"Balana gostoso - Revista Diálogos

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"Balana gostoso - Revista Diálogos
A Febre que nunca Passa... ALVIM & PAIM
A Febre que nunca Passa O Funk, a Sensualidade e o “Baile
do Prazer” – d.o.i. 10.13115/2236-1499.2010v1n3p39
Rosilene Alvim 1
Eugênia Paim 2
É som de preto, de favelado,
mas quando toca ninguém fica parado. 3
Resumo
Nos anos de 1980, o funk representava um universo
cultural suburbano que agregava um público formado
principalmente por jovens, rapazes e moças de baixa renda,
moradores das favelas, de maioria negra e que desciam o morro
para ir aos clubes se divertir. O fervor embutido nesse
divertimento era o mesmo daquele que está presente entre outros
grupos musicais jovens de outros segmentos sociais, mas que
nem por isso sofriam os intensos ataques que, de antemão,
criminalizavam o funk. No presente artigo pretendo discutir o
baile, como ele tem se apresentado num outro formato de baile
conhecido como “LadoA/LadoB” ou “baile de corredor” com
suas brigas ritualizadas e a ascensão do formato chamado de
“baile do prazer”, marcadamente feminino, de cunho sensual, e
que conta com maior adesão da classe média.
1
Doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Brasil(1985). Pós-Doutorado pelo École des Hautes Études en
Sciences Sociales, França(1990). Professor Adjunto IV da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 |
Orientador de Doutorado.
2
Doutora em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Brasil(2000). Pós-Doutorado pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Brasil(2008)
Pesquisadora do NEPI / IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro ,
Brasil
3
Som de Preto. Amílcar/Chocolate.
Revista Diálogos N.° - 2.° Semestre de 2010
A Febre que nunca Passa... ALVIM & PAIM
Palavras-chave: Cultura, funk, juventude, repressão, violência
Introdução
O funk chegou ao Rio de Janeiro há mais de trinta anos e
tornou-se o ritmo dominante dos subúrbios da cidade. Surgiu na
cidade com um estofo musical saído de um ritmo que apareceu na
Flórida, Estados Unidos, em 1980, o Miami Bass, um som de
batida pesada e letras curtas que, no Brasil, caiu rapidamente no
gosto popular. 4 (Macedo, 2003, p. 47).
Assim, desde a década de 1980 ele se constituiu em uma
das formas de expressão cultural mais importante das juventudes
das classes populares que chegou das favelas até permear os
jovens da classe média da Zona Sul.
Foi esse ritmo festivo que chamou a atenção do
pesquisador Hermano Vianna que percebeu que ele era um
movimento musical tão popular quanto reprimido pela sociedade.
Debruçando-se sobre o tema, Vianna (1987) fez uma pesquisa
pioneira sobre o “mundo funk carioca” estranhando o fato dele
existir na cidade e ser ignorado pelos outros grupos sociais. Sua
análise privilegiava o aspecto do funk como movimento musical e
como festa, desmistificando o fenômeno ao não reduzi-lo ao
plano da violência. Como festa, o funk trazia consigo a
efervescência que ela provoca com o poder de produzir, como ele
disse, desde transe até transgressões coletivas de normas sociais.
O trabalho de Vianna mostrou que o funk representava um
universo cultural suburbano que agregava um público formado
principalmente por jovens, rapazes e moças de baixa renda,
moradores das favelas, de maioria negra e que desciam o morro
4
Para o DJ Marlboro isso pode ser explicado pela semelhança que a batida
grave do Miami Bass tem com o surdo do samba, o que teria permitido a
identificação popular com ele e a possibilidade da costura com ritmos
nacionais. (Macedo, 2003, p. 47)
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para ir aos clubes se divertir. O fervor embutido nesse
divertimento era o mesmo daquele que está presente entre outros
grupos musicais jovens de outros segmentos sociais, mas que
nem por isso sofriam os intensos ataques que, de antemão,
criminalizavam o funk.
O combate reservado ao funk e o que ele obscurece, é
então o ponto de partida desse artigo. Para tanto o trabalho tem
com objetivo analisar o cenário recente do funk que apresenta
como novidade o declínio do modelo de baile conhecido como
“LadoA/LadoB” ou “baile de corredor” com suas brigas
ritualizadas e a ascensão do formato chamado de “baile do
prazer”, marcadamente feminino, de cunho sensual, e que conta
com maior adesão da classe média.
Na atualidade, apesar das transformações que o funk vem
apresentando, as representações negativas sobre ele pouco
mudaram, ao contrário, elas se reatualizaram tendo como base um
discurso moral que agora o condena por trazer a “sensualidade”
para o meio do salão.
