. Nosso desafio, portanto, será
entender como essa competência se expressa.
Assim pensando, dedicamos seis anos de nossas pesquisas (198691) à busca do significado de competência interdisciplinar. Iniciamos por
um processo de auto-análise, investigando a origem de nossa formação
teórica, e, a partir dele, conquistamos a gradativa possibilidade de
construção conceitual autônoma, percebemos nossa potencialidade de
elaborar, nossa capacidade de realizar inferências e de extrapolar, de
vislumbrar, enfim, totalidades.
O segundo plano de análise levou-nos a pesquisar a competência
onde ela aparece. Assim, observamos detidamente salas de aula,
entrevistamos professores, estimulamos sua percepção aguçando sua
recorrência à memória e verificamos que a aquisição de uma atitude
interdisciplinar evidencia-se não apenas na forma como ela é exercida,
mas na intensidade das buscas que empreendemos enquanto nos
formamos, nas dúvidas que adquirimos e na contribuição delas para
nosso projeto de existência.
APRESENTAÇÃO
25
A memória retida, quando ativada, relembra fatos, histórias
particulares, épocas, porém o material mais importante é o que nos
permite a análise e a projeção dos fatos — um professor competente,
quando submetido a um trabalho com memória, recupera a origem de seu
projeto de vida, o que fortalece a busca de sua identidade pessoal e
profissional, sua atitude primeira, sua marca registrada.
Em nossos estudos, focalizamos quatro diferentes tipos de
competência:
1. Competência intuitiva: própria de um sujeito que vê além de seu
tempo e espaço. O professor intuitivo não se contenta em executar o
planejamento elaborado, mas busca sempre novas e diferenciadas
alternativas para o seu trabalho. Assim, a ousadia acaba sendo um de seus
principais atributos. Muitas vezes paga caro por ela, pois as instituições
encontram-se atadas a planos rígidos e comuns, e não perdoam os que
ousam transgredir sua acomodação. O intuitivo competente é sempre uma
pessoa equilibrada e comprometida — embora aparentemente pareça
alguém que apenas inova. Sua característica principal é o
comprometimento com um trabalho de qualidade — ele ama a pesquisa,
pois esta representa a possibilidade da dúvida. O professor que pesquisa é
aquele que pergunta sempre, que incita seus alunos a perguntar e duvidar.
Porque ama a pesquisa, é um erudito — lê muito e incita seus alunos a
ler.
2. Competência intelectiva: a capacidade de refletir é tão forte e
presente no professor, que imprime esse hábito naturalmente a seus
alunos. Analítico por excelência, privilegia todas as atividades que
procuram desenvolver o pensamento reflexivo. Comumente é visto como
um filósofo, como um ser erudito, logo adquire o respeito não apenas de
seus alunos, mas de seus pares — é aquele que todos consultam quando
têm alguma dúvida. É um ser de esperas consolidadas, que planta, planta,
planta e deixa a colheita para outrem. Ele ajuda a organizar ideias,
classificá-las, defini-las.
3. Competência prática: a organização espaço-temporal é seu
melhor atributo. Tudo com ele ocorre milimetricamente conforme o
planejado. Chega aos requintes máximos do uso de técnicas
diferenciadas. Ama toda a inovação. Diferentemente do intuitivo, copia o
que é bom, pouco cria, mas ao selecionar consegue boas cópias, alcança
resultados de qualidade. Sua capacidade de organização prática torna-o
um
26
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
professor querido por seus alunos, que nele sentem a presença de um
porto seguro.
4. Competência emocional. Outra espécie de equilíbrio encontra-se
no emocionalmente competente; uma competência de "leitura de alma".
Ele trabalha o conhecimento sempre a partir do autoconhecimento. Esta
forma especial de trabalho vai disseminando tranquilidade e segurança
maior no grupo. Existe em seu trabalho um apelo muito grande aos
afetos. Expõe suas ideias por meio do sentimento, provocando uma
sintonia mais imediata. A inovação é sua ousadia maior. Auxiliando na
organização das emoções, contribui também para a organização de
conhecimentos mais próximos às vidas.
Em grande parte embasamo-nos nos estudos da Psicologia Analítica
(Jung e seus seguidores), porém este foi apenas um dos muitos recursos
teóricos utilizados para esta classificação preliminar, realizada com o
propósito de compreender diferentes óticas na questão da competência.
Entretanto, um dado comum perpassa a todas elas: a competência
enquanto exercida revela-se no desejo de maior domínio teórico, de
melhor erudição.
Os dados coletados nesse período de seis anos ainda permanecem
válidos, e continuamente os revisitamos tentando elucidar melhor o
conceito de competência. Em cada uma dessas revisitas vamos ampliando
nossa leitura do conceito de competência na interdisciplinaridade.
Ampliando-se o conceito, amplia-se o olhar, e um olhar ampliado sugere
ações mais livres, arrojadas, comprometidas e competentes.
A partir de 1991, convergi minhas pesquisas subsequentes e as que
venho orientando para elucidar outros conceitos clássicos na área da
Educação. Trabalhei, por exemplo, exaustivamente com meu grupo de
pesquisas na reconstrução do conceito de ética na Educação. Iniciamos
nosso trabalho com uma revisão clássica do conceito de ética recorrendo
a autores tradicionais e contemporâneos (Osório, 1995). Paralelamente a
essa "exegese", recorremos aos recursos da memória, tentando traçar a
auto/ cartografia de um autor/professor. Servimo-nos para isso do duplo
exercício que a memória nos possibilita: o retentivo, que nos permitiu o
acesso à história compreendida em seu movimento complexo e
multidimensional (Pereira, 1997), e o projetivo, que nos possibilitou
encontrar traços identitários revelados na trilha de vida. Foram esses
traços que nos permitiram
APRESENTAÇÃO
27
identificar a gama de universos de referência constituídos que compõem
o conjunto de uma existência, as matrizes de referência que traçam a
marca de uma vida profissional. Essa dupla forma de recurso à memória
permitiu-nos evidenciar aspectos ou situações com os quais a
ambiguidade ética melhor se confrontou no exercício do vivido. Quanto
mais aprimorávamos o contorno dos traços, mais as possibilidades de
análise adquiriam elasticidade, mais situações inusitadas emergiam. A
partir de fatos vivenciados por um professor em sua trajetória de vida,
pudemos aprender sentidos peculiares de uma ética, que identificamos
como bom senso, tolerância, subserviência, engodo, difamação,
conivência, autoritarismo e outras tantas facetas mais.
Animados com esse exercício de construção e reconstrução
conceituai, sofisticamos nossa forma peculiar de pesquisar. Ousamos
definir conceitos pouco explorados na questão da aquisição da atitude
interdisciplinar, como, por exemplo o conceito de estética (Pereira,
1997). Iniciamos por uma ampla revisão bibliográfica da área, tal como
no exercício anterior, porém demos um passo além, definindo dois pólos
do conceito de estética: micro e macroestética. Deixamo-nos seduzir pelo
jogo da contradição conceitual e, para nossa surpresa, muitas portas se
abriram, ampliando-nos substancialmente a compreensão da diversidade
e beleza que o conceito anuncia. Desafiamo-nos a enveredar pela
desconstrução de conceitos paralelos, tais como o de heterogênese,
identidade, diferença, metáfora, memória. Essa desconstrução conceitual
possibilitou-nos exercer a linguagem metafórica ao descrever o cotidiano
de práticas docentes por meio de jogos de trilha, aqueles jogos que
colocam obstáculos a ser transpostos a cada passo ganho, obstáculos que
vão se incrementando à medida que o caminho ou trilha vai se
configurando. Não sabíamos onde iríamos ancorar nossa pesquisa;
certamente não seria em nenhum porto seguro, mas, de uma coisa
estivemos sempre certos: exercitamos nossa potencialidade ambígua no
limite máximo de nossas atuais possibilidades, e essa hipótese já nos tem
garantido a conquista de novos parceiros.
Outro desafio que nos dispusemos a enfrentar em outra pesquisa foi
de experimentar uma leitura analítica da dimensão simbólica, outra ótica
na aquisição de uma atitude interdisciplinar. Como Jung, trilhamos o
caminho dos sonhos para pesquisá-la. Nosso pobre conceito inicial
transformou-se em mil outras hipóteses a serem requeridas na aquisição
dessa
28
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
atitude, tais como a capacidade de sonhar, brincar, perguntar, vivenciar,
significar, ressignificar, imaginar, ouvir, intuir, sentir, aplicar, fascinar,
apaixonar, indiscriminar, esperar, partir, relacionar, observar (Furlanetto,
1997).
A cada nova investigação que se propõe desconstruir e reconstruir
conceitos clássicos da Educação, novas facetas vão aparecendo no
sentido da aquisição de uma atitude interdisciplinar. Duas pesquisas
concluídas, Barbosa (1997) e Rojas (1997), indicam novos caminhos para
as questões da Didática e da Dialética.
Adiantamos que Rojas (1997) descreve e analisa o desempenho de
um professor de Didática em seu cotidiano de um curso superior de
Pedagogia. A originalidade do texto inicia-se com a forma de descrição
desse cotidiano — utiliza-se da linguagem escrita, imprimindo-lhe,
porém, a elasticidade de uma linguagem imagética; cenas são construídas
a partir de toques de referência básica como: play, stop, rew. Todo o
tempo o movimento do texto induz o leitor à decifração de um enigma
proposto por uma metáfora que impulsiona todas as ações: a confecção
de um livro de pano. Tal como no pano, teceram-se os fios da aula, seus
remendos, bordados e arremates, seu projeto de tecido, de curso, de
cidadão, de profissional a ser formado. Como em Penélope o pano se
desconstrói, e nesse projeto as dúvidas: o que privilegiar na Didática de
sala de aula? As técnicas; os princípios; as atitudes? A descrição das
cenas estimuladas pela metáfora de origem propiciou-nos a ampliação em
mil facetas do sentido da Didática. Partimos da proposição de Comenius
para formular a dúvida maior: Didática seria a arte de ensinar? A mesma
dúvida nascida na sala de aula foi ampliada aos maiores expoentes da
Didática no Brasil. Confrontamos os achados de nossa pesquisa com a
opinião deles, estabelecemos diálogo e parceria com seus achados mais
nobres, e nesse exercício revelaram-se faces inéditas do controvertido
conceito de Didática.
O desafio empreendido por Barbosa (1997) é muito ousado. Toma
para si a incumbência de decifrar o difícil sentido interdisciplinar da
Dialética. Realiza sua pesquisa em três etapas:
1. Revisita autores clássicos e contemporâneos, verificando como o
conceito foi sendo construído através dos tempos.
2. Analisa todas as obras de uma pesquisadora das questões da
interdisciplinaridade, procurando extrair delas o movimento dialético
empreendido na construção de categorias da interdisciplinaridade.
APRESENTAÇÃO
29
3. Paralelamente, Barbosa ensaia um movimento último onde ele
próprio, pesquisador, investiga sua própria dialética, o sentido da
ambiguidade no movimento da vida de um profissional, tarefa muito
difícil essa de tentar descrever estaticamente o movimento de uma vida...
A partir dessa tentativa, constatamos a impossibilidade de explicar a vida
por uma única vertente.
O movimento da interdisciplinaridade exige um novo olhar
sobre integração
Olhar o que não se mostra e alcançar o que ainda não se consegue.
Isso envolve uma nova atitude de aprendiz-pesquisador, o que aprende
com sua própria experiência pesquisando. Para tanto, é impossível pensála como um modelo estático ou um paradigma ao qual, por exemplo, um
currículo deva conformar-se. Pressuporia paradoxos que desafiam e
revolucionam os paradigmas norteadores, desestabilizando-os para
conduzi-los a uma nova ordem.
Olhamos para um novo tempo que não é cronos, tempo de controle,
mas kairós, tempo que subverte a ordem de cronos, que se aproveita da
imprevisibilidade, tempo flutuante. Em cronos submetemo-nos a
cronogramas. Em kairós, à oportunidade de criar (Garcia, 2000).
O conceito de currículo que esse olhar aponta é o de design
curricular, cujos preceitos de conforto e estrutura estão presentes (Garcia,
Matos e Fazenda, 2000).
"Tudo se inicia numa prospecção de um traçado livre num espaço etéreo, porém é
o traçado que me incita o olhar para dentro do universo fechado, sagrado e
desconhecido da cor, a desvendar seus mistérios, seus encantos, sua magia.
Apalpo meu terreno, como um arquiteto que lança a primeira linha num papel, o
primeiro esboço de um projeto. Detenho-me nesse espaço fechado e circunscrito, a
cada cor a ser descoberta um traçado; linhas sinuosas e retas, retas que se desfazem
e múltiplas semi-retas, arcos não completos, apenas esboçados, linhas que me
ascendem à transcendência dos lugares a conhecer e ao subterrâneo do que a
humanidade toda que me antecedeu construiu. Jogo solto de linhas curvas e retas,
rabiscos, esboços, como todo um arquiteto, conheço o terreno, piso nele, tateandoo" (Fazenda, C, 2000).
COERÊNCIA
33
Sistêmico
Maria Candida Moraes
É um adjetivo que significa aquilo que diz respeito a sistema,
palavra derivada do grego systema, que significa conjunto ou grupo.
Sistema é um conjunto ordenado de objetos, fatos, acontecimentos ou
elementos interrelacionados que apresentam características em comum.
Designa um conjunto de relações entre os elementos integrantes de uma
totalidade.
O pensamento sistêmico surgiu a partir da década de 30, quando
biólogos e ecologistas começaram a desenvolver as primeiras reflexões
sobre o conceito de organização que passou a substituir a velha noção
mecanicista de "função" presente na fisiologia. A organização passou a
ser vista como um sistema constituído de partes que apresentam
propriedades essenciais que surgem a partir de relações em comum.
Vários são os autores que vêm tratando da construção do pensamento
sistêmico. Entre as principais teorias existentes, destacam-se a Teoria
Geral de Sistemas de Bertallanffy, a Cibernética de Wiener, a teoria das
Estruturas Dissipativas de Prigogine, a Teoria dos Sistemas
Autopoiéticos de Maturana e Varela e a Autopoiese dos Sistemas Sociais
de Niklas Luhmann.
De modo geral, é um pensamento que reconhece que tudo está
interconectado e que o entrelaçamento da vida não é meramente uma
conclusão religiosa, mas sobretudo científica. Ele nos permite ter uma
visão de conjunto, perceber inter-relações no lugar de fatos ou
conhecimentos isolados, compreender padrões de mudança no lugar de
instantâneos estáticos. É um pensamento "contextual", local, que existe
em determinado momento, o que lhe confere a qualidade de ser sempre
datado, embora saibamos que nunca será um pensamento completo, total,
por maior que seja o número de conexões que possam ser estabelecidas
pelo ser humano. É uma forma de pensar que busca a totalidade, mesmo
sabendo, de antemão, da impossibilidade de encontrá-la.
34
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Assim, o pensamento sistêmico facilita a compreensão das
diferentes conexões, das interações que expressam o conjunto de relações
estabelecidas entre o todo e as partes, entre ações e retroações,
explicitando, inclusive, a organização que dá forma ao sistema.
É um modo de pensar que facilita o estabelecimento dos mais
diferentes diálogos, a circulação de informações, a recursividade das
múltiplas conversações. Pressupõe abertura, movimento, desapego,
abandono de ideias e a reformulação daquele tipo de pensamento que "se
algo não saiu bem, está tudo perdido," já que ele facilita o
reconhecimento dos aspectos complementares existentes nos fenômenos,
na dinamicidade dos processos, nos fatos, nos eventos, enfim, na
complexidade da própria trama da vida.
Na verdade, é um pensamento que nos ajuda a compreender melhor
que o sentido da vida é relacionai, que a realidade é una e constitui um
todo e que participamos de uma grande sinfonia universal entretecida na
eternidade do aqui e do agora. Ele também nos ajuda a compreender que
tudo tem sentido, que cada coisa tem a sua razão de ser e de existir, que
cada coisa ocupa um lugar no tempo e no espaço, participando, a seu
modo, consciente ou inconscientemente, da grande dança universal. Na
verdade, o pensar sistêmico facilita a percepção de que somos todos
cúmplices de algo neste mundo.
Em termos educacionais, o sentipensar sistemicamente é importante
como forma de articular o pensamento interdisciplinar, facilitador de uma
dinâmica mais adequada aos processos de construção do conhecimento. É
também fundamental para o desenvolvimento de uma pedagogia
reflexiva, para viabilizar a expressão da escuta-poética e da sabedoria da
espera-vigiada, possibilitando uma melhor tomada de consciência a
respeito do tempo necessário para que as transformações ocorram e qual
é o melhor momento em que devemos atuar. Por outro lado, facilita a
compreensão de como funcionam as organizações educacionais,
apontando para a existência de múltiplas perspectivas curriculares e o
entendimento de que aprendizagem e vida já não mais se separam.
É um pensamento que nos ajuda a perceber a riqueza do diálogo
interdisciplinar, que amplia a consciência humana para que possamos
perceber que o futuro está embutido no presente, que o tempo é
construção e que sempre haverá um espaço para a utopia, para os
sonhos... e que ainda é tempo de reencantar a educação!
COERÊNCIA
35
Coerência
Beatriz Di Marco Giacon
Sou tantas... aquelas que fui e aquelas que deixei de ser.
Sou as minhas fobias e a minha coragem, sou projeto e desencanto.
Sou a voz que denuncia e o silêncio covarde que cala.
Sou vida que clama e morte que apaga.
Sou carne e sou espírito.
Sou tudo e nada.
Sou tantas e sou nenhuma.
Sou aquelas que serei... então
sou todas.
Sou...
Brecht dizia que "a obra que não se contradiz, jamais será viva". Do
homem pode-se dizer o mesmo, conviver constantemente com os opostos
representa um desafio instaurado pelo cotidiano. É deste embate que
surge o caminho para a liberdade. É ele que faz com que viver não seja
apenas uma aventura, senão a aventura na qual reside todas as aventuras,
que faz com que a vida se abra num poema único, de inesquecível beleza,
solitário e solidário, universal e privado.
Viver é escolher, e a cada escolha existe uma deserção, um
abandono, uma possibilidade que fica pelo caminho; é a nossa vontade
mutante que se reveste e se transveste do hoje incrustado pelo ontem das
nossas histórias, pelas cores das nossas paisagens interiores. É um gesto
de relativa eternidade que se fecha para logo depois se abrir num mundo
infinito de promessas, que cresce continuamente até implodir numa nova
escolha. Se assim não fosse, viver seria um ato emperrado destituído do
caráter dinâmico que impulsiona a vida para o salto utópico, contínuo e
descontínuo, de se completar e de se fazer feliz.
36
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
É nesta contraposição dialógica que instiga a possibilidade de ser
ambíguo que finalmente surge a identidade e a alteridade, aquilo que
somos, coerentes, mutantes — mutáveis, revelados e escondidos pelo
olhar, palavras, gestos e fazeres.
Da ambiguidade à coerência existe um caminho que se faz e se
refaz, que ora se conclui, ora muda de horizontes, que remete às
instâncias primitivas originárias da dicotomia humana, quando ainda na
fase anal-sádica, o mesmo objeto, o seio da mãe, provedor de vida e
alimento, é capaz de despertar, num tempo único, tanto o ódio homicida
quanto o amor. É nesta convivência pacífica-conflitante entre Eros e
Tânatos mantida por um tênue equilíbrio que surge o homem.
Mas estar a caminho é uma condição ontológica do ser. É neste
devir, no ir e vir interior e exterior, onde se faz necessário quebrar os
espelhos do Narciso que habita no âmago de cada um, no desarticular da
trama do conflito, que o homem concebe a sua verdade, mesmo que
momentânea. Então, a palavra aprisionada é libertada, dando-lhe
condição de se situar em seu discurso com significância contextualizada.
A verdade é produto do momento, ela é uma fagulha e só recebe o
conceito de verdade se for representativa do real naquele momento.
Surge então a coerência. Coerência é uma palavra originária do
latim, cohaerentîa, e significa estado ou qualidade de ser coerente, nexo
entre dois fatos ou duas ideias. (Ferreira, 1986)
Na literatura, a coerência é tida como um princípio de
interpretabilidade e compreensão do texto, é resultado das relações
subjacentes à superfície textual, tornando-se responsável pelo sentido do
texto, envolvendo os seus aspectos lógicos, semânticos e cognitivos
(Koch, 1999).
Para falar de coerência, Rogers utiliza-se do termo congruência, que
é definido como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e
a tomada de consciência.
Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que se
está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em nosso campo)
e a tomada de consciência (o que se está percebendo) são todas
semelhantes (Rogers, 1973).
Coerência é uma disciplina normativa, tradicionalmente vinculada à
filosofia, que se propõe determinar as condições da verdade nos
diferentes
COERÊNCIA
37
domínios do saber. Pressupõe também a ideia de fio de linho ou de um
conjunto de fios que estabelecem comunicações entre dois ou mais
sistemas.
A dimensão interdisciplinar, a coerência é um dos seus princípios, é
uma virtude mãe, é o fio que faz a conexão entre os fios que formam a
trama do tecido do conhecimento, é uma das diretrizes que norteiam todo
o seu trabalho, e não poderia ser diferente, pois ela é a amálgama entre o
manifesto e o latente, entre o pensar, o fazer e o sentir.
É a coerência que dá consistência ao olhar, ao agir e ao falar, que
faz com que o desejo individual adquira tamanha força que seja capaz de
contaminar e se transformar em vontade coletiva que se realiza, pois
"para a realização de um projeto interdisciplinar, existe a necessidade de
um projeto inicial que seja suficientemente claro, coerente e detalhado, a
fim de que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de fazer parte
dele" (Fazenda, 1991a). "O desejo é busca de fluição daquilo que é
desejado, porque o objeto do desejo dá sentido a nossa vida, determina
sentimentos e nossas ações" (Chaui, 1997).
Para se chegar à coerência é preciso se conhecer e conceder-se a
capacidade de mudar, estar aberto ao outro, aos outros, numa osmose
singular, pois coerência não significa que as ideias são imutáveis. Faz-se
necessário permitir-se permitindo, num processo de espera vigiada
constante, enriquecido pelo olhar de amor intencional, que se exprime,
que reconhece e é reconhecido, um olhar capaz de transcender o próprio
olho.
A interdisciplinaridade propicia condições para que criador e
criação transmudem de lugar, construindo-se ora como autores, ora como
sujeitos, arquitetos da individualidade e do coletivo, como na imagem do
Tao, onde Yan e Yang existem mutuamente, um no outro, mantendo-se o
um e o todo.
Ser interdisciplinar não permite atitudes de incoerência que se
caracterizam pelo aniquilamento de alguns dos atributos da
interdisciplinaridade que são "a afetividade, o respeito e a humildade,
que impelem às trocas inter-subjetivas e parcerias. "Quem não for
coerente não consegue ser interdisciplinar. A coerência vai de
pensamentos a atos, é uma virtude que é movida pela humildade, ou seja,
se não formos humildes para perceber que somos limitados, dentro de um
ser que naturalmente é incoerente, nunca iremos nos flagrar em um
momento, flash de coerência. A virtude está
38
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
em observar esses flashs de coerência enquanto a força está na unidade"
(Fazenda, 1999b.).
"O projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se,
exerce-se" (Fazenda, 1979) e viver é desvelar-se e revelar-se por meio
dos atos e das obras.
Jung, referindo-se à importância da coerência nas ações lembrou
que "se o homem errado utilizar o método certo, o meio certo operará
errado. Esta sentença, infelizmente verdadeira, da sabedoria chinesa,
opõe-se da maneira mais brutal à fé que professamos no método certo,
sem levar em conta o indivíduo que o utiliza" (Jung, 1981).
Ser interdisciplinar é superar a visão fragmentada não só das
disciplinas, mas de nós mesmos e da realidade que nos cerca, visão esta
que foi condicionada pelo racionalismo técnico. "Outra superação de
dicotomia e de visão fragmentada com que, de maneira simples,
precisamos nos ocupar, para desenvolvermos, efetivamente, a atitude
própria da interdisciplinaridade, seria aquela em que começássemos a nos
questionar sobre uma visão dicotômica que ainda mantemos de nós
mesmos, ao nos concebermos compostos por um corpo e por uma mente,
ou — um desdobramento destes — compostos por pensamento,
sentimento e movimento, acreditando que cada um destes segmentos, que
nos compõem, possam ser desenvolvidos independentemente"
(Bochniack, 1996).
Aos racionalistas, adeptos de uma educação tradicional, linear,
autoritária, impermeável às mudanças, castradora de vida e alegria, este
trabalho da interdisciplinaridade que busca a coerência e a coesão do
mundo fragmentado pela ciência é comparado ao trabalho de Sísifo,
improdutivo, persistente e até insano, tamanha a ousadia.
"A ideia de coerência profissional, indica que o ensino exige do docente
comprometimento existencial, do qual nasce autêntica solidariedade entre
educador e educandos, pois ninguém se pode contentar com uma maneira neutra de
estar no mundo. Ensinar, por essência, é uma forma de intervenção no mundo, uma
tomada de posição, uma decisão, por vezes, até uma rotura com o passado e o
presente" (Freire, 1996).
É preciso estabelecer conexões entre os conhecimentos para que
estes possam assim adquirir significado e sentido. O conhecimento
contém necessariamente a complexidade. Complexus significa o que foi
tecido junto.
COERÊNCIA
39
Um tecido interativo e interdependente entre as partes e o todo, entre o
todo e as partes. "É preciso recompor o todo para conhecer as partes"
(Morin, 2000).
Temos que ressaltar que a importância do desenvolvimento desta
visão coerente, complexa e sistêmica não se circunscreve apenas ao
campo do conhecimento acadêmico, mas é necessária à preservação da
própria humanidade, do próprio universo, pois possibilitará ao homem o
diálogo compreensivo consigo mesmo e com o outro, com a natureza,
integrantes e integrados em busca da hominização na humanização.
Morin (2000) afirma que uma das vocações essenciais do futuro será o
exame e o estudo da complexidade humana. "Conduzindo à tomada de
conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a
todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos
indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como
cidadãos da Terra" (idem).
Transformar interdisciplinaridade em vida, "vida mais completa,
mais justa, menos angustiada, em que o amor, o conhecimento e o
humanismo se somem em vez de aniquilar, livres das obsessões tanto
emocionalistas quanto racionalistas" (Piza, 2000), pode parecer utópico,
mas como Paulo Freire (1996) nos diz, "toda utopia tem seu valor pois
que representa uma dialética entre denúncia e anúncio, a denúncia da
estrutura desumanizante, o anúncio da estrutura humanizante".
Interdisciplinares... interdisciplinados... interdisciplinando... temos
um longo caminho pela frente... mas ...o caminho se faz ao caminhar.
40
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Contextualização
Wagner Tufano
Contextualizar. ato de colocar no contexto. Do latim contextu.
Colocar alguém a par de algo, alguma coisa, uma ação premeditada para
situar um indivíduo em um lugar no tempo e no espaço desejado,
encadear ideias em um escrito, constituir o texto no seu todo, argumentar.
Inicio por encadear ideias, contextualizando-me enquanto Wagner,
nome cuja origem da escolha recai em minha mãe e suas dificuldades em
torná-lo aceitável na família. Afinal, sou o filho mais velho do irmão
mais velho e do avô mais velho, e em uma tradicional família italiana, o
bom costume dizia que eu deveria levar o nome de meu avô — André —,
o que de certa forma também me agradaria, visto que os primogênitos da
família levavam o nome em uma geração de André e na outra de Luiz.
O significado do nome é simples: Wagner, em alemão, significa
construtor de vagões ou carros wagen. Mas isto não foi levado em conta
no contexto da escolha, e sim o fato de ser o nome de um lindo menino
filho de uma vizinha de minha mãe.
O sobrenome Tufano, de origem italiana, como já mencionei, é até
comum naquele país. Trata-se de uma mutação do sobrenome Tufik, de
origem árabe. Como descendo de italianos sulistas, acredito que este
sobrenome seja comum nessa região da Itália, devido a alguma invasão
árabe em algum momento da história.
Pode parecer ingênuo aos olhos de alguns a releitura do próprio
nome. Para mim, entretanto, é uma forma de revelar-me, de
contextualizar-me neste momento em que produzo um de meus primeiros
ensaios acadêmicos.
Contextualizar é, portanto, relevar tudo aquilo que a princípio pode
parecer óbvio ao olhar do escritor ou do pesquisador, mas não na
percepção de qualquer pessoa que possa vir a ler seu trabalho. É uma
tentativa de
COERÊNCIA
41
transportar o leitor para o seu mundo, para o problema que você tenta
resolver ou discutir buscando transformar este simples leitor em ator de
sua peça, sua história.
Contextualizar é ainda analisar e estudar todas as raízes de uma
árvore, que durante muitos anos foram crescendo e desenvolvendo para
garantir também o crescimento e desenvolvimento da própria árvore,
aquela que é visível aos nossos olhos, mas poderia não ser nada se não
fossem as raízes que a sustentam e lhe dão firmeza, e apesar de tanta
importância, não são visíveis em um primeiro olhar.
Contextualizando tentamos colocar algo em sintonia com o tempo e
com o mundo, construímos bases sólidas para poder dissertar livremente
sobre algo, preparamos o solo para criar um ambiente favorável,
amigável e acolhedor para a construção do conhecimento.
Com o hábito de contextualizar, é possível transmitir uma ideia e
até perceber a sua captação por meio do olhar dos interlocutores. E é por
intermédio desta convergência de olhares que, durante a
contextualização, podemos dar as mãos aos nossos alunos e caminhar
com eles.
Contextualizar é função inicial e talvez uma das principais
atribuições do professor em sua sala de aula, transformando esta
caminhada, antes árdua, em um processo feliz, prazeroso.
O ato de contextualizar exige a virtude primeira da
interdisciplinaridade, que é a coerência entre o falar, o pensar e o agir.
Se a contextualização textual for tratada como um processo
rotineiro ou obrigatório, poderemos ter textos vazios, apáticos, que
mostrem apenas aspectos de domínio público, inserindo muito pouco ou
às vezes absolutamente nada ao leitor.
A contextualização é um ato muito particular e delicado. Cada
autor, escritor, pesquisador ou professor contextualiza de acordo com
suas origens, com suas raízes, com o seu modo de ver e enxergar as
coisas, com muita prudência, sem exagerar.
42
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Ambiguidade
Cristina Maria Salvador
"O filósofo se reconhece como aquele que tem inseparavelmente o gosto da
evidência e o sentido da ambiguidade (...) o que faz o filósofo é o movimento que
se reconduz sem cessar do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e uma
espécie de repouso neste movimento..."
Maurice Merleau-Ponty
O ser humano vive a ambiguidade latente entre o ser/estar, entre ser
e estar sendo. O conhecimento nasce dos movimentos contidos nas
dúvidas, nos conflitos, nas perguntas/respostas, nas certezas/incertezas
que são vivenciadas na solução e/ou propostas, alternativas em superar,
assumir, atuar, agir nessa ambiguidade do ser. A busca da totalidade só é
possível no "e", no viver a ambiguidade, o confronto.
Os conflitos que vivemos têm origem na colisão de forças opostas
ou não: amor/ódio, fidelidade a si mesmo/ao próximo... Vive-se a
ambiguidade entre o ocultar-se e o desocultar-se, entre a luz e a sombra.
A própria linguagem revela a ambiguidade ao provocar a reprodução, a
imitação e ao mesmo tempo se lançar como desveladora do mundo, como
ponta-de-lança ao saber. Em sua polissemia e conotações, cria, recria, se
transforma e ao mesmo tempo se mantém. É dinâmica e estática,
simultaneamente.
A humanidade participa do processo de construção de um novo
paradigma, das certezas absolutas às relativas, das definidas às
indefinidas, "do homem certo para o lugar certo", máxima do
positivismo, para o questionamento: "qual é o homem certo para
determinado lugar?", "qual é o lugar certo a determinado perfil de
homem?" O próprio conhecimento, em sua construção, vivencia
momentos de certezas provisórias, de incertezas frequentes nos seus
diferentes ramos, numa sociedade que se modifica num processo
vertiginoso em decorrência da rapidez com que as
COERÊNCIA
43
mudanças sócio-política-econômica-cultural ocorrem. Mudanças que
nem sempre estão relacionadas à melhoria da qualidade de vida. Talvez
possamos falar em paradigma da insegurança, das incertezas, da nãolinearidade, da descontinuidade, do diferente. Atuar na direção deste
novo modelo paradigmático pode desencadear um movimento
interdisciplinar e, neste, o encontro de ambiguidades.
Meu primeiro contato com o conceito de ambiguidade ocorreu por
ocasião da definição do meu objeto de pesquisa, na minha dissertação de
mestrado. Quanto mais refletia sobre o assunto, mais me sentia dominada
por ele, mais instigante era a busca de sua apreensão e de seu
entendimento. Passei depois de algum tempo a enxergar a ambiguidade
em muitas das situações, sentimentos e fatos que vivenciava.
O vocábulo ambiguidade vem do lat. ambiguitas, atis e significa
incerteza, dúvidas (Cretella Jr., 1953: 75). Em Abbagnano (1998: 36), o
autor apresenta dois significados ao termo. O primeiro, o mesmo que
equivocação, e o segundo refere-se a estados de fatos ou situações:
possibilidade de interpretações diversas ou presenças de alternativas que
se excluem/incluem.
Desde Sócrates (470 a 399 a. C.) a ambiguidade parecia estar
presente, quando o filósofo anunciava a preocupação: "conhece-te a ti
mesmo", num convite a uma viagem ao "eu" interior à procura do
desvelar da interioridade, na busca da totalidade, do conhecer-se inteiro.
No processo, um convite à reflexão: "da dúvida interior à dúvida exterior,
do conhecimento de mim mesmo à procura do outro, do mundo (...) Do
conhecimento de mim mesmo ao conhecimento da totalidade" (Fazenda,
1998a: 15). O movimento de totalidade, do conhecer-se, implica
dimensões subjetivas e objetivas que coexistem num mesmo tempo e
espaço. O ser humano em sua totalidade sofre interferências de sua
interioridade e exterioridade, cujas marcas são infinitas. Sócrates, com
sua atitude de questionamento, provocava o interlocutor com perguntas,
que poderiam desencadear dúvidas, ambiguidades, ao colocar em xeque
aquilo que se afirmava com certeza. Shakespeare (1564-1616) discute o
"ser ou não ser" em suas obras. Em Otelo, o autor trabalha com
sentimentos e situações conflituosas, envolvendo os mesmos
personagens: amor e ódio, lealdade e traição, realidade e aparência, morte
e vida. Otelo, instigado por Iago, vive a insegurança com relação ao
objeto de seu amor e, deixando-se vencer por sentimentos
44
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
negativos, mata Desdêmona. Porém, ao constatar sua inocência, comete
suicídio em seguida. Dentre os clássicos, Rousseau (1712-79), Decrolly,
Montessori, viveram a ambiguidade em seu projeto de vida e educação.
Mais
recentemente,
Fazenda
anuncia
que
trabalhar
interdisciplinarmente a ambiguidade significa trabalhar no "e", ou seja,
atuar entre forças, dimensões que tenham uma relação essencial e
simultaneamente, no mesmo processo, atuar de forma que se interajam e
se completem, como faces de uma mesma moeda. Trata-se de
aproximação em que as dimensões não perdem sua integridade, o que
possibilita, manter a relação todo/ parte e parte/todo. Quando Freire
(1997:25) afirma que "quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender"; Gusdorf (1977: 25) que a "fala estabelece uma nova
linguagem, o momento em que o nós se realiza no eu e no tu" e Rios
(1997: 134) que "toda prática tem sua sustentação na teoria e toda teoria
revela ou confirma uma prática", porque não existe prática sem teoria e
não existe teoria sem prática, esses autores estão refletindo numa
dimensão interdisciplinar, cuja dimensão entre o ensinar/aprender, o
eu/tu, a teoria/prática foi superada pelo movimento do olhar ao atuar na
ambiguidade, incorporando-a na busca da totalidade. Busca que
desencadeia um processo de reciprocidade, de correspondência mútua
entre os elementos, cuja quebra de um único olhar amplia para o universo
de olhares possíveis, de caminhos às vezes mais complexos, na busca de
certezas provisórias. Atuar a ambiguidade numa ação interdisciplinar,
portanto, é uma questão de abertura, de percepção frente à complexidade
existente na construção de conhecimento, numa perspectiva de inclusão,
assumindo as alternativas num processo interativo que se complementam,
por superação. No estabelecimento do conhecimento, navega-se da
objetividade à subjetividade e vice/versa, ou seja, no âmago da
ambiguidade interdisciplinar.
A escola vem enfrentando, ao longo de sua história, inúmeras
situações dicotômicas, inclusive nas tendências educacionais e teorias
que a influenciam, bem como em relação ao projeto a que se propõe
desenvolver. Cabe-lhe formar ou informar? Enfatizar a teoria ou prática,
o conteúdo ou a forma, o ensino ou aprendizagem? Ouvir o aluno ou o
professor? Atuar no pedagógico ou no administrativo? Como a escola, o
coordenador pedagógico enfrenta em seu fazer cotidiano o confronto do
pedagógico e do educacional nas mediações estabelecidas com o
professor e o aluno no
COERÊNCIA
45
exercício de sua ação supervisora. Nesse dilema, escola e coordenador
excluem ou incluem uma das dimensões mencionadas. Se a opção for
pela exclusão, a atuação será no "ou", ou seja, uma em detrimento da
outra. Com relação à escola, o foco, o olhar estarão direcionados em uma
só direção, ou seja, suas ações se movimentarão ao encontro da formação
"ou" da informação. No que diz respeito à coordenação pedagógica, o
foco será no pedagógico "ou" no educacional. No entanto, se a escola e o
coordenador optarem pela inclusão, assumirão as dimensões, de
formação "e" de informação, bem como do pedagógico "e" do
educacional, respectivamente. Ao assumir o "e", quebrarão a direção do
olhar num único sentido para direções possíveis. Nesse movimento
estarão atuando na ambiguidade, numa atitude interdisciplinar, numa
ação dialética fundamental à transformação, buscando a totalidade.
No momento, nesta reflexão, minha compreensão provisória do
conceito é de que a ambiguidade faz parte da natureza do movimento da
interdisciplinaridade, impregnando seus princípios: como a espera, a
humildade, a coerência, ousadia... Ser ambíguo é permitir-se oscilar entre
diferentes contextos, mas estar sempre dentro do processo. É permitir-se
trilhar na emoção e na razão, na busca de ser inteiro.
46
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Harmonia
Vitória Rachar
Por meio da vivência e mergulho teórico em algumas categorias da
interdisciplinaridade, foi possível escrever esse texto, após uma viagem a
Veneza. Ela serviu de metáfora para apresentar a harmonia existente
entre os contrastes presentes na vida e, por que não, na Educação.
Estive três dias inteiros, inteira, viajando pelas estranhas e (des)conhecidas paisagens do cenário veneziano. Agora, distante e com o
olhar de outro ponto, paro para apreciar a viagem, desnudando o
estrangeiro e descobrindo o familiar.
Veneza é especial, aponta o valor do singular, dos contrastes e da
ambiguidade.
Ilha com o céu escancarado, cheia de pontes, ruas estreitas, repleta
de praças, carregada do poético da música dos grandes compositores que
lá viveram: Mozart e Vivaldi. Não deve ter sido uma escolha por acaso,
nem mesmo para o Casanova, que representa bem o quanto o lugar é
sedutor e seduz seus visitantes, independente da proveniência de cada
um.
Ela intoxica com o belo que se prolifera na arte de mil cores e nas
curvas dos cristais; nas igrejas que atendem ao gosto de todos os santos,
nas máscaras exóticas que todos nós gostaríamos de usar e travestir para
bailar nas ruas da vida...
Relembrar e relatar cada detalhe é rever cada instante dos
momentos que eu gostaria de partilhar e compartilhar essa outra viagem,
mas pondo em evidência algumas forças da interdisciplinaridade que para
mim despontaram, sensibilizada pelos encontros na sala de aula
interdisciplinar.
A começar pelas pontes, que se multiplicam a cada passo, e trazemme a imagem da ligação constante que fazemos dos fragmentos da nossa
história individual, e que me levam a pensar nas pontes que somos,
quando possibilitamos o encontro do outro consigo próprio, ou ainda em
tentativas
COERÊNCIA
47
intermináveis de atravessar diversas situações desafiadoras, ou mesmo,
quando estamos nos movimentando de um lado para outro, conhecendo e
vivendo outra perspectiva.
As ruas estreitas, por onde o sol tenta se fazer presente, por isso
cada raio de luz torna-se imponente e importante, no contraste de sombra
e luz que torna o feio belo. Luz e sombra se completam nas pinturas
caravagistas. A luz ilumina, pois há muita noite em volta das estrelas.
Passamos as estreitas passagens esgueirando do outro e das paredes que
quase nos asfixiam, parecendo tombar sobre nossos ombros. Surpresos,
ao chegar ao outro extremo, deparamos com uma larga praça,
oferecendo-nos a sensação de um grande respiro de alívio e satisfação.
Sentimos o grato prazer da expansão, de alargarmos os braços, num
movimento de abertura para fora ao vivenciarmos o aperto de vivermos o
para dentro.
Perdidos nas caóticas ruas, verdadeiros labirintos preparados pelos
deuses, que não seguem a nossa lógica, encontramos-nos em outra
estética de organização. Perder-se e encontrar-se é um refrão do
desbravador. Entramos por um caminho e, muitas vezes, acabamos nele
mesmo, dando voltas no mesmo lugar, sem conseguir ir adiante.
Isso é conhecido, familiar...
Ou então começamos planejando chegar a um lugar e acabamos
descobrindo um outro, no meio da expedição. Como aventureiros
exploramos o novo, para nós, mas que se mostra como velho nas marcas
do tempo e na história, representada na arquitetura dos prédios.
Em cada praça a que chegamos há uma estátua/escultura, contando
uma história, ou um poço/fonte oferecendo-nos água corrente e em
abundância. Pois o que não falta em Veneza é água, por todos os lados,
fazendo-nos sentir a ilha que somos. Num dos extremos dessa ilha,
próximo ao Giardinni, distante dos turistas, descobrimos um outro lado,
pouco conhecido desse espaço geográfico. Um imenso parque/jardim,
com centenas de árvores enfileiradas, numa organização metódica de
jardineiro, paisagem delineada pelos limites das águas. O limite/fronteira
tão visível e necessário para ressaltar o horizonte que se abre ao longe, na
amplitude do mar.
Sozinhos, mas o tempo todo invadidos pelo coletivo, na praça São
Marcos, grandiosa criação humana. Uma multidão maravilhada se
avoluma e se mistura às numerosas pombas que sobrevoam as cabeças,
fazendo malabarismos para desviarem dos corpos em movimento.
48
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
O clique e flash das câmeras estala por todos os lados e nos
sabemos "não sozinhos", mas viajando por outros países, sem preconceito
étnico, presentes anônimos nas fotos/histórias de outros desconhecidos.
Somos personagens da nossa história e figurantes na de outros, apesar das
várias vezes que assistimos o encadeamento das situações que escapam
ao nosso desejo e controle. É ser espectador e ator na mesma cena.
Em cada momento do dia ou da noite que atravessamos a praça São
Marcos, descobrimos um detalhe, antes não visto, deslumbrados com a
possibilidade de que isso possa acontecer infinitas vezes, ao visitarmos
um mesmo lugar ou uma mesma pessoa. Rever se torna reler e repensar,
onde a profundidade brota dessa experiência.
A poesia da brisa nos toca, ao viajarmos por baixo das pontes, sob a
direção e manobra exímia dos gondoleiros, personagens simbólicos do
romantismo que habitam nosso inconsciente coletivo. Ao balanço das
águas, nos movemos sem os pés, vivemos uma dinâmica nova de relação
com o mundo, apesar da intimidade primitiva com a água antes do nosso
nascimento.
Renascemos a cada momento.
O íntimo e o público se misturam quando nos deparamos com as
roupas no varal, expondo a intimidade ao vento. Elas dizem um pouco
dos habitantes que aí moram, mas sem receios; partilham com o outro e
outros o espaço de exposição, lembrando instalações de arte da Biennale.
Por meio deste texto, penduro minhas ideias no varal da sala de aula
e exponho as minhas vivências, emoções e ideias depuradas no meu
pensar e viver.
Há muito do que dizer sobre Veneza e o fascínio que ela desperta,
mas gostaria de pontuar a harmonia que existe entre os contrastes que
surgem a todo momento:
Luz/sombra
Dentro/fora
Limites/horizonte
Organização/caos
Velho/novo
COERÊNCIA
49
Privado(íntimo)/público
Individual/coletivo
e outras subentendidas nas entrelinhas.
E volto à questão inicial: harmonia dos contrastes da vida não será
também da Educação?
O diferente não pode conviver em harmonia?
Deixo para o leitor fazer as suas próprias conexões, servindo-se da
metáfora para visitar categorias da interdisciplinaridade com outro olhar.
Investigar na sua sala de aula, nos alunos, na prática e em si mesmo tudo
o que se enlaça e entrelaça.
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Identidade
Ednilson Aparecido Guioti
Categoria tão importante da interdisciplinaridade que se manifesta,
ganha vida e produz frutos deliciosos.
A identidade pode ser classificada como individual ou coletiva, real
ou virtual. E por que não todas ao mesmo tempo convivendo,
colaborando, competindo, se consumindo ou se multiplicando? A
identidade pode nascer ou se fortalecer de outras categorias da
interdisciplinaridade como a parceria, a espera, a coerência, a humildade,
o respeito, o olhar, a ação etc.
Podemos exemplificar isso da seguinte forma: como nasceu a ideia
da construção de um "Dicionário de verbetes da interdisciplinaridade"?
Pois bem, nasceu de uma proposta da professora Ivani, na qual cada
integrante iria escrever algo sobre uma ou várias categorias da
interdisciplinaridade. Foi necessário partir dela um olhar que nos tocasse,
nos seduzisse.
Nesse momento começou nascer a identidade coletiva. Passamos a
nos identificar coletivamente por meio da troca de olhares, da
cumplicidade e do interesse coletivo. No decorrer das reuniões
experenciamos e degustamos sabores como a espera, a humildade, o
afeto, o respeito e a linguagem. Quando individualmente nos retiramos
para ler e escrever sobre os termos, sempre se fez presente o sabor
agridoce da paciência, da coerência, da espera vigiada e da ação. Para
escrever sobre as categorias da interdisciplinaridade foi necessário muito
mais que vontade ou desejo: foi necessário uma profunda e significativa
identificação individual do autor com o verbete escolhido.
A identidade não "nasce" pronta e acabada. Ela é construída passo a
passo, configurando-se num projeto individual de trabalho e de vida que
nunca pode ser dissociado de um projeto maior, o do grupo.
Ao pesquisar e escrever sobre identidade, o encontro comigo
mesmo e a consequente construção da identidade individual foi
inevitável. Tratar
COERÊNCIA
51
sobre identidade é buscar dentro e fora da gente; é desvelar, desnudar: é
deixar cair o véu que nos cobre para nos conhecermos em nós mesmos e
nos conhecermos nos outros, no grupo. Saber onde eu começo e onde
termino, onde interajo, onde me separo, onde acredito ou nego. Como
dissemos, a identidade em sua forma individual ou coletiva, real ou
virtual, pode ao mesmo tempo conviver, competir, se consumir ou
multiplicar.
Para me identificar com alguma coisa ou com alguém, não preciso
necessariamente estar junto desta pessoa. Com a utilização das novas
tecnologias em educação é possível notar que essa identidade também é
criada ao redor de ideais e objetivos comuns, mesmo sem que os
indivíduos nunca se encontrem pessoalmente. Veja o exemplo das listas e
grupos de discussões, dos chat's (por diferentes temas como idade,
interesse, cidade etc), entre outros.
Ter ou criar identidade é ser você e muitos outros ao mesmo tempo,
é estar presente e ausente, próximo e distante...
Ao ler algo, você lança sobre ele um olhar profundo tentando buscar
a essência, um significado maior. Enquanto lê essas poucas linhas você
pode ou não se identificar com o que está escrito. Se essa identidade
acontecer, posso começar a fazer parte de você, assim como para escrevêlo passei a ser muitos outros que li, especialmente o grupo com o qual
tenho vivido em sala de aula.
52
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Cor
Carla Maria Arantes Fazenda
A luz, primeiro fenômeno do mundo, revela-nos o espírito e a alma
viva do mundo por intermédio das cores.1
Por meio das pálidas cores dos monumentos do passado podemos
também imaginar a disposição emocional de povos desaparecidos...2
Os efeitos das cores podem ser experienciados e compreendidos não
apenas visualmente, mas também psicológica e simbolicamente. Assim, a
questão da cor pode ser examinada sob infinitos aspectos:
1. O físico estuda a natureza das vibrações de energia
eletromagnética e partículas envolvidas no fenômeno da luz, as
muitas origens desse fenômeno, como a dispersão prismática da
luz branca e questões de pigmentação. Investiga misturas de
luzes cromáticas, espectro dos elementos, frequências de
comprimento de ondas de raios de luzes coloridos. Medição e
classificação são tópicos para a pesquisa física.
