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REVISTA
DA ACADEMIA
DE LETRAS DA BAHIA
REVISTA
DA AC A D E M I A
DE LETRAS DA BAHIA
Julho de 2013, nº 51
ISSN 1518-1766
Copyright © by Academia de Letras da Bahia, 2013
ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA
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Revista Anual de Literatura, Artes e Ideias
Ficha Catalográfica
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 51. jul. 2013
Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2013.
484 p.
Anual
INSN 1518-1766
1. Literatura brasileira -- Periódicos
–
CDU 860.0(05)
IMPRESSO NO BRASIL
Sumário
ARTIGOS E ENSAIOS
11
Castro Alves: lições de poesia, lições de
contemporaneidade
EVELINA HOISEL
31
O teatro infantil de Adroaldo Ribeiro Costa
ARAMIS RIBEIRO COSTA
49
La Vorágine - o romance amazônico da Colômbia
WALDIR FREITAS OLIVEIRA
67
Gerações literárias na Bahia
CYRO DE MATTOS
79
Poesia em tempos de boemia literária
FLORISVALDO MATTOS
91
Jorge Amado, Centenário
JOACI GÓES
105
A obra pioneira de José Américo de Almeida
CONSUELO PONDÉ DE SENA
109
Um sermão magnífico do acadêmico
Cônego José Cupertino de Lacerda
JOÃO EURICO MATTA
121
Viagem a Israel
EDIVALDO M. BOAVENTURA
137
A saga do Rei Vesgo
HÉLIO PÓLVORA
159
Virgolino, Cícero, José e Antônio: Beatos e
Cangaceiros, Apenas?
MAURÍCIO MELO JÚNIOR
181
A cena familiar em contos de Judith Grossmann
CÁSSIA LOPES
191
Florisvaldo Mattos: poeta de memórias
SILVÉRIO DUQUE
199
A vida da lembrança: Zélia Gattai Amado
ANTONELLA RITA ROSCILLI
205
Travessia de oceanos: Vozes poéticas da Bretanha e
da Bahia
DOMINIQUE STOENESCO
207
Vozes poéticas da Bretanha
MAX ALHAU
211
Vozes poéticas da Bahia
RITA OLIVIERI-GODET
POESIA
221
Conversa com Francisco Otaviano
RUY ESPINHEIRA FILHO
228
O banquete das musas
MYRIAM FRAGA
233
Poemas
FERNANDO DA ROCHA PERES
238
Poemas
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
244
Poemas
MANUEL ANASTÁCIO
250
Voz del mar
AARÓN RUEDA
252
Poemas
ALAIN SAINT-SAËNS
FICÇÃO
259
O pastor dos bosques
ANTONIO MAURA
265
O mar do menino
CYRO DE MATTOS
277
Maré alta
GLÁUCIA LEMOS
285
Sob a chuva lá fora
FLAMARION SILVA
289
Os botões de madrepérola
HERCULANO ASSIS
DISCURSOS
295
A Academia de Letras da Bahia de 2011 a 2013
ARAMIS RIBEIRO COSTA
305
Inauguração da estátua de Góes Calmon na ALB
FRANCISCO SENNA
311
Discurso de recepção da Biblioteca do
Prof. Dr. A. John Russell-Wood
CONSUELO NOVAIS SAMPAIO
321
Discurso de posse na Cadeira nº 5 da ALB
CARLOS RIBEIRO
339
Saudação a Carlos Ribeiro, um escritor exemplar
ALEILTON FONSECA
347
Discurso de posse na Cadeira nº 37 da ALB
DOM EMANUEL D’ABLE DO AMARAL, OSB
365
Discurso de posse na Cadeira nº 14 da ALB
GLÁUCIA LEMOS
375
Discurso de posse na Cadeira nº 35 da ALB
LUÍS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS
393
Discurso de posse na Cadeira nº 9 da ALB
JOÃO UBALDO RIBEIRO
397
Discurso de posse: membro correspondente da ALB
DOMINIQUE STOENESCO
405
Saudação a Dominique Stoenesco
ALEILTON FONSECA
413
Discurso de posse: membro correspondente da ALB
ANTONIO CARLOS SECCHIN
419
Saudação a Antonio Carlos Secchin
ALEILTON FONSECA
425
Discurso de posse: membro correspondente da ALB
ANTONELLA RITA ROSCILLI
437
Saudação a Antonella Rita Roscilli
EDIVALDO M. BOAVENTURA
DIVERSOS
443
Efemérides 2011
452
Efemérides 2012
463
Quadro social da ALB
473
Endereços dos Acadêmicos
ARTIGOS
E ENSAIOS
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Castro Alves:
lições de poesia,
lições de contemporaneidade
Evelina Hoisel
As questões que pretendemos abordar na poesia de Castro
Alves1 dizem respeito ao jogo intertextual que prolifera em seus
textos. Através de múltiplas referências à tradição literária e a
outros códigos culturais, registramos na obra do poeta romântico
um projeto de criação poética que se constitui a partir do diálogo
constante com outros textos. E a noção de texto, em Castro Alves,
é bastante abrangente, à medida que o próprio mundo aparece
como uma escrita que é lida e decifrada pelo poeta. Desse modo,
assinalam-se na poesia de Castro Alves diversos níveis de
intertextualidade, à proporção que modelos são retomados,
histórias são recontadas, textos são reescritos. Afirma-se que o
ato de escrever nasce da leitura do mundo e de outros sistemas
linguísticos. A opção explícita pelo diálogo com outras produções
discursivas, literárias ou não, pode ser vista como uma das marcas
da atualidade da poesia de Castro Alves e concilia-se com o que
1ALVES, Castro. Obra Completa, org., fixação do texto, cronologia, notas e estudo
crítico por Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1960. 906 p. Todas as citações
neste trabalho se referem a essa edição. A partir desta nota, após cada citação serão
colocadas apenas as abreviaturas das obras referidas – EF:Espumas flutuantes; OE:
Os escravos – e o número da página onde o poema está localizado.
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nele há de mais romântico: a concepção do poeta como inspirado,
do poeta vidente, da poesia nascendo em momentos de êxtase e de
arrebatamento.
Há uma tendência predominante nos estudos literários
contemporâneos de ler o texto a partir de suas relações com outros
textos. Esta perspectiva é suscitada pela própria literatura, que
assume a tarefa de recodificar os diversos signos da cultura e da
tradição literária. Este procedimento acompanha a criação poética
em diversas épocas, mas ganha um estatuto especial quando, no
campo das ciências humanas, se repensa a problemática da
linguagem, do signo e da interpretação. Nessa repensagem afirmase que o texto nasce de uma leitura. A leitura deflagra o
aparecimento de outras linguagens. Assim, o texto literário é,
segundo Mikhail Bakhtine (1981), “um mosaico de citações”. De
acordo com Julia Kristeva (1974), é a absorção e a transformação
de outro texto, e, para Jacques Derrida (1971), todo texto “cita e
recita” outros textos, criando o seu sistema de raízes. Nessa
perspectiva teórica, o que anteriormente era visto como uma
relação de dependência, de dívida de um texto em relação ao seu
antecessor, passa a ser compreendido como um movimento da
literatura e, de maneira mais ampla, da própria linguagem. Como
explicita Roland Barthes (1974), a intertextualidade “é a
impossibilidade de se viver fora do texto infinito, isto é, da própria
linguagem”.
Desse modo, as noções de imitação e cópia perdem seu caráter
pejorativo, porque a retomada de um texto por outro não é
inocente. A repetição, a citação, a reinscrição dos signos estão
impregnadas de uma intencionalidade: ou se quer dar
continuidade, ou se quer modificar e subverter o outro texto. O
processo de citação e inserção de um texto no outro é uma prática
que acentua a sua produtividade de sentido, atualizando também
o sentido do texto “original”.
A literatura se edifica sobre os parâmetros da intertextualidade,
a partir da reconvencionalização dos modelos prévios. Todavia, o
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que pode diferençar a tradição da contemporaneidade é a maneira
de tratar esta questão. Na tradição literária podemos sumariamente
assinalar que, nessas relações, o que prevalecia era a noção de
continuidade, de semelhança entre os textos. Um texto cita e recita outros para ratificar o seu sentido, disseminá-lo, atualizá-lo. Na
apropriação operada pela contemporaneidade, o que predomina é
a descontinuidade, a diferença entre os textos relacionados.
Na poesia de Castro Alves, a forma mais evidente de se
assinalar o apelo à intertextualidade está na utilização das epígrafes.
Vários poemas vêm epigrafados, alguns possuem até mais de uma
epígrafe. Dentre os principais autores citados, encontramos Dante,
Byron, Virgílio, Alfred de Musset, Álvaro de Azevedo,
Shakespeare, Victor Hugo, Fagundes Varela, John Milton, José
de Alencar, Virgílio, Junqueira Freire, apenas para referenciar os
autores presentes em Espumas Flutuantes, de onde extraímos as
principais questões abordadas na configuração dessas lições de
poesia, lições de contemporaneidade.
Através dessas epígrafes, Castro Alves nos fornece
programaticamente os primeiros indícios de filiação de sua escrita,
estabelecendo uma espécie de genealogia literária. As ramificações
genealógicas são diversas: autores de distintas procedências e
nacionalidades comparecem e preenchem a antecena da escrita,
possibilitando que, na transparência de um texto sobre o outro,
se produza outro sentido, reinstalando-se ainda o sentido anterior.
Subjacente a essa utilização, está também o princípio de
universalidade dos temas poetizados. O que é sentido pelo sujeito
lírico, ou aquilo que é por ele verbalizado, já faz parte de um
estoque de escritas e lhe serve apenas de pretexto para proferir a
palavra poética. A escrita nasce assim de uma leitura, mas nasce
porque o texto que é lido – a própria epígrafe –, ainda que esteja
plena de significação, uma vez que já está consagrada pela tradição,
está também carente de sentido.
Conforme teorizado por Jacques Derrida (1971), o texto
insemina-se e dissemina-se longe do olhar paterno. A poesia de
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Castro Alves nos propõe esta questão teórica, ao se construir a
partir de um jogo intertextual. Sua poesia insemina-se de signos
prévios, disseminando-os. E, paradoxalmente, ao procurar
explicitar suas raízes genealógicas reafirma o texto órfão,
desfiliado, conforme está expresso no poema “Dedicatória”,
quando se refere ao livro, isto é, à sua obra, como “pobre
orfão”. (EF. p. 75)
Na poesia de Castro Alves a problemática da escrita
originando-se de textos prévios é bastante ampla, uma vez que o
próprio mundo aparece como um texto – um conjunto de signos
– que é decifrado pelo poeta. O poeta lê e ouve os sons da
natureza, que comparece como um imenso poema, como uma
pintura ou escultura que ele interpreta, decodificando e
recodificando os seus diversos signos. No poema “Murmúrios
da tarde”, encontramos:
ONTEM à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
[...]
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho – suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.
Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
“Sol – não me deixes”, diz a vaga extensa,
“Aura – não fujas”, diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!
(EF. p. 150)
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Da natureza, que em alguns poemas aparece como
manifestação artística de um Criador supremo, o poeta capta sua
fala, retraduzindo para outra linguagem, e encontra a harmonia
capaz de lhe inspirar o sentido de uma utopia.
No poema “Ao romper d’alva”, do livro Os Escravos, a geografia
física da América, pintura e poema do Criador, é manchada pela
geografia social, onde a ação do homem – a escravidão – funciona
como elemento de distúrbio, também percebido pelo poeta:
Oh! Deus! não ouves dentre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
Soberba, senhoril,
Um grito que soluça aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo,
Um som, discorde e vil?
Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
De tua inspiração.
O sol de tua glória foi toldado...
Teu poema da América manchado,
Manchou-o a escravidão.
(OE. p. 216-217)
O conceito de inspiração aparece aqui associado à leitura que o
poeta faz dos signos do mundo tornados mais audíveis quando
mediatizados pela palavra poética, que os rearticula em uma outra
linguagem. Por outro lado, há também, no que se refere à escrita
do mundo, uma falta que necessita ser suprida, um sentido que
precisa ser desvelado. Esse desvelamento pode ser empreendido
pelo gesto singular do ato criador. Na concepção de Castro Alves,
que reafirma noções já pertencentes à tradição literária, a criação
é um processo alquímico, que metamorfoseia o objeto que toca.
A atividade poética, como o trabalho do estatuário e do ator, no
poema “Ao ator Joaquim Augusto”, é uma alquimia secreta que
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imprime a significação precisa das coisas. “Ao ator Joaquim
Augusto” é uma metapoema que define a atividade criadora a
partir de uma correlação entre o trabalho do poeta, do estatuário
e do ator.
O poeta é – o moderno estatuário
Que na vigília cria solitário
Visões de seio nu!
[...]
Como Gluck nas selvas aprendia
Ao som do violoncelo a melodia
Da santa inspiração,
Assim bebes atento a voz obscura
Do vento das paixões na selva escura
Chamada – multidão.
Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos,
Cantos de amor, blasfêmias de precitos,
Choro ou reza infantil,
Tudo colhes... e voltas co’as mãos cheias,
– O crânio largo a transbordar de ideias
E de criações mil.
Então começa a luta, a luta enorme,
Desta matéria tosca, áspera, informe,
Que na praça apanhou.
Teu gênio vai forjar novo tesouro...
O cobre escuro vai mudar-se em ouro,
Como Fausto o sonhou!
Glória ao Mestre! Passando por seus dedos,
Dói mais a dor... os risos são mais ledos...
O amor é mais do céu...
Rebenta o ouro desta fronte acesa!
O artista corrigiu a natureza!
O alquimista venceu!
(EF. p. 167-168)
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A dicção lírica de “Ao ator Joaquim Augusto” enfatiza o
aspecto laboratorial do processo criador, o seu lado apolíneo,
mas refere-se também ao lado dionisíaco e não premeditado
desse processo. Através do diálogo intertextual, Castro Alves
compara a atividade poética à atividade do escultor, no sentido
de evidenciar a importância do trabalho artesanal na feitura
do poema. A arte nasce de um estado de vigília e de uma luta
incessante entre o criador e o material com que trabalha,
oriundo da inspiração. Todavia, a matéria colhida pela “santa
inspiração” necessita ser transformada pelo laboratório da
escrita para que dela brote outra realidade, como do mármore
bruto surge a estátua. O poema convoca o leitor para uma
reflexão sobre as etapas do processo criador, flagrando os
movimentos em jogo na elaboração artística: o labor, que
transforma o cobre escuro em ouro, e o inconsciente, ou seja, “a
voz obscura” como uma referência aos dados não
premeditados, “a selva escura”, a ser submetida ao labor
artístico. Outros textos elaboram a concepção dionisíaca da
literatura, como “O vidente”, “O voo do gênio”, “Aves de
arribação”, “A Boa Vista”, “Hino ao sono”, privilegiando a
embriaguês, o sono, o êxtase, o inconsciente, a inspiração como
fontes da elaboração poética.
Em “O voo do gênio”, a criação é uma dádiva divina,
simbolizada pela aparição de um anjo, que conduzirá o voo do
poeta pelo infinito. Coloca-se o motivo da inspiração como algo
transcendente, e o papel da imaginação criadora delineando uma
nova realidade. O voo da imaginação permite o trânsito por
espaços ainda não percorridos, a vivência e a recuperação de
um lugar paradisíaco, transformando assim o poeta em uma
espécie de arcanjo anunciador. A percepção de uma realidade
diferente daquela que é experimentada cotidianamente instala
o desejo de utopia, que se tornará um dos temas centrais na
construção poética de Castro Alves.
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Um dia, em que na terra a sós vagava
Pela estrada sombria da existência,
Sem rosas – nos vergéis da adolescência,
Sem luz d’estrela – pelo céu do amor;
Senti as asas de um arcanjo errante
Roçar-me brandamente pela fronte,
Como o cisne, que adeja sobre a fonte,
Às vezes toca a solitária flor.
E disse então: “Quem és, pálido arcanjo!
Tu, que o poeta vens erguer do pego?
Eras acaso tu, que Milton cego
Ouvia em sua noite erma de sol?
Quem és tu? Quem és tu?” – “Eu sou o gênio”,
Disse-me o anjo “vem seguir-me o passo,
Quero contigo me arrojar no espaço,
Onde tenho por c’roas o arrebol”.
“Onde me levas, pois?...” – “Longe te levo
Ao país do ideal, terra das flores,
Onde a brisa do céu tem mais amores
E a fantasia – lagos mais azuis...”
E fui... e fui... ergui-me no infinito,
Lá onde o voo d’águia não se eleva...
Abaixo – via a terra – abismo em treva!
Acima – o firmamento – abismo em luz!
“Arcanjo! arcanjo! que ridente sonho!”
– Não, poeta, é o vedado paraíso,
onde os lírios mimosos do sorriso
Eu abro em todo seio, que chorou,
Onde a loura comédia canta alegre,
Onde eu tenho o condão de um gênio infindo,
Que a sombra de Molière vem sorrindo
Beijar na fronte, que o senhor beijou...”[...]
(EF. p. 104-105)
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A referência ao poeta “Milton cego” e ao comediógrafo
Molière traz para o poema a citação de duas figuras da história da
literatura, exibindo-se mais uma vez o repertório de leituras de
Castro Alves, inscrito no espaço textual. No poema “Aves de
arribação”, aparece a ideia da noite como momento propício para
a inspiração, que fará o poeta também viajar por espaços
anteriormente habitados:
Viajar! viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes!...
[...]
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
(EF. p. 183-184)
Imaginação e fantasia circunscrevem-se neste poema como a
encenação dos traços armazenados na memória do sujeito. A cena
lírica constitui-se aqui como espaço de recordação, como
presentificação e atualização de situações passadas que podem
ser recuperadas e revividas através da escrita literária,
reconstituindo-se, através do imaginário, o passado idílico
vivenciado miticamente pelo eu lírico.
“Aves de arribação” exemplifica de maneira concisa a noção
freudiana de fantasia, conforme definida no seu artigo “Escritores
criativos e devaneios” (1974). Nesse ensaio, Freud considera a
fantasia como tendo origem no presente, em decorrência de um
estado de carência que desperta a lembrança de um momento
passado, onde a falta não existia. A fantasia está em estreita relação
com o desejo, e este está articulado na fantasia, que é o lugar das
operações defensivas. Os traços mnésicos acionados pela ação
imaginante – da fantasia, dos devaneios e da obra artística –
constroem outra realidade, um espaço de utopia, em que a carência
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é suprida e, por intermédio dessa encenação do desejo, recuperase a plenitude perdida.
“Aves de arribação” estabelece a oposição entre o presente e o
passado, correlacionando-os respectivamente com tempo de
carência e tempo de plenitude. Em relação ao presente, afirma-se:
Hoje, a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos?
onde estão da casinha os habitantes?
(EF. p.185)
O passado idílico pode, contudo, ser atualizado pela
contemplação lírica do sujeito, “na longa noite do poeta”, que,
pela viagem imaginária, isto é, pela fantasia poética, reconstrói a
cena original, recuperando, ainda que temporariamente, a
plenitude perdida:
Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.
[...]
Sei que ali se ocultava a mocidade...
Que o idílio cantava noite e dia...
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.
(EF. p. 182-183)
No poema “O vidente”, o próprio título é sugestivo da temática
desenvolvida: o poeta é um ser vidente. É o inspirado que, em
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momentos de êxtase, penetra numa outra realidade. A criação
poética nasce da ação do poeta de ver e ouvir a natureza. A poesia
é a construção de um espaço utópico, porque nela estão as marcas
de uma realidade plena que o sujeito vivencia e atinge pela
imaginação e pela fantasia. Como no poema “O voo do gênio”,
as marcas da utopia enquanto imaginação e fantasia, presentes
no texto literário, acenam para a possibilidade de uma utopia
existencial. Pelo que podemos depreender da abordagem desse
poema, o ser inspirado, que na poesia de Castro Alves define-se
também pela palavra gênio, é aquele que tem a capacidade de
penetrar em territórios subjetivos e objetivos que ultrapassam os
limites estabelecidos, que pode habitar, ainda que
temporariamente, outros espaços. O ser inspirado é, por
excelência, o ser desterritorializado, a demarcar novos territórios.
Nesses poemas, que tratam da imaginação, da fantasia e da
inspiração como força geradora da poesia, disseminam-se as
metáforas do infinito, do voo, da viagem, constituindo um corpus
imagístico que delineia duas realidades distintas: a realidade
imaginária, metaforizada pelo alto, pelo infinito, pela luz, pelo
espaço da plenitude, e a realidade objetiva, cotidiana, espaço de
treva e de carência.
Se no poema “O voo do gênio” o anjo, isto é, a inspiração,
fará com que o poeta voe e, em “Aves de arribação”, a viagem
através da memória/imaginação recupera a plenitude perdida,
em “O vidente” a inspiração arrasta o poeta para o infinito e,
distanciado da realidade opressora, ele tem uma percepção nítida
dos acontecimentos que o cercam. A partir de então, poderá a
poesia assumir uma função de denúncia e tornar-se um
instrumento de transformação da realidade social, onde a ação
humana aparece como elemento de distúrbio ou desarmonia: a
poesia é a possibilidade de construção de um espaço-tempo
ideal. O recurso da intertextualidade alimenta a estruturação
do poema, retomando o modelo bíblico da terra prometida e
fazendo do poeta um arauto da liberdade. A epígrafe retirada
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do livro de Isaías – “Virá o dia de felicidade e justiça para todos”
– serve de mote a esse poema, que procura despertar na
humanidade a recordação da “grande profecia”, resgatada
arqueologicamente pelo inconsciente mítico do poeta, a partir
da leitura do livro de Isaías:
[...]
Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;
No mar das matas virgens ouço o cantar do vento,
Aromas que s’elevam, raios de luz que descem,
Estrelas que despontam, gritos que se esvaecem,
Tudo me traz um canto de imensa poesia,
Como a primícia augusta da grande profecia;
Tudo me diz que o Eterno, na idade prometida,
Há de beijar na face a terra arrependida.
[...]
E, ouvindo nos espaços as louras utopias
Do futuro cantarem as doces melodias,
Dos povos, das idades, a nova promissão...
Me arrasta ao infinito a águia da inspiração...
Então me arrojo ousado das eras através,
Deixando estrelas, séculos, volverem-se a meus pés...
Porque em minh’alma sinto ferver enorme grito,
Ante o estupendo quadro das telas do infinito...
Que faz que, em santo êxtase, eu veja a terra e os céus,
E o vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!
[...]
Eu vejo a terra livre...
(OE. p. 260-261)
Ratificando o código literário dos poetas românticos, já
definido por Byron, Lamartine, Hugo e Vigny, “O vidente”
verbaliza a missão do poeta como o guia, o profeta, o revelador
do desconhecido, o antecipador da realidade vindoura e o
transmissor de verdades inefáveis. Mas o poeta é, principalmente,
aquele que está constantemente a decodificar e a recodificar signos
do mundo – o cantar dos astros, o cantar dos ventos, o cintilar
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das estrelas que despontam, os gritos que se esvaecem, os cantos
de utopias – e os signos da cultura, como o texto de Isaías. Desse
entrelaçamento de signos, nasce o poema, fornecendo ao seu
leitor um retrato do autor como leitor.2
É interessante observar que, nos poemas “O vidente” e “Aves
de arribação”, são demarcados dois espaços distintos. O espaço
da fantasia, do sonho, do imaginário, que expressa o signo da
plenitude, e o da realidade cotidiana, marcado pela carência e
pela dor. Na última estrofe dessa longa viagem, que é também
transcendente e divina – uma vez que a “sombra de Deus” recobre
o imenso itinerário do poeta –, a realidade opressora corta o fluxo
da produção desejante, reinstalando a viagem de regresso, o
contato com os acontecimentos que constituem a história social
na qual se situa o eu lírico. A estrofe recorta um tema nuclear da
poesia de Castro Alves, situando-o cronologicamente na história
do Brasil e na tradição romântica como o poeta dos escravos, o
poeta abolicionista:
Mas, ai! longos gemidos de míseros cativos,
Tinidos de mil ferros, soluços convulsivos,
Vêm-me bradar nas sombras, como fatal vendeta:
“Que pensas, moço triste? Que sonhas tu, poeta?”
Então curvo a cabeça de raios carregada,
E, atando brônzea corda à lira amargurada,
O canto de agonia arrojo à terra, aos céus,
E ao vácuo povoado de tua sombra, ó Deus!
(OE. p. 262-263)
A identidade do sujeito criador – do poeta – é um dos fios da
tessitura lírica e é o tema de textos como “Ahasverus e o gênio”,
“Mocidade e morte”, “Poesia e mendicidade”, “A Boa Vista”,
“A Luís”. Lidos conjuntamente, esses textos delineiam uma
2 Referência ao texto de Evando Nascimento “Retrato do autor como leitor”,
conferência pronunciada na Academia de Letras da Bahia, a ser publicado na revista
norte-americana Portuguese Literary & Cultural Studies, n. 26, Lusofonia and its Futures.
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figura do poeta, reafirmando modelos que são trazidos à cena
pelo processo intertextual recorrente na poesia de Castro Alves.
A apropriação de modelos míticos, históricos e literários estabelece
uma linhagem familiar à qual o sujeito lírico pretende se filiar.
Nestes textos, a fotografia subjetiva, social, histórica desse ser
é a de um sujeito sem pátria, nômade, solitário e anônimo.
Implicitamente, com esses paradigmas, vemos traçado um retrato
do poeta romântico muito difundido na época de Castro Alves,
mas que tem constituído, também, uma das faces da identidade
do artista ao longo da história da literatura. A retomada dos
arquétipos com os quais ele se identifica reforça esse caráter de
universalidade da concepção, desvinculando-a de uma visão
ideológica exclusivamente romântica.
Nessa perspectiva, uma correlação pode ser delineada: o trânsito
livre por regiões imaginárias e transcendentes da fantasia tem como
equivalente, ao nível da realidade social e histórica do sujeito criador,
a metáfora do itinerante, do estrangeiro, do mendigo, do banido,
do nômade que está constantemente a percorrer novos espaços,
a demarcá-los, para em seguida abandoná-los. Cada poema é um
território que pode ser habitado temporariamente para, logo após,
prosseguir em busca de outras regiões, ou seja, de outra palavra
poética. Cada poema é a possibilidade de lhe conferir um território,
de lhe consagrar no reino das palavras.
Em “O fantasma e a canção”, a poesia é o único lugar capaz
de acolher os esquecidos da história. Nesse poema, reconstituise a tragédia do Rei Lear, de Shakespeare, dramatizando-se a
errância do Rei banido, que procura pouso sem encontrá-lo. Lear,
cujo nome não aparece explicitamente grafado, é uma projeção
do poeta que só encontra morada – só pode territorializar-se –
no espaço literário. O Rei-fantasma banido é acolhido pelo poema
de Castro Alves, que o consagra, restituindo-lhe o trono perdido:
“– Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso – é uma pousada
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Aos reis que perdidos vão.
A estrofe – é a púrpura extrema,
Último trono – é o poema!
Último asilo – a Canção!...”
(EF. p. 97)
Em “Poesia e mendicidade”, ao reconstituir a história social
dessa classe de indivíduos, Castro Alves recorre a uma galeria de
escritores – Homero, Ossian, Dante, Camões, Hugo –,
encontrando nos diversos momentos dessa cronologia um
paradigma metafórico através do qual o poeta pode ser descrito
historicamente, expresso de forma sintética no verso: “Gênio e
mendigo!... vede... o abismo de irrisões!”.
A referência ao judeu errante Ahasverus tem, na poesia de
Castro Alves, uma dupla correlação: traduz, de maneira
abrangente, um aspecto da identidade do poeta e, de uma forma
mais particular, é o signo que singulariza a história do eu lírico,
traçando sua biografia, dando-lhe um sentido mais trágico. O
motivo da viagem pela imaginação e fantasia ou através da errância
do eu maldito e solitário encontra em “Mocidade e Morte” a
explicitação de sua causa: a doença, a tuberculose, “o mal terrível”
que lhe “devora a vida”. A presença da morte provocada pela
tuberculose tece a trama dos motivos da lírica de Castro Alves
como um tema que fundamenta a concepção do poeta, definido
como um ser sensível, apaixonado, um ser de exceção, além de
eterno viajante.
A dramatização é um dos procedimentos importantes na
construção da poesia de Castro Alves, e ela se infiltra na cena
lírica quer seja a partir de um diálogo entre dois personagens,
quer seja pela presença de um forte tom dramático que enfatiza e
exacerba a situação vivenciada pelo eu lírico. Em poemas já
referidos anteriormente, como “O voo do gênio” e “O vidente”,
introduzem-se pequenos diálogos através dos quais se dramatiza
o processo criador, definindo-o como captação de outra voz,
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tornando-o mais concreto a partir do realce que se dá através da
movimentação cênica da escrita, que faz do poeta o receptáculo
de uma voz inaudita. A este aspecto se associa uma forte tendência
para uma configuração plástica pelo uso constante de uma
imagística visual, o que tem sido estudado por diversos críticos
de Castro Alves, como David Salles, que o define como uma
imaginação preponderantemente pictórica, visual e até
cinematográfica.
A dramatização é um recurso frequente na construção da lírica
amorosa do poeta baiano, e ela é também sustentada pelo jogo
intertextual. São vários os personagens com os quais o eu se
identifica e se projeta para reconstituir a sua vida amorosa. Da
mesma forma, o objeto de desejo se traveste em múltiplas personae,
assumindo feições distintas de acordo com o tipo de relação que
se estabelece no enunciado do poema.
Em “Os três amores” o sujeito se identifica como Tasso,
Romeu e D. Juan e a amada se metamorfoseia em Eleonora, Julieta
e Júlia, a Espanhola. As identificações que se estabelecem são
significativas do tipo de relação amorosa que se dá entre os
amantes. Iniciando com uma imagem onírica, sublimadora,
representada por Tasso e Eleonora, termina por teatralizar a
relação carnal e voluptuosa de D. Juan e Júlia, a Espanhola.
“Boa-noite” apropria-se da cena amorosa entre Romeu e
Julieta, parodiando o texto shakespeariano, que aparece também
como epígrafe do poema. Há uma mudança do cenário, agora
configurado pela paisagem local, e a noção de sensualidade se
torna mais forte, adequando-se a essa paisagem. A encenação do
desejo realiza-se em uma espécie de delírio alucinante, em que os
significantes que traduzem o objeto amoroso se alternam
gradativamente na cena do enunciado. O processo de substituição
do nome superpõe e identifica Maria-Julieta-Consuelo.
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
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Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
[...]
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.
[...]
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa-noite! –, formosa Consuelo!...
(EF. p. 123)
Em “Os anjos da meia-noite”, cujo subtítulo é “Fotografias”,
o movimento de reconstrução da biografia amorosa faz detonar
os fantasmas do passado, isto é, “os Anjos de amor [...] que
desfilando vão...”. A recuperação arqueológica desses rastros,
efetuada pela imaginação, faz irromper na cena textual “os Anjos
alvos [...] em longa procissão”, que encorpam simultaneamente
o vulto da mulher amada e o modelo arquetípico através do qual
ela é percebida. O poema se constrói das ruínas do passado – das
sombras – numa tentativa utópica de recomposição da história
amorosa. São oito sombras movimentando-se plasticamente na
vigília do poeta vidente que teatraliza o longo retorno ao passado,
no intuito de reencenar a plenitude perdida.
Então... nos brancos mantos, que arregaçam
Da meia-noite os Anjos alvos passam
Em longa procissão!
E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
São os Anjos de amor de meu passado
Que desfilando vão...
Almas, que um dia no meu peito ardente
Derramastes dos sonhos a semente,
Mulheres, que eu amei!
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Anjos louros do céu! Virgens serenas!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgi! aparecei!
Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda;
Acorde-se a harmonia à noite infinda
Ao roto bandolim...
(EF. p. 171)
E ao desfilar a primeira sombra – Marieta – a situação idílica
é recomposta pela mediação do texto shakespeariano, que já
serviu de matéria aos poemas anteriores:
Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...
(EF. p. 171)
Este último verso registra como o jogo intertextual da poesia
de Castro Alves não se efetua apenas entre textos de poetas
distintos, mas ele é, também, um jogo intratextual. Isso significa
que o poeta baiano foi, também, um leitor de sua própria poesia.
E este traço é mais um componente de sua atualidade, ou melhor,
de sua contemporaneidade literária e artística nas suas lições
de poesia.
REFERÊNCIAS
ALVES, Castro. Obra Completa. org., fixação do texto, cronologia,
notas e estudo crítico por Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Aguilar,
1960. 906 p.
BAKHTINE, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de
Janeiro: Forense, 1981.
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BARTHES, Roland. O prazer do texto. Lisboa: Edições 70, 1974.
DERRIDA, Jacques. La dissemination. Paris: Seuil, 1971.
FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneios In:______.
Gradiva de Jensen e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
(Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, v. IX).
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva,
1974. (Debates)
NASCIMENTO, Evando. “Retrato do autor como leitor”. In:
Revista Portuguese Literary & Cultural Studies, nº 26, Lusofonia and
its Futures, ISNN: 1521-804X. (no prelo).
__________
Evelina Hoisel é ensaísta, Pesquisadora do CNPq, Professora Titular de Teoria
da Literatura na Universidade Federal da Bahia; tem diversos artigos e livros
publicados. Desde 2005, ocupa a cadeira nº 34 da Academia de Letras da
Bahia. Este artigo foi apresentado na Academia de Letras da Bahia, no Curso
Castro Alves 2011, em 29 de setembro de 2011.
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LETRAS
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O teatro infantil
de Adroaldo Ribeiro Costa
Aramis Ribeiro Costa
O teatro infantil de Adroaldo Ribeiro Costa começa em fins de
1941, no exato momento em que ele teve a ideia de teatralizar o
conto de Monteiro Lobato A Menina do Narizinho Arrebitado. O
teatro infantil. Porque o teatro começa antes, em Santo Amaro
da Purificação, em 1938. Naquele ano ele era professor de História
e Português do Ginásio Santamarense e, sendo também o
encarregado das atividades recreativas, resolveu conseguir uma
banda de tambores que puxasse os alunos nos desfiles cívicos
pelas ruas da cidade. Como a diretoria não tinha disponibilidade
financeira para a compra dos instrumentos, reuniu os estudantes
e propôs discutirem juntos os meios de conseguir recursos. Entre
outras sugestões, surgiu a de se encenar uma peça de teatro.
Adroaldo era um leitor contumaz de peças de teatro, havia sido,
durante o curso da Faculdade de Direito da Bahia, e ainda era,
um assíduo frequentador das companhias do Sul que se
apresentavam em Salvador, e colaborava com jornais escrevendo
crítica teatral. A ideia, por conseguinte, foi aceita com grande
entusiasmo, e em pouco tempo estava criado o Grupo Cênico do
Ginásio Santamarense, que durante três anos encenaria em Santo
Amaro, com direção dele, peças de Raimundo Magalhães Jr., de
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Joraci Camargo e de Eurico Silva, além de sketches de autoria do
próprio Adroaldo. Uma dessas apresentações, em 1940, foi em
Salvador, no auditório do Ginásio da Bahia, com o apoio da
Secretaria de Educação, cujo titular era o professor Isaías Alves
de Almeida.
O ano de 1941 foi terrível para ele. Tinha vinte e quatro anos
de idade. Preparava-se para casar e faziam, ele e a noiva, uma
jovem santamarense, os exames pré-nupciais – um costume da
época –, quando se descobriu que ela era portadora de anemia
hemolítica, já em estado avançado. Foram vários meses de luta
inútil pela sua sobrevivência, ocorrendo a morte em outubro
daquele ano. A perda deste sonho, o sonho da vida a dois, foi que
certamente o levou a agarrar-se a outro: o sonho de Narizinho,
que tinha origem num encantamento da infância.
A história do primeiro encontro com esse livro está contada
numa das crônicas que selecionei para o volume Páginas
Escolhidas/200 crônicas e dois contos, editado pelo Conselho
Estadual de Cultura da Bahia em 1999, dentro da Coleção
Memória, a crônica “Os Livros e um Livro”. Foi aos seis anos
de idade, na casa da tia Lindinha, irmã mais velha do pai e
residente em Salvador, em frente ao Campo do Barbalho, no
qual ainda não haviam construído o Instituto Normal da Bahia,
numa das esquinas da Ladeira do Funil. A porta estava aberta.
Adroaldo ia saindo em direção ao largo, onde meninos jogavam
bola, quando, no corredor, avistou um livro sobre uma cadeira.
Na capa dura, além de vários desenhos engraçados, havia um
maior, no centro, onde um peixinho, de casaca, cartola e guardachuva, conversava com um besouro, ambos em pé no rosto de
uma menina que, de olhos fechados, parecia dormir. O título, já
sabem, era A Menina do Narizinho Arrebitado. Mais tarde Lobato
modificaria esse conto, fundindo-o a outras histórias, e
transformando-o no primeiro volume da sua saga infantil, com
o nome Reinações de Narizinho. Mas, em 1923, com o título A
Menina do Narizinho Arrebitado, era ainda o conto inicial, da
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menina que, à semelhança de Alice no País das Maravilhas, dorme
e sonha à beira do riacho e, no sonho, visita o Reino das Águas
Claras na companhia do Príncipe Escamado Lambari de Prata,
um príncipe que, na verdade, era o rei daquele reino encantado.
Adroaldo apanhou-o imediatamente e, esquecendo a rua, o largo,
o jogo de bola e tudo o mais, leu-o de um fôlego. Quando acabou
a leitura, estava extasiado. De todos os livros que leu na infância,
e foram muitos, pois se tornou leitor muito cedo, esse foi o que
mais o impressionou.
Naquele final de 1941, amargurado, mergulhado na tristeza
pela morte da noiva, voltou a pensar no livrinho que, depois
daquela primeira vez, lera muitas e muitas vezes, agora no
exemplar da quinta edição que o irmão mais moço Aldegar
ganhou de presente de aniversário. E, como a sua paixão era o
teatro, pensou em teatralizá-lo. Mas não podia fazer a adaptação
nem a encenação, sem o consentimento do autor da história
original.
Lobato era, àquela altura, o mais festejado dos autores
brasileiros. Os seus livros, sobretudo os infantis, eram vendidos
aos milhares, rara era a casa que não possuía a sua obra completa
encadernada, lida e relida. Era também o intelectual mais visado
pela imprensa. As suas opiniões, as suas entrevistas, eram
disputadas avidamente pelos jornalistas, o que ele dizia ou fazia
virava manchete, vendia jornais. Que importância daria o
grande escritor ao desconhecido professor baiano, que tinha
a pretensão de adaptar o seu livro para o teatro? Adroaldo
escreveu-lhe uma carta no dia 7 de janeiro de 1942, e tinha
tão pouca esperança de obter uma resposta, que nem guardou
uma cópia, do que se arrependeu para o resto da vida.
Considerando o tempo gasto pelos Correios, a resposta de
Monteiro Lobato foi imediata, pois chegou com data de 15
daquele mês, ou seja, apenas oito dias depois, e não apenas
autorizava a teatralização do conto, como mostrava grande
entusiasmo pelo projeto. Eis a carta:
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S. Paulo, 15.1.942
Prezado Sr. Ribeiro Costa:
Em mãos sua gentilíssima carta de 7, na
qual confessa a sua irresistível inclinação para o
teatro, coisa infinitamente mais desejável que a
vocação para reordenar o mundo a ferro e fogo
daquele Adolfo germânico. Essa ideia de teatralizar
as façanhas do povinho do Picapau Amarelo tem
me ocorrido várias vezes — mas as decepções da
vida me vieram tantas que já não me resta ânimo
para coisa nenhuma. Daí meu interesse em que
alguém o faça. Aprovo, pois, com o maior prazer,
a sua ideia, e pela amostra que sua carta me dá de
seu espírito tenho a certeza de que ninguém o fará
melhor. E se puder mandar-me uma cópia da
teatralização, muito satisfeito ficará este seu
amigo agradecido e admirador
Monteiro Lobato.
Adroaldo ainda não havia escrito a opereta, apenas feito um
esboço, a lápis, no próprio livro, mas saiu imediatamente e
comprou cadernos para dar início ao trabalho. Tinha duas
dificuldades pela frente: primeiro transportar uma ação que
ocorrera na ilimitada imaginação do autor, para os rígidos limites
da cena; segundo transformar em diálogo tudo o que, no livro,
era narração. Naturalmente isto envolveria um trabalho de
recriação, muitas vezes de criação, e tudo isso teria de agradar ao
autor da história original. Emília era a sua maior preocupação.
Nos livros seguintes Lobato a transformaria na principal
personagem do Sítio do Picapau Amarelo, sendo a sua preferida
e até confundida com ele próprio. Mas, naquele primeiro conto,
era apenas uma bruxa de pano, muda e imóvel, como qualquer
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boneca, que apenas adquiria movimento na cena do Escorpião
Negro. O Escorpião invade o Reino das Águas Claras durante a
visita de Narizinho e é derrotado pela boneca, que lhe enfia nos
olhos o espeto de assar de Tia Nastácia. Essa é a única
movimentação de Emília no conto original. Adroaldo teria de
dar-lhe vida e movimento, e, mais do que isto, criar falas
interessantes para a bonequinha, tudo dentro do espírito lobatiano,
com o humor e a irreverência que haviam se tornado as marcas
inconfundíveis e preciosas da personagem. Imaginou logo o início
da opereta: após a protofonia, o prólogo, com a apresentação
musicada e visual da história e dos personagens. Em seguida se
abriria a primeira cortina, e entraria Narizinho cantando, com a
bruxa de pano carregada. Foi tal a sua alegria em receber a
autorização de Lobato que, naquela mesma tarde, enquanto
tomava banho, a água caindo fresca e vivificadora do chuveiro
sobre o corpo, compôs, letra e música, essa canção que Narizinho
entra cantando, a “Ária de Narizinho”. A letra é a síntese de um
conto de fadas: “Era uma vez uma rainha / Que tinha inveja da
enteada / Porque era linda a pobrezinha / Foi na floresta
abandonada... / Vovó contou / Que a linda princesinha / Sofreu,
chorou / Mas acabou rainha / Feliz reinou / Num palácio dourado
/ Pois se casou / Com um príncipe encantado”.
