VIPASCA

Transcrição

VIPASCA
Juan Aurelio Pérez Macías
Universidade de Huelva
Artur Martins
Museu Municipal de Aljustrel
VIPASCA
PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO ARQUEOLÓGICA
(2006-2008)
1
ÍNDICE
I. A FAIXA PIRITOSA IBÉRICA E OS DEPÓSITOS DE ALJUSTREL …………. 3
II. A PRODUÇÃO DE METAIS NO SUDOESTE IBÉRICO…..................................8
III. DIACRONÍA DA OCUPAÇÃO NAS MINAS DE ALJUSTREL…....................14
IV. PROGRAMA GERAL DE INVESTIGAÇÃO (2006-2008) …….......……….…19
V. APOIO INSTITUCIONAL, EQUIPA TÉCNICA E FINANCIAMENTO…….... 22
VI. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 23
2
I. A FAIXA PIRÍTOSA IBÉRICA E OS DEPÓSITOS DE ALJUSTREL
O Sudoeste da Península Ibérica é uma das regiões europeias com maior número de
mineralizações. Estas mineralizações distribuem-se no sul do pais em duas zonas, a Zona Sul
Portuguesa e a Zona Ossa Morena. Dentro da Zona Sul Portuguesa encontra-se a Faixa Piritosa
Ibérica, principal província metalogenética portuguesa que engloba um grupo de grandes
depósitos de sulfuretos maciços polimetálicos e jazigos de manganês, com uma origem comum,
que se estende desde a mina de Aznalcóllar na província de Sevilha até à região de Alcácer do
Sal em Portugal; de entre as diversas minas existentes destacam-se pelas suas dimensões os
jazigos de pirite de Aznalcóllar, Riotinto, Tharsis, Buitrón e Sotiel Coronada em Espanha e
Neves-Corvo, Aljustrel, Lousal, São Domingos e Caveira em Portugal.
Faixa Piritosa Ibérica
Depósitos
principais
Novas descobertas
1985-92
1992-99
ZONA OSSA MORENA
OCEANO
ATLÂNTICO
A origem geológica dos depósitos de pirite do Sudoeste Ibérico está reconhecida desde a
reactivação mineira do séc. XIX. Entre os estudos que teorizaram sobre a formação destas
massas minerais destacam-se os de Gonzalo e Tarín, D. Williams, G. Willliams, J. C. Allan, e J.
Doetsch, entre outros. Estes autores referiram que a génese das massas de pirite e ocorrências de
manganês era de tipo hidrotermal.
Contudo, a partir de meados do séc. XX começou a considerar-se que estas massas de
pirite eram concordantes em estratificação e idade com as rochas envolventes. Desta forma, a
génese das massas e filões de pirite ocorreu em momentos pré-hercinianos, com uma origem
vulcano-sedimentar. Segundo esta teoria as massas de pirite deverão resultar de emanações
vulcânicas através de fracturas em meio submarino e em condições favoráveis à precipitação de
sulfuretos. A deformação hercínica provocaria apenas um processo de metamorfismo, fracturas,
deslocamentos, e a consequente transformação dos depósitos de pirite, especialmente no que
respeita à sua disposição inicial. Os gases do magma em meio aquático ou são muito solúveis,
expandindo-se por diluição, ou são insolúveis. No primeiro caso, ao precipitarem-se dão lugar a
formações sedimentares. Quando são insolúveis, a sedimentação efectua-se em locais próximos
aos focos vulcânicos. Os componentes destes sedimentos precipitam-se de forma distinta: em
águas com ph elevado os minerais tendem a formar óxidos, a formar carbonatos em águas menos
oxigenadas, e a formar sulfuretos em águas estagnadas e redutoras. Este fenómeno também
apresenta diferenças devido à sua base orgânica, à acção das fumarolas, à pressão, e à
temperatura. Assim, por exemplo, no que respeita à pirite e à pirrotite, o domínio de uma ou
3
outra dependem da temperatura, da pressão do hidrogénio e do sulfureto de hidrogénio. A
composição mineralógica dos depósitos é, portanto, variável em função destes factores.
A maior parte dos investigadores estão de acordo em que a formação de sulfuretos de
ferro teve lugar num meio profundo de águas sem movimento, em que a falta de corrente
impediu a renovação do oxigénio. A acção de elementos anaeróbicos, como as bactérias,
produziu a redução dos sulfuretos em sulfatos. Esta actividade orgânica poderia estar relacionada
com os elementos orgânicos encontrados nas análises completas de alguns destes minerais.
Assim, a precipitação dos sulfuretos deverá ter-se produzido em meio orgânico, nas suas
proximidades ou por baixo dele.
A actividade vulcânica na Faixa Piritosa caracteriza-se por um vulcanismo bimodal,
representado por rochas ácidas, intermédias e básicas. As rochas ácidas são, principalmente,
lavas e brechas de composição variável de riolítica a dacitica. As mineralizações encontram-se
associadas ao Complexo Vulcano-Sedimentar (Fameniano Superior – Viseano Superior) ao qual
se sobrepõe o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, simplificadamente designado por Culm.
As massas de sulfuretos reconhecidas em Riotinto estão directamente ligadas a zonas de
stockwork, as vias de acesso de soluções hidrotermais com aportes que precipitaram em fundo
marinho sob a forma de sulfuretos. Através destes stockworks os metais e o enxofre provinham
do mesmo magma que as rochas vulcânicas, conforme indica a presença de estanite dentro das
formações mineralógicas. A concentração de enxofre e metais realiza-se, portanto, graças a
soluções hidrotermais ligadas aos focos vulcânicos, de tal modo que a água estaria em continua
recirculação, actuando como meio de transporte desde o foco vulcânico até ao fundo do mar.
Ainda que na área de Riotinto não se tenham encontrado ligações entre os focos vulcânicos e os
stockwork, através do qual fluíam as soluções hidrotermais, esta falta de relação deve-se ao facto
do stockwork desaparecer em profundidade e a sua formação depender de causas como a pressão
e a temperatura, que afecta as soluções hidrotermais no seu percurso até ao fundo marinho. Sobre
o stockwork depositaram-se as massas de sulfuretos maciços, uma vez que estão relacionados
com estas chaminés de pirite.
Durante a sedimentação formaram-se bandas devido ao conteúdo diferente de sulfuretos
no sedimento e durante a compactação produziu-se uma recristalização quase total dos
sulfuretos, especialmente de blenda, calcopirite, galena, arsenopirite, tetraedrite, barite e
carbonatos.
Depois desta actividade vulcano-sedimentar, os depósitos seriam enterrados por centenas
de metros de sedimentos carboníferos e, finalmente, dobrados no Carbonífero Superior pela
Orogenia Hercínica. Nesta fase, a massa de pirite apresenta três estádios relacionados com a
deformação: no primeiro comportar-se-ia como uma massa quebradiça; num segundo momento
as fissuras que se produziram seriam colmatadas principalmente de calcopirite, blenda e galena;
e num terceiro estádio formar-se-iam brechas ligadas por sulfuretos finos triturados ao longo das
falhas e zonas de movimento. O enrugamento hercínico originaria dobras de estilo isoclinal, com
xistosidade bem marcada, falhas inversas e cavalgamentos orientados a Sul.
Finalmente, com o levantamento do soco hercínico e consequente erosão ter-se-ão
originado zonas de peneplanície, a formação de chapéus de ferro (gossan), e as massas de óxidos
e hidróxidos de ferro de origem pantanosa (gossan transportado) que aparecem associados à
evolução dos rios da região.
Deste modo, a evolução geológica da faixa piritosa poderia resumir-se aos seguintes
itens:
- Vulcanismo que deposita riólitos no fundo marinho.
- Pelas fracturas saem para o mar rochas piroclásticas e grande quantidade de sulfuretos.
- Deposição de lamas ou sedimentos ferruginosos (xistos).
- Enrugamento que afecta toda a zona durante a orogenia hercínica.
4
- Erosão que desmantela o maciço e dá lugar ao afloramento de algumas massas de
sulfuretos e, provavelmente, à desaparição de outras.
As mineralizações estão intimamente ligadas ao vulcanismo. Neste vulcanismo
produziram-se manifestações finais de tipo fumarólico que emitiram enxofre e metais no fundo
marinho, com precipitação em forma de sulfuretos, que são a origem dos Sulfuretos Maciços,
sem alterar a mineralização primária. Nas fendas de acesso fumarólico também se precipitaram
sulfuretos, produzindo mineralizações de tipo stockwork. Tanto as emissões fumarólicas
(Sulfuretos Maciços) como a precipitação de sulfuretos nos canais fumarólicos (Sulfuretos de
Stockwork) são contemporâneas, e existe uma relação estratigráfica entre ambas as
mineralizações. Os sulfuretos maciços apresentam uma posição suprajacente em relação ao
stockwork. A mineralização de tipo stockwork sofreu alterações relacionadas com o processo
fumarólico: cloritização, silicificação e sericitização. Quando uma massa de sulfuretos maciços
não se encontra sobre uma mineralização do tipo stockwork, supõe-se que o depósito dos
sulfuretos maciços se produziu em taludes submarinos com uma certa pendente, donde pôde
sofrer deslocamentos por gravidade que os separou da sua relação genética com o stockwork.
