O chef que virou chefe

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O chef que virou chefe
O chef que virou chefe
Conheça o lado gestor de Alex Atala, o mais premiado cozinheiro do Brasil, e saiba como ele salvou seus
restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito da falência.
O chef paulistano Alex Atala está com o braço direito com movimentos restritos, por conta de uma cirurgia
realizada há pouco mais de 30 dias. E, como diria o jornalista e escritor americano Gay Talese, Atala sem
poder usar suas mãos é como Frank Sinatra resfriado e despojado de sua voz, Picasso sem tinta ou Ferrari
sem combustível. Dono do restaurante D.O.M., eleito o quarto melhor do mundo pela revista britânica
Restaurant, num ranking que frequenta há sete anos, ele terá de abandonar provisoriamente, por
recomendação médica, a preparação de suas célebres criações gastronômicas e acrescentar sessões de
fisioterapia à sua pesada rotina, que começa por volta das 9 horas da manhã e só termina depois das 2
horas da madrugada.
Ex-punk, pescador e DJ nas horas vagas, Atala teve
de deixar as panelas para mergulhar nos números com o apoio
de três consultorias para reestruturar seus negócios.
O breve afastamento de Atala da cozinha, no entanto, não está sendo encarado como um funeral. Ao
contrário. É uma oportunidade para sair de cena o chef e entrar em ação o empresário. O CEO Atala
administra três negócios com quase 150 funcionários - além do D.O.M., onde um jantar acompanhado de
vinho não sai por menos de R$ 700 por casal, são dele o Dalva e Dito e a padaria Em Nome do Pão, todos
em São Paulo. “Quando comecei a trabalhar na cozinha, nem imaginava que teria de aprender a mexer
com números e planilhas, mas agora é algo que me dá prazer”, afirma Atala. Atala, 44 anos de idade, não é
um CEO comum, do tipo que tem escritório com sala e secretária. O dólmã, jaleco branco dos chefs, não foi
substituído pelo terno e pela gravata.
A peça permanece sendo o seu uniforme de trabalho, que deixa à mostra nos braços parte das mais de 20
tatuagens que tem espalhadas pelo corpo. Atala também não pode ser considerado um empresário
centralizador, ao menos na área de finanças. Para ajudar nessa tarefa, ele contratou a ex-cardiologista e
amiga Gabriela Rodriguez, que dirige seus negócios desde 2007. As decisões são tomadas de comum
acordo no “escritório sabiá”, uma sala de reunião incomum para quem está acostumado aos padrões dos
sisudos e refrigerados ambientes corporativos. A sala está localizada ao lado de uma árvore em frente ao
D.O.M., na rua Barão de Capanema, na região dos Jardins, em São Paulo.
O nome é uma homenagem ao pássaro sabiá, que mora por lá e canta sem parar. Até pouco tempo atrás,
seus negócios tinham uma administração simples, quase amadora. “Era tudo muito caseiro”, diz Gabriela.
“A dificuldade foi passar pela etapa de profissionalização, que era novidade para nós.” Não foi uma
transição fácil. Para reorganizá-los, Atala contou com a ajuda de três consultorias. A primeira foi a paulista
Cooke e Freitas, que já prestou serviços para 240 empresas, entre elas o Banco do Brasil. O trabalho inicial
da consultoria do empresário Cássio Cooke era de gestão.“Ele foi essencial para eu me dar conta de como
era importante dar mais atenção à gestão”, diz Atala.
Entre os astros: Atala recebe, em Londres, o prêmio de quarto melhor restaurante
do mundo pelo D.O.M..
Durante um ano, Cooke foi o responsável por desenhar uma administração central para os dois
restaurantes, além de passar um primeiro pente-fino nas despesas. “Às vezes o empreendedor quer fazer
tudo, sem saber que há pessoas para cada função”, diz Cooke. “O Atala tinha de estar menos presente nos
detalhes e aprender a delegar.” Atala também contratou, em meados de 2009, a consultoria Officinatres,
cujos sócios - Angelo Matteucci, Heloísa Mäder Velloso e Cristina Soares - eram frequentadores do D.O.M.
Nesse caso, o objetivo era organizar as finanças e equilibrar as contas - reservado com números, ele deixou
escapar recentemente que sua dívida gira em torno de R$ 6 milhões, mas não revela nem sob jejum
quanto faturam os seus negócios.
“Implementamos um software para unificar o controle dos restaurantes e dar mais agilidade na
administração, além de fazer análises diárias”, diz a administradora Cristina Soares, da Officinatres,
designada para a tarefa. Por fim, Atala buscou os serviços da consultoria Boucinhas & Campos. O consultor
Carlos Alberto Dória, amigo de Atala, ajudou-o a formatar o planejamento estratégico entre maio e
novembro de 2011. Essa etapa levou à contratação do executivo financeiro Eduardo Sodate. Mesmo com
todo esse apoio, Atala quase foi à bancarrota em 2010. Tudo por conta do Dalva e Dito, inaugurado em
2009. Apesar de seu prestígio, o local dava prejuízo. Até hoje, o restaurante, especializado em cozinha
brasileira. consumiu R$ 8 milhões em investimentos.
