Megadiversidade 3 - Library - Conservation International

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Megadiversidade 3 - Library - Conservation International
MEGADIVERSIDADE
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Volume 2 | No 1-2 | Dezembro 2006
Desafios econômicos para a conservação ambiental
Editores convidados: WILSON CABRAL DE SOUZA JR. & PAULO GUSTAVO DO PRADO PEREIRA
SUMÁRIO
3
Editorial
JOSÉ MARIA C. SILVA & MÔNICA FONSECA
5
Apresentação
Desafios econômicos para a conservação ambiental
WILSON CABRAL DE SOUZA JR. & PAULO GUSTAVO DO PRADO PEREIRA
7
Economia e biodiversidade
ADEMAR RIBEIRO ROMEIRO
10
A experiência com o uso dos instrumentos econômicos na gestão ambiental
RONALDO SEROA DA MOTTA
13
Instrumentos econômicos da nova proposta para a gestão de florestas públicas
no Brasil
TASSO REZENDE DE AZEVEDO & MARIA ALICE CORRÊA TOCANTINS
18
A eMergia como indicador de valor para a análise econômica-ecológica
PAULO ANTÔNIO DE ALMEIDA SINISGALLI
24
A valoração ambiental como ferramenta de gestão em Unidades de
Conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
ANA LÚCIA CAMPHORA & PETER HERMAN MAY
39
Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
ERIN O. SILLS, SUBHRENDU K. PATTANAYAK, PAUL J. FERRARO & KEITH ALGER
50
Considerações sobre a viabilidade econômica-ambiental da hidrovia ParaguaiParaná
ELEONORA RIBEIRO CARDOSO, WILSON CABRAL DE SOUZA JR., EULINDA LOPES & MARCOS AMEND
60
Benefícios econômicos locais de áreas protegidas na região de Manaus, Amazonas
MARCOS AMEND, JOHN REID & CLAUDE GASCON
71
Determinantes do valor da terra no corredor Cerrado-Pantanal: subsídios para
políticas conservacionistas
ANA RAQUEL B. M. RIBEIRO, SILVIA MORALES Q. CALEMAN, GABRIELA ISLA VILLAR MARTINS & REINALDO LOURIVAL
80
Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
MARIA ALICE CORRÊA TOCANTINS, WILSON CABRAL DE SOUZA JR., PAULO GUSTAVO DO PRADO PEREIRA,
ÉRIKA GUIMARÃES & REINALDO LOURIVAL
102
Análise eMergética econômico-ambiental aplicada a estudos de viabilidade
de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
PAULO ANTÔNIO DE ALMEIDA SINISGALLI, WILSON CABRAL DE SOUZA JR. & ANDRÉ TORRES
122
O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do
sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
ANITA SUNDARI AKELLA, HELOÍSA ORLANDO, MARCELO ARAÚJO & JAMES B. CANNON
141
Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor:
estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
JULIANA SCAPULATEMPO STROBEL, WILSON CABRAL DE SOUZA JR., RONALDO SEROA DA MOTTA,
MARCOS RODOLFO AMEND & DEMERVAL APARECIDO GONÇALVES
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
EDITORIAL
A Conservação Internacional é uma das principais proponentes do estabelecimento de
extensos corredores de biodiversidade como um mecanismo para permitir a integração
entre a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento socioeconômico tão necessário no Brasil. Esta abordagem abrangente, descentralizada e participativa permite que
governo e sociedade compartilhem a responsabilidade pela conservação da biodiversidade e planejem, juntos, a utilização dos recursos naturais. Um corredor de biodiversidade
não é simplesmente mais um tipo de área protegida. Trata-se de uma proposta de gestão
do território em escala regional, que visa servir como substrato para um modelo de
desenvolvimento bastante diferente daquele que predomina no país, ainda baseado na
utilização rápida e não-sustentável do capital natural. A nossa experiência na consolidação de vários corredores de biodiversidade ao redor do planeta demonstra que é necessário desenvolvermos abordagens econômicas inovadoras para garantir a sustentabilidade
efetiva destes, que constituem grandes e ambiciosos programas de conservação.
O segundo volume da Megadiversidade apresenta um conjunto de artigos fundamentais para quem quer compreender a complexa relação entre economia e conservação da
biodiversidade, a partir do exame de exemplos concretos nos diferentes biomas brasileiros. Organizados cuidadosamente por nossos dois editores convidados, Wilson Cabral
de Sousa Júnior e Paulo Gustavo do Prado Pereira, os artigos tratam desde a valoração
dos recursos naturais até a avaliação dos resultados econômicos e sociais dos programas
de conservação da biodiversidade, passando, necessariamente, pela análise crítica de
grandes projetos de infra-estrutura ou de políticas setoriais. Estamos certos de que este
volume, tal como os seus precedentes, poderá contribuir positivamente para a crescente
discussão sobre o futuro da biodiversidade brasileira.
José Maria Cardoso da Silva
Mônica Fonseca
EDITORES
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
APRESENTAÇÃO
DESAFIOS ECONÔMICOS PARA A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL
Desde a regulamentação das primeiras letras legais ambientais no país, na década de
1960 (como é o caso do Código Florestal), os instrumentos de política ambiental vêm
sendo paulatinamente aprimorados. Se num primeiro momento existia um forte viés
centralizador, tendo a figura do Estado como precursor, criador e controlador da maior
parte destes instrumentos – caráter associado a aspectos conjunturais no momento da
promulgação das leis que originaram os códigos de recursos naturais1 do país, mais recentemente passou-se a investir em mecanismos econômicos, em especial àqueles voltados à exploração da “eficiência alocativa” do mercado – como apontam os mecanismos
de desenvolvimento limpo preconizados pelo Protocolo de Kioto. Neste contexto, surgem diversas indagações sobre a maneira com que a economia incorpora as questões
ambientais ou, indo mais além, de como as preocupações com a conservação ambiental
poderiam se inserir efetivamente na agenda político-econômica. Tais questões se associam de algum modo às definições como as de sustentabilidades fraca e forte, economia
ambiental e economia ecológica. Esta última surgindo como uma crítica aos pressupostos da economia neoclássica, supostamente incorporados à economia ambiental.
Por outro lado, o modus operandi social tem mostrado a existência de lacunas e demandas que se abstraem desta discussão teórica. O país vem experimentando diversos
modelos de sustentabilidade, ainda que em escala reduzida, objetos de projetos demonstrativos de matizes variados. Assim, a necessidade de institucionalização de experiências
exitosas coloca um importante desafio aos gestores públicos que atuam em conservação
ambiental. Dentro desta perspectiva, a análise crítica dos instrumentos da política ambiental brasileira, especialmente de seus condicionantes econômicos, é tarefa fundamental.
1
Lembrando que os Códigos Florestal, Mineral e das Águas, foram estabelecidos em 1934, na primeira “era”
Vargas, quando o Estado adotava um comportamento mais intervencionista em termos político-econômicos, à
luz das mudanças após a quebra da bolsa de Nova York e do New Deal estadunidense.
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6 | Apresentação
O momento atual traz algumas oportunidades para estas reflexões e para a inserção
de novas possibilidades em termos de instrumentos econômicos para políticas públicas
em meio ambiente. Está em curso uma revisão do Manual de Inventário Hidrelétrico, que
determina a concepção de novas usinas ou do arranjo destas nas bacias com potencial de
geração hidroenergética. A nova versão deste Manual poderá incorporar algumas demandas ambientais há muito discutidas junto ao setor. No que concerne à questão florestal,
foi criado recentemente o Serviço Florestal Brasileiro, a partir da Lei de Gestão de Florestas Públicas, a qual possui desdobramentos econômicos significativos para a conservação ambiental. Encontra-se em discussão, no Conselho Nacional de Meio Ambiente –
CONAMA, a regulamentação dos mecanismos de compensação por danos ambientais,
especialmente no que tange ao investimento em recuperação de áreas degradadas. Na
mesma direção, discute-se o pagamento por serviços ambientais (PSA), com possíveis
repercussões no investimento em Unidades de Conservação. A Lei de Crimes Ambientais,
que está próxima de completar uma década de sua promulgação, tem passado por uma
“prova de fogo” nos últimos anos, e já apresenta resultados ambíguos: se por um lado
foram efetuadas algumas ações exemplares em termos da aplicação da Lei (como a prisão
de diretores de empresas que incorreram em crime ambiental), por outro, a maior parte
dos valores exigidos em multas ambientais baseadas na Lei não foi efetivamente paga.
Esta edição da revista Megadiversidade contempla parte destas reflexões. Ainda que
não se pretenda esgotar tais assuntos, os trabalhos ora apresentados são importantes
contribuições para o debate e aprimoramento das políticas públicas em meio ambiente,
especialmente sob seus aspectos econômicos.
Wilson Cabral de Sousa Jr.
Paulo Gustavo do Prado Pereira
EDITORES
CONVIDADOS
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Economia e biodiversidade
ADEMAR RIBEIRO ROMEIRO
Instituto de Economia da UNICAMP - Caixa Postal 6135, Campinas, 13083-970, São Paulo, Brasil.
e-mail: [email protected]
Para se compreender as relações entre economia e biodiversidade é preciso saber o que esta representa não
apenas como recurso natural capaz de fornecer bens e
serviços ambientais, mas, sobretudo, procurar entender o quanto estes bens e serviços são insubstituíveis e
quais os limites de sustentabilidade dos ecossistemas
que a contém – uma vez que existem riscos de perdas
irreversíveis potencialmente catastróficas.
Como provedora de recursos naturais, a biodiversidade tem sido importante, por exemplo, para a indústria farmacêutica, ao fornecer-lhe princípios ativos para
a elaboração de medicamentos. As moléculas “sintetizadas” pela natureza apresentam vantagens ainda não
superadas pelas sínteses obtidas em laboratórios. Se
isto vier a ocorrer no futuro, então sua importância
como provedora destes recursos acabará. Este seria um
exemplo da dinâmica de substituição entre recursos
promovida pelo progresso científico e tecnológico. Desse modo, qualquer estudo aprofundado sobre o mercado de medicamentos deve incluir o estudo desta dinâmica para o setor.
Entretanto, a biodiversidade é importantíssima para
a produção de serviços ecossistêmicos insubstituíveis,
vitais para o planeta. Dela dependem, entre outros, processos como o ciclo de carbono, o ciclo de nitrogênio
bem como, muito provavelmente, processos ainda não
conhecidos ou pouco conhecidos que podem ser igualmente importantes para a sobrevivência da espécie
humana. O quanto seu empobrecimento compromete
estes serviços ambientais que oferece? Qual é o limite
a partir do qual este comprometimento se torna irreversível? As respostas a estas perguntas, embora envoltas em incertezas irredutíveis, devem ser levadas em
conta também nos estudos sobre as relações entre economia e biodiversidade.
A
ECONOMIA AMBIENTAL
A partir de uma perspectiva reducionista da biodiversidade como provedora de bens e serviços ambientais
substituíveis, a formulação de políticas de gestão deste recurso se simplifica extraordinariamente. O maior
esforço se concentrará na atribuição de valores econômicos a estes bens e serviços de modo a criar condições para que a atuação dos agentes econômicos não
gere externalidades negativas. A valoração cria as condições necessárias para uma análise custo-benefício
ampliada. Cada agente econômico passará a decidir pela
preservação ou não da biodiversidade em função da
diferença positiva ou negativa entre custos e benefícios esperados. Este esquema analítico pressupõe que
não há nenhum risco de perdas irreversíveis potencialmente catastróficas. Esta pressuposição, inerente a esta
concepção teórica, não deixou, entretanto de gerar preocupações.
Krutilla & Fisher (1985) desenvolveram um algoritmo
destinado a assegurar que os benefícios da opção preservação sejam corretamente introduzidos na equação
básica de uma análise de custo-benefício aplicada à problemática ambiental. Assim, o valor estimado dos benefícios que a preservação da biodiversidade traria passa a ser tratado como parte dos custos de um projeto
de investimento (agrícola, por exemplo) que a eliminasse. Este valor, por sua vez, leva em conta o fato de
que o preço deste recurso natural tenderia a aumentar
com o tempo, uma vez que se torne progressivamente
mais escasso. Além disso, considera-se que o progresso técnico pode ter um efeito negativo sobre a viabilidade econômica do projeto em questão ao tornar mais
atrativas outras opções de investimento.
Como notam Pearce & Turner (1990), a introdução
do fator preço e do fator tecnologia diferencia o
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8 | Economia e biodiversidade
algoritmo Krutilla-Fisher das análises mais convencionais deslocando o “benefício da dúvida” para o lado da
preservação. Desse modo, seriam reduzidos os riscos
inerentes a qualquer avaliação monetária dos custos e
benefícios1 em situações onde as incertezas sobre os
benefícios da preservação são grandes. Nos casos onde
estas incertezas são ainda maiores e os benefícios da
alternativa de investimento duvidosos, os critérios da
abordagem Krutilla-Fisher não são suficientes para evitar perdas irreversíveis de recursos cuja preservação se
mostrasse a posteriori de inestimável valor.
Uma outra abordagem pioneira pensada como uma
forma mais incisiva de evitar perdas irreversíveis com
efeitos catastróficos, foi a chamada abordagem dos
“padrões mínimos de segurança” (SMS-safe minimum
standards), desenvolvida principalmente por Bishop
(1978) com base no trabalho de Ciriacy-Wantrup (1952).
Nesta abordagem não mais em caso de dúvida a preservação tem prioridade, mas a preservação deve ter
sempre prioridade a não ser em casos extremos. Estes
casos extremos são definidos como aqueles em que o
custo social que adviria da preservação seria intoleravelmente alto2. Randall & Farmer (1995) consideram que
a análise custo-benefício fornece uma boa idéia da satisfação das preferências humanas (individuais), mas
admitem que há boas razões para se impor um padrão
mínimo de salvaguarda (SMS), a menos que o custo disto seja intoleravelmente alto. A definição que custo de
preservação intoleravelmente alto deve ser feita de acordo com o pensamento econômico padrão baseado principalmente na sustentação de níveis adequados de consumo das populações humanas.
A
ECONOMIA ECOLÓGICA
A partir de uma perspectiva ecológica-econômica da
biodiversidade como responsável pela oferta de serviços ecossistêmicos insubstituíveis e vitais, a formulação de políticas de gestão do recurso se torna bem mais
complicada. É preciso lidar de modo mais efetivo com
a incerteza e os riscos de perdas irreversíveis poten-
1
2
cialmente catastróficas. A incerteza na natureza decorre da complexidade dos ecossistemas, responsável por
sua resiliência, isto é, sua capacidade de resistência a
impactos adversos. A resiliência faz com que os ecossistemas reajam de forma não linear aos impactos que
sofrem até o ponto de ruptura, quando seu limiar de
resistência é ultrapassado, podendo resultar em sua degradação irreversível. Este fato ecológico básico de ecossistemas complexos torna ineficazes políticas ambientais baseadas nas reações dos agentes econômicos aos
impactos da degradação sobre seu nível de bem estar,
pois a evolução destes impactos não corresponde linearmente à evolução do grau de degradação ecossistêmica (ver Daly,H. and Farley,J.2004).
Nesta perspectiva, a biodiversidade tem de ser tratada com base num planejamento estratégico, onde o
risco de perdas irreversíveis seja minimizado através
do Princípio da Precaução (PP). Este princípio, pela primeira vez inscrito na constituição de um país (França),
prevê a tomada de decisão em meio à incerteza científica sobre os benefícios que trará determinado processo de desenvolvimento face aos custos envolvidos.
Quais os benefícios para o Brasil e para a humanidade
da preservação integral do que resta da floresta amazônica? Certamente muitos; possivelmente vitais. O
custo de oportunidade de sua preservação é inferior a
estes benefícios? Até onde é possível conciliar o dois?
A aplicação do PP não implica desconsiderar os custos que gera. No caso da Amazônia brasileira, implica
levar em conta as necessidades da população que lá se
encontra, avaliando o quanto seu atendimento exigiria
ainda uma expansão sobre a floresta primária. Neste
caso, a ciência e a tecnologia oferecem respostas bastante satisfatória que apontam para a formulação de uma
política de ocupação racional, sobretudo dos espaços já
apropriados, mas mal utilizados (Romeiro, 1999).
A grande dificuldade para a realização de um processo de avaliação estratégica deste tipo no Brasil e de
implementar as políticas recomendadas, reside no consenso quase explícito entre as forças político-econômicas dominantes de que a forma atual de expansão da
fronteira econômica na Amazônia não tem porque mu-
O problema maior da abordagem convencional é supor, em primeiro lugar, que os agentes econômicos individualmente são capazes de
avaliar corretamente os benefícios e custos em jogo e, em segundo lugar, supor que é possível revelar corretamente e agregar estas
preferências individuais sobre os benefícios ambientais através de uma métrica única monetária, de modo a tornar possível o cálculo do
valor presente destes através da utilização de uma taxa de desconto. Ver sobre este ponto Bromley,D.(1995)
Randall e Farmer (1995) consideram que a análise custo-benefício fornece uma boa idéia da satisfação das preferências humanas (individuais), mas admitem que há boas razões para se impor um padrão mínimo de salvaguarda (SMS), a menos que o custo disto seja intoleravelmente alto. A definição que custo de preservação intoleravelmente alto deve ser feita de acordo com o pensamento econômico padrão
baseado principalmente na sustentação de níveis adequados de consumo das populações humanas.
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Romeiro |
dar de modo substantivo. Para os agentes econômicos
mais influentes (e, em geral, mais predatórios) a opção
pela preservação implicaria perdas econômicas definitivas.
P ONTO
9
sustentabilidade com base nos quais será estimada a
escala aceitável de degradação ambiental num dado
momento (Romeiro, 2004). A questão central para esta
corrente de análise é, neste sentido, como fazer com
que a economia funcione considerando a existência destes limites.
DE CONVERGÊNCIA
Para as duas abordagens a valoração econômica dos
bens e serviços gerados pela biodiversidade, como os
da floresta amazônica, tem uma importância muito
grande. Em muitos casos estes valores mesmo representando uma pequena parte do valor potencial total
da biodiversidade, são superiores ao custo de oportunidade da preservação. Numa sociedade monetária eles
representam também um importante fator de conscientização ecológica.
Para a economia ecológica, entretanto, o desafio
maior reside na integração dos valores econômicos
assim obtidos com avaliações ecológicas de riscos de
perdas ecossistêmicas irreversíveis num sistema de avaliação ecológico-econômica multicritério. Este esforço
se faz necessário na medida em que se considera fundamental a noção de limites ecossistêmicos à expansão econômica e os riscos de perdas irreversíveis
potencialmente catastróficas.
O sistema econômico é entendido como um subsistema de um todo maior – o meio ambiente – que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão.
Capital e recursos naturais (capital natural) são essencialmente complementares. Juntamente com a valoração
econômica é fundamental a definição de indicadores de
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Bishop, R.C. 1978. Economics of endangered species. American
Journal of Agricultural Economics 60.
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A experiência com o uso dos instrumentos
econômicos na gestão ambiental
RONALDO SEROA DA MOTTA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Rio de Janeiro, Brasil.
e-mail: [email protected]
Embora a tributação ambiental ainda não seja um
mecanismo tributário utilizado no Brasil, existem experiências com diversos tipos de instrumentos econômicos ambientais precificados que podem oferecer
importantes elementos de análise. Os instrumentos
econômicos foram muitas vezes considerados como
substitutos potenciais para as abordagens comando-econtrole e que apresentariam fortes efeitos de incentivo para alcançar-se um nível socialmente desejado de
degradação. Entretanto, a experiência dos países da
OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde há uma vasta gama de aplicações,
mostra que a motivação principal foi de geração de receita. Mesmo nas iniciativas que apresentam propósitos de incentivo, não há muita evidência de que estes
venham a substituir a regulamentação direta enquanto
parte do processo para reduzir a intervenção governamental (OECD, 1994, 1995; Seroa da Motta et al., 1999).
Esta mesma realidade é observada no Brasil conforme
analisaremos a seguir.
A Tabela 1 apresenta sumariamente os mais importantes instrumentos econômicos atualmente implementados ou em discussão no Brasil. Como pode ser visto,
a maioria deles tem por objetivo a geração de receitas
ou a recuperação de custos associados a uma atividade
de gestão ambiental. Em suma, são instrumentos econômicos precificados para financiamento.
No que se refere aos royalties dos minerais ou compensações financeiras da geração hidrelétrica, nem
mesmo uma atividade de gestão ambiental está associada ao seu pagamento. O objetivo é o de apenas ressarcir perdas econômicas por uso de solo sem qualquer
relação ao impacto ambiental (estes pagamentos alcançam a magnitude anual de quase meio bilhão de reais).
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Entretanto, nos casos recentes, ainda em desenvolvimento, da cobrança da água, dos certificados de reserva legal e das florestas nacionais, um mecanismo de
correção de externalidade ou indução está presente.
No caso da água, para sua aprovação foi necessária uma
lei própria e sua aplicação não é compulsória, pois, somente seria implementada nas bacias hidrográficas que
instituírem seus próprios comitês de gestão e assim
decidirem pela cobrança. Dessa forma, a cobrança da
água não foi caracterizada como tributo, mas sim um
pagamento por serviços ou concessão (Seroa da Motta
et al., 2004). Atualmente, além desta cobrança pelo uso
do recurso hídrico, a legislação do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação consagrou o princípio do protetor-recebedor que dá direito a um ressarcimento por
parte dos usuários de água dos custos da proteção que
as unidades de conservação incorrem para a proteção
de mananciais sob sua jurisdição. Note que a cobrança
em bacias hidrográficas é relativa à escassez do recurso e compartilhada por todos os usuários, enquanto a
compensação às unidades de conservação representa
um pagamento pela produção de água.
As florestas produtivas para fins de extrativismo sustentável poderão tornar a terra mais escassa para fins
de conversão agropecuária regularizando os direitos
fundiários na exploração madeireira (Ferraz & Seroa da
Motta, 1998). Um instrumento que não se aplica com
um aumento de arrecadação e sim pela diferenciação
no rateio da sua receita é o ICMS verde. As taxas florestais, talvez, o instrumento econômico mais antigo no
país falhou na sua aplicação nacional como forma de
incentivo e financiamento ao reflorestamento quando
sua aplicação se tornou desatualizada e centralizada
no governo federal. Já no caso da taxa florestal de Mi-
Seroa da Motta |
11
TABELA 1 – Aplicação de Instrumentos Econômicos no Brasil.
INSTRUMENTOS
OBJETIVOS
SITUAÇÃO ATUAL
Compensação financeira devido a
exploração dos recursos naturais:
· Geração hidroelétrica
· Produção de óleo
· Mineral (exceto óleo)
· Totalmente implementada desde
1991.
· Compensação, não-tributária, baseada em percentual fixo das receitas brutas destas atividades para compensar municípios e estados onde
se realiza a produção e também as agências de
regulação.
Cobrança pelo uso da água em
bacias hidrográficas por volume e
conteúdo poluente:
· Bacias Hidrográficas
· Unidades de Conservação
· Lei 9433 de janeiro de 1997, em fase
de implementação na Bacia do rio
Paraíba do Sul;
· Previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação- Lei no 9.985/
2000 em fase de regulamentação.
· Cobrança (preço público) pelo uso da água para
financiamento de bacias hidrográficas e indução
do uso racional de recursos hídricos.
· Pagamento as Unidades de Conservação pela proteção de mananciais
Concessão de Florestas para
exploração sustentável de Madeira
· Projeto de lei em discussão no Congresso Nacional para definir os instrumentos de licitação, cobrança e
fiscalização das concessões.
· Permitir a exploração sustentável de madeira de
forma a criar valor agregado a floresta em pé.
Compensação fiscal por áreas de
preservação (ICMS Verde)
· Implementação iniciada desde 1992
em vários estados.
· Instrumento de rateio de um percentual receita
do ICMS para compensar municípios de acordo
com as restrições de uso do solo em áreas de
mananciais e de preservação florestal.
Taxas Florestais:
· Fundo Federal de Reposição Florestal pago por usuários sem atividades de reflorestamento
· Taxa de Serviço Florestal em Minas
Gerais pago por usuários de produtos florestais
· Implementado desde 1973;
· Parcialmente implementada desde
1968.
· Pagamento de taxa federal de acordo com volume de uso de recursos florestais para financiar
projetos de reflorestamento público.
· Pagamento de taxa estadual de acordo com volume de uso para financiar atividades do serviço
florestal do estado.
Certificados de Reserva Legal
· Em discussão na revisão do Código
Florestal.
· Criar um mercado de reserva legal (área mínima
protegida em propriedades particulares) que possa
aumentar o custo-efetividade deste mecanismo.
nas Gerais logrou-se não somente o financiamento do
Instituto Estadual de Florestas do Estado como induziu
a redução do uso de carvão vegetal. Os certificados de
direitos transacionáveis de áreas de reserva legal poderão ser a primeira experiência com direitos de uso
transacionáveis no país.
Vale mencionar também o caso do imposto territorial rural (ITR) incidente sobre propriedades rurais não
discriminado na Tabela 1. O ITR é um imposto cobrado
sobre a propriedade da terra e aumenta proporcionalmente em relação à área da propriedade que não está
sendo usada de forma produtiva. Em 1997 a regulamentação do cálculo do (ITR) em relação às áreas de florestas nativas foi modificada. Até então, as áreas de florestas nativas eram consideradas improdutivas, pois, nelas não existiam investimentos ou benfeitorias. Esta
discriminação estimulava a derrubada destas matas para
reduzir o valor do imposto a pagar. Com a nova regulamentação do ITR, as florestas nativas são agora consideradas produtivas e, portanto, não mais penalizam os
proprietários que as mantém. Para tal, o proprietário
deve registrar esta área como reserva particular ou de
preservação e caso ocorra a sua derrubada no futuro o
imposto devido será cobrado retroativamente (Seroa
da Motta, 1999, 2002).
Por fim, é importante notar que estes instrumentos econômicos existentes e em elaboração não são
ainda uma aplicação plena do princípio do usuário/
poluidor-pagador. Mesmo assim todos eles enfrentaram dificuldades legais e jurídicas para serem criados
e ainda enfrentam inúmeros obstáculos na sua regulamentação.
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12 | A experiência com o uso dos instrumentos econômicos na gestão ambiental
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFIC AS
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MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
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Instrumentos econômicos da nova proposta
para a gestão de florestas públicas no Brasil
TASSO REZENDE DE AZEVEDO1*
MARIA ALICE CORRÊA TOCANTINS2
1
Serviço Florestal Brasileiro, Ministério do Meio Ambiente, Brasília, Brasil.
Programa Nacional de Florestas, Ministério do Meio Ambiente, Brasília, Brasil.
* e-mail: [email protected]
2
I NTRODUÇÃO
O Brasil possui mais de 60% de suas florestas em áreas
públicas. No caso da Amazônia Legal 75% da área é pública e, descontando-se as áreas protegidas (Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Áreas Militares),
cerca de 42% da região são compostos por terras públicas não protegidas.
Historicamente as florestas públicas1, foram geridas
através de um mecanismo de privatização pelo qual se
entrega as terras às pessoas, por meio de documentos
de posse e titulação. As pessoas levam a floresta sem
qualquer ônus, muitas vezes justificando a posse pelo
desmatamento, decidem a forma de utilizá-la, não pagam pelo seu uso e, sequer se responsabilizam pela
sua manutenção.
A falta de regulamentação do acesso às florestas
públicas causa a sua ocupação ilegal, a depreciação, a
destruição e o seu corte raso sem gerar benefícios sociais, ambientais ou econômicos para a coletividade.
Adiciona-se ainda a este cenário a associação com a
prática de atos ilícitos, como grilagem, violência no
campo, trabalho escravo e outras violações dos direitos trabalhistas, evasão de impostos, extração ilegal de
madeira e lavagem de dinheiro.
Marco regulatório
A constituição de 1988 define o Estado como regulador da economia em vez de seu protagonista direto. O
artigo 21 estabelece quais as atividades que competem
à União, definindo que a gestão direta do Estado pode
acontecer apenas em algumas áreas estratégicas como
comunicação, energia nuclear, entre outras. Como floresta não se enquadra nestas categorias o poder público não pode atuar diretamente na produção florestal,
com exceção das unidades de conservação de uso sustentável. Nos casos da UC’s, o Ibama ou o órgão competente pela sua gestão pode realizar as atividades de
produção direta como parte das atribuições de gestão
para conservação dessas áreas.
Não podendo fazer a gestão direta das demais áreas
públicas de floresta, restavam ao Estado duas outras alternativas para promover o uso sustentável das florestas: privatizar as áreas, passando-as através da titulação
a entes privados, ou trabalhar a gestão indireta por meio
de mecanismos de cessão e concessão. A história tem
mostrado que a privatização, via de regra, leva ao desmatamento e, por isso, os países com extensa cobertura
florestal têm optado por manter suas áreas públicas de
floresta. Nesse contexto é que se insere a decisão do
Estado brasileiro por trabalhar a gestão indireta.
1 Florestas públicas, para os fins do disposto no Lei 11.284/2006, são florestas naturais ou plantadas, localizadas nos diversos biomas brasileiros,
em bens sob dominialidade da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
14 | Instrumentos econômicos da nova proposta para a gestão de florestas públicas no Brasil
Contratar com o Estado por meio de cessão ou
concessão exige o mecanismo da licitação, cuja lei pertinente – Lei 8.166 de 1993 – apresenta algumas limitações para o caso da gestão de florestas, especialmente
no que tange a prazos dos contratos (até cinco anos) e
critérios de seleção (regras de contratação baseadas em
preço e técnica, prejudicando os critérios ambientais e
sociais). O manejo da floresta requer prazos longos –
entre duas e quatro dezenas de anos – e critérios básicos de exploração sustentável: administração da floresta
para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e
ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema. Existia pois a necessidade de um
marco regulatório para gestão de florestas públicas –
da mesma forma como foi necessário para a gestão das
águas, recursos minerais, petróleo, energia elétrica e
comunicação.
L EI DE G ESTÃO DE F LORESTAS P ÚBLICAS –
11.284/2006
A Lei 11.284, sancionada em 03 de março de 2006,
vem responder a esse novo marco regulatório de acesso às florestas públicas.
Com o envolvimento de mais de 1.000 instituições
e da Comissão Nacional de Florestas – Conaflor2, o
então Projeto de Lei 4.776/05 (atual Lei 11.284/06)
foi encaminhado, em fevereiro de 2005, ao Congresso
Nacional e aprovado depois de receber mais de 150
emendas. O PL 4.776/05 foi convertido na Lei 11.284
e sancionado pelo Presidente da República em 03 de
março de 2006.
O seu processo de elaboração começou em dezembro de 2003, envolvendo um grupo de trabalho com
representantes do governo federal, governos estaduais,
ONGs, movimentos sociais, setor privado e instituições
de ensino e pesquisa. O grupo realizou estudos dos
sistemas de gestão de florestas públicas de dezenas de
países, bem como revisou a experiência brasileira com
regulação de diversos setores como petróleo, energia,
transportes, mineração, água e comunicação. As dis-
cussões culminaram em um seminário internacional,
sediado em Belém em 2004, e em audiências públicas
pelos Estados da Amazônia.
A Lei 11.284/06 tem como objetivos a regulamentação da gestão de florestas em áreas públicas (domínio
da União, dos estados e municípios), a criação do Serviço Florestal Brasileiro como órgão regulador da gestão e
promotor do desenvolvimento florestal sustentável e, a
criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal, voltado ao desenvolvimento tecnológico, promoção da assistência técnica e incentivos para o desenvolvimento florestal.
Três formas de gestão para a produção florestal
sustentável serão regulamentadas: (i) a criação de
unidades de conservação para a produção florestal sustentável, como exemplo as Florestas Nacionais; (ii) a
destinação, de forma não onerosa – sem pagamento,
para uso comunitário, como assentamentos florestais,
Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento
Sustentável, Projetos de Desenvolvimento Sustentável
– PDS; (iii) e, concessões florestais3 pagas, baseadas em
processo de licitação pública. O mecanismo de concessão só é aplicado em uma determinada região posteriormente à definição das unidades de conservação
e das áreas destinadas ao uso comunitário. Ainda, o
acesso da comunidade local aos produtos de uso tradicional, nas áreas que forem objeto de contrato de concessão, deve ser garantido.
O arranjo institucional definido na Lei 11.284 inclui:
o poder concedente, representado pela União, estados,
Distrito Federal e municípios, com a função de firmar
os contratos de concessão; o órgão gestor, representado pelo Serviço Florestal Brasileiro, na esfera federal e,
por órgãos do Distrito Federal, estados e municípios,
com a competência de disciplinar e conduzir o processo de outorga da concessão florestal; o órgão consultivo, representado em todas as esferas governamentais,
composto pelo poder público e sociedade civil, com a
finalidade de assessorar, avaliar e propor diretrizes à
gestão de florestas públicas; e, o órgão ambiental responsável por emissão de licenças, aprovação de planos
de manejo e fiscalização ambiental.
2 A Conaflor, estabelecida pelo Decreto Presidencial 4.864/2003 e, alterada por meio do Decreto 5.794/2006, tem o objetivo de propor e
avaliar medidas para o cumprimento dos princípios e diretrizes da política pública do setor florestal. É composta por 39 membros representando
o governo federal, governos estaduais, setor privado, ONGs, movimentos sociais, trabalhadores, pesquisadores e cientistas, estudantes e
profissionais florestais.
3 Concessão florestal é a delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração
de produtos e serviços numa Unidade de Manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do
respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Azevedo & Tocantins |
O Serviço Florestal Brasileiro – SFB – terá as funções
de atuar como órgão gerenciador do sistema de gestão
de florestas públicas, fomentar o desenvolvimento florestal sustentável no Brasil e, gerir o Fundo Nacional
de Desenvolvimento Florestal. Na concepção do arranjo institucional, o SFB é um órgão autônomo da administração direta, inserido na estrutura do Ministério do
Meio Ambiente. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF – será utilizado para promover o
fomento e o desenvolvimento tecnológico das atividades florestais sustentáveis, bem como atividades de
monitoramento das florestas públicas.
Os recursos financeiros oriundos dos preços da concessão florestal em terras da União, frutos da exploração de produtos e serviços florestais, serão depositados e movimentados exclusivamente por intermédio dos
mecanismos da Conta Única do Tesouro Nacional. Dos
recursos, até 30% serão destinados a cobrir o custo do
sistema de concessão, incluindo uma parcela ao Serviço Florestal Brasileiro (ou ao órgão gestor do Estado,
DF ou Município) e ao Ibama para empreender ações
de fiscalização; e, no mínimo 70% devem ser divididos
entre o Estado e o Município onde se localiza a floresta
pública e o FNDF, na proporção de 30%, 30% e 40%, respectivamente. No caso das Florestas Nacionais, a distribuição dos 70% se dá na proporção de 40% ao Ibama
como gestor da unidade de conservação e os 60% restantes divididos eqüitativamente entre estado, município e FNDF (20% cada).
Concessão florestal
As concessões florestais não implicam em qualquer direito de domínio ou posse sobre as áreas, mas apenas
autorizam o manejo para exploração de produtos – madeireiros e não madeireiros – e serviços da floresta. O
acesso aos recursos genéticos, à exploração dos recursos
minerais ou à outorga de água não são objeto de concessão e, o acesso não oneroso à pesquisa e à visitação
pública deve ser regulado em contrato de concessão.
A licitação definirá o concessionário com base nos
critérios de melhor preço, menor impacto ambiental,
maior benefício sócio-econômico, maior eficiência e
maior agregação de valor local. Os contratos de
15
concessão disporão os mecanismos de atualização de
preços dos produtos e serviços explorados e serão estabelecidos por prazos de até 40 anos, dependendo do
manejo a ser implementado.
Existem outras condições na Lei de Gestão de Florestas Públicas consideradas salvaguardas das concessões, quais sejam:
a) somente empresas e organizações constituídas sob
as leis brasileiras e com sede e administração no Brasil poderão ser habilitadas nas licitações;
b) nenhuma empresa poderá possuir mais de duas concessões por lote de concessão4;
c) será definido no Plano Anual de Outorga Florestal –
Paof 5, o qual estabelece anualmente, dentre outras
coisas, as áreas que poderão ser objeto de concessão – excluídas as destinadas a conservação e uso
comunitário – e, uma porcentagem máxima da área
que um concessionário, individualmente ou em consórcio, poderá deter sob contrato de concessão;
d) nos primeiros 10 anos de implantação do sistema de
gestão poderá ser concedido no máximo 20% da área
disponível para concessão, a fim de se garantir uma
fase de experiência e avaliação; esse percentual corresponde a cerca de 13 milhões de hectares ou 3%
da Amazônia;
e) ao final de 5 anos da aplicação da Lei será realizada
uma avaliação geral do sistema de concessões.
A fiscalização constitui uma inovação: além do Ibama,
que continuará fazendo a fiscalização ambiental da
implementação do Plano de Manejo Florestal Sustentável, o SFB fará a fiscalização do cumprimento dos contratos de concessão e, uma auditoria independente das
práticas florestais deverá ser realizada pelo menos a
cada três anos.
Aspectos econômicos da concessão florestal
Quanto aos resultados esperados, estima-se que em 10
anos, a área máxima sob concessão florestal onerosa,
de aproximadamente 13 milhões de hectares ou 3% da
área da Amazônia, perceba uma receita anual direta de
R$187 milhões e arrecadação de impostos da cadeia de
produção de R$1,9 bilhões anuais. Estima-se cerca de
140 mil empregos diretos gerados.
4 Lote de concessão é o conjunto de unidades de manejo a serem licitadas. Unidade de manejo é o perímetro definido a partir de critérios
técnicos, socioculturais, econômicos e ambientais, localizado em florestas públicas, objeto de um Plano de Manejo Florestal Sustentável –
PMFS, podendo conter áreas degradadas para fins de recuperação por meio de plantios florestais.
5 O Plano Anual de Outorga Florestal - Paof, proposto pelo órgão gestor e definido pelo poder concedente, é o documento que conterá a
descrição de todas as florestas públicas a serem submetidas a processos de concessão no ano em que vigorar (o Paof será submetido à
manifestação do órgão consultivo da respectiva esfera de governo).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
16 | Instrumentos econômicos da nova proposta para a gestão de florestas públicas no Brasil
O preço da concessão, ou o valor total do contrato
(VTC), que usufruirá de mecanismos de revisão contratualmente previstos, terá a composição descrita a
seguir.
PARCELA UM (P1) – Definida em edital, a P1 deve
cobrir os custos de realização do processo de licitação.
PARCELA DOIS (P2) – A P2 é o preço calculado em
função da quantidade de produto ou serviço auferido
do objeto da concessão ou do faturamento líquido ou
bruto, não podendo ser inferior a um mínimo expresso
em edital. Este mínimo tem que considerar aspectos
como: a maximização da concorrência, do uso múltiplo
e dos benefícios para a sociedade; a não competição de
forma desigual com o manejo em terras privadas e concessões não onerosas.
Mesmo a P2 sendo calculada em função do volume
de produto ou serviço explorado, haverá um valor mínimo anual (VMA) obrigatoriamente cobrado, independentemente da produção ou dos valores auferidos com
a exploração da concessão. Este VMA não pode ser superior a 30% da P2, assim, P2 > VMA, onde VMA ≤ 0,3P2.
O artifício do VMA visa proteger o poder concedente
contra imprevistos vivenciados pelo concessionário e,
visa também evitar a especulação imobiliária com a área
sob contrato. O limite de 30% busca não onerar excessivamente o concessionário a ponto de o negócio se
tornar inviável economicamente no caso de imprevisto. O valor de 30% é calculado com base nos valores
dados na proposta vencedora do processo licitatório,
multiplicados pelo volumes previstos de exploração.
PARCELA 3 (P3) – A P3 representa os investimentos
obrigatórios do concessionário previstos em contrato.
Então, o preço da concessão terá a equação:
VTC = P1 + Σ1n (P2) + P3, em que:
VTC = valor total do contrato de concessão;
P1 = parcela referente aos custos do processo de licitação;
P2 = parcela referente à quantidade de produtos e
serviços explorados;
P3 = parcela referente a investimentos obrigatórios;
Σ1n = significa uma gama de produtos e serviços: produto 1 a n (número infinito de produtos).
Algumas características da atividade florestal fazem
o preço da concessão dinâmico e merecedor de cuidados relativos ao seu ajuste. O preço da concessão, a
fim de ser competitivo, deve representar o valor de
mercado do produto ou serviço explorado. O valor de
mercado é calculado em função de variáveis como o
custo do manejo florestal, o valor do produto na floresta (madeira em pé, por exemplo) e no mercado, a ofer-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
ta de madeira de fontes manejadas e não manejadas, a
oferta de infra-estrutura, etc.. Esta é uma questão seguramente das mais importantes, pois deve-se garantir
que o preço da concessão seja compatível com o do
mercado. O concessionário tende a ter vantagens, como
a eliminação do risco fundiário e a inexistência do custo da terra. Ele, entretanto, incorre em custos que o
mercado não incorpora, como os investimentos obrigatórios que, ao fim do contrato de concessão, permanecem agregados ao Estado. O privado, não sujeito à
concessão, por sua vez, incorre no custo da terra, mas
não nos custos dos investimentos exigidos ao concessionário. O equilíbrio entre essas vantagens e esses
custos do concessionário e do privado, aliado a outros
fatores, viabilizarão a compatibilidade entre o preço da
concessão e o do mercado. Com certeza os primeiros
casos de concessão serão importantes balizadores na
busca desse equilíbrio.
Os outros fatores aliados na adequação do novo sistema vigente – o das concessões – devem se traduzir
em ações políticas que envolvam eficazes instrumentos econômicos de incentivo e de comando e controle.
O zoneamento ecológico-econômico, o ordenamento
territorial, regras claras das normas que regem as atividades florestais no Brasil, o combate ao desmatamento, dentre outras ações, são complementares a uma
eficiente estruturação de preço de concessão compatível ao de mercado.
Um cenário ótimo para a concessão florestal se define quando o “valor de mercado” dos produtos e serviços da floresta é maior ou igual ao seu “valor sob a
concessão”, isto é, maior ou igual ao “valor do custo
do sistema de concessão somado à expectativa de
benefício para a sociedade”. Quando o “valor de mercado” for menor que o “custo do sistema mais a expectativa de benefício”, não se justifica fazer a concessão.
Esta equação deve incluir, no tocante às expectativas
de benefícios da sociedade, os outros usos que a floresta teria caso não estivesse sob concessão. Em outras palavras, deve-se calcular o custo de oportunidade
do uso da floresta para verificar a magnitude dos benefícios líquidos para a sociedade.
Como os produtos madeireiros e não madeireiros e os
serviços ambientais da floresta não são “commodities”,
portanto não padronizados, novos produtos e serviços
podem surgir no decorrer do contrato de concessão.
Por isso o contrato deve incluir, durante a sua vigência,
mecanismos de inserção de novos produtos. O concessionário da floresta mediante o seu uso múltiplo pode,
se previsto como objeto de concessão, obter renda da
exploração de atividade madeireira, não madeireira e
Azevedo & Tocantins |
serviço, como é o caso do turismo e da comercialização
de créditos de carbono de reflorestamento de áreas
degradadas ou convertidas para uso alternativo do solo.
Igualmente importante na Lei 11.284/06 é a previsão
do fomento às atividades florestais sustentáveis, via
o FNDF e o SFB, promovendo mecanismos de financiamento, incentivos econômicos, assistência técnica e pesquisa. Os direitos emergentes da concessão, ou seja, a
exploração de produtos e serviços sob condições previstas em contrato, podem ser utilizados como garantia para
contratos de financiamento, possibilitando a alavancagem do crédito florestal e permitindo o acesso à concessão florestal aos pequenos e médios produtores.
C ONSIDERAÇÕES
FINAIS
A floresta amazônica, que teve uma redução de 17%
do seu tamanho em 30 anos, emprega aproximadamente 400 mil pessoas na atividade madeireira. Há na
região muitos que querem empreender as atividades
florestais de forma legal e sustentável, mediante planos de manejo aprovados. Antes do advento da Lei
11.284/06, entretanto, para aprovar o plano de manejo
era necessária a titulação da terra, inviabilizando a exploração face à grande indefinição da questão fundiária
na região. A Lei de Gestão de Florestas Públicas, sancionada em março último, veio suprir essa lacuna: ela
permite que a atividade florestal sustentável seja empreendida mediante o instrumento da concessão de
áreas de floresta, sem qualquer forma de titulação.
A concessão, que veda a outorga de qualquer direito
de titularidade imobiliária, será feita somente após a
destinação da floresta pública a comunidades e unidades de conservação.
Os beneficiários do novo sistema de gestão de florestas públicas serão as comunidades locais que vivem
dos produtos da floresta, que querem participar da dinâmica econômica regional, formalizando a sua entrada no mercado, ampliando o uso múltiplo e usufruindo
da condição não onerosa. Serão também beneficiários
os empreendedores privados que preferem não comprar áreas e que querem explorar a atividade florestal
de forma legal, a fim de que possam acessar crédito,
exportar, buscar certificação, dentre outras benesses
usufruídas pelos que executam atividades sustentáveis.
Com a geração de emprego e renda e, com a garantia
da posse do patrimônio natural, evidencia-se o governo como o outro grande beneficiário do sistema de
17
gestão de florestas, cujos rendimentos deverão ser destinados a assistência técnica e extensão, pesquisa, recuperação de áreas degradadas com espécies nativas,
dentre outras ações de fomento.
A redução dos índices de desmatamento é esperada
na medida em que o novo sistema de gestão identifica
os atores da economia florestal, cria novas instâncias
de monitoramento e participação social e prevê a inclusão de algumas penas severas na Lei de Crimes Ambientais. Além disso, quem explorar a floresta por meio
da concessão não terá interesse algum em desmatar a
área, pois não poderá repassá-la a empreendedores que,
como ocorre hoje, precisam de campos abertos para a
pecuária. Sabe-se, entretanto, que o novo sistema, sozinho, não será completamente eficaz, requerendo
ações complementares de política pública, como o
zoneamento, o ordenamento do avanço de obras de
infra-estrutura, a implantação de unidades de conservação em áreas com grande importância biológica e sob
forte pressão antrópica, dentre tantas outras.
Um novo ânimo à economia florestal sustentável, correção de assimetrias regionais de desenvolvimento, proteção dos direitos indígenas e das comunidades locais
e, a interrupção do trágico ciclo histórico do desmatamento são alguns dos resultados esperados o advento
da Lei 11.284/06, de Gestão de Florestas Públicas.
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A eMergia como indicador de valor para a
análise econômica-ecológica
PAULO ANTONIO DE ALMEIDA SINISGALLI
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH-USP, São Paulo, Brasil
e-mai: [email protected]
RESUMO
Este artigo aborda a temática da valoração ambiental sob o ponto de vista da Economia Ecológica ou, mais especificamente, de uma de suas linhas teóricas – a Ecologia de Sistemas ou
Análise eMergética. Entende-se que a valoração ambiental é um pressuposto básico para a
discussão sobre sustentabilidade. O artigo traz uma análise histórica da Ecologia de Sistemas,
mostrando o papel da energia na evolução do conceito de eMergia e como este pode ser
considerado um indicador de valor. São apresentadas algumas críticas ao conceito, mas reforça-se, ao final, a importância deste indicador para a valoração ambiental dentro dos conceitos
da Economia Ecológica.
ABSTRACT
This article discusses environmental valuation according to Systems Ecology, considered as a branch
of Ecological Economics. Systems Ecology uses matter and energy fluxes to determine environmental
values. Environmental valuation is considered here as one important element for the discussion
about sustainability. This article analyses Systems Ecology through a historical perspective, showing
the role of the energy in the concept of eMergy as a value indicator. We also discuss some criticisms
concerning this concept, but show its importance for environmental valuation within Ecological
Economics.
I NTRODUÇÃO
Apesar da grande influência nos meios acadêmicos
na segunda metade do século XIX, a linha energética
de pesquisa – ligada ao estudo do meio – retomou
sua importância apenas na década de sessenta e, principalmente, após 1973 com a influência da crise energética mundial, advinda do aumento no preço do petróleo, restringindo a disponibilidade deste recurso
fundamental para a sociedade atual.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Segundo Martinez-Alier (1994), as descobertas da
ciência do final do século XIX, tais como as leis da
termodinâmica – desenvolvidas para propiciar o entendimento do funcionamento da máquina a vapor –
e a teoria evolucionista, proposta por Charles Darwin,
contribuíram de forma definitiva para o desenvolvimento de linhas de pesquisa, tanto na física como na
biologia, alicerçadas na questão energética, preocupadas tanto com a sua disponibilidade quanto com
sua aplicação.
Sinisgalli |
Diversos cientistas têm procurado analisar o sistema econômico com base em pressupostos físicos e biológicos, cujo expoente foi o economista romeno Nicolas Georgescu-Roegen e seu livro seminal “The Entropy
Law and the Economic Process” (1971). De acordo com
Amazonas (2001), a esta abordagem deu-se a denominação de bioeconomia, que posteriormente desembocou na Economia Ecológica.
A economia ecológica é uma vertente que procura
analisar o funcionamento do sistema econômico firmada em pressupostos físicos e biológicos. Segundo a
definição, “economia ecológica é uma abordagem
transdisciplinar que contempla toda a gama de interrelacionamento entre os sistemas econômico e ecológico” (Costanza, 1991). A economia ecológica procura integrar estes dois sistemas na investigação de um conceito novo, abarcando estas duas disciplinas. Segundo este
mesmo autor (Costanza, 1994), esta nova visão incorpora as noções de espaço, tempo e das partes do sistema a
serem estudadas, permitindo uma abrangência maior.
As relações entre o processo econômico e as leis da
física, sob o ponto de vista desta última, reduzem-se à
noção entre a entrada de recursos naturais que são
transformados, via uso de energia, em produtos, gerando rejeitos e calor. Pode-se entender que o processo econômico tem um sentido único: da transformação
de recursos naturais de baixa entropia em produtos e
resíduos de alta entropia. Segundo Amazonas (2001:92),
“a entropia é um conceito integrador da análise da
interação entre a dinâmica ambiental e a econômica”.
De acordo com Ayres(1998, 1999, 2004), a entropia
pode ser entendida de três formas distintas na sua
relação temporal: (a) em um período extremamente longo, há o entendimento que a entropia representa o equilíbrio dentro de um nível mínimo de organização, ou
melhor, no caos, ou mesmo, fim do calor (heat death);
(b) em um período intermediário, representa o sentido, ou a flecha, do tempo; (c) no período de uma geração, a energia solar de baixa entropia é constante,
porém os recursos naturais de baixa entropia, empregados no processo econômico industrial, sofrem
depleção.
A valoração eMergética parte de princípios físicos
e biológicos para o estabelecimento de uma moeda
comum, capaz de ser aplicada na avaliação tanto de
sistemas naturais como de sistemas construídos. Esta
1
19
metodologia de valoração ambiental alicerça-se na
Ecologia de Sistemas, que pode ser considerada uma
linha de pesquisa vinculada à Economia Ecológica. Através de uma conceituação própria, procura valorar os
recursos naturais na forma de eMergia, buscando uma
forma de integração entre a ecologia e a economia. É
uma alternativa à valoração baseada em princípios da
economia neoclássica. Essa abordagem possibilita o
ordenamento das informações e fluxos de um sistema,
através da linguagem energética e materiais, de modo
a vislumbrar os elementos e suas interações e, principalmente, quantificá-los (em unidades eMergéticas).
BREVE
HISTÓRIA DO CONCEITO E M ERGÉTICO
Foi em 1896, na Academia Imperial de Ciências de Viena, que Ludwig Boltzman (1844 – 1906) pronunciou que
a “luta pela vida” travava-se no campo da luta pela disponibilidade energética, isto é, que o sucesso de todas
as espécies, assim como a humana, poderia ser analisado em termos de aprendizado do uso das fontes energéticas. Este autor influenciou diretamente Lotka que
por sua vez foi a base teórica da Ecologia de Sistemas,
proposta por H.Odum. O conceito, introduzido por
Boltzman, é o primeiro que procura relacionar as leis
termodinâmicas com a evolução das espécies (apud
Martinez-Alier, 1994)1.
No fim do século XIX e início do XX, Wilhelm Ostwald
(1853 – 1932) postulou que todas as transformações
energéticas possíveis estavam associadas à transformação máxima em um dado período de tempo (Odum,
1994). Este autor também deu inspiração a Lotka, que
estabeleceu os princípios que motivaram Odum e
Pinkerton (1955) a propor seus postulados. Em 1909,
Ostwald (op.cit.) descreveu que a história da humanidade estava vinculada ao crescimento na disponibilidade
de energia, conforme o princípio enunciado acima. Entretanto, este pesquisador não desenvolveu nenhuma
experiência empírica sobre como as sociedades se adaptaram ao fluxo de energia disponível, e de como teria
sido o processo de transformação tendo em vista a
ampliação deste fluxo e, conseqüentemente, o progresso.
O princípio clássico que correlaciona energia e a teoria da evolução – proposta por Charles Darwin, com
base na seleção natural – foi elaborado por Alfred Lotka
Nesta mesma época, fim do século XIX, a idéia de que os organismos na natureza estavam interligados entre si, formando uma rede, estava
presente nos meios acadêmicos, podendo ser identificada no clássico ensaio de Stephen Forbes, de 1887, denominado de “The Lake as a
Microcosm“. Esta idéia foi importante para o desenvolvimento do conceito de cadeia alimentar, que possui uma íntima relação com o fluxo
de energia (Odum, 1968).
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20 | A eMergia como indicador de valor para a análise econômica-ecológica
(1880 - 1949). Em 1925, Lotka postulou a existência da
relação direta entre as leis da termodinâmica e a evolução das espécies. Segundo este pesquisador, todo o
excedente de energia disponível que fosse utilizado de
forma adequada por qualquer espécie, na sua reprodução, representaria vantagens adaptativas que possibilitariam a ampliação de sua população. Entende-se aqui
por excedente de energia disponível, aquela presente
no sistema que não está sendo empregada por nenhum
dos componentes do mesmo, ou seja, a energia que
possui potencial de utilização, mas que não foi devidamente apropriada por qualquer população. Esta formulação estipulou como teoria da evolução o sucesso
reprodutivo das espécies, que, por sua vez, é baseada
na lei de energia máxima ou fluxo máximo de energia
em sistemas biológicos (apud Martinez-Alier, 1994;
Odum, 1988a).
A teoria de H.T. Odum e Pinkerton, de 1955, postulava que a baixa eficiência da natureza em transferir energia é uma conseqüência da tendência à maximização
da potência de saída do sistema, ao invés da eficiência
máxima da utilização da energia em si. Segundo estes
autores (op.cit), o Princípio da Máxima Potência é
distinto da máxima eficiência do sistema, que é um conceito econômico. Esse princípio fundamenta-se na
observação dos sistemas naturais, onde aqueles que
persistem são organizados de maneira a garantir o
maior retorno da energia para si, aplicando essa energia na retroalimentação e, conseqüentemente, reintroduzir mais energia, reforçando o processo (apud Odum,
1968; Odum, 1994).
A lei de energia máxima, ou fluxo máximo de energia em sistemas biológicos, estabelecida por Lotka
(op.cit.), foi extremamente útil nas formulações gerais
de auto-organização dos sistemas (Odum, 1994). Esta
lei também forneceu elementos para o desenvolvimento de outros postulados, ampliando o conceito inicial,
como aquele proposto por Margalef, em 1963, da maximização de biomassa, ou mesmo, da taxa reprodutiva
proposta por Wilson em 1968; do fluxo mínimo de energia direcionado pela menor taxa de geração de entropia
de Ilia Prigogine, em 1946 e 1947; ou de outros princípios associados como máxima entropia estrutural,
máximo retorno, eficiência máxima e estabilidade má-
2
3
xima. (apud Odum, 1994).
H.T. Odum e E.P. Odum demonstraram que as regras
gerais mais importantes dos ecossistemas poderiam ser
deduzidas através das medidas do metabolismo de uma
comunidade, sem a necessidade de informações detalhadas sobre todos os componentes de sua população.
Estes pesquisadores também foram os responsáveis pela
introdução do diagrama de fluxo de energia, derivado
da física e engenharia, o qual aprimorou-se ao longo
dos anos (Odum, 1968).
Como descrito anteriormente, H.T. Odum e Pinkerton,
em 1955, foram uns dos primeiros a descrever que a
sucessão ecológica envolvia mudanças fundamentais
nos padrões de fluxo de energia. Segundo estes pesquisadores, quando um ecossistema tende para uma
situação Clímax2 (maturidade), a razão entre produtividade e respiração aproxima-se de um (1), e a relação
entre biomassa e produtividade, que pode ser associada com a respiração, cresce. Este fato demonstraria,
segundo estes autores, que o ecossistema otimiza sua
estrutura, tanto mais quanto o fluxo de energia disponível, em contrapartida à idéia de o ecossistema
maximizar a eficiência na produção (Odum, 1968). Estes conceitos serviram de subsídio para a generalização posterior nas análises dos ecossistemas, uma vez
que mostravam haver um evidente padrão de comportamento dos mesmos, alicerçado principalmente no fluxo de energia.
E COLOGIA
DE SISTEMAS
A metodologia denominada Ecologia de Sistemas pode
ser considerada uma linha de pesquisa vinculada à Economia Ecológica que, através de uma conceituação própria, procura valorar os recursos naturais, buscando uma
forma de integração entre a ecologia e a economia. É
uma alternativa à valoração baseada em princípios da
economia neoclássica.
Segundo Rohde (1995), a ecologia de sistemas, ou
ecologia energética está fundamentada em conceitos
cibernéticos3 e sistêmicos, que tem como base a “quantidade de energia multiplicada por uma transformidade que se relaciona com a quantidade de energia em
Ponto definido onde a comunidade se encontra estável numa etapa do desenvolvimento (sere), em equilíbrio dentro de si mesma e com o
ambiente físico (Odum, 1988a).
Os ecossistemas, além dos fluxos de energia e de materiais, possuem redes de informações, relacionados aos fluxos de comunicação físicos
e químicos, que integram todas as partes e governam e regulam o sistema como um todo. Com base nesta observação, os ecossistemas
podem ser considerados cibernéticos, possuindo as características necessárias para esta definição: rede de informação, retroalimentação,
regulação e estabilidade (Odum, 1988a e Patten & Odum, 1981).
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questão”. Esta metodologia sistêmica, inicialmente era
empregada em estudos de ecossistemas naturais e, posteriormente, passaram a incorporar as atividades humanas e suas conseqüências sobre o meio. Segundo
este mesmo autor, esta abordagem “oferece subsídios
revolucionários no sentido de uma correta avaliação dos
valores atribuídos a processos e recursos naturais” (op.
cit.:45).
A Ecologia de Sistemas surgiu da aplicação da Teoria
de Sistemas na Ecologia. Esta linha de pesquisa estuda
os ecossistemas de forma global e integrada, definindo, através de símbolos, os componentes e fluxos mais
relevantes para analisar o comportamento do sistema
como um todo (H.T. Odum, 1994).
Segundo E. Odum (1968), a energia é o fator limitante
mais relevante para um ecossistema. O conceito de fluxo de energia proporciona não somente uma avaliação
relativa de cada componente dentro do sistema, mas
também meios para comparar diversos ecossistemas.
Os fluxos de materiais e de energia são quantificados
e avaliados através de conceitos como eMergia e Transformidade que objetivam mensurar, respectivamente,
a energia necessária para gerar um fluxo ou armazenamento energético, e para a produção de outro tipo de
energia. Ainda, podem-se aplicar indicadores específicos para avaliar a relação entre a energia que entra e
sai de um sistema definido, permitindo observar o grau
de pressão que uma determinada atividade pode exercer sobre o meio ambiente, ou mesmo avaliar o custobenefício em termos eMergéticos. De forma simplificada, esta metodologia procura obter a história energética de cada elemento que entra na composição do
produto, traduzindo os diversos componentes como
materiais e energia em uma mesma linguagem, possibilitando sua comparação e integração.
V ALOR E MERGÉTICO
O desenho de um ecossistema típico representa uma
rede de fluxo de energia e de processos de transformação, ao longo do qual a energia é degradada e dispersa, gerando menor quantidade de energia de alta qualidade. Este diagrama de processo – relacionado com o
nível hierárquico do sistema – mostra que grandes fluxos de energia de baixa qualidade são convertidos e
transformados em pequenos volumes de tipos de energia de alta qualidade.
Estas idéias vão ao encontro dos pressupostos de
Georgescu-Roeguen e Herman Daly, que, dentro do processo econômico, existe uma cadeia hierárquica defini-
21
da pelo aumento crescente de entropia, através dos
resíduos e calor, acrescido da qualidade da energia nos
produtos gerados. Pode-se pensar como memória energética, ou energia incorporada ou embodied energy, a
energia necessária para a produção de um bem de consumo, que H.T.Odum denominou de eMergia. Esta memória energética, sob o aspecto econômico, corresponde a toda e qualquer forma de energia transformada
para gerar um bem ou serviço (ou seja, toda a energia
que entra na cadeia produtiva de um determinado produto). Neste sentido, a energia incorporada ou memória energética, ou melhor, eMergia corresponde a uma
medida de valor, mais precisamente a uma medida de
valor-energia (Amazonas, 2001).
O conceito de eMergia passou por uma evolução,
procurando a melhor forma de quantificar e definir a
energia dentro dos sistemas. Entre os anos de 1967 e
1971, os tipos de energia de alta qualidade eram expressos em unidades de matéria orgânica (base seca)
incluindo madeira, carvão, gás natural e biomassa. No
período de 1973 e 1980, as quantidades energéticas de
plantas, madeiras e combustíveis fósseis foram diferenciadas. Os cálculos e comparações eram feitos com base
em combustíveis fósseis, como o carvão. Entre os anos
de 1980 e 1982, estudos reconheceram a contribuição
dos fenômenos atmosféricos, como a chuva, o vento e
as ondas como expressões da energia solar para a produtividade terrestre. A partir de 1983, há o reconhecimento que a eMergia Solar representa uma base adequada para a representação dos processos globais de
transformação. Antes de 1983, eMergia era denominada de “energia incorporada” e Transformidade em “razão de transformação energética” ou “fator de qualidade” (Odum,1996).
Para se fazer uma análise eMergética integrada, era
necessário que os diversos tipos de energia fossem colocados em mesma base, e concomitantemente, deveria ser pensado como transformar os diferentes recursos materiais na forma de eMergia. Os conceitos de
eMergia e o da Transformidade permitiram não somente transformar os diversos tipos de energia, tendo como
pressuposto a qualidade energética, em uma única expressão, mas também transformar os recursos materiais empregados em termos de energia equivalente necessária para a sua formação. Observa-se que através
destes dois conceitos pode-se fazer a correspondência
entre os diferentes tipos de energia e matéria (transformidade) em um outro tipo de energia, ou melhor,
eMergia.
Segundo Odum (1996, p.7) “Emergy is the available
energy of one kind of previously user up directly and inderectly
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22 | A eMergia como indicador de valor para a análise econômica-ecológica
to make service or product”, ou seja, é a energia necessária na transformação para gerar um fluxo ou armazenamento. Esta eMergia está diretamente associada à
fonte primária de energia que é o sol, sendo denominada de eMergia Solar.
Existe uma relação de proporcionalidade entre energia e eMergia, ou seja, quando o armazenamento
energético é constante, o mesmo ocorre com a quantidade de eMergia, e quando há um declínio esta relação
direta se mantém, com a devida proporcionalidade
(Odum, 1996).
A Transformidade é definida como a quantidade de
energia de um determinado tipo necessária para gerar
a unidade de energia de outro tipo, ou seja, Transformidade é a eMergia por unidade de energia. De acordo
com Odum (1996, p.10) “Solar Transformity is the solar
Emergy required to make one joule of a service or product “.
Segundo este mesmo autor (op.cit.), a Transformidade
é maior quanto mais energia de transformação é requerida para gerar o produto.
Estes dois conceitos – Emergia e Transformidade –
representam a adequação necessária da qualidade de
energia que flui em um sistema, possibilitando a integração dos diversos componentes em uma base comum
(Odum, 1988b). É importante destacar que, dentro de
um processo de transformação, a energia decresce e
eMergia aumenta (Odum, 1996).
Dentro do processo de transformação energética, é
necessária uma grande quantidade de energia de baixa
qualidade (solar) para gerar energia de alta qualidade,
como, por exemplo, combustível fóssil. Portanto, para
comparar diferentes formas de energia e matéria são
necessários cálculos de transformação, que convertem
estes elementos em uma “moeda comum”. Esta moeda
foi definida com base na fonte primária de energia, que
é a luz solar, e denominada como Joules de Energia Solar
(em inglês, Solar Energy).
te. Entretanto, nos sistemas econômicos, a matéria exerce um papel fundamental como fonte de recursos e
despejos, isto é, ela também representa um fluxo (Amazonas,2001).
Georgescu-Roegen critica o dogma energético da
ecologia de sistemas, pois entende que o fator limitante
não é a energia, mas sim a impossibilidade da reciclagem contínua de matéria, pois todo o processo de
transformação é um processo entrópico, que, no limite, acaba gerando resíduo em um espaço finito, como a
terra.
Outro ponto levantado contra o modelo eMergético
recai sobre a incerteza das medidas de transformação
dos diversos recursos e serviços ambientais na forma
de eMergia, pois não se conhece todos os processos
envolvidos desde a formação inicial dos materiais,
sendo questionável a memória energética de cada
elemento. Em outras palavras, a Transformidade de
cada material, teoricamente, deveria apresentar uma
grande variabilidade, pois está intrinsecamente ligada à
cadeia de eventos para a sua formação. Entretanto, este
fato não é observado nas tabelas expressas de transformidade.
A crítica mais relevante vem também do caráter circular dos conceitos de eMergia e Transformidade. A
eMergia de um determinado produto ou serviço é obtida a partir da transformação, e soma, de todos os elementos presentes na sua formação, ou seja, toda a
memória de matéria e energia aplicada na sua formação é transformada em um única “moeda”, definida
como Solar emJoule. A transformidade deste produto
ou serviço, por sua vez, é obtida através da relação da
eMergia Total, que foi empregada no processo, dividida pela energia gerada no processo (Brown & Ulgiati,
2004). No extremo, para cada elemento, a transformidade é obtida pela eMergia, que depende da transformidade deste mesmo elemento.
C RÍTICAS
C ONSIDERAÇÕES
AO VALOR E M ERGÉTICO
As críticas sobre a valoração eMergética vêm, principalmente, da assunção que a energia é a base de todo
o funcionamento do sistema, sendo também o seu denominador comum, enquanto o papel da matéria é secundário. Para a ecologia de sistemas, a energia entra e
sai do sistema, conservativamente, de acordo com as
leis da termodinâmica, sendo a matéria mantida em circuito fechado dentro do sistema, ou seja, dá à energia
o papel fundamental, como em ecossistemas naturais,
onde a matéria é passível de reciclagem indefinidamen-
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FINAIS
A corrente com viés energeticista dentro da Economia Ecológica, como menciona Amazonas (2001), que,
partindo do conhecimento do funcionamento dos
ecossistemas naturais, extrapolou a noção para a
economia, que prima pela função preponderante da
energia na organização destes dois sistemas, define o
valor dos recursos e serviços ambientais com critérios objetivos, determinados por leis físicas, sem as
mazelas subjetivas das preferências individuais da Economia Ambiental.
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Esta vertente prega o princípio da máxima potência
que está baseado no sentido do melhor aproveitamento da energia disponível para a estruturação do
ecossistema, que é bastante distinto da eficiência econômica, e tem, por denominador comum, a energia.
Em outras palavras, para a Ecologia de Sistemas, ou
análise eMergética, que alguns autores consideram uma
vertente da Economia-Ecológica, o valor energia é transformado em valor eMergia, incorporando a qualidade
da energia ao longo do processo hierárquico de transformação para a geração de um produto, sendo um indicador de valor mais apropriado para o estudo das
relações ecossistêmicas e econômicas.
R EFERÊNCIAS
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A valoração ambiental como ferramenta de
gestão em unidades de conservação:
há convergência de valores para o bioma
Mata Atlântica?
ANA LUCIA CAMPHORA*
PETER HERMAN MAY
Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CDPA, UFRRJ, Rio de Janeiro, Brasil.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo focaliza uma coletânea de 11 estudos de valoração ambiental realizados no período entre 1994 e 2003, que enfocaram unidades de conservação da Mata Atlântica. Identificamos neste acervo opções metodológicas e abordagens dirigidas às políticas públicas de áreas
protegidas, para um possível aprimoramento do uso de ferramentas econômicas, contribuindo, com reflexões sobre a atribuição de valor aos serviços ecossistêmicos.
A partir de uma apresentação sintética desses estudos, evidenciamos os campos de investigação, métodos aplicados, atributos valorados e valores estimados. O panorama exposto vem
contribuir para um maior reconhecimento dos critérios sócio-econômicos considerados para
o planejamento e execução de políticas públicas dirigidas para a conservação dos ecossistemas do bioma. O alcance e a variedade dessas contribuições apontam para a ampliação do
campo de reflexão social e do debate técnico relacionados a critérios ambientais, econômicos
e metodológicos que fundamentam os estudos de valoração ambiental. Reconhecemos significativas lacunas a serem preenchidas nos estudos de valoração ambiental que enfocam os
contextos das unidades de conservação. Outras conclusões que destacamos referem-se à pouca ousadia na elaboração dos cenários de análise e à tendência de opção metodológica pela
construção de mercados hipotéticos e a elicitação de disposição à pagar (valoração contingente e custo de viagem).
Considera-se relevante, a partir da análise desses estudos, a possibilidade de situar convergência dos valores estimados por hectare do bioma, através das diferentes metodologias aplicadas. Para propiciar este exame, os valores estimados foram equiparados por um critério
comum, relacionando os valores totais ou expandidos obtidos em cada estudo pelo número
de hectares de cada uma das respectivas unidades de conservação analisadas. Esses resultados são apresentados em tabela para discussão final. O alinhamento dos valores identificados
sustenta nossas reflexões finais acerca das implicações a serem consideradas para buscar possível convergência dos valores atribuídos ao hectare de área protegida do bioma.
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ABSTRACT
This article compares the results of 11 environmental valuation studies carried out over the period
1994-2003 focused on protected areas in Brazil’s Atlantic Forest biome. In the studies gathered in
this collection, we identified the methodologies adopted as grounds for a possible improvement in
the use of economic instruments for protected area policy so as to incorporate valuation of ecosystem
services.
Through a synthesis of each case studies reviewed, we describe the fields of inquiry adopted,
methods and values attributed. This panorama enables recognition of socio-economic criteria to
be considered in planning and execution of public policies directed toward conservation of
ecosystems in this biome. The range and variation of these contributions suggest the need to
amplify social considerations in technical discussions regarding environment, economic and
methodological criteria for economic valuation studies. Significant gaps remain to be filled in
environmental valuation studies focused on protected areas. There reigns a general lack of creativity
in the definition of analytical scenarios and in the trend toward nearly exclusive use of hypothetical
markets and willingness-to-pay techniques (contingent valuation and travel cost studies).
Based on our analysis of these studies, we identify the prospect for convergence of values estimated
per hectare in the biome, despite the different methodologies applied in different local contexts.
To examine this issue, estimated values are totaled or expanded for each conservation unit and
divided by their physical area. The results are presented in a final table for discussion. The alignment
of the identified values supports our reflections concerning the implications of seeking a possible
convergence of values attributed by society to the protection of biodiversity in the Atlantic Forest.
I NTRODUÇÃO
A abordagem sócio-econômica aplicada à conservação
da diversidade biológica considera cenários nos quais
a pluralidade dos fatores tangíveis e intangíveis associados exige avaliações detalhadas sobre critérios de análise e escolha de ferramentas adequadas. Este artigo
traz reflexões e comentários, visando a contribuir para
o aprimoramento do uso de instrumentos de valoração
ambiental, considerando estudos que focalizaram, como
campo de análise, unidades de conservação localizadas no bioma da Mata Atlântica.
As bases que subsidiaram este trabalho encontramse no relatório ‘Valoração Econômica dos Recursos Naturais da Mata Atlântica: o Estado da Arte’ (May, 2005),
realizado por solicitação da Fundação SOS Mata Atlântica, por ocasião do 18° aniversário da instituição. Neste estudo, consideramos tanto a diversidade dos objetos de valoração, como limitações na aplicação dos resultados obtidos para os propósitos almejados. Através da exposição de um acervo dos estudos de valora-
1
ção econômica dos recursos naturais do bioma e dos
ecossistemas associados, identificamos e avaliamos resultados, metodologias, lacunas e direções futuras da
análise sócio-econômica orientada para a conservação
e recuperação da Mata Atlântica. Ao reconhecermos a
possibilidade de focalizar mais detalhadamente o cenário das análises que investigaram unidades de conservação federais e estaduais, selecionamos 11 estudos elaborados entre 1994 e 20031.
O pensamento econômico aplicado à implementação e gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação não comporta soluções triviais, e nos reporta
ao desafio de consolidar critérios de análise compatíveis com a diversidade biológica de cada bioma e com
os serviços ambientais gerados no âmbito das distintas categorias de unidades de conservação. Propomos,
dessa forma, aprofundar o entendimento sobre alguns
aspectos implicados à incorporação da valoração dos
bens e serviços gerados pelos recursos naturais na gestão das áreas protegidas.
As referências desses estudos aparecem ao longo do texto em negrito.
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26 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
Perspectivas analíticas objetivas podem contribuir
para fundamentar opções compatíveis com ações e
metas de gestão sustentáveis, que garantam integridade e a recuperação dos ecossistemas submetidos aos
impactos das atividades humanas. Alguns resultados
obtidos através da análise sócio-econômica são compatíveis com o pensamento do gestor das políticas
públicas, apesar das limitações dos mecanismos de
mercado para atribuir valor financeiro a bens e serviços que carecem de preço. Nesse sentido, a valoração
ambiental confere aportes a uma percepção social
ampliada para o entendimento sobre prioridades relacionadas à manutenção e recuperação dos benefícios
ambientais disponibilizados pelos ecossistemas. Tais
contribuições complementam a lógica de gestão, fornecendo uma escala sócio-econômica para critérios e
metas de conservação da natureza.