2. O químico estuda a estrutura molecular dos corantes e
pigmentos, veículos e preparação de corantes sintéticos. A
química da cor atual serve a um campo enorme de pesquisa e
produção industrial.
3. O fisiologista investiga os vários efeitos da cor em nosso aparato
visual — olho e cérebro —, suas relações anatômicas e funções.
Pesquisa da adaptação visual ao claro e escuro também se
destaca, assim como o fenômeno da pós-imagem.
1. "(...) cor é vida, um mundo sem cor parece um mundo morto. Assim como a chama produz
luz, a luz produz cor. Assim como a entonação carrega a cor ao mundo falado, a cor carrega sons
percebidos espiritualmente para a forma... cores são filhas da luz, e luz é sua mãe. A luz, o primeiro
fenômeno do mundo, nos revela o espírito e a alma viva do mundo através das cores" (Itten, 1960).
2. "(...) a história da cor é a história da civilização..." (Birren, 1996).
COERÊNCIA
53
4. O psicólogo interessa-se pelos problemas da influência da
radiação das cores em nossas mentes e espíritos. O simbolismo
da cor, a percepção subjetiva e a discriminação das cores são
preocupações dele.
5. O artista, finalmente, interessa-se pelos aspectos estéticos dos
efeitos cromáticos e necessita de todas as informações anteriores
para sua pesquisa.
Fenômenos visuais, mentais e espirituais relacionam-se ao domínio
da cor e da arte.
Nesse domínio, a estética da cor aproxima-se de três direções:
• expressão emocional;
• impressão visual;
• construção simbólica.
Somente aqueles que amam as cores percebem sua beleza e
presença imanente. Elas servem utilitariamente a todos, mas seus
mistérios desvelam-se apenas aos seus devotos.
Voltando às três direções para o estudo da cor — construção,
expressão e impressão —, deve-se levar em conta que o simbólico sem
uma acuidade visual e sem força emocional seria mero formalismo; o
efeito visual da impressão sem uma verdade simbólica e poder emocional
seria naturalista, imitativo e banal; o efeito emocional sem a construção
simbólica ou a força visual limitar-se-ia ao plano da expressão
sentimental.
A cor, enquanto fronteira para o mundo dos objetos, permite-nos
percebê-los e reconhecer suas inter-relações. Sua essência interior
permanece distante da nossa compreensão, necessitando de uma
aproximação intuitiva.
Aproximações objetivas ao fenômeno da cor vêm sendo teorizadas
desde Aristóteles, Goethe, Runge, Chevreul até os atuais Riley e Birren,
passando por Da Vinci, que salienta a importância da subjetividade.3
Em arte, o que conta não é a expressão e a representação da cor,
mas o indivíduo e sua identidade e humanidade. Primeiro vem o cultivo
da criação do indivíduo, depois esse indivíduo pode criar.
3. Em seu Trattato della Pinttura, Da Vinci liberta seus leitores da incumbência do
conhecimento, encorajando-os a seguir sua intuição.
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
O estudo sério da cor é um meio excelente para o cultivo de seres
humanos. Isso reflete-se na experiência da lei eterna de toda geração
natural; reconhecer a necessidade é render seu livre-arbítrio e servir ao
Criador — para tornar-se homem.
COERÊNCIA
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Estética
Ricardo Hage de Matos
A palavra estética tem origem no grego aisthetikós, uma derivação
de aisthanesthai, cuja tradução direta para o português seria perceber ou
sentir. Podemos então intuir que a estética seja um ramo do
conhecimento humano que trata daquilo que sentimos ou percebemos no
mundo de forma subjetiva, mesmo emocional (Japiassu & Marcondes,
1996).
Atualmente, a estética é reconhecida pela interdisciplinaridade
como o ramo do conhecimento que estuda as relações sensoriais que nos
fazem discriminar o que é belo e o que é feio. Neste sentido tenta analisar
quais são as estruturas lógico-formais e lógico-subjetivas que atuam no
Homem de forma a categorizar suas escolhas.
A ideia inicial da estética surge com Baumgarten, no século XVIII
para designar o estudo das sensações humanas como uma "ciência do
belo". Este filósofo alemão é muito pouco estudado, mas é considerado o
pai da estética moderna. Podemos dizer que se inicia aí um verdadeiro
"estudo do gosto", um estudo daquilo que nos faz sentir e apreciar o belo
(Japiassu & Marcondes, 1996). Para ele a estética poderia ser construída
como um ramo do conhecimento que nos conduziria a um entendimento
do belo como fruto da razão e que, portanto, poderia codificar
formalmente esta mesma beleza. A ideia desta "ciência do belo" é
plenamente justificável pela época em que essa ideia foi construída: o
início da fragmentação do conhecimento humano e o auge do
racionalismo.
A partir da construção da possibilidade de tais estudos por
Baumgarten, Kant (final do século XVIII) desenvolve a estética de forma
diferente. Para ele a estética é antes de tudo uma área de estudo
transcendental, ou seja, não é uma área do conhecimento que possa ser
objetivada; portanto, não pode ser ciência. A partir daí ele coloca a
estética apenas como um discurso crítico do "gosto". Penso que a partir
daí muitos poderão ter entendido a estética como uma "ciência" menor,
apesar de
56
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Kant ter apenas nos colocado, com os recursos filosóficos disponíveis por
ele na época, a impossibilidade de se pensar em algo advindo do mundo
sensível com sua própria razão kantiana (e por que não dizer, ocidental).
A partir daí, em Crítica do juízo, Kant leva a estética a ocupar uma
posição de destaque no que chamou de "juízo do gosto": é ela (a estética)
que faz o sujeito definir e entender o que é belo, tanto na natureza quanto
no espírito.
Abandonando a visão de Kant, principalmente quanto à questão dos
critérios de beleza ligados à natureza, Hegel (início do século XIX)
revoluciona a estética ao declarar que "a arte não é outra coisa senão o
mais subjetivo desenvolvimento do espírito a partir do real" (Japiassu &
Marcondes, 1996). Neste momento começamos a entender dois
princípios distintos que serão aceitos pelo Ocidente de forma quase
inquestionável na atualidade: a estética é entendida como categoria
filosófica da arte e é regida por princípios subjetivos que, por definição,
seriam intangíveis. A estética deixa assim de constituir um corpo teórico
coerente para se desmembrar em várias estéticas, dependendo da corrente
teórica que a desenvolver, dentro de suas particularidades.
Dentro da interdisciplinaridade, o estudo da estética torna-se
importante a partir da reflexão sobre as causas e consequências da
fragmentação do conhecimento humano em especialidades. A evolução
do pensamento estético se transforma numa metáfora deste processo:
Baumgarten tentou criar uma estética científica; Kant identificou nela
uma natureza subjetiva que impossibilitaria uma cientificidade do belo; e
Hegel nos fala sobre a relatividade do discurso estético, prejudicando,
portanto, sua generalização como teoria.
A partir daí a estética torna-se uma terra de ninguém, "renunciando
em princípio a todo cânone" (Japiassu & Marcondes, 1996), perdendo
qualquer referencial que desse a ela legitimidade.
Nos estudos em interdisciplinaridade, esse processo de
desvalorização fica claro quando do entendimento dos processos culturais
que formam ou negam a existência de uma erudição e a necessidade da
atuação do professor como "ecleta" (Matos, 1995).
A erudição necessária no trabalho interdisciplinar é valorada muitas
vezes por um viés ideológico: um professor erudito é um ser rico, faria
parte da elite, enquanto um professor especialista é visto como um profis-
COERÊNCIA
57
sional como outro qualquer, na maior parte das vezes proletário. As
estruturas que discriminam como fazemos essa leitura podem ser
entendidas dentro de um pensar estético: quais são os elementos visuais
que nos indicam a riqueza ou a pobreza, a erudição ou a especialização?.
Quais são os elementos sensíveis que nos dizem que um aluno é pobre, o
que por si só já define, na maior parte das vezes, como um professor vai
se comportar com esse determinado aluno ou classe? Boa parte dos
princípios interdisciplinares, como a atitude, o respeito e a humildade, é
influenciada por esses aspectos estéticos. A construção de uma autoestima também pode ser comprometida, e dentro dos processos
interdisciplinares de ensino, certos aspectos da construção de uma
autovaloração, tanto do aluno quanto do professor, só podem ser
entendidos esteticamente. Nas sociedades, valoramos as pessoas e as
classificamos socialmente antes de tudo por uma apreciação estética.
Uma joia pode ser um objeto caro, talvez pelo tipo de material
empregado, e neste caso faço uma valoração quantitativa, objetiva. No
entanto, conhecemos vários exemplos de objetos que não têm valor
monetário baseado nos materiais utilizados em sua construção, mas que
são de uma beleza ímpar (Matos, 2000). Outra situação importante nos é
apresentada quando o professor mostra ao aluno algo que para ele (ou
para o currículo) é belo. Para o aluno esta informação não faz sentido, nos
casos em que sua origem cultural não é a mesma que a do professor. Este
choque estético pode reforçar na cabeça do aluno que existe um
panorama estético bom, belo, que não faz parte de sua vida, e outro, feio
e pobre, na qual ele está inserido. Isto é muito comum no Brasil, onde
vivemos basicamente dois panoramas estéticos distintos. Um deles vem
do Modernismo e da Bauhaus, movimento alemão do início do século
que constrói a ideia de uma minimalidade e funcionalidade estéticas.
Qualquer objeto ou roupa, edifício ou automóvel em que possamos
identificar essa "limpeza" de formas, de adereços e de cores, só é possível
após a aparição do pensamento estético da Bauhaus. Já o que
consideramos "brega", cafona e, por extensão, pobre, nada mais é do que
a estética do Barroco. Caracterizada pelo excesso de adereços, formas e
cores, o Barroco pode ser considerado a única expressão visual artística
completamente brasileira, já que é esteticamente diferente de todas as
outras expressões surgidas naquela época. Associamos o Barroco ou
"brega" às camadas menos favorecidas, pelo fato de que essa é a parte da
população que tem menos informação: ela ainda não sabe que a Bauhaus
e o Modernismo surgiram, ninguém a infor-
58
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
mou. A partir daí fazemos um julgamento estético: fulano é pobre porque
é brega e sicrano é rico porque é clean. Também fazemos um outro
julgamento muito importante e do qual não nos damos conta: se o fulano
é brega, ele é pobre, mas é brasileiro, portanto legítimo, autêntico. Se o
sicrano é clean, ele é rico, mas descontextualizado de nossa realidade: é
mais um brasileiro querendo virar belga, europeu. Neste caso em
particular, uma apreciação estética se transforma quase que num
instrumento ideológico de afirmação da brasilidade. O não-entendimento
e explicitação desses processos pode levar um projeto interdisciplinar à
falência!
Atualmente, os estudos da interdisciplinaridade nos indicam a
necessidade de valorização, tanto pelo professor quanto pelo aluno, de
seus referenciais estéticos, para que possam compreender melhor como
estes interferem consciente e inconscientemente no processo educacional
interdisciplinar.
HUMILDADE
61
Humildade
Claudio Alves
A humildade (Fazenda, 1994) não é depreciação de si nem falsa
apreciação. Não é ignorância do que somos, mas conhecimento, ou
reconhecimento, do que não somos. É seu limite, pois refere-se a um
nada. Mas é nisso também que ela é humana: "Tão sábio quanto quiser,
mas enfim é um homem: o que é mais caduco, mais miserável e mais
nada?".5 Sabedoria de Montaigne: sabedoria da humildade. É um absurdo
querer superar o homem, o que não podemos, o que não devemos fazer.6
A humildade é virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma. É a
virtude do homem que sabe não ser Deus.
Assim, é a virtude dos santos, quando os sábios, salienta Montaigne,
às vezes parecem desprovidos de humildade. Pascal não está de todo
errado ao criticar a soberba dos filósofos. É que alguns deles levaram a
sério sua divindade, sobre a qual os santos não se iludem. "Divino eu?"
Seria preciso ignorar Deus ou ignorar a si mesmo. A humildade recusa
pelo menos a segunda dessas duas ignorâncias, e é nisso, antes de tudo,
que ela é uma virtude: está vinculada ao amor, à verdade e a ela se
submete. Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo.
Todo pensamento digno desse nome supõe a humildade, opondo-se
nisso à vaidade, que pensa e crê em si.
A humildade pensa antes, sem crer em si; ela duvida de tudo,
especialmente de si mesma. Humana, humana demais... Quem sabe se ela
não é a máscara de um orgulho muito sutil?
"A humildade", escreve Espinosa, "é uma tristeza nascida do fato de
o homem considerar sua impotência ou sua fraqueza(3)".7 É menos uma
5. Montaigne, E., apud Romano, 2, pp. 345, 346.
6. Montaigne, Essais, N: Romano, 12, p. 604.
7. Éthique, III, def. 26 dos afetos (salvo explicitação em contrário, cito Espinosa a partir da
tradução Appuhn, que às vezes corrijo).
62
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
virtude do que um estado: é um afeto, um estado de alma. Se alguém
imagina sua própria impotência, sente um vazio na alma "se entristece
por isso mesmo".8 É a experiência do dia-a-dia que podemos confirmar e
fazer, da vivência e do conhecimento, desenvolver humildade, fazendo
dela uma força. Ora, a virtude, para Espinosa, é a força da alma e sempre
um momento de alegria! A humildade, portanto, não é uma virtude
isoladamente,9 e o sábio não tem por que se preocupar com ela,
independente de suas atitudes particulares.
É possível que seja apenas uma questão de palavras. A humildade,
para Espinosa, sem ser uma virtude, é "mais útil que prejudicial",10 pode
ajudar quem a pratica a "viver enfim sob a condução da razão". Os
profetas tiveram razão de recomendá-la. Espinosa aponta outro afeto,
positivo, que corresponde à humildade virtuosa:
"Se supusermos um homem concebendo sua impotência porque ele conhece algo
mais potente que ele mesmo, e por esse conhecimento delimita sua potência de
agir, estaremos concebendo, então, apenas que esse homem se conhece
distintamente, isto é, que sua potência de agir é secundária."
É preciso não confundir a humildade com a micropsychia, baixeza
ou pequenez, de Aristóteles. Toda virtude, para o filósofo, é uma
cumeada entre dois abismos, como magnanimidade ou grandeza de alma:
quem se afasta dela por excesso cai na vaidade; quem se afasta por falta,
cai na baixeza. Ser baixo é privar-se daquilo de que se é digno, é
desconhecer seu valor real, a ponto de se interditar qualquer ação um
pouco elevada, por nunca se acreditar capaz dela. Essa pequenez
corresponde muito bem ao que Espinosa, distinguindo-a da humildade
(humilitas), chama de abjectio, que se costuma traduzir por desestima ou
desprezo por si. Bernard Pautrat traduz por baixeza: "A baixeza (abjectio)
é fazer de si, por tristeza, menos caso do que seria justo". A baixeza pode
nascer da humildade, o que torna esta última viciosa. Alguém pode
sentir-se triste com sua impotência, sem força para combatê-la, o que se
opõe à abjectio do espinosismo.
Se a humildade é digna de respeito e de admiração, como pode ser
humilde? E se ela tem razão de o ser, como admirá-la? Parece que a
8. Éthique, III, prop. 55 (ver também Escólio).
9. Éthique, IV, prop. 53.
10. Éthique, IV, Escolio, da prop. 54.
HUMILDADE
63
humildade é uma virtude ambígua, que só pode justificar-se por sua
própria ausência. Como reflexão podemos destacar os seguintes pontos:
Sou muito humilde? Falta-me humildade? Como um sujeito pode valer,
desvalorizando-se?
Na Doutrina da virtude, Kant se opõe ao que chama de "falsa
humildade" ou baixeza. Esta última, ao contrário da honra, explica ele, é
um vício. Para Kant, existe a verdadeira humildade (humilitas moralis),
que ele define: "A consciência e o sentimento de seu pequeno valor
moral em comparação com a lei é a humildade". Longe de atentar contra
a dignidade do sujeito, a humildade a supõe (não haveria razão alguma
para se submeter à lei quem não fosse capaz de legislação interior: a
humildade implica a elevação) e a confirma (submeter-se à lei é uma
exigência da própria lei: a humildade é um dever).
A humildade é um ato de força, de quem se priva de demonstrar sua
superioridade, procurando valorizar o próximo que necessita de
valorização ou de brilho, o que não conseguiria se o primeiro fizesse
valer sua superioridade.
A postura sábia da humildade é fazer-se humilde, passar por menor,
resultando em proveito para outrem, para a sociedade e até para si.
"...um sábio, sendo questionado publicamente por vândalos sobre sua sabedoria e
conhecimento sobre as coisas, indagavam-lhe se o passarinho que um deles tinha
escondido na mão estava vivo ou morto. O sábio muito bem pressentia que, se
dissesse que estava vivo, o jovem pressionaria o pássaro entre os dedos e lhe tiraria
a vida para, mostrando o animal morto, ridicularizar o sábio por não saber das
coisas."
Disse então que o pássaro estava morto porque previa muito bem que o jovem, na
sua pequenez intelectual, imediatamente abriria a mão e soltaria o pássaro para que
voasse, para, também desse modo, ridicularizar o sábio. E assim foi feito. Saíram
rindo, difamando e dizendo que o sábio de nada sabia...
Ao sábio pouco importava ser humilhado, até porque a palavra dos
vândalos encontrava pouco eco na sociedade. Ele estava mais
preocupado com a vida do passarinho.
Assim como o sábio, o professor deve ser humilde. Ser humilde é
estar aberto para o outro. Aceitar a presença ativa do aluno, estabelecer
64
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
parcerias (Fazenda, 1991a), ouvir e escutar o que emerge das diversas
manifestações da expressão/comunicação do outro e não se considerar o
centro da ação pedagógica. A humildade é uma das categorias da teoria
da interdisciplinaridade, preocupada com a dimensão da totalidade tanto
do conhecimento quanto do ser.
Humildade é conhecer os próprios limites. Aceitar que sabe algo de
modo imperfeito, incompleto, que, a qualquer momento, pode ser
questionado, reformulado e mesmo superado. E, nessa atitude, estar
sempre à procura de novos elementos para reforçar, esclarecer o que se
julga saber. Encontrando-os, ter a coragem de cotejá-los, incorporá-los,
mesmo que isso signifique ter que abandonar a satisfação e a segurança
pessoal. Aceitar que o outro, embora pareça simples e ignorante, também
sabe algo. Que todos podem sempre, de alguma forma, contribuir para
enriquecer o conhecimento. Que se aprende com o aluno, com o colega,
com o dito leigo na matéria. A humildade facilita o conhecimento, uma
vez que este não tem fronteiras sagradas, zonas obscuras. A pesquisa, a
aprendizagem sempre apontam para todos os lados, no espaço e no
tempo. Quando alguém julga que aprendeu é porque não aprendeu nada,
está ainda começando, pois sequer sabe que não sabe. O verdadeiro sábio,
o humilde aprendiz é aquele que, tendo feito tudo o que julga necessário e
pertinente, é capaz de dizer, parafraseando o Evangelho: Sou um servo
inútil. E até mais, como diziam os latinos: Fiz o que pude. Façam mais e
melhor os que puderem.
HUMILDADE
65
Símbolo
Ecleide Cunico Furlanetto
Muitos pesquisadores interdisciplinares vêm realizando viagens ao
mundo interior em busca das raízes de suas pesquisas. (Fazenda, 1994).
Percorrendo esse caminho, encontram-se com os símbolos que se
apresentam como uma das portas de entrada para outros mundos muitas
vezes desconhecidos. Ao fazerem essa viagem, descobrem fios
condutores para seus trabalhos, bem como maneiras inusitadas de
produzir conhecimento. O símbolo parece conter uma força irresistível, é
capaz de tornar visível o invisível, transformar-se em fonte de ideias,
possibilitar novas compreensões, estimular formas diferenciadas de
expressão.
A palavra símbolo tem suas origens no grego symballo um "sinal de
reconhecimento, formado pelas duas metades de um objeto quebrado que
se reaproximam". (Lalande, 1996). O símbolo nos remete a uma imagem
que nos fornece indícios para compreendê-lo. Ele nos fala de um
movimento de encontro entre duas polaridades. O que se busca
reaproximar por meio do símbolo?
Muitos autores buscaram compreender o sentido do símbolo. Os
símbolos revelam uma estrutura do mundo que não é evidente à
experiência imediata, são multivalentes, capazes de exprimir inúmeros
significados que não se mostram à primeira vista. Eles preenchem uma
função de pôr a nu as mais secretas modalidades do ser. Jung, no entanto,
transformou o símbolo em um conceito básico de sua teoria; ao desvelar
seus significados, percebeu sua imensa capacidade transformadora e
curativa.
Os símbolos parecem ser parábolas do infinito que penetram e se
manifestam no mundo finito e, dessa forma, alargam suas fronteiras ou
até mesmo o arrebatam momentaneamente para o infinito. O mundo
psíquico é repleto de energia arquetípica que interage com nosso mundo
consciente. Para Jung (1964), o símbolo é a forma de essa energia se
manifestar. Como
66
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
podemos ver, os símbolos cumprem essa função de reaproximar dois
mundos que só podem se tocar por intermédio deles. Ele é algo
encarnado no mundo da consciência, mas tem suas raízes disseminadas
até o fundo de nossa alma. Olhados do lugar da consciência, podem ser
percebidos como portais que nos permitem vislumbrar as zonas
profundas dos selfs individuais e culturais.
Os símbolos diferem dos sinais. Os sinais, as imagens e as
metáforas por si só não são símbolos, exercem uma função descritiva.
Tomemos como exemplo uma abreviação: Unesco. Podemos usar
abreviações, logotipos, desenhos para nos referir a alguma coisa. Dessa
forma, eles se referem aos objetos e às ideias originais a que estão
ligados, são compreendidos por grande parte das pessoas. Uma palavra,
uma ideia ou um objeto é simbólico quando implica alguma coisa além
do significado manifesto e imediato. Possui um aspecto "inconsciente"
mais amplo, que nunca é precisamente definido ou explicado. Os signos e
os símbolos, para Jung, pertencem a níveis distintos de realidade. O que
ele chamava de símbolo é algo que pode nos ser familiar, estar presente
no nosso cotidiano, mas possui conotações especiais além de seu
significado evidente e convencional. Implica algo vago oculto e
desconhecido para nós.
Jung percebia uma duplicidade no símbolo que ele denominava
bipolaridade. Segundo Jacobi (1986), o símbolo possui uma qualidade de
unificador de pares opostos em primeiro lugar do consciente e do
inconsciente e, consequentemente, de outras polaridades ligadas a esse
par. Por isso, a palavra grega nos remete à imagem de metades que se
aproximam; dessa forma, o símbolo assume a função de um mediador
entre o consciente e o inconsciente, entre o oculto e o revelado. Ele não é
nem concreto nem abstrato, nem objetivo nem subjetivo, nem
pensamento nem sentimento; é ambos. Para captá-lo, em sua tremenda
plasticidade, necessitamos de nossa totalidade. O símbolo tem essa
capacidade de lançar pontes, construir túneis. Para Jacobi (1986), os
símbolos, ao unirem os opostos dentro de si, para logo deixar que se
separem, impedem que se estabeleça a rigidez, a imobilidade.
Executando esse movimento, eles mantêm a vida em permanente fluxo.
A essa capacidade que temos de formar símbolos, Jung dava o nome de
função transcendente. Ele não a via como uma qualidade metafísica, mas
como uma passagem de um lado para outro.
HUMILDADE
67
O símbolo contém um grande potencial revelador, transformador e
restaurador. A medida que, nós pesquisadores interdisciplinares, estamos
aprendendo a lê-los, estamos timidamente construindo novas maneiras de
investigar. Existe ainda um caminho muito longo e complexo a ser
percorrido, mas fascinante para aqueles que são apaixonados por
compreender os aspectos ocultos do conhecer.
68
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Mudança
Geralda Terezinha Ramos
Mudança: do latim mutare, significa ação ou efeito de um processo
que busca remover, alterar, modificar, trocar, desviar, substituir, variar,
inverter, converter, transformar.
Mudança significa alteração de propósitos perante o estabelecido e
consolidado. É buscar o diferente, desapegar-se do velho para construir o
novo, o desconhecido, agindo com ousadia, tomando um novo rumo,
acreditando num projeto ainda por se fazer e assumindo o compromisso
com o incerto e o transitório.
Todo processo de mudança implica a aceitação do novo, do
diferente, uma ruptura do estado de equilíbrio e, consequentemente,
substituição pelo provisório, pelo desconforto e tensão. Heráclito (2.500
a. C.) já afirmava que o único elemento constante no mundo é a mudança,
ou seja, tudo é devir, nada permanece. O rio que passa já não é mais o
mesmo, o céu, as estrelas que vislumbramos são diferentes, pois as coisas
envelhecem. A partir da ideia de que jamais somos iguais a nós mesmos
podemos compreender que o sentido do ser é movimento. O homem, o
conhecimento e a própria realidade são marcados pelo signo da
provisoriedade.
Hoje, às portas do terceiro milênio, a mudança tornou-se ainda mais
rápida e complexa. O mundo assemelha-se a um campo magnético no
qual uma gigantesca cadeia de forças com inúmeras partículas que se
juntam e se dispersam, se somam e se contrapõem, se anulam e se
multiplicam, se chocam e se auxiliam, em um constante redemoinho que
produz resultados inesperados. O mundo caminha para rumos
desconhecidos, como um grande caleidoscópio composto de fragmentos,
que, a cada jogada, possibilita diferentes desenhos, em novas e
surpreendentes composições.
Vários pesquisadores, ao longo do tempo, vêm se preocupando com
a discussão da temática "mudança": uma contribuição significativa para
compreender esse processo é apresentada por Pierre Weil (2000), quando
HUMILDADE
69
explicita o profundo movimento que está afetando a todos, nos vários
domínios da nossa existência. Entretanto, em vez de apresentar soluções
prontas, acabadas, ele propõe uma reflexão fundamental: qual é o papel
de cada um de nós no movimento de mudança?
Para Edgar Morin, o movimento de mudança do ser humano
caracteriza-se por reorganizações sucessivas na maneira de pensar e agir.
Tal como a imagem das reorganizações genéticas, a introdução de um
elemento novo desencadeia alterações no lugar e no papel dos
constituintes, que terminam por transformar o próprio organismo.
"De início, há duplo foco incandescente yin/yang, que se manteve no centro ativo
de tudo aquilo em que eu iria acreditar e pensar: dúvida/fé, desespero/esperança... É
ele que suscitará e estimulará uma dialógica permanente, primeiro marcada pela
passagem do termo da alternativa ao outro e, em seguida, assumindo os dois termos
ao mesmo tempo" (Morin, 1997: 189-90, grifos do autor).
Paulo Freire (1997) afirma que cada período histórico é constituído
por valores, formas de ser, que, em última instância, buscam a plenitude,
isto é, estão em constante mudança. Ao romper o equilíbrio, há um
esgotamento dos valores que não mais correspondem às novas demandas
sociais. A transição corresponde ao período em que novos valores
emergem, buscando recuperar novamente a plenitude, representando uma
forma de mudança.
Segundo Gusdorf (1967), a mudança é o motor da transformação
do homem: ao tomar consciência de sua situação na sociedade e no
tempo, descobre exigências fundamentais de sua existência e, ao
obedecer, conformar-se ou submeter-se, acaba por negar o seu direito à
escolha, ao exercício da vontade própria. Mudar não é deixar-se levar
como um navio à deriva: é se autogovernar em meio às circunstâncias, às
tempestades, exercitando, de forma consciente, as possibilidades. A força
da verdadeira mudança não exclui fragilidade. Todo homem tem seus
pontos fracos, e percebê-los representa a possibilidade de superação.
Neste sentido, o impulso necessário a qualquer processo de mudança não
é exterior ao homem, mas está nele, levando-o a superar os seus limites.
Nesse processo, a tomada de consciência e o respeito aos valores éticos
passam a ser referências para o restabelecimento do equilíbrio
comprometido. Mudar significa (re)visão de atitude e posicionamento
perante o mundo e a realidade,
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
passagem, um movimento, entre um velho que se extingue e um novo
que, gradativamente, adquire forma. Esse movimento carrega em si duas
forças antagônicas, uma que busca a realização e outra que reafirma os
valores construídos e, por isso, persiste...
Mudança e prática pedagógica
Estar aberto à uma mudança exige exercitar no cotidiano uma
atitude diferenciada frente ao saber, assumir um agir dialógico com os
alunos em qualquer nível: da construção do processo de leitura e escrita,
nas séries iniciais, ao desvelamento do significado do ato de ensinar, nos
cursos de formação de professores. Em todos, há de se assumir a
insegurança e a incerteza da busca, numa espera vigiada, como
possibilidade permanente de (re)construção e (re)invenção do
conhecimento, numa racionalidade que não se esgota, mas que se renova
a cada dia.
O constante movimento de (re)estruturação é inerente à condição
humana. Nele se alteram a harmonia e o conflito, a dinâmica e a estática,
a convivência e o isolamento, a ação e a inércia. Assumir uma atitude
frente à mudança é ter consciência de que esse processo se inicia com a
busca do eu interior para, a partir dele, compreender o mundo exterior. É
estar aberto frente ao desconhecido, ao inesperado e ao imprevisível.
Mais do que grandes inovações, mudar é construir um trabalho
coerente com a realidade e as necessidades dos alunos, numa época
marcada por grandes contradições, de apelo ao uso de novas e
sofisticadas tecnologias. A mudança pode ter início em situações mais
simples, nem por isso menos importantes.
Ampliar as possibilidades de entendimento entre as pessoas,
(re)introduzir valores como ética e respeito ao outro, ao diferente podem
representar o (re)início de um novo tempo. (Re)introduzir a dimensão do
prazer, do resgate da auto-estima pode se constituir verdadeiros
detonadores de processos de mudança. Neste sentido, as escolas devem
se tornar espaços fascinantes para o aluno aí levar, a cada dia, suas
curiosidades e daí retornar com novas descobertas e possibilidades. Se,
no entanto, suas indagações ficam sem respostas e suas esperanças se
desfazem, como esperar ações capazes de gerar mudanças, de transformar
a realidade?
HUMILDADE
71
Para Paulo Freire, não
"é possível pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto
(...). Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica
facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas, às
vezes demoradas" (2000: 54).
Mudança e ínterdisciplinaridade
Os estudos e pesquisas sobre Ínterdisciplinaridade apontam a
prática como elemento fundamental ao processo de mudança. Ao
analisar o significado da temática "mudança educacional" Ivani Fazenda
propõe três perspectivas de reflexão: filosófica, sociológica e
antropológica.
As grandes sacadas que pudemos observar acontecem quando as
três configurações inter-relacionam-se num jogo de ambiguidades que
metaforicamente almejam a transcendência.
Nessa perspectiva, é necessário rever paradigmas tradicionalmente
incorporados na formação de professores. Mais do que a aproximação do
dever ser ao como fazer, pretende-se hoje considerar as rotinas do
professor em movimento, articulando presente e passado como garantia e
base de um futuro mais promissor. A mudança deve se orientar a partir da
valorização da opinião do professor, portanto, um paradoxo.11 Esse
processo singular traz novo referencial: à possibilidade de identificar a
origem de suas matrizes pedagógicas, seu grau de consistência e, assim,
se tornar capaz de perceber o significado e a dimensão pessoal do ser
professor.
Inserir-se num processo de mudança é agir de forma consciente e
espontânea, confiando na intuição como um sinalizador significativo,
respeitando a evolução de cada um, buscando a harmonia entre corpo,
espírito, natureza, ambiente, cosmo...
Para Ivani Fazenda, mudar representa assumir um grande desafio:
tornar a educação menos tímida, mais arrojada, menos apegada às
tradições de uma escola fria, triste, sem cores, sem luz e distante da
afetividade.
11. Para Ivani Fazenda, atitude paradoxal num processo de formação possibilita, revisitar
rotinas, diversificá-las, colocá-las entre parênteses ou mesmo superá-las.
72
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Mudar é romper as amarras, quebrar couraças e agir de forma mais livre,
numa racionalidade aberta, sem apegar-se a velhos mitos ou teorias
superadas.
Assumir a mudança numa perspectiva interdisciplinar é exercitar a
metáfora do olhar que busca a pluralidade, sem desconsiderar a
singularidade. É valorizar os mínimos sinais, como indicativos de
grandes significados...
Assumir a mudança implica (re)tornar, (re)ver, (re)encontrar e
(re)fazer o feito. Ao (re)descobrir, (re)entender e (re)significar a sua
realidade interior, o ser humano dá o primeiro passo para encontrar o
caminho da mudança: o desenvolvimento da plenitude do ser inteiro, que
busca o aperfeiçoamento e a auto-realização.
A condição do SER docente, na perspectiva do FAZER a mudança,
é um convite permanente ao exercício de (re)ligar, a cada dia, mudanças
no vivido, reforçando os laços solidários, muitas vezes enfraquecidos,
superando abismos, escalando muralhas que, num primeiro olhar,
parecem intransponíveis.
Nesse movimento, cada avanço assume uma dimensão de vitória e
consolida um processo que ganha forças e se amplia: a mudança se faz
num permanente construir, que possibilita, aos poucos, ultrapassar o
imutável e o rígido. Na superação das contradições, dos insucessos, dos
erros arduamente assumidos, procurando o sentido do FAZER, torna-se
possível perceber os verdadeiros indicativos de mudança!
HUMILDADE
73
Mudança
Rosamaria de Medeiros Arnt
Somos seres mutantes, em constante movimento. Como espécie,
viemos, desde o tempo dos hominídeos, processando as transformações
que nos trouxeram ao que somos hoje. Como sociedade, buscamos as
transformações necessárias a um viver mais igualitário e mais justo.
Como indivíduos, nossas mudanças representam uma força, capaz de nos
tornar seres mais satisfeitos com nossas realizações, à medida que as
aproximamos dos nossos objetivos de vida. As mudanças individuais
somadas provocam as mudanças na sociedade. Mas, assim como a
mudança da sociedade é maior que a soma das mudanças dos indivíduos,
a mudança de cada indivíduo é maior que a sua parcela de contribuição à
mudança social.
As mudanças na natureza são encadeadas. A Terra gira em torno do
Sol. Este giro traz as estações. Com as estações, mudam a paisagem e as
árvores. As folhas, amarelecidas, caem — mudam de estado,
transformam-se, e transformando-se criam condições de vida no solo
onde aportam. Num ciclo permanente, harmonioso e equilibrado há a
renovação constante. Com as mudanças profundas de nosso século
provocamos mudanças também neste ciclo.
Alteramos nossa forma de agir e de expressar, a ponto de criarmos
muitas palavras para designar novos objetos, novas ciências, novos
lugares, novas profissões, produtos do fazer e do pensar modernos.
A descrição de mundo feita por um contemporâneo de Shakespeare
não é adequada para descrever nossa realidade cotidiana. No entanto, a
obra de Shakespeare se imortaliza porque os sentimentos do homem
ainda são os mesmos, variando do ódio ao amor, do ciúme ao desapego,
da intolerância à condescendência, da possessão à renúncia, da tristeza à
alegria, da melancolia à euforia. Internamente nossas mudanças são
lentas. Vivemos um tempo de descompasso entre as mudanças externas,
aceleradas, e nosso ritmo interior, lento.
74
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Mas como é o movimento, a mudança interior? Qual seu motor?
Qual sua direção e seu sentido?
O motor desta mudança é a ânsia de coerência, quando o ser ensaia
o desapego buscando uma compreensão maior da realidade, da vida, de si
mesmo.
Para compreender melhor a realidade, a mudança deve ter a direção
da parceria, porque não vivemos sós, porque precisamos do olhar do
outro, porque o outro entende, analisa, vive e observa por um ângulo
sempre diferente do nosso, ampliando nosso próprio olhar.
A mudança, no sentido interdisciplinar, parte de alguém que se
coloca inteiro no que faz. Que se percebendo inacabado, pelo sentimento
de humildade que carrega, não hesita em mostrar-se, expor-se enquanto
constrói-se, desenvolvendo então suas potencialidades.
A mudança vem quando saímos do mutismo que cria muros para o
silêncio interior, que é um prelúdio à revelação, pois abre portas de
compreensão.
A mudança, como o olhar, também reflete. Reflete a magia de um
instante, ação invisível, tempo imperceptível em que somos tocados —
toque que representa, em nosso motor de mudança, a "partida".
Este talvez seja o desafio do professor. Ser agente da inquietação,
do desconforto causado quando o seu olhar encontra o mundo do aluno,
depois de um tempo, longo ou não (importa?) de espera vigiada.
Sobre o olhar — acima do olhar —, a intenção interdisciplinar de
provocar mudanças, perpetuando a necessidade do movimento íntimo
que se expande em direção ao meio, interagindo e integrando-se, numa
roda plena de vida.
A opinião
"Quando dês opinião, nunca deixes de escrever a data..."
Mário Quintana.
HUMILDADE
75
Ponte
Vitória Kachar
A palavra ponte apresenta vários sentidos, de acordo com o
contexto em que está inserida. Desvelaremos alguns deles no decorrer do
texto. Está presente a ideia de ligação: ligar, atar, tornar conexo, unir.
Símbolo de ligação entre duas regiões ou margens.
"Construção destinada a estabelecer ligação entre margens opostas
de um curso de água ou de outra superfície líquida qualquer" (Cunha,
1982: 622). Pode ser de diferentes materiais e formas: prancha de
madeira, tronco de árvore, construção de pedra, ferro etc.
No sentido conotativo, é qualquer elemento que estabelece ligação
entre coisas ou pessoas, colocando-as em contato ou comunicação.
Portanto, o homem pode estabelecer pontes e/ou ser ele próprio a
ponte. Podemos dizer que Deus pôde se dar a conhecer aos homens,
primeiramente, por meio de Moisés e depois por Jesus. Aqui, a ponte liga
o mundo sensível ao supra-sensível.
A origem etimológica do termo pontífice reafirma essa relação. O
construtor de pontes era o pontifex, mas o título foi incorporado pelos
sacerdotes, sendo mais tarde designação do papa, pontífice.
"O testemunho de Varrão: o sumo sacerdote de Roma, tomou o
nome de pontifex, por ter construído sobre o Tibre a ponte chamada
Sublicia (pons Sublicius) que dava acesso ao templo que se encontrava
do outro lado do rio" (Bueno, 1966: 3128).
O sumo sacerdote aparece como intermediário, mediador entre os
fiéis e os deuses, entre o céu e a terra. A decomposição do termo do
latim, pontifex, pontificium, vem de pons = ponte, e fícere, alteração
metafórica de facere = fazer, construir (Bueno, 1966).
O pontífice é o construtor e a própria ponte. No conto galês
podemos observar o homem sendo a ponte.
76
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
"O rei Bran então se deita ao longo do rio, de uma margem a outra,
e os exércitos passam sobre o seu corpo" (Chevalier, 1991: 729).
Além de ligar e conectar, ponte remete a outra ideia, travessia, que
implica desafio e perigo. O indivíduo é envolvido em situações perigosas
e desafiadoras para alcançar seu objetivo.
"A ponte afiada como uma espada, conhecida no Islã, aparece de
forma assemelhada na literatura cristã medieval: como pons periculosus
(ponte perigosa), ela atravessa o rio do inferno e conduz ao céu (Lurker,
1997: 559).
Travessia, travesso, original "atravessado, de través", extensiva
irrequieto, levado (Cunha, 1982). A ponte apresenta-se como local de
passagem de uma margem a outra, de um estado interior a outro,
apontando mudança e o desejo de mudança, inquietação. É uma fase de
transição, mobilidade, existindo a necessidade de se fazer uma opção.
Algumas vezes, a ponte é local de ritual:
"a viagem iniciatória das sociedades secretas chinesas também se dá através da
passagem de pontes: é preciso passar a ponte (kukiao), seja ela uma ponte de ouro,
representada por uma tira de pano branco, seja uma ponte de cobre e de ferro,
reminiscência alquímica, ferro e cobre, correspondendo ao negro e ao vermelho, a
água e ao fogo, ao Norte e ao Sul, ao yin e ao yang" (Chevalier, 1991: 729).
A conexão é entre oposições que se complementam.
Ponte também, pode ser tomada como local de prova, onde se
apresenta "mais fina que um fio de cabelo e mais cortante que um sabre"
(Chevalier, 1991: 730), dando acesso ao paraíso a aqueles que
conseguirem atravessá-la. Ou, como em filmes, as cenas representativas
de conflito e luta são situadas em pontes.
Enfim, ponte pode ter diversas interpretações, mas nos deteremos
nessas, para prosseguir com a relação que estabelecemos com a
educação. Essa análise nos permite fazer um paralelo com questões da
prática pedagógica interdisciplinar de estabelecer pontes.
A começar pela palavra interdisciplinar, identificamos o prefixo
inter do latim inter-, do advérbio e preposição inter "entre, no meio de"
(Cunha, 1982). Inter, assim como ponte, é não-lugar/território; é entre,
meio,
HUMILDADE
77
médio, "que está no meio ou entre dois pontos" (Chevalier, 1991). Na
palavra interdisciplinar está contida a proposição de ligação, isto é,
conexão entre as disciplinas, territórios delimitados, e a possibilidade de
intercâmbio e o deslocar-se entre elas. Ela conecta, permitindo
comunicação e diálogo, relação e vínculo entre separados, diferentes,
opostos. Isto nos leva a destacar duas categorias da interdisciplinaridade,
apontadas por Fazenda: integração entre disciplinas, que pressupõe a
interação entre sujeitos. O indivíduo é o construtor de pontes entre as
áreas de conhecimento e é a própria ponte, quando interage com outros
especialistas, viabilizando a teia/tecido de saberes.
A passagem de um lado a outro permite conhecer e viver por outra
perspectiva, revendo o lugar a partir de outro ponto. Os conceitos teóricos
e práticos são repensados por meio de outro parâmetro, outro olhar.
Atravessar de uma região a outra é um desafio complexo, implica busca e
riscos, portanto, ousadia. Requer um desejo de mudança, presente no
pensar e agir.
O professor interdisciplinar visita situações novas e revisita velhas,
transita entre os fragmentos da história e a memória educacional, faz elos,
tece sua prática a cada dia. Ele se faz ponte, oferece ao educando acesso
ao conhecer, permite que ele passe para um estado mais elevado de ser;
para além do que é, superando-se. Propicia o encontro do outro, não só
com o conhecimento, mas consigo mesmo, o encontrar-se. Precisamos do
outro para sabermos de nós mesmos. Compete ao educador fornecer
instrumentos ao aluno, construir seu caminho para o aprender e para a
vida, tornando-o mais consciente das suas potencialidades e dos limites a
serem enfrentados e superados.
"Na psicologia analítica, a ponte pode unir o consciente ao
inconsciente e ser símbolo do processo de autodesenvolvimento e do
processo de individuação" (Lurker, 1997: 559).
Além da ponte para o conhecimento, autoconhecimento e
desenvolvimento do indivíduo, o educador gera o encontro com o outro,
para a troca, cooperação e parceria.
O professor construtor de pontes cria condições para a
aprendizagem, num ambiente de multiplicação e de associação na relação
entre o pensar individual e o coletivo, conhecer e ser, subjetivo e
objetivo, teoria e
78
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
prática, velho e novo. O processo de transição da ponte encontra-se no
estado ambíguo de lados separados e opostos, mas que instiga a
complementaridade e o movimento contínuo de renovação da vida no
sujeito. Como ritual de passagem, a ponte leva ao renascimento
constante, desencadeando a transformação.
HUMILDADE
79
Atitude
Vítor Trindade
O conceito de "atitude" ainda hoje apresenta-se controverso, não se
verificando unanimidade na sua definição. Tendo surgido como objeto
importante de estudo da Psicologia Social — para alguns, o objeto
fundamental de estudo desta disciplina12 — sofre do choque provocado
pelas correntes de pensamento que percorrem esta ciência, recebendo
definições de linhas divergentes do pensar, que vão desde as abordagens
de um "behaviorismo" mais ou menos puro até às cognitivistas, passando
pelas funcionalistas.
Tradicionalmente, as atitudes apresentam as seguintes
características:
a) referem-se a um objeto, que pode ser concreto (pessoas ou grupo
de pessoas, instituições, comportamentos, coisas...) ou abstrato
(conceitos, normas, ideias...) mas que possui sempre valor social
para o sujeito;
b) têm uma componente cognitiva que engloba os conhecimentos
que o detentor da atitude possui em relação ao objeto — esses
conhecimentos são tidos como certos pelo sujeito;
c) possuem uma componente afetivas preenchida pela avaliação que
o sujeito faz do objeto e pode ser positiva ou negativa;
d) apresentam uma componente conativa, ou
predisposição para responder em relação ao objeto;
seja,
uma
e) são aprendidas, sofrendo por isso influências sociais;
f) são duradouras, isto é, prolongam-se suficientemente no tempo
para serem estáveis, mas de modo suficientemente transitório
para permitirem a sua mudança;
12. Cf. Allport, 1966: 15-21.
80
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
g) são consistentes, isto é, relacionam-se com comportamentos
específicos, permitindo prevê-los. A componente avaliativa, para
além de determinar a direção da atitude, permite ainda
determinar a intensidade (a força do pró e do contra) e a
importância ou relevância da atitude (o mesmo objeto de atitude
pode ser de diferente relevância para diferentes pessoas).
As definições mais correntes e usuais de atitude têm sido
construídas à volta destas características. Por exemplo, no Dictionary of
education (Hills, 1985), as atitudes são definidas liminarmente como:
"modos usuais de reagir a certas situações.
Outros autores, tentam mesmo a construção de modelos que
permitam definir compreensivamente o conceito de "atitude". Retomando
a abordagem funcionalista, acrescentam-lhe as influências da
"personalidade" e do "meio social", o que permitirá explicar a fraca
consistência que parece verificar-se entre as atitudes e os
comportamentos.
A consistência entre as atitudes e os comportamentos com elas
relacionados são alvo de controvérsia. Ajzen & Fishbein (1980) propõem
um novo modelo para a compreensão das atitudes, com a sua "teoria da
ação raciocinada" (theory of reasoned action), na qual as atitudes são
uma função das crenças e relacionam-se diretamente, não com
comportamentos mas com "intenções comportamentais". Neste modelo,
os comportamentos são explicados por dois determinantes, um de
natureza estritamente pessoal e outro de natureza social.
O primeiro consiste na avaliação, positiva ou negativa, que o sujeito
faz do desempenho desse comportamento e está diretamente relacionado
com a atitude para com o comportamento referido; o segundo é a
percepção pessoal que o sujeito possui das pressões sociais que sobre ele
impendem no sentido de desempenhar ou não o referido comportamento.
Neste modelo, o objeto das atitudes é um determinado comportamento e
não coisas, pessoas, instituições ou ideias.
Um outro autor que tentou uma definição original de atitude foi
Anderson (1985). Começou por identificar os aspectos essenciais das
características afetivas do indivíduo e, a partir delas, distinguiu essas
características. Assim, identificou como substrato das características
afetivas:
a) a emoção;
b) a consistência;
HUMILDADE
81
c) o objeto;
d) a direção e
e) a intensidade.
As atitudes distinguem-se dos outros elementos do domínio afetivo
pelas três últimas características. Os objetos das atitudes são referentes
sociais, os indicadores da direção são favorável ou desfavorável, e a
intensidade é sempre moderada. Deste modo, entende que a atitude é
uma emoção moderadamente intensa, que prepara ou predispõe o
indivíduo para responder consistentemente, de um modo favorável ou
desfavorável, quando confrontado com um objeto determinado que
constitui um referente social.
As ideias de Ajzen & Fishbein, contudo, parecem exercer uma
maior influência sobre os pensadores contemporâneos que definem-na
como uma predisposição aprendida para responder de forma consistente,
favorável ou desfavoravelmente, a um objeto (social).
As dificuldades de definição do conceito de "atitude" não foram
ainda superadas e, à parte o acordo entre os diversos autores sobre a
necessidade de distinção entre "atitude" e: "crença", "opinião", "hábito",
"valor" e outros conceitos afins, a controvérsia mantém-se.13 Esta
controvérsia parece envolver os conceitos estruturais da atitude
"consistência",
13. Parece-nos conveniente indicar aqui a distinção que fazemos entre os conceitos referidos.
Assim entendemos por "crença" as cognições informativas, inferenciais ou descritivas ligadas, ou
não, a fatos. As crenças são, pois, informações "acerca de..." ou "em..." e, por poderem estar ligadas
aos fatos, são mais estáveis do que as atitudes (Shrigley, Koballa & Simpson, 1988). As "opiniões"
são "a expressão verbal ou gestual das atitudes" (De Landsheere, Introduction à la recherche en
Éducation, p. 131). O "hábito" é um fenômeno psicológico adquirido, consistindo no aparecimento
espontâneo e inconsciente de determinados comportamentos provocado por causas exteriores ao
sujeito. Esse aparecimento foi considerado "desejável" ou "necessário" e adquirido conscientemente
pelo sujeito, através de exercício continuado. Os hábitos são, pois, responsáveis por automatismos de
comportamento provocados conscientemente (adaptado de J. Leif, Vocabulaire technique et critique
de la Pédagogie, p. 128). Os "valores" possuem referentes menos específicos mas mais abrangentes
do que as atitudes, constituindo imperativos morais ou éticos. Uma pessoa possui "meia dúzia de
valores e centenas de atitudes", no dizer de Rokeach (citado por Shrigley, Koballa & Simpson, 1988).