As mineralizações a que deram lugar as emissões de fumarolas são as seguintes:
- Mineralização disseminada. Formada por cristais de sulfureto dentro das lavas ácidas e
básicas. Interpreta-se como formada a partir dos fluidos que acompanham as lavas e que ficaram
retidos nelas durante a consolidação.
- Mineralização em veios anastomosados (Stockwork). Consiste numa trama de veios de
sulfuretos relacionados com os centros de actividade fumarólica. É muito irregular já que pode ir
desde uma mineralização disseminada até uma omissão total da rocha encaixante e sulfuretos.
- Mineralização sedimentar (Sulfuretos Maciços). Forma-se em fundo marinho pela
cristalização dos componentes minerais neles existentes. Têm uma estrutura estratificada e
apresentam-se sob a forma de grandes massas de variada dimensão ou em forma de níveis pouco
potentes. A cristalização nem sempre se produz em paralelo com a deposição das rochas
vulcânicas e pode originar-se posteriormente a partir dos elementos contidos nas águas e dos
sedimentos, ocasionando dessa forma uma mineralização disseminada.
- Mineralização em fracturas tectónicas. Produz-se quando uma mineralização já formada
sofre as consequências do enrugamento com deslocamento para zonas de fractura. Este
deslocamento pode determinar microdeslocamentos nos veios já formadas e recristalizações,
particularmente em quartzo, galena, calcopirite, barite, calcite, sulfossais e arsenopirite.
Os depósitos de sulfuretos do Sudoeste Ibérico são compostos por minérios complexos
formados por um conjunto de minerais entre os quais predomina o bissulfureto de ferro (pirite).
Entre estes minerais destacam-se as percentagens de pirite, marcasite, pirrotite, pentlandite,
cobre nativo, calcopirite, bornite, arsenopirite, galena, blenda, tetraedrite, cuprite, malaquite,
azurite, vitriolo, calcosina, magnetite, limonite, goetite, hematite e barite.
Nos sulfuretos os elementos principais são o ferro e o enxofre, que constituem quase 91
por cento da massa mineral. A sílica alcança proporções de 4 por cento do total e os restantes 5
por cento correspondem a elementos minoritários, de entre os quais podemos referir o chumbo,
zinco, arsénico, ouro, prata, cobalto, selénio, cádmio, tálio, índio, germânio, níquel, manganês,
titânio, bismuto e antimónio. Os mais frequentes são o cobre, com 0,3 a 1,5 % aproximadamente,
chumbo, com 0,2 a 0,7 %, zinco, com 0,4 a 2,0 %, e o arsénico, com 0,2 a 0,7%. Os outros
componentes encontram-se em teores tão baixos que as suas percentagens devem expressar-se,
salvo acumulações em áreas de enriquecimento secundário, em gramas por tonelada.
Dentro das minas de pirite encontram-se também mineralizações de sulfuretos com
proporções importantes de galena, blenda ou calcopirite (Sulfuretos Complexos).
Deixando de lado as alterações derivadas dos processos vulcânicos e fumarólicos
originais, o fenómeno activo, em tempos geológicos recentes, é devido à acção das águas
meteóricas e consiste especialmente na hematização e caulinização de grande intensidade. Foram
5
descritos nestas jazidas três níveis de alteração. De entre eles o que mais interessa é o que ocupa
a posição mais superficial, que se denomina de zona de oxidação ou de infiltração e se situa entre
a superfície topográfica e o nível freático, sendo directamente influenciado pela infiltração das
águas meteóricas nestas jazidas de sulfuretos. As características desta área são:
- Formação de minerais oxidados.
- Movimento vertical das águas de superfície.
- Fenómenos típicos:
- Desaparecimento do enxofre.
- Dispersão de certos elementos minerais.
Nas relações que se verificam intervêm fundamentalmente a água superficial que, ao
transportar oxigénio dissolvido, se transforma num reactivo oxidante:
- Ferro. Nestas condições e em presença de oxigénio e humidade, a pirite irá reagir
resultando finalmente em hidróxido de ferro. Este hidróxido de ferro agora formado é pouco
solúvel e separa-se em forma de gel, que se desidrata e se transforma em limonite. O hidróxido
férrico final é considerado como produtor de uma série de variedades de minerais obtidos por
diferença de graus de hidratação e de aspecto. A maior parte da limonite destes afloramentos é
hematite e goetite, junto a quantidades variáveis de jarosite.
O chapéu de ferro vai-se formando como consequência da grande insolubilidade dos
hidróxidos, que se depositam e permanecem na zona de oxidação, com o qual ao ser eliminada a
maior parte dos outros constituintes dos sulfuretos férricos se produz um considerável aumento
do conteúdo em ferro.
- Cobre. Ao contrário do que sucede com o ferro, o conteúdo de cobre diminui na zona de
oxidação. A calcopirite oxida-se transforma-se em sulfato de cobre, que é solúvel e emigra para
o fundo, e o sulfato de ferro passa a limonite e a enxofre, que por sua vez pode formar ácido
sulfúrico.
- Zinco. O sulfato de zinco também se dissolve facilmente e emigra com facilidade.
- Chumbo. O sulfato de chumbo, por sua vez, reage dificilmente com as águas de
superfície, num processo muito lento. Contudo, apresenta uma certa tendência a transformar-se
em carbonato de chumbo. Por isso, e devido à baixa capacidade de reacção, podemos encontrar,
por vezes, alguma galena na zona de oxidação, uma vez que os sulfatos ou os carbonatos que se
formam apresentam uma película que impede a penetração do oxigénio no resto do mineral.
Com certa frequência aparecem nesta zona de infiltração alguns minerais de chumbo
oxidado, como a plumbojarosite e a beudantite.
- Bário. O seu comportamento é semelhante ao do chumbo. O sulfato de bário (barite) é
pouco solúvel, e acumula-se em certas quantidades na zona de oxidação.
- Ouro. O ouro resiste à dissolução e permanece na zona de oxidação, induzindo una
concentração residual por desaparecimento de outros elementos mais móveis. No entanto, algum
ouro é lentamente transportado através da zona de oxidação, chegando a concentrar-se nos
lugares mais baixos.
O movimento do ouro pode justificar-se por vários processos: emigração mecânica de
partículas, ou em soluções aquosas coloidais segundo processos de sulfatação ou halogenização.
A sulfatação dependerá da abundância de sulfuretos que produzam ácido sulfúrico e sulfato
férrico, reagentes estes, especialmente o segundo, que podem dissolver parcialmente o ouro e
transportá-lo lentamente para o fundo. O ouro transportado coloidalmente pode ficar depositado
através da acção de electrólitos, e sob a influência de certos minerais como a barite, caulinite e
quartzo, que podem extrai-lo das soluções.
- Prata. Encontra-se em mais abundância que o ouro, e também manifesta um relativo
enriquecimento na zona de oxidação por eliminação de outros elementos. O sulfato de prata, e
incluso a prata, são muito instáveis na zona de oxidação, o que permite que por vezes seja
6
extraída das soluções e depositada como Cl Ag, ou seja, como prata nativa. Contudo, são mais
frequentes as acumulações terrosas de cor amarelada de argentojarosite.
No caso da prata, as condições de emigração são um pouco mais favoráveis que para o
ouro, o que permite maiores deslocamentos. D. Williams investigou em Riotinto uma camada de
terras, com cores variadas pouca potência, que se encontrava na base do chapéu de ferro de
Cerro Salomón. As análises de composição realizadas detectaram, entre outros minerais, a
presença de jarosite, plumbojarosite, querargirite, argentojarosite, argentite, estembergite,
estromeerite, proustite, prata nativa e ouro nativo.
Os estudos de conjunto da Faixa Piritosa Ibérica demonstraram que na maior parte das
minas o metal produzido na antiguidade foi cobre1, sendo um bom exemplo disso a mina de
Aljustrel2, e somente em algumas delas a mineração antiga contou também com uma importante
produção de prata, como sucedeu nas minas de Riotinto, Tharsis, Sotio Coronada, Buitrón,
Cueva de la Mora, e São Domingos3.
A área mineira de Aljustrel está formada por diversas massas de sulfuretos polimetálicos,
São João, Algares, Moinho, Feitais, Estação, e Gavião. Somente duas afloram à superfície com
chapéus de ferro, São João e Algares, e por isso mesmo foram as áreas onde esteve concentrada a
mineração antiga. Moinho e Feitais foram descobertas por métodos electromagnéticos em
meados do séc. XX e exploradas a partir de 1963, enquanto que Estação e Gavião só foram
reconhecidos por trabalhos de exploração mineira e constituem a reserva deste coto mineiro.