A oportunidade de abarcar uma representatividade
satisfatória de estudos de valoração com foco em unidades de conservação do bioma Mata Atlântica conduziu-nos a buscar uma estimativa de cálculo do valor
do hectare de Mata Atlântica oficialmente protegido.
Abordamos esse tema com cautela, em função das limitações associadas à possibilidade de se obter um índice comparativo para valores econômicos estimados a
partir de um mesmo bem (May et al, 2000).
As disparidades dos valores encontrados nos estudos
de valoração econômica dos recursos naturais parecem
ser a regra, especialmente, no que diz respeito a valores
atribuídos à biodiversidade. Dessa forma, a aplicação de
valores obtidos além dos contextos específicos investigados pode resultar em distorções e imprecisões,
fragilizando tentativas de extrapolação ao bioma.
Em nossa análise, os resultados nos levaram a refletir sobre o alcance de uma convergência dos valores
estimados, a partir de enfoques de análise e metodologias relativamente diversificadas. Essa reflexão nos
parece relevante, por contribuir para uma leitura das
variáveis consideradas em cada análise e como elas
incidem sobre a constituição do resultado/valor. Acreditamos que a visibilidade sobre tais componentes
poderá auxiliar na construção de parâmetros sócio-econômicos compatíveis com a pluralidade dos fatores
tangíveis e intangíveis associados à conservação da diversidade biológica do bioma.
Em seu escopo geral, acreditamos que este estudo
traz contribuições empíricas e aportes conceituais
pertinentes para uma leitura analítica sobre possíveis
alternativas de enfoque para a implementação e consolidação da gestão das unidades de conservação da
Mata Atlântica.
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A
ECONOMIA DOS RECURSOS NATURAIS APLICADA À
CONSERVAÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Estudos de valoração tentam traduzir, em termos econômicos, os valores associados à sustentação da vida,
dos bens e serviços proporcionados pelos ecossistemas naturais para fins recreativos, culturais, estéticos,
espirituais e simbólicos da sociedade humana. Neste
sentido, a valoração reflete, sobretudo, a importância
relativa que os seres humanos atribuem aos componentes do meio ambiente, e não os valores intrínsecos da natureza.
A valoração econômica dos recursos naturais, aplicada como ferramenta de gestão ambiental, tem
repercussões no âmbito da pesquisa – em relação ao
aprimoramento metodológico e à consistência dos
resultados –, e nos cenários de tomada de decisão, onde
diversos atores e instituições negociam os processos
de execução das políticas ambientais.
Consideramos que a funcionalidade atribuída aos
procedimentos de valoração, na elaboração de políticas e na execução de medidas de regulação dos padrões
de uso dos recursos naturais, ainda é incipiente. Os
debates atuais sobre eficiência, limites e resultados
obtidos a partir do uso de instrumentos econômicos
de gestão ambiental (sejam ou não fundamentados em
estudos de valoração) indicam impasses e potencialidades, apontando para a necessidade de um exame
rigoroso acerca das condições e dos propósitos implicados nesses processos.
A crescente prioridade associada à sustentabilidade
econômica das áreas protegidas exige estratégias e
mecanismos institucionais inovadores, assim como o
envolvimento efetivo dos setores governamentais, privados e da sociedade civil. O cenário global apresenta
deficits econômicos substanciais que caracterizam a situação das áreas protegidas em nível mundial; nessas
circunstâncias, deve-se priorizar abordagens não
convencionais e diversificadas. A lacuna nos custos do
sistema mundial de áreas protegidas é estimada em
cerca de 23 bilhões de dólares/ano. Os custos de implementação e gestão de um sistema global de áreas
protegidas foram avaliados em cerca de 30 bilhões de
dólares anuais, de acordo com os dados apresentados
no Workshop Sustainable Finance Stream, realizado durante o V Congresso Mundial de Parques em Durban,
África do Sul, em 2003 (Quintela, 2003).
O papel desempenhado pelas áreas protegidas nas
estratégias nacionais e globais de conservação da diversidade biológica é fundamental. Esta conclusão
orienta o compromisso internacional de implementa-
Camphora & May |
ção de uma agenda comum2, voltada para a conservação da diversidade biológica, seu uso sustentável e repartição justa e eqüitativa dos benefícios provenientes
dos serviços ecossistêmicos gerados pelas áreas protegidas. Para consolidar essa agenda, o governo brasileiro, em parceria com a sociedade civil, está elaborando
o Plano Nacional de Áreas Protegidas, a ser
implementado até 2010 (CDB/UNEP, 2004).
A implementação dessa agenda está condicionada
às prioridades, capacidades e necessidades nacionais,
de acordo com estratégias firmadas para a implementação e gestão de suas áreas protegidas, para o alcance
dos objetivos estabelecidos na VII Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica. Com relação a esses objetivos, nos parece essencial que nesse
processo sejam considerados os conflitos resultantes
da falta de sustentabilidade, de governança, de gestão
e participação social. Nos componentes programáticos
definidos no Programa de Trabalho para Áreas Protegidas, identificamos contribuições proporcionadas pela
economia ambiental:
• As Partes devem desenvolver abordagens para responsabilizar e reparar impactos negativos às áreas protegidas, “incorporando o princípio de que o poluidor
deve pagar ou outros mecanismos adequados em relação a danos causados às áreas protegidas” (Ibid:15);
• Com relação à promoção da eqüidade e repartição
dos benefícios resultantes do estabelecimento e
gestão de áreas protegidas, o Programa de Trabalho
sugere a avaliação dos “...custos, benefícios e impactos econômicos e socioculturais resultantes do estabelecimento e manutenção de áreas protegidas,
particularmente para comunidades indígenas e locais” (Ibid: 16/17).
A integração da gestão ambiental a objetivos sócioeconômicos tem proporcionado um maior entendimento sobre a lógica histórica dos modelos predatórios que
definiram as trajetórias dos agentes econômicos. Além
disso, o pensamento econômico revela aportes para
procedimentos alternativos orientados para formas de
ocupação do território, ao dar visibilidade a fatores que
se contrapõem aos modelos até então considerados
hegemônicos. Pesquisas recentes com relação ao problema específico de desmatamento no domínio da Mata
Atlântica alertam para dois mitos amplamente difundi-
2
27
dos: o que afirma que o maior fator de pressão sobre o
desmatamento é o crescimento demográfico em áreas
rurais, e o que afirma que o desmatamento é necessário para o crescimento econômico, gerando renda e
emprego para a população rural (Young, 2004).
Tendências observadas demonstram o contrário: um
maior desmatamento, além de reduzir os benefícios
ambientais locais, está associado em geral à perda de
produção e de emprego, na área rural. Com base na análise de 1.121 municípios do domínio da Mata Atlântica
na maior parte do sul e sudeste do país, Young (2004)
agrupou estatisticamente os rankings de performance
para variações na atividade agrícola e perda de Mata
Atlântica. Os resultados obtidos demonstram que,
em geral, municípios com maior desmatamento apresentam baixo desempenho agrícola e os de melhor
performance econômica possuem um menor índice de
desmatamento.
Além disso, Andrade (2003), investigando exclusivamente os estados do Sul, verificou que os municípios
com maior índice de desmatamento, no período de
1985/1996, apresentaram um índice de desemprego
acima da média, no setor agrícola. A crença na idéia de
que a conversão de áreas florestais em áreas agrícolas
é necessária para a melhoria da condição de vida da
população também foi relativizada. Ao comparar os
municípios de maior e menor desmatamento, no período entre 1990 e 2000 e considerando o desmatamento como variável explicativa e a melhoria das condições de vida (IDH) como variável explicada, Santos
(2004) não encontrou relação estatística significativa.
De fato, e em contradição às crenças hegemônicas
identificadas por Young (2004), percebe-se uma sinergia
positiva entre conservação ambiental e empreendimentos econômicos. Esta constatação foi verificada nos 200
municípios paulistas que demonstram uma ampliação
de sua cobertura florestal entre 1990 e 2000, fundamentado em dados da SOS Mata Atlântica (Ehlers, 2003).
A emergência de arranjos institucionais orientados por
uma integração da gestão ambiental a objetivos sócioeconômicos é indicativa de procedimentos alternativos
à lógica histórica dos modelos predatórios que definiram as trajetórias dos agentes econômicos, na ocupação do território. A consolidação dessas mudanças, na
cultura e nas estratégias de desenvolvimento, depende
de transformações institucionais que implicam na
Programa de Trabalho aprovado na VII Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica – CDB, realizada na Malásia, em 2004
(UNEP/CDB, 2004).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
28 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
criação de instrumentos econômicos dirigidos para a
incorporação da biodiversidade como elemento dinamizador das economias locais (Veiga & Ehlers, 2003).
Adiante, constatamos fundamentos que incrementam
essa mudança de critérios sócio-ambientais para o
desenvolvimento local e regional, na análise de Azzoni
& Isai (1994) sobre possíveis efeitos da aplicação do
ICMS-Ecológico no Estado de São Paulo. Outros avanços, através da consolidação de procedimentos para
atribuir valores a bens e serviços ecossistêmicos, podem auxiliar na composição de indicadores essenciais
ao planejamento e gestão de recursos públicos e privados dirigidos para a sustentabilidade econômica das
unidades de conservação.
E STUDOS
DE VALORAÇÃO EM UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO DA M ATA A TLÂNTICA COM
ENFOQUE SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS
Em função da impossibilidade de reproduzirmos neste
trabalho as resenhas dos estudos de valoração considerados, sugerimos que o leitor se reporte aos textos
originais para maior visibilidade quanto aos procedimentos e detalhamentos considerados pelos pesquisadores. As referências citadas encontram-se disponíveis
no final deste artigo.
Dois contextos específicos de políticas públicas
dirigidas para a sustentabilidade das unidades de conservação foram focalizados em quatro estudos de valoração econômica dos recursos naturais: a aplicação do
ICMS-Ecológico – primeiro instrumento econômico a
retribuir explicitamente os serviços gerados pelos ecossistemas, no Brasil –, e a formulação de modelos de
valoração para o cálculo dos danos potenciais ou efetivos, provocados por atividades de significativo impacto ambiental, localizadas em unidades de conservação,
com vistas ao mecanismo de compensação ambiental
previsto na Lei do SNUC.
Em um dos estudos pioneiros na análise do ICMSEcológico, Azzoni & Isai (1994) constataram que, apesar dos incentivos econômicos locais gerados, sua
concepção pressupõe que a existência de áreas natu-
3
rais protegidas constituiria um entrave ao desenvolvimento econômico local a ser compensado. Sua análise,
fundamentada no custo de oportunidade das unidades
de conservação existentes no Estado de São Paulo, naquele período, considerou a atividade agrícola não realizada nas unidades de conservação, nos municípios
paulistas, em uma área de proteção total que corresponde a 7,68% do território paulista. Estimou-se os valores presentes das receitas que seriam geradas na
ausência das unidades de conservação, como forma para
avaliar as possíveis perdas em termos de benefícios
fiscais. Essa produção “perdida”, em função das áreas
protegidas representa um valor ínfimo da produção
agropecuária estadual, pelo fato que a maioria das áreas
preservadas constituírem em locais marginais para
produção. O benefício da proteção em termos de bens
e serviços gerados (não analisado pelos autores) seguramente excedeu estes custos, assim amplamente justificando as medidas de proteção3.
No ICMS Ecológico, a destinação de parte da receita
do Imposto Sobre Circulação de Serviços e Mercadorias é regulada pelo desempenho de vários critérios por
parte dos municípios – que variam bastante em cada
Estado. Estudos mais recentes deste instrumento indicam que ele pode servir como mecanismo para reforçar e expandir os esforços locais de conservação (May
et al., 2002).
Segundo Monzoni & Sabbagh (2005), o ICMS Ecológico tem produzido excelentes resultados onde implementado, tais como o aumento no número e tamanho
de áreas protegidas e recuperação de áreas degradadas, melhoria na qualidade da conservação e da infra-estrutura dos serviços locais – como eletrificação,
estradas, recursos hídricos –, apoio ao ecoturismo e
turismo rural, além da disseminação pública de uma
agenda ambiental municipal e da promoção de justiça
fiscal. Segundo os autores, 10 estados brasileiros
implementam o ICMS Ecológico – Paraná, São Paulo,
Minas Gerais, Rondônia, Amapá, Rio Grande do Sul,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Tocantins –; e outros 7 estados encontram-se em fase de
implementação desse instrumento – Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Pará.
Foram consideradas duas situações: I) área protegida faz limites com áreas de produção, o que a levaria a ser a próxima a ser ocupada para
tais fins; II) área protegida seria a última a ser utilizada para fins produtivos. Os resultados obtidos revelaram que o valor presente da
produção agrícola perdida em todo o estado é de US$ 752 milhões no caso I, e de US$ 434 milhões no caso II. Este valor representava 0,43%
e 0,25%, respectivamente, do PIB estadual em 1990. Os autores concluem que a população de São Paulo abre mão de cerca de 0,03% a
0,05% do valor de sua produção anual para a manutenção de 7,68% de seu território em áreas ambientais protegidas, o que de fato não
afeta de maneira significativa as posições financeiras dos estados e municípios (AZZONI et ali, 1994).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Camphora & May |
Com relação aos outros estudos, observamos que a
aplicação de modelos de cálculo da valoração dos bens
e serviços ambientais em unidades de conservação fundamenta a definição dos valores da compensação ambiental devida pelas empresas geradoras de impactos,
prevista pelo Art. 36° da Lei 9.985/2000 (SNUC), e regulamentada pelo Decreto 4.340/2002. Cerca de 40% a 50%
das unidades de conservação brasileiras sofrem os impactos de instalações de empreendimentos implantados antes da criação da área protegida (Willmersdorf,
com. pess.). Dessa forma, tais análises contemplam um
problema de dimensão nacional, diretamente associado a procedimentos de normatização do uso, e ao manejo dos espaços territoriais das unidades.
Com aporte em metodologias de valoração ambiental, Peixoto & Willmersdorf (2002), consideraram os
impactos negativos provocados por instalações de radiodifusão, telefonia e telecomunicações, com base nos
empreendimentos pontuais situados no Parque Nacional da Tijuca (RJ). Os cálculos foram elaborados a partir
de aspectos modulares e definem parcelas independentes que podem ser aplicadas a casos específicos,
devidamente adequadas para a definição de valores ambientais. Várias metodologias foram utilizadas, de forma a captar diferentes fatores de valoração referentes
a impactos associados aos recursos hídricos, à perda
de áreas, perda de visitação, perda de produção de bens
e perdas de serviços ambientais.
Em outro estudo complementar, Souza et al. (2001)
consideraram os impactos causados pelos sites das antenas de comunicação localizados na APA-Petrópolis (RJ),
aplicando o Sistema de Informação Geográfica (SIG),
com imagens através de satélite. Na classificação das
Zonas Ambientais, a imagem da APA-Petrópolis foi transformada em instrumento de quantificação das áreas ocupadas pela infra-estrutura, adaptando-se a tipologia
adotada no Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro
do Estado de São Paulo (Lei Estadual nº 10.019, de
3/07/98). Na valoração do passivo ambiental da infraestrutura, além da área de impacto direto, levou-se em
conta a Área de Influência de Impacto, incluída a zona
de amortecimento calculada por Geo-Classes com base
no geoprocessamento.
Para estimar a valoração de serviços públicos – rede
elétrica e captação de água no interior da APA de
Petrópolis (RJ) –, Souza et al. (2001a) também aplicaram o Sistema de Informação Geográfica (SIG), apoiados em imagens obtidas por satélites, para determinar
Zonas Ambientais para quantificar as áreas de infraestrutura envolvidas. Neste caso, foram caracterizadas
cinco zonas ambientais e suas respectivas interpreta-
29
ções temáticas; para efeito de valoração ambiental da
infra-estrutura elétrica, utilizou-se uma Área de Influência de Impacto, calculada por Geo-Classes com base
nos dados obtidos no geoprocessamento de acordo com
a faixa de servidão, considerando-se a presença de três
Empresas, acrescidos de área de amortecimento de 20m
para cada lado. Na valoração ambiental da contribuição de Empresa de água considerou-se a delimitação
das bacias hidrográficas, através da digitalização sobre
os mapas altimétrico e hidrográfico. Aquelas onde se
encontram captação de água e estações de tratamento
de esgoto foram dimensionadas, calculando-se os
percentuais de cada Zona Ambiental contida na bacia.
Com base em levantamento detalhado, este estudo
observou, em ambos casos, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e a adequação entre
meios e fins. Foram adotados conceitos e critérios próprios da matéria ambiental, na busca de fatores e
fórmulas de cálculo para a obtenção de conclusões consistentes, quer na valoração do passivo ambiental, este
entendido como perda de reserva de valor do ativo ambiental causado pela presença de infra-estrutura que, a
seu modo, afete os recursos naturais e as características originais do ecossistema; quer na fixação de valor
da compensação que corresponda ao beneficio auferido
pelo empreendedor como resultado das medidas de
proteção do ecossistema em que está inserido.
A consolidação dos procedimentos de gestão da
compensação ambiental poderá vir a assegurar um significativo aporte de recursos para a sustentabilidade
econômica dos processos de implantação, gestão e
administração das unidades de conservação federais,
estaduais e municipais do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Estimativas quanto ao potencial
econômico dos recursos oriundos da compensação ambiental indicam um expressivo aporte econômico a ser
destinado à implementação e manutenção das unidades de conservação de proteção integral – e de uso
sustentável, quando impactadas pelos empreendimentos –, que poderá atender às prioridades de gestão e
consolidação do SNUC (Camphora, 2005).
Entretanto, constatamos impasses de ordem metodológica nos procedimentos constituídos para aplicação de metodologias de gradação dos impactos e de
critérios de aplicação dos recursos oriundos da compensação ambiental, nos âmbitos federal e estadual.
Sua operacionalização – que está longe de parecer uma
tarefa estritamente técnica, por envolver inúmeras expectativas e interesses públicos e privados – demanda
a articulação de competências que assegurem um ambiente político, institucional e socio-econômico inte-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
30 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
grado. Nesse sentido, a consolidação dos mecanismos
compensatórios constitui uma prioridade estratégica
de amplo alcance prevista pelo SNUC.
D IVERSAS ABORDAGENS
SÓCIO - ECONÔMICA COM
DE ANÁLISE
ENFOQUE EM UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO
Outras contribuições geradas nos estudos de valoração contemplam abordagens sócio-ambientais diferenciadas, com base na discriminação de critérios sócioeconômicos para a análise do contexto das áreas protegidas. Dois estudos (Holmes, 1998 e Wunder, 1999)
consideraram as áreas do entorno de unidades de conservação como campo analítico. Inúmeros subsídios
sócio-ambientais emergem da interface entre a unidade de conservação e seu entorno, tais como pressões
antrópicas, percepção e apropriação dos benefícios ambientais proporcionados pela área protegida, ações de
planejamento e gestão participativa.
Esses componentes são especialmente relevantes
para a aplicação de instrumentos econômicos na implementação de mercados para serviços ecossistêmicos, conforme verificamos em estudo da Vitae Civilis
(2001). Os principais benefícios indiretos considerados
em tais mecanismos envolvem a produção e disponibilidade de água potável, regulação climática, potencial
atual e futuro de biodiversidade, paisagens e fertilidade do solo. Essas ‘externalidades positivas’ dependem
da manutenção ou mesmo do incremento da qualidade
e da quantidade dos recursos naturais gerados por ‘provedores’ locais.
Dessa forma, o pagamento por esses serviços pode
ocorrer como uma forma de compensação por parte
daqueles que usam e aproveitam tais benefícios para
aqueles que preservam e conservam esses recursos. Essa
relação, designada ‘protetor-recebedor’, cria uma via
alternativa para atingir, por meio de instrumento econômico, objetivos da política ambiental. O valor monetário para serviços ecossistêmicos gerados é obtido
através da própria criação de mercado ou esquema de
compensação, fundamentado na negociação entre provedores e beneficiários dos serviços prestados. Embo-
4
ra a valoração econômica dos benefícios gerados possa servir como guia nesta negociação entre as partes, o
aspecto mais importante é a validação do serviço prestado e a existência de mecanismos legítimos de cobrança efetiva (May, 2005).
Holmes et al. (1998) consideraram ás áreas florestais
do entorno da Reserva Biológica do Una no Sul da Bahia,
região nordeste do país. As florestas remanescentes nesta região somam cerca de 14.000km2 e possuem um
alto grau de endemismo e diversidade biológica. O
método da análise conjunta – que considera os bens
econômicos como um conjunto de atributos, considerando que as preferências dos consumidores podem ser
decompostas em utilidades separáveis ou partes de
valor para suas partes constituintes – possibilitou estimar a disposição a pagar (DAP) dos turistas brasileiros
pelo acesso a novos parques naturais com características específicas4. A DAP para a proteção de metade dos
14.000km2 de área de Mata Atlântica remanescente na
região foi de US$ 9,08 por pessoa. Este resultado – que
se equipara aos valores encontrados em pesquisas realizadas na Costa Rica com turistas domésticos em florestas tropicais –, sugere que as florestas privadas na
região produzem benefícios públicos, na forma de externalidades positivas.
Wunder (1999) investigou os determinantes históricos da cobertura florestal da Ilha Grande, localizada no
litoral sul do estado do Rio de Janeiro, no município de
Angra dos Reis, relacionando-os ao surto contemporâneo de turismo oriundo do Rio de Janeiro e de São Paulo, facilitado com a construção da Rodovia Rio-Santos.
A Ilha Grande abriga várias áreas protegidas: o Parque Estadual da Ilha Grande – criado em 1971 –, o Parque Estadual Marinho do Aventureiro, a Reserva Biológica da Praia do Sul e a APA de Tamoios. O estudo de caso
apresentado identifica o ascendente turismo de ‘mochileiros’ na Praia do Aventureiro, vila de pes-cadores
caiçaras, e os resultados comparados com circunstâncias em outras partes da ilha. A hipótese comum que
‘mochileiros duristas’ não geram nenhuma renda à ilha é
rejeitada: embora gastem pouco por visita, em lugares
onde os visitantes são numerosos, a renda de turismo é
impressionantemente alta, comparado com qualquer
atividade produtiva tradicional, produzindo um impacto
considerável de alívio à pobreza local.
As opções consideradas foram: I) Reserva florestal com grandes árvores; observação de pássaros e micos-leões; biólogos conduzem pequenas
caminhadas; guias conduzem grandes caminhadas – com DAP estimada de US$ 22.08; II) com o acréscimo de construção de trilhas para
caminhadas no interior da floresta – com DAP estimada em US$ 58.52; e III) com novo acréscimo de um jardim botânico, passeio por uma
plantação de cacau em funcionamento, e explicações sobre o sistema de manejo, sua história e tradição – com DAP estimada de US$ 86.21
(Holmes et ali, 1998).
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O aumento da renda das comunidades locais, geradas
pela prestação de serviços turísticos, é condicionado
à presença das florestas, consideradas como o principal atrativo local. O valor dessa renda é considerado
superior à renda obtida através do uso direto de produtos florestais, como lenha, resinas e ervas medicinais, cuja extração demanda mais tempo de trabalho
em relação ao valor dos produtos. Este estudo confirma o alto potencial econômico de serviços fornecidos
pela floresta, neste caso, recreação e contemplação da
paisagem, em florestas próximas às áreas urbanas dos
países em desenvolvimento. Os grandes fluxos monetários locais de turismo foram usados para construção
residencial, a compra de bens de consumo, e tempo de
lazer adicional. Embora exigências locais de mão-deobra para turismo sejam geralmente baixas, a renda
ascendente implicou em mudanças notáveis na estrutura de produção local.
Nessa direção, a proposta de uma matriz de valoração sócio -econômica total dos benefícios
ecossistêmicos (Santos et al., 2000) compreende um
significativo avanço na identificação de benefícios gerados em nível local – as formas de contribuição direta
e indireta com os vários aspectos sócio-econômicos
locais, incluindo a atividade agrícola do entorno da Estação Ecológica de Jataí (SP). Deve-se ressaltar a incorporação neste trabalho de critérios qualitativos para
considerar aqueles fatores que não podem ser estimados através das ferramentas econômicas disponíveis.
Essas estimativas qualitativas garantem, assim, a maior
visibilidade sobre o campo analítico, com a inclusão de
atributos e processos que, de modo geral, têm sua importância diminuída e mesmo desconsiderada, por não
apresentarem condições de análise compatíveis com os
critérios metodológicos de valoração.
Santos et al., (2000) propõem uma matriz de valoração sócio-econômica total dos benefícios gerados pela
Estação Ecológica de Jataí, contribuindo com informações sobre as funções dos sistemas naturais, que compreendem a capacidade dos ecossistemas em fornecer
bens e serviços que atendam direta e indiretamente às
necessidades humanas. As funções ecossistêmicas identificadas nesse estudo contribuem com importantes
efeitos de regulação para o benefício das atividades
agrícolas realizadas no entorno da unidade. Condições
micro-climáticas, regulação e qualidade dos recursos
hídricos e controle da erosão correspondem a bens
difusos de uso coletivo, apropriados pelas atuais e futuras populações locais.
O valor sócio-econômico total das funções ambientais foi dimensionado a partir de quatro categorias –
31
regulação, suporte, produção e informação. A pesquisa
considerou apenas as funções ambientais que podem
ser utilizadas de forma sustentável, e atribuiu uma
escala qualitativa para funções que não possuem atributos compatíveis aos critérios de quantificação. Este
estudo oferece uma significativa base para o aprofundamento da correlação entre fatores sócio-econômicos
e a complexidade dos mecanismos ecossistêmicos da
Mata Atlântica; a matriz constitui um modelo a ser reaproveitado em outros contextos sócio-ambientais, onde
poderão ser identificados elementos de análise para o
enriquecimento dos dados e da avaliação a partir desse
modelo interpretativo.
As funções de regulação consideradas foram:
regulação climática, proteção da bacia de drenagem e
prevenção à inundação e à erosão do solo, fixação bioenergética, armazenamento e reciclagem de matéria
orgânica, nutrientes e resíduos orgânicos e industriais,
controle biológico, manutenção da migração e de
habitats reprodutivos, e manutenção da biodiversidade. As funções de suporte consideradas foram: silvicultura/agricultura/aqüicultura/recreação, e proteção à
natureza. As funções de produção consideradas foram:
recursos genéticos, recursos medicinais, e matéria-prima para construção e trabalhos artesanais. As funções
de informação consideradas foram: estética, científica
e educacional. Diversos valores sócio-econômicos atribuídos para tais funções foram: valor de conservação,
valor de existência, valor social, valor de uso de consumo, valor de uso produtivo, e contribuição ao emprego.
Os valores obtidos nesta pesquisa estão subestimados, porque expressam uma avaliação preliminar dos bens
e serviços fornecidos pela unidade, devendo contribuir
como base para a continuidade da pesquisa visando o
detalhamento de informações científicas precisas. O valor total estimado para as funções ambientais identificadas é de 708,83 dólares/ha/ano – um valor considerado
moderado, se comparado com outras estimativas.
A Estação Ecológica de Jataí (EEJ) foi também objeto
de análise de Obara et al., 2000, que consideraram a
disposição a pagar (DAP) manifestada pela população
do município de Luiz Antônio, SP, em relação aos valores de uso (recreação) e de não-uso (opção, existência
e herança). Em questionário foram identificadas as preferências da população com relação às paisagens (naturais, rurais e urbanas) do município; opiniões e atitudes acerca da EEJ, a partir de descrição geral do ‘bem’ a
ser valorado; estímulo do indivíduo em atribuir uma
DAP máxima pelo ingresso, para assegurar a qualidade
ambiental e a conservação da EEJ; e dados sócio-econômicos e demográficos do entrevistado.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
32 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
Consideramos este estudo exemplar, na forma como
conduziu a aplicação do método de valoração contingente (MVC), com atento controle metodológico, e
quanto às condições que determinaram o contexto
amostral e a interação entre os entrevistados e o tema
focalizado. O MVC é amplamente utilizado para avaliar
contextos para os quais não há preço de mercado; entretanto, a significativa margem de erro que acompanha essa técnica tem comprometido a confiabilidade
dos seus resultados. Neste estudo, a atenção dirigida
para possíveis viéses gerados por aspectos teóricos e
empíricos associados ao método garantiu os resultados e sua validade com relação aos objetivos que orientaram a pesquisa.
Outra aplicação do MVC foi realizada por Adams et
al. (2003), para contribuir com subsídios sobre a importância da preservação e da recuperação das áreas
remanescentes de Mata Atlântica do Estado de São
Paulo. Este estudo considerou a percepção de um
público urbano, formador de opinião, residente na cidade de São Paulo, com relação ao valor do Parque
Estadual do Morro do Diabo (PEMD), cuja localização
não oferece condições de uso, direto ou indireto, por
essa população.
Apesar da alta freqüência de valores nulos para a DAP
– 65% das respostas, ou 422 entrevistas gerados por
249 votos de protesto, que reduziram a amostra final
para 397 entrevistas válidas –, os resultados obtidos
revelaram que o valor que a população paulista se
dispõe a pagar é, ainda assim, muito superior ao orçamento anual médio (1997/2000) da unidade, que equivale a 3,8% do valor total agregado calculado neste
estudo5.
Sob outro enfoque metodológico, Medeiros (2000)
realizou análise social de custo-benefício para o Parque Nacional do Superagüi, situado no litoral norte do
estado do Paraná, buscando contribuir para a elucidação
da sua importância para a sociedade. A aplicação da
análise revelou os benefícios líquidos anuais diretos,
indiretos e de existência da conservação da biodiversidade e das funções ecossistêmicas, além de situar os
beneficiários e os custos das políticas públicas. Estes
resultados confirmam que do nível local para o regional e global, crescem os benefícios econômicos da conservação da biodiversidade, enquanto que no sentido
contrário crescem os custos.
5
Foram considerados beneficiários diretos os agentes locais que desenvolvem a atividade de transporte e
hospedagem de turistas e os guias residentes nas vilas
do entorno. Em relação aos beneficiários indiretos, temse as instituições de pesquisa, e a manutenção de um
banco genético in situ. Um outro grupo de beneficiários
corresponde às comunidades pesqueiras, cuja produção gera renda para a manutenção de famílias moradoras
no entorno do parque. Para estas mesmas comunidades, os canais internos e adjacentes a esta área protegida possibilitam a navegação e o transporte de pessoas e
produtos. Finalmente, tem-se no valor de existência, a
cooperação de extratos sociais situados em outros países, os quais percebem a manutenção desta unidade
como um benefício para a humanidade. A este segmento unem-se os esforços de outros residentes no país
com esta mesma percepção.
Os custos considerados envolvem as despesas com
pessoal, veículos, equipamentos, material de consumo,
encargos diversos e manutenção predial. A estes custos somam-se os gastos da atividade de fiscalização
por parte de outros órgãos; as despesas com o apoio a
pesquisas e aplicação de metodologias em prol da manutenção de banco genético in situ e a geração de conhecimento científico; os custos de apoio à recepção,
orientação e recreação de visitantes, e as despesas relativas à preparação de material de divulgação e educação ambiental; as ações que visam proporcionar a
manutenção do modo de vida harmônico das populações tradicionais que habitam o entorno, relativas à
geração de renda em compatibilidade com o patrimônio
natural protegido.
A relação benefício/custo anual calculada foi de 23,12.
A principal conclusão é que os benefícios crescem do
âmbito local para o regional e, deste para o global, ao
passo que os custos seguem uma tendência inversa,
isto é, são maiores em nível local e diminuem regional
e globalmente. Configura-se, assim, uma distorção no
aspecto distributivo, a qual deve ser resolvida em termos de um mercado global e posteriormente nos níveis regional e local. Parece-nos razoável buscar novas
alternativas de potencializar os benefícios locais, o que
é coerente com esta racionalidade, quanto aos benefícios do ecoturismo e da pesca, bem como no item banco genético in situ. Desta forma um direcionamento
futuro para pesquisas é situar alternativas viáveis de
A estimativa da DAP para a amostra final foi calculada em R$ 0,19 /mês, valor considerado baixo, que corresponde ao valor agregado
total por mês e ano de R$ 7.080.385,00, para a conservação do PEMD (Adams, 2003).
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potencializar os benefícios locais, com vistas à obtenção de equidade na distribuição do total de benefícios
gerados a partir de áreas protegidas, ampliando a
legitimação social da gestão da política pública.
Milkhailova & Barbosa (2004) identificaram e avaliaram os serviços ecológicos do Parque Estadual do Rio
Doce (PERD) – o maior remanescente da Mata Atlântica
em Minas Gerais (36.000ha), e terceiro maior sistema
lacustre brasileiro, formado por 130 lagos naturais nos
mais diversos estágios de trofia. Os recursos ambientais do PERD não são usados para atividade produtiva
humana, mas sim para atividade recreativa, além de
terem um papel importante no fornecimento de informações culturais, educativas e científicas.
Os métodos utilizados foram disposição a pagar (DAP)
– “valoração contingente” e “custos de viagem”. A análise dos resultados mostrou que a maioria dos turistas
não estava disposta a pagar: 78% no caso de serviços
de regulação e 54% no caso dos serviços recreativos.
Os valores dos serviços de regulação obtidos a partir
33
dos métodos DAP e da extrapolação foram discrepantes, conforme exposto na Tabela 1.
Este estudo ainda contribuiu com uma análise comparativa da avaliação de ecosserviços do PERD e de
outros estudos de caso, no Brasil. Esta análise permite
entender melhor os resultados obtidos, avaliar o grau
de sua representatividade e estimar a aplicabilidade e
eficiência dos métodos adotados para ecossistemas
regionais, conforme exposto na Tabela 2.
Podemos ver que os valores médios da DAP de um
visitante não variam significativamente entre os casos
considerados. Os resultados da avaliação de serviços
recreativos do PERD e do Parque Nacional do Iguaçu
são compatíveis se levarmos em consideração a diferença entre a média anual de visitantes e a área territorial destes ecossistemas. O valor dos serviços recreativos dos ecossistemas de manguezal/ha/visitante (de
acordo com o método “custo de viagem”) difere significante dos valores de outros estudos. Porém, vale ressaltar que neste estudo a técnica utilizada foi também
TABELA 1 – Parque Estadual do Rio Doce: valores obtidos para os serviços ecológicos.
SERVIÇOS / MÉTODOS
SERVIÇOS DE REGULAÇÃO DE
PROCESSOS ECOLÓGICOS PRINCIPAIS
(mil US$/ ano)
SERVIÇOS RECREATIVOS –
TURISMO E LAZER
(US$/ ano)
261
938
Disposição a pagar (valoração contingente)
Custos de viagem
–––––
1,516
Extrapolação (menos zona intangível)
22.476
1,509
Extrapolação (aplicação à área inteira)
62.434
4,193
TABELA 2 – Base comparativa para valores estimados em distintos ecossistemas.
MÉDIA DA DAP
US$ pes/ano
MÉDIA ANUAL
DE VISITANTES
(em pessoas)
VALOR DA DAP
AGREGADO
mil US$/ano
VALOR DE
SERVIÇOS
RECREATIVOS
mil US$/ano
VALOR ANUAL
DOS SERVIÇO
RECREATIVOS
US$/ha
Ecossistemas do
PERD, MG
141
25.700
1.199
1.516
116,6*
Ecossistemas Manguezal
Cananéia, SP
(Grasso, 1995)
526
34.212
18.000
33.700
739,5
137-346**
–––––
5.800 –15.130
–––––
–––––
802.375
–––––
34.771
187,9
ESTUDOS DE CASO
Ecossistemas do Pantanal
(Moran, 1995)
Ecossistemas do Parque
Nacional do Iguaçu
(Ortiz, 2001)
*dividido pela área total menos a zona intangível – **depende do tipo de função
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
34 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
TABELA 3 – Metodologia e finalidade dos estudos analisados.
LOCAL
AUTOR
DATA
ATRIBUTO
VALORADOS
VALORES
ESTIMADOS
MVC
Estação Ecológica
de Jataí, SP
(OBARA et al., 2000)
DAP da população
do Município de
Luiz Antônio pela
manutenção da UC
R$ 49.034,70/ano
Identificar, através da DAP o valor
atribuído pelas populações urbana
e rural do município aos bens e
serviços ambientais oferecidos pela
EE Jataí.
PARNA Superagüi,
PR
(MEDEIROS, 2000)
Benefícios diretos
e indiretos da
biodiversidade
e custos da
manutenção
da unidade de
conservação
23,12 = Relação
benefício/custo
(= R$3.104.993/
R$134.290 anual)
R$2,8 milhões/ano –
valor de existência
Estimar, sob uma perspectiva
ecológica, os benefícios líquidos
anuais da biodiversidade do PARNA,
principalmente oriundo do valor de
existência, além de situar os
beneficiários e os custos de
manutenção.
Estação Ecológica de MVC,
Jataí, SP
bens substitutos,
(SANTOS et al., 2000) custos evitados,
produtividade
marginal,
custo de reposição
Funções
ecossistêmicas
de suporte,
de produção,
de regulação e
de informação
US$ 708,83/ha/ano –
valor sócio-econômico
total
Propor uma matriz de valoração
sócio-econômica total dos
benefícios gerados pela EE Jataí e
aprofundar os mecanismos de
valoração dos fatores estruturais e
funcionais dos ecossistemas, pouco
investigados por falta de valor de
mercado.
Parque Estadual do
MVC
Morro do Diabo, SP
(ADAMS et al., 2003)
DAP da população
da cidade de São
Paulo pelo valor de
existência da UC
R$ 7.080.385,00/ano
Estimar a DAP da população
da cidade de São Paulo, não
beneficiada pelos bens e serviços
ambientais do PEMD, pelo valor de
existência da UC.
Reserva Biológica
Análise conjunta
do Una, BA
DAP
(HOLMES et al., 1998)
Valor de uso e
de proteção de
uma reserva da
Mata Atlântica
i) US$ 22.08 –
US$ 86.21/pessoa
(DAP para uso
recreativo com
equipamentos
diferenciados;
ii) US$ 9,08/pessoa
entrevistada
(DAP para proteger
50% da Mata Atlântica
do sul da BA)
Aprimorar a abordagem
metodológica da valoração da
biodiversidade, visando dar um
suporte para a criação de uma
alternativa econômica para a região
cacaueira, fundamentada em
ecoturismo.
PE Rio Doce, MG
(MIKHAILOVA &
BARBOSA
Custo de viagem
MVC
Extrapolação inversa
Serviços
recreativos e
serviços de
regulação
dos processos
ecológicos
i) US$ 938 mil/ano –
serviço recreativo
ii) US$ 261 mil/ano –
serviço regulação
iii) US$ 1516 mil/ano
– serviço recreativo
através do método
custo de viagem
Verificar a análise comparativa
entre os métodos de DAP para
ecossistemas regionais, visando à
criação de indicadores de gestão
ambiental.
PARNA Iguaçu, PR
(ORTIZ et al. 2001)
Custo deviagem
Valor de uso
recreativoda UC
i) US$28.774.267/ano
– V. total agr.
ii) US$12.542.484/ano
– turistas que só
visitam o Parque
iii) US$34.771.294/ano
– sem considerar
destinos múltiplos
Estimar o valor de uso recreativo
da UC para oferecer subsídios para
contrapartida aos gastos
orçamentários, e priorizar
investimentos de manutenção.
MÉTODO
Análise
custo-benefício
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
FINALIDADE
Camphora & May |
diferente, não tendo sido calculado o excedente médio
de consumidores, nem a linha de custos médios, entre
outras diferenças.
A avaliação considerou dois ecosserviços – serviços
de regulação de processos ecológicos principais e de
serviços recreativos (turismo e lazer), e três ecossistemas comparados com o do PERD – Manguezal (Cananéia/SP), do Pantanal e do Parque Nacional do Iguaçu.
Os resultados da avaliação dos serviços recreativos do
PERD e do Parque Nacional do Iguaçu são compatíveis
se levarmos em consideração a diferença entre a média
anual de visitantes e a área territorial dos ecossistemas.
Esta análise comparativa dos resultados destes estudos confirma a aplicabilidade de métodos tipo DAP aos
ecossistemas regionais no Brasil (pelo menos em relação aos serviços recreativos e serviços de informação),
além de demonstrar sua eficiência para uso futuro no
processo de aperfeiçoamento da gestão ambiental em
áreas naturais preservadas.
Ortiz et al. (2001) realizaram análise do ‘custo de
viagem’ para o PARNA Iguaçu (PR) com alto grau de
detalhamento metodológico. Para estimar o valor de
uso recreativo através da análise dos gastos dos turistas visitantes da cidade de Foz do Iguaçu, este estudo
considerou a abordagem de análise dos destinos múltiplos – que não se baseia em estimativas arbitrárias
sobre os custos associados às distintas opções recreativas, mas cria equações de damanda que permitem
combinar o destino da análise, no caso o PARNA Iguaçu,
com os outros destinos recreativos. Também foram
estimados os gastos dos turistas domésticos e estrangeiros (do Mercosul). Os resultados oferecem contribuições significativas ao gestor da unidade, permitindo simulações de variação desses custos para prever
impactos no fluxo de visitantes e na geração de receitas. Entretanto, esse tipo de metodologia não permite
qualquer forma de replicação dos resultados para outros contextos.
Na Tabela 3, sintetizamos os enfoques dessas análises: dados de cada estudo – local de análise, autor e
data –, método utilizado, atributos valorados, valores
estimados e finalidade da análise. Não consideramos
os estudos orientados para o cálculo de impactos dos
empreendimentos em unidades de conservação (Peixoto
& Willmersdorf, 2002; Souza et al., 2001 e 2001a), assim como o estudo de Azzoni & Isai (1994), que não
explicita com exatidão as dimensões territoriais e categorias de unidades de conservação consideradas nos
municípios paulistas. Apesar da compatibilidade da
análise de Wunder (1999) com abordagens que consideram o contexto do entorno de unidades de conser-
35
vação, seu estudo aponta para o aumento da renda familiar, a partir dos fluxos monetários gerados com as
atividades turísticas locais. Dessa forma, os valores
obtidos não foram incorporados em nossa tabela.
Entretanto, a análise de Holmes et al. (1998), que
não considera o contexto de uma unidade de conservação, mas o território dimensionado em seu entorno,
traz valores que poderiam traduzir os serviços gerados
por RPPNs ou, simplesmente, pelas zonas de amortecimento da Reserva Biológica do Una (BA). Dessa forma,
consideramos pertinente incluir estes resultados em
nosso estudo comparativo. Com base nesses dados, verificamos a possível convergência dos valores atribuídos, quando consideramos a relação entre tais valores
e a dimensão territorial (ha) da unidade de conservação considerada.
C RITÉRIOS
DE VERIFICAÇÃO SOBRE POSSÍVEL
CONVERGÊNCIA DOS VALORES ESTIMADOS
Buscamos, em trabalho anterior, explorar argumentos
que apontam para a impossibilidade de buscar um critério unívoco de definição de valor econômico para um
mesmo bem ou serviço ecossistêmicos. Alguns estudos
(Paraíso, 1998; Grasso & Schaeffer-Novelli, 1999) verificaram empiricamente que o uso de dois ou mais métodos para avaliar um mesmo contexto sócio-ambiental
determinou resultados muito diferentes (May, 2005).
A valoração econômica da biodiversidade comporta
distintos níveis de classificação, considerados em
termos de diversidade genética, de espécies, ecossistêmica e funcional; cada um desses níveis condiciona
critérios diferenciados para o cálculo do valor. Nunes &
van der Bergh (2001) referem-se à biodiversidade, como
expressão da variedade de vida, ou de determinados
recursos biológicos, que expressam uma manifestação
dessa variedade; pode-se enfatizar os níveis de biodiversidade ou as mudanças captadas nos serviços ecossistêmicos; pode-se focalizar a biodiversidade sob
condições locais ou globais; pode-se considerar a biodiversidade sob uma perspectiva holística, baseada em
sua integridade e complexidade, ou sob uma perspectiva reducionista, discriminando seus diversos valores
agregados.
Dessa forma, um resultado estará sempre vinculado
ao propósito e ao método empregado na análise, e implicado ao contexto histórico-institucional que demarca o campo de análise e o enfoque empregado – que
determina, inclusive, a formulação de hipóteses distintas. O uso de ferramentas econômicas varia em relação
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
36 | A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica?
à disponibilidade de informações e de indicadores relacionados aos efeitos das atividades humanas sobre
os processos ambientais; além disso, deve-se considerar fatores conjunturais associados à disponibilidade
financeira, recursos humanos e base informacional.
Young & Fausto (1997) consideram conveniente
repensar a viabilidade conceitual de um valor total econômico (VTE), tomado como resultante de perspectivas de análise distintas –, assim como a possibilidade
de obter um valor que corresponda a um ecossistema
como um todo. A simples agregação de distintas fontes de valor, na abordagem de Pearce e seguidores que
adotam o conceito de VTE, não parece adequada para
superar a variabilidade encontrada nos diversos estudos analisados. Este problema se relaciona com a
superposição de valores percebidos pelos mesmos atores para distintos componentes do meio ambiente – a
disposição a pagar pode ser afetada pela disposição a
receber outro bem não incluído na cesta proposta pelo
pesquisador, estourando o orçamento do demandante.
As análises de efeitos ambientais das ações humanas
têm como característica básica, a incerteza derivada do
conhecimento limitado sobre os fluxos de serviços gerados por distintos ecossistemas no seu estado natural
acoplado à dificuldade de antecipar como esses fluxos
podem ser alterados em função dos efeitos das atividades humanas. Esses fatores tendem a provocar variações
que influenciam os resultados de valoração individual
e coletivo. As variações mais perceptíveis dizem respeito ao nível de conhecimento do problema, à percepção do risco, à capacidade de controle social ou individual e às oportunidades para responder aos riscos.
A pluralidade dos fatores tangíveis e intangíveis afeta a utilidade da valoração ambiental para contribuir à
tomada de decisões. A dificuldade de compreensão
mútua dos múltiplos critérios implicados nos procedimentos de valoração condiciona a aplicabilidade dos
resultados unificados em quantias medidas em termos
monetários. Assim, a ‘não neutralidade’ do valor deve
ser considerada, não como um fator que reduza o mérito das técnicas da análise, mas para reconhecer que
cada resultado corresponde ‘à perspectiva na qual o pesquisador efetuou seu estudo’ (Young & Fausto, 1997).
A aplicação de ferramentas de valoração utilizando
técnicas do mercado hipotético pressupõe contingência, que significa considerar o eventual, o incerto, o
duvidoso e o que pode ou não existir e que, assim, de-
6
pende das circunstâncias. Esse caráter parcial dos valores estimados nos estudos de valoração ambiental sugere cautela com relação à expectativa de obter um consenso unívoco do valor de um recurso natural. Os resultados monetários devem ser interpretados em sua dimensão relativa, que reflete a situação sócio-histórica
de sua análise, uma contextualização que envolve o objeto de valoração e sua abordagem analítica (May, 2005).
Com base nos resultados expostos na Tabela 3, equiparamos os valores obtidos, inflacionando para o anobase de 2005, através do índice geral de preços – disponibilidade interna – IGP-DI (FGV)6, expostos na Tabela 4.
TABELA 4 – Atualização dos valores estimados pelo IGP-DI (2005).
UNIDADE DE
CONSERVAÇÃO
Estação Ecológica
de Jataí
Parna
Superagui
VALOR
ESTIMADO
hectare/ano
VALOR
ATUALIZADO (R$)
IGP-DI (2005)
R$ 10,82
19,33825
R$ 200,00
357,4537
Estação Ecológica
de Jataí
US$ 708,83
2.317,611
Parque Estadual
do Morro do Diabo
R$ 209,20
243,0747
Reserva Biológica
do Una
US$ 9,08
23,83692
US$ 26,07
US$ 7,25
US$42,14
108,6051
30,20281
175,5512
US$ 155, 53
629,6631
Parque Estadual
do Rio Doce
Parna
Iguaçú
A possibilidade de verificarmos possível convergência dos valores atribuídos ao hectare de Mata Atlântica
oficialmente protegido não nos parece remota; deriva
de maior atenção a critérios comparativos, efetivamente
significativos, que auxiliem o gestor da unidade de conservação em sua avaliação. Este acervo de estudos nos
permite constatar a variedade de componentes, mais
ou menos explícitos, que influenciam na configuração
de um resultado. A tendência de uso do MVC contribui
ainda mais para a significativa flutuação dos valores
estimados.
Agradecemos a contribuição de Leonardo Geluda, mestrando do CPDA/UFRRJ, na atualização desses valores.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Camphora & May |
Verificamos, por exemplo, que os valores das DAPs
atribuídas à Estação Ecológica de Jataí (Obara et al.,
2000) e ao Parque Estadual do Morro do Diabo (Adams
et al., 2003), refletem percepções de populações com
perfis sócio-econômicos diferenciados; mas a atribuição de uma DAP mais alta pela população urbana de
São Paulo pode refletir também a remota possibilidade
de uso e visitação da unidade por parte desta população – ao contrário do que ocorreria com relação à população do município de Luiz Antônio, que efetivamente
utiliza a Estação Ecológica de Jataí – apesar desse tipo
de uso não ser permitido para essa categoria de unidade de conservação. Da mesma forma, a extensão territorial da unidade, considerada por nós como critério
relevante para equiparar valores estimados, pode ou não
ter sido ressaltada e/ou percebida nas entrevistas.
Ainda com relação às amostras consideradas nas análises, observamos que as comunidades locais – que
vivenciam experiências objetivas e cotidianas, através
das diversas formas de uso direto e indireto dos benefícios gerados pelas unidades – não foram consideradas em, pelo menos, dois estudos que utilizaram o MVC
(Adams et al., 2003 e Milkhailova & Barbosa, 2004).
Este pode ser um fator capaz de comprometer ainda
mais a consistência dos valores da DAP, contribuindo
para o maior índice de subjetividade dessas ferramentas. Nesse sentido, observamos que existe convergência nos valores da DAP obtidos para as florestas do
entorno da Reserva Biológica do Una e a Estação Ecológica de Jataí (Obara et al., 2000).
O contexto sócio-ambiental de análise também nos
reporta ao condicionamento dos atributos associados
às unidades de conservação, que reduziriam o panorama de avaliação sobre possíveis valores associados. Na
maioria dos estudos, a aplicação do MVC pode expressar um comportamento social subordinado a tais critérios; além disso, alguns estudos consideraram que suas
amostras foram insuficientes para estimar a DAP. Ao
contrário, o valor encontrado por Santos et al. (2000),
expressa um diversidade de atributos quantitativos e
qualitativos, sequer considerados em outras análises.
Com base nesse panorama preliminar, nos parece
relevante considerar a importância dos estudos que não
objetivam, exclusivamente, a aplicação estreita do instrumento econômico, e que se ocupam simultaneamente de problematizar distintos componentes que,
voluntaria ou involuntariamente, podem interferir no
cenário de análise. Talvez fosse desejável avançarmos
em direção a uma matriz básica, constituída como
ferramenta auxiliar secundária, para buscar maior equiparação dos valores qualitativos e quantitativos atri-
37
buídos às unidades de conservação, considerando suas
distintas categorias, a partir das diversas metodologias
e abordagens consideradas.
De fato, esta hipótese não simplifica nosso desafio,
muito pelo contrário: sugere que lidar com instrumentos econômicos significa enfrentar inúmeros níveis de
complexidade que emergem dos cenários de análise,
antes de nos satisfazermos com um valor final. Neste
acervo de estudos, existem diversas contribuições
nesse sentido; aprofundá-las, juntamente com a incorporação de outros aportes gerados por planos de manejo, planos de negócios e legislação ambiental, pode
resultar em contribuições sócio-econômicas efetivas
para o incremento da gestão das áreas protegidas.
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Abordagens analíticas na avaliação de
impactos reais de programas de conservação
ERIN O. SILLS1*
SUBHRENDU K. PATTANAYAK2
PAUL J. FERRARO3
KEITH ALGER4
1
Departamento de Ciências Florestais e Recursos Ambientais, Universidade Estadual da Carolina do Norte, EUA.
2
Programa de Economia do Meio Ambiente, Saúde e Desenvolvimento, Research Triangle Institute, Carolina do Norte, EUA.
3
Departamento de Economía, Escola Andrew Young de Política Pública, da Universidade Estadual da Georgia, EUA.
4
Programa Dimensões Humanas da Conservação de Biodiversidade, Centro para Pesquisa Aplicada à Biodiversidade, Conservation International,
Washington, D.C.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
A importância de monitoramento e avaliação é cada vez mais reconhecida na comunidade
conservacionista. Neste artigo, nós argumentamos que os métodos de ‘avaliação de programas’ desenvolvidos em outras disciplinas deveriam ser utilizados para testar causalidade em
projetos de conservação. Esses métodos incluem técnicas estatísticas e quase-experimentais
para construir os casos não observados de não-tratamento pela intervenção: o que teria acontecido sem a intervenção e o que aconteceria caso a intervenção fosse aplicada em algum
outro lugar. Embora reconheçamos a natureza multidimensional de monitoramento e avaliação, enfatizamos a necessidade crescente de análises quantitativas da eficácia de intervenções, controlando fatores de confusão, com o objetivo de dar aos tomadores de decisão maior segurança de que recursos adicionais podem realmente aumentar a escala dos resultados
da conservação. Qualquer projeto conservacionista que assimile os métodos e medições abordadas nesse artigo farão uma vital contribuição em direção ao preenchimento da grande lacuna no nosso conhecimento sobre os mais eficazes investimentos em conservação.
ABSTRACT
The importance of monitoring and evaluation is increasingly recognized in the conservation
community. In this article, we argue that ‘program evaluation’ methods developed in other fields
should be used to test for causality in conservation programs. These methods include quasi-experimental and statistical techniques to construct the unobserved counter-factuals: what would happen
without the intervention, and what would happen if the intervention were applied elsewhere.
While recognizing the multi-dimensional nature of monitoring and evaluation, we emphasize the
increasing need for quantitative analysis of the effectiveness of interventions that controls for
confounding factors. This will give policy makers greater confidence that additional resources can
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
40 | Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
actually scale-up conservation results. Each conservation project that incorporates the methods
and measurements reviewed in the paper will make a vital contribution towards filling the large
gap in our knowledge about the most effective conservation investments.
I NTRODUÇÃO
A importância de monitoramento e avaliação é cada vez
mais reconhecida na comunidade conservacionista
(Christensen, 2003; Kleiman et al., 2000; Sanderson
2002). Embora organizações conservacionistas costumem empregar vários métodos distintos de avaliação,
alguns princípios comuns são reconhecidos e são, inclusive, postos em prática com freqüência. Um desses
princípios é a importância de identificar e medir os
objetivos de um projeto ou programa – ou seja, não
somente os insumos ou atividades (p.ex., número de
domicílios ou hectares envolvidos), mas também os resultados ou metas (p.ex., aumento da riqueza familiar
e biodiversidade preservada). Outro princípio comum
é a necessidade de desenvolver um modelo conceitual
das relações causais entre insumos ou atividades e os
resultados almejados. O planejamento fundamentado
em relações causais explícitas e o monitoramento baseado em indicadores de resultado são elementos chave de sistemas de monitoramento e avaliação em
desenvolvimento (p.ex., a abordagem de marco lógico
(log frame) utilizada pela USAID e descrita em Gasper
2000) e conservação (p.ex., os padrões abertos propostos pela Conservation Measures Partnership, CMP 2004).
No entanto, esses sistemas não demonstram como testar as relações causais postuladas, utilizando os indicadores de resultados (Ferraro & Pattanayak, 2006).
Neste artigo, nós argumentamos que os métodos de
‘avaliação de programas’ desenvolvidos em outras
disciplinas deveriam ser utilizados para testar causalidade em projetos de conservação. Esses métodos permitem aos pesquisadores isolar mudanças atribuíveis
ao esforço conservacionista de um background de mudança econômica e social simultânea. Nós o ilustramos
com exemplos do estado do Acre, cujo governo tem
experimentado várias políticas inovadoras de desenvolvimento sustentável de base florestal (Kainer et al.,
2003). Isso inclui recomendações de políticas públicas
populares, como o pagamento por serviços ambientais
(Fearnside, 2005) e pacotes combinando construção de
estradas e melhoramentos em serviços sociais e em fiscalização ambiental (Reid & Souza, 2005). Dados os limitados recursos disponíveis à conservação, é crítico
que se tome lições de tais experimentos políticos e que
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
se identifique quais intervenções são as mais eficazes,
rejeitando potenciais efeitos de confusão (CMP, 2004).
Métodos de avaliação de programas alcançam isso
aplicando o mesmo rigor científico e o estado da arte
em metodologia tipicamente utilizados para testar hipóteses ecológicas (Ferraro & Pattanayak, 2006). Esses
métodos incluem técnicas estatísticas e quase-experimentais para construir os casos não observados de nãotratamento pela intervenção: o que teria acontecido sem
a intervenção e o que aconteceria caso a intervenção
fosse aplicada em algum outro lugar.
Para ilustrar tanto a importância como o desafio da
avaliação de programas, considere um programa como
o Pró-Ambiente, que paga aos proprietários de florestas
por serviços ambientais. Os proprietários são mais propensos a serem voluntários em tal programa se eles
forem mais inclinados a conservar a floresta, talvez porque dão mais valor à sua floresta, ou porque lucrariam
menos com usos alternativos da terra. Isso sugere que o
impacto dos pagamentos seria superestimado pela comparação de florestas conservadas entre participantes e
não-participantes. Por outro lado, se os gestores de programas direcionam pagamentos a áreas que são ameaçadas pelo desmatamento, a comparação de florestas
conservadas em áreas cobertas pelo programa com áreas
não cobertas subestimaria o impacto dos pagamentos.
Tanto um caso como o outro são exemplos de seleção
endógena, o que provavelmente caracteriza muitas, senão a maioria das intervenções conservacionistas.
Descrevemos aqui monitoramento e avaliação convencionais, ilustrando as suas limitações no contexto
de dois exemplos do Acre. Inspirando-nos em Ferraro
& Pattanayak (2006), revisamos os métodos quaseexperimentais de avaliação de programas, incluindo
desenho amostral, coleta de dados e análise dos impactos de intervenções não-aleatórias, como programas pagando por serviços ambientais. Nós traçamos
exemplos de avaliações de políticas sociais no Brasil
(p.ex., fornecimento de água e saneamento, redução
de pobreza, nutrição) e sugerimos como os métodos
poderiam ser aplicados no Acre. Essencialmente, todos
esses métodos são elaborados para compensar a falta
de controles experimentais, portanto concluímos com
uma discussão sobre o potencial de realização de experimentos reais de políticas públicas.
Sills, Pattanayak, Ferraro & Alger |
MONITORAMENTO
E AVALIAÇÃO CONVENCIONAL
DOS IMPACTOS PROGRAMÁTICOS
Sistemas de monitoramento e avaliação convencionais
servem a propósitos múltiplos, desde à responsabilização dos executores, à garantias de prestação de
contas, ao aprendizado e à orientação de políticas públicas. (Hailey & Sorgenfrei, 2003). Em conservação,
monitoramento e avaliação são freqüentemente conceitualizados como parte do Manejo Adaptativo (CMP,
2004; Margolis & Salafsky, 1998). A Conservation
Measurement Partnership recomenda um sistema que
possa “isolar e avaliar os efeitos de sua intervenção”,
considerando “o processo e impactos assim como potenciais fatores de confusão” (CMP, 2004). No campo
mais amplo do setor não-governamental e de desenvolvimento, Hailey & Sorgenfrei (2003) também apontam uma crescente ênfase na avaliação de impactos e
eficácia. Eles percebem que há algum “consenso sobre
as características chave de sistemas de avaliação de
impacto eficazes. Estas incluem participação de
stakeholders1, auto-avaliação, triangulação e uso de uma
mescla de métodos e ferramentas, assim como sólida
análise e comunicação através da disseminação das
conclusões”. Essa mescla freqüentemente inclui “medidas não-financeiras, qualitativas e baseadas em
processos”, assim como as tradicionais medidas quantitativas de performance. Embora reconheçamos a natureza multidimensional de monitoramento e avalia
ção, enfatizamos a necessidade crescente de análises
quantitativas da eficácia de intervenções, controlando
fatores de confusão, com o objetivo de dar aos policy
makers2 maior segurança de que recursos adicionais
podem realmente aumentar a escala dos resultados da
conservação.
Avaliação de impactos requer a identificação do objetivo ou resultado almejado e de indicadores mensuráveis, e o emprego de uma técnica apropriada para
coleta de dados. Por exemplo, se o resultado almejado
é a manutenção dos serviços ambientais fornecidos por
florestas, o indicador pode ser área florestal e a técnica
para coleta de dados, o sensoriamento remoto. Por sua
vez, se o objetivo é a manutenção da biodiversidade,
um dos indicadores poderia ser relacionado à atividade de caça, sendo os dados coletados através de um
1
2
3
41
levantamento domiciliar. Freqüentemente, esses dados
são coletados somente de participantes (ou equivalentemente, áreas focais) em um programa. Isso pode fornecer a base para um valioso estudo de caso, mas gera
pouca informação quantitativa sobre impactos. Avaliações mais rigorosas, portanto, comparam o indicador
tanto ‘antes como depois’ ou ‘com e sem’ programa. O
primeiro caso requer planejamento adiantado para que
os participantes sejam entrevistados antes de uma
intervenção, estabelecendo uma baseline3. O segundo
requer a coleta de informações sobre um grupo mais
abrangente tanto de participantes como de não-participantes do programa.
O problema com comparações simples baseadas
nesses desenhos amostrais comuns é que eles não capturam efeitos de confusão – efeitos que são contemporâneos à intervenção e que podem, plausivelmente,
afetar o resultado e assim mascarar o seu efeito. Como
descrito por Ferraro & Pattanayak (2006), eles incluem
tendências históricas, programas ou políticas não relacionados, características ambientais e sociais não observadas e seleção endógena. Eles mencionam que
“as análises correntes tipicamente não consideram as
implicações relacionadas ao que leva uma área a ser
selecionada para uma intervenção e outra rejeitada, ou
a de que alguns indivíduos sejam ‘voluntários’ e outros
não. Em qualquer programa com aplicação não-aleatória, as características que influenciam a variável
resultado também influenciam com freqüência a probabilidade de serem selecionadas no programa. A inobservância da questão da seleção endógena pode
conduzir a estimativas enviesadas da eficácia de um programa”.
Por exemplo, um estudo na África constatou que
“o sucesso de áreas protegidas não estava diretamente
correlacionado com benefícios relativos à geração de
empregos na comunidade vizinha, à educação conservacionista, às associações conservacionistas, ou à
presença e alcance de Programas Integrados de Conservação e Desenvolvimento (PICDs)” (Struhsaker et al.,
2005). Em resposta, Ferraro & Pattanayak (2006) argumentam que “intervenções como os PICDs e programas de educação conservacionista não são alocados
aleatoriamente através da paisagem. Intervenções com
base comunitária são mais propensas de serem adotadas
Não há tradução literal ao português. Stakeholders são o conjunto de pessoas e entidades interessadas – direta e indiretamente – num
determinado projeto, ou seja, aqueles que estão envolvidos, são afetados ou atingidos pelo resultado final de um projeto.
Não há tradução literal. Policy makers são aqueles responsáveis por planejar políticas públicas.
Sem tradução literal, significa uma linha base, de referência.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
42 | Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
em áreas que estão enfrentando fortes pressões humanas. Portanto, comparando-se resultados médios da
conservação em áreas onde as intervenções beneficiam
comunidades locais (sob forte pressão) com resultados
médios em áreas onde há poucas intervenções de tal
tipo (sob pouca pressão), gera-se uma estimativa
enviesada (para baixo) da influência da conservação em
tentativas de beneficiar moradores vizinhos a áreas protegidas”.
Florestania no Acre
Para demonstrar a presença muito comum de efeitos
de confusão, consideramos dois programas do estado do Acre. Escolhemos o Acre não porque ele é de
qualquer forma melhor ou pior em programas de
monitoramento e avaliação, mas porque a gestão do
Governador Jorge Viana decidiu fazer do estado um
exemplo de desenvolvimento com base florestal, com
estratégias que incluem certificação florestal, áreas protegidas de uso múltiplo e um subsídio estadual para
a produção de borracha, que é tratado como um pagamento por serviços ambientais. Essas iniciativas atraíram interesse, abrangendo desde estados vizinhos
considerando programas similares, até a cobertura em
noticiários internacionais (p.ex., Rohter, 2002). Portanto, é evidente a importância de levar em consideração
a forma como se poderia avaliar a eficácia desses programas, incluindo a sua contribuição para o objetivo
duplo de conservação florestal e bem-estar rural no
estado.
Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre
(PDSA)
A gestão Viana adotou Governo da Floresta como seu
slogan, e florestania – serviços públicos e infra-estrutura melhorados para os cidadãos da floresta – como
uma política chave. Essa infra-estrutura inclui estradas,
com a gestão afirmando que Viana “já entrou para a
história do Acre como o governador que mais asfaltou
e que mais se preocupou com estradas no Estado” (SEFE,
2004). Embora estradas sejam geralmente um anátema
para a comunidade conservacionista devido a sua óbvia correlação com desmatamento, ainda há um debate
aberto sobre a direção de causalidade – a questão das
“estradas endógenas”, os efeitos do melhoramento de
estradas em fronteiras antigas e o potencial de combinar e concatenar adequadamente estradas com outros
serviços públicos e fiscalização ambiental (Weinhold
& Reis, 2003). Esse potencial é a base para o PDSA,
financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
O PDSA busca melhorar a qualidade de vida no estado e preservar sua riqueza natural a longo prazo. Para
alcançar esse objetivo duplo, o governo estadual
propôs pavimentar a BR-364 e, simultaneamente, estabelecer um ambiente político e institucional que encorajasse o manejo florestal sustentável. A afirmação é
de que com políticas apropriadas estabelecidas, a estrada facilitará o desenvolvimento com base florestal
através do melhoramento do acesso a mercados para
produtos florestais e a serviços públicos aos moradores rurais tradicionais. As políticas adequadas incluem
serviços públicos (educação, saúde, informação sobre
mercados, extensão e treinamento), crédito acessível,
aplicação da legislação ambiental e suporte a mecanismos que compensem os proprietários das florestas por
serviços ecológicos (p.ex., a certificação de produtos
florestais). Representantes do governo do Acre argumentam que a afirmação é particularmente provável de
ser favorável aos moradores tradicionais das florestas,
cujas preferências e capital (humano, social, físico e
natural) os predispõe ao desenvolvimento de base florestal. Esses grupos têm uma longa história de organização social e ativismo no estado.
Com os melhoramentos da estrada já em vias de execução, o governo estabeleceu vários mecanismos para
o monitoramento de impactos ao longo da estrada. De
acordo com o documento de empréstimo, os indicadores a serem monitorados incluem (a) contagem de
domicílios pobres “beneficiados”, (b) área de “pastos
recuperados”, (c) aumento de renda nos domicílios beneficiados e (d) aumento na produção agroflorestal.
Embora esse monitoramento ‘antes-depois’ seja crítico
para prestação de contas, ele tem várias limitações em
relação ao aprendizado oriundo do projeto. Primeiramente, na área do projeto todos são afetados tanto pelo
melhoramento da estrada como pelo resto do “pacote
de políticas públicas” e, portanto, não será possível
separar tais influências. Em segundo lugar, como
mencionado acima, o Acre tem uma história única de
organização social, que certamente foi um fator importante na obtenção do empréstimo do BID, e provavelmente afetará o resultado do PDSA: um problema
clássico de seleção endógena. Em terceiro lugar, vários
indicadores listados no documento de empréstimo medem insumos em vez de resultados. Como insumos são
geralmente mais fáceis de serem medidos, haverá uma
tentação em focar-se neles em detrimento dos indicadores de resultado de conservação e desenvolvimento,
que são mais difíceis porém mais necessários de serem
medidos.
Sills, Pattanayak, Ferraro & Alger |
Lei Chico Mendes
Durante a primeira gestão de Viana, a agência estadual
Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo (SEFE)
foi responsável por desenvolver alternativas econômicas compatíveis com a conservação para melhorar o
bem-estar de populações rurais tradicionais. O ponto
central dos esforços da SEFE foi o Programa da Borracha, ou Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Borracha, e no cerne desse programa estava
um subsídio governamental à borracha, também conhecido por Lei Chico Mendes. O objetivo imediato do subsídio é melhorar os padrões de vida dos seringueiros o
que, por sua vez, espera-se que reduza o desmatamento por encorajá-los tanto a permanecerem na floresta,
prevenindo a invasão de fazendeiros e criadores de gado
migrantes, como a se concentrarem na borracha, em
vez de expandirem suas atividades agrícolas.
O estado argumenta que o subsídio da borracha é
justificado como um pagamento por serviços ambientais. A maior parte da produção de borracha no Acre
ocorre em florestas nativas, e as poucas plantações de
seringueira no estado também fornecem serviços ambientais, como proteção de bacias hidrográficas e
seqüestro de carbono, embora com biodiversidade significativamente menor. A idéia de que esses serviços
sejam produzidos conjuntamente a produtos florestais
não-madeireiros não é exclusiva ao Acre. Por exemplo,
a Coordenadoria de Agroextrativismo do Ministério do
Meio Ambiente afirma que um de seus objetivos é o
crescente reconhecimento dos serviços ambientais
fornecidos por comunidades tradicionais. No caso da
borracha, pode haver inclusive benefícios à conservação in situ de diversidade genética, que também não é
refletida no preço de mercado (Davis, 1997).
A maior crítica à Lei Chico Mendes é que ela subsidia
uma atividade que não é mais viável economicamente.
A maioria dos economistas argumentaria que é mais
eficiente pagar diretamente pelos serviços ambientais
desejados (p.ex., Ferraro, 2001). Da perspectiva do governo, a dificuldade encontra-se na elaboração de um
mecanismo para selecionar, monitorar e pagar moradores rurais, através de todo o estado, pela conservação
de florestas. Um desafio é assegurar que os pagamentos alcancem os seringueiros, já que um dos objetivoschave é aumentar o seu padrão de vida. Um segundo
desafio é assegurar que os recebedores dos pagamentos estejam de fato conservando a floresta. O subsídio
da borracha pode ser interpretado como um mecanismo de incentivo prático que se dirige a ambos desafios. A não ser que o subsídio seja substancialmente
aumentado, é improvável a atração de novas pessoas
43
para a atividade seringueira, ou o encorajamento de
novas plantações de borracha. Portanto, o subsídio é
pelo menos, em certa medida, direcionado a si próprio:
somente seringueiros (os beneficiários almejados) extraem a borracha, e autofiscalizável: a produção de borracha requer uma floresta em pé.
Baseando-nos em registros da SEFE, sabemos que
entre 1999 e 2002 o governo estadual subsidiou mais
de 6,5 milhões de quilos de borracha em nome de 6.750
seringueiros em 37 diferentes associações, a um valor
de R$0,40 por quilo (posteriormente aumentado para
R$0,60 e R$0,70). Baseando-nos em estimativas estaduais da população de seringueiros (ZEE, 2000), o
subsídio alcançou mais que um terço das famílias de
seringueiros do Acre. Dependendo dos pressupostos e
períodos de tempo, o subsídio estadual gerou ao redor
de R$12,00 a R$20,00 por família por mês em média,
ou 16 – 25% do salário mínimo oficial. Todos esses são
indicadores de insumos do programa. As questões mais
fundamentais de avaliação são: quão mais altas são as
rendas sob o subsídio da borracha e qual é o impacto
que isso possui sobre a floresta.
Para avaliar esses impactos, dados sobre os recebedores do subsídio da borracha podem ser combinados
com pesquisas junto a moradores rurais do Acre na execução de uma análise ‘com-sem’ subsídio. Por exemplo, dados de uma pesquisa de 2002 demonstram que
a quantidade possuída de gado e a venda de produtos
pecuários (carne e leite) estão altamente correlacionados à participação no programa de subsídio da borracha (Sills & Saha, 2004). Mas será que isso significa que
os seringueiros que haviam começado a investir em
gado são direcionados de volta à extração de borracha
pelo programa (um resultado ambiental positivo), ou
que a renda incrementada pela borracha está sendo
investida em gado (um resultado ambiental negativo)?
Novamente, esse é um problema de seleção endógena,
com o resultado de interesse (gado) possivelmente afetando a participação no programa. Na verdade, nós
sabemos que os seringueiros são mais propensos a participar do programa se eles tiverem uma família grande
e se estiverem explorando um número grande de seringueiras, mas não reivindicam uma área grande de terra
(Sills & Saha, 2004). Isso parece sensato: aqueles com
maiores probabilidades de beneficiar-se do programa
são mais propensos a participar.
Para ilustrar os potenciais vieses resultantes da autoseleção, assuma que os seringueiros que têm mais a
ganhar do programa também têm inicialmente menores rendas e mais florestas. E assuma que renda e
cobertura florestal são indicadores dos resultados al-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
44 | Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
mejados pelo programa. Nesse caso, numa avaliação
baseada na comparação desses indicadores ‘antes-depois’ da participação do programa, o impacto na renda
seria provavelmente superestimado e o impacto na cobertura florestal subestimado. Por outro lado, numa
comparação ‘com e sem’ programa (uma comparação
de participantes e não-participantes), o efeito sobre a
renda seria provavelmente subestimado e o efeito sobre a cobertura florestal superestimado.
MÉTODOS
DE AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS
O campo da avaliação de programas fornece ferramentas que isolam os efeitos causais de projetos, programas e políticas, controlando efeitos de confusão, como
a seleção endógena. Embora a avaliação de programas
tenha sido aplicada a uma ampla variedade de intervenções relacionadas a políticas públicas (p. ex., redução de pobreza, capacitação para o trabalho, reabilitação de criminosos, saúde pública), ela raramente tem
sido utilizada na avaliação de políticas ambientais
(Bennear & Coglianese, 2005). Ferraro & Pattanayak
(2006) sugerem razões pelas quais esses métodos não
têm sido aplicados no campo da conservação e argumentam que isso representa uma oportunidade perdida de aprender da experiência e de direcionar, de
melhor forma, os limitados recursos da conservação.