Ao cantarem letras de músicas taxadas de “pornográficas”
e criarem coreografias tidas como “obscenas”, imediatamente o
comportamento dessas mulheres jovens do funk foi tomado como
um “insulto moral”, uma “violência simbólica” que fazia da
mulher uma vítima, um discurso feminista que acabou por
justificar a repressão que se veria a seguir contra o funk.
Sendo assim, o texto se propõe a especular em breves
notas sobre esse formato do “baile do prazer” através dos seus
dois aspectos principais, a música e a dança que tocam em
questões como sensualidade, corpo e sexualidade, inserindo o
debate nessa pauta que vem provocando polêmica. Ainda
condenado, esse baile é o novo fundamento que alimenta a antiga
discriminação, uma verdadeira cadeia de combate que faz com
que o funk continue a ser reprimido nos dias de hoje com a
mesma severidade de outrora.
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1. A Repressão ao Funk e o Combate aos Bailes
O combate ao funk desde seu início foi muito estimulado
pela mídia e se materializou em acusações, perseguições e
repressão policial. Essas ações tiveram seu auge nos anos 90
quando ainda predominavam os bailes do tipo “LadoA/LadoB”,
ou “baile de corredor”. Neles, pontificavam confrontos entre
galeras rivais que se enfrentavam, combinando lazer com
momentos de briga ritualizada.
Foram essas brigas tomadas nos seus momentos de
efervescência que se tornaram as provas irrefutáveis da propalada
“violência sangrenta” dos bailes e apareceram como justificativa
para que se desenvolvesse um grande esquema de controle sobre
eles, exercidos em nome da segurança social.
Na modalidade de baile “LadoA/LadoB” o público era
dividido em dois lados para que os enfrentamentos entre as
galeras de jovens do sexo masculino se dessem como um embate
ritual somente entre os freqüentadores que estivessem dispostos a
brigar.
Por esses enfrentamentos caracterizarem um “gosto pelo
desafio”, uma “disposição para brigar” aliada a um “clima de
jocosidade e agressão” que estavam caracterizando essa forma de
interação juvenil, Cecchetto (1998, p. 145) entendeu que o que
aparecia nesse formato de baile era um tipo de confronto que
afirmava elementos centrais de um “estilo masculino violento na
esfera do lazer” que misturava o lúdico com um “ethos
guerreiro”. Era na dinâmica desse tipo de baile, ela continua, que
os homens se afirmavam pela “rixa” através de um “estilo
masculino que dependia de atributos corporais que os deixassem
preparados para a luta naquele clima ao mesmo tempo violento e
lúdico.”
Mas, as autoridades policiais entenderam isso de modo
diferente e os “corredores de briga” foram batizados por elas de
“corredores da morte” generalizando e amplificando unicamente
os momentos dos confrontos quando elas deixavam de ser um
jogo e extrapolavam os limites delimitados pelos organizadores.
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Esse foco transformou esse jogo na prova irrefutável da violência
e serviu de munição para a mídia detonar sua campanha de
repúdio aos bailes, ressaltando que eles “deveriam ser combatidos
em nome da paz social.” (Jornal do Brasil, 1995)
A ênfase nesse viés conflituoso produziu uma visão
unilateral dos bailes funk como sendo “festivais de violência que
espalham mais terror do que alegria” (Jornal do Brasil, 1995),
lugares de “interseção com o tráfico” o que concorreu cada vez
mais para reprimi-lo.
Apesar disso o funk se firma como uma expressão cultural
dos jovens da periferia, continuando a pontificar pelo baile que
muda pouco a pouco seu formato e vai abandonando aquele do
Lado A/Lado B. A novidade é que ao entrar no século XXI os
grupos masculinos do baile funk se tornam menos agressivos e há
o aumento da participação feminina cuja presença a mídia
salienta para, em seguida, recriminar.
Isso se dá quando começa a se delinear no funk um novo
contexto, um período de retomada do movimento pós-arrastão 5
que se faz acompanhar, imediatamente, da retomada dos ataques
da mídia. Tal como já havia sucedido antes, o noticiário o
mantém na mira debaixo de severa vigilância, perseguindo-o pela
associação que a repressão faz entre a divulgação da imagem de
sensualidade e erotismo das jovens funkeiras e o perigo que elas
poderiam representar.
O estopim desse processo foi o sucesso feito pelo Bonde
do Tigrão, um dos primeiros grupos a interpretar o funk
considerado de conteúdo “ofensivo à mulher”, com letras que,
dizia-se, tratavam a mulher como “objeto-sexual”. Isso rendeu
acusações ao grupo de fazer a apologia da “mulher-objeto”.
5
“Arrastão” foi o nome dado pela imprensa a uma série de fenômenos que
aconteceram nas praias cariocas durante o verão de 1992 quando galeras rivais,
vindas dos subúrbios, se enfrentaram nas areias da Zona Sul e foram,
precipitadamente, relacionadas às galeras do funk. Para maiores detalhes ver
Vianna (1996), Alvim e Paim (2000) e Herschmann (2000a; 2000b).