Todos estes depósitos são formados essencialmente por sulfuretos de ferro (pirite), que
constituem setenta por cento da massa, embora contenha também pequenas quantidades de
esfalerite, galena, calcopirite, tetraedrite, e arsenopirite. Os estudos geológicos das massas de
Aljustrel permitiram estabelecer três áreas dentro das mineralizações primárias, uma basal,
próxima das chaminés fumarólicas do stockworck, mais rica em sulfuretos de cobre, o centro da
massa, maioritariamente de sulfuretos de ferro, e uma zona superior, de minerais mais
complexos, com sulfuretos de zinco e chumbo. Geralmente em todas as massas predomina mais
o zinco (5,51 % Zn) que o cobre (1,67% Cu).
1
A. BLANCO e B. ROTHENBERG, Exploración Arqueometalúrgica de Huelva, Barcelona (1981).
A. MARTINS, “Aljustrel, a mina e a mineração na antiguidade”, Mineração no Baixo Alentejo, Castro Verde
(1996), 94 ss.
3
Veja-se para a provincia de Huelva: J. A. PÉREZ MACÍAS, Las minas de Huelva en la Antigüidade, Huelva
(1998).
2
7
II. A PRODUÇÃO DE METAIS NO SUDOESTE IBÉRICO
No mundo antigo o metal foi adquirindo importância desde a Idade do Bronze, quando a
sua importância nas sociedades de então provocou alterações económicas, que se reflectiram na
individualização e na hierarquização dos grupos e que, no âmbito comercial, introduziu relações
de longa distância por todo o Mediterrâneo em busca de matérias primas. A chamada expansão
micénica pelo Mediterrâneo central e oriental teve a sua origem na busca incessante destas
matérias-primas, e as jazidas de minério ganharam relevância, porque o seu domínio
pressupunha, no limite, o controle da produção metálica.
Anteriormente, durante a Idade do Cobre4, momento em que se descobre e inicia a
fundição do minério de cobre, as minas eram um recurso explorado, mas o metal, escassamente
representado na utensilagem doméstica e funerária, salvo como objectos raros ou de prestigio,
não havia ainda proporcionado que a economia destas sociedades se baseasse exclusivamente na
produção mineira e metalúrgica. Não existem neste período verdadeiros povoados mineiros, não
se vive ainda por, e para, a mineração do cobre, e os locais de povoamento situam-se afastados
das minas. Os minerais são por esta altura mais uma matéria-prima, apelativa, de escasso
significado prático, e os povoados relacionam-se de um modo geral com a exploração de outro
tipo de recursos, agrícolas e ganadeiros, sobre os quais se sustentam as diferenças intergrupais. A
utensilagem lítica continua a dominar os registos materiais, e agora, com um novo concorrente, o
cobre, consegue-se um maior grau de aproveitamento e diversificação dos instrumentos líticos,
machados polidos, pontas de flecha, pontas de lança e alabardas, facas sobre lâmina, e pequenos
artefactos microlíticos para as foices.
Apesar da aparição dos primeiros objectos de ouro nos momentos finais deste período (a
fase campaniforme), originário de terrenos aluviais, as minas não são o lugar onde se fixem estas
populações, quando muito encontram-se em áreas de extracção de recursos onde em
determinados períodos do ano, e de forma sazonal, se exploram essas matérias minerais das
zonas mais superficiais do terreno e que permitem incrementar as relações comerciais. Não
existem, por isso, povoados mineiros na Idade do Cobre, como também não existirão na Idade do
Bronze apesar do maior peso que já possui a metalurgia neste momento, pois a utensilagem é
essencialmente de pedra. Como referiu F. Engels, teremos que esperar pela descoberta da
metalurgia do ferro para que o metal suplante definitivamente a pedra. Entretanto, o metal, de
cobre primeiro, e de ouro, bronze e prata depois, era mais um adorno que uma ferramenta.
Tal como sucedeu no final da Idade do Cobre, os momentos finais da Idade do Bronze
vêm aparecer nos mercados um novo material metálico, mais duro e dúctil que os anteriores, o
ferro, todavia ainda com pouca aplicação, e isto coincide com o esplendor da produção dos
bronzes ternários para a industria da guerra, espadas, lanças, punhais, alabardas, capacetes,
fíbulas, etc. Teremos que esperar pela Segunda Idade do Ferro para que este novo metal,
sabiamente manipulado, alcance as suas quotas de importância, tanto para o fabrico de armas
como para a produção de utensílios de trabalho agrícolas e industriais.
O incremento das indústrias do bronze desencadeou o arranque da mineração do cobre, e
neste momento as minas convertem-se pela primeira vez em lugares de povoamento onde a
população vive exclusivamente para a mineração e a metalurgia do cobre, como por exemplo no
sítio de Chinflón em Zalamea la Real (Espanha), um modelo de povoamento que contrasta com
os da Idade do Cobre e Bronze Pleno, que não se situam directamente sobre as jazidas minerais.
4
P. GÓMEZ RAMOS, Obtención de metais en la prehistoria de la Península Ibérica, B.A.R. International Series,
783, Oxford (1999).
8
Mas a Idade do Bronze, e especialmente a sua etapa final, significou sobretudo uma
internacionalização, restringida embora à esfera mediterrânica, dos contactos comerciais como
consequência da necessidade de abastecimento de uma indústria do bronze cada vez mais
desenvolvida5. Os contactos entre ambas as margens do mediterrâneo intensificaram-se com uma
ponte situada no Mediterrâneo central, na Sardenha e na Sicília, que se irão converter nos portos
de contacto e comércio para onde convergem e se relacionam ambos os extremos deste mar,
através do dinamismo das cidades-estado micénicas, nas quais se foram gerando os mitos do
Ocidente Longínquo (Hespérides), do mediterrâneo central (Argonautas), e do Próximo Oriente
(Tróia), ou seja, as fontes do estanho, do ouro, e do cobre.
O facho do comércio micénico será recolhido pelos fenícios, os quais acossados pela
pressão assíria são obrigados a procurar novas fontes de aprovisionamento em metais para pagar
os tributos. Esta é uma empresa pacífica, que se irá expandindo desde o Mediterrâneo oriental
(Chipre), pelo Mediterrâneo central (Sardenha e Sicília), o Norte de África (Cartago) e as costas
mediterrânicas6 e atlânticas ibéricas7. A partir deste momento os produtos fenícios estão
representados em todos os registos arqueológicos da época no sudoeste ibérico, onde estes
comerciantes encontraram una incipiente produção de prata e cobre na Faixa Piritosa Ibérica e o
estanho e ouro nas terras do Tejo.
A procura de prata desencadeia uma mineração muito acentuada nos coutos mineiros do
sudoeste, e aparecem em muitas das minas os grandes povoados da época Orientalizante8, como
Cerro Salomón/Quebrantahuesos em Riotinto, Castrejones em Aznalcóllar, Pico do Ouro em
Tharsis, e Mangancha em Aljustrel. O ritmo de produção vai aumentando progressivamente ao
longo destes séculos, sempre mediatizado pelo comércio fenício. Seguindo na sua esteira, mas
sem o suplantar, aparece o comércio focense a partir das suas bases no sul da Gália (Marselha) e
na costa catalã (Ampurias).
Com a desvalorização da prata em finais do séc. VI a.C. e com o início das explorações
industriais na zona mineira de Laurium (Ática, Grécia) e os problemas criados às cidades da
costa sirio-palestina pelo imperialismo neo-babilónico, entra-se num período de crise e de
reestruturação que afectou a produção mineira ocidental de forma drástica, e a maior parte dos
povoados mineiros são abandonados ou ficam reduzidos a níveis demográficos mínimos, porque
as colónias ocidentais apontam agora as suas miras produtivas para as indústrias de molhos e
salmouras, produtos que alcançarão fama nas cidades gregas desde o séc. V a.C., uma vez que a
mineração já não era uma actividade tão rentável e atractiva como anteriormente.
Desde o séc. IV a.C. que Roma, uma nova potência militar que imitou o sistema grego
aristocrático superando a etapa monárquica, começa a assenhorear-se do Mediterrâneo, e ao
mesmo tempo a enfrentar outra potência emergente, Cartago. Depois da primeira fase da guerra
entre as duas potências, que implicou para Cartago a perda das suas bases sicilianas e sardas, a
sua atenção dirige-se agora para a Península Ibérica, que podia ressarcir estas baixas e permitir o
pagamento dos tributos de guerra impostos por Roma. A política dos Bárcidas pretende um
controle militar do território (Amílcar) e continua posteriormente com Asdrúbal uma política de
novas fundações (Cartagena) e pactos (Aníbal), para controlar os ricos distritos mineiros
hispânicos, as regiões do Sudeste (Carthago Nova) e o Alto Guadalquivir (Castulo). A produção
mineira (prata, cobre e ferro) volta a desempenhar um papel fundamental na nova luta que se
5
M. L. RUIZ-GALVEZ PRIEGO, La Europa Atlántica en la Idade do Bronze. Un viaje a las raíces de la Europa
occidental, Barcelona (1998)
6
Mª. E. AUBET SENMLER, Tiro e las colonias fenicias de Occidente, Barcelona (1987).