Experimentos naturais
Uma estratégia de avaliação de programas é aproveitar
os conhecidos ‘experimentos naturais’ – situações em
que natureza ou acaso criaram grupos ‘tratamento’ e
‘controle’, p.ex., participantes e não-participantes no
programa sendo avaliado (Rosenzweig & Wolpin, 2000).
Ferraro & Pattanayak (2006) sugerem que desastres naturais podem “criar barreiras naturais que protegem ou
expõem florestas a pressões sociais de forma diferente. Ambos lados das barreiras naturais fornecem locais
comparáveis para avaliações. A natureza, em vez de
pessoas, seleciona as unidades com base no acaso, e
assim elimina o viés na seleção”. Mais freqüentemente,
algum elemento aleatório de política governamental cria
um experimento. Por exemplo, Wood & Walker (2004)
afirmam que políticas emergenciais de regularização
fundiária na região do Araguaia-Tocantins resultaram
em uma alocação aleatória de títulos de terra para alguns fazendeiros e não a outros, permitindo-lhes inferir sobre o impacto do status de posse sobre o uso da
terra. Olinto et al. (2003) e Morris et al. (2004) estudaram o impacto da Bolsa Alimentação na nutrição,
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
através da comparação entre participantes do programa e pessoas elegíveis a participar, mas que foram
acidentalmente excluídas das listas devido a erros no
banco de dados dos computadores.
Fronteiras políticas e administrativas são outro tipo
de experimento natural. O empréstimo do BID para o
PDSA fornece ao Acre meios de melhorar o acesso a
estradas e, simultaneamente, implementar políticas que
tragam benefícios, regulamentação, crédito e outros
mercados à região. Embora estados vizinhos possam
seguir políticas similares no longo prazo, o empréstimo criará um experimento natural no curto prazo: tanto o Acre como o estado vizinho do Amazonas serão
impactados pela estrada, mas somente o Acre beneficiar-se-á de outras políticas elaboradas para promover
o manejo florestal sustentável. Além disso, no Acre as
atividades do programa serão direcionadas a áreas específicas, permitindo comparações entre municípios dentro do estado. Com um desenho amostral cuidadoso, uma
pesquisa poderia incluir domicílios que apresentam diferenças no acesso a mercados e em outras políticas,
nas escalas temporal e espacial, criando uma oportunidade de identificar os efeitos do ‘tratamento’ somente
com o melhoramento do acesso à estrada, e com o ‘pacote modernizador’ mais completo proposto pelo PDSA.
A desvantagem de experimentos naturais é que eles
raramente envolvem uma aleatorização perfeita. Por
exemplo, os mesmos fatores que auxiliaram o Acre a
receber o empréstimo do BID – histórico de organização social das populações dependentes da floresta,
apoio popular a políticas de conservação de florestas –
também poderiam influenciar os resultados. Em termos
técnicos, domicílios são heterogêneos tanto em características observáveis (p. ex., capital natural) como em
não-observáveis (p. ex., preferências por tipo de trabalho). Essa heterogeneidade pode estar relacionada aos
limites municipais e estaduais, sendo o ‘tratamento’
neste caso não distribuído aleatoriamente através das
famílias (ou comunidades) e, portanto, sujeito ao viés
de seleção. Controlar tais diferenças requer outros passos: medir as condições de baseline (p. ex., desmatamento e bem-estar), examinar covariáveis relevantes nos
domicílios (outros fatores que afetem o desmatamento
e o bem-estar, e fatores que influenciem o alcance da
política) e aplicar métodos estatísticos para construir
grupos controle.
Baselines, covariáveis, e grupos controle
Baselines, mensuração de covariáveis e grupos controle
são os três métodos interdependentes básicos para lidar com efeitos de confusão em qualquer pesquisa cien-
Sills, Pattanayak, Ferraro & Alger |
tífica (Ferraro & Pattanayak, 2006). Baselines medem
condições e comportamentos anteriores à intervenção,
e assim controlam condições iniciais que poderiam afetar as medidas de eficácia do programa. Covariáveis são
fatores observáveis que também influenciam a medida
de resultado; esses fatores podem ser socioeconômicos, biofísicos, econômicos ou institucionais. Grupos
controle são indivíduos, comunidades ou áreas não submetidos à intervenção, mas que em outros aspectos são
similares (em geral). Esses métodos são aplicáveis mesmo que um experimento natural não esteja disponível.
Para organizar as idéias, discutimos a Lei Chico Mendes.
Como descrito anteriormente, ao combinar registros
administrativos do subsídio da borracha no Acre com
dados de levantamentos domiciliares, podemos fazer
comparações entre domicílios beneficiados ou não pelo
subsídio. Como a participação do programa é voluntária, necessitamos informações adicionais para construir
um grupo controle que seja válido. Tais informações
poderiam ser uma baseline, p. ex., informações sobre o
indicador de resultado relativo à posse de gado antes
do subsídio da borracha. No entanto, ainda não seríamos capazes de identificar se os domicílios participantes foram motivados por (ou focados devido a) fatores
não observados específicos. Portanto, poderíamos utilizar informações sobre as características dos domicílios que são determinantes exógenas da participação
do programa de subsídio e de resultado. Alguns estudos tentam aproximar-se desse desenho amostral ao
perguntar questões retrospectivas (p. ex., Walker et al.,
2000; McCracken et al., 2002), porém a confiabilidade
de dados recordados não é bem fundamentada (Rindfuss
et al., 2003).
Outra estratégia de obtenção de baselines e covariáveis é definir a unidade de análise – como um município ou cidade – e usar dados secundários de levantamentos, como a Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílios (PNAD). Obviamente, tal estratégia requer
que o resultado e as covariáveis de interesse sejam registrados no levantamento. Por exemplo, Pianto & Soares (2004) avaliam o impacto do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) utilizando dados da PNAD
e aproveitando-se do fato de que o PETI foi executado
em fases, em municípios distintos em anos diferentes.
Clark et al. (2004), da mesma forma, utilizam dados secundários para avaliar o impacto da privatização da água
e de sistemas de saneamento no Paraná. Em ambos
casos, os autores têm acesso aos resultados médios municipais (p. ex., número de crianças trabalhando em
atividades degradantes ou perigosas, número de domicílios com água encanada) antes e depois da interven-
45
ção política. Eles utilizam informações sobre os níveis
baseline dos resultados e covariáveis relevantes para
identificar grupos controle e construir o controle experimental ex post facto, empregando os métodos estatísticos que nós descrevemos adiante.
Análise estatística
As técnicas estatísticas – ou econométricas – utilizadas
em avaliação de programas permitem que relações causais hipotéticas entre as atividades do programa e os
resultados almejados sejam testadas. Essas técnicas levam em conta tanto o cenário observado como cenários hipotéticos, ou seja, tanto o efeito do programa
de intervenção sobre os participantes como o que ocorreria aos mesmos participantes em situações hipotéticas ‘sem intervenção’. Nós focamos em métodos de
“emparelhamento”(matching), assim chamados por combinar (ou, emparelhar) áreas (ou domicílios) de um programa com áreas (ou domicílios) “muito similares” que
não participam do programa. Esses pares não-participantes servem como um controle experimental ex post
facto. Antes de nos voltarmos ao emparelhamento, revisamos primeiramente um método econométrico mais
convencional: Variáveis Instrumentais (VI). Baker (2000)
fornece uma visão geral e não técnica de ambos métodos no contexto de avaliação de programas.
O método da Variável Instrumental depende de fatores exógenos que influenciam a intervenção, mas não
o resultado da conservação. É similar ao ‘experimento
natural’ pois o ‘instrumento’ (como a ‘natureza’) quebra a relação circular entra a intervenção e o resultado.
Por exemplo, no exemplo discutido em Experimentos
Naturais, os limites estaduais ou municipais são instrumentos eficazes que são correlacionados à intervenção, mas não necessariamente ao resultado. Uma das
mais bem conhecidas aplicações da abordagem VI a
recursos naturais é um estudo sobre como o manejo
florestal comunitário afeta a coleta de lenha no Nepal.
Edmonds (2002) utiliza a presença de programas de
extensão e postos de fiscalização florestal para explicar a formação de grupos de manejo locais. Ele demonstra que essas variáveis não estão relacionadas à coleta
de lenha e, portanto, são instrumentos válidos. Ele então testa se esses grupos de manejo influenciam a coleta de lenha. A abordagem ‘VI’ e sua semelhante ‘função controle’ são freqüentemente utilizadas em programas sociais, por exemplo, em estimativas de regressos ao sistema educacional (Card, 2001; Heckman &
Navarro-Lozano, 2004). No entanto, como Ferraro &
Pattanayak (2006) advertem, “em geral, boas variáveis
instrumentais são difíceis de serem encontradas. O uso
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46 | Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
da abordagem VI tipicamente requer uma mescla de intuição teórica clara, dados secundários de boa qualidade e uma sólida compreensão das condições de campo”.
O objetivo dos métodos de emparelhamento (matching)
é identificar um grupo de comparação que seja “muito
similar” ao grupo submetido à intervenção (Heckman
et al., 1997). Na verdade, idealmente haveria somente
uma diferença chave: o grupo de comparação não teria
participado do programa. Considere o caso do subsídio da borracha no Acre. O método de emparelhamento pressupõe que a participação do programa pode ser
explicada segundo as características observáveis dos
participantes. Conseqüentemente, o analista pode
combinar cada domicílio que recebe o subsídio com o
domicílio equivalente, ou seja, um domicílio com as
mesmas características, mas que não tenha recebido o
subsídio. Os domicílios em cada par combinado têm
idênticas probabilidades de participar do programa da
borracha. O impacto do subsídio da borracha nos participantes – o efeito causal do programa da borracha –
pode ser calculado como a diferença média dos resultados entre os domicílios subsidiados e os não subsidiados, em cada par combinado.
Um dos melhores e mais utilizados métodos de emparelhamento é o de emparelhamento por nota de propensão (propensity score matching). Ele aborda um problema prático do emparelhamento: quando o número
de características utilizadas na combinação é aumentado para melhorá-la, torna-se impossível encontrar um
par exato para cada participante. Rosenbaum & Rubin
(1983) demonstraram que, em vez de parear participantes e não-participantes em todas as características
observadas, poder-se-ia parear baseando-se na probabilidade de participação. A probabilidade é a nota de
propensão (propensity score), tipicamente estimada de
um modelo estatístico de participação em função de
fatores ecológicos, socioeconômicos, institucionais e
geográficos (Ferraro & Pattanayak, 2006). Uma característica importante da abordagem de emparelhamento
é que ela é não-paramétrica e assim evita os pressupostos sobre distribuição e as restrições de modelos
de regressão que estimam resultados como função de
características observadas.
Métodos de emparelhamento têm sido amplamente
utilizados em países em desenvolvimento na identificação e estimativa de impactos causais de políticas
sociais. Estudos publicados investigam o impacto de
4
Lei americana de proteção às espécies ameaçadas.
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programas escolares na educação infantil (Behrman et
al., 2005), transferências de dinheiro sobre o crescimento de crianças (Morris et al., 2004), fornecimento de
água encanada sobre diarréia infantil (Jalan & Ravallion,
2003a), fundos de investimento sociais sobre infraestrutura pública e saúde (Rawlings et al., 2004) e de
um programa antipobreza sobre a renda (Jalan &
Ravallion, 2003b). Por exemplo, Morris et al. (2004) e
Olinto et al. (2003) empregaram métodos de emparelhamento para demonstrar que, nas primeiras fases, o
programa Bolsa Alimentação resultou em um consumo
de alimentos maior e mais diverso, mas em menor ganho de peso entre crianças. Eles sugerem que isso possa
ser devido ao fato de que o acesso a programas governamentais anteriores (ou seja, o Incentivo para o Combate de Carências Nutricionais) havia sido condicionado a crianças com peso abaixo do normal. Pianto &
Soares (2004) também utilizam métodos de emparelhamento para avaliar o impacto do PETI. Eles descobriram que o programa realmente diminuiu o trabalho infantil. Renda e matrícula escolar também aumentaram
em municípios onde o PETI havia sido implementado,
mas quando esses municípios foram comparados com
municípios similares mas não beneficiados pelo PETI,
não havia diferença. Em ambos casos, métodos de emparelhamento desvendaram os efeitos de importantes programas sociais, identificando relações causais
de resultados de interesse.
No campo dos recursos naturais, estamos somente
conscientes de alguns poucos trabalhos que demonstram o uso do método de emparelhamento por nota de
propensão para avaliar os impactos de distúrbios florestais sobre serviços florestais (Pattanayak, 2004), da
queima preventiva sobre incêndios descontrolados
(Butry et al., 2005), da gestão descentralizada sobre a
cobertura florestal na Índia (Somanathan et al., 2005) e
do Endangered Species Act4 sobre a recuperação de espécies (Ferraro et al., 2005). Em um estudo em andamento, estamos examinando proprietários de terras com
floresta na Costa Rica utilizando vários métodos de
amostragem para encontrar os melhores pares potenciais entre participantes e não-participantes do programa de pagamentos por serviços ambientais, e estamos
estimando o impacto dos pagamentos sobre a cobertura florestal (Sills et al., 2005). Edmonds (2002) e Bui Dung
(2005) apresentam outras formas de emparelhamento
Sills, Pattanayak, Ferraro & Alger |
para avaliar o efeito de grupos de usuários da floresta
sobre a coleta de lenha no Nepal, e o de pagamentos
em dinheiro sobre a adoção de práticas de exploração
florestal sustentável no Vietnam.
E XPERIMENTOS
DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Todas as sofisticadas ferramentas da econometria descritas anteriormente essencialmente compensam a falta de controles experimentais, o que sugere que uma
abordagem mais simples seja a implementação de experimentos de campo nos quais intervenções sejam
designadas aleatoriamente através de indivíduos, comunidades ou regiões (Greenberg et al., 2003). Se feito
de maneira correta, o desenho experimental assegura
que potenciais fatores que possam gerar confusão
sejam equilibrados através de unidades controle e unidades sob intervenção, sendo que assim quaisquer
diferenças nos resultados entre as duas possam ser atribuídas à intervenção. No campo do desenvolvimento
econômico, tem havido experimentos que testam os
efeitos do micro-crédito sobre o bem-estar familiar e
da desparasitação infantil sobre a performance escolar.
Profissionais da conservação poderiam implementar
experimentos aleatorizados para examinar a eficácia de
intervenções, como pagamentos por serviços ambientais ou educação conservacionista.
Portanto, por que não se executa somente experimentos reais de políticas públicas? Afinal de contas, a
maioria dos projetos e programas exclui alguns beneficiários potenciais. Se essa exclusão fosse aleatória e os
dados fossem coletados sobre os excluídos, haveria
evidência direta e inequívoca dos impactos. Mas experimentos são difíceis, pois a localização de intervenções reflete demandas sociais e cálculos políticos.
Alguns dos desafios de avaliações experimentais incluem (a) a questão ética e política ao negar-se a intervenção no grupo ‘controle’; (b) dificuldade na definição de
um grupo controle caso o experimento seja numa escala nacional ou ecoregional; (c) contaminação cruzada
do grupo controle ou tratamento devido ao movimento de pessoas ou espécies; e (d) recursos insuficientes
para considerar todas as permutações e combinações
potenciais de políticas públicas. Portanto, os métodos
quase-experimentais e econométricos de avaliação de
programas podem representar a abordagem mais viável. Como argumentamos anteriormente, eles podem
ser utilizados para testar e identificar rigorosamente
quais intervenções são mais eficazes, especialmente
com a coleta de dados baseline em uma amostra cuidadosamente planejada, que inclua tanto grupos tratamento como controle.
47
S ÍNTESE
Neste artigo, introduzimos métodos de avaliação quase-experimentais ilustrados por exemplos de políticas
conservacionistas no estado do Acre. Esses métodos
de avaliação de programas abrangem desenho experimental, coleta de dados e análise estatística. Não há
uma solução genial que funcionará em todas situações;
por exemplo, experimentos naturais ou boas variáveis
instrumentais estarão disponíveis somente em alguns
casos. Como descrito por Ferraro & Pattanayak (2006),
profissionais da conservação poderiam fazer melhoramentos crescentes em avaliação, primeiro, simplesmente coletando dados sobre covariáveis; segundo, se os
recursos permitirem, coletando dados adicionais sobre
grupos controle; e terceiro, caso seja possível o planejamento antecipado, coletando dados baseline. Os recursos dedicados à avaliação de programas claramente
irão (e devem) variar através de diferentes intervenções
conservacionistas. Nossa preocupação é a de que há
pouca ou nenhuma aplicação atual à conservação da
biodiversidade, dessa forma frustrando a nossa capacidade de identificar, planejar e justificar intervenções
eficazes. Isso é mais crítico para programas novos em
suas fases piloto, como o Pró-Ambiente, ou gestões
como a do Governo da Floresta no Acre, que busca estabelecer um exemplo para o resto da região. No entanto, qualquer projeto conservacionista que assimile
os métodos e medições revisados nesse artigo farão
uma vital contribuição em direção ao preenchimento
da grande lacuna no nosso conhecimento sobre os mais
eficazes investimentos em conservação.
A GRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer o apoio à pesquisa no Acre
à Fundação Ford, ao IMAZON, ao governo do Acre, e à
Universidade Estadual de Carolina do Norte (EUA).
Shubhayu Saha contribuiu para a análise e Gardênia de
Oliveira Salas e Maria Lúcia R. Santos coletaram dados
sobre o Programa de Borracha. A pesquisa recebeu
apoio também da Fundação Gordon e Betty Moore, através do Centro para Pesquisa Aplicada à Biodiversidade.
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48 | Abordagens analíticas na avaliação de impactos reais de programas de conservação
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Considerações sobre a viabilidade econômicaambiental da Hidrovia Paraguai-Paraná
ELEONORA RIBEIRO CARDOSO1*
WILSON CABRAL DE SOUSA JR2
EULINDA LOPES3
MARCOS AMEND4
1
2
3
4
Centro Universitário Cândido Rondon, Mato Grosso, Brasil.
Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, São Paulo, Brasil.
Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso, Brasil.
Programa Brasil do Conservation Strategy Fund – CSF, Minas Gerais, Brasil.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
Dada a proposição do projeto de expansão da Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP), num cenário de
grande impacto social, econômico e ambiental, o presente estudo se propôs a avaliar a inserção da Hidrovia Paraguai-Paraná na matriz logística de escoamento da produção de soja produzida no estado de Mato Grosso, tendo como base uma avaliação das alternativas atuais de
menor custo de transporte. As análises empreendidas foram de custos e benefícios, sob o
ponto de vista da sociedade – ACB ampliada. Os resultados para 4 cenários avaliados apontam
problemas de viabilidade, boa parte deles associados às externalidades ambientais e às limitações de transferência de carga para o modal hidroviário.
ABSTRACT
Under the scenario of the Paraguai-Paraná waterway extending, and its social, environmental
and economic impacts, this study presents an analysis of the waterway insertion on the logistic
structure of Mato Grosso State soybean transportation. Social cost-benefits analysis have been
made for 4 distincts scenarios and the results has been shown feasability problems, most of them
related to environmental externalities and limitations on the charge transfering possibilities to
the waterway route.
I NTRODUÇÃO
Na América do Sul há um sistema fluvial denominado
Paraguai-Paraná que corre em direção sul e atravessa
cinco países – Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uru-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
guai. Drenando a Bacia do Prata, esse sistema abrange
uma área de 1,75 milhão de quilômetros quadrados e
forma uma via navegável de 3.442 quilômetros, que se
inicia no município de Cáceres, no Estado de Mato Grosso – Brasil, percorre território brasileiro até a foz do
Cardoso, Sousa Jr., Lopes & Amend |
rio Apa, quando então segue por território do Paraguai,
depois pela Argentina, desembocando no rio Paraná.
Continua como via navegável até o porto de Nueva
Palmira, no Uruguai, na costa atlântica, na sua desembocadura entre Argentina e Uruguai. Perfaz então um
percurso de 2.202km no rio Paraguai e 1.240km no rio
Paraná, num total de 3.342km.
Os Rios Paraguai e Paraná sempre foram utilizados
pela população da região como via de transporte. Se
caracterizam como via fluvial contínua, atualmente
denominada de Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP), tendo
início no município de Cáceres, no estado de Mato Grosso, Brasil, até sua desembocadura na Bacia do Prata,
entre Argentina e Uruguai.
Quando, em 1991, foi formado o Mercosul – Mercado Comum do Cone Sul – pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, envolvendo cerca de 200 milhões de
pessoas com um produto regional bruto em torno de
US$500 milhões anuais, a HPP tornou-se estratégica por
atravessar, justamente, estes quatro países e por estes
apresentarem carências graves no tocante à infraestrutura de transportes.
Estes rios atravessam grandes extensões de planícies alagadas, sendo a mais importante o Pantanal –
por ser um ecossistema único com abundância de fauna
selvagem, aves aquáticas, pássaros costeiros migratórios e grande potencial pesqueiro. Representa também
uma das maiores áreas alagadas de água doce no mundo. Situa-se predominantemente no Brasil, porém estende-se também pela Bolívia e Paraguai.
Em abril de 1989 iniciaram-se estudos pelo grupo
de trabalho ad hoc, concluídos em 1990, na forma do
Relatório Final do Estudo de Viabilidade Econômica,
elaborado pela INTERNAVE, reunindo representantes
dos cinco países da Bacia do Prata – Argentina, Bolívia,
Brasil, Paraguai e Uruguai – que compunham o Comitê
Intergovernamental da Hidrovia Paraguai-Paraná. Este
estudo pretendia avaliar – sob o ponto de vista de um
investidor (representando o contribuinte brasileiro) –
o retorno mínimo de 12% anuais do investimento feito
com a implantação e operação do projeto aprovado
pelos cinco governos, de modo a gerar recursos suficientes para a amortização dos empréstimos, remunerar o capital e pagar seus custos de operação, minimizando o impacto fiscal para o contribuinte.
Estimativas preliminares orçaram um investimento
inicial entre US$1,1 a 1,3 bilhão aproximadamente, em
um horizonte de execução de 25 anos (1990-2015). No
Brasil, os gastos públicos exigidos, a fundo perdido,
situariam-se acima de US$580 milhões diretamente,
além das despesas assumidas indiretamente através de
51
empréstimos internacionais junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, com ações sociais
de apoio às populações envolvidas na área de influência do projeto, bem como com o ressarcimento (internalização) dos custos ambientais derivados da maciça
intervenção no rio Paraguai. Isso implica, nesta relação,
que ao Brasil caberia mais de 50% do investimento.
Vários relatórios não governamentais de avaliação
dos impactos econômicos e ambientais que poderiam
resultar da implantação da HPP foram produzidos –
como os da WWF (WWF et al., 1994) e do Wetlands for
the Americas – que acabaram por fazer com que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), financiador do projeto, rejeitasse o relatório da INTERNAVE Engenharia e solicitasse que novos estudos fossem
efetuados.
Assim, em 1995 o Comitê Intergovernamental da
Hidrovia (CHI), representando os quatro países, encomendou dois estudos, vinculados entre si, para realizarem uma nova avaliação dos impactos: econômicos
(Análise Econômica e de Engenharia) e ambientais (Estudo de Impacto Ambiental – EIA), realizados por consórcios de empresas de consultoria.
O consórcio responsável pela análise econômica e
de engenharia – Hidroservice, Louis Berger e EIH, empresas doravante denominadas coletivamente HLBE; e
o responsável pelo estudo de impacto ambiental (EIA)
– Taylor Engeneering Inc., Golder Associates Ltda., Consular Consultores Argentinos Associados S.A. e Connal
Consultora Nacional, empresas denominadas doravante
de TGCC; foram as responsáveis pelos estudos encomendados.
Financiado pelo BID (US$11 milhões para ambos) os
estudos que duraram 18 meses concluíram que o Projeto era viável tanto do ponto de vista econômico e de
engenharia, quanto ambiental, visto que os impactos
ambientais seriam “irrelevantes”.
Novamente grupos de peritos internacionais consultores foram requisitados por organismos de proteção
ambiental, para a revisão destes documentos produzidos. Inúmeras fragilidades conceituais, processuais,
além de erros de cálculo foram identificadas, a ponto
de até poderem modificar as conclusões obtidas pelos
consórcios que produziram os estudos.
Estudos da WWF apontaram que “os erros do HLBE
contribuem para valorizar em excesso os benefícios do
Projeto e menosprezam seus custos” (WWF,1999).
Além disso, verificou-se que os países que mais se
beneficiariam com a HPP seriam Argentina e Bolívia,
daí serem os maiores defensores do projeto. Brasil e
Paraguai utilizariam menos a hidrovia para o trans-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
52 | Considerações sobre a viabilidade econômica-ambiental da Hidrovia Paraguai-Paraná
porte da produção de soja, tanto em termos absolutos,
quanto relativos. Seria necessário que toda a produção de soja brasileira fosse transportada pela HPP para
que o Projeto oferecesse maiores vantagens relativas
ao país.
O HLBE realizou uma avaliação com base em 21 cenários (um cenário base e os demais alternativos,
interrelacionados), visando a melhoria da navegação no
sistema fluvial em foco. Na elaboração da análise econômica e de engenharia, as conclusões apontaram
viabilidade econômica em todos eles. No entanto, observaram-se fragilidades, tal como em um dos cenários
alternativos, o B2/F2E1 (que acomodaria rebocadores
com chatas de um por dois metros em um canal de 1,8
metro de profundidade), entre o trecho Corumbá e
Cáceres (MS e MT, Brasil) – em que é obtido um elevado Valor Presente Líquido (VPL = US$148,65) e uma
significativa Taxa Interna de Retorno (TIR = 28,45%) – a
construção da HPP seria economicamente viável CASO
a ferrovia Ferronorte (ligando Cuiabá a Santos1) não
fosse concluída.
Todavia, esta ferrovia já está concluída até o município de Alto Taquari, em Mato Grosso, e para ela já é
direcionada boa parte da produção de grãos do Estado
mato-grossense.
Frente às celeumas geradas pelas contestações desses estudos, pôde-se reavaliar a viabilidade da implantação da HPP, pelo menos no trecho Cáceres (MT) até
o porto de Corumbá (MS), justamente o trecho mais
problemático – o que atravessa o Pantanal de Mato
Grosso.
Para esta reavaliação, o ponto de partida foi o de se
contar com a produção de soja exclusivamente produzida no estado de Mato Grosso e somente a que poderia ter o escoamento canalizado para a hidrovia. Com
isso, pôde-se proceder a uma avaliação da viabilidade
financeira (com inserção de variável ambiental) da implantação da HPP no trecho considerado.
Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica,
na qual o método de investigação aplicado foi o de levantamento de dados pertinentes às modalidades de
transporte de grãos no estado de Mato Grosso. Para a
compreensão do fenômeno, o método de aprendizagem adotado foi o indutivo – uma modalidade de produção (soja), com um fim (exportação), de uma fonte
produtora (Mato Grosso) subdividida em setores produtivos (cinco micro-regiões). De posse destas informações e configuração da situação atual (cenário atual), recorre-se ao Método de Prognóstico que permite
criar os cenários de alternativas possíveis com inclusão
da HPP. A partir daí, recorre-se ao Método Analítico para
a compreensão destas ‘partes’( alternativas atuais e alternativas possíveis) e sua inserção no todo.
O material utilizado foi a bibliografia técnica disponível, preferencialmente a oficial – publicações periódicas, impressos diversos e livros de referência.
Assim, a análise centrou-se apenas na produção matogrossense de soja para exportação, considerando os
totais da produção exportável das cinco micro regiões
do Estado: região Norte, Sudeste, Centro-leste, Leste e
região Oeste, com suas respectivas cidades pólo.
A análise desses dados possibilitou aferir que, atualmente, a alternativa disponível ou o eixo preferencial
de menor custo é o modal rodo-ferroviário, com a opção da ferrovia Ferronorte e a da rodovia BR-364 (que
liga a região Norte, ao Centro-Oeste e Sul do país).
Apenas a região Oeste do Estado adota o modal rodohidroviário, com a opção pela Hidrovia Madeira/Amazonas (porto de Itacoatiara) e rodovia BR-364.
Para análise das alternativas possíveis, foram
adotados cenários onde os custos de transportes referentes à migração destes eixos ao modal Rodo-Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) são estimados. E daí são aferidos os custos de cada modal sob a nova opção da
HPP, aplicando-se uma análise comparativa entre as alternativas de menor custo.
D ELIMITAÇÕES
RESUMO DESCRITIVO DO PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DA
HIDROVIA P ARAGUAI -PARANÁ (ALTERNATIVA POSSÍVEL)
TÉCNICAS E METODOLÓGICAS
A presente análise se propõe a avaliar a inserção da
HPP na matriz logística de escoamento da produção de
soja produzida no estado de Mato Grosso, tendo como
base uma avaliação das alternativas atuais de menor
custo de transporte.
1
O Projeto da HPP pretendia tornar a hidrovia navegável
diuturna e anualmente, com um calado mínimo de 3
metros, desde Cáceres, em Mato Grosso até o porto de
Nueva Palmira, no Uruguai, ao longo de 3.303km. As
FERRONORTE – ferrovia que ligaria a produção agrícola mato-grossense de Cuiabá - MT ao porto de Santos – SP, no litoral Atlântico.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Cardoso, Sousa Jr., Lopes & Amend |
obras de engenharia previam (i) alteração dos leitos dos
rios Paraguai e Paraná com a dragagem para abertura e
manutenção de canais com um mínimo de 50 metros
de largura e 3 metros de profundidade; (ii) retificação e
corte de curvas, com redução de 62km no trecho brasileiro entre Cáceres e Ponta do Morro, no rio Paraguai;
(iii) remoção de afloramentos rochosos; (iv) construção
de 32 diques para fechamento de braços de rio entre
Cáceres e Corumbá; (v) além de enrocamentos de proteção de taludes, com previsão de dragagem de 86,6
milhões de m³.
Para alcançar estes objetivos, a hidrovia deveria receber a implantação e manutenção do balizamento necessário. E os portos receberiam investimentos para
dragagem e construção de berços, modernização e
reequipamento dos terminais de embarque e desembarque. Além disso, a frota se modernizaria com a incorporação de novas chatas e empurradores.
Caracterização do problema
A necessidade de diminuir os custos de transporte de
soja para tornar o produto mais competitivo no mercado internacional, através da construção da HPP, traz
consigo a possibilidade de impactos irreparáveis ao
ecossistema do Pantanal de Mato Grosso. A dragagem
e retificação dos canais causaria um aumento na vazão
dos principais rios da região, o que resultaria numa diminuição considerável (entre 45 e 50 cm) no nível da
água nos locais alagados do Pantanal. Esta redução do
volume hídrico certamente afetaria drasticamente o
equilíbrio ambiental local.
O problema reside em avaliar quantitativamente as
possíveis externalidades do processo e seus efeitos na
análise global do projeto.
Hipótese
A hipótese que orienta o desenvolvimento deste estudo é a de que, na ocorrência de externalidades negativas (ou custos ambientais), a internalização desses
custos ambientais (CA) no processo superará os benefícios líquidos (BL) resultantes do projeto, tornando o
valor líquido presente (VLP) negativo.
H0 VLP = BL – CA < 0
H1 VLP = BL – CA >
=0
Objetivo geral
Analisar a eficiência econômica da implantação da HPP
como alternativa às opções modais existentes no Estado de Mato Grosso, para o escoamento da exportação
de soja.
O BJETIVOS
53
ESPECÍFICOS
1. Analisar os modais de transporte em operação em
MT para o escoamento da soja, sob seus aspectos
financeiros.
2. Estimar as diferenças entre o VPL (ACB) do cenário
atual e de um cenário supondo a implantação da HPP.
3. Estimar valores mínimos dos danos ambientais que
inviabilizam a implantação da HPP.
Premissas metodológicas adotadas
Para a elaboração dos cenários (método de prognósticos), foram adotadas as seguintes premissas (Condições
de Restrição ao Modelo adotado):
• considerado apenas transporte de soja para exportação;
• trechos e produção referentes somente ao estado
do Mato Grosso;
• valor do frete não varia no tempo;
• a projeção da produção de soja foi estimada em uma
função logarítmica de tendência, com base em valores dados no ano 2000 e projetados para 2005
(GEIPOT 2001);
• o crescimento relativo da quantidade de soja produzida será igual em todas as regiões do Estado de Mato
Grosso;
• preço FOB (free on board) da soja igual em todos os
portos;
• análise feita sempre pela opção de menor custo;
• a Análise Custo-benefício (ACB) foi estimada, considerando uma taxa de desconto de 12% em um horizonte de análise de 40 (quarenta) anos.
As rotas para escoamento da produção estão descritas a partir dos pólos regionais de concentração de cargas, descritos na Tabela 1 e demonstrados Figura 1.
TABELA 1 – Pólos regionais de concentração de cargas.
REGIÃO
PÓLO
Norte
Sorriso
Sudeste
Rondonópolis
Centro-leste
Nova Xavantina
Leste
Primavera do Leste
Oeste
Campo Novo dos Parecis
Fonte: GEIPOT (2001)
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
54 | Considerações sobre a viabilidade econômica-ambiental da Hidrovia Paraguai-Paraná
FIGURA 1 – Rotas de escoamento da produção de soja – linha verde: rodovia com pavimentação – linha verde tracejada:
rodovia sem pavimentação – linha azul: via navegável – linha tracejada vermelha: ferrovia.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Cardoso, Sousa Jr., Lopes & Amend |
55
O modelo lógico adotado para o estudo está ilustrado na Figura 2.
Resultados
Os resultados do estudo foram baseados na estimativa
de produção mato-grossense de soja para exportação,
demonstrados na Figura 3. Então, a partir daí foram
elaborados os cenários em que se daria a utilização da
Hidrovia Paraguai-Paraná (trecho Cáceres /MT –
Corumbá /MS), conforme demonstração a seguir.
FIGURA 2 – Modelo lógico de análise.
16.000
14.000
1.000 ton
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
2040
2036
2032
2028
2024
2020
2016
2012
2008
2004
2000
0
ano
FIGURA 3 - Estimativas da produção de soja - Mato Grosso.
Fonte: GEIPOT, 2001 – adaptado, 2002 (a projeção da produção de soja foi estimada em uma função logarítmica de tendência, com base em
valores dados no ano 2000 e projetados para 2005).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
56 | Considerações sobre a viabilidade econômica-ambiental da Hidrovia Paraguai-Paraná
C ENÁRIO 1
C ENÁRIO 2
Situação atual do transporte HHP com migração de 50%
da soja da região norte SEM inclusão variável ambiental
Implantação da hidrovia (HHP) com migração de 100%
da soja da região norte
TABELA 2 – Parâmetros do Cenário 1.
TABELA 3 – Parâmetros do Cenário 2.
PARÂMETRO
Restrição da capacidade
de carga no período seco
Custo do transporte na hidrovia
Custo do transporte opção HPP
Custo do transporte opção Ferronorte
Custo de implantação da HPP
VALOR
UNIDADE
152.083
Ton
0,008
VALOR
UNIDADE
Custo do transporte na hidrovia
0,008
US$/ton.Km
US$/ton.Km
Custo do transporte opção HPP
51,08
US$/ton
US$/ton
Custo do transporte opção Ferronorte
62,67
US$/ton
62,67
US$/ton
Custo de implantação
da HPP
1.300.000.000,00
US$
0
US$
Custo de manutenção/
operação da HPP
4.800
US$/Km
Percurso total HPP
3.340
Km
12
%/ano
- 437.793.256,08
US$
51,08
Custo de manutenção/
operação da HPP
4.800
US$/Km
Percurso total HPP
3.340
Km
Dano ambiental hipotético
(limiar de inviabilidade)
–––––
US$/ano
12
%/ano
Valor presente líquido total 50.352.884,93
US$
Taxa de desconto
Simulação
• Carga = 730.000 t (50% do volume de soja da região
norte, pela capacidade atual de suporte da HPP);
• Custo de Implantação da HPP = zero (Ø);
O cenário 1 representa a situação atual de transporte na Hidrovia Paraná- Paraguai (HPP), com a migração
de 50% do volume de soja da região Norte (dada a capacidade atual de suporte da HPP) que, comparada com o
transporte modal rodo-ferrovia, resulta em redução nos
custos de frete.
O Valor Presente Líquido (VPL) é positivo, indicando
um resultado preliminar favorável ao uso da hidrovia
nas condições atuais. Vale ressaltar que no cálculo deste VPL não foram considerados os danos ambientais da
operação da hidrovia.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
PARÂMETRO
Taxa de desconto
Valor presente líquido
40 anos
Simulação
• Carga = 1.460.000 t (volume total de soja da região
norte, carga acima da capacidade de suporte da HPP);
• Custo de Implantação da HPP = US$1.300.000.000,00.
O cenário 2 representa a situação de transporte com
expansão da capacidade atual de suporte da HPP, indicando a implantação da HPP, com custos estimados em
US$ 1.300.000.000,00 (um bilhão e trezentos milhões
de dólares). Como a análise de sensibilidade demonstrou que o modelo era sensível à variação de cargas,
consideramos a migração para a HPP de 100% do volume de soja da região Norte, valores estes que são superiores à atual capacidade de suporte da HPP (apontando a necessidade de implantação do projeto Hidrovia
com seus custos sendo distribuídos ao longo de 25
anos).
Pode-se observar que o VPL calculado foi negativo
na ordem de US$ 437.793.256,08 (quatrocentos e trinta e sete milhões, setecentos e noventa e três mil, duzentos e cinqüenta e seis dólares e oito centavos), indicando um resultado preliminar desfavorável ao uso da
hidrovia. Vale ainda ressaltar que neste Cenário ainda
não foram considerados os danos ambientais da operação da hidrovia no cálculo do VPL.
Cardoso, Sousa Jr., Lopes & Amend |
57
C ENÁRIO 4
C ENÁRIO 3
Implantação da HPP com migração de 100% da soja das
regiões norte e sudeste
Situação atual transporte HHP com migração de 50% soja
região norte COM inclusão variável ambiental (VPL zero)
TABELA 5 – Parâmetros do Cenário 4.
TABELA 4 – Parâmetros do Cenário 3.
PARÂMETRO
PARÂMETRO
VALOR
UNIDADE
Quantidade de soja transportada
região Norte e Sudeste
2.340.000
Ton
VALOR
Restrição da capacidade
de carga no período seco
UNIDADE
152.083
Ton
Custo do transporte na hidrovia
0,008
US$/ton.Km
Custo do transporte na hidrovia
0,008
US$/ton.Km
Custo do transporte opção HPP
Custo do transporte opção HPP
51,08
US$/ton
51,08
US$/ton
Custo do transporte opção Ferronorte
Custo do transporte opção Ferronorte
62,67
US$/ton
62,67
US$/ton
Custo de implantação da HPP
0,00
US$
Custo de implantação
da HPP
1.300.000.000,00
US$
Custo de manutenção/
operação da HPP
4.800
US$/Km
Percurso total HPP
3.340
Km
6.107.987,50
US$/ano
12
%/ano
0,00
US$
Custo de manutenção/
operação da HPP
4.800
US$/Km
Percurso total HPP
3.340
Km
12
%/ano
Taxa de Desconto
Valor presente líquido
40 anos
Limiar de Inviabilidade
Ambiental
Taxa de Desconto
Valor presente líquido 40 anos
- 159.872.461,56
US$
Simulação
• Carga = 2.340.000 t (volume total de soja da região
norte e sudeste, carga acima da capacidade de suporte da HPP);
• Custo de Implantação da HPP = US$1,300.000.000.
O Cenário 3 representa a situação de transporte com
expansão da capacidade atual de suporte da HPP, indicando a implantação da HPP, considerando a migração
para a mesma de 100% do volume de soja da região
norte somada a 100% da carga de soja da região sudeste, ou seja 2.340.000 toneladas.
Pode-se observar que, ainda assim, o VPL calculado
foi negativo, na ordem de US$ 159.872.461,56 (cento e
cinqüenta e nove milhões, oitocentos e setenta e dois
mil, quatrocentos e sessenta e um dólares e cinqüenta
e seis centavos), indicando também um resultado preliminar desfavorável ao uso da hidrovia. Vale ainda ressaltar que neste Cenário não foram considerados os danos ambientais da operação da hidrovia no cálculo do
VPL.
Simulação
• Carga = 730.000 t (50% do volume de soja da região
Norte, capacidade atual da HPP);
• Custo de implantação da HPP = 0.
No cenário 4, foi calculado qual o valor do dano
ambiental que deveria ser considerado para que o VPL
fosse zero (operação da hidrovia viável), considerando
a situação atual de transporte na HPP, com a migração
para a mesma de apenas 50% do volume de soja da região Norte (dada a capacidade de suporte da HPP).
O valor para os custos ambientais oriundos da operação da hidrovia que estariam no limiar de inviabilidade do transporte na HPP foi de US$ 6.107.987,50 (seis
milhões, cento e sete mil e novecentos e oitenta e sete
dólares e cinqüenta centavos). Este resultado indica que,
se o somatório dos danos ambientais computados em
longo período (em termos de valor presente líquido)
for superior a este valor, a implantação da Hidrovia Paraguai-Paraná seria um investimento econômicamente
inviável.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
58 | Considerações sobre a viabilidade econômica-ambiental da Hidrovia Paraguai-Paraná
Numa hipótese de distribuição dos custos de conservação ambiental, através da mensuração da Disposição a Pagar da população brasileira pela manutenção
do ecossistema pantaneiro sem a implantação da navegação em maiores escalas no rio Paraguai, obteve-se o
valor de aproximadamente US$ 0,13 (treze centavos de
dólares) por domicilio ao ano2. Tal valor indica que, caso
haja tal disposição mínima a pagar, o valor agregado
tornaria inviável o transporte na hidrovia nas condições
dadas no cenário. Ao internalizar tal custo, os preços
do produto de exportação tenderiam a elevar-se, refletindo então menor competitividade no mercado internacional. Outrossim, nas condições atuais, a HPP não
suportaria expansão da capacidade de carga transportada, limitando, enfim, o uso deste modal de transporte no longo prazo.
Painel geral dos cenários
A Tabela 6 apresenta o painel geral dos cenários elaborados de utilização da HPP (trecho Cáceres - Corumbá)
para o transporte da produção mato-grossense de soja
em grãos para exportação.
C ONCLUSÕES
E RECOMENDAÇÕES
Considerando a impossibilidade atual de atribuir valores aos danos ambientais totais oriundos da implantação da Hidrovia Paraguai-Paraná, os resultados
apontam cenários de inviabilidade a partir de disposição a pagar mínima pela conservação ambiental do ecossistema pantaneiro. Em específico, os cenários analisados sob o ponto de vista do custo oportunidade de
transporte, a partir dos modais existentes, mostraram
a inviabilidade da operação da HPP, como segue:
• O Cenário 1 – indica que a operação atual da Hidrovia Paraguai-Paraná, com migração de apenas 50% da
carga de soja da região Norte de MT, devido à limitação da capacidade de suporte, só é viável caso não se
incluam os danos ambientais. Na circunstância de inclusão, é inviável;
• Os Cenários 2 e 3 – indicam que, se se considerar os
custos de implantação da HPP e a migração de 100%
da carga de soja da região Norte e Sudeste do Estado, é inviável o transporte pela HPP, pois os VPLs são
negativos mesmo sem se incluir na análise os danos
ambientais;
• O Cenário 4 – indica que, ao se considerar um limiar
de sustentabilidade na análise da implantação da HPP,
pode-se estimar em US$0,13 (treze centavos de dólares) anuais por domicílio brasileiro, a indicação da
Disposição mínima a Pagar (DAP) pela conservação
ambiental do Pantanal de Mato Grosso, a partir da
manutenção das condições atuais. Assim, se a “DAP”
agregada for maior que esse valor, o empreendimento torna-se inviável.
Ou seja, considerando-se apenas o escoamento de
soja para exportação produzida no estado de Mato Grosso – particularmente por ser a produção que seria
direcionada para esta hidrovia, justamente em seu trecho mais problemático sob o prisma do meio ambiente, a HPP não apresenta atrativos de rentabilidade.
Dessa forma, a hipótese que VLP = BL – CA < 0 foi
então comprovada.
Como as comissões avaliadoras do empreendimento já relataram, a HPP é mais atrativa para a Argentina e
Chile, menos para o Brasil e o Paraguai. Todavia, justamente ao Brasil caberia parte considerável dos custos
do empreendimento – cerca de 45% dos investimentos
para a implantação da hidrovia. Contudo, o país já dis-
TABELA 6 – Painel geral dos cenários aplicados.
CENÁRIO
HPP produção média região Norte
QUANTIDADE SOJA
TRANSPORTADA HPP ((tt )
INVESTIMENTO
A REALIZAR (US$)
VPL
730.000
0,00
50.353
HPP produção total região Norte
1.460.000
1.300.000,00
- 437.793
HPP produção total região Norte + Sudeste
2.340.000
1.300.000,00
- 159.872
730.000
0,00
0
Cenário 1 + Dano Ambiental (US$ 6,107 milhões/ano)
2
Considerando população aproximada de 165 milhões de brasileiros, com média de 3,5 habitantes por domicílio, em 2002.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Cardoso, Sousa Jr., Lopes & Amend |
põe de uma malha de transporte multimodal na região
que torna competitivo o escoamento da produção para
exportação, sem que haja necessidade de assumir tão
vultuoso endividamento para a implantação dessa hidrovia.
Cabe salientar que o escopo de análise não considerou Valores de Existência do Pantanal mato-grossesense,
que foi reconhecido como Reserva da Biosfera, fato que
poderia adicionar um valor incremental ao “custo” social e ambiental da hidrovia, agravando o caráter de
inviabilidade do transporte na mesma.
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFIC AS
GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento dos Transportes).
2001. Corredores estratégicos de transportes: alternativas de
soja para exportação. Brasília.
EDF (Environmental Defense Fund) & Fundação. 1997. Centro
59
Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (CEBRAC). O projeto de Navegação da HPP – relatório de uma análise independente. Brasília: EDF /CEBRA.
ICV (Instituto Centro de Vida). 1998. Impactos da navegação
das barcaças no rio Paraguai – trecho Cáceres-Taiamã. Cuiabá.
IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) & Instituto Sócio-ambiental. 2000. Avança Brasil: os custos ambientais para a Amazônia. 24 p. Ed. Alves. Belém.
Melo, S.C. 2000. Projeto logístico de transportes no Centro Sul
Americano. FIEMT, MERCOESTE, SICMT-MT. Cuiabá.
MERCOESTE. 2002. Perfil competitivo do estado de Mato Grosso. 228 p. SENAI. Brasília.
Viana, G. (org.). 2001. A polêmica sobre a HPP e o porto de
Morrinhos. Assembléia Legislativa do Estado. Mato Grosso.
WWF (Fundo Mundial para a Natureza), CEBRAC (Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural) & ICV (Instituto
Centro de Vida). 1994. Hidrovia Paraguai-Paraná: quem paga
a conta? Resumo das conclusões. Brasília.
WWF (Fundo Mundial para a Natureza). 1999. Realidade ou ficção: uma revisão dos estudos oficiais da Hidrovia ParaguaiParaná. 46 p. Toronto, Canadá.
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Benefícios econômicos locais de áreas
protegidas na região de Manaus, Amazonas
MARCOS AMEND1*
JOHN REID2
CLAUDE GASCON3
1
Programa Brasil do Conservation Strategy Fund – CSF, Minas Gerais, Brasil.
2
Conservation Strategy Fund, EUA.
3
Programa de Biodiversidade do Museu Nacional de História Natural, Instituto Smithsonian, Washington, D.C.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
O presente estudo buscou demonstrar o impacto econômico gerado por dez áreas protegidas
existentes no entorno da cidade de Manaus, Amazonas. Foram consideradas como receitas
todos os ingressos de recursos na economia local resultantes de atividades relacionadas a
essas áreas. Os dados foram coletados entre abril e setembro de 2003 e diversos fatores
levaram à conclusão de que os resultados refletem apenas um piso mínimo do total dos recursos. As áreas movimentaram uma média anual de US$ 1,76 milhões. O valor presente (VP)
mínimo dos fluxos futuros estimados para as áreas está entre US$ 7,23 milhões e US$ 11, 17
milhões, dependendo da taxa de desconto assumida. Os valores médios por hectare protegido ficaram na faixa de US$ 0,47, enquanto a mediana atingiu US$ 3,12. As áreas protegidas
respondem por uma geração de 218 empregos diretos, totalizando uma renda anual de US$
943,75 mil, com uma média anual de US$ 4,3 mil por trabalhador. Dessa forma, pode-se concluir que as áreas protegidas do entorno de Manaus, além de garantir a manutenção da biodiversidade, desempenham um papel relevante nas atividades econômicas rurais na região de
Manaus.
ABSTRACT
The present study aims to demonstrate the economic impact generated by ten protected areas in
the region of Manaus, capital of Amazonas state in Brazil. All economic activity directly related to
those areas was considered as income to the local economy. Data were collected between April and
September of 2003. The areas add an average of at least US$1,76 million in local economic
activity. The minimum present value (PV) of future estimated financial flows for the areas is between
US$7,23 million and US$11,17 million, depending on discount rate adopted. The mean revenue
for each protected hectare is about US$ 0,47, while the median for the same parameter is about
US$ 3.12. Because protected areas’ financial data are incomplete, the figures presented in this
paper underestimate the total economic impact of the region’s protected areas. The protected
areas analyzed generate 218 jobs directly, with US$ 943,750 total annual revenue and US$4,300
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○
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○
Amend, Reid & Gascon |
61
average annual revenue per worker. From these figures, it can be concluded that, in addition to
their role in conserving biological diversity, protected areas make an important contribution to
the rural economy in Manaus region.
I NTRODUÇÃO
Quais os prós e os contras das unidades de conservação? Milano (2002) enumera diversos motivos para a
criação e manutenção de áreas naturais protegidas. Dentre eles, além das primordiais razões de preservar belezas cênicas e ambientes naturais ou históricos para as
gerações futuras, aparecem necessidades mais atuais
como proteção de recursos hídricos, manejo de recursos naturais, desenvolvimento de pesquisas científicas,
manutenção do equilíbrio climático e ecológico e preservação de espécies e de recursos genéticos. Analogamente, Müeller (1973) descreve áreas protegidas como
sendo aquelas áreas que, por incluírem importantes
recursos naturais ou culturais, de difícil quantificação
econômica, devem ser mantidas na forma silvestre e
adequadamente manejadas.
Nesse sentido, áreas protegidas existem principalmente para resguardar os recursos naturais do avanço
de forças destrutivas legais e ilegais (Terborgh & Van
Schaik, 2002). Dentro desse contexto surge um dos
grandes desafios a serem transpostos no processo de
criação de novas áreas naturais protegidas: o limite que
estas impõem ao uso humano dos seus recursos naturais e da sua área de ocupação. Apesar de Young (2002)
ter demonstrado a falta de correlação entre o desmatamento e o desenvolvimento econômico, esse mesmo
desenvolvimento é ainda a grande justificativa para que
as atividades humanas continuem avançando sobre remanescentes naturais ainda conservados.
Bruner et al. (2001) comprovaram que a maioria das
unidades de conservação alcança algum nível de
resultado na conservação da biodiversidade em ecossistemas tropicais, e que o grau de efetividade está relacionado ao nível de atividades de manejo, como
fiscalização, demarcação de divisas e compensação direta às comunidades locais envolvidas. Sugere também
que mesmo modestos acréscimos em investimentos
locais podem melhorar o efeito de conservação. Nesse
mesmo tema, a IUCN (1999) enumera uma série de atividades de manejo necessárias ao funcionamento de
uma área natural protegida, tais como planejamento,
administração de recursos, implementação de programas, serviços e monitoramento. Logo, as áreas protegidas também respondem por um determinado nível de
valor existente na atividade econômica de suas regiões.
Mas qual o valor econômico de uma área natural protegida? Podemos enumerar diversas iniciativas de acessar partes ou o todo desse valor. Phillips (1998) e Seroa
da Motta (1997) sugerem uma estrutura conceitual para
compor o valor total de recursos naturais conforme descrito na Figura 1.
Existe uma extensiva bibliografia sobre valoração
econômica de áreas naturais protegidas, se sobrepondo e somando a estudos de valoração de recursos naturais, independente de seu status de proteção. Entre a
literatura fundamental podem ser citados os livros de
Dixon & Sherman (1990), Dixon & Hufschmidt (1986), e
Dixon et al. (1986), que utilizam estudos de casos em
países em desenvolvimento para ilustrar o uso da valoração.
FIGURA 1 - Valor econômico de áreas naturais protegidas.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
62 | Benefícios econômicos locais de áreas protegidas na região de Manaus, Amazonas
Como casos gerais de uso de valoração, podemos
citar o estudo global de Costanza et al. (1997), além de
Knowler et al. (2003), Mathieu et al. (2003), Pendleton
(2002), Forsyth (2000), Velez (2001), Araújo (2002),
Mendonça (1999), Faria et al. (2004), Nogueira & Soares Jr. (2003), Aiache (2003) e Batalhone (2000). No caso
de florestas tropicais, existem alguns exemplos de estudos que procuram acessar valores de uso e/ou de
conservação de regiões específicas.
Peters et al. (1989) e Pinedo-Vasquez et al. (1992) buscaram captar os valores de uso direto de um hectare de
florestas tropicais, considerando a produtividade marginal e o uso hipotético de bens com valor de mercado,
ambos na Amazônia Peruana. O primeiro estudo estimou um valor presente de US$ 6.820,00 para os benefícios líquidos dos recursos obtidos por hectare, enquanto o segundo estimou um valor presente (VP) de US$
3.024,89 para o mesmo parâmetro. Nesses estudos
foram considerados os valores de todos os produtos
existentes na floresta, independente se estes têm ou
não mercado formado.
Godoy et al. (2000) estimaram os valores efetivos obtidos por comunidades tradicionais com a compra e venda de recursos provenientes de florestas tropicais em
Honduras, que atingiram uma faixa entre US$ 17,79 até
US$ 23,72 por hectare ao ano. A diferença metodológica e, conseqüentemente de resultado em relação aos
estudos anteriores, é que este se baseou em mercados
já estabelecidos.
Como existe preocupação em um nível mundial, principalmente nos paises ricos, pela conservação da biodiversidade Amazônica, Horton et al. (2003) efetuaram
um estudo de valoração contingente, buscando avaliar
a disposição a pagar das populações do Reino Unido e
Itália para projetos de conservação em larga escala na
Amazônia Brasileira. Foi estimado que existe uma disposição a pagar na faixa de US$ 912 milhões ao ano
para a conservação de 5% da Amazônia Brasileira no
Reino Unido, e um resultado semelhante foi encontrado na Itália. O valor por hectare resultante é de cerca
de US$ 49 para cada um dos países pesquisados.
Em estudo semelhante focado num público nacional,
Adams et al. (2003) estimaram em cerca de R$ 7 milhões
(US$ 2,4 milhões) ao ano o valor que a população da
cidade de São Paulo estaria disposta a pagar para o manejo e conservação de um parque estadual, o que se traduz em um valor de R$ 207 (US$ 71) por hectare por ano.
A maioria das pesquisas até o momento tem focado
os benefícios econômicos gerados pelo impedimento
de danos ambientais que poderiam ocorrer se áreas não
fossem protegidas. Em teoria, medir esses valores permitiria aos economistas compará-los ao benefício lí-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
quido da conversão de ecossistemas em áreas de
agricultura, pasto ou outros usos humanos e, dessa maneira, determinar o uso mais eficiente da terra. Entretanto, reais comparações são raramente obtidas, uma
vez que as técnicas de valoração não apresentam a
robustez necessária e os valores obtidos são sempre
parciais.
Adicionado à dificuldade da estimativa dos benefícios, outro desafio a ser superado é demonstrar aos
tomadores de decisão que esses benefícios – muitas
vezes de relevância apenas nacional ou internacional –
têm também importância local ou regional.
Nossa abordagem foi medir o nível de atividade econômica, empregos gerados e, principalmente, o ingresso de recursos financeiros na região de Manaus gerado
por áreas protegidas no seu entorno, em vez de buscar
estimativas para o valor de seus serviços e bens ambientais. Phillips (1998) classifica essa abordagem não
como valoração econômica, mas como análise financeira, uma vez que mede o fluxo apenas de dinheiro
gerado por uma área protegida, e não a eficiência da
utilização de determinadas terras e outros recursos para
a conservação da natureza. Essa forma de análise é um
complemento importante às tradicionais análises custo-benefício como ferramenta para demonstrar a significância local de áreas naturais protegidas nos países
em desenvolvimento.
O BJETIVOS
O objetivo geral do presente estudo foi avaliar o impacto econômico gerado por 10 áreas protegidas (Figura 2) na economia da região de Manaus.
Os objetivos específicos foram:
• Desenvolver um banco de dados para sistematizar a
análise de fluxos financeiros em áreas protegidas;
• Elaborar uma matriz com indicadores de movimentação financeira e geração de empregos dessas 10
áreas protegidas;
• Discutir a importância e a oportunidade econômica
da inserção de áreas protegidas dentro de planejamentos governamentais de uso da terra;
M ETODOLOGIA
Para efeitos de cálculo do impacto das áreas protegidas na economia local, todas as despesas com infraestrutura, manejo, proteção, pesquisa e extensão
foram consideradas como renda para a economia local,
assim como as receitas com turismo e outros serviços
Amend, Reid & Gascon |
relacionados à existência daquelas áreas. Esse critério
foi adotado assumindo que, uma vez que esses gastos
não fossem efetuados nas áreas protegidas do entorno
de Manaus, esse recurso não ingressaria na economia
local. Logo, as áreas geram um novo fluxo de recursos
para a compra de bens e serviços e arrecadação de impostos locais. Como complemento a esse critério, foi
constatado que a participação dos gastos gerados por
essas áreas que são efetuados fora da região podem
ser considerados insignificantes.
Os dados coletados foram utilizados para a composição de uma matriz de impacto econômico, composta
dos seguintes elementos:
• Descrição da área;
• Nome: nome da área;
• Categoria: categoria de manejo;
• Gestor: órgão gestor;
• Administrador: órgãos responsáveis pela administração da área, caso não seja total responsabilidade do
gestor (acordos de co-gestão);
• Área: área em hectares (ha);
• Distância: distância em quilômetros (km) de Manaus;
• Status: situação de implantação da reserva;
• Emprego e renda:
• Empregos: número de empregos diretos gerados;
• Renda: renda total em dólares (US$) gerada pelos
empregos diretos;
• Renda média: renda média em dólares (US$/empregado) dos empregos diretos.
Os indicadores utilizados foram:
• Receitas médias anuais: valor médio em dólares das
receitas anuais (US$/ano) geradas diretamente pela
área (manejo, pesquisa e extensão, infra-estrutura,
fiscalização, turismo);
• Renda por hectare: renda anual em dólares gerada
por cada hectare protegido (US$/ha).
• VP (máximo e mínimo): valor presente da área em
dólares (US$), considerando uma projeção futura de
20 (vinte) anos da movimentação financeira média
anual da UC, descontando para o VP máximo à taxa
de remuneração da poupança (10,7% em outubro de
2003) e para VP mínimo, à taxa básica do Banco Central do Brasil – SELIC (20% em outubro de 2003).
Os valores presentes da infra-estrutura foram considerados como o valor total investido depreciado até o
momento presente tomando como parâmetros de cálculo: Construções à 20 anos de depreciação e valor residual de 20%. O VP é utilizado como uma maneira de
traduzir fluxos de benefícios que correspondem a diversos momentos futuros em uma única “moeda”.
63
Base de dados
Para a coleta, sistematização e cálculo dos resultados foi
elaborado um banco de dados, onde foram pré-determinados parâmetros de agrupamento para os registros de
receitas geradas pelas unidades de conservação.
Com relação ao status de implantação da área, foram
definidos quatro grupos, conforme demonstrado na
Tabela 1. A fonte do recurso foi agrupada em quatro
categorias, descritas na Tabela 2. Os elementos de agregação da origem dos recursos estão demonstrados na
Tabela 3. Os tipos de despesas efetuadas nas unidades
de conservação foram agregadas de acordo com as descrições da Tabela 4.
TABELA 1 – Status de implantação.
STATUS
DESCRIÇÃO
Não definido
Status sem informação
Decretada
UC apenas decretada, sem ações de
implantação
Em implantação
UC em fase de implantação –
infra-estrutura e plano de manejo em
fase de execução
Implantada
UC implantada – infra-estrutura e plano
de manejo concluído
TABELA 2 – Fonte da movimentação financeira.
FONTE
DESCRIÇÃO
ND
Não definida
GOV
Instituições governamentais
ONG
Organizações não-governamentais
PRIV
Instituições privadas, incluindo
fundações
TABELA 3 – Origem da movimentação financeira.
ORIGEM
DESCRIÇÃO
ND
Não definida
Municipal
Recursos provenientes da economia
local da cidade de Manaus
Estadual
Recursos provenientes do Estado do
Amazonas
Nacional
Recursos provenientes do Brasil
Internacional
Recursos provenientes de fora do
Brasil
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
64 | Benefícios econômicos locais de áreas protegidas na região de Manaus, Amazonas
TABELA 4 – Tipos de movimentação financeira.
TIPO
DESCRIÇÃO
Pesquisa e
Extensão*
Recursos provenientes de projetos de
pesquisa e extensão, incluindo
publicações
Infra-estrutura
Investimentos em infra-estrutura
Manejo
Gastos diretos com o manejo e proteção
da área
Turismo
Receitas provenientes da atividade de
turismo
Outros
Outras receitas.
* Os projetos de extensão são caracterizados principalmente por
iniciativas de envolver comunidades locais no processo de desenvolvimento e conservação, envolvendo programas de educação
ambiental, saúde, geração de renda, dentre outros.
Coleta de dados
Os dados brutos do estudo foram coletados entre abril
e setembro de 2003 junto às principais organizações
governamentais, não governamentais e privadas envolvidas no manejo e prestação de serviços relacionados
às áreas protegidas.
Houve uma grande dificuldade e, em diversos casos,
impossibilidade na obtenção dos dados básicos necessários à elaboração da matriz de impacto econômico,
uma vez que a maioria das instituições pesquisadas não
mantém registros sistematizados com informações financeiras das unidades de conservação.
Desta forma, os resultados atingidos refletem um
piso mínimo do impacto econômico das unidades de
conservação, composto pelas informações atualmente
disponíveis, devendo o impacto real estar num patamar bastante superior.
As principais fontes de dados1 consultadas para cada
unidade de conservação, além dos contatos individuais
foram:
• Parna Jaú – Ibama, INPA, Fundação Vitória Amazônica (FVA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM);
• REBIO Uatumã – Ibama, INPA, Associação Comunitária
Waimiri-Atroari (ACWA), UFAM e Manaus Energia (ME);
• ESEC Anavilhanas – Ibama, INPA, FVA, Instituto de
Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e UFAM;
• PE Rio Negro – IPAAM, Ibama, INPA e UFAM;
• RE Cuieras – INPA, Ibama e UFAM;
• RE Adolfo Ducke – INPA, Ibama e UFAM;
• ARIE PDBFF – INPA (Projeto Dinâmica Biológica de
Fragmentos Florestais), Ibama e UFAM;
• RE Egler – INPA, Ibama e UFAM;
1
• JB INPA – INPA, Secretaria de Desenvolvimento e Meio
Ambiente de Manaus (SEDEMA), Ibama e UFAM;
• PNM Mindu – Prefeitura Municipal de Manaus (PMM),
SEDEMA, INPA, Ibama e UFAM;
A escassez de dados tornou pouco consistentes alguns dos parâmetros calculados para uma parcela das
áreas protegidas do estudo. Em alguns casos, não foi
possível obter séries históricas significativas, que permitissem delinear uma tendência da movimentação financeira realizada. Dessa forma, foi agregado à análise
um componente que mostra quantos anos com registro foram obtidos para cada área, para dar uma dimensão do universo amostral obtido.
Para efeito de indexação, os dados financeiros obtidos em reais (R$) foram convertidos em dólares americanos (US$) pela tabela da taxa média anual de conversão do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Resultados
O processamento dos dados gerou uma série de fluxos
anuais de movimentação financeira, que foram base para
os cálculos dos índices de desempenho para cada unidade de conservação. O número de anos que compõe a
série para cada área está descrito na Tabela 5.
Nos casos do PARNA do Jaú e da RE Adolfo Ducke
foram obtidas séries históricas de 12 anos nos fluxos
financeiros, que permitem projeções futuras mais significativas. No caso da ARIE do PDBFF, apesar de haver
registro de sete anos, há pouca variabilidade dos dados, uma vez que praticamente todo fluxo financeiro
ocorre através da administração do projeto, e que foi
responsável pela geração dos dados básicos.
TABELA 5 – Número de anos com registro para cada área protegida.
UC
ARIE PDBFF
ANOS COM REGISTRO
7
ESEC Anavilhanas
6
JB INPA
3
PARNA Jaú
12
PE Rio Negro
2
PNM Mindu
3
RE Walter Egler
5
RE Cuieras
5
RE Adolfo Ducke
REBIO Uatumã
12
6
Nem todas as fontes aqui listadas tinham disponíveis ou se dispuseram a fornecer as informações necessárias ao estudo.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Amend, Reid & Gascon |
Os casos onde ocorreram as maiores distorções foram o PNM do Mindu e o JB do INPA, onde existem poucos registros históricos e houve em apenas um ano, investimentos bastante significativos em infra-estrutura.
No caso do PE do Rio Negro, a escassez de dados
reflete a real situação daquela unidade de conservação.
Segundo o IPAAM, ainda não foram iniciados os trabalhos de implementação da área, que não possui sequer
uma equipe de funcionários destinados ao seu manejo
e proteção.
As áreas geridas pelo INPA também não possuem
equipes e orçamentos próprios. De fato, essas áreas
não são unidades de conservação e não se enquadram
especificamente em nenhuma categoria de manejo do
SNUC. A classificação de Reserva Experimental é uma
denominação interna do Instituto, atribuída pela DSER
65
(Divisão de Estações e Reservas), responsável pela gestão e manutenção.
Os fluxos financeiros gerados pelos dados levantados em campo estão descritos na Tabela 6 e Tabela 7.
Os fluxos financeiros totais gerados pelas áreas protegidas avaliadas estão demonstrados na Tabela 6.
Podem ser percebidos dois picos de movimentação de
recursos nos anos de 1996 e 2000, quando houve investimentos significativos em infra-estrutura no Parque
do Mindu e no Jardim Botânico do INPA, respectivamente. Ao ser desconsiderado esse investimento localizado,
pode-se perceber um crescimento e estabilização nos
fluxos, sendo que a tendência de diminuição no ano de
2003 pode ser atribuída ao fato de os dados refletirem
apenas os gastos efetuados até o mês de julho.
TABELA 6 – Fluxos financeiros anuais para as áreas protegidas (US$ 1000).
UC
ARIE PDBFF
ESEC Anavilhanas
JB INPA
PARNA Jaú
PE Rio Negro
PNM Mindu
RE Walter Egler
RE Cuieras
RE Adolfo Ducke
REBIO Uatumã
Total
1977
1992
252
1993
1994
509
509
1995
508
1996
1997
1998
1999
331
565
141
476
20
494
264
269
494
2000
2001 2002 2003*
460
414
56
52
481,01
419
378
1.141
610
610
252
100
200
609
709
200
200
200
100
4
708 1.835 1.025 1.074
5
5
5
99
96
96
33
55
58
2
222
218
904 1.794 1.221
TOTAL
204
37
1
366
3
2
1
2
39
227
882
7
28
47
375
3
141
1
2
38
115
756
2.458
333
528
4.837
7
1.284
16
295
1.832
789
12.380
2001
2002
2003*
* Alguns valores coletados para 2003 são parciais
TABELA 7 – Fluxos financeiros anuais por hectare para as áreas protegidas (US$/ha).
UC
ARIE PDBFF
ESEC Anavilhanas
JB INPA
PARNA Jaú
PE Rio Negro
PNM Mindu
RE Walter Egler
RE Cuieras
RE Adolfo Ducke
REBIO Uatumã
1977
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
133,16 226,95 191,50
0,40
0,06
0,11
0,22
0,22
0,22
0,22
0,22
0,12
0,12
10,45
0,00
6,41
5,25
3,40
0,00
2000
184,78 166,51
0,16 0,15
962,02
0,18 0,17
34.586,50
63,73
10,45
20,89
20,89
20,89
20,89
6,22
5,10
5,76
0,24
6,22
5,10
6,03
0,23
82,15
2,70
0,11
0,08
1,11
93,15
0,16
0,17
0,02
0,02
59,64 4.264,37
1,35
1,35
0,08
0,08
4,09
3,96
0,24
0,12
* Alguns valores coletados para 2003 são parciais
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
66 | Benefícios econômicos locais de áreas protegidas na região de Manaus, Amazonas
TABELA 8 – Matriz de impacto econômico das áreas protegidas do entorno de Manaus.
DESCRIÇÃO
CATEGORIA
NOME
GESTOR
ADMINISTRADOR
ARIE
PDBFF
Ibama
INPA (PDBFF)
ESEC
Anavilhanas
Ibama
Ibama; IPÊ
JB
INPA
INPA
INPA; SEDEMA; PMM
ÁREA ((ha
ha
ha))
DISTÂNCIA ((Km
Km
Km))
STATUS
2.488
80
Implantada
350.018
100
Implantada
500
25
Implantada
2.272.000
200
Implantada
157.807
50
Decretada
PARNA
Jaú
Ibama
Ibama; FVA
PE
Rio Negro
IPAAM
IPAAM
PM
Mindu
PMM
SEDEMA; PMM
33
0
Implantada
RE
Walter Egler
INPA
INPA
760
70
Implantada
RE
Cuieras
INPA
INPA
18.900
62
Implantada
RE
Adolfo Ducke
INPA
INPA
REBIO
Uatamã
Ibama
Ibama; ACWA; ME
TOTAL
Matriz de impacto econômico
A matriz de impacto econômico das áreas protegidas
do entorno da cidade de Manaus, Amazonas, está demonstrada na Tabela 8.
Apesar dos dados estarem reconhecidamente subestimados, percebe-se que ocorre uma movimentação
média bastante significativa para as dez áreas protegidas selecionadas para o estudo, na ordem de 1,76 milhões de dólares anuais. Considerando esse valor, a
receita média anual de cada hectare protegido está na
faixa de US$ 0,47. Esse valor, entretanto, pode variar
de US$ 0,16/ano até US$ 141,11/ano para as áreas com
fluxos financeiros relativamente estáveis. Para essas
mesmas áreas, a mediana das despesas anuais por hectare está na faixa de US$ 3,12. Nessa análise, foram
desconsideradas áreas ainda não implantadas (PE do
Rio Negro) ou áreas sem séries históricas de dados significativas (PNM Mindu e JB INPA).
Esses valores, apesar de relevantes, estão ainda muito aquém do potencial de movimentação financeira que
essas áreas podem gerar. James et al. (1999) reportam
que em países desenvolvidos, o orçamento anual de
áreas protegidas atinge uma média de US$ 20,58 por
hectare, baixando para US$ 1,57 nos países em desenvolvimento. Logo, processos adequados de manejo
dessas áreas têm um potencial de gerar ingressos financeiros anuais na região entre US$ 5,9 milhões e US$
77,3 milhões.
Os fluxos financeiros projetados para o futuro e descontados pelas taxas estabelecidas na metodologia
geram valores presentes que variam entre US$ 7,23 mi-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
9.572
25
Implantada
943.000
170
Implantada
3.755.078
lhões e US$ 11,17 milhões. Esses valores referem-se
apenas à movimentação financeira direta gerada pelas
unidades de conservação do entorno de Manaus, não
sendo considerados nesse cálculo o efeito multiplicador
desse ingresso de recursos e nem o valor dos serviços
ambientais prestados por essas áreas.
Para estabelecer um parâmetro máximo de comparação, Costanza et al. (1997) estimaram em US$ 2.007,00
o valor anual por hectare de todos os bens e serviços
ambientais de florestas tropicais. Nesse caso, apenas
considerando as áreas protegidas analisadas, estamos
falando de um valor total anual na ordem dos US$ 7,5
bilhões ao ano. No entanto, independente do método
empregado na sua obtenção e da sua eficiência, esse
valor isoladamente pouco será útil na hora de formular, por exemplo, políticas para uso do solo, uma vez
que ele é intrinsecamente virtual para o ator local.
Mesmo que este estudo não se trate de uma análise
da eficiência do uso dos recursos naturais, cabe dimensionar o custo de oportunidade da sua conservação para
ter uma noção dos benefícios locais que poderiam ser
obtidos de atividades alternativas. Podemos considerar o custo de oportunidade da terra na área de estudo
como sendo a rentabilidade da atividade pecuária, uma
vez que esta ocupa cerca de 77% das áreas produtivas
na Amazônia (Arima & Veríssimo, 2002). Arima & Uhl
(1996) relatam rendimentos líquidos médios para a atividade no complexo de várzea e floresta de terra firme
no Baixo Amazonas variando entre US$ 2,00 e US$ 4,00
por hectare por ano produtivo, dependendo das atividades realizadas (cria, recria-engorda e cria-recria-
Amend, Reid & Gascon |
EMPREGO E RENDA
67
INDICADORES
EMPREGOS
quantidade
RENDA
TOTAL
US$ 1.000/ano
RENDA
MÉDIA
US$/empr/ano
RECEITA
MÉDIA
US$1.000/ano
RECEITA
POR ÁREA
US$/ha/ano
VP
MÁXIMO
US$1.000
VP
MÍNIMO
US$1.000
106
276,73
2.610,69
351,07
141,11
2.851,45
1.709,57
8
50,40
6.300,00
55,58
0,16
451,41
270,64
18
46,02
2.556,67
176,05
352,10
614,73
538,06
32
304,62
9.519,41
403,11
0,18
3.274,09
1.962,96
––
––
––
3,36
0,02
27,29
16,36
41
138,76
3.384,29
428,01
12.970,10
1.355,59
1.123,54
––
––
––
3,28
4,31
26,62
15,96
––
––
––
59,04
3,12
479,51
287,49
––
––
––
152,71
15,95
1.024,63
663,17
13
127,22
9.786,08
131,50
0,14
1.068,09
640,37
218
943,75
4.329,12
1.763,70
0,47
11.173,42
7.228,13
engorda). Para obter um parâmetro de comparação com
a movimentação financeira em áreas protegidas, é necessário deduzir o índice de 80% desse valor, relativo à
área de reserva legal na região amazônica. Nesse caso,
os rendimentos líquidos para a atividade ficam entre
US$ 0,40 e US$ 0,80 anuais por hectare, abaixo do rendimento registrado na maioria das áreas estudadas.