Os valores são, essencialmente, finalidades de vida e são eles que estruturam os padrões de conduta
de uma qualquer pessoa.
82
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
"predisposição" e "aprendizagem". Na verdade, será que apresentamos
comportamentos consistentes, no pressuposto que eles são determinados
pelas atitudes? Isto é, será que na presença de um determinado estímulo
(atitude) apresentamos sempre a mesma resposta (comportamento). A
investigação diz que não. O problema da consistência, na opinião de
alguns autores (Ajzen & Fishbein, 1980) deve ser considerado, não de
forma correlacionai, mas sim de forma probabilística. Isto permitirá
resolver alguns dos problemas na relação atitude-compor-tamento. No
que toca à "predisposição", a controvérsia gira à volta da existência, ou
não, deste processo mediático entre a atitude e o comportamento. Não
sendo diretamente observável, alguns põem-no em causa enquanto que
outros o consideram essencial. Estão no primeiro caso os adeptos da
corrente do "behaviorismo" puro e no segundo, os adeptos da psicologia
cognitiva, onde o estudo dos processos de cognição, que não são
imediatamente observáveis, é considerado um procedimento válido e da
maior importância para a investigação científica. A controvérsia que se
levanta na aprendizagem das atitudes é a de saber que tipo de
aprendizagem é a mais eficaz, se a proveniente, de modo direto, de
processos experimentais e experienciais, se a de processos vicários. A
investigação não tem ainda, que conheçamos, resposta para esta questão.
Refira-se ainda, nesta breve nota, que as atitudes não existem
isoladas, mas sim em "famílias", pelo que a utilização do singular na sua
identificação deve ser entendido como um esforço de precisão, em vez de
um rigor terminológico.
Aplicações didáticas
O desenvolvimento de atitudes constitui um dos grandes objetivos
educacionais de todos os sistemas educativos das sociedades modernas.
Tratando-se de um conceito de ordem geral, as suas aplicações são
difíceis de concretizar quando se pensa em determinada disciplina. Tratase de um conteúdo transversal e transdisciplinar, por excelência, de
qualquer teoria do currículo. Para trabalhar atitudes, parece-nos muito
útil seguir a definição de Ajzen & Fishbein anteriormente referida, pois a
mesma tem-se revelado mais operacional de que as outras apresentadas.
Assim, identificado o objeto da atitude, é necessário assegurarmo-nos de
que o mesmo
HUMILDADE
83
constitui um referente social relevante para aquele que irá desenvolver a
atitude. Depois, há que identificar e limitar cuidadosamente o contexto no
qual o trabalho sobre a atitude se irá desenvolver. Há ainda que
inventariar os recursos (materiais e humanos) disponíveis para realizar
esse trabalho e, só depois, desenhar uma estratégia que tenha em
consideração, de forma clara, os comportamentos expectáveis e
socialmente aceites — que tragam um reconhecimento social positivo
para quem os apresenta — e a avaliação — que se quer positiva — desses
mesmos comportamentos, pelo sujeito. Isto significa, pois, que antes de
desenvolver qualquer ação com a finalidade de promover positivamente
uma determinada atitude, é necessário prepará-la com cuidado, em
conjunto com aqueles que irão ser o seu alvo. Assim, por exemplo, para
desenvolver uma atitude solidária para com os outros, para além dos
cuidados referidos inicialmente, será necessário debater com os sujeitos
que irão realizar a ação conducente ao desenvolvimento desta atitude —
contexto em que irá decorrer e recursos disponíveis — a expectativa e a
valorização social em relação ao objeto (solidariedade para com os
outros) mas também assegurarmo-nos de que cada um dos sujeitos faz
uma avaliação positiva dos comportamentos que as pessoas solidárias
podem apresentar, em vários contextos da vida.
84
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Atitude
Maria de Fátima Viegas Josgrilbert
"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda."
Paulo Freire
Como professora que sou, sempre busquei uma forma de tornar o
aluno cidadão. Entretanto, observo que em escolas os conhecimentos são
transmitidos mecanicamente, de forma fragmentada, interferindo na
criatividade e na espontaneidade dos alunos. Alguns professores querem
mudar, mas não sabem como, sentem-se inseguros, preferindo continuar
o mesmo trabalho rotineiro, no qual se sentem confiantes. Outros tentam
provocar rupturas nos modos convencionais de conceber e praticar a
educação.
A partir de uma palestra sobre interdisciplinaridade, proferida pela
profª Ivani Fazenda, obtive a certeza de como a mudança poderia ocorrer,
não exigindo materiais didáticos caros, mas uma nova postura do
professor: buscando na sua prática o que existe de positivo, observando-a
com os olhos atentos, sem medo de mudar, mas principalmente refletindo
sobre sua ação, superando-a e ousando buscar novas técnicas, que
transformem a sala de aula num espaço feliz, de trocas, de construção
individual e coletiva, de aprendizagem. A atitude interdisciplinar foi
vivenciada durante os encontros do grupo de pesquisa na PUC/SP.
Percebi que não havia encontrado uma fórmula mágica, mas caminhos
possíveis de transformação do processo educativo.
A mudança de atitude não representava inovação, pois me reportava
à Grécia clássica, século V a. C. Lembrei-me de duas situações
pedagógicas: Sócrates andava pelas praças de Atenas, gerando a dúvida
naqueles que o seguiam, propondo que usassem o raciocínio para chegar
à verdade,
HUMILDADE
85
buscando interiormente e incentivado pelo outro, o conhecimento; só pela
razão o homem poderia ser justo e praticar a virtude. Os sofistas,
contemporâneos de Sócrates, ensinavam a arte de discursar, um tipo de
sabedoria útil aos ideais da sociedade da época, pois contribuía para a
formação daqueles que pretendiam cargos importantes; ensinavam as
formas de expressão, por transmissão, por treinamento, a retórica para
convencer as pessoas.
"Interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de
ação" (Fazenda, 1999a: 28). Atitude significa "porte, jeito, postura,
comportamento, procedimento" (cf. Cunha, 1999) e podendo ser
considerada "um estado cuja essência é a satisfação ou a insatisfação
ativa com algo que se passa no mundo" (cf. Blackburn, 1997). Nesta
perspectiva, teria sido Sócrates o precursor da teoria interdisciplinar?
A atitude, que se articula com a prática interdisciplinar, exige que o
professor esteja sempre avaliando seu trabalho, verificando se está
adequado à realidade, se traz felicidade na relação professor-aluno e se
leva à aprendizagem significativa. Para mudar de atitude é preciso
conhecer melhor a proposta interdisciplinar, que transforma a velha
prática em nova pela reflexão, que leva a uma teoria que se interrelaciona com a prática, com uma prática que se relaciona com a vida,
com base na realização e no prazer.
Comumente, constatam-se propostas pedagógicas, que se dizem
interdisciplinares, apenas por integrarem disciplinas, às vezes de forma
confusa e superficial, sem a participação dos alunos que não
compreendem as relações propostas. Para que equívocos relativos à
interdisciplinaridade não continuem a persistir, torna-se indispensável
uma consistente fundamentação teórica. A integração deve ocorrer como
produto de uma aprendizagem completa, mais com pessoas do que com
conteúdos, como um processo interno de compreensão do que ocorre no
aprendiz, como uma abertura para novas oportunidades. A atitude do
professor é "de um mediador momentâneo (o educador), colocando em
prática as condições didáticas favoráveis às orientações de integração"
(Fazenda, (org.), 1998: 54).
A atitude interdisciplinar do professor deve ser construída pelo
autoconhecimento inicial, refletindo sobre a sua própria prática
educativa, procurando o significado para a sua vida e a de seus alunos,
tornando-a um
86
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
processo contínuo de construção de novos saberes, não abandonando as
suas práticas coerentes e consequentes, mas atualizando-as e
compartilhando-as com seus pares. O professor deve ser um provocador
de dúvidas, um incitador a reflexões e questionamentos, uma pessoa que
sabe o momento certo de interferir, mas que ao mesmo tempo aprende
com seus alunos.
A interdisciplinaridade é muito mais do que um conjunto de
disciplinas, é uma libertação de modelos predeterminados, é saber unir a
arte com a ciência, é saber usar a utilidade do tempo; é uma relação entre
pessoas, que começa a partir de um olhar, que pode gerar um momento
único de interação, um momento de aprendizagem. Professores e alunos
são sujeitos com histórias de vida e bagagens culturais diversas, que
vivenciam situações, por vezes, antagônicas. Este vínculo, necessário à
prática interdisciplinar, demanda um intenso e responsável trabalho
pedagógico.
Os primeiros contatos professor-aluno são de incertezas, sendo que
a cada dia vai se concretizando uma relação de confiança. A partir da
crença que o professor demonstra depositar na possibilidade de
crescimento do aluno, ocorre um desdobramento do olhar: o professor
passa a vê-lo como alguém comprometido, capaz, dando início a um
processo de apropriação do universo do aluno, de forma interativa. Esse
tipo de contato vai além daquilo que se espera, gera uma relação de força
recíproca na busca da aprendizagem, que transcende o momento vivido.
Uma atitude, construída com base na confiança mútua, significa a
concretização de uma relação dialógica e pressupõe os aspectos: a
parceria, a generosidade que leva à humildade, a dúvida, a espera, a
sintonia, o resgate da beleza de aprender e viver, a poesia, a
espiritualidade, o respeito ao outro, transformando a obrigação de
aprender em naturalidade, o medo frente ao novo na alegria de conhecer,
a submissão na liberdade, o ser passivo em agente do saber.
O professor necessita optar por uma atitude que conduza sua prática
e, consequentemente, a de seus alunos, a atos de reflexão, de criação, de
humildade frente ao conhecimento, de observação, de parceria, de
vontade de ir além, de criar, de ousar para ser feliz. Nas salas de aula
onde a atitude interdisciplinar acontece, novos caminhos de ensino e
pesquisa se abrem, fruto de uma prática que almeja a concretização da
cidadania.
E tudo isso pode começar apenas com um olhar...!
HUMILDADE
87
Afetividade
Diva Spezia Ranghetti
Sentir e viver a afetividade na educação, pela teoria da
interdisciplinaridade, suscita que nosso eu adentre a sala de aula, inteiro,
para desvelar, des-cobrir e sentir as manifestações presentes nas
interações, relações e reações que os sujeitos14 estabelecem/manifestam
na ação de educar. É ampliar o olhar e a escuta na tentativa de captar da
expressão/comunicação destes seres o revelar do seu eu, sua inquietude,
dificuldade e possibilidade que expressa na ação de aprender e de
ensinar. Uma ação consciente, partilhada e envolvente, visto que os
sujeitos devem se apresentar inteiros para que esta ação seja significativa
e com sentido à sua existência.
Foi com o olhar penetrante15 que tentei perceber a presença da
afetividade na sala de aula nas mais diferentes situações: no papel de
aluna e de professora nos diferentes níveis de ensino, bem como em
outras práticas já socializadas na literatura educacional. Assim, foi
possível desmaterializar o conceito de afetividade16 para torná-lo
habitável à sala de aula.
Das representações refletidas e analisadas, alguns pontos de luz
emergiram irradiando para uma prática educativa interdisciplinar, prática
esta impregnada de afetividade, visto que, na sala de aula em que a
interdisciplinaridade habita, vive-se o encontro.
Viver o encontro é descobrir-se a si mesmo para descobrir o outro,
é comunicar-se. É estabelecer uma parceria com vida, é estar em
sintonia, é envolver-se e deixar ser envolvido. É viver a própria
afetividade sendo
14. Utilizo-me do termo sujeito para referir-me tanto ao professor quanto aos alunos.
15. Conforme Neidson Rodrigues, o olhar penetrante é aquele olhar "capaz de transformar a
opacidade do mundo material em um mundo de transparente luminosidade"(1999: 44).
16. Pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação, na PUC/SP,1999, intitulada: O conceito
de afetividade numa educação interdisciplinar, orientada pela profª. dra. Ivani C. A. Fazenda.
88
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
presença, acolhendo o outro para um renascer com-junto em meio à
diversidade das singularidades. Neste sentido, vive-se uma experiência
pedagógica capaz de manter em sua gênese a rigorosidade requerida pela
ciência, porém temperada com a subjetividade dos atores e autores que
fazem parte do movimento (conhecimento) que os colocou em relação
(Ranghetti, 1999: 15).
Sentir-se bem no ambiente de aprendizagem, ser aceito e valorizado
como ser que pensa, sente, conhece, apresenta-se como o alicerce de uma
relação educativa em que a afetividade se faz presente. O eu com todas
as suas representações infere e é inferido por intermédio das
relações/interações que estabelecem na processualidade de fazer-se em
meio à coletividade. É a afetividade que desenha o grau de intensidade
que o nosso eu infere sobre o objeto a conhecer. Esta é "caracterizada por
suas composições energéticas, com cargas distribuídas sobre um objeto
ou um outro (cathexis) segundo as ligações positivas ou negativas"
(Piaget, 1983: 226). Portanto, a relação e a interação que se estabelece no
cenário da aprendizagem é locus de gravitação da energia que impulsiona
as ações.
Se atentarmos para a etimologia da palavra afetividade, percebemos
que sua raiz contempla movimento/ação. É composta de prefixo latino
affectivus (que exprime desejo), pela vogal i, e de sufixo latino dade
(ação, resultado de ação, qualidade, estado). Por sua vez, a palavra
affectivus é formada pela partícula ad + verbo fácere. A partícula ad
assimilado em af é indicativa de proximidade, intensidade. E o verbo
fazer (fácere) tem significado de ação de alguém junto a outrem, pela
força catalítica da presença constante, do trabalho persistente, alterando a
disposição de espírito, comovendo-o ou enervando-o (Alencar, 1961:
225-6).
Na educação, a afetividade desvela-se como um atributo de uma
prática interdisciplinar que se manifesta por meio do diálogo
intersubjetivo e intencional vivenciados pelos sujeitos no quadro
desenhado pelo movimento das cores que revestem as relações e as
interações destes no ato educativo. Ela é o pigmento que resulta das
interações entre os sujeitos, propiciando o brilho, a intensidade e a
aproximação nas relações que se estabelece (Ranghetti, 1999: 84).
Manifesta-se no acolhimento, na valorização da expressão, no
gesto, no olhar, na escuta, na sensibilidade em perceber o outro como um
ser diferente, entretanto, semelhante, por constituir-se como ponto de
referência para nossa própria composição. A afetividade diz da
disposição do ser
HUMILDADE
89
para com o outro, da abertura para perceber o outro, acolhê-lo para,
juntos, renascer, reconstruir, ser.
Na ação de educar a afetividade é o pigmento que regula a
intensidade e a profundidade das ações dos sujeitos no processo
educativo. Ela dá o brilho à relação pedagógica, desencadeando o
convívio da razão com a emoção num movimento com vida, do interior
para o exterior do ser e vice-versa. Viver a afetividade na educação é
propiciar um locus de magia e encantamento em meio à objetividade e a
racionalidade da ciência para que os sujeitos deste processo sintam-se
instigados a participar em com-junto no desvelar do desconhecido.
Destarte, a afetividade é afetar e ser afetado pelo outro, instigando
as energias e ativando nosso eu para a ação. Isto pressupõe humildade,
parceria, reciprocidade — princípios da teoria da interdisciplinaridade.
90
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Amor
João Viegas Fernandes
O Amor e a Ciência
O amor humano pode assumir dimensões espirituais/sobrenaturais,
sensíveis/espirituais, humanísticas, fraternais, paternais/maternais,
ambientais, sexuais/sensuais/eróticas e pode ser analisado no âmbito de
várias disciplinas científicas.
Do ponto de vista histórico, é de salientar que na antiguidade grega
Filos designava o amor, especificamente o amor da beleza, da
sensibilidade e do conhecimento intelectual, enquanto Eros estava
associado ao amor sexuado entre seres humanos.
Para Sócrates, o amor é o desejo da imortalidade, porque visa
apropriar-se perpetuamente do bem e conduz à criação.
Metafisicamente, o amor é considerado a orientação da vontade
para o bem geral.
Neste âmbito, saliente-se o pensamento de Paulo Freire "Gostaria
de ser lembrado como homem que amou os homens e as mulheres, os
pássaros, as árvores, as águas ... Enfim, o mundo".
Instituto Paulo Freire
Psicologicamente, é um sentimento agradável associado a um
objeto amado que é acompanhado de uma tendência para conseguir a
posse do mesmo.
Sociologicamente, Francesco Alberoni considera o enamoramento
como o estado nascente do movimento coletivo a dois que, quando tudo
corre bem, termina no amor. A paixão amorosa ateia-se quando um
verdadeiro amor se confronta com obstáculos tanto externos como
internos. Este autor, no livro Amo-te, salienta que, em regra, os estudos
sobre esta temática
HUMILDADE
91
têm, erradamente, considerado o enamoramento e o amor como fatos
psicológicos individuais "O modo correto de analisá-lo não é o da
psicologia individual, mas sim o da sociologia. Mais, e de forma
particular, da sociologia dos movimentos coletivos." O enamoramento
desenvolve a criatividade, a inteligência, a capacidade de enfrentar os
problemas concretos de forma adulta.
Literariamente, Roland Barthes, no livro Fragmentos de um
Discurso Amoroso refere "A linguagem é uma pele: esfrego a minha
linguagem contra o outro. É como se tivesse palavras de dedos ou dedos
na extremidade das minhas palavras. A minha linguagem treme de
desejo ... Falar apaixonadamente é gastar sem termo, sem crise; é
manter uma relação sem orgasmo. Existe talvez uma forma literária para
este coitus reservatus: é a afetação."
O Amor em Prosa
Quem ama acredita no impossível. Elizabeth Barret Browning
(1806-61)
Não há remédio para o amor, a não ser amar mais. Henry David
Thoreau (1817-62)
Não é o amor que faz girar o mundo. Mas é ele que faz valer a pena
que o mundo gire. Franklin P. Jones
O amor é a vida ... E se falharmos no amor, falhamos na vida. Leo
Buscaglia
Todo o tempo que não é passado a amar é tempo perdido. Tasso
(1544-95)
Aqueles que amam profundamente nunca envelhecem; podem
morrer de velhice, mas morrem sempre jovens. Sir Arthur Wing Pinero
(1855-1934)
Todos cometemos erros, é a vida. Mas nunca é completamente um
erro ter amado. Romain Rolland (1866-1944)
Na aritmética do amor, um mais um é igual a tudo e dois menos um
é igual a nada. Mignon Mclaughlin
92
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Aceita o amor quando ele te é dado, mas nunca penses que
encontras nele um refúgio seguro para o sofrimento ou um sossego
completo. Sara Teasdale (1884-1933)
O amor é a única resposta satisfatória para o problema da
existência humana. Erich Fromm (1900-80)
Quando o amor não é loucura, não é amor. Pedro Calderón de la
Barca in El mayor monstruo los celos
Por que é que ela o amou ? Não faças perguntas tolas! Será que o
amor humano depende da vontade humana? Lord Byron (1788-1824)
O prazer do amor está em amar, e uma pessoa sente-se mais feliz
com a paixão que sente do que com a paixão que suscita na outra
pessoa. Duc de la Rochefoucauld (1613-87)
O amor que damos é o único com que ficamos. Elbert Hubbard
(1856-1915)
A idade não nos protege do amor. Mas o amor, em certa medida,
protege-nos da idade. Jeanne Moreau, n. 1929
O Amor Visto por Poetas e Poetisas
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões
HUMILDADE
93
Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento E em
seu louvor hei de espalhar meu canto E rir
meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar
ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive) Que
não seja imortal, posto que é chama Mas que
seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
Soneto da Mulher ao Sol
Uma mulher ao sol — eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o polem da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol — eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
E em quem beba e em quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente — e se deixe a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir.
Vinicius de Moraes
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO; INTERDISCIPLINARIDADE
Urgentemente
É urgente o Amor.
É urgente um barco de Amor.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios,
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros
e a luz impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer.
Eugénio de Andrade
Amor
Seu olho insone,
Seu naufrágio.
Inocência de flor
E carne
Como um redondo
Inteiro molde,
Como concha,
Onde os dedos se gastam
Ao percutir.
Um faisão enjaulado,
Um tigre,
Fera dormindo ou
Pássaro,
Assim seu espaço claro,
Seu limite,
Sua espiral de silêncio
Seu borralho, sua
Cinza,
Seu ritmado tempo,
Seu compasso.
Myriam Fraga
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser ...
Álvaro de Campos — Fernando Pessoa
HUMILDADE
95
Amor
Mujer, yo hubiera sido tu hijo, por beberte
la leche de los senos como de un manantial,
por mirarte y sentirte a mi lado y tenerte
en la risa de oro y la voz de cristal.
Por sentirte en mis venas como Dios en los ríos
y adorarte en los tristes huesos de polvo y cal,
porque tu ser pasara sin pena al lado mío
y saliera en la estrofa — limpio de todo mal —.
Cómo sabría amarte, mujer, cómo sabría
amarte, amarte como nadie supo jamás!
Morir y todavía
amarte más.
Y todavía
amarte más y más.
Pablo Neruda
Homem que Sabe A/Mar
Homem que sabe a mar
Alga, sal, onda, movimento
Coral, búzio, sol, luar
Gaivota, barco, brisa, vento
Homem que sabe amar
Ternura, carícia, beijo, encantamento
Dar, receber, partilhar, desejar
Sonho, poesia, eros, deslumbramento
Homem que sabe a mar
Sabe amar mulher de sensível beleza
Cabelos de algas a baloiçar
Olhos côr do mar, de safira, de turqueza
Al Ornar — João Viegas Fernandes
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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.
Eu amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e não deixar de amar-te nunca:
por isso é que ainda te não amo.
Amo-te e não amo como se tivesse
nas minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino infortunado.
Este amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso amo-te quando não te amo
e por isso amo-te quando te amo.
Pablo Neruda
Amor
Quero um amor alucinado, depravado, tarado.
Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados.
Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante.
Quero você assim, abrasada, pedindo gozo,
Eriçada, ronronando feito gata, tesuda.
Seus seios túmidos, me furando o peito.
Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes.
Carne encravada na carne. Bocas coladas,
Babadas, meladas, sangrando sufocadas.
Quero amar você tão bichalmente que urremos.
Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa.
Nós dois fundidos, unidos, soldados.
Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros.
Darcy Ribeiro
HUMILDADE
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Amor!
De ter ver fiquei repeso,
em vez de ganhar, perdi;
quis prender-te, fiquei preso,
e não sei se te prendi.
Só desejo dar um beijo
no rosto de uma mulher,
se for maior o desejo
do que o beijo que eu lhe der.
Não sei se o amor existe.
Eu senti e tu sentiste
aquilo que raramente
se sente na nossa vida:
uma dor desconhecida
que torna f'liz quem a sente.
!Oh eterno amor, que, en tu inmortal carrera
das a los seres vida y movimiento,
con qué entusiasta admiración te siento,
aunque invisible, palpitar doquiera!
Esclava tuya la conciencia entera,
se estremece y anima con tu aliento,
y es tu grandeza tal, que el pensamiento
te proclamara Dios, si Dios no hubiera.
Los impalpables átomos combinas
con tu soplo magnético y fecundo:
tú creas, tú transformas, tú iluminas,
y en el cielo infinito, en el profundo
mar, en la tierra atónita dominas,
Amor, eterno Amor, alma del mundo.
António Aleixo
Gaspar Núñez de Arce
Chegou por fim a noite desejada
Em que pude ter a minha amada
— Para aquele que é enfermo da paixão
Só existe remédio na união —
Meu hálito despertou-lhe as rosas da face
E bebi da sua boca o néctar
Até que a minha sede se fartasse.
Ibn Sallãm (poeta árabe dos séculos X-XI, no Algarve)
98
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Amor a doer
Beijos.
Carícias.
Este infinito sentimento
no recíproco amor homem e mulher
para jamais nos esquecermos de vez
do amor dos amores mais amados
o amor chamado pátria!
Mordaças:
Palmatoadas.
Calabouços.
Anilhas de ferro nos tornozelos.
E no infinito amor a doer
também o infantil beijo dos filhos
a magoada ternura incansável da esposa
um cobertor grande e um pequeno para os quatro
e numa tábua despregada no chão
escondido o jornal a falar do Fidei.
E nem que nos caia em cima o argumento
de cigarro na boca e lúgubre revólver em cima da mesa
não mostraremos o papel guardado na tábua do soalho
ali a fazer do amor escondido
o futuro de um povo.
José Craveirinha
Gozo
Abre-te, amiga minha.
Abre-te à minha fala, só quero te seduzir.
Abre teus longos braços, só quero te abraçar.
Abre e umedece tua boca, quero muito te beijar.
Abre-te toda, minha amada, quero te penetrar.
Meu gozo é te fazer gozar.
Darcy Ribeiro
HUMILDADE
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Sobre um Poema de Amor
Dizer-te um poema de amor,
como os silêncios
em que as mãos dadas se comunicam,
gravar no granito das rochas
a paixão que grita
nos corpos acarinhados e unidos,
esculpir em letras de papel eterno
a grandeza muda do sorriso,
que se cruza só para nós no meio de muitos, é
amor
mas apenas feito sinais
e esboços
e momentos.
Nestes anos
não só sorrimos
e nos apertamos as mãos,
não só me recebeste
entregando-te,
e fomos um
porque isso sempre se faz,
e são esboços
e momentos
e repetições.
Amor
é a confiança,
e espera,
e no beijo
crescer a vontade do Partido
e entregarmos mais força à tarefa,
é sermos espada e bala combinadas
e a ternura
força que tudo desafia.
Sérgio Vieira
100
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
A Invenção do Amor
“…
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com caráter de urgência
…
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que exemplo frutifique. Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia
…
Fechem as escolas Sobretudo
protejam as crianças da contaminação
Uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o diretor da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente
dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado e
submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
…
Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas
..."
Daniel Filipe
HUMILDADE
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Totalidade
Ana Maria dos Reis Taino
Na travessia para o novo milênio, vivemos um tempo de
expectativas, perplexidade e de crise de concepções e paradigmas, ímpar
na história da humanidade. As ciências têm sido fundamentais nesse
processo, pois suas contribuições apontam para uma nova forma de
perceber o mundo e a vida.
Os homens, por sua vez, se sentem inseguros e desafiados diante da
exigência de aprendizagem constante, nessa nova sociedade do
conhecimento e da globalização, em permanente mudança.
Por outro lado, o conhecimento, baseado no princípio da separação,
sem a preocupação com a integração, continuidade e totalidade dos
fenômenos naturais e sociais, continua valorizando uma educação voltada
apenas para a memorização, repetição, com ênfase no conteúdo e no
produto, em detrimento de processos interativos para a construção do
conhecimento.
Essa valorização das partes, onde cada uma é essencialmente
independente e existente por si mesma e que levou à fragmentação, é
resultante do pensamento analítico que faz essa redução do todo em
partes isoladas para facilitar a compreensão. Esse paradigma cartesiano
vem sendo superado pelo paradigma da sociedade do conhecimento que
propõe a totalidade.
Mas, independente desse contexto, o ser humano sempre buscou a
totalidade — mental, física, social, individual —, inclusive porque nas
primeiras fases do desenvolvimento da civilização tinha concepções
essencialmente de totalidade.
Mas o que é totalidade? Essa questão tem sido motivo de
preocupações constantes. Alguns autores colocam que antes de se tornar
conceito filosófico por excelência, a totalidade constituía nostalgias que
se
102
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
revelavam nos mitos e nas crenças e se enalteciam nos ritos e nas técnicas
místicas. Apontada como mistério e integrante do drama humano, é
expressa em todos os níveis da vida cultural. Por outro lado Bohm (1999:
9) diz que "essa questão já foi, em sua essência, levantada
filosoficamente há mais de dois mil anos nos paradoxos de Zenão", sem
que se tenha até agora uma solução satisfatória para esse mistério que
fascina os homens.
Estudando o próprio vocábulo totalidade encontramos no
Dicionário Aurélio (1975: 1392) o significado de soma ou conjunto das
partes que constituem um todo. Abbagnano (1998: 1145) em totalid (do
latim universitas; do inglês totalit; do francês totalité; do alemão totalität
e do italiano totalità) aborda esta palavra como um todo, completo em
suas partes e perfeito em sua ordem. No Dicionário Michaelis (1975: online) é registrado como confluência ou conjunto de diversas partes na
formação de um todo. Por sua vez, Japiassu (1996: 261), em um sentido
genérico, coloca a totalidade como o conjunto de elementos que formam
um todo, uma unidade.
Nestas definições percebemos como traço marcante a união das
partes num todo, com destaque para a ordem e a perfeição, quando
deveríamos nos preparar para um pensamento flexível, aberto e integrado
por intermédio do processo dialógico de pensar ao mesmo tempo, e de
forma coerente, as ideias aparentemente contraditórias e antagônicas.
Kant, ao retomar o termo categoria utilizado anteriormente por
Aristóteles, para fazer as afirmações sobre o ser, propôs categorias em
relação ao conhecimento a partir de quatro pontos de vista: da
quantidade, da qualidade, da relação e da modalidade.
Na filosofia kantiana, totalidade é "uma das doze categorias do
entendimento e uma das categorias da quantidade, realizando a síntese da
unidade e da pluralidade e tornando possíveis os juízos singulares. A
totalidade não é outra coisa senão a pluralidade considerada como
unidade" (Japiassu, 1996: 261). Sua inclusão como categoria de
quantidade revela, entretanto, uma limitação, ao pensarmos que o
conhecimento pode ser medido e é finito.
Mas se a ênfase for no processo de totalização, enquanto
movimento de superação que busca a multiplicidade, as diferenças, as
variações, que apesar de serem expressões diversas do mesmo processo,
jamais deverão ser unificadas, e sim entendidas como um todo coerente,
harmonioso e
HUMILDADE
103
aberto, "alimentado por um contínuo fluxo de matéria e energia do seu
meio ambiente" como acredita Ludwig von Bertalanffy (apud Capra,
1996: 54-5), que na década de 40 deu o primeiro passo na explicação da
ciência geral de totalidade.
Por isto, a pluralidade, integrante da mesma categoria da
quantidade, ao ser entendida como multiplicidade e diversidade é como
uma polifonia, "onde os sons no processo de composição musical se
casam em várias melodias, que se desenvolvem independentemente, mas
dentro da mesma tonalidade" (Dicionário Universal da Língua
Portuguesa, on-line).
Destacando o papel humanista do conhecimento e da ciência, na
década de 70 a interdisciplinaridade, elegeu a totalidade como categoria
de discussão por intermédio da máxima: conhecer a si mesmo é conhecer
em totalidade (Fazenda, 1994: 19). A partir da seguinte proposição de
Sócrates, "a totalidade só é possível pela busca da interioridade. Quanto
mais se interioriza, mais certezas vai se adquirindo da ignorância, da
limitação, da provisoriedade" (idem: 15), que gera dúvidas e conduz ao
conhecimento de si mesmo e ao conhecimento da totalidade.
Nesse sentido, Ivani Fazenda vem abrindo caminhos, ao propor um
olhar rigoroso e uma atitude interdisciplinar para conhecer mais e melhor,
dialogar entre certeza e incerteza, aceitando com alegria o desafio perante
o novo e a recuperação da magia das práticas pedagógicas. Esta
perspectiva interdisciplinar exige uma atitude inovadora, no sentido de
garantir um pensamento globalizante, integrado e coerente. Amplia-se
assim a visão geral de mundo que, de acordo com Bohm (1999: 11), "é
crucial para a ordem global da própria mente humana. Se o homem
pensar a totalidade como constituída de fragmentos independentes, então
é assim que sua mente tenderá a operar. Mas se ele consegue incluir tudo,
coerente e harmoniosamente, num todo global indiviso, ininterrupto e
ilimitado (pois todo limite é uma divisão ou ruptura), então sua mente
tenderá a mover-se de modo semelhante, e disto fluirá uma ação
ordenada dentro do todo".
Emoções, atividades físicas, relações humanas, organizações sociais
também são fundamentais, nesse contexto de ampliação da visão de
mundo.
A capacidade de trabalhar com esta nova complexidade, com as
incertezas e dúvidas, aponta para o exercício da ambiguidade. Angústias,
equívocos e antagonismos são percebidos como sinais que estimularão,
104
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
por meio da reflexão, do diálogo e da troca, a percepção da totalidade,
ainda que inacabada e provisória. Essa possibilidade de atribuição de dois
ou mais sentidos às diferentes situações enriquece a prática, pois permite
o surgimento de ideias inéditas e diferentes, numa valorização dos
aspectos humanos.
Portanto, pensar interdisciplinarmente por intermédio da
ambiguidade é se despojar de suas inseguranças, aceitando-se como ser
humano imperfeito, mas capaz de autocrítica, de aceitação de seus limites
e de superação de uma prática pedagógica restrita, a favor de uma prática
pedagógica interdisciplinar, que permitirá a construção de um novo
modelo de escola, mais preocupado com a diversidade cultural, religiosa
e racial, com as diferenças individuais e com a ampliação das
potencialidades humanas para outros campos do conhecimento que não
apenas o racional, como nos ensina Fazenda (1994: 28).
Ressaltamos ainda a necessidade de se manter bem firme suas raízes
na realidade, captada por um olhar de totalidade, que, favorecendo a
discussão coletiva, a troca de experiências e de energia, permita a
investigação e o desabrochar de práticas capazes de superar o
individualismo, a desesperança e os desencontros provocados pela escola
positivista e pelo olhar unidirecionado.
ESPERA
107
Espera
Fabio Cascino
ESPERAR — aguardar, confiar, ter esperança (Dicionário
Etimológico Nova Fronteira).
ESPERA — 1. Ato de esperar. 2. Esperança. 3. Demora, dilatação.
4. Adiamento (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis).
ASPETTARE — Avere l'animo preparato all'arrivo di qualunque o
al compiersi di qualque avvenimento17 (Il Nuovo Dizionario Italiano
Garzanti).
ESPERAR — Esperança, demora, dilatação, adiamento, provável,
previsto, "esperar para ver o que acontece", ato relativo ao aguardar,
permanecer na expectativa, atenção ao tempo que corre/escorre. É
adiamento, atraso, demora; mas é também maturação, crescimento lento,
ordenado, pacífico; é condição para que o fruto torne-se fruto saboroso e
colorido, tempo natural da constituição do ser que cresce e conhece.
Quem espera sempre alcança!
ESPERAR, tratamento temporal... algo está para ocorrer, para o
bem ou para o mal, desatando-se em conquista ou perda, revelando a
condição humana de temporalidades inescapáveis; é com o tempo que se
amadurece, que se cria, que se sofre e que se aprende a sofrer e a
esquecer a dor; o tempo da espera é um tempo constante no viver.
ESPERA-SE para nascer — a gravidez —; ESPERA-SE, desde o
nascimento, o instante da morte. A morte, como instante, é processo
complexo, sistêmico, vivido e aguardado desde o nascimento.
Muitos são os autores que falam, e pensam, sobre a questão da
ESPERA. Tema infinito para românticos de todos os tempos, a ESPERA
é
17. "Ter disposição, estar preparado para a chegada de alguém ou para a ocorrência de algum
acontecimento."
108
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
tratada por Roland Barthes em seu Fragmentos de um discurso amoroso.
Ele esclarece que a ESPERA para todo amante, para todo ser apaixonado,
é um tema conturbado, ambíguo.
O ser que ama ESPERA porque quer ver, quer tocar, quer receber e
adora esse tempo, que também é um tempo de maturação, de crescimento
e aprofundamento do próprio amor vivido. Ao mesmo tempo, há ódio,
dor, angústia; ESPERAR é sofrer, aguardar, viver incerteza, dúvida.
"Será que ele/ela virá?". "Por que ele/ela me faz esperar por este
telefonema/encontro/olhar?"
O tempo da ESPERA é um tempo paradoxal: exatamente no
instante onde se quer/impõe (imposição moral) movimento, a parada; o
não-movimento coloca em questão o próprio movimento e estabelece um
tempo de risco, de dúvida, de questionamento. O tempo de assumir o
paradoxo, de duvidar do fazer e do pensar em uma direção; e as demais
direções, desde sempre coexistentes, como se afirmam? Elas se afirmam
simultaneamente?
O jogo da ESPERA, que comporta múltiplos protomovimentos, os
quais condicionam todos os movimentos, é um jogo complexo,
multidirecionado, impondo múltiplos olhares, múltiplas atenções,
múltiplos repertórios. Em G. Deleuze — Lógica do sentido (2000),
encontramos uma fabulosa formulação dessa concepção de
temporalidades multiformes, paradoxais, tempos de desregramento dos
tempos morais, unidirecionais.
O tempo da natureza, o tempo da maturação das árvores, das
florestas, da vida animal, do movimento das placas tectônicas, o tempo
das transformações das neves e do gelo dos pólos, o tempo do
movimento dos astros, da constituição do petróleo e da depuração da
água, da descida de um rio, o tempo da vida na Terra e no Universo é um
tempo de ESPERA.
Será no sentido de advertir o ser humano sobre sua ignorante vontade/"necessidade" de produzir outros tempos, outras velocidades na
produção e no consumo de bens, de produzir os tempos da modernidade,
que afirmará: "A sociedade humana não viola impunemente os ciclos
naturais de renovação e morte".
O tempo da ESPERA também é um tempo de leveza. Requer
paciência e sabedoria, porque é um tempo de maturidade. Assim,
remetemo-nos para um tempo ZEN, um tempo sábio, que contempla,
reflete, pondera.
ESPERA
109
absorve diferenças, incorpora ritmos, que assume posturas sem
desrespeitar. É o tempo buscado pelo Arqueiro ZEN. Respira, concentra,
tenciona, relaxa; tudo a seu tempo, confiante em um preciso tempo que
amadurece frente a longa ESPERA. É um tempo de colheita de saborosos
frutos.
Na educação, ESPERAR é uma constante. O professor, a professora
sabe, não importa o grau de especialização ou o nível de ensino, que o
aluno, a aluna, precisa de tempo, tempo de ESPERA/amadurecimento
para introjetar conhecimentos, torná-los seus, fazendo uso adequado
daquilo que se ensinou, tornando-o parte integrante de seu cotidiano e de
seus projetos de vida.
A vida, do nascimento à morte: inevitabilidade, condicionada ao
aguardar, o previsto, pura ESPERA.
Emblema do cotidiano, metáfora a iluminar toda a existência,
denúncia do padrão que une; ritmo. Passo a passo, compasso, a distensão
do tempo, o alargamento do instante, a redefinição do tempo, o
engendramento do possível: ESPERA.
Gravidez — longo ou curto esperar? Maturação: ação de crescer o
suficiente e necessário para sair, ex-por-se. Sair ao mundo, abandonando
um/o canto, para falar/gritar/chorar. Hora do anúncio; síntese de amores e
dores e prazos e angústias e felicidades! Quem engravida gera vida,
movimento, transformação. O novo, a novidade, longamente anunciada
— mas só conhecida quando colocada para fora.
110
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Movimento
Vitória Kachar
A sala de aula interdisciplinar tem um movimento singular de
manifestar suas intenções e desenrolar seus objetivos no decorrer dos
encontros. O movimento de construção do dicionário percorreu novos e
conhecidos caminhos.
Buscar palavras para expressar o aproveitamento das aulas/encontro
sobre interdisciplinaridade da profª Ivani Fazenda,18 geram o receio de
reduzir e fragmentar as circunstâncias afloradas na prática pedagógica
interdisciplinar. Na tentativa de descrever e relatar, com palavras,
momentos transcorridos em outro tempo e espaço, deparo-me com a
dificuldade de apresentar o cenário ocorrido.
Dirigir o olhar para a sala é atitude do professor/pesquisador para
captar as minúcias e variáveis presentes, intervindo em todo o processo.
Como aluna/educadora, estabeleci uma reflexão pelo canal do diálogo
com o momento vivido e extraí dele questionamentos singulares, para
ampliar o horizonte de pensamento e prática educacional.
Percebi, no movimento das aulas e nos diálogos que se estabeleciam
na sala e se estendiam no café, almoço, telefonemas e até por meio de emails, que aprender sobre interdisciplinaridade pressupõe vivência e
reflexão. Como discutir interdisciplinaridade racional e objetivamente,
sem que haja uma implicação do sujeito na realidade interdisciplinar?
Como discutir teoricamente sobre a importância da visão integrada e de
totalidade do conhecimento, a partir de uma postura fragmentária? Como
trabalhar no território da interdisciplinaridade sem considerar a
necessidade da disciplina?
A disciplina nas aulas/encontros concretizou-se na proposta e
produção individual de textos para compor a rede intrincada de
categorias e
18. Disciplina no pós-graduação em Educação: Currículo da PUC-SP.
ESPERA
111
princípios da interdisciplinaridade. Cada aluno trouxe da sua área uma
categoria que identificava como parte da investigação em
interdisciplinaridade. E, no decorrer das aulas, foi desenrolando o fio
condutor da sua análise e ligando-o com sua tese. Cada um tinha a sua
pergunta e tentava, por esse período, aprender a perguntá-la. Como se a
busca da resposta lapidasse a pergunta e a tornasse cada vez mais
transparente e ela em si já apontasse a direção do seu aprofundamento.
No desenvolvimento do texto, a ação da disciplina de escrever/ler,
reescrever/reler, buscando constantemente mais subsídios teóricos.
Interlocução não só com os teóricos, mas com os colegas de sala,
partilhando conhecimento e compartilhando descobertas. A troca, a
cooperação e a parceria se fizeram entre os integrantes, o que
possibilitou o amadurecimento da escrita e do pensar educacional, o
desvelamento do pesquisador/ autor. Este, adormecido, ainda primitivo,
escondido em cada um, por temores e inseguranças gerados pela crítica e
autocrítica ou pela falta de um exercício maior, de ler e escrever, para
amadurecer a sabedoria do olhar, do próprio pensar.
O exercício de escrever e reescrever teve um trajeto que incluiu
momentos de luz/sombra, quando olhos brilhavam com as novas
descobertas, alternando-se com olhos fatigados pelas noites permeadas
pela dúvida. O conflito se instalava em cada um e no grupo, entre os
velhos padrões e a projeção de novas ideias, instaurando o rompimento
com antigos paradigmas na busca de um novo equilíbrio.
O processo vivido individual e coletivamente possibilitou o
nascimento do autor e da autoria. Textos, antes fragmentados, repletos de
citações, referências teóricas e da produção do outro, passaram a
identificar o pensamento do autor, que estava destravando sua escrita e
pensar, mais confiante e saboreando sua própria descoberta e a
descoberta de si mesmo.
A disciplina de escrever e reescrever possibilitou a depuração e a
elaboração para cada um descobrir-se e descobrir o traço da sua escrita.
Categorias como parceria, cumplicidade e espera vigiada
propiciaram a composição da situação onde a confiança foi fundamental
na relação e no expor-se na sala de aula. O vínculo foi, gradativamente,
se fazendo. Às vezes, grupos pequenos como ilhas se apresentavam para
possibilitar que a rede se articulasse e circulasse o conhecimento,
compondo um arquipélago de saberes.
112
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Nessa orquestração, a educadora, a docente, se fazia presente,
mesmo em alguns períodos da sua ausência, criando um espaço e um
grupo propício para o surgimento desse novo lugar.
Indago: que presença, muitas vezes, cobramos, ou que ausências
denunciamos?
O grupo se dispunha ao diálogo, a partir do referencial teórico de
diferentes áreas, já que cada um trazia o seu. O que, inicialmente, parecia
impossível aconteceu: o estabelecimento de uma unidade considerando as
divergências e diferenças.
A ambiguidade por mim vivida e representada na metáfora de
Veneza e seus contrastes também foi transpirada, durante aulas, pela
colega Cristina, na tentativa de mergulhar e aprofundar esse conceito.
Os colegas, descobrindo-se autores, traziam seus recortes, suas
leituras, submetiam ao olhar e questionamento do grupo, remetendo este
a um outro olhar, outros territórios, outras paisagens.
Convivíamos com a disciplinaridade que instigava o mergulho no
conceito, verticalizando-o, e abríamos e alargávamos o conceito,
articulando-o e contextualizando-o na trama da interdisciplinaridade.
Muitas questões foram apontadas. A Vera, persistentemente,
anunciou a importância do professor como modelo/mito, não como
referencial ou padrão a ser reproduzido, mas como inspirador da criação
e desenvolvimento da identidade de cada um.
Fomos alertados pela Miriam para não descuidarmos da
corporeidade, do corpo presente, consciente, flexível, que, articulado
com a mente, promove conhecimento e vida.
A humildade na imagem criada pelo Ricardo e interessantemente
complementada pela Margareth, foi reapresentada no conto do pássaro
lido pelo Cláudio. As categorias se desdobravam nas várias propostas e,
complementando-se entre si.
Participaram desse banquete teorias, metáforas, contos, histórias, às
vezes brincadeiras, para dar leveza ao ambiente, que de vez em quando
pesava de tanta fermentação.
A cada aula os colegas nos surpreendiam. A Beatriz desvelou, para
nós e para si, o potencial de escrita travado na tentativa de
enquadramento
ESPERA
113
acadêmico a que nos submetemos e pelo qual somos expropriados, até
nos assegurarmos da nossa prontidão para escrever nossas próprias
ideias. São anos de prática e leitura que emergem mediante a construção
singular, em busca da criação e da não-reprodução, onde o eu é fruto de
nós, outros.
O rigor metodológico permeava a pesquisa disciplinar dos textos e a
reescrita interminável. O Élio chegou a redigir inúmeras versões do seu
texto sobre trabalho. O Fábio trazia o referencial filosófico para
responder às ansiedades do grupo advindas das dúvidas e
questionamentos.
No movimento disciplinar e interdisciplinar, as pessoas foram se
mostrando e desvelando o potencial adormecido. A mudança se fazia no
discurso e na produção escrita, recurso eficiente de reflexão, instrumento
que possibilitou o surgimento do autor, do texto e sua gestação. Não
qualquer texto, mas o que fosse significativo, surgido do desejo de
desdobrar e querer compreender mais e além.
A mudança perfazia caminhos de construção e desconstrução,
projetando a transformação do pesquisador/autor.
Quanto à comunicação/linguagem, a Valéria me cochichou a
importância de nos calarmos para dar voz ao outro e, assim, ocupar um
espaço nesse intercâmbio. Comunicar é dizer no silêncio, por gestos e
olhares. Comunicar é ouvir, o que remete ao aperfeiçoamento da escuta
sensível e a possibilidade do diálogo verdadeiro e fértil.
Essas são algumas situações que transcorreram nas aulas, mediante
um recorte — o meu olhar. Observei uma necessidade de refletir e
expressar em palavras momentos significativos de interlocução com
pares e apresentar o movimento interdisciplinar.
Vislumbrei, no delineamento dessa sala de aula, a coerência entre
investigar interdisciplinaridade e ser interdisciplinar. Conjugação de ação
e pensamento. Não é possível compreender interdisciplinaridade sem
vivê-la e refletir sobre si como pessoa, educador e pesquisador que se é e
se está sendo.
A vivência produz transformações em cada sujeito que sofre o
processo, comprometido com o aperfeiçoamento da sua prática e
conhecimento teórico. No caso relatado, o desvelamento do autor
completa a pessoa do pesquisador. As diferentes faces de o sujeito ser e
estar na
114
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
educação, que se articulam, promovera vitalidade e novos horizontes no
ambiente educacional.
A sala de aula pode se tornar um espaço/laboratório de investigação
por meio de encontros, consigo próprio e com o outro, não só teóricos,
mas com os construtores de teoria, quando os colegas juntos, em parceria,
gestam teses e vidas. Um ambiente fértil, com um modelo inspirador, a
professora Ivani Fazenda.
ESPERA
115
Memória
Maria Célia Barros Virgolino Pinto
Do latim memoria, faculdade de reter as ideias, impressões e
conhecimentos adquiridos anteriormente (Ferreira, 1986).
São vários os autores que escrevem sobre a questão da memória, em
muitas áreas do conhecimento, em várias dimensões e em diferentes
épocas, ampliando o conceito de memória comumente usado apenas
como lembrança do passado que permanece em algum lugar da
consciência.
Na Antiguidade grega, Aristóteles e Platão utilizam os termos
conservação de sensações (Abbagnano, 1998: 657). Ainda em Aristóteles
encontramos memória como marca na alma, como um quadro que pode
ser considerado por si ou pelo objeto que representa. Os gregos haviam
sacralizado a memória na figura de Mnemósine, irmã de Cronos e de
Okeanós, mãe das musas Meleti (exercício), Mineme (memória) e Aoidé
(canto). Mnemósine é deusa titã, protetora dos poetas. Erigida senhora do
tempo, a memória constituía entre eles a chave de todo o conhecimento e,
por conseguinte, a fonte da humanização. Possuída por Mnemósine, o
poeta moldava a sociedade grega, recitando infindavelmente a genealogia
dos deuses e dos homens, celebrando a proveniência dos povos ou
solicitando-lhes a etimologia das palavras. "Pronuncia teus oráculos, ó
Musa, e eu serei teu profeta" (Platão apud Kenski, 1995: 141). O poeta se
vê, assim, não diante de um quadro limpo e vazio de emoções, mas como
se estivesse no próprio palco dos acontecimentos (Besnier, 1999: 55).