7
A. M. ARRUDA, Os Fenicios en Portugal. Fenicios e mundo indígena en o centro e sur de Portugal (siglos VII-VI
a.C.), Cuadernos de Arqueología Mediterránea, 5-6 (2002).
8
J. A. PÉREZ MACÍAS, Metalurgia extractiva prerromana en Huelva, Huelva (1996); e M. HUNT ORTIZ,
Prehistoric Mining and Metallurge in South West Iberian Península, B.A.R. International Series, Oxford (2003).
9
avizinhava, uma vez que estes metais eram necessários para o pagamento a mercenários e para a
indústria de armamento.
Durante a fase de guerra, enquanto Aníbal mantém inoperantes os exércitos consulares na
própria Itália, o senado romano entendeu perfeitamente que deveria cortar os fornecimentos que
chegavam de Hispania, e isso originou o desembarque das primeiras tropas romanas na
Península Ibérica (Emporiae) no ano 212 a.C., data em que se inicia uma conquista territorial
que só irá terminar dois séculos depois, em 19 a.C.
Com a entrada de Roma no cenário hispânico9, inicia-se a colonização e exploração do
território peninsular, ainda antes de concluída a sua conquista. As riquezas do solo e do subsolo
da Península Ibérica desencadearão a voracidade dos generais, dos governadores, e dos
imigrantes itálicos, que desde inícios do séc. II a.C. irão encetar um novo ressurgimento da
mineração ibérica que, por caminhos distintos, irá encher as arcas do Aerarium Saturni.
A princípio, a exploração romana seguiu as pisadas da época dos bárcidas, e concentrouse nos distritos mineiros de Cástulo e Cartagena Contudo, à medida que avança o séc. II a.C. e a
Hispania é dividida em duas províncias, a Ulterior e a Citerior, as zonas mineiras serão uma das
preferências das societates itálicas que, arrendando ao senado e povo de Roma os direitos de
exploração, obtêm enormes lucros nessas minas de prata e chumbo. Rapidamente estas
sociedades estendem o seu raio de acção para as minas de cobre da Serra Morena, explorando-as
de forma sistemática. Para além do cobre e da prata, estas companhias de cidadãos exploram
também o cinábrio (mercúrio) de Almadén e as jazidas de chumbo e cobre da zona de Pedroches
e todo o conjunto de minas que se encontravam integradas no território adscrito à capital da
Ulterior, Corduba. Não consta que os coutos mineiros do sudoeste peninsular, onde se teria
concentrado a maior parte da exploração do período Orientalizante, merecessem a atenção destas
sociedades republicanas, ainda que algumas minas, como as de Riotinto, apresentem níveis de
exploração destes séculos.
Quando os confrontos das Guerras Civis da primeira metade do séc. I a.C. se estendem a
Hispania, as partes em conflito tentam assegurar o controle das zonas mineiras e, perante o clima
de insegurança existente, o capitalismo itálico abandona as explorações para centrar os seus
investimentos nos ricos territórios do Guadalquivir.
Terminadas as guerras civis com o triunfo final de Octaviano, inaugura-se uma nova
política, um novo regime, o Principado. Este regime necessita urgentemente de dinheiro, mais
metal, e com o suporte do exército (Agripa) e do capital (Mecenas), a pouco e pouco foi
estendendo os trabalhos mineiros a todas as áreas conhecidas, as minas do sudoeste peninsular, e
incorpora outras para exploração directa, como as minas de ouro do noroeste peninsular. Nos
seus primórdios, esta nova etapa não implicou grandes mudanças em relação às sociedades
republicanas, salvo o controle protagonizado pelo exército e a exploração sistemática de todos os
coutos mineiros, sendo que na maioria dos casos a mineração continuou através de empresas
particulares de publicani e societates. De um ponto de vista económico, a mudança mais
significativa verificou-se no abandono de alguns distritos mineiros, como o de Cástulo, e o inicio
da exploração sistemática das minas do sudoeste e noroeste hispânico, em muitas das quais os
registos arqueológicos começam na época de Augusto.
As mudanças e reformas monetárias realizadas por Augusto tiveram também uma
influência directa nessa política mineira, que desde essa altura, e em especial com os
imperadores júlio-cláudios, converteram as minas de prata e ouro de empresas particulares, em
domínios imperiais (agri excepti) exploradas por intermédio do exército (prefeitos) ou libertos
imperiais (procuradores). Desde o principado de Tibério que este interesse imperial se estende ás
minas de cobre, que também caíram definitivamente nas mãos do império, ainda que estivessem
situadas em terrenos públicos, cuja tutela correspondia ao Senado. Deste modo, no decurso da
9
C. DOMERGUE, Les mines de la Peninsule Ibérique dans l’antiquité romaine, Collection de l’École Française de
Roma, 127, Roma (1990)
10
primeira metade do séc. I d.C. as minas alteraram o regime jurídico de exploração e os impostos
e taxas pagas já não seguiam para o Erarium, mas para o Fiscus, a Caixa Imperial.
Na época flávia todas as minas passaram a ser administradas por funcionários imperiais
(procuratores metallorum), magistraturas exercidas na maior parte dos casos por libertos
imperiais, que leiloavam as explorações e as exportações a particulares (comductores),
submetidos à vigilância dos procuradores, que cancelam as concessões quando estas não se
encontram a ser exploradas. O melhor documento que nos informa sobre a regulamentação
mineira na época imperial são as tábuas de bronze, encontradas nos escoriais romanos das minas
de Aljustrel (Vipasca I e Vipasca II)10, datadas da época de Adriano e consideradas como parte
de uma lex metalli dicta. De acordo com este importante documento epigráfico os povoados
mineiros dessa altura vivem alheios à vida municipal, que se terá estendido pela maior parte dos
territórios hispânicos e careciam de órgãos de governo próprios (vicus), ainda que o seu
desenvolvimento urbanístico venha mesmo a superar o de algumas coloniae romanas. Possuíam
os serviços indispensáveis para a vida das comunidades: médicos, escolas, barbearias, banhos
públicos, edifícios monumentais para o culto imperial, e mesmo um pequeno destacamento
militar para as funções de polícia. A autoridade máxima era o representante imperial (procurator
metallorum), liberto imperial, especialista em mineração e que geralmente não residia nas minas,
mas na capital provincial, auxiliado em cada mina por um funcionário imperial de menor estatuto
(vicarius).
O apogeu mineiro é facilmente encontrado através da análise da quantidade de escórias
que se foram acumulando em todas as minas, nas extensas necrópoles e povoados, e na
envergadura dos trabalhos mineiros desenvolvidos, muitos dos quais se encontravam a céu
aberto durante a exploração contemporânea destas minas, poços, galerias, cortas, engenhos de
esgoto, entivações, instrumentos mineiros, etc. Esta produção metálica alcançou o seu zénite
produtivo em meados do séc. II d.C. Depois de M. Aurélio, fizeram-se sentir os primeiros
sintomas de crise económica, o abandono das explorações e a diminuição drástica dos níveis de
extracção. Há investigadores que relacionaram estas quebras de produção com a instabilidade da
época, com as incursões dos Mauri do Norte de África e com a crise generalizada do sistema
económico romano, que levou, em última instância, à descapitalização das concessões e ainda a
que as minas se tornassem coutos de exploração imperial, no fundo, a mineração continuava a
ser efectuada por uma empresa privada que se sustentava no arrendamento dos direitos de
exploração.
Assim, no séc. III d.C., devido à decadência do governo imperial, do qual dependia
directamente, a mineração passou a ser uma actividade de segunda ordem, uma actividade
marginal. A continua sucessão de imperadores durante o período da Anarquia Militar não era
com certeza o melhor clima para a continuação de uma actividade, que dependia directamente do
imperador e dos seus procuradores. E se o poder imperial mudava constantemente de mãos, não
havia tempo nem preocupação, para que os serviços e os funcionários imperiais pudessem
dedicar-se à correcta administração das minas, assegurando o abastecimento e controlando as
explorações. Assim, o capital foi direccionado para outros sectores produtivos, como a
agricultura e as pescas, ainda não sujeitas à rapina dos funcionários imperiais e onde os
investimentos eram mais rentáveis e mais estáveis.
Quando o poder imperial volta a recuperar o poder que possuía nos sécs. I e II d.C., a
mineração vai recuperando os seus níveis de produção e os povoados mineiros revitalizam-se
demograficamente. Isto foi possível depois das reformas políticas de Diocleciano e,
fundamentalmente, durante a dinastia constantiniana, em que Roma recupera o poder económico.