Curioso que, ao conceber a teatralização d’A Menina do
Narizinho Arrebitado, a forma opereta fosse, de pronto, a escolhida.
É que não havia nenhuma experiência similar, não se tinha sequer
notícia de algo parecido feito por e para crianças. Entretanto,
pareceu-lhe que, para motivar os atores e espectadores mirins, e
fazer dos limites do palco um irresistível mundo da fantasia, teria
de utilizar-se e largamente de todos os recursos cênicos: a música,
o canto, a dança, o figurino, o cenário, as luzes, as cortinas. Queria
que ocorresse às crianças o que lhe ocorrera ao ler o conto na
infância, quando não apenas lera o livro, mas vivera a história.
Queria que elas não apenas representassem ou assistissem, mas
fizessem a viagem de Narizinho ao Reino das Águas Claras. A
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música, em particular, seria de fundamental importância para
causar esse efeito. Algumas ele já havia composto nas suas horas
de lazer em Santo Amaro da Purificação, pelo simples prazer de
compor, sem que tivesse, para elas, qualquer objetivo, como “A
Cigarra e a Formiga”, uma adaptação musicada da fábula de Esopo
que La Fontaine também adaptou, e a “Canção do Sofrê”,
inspirada no canto do curioso pássaro das matas brasileiras. Havia
criado também, este com o objetivo de abrir as audições caseiras
de um trio amador que ele formava com os dois irmãos, o “Hino
das Águas Claras”, que, evidentemente, ao ser composto não tinha
este nome. As outras músicas foram nascendo à medida que ia
escrevendo o texto, ao sabor das sugestões da história. Compunha
ao piano e fixava na memória, porque, apesar de tocar muito
bem de ouvido, não escrevia música. Era necessário pôr tudo
aquilo no pentagrama, criar as partituras para os instrumentos,
fazer a harmonização da orquestra.
Foi então que decidiu incluir no projeto Agenor Gomes.
Conhecera-o em Santo Amaro da Purificação em 1938, quando
Gomes ali exerceu, por pouco tempo e muito a contragosto, a
função de gerente de um banco. A contragosto, porque o único
interesse da sua vida era a música. Tendo nascido na cidade baiana
de Valença e passado rapidamente por Santo Amaro, Gomes
residia em Salvador. Músico versátil, conhecedor dos recursos
dos instrumentos e dos segredos do arranjo, da instrumentação e
da regência, seria a pessoa ideal para colocar aquelas músicas na
pauta e, depois, reger a orquestra. O projeto rapidamente
empolgou Gomes, que não se satisfez em copiar as músicas que
Adroaldo ditava, quis também compor algumas, ser o coautor da
parte musical da opereta. Assim é que Narizinho acabou tendo,
musicalmente, dois autores, Adroaldo Ribeiro Costa e Agenor
Gomes, cada um deles responsável por praticamente o mesmo
número de composições. Vale lembrar, entre as composições de
Gomes para Narizinho, a “Dança das Sombras”, a “Sinfonia do
Marido-é-Dia” e a “Valsa Real das Águas Claras”, enquanto de
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Adroaldo podem ser destacadas a própria “Ária de Narizinho” –
com seus desdobramentos “Fantasia da Ária” e “Ária em
Acalanto” –, a “Dança dos Tangarás” e a “Dança das Libélulas”.
A “Protofonia”, composta por Gomes, aproveita trechos
melódicos das várias composições da opereta, tanto dele próprio
quanto de Adroaldo. No total, vinte e cinco músicas, duas ou três
delas não ainda na primeira versão da opereta.
Concluídos os trabalhos de texto e música, era intenção de
Adroaldo partir imediatamente para a encenação. Mas como? Do
papel ao palco havia a enorme distância de todas as dificuldades.
Precisava arregimentar crianças para o elenco, ensaiá-las, obter
recursos para a confecção do guarda-roupa e do cenário, também
para o pagamento da orquestra, contar com uma equipe técnica
numerosa e eficiente, enfim, um mundo de providências e de
recursos materiais e humanos dos quais ele, absolutamente, não
dispunha. Foi quando ocorreu uma mudança em sua vida que
acabou favorecendo o projeto. Até 1942, ele vivia entre Santo
Amaro da Purificação e Salvador, ensinando no Ginásio
Santamarense e no Colégio Nossa Senhora da Vitória, dos Irmãos
Maristas. Mas, em 1943, sentindo que Santo Amaro da Purificação
guardava, com mais intensidade, as lembranças da noiva perdida,
e cedendo finalmente à vontade do pai, que insistia em “que ele
vencesse na capital”, resolveu fixar-se definitivamente em
Salvador. Poucos meses depois, em 25 de julho, iniciou a Hora da
Criança.
Surgida como um programa de rádio aos domingos pela
manhã, na PRA-4, Rádio Sociedade da Bahia, àquele tempo órgão
da poderosa organização Diários e Emissoras Associados, de Assis
Chateaubriand, numa época em que, além do jornal impresso, o
rádio era o único veículo de comunicação de massa, com imensa
audiência, a Hora da Criança, que trazia a chancela da Secretaria
de Educação e atuava sobre bases pedagógicas, logo se
transformou num movimento artístico de vulto. Desse programa,
realizado em auditório, participavam dezenas de crianças e
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também dezenas de adultos, que aos poucos iam se aproximando
e acabavam por se incorporar com entusiasmo à equipe de
trabalho. Seu hino, que ficou famoso, música de Gomes e letra
de Adroaldo, era cantado por todo o elenco na abertura e no
encerramento das audições e era uma síntese do programa: “Os
meninos da Bahia, / Nesta Hora da Criança, / A mensagem da
esperança / Vêm trazer com alegria. / Que, na terra em flor, /
haverá amor; / que, nos céus de anil, / haverá esplendor; / que,
enquanto nós cantarmos, / haverá Brasil”.
Foi o início de uma nova e extraordinária experiência para
Adroaldo, que passou a conviver diariamente com crianças de
diversas idades, nos ensaios e nas apresentações do programa
radiofônico. Para esse programa foi criado todo um repertório,
sempre ajustado ao elenco. As audições, apresentadas ao vivo
pelo próprio Adroaldo, utilizavam-se amplamente da música –
que era sempre de Adroaldo, de Gomes ou de ambos, em parceria
–, mas também do rádio-teatro, com sketches, monólogos e
adaptações de histórias infantis de sua autoria, que eram
representados e interpretados com grande facilidade e um evidente
encantamento, tanto do elenco que realizava essas apresentações,
quanto do imenso público, da capital e do interior, que ouvia e
acompanhava semanalmente. Observando o comportamento e
as reações das crianças diante do microfone e no auditório,
Adroaldo consolidou a teoria que vinha elaborando sobre a
importância do teatro como instrumento de educação
complementar, tanto na educação formal quanto na doméstica,
aumentando a sensibilidade artística, estimulando a imaginação,
proporcionando a vivência da fantasia, tão necessária para as
mentes infantis. Havia também a vantagem de desinibir,
habituando a criança ao microfone, ao palco e ao público, o que
lhe seria de grande proveito para toda a vida, em qualquer
profissão a que se destinasse. Por outro lado, o numeroso grupo
de meninos e meninas que participavam do programa já constituía
um elenco em potencial para a opereta. Dessa forma, longe de
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eclipsar o sonho de Narizinho, a Hora da Criança deu-lhe maiores
justificativas para insistir no empreendimento, passando a vê-lo
como o início de um teatro infantil permanente, que não se
esgotava ao fim de uma temporada, mas, pelo contrário,
apresentava uma atividade contínua cujos resultados podiam ser
avaliados em temporadas sucessivas, o que também era, na época,
algo inédito. E ele deu início aos ensaios.
Havia dois obstáculos a serem vencidos: local para os ensaios
e dinheiro para a montagem. O primeiro pôde ser superado, mas
não o segundo. Só em 1947, com Anísio Teixeira na Secretaria de
Educação, foi conseguido um semipatrocínio, porque de fato a
verba integral prometida para o custeio de toda a montagem jamais
foi paga, e Narizinho foi encenada. Foi um trabalho de muitos,
mas será justo lembrar Aldegar Ribeiro Costa, irmão de Adroaldo
e administrador financeiro do empreendimento; Agenor Gomes,
coautor musical, orquestrador, ensaiador e regente; Álvaro
Zózimo, encarregado do figurino e da montagem; Nady Stavola
de Menezes, responsável pelo canto e pela contrarregragem; Odete
Franco, a coreógrafa; Dulcelino França Monteiro, o criador das
mágicas; e Noêmia Rocha da Silva, a coordenadora do guardaroupa – confecção e camarins –, comandando uma equipe de
senhoras voluntárias, a maioria mães das crianças do elenco.
Adroaldo ficou na direção geral.
Na noite de 22 de dezembro de 1947, abriram-se as cortinas do
antigo Teatro Guarani, na Praça Castro Alves, para que cento e
dez crianças no palco, e outras dezenas na plateia, vivessem o sonho
de Narizinho. No teatro superlotado encontravam-se autoridades,
intelectuais, jornalistas, o governador da Bahia, Octavio Mangabeira,
o secretário de Educação, Anísio Teixeira, e o próprio Monteiro
Lobato, autor do texto original que servira de base a Adroaldo
para a adaptação. Lobato estava doente, cansado e desiludido, mas
viajou de São Paulo para Salvador apenas para presenciar aquela
estreia. Naquele momento, naquele teatro e na Bahia não apenas
se apresentava Narizinho, mas algo inteiramente novo: a opereta
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infantil, o teatro infantil, o Teatro Infantil Brasileiro – que, pelo
menos naqueles moldes, do grande teatro voltado para o grande
público, nasceu em Salvador, naquela noite.
As notícias registradas pela imprensa da época, as opiniões
escritas de pessoas que assistiram ao espetáculo, as opiniões
emitidas pelo próprio Lobato, em cartas a Adroaldo e seus
colaboradores, as entrevistas que ele concedeu aos jornais do Sul
do país, comprovam não apenas o êxito da apresentação, mas
também o impacto causado pela novidade de um teatro infantil
daquela qualidade, encenado por crianças, para crianças e adultos.
Registro aqui, a título de curiosidade, uma opinião de Lobato
que eu não sei se o próprio Adroaldo soube, e que me foi
transmitida pela atriz baiana Jurema Pena. Após o espetáculo,
ainda emocionado, o autor do Sítio do Picapau Amarelo disse a
um grupo, que dele se acercou:
– Agora eu posso morrer. Vi minha Emília falar.
Narizinho voltaria à cena, sob a direção de Adroaldo, em mais
quatro temporadas: 1951, 1956, 1961 e 1972, sendo sempre
reescrita e adaptada ao novo elenco, até a sua concepção
definitiva, a de 1972, na qual Adroaldo suprimiu o quarto ato,
concluindo o sonho da menina Narizinho após o baile, no
terceiro ato, quando o Príncipe Escamado e o Escorpião Negro
lutam, e Escamado é salvo por Emília. Após o pedido de
casamento do príncipe, ouve-se a voz de Tia Nastácia, o pano
desce, e Narizinho, despertando do seu sonho à beira do riacho,
deixa suavemente a ribalta a cantar a “Ária”.
A montagem teatral seguinte, em 1950, foi uma revista. Tanto
quanto a opereta, a revista infantil constituía-se uma experiência
inédita. E Adroaldo escreveu e encenou Infância. No primeiro e
no segundo atos, há uma sucessão de quadros onde é retratada a
vida na infância, com larga utilização de folclore, cantigas de roda,
cançonetas, pequenas histórias e brincadeiras. No segundo há
uma apresentação declamada e cantada de “Meus Oito Anos”,
de Casimiro de Abreu, e o terceiro ato é uma pequena peça em
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homenagem a Monteiro Lobato, escrita logo após a morte do
escritor, intitulada “Festa no Sítio”, na qual Narizinho, Emília,
Pedrinho, Tia Nastácia, Dona Benta e o Visconde recebem, para
uma festa no Sítio do Picapau Amarelo, os principais personagens
da literatura infantil universal, como Cinderela, a Bela Adormecida,
Branca de Neve, João e Maria, e muitos outros. A mensagem
dessa revista é a beleza e o encanto das manifestações ingênuas e
puras, a graça espontânea das tradições populares infantis, a
lembrança da aurora da vida, a crença na perpetuidade da vida, o
amor à vida. Mensagem de saudade e carinho, de alegria e
esperança, mensagem de amor à criança.
Infância foi encenada ainda em 1958 e em 1973. Nesta última
apresentação o cenário e o figurino foram de Ada Brito, e a
temporada fez parte das comemorações do sesquicentenário da
Independência na Bahia.
No gênero revista infantil, houve duas outras realizações do
teatro de Adroaldo Ribeiro Costa: Enquanto Nós Cantarmos, em
1953, revista comemorativa dos dez anos de existência da Hora
da Criança, e Nossa Árvore Querida, em 1959.
Enquanto Nós Cantarmos foi uma revista em quatro atos. No
primeiro era apresentada a história “O Menino Vadio na Floresta”
– adaptação de uma fábula – e canções coreografadas como a
“Cantiga de Verão” e a “Valsa da Chuva”, encerrando com a
“Rapsódia Brasileira nº1”. No segundo ato havia as cantigas de
roda, cantadas e dançadas. No terceiro a teatralização de “Navio
Negreiro”, de Castro Alves. E finalmente, no quarto ato, uma
suíte dos melhores momentos de Narizinho.
Nossa Árvore Querida foi uma revista em três atos. No primeiro
havia sketches, monólogos, cançonetas e cantigas de roda. No
segundo a “História da Margarida”, desenvolvimento musicado
de uma cantiga de roda, e uma sucessão de quadros, entre eles
“O Geniozinho e a Mendiga”, que introduz na revista infantil a
forte preocupação social, que é uma das marcas do teatro infantil
de Adroaldo, e “Os Meninos do Mundo”, apresentando canções
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folclóricas do Brasil e de outros países. E, finalmente, no terceiro
ato, a apresentação da peça “O Largo”, pela turma jovem, a
chamada turma J. Nossa Árvore Querida não era outra, aliás, senão
a própria Hora da Criança, e a música da apoteose dizia isto: “No
solo generoso da Bahia, / a semente foi lançada... / No coração
generoso da Bahia, / dia, após dia, / a plantinha cresceu... / Virou
árvore, esgalhada, / florida / enfrutecida, / onde pássaros, em
bando, / vêm cantando, / cantando, alegremente, pousar...” Essa
árvore, “esgalhada, florida e enfrutecida”, era a Hora da Criança,
e os pássaros que nela pousavam eram os milhares de meninos
que passavam pelo seu elenco. E acabou sendo, na verdade, um
canto de louvor à Hora da Criança e aos seus ideais, reafirmando:
“Vamos levar nosso canto / de esperança e de alegria, / vamos
levar nosso canto / ao coração da Bahia!”.
Voltando ao gênero opereta, depois de Narizinho, Adroaldo
escreveu a opereta infanto-juvenil Monetinho, que foi encenada
em 1955. “Monetinho” era como o sobrinho Adernil pronunciava,
em criança, a palavra “molequinho”: “Eu sou o monetinho do
dindo...” Era uma peça em três atos, tendo como tema e
mensagem a advertência para a criança abandonada no próprio
lar e nas ruas. Tratava-se de uma nova experiência, pois era um
drama, um teatro de tese. Sendo teatro infanto-juvenil, essa
conotação não podia ser percebida pelas crianças que
representavam ou que assistiam ao espetáculo, que nele viam
apenas a fantasia e a beleza da história. O drama e a tese dirigiamse unicamente ao público adulto.
No palácio de ouro e marfim, o Rei Radalbérico I e a Rainha
Lurialinda entediam-se. A rainha só pensa na própria beleza, o
rei só pensa em caçar e divertir-se, e nenhum dos dois pensa no
filho, o príncipe Monetinho, que, apesar de ter dois quartos cheios
de brinquedos, vive triste e abandonado pelos pais. O tédio dos
monarcas é tão grande, que o rei manda chamar os dois
conselheiros, o Conselheiro Bonifácio e o Conselheiro Malefício.
Bonifácio aconselha que os reis trabalhem para a felicidade do
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povo e deem atenção e amor ao filho. Só assim conseguirão
espantar o tédio. Porém o Conselheiro Malefício apresenta aos
soberanos um licor mágico, capaz de trazer ao rei uma emoção
nova a cada dia, e fazer com que a rainha fique sempre jovem e
bela. Com isto, estaria eliminado, para sempre, o tédio das suas
vidas. Entusiasmados, Radalbérico I e Lurialinda bebem o licor.
Então Malefício diz que também pensou em Monetinho. E dálhe uma caixa, onde cada vez que Monetinho entrar encontrará
um brinquedo novo. E Monetinho entra na caixa. Assustado, o
Conselheiro Bonifácio exige que Malefício abra a caixa. Quando
a caixa é aberta, Monetinho desapareceu dentro dela. Então a
Felicidade, que já vivia abandonada, sente-se expulsa do palácio,
e sai chorando pelo mundo, felicidade perdida, procurando o
caminho de volta. Todos a abandonam, menos a Esperança. Em
seu caminho pelo mundo, a Felicidade vai dar no Vale Profundo,
onde vivem os meninos perdidos. Mas eles viram as costas para
ela, não a conhecem, jamais conheceram a felicidade... Finalmente,
graças a um estratagema dos amigos de Monetinho, com a ajuda
da Rainha das Fadas, o rei e a rainha lembram-se do filho e do
povo, e a Felicidade retorna. Na parte musical, foi repetida a
experiência de Narizinho, também utilizada nas revistas e no
repertório radiofônico da Hora da Criança: as músicas foram de
autoria, umas de Adroaldo, outras de Gomes.
Monetinho foi a peça que obteve, numa única temporada, o
maior número de representações, nada menos de vinte e duas,
com casa lotada no Teatro do Instituto Normal, de mil e
setecentos lugares, e a que atraiu o maior número de visitantes
do Sul do país. Voltou à cena, sob a direção de Adroaldo, sem
precisar ser reescrita, em 1975, no Teatro Castro Alves, e é
atualíssima, infelizmente cada vez mais atual, porque cada vez a
criança parece estar mais abandonada em seus próprios lares e
nas ruas.
A opereta seguinte e última foi Timide, encenada em 1957,
também no Teatro do Instituto Normal. Adroaldo escrevera
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Monetinho para o sobrinho e afilhado mais velho, achou que devia
escrever uma peça também para o sobrinho e afilhado mais novo.
“Timide” era como a sobrinha Araíma, ainda bem pequenininha,
chamava o irmão, que seria o intérprete do papel título. Timide foi
a mais ousada de suas realizações cênicas. Conseguira a adaptação
teatral de um conto famoso, fizera a revista infantil, com larga
utilização do folclore, realizara, com êxito, o drama de tese. E
resolveu tentar a tragédia. Aparentemente era um absurdo, trazer
a tragédia para o teatro infantil. Entretanto, ele trabalhava mais
uma vez com o conhecimento já tantas vezes testado de que a
arte e a literatura infantis podem ter duas leituras, a da criança e a
do adulto. Foi assim, por exemplo, com A Chave do Tamanho, de
Monteiro Lobato, onde as crianças que leem o livro sequer
percebem a tremenda e amarga filosofia que Lobato ali expressa,
apenas interessadas na magia e no encantamento da história. Fora
assim com Monetinho. E assim foi com Timide.
Inspirada em episódios familiares e outros presenciados pelo
autor, mas, sobretudo, motivada pela revelação do Departamento
Nacional da Criança, de que, naquele ano de 1957, morriam duas
mil crianças por dia no Brasil, a opereta ou fantasia Timide é a luta
da Fada Saúde contra a Fada Doença, e desenvolve-se em dois
planos: o quarto do menino Timide, que vai dormir com saúde e
amanhece enfermo, precisando ser internado num hospital, e VilaVida, onde as crianças brincam felizes, e que também é invadida
pelos exércitos da Fada Doença. O menino Timide transformase num símbolo, salvá-lo será salvar todas as crianças. Uma tragédia
que, por ser infantil, desviou-se para o final feliz e apoteótico.
Para as crianças do palco e da plateia, tratava-se de uma divertida
brincadeira, com a fantasia, a magia encantatória do teatro, a
música, a dança, as luzes, o movimento, as cores, as histórias, o
humor. Para os adultos, ali estava a preocupante mensagem. Mais
uma vez, a autoria musical dividiu-se entre Adroaldo e Gomes.
Se Narizinho foi a peça musicalmente mais rica, se Infância
conseguiu os melhores efeitos de montagem, se Monetinho teve o
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melhor texto literário, certamente Timide foi a de mais difícil e
mais elaborada realização cênica. Na cena do pânico, por exemplo,
no terceiro ato, duas dezenas de crianças entravam correndo no
palco, aparentemente de modo desordenado, e paravam
bruscamente, imobilizando-se na posição em que estavam, para,
em seguida, irem caindo, uma a uma, a cada badalada do sino.