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Eis que o movimento novamente
conseguiu destaque na mídia, com o
sucesso do Bonde do Tigrão, que
abandonava as letras sobre justiça social
para abusar de letras explícitas sobre
sexualidade e uso da mulher como
simples objeto sexual – e que eu não me
atrevo a transcrever. (Malafaya , 2005)
As letras das músicas e as coreografias do funk tornaramse sinônimo daquilo que a imprensa classificava como uma
“inaceitável vulgaridade” e, nesse tom, foi se construindo a atual
base de ataque a esse lazer popular.
A vulgaridade estava na moda, a
promiscuidade passou a ser sinônimo de
moderno e adjetivos como “tchuchuca”,
“popozuda” e – pasmem! – “cachorra,”
se referiam a meninas adolescentes, em
um país que tem um dos maiores índices
de violência contra a mulher. (Malafaya ,
2005)
O baile agora era apontado como espaço de orgias e de
perigo pela prática do sexo desenfreado, pela corrupção de
menores e pela transmissão de doenças, todos itens constitutivos
dos fantasmas que assombram a cultura sexual moderna.
Essas preocupações agudas com o exercício da
sexualidade tornam-se um substrato para a mídia que começa a
dar destaque as notas de repúdio ao funk mostrando que elas
partiam até de órgãos oficias. Isso deu uma base científica para a
condenação e potencializou o medo da instituição da sensualidade
no baile funk.
Relembrando esse momento, percebe-se que algumas
notícias foram bastante eloqüentes ao enfatizar as reprovações. A
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matéria “jovens fazem sexo nos bailes e aumenta a incidência da
AIDS”, 6 originalmente publicada no jornal O Dia, de 8/03/2001,
denunciava que “os bailes estavam surpreendendo o governo do
Rio de Janeiro, não mais pelas brigas e strip-tease, mas sim pelo
“sexo no meio dos salões.” Segundo a matéria, esse caso veio à
tona depois que uma primeira menina procurou o posto de saúde
contando sobre as relações sexuais durante os bailes onde ela
teria engravidado e contraído AIDS.
Sérgio Arouca, à época secretário municipal de Saúde,
deu crédito imediato à informação e alertou que com isso “o
número de jovens grávidas e contaminadas com o vírus HIV
estaria aumentando.”
Essa surpreendente gravidez seria fruto de uma
“brincadeira” que acontecia durante o baile chamado de “dança
das cadeiras” relatado pela mídia como um momento em que DJ
parava a música e as meninas que dançavam em volta dos
garotos, supostamente sem calcinha, “transariam com os rapazes”
que calhassem estar sentados em cadeiras bem a sua frente.
“O secretário diz que elas procuram os
postos de saúde contando a mesma
história: vão aos bailes de saia, sem
calcinha, e mantêm relações sexuais com
os meninos enquanto dançam em fila
indiana, formando um trenzinho, ou
sentadas no colo dos rapazes, fazendo a
chamada dança das cadeiras. 7
6
Jovens fazem sexo nos bailes e aumentam a incidência da AIDS. Disponível
na INTERNET via http://www.ruralnet.com.br/meioambiente/. Arquivo
consultado em 16.01.2006.
7
Jovens fazem sexo nos bailes e aumentam a incidência da AIDS. Disponível
na INTERNET via http://www.ruralnet.com.br/meioambiente/. Arquivo
consultado em 16.01.2006.
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Esse aparecimento providencial da “grávida do funk”,
como chamou atenção Araújo (2006), tinha um enredo clássico
dos filmes em que há sempre uma correspondência entre a
“vítima perfeita que sucumbiu diante do vilão perfeito”,
confirmando que o funk agora era atacado como o “vilão moral
da vez.”
A decisão foi motivada pela reportagem
do mesmo jornal de ontem. A matéria diz
que meninas e rapazes fazem sexo durante
os bailes e, segundo o secretário
municipal de Saúde, Sérgio Arouca,
algumas jovens estão engravidando e
contraindo
doenças
sexualmente
transmissíveis, como a Aids, porque não
usam camisinha. 8
Outro exemplo dessa marcação contínua aparece na
matéria “Polícia e juizado fiscalizarão a partir de hoje os bailes
do Rio”, 9 do dia 9 de março de 2001. Logo que a mídia noticiou
haver denúncias de que atos sexuais ocorriam durante os bailes,
decidiu-se que eles passariam a sofrer blitz feitas por
“Comissários da Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente e pelo Juizado de Menores.” Motivado por essas
acusações de violência contra a mulher e corrupção de menores, o
então juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Siro Darlan,
adiantou que se “menores” estivem realmente envolvidos,
“poderia ser considerado estupro.”