Desta forma, a memória apareceu como o cimento do edifício social, a
condição do vínculo geracional, bem como o fiador da continuidade do
mundo dos vivos e dos mortos. Nem aliança, nem unidade sem ela.
Afastando-nos um pouco da mitologia grega, encontramos em
Morin (1986: 153) que a memória não deve ser a permanência
alucinatória do
116
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
passado. É por meio dela que podemos fazer com que os dados e a
lembrança do passado intervenham na percepção do presente. Está na
reabordagem do passado, na e pela experiência do presente, na
abordagem do presente, na e pela experiência do passado. Ela está no
circuito ininterrupto de inter-relações passado-presente. Assim,
descobrimos uma brecha no passado, a que corresponde uma brecha no
presente: o conhecimento do presente necessita do conhecimento do
passado, que necessita do conhecimento do presente.
Segundo Kenski (1994:48), uma das principais e mais bonitas
características da memória é sua atemporalidade. A memória é histórica
na medida em que a recuperação das vivências não é feita de forma
cronológica linear, mas sim mediante a mistura de acontecimentos que
ocorreram em diferentes momentos do passado. A lógica das lembranças
é a da emoção: momentos em que o sujeito deixa que as lembranças
tenham voz e vão além dela, por meio de manifestações corporais, gestos,
expressões faciais, do comportamento emocionado, do choro, do riso, do
movimento do corpo.
A memória tem papel fundamental na construção da identidade e da
consciência do indivíduo. Esta importância nos é mostrada por certos
autores como Damásio, ao abordar o tema amnésia global transitória que
acontece com uma pessoa inteiramente normal que de repente é privada
dos registros que foram recentemente acrescentados à memória
autobiográfica. Considerando que nossa memória do aqui e agora
também inclui memórias dos eventos que constantemente antevemos —
memórias do futuro —, então uma pessoa acometida pela amnésia
também não tem disponível nenhuma lembrança relacionada aos planos
feitos para os minutos, horas ou dias subsequentes. É muito comum que o
paciente afetado não tenha a mínima ideia do que o futuro possa lhe
reservar, ficando, portanto, privada de sua procedência histórica e de seu
futuro pessoal.
Hoje a modernidade, além de ser definida como experiência de
convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, é uma forma
altamente reflexiva de vida, na qual a memória ocupa um papel
fundamental no momento em que as práticas sociais são constantemente
examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas
próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter.
Na abordagem interdisciplinar, utilizamos a memória como recurso
fundamental. Dupla forma de memória: memória registro, escrita e feita
ESPERA
117
em livros, artigos, resenhas, anotações de aula, resumos de cursos e
palestras; e a memória vivida e refeita no diálogo (Fazenda, 1994: 83).
Experiências vividas podem gerar novas perspectivas subjacentes do
exercício interdisciplinar que capta delas o movimento dialético e
contraditório que ensejam.
Memória que tece lembranças, que mescla o passado, revê o curso
do presente e que pode inspirar o futuro. Este movimento dialético, que é
exercitar a memória numa prática docente substantivamente
interdisciplinar, torna-se importante na medida em que a análise das
marcas do passado serve para compreender diferentes práticas vividas.
Assim, esse movimento estimula a pensar a renovação das escolas.
O estudo das relações entre memória e prática docente, numa
perspectiva interdisciplinar, é fundamental porque, por intermédio deste
recurso — memória —, uma versão de um passado concretamente vivido
serve para ser refletido, discutido e analisado.
Recriando sua prática, o professor aceita o novo não só por ser
novo, mas porque traz embutido vozes e traços do velho. "O velho que
preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma
presença no tempo continua novo" (Freire, 1997: 39).
Minha memória escureceu
Clareei, mudei o tom
118
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Depurar
José Armando Valente
Depurar é a tradução aproximada do termo debugging, que surgiu
originalmente na área de programação de computadores. Debugging é o
processo pelo qual um programador detecta e corrige erros em um
programa de computador. Essa terminologia usa a metáfora de ver o erro
como um bug — um pequeno inseto que atrapalha e incomoda — e
debugging é o ato de eliminar o inseto.
A utilização do conceito de debugging na educação foi feita por
Papert (1980), que viu a programação de computadores como uma
oportunidade de aprendizagem. Programar o computador pode ser visto
tal qual uma forma de representar o raciocínio de como se resolve
determinado problema por meio de uma linguagem precisa. Este
programa, ou este raciocínio expresso pela linguagem de programação, é
executado por intermédio do computador, e o resultado indicará a
existência de bugs ou não. Se for obtido o resultado desejado, o programa
pode estar isento de bugs; caso contrário eles estão presentes e devem ser
eliminados. No entanto, o ato de eliminar o bug demanda entender o que
se passa com o programa, ou seja, com os conceitos e com as estratégias
utilizadas. Achar e eliminar bugs permite a construção de patamares mais
elaborados do raciocínio e, portanto, do pensamento. É a oportunidade de
aprender, de compreender melhor o que o aprendiz achava que sabia.
Depurar tem sido usado na área de informática na educação como
uma oportunidade para tornar mais claro o processo de pensar e realizar
tarefas por intermédio do computador. Depurar é parte de um ciclo de
aprendizagem, que se inicia com que o aprendiz é capaz de fazer naquele
momento e, por meio de sucessivas depurações, poder atingir graus de
compreensão cada vez mais elaborados que o levarão à aprendizagem
(Valente, 1999).
O ato de depurar pode funcionar fora do âmbito da programação e
ser incorporado em qualquer atividade humana. Os japoneses usam o
termo
ESPERA
119
kaizen para se referir à melhora contínua, o aprimoramento constante das
condições de trabalho, das operações realizadas, visando eliminar
desperdícios e aumentar a produtividade (Imai, 1990). Esta melhora
contínua acaba levando os funcionários a criarem novos procedimentos
para realizar tarefas, tornando-se a fonte de geração de conhecimento.
Este princípio não se aplica somente à produção, mas é usado em todas as
esferas de vida do sujeito.
A depuração, portanto, pode ser vista como o motor da
aprendizagem, passível de ser aplicada em qualquer circunstância ou
domínio. Ela autoriza o aprendiz a ser ousado e a não ter medo de
produzir algo imperfeito. O sujeito deve estar consciente de que pode
utilizar os conhecimentos de que já dispõe para resolver uma tarefa e, se
não for bem-sucedido, poderá depurá-los, adquirindo, com isso, novos
conhecimentos.
A depuração introduz no processo de aprendizagem e, por extensão,
na vida, a sabedoria de ver o erro como um bug, eliminando a conotação
negativa e punitiva que tradicionalmente se atribui a algo que não está
perfeito. Este modo de conceber o erro minimiza a severidade e introduz
a tolerância com as coisas que não funcionam. Ninguém erra porque quer,
porém pode-se cometer deslizes, pode-se introduzir bugs nas atividades
que se realiza. A depuração também permite o exercício da paciência, já
que é humanamente impossível produzir algo perfeito na primeira
tentativa. Os bugs estão sempre presentes, mesmo quando se está
imbuído das melhores intenções. Porém, tudo é passível de ser melhorado
continuamente. Por fim, a depuração proporciona um importante
princípio de aprendizagem e de vida, já que viver pode ser visto como um
contínuo processo de depurar ideias e ações realizadas.
120
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Ação
Luiz Carlos Pereira de Souza
Ação é a manifestação de uma força, de uma energia; é a
capacidade de agir ou praticar; poder de fazer alguma coisa; assumir
atitude ativa... A ação é intrínseca às demais categorias da
interdisciplinaridade, estando presente na construção de uma teoria, em
novos rumos dados à mesma e no exercício prático de seus conceitos.
Interdisciplinaridade compreende a busca constante de novos
caminhos, outras realidades, novos desafios, a ousadia da busca e do
construir. É ir além da mera observação, mesmo que as realidades do
cotidiano teimem em nos colocar perplexos e inseguros diante do
desconhecido ou estimulando a indiferença para evitar maiores
compromissos.
Segundo Fazenda (1998: 13): "Um olhar interdisciplinar atento
recupera a magia das práticas, a essência de seus movimentos, (...).
Exercitar uma forma interdisciplinar de teorizar e praticar educação
demanda, antes de mais nada, o exercício de uma atitude ambígua."
No sentido místico, não há outra ação a não ser a espiritual, dirigida
para evolução e salvação, pois toda outra forma de dinamismo não é mais
que agitação, e não ação verdadeira. Olhar ou simplesmente ver
identifica-se com conhecer (saber e possuir). O olhar é como os dentes, a
barreira defensiva do indivíduo contra o mundo circundante; as torres e a
muralha da "cidade interior". Wagner, em Tristão e Isolda, destaca que o
olhar é um ato de reconhecimento, de equação (ver) e de comunicação
absoluta (Cirlot, 1984).
A reflexão sobre o cotidiano social, realidades que convergem e
divergem concomitantemente umas das outras, resgate de história de
vida, ética e profissionalismo, deve motivar-nos a ações práticas junto às
comunidades que nos cercam.
A atitude interdisciplinar leva-nos a ações práticas; somos levados a
romper, a todo momento, com padrões convencionais, construir
ESPERA
121
desconstruindo e apresentar alternativas, que não precisam nem devem
ter caráter definitivo, mas que contribuam para amenizar os sofrimentos
daqueles que lutam tenazmente como sujeitos ativos e proativos para não
serem segregados em meras análises por dados estatísticos como objetos
inoperantes.
A fundamentação teórica deve resultar em contribuição prática, não
restrita ao discurso, pois a atitude interdisciplinar aponta para a
necessidade de um desvelamento, evitando-se a visão mecanicista de
quem aceita conclusões a partir de fragmentos.
Segundo Fazenda (1994:13), "é impossível a construção de uma
única absoluta e geral Teoria da Interdisciplinaridade, mas é necessária a
busca do tema ou do desvelamento do percurso teórico pessoal de cada
pesquisador que se aventurou a tratar de questões desse tema".
122
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Trabalho
Élio Vieira
Trabalho. Na interdisciplinaridade o trabalho situa-se na categoria
ação; não uma ação qualquer, mas uma ação intencional, comprometida e
direcionada a determinado fim, objetivando a transformação, o
aperfeiçoamento social e/ou educacional. O trabalho traz, na sua essência,
um apelo ao movimento, à atividade, ao fazer. O único tipo de trabalho
não observável é o intelectual — quando este fica apenas no campo das
ideias. Mesmo assim, o trabalho intelectual implica constante movimento
do organismo humano. As ideias não mudam o mundo; o que muda o
mundo é a atitude de colocar as ideias em prática, em movimento,
mediante o fazer, a atividade; e isto é trabalho. Dentre as categorias da
interdisciplinaridade o trabalho destaca-se pelo mistério, pela
ambiguidade, pelo fascínio que exerce sobre a alma humana. O mistério
se manifesta na falta de explicação do fascínio que o trabalho exerce
sobre o homem e a ambiguidade emerge de uma contradição: está no
trabalho a possibilidade maior de realização do homem, ou a sua
alienação.
O trabalho consiste na "aplicação das forças e faculdades humanas
para alcançar um determinado fim — ou finalidade (Ferreira, 1986).
Etimologicamente, a palavra trabalho tem conotação negativa: origina-se
de trepalium, palavra latina que significa "instrumento de tortura"
(Larousse, 1982: 1026).
A expressão mais significativa do sentido etimológico da palavra
trabalho encontra-se no trabalho escravo. O trabalho escravo sempre
existiu e, por incrível que possa parecer, é encontrado, ainda que
esporadicamente, nos dias atuais. Fiel à etimologia da palavra trabalho, o
dicionário francês Le Robert (1994: 2300) traz como explicação primeira
da expressão trabalho a ideia de dor e de sofrimento — "TRAVAIL (...)
1. État d'une personne que souffre, qui est tourmentée; activité pénible..."
— e em seguida explicita a expressão "trabalho de parto", referindo-se ao
sofrimento da mulher no processo de dar à luz um filho.
ESPERA
123
A alienação no trabalho é, também, uma forma de expressar o lado
negativo da etimologia da palavra trabalho, uma vez que o indivíduo
alienado está psicologicamente sujeito a um estado de sofrimento, de
insatisfação e de angústia comparáveis à tortura física. Em Japiassú
(1996: 6), lemos que a expressão "alienação (do latim alienado, de
alienare: transferir para outrem; alucinar; perturbar) indica o estado do
indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si
mesmo ou que se vê privado de seus direitos fundamentais, passando a
ser considerado uma coisa". Quanto à questão da alienação do processo
de trabalho, Gomez (1987: 50) faz referência sobre "os condicionantes
ideológicos que constituem a longa história do adestramento social,
baseado no dualismo da divisão social do trabalho (trabalho
intelectual/trabalho manual)."
Segundo alguns autores, dentre os quais destaco Giannotti (1983:
85), a análise mais completa do processo de trabalho aparece em Marx,
no capítulo V do primeiro volume de O capital. Em Marx (1985: 149)
lemos que:
"Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo
em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo
com a Natureza. (...). Uma aranha executa operações semelhantes à do tecelão, e a
abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de
suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha
é que ele construiu o favo em sua cabeça antes de construí-lo em cera. No fim do
processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na
imaginação do trabalhador, e portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma
transformação da forma da matéria natural; realiza ao mesmo tempo, na matéria
natural seu objetivo, (...) ao qual tem de subordinar sua vontade."
O trabalho suscita nas pessoas diferentes reações. Para uns o
trabalho é um castigo. Para outros, uma bênção, uma necessidade, um
dever e, para poucos, um prazer ou um lazer, ou, ainda, motivo de
satisfação. A forma de trabalho que faculta ao homem satisfação, prazer,
alegria é o trabalho livre, espontâneo e produtivo. Conforme citamos,
Marx (1985: 149) vê o trabalho como um processo em que o homem, por
sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a
natureza. Hegel vê o trabalho como a mola que impulsiona o
desenvolvimento humano.
"É no trabalho que o homem se produz a si mesmo; o trabalho é o núcleo a partir
do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da
124
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
atividade criadora do sujeito humano. Foi com o trabalho que o ser humano
'desgrudou-se' um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, contrapor-se como
sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho não existiria a
relação sujeito-objeto" (Konder, 1981: 23-4).
Na interdisciplinaridade, trabalho e ação são termos sinônimos. Fazenda
em suas obras salienta a importância de vincular a ação pedagógica à finalidade
educacional, ao afirmar "que a prática que se constitui em critério de verdade é
sempre aquela motivada por uma finalidade, ou seja, toda a prática verdadeira
está intimamente correlacionada ao fim que o homem tem em vista e ao seu
engajamento no processo produtivo". Os termos produto, produtivo,
produtividade, são expressões usuais no universo conhecido como "o mundo do
trabalho". Na interdisciplinaridade, como em outras áreas do conhecimento,
existe todo um conjunto de pressupostos, princípios, hipóteses e ideias
elaboradas por pesquisadores e estudiosos do assunto que dão a esta disciplina o
seu arcabouço teórico. Mas é a atitude interdisciplinar nos trabalhos de pesquisa,
nas ações educacionais e sociais que tornam viva a expressão
interdisciplinaridade. Por semelhante modo é a atitude direcionada para o
produto da ação que transforma a ação em trabalho. Vemos aqui que não há
desarmonia; ao contrário, há afinidade e sintonia entre trabalho e
interdisciplinaridade, já que esta não se faz sem aquele: A interdisciplinaridade
não se faz sem o trabalho.
Segundo Garcia (2000: 66-7),
"o prefixo inter, nos permite interpretar 'interdisciplinaridade' enquanto um
'movimento' ou um 'processo' instalado tanto 'entre' quanto 'dentro' (das
disciplinas). (...) A partir da etimologia da palavra, passei a compreender
interdisciplinaridade como 'um movimento que se exerce no interior das
disciplinas, e entre elas, visando recolocá-las em contato'. (...) Interdisciplinaridade
é algo que se desenvolve; ou nos termos de Japiassú (1979) e particularmente
Fazenda (1979, 1991), algo que se exerce, uma atitude."
O trabalho é, também, uma atitude, algo que se exerce. É um desafio à
ousadia e ao talento humano. O trabalho faculta ao homem a condição de
conhecer-se e de permitir-se ser conhecido. Em Marx (1985: 150-1) fica
evidenciada a importância do trabalho humano para o conhecimento da história
da humanidade e para a identificação dos diferentes estágios de desenvolvimento
tecnológico e econômico do homem.
ESPERA
125
"Nas cavernas humanas mais antigas encontramos instrumentos de pedra e armas
de pedra. Ao lado da pedra, madeira, osso e conchas trabalhadas; o animal
domesticado e, portanto, já modificado por trabalho, desempenha no início da
história humana o papel principal como meio de trabalho. O uso e a criação de
meios de trabalho, embora existam em germe em certas espécies de animais,
caracterizam o processo de trabalho especificamente humano e Franklin define, por
isso, o homem como 'a toolmaking animal' um animal que faz ferramentas. A
mesma importância que a estrutura de ossos fósseis tem para o conhecimento da
organização de espécies animais desaparecida, os restos dos meios de trabalho têm
para a apreciação de formações socioeconômicas desaparecidas. Não é o que se
faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, que distingue as épocas
econômicas. Os meios de trabalho não são só medidores do grau de
desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das
condições sociais nas quais se trabalha."
Pode-se inferir, a título de ilustração, que talvez o grande desafio do
homem primitivo, ao sair da caverna, tenha sido trabalhar na construção
da sua própria moradia. Esgotadas as possibilidades de abrigos naturais
para proteger-se dos perigos e das intempéries, o homem, buscando a
segurança indispensável para preservar e perpetuar a sua espécie,
planejou e construiu sua moradia. Este talvez tenha sido o primeiro
projeto no qual o homem empenhou-se e pelo qual desenvolveu suas
habilidades. Esta ação exigiu do homem uma atitude em relação ao
trabalho. E neste processo o homem teve, a um só tempo, que
desenvolver as diversas habilidades que o desafio de construir uma
moradia lhe impunham. Foi por meio do trabalho que o homem,
transformando a natureza, transformou-se a si mesmo. O nosso primata já
era, incontestavelmente, um polivalente. Forjou suas ferramentas;
identificou na natureza os elementos de que necessitava (pedra, barro,
madeira etc); extraiu, transportou, modelou esses elementos, integrandoos para compor um todo organizado: a casa. Por mais tosca que fosse a
casa primitiva, este é um exemplo típico da visão de totalidade do
homem sobre o trabalho.
Para Hegel e Marx, a história do desenvolvimento humano está
diretamente ligada ao trabalho, pois à medida que o homem transforma o
seu meio pelo trabalho, transforma-se a si próprio. Todo trabalho exige
um projeto ou planejamento. Se complexo, exigirá compreensão e visão
de totalidade. Logo, a ação de planejar um trabalho complexo é
interdisciplinar
126
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
e exige do homem múltiplas habilidades. O trabalho, na sua origem, é
ação interdisciplinar, é politécnico, uma vez que exige um ser
polivalente.
As corporações de artesãos são um exemplo disso. O artesão
estudava, conhecia e praticava todos os processos atinentes ao seu
trabalho e desenvolvia todas as habilidades para a sua realização. Assim,
por exemplo, ele dominava todo o processo de trabalho que vai da
extração da madeira até o acabamento do móvel, ou da casa, ou do
utensílio doméstico. O homem tinha, portanto, o domínio da totalidade
do seu trabalho. A dimensão de totalidade do trabalho foi se perdendo na
medida em que surgiram os processos de reorganização da produção. A
Revolução Industrial provocou a. fragmentação do trabalho. Nas linhas
de montagem os processos foram transformados em operações tão
pequenas que levaram o homem à perda da visão de totalidade do
trabalho. A perda da visão de totalidade tirou a satisfação e o prazer do
trabalho. "O prazer pelo trabalho bem-feito" foi substituído, aos poucos,
pela qualificação para operar máquinas, levando o homem à alienação no
trabalho.
Atualmente, a qualidade do trabalho depende mais da tecnologia
aplicada aos equipamentos do que da potencialidade, da vontade do
homem como operador de uma máquina. No antológico filme de Charles
Chaplin — Tempos modernos —, a tragédia humana é representada na
figura de um operário que está a ponto de enlouquecer e é salvo apenas
pelo seu espírito romântico, por seu amor à vida e ao seu semelhante. A
desfragmentação é uma condição para que o homem recupere a visão de
totalidade e reencontre a satisfação no trabalho. A reapropriação dos
próprios talentos deve ser a marca do trabalho no terceiro milênio; e
trabalhar deverá ser, cada vez mais, uma ação interdisciplinar.
A interdisciplinaridade é, também, uma atitude que visa a
desfragmentação do saber. Gusdorf em seus textos nos diz que
Comenius, iluminado pedagogo tcheco denunciou, em 1637, a
fragmentação do saber em disciplinas sem vínculo umas com as outras, e
sugere: "o remédio para esse despedaçamento interno seria a pedagogia
da unidade (pansophia). Uma ciência verdadeira, seja qual for, não pode
se constituir isoladamente e manter-se num egoísmo epistemológico, fora
da comunidade interdisciplinar do saber e da ação".
Mandino (1977: 92) oferece-nos uma bela ilustração sobre o valor,
a virtude e a força do trabalho:
ESPERA
127
"Jamais existiu o mapa, por mais cuidadosamente executado em detalhe e escala,
que elevasse seu possuidor um só centímetro do chão. Jamais houve uma lei,
conquanto honesta, que impedisse um crime. Jamais houve um pergaminho, mesmo
como este que agora tenho nas mãos, que ganhasse um tostão, sequer, ou
produzisse uma única palavra de aclamação. Somente a ação transforma o mapa, o
papel, este pergaminho, meus sonhos, meus planos, meus objetivos, em força viva.
A ação é o alimento e a bebida que nutrirá o meu êxito."
Trabalho e interdisciplinaridade são termos convergentes. "A
interdisciplinaridade é um conceito, uma ideia; mas uma ideia que só faz
sentido ao ser exercida" (Garcia, 2000: 78); e o trabalho é o exercício do
homem no sentido de consolidar, de concretizar seu saber, conceitos,
valores, ideias. Trabalho e interdisciplinaridade são fatores de
aproximação, de valorização e entendimento entre os seres humanos.
Trabalho é ação criadora, um elo entre o homem e Deus, pois o homem e
a mulher foram criados por vontade e pelo trabalho do Criador (A Bíblia
Sagrada: Gênesis 1.2, v. 5).
128
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Tecitura
Fabio Cascino
Talvez a mais bela metáfora sobre a interdisciplinaridade seja a da
tecitura dos tecidos; a elaboração, as tramas que compõem os panos, os
tapetes, as colchas que nos envolvem, que nos protegem, que nos
ornamentam, que constituem nossas vidas, foram urdidas em processos
lentos, marcadas pelos compassos cotidianos, que são representações de
nossas próprias vidas...
Assim é com a elaboração do pensamento sobre
interdisciplinaridade, que, a exemplo do tecido, é tramado com um semnúmero de fios, lenta e pacientemente entrecruzados, articulados,
sucedendo-se um ao outro, em um movimento sincronizado, fornecendo
a forma, a cor, a resistência necessária, a beleza e a funcionalidade que o
processo de sua constituição engendra.
No tecido, cada fio, isoladamente, possui uma força e uma
resistência muito menor que a resultante de sua união aos demais fios
(paradoxalmente, a perda da unicidade em favor da trama não representa
perda das características singulares). Dessa forma, o processo de
constituição do tecido tornará cada fio forte, único, considerado cada um
à sua própria medida, demandando sua especificidade/unicidade. O
conjunto, portanto, possibilitará ir além, ampliando horizontes,
constituindo-se num todo a partir da somatória complexa de inúmeras e
singulares partes.
A partir da leitura das teses dos colegas pesquisadores do Grupo de
Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade (Gepi), Joe Garcia —
Interdisciplinaridade, tempo e currículo — e Geralda Ramos — A
questão da mudança na trajetória de educação interdisciplinar — do
estranho das pesquisas ao familiar das ações —, ambas recentemente
defendidas na PUC-SP, somos levados à reflexão sobre a metáfora dos
tecidos, procurando, desta forma, melhor entender o conjunto da obra
como resultado de um processo coletivo.
ESPERA
129
Joe, razão e sistemática, toma como ponto de partida para a
elaboração de sua tese a análise de um trabalho de autoria de Ivani
Fazenda, de 1991, percorrendo o círculo hermenêutico, aprofundando a
cada volta, a cada olhar sobre questões que esse mesmo texto suscita, um
aprofundamento sistemático da análise, vasculhando termos, conceitos,
expressões, buscando tirar os véus que encobrem os mecanismos
preexistentes para a ação e o pensar interdisciplinar expressos no referido
artigo.
Da análise cuidadosa da hermenêutica, busca a constituição de uma
atitude de investigação, rompendo clara e definitivamente com a
possibilidade de estabelecer um método de investigação, um padrão ou
um modelo. Revela querer o movimento, a diferença, a ambiguidade, a
incerteza. Busca significados antes que explicações. Realiza análises
profundas, partindo da etimologia das palavras até seu uso e localização
nos textos da interdisciplinaridade. Faz isso com paradigma, paradoxo,
disciplina, cronos, kairos...
Funda seu trabalho no conceito de desdobramento, recorrendo
incessantemente a ele como forma de demonstrar movimento,
introduzindo o novo condicionado à existência e presença do velho, um
na dependência do outro, no sentido de uma fluidez, continuum,
marcando claramente o território histórico sobre o qual caminha a
estruturação da interdisciplinaridade. E vai ao encontro dessa construção
de modo racional, recorrendo a textos, e somente a partir deles, da obra
consolidada, exercita sua "arqueologia" conceituai.
Geralda Ramos, ao contrário, incorpora outra forma de movimento.
Anuncia seu trabalho citando um trecho do I Ching: "O velho é
descartado e o novo, introduzido. Ambos os movimentos estão de acordo
com as exigências do tempo e, portanto, não causam prejuízos".
Define claramente que seu trabalho busca o resgate de processos
longos, fundados em relações estreitas com companheiros de trabalho e
de pesquisa, dentro de escolas e dentro da universidade. É, portanto, um
trabalho fundado nas relações humanas e no aporte teórico possibilitado
pelo universo da intuição que os encontros e as relações propiciam.
Partindo da leitura cuidadosa das teses de antigos integrantes do
Núcleo da Interdisciplinaridade — que inclusive compuseram sua banca
examinadora —, Geralda traça uma história recente do pensamento e da
pesquisa sobre a interdisciplinaridade, consolidando, por intermédio de
um olhar que "passeia" sobre tais produções, um repertório que ganha
consistência teórica.
130
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
É da análise dos trabalhos de Ecleide Furlanetto, Celia Haas,
Jucimara Rojas, Derly Barbosa e da própria obra de Ivani Fazenda, que
Geralda vai ao encontro e trabalha questões importantes, de fôlego, como
a dialética e a memória e suas dimensões na interdisciplinaridade. Sugere
ainda a incorporação ao discurso de temas valiosos ao grupo de
pesquisadores, frutos de muito diálogo, trocas e intuição, tais como a
espera vigiada, a busca constante, o reencontro, o olhar.
Em seu texto deixa claro que pretende, a partir da leitura de novos
escritos, de novas produções, com a revisita aos trabalhos dos "velhos
companheiros", buscar o passado como referência ao futuro, criando a
base necessária, o ponto de partida para vôos maiores, livres, autônomos.
É interessante notar como Geralda, a partir mesmo dos
agradecimentos contidos na abertura de seu trabalho, vai desenhando um
percurso fundado no coletivo, como se seu tecido (ou sua tese) fosse a
consequência da somatória de vários trabalhos, de várias mãos, de fios
que se entrecruzam, sendo ela mesma a tecelã e o fio, relação paradoxal
sempre presente no ato da criação interdisciplinar.
Não por acaso, os desenhos de Ricardo Hage, que inauguram os
capítulos, são, a um só tempo, abertura e fechamento, tecelão a coser os
trechos-retalhos, unindo o uno, redesenhando o desenhado,
ressignificando significados já conhecidos, mas renovados na nova
"conversa" que se abre com a nova trama.
Apesar das diferenças entre os trabalhos de Joe e Geralda, vemos de
maneira peculiar e muito interessante que ambos têm como referência
uma mesma metáfora. Buscam e se baseiam em fios condutores, fios que
unem e tecem. E ambos explicitam, cada um a seu tempo, objetivos e
pressupostos convergentes. Verifica-se sutil e subliminarmente uma
complementaridade possível apenas quando se trabalha juntos,
demonstrando que o grupo de reflexão, trocas e parcerias efetivamente
existe e que há sintonia nas lentas, atentas, processuais e articuladas
produções da interdisciplinaridade.
Na tese de Joe Garcia, encontramos racionalidade, busca de
reflexão profunda, que ofereceu um novo plano de pensamento e ação
para a interdisciplinaridade, um revigorado ponto de partida, um novo
patamar de pesquisa, sólido, consistentemente teórico.
Na tese da Geralda Ramos, encontramos a retomada do intuitivo, do
apaixonado, do fraternal, do próximo, da sistematização do vivido como
referência prazerosa, indo além da argumentação.
ESPERA
131
Joe finaliza seu trabalho com as seguintes palavras:
"Tal como Teseu, que ingressa no labirinto para vencer o obscuro minotauro e
consegue retornar para casa pois havia levado consigo o fio de Ariadne, ao meu
modo venci o desafio... venci o desafio de tornar a interdisciplinaridade território
familiar."
Geralda, ao contrário, abre sua tese desta forma:
"Neste trabalho, empreendo o caminho de volta, para compreender o significado de
cada questionamento e ruptura e avançar com maior segurança. O fio que me
conduz é a interdisciplinaridade que me dá sentido e a dimensão do (re)torno."
Um e outro usam o fio, que une e tece, o fio que conduz, para a
frente ou para trás, que define caminhos e que sugere sua subversão,
como se houvesse uma combinação, um acordo entre ambos, para um
acabar onde o outro vai começar, anunciando dessa forma possibilidades,
para os demais colegas pesquisadores, de caminhos que se abrem e
fecham, cumprindo o papel ambíguo, duplo, de serem tecelões esmerados
de tecidos que jamais se concluem, ao lado de tantos outros...
Ou, como em uma outra metáfora, que trata dos espaços e das
conquistas humanas, das geografias, um e outro, Joe e Geralda,
encontram-se na condição de cartógrafos que desenham mapas de
territórios que ainda estão se constituindo sobre os próprios pés.
Banhados pela beleza do encontro imprevisto, "nada é por acaso";
Joe e Geralda apontam rumos.
Consolidar o já percebido e sentido, no pleno exercício teórico, no
rumo da organização disciplinar, é tarefa fundamental para, ao lado do
discurso apaixonado, fundado nas parcerias amorosas, buscar o novo:
abertura das novas trilhas.
Velho e novo em permanente diálogo. Rigor e paixão em
comunhão. Oposições e diferenças que dialogam. Ruptura de fronteiras,
na ampliação de espaços onde navegam desejos e sensibilidades. Aí se
constitui o pensar e o agir interdisciplinar. Tarefa das mais difíceis,
continuar a busca por explicitação e avanços é assumir a beleza de
caminhar sobre caminhos que se constituem durante o próprio caminhar.
132
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Pesquisa
Lucrécia Stringhetta Mello
O homem não vive à margem dos processos produtores da vida e,
como supunha a modernidade, não controla totalmente a interpretação e a
construção da realidade. No entanto, seu olhar não descalça e, inquieto,
interroga, investiga, perscruta a partir e para além do visto com o intuito
de olhar bem. A este movimento chamamos pesquisa, que
etimologicamente significa "busca com investigação". Assim temos que
pesquisa resulta da busca, procura, indagação, averiguação, enquista,
informe, pesquisa, arguição, perquirição a uma realidade objetivando
torná-la inteligível.
São infinitos os caminhos que conduzem à evidência da verdade.
Vemos florescer nos meios universitários uma pluralidade de modelos de
pesquisa e apropriação de conhecimentos. Mesmo que não possamos
falar de um único traçado para os caminhos da pesquisa e para a história,
pelas diferentes implicações sociais, políticas e econômicas de cada
realidade, os projetos humanos têm assentamento no espaço social. Por
esta razão, nossos projetos emergem das significações, dos sentidos, das
coordenações e conflitos dos processos sociais de que participamos. O
pesquisador, enquanto ser social, conhece em sociedade com outros
iguais e, assim, a sua visão, mesmo quando reduzida a um campo
delimitado, deve ser interpretada como sendo de totalidade porque os
fenômenos que estão acontecendo na realidade atual são parte de um
processo inerente ao desenvolvimento histórico geral.
Nenhuma investigação se faz a partir de um vazio doutrinal ou sem
preconcepções sobre a realidade em que trabalha. O desenvolvimento de
uma leitura plural das diferentes formas de pesquisa para um trabalho
interdisciplinar nos levou à construção de hipóteses de um método de
pesquisa interdisciplinar. A partir da reflexão das epistemologias
preferencialmente subjacentes às pesquisas qualitativas, buscamos
também os fundamentos da metodologia da pesquisa interdisciplinar.
Não
ESPERA
133
obstante tenhamos recorrido às várias modalidades da pesquisa
qualitativa (pesquisa-ação, etnográfica e fenomenológica) naquilo que
estas apresentam ao nosso interesse em pesquisa, a interdisciplinaridade
tem nos oferecido a diretriz e a base dimensionadoras do agir pessoal e
coletivo dos trabalhos que temos desenvolvido nos últimos anos — "por
sua proposição multiperspectival, aceita e respeita toda e qualquer
posição fundamentada, porém sempre analisando-a em sua
provisoriedade. Não se pauta em nenhum paradigma, portanto é
essencialmente antiparadigmática" (Fazenda, 1994: 104).
Ao referir-se à postura antiparadigmática compreendemos que
Fazenda em suas obras reporta-se ao caráter transcendental do projeto
interdisciplinar, diante do qual sempre ousamos colocar em dúvida nossas
matrizes teóricas. Partindo deste cuidado em construir a exegese dos
conceitos com base nos clássicos e/ou produções mais recentes,
procuramos adquirir o arcabouço teórico indispensável para o
desenvolvimento de uma análise criteriosa da prática vivida em pesquisa.
Esta prática vivenciada foi descrita e analisada em dissertação de
mestrado e tese doutoramento, onde a participação ativa do pesquisador
com o grupo pesquisado suscita hipóteses que podem evoluir e ser
esclarecidas ao sabor do progresso da pesquisa.
Considerando-se que a pesquisa interdisciplinar inscreve-se na vida
real, a estratégia de estudar a prática do vivido de grupos (exemplo das
pesquisas citadas) evidencia a sua natureza antropológica, onde a escolha
metodológica recai muitas vezes para o resgate da memória e o exercício
de descrições. Como nos lembra Martins (1994: 51), "os conceitos sobre
os quais as Ciências Humanas se fundamentam, num plano de pesquisa
qualitativa, são produzidos pelas descrições", porque é por intermédio da
linguagem que o homem representa o mundo, atribuindo significados e
elaborando proposições.
Embora cada uma das modalidades de pesquisa qualitativa (seja
pesquisa-ação ou etnográfica) utilize conceitos específicos, distintas
estruturas lógicas e diferentes modos de validar conhecimento, podem
ocorrer coincidências e superposições entre algumas de suas partes. A
identificação de ambas com a fenomenologia advém da lógica que
preside seus trabalhos: a relação entre o pesquisador e o objeto de
pesquisa, promovendo a inter-relação pela comunicação.
134
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
O trabalho interdisciplinar começa quando fazemos a intermediação
com as infinitas possibilidades que cada modalidade conduz, buscando
aquelas que nos auxiliam atendendo às necessidades da pesquisa. O
esclarecimento dos conceitos teóricos metodológicos ajuda o pesquisador
a encontrar o seu caminho ou itinerário particular de pesquisa.
ESPERA
135
Formação
Sylvia Helena Souza da Silva Batista
Pensar formação se torna fecundo quando desvelamos sentidos e
significados que são construídos em tempos e espaços diferentes,
complexos e culturalmente situados.19
No movimento de desvelar construí diálogos: num primeiro
momento opto por conversar com o dicionário (Novo Dicionário Aurélio
da Língua Portuguesa) e encontro: "(do lat formatione) 1. ato ou efeito
de formar. 2. constituição, caráter. 3. maneira por que se constitui uma
mentalidade, um caráter ou um conhecimento profissional".
Percebo que formação traz em si uma intencionalidade que opera
tanto nas dimensões subjetivas (caráter, mentalidade) como nas
dimensões intersubjetivas, aí incluídos os desdobramentos quanto ao
trajeto de constituição no mundo do trabalho (conhecimento
profissional). Portanto, não se trata de algo relativo a apenas uma etapa
ou fase do desenvolvimento humano, mas sim de algo que percorre,
atravessa e constitui a história dos homens como seres sociais, políticos e
culturais.
Este traço plural da formação agrega outros matizes quando
entramos em diálogo com Abbagnano (1982):
"(al. Bildung). No sentido específico que esta palavra assume em filosofia e
pedagogia, em relação com o termo alemão correspondente, ela indica o processo
de educação ou de civilização, que se expressa nas duas significações de cultura;
compreendida de um lado como educação, de outro lado como sistemas de valores
simbólicos."
19. Partilho neste texto os trajetos, achados e diálogos que elaborei em torno da formação,
sublinhando que meu olhar inclina-se sobre formação de professores universitários.
136
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
As expressões educação, civilização e cultura se cruzam na
perspectiva de desvelarmos formação: intenção, valores, símbolos
remetem tanto a seres singulares e únicos, como a comunidades que
elaboram e (re)elaboram seus códigos de vida social, os quais orientam as
ações humanas no mundo e, dialeticamente, são transformados por estas
ações.
Formação implica, assim, reconhecimento das trajetórias próprias
dos homens e mulheres, bem como exige a contextualização histórica
destas trajetórias, assumindo a provisioriedade das propostas de formação
de determinada sociedade.
Os adjetivos provisório, processual, intencional, histórico conferem
um contorno que ganha visibilidade nas palavras de Figueiredo (1996):
"[formação] proporcionar uma forma, mas não modelar uma fôrma. Ao
formar estamos oferecendo um continente e uma matriz a partir dos quais
algo possa vir-a-ser".
Emerge, então, uma perspectiva de projeto que não apenas ancora
os adjetivos referidos, como situa o desafio de que formação é algo
inacabado, lacunar, mas profundamente comprometido com uma maneira
de olhar, explicar e intervir no mundo — vir-a-ser não é tributário da
neutralidade, pelo contrário, revela uma posição, uma direção, enfim o
lugar de onde se fala.
Encontro no diálogo com Vigotsky (1995), algumas pistas para
aprofundar este comprometimento da formação:
"Lo biológico y lo cultural — tanto em la patologia como en la norma — resultaron
ser formas de desarrollo heterogeneas, especiales, no coexistentes o superpuestas
entre sí, indepedientes mecanicamente la una de la outra, pero fusionadas en una
síntesis superior, compleja, aunque única."
Assim, os compromissos da formação aludem, necessariamente, a
contextos sociais, culturais, pessoais que se imbricam, estabelecendo
relações de recíproca influência e determinação, superando-se a ilusão
tanto do subjetivismo estéril como da onipotência do social. Formação
significa a construção de sínteses complexas e multifacetadas, que
articulam permanentemente o individual e o social, o biológico e o
cultural.
O caminho que percorri até aqui não autoriza o endosso à tradição,
quase hegemônica na cultura educacional, de tratar a formação como
algo
ESPERA
137
que se completa, se finaliza e que ocorre numa dimensão do natural:
sempre existiu desta maneira! Faz-se necessário destacar os tons da
ambiguidade, da contradição e do movimento no delineamento da
formação.
Empreendo, desta forma, diálogos com Freire em suas obras,
Kincheloe (1997), Pimentel (1993), Gatti (1995), Leite (1997), Cunha
(1998), Geraldi (1999) e Morosini (2000), e os situo como pesquisadores
e formadores que rompem com a racionalidade técnica da. formação e
propõem olhares que vão além de modelos curriculares e/ou de manuais
de técnicas de ensino-aprendizagem:
"Diante da natureza e do universo os homens se interrogam. Diante dos fatos
sociais e dos seus desejos, também os homens se interrogam. Seu agir/pensar
oscila entre a adesão a crenças e dogmas que o situam e o armam para a vida e suas
'lutas', e a angústia da insignificação de tudo, que o deixa perplexo na
multiplicidade fragmentária das perspectivas do existir. De um lado a reordenação
e a reposição de referenciais ancestrais. De outro, a consciência do enfrentamento
de um cenário indefinido, um campo aberto repleto de indeterminações" (Gatti,
1995: 13-4).
Neste mundo cheio de sentidos, significados, símbolos, códigos,
formação define-se como interdisciplinar, constituindo-se não mais a
partir de territórios disciplinares que efetivam formações divididas e
isoladas em suas fronteiras, mas sim como projeto que articula ética,
estética, conhecimento, valores, reflexão, crítica, verdades relativas,
intenções provisórias num dado momento histórico-social e com ele se
compromete, seja para mantê-lo, seja para transformá-lo.
Fazenda (1995) empreende uma análise sobre pesquisa com a qual
dialoguei e pude estruturar uma analogia: formação interdisciplinar,
assim como a pesquisa interdisciplinar, nasce de uma vontade construída
coletivamente, exigindo uma maturação prolongada em que se vai
concebendo uma nova forma de conhecer que será "capaz de modificar
os mais sisudos e tristes prognósticos para o amanhã, em educação e na
vida".
Os diálogos que fui (e estou) construindo juntamente com minhas
práticas no campo da formação de professores permitiram que
estruturasse uma síntese, sempre provisória, na qual entendo formação
como processo plural e singular, social e pessoal, permanente e vivido
em momentos, humanamente presidido pelos valores, crenças e saberes,
humanamente transformador dos conhecimentos.
138
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
Formación
María Ermelinda Donato
* Formación: acción de formar:
* Formar:
Del latín formare:
(verbo transitivo) Dar forma
(verbo intransitivo) Colocarse en formación.
(verbo pronominal) Irse desarrollando una persona
Relacionada con la formación aparecen diferentes términos que
están vinculados a distintas perspectivas desde las cuales hay que analizar
la acción o actividad de formación.
Desde un enfoque histórico Jacky Beillerot señala:
"Se pueden encontrar en el uso social tres sentidos de este término:
Un primer sentido, formación se ha asociado desde el siglo XIX a la formación
práctica, formación de obreros, formación profesional...
Hay un segundo sentido que es conocido, por lo menos desde el siglo XVIII, desde
los jesuitas Formación del espíritu.
Y por último, el tercer sentido es formación de una vida, en el sentido
experiencial". (Beillerot, sd: 22-3)
"referida la formación a la formación docente, se enfatiza una acepción más que
otras vinculadas siempre a enfoques teóricos ya sean reproductivistas o
constructuvistas.
La formación docente vinculada a una definición de Educación como adaptación,
como transmisión de saberes que facilitasen el mantenimiento de normas
preestablecidas se acerca más a adiestramiento. Numerosos aportes señalan la
tendencia a configurar sobre la base de tal modelo, el papel del docente y el
proceso formativo, partiendo de la concepción homogénea de la realidad social y
cultural en una suerte de vinculación isomórfica.
ESPERA
139
La función docente se identifica generalmente con las actividades desarrolladas en
el aula, desconociendo las dimensiones de práctica social, política e institucional.
Este modelo, que inicialmente se inauguró para dar respuesta a los proyectos de
integración cultural correspondientes a la utopía civilizadora del siglo XIX,
persiste aún diluido en las prácticas pedagógicas y en el imaginario docente".
(Hevia, 2000)
Sin embargo existen otros autores que analizan la formación y la
relacionan con enfoques más críticos de la educación.
Gilíes Ferry, se pregunta:
"¿Qué es la formación?: 'Es algo que tiene relación con la forma. Formarse es
adquirir una cierta forma'. (...) consiste en encontrar formas para cumplir con
ciertas tareas para ejercer un oficio, una profesión, un trabajo, por ejemplo. Cuando
se habla de formación se habla deformación profesional, de ponerse en condiciones
de ejercer prácticas profesionales. Esto presupone, obviamente, muchas cosas:
conocimientos, habilidades, cierta representación del trabajo a realizar, de la
profesión que va a ejercerse, la concepción del rol, la imagen del rol que uno va a
desempeñar, etc. Esta dinámica de formación, esta dinámica de la búsqueda de la
mejor forma es un desarrollo de la persona que va a estar orientado según los
objetivos que uno busca y de acuerdo con su posición.
Es importante ver la formación como la dinámica de un desarrollo personal. (...)
uno se forma a sí mismo, pero se forma sólo por mediación. (...) los dispositivos,
los contenidos de aprendizaje, el curriculum no son la formación en sí sino medios
para la formación (...) Veo tres condiciones para realizar este trabajo sobre sí
mismo: condiciones de lugar, de tiempo y de relación con la realidad". (Ferry, sd:
53-4)
Jean Claude Filloux, refiriéndose a la formación de los docente
distingue: "1o la formación académica (...) 2o una formación
metodológica (...) 3o la formación personal".
Este autor incorpora un nuevo enfoque de la formación al que llama
clínico.
"Hablo de una clínica de exploración del sujeto, en las relaciones
intersubjetales, es decir, en una relación de intersubjetividad". (Filloux,
1996: 22-4)
Más adelante Filloux señala diferentes tipos de formación según
dónde se ponga el énfasis: "formación centrada en el individuo;
formación centrada en el grupo; formación centrada en problemas".
140
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
Agrega además otro enfoque: "Me voy a preguntar hasta dónde
puedo ayudarlo a reformarse. Entonces incorporo la idea de aventura...
La formación como aventura, es decir, la aventura para mí, para el otro,
como aventura común. Esta idea de una co-experiencia, de una aventura
con otros".
G. Ferry habla de modelos teóricos de formación y distingue:
modelo centrado en las adquisiciones; centrado en el proceso y un modelo
centrado en el análisis (Ferry, sd: 47).
"Finalmente formación va con deformación, pero también con
reformación. La formación reforma. Es deformación-reformación."
Michel Fabre: en el libro Pensar la formación, hablando de
Bachellard dice: "Hay que ir en contra de la formación anterior para ir
hacia una formación real. No se pueden construir nuevas formas —
formas de pensamiento, formas de acción — sino es destruyendo las
viejas formas que obstaculizan" (In: Filloux, 1996: 60).
Evidentemente el concepto de formación es complejo y detrás de
cada definición subyace una perspectiva distinta de la dinámica social y
de la personalidad.
ESPERA
141
Tempo
Ana Gracinda Queluz
O tempo escolar é geralmente vivido muito mais na sua dimensão
tarefeira que criativa. O tempo "tarefeiro" é de natureza eminentemente
disciplinar, mesmo quando agrega uma ou mais disciplinas.
O tempo é vivido numa perspectiva interdisciplinar quando
professores e alunos estão conscientes de que realizam um movimento de
aprender que os leva a cruzarem as fronteiras entre as disciplinas, não
para criar uma nova, mas para assumir o espaço do "entre", do vazio
existente entre uma disciplina e outra, para nesse espaço construir uma
aprendizagem que tem, no diálogo entre as disciplinas, a força de criar
um novo saber e um novo fazer antenados à dimensão criativa do tempo
vivido.
Para que os talentos, de que os alunos são dotados, sejam
contemplados na e pela escola, a qualidade do tempo escolar vivido
precisa incorporar os momentos de criação, tornando-se
progressivamente mais criativo e menos tarefeiro.
Esse tempo criativo é aquele em que Cronos foi visitado por Kairós,
que é quem rompe a trama do tempo, aparecendo na forma de insights,
oportunidades, momentos de inspiração, de descoberta e que, ao ser
percebido, vivido, pode ser articulado ao tempo cronológico para
ressignificá-lo. Assim, os talentos poderão ser cultivados dia a dia.
Infelizmente, na maioria das vezes, o talento tem só "quinze minutos de
glória". Assim também acontece com a escola, que de campanha em
campanha, semana disso ou daquilo, tem seus momentos de glória e, em
seguida, volta para o tempo tarefeiro, no qual vive presa na maior parte
da sua existência. A vivência de um tempo criativo enfatiza a atenção
para as duas dimensões da temporalidade — a primeira representada por
Cronos, em que temos a consciência da passagem do tempo, marcada
pelos milênios, séculos, anos, meses, dias, horas, minutos e segundos, em
que dois aspectos podem ser
142
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
apreendidos: um de valor quantitativo nos dá uma medida, por exemplo
trinta anos, e outro de valor qualitativo, que nos permite atribuir ao tempo
a qualidade que marcou o vivido. A segunda dimensão do tempo é
representada por Kairós e nos dá o momento mágico em que a qualidade
do existir no mundo pode ser transmutada em busca da criação de uma
nova maneira de viver a vida. Cronos e Kairós precisam ser respeitados e
considerados na vida escolar, para que se possa, num processo de
articulação entre essas duas dimensões, ressignificar a maneira de viver o
tempo.