Era a representação cênica e dramática da mortalidade infantil
da época. Na apoteose, foram colocadas no palco, de uma só
vez, duzentas crianças. À semelhança de Enquanto Nós Cantarmos
e Nossa Árvore Querida, Timide jamais voltou à cena.
O teatro infantil de Adroaldo Ribeiro Costa não ficou limitado
ao palco do teatro, nas grandes peças. Era realizado também no
programa de rádio da Hora da Criança, diante do microfone, em
shows, em discos, chegou à televisão e ao teatro de títeres. Embora
os seus espetáculos atraíssem e comovessem uma multidão de
espectadores pela qualidade cênica, o seu objetivo principal era
educar. Educar por meio da arte, o que contemporaneamente
tem sido denominado de arte-educação. Dessa forma, o teatro
tornava-se um meio, não um fim. Apoiava-se em bases e diretrizes
pedagógicas e colocava a criança acima de qualquer outro
interesse. As bases e diretrizes foram bem fundamentadas no livro
que Adroaldo deixou sobre a sua experiência com a Hora da
Criança e o teatro infantil, intitulado Igarapé — História de uma
Teimosia, editado pela Empresa Gráfica da Bahia em 1982. Ali
está, com muita clareza, a forma como eram criados e distribuídos
os papéis, realizados os ensaios do elenco, e, principalmente, como
se sentiam as crianças ao praticar essas atividades, que para elas
curiosamente não passavam de um grande brinquedo. Apesar
disso, e apesar da chancela das diversas Secretarias de Educação
ao longo da atuação do movimento, do apoio maciço de pais,
professores, pedagogos, imprensa e do grande público, que jamais
deixou de prestigiá-lo, encontrou dificuldades e sérios obstáculos.
O primeiro e principal deles, foi, sem dúvida, a falta de uma sede
própria. No início dos anos 70, graças à bilheteria da temporada
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de Narizinho em 1972, uma sede provisória pôde ser alugada e
equipada no bairro de Santo Antônio Além do Carmo. Mas a
falta de uma sede própria, ou mesmo de um local apropriado
para o desenvolvimento das atividades, obrigou o movimento a
trabalhar em diversos e inapropriados locais. O mais duradouro e
satisfatório deles, foi o Instituto Central de Educação Isaías Alves,
com suas salas por debaixo da caixa do teatro, onde podiam ser
guardados materiais importantes como cenários, figurinos,
arquivos, etc., serem confeccionados guarda-roupas e cenários,
sobretudo realizados ensaios com a meninada. No imenso teatro
desse grande colégio, do qual Adroaldo foi professor catedrático
de História Geral, mais conhecido como Teatro do Instituto
Normal, foram apresentadas várias temporadas da Hora da
Criança nos anos 50 e início de 60. Isso antes que existisse o
Teatro Castro Alves, no qual também houve três temporadas.
Mas ocorreram igualmente obstáculos de outra ordem, que
atrapalharam bastante o movimento, como eliminação do
programa radiofônico pelas emissoras, primeiro a Rádio
Sociedade, após vinte e cinco anos de audições semanais
ininterruptas, depois a Rádio Cultura, após seis anos nas mesmas
condições, ambas sob a alegação de que as emissoras adotariam
nova grade de programação, de seu maior interesse comercial; e
como o incidente com a Justiça de Menores, em 1951, que a
imprensa denominou o “Caso Narizinho”, a obter grande
repercussão, até mesmo fora da Bahia, desdobrando-se numa
sessão pública promovida pelo Instituto Melo Matos no salão
nobre do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, presidida
pelo professor Estácio de Lima, com a participação de professores,
pedagogos, pediatras, psiquiatras, juízes e outros representantes
da Justiça, tudo documentado pela imprensa, em torno das
questões dos efeitos do teatro infantil na mente e na formação
da criança, da apresentação de crianças no palco e, principalmente,
sobre o horário dessas apresentações. Essas discussões, nas quais
o criador da Hora da Criança defendeu suas ideias, trouxeram à
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tona a visão obsoleta de certos artigos do Código de Menores à
época, resultando em mais uma contribuição de Adroaldo e do
seu teatro à arte e à educação infantis, bem como à própria lei do
menor, posteriormente reavaliada e atualizada.
Tanto tempo decorrido, esse teatro, que mobilizou milhares
de crianças durante quatro décadas sob a direção de Adroaldo,
influindo decisivamente em sua formação, que envolveu e
impressionou tantas pessoas, oferece farto material para estudo
em várias áreas da formação infantil, principalmente porque as
crianças que ontem participaram são hoje pessoas maduras, com
sua trajetória de vida grandemente cumprida, e ainda podem ser
tomadas como exemplo e mesmo depor sobre o assunto. Isso,
aliás, tem sido feito com frequência, de forma sincera, espontânea
e emocionada que gratificaria e comoveria o criador da Hora da
Criança, se ele pudesse ver e ouvir, tanto tempo depois, as
consequências do seu trabalho.
Dez anos após a morte de Adroaldo, o governo do Estado da
Bahia, mediante acordo entre a Sociedade Civil Hora da Criança
e a Secretaria de Educação, que incluiu negociação do terreno
anteriormente doado à Sociedade Civil, na Avenida Juracy
Magalhães Jr, em Salvador, e prestação permanente de serviços,
construiu o tão sonhado teatro-sede pelo qual Adroaldo tanto
lutou. Nessa sede, que guarda arquivos e documentos importantes
para a história do movimento, o teatro infantil de Adroaldo Ribeiro
Costa permanece.
__________
Aramis Ribeiro Costa é médico pediatra, também graduado em Letras pela
Universidade Católica do Salvador. É escritor. Foi presidente da Sociedade
Civil Hora da Criança no mandato 1884-1985. É membro efetivo do Conselho
Estadual de Cultura da Bahia. É autor de vários livros, como O fogo dos infernos
(2002), Os bandidos (2005), Reportagem urbana (2008) e Contos reunidos (2011).
Desde 1999 ocupa a Cadeira nº 12 da ALB. Atual presidente da ALB, exerceu
a gestão 2011-2013, sendo reeleito para a gestão 2013-2015.
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La Vorágine - o romance
amazônico da Colômbia
Waldir Freitas Oliveira
H
á 90 anos, um advogado recém-formado pela Faculdade de
Direito e Ciências Políticas da Universidade Nacional de Bogotá,
José Eustasio Rivera, iniciava uma das mais extraordinárias viagens
já realizadas em seu país.
Nomeado membro de uma Comissão encarregada de efetuar
a demarcação das fronteiras entre a Colômbia e a Venezuela, partiu
para o sul do seu país, seguindo um roteiro que poderá, em nossos
dias, ser considerado absurdo, mas que era, em sua época, o mais
viável – desceu, até a sua foz, o rio Madalena, que corre para o
norte, na direção do mar das Antilhas, seguiu, daí, ao longo do
litoral do Caribe, na direção do leste, passou por Port-of-Spain,
em Trinidad, e chegou à foz do Orenoco, por ela tendo penetrado
e subido o curso deste rio, até sua confluência com o rio Meta,
situado na fronteira, pelas bandas do sul, desses dois países, e
seguiu, então, para a cidade de San Fernando de Arabapo, ainda
mais ao sul, de onde começou a percorrer as terras banhadas
pelo rio Inírida, na província colombiana de Guaínia. E quando
decidiu regressar a Bogotá, dali retornou ao Orenoco, por ele
tendo navegado até o canal de Cassiquiare, que o liga ao rio Negro,
principal afluente brasileiro do Amazonas, havendo sido este rio
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por ele percorrido até sua foz; dali tendo seguido, já sobre águas
do oceano Atlântico, acompanhando a linha da costa, na direção
do mar das Antilhas, indo alcançar, mais uma vez, o rio Madalena,
de onde partira, em sua viagem de ida, e por ele de novo navegado,
dessa vez subindo o seu curso, a fim de chegar de volta à capital
da Colômbia.
De tudo o que viu e ouviu, ao longo dessa sua viagem, resultou
a redação de um dos mais extraordinários romances da literatura
latino-ameriana – La Vorágine (1924) –, havendo sido José
Eustasio Rivera o primeiro escritor a revelar as torpezas e injúrias
sofridas pelos seringueiros na floresta amazônica, antecipandose, pois, ao falar desse assunto, ao romance que iria, seis anos
depois, aparecer, escrito por Ferreira de Castro – A Selva – , este,
no entanto, com sua estória a desenvolver-se na Amazônia
brasileira. E mesmo que a ação dos personagens de La Vorágine
se desenvolva tanto nos llanos como na selva, daremos, aqui, realce
à parte do texto onde e quando a mata se torna cenário privilegiado
para a narrativa, desempenhando o papel de algoz e, mais que
isso, assumindo o caráter de “voragem” e abismo.
A selva sádica y vírgen..., a vista e idealizada por Rivera, acabou
por devorar Arturo Cova, o principal personagem do romance, e
os seus companheiros. E sendo este o narrador da estória, e
havendo sido também fundamental o seu desempenho, agindo
como condutor dos acontecimentos, torna-se Arturo Cova peça
essencial para a compreensão do romance; tendo sido através de
sua voz que, como afirmou Montserrat Ordóñez1, aprendeu o
século XX “a imaginar e descrever a selva”; de modo igual, “a
interpretar a relação entre o homem e a natureza”; e finalmente a
entender o seu relacionamento com o próprio mundo interior,
condicionado pela presença e influência de “uma natureza mítica,
personificada e carnavalizada.”2 E como resultado da presença
simultânea, no romance, do autor e do narrador por ele criado, e
aqui seguindo o rumo tomado pela apreciação de Montserrat
Ordóñez, irá Rivera, aos poucos,
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desaparecendo como pessoa relacionada com sua obra, com sua
biografia e com os fatos pitorescos de sua vida, que passam a
ser dados de interesse mais histórico que literário, enquanto a
voz de Cova, fragmentada e enigmática, nela se mantém e cresce.
Razão pela qual, torna-se essa sua voz, a
versão autorizada e descomprometida da selva americana, a do
testemunho da atroz perseguição dos caucheros, a do homem
enlouquecido no interior da selva, cárcere verde e locus terribilis.
E em La Vorágine, enquanto a voz de Rivera, no curso da sua
narrativa, vai desaparecendo, a de Arturo Cova, apesar de sua
condição de personagem contraditório e pouco confiável, nela
irá permanecer, mantendo-se, mesmo despedaçada, colocada por
Rivera, como “a chave do êxito do livro, a possibilidade de sua
sobrevivência”.3
Arturo Cova é um homem da cidade grande, com boa
formação em estudos literários, que foge para a região de Casanare,
na parte oriental do país, embrenhando-se em seus llanos 4, tendo
chegado às matas do sul, em companhia de Alicia, uma jovem
que abandonara sua casa, em Bogotá, e com ele partira, por não
querer casar-se, forçada pela família, com um rico fazendeiro,
pelo qual não sentia qualquer afeição. Não a amando, no entanto,
Arturo Cova, de modo tal que pudesse justificar essa fuga e a ela
tendo sido levado, em verdade, por seu espírito aventureiro.
Outro personagem possui no romance voz explícita, e será
através dela que iremos saber muito do que nele foi dito sobre os
indígenas que habitavam a região das matas e acerca de quem
eram e como viviam os caucheros – a de Clemente Silva –, que
somente aparece na segunda parte do romance, surgindo, então,
como um elo entre a civilização e a floresta, nela inclusos os seus
habitantes, tornando-se, a partir de então, muito importante no
contexto da narrativa, embora haja sido colocado, do ponto de
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vista cultural, mais perto do branco que do indígena, tanto por
seus valores como pelo seu comportamento.
Como vemos, Rivera fala valendo-se de vozes várias,
sabendo delas utilizar-se nos momentos exatos em que delas
necessita, a fim de permitir aos seus leitores entenderem como
funcionam os laços que unem os que foram levados a conviver
na selva que os domina e quase sempre os anula, o branco, o
caboclo e o índio, categorias distintas no conjunto humano de
sua narrativa, todos subjugados pelo poder imenso da mata e
forçados a ceder, uns aos outros, partes de si mesmos, para
que consigam ali sobreviver. E como afirma Montserrat
Ordóñez, a voz de Clemente Silva é “a da sabedoria e da
sobrevivência”, mostrando-se capaz de expressar a ética dos
brancos – a de que “os fins justificam os meios”. Surgindo a
selva, nessa sua fala, habilmente identificada pelo autor, com
seu personagem, a partir de quando lhe deu o sobrenome –
Silva –, tendo surgido, de forma inesperada, em plena selva,
frente aos homens conduzidos por Arturo Cova, passando a
sua aparição a assinalar a tomada, pela estória, de um novo
rumo.
Clemente Silva havia vivido durante dezesseis anos nas
montanhas do país. Ele trabalhara como cauchero em suas matas
e encarna toda a sabedoria obtida com sua experiência de vida;
tornando-se, conforme vimos, o elemento de ligação entre a
selva e o mundo civilizado, entre os indígenas e os brancos,
ou seja, entre os que antes nela viviam e os que para ali
chegaram, destinados ao trabalho da extração da borracha. E
será ele quem dirá a Arturo Cova e aos seus companheiros
quem foram esses recém-chegados, de que modo agiram
naquelas matas, tanto quanto como nelas, desde então, se
passaram as coisas.
Esclarece, a seguir:
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Cada dono de seringal tem caneys que servem de moradia e
de armazém. (...) Esses depósitos ou barracas jamais estão
vazios, porque neles se guarda a borracha com as
mercadorias e as provisões, e os capatazes moram ali com
suas amantes.
E em sua narrativa prossegue, falando dos que trabalham nos
seringais:
O pessoal dos trabalhadores se compõe, em sua maioria,
de indígenas e contratados que, segundo as leis da região,
não podem mudar de dono antes de dois anos. Cada
indivíduo possui uma conta na qual são anotadas as
bugigangas que lhes são empurradas – as ferramentas, os
alimentos e a borracha extraída, que nela é registrada por
um preço irrisório, determinado pelo patrão. Nunca um
seringueiro sabe quanto custa o que recebe nem quanto
lhe está sendo pago pela borracha que entrega, pois o
segredo do dono do seringal está no fato de esconder o
modo pelo qual o trabalhador continuará a ser seu devedor.
E essa nova forma de escravidão atravessa todo o curso de
vida desses homens e se transmite aos seus herdeiros.
Diz, ainda, que,
pelo seu lado, os capatazes inventam diversas formas de
espoliação, roubam a borracha dos seringueiros, tiram-lhes
as filhas e as esposas, mandam-nos para o trabalho em caños
paupérrimos, onde não poderiam tirar a borracha que lhes
é exigida, e isso dá motivos para insultos e castigos
executados a chicote, quando neles não se envolvem tiros
de Winchester. E bastará dizer depois que fulano se picureou
ou que morreu de febres, para que tudo se arrume.
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DA
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LETRAS
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E acrescenta:
Não se devendo esquecer onde entram a traição e o dolo. Nem
todos os peões são pombas brancas. Alguns deles pedem para
ser contratados somente para roubar o que recebem, ou ir para
a mata, a fim de matar um inimigo, ou para ludibriar seus
companheiros e acabar por vendê-los para outras barracas.5
Acaba declarando que viveu em tais condições, naquelas terras,
durante dezesseis anos, que foram por ele considerados “anos de
miséria”; desde que a escravidão que ali é imposta, pelos donos
dos seringais, aos que neles trabalham, valendo-se da indiferença,
a respeito, das autoridades do país, nunca, em verdade, se extingue.
A voz de Rivera soa, então, forte e em alto tom, através da fala
de Clemente Silva. Por ela são confirmados, inclusive, os
desmandos e o arbítrio mantido por Julio Cesar Arana sobre as
terras do Putumayo, desde que o velho peão declara haver ali
trabalhado em seus seringais e relata o que por lá se passava. E ao
voltar a falar pela voz de Arturo de Cova, Rivera considera a
selva como sádica e somente encontra uma solução para dela
escapar – a fuga, que ele, contudo, não conseguiu efetuar.
Brada, a seguir, desesperado, que “o homem civilizado é o
paladino da destruição”.
Afirma, no entanto, existir “um valor magnífico na epopeia
desses piratas que escravizam os seus peões, exploram os índios
e lutam contra a selva”.
E explica que,
atropelados pela infelicidade, provindos do anonimato das
cidades, lançaram-se nos desertos buscando alcançar um final
qualquer para suas vidas estéreis. Delirantes de paludismo,
despojaram-se da sua consciência e co-naturalizados com cada
risco corrido, sem qualquer outra arma que a Winchester e o
machadinho, sofreram as mais atrozes necessidades, ansiando
prazeres e abundância, arrostando os rigores das intempéries,
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sempre famintos e até mesmo desnudos, pois as suas roupas
haviam apodrecido sobre a carne dos seus corpos.6
E, a seguir, de forma irônica e perversa, revela como esses
homens chegaram, um dia, à beira de um penhasco, à margem de
um rio qualquer da região, e se declararam, simplesmente, sem
qualquer escrúpulo, “donos de empresa”. E mesmo que
houvessem entendido ser a selva sua principal inimiga, eles
demonstraram ali não saber a quem ou como combater; e por
isso acabaram sendo por ela vencidos e destroçados.
Tendo sido através da voz de Balbino Jacome, outro velho
seringueiro, que Rivera revelara, pouco antes, a amargura de vida
dos que para ali se dirigiram, quando pede ao Visitador que havia
chegado ao seringal onde se encontrava que, quando ele pisasse
“terra cristã”, pagasse uma missa em sua intenção; valendo essa
missa, também, pela “esperança que perdemos”. Revelando, então,
àquela pessoa que se apresenta frente a ele, como uma autoridade
maior, que “o crime maior” a ser ali por ele apurado não estava
na selva, mas nos livros de escrituração dos seringais; e afirma:
Se Sua Senhoria os conhecesse, encontraria muito mais leitura
no Deve que no Haver, já que muitos homens são lesados na
conta por simples cálculo, segundo o que informam os capatazes.
Acharia, contudo, dados vergonhosos: peões que entregam
quilos de borracha por cinco centavos e recebem tecidos de
vinte pesos, índios que trabalham há seis anos, e ainda aparecem
devendo o mañoco do primeiro mês; crianças que herdam dívidas
enormes, procedentes do pai que mataram, da mãe que forçaram,
das irmãs que violentaram, dívidas que não saldariam em toda
sua vida, porque, quando chegarem à puberdade, só os gastos
de sua infância lhes darão meio século de escravidão. 7
Seu tom de denúncia é forte e eloquente. E nela chega a
envolver a participação conivente das autoridades do Governo
da Colômbia, nos crimes ali praticados, quando põe o Visitador a
falar, passando, então, a perguntar :
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Que ganharíamos com a evidência de que fulano matou sicrano,
roubou mengano, feriu beltrano? (...) Deus nos livre de que se
comprove algum crime, porque os patrões conseguiriam realizar
o seu maior desejo: a criação de prefeituras e de cadeias, ou
melhor, a iniquidade dirigida por eles mesmos.
E ao acrescentar:
(...) o presidente da República não disse que enviou o general
Velazco para licenciar tropas e guardas no Putumayo e no
Caquetá, como resposta muda ao pedido de proteção que os
colonizadores dos nossos rios lhes faziam diariamente? Paisano,
paisaninho, nós estamos perdidos! E o Putumayo e o Caquetá
também estão sendo perdidos!8
Voltando a falar dos indígenas da mata colombiana, deles nos
diz Rivera, agora através da voz de Arturo Cova, serem eles povos
“rudimentares e nômades” que não possuem “deuses, nem heróis,
nem pátria, nem pretérito nem futuro”; não havendo dúvida sobre
o fato de ele próprio considerar-se superior aos indígenas; mas
tornando-se, pelo que conclui Montserrat Ordóñez, falando a
seu respeito, “o grande defensor do índio explorado nas caucherias”,
sendo, no fundo de si mesmo, “um triste remendo do conquistador
e colonizador europeu”; ainda mais, tomando por base o que
sobre eles disseram, no curso do romance, o próprio autor e os
seus personagens Arturo Cova e Clemente Silva, sendo no
romance reconhecido o fato de serem os índios “o grupo humano
mais explorado”, pois que “devem entregar suas mulheres e suas
filhas, se acham escravizados por dívidas impossíveis de ser pagas
e são torturados e assassinados sem piedade ou por simples
diversão”. 9
Tratemos, finalmente, da selva como abismo voraz dos homens
que a penetram, levando consigo a ilusão de poder dominá-la,
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segundo a visão do próprio José Eustasio Rivera, expressa através
das vozes de Arturo Cova e Clemente Silva.
Segundo eles, como informou Montserrat Ordóñez, “a selva
é cárcere e inferno, escura e úmida, sexual e imunda, abismo
antropófago, boca que engole os homens e causa da sua crueldade”.