8
Polícia e juizado fiscalizarão a partir de hoje os bailes do Rio. Disponível na
INTERNET via http://www.ruralnet.com.br/meioambiente/. Arquivo
consultado em 16.01.2006.
9
Polícia e juizado fiscalizarão a partir de hoje os bailes do Rio. Disponível na
INTERNET via http://www.ruralnet.com.br/meioambiente/ . Arquivo
consultado em 16.01.2006.
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A mesma notícia informava que uma das então diretoras
da Organização Não-Governamental (ONG) “Centro de Projetos
da Mulher” (Cemina), Denise Viola, disse que a organização já
havia recebido três denúncias desse tipo de relação sexual em
bailes. O “Conselho Nacional dos Direitos da Mulher” (CNDM),
através de Solange Bentes Jurema, à época sua presidente,
também veio a público e manifestou sua indignação e seu repúdio
em relação a certos temas musicais veiculados atualmente na
mídia brasileira que faziam a apologia da violência contra as
mulheres. 10
Acreditamos que a música, enquanto uma
das
manifestações
artísticas
mais
sensíveis da experiência humana, deva ser
um instrumento de libertação da
humanidade e não um veículo por meio
do qual se constroem e repõem violências
morais sobre aqueles e aquelas que a ela
dão forma, conteúdo e sentido.
Vemonos, pois, diante de um dilema: como
defender a não violação do direito à
liberdade de expressão, sabendo que, em
alguns casos, certas músicas são
instrumentos de opressão na medida em
que trivializam e banalizam uma das
manifestações mais cruéis da violência
contra as mulheres: a agressão física.
É isso que desejamos fazer com esta nota:
chamar a atenção de todos para o duplo
insulto moral que tem atingido milhares
10
“Em relação a certos temas musicais veiculados atualmente na mídia
brasileira que apologizam a violência contra as mulheres.” Disponível na
INTERNET via http://www.mj.gov.br/sedh/cndm. Arquivo consultado em
16.01.2006.
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de mulheres brasileiras. Além de serem
vitimizadas por inúmeros tipos de
agressões - físicas e simbólicas – as
mulheres, ao escutarem tais canções, são
obrigadas a conviver com um discurso
moral que legitima socialmente as
agressões das quais são vítimas.
Com essas considerações, esse grupo de feministas
contribuiu para a o aumento da prevenção ao ritmo agora sob a
capa de uma “guerra dos sexos” que estaria sendo perpetrada
pelas tais letras de “conteúdo ofensivo” a mulher.
A conseqüência disso é que, em 29 de maio de 2000, a
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decretou a
Lei nº 3410 que dispunha sobre a realização de “bailes tipo funk”
no território do Estado do Rio de Janeiro. Um exemplo é o tom
abusivo do art. 5º onde se pode ler que “a Força Policial poderá
interditar o clube e/ou local em que ocorrer atos de violência
incentivada, erotismo e de pornografia, bem como onde se
constatar o chamado corredor da morte”, além de exigir, ainda, a
permissão das autoridades policiais para o baile acontecer. 11
Essa lei representou o ponto final dos trabalhos da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a qual o funk havia sido
submetido desde outubro de 1999 quando começaram os
trabalhos de investigação da Assembléia Legislativa do Rio,
sobre as denúncias de ocorrências de violência, sexo e drogas
pelos bailes cariocas. Por fim, a CPI interditou 30 bailes,
encampando a idéia de que os lugares de festa popular, de bailes
e de dança ainda devem ser olhados com desconfiança. 12
11
Em dezembro de 1996, o vereador Antônio Pitanga aprovou a sua lei que
regulamentou o baile como atividade cultural de caráter popular. Com a CPI
seu esforço foi reduzido a estaca zero.
12
A CPI foi presidida pelo deputado estadual Alberto Brizola e presidia a
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro o deputado Sérgio Cabral.
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Tomado a partir da constatação do quanto o funk é
bombardeado, pode-se dizer que se repete com ele outras
posições de ataque referentes às expressões populares, como o
samba, sendo um revelador das relações que a sociedade
brasileira trava entre classes sociais distintas através de suas,
rejeições, prevenções, repressões, interdições, mesmo não
descartando as possíveis e prováveis aproximações e misturas
culturais. 13
2. O Baile do Prazer: O A Sensualidade do Funk no Meio
do Salão
Não há nada hoje mais propagado do que a existência de
uma sensualidade feminina como inerente ao formato do baile
funk moderno. Fala-se dela de um modo já suficientemente
naturalizado e, portanto, torna-se necessário dar-lhe alguma
precisão. Certamente, por ser um termo arbitrário e plural, não se
pode falar de sensualidade sem entender, primeiro, o que ele
significa já que seu sentido precisa ser construído e delimitado.