A solução encontrada por Atala foi pragmática, porém típica de quem não está acostumado a lidar com
números e planilhas. “Em muitos momentos usei o caixa do D.O.M. para salvar o Dalva e Dito”, diz. “Por
várias vezes, achei que ia afundar com os dois restaurantes.”Não afundou porque, entre outras coisas,
Atala tornou-se um requisitado garoto-propaganda. Ele emprestou sua imagem para empresas como
Embratur, Nextel e Citibank, Tramontina e Knorr. Esta última chegou a fazer com que muita gente franzisse
os cenhos - afinal, o que tem a ver um ingrediente pronto, como o caldo da Unilever, com um chef de
renome como ele? Com a palavra Atala : “os cachês foram importantes para colocar em ordem as contas
dos negócios.”
Ex-punk, pescador e DJ nas horas vagas, Atala não construiu seus negócios sozinho. Ele contou com a ajuda
de amigos, alguns deles da época da infância, como Marcelo Fernandes, que o conhece desde quando
estudaram juntos no Colégio Regina Mundi, no Sacomã, bairro vizinho ao Ipiranga, na zona sul da cidade,
onde moravam. Foi Fernandes quem assinou um cheque de R$ 127 mil para Atala abrir o D.O.M., em 1999.
“Atala sempre foi bastante criativo, desde os tempos da escola”, diz Fernandes. “Quando resolvi entrar na
gastronomia, sabia que o empreendimento seria um sucesso por causa dele.” Hoje, Fernandes é um
reconhecido restaurateur, dono de negócios bem-sucedidos como o Kinoshita, Mercearia do Francês e o
espanhol Clos de Tapas.
Em 2004, ele deixou a sociedade com Atala. Sua parte foi comprada pelo italiano Marco Ceresa, exfornecedor de peças da italiana Fiat. Ceresa ficou com Atala até o ano passado e o ajudou a abrir o Dalva e
Dito. A nova empreitada de Atala é a agricultura familiar. Ele se associou à empresa de alimentos MIE
Brasil, dos empresários Gabriela Borges, Gustavo Succi e Maurício Rolim Amaro. Juntos, eles criaram a
marca Retratos do Gosto, cujo objetivo é levar produtos regionais ao consumidor. O primeiro deles é um
miniarroz produzido pelo agricultor José Francisco Ruzene, no Vale do Paraíba. Atala não ganhará um
centavo com essa iniciativa. Seu lucro será revertido para os produtores.
“Quero usar o prestígio do prêmio para mostrar que há grandes profissionais da gastronomia no País”, diz
Atala. Nesse departamento, por sinal, ele já passou das palavra à ação. Em abril deste ano, Atala começou
a convidar chefs de todo o País, para pilotar, durante uma semana, a cozinha do Dalva e Dito, com pratos
criados à base de ingredientes brasileiros, fator determinante para a eleição do D.O.M. como o 4º melhor
restaurante do mundo. O primeiro deles foi o mineiro Edinho Engel, seguido por nomes como a paulista
Janete Borges e o capixaba Juarez Campos. Quem vê seu engajamento nem pensa que a gastronomia
entrou na vida de Atala por acaso.
O primeiro sócio O restaurateur Marcelo Fernandes, amigo de Atala, assinou
um cheque de R$ 127 mil para a abertura do D.O.M..
No final da adolescência, depois de um tempo mochilando pela Europa, foi parar na Bélgica. Quando o
dinheiro começou a rarear, o jeito foi procurar emprego. Começou, então, a pintar paredes. Um de seus
colegas fazia um curso de culinária que chamou sua atenção. Logo descobriu que trabalhar numa cozinha
era mais interessante do que pintar paredes. Quando voltou ao Brasil, em 1994, a experiência de quatro
anos no Exterior não seria jogada fora. Atala bateu na porta de diversos restaurantes até ser contratado no
Sushi Pasta. Na sequência passou por casas como o Filomena e o 72. Nessa época, ele já era o segundo
chef mais bem pago de São Paulo, atrás apenas de Luciano Boseggia, do Fasano.
Em 1999, Atala começou a mesclar a criatividade de chef com o desafio do empreendedorismo, ao abrir
seu primeiro restaurante, o Namesa. O D.O.M. veio em seguida. A sigla vem do latim Deo Optimo Maximo,
que significa Deus é Ótimo e Máximo. A inspiração para o nome vem da inscrição na parede da igreja Maria
Coronatta, em Milão, em frente à casa onde Atala viveu em 1992. Embora ele assegure que os momentos
difíceis tenham ficado para trás, evidentemente que uma ajuda extra do sobrenatural não faz mal a
ninguém que precise colocar as finanças no eixo e ainda luta para provar que é tão bom no manejo de uma
calculadora quanto nas panelas.

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