Tornando-se claro que, para o homem civilizado, estar na selva
não é cousa que ele possa desejar; pelo que ele somente deverá
cuidar de atravessá-la, em viagens imprescindíveis, a fim de
explorá-la, ao tentar vencê-la, mas nunca para nela viver em
harmonia. Ideia que vem a ser confirmada, ao final do romance,
quando em seu “Epílogo” encontramos registrada a notícia
enviada pelo Cônsul da Colômbia em Manaus, ao Ministro do
seu país, a respeito da presumida morte de Arturo Cova e seus
companheiros: “Há cinco meses que Clemente Silva os busca
em vão. Nenhum rastro deles. A selva os devorou!”10
De todo oportuno, será, então, a transcrição de dois trechos
colhidos do romance de José Eustasio Rivera, através dos quais o
autor-poeta assume o lugar do autor-novelista, e em prosa repleta
de poesia, fala, em primeiro lugar, da selva e, a seguir, compõe
um hino em louvor aos seringueiros.
Aparecem esses textos como aberturas, respectivamente, para
a segunda e terceira partes do livro; e sua beleza singular revela o
poeta que convivia com o ficcionista colombiano.
No primeiro, o canto em louvação da selva soa, a um só tempo,
triste e grandioso, dando à mata uma vida própria e uma alma
que a transforma em ser mágico que encanta os que a penetram
e os que nela buscam abrigo:
Tu és a catedral da amargura, onde deuses desconhecidos falam
a meia-voz, na linguagem dos murmúrios, prometendo
longevidade às árvores imponentes, contemporâneas do paraíso,
que já eram as mais velhas quando as primeiras tribos ali
apareceram e hoje aguardam, impassíveis, a submersão nos
séculos que virão. Teus vegetais formam sobre a terra uma
poderosa família que nunca se atraiçoa. O abraço que tuas
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ramadas não podem dar, umas às outras, levam-no, unindo-as,
as trepadeiras e os cipós; e és solidária até na dor da folha que
cai. Tuas vozes multíssonas formam um só eco a chorar e
escorrer pelos troncos que tombam, e em cada brecha da mata
os novos gérmenes apressam suas gestações. Tens a austeridade
da força cósmica e encarnas um mistério de criação. Apesar
disso, meu espírito se ajusta por completo com o teu caráter
instável, desde que ele suporta o peso de sua perpetuidade e,
mais que ao carvalho de galho robusto, ele aprendeu a amar a
lânguida orquídea, por ser ela fugaz, como o homem, e por
murchar, como uma ilusão.11
Enquanto no segundo, falando através da voz de Clemente
Silva, encontramos o elogio trágico de quem, desiludido, vítima
da ilusão por ele próprio criada, brada, em desespero, convencido
de que nunca deixará de ser um seringueiro:
Quem estabeleceu o desequilíbrio entre a realidade e a alma
insaciável? Para que nos deram asas para voar no vazio? A nossa
madastra foi a pobreza; o nosso tirano, a aspiração! Por olhar
para o alto, tropeçamos nas asperezas do chão; para atender as
necessidades do ventre misérrimo, fracassamos no espírito. A
mediocridade nos presenteou com a angústia. Nunca fomos
senão os heróis medíocres!
E, em tom patético, exclama:
Sonhos irrealizados, triunfos perdidos! Por que sois fantasmas
de memória, como se desejásseis envergonhar-se de vós
próprios? Vede onde foi deter-se o sonhador que feriu a árvore
inerme, para enriquecer os que não sonham, a suportar desprezos
e vexames em troca de uma migalha recebida a cada anoitecer
(...) Escravo, não te lamentes da fadiga; prisioneiro, não te queixes
da prisão: ignores a tortura de vagar soltos no interior de um
cárcere como a selva, cujas abóbadas verdes têm como fossos
rios imensos.(...) Eu, porém, não me compadeço daquele que
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não protesta. Um tremor nas galhadas não é rebeldia que me
inspire afeição. Por que não ruge toda a selva e nos esmaga
como répteis para castigar–nos pela exploração vil? Aqui não
sinto tristeza, e sim desespero!
(...)
Fui cauchero, sou cauchero! E o que fizeram as minhas mãos contra
as árvores, podem elas fazer contra os homens!12
Não encerraremos, contudo, essa nossa apreciação sobre La
Vorágine, sem registrar o que disse desse romance Federico Carlos
Sainz de Robles, em seu Ensayo de un Diccionario de la Literatura, no
verbete – RIVERA, José Eustasio:
Sua única novela, La Vorágine (1924), tornou-o famoso em todo
o mundo. Para a grande maioria dos críticos, ela é a novela mais
for mosa e patética que produziram as letras hispanoamericanas.13
Nem deixar de mencionar, em conclusão, como foi por ele
registrado, havê-lo considerado Julio A. Leguizamón, em sua
Historia de la literatura hispanoamericana (Buenos Aires, 1949), um
romance excepcional, ao afirmar que nele José Eustasio Rivera
narra e descreve, com poderosa força de criação. Seu realismo é
de uma extraordinária capacidade evocativa... Mas a maestria do
novelista se revela pela criação desse clima de força telúrica,
realidade e presença da selva... Ali palpita e estremece um terror
biológico e impera uma crueldade selvagem, incomparável e
inflexível como a dura lei do triunfo do mais forte”.
Nem, de modo especial, a opinião de José Maria Salaverria
(1873-1940), a respeito do romance, incluída nesse mesmo
verbete, quando afirmou que
La Vorágine: é o triunfo da árvore, a apoteose da mata
impenetrável, a exaltação de uma Natureza incrivelmente
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vigorosa que cria e mata com assombrosa inexorabilidade. E
frente a essa Natureza sublime e monstruosa, o homem refinado
da cidade, o poeta José Eustasio Rivera, sente-se arrebatado por
uma mescla de terror e entusiasmo, e escreve, afinal, o livro das
matas virgens que em nossa literatura de língua espanhola estava
ainda por ser escrito.14
La Vorágine foi, sem dúvida, o primeiro protesto, com caráter
de denúncia, feito contra as condições de vida dos que, nas matas
da Amazônia, na Colômbia, no Peru ou no Brasil, forçados ao
trabalho na condição de escravos, caboclos ou índios, se esforçaram
ao máximo de suas forças, com o sacrifício, muitas vezes, de suas
próprias vidas, para criar a riqueza fraudulenta dos civilizados que
ali chegaram, fossem eles estrangeiros ou naturais desses países.
Quanto ao colombiano José Eustacio Rivera, autor da novela
La Vorágine, publicada em 1924, cuja ação se desenvolve nas
florestas do seu país de origem, nasceu em Neiva (hoje
denominada Rivera, em sua homenagem), a 19 de fevereiro de
1888, havendo falecido nos Estados Unidos, em 1928, em New
York, antes de completar 40 anos.
Algo importante estabelece, porém, a diferença entre La
Vorágine e A Selva. Em A Selva, o seu autor, o português Ferreira
de Castro, viveu, realmente, as situações de vida de Alberto, seu
principal personagem; havendo sido, de fato, um seringueiro;
enquanto José Eustasio Rivera, o autor de La Vorágine, foi, tão
somente, um viajante que colheu, tanto quanto lhe foi possível,
informações a respeito das penosas circunstâncias que envolviam
a vida dos seringueiros nas matas colombianas, quando as
percorreu, na região de Guaínia, província, como registramos,
situada nas proximidades do alto curso do rio Negro, afluente
brasileiro do Amazonas, na condição de integrante da Comissão
do Governo colombiano encarregada dos trabalhos de
demarcação das fronteiras entre a Colômbia e a Venezuela. Não
chegaria La Vorágine a alcançar os mesmos índices de aprovação
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com que os críticos literários da época iriam receber, anos depois,
A Selva, de Ferreira de Castro, publicada em 1930. Podendo isto
ser comprovado pela pronta aparição, a partir da primeira edição
deste romance, de sucessivas edições em línguas estrangeiras,
numa sequência que se iniciou com a da sua tradução, em 1933,
para o alemão, o inglês, com edições nos Estados Unidos, no
Canadá e na Inglaterra; para o italiano, em 1934, e o francês, em
1938; a essas havendo se seguido outras edições, em espanhol,
romeno, checo, croata, holandês, sueco, norueguês, búlgaro e
eslovaco, tornando-se o romance de Ferreira de Castro uma das
obras mais traduzidas em todo o mundo.
La Vorágine, publicada em 1924, foi igualmente traduzida para
várias línguas: para o francês e o alemão, em 1934, para o inglês,
em 1935, com edição em New York, para o italiano, em 1941,
para o holandês, em 1948, e, a seguir, a partir dos anos 50, para
o búlgaro, o checo, o esloveno, o chinês, o romeno e o sueco;
podendo com isso comprovar-se o interesse que despertou no
mundo intelectual dessa época.14
Lembramos que La Vorágine foi editada cinco vezes, entre
1924 e 1928 – a primeira vez, em novembro de 1924, na
Colômbia, pela Editorial Cromos, a segunda e a terceira, em 1925
e 1926, ainda na Colômbia, pela Editorial Minerva; havendo a sua
quarta edição sido, em verdade, uma reimpressão da terceira,
desde que em pouco dela difere. Havendo, a seguir, surgido, em
1928, as edições de New York, publicadas pela Editorial Andes,
aqui identificadas como sendo a quinta e a sexta, e, a seguir, a
sétima, a oitava e a nona, em 1929; todas elas, contudo, a partir
da sexta, devendo ser consideradas reimpressões da quinta, a
que foi revista e corrigida pelo próprio autor.15
O romance continuou a ser traduzido, após a morte de José
Eustasio Rivera, em 1928, em vários países do mundo, alcançando
o número de suas edições em países estrangeiros quase o mesmo
das de A Selva, havendo sido editado em alemão e francês, em
1934; em inglês e russo, em 1935; e, nas décadas dos anos 40 e
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50, em búlgaro, checo, esloveno, holandês, romeno, italiano e
chinês; e, finalmente, como registramos, em português, no Brasil,
em 1982, ou antes, talvez, sem que tenhamos tido a oportunidade
de comprovar essa ocorrência.
Da edição de que nos valemos para a releitura do romance,
publicada em 2006, sendo ela, provavelmente, a mais recente,
consta, organizada por Montserrat Ordoñez, uma coletânea de
textos expondo um considerável acervo de informações, tanto
sobre José Eustasio Rivera, como acerca do seu romance; da qual
destacamos a secção apresentada sob o título Historia de la crítica
de ‘La Vorágine’, cuja leitura se torna extremamente útil para
conduzir-nos à compreensão da novela. Nele, as conclusões dos
seus autores indicam que:
como poucas obras, La Vorágine se presta a estudios
interdisciplinares, a reflexiones sobre cultura e história, a
estudios sobre la fragmentación, la incoherencia, el engaño y el
sujeto descentrado, a las nuevas lecturas de contradicciones,
ambivalencias y ambigüedades, dentro de una perspectiva de
valoración de la historia y de los relatos envolventes, y dentro
de una persspectiva de la lectura como proceso de construcción
de la obra.16
E convém registrar que, ao redigir o texto “Ciclo nortista”,
secção constante do capítulo “O regionalismo na ficção” em A
Literatura no Brasil, obra monumental publicada sob a direção de
Afrânio Coutinho, no Rio de Janeiro, pela José Olympio Editora
e pela Universidade Federal Fluminense, em 1986, Peregrino
Junior, autor, por sinal, de Pussanga, um dos mais belos livros de
contos já escritos sobre a Amazônia, afirmou, a nosso ver, com
justas razões e demonstrando quanto o romance do colombiano
o havia impressionado, que José Eustasio Rivera, em La Vorágine,
traz-nos da paisagem e da vida amazônica um quadro belo e
poderoso: aquela floresta agressiva, áspera, esmagadora: aquelas
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águas, numerosas e traiçoeiras; aqueles homens bárbaros e
tristes, perdidos na selva sádica y virgen... Ele também denuncia,
como Ferreira de Castro, as torpezas e os crimes que a floresta
esconde. O seu livro é um libelo, é protesto, é denúncia e grito
de revolta contra o abandono do homem – aquele pária jogado
à mercê dos aventureiros, exploradores e frios tiranos sem
entranhas, criminosos e rapaces, que exploram os seringais da
Amazônia.17
Diferem, porém, de modo sensível, os dois romances, quanto
ao modo como são considerados, pelos seus autores, os indígenas
habitantes da floresta, tornando-se necessário acentuar a
importância dessa diferença, desde que se, tanto em um como
no outro, os índios aparecem como seres inferiores, quando são
colocados em confronto com os civilizadores, em La Vorágine, José
Eustasio Rivera ergue a sua voz para defendê-los; o que não
acontece em A Selva, onde os parintintins – a única tribo
mencionada em seu romance, por Ferreira de Castro, nos são
mostrados como sendo o terror dos seringueiros, apontados como
possuidores de uma enorme crueldade, capazes de realizar festas
macabras, durante as quais dançam em torno de varas, no topo
das quais se acham espetadas as cabeças decapitadas de
seringueiros por eles atacados, tidos, portanto, pelo autor, como
uma ameaça constante para esses seringueiros, que então se
mostravam com a disposição de exterminá-los a bala.18
La Vorágine foi, sem dúvida, o primeiro protesto, com caráter
de denúncia, feito contra as condições de vida dos que, nas matas
da Amazônia, na Colômbia, no Peru ou no Brasil, viram-se
forçados ao trabalho, na condição de escravos, caboclos ou índios,
esforçando-se, ao máximo de suas forças, com o sacrifício, muitas
vezes, das próprias vidas, para criar a riqueza fraudulenta dos
civilizados que ali chegaram, fossem eles estrangeiros ou naturais
desses países.
La Vorágine continuará, pois, a nosso ver, a destacar-se como
um dos pontos mais altos já alcançados pela literatura latino 63
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americana, em favor da dignidade humana violentada e ultrajada
pela civilização.
NOTAS E REFERÊNCIAS
MONTSERRAT ORDOÑEZ (1941-2001), nascida em Barcelona,
de pai castelhano e mãe colombiana, residiu na Colômbia durante quase
toda a sua vida, ali tendo lecionado na Universidad de Los Andes e na
Universidad Nacional de Colômbia. Foi a editora da 6ª edição de La
Vorágine, de José Eustasio Rivera, lançada, em 2006, pelas Ediciones
Cátedra Fernandez Ciudad, S.L., España.
2
MONTSERRAT ORDÓÑEZ. “El narrador: uma voz rota” in
RIVERA, José Eustasio. La Vorágine.Fernandez Ciudad S.L.: Cátedra.
Letras Hispânicas, 2006. p. 21.
3
Idem, p. 24/25.
4
Essa região foi mencionada pelo geógrafo francês Jean Gottmann
em 1949, 25 anos depois da publicação de La Vorágine, como ainda
sendo – un pays vide d´hommes, onde viviam tribos indígenas afastadas
da civilização; estando, segundo ele, a sua exploração e cartografia ainda
a serem efetuadas. esclarecendo o autor do presente trabalho haver
consultado a terceira edição dessa obra, a lançada em 1960. (Cf.
GOTTMANN, Jesn; L´Amérique.Paris:Hachette, 1949, p. 369).
5
MONTSERRAT Ordóñez. Opus cit., p. 250/251.
6
Idem, p. 297.
7
Idem, p.276.
8
Idem, p. 277.
9
MONTSERRAT ORDÓÑEZ. “Los indígenas: brasas entre las
espumas” e “En las caucherias: llamaradas crepitantes” in RIVERA,
José Eustasio. Opus cit., p. 38 e 48.
10
RIVERA, José Eustasio. Opus cit., p. 385.
11
RIVERA, José Eustasio. Opus cit., p. 189/190.
12
Idem, p. 288/289.
13
ROBLES, Federico Carlos Sainz de. Ensayo de un Diccionario de la
Literatura. Tomo II. Escritores españoles e hispanoamericanos”.
Madrid: Bolaños y Aguilar S.L.,1949, p. 1398/1399.
14
Idem, p. 288/289.
1
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Apud ROBLES, Federico Carlos Sainz de. Opus cit., pp, 1398/1399
Informamos não haver conseguido localizar a Historia de la literatura
hispanoamericana, de autoria de Julio A. Leguizamón, citada no referido
verbete, nem a obra citada, sem referência ao seu título, de José Maria
Salaverria, nelas encontrando-se as menções feitas por esses autores a
La vorágine, registradas por Federico Carlos Sainz de Robles.
16
Cf. “Traducciones de ´La Vorágine`” in RIVERA, José Eustasio.
Opus cit., p. 67/68. Consta desse texto, referência a uma tradução
brasileira, que teria sido feita por José César Borba, no Rio de Janeiro,
em 1945, que não conseguimos localizar. Logramos, contudo, encontrar
uma tradução da novela, de autoria de Reinaldo Guarany, editada no
Rio de Janeiro, em 1982, pela Editora Francisco Alves, da qual não
consta, no entanto, qualquer indicação sobre a edição em espanhol,
que lhe serviu de base.
17
Cf. “Historia editorial de La Vorágine” in RIVERA, José Eustasio.
Opus cit, p. 14/16.
18
RIVERA, Jose Eustasio.”Historia de la critica de La Vorágine” in
Opus cit .p. 16.
17
Peregrino Junior. “Ciclo nortista” in “O regionalismo na ficção”. In
COUTINHO, Afrânio (Diretor) A Literatura no Brasil. Era realista.
Era de transição. Vol. 4. Rio de Janeiro: José Olympio Editora/
Universidade Federal Fluminense. UFF-EDUFF, 1986, p. 246. E quanto
à expressão sádica y virgen, por ele referida, ela aparece no texto La
Vorágine, na edição por nós utilizada, à página 297, no parágrafo que
se inicia desse modo – Esta selva sádica y virgen procura al ánimo la alucinacón
del peligro...
18
Cf. CASTRO, Ferreira de. Opus cit., p.114/115, 117/119, 101.
Cabendo notar que, em 1995, o antropólogo John Hemming, em seu
livro Amazon Frontier: Defeat of the Brazilian Indians (Edição brasileira:
HEMMING, John. Fronteira Amazônica: A derrota dos índios brasileiros.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p. 372/373)
confirmou que os índios parintintins, no curso do ciclo de exploração
da borracha, foram temidos e que, portanto, “despertaram o medo e a
fúria dos seringueiros”.
15
Waldir Freitas Oliveira é historiador, ensaísta e conferencista; é professor da
Universidade Federal da Bahia e tem vários artigos e livros publicados. Desde
1987 ocupa a Cadeira nº 18 da ALB.
 65
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Gerações literárias na Bahia
Cyro de Mattos
Para alguns analistas o vocábulo geração é um conceito
poveitoso, que se faz necessário. Não é tarefa simples estabelecer
a noção, os limites e o esclarecimento do vocábulo. Outros
acham que a discussão sobre o tema parece relegada ao plano
teórico superado, pois nada oferece de produtivo. A ideia de
inscrever determinadas gerações na história literária vem do
século XIX, mas remonta a idade pré-cristã a referência contida
no termo. Heródoto em seus estudos históricos já havia dividido
o século em três gerações (aetates).
O conceito de geração pertence ao grupo de termos que se
aplica à história literária e sua respectiva didática. Aí se incluem a
noção de era, época, período, fase, movimento, tendência ou
corrente. É de Friederich Schlegel em 1815 uma das primeiras
tentativas de identificar e caracterizar gerações, ao destacar três
momentos singulares de escritores alemães no século XVIII.
Deve-se a W. Dilthey, outro filósofo alemão, uma das primeiras
reflexões teóricas sobre o conceito de geração. Em estudo
dedicado a Novalis (1865), discute a aplicação do conceito, sem
se deter ao critério da idade na sua formulação.
Fidelino de Figueiredo, numa das primeiras tentativas
portuguesas de fazer história crítica da literatura, divide essa
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DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
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história em épocas. Não deixa de considerar, por exemplo,
em História da Crítica Literária em Portugal (1910), que existiu
uma geração de 1870. Na Espanha o primeiro a se debruçar
sobre a questão foi o filósofo Ortega y Gasset, em El Tema de
Nuestro Tiempo (1923). Segundo o autor de Desumanizacion de la
Arte:
As variações de sensibilidade vital que são decisivas em história
se apresentam sob formas de geração. Uma geração não é um
punhado de homens egrégios, nem simplesmente uma massa: é
como um novo corpo social íntegro, com sua minoria seleta e
sua multidão, que foi lançado sobre o âmbito da existência com
uma trajetória vital determinada. (El Tema de Nuestro Tiempo, p.
7/8).
A história caminha e avança na sua travessia através de
gerações. Conceito importante da História, por assim dizer é o
fulcro em torno do qual executa seus movimentos e manifestações.
Tal geração afirmar-se-á se conseguir formar uma corrente,
movimento ou tendência de pensamento marcante no progresso
social, nos costumes civilizacionais, nas políticas culturais ou na
educação literária dos indivíduos. O grau de combatividade de
uma geração está naturalmente na dependência do estado atual
das coisas com relação ao momento em que se afirma o desejo
coletivo de mudança.
Seja qual for a importância que se atribua ao tema e o conceito
preconizado, a noção de geração pode levar a pressupor, de
modo equivocado, que as gerações se sucedem de forma linear
no curso da história. Na verdade pertencem à mesma geração,
como é comum, indivíduos nascidos próximos e dotados de
afinidades culturais. Pode ocorrer que indivíduos pertençam a
várias gerações numa mesma época. Ou acontecer discrepância
de idade, e nem por isso deixam de situar-se na mesma geração,
como no caso de Machado de Assis, nascido em 1839, e Aluizio
Azevedo, em 1857.