Sendo assim a sensualidade será considerada aqui,
inspirada na análise de Duarte (1999, p.25), como um fenômeno
ligado ao sexo, que tem uma “base física” com ênfase na
dimensão da “corporalidade” e na “otimização do corpo” como
fonte de excitação e de prazer. Isso vai permitir que sejam
examinadas algumas questões que o “baile do prazer” levanta, de
modo que o seu sentido possa ser compreendido no encontro da
sexual moderna e das representações ligadas a mulher jovem das
classes populares.
13
Recentemente Hermano Vianna chamou atenção como o funk pode revelar
isso. Ao não ser considerado “cultura” e, sim “problema policial”, ser atacado
pela mídia e ignorado radicalmente pelo poder público, o funk se viu isolado e
correu cada vez mais para dentro das favelas acabando por associar-se ao
tráfico. A exclusão social do funk vencido pela hipocrisia da sociedade que
nunca o apoiou e nem ouviu seus “pedidos de socorro” jogou o funk nos braços
dos bandidos (Vianna, 2005, p. 20)
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O “baile do prazer” se constituiu como a vertente
feminina do funk carioca. Nesse formato são as jovens que
comandam os bailes como MCs e coreógrafas trazendo pela
dança e pelo microfone, a sensualidade para o meio do salão.
Com isso, as jovens imprimiram um novo rumo ao funk,
contrapondo aquele “ethos guerreiro”, já visto anteriormente,
com outro, uma espécie de “ethos erótico”, cujos elementos
centrais são o corpo produzido, a ginga da dança requebrada, das
“ancas balançantes”, 14 e a música que fala do desejo, do corpo e
da própria sexualidade com uma linguagem jocosa.
Considerando a dinâmica apresentada pela cultura urbana
das mulheres jovens das classes populares isso evidenciava pelo
menos que elas estavam decididas a ampliar o restrito espaço que
tinham no funk, reafirmando-se cada vez mais como sujeitos
nesse universo indiferentes ao fato da sociedade se horrorizar
com isso. 15
Mas, por outro lado, esse despontar das mulheres tendo no
corpo e no vocabulário sexualizado seus referenciais, logo foram
associadas à vulgaridade, a promiscuidade, e o foco do combate
ao funk voltou-se contra elas. O mal se fazia, agora, pela rixa ou
14
O movimento corporal das “ancas balançantes” lembra o que Mauss (1974,
p. 215) cita em seu texto sobre as técnicas corporais através de um documento
encontrado no livro de Elsdon Best que descreve a maneira de andar das
mulheres Maori da Nova Zelândia. Elas adotam um “gait”, diz ele, ou seja,
“um balanceamento destacado e, não obstante, articulado das ancas que nos
parecem desgracioso, mas que é extremamente admirado pelos Maoris.” As
mães adestram as filhas nesta maneira de fazer o que se chama “onioi”,
dizendo “tu não fazes o onioi”, quando uma menina esquecia de fazer esse
balanceamento. Esse movimento corporal adquirido pela imitação de balançar
o corpo, comenta Mauss, era de aprendizado obrigatório por ser considerado
sedutor e prestigioso, ao invés de vulgar.
15
O papel das mulheres no funk serviu de inspiração para o documentário “Sou
feia, mas tô na moda”, da diretora Denise Garcia (2004), que retrata, a partir da
Cidade de Deus, aspectos do mundo funk carioca com um título tomado
emprestado de uma música de Tati Quebra-Barraco. Outros documentários que
abordaram o universo funk e precederam este foram “Febre de funk”, de
Gustavo Caldas (2002), e “Funk Rio”, de Sérgio Goldenberg (1994).
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pelo confronto direto, mas através da palavra e dos movimentos
do corpo feminino.
Essa ultrapassagem das jovens do conjunto de valores
morais bem demarcados pela sociedade, provocou reações
rápidas, dividiu opiniões e deflagrou uma campanha baseada no
fato de que as funkeiras estariam ferindo o código moral. Esse
entendimento passou a ser recorrente e serviu para alimentar as
considerações alarmistas da mídia que pode, então, continuar com
suas campanhas contra o funk.
Nem tudo é tão recomendável nesse
bailão. Jovens a partir de 14 anos podem
entrar e ficar no baile das 21 horas até as
4 da madrugada. No entanto, burla-se a
regra e meninas entre 10 e 12 anos entram
acompanhadas
por
algum
adulto
responsável. Elas dançam lascivamente,
sem que haja nenhum tipo de fiscalização
do Juizado de Menores que, ultimamente,
se mostra sempre enérgico nesta cidade.
(Rocha, 2005)
No repertório, basicamente o funk
"sensual", capaz de manter a babilônia de
popozudas e pixadores pela noite inteira.