Com relação à geração de empregos e renda, as áreas
proporcionam a criação direta de 218 postos de trabalho, distribuindo uma renda total anual na faixa de US$
0,95 milhão. Percebe-se que a remuneração média anual
(US$ 4,33 mil por empregado) está num patamar inferior à média da cidade de Manaus, que está na faixa
dos US$ 5,29 mil ao ano, segundo dados da Perspectiva (2002). Entretanto, de acordo com a mesma fonte,
75% da população de Manaus têm renda familiar de até
US$ 4,11 mil ao ano. A elevação da média global de
remuneração da região é possivelmente influenciada
pela existência de um pólo industrial de alta tecnologia na Zona Franca de Manaus. Para efeito de uma comparação um pouco mais abrangente, a média geral da
renda familiar para a região Norte está num patamar
de US$ 1,62 mil ao ano – não considerando as populações rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará e Amapá – (IBGE, 2000), cerca de 62%
está abaixo da remuneração média dos empregos gerados pelas áreas protegidas analisadas.
Fonte, origem e aplicação dos recursos
Para uma visão mais clara dos reais benefícios que as
unidades de conservação proporcionam à economia local, é importante a definição da fonte e da origem dos
recursos, bem como os tipos de aplicação que eles vêm
tendo.
A Tabela 9 demonstra como encontra-se a distribuição dos ingressos de recursos em relação a sua fonte e
origem.
TABELA 9 – Fonte e origem das receitas (US$ 1.000)
ORIGEM
ND
Municipal
ND
GOV
ONG
PRIV
TOTAL
%
1,00
1.622,36
__
1,88
1.625,25
13,13
––
184,78
__
––
184,78
1,49
Estadual
––
––
99,22
641,30
740,51
5,98
Nacional
––
2.749,62
475,65
16,39
3.241,67
26,18
53,21
Internacional
TOTAL
%
––
3.829,98
1.775,26
982,80
6.588,03
1,00
8.386,74
2.350,13
1.642,37
12.380,24
0,01%
67,74%
18,98%
13,27%
100,00%
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
68 | Benefícios econômicos locais de áreas protegidas na região de Manaus, Amazonas
O movimento total de recursos levantado pelo estudo está na faixa dos US$ 12,38 milhões num período
de 12 anos, considerando nesse total que grande parte
da informação não está disponível. Percebe-se que a
maior parte desses recursos (67,74%) são de fontes governamentais, e que a maioria absoluta (53,21%) tem
origem internacional. Apenas 1,49% do total dos recursos movimentados tem origem comprovada na própria
região de Manaus, sendo que esse pode ser, de certa
forma, considerado como o custo local de conservação. Os demais valores (98,51%) podem ser potencialmente percebidos como receitas para a economia
regional.
A Tabela 10 demonstra como está distribuída a aplicação dos recursos que estão ingressando na economia regional em função da existência das unidades de
conservação.
TABELA 10 –Aplicação do total dos recursos.
TIPO
US$ 1.000
VALOR
US$/ha
%
Pesquisa/Extensão
7.775,79
2,07
62,8
Manejo
2.370,20
0,63
19,1
Infra-estrutura
2.232,36
0,59
18,0
1,88
0,00
0,0
12.380,24
3,30
100,0
Turismo
TOTAL
Pode-se perceber que a maioria absoluta dos recursos (62,8%) é destinada aos projetos de pesquisa e extensão. Em seguida, temos uma participação bastante
similar dos gastos com o manejo das áreas (19,1%) e
investimentos em infra-estrutura (18,0%). O turismo foi
o segmento que apresentou valores menos significativos no contexto geral. Entretanto, na ocasião da coleta
não havia dados disponíveis para estimar o real impacto desta atividade. Da mesma forma, foram desconsideradas estimativas não comprovadas de fluxo financeiro, bem como não foram calculados multiplicadores
para os fluxos gerados.
Fatores de desvios estimados
Diversas e significativas lacunas ainda deverão ser preenchidas na coleta de dados para que se possa efetivamente avaliar o impacto econômico gerado pelas áreas
protegidas na região de Manaus. As principais fontes
de desvios percebidas durante a execução do estudo
foram:
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
• Falta de dados financeiros relacionados à maioria dos
projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos nas
áreas;
• Falta de dados sobre gastos com pessoal e logística
de proteção e fiscalização das áreas (Ibama, INPA e
IPAAM);
• Falta de dados sobre gastos com administração do
sistema de áreas protegidas (Ibama, INPA, IPAAM e
SEDEMA);
• Falta de dados sobre gastos com turismo em unidades de conservação na região de Manaus;
D ISCUSSÃO
As áreas protegidas do entorno de Manaus geram a
entrada de recursos na economia local que têm um valor presente mínimo entre US$ 7,23 milhões e US$ 11,17
milhões. Elas proporcionam o movimento anual médio
direto de no mínimo US$ 1,76 milhões nesta região.
Destes, 98,51% têm origem externa ao município, o que
confirma a importância da existência dessas unidades
de conservação para a economia local.
Apesar do caráter subestimado dos resultados, é
possível chegar a algumas conclusões com o estudo,
conforme relatamos a seguir.
Em alguns casos, as áreas protegidas podem gerar
receitas que facilmente superam o custo de oportunidade da terra em regiões remotas, com baixa produtividade ou cientificamente significativas.
Áreas protegidas com grandes extensões geram,
potencialmente, menos benefícios econômicos diretos
por hectare, mas têm maiores benefícios para a conservação da biodiversidade, por garantirem a manutenção
dos processos ecológicos em larga escala. Entretanto,
esse valor de conservação, e que é o real motivo de
criação das unidades de conservação, não está considerado no estudo.
A criação de um sistema local de áreas protegidas,
isto é, um conjunto de unidades de conservação com
categorias de manejo diversas e que componham um
mosaico com áreas produtivas, e de uma infra-estrutura de suporte pode contribuir significativamente para
a captação externa e para o ingresso de recursos na
região. Esta estratégia pode compor um portfólio de
ações para gerar impactos positivos na economia de
locais com remanescentes significativos de áreas
naturais.
Os conflitos econômicos causados pela existência de
áreas protegidas podem ser reduzidos se as receitas
geradas forem direcionadas para a economia local.
Amend, Reid & Gascon |
Como as unidades de conservação favorecem e demandam uma série de atividades, é possível que o direcionamento dos benefícios dessas atividades para as
populações afetadas pelas restrições possa auxiliar na
manutenção de problemas locais.
Os empregos gerados pelas áreas estudadas demonstraram ter remuneração e, conseqüentemente, requisitos de qualificação superior à média da região Norte.
Esse fator possivelmente está associado ao caráter técnico da maioria dos postos demandados pelo manejo
de áreas naturais protegidas.
No caso das áreas estudadas (e possivelmente em
outras situações similares na Amazônia ou outros
biomas de grande interesse científico), ficou claro que
os projetos de pesquisa e extensão têm um significativo fator de contribuição ao ingresso de recursos na
economia local. Os resultados demonstraram que essas atividades foram responsáveis por 62,8% do total
movimentado.
Percebe-se que a criação de um sistema de monitoramento da movimentação financeira gerada por áreas
protegidas, envolvendo as principais instituições que
captam e aplicam recursos na gestão e conservação
dessas áreas, pode ser uma importante ferramenta para
incrementar o sucesso da gestão local e para influenciar positivamente o desenvolvimento de políticas públicas para a conservação.
Como o estudo demonstra, áreas naturais protegidas podem funcionar como importantes fatores de atração de investimentos externos. Dessa forma, elas
podem e devem ser consideradas como elementos ativos na economia e importantes em processos de desenvolvimento de estratégias de uso do solo.
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Determinantes do valor da terra no corredor
Cerrado-Pantanal: subsídios para políticas
conservacionistas
ANA RAQUEL BUENO MORAES RIBEIRO1*
SILVIA MORALES DE QUEIROZ CALEMAN1
GABRIELA ISLA VILLAR MARTINS2
REINALDO LOURIVAL3
1
AGRICON Consultoria, Mato Grosso, Brasil.
2
Aroeira Consultoria & Assessoria, Mato Grosso, Brasil.
3
Faculdade de Ciências Químicas e Biológicas da Universidade de Queensland, Austrália.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
Este estudo teve por objetivo subsidiar a elaboração de políticas de promoção da conservação ambiental para a faixa denominada de Corredor Cerrado-Pantanal, que liga o Parque
Nacional das Emas (GO) ao Pantanal Mato-grossense (MS e MT). Para tanto, foi realizada a
estimação de modelos de regressão econométrica do valor da terra, testado em três dimensões: para o total da região, por seções e por zonas em que se subdivide a região em estudo.
Constatou-se que as variáveis “área plantada de soja” e “existência de madeira” são as principais determinantes do valor da terra considerando a região como um todo. Entretanto, na
especificação de modelos independentes para as seções e zonas identificam-se diferenças
significativas nas variáveis explicatórias, correspondentes com as características físicas particulares do território e do uso do solo em cada localidade dentro do Corredor.
ABSTRACT
The aim of this study is to subsidize the elaboration of promotion politics for the environmental
conservation of the Cerrado-Pantanal Corridor which binds the state Park of Emas (GO) to the
Pantanal Mato-grossense (MS and MT). In order to achieve that, it was developed econometrical
regression models of the land value that were tested in three dimensions: for the total of the
region, for sections and for zones in which were subdivided the region in study. It was evidenced
that when considering the region as a whole the variables “planted area of soy” and “wooden
existence” are the main determinative of the land value. However, in the specification of independent
models for the sections and zones significant differences in the explicative variables are related,
regarding the particular physical characteristics of the territory and the soil use in each locality of
the Corridor.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
72 | Determinantes do valor da terra no corredor Cerrado-Pantanal: subsídios para políticas conservacionistas
I NTRODUÇÃO
A tendência mundial em conservação ambiental, respaldada pela comunidade científica, aponta a criação
de “corredores ecológicos” como resposta para a grande fragmentação de áreas remanescentes de ambientes naturais. Trata-se de estabelecer uma parceria com
proprietários locais para a composição de um mosaico
de terras com diferentes usos, tendo em perspectiva
não apenas a questão da conservação, mas também
aspectos econômicos e sociais. Nesta parceria, são buscadas alternativas de uso do recurso terra com responsabilidade social, ou seja, considerando a nova lógica e
racionalidade social, que segundo Melo Neto & Froes
(2001) surge não para substituir a lógica econômica
globalizante, mas para atenuar seus efeitos e diminuir
seus riscos sistêmicos.
O mapa de Áreas Prioritárias para a implementação
de corredores ecológicos, resultado do “Workshop de
Ações Prioritárias para Conservação da Biodiversidade
do Cerrado e Pantanal”, realizado em 1998, tem sido a
referência para o trabalho da Conservação Internacional e parceiros nos estados do Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso e Goiás.
A recuperação da conexão entre estas áreas remanescentes, ou seja, a consolidação do Corredor Cerrado - Pantanal, que liga o Parque Nacional das Emas (GO)
ao Pantanal Mato-grossense (MS e MT), ao longo da
Bacia do rio Taquari, depende substancialmente da elaboração de propostas concretas para viabilizar a conservação considerando a realidade do produtor rural
de cada região do Corredor.
Propostas concretas de conservação no contexto dos
corredores ecológicos significam, por exemplo, viabilizar que a área de Reserva Legal de uma fazenda de agricultura empresarial possa ser estabelecida em outro
local menos produtivo tradicionalmente, mas com importante característica ambiental. A correspondência
do valor de mercado entre estas áreas definiria a extensão a ser estabelecida como Reserva numa região alternativa. Ou seja, cada hectare de Reserva Legal de uma
área agrícola altamente produtiva (e portanto com maior
valor de mercado) poderia ser realocado em mais hectares numa área de menor valor de mercado. Neste
modelo, ganha o agricultor empresarial que poderá
continuar produzindo em área total, ganha o meio ambiente porque mais hectares serão convertidos em Reserva e ganha o produtor da área tradicionalmente improdutiva, porque este pode passar a ter uma renda
antes inexistente.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
O presente estudo tem como objetivo subsidiar, através de um estudo econométrico, a elaboração de propostas como a citada acima, por meio da identificação
das variáveis determinantes do valor da terra agrícola
na faixa do Corredor Cerrado-Pantanal.
O C ORREDOR C ERRADO P ANTANAL
O Corredor Cerrado-Pantanal é um projeto promovido
desde 1999 pela Conservação Internacional, em parceria com a Fundação Emas e a Secretaria Estadual de
Meio Ambiente/MS. Trata-se de uma estratégia de conservação que busca preservar áreas que interligam os
biomas Cerrado e Pantanal, que, mesmo bastante exploradas, mantém fragmentos de vegetação original.
O objetivo do projeto é interligar reservas florestais e
áreas de propriedade particular, para permitir que animais e vegetais mantenham seus ciclos biológicos, garantindo a sobrevivência das espécies no longo prazo,
através das trocas genéticas (Conservation International,
2003).
Os 19 municípios incluídos no Corredor podem ser
agrupados em cinco seções. Por sua vez, as seções foram agrupadas em três zonas, de acordo com o perfil
das atividades agropecuárias desenvolvidas nelas. A
Tabela 1 descreve o território abrangido pelo Corredor,
foco do presente estudo.
TABELA 1 – Seções, municípios e zonas do corredor CerradoPantanal.
SEÇÕES
MUNICÍPIOS
ZONAS
Seção 1
Chapadão do Céu – GO
Alto Taquari – MT
ZONA 1
Agricultura
Empresarial
Seção 2
Costa Rica – MS
Sonora – MS
Chapadão do Sul – MS
Alto Garças – MT
Mineiros – GO
Seção 3
Alto Araguaia – MT
Alcinópolis – MS
Santa Rita do Araguaia –GO
Serranópolis –GO
Seção 4
Rio Verde de Mato Grosso – MS
Rio Negro – MS
Corguinho – MS
Pedro Gomes – MS
Coxim – MS
Seção 5
Aquidauana –MS
Corumbá – MS
Miranda – MS
ZONA 2
Zona de
Transição
ZONA 3
Pantanal
Ribeiro, Caleman, Martins & Lourival |
Observa-se pelo perfil de cada Seção/ Zona o gradiente entre o cerrado e o pantanal em termos das atividades agropecuárias desenvolvidas na região. O
cerrado no planalto central brasileiro (Seções 1 e 2) é
caracterizado por grandes propriedades rurais onde é
desenvolvida a agricultura empresarial moderna, com
forte utilização de tecnologia na produção agrícola.
Nesta região, observa-se a ausência de áreas de reserva
legal e total ocupação do espaço com agricultura, principalmente de soja, milho e algodão. Nos casos onde
ocorre a produção pecuária, observa-se que ela é feita
com elevado nível tecnológico e alta produtividade.
Na seqüência, as Seções 3 e 4 compõem a Zona 2 –
uma área intermediária onde ocorre a transição do cenário agrícola moderno para a pecuária extensiva.
Nesta área mista, observa-se a coexistência de áreas de
agricultura, normalmente com um perfil menos empresarial (escala menor), e de áreas de produção pecuária
em alguns casos tecnificada e em outros não. Em função do relevo ondulado da descida do planalto rumo à
planície pantaneira, observam-se importantes áreas de
remanescente florestal. Justamente estas áreas, abandonadas pela inadequação à produção agrícola tradicional, determinam a desvalorização da terra na região,
e em contrapartida representam áreas valiosas em termos de biodiversidade.
Finalmente, a planície pantaneira (Seção 5 / Zona 3)
caracteriza-se pela pecuária de corte extensiva e tradicional. De forma semelhante à Zona de transição, o valor
ambiental desta região está diretamente associado ao
seu potencial de conservação da biodiversidade, o que
é inversamente proporcional ao valor de mercado.
Considerando que o valor de mercado da terra está
diretamente relacionado ao seu potencial de produção
agropecuária, haverá uma equivalência entre o valor das
áreas entre as Zonas descritas que pode favorecer a conservação ambiental. Mas, para definir isto é preciso compreender os fatores determinantes do valor da terra.
O
VALOR DA TERRA
A terra é um recurso particular da economia, por permitir a geração de riqueza através de sua utilização
produtiva. O preço de venda da terra é determinado,
segundo Reydon (1998), pela capitalização de três atributos: as rendas esperadas do uso produtivo do recurso, a facilidade de revender a terra e o custo de manter
o ativo. Ao considerar esses fatores, os agentes decidem pela compra de terra, determinando um fluxo de
73
demanda que, ao encontro com a oferta existente, determina o seu preço.
A teoria econômica sobre o valor da terra teve suas
origens nas propostas de David Ricardo, pensador clássico do século XIX, sobre a criação de rendas por parte
dos proprietários da terra. Ricardo observou que o crescimento demográfico exigia o uso cada vez maior de
terras cada vez mais distantes e menos férteis, que elevavam o valor da terra mais próxima e produtiva, criando excedentes de rendas aos seus proprietários.
Assim, a terra agrícola tem valores diferentes de acordo com a fertilidade do solo e a proximidade do setor
consumidor, mas também de acordo com as benfeitorias
existentes.
Vieira (2000) leva em conta a teoria da renda da terra de Ricardo e a teoria dos custos de transporte e da
localização agrícola de Von Thünen, que trata da influência da distância dos centros consumidores sobre
as iniciativas de produção agrícola. Ao explicar o crescimento da produção agrícola no Centro Oeste, e principalmente no estado de Mato Grosso, observa que,
apesar da grande distância dos grandes centros consumidores e dos portos de exportação, que se apresenta
como fator negativo, os ganhos de produtividade da
região foram tão grandes, que compensaram o elevado
custo de transporte para o escoamento da safra.
A introdução de inovação tecnológica no campo
teve como conseqüência a modernização da agricultura brasileira. No período desde meados dos anos 60
até o início dos anos 80, o preço da terra sofreu uma
valorização significativa, determinada pela modernização e pela existência de crédito que favoreceu a especulação. Além disso, a realidade macroeconômica
de hiperinflação provocava um efeito de sobrevalorização de ativos imobilizados, caso típico das propriedades rurais.
Em meados da década de 90, as políticas de estabilização passaram a influenciar o valor decrescente da
terra. Segundo Reydon (1998) o Plano real afetou o
mercado de terras de forma profunda, provocando uma
queda no valor da terra de cerca de 42% entre junho de
1994 e junho de 1995, fazendo com que este chegasse
ao patamar mais baixo pós-modernização dos anos 70.
Entre junho de 1995 e junho de 1996 os preços das
diferentes terras rurais continuaram caindo, em média
20% (Reydon, 1998), confirmando o efeito da estabilização econômica sobre os ativos imobilizados. Apesar
da queda no valor da terra, o Brasil apresentava níveis
superiores aos praticados em países vizinhos como Argentina e Uruguai (Reydon, 1998).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
74 | Determinantes do valor da terra no corredor Cerrado-Pantanal: subsídios para políticas conservacionistas
Nos últimos anos, no entanto, o ciclo de queda de
preço foi revertido. Desde 2000, observa-se uma nova
valorização dos preços das terras agrícolas no Brasil,
diretamente relacionada à expansão do cultivo da soja.
O aumento da demanda externa por grãos, entre outros fatores do mercado internacional, resultou em
ganhos expressivos para os produtores que ao pressionarem a demanda por terra, determinaram a elevação
de seus preços.
Considerando a crescente pressão de produtores
rurais para expansão das áreas agrícolas, torna-se ainda mais relevante o conhecimento do valor da terra ao
longo do Corredor Cerrado-Pantanal. Uma vez determinados modelos para estimação do valor da terra ao
longo do Corredor, torna-se possível propor, caso a caso,
quantidades equivalentes de áreas de lavoura e de preservação, liberando áreas com vocação agrícola e permitindo a preservação de importantes remanescentes
de biodiversidade.
A identificação dos fatores determinantes do valor
da terra para o Corredor Cerrado-Pantanal foi realizada
de acordo com a metodologia descrita a seguir.
M ETODOLOGIA
Os dados utilizados neste trabalho são primários,
coletados, através da aplicação a campo de um questionário em 106 fazendas distribuídas ao longo da região do Corredor Cerrado-Pantanal. A amostra de 106
fazendas foi definida pelo critério de amostragem que
considerou como universo as fazendas comercializadas
no ano de 2002 na região, para as quais os informantes
teriam informação confiável sobre o valor da transação.
O questionário aplicado levantou dados referentes
ao valor da venda da propriedade e sua extensão total, com os quais pode ser construída a variável
endógena correspondente ao preço da terra por hectare. O questionário levantou também dados quantitativos e qualitativos referentes a 16 determinantes
que poderiam explicar o valor da terra: X1: Localização; X2: Tamanho da propriedade; X3: Cobertura; X4:
Uso da terra; X5: Área não alagável; X6: Infraestrutura disponível; X7: Disponibilidade de energia elétrica; X8: Condições de acesso; X9: Disponibilidade de
água; X10: Declividade; X11: Fertilidade; X12: Tipo
de solo; X13: Potencial turístico; X14: Distância; X15:
Disponibilidade de madeira; X16: Condição legal da
propriedade.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Para cada determinante foram levantadas informações sobre a existência, a qualidade e em alguns casos
a proporção da área correspondente a cada qualidade.
Assim, foi construída mais de uma variável para cada
determinante.
Os dados foram trabalhados estatisticamente em três
níveis: para o conjunto das 106 fazendas, por seções e
por zonas, como mostrado na Tabela 2.
TABELA 2 – Distribuição das fazendas amostradas por seções
e zonas.
DISTRIBUIÇÃO POR SEÇÕES
Seção
Quantidade
DISTRIBUIÇÃO POR ZONAS
Zona
Quantidade
1
22
1
59
2
37
2
27
3
8
3
20
4
19
5
TOTAL
20
106
TOTAL
106
Após definidas as variáveis e construídos os dados
estatísticos, foram calculados e analisados os coeficientes de correlação entre cada uma das variáveis explicatórias e a variável endógena. Nessa análise foram identificadas as variáveis com associação linear suficiente
para compor o modelo. Para obter um modelo mais
confiável, procurando evitar a presença de multicolinearidade nos dados amostrais, foram analisadas as
correlações entre as variáveis explicatórias, excluindo
aquelas que mostrassem correlação alta com alguma
outra variável explicatória incluída no modelo.
Depois de identificadas as variáveis com potencial
de compor os modelos foram estimados os modelos
de regressão, pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários, através do pacote ECSTAT. As estimações foram realizadas para o total e para cada seção e zona,
para calcular os coeficientes de regressão linear da função que explique a variação do preço da terra.
Testes de validação estatística foram realizados com
as metodologias de Student (significância individual) e
de Fisher (Significância global), considerando 95% como
grau de confiança nas decisões. O coeficiente de determinação R2 mensurou o grau do ajustamento. Adicionalmente verificou-se a ausência de autocorrelação
no modelo pelo teste de Durbin-Watson, assim como
a ausência de heterocedasticidade pelo teste de
Spearman.
Ribeiro, Caleman, Martins & Lourival |
R ESULTADOS
E DISCUSSÃO
Nesta seção apresentam-se os resultados da análise
econométrica, realizada nos três níveis alternativos de
agrupamento dos dados. Em cada uma das partes, apresenta-se a justificativa da especificação do modelo mais
eficiente baseada na análise das correlações entre as
variáveis, os resultados da estimação, interpretação dos
parâmetros, os testes de validação estatística e os
testes de verificação de inexistência de multicolinearidade, autocorrelação e heterocedasticidade que poderiam viesar os resultados obtidos pelo método de
Mínimos Quadrados Ordinários, estimados com o pacote ECSTAT.
Especificações por Seções
A análise por seções considera cinco seções que sugerem a setorização pelas características da localização
geográfica e uso da terra. Os resultados mostraram-se
bastante diferentes entre as seções, representando as
diferenças físicas e de uso do solo existentes dentro do
Corredor.
MODELO DA SEÇÃO 1
Y = 813,39 + 44,81637 X4C
^
tc=7,86
Onde:
Especificação Global
Os primeiros resultados referem-se ao modelo proposto para todo o Corredor, estimados com a amostra de
106 fazendas, cujo preço médio da terra é de R$
1.998,12 por hectare, com tamanho médio das fazendas pesquisadas de 2.357,68 hectares.
Para o conjunto total de dados, especificou-se o seguinte modelo econométrico:
Y = 1.813,02 + 33,33817 X4C – 1.210,971 X15A
^
tc=10,51
tc=-5,64
Onde:
R2=0,6576
R2=0,6510
Fc=99,88
dDW=2,02
R2=0,7553
R2=0,7430
Fc=61,72
dDW=2,03
X4C = Parte da Área plantada com soja
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica que a parte do preço
do hectare na Seção 1 que independe da variação
da área cultivada de soja é R$ 813,39;
• Se a parte da área cultivada com soja aumentar em
1% da área da fazenda, espera-se um aumento no
preço do hectare, de R$ 44,82, na Seção 1;
Não apresentando nenhum levantamento dos supostos básicos dos Mínimos Quadrados, conclui-se que o
modelo é estatisticamente bom e confiável para fins de
previsão.
X4C = Parte da Área plantada com soja
MODELO DA SEÇÃO 2
X15A = existência de madeira
Y = 3.640,631 - 23,60472 X4C
^
tc= -3,36
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica que uma parte do preço do hectare (R$ 1.813,02) independe das variáveis
propostas;
• Se a parte da área cultivada com soja aumentar em
1% da área da fazenda, espera-se um aumento no
preço do hectare de R$ 33,34;
• A existência de madeira na fazenda, provoca uma
redução do intercepto para R$ 602,05, desvalorizando o preço da terra.
Embora estatisticamente bom, devido à existência de
heterocedasticidade na variável X4C, a estimação mínimo-quadrática dos parâmetros é ineficiente. Neste caso,
a influência das variáveis identificadas é verificada, mas
o modelo não é confiável para fins de previsão.
75
Onde:
R2=0,2440
R2=0,2224
Fc=11,29
dDW=1,65
X4A = Parte da área com pasto cultivado
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica que a parte do preço
do hectare na Seção 2 que independe da variação
da área cultivada de pasto é R$ 3.640,63;
• Se a área cultivada com pastos aumentar em 1% da
área da fazenda, espera-se uma redução no preço do
hectare, de R$ 23,60, na Seção 2;
Embora estatisticamente bom, o modelo apresenta
pouco ajustamento e, por sofrer de heterocedasticidade provocada pela variável X4C, não é confiável para
fins de previsão.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
76 | Determinantes do valor da terra no corredor Cerrado-Pantanal: subsídios para políticas conservacionistas
MODELO DA SEÇÃO 3
MODELO DA SEÇÃO 5
Y = 6.991,764 – 50,61939 X4B – 100,1593 X4E
^
tc=-13,51
tc=-8,19
Y = -306,0523 + 8,338409 X5 + 10,18803 X4A
^
tc=5,05
tc=4,59
Onde:
R2=0,9894
R2=0,9851
R2=0,7766
R2=0,750
Fc=233,1216
dDW=2,84
Fc=29,55
dDW=2,05
X4B = área de pasto
Onde:
X4E = área de reserva
X5 = Parte da fazenda não alagável
X4A = Parte da área com pastos
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica que partir do valor
máximo (R$ 6.991,76) ocorrem reduções provocadas
pela existência de pastos e reservas;
• Se a área com pastos aumentar em 1% da área da
fazenda, espera-se uma redução no preço do hectare de R$ 50,62;
• Se a área de reserva aumentar em 1% da área da fazenda, espera-se uma redução no preço do hectare
de R$ 100,16;
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado negativo indica que existe um
mínimo de área não alagável e de pastos a partir do
qual a função proposta existe;
• Se a área não alagável aumentar em 1% da área da
fazenda espera-se um aumento no preço do hectare,
de R$ 8,34, na Seção 5;
• Se a área com pastos aumentar em 1% da área da
fazenda espera-se um aumento no preço do hectare,
de R$ 10,19, na Seção 5.
Embora o modelo seja estatisticamente bom, não é
confiável para fins de previsão, em função da heterocedasticidade causada por X4E.
Embora estatisticamente bom, o modelo não é confiável para fins de previsão por sofrer de heterocedasticidade em X5.
MODELO DA SEÇÃO 4
Especificações por Zonas
MODELO DA ZONA 1 – Agricultura empresarial
A Zona 1, que contém as Seções 1 e 2, é caracterizada
pelo desenvolvimento de agricultura empresarial. Os
resultados foram estimados com uma amostra de 59
fazendas, cujo preço médio da terra é de R$ 2.818,84
por hectare, com tamanho médio das fazendas
pesquisadas de 752,70 hectares.
Para a Zona 1, especificou-se o seguinte modelo
econométrico:
Y = -147,7446 + 102,63830 X6B + 112,9259 X8
^
tc=3,26
tc=3,21
Onde:
R2=0,5396
R2=0,4855
Fc=9,96
dDW=1,91
X6B = Índice de qualidade de infraestrutura
X8 = índice de qualidade das condições de
acesso
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado negativo indica que existe um
mínimo de qualidade da infraestrutura e das condições de acesso a partir do qual a função proposta
existe;
• Se a qualidade da infraestrutura aumentar em um
ponto, na escala de 0 a 10, espera-se um aumento
no preço do hectare, de R$ 102,64, na Seção 4;
• Se a qualidade das condições de acesso aumentar
em um ponto, na escala de 0 a 10, espera-se um aumento no preço do hectare, de R$ 112,92, na Seção 4.
Não apresentando nenhum levantamento dos supostos básicos dos Mínimos Quadrados, conclui-se que o
modelo é estatisticamente bom e confiável para fins de
previsão.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Y = 2.113,823 + 29,2875 X4C – 1.522,55 X15A
^
tc=6,40
tc=-4,40
Onde:
R2=0,5587
R2=0,5429
Fc=3599
dDW=1,92
X4C = Parte da área com soja
X15A = existência de madeira
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica a parte do valor da terra que independe das oscilações da área de soja e da
existência de madeira;
• Se a área de soja aumentar em 1% da área da fazenda
espera-se um aumento no preço do hectare, de R$
29,29, na Zona 1;
Ribeiro, Caleman, Martins & Lourival |
• Se a fazenda tiver madeira espera-se uma redução
do intercepto para R$ 591,27.
Os testes estatísticos demonstram que o modelo é
estatisticamente bom, e confiável para fins de previsão.
MODELO DA ZONA 2 – Zona de transição
A Zona 2 contém as Seções 3 e 4, denominada de zona
de transição. Os resultados foram estimados com uma
amostra de 28 fazendas, cujo preço médio da terra é
de R$ 1.402,58 por hectare, com tamanho médio das
fazendas pesquisadas de 779,22 hectares.
Para a Zona 2, especificou-se o seguinte modelo
econométrico:
Y = 1.326,128 -40,47953 X4E + 98,34496 X6B
^
tc=-4,03
tc=3,46
Onde:
R2=0,5374
R2=0,4988
Fc=13,94
dDW=2,69
X4E = parte de reserva
X6B = qualidade de infraestrutura
Os parâmetros estimados têm a seguinte interpretação:
• O intercepto estimado indica a parte do valor da terra que independe das oscilações da existência de
reservas e da qualidade da infraestrutura;
77
• Se a área de reservas aumentar em 1% da área da
fazenda espera-se uma redução no preço do hectare, de R$ 40,47, na Zona 2;
• Se a infraestrutura da fazenda for excelente (índice
10), espera-se um aumento no preço do hectare, de
R$ 983,44, na Zona 2;
Os testes estatísticos demonstram que o modelo é
estatisticamente bom, e confiável para fins de previsão.
MODELO DA ZONA 3 – Pantanal
Os resultados da Zona 3 coincidem com os da Seção 5,
apresentados acima.
Para encerrar apresenta-se na Tabela 3 um quadro
resumo contendo as variáveis que, pelos resultados
analisados, têm influência importante no valor do hectare de terra no Corredor Cerrado-Pantanal. As informações são resumidas para todos os níveis de análise
utilizados.
Simulação de cenários para os modelos por zona
Utilizando os modelos estimados por Zona, foram realizadas algumas simulações de valor da terra em cada Zona
estudada. Desta forma, foi possível checar os limites de
cada modelo determinado, bem como estimar a correlação de valores entre as áreas determinadas.
TABELA 3 – Variáveis que influenciaram o valor da terra em cada uma das zonas e seções analisadas.
AMOSTRAS
VARIÁVEIS DETERMINANTES
DOPREÇO DA TERRA
GRAU DE
AJUSTAMENTO
CONFIABILIDADE
DO MODELO
Corredor inteiro
Área Plantada de soja (+)
Existência de madeira (-)
65,76%
Não confiável
Seção 1
Área Plantada de soja (+)
74,30%
Confiável
Seção 2
Área de Pasto Cultivado (-)
24,40%
Não confiável
Seção 3
Área de Pasto Cultivado (-)
Área de Reserva (-)
98,94%
Não confiável
Seção 4
Qualidade da infraestrutura (+)
Qualidade dos acessos (+)
53,96%
Confiável
Seção 5
Área não alagável (+)
Área de Pasto Cultivado (+)
77,66%
Não confiável
Zona 1
Área Plantada de soja (+)
Existência de madeira (-)
55,87%
Confiável
Zona 2
Área de Reserva (-)
Qualidade da infraestrutura (+)
53,74%
Confiável
Zona 3
Área não alagável (+)
Área de Pasto Cultivado (+)
77,66%
Não confiável
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
78 | Determinantes do valor da terra no corredor Cerrado-Pantanal: subsídios para políticas conservacionistas
De acordo com o modelo estimado para a Zona 1,
o valor da terra deve variar entre R$591,27/ha e
R$5.042,57/ha, dependendo do percentual da propriedade ocupada com soja e da ocorrência ou não
de remanescentes florestais na propriedade. Considerando-se a atual inexistência de remanescentes florestais na região, o valor da terra na Zona 1 pode ser
considerado entre R$2.113,82/ha e R$5.042,57/ha
(Tabela 4).
O modelo da Zona 3 é restrito a propriedades com
no mínimo 37% de área não alagável ou ao menos 30%
da área com pasto cultivado. Em termos práticos, haverá um equilíbrio entre estas duas variáveis, como
por exemplo: 50% de área não alagável e 20% de pasto
cultivado. As simulações indicam que uma propriedade no Pantanal que tivesse 100% de área não alagável
e toda ela com pasto cultivado chegaria a valer
R$1.546,59/ha (Tabela 6).
TABELA 4 – Simulação de cenário para Zona 1.
TABELA 6 – Simulação de cenário para Zona 3.
ZONA 1
Parâmetros
INTERCEPTO
SOJA
(%)
MADEIRA*
(0/1)
2.113,82
29,29
-1.522,55
0
1
Cenário 1
VALOR DA
TERRA
ZONA 3
591,27
ÁREA NÃO
ALAGÁVEL
INTERCEPTO
(%)
Parâmetros
-306,05
PASTO
CULTIVADO VALOR DA
(%)
TERRA
8,34
10,19
37
0
Cenário 2
50
1
2.055,65
Cenário 1
0,00
Cenário 3
0
0
2.113,82
Cenário 2
0
30
0,00
50
20
314,63
Cenário 4
50
0
3.578,20
Cenário 3
Cenário 5
100
0
5.042,57
Cenário 4
80
0
361,02
Cenário 5
100
100
1.546,59
* 0 – não ocorrência de madeira / 1 – ocorrência de madeira
No caso da Zona 2, o modelo determinado fica restrito a propriedades onde haja, no máximo, 32,76% de área
de reserva. Havendo um percentual de reserva superior,
o modelo determina um valor da terra negativo, e portanto inconsistente. No entanto, não é comum observar-se tal percentual de área florestada na região, de
forma que este não é um fator limitante para a utilização
do modelo.
De acordo com as simulações, o hectare de terra deve
variar entre R$516,54 (considerando uma área com reserva legal de 20% - conforme exigido pela legislação
florestal) e R$2.309,58 (Tabela 5).
TABELA 5 – Simulação de cenário para Zona 2.
ZONA 2
Parâmetros
INTERCEPTO
INFRARESERVA ESTRUTURA
(%)
(0-10)
1.326,13
VALOR DA
TERRA
-40,48
98,34
Cenário 1
32,76
0
0,00
Cenário 2
20
0
516,54
Cenário 3
0
0
1.326,13
Cenário 4
0
5
1.817,85
Cenário 5
0
10
2.309,58
* Qualidade da infraestrutura: 0 - muito ruim / 10 - excelente
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Simulação de equivalência entre áreas
Finalmente, tomando como base os modelos estimados
para cada Zona, é possível estimar a equivalência entre
áreas de diferentes Zonas. Utilizando os cenários considerados mais representativos das propriedades encontradas nas 3 Zonas, foi calculada a relação de troca entre
hectares das Zonas 1 e 2 em relação ao Pantanal e da
Zona 1 em relação à Zona 2 (Tabela 7). Ou seja: quantos
hectares de Pantanal deveriam ser preservados como área
de reserva em substituição a cada hectare que seria mantido em produção numa propriedade da Zona 1 ou 2?
Segundo os dados da Tabela 7, observa-se que cada
hectare da Zona 1, com 50% da área cultivada com soja
e sem área florestal, corresponderiam a 1,55 ha de uma
área na Zona 2, sem reserva legal e com ótima infraestrutura. Esta relação pode chegar a praticamente 1 para
14 ha, se compararmos uma propriedade da Zona 1
totalmente ocupada com soja com uma propriedade
típica do Pantanal (com 20% de área alagável e sem pastos cultivados).
C ONCLUSÕES
O estudo apresentado neste relatório teve como objetivo identificar as variáveis que possuem maior importância na determinação do valor da terra na região do
Ribeiro, Caleman, Martins & Lourival |
79
TABELA 7 – Relação de troca entre 1 hectare das Zonas 1 e 2 e o Pantanal e entre Zona 1 e Zona 2.
PANTANAL
CENÁRIO 4
ZONA 2
CENÁRIO 4
ZONA 2
CENÁRIO 5
ZONA
CENÁRIO
Zona 1
4 – 50% da área com cultivo de soja; sem madeira
9,91
1,97
1,55
Zona 1
5 – 100% da área com cultivo de soja; sem madeira
13,97
2,77
2,18
Zona 2
4 – 0% de área de reserva legal; Infraestrutura média (5)
5,04
—-
—-
Zona 2
5 – 0% de área de reserva legal; Infraestrutura ótima (10)
6,40
—-
—-
Corredor Cerrado-Pantanal e, desta forma, subsidiar a
elaboração de propostas de políticas de promoção da
conservação ambiental na região.
O Corredor localiza-se numa extensa faixa de terra
ao longo da qual as características do solo, da vegetação e do uso produtivo da terra apresentam diferenças
significativas. Aliando essa realidade ao fato de que os
tamanhos das fazendas pesquisadas na região são bastante diversos, resulta em variações significativas no
preço da terra ao longo de todo o corredor.
Os resultados obtidos neste estudo permitiram alcançar o objetivo proposto, de identificar as variáveis
mais importantes que influenciam no preço da terra.
A variável explicada foi o valor do hectare de terra, que
é influenciado, ao longo de todo o Corredor, principalmente por duas variáveis: a área plantada de soja, que
aparece como fator de valorização da terra, enquanto
a existência de madeira é um fator de desvalorização.
A forte presença de cultura de soja, principalmente
nas Seções 1 e 2, onde, em 2001, 41% e 16%, respectivamente, da área era destinada a esse cultivo, explica a
importância da variável Área de Soja (X4C) como
determinante do valor da terra no Corredor como um
todo. Nesta tentativa de estimação de um modelo único, apesar do aumento do rebanho registrado nas Seções 2, 3 e 4, não se verificou correlação entre a área
com pastos e o valor da terra, nem para o total de pastos (cultivados e naturais), nem para os pastos cultivados nas Seções 2 e 4.
Quando a amostra foi desagregada em seções e zonas, os resultados foram diferentes. Na Seção 1 a área
plantada de soja explica 74,30% da variação do preço
da terra, mais uma vez confirmando a extrema relevância desta cultura para a região.
Já na Seção 2, a área de Pasto cultivado tem influência
negativa sobre o preço da terra. A interpretação deste
resultado consiste no entendimento do produtor de que
terras de pastagem estão associadas a restrições ao cultivo da soja e portanto, são áreas desvalorizadas.
Na Seção 3, a área plantada de soja e a alta fertilidade contribuem para a valorização da terra enquanto a
área de reserva a desvaloriza. Mais uma vez, a identificação de restrições ao cultivo da soja (presença de áreas
florestadas) deve reduzir o valor do hectare.
Na Seção 4, a qualidade de infraestrutura e dos acessos são as variáveis mais importantes, enquanto no Pantanal (Seção 5) as principais variáveis determinantes do
preço da terra são a quantidade de área não alagável e
a área de Pastos Cultivados. No caso do Pantanal, é bastante claro que a utilização produtiva das fazendas com
a atividade pecuária tradicional depende da disponibilidade de áreas não alagáveis, de forma que este fator
aparece como determinante do aumento do valor da
terra na região. A ocorrência de pastos cultivados é associada à possibilidade de aumento da capacidade de
lotação da fazenda com gado e conseqüentemente, valoriza o hectare no mercado.
Nas Zonas 1 e 2 a área plantada de soja se mantém
como a principal variável determinante do preço da terra,
enquanto na Zona 3 (Pantanal) o valor da terra é influenciado pela proporção de áreas não alagáveis e de pastos.
Todas as funções estimadas, no modelo global, por
Seção ou por Zona, demonstram que, na percepção do
mercado, a presença de áreas florestadas ou de reserva
depreciam o preço da terra, demonstrando que a conservação é associada a custo.
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Conservação Internacional. Redesenhando a paisagem do Cerrado e Pantanal: como um quebra-cabeça, corredor ecológico
conectando ecossistemas. Disponível em: www.conservation.
org.br/corredor01.htm (acessado em junho de 2003).
Melo Neto, F. P. & C. Froes. 2001. Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro. Qualitymark, Rio de Janeiro.
Reydon, B. P. 1998. Os mercados de terras agrícolas brasileiros.
Projeto de Pesquisa. Unicamp, Campinas, São Paulo.
Vieira, E.T. 2000. O desenvolvimento agrícola do estado de
Mato Grosso a partir da análise das teorias de David Ricardo
e Von Thünen. Disponível em: www.unitau.br/prppg/grupos/
nupes/des_agricola_matogrosso.htm (acessado em junho de
2003).
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Diagnóstico de política e economia
ambiental para o Pantanal
MARIA ALICE CORRÊA TOCANTINS1*
WILSON CABRAL DE SOUSA JR.2
PAULO GUSTAVO DO PRADO PEREIRA3
ÉRIKA GUIMARÃES4
REINALDO LOURIVAL5
1
Plano Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Brasília, Brasil.
2
Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, São Paulo, Brasil.
3
Conservação Internacional, Brasília, Brasil.
4
Aliança para Conservação da Mata Atlântica, São Paulo, Brasil.
5
Faculdade de Ciências Químicas e Biológicas da Universidade de Queensland, Austrália.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
O presente trabalho realizou um levantamento de programas e projetos aplicados à região do
Pantanal brasileiro, para analisá-los à luz dos elementos de políticas públicas estaduais e federal para a região. Do ponto de vista da vulnerabilidade do ecossistema Pantanal, em relação às
políticas desenvolvimentistas tradicionais, os estudos deixam clara a falta de rigor nas análises do setor público sobre os investimentos em infra-estrutura e atividades extrativistas (mineração), a falta de priorização e incentivos às atividades que apresentem valor de conservação do ecossistema (turismo ecológico e pecuária pantaneira). Por fim, as análises apontam
que a conservação do ecossistema pantaneiro e suas regiões limítrofes é condição necessária
ao estabelecimento de atividades econômicas sustentáveis. Assim, a conservação ambiental
deve ser considerada nos estudos e prognósticos sobre a região do Pantanal, não como uma
premissa de menor prioridade, mas como um princípio elementar para as atividades antrópicas
que se queiram desenvolver sobre este ecossistema.
ABSTRACT
This paper presents a qualitative analysis of the official projects taken in the Pantanal region,
under its public policies elements. The analyzed studies have shown the weakness of the public
sector investment analysis, specially in infrastructure and extractive activities (mining), and the
under prioritization of those activities that conserves ecosystem (ecologic tourism and cattle
ranching with native grasses). At last, the qualitative analysis indicate the needs on environmental
conservation as a necessary condition to establishment of sustainable economic activities. In fact,
the environmental conservation would be considered as priority in the public sector analysis in
order to reach the sustainability of anthropic activities on this ecosystem.
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Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
I NTRODUÇÃO
Comumente, políticas públicas e planejamento adquirem um caráter simbólico quando analisados sob o prisma de suas interfaces ou objetivos ambientais. Para o
caso especifico da região do Pantanal brasileiro, elementos de política podem ser encontrados em diversos níveis, desde locais até internacionais. No entanto,
dado o caráter de dominialidade associado à região,
conquanto o Pantanal ocupa áreas de dois estados, além
de outros países, especialmente Paraguai e Bolívia, a
convergência e articulação destas políticas não é tarefa
trivial. Neste sentido, o presente trabalho pretende levantar programas e projetos aplicados localmente, analisando-os à luz dos elementos de políticas públicas
estaduais e federal para a região pantaneira.
Diversos temas apresentam situações de conflito na
região, as quais deveriam ser contempladas nos planos
de desenvolvimento e ou de uso e ocupação do Pantanal. Entretanto, por problemas de ordem diversa, que
vão desde a ausência de elementos específicos de política até a dominância de interesses estritamente financeiros, tais conflitos permanecem ao largo de suas
resoluções. Assim, apesar da percepção clara de posições bem intencionadas, o alcance de determinadas atitudes e políticas é ainda restrito, fato que contribui para
o acirramento dos conflitos.
O objetivo proposto nesse estudo é o de apresentar
subsídios para avaliação de políticas públicas que se aplicam à região, bem como fornecer elementos para o estabelecimento de novas políticas ou redirecionamento
de propostas e programas existentes. Por fim, apresenta-se um diagnóstico das iniciativas atuais de políticas
para a região e as considerações finais e recomendações
elaboradas com base no diagnóstico apresentado.
O P ANTANAL
O Pantanal brasileiro é uma das regiões componentes
da grande Bacia do Alto Paraguai (BAP). A porção brasileira desta bacia ocupa uma área de 361.666km2, dos
quais cerca de 38,2% representam a região do Pantanal
1
81
(Figura 1). O restante da área é região de planalto, palco das principais intervenções antrópicas com relevância para a paisagem pantaneira. De acordo com o Plano
de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP)
(1997)1, estas características de relevo e hidrologia definem o meio ambiente aquático e terrestre, além de
condicionar o uso dos recursos naturais e a ocupação
do solo. O relevo é marcado por significativos contrastes entre as terras baixas e periodicamente inundáveis,
planícies do Pantanal mato-grossense e as terras do
entorno, não-inundáveis, individualizadas pelos planaltos, serras e depressões.
Dentre os problemas oriundos do planalto e que afetam a planície pantaneira, destacam-se: a compactação
e erosão dos solos devido ao uso inadequado; desmatamentos e destruição de matas ciliares; poluição dos
rios pelos esgotos domésticos das cidades, de agroindústrias, pela mineração e por insumos da agropecuária. As conseqüentes alterações dos níveis da água e
assoreamento dos rios provocam modificações de leito dos corpos d’água e aumento do período de inundação das áreas. Neste sentido, os estudos do PCBAP
(1997) já expressavam, como fundamental para a conservação do ecossistema pantaneiro, a definição de um
planejamento estratégico que buscasse o conhecimento da dinâmica de toda a Bacia do Alto Paraguai.
Numa extensão de 138.183km2, considerado a maior
planície inundável do mundo, o Pantanal, localizado no
centro da América do Sul, possui grande diversidade
de flora e fauna, originária das regiões Amazônica, do
Cerrado e da Mata Atlântica: 264 espécies de peixes
catalogados; cerca de 1.700 espécies de plantas; 122
de mamíferos; 668 aves; 167 espécies de répteis e 35
de anfíbios (Willink et al., 2000). Esse cenário confere à
região uma forte vocação às atividades de conservação
e ao turismo de caráter contemplativo. Trata-se de uma
das áreas de maior potencial turístico do Brasil.
O Pantanal é uma região plana, com altitudes que
não vão além dos 200m acima do nível do mar. A declividade, quase nula, de 6 a 12 cm/Km no sentido lesteoeste e de 1 a 2 cm/km no sentido norte-sul, favorece
as inundações que propagam-se de norte para o sul e
de leste para o oeste, ao longo do rio Paraguai, único
O Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP) é um dos levantamentos mais abrangentes da situação de uso e ocupação do solo
no Pantanal e entorno. Foi resultado de demanda dos dois estados brasileiros que dividem áreas no Pantanal: o Mato Grosso e o Mato Grosso
do Sul. Os estudos, concluídos em 1997, abrangeram os aspectos físicos, bióticos, sócio-econômicos e jurídico-institucionais da BAP,
baseados em critérios de preservação e conservação ambientais e desenvolvimento sustentável. O Plano foi elaborado no âmbito do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e executado pelos órgãos de meio ambiente
dos estados envolvidos, Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (FEMA) e Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul
(SEMA) (PCBAP, 1997).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
82 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
FIGURA 1 – Bacia Hidrográfica do Alto Rio Paraguai (BAP) – Fonte: Programa Pantanal – Sumário Executivo (2001).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
escoadouro do Pantanal. Circundado pelo Planalto Brasileiro (a leste) e, mais ao longe, pela Cordilheira dos
Andes (a oeste), estas regiões acabam vertendo suas
águas para o Pantanal nas épocas de cheia ou degelo
(PCBAP, 1997).
O rio Paraguai, leito principal da Bacia do Alto Paraguai, figura como um dos mais importantes rios de planície do País, à seqüência do rio Amazonas. Da sua nascente, na Chapada dos Parecis – MT, próxima à cidade
de Diamantino – MT, até sua confluência com o rio
Paraná, na fronteira do Paraguai com a Argentina, ele
percorre 2.261km, sendo 1.683km em território brasileiro. Os rios da bacia do rio Paraguai formam as enchentes do Pantanal (Programa de Desenvolvimento
Sustentável do Pantanal, 2002).
Como referido na contextualização da Bacia do Alto
Paraguai, o Pantanal possui hoje um passivo ambiental,
fruto do modelo de crescimento aplicado na região.
Assim, o ecossistema pantaneiro vem merecendo a atenção da sociedade mato-grossense, brasileira e internacional, argüindo uma política de desenvolvimento em
bases de proteção e conservação ambiental, conforme
aponta relatório do Programa Pantanal, o qual será detalhado posteriormente neste trabalho:
“(...) Tudo isso, somado à pesca e caça predatórias,
à ausência de uma política de ordenamento e desenvolvimento do turismo que considere a conservação dos
recursos naturais, a empreendimentos como o Gasoduto
Bolívia-Brasil e a Hidrovia Paraguai-Paraná, pedem urgentemente a definição de um planejamento ambiental para a região que concilie desenvolvimento com conservação ambiental”. (Programa de Desenvolvimento
Sustentável do Pantanal, 2001).
A BAP E O P ANTANAL NO M ATO G ROSSO
MATO G ROSSO DO S UL
E NO
No estado do Mato Grosso, três sub-bacias formam a
porção norte da Bacia do Alto Paraguai: a sub-bacia do
rio Paraguai, a sub-bacia do rio Cuiabá e a sub-bacia do
rio São Lourenço. Dos 52 municípios destas bacias,
apenas 4 possuem áreas no Pantanal: Cáceres, Santo
Antônio do Leverger, Poconé e Barão de Melgaço. De
acordo com o PCBAP (1997), esta foi a região inicialmente ocupada no Mato Grosso, situação que se manteve até o início do século passado. Hoje, Mato Grosso
possui núcleos urbanos surgidos nas últimas três décadas, devido à intensa mobilidade espacial decorrente
de migrações internas nacionais e regionais para as regiões do médio e norte do Estado, em busca da fron-
83
teira agrícola, de terras para o cultivo de monocultura,
principalmente a soja. Mato Grosso ilustra ainda hoje
uma crescente urbanização da região da Bacia do Alto
Paraguai através de grandes regiões como a conurbação
Cuiabá/Várzea Grande, Rondonópolis, Barra do Bugres,
Tangará da Serra, Alto Paraguai, Mirassol D’Oeste e São
José dos Quatro Marcos. O aumento populacional das
cidades deve-se tanto ao crescimento da população em
si quanto às migrações campo-cidade. O sistema de
transporte atual é predominantemente rodoviário, com
uma crescente mas tímida ascensão do ferroviário. O
transporte hidroviário é realizado através do rio Paraguai, onde o principal porto é o de Cáceres.
No Mato Grosso do Sul, dos 30 municípios da Bacia do
Alto Paraguai, 6 possuem áreas no Pantanal: Aquidauana,
Anastácio, Miranda, Corumbá, Ladário e Porto Murtinho.
Segundo o relato do PCBAP (1997), o gado e os cafezais das décadas de 50, 60 e 70 movimentavam grandes somas de capital na Bacia do Alto Paraguai, no Mato
Grosso do Sul. Posteriormente, atraindo agricultores
do sul do País, a soja alastrou-se no entorno de Campo
Grande, nas regiões de Sidrolândia e Terenos, avançando em direção ao Pantanal. A moderna monocultura
trouxe um descontrole ambiental na região das bordas
do Pantanal, principalmente nas localidades de São
Gabriel do Oeste e Chapadão do Sul.
A BAP/MS é cortada pela ferrovia Noroeste da RFFSA,
com 460km entre Campo Grande e Corumbá. A navegação fluvial de porte é realizada no Rio Paraguai, com
os portos de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho. Segundo dados do PCBAP (1997), Corumbá, uma das cidades da região pantaneira, possuía, em 1997, 23,9%
da população urbana e 19% da população total da Bacia
do Alto Paraguai do Mato Grosso do Sul. Pelo seu porto, exporta grãos e minérios para a Bolívia e países
andinos. Alguns centros urbanos outrora importantes,
como Coxim e Aquidauana, cederam lugar ao dinamismo comercial para São Gabriel do Oeste e à polarização de Campo Grande.
POLÍTICAS
PARA A REGIÃO
Uma vez que existem iniciativas de planejamento e programas em diversos níveis para a região do Pantanal,
cabe salientar que as diretrizes políticas, quando existentes, são deliberadas ora regionalmente, a partir dos
governos estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, ora nacionalmente, a partir de ministérios federais
com interesse na região (é o caso dos ministérios do
Meio Ambiente, Infra-Estrutura e das Minas e Energia).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
84 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
Eventualmente um ou outro organismo internacional
está associado aos programas estaduais ou federais.
Assim sendo, passaremos a abordar as iniciativas no estabelecimento de políticas e programas para o Pantanal
a partir do plano regional (Estados), passando posteriormente a apresentar as iniciativas de âmbito federal ou
internacional. Os cinco temas enfocados (Pesca, Pecuária, Hidrovia Paraguai-Paraná, Turismo e Mineração) serão a base para o levantamento destas iniciativas.
Dentre estes temas, quando se trata de Pantanal,
apenas Pesca e Pecuária possuem iniciativas consistentes em ambos os Estados. O Turismo e a Mineração têm
iniciativas setoriais no Mato Grosso do Sul, enquanto o
tema Hidrovia, apesar de ser um projeto federal, vem
sendo paulatinamente explorado por ambos os Estados, porém, de maneira não coordenada.
O estado do Mato Grosso do Sul possui maior área
relativa compreendida na região pantaneira, cerca de
75% de seus domínios em território nacional, além do
que, dentre seus principais municípios, dois estão inseridos naquela região: Corumbá e Aquidauana. Os quatro municípios do estado do Mato Grosso inseridos no
Pantanal pouco representam em termos de indicadores
econômicos tradicionais, em relação aos principais centros urbanos do Estado. Tal fato parece influenciar a
existência de políticas setoriais para os temas abordados, em maior quantidade no MS. Além disto, o Mato
Grosso do Sul possui um planejamento estratégico para
os próximos 20 anos com clivagens regionais. O documento de planejamento Cenário e Estratégias de Longo Prazo – MS 2020 (Mato Grosso do Sul, 2000) consiste
numa relação de macroprioridades e objetivos estratégicos, retratando as necessidades do povo do Mato
Grosso do Sul. A intenção é criar um portfólio de oportunidades de investimentos públicos e privados.
Esse documento utiliza dois instrumentos: o estudo
de cenários para Mato Grosso do Sul em 2020 e desenhos de opções estratégicas para o período 2000-2020
e uma agenda de prioridades para o curto prazo 20002004. Todas as macroprioridades consideram as dimensões social, econômica, ambiental, gerencial e de domínio da informação e conhecimento. Este documento
subsidiou o “Plano Regional de Desenvolvimento Sustentável” (PRDS) de cada região do Mato Grosso do Sul:
Alto Pantanal, Sudoeste, Norte, Central, Bolsão, Grande Dourados, Leste, Sul Fronteira. Trata-se do marco
político mais recente para o desenvolvimento regional.
O PRDS foi desenhado por equipe técnica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Secretaria de Planejamento, de Ciência e de Tecnologia
(SEPLANCT), com a participação efetiva de representan-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
tes da sociedade civil na formulação de um modelo de
desenvolvimento capaz de compatibilizar o crescimento econômico com a inclusão social e o respeito ao meio
ambiente. Para cada região foi criado um Conselho Regional de Desenvolvimento (COREDES), palco de discussão dos planos regionais.
Cada plano regional lista os problemas, as potencialidades e uma carteira de projetos prioritários, os quais
representam anseios de cada localidade, isto é, configuram-se como sugestões. Alguns COREDES ainda
estão se organizando, sendo que o da região Norte já
está legalmente constituído e o do Alto Pantanal já está
em fase final de constituição. A sistemática de funcionamento dos COREDES prevê reuniões itinerantes pelos municípios de cada região.
O “Plano Regional de Desenvolvimento Sustentável
da Região do Alto Pantanal – PRDS Alto Pantanal”
envolve os municípios de Anastácio, Aquidauana, Corumbá, Dois Irmãos do Buriti, Ladário e Miranda. Nos
últimos 20 anos, segundo o PRDS-Pantanal, a região do
Alto Pantanal vem sendo contemplada com projetos
ambientais para a preservação do ecossistema pantaneiro, recebendo recursos financeiros, os quais têm sido
revertidos em obras de infra-estrutura, projetos sociais,
pesquisas ambientais, colocando a região em destaque
nacional e internacional. Algumas das obras programadas para o Pantanal têm colocado em confronto a relação “homem x natureza”, chamando a atenção das
autoridades políticas e ambientalistas. Incluem-se dentre estas obras o gasoduto Brasil-Bolívia, a termelétrica
de Corumbá, a hidrovia Paraguai-Paraná e o turismo
exploratório da pesca (Programa Pantanal, 2001).
A região do Alto Pantanal, na década de 90, foi
contemplada por vários programas federais de desenvolvimento, criados dentro da extinta Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (SUDECO),
como por exemplo o Programa de Desenvolvimento do
Pantanal (PRODEPAN) e o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO), dinamizando atividades
agropecuárias, implantando infra-estruturas urbanas e
rurais, de características social, comunitária e científica, em vários municípios da região (PRDS Alto Pantanal). Mais recentemente, o Programa Pantanal e os recursos provenientes das atividades turísticas vêm trazendo novas perspectivas de desenvolvimento para os
municípios da região.
O PRDS Alto Pantanal define uma carteira de projetos com alta prioridade, média prioridade e baixa prioridade. O estímulo a empreendimentos agropecuários
e turísticos, à preservação ambiental e ao transporte
multimodal é expresso em todas as prioridades.
Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
No caso do Mato Grosso, o principal instrumento de
planejamento regional de longo prazo é o Zoneamento Sócio-Econômico-Ecológico (ZSEE), concluído no primeiro semestre de 2003. Com um custo de R$100
milhões, ele deveria ter guiado a execução do Programa de Desenvolvimento Agroambiental do Estado de
Mato Grosso (PRODEAGRO), financiado pelo Banco
Mundial, mas acabou sendo concluído seis meses após
o término do Programa. O objetivo do ZSEE era o de
revelar as potencialidades e limitações naturais do território, em termos econômicos, sociais e ambientais. O
ZSEE levantou a diversidade de fauna e flora do Mato
Grosso e dividiu o Estado em 12 regiões de planejamento e 94 zonas específicas, conforme especificidades
de solo, geomorfologia, vegetação, clima e hidrologia.
A implementação do Zoneamento está prevista num
programa que o Governo do Estado está negociando
junto ao Banco Mundial, denominado “Programa de
Conservação do Solo, da Água e da Cobertura Vegetal”, também chamado de “Programa de Microbacias
Hidrográficas”. No valor de U$400 milhões, esse Programa pretende a diminuição do ritmo da degradação
dos recursos hídricos em Mato Grosso, que sofrem a
poluição advinda de esgoto, agrotóxicos e rejeitos de
mineração.
A região prioritária do Mato Grosso para o estabelecimento de políticas setoriais e regionais é o norte do
Estado, principal fonte de geração de renda e oportunidades econômicas tradicionais. Neste sentido, as atenções se voltam para o acompanhamento da expansão
de fronteira agrícola e implementação de infra-estrutura para este modelo exploratório. O exemplo disto é a
negociação do Programa de Microbacias, citado no parágrafo anterior, que prevê obras de infra-estrutura para
escoamento da produção e, também, o Programa Operação Estradeiro, iniciado pelo Governo do Estado cuja
finalidade é pavimentar e restaurar diversas rodovias
estaduais, através de parceria entre Estado e setor produtivo; e algumas rodovias federais, também via um
modelo de parceria federal, estadual e setor produtivo,
que está sendo estudado pela União.
M INERAÇÃO
As atividades minerais na área de influência do Pantanal se concentram no estado do Mato Grosso do Sul,
especialmente nos municípios de Corumbá e Ladário
(ferro e manganês) e Corumbá, Bonito, Bodoquena, Jardim e Porto Murtinho (calcários calcítico e dolomítico
e granitos ornamentais).
85
Os municípios de Corumbá e Ladário, no Mato Grosso do Sul, possuem a maior reserva de manganês do
País – 85,7 milhões de toneladas (em 1988 eram 253
milhões de toneladas), 45% das reservas nacionais –
e a terceira maior de ferro – 1,09 bilhões de toneladas
(Ministério das Minas e Energia, Departamento Nacional de Produção Mineral, Ministério das Minas e Energia – MME/DNPM, 1999).
Segundo dados do estudo “Setor Mineral do Estado do
Mato Grosso do Sul”, de 1994, empreendido pela então Companhia de Desenvolvimento do Mato Grosso
do Sul (CODEMS), as quatro principais empresas
mineradoras de Corumbá, atuantes na extração de ferro e manganês possuíam capacidade extrativa de cerca
de 4.000.000 de toneladas/ano de minério de ferro e
1.000.000 de toneladas/ano de manganês. Hoje, a Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio –
EGRHP-MS substitui a CODEMS.
O minério de ferro do Mato Grosso do Sul é praticamente todo exportado para os mercados argentino e paraguaio, através do Rio Paraguai, numa extensão de
2.820km, de Corumbá até o Porto de Nueva Palmira, no
Uruguai. O minério de ferro não tem competitividade no
mercado nacional, pois a distância de 1.667km – Rede
Ferroviária Federal, de Corumbá a São Paulo, inviabiliza
a comercialização internamente, devido ao baixo preço
praticado, o mesmo não acontecendo com o minério de
manganês. Por sua vez, o minério de manganês de
Corumbá tem 60% da sua produção destinada ao mercado nacional e, o restante, para o mercado argentino.
O minério de ferro, antigamente processado no próprio Estado, hoje é exportado em sua quase totalidade. O manganês é consumido no Estado pela Companhia Paulista de Ferro-Ligas, de Corumbá. De acordo
com técnicos do setor mineral do governo do Mato
Grosso do Sul, tanto o minério de ferro como o manganês teriam participações mais significativas caso as
condições de navegabilidade do Rio Paraguai fossem
melhoradas, pois atualmente não é possível a navegação de embarcações de grande calado.
Já Corumbá, Miranda, Bodoquena, Bonito, Jardim e
Bela Vista possuem reservas de calcários dolomíticos e
calcíticos – 30,5 bilhões de toneladas – e reservas de
mármores – 149 milhões de metros cúbicos. Porto
Murtinho extrai granitos ornamentais – 110 milhões
de metros cúbicos do Complexo do Amoguijá (DNPM/
MME, 1999). Devido a essas reservas, existem empresas de extração desses minerais na região, incluindo
ainda empresas como a Cimento Itaú de Corumbá S/A e
a Fábrica Cimenteira do Grupo Camargo Corrêa, de
Bodoquena.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
86 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
O Governo do Mato Grosso do Sul, quando estuda a
temática mineral, utiliza, também como ferramenta, o
Macrozoneamento Geoambiental do Estado, estudo
datado de fins da década de oitenta, não havendo outros documentos mais atualizados. O atual governo do
Mato Grosso do Sul vem divulgando a intenção de instalar um pólo mínero-siderúrgico na região de Corumbá.
O complexo compreende a produção de ferro gusa,
ferro esponja, ferro liga e metanol, com o intuito de
incrementar o mercado local. A implantação do pólo,
entretanto, implica na solução do problema energético
de Corumbá, através do gás natural da Bolívia2 e no
melhoramento da infra-estrutura da Hidrovia ParaguaiParaná. Segundo declarações do Governador do Mato
Grosso do Sul, José Orcírio, as negociações para investimento conjunto do Estado e da União no melhoramento da navegabilidade na Hidrovia Paraguai-Paraná
visam alavancar as atividades do Mercosul.
Complementarmente a esses bens minerais existe a
atividade ligada à indústria de construção civil (extração de areia, argila e pedra britada) que é desenvolvida, normalmente, por pequenas e micro empresas em
todos os municípios dos dois Estados.
A história política-econômica do Estado de Mato
Grosso está intimamente relacionada com a descoberta e extração de recursos minerais, principalmente ouro
e diamante, atividades que se concentram hoje no norte do Estado. Barreto (2001) comenta o dano ambiental destas atividades, apresentando o caso da extração
aurífera em Poconé, município do Pantanal, aonde a
exploração deixou áreas enormes revolvidas, mostrando uma paisagem lunar contaminada por mercúrio. Atualmente, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA/
MT), em conjunto com o Ministério Público, vem arrolando os mineradores da região em processos de recuperação do passivo ambiental.
No setor mineral, o Estado do Mato Grosso possui
iniciativas como o Diagnóstico e Diretrizes para Ações
do Estado, executado pelo Instituto de Pesquisas Matogrossenses (IPEM), em 2000 e o Programa de Desenvolvimento da Mineração (PROMINERAÇÃO), instituído pela
2
Lei 7.607/2001. Em 2002, com a finalidade de radiografar o setor mineral do Estado, embasando assim a política pública de curto, médio e longo prazos para o desenvolvimento do setor, foi concluído o estudo “Diagnóstico do Setor Mineral de Mato Grosso”, que caracterizou 5 províncias minerais no Estado: Província Norte, com vocação para ocorrência de ouro e metais pesados; Província Parecis, diamantes; Centro-Sul, rochas
carbonáticas (calcário e dolomito), água mineral e termal e ouro; Província Sudoeste, ouro e polimetálicos;
Sudeste, rochas carbonáticas, e águas minerais termais
e potáveis.
Dentre os programas de prospecção e uso mineral,
estão ações na BAP, mais especificamente no que tange
à identificação de potenciais de exploração de rochas
carbonáticas, fosfáticas e potássicas, as quais produzem insumos para a agropecuária. Segundo informações da Diretoria de Infra-estrutura, Indústria e Mineração da FEMA/MT (2003), somente no primeiro semestre daqule ano, foram licenciados 6 novos empreendimentos de exploração de calcário na região da Bacia
do Alto Paraguai, evidenciando a demanda do setor
produtivo mato-grossense pelos insumos do tipo corretivo de solo para agricultura. O intuito desta iniciativa é tornar o Estado auto-suficiente, desonerando-o
da importação dos insumos para a agropecuária, que
representou cerca de 1,2 milhão de toneladas de fertilizantes, a um custo aproximado de R$600.000.000,00.
T URISMO
Segundo Banducci Júnior (2001), Mato Grosso do Sul
e Mato Grosso obtêm de receita anual a cifra de
U$30.000.000,00 oriunda do turismo no Pantanal. Assumindo, desde fins da década de setenta, o papel de
gerador de renda e emprego no Pantanal, o turismo
transformou a natureza em uma mercadoria peculiar
que, para ser consumida, necessita dispor à atividade
infra-estrutura de acesso e permanência, o que acontece, em geral, de maneira desordenada.
Um dos pilares deste pólo, o Gasoduto Brasil-Bolívia, com uma extensão de 3.150km, atravessa o estado do Mato Grosso do Sul em 715km,
viabilizando a instalação de termelétricas em Corumbá, Campo Grande e Três Lagoas. O Estado, em 2001 e 2002, lançou edital para
instalação de ramais de canalização do gás natural para atendimento de indústrias; colocou em funcionamento cinco postos de abastecimento de gás natural veicular, processando, aproximadamente, 20 mil m 3 por dia; criou a empresa de capital misto MSGás – 51% do Estado
e 9% da BR Distribuidora, a fim de fazer a gerir os investimentos, que já se transformou na quinta empresa brasileira do setor com melhor
desempenho. Ainda, por demanda do Governo do Estado, a Petrobrás vem desenvolvendo estudos para a instalação de um pólo petroquímico
na região de Corumbá e Ladário, no valor de aproximadamente U$800 milhões, que empregará em torno de 4.000 pessoas, direta e indiretamente. O pólo pretende transformar gás natural em gás de cozinha, polietileno e outros (SEPROTUR, 1999).
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Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
Os estudos do PCBAP (1997) afirmam que no Pantanal o turismo é exercido de forma esportiva e cultural,
com tempo médio de permanência do turista de 4 dias.
Apontam ainda que, somente nas décadas de 60 e 70 é
que começaram a surgir essas modalidades de turismo, caracterizadas pelo afluxo para a região de grupos
organizados de estudantes praticando o turismo
educativo e dos primeiros grupos de pescadores esportivos, atraídos pela alta piscosidade dos rios pantaneiros. O turismo da pesca, que se enquadra como turismo esportivo, é sazonal, com período de recesso durante a “piracema”, época de reprodução dos peixes,
geralmente entre novembro e janeiro.
Segundo dados da Secretaria de Estado de Produção
e do Turismo do Mato Grosso do Sul (SEPROTUR/MS), os
principais destinos do turismo ecológico no Estado são
o Pantanal, Bonito, Bodoquena e Jardim. Corumbá, Aquidauana e Miranda são destinos para o turismo pesqueiro. Nos últimos anos, a modalidade turismo ecológico
ou ecoturismo vem crescendo como uma alternativa de
preservação do patrimônio natural e cultural. Anualmente
visitam o Pantanal sul mato-grossense cerca de 660.000
pessoas, dentro de um universo de 1.500.000 visitantes
do Estado, utilizando uma infra-estrutura de pousadas,
hotéis, barcos-hotéis, hotéis-fazenda e campings.
De 1999 a 2001, o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, em parceria com a EMBRATUR, o SEBRAE/MS
e o SENAC, implementou o Plano de Desenvolvimento
Turístico e Sustentável do Estado (PDTUR/MS), com o
objetivo principal de explorar ao máximo os diferenciais de competitividade que Mato Grosso do Sul tem no
setor, multiplicando oportunidades e benefícios econômicos, sociais e ambientais. O PDTUR, que teve como
base as diretrizes do Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), implementado pela
EMBRATUR, constitui um planejamento à partir da realidade de cada região, buscando a integração dos programas e projetos, a fim de eliminar a duplicidade de
ações. Dentro desse contexto de planejamento, alguns
municípios do Mato Grosso do Sul dispõem ainda, como
auxílio para a gestão da atividade turística, de Conselhos Municipais de Turismo (COMTUR).
Sob a ótica econômica, o PDTUR/MS objetiva fortalecer as médias e pequenas empresas do setor, gerar
novos empregos e viabilizar o aumento de divisas. Como
objetivo social, busca aumentar as oportunidades de
recreação, preservar e resgatar o patrimônio cultural.
Sob a ótica ambiental, o PDTUR/MS pretende preservar
os recursos naturais através de ordenamento da ocupação das áreas de interesse turístico e de ações de
conscientização ambiental.
87
Face à oferta de produtos turísticos diversificados, o
PDTUR dividiu o Estado em sete Macro Regiões Turísticas (MRT):
• MRT 1 - Região da Capital;
• MRT 2 - Região da Bodoquena;
• MRT 3 - Região do Pantanal (Corumbá, Ladário, Miranda,
Dois Irmãos do Buriti, Anastácio, Aquidauana);
• MRT 4 - Região Norte;
• MRT 5 - Região dos Lagos;
• MRT 6 - Região Sudoeste;
• MRT 7 - Região de Negócios e Lazer.
Para a MRT 3, Região do Pantanal, o PDTUR/MS, dentre os principais diagnósticos, mostrou a deficiência de
saneamento básico, de serviços hoteleiros e de transportes, apontando, como uma das ações de fomento, a
importância de se criar uma rede estratégica de pequenos aeroportos para a região, afirmando que o desenvolvimento turístico no ecossistema pantaneiro está
diretamente ligado ao acesso dos turistas. O PDTUR/
MS aponta também a redução do fluxo turístico de pesca na MRT 3 e, considerando-a uma região turística de
altíssimo potencial, sugere a revisão dos conceitos básicos da atividade, criando uma oferta de novos produtos ao segmento do ecoturismo.