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Quando um homem nasce, se vê numa circunstância concreta,
em que tem de viver e que é social em uma de suas dimensões,
por consequência histórica. Nos passos de Ortega e Gasset, o
filósofo Julián Marias admite que a geração não é um conceito
biológico e sim histórico, porque decisivo não é a idade biológica
que cada homem tem, mas sim sua inserção numa determinada
dimensão de mundo. Não se desprezando o fator biológico, relevase a importância do ser histórico correspondendo ao seu lugar e
à sua época. Geração seria um conjunto de indivíduos pertencente
a varios grupos de idade ou não, portadores de conteúdo
determinado e cujas atividades, anseios, tendências, perspectivas
e alcances norteiam-se no sentido de uma afirmação, que é a sua
afirmação geracional.
Conforme Julián Marias:
O homem está vinculado a uma circunstância determinada, a um
aqui e um agora em que lhe coube viver. Sua historicidade é um
modo de cativeiro ou servidão; ser é ser isto e não aquilo, viver é
estar numa circunstância e nela fazer determinadas coisas com
exclusão de todas as outras. Mas, como no homem atuam as
demais circunstâncias em que já esteve e tudo aquilo que lhe
aconteceu e que ele fez, só quando se conhece isto se pode tomar
posse de si mesmo, se é dono de si mesmo e por conseguinte se
é livre. O homem se evade de sua historicidade mediante a história
como saber, isto é, se afirmando radicalmente nela. A história
permite ao homem trasmigrar hermeneuticamente de sua
circunstância para outras, e dessa maneira as fazer suas; só com a
história toma inteiramente posse de si mesmo e sai da estreiteza
de sua circunstancialidade e das interpretações tradicionais
recebidas, para alcançar a própria realidade, além de todas as
interpretações. Só com a razão histórica – com a razão que é a
própria história – pode o homem dar a razão de si mesmo e projetar
livremente sua vida pessoal, a partir de sua realidade originária e
irredutível. A história, o órganon da autenticidade. (Introdução à
Filosofia, p. 342).
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A geração seria assim a unidade concreta da cronologia
histórica autêntica. Pelo exposto até aqui, a realização da vida
nos remete a duas faixas de questões: o horizonte histórico de
nosso viver e o fundo pessoal de nós mesmos, configurado pelo
fato da vocação. É a travessia com a nossa vocação, idêntica aos
que pertencem ao grupo de indvíduos, que incide em nossa
afirmação e faz da vida humana individual um acréscimo
importantíssimo em nosso destino de seres gregários, entre o
pensamento e o sentimento, atributos que são pertencentes a nós
mesmos.
A Bahia literária do século XX reuniu em suas hostes grupos
de prosadores e poetas expressivos. Os rapazes das revistas da
Nova Cruzada e Annaes desempenharam o papel de disseminadores
do simbolismo no primeiro decênio do século XX. Foram figuras
que destoavam do ambiente cultural da velha Salvador de Bahia,
ainda cultivando na província o baile decadente da belle époque, o
qual foi transplantado de Paris para o Rio de Janeiro, no fim do
século XIX e início do XX. De 1901 até cerca de 1914, atuou na
velha Salvador numeroso grupo de poetas e prosadores com
qualidades literárias significativas, com destaque para Pethion de
Vilar, Artur de Sales, Pedro Kilkerry, Arnaldo Damasceno Vieira,
Francisco Mangabeira e Carlos Chiachio.
Ao ambiente de tradicionalismo intocado, buscou impor seu
perfil aliciado pelos propósitos da Semana da Arte Moderna, em
São Paulo, uma geração de intelectuais formada por Eugênio
Gomes, Hélio Simões, Eurico Alves e Pinto de Aguiar.
Salienta o crítico Assis Brasil:
Cada um dos integrantes desse grupo inicial de 1928 busca seus
caminhos próprios, mas, de um modo geral, é possível sentir para
além dos traços individualizadores uma certa preocupação consciente
de traduzir espírito associativo e sobretudo identificação com os
processos formais de temática modernista da primeira hora. ( A Poesia
Baiana no Século XX, p. 17).
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Costuma-se dizer que o movimento modernista só chegou a
Salvador vinte ou vinte e cinco anos depois de eclodir em São
Paulo. O crítico Cid Seixas observa que há um exagero injusto
nessa afirmação, porque, em 1925, um jovem poeta baiano,
Godofredo Filho, então desconhecido, publicava seus primeiros
trabalhos no suplemento literário do jornal A Tarde, dando conta
que aqui já pousara o espírito renovador das letras e das artes.
Com o ingenuo propósito de publicar seus primeiros textos, nascia
Arco & Flecha, revista de feição provinciana, que causava
estranheza aos meios culturais impregnados de passadismo.
Aos 14 anos, na velha capital da Bahia, Jorge Amado começou
a trabalhar em jornais e a participar da vida literária. Foi um dos
fundadores da Academia dos Rebeldes, grupo de jovens que,
juntamente com os do Arco & Flecha e do Samba, desempenhou
importante papel na renovação das letras baianas. Comandados
por Pinheiro Viegas, figuraram na Academia dos Rebeldes, além
de Jorge Amado, os escritores João Cordeiro, Dias da Costa, Alves
Ribeiro, Edison Carneiro, Sosígenes Costa, Walter da Silveira,
Aidano do Couto Ferraz e Clóvis Amorim.
Vasconcelos Maia, nascido em Santa Inês, Bahia, a 20 de março
de 1923, e falecido em Salvador a 14 de julho de 1988, integrou a
conhecida geração de autores da revista Caderno da Bahia, que
consolidou o modernismo em nosso Estado, entre a segunda
metade dos anos 40 e o início dos anos 50. O surgimento, em
1948, dessa revista, editada por Darwin Brandão, Cláudio Tuiuti
Tavares, Wilson Rocha e pelo próprio Vasconcelos Maia, teve
importância fundamental na progressão das letras da Bahia.
Em alguns Estados brasileiros há certos correpondentes
quando se fala em uma geração 40 ou 45. Na Bahia a atuação de
muitos poetas, nesse período, está inserida na revista Caderno da
Bahia (1948-1951). Desse tempo os poetas Jorge Medauar e Wilson
Rocha alcançaram o circuito nacional, enquanto Jair Gramacho
caiu no esquecimento. Jacinta Passos foi notada pelo crítico
Antonio Candido, enquanto Camillo de Jesus Lima, colaborador
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da revista Caderno da Bahia, produziu uma obra poética respeitável.
Para o ensaísta e romancista Assis Brasil, os poetas itabunenses
Firmino Rocha, Walker Luna, Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha,
a soteropolitana Helena Parente Cunha, o santamarense Fred
Sousa Castro e o soteropolitano Jeová de Carvalho são nomes
que podem ser filiados a esse período.
Entre 1957 e 1959, surgem em torno da revista Mapa poetas
que irão ocupar lugar de destaque nas letras baianas: Florisvaldo
Mattos, dotado de grandes recursos formais e compromisso
solidário no conteúdo do seu discurso poético; o lírico, irônico,
de linguagem transgressora, Fernando da Rocha Peres; o aedo e
singular rapsodo Carlos Anísio Melhor, e o sempre louvado
sonetista Silva Dutra. Ligado à revista Mapa e às Jogralescas, estas
encenadas no Colégio da Bahia (Central), sob a direção de Glauber
Rocha, merece ser citado o poeta e contista João Carlos Teixeira
Gomes, que se tornaria tempos depois um sonetista de fatura
exemplar. Myriam Fraga, uma das vozes vigorosas da poética
baiana, com obra densa e volumosa, e Afonso Manta, o lírico
ingênuo de Poções, capaz de fazer poemas metrificados e rimados
com muita facilidade, sem cair no vulgarismo, mesclados de
sentimentos ricos, em nível de uma linguagem simples, que alcança
ritmo encantatório de pura beleza. Também esses poetas podem
ser vinculados ao citado período literário, de viva inquietação
intelectual, na velha Bahia de Todos-os-Santos.
Nos anos 60, Glauber Rocha, inteligência privilegiada, formava
com seus companheiros de geração um grupo de jovens
intelectuais irrequietos, que na época agitavam os meios culturais
de Salvador. De notória atuação, nesse grupo liderado pelo criador
do Cinema Novo, estavam, entre outros, Paulo Gil Soares,
dramaturgo e cineasta, Othon Bastos, ator, Helena Inês, atriz,
Calasans Neto, artista plástico, Ângelo Roberto, desenhista, Carlos
Nelson Coutinho, ensaísta marxista, Florisvaldo Mattos, poeta
de Reverdor, Sonia Coutinho e João Ubaldo Ribeiro, contistas que
faziam sua estreia nessa época com o livro Reunião, ao lado de
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David Salles e Noênio Spínola. Juntem-se a esses nomes os do já
citados poetas da revista Mapa.
Paralelalmente, não se pode deixar de considerar nessa época
os que compareceram nas páginas da revista Ângulos, do Centro
Acadêmico Rui Barbosa, da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia. Fundada por Adalmir da Cunha
Miranda, em 1950, consta entre seus editores, na década 60, o
nome representativo de João Eurico Matta. Veículo de teor
jurídico-cultural, a revista contemplou em suas edições textos
do professor Antonio Luís Machado Neto, Marcelo Duarte,
Florisvaldo Mattos, Glauber Rocha, Joaci Góes, David Salles,
Edivaldo M. Boaventura, Nemésio Sales, Noênio Spínola, João
Ubaldo Ribeiro e outros.
Atuando sempre como professor, Hélio Rocha freq uentou
também o meio intelectual baiano, durante as décadas de 50 e 60,
produzindo a Revista Afirmação (1959/60/61), da qual foi editor.
A publicação tinha como colaboradores professores, profissionais
liberais e estudantes que se tornariam grandes nomes
representativos da Bahia no cenário nacional: o poeta e compositor
José Carlos Capinan, o cantor e compositor Caetano Veloso, o
deputado federal Haroldo Lima, o cineasta Orlando Sena, que se
tornou integrante do governo Lula no Ministério da Cultura, o
escritor Ildásio Tavares, o cientista social Carlos Nelson Coutinho,
entre outros. A Revista Afirmação recebeu ainda colaborações dos
jovens intelectuais João de Góes Berbert, Noênio Spínola, Naomar
Alcântara, Elsior Alves, Renato Prata e este articulista.
Com a dispersão da talentosa geração de Glauber Rocha, em
1964, outras gerações iriam despontar nos meios culturais de
Salvador. A chamada Geração Revista da Bahia acontece nessa época.
Seus jovens integrantes já demonstravam ser possuidores de certo
instrumental crítico para a discussão dos temas literários. Outro
grupo que despontava naqueles idos era o de poetas liderados
por Antonio Brasileiro e Ruy Espinheira Filho, que iria gravitar
em torno das Edições Cordel e revista Serial. Esses dois jovens poetas
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baianos não demorariam para entrar no circuito nacional com
seus livros e conquistas de prêmios literários importantes.
Este articulista fez parte da Geração Revista da Bahia, ao lado de
Alberto Silva, Marcos Santarrita, Adelmo Oliveira, Oleone Coelho
Fontes, Olney São Paulo, Fernando Batinga, Ildasio Tavares,
Ricardo Cruz, Fernando Kraychete, o desenhista Nacif Ganem
e o artista plástico Francisco Liberato, entre outros. Todos nós,
iniciantes no fazer literário, liderados pelo crítico e poeta Carlos
Falck, o guru espiritual do grupo, pretendíamos deixar nossa
impressão digital nas letras baianas da época. Alguns, como Ildásio
Tavares e Marcos Santarrita, romperam as fronteiras estaduais,
porque de fato elaboraram anos depois uma obra significativa no
corpo das letras brasileiras.
Geração Revista da Bahia. Levava esse nome porque o corpo
redacional da Revista da Bahia, órgão cultural da Imprensa Oficial,
era formado pelos jornalistas Alberto Silva e Marcos Santarrita.
A revista emprestava seu nome para denominar uma geração de
promissores escritores. Recebia em suas páginas colaborações
desses novíssimos intelectuais, que tinham nos ombros o peso
de susbstituir a fulgurante geração de Glauber Rocha, a qual havia
sido dispersa pelo regime militar de 64. Era tarefa difícílima a de
uma nova geração substituir com o mesmo brilho intelectual
aquela outra liderada pelo criador do Cinema Novo, que deixou
pontos elevados na progressão da vida cultural da velha capital.
Sempre com o apoio dos dois Diretores da Imprensa Oficial,
Germano Machado e José Curvelo, a Revista da Bahia foi para os
artistas da geração 60, segundo Juarez Paraíso, responsável pela
direção artística, o que significou os seis números da revista
Cadernos da Bahia, de 1948 a 1952, para os primeiros modernistas.
Com Juarez Paraíso a revista passou a ter um planejamento gráfico
mais solto e moderno. Os números publicados sob a sua
responsabilidade artística foram enriquecidos com reproduções
e ilustrações dos artistas Antônio Rebouças, Jamison Pedra,
Hansen Bahia, Ângelo Roberto, Edsoleda Santos, Nacif Ganem,
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Leonardo Alencar, Henrique Oswald, Riolan Coutinho, Edízio
Coelho, Betty King, Francisco Liberato, Calazans Neto, Juarez
Paraíso, José Maria, Sílvio Robatto, Genaro de Carvalho, Carlos
Bastos, Raimundo Oliveira e outros.
Levando-se em consideração a idade biológica e afinidades
culturais, o elenco de jovens intelectuais, contistas e poetas, que
formava a Geração Revista da Bahia, pode ser ampliado com os
nomes de Luís Carbogini Quaglia, louvado contista do mar, Maria
da Conceição Paranhos, poeta e ensaísta, Fernando Ramos e
Guido Guerra, promissores romancistas, José de Oliveira Falcón,
o poeta de Canudos, o cineasta Orlando Sena e outros.
Na visão do ensaísta Cid Seixas, o mais importante lançamento
de poesia na Bahia, no período compreendido entre 1964 e 1974,
aconteceu com o livro ABC-reobtido, de Maria da Conceição
Paranhos. O discurso da jovem poetisa, com bases em pesquisa e
atualização estética, rejeitava os limites de certa retórica
ornamental. Outro jovem intelectual baiano que despontava nas
letras daquele período era Guido Guerra. Escritor de formação
jornalística, ele trazia para a sua prosa de ficção os atritos e rupturas
do homem cotidiano. E assim começava a dar andamento a uma
obra literária marcada pelo texto rápido e conciso, capaz de
deflagrar o exato momento em que o universo dos personagens
desenvolve-se como o centro de um sistema nervoso, que lateja
emoções no engajamento sensitivo do autor e o mundo.
A geração Revista da Bahia enfraqueceu com a ida de Alberto
Silva, moderno crítico de cinema e jornalista de um texto
primoroso, para o Rio de Janeiro, em 1967, e logo a seguir a de
Marcos Santarrita. Junta-se a isso o falecimento de Carlos Falk.
Eu fui para Itabuna, onde exerceria a advocacia durante muitos
anos. Permaneceram em Salvador aquelas outras jovens vozes
vocacionadas para fazer da vida um consistente projeto literário.
Os sobreviventes da Geração Revista da Bahia, dispersos, sem
contar com a força aglutinadora de Carlos Falck, presenças de
Alberto Silva, Marcos Santarrita e este articulista, se quisessem,
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já não tinham a mesma motivação para se encontrar na Biblioteca
Pública, localizada na Praça Tomé de Sousa, nos botecos e bares
da Rua da Ajuda, durante noites de sábado, ou na livraria
Civilização Brasileira, na rua Chile, em final de tarde, na semana.
Quando então se discutiam as questões de literatura atual, muitas
vezes com veemência, em torno de Kafka, Sartre, Brecht, Pessoa,
Proust, Joyce e Faulkner. Guimarães Rosa, Clarice Lispector e
Adonias Filho. Drummond, Jorge de Lima e Cecília Meireles.
Marx, Lukacs, Ortega y Gasset e outros.
A Coleção dos Novos, projeto editorial da Fundação Cultural
do Estado da Bahia, sob a coordenação de Myriam Fraga, pode
ser assinalada, em termos cronológicos, como uma Geração 80,
na Bahia, constituída de poetas e prosadores. É de 1996 a
participação de Marcos Ribeiro na coletânea poética Oitenta,
organizada por Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro, dois expoentes
desse grupo, para comemorar 15 anos da Coleção dos Novos, ao
lado do próprio Aleilton Fonseca, Mirella Márcia, Roberval Pereyr,
Iderval Miranda, Washington Queiroz e outros.
Fundada em 1998, tendo como editores Aleilton Fonseca e
Carlos Ribeiro, Iararana, revista de arte, crítica e literatura, divulgou
em suas páginas nomes da Geração 80, valores emergentes e
autores do porte de Aramis Ribeiro Costa, Gláucia Lemos, Gerana
Damulakis, Antonio Torres, Antonio Brasileiro, Myriam Fraga,
Ívia Alves, Capinan e outros. Nos dois números iniciais, a revista
teve a colaboração do poeta Elieser César como coeditor. Mais
adiante, contou também com a participação efetiva do poeta Luís
Antonio Cajazeira Ramos, que, além de publicar poemas e artigos,
colaborou com a editoria. A partir do número 9, a revista passou
a contar com um terceiro coeditor, o poeta e promotor cultural
José Inácio Vieira de Melo, como representante da nova geração.
Mais prosadores, poetas e ensaístas estão chegando para
imprimir suas vozes no corpo literário e cultural da Bahia. O
projeto editorial da Fundação Casa Jorge Amado, através de
certame literário que promove anualmente, vem revelando
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autores inéditos com boas qualidades. Além disso, projetos
poéticos acontecem em bares, restaurantes de Salvador e espaços
culturais do interior. Funcionam como instrumentos de
resistência nos tempos de hoje, quando já não mais existem
suplementos literários, fala-se no fim do livro, crise da escrita e
falência da leitura. Percebe-se sem esforço que a Literatura está
sendo alimentada por ridículos releases na imprensa, pela
publicidade de uma subliteratura fabricada nos Estados Unidos
e enviada para cá nessa enxurrada de livros com enredos
superficiais, que não se preocupam em mostrar o homem diante
de suas verdades essenciais.
REFERÊNCIAS
GASSET. José Ortega y. El tema de nuestro tiempo. Revista de
Ocidente, Madri, 1960.
MARIAS, Julián. Introdução à filosofia, Livraria Duas cidades, São
Paulo, 2ª. Edição, 1966.
SEIXAS, Cid. Triste Bahia, Oh quão dessemelhante! Salvador: Empresa
Gráfica da Bahia, Coleção Letras da Bahia, 1996.
BRASIL, Assis. A poesia baiana no século XX. Rio de Janeiro: Imago;
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1999.
MATTOS Cyro de. O mar na rua Chile e outras crônicas. Ilhéus:
EDITUS, Editora da UESC, 1999. (Finalista do Prêmio Jabuti.)
Cyro de Mattos é poeta, contista, cronista e autor de livros infanto-juvenis. Já
foi premiado no Brasil e no exterior. Recebeu o Prêmio Afonso Arinos da
Academia Brasileira de Letras, pelo livro de contos Os brabos. Seus textos têm
sido publicados em Portugal, Itália, Alemanha, Dinamarca, Rússia, México e
Estados Unidos. É membro fundador da Academia de Letras de Itabuna e
membro correspondente da Academia de Letras da Bahia.
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Poesia em tempos de boemia
literária
Florisvaldo Mattos
Houve um tempo nesta Cidade do Salvador em que, mais que
uma forma de convívio entre amigos, as tertúlias eram um refúgio
de que frequentemente se valia a boemia literária, para fruir o
intercâmbio cordial das ideias, que muitas vezes desaguava em
desafio, em torneios de emulação, quando não em contenda rude,
açulando a curiosidade de uma audiência, que as acompanhava
avidamente, de perto ou à distância. E nelas muito de criação
literária e artística se divulgava, para depois ganhar o mundo. Essa
distração intelectual com o tempo se esvaneceu, perdeu a antiga
feição de urbanidade, para quase completamente sumir das
práticas culturais, passando a compor um vasto anedotário. Em
1958, já não mais se falava dessa espécie de concurso civilizado,
mas ocorreu que, em um bar da Rua da Ajuda, no curso de uma
tertúlia boêmia, que reunia poetas, literatos e jornalistas, dois
sonetos deixariam de ser remotos estados de ânimo e sutileza
mental, para cumprir um trajeto que pertence a todos os que
viajam pelo terreno dos símbolos.