Dançarinas no palco não eram
necessárias, pois todo mundo sabe como
proceder. A escolha do figurino é
fundamental no ritual funk, que parece as
preliminares do ato sexual e do ato em si:
mulheres de calça ou saia muito justa e os
seios vestido por tops ou biquínis e
homens sem camisa, exibindo o físico
malhado. (Rocha, 2005)
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A coreografia, digamos assim, lasciva dos
freqüentadores dos bailes é outro atrativo
para análise. Uma conjunção apimentada
de trajes sumários e jovens mexendo o
popozão. No entanto, a onda musical do
momento, como tantas outras sustentadas
pela indústria, traz consigo o estigma do
erro. A começar pela terminologia. O
funk carioca que se celebra atualmente
nada tem a ver com o verdadeiro funk,
criado nos Estados Unidos no fim dos
anos 60. (Carneiro, 2005)
A barreira moral erguida contra o funk exerceu forte
pressão, mas não alcançou as implicações esperadas com suas
considerações pejorativas. Como contrapartida, o funk criou um
canal de comunicação com outros segmentos sociais ampliando
sua influência e demonstrando grande vitalidade. Assim, o baile
se consolidou com todo seu erotismo, sua dança insinuante e suas
músicas autodefinidas como de “duplo sentido” tornando a
“sensualidade” determinante nessa forma musical.
As estrelas do funk são muito jovens, quase todas nascidas
e criadas na Cidade de Deus (CDD), bairro da periferia do Rio de
Janeiro considerado o celeiro do funk carioca, lugar por onde os
“bondes” 16 e as MCs se multiplicaram, como chamou atenção
Essinger (2005).
Nessa vertente elabora-se um novo padrão de
sensualidade minuciosamente produzido para o baile que vai
além daquela dos primórdios do movimento, detectada por
Vianna (1988, p.93), quando as dançarinas somente evoluíam
pelo salão, ainda que as danças já fossem definidas como sendo
“altamente eróticas”.
16
“Bonde” é a gíria que se utiliza no funk para designar galeras amigas, grupos
que vão junto ao baile.
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Mas não havia, naquele começo de
milênio, celeiro mais fértil para o funk do
que a Cidade de Deus. Depois de Cidinho
& Doca, Tati Quebra Barraco e do Bonde
do Tigrão, os MCs e bondes se multiplicaram nos apês e vielas da região e muitos
deles conquistaram a sua parcela de
atenção. Em 2004, o nome mais cotado muito pelo empurrão dado por Caetano
Veloso - era o do Bonde Faz Gostoso,
formado por Priscila (a cantora), Rafaella,
Michele e Jaqueline (as dançarinas).
Todas morenas bonitas, então por volta
dos 20 anos de idade, com o melhor estilo
popozuda - calças da Gang apertadas,
barrigas inexistentes (malhadas nas
academias da CDD), cabelos compridos,
ondulados e com mechas louras. Gestado
nas gincanas do baile do Coroado, esse
vulcão de sensualidade tinha como
sucessos as músicas "Cavalo de pau"
("cavalo de pau, mexendo a bundinha no
berimbau"), "Conspirador" ("eu tô com
tudo, subo e desço/ faço essa cobra subir/
posso ser mulher pra tu / mas tu não é
homem pra mim") e "Pantera", todas à
espera de registro em disco - e de uma
nova mãozinha de Caetano. Mas a vida
seguiu normal para as meninas do bonde.
Durante a semana, quando não estavam
no palco, elas ainda defendiam um troco
longe do mundo artístico: Michele e
Jaqueline num salão de cabeleireiro,
Rafaella no bar da família e Priscila como
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revendedora de empresa de cosméticos.
(Essinger, 2005 p. 272)
A tônica dessa descrição de Essinger ilumina como essa
“sensualidade” é construída e deixa ver que elementos estéticos
se aglutinam em torno do estilo “popozuda” 17 , a mulher jovem de
corpo escultural, cheia de glamour, um “vulcão de sensualidade”
que quando se ativa determina o clímax da festa.
A sensualidade das dançarinas se caracteriza, então, pelo
cuidado com o corpo e a indumentária, já que ambos passam a ser
também instrumentos de trabalho. Exige-se que as jovens
integrantes de um grupo de coreografia cultivem seu gosto
estético já que o “visual” de cada uma terá que ter, no final, o
poder de causar impacto no show. Isso envolve uma produção
cuidadosa da imagem, uma
preocupação constante com
aparência num trabalho que começa pela escolha rigorosa das
roupas – calças da gang ou do tipo segunda pele são
imprescindíveis –, pela escolha dos sapatos de salto muito alto e
pela seleção dos complementos chamativos como colares,
brincos, cordões, piercings, para que o corpo enfeitado se
transforme e seduza refletindo o quanto as funkeiras dominam
aquilo que Mauss (1974, p.217) chamou da “arte de utilizar-se de
seus corpos”. 18
Paralelamente a destreza exibida na dança, as jovens
funkeiras passaram a se destacar na música e é ainda da Cidade
de Deus que vem um dos primeiros sucessos da linha sensual ou
erótica, a música “Descontroladas”, do Bonde das Panteras: “Ah,
17
A “popozuda”, na gíria funk, designa a mulher com bumbum empinado e
grande, a condição essencial para que seu corpo considerado escultural.