Nos sécs. IV e inicio do séc. V d.C. muitas minas vivem um novo período de esplendor, contudo,
à medida que o séc. V d.C. vai avançando, voltam a verificar-se os mesmos sintomas de paralisia
10
C. DOMERGUE, La mine antique d’Aljustrel (Portugal) et les Tables de Bronze de Vipasca, Paris (1983)
11
económica já referenciados no séc. III d.C., e os registos arqueológicos vão emudecendo
lentamente, até desaparecerem definitivamente no séc. VI d.C., em época visigoda.
Estes períodos de crise generalizados no sistema político e económico romano, não
faziam supor o despovoamento total dos coutos mineiros, tendo-se mantido pequenos grupos de
mineiros e metalúrgicos dedicados à produção de metal. Desta mineração dos sécs. III e V d.C.
existem algumas evidências, pouco numerosas, mas que apontam para a continuidade das
explorações.
De igual modo se deve entender a mineração ao longo dos sécs. VI e VII d.C., como uma
actividade marginal destinada ao autoconsumo. Os vestígios deste momento nas minas são muito
raros, contudo, alguns deles permitem entrever uma continuidade dos trabalhos, desconhecendose sob que fórmula jurídica e com que sistemas de extracção. Perante a falta de um poder central
e de uma política financeira desenvolvida, é plausível imaginar um sistema de produção de tipo
doméstico, sem intervenção directa do aparelho do estado. Nestas circunstâncias era arriscado
desenvolver trabalhos em profundidade, que requeriam uma capacidade de engenharia e uns
sistemas de escoamento de águas que tornam imprescindível a participação de capital. Em
consequência, os trabalhos de extracção tiveram que se manter nas zonas mais superficiais, na
zona de oxidação, uma vez que o minério da zona de cementação, o mais rico do ponto de vista
da produção de prata e cobre, requeria um trabalho a maiores profundidades. Por isso mesmo,
em nenhuma mina peninsular foram encontradas evidências metalúrgicas de tratamento de
minerais de prata e cobre, cujo abastecimento se podia efectuar apenas por refundição dos
objectos de época romana, mas apenas evidências de escoriais de ferro, de tratamento dos óxidos
e hidróxidos das camadas oxidadas das jazidas, de fácil manuseamento. Esta importância da
siderurgia nos alvores da Idade Média vai catapultar a crescente tecnologia do ferro e os seus
tratamentos e alcançará, ao longo da Idade Média, os melhores resultados com o ferro índio ou
alfange11.
Por esse facto se considerou, tradicionalmente, que durante o período islâmico as minas
da Península Ibérica se mantiveram inactivas. As suas diferenças com as quotas de produção
alcançadas no período romano imperial são evidentes. No entanto, as fontes documentais árabes
e a arqueologia estão a alterar esta opinião. As fontes árabes descrevem-nos os diversos metais e
os seus lugares de recolha, alguns deles apresentando uma toponímia fossilizada no termo
Almadén ou Almada (mina). A arqueologia tem vindo a documentar uma série de sítios, tanto
nas próprias minas como relativamente afastados delas, em que os escoriais demonstram
inequivocamente a sua origem metalúrgica. Como já referimos sobre a mineração do período
visigodo, as diferenças em relação aos altos níveis de produção da época romana têm a ver com
um sistema de produção menos industrial, mais familiar, e que se concentra nas camadas
oxidadas superficiais para a produção de ferro, muito mais desenvolvida e disseminada que a que
teve lugar em época romana. Existe, contudo, muito pouca informação arqueológica das zonas
de extracção de minério de prata e cobre, reduzidas a alguns testemunhos das minas da província
de Córdoba (Mirabuenos). Os sistemas de extracção continuam uma tipologia técnica já
conhecida no período romano, o que torna muitas vezes difícil distingui-la, sugerindo uma
continuidade da engenharia mineira com poços circulares ou quadrangulares de 1 m de lado,
pequenas galerias de exploração com lucernários nas paredes, e covas que indicam os locais de
extracção. Estes trabalhos seriam considerados romanos se não tivessem sido recolhidos nestes
locais candis do período islâmico, ou porque os silos encontrados em zonas de povoamento
utilizam o mesmo tipo de escavação interior que o verificado nas minas. Não será por isso
estranho que muitos trabalhos mineiros considerados como romanos correspondam na realidade
ao período medieval.
11
J. VALLVÉ BERMEJO, “La industria en al-Andalus”, Al-Qant8ara, 1 (1980), 209 ss.
12
Um panorama de carências semelhantes é o que apresenta a mineração da baixa idade
média cristã, momento em que o ferro foi o metal de maior procura e em que as escórias de ferro,
os escoriais e as forjas estão representados nas vilas, castelos e nas localidades rurais. As viagens
transoceânicas de portugueses e espanhóis em finais do séc. XV e o incremento do tráfico
comercial marítimo com as colónias americanas, produziu uma tal procura de ferro para os
barcos (pregos, ferragens, canhões, aros para tonéis e pipas, etc.) e para as novas povoações
americanas, que provocou uma enorme carestia deste metal e, ao mesmo tempo, provocou uma
grande febre mineira na época dos Àustrias em Espanha e de D. Manuel I em Portugal. Momento
em que a maioria das minas voltaram a ser exploradas, ocorrendo ao mesmo tempo uma enorme
produção clandestina, de contrabando, que deixou muitos escoriais anónimos no caminho dos
portos fluviais e marítimos, e que a investigação arqueometalúrgica centrada exclusivamente nos
escoriais das minas, ainda não valorizou de forma adequada.
13
III. DIACRONÍA DA OCUPAÇÃO NAS MINAS DE ALJUSTREL
A investigação da produção de metais na Pré-história, Antiguidade, e Idade Média,
esboçada em linhas gerais nas páginas precedentes, tem todavia algumas lacunas a que temos
feito referência, em especial nos primeiros momentos da metalurgia, Idades do Cobre e Bronze, e
na exploração medieval. Sobre o resto das explorações, ainda que exista um nível de
conhecimentos satisfatório sobre a mineração e metalurgia romana, cujas linhas principais foram
delineadas nos trabalhos de C. Domergue, subsiste ainda uma série de questões que devemos
aprofundar: a malha urbana dos povoados mineiros, a relação dos povoados com as zonas de
fundição, os sistemas de extracção e fundição, etc. Por tudo isto, a mina de Aljustrel é um
magnífico laboratório, no qual é possível promover investigação sobre estes e outros aspectos
ligados à mineração e metalurgia, uma vez que existe uma ocupação ininterrupta desta área
mineira desde o III milénio a.C. até à actualidade, e a interrupção de toda a actividade mineira
actual, permitem uma excelente oportunidade para investigarmos os problemas existentes na
história da mineração do sudoeste peninsular. Esta problemática pode mesmo resumir-se à
referência melhor conhecida e estudada de Aljustrel, as tábuas de bronze com a legislação
mineira do séc. II d.C., onde se articulam uma série de medidas para regular a produção de prata
e cobre, enquanto que a documentação arqueológica apenas tem demonstrado haver produção de
cobre. Desconhece-se, em definitivo, as análises de cada um dos escoriais romanos da mina de
Aljustrel, dos quais não devemos descartar aglomerações de escórias de prata, e se, como se
pensa, não houve produção de prata, teremos que considerar estas leis mineiras como uma
regulamentação geral das minas imperiais da época de Adriano. Isto teria, logicamente, uma
consequência directa para entender a política mineira imperial, uma vez que significaria que o
fiscus apenas terá tido interesse em controlar e fiscalizar as produções de prata e cobre no
sudoeste ibérico, deixando a mineração e metalurgia do ferro sem normativas fiscais.
Localização dos diversos sítios
arqueológicos de Aljustrel
14
Os primeiros indícios de ocupação da mina de Aljustrel foram detectados no Morro de
Nossa Senhora do Castelo, uma das maiores altitudes da região, onde as escavações levadas a
cabo pela Unidade Arqueológica de Aljustrel recolheram cerâmicas manuais em forma de pratos
de borde almendrado, algumas lâminas truncadas de sílex, e pesos de tear (lúnulas),
característicos da Idade do Cobre12. A ocupação calcolítica poderá estender-se também à zona de
Algares e Mangancha, próximo dos dois chapéus de ferro mais importantes de Aljustrel, São
João do Deserto e Algares, onde foram recolhidos alguns fragmentos de vasos com decoração
campaniforme do tipo Palmela/Carmona.