Assim, o compromisso com a vivência do tempo criativo enfatiza a
valorização de tudo o que possa estar em si mesmo, no seu valor
profissional, na força do aprender como centro do trabalho pedagógico,
no aluno como pessoa em uma fase de desenvolvimento. É agir como
pessoa/profissional plena do seu direito de criar, é aceitar-se como pessoa
em desenvolvimento. É desenvolver um olhar e uma escuta sensível a si
mesmo e aos alunos no compromisso com o ato de aprender, tendo nos
conteúdos um pré-texto para instrumentalizar os alunos na leitura de si
mesmos, do meio em que vivem, despertando neles e em si próprio o
desejo e a esperança de transformação do trabalho pedagógico num
exercício contínuo da busca da ética, base da construção da cidadania.
ESPERA
143
Espaço
Ricardo Hage de Matos
A palavra espaço tem sua origem no latim spatium, que significa
área ou extensão. Seu sentido inicial é quantitativo, estando ligada
diretamente a qualquer ato de mensuração tridimensional, ou seja, que
tenta medir volumes ou distâncias.
Na interdisciplinaridade, o espaço pode ser considerado o locus real
ou virtual, factual ou fenomenológico onde os processos de ensino,
pesquisa e seus sujeitos habitam.
O estudo do espaço é muito antigo, e podemos perceber sua
importância em vários campos do conhecimento.
Na filosofia, o espaço pode ser considerado o "meio homogêneo e
ilimitado, definido pela exterioridade mútua de suas partes contendo
todas as suas extensões finitas e no qual a percepção externa situa os
objetos sensíveis e seus movimentos" Japiassu e Marcondes (1996). Essa
definição tenta caracterizar a ideia de espaço como um contínuo ideal:
pode tanto ser medido e quantificado, como queria toda a tradição grega,
quanto ser intuido e sentido, como nos indica Kant. Para ele existiria
tanto uma intuição do espaço quanto uma intuição do tempo.
A partir daí surge na física a conceituação de um espaço que não
pode mais ser entendido fora do tempo, sendo este tanto sua causa como
seu resultado. Consideramos Einstein como o primeiro pensador que
codifica a equação espaço-tempo.
Nas artes e na arquitetura o espaço sempre foi tratado como um
dado quantitativo que, paradoxalmente, explica relações de qualidade e
de percepção. Por exemplo, podemos dizer que quanto maior o espaço,
maior a sensação de poder; quanto menor esse espaço, maior a sensação
de segurança e intimidade. Neste caso, a quantidade (valor objetivo)
define a sensação (valor subjetivo). Pensado sempre dentro de uma
prática, o espaço
144
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
arquitetônico e o espaço escultórico nada mais são do que a
materialização do desejo do arquiteto ou do artista, que demonstra assim
o seu poder sobre a realidade e sobre a percepção das pessoas. Nessa área
do conhecimento, a pesquisa sobre o espaço foi direcionada no sentido da
procura de uma representação desse espaço, alcançada por Leonardo da
Vinci no século XV, por meio do desenvolvimento da perspectiva no
desenho geométrico. A partir daí foi possível descrever aos outros com
certa acuidade espaços que não existiam ainda ou que não estavam
presentes. Com o desenvolvimento da perspectiva surge uma das
categorias que vão ser desenvolvidas posteriormente na física e na
fenomenologia: a relatividade do ponto de vista. Dependendo de onde
estamos posicionados e dada a natureza do sentido, ou sentidos, por nós
utilizados na observação de determinado espaço, essa percepção será
única e relativa àquela situação específica do observador.
Na fenomenologia, a partir de Husserl, no início do século XX, essa
relatividade é trazida como um novo elemento na pesquisa filosófica.
Contemporaneamente a Husserl, Geiger inicia seus estudos
fenomenológicos sobre arte, fundamentando mais ainda os aspectos
relativos da espacialidade.
O estudo do espaço na interdisciplinaridade torna-se cada vez mais
importante dada a necessidade da mudança do ambiente educacional
dentro de um projeto pedagógico novo.
A primeira questão relativa ao espaço construído da escola é uma
crítica à forma como esse espaço é projetado, transformando-o em uma
metáfora do currículo vigente. Um espaço construído para um projeto
interdisciplinar é um espaço radicalmente diferente do desenho da escola
que conhecemos: é mais voltado para a circulação do que para a
compartimentalização. É também um espaço onde o controle pela
restrição dos acessos deixa de ter sentido, já que esse controle se dá pela
transparência dos processos.
Sensorialmente, um espaço de ensino neste novo paradigma é um
espaço de prazer, um espaço sedutor, mais próximo de uma residência do
que de uma instituição. A sala de aula deixa de ter carteiras organizadas
em filas e colunas, bem como o professor deixa de ficar na frente e acima
do aluno: ele "está com" o aluno. Projetar o espaço escolar de forma tão
radicalmente diferente pode ser uma impossibilidade ideológica e
ESPERA
145
econômica, daí a necessidade de um novo entendimento do espaço, o do
virtualmente construído.
A partir do princípio da atitude na interdisciplinaridade começamos
a entender que o espaço pode deixar de ser físico para ser virtual: pessoas
engajadas em um projeto assim podem não perceber que estão em um
espaço repressor ou podem perverter a organização deste espaço. Uma
sala de aula clássica, onde um processo interdisciplinar está ocorrendo,
pode tomar duas dimensões distintas aos olhos dos professores e alunos:
numa dimensão ela simplesmente deixa de ter importância e os sujeitos
ali estabelecidos sentem apenas que estão num espaço vazio, sem
significado, esquecendo o sentido da organização das cadeiras ou da
posição do professor; em outra dimensão, os sujeitos começam a mudar a
configuração dos móveis, abrir as portas, sentar informalmente nas
carteiras e, muitas vezes de forma intuitiva, colocá-las em roda
(Warchauer, 1993), quase que de forma "tribal". Essa roda tem o sentido
da aproximação dos sujeitos do processo educacional que a
interdisciplinaridade, por definição, nos impõe. Mais uma vez podemos
notar a afirmação de que a interdisciplinaridade vem da reflexão sobre
uma prática já existente (Fazenda, 1992): até mesmo um arquiteto, ao
projetar uma escola que respeite o espaço interdisciplinar, não pode
construir modelos prontos, mas deve respeitar os processos como a roda e
a circulação, sob pena de ver os sujeitos não se submeterem e
subverterem aquele espaço projetado por ele. Até o ato do projetar
arquitetônico na interdisciplinaridade deve vir de uma observação da
realidade existente.
A distância no espaço também é um fator a ser considerado na
interdisciplinaridade. Sujeitos envolvidos num processo interdisciplinar
podem trabalhar de forma coerente e eficiente mesmo quando afastados
no espaço (e no tempo), dada a proximidade que uma memória emocional
nos dá do outro. A familiaridade e a emoção, aliadas ao prazer, que um
trabalho na interdisciplinaridade nos dá, criam um elo e um espaço de
interação propícios a uma virtualidade, ou seja, mesmo usando formas de
comunicação rudimentares, como o correio, a construção de um trabalho
interdisciplinar à distância é possível. O uso da Internet e outras novas
tecnologias apenas potencializa esses encontros e os torna mais
econômicos e constantes. Uma interdisciplinaridade virtual ou à distância
é possível e desejável, já que contamos com tão poucos sujeitos
multiplicadores na atualidade.
146
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Prática
Celia Maria Haas
O primeiro desafio é entender prática a partir do que temos em
Aurélio. Ele diz que prática pode ser o saber provindo da experiência,
uma técnica por exemplo, mas diz também que é a aplicação da teoria
que se manifesta no discurso, na conversação. Tem um outro significado
que considero simbólico no meu entendimento da prática. Ele diz que
prática é a licença concedida a navegantes para se comunicarem com um
porto ou cidade. A prática pode ter também um sentido de rotina ou
hábito, ou seja, a prática sem reflexão, sem comunicação.
Pensar em prática nos levou a tomar uma medida prática, e fomos
ao dicionário buscar seu significado:
"1. Prática (deverbal) de praticar. 1. Ato ou efeito de praticar. 2. Uso, experiência,
exercício. 3. Rotina; hábito. 4. Saber provindo da experiência; técnica. 5.
Aplicação da teoria. 6. Discurso rápido; conversação; conferência. 7. Licença
concedida a navegantes para comunicarem com um porto ou uma cidade"
(Ferreira: 1986: 1377).
Encontrando o significado da prática, na prática fomos levados a
investigar outras palavras relacionadas a ela. Assim, a prática é praticada
por alguém e este é conhecido como o "2. Praticante (adjetivo). Que ou
quem pratica, quem vai se exercitando em alguma profissão" (Idem).
Mas a prática praticada por um praticante resulta em uma ação, em um
verbo. E foi preciso buscar o significado deste verbo na prática e
encontramos que
"3. Praticar (do baixo-latim) praticare: agir, tratar com as gentes 1. Levar a efeito;
fazer, realizar, cometer, executar. 2. Atuar profissionalmente ou como amadores;
exercer, exercitar: praticar o magistério. 3. Expor ou exprimir por palavras; dizer,
proferir: praticar um sermão. 4. Manter relações ou trato com; tratar, frequentar. 5.
Converter em obra; obrar, perfazer, realizar. 6. Tratar com intimidade,
familiaridade ou amizade; conversar. 7. Ler
ESPERA
147
ou estudar constantemente; manusear. 8. Pregar; ensinar. 9. Manter conversação;
falar, conversar. 10. Ter relações ou trato: praticar com escritores 11. Procurar
adquirir prática ou experiência. 12. Adquirir prática ou experiência. 13. Manter
conversação ou palestra; conversar, conferenciar, falar. 14. Marinha. Exercer o
ofício de prática" (idem).
Praticar, portanto, é agir e tratar com gente. Atuando
profissionalmente, levamos a efeito, concretizamos, exercemos ou
praticamos o magistério. O seu sentido também fala de exprimir em
palavras, em converter em obra, dando o significado que praticar é uma
ação consciente e sustentada por um conhecimento teórico, pois para
tratar com familiaridade é preciso estudar constantemente. Com isso nos
tornamos capazes de pregar e ensinar. Ou como o sentido de praticar é
dado pela marinha, "exercer o ofício da prática", isto é, manter
comunicação com outro porto.
Não satisfeitos com estes significados encontramos também a
práxis, que fala da prática, ou seria de uma outra prática?
"4. Práxis (cs) [do grego práxis, 'ação'.] S.f. 1. Atividade prática, ação, exercício,
uso. 2. Filos. No marxismo, o conjunto de atividades humanas tendentes a criar as
condições indispensáveis à existência da sociedade e, particularmente, à atividade
material, à produção; prática. [Cf. praxes, pl de praxe]."
Da prática refletida, a práxis, vamos para a praxe que fala da rotina
e vemos "5. Praxe [Do grego práxis, 'ação'] Aquilo que se prática
habitualmente; rotina; uso; prática, pragmática (Idem: 1378).
Ainda buscando compreender a prática, agora na teoria vou
reconhecer que a prática que vivo é a interdisciplinar, aquela que vai de
uma ação exercida a uma elaboração teórica sempre construída, sempre
realizada, praticada com os autores e proferida como um sermão.
No Sermão da Sexagésima, o padre Antônio Vieira toma o tema do
trabalho na vida da seguinte forma:
"A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o
comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a
semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia. Entre o semeador e o que
semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma
coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o
semeador e outra é o que semeia; uma
148
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
coisa é o pregador e outra é o que prega. O semeador, e o pregador é nome; o que
semeia, e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter nome
de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o
exemplo, as obras, são os que convertem o Mundo. O melhor conceito que o
pregador leva ao púlpito qual cuidais que é? — É o conceito que de sua vida têm os
ouvintes" (1997: 120).
No meu entendimento, a prática interdisciplinar é sempre uma
proposta com o compromisso de atender objetivos sociais e políticos.
Logo, para mim as práticas trazem um compromisso político, muitas
vezes não expresso em palavras, mas claramente identificado nas ações.
Portanto, é necessário buscar novos entendimentos para uma prática
ressignificada e encontrarmos novos parceiros.
Para Karel Kosik, a práxis
"na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser
ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto,
compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A
práxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da
existência humana como elaboração da realidade" (1976: 202).
Para alcançar resultados positivos em propostas de ação
interdisciplinar precisamos trazer à luz, sobre o que se fala, o que se faz,
como e com que objetivos se faz. Os meios para facilitar este
entendimento são descobertos em cada ação e momento.
Também Adolfo Sanchez Vázquez, em Filosofia da práxis, afirma:
"como toda atividade propriamente humana, a atividade prática que se manifesta
no trabalho humano, na criação artística ou na práxis revolucionária, é uma
atividade adequada a objetivos, cujo cumprimento exige — como já dissemos —
uma certa atividade cognoscitiva.... Nesse sentido, podemos dizer que a atividade
prática é real, objetiva ou material... O objetivo da atividade prática é a natureza, a
sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação real,
objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade
humana. E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do
sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva,
mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social"
(1977: 193-4).
ESPERA
149
A paixão pela prática na busca de um trabalho pedagógico
interdisciplinar tem sido minha força e minha marca. Tenho procurado
me manter fiel a esta palavra, sentido e sentimento, pois com muita
propriedade Teixeira afirma que é na fidelidade a si mesmo que está a
força do homem.
Em 1945, Anísio Teixeira declara:
"com uma filosofia que procura não distinguir pensamento de ação, achei a
chamada vida prática tão sedutora quanto a chamada vida intelectual. Foi uma bela
ocasião de demonstrar a mim mesmo que vencera, realmente, os dualismos entre
pensamento e ação, trabalho manual e intelectual, corpo e espírito" (1989:46).
De Paris, em janeiro de 1947, Anísio Teixeira escreve para Lobato
afirmando: "Vou ficar mais algum tempo. Pensar é uma coisa, realizar
um pensamento é outra. Nada exige tanta paciência e tanta ciência do
possível" (1989: 52). Para Anísio, antes de reconstruir a educação no
mundo era preciso ensinar a ler a Bahia, que é um pedaço do mundo
(1989: 54).
O movimento de ir e vir, do geral para o particular, é próprio da
interdisciplinaridade, reconhecido na afirmação de Ivani Fazenda quando
diz que "explicitar o movimento a partir das ações conduziu-nos a uma
nova construção, não diria epistemológica, pois não parte do logos, do
apenas refletido, mas, do ontológico que atinge o ethos da ação.
Compreender os motivos que me conduzem à valorização de uma ação
permitiu-me intuí-la, revelá-la e talvez superá-la" (1994: 10).
Um dos significados da prática encontrados no Dicionário Aurélio é
o da aplicação da teoria e o discurso rápido ou conversação. E praticar
pode ser entendido como ler ou estudar constantemente ou manusear,
além da capacidade de manter conversação ou falar.
Em Fazenda encontramos a confirmação dessa condição quando diz
que:
"afirmada pois a interdependência existente entre a palavra e mundo, restaria
ressaltarmos a importância da leitura como forma de desvendar o mundo, fazendo
do homem sujeito efetivo. Através da leitura, o homem aumenta seu universo de
discurso, e, com isso, a possibilidade de multiplicar suas visões e aspirações sobre
o mundo. A leitura poderá também conduzi-lo a uma disciplina pessoal que o
levará a desvendar os intricados dilemas e as
150
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
diferentes facetas dos problemas que o mundo oferece. Aplicará sua capacidade de
raciocínio e sua aptidão perceptual, permitindo ao homem agir, conhecer e
transformar o mundo" (1994: 54).
A concepção interdisciplinar que sustenta a ação pedagógica traz em
si uma intencionalidade: a de propiciar o exercício investigativo,
reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, do ato de ser professor.
A
característica
fundamental
de
um
estudioso
da
interdisciplinaridade é ser destemido o suficiente para agir e
suficientemente humilde para rever aspectos de sua ação.
Os projetos interdisciplinares exigem uma intenção comprometida
com o fazer consciente e responsável, por isso ético.
RESPEITO
153
Modelo
Vera De Faria C. Ronca
Durante todos esses anos, como docente de cursos de formação
inicial e ou formação continuada de coordenadores pedagógicos e
professores, tenho procurado organizar cursos que possam efetivamente
contribuir para uma ação coerente e transformadora da prática
pedagógica.
Nessa busca permanente por tornar as aulas momentos privilegiados
para repensar a própria vida e a prática profissional, tenho utilizado
diferentes linguagens: figurativa, musical, poética, literária, pictórica,
artística etc.
Todas essas linguagens, acopladas aos conceitos trabalhados e
também aos textos, têm se revelado na opinião de ex-alunos e alunos
como geradoras de aprendizagens significativas. Uma das mais
marcantes experiências vividas por mim ao usar outras linguagens
ocorreu neste ano de 2000. Literalmente, me apaixonei por essa
descoberta que passo a relatar.
A partir da obra dos pintores Van Gogh e seu mestre Millet,
descobrimos elementos fundamentais sobre a importância dos modelos
na formação de coordenadores ou professores.
Realizamos uma seleção de obras relevantes de Van Gogh e
também de Millet. Em seguida, identificamos algumas obras deste último
que serviram de inspiração para o discípulo Van Gogh. Ao constatarmos
tantas semelhanças em termos de tema, título, elementos incluídos,
cenário escolhido, surgiram as seguintes questões:
• Será que Van Gogh copiou ou simplesmente imitou o mestre?
• Será que um pintor tão célebre como Van Gogh precisou de um
modelo para criar a partir dele?
• Podemos considerar Van Gogh criativo e original, mesmo tendo
se apoiado tanto no mestre?
154
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Para respondermos a essas questões, poderemos nos reportar a
alguns autores.
De acordo com Madalena Freire, não existe educação sem a
participação de modelos, sem a imitação. É também ela que explicita a
existência de movimentos presentes na relação entre modelos e
aprendizes.
Esses movimentos revelam, num primeiro estágio, uma profunda
ligação entre os dois, de tal forma que o modelo funciona como
parâmetro de reprodução; ele não erra, é motivo de adoração, "sabe
tudo", e o aprendiz estabelece com o modelo uma relação simbiótica.
Num segundo estágio, o discípulo terá no modelo um parâmetro de
representação, revela sentimentos de frustração, raiva, decepção com
relação ao modelo, de rebeldia, de afirmação pelo não e,
consequentemente, exerce uma crítica exacerbada ao modelo como
alguém que "não sabe nada".
Ao ultrapassar esse segundo movimento o aprendiz atinge um ponto
onde o modelo servirá como parâmetro de recriação. É a etapa de
humanização do mito ou modelo (ele também erra para aprender); é um
momento de incorporação dos sentimentos de amor e ódio permeando a
relação.
Nesse estágio, o ser que aprende percebe-se como alguém com
identidade, diferenciado; admite que o modelo sabe alguns conteúdos,
mas não sabe outros.
Assim, atinge uma relação emancipadora, porque não depende mais
da imitação, e sim da recriação para aprender. É capaz de produzir
pensamento original a partir da inspiração no mestre.
Vygotsky (1987) ajuda-nos igualmente a entender o pensamento
criativo quando esclarece que
"toda atividade humana que não se limita a reproduzir fatos ou impressões vividas,
mas cria novas imagens, novas ações, pertence a esta segunda função criadora ou
combinadora.
O cérebro não se limita a ser um órgão capaz de conservar ou reproduzir nossas
experiências passadas; é também um órgão combinador, criador, capaz de
reelaborar e criar, com elementos de experiências passadas, novas normas de
planejamento.
Se a atividade do homem se reduzisse a repetir o passado, o homem seria um ser
voltado exclusivamente para o vivido e incapaz de adaptar-se ao amanhã diferente.
RESPEITO
155
É precisamente a atividade criadora do Homem que faz dele um ser projetado para
o futuro, um ser que contribui ao criar, que modifica seu presente."
Nesse sentido, quanto maior o número e a riqueza das experiências
passadas, mais rica será a atividade combinadora. Os modelos ampliam
as nossas possibilidades de combinações.
É interessante revelar que Van Gogh tinha em seu quarto a
reprodução de um quadro de Millet.
Podemos imaginar, assim, quantas vezes ele deve ter olhado e
admirado esse quadro. Ao mesmo tempo podemos nos interrogar sobre o
que nossos jovens e crianças têm escolhido para decorar as paredes de
seus quartos.
É possível concluir, a partir das considerações anteriores, que a
presença marcante de Millet na vida e obra de Van Gogh foi fundamental
para ele desenvolver seus talentos e ser mais ele. Vincent foi capaz de
fazer uma releitura do mestre na medida em que recombinou os
elementos presentes nas obras inspiradoras.
A título de exemplo, quando observamos as obras O "semeador",
Os primeiros passos, O tosquiador de carneiros, Meio-dia: Intervalo
para a sesta, Manhã: casal camponês a caminho do trabalho, A
fiandeira, O ceifeiro etc, as marcas pessoais de Van Gogh são
evidenciadas nas pinceladas típicas, nas cores escolhidas, nas expressões
dos rostos; nos movimentos sugeridos pelos próprios traços e nos
sentimentos embutidos em cada quadro e muitos revelados nas cartas que
escreveu a seu irmão Théo.
Essa relação de superação e admiração que percebemos ao olhar as
obras de Van Gogh e Millet despertaram em mim profundas reflexões.
Pude concluir que tive durante e após a minha formação
profissionais que me fizeram ser mais eu a partir deles. Atuaram como
verdadeiros Millet: Newton Balzan, Maria da Glória Pimentel e Cleide
A. Terzi e, mais recentemente, a professora Ivani Fazenda. Por outro
lado, percebi que como professora posso e tenho sido modelo para meus
alunos, mas que a partir dessa proposta de trabalho com Millet e Van
Gogh preciso estar constantemente me perguntando sobre o tipo de
modelo que quero ser e tenho sido.
Outra conclusão bastante séria e pertinente para a nossa prática e
também para a construção de uma nova sociedade diz respeito à
necessida-
156
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
de de modelos como pontos de ancoragem, de apoio e de inspiração para
a formação dos diferentes profissionais: médicos, advogados, políticos,
administradores, professores etc. Cabe a nós, educadores, pensarmos
sobre algumas sérias questões:
• Quem são, hoje, os modelos que têm influenciado a nossa
juventude?
• Que valores esses modelos têm revelado?
• Como contribuir para uma nova sociedade com os modelos
presentes e principalmente focalizados pela mídia? (rádio, TV,
revistas)
• Como superar os valores presentes nos modelos que têm
enfatizado: o consumismo exagerado, o individualismo, o culto ao
corpo e a felicidade escravizada ao dinheiro?
A situação de extrema gravidade que percebemos em nossa
realidade brasileira atualmente nos faz pensar que precisamos resgatar
modelos sólidos para reverter com urgência esse quadro.
Se fizermos uma análise histórica nas diferentes áreas de
conhecimento, verificaremos que grandes mestres-modelos exerceram
influências profundas em homens que se tornaram célebres e importantes
para a humanidade.
Nesse momento, cabe apontar que a atitude interdisciplinar poderá
ajudar-nos a romper com esses falsos modelos na medida em que exige
de nós um olhar multiperspectival. Exige um olhar ampliado pelas várias
linguagens usando o conteúdo de diferentes ciências e disciplinas como
elementos fundamentais para a releitura de realidades onde queremos
transformar.
RESPEITO
157
Parceria
Nelly Zumilda Menéndez
Podría hablarse de parcería, cuando un grupo con el que se va a
trabajar, tiene incorporada la premisa de que ninguna forma de
conocimiento es en sí misma exclusiva. Por lo tanto, para valorar el
conocimiento científico del otro, es imprescindible partir de una gran
dosis de humildad, e intentar luego, el diálogo con otras fuentes del
saber, porque la especialidad de cada uno será sin duda totalmente ajena
a la de los otros.
La actitud más importante para comenzar este diálogo, es
deslumhrarse ante el conocimiento del otro, ya sea por el contenido de lo
que expone, por la claridad en hacerlo, o por los valores que encierran
sus conceptos.
El grupo va adquiriendo así, un tipo de saber que no está en ninguna
parte, porque les pertenece a todos y a cada uno, de manera armónica y a
la vez enriquecida por lo que trae cada persona, al llegar al grupo. Según
Ivani Arantes Fazenda: "Exige el pasaje de la subjetividad hacia la
intersujetividad".
La seguridad que se va gestando en ese transitar, es capaz de
modificar conductas muy estructuradas, y permite entrar en el mundo del
pensamiento interdisciplinar, base imprescindible para el trabajo en
parcería.
Al descubrir los valores que esta actitud interdisciplinar despierta,
se va gestando el nuevo paradigma de un científico-investigador, cuyo
eje central, será el descubrir la epistemología de esa forma de saber, que
los incluye a todos, en un centro que, conteniendo los aportes da las
diferentes ciencias, se abren para descubrir la síntesis-tesis, de sus
trabajos de investigación.
Sin pretender haber logrado concluir con ninguna de las
formaciones antedichas: interdisciplinaridad y trabajo en parcería, creo
que puede interesar, cono ejemplo, la lucha de quienes durante más de
veinte años,
158
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
procuraron difundirla en varios países, me refiero especialmente a Ivani
Arantes Fazenda, amiga que me permitió ver en sus múltiples trabajos,
cómo avanzaba en el ajustamiento del término interdisciplinar y en el de
parcería.
Desde Argentina, el ejemplo que se puede narrar, y que por ser el
más reciente, se tienen todavía las sensaciones que da un trabajo logrado
con gran esfuerzo, es el que se realizó, con mi conducción, en la
Universidad de Buenos Aires, en la Facultad de Odontología, en los años
1997 y 1998.
Convocados por la Carrera Docente de dicha Facultad, se
inscribieron en el Curso de Metodología de Investigación Pedagógica,
más de cincuenta Odontólogos. Al comienzo se perdían en la lucha por
tener que pensar y no repetir. Luego llegaron a aceptar y hasta admirar el
nuevo concepto centrado en el conocimiento del hombre. Para ellos este
concepto, sólo había sido tenido en cuenta, en la atención del paciente,
pero jamás en la reflexión sobre ellos mismos, sobre sus valores y en la
necesidad de encontrar un problema personal que los identificar con su
vida y con su profesión.
La comprensión de la lectura de Mario Bunge en La ciencia, su
método y su filosofía, los llevó a reconocer que mientras siguieran esos
lineamientos, estarían seguros en sus tareas.
La interdisciplina se fue gestando en el quehacer diario, siguiendo
la bibliografía específica. Así llegaron a escucharse mutuamente con
admiración, y en el silencio interior, a encontrarse a ellos mismos.
Aparece así, el comienzo del trabajo en parcería, ante la necesidad
de una ayuda mutua, ya que teniendo diferentes temas, necesitaban de la
interpretación del otro; más aún, considerando que, para integrarse, la
docente insistía en la importancia de reafirmar sus vivencias personales y
grupales.
Ese esfuerzo los llevó a terminar con gran satisfacción sus trabajos
de investigación, muy meritorios, por el poco tiempo que representa un
cuatrimestre y por la gran lucha que había realizado con ellos mismos.
Considero este ejemplo, cono el comienzo de un trabajo
interdisciplinar en parcería. El tiempo dirá, si los recibieron esa
motivación, podrán extenderla a otros, de modo que esta experiencia
pudiera contribuir a la formación de un nuevo paradigma en educación.
Ahora, podríamos establecer con mayor seguridad, el concepto de
parcería, denominándolo como proyecto de investigación interdisciplinar
RESPEITO
159
colectivo, en el cual cada uno de los participantes, se consideran pares,
trabajando juntos, docentes, alumnos, investigadores y todos los que
deseen entrar en esta aventura, de la cual es creadora y ejecutora, durante
tantos años la Dra. Ivani Arantes Fazenda, y con la cual he tenido el
honor de trabajar como parcera.
160
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Parceria
Reginaldo Dalla Justina
"Nós nos unificamos pelas nossas desigualdades."
Ivani C. A. Fazenda
A palavra parceria origina-se do latim partiariu, que significa par,
parelho, semelhante. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa
de Aurélio Buarque de Holanda, parceria é definida como: "Reunião de
pessoas para um fim de interesse comum; sociedade, companhia".
Novas definições estão surgindo em decorrência de mudanças no
paradigma científico. Se por um lado a teoria quântica (partículas
subatômicas são padrões de energia) suscitou discussões em relação à
natureza da matéria, por outro lado a teoria da relatividade (E=mc) acaba
de uma vez com os conceitos tradicionais de espaço e tempo. A ciência
passa a ser menos objetiva e mais epistêmica, implicando uma concepção
de totalidade da realidade a ser transformada, por meio de organizações
sociais que se comuniquem e cooperem entre si. A nova visão suscita um
diálogo criativo entre mente e corpo, interior e exterior, sujeito e objeto,
ser humano e natureza (Moraes, 1997).
Com o enfraquecimento da visão cartesiana e disciplinar de mundo,
podemos por intermédio de parcerias, gerar um movimento em busca da
compreensão da totalidade da realidade, onde a construção de
conhecimentos ocorre num contínuo ir e vir, interconectando o indivíduo,
que aprende consigo mesmo, com os seus pares e com o meio à sua volta.
Aprender passa a ser o produto de parcerias e trocas, em um processo
ininterrupto que dura toda a vida.
RESPEITO
161
É por meio deste processo que a parceria aparece na
interdisciplinaridade. Ela surge associada à paidéia, que pode ser
considerada a primeira e eterna proposta da educação. Na Grécia antiga,
o preceptor e o discípulo ampliavam e sintetizavam os conhecimentos do
mundo que traziam consigo, ambos evoluindo, possibilitando-lhes a
construção e produção de novos conhecimentos (Fazenda, 1998).
Parceria deriva da afetividade e do respeito, atributos próprios da
interdisciplinaridade. "Pode ser traduzida em cumplicidade" (Fazenda,
1991a: 13), que por sua vez implica participação e colaboração mútua.
Em uma sala de aula interdisciplinar o educador "é parceiro: parceiro dos
teóricos, parceiro de pares, parceiro de alunos, sempre parceiro" (Idem:
109). Não existe parceria sem que haja uma troca entre os parceiros,
assim como toda troca representa uma forma de parceria.
A parceria que se estabelece com os sujeitos entre si e com o
conhecimento histórico e socialmente construído é fundamental na
prática interdisciplinar. Surge de um movimento revelador dos aspectos
ocultos dos atos de ensinar e aprender que se processam por meio da
reflexão na e sobre a prática cotidiana (Fazenda, 1996).
Um exemplo de como esta prática se efetiva é descrita pelo físico
David Bohm (1996). De acordo com ele, quando as pessoas avançam
para padrões coordenados de ação, elas começam a agir de modo
alinhado: como um bando de pássaros que alçam vôo de uma árvore,
começam a voar, um a um, em ordem perfeitamente natural, em que cada
membro da equipe simplesmente sabe o que se espera que ele faça, pois
todos se encaixam num todo maior.
Quando em uma sala de aula todos se encaixam num todo maior,
ocorre o envolvimento, o qual é expresso durante os encontros nas
manhãs de quarta-feira junto com Ivani Fazenda. Todos sabiam o que
deveriam fazer, e isto é ressaltado nos momentos em que Ivani não estava
presente: sua ausência em matéria não interferia nos afazeres da classe,
pois o grupo coeso executava as atividades previstas com desenvoltura e
discernimento. Este é o espírito de uma sala de aula interdisciplinar:
"Todos se tornam parceiros. Parceiros de quê? Da produção de um conhecimento
para uma escola melhor, produtora de homens mais felizes (...) a obrigação é
alternada pela satisfação, a arrogância pela humildade, a solidão pela cooperação, a
especialização pela generalidade, o grupo
162
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
homogêneo pelo heterogêneo, a reprodução pelo questionamento (...) Em síntese,
numa sala de aula interdisciplinar há ritual de encontro — no início, no meio, no
fim" (Fazenda, 1991a: 83).
Graças a este ritual de encontro, graças a esta parceria, graças à
prática interdisciplinar de Ivani Fazenda, foi possível desenvolver, até o
momento, em catorze anos de estudos e pesquisas sobre
interdisciplinaridade no pós-graduação em Educação: Currículo da PUCSP, 51 produções orientadas nessa área. São doze teses de doutorado e 39
dissertações de mestrado, tecendo uma abrangente e densa área de
conhecimentos teóricos e práticos sobre interdisciplinaridade (Kachar,
2000). Este é mais um exemplo de como a parceria se efetiva na prática
interdisciplinar.
RESPEITO
163
Linguagem
Valéria Sperduti Lima
Linguagem é o uso de signos intersubjetivos que possibilitam a
comunicação (Abbagnano, 1998: 615). É multiforme e sobreposta a
diversos domínios: físico, fisiológico e psíquico. Todos os órgãos dos
sentidos podem servir para criar uma linguagem (Lalande, 1996). Ela
pertence aos domínios individual e social.
Para Chevalier (1991), há uma realidade profunda na relação línguaser. Evolui e ecoa todos os acontecimentos de uma história em comum: a
língua é a alma de uma cultura, de uma cidade. É a principal via de
comunicação de indivíduo a indivíduo, de grupo a grupo. Ela traduz certa
unidade do ser. Uma sociedade se desagrega quando abandona sua
língua, ou se esta se decompõe. Compreende-se que uma minoria étnica
se empenhe em conservá-la, como penhor de sua identidade.
Na filosofia, a linguagem é um instrumento no qual o significado se
constitui por meio do uso, ajustando-se ao seu objeto. A comunicação é
discurso organizado, que se realiza a partir das frases, trazendo o
contexto do que se comunica na organização das palavras.
Outra perspectiva de estudo é da linguagem como acaso. As ações
individualmente mutáveis e imprevisíveis apresentam uniformidade e
constância se consideradas em grande número. A linguagem caracteriza
uma sociedade.
Na psicanálise, Vygotsky (1987) estabelece uma relação entre a
linguagem e o desenvolvimento do ser, nos aspectos afetivo, emocional e
lógico. A evolução do pensamento e da fala se constitui por intermédio
do significado das palavras, transformando-se, conceitualmente, nas
relações com o outro. A cultura e o outro participam do desenvolvimento
pessoal e intelectual do comunicante.
A análise de uma linguagem é um processo dinâmico e complexo,
pois a consciência humana está em constante desenvolvimento, por meio
das interações que o ser estabelece.
164
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
O desenvolvimento da consciência se caracteriza por resgates
históricos que ocorrem a cada interação. A linguagem é viva, é a
expressão de um ser que se desenvolve em sua totalidade: emocional,
cultural, social e intelectual. Um ser que, enquanto se expressa,
transforma/transformando-se historicamente.
Como desprezar essa totalidade na relação ensino-aprendizagem?
A relação entre aluno e conhecimento é ativa, onde o mesmo é coautor. O conhecimento é obra coletiva construída a partir do momento em
que se cria relação com a bagagem sócio-histórico-cultural, inter e
intrapessoal. Esta relação é mediada pela diversidade de linguagens do
grupo. A história do indivíduo se insere em tantas outras e vice-versa.
História de vida e de linguagens, onde o conhecimento é uma obra
inacabada.
RESPEITO
165
Fronteira
Ecleide Cunico Furlanetto
Para nos aproximarmos do sentido da interdisciplinaridade,
podemos recorrer ao conceito de fronteira. Acredito que a recuperação
desse conceito nos permitirá percorrer um caminho metafórico que
favorecerá a descoberta de múltiplos sentidos para a interdisciplinaridade.
O que é uma fronteira? Ao observarmos um mapa, podemos perceber que
ela constitui uma linha divisória que delimita o fim de um espaço e o
início de outro. Ela explicita a diferença gerando uma ruptura na
continuidade. No entanto, essa mesma linha, ao promover a separação,
favorece também o surgimento da identidade. Tomemos como exemplo
um lago — o que nos permite identificá-lo? Ao procurar responder essa
questão, descobriremos a importância das margens que, ao limitarem as
águas, estarão também propiciando o reconhecimento do lago. Assim
como o lago é definido por suas margens, os indivíduos e o conhecimento
organizado em disciplinas também o são. As margens que os fazem
únicos, diversos e separados dos outros. Voltando nosso olhar para os
mapas, comparando os atuais com os de outras épocas históricas,
veremos que as fronteiras não são fixas, estão sempre em movimento,
sendo constantemente alargadas, estreitadas e transformadas.
Apresentam-se como construções plenas de provisoriedade. Olhando-os
novamente, podemos constatar também que os territórios não são
fragmentos separados, mas estão intimamente ligados, constituindo partes
profundamente relacionadas ao todo.
Caso ampliemos ainda mais o conceito de fronteira e, em vez de a
vermos somente como uma linha divisória, olharmos para ela como se
apresenta na realidade, veremos que essa linha se concretiza de diversas
formas, embora isso seja muitas vezes imperceptível ao nosso olhar. Ao
redor de cada fronteira surge uma região que podemos denominar de
fronteiriça, na qual o eu convive com o outro. Descobrimos que ao
mesmo tempo que a fronteira promove a separação, possibilita a
interseção.
166
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Segundo Saiz (1998), ela é também um abrir-se para fora que pode
possibilitar a criação de novos espaços. É nas regiões fronteiriças que
surge a inovação, a fertilidade e a transgressão. Essas regiões, onde os
contornos estão e não estão delimitados, transformam-se em frentes que
se abrem para a região do novo, nas quais é possível o aparecimento do
diálogo, da ousadia e também da parceria. E a fronteira passa, dessa
forma, a possuir uma multiplicidade de sentidos. Ao mesmo tempo que
limita, possibilita a flexibilidade, liga ao todo, confere identidade e
transforma-se numa região de separação e de encontro.
A interdisciplinaridade pode surgir como esse conhecimento que se
produz nas regiões em que as fronteiras se encontram e criam espaços de
interseção, onde o eu e o outro, sem abrir mão de suas características e de
sua diversidade, abrem-se disponíveis para a troca e para a
transformação. Movimentos interdisciplinares acontecem a partir dessa
postura de expansão de campos e de abertura de fronteiras que, ao serem
transformadas, modificam também o interior dos territórios. Para que
sejam criados esses espaços de encontros e de interseções entre as áreas
do conhecimento, é necessário a construção de uma atitude
interdisciplinar, sem a qual não é possível esse movimento de
aproximação e transformação que vai além das disciplinas.
As pesquisas a respeito da interdisciplinaridade que vimos e
acompanhamos nos informam que os movimentos interdisciplinares
evocam não só a abertura das fronteiras externas, mas principalmente das
fronteiras internas dos indivíduos. Observamos que elas surgem quando
existe disponibilidade para uma revisão das matrizes pedagógicas
(Furlanetto, 1997) que cada professor possui, matrizes construídas não
somente a partir de atividades sistemáticas de formação, mas também
gestadas a partir de modelos e de diversas vivências de aprendizagem,
reconhecidas, ampliadas e transformadas para que novas possibilidades
de ação sejam percebidas. Ao descobrir sua plasticidade, o educador
torna-se mais disponível para tornar mais plástico seu fazer.
Além das fronteiras internas, faz-se necessária também uma
abertura das fronteiras externas do indivíduo que se traduzem na
possibilidade
da
inter-relação.
Alguns
pressupostos
da
interdisciplinaridade já são muito conhecidos entre nós, educadores.
Entre eles, reciprocidade, troca, espera, humildade e parceria. Todos
eles apontam para a possibilidade de abrir
RESPEITO
167
fronteiras e criar zonas de interseção com o outro. As pesquisas também
têm nos mostrado que as práticas interdisciplinares tendem a acontecer
em espaços nos quais esses pressupostos estão presentes.
A atitude interdisciplinar tem também favorecido a abertura das
próprias fronteiras da escola, criando zonas de interseção com a
comunidade e com a realidade. Os muros fechados são substituídos por
membranas que, embora contendo substâncias, permitem sua passagem.
Temos visto muitos projetos acontecerem, envolvendo pais e
comunidade, permitindo ao aluno perceber a importância do
conhecimento para resolver questões e problemas do cotidiano.
Todo esse movimento de flexibilização e de criação de zonas de
interseção na escola estimula um dos encontros mais importantes: o do
aluno com o conhecimento. Percebemos que, muitas vezes, as práticas
disciplinares, estanques, repetitivas e fragmentadas têm a propensão de
provocar nos alunos uma atitude de fechamento para o conhecimento. O
que observamos é que quando existe na escola todo esse movimento de
flexibilização e de abertura, que descrevemos anteriormente, os alunos
também se abrem para o conhecimento, para as relações com os
professores e com os colegas, passando a desenvolver uma postura
interdisciplinar.
168
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Vivência
Margaréte May Berkenbrock Rosito
Penso que algo ambiguamente forte e sutil acontece quando
exercitamos o olhar para dentro, para fora, para nós e para o outro, um
processo de dor e alegria. Dor, quando as remanescências de nossa
história de vida incide em nossa dificuldade de enxergar possibilidades de
nos conhecer, de olhar o outro. Alegria, quando ultrapassamos essa
limitação remetendo-nos a uma ilha de paz proporcionada pela fusão dos
olhares, que nos foi possível transcender.
Esse processo doloroso e ao mesmo tempo alegre do olhar permiteme falar aqui a respeito da experiência do momento em que os olhares se
cruzam, mas são divergentes. E por que esses olhares se tornam um dia
convergentes.
Quando, pela primeira vez, fiz parte do Grupo Interdisciplinaridade,
na linha de pesquisa defendida pela professora Ivani Fazenda, não houve
sintonia entre a minha intenção e a do grupo. As intenções eram
frontalmente díspares, não havia sentido naquele momento a reflexão
sobre o significado do símbolo. Entrava naquele instante em campos até
então desconhecidos para mim, a fenomelogia e os hermetismos da
psicanálise, a teoria dos significados, coisas estranhas que não se
coadunavam com o objetivo de um pensamento crítico voltado para a
transformação social, discussões essas que permearam minha formação
no curso de pedagogia, que iniciei em 1981.
Não havendo sincronicidade necessária para fazer parte do grupo,
afastei-me. Os encontros com a professora Ivani Fazenda se restringiram
aos corredores e à sala do Programa Supervisão e Currículo-PUC-SP.
Nesses espaços, sentia, naquele jeito manso de ser, uma abertura para a
conversa e um olhar que me intrigava muito, não conseguindo decifrá-lo.
Hoje, penso que aquele olhar significava a espera vigiada da semente que
lançara em seu fazer interdisciplinaridade, cujos princípios podemos
chamar de
RESPEITO
169
prática da vida. O motor da ação interdisciplinar estava no
convencimento de que deveríamos articular o olhar interior com o
exterior. Tal atitude vem modificando o modo de fazer pesquisa na
academia e contribuindo para uma prática pedagógica diferenciada.
A convergência de meu olhar com a interdisciplinaridade surge em
tempo diferente do grupo e em um espaço distante, fora do país. É
curioso, mas, na Alemanha, comecei a entender o significado da
interdisciplinaridade na convivência com a sua cultura. Intencionalmente,
gostaria de empreender um exercício de pensar a interdisciplinaridade a
partir de alguns insights que essa experiência me proporcionou,
possibilitando lançar outros olhares, dar ouvidos a outras vozes, a outro
idioma.
Foi no cotidiano de uma cidadezinha, nos arredores de Frankfurt,
que aprendi sobretudo a ser ecologicamente correta. Dentro de casa,
separava o lixo em metais, produtos com grüne punkt (ponto verde),
material orgânico, jornais, revistas, vidros nas cores verde, marrom,
branco. Por quê fazer isso? Porque percebia a importância da reciclagem
do lixo que devolve às prateleiras do supermercado produtos mais
baratos e com designers belíssimos, manutenção de empregos e
preservação do meio ambiente. Ao ir ao supermercado, levava cesta de
vime para frutas, legumes, e cesta de plástico resistente para outros
produtos, além de sacola de pano para o pão. Evitava o uso de sacolas
plásticas, que são prejudiciais ao meio ambiente pela sua resistência a
decompor-se.
Entrava em prédios construídos nos anos 680, 460 e anteriores; um
mercado construído em 680 ainda hoje funciona vendendo diretamente
do produtor. Impressionava-me o fato de o passado conviver de forma
harmoniosa com o presente. Uma sensação agradável para quem vivia
num país onde prédios e casas que marcaram época são destruídos para
dar lugar a edificações de concreto e vidro, como sinal de progresso. Ia
ao mercado de bicicleta, trafegando por ciclovias seguras e planejadas.
O romantismo está presente no cotidiano dos alemães. No jantar, a
vela acesa é um personagem importante. Quando o clima permitia, os
jantares eram feitos no jardim, à luz de velas. Durante o café da tarde, os
convidados eram recebidos com uma mesa ornada com uma linda toalha,
a melhor louça, flores e, como sempre, as velas. É a maneira mais
carinhosa de vivenciar o encontro entre as pessoas.
170
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Os jardins públicos, numa visão religiosa, parecem um pedaço do
paraíso na terra. Com a chegada da primavera, a explosão da natureza,
como dizem os alemães, traz de volta o verde e o colorido contrastante e
vibrante das diferentes flores, que enfeitam os jardins das casas e os
terraços dos apartamentos. Ao plantar gerânios vermelhos em meu
terraço, recebi um abraço da vizinha que disse somente agora o prédio
ficou bonito, porque há cinco anos ninguém plantava flores ali. Aos
poucos, fui percebendo que, para os alemães, não basta uma casa ser
bonita; é no conjunto delas que está a beleza.
Na escola sem muros pode-se ver nos fins de semana as crianças e
adolescentes usando as quadras de esportes, sem algazarra, mas com
alegria nas faces. Também sem muros, sem cerca elétrica ou arames
farpados ficavam os campos de cerejas e morangos, cujos frutos não
eram tocados pelos transeuntes. Não os tocam não por medo de
represálias, mas por respeito ao trabalho que sustenta uma ou várias
famílias, o comércio da comunidade e os empregos.
Ao longe, avistava-se Frankfurt com seus poucos arranha-céus, num
delírio germânico de se tornar talvez uma cidade norte-americana, o que
não agrada a seus habitantes, que se opõem à despersonalização da
cultura alemã nesse espaço, entre cerejas e morangos, onde o valor da
vida está na simplicidade e em pequenas ações por meio das quais
compreendi a interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade fala do simples, do desejo de querer resgatar
a simplicidade da vida, o amor, a paixão. Uma tarefa não fácil, mas não
impossível. Ao nos aventurarmos pelos bordados complicados do
marxismo, às vezes esquecemos de nossas almas. Pude verificar isso ao
visitar a casa onde Marx nasceu e viveu parte de sua vida em Trier, divisa
da Alemanha com Luxemburgo. O meu olhar sobre seus manuscritos me
fizeram enxergá-lo de corpo inteiro e coração. Interdisciplinaridade é
isso: a união do coração e a mente, é falar com a alma as questões que
permeiam nossas vidas e que são fonte de conhecimento.
Relatar minha passagem pela Alemanha aponta que os temas
cidadania e interdisciplinaridade combinam, desmistificando minha ideia
inicial, pois não falamos dela, vi vencíamos. A visão marxista não dá
conta da realidade, nem é o melhor e único caminho para a transformação
social. Por meio da vida simples, compartilhada, do cuidado com as
pequenas
RESPEITO
171
coisas, do respeito à subjetividade, da partilha de ideias e sentimentos, da
importância do outro, poderemos estar vislumbrando não apenas as vozes
dos sujeitos nos textos e nas práticas pedagógicas, mas as possibilidades
que levam o homem à auto-estima, ao resgate da dignidade, fazendo-o
sentir-se cidadão responsável pela realidade da qual é parte. Ideias,
valores e vivências que, mais que a luta de classes e os questionamentos,
podem contribuir para a transformação social. É o que pode ocorrer por
intermédio da visão interdisciplinar com a qual agora me identifico.
Ao dialogar com as formulações interdisciplinares e a minha
trajetória, percebo a importância do momento certo para as coisas
acontecerem, do respeito às próprias limitações e às do outro. Nem
sempre conseguimos ouvir a voz de nossos corações, mesmo quando o
desejamos. Ao lidar com coisas tão delicadas, como a subjetividade, é
preciso lembrar o que pode desencadear o que está latente em nós e no
outro? Para essa leitura, considero extremamente importante deixar-se
envolver pelas categorias apregoadas pela interdisciplinaridade: a
humildade, a espera, o respeito, a ousadia, que é por onde se movimenta a
atitude interdisciplinar, um processo de eterno aprendizado.
172
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Alfabetização
Marisa Del Cioppo Elias
Antes de desenvolver o tema, cabe perguntar o que é alfabetização?
O Novo dicionário da língua portuguesa traz uma definição bastante
simples, qual seja: "propagar o ensino da leitura".
Derivado do grego alphábêtos e do latim alphabetum, alfabetizar
significa a "disposição convencional das letras de uma língua ou o
conjunto das letras com que se representam os sons ou fonemas"
(Fontinha, s/d). Ao conjunto das letras ou caracteres de qualquer língua
também se dá o nome de abecedário. Santo Agostinho e Fulgêncio20
designavam por esse adjetivo certos hinos litúrgicos da Idade Média, que
se compunham de 23 estrofes, sendo que cada uma delas começava por
uma das letras do alfabeto, conforme a ordem prescrita, desde a até z,
com exclusão de j e v, ainda não diferenciadas de i e u, respectivamente
(Gourmont, s/d: 77-8. In Machado, s/d: 34).