18
Para Mauss (1974) há uma educação corporal própria de cada sociedade
ligada a natureza social do habitus. Assim, pode-se pensar que o corpo e um
“corpo de classe” e seus movimentos, adquiridos pela aprendizam, revelam
isso quando as maneiras de agir demonstram que uns são mais prestigiados do
que outros.
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que isso, elas estão descontroladas!/elas sobem/elas descem/elas
dão uma rodada, elas estão descontroladas!”
Essa linha tem seu ápice com as MCs Deize Tigrona,
autora de “Injeção” e Tati Quebra-Barraco, de “Cartão
Magnético.”
Ambas da Cidade de Deus, as duas têm muitos pontos em
comum em suas trajetórias de vida, como o fato de terem
trabalhado como empregadas domésticas, serem casadas, terem
marido e filhos e chegarem a ser MC de modo semelhante, se
surpreendendo ainda com o fato de suas vidas terem sido viradas
pelo avesso.
Deize Tigrona conta em entrevista a Adriana Silva e
Laura Mattos (2006), para o jornal Folha de São Paulo, que até
1998 não conseguiu emplacar nada com os DJs embora já fizesse
disputa de rima com suas colegas desde a época do Bonde do
Fervo (babadão, história "quente"), das moradoras dos “apês”
(apartamentos), que competia com o Bonde das Bad Girls, das
meninas que moravam em casas.
Com o inicío das provocações, Tigrona lançou "De
quatro, de lado" para desafiar as rivais. Mas o sucesso foi tanto
que até as "sacaneadas" cantavam, o que espantou Deize:
"Juro que fiquei com vergonha dessa
música, mas foi eu cantar e virou sucesso.
Aí pensei: 'O que eu fiz?!'. Da janela do
apartamento da minha mãe, via as
meninas de quatro."
A trajetória de Deize não difere muito da Tati que
começou quando ela tinha 18 anos e ficou três meses sem
“quebrar o barraco” (namorar), como explicou a Claudia
Barcellos (2006) em entrevista a revista Marie Claire:
Então tive a idéia de cantar para arrumar
namorado. Comecei a cantar aqui na
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comunidade, zoava [brincava] na favela,
dizia para os caras: "Vem ver minhas
coxas, meus peitinhos". Fui colocando
isso nas letras, até que deu certo,
estourou. Agora tenho que continuar com
esse tipo de música. O público não vai
aceitar se eu decidir cantar uma coisa
romântica.
Tidas como ícones do “baile do prazer”, essas MCs com
suas “montagens” 19 romperam as últimas barreiras que
confinavam o funk a periferia e o inseriram em lugares como o
Tim Festival, São Paulo Fashion Week, boates da elite paulistana
como A Loca e Lov.E, além do circuito internacional.
Ai.../Ai.../Quando eu vou ao médico/Sinto
uma dor/Quer me dar injeção/Olha o papo
do Dr./Injeção dói quando fura,/Arranha
quando
entra/Doutor,
assim
não
dá,/Minha poupança não agüenta!/Tá
ardendo, mas tô agüentando,/Arranhando,
mas tô agüentando/Tá ardendo, eu tô
agüentando!/Arranhando,
eu
tô
agüentando!/ Ai, doutor, que dor!/Ai,
médico, que dor... (Injeção)
Abre as pernas mexe e gira/Abre as
pernas mexe e gira, já viu como é que
faz/o mane bateu com o carro,/quis me
levar pro mato/é na suíte do mirante que
eu quebro meu barraco/lugar luxuoso não
entra mane/só sobe de carro, quero ver
subir a pé/se liga na Tati, o ritmo é
19
As composições no funk são chamadas de “montagens” quando as letras
encaixam-se nas bases pré-gravadas.