Não existem provas de que estas populações da Idade do Cobre estivessem vocacionadas
apara a mineração e produção de cobre, contudo, esta é uma hipótese que não podemos descartar
por completo, já que os sistemas de redução de minério neste período, em vasilhas-forno, não
deixam resíduos metalúrgicos13, e sem uma escavação em extensão torna-se muito complicado
detectá-lo. Fica-nos assim por determinar se esta primeira ocupação de Aljustrel tem alguma
relação com a exploração dos seus recursos mineiros ou se, pelo contrário, estas populações
possuem uma vocação agro-pastoril. De todas as formas, parece-nos que as camadas oxidadas
das massas minerais eram uma referência paisagística que não podia passar despercebida, e que
por esta altura, em que se encontra em desenvolvimento na Península Ibérica a mineração do
cobre, este povoamento poderá representar o inicio da exploração mineira. Ainda que as suas
evidências tenham desaparecido em consequência das explorações contemporâneas, deverá
existir ainda algum vestígio nos registos arqueológicos destas jazidas.
Todo o sudoeste peninsular, e especialmente a área alentejana, alcançaram durante o III e
II milénios a.C. una pujança cultural e demográfica que permitiu à investigação arqueológica
diferenciar dois facies arqueológicos neste período: a Cultura Megalítica Alentejana e o Bronze
do Sudoeste, que unificam com poucas particularidades os registos arqueológicos do sudoeste
peninsular. Alguns dos povoados datados do III milénio, como Corte de João Marques, Santa
Justa, e o Cabezo Juré, representam esse momento inicial de produção metálica, reconhecido
também na margem esquerda do Guadiana em prospecções superficiais. Do mesmo modo se
poderiam explicar também os achados do Calcolítico Pleno e Calcolítico Campaniforme de
Aljustrel.
A ocupação destes povoados de Aljustrel deverá prolongar-se ao Bronze Pleno, embora
até agora não exista material cerâmico que o certifique. A pujança do Bronze Pleno em terras do
distrito de Beja deixa em suspenso esta ausência de ocupação de Aljustrel, e alguns sítios
poderão conter estratos de habitação e trabalho deste período. Se seguirmos a sequência das
ocupações pré-históricas em Aljustrel, deveremos atribuir ao Morro de Nossa Senhora do
Castelo una cronologia de meados do III milénio a.C., enquanto o Morro da Mangancha e o
Morro de Algares corresponderiam a finais do III milénio a.C. e inicio do II milénio a.C. Ainda
que não exista una prova metalúrgica concreta, não acreditamos que isso seja um óbice para
considerar que ambas as ocupações estejam relacionadas com a exploração mineira em pequena
escala das massas de São João do Deserto e de Algares.
Não voltamos a encontrar sinais evidentes de ocupação até ao Bronze Final, contudo, a
mineração destes depósitos terá continuado durante o Bronze Pleno. A ocupação do Bronze Final
está referenciada no Morro da Mangancha, precisamente onde os materiais de superfície
referenciavam um início da ocupação do local na época Campaniforme. Este sítio arqueológico
converte-se assim num sítio chave para tentar resolver a ocupação do Bronze Pleno, uma vez que
a Mangancha acabou por se converter no local central da área mineira de Aljustrel até à época
12
A arqueología de Aljustrel em: A. ESTORNINNHO, A. MARTINS, C. RAMOS, e J. MURALHA, “O
povoamento da área de Aljustrel. Seu enquadramento na Faixa Piritosa Alentejana”, Arqueología en el entorno do
Bajo Guadiana, Sevilla (1994), 27 ss.
13
S. ROVIRA LLORENS, “Industria metalúrgica”, O Calcolítico a debate, Reunión do Calcolítico de la Península
Ibérica, Sevilla (1995),166 ss.
15
romana. Os trabalhos realizados até agora no local não tiveram amplitude nem continuidade
suficientes para resolver estes problemas. Em face das suas cerâmicas calcolíticas, do Bronze
Final, e da Idade do Ferro torna-se necessário insistir na investigação do local.
Aljustrel volta a ser uma referência da mineração e da metalurgia a partir da mudança de
rumo que as reformas de Augusto significam para a optimização da exploração mineira na
Hispania. A maior parte dos coutos mineiros do sudoeste, e entre eles Aljustrel, foram
esquecidos pelas societates itálicas republicanas, que se concentraram nas minas das regiões de
Murcia (Cartagena e Mazarrón) e da Serra Morena (Cástulo e Serra de Córdoba). A política de
César e, sobretudo, de Octávio no sudoeste, incorporam definitivamente estas terras nos sistemas
de exploração romanos, criam-se novas colónias (Pax Iulia e Augusta Emerita), promove-se a
municipalização (Ebora Liberalitas Iulia), ao mesmo tempo que se garantem as deductiones com
um sistema de pequenas guarnições (castela). Arranca deste modo a colonização agrícola e a
exploração mineira por um interesse pessoal do Princeps e com a provável tutela da organização
militar levada a cabo por Agrippa.
A consequência directa desta nova política é o nascimento de um novo povoado em
Aljustrel, o vicus vipascensis, junto à massa de Algares, de que conhecemos muitas das suas
peculiaridades através das duas tábuas de bronze já citadas. Esta exploração industrial vai
acumulando uma grande quantidade de escórias, cujo volume total está estimado em cerca de
2.000.000 de toneladas. O valioso achado das tábuas de bronze despertou um inusitado interesse
pela investigação da ocupação e exploração romanas, acrescentado pela escavação de
quatrocentas e quarenta e seis sepulturas romanas na necrópole de Valdoca.
O ritmo de produção terá alcançado o seu máximo em meados do séc. II d.C., e terá sido
drasticamente interrompido pelas incursões dos Mauri e pela crise do poder imperial, de tal
modo que no último quartel do séc. II d.C. o interesse dos procuradores mineiros vai centrar-se
no restabelecimento das explorações (restitutio). Contudo, as minas não recuperarão o seu antigo
esplendor e a produção diminuiu acentuadamente, o que terá afectado os níveis de povoamento,
reflectido nos escassos registos arqueológicos, ainda que não se tenha atingido o despovoamento
completo.
Quando o poder imperial ressurge em inícios do séc. IV d.C., as minas voltam a formar
parte do mecanismo económico imperial, e vive-se uma reindustrialização que se generaliza à
maior parte das minas, mas que não alcança os níveis de produção da época alto-imperial. Não
durou muito este impulso, pois a instabilidade de inícios do séc. V d.C. destruiu definitivamente
o esquema de produção romano para dar lugar a explorações de tipo doméstico, características da
Idade Média.
Não se abandona o trabalho mineiro, que aparece referido em documentos de época
visigoda (São Isidoro), no entanto, a produção de metais já não é um dos motores da economia.
São muito escassos os materiais que se conservam em Aljustrel deste momento, contudo, alguns
conjuntos estudados, especialmente as lucernas, apresentam formas que se podem enquadrar nos
sécs. V e VI d.C. A falta de escavações em extensão da povoação de Vipasca e a falta de estudos
sobre o numeroso material arqueológico desse local depositado no Museu Municipal de Aljustrel
impede de momento melhores caracterizações.
As investigações desenvolvidas na área mineira de Aljustrel confirmam também a
continuidade do povoamento, e provavelmente da mineração em época islâmica. Abandonado o
vicus mineiro de Vipasca, o povoamento torna a recuperar o interesse estratégico que tivera em
época pré-romana, como se constata no castelo de taipa do Morro de Nossa Senhora do Castelo.
Algumas das escórias recolhidas no castelo islâmico, posteriormente reformado pela Ordem de
Santiago da Espada após a conquista cristã, confirmam o tratamento de minerais de ferro, tal
como é conhecido em outras minas do sudoeste peninsular. Desta ocupação medieval,
confirmada no castelo, será originária a actual população de Aljustrel, que como o seu nome nos
indica se inicia em época islâmica.
16
Em termos gerais é satisfatório o conhecimento arqueológico de Aljustrel. Conhecemos o
processo histórico em que se desenvolveu o povoamento nos arredores das mineralizações desde
pelo menos meados do III milénio a.C. até à actualidade. Mas estes dados de partida carecem da
profundidade necessária para poder afrontar com alguma garantia o estudo da mineração dos
seus depósitos, até agora documentados apenas no período romano. Ficam por tratar importantes
aspectos, tanto nas suas fases ais antigas como nas mais recentes. A extensa ocupação desta área
mineira e o actual encerramento de toda a actividade mineira, que seria um óbice para o
desenvolvimento de um projecto de investigação sem os entraves que estes trabalhos acarretam,
são uma oportunidade única. Documentada a ocupação calcolítica nos três sítios referenciados,
impõe-se agora a intervenção em alguns desses locais, no intuito de determinar se existiu nesses
momentos uma relação directa dessa ocupação com a mineração e fundição destes minérios. O
Morro da Mangancha merece por isso uma maior atenção, já que representa o habitat mineiro
das etapas pré-romanas e, ainda que não haja evidências metalúrgicas da mineração, o que tem
que ver com os sistemas de redução do minério em vasilhas-forno, que não deixam escórias, os
habitats contemporâneos noutras minas, como Riotinto, Tharsis e Aznalcóllar, são um claro
exemplo de que a revolução da indústria do bronze e a disseminação da metalurgia da prata no
sudoeste ibérico, permitiu o aparecimento de povoados exclusivamente mineiros.