O PDTUR/MS teve como produtos: 77 Planos de Desenvolvimento Turístico dos Municípios; um banco de
dados, incluindo imagens, mostrando a infra-estrutura
existente e a demanda e oportunidades de investimento no setor; um documento básico que subsidiou os
dados para a formulação do PRODETUR-SUL.
O turismo no Pantanal do Mato Grosso está quase
inteiramente relacionado à pesca esportiva e ao turismo de contemplação, modalidades que usufruem de
toda a infra-estrutura hoteleira da região pantaneira,
incluindo aí as pousadas e hotéis ao longo da rodovia
Transpantaneira e os barcos-hotéis do rio Paraguai e
afluentes.
Segundo dados do Sindicato dos Guias de Turismo
do Mato Grosso cerca de 35.000 turistas visitam anualmente o Pantanal mato-grossense, sendo que aproximadamente 60% deles rumam à Transpantaneira a fim
de participarem de safáris ecológicos. O SEBRAE/MT,
vislumbrando a importância dessa região, incluiu no seu
Programa de Rotas Turísticas de Mato Grosso, a cidade
de Poconé, especificamente a Transpanteira, contemplando a região com dois produtos, “Uma Cidade
Pantaneira” e “Pousos Pantaneiros”.
Um dos ápices da temporada pesqueira na região do
Pantanal mato-grossense é o Festival Internacional de
Pesca de Cáceres. O SEBRAE/MT também incluiu este
município no seu Programa de Rotas Turísticas, con-
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88 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
templando-o com o produto “Fomento ao Desenvolvimento do Turismo no Espaço Rural e Natural”.
As ações voltadas para a promoção do ecoturismo
no Pantanal mato-grossense estão relacionadas ao “Programa do Turismo em Áreas Naturais no estado de Mato
Grosso”, no qual se inserem tanto as iniciativas do projeto de turismo do Programa Pantanal, quanto o Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo do Guaporé
mato-grossense (PROECOTUR Guaporé mato-grossense), sendo este último um programa voltado para a região de entorno do Pantanal.
P ECUÁRIA
No Mato Grosso do Sul existem cerca de 22 milhões
de hectares de pastagens, sendo cerca de 16 milhões
de hectares de pastos plantados e 6 milhões de pastagens naturais (estas concentradas no Pantanal), com
um rebanho de 25 milhões de cabeças. O Estado, precursor do Programa Novilho Precoce, que reduz a idade de abate dos animais, tornou-se um dos principais
criadores e abatedores de bovinos nos últimos quinze
anos.
O Pantanal apresentou-se como propício à criação
extensiva de gado, tornando-se a área de maior renome em termos de pecuária, com um rebanho bovino
superior a 4,5 milhões de cabeças em 1965, ou seja,
22,3% do contingente regional.
O gado pantaneiro, destinado principalmente ao
abastecimento dos frigoríficos paulistas, teve o seu
número reduzido, apresentando, em 1998, um rebanho
de apenas 3.254.759. Essa redução se deveu a diversos
fatores, mas principalmente à perda de produtividade
da pecuária da planície pantaneira em relação à do planalto.
O Governo do Estado tem programas voltados para
a pecuária do Pantanal, os quais estão inseridos num plano maior de desenvolvimento da agropecuária, chamado Plano de Desenvolvimento da Agropecuária do Mato
Grosso do Sul. Conforme informações este plano geral,
3
estratégico, visa a organização dos produtores e da
produção com novas alternativas econômicas, construindo um modelo de trabalho sustentado em parcerias
e projetos que valorizam a integração e potencializam
a sinergia social. O Plano é composto dos seguintes
programas: Manejo e Conservação dos Recursos Naturais; Programa de Reforma Agrária; Programa de Agricultura Familiar; Agricultura Empresarial; Defesa Sanitária; Inspeção Agropecuária; Programa de Irrigação;
Infra-estrutura Rural. Esses programas se desdobram
em sub-programas e em mais de cinqüenta projetos,
englobando, por exemplo, os da pecuária. Destes, dois
em especial apresentam conexões com o Pantanal:
• Programa de Avanços da Pecuária do Mato Grosso
do Sul (PROAPE) – O PROAPE é composto de vários
sub-programas, dentre os quais o de Apoio à Produção de Bovinos de Qualidade e Conformidade e Revitalização da Pecuária Pantaneira. Lançado em 2002,
este programa objetiva diversificar a produção de animais, conquistando mercados de carnes de qualidade, através, por exemplo, da produção do novilho
precoce, do vitelo orgânico do Pantanal (VITPAN)3 e
do nelore natural.
• Programa de Recuperação, Renovação e Manejo de
Pastagens Cultivadas no Mato Grosso do Sul (REPASTO)
– Lançado em 2000, tem dentre os objetivos, a recuperação de pastagens, a difusão de sistemas de integração da lavoura com pastagem, o aumento da renda da pecuária e da produção de grãos. Suas metas
incluem a recuperação de 2 milhões de hectares de
pastagens degradas em quatro anos e o incremento
de 14.000 toneladas de carne/ano. O Programa
REPASTO incide na região peri-pantaneira, Coxim, Rio
Verde e Aquidauana. Segundo técnicos da SEPROTUR,
entretanto, o REPASTO trará benefícios à planície
pantaneira com a redução do afluxo de sedimentos
e agroquímicos.
O estado do Mato Grosso desponta como grande produtor de bens primários, principalmente na agricultura
e na pecuária, desenvolvidas nas áreas de planalto e no
Numa parceria entre o Governo do estado do Mato Grosso do Sul, EMBRAPA Pantanal e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS),
o programa VITPAN propunha a elaboração de um produto com alto padrão de qualidade, com vistas a um mercado consumidor diferenciado.
O Vitelo Orgânico do Pantanal é um bezerro, criado extensivamente em pastagens naturais, que apresenta uma carne macia e saborosa. A
produção do VITPAN inclui o processo de introdução de novas técnicas ao sistema produtivo regional. As novas técnicas incluem: a redução
do intervalo entre partos das fêmeas, abatendo-as com 12 meses de idade; a não administração de drogas medicamentosas, como antibióticos ou hormônios; a utilização de pastagens nativas sem uso de herbicidas ou adubos químicos; o não desmatamento de capões ou áreas
de cordilheira, consideradas de importância para flora e fauna específicas, com a função de refúgios de numerosas espécies. O projeto piloto
do Vitelo Pantaneiro começou em julho de 2001, espelhado na estratégia de que a certificação orgânica acrescenta importância à produção
no pasto nativo, de tal sorte a controlar a introdução de pastagem exótica no Pantanal, possibilitando à carne orgânica alcançar um prêmio
de 10 a 20% acima do preço de mercado.
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Pantanal, destacando-se os municípios de Rondonópolis e da região do médio-norte do Estado. Cerca de 10%
do rebanho bovino do Estado está localizado na região
do Pantanal4.
Uma das iniciativas do Estado com relação a pecuária é o Programa Mato-grossense de Melhoramento da
Pecuária (PROMMEPE). Ele visa basicamente elevar os
índices de produtividade do rebanho bovino através da
disseminação de informações técnicas, treinamento de
técnicos e inseminadores e promoção de melhoramento genético. O criador, cadastrando-se no programa,
poderá optar pelos três segmentos ou aquele que melhor lhe convier: Melhoramento do Rebanho Nelore,
Cruzamento Industrial ou Formação de Rebanho Leiteiro. Dentro do âmbito do PROMMEPE, foi proposta a
criação do PROMMEPE PANTANAL, programa que está
em fase de aprovação, juntamente com o Fundo de
Apoio à Pecuária Pantaneira (FAP). O objetivo é oferecer incentivos financeiros aos produtores da planície
pantaneira para que resgatem a atividade pecuária dentro de padrões de sustentabilidade econômica, social e
ambiental. O PROMMEPE PANTANAL consiste no cadastramento de pecuaristas e de profissionais para a assistência técnica e de frigoríficos, concedendo incentivo
financeiro de 5% do valor da operação de venda do bovino para abate, podendo ser acrescido de mais 5% caso
o animal seja certificado como produto orgânico, de
acordo com a legislação pertinente. O valor dos incentivos será pago ou creditado ao pecuarista diretamente pelo frigorífico, por ocasião do abate e, este valor
será descontado das obrigações fiscais deste junto à
Secretaria de Fazenda do Estado (SEFAZ). O Programa
terá duração mínima de dez anos, sendo reavaliado pelo
Conselho de Desenvolvimento Agrícola do Estado a cada
três anos, ou extraordinariamente, através da Câmara
Setorial da Pecuária, formada pelas instituições de vigilância sanitária, federação e associação de criadores,
universidades, Banco do Brasil, Secretaria de Indústria,
Comércio, Minas e Energia, dentre outras instituições.
O Fundo de Apoio à Pecuária Pantaneira, FAP Pantanal, terá seus recursos formados por contribuições e
doações de produtores, industriais e comerciantes; dotações orçamentárias do poder público municipal, estadual e federal; recursos financeiros provenientes de
convênios nacionais e internacionais; juros e correções
4
89
monetárias de aplicações no mercado financeiro, dentre outras receitas. Os recursos do FAP serão aplicados
em pesquisa, ações de saúde animal, extensão rural e
fomento.
Similarmente ao MS, existe também no Estado do
Mato Grosso o Programa de Incentivo à Criação de
Novilho Precoce que concede 5% ao valor das operações de produtos abatidos em frigoríficos credenciados
e que atingem a meta de peso, idade, cobertura de gordura e tipificação de carcaça prescritos no Programa. O
produto tem condições de trazer maior lucratividade
ao criador devido à redução do tempo de abate, além
do incentivo fiscal. O grande lucro, entretanto, segundo técnicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural (SEDER), é a maior valorização das carcaças
para exportação, competindo com os países do
Mercosul. Os produtores de novilho precoce deverão
estar inscritos no Programa de Melhoramento da Pecuária (PROMMEPE).
P ESC A
A regulação da atividade pesqueira, dentre os temas abordados neste trabalho, é a que apresenta maior integração entre as políticas setoriais dos Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. O reconhecimento da necessidade de atuação conjunta em um patamar mínimo de
regulação, dada pelas características de um ecossistema único dividido em duas unidades administrativas,
bem como a interveniência pontual do órgão regulador federal da pesca, o Ibama, parecem ser os responsáveis pela articulação e similaridades das políticas de
pesca de ambos os Estados.
A pesca no Pantanal é uma das principais atividades
econômicas da região. Seu benefício local é direto (apropriação e comercialização de pescado, geração de empregos) e indireto (valor agregado ao turismo de pesca
– despesas em hotéis, restaurantes e empresas de turismo da região). A exploração pesqueira no Pantanal é
feita historicamente pelos pescadores profissionais, que
capturam e vendem o peixe in natura, sendo que há registros de que o volume de desembarque através desta
atividade já foi bem maior que o percebido atualmente.
Entretanto, concomitantemente à redução do número
O Mato Grosso apresentou um rebanho bovino de 17.623.375 em 1999, 18.812.381 em 2000, 19.941.124 em 2001 e 20.232.984 em 2002.
Nos municípios do Pantanal Poconé, Barão de Melgaço, Santo Antônio do Leverger, Cáceres, Nossa Senhora do Livramento o rebanho bovino
apresentou os seguintes números: 1.624.780 cabeças em 1999, 1.851.912 em 2000 e 1.922.837 em 2001.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
90 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
de pescadores profissionais e do volume de desembarque pesqueiro na pesca profissional, observou-se nas
duas últimas décadas um crescimento vertiginoso da
pesca amadora, tanto em termos de número de visitantes registrados como em termos do desembarque
auferido por esta modalidade.
Devido a crescente importância da atividade de pesca na região, as políticas de pesca de ambos os Estados
determinaram a criação de Conselhos de Pesca e a implantação de Sistemas de Controle de Pesca, como principal instrumento de geração de informação específica
para subsídio da política de pesca na região.
No entanto, tal estrutura só está consolidada, ainda
que necessite de regulamentações e novas definições,
no Mato Grosso do Sul. Neste Estado, o Sistema de Controle de Pesca (SCPesca - MS), é executado através de
parceria entre o Governo do Estado e a EMBRAPA - Pantanal, sediada em Corumbá, MS. Algumas medidas
adotadas na gestão pesqueira no Estado já são fruto de
conclusões baseadas principalmente nas informações
apresentadas no SCPesca. Por exemplo, diante da constatação de redução de alguns estoques e de redução do
tamanho médio capturado, algumas medidas vêm sendo estudadas e implementadas pelos órgãos reguladores, tanto no Mato Grosso do Sul quanto no Mato Grosso.
Os números atuais apontam uma participação em
torno de 20% da pesca profissional e 80% da pesca amadora no total de pescado desembarcado no Pantanal.
No entanto, a pesca amadora vem apresentando números decrescentes nos últimos anos, talvez por conta dos
sucessivos cortes nos limites de pesca estabelecidos
pelos reguladores, especialmente no Mato Grosso do
Sul, Estado que concentra os dados mais atuais.
Outra componente que representa impacto em termos de conservação associada à pesca no Pantanal
é a captura de iscas, em geral atribuída aos pescadores
profissionais, para suprir o mercado de pesca samadora.
A Tabela 1 apresenta a situação legal da pesca nos
estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a partir
de legislação básica. É possível perceber o avanço dos
esforços institucionais na regulação das atividades
pesqueiras e o incremento da legislação envolvendo pescadores profissionais e amadores, focos de recentes
conflitos.
H IDROVIA P ARAGUAI -P ARANÁ
A Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) é um projeto relativamente antigo, que vem sendo alvo de recentes discussões em função das iniciativas de Governo no sentido
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
da execução das obras e efetivação do transporte em
todo o trajeto projetado. No entanto a forma de implementação dos grandes projetos de logística no Brasil
não possibilita um debate amplo a priori, relegando aos
estudos um caráter centralizado e tecnocrático. Esta
atitude acirra os ânimos de organizações sociais cuja
percepção de custos e benefícios se mostra bastante
diferente das equipes de planejamento do Governo.
Desta forma, vem se estabelecendo um embate duro e
de difícil resolução.
No presente caso, à medida que os problemas de
negociação foram se mostrando complexos, soluções
outras para o atendimento da demanda que o projeto
HPP se propunha resolver foram surgindo. O grande
beneficiado pelo projeto seria a produção de soja e algodão, em expansão no Mato Grosso e, secundariamente, excedentes de produção de produtos minerais do
Mato Grosso do Sul. Mas é exatamente este setor produtivo, por estar em expansão, que passou a adotar
opções cada vez mais diferentes para o escoamento de
seus produtos.
Atualmente existem pelo menos cinco eixos de
transporte multimodal utilizado nestas operações. Boa
parte da soja produzida no estado do Mato Grosso é
transportada através de caminhões no primeiro trecho, até alcançar os terminais ferroviários (Ferronorte
– atualmente em Alto Taquari, devendo chegar a Rondonópolis) ou hidroviários (Emplasa – transporte
hidroviário pelo rio Madeira até Santarém). Entre as
novas opções de escoamento, um projeto de grande
polêmica é o da pavimentação da Rodovia CuiabáSantarém (BR-163).
O transporte hidroviário, em uma análise financeira
superficial, apresenta os menores custos por kilômetro
rodado, em comparação com ferrovias e rodovias, pensando nos custos de implantação e manutenção da hidrovia. No entanto, os custos ambientais em geral não
são computados, de forma que sua incorporação pode
modificar significativamente as análises econômicas.
Embora se discuta a implementação ou não do projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná, o transporte hidroviário na Bacia do Alto Paraguai é uma realidade. Ainda
que em alguns trechos a carga seja reduzida, algumas
empresas mantêm investimentos em ampliação de capacidade dos portos e o poder público tem acenado com
a oferta de infra-estrutura de ligação (estrada Cáceres –
Porto de Morrinhos). A existência de um acordo bilateral de uso do rio Paraguai para navegação praticamente normaliza esta atividade. No entanto, conforme
constatado em expedições independentes, as normas
não são nem cumpridas nem fiscalizadas a rigor. Esta
Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
91
TABELA 1 – Quadro de legislação de pesca nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
LEGISLAÇÃO MATO GROSSO
LEGISLAÇÃO MATO GROSSO DO SUL
ITEM
LEI ANTERIOR
7155/99
LEI ATUAL
7881/02
LEI ANTERIOR
DECRETO 5646/90
LEI ATUAL
LEIS 1787/97 E 1826/98
Categorias
Profissional, amadora e
científica.
Comercial, desportiva, científica e de subsistência.
Não há referências ao sistema “pesque e solte”.
Científica, amadora e
profissional. O sistema
“pesque e solte” é objeto
de deliberações do CECA
(Conselho Estadual de
Controle Ambiental).
Científica, amadora ou
desportiva, profissional e
de subsistência. Atribui ao
órgão estadual competente a regulamentação do
“Pesque e Solte”.
Estrutura
Fundação Estadual do
Meio Ambiente - FEMA/MT
FEMA/MT; Conselho Estadual de Pesca - CEPESCA;
Serviço Estadual de Controle de Pesca e Aqüicultura – SECPESCA.
Secretaria de Meio Ambiente; Conselho Estadual
de Controle Ambiental CECA; Serviço de Controle
da Pesca - SCPesca.
SEMA/MS; CECA; Conselho
Estadual de Pesca CONPESCA; SCPesca.
Instrumentos
Sem referências.
Licenciamento; Autorizações; Controle do Desembarque e da Produção; Fiscalização e Cadastro Geral
das Atividades da Pesca.
Sem referências.
Licenciamento; Registros e
Cadastros; Controle do Desembarque.
Restrições
Amador: 20 Kg ou 1 exemplar; Profissional: 100 Kg/
veículo e ou 1000 Kg/colônia;
Amador: 10 Kg ou 1 exemplar; Profissional: 100 Kg/
semana;
Amador: 30 Kg mais 1
exemplar de qualquer
peso; Não faz menção à
limites para pesca profissional. Proíbe a pesca de
espécies ameaçadas de
extinção.
Amador: 15 Kg mais 1
exemplar de qualquer peso;
Não faz menção à limites
para pesca profissional,
porém restringe esta atividade através da redução de
áreas (zoneamento); Proíbe a pesca de espécies ameaçadas de extinção.
Isqueiros
Proíbe captura p/ comercialização de isca viva.
A captura, o comércio e
criação de iscas vivas são
permitidos com autorização do órgão competente.
Permite o uso de tarrafas
p/ iscas vivas pelo pescador profissional.
A Lei 1910 de 01/12/1998
disciplina a comercialização
de iscas vivas para a pesca.
Espécies
exóticas
Restringe por 2 anos a
manipulação de espécies
exóticas no Estado, após
o qual não serão mais permitidas.
Prorroga o prazo de permissão de espécies exóticas até 22/07/2004, após
o que tal atividade passa
a ser ilegal.
Proíbe a inserção de espécies exóticas à Bacia do
Alto Paraguai.
Permite a criação de espécies exóticas, desde que em
empreendimentos fechados
e licenciados e com destino exclusivo à exportação.
Aqüicultura
Sem referências.
Estabelece incentivos à
atividade.
Sem referências.
Estabelece incentivos à atividade.
Zoneamento
Sem referências.
Sem referências.
Estabelece o zoneamento
de pesca.
Regulamenta o zoneamento de pesca
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
92 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
atividade tem causado danos ambientais ainda não
contabilizados, além de ampliar custos de manutenção
da própria hidrovia (obras de dragagem e custo de oportunidade quando em regime de baixa, períodos em que
as embarcações ficam impossibilitadas de trafegar).
A implementação efetiva da legislação sobre a navegação no rio Paraguai exigiria um dispêndio por parte do
Governo (aparato de fiscalização, recursos humanos,
logística, etc). A adoção dos ditames legais pelas empresas também tem um custo de implementação.
Portanto, para se estabelecer um cenário plausível
de negociação entre os demandantes desta situação de
conflito (ambientalistas x poder público – inseridos no
segundo grupo os interesses econômicos), há que se
investir em melhorias no sistema de transporte existente atualmente no eixo atualmente operacional da
Hidrovia Paraguai-Paraná. Tais investimentos incluem a
melhoria das vias de acesso aos portos fluviais, a sinalização adequada da via e das embarcações, o uso de
sistemas de manobra mais eficientes e aumento da segurança das embarcações, além de investimentos em
fiscalização e implementação das premissas legais já
estabelecidas.
O Mato Grosso do Sul, por exemplo, apostando na
multimodalidade do transporte do Estado para o escoamento, principalmente de grãos e minérios, tem como
medidas de médio e longo prazos para a região do Pantanal, colocar em pleno funcionamento o Terminal Hidroviário de Porto Murtinho e remodelar o de CorumbáLadário. Conforme anunciou recentemente na imprensa
local, o Governo buscará da União incentivos fiscais para
modernização da via navegável, com investimentos em
balizamento e implantação de carta eletrônica.
P ROGRAMAS
E INICIATIVAS DE ÂMBITO FEDERAL E
INTERNACIONAL PARA O P ANTANAL
Diversas são as iniciativas que apontam diretrizes para
políticas, empreendidas ou em implantação, para a região pantaneira. Os programas mais abrangentes
envolvem os estados do Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso e a União, com financiamentos externos parciais (BID ou organismos multilaterais). Tais iniciativas
são, em geral, de caráter setorial ou pontual, abordando
um ou mais tópicos de desenvolvimento. Dentre estas,
cabe salientar o Programa Pantanal, de caráter mais
genérico com vistas ao desenvolvimento sustentável na
região. As demais iniciativas estão concentradas no setor turístico, priorizando os estudos diagnósticos e a
descentralização das inversões econômicas.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
A seguir, comentamos o que consideramos os principais programas com relação à temática proposta.
Projeto Ecologia do Pantanal – Gran Pantanal
Fruto de um programa de cooperação técnica entre a
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) (através
do Instituto de Biociências), o Ministério a Ciência e
Tecnologia (através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq), e o Ministério da Ciência e Tecnologia da Alemanha (através do
Instituto Max-Planck), este projeto de pesquisa tem
como objetivo descrever qualitativa e quantitativamente
os ecossistemas do Pantanal, com ênfase em limnologia,
botânica, sensoriamento remoto e avaliação de impactos ambientais. Os resultados formam uma base de recomendações direcionadas à preservação de espécies
ameaçadas e recuperação de áreas degradadas.
A primeira fase, entre 1991 e 1996, possibilitou a
capacitação de cientistas, acadêmicos e técnicos e a
estruturação física de laboratórios, promovendo parcerias importantes para o Instituto de Biociências da
UFMT. A segunda fase, de 1997 a 2001, deu continuidade às pesquisas da primeira fase, concentrando-se em
habitats, estudos de caso, avaliação dos impactos potenciais da pesca, funções ecológicas de lagos, etc..
O Projeto Ecologia do Pantanal (PEP) possibilitou o
amadurecimento da estrutura de pesquisa da UFMT,
estimulando o surgimento do Núcleo de Estudos Ecológicos do Pantanal (NEPA), o qual, atualmente, gerencia, além do próprio PEP, outros programas como o Projeto Ecológico de Longa Duração (PELD) e o Programa
Norte de Pós-Graduação (PNOPG). O NEPA compõe a
estrutura do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), como
colaborador essencial na área científica. O CPP, inserido na estrutura de pesquisa da UFMT, integra, desde
2002, a Rede de Pesquisa da Universidade das Nações
Unidas (UNU), a qual mantém 12 centros de pesquisa
em todo o planeta. Este Centro pretende reunir todos
os grupos que pesquisam direta ou indiretamente o
ecossistema pantaneiro, com objetivo de estruturar e
gerenciar uma rede de informações sobre o Pantanal.
Programa PANTANAL – Programa de
Desenvolvimento Sustentável do Pantanal
O programa PANTANAL é um empreendimento conjunto dos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul,
com acompanhamento da União e financiamento do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No
arranjo institucional do programa, cada Estado possui
uma equipe técnica que analisa projetos de investimento baseado em critérios de sustentabilidade pré-defini-
Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
dos por órgãos de aconselhamento com representantes
de toda a sociedade. O programa compreende ações
distribuídas em três “agendas”: Agenda Verde (projetos de conservação e uso do solo); Agenda Marrom (projetos de desenvolvimento urbano e regional) e Agenda
Azul (projetos de gestão de recursos hídricos). Diversas linhas de financiamento estão disponíveis a partir
da consolidação das diretrizes do programa. Dentre
estas linhas, pode-se destacar:
• ECOTURISMO – Uma das principais linhas de investimento do programa está associada ao desenvolvimento do ecoturismo, considerada uma das atividades
antrópicas mais indicadas para o ecossistema do Pantanal, dada a possibilidade de exploração comedida,
distribuição de renda e conservação ambiental que
a atividade pode proporcionar. As ações indicativas
do Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai
(PCBAP) no tocante ao turismo foram, de certa forma, incluídas nas ações do Programa Pantanal, o qual,
através do seu “Projeto de Ordenamento, Regulação
e Desenvolvimento do Turismo/Ecoturismo” prevê a
destinação de U$ 2.591.238,00 para o resgate da atividade turística, criando empregos e oportunidades
de desenvolvimento sustentável, compatível com a
conservação do ecossistema pantaneiro e com o respeito à cultura local. Segundo diagnóstico do Programa Pantanal, a maior parte dos empreendimentos de “ecoturismo” do Pantanal oferece produtos
mal concebidos e roteiros aquém das expectativas e
exigências do mercado, subutilizando as potencialidades da região. Os poucos empreendimentos bem
sucedidos são geralmente comandados por estrangeiros ou brasileiros com experiência internacional,
com pouca oferta de emprego para a população regional, considerando a falta de capacitação de mãode-obra local. Mesmo esses empreendimentos carecem de acesso a informações sobre o mercado, sobre tecnologias eficientes de geração de energia,
transportes, tratamento sanitário e de lixo e ainda,
sobre as fontes de financiamentos disponíveis para
aprimorar ou expandir os negócios. No intuito de
corrigir essas deficiências, o “Projeto de Ordenamento, Regulação e Desenvolvimento do Turismo/Ecoturismo” do Programa Pantanal inclui, para a primeira
fase do programa, com duração de quatro anos, a
elaboração de um plano de desenvolvimento turístico/
ecoturístico, a capacitação em ecoturismo e a promoção da conscientização ambiental. Essas atividades se concretizarão através do mapeamento das
áreas prioritárias para o ecoturismo, da integração
93
da população local no trabalho de bem receber o
turista e cuidar da natureza, e, finalmente, através
do fortalecimento do poder público como agente
normativo e regulador da atividade. Para a segunda
fase do programa é prevista a implantação efetiva
dos pólos de ecoturismo.
• PESCA – A atividade pesqueira também figura como
um dos componentes de investimento do Programa
Pantanal – “Projeto Gerenciamento de Recursos Pesqueiros” –, cujo objetivo é o de promover a gestão
da pesca e o desenvolvimento da aqüicultura na BAP,
visando a conservação e o uso sustentável dos recursos pesqueiros. As atividades a serem realizadas
implicam em: estudos (biológicos, genéticos e patológicos) e difusão de tecnologias, incremento da aqüicultura (implantação de banco genético) e, aprimoramento da administração dos recursos pesqueiros
(formação de técnicos e fiscais, revisão da legislação
existente, fortalecimento do sistema de estatística
pesqueira do Mato Grosso do Sul e implantação do
sistema no Mato Grosso). O Projeto visa mitigar algumas das dificuldades de gestão das políticas pesqueiras da Bacia do Alto Paraguai, como por exemplo:
o número insuficiente de pontos de controle pesqueiro em toda a BAP; a falta de informações básicas
sobre o sistema de pesca, principalmente no Mato
Grosso; as dificuldades da fiscalização; os conflitos
entre as legislações federal e estaduais; a pesca ilegal; a comercialização in natura do pescado, sem agregação de valor ao produto final; e a marginalização
da categoria de pescador profissional.
• DESENVOLVIMENTO RURAL – A vertente de desenvolvimento rural do Programa Pantanal, o projeto
“apoio técnico aos produtores rurais da Planície
Pantaneira”, apresenta-se com o intuito de mitigar
os problemas enfrentados pelos produtores rurais,
via diversificação das atividades produtivas (atividades de manejo da fauna silvestre, de turismo rural,
de produção de carne orgânica, artesanatos, plantas
frutíferas e medicinais, doces, etc.), identificação de
mercados consumidores para esses produtos com a
“marca Pantanal”, estímulo à organização social, empresarial e comercial com foco na produção ecológica
e, sistematização e disponibilização de informações
de caráter técnico, financeiro e mercadológico. O projeto foi desenvolvido a partir de diagnóstico que expressa os principais problemas enfrentados pelos
produtores rurais, dentre os quais podem ser citados: a concorrência desleal da pecuária das regiões
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
94 | Diagnóstico de política e economia ambiental para o Pantanal
de planalto, com a consequente baixa rentabilidade
econômica da pecuária tradicional; o isolamento das
fazendas e condições precárias das estradas que as
ligam aos mercados; as cheias cada vez mais intensas e tecnologia inadequada de manejo dos rebanhos;
a fragmentação das fazendas por divisão familiar das
propriedades, implicando em rebanhos e viabilidade econômica menores.
• MINERAÇÃO – O projeto “Difusão de Tecnologias e
Regularização de Atividades Mineradoras” objetiva
promover a regularização dos empreendimentos de
mineração, a fim de reduzir o aporte de sedimentos
e metais pesados drenados para a bacia do Pantanal,
conforme expressa o Programa Pantanal (2001). Somente o estado do Mato Grosso é contemplado com
projeto na área de mineração. O Projeto, voltado aos
rios Poxoréo e Coité prevê a regularização e monitoramento das atividades mineradoras; a revitalização
de córregos; redefinição de extensões de canal e
recomposição de diques marginais dos empreendimentos minerários. São algumas de suas atividades
específicas: avaliação dos impactos associados à
garimpagem; mobilização dos produtores para se
organizar em cooperativas; orientação jurídica às prefeituras quanto à edição ou revisão da legislação
municipal pertinente e à celebração de convênios
para fiscalização conjunta; mobilização dos proprietários de terras à formação de parcerias nos projetos de recuperação de áreas degradadas; proposição
de sistemas alternativos de recuperação que contemplem o uso sustentável do solo; promoção de eventos
para fins de divulgação dos experimentos. O projeto
aborda a questão do passivo ambiental da atividade
minerária propondo as seguintes diretrizes para
mudanças no perfil da mesma: transformação do segmento capitalizado em empresa de mineração com
perfil de exploração menos impactante ao meio ambiente, a fim de se consolidar, no longo prazo, um
parque minerador de pequeno porte; e, a consolidação de instrumentos para permitir o exercício legal
da garimpagem de cunho artesanal e social.
Programa Rotas Turísticas de Mato Grosso –
SEBRAE/MT
“Uma Cidade Pantaneira” e “Pousos Pantaneiros”, da
região de Poconé e, “Turismo no Espaço Rural e Natural”, da região de Cáceres, são produtos do Programa
Rotas Turísticas de Mato Grosso, do SEBRAE/MT, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento do Turismo
do Estado (SEDTUR/MT), as prefeituras municipais,
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
população local e empresariado. O Programa busca o
desenvolvimento sustentável da cadeia produtiva do setor, com foco na gestão de negócios e na valorização
da identidade local, aumentando o fluxo de emprego e
a renda da população.
Na região de Cáceres, 22 propriedades e 16 barcoshotéis estão envolvidos no programa e, em Poconé, 4
fazendas. Devidamente sinalizados e com guias turísticos disponibilizando informações aos visitantes, esses
destinos traçam roteiros integrados para o turismo rural, contemplativo, cultural, pesqueiro e gastronômico.
Durante um ano esses destinos turísticos foram capacitados em preservação ambiental, primeiros socorros e
hotelaria. Recém lançados, esses produtos estão hoje
na fase de formatação da comercialização das rotas por
operadoras de turismo, que estão juntas na capacitação
do pessoal local nessa etapa de divulgação. Segundo
informações do SEBRAE/MT, muitas outras propriedades
pretendem participar do Programa Rotas Turísticas, o que
será possível numa próxima etapa de capacitação e inclusão, que o SEBRAE intenta fazer em breve.
Programa de Desenvolvimento de Ecoturismo para a
Região do Guaporé Mato-grossense (PROECOTUR
Guaporé Mato-grossense)
O Governo mato-grossense, dentro do seu “Programa
do Turismo em Áreas Naturais”, abriga, para a região
da Bacia do Alto Paraguai, entorno do Pantanal, o
PROECOTUR Guaporé Mato-grossense.
Aprovado no início de 2003, o PROECOTUR Guaporé
foi concebido com a finalidade de fomentar diretrizes
para o ecoturismo, maximizar os benefícios econômicos
sociais e ambientais, gerar alternativas para as atividades degradadoras do meio ambiente, criar empregos,
renda e oportunidades de desenvolvimento econômico, garantindo o desenvolvimento sustentável da região (PROECOTUR Guaporé, 2003).
O PROECOTUR é financiado pelo Governo Brasileiro
e pelo BID, tendo como executor o Ministério do Meio
Ambiente. O PROECOTUR Guaporé Mato-grossense
abrange vários municípios, dentre eles alguns da Bacia
do Alto Paraguai, quais sejam: Cáceres, Glória D’Oeste,
Porto Esperidião, Lambari D’Oeste, Rio Branco, Salto
do Céu, São José dos Quatro Marcos, Araputanga,
Indiavaí, Figueirópolis D’Oeste, Jaurú. O município de
Cáceres, por sua posição estratégica de acesso ao Pantanal, por sua infra-estrutura e produtos turísticos já
existentes, é indicado para ser o portão de entrada da
região do Guaporé.
A região do Vale do Guaporé, de importância para a
conservação ambiental devido ao alto grau de diversi-
Tocantins, Sousa Jr., Pereira, Guimarães & Lourival |
dade biológica, localiza-se na bio-região amazônica e
nas eco-regiões de floresta úmida de Mato Grosso/
Rondônia e de cerrado, recebendo influência direta das
eco-regiões de floresta de galeria e inundáveis de Beni
e do Pantanal (PROECOTUR Guaporé, 2003). Ainda segundo estudos do PROECOTUR, ela é uma região que
serve de “corredor” entre áreas protegidas, interligando os Parques Estaduais Mato-grossenses Serra de Santa Bárbara e Serra de Ricardo Franco.
Plano de Desenvolvimento Turístico e Sustentável
(PRODETUR SUL)
O Estado do Mato Grosso do Sul participa, desde o início do ano de 2002, do PRODETUR SUL, cujos detalhes
serão apresentados junto às iniciativas extra-locais. De
gestão compartilhada, o plano viabiliza recursos
financeiros, através do Ministério do Esporte e Turismo
(MET), junto ao BID, para a consolidação e aperfeiçoamento da infra-estrutura turística dos estados da Região
Sul e do Mato Grosso do Sul, com vistas ao incremento
do consumo e renda e à promoção do desenvolvimento
regional. Os produtos finais, sob o critério de preservação e recuperação dos ecossistemas naturais, configurar-se-ão num plano de desenvolvimento integrado do
turismo sustentável e na instalação de conselhos municipais de turismo. Com recursos da ordem de US$200.000,
a serem alocados em 4 anos, o PRODETUR SUL, entretanto, não contempla nenhum município da região do
Pantanal e sim os da região da Serra da Bodoquena (região sudoeste do Estado), quais sejam: Bonito, Jardim e
Bodoquena. Essa é uma região peri-pantaneira. Para os
municípios do Pantanal, destinar-se-ão recursos do Programa Pantanal em seu projeto para o setor de turismo.
Programa Melhores Práticas para o Ecoturismo (MPE)
O Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) é
uma sociedade civil sem fins lucrativos criada em outubro de 1995 com o objetivo de complementar as ações
governamentais para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica do país, em consonância
com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB),
de âmbito mundial, e o Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pronabio). O FUNBIO opera um fundo
financeiro oriundo de recursos doados pelo Fundo para
o Meio Ambiente Global (GEF - Global Environmental
Facility), no valor aproximado de US$20 milhões. O setor
privado é parceiro para a complementação dos recursos e alcance dos objetivos, a fim de garantir a continuidade do Fundo a longo prazo. Um dos programas
do FUNBIO é o MPE. Em 1999 o FUNBIO, face à constatação de falta de capacitação de profissionais na área
95
de ecoturismo, começou o desenvolvimento de um programa de capacitação com o objetivo de definir um
conjunto de “melhores práticas” que sirvam de referência para projetos de ecoturismo no Brasil. O programa propõe capacitar e treinar, in loco, os diversos grupos
direta ou indiretamente relacionados com meio ambiente e turismo, interessados em fazer do ecoturismo uma
alternativa econômica sustentável. Segundo a Organização Mundial do Turismo, o ecoturismo cresce mais de
20% enquanto o turismo cresce 7,5% ao ano.
O MPE busca envolver todos as etapas da operação
ecoturística, o uso de energias limpas e renováveis, a
inserção de outras atividades econômicas, como gastronomia, artesanato, pesca, etc.. Envolve ainda marketing
específico e informação e interpretação ambiental de
qualidade. Devido a isso tudo e ao porte ainda pequeno
do segmento, torna-se um desafio alcançar eficiência e
eficácia com o ecoturismo (Funbio, 2003).
São dezenove os pólos de ecoturismo com atuação
de equipes de monitores MPE, no Brasil todo. Para o
ecossistema pantaneiro temos:
• Pólo Ecoturístico Corumbá/Pantanal;
• Pólo Ecoturístico Aquidauana/Pantanal;
• Pólo Ecoturístico Transpantaneira / Pantanal;
• Pólo Ecoturístico Nobres/Pantanal.
No Pantanal, o MPE objetiva inventariar recursos
cênicos, naturais e culturais e infra-estrutura básica, analisar produtos turísticos quanto à sustentabilidade, elaborar diagnóstico do cenário regional e capacitar grupos de interesse na área do ecoturismo. O Pólo Ecoturístico Corumbá (MS), no Pantanal, está em fase de publicação do diagnóstico do ecoturismo na região. O Pólo
Ecoturístico Transpantaneira (MT) está em fase elaboração de diagnóstico. Nos dois estados, as secretarias
de meio ambiente é que gerenciam os pólos.
As parcerias que se estabelecem ao nível local podem ser ilustradas pelo convênio que se estabeleceu,
no Pólo Ecoturístico de Aquidauana, entre o FUNBIO, a
Conservação Internacional e a Associação das Pousadas Pantaneiras (APPAN).
Projetos Pólos de Ecoturismo
Dentro do contexto da Política Nacional de Ecoturismo, a EMBRATUR, através da sua Diretoria de Economia e Fomento (DIREF), vem implementando estudo de
identificação de pólos ecoturísticos, primeiramente nas
regiões Sul e Centro-Oeste do País. Uma equipe multidisciplinar de profissionais desenvolveu o Projeto Pólos
de Ecoturismo com base na seguinte filosofia: contribuir
para a formação de uma rede sistêmica para a prática do
ecoturismo; facilitar a interação dos agentes públicos e
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privados que atuam no setor; estimular novos negócios;
promover a capacitação de recursos humanos; divulgar
informações que efetivem o desenvolvimento de atitudes de consciência ecológica.
Utilizando-se a premissa de que o ecoturismo possa
ser um instrumento importante para garantir o controle
e a manutenção das Áreas Protegidas, quando operado
dentro dos critérios do desenvolvimento sustentado,
foram identificadas localidades com práticas bem sucedidas de ecoturismo, suas condições de infra- estrutura
e potencialidades disponíveis, relacionando-se proposições de melhorias. Para contextualizar os pólos ecoturísticos, relatou-se os principais ecossistemas, a dinâmica socioeconômica e a história da ocupação, utilizandose de cartografia básica para mostrar os principais acessos e a localização dos núcleos urbanos significativos.
Segundo a EMBRATUR, sob uma metodologia de consulta aos agentes das práticas ecoturísticas, foram descritos os principais atrativos e produtos disponíveis,
com destaque para as unidades de conservação. Foram
apontados ainda projetos específicos no âmbito do ecoturismo e políticas públicas concernentes. O estudo é
finalizado com considerações da importância do ecoturismo para o desenvolvimento sustentado e para a
continuidade do Programa Pólos.
No Mato Grosso há três pólos: Pantanal Norte, Chapada dos Guimarães e Amazônia Mato-Grossense. O
Pólo Ecoturístico do Pantanal Norte é composto pela
Transpantaneira e pela cidade de Cáceres. O trecho se
estende entre Poconé e Porto Jofre, o município de Barão de Melgaço, através das baías de Chacororé e Siá
Mariana, chegando a Cáceres, às margens do rio Paraguai. O destino dos praticantes do ecoturismo é a Transpantaneira, com a sua grande diversidade de fauna
silvestre, principal atrativo da região, principalmente
para os estrangeiros. As fazendas tradicionais vêm se
destacando como atrativo para o turismo rural e o turismo educativo. Na Transpantaneira, cita-se a identificação do SESC Pantanal como um dos pontos do pólo
de ecoturismo Pantanal Norte. Noventa e dois mil hectares da área do SESC foram decretadas como RPPN,
ilustrando o foco do Projeto Pólos de Ecoturismo que é
exatamente utilizar a atividade ecoturística como um
instrumento importante para garantir o controle e a
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manutenção das Áreas Protegidas. Situada entre os rios
Cuiabá e São Lourenço, a RPPN teve a sua ocupação
planejada por espaços distintos que definem o setor
recreativo, o de trilhas, de torres e postos de observação e pesquisa, e o de preservação integral.
No Mato Grosso do Sul os pólos são o Pantanal Sul e
Serra do Bodoquena. O Pólo Ecoturístico do Pantanal
Sul é muito extenso, sendo as atividades ecoturísticas
espalhadas por vários pontos da região. Seu elemento
agregador é a Estrada Parque, com pousadas e hotéis
instalados ao longo do eixo, além de barcos-hotéis nos
rios Paraguai, Miranda e Aquidauana. Como iniciativas
importantes de ecoturismo na porção sul do Pantanal,
podem ser citadas a Estância Caiman, em Miranda, e a
Fazenda Rio Negro, em Aquidauana. Esta última, uma
das mais tradicionais da região, foi fundada em 1895,
com sua sede construída às margens do Rio Negro que,
juntamente com a beleza da biodiversidade circundante,
disponibiliza lazer ao hóspede.
Programa Nacional de Municipalização do Turismo
Também de iniciativa da EMBRATUR, o Programa Nacional de Municipalização do Turismo tem o objetivo
de organizar, integrar e aumentar a oferta turística de
forma descentralizada e participativa. A estratégia é
dotar os municípios de capacidade de planejamento e
gestão, via parceria com sociedade civil, instituições
públicas, privadas e técnico-científicas. Tanto no Mato
Grosso quanto no Mato Grosso do Sul foram definidos
alguns municípios turísticos e outros com potencial
turístico, incluindo os da região pantaneira.
Parque Nacional Regional do Pantanal (PNRP)
Fruto de uma iniciativa que causou certa polêmica, o
PNRP não é caracterizado como uma unidade de conservação, mas sim como uma unidade de gestão, considerada como Área de Proteção Especial. Nos moldes
das categorias de áreas naturais protegidas da França5,
o Parque Natural Regional se diferencia das unidades
de conservação brasileiras, pelo fato de seus limites
serem negociados entre todos os parceiros que definem a sua adesão ou não ao parque. O reconhecimento do parque terá vigência de cinco anos, renovável por
igual período, mediante avaliação, pelos parceiros, dos
O projeto do PNRP foi redigido por técnicos da Federação dos Parques Naturais Regionais da França, juntamente com técnicos da Secretaria
de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, estando atualmente ligado à Secretaria de Estado de Governo. O orçamento do PRNP é da ordem
de 1.022.250 de euros, aprovado pela Comunidade Européia, que participa com 80% do co-financiamento. As demais fontes são ligadas ao
contrato de gestão assinado entre o Estado e o Instituto Parque Pantanal (IPP) uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP), contribuições dos integrantes do Parque (pagarão 8% de royalties ) e financiamento ligados a projetos executados pelo Governo
Federal, dentre outros.
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recursos alcançados. O objetivo principal do parque é
a fixação do homem pantaneiro através de um projeto
global de desenvolvimento sustentável, visando a
melhoria das condições de vida e da rentabilidade das
fazendas, atuando nas seguintes áreas: ecoturismo,
educação, conservação do meio ambiente e geração de
pesquisas aplicáveis ao Pantanal.
Outro diferencial em relação às unidades de conservação brasileiras é que, pela proposta do PNRP, não
ocorre a desapropriação de terras. Com isso, segundo
relato da equipe técnica do Instituto Parque Pantanal
(IPP), a adesão dos produtores é grande (aproximadamente 200 propriedades já aderiram ao parque) e a área
do Parque já soma 5 milhões de ha – 20% do total do
Pantanal brasileiro. Dessa superfície, 99% é ocupada por
grandes propriedades, entre 3.000 e 50.000ha, cuja
maior atividade é a pecuária extensiva – capacidade de
carga de 0,2 e 0,3 cabeça/ha (EMBRAPA Pantanal, 2002).
A adesão ao Parque se configura através da assinatura
do instrumento legal denominado Carta do Parque, que
norteia as ações dos participantes poder público, setor
privado e sociedade civil organizada. Atualmente o território do Parque consiste na parte baixa da bacia do
rio Negro e parte das bacias do Miranda e Taquari, incluindo os municípios de Aquidauana, Miranda, Rio
Negro, Corguinho e Rio Verde.
F ONTES
DE INVESTIMENTO / FINANCIAMENTO PARA
EMPREENDIMENTOS NO P ANTANAL
Apesar da ausência de políticas específicas, diversas
fontes de financiamento, oriundas de programas genéricos, possuem aplicabilidade no Pantanal. Dentre
estas fontes, destacam-se o Fundo Constitucional do
Cento Oeste (FCO) e o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF), cujas principais características são
apresentadas a seguir.
Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO)
O fundo constitucional de investimento FCO foi criado
em 1989. Dessa data até o ano de 2000 ele foi pouco
utilizado, devido à instabilidade econômica e às
regras mal definidas, constituindo em uma linha de crédito não atrativa. Em treze anos de existência foram
aplicados R$6 bilhões do FCO, sendo que R$3 bilhões
foram aplicados somente nos últimos 24 meses, devido ao fato das regras terem sido redefinidas no ano de
2000. Os ajustes tornaram o FCO uma das linhas de
crédito mais atrativa do mercado, havendo hoje um
excesso de demanda.
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O FCO se constitui de repasse de duodécimo do Tesouro Nacional, de operações de crédito do FCO que
são pagas pelo devedor e de saldos anteriores do fundo.
O Tesouro Nacional repassa 3% do Imposto de Renda e
Imposto sobre Produto Industrializado. As operações
de FCO pagas pelos tomadores de recurso do fundo
representam um valor significativo, posto que a taxa
de adimplência do FCO é de 98,5% – a taxa de adimplência do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) é
de 60% e do Fundo Constitucional do Norte (FNO) é de
60%. Os valores pagos pelos tomadores de recurso do
fundo retornam na ordem de 85%, posto a existência
de abatimento de 15% aos adimplentes.
Segundo dados da SEPROTUR, no orçamento de 2003
do FCO há a previsão de R$1,275 bilhões. Até os quatro primeiros meses do ano, entretanto, houve um repasse total ao fundo de apenas R$400 milhões. O Tesouro Nacional dificilmente interrompe o fluxo de repasse mensal, que se constitui em torno de R$50 milhões. O repasse ao fundo referente ao retorno dos
pagamentos dos adimplentes geralmente se concentra
à partir do segundo semestre e, no ano de 2003 ele se
constituiu, aproximadamente, de R$400 milhões. O FCO
não tem recebido recursos de saldos anteriores, face à
demanda reprimida que tem consumido esses saldos –
no ano de 2003, houve solicitação da ordem de R$2
bilhões que não pode ser atendida.
No Mato Grosso do Sul o representante que ocupa
assento no Conselho Deliberativo do FCO (CONDEL) é
o Secretário de Estado da Produção e do Turismo. Cabe
ressaltar que a SEPROTUR agrega os setores primário,
secundário e terciário – atividades rural, comércio, indústria e turismo. No Mato Grosso, entretanto, essas
atividades são geridas por três secretarias distintas, a
SEDER, a Secretaria de Indústria, Comércio, Minas e
Energia (SICME) e a Secretaria de Turismo (SEDTUR).
Essas divisões de secretarias geram conflitos quando
da indicação de um representante para assento no
CONDEL, pois cada Secretaria quer indicar um representante de sua atividade. Efetivamente, no Mato Grosso, há um certo conflito entre essas secretarias que
representam as atividades de agropecuária, indústria e
comércio, enquanto no Mato Grosso do Sul não existe
esse problema.
Dentre as carteiras do FCO, está o FCO PRONATUREZA,
que existe desde o ano de 2000. No entanto, a demanda por esta carteira tem sido muito pequena. O motivo
da pouca demanda pelo FCO PRONATUREZA, segundo
a Coordenação de Apoio Técnico da SEPROTUR, se deve
ao fato da possibilidade de se obter investimentos em
conservação ambiental através de outras linhas, ao
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mesmo tempo em que se faz investimento em uma atividade produtiva. Para ilustrar essa situação, supomos
um produtor rural que queira fazer investimento em
melhoramento genético e ao mesmo tempo recuperar
a pastagem degradada. Esse produtor pode acessar o
PRONATUREZA para fazer a recuperação da pastagem,
mas acaba acessando o FCO Programa de Desenvolvimento Rural, pois assim, pode fazer ao mesmo tempo
a recuperação da pastagem e o investimento em melhoramento genético. Em suma, um programa compete com o outro. Também, outro motivo da demanda
insignificante pelo FCO PRONATUREZA, é a pouca divulgação dessa linha de crédito, segundo informações
da SEPROTUR.
Atualmente, os recursos demandados do FCO para
investimentos no Pantanal concentram-se em pecuária
e turismo. Foi criada recentemente pelo CONDEL, dentro do FCO, uma linha de crédito especial para atender
a região da Planície Pantaneira, através da Resolução
nº 176, de 26 de fevereiro de 2003. O objetivo é a retenção de fêmeas (matrizes) no Pantanal, através de
operação de custeio. A Resolução define prazos mais
dilatados de carência – até 4 anos – e de amortização –
até 8 anos, enquanto os prazos normais de FCO são de
1 ano de carência e 3 anos de amortização. Um parecer
da EMBRAPA Pantanal, sediada em Corumbá-MS, subsidiou a definição de critérios desse financiamento, mostrando a importância da manutenção da cultura
pantaneira e da atividade pecuária para a conservação
do Pantanal, além de apontar essa atividade como
minimizadora dos riscos de incêndio na região. Dentre
os critérios apontados, requer-se que sejam contempladas propriedades que tenham no mínimo 50% de suas
áreas constituídas de pastagens nativas e que estejam
localizadas na planície pantaneira sazonalmente
inundável.
Esta iniciativa mostra a busca por financiamentos diferenciados, adequados às condições edafoclimáticas e
aos sistemas de produção do Pantanal, capazes de operacionalizar políticas de desenvolvimento para a região.
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF)
O objetivo do PRONAF é promover o desenvolvimento
sustentável do meio rural, através do aumento da capacidade produtiva, geração de empregos e elevação
da renda. Assenta-se na estratégia de parceria entre
instituições públicas, privadas, e associações de agricultores. Criado em 1996, o PRONAF teve mudanças
significativas em 1999, quando os beneficiários foram
agrupados nas categorias “A”, “B”, “C” e D, e em 2002,
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quando foi autorizada a disponibilização de crédito de
investimento para silvicultura e sistemas agroflorestais
– PRONAF Florestal. Atualmente as linhas básicas de
ação do PRONAF são: Financiamento da Produção da
Agricultura Familiar – Crédito Rural; Instalação de
Melhoria de Infra-estrutura e Serviços nos Municípios;
Capacitação e Profissionalização de Agricultores Familiares e Técnicos. Como linhas especiais de crédito, o
PRONAF apresenta, dentre outras, o Crédito de Investimento para Agregação de Renda à Atividade Rural
(AGREGAR), e, o PRONAF Florestal.
Os beneficiários do Grupo A são os agricultores assentados em programas de reforma agrária; os do Grupo B são os agricultores familiares com renda bruta mensal de até R$1.500; os do Grupo C, os de renda bruta
familiar entre R$1.500 e R$10.000; e os beneficiários do
Grupo D constituem os de renda entre R$10.000 e
R$30.000. Também são beneficiários do PRONAF dos Grupos B, C ou D (de acordo com a renda e caracterização da
mão-de-obra utilizada): os pescadores artesanais; os extrativistas que se dedicam à exploração ecologicamente
sustentável; os silvicultores que cultivam florestas nativas ou exóticas, com manejo sustentável; e aquicultores.
Os beneficiários do PRONAF executam atividades
agropecuárias ou não-agropecuárias, sendo estas últimas
entendidas como turismo rural, produção artesanal, agronegócio familiar e prestação de serviços no meio rural.
As fontes de recurso para o ano 2002/2003, num total de R$4.196 bilhões, para as diversas modalidades
de financiamentos do PRONAF, foram de: Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT) (R$2,215 bilhões); Orçamento Geral da União (OGU) (R$473 milhões); Fundos
Constitucionais de Financiamento (FCO, FNO e FNE)
(R$1,103 bilhão); Recursos próprios de Bancos Cooperativos (R$155 milhões); exigibilidades bancárias (R$250
milhões).
A maioria dos beneficiários do PRONAF no Pantanal
é do Grupo A, ou seja, os agricultores fundiários assentados. Pode-se citar como exemplo o município de Corumbá, onde 134 famílias do Projeto de Assentamento
Tamarineiro, 87 famílias do Assentamento Urucum, 394
famílias do Taquaral, 319 do Tamarineiro II e 70 famílias do Assentamento Paiolzinho, são beneficiadas pelo
PRONAF.
Conforme relato do Manual Operacional do Crédito
PRONAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário,
Secretaria de Agricultura Familiar, o PRONAF 2002/2003
estabeleceu medidas de incentivo à produção orgânica. Talvez esta seja uma oportunidade para os produtores da planície pantaneira buscarem apoio à pecuária
extensiva.
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De acordo com informações do PRONAF, o incentivo
a articulação entre os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, os sindicatos e as ONGs
em seus municípios e a formação de parcerias com os
órgãos financiadores, tem sido fundamental para a socialização do crédito, atingindo seus propósitos
distributivos.
C ONSIDERAÇÕES
FINAIS E RECOMENDAÇÕES
A realização deste estudo nos colocou em contato
com a história às avessas do Pantanal. Neste sentido,
procuramos interpretar o imenso corolário de projetos, pesquisas, iniciativas e articulações políticas que
se descortinam diante da paisagem pantaneira, à luz
do valor que estas atividades agregam à implementação de políticas que considerem a sustentabilidade
como objetivo precípuo. Pensando assim, o valor residiria nos programas e projetos integrativos, os quais,
mesmo que com enfoque pontual, não prescindam da
visão de conjunto e do todo no qual se insere o ecossistema Pantanal, e das potencialidades historicamente desenhadas para este ambiente único.
Das primeiras constatações, salta aos olhos a distensão entre os diversos investimentos que se faz na
região. Identificam-se as rupturas em pelo menos três
níveis: i) no aspecto geográfico, como no caso da pesca,
cujas disparidades entre os dois estados do Pantanal
brasileiro coloca em risco todos os recursos investidos num e noutro; ii) no aspecto econômico, caso da
hidrovia Paraguai-Paraná, cujos eventuais benefícios
se concentram sobre uma atividade econômica, com
prejuízos para diversas outras; e iii) no aspecto político, quando os interesses se voltam para modelos de
desenvolvimento concentrados em atividades de baixo valor agregado e alto impacto ambiental, especialmente a agricultura de larga escala e a atividade minerária.
De modo similar, as atividades de fomento refletem esta distensão e parecem ter sido adotadas a partir de demandas pontuais. Tal fato se justifica em parte pela história da região, colonizada a partir de objetivos distintos e situada em um contíguo de paisagem
que envolve quatro países, além das desigualdades
territoriais regionais, conquanto o estado do Mato
Grosso do Sul detém porção pantaneira bem maior
que o do Mato Grosso. No entanto, mais do que servir como justificativa, tal situação exige um arranjo
supra local que transcenda a geopolítica regional, sem
desconsiderá-la.
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A partir dos levantamentos, pudemos constatar a
necessidade premente destas políticas integrativas
(a Figura 2 ilustra a distribuição das iniciativas na região do Pantanal brasileiro).
Alguns programas, principalmente aqueles que têm
guarida internacional, como o Programa Pantanal, já
acenam com propostas neste sentido. Neste caso, os
óbices que precisam ser transpostos estão relacionados aos riscos institucionais do meio político.
Do ponto de vista da vulnerabilidade do ecossistema Pantanal, em relação às políticas desenvolvimentistas tradicionais, os estudos deixam claro: i) a falta de
rigor nas análises do setor público sobre os investimentos em infra-estrutura (HPP) e atividades extrativistas
(mineração); ii) a incipiência da regulamentação das atividades relacionadas à pesca; iii) a falta de priorização
de atividades do setor terciário de baixo impacto ambiental, como o turismo ecológico; iv) a ausência de
mecanismos de incentivo às atividades tradicionais que
apresentem valor de conservação do ecossistema (pecuária pantaneira).
Estas carências nas políticas, turvam a análise dos
tomadores de decisão, fazendo com que algumas
atividades não sejam consideradas prioritariamente na
atuação do poder público, enquanto os estudos apontam a viabilidade de atividades tidas como ‘alternativas’, e sua efetividade na geração de emprego e renda
para a região.
Como subsídios ao direcionamento e implementação de políticas públicas e programas de desenvolvimento para o Pantanal, tendo em vista os estudos de
caso apresentados e o levantamento das iniciativas na
região, cabe apontar as seguintes recomendações:
• PESCA – Implementação de esforço conjunto entre
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais (Ibama) e os órgãos estaduais de meio ambiente do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no
sentido de aperfeiçoar os mecanismos regulatórios
existentes e implantá-los simultaneamente em ambos os estados. Imprescindível a existência, dentre
estes mecanismos, de um sistema de informações
abrangente da atividade pesqueira;
• TURISMO – Estabelecimento de um plano setorial
a partir de diagnósticos já existentes (como o inventário do Funbio) e investimento em linhas de
financiamento para o setor, privilegiando aquelas
atividades que agreguem valor ao uso sustentável
dos recursos, especialmente valorizando o turismo
ecológico;
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FIGURA 2 - Divisão política do Pantanal Brasileiro e distribuição dos programas e projetos de desenvolvimento.
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• TRANSPORTES (HPP) – Investimentos na modernização de embarcações e equipamentos de sinalização
de forma a otimizar o transporte atual na hidrovia,
além de aumentar o aparato de fiscalização, hoje
incipiente. A ampliação da HPP se mostrou inviável
em uma análise de modais de transporte e os custos
ambientais de uma eventual ampliação são de grande magnitude;
• PECUÁRIA – Elaboração de um plano estratégico para
a atividade que envolva as diversas etapas de criação, as potencialidades das pastagens nativas e as
possibilidades de mercado da carne orgânica. Neste
caso, deverão ser contempladas as regiões peripantaneiras e a infra-estrutura logística (abatedouros
e frigoríficos) e de comercialização existentes;
• MINERAÇÃO – Inclusão de análise econômica de impactos ambientais no plano estratégico do setor, especialmente no estado do Mato Grosso do Sul, a partir de estudos rigorosos quanto aos custos de
mitigação/remediação adequada de áreas degradadas e do custo de oportunidade de conservação.
Realização de análise de mecanismos econômicos de
precificação dos bens minerais de forma a incentivar
o uso racional destes recursos.
Por fim, cabe salientar que a conservação do ecossistema pantaneiro e suas regiões limítrofes é condição necessária ao estabelecimento de atividades
econômicas sustentáveis. Neste sentido, é míster que a
conservação ambiental seja considerada nos estudos e
prognósticos sobre a região do Pantanal, não como uma
premissa hierarquicamente menor, mas como um princípio elementar para as atividades antrópicas que se
queiram desenvolver sobre este ecossistema.
R EFERÊNCIAS
101
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Análise eMergética e econômico-ambiental
aplicadas a estudos de viabilidade de
usinas hidrelétricas no corredor ecológico
Cerrado-Pantanal
PAULO ANTÔNIO ALMEIDA SINISGALLI1*
WILSON CABRAL DE SOUSA JR.2
ANDRÉ TORRES3
1
2
3
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH/USP, São Paulo, Brasil.
Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA.
Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, São Paulo, Brasil.
* e-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta uma análise multidisciplinar e holística de alguns dos empreendimentos
que estão sendo propostos para aproveitamento energético de alguns contribuintes da margem direita da sub-bacia do rio Paranaíba (GO), afluente da bacia do rio Paraná, em seu curso
médio. Os empreendimentos estão projetados para as bacias dos rios Corrente, Claro e Verde.
A região de inserção é parte do Corredor Ecológico Cerrado-Pantanal, de grande importância
para fins de conservação de recursos naturais. O trabalho consistiu de uma avaliação da técnica de projeto, em seus aspectos construtivos, além de avaliações econômico-ambientais sob
duas abordagens distintas: a da economia ambiental e a da economia ecológica. Os resultados
apontam falhas generalizadas de concepção de projeto – de maneira mais intensa em alguns
casos, além da existência de riscos econômicos quando se consideram variáveis ambientais.
Numa análise comparativa, o investimento ideal, sob as hipóteses analisadas e as restrições
socioambientais, se daria ao se priorizar a bacia do rio Claro (mais antropizada), preservando
o rio Corrente e submetendo à uma análise mais rigorosa possíveis intervenções no rio Verde.
Tais resultados mostram a necessidade de se ampliar o espectro de análise – para um plano
regional, quando se trata de licenciamento de usinas hidrelétricas no país.
ABSTRACT
This paper presents a multidisciplinary and holistic analysis of some projects that have been
proposing the energetic use of some contributors of the right margin of the Paranaíba river sub
basin (GO), which is a tributary of the Paraná river. The projects are directed for the following
river basins: Corrente, Claro and Verde. The region of the projects belongs to the Cerrado-Pantanal Ecological Corridor, of great importance for the conservation of the natural resources. The
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study comprised a project technical assesment in its constructive aspects, besides environmental
economic assesment under two distinct approaches: the environmental and the ecological ones.
The results reveal project concept failures – in an greater intensity in some cases, besides the
existence of economic risks when environmental variables are considered. Under a comparative
analysis, considering the assessed hipothesis and the socio-environmental restrictions, the ideal
investment will take place when it prioritizes the Claro river basin, preserving the Corrente river
and submitting the interventions in the Verde river to a more rigorous analysis. These results
reveal the necessity to enlarge the spectrum of analysis – to a regional plan – when it entails the
licensing of hydroelectric plants in the country.
I NTRODUÇÃO
Mesmo sendo a energia hidrelétrica descrita como renovável, a sua geração implica em impactos ambientais, desencadeados desde a etapa de planejamento até
a operação, que podem ser mais significativos que o
próprio benefício gerado, principalmente se consideradas as características pré-existentes dos locais onde
são alocadas as instalações, o reservatório, como é operado o sistema, as influências regionais, entre outras. A
destruição da biodiversidade, a alteração do regime
hidrológico, o aumento da evapotranspiração, a alteração do nível do lençol freático, o deslocamento da população local, a imigração espontânea, a pressão sobre
a infra-estrutura local são alguns dos efeitos adversos
que este tipo de empreendimento pode causar no sistema local e regional. Estes impactos levantam pontos
como a própria definição de energia renovável com relação à hidroeletricidade, uma vez que pouco se tem
incorporado nos estudos os custos ambientais decorrentes deste tipo de empreendimento. Não obstante,
ademais das exigências legais e normativas que foram
sendo introduzidas no Brasil ao longo das últimas décadas, o estado da arte no planejamento e implantação
de empreendimentos do gênero vem gradativamente
incorporando um aperfeiçoamento dos critérios decisórios, onde as variáveis ambientais (em sentido amplo) vêm assumindo uma importância crescente, não
raro asseverando a inviabilidade de certos projetos.
1
Nesse contexto, se ressalta a importância e a oportunidade dos estudos ora propostos, que podem contribuir para o aperfeiçoamento metodológico dos
critérios e processos de análise da viabilidade de empreendimentos hidrelétricos no Brasil.
Por outro lado, a análise recai sobre uma região de
grande importância do ponto de vista ecológico. O Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO), coordenado pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA), dentre as diversas
áreas prioritárias para conservação da biodiversidade,
apontou o Corredor Ecológico1 Cerrado-Pantanal como
uma das principais.
O cenário diagnosticado reforça a necessidade da
diversificação de pesquisas para a conservação, que visem não somente a preservação de espécies, mas o
desenvolvimento de metodologias que contribuam para
um melhor planejamento do uso e ocupação desta região, num esforço de gestão que ultrapasse os limites
da análise puntual e local de atividades com impacto
ambiental.
J USTIFIC ATIVAS
Tendo em vista a importância estratégica da energia
elétrica para as atividades humanas, o bem-estar das
comunidades e o crescimento econômico, no caso brasileiro pelo destaque e preponderância da fonte hidráu-
A expressão “Corredores Ecológicos” denota o conceito de faixas de transição entre dois biomas, no caso, o bioma Cerrado e o Pantanal.
Sustentam ainda que essas áreas necessitam de uma forte preservação ambiental devido sua importância para o ecossistema na qual estão
inseridos. Segundo a Lei nº 9.985/2000, nos termos do art. 2º, entende-se por Corredores Ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou
seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a re-colonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas
com extensão maior do que aquela das unidades individuais (Valeri, S.V. & M.A.A.F. Sêno, 2004).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
104 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
lica, os empreendimentos propostos devem ser analisados quanto à sua relevância e viabilidade de forma
complexa, sem simplificações adstritas apenas aos aspectos técnico-econômicos e energéticos. Tal partido
se justifica na razão direta da importância da geração
de energia de origem hidrelétrica, o que requer que as
consequências ambientais envolvidas tenham o mesmo peso que as variáveis tradicionais de análise, notadamente quando as interferências ocorram em áreas
de relevante interesse do ponto de vista da conservação
da biodiversidade e dos ecossistemas que a suportam.
Tal diretriz, aliás, consta dos manuais que normatizam os estudos necessários às várias etapas de projeto
de empreendimentos do setor elétrico nacional, ainda
que tal orientação nem sempre se materialize de maneira adequada ou desejável nos resultados dados a público.
aos estudos de impactos ambientais realizados, à luz
de alternativas possíveis, e realizar uma análise de custo-benefício incorporando as variáveis sócio-ambientais
dos empreendimentos e suas implicações com relação
aos grandes eixos que originalmente correspondiam a
grandes corredores de fauna, entre outras variáveis
ambientais também significativas.
P ROCEDIMENTOS
E CRITÉRIOS ADOTADOS
Levantamentos de Dados
Os estudos aliaram o recurso aos dados secundários
disponíveis com a produção de conhecimento a partir
de investigações de campo na região. No caso dos primeiros, além da documentação depositada na Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e na Eletrobrás,
foram acessadas as disponíveis em outras agências que
atuam na região.
O BJETIVOS
De acordo com o entendimento exposto acima, os objetivos do presente trabalho são os de promover uma
análise multidisciplinar e holística dos empreendimentos que estão sendo propostos para aproveitamento
energético de alguns contribuintes da margem direita
da sub-bacia do rio Paranaíba (GO) – bacia do Paraná,
em seu curso inferior.
Este trecho das sub-bacias está integralmente inserido no bioma do Cerrado. Praticamente toda a região
de influência coincide com um importante vetor de
ocupação econômica com agricultura intensiva, notadamente cana e soja. Como tal, houve intensa erradicação da cobertura vegetal original e, nos trechos alto e
médio superior dos rios, ocorreu a intensificação de
processos erosivos resultante deste fato e, provavelmente, da sobre-exploração das terras.
A região e os empreendimentos que foram escolhidos para análise coincidem, nos altos cursos de seus
rios, com nascentes de três das principais bacias que
cortam o território nacional: do Paraguai, do AraguaiaTocantins e do Paraná. Ademais, a região tem como uma
espécie de centro geográfico o Parque Nacional das
Emas, ponto central de conservação na faixa de transição dos biomas do Cerrado e do Pantanal.
O objetivo geral foi, portanto, o de reavaliar os aproveitamentos hidrelétricos de Caçu e Barra dos Coqueiros (rio Claro), Itumirim e Olho D’água (rio Corrente),
Salto do Rio Verdinho e Salto (rio Verde), dentro do
contexto regional e, mais especificamente, com relação à partição das quedas, aos estudos de engenharia e
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Avaliaçao de Viabilidade dos Empreendimentos
Foi revista a avaliação da viabilidade dos empreendimentos à luz de procedimentos de análise crítica
contemporâneos, desde as etapas mais incipientes de
planejamento, ou seja, desde as estimativas do potencial e inventário energético dos cursos d’água em
questão. A análise abrangeu uma avaliação crítica dos
estudos já realizados, desde os que decidiram acerca
da partição das quedas dos rios, até os atuais, tendo
em vista o contexto fisiográfico e sócio-econômico de
toda a região de inserção, os aproveitamentos já implantados e outros propostos pelos organismos
setoriais.
Análises de Custo-Benefício (ACB): economia
ambiental e ecológica
Como já referido, os estudos contemplaram análises
custo-benefício dos empreendimentos, por meio das
estimativas de benefícios em termos de geração de
energia, e custos, tanto com relação aos materiais e
mão-de-obra necessários à construção e operação, bem
como os custos sócio-ambientais associados. Para esta
análise, lançou-se mão de dois instrumentos: a análise
custo benefício (ACB) tradicional, incorporando variáveis ambientais, e a análise emergética, considerando
o investimento em termos de energia acumulada nas
diversas atividades que envolvem os empreendimentos.
Base de Informações Utilizadas
Nos esforços de pesquisa e coleta de documentos, foi
obtido um amplo acervo de literatura técnica a respei-
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
to dos estudos de inventário, de viabilidade e ambiental das sub-bacias consideradas e dos empreendimentos analisados.
Os documentos básicos compreendem os estudos de
viabilidade, na íntegra, de todos os empreendimentos
analisados, além dos estudos de impacto ambiental e
outros estudos complementares. Tais documentos foram
obtidos junto à ANEEL (estudos de viabilidade), junto ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) (estudos de impacto ambiental – EIAs) e junto aos próprios empreendedores, quando se tratavam de documentos complementares.
A NÁLISE DOS INVENTÁRIOS
V ERDE E C L ARO
DOS RIOS
C ORRENTE ,
De forma a contemplar uma visão mais abrangente, o
inventário hidrelétrico dos rios em estudo foram analisados. Os apontamentos em relação a esta análise são
apresentados a seguir.
De acordo com a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995,
capítulo II, Art. 5°, “considera-se aproveitamento ótimo todo o potencial definido em sua concepção global
pelo melhor eixo de barramento, arranjo físico geral,
níveis de água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para divisão de quedas de uma bacia hidrográfica”. Conseqüentemente, o
aproveitamento ótimo se refere aos barramentos e não
à divisão da queda. O Manual de Inventário Hidrelétrico de Bacias Hidrográficas, Versão 2.0, novembro de
1997, da ELETROBRÁS dá as diretrizes e orientações
para a formulação de alternativas de partição de queda, de obtenção de dados básicos requeridos (cartografia, topografia, hidrologia, geologia e geotecnia,
meio ambiente e custos) e de procedimentos a serem
aplicados para a seleção da melhor alternativa de divisão da queda.
A seleção da melhor alternativa é resultado de uma
ponderação do Índice Custo-Benefício (ICB) e o Índice
Ambiental (IA), resultando em um Índice de Preferência
(I), de cada alternativa. Em princípio, a melhor alternativa seria aquela com o menor I, podendo, entretanto,
ser escolhida outra, com as devidas justificativas, a critério de quem estiver realizando os estudos.
Com base nos critérios estabelecidos pela legislação pertinente e manual de orientação da própria
ELETROBRÁS, os estudos e as análises indicaram que
os inventários dos rios Claro e Verde foram realizados,
em linhas gerais, de forma adequada e suficiente. Entretanto, seria conveniente reavaliar os estudos ener-
105
géticos com séries hidrológicas determinadas em base
mais confiável.
Já com relação ao inventário do rio Corrente, o estudo
deverá ser completamente revisado, já que os estudos
de base, cartográficos, topográficos, geológicos-geotécnicos, hidrológicos e de custos foram realizados em
nível de Estudos Preliminares e não Estudos Finais. Por
outro lado, os estudos energéticos foram executados para
um período crítico diferente do atual. Com base, portanto, nos critérios de aproveitamento ótimo, os empreendimentos do rio Corrente, na forma como estão
concebidos, não atendem aos requisitos normativos.
Os ICB’s dos aproveitamentos levados a estudos de
viabilidade, Caçu e Barra dos Coqueiros, no rio Claro,
são, em média, 20% superiores aos correspondentes
projetos de Salto e Salto do rio Verdinho, no rio Verde.
Entretanto, a potência instalada total no rio Claro é de
612,5MW e de 470MW no rio Verde, ou seja, fornece
mais energia ao sistema interligado. Destaca-se que o
Aproveitamento Hidroelétrico (AHE) Pontal, no rio Claro, tem o menor ICB de todos os aproveitamentos dos
rios Claro e Verde, 22% inferior aos ICB’s das Usinas
Hidrelétricas (UHEs) Caçu e Barra dos Coqueiros. No
entanto, o processo de concessão para aquele empreendimento encontra-se em estágio menos avançado que
o dos empreendimentos analisados.
Sem embargo desses fatos, no entanto, qualquer um
dos rios tem a capacidade de suprir uma parte do incremento anual requerido pelo sistema elétrico. Destaca-se que o total da capacidade instalada resultante dos
estudos de inventário, 1.389MW, é inferior ao incremento anual indicado pelos estudos de planejamento
do sistema elétrico (2.000 MW). Mas, dentre os examinados na região do Baixo Paranaíba, o rio Corrente é
considerado o menos recomendável.