O alfabeto resultou, sem dúvida, da adaptação de um dos sistemas
pré-alfabéticos a novas necessidades e suscitou uma das mais importantes
descobertas científicas da história da humanidade (a escrita),
provavelmente a primeira grande incursão do homem no seu inconsciente
cognitivo. Conhecidos historicamente como pictográfico, ideográfico,
logográfico, silábico e alfabético, eles representam a linguagem falada,
cada um num nível diferente, respectivamente lexical (as palavras e os
morfemas que as constituem), silábico e fonêmico.
A invenção do alfabeto acarretou, de imediato, a descoberta daquilo
que ele representa, o fonema. Por volta do século IX a. C, os gregos
adotaram a forma das letras da escrita fenícia, seu número, ordem e
nomes. Assim, alfa, beta, gama e delta correspondem a nomes hebraicos,
muito
20. Conferir também C. G. L., II, 578, 14.
RESPEITO
173
próximos aos dos fenícios, uma vez que as línguas hebraica e fenícia
parecem ter apresentado alto grau de semelhança: aleph, boi; beth, casa;
gimel, camelo, e daleth, porta. Mas tanto em grego como em latim ou nas
línguas indo-europeias, há combinações entre corrente vocálica e
obstáculos consonânticos.
Para compreender a aprendizagem desse maravilhoso instrumento
de representação (o sistema alfabético) é preciso saber exatamente o que
é o alfabeto, como ele se tornou capaz de representar a linguagem dos
fonemas, de que capacidades precisamos para apreender essa relação, e
como a representação alfabética passou a ser modulada por convenções
ortográficas. Durante muito tempo o conteúdo etimológico do processo
de alfabetização foi, por este motivo, reduzido a uma esfera mecânica, na
qual alfabetizar-se se vinculava às habilidades de codificação (ou
representação escrita de fonemas em grafemas) e decodificação (ou
representação oral de grafemas em fonemas).
Superada a perspectiva de análise estritamente pedagógica, fica
evidente que a complexidade do processo de alfabetização implica a
articulação de análises provenientes de diferentes áreas do conhecimento
e pressupõe uma pluralidade de enfoques que envolve atores, métodos,
meios, que só terão colaboração efetiva quando articulados numa teoria
coerente que dê conta de todas as facetas do fenômeno. As capacidades
linguísticas interpeladas pelos diferentes sistemas de escrita não são
exatamente as mesmas. A aprendizagem da escrita alfabética, por
exemplo, exige competências diferentes daquelas da aprendizagem de
outros sistemas, e se desenvolve de maneira própria.
Emerge também da consciência de que se trata de um problema
social que demanda o concurso de toda a sociedade e o efetivo
comprometimento do poder público, das instituições governamentais e
das associações particulares.
Conscientes de que a alfabetização é apenas o início de um processo
educativo que deve visar os graus mais altos do saber e que, não sendo
mero processo de transmissão de técnicas particulares de leitura e escrita,
tem de levar ao domínio do código escrito, sob a pena de sonegar um
direito daqueles que vivem numa sociedade letrada e desigual, como
conceber essa alfabetização? Para que, a quem e como alfabetizar?
Retomando a perspectiva histórica, temos de nos reportar às
experiências conduzidas por Paulo Freire, que antecedem e acompanham,
no
174
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
tempo, o acontecimento da alfabetização funcional. Para ele, pensar a
leitura não é pensar apenas o ato de decodificação da palavra escrita, pois
a leitura do mundo precede a da palavra. A alfabetização é vista como um
processo em que o analfabeto toma consciência de sua capacidade
criadora, vindo a considerar o símbolo escrito como mais um meio de se
exprimir e libertar. Entende que é preciso estabelecer uma forte ligação
entre a atividade alfabetizante e as situações de vida do analfabeto. A
alfabetização torna-se, assim, um meio de democratização da cultura e
um instrumento de promoção coletiva.
O relatório para a Unesco, da Comissão Mundial sobre educação
para todos, realizada em Quito, Equador, em 1990, mostra que a
educação ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas. A evolução
rápida do mundo aumenta o papel que ela desempenha na dinâmica das
sociedades modernas, exigindo não só o conhecimento das letras e
números, não se limitando ao ensino de códigos, mas uma atualização
contínua dos saberes.
Todos devem, igualmente, poder se beneficiar de uma alfabetização
que responda às necessidades fundamentais do homem, tanto em relação
"aos instrumentos essenciais de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral,
cálculo, resolução de problemas), como aos conteúdos educativos fundamentais
(conhecimentos, aptidões, valores e atitudes) de que o ser humano tem necessidade
para sobreviver, desenvolver todas as suas faculdades, viver e trabalhar com
dignidade, participar plenamente no desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua
existência, tomar decisões esclarecidas e continuar a aprender".21
A alfabetização, hoje, supõe: o respeito aos padrões culturais de
vida e de aprendizagem da população envolvida, a possibilidade de essa
população expressar a sua cultura; o acesso ao conhecimento de outros
padrões culturais, formas de vida etc, que permita uma leitura crítica de
sua própria realidade; o exercício de uma educação participativa em que
a população possa interagir na formulação dos projetos a ela destinados.
E, por isso, é preciso estar junto da população, conhecer suas
necessidades, motivações e aspirações no que toca ao processo educativo.
21. Art. I da Declaração Mundial sobre educação para todos e Quadro de Ação para responder
às necessidades educativas fundamentais. In: Delors, J., 1998, p.126.
RESPEITO
175
Alfabetizar significa, pois, a reconstrução ativa do objeto do
conhecimento, o que inclui, fundamentalmente, uma dimensão pessoal,
criadora e interdisciplinar. Essa visão de alfabetização contrasta
frontalmente com a de ensinar o alfabeto, ou seja, treinamento repetitivo
de sons, letras e sílabas. Não que ignoremos a formação de hábitos, mas
os entendemos como subprodutos de uma etapa inteligente que prioriza
sobre o representativo a elaboração do como e dos porquês das nossas
ações. Daí a importância de se ligar a prática de ensino ao contexto social
da criança/adulto, sua cultura, o que muda radicalmente a metodologia do
processo de alfabetização (teoria e prática).
Portanto, uma alfabetização bem-sucedida é aquela que suscita o
desejo de aprender e leva em conta o conjunto das competências
adquiridas, derivadas de uma compreensão não dicotômica de linguagem,
quando passa a ser vista, fundamentalmente, como processo de produção
de significados que se consubstanciam numa unidade dos conteúdos em
direção à construção de significações linguísticas. No processo de
realização prática da linguagem, nos seus usos e funções, ela é
inseparável de seu conteúdo de significações.
Pelo caráter de inter e transdisciplinaridade percebe-se, com
profundidade, a natureza da linguagem, seu papel na estruturação do
psiquismo, sua indissolubilidade dos processos de pensamento, seu papel
na construção do conhecimento e seu caráter ideológico. A maneira
como um indivíduo vê o mundo e o representa depende de suas
experiências sociais, captadas por categorias de linguagem. É o domínio
dos signos verbais, linguagem, que garante este salto de um estar no
mundo e ser no mundo, do sensorial para o racional, portanto, ligado à
prática social humana.
Grandes são, portanto, os desafios postos à alfabetização num
mundo cada vez mais multicultural, onde a rápida expansão das redes de
comunicação adentra a intimidade de milhões de lares, tanto nas zonas
urbanas quanto nas rurais.
A alfabetização do século XXI deve dar provas de flexibilidade e
imaginação, buscando no multiculturalismo e na plurietnicidade os reais
pilares de uma ação interdisciplinar, para a verdadeira integração social
democrática, capaz de despertar valores culturais universais fundados na
ética global, nos direitos da pessoa humana (ética moral) e estimular, ao
176
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
mesmo tempo, o respeito mútuo das culturas (pluralismo cultural), na
base do reconhecimento dos direitos coletivos de todos os povos do
planeta (compreensão e tolerância), grandes ou pequenos, espírito de
solidariedade, todos com os mesmos méritos (responsabilidades e espírito
aberto à mudança).
Será este o desafio que a educação do século XXI deverá enfrentar.
RESPEITO
177
Literacia
Maria de Nazaré Trindade
O termo "literacia" deriva do latim litteratus, que, no tempo de
Cícero, significava "pessoa instruída".
No início da Idade Média o litteratus (em oposição a illiteratus) era
alguém que sabia pelo menos ler textos em latim, mas depois de 1300,
devido ao declínio do saber na Europa, chegou a significar um nível
mínimo de conhecimento em termos de língua latina.
Depois da reforma literacia passa a significar a capacidade de ler e
escrever na sua própria língua. De acordo com o Oxford University
English Dictionary o substantivo literacy aparece no século XIX, à volta
do início da década de 80, formado a partir do adjetivo literate que surge
no inglês escrito em meados do século XV.
O uso corrente do termo implica uma interação entre as exigências
sociais e a capacidade individual. Assim, é natural que os níveis de
literacia exigidos para o funcionamento social variem em função de uma
cultura e, em termos temporais, dentro da mesma cultura. Ou seja, o que
era exigido em termos de literacia na época dos descobrimentos é
necessariamente diferente do tipo de literacia hoje fundamental nas
nações industrializadas. Estas diferenças podem ser, em nossa opinião,
mais quantitativas do que qualitativas.
No século XIX e início do XX a ênfase colocada pelos governos
europeus no sentido de lutar contra a iliteracia (em Portugal
analfabetismo) e reduzir o número de iletrados levou ao estabelecimento
da oposição entre literacia e iliteracia, ou seja, à oposição entre os dois
conceitos.
Hoje podemos considerar literacia como um contínuo que parte de
um fundo residual de iliteracia.
Em 1980, os estudos sobre literacia da Unesco definiram o termo
literacia funcional como o composto de skills e capacidades necessários
ao
178
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
uso da língua escrita em função das exigências da vida quotidiana. A esta
forma de literacia também se tem chamado "literacia pragmática ou
funcional" para a distinguir de um tipo de literacia de nível mais elevado
designado por "literacia cultural, literacia avançada e alta literacia".
Não podemos deixar de referir o conceito de literacia defendido por
Paulo Freire (citado em Soares, 1992), para quem literacia é a capacidade
de usar a leitura e a escrita como meios para alcançar a
consciencialização do real e a aquisição da capacidade de transformar
essa realidade.
Considerado como um direito humano fundamental no Simpósio
Internacional sobre Literacia realizado no ano de 1975 em Persepolis, o
conceito de literacia para além de nos parecer insuficientemente
esclarecido e delimitado, não é, infelizmente, algo acessível a todos os
homens, independentemente da classe social, cor, língua, religião,
situação geográfica, cultura ou nível civilizacional.
Contudo, no mundo ocidental, a ocorrência do termo "literacia", em
escritos provenientes da comunidade científica, tem vindo a crescer
principalmente na última década.
Embora, como atrás referimos, o domínio da leitura e escrita (e até
do cálculo) tenham marcado fortemente o significado inicial do termo, a
proliferação pós-moderna da utilização do significante "literacias" levou
à ultrapassagem absoluta e irreversível, desse contexto.
Deparamo-nos hoje, frequentemente, com os conceitos de literacia
científica (e, dentro desta, a literacia matemática), literacia cultural,
visual, tecnológica (e, dentro desta a computacional) literacia intergerações etc.
O conceito surge assim de tal forma alargado, que já não tem
sentido utilizar o singular, na medida em que múltiplos pressupostos
estão agora subjacentes à sua definição. Este conceito tem,
obrigatoriamente, de atender a diferentes culturas, áreas diversificadas do
saber e múltiplas fontes de informação.
A expansão dos limites do conceito fez surgir uma certa confusão
na definição exata do termo "literacia", tornando-se uma área
decisivamente transdisciplinar, pelo que se torna necessário um trabalho
de focalização analítica, tanto na via sincrônica como na diacrônica,
perspectivando o estabelecimento de balizas situacionais e o
esclarecimento de algumas complexidades e contradições que alberga no
seu seio.
RESPEITO
179
Implicações pedagógico-didáticas
A influência do conceito de literacia mostra-se nas orientações
curriculares de muitos países, bem como nas recomendações de vários
organismos internacionais ligados à educação, visando a alteração e
melhoria das políticas educativas. A estas aparece ligada uma perspectiva
de reforçar, no domínio das aprendizagens, a componente da
compreensão a nível da escola e da vida que, durante muitas décadas,
havia sido sufocada pela opção memorística.
Aliado a esta componente compreensiva ocorre a perspectiva
"ativista" em educação, defendendo que o ser humano só aprende
verdadeiramente através da ação, da atividade na construção do
conhecimento.
Uma outra vertente do conceito aqui abordado e explorável em
termos pedagógicos ocorre na perspectiva de criação e fruição de uma
educação de qualidade para todos, educação essa que, por um lado,
forneça ao indivíduo estratégias de pensamento, de desenvolvimento
mental que o ajudem a enfrentar os desafios de um mundo em constante
evolução e, por outro lado, que seja uma educação promotora de valores
e atitudes que permitam à humanidade, por intermédio de cada um dos
seus elementos, construir um mundo mais justo, mais à medida do ser
humano.
180
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Caminhos
Maria Inês Diniz Gonçalves
Estudar os textos que Yves Lenoir e Lucie Sauvé publicaram nos n°s
124 e 125 da Revue Française de Pedagogie, sob o título "De
l'interdisciplinarité scolaire à l'interdisciplinarté dans la formation à
l'enseignemente: un état de la question", teve especial importância para o
Grupo de Estudo e Pesquisa da Interdisciplinaridade, recentemente
consolidado na PUC — Pontifícia Universidade de São Paulo.
O trajeto percorrido por esses autores, no empenho de orientar a
formação do professor interdisciplinar, trouxe valiosos esclarecimentos
para as reflexões que, no momento, constituía-se em preocupação para o
grupo fundado, dirigido e orientado pela renomada professora e doutora
Ivani Fazenda, expoente da interdisciplinaridade no Brasil.
Delimitar, definir e argumentar sobre as diferentes abordagens pelas
quais é pensada a interdisciplinaridade veio pontuar questões bastante
pertinentes às expectativas de realização nos campos da pesquisa, do
ensino e da prática pedagógica. O mapeamento geográfico, histórico e
filosófico dessa nova visão sobre o ato educacional veio sustentar
algumas ideias e esclarecer outras para que o grupo pudesse avançar na
direção pretendida.
Cada aspecto abordado constituiu-se em tema para discussões que
se converteram em esclarecimentos às questões polemizadas, tendo em
vista a concepção e a realização de trabalhos interdisciplinares. A forma
com que foi explicitada as diferentes abordagens, com as quais é possível
compreender e trabalhar interdisciplinarmente, levando-se em conta as
características de cada contexto, ou seja, o científico, o escolar, o
profissional e o prático, permitiu identificar e avaliar melhor cada
projeto. Reconhecer e compreender, em cada um, a amplitude da
abordagem pelos caminhos das ideologias, epistemologias ou
metodologias contribuiu para esclarecer os campos de investigação
propostos, possibilitando avanços significativos no sentido de elucidar o
objeto da pesquisa em função da finalidade pretendida.
RESPEITO
181
A preocupação com o profissional destinado a exercer a
interdisciplinaridade escolar, ou seja, a formação do professor
encarregado de traduzir e vivenciar toda a complexidade que o processo
requer, é característica marcante do grupo. Contar com os
esclarecimentos advindos das reflexões contidas no texto como, por
exemplo, "o lugar e a função da interdisciplinaridade no processo de
formação", consolidou, aos nossos olhos, aspectos que careciam de
compreensão maior. A metáfora tomada das dimensões "profondeur",
como aprofundamento, e "largeur" na ideia de ampliação e amplidão,
fundamentou, sobremaneira, as discussões em torno da formação
continuada.
Foi consensual a necessidade de ampliação e aprofundamento nesse
sentido. Acreditamos que, além da formação inicial pela qual o professor
se descobre interdisciplinar e apropria-se dos instrumentos teóricos e
práticos necessários à vivência, é pertinente que ele, temporariamente, se
reabasteça, tendo em vista as constantes mudanças que se processam na
atualidade. É necessário que lhe seja oferecida condições especiais para a
avaliação das "imposições" advindas do meio social. Delas devem surgir
as reflexões que subsidiarão as "reações" pessoais e profissionais para
que o ato educativo, com base no momento presente, seja permeado por
ações adequadas capazes de intervir com eficiência no processo de
crescimento intelectual, pessoal e humano dos educandos.
DESAPEGO
185
Corporeidade
Míriam Suzete de Oliveira Rosa
Durante muito tempo vimos a educação formal ser dirigida
prioritariamente para uma mente desconectada de um corpo vivo que,
embora brincante e aprendiz tanto quanto a mente, não lhe têm dirigidas
maiores atenções, ignorando desde suas necessidades mais básicas aos
seus desejos mais postergáveis.
Deve acontecer na escola a mesma lógica apontada por Sheldrake
(1993), quando diz que a cisão entre ciência e fé acaba por criar uma
forma de conhecer o mundo pelo esquecimento do mito, fazendo com
que cientistas acreditem que a forma de saber é pela sujeição,
transformando a natureza em mero objeto a ser dominado.
Rodrigues (1986) compara a educação ao adestramento, apontando
que sem dúvida aquela vem sendo utilizada como sinônimo desta.
Revela, por meio de seus estudos, que a criança nasce ambidestra,
mantendo esta qualidade até os oito meses de idade, quando então é
adestrada pelo processo cultural, sendo a aprendizagem, e não o fator
biológico, o que vai determinar o uso quase exclusivo da mão direita.
Informa que diversas culturas mantêm a mão esquerda da criança
amarrada por entendê-la como impura, profana, causadora da desordem
ou do caos.
Este mesmo autor também aponta que na língua portuguesa
"sinistra" significa mão esquerda e que consideramos nossa mão direita
como a melhor. É colocado no corpo as ambiguidades referente ao
sagrado/profano;
limpo/sujo;
ordem/desordem;
puro/impuro;
direito/esquerdo.
Ao longo dos tempos este silenciamento dos corpos realizado nos
processos educativos tem resultado numa negação de sua existência, isto
é, em alguns casos, numa subjugação que leva ao extermínio da
qualidade do que poderia ser o mais humano no Ser Humano.
Bertherat (1977), em seus escritos, nos revela os objetivos
inconfessáveis da educação física utilizada nas escolas, a ginástica
imposta para
186
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
disciplinar, conformar e alienar corpos, colocando-os nos parâmetros
estéticos e estáticos que a sociedade exige, na tentativa de perpetuar a
forma padronizada.
No geral, a educação faz do corpo infantil o adulto produtor,
buscando domesticar instintos e sonhos. Desde a mais tenra idade, as
crianças vão apreendendo o que culturalmente não é aceitável de se fazer
em público ou a qualquer hora. Para ser um indivíduo socializado,
devemos disciplinar nossos instintos fisiológicos mais básicos. Aprendese que há hora para tudo, controlam-se todos nossos orifícios naturais por
meio das rotinas escolares que estabelecem a ocupação do tempo e do
espaço.
Prematuramente, apreendemos a fechá-los, a higienizá-los, a
disfarçar seus odores naturais com perfumes e a esconder até o resultado
de seus funcionamentos habituais.
Há hora para ir ao banheiro e uma infinidade de outros tempos em
que se ignora a fisiologia e prestigia-se a cultura. Há hora para brincar e
uma eternidade de momentos para trabalhar ou manter-se na imobilidade.
Pergunte a uma criança qual é a melhor hora na escola e terá como
resposta, na maioria das vezes, que é a hora do recreio. No que ela está
coberta de razão, pois, como indica Maturana (1998: 61):
"A dificuldade das mudanças de entendimento, de pensamento, de valores, é
grande. Isso se deve à inércia corporal, e não ao fato de o corpo ser um lastro ou
constituir uma limitação. Ele é nossa possibilidade e condição de ser."
Há hora para falar e muito tempo para calar.
Freire (1985) aponta a necessidade de aprendermos a falar com o
Outro e, não, para o Outro, explicitando uma essencial urgência de
quebra da cadeia de silêncios a que somos submetidos nas diversas
instituições que nos socializam. Entretanto, para se falar com o Outro,
faz-se necessário escutá-lo, praticando a alteridade.
A predisposição da escuta colaborativa pode facilitar o exercício da
comunicação significativa entre indivíduos, coletividades e nações.
Novos estudos mostram que é necessário que retomemos
urgentemente a corporeidade como instrumento de aprendizagem, e
embora esta questão não apareça expressa nos textos consultados sobre
DESAPEGO
187
interdisciplinaridade, encontro em Maturana suporte para redirecionar o
foco do olhar sobre o corpo aprendiz. Este autor revela que:
"Todos sabemos, ainda que nem sempre tenhamos clareza disso, o que está
envolvido no aprender é a transformação de nossa corporalidade, que segue um
curso ou outro dependendo de nosso modo de viver. Falamos de aprendizagem
como da captação de um mundo independente num operar abstrato que quase não
atinge nossa corporalidade, mas sabemos que não é assim. Sabemos que o aprender
tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem em nós de maneira contingente
com a história de nossas interações" (Maturana, 1998: 60).
Morin também alerta que é impossível separar nossa constituição
ontológica de Ser Humano sem que levemos em conta os dois aspectos
que nos produz, qual sejam, o biológico e o cultural:
"De repente, desmorona-se o antigo paradigma que opunha natureza e cultura. A
evolução biológica e a evolução cultural são dois aspectos, dois pólos de
desenvolvimento inter-relacionados e interferentes do fenômeno total da
homonização: a evolução biológica, a partir de um primata inteligente e da sua
sociedade complexa, continua-se numa morfogênese técnico-sócio-cultural que vai
espevitar e estimular uma evolução biológica juvenilizante e cerebralizante"
(Morin, 1991: 87).
Perceber no corpo aprendiz o vir a Ser Humano que ali germina
significa reconhecê-lo em seus desejos, aceitá-lo em suas carências e
necessidades, compreendê-lo pelas repressões sofridas e, por fim,
estimulá-lo em suas potencialidades.
De acordo com Sacks (1995: 129):
"Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, damos de cara com um mundo
que passamos a vida apreendendo a ver. O mundo não nos é dado: construímos
nosso mundo através da experiência, classificação, memória e reconhecimento
incessantes.
Não se vê, sente ou percebe em isolamento — a percepção está sempre ligada ao
comportamento e ao movimento, à busca e à exploração do mundo."
É importante ressaltar que, para se ver, é preciso aprender a olhar, e
é necessário distinguir um objeto dos demais que passam a fazer parte de
um
188
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
horizonte de fundo. Portanto, para se ver o corpo do outro é preciso
descortinar e intuir o que dizem os corpos que historicamente foram
esquecidos e hoje mostram-se distraídos, que por vezes foram traídos em
seus ideais de vir a ser mais e, atualmente, permanecem contraídos,
tentando se esconder da vida.
É fundamental atentarmos para os jeitos e trejeitos corporais muitas
vezes expressos ou disfarçados em seus gestos, tonalidades de voz e
silêncios, olhares ora fugidios, ora complacentes, ora tolerantes e, muitas
vezes, cúmplices desta aventura que é o apreender o mundo. É bom
lembrar que aprendiz e professor se constituem na relação que
estabelecem entre si.
Sloterdijk (1998) diz que há uma crise da razão olfativa,
oftalmológica e auditiva que vem produzindo uma desumanização, sendo
que o remédio mais saudável seria o pensamento esclerosado. Revela
ainda que somos apenas registros de viventes, sendo que fazemos o papel
de arquivo e de arquivador de nossas histórias de individuação e que
qualquer um que possa dispor de seu próprio arquivo pode não só acessar
os conteúdos, mas também acessar como e em que situações estas
informações foram inscritas. O que podemos traduzir das palavras deste
autor é a relevância que ele introduz sobre o processo de rememorizar o
velho, tornando-o estranho e novo, para reaprendê-lo com significados
ampliados.
Esta forma de encarar o processo histórico individual e, por que não
dizer, coletivo, suscita em mim uma sensação de eternidade, sem início e
sem fim. Vejo-a como a nascente de um rio, no meio de uma floresta,
onde não se identifica de onde se origina a água que vai formando o leito
do rio. Entretanto, lá está ela, jorrando e indo adiante, prolongando-se
indefinidamente, incorporando-me a sensação de Ser Inacabado que
somos e, portanto, sempre em processo de construção.
DESAPEGO
189
(Inter)Corporeidade
Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos
Se é real que vivemos nos dias atuais a "cultura do narcisismo", não
é de se estranhar o fascínio do homem pela descoberta do corpo e suas
expressões como objeto de cuidado e estudo. O corpo humano, ao ser
estudado em uma visão clínico-fenomenológica, toma a liberdade da
reflexão e da criação de novos conhecimentos e atitudes em saúde, um
outro modo de viver — de ser e estar —, tanto individual quanto em
sociedade. O estudo interdisciplinar da corporeidade humana constitui-se
a base de um saber compreensivo, de congraçamento entre a normativa
bem tracejada e a tecnologia, especializada e sistematizada. Impõe-se
pela prerrogativa axiológica, pela construção de um caráter de normas e
princípios, não somente técnicos e jurídicos, mas principalmente
abrangentes do ciclo histórico, ecológico e filosófico do homem, em uma
antropoética da vida e da matéria.
Subsistimos ainda hoje em busca do habeas corpus do corpo, à
procura de uma subjetividade transcendental, daquilo que Husserl certo
dia descreveu como o caminho a ser desvelado pelo corpo intencional ou
fenomenológico que permanece por detrás da epoché como realidade
material "autossentinte". Aquele corpo que fulgura além do nível táctil de
constituição anatômico-fisiológica e que se manifesta entre a distinção
fenomenológica do corpo-objeto (Körper), de explicação científica e de
diagnóstico dos sintomas, e o corpo-sujeito (Leib), do mundo da vida.
A compreensão do fenômeno da cura fundada na somatologia
husserliana e na hermenêutica de Wilhelm Dilthey representa a
exemplificação da diferença não mais existente entre a dinâmica da
metodologia apropriada aos estudos dos objetos naturais e o movimento
metodológico dos estudos humanísticos, visto que a variedade essencial
se encontra na totalidade dentro da qual o objeto de direito (o doente) é
compreendido. A revolução somatoplástica que incorpora a porção
biológica, social e cultural do homem
190
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
na terapêutica do corpo parece ser o caminho da ciência disposta a
transformar a natureza humana e recriar o homem, principalmente por
considerar a reflexão filosófica para o tratamento do ser e não relegar o
pathos (Schopenhauer, Maine de Biran, Feuerbach, Nietzsche,
Bergson...) da filosofia de vida (Labensphilosophie).
As novas formas tecnológicas de vida, diferenciadas pela ciência de
modo geral e pela biologia molecular, são a nós apresentadas pela
transplantologia, pela reprodução assistida e pela engenharia genética.
Entretanto, o estudo interdisciplinar da corporeidade, também
denominado intercorporeidade, não se refere apenas e tão-somente ao
transplante de órgãos intervivos, à inseminação artificial e à transferência
de embriões, à disposição do consumidor, por vezes, no "bioshopping".
Representa a variedade de formas imaginárias e naturais da corporeidade
que propõe a saga da descoberta do próprio corpo perante o olho interno
da consciência reflexiva e do reino dos atos mentais na terapêutica, em
uma ontologia do dualismo antropológico tradicional.
Intercorporeidade que permite ao homem a liberdade de ler, reler,
"transler" o conceito de saúde e de doença, importantes para a mudança
conceitual de tempo e de espaço, de um lugar a um não-lugar.
Intercorporar-se, sinônimo de espacializar-se, expandir-se, em
movimento de realização do eu, do não-eu e do Outro, dialogicamente,
no tratamento do ser doente.
DESAPEGO
191
Currículo
Elisa Lucarelli
El sentido etimológico: curriculum proviene de la palabra latina
currere, carrera, recorrido que debe ser realizado; por derivación también
se refiere a su representación o presentación.
El concepto en la literatura pedagógica contemporánea: las
corrientes pedagógicas actuales ubicadas dentro de la perspectiva crítica
encaran al curriculum como un objeto social.
Se seleccionan tres conceptos representativos de esa perspectiva:
"Un curriculum es una tentativa para comunicar los principios y rasgos esenciales
de un propósito educativo, de forma tal que permanezca abierto a discusión crítica
y pueda ser trasladado efectivamente a la práctica" (Stenhouse, 1984: 27).
"El curriculum no es un concepto sino una construcción cultural...una forma de
organizar un conjunto de prácticas educativas humanas (...) El curriculum de las
escuelas de una sociedad constituye una parte integrante de su cultura. Para
comprender el significado de cualquier conjunto de prácticas curriculares, han de
considerarse tanto en cuanto elementos que surgen a partir de un conjunto de
circunstancias históricas, como en calidad de reflejo de un determinado medio
social" (Grundy, 1991: 19-20, 21). "Por curriculum se entiende a la síntesis de
elementos culturales (conocimientos, valores, costumbres, creencias, hábitos) que
conforman una propuesta político educativa pensada e impulsada por diversos
grupos y sectores sociales cuyos intereses son diversos y contradictorios; aunque
algunos tienden a ser dominantes o hegemónicos y otros tienden a oponerse y
resistirse a tal dominación. Síntesis a la cual se arriba a través de diversos
mecanismos de negociación e imposición social" (Alba, 1991: 38).
Estos conceptos, diversos en su manifestación, coinciden en
destacar en el curriculum la confluencia de principios relacionados con el
reconocimiento de los procesos sociohistóricos en la conformación de la
propuesta,
192
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
la existencia del juego de intereses sociales que definen la dinámica
social en los procesos de determinación de propósitos y contenidos a ser
aprendidos, la superación de enunciados universales a través del
reconocimiento del valor de las prácticas, la relación entre los diversos
procesos y actores asociados en torno a las mismas y, muy
especialmente, la revalorización de la reflexión de los docentes acerca de
su práctica como mecanismo básico de la construcción de la teoría
curricular.
Las dimensiones del curriculum
El curriculum se percibe así como un objeto múltiple y complejo
que puede ser analizado desde dimensiones complementarias y con
distintas perspectivas teóricas, incorporando la orientación hacia la
ambigüedad y la diversidad (Fazenda, 1998: 12).
Con la intención de abordarlo desde la complejidad se considera
aquí que las prácticas curriculares dan lugar a la configuración de un
campo determinado por dos ejes: el eje de los sujetos portadores de esas
prácticas, y el eje de las acciones que ellos desarrollan. De esta manera se
delimitan cuatro espacios dentro del campo: (i) la institución y sus
procesos; (ii) la institución y los resultados; (iii) los sujetos personales y
sus procesos; (iv) los sujetos personales y los resultados alcanzados.
La institución y sus procesos: este espacio, del hacer institucional,
refiere a las prácticas que desarrollan las instituciones educativas para dar
respuesta a las demandas de una sociedad, como parte de su proyecto
educativo; se expresan a través de una determinada selección y
organización de contenidos culturales a ser transmitidos de generación en
generación. Implica, consecuentemente, una acción de toma de
decisiones inherente a todo proceso de planeamiento o "estructuración
formal del curriculum", según denominación de Alicia de Alba (1991:
61). La institución en este caso comprende el reconocimiento de grupos y
organizaciones de distinto alcance: los equipos técnicos de un Ministerio
de Educación, la Comisión de Reforma Curricular del órgano colegiado
de gobierno de una universidad, los docentes de un establecimiento
educativo.
Estas decisiones, a su vez se derivan de las grandes orientaciones
definidas en el proyecto educativo que sustenta la sociedad en un
momento
DESAPEGO
193
dado de su proceso histórico; corresponde a lo que Doyle (1995: 5)
denomina "curriculum abstracto o ideal que define la conexión entre la
escuela y la sociedad". La mayoría de las veces, los decisores (sujetos de
la "determinación curricular" en palabras de Alicia de Alba (1991: 61),
están fuera de la institución educativa, tal es el caso del estado, la iglesia,
los partidos políticos, las corporaciones nacionales o multinacionales, los
sindicatos, las organizaciones populares, organizaciones no
gubernamentales, las asociaciones profesionales. Estos grupos, la
mayoría de las veces, tienen intereses contradictorios expresados en las
orientaciones que definen los proyectos educativos que sustentan; de allí
que a la síntesis cultural que supone todo curriculum se llegue a través de
juegos de negociaciones o imposiciones por parte de esos grupos.
La institución y los resultados: hace referencia a los productos del
proceso de elaboración que desarrolla la institución en cualquiera de sus
niveles. Son los documentos básicos instrumentales, la propuesta
curricular a que se ha dado formato a través de los procesos de selección
y organización. Corresponde al dominio que Doyle (1995) entiende como
"curriculum formal o analítico, que traduce las políticas curriculares en
instrumentos que son usados en los eventos del curriculum actual". El
uso habitual que se le da al término curriculum ha reducido su alcance y
significado a esta dimensión en un doble sentido: por un lado, cuando se
entiende, por ejemplo, como curriculum de la educación artística o como
curriculum de ingeniería eléctrica solamente al documento del plan de
estudios, se dejan fuera, se ignoran, las acciones que los generaron, el
tipo de estrategias que se utilizaron durante su elaboración, la
metodología de la "estructura curricular de base", en términos de Remedí
(1978) y Furlán (1978). La calidad del documento y sus posibilidades de
ser llevado a la acción dependen también de las características que
asumió el proceso de elaboración, el mayor o menor grado de
participación que tuvieron en esa producción tanto aquellos que deberán
utilizarlos en las acciones áulicas como la comunidad en su conjunto.
La segunda utilización restrictiva del concepto de curriculum como
producto institucional se hace evidente cuando se omite la inclusión de
otros documentos que norman u orientan la acción en el aula; estos son
tanto las normativas, o recomendaciones para la implementación que
complementan las disposiciones de un plan de estudios o de un programa
de alcance nacional, como otros instrumentos de alcance más restringido
194
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
como pueden ser la programación de actividades de un profesor o los
lincamientos curriculares adecuados para una región. En la medida que
son instrumentos propositivos acerca de qué y cómo es deseable enseñar,
puede entendérselos como parte de la propuesta curricular.
Los sujetos personales y sus procesos: esta dimensión hace
referencia a las acciones más personales, a las actividades que dan lugar a
reestructuraciones y modificaciones en los comportamientos de los
actores a través de los procesos de enseñar y aprender. Estos son, según
De Alba, los "sujetos del desarrollo curricular", "aquellos que convierten
en práctica cotidiana un curriculum" (1991: 61). Esta dimensión del
curriculum es denominada tambien de implementación por Contreras
Domingo. Se incluyen tanto los procesos que desarrollan los estudiantes
en su aprendizaje de un determinado contenido curricular, las estrategias
didácticas que ponen en acción los docentes para enseñar, como las
reestructuraciones personales que hacen estos docentes a partir de los
procesos reflexivos acerca de su propia práctica de enseñanza. Se lo
denomina también curriculum en acción (Gimeno Sacristan, 1988: 125)
identificable con la práctica real, que es donde, a través de las tareas
académicas guiadas por los esquemas teóricos y prácticos del profesor, se
puede apreciar el significado real de las propuestas.
Los sujetos personales y los resultados alcanzados: la cuarta
dimensión del curriculum incluye a los aprendizajes logrados por
alumnos y docentes como resultado de las prácticas personales. Desde la
perspectiva del estudiante, hace referencia a los conocimientos, destrezas,
habilidades, comportamientos afectivos que desarrolla el alumno en un
determinado período de la puesta en acción de una propuesta curricular,
sea este una jornada escolar, una hora de clase o el tiempo que abarca
todo un nivel del sistema educativo. Gimeno Sacristán (1988: 125-6)
habla de "curriculum realizado", incluyendo a los efectos complejos que
se producen como consecuencia de la práctica, y que son apreciados
como valiosos y prominentes o considerados como poco importantes y
ocultos; señala que estas consecuencias se reflejan en aprendizajes de los
alumnos, en los componentes propios de la socialización profesional del
docente y también en las proyecciones de las acciones educativas sobre
los padres y el entorno social en general. El autor incluye también al
"curriculum evaluado" como apreciación de los procesos desarrollados en
torno al curriculum, así como los resultados alcanzados.
DESAPEGO
195
El sentido interdisciplinario
Curriculum e interdisciplina pueden articularse, por lo menos,
desde dos ángulos: el de las perspectivas de análisis y el de la
organización.
El reconocimiento del curriculum como un objeto social complejo
desde la teoría pedagógica crítica abre las posibilidades a la indagación
de las múltiples facetas que lo identifican. Problemática privilegiada de
las teorías tecnicistas de la Didáctica hasta la década del 70, es tomada
luego como centro de análisis por las investigaciones de la nueva
sociología de la educación que ubican el problema casi exclusivamente
en la encrucijada de las relaciones entre educación-sociedad. Teóricos e
investigadores como Apple, Giroux, encaran al curriculum como un
punto de interés desde donde comprender los mecanismos a través de los
cuales se manifiestan y reproducen los mecanismos de la dinámica social.
Paralelamente a esta línea de denuncia y producción teórica, en América
Latina se desarrollan experiencias que se orientan a definir estrategias
didácticas que concreten acciones alternativas a las tecnicistas. Candau,
Díaz Barriga, Barco, entre otros, aportan lineamientos para los procesos
de elaboración y desarrollo curricular, fundamentados en principios que
den cuenta, a la vez, de contextualización e intervención en la resolución
de propuestas. Se develan así distintas miradas hacia la comprensión del
objeto teórico y del hecho curricular, formas de cooperación que se
articulan dentro enfoque orientados hacia la ambiguedad. Confluyen de
esta manera, junto al análisis pedagógico y didáctico, encuadres como el
sociohistórico, que da cuenta de las relaciones mencionadas
precedentemente en los distintos períodos de una determinada sociedad;
el político, que permite identificar el juego de intereses que se da en torno
a la definición de planes y programas de estudio; el psicológico, en el
análisis de los sujetos involucrados en el enseñar y el aprender, y del
tramado de las relaciones institucionales; el antropológico, el lingüístico,
el comunicacional. La búsqueda de un conocimiento interdisciplinar
acerca del curriculum supone, antes que nada, aceptar la mirada
interdisciplinar (Fazenda, 1995: 78).
El otro ángulo en que se manifiesta la interdisciplinariedad es el
relativo a los modelos de organización curricular que se alejan de la
estructura disciplinar y se orientan por diversas modalidades de
articulación entre los campos del conocimiento. Areas, centros de interés,
unidades integradas,
196
DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE
aprendizaje basado en problemas, módulos centrados en objetos de
transformación social, son diversas modalidades de organizar la
propuesta curricular con la intención a superar la segmentación y
fragmentación del conocimiento, a través de espacios curriculares
centrados alrededor de ejes problemáticos, de manera de facilitar, desde
la propuesta curricular, la construcción de una red de relaciones orientada
al logro de aprendizajes significativos.
DESAPEGO
197
Resiliência
José Tavares
Resiliência, resilientia (lat.), resilienza (it.), resilience (fr.),
resilience (resiliency) (ing.) deriva do verbo latino resilio (re-salio), com
as acepções seguintes: "saltar para trás", "voltar, saltando"; "retirar-se
sobre si mesmo", "encolher", "reduzir-se"; "recuar", "desdizer-se" Little,
W., Fowler, H. W. & Coulson, J., 1973, s.v. resilience; Ernout & Meillet,
1985 s.v. salio, "saltar, repercutir, saltitar"). A significação subjacente a
todas essas acepções evolui como noutras etimologias do concreto para o
abstrato veiculando a ideia de uma ação que se desenvolve a partir de
algo que possui uma elasticidade, uma determinada flexibilidade e é
susceptível de desenvolver-se, ativar-se, incrementar-se, e otimizar-se
dentro de uma dinâmica sucessiva e em espiral subjacente a todas as
formas de existir reais e possíveis. Ou seja, todo e qualquer projeto de
desenvolvimento expande-se e afunda-se na direção de sua capacidade
resiliente mais ou menos flexível em que pessoalidade emerge como uma
das suas realizações mais elevadas e complexas. É por isso, que, hoje,
tende a aplicar-se e desenvolver-se este conceito não apenas no domínio
das realidades físicas e biológicas mas também nas ciências sociais e
humanas de que as ciências psicológicas, antropológicas, axiológicas,
socioeconômicas e organizacionais, em que a re-engenharia dos
processos e dos resultados e as respectivas tomadas de decisão assumem
um relevo especial.
Referindo-se diretamente à ciência psicológica e à educação nas
suas primeiras etapas de desenvolvimento, François Ruegg (1997: 9)
refere que, nestes últimos anos a resiliência começa a configurar-se cada
vez mais, na literatura das ciências sociais e humanas, como "uma
qualidade de resistência e perseverança da pessoa humana face às
dificuldades que encontra" e acrescenta: "Dado que esta qualidade marca
o ser humano, não nos devemos admirar que ela se relacione com todos
os aspectos a ele referentes". Isto é, desde a mecânica e a física, à
medicina, à psicologia e à
198
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
sociologia indo ao ponto de a fazer incidir sobre "a espiritualidade
humana como abertura da sobrevivência à esperança", como uma das
raízes mais fundas da aspiração do homem.
Em todos os níveis recobertos pelo conceito de resiliência, a ideia é
sempre a mesma: elasticidade, flexibilidade. Assim, nos níveis físico e
mecânico é a qualidade de resistência de um material ao choque, à tensão,
à pressão que lhe permite voltar à sua forma ou posição inicial. Por
exemplo, uma barra de ferro, um elástico, uma mola; na medicina seria a
capacidade de um sujeito resistir a uma doença, a uma infecção, a uma
intervenção, por si próprio ou com a ajuda de medicamentos, de um
modo natural ou assistido. Ser resiliente seria, pois, desenvolver
capacidades físicas ou fisiológicas conducentes a determinados níveis de
endurance física ou psicológica e até a uma certa imunidade. Predomina,
pois a ideia de uma realidade sólida, de textura fiável, flexível e
consistente, saudável decorrente da própria etimologia de resiliência que
permite a esse objeto ou sujeito auto-regular-se e, de certa forma, autorecuperar-se. Em síntese, consiste em voltar à sua forma ou posição
inicial ainda que a um nível diferente na dinâmica da espiral acima
referida.
Atualmente, do ponto de vista da psicologia e da sociologia trata-se
também de uma qualidade, de uma capacidade das pessoas pessoal ou
coletivamente não perderem o seu equilíbrio em situações adversas mais
ou menos violentas. Essa capacidade pode ser fortalecida com o
desenvolvimento da sua dimensão espiritual como abertura à esperança
subjacente à ideia de imortalidade que acompanha a experiência do ser
humano de todas as culturas e religiões antigas e modernas. Poder-se-ia
até sustentar com base em estudos e investigações do âmbito da
Psicologia Diferencial, da Antropologia Cultural e da História das
Religiões que existem tipos humanos e grupos mais propensos a
desenvolverem determinadas formas de resiliência do que outros. Por
outro lado, também sabemos, com base nas investigações bioneurológicas
e psicológicas mais recentes como, António Damásio, Daniel Goleman,
Roberto Lira Miranda, entre outros, que o QE dos sujeitos pode assumir
tipologias mais ou menos favoráveis ao desenvolvimento de
determinadas formas de resiliência, que, em nossa opinião, teria como
centro e sua expressão mais alta no self, na consciência, no
"conhecimento de si" que implica o conhecimento do outro no seu
contexto e, porque não, do Outro, com maiúscula.
DESAPEGO
199
Voltando ao sentido etimológico de resiliência "como a qualidade
de um material ao choque, à tensão, à pressão que lhe permite não perder
o equilíbrio", talvez pudéssemos dizer que, o que se pretende ao tornar as
pessoas mais resilientes na sociedade emergente, através da educação e
da formação, é prepará-las para uma certa invulnerabilidade que lhes
permita enfrentar com flexibilidade, "elasticidade" e persistência,
situações altamente adversas, agressivas e, até, desconcertantes e
violentas que a vida certamente lhes irá colocar. Mas o desenvolvimento
de uma certa invulnerabilidade não se deverá fazer à custa do aumento de
carapaças, de muros, de grades, de mecanismos de defesa que a tornem
insensível, passiva, conformada. Antes, pelo contrário, tudo deve
encaminhar-se no sentido de a tornar a pessoa mais forte, mais equipada
para poder intervir, de um modo mais eficaz e adequado, na
transformação da própria sociedade em que vive e convive para que ela
seja menos violenta, mais segura, mais justa, mais pacífica, mais razoável
e tolerante.
Embora os estudos específicos sobre resiliência não sejam
numerosos, embora abundem os trabalhos realizados sobre temas afins e,
designadamente, sobre coping, stress, ansiedade, com a volta a este
conceito mais amplo e complexo, ainda que, hoje, mais usado mais nas
línguas anglo-saxônicas do que nas latinas, começam a surgir
investigações e trabalhos direcionados sobre esta problemática, de entre
os quais destacaríamos os de: Grotberg (1995); Ruegg (1997); Tavares
(1999); Tavares, et al. (2001)
200
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Poíesis
Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira
Poíesis: termo de origem grega formado, como poeta e poema, de
poiein, eclodir. Eclodir é "surgir", "aparecer", "vir à luz". Quando há uma
eclosão, algo surge, aparece, vem à luz (Ferreira, 1996).
Como reflexão em torno daquilo que vem à luz, se edificou a
poética, interpretação filosófica da arte, a qual envolve o poeta, o poema
e a poíesis. Poeta: o sujeito que compõe poemas; poema: a composição
(obra) realizada; poíesis: a ação humana de compor, construir, produzir.
A poética também pode ser entendida como arte de fazer versos ou
teoria da versificação. Portanto, ao lado da poética filosófica (reflexão
sobre as obras poéticas), cuja base encontra-se num paradigma que lhe é
externo, há outra poética, originada da dinâmica do próprio fazer poético.
Existem, assim, duas poéticas: a provinda da palavra do filósofo e a que
nos chega pelo dizer do poeta, como manifestação da poíesis (Castro,
2000).
Poíesis é uma das modalidades da ação humana: a que encontra seu
objetivo na fabricação; práxis, outra das modalidades, tem fim em si
mesma, na ação. A primeira visa o produto, uma obra; a segunda
encontra sua finalidade no próprio fazer (Aristóteles, apud Chaui, 1994).
Na poíesis, o agente e o resultado da ação encontram-se separados
ou são de diferentes naturezas (o artista e a obra-de-arte). A poíesis é arte
ou técnica (agricultura, navegação, pintura, escultura, arquitetura, poesia
etc). A práxis é atividade (economia, ética, política). Para Aristóteles, são
mais excelentes as ações cujo fim encontra-se nelas mesmas e menos
excelentes aquelas cujo fim lhes é exterior. Na concepção aristotélica a
práxis, portanto, é superior à poíesis (Chaui, 1994).
A poética filosófica define o que é a poíesis a partir da sua
concepção de conhecimento e verdade. De outro lado, a poíesis se dá
como poética nos poemas dos poetas. Seja na palavra do filósofo ou do
poeta, poética e poíesis radicam na questão da interpretação (Castro,
2000).
DESAPEGO
201
Interpretação origina-se de interpretado, palavra latina empregada
pelos romanos nos negócios, na discussão do preço (pretium), face ao
qual os interlocutores se mostram em diferentes posições (inter-pretium).
Inter, "entre", liga-se ao diálogo, ao debate em que há dialogantes
distintamente posicionados frente ao objeto da discussão. Pretium é
"preço", "valor". O diálogo em torno do valor se faz a partir do lugar
(posição/perspectiva) onde se encontram os que dialogam. A este lugar
os gregos denominavam de ethos. A tensão proveniente da negociação
faz surgir a terceira dimensão da interpretação: a especulação (que é
pesquisa, reflexão). A tarefa do intérprete não consiste em explicar o
sentido da obra, mas em empenhar-se em des-velá-lo em seus possíveis
valores (significados), o que implica diálogo, ethos (posição) e
especulação (reflexão). Desvelar em grego é poiein, e poíesis é uma ação
humana que consiste em arte e técnica de des-velar os possíveis sentidos
de algo (Castro, 2000).
Há uma associação vital entre poíesis, poética, interpretação e mito.
Mythos (de mytheomai, desocultar-se pela palavra) é o detonador da
eclosão da poética. É o real des-nudando-se por meio da linguagem.
Nesse descobrimento do real está a poíesis. Não cabe ao mito relatar ou
explicar fatos: sua tarefa consiste em traduzir para a língua dos homens o
canto das musas (palavra divina), revelando sentidos do existir.
Poeta é aquele que tem imaginação inspirada (Ferreira, 1995). O
poeta é poeta porque seu poema é a interpretação da voz das musas. No
poema ele manifesta a visão do que foi, do que é e do que será conforme
o que pôde captar a partir de seu existir. Essa manifestação é possível
porque nela se presentifica Hermes, mensageiro divino, possibilidade
fundamental de diálogo e intermediação entre humanos e deuses (Castro,
2000).
Brotando da mesma raiz da qual germinou o termo mito, e a ele
contrapondo-se, encontramos o vocábulo mistério (myeisthai): velar,
silenciar. Mito, desvelamento, e mistério, velamento, imbricam-se.
Hermes não é mito que explica a mediação, é a própria palavra que gera
poema e interpretação. A manifestação originária da poíesis se dá como
mito, pois ele é em si a palavra divina. No dizer do poeta, o ser (physis)
se revela (mimesis) como fala das musas (mythos). A poética,
originariamente, se constitui a partir da physis, das musas, do mito e da
mímesis (revelação) (Castro, 2000).