A partir dos anos 1940, quando profundas alterações ocorrem
na ordem social e econômica, com fortes reflexos na cultura, a
Bahia, que era a terra do “já foi”, toma outra configuração
demográfica e urbana, impulsionada pela descoberta do petróleo
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no Recôncavo e a consequente deflagração de um processo de
industrialização modernizador, livrando-se da dependência do
comércio agroexportador, que tinha sua robustez centrada no
cacau; nova dinâmica advinda das transformações no sistema
de transportes rodoviário e aeroviário torna mais rápida a
relação entre o Sul rico e o Nordeste pobre, aproximando
centros de consumo e fornecimento de bens e mercadorias;
por fim, ocorrem mudanças no panorama cultural, desde a
gestão liberal de Anísio Teixeira na Secretaria da Educação e
Cultura, no Governo Mangabeira (1947-1951), acentuadas pela
revolução que o reitorado de Edgar Santos imprimirá na
Universidade da Bahia, nos anos 1950, criando novas escolas
de arte e institutos especializados, além de reformular unidades
já existentes. Todos, quase em uníssono, querendo elevar o
bem-estar dos baianos.
Tais sucessos vão se refletir diretamente no desenvolvimento
da Cidade do Salvador, que, cansada e envergonhada do velho
perfil provinciano, começa então a sonhar-se cosmopolita. Num
primeiro momento, as letras e as artes entram em agitação, na
ânsia de se libertar das amarras do conservadorismo imperante,
com a presença e a ação de jovens artistas plásticos (Mário Cravo
Júnior, Carlos Bastos, Carybé, Genaro, Jenner Augusto, Rubem
Valentim), ficcionistas e poetas (Vasconcelos Maia, José Pedreira,
Wilson Rocha, Jair Gramacho), espraiando-se para outros campos
(arquitetura e mundanismo, de incursão até na política), ao sopro
dos ventos liberalizantes da Constituição de 1946. O
entrelaçamento entre a vida intelectual mundana e universitária
faz surgir, então, com tinturas existencialistas, o primeiro pouso
aconchegante da boemia literária na cidade, o Bar Anjo Azul, na
Rua do Cabeça, que se tornaria doravante um emblema local, um
marco no gênero. Era a vibrante interseção na cidade da Geração
Caderno da Bahia, empenhada em fazer vingar o ideário estético
do modernismo, cuja adoção plena o academicismo rotundo e
insensível travara por dois decênios.
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Neste momento, uma coceira mental me traz à lembrança um
poema evocativo que escrevi muitos anos depois, repercutindo
as emoções e o ambiente urbano, com que me defrontei, a partir
da noite em que pisava pela primeira vez o asfalto da cidade. Sob
o título de “Tempos de Arlequim”, composto de versos
cadenciados, mas sem rimas, integra o livro Mares anoitecidos, que
publiquei no ano 2000, como parte de coletânea alusiva aos 500
anos do Descobrimento. Não me envergonha reproduzi-lo.
Salvador é Carnaval. Quando cheguei, / Em noite de Segunda-Feira
Gorda, / As cores da cidade feiticeira / E os meus olhos na praça fumegavam.
// Havia corso e blocos veteranos / (Nomes claros que hoje fazem sonhar).
/ Sobem os Inocentes em Progresso, / Descem os Mercadores de
Bagdad. // No Bob’s Bar, que depois será Cacique, / Param o som
travesso e a peraltice / Da guitarra elétrica na Fobica; / Uma estrela
desponta e, com a luz dela, // A multidão que pula e agita ramos / (A
prévia tosca da mamãe-sacode) / Canta, dança, grita, bebe cerveja. / Eu ali
que faço? Acompanho o passo. // Batalhas de confete e serpentina, / Pierrôs,
lança-perfume, colombinas, / Estrelejando o chão da Rua Chile, / Onde
desfilam afoxés. (A brisa // É mais um concorrente da folia, / E eu, olhos
postos em longínqua trama / De sonhos dando voltas num salão / E numa
rua, espelho do infinito). // Avança por meu tempo de incertezas / A
máscara sedutora do passado, / Blocos de rancho fecundando auroras / E o
entardecer de etéreas batucadas. // Súbito são morenas de um cordão; /
Arlequim invasor da madrugada / Agarra-se à cintura de uma delas / E
sobe a praça rumo à Sé que ferve.
É nessa atmosfera de sonho e esperanças que desembarco em
Salvador, em fevereiro de 1952, numa noite de Segunda-Feira
Gorda de Carnaval, vindo de Itabuna, para estudar no
paradigmático Colégio da Bahia e depois cursar universidade. E
é a partir da Faculdade de Direito, já publicando poesia na revista
Ângulos, então prestigiosa publicação do Centro Acadêmico Ruy
Barbosa, da Faculdade de Direito (CARB) que venho integrar o
grupo nuclear de jovens, adiante dito Geração Mapa, que
borbulhava entre o sucesso e o escândalo, com as apresentações
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de seus espetáculos de poesia dramatizada no auditório do Colégio
da Bahia, rotulados de Jogralescas, por volta de 1956/57. Glauber
Rocha à frente, e já se insinuando líder, por lá transitava uma
irrequieta malta de declamadores composta de poetas, artistas
plásticos, teatrólogos, cineastas, atores e futuros jornalistas
(Fernando da Rocha Peres, João Carlos Teixeira Gomes, Paulo
Gil Soares, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Ângelo Roberto,
Fernando Rocha, Carlos Anísio Melhor, Fred Souza Castro,
Antônio Guerra Lima, Anecy Rocha, cito alguns), protegidos da
sanha proibitiva e coercitiva da pressionada direção do colégio
pelo professor Ruy Simões, um fervoroso apoiador e defensor
desses anseios juvenis.
Recordo o encontro que me lançaria nessa caudal de sonhos,
com moldura exótica, senão cômica. Em fins de 1956, o Nº
11 da revista Ângulos publicava o meu poema “Composição
de ferrovia”, quase um hino telúrico à State of Bahia South
Western Railway Company, antigo nome da depois mítica E.
F. I. C. (Estrada de Ferro de Ilhéus a Conquista), que civilizou
e desenvolveu a Região do Cacau, permitindo o surgimento
de vilas, que logo seriam cidades e municípios, e o consequente
desenvolvimento da produção, gerando riqueza. Foi quando
certa manhã, eu sentado num dos bancos do hall da faculdade,
vêm me avisar que indagavam por mim na portaria. Saio para
o umbral e me deparo com cinco rostos quase imberbes. Logo,
um deles me saúda e, dizendo falar em nome dos outros,
exclama, enfático: “Viemos aqui para conhecer o autor do
poema “Composição de ferrovia”, para nós o melhor poeta
modernista da Bahia”. Ouvi desconfiado, mas, entre assustado
e incrédulo, agradeci o hilário gesto. Nome do excêntrico
porta-voz: Glauber Rocha, que, em seguida, me convida a ir à
sua casa, na Rua General Labatut, Nº 13, 1º andar, onde, diziame, costumava se reunir com os companheiros, para discutir
uma quase infinita pauta de inquietações, aspirações e planos
modernistas.
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A entrada de Glauber Rocha no cenário sugere novo parêntese
para evocar episódio de conotação ainda mais cômica, produto
de uma viagem que fez ao Nordeste, em 1960, acompanhado de
João Carlos Teixeira Gomes, durante a qual este sofreu um
acidente, ao descer de um ônibus, forçando-o a passar o restante
do trajeto com o pé enfaixado.
Com a cabeça atulhada de projetos, buscava Glauber, nesta
viagem, colher subsídios e inspiração que iriam compor os roteiros
de duas de suas obras-primas cinematográficas, Deus e o Diabo na
Terra do Sol e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. A certa
altura da excursão, pararam em Recife e, nas andanças por lá, se
encantaram com o poeta Ascenso Ferreira, um dos ícones do
primeiro modernismo, ao lado de Manuel Bandeira, outro
pernambucano. Impressionados com a histriônica figura,
resolveram convidá-lo a visitar a Bahia. Pouco depois, com seus
dois metros de altura, 120 quilos de peso, chapéu panamá de aba
larga, terno branco e gravata, o poeta de Catimbó e Cana Caiana,
desembarca em Salvador, onde o cercam de homenagens e rapapés,
faz conferências, assiste a peças teatrais, passeia e, principalmente
percorre e frequenta bares e restaurantes, comendo e bebendo,
com as honrarias que se devem a visitantes ilustres ou boêmios
consagrados, demorando-se em Salvador por cerca de um mês.
Na véspera de voltar ao Recife, Glauber e os mais assíduos
nas estripulias resolveram fazer uma despedida, convocando a
imprensa para uma entrevista com o pernambucano. Em clima
de festa, conversa regada a cerveja e acepipes já chegando ao
fim, um jornalista pergunta ao poeta: “Ascenso, durante todos
esses dias que por aqui passou, o que mais o impressionou e
agradou na Bahia? Ascenso parou, franziu a testa, olhou
sorridente e bonachão para o jovem e, lembrando talvez o que
fazia naturalmente nas ruas, quando, pouco sóbrio, disparou:
“A liberdade de mijar”.
Associei-me ao grupo e me engajei na saga de suas aventuras
editoriais e artísticas, refletida numa vasta gama de ações,
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envolvendo literatura, teatro, cinema, artes plásticas e jornalismo.
E logo começariam a surgir, em torrente, livros com o selo das
Edições Macunaíma; projetos cinematográficos pela nascente
Iemanjá Filmes; pinturas, esculturas e gravuras, em galerias de arte,
que se montavam então; variadas peças levadas no espaço da jovem
Escola de Teatro, dirigida pelo pernambucano Martim Gonçalves;
logo, também, uma revista, a Mapa, e o inesquecível SDN, o
suplemento literário dominical editado pelo Diário de Notícias, de
Assis Chateaubriand, rematavam um vertiginoso leque de aspirações
inovadoras. Aos nomes citados, vale lembrar outros aderentes, como
eu: Myriam Fraga, João Ubaldo Ribeiro, Sônia Coutinho, David
Salles, Valdeloir Rego, além do então apenas dentista, depois
professor e autoridade em antropologia cultural, Vivaldo da Costa
Lima. Neste contexto, não se deve esquecer a singular, solidária e
entusiástica presença de um antes experiente livreiro, Zitelmann
de Oliva, ora à frente da empresa Artes Gráficas, então operando
na Rua do Saldanha, cujo apoio permitiu não apenas a realização
dos projetos editoriais do grupo, com o lançamento dos primeiros
livros de poesia e ficção, como ainda a edição de álbuns de gravura
e dos três únicos números da revista Mapa, entre 1957 e 1958.
Como então os tempos de franca liberdade se casavam com a
vida boêmia, febris cogitações e intensos debates exigiam que a
geografia da cordialidade se estendesse por diversos pontos, onde
as tertúlias se tornariam habituais. Eram então os mais
frequentados: a Sorveteria Cubana, ainda hoje lá na parte alta do
Elevador Lacerda; o Bar e Restaurante Cacique, na Praça Castro
Alves, mas ainda à época chamada de Largo do Teatro; o Bar
Anjo Azul e o Restaurante Porto do Moreira; o Bar Brasil e o
Chez Bernard, novidade que se instalara no terraço inaugural do
Edifício Themis, ambos na Praça da Sé; e, às vezes, o Colón, na
Piedade. E, nos fins de noite, com tudo fechado, o romântico Zé
do Esquife, um variado e iluminado tabuleiro de iguarias caseiras,
que se abria à voracidade boêmia, a uns dez metros da estátua de
Castro Alves, junto à balaustrada.
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Desse hoje para muitos um urbano paraíso perdido, repositório
de sensações e conquistas inauditas, todos teriam histórias
prazerosas a contar, mas, de todos esses lugares, talvez seja o
Porto do Moreira o que, pela qualificação e variedade da clientela,
mais guarde a memória de casos dignos de registro. Fundado em
1938 pelo português José Moreira (o Sêo Moreira), e facultando
a seus clientes um assíduo quanto vasto cardápio de pratos caseiros
de inspiração lusa e baiana, tornou-se desde cedo uma casa de
pasto cujas mesas reuniam diariamente a nata da inteligência e da
burocracia, representada por escritores, poetas, artistas plásticos,
professores, jornalistas, profissionais liberais, membros da
magistratura, além de políticos, funcionários públicos e
comerciários, que lhe davam cor local, como até hoje ocorre
neste ameno quase octogenário recanto. Além da cordialidade
e simpatia do dono, virtudes saudavelmente transferidas aos
filhos, Antônio e Francisco, que, na condição de herdeiros, ainda
hoje mantêm o famoso lugar como um ícone de prazeres
gustativos na geografia da cidade.
Muito de histórias passadas lá permanece no imaginário dos
remanescentes de uma fiel clientela. Evoquemos uma delas quase
ao acaso, narrada por Carlos Coqueijo Costa, conceituado dublê
de jurista do Trabalho, cronista, compositor musical e animador
cultural. Com o restaurante funcionando já no atual endereço,
no Largo do Mucambinho, mais conhecido como Largo das
Flores, na Rua Carlos Gomes, entre os garçons do serviço havia
um mulato magro, calmo, atencioso e simpático, apelidado de
Popó. Atendido por ele, certo dia, na hora do almoço, com
preguiça de ler o cardápio escrito à mão, um freguês lhe pergunta:
“Popó, que temos de bom hoje, aqui na casa, para comer?”.
Solícito, lhe responde Popó, suavemente: “Tem galinha de molho
pardo, galinha de ensopado, fígado acebolado, ensopado de
carneiro, porco assado, salada de bacalhau, filé a cavalo, moqueca
de miolo e moqueca de carne”. Fez uma pequena pausa e concluiu:
“E, de sobremesa, goiabada com queijo e banana pessoalmente”.
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Coqueijo contou este curioso diálogo numa das crônicas que então
escrevia, às segundas-feiras, no jornal A Tarde, cujo recorte ainda
hoje, emoldurado, está afixado na parede do restaurante, à vista
dos fregueses.
A noite era realmente criança e aconselhava outros pousos e
outros desempenhos, que ninguém é de ferro, a começar pelas
casas de mulherio, como o “Meia-três”, na Ladeira da Montanha,
a casa de “China”, na Rua da Gameleira, a de “Maria da Vovó” e
a de “Cymara”, ambas em transversais da Ladeira da Praça;
gafieiras (Churrascaria Ide, Metrô, Rumba Dancing, Belvedere,
Marajó); inaugurais boates (Carijó, XK Bar, Manhattan, Pigalle)
e, para os mais abonados, o Cassino Tabaris, de cujas noites
perdulárias restaram histórias memoráveis, não só as antigas de
coronéis do cacau. E aqui nova urticária mental me induz a
outro parêntese, para lembrar episódio tão cômico quanto
surrealista, protagonizado por alguns de nossa turma numa
dessas noites de boemia peralta. Em meados de outubro de
1958, um mês depois de fundado, o Jornal da Bahia fazia o
primeiro pagamento dos que compunham a sua primeira equipe
de Redação, e lá fomos receber no guichê da gerência o que nos
cabia, como atores dessa façanha – eu, Paulo Gil Soares, Joca
(João Carlos Teixeira Gomes) e Fernando Rocha (Bananeira),
na reportagem geral, Calasans Neto, na programação visual, e
Glauber Rocha, editor da seção de Polícia.
Pegamos o dinheiro curto no caixa e, à noite, com a aderência
de mais alguns, alegres e felizes, marchamos todos para o Tabaris,
onde na ocasião se apresentava um balé argentino, composto de
dançarinas loiras e morenas, de corpo torneado e maiô, dançando
o repertório musical da moda, bolero, mambo, rumba, conga e
tango, ao som de uma afinada e buliçosa orquestra de sopro. Era
comum nos intervalos, como parte da atração, elas, as bailarinas,
virem às mesas, conversar, beber e até dançar com frequentadores.
Nesta para nós noite inaugural, mulheres na mesa, e bebendo,
saímos alguns a dançar, inclusive com as moças do balé. É quando,
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por volta da meia-noite, Glauber, um protestante de devoção
arredia, abstêmio total, subitamente inquieto mais que o normal,
passa a censurar os protagonistas da cena e a protestar contra
aqueles excessos. Cenho fechado, mais que de repente, sobe na
mesa e, em pé, põe-se lá de cima a bradar, possesso: “Isto é um
absurdo! Tirem daqui essas mulheres de Babilônia!” E, em tom
de execração bíblica, repete mais de uma vez a última frase –
”Tirem daqui essas mulheres de Babilônia!”–, aturdindo as moças
e companheiros em volta, para então, entre o sério e o farsante,
atendendo aos clamores e ostentando no rosto um sorriso frajola,
descer da mesa, sob estrondosa gargalhada.
Fora desses lugares que menciono e das cantinas de faculdade,
davam-se ainda os encontros nas sessões dominicais do Clube de
Cinema da Bahia, capitaneadas pelo misto de advogado trabalhista
e crítico de cinema Walter da Silveira, em salas de espera dos
cinemas, portas de livraria e hall de faculdades. A cidade tranquila
era assim intensa e ludicamente vivida, dia e noite, em transações
que varavam as madrugadas.
Volto ao começo, à história dos dois sonetos nascidos de uma
remota tertúlia literária, no lusco-fusco de um bar, em anos de
boemia e jornalismo romântico. Narro a excentricidade. Noite
de primavera, dias depois do surgimento do Jornal da Bahia, na
Rua Virgílio Damásio, nº 3, uma transversal da Rua Chile, numa
das mesas de tampo de mármore do Bar Nogueira, então um dos
mais concorridos da Rua da Ajuda, vizinho ao famoso Café das
Meninas, amigos estão sentados, dois deles poetas e dois
tarimbados jornalistas. Poetas, eu, um mero iniciante, na poesia e
na imprensa, e Jair Gramacho, já um dos mais prestigiados
membros da Geração Caderno da Bahia, na qual disputava
píncaros com o poeta Wilson Rocha, ambos ícones locais do
modernismo. Os dois jornalistas eram Ariovaldo Matos,
romancista e autor de Corta Braço, ficção pioneira inspirada numa
invasão de terras ocorrida no bairro da Liberdade, e o contista e
cronista Flávio Costa, este subsecretário de Redação, que acabara
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de lançar Além das torres do Kremlin, relatos de viagem a Moscou,
aquele experiente Chefe de Reportagem do novo jornal, que antes
exercera com afã militante o mesmo cargo em O Momento,
aguerrido jornal que funcionou na Ladeira de São Bento (19451957), pertencente ao Partido Comunista do Brasil, o Partidão,
fundado e mantido por Aristeu Nogueira e João Falcão, este depois
fundador do próprio Jornal da Bahia.
Falava-se de literatura e política, como sempre, quando de
repente, coisa de boêmios, surge um desafio, para saber-se quem
dos dois poetas ali melhor escreveria um soneto. Não lembro o
autor do repentino alvitre, tampouco o grau do efeito etílico, que,
indulgente, o Ângelus da Igreja da Ajuda ali perto acalentava.
Surpresos, os dois poetas se entreolharam, mediram o tamanho
do repto, mas, feito o ajuste, bebericaram um pouco mais e se
foram. Dois dias após, tal como combinado, voltamos os quatro
ao mesmo bar, cada um dos poetas empunhando a sua Excalibur
verbal: eu, com o soneto intitulado “A cabra”, de cândida
inspiração rural, composto no clássico formato petrarquiano, com
os catorze versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos; ele,
Jair Gramacho, com suntuosa joia lavrada no modelo
shakespereano, de três quartetos integrados e um dístico, amplo
de alusões panteístas e referências mitológicas, invocando lenda
campestre em torno de Meleagro, herói de Calidônia; mas, tanto
um quanto o outro, construídos em decassílabos de rimas
emparelhadas ou entrelaçadas. Cumprindo o ritual e com a devida
entonação, cada autor leu o seu soneto. Na postura de juízes,
depois de ouvi-los e cotejá-los, em silêncio, os dois jornalistas
concluíram sorridentes que os dois poemas mereciam publicação
mais ampla, na edição dominical do Jornal da Bahia. Dito e feito.
Dias depois, com verniz gráfico de prestígio, ambos os sonetos
ocupavam as duas colunas ao lado direito da página literária,
editada sob a batuta do historiador e cronista Luís Henrique Dias
Tavares, mas sem uma linha sequer alusiva ao embate travado no
bar da Ajuda. Publicados, cada soneto seria alvo de corporativista
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acolhida: o meu, com recitação e elogios da presunçosa grei a
que eu pertencia, enquanto o de Jair bem mais efusivamente
louvado não apenas por nomes consagrados de sua geração. Em
1960, os dois poemas seriam ainda publicados na revista Ângulos
(Nº 16), então comandada por Noênio Spínola (diretor) e Antônio
Guerra Lima (Guerrinha), de redator-chefe, com João Ubaldo
Ribeiro diretor de Cultura do CARB, mas cada uma das criações
poéticas doravante com sorte diversa: “A cabra” iria compor o
conjunto do meu primeiro livro, Reverdor (Edições Macunaíma,
1965), enquanto o primoroso soneto de Jair Gramacho, ao que
sei, permanece até hoje inédito em livro. São eles que agora abaixo
reproduzo, vindo em primeiro lugar, por direito inalienável, o do
meu saudoso e insigne êmulo.
SONETO OITAVO
DE ATALANTA EM CALIDÔNIA
JAIR GRAMACHO
Nesta tarde o terreiro está vazio.