Portanto, nos níveis de um estudo de inventário, de
acordo com as diretrizes do Manual da Eletrobrás,
condição aplicável aos dos rios Claro e Verde, não há
maiores críticas a serem feitas quanto aos projetos escolhidos, salvo recomendações quanto a novas simulações e estudos energéticos. Já no caso do rio Corrente,
no entanto, praticamente todos os estudos deveriam
ser refeitos.
R ESULTADOS
DA ANÁLISE DOS ESTUDOS DE
VIABILIDADE E AMBIENTAIS
No que concerne às análises dos estudos de viabilidade
ambientais dos empreendimentos pesquisados, tais
estudos se mostraram insuficientes para uma tomada
de decisão sobre a implantação ou não dos mesmos.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
106 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
Sob os aspectos dos dados básicos para as avaliações
hidrológicas, seria necessário instalar e operar continuamente um posto fluviométrico, com medição de
vazões e leituras de níveis de água, nas proximidades
de cada eixo de barramento, para a definição da curvachave (H x Q) necessária para o dimensionamento das
obras de desvio, da casa de força e do vertedouro. Quando a casa de força e/ou vertedouro estão afastadas do
eixo do barramento, o posto deveria ser instalado no
respectivo local. Seria recomendável, também, instalar
outros postos ao longo dos rios, em trechos previamente escolhidos, para o cálculo da curva de remanso resultante da criação dos reservatórios.
Em termos de estudos ambientais, o único relatório
com alguma consistência técnica necessária a uma
análise firme e segura sobre a viabilidade dos empreendimento propostos foi o do AHE Olho D’Água. Os
estudos ambientais levados a efeito para o chamado
“Complexo Caçu” tem um nível de qualidade técnica
tão baixo, que não permitem que se avalie sua efetiva
viabilidade ambiental. Neste sentido, o estudo ambiental do AHE Itumirim se coloca numa posição intermediária, mas contém fragilidades que recomendam a
complementação de informações e elaboração de novos estudos. Os demais estudos nas sub-bacias dos rios
Verde e Claro não têm qualquer utilidade prática e não
permitem maiores conclusões sobre a sustentabilidade
dos empreendimentos, devendo ser integralmente refeitos em bases técnicas mais sérias e confiáveis. Outrossim, é necessário definir adequadamente as vazões
sanitárias em cada projeto e revisar, consequentemente,
os estudos energéticos.
Com relação aos estudos de viabilidade, destacamse os seguintes aspectos:
UHE’s Itumirim e Olho D’Água
- É recomendável revisar as dimensões do vertedouro,
o estudo de sedimentos, os estudos energéticos e
as enchentes de desvio;
- É importante programar o enchimento dos reservatórios para o período de chuvas;
- Revisão dos custos.
UHE’s Salto e Salto do Rio Verdinho
- Revisar as curvas cota-área-volume e o projeto de
emboque das tomadas de água.
UHE’s Caçu e Barra dos Coqueiros
- É imprescindível definir a localização e volumes disponíveis de áreas de empréstimo;
- Considerar a barragem em Concreto Compactado a
Rolo (CCR) também na margem esquerda da UHE
Caçu;
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
• Revisar o dimensionamento dos vertedouros e tomadas de água, o cronograma de construção e os custos;
• Revisar os estudos da borda livre, do enchimento do
reservatório, com a vazão sanitária correta, de remanso, de sedimentos e de produções energéticas.
A NÁLISE E MERGÉTICA
Esta parte do trabalho tem com objetivo a análise de
custo e benefício em termos eMergéticos dos materiais,
energia e mão de obra necessários à construção e operação das usina hidrelétricas em questão, de forma a
subsidiar, não somente a própria avaliação das alternativas das hidrelétricas, mas promover uma abordagem
distinta da tradicional análise de custo-benefíco.
A análise de cada empreendimento é feita com base
nas tabelas de eMergia por empreendimento, com a
avaliação do custo e o benefício da geração de energia
elétrica, incorporando na análise não somente o material empregado na construção da usina, mas a alteração das características ambientais decorrentes da mudança de regime hídricos e do uso e ocupação do solo,
em decorrência da formação do reservatório.
As informações utilizadas nesta etapa do trabalho
foram retiradas dos estudos de Inventário, de Viabilidade e dos Estudos Ambientais disponíveis e de estudos similares que se utilizaram desta metodologia.
Quando não se tinha informação adequada nestes estudos, procurou-se a informação em outras fontes para
garantir o completo entendimento da questão e evitar
que ficassem lacunas no trabalho. Mesmo assim, algumas informações específicas não puderam ser incorporadas por não existirem dados disponíveis. Caso sejam
feitas alterações no tocante à partição de queda, na
concepção e tipo de barragem, estes estudos deverão
ser revisados para ficarem compatíveis com as mudanças definidas a posteriori.
M ETODOLOGIA
A metodologia básica empregada é denominada de Ecologia de Sistemas (Odum, 1994), que possui princípios
da ecologia associados a conceitos de análise de sistemas, como elementos, fluxos, hierarquia entre outros.
Existem diversos trabalhos publicados que procuram
avaliar de forma integrada o meio ambiente e os processos econômicos com base nesta abordagem. Um dos
casos refere-se à avaliação de duas propostas de construção de duas barragens no rio Mekong na Tailândia
(Brown & McClanaham, 1996).
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
Segundo Huang & Odum (1991), a análise eMergética, apoiada por ecologistas como forma de determinar
o valor dos recursos naturais, pode estabelecer a estrutura para a compreensão dos sistemas ecológicos e econômicos, permitindo que as informações, sem valor de
mercado, sejam incorporadas na análise de custo benefício. Segundo este mesmo autor, a teoria unificada
da Ecologia de Sistema, baseada na análise sistêmica e
nas leis da termodinâmica, formulada por H.T. Odum
pode provocar mudança na valoração da sociedade com
relação aos sistema naturais.
A metodologia denominada Ecologia de Sistemas
pode ser considerada um linha de pesquisa ligada à
economia ecológica que, através de uma conceituação
própria, procura valorar os recursos naturais na forma
de eMergia, buscando uma forma de integração entre a
ecologia e a economia. É uma alternativa à valoração
baseada em princípios da economia neoclássica. Essa
abordagem possibilita o ordenamento das informações
e fluxos de um sistema através da linguagem energética e materiais, de modo a se vislumbrar os elementos e
suas interações e, principalmente, quantificá-los (em
unidades eMergéticas) de maneira a integrar os sistemas ecológicos e econômicos.
Os fluxos de materiais e de energia são quantificados
e avaliados através de conceitos como Emergia e Transformidade que visam mensurar respectivamente, a energia necessária para gerar um fluxo ou armazenamento
energético e para a produção de outro tipo de energia.
Ainda, índices são utilizados para avaliar a relação entre a energia que entra e sai de um sistema definido,
permitindo observar o grau de pressão que uma determinada atividade pode exercer sobre o meio ambiente,
ou mesmo avaliar o custo-benefício em termos eMergéticos. De forma simplificada, esta metodologia procura obter a história energética de cada elemento que
entra na composição do empreendimento, traduzindo
os diversos componentes como materiais e energia em
uma mesma linguagem, possibilitando sua comparação
e integração.
Basicamente, as etapas do trabalho desenvolvido
foram:
1. Avaliação dos inventários e dos relatórios dos rios
Araguaia, Corrente, Verde e Claro;
2. Avaliação dos estudos de viabilidade com a coleta
de dados sobre as estimativas de volume de escavação, de material para a composição da barragem,
dos equipamentos a serem utilizados e mão de
obra, etc;
3. Levantamento de dados sobre o uso e ocupação do
solo da região, principalmente no tocante à exis-
107
tência de vegetação natural a ser afetada pelos empreendimentos;
4. Identificação dos principais componentes do sistema em termos de fluxo de energia e matéria;
5. Construção da planilha de dados relativos à cada
AHE;
6. Transformação dos dados em fluxo de energia e de
Emergia como parâmetro comum;
7. Avaliação dos resultados em comparação com outros trabalhos e através da análise do indicador definido acima;
8. Considerações finais sobre a metodologia aplicada
para a avaliação dos AHEs de maneira isolada e
compondo um cenário por rio, além de uma breve
discussão sobre a aplicabilidade desta metodologia
como ferramenta de valoração ambiental e planejamento ambiental.
Neste trabalho, a análise de custo-benefício de cada
usina hidrelétrica foi realizada computando apenas valores físicos, ou em sua forma de quantidade de material e ou em energia, não sendo utilizados qualquer valor
monetário. Em outros trabalhos há a transformação de,
por exemplo, salários na forma de eMergia. O objetivo
desta restrição metodológica é distinguir completamente da perspectiva de valoração monetária dos recursos
naturais.
R ESULTADOS
E DISCUSSÃO
De acordo com a análise realizada, onde foram computadas as entradas de energia renovável (R) ao sistema –
a energia solar, as chuvas, a energia química do rio (com
base na variação anual de vazão), a energia potencial
do rio, as produções sacrificadas de culturas diversas e
pastagens, bem como da produção florestal (cerrado e
mata ciliar) e a contribuição da floresta para a manutenção do recurso hídrico – as entradas não renováveis
(N) – perda de solo pela atividade agropecuária e da
vegetação natural, a biodiversidade e os materiais utilizados na construção da barragem (solo e rocha) – e as
contribuições da economia (F) – equipamentos (M) e
mão de obra (S), com todas as informações em termos
de energia ou matéria, a geração de energia elétrica transformada (Y), em trinta anos de operação, representa uma
pequena proporção da energia despendida na construção propriamente dita e nos custos ambientais, representados pela perda de produtividade primária da
vegetação inundada pela barragem e pela alteração do
regime hídrico do rio, em função da existência da barragem e seu reservatório.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
108 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
Os resultados do trabalho são apresentados nas Tabelas 1 a 6, onde Tr é a transformidade para o empreendimento e B/C é a avaliação do Benefício sobre o Custo.
TABELA 1 – Custo-Benefício eMergético
AHE CAÇU.
TABELA 4 – Custo-Benefício eMergético
AHE SALTO.
FLUXOS
FLUXOS
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
R
4,38E + 23
1,03E + 22
N
4,76E + 18
4,76E + 18
5,99E + 21
I
4,38E + 23
1,03E + 22
2,67E + 20
M
3,68E + 20
3,68E + 20
6,15E + 18
6,15E + 18
S
7,02E + 18
7,02E + 18
2,74E + 20
2,74E + 20
F
3,75E + 20
3,75E + 20
5,49E + 23
6,26E + 21
Y
4,76E + 23
5,42E + 22
4,15E.08
4,73E + 06
Tr
331000000
8,09E + 06
0,2176
0,7418
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
R
5,49E + 23
5,99E + 21
N
8,05E + 17
8,05E + 17
I
5,49E + 23
M
2,76E + 20
S
F
Y
Tr
B/C
0,0119
1,0466
B/C
TABELA 2 – Custo-Benefício eMergético
AHE BARRA DOS COQUEIROS.
TABELA 5 – Custo-Benefício eMergético
AHE ITUMIRIM.
FLUXOS
FLUXOS
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
R
5,79E + 23
8,02E + 21
R
N
2,36E + 17
2,36E + 17
I
5,79E + 23
8,02E + 21
M
3,39E + 20
S
6,15E + 18
F
Y
Tr
B/C
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
7,86E + 22
1,08E + 22
N
4,85E + 17
4,85E + 17
I
7,86E + 22
1,08E + 22
3,39E + 20
M
1,02E + 20
1,02E + 20
6,15E + 18
S
6,15E + 18
6,15E + 18
3,45E + 20
3,45E + 20
F
1,08E + 20
1,08E + 20
5,79E + 23
8,36E + 21
Y
7,87E + 22
1,09E + 22
317000000
4,57E + 06
Tr
69000000
9,55E + 06
0,0156
1,082
0,087
0,628
B/C
TABELA 3 – Custo-Benefício eMergético
AHE SALTO DO RIO VERDINHO.
TABELA 6 – Custo-Benefício eMergético
AHE OLHO D’ÁGUA.
FLUXOS
FLUXOS
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
R
4,76E + 23
5,38E + 22
N
1,02E + 18
1,02E + 18
I
4,76E + 23
M
S
GERAL
SEM VARIAÇÃO Q
R
9,45E + 22
4,54E + 22
N
1,71E + 18
1,71E + 18
5,38E + 21
I
9,45E + 22
4,54E + 21
3,43E + 20
3,43E + 20
M
1,33E + 20
1,33E + 20
7,02E + 18
7,02E + 18
S
7,02E + 18
7,02E + 18
F
3,50E + 20
3,50E + 20
F
1,40E + 20
1,40E + 20
Y
4,76E + 23
5,42E + 22
Y
9,46E + 22
4,68E + 22
Tr
245000000
2,79E + 07
Tr
11500000
5,67E + 06
0,0007
0,0059
0,0576
0,0574
B/C
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
B/C
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
Os resultados encontrados para as hidrelétricas em
geral (AHE Caçu – Y=5,49E+23 e Tr=4,15E+08;
AHE Barra dos Coqueiros – Y=5,79E+23 e Tr=
3,17E+08; AHE Salto do Rio Verdinho – Y=4,76E+23
e Tr=2,45E+08; AHE Salto – Y=4,76E+23 e Tr=
3,31E+08; AHE Itumirim – Y=7,87E+22 e Tr=
6,90E+07; AHE Olho D’Água – Y=9,46E+22 e Tr=
1,15E+08; AHE Couto de Magalhães – Y=1,81E+23 e
Tr=6,06E+07) estão dentro do nível de grandeza de
outros trabalhos realizados com hidrelétricas, em termos eMergéticos: Hidrelétrica-Suécia Y=1,95E+24 e
Tr=8,02E+04; AHE Tucuruí-Brasil Y=1,65E+22 e
Tr=1,65E+05; Low Pa Mong-Tailândia Y=4,23E+21;
Upper Chiang Khan Y=3,81E+21.
As diferenças existentes entre as hidrelétricas estudadas estão relacionadas ao tipo de barragem e às características do ambiente onde elas estão localizadas.
Foram realizadas duas simulações para avaliar a relação de custo e benefício da construção e operação
destas AHEs. A primeira foi realizada com a inclusão de
todas as variáveis descritas acima que contribuíam para
a construção e operação dos aproveitamentos, enquanto a segunda foi retirada da análise a regularização de
vazão imposta pela existência do reservatório e operação da usina.
Como resultado das primeiras análises, verificou-se
que o benefício eMergético da geração de energia elétrica, em trinta anos, varia de cerca de 0,1% para a AHE
Salto do Rio Verdinho, entre 1% a 8% para as AHE Caçu,
Barra dos Coqueiros, Itumirim, Olho D’Água e Couto de
Magalhães, e de aproximadamente 22% para AHE Salto
dos custos aplicados na construção e operação da usina.
Na primeira simulação, o potencial químico do rio,
que está diretamente relacionado à sua vazão, representa a principal contribuição para a composição eMergética total do sistema. Ou seja, a alteração do regime
hídrico do rio em função da existência do reservatório
e da operação da usina, que regulariza a sua vazão, representa a maior entrada de eMergia para o sistema. É
interessante observar que a energia potencial gravitacional é o principal fator na definição da partição de
queda de um rio e conseqüentemente da definição dos
barramentos. Nesta análise, a principal contribuição do
rio para o ecossistema é representado pela energia
potencial química, que é caracterizada pelo potencial
de reação proporcionado pela água. A regularização ou
alteração da vazão característica do rio em função da
formação do reservatório e do regime operacional das
usinas, acaba alterando significativamente este potencial químico. O que para uns representa um ganho
adicional na construção e operação de usinas hidrelé-
109
tricas (representado pelo controle de vazão), sob o ponto de vista da presente análise é o principal fator de
alteração ambiental, indicando claramente a importância, para todo o sistema, da variabilidade anual de vazão como fonte principal de eMergia.
Na outra simulação, onde a entrada de energia renovável no sistema dada pelo potencial químico do rio
(variação de vazão ao longo do ano em função do ciclo
hidrológico) foi retirada da análise, os resultados mostraram que a eMergia gerada pelas hidrelétricas Caçu,
Barra dos Coqueiros e Olho D’água era equivalente à
eMergia despendida na construção e na operação, ou
seja, aproximadamente 1. Enquanto as hidrelétricas
Salto, Salto do Rio Verdinho e Itumirim, mesmo com a
retirada deste fator preponderante para o sistema, apresentam resultados com custos acima do benefício gerado, ou seja, a eMergia para a construção e operação
destas hidrelétricas foram superiores à eMergia gerada
pela eletricidade, com destaque negativo para a segunda. O resultado foi positivo nesta segunda simulação
para a AHE Couto de Magalhães, principalmente em
função das características da vazão do rio (significativamente maior que os demais rios) e pela área ocupada
pelo reservatório (relativamente menor que os demais
projetos). Em todos estes casos, com exeção de Couto
de Magalhães (por não possuir o dado de uso e ocupação do solo), a maior contribuição do ambiente para o
funcionamento das usinas, nesta simulação, foi a perda
da eMergia relativa à produtividade primária da floresta a ser alagada pelo reservatório.
Os resultados apontam como fator preponderante
para a geração de energia hidrelétrica, não somente o
potencial hidráulico, que representa um dos elementos
principais na análise da viabilidade deste tipo de empreendimento, mas a perda do potencial químico da água
em função da regularização de vazão do rio. Ou seja, a
contribuição representada pela energia química associada à variação sazonal da vazão do rio é um fator normalmente desconsiderado nas análises tradicionais de
custo/benefício, mas que representa, em termos eMergéticos, a principal contribuição na operação da usina.
Outro fator importante, também pouco considerado
em outras análises é a contribuição dada pela produtividade primária da vegetação inundada pelo reservatório. No caso em questão, esta seria a segunda maior
contribuição do ambiente para a operação da usina.
Em outras palavras, a perda da contribuição química
devido à regularização do regime hídrico, seguida da
perda de produtividade primária da floresta a ser alagada, representam, os principais custos ambientais da
geração de energia hidrelétrica.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
110 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
A análise de custo benefício, em termos eMergéticos, aponta para um importante fato, a energia
renovável do potencial químico do rio associado à energia renovável da produção primária da vegetação natural a ser submergida pelos reservatórios, é superior à
geração de energia hidrelétrica em todos estes empreendimentos. Quando se retira a energia potencial química, observa-se que em alguns casos existe uma compensação entre custos e benefícios (AHEs Caçu, Barra
dos Coqueiros e Olho D’água), enquanto para os demais casos, à exceção da AHE Couto de Magalhães, não
existe viabilidade em ambas as simulações.
Neste sentido, a energia a partir destas hidrelétricas
representa a apropriação, principalmente, de dois tipos de energia renovável presentes nestes ambientes:
- a energia potencial química do rio, através da alteração do seu regime hídrico sazonal; e
- a produtividade primária que cessa de entrar no ecossistema pela formação do reservatório.
Ou seja, a energia hidrelétrica gerada a partir destes
barramentos nada mais é do que a transformação, principalmente, destes dois tipos de energia presentes na
natureza, em uma forma de energia mais facilmente
utilizável, porém com custos muito acima de seus benefícios. Em outras palavras, a energia elétrica destes empreendimentos possui uma eficiência questionável ao
longo de sua vida útil.
A NÁLISE
ECONÔMICO - AMBIENTAL
De posse dos dados e informações levantados nos estudos de viabilidade técnica e ambiental, além das considerações apresentadas por ocasião deste relatório,
iniciou-se a avaliação sócio-econômica e ambiental dos
projetos de empreendimentos hidrelétricos ao longo
dos rios Corrente, Verde e Claro. A ferramenta utilizada nesta avaliação foi a Análise Custo-Benefício (ACB),
alimentada por estimativas de benefícios do projeto e
seus custos, privados e sociais.
As análises foram realizadas por bacia hidrográfica,
compreendendo, no presente caso, dois empreendimentos hidrelétricos por bacia. A adoção da análise por
bacia, e não por empreendimento, baseia-se na existência de impactos de ordem regional, cuja unidade de
referência mínima mais adequada é a bacia hidrográfica. Tal constatação é referendada pelos estudos de
inventário, base das análises de viabilidade dos empreendimentos, cujo escopo geográfico é também a bacia
hidrográfica. Assim, a análise sócio-econômica-ambiental retratou três diferentes bacias e seus respectivos
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
empreendimentos, a saber: AHE Itumirim e AHE Olho
D’água (bacia do rio Corrente); AHE Salto e AHE Salto
do rio Verdinho (bacia do rio Verde); e AHE Caçu e AHE
Barra dos Coqueiros (bacia do rio Claro).
Os estudos de viabilidade técnica e ambiental apresentados pelos empreendedores consistiram a base
principal de informações, as quais foram complementadas e atualizadas por dados das entidades de gestão
de energia e água (ANEEL, ONS, MAE, ANA), e outras
fontes secundárias de pesquisa.
M ETODOLOGIA
Três fatores foram considerados na montagem da
ACB: i) “B1”, o qual contempla os benefícios a serem
gerados com a implantação dos empreendimentos
projetados, composto basicamente da venda contratada de energia firme, com base em preços normativos, e
de energia excedente, a preços estimados de mercado;
ii) “C1”, referentes aos custos privados dos projetos,
que tenham sido contabilizados ou não pela análise dos
empreendedores; e iii) “C2”, associados aos custos sociais, os quais representam externalidades dos projetos,
e incorporam desde custos de oportunidade (atividades tradicionais) até valores relacionados a perdas no
ecossistema. Estes três fatores são descritos a seguir.
“B1” – Benefícios apontados pelos estudos de viabilidade. O principal montante está associado ao valor
de mercado da energia que seria gerada pelos empreendimentos. No entanto, os projetos consideraram como
benefício direto, a venda integral da energia firme a ser
gerada. Uma análise mais realista, do ponto de vista social, deveria incluir a absorção desta energia pelo mercado, em função do fator de carga, índice monitorado por
região. Este índice aponta o consumo de energia em
relação à oferta, sendo, portanto, um indicador de demanda – Tabela 7. Assim, a análise considerou o fator de
carga como variável de controle do benefício dado pela
produção e venda da energia, seja ela firme ou excedente. Assume-se que energia paga (contratos governamentais) e não consumida (dado o fator de carga menor que
100%) é custo para a sociedade.
O valor atribuído à venda da energia firme foi o VN
(Valor Normativo), administrado pela ANEEL e que rege
os contratos de produção de energia do setor hidrelétrico. À energia excedente foi aplicado o valor de mercado (MAE – Mercado Atacadista de Energia). Para fins
de estimativa da energia excedente, considerou-se a
possibilidade de geração de 100% da capacidade nomi-
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
111
TABELA 7 – Evolução do fator de carga por subsistemas (%).
SUBSISTEMAS
2002
2003
Norte
85,0 %
85,0 %
Nordeste
77,0 %
76,0 %
Sudeste/Centro-Oeste
76,0 %
Sul
73,0 %
ANO
2004
2005
2006
85,0 %
85,0 %
85,0 %
75,5 %
75,0 %
74,5 %
75,5 %
75,0 %
74,5 %
74,0 %
72,5 %
72,0 %
71,5 %
71,0 %
Fonte: Eletrobrás/ONS, 2002
nal (descontados os fatores de rendimento), durante 4
meses do ano, relativos ao período de cheia.
À produção excedente foi aplicado um fator de rendimento das turbinas (em torno de 92,5%), conforme
informado em cada projeto.
Dois outros benefícios são apontados nos estudos
de viabilidade: a valorização das terras que seriam alagadas, previamente ao pagamento das indenizações, e
a entrada de capital na região oriundo do pagamento
de impostos das novas atividades de geração hidrelétrica. Entretanto, ambos tem um componente custo da
mesma ordem de grandeza, o qual deveria constar da
análise custo-benefício dos empreendimentos, motivo
pelo qual não foram considerados nesta análise.
“C1” – Custos privados. Neste grupo estão contemplados os custos contabilizados normalmente na análise dos empreendedores:
• Custos de implantação dos projetos, conforme apontado nos estudos de viabilidade;
• Custos de operação e manutenção ao longo da vida
útil econômica dos projetos. Os valores apresentados
nos estudos de viabilidade adotam o preconizado pela
Eletrobrás (Plano Decenal de Expansão 1994-2004),
cujos critérios são apresentados abaixo:
- Para potência instalada > 146,71 MW, COM = US$
5.77/kW.ano;
- Para potência instalada < 146,71 MW, COM = US$
9.46/kW.ano;
No presente estudo, todos os empreendimentos se
encontram na segunda condição2.
2
3
Além desses, foram incluídos na análise os custos
exigíveis, mas não contabilizados nos estudos de viabilidade, apesar de informados, quais sejam:
• Custos de implantação de linhas de transmissão para
ligação ao Sistema Interligado Nacional;
• Custos de implantação de subestações seccionadoras;
• Cobrança pelo uso da água. Utilizou-se a formulação
aplicada ao setor elétrico em âmbito federal, ou seja,
0,75% sobre o faturamento com a venda da energia
gerada.
“C2” – Custos sociais. Neste grupo estão inseridos
os valores de externalidades sócio-ambientais inerentes aos projetos, quando sua contabilização se mostrou plausível. Os itens considerados variam caso a caso,
de acordo com a relevância em relação aos impactos
na bacia. De maneira geral, os valores considerados
foram:
• Custo de oportunidade do turismo – aplicado quando o turismo associado ao estado de conservação
dos recursos naturais se encontra consolidado ou em
consolidação, caso da bacia do rio Corrente;
• Perdas de água – aspectos quantitativos. Faz-se alusão aqui à perda de água por evaporação na lâmina
d’água dos reservatórios, conforme aponta estudo
da Eletrobrás (2004), que fez estimativas de evaporação líquida para todos os reservatórios brasileiros
inventariados. Na região, este valor varia de 300 a
390 mm/ano3. O valor para cada metro cúbico de água
perdido anualmente por evaporação foi associado
ao preço público único já exercido na cobrança do
Exceção se faz ao AHE Couto Magalhães, que não foi considerado na análise sócio-econômica-ambiental.
De acordo com os estudos de viabilidade dos AHE em análise, existe um “déficit hídrico” potencial de cerca de 300mm anuais, dado pela
diferença entre precipitação (1400mm) e evaporação (1700mm). Tais dados foram considerados, apesar de serem oriundos de estações
diferentes: Campo Alegre (ANEEL) e Paranaíba (INMET), respectivamente. Admitindo-se esta relação, ainda que supondo ser menor a
diferença entre evaporação e precipitação para um mesmo local, conclui-se que um eventual aumento da evaporação na bacia pode não
resultar em aumento da precipitação na própria bacia, sendo a massa de vapor d’água conduzida para bacias adjacentes. Isto implica em um
“uso consuntivo” não convencional para as águas locais.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
112 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
•
•
•
•
4
5
6
uso da água4. Note que trata-se de valor extremamente baixo e não reflete pressões por escassez e
nem sequer as diferenças regionais para valorização
deste recurso natural;
Perdas de água – aspectos qualitativos. Reflete o aumento dos custos de tratamento da água em função
da mudança de qualidade imposta aos rios pelo represamento 5. Os valores consideraram apenas a
vazão necessária ao consumo populacional dos municípios diretamente afetados pelos empreendimentos. O valor estabelecido foi de R$ 0,50/m3, o qual,
segundo Reydon et al. (2001), representa o aumento
médio de custos de tratamento de água quando a
qualidade do rio muda de classe 1 para classe 2 ou
de classe 2 para classe 3 (de acordo com a Resolução
20/86 do CONAMA);
Custo de oportunidade de investimentos conservacionistas – valores investidos em conservação
ecológica na região, por fundos e entidades ambientalistas. Estes valores consideram projetos vinculados à área diretamente afetada, para propósitos de
pesquisa, apoio operacional e apoio institucional. Os
valores refletem a disposição de investir em áreas
naturalmente conservadas. Foram considerados os
dispêndios regulares nos últimos 3 anos, projetados
para toda a vida útil do empreendimento;
Custo de oportunidade pelo uso da terra – utilizouse como proxy a produtividade agropecuária líquida
média (US$/ha; IBGE, 2001) dos municípios afetados,
limitados à área atualmente destinada para estas
atividades6. Quando o dado de produtividade não estava disponível, foi considerada a produtividade média para a região (Centro-Oeste), a partir dos dados
de produção da CONAB (2001);
Custo de oportunidade por retenção de carbono –
valor de opção relativo a manutenção de estoques
de carbono em biomassa, na hipótese de conservação da fitomassa de florestas ripárias e cerradão. Este
valor foi considerado na integralidade a partir do
cálculo de densidade de biomassa por tipo florestal
apresentado no estudo de viabilidade do AHE Olho
D’água (e projetado para os demais aproveitamentos), e pelas áreas ocupadas por estes dois tipos
vegetativos nos limites de alagamento dos empreendimentos (Tabela 8). O lançamento dos valores foi
feito no décimo ano após o eventual início das obras,
considerando que haja uma evolução dos mecanismos de desenvolvimento limpo, no sentido de se
considerar créditos de carbono retido em florestas
naturais. Trata-se, portanto, de valor de opção associado ao uso indireto, no futuro, da regulação biogeoquímica efetuada por estas tipologias vegetais,
quando conservadas. A relação de densidade, em termos de toneladas de carbono por metro cúbico, foi
assumida como sendo unitária. O valor para o crédito de carbono foi determinado em levantamento junto a diversos pesquisadores do tema, os quais apontaram variações entre US$ 10/ton a US$ 50/ton (May
et al, 2003; Melo & Durigan, 2004). Assumiu-se que
o carbono ora retido nestas tipologias florestais, seria paulatinamente redisponibilizado para a atmosfera por processos de decomposição na forma de CO2
e CH4, em fluxos verticais ou pelo trabalho das turbinas das usinas hidrelétricas.
TABELA 8 – Fitomassa a ser inundada de acordo com o
estudo da viabildade do AHE Olho D’água.
FITOMASSA A SER INUNDADA POR TIPOLOGIA
Áreas antropizadas (m 3/ha) – pastagens
19,08
Matas ripárias (m 3/ha)
501,72
Mata/Cerradão/Capoeirão (m 3/ha)
470,76
Fonte: EIA/RIMA – AHE Olho D’água (2001)
Três outros impactos são ressaltados nos estudos
ambientais: a perda de biodiversidade, o alagamento
de sítios arqueológicos e a perda paisagística. Estes
impactos, de real relevância, não foram contabilizados
no presente estudo, dada a carência de dados sobre
eles. Os levantamentos dos estudos ambientais, no que
R$0,02/m 3, conforme deliberação 08 CEIVAP, de 06/12/2001.
Sobre este tópico, cabe reproduzir trechos dos estudos de impacto ambiental dos AHEs Olho D’água e Salto do rio Verdinho:
“Os valores [de O 2] observados nas análises mostraram-se bem elevados, estando próximos aos valores de saturação. A média dos pontos
amostrados foi de 7,90 mg/l, valor bastante superior ao mínimo (5 mg/l) estabelecido para corpos d’água de classe 2. A concentração de
oxigênio dissolvido mostrou-se relacionada principalmente com a característica hidrodinâmica do rio. Esta característica é retratada através
do resultado, mostrando altos teores de oxigênio dissolvido ao longo do rio Verde, visto que esse rio possui corredeiras e cachoeiras,
fazendo com que haja uma boa aeração de suas águas.“ (CTE/Themag, 2001).
“(...) o fosfato é o principal elemento responsável pela eutrofização de um sistema, e hoje, se o rio Corrente fosse um ambiente lêntico com
o valor médio atual de fosfato, ele seria um ambiente Meso-eutrófico, isto é, propício a ter alta produção primária“ (CNEC, 2001).
Informações oriundas do mapeamento de uso da terra nas áreas a serem alagadas.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
concerne a esses itens, são de escopo reduzido e de
caráter meramente descritivo, não permitindo uma avaliação realista. Além disso, tais itens possuem diversas
abordagens de valoração e sempre representam polêmica, dada a complexidade dos temas que tratam. Sendo assim, decidiu-se por não incorporar tais valores
diretamente nas análises. São, no entanto, considerados, em conjunto, para fins do prognóstico de viabilidade e nas análises de sensibilidade e risco.
Após o cálculo do Valor Presente Líquido (VPL) da ACB,
para cada bacia, foram realizadas análises de sensibilidade, que apontaram os parâmetros cujas variações
afetam em maior grau os resultados finais; e análises
de risco, que consideraram a variação destes parâmetros em limites previsíveis e em situações simuladas,
estimando a probabilidade de retorno dos investimentos a partir dessas variações. Para estas análises, foram
feitas simulações com os parâmetros que se mostraram mais representativos na composição do resultado
final, fazendo-os variar de acordo com números aleatórios dentro de distribuições de freqüência previamente determinadas. Para cada caso, foi feita simulação com
10.000 combinações, com números aleatórios gerados
pelo método Monte Carlo, até um nível de confiança
de 99% (Tabela 9).
A partir das séries de resultados gerados pelas simulações, foram elaborados gráficos de freqüência (probabilidade), os quais apontaram as variações possíveis
do parâmetro de saída, o VPL, que define a viabilidade
dos empreendimentos.
TABELA 9 – Distribuições e parâmetros da análise de
sensibilidade.
R ESULTADOS
113
DA ANÁLISE ECONÔMICO - AMBIENTAL
A seguir apresentamos os fatores condicionantes, os
resultados e comentários para cada bacia.
Bacia do rio Corrente: AHEs Itumirim e Olho D’água
Os empreendimentos estudados no rio Corrente foram
os AHEs Itumirim, primeiro a montante no inventário
do rio, e Olho D’água, terceiro de montante para jusante
(entre esses dois empreendimentos encontra-se o AHE
Espora, em fase mais avançada de licenciamento). Os
números utilizados na análise podem ser visualizados
na Tabela 10.
TABELA 10 –Parâmetros de entrada da Análise Custo
Benefício – Bacia do rio Corrente.
PARÂMETROS
Potência
Energia firme
Geração – ano
Área do reservatório
VALORES
UNIDADES
88
MW
63
MW
549.252
MWh
8.481
ha
Custo do empreendimento
125.892.220,00
US$
Custo adicional (LT + SE)
21.610.000,00
US$
1.258.922,90
US$/ano
75%
%
Custo operacional
Fator de carga – Centro-Oeste
Taxa anual de desconto
12%
%/ano
Valor ecoturismo
779.733,33
US$/ano
Investimento em conservação
336.832,00
US$/ano
10,00
US$/m3
Valor do carbono
Créditos Carbono – ano 10
11.838.217,99
US$
Oportunidade agropecuária
82.752,84
US$/ano
VARIÁVEL
DISTRIBUIÇÃO
PARÂMETROS
Custo perda água – evaporação
221.919,50
US$/ano
Energia
Firme
Normal
Média = valor atual
Desvio = 1/15 média
Custo diferença tratamento água
184.398,00
US$/ano
Valor diferença tratamento água
0,17
US$/m3
Custo
Total
Normal (corte
superior à média)
Média = valor atual
Desvio = 1/10 média
Preço da água (cobrança)
0,007
US$/m3
Fator de
Carga
Normal (corte
superior à média)
Média = valor atual
Desvio = 1/10 média
Preço da energia – Valor Normativo
36,00
US$/MWh
Preço da energia – MAE
18,06
US$/MWh
Taxa
Desconto
Normal
Média = valor atual
Desvio = 1/12 média
Custo
Ecoturismo
Normal (corte
inferior à média)
Média = valor atual
Desvio = 1/10 média
Preço
Carbono
Exponencial
Taxa = 0,1
Range = US$10 a US$50
Preço
energia MAE
Weibull
Inicial = valor atual
Escala = 9,95
Forma = 3
Os valores correspondentes aos custos sociais computados tiveram, neste caso, a seguinte composição:
i) custo de oportunidade de uso da terra; ii) custos de
oportunidade das atividades de ecoturismo na região;
iii) custos de oportunidade pela conservação, iv) custo
de perdas de qualidade e quantidade de água.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
114 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
Os custos de oportunidade do uso da terra foram
obtidos a partir da classificação de uso da terra na região e de valores de rentabilidade da agricultura e pecuária praticada no local. Segundo o último censo
agropecuário do IBGE (2000), o valor da rentabilidade
média da agropecuária para os municípios da região é
de US$ 28,42/ha. Esta rentabilidade está associada à
pecuária extensiva e à agricultura de baixo rendimento. O valor anual obtido foi de US$ 82.752,85/ano. Não
foram considerados possíveis ganhos em produtividade e em rentabilidade ao longo do tempo. A Tabela 11
apresenta as áreas de uso a serem alagadas.
TABELA 11 – Uso da terra nas áreas a serem alagadas pelos AHEs do
rio Corrente.
ITUMIRIM
(ha)
OLHO
D’ÁGUA
(ha)
TOTAL
(ha)
3954,51
241,1
4195,61
Campos/Pastagens
466,11
905,85
1371,96
Floresta
365,22
922,05
1287,27
Área agrícola
713,16
826,29
1539,45
Vegetação média/Cerrado
421,27
665,91
1087,18
Área total em hectares
5920,27
3561,2
9481,47
TEMA
Rio/Várzea
Os custos associados à perda em atividades ecoturísticas consideraram apenas a atividade já existente e
seus potenciais de expansão sem a necessidade de investimentos (estrutura montada). Foram considerados
os 42 leitos de apenas uma pousada operante (há outras duas estruturas não operantes), com 83% de ocupação em alta temporada e 43% em baixa temporada, e
projeção de oferta de outros 28 leitos a partir do ano
10 da eventual operação da UHE, com a consolidação
da estrutura existente, passando, a partir desta data, a
operar com 100% de capacidade. O gasto por turista foi
determinado por comparação com destino similar, no
caso os arredores do Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros (distância dos centros consumidores, amenidades do local, estrutura de acesso, proximidade do
Parque Nacional), cujos números são consolidados:
US$736,67/turista/viagem no período de alta temporada (janeiro, fevereiro, março e julho), e US$566,67/
7
turista/viagem nos demais meses do ano7. O potencial
atual estimado foi de US$779.733,33/ano e este número passa a ser de US$2.681.466,67/ano a partir do ano
10 de eventual implantação dos reservatórios, que inundaria paisagens e cenários de uso pela atividade turística regional e nacional.
Estas considerações são importantes na medida em
que novos investimentos em ecoturismo na região demandariam novos recursos e uma análise pormenorizada do setor foge ao escopo do presente estudo. Há
que se considerar, no entanto, que a região tem forte
apelo para tais atividades, com características singulares, como proximidade do Parque Nacional das Emas,
ambiente para prática de turismo de aventura (rafting,
canoagem, canioning, rapel, trilhas e etc), além da existência de sítios arqueológicos emersos e escrituras
rupestres, atrativos ao setor. O não detalhamento da
análise deste setor reforça o caráter conservador do
presente estudo.
Os estudos de viabilidade apontam para a perda desta
atividade turística em função da mudança de paisagem.
No entanto, consideram que o estabelecimento de outras modalidades pós-alagamento, ou seja, do turismo
de lagos (passeios de barco, lanchas, jet-ski, pesca, etc.),
compensariam, por si, a perda da atividade ecoturística
atual. Cabe aqui uma importante consideração do estudo: há dois tipos de turismo que se estabeleceram na
região, de origem local e de origem extra-local. O estudo não computou perdas do turismo de origem local,
para os quais existem números consideráveis (80 a 120
pessoas/semana, que visitam cachoeiras e corredeiras),
por considerar que estas poderiam ser compensadas
por alterações na dinâmica do turismo em função da
mudança de cenário. Afinal, o turismo de lagos possui
atrativo exclusivamente local, em se tratando de pequenas lâminas d’água. Já para os fluxos regional e
nacional, haveria quebra significativa, resultando em
perdas para a atividade, perdas estas que não seriam
compensadas.
Os custos associados à oportunidade de conservação foram de dois tipos: investimentos correntes em
atividades de pesquisa e apoio a conservação, os quais
demonstram uma disposição a pagar pela manutenção das condições atuais de conservação na região, e
valor de opção pela retenção de carbono a partir da
fitomassa mantida. Os investimentos atuais somam
US$336.832,00/ano.
Números levantados junto a operadoras regionais e nacionais de turismo que trabalham com estes destinos, para pacotes completos de uma semana.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
115
FIGURA 1 – Resultados (VPL) das simulações – Bacia do rio Corrente.
As perdas em qualidade de água, correspondente
ao consumo da população dos municípios diretamente afetados (15.156 habitantes), foram computadas em
US$221.919,50/ano, enquanto as perdas em quantidade, relacionadas a uma taxa de evaporação líquida
de 393mm/ano, foram computadas em US$184.398,00/
ano.
O Valor Presente Líquido (VPL) dos empreendimentos
da bacia do rio Corrente, com base nos valores acima
descritos, para uma vida útil econômica de 50 anos, foi
de US$59.803.752,04 negativos, o que representa um
prejuízo da magnitude de metade do valor investido.
A análise de risco mostrou que, variando-se os parâmetros de maior representatividade, não há probabilidade de retorno positivo para o empreendimento:
todas as 10.000 simulações apontaram valores negativos, variando entre US$101.364.720,11 até
US$2.318.397,69. As Figuras 1 e 2 apresentam os gráficos de risco e sensibilidade para os empreendimentos do rio Corrente.
Dos parâmetros analisados, os que apresentaram
maior correlação com o VPL foram, respectivamente:
a taxa de desconto (razão inversa), o fator de carga (razão direta), o custo total (razão inversa), a energia fir-
FIGURA 2 – Parâmetros representativos do Valor Presente
Líquido – AHEs do rio Corrente.
me (razão direta), o preço do carbono no mercado de
emissões (razão inversa), o preço da energia no MAE
(razão direta) e o custo de oportunidade do turismo
(razão inversa).
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116 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
Bacia do rio Verde: AHEs Salto e Salto do Rio
Verdinho
Os empreendimentos estudados no rio Verde foram os
AHEs Salto e Salto do rio Verdinho, pela ordem montante-jusante de localização. Os números utilizados na
análise podem ser visualizados na Tabela 12.
Os valores correspondentes aos custos sociais computados tiveram, neste caso, a seguinte composição:
i) custo de oportunidade de uso da terra; ii) custos de
oportunidade pela conservação; e iii) custo de perdas
de qualidade e quantidade de água.
A Tabela 13 apresenta os dados da classificação de
uso da terra na região, utilizados para o cálculo do custo de oportunidade da atividade agropecuária.
Os valores de rentabilidade agrícola foram obtidos
a partir de uma composição dos principais produtos
agrícolas da região (algodão, 25%; milho, 50%; e soja,
25%) e dos preços da produção estimados pela CONAB
(2002) para a safra 2003/2004. A rentabilidade média
calculada para a agricultura foi de US$76,83/ha/ano,
enquanto a da pecuária ficou em US$50,90/ha/ano (Tabela 14).
TABELA 12 – Parâmetros de entrada da Análise Custo Benefício
– Bacia do rio Verde.
TABELA 14 –Custos de oportunidades agropecuária – Bacia
do Rio Verde.
PARÂMETROS
ATIVIDADE
Potência instalada
Energia firme
Geração – ano
Área do reservatório
VALORES
UNIDADES
200
MW
126
MW
1.104.986
MWh
11.598
ha
Custo do empreendimento
167.352.378,42
US$
Custo adicional (LT + SE)
16.880.000,00
US$
1.892.000,00
US$/ano
75%
%
Custo operacional
Fator de carga – Centro Oeste
Taxa anual de desconto
Valor do carbono
12%
%/ano
10,00
US$/m3
Créditos Carbono – ano 10
20.467.814,52
US$
Oportunidade agropecuária
282.545,46
US$/ano
Custo perda água – evaporação
303.481,00
US$/ano
Custo diferença tratamento água
193.312,69
US$/ano
Valor diferença tratamento água
0,17
US$/m3
Preço da água (cobrança)
0,007
US$/m3
Preço da energia – Valor Normativo
36,00
US$/MWh
Preço da energia – MAE
18,06
US$/MWh
TABELA 13 – Uso da terra nas áreas a serem alagadas pelos
AHEs do rio Verde.
TEMA
Água
Campos/Pastagens
SALTO
(ha)
SALTO RIO
VERDINHO
(ha)
TOTAL
(ha)
529
586
1.115
959
605
1.564
Floresta
1.255
750
2.005
Área agrícola
2.187
454
2.641
Vegetação média/Cerrado
1.653
495
2.148
Várzeas e campos alagadiços
Área total em hectares
––––
1.041
1.041
6.583
3.931
10.514
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
US$/
US$/hh aa// ano
ÁREA ((ha
ha
ha))
VALOR
Agricultura (mix)
76,83
2.641
202.941,42
Pecuária extensiva
50,90
1.564
79.604,04
Total
––––
4.205
282.545,46
O valor anual obtido foi de US$282.545,46/ano. Não
foram considerados possíveis ganhos em produtividade e em rentabilidade ao longo do tempo.
O VPL dos empreendimentos da bacia do rio Verde,
para uma vida útil econômica de 50 anos, foi de
US$11.952.578,23, o que representa um lucro da ordem da vigésima parte do investimento realizado. Isto
aponta para os investidores e para a sociedade, mantidas as condições de análise para todo o período de vida
útil econômica, um empreendimento viável na perspectiva de uma análise custo-benefício social.
Entretanto, a informação mais relevante, no caso, vem
das análises de risco e sensibilidade nas Figuras 3 e 4,
especialmente a primeira. Variando-se os parâmetros de
maior representatividade a seguir na figura, existe uma
probabilidade média de resultados negativos de 31%
(VPL<0). As simulações apontaram valores variando entre US$-77.824.962,69 até US$242.942.232,91, com
mediana em US$13.137.192,58. Isto determina um
risco relativamente grande para o empreendimento,
do ponto de vista da sociedade, conquanto consideraram-se os custos sociais, e do ponto de vista do empreendedor, uma vez que os parâmetros de maior representatividade são os valores tradicionais de análise, já
contemplados no estudo de viabilidade.
Dos parâmetros analisados, os que apresentaram
maior correlação com o VPL foram, respectivamente:
a taxa de desconto (razão inversa), a energia firme (razão direta), o fator de carga (razão direta), o custo total
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
117
FIGURA 3 – Resultados (VPL) das simulações – Bacia do rio Verde.
(razão inversa), o preço do carbono no mercado de emissões (razão inversa) e o preço da energia no MAE (razão
direta). Os gráficos das análises de risco e sensibilidade
podem ser visualizados nas Figuras 3 e 4.
Bacia do rio Claro: AHEs Caçu e Barra dos Coqueiros
Os empreendimentos estudados no rio Claro foram os
AHEs Caçu e Barra dos Coqueiros, pela ordem montante-jusante de localização. Os números utilizados na
análise podem ser visualizados na Tabela 15.
Os valores correspondentes aos custos sociais computados tiveram, neste caso, a seguinte composição:
i) custo de oportunidade de uso da terra; ii) custos de
oportunidade pela conservação; e iii) custo de perdas
de qualidade e quantidade de água.
A Tabela 16 apresenta os dados da classificação de
uso da terra na região, utilizados para o cálculo do custo de oportunidade da atividade agropecuária.
Da mesma forma que no caso anterior (bacia do rio
Verde), os valores de rentabilidade média calculada
para a agricultura foi de US$76.83/ha/ano e da pecuária, US$ 50.90/ha.ano, o que resultou em um custo de
oportunidade das atividades agropecuárias de
US$171,449.48/ano.
FIGURA 4 – Parâmetros representativos do Valor Presente
Líquido – AHEs do rio Verde.
O VPL dos empreendimentos da bacia do rio Claro,
para uma vida útil econômica de 50 anos, foi de
US$19.859.894,11, o que representa um lucro da ordem de 1/15 do investimento realizado.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
118 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
FIGURA 5 – Resultados (VPL) das simulações – Bacia do rio Claro.
TABELA 15 – Parâmetros de entrada da Análise Custo Benefício
– Bacia do rio Claro.
PARÂMETROS
Potência instalada
Energia firme
VALORES
UNIDADES
155
MW
100
MW
876.000
MWh
4.248
ha
Custo do empreendimento
120.081.747,83
US$
Custo adicional (LT + SE)
16.880.000,00
US$
1.466.300,00
US$/ano
75%
%
Geração – ano
Área do reservatório
Custo operacional
Fator de carga – Centro Oeste
Taxa anual de desconto
12%
%/ano
10,00
US$/m3
Créditos Carbono – ano 10
9.915.493,01
US$
Oportunidade agropecuária
171.449,48
US$/ano
Custo perda água – evaporação
111.156,00
US$/ano
Custo diferença tratamento água
232.165,40
US$/ano
Valor diferença tratamento água
0,17
US$/m3
Preço da água (cobrança)
0,007
US$/m3
Preço da energia – Valor Normativo
36,00
US$/MWh
Preço da energia – MAE
18,06
US$/MWh
Valor do carbono
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
FIGURA 6 – Parâmetros representativos do Valor Presente
Líquido – AHEs do rio Claro.
TABELA 16 – Uso da terra nas áreas a serem alagadas pelos
AHEs do rio Claro.
TEMA
BARRA DOS
COQUEIROS
(ha)
CAÇU
(ha)
TOTAL
(ha)
Água
405,36
207,54
612,90
Pastagens
667,08
418,68
1.085,76
Floresta
955,35
299,43
1.254,78
Área agrícola
1.130,38
381,78
1.512,16
Vegetação média/Cerrado
1.147,05
562,50
1.709,55
Área total em hectares
4.305,22
1.869,93
6.175,15
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
Da análise de sensibilidade e risco, aponta-se uma
probabilidade média de resultados negativos de 13%
(VPL<0). As simulações apontaram valores variando
entre US$-52.610.517,15 até US$141.161.189,43, com
mediana em US$23.301.999,98, como pode ser
visualizado nas Figuras 5 e 6.
Assim como no caso anterior, os parâmetros analisados que apresentaram maior correlação com o VPL
foram, respectivamente: a taxa de desconto (razão inversa), a energia firme (razão direta), o fator de carga
(razão direta), o custo total (razão inversa), o preço do
carbono no mercado de emissões (razão inversa) e o
preço da energia no MAE (razão direta).
A NÁLISE
E DISCUSSÃO
Diversas são as informações que podem ser extraídas
dos resultados ora apresentados. Fica clara a diferença
entre as três situações (bacias) analisadas e os custos
sociais para os empreendimentos projetados para cada
uma delas. Notadamente, a bacia que apresentou piores resultados, em termos de análise de investimento,
ou seja, a bacia do rio Corrente, possui as melhores
condições ambientais e serviços associados a estas condições. Daí a concluir que o impacto de empreendimentos naquela bacia será maior. Consequentemente, as
externalidades dos empreendimentos alocados assumem maiores proporções. Surpreende, no entanto, a
enorme possibilidade de prejuízo oriundo dos investimentos naquela bacia, considerados em seu conjunto.
Ainda neste sentido, os resultados mostraram um
aumento das possibilidades de sucesso para empreendimentos localizados em regiões de maior degradação
(bacias dos rios Verde e Claro, em especial esta última),
aonde eventuais impactos ambientais terão menor efeito negativo. Esta conclusão nos remete a uma discussão
de alocação ótima de empreendimentos hidrelétricos,
apontando para uma análise da situação de degradação ambiental atual como instrumento importante à
tomada de decisão.
Cabe ressaltar a limitação da presente avaliação sócio-ambiental, conquanto não foram computados diversos valores (existência de sítios arqueológicos, perda
de biodiversidade, alterações bióticas) além do que alguns valores utilizados estão sabidamente subestimados
(caso do valor da água). Uma avaliação mais completa,
a partir de um levantamento exaustivo de dados (e eventualmente da geração de novos dados e informações
relevantes) poderia apontar situações de inviabilidade
dos empreendimentos das bacias dos rios Verde e Cla-
119
ro, fato que deve servir de alerta para empreendedores
privados, governo e sociedade.
As diferenças encontradas em relação aos estudos
de viabilidade podem ser em parte explicadas pelo cálculo do custo marginal dos empreendimentos, variável
utilizada pelos empreendedores para endossar suas
próprias análises de custo e benefício. O custo marginal de expansão é obtido para um conjunto de modais
geradores de energia, fazendo com que os índices de
custo de geração hidrelétrica estejam, em geral, bem
abaixo dos valores de custo marginal apontados. Os
AHEs do presente estudo estão inseridos no contexto
de usinas de classe C, na qual, 64% dos empreendimentos são de geração termelétrica, com custos marginais
superiores à geração hidrelétrica, o que justifica esta
assertiva. Assim, os índices de custo dos empreendimentos se situam em patamares entre 20 e 30% inferiores aos custos índices utilizados para estabelecer o valor normativo, que remunerará a energia gerada. No
entanto, ao considerar outros custos na análise, como
os de construção de linhas de transmissão e subestações, além dos custos sociais, atingem-se patamares
que colocam tais empreendimentos próximos da inviabilidade.
C ONSIDERAÇÕES
FINAIS
Antes de mais nada, é importante ressaltar a complexidade e abrangência espacial dos empreendimentos que
foram estudados, e o caráter multidisciplinar imprimido na análise em função da equipe técnica envolvida.
Este trabalho pretende contribuir de forma marcante
para um planejamento mais sério e competente no setor de energia hidrelétrica, com a avaliação das ações
econômicas que visam o aproveitamento dos recursos
naturais em benefício da sociedade e das suas influências sobre os recursos e serviços ambientais, sob
o ponto de vista técnico, econômico, social e ecológico,
direcionando para a adoção de mecanismos de gestão
ambiental mais sustentáveis, evitando o processo de
degradação e contribuindo para a paulatina recuperação da biota e seus ecossistemas.
Avaliação econômico-ambiental
Na avaliação realizada, a bacia cujos empreendimentos
apresentaram os piores resultados, em termos de análise de investimento, ou seja, a bacia do rio Corrente,
possui as melhores condições ambientais e serviços
associados a estas condições. Daí a concluir que o impacto de empreendimentos naquela bacia será maior.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
120 | Análise eMergética e econômico-ambiental aplicadas a estudos de viabilidade de usinas hidrelétricas no corredor ecológico Cerrado-Pantanal
Conseqüentemente, as externalidades dos empreendimentos alocados assumem maiores proporções. Surpreende, no entanto, a enorme possibilidade de prejuízo
oriundo dos investimentos naquela bacia, considerados em seu conjunto.
Neste sentido, os resultados mostraram um aumento das possibilidades de sucesso para empreendimentos localizados em regiões de maior degradação (bacias dos rios Verde e Claro, em especial esta última),
onde a influência dos serviços ambientais é relativamente menor na composição dos custos ambientais.
Esta conclusão nos remete a uma discussão de alocação
ótima de empreendimentos hidrelétricos, apontando
para uma análise da importância ambiental do local
como instrumento importante à tomada de decisão.
Avaliação eMergética
Neste trabalho, procurou-se agregar à análise de viabilidade as contribuições ambientais (ou custos ambientais) decorrentes de apropriação de recursos naturais,
como, por exemplo, solo, brita e perda de produtividade primária das matas ciliares, além das contribuições
como energia potencial e energia química do próprio
rio. Todos os dados foram contabilizados na forma de
matéria (volume/vazão) ou de energia, sem conversão
monetária.
Os resultados apontam como fator preponderante
para a geração de energia hidrelétrica, não somente o
potencial hidráulico, que representa um dos elementos principais na análise da viabilidade deste tipo de
empreendimento, mas também a perda do potencial
químico da água em função da regularização de vazão
do rio. Ou seja, a contribuição representada pela energia química associada à variação sazonal da vazão do
rio é um fator normalmente desconsiderado nas análises tradicionais de custo/benefício, mas que representa, em termos eMergéticos, a principal contribuição na
operação da usina.
Outro fator importante, também pouco considerado
em outras análises é a contribuição dada pela produtividade primária da vegetação inundada pelo reservatório. No caso em questão, esta seria a segunda maior
contribuição do ambiente para a operação da usina.
Em outras palavras, a perda da contribuição química
devido à regularização do regime hídrico, seguida da
perda de produtividade primária da floresta a ser alagada, representam, os principais custos ambientais da
geração de energia hidrelétrica.
A análise de custo benefício, em termos eMergéticos, aponta para um importante fato, a energia
renovável do potencial químico do rio associado à ener-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
gia proveniente da produção primária da vegetação
natural a ser submergida pelos reservatórios, é superior à geração de energia hidrelétrica em todos estes empreendimentos. Quando se retira a energia potencial
química, observa-se que em alguns casos existe um compensação entre custos e benefícios (AHEs Caçu, Barra
dos Coqueiros e Olho D’água), enquanto para os demais casos, à exceção da UHE Couto de Magalhães, não
existe viabilidade em ambas as simulações.
R ECOMENDAÇÕES
A instalação de um empreendimento hidrelétrico, seja
este de maior ou menor porte, altera as condições do
meio no qual se insere. É certo também que outras formas de geração energética possuem seus impactos sociais e ambientais, de natureza distinta, em maior ou
menor grau. A discussão que se pretende alimentar a
partir dos resultados deste estudo, portanto, não está
centrada na questão dos impactos em si, mas sim do
contexto em que tais empreendimentos são decididos.
Como mostrado anteriormente, tudo indica que grandes economias poderiam ser alcançadas caso se investisse decisivamente na gestão da demanda de energia.
Por outro lado, há que se ponderar sobre novos investimentos trazendo a análise para um contexto sistêmico,
inclusive ao se considerar inversões em outras fontes
de energia renovável, como a biomassa, a energia eólica
e a fonte solar. O custo relativo dessas inversões pode
ser alterado significativamente caso se considere os valores associados aos impactos sócio-ambientais das fontes tradicionais.
Num outro aspecto, percebe-se que os empreendimentos hidrelétricos devem estar calçados sobre premissas mais contundentes de sustentabilidade. Os
resultados aqui apresentados mostram que alguns dos
empreendimentos estudados são viáveis e outros não.
No entanto, mesmo os que se apresentam viáveis necessitam de reformulações em suas propostas, mudanças essas que contribuiriam para a redução dos riscos
dos investimentos, além de tornarem os projetos mais
próximos de uma realidade sustentável. Aponta-se ainda a necessidade de uma revisão de métodos para o
processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos hidrelétricos, a qual pode ser alcançada, ao
menos parcialmente, com a criação de uma instituição
de planejamento do setor elétrico, conforme preconiza a reforma do modelo de gestão iniciada pelo Governo Federal.
Sinisgalli, Sousa Jr. & Torres |
Para contemplar a complexidade de análise que
envolve o setor, do ponto de vista da interface econômico-ambiental dos empreendimentos, há que se estender o objeto analisado para um contexto mínimo
de bacia hidrográfica, deixando de lado a idéia de que
uma UHE pode ser avaliada isoladamente. A análise
pode se ampliar para o contexto regional e até mesmo
nacional, de acordo com o porte do empreendimento.
De forma geral, este estudo mostrou que se devem
melhorar as análises realizadas tanto em nível de estudos de inventário, quanto de viabilidade, e os estudos
ambientais pertinentes. Além deste fato, os estudos
ambientais devem permitir a incorporação das externalidades de caráter social e ambiental, para que a sociedade como um todo tenha garantia da eficiência do
investimento, seja ele público ou privado. Portanto, há
que se investir em estudos que permitam apontar valores ambientais ainda não considerados, de forma que
as análises de investimento, do ponto de vista da sociedade, sejam as mais completas possíveis e que fique
explícita a socialização de custos decorrentes da expansão econômica.
Sem prejuízo das discussões e colocações anteriores, aponta-se sucintamente as seguintes considerações
com relação aos empreendimentos nos rios Corrente,
Verde e Claro:
• Recomenda-se realizar uma revisão simultânea da
divisão da queda (inventário) dos três rios, com base
no Manual da ELETROBRÁS, ajustando e atualizando
os custos para adequá-los às condições atuais do mercado. Deveria se refeito o estudo de inventário do
rio Corrente para reavaliar a disposição dos seus aproveitamentos. Esta conclusão é corroborada pelas
análises econômica-ambiental e eMergética realizadas para este rio, que concluiu pela inviabilidade dos
AHEs propostos para esta sub-bacia;
• Os empreendimentos da bacia do rio Verde (AHEs
Salto e Salto do Rio Verdinho), mesmo tendo sido
realizado um estudo de inventário adequado, possuem riscos muito grandes de prejuízos para a sociedade e para o ecossistema local, como apontado
nas análises econômica-ambiental e eMergética, e
deveriam passar por criteriosa revisão;
• Os empreendimentos da bacia do rio Claro (AHEs
Caçu e Barra dos Coqueiros), apesar de se mostra-
121
rem viáveis na análise econômica-ambiental e eMergética, necessitam apresentar estudos ambientais de
maior qualidade e rigor. A viabilidade destes empreendimentos se deve mais ao estado de degradação
atual da bacia do rio Claro, fazendo com que os impactos ambientais se apresentem menos vultosos,
do que à qualidade dos próprios projetos.
• Tanto os estudos de inventário como os de viabilidade deverão ser acompanhados dos estudos ambientais correspondentes, com maior atenção aos efeitos
dos reservatórios sobre a cobertura vegetal hoje remanescente em contiguidade aos cursos d’água naturais, avaliando-se a potencialidade dos mosaicos
resultantes em relação ao suporte e intercâmbio da
fauna e da flora local e regional.
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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aneel.gov.br (acessado em novembro de 2001).
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CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). 200. Custo
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ELETROBRÁS (Empresa Brasileira de Energia Elétrica). 2004.
Evaporação líquida em reservatórios hidrelétricos. Disponível em: http://www.eletrobras.gov.br (acessado em junho de
2004).
Huang, S.L. & H.T. Odum. 1991. Ecology and economy: emergy
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May, P. H., F.C. Neto & C.A. Passos. 2003. Estudo de viabilidade
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Odum, H.T. 1994. Ecological and general systems: an introduction
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MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
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O fortalecimento da defesa contra crimes
ambientais: análise econômica do sistema de
implementação legal na Mata Atlântica do
Brasil
ANITA SUNDARI AKELLA1
HELOÍSA ORLANDO2
MARCELO ARAÚJO2
JAMES B. CANNON4
1
2
3
*
FLORA International Environmental Consulting, Washington D.C.
Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia – IESB, Bahia, Brasil.
Center for Conservation and Government, Conservation International, Washington D.C.
e-mail: [email protected]
RESUMO
A Mata Atlântica brasileira é uma das áreas naturais mais ricas e ameaçadas de todo o mundo,
sendo que da sua área original de distribuição, apenas 7,4 % permanecem florestadas. Desde a
Constituição da República de 1988, este bioma tem sido protegido por sucessivas leis, decretos e normas regulatórias, no entanto, as ameaças ainda persistem de forma cada vez mais
destrutiva. Na tentativa de encontrar meios de transformar esta situação, o presente estudo
buscou analisar a efetividade do sistema de aplicação da legislação ambiental no Sul da Bahia,
uma das regiões mais prioritárias para a conservação da Mata Atlântica. Uma vez identificados
os órgãos integrantes do sistema de fiscalização e as suas responsabilidades, o estudo se
utilizou de modelagem econômica para analisar a efetividade dos procedimentos adotados
por cada órgão e, em cada etapa do processo de implementação da legislação florestal. Os
resultados apontam para um baixo desempenho do sistema como um todo, devido a uma
série de fatores, destacando-se a fraca articulação entre os diferentes órgãos que compõem o
sistema de fiscalização e aplicação dos ilícitos, a burocracia excessiva dos procedimentos, a
falta de um programa de capacitação continuada, ademais da inexistência de mecanismos
para o gerenciamento integrado de dados e o monitoramento do desempenho.
ABSTRACT
Brasil’s Atlantic Forest is one of the richest and most threatened natural areas on the planet, with
only 7.4% of its original forested area remaining. Since the writing of Brasil’s Constitution in
1988, this biome has been protected by a series of laws, decrees, and regulations. Yet, this ecosystem
remains threatened by persistent and increasingly destructive forces. In an attempt to find a way
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
○
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
123
to transform this situation, the present study analyzed the effectiveness of enforcement of
environmental legislation in Southern Bahia, one of the most high-priority regions for conservation
in the Atlantic Forest. After identifying the agencies comprising the enforcement system and
their responsibilities, the study used an economic model to analyze the effectiveness of the
processes used by each agency in each step of the the enforcement chain. The results indicate a
series of factors that contribute to the very poor performance of the overall system. Among
them are: weak cooperation between the different agencies that comprise the enforcement system,
excessively bureaucratic procedures, lack of ongoing capacity-building programs, and the lack
of mechanisms for integrated data management and performance monitoring.
I NTRODUÇÃO
Organizações conservacionistas que trabalham em áreas
protegidas e em seu entorno tiveram sucesso no estabelecimento de parques e reservas e vêm trabalhando
com comunidades, governo e demais atores envolvidos no processo para assegurar a integridade das áreas
protegidas e da paisagem como um todo. Ainda assim,
a falta de aplicação adequada das normas e regulamentos sobre as unidades de conservação e manejo de recursos naturais é um dos problemas mais sérios enfrentados para conservação da biodiversidade nos trópicos.
Muitas unidades de conservação ainda estão sujeitas ao
impacto das atividades agrícolas, extrativismo de produtos florestais, caça ilegal, corte de madeira e outras
atividades econômicas que prejudicam o valor da biodiversidade. Mesmo naqueles casos em que certos usos
diretos são permitidos – tais como nas reservas extrativistas ou nas zonas de uso múltiplo – tem sido difícil
conciliar essas atividades com aquelas permitidas pela
regulamentação. São freqüentes os casos em que proprietários de recursos ou comunidades locais apóiam esforços de proteção dos habitats naturais, mas, mesmo
assim, essas áreas continuam sob risco de degradação
por ação de pessoas alheias a essas comunidades.
Podem surgir dificuldades ainda que existam normas
claramente definidas para o manejo de recursos naturais e agências governamentais estaduais ou federais
destinadas à sua efetiva aplicação. Apesar de intervenções de conservação que compensem atividades destrutivas ou uso ilegal da terra – instrumentos com base
em mercado, mecanismos indenizatórios, acesso a crédito e assistência técnica, e assim por diante – serem
muito importantes, essas atividades, por si só, não podem garantir a efetiva conservação se não existirem
mecanismos eficientes que possam desestimular o
descumprimento de leis ambientais.
Quando de sua elaboração, a legislação ambiental
deveria levar em conta o contexto social em que foi
inserida e sua aplicação deveria ser justa e eqüitativa.
Uma vez promulgada, no entanto, elas devem ser executadas de forma eficaz. A simples existência de leis
que estabeleçam normas ambientais, fronteiras de áreas
protegidas ou a presença de autoridades encarregadas
de executá-las não garante uma prevenção eficiente.
Muitos sistemas de aplicação da lei em países com rica
biodiversidade são ineficientes e ineficazes e assim,
constituem-se instrumentos de prevenção bastante fracos. Quando um sistema de aplicação da lei não faz um
bom trabalho de identificação e punição de destruidores do meio ambiente, ele não cria um desincentivo
forte contra o cometimento dessas infrações. Em suma,
quando as pessoas acreditam que a probabilidade de
ser apanhado ou processado por desmatamento ilegal ou caça em área protegida é pequena, elas continuarão a realizar essas atividades, ignorando leis e
normas. Nesse contexto, fica difícil assegurar que resultados positivos de conservação da biodi-versidade
poderão dar resultado, mesmo em caso de intervenções cuidadosamente planejadas e implementadas.
Mas, se é possível confiar que um sistema de aplicação da lei constitui desincentivo para atividades ilegais ou destrutivas e, ao mesmo tempo, existem incentivos positivos para a proteção e uso sustentável
dos recursos naturais, a probabilidade de sucesso da
conservação é ampliada.
Os seguintes fatores podem contribuir para a ineficiência de um sistema de aplicação da lei:
• Falta de treinamento dos agentes responsáveis pela
aplicação da lei e falta de compreensão das normas
e regulamentos que regem o uso de recursos;
• Falta de colaboração entre as agências de detecção
dessas atividades e demais setores governamentais
também envolvidos na execução das leis ambientais
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
124 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
(tais como, agentes de fiscalização, investigadores
de polícia, promotores de justiça, juízes, etc);
• Falta de infra-estrutura ou tecnologia básicas necessárias ao monitoramento de atividades ilegais (tais
como veículos, rádio comunicadores);
• Escassez de pessoal e muitos poucos agentes disponíveis para cobrir grandes áreas; e
• Falta de vontade política para fazer valer regulamentos ambientais ou corrupção das agências governamentais encarregadas da aplicação da lei.
Um aspecto crucial que complica os esforços para
melhorar as condições de aplicação da lei é a falta de
conhecimento sobre como avaliar seus sistemas e
aperfeiçoá-los de forma economicamente eficiente. Na
falta de uma avaliação completa e sistemática poder-seia concluir que, por exemplo, a qualidade das atividades
de execução da lei poderia ser significativamente melhorada com a simples contratação de mais guardas florestais ou com a compra de mais veículos. Entretanto,
isso pode não ser o investimento mais produtivo, ao
passo que investimentos em outras áreas da aplicação
da lei – tais como garantir que multas sejam efetivamente cobradas quando devidas – poderiam ser mais eficazes na prevenção de crimes ambientais.
A verificação dos pontos fracos de um sistema específico de aplicação da lei e a identificação de quais os
investimentos mais produtivos e que poderiam gerar
maiores ganhos para o desempenho de atividades
executórias, podem ser grandes desafios. A “Economia
de aplicação da lei”, um ramo da Economia originalmente surgido de esforços para compreender os fatores que influenciam a decisão de uma pessoa cometer
ou não um crime (Becker, 1968), propicia uma estrutura teórica simples e lógica, que é útil para a análise de
cada componente do “sistema de aplicação da lei”, de
forma que os componentes fracos desse sistema
executório possam ser identificados e atendidos.
Entre 2000 e 2001, a Conservation International (o
Programa de Economia de Recursos Naturais) e o Instituto de Estudos Sócioambientais do Sul da Bahia (IESB),
analisaram o desempenho de atividades de aplicação
da lei em 72 municípios da Mata Atlântica do Sul da
Bahia, utilizando um modelo econômico de implementação legal (Enforcement Economics Model)1. Nesta região,
a falta de acesso a dados quantitativos mantidos nas
agências governamentais de aplicação legal (agências
1
de fiscalização, o Ministério Público e o judiciário) dificultou as tentativas de utilização do modelo quantitativo. Entretanto, o uso da estrutura do modelo econômico para analisar quantitativamente o desempenho das
atividades de aplicação da lei, gerou uma compreensão
importante sobre os pontos fracos existentes no atual sistema de implementação legal, e indicou medidas claras
que poderiam ser tomadas para melhorar a efetividade
do sistema na região, de forma imediata e a custo baixo.
B ASES
TEÓRICAS
Descrição do modelo quantitativo
Economistas voltados para a questão da aplicação da
lei determinaram que o “valor” repressivo de um sistema normativo é equivalente ao da Equação (1):
Desincentivo criado pela aplicação da lei =
Pd × Pa|d × Pp|a × Pc|p × Multa × e- rt (1)
Onde:
P = probabilidade
d = detecção
a|d = autuação decorrente da detecção
p|a = processo judicial decorrente da autuação
c|p = condenação decorrente do processo judicial
e = constante matemática, a função exponencial de 1
r = taxa de juros
t = tempo decorrido entre a detecção e a multa
Neste modelo, desenvolvido por Sutinen (1987), assumimos que a freqüência e a intensidade de comportamentos ilícitos são proporcionais aos lucros líquidos
advindos desse comportamento ilícito. Se o lucro bruto do comportamento ilícito for superior ao valor esperado do desincentivo gerado pela aplicação da lei –
ou seja, se os infratores das leis ambientais acreditarem que seus lucros serão maiores do que o que eles
teriam que pagar por terem descumprido a lei – então
o lucro líquido do ato ilícito é positivo e os infratores
optarão por cometer o crime. Da mesma forma, se o
valor esperado do desincentivo criado pela aplicação
da lei for suficientemente alto para tornar negativos os
lucros líquidos decorrentes da atividade ilegal, eles
optarão por não cometer o crime.
Este trabalho foi financiado pelo Programa de Biodiversidade no Desenvolvimento Regional (BiRD) da US Agency for International Development
(USAID)
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
Como indicado na equação acima, o valor do desincentivo ao cometimento de um crime ambiental é equivalente à probabilidade da ocorrência de cada um dos
passos do processo legal de repressão, multiplicado
pelo valor da multa, descontado do tempo decorrido
entre a detecção e o pagamento da multa. Este modelo
oferece quatro elementos de informação particularmente interessantes sobre os sistemas de aplicação
da lei:
1. Sistemas de aplicação da lei são holísticos por natureza e devem ser concebidos e tratados como tal. O
valor de desincentivo gerado por um sistema de aplicação da lei se deve não apenas à eficiência com que
os agentes responsáveis por cada elemento da cadeia de aplicação da lei fazem seu trabalho individualmente, mas também ao grau de eficiência com
que essas agências funcionam juntas, como sistema.
O sucesso do sistema, como um todo, está limitado
pelo desempenho do seu elemento mais fraco.
2. O exame individual dos elementos de um sistema de
aplicação da lei nos ajuda a identificar exatamente
em que trecho do processo – e em que departamento – se localizam os pontos fracos da cadeia.
3. Se a probabilidade – ou mesmo a percepção da probabilidade – de qualquer um desses elementos for
igual a zero, então o valor da cadeia como um todo
fica reduzido a zero, e o sistema de aplicação da lei
não apresenta qualquer desincentivo à violação da
legislação ambiental.
4. O fator tempo é importante pois cada ano descontado entre a detecção e o pagamento da multa reduz
substancialmente (a) o valor da multa para o infrator, (b) o valor, em termos gerais, do desincentivo
gerado pelo sistema de aplicação da lei, e (c) o desincentivo para o cometimento de crime ambiental.