No que respeita à ocupação romana, ainda que esta seja uma das mais conhecidas depois
dos trabalhos já desenvolvidos, não deixa de levantar também algumas questões, nomeadamente
sobre alguns aspectos escassamente investigados. A mineração romana conta com alguns
exemplos não tipificados nem estudados na corta de São João do Deserto e no afloramento do
chapéu de ferro de Algares. Torna-se imprescindível um trabalho de referenciação de todos os
vestígios de mineração antiga que ainda se conservam em cada um dos depósitos. Por outro lado,
o importante volume de escórias dos arredores da mina não se encontra analisado. Ainda que se
conheçam algumas análises a escórias, estas não foram realizadas de forma sistemática.
Zonificando os escoriais e obtendo amostras de cada um dos sectores, tanto das camadas
superficiais como de alguns estratos mais profundos, já que, segundo se pode observar em alguns
locais onde foi seccionado, o escorial, apresenta uma sobreposição de vários tipos de escórias,
será de todo conveniente analisá-las quimicamente de forma a podermos classificá-las de acordo
com a metalurgia de que procedem. Um dos pontos em que se torna mais urgente e necessária a
investigação arqueológica é o dos povoados mineiros romanos, que segundo os dados
disponíveis se concentram em três locais: a área junto ao bairro de Valdoca, considerada como o
vicus vipascensis pela maioria dos investigadores, muito destruído, embora as últimas
escavações de Rui Parreira tenham demonstrado que ainda podem subsistir áreas não alteradas e
através das quais se pode investigar a sua malha urbana; a área denominada de Casa do
Procurador, situada próximo de restos de escórias e com uma funcionalidade desconhecida; as
estruturas do Azinhal, onde existem os vestígios de grandes edifícios abertos, com grande pátio
central e com pequenas habitações alinhadas em torno dos muros interiores. Estas construções
foram interpretadas por C. Domergue como oficinas destinadas ao tratamento do minério para a
queima e concentração de sulfuretos de cobre, embora os recursos construtivos, como os grandes
umbrais monolíticos e a cuidadosa modulação das habitações nos indiquem que provavelmente
tiveram outra função na sua origem.
Estes trabalhos de referenciação, documentação e escavação dos vestígios romanos
devem completar-se com o estudo dos materiais arqueológicos provenientes destes locais e de
escavações antigas não publicadas, que se conservam no Museu Municipal de Aljustrel, inéditos
na sua maior parte.
O registo da ocupação medieval, islâmica e cristã, que foi possível obter nas escavações
do Morro de Nossa Senhora do Castelo, também apresenta lacunas, já que os trabalhos, de curta
extensão, deverão continuar para distinguir de forma segura a estratigrafia dos diversos
17
momentos de ocupação e a sua relação com a mineração destes depósitos de sulfuretos de
Aljustrel.
O couto mineiro de Aljustrel oferece assim grandes possibilidades para a investigação da
mineração e da metalurgia, levada a cabo nas minas da Faixa Piritosa Ibérica desde o III milénio
a.C. até à Idade Média. Essas possibilidades relacionam-se directamente com a resolução dos
problemas atrás expostos, tanto à escala macro, abrangendo o conjunto de todas as minas do
sudoeste peninsular, como à escala semi-macro, do próprio couto mineiro de Aljustrel, e micro,
de cada um dos locais por si.
Um projecto com estas características terá de ter continuidade e uma relação do ritmo das
intervenções com a solução destes problemas, sem no entanto tentar abarcar de forma extensiva
todos os sítios catalogados. Embora o projecto geral de investigação se estruture de forma
extensa no tempo e no espaço, vamos descrever nas páginas que se seguem uma primeira fase,
que terá como objectivo completar o conhecimento sobre a ocupação e sistemas de exploração
mineira e metalúrgica do período romano, pois do ponto de vista da defesa do património é mais
urgente a actuação em cada um dos sectores considerados.
18
IV. PROGRAMA GERAL DE INVESTIGAÇÃO (2006-2008)
Como foi já descrito, é nossa intenção iniciar uma linha de investigação na área mineira
de Aljustrel que se ajuste, nos seus considerandos gerais, à resolução dos problemas actualmente
postos pelo estudo da mineração e da metalurgia, desde os seus primórdios na Idade do Cobre até
à Baixa Idade Média.
Este programa geral de investigação arqueológica, que iremos desenvolvendo em fases
posteriores, terá inicio com uma primeira fase em que se actuará sobre os bens culturais
romanos, com o intuito de poder aprofundar aqueles aspectos que não terão sido devidamente
tratados anteriormente ou então não se encontram suficientemente investigados.
IV.1 OBJETIVOS.
Como objectivos gerais deste projecto consideramos os seguintes:
- Documentação dos vestígios de mineração antiga nos depósitos de sulfuretos de
Aljustrel, especialmente os situados sobre o chapéu de ferro da zona de Algares e de São João do
Deserto. Alguns deles foram cartografados pela equipa do Prof. C. Domergue. No entanto, existe
ainda uma grande quantidade de locais sobre os quais há que actuar para definir a sua topografia,
a sua funcionalidade e a sua cronologia. Considerados tradicionalmente como mineração romana
pela sua própria tipologia, os últimos trabalhos de campo em algumas minas do sudoeste
confirmam que este tipo de mineração se manteve sem grandes variações até ao séc. XIX, até à
implantação do sistema de exploração por “ocos e pilares”. A sua topografia pode ajudar em
grande parte, melhor que a sua tipologia, a distinguir as formas de evolução da engenharia
mineira antiga “sobre filão”, enquanto a mineração de época moderna utiliza este tipo de técnicas
fora da caixa filoniana, para a cortar transversalmente a alturas distintas e determinar potências e
leis dos minérios, obtendo com estas sondagens a zona mais rica das mineralizações, a zona de
cementação dos sulfuretos secundários de cobre e os níveis jarosíticos.
- Obter um conhecimento analítico das áreas de fundição do minério. Referimos atrás que
não possuímos uma amostragem sistemática dos escoriais romanos de Aljustrel. Realizaram-se
algumas análises de escórias, que na sua maior parte estão relacionadas com o tratamento de
sulfuretos de cobre, contudo não se efectuou um zonamento das amostras na horizontal nem na
vertical das diversas camadas de escórias que se observam em alguns locais onde os escoriais
foram seccionados.
Este trabalho intensivo de amostragem dos escoriais foi já realizado noutras minas do
sudoeste, como Riotinto e Tharsis, em principio pelas companhias mineiras com a intenção de
aproveitar o metal remanescente que estas escórias continham, e posteriormente por trabalhos
arqueometalúrgicos. O resultado final permitiu conclusões mais contrastadas tanto dos metais
produzidos como dos sistemas de redução utilizados. A envergadura dos escoriais de Aljustrel,
somente comparável em tamanho ao das minas de Riotinto, Tharsis e Castillo de Buitrón, pode
trazer-nos muitas surpresas, como a produção de prata ou o tratamento de minérios complexos
para a produção de prata e cobre, como poderá ainda encontrar-se mais alguma das tábuas de
bronze em falta. O longo período de mineração romana, desde o séc. I d.C. ao séc. V d.C., tem
que estar reflectido na estratigrafia dos escoriais. Na prospecção sistemática destes escoriais, ao
mesmo tempo que se vão definindo áreas de recolha de amostras, a busca deve incidir também
em sectores que possuam uma potência estratigráfica que permita serem referenciadas em corte
todas as fases de produção.
19
- Urbanismo e funcionalidade das estruturas de habitat e de trabalho. Neste item
contamos já com uma valiosa informação, uma vez que os trabalhos já levados a cabo nestas
minas já detectaram três áreas de povoamento, Valdoca, a Casa do Procurador, e Azinhal. Não
há dúvida de que o povoado mineiro principal se situava junto ao bairro de Valdoca, próximo da
extensa necrópole romana, no entanto a funcionalidade das estruturas da Casa do Procurador e
do Azinhal não estão definitivamente resolvidas.
As investigações propostas por este projecto incidirão sobre dois aspectos principais:
documentar o mais possível a planta do edifício a que estas estruturas se reportam, com limpeza
das zonas já escavadas; efectuar escavações nas partes pior documentadas, com a finalidade de
obter plantas o mais completas possíveis, bem como o estudo do material inédito proveniente
destes locais e depositado no Museu Municipal de Aljustrel.
Em fases sucessivas, este projecto de investigação poderá encarar o estudo de outros
sítios arqueológicos na área mineira de Aljustrel, especialmente no povoado da Mangancha e no
Morro de Nossa Senhora do Castelo, permitindo a investigação de outras fases da história de
Aljustrel: a Idade do Cobre, a Idade do Bronze, a Idade do Ferro e a ocupação medieval islâmica
e cristã.