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A Febre que nunca Passa... ALVIM & PAIM
frenético,/pra você abrir a porta só com
cartão magnético/Abre as pernas mexe e
gira, já viu como é que faz. (Cartão
Magnético)
Tanta audácia rendeu muitas represálias as funkeiras que
passaram a aparecer na mídia como mulheres “vulgares” que
cantam músicas com letras “toscas” em meio a coreografias
“obscenas, o que motivou o DJ Marlboro a retrucar considerando
que elas são, de fato, “feministas sem cartilha”, mulheres que
aprenderam na vida tudo que sabem sobre a situação delas
próprias. 20
Essas críticas ignoraram o fato de que as músicas, dentro
da linha erótica, divertida e desinibida do funk, poderiam
significar outras coisas, como um processo que põe em cheque a
própria dominação masculina. 21
Parece que Ana Cristina dos Anjos, vocalista do Bonde
das Tchutchucas, sublinha isso muito bem.
Nós gostamos é de catucar. E catucar quer
dizer namorar. Gostamos de esculachar os
homens, de deixá-los malucos até pedirem
arrego. 22
Essa visão dela da relação homem/mulher rebate a crítica
das feministas que vê nas letras do funk apenas “insulto moral”
contra a mulher, o que o cotidiano comum de cada uma delas
pode desmentir.
20
Essa observação do DJ Marlboro aparece no documentário “Sou feia mas tô
na moda” (2004).
21
Deize Tigrona, em entrevista a Noemi Jaffe (2006), disse que considera,
sim, suas letras como feministas, e, depois, ponderou: “toda mulher quer
dominar".
22
Release do documentário “Sou feia mas to na moda”. Disponível na
INTERNET via http://www2.uol.com.br/allansieber/tosco/filmes.htm. Arquivo
consultado em 30.010206.
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Meu marido às vezes tem ciúme, não
entende. Mas até vai comigo nos bailes
(...). Hoje tenho meu dinheiro e ajudo
minha mãe a comprar as coisas. Ela nunca
trabalhou. Eu me orgulho de ter a minha
vida e de poder ir aonde eu quero. 23 (Ana
Cristina dos Anjos)
Ana, 19, que divide a autoria das letras das canções que
interpreta com Elaine das Graças, de 24, também dançarina do
grupo. Casada, mãe de um filho pequeno, ela diz que a
“tchutchuca pegadora, sensual, vendida à exaustão pelas letras, é
muito mais um personagem do que a realidade.” 24
Considerações Finais
Em 1778 quando o Capitão Cook aportou em uma das
ilhas do Havaí viu que era inútil manter a interdição de relações
sexuais entre seus homens em nome da proteção contra a
contaminação com o “Mal Venério”. O comportamento
“escandaloso” das nativas era um convite a prova de qualquer
ordem que contrariasse as exigências delas de serem amadas.
(Sahlins, 1990)
Inserida na complexa teogonia polinésia a insistência
erótica das havaianas era um “obséquio” aos europeus que não
tardaram a interpretar esse oferecimento como prostituição, já
que estavam distantes de compreender o “cálculo transcedental”
do amor das mulheres havaianas embutido aí
23
Release do documentário “Sou feia mas to na moda”. Disponível na
INTERNET via http://www2.uol.com.br/allansieber/tosco/filmes.htm. Arquivo
consultado em 30.010206.
24
Release do documentário “Sou feia mas to na moda”. Disponível na
INTERNET via http://www2.uol.com.br/allansieber/tosco/filmes.htm. Arquivo
consultado em 30.010206.
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de sexo ou classe já que “envolvia homens e mulheres,
chefes e gente do povo”. As preocupações com o sexo eram
expressas tanto pela imposição a certos jovens de abdicarem dele,
quanto pela permissão acentuada recebida por outros e, por fim,
todos acabavam sendo socializados na “arte do amor”.
Essa socialização na “arte de amar”, esse interesse erótico
da sociedade havaiana desconhecia limites, inclusive no que diz
respeito ao comportamento das mulheres que era o que realmente
perturbava os puritanos ingleses aferrados a seus rígidos códigos
morais.
O comportamento provocante das jovens mulheres do
funk abalou a estrutura da representação política da mulher, na
qual as feministas detêm o poder da fala. Falando por si elas dão
voz aos seus desejos e revelam o quanto à sociedade ainda está
abarcada pela lógica da dominação masculina.
Não é à toa que, durante séculos o sexo esteve associado a
valores morais e éticos, cercado pelo pudor, pela inibição e pelo
confinamento da mulher. Certamente por isso, quando mulheres
jovens das classes populares falam de sexo de forma direta, essa
postura apareça como transgressão sociocultural.
Em entrevista a revista Marie Claire, Martha Barcellos
(2006) perguntou a Tati se ela achava que “sexo tem que ser todo
dia”. Como se seguisse à lógica dos antigos havaianos, ela
respondeu sem nenhum acanhamento:
Todo dia quando tem vontade. O sexo
também não é tudo na vida. Mas é uma
boa coisa. Se Deus inventou coisa melhor,
não deixou avisado.
Revista Diálogos – N.° 3 – 2.° Semestre de 2010
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A Febre que nunca Passa... ALVIM & PAIM
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