Assim, a determinação do desincentivo criado por
um sistema de aplicação da lei exige que se faça o cálculo das probabilidades de detecção, autuação, processo
judicial e condenação. Ou valores observados ou valores percebidos das probabilidades podem ser usados
para essa determinação – a primeira informa o valor
real do desincentivo propiciado pela aplicação da lei,
enquanto o segundo nos indica o valor esperado do
desincentivo gerado (aos infratores) pela aplicação da
lei. As probabilidades observadas podem ser determinadas por meio da coleta de dados de registros oficiais
do índice de detecção e assim por diante. As probabilidades percebidas são determinadas por meio do uso
de levantamentos e questionários sócio-econômicos.
125
Poder-se-ia argumentar que a percepção das probabilidades seria uma indicação melhor do valor do desincentivo do que as probabilidades observadas, pois
os infratores de leis agem com base em sua percepção
do quão eficiente é o sistema de aplicação das leis. Mas
os dois estão intrinsecamente ligados porque a percepção sobre a funcionalidade do sistema poderá mudar
no curso do tempo em razão de observações sobre
como o sistema efetivamente funciona. O ideal é se ter
ambas as informações, pois isso facilita a análise – tanto de onde estão os pontos fracos na cadeia de aplicação da lei quanto de como a percepção das pessoas
sobre o sistema de aplicação da lei afeta seu comportamento. Além disso, em casos nos quais a falta de dados
impede o cálculo de probabilidade observada, a probabilidade percebida pode ser usada razoavelmente bem
como substituta. Entretanto, é raro termos ambas as
informações disponíveis.
Em muitos casos, a obtenção dos dados necessários
à aplicação do modelo quantitativo pode ser difícil.
Departamentos encarregados da aplicação da lei podem proibir o acesso a registros oficiais de execução
das leis, pois eles são vistos como dados sensíveis e
potencialmente prejudiciais a esses departamentos. Por
outro lado, pode ocorrer que os registros oficiais de
aplicação da lei sejam mantidos em condições tão precárias que a obtenção de dados acurados que possam
ser usados para calcular as probabilidades observadas
fica praticamente impossível. As dificuldades em se
desenhar formatos de pesquisas e questionários que
capturem corretamente as informações necessárias ao
cálculo de probabilidades percebidas torna essa alternativa igualmente desafiadora.
De todo modo, mesmo nos casos em que a coleta de
dados quantitativos não é possível, o modelo econômico de aplicação da lei pode fornecer uma excelente
estrutura analítica. A premissa subjacente do modelo –
de que o sucesso ou fracasso de um sistema de aplicação da lei se funda, em termos gerais, na implementação
eficaz de cada um dos passos da cadeia de aplicação da
lei – pode orientar o processo de obtenção de opiniões
de especialistas e provas subjetivas para uma análise
qualitativa. O exame detalhado do desempenho de cada
passo do sistema – com base em informações de informantes-chave, inclusive agentes de campo, promotores e outros especialistas – não produzirá um cálculo
numérico do desincentivo criado pela aplicação da lei,
mas permitirá a compreensão precisa do grau de eficiência de um sistema de aplicação da lei na prevenção
de crimes ambientais.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
126 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
Determinantes da qualidade da aplicação da lei
Embora o modelo quantitativo identifique quais as
menores probabilidades no sistema da aplicação da lei,
ele não determina o porquê dessas probabilidades serem baixas. As determinantes da qualidade da aplicação da lei são fatores que influenciam a eficiência do
cumprimento das atividades de aplicação da lei e, assim, afetam as probabilidades de detecção, autuação,
processo judicial, condenação e penalização. Por exemplo, a probabilidade de detecção é determinada não
apenas por fatores óbvios tais como o número de guardas florestais ou a disponibilidade de equipamento, mas
também por fatores menos evidentes tais como salários e estruturas de incentivos para agentes de proteção
ambiental. Cada elo sucessivo no sistema de aplicação
da lei pode ser analisado de forma similar, para identificar fatores que contribuem para o mau desempenho
daquele componente. A título de exemplo, temos abaixo uma lista parcial das determinantes da qualidade da
aplicação da lei especificamente realcionados a cada
elo da cadeia de sua execução:
• A probabilidade de detecção está relacionada aos
salários ou prêmios destinados à guardas florestais,
agentes de proteção florestal e pesqueira, disponibilidade de equipamentos, número de pessoas encarregadas da detecção de crimes ambientais e a eficiência
desse pessoal;
• A probabilidade de autuação decorrente da detecção
está relacionada aos salários da polícia e estrutura de
recompensas, disponibilidade de equipamentos,
qualidade das provas e das percepções sociais sobre
o crime;
• A probabilidade de instauração de processo judicial
decorrente de autuação está relacionada aos incentivos aos membros do Ministério Público, à capacidade
do sistema judiciário e daqueles que nele trabalham
para o processamento e entendimento de crimes ambientais, à definição sobre se o ato ilícito é de natureza civil ou criminal, às atitudes sociais em relação
ao crime e à qualidade da prova;
• A probabilidade de condenação decorrente de processo judicial está relacionada aos incentivos aos
juízes e magistrados, à capacidade do sistema judiciário, à natureza do crime, às atitudes sociais em
relação ao crime e à qualidade da prova; e
• A análise das determinantes da qualidade da aplicação da lei explica o porquê de a aplicação da lei ser
fraca, complementando análises quantitativas sobre
aonde está o elo fraco na cadeia da aplicação da lei.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
I MPLEMENTAÇÃO
DO MODELO ECONÔMICO DE
APLICAÇÃO DA LEI NO SUL DA B AHIA
Contexto Regional
A Mata Atlântica brasileira, situada ao longo da Costa
Atlântica, densamente povoada no Brasil, é um dos
pontos críticos, os chamados hotspots mundiais de
endemismo e diversidade de plantas e animais. Inúmeros estudos comprovam que esse ecossistema abriga
um impressionante número de espécies nativas não
encontradas em qualquer outro lugar do mundo (Alger
& Caldas 1994; Galindo-Leal & Câmara, 2003). Atualmente, restam menos de 8% da Mata Atlântica original
(Galindo-Leal & Câmara, 2003). Fragmentos de floresta
primária localizados em uma área aproximada de 14.000
quilômetros quadrados no Sul da Bahia fazem dela um
dos mais ricos centros de endemismo da Mata Atlântica e o único habitat remanescente de uma grande variedade de espécies de plantas e animais, inclusive dos
primatas ameaçados Leontopithecus chrysomelas (micoleão-de-cara-dourada) e Cebus xanthosternos (macacoprego-de-peito-amarelo).
As características do meio físico regional e os padrões de desenvolvimento social em vigor no sul da
Bahia são em grande parte responsáveis pelos significativos trechos remanescentes da Mata Atlântica, que
dão a essa região esse tão grande valor para a biodiversidade.
Entretanto, esse ecossistema vem sendo constante
e severamente ameaçado desde os anos 1960. Embora
a produção de cacau (Theobroma cacao) tenha sido, desde o século 19, uma importante atividade econômica
na região, grandes proprietários de terra tinham proporcionalmente mais matas do que cacau até a década
de 60. Nessa década, o governo brasileiro começou a
oferecer incentivos para a expansão do cultivo do cacau no sul da Bahia, esperando beneficiar-se dos altos
preços mundiais. Por volta de 1980, mais de 400.000
hectares de florestas dessa região haviam sido convertidos para cacau (Alger & Caldas, 1994).
Desde o início da década de 1990, a queda dos preços
mundiais do cacau, a entrada de produtores de cacau
com baixos custos no mercado mundial e o aparecimento de uma devastadora doença causada por fungos, conhecida como vassoura-de-bruxa (Crinipellis
perniciosa) levou a um expressivo declínio da produção
do cacau baiano. Esse declínio foi ainda intensificado
pela degradação de fragmentos de florestas primárias
e secundárias na região. Para cobrir seus débitos, plan-
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
tadores de cacau começaram a buscar outras atividades econômicas – que incluem café a pleno sol, pecuária e o indefectível corte de madeira2. De acordo com
Alger & Caldas (1994), “Plantadores sem fontes alternativas de recursos, mas com florestas, provavelmente
verão no corte de madeira uma fonte de receita na
medida que os preços do cacau ficaram estagnados.”
Um relatório preparado em 2001 para o Critical
Ecosystem Partnership Fund dá conta de que, “Em 1985,
empresas madeireiras extraíram 225.000 metros cúbicos de madeira no Sul da Bahia, quase 75 por centos
dos quais de maneira ilegal. Em 1994, um estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioambientais do Sul
da Bahia (IESB) indicou que todas as empresas madeireiras com permissões nessa região operavam em áreas
que continham espécies da fauna em perigo de extinção.
Em 2001, 315 planos de manejo aprovados foram avaliados por um comitê de especialistas e somente trinta
e dois foram considerados adequados. Além disso, empresas madeireiras, legais ou não, permanecem ativas
no Sul da Bahia e indicam evidente expansão de 2000
para 2001” (CEPF, 2001).
A medida em que os plantadores de cacau demitiam
a maior parte de seus empregados assalariados, crescia sensivelmente o número de trabalhadores rurais sem
terra na região. Após isso, a ocupação de áreas florestais em propriedades particulares ou áreas protegidas
também aumentou. Como elas têm os solos mais pobres, as áreas de florestas primárias são normalmente
as menos contestadas o que as torna o alvo lógico de
agricultores sem terra. Os tempos economicamente difíceis, nos últimos dez anos, vêm intensificando a pressão sobre o desmatamento por parte dos sem-terra na
busca de cultivo de subsistência (Alger & Caldas 1994).
Esses fatores combinados contribuíram para o crescente nível de ameaça aos fragmentos de florestas remanescentes no sul da Bahia.
Metodologia
O estudo do modelo econômico de aplicação da lei no
sul da Bahia, realizado entre março de 2000 e janeiro
de 2001, concentrou-se nas análises da efetividade dos
procedimentos desenvolvidos pelo Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
– Ibama, no âmbito da legislação aplicada ao corte e
desmatamento ilegal (corte de madeira e desmatamen-
2
3
127
to de áreas de floresta por meio de derrubadas ou queimadas). A decisão de nos concentrarmos no Ibama foi
tomada porque essa é a agência federal que há mais
tempo tem responsabilidade pela fiscalização ambiental no Sul da Bahia e isso significa que ela lidera o processo de estruturação dos esforços de aplicação da lei
ambiental na região. Desmatamento ilegal foi escolhido como foco porque é o crime florestal mais comum
no sul da Bahia, representa a maior ameaça às áreas
protegidas e suas áreas circunvizinhas, sendo o mais
importante desafio para a construção dos corredores
ecológicos que serão críticos para a conservação da
biodiversidade na região.
A análise do modelo econômico de aplicação da lei
se concentrou em uma área composta por 72 municípios no sul da Bahia, usando dados de infrações cometidas entre os anos 1995 e 2000. Essa região foi selecionada porque contém importantes áreas protegidas
e substanciais fragmentos de florestas.
A estrutura analítica estabelecida para o modelo econômico da aplicação da lei – a decomposição do sistema de aplicação da lei nos distintos elementos que o
compõem e a análise individual de cada um deles – foi
um guia útil e instrutivo para a coleta de informações
quantitativas em cada passo da cadeia da aplicação da
lei.3 Foram obtidas informações quantitativas por meio
de uma série de entrevistas semi-estruturadas com pessoas-chave na sede do Ibama em Salvador, Ilhéus, Porto
Seguro, Eunápolis, Parque Nacional do Descobrimento, e Brasília. Foram feitas também outras entrevistas
com pessoas-chave do Ministério Público Estadual e Federal que têm amplo conhecimento dos sistemas jurídicos nos quais se processam crimes ambientais. Essas
entrevistas geraram mais compreensão sobre onde estão os pontos fracos das esferas administrativa e judiciária da cadeia da aplicação da lei. Os dados e análises
apresentados neste trabalho foram parcialmente retirados do relatório de consultoria escrito pelo co-autor
deste estudo (Orlando et al, 2001).
Em 2001, com base na metodologia do modelo econômico de aplicação da lei desenvolvido para este estudo, um estudante de direito da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) estudou detalhadamente a
parte atinente à esfera judiciária da cadeia da aplicação
da lei. A pesquisa concentrou-se na análise de dados de
promotorias públicas e de autos de processos nos fo-
Embora essas atividades respondam pela massa de novas perdas de florestas, elas afetam primordialmente as florestas secundárias.
A equipe de pesquisa foi impedida de acessar dados suficientes para realizar a pesquisa quantitativa do modelo econômico da aplicação da lei.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
128 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
ros de Ilhéus, Itabuna, e Una para identificar os pontos
fracos naquele trecho da cadeia da aplicação da lei que
vai do início do processo judicial até a penalização.
Dados quantitativos foram reforçados por informações
qualitativas, por meio de entrevistas semi-estruturadas, que foram conduzidas para que se ampliasse a
compreensão dos motivos subjacentes dessas ineficiências em pontos-chave do processo. Os resultados
desse estudo reforçaram, em grande medida, as determinações feitas em nossas análises iniciais, e também resultaram em um maior entendimento sobre o
porquê de existirem pontos fracos na esfera judicial
da cadeia da aplicação da lei. Os resultados completos desse estudo específico (Carvalho 2001) foram publicados separadamente e são referidos no decorrer
deste relatório.
Estrutura do sistema de aplicação da lei no Sul da Bahia
A aplicação da metodologia determinada pelo modelo
econômico de aplicação da lei no Sul da Bahia necessitava, num primeiro momento, a compreensão da estrutura do sistema de aplicação da lei na região – os
passos que o compõem e as agências e instituições responsáveis por cada etapa da cadeia da aplicação da lei.
Esse processo permitiria a adaptação do modelo econômico genérico de aplicação da lei para a realidade específica do Sul da Bahia e permitiria a identificação das
fontes das informações sobre cada uma dessas etapas.
Os procedimentos administrativo e judicial através
dos quais os crimes ambientais tramitam pelo sistema
de aplicação da lei são complexos. A Figura 1 é uma
representação simplificada dos principais tipos de processos do sistema.
De um modo geral, o sistema de aplicação da lei está
dividido em dois procedimentos: um procedimento
administrativo, que acontece internamente no Ibama,
e um procedimento judicial que começa com Ibama e
aí se desenvolve no Ministério Público Federal ou Estadual e nos tribunais, dependendo da natureza do crime
ambiental. Se a infração se qualifica como um crime
ambiental, então pode ser instaurado um processo criminal (judicial) na vara apropriada enquanto um processo administrativo se desenrola simultaneamente no
Ibama.
O sistema de aplicação da lei tem início com a detecção do corte e desmatamento ilegal (infração analisada
neste caso). A detecção pode ocorrer de duas formas:
quer por meio de denúncia formal quer durante as atividades rotineiras de monitoramento no campo. Denúncias podem ser formalizadas no Ibama por qualquer
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
parte interessada, por meio do “Disque-Denúncia”,
linha telefônica gratuita, ou pode ser feita em qualquer
sede do Ibama. Uma vez feita a denúncia de um crime
ambiental, os funcionários do Ibama devem dirigir-se
ao local da alegada ocorrência do crime, para confirmar o ocorrido. Caso os agentes do Ibama se deparem
com atividades de desmatamento ilegal durante ações
rotineiras no campo – corte de árvores sem licença, ou
sem a licença regular, ou queimadas, eles devem também investigar a atividade.
Uma vez detectado o ilícito, os agentes do Ibama
têm duas opções, enquanto ainda estão no local: fazer
uma advertência, sem maiores conseqüências (procedimento mais comum quando a violação não é grave e
o infrator é primário) ou fazer uma autuação formal
para responsabilizar o infrator pela atividade ilegal por
meio de um auto de infração. A autuação deve incluir
dados sobre o ilícito e o infrator: nome, local da infração, data, natureza, multa a que a lei sujeita essa atividade ilegal e quaisquer provas (fotos, depoimentos de
testemunhas) que possam ser usadas para instruir o
processo. Ocorrendo uma detecção em flagrante, os
agentes do Ibama têm autoridade para impor sanções
imediatas, inclusive (1) confisco de materiais ilegalmente colhidos, equipamentos e veículos; (2) suspensão da licença, caso o infrator tenha permissão para
fazer corte de árvores ou desmatamento, mas esteja
praticando atos além do permitido; ou (3) suspensão
das atividades comerciais por meio do confisco ou
desligamento de equipamentos usados na atividade
ilegal.
Uma vez formalizada a autuação e registrada na sede
do Ibama mais próximo do local do delito, a infração
se torna um caso oficial e será transformada em processo administrativo ou judicial (conforme indicado
acima, processos judiciais são instaurados em casos classificados como “crimes” pela lei penal).
Como já dissemos, o processo administrativo se realiza integralmente no Ibama. Uma vez registrada a
autuação no Ibama mais próximo do local do crime
(Ilhéus, Teixeira de Freitas, ou Eunápolis), o chefe local
analisa todas as autuações e as encaminha à sede regional do Ibama em Salvador. Uma vez em Salvador, os
casos são distribuídos por um protocolo geral e encaminhados então ao Departamento de Controle e Fiscalização (DICOF) do Ibama. O processo é então enviado
à Sub-Área de Arrecadação (SAR) do Ibama para que
seja preparada a notificação de multa. Uma vez feita a
notificação, o infrator terá vinte dias para oferecer sua
contestação ou recorrer da autuação. Em caso de re-
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
129
FIGURA 1 – Fluxograma do processo da aplicação da lei no sul da Bahia.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
130 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
curso, o processo é enviado à Divisão Jurídica (DIJUR)
do Ibama, que analisa as provas, e tem trinta dias para
decidir sobre esse recurso. O infrator terá então vinte
dias para recorrer da decisão. Se for necessário, a decisão poderá ser revista em instâncias sucessivas ou
encaminhada para perícia técnica das questões controversas. Uma vez confirmado, o processo é devolvido à
SAR, que é responsável pela cobrança da penalidade imposta ao infrator. Não há qualquer pagamento de multa
até que todas as questões controversas tenham sido solucionadas.
O processo judicial se inicia mediante o envio de
cópia da autuação, pelo Ibama em Salvador, ao Ministério Público Federal, em Salvador.4 Os detalhes dos
procedimentos envolvidos na transferência do caso do
Ministério Público Federal em Salvador para as mãos
do procurador ou promotor competente, no local do
crime, serão discutidos e suas implicações exploradas
mais adiante. Quando o caso chega às mãos da promotoria pública do foro onde ocorreu o crime, o promotor
avalia as condições do caso contidas no auto de infração. Se o caso não é suficientemente sólido, o promotor
pode solicitar à polícia que faça outras investigações
para coletar provas mais contundentes e dar continuidade aos procedimentos. Se o caso merecer um processo judicial o promotor preparará uma peça com uma
proposta de condenação e aplicação de pena, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais. Em alguns casos,
dependendo do tipo de crime ambiental, o processo
judicial pode ser objeto de uma oferta de transação
penal ao infrator. A aceitação dessa transação penal
representa, na prática, uma condenação, e a pena será
estabelecida de acordo com a lei, pelo juiz que presidir
o processo. No caso de crimes em que a lei não permite a possibilidade de transação penal, ou se o infrator
rejeita o acordo oferecido, o caso será levado a julgamento pelo juízo de primeira Instância competente (federal ou estadual, dependendo da natureza e do local
do crime). A condenação será feita pelo juízo de primeira instância e dependerá, em parte, da capacidade
de o juiz sentenciar adequadamente o crime ambiental. Ao definir a condenação do réu, o juiz estabelecerá
a pena com base na interpretação da Lei de Crimes
Ambientais.
4
Modelo econômico de aplicação da lei no Sul da Bahia
O sistema de aplicação da lei nas infrações que são consideradas crimes ambientais – abrangem os passos administrativos iniciais de detecção e autuação, bem como
o processo judicial – foi o foco primordial desse estudo. O processo administrativo que se desenrola no
Ibama não foi pesquisado, até este momento. Passoschave no processo que trata de crimes ambientais foram discutidos, identificados e usados para modificar
o modelo econômico genérico de aplicação da lei e
ajustá-lo às peculiaridades do contexto do sul da Bahia
(esses passos representam os quadros destacados na
Figura 1).
A equação do modelo econômico usado para descrever a cadeia da aplicação da lei no sul da Bahia é o
da Equação 1, descrita anteriormente. Cada um dos elementos da equação abrange uma série de ações que
foram claramente definidas para efeitos de coleta de
dados e análise:
• A probabilidade de detecção é definida como a probabilidade de que os agentes de fiscalização se depararão com atividades ilegais ao acompanhar uma
denúncia formal ou fazer monitoramento de rotina
no campo;
• A probabilidade de autuação é definida como a probabilidade de que um auto de infração por atividade
ilegal seja efetivado por um agente de fiscalização
no campo e registrado no Ibama no local do crime;
• A probabilidade de processo judicial é definida como
a probabilidade de que um caso relacionado a um
crime ambiental seja preparado por um promotor
de justiça e que será admitido num tribunal. Na Bahia,
essa probabilidade é na verdade composta por três
elementos, cada um dos quais deve ocorrer para que
o caso possa ser processado. Primeiro, uma vez formalizado e registrado no Ibama, o auto de infração
deve chegar às mãos do promotor de justiça que tem
a responsabilidade e a competência formal de processar o caso. Segundo, o promotor deve preparar o
caso. Finalmente, o juiz deve admitir esse processo
(essa decisão é baseada na solidez das provas do
processo e outros fatores). A menos que esses três
elementos ocorram, o caso não poderá ser processado. Assim, podemos representar a probabilidade
Esta seqüência de procedimentos administrativos está sob constante modificação, podendo ser alterada facilmente através de portarias
internas dos órgãos. Inclusive, está havendo um entendimento de que, na maioria dos casos, os processos judiciais não precisam ser
encaminhados para o Ministério Público Federal, mas para o Ministério Público Estadual.
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de um processo judicial decorrente de autuação pela
seguinte fórmula:
Pp|a = P1 x P2 x P3
onde:
P1 = probabilidade do auto de infração chegar às
mãos do promotor de justiça competente decorrente de autuação
P2 = probabilidade do processo judicial ser preparado em decorrência do recebimento da auto
de infração
P3 = probabilidade do precebimento do processo
pelo juiz decorrente de sua preparação
Nessa fórmula, assim como na discussão do modelo
geral, é importante notar que caso as probabilidades
de qualquer dos três elementos que compõem o processo judicial seja igual a zero ou tenda na direção de
zero, Pp|a geral será também igual a zero ou tenderá
na direção de zero. Em casos onde é permitida a transação penal, a probabilidade do processo judicial compreende somente os primeiros dois elementos da
fórmula acima;
• A probabilidade de condenação é definida como a
probabilidade de que o juiz que processa o caso decidindo na punibilidade do réu perante o crime ambiental do qual é acusado através da fixação de uma pena.
Em caso de transação penal, a condenação é definida
como a aceitação do acordo pelo réu (e conseqüente
assunção de culpa) e de suas penalidades;
• A penalização é definida como qualquer conseqüência advinda ao infrator como resultado da condenação – seja pena privativa de liberdade, indenização de
danos, confisco de equipamentos, e assim por diante.
Para os efeitos deste modelo, penas não monetárias
foram representadas monetariamente;
• Esta versão da equação do modelo econômico de aplicação da lei, específica para o contexto do Sul da Bahia,
serviu como estrutura subjacente de nossa investigação sobre a qualidade da aplicação da lei na região.
O BSERVAÇÕES
E RESULTADOS DA PESQUISA
Neste capítulo, discutiremos nossas observações sobre
cada elemento da cadeia da aplicação da lei, descrevemos sua força ou fraqueza e exploraremos as razões
dessa força ou fraqueza. As conclusões sobre o desempenho, como um todo, do sistema de aplicação da lei
no sul da Bahia serão apresentados após esta análise
detalhada.
131
Sobre a probabilidade de detecção (Pd)
A baixa probabilidade de detecção de desmatamento
ilegal no sul da Bahia é largamente reconhecida. Se for
detectado algum desmatamento ilegal, geralmente isso
ocorrerá muito após o fato e não será mais possível
identificar o infrator responsável. Embora o Ibama e as
agências estaduais responsáveis pela detecção normalmente citem a falta de pessoal e equipamentos como a
única causa para a inadequação dos esforços de detecção, nossa pesquisa indica que há uma miríade de fatores a contribuir para essa ineficiência. Entre eles estão
o baixo interesse do público em denunciar crimes ambientais por falta de confiança no sistema, a falta de
qualificação dos agentes ou falta de incentivo para
desempenhar suas tarefas de modo eficiente, e a confusão jurisdicional que abre grandes brechas nos esforços de detecção.
FALTA DE INFRA-ESTRUTURA – A alegação das instituições encarregadas da aplicação da lei, de que a
detecção é fraca em razão da falta de pessoal e equipamentos, não pode ser negada. Por outro lado, embora
agências estaduais também encarregadas de realizar atividades de aplicação da lei na região sejam mais bem
equipadas do que o Ibama, existe pouca coordenação
entre o Ibama e essas agências, que também não incorporaram com efetividade estas novas responsabilidades, tradicionalmente identificadas como sendo da
agência federal. Ademais sua origem estadual as torna
mais suscetíveis a pressões contra a punição de crimes
ambientais.
FALTA DE INTERESSE PÚBLICO EM DENUNCIAR CRIMES AMBIENTAIS – Como indicado anteriormente, a
detecção pode ocorrer quando alguém faz uma denúncia
formal ao Ibama. Embora haja um número significativo
de reclamações pela linha direta do “Disque-Denúncia”,
uma entrevista coletiva com pequenos produtores no
município de Una indicou diversos fatores que reduzem
o interesse em relatar atividades ilegais. Em primeiro
lugar, as pessoas não sabem que elas podem denunciar
atividades ilegais anonimamente, não conhecem a linha direta gratuita ou não tem acesso a telefone nas
áreas rurais. Ademais, em decorrência do baixo grau
de confiança que permeia o sistema de aplicação da
lei, elas não costumam denunciar esses crimes. Tanto
grande proprietários de terra com consciência ambiental quanto pequenos produtores manifestaram dúvidas
de que as autoridades envolvidas na detecção realmente acompanhariam os casos de crime denunciados. Os
pequenos produtores tampouco vêem grande valia em
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
132 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
denunciar casos de desmatamento porque eles acreditam que o sistema existe somente para perseguir os
pobres e suas pequenas infrações. Sua percepção é a
de que infratores ricos escaparão absolutamente impunes ou não serão impedidos pelas inócuas medidas
punitivas que acabarão por receber.
FALTA DE CAPACITAÇÃO/INCENTIVOS PARA CUMPRIR
EFICIENTEMENTE SEUS DEVERES – Embora o Ibama
normalmente atribua às dificuldades orçamentárias e
dificuldades de estrutura a ineficiência de detecção, a
falta de capacitação de seus funcionários geralmente
não é mencionada. A falta de qualificação técnica do
pessoal do Ibama é evidenciada, por exemplo, pelo nível de escolaridade. Embora a maioria dos empregados
da agência tenha feito a escola primária, um número
expressivo não completou o ensino médio e ainda menos possuem educação superior. Finalmente, os baixos
salários oferecidos aos agentes do Ibama e o não fornecimento de incentivos adequados para estimular um
bom desempenho faz com que seja difícil atrair pessoal de boa qualidade. Registre-se que recentemente,
o Governo Federal realizou concurso público para preenchimento de vagas para o Ibama, em nível nacional,
na carreira de Analista Ambiental, oferecendo melhores níveis salariais. Contudo, a quantidade de vagas abertas está longe de suprir as carências existentes no quadro técnico do Ibama.
COMPLEXIDADE DO SISTEMA JURÍDICO E ATRIBUIÇÕES DE COMPETÊNCIAS – Em 1998, foi assinado o
Pacto Federativo entre o Ministério do Meio Ambiente e
estado da Bahia, dentre outros. Com o objetivo de descentralizar as responsabilidades de aplicação da lei
ambiental, esse acordo estabeleceu uma divisão de
tarefas entre a agência federal (Ibama) e agências ambientais do Estado da Bahia (Centro de Recursos Ambientais – CRA e Departamento de Desenvolvimento
Florestal – DDF). O pacto disciplinou quais as agências
responsáveis pelo licenciamento de atividades extrativistas em terras com diferentes designações jurídicas
(Propriedade da União, Patrimônio Nacional, Propriedade Estadual etc), mas o Ibama e as agências estaduais
alegam ter havido confusão com respeito a quais agências têm competência para outorgar licenças e embora
este estudo não se dedique a licenciamento de atividades extrativistas, é interessante notar que essas agências alegam também confusão sobre o escopo de suas
responsabilidades de fiscalização no âmbito do Pacto
Federativo. Cada uma das agências tenta atribuir a responsabilidade pela aplicação da lei às demais agências,
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
alegando que a área em questão está fora de sua competência. Como resultado, não existem quaisquer esforços de detecção em grandes áreas do sul da Bahia.
Essa multiplicidade de fatores contribui para a baixa
probabilidade de detecção no sul da Bahia.
Sobre a probabilidade de autuação decorrente de
detecção (Pa|d)
Sem dados quantitativos, foi difícil tirar conclusões
sobre a probabilidade de autuação decorrente de detecção. Dado que preencher um auto de infração é procedimento padrão em caso de detecção, poder-se-ia
razoavelmente assumir que essa probabilidade deveria
ser relativamente alta. Entretanto, a probabilidade de
autuação depende, de fato, do nível de capacidade do
agente de aplicação da lei e do grau de permeabilidade
da corrupção. Se agentes de aplicação da lei têm pouco conhecimento da legislação ambiental básica, eles
podem não ter conhecimento de quais das infrações
são consideradas graves pela lei e podem fazer advertências ao invés de formalizar autuações. A análise
feita no capítulo anterior mostrou que o Ibama não oferece programas de capacitação profissional rotineiros
para seu pessoal, esta falta de treinamento pode ser
um fator que afeta a probabilidade de autuação decorrente de detecção. Ainda que possamos assumir que a
probabilidade de autuação em decorrência de detecção é alta, existem erros persistentes na forma como
essas autuações são feitas, o que afeta o sucesso posterior da penalização de infratores ambientais. A análise de autos de infração pelos promotores de justiça de
Una, Itabuna, e Ilhéus confirmam os resultados de nossa análise preliminar e mostram que:
• As autos de infração são mal preenchidos. Itens essenciais dos autos, tais como o local do crime, nome
do infrator e a natureza do crime são freqüentemente indicados com erro, o que complica os esforços
para processar o caso nos passos posteriores da cadeia da aplicação da lei;
• Os agentes de fiscalização não têm conhecimento
profundo dos crimes ambientais e das tabelas progressivas de multas sendo que freqüentemente não
recomendam as multas corretas às violações que detectam;
• As provas coletadas no local, como evidência que dá
suporte aos autos são freqüentemente inexistentes
ou de má qualidade;
Esses erros geram complicações e contribuem para
as baixas probabilidades de se atingir as fases de processo judicial e condenação na cadeia da aplicação da
lei. Os efeitos específicos dos erros cometidos durante
o estágio de autuação serão discutidos nesses capítulos.
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
Sobre a probabilidade de um processo judicial em
decorrência de uma autuação (Pp|a)
Nossa análise indica que a probabilidade de um processo judicial decorrente de uma autuação também é provavelmente bastante baixa. Como descrito acima, para
os efeitos de refinamento de nossa análise, estruturamos a probabilidade de um processo judicial decorrente
de uma autuação como abrangendo três probabilidades. Para que um caso seja considerado processado com
sucesso, pela nossa definição, todos os três passos devem ter ocorrido. A análise feita neste capítulo está
baseada em informações obtidas de entrevistas com
representantes do Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual e em pesquisas nos escritórios
dos promotores de justiça e procuradoresdos foros de
Una, Itabuna e Ilhéus (Orlando et al., 2001 e Carvalho,
2001).
PROBABILIDADE DE QUE UM AUTO DE INFRAÇÃO
CHEGUE ÀS MÃOS DO PROMOTOR DE JUSTIÇA COMPETENTE EM DECORRÊNCIA DE AUTUAÇÃO – No sul
da Bahia, a confusão sobre competência jurisdicional,
procedimentos conturbados e falta generalizada de
capacitação criam uma situação na qual os autos de
infração podem levar anos para chegar ao promotor
que tenha competência funcional para processar o
133
crime ambiental. Como descrito acima, depois de
registradas no Ibama regional, os autos de infração são
remetidos para o Ibama em Salvador dando seguimento ao seu processo. O Ibama–Salvador é responsável
por remeter as autuações por crimes ambientais ao Ministério Público Federal, ou Ministério Público Estadual
para que se desenrole o processo judicial. Os procedimentos que envolvem um crime ambiental originado
na competência territorial do Ibama em Ilhéus tramitam ao promotor de justiça competente a fim de processar o caso, tal como está descrito na Figura 2 (Carvalho, 2001).
Do Ibama em Salvador, os autos são enviados à Promotoria Federal (parte do Ministério Público Federal)
situada na própria capital. Em alguns casos, o IbamaSalvador envia o caso ao Centro de Apoio Operacional
às Promotorias do Meio Ambiente (CEAMA), que, então, remete os autos ao promotor de justiça competente no local do crime. Quando um caso é enviado ao
Ministério Público Federal em Salvador, o procurador
geral analisa os autos identificando o local do crime,
contudo, não verifica se o crime é de competência federal ou estadual. Ao invés disso, o caso é enviado diretamente ao escritório da Procuradoria Federal mais
próxima do local do crime. Uma vez que o caso chega
ao Ministério Público Federal, ele é analisado para que
FIGURA 2 – Procedimentos para auto de infração chegar até o promotor competente.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
134 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
se determine se é de competência federal ou estadual.
Se o caso não se refere a um crime ambiental cometido
em território da União, o promotor decidirá que a competência é estadual e deverá requerer que o juiz federal se dê por incompetente para decidir o caso, de modo
que o Ministério Público Estadual possa assumí-lo. Da
Vara Federal, o caso é remetido ao foro estadual que,
então, envia o caso ao Ministério Público Estadual (representado por um promotor público estadual), que
então o direciona ao promotor de justiça estadual competente, no local do crime, para que tenha início o processo judicial.
Dados coletados nos municípios de Itabuna, Ilhéus
e Una apóiam a afirmativa de que ineficiências procedimentais resultam em casos nos quais ocorreu a prescrição. Em setembro de 2001, a promotoria pública em
Itabuna recebia autuações por crimes ambientais cometidos nos anos de 1991, 1992 e 1994 – crimes com
penalização máxima de cerca de um ano e prazo prescricional de 4 anos. Embora Carvalho (2001) diga que o
processamento dos autos no Ibama tenha ficado mais
ágil nos últimos anos, conseguir que as autuações percorram todo o procedimento até chegar ao promotor
de justiça competente leva muito tempo. Embora o
envio de casos diretamente do Ibama de Salvador para
o CEAMA possa parecer um modo mais rápido de fazer
com que os casos cheguem ao promotor competente
(já que o CEAMA envia os casos diretamente às comarcas
competentes), tal procedimento leva até 10 meses. Ainda que a probabilidade de uma autuação chegar ao promotor competente seja alta, isso será pouco útil se os
casos chegam com tanto atraso que o próximo passo
do processo judicial fica inviabilizado.
PROBABILIDADE DE UM PROCESSO JUDICIAL SER
PREPARADO EM DECORRÊNCIA DO RECEBIMENTO DE
UMA AUTUAÇÃO – Ao receber os autos, o promotor de
justiça deve analisar as provas coletadas, para então
preparar a denúncia, requerer o arquivamento ou solicitar novas diligências, e, posteriormente, desenvolver
uma proposta para fins de transação penal. Análises
comprovam que uma variedade de questões, também
relacionadas à capacitação de diversos participantes da
cadeia da aplicação da lei, e a atitude do sistema perante crimes ambientais, reduzem as probabilidades de
se iniciar um processo judicial. O fato de os autos chegarem ao promotor de justiça após o decurso do prazo
prescricional já foi descrito. Ainda que os autos acabem
por chegar um dia às mãos do promotor competente,
quando eles chegam tarde demais a probabilidade de
se preparar um caso em decorrência do recebimento
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
dessa autuação é zero. Se essa probabilidade é nula,
então a probabilidade de todo o processo judicial em
decorrência da autuação se torna nula, e o valor preventivo do sistema de aplicação da lei (um valor multiplicativo) também se torna nulo. Autuações que são mal
preenchidas ou contêm provas de baixa qualidade, também impedem o promotor de conseguir preparar um
caso sólido. Outro fator que impede a instauração do
processo judicial é a ausência, em muitos municípios,
de promotores de justiça titulares. Promotores substitutos vêm periodicamente a esses municípios, mas
têm pouco conhecimento da região e pouco incentivo ou desejo de processar casos ambientais antes do
decurso do prazo prescricional. Diante desses fatores,
a probabilidade de um processo judicial ser preparado
em decorrência do recebimento de uma autuação parece ser baixa. No mínimo, pode levar tanto tempo
para que o caso seja efetivamente preparado que,
quando isso acontece, o promotor perdeu as condições para agir.
PROBABILIDADE DE O JUIZ CONHECER UM CASO EM
DECORRÊNCIA DA PREPARAÇÃO DE UM PROCESSO JUDICIAL – A probabilidade de um juiz conhecer um caso
preparado por um promotor deveria ser bastante alta,
pois esse é o procedimento padrão. Entretanto, no sul
da Bahia, existem alguns fatores que afetam esse componente do processo judicial. A decisão de conhecer
de um processo depende da solidez do caso preparado
pelo promotor, a suficiência da prova e a adequação da
peça vestibular proposta. Como já vimos, há poucos
promotores especializados em legislação ambiental no
Brasil. A maioria dos promotores de justiça têm pouco
ou nenhum conhecimento específico de legislação ambiental e não tem condições de preparar casos sólidos
para esses crimes. Isso pode levar juízes a não conhecer esses casos ou indeferi-los.
Por outro lado, da mesma forma que a falta de promotores titulares pode impedir a preparação de um
caso, a falta de juízes titulares pode impedir que um
caso seja admitido para conhecimento. A combinação
desses componentes nos leva a concluir que a probabilidade de um processo judicial se desenvolver em decorrência de uma autuação são bastante baixas.
Sobre a probabilidade de condenação decorrente do
processo judicial (Pc|p)
A probabilidade de se obter condenações por crimes
ambientais é prejudicada pela baixa prioridade dada aos
casos de crime ambiental pelo poder judiciário, e pela
falta de capacitação de promotores e juízes.
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
Condenações podem demorar muito quando não há
disponibilidade de datas para audiências ou de juízes
para apreciar o caso. Recentemente, muitos fóruns foram fechados em municípios do interior e suas pautas
de trabalho transferidas para outras comarcas (Carvalho, 2001). Como resultado disso, as outras comarcas
ficaram sobrecarregadas, fazendo com que seja difícil
conseguir uma data para a audiência. Como os juízes, e
também a maioria dos promotores, são encarregados
de lidar com todos os tipos de casos, eles freqüentemente priorizam outros tipos – por exemplo, casos em
que há réu preso aguardando julgamento . Embora o
atraso no julgamento de um caso não necessariamente
afete na probabilidade de conseguir uma condenação,
atrasos significativos certamente prejudicam a condenação se ocorrer prescrição. Em alguns casos, a condenação pode ocorrer sem audiência (apresentação de
provas, por exemplo), nos casos em que a lei admite a
transação penal e o infrator aceita o acordo. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que a opção pela transação penal pode resultar em ineqüidade social pelo
modo como as condenações são distribuídas entre os
infratores.
As questões identificadas nesta análise – baixa
priorização de crimes ambientais e falta de capacidade
para processar e julgar os casos de crime ambiental –
indicam que a probabilidade de condenação decorrente de um processo judicial é baixa.
Penalidades
Este estudo não se deteve na análise da adequação das
atuais penas estabelecidas pela lei para crimes ambientais ou sua suficiência para atuar como prevenção ao
cometimento de crimes ambientais. Entretanto, podemos fazer algumas observações sobre penalidades.
Em primeiro lugar, penas pecuniárias (multas) quando impostas, parecem ser insuficientes para (1) indenizar o dano causado pelo ato ilícito; ou (2) para agir
como preventivo ao cometimento de crimes ambientais. Entrevistas com produtores, assim como discussões com agentes de fiscalização, promotores e juízes,
transmitem a sensação generalizada de que o crime vale
a pena, seja porque não se chega jamais ao estágio de
imposição da pena seja porque as penas são tão ínfimas. O fato de que infratores reincidentes são encontrados no sistema de aplicação da lei indica que as pessoas não são detidas pela possível penalização.
Embora penas privativas de liberdade possam representar prevenção mais efetiva aos crimes ambientais,
as penas alternativas estabelecidas pela Lei de Crimes
Ambientais tornam altamente improvável que qualquer
135
infrator venha a ser aprisionado. Além disso, penas
alternativas impostas pelo juiz freqüentemente não punem adequadamente o crime – seja porque são excessivamente leves seja porque não possuem relação com
o meio ambiente. Naturalmente, isso é contrário ao
espírito da lei: o conceito de reparação paga deveria se
voltar para a reparação do dano ambiental. Mesmo nos
casos em que se condena à reparação dos danos ambientais, a penalização imposta raramente é suficiente
para indenizar os danos ambientais porque os danos
não foram adequadamente avaliados antes da prolatação da pena (Carvalho, 2001).
O Fator Tempo
A análise anterior, principalmente as discussões relativas ao processo judicial, indica claramente que o fator
tempo contribui criticamente para o enfraquecimento
do valor da prevenção da aplicação da lei no sistema judiciário do sul da Bahia. No processo como um todo,
nenhuma agência ou instituição se destaca por ter uma
agilidade eficiente, e as demoras combinadas de todas
as agências comumente resulta na expiração do prazo
prescricional ou em penalidades não impostas até muitos anos após o cometimento da infração.
Prazos longos entre a detecção e a penalização reduzem a eficiência da aplicação da lei por dois motivos:
1. Em termos práticos, se um caso chega para ser objeto de um processo judicial após a expiração do
prazo prescricional do crime, o processo de aplicação da lei fica efetivamente prejudicado;
2. A variável de desconto no modelo econômico da
aplicação da lei indica que na medida que o tempo
entre a detecção e a penalização aumenta, o valor
do desincentivo gerado pelo sistema de aplicação
da lei diminui.
S ÍNTESE
DOS RESULTADOS
A análise dos dados qualitativos coletados para o estudo do modelo econômico da aplicação da lei no sul da
Bahia indica que existem ineficiências em praticamente
em todas suas etapas. Embora não tenham sido calculados os valores quantitativos precisos de cada elemento
da cadeia da aplicação da lei, os resultados da análise
qualitativa são claros e evidentes. Baixas probabilidades, combinadas com multas inadequadas e processos
muito demorados resultam em um sistema de aplicação da lei frágil e que fornece incentivo inadequado na
prática de crimes ambientais. A renitência do desmatamento ilegal no sul da Bahia corrobora essa conclusão.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
136 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
Um dos pontos mais importantes verificados nessa
análise é o fato de que investimentos para melhoria de
qualquer parte isolada do sistema teria muito pouco
efeito na melhoria do desempenho do sistema como
um todo, pois os demais elementos da cadeia da aplicação da lei continuariam fracos. Além disso, para fortalecer realmente qualquer dos passos que compõe a
cadeia da aplicação da lei, devem ser tomadas providências em diversas frentes.
Esta análise demonstra claramente que embora a falta
de infra-estrutura seja um dos fatores que contribui para
a ineficiência da detecção, absolutamente não é o único fator. A probabilidade de detecção melhorará apenas marginalmente com a melhora da infra-estrutura
pois muitos outros fatores contribuem para que essa
probabilidade seja pequena. Ademais, a probabilidade
de detecção é apenas um passo na cadeia da aplicação
da lei e, fortalecê-la, terá efeito limitado sobre o valor
desincentivador do sistema de aplicação da lei, como
um todo, se outras ineficiências permanecerem em todo
o sistema.
A ineficiência de cada elemento da cadeia da aplicação da lei é tão pronunciada – e resultado de tantos
fatores diferentes – que somente soluções que atuem
em múltiplas frentes e busquem fortalecer múltiplos
elementos ao mesmo tempo, poderão funcionar.
C ONSIDERAÇÕES
FINAIS
A análise minuciosa do sistema de aplicação da lei no
sul da Bahia indica uma série surpreendente de fatores
que contribuem para sua ineficiência. Entretanto, um
estudo mais detido deixará claro que a ineficiência de
cada elemento da cadeia da aplicação da lei está relacionada aos mesmos problemas centrais. Assim, eles
podem ser organizados por temas, a fim de gerar recomendações de atividades que terão impacto positivo
sobre o desempenho da aplicação da lei.
Os principais problemas que contribuem para o fraco
desempenho das atividades de aplicação da lei podem
ser generalizados nas seguintes categorias: questões
orçamentárias, problemas de competência jurisdicional, questões procedimentais, questões de capacitação
e questões de cooperação. Cada uma dessas áreas específicas será discutida e serão feitas recomendações
5
para soluções economicamente eficientes para cada um
desses pontos.
Questões orçamentárias
O baixo nível de recursos disponível às agências instituições responsáveis pela execução das normas e regulamentos aplicáveis ao uso de recursos naturais contribui
para sua incapacidade de cumprir suas funções de forma eficiente, pois gera problemas de pessoal e infraestrutura que são difíceis de superar.
Questões orçamentárias podem também contribuir
para a pouca eficiência dos promotores e juízes que
cuidam de casos ambientais. A falta de promotores
públicos em municípios de grande importância para a
biodiversidade afeta negativamente a forma como casos ambientais são tratados.
No que concerne às questões orçamentárias, apontamos as seguintes recomendações:
• O orçamento do Ibama em nível nacional, deveria
ser analisado para determinar se é possível alocar
mais fundos ao Ibama na Bahia. Fundos destinados a
finalidades específicas ajudariam a melhorar o desempenho das atividades de fiscalização do Ibama e
poderiam também ser captados em outras fontes
nacionais e internacionais. Fundos com alocação específica seriam direcionados para a aquisição de
sistemas computadorizados de acompanhamento de
casos, para registro de informações sobre infrações
ambientais, melhorando as capacidades de detecção
por meio do uso de tecnologia avançada, treinamento
dos atuais agentes de fiscalização do Ibama, contratação de pessoal de alta qualidade para atividades
de fiscalização, com salários competitivos e melhoria
da infra-estrutura. Essas vantagens fortaleceriam Pd ,
Pa|d , Pp|a , Pc|p , e reduziriam o tempo entre detecção
e condenação.
• O Ibama deveria aprimorar seu processo de penalização administrativa, garantindo que o valor das multas
seja adequado, além de a cobrança ser rápida e consistente. As multas arrecadadas seriam fonte adicional de financiamento, usada para melhorar o desempenho de aplicação da lei pelo Ibama na região.5 Mais
recursos para infra-estrutura e treinamento de agentes de aplicação da lei fortaleceriam Pd , Pa|d , e Pp|a .
• Poder-se-ia buscar investir no desenvolvimento de
grupos especiais de promotores de justiça e juízes,
Naturalmente, qualquer iniciativa nesse sentido teria que ser feita com muito cuidado, de sorte a assegurar a minimização de incentivos
contraproducentes.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
com treinamento intensivo em legislação ambiental.
Recomendação similar fundada em estudo específico do processo judicial foi feita por Carvalho (2001).
Esse recurso seria direcionado para apoiar os atuais
esforços do Ministério Público Federal e do Ministério
Público Estadual nesse sentido. Promotores e juízes com
especialização em legislação ambiental somente cuidariam de crimes ambientais, trabalhando regularmente
em diversas comarcas. Essa providência facilitaria a
movimentação ágil dos casos por todo o sistema e também garantiria que promotores e juízes altamente qualificados trabalhassem nesses casos. Um investimento
assim fortaleceria Pp|a e Pc|p e reduziria o tempo entre a
detecção e a condenação.
Problemas de competência jurisdicional
Confusões envolvendo competência jurisdicional se
estendem a todo o sistema de aplicação da lei no sul
da Bahia. O principal problema envolvendo competência jurisdicional parece concentrar-se em (1) determinar quais as agências de fiscalização (detecção) são
responsáveis pelas atividades de fiscalização e em que
áreas, e (2) identificar a autoridade competente a quem
os autos devem ser remetidos para os diferentes tipos
de crimes nos diferentes locais. Essa confusão de competência jurisdicional significa que a aplicação da lei
está ausente de áreas inteiras da região e que esses
casos demoram muito para serem processados, por
vezes excedendo os prazos prescricionais.
As normas jurídicas que regem a competência jurisdicional nas diversas áreas e para crimes diferentes são
bastante claras. O principal impedimento para a clareza das questões atinentes à competência jurisdicional
parece ser a falta de compreensão mútua sobre o que
as diretrizes de competência jurisdicional representam
para as atividades de cada uma dessas agências. Essa
falha talvez possa ser atribuída à falta de comunicação
das informações aos diversos agentes e entidades responsáveis pelos diferentes passos na cadeia da aplicação da lei.
Com a expiração do Pacto Federativo, surge a oportunidade de se preparar um novo pacto, no qual as
responsabilidades e direitos das diferentes agências
estejam claramente definidos e compreendidos. Trabalhar com o Ministério Público Federal e Ministério
Público Estadual para esclarecer questões sobre competência jurisdicional e responsabilidades pela aplicação da lei poderia contribuir de forma substancial para
a execução da legislação ambiental no sul da Bahia. A
redução do tempo despendido no processamento, em
razão da diminuição da confusão no direcionamento
137
de autuações à entidade processadora correta seria relativamente fácil.
Sobre as competências jurisdicionais, recomendamos:
• Mobilizar o pessoal relevante do Ibama (por exemplo, o diretor de fiscalização), CRA, Ministério Público
Federal e Estadual, e das forças policiais em diversas
instâncias, para discutir e esclarecer questões relativas a competência jurisdicional. Em áreas com
competência convergente, essas agências deveriam
aumentar sua coordenação.
Essa ação fortaleceria Pd e Pp|a e reduziria o tempo
entre detecção e condenação.
Questões procedimentais
Os processos administrativo e judicial a que as autuações são submetidas são redundantes e demorados,
incluindo muitos passos desnecessários. A eficiência
procedimental poderia ser melhorada se os autos de
infração fossem passados diretamente do Ibama local
para o promotor de justiça da comarca onde o crime
foi cometido. Um processo mais ágil poderia ser
desenvolvido para melhor compreensão de questões
envolvendo competência jurisdicional e responsabilidades entre todas as partes da cadeia da aplicação
da lei.
Recomendação: para encurtar o tempo de processamento e evitar atrasos desnecessários, agilizar os procedimentos por meio dos quais o Ibama, CRA, Ministério
Público Federal e Ministério Público Estadual cuidem
dos casos enquanto eles caminham da fase da autuação até a fase do processo judicial. Em conjunto, as agências produziriam um documento acordado, formalmente
vinculante ou um manual que detalhasse um sistema
mais eficiente de processamento. Todas as agências
desenvolveriam um cronograma mutuamente acordado para a implementação de todas as modificações recomendadas. O documento estabeleceria objetivos a
serem atingidos em diferentes momentos e estabeleceria mecanismos para monitoramento dos progressos
alcançados.
A agilização de procedimentos fortaleceria Pp|a e Pc|p
e reduziria o tempo entre detecção e condenação.
Questões de capacitação
Vários participantes da cadeia da aplicação da lei não
têm treinamento suficiente e, como conseqüência, não
são capazes de cumprir suas obrigações, de modo a
garantir altos índices de processamento e condenação
em casos contra infratores ambientais.
Agentes de detecção costumam ter poucas informações sobre regulamentação ambiental relevante, falta
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
138 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
de visão do funcionamento do sistema de aplicação da
lei como um todo, têm dificuldades em preencher ou
processar autuações e, com freqüência, não coletam as
provas necessárias para preparar casos sólidos contra
os infratores. Treinamento nessas áreas, e possivelmente em outras, melhoraria em muito sua eficiência.
Embora cada agência alegue poder treinar seu próprio
pessoal, os esforços feitos até hoje provaram ser insuficientes ou de resultado limitado. Se todas as agências
envolvidas na cadeia da aplicação da lei trabalhassem
juntas para determinar qual o treinamento necessário
para cada setor, os programas de treinamento seriam
muito mais eficientes. Eles poderiam permitir uma visão mais clara de como funciona o sistema assegurando que os esforços de uma agência ou instituição fortalece os esforços de agências e instituições que tratam destes casos posteriormente.
Recomendações:
• Desenvolver programas para oficinas de treinamento
para agentes de fiscalização, promotores de justiça,
juízes e outros grupos considerados importantes.
Representantes do Ibama, CRA, Ministério Público
Federal, Ministério Público Estadual e da polícia civil
deveriam trabalhar juntos para desenvolver programas para cada um desses grupos. É fundamental que
todas as agências sejam envolvidas nas discussões
sobre o treinamento de cada grupo de participantes, pois cada agência pode ter idéias diferentes sobre o tipo de capacitação tornando importante para
que as demais agências realizem suas funções com
mais eficiência e eficácia. Embora as especificidades
dos assuntos que seriam ensinados nessas sessões de
treinamento devam ser desenvolvidas em detalhes
nessas reuniões conjuntas, alguns tópicos já podem
ser identificados como importantes:
1. Agentes de detecção deveriam ser treinados para
compreender a legislação ambiental relevante, preencher e processar adequadamente a documentação,
coletar provas de forma eficiente e competente para
aumentar as chances de condenação, designar adequadamente as multas e compreender como suas
atividades se enquadram no contexto maior da cadeia da aplicação da lei.
2. Promotores de justiça e juízes deveriam ser treinados para compreender a legislação ambiental pertinente; assegurando que os autos recebidos estão
completos (ou seja, que não faltam documentos relevantes que poderiam ofuscar a real natureza do crime); e compreender como suas atividades se enquadram no contexto maior da cadeia da aplicação da lei.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Esses esforços de melhoria de capacidade fortalecerão Pd , Pa|d , Pp|a , and Pc|p e reduzirão o tempo entre a
detecção e a condenação.
Problemas de cooperação
A falta de cooperação entre as agências responsáveis
pelos diferentes passos da cadeia da aplicação da lei é
uma das causas fundamentais de muitas das falhas descritas neste relatório. Se essas agências atuassem como
um sistema e trabalhassem de forma cooperativa no
processamento dos casos, deste a detecção até a penalização, as questões envolvendo competência jurisdicional, problemas procedimentais e mesmo alguns
problemas de capacitação poderiam ser facilmente resolvidos. Atualmente, essas agências parecem ter uma
visão muito limitada sobre quais são as suas responsabilidades de aplicação da. Entretanto, a responsibilidade
maior dessas agências é freqüentemente ignorada.
A atual mentalidade compartimentada dessas agências impede a eficiência e eficácia do sistema como um
todo. As atividades de detecção seriam muito mais bem
sucedidas se essas agências desenvolvessem planos
conjuntos de patrulhamento, coordenando as atividades para se concentrar nas áreas biologicamente mais
importantes e mais ameaçadas da área.
Finalmente, o aumento do nível de comunicação e
cooperação entre promotores de justiça e o judiciário
também poderia melhorar sua eficiência. Atualmente,
os juízes consideram que casos ambientais têm pouca
prioridade e, portanto, não têm pressa em marcar audiências para esses casos. Como resultado disso, esses
casos permanecem num limbo, o processo judicial não
pode ter seguimento, e é freqüentemente impedido pela
ocorrência da prescrição.
Recomendações:
• As recomendações apresentadas acima para a solução de problemas jurisdicionais, procedimentais e
de capacitação destinam-se também a aumentar a
cooperação entre as agências para a aplicação da lei
em casos de crimes ambientais.
• Os principais tomadores de decisões do Ministério
Público Estadual, Ministério Público Federal, e do
Judiciário deveriam desenvolver estratégias institucionais para assegurar que casos de crimes ambientais sejam processados em prazos razoáveis. Essas
medidas colaboradoras melhorariam Pd , Pp|a , e Pc|p e
reduziriam o tempo entre a detecção e condenação.
As agências envolvidas na aplicação da lei no sul da
Bahia jamais fizeram o tipo de análise sistemática aqui
apresentado. Em muitos países industriais, tais agências são obrigadas a calcular anualmente as estatísticas
Akella, Orlando, Araújo & Cannon |
de aplicação da lei ou indicadores de desempenho e
devem divulgar publicamente essas informações. No
Brasil, de modo geral, como comprovado no caso do
sul da Bahia, as agências responsáveis pelo desempenho da aplicação da lei não fazem monitoramento de
desempenho em caráter metódico ou regular – seja
como agências individuais seja como um sistema. As
informações são mal administradas, são raros os casos
de registro eletrônico de casos, e arquivos em papel
não estão organizados de forma sistemática. Além disso, dados os diferentes sistemas de numeração de cada
agência que processa o caso, fica praticamente impossível rastrear o progresso de um caso do estágio de
detecção até a penalização. Com tal indisponibilidade
de dados, pode-se concluir que não existem esforços
metódicos para usar estes dados para analisar o desempenho passado. Assim, as agências envolvidas no
sistema não são capazes de identificar suas próprias
fraquezas, compreender suas causas complexas ou desenvolver estratégias de gerenciamento adaptativo para
melhorar seu desempenho.
C ONCLUSÕES
Apesar dos esforços de parceiros locais, nacionais e internacionais, a rica biodiversidade da Mata Atlântica
do sul da Bahia continua a desaparecer em ritmo alarmante. O baixo índice de sucesso das atividades de
aplicação da lei nessa região tornam ineficazes todos
os esforços para barrar desmatamento por meio dos
instrumentos legais. No sul da Bahia, o aperfeiçoamento da conservação exige uma abordagem integrada que
abranja reforma legislativa, apoio aos direitos da comunidade, manejo conjunto das áreas protegidas, e
apoio a formas alternativas e legais de obtenção de renda. Entretanto, o fortalecimento da aplicação da lei é
componente indispensável, vital para que se assegure
viabilidade a longo prazo de estratégias inovadoras para
a proteção da biodiversidade.
Os resultados da análise do modelo econômico da
aplicação da lei realizada no sul da Bahia expõem metodicamente onde estão os pontos mais criticamente
fracos do sistema de aplicação da lei e esclarecem os
muitos fatores inter-relacionados que geram essas ineficiências. Nossa análise demonstra que os problemas
que assolam o sistema não se limitam a uma parte da
cadeia da aplicação da lei ou a uma agência. Ao contrário, problemas que incluem confusão jurisdicional, ineficiência procedimental, falta de capacitação e falta de
visão holística ou de cooperação entre as agências per-
139
sistem a cada passo da cadeia da aplicação da lei e em
cada agência nela envolvida. O resultado é um sistema
de aplicação da lei fraco e inadequado para impedir o
desmatamento ilegal.
As soluções freqüentemente sugeridas para sanar o
mau desempenho da aplicação da lei – mais carros,
agentes para detecção, dispositivos de alta tecnologia,
e imagens de satélites – são por demais simplistas, além
de dispendiosas. Soluções que se concentram em apenas um passo da cadeia da aplicação da lei, ou que não
tratam dos vários problemas que contribuem para que
esse passo seja ineficiente, terão muito pouco efeito
na qualidade da aplicação da lei como um todo. Se os
parcos recursos disponíveis para o aprimoramento do
sistema forem investidos cuidadosamente no fortalecimento do desempenho geral da cadeia de aplicação da
lei, esses mesmos recursos poderão gerar melhora substancialmente maior no valor preventivo do sistema de
aplicação da lei.
As recomendações oferecidas neste relatório se enquadram no perfil dos tipos de soluções que podem
realmente resultar em um aumento significativo no cumprimento da lei. Juntas, elas atingem pontos fracos em
diversos níveis da cadeia de aplicação da lei e vão além
disso para atingir os múltiplos pontos fracos prevalecentes em cada passo da cadeia de aplicação da mesma. Dado o grande número de problemas que permeiam
o sistema de aplicação da lei no sul da Bahia, somente
um trabalho com esse enfoque pode resultar em melhoras significativas. E somente com melhoras significativas se poderá assegurar que o sistema de aplicação
da lei atingirá seu objetivo declarado de prevenir desmatamento ilegal, na defesa dos fragmentos remanescentes da Mata Atlântica.
P OSFÁCIO
Em agosto de 2001, os resultados parciais deste trabalho foram apresentados ao Comitê do Estado da Bahia
para a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, também
Comitê de Gestão do Projeto Corredores Ecológicos
(PCE) , no âmbito do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). Naquele
período, o PCE iniciava a elaboração de um plano para
o fortalecimento das atividades de fiscalização na região Sul da Bahia, quando as seguintes sugestões foram incorporadas ao projeto: (1) criação de um Grupo
de Trabalho Integrado de Fiscalização (GT); (2) a revisão dos procedimentos de fiscalização em cada um
dos organismos envolvidos no sistema com vistas a
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
140 | O fortalecimento da defesa contra crimes ambientais: análise econômica do sistema de implementação legal na Mata Atlântica do Brasil
identificação de possíveis entraves a uma melhor efetividade; (3) o desenvolvimento participativo e a implementação de um programa de capacitação para todos
os orgãos integrantes do sistema.
O GT de Fiscalização foi criado inicialmente envolvendo o Ibama e os orgãos estaduais de fiscalização, a
saber o Centro de Recursos Ambientais e a Superintendência de Desenvolvimento Florestal (antigo DDF), mais
um representante da sociedade civil organizada indicado pelo Comitê, que no caso foi o Gamba – Grupo Ambientalista da Bahia. Posteriormente, a Companhia
Militar de polícia ambiental, a polícia civil, a polícia rodoviária federal e o Ministério Público Estadual passaram a integrar o GT, cuja principal função é de planejar
as campanhas de fiscalização, ainda que apenas no
âmbito do PCE. Desde então foram organizadas duas
campanhas de campo, em uma experiência inédita de
fiscalização conjunta, com resultados bastantes satisfatórios, mas que ainda necessita de estímulo para consolidar-se como forma de ação tanto no âmbito do PCE,
como naquele mais abrangente de atuação dos orgãos
envolvidos.
Durante a realização das campanhas integradas
ficou bastante nítida: (1) a necessidade de maior interlocução entre os orgãos, como forma de reconhecimento das suas responsabilidades complementares; (2) a
importância da revisão dos procedimentos internos para
maior agilidade e integração dos processos; (3) a necessidade de um canal de interlocução com a sociedade
civil, que em última instância é a principal conhecedora dos problemas ambientais, especialmente em nível
local e regional; (4) a importância de implantação de
um sistema integrado de gerenciamento de dados.
A importância do gerenciamento de dados e monitoramento do desempenho, com publicação dos resultados, foi um dos temas discutidos no seminário de
fiscalização organizado pelo Ibama e Ministério do Meio
Ambiente, em julho de 2003, em Tamadaré-PE. Na ocasião, foi chamada atenção para a necessidade de implantação de sistemas informatizados de dados e informações, compartilhados internamente e com a sociedade através de acesso público, via internet.
Neste sentido, destaque-se que o Ministério Público
do Estado da Bahia implantou, em fevereiro de 2004,
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
um sistema informatizado interligando todos os 27
Parquet regionais. O sistema permite o cadastramento
de dados e consultas relativas aos procedimentos no
âmbito do Ministério Público Estadual, mas ainda não
foi desenvolvido um sistema de indicadores do desempenho, não está aberto para interagir com os outros
orgãos envolvidos na implementação do sistema legal
de proteção ambiental e nem com o público, embora
estas sejam possibilidades plausíveis de acordo com os
técnicos que desenharam o sistema.
R EFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFIC AS
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Critérios econômicos para a aplicação do
princípio do protetor-recebedor: estudo de
caso do Parque Estadual dos Três Picos
JULIANA SCAPULATEMPO STROBEL1*
WILSON CABRAL DE SOUZA JR.2
RONALDO SEROA DA MOTTA3
MARCOS RODOLFO AMEND4
DEMERVAL APARECIDO GONÇALVES2
1
Observatório Social da Indústria, FIEP
Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, São Paulo, Brasil
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Rio de Janeiro, Brasil.
Programa Brasil do Conservation Strategy Fund – CSF, Minas Gerais, Brasil.
* e-mail: [email protected]
2
3
4
RESUMO
O objetivo do presente estudo é o de propor uma metodologia para a regulamentação dos
artigos 47 e 48 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (lei 9985/
2000) que prevêem o pagamento por serviços ambientais (PSA) promovidos por unidades de
conservação. A base técnica do estudo é o Princípio do Protetor-Recebedor (PPR) que cria uma
compensação a ser paga aos agentes econômicos que protegem recursos naturais pelas externalidades positivas que eles geram para a sociedade. O estudo enfatizou a aplicação do PPR
proposto no SNUC para a proteção dos recursos hídricos. Como área de estudo foi utilizada a
bacia dos rios Guapiaçu e Macacu, no Parque Estadual dos Três Picos na região serrana do
estado do Rio de Janeiro. O estudo está organizado em cinco partes, a saber: 1) identificação
dos custos de manejo que garantem a perpetuidade dos serviços de proteção; 2) estimativa da
contribuição da unidade de conservação na sustentabilidade da bacia; 3) definição dos critérios econômicos de cobrança e rateio dos custos de proteçao entre os usuários; 4) estimativas
de estruturas de cobrança por tipo de uso com base nesses critérios; e 5) proposição de um
arranjo institucional para governança e operação do sistema de cobrança proposto. Embora
os principais resultados estimativos apresentados sejam ainda preliminares devido a disponibilidade de dados, a metodologia proposta é teoricamente justificável e de fácil implementação em outras unidades de conservação desde que se observem as recomendações de
governança e operacionalidade propostas.
ABSTRACT
The purpose of this study is to propose a method for implementing Articles 47 and 48 of the
Brazilian National System of Conservation Units Law (law number 9985/2000, which goes by the
Portuguese acronym SNUC). These provisions permit payments for environmental services (PES)
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
142 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
furnished by protected areas. Underlying the proposal is the principle that economic agents
providing environmental amenities should receive compensation, because the amenities represent
positive externalities enjoyed by society at large. This analysis focuses on the application of this
principle to the protected of water resources by natural protected areas. The study area encompasses
the Guapiaçu and Macacu watersheds, the headwaters of which lie within Rio de Janeiro State’s
Três Picos State Park. The study has five parts: 1) quantification of park management expenditures
needed to ensure protected of water resources; 2) an estimate of the protected area’s contribution
to the water supply within the basin; 3) analysis of alternative criteria for allocating park protection
costs among water users; 4) estimates of ??; and 5) a proposed institutional arrangement to
govern the payment for environmental services system. Even though the results are considered
preliminary due to incolmplete data, the method proposed is theoretically robust and simple to
implement in this and other conservation areas, as long as the operational and governance
recommendations are followed.
I NTRODUÇÃO
A gestão dos recursos hídricos (RH) no Brasil iniciou
uma nova fase com a aprovação da Lei 9.433 da Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), em janeiro de
1997. Além desta lei nacional, quase todos estados também promulgaram legislações semelhantes. Quatro
princípios desta lei são responsáveis por tal alteração
de padrão: a gestão por bacia, a unicidade da outorga,
a exigência de um plano de gestão e o instrumento de
cobrança. Todas essas legislações encontram-se na fase
de regulamentação, durante a qual os critérios de implementação desses instrumentos estão sendo definidos.
A gestão por bacia reconhece que o uso da água é
múltiplo, excludente e gera externalidades e, portanto, a bacia representa o mercado de água onde seus
usuários interagem. A unicidade da outorga permite
uma melhor definição e garantia de direitos de uso da
água. O plano de gestão introduz os objetivos de disponibilidade e demanda do recurso no tempo e o plano de investimentos da bacia. E por fim, a cobrança
determina diretamente um preço para a água.
Esta cobrança se nortearia pelo princípio do usuário/poluidor pagador1. A nova lei de RH reconhece, explicitamente, que a água tem um valor econômico e
que o instrumento de cobrança almeja a racionalização
do seu uso, mas que deverá também estar balizada pelos investimentos apresentados no plano.
1
Este duplo objetivo (racionalização do uso da água e
financiamento de investimentos) cria complexidade na
definição de critérios de cobrança que são visíveis na
experiência pioneira da bacia do Paraíba do Sul onde a
regulamentação tem se norteado majoritariamente por
objetivos de financiamento (ver Seroa da Motta et. al.,
2004).
Na cobrança da água estipulada nos artigos 47 e 48
da lei 9985/2000 do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) este duplo objetivo parece não
existir no texto legal. O texto é claro quando estipula a
possibilidade de cobrança ao usuário de recurso hídrico
de uma contribuição financeira para a proteção e implementação da unidade de conservação que proteja
esta fonte de água. Esta cobrança ficou denominada
como uma aplicação do princípio do protetor-recebedor
(PPR) e o nosso entendimento, a seguir elaborado, é
que esta cobrança é um pagamento por um serviço no
qual o critério dominante é o de recuperação de custos.
Para tal, nas seções seguintes vamos apresentar uma
descrição conceitual teórica dos critérios econômicos
de precificação da água para justificar a nossa abordagem regulatória do princípio protetor-recebedor. Com
base nestes critérios propomos uma metodologia para
determinação da aplicação do PPR. Em seguida realizamos exercícios exploratórios com esta metodologia
no caso do Parque Estadual dos Três Picos (PETP). Concluímos discutindo os procedimentos necessários para
aplicação do modelo proposto em outros parques.
Neste contexto da cobrança, este princípio se refere a pagamentos ex-ante ao fato gerador, enquanto nas situações de litígios judiciais é
aplicado para pagamentos ex-post na forma, por exemplo, de indenizações.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
OS
CRITÉRIOS ECONÔMICOS DO PRINCÍPIO DO
PROTETOR - RECEBEDOR (PPR)
Na situação do princípio do protetor-recebedor (PPR) a
unidade de conservação atua como um monopolista
provedor de um bem público posto que garante a afluência hídrica com sua ação de conservação do solo florestal. Sua atividade é similar à de uma operadora de água,
só que ao invés de tratar a água quimicamente, a UC o
faz de forma conservacionista. Embora conceitualmente similar, a UC é fornecedora de uma operadora de
saneamento que se serve da bacia protegida pela UC e,
assim, teria que pagar pelo serviço protetor da UC da
mesma forma que qualquer outro usuário protegido.
Esta cobrança via PPR se difere, todavia, conceitualmente daquela promulgada na lei 9433. A cobrança da
PNRH visa, como mencionado anteriormente, atender
objetivos de racionalização e, portanto, preços são sinalizadores de escassez e dos custos de gestão associados
a este objetivo. Os custos de provisão da UC independe
do nível de escassez e, portanto, se distingue do nível
de preços cobrados no âmbito da PNRH. Ou seja, os preços do PPR são custos exógenos ao sistema PNRH. Mais
uma vez, à semelhança das operadoras de saneamento, a UC percebe custos que serão passados aos usuários
adicionalmente aos custos da cobrança do PNRH.
A cobrança da PNRH ao utilizar preços para regular a
escassez de água ou financiar seus projetos terá que
considerar a cobrança do PPR, pois esta eleva os custos
de uso da água percebido pelos usuários e, portanto,
afeta a quantidade de uso dos usuários. Isto não seria
nenhuma novidade na medida que os modelos de análise e simulação de cobrança no âmbito do PNRH já
fazem o mesmo quanto aos custos incorridos pelos
usuários seja pelo pagamento às operadoras ou aqueles próprios para captação e tratamento. O PPR só viria
a adicionar um custo a estes já incorridos e internalizados nos modelos.
Em suma, a cobrança da água no PPR é um preço
com objetivo de financiamento da gestão da UC e, portanto, se insere na cobrança pela provisão de um bem
público. Dessa forma, a seguir discutimos os aspectos
teórico-conceituais deste tipo de cobrança e sua contextualização na regulamentação do PPR.
C OBRANÇA
DA ÁGUA PARA FINANCIAMENTO
Note que o aumento do consumo de um bem, como,
por exemplo, a água (em quantidade ou qualidade), realizado por um usuário B (indivíduo ou firma), pode ou
143
não reduzir o consumo de outro usuário A. Por exemplo, dentro dos limites da disponibilidade ou qualidade hídrica, o consumo de B não rivaliza com o de A.
Nestes casos, para a sociedade, o aumento de consumo de B não gera um custo social. É certo que tal
assertiva não considera aspectos ambientais, ainda que
estes possam ter impactos sociais indiretos.
Como a água é considerada um bem renovável, não
ocorre também nenhum aumento do seu custo de oferta. Em jargão econômico, equivale dizer que o custo
marginal (custo da unidade adicional) do consumo de B
é zero, embora gere um benefício marginal positivo para
B. A cobrança pelo uso da água, nestes casos de nãorivalidade, pode reduzir a eficiência econômica, pois,
frente a essa cobrança de um consumo que não aumenta
o custo social e gera benefícios positivos, um uso poderia ser excluído, impedindo, portanto, a otimização
da alocação de água entre os usuários.
Por outro lado, conforme será discutido a seguir,
a cobrança pelo uso pode ser necessária para o financiamento da gestão e provisão do recurso natural. Os
custos de gestão e provisão podem ser associados à
disponibilidade hídrica ou ao controle da poluição.
Preços ótimos para financiamento
Note que o custo de um aumento de consumo pode
ser zero (custo marginal igual a zero), mas existem custos fixos para manter o serviço de provisão do recurso.
No caso da água, seriam, por exemplo, os custos de
gestão e obras de manutenção. Logo, uma cobrança
terá de existir senão a provisão do bem será reduzida
com a exclusão de vários usuários com benefícios
marginais positivos. O princípio econômico para tal cobrança é a sua equivalência ao benefício marginal do
consumo de água de cada usuário. Observando a Figura 1, o nível ótimo de provisão do recurso, nesse caso,
seria àquele em que o custo marginal da provisão
(Cpmg) é igual ao somatório dos benefícios marginais
dos usuários (Bmg = B1mg + ...+ Bnmg). Assim, o custo social se iguala ao benefício social, tal como indica o
ponto Q* no gráfico, que determina o nível ótimo de
consumo.