IV.2. METODOLOGÍA.
Para a execução de cada um dos objectivos enumerados no ponto anterior, utilizaremos
una metodologia de trabalho baseada na Prospecção Arqueológica Superficial, Limpeza
Superficial e Escavação em Área Aberta (open area), Refrenciação Planimétrica e Fotográfica, e
Estudo de Materiais.
- Prospecção Arqueológica Microespacial dos escoriais romanos de Aljustrel. Implica a
recolha de amostras em toda a área dos escoriais, a sua georeferenciação, e a sua análise nos
Serviços Centrais de Investigação da Universidade de Huelva. O traçado da malha de
amostragem terá em atenção critérios espaciais de forma a abranger o escorial em toda a sua
extensão; critérios estratigráficos, com recolha de amostras a alturas distintas ou de estratos
distintos; e critérios tipológicos, para elaborar uma primeira tabela de tipos de escórias de acordo
com a sua textura e peso. As amostras serão analisadas na composição química mediante
Fluorescência de Raios X (FRX) e Microscópio Electrónico (SEM) com o propósito de
investigar os diferentes minerais tratados e os processos metalúrgicos a que correspondem.
- Limpeza Superficial e Escavação em Área Aberta dos restos de estruturas romanas do
sector denominado Casa do Procurador. Serão limpas as áreas escavadas anteriormente para que
se possa realizar a planimetria completa das estruturas, e serão escavados aqueles sectores que
permitam completar a leitura da disposição dos edifícios. Se for possível tentaremos seccionar
um sector para realizar uma Sondagem Estratigráfica que permita compreender a evolução
diacrónica do sítio. Em todos os casos, o método de intervenção será efectuado de acordo com as
directrizes consagradas na Matriz de Harris bem como os sistemas de registo que propõe.
- Estudo dos Materiais Arqueológicos procedentes da Casa do Procurador que se
encontram depositados no Museu Municipal de Aljustrel.
- Registo Planimétrico e Fotográfico dos vestígios de mineração antiga dos depósitos de
Algares e São João do Deserto. Elaboração da planimetría de plantas e alçados destes trabalhos
mineiros, que permitam o seu estudo tipológico relacionado-os com a sua posição dentro das
mineralizações.
20
- Limpeza Superficial e registo planimétrico completo das estruturas romanas da zona do
Azinhal.
Esta primeira fase do projecto irá desenvolver-se em três campanhas e em função dos
resultados obtidos, será elaborada uma nova fase de investigação que proponha os objectivos a
atingir e as intervenções arqueológicas a realizar.
IV.3. CAMPANHA DE 2006.
A campanha de investigação de 2006 para a qual se solicita autorização será levada a
cabo de 4 a 17 de Setembro de 2006, e será dedicada à realização das seguintes actividades:
- Limpeza e escavação da Casa do Procurador, nos termos já indicados em IV.2.
- Limpeza e registo planimétrico do sector do Azinhal.
- Estudo de materiais arqueológicos da Casa do Procurador que se encontram depositados
no Museu Municipal de Aljustrel.
21
V. APOIO INSTITUCIONAL, EQUIPA TÉCNICA E FINANCIAMENTO
O Projecto de Investigação VIPASCA (2006-2008) é apoiado pelas seguintes instituições:
- Câmara Municipal de Aljustrel/Museu Municipal de Aljustrel (CMA/MuMA).
- Universidade de Huelva. Vicerrectorado de Relaciones Institucionales e Extensión
Cultural (UHU).
- Deustches Archäologisches Institut (DAI), Madrid.
A equipa técnica deste projecto será formada por um grupo de investigadores que serão
responsáveis por cada uma das áreas do conhecimento definidas:
- Direcção de Campo:
Juan Aurelio Pérez Macías, Universidad de Huelva.
Artur M. Gonçalves Martins, Museu Municipal de Aljustrel.
- Subdirecção:
Timoteo Rivera Jiménez, Universidad de Huelva.
Aquilino Delgado Domínguez, Museo Minero de Riotinto.
- Arquitectura e urbanismo:
Thomas G. Schattner, Instituto Arqueológico Alemán (Madrid-Lisboa).
- Epigrafía:
Armin U. Stylow, Centro CIL II, Universidad de Alcalá.
H. Jimeno Pascual, Centro CIL II, Universidad de Alcalá.
- Geologia e Mineralogia:
Gobain Ovejero Zappino, Cobre las Cruces, S.A.
Juan Carlos Fernández Caliani, Universidad de Huelva.
João Xavier Matos, INETI (Beja)
- Análises Metalúrgicas:
Juan Aurelio Pérez Macías, Universidad de Huelva.
Antonio Manuel Monge Soares, Instituto Tecnológico e Nuclear (Lisboa).
- Datações Absolutas:
Antonio Manuel Monge Soares, Instituto Tecnológico e Nuclear (Lisboa).
-
Antropologia Física
José Carlos Oliveira, Museu Regional de Beja
- Topografía e SIG:
Timoteo Rivera Jiménez, Universidad de Huelva.
Diego González Batanero, Universidad de Huelva.
- Trabalhos de Campo.
Alunos da Universidade de Huelva.
Alunos da Universidade de Lisboa.
22
- Restauro de Materiais
Carla Cerqueira, Museu Municipal de Aljustrel.
Sandra Pedro, Museu Municipal de Aljustrel.
Sónia Encarnação, Museu Municipal de Aljustrel.
Os trabalhos serão financiados pela Câmara Municipal de Aljustrel e pela Universidade
de Huelva.
VI. BIBLIOGRAFIA
- A. BLANCO e B. ROTHENBERG, Exploración Arqueometalúrgica de Huelva, Barcelona
(1981).
- A. ESTORNINHO, A. MARTINS, C. RAMOS, e J. MURALHA, “O povoamento da área
de Aljustrel. Seu enquadramento na Faixa Piritosa Alentejana”, Arqueología en el entorno del
Bajo Guadiana, Sevilla (1994), 27 ss.
- A. M. ARRUDA, Los Fenicios en Portugal. Fenicios y mundo indígena en el centro e sur de
Portugal (siglos VII-VI a.C.), Cuadernos de Arqueología Mediterránea, 5-6 (2002).
- A. MARTINS, et alli, O povoamento da área de Aljustrel, Actas do I Congresso de
Arqueologia Peninsular, VII, Porto (1995), 435-453.
- A. MARTINS, “Aljustrel, a mina e a mineração na antiguidade”, Mineração no Baixo
Alentejo, Castro Verde (1996), 94 ss.
- C. DOMERGUE e R. F. ANDRADE, Sondages 1967 et 1969 à Aljustrel (Portugal). Note
préliminaire, Conimbriga, X, Coimbra (1971), 1-18.
- C. DOMERGUE, La mine antique d’Aljustrel (Portugal) et les Tables de Bronze de Vipasca,
Conimbriga, XXII, Coimbra (1983), 5-193.
- C. DOMERGUE, Les mines de la Peninsule Ibérique dans l’antiquité romaine, Collection de
l’École Française de Roma, 127, Roma (1990).
- C. RAMOS et alli, O Castelo de Aljustrel. Campanhas de 1989 e 1992, Vipasca, Aljustrel
(1993), 11-40.
- J. C. ALLAN, A mineração em Portugal na Antiguidade, Boletim de Minas, 3, Lisboa (1965).
- J. A. PÉREZ MACÍAS, Metalurgia extractiva prerromana en Huelva, Huelva (1996).
- J. A. PÉREZ MACÍAS, Las minas de Huelva en la Antigüidade, Huelva (1998).
- J. VALLVÉ BERMEJO, “La industria en al-Andalus”, Al-Qant8ara, 1 (1980), 209 ss.
- L. MARTINS e J. X. MATOS, Itinerários geo – eco – educacionais como factor de
desenvolvimento sustentado do turismo temático associado à Faixa Piritosa Ibérica, Actas IV
Cong. Int. Património Geológico Y Minero, Utrillas (2003), 539-557.
- M. E. AUBET SENMLER, Tiro e las colonias fenicias de Occidente, Barcelona (1987).
- M. HUNT ORTIZ, Prehistoric Mining and Metallurgie in South West Iberian Península,
B.A.R. International Series, Oxford (2003).
- M. L. RUIZ-GALVEZ PRIEGO, La Europa Atlántica en la Idade do Bronze. Un viaje a las
raíces de la Europa occidental, Barcelona (1998).
- P. GÓMEZ RAMOS, Obtención de metais en la prehistoria de la Península Ibérica, B.A.R.
International Series, 783, Oxford (1999).
- S. ROVIRA LLORENS, “Industria metalúrgica”, O Calcolítico a debate, Reunión del
Calcolítico de la Península Ibérica, Sevilla (1995), 166 ss.
23
Os responsáveis
(Juan Aurelio Pérez Macías)
(Artur Martins)
24