O poeta, ao externar o canto da poíesis, nele presentifica o tempo,
porque as musas são filhas de Mnemosyne, a memória do ser que se doa
202
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
como tempo. Poeta é quem está atento à Mnemosyne; é um hermeneuta
porque interpreta a palavra dos deuses. Embora Hermes, o mensageiro,
lhe diga sempre a verdade, nunca a diz por inteiro; então, da tensão entre
verdade e não-verdade eclode o mito como imagem daquilo que pôde
captar: a essência do espelho não consiste em reduplicar o real, mas em
mostrar ao sujeito o que de outra forma lhe seria impossível conhecer (o
olho não pode ver-se a si próprio).
Hermes, gênese da hermenêutica, é a própria interpretação enquanto
diálogo de especulação. O sentido de toda ação tem que percorrer o
caminho de verdade e não-verdade do real, e a especulação é a ponte que
liga esses pólos. No diálogo, as diferenças se antepõem não como
diferenças em si, mas do real. Decorre disso ser Hermes também o deus
do comércio, onde se dá a interpretatio. Dialogar em torno do preço é
especular em torno do justo valor (isto é, da verdade). Não qualquer
verdade, mas a ética. O valor ético fundamental é a verdade e a nãoverdade do real. A tarefa da interpretação não consiste em esclarecer o
que é obscuro, mas possibilitar um enxergar mais longe, um descortinar
melhor da paisagem, desvelando horizontes mais amplos.
Na língua portuguesa, poíesis transformou-se em poesia que,
originariamente, é "fazer", "produzir", referindo-se especificamente ao
"ato de poder e de fazer". Segundo Heidegger, o sentido genético do
termo poíesis é "habitamos aquilo que construímos" (apud Martins,
1992). O artista habita sua construção por intermédio da imaginação,
empregando a linguagem, as palavras, os mitos e os símbolos. A poíesis,
enquanto "ato de poder e de fazer", envolve necessariamente uma
criação, um pensar, um construir que o poeta habita. Esse habitar
desdobra-se num "zelar" pelas coisas construídas (Martins, 1992).
Interdisciplinaridade como poíesis
Interdisciplinaridade: é ação, é vida. Tentar entendê-la por meio de
definições torna-se impossível, pois ela escapa a esse tipo de tratamento
objetivado. Porém a poíesis, enquanto ação humana de compor, construir,
produzir, arte e técnica de des-velar os possíveis sentidos de algo,
possibilita-nos compreender o que seja a interdisciplinaridade.
DESAPEGO
203
Embora a forma objetivada da ciência seja importante para o
conhecimento de diversos aspectos do real, não é sempre que esse modo
de conhecer dá conta daquilo que se deseja conhecer, daí a importância e
a fidelidade das outras formas de nos expressar a respeito da realidade,
entre elas a poética. Por intermédio dela, a linguagem é arranjada de
modo a iluminar, em diversas conotações, o mundo e o modo de vivê-lo;
dela não esperamos que aquilo que está sendo iluminado, evidenciado,
seja justificado, comprovado teoricamente. A poesia (poíesis) deve ser
compreendida simbolicamente, sem exigir fidedignidade dos conceitos
utilizados. Se isso fosse feito, ela perderia sua razão de ser.
Quando presos ao pensamento racional, colocamos teorias no lugar
da realidade, conseguindo que a mesma acabe por esconder-se atrás de
nossas palavras. No movimento de des-velamento/re-velação, o sentido
geralmente se perde (ou nunca é encontrado). Sentido não se refere ao
significado das coisas em si, mas de como os elementos do real se
relacionam com a totalidade, qual a representatividade, o papel deles no
mundo juntamente com tudo o mais que com eles tem lugar.
Pelo dizer poético que ilumina em totalidade e nos possibilita
infinitas interpretações daquilo que está sendo iluminado, e porque
poíesis nos leva a habitar o que construímos, a interdisciplinaridade
mostra-se como vida, movimento, como um possibilitar de
compreensões, propiciando-nos o viver em propriedade, o existir no
mundo, com os outros, em autenticidade. Ela só pode ser compreendida
por quem a constrói e a habita. É por isso que afirma Fazenda (1979):
"Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, vive-se" (pelo
menos não se ensina nem se aprende interdisciplinaridade nas formas
tradicionais de ensinar e aprender...).
Pesquisar interdisciplinaridade como poíesis, hoje
Atualmente, temos nos dedicado à pesquisa da presença da poíesis
no fazer interdisciplinar, nas escolas, no cotidiano dos educadores e, de
modo especial, na psicopedagogia, entendendo este campo do saber
como o que tem por objeto o ser em processo de construção do
conhecimento, isto é, o ser cognoscente. Trata-se de uma pesquisa
inesgotável e fascinante porque este ser cognoscente não é uma realidade
acabada; ele existe em eterno processo de construção, num perpétuo vir a
ser.
204
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Auto-conhecimento
Ruy Cezar do Espirito Santo
Utilizo-me da linguagem poética para conduzir o leitor ao autoconhecimento:
Bela Adormecida
Quinze anos
Dedo picado e o sono
Sono infindo da jovem
E de todo o Reino ...
Pesadelos, falta de sentido ...
Tem olhos e não vê ...
Ouvidos e não ouve ...
Crescem as sombras e a ausência de significação
Assim cada adolescente
Vive suas transformações
Incompreendido no mundo do "tem que" ...
Buscando o indispensável "quero" e "não quero" ...
A Educação, tantas vezes
chamada de bancária —
Não "acorda" os jovens
Mas os induz a sono mais profundo ...
Sono agora, que os conduz às drogas
À desafiar as normas
A violência destrutiva no mundo que os oprime
Aos vícios que ajudam a "matar o tempo" ...
DESAPEGO
205
O "Príncipe", que pode acordar a "bela adormecida"
Pode e deve ser o educador ... (se ainda não for um "belo adormecido" ...)
Conduzindo-a à fonte interna de criatividade
À "hospedar a beleza" da Vida ...
Iniciar o jovem no conhecimento de si mesmo,
Na percepção da energia construtora ou destruidora,
De que é portador,
Oriunda da Fonte Interior de Sabedoria ...
É a tarefa do novo milênio para a Educação:
O autoconhecimento
O desvelar da personalidade integral
A vontade liberta participando da Sinfonia da Criação!
Autoconhecimento que implica o "Nascer de Novo"
No nascer, também para o espírito,
Para a consciência profunda
Do sentido da vida.
OLHAR
209
Metáfora
Jucimara Rojas
Metáfora significa descobrir similaridades (Ricoeur, 1992). Permite
ao pesquisador entender-se e fazer-se entender, chegando mais perto do
simples. O pensamento metafórico é associativo, converge para um modo
de compreensão hermenêutico, pois interpretar é fazer conexões.
Metáfora constitui um recurso pelo qual aplica-se a algo atributos de
outra. Constitui um instrumento de potencialização do pensamento e da
linguagem que permite reclassificar e avaliar determinada visão das
coisas em termos de propriedades alternativas.
Metáfora como convite à descoberta é um processo mental que,
auxiliado pela imaginação e pelo sentimento, leva ao insight,
conduzindo-nos à realização. Esse insight consiste na captação
instantânea das possibilidades combinatórias oferecidas pela
proporcionalidade e pelo estabelecimento da proximidade entre as duas
razões. Logo, enxergar semelhanças é ver o mesmo, apesar e por
intermédio das diferenças.
Imaginação e sentimento emergindo como capacidades metafóricas
facilitam interpretar o símbolo no estilo da escrita e na metodologia das
ações práticas. Imaginar é possibilitar novas formas de re-escrever o
mundo. Sentir é realizar um processo de interiorização, é tornar nosso o
que foi colocado à distância pelo pensamento, em fase de objetivação.
Metáfora, como poder criador da linguagem, preserva e desenvolve
o poder heurístico desdobrado pela ficção. A passagem ao ponto de vista
hermenêutico corresponde à mudança de nível que conduz, da frase ao
discurso propriamente dito (poema, narrativa, ensaio...). Uma nova
problemática emerge em ligação com este novo ponto de vista: não diz
respeito à forma da metáfora enquanto figura do discurso focalizado na
palavra, nem apenas ao sentido da metáfora enquanto instauração de uma
nova pertinência semântica, mas à referência do enunciado metafórico
enquanto poder de "redescrever" a realidade.
210
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
A linguagem metafórica exprime a força e a virtude na expressão
poética daquilo que se quer dizer e ser. Esta força, porém, mostra-se na
pluralidade de seus registros, para poder ser dita simbolicamente, numa
dialética de força e forma. Por conseguinte, o símbolo apresenta-se
estável e inclina a pensar que jamais morrerá, mas apenas se transforma
em contraste com evanescência da metáfora. Para que a metáfora exprima
o símbolo, é necessário um relativo ajustamento entre a temporalidade
estável do símbolo e a evanescência da metáfora. Isto realiza-se, segundo
Ricoeur (1992), por meio do jogo de intersignificações, em que metáforas
radicais ou dominantes aglutinam metáforas parciais, oriundas de campos
diversos de experiência, possibilitando inúmeras interpretações em nível
conceptual.
Metáfora é um modelo teórico imaginário (Black, apud Ricoeur,
1992) que, ao transpor-se um domínio de realidade, vê as coisas de outro
modo, mudando-lhes a linguagem habitual. Portanto, é uma ficção que
simultaneamente descobre conexões novas entre as coisas e redescreve a
realidade. Metáfora é uma relação verbal condensada em que uma ideia,
imagem ou símbolo pode, por intermédio da presença de uma ou mais
ideias, imagens ou símbolos, ser enriquecida em viveza, complexidade ou
quantidade de implicações (Princeton encyclopedia of poetry and poetics,
1974).
OLHAR
211
Metáfora
Maria Inês Diniz Gonçalves
Partindo do conceito de metáfora, é possível estabelecer relação
entre o pesquisador interdisciplinar e o artista. A utilização do recurso
metafórico, para melhor explicar e compreender um fenômeno, faz com
que aquele explore, no campo das sensibilidades, os caminhos que o
artista percorre, para a realização da obra de arte. Ao exercitar-se, no
campo dos conceitos virtuais, traz para o processo de investigação factual
as experiências subjetivas vivenciadas no mundo das artes, onde as
"emoções" e "estados de espírito" fazem-se presentes.
1. Conceito linguístico
O vocábulo deriva diretamente do substantivo grego πετafοσa,
que veiculava os sentidos de transposição, mudança — e, com o uso, de
mudança de um sentido próprio para um figurado — sentidos contidos de
um modo equivalente pela forma latina translatio. A metáfora,
classificada nos tratados clássicos de retórica como "figura de palavra", é
empregada para dar sentido figurado às palavras, substituindo a
significação natural por outra, baseada na comparação ou semelhança,
subentendidas. Essa transferência, por analogia, para o campo da
virtualidade, decorre de uma "intuição" linguística, presente em quem
fala ou escreve. Desse modo, a construção metafórica constitui-se
também forma de conhecimento e processo criador de palavras.
2. Categorização filosófica
Desde o século XVIII algumas teorias foram desenvolvidas,
distinguindo, entre outras, o caráter da linguagem metafórica. G. Vico, J.
G.
212
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Hamann e B. Croce consideram-na em seus aspectos criativos,
representativo e subjetivo, enquanto Ernest Cassirer consagra sua ligação
com as formas simbólicas, originadas nos mitos.
Mais recentemente, Paul Ricoeur, interpretando a definição original
dada por Aristóteles — transferência de nome baseada na semelhança —
como a emergência de novo parentesco genérico entre ideias até então
heterogêneas, procura aproximar a atuação da função narrativa e da
metáfora, de modo a explicar um novo conceito de verdade. A
"redescrição metafórica" jogaria assim, no campo dos valores sensoriais,
estéticos e axiológicos, o papel que a função mimética da ficção narrativa
jogaria no campo da ação e dos valores temporais. Ambos traduziriam,
no campo da hermenêutica filosófica, a passagem de um processo de
explicação (distanciação crítica) a um processo de compreensão (plano de
instauração do sentido e da referência).
3. Reflexões
Abstraindo dos conceitos de metáfora a figura da pessoa que, na
construção textual ou verbal, se expressa de maneira a favorecer
interpretações subjetivas, é possível estabelecer relação entre o
investigador interdisciplinar e o artista. O primeiro, ao utilizar os recursos
metafóricos, para melhor explicar e compreender um fenômeno, faz a
investigação com a mesma sensibilidade e proposição de que dispõe o
artista para realizar suas criações. A construção do texto metafórico, de
forma original e própria, nasce das experiências vividas e dos
conhecimentos adquiridos, e permite que o investigador fale do mundo
como "seu mundo", deixando aflorar suas concepções, reflexões e
atitudes que, geralmente, estão implícitas na obra de arte.
O investigador interdisciplinar, ao ampliar o significado das
palavras na construção literária, formula representações não apenas com
a finalidade explícita da explicação factual, mas abre-se para transitar no
campo da subjetividade, onde as concepções e expressões são
despertadas pela sensibilidade. Dessa forma, o fenômeno observado é
compreendido também pelas "emoções" e "estados de espírito",
implícitos no próprio fato.
A relevância dada ao processo de "passagem" entre a explicação e a
compreensão do fenômeno, na investigação interdisciplinar, traz para o
OLHAR
213
contexto educacional formulações e reflexões que, até pouco tempo,
eram restritas ao mundo das artes. A aquisição de conhecimentos, como
forma de apropriação do mundo material, abdicava da escola aqueles que,
pela própria natureza, destinam-se a investigações sobre a dimensão "ser"
do homem no mundo, em contraposição à dimensão do "ter", priorizada.
A construção metafórica, utilizada como meio que possibilita a apreensão
do fenômeno de forma objetiva e subjetiva, re-significa o conceito de
conhecimento, permitindo que as formas não discursivas participem do
processo de formação do ser humano, na medida em que "Bertrand
Russel chama de 'conhecimento por familiaridade' da experiência afetiva,
abaixo do nível da crença, ao nível mais profundo da introvisão e
atitudes" (Langer, 1989).
Buscar conhecimento é, entre outras características do pesquisador
interdisciplinar, percorrer os caminhos da própria sensibilidade. É
apropriar-se dos sentimentos implícitos nas próprias atitudes, é
evidenciar as experiências íntimas transmudando-as da realidade
subjetiva individual para uma realidade objetiva, mas sensitiva, com a
possibilidade de produzir, por sua vez, realidades subjetivas e
individuais; é simbolizar a própria percepção em busca de uma
significação coletiva; é, em suma, apreender o ato criativo, uma
característica do artista no exercício de sua atividade. "No artista, essa
atividade é sustentada, completa e intensa" (Langer, 1989). É assim
porque, no ato da criação, o artista está inteiro. É corpo e alma,
conhecimento e técnica, intuição e reflexão, pensamento e emoção. Ao
envolver-se na criação de uma obra de arte, o artista cria o símbolo da
sua verdade, da sua forma de sentir e experimentar sensações
intraduzíveis, reveladas pelo "triunfo intelectual, superação de barreiras,
e pela conquista da introvisão de realidades inefáveis (Langer, 1989).
Para Paulo Freire, em Educação como prática da liberdade, o
conhecimento advém do desvelamento do "espírito criador", que é
próprio do ser humano. É o ato de criar que lhe permite renovar as
relações com o mundo, a fim de transformá-lo. Mas transformá-lo de
maneira tal que cada transformação operada no campo material simbolize
a clareza do estado de espírito e a apropriação das emoções trazidas pela
construção e contemplação da própria criação. É aí que o humano revela
sua liberdade. É no ato de criar que ele exterioriza o espectro do seu
pensar e refletir sobre com o que lhe vai na alma. É na consciência
convicta e sublime do momento catártico que o humano se percebe e, ao
se revelar para si, o faz também na direção do mundo em que vive. Postase nele como "ser" único, fundamental e
214
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
completo, fruto, igualmente, do ato criador e, portanto, representação
simbólica da natureza.
Seria, então, o ser humano, no desenrolar dessa particular reflexão,
uma metáfora da vida? Seríamos a realidade objetiva que resulta do
conhecimento implícito na natureza? Representamos, no mundo natural,
a transformação que emerge da capacidade criativa do universo. Nele,
reconhecemo-nos pela forma material, mas, para além dele, não
subsistimos à essência anímica que veicula a expressividade e as
emoções. Somos conhecimento, mas dotados, igualmente, de
prerrogativas que permitem estabelecer e buscar conhecimentos. Somos
forma objetiva que guarda, na subjetividade, a essência do processo
transformador, capaz de criar outras formas e revelar, assim, a dualidade
existencial humana, "ser criado" e "ser criador".
O "ser criado" é "acabado", finito, mas o "criador" é complexo,
plural, dinâmico e transformador. É nesse lado criativo e perceptivo do
humano que são articulados a inteligência, a compreensão, a intuição, a
sensibilidade e o conhecimento, atributos indispensáveis ao artista, no
manuseio da matéria-prima para transformá-la em obra de arte e, da
mesma maneira, no investigador interdisciplinar, pela característica
diferenciada de considerar, no fato estudado, a complexidade dual da
existência humana.
Fernando Pessoa, num texto intitulado "Mensagem", referiu-se aos
termos acima como as cinco qualidades ou condições para que se possa
transitar no mundo dos símbolos. Embora seus dizeres se refiram às
qualidades do intérprete, não creio que podem estar ausentes na pessoa
que os cria. Ele escreve: "O entendimento dos símbolos e dos rituais
(simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou
condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um
morto para eles" (sic) (Pessoa, 1977: 69). Para Paul Ricoeur, "o criador
de metáforas é um artesão com habilidade verbal (Sacks, 1992: 148).
Desta forma, o pesquisador interdisciplinar, ao exercitar suas
habilidades verbais para uma construção metafórica, desenvolve suas
reflexões, na mesma direção e sentido de qualquer outro artista que
escolhe, no universo das matérias-primas, aquela com a qual mais se
identifica, para dar vazão à prerrogativa humana de "Ser" criador.
OLHAR
215
Metáfora
Maria Cecília Castro Gasparian
"As palavras são o fio condutor onde amarramos nossas
experiências."
Aldous Huxley
Metáfora, do grego metaphorá, pelo latim metaphora significa em
transporte (Cunha, 1999). Em Ferreira (1986), "tropo que consiste na
transfiguração de uma palavra para um âmbito semântico que não é do
objeto que ele designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança
subentendida entre o sentido próprio e o figurado".
As figuras de estilo, ou tropos, não são apenas efeitos de palavras,
mas ganham corpo na gênese das interações e são vertidas no mundo da
linguagem.
A metáfora é frequentemente utilizada, na linguagem cotidiana,
para representar tanto a realidade quanto os objetos que nos rodeiam.
As culturas orientais são ricas em metáforas e comparações. Uma
linguagem figurativa que possui estrutura arcaica.
No uso terapêutico, Erickson propõe, aos seus pacientes metáforas
próximas dos sintomas com o intuito de possibilitar-lhes alterar seu
funcionamento (Rosen, 1994).
Frequentemente, adotamos palavras para descrever nossas emoções,
sem avaliar o impacto que podem ter sobre nós e os outros. As palavras
se tornam parte de nosso vocabulário e moldam o sentimento sobre nossa
vida.
A importância da linguagem é fundamental. As palavras que
ligamos à nossa experiência se tornam a nossa experiência. O modo
como nos
216
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
sentimos com relação às coisas é determinado pelo significado que lhes
associamos. As palavras que escolhemos para, conscientes ou
inconscientes, descrever uma situação, mudam de imediato o que ela
significa para nós e, consequentemente, o modo como nos sentimos.
Metáfora e comparação não são idênticas. Se digo: Você é como uma
flor, é uma comparação; entretanto, se digo: Você é uma flor, é uma
metáfora.
As palavras causam impacto poderoso sobre nossas emoções, e as
metáforas, extraordinário efeito explosivo. As metáforas não descrevem a
experiência do momento e, sim sua semelhança com outra coisa.
Frequentemente são mais intensas que a realidade. A metáfora é figura
retórica: é procedimento de linguagem que, por substituição analógica,
realiza transferência de sentido, de um termo concreto para um contexto
subjetivo.
O aprendizado é processo de criar uma relação entre algo que já
compreendemos e o novo, usando, por exemplo, a metáfora. A maioria
das pessoas concorda que Jesus Cristo foi um notável professor. Como
ele ensinava? Usando metáforas. Quando se aproximava de pescadores,
não dizia: "Quero que vocês saiam e recrutem cristãos". Dizia: "Quero
que vocês se tornem pescadores de homens". Utilizando a metáfora da
pesca (algo que já compreendiam) e atribuindo-lhe um novo significado
(divulgar o cristianismo), ele instantaneamente ensinava o processo. A
metáfora pode levar, num átimo de escuridão do não-entendimento para a
luz da compreensão.
Para além do aspecto cognitivo clássico da escola, enfatiza-se, hoje,
o equilíbrio afetivo e psicológico dos alunos. No próprio âmbito
cognitivo, numa perspectiva democrática, o professor deve garantir a
aprendizagem de todos os alunos, dando atenção especial àqueles com
maior dificuldade, exigência que não se colocava quando se tratava de
uma escola elitista e sem questionamento.
A riqueza do momento de ensino e aprendizagem está diretamente
ligada à visão do profissional sobre si mesmo e o outro. Em outras
palavras, às metáforas de vida, escola, aluno, enfim, de si mesmo, usadas
no ato de ensinar.
Na prática pedagógica, o uso de metáforas seria uma estratégia para
alunos e professores compreenderem melhor o processo em que estão
imersos: o ensinar e o aprender.
OLHAR
217
Olhar
Lucila M. Pesce de Oliveira
Olhar é um verbo que designa a função atribuída ao olho, órgão da
visão, derivando do latim oculus. Cumpre atentar para a relevância da
visão à percepção de mundo. Sua hegemonia é tão evidente que muitas
vezes chega a arrefecer os demais sentidos. É sobretudo pelo olhar que se
constrói a cosmovisão; é pelo olhar que o sujeito ergue-se como
realizador de sua própria história, como construtor de um novo mundo. E
é com esse mesmo olhar que se deve atentar para os educadores, num
momento tão particular como o da apropriação do instrumental
tecnológico e incorporação do mesmo à renovação da sua prática
pedagógica.
Por isso, ampliar o olhar sobre os educadores, no tocante à sua
formação para o uso pedagógico das novas tecnologias, a partir de uma
percepção mais aguçada de como esses professores representam esse
novo instrumental na educação, constitui o foco desta reflexão. Qual seja,
ao trabalhar com a metáfora interdisciplinar do olhar, busca-se
compreender os aspectos ocultos ocorrentes na incorporação das novas
tecnologias pelos professores, em nível pessoal e em sua prática
pedagógica.
O nascedouro desse desejo advém da aparente incoerência entre os
resultados práticos obtidos nessa vertente de capacitação docente e a
intenção nela anunciada: contribuir para a formação do professor
reflexivo, que se apropriando da máquina busca força no princípio
interdisciplinar da ousadia para investigar sua ação, renovando sua
prática.
Mas qual seria a fonte dessa suposta ausência do princípio
interdisciplinar da coerência? Talvez o fato de a maioria desses
programas de capacitação docente restringir-se à instrumentalização
técnico-operacional, ou limitar-se a agregar também a fundamentação
teórica, sem de fato olhar para a pluralidade da realidade docente, tendo
como princípios interdisciplinares a humildade e a espera vigiada,
determinados por atributos como o respeito e a afetividade. Também
nesse caso, o olhar da
218
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
interdisciplinaridade consiste numa relação de cumplicidade, parceria,
percebendo a riqueza aflorada na multiplicidade epistemológica,
cognitiva, representativa, cultural, valorativa, emocional, enfim,
cosmovisiva dos professores.
O trabalho com as representações docentes, embasado na
perspectiva da linguagem reflexiva, busca recuperar a memória do
professor, que, situado como sujeito ativo, acompanhará e refletirá sobre
o processo evolutivo de suas próprias representações acerca das novas
tecnologias na educação, à medida que for se apropriando dessas novas
ferramentas pedagógicas.
Para uma compreensão mais detalhada dos veios interpretativos do
cotidiano docente, busca-se trabalhar a dimensão científica do conceito
de olhar, pelas parcerias com a interdisciplinaridade, a filosofia da
linguagem, a teoria autopoiética22 e a teoria das representações sociais.
E porque se busca esse olhar mais acurado sobre os educadores —
um olhar sensível à pluralidade de suas concepções, às suas
ambiguidades e ambivalências — aprofunda-se o olhar sobre si mesmo,
percebendo caminhos e descaminhos, nesse dialético devir, nesse eterno
recomeço, tão propulsor da eterna auto-organização evolutiva.
22. A palavra autopoíese surgiu à mente de Maturana quando da tentativa de sintetizar, numa
expressão, a dinâmica constitutiva da organização circular dos seres vivos e sua relação com o operar
cognitivo.
OLHAR
219
Olhar
Roberta Galasso Nardi
Meu envolvimento com a educação especial não é recente. Faço
aqui a tentativa de traçar esse percurso, as implicações e questionamentos
que surgiram durante o caminho. Reporto-me em primeiro lugar a minha
trajetória de vida, infância, adolescência e, finalmente, à fase adulta.
Relatar esses fatos torna-se muito significativo enquanto percebo nesse
processo o percurso da construção de minha identidade como professora
de educação especial. Os primeiros contatos se deram na infância,
acompanhando minha mãe em sua sala de aula, em um centro de
reabilitação que mantinha classes de portadores de deficiência física —
na sua grande maioria paralisia infantil.23 —, colaborando ou até mesmo
observando suas dificuldades, possibilidades e competências.
Prolongaram-se na minha formação de professora com especialização em
deficiência física e atualmente na coordenação de professores em dois
centros de reabilitação da cidade de São Paulo, na tentativa de olhar para
o passado e analisar como se definiu o meu caminho profissional e de que
maneira me senti socialmente desafiada para trabalhar no campo da
educação especial.
Hoje percebo que o que me moveu não foi um olhar paternalista que
segrega, esconde, limita, mas a necessidade de um novo olhar, que
percebe, além das dificuldades inerentes em cada portador de
necessidades especiais, o desejo de proporcionar a consciência de que são
capazes para alcançar uma autonomia enquanto seres humanos, que é
ilimitada quanto a qualquer tentativa de previsão, ou seja, de indicar
antecipadamente com precisão as possibilidades de cada um.
Respeito, coerência, capacidade, tolerância, comprometimento de
aprender e viver com o diferente se faz necessário, possibilitando um
olhar para múltiplas direções, traduzido em ações que necessitamos para
23. Atualmente, já erradicada no Brasil.
220
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
perceber as capacidades que não estão simplesmente na ação de "ver",
mas sim em um "olhar" carregado de intenções. Um olhar que interage,
mostra, desvela, descobre, ascende, envolve e transcende para outra
dimensão. Um olhar de energia, intenso, ardente, clarividente,
interdisciplinar, que exprime e reconhece forças, traduzindo-se em uma
ação perceptiva, constantemente ambígua, às vezes clara e nebulosa, fixa
e móvel, direcionada e difusa.
, Na prática docente, onde encontram-se portadores de necessidades
especiais, faz-se necessário um olhar e uma atitude interdisciplinar, que
propicie ações capaz de transformá-lo ou de lhe permitir transformar-se
para incluir, e não excluir; possibilitar construções, e não destruições;
autonomia, e não dependência; conscientização de possibilidades,
denuncia de atitudes paternalistas, que impossibilitam a conquista de
autonomia, ser consciente de seus direitos, lutar por eles buscando um
lugar, enquanto ser atuante inserido em uma sociedade.
Como possibilitar essa atitude na prática de cada professor
comprometido com suas responsabilidades. A conscientização de olhar
competências, embutidas e escondidas por trás de uma deficiência, que
limita e aprisiona, mas a partir de um olhar em/para diversas direções,
abre um horizonte, imbuído de possibilidades, que se traduzem
movimentos do interior para o exterior, norteando, assim, o rigor, a
coerência e o equilíbrio, fazendo emergir novas verdades, por meio de um
exercício cíclico do interior para o exterior, buscando um equilíbrio e
uma coerência que se mostram no diálogo com novas verdades e a
necessidade de um desprendimento momentâneo de ideologias até então
estabelecidas, emergindo a possibilidade para criações e construções de
novas ideias.
O que move um artista expressar-se por meio da arte é um desejo?
Como se dá o movimento dialético na relação obra, pintor, público,
partindo do pressuposto de que a transformação do olhar releva quem
olha e também quem é olhado. Por analogia, se pudéssemos registrar
todas as metamorfoses de um quadro, poderíamos olhar a trajetória da
mente do pintor na concretude de seus sonhos. É interessante perceber
que poucas transformações ocorrem, que a imagem inicial mantém-se
quase intacta, apesar das aparências. Segundo Picasso, um quadro não é
idealizado e fixado; pelo contrário, segue a mobilidade do pensamento.
Ao ser terminado, pode mudar, de acordo com o estado daquele que o
observa; ele vive
OLHAR
221
sua vida da mesma forma que um ser humano e sofre mudanças que o
cotidiano nos impõe.
Isto é natural, visto que um quadro vive somente para aquele que
observa. No início de um quadro encontram-se frequentemente coisas
belas. Devemos nos defender delas, destruir o quadro, refazê-lo diversas
vezes. A cada destruição de uma bela descoberta, o artista não a suprime
verdadeiramente, mas a transforma, condensa, deixando-a mais
substancial.
Como pode se dar essa relação entre olhar e expressão sem que o
parâmetro não seja a "perfeição" da ótica de pessoas ditas "normais"? De
que maneira podemos olhar essa expressão sob o "olhar" de um portador
de necessidades especiais? Qual a leitura que ele faz do mundo, de um
mundo metaforicamente estético, com suas linhas, cores, formas, que
cobra uma perfeição distante de suas reais possibilidades.
Acredito que uma grande virtude a ser conquistada pelo ser humano
é respeitar e conviver com o diferente. Percebemos na história da
humanidade o quanto essa luta tem sido sofrida. Olhar, respeitar, aceitar e
amar o diferente sem excluí-lo, aceitando-o com suas dificuldades,
possibilidades e competências é um exercício que temos que rever a cada
dia para melhorá-lo, em função de uma diversidade que bate à nossa
porta. É necessário despojar-se de preconceitos, questionar valores e
transcender para um ser maior que se encontra em cada um de nós.
222
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Olhar
Cecília Gaeta
Era uma vez uma ilha, como muitas outras: cercada de água por
todos os lados. Apesar de igual, algo a particularizava: atraía diferentes
olhares. E isso, em alguns momentos, a envaidecia, em outros a aborrecia
e em muitos a confundia: afinal que ilha era ela?
A marinha brasileira a considerava excelente alvo para seus
exercícios de tiros. Bem localizada, com formação geológica adequada
para absorver impactos, sem vizinhança que pudesse ser danificada pelo
barulho e atingida pelos projéteis. A ilha é nossa!
Não era bem assim que consideravam os pescadores da região, que
viam seus peixes, antes abundantes e variados no entorno da ilha,
fugirem para alto-mar em busca de lugar mais pacífico, levando com eles
o sustento de suas famílias. A ilha é nossa!
Os ecologistas, com suas peculiaridades, se revoltaram (quase
chamaram o Green Peace). "Estão acabando com um dos nossos
santuários ecológicos e com todas as possibilidades de desenvolvimento
de um turismo ecológico sustentável!" A ilha é nossa!
Os cientistas naturais reivindicavam seu direito de, para o bem da
humanidade, pesquisar a riquíssima biodiversidade da região. A ilha é
nossa!
E a ilha, ali no meio de tantos olhares, se confundia. Tendia para um
lado, para o outro; sorria, chorava, ia e vinha. Era uma ilha em conflito
que esperava que um dia todos esses olhares veriam que, acima de tudo,
ela era uma ilha. A Ilha de Alcatraz.
Era uma vez um professor de turismo, como muitos outros: cercado
de alunos por todos os lados. Apesar de igual, algo o particularizava:
atraía diferentes olhares. E isso, em alguns momentos, o envaidecia, em
outros o aborrecia e em muitos o confundia, afinal quem era ele?
A comunidade considerava que por ser um profissional de turismo
bem-sucedido e por ser a área tão carente de novos/bons profissionais, ele
OLHAR
223
deveria ser capaz de formar outros profissionais de turismo competentes,
inseridos produtiva e eficazmente no mercado.
A coordenação pedagógica da instituição escolar, além de
concordar com a comunidade, considerava que, por ser um profissional
bem-sucedido, deveria ser um professor bem-sucedido, capaz de
transmitir com segurança sua experiência e, desse modo, promover a
aprendizagem e a pesquisa no aluno, para o bem da instituição e da área
de turismo.
O aluno... Ah! Ele tinha diferentes olhares, variava sua opinião
dependendo de sua expectativa: a um tempo considerava o professor um
deus, o senhor de todas as verdades, o salvador de suas futuras
profissões, o mestre conhecedor de tudo que é necessário para ser bemsucedido na vida. Mas, oh! incoerência, ao mesmo tempo, é responsável
por todos os seus erros e fracassos: "se o aluno não aprendeu, o professor
não ensinou".
E o professor, ali no meio de tantos olhares, se confundia. Tendia
para um lado, para o outro; sorria, chorava, ia e vinha. Era um professor
em conflito que esperava que, um dia, todos esses olhares veriam que,
acima de tudo, ele era um professor. O professor João.
Um dia o professor João olhou a Ilha de Alcatraz. A princípio se
espantou: havia algo, não sabia bem o que, que o atraía. Como lidava
com maestria com os diferentes olhares! Olhares... olhares... olhar... Que
poderes tem um olhar!
"Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É a janela do corpo
humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do
corpo que sem esse poder seria em tormento. [...] Quem acreditaria que um espaço
tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo?" (Leonardo da
Vinci).
Nossa certeza mais primitiva é mesmo a de ver o mundo, constatar
nosso cotidiano. O ver, em geral pressupõe certa passividade e discrição;
nesse caso, o olho meio que desatento e espectador passeia sobre a
superfície das coisas do mundo e as espelha e registra, com uma
conotação de ingenuidade e espontaneidade e com alcance circunscrito.
Já o olhar... ah!, o olhar é diferente! Ele perscruta e investiga, indaga a
partir e para além do visto, é direcionado e atento, tenso e alerta no seu
impulso inquiridor. Deixa sempre aflorar certa inquietação e malícia: é o
ver deliberado, premeditado, intencional. Ver se dá de nós para fora.
Olhar é sair de si e trazer o mundo para dentro de si.
224
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Ver-avaliar-compreender... perceber-apreender-conhecer... olhar e
criar a vontade de olhar mais. É nesse momento que se insere um novo
elemento no universo do olhar: o desejo. O olhar provoca e incendeia o
coração, criando o desejo de perceber, ver, conhecer. E é na profundidade
que imprimimos ao dinamismo desse círculo vicioso que compreendemos
o mundo e nos relacionamos com ele. Eis em verdade o que o desejo
acende: uma verdadeira inserção no mundo. É, pois, graças aos olhos que
o coração é incendiado. [...] na verdade o fogo e a dor do coração fazem
brotar lágrimas aos olhos: se os olhos incendeiam o coração, é por causa
do coração que os olhos são inundados de lágrimas [...] os olhos em
lágrimas significam a difícil separação entre a coisa desejada e aquilo que
a deseja.
Esse é o olhar interdisciplinar. Um olhar de dentro para fora e de
fora para dentro, para os lados, para os outros. Um olhar que desvenda os
olhos e, vigilante, deseja mais do que lhe é dado ver. Um olhar que
transcende as regras e as disciplinas, olhar que acredita que só existe o
mundo da ordem para quem nunca se dispôs a olhar! Um olhar inflado de
desejo de querer mais, de querer melhor, um olhar que recusa a cegueira
da consciência.
Realmente, o professor João constatou que a ilha lidava com
maestria com os diferentes olhares! Aos poucos foi verificando que
apesar de parecer sozinha e isolada, a ilha partilhava com a marinha, os
pescadores, os ecologistas e cientistas a sua razão de ser. E apesar de
parecerem contraditórios e egocentristas, eram parceiros, pois juntos
desejavam uma solução para melhor interagirem e partilharem de todo
seu potencial. Aos poucos, foi se identificando com a ilha: quanto mais a
entendia, mais se compreendia. Foi sentindo com menos angústia a
solidão que vivia. Foi olhando com outros olhos os olhares que recebia.
Foi compreendendo a importância do olhar, repleto de significados e de
sentimentos próprios, que não se contêm nos limites estreitos de uma
estrutura, mas que apreendem as variações, as diferenças e se situam fora
daquilo que para nós é comum. E o professor João foi compreendendo
como lidar com os diferentes olhares que recebe e as expectativas que
cada um traz!
E, mais importante que isso, foi aguçando seu olhar no sentido de
ver outras dimensões daquilo que se apresentava. E descobriu que nada é
definitivo, que não existe um único olhar; tudo depende da ótica e da
atitude de quem analisa. E o professor João foi olhando com outros olhos
os olhares que emitia.
E assim, de olhar em olhar, de desejo em desejo, foi se sentindo
mais importante e mais forte no seu papel de professor; cada dia mais
firme, mais belo, cada dia mais... professor.
OLHAR
225
Olhar24
Ivani Fazenda
O que está por trás da metáfora do olhar? Como explicitaríamos a
questão do olhar?
Se tomarmos como premissa o fato de que quando olhamos, o
fazemos em uma única direção, ou seja, na medida em que voltamos o
olhar para cada pessoa, na intencionalidade de interagir, que é alguma
coisa muito importante quando se pensa nesta metáfora do olhar. Esta
interação acontece em uma situação de intencionalidade em um tempo
único. Por exemplo, se eu fixar meu olhar em um aluno e ele
corresponder, terei um instante em minha fase de vida onde a interação
entre mim e o aluno será em um único sentido, em um único momento.
Tive a intencionalidade de olhar o aluno, mas esta minha
intencionalidade despeitou no aluno o desejo de me olhar também, então
nós dois, neste momento, que é um tempo único, saímos da questão do
olhar e subimos a um patamar maior, que é transcendente, está fora de
ambos (eu e o aluno), onde os desejos foram cooptados de forma que
ambos subiram juntos em um momento de transcendência onde podemos
realizar coisas que estão além da fusão de nossos olhares, coisas muito
mais eternas. Talvez em uma breve fusão de olhares podemos cooptar o
olhar da humanidade toda!
Estes instantes de transcendência são iluminados, são fagulhas,
ilhas de paz, que acontecem na vida das pessoas e podem remetê-las
para a paz mundial.
24. Esse texto é uma transcrição e adaptação da aula de 3/9/99, elaborada por Wagner Tufano.
226
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Se tivermos o interesse maior em olhar uma pessoa e se este nosso
olhar tiver não só uma intencionalidade imediata, mas um desejo de
cumplicidade com a pessoa, tentando ver não só sorrisos, mas o que pode
estar por trás deles, como por exemplo: qual o significado de
determinado aluno para nós hoje? O que será que este aluno está vendo
em nós? O que posso ver mais nele? Por que será que precisamos nos
olhar hoje?
Estas são formas de desmanchar a metáfora do olhar em múltiplas e
infinitas direções, pois olhamos por camadas. A primeira é uma camada
superficial, como, por exemplo, quando o professor chega em uma sala
no primeiro dia de aula, ele não sabe o nome de todos e nem quem são.
Então sua primeira indagação seria a seguinte: o que estas pessoas vêm
fazer em sua sala de aula?
A medida que o tempo vai passando, os alunos vão deixando de ser
meras pessoas nesta sala e começam a fazer parte do professor. Isto
acontece aos poucos, daí a categoria da espera, uma espera vigiada que
vai sendo alimentada a cada aula, pois em cada encontro o aluno vai
adquirindo uma nova roupagem para o professor.
De repente, depois de algumas aulas, o
professor já pode estabelecer com o aluno uma
relação de confiabilidade muito grande. Esta
confiabilidade aparece na crença do professor no
trabalho do aluno e nele no trabalho do professor.
Não surge, portanto, de um lado apenas, mas sim em
uma via de mão dupla, onde às vezes não se pode
dizer quem é que começou: o professor, na medida
que acolheu o aluno, ou o aluno, na medida que se
dispôs a frequentar as aulas.
O importante e fundamental é afirmar que em ambos os lados
houve uma intencionalidade: do professor predisposto a acolher o aluno e
no aluno que, por sua vez, não pode nem sabe por que está em uma sala
de aula em determinado momento. Mas há duas intencionalidades que,
embora parecendo divergentes, são extremamente convergentes. E é só a
partir daí que começa o processo de desdobramento do olhar em relação
ao aluno, ou seja, o professor começa a ver seu aluno não só como uma
pessoa comportada, mas como alguém comprometido, ele começa a se
apropriar do universo deste aluno, e esta apropriação se dá por meio do
desvelamento, que vem do ato de tirar os véus.
OLHAR
227
O primeiro véu é tirado à medida que professor e aluno caminham
juntos, por intermédio do aconchego e do abraço, fundamental na
interdisciplinaridade, pois é no momento do abraço que o professor tira o
primeiro véu, o aluno se sente bem, importante, comungado e feliz. A
partir daí podemos ver outros fatores na vida do aluno que estão fora.
O segundo véu é tirado por intermédio da escrita. Com o decorrer
das aulas o professor vai conhecendo melhor seus alunos, à medida que
eles produzem textos. Nos cursos de pós-graduação este fato colabora
para que o professor possa orientar melhor seus alunos. A escrita
possibilita ao aluno revelar-se de uma forma diferente, com um outro
olhar sobre ele mesmo.
Por fim, o terceiro véu é tirado com a fala, ou seja, na hora em que
o aluno fala, ele expressa com todo o seu corpo o que está dentro dele.
Desta forma, na primeira vez que o professor abraça um aluno, seu
olho mexe-se como o corpo todo. Temos um olho interior, que vem de
dentro, escondido, mas que durante a escrita é revelado. Mesmo sendo
por meio da escrita, o fato de o aluno poder ter alguém para conversar é
algo maravilhoso! Em terceiro, na fala, observamos que no decorrer de
um curso as pessoas começam a se abrir e falar à medida que
"destravam" o corpo e a escrita, principalmente em um curso de pósgraduação, onde um aluno é avaliado pelo que diz e escreve. E ele só
solta esta fala à medida que adquire certezas maiores consigo mesmo.
O pacto do silêncio ocorre quando os dois primeiros passos não são
vencidos, e é por isso que em muitas salas de aula só o professor fala. E o
pior, muitas vezes não fala com a alma, pois este é um ato muito
perigoso, já que pode expor o professor ao seu íntimo mais profundo.
Não podemos ter medo de nos jogar, mesmo percebendo que a
piscina não está cheia! Pois se tivermos medo de nos jogar, nunca vamos
228
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
perceber nosso real papel! Aqui mais uma vez se apresenta a virtude da
espera, pois precisamos sentir a piscina enchendo para que possamos nos
jogar cada vez com mais garra.
Esta questão da intencionalidade é maravilhosa, pois coloca o
professor como um facilitador para que o aluno possa construir seu
aprendizado.
OLHAR
229
Observação/Análise
Fernando Ribeiro Gonçalves
Entre o ato de observação e o de análise da relação educativa existe
uma relação não só de suficiência mas também de necessidade. Se
soubermos observar saberemos compreender; se soubermos compreender
saberemos intervir e se soubermos intervir saberemos melhorar. É este o
sentido de exigência e de necessidade que assiste aos dois processos —
observação e análise — cuja articulação se prende não só com o saber
mas também com o saber fazer e o saber ser. Não faz então sentido falarse de um sem o outro. Em última análise, os seus objetivos terminais,
auto-regular as práticas pedagógicas e melhorar a qualidade da relação
educativa, ficariam por cumprir se adotássemos apenas um dos
parâmetros da expressão. Claro está que daqui se infere que o exercício
da observação e análise da relação educativa implica uma consciência
vigilante, crítica e inquieta no sentido de que é através deste processo que
a revisibilidade — fatal mas necessária — do conhecimento toma forma,
isto é, é necessária a coragem de admitir que a verdade é uma procura
constante e que muitas vezes a sua manifestação depende dos contornos
sociais que a enquadram. Há também uma relação de dependência que
emerge do seu conteúdo funcional, i.e., "observar é um processo que
inclui a atenção voluntária e a inteligência, orientado por um objetivo
terminal ou organizador e dirigido sobre um objeto para dele recolher
informações".
Além disso, "trata-se de um processo e não de um mecanismo
simples de impressão como a fotografia...".
Por tudo isto, poderemos tratar a expressão observação e análise
como algo cuja natureza estrutural, essencial e funcional decorrem da sua
própria definição.
Vamos então fazer o percurso da expressão "Observação e análise
da relação educativa" através da decomposição da sua definição e das
questões daí emergentes.
230
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Assim:
1 — Se é um processo, inevitavelmente teremos de responder à
seguinte pergunta:
Como se organiza este processo e quais são os passos orientadores
de tal processo?
A resposta a esta pergunta remete-nos de uma forma geral para uma
segunda pergunta que é: "para quê observar e analisar?". A resposta a
estas duas perguntas, que se entrecruzam nas suas recíprocas
determinações, passa pela reflexão sobre a problemática dos desenhos
e/ou planos de investigação, sua fiabilidade de construção, sua validade
aparente que se baseia na evidência dos dados recolhidos, sua validade
instrumental que se prende com os tipos e quantidade de instrumentos
utilizados e os dados daí resultantes e, por fim, a sua validade teórica que
se refere à coerência entre os dados e a teoria tanto prévia como
emergente, i.e., a validação das inferências. Passa ainda, e de forma
particular, pelos tipos e funções que pretendemos atribuir à observação e
também ainda ao tipo de utilização que pretendemos fazer dos dados
recolhidos. Enquanto que os tipos dependem da natureza e dinâmica que
caracteriza os modelos pré-explicativos e/ou os emergentes que os
objetos/situações a observar encerram, as funções que pretendemos
atribuir ao exercício da observação e análise da relação educativa
dependem por um lado da postura do investigador no processo educativo
e, por outro lado, dos objetivos terminais que se colocam à empresa de
instruir e educar. Esta dependência dos "métodos" em função da natureza
dos objetos/situações será talvez a menos querida dos investigadores
apressados mas é de certeza a única postura que confere seriedade e
robustez científica ao processo. Então diríamos que a natureza dos
objetos/situações a observar, conjuntamente com as intenções implícitas
ao ato de observar e analisar, fazem com que a observação possa ser
tipificada do seguinte modo:
— o grau de inferência permitido ao observador pode ser fraco vs.
forte
— a anotação das ocorrências pode ser imediata ou diferida e ainda
direta vs. mediatizada
— a situação da observação pode ser criada vs. natural e
manipulada vs. não-sistemática
OLHAR
231
— quanto ao grau de liberdade deixado à observação ela pode ser
sistemática vs. não-sistemática
— o momento da observação conduz a observações longitudinais
vs. transversais.
São também os fatores determinantes da tipologia anteriormente
apontados que fazem com que as funções a atribuir ao processo se
consubstanciem em propostas observacionais descritivas, formativas,
avaliativas, heurísticas e de verificação.
É de ressaltar aqui dois comentários:
As diferentes funções agora atribuídas à observação podem não ser
(e em bom rigor não o serão) exclusivas. Antes pelo contrário, para que
se cumpram as mais valias referidas ao longo deste texto, o investigador
normalmente opta por atribuir de forma combinada todas as funções num
só processo de observação. Porém, e também, é fácil de perceber que os
dados oferecidos pelo exercício destas funções só terão valor
instrumental (seja dentro da auto-observação, seja dentro da heteroobservação), quando passados a resultados, que alguns autores apelidam
de evidências. Ora é nesta passagem dos dados a resultados que nos
permitimos falar do processo de análise. No que diz respeito à análise, ela
pode assumir-se com um pendor mais fenomenológico ou mais
"positivista". Enquanto que no primeiro o sujeito produtor dos
atos/situações é considerado como fonte privilegiada no que diz respeito
à explicação e consequente inteligibilidade das intrincadas redes que
produzem tais atos/situações, no segundo, o investigador debate-se com
os dados para procurar relações de associação, explicabilidade e previsão.
De novo, e não vale a pena meter a cabeça na areia, as duas perspectivas
são complementares no sentido em que ambas, e em conjunto,
configuram o contínuo entre generalização e legitimação.
2 — Também a definição que estamos a dissecar refere que "é um
processo que exige a atenção voluntária e a inteligência...". Pois bem,
aqui teremos de abordar a questão do autor da observação não só no seu
estatuto de observador independente ou participante (e em qualquer dos
estatutos ser identificado ou não como observador), mas também na sua
preparação e isenção na formulação de juízos de valores que pouco
tenham a haver com o objeto/situação em observação. Neste último
aspecto as opiniões dividem-se. Uns não encontram grandes
inconvenientes em que o
232
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
observador seja o próprio investigador. Outros entendem que a
constelação axiológica do investigador, os seus quadros de referência
teórica e ainda as expectativas colocadas nos resultados finais da
observação podem contaminar a operacionalização das conclusões que
venham a ser extraídas dos resultados. Poderíamos então dizer que nesta
perspectiva a observação pode ser alospectiva ou introspectiva. Na
situação alospectiva em que o observador não é coincidente com o
observador dever-se-ia utilizar mais do que um investigador e, até por
uma questão de triangulação dos dados e resultados, mais do que uma
fonte de informação (i.e. fontes oculares, verbalizadas e documentais
etc.) para o mesmo objeto/situação. No caso de serem utilizados mais do
que um observador deve o investigador preocupar-se com dois aspectos
fundamentais: a) ministrar um pequeno curso de formação aos futuros
observadores sobre gestão e execução do processo de observar e sobre a
dinâmica do objeto/situação a observar; b) escolher os observadores que
apresentem melhores coeficientes de estabilidade (capacidade de
codificarem da mesma maneira a mesma situação em tempos diferentes)
e coeficiente concordância (grau de semelhança com que diferentes
observadores codificam de forma semelhante a mesma situação num
dado momento). Claramente estamos a falar de critérios intraindividuais
para o primeiro coeficiente e inter-individuais para o segundo.