Esse benefício seria dado pela taxa marginal de substituição do consumo de água por outros bens. Tal taxa
apenas revela quanto vale a água em relação a outros
bens da economia que são consumidos pelo usuário e,
portanto, revela sua disposição a pagar pela água. O
consumo da água tanto pode ser um insumo da função
de produção de um produtor quanto um bem de consumo direto da função de utilidade de um indivíduo
(ver Apêndice Técnico).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
144 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
Para os usuários produtores (firmas) de um bem z
com uma função de produção F e preço pz, essa cobrança (C1qi) seria revelada pelo valor da produtividade
marginal da água como insumo (A) para o usuário i da
seguinte forma:
(1)
C1q i = pZ ∂F / ∂A
Para os consumidores diretos (famílias), C1q i pode
ser expressa formalmente como uma perda de utilidade (U) por decréscimo do consumo direto do bem para
o usuário i que reflete sua disposição marginal a pagar
(DAP), tal que:
(2)
C1q i = ∂U / ∂A = DAP
O valor da DAP seria, então, uma medida do ganho
de bem-estar pelo uso da água.
Com a regra de preços acima, a sociedade maximizaria os benefícios do uso da água ao alocar o recurso
de acordo com seu retorno econômico para cada usuário. Todavia, é muito difícil identificar para cada usuário o seu benefício marginal do consumo. Mas, como
este consumo tem que ser também não-excludente
FIGURA 1 - Nível ótimo de consumo de um bem público.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
daqueles usuários com benefício marginal positivo, existe um incentivo para o caronista (free rider), ou seja,
alguns indivíduos irão esconder suas verdadeiras disposições a pagar pelo bem para pagarem menos ou nada
pelo seu consumo. Dessa forma, a provisão do recurso
é subótima na medida em que as receitas arrecadadas
não permitirão cobrir os custos da provisão.
Mesmo que haja a possibilidade de eliminar os
caronistas, há que se admitir que em certos casos não
é possível medir o consumo individual para, assim, ser
cobrado. Exemplos clássicos seriam faróis de mar, segurança pública e serviços de combate à incêndio. Em
outros casos, a provisão individual do serviço gera externalidades positivas que resultam num benefício social
maior que seu custo de provisão, tais como a prevenção
de epidemias e a educação básica. Daí a recomendação
de que estes casos de bens públicos têm de ser financiados pelo Tesouro, isto é, pelo contribuinte em geral
mediante impostos sem qualquer relação com o nível
de consumo individual.
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
No caso da água, esta característica de dificuldade de
mensuração é uma questão de custo de monitoramento
e não de impossibilidade técnica. A geração de externalidades sociais positivas, por outro lado, existe, mas estaria restrita à camada mais pobre, sem capacidade de
pagamento. Em boa parte, o consumo de água é praticado por famílias e atividades produtivas que podem arcar
com seus custos e, assim, o custo zero para o uso da
água pode incentivar o desperdício e a ineficiência.
Preços públicos
Mais ainda, o consumo de água é não-rival somente
até certo ponto, isto é, acima de um certo nível de consumo ocorrerá um “congestionamento” que resultará
em racionamento. Agora o consumo de B afeta o consumo de A e, portanto, a alocação da escassez tem de
seguir um critério de eficiência. Nesse caso, os custos
marginais de expansão (Cxmg) têm de ser adicionados
aos custos de provisão (Cpmg) e o novo consumo ótimo
seria o ponto Q** na Figura 1. Note que Q** representa
o somatório das quantidades ótimas de cada usuário.
Dessa forma, o monopolista poderia solicitar a cada
usuário o custo médio dado pela divisão entre custo total e quantidade consumida, mas não o faz porque sabe
que os usuários irão desviar de forma diferenciada a demanda na medida que o preço sobe. Logo o monopolista
procuraria atuar na parte mais inelástica da curva de
demanda do usuário ou tipo de uso, pois nesta, reduções de demanda são proporcionalmente menores que
aumentos de preços, não ocasionando quedas na receita marginal do monopolista. Ou seja, as elasticidades
balizam os níveis de cruzamento de subsídios entre usos.
Sendo um monopolista público que não maximiza
receita e sim a recuperação de seus custos, os preços
deveriam maximizar o bem-estar gerado pelo consumo de água, dada a restrição de que a receita marginal
deve se igualar às necessidades de financiamento da
provisão e expansão. Uma expressão simplificada (ver
Apêndice Técnico para uma demonstração formal) desses preços (t) é que uma parcela diferenciada (t - Cmg/t)
por usuário cobrada acima do custo marginal (Cmg) para
financiar o custo de expansão seria diretamente pro-
2
3
145
porcional a b que captura a utilidade marginal da renda
(o valor de uma unidade monetária adicional) e inversamente proporcional a elasticidade de demanda de
cada usuário i (ei) da seguinte forma:
(3)
t - Cmg/t = b/ ei
Assim, usuários com demanda menos elástica pagariam mais que aqueles com demanda mais elástica. A
intuição desta regra é (i) de não arrecadar mais do que
o necessário para recuperar custos e (ii) que os usuários
mais elásticos perceberiam preços menores porque estes tenderiam a desviar mais sua demanda frente a variações positivas de preços. Esta tem sido a regra básica de precificação de bens públicos, ou regra de
Ramsey2, quando estes não são financiados diretamente pelo Tesouro. Este critério se aplicaria a qualquer
serviço monopolista.
Note que tal regra poderia ser também aplicada ao
consumo por qualidade no qual a demanda do usuário
por serviços de despoluição seria dada pela sua curva
de custo de controle de poluição, ou seja, a disposição
a pagar seria dada pelos custos de controle.
As Limitações no Caso do Princípio do ProtetorRecebedor
A seguir colocamos as principais limitações da aplicação
da regra de preços públicos e como estas afetariam a
regulamentação do princípio do protetor-recebedor.
TARIFA: a aplicação da regra de preços públicos no
caso do PPR seria cobrar uma tarifa ti acima do custo
marginal de consumo de água atual de cada usuário na
proporção inversa da sua elasticidade assumindo b igual
a um, isto é, ti = t/ei, onde t seria o custo médio de
proteção da UC.
ESTIMATIVAS DOS PARÂMETROS: não existe até agora uma aplicação pura da regra de Ramsey devido à complexidade de estimar os parâmetros b e ei da sua função
para todos os usuários, seja pela não disponibilidade de
dados, seja pelas dificuldades técnicas metodológicas3.
Na prática os reguladores determinam (i) uma referência
para os custos a serem recuperados e (ii) uma tarifa média que recupere estes custos (no caso de concessões
esta tarifa pode licitada pelo valor mais baixo) de acordo
Derivada inicialmente por Frank Ramsey em 1927. Dessa forma, as demandas inelásticas financiam as demandas elásticas, uma vez que estas
últimas geram maiores ganhos de excedente econômico. Esta proporcionalidade pode também ser estimada incluindo critérios distributivos.
Ver Andrade (1998).
A medida de elasticidade-preço é a derivada parcial da demanda em relação a preço e reflete quanto do consumo varia quando varia o preço,
mantido o resto constante. Para tal, elimina-se os efeitos de outras variáveis específicas da empresa, tais como renda, tamanho, setor, etc,
que afetam a demanda. Assim, a utilização de uma estimativa da elasticidade da literatura no contexto da bacia da UC tende a ser mais
precisa na medida em que o universo de consumidores do qual as estimativas foram calculadas se assemelhe mais ao universo de consumidores da bacia.
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146 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
com uma previsão de demanda e os subsídios sociais
que a legislação exige. Os operadores escolhem a diferenciação das tarifas entre os tipos de serviços (ou consumidores) de acordo com estes subsídios e estimativas
grosseiras das elasticidades de demanda que eles revisam com os resultados observados de receita.
REAJUSTES TARIFÁRIOS: para garantir o valor monetário as tarifas são reajustadas através de dois mecanismos, a saber: (i) variação do custo de operação mais
uma taxa máxima de retorno do capital (custo médio)
ou (ii) variação de um índice de preço geral menos um
ganho de produtividade esperado no setor (preço-teto
ou price cap)4. No caso do PPR esta abordagem de monitoria fina para calibrar as tarifas terá que ser também
adotada. Para os ajustes periódicos a identificação de
ganhos de produtividade seria muito complexa e controversa enquanto as variações de custo seriam muito
simples de determinar e, portanto, a abordagem de
custo médio deve ser a recomendada.
CONFLITO SETORIAL: geralmente a indústria e a agricultura apresentam elasticidades-preço maiores do que
os usuários urbanos devido às opções tecnológicas de
suas funções de produção industrial e a alta sensibilidade do produto da atividade agrícola ao insumo água. Nesses casos, com o uso da regra de preços públicos, os
preços da cobrança de consumo urbano será maior do
que de outros usuários. Esta situação acaba criando assim uma fonte de conflito setorial que geralmente resulta numa prática de subsídios cruzados entre usuários.
Por exemplo, a inviabilidade financeira da agricultura frente a preços realistas da água fez com que no
mundo inteiro a agricultura ora seja isenta da cobrança
pelo uso da água pelo princípio usuário/poluidor pagador, ora seja beneficiada com tarifas altamente subsidiadas na provisão de água em projetos públicos de
irrigação (ver resenha internacional em Tsur et. al., 2004
e Seroa da Motta et. al., 2004a)
O uso residencial também tem logrado tarifas subsidiadas (i.e., menores que as derivadas da regra acima
descrita) por justificativas distributivas5, embora com
tarifas progressistas que de certa forma aumentam em
proporção ao consumo para tentarem distribuir o custo de provisão entre pobres e ricos.
A indústria por sua vez é considerada como o usuário com maior capacidade de pagamento na medida que
4
5
6
o custo da água é significativamente baixo em relação
ao seu custo total e tende assim, mesmo com sua força
política e importância na geração de empregos, a atrair
uma tarifa mais alta. Estudos (ver, por exemplo, Feres
et. al., 2005 para o caso da bacia do Paraíba do Sul)
demonstram que nestes casos a redução de consumo
pode ocorrer e assim resultar em uma arrecadação
menor que a desejada.
Assim sendo, não surpreende que a recuperação de
custos seja muitas vezes deficitária de provedores de
bens públicos que são afetados por administração política de tarifas, em particular nos casos de operadores
estatais de água. Tanto que a participação de capital
privado só acontece quando existe um marco regulatório bastante claro e estável (ver Salgado & Seroa da
Motta, 2005).
Estas considerações acima são mais percebidas em
setores de provisão de bens públicos que exigem investimentos vultosos e, portanto, alto nível tarifário.
Caso não seja esta a situação, isto é, as tarifas estimadas sejam muito baixas, os efeitos de demanda serão
marginais e conseqüentemente também os seus impactos na receita arrecadada. No caso do PPR, os custos a
serem recuperados tendem ser de baixa monta, mas
tais problemas podem surgir por conta de um número
reduzido de usuários e, conseqüentemente, com significativas exigências tarifárias individuais. Assim o risco
de déficits é grande devido a natureza operacional pública das UCs. Por outro lado, poderá ocorrer também
o oposto com aplicação de tarifas abusivas e sujeitas
a expedientes de inadimplência ou litígios. Para eliminar os dois tipos de riscos a regulamentação da cobrança do PPR deve ser a mais completa e transparente
possível. Isto significa também que tarifas distributivas
devem ser explicitamente assumidas e contabilizadas.
INTERLIGAÇÃO ENTRE BACIAS (SUB-BACIAS OU TRECHOS6): quase sempre o consumo de um usuário numa
sub-bacia afeta o de outros em outra bacia, sub-bacia
ou trecho. Assim, os preços em vigor em uma bacia
podem afetar o nível ótimo de outra bacia ao desviar
demanda para lá. Esta limitação seria significativa na
medida em que existir uma complementaridade da bacia protegida pela UC com outras bacias protegidas por
outras UCs. Como discutido acima, se estas questões
se derem em relação a outras bacias fora da proteção
Para uma resenha destas abordagens no caso brasileiro em setores regulados ver Salgado e Seroa da Motta (2005).
Ou tarifas sociais que subsidiam certos consumidores caracterizados como de baixa renda.
Na literatura econômica ambiental este problema é denominado de multi-zone problem, ver Tietenberger (1996). Para uma análise de
simulação nas bacias do Estado de São Paulo, ver Seroa da Motta e Mendes (1996).
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
de UC estas deveriam ser internalizadas no âmbito da
cobrança do PNRH e, portanto, não deveriam ser consideradas na modelagem do PPR.
MEDIÇÃO DO CONSUMO: o custo marginal de medição de consumo pode ser alto que não compense a
receita adicional gerada. Nesses casos seria melhor
utilizar aproximações de consumo, mesmo que subestimadas, através de parâmetros tecnológicos. Estimativas parametrizadas são possíveis mediante dados de
produção/receita. Como podem ser uma forma imprecisa de medição é comum se facultar ao usuário comprovação de medida de uso real através de auditoria
independente. No caso do PPR esta abordagem seria
bastante satisfatória tendo em vista a possível concentração do consumo em um número reduzido de
usuários.
RACIONAMENTO E SAZONALIDADE: a disponibilidade hídrica é estocástica, isto é, está associada a uma
função probabilística, ou seja, em certos períodos, mesmo com uma receita adequada e sem caronistas, a disponibilidade de água pode requerer um racionamento
por motivos puramente hidrológicos. Nesses casos, novamente o uso da água por um usuário exclui o uso por
outro e, portanto, gera uma externalidade negativa.
Outro racionamento de demanda pode ocorrer por conta de uma sazonalidade de uso, típico do uso agrícola
ou do uso residencial em áreas turísticas. A solução de
oferta de água independe do nível de receitas, porquanto no curto prazo não haveria como disponibilizar mais
água. Note que uma gestão de oferta que mantém o
consumo suficientemente abaixo da disponibilidade máxima para não enfrentar esse racionamento periódico
estaria realizando uma alocação não-ótima, pois por
vários períodos de não-racionamento, usuários com
benefícios positivos seriam excluídos.7 Assim, caso exista este risco de desencontro de oferta e demanda na
aplicação do PPR, haverá necessidade de se criar preços sazonais que cresceriam na medida em que houvesse risco de excesso de demanda.
A METODOLOGIA PROPOSTA DE PRECIFICAÇÃO
P RINCÍPIO DO P ROTETOR -R ECEBEDOR
DO
Nesta seção apresentamos a metodologia de determinação da tarifa inicial para a aplicação do PPR e as regras de ajustes e governança de acordo com as recomendações apresentadas na seção anterior.
7
MODELO
147
DE DETERMINAÇÃO DA TARIFA
A fórmula abaixo procura representar todos os parâmetros necessários para a estimação das tarifas inicias
do PPR (ti), da seguinte forma:
A tarifa ti a ser cobrada do usuário i seria composta
dos seguintes parâmetros:
(4)
ti = t x bi x di x (1/ei)
onde:
t = tarifa básica do m3 da água protegida
bi = proporção uso de água do usuário i que é devida à
contribuição protetora do parque
di = peso distributivo atribuído ao usuário i
ei = elasticidade-preço da demanda de água do usuário i e o parâmetro (1+1/ei) seria uma compensação
para sua sensibilidade a preço
Note que para ei podemos obter um estimado diretamente na bacia ou valores estimados na literatura e
para bi podemos ter estimativas com os resultados do
balanço hidrológico. A imprecisão quanto a usar estimativas de outras bacias tem que ser avaliada frente
aos custos de realizar estudos específicos. Estes estudos, contudo, são estatisticamente frágeis se não houver dados disponíveis para um número grande de observações por usuário e no tempo, tal como geralmente ocorre nas bacias onde existem poucos usuários.
Por outro lado, di é um parâmetro estritamente subjetivo e sua identificação será totalmente arbitrária com
base em algum juízo de valor sobre a necessidade de
subsidiar um certo grupo de usuários.
A variável qualidade de água não se faz necessária
nesta proposta de metodologia de precificação do PPR
para o caso de Unidades de Conservação que protegem as nascentes da bacia analisada (caso PETP), uma
vez que a qualidade da água fornecida pela UC é a melhor possível para os usuários a jusante. No entanto,
para casos de UCs localizadas ao longo de bacias, que
funcionam como “filtros” e fornecem água a jusante de
melhor qualidade que a recebida a montante, é necessário quantificar a contribuição dessa UC na qualidade
da água. Nesse caso, a tarifa t na expressão (4) seria
também ponderada por um indicador de qualidade qi
do volume de água consumido pelo usuário i. Os gastos da UC relativos a esta manutenção do serviço de
“filtragem” seriam então recuperados da mesma forma. Caso a UC venha a gerar os dois serviços, quantidade e qualidade, sugerimos duas cobranças separadas
Equivale a dizer matematicamente que o ponto de congestionamento tem que ser atingido para haver otimização.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
148 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
para recuperar os custos de cada serviço8, uma para
quantidade e outra para qualidade considerando qi.
A tarifa básica t da expressão (4) seria estimada resolvendo a seguinte expressão para todos os usuários i
da bacia protegida:
(5)
GT = S(t x vi)
Onde:
GT = gasto total de proteção da UC a ser recuperado
vi = volume de água consumida do usuário i
Note que a expressão GT mede a receita potencial
esperada na hipótese de que os usuários não iriam reagir a preços. Entretanto, como os usuários são elásticos a preços haverá um desvio de demanda resultante
do acréscimo do preço da água dado por:
(6)
DGT = S (%ci x ei x vi x ti)
Onde
%ci = acréscimo no custo do m3 da água para o usuário
i com a aplicação de ti estimado como ti/ci
Note que só não ocorreria desvio de demanda caso
todos os usuários fossem infinitamente inelásticos, isto
é, ei = zero. Nesta situação a estimativa da tarifa fica
somente dependente de GT e v da expressão (5) e sua
aplicação então seria semelhante ao rateio de custo
proporcional ao consumo de cada usuário.
Com o desvio de demanda, os valores de t básico da
expressão (4) terão que ser resolvidos iterativamente
até convergirem para um desvio de demanda próximo
a zero. Assim, as estimativas de ti podem adotar uma
metodologia muito simples com as seguintes etapas:
1. Calcular a quantidade de t na expressão (4) para
cada usuário.
2. Substituir estas quantidades em t na expressão (5)
para calcular um valor total em t.
3. Dividir GT por este total em t para determinar um
valor inicial de t.
4. Substituir t inicial na expressão (4) para calcular valores iniciais de cada ti.
5. Estimar com os valores de ti os desvios de demanda DGT da expressão (6).
6. Variar incrementalmente para cima ou para baixo o
valor de t e calcular novos valores para GT, DGT e ti.
7. Estimar a nova diferença (GT - DGT).
8 Repetir a etapa 6 iterativamente até a diferença (GT
- DGT) se situar próxima a zero.
8
9
9. O valor de t quando esta diferença convergir para
zero é o valor final de t.
10. Com o valor de t final calcula-se os valores finais de ti.
Note que não se trata de zerar DGT, pois a cada
iteração com um novo valor t a receita potencial GT
cresce. Assim, o que importa é a diferença (GT - DGT)
que será a receita efetiva da cobrança.
R EGRA
DE AJUSTES
Para a aplicação do PPR conforme acima proposto se
faz necessário conhecer previamente inúmeros parâmetros, muitos dos quais são imprecisos e/ou se alteram ao longo do tempo. Como a metodologia acima
pretende garantir exatamente uma arrecadação equivalente ao custo recuperado então se fazem necessárias
regras de ajustes periódicos. Com a regulamentação das
regras de ajustes limita-se a incerteza nas variações das
tarifas e com isso reduz-se o impacto das tarifas na expansão da capacidade produtiva da bacia e no fluxo de
receitas para a UC.
Os parâmetros GT, ei, vi , ci, e bi que afetam a estimação das tarifas devem estar justificados no Plano de
Aplicação do PPR (PAPPR). Conforme se descreverá a
seguir, os ajustes podem ser tanto tecnicamente
mensuráveis como automáticos e para cada tipo adotam-se regras distintas.
Ajustes técnicos
Os parâmetros GT, ei, vi, ci, e bi podem ser tecnicamente mensuráveis e estudos específicos periódicos podem
ser elaborados9. No ano 1 da aplicação do PPR a UC
determina estimativas de referência no PAPPR com base
em estudos e dados de literatura para justificá-los.
REVISÃO DO GT: propõe-se que GT seja revisto pela
UC anualmente através de prestação de contas do exercício anterior e previsão de variação de custos ou medidas protetoras adicionais na forma de um novo PPR
para o ano seguinte. Este novo PAPPR poderá também
rever os outros parâmetros com bases em novos estudos ou dados da literatura. Este novo PAPPR deverá ser
colocado à disposição dos usuários até setembro do
ano anterior a seu exercício e poderão ser analisados
É bastante provável que estes custos de proteção sejam indivisíveis entres os dois serviços. Nestes casos alguma forma de rateio deve ser
feita (proporcional aos gastos divisíveis, por exemplo). Esta arbitragem parece mais precisa tecnicamente do que tentar transformar
qualidade em volume de capacidade de diluição, tal como se adota no CEIVAP. Isto porque não se está aqui, mais uma vez observamos,
controlando o uso e sim recuperando custos.
Tal como foi feito por Seroa da Motta et. al. (2004b) para a Bacia do Rio Paraíba do Sul.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
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por qualquer usuário ou conjunto deles desde que estes incorram nas custas deste processo de auditoria.
REVISÃO DOS PARÂMETROS ESPECÍFICOS DE CADA
USUÁRIO: os parâmetros ei, vi , ci, e bi poderão também
ser revistos para o exercício seguinte por solicitação
do usuário, ou conjunto deles, através de laudo técnico desde que estes incorram nas respectivas custas.
Nos dois casos acima, onde houver auditoria do
PAPPR e laudo técnico de parâmetros por solicitação
dos usuários se deverá utilizar instituição técnica reconhecida. A UC poderá solicitar um parecer técnico deste laudo ou auditoria por uma instituição de sua indicação com os respectivos custos cobertos pelo
solicitante.
Note que o usuário somente empreenderá tal esforço de revisão caso tenha a percepção que o valor esperado da economia com a cobrança PPR seja maior que
os custos incorridos na revisão. Dessa forma descentralizada, se evitaria gastar ineficientemente em estudos de revisão ou atuar com base em estudos controversos.
Ajustes automáticos
DESENCONTRO DE RECEITA: dada a natureza imprecisa dos parâmetros do modelo, tal como se discutiu anteriormente, por melhor que este seja calibrado existe
uma alta probabilidade da arrecadação efetiva ficar abaixo ou acima da arrecadação esperada no PAPPR. Adicionalmente, é plausível esperar uma taxa positiva de
inadimplência. Dessa forma, tanto os superávits do exercício findo serão deduzidos automaticamente do GT a
ser arrecadado no exercício seguinte como também no
caso de déficits, quanto assim for o caso, estes serão
acrescidos.
VARIAÇÃO NO NÚMERO DE CONTRIBUINTES: a solução da expressão (5) depende do número de usuários
i e como este número de usuários pode se alterar anualmente, uma vez observada esta alteração, se procederia a revisão tarifária considerando este novo universo
de contribuintes. Nesse caso os valores de t seriam automaticamente re-calculados para o exercício seguinte
na apresentação do novo PAPPR.
Nos dois casos acima não se exigiriam processos de
auditorias e laudos técnicos.
G OVERNANÇA
A princípio cabe ao Chefe da UC gerir o PAPPR e sua
implementação dentro das regras acima propostas, além
149
de decidir sobre as solicitações de revisão dos usuários. Todavia, seria eficiente para o sistema como um todo
incentivar ações cooperativas e de mecanismos de revelação de informação privada.
Dessa forma, propõe-se a criação de um Comitê PPR
(CPPR) dentro dos estatutos da UC com cinco membros,
a saber: o Chefe da UC, um representante dos usuários
industriais, um das operadoras de saneamento, outra
dos agricultores e um das prefeituras sobrepostas na
área. Os representantes dos usuários deverão ser
empossados mediante assinatura de apoio de pelo
menos 80% dos usuários (pagantes e isentos) do seu
setor.
O Comitê se reuniria duas vezes ao ano ou por convocação extraordinária solicitada pelo Chefe da UC ou
por solicitação conjunta de três de seus membros. O
CPPR decidiria somente por consenso dos seus cinco
membros e poderia deliberar nos seguintes casos:
1. Alterar valores e composição do GT, inclusive incluindo gastos em estudos técnicos.
2. Decidir conflitos entre laudos técnicos e auditorias
surgidas por solicitação de usuários.
3. Determinar a escala de valores dos pesos distributivos di.
U MA APLICAÇÃO
P ICOS
NO
P ARQUE E STADUAL
DOS
T RÊS
Nesta seção realizamos um exercício exploratório aplicado ao Parque Estadual dos Três Picos (PETP). Inicialmente descrevemos os critérios necessários para a seleção da área de estudo, seguido da importância ecológica do PETP. A seguir descrevemos o modelo de cálculo da contribuição do PETP ao fluxo hídrico das captações a jusante. Por fim, apresentamos uma proposta de
PAPPR para o parque na qual se justificam as estimativas dos parâmetros e se realizam simulações para determinação das tarifas.
C RITÉRIOS
PARA SELEÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A aplicação da metodologia apresentada neste estudo requer a seleção de uma bacia segundo critérios
específicos que viabilizam a implementação de um sistema de pagamento por serviços ambientais. Os critérios adotados foram: definição geográfica, relevância, apoio local, disponibilidade de dados, objetividade (relação causa-efeito), existência de consumidores
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
150 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
com capacidade de pagamento, custos de negociação
e monitoramento, e restrição orçamentária e de prazos do projeto.
A macro-região designada para este trabalho foi o
Corredor de Biodiversidade da Serra do Mar, definida
pela Aliança para Conservação da Mata Atlântica como
a porção da Serra do Mar entre os estados do Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Para a realização do
estudo de caso foi selecionada a bacia hidrográfica
Guapi-Macacu, localizada no entorno do Parque Estadual dos Três Picos, que atendeu aos critérios estipulados:
• Definição geográfica: a bacia Guapi-Macacu está localizada dentro do Corredor da Serra do Mar, cujas
nascentes encontram-se principalmente dentro do
PETP (mas também no PARNA Serra dos Órgãos e no
ESEC Paraíso), desaguando na porção leste da Baía
da Guanabara.
• Relevância: a criação do PETP é recente (junho/2002)
e a UC é carente de recursos para sua adequada implementação e gestão.
• Apoio local: as administrações do PETP, PARNA Serra
dos Órgãos e ESEC Paraíso, além de outras instituições que compõem o Consórcio da Bacia da Guanabara Leste demonstraram interesse na realização deste estudo e ofereceram suporte para sua realização.
• Disponibilidade de dados: além de informações hidrológicas provenientes da Agência Nacional de Águas
(ANA) e Companhia Estadual de Águas e Esgostos do
Estado do Rio de Janeiro (CEDAE), um diagnóstico recente da Baía da Guanabara Leste (Consórcio, 2005)
forneceu importantes e detalhadas informações sobre a região.
• Objetividade: há uma relação causa-efeito claramente definida do serviço ambiental (proteção que o PETP
fornece à manutenção da qualidade e regularidade
dos recursos hídricos) e sua demanda na região.
• Existência de consumidores com capacidade de pagamento: nesta bacia encontra-se a Captação Imunana, da CEDAE, que abastece aproximadamente
1.675.000 habitantes, além de empresas de extração de água mineral e de bebidas.
• Custos de negociação e monitoramento: dadas as
características da bacia e a relativamente pequena
quantidade de usuários, os custos de negociação e
monitoramento tornam-se acessíveis.
• Restrição orçamentária e de prazos: o estudo na Bacia Guapi-Macacu atendeu aos recursos e prazos existentes para a sua realização.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
O P ARQUE E STADUAL DOS T RÊS P ICOS
A B ACIA G UAPI -M ACACU
E
O Corredor de Biodiversidade da Serra do Mar, localizado entre os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais, possui florestas de grande importância
biológica situadas próximo às duas maiores metrópoles do Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), o que denota
a forte pressão antrópica sobre os recursos naturais na
região – dentre os quais a água. Muitos dos remanescentes estão protegidos por unidades de conservação,
entre eles o Parque Estadual dos Três Picos, localizado
no noroeste do estado do Rio de Janeiro.
O Parque Estadual dos Três Picos foi criado em 2002
pelo Decreto Estadual nº 31.343, com área total aproximada de 46.350 hectares, representando na ocasião
um acréscimo de 75% em toda a área protegida por
parques e reservas do estado do Rio de Janeiro. Situase nos municípios de Teresópolis, Nova Friburgo, Guapimirim, Silva Jardim e, principalmente, Cachoeiras de
Macacu (2/3 de sua área). Devido a sua criação recente, o Parque ainda está em processo de estruturação,
sendo que boa parte dos recursos que atualmente financiam os custos operacionais são provenientes de
compensação do licenciamento ambiental da empresa TermoRio, cujo término se dará no ano de 2008.
Após esse período, será necessária a identificação de
novas formas para custeio do manejo do Parque, uma
vez que o repasse do orçamento estatal é bastante
limitado.
Nesta unidade de conservação nascem os rios Macacu e Guapiaçú, principais componentes da bacia GuapiMacacu, com nascentes a uma altitude aproximada de
1.700m, perfazendo sua extensão até a foz na Baía de
Guanabara. Ao longo de seu curso sua fisiografia é
marcada por dois trechos bem definidos: próximo à
nascente denota-se regiões com acentuadas declividades e vales, compostos de florestas e maciços rochosos.
Já no trecho inferior encontra-se a foz do rio, na Baía
de Guanabara, bem como os terrenos planos com desníveis mínimos, onde se caracterizam áreas facilmente
inundáveis e de baixa permeabilidade.
A região da bacia hidrográfica Guapi-Macacu foi ocupada desde o início da colonização portuguesa no Brasil,
o que gerou uma perda histórica da cobertura florestal, essencialmente composta por Floresta Ombrófila
Densa. Portanto, são encontrados trechos significativos de floresta apenas nas áreas de maior declividade
da bacia, inapropriadas para atividades agrícolas, espe-
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cialmente dentro dos limites do Parque Estadual Três
Picos. Atualmente é observada uma regeneração natural da floresta, com manchas expressivas de vegetação
secundária em estágio de sucessão avançado (porte
arbóreo) e de inicial a médio (portes herbáceo e arbustivo) no município de Cachoeiras de Macacu, e em menor escala em Guapimirim (Consórcio, 2005).
A partir da década de 40, os principais rios dessa
bacia passaram por obras de retificação, com o propósito de erradicação da malária e drenagem das terras
para agricultura, descaracterizando a drenagem natural. Anteriormente, a região do baixo Caceribu sofria
inundações naturais sobre extensas áreas de manguezal e de várzeas. Para evitar tal cenário e permitir a
ocupação das terras, o Departamento Nacional de Obras
e Saneamento (DNOS) abriu artificialmente o Canal de
Imunana, interligando o curso do rio Macacu, logo a
jusante da confluência com o Guapiaçu, com o rio Guapimirim. Como resultado dessas obras, os manguezais
do Guapi passaram a sofrer um choque de água doce,
visto que o rio passou a responder pela vazão do conjunto Guapiaçú-Guapimirim-Macacu, tornando-se o
maior caudal de água doce da Baía Guanabara. Como
conseqüência das obras, verificou-se o desaparecimento
de brejos, pântanos e parte dos manguezais, causando
grande impacto à fauna e flora da região (Consórcio,2005).
No Canal de Imunana são captados 7m3/s de água
pela CEDAE que abastece a população dos municípios
de Niterói, São Gonçalo, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Itaboraí (aproximadamente 1.675.000 habitantes), bem como a agricultura, pecuária e empresas localizadas nestes municípios (FEEMA, 2004). Em decorrência da grande qualidade da água das nascentes dos
rios Macacu e Guapiaçú, instalaram-se na região diversas empresas para extração de água mineral, bem como
empresas onde a água é um importante insumo, como
uma cervejaria e fazendas de produção de grama.
S EQÜÊNCIA
METODOLÓGICA DA AVALIAÇÃO
HIDROLÓGICA DO PETP
Com o intuito de determinar a contribuição do parque
em termos de fluxo hídrico para as captações a jusante,
foi desenvolvido um Sistema de Informações Geográficas (SIG) que reuniu dados oriundos das seguintes fontes: Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro
(Fundação CIDE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF/RJ), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
151
(INPE) e Universidade de Maryland. A base de dados
em SIG referente a este estudo foi disponibilizada ao
IEF/RJ com informações que poderão ser utilizadas em
outros projetos relacionados a recursos hídricos que
venham a ser desenvolvidos na região.
A Figura 2 mostra o mosaico de imagens CBERS contendo a delimitação da área sujeita à contribuição
hídrica do PETP.
As informações tabulares dos pontos de captação
foram espacializadas, tendo sido geradas curvas de nível e mapa de declividade a partir do relevo. A Figura 3
apresenta os pontos de captação inseridos no contexto da bacia.
A Figura 4 mostra os mapas com as curvas de nível
(cotas com intervalos de 10 metros) e declividades elaborados a partir dos dados SRTM (resolução espacial
de 90 metros).
Com base nestas informações foram delimitadas as
áreas de contribuição para cada ponto de captação de
água das bases CEDAE e Fundação Superintendência
Estadual de Rios e Lagoas (SERLA), conforme Tabela 2.
Esse procedimento foi feito através de digitalização manual. O vetor das bacias hidrográficas, originado das
cartas de 1:50.000, foi sendo dividido a partir do ponto
de coleta tendo como orientação as curvas do relevo e
a rede de drenagem. Os polígonos sofreram uma divisão permitindo que seja identificada as áreas de contribuição dentro e fora do Parque Estadual dos Três Picos.
Cada ponto de captação (SERLA e CEDAE) está representado por sua área de contribuição em arquivos
separados. Alguns pontos de coleta foram agrupados
por estarem muito próximos e terem praticamente a
mesma área de contribuição hídrica.
Com o propósito de estabelecer um parâmetro de
decaimento da qualidade da água, de modo a balizar
esta influência no pagamento por serviços ambientais
do PETP, foram realizadas algumas tentativas de
zoneamento. A primeira aproximação considerou a distância dos pontos de captação às respectivas nascentes, a altitude e a declividade do terreno, como fatores
de influência na qualidade das águas, conforme ilustra
a Figura 5.
A segunda aproximação para definição de um
zoneamento de áreas com diferentes características
para a qualidade da água considerou o uso da terra e a
declividade do terreno. Para a área do trabalho foi gerado um grid com células com 4.300 metros de largura
e comprimento, o que equivale a uma área de 1.849
hectares. Todas as células desse grid receberam o valor,
em percentual, que cada uso da terra representa em
suas áreas.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
152 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
FIGURA 2 – Mosaico de imagens CBERS (07/08/2005), da área do Parque Estadual dos Três Picos.
As classes utilizadas foram agrupadas a partir da classificação das cartas 1:50.000:
• Grupo 0 – “Área não Classificada”, “Rios, Lagos, Lagoas, etc”, “Oceano” e “Área não mapeada”.
• Grupo 1 – “Floresta Ombrófila”, “Afloramento Rochoso”, “Várzea” e “Mangue”.
• Grupo 2 – “Vegetação secundária” e “Reflorestamento”.
• Grupo 3 – “Campo / Pastagem”.
• Grupo 4 – “Área agrícola” e “Área inundável”.
• Grupo 5 – “Área urbana (baixa densidade)” e “Área
urbana (média densidade)”.
• Grupo 6 – “Encosta degradada” e “Solo exposto”.
A informação de declividade também foi agregada
ao grid, pois cada célula do grid recebeu o valor angular
correspondente no mapa de declividade degradado espacialmente. A definição final (numérica) de qualidade
foi obtida para cada célula a partir da fórmula abaixo:
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
QUALIDADE =
((GRUPO_1 / 100) * ( 3 )) +
((GRUPO_2 / 100) * ( 1 )) +
((GRUPO_3 / 100) * ( -2 )) * (( SLOPE / 35) + 1) +
((GRUPO_4 / 100) * ( -3 )) * (( SLOPE / 35) + 1) +
((GRUPO_6 / 100) * ( -4 )) * (( SLOPE / 35) + 1)
Cada linha da fórmula acima representada acumula
um valor à célula, de acordo com o peso (positivo ou
negativo) do tipo de uso. Esse valor considera a declividade como agravante (SLOPE), ponderando o tipo de
uso com a declividade.
A Figura 6 ilustra o resultado do zoneamento conforme o uso da Terra e a declividade.
Cabe ressaltar que estas tentativas foram propostas
em função da ausência de informações sobre parâmetros de qualidade e trata-se de uma primeira aproximação
para um balizamento do pagamento por serviços ambientais pela qualidade presumida da água nos trechos
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
153
FIGURA 3 – Bacia de contribuição do Parque Estadual dos Três Picos (delimitada em vermelho).
de captação. O zoneamento a partir do uso da terra e
da declividade nos pareceu mais ilustrativo da realidade. No entanto, é necessário um diagnóstico da qualidade das águas na região para validar esta tentativa.
O
INVENTÁRIO DOS USUÁRIOS
O objetivo deste tópico é apresentar, com base em estimativas de balanço hídrico, a taxa de contribuição do
PETP na captação de água em bacias hidrográficas da
região. O balanço hídrico pode ser definido como a contabilidade volumétrica da água tendo por base um compartimento específico do ciclo hidrológico, em geral a
bacia hidrográfica, ou seja, a contabilização dos fluxos
de entrada e saída de água neste compartimento. Ele
envolve a quantificação dos componentes do processo
de transferência de água pela bacia. De forma mais de-
talhada, o Balanço Hídrico pode ser expresso pela expressão:
S = P – R – ET – G
(7)
Onde:
S = armazenamento;
P = precipitação;
R = escoamento superficial;
ET = evapotranspiração;
G = escoamento subterrâneo.
No ciclo hidrológico, uma parcela do volume precipitado evapora antes mesmo de atingir a superfície (evaporação direta), outra parcela sofre interceptação em
folhas e caules, de onde se evapora. A água que chega
ao solo divide-se em algumas parcelas: parte desse volume infiltra no solo, resultando em escoamento subterrâneo, outra parte resulta em escoamento superficial
e uma parcela é devolvida à atmosfera pela transpiração dos vegetais. Normalmente, emprega-se o termo
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
154 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
FIGURA 4 – Curvas de nível e declividade da bacia de contribuição do Parque Estadual dos Três Picos.
Evapotranspiração como a soma das parcelas de evaporação no solo e transpiração vegetal.
É importante salientar que as parcelas citadas do
balanço hídrico sofrem a influência de uma série de
variáveis dentro da bacia hidrográfica, por exemplo, do
clima da região, da cobertura vegetal, do período de
ocorrência da precipitação, do tipo e uso do solo, da
declividade e do volume precipitado. Para a estimativa
de cada uma das parcelas, empregam-se metodologias
diferentes. A utilização dessas metodologias varia em
função dos fatores limitantes para sua aplicação, como
os limites físicos (área mínima para o cálculo ou estações meteorológicas), ou da qualidade e quantidade de
dados hidrometeorológicos armazenados.
Por exemplo, para o cálculo da precipitação média
de uma bacia podemos utilizar o método aritmético
(média aritmética), o método de Thiessen (área ponderada, com peso proporcional à área de influência de
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
cada ponto, formando polígonos entre os pontos) ou o
método das Isoietas (considera curvas de igual precipitação). Além da fórmula empregada para o cálculo, o
fator diferencial para a aplicação de cada um desses
métodos está relacionado com os dados disponíveis
para o cálculo e as condições de contorno para a sua
aplicação.
A maneira mais precisa e correta de estimar cada
uma das parcelas do balanço hídrico é a utilização de
instrumentos para a coleta de dados específicos. Os
instrumentos variam em função da finalidade do experimento, coletando informações adequadas e utilizando-se de fórmulas de matemática aplicada e estatística
para mensurar as parcelas. Talvez o mais simples instrumento seja o pluviômetro, que é capaz de fornecer
a precipitação pontual, medida através da altura de
coluna d’água acumulada em milímetros (mm). Com essa
informação, associada à duração do evento e sua in-
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
tensidade, pode-se estimar o volume precipitado numa
determinada área.
Dada a carência, ou mesmo ausência, de dados em
escala adequada (microbacia) para a região do PETP, para
a estimativa de balanço hídrico foram utilizados dados
de regiões com características semelhantes. Os estudos de Oliveira Júnior & Dias (2005), Ranzini et al. (2004)
e Arcova et al. (2003), apresentam, por meio de experi-
155
mentos, uma estimava das porcentagens de infiltração,
evapotranspiração, escoamento superficial e precipitação para microbacias na Serra do Mar, região de Mata
Atlântica. As variações relativamente pequenas encontradas nestes estudos, nos motivou a utilizar tais estimativas para a região da Serra dos Órgãos na qual se
localiza o PETP, conforme apresentado na Tabela 1
(fator de relação). De posse das porcentagens e da
TABELA 1 – Fator de relação
VOLUME
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
PRECIPITADO
INFILTRAÇÃO
VOLUME
ESCOADO
FATOR DE
IN
100%
30%
60%
10%
RELAÇÃO
OUT
100%
20%
50%
30%
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
156 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
FIGURA 5 – Tentativa de zoneamento: distância das nascentes, altitude e relevo.
precipitação média das bacias da região – obtidas por
meio de interpolação de isoietas e com base na série
histórica de precipitação registrada em estações próximas ao parque, pôde-se estimar as demais parcelas do
balanço hídrico.
Para a coleta do material necessário para a estimativa da taxa de contribuição foram consultadas as bases
de dados disponíveis nos sítios virtuais da CEDAE e
Serviço Geológico do Brasil (CPRM), bem como o Cadastro Estadual de Usuários de Água fornecido pela
SERLA e material enviado pela ANA. Nos sítios do CEDAE
e SERLA foram coletadas informações sobre os pontos
de captação, dados dos usuários, localização espacial
dos pontos e o consumo anual das captações. Nos sítios do CPRM e ANA foram coletadas informações sobre a precipitação média anual (mapa de isoietas), rede
de drenagem e outras informações hidrológicas do estado do Rio de Janeiro.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
De posse dessas informações foi criado um Sistema
de Informações Geográficas (SIG) contendo os limites
das bacias de contribuição a partir de cada ponto de
captação de água (CEDAE e SERLA), a rede de drenagem, o limite do Parque e um mapa de isoietas totais
anuais (período de 1968-1995) gerado pelo CPRM, no
Projeto Rio de Janeiro.
O SIG gerado permitiu estimar a área de cada uma
das microbacias hidrográficas que continham os pontos de captação correspondentes. A área das microbacias foi dividida em parcelas dentro (IN) e fora (OUT) do
Parque. A sobreposição das informações no SIG e a divisão da área também possibilitaram a estimativa da
precipitação média, em cada uma das parcelas constituintes das bacias delimitadas.
A partir dessas informações, foi estimado o balanço
hídrico para cada bacia de captação, considerando
as seguintes componentes para os cálculos: Volume
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
157
FIGURA 6 – Zoneamento da qualidade presumida, conforme o uso da terra e a declividade.
Precipitado, Infiltração, Evapotranspiração e Volume Escoado superficialmente.
A cada um dos componentes principais foram atribuídos um Fator de Relação em função da característica
da bacia – fora ou dentro do Parque. Uma vez definida
a área e a precipitação, o produto delas forneceu o Volume Precipitado. Aplicando ao Volume Precipitado os
fatores de relação para cada uma das componentes foi
possível estimar as demais parcelas em termos de volume, isto é, a parcela de Evapotranspiração, Infiltração
e Volume Escoado.
A Taxa de Contribuição do parque para cada bacia
(Tabela 2) foi calculada em função do tipo de captação.
Para os pontos onde a captação é superficial, a taxa foi
calculada em função do Volume Escoado e para os casos onde a captação é subterrânea, foi considerada a
parcela da Infiltração.
Observa-se que a maioria dos pontos de captação
da região tem algum tipo de relacionamento com o
Parque, o que ficou evidenciado pela taxa de contribuição calculada. Em alguns casos essa taxa variou entre
70-100%.
OS
CUSTOS DE PROTEÇÃO E MANUTENÇÃO DO
PETP
Para o cálculo de GT (gasto total de proteção da UC a
ser recuperado) foram considerados todos os gastos
cuja relação com a proteção e manutenção de nascentes dentro da UC possam ser justificados. Não foram
considerados gastos que não possuam relação direta
com a proteção do Parque, como Educação Ambiental
a Turistas, Preparação de Trilhas para Visitação Turística, e Centro de Visitantes. Desta forma a tarifa calcula-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
158 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
TABELA 2 – Balanço hídrico para microbacias relacionadas ao PETP 10
BALANÇO HÍDRICO
ESTAÇÃO DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA
LOCAL PARQUE
Ney Souza e Silva
IN
OUT
Mineradora Costa D’água Ltda
IN
OUT
Mineração Lucânia Ltda
IN
OUT
Itograss Agrícola de Ipanema Ltda
IN
OUT
Hugo de Vasconcelos Paiva
IN
OUT
Água Mineral Mariquita Ltda
IN
OUT
Agropecuária Serra do Mar
IN
OUT
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
IN
OUT
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
IN
OUT
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
IN
OUT
Agropecuária Guapiaçu Ltda
IN
OUT
Agropecuária Guapiaçu Ltda
IN
OUT
Reserva Ecológica de Guapiaçu
IN
OUT
Captação - Rio Cachoeirinha
IN
OUT
Captação - Rio Cachoeira Grande
Captação - Rio Agulheiro do André
Captação - Imunama
10
IN
OUT
IN
OUT
IN
OUT
ÁREA
(Km2)
2,740
0,212
2,952
2,882
0,300
3,182
0,000
1,534
1,534
106,271
53,591
159,862
13,146
1,109
14,255
3,136
0,000
3,136
61,998
20,925
82,923
61,998
20,925
82,923
61,998
20,925
82,923
61,998
20,925
82,923
61,998
33,052
95,049
61,998
33,052
95,049
61,998
33,052
95,049
0,000
6,027
6,027
0,000
20,220
20,220
0,000
1,925
1,925
244,9367
876,7003
1.121,64
PRECIPITAÇÃO
MÉDIA
(mm)
VOLUME
PRECIPITAÇÃO
(m 3/ano)
2.450
2.350
6.713.980
498.200
2.350
2.200
6.773.252
659.213
1.350
0
2.070.936
2.400
2.300
255.049.440
123.259.944
2.450
2.350
32.207.722
2.606.855
2.500
7.840.750
0
2.350
2.300
145.694.125
48.127.937
2.350
2.300
145.694.125
48.127.937
2.350
2.300
145.694.125
48.127.937
2.350
2.300
145.694.125
48.127.937
2.350
2.300
145.694.125
72.713.740
2.350
2.300
145.694.125
72.713.740
2.350
2.300
145.694.125
72.713.740
1.800
0
10.849.206
1.750
0
35.384.745
1.450
0
2.790.670
2.300
1.900
563.354.410
1.665.730.570
Cada registro refere-se a um CEUA – Cadastro Estadual de Usuários de Água da SERLA, e refere-se a uma captação com posição geográfica
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
BALANÇO HÍDRICO
EVAPOTRANSPIRAÇÃO
(m 3 )
INFILTRAÇÃO
(m 3 )
2.014.194
99.640
4.028.388
249.100
2.031.976
197.764
4.063.951
395.528
0
414.187
76.514.832
24.651.989
0
1.035.468
1.035.468
153.029.664
61.629.972
9.662.317
521.371
19.324.633
1.303.428
2.352.225
0
4.704.450
0
43.708.238
9.625.587
87.416.475
24.063.969
43.708.238
9.625.587
87.416.475
24.063.969
43.708.238
9.625.587
87.416.475
24.063.969
43.708.238
9.625.587
87.416.475
24.063.969
43.708.238
14.542.748
87.416.475
36.356.870
43.708.238
14.542.748
0
2.169.842
87.416.475
36.356.870
123.773.345
87.416.475
36.356.870
123.773.345
0
5.424.604
0
7.076.949
0
17.692.372
0
558.134
0
1.395.335
169.006.323
333.146.114
338.012.646
832.865.285
43.708.238
14.542.748
VOLUME
ESCOADO
(m 3)
159
TAXA DE
CONRIBUIÇÃO
DO PARQUE
bi (%)
671.398
149.460
820.858
677.325
65.921
743.247
0
621.281
81,79
91,13
0,00
25.504.944
36.977.983
62.482.927
3.220.772
782.057
4.002.829
784.075
0
784.075
14.569.413
14.438.381
29.007.794
14.569.413
14.438.381
29.007.794
14.569.413
14.438.381
29.007.794
14.569.413
14.438.381
29.007.794
14.569.413
21.814.122
36.383.535
14.569.413
21.814.122
40,82
80,46
100,00
50,23
50,23
50,23
50,23
40,04
70,63
14.569.413
21.814.122
70,63
0
3.254.763
3.254.763
0
10.615.423
10.615.423
0
837.201
837.201
56.335.441
499.719.171
556.054.612
0,00
0,00
0,00
10,13
e volume de captação diferenciados. Portanto, alguns usuários se repetem.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
160 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
da representará apenas o valor necessário para custear
as atividades referentes à proteção e manutenção da
unidade de conservação, com reflexos diretos para a
proteção dos Recursos Hídricos.
Assim, foi realizado um levantamento junto à administração do Parque Estadual Três Picos dos principais
componentes de custos a serem inseridos no cálculo,
resultando na lista a seguir:
a) Regularização fundiária: Valor total previsto para a
regularização fundiária do PETP, descontado a 6%
ao ano.
b) Folha de Pagamentos: Valor anual total dos salários
mais encargos da Administração do Parque, técnicos,
guardiões e pesquisadores, proporcionalmente ao
tempo dependido com a proteção da área. Tempo dedicado à visitação turística, elaboração de trilhas e
reuniões administrativas não é contabilizado.
c) Treinamento: Valor anual para capacitação dos funcionários para atividades de proteção do Parque
d) Equipamentos: Valor anual total de veículos, equipamentos para fiscalização do Parque, equipamentos para prevenção de incêndios florestais, depreciados a 20% ao ano.
e) Combustível: Valor anual total do combustível gasto em atividades de proteção do Parque.
f) Gastos Administrativos: Valor anual total dos gastos com luz, água e telefone, proporcionais ao tempo dedicado à proteção do Parque.
g) Edificações: Valor total das edificações necessárias
para a proteção do Parque, descontadas a 6% ao ano.
O valor de GT (gasto total de proteção da UC a ser
recuperado) para o caso do Parque Estadual Três Picos,
ano-base 2006, dadas as considerações acima somam
R$ 635.680,00.
TABELA 3 – Custos e elasticidade dos usuários 11
ESTAÇÃO DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA
Ney Souza e Silva
CLASSIFICAÇÃO SETORIAL
E FONTE DE CAPTAÇÃO
ci
ei
R$/m3
bi
%
Residencial média da média - superficial
0,2707
0,74
1000,00
15 - Fabr. produt. aliment. e beb. superficial
0,2617
0,82
91,13
Agropecuária média da média - superficial
0,2707
0,50
40,82
Residencial - média da média
- superficial
0,2707
0,74
80,46
15 - Fabr. produt. aliment. e beb.
- superficial
0,2617
0,82
100,00
Agropecuária média da média - superficial
0,2707
0,50
50,23
15 - Fabr. produt. aliment. e beb. superficial
0,2617
0,82
50,23
15 - Fabr. produt. aliment. e beb. superficial
0,2617
0,82
50,23
15 - Fabr. produt. aliment. e beb. superficial
0,2617
0,82
50,23
Agropecuária média da média - superficial
0,2707
0,50
40,04
Agropecuária média da média - superficial
0,2707
0,50
70,63
Agropecuária média da média - superficial
0,2707
0,50
70,63
poço raso - lençol freático
Captação - Imunama
Média da média - superficial
0,2707
0,74
10,13
abastecimento - nascente
Mineradora Costa D’água Ltda
indústria - nascente
Itograss Agrícola de Ipanema Ltda
irrigação - rio/córrego
Hugo de Vasconcelos Paiva
abastecimento de 5 famílias - nascente
Água Mineral Mariquita Ltda
indústria - nascente
Agropecuária Serra do Mar
indústria - nascente
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
três pontos de captação de água para a indústria
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Mariquita
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Manoel Alexandre
Agropecuária Guapiaçu Ltda
irrigação - rio/córrego
Agropecuária Guapiaçu Ltda
poço - lençol freático
Reserva Ecológica de Guapiaçu
como contribuição do parque e de grande área fora dele
11
Nota: Estimativas de ei e c i com base em Seroa da Motta et. al. (2004)
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
Este é o valor total necessário para a proteção e
manutenção dos recursos hídricos do Parque Estadual
Três Picos, ano-base 2006, que será utilizado na
precificação do PPR. Entretanto, alerta-se para o fato
de que este estudo é focado apenas na bacia GuapiMacacu, sem considerar outras bacias importantes com
nascentes localizadas no Parque, como os rios que compõem a bacia do rio Paraíba do Sul, a bacia do rio Macaé
e a bacia do rio São João. No momento em que estudos
semelhantes sejam realizados em todas a bacias com
nascentes no Parque, o valor total de GT poderá ser
redistribuído entre os demais usuários.
E L ASTICIDADES
E CUSTOS ATUAIS DE CONSUMO DE
ÁGUA
Diferentemente do inventário, não se realizou nenhum
estudo específico para estimar as elasticidades-preços
dos usuários de água da bacia Guapi-Macacu. A estimação da elasticidade teria que ser modelada através de
funções de produção ou custo contendo um conjunto
de no mínimo 100 observações. Considerando o número reduzido de usuários relevantes na bacia em
análise seria necessário um levantamento de séries temporais de dados junto aos usuários que se julgou inviável devido às restrições de tempo e recursos.
Para uma aplicação metodológica optou-se por utilizar as estimativas de elasticidades para cada setor de
atividade econômica que foram calculadas em Seroa da
Motta et. al. (2004b), onde se aplicou uma função de
custo para uma amostra de 500 usuários na bacia do
rio Paraíba do Sul. Da mesma forma, para manter a consistência metodológica, utilizou-se também as estimativas dos custos médios de consumo de água para cada
setor do mesmo estudo.
Estas estimativas estão apresentadas na Tabela 3
abaixo juntamente com os valores percentuais (bi) que
representam a contribuição da UC para o consumo
total de cada usuário, estimados no balanço hídrico.
Neste momento foram selecionados os usuários que
possuem bi > 0, ou seja, em que há a contribuição do
PETP no volume captado.
S IMUL AÇÕES
DAS TARIFAS
Para efeito metodológico vamos calcular os valores de
ti para os seguintes cenários, a saber:
CENÁRIO NEUTRO: sem subsídio cruzado, di e ei
iguais para todos os usuários, a tarifa apenas se dife-
161
rencia por bi que é a proporção de consumo que é a
contribuição da UC.
CENÁRIO DISTRIBUTIVO: além da diferença de bi há
subsídio cruzado para os usuários residenciais onde di
= 0,5 originados dos outros usuários onde di = 1.
CENÁRIO DIFERENCIADO: além da diferença de bi há
subsídio cruzado definido pela regra de preço público
em relação à elasticidade-preço da água ei de cada usuário (ei ¹ 0), mas di = 1 para todos os usuários.
O cenário neutro ao não calibrar ti pelas elasticidades, eleva o valor de t básico porque usuários com
menor reação a preço percebem o mesmo valor de cobrança que os usuários mais elásticos e, portanto, a
capacidade de geração de receita é reduzida. No cenário distributivo esta elevação de t pode ainda ser maior
caso os usuários beneficiados sejam mais inelásticos
que os não beneficiados. Isto porque os não beneficiados irão pagar mais que na ausência de tarifa subsidiada
e sendo mais elásticos então desviarão mais demanda
que exigirá maior t para compensar a receita perdida.
Os resultados do exercício confirmam estas tendências nos valores de t conforme indica a Tabela 4 abaixo.
Observa-se que t neutro na ordem de R$ 0,02868/m3
é aproximadamente 35% maior que o valor de t diferenciado que seria de 0,02118/m3. Já o t distributivo, estimado em 0,05187/m3, é aproximadamente 80% maior
que o t neutro, indicando que o subsídio ao consumo
residencial obrigou um esforço de receita adicional sobre alguns usuários menos elásticos.
TABELA 4 – Tarifa Básica por Cenários
CENÁRIO
NEUTRO
DISTRIBUTIVO
DIFERENCIADO
t básico
0,02868
0,05187
0,02118
(R$/m3 )
Embora o valor de t básico seja menor no cenário
diferenciado, isto não significa que as tarifas para todos os usuários neste cenário serão também menores.
Ao contrário, no cenário diferenciado espera-se uma
tarifa maior para os usuários menos elásticos. Observando a Tabela 5 que apresenta as tarifas por usuário,
nota-se que a Itograss Agrícola (assim como todo setor
agropecuário) que tem a menor elasticidade entre os
usuários inventariados pagará uma tarifa 1,48 maior que
pagaria no cenário neutro. Já a Primo Schincariol Ind.
de Cerveja e as Empresas de água mineral que são os
usuários mais elásticos pagariam uma tarifa equivalen-
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
162 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
TABELA 5 – Análise comparativa de cenários por usuário
USUÁRIO
Ney Souza e Silva
ti neutro
ti dist
ti dif
R$/m 3
R$/m3
R$/m3
t dist/
t neutro
t dif/
t neutro
tdif/
t dist
0,02346
0,02121
0,02341
0,90
1,00
1,10
0,02613
0,04727
0,02354
1,81
0,90
0,50
0,01171
0,02117
0,01729
1,81
1,48
0,82
0,02307
0,02087
0,02303
0,90
1,00
1,10
0,02868
0,05187
0,02583
1,81
0,90
0,50
0,01440
0,02605
0,02128
1,81
1,48
0,82
0,01440
0,02605
0,01297
1,81
0,90
0,50
0,01440
0,02605
0,01297
1,81
0,90
0,50
0,01440
0,02605
0,01297
1,81
0,90
0,50
0,01148
0,02077
0,01696
1,81
1,48
0,82
0,02025
0,03663
0,02992
1,81
1,48
0,82
0,02025
0,03663
0,02992
1,81
1,48
0,82
0,00291
0,00263
0,00290
0,90
1,00
1,10
abastecimento - nascente
Mineradora Costa D’água Ltda
indústria - nascente
Itograss Agrícola de Ipanema Ltda
irrigação - rio/córrego
Hugo de Vasconcelos Paiva
abastecimento de 5 famílias - nascente
Água Mineral Mariquita Ltda
indústria - nascente
Agropecuária Serra do Mar
indústria - nascente
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
três pontos de captação de água para a indústria
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Mariquita
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Manoel Alexandre
Agropecuária Guapiaçu Ltda
irrigação - rio/córrego
Agropecuária Guapiaçu Ltda
poço - lençol freático
Reserva Ecológica de Guapiaçu
poço raso - lençol freático
Captação - Imunama
como contribuição do parque e de grande área fora dele
te a 90% do que pagariam no cenário neutro. Note que
o objetivo da cobrança PPR é a geração de receita, logo
precisa minimizar desvios de demanda. Se ao inverso,
uma cobrança é estabelecida para reduzir o consumo
da água, as tarifas deveriam ser diretamente proporcionais às elasticidades para que resultasse em menor
demanda.
Também na Tabela 5, observa-se que no cenário
distributivo os usuários residenciais, Ney Souza e Silva,
Hugo de Vasconcelos Paiva e a Captação Imunana12 (que
receberam peso de 0,5) pagariam uma tarifa equivalente a 90% da tarifa que prevaleceria para eles no cenário
neutro. Para compensar este subsídio os outros usuários teriam que pagar uma tarifa 81% maior. Como os
12
usuários residenciais têm uma elasticidade baixa, as
tarifas destes no cenário diferenciado são apenas 10%
superiores ao cenário distributivo.
A Tabela 6 apresenta uma estimativa de aumento
percentual das tarifas de água percebida pelos usuários. Observa-se que apesar de o aumento médio ser
da ordem de 1,18% (acréscimo de GT aos custos totais
dos usuários sem PPR), o fato da Captação Imunana
corresponder a aproximadamente 88,3% do volume de
água captado com contribuição do PETP faz com que o
demais usuários percebam um aumento percentual
muito maior, entre 4,24% e 10,96% no cenário neutro,
entre 7,67% e 19,82% no cenário distributivo e entre 4,96%
e 11,05% no cenário diferenciado.
Embora a captação Imunana sirva também para abastecimento não-residencial, para efeitos deste estudo está sendo considerado que o uso
residencial é majoritário, de forma que seja mais bem observada a conseqüência da utilização de um cenário distributivo.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
163
TABELA 6 – Aumento percentual das tarifas por m 3 com PPR
% AUMENTO
USUÁRIO
Ney Souza e Silva
CENÁRIO
NE
UTRO
NEU
CENÁRIO
DISTRIBUTIVO
CENÁRIO
DIFERENCIADO
8,66
7,84
8,65
9,99
18,07
9,00
4,32
7,82
6,39
8,52
7,71
8,51
10,96
19,82
9,87
5,32
9,62
7,86
5,50
9,96
4,96
5,50
9,96
4,96
5,50
9,96
4,96
4,24
7,67
6,27
7,48
13,53
11,05
7,48
13,53
11,05
1,07
0,97
1,07
abastecimento - nascente
Mineradora Costa D’água Ltda
indústria - nascente
Itograss Agrícola de Ipanema Ltda
irrigação - rio/córrego
Hugo de Vasconcelos Paiva
abastecimento de 5 famílias - nascente
Água Mineral Mariquita Ltda
indústria - nascente
Agropecuária Serra do Mar
indústria - nascente
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
três pontos de captação de água para a indústria
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Mariquita
Primo Schincariol Ind. de Cerveja
indústria - rio Manoel Alexandre
Agropecuária Guapiaçu Ltda
irrigação - rio/córrego
Agropecuária Guapiaçu Ltda
poço - lençol freático
Reserva Ecológica de Guapiaçu
poço raso - lençol freático
Captação - Imunama
como contribuição do parque e de grande área fora dele
C ONCLUSÕES
E RECOMENDAÇÕES
O estudo realizado permitiu verificar resultados tanto
de ordem técnica como de aplicação da metodologia
PPR no caso do Parque Estadual Três Picos.
Em relação às questões hidrológicas, observa-se que
apesar de ter sido possível a coleta de dados hidrológicos para a região, esses dados continham muitas falhas
de leitura e armazenagem. Para um melhor tratamento
destas informações, sugere-se aumentar o levantamento
de dados, inclusive com a instalação de novos pluviômetros no interior do parque, ampliando, conseqüentemente, a acurácia da regionalização hidrológica.
Um outro fator importante a considerar foi o uso do
SIG, que possibilitou a análise e interpretação de vários dados da região, gerando informações fundamentais para o estudo, como por exemplo, as áreas das
bacias, localização dos pontos de captação e análise
das precipitações médias.
Os fatores de relação representam estimativas de
cada parcela do balanço hídrico, podendo variar até
mesmo entre cada bacia devido às suas características
pedogenéticas e estratigráficas, por exemplo. Idealmente, tais características deveriam ser consideradas, havendo demanda, portanto, de geração de dados de
tipologia de solos e outros estudos específicos no interior do parque. Tais dados devem aumentar a precisão
das estimativas do balanço hídrico.
O cálculo do Balanço Hídrico demonstra que a maioria dos pontos de captação analisados na Bacia GuapiMacacu tem algum tipo de relacionamento com o PETP,
o que ficou evidenciado pela taxa de contribuição calculada, em vários casos variando entre 70% e 100%.
Mesmo no caso da Captação Imunana, cuja taxa de contribuição do PETP é relativamente baixa (10,13%), o grande volume de água captado, torna-a o principal usuário
em termos de volume captado com contribuição do
PETP dentre os usuários de toda a bacia.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
164 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
É importante ressaltar que a metodologia apresentada neste estudo aplica-se a Unidades de Conservação
que protegem as nascentes da bacia analisada, em que
a qualidade da água fornecida pela UC é a melhor possível para os usuários a jusante. No entanto, para o caso
de UCs localizadas ao longo da bacia, que funcionam
como “filtros” e fornecem água a jusante de melhor
qualidade que a recebida a montante, os dados de qualidade de água corretamente espacializados são essenciais para a precificação do PPR. Neste caso, as tarifas
seriam também ponderadas por um indicador de qualidade do volume de água consumido pelos usuários.
Quanto à metodologia de precificação do Princípio
Protetor-Recebedor (PPR), um fato muito importante a
ser ressaltado é sua característica exógena ao Plano
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Este último prevê a possibilidade de cobrança pelo uso da água para
atender ao objetivo de racionalização, em que os preços são sinalizadores de escassez e dos custos de gestão relacionados a este objetivo, influenciando a demanda por recursos hídricos. No caso do PPR, o objetivo
é o de financiamento de custos da UC relativos à proteção e manutenção de recursos hídricos, previsto nos
artigos 47 e 48 da lei 9985/2000 do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC).
Apesar da característica desta metodologia PPR ser
exógena ao PNRH, acredita-se que ela deve ser eventualmente avaliada pelos Comitês de Bacia para que seja possível uma composição única de cobrança pelo uso da água,
em que as necessidades das UCs que protegem as nascentes da bacia em questão também sejam consideradas.
Os resultados da aplicação da metodologia de
precificação do PPR proposta neste estudo orientam
para as seguintes propriedades de cobrança do PPR:
(i) Seja qual for o nível de cobrança, esta vai gerar
um aumento de preço do uso da água que resultará em reações do usuário que tenderá a reduzir
seu consumo e, conseqüentemente, desviará demanda e diminuirá a receita efetiva. Logo um rateio simples dos gastos sem a metodologia aqui
indicada que considera este desvio de demanda
não resultará na receita desejada.
(ii) A concessão de subsídios distributivos a certos
usuários implicará necessariamente em aumentos
de tarifa para os outros de forma que se mantenha o nível de geração de receita.
(iii) A forma mais eficiente de calibrar as diferenças das
tarifas entre usuários é estimá-las inversamente
proporcionais às suas elasticidades. Dessa forma,
pagam mais os usuários menos reativos a preços
e, portanto, com menor produtividade no uso da
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
possibilidade mais ampla de substituição. Conseqüentemente, a tarifa básica é mais baixa que em
qualquer outro critério alocativo.
A decisão de qual cenário será escolhido para a determinação da tarifa PPR dependerá da organização
institucional da bacia em questão, em que os custos
econômicos e políticos da negociação sejam avaliados.
A princípio, o cenário neutro parece ser de mais fácil
negociação entre os usuários, uma vez que envolve simplesmente a taxa de contribuição da UC na água captada por cada um deles. Entretanto, este cenário não
considera as variações de demanda que podem ocorrer
devido a um aumento na tarifa da água (dado pela elasticidade-preço dos usuários), o que está considerado
no cenário diferenciado. Por outro lado, o cenário
distributivo, em que subsídios possam ser oferecidos a
certos usuários às custas dos demais (subsídio cruzado), pode haver uma dificuldade de negociação maior
caso os critérios destes subsídios e os usuários beneficiados não sejam muito bem justificados.
Ressalta-se que nem todas as Unidades de Conservação possuem os pré-requisitos necessários para a implementação da metodologia de precificação do PPR
proposta neste estudo, portanto ela não deve ser vista
como uma ferramenta universal de financiamento de
áreas protegidas. A aplicação desta metodologia requer
a seleção de uma bacia segundo critérios específicos
que viabilizam sua execução. Bacias que não atendam
totalmente aos requisitos aqui apresentados devem ser
analisadas caso a caso, para verificar a necessidade de
uma metodologia mais apropriada.
Para a implementação desta metodologia, recomenda-se um acompanhamento especializado como
auxílio ao administrador da UC e ao comitê do PPR. De
forma ideal, seria interessante a capacitação dos órgãos
ambientais e demais atores locais envolvidos, para que
a metodologia possa ser replicada em outras UCs de
maneira otimizada, em que as experiências sejam somadas e exista um amadurecimento do processo.
Enfim, observa-se que a metodologia apresentada
pode ser uma ferramenta interessante como uma opção de financiamento para UCs que se encaixem nos
critérios definidos. É uma metodologia baseada em princípios econômicos já bem estabelecidos, como a regra
de preços públicos, em que desvios de demanda são
considerados de forma a melhor representar o comportamento dos usuários de água mediante um aumento de preços. Além disso, a contribuição da UC no volume de água captado também está claramente definida,
evidenciando a sua importância no fornecimento de
água para toda a bacia.
Strobel, Souza Jr., Seroa da Motta, Amend & Gonçalves |
Se por um lado o aumento total no valor de uso da
água pode parecer elevado em termos absolutos aos
usuários da bacia, que atualmente não remuneram a
proteção dos mananciais de que se servem, se analisado de forma relativa, por consumidor individual final, a
conclusão pode mudar de perspectiva. Podemos partir
do pressuposto conservador de que a captação Imunana atende apenas à metade dos 1,675 milhões de habitantes estimados pelo Consórcio da Bacia da Baía da
Guanabara Leste, ou seja, cerca de 837 mil habitantes.
Rateando o custo de proteção e manutenção dos recursos hídricos do PETP (R$ 635.680/ano) por esses
usuários, chega-se a um desembolso médio anual na
ordem de R$ 0,76/ano por usuário individual.
A metodologia adotada no presente estudo pode
embasar a regulamentação dos artigos 47 e 48 do SNUC,
no que diz respeito aos recursos hídricos. Entretanto,
é possível que sejam necessárias adequações metodológicas para que os procedimentos aqui apresentados
sejam adotados em Unidades de Conservação com contextos distintos.
A PÊNDICE
TÉCNICO
Regra de preços públicos
Se o benefício do consumo de um bem público que
tem de ser maximizado de tal forma que o excedente
(lucro) da sua exploração não seja negativo13, então podemos agora definir uma função de utilidade indireta
(v) com preços (p) e excedente(p), v(p, p), que deve ser
maximizada sujeito à seguinte restrição:
p (p) = pi Xi(p) - ci(p)
Multiplicando e dividindo (3) por pi/mXi podemos obter:
pi - ∂ci/∂pi/pi = pi - ∂ci/∂pi/pi ∂Xi/∂pi Xi/pi
(4)
Sendo ∂Xi/∂pi Xi/pi a elasticidade-preço da demanda (ei),
então:
pi - ∂ci/∂pi/pi = - (m-l)/mei
(5)
Esta é a regra de Ramsey de preços públicos. Note
que estamos admitindo que as elasticidades cruzadas
são nulas. Para uma análise mais detalhada de
precificação de preços públicos, ver, por exemplo,
Starret (1988) e Atkinson (1980).
A GRADECIMENTOS
O CSF gostaria de agradecer ao CEPF (Critical
Ecossystems Partnership Fund) pelo financiamento que
possibilitou a execução desse estudo. Gostaríamos de
agradecer também às seguintes pessoas e instituições,
que deram fundamental apoio ao projeto: Flávio Castro (IEF – PETP), Mariella Uzêda (Ibio), Ivana Lamas,
Daniela Lerda e Ani Zamgochian (CI), Eduardo Lardosa
(IEF), Nicholas Locke (REGUA), Peter May (REBRAF),
Alcides Pissinatti (CPRJ – ESEC Paraíso), Ernesto Castro
(PARNASO), Elaine Fidalgo (EMBRAPA Solos), Delmo
Vaitsman (UFRJ – IQ), Theodoros Ilias Panagoulias (UFRJ
– IQ), Jorge Muniz (CEDAE), Rosana Fânzeres (CEDAE),
Leila Heizer (CEDAE), Suzana Barros (SERLA), Cláudio
Bohrer (UFF), Alba Simon (IBG) e Carlos Jamel (IBG).
(1)
R EFERÊNCIAS
onde X é uma função de demanda do bem público e c é
o a sua função de custo marginal de provisão.
Logo a solução de otimização, utilizando multiplicadores de Lagrange, seria:
∂v/∂pi + mXi + mpi ∂Xi/∂pi - m∂ci/∂pi∂Xi/∂pi = 0
(2)
Usando a identidade de Roy (∂v/∂pi = -l Xi) , a expressão (2) pode ser reescrita por:
(m-l)Xi + m((pi - ∂ci/∂pi) ∂Xi/∂pi) = 0
13
165
(3)
BIBLIOGRÁFICAS
Andrade, T.A. 1998. Aspectos distributivos na determinação de
preços públicos. IPEA, Rio de Janeiro.
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Consórcio da Bacia da Baía da Guanabara Leste. 2005. Projeto
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e Uso Sustentável da Bacia da Baía da Guanabara Leste. Co-
Caso possa ser negativo, a regra de preço igual a custo marginal seria adotada.
MEGADIVERSIDADE | Volume 2 | Nº 1-2 | Dezembro 2006
166 | Critérios econômicos para a aplicação do princípio do protetor-recebedor: estudo de caso do Parque Estadual dos Três Picos
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Na lista, as referências devem ser organizadas, primeiro, em ordem
alfabética dos autores, e, em seguida, por ordem cronológica para
autores que são citados repetidamente.
Exemplos:
Andrew, D. 2001. Post fire vertebrate fauna survey: Royal and Heathcote
national parks Garawarra State Recreation Area. New South Wales
National Parks and Wildlife Service, Hurstville, Austrália.
Baker, J. R. 2000. The Eastern Bristlebird: cover depedent and fire
sensitive. Emu 100: 286-298.
Keith, D. A., W. L. McCaw & R.J. Whelan. 2001. Fire regimes in Australian
heathlands and their effects on plants and animals.
In: R.A. Bradstock, J. Willians & A.M. Gills (eds). Flammable Australia:
the fire regimes and biodiversity of a continent. pp 199-237.
Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido.
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dado em forma de tabela e figura. Tanto as tabelas como as
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espécie, seguido da autoridade que a descreveu (quando a
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família a que pertence na primeira citação. Citar o nome
popular da espécie, quando existir, na primeira vez que a
espécie é mencionada.
U n i d a d e s , s í m b o l o s e n ú m e r o s : usar o sistema
internacional. Em expressões matemáticas usar símbolos e
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extenso e de 10 em diante usar algarismos.
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