3 — No entanto, o processo de observação é orientado e organizado
por um objetivo terminal. Mas qual a origem e natureza deste objetivo
terminal? Ele pode ser de natureza e intenções muito diversas. Porém,
com certeza que vai determinar quer a tipologia que melhor se adequará
ao processo, quer, por um lado a orientação que damos ao tratamento dos
dados recolhidos e, por outro lado, as funções que atribuímos ao processo
de observação. Se nos colocarmos na perspectiva da construção do
conhecimento, com certeza que concordaremos que a taxa de residência
dos conhecimentos adquiridos, bem assim como o investimento que nele
podemos fazer em termos de revisibilidade produtiva, dependem, em
muito, do modo como esses conhecimentos são adquiridos. Quanto mais
nos identificarmos com o conhecimento maior será a capitalização que
dele fazemos, e a intensidade desta identificação é coordenada pelos
mecanismos de apropriação-construção e uso do conhecimento. Será
então legítimo sugerir que o exercício da observação e análise constituise como um potente instrumento (principalmente na óptica da autoobservação) para o
OLHAR
233
desenvolvimento pessoal e profissional de todos os intervenientes nos
atos e fenômenos educativos em geral e dos professores em particular.
Este deverá ser o objetivo último do exercício da observação e análise da
relação educativa. É também o exercício combinatório das funções da
observação que nos garante que o conhecimento é emergente da realidade
e não de qualquer virtual explicação prévia da mesma.
4 — O processo de observação dirige-se sobre um objeto/situação.
Nesta altura coloca-se-nos o principal fator determinante de tudo
aquilo que anteriormente referimos. Estamos a falar do núcleo
substantivo sobre o qual recai todo o processo de observação. Neste
núcleo, e no que à relação educativa diz respeito, encontramos pessoas
individuais (professores e alunos), pessoas coletivas (classe e escola),
estruturas sociais (comunidade próxima envolvente), e estruturas sóciopolíticas (sistemas e políticas educativas). Esta atividade nuclear
organiza-se em função de forças interatuantes, interdeterminantes e
interconsequentes. Desta teia de relações têm surgido vários modelos
explicativos da dinâmica educativa que vão desde os paradigmas
apelidados de processo-produto, dos mediacionais centrados no professor,
no aluno e integradores até aos paradigmas ecológicos. A diversidade
destes modelos revelam que a realidade não se deixa apreender com
facilidade. Por isso somos forçados a concluir que a utilização das
estratégias, técnicas e instrumentos não se pode compadecer com
circunscrições teórico-doutrinais mas apenas com as exigências impostas
pela complexidade do objeto/situação. A questão central coloca-se ao
nível da natureza dos atores (pessoas) dado que as estruturas são
alimentadas pelas pessoas. E dado que os profissionais da educação são
em primeiro lugar pessoas que se movimentam em ambientes mais ou
menos adversos, resta-nos aceitar o seu estatuto de contextualizadores de
contextos contextualizados. Se são contextualizadores temos de perceber
como e porque procedem ao processo de contextualização, que contextos
movimentam (sua natureza essencial e funcional) e por quem e como são
contextualizados os contextos em que se movimentam. Se a observação e
análise da relação educativa conseguir dar resposta ao antes enunciado
então estaremos no bom caminho. Daqui se infere que, embora
tecnicamente difícil, a procura da multicausalidade deveria ser o fim
último da observação e análise (nomeadamente na sua função descritiva).
Assim sendo, daqui se infere também que a expressão "Relação
Educativa" só
234
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
por si, e enquanto disciplina, constitui apenas uma parte da disciplina
observação e análise da relação educativa. E é neste sentido que a seguir
propomos algumas variáveis (umas endógenas e outras exógenas) que
podem enquadrar a dinâmica da relação educativa e, por isso, serem
organizadoras do processo de observação e análise.
Variáveis Terminais
Consciência da Ação — Consciência de que para se atuar de modo
otimizante é necessário conhecer as alternativas de ação.
Consciência na Ação — A consciência de que para atuar não se
pode ignorar a situação, suas exigências e consequências.
Consciência para a Ação — A consciência da revisibilidade e
flexibilidade dos conhecimentos que possuímos para atuar.
Consciência em Ação — A consciência de que os
professores/investigadores não são autômatos e por isso conferem
significados a situações e problemas para sobre elas decidirem de acordo
com os seus conhecimentos teóricos e práticos.
Variáveis Contextuais
Contexto pré-existente — Contexto psicológico onde coexistem
concepções educativas provenientes do percurso acadêmico, profissional
e social do professor.
Contexto existente — Contexto existente na sala de aula
imediatamente anterior ao aparecimento da situação ou problema que
será objeto da nossa investigação.
Contexto criado — Situação ou problema que mereceu a nossa
investigação.
Contextos criáveis — Conjunto de novos contextos que o professor
pode criar para resolver a situação ou problema surgido.
Contexto a criar — Contexto que, entre os contextos possíveis, o
professor elegeu para responder à situação ou problema surgido.
OLHAR
235
Variáveis Imagéticas
Auto-Imagem — Conjunto de valores, crenças, atitudes, autoconceito etc. do professor.
Imagem da Trajetória — Perspectiva da trajetória profissional e
pessoal do professor.
Imagem da Ação — Conhecimentos teóricos e práticos do
professor.
Imagem da Projeção — Perspectiva das consequências das decisões
que o professor possa tomar.
Imagem da Dialética Contextual — Conjugação e gestão dos vários
contextos que o professor entenda fazer.
Variáveis Instrumentais
— Destrezas na definição contextual da situação ou problema a
corrigir.
— Destrezas na análise, interpretação, compreensão e avaliação da
situação ou problema a corrigir.
— Destrezas de tomada de decisão por parte do professor.
— Destrezas na negociação dos contextos que envolvem a situação
ou problema a corrigir.
— Destrezas na capacidade de negociação curricular que se
apresente como necessária.
— Destrezas na negociação do clima de comunicação.
— Consciência e gestão dos processos de pensamento do professor
que suportam as destrezas anteriores.
Variáveis Sistêmicas
Micro-Sistema — Componentes do mundo interior do professor e
que afetam o desempenho profissional.
Meso-Sistema — Fluxo das atividades que se desenvolvem na sala
de aula.
236
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Macro-Sistema — Influência da escola, sua cultura e seus processos
de aculturação.
Exo-Sistema — A cultura familiar, a cultura do grupo extra-escola e
a cultura regional enquanto determinantes do sucesso do professor e do
sucesso do aluno.
Hiper-Sistema — A cultura, exigências e política educativa
nacionais e internacionais.
Para além desta natureza essencial do objeto da observação,
deveremos igualmente — por ser também fator condicionante da
tipologia de instrumentos e técnicas de recolha de informação a utilizar
durante o processo de observação — definir se a observação vai incidir
sobre fatos ou sobre representações e ainda se pretende encerrar um
caráter atributivo através do registo da presença ou ausência de
determinada ocorrência ou se pretende ser narrativa preocupando-se com
a descrição não só com a ação ocorrida mas também com a sua gênese,
evolução e consequências.
5 — Por fim, a observação pretende recolher informações. Nesta
altura somos confrontados com os modos de recolha, sendo que estes são
condicionados pelos contornos factuais ou representacionais do objeto/
situação em situação de observação. Se a observação incide sobre fatos
ou ocorrências é aconselhável a utilização de sistemas de registo
baseados em sistemas de categorias ou em sistemas de sinais. Se por
outro lado a observação se baseia em representações, a utilização de
questionários, entrevistas, escalas de valoração são técnicas a utilizar.
Decorrente do fato da observação poder ser narrativa é ainda
aconselhável a utilização de técnicas biográficas, diários e outras que, por
serem da responsabilidade do observado, acabam por se constituírem
como elementos de triangulação dos dados observados pelo observador.
Ainda, e com alguns cuidados no que diz respeito à negociação da sua
utilização, pode fazer-se uso de sistemas tecnológicos de registo. De
novo, e nunca é demais referir, na maior parte das vezes o observador
deverá utilizar simultaneamente várias técnicas e instrumentos conforme
as exigências dos seus objetivos organizadores e da natureza essencial,
temporal e funcional dos objetos/situações a observar.
Resta acrescentar que a observação e análise pode (e deve) ser
utilizada em variadas situações como sejam os estudos de caso, os
métodos clínicos, os métodos genéticos e os estudos naturais.
OLHAR
237
O valor acrescentado que se deve extrair (e ser fornecido por) do
exercício da observação e análise da relação educativa permanecem,
desde há anos, os mesmos, apesar das mudanças sucessivas que se
verificam nas estruturas sociais. Assim sendo, o impacto da observação e
análise da relação educativa deve ser enquadrado aos níveis de: i) servir a
investigação; ii) formar professores; iii) ajudar os supervisores da prática
pedagógica; iv) fornecer dados para conteúdos de uma educação
emergente; v) descrever e fornecer pistas para melhorar as condições de
aprendizagem.
238
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Hermenêutica
Vitória Helena Cunha Espósito
Do grego hermeios, do latim hermeneia, a origem do vocábulo
parece referir-se ao deus mensageiro alado Hermes. Entretanto, é
significando "dizer", "compreender", "explicar", "traduzir" ou "arte de
interpretar" que este termo tem se propagado, aplicando-se à
interpretação do que é simbólico, especialmente de textos considerados
sagrados.
Como algo que se dá num determinado espaço e tempo,
encontramos outras acepções, o que nos leva, deliberadamente, a
estabelecer no pensamento hermenêutico um recorte e nele destacar duas
trajetórias que nos parecem mais significativas: a alemã, constituída a
partir do pensamento de Wolf, Ast, Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e
Gadamer; e a franco-suíça, na qual destacamos Paul Ricoeur.
Embora apresentem diferenças e peculiaridades, essas duas
trajetórias têm um sentido comum: ambas confluem para uma ontologia
que se preocupa com a busca da universalidade e do logos.
Retrospectiva
A observação atenta da evolução do pensamento hermenêutico
alemão nos permite constatar o desenvolvimento de uma perspectiva
regional (disciplinar) em direção à busca de universalidade tendo a
hermenêutica como fundamento para a compreensão das ciências
humanas (Geisteswessenschaften).
Nessa trajetória, situamos:
Augusto Wolf (1789-1824), para quem a hermenêutica era a ciência
das regras pelas quais se reconhece o sentido dos signos, tendo como
objeto fundamental captar o pensamento escrito ou oral de um autor. Ao
intérprete — o hermeneuta — competiria a tarefa de estar preparado não
apenas para compreender o dito ou escrito pelo autor, mas também o de
ser
OLHAR
239
capaz de explica-lo a outros. A hermenêutica teria, assim, duas direções:
a compreensão e a explicação.
Com referência à construção metodológica da ciência hermenêutica,
Wolf considerava que a prática é que levaria à formulação das regras, as
quais deveriam variar conforme o objeto a ser interpretado.
Friedrich Ast (1778-1841) observa que a hermenêutica visa a
classificar a obra pelo desenvolvimento interno de seu significado, bem
como estabelecer as relações entre cada uma das partes entre si e mais
amplamente com o espírito da época (Geist), unidade intrínseca do ser
que encontra na palavra e na linguagem o meio de transmissão da
herança cultural de um povo.
A Filologia é considerada o meio de acesso à unidade dos
conteúdos internos e externos de uma obra.
A tarefa de compreensão é, pois, histórica, ao referir-se ao conteúdo
da obra; gramatical, pois representa a compreensão na sua relação com a
linguagem; e Geistige, pois pretende compreender a obra na relação entre
a visão do autor e aquela da totalidade da época. Esta última acepção
coloca os fundamentos para a ideia de círculo hermenêutico, pelo qual a
compreensão se faz como processo que é origem de construção e de
reprodução do conhecimento humano.
Schleiermacher (1768-1834), diferentemente de Wolf, considera
possível construir uma hermenêutica geral, pois, independentemente das
diferenças possíveis entre os textos, estes guardam entre si uma unidade
ou ideia geral que interatua com a estrutura gramatical para formar o
sentido. Sua intenção: construir uma hermenêutica geral como arte da
compreensão que poderia ser a base para hermenêuticas especiais.
Considera, ainda que, "compreensão" e "interpretação" tais como a
palavra interior e a exterior se acham "imbricadas". Portanto, logo que se
coloque algo mais do que a exteriorização da compreensão — a
explicação —, esta se torna "a arte da apresentação", deixa de ser "arte da
compreensão" e, de maneira imperceptível, transforma-se em formulação
retórica.
Dando-se numa relação dialógica, a hermenêutica pressupõe
"compreensão compartilhada", haja vista que na comunicação se presume
que aquele que fala e aquele que ouve compartilhem. Compartilhar
subentende um conhecimento prévio do tema em causa, sem o que não se
realiza o salto para o círculo hermenêutico.
240
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Wilherm Dilthey (1803-1911) capta na hermenêutica a
possibilidade de ela tomar-se o fundamento para as humanidades
(Geisteswessenschaften) e as ciências sociais, campos do saber que
interpretam as expressões da vida interior do homem, sejam elas gestos,
atos históricos, leis codificadas, obras de literatura ou de arte.
Dilthey considerava que a compreensão será a palavra-chave para
os estudos humanísticos e a explicação para as ciências naturais.
Ao destacar a relação sistemática entre vida, expressão e
compreensão, Dilthey buscou a palavra alemã Erlebnis para referir-se à
experiência imediatamente vivida, como uma unidade sustentada por um
significado comum, que permanece no tempo. Esse campo da consciência
pré-reflexiva, a experiência vivida cotidianamente, é retomado pela
fenomenologia de Husserl e pela hermenêutica fenomenológica de
Heidegger.
Com relação à história, Dilthey não a concebe como algo passado,
que defrontamos como um objeto. "Historicidade" significa "o homem
compreender a si próprio", não pela introspecção, mas sim por meio das
objetivações da vida.
Considerava, ainda, necessário que fossem forjados novos modelos
de interpretação, aos quais seria conferida uma dimensão científica
comparável à que as ciências da natureza já haviam conquistado.
Após Dilthey, com Heidegger (1889-1976) e em seguida com
Gadamer (1900), altera-se essencialmente essa trajetória. Não se busca
mais o aperfeiçoamento da epistemologia das ciências do espírito, mas
passa-se ao questionamento da questão básica: em vez de nos
perguntarmos o que sabemos, passamos agora a procurar pelo "como" e
pelo modo de ser desse ser que só existe nos compreendendo. Se em
Dilthey a compreensão consiste na "expressão de realidades internas" —
em última instância, na própria vida —, com Heidegger é tomada como
"o poder de captar as possibilidades que cada um tem no contexto do
mundo em que cada um (de nós) existe". A compreensão não é algo que
se possua, mas, antes, um modo de ser e estar no mundo. E, pois,
ontologicamente, fundamental e anterior a qualquer ato de existência.
Heidegger considera que a cada compreensão acha-se já espreitando
uma interpretação. Esta é o desenvolvimento de possibilidades já
projetadas na compreensão. Nesta perspectiva, o "como" não emerge pela
primeira vez numa asserção. Nela, ele é apenas "expresso pela primeira
vez" e isso só se torna possível porque aquilo que é compreendido
solicita ao ser a sua
OLHAR
241
expressão. Entretanto, é a distinção feita por Heidegger entre "discurso" e
"linguagem" e os estudos linguísticos de Saussure que abrem
possibilidade de a hermenêutica centrar-se na linguagem, como em
Ricoeur.
Por "discurso", podemos apreender em Heidegger a
"inteligibilidade" que se articula no interior do ser como uma linguagem
silenciosa. Ao compreender e articular o logos na sua inteligibilidade,
esse discurso solicita expressar-se pela linguagem (legein). Nesse
sentido, a linguagem é o discurso pronunciado, o falar, e o discurso é o
modo constitutivo e essencial do homem do qual a linguagem, como
discurso articulado, deriva.
Gadamer, filósofo contemporâneo, retoma Heidegger e busca fazer
compreensível o fenômeno hermenêutico em todo seu alcance, partindo
da experiência da arte e da tradição histórica. Assim, percebe a
compreensão como um evento que é histórico, dialético e linguístico.
Com Paul Ricoeur (1913), filósofo que nos coloca na trajetória
franco-suíça, a hermenêutica passa a privilegiar não apenas a busca do
ser, mas lança-se, a partir da linguagem (legein), em busca de
significações pela decodificação interpretativa do universo dos signos
presentes na elaboração dos discursos das ciências humanas e sociais e
dos discursos ideológicos que se colocam presentes ou dissimulando o
conhecimento.
Apoiando-se no modelo estrutural de Saussure, Ricoeur distingue o
"discurso" do "código linguístico", elemento que fornece a estrutura
específica a cada um dos sistemas linguísticos. A língua significa algo
diferente da capacidade de falar e da competência de expressar-se.
Observa Ricoeur que o eclipse do discurso (logos) foi encorajado pela
expansão do modelo estrutural, que se fez, para além da linguística,
presente em usos e costumes. O caminho desvelado por Ricoeur aponta a
possibilidade de produzir-se uma dialética fina entre a compreensão e os
conhecimentos vigentes, pois, retomando Heidegger, a cada compreensão
uma nova interpretação já se encontra à espreita, solicitando ser dita.
Em síntese:
Muito mais haveria a ser dito. Entretanto, ao romper-se com uma
visão regionalista, gramatical, apoiando-se nos avanços feitos pela
hermenêutica existencial de Heidegger e incorporando com Ricoeur os
avanços contemporâneos dos estudos linguísticos, e ao considerarem-se
os princípios do círculo existencial hermenêutico, são muitas as
possibilidades que se abrem de interfaces entre esse modo de ser,
compreendendo e interpretando o mundo, produzindo conhecimento,
interdisciplinaridades.
242
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Educação
Maria Anita Viviani Martins
Para chegar-se ao sentido de educação hoje, apresentaram-se
descrições distintas ao longo da sua construção.
O Dicionário Etimológico, de Dauzat, indica que a palavra
"éducation" aparece por volta de 1327 (Debesse e Mialaret, 1974, p. 14).
O Dictionnaire de Antoine Furetière, abade de Chalivay, membro da
Academia Francesa, publicado em 1690, definia a educação como:
"Cuidado que se toma, que se toma de criar, de nutrir as crianças; diz-se,
mais ordinariamente, do cuidado que se toma de cultivar-lhes o espírito,
seja para a ciência, seja para os bons costumes" (Debesse e Mialaret,
1974, p. 14).
Kant (1724-1808) atribui à educação o fim de "desenvolver no
indivíduo toda perfeição de que é suscetível". Para Durkheim (18581917) por sua vez, a educação, tem o fim de desenvolver na criança "os
estados, físicos, intelectuais e mentais dela reclamados pela sociedade
política e pelo meio social a que é destinada" (Debesse e Mialaret, 1974,
p. 15). Bogdan Suchodolsky (Suchodolsky 1978, p. 117) propondo a
superação das contradições tanto da pedagogia da essência como da
existência precisa: "Essa posição filosófica não se pode conter numa
pedagogia que aceite o estado de coisas existente; não será respeitada
senão por uma tendência que indique o caminho do futuro, por uma
pedagogia associada à atividade social que transforme esse estado de
coisas e tenda a criar, para o homem, condições tais que sua existência
possa tornar-se a fonte e a matéria prima de sua essência".
Estas definições, tanto as de caráter individualista como aquelas que
acentuam o caráter social da educação reafirmam a natureza axiológica e
teleológica do educar pelos seus fins e seu pelo produto, mas, ao
passarem pelo crivo etimológico do termo mostram-se insuficientes para
a compreensão da complexidade do ato educativo, do educar e seus
resultados.
Educação, inicialmente pela formação da palavra, e tomando por
referência o idioma português, é palavra formada por derivação
OLHAR
243
agregando-se o sufixo "ção" ao verbo educar. Ao agregarmos o sufixo
"ção" ao verbo atribuímos o sentido de "ação ou resultado dela" o sentido
originário do sufixo, formando assim um substantivo, querendo dizer da
ação e/ou do resultado dela, isto é do educar.
Já a origem etimológica da palavra nos ensina que é termo de
origem latina (Maurice Debesse e Gaston Mialaret, 1974; Giustino
Broccolini, 1990). Apresenta na sua etimologia um duplo sentido:
"educo-eduxi-eductum-educere " com o significado de fazer sair, lançar,
tirar para fora, trazer à luz, educar; e "educo-educavi-educatum-educare"
referindo-se a criar, amamentar, sustentar, elevar, instruir, ensinar. Ao
tomar-se o termo em seu duplo sentido, educação, refere-se tanto ao
desenvolvimento "educere" como a intervenção educativa "educare".
Nesta dupla acepção semântica identifica-se a complementaridade
entre os processos de desenvolvimento e os seus resultados (educere), e a
intervenção educativa (educare). Referir-se a um dos termos do binômio,
remete, necessariamente, ao outro.
Através do cotejamento entre os sentidos atribuídos ao termo
educação, na sua dupla acepção, encontramos (Harrap's Dictionnaire
Multilingue, 1991):
para educere
no alemão: bildung, desenvolvimento, educação, cultura, e erziehung criação,
educação
no inglês: education, o ato ou o processo de educação, ou o tornar-se educado; no
italiano: educazione, educação, polidez, cortesia;
no francês: education, educação, ensino, civilidade, adestramento, instrução; e
formation, formação, organização;
para educare
no alemão: erzihen criar, educar;
no inglês: educate, do latim educare, educatus, desenvolver as capacidades inatas
através da escola; educar;
no italiano: educare, educar instruir adestrar;
no francês: élever, elevar, erguer, edificar, construir, educar.
Semanticamente educação tem sido compreendida restritamente
como resultado de, todavia, quando cotejada com sua origem
etimológica, reconhece-se a sua limitação a apenas ao resultado,
omitindo-se aquilo que produz o resultado a intervenção, o verbo.
244
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Anteve-se a complexidade contida no binômio educere-educare.
Educação como "educere" compreende a consideração do
desenvolvimento do homem inteiramente, e não parcialmente tal como os
contributos, por exemplo, da Sociologia, da Psicologia, ou seja das
ciências descritivas do desenvolvimento humano. Tal delimitação poderá
reduzir excessivamente, a complexidade, e a fenomenologia do
desenvolvimento humano e circunscrevê-lo operativamente à descrição
das ciências humanas.
A assimilação de comportamentos individuais e coletivos à
necessária participação social, apresenta uma face psicológica igualmente
complexa e relevante na formação dos grupos sociais. A educação não
poderá estar circunscrita somente à aprendizagem e interiorização dos
modelos de comportamento partilhados pelo grupo social de origem, e
pelos grupos particulares ao longo do desenvolvimento social. Esta
aprendizagem é também dependente de interações psicológicas
individuais, isto é, não é suficiente a determinação da socialização como
resultante apenas das interações entre grupos.
É possível vislumbrar-se a articulação daquilo que se pode
denominar como elemento lógico estrutural do educar-educação,
resultante de um complexo de perspectivas entre o educere (educação
como desenvolvimento) e o educare (a intervenção).
Embora admitida esta correlação entre o educere e o educare, apesar
do amparo das ciências humanas, à compreensão do homem, não é
possível imaginar-se uma relação de causalidade imediata entre aquilo
que pontificam estas ciências e o que é possível realizar. A contribuição
das ciências humanas se necessária, não diz tudo sobre o que é ou possa
ser a intervenção.
No complexo de elementos constitutivos da ação educativa,
encontramos as raízes das ciências que se ocupam de provê-la, seja a
Psicologia, seja a Sociologia, a Biologia, e tradicionalmente a raiz
originária destas, a Filosofia.
Há além destes estudos outros historicamente construídos: a
Didática, as Metodologias, a Teoria de Currículo, a Educação
Comparada, a História da Educação.
Encontramos assim duas fontes para a compreensão da ação
educativa: as ciências que se ocupam em descrever o desenvolvimento e
aquelas que organizam a intervenção. Aquelas que descrevem o
desenvolvimento,
OLHAR
245
preservam sua particularidade de estudos, já que seu campo de pesquisa
não diz respeito exclusivamente a educação. São auxiliares, à educação,
revelando a pluralidade da natureza fenomenológica da educação.
Há íntima troca entre as disciplinas que tratam do desenvolvimento
descrevendo-o de modo normativo e interessadas no desenvolvimento
individual, e as disciplinas técnico-prescritivas da intervenção,
comprometida ambas a uma teoria de valores e aos fins da educação. É
na situação educativa que se reelaboram os resultados das descrições das
ciências que de algum modo se orientam para o desenvolvimento do
homem.
Há uma convergência de áreas multidisciplinares que interessam à
compreensão
do
homem
em
situação
educativa.
Esta
multidisciplinaridade está num plano operativo de envolvimento, ainda
comprometido às respectivas esferas originárias, e de competência destas
áreas de saber. Deste plano multidisciplinar operativo, passa-se à
construção de áreas de convergência que, de modo interdisciplinar (Ivani
Fazenda, 1998), favorecerão à construção de novos modos de
compreensão do fenômeno educar, porque, e só porque, produziu-se
através do rompimento de suas fronteiras constitutivas originárias, cria-se
pelo movimento um conhecimento de natureza distinta do originário.
Reconhece-se que o discurso educativo-educacional se alimenta das
ciências que descrevem o desenvolvimento (a Psicologia, a Sociologia...)
oferecendo pelos elementos constitutivos da sua formulação os
instrumentos para individualizar uma problemática da Educação, e poder
construir-se a partir delas outras, correlativas às ciências pedagógicas, ou
seja, a Psicologia da Educação..., enfim, para produzir-se a terceira
ordem desta construção a organização da intervenção. Destes três
campos, dois deles constituem a estrutura formal da Educação, as
Ciências da Educação, como a Sociologia da Educação e as demais, e o
outro resultante da transdisciplinaridade, a Didática. O terceiro campo
formalmente organizado tem sua matriz na Sociologia, na Biologia.
Trata-se de uma realização que se viabiliza graças à criação e recriação
na situação educativa pela transdisciplinaridade. Assim o é porque passase da ciência do desenvolvimento para a Educação.
Este movimento de criação é resultante da própria essência do
conhecer. Perceber este momento raro, precioso na compreensão do
educar-educação, é virtude do olhar passa da ciência, a técnica, a arte, e
da arte, a
246
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
técnica, a ciência. Com efeito, o educar ao considerar na situação
educativa as ciências do desenvolvimento as transforma, orientando a
reelaboração estrutural destas ciências em da educação, fornecendo o
quadro teórico de referência inclusive às disciplinas didáticometodológicas que organizam a intervenção.
A estrita correlação entre o educere e o educare, e a consideração da
educação como um sistema aberto, autoriza-nos a formular que o
discurso educativo — educacional se cria alimentado por um movimento
entre a multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade.
A educação como resultado, o educar como intervenção humana,
necessitam responder aos problemas do homem em situação educativa.
Todos os fenômenos complexos do homem em situação educativa
constituirão a educação. A educação se realiza através do educativo, ou
seja, tudo aquilo que dialeticamente possa favorecer ao sujeito na
realização de si, o desenvolvimento, e através do educacional, isto é tudo
aquilo que possa dizer respeito a intervenção, (educare) a especificação
do educativo.
OLHAR
247
Produção Bibliográfica
Vitória Kachar
A oportunidade para escrever este artigo surgiu ao efetuar uma
busca no banco de dados da biblioteca da PUC, sobre teses e dissertações
orientadas por Ivani Fazenda. Na época, surpreendi-me com o volume de
produções e observei que havia material consolidando uma área de
pesquisa, resultado do percurso da professora e pesquisadora, nos catorze
anos de estudos e investigações sobre interdisciplinaridade no pósgraduação em Educação: Currículo da PUC-SP.
Quando apresentei o material à profª Ivani, ela me instigou a
escrever; tarefa que levou tempo para encontrar o caminho da sua
elaboração. Perguntava-me: como mapear tal quantidade: 52 produções?
Tive que partir de um movimento disciplinar de organização,
recorrendo à tecnologia, um programa de computador, o banco de dados
— Access, onde inseri as informações: título, autor, ano de defesa, tipo
(mestrado ou doutorado) e foco da pesquisa. Para identificar o foco da
pesquisa, detive-me na análise do título e nas informações contidas na
ementa. Foi a única solução que encontrei, pois seria sobre-humano ler
todas as produções ou realizar investigação mais profunda, o que acabaria
em tese e não em um artigo. Defini como objetivo apresentar um
mapeamento de todas as pesquisas, para fornecer ao leitor uma visão
panorâmica do que já existe produzido nessa área, e não esgotar nenhuma
análise nesse campo.
Com as informações inseridas no Access, fiz o cruzamento dos
dados e extraí algumas análises e gráficos representados em outro
programa — o Excel.
O primeiro gráfico forneceu o total: 13 teses e 39 dissertações de
mestrado, que tecem abrangente e densa área de conhecimentos teóricos e
práticos sobre interdisciplinaridade.
248
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Como venho acompanhando a profª Ivani nesses últimos sete anos,
reconheci nas análises algumas produções e seus autores, colegas de sala
de aula e de pesquisa. Apesar de partir de uma análise quantitativa,
existem algumas considerações subjetivas, de testemunha do processo e
do movimento do ambiente interdisciplinar. Muitas teses eram expostas e
abertas à análise e discussão em sala de aula. A orientação da profª Ivani
se dava no coletivo e no individual, o que enriquecia o olhar do grupo, ao
encontrar suas perguntas e conflitos na situação de pesquisa do colega.
Todos aprendiam a pesquisar em cada uma das investigações.
Dissertações e Teses Orientadas
por Ivani Fazenda
Pelo Access, montei a distribuição por ano, tipo de produção
(mestrado ou doutorado) e quantidade.
OLHAR
249
A profª Ivani assumiu, como gestora da fértil produção, a
orientação da primogênita, Suely Moreira que, em 1986, defendeu A
relação pedagógica frente a introvertidos e extrovertidos: uma
investigação antropológica. Como todo primeiro filho, uma experiência
de investimento muito grande, que garante uma aprendizagem para os
que vêm depois.
O ano de 1990 foi altamente produtivo com seis dissertações, o que
voltou a ocorrer no intervalo de três anos. Em 1993, cinco dissertações e
uma tese e, em 1996, três dissertações e três teses.
O ano de 1991 teve o maior número de produções, com sete
dissertações, período este contemporâneo à defesa de livre-docência de
Ivani Fazenda, momento fértil da sua produção intelectual acadêmica:
duas publicações, um livro que aponta a categoria da parceria:
Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. Parceria essa que se
efetiva na sua prática interdisciplinar com os alunos e orientandos e é
assumida no mesmo ano, com a organização de um livro com artigos de
seus alunos: Práticas interdisciplinares na escola, experiência que volta
a se repetir outras duas vezes: em 1995, A academia vai à escola, e em
1999, A virtude da força nas práticas interdisciplinares.
Produções por Ano
250
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Suas parcerias não se dão só com os alunos, mas com os seus
colegas professores, o que contabiliza muitas publicações, seguindo a
atitude de compartilhar questionamentos e avanços teóricos em
Interdisciplinaridade e em Metodologia da Pesquisa em Educação.
Com Regina Bochniak, a primogênita em doutoramento:
Reconsiderando a questão do método em educação na perspectiva da
interdisciplinaridade (1993), estabeleceu uma interlocução, num texto da
coletânea do livro: Novos enfoques da pesquisa educacional. Nele,
discute a relação do pesquisador com o objeto de pesquisa e sua possível
transformação, bem como de que maneira a própria prática pode ser o
objeto investigado.
Considerando o foco de investigação no campo
interdisciplinaridade, descortinei algumas marcas da pesquisa.
da
Com o maior número de investigações (sete), o professor/educador
é apresentado no seu lugar diário de ensinar e aprender, desvelando o ser
interdisciplinar: O cultivo do professor: uma experiência interdisciplinar
(Izabel Petraglia, 1991); O cotidiano de uma professora de ciências da
quinta a sexta séries do primeiro grau (Maria Otília Mathias, 1991).
Entre elas, uma indica a presença da racionalidade: A lógica que preside
o trabalho do professor nas séries iniciais do 1º grau (Mercedes Berardi,
1990). O aprofundamento teórico sobre a subjetividade do professor
resulta em tese: A estética da professoralidade: um estudo
interdisciplinar sobre a subjetividade do professor (Marcos Villela
Pereira, 1996).
O cuidado se estende à formação do professor: O movimento de
(re)apropriação das vivências da infância na formação do educador,
(Sandra Nogueira, 1992); e A formação interdisciplinar do professor sob
a ótica da psicologia simbólica (Ecleide Furlanetto, 1997).
As considerações teóricas resvalam nas questões da subjetividade,
buscando construir uma perspectiva integrada sobre o indivíduo,
contando com contribuições de outras áreas, como a Psicologia e a
Filosofia, para ampliar a compreensão a respeito do indivíduo.
O outro par da investigação sobre o professor é a didática e a prática
interdisciplinar, no qual lugar, pessoa e fazer estão entrelaçados, não se
dissociam: A prática pedagógica em ação: descrição e análise de uma
experiência no cotidiano da sala de aula do curso de pedagogia
(Marlene Borges, 1990). A prática diz da ação do professor, do seu saberfazer-saber. É o educador imerso na prática, a tal ponto de se fundir com
ela própria,
OLHAR
251
ele é a didática: Da não identidade da didática à identidade pessoal
(Dirce Tavares, 1991).
Marcar território, abrir caminhos, desbravar horizontes entre quatro
paredes constituem desafios contínuos: A conquista de espaços
suscitando uma prática interdisciplinar (Ivani Teresinha Kolling, 1994);
Didática crítica: caminhos para uma prática, descrição e análise de uma
experiência num curso noturno de pedagogia (Maria de los Dolores
Pena, 1990); Um estranho em uma terra estranha: a ficção científica
como conhecimento na escola (Ricardo Hage de Matos, 1993).
Nas pesquisas, procuram-se novas linguagens que remetam à
comunicação de novas descobertas A linguagem metafórica alcança o
avesso do ser para dizer da didática, que, mais do que isso, é ação: A
interdisciplinaridade na ação didática: momento de arte/magia do ser
professor (Jucimara Rojas, 1998).
Permanente (re)construção de uma ação interdisciplinar coerente,
consciente e translúcida.
O espaço mais pulsante da escola é a sala de aula. Nela são
construídos os alicerces da educação. O professor e a sua prática formam
uma aliança importante para confluir num trabalho educativo de valor
humano, buscando compreender o espaço escolar, seus limites físicos e
territoriais, criando possibilidades de interligação e comunicação entre
eles.
O tema do muro da escola aparece em duas circunstâncias
diferentes, com proposições complementares. Na dissertação Retire-se o
muro da escola: uma experiência interdisciplinar com menores carentes,
defendida por Célia Haas, 1989, observei o início do percurso de
produções apontando a ousadia de romper com o estabelecido, buscando
construir novas propostas. O tema muro volta em 1991, mas não como
limite a ser rompido e, sim, como extensão da escola a ser apropriado por
meio da intervenção artística: A compreensão do grafite na escola
(Rosvita Kolb Bernardes). A arte valorizando e ocupando o espaço da
escola.
A escola tem no seu âmago espaços físicos e políticos a serem
reavaliados e articulados em parceria.
Na rede de parcerias e parceiros, o professor não consegue
encaminhar o seu trabalho apenas com o apoio dos alunos e colegas, mas
necessita da colaboração dos seus outros pares, das diferentes funções e
papéis educativos:
252
Coordenador
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Orientador
Supervisor
Diretor
Caminhos e descaminhos da coordenação de curso na
Universidade: um labirinto (Lucrecia Mello, 1992); A coordenação
escolar sob a ótica da interdisciplinaridade (Cristina Salvador, 2000);
A competência interdisciplinar do supervisor frente a uma proposta
renovadora (Branca Tresoldi, 2000).
Ambiguamente, trabalha-se na desconstrução e construção para
gerar a renovação. O fio de Ariadne serviu de orientação a Teseu, que
desenrola o novelo na entrada do Labirinto, e, ao enrolá-lo, encontra o
caminho de saída.
Parte-se de um cenário real e vivido para questionar o lugar de
cada um e reconstruí-lo à luz da teoria.
O cotidiano de diretor de escola (Laís Nishiyama, 1991);
Orientação educacional: uma experiência com alunos de escola pública
(Helenice Staff, 1990).
A interdisciplinaridade costura, nos meandros da educação, o ser,
o fazer, o lugar, nos diferentes níveis da instituição escolar.
Caminhos e descaminhos da educação infantil: dilemas de uma
educadora paranaense (Maria do Socorro Hage, 1997); A trajetória da
inovação em uma escola: uma leitura através da interdisciplinaridade
(Teresinha Maria Silva, 1994); A interdisciplinaridade na construção de
um projeto de universidade: a paixão pela prática (Célia Haas, 1995).
É apontado outro espaço, que não o formal da escola, uma outra sala de
aula e de vida: A arquitetura dos saberes: a interdisciplinaridade na
aula particular (Manolo Vilches, 1993).
As pesquisas atravessam as diversas áreas. Limites e fronteiras são
questionados, flexibilizados e explorados nas investigações.
OLHAR
Reflexões de uma
educadora na
Empresa: o sentido
humano, Maurina
Silva, 1996
253
Princípios
interdisciplinares para
a construção de uma
Educação Ambiental,
Fabio Cascino, 1998
Reflexões metafóricas
de uma professora
lecionando filosofia em
curso de Educação
Física, M. Aparecida
Werdine, 1996
.
O computador com a
escola: desafios
interdisciplinares,
Vitória Kachar
Hernandes, 1996
Construindo uma
concepção bioética
(interdisciplinar) do
conhecimento em
Farmacologia
aplicada, Paulo
Bastos, 1997
Olhando o Serviço
Social numa
perspectiva
interdisciplinar, Rosa
Andraus, 1995
A interdisciplinaridade, como um leque que se abre para ventilar
novos rumos e navegar por outros ares, mantém incessante a busca
disciplinar de construir o conceito-mãe: A representação em símbolo da
interdisciplinaridade num processo grupal (Jucimara Maia, 1991);
Movimentos de inter e transdisciplinaridade: panorama crítico das
teorias e práticas (Araldo Gardenal, 1995); Interdisciplinaridade como
poíesis (Maria Elisa Ferreira, 1996).
A tese de Joe Garcia (2000), Interdisciplinaridade, tempo e
currículo, é resultado do avanço teórico no desdobramento do conceito,
voltando por um círculo hermenêutico a um texto do primeiro livro da
Ivani Fazenda em parceria com alunos. A parceria aluno-professor se
concretiza, motor alimentador do processo que abre o ano de 2000 com
muitas mudanças.
A mudança na educação é defendida por Geralda Ramos (2000): A
questão da mudança na trajetória de educação inter disciplinar: do
estranho das pesquisas ao familiar das ações. Nessa defesa, Ivani
Fazenda, coerente com sua postura de parceria, apresenta uma banca toda
composta por ex-orientandos. Ainda nesse mesmo ano efetiva-se uma
mudança: é formalizada a existência do Grupo de Estudos e Pesquisas da
Interdisciplinaridade — Gepi.
254
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Nesse campo fértil, outros conceitos começam a despontar como
categorias da interdisciplinaridade: O conceito de afetividade numa
educação interdisciplinar (Diva Ranghetti, 1999); O sentido
interdisciplinar da dialética no exercício vivido (Derly Barbosa, 1997);
Ética e educação: um caminho para a interdisciplinaridade (Antônio
Carlos Osório, 1996); Abrindo janelas a noção de competência para a
construção de um currículo interdisciplinar: estudo preliminar (Janete
Bernardo Silva, 1999).
A ousadia dos temas investigados aparece como força mobilizadora
de transformação e renovação das propostas educacionais.
A rede de produções compele o pesquisador ao exercício contínuo
do olhar, escutar, refletir, dialogar, questionar, duvidar e viver a
interdisciplinaridade nas diversas dimensões e perspectivas da educação.
Abrindo olhares para o ato de aprender: um estudo interdisciplinar
(Rosemary Jimenez Santos, 1998); Da dúvida à contradição (Neuza
Abbud Garcia, 1990); Brinquedo: vivendo a interdisciplinaridade na
educação (Iane D'Angelo, 1994); Desvelamento do projeto
interdisciplinar: um exercício de questionamento e de produção do
conhecimento (Regina Bochniak, 1990); Um projeto de integração à luz
da interdisciplinaridade (Graziella Zoboli, 1992); Amapá: o estudo de
uma trajetória para a construção de uma política de alfabetização
(Geralda Ramos, 1993).
A trajetória de investigação interdisciplinar é construção única, que
se faz a cada objeto pesquisado, atendendo a configuração do seu
contexto, que considera e respeita o sujeito pesquisador, na singularidade
do conhecimento construído na experiência vivida.
Interdisciplinaridade na pré-escola: anotações de um educador "on
the road" (Gabriel Junqueira, 1993); A história da minha vida na
alfabetização:
uma
utopia
buscada
nos
caminhos
da
interdisciplinaridade (Sueli Freitas, 1993); Sonho-realidade: uma
experiência interdisciplinar numa escola católica (Ivone Yared-Fma,
1994); Res ipsa loquitur? A hermenêutica da intercorporeidade e a arte
da terapêutica interdisciplinar (Paulo Roberto Bastos, 1999).
A preocupação em desvendar o processo da pesquisa educacional
ressurge com a tese de Lucrecia Mello (1999), com o delineamento do
novo território: Pesquisa interdisciplinar: um processo em constru(a)ção.
Mais do que produções, são processos vividos de intensa transformação,
OLHAR
255
em busca da realização de sonhos, ideais, utopias, que todo educador traz
na bagagem da sua história.
São práticas interdisciplinares vividas e reapresentadas na forma de
investigação para gerar contribuição à educação e aos educadores. Mais
do que teses sem alma e repletas de teorias ou compilações, que
preenchem os vazios das prateleiras das bibliotecas, são investigações
que circulam pelas mãos de leitores sedentos de conhecimento vivo. São
leituras instigantes, que levam o leitor a visitar outros territórios e
expandir seus horizontes. Requerem do investigador uma disciplina de
permanência, habitar o objeto de pesquisa e ser habitado por ele. Paixão e
mergulho na própria história como educador e pessoa. Paciência para
saber cultivar e saber esperar pelo nascimento da tese. São gestações de
vidas. Com o nascimento da tese, há o (re)nascimento do pesquisador e
da nova pesquisa.
A discussão é muito maior e mais complexa do que este humilde
texto pode apresentar. O que pretendia era construir um delineamento,
indicando algumas direções que sirvam para abrir outras análises. Deixo
ao leitor a tarefa de extrair suas próprias interpretações e indagações. É
um começo para outras, muitas, singulares e profundas reflexões sobre
interdisciplinaridade.
256
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
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ÍNDICE
271
Índice
Capa – Orelha - Contracapa
Apresentação .................................................................................................
Coerência ......................................................................................................
Humildade .....................................................................................................
Espera ............................................................................................................
Respeito.........................................................................................................
Desapego .......................................................................................................
Olhar .............................................................................................................
Produção Bibliográfica..................................................................................
Referências Bibliográficas ............................................................................
10
31
59
105
151
183
207
247
256
Sumário
Ação ..............................................................................................................
Afetividade....................................................................................................
Alfabetização ................................................................................................
Ambiguidade .................................................................................................
Amor .............................................................................................................
Atitude ..........................................................................................................
Atitude...........................................................................................................
Autoconhecimento ........................................................................................
Caminhos ......................................................................................................
Coerência ......................................................................................................
Contextualização ...........................................................................................
Cor ................................................................................................................
Corporeidade .................................................................................................
Currículo .......................................................................................................
Depurar .........................................................................................................
Educação .......................................................................................................
Espaço ...........................................................................................................
Espera ...........................................................................................................
Estética ..........................................................................................................
Formação ......................................................................................................
120
87
172
42
90
79
84
204
180
35
40
52
185
191
118
242
143
107
55
135
272
DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE
Formación .....................................................................................................
Fronteira ........................................................................................................
Harmonia.......................................................................................................
Hermenêutica ................................................................................................
Humildade .....................................................................................................
Identidade ......................................................................................................
(Inter)Corporeidade.......................................................................................
Linguagem ....................................................................................................
Literacia ........................................................................................................
Memória ........................................................................................................
Metáfora ........................................................................................................
Metáfora ........................................................................................................
Metáfora ........................................................................................................
Modelo ..........................................................................................................
Movimento ....................................................................................................
Mudança........................................................................................................
Mudança........................................................................................................
Observação/Análise ......................................................................................
Olhar .............................................................................................................
Olhar .............................................................................................................
Olhar .............................................................................................................
Olhar .............................................................................................................
Parceria .........................................................................................................
Parceria .........................................................................................................
Pesquisa ........................................................................................................
Poíesis ...........................................................................................................
Ponte .............................................................................................................
Prática ...........................................................................................................
Resiliência .....................................................................................................
Símbolo.........................................................................................................
Sistêmico ......................................................................................................
Tecitura .........................................................................................................
Tempo ...........................................................................................................
Totalidade .....................................................................................................
Trabalho ........................................................................................................
Vivência ........................................................................................................
138
165
46
238
61
50
189
163
177
115
209
211
215
153
110
68
73
229
217
219
222
225
157
160
132
200
75
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Pretendo elucidar com este
dicionário fragmentos de discurso,
diluídos em verbetes. A maioria deles
sustenta-se no tripé: estrutura da
palavra, produção científica e produção
interdisciplinar.
Outros
voam
mais
alto,
aninhando-se em metáforas e imagens
numa ousadia maior: tingir teoria de
poesia.
A ideia de construir um dicionário
para facilitar a compreensão e execução
de projetos interdisciplinares persegueme desde o início da década de 70.
Cobranças de várias ordens, desde
professores amigos a especialistas da
Europa, Canadá, Estados Unidos e
América do Sul, impulsionaram-me a
cumprir esta tarefa.
Tornei-me na presente construção
prisioneira da seguinte ambiguidade:
até que ponto se pode dosar o
academicamente correto com o
praticamente possível ou viável? As
dúvidas geradas deste dilema ainda me
perseguem.
Gostaria que nossos leitores as
incorporassem como suas. A meta é
tornar o complicado simples e o
simples sofisticado. Resta a você,
leitor, o desafio de identificar em cada
verbete o aspecto que no momento
melhor poderá contribuir para seu
trabalho e sua vida.
Ivani Fazenda maio de 2001
Ivani Fazenda é mestre em
Filosofia da Educação pela PUC-SP,
doutora em Antropologia Cultural
pela USP, livre-docente em Didática
pela UNESP, professora titular do
pós-graduação em Educação da
PUC-SP e da UNICID.
• Dedica-se às questões da
interdisciplinaridade e da pesquisa
em educação desde a década de 70.
• Coordena o GEPI – Grupo
de Estudos e Pesquisas da
Interdisciplinaridade na PUC-SP
desde 1986.
• Coordena o NEPI - Núcleo
Emergente
de
Pesquisa
Interdisciplinar na Universidade da
Cidade de São Paulo (UNICID)
desde 1998.
• Preside o Fórum Paulista de
Pós-Graduação em Educação desde
1998.
A palavra de 42 pesquisadores
brasileiros, somam-se a de cinco
colegas portugueses e três argentinos,
preservando
sua
identidade
linguística.
Interdisciplinaridade é uma nova atitude ante
a questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender.
Exige, portanto, uma profunda imersão no
trabalho cotidiano, na prática.
A metáfora que a subsidia, determina e auxilia na sua efetivação é a do olhar; metáfora essa
que se alimenta de uma natureza mítica diversa.
Cinco princípios subsidiam uma prática
interdisciplinar: coerência, humildade, espera,
desapego e respeito.
Alguns atributos são próprios, determinam ou
identificam esses princípios. São eles a afetividade
e o amor, que impelem às trocas intersubjetivas,
parcerias.
A interdisciplinaridade pauta-se numa ação
em movimento. Esse movimento pode ser percebido em sua natureza ambígua, tendo a metamorfose, a incerteza como pressuposto.
Todo projeto interdisciplinar nasce de um
locus bem delimitado, portanto, é fundamental
contextualizar-se para poder conhecer. A contex¬
tualização exige uma recuperação da memória em
suas diferentes potencialidades.
A análise conceituai facilita a compreensão
de elementos interpretativos do cotidiano. Para
tanto, é necessário compreender-se a linguagem
em sua expressão e comunicação; uma linguagem
reflexiva, mas sobretudo corporal.