Distante o laranjal se estende; a manga,
A serra, o azul depois; tênue miçanga
De açafrão tinge as fímbrias, o do estio
Único resto. Esta tristeza é mais
Que a da paisagem pobre e adormecente;
Talvez por não ter rosas, não ter gente,
E a solidão vagueie pelos currais.
Mas, certo é que nesta hora, ressurrecto,
O mito abandonado busca o luxo
Antigo de existir; dispõe espectros
Que em volta cirandeiam do repuxo...
Ah! Mais que basta para o instante magro
Galinhas ver – irmãs de Meleagro!
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A CABRA
FLORISVALDO MATTOS
Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.
Perco-te. Cabra que és já me tortura
Guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.
Máquina e jarro. Luar contraditório
Sobre lajedo o casco azul polindo,
Dominas suave clima em promontório;
Cabra: o capim ao sonho preferindo.
Sulca-me perdurando nos ouvidos,
Laborado em marfim – luz e presença
De reinos pastoris antes servidos –
Teu pelo, residência da ternura,
Onde fulguras na manhã suspensa:
Flor animal, sonora arquitetura.
________
Florisvaldo Mattos é poeta, jornalista e ensaísta. Publicou diversos livros, como
Travessia de Oásis – A sensualidade na poesia de Sosígenes Costa (2004); recentemente,
lançou o livro Poesia Reunida e Inéditos (São Paulo: Escrituras, 2011). Desde
1995 ocupa a Cadeira nº 31 da ALB. Este é o texto da conferência pronunciada
durante o seminário “Memórias Cruzadas da Cidade do Salvador”, promovido
pela Fundação Pedro Calmon, sendo moderador seu presidente, o historiador
Ubiratan Castro, em 18 de julho de 2012, no auditório da Biblioteca Pública do
Estado da Bahia, nos Barris, na parte circunscrita ao tema A Cidade da Boemia,
tendo como foco “a boemia literária e o entrelaçamento da vida intelectual,
mundana e universitária, que incubaram intensamente gerações de intelectuais
transformadores e movimentos de vanguarda, na Salvador dos anos 50”.
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Jorge Amado, Centenário
Joaci Góes
Jorge Amado é o mais traduzido, o mais lido e o mais conhecido,
dentro e fora do Brasil, entre os romancistas brasileiros, em todos
os tempos. Foi o primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente
dos direitos autorais dos seus livros. Sua obra já foi editada em
mais de 50 países e traduzida, sem contar as edições em Braille e
as gravadas, para os seguintes idiomas e dialetos, listados em ordem
alfabética: albanês, alemão, árabe, armênio, azeri, búlgaro, catalão,
chinês, coreano, croata, dinamarquês, eslovaco, esloveno,
espanhol, esperanto, estoniano, finlandês, francês, galego,
georgiano, grego, guarani, hebraico, holandês, húngaro, iídiche,
inglês, islandês, italiano, japonês, letão, lituano, macedônio,
moldávio, mongol, norueguês, persa, polonês, romeno, russo,
sérvio, sueco, tailandês, tcheco, turco, turcomano, ucraniano e
vietnamita. Ele é, também, o autor mais adaptado para a televisão,
com memoráveis sucessos de audiência, com Tieta do Agreste,
Gabriela Cravo e Canela, Teresa Batista Cansada de Guerra e Dona Flor
e Seus Dois Maridos. Sua obra sofreu adaptações para o cinema, a
televisão e o teatro, bem como para histórias em quadrinhos, no
Brasil, em Portugal, na França, na Argentina, na Suécia, na
Alemanha, na Polônia, na antiga Tcheco-Eslováquia, na Itália e
nos Estados Unidos. Entre os diretores que adaptaram seus textos
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para o cinema e a televisão se encontram Walter George Durst,
Alberto D’Aversa, Marcel Camus, Nelson Pereira dos Santos, Cacá
Diegues, Bruno Barreto, Aguinaldo Silva, Luiz Fernando
Carvalho, entre outros diretores e roteiristas. Glauber Rocha e
João Moreira Salles realizaram documentários sobre o escritor.
Seus livros foram, também, usados como tema de músicas e
de enredos de escolas de samba por todo o Brasil. Em número
de exemplares vendidos, só o bruxo Paulo Coelho, 35 anos mais
jovem, o superou. Na ficção, porém, sua liderança é incontestável.
Resta a possibilidade de que a maior permanência de sua obra
lhe devolva a liderança geral, com o passar do tempo.
Com tantas credenciais, é natural que seja o mais premiado
dos escritores brasileiros. No plano nacional recebeu os seguintes
prêmios:
Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do
Livro,1959; Prêmio Graça Aranha,1959; Prêmio Paula
Brito,1959; Prêmio Jabuti,1959 e 1995; Prêmio Luísa Cláudio
de Sousa, do Pen Club do Brasil,1959; Prêmio Carmen Dolores
Barbosa,1959; Troféu Intelectual do Ano,1970; Prêmio
Fernando Chinaglia, Rio de Janeiro,1982; Prêmio Nestlé de
Literatura, São Paulo,1982; Prêmio Brasília de Literatura, pelo
Conjunto da obra,1982; Prêmio Moinho Santista de
Literatura,1984; Prêmio BNB de Literatura, 1985.
Do exterior, recebeu:
Prêmio Stalin da Paz, Moscou, 1951, renomeado Lênin da
Paz, quando Stalin caiu em desgraça; Prêmio de Latinidade, em
Paris, 1971; Prêmio do Instituto Ítalo-Latino-Americano, Roma,
1976; Prêmio Risit d’Aur, Udine, Itália, 1984; Prêmio Moinho,
Itália, 1984; Prêmio Dimitrof de Literatura, Sofia, Bulgária, 1986;
Prêmio Pablo Neruda, Associação de Escritores Soviéticos,
Moscou,1989; Prêmio Mundial Cino Del Duca da Fundação
Simone e Cino Del Duca, 1990; e Prêmio Camões,1995. Em 1994,
recebeu o Prêmio Camões, considerado o Nobel da língua
portuguesa. Recebeu, ainda, os títulos de Comendador e de
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Grande Oficial, nas ordens da Argentina, Chile, Espanha, França,
Portugal e Venezuela, além do de Doutor Honoris Causa por
dez universidades no Brasil, Itália, Israel, França e Portugal. O
último que recebeu, pessoalmente, já doente, em cadeira de roda,
foi o de Doutor pela Sorbonne, na França, em 1998, em sua
viagem de despedida da Paris que tanto amou.
No vasto painel de seu enquadramento literário, a primeira
fase de seu processo criativo integra a denominada segunda
geração do modernismo regionalista brasileiro. Vista como um
todo, porém, a obra de Jorge Amado, tendo em vista sua rica
diversidade temática, faz dele o mais brasileiro dos escritores,
insuceptível de enquadramento nas bitolas estreitas de certos
confinamentos conceituais. O forte colorido sensual e tropical
do seu texto, mais do que outro qualquer, é expressivo da alma
brasileira, como vista pelos estrangeiros.
No plano religioso, Jorge foi um pouco além do sincretismo
predominante na Bahia, porque agregava o materialismo agnóstico
ao candomblé, onde ocupava o posto de honra de Obá de Xangô
no Ilê Axé Opô Afonjá, e ao cristianismo de sua formação familiar
e educacional. Entre os muitos amigos que fez no candomblé,
destacam-se as mães de santo Mãe Aninha, Mãe Senhora, Mãe
Menininha do Gantois, Mãe Stella de Oxóssi, Olga de Alaketu,
Mãe Mirinha do Portão, Mãe Cleusa Millet, Mãe Carmem e o pai
de santo Luís da Muriçoca.
O jornalismo foi a primeira experiência profissional através
da qual Jorge extravasou sua indignação contra as injustiças sociais.
Daí para a atuação política foi um passo natural, sendo desde
muito cedo atraído pela militância comunista, como muitos de
sua geração. Afinal de contas, era ainda muito recente a Revolução
Russa, que prometia acabar com as desigualdades e as injustiças
do mundo. A legendária emergência da liderança de Luís Carlos
Prestes veio a calhar, levando-o a filiar-se ao Partido Comunista,
aos 20 anos. Como jornalista e como escritor, seu envolvimento
ideológico tornou-se imperativo, apesar da mescla com diferentes
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temas como o folclore, a política, as crenças e tradições e a
sensualidade do povo brasileiro. É inegável o valor de sua
contribuição para divulgar o Brasil, ao levar ao conhecimento do
mundo esses aspectos da vida nacional.
O casal formado pelo Coronel João Amado de Faria e Eulália
Leal teve quatro filhos: Jorge, Jofre, Joelson e o caçula James,
também escritor. O primogênito Jorge Leal Amado de Faria
nasceu no dia 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, distrito
de Ferradas, no município de Itabuna, no Sul da Bahia, e faleceu
no Hospital Aliança, em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001, 4
dias antes de completar 89 anos.
A zona do cacau, no início do Século XX, era marcada pela
violência nascida da disputa pelas terras produtoras do ouro verde.
Jorge ainda não completara 1 ano quando seu pai foi ferido numa
tocaia dentro da própria fazenda. Um surto de varíola, que se
seguiu, levou a família a mudar-se para Ilhéus, à beira-mar, lá
permanecendo até 1917, quando retorna à faina da cacauicultura
na Fazenda Taranga, no município de Pirangi, rebatizado Itajuípe.
No ano seguinte, porém, aos 6 anos, e já alfabetizado pela mãe,
Jorge retorna a Ilhéus, para cursar a escola da professora
Guilhermina, que tinha no regular uso da palmatória um dos seus
mais temidos atributos pedagógicos.
A vocação para as letras brotou muito cedo. Aos 10 anos,
Jorge cria A Luneta, pequeno jornal distribuído entre os vizinhos,
amigos e familiares. Logo depois, segue para o internato do
Colégio Antônio Vieira, em Salvador, sob a direção dos jesuítas,
um dos quais, o Padre Luiz Gonzaga Cabral, impressionado com
a redação que Jorge escreveu sobre o mar, passa a orientá-lo na
leitura de grandes autores. Aos 14 anos, tão logo o pai se
despediu, depois de deixá-lo no internato, de regresso das férias
escolares, Jorge foge para Itaporanga, em Sergipe, indo ao
encontro do avô paterno, José Amado. Dois meses transcorridos,
é recambiado para Itajuípe.
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De volta a Salvador, foi internado no Ginásio Ipiranga, no
histórico prédio onde Castro Alves expirou, em 1871. Nesse
momento, conhece Adonias Filho e edita o jornal do grêmio
escolar, A Pátria, com o qual rompe, criando A Folha para
combatê-lo. Aos 15 anos, sai do internato e passa a morar num
dos casarões do Pelourinho, cenário que viria a ser uma das
maiores fontes de sua inspiração. Emprega-se, sucessivamente,
como repórter policial nos jornais Diário da Bahia e O Imparcial.
Sua primeira incursão na poesia é publicada na revista A Luva,
sob o título Poema ou Prosa. Nessa época conhece o pai de santo
Procópio, que o nomeia ogã, o primeiro de inúmeros títulos que
o candomblé lhe daria, vida afora. Passa a pertencer à Academia
dos Rebeldes, grupo de jovens literatos que se reuniam sob a
liderança do poeta e jornalista Pinheiro Viegas. Clóvis Amorim,
Guilherme Dias Gomes, João Cordeiro, Dias da Costa, Alves
Ribeiro, Edison Carneiro, Aydano do Couto Ferraz, Sosígenes
Costa e Walter da Silveira fazem parte da álacre patota. A
Academia, que se orientava pela “arte moderna sem ser
modernista”, segundo Jorge, fazia oposição aos grupos Arco &
Flecha e Samba e publicava os trabalhos dos seus afiliados nas
revistas Meridiano e O Momento, fundadas por eles. Esses três
grupos, Os Rebeldes, Arco & Flecha e Samba exerceram marcante
influência na renovação do movimento literário baiano.
Em 1929, de parceria com Dias da Costa e Edison Carneiro,
Jorge publica, em O Jornal, a novela Lenita, sob o pseudônimo
de Y. Karl.
Em 1930, aos 18 anos, vai morar no Rio, onde faz amizades
duradouras com personalidades do mundo intelectual, entre as
quais os jovens Vinícius de Moraes e Otávio de Faria. A novela
Lenita é editada em livro, por A. Coelho Branco. Simultaneamente
ao ingresso na Faculdade de Direito, em 1931, tem publicado o
seu primeiro romance, O país do carnaval, com prefácio de Augusto
Frederico Schmidt e tiragem de 1000 exemplares. Sucesso de
crítica e de público. Em 1932, muda-se para Ipanema, dividindo
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um apartamento com o futuro diplomata e poeta Raul Bopp,
autor de Cobra Norato, quando conhece o sergipano Amando
Fontes, o pernambucano Gilberto Freire, o carioca Carlos
Lacerda, o paraibano José Américo de Almeida e a cearense Rachel
de Queiroz, que intermediou sua aproximação com o Partido
Comunista, a que se filiou nesse mesmo ano. Sai a 2ª edição, agora
de 2000 exemplares, de O país do carnaval. Seguindo o conselho
de Gastão Cruls e Otávio de Faria, Jorge desiste de publicar o
romance Ruy Barbosa nº 2, por entenderem que nada mais era
que uma reprodução do bem sucedido O país do carnaval, e viaja
para o Sul baiano com o propósito de colher subsídios para
escrever Cacau, em que denuncia a desumana exploração dos
trabalhadores que tanto contribuíam para o comércio exportador
do País. A primeira edição de 2000 mil exemplares, com capa de
Santa Rosa, se esgota em um mês, ensejando nova, já agora de
3000 cópias. Entre uma e outra, fica impressionado com o
romance Caetés, de Graciliano Ramos, que leu nos originais, por
empréstimo de José Américo de Almeida, encarregado de
encontrar editor. Jorge desloca-se até Maceió, só para conhecer
tão surpreendente escritor, de quem seria amigo a vida inteira.
Anos mais tarde, James, o irmão caçula de Jorge, desposaria uma
filha de Graciliano, Luiza Ramos Amado. Nessa mesma época,
conhece Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, José Lins
do Rego e ascende a redator-chefe da revista Rio Magazine. Com
apenas 21 anos, casa-se em Estância, Sergipe, com Matilde Garcia
Rosa, com quem escreve o livro infantil Descoberta do Mundo. O
romance Suor vem a lume em 1934. Aos 22 anos, Jorge Amado já
é um nome notório no mundo das letras nacionais.
Em 1935, nasce a filha Eulália Dalila Amado, enquanto conclui
o curso jurídico. Jorge jamais exerceria a advocacia. Como repórter
de A Manhã, jornal da Aliança Libertadora Nacional, é designado
para cobrir a visita de Getúlio Vargas ao Uruguai e à Argentina,
onde Cacau é lançado em espanhol. Ainda em 1935, Cacau e Suor
são lançados na Rússia e Jubiabá é publicado, com grande
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repercussão, fato que lhe ensejou evoluir de nome notório para
celebridade nacional, aos 23 anos de idade, conquista sem rival
entre os prosadores brasileiros. Nesse momento, empreende uma
longa viagem pelo Brasil, países da América do Sul e Estados
Unidos, enquanto escreve Capitães da areia. Preso no seu retorno,
tão logo libertado, muda-se, em 1938, para São Paulo, passando a
dividir um apartamento com o cronista capixaba Rubem Braga.
Em 1939, quando da publicação de Jubiabá, em francês, Albert
Camus escreveu um artigo altamente elogioso ao livro. Sendo
comunista, toda essa evidência tornou-o alvo preferencial da
polícia repressora da ditadura de Vargas, que o prendeu algumas
vezes e proibiu a venda dos seus livros, cerca de 1000 exemplares
dos quais a polícia da ditadura queimou em praça pública, em
1936. Em compensação, Dorival Caymmi compôs a famosa
canção “É doce morrer no mar”, inspirado em Mar Morto, que
acabara de ser publicado. A partir daí, Jorge Amado se
transformou numa fábrica de best-sellers, como se pode ver da
cronologia de suas publicações, adiante listadas.
Paralelamente às suas atividades como escritor, continua
atuando na imprensa, tendo sido redator-chefe da revista carioca
Dom Casmurro, em 1939, e colaborador, quando esteve exilado
entre o Uruguai e a Argentina, nos anos de 1941-42, de periódicos
dos dois países. Foi nesse período que escreveu O Cavaleiro da
Esperança, publicado inicialmente em espanhol. Retornando ao
Brasil, redigiu a seção “Hora da Guerra”, no jornal O Imparcial,
1943-44, em Salvador, depois do que muda-se para São Paulo,
onde passa a dirigir o diário Hoje, enquanto se prepara para
concorrer a uma vaga nas eleições para a Assembleia Nacional
Constituinte, sendo eleito. Já em 1944 separou-se de Matilde,
pondo fim a um casamento de 11 anos. No ano seguinte, em 45,
conheceu Zélia Gattai, sua leitora voraz, quando trabalhavam em
favor da anistia dos presos políticos. Logo passaram a viver juntos,
numa união de sólida parceria, por toda a vida, tendo os filhos
João Jorge e Paloma. Zélia, quatro anos mais jovem do que Jorge,
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trouxe um filho, Luis Carlos, do seu primeiro casamento com o
intelectual comunista Aldo Veiga. João Jorge nasceu no Rio, em
1947, onde o casal passou a morar, em função dos novos deveres
parlamentares do deputado federal Jorge Amado.
Em seguida, juntamente com Luís Carlos Prestes e todos os
eleitos pelo Partido Comunista Brasileiro, Jorge foi cassado pela
reação anticomunista que se instalou no poder.
Para desanuviar o espírito, aproveitou-se de seu prestígio no
exterior, sobretudo nos países socialistas, para visitar a Europa e
Ásia. Na França, onde a família permaneceu por três anos, até
1950, Jorge é informado da morte da filha Eulália, de mal súbito,
em 1949. A longa estada em Paris ensejou a Zélia fazer cursos de
civilização francesa, fonética e língua francesa na Sorbonne,
quando também aprendeu a fotografar, passando a viver, em
seguida, na Checolosváquia, onde nasceu a filha Paloma, em 1951,
só retornando ao Brasil em 1952. Jorge saiu da França para a
Checoslováquia, porque o governo francês, pressionado pelo
governo brasileiro, o expulsou por razões políticas. Entre os
grandes nomes da cena mundial com quem conviveu em Paris,
estão Picasso e Jean Paul Sartre. Ao retornar ao Brasil, Jorge lança
Os subterrâneos da liberdade e, em 1956, funda o semanário Para
todos, dirigindo-o até 1958. Ainda em 1956, deixa o Partido
Comunista, diante da crítica demolidora que Nikita Kruschev
fez a Stalin, no 20° Congresso do Partido Comunista. Stalin foi
revelado pelo novo líder como um verdadeiro monstro, ao invés
da imagem do semideus patrocinada pela propaganda partidária.
Com Gabriela Cravo e Canela, em 1958, JA dá início a um novo
ciclo em sua novelística. Liberto de compromissos ideológicos,
sua literatura, a partir de agora, prenhe de crítica e humor satírico
contra os costumes vigentes, grandemente pejados de
convencionalismos hipócritas, cresceu. O amor do soldado é também
de 1958, A morte e a morte de Quincas Berro D’água e De como o mulato
Porciúncula descarregou seu defunto vêm em 59, e Os velhos marinheiros,
em 1961.
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Em 1963, a família Amado muda-se definitivamente para
Salvador, passando a viver na aconchegante casa do Rio Vermelho,
frequentada por toda a intelectualidade da Bahia e do Brasil,
inclusive pela jovem promessa João Ubaldo Ribeiro. Foi nessa
casa onde, paralelamente ao contínuo trabalho de datilografia e
revisão das obras de Jorge, Zélia deu início, aos 63 anos, à sua
produção literária, constante dos 17 seguintes títulos:
Anarquistas Graças a Deus, 1979 (memórias)
Um Chapéu Para Viagem, 1982 (memórias)
Pássaros Noturnos do Abaeté, 1983
Senhora Dona do Baile, 1984 (memórias)
Reportagem Incompleta, 1987 (memórias)
Jardim de Inverno, 1988 (memórias)
Pipistrelo das Mil Cores, 1989 (literatura infantil)
O Segredo da Rua 18, 1991 (literatura infantil)
Chão de Meninos, 1992 (memórias)
Crônica de Uma Namorada, 1995 (romance)
A Casa do Rio Vermelho, 1999 (memórias)
Cittá di Roma, 2000 (memórias)
Jonas e a Sereia, 2000 (literatura infantil)
Códigos de Família, 2001
Um Baiano Romântico e Sensual, 2002
Memorial do amor, 2004
Vacina de sapo e outras lembranças, 2006
Sem dúvida, não faltaram a Zélia credenciais para receber o
reconhecimento da crítica e do público, em nível suficiente para
legitimar o seu ingresso nas maiores academias do País, inclusive
na Brasileira de Letras, para ocupar a vaga deixada pelo seu
duplamente amado marido morto, com quem só veio a formalizar
a união em 1978, 33 anos depois de iniciada.
Retornando à produção de Jorge. Os pastores da noite e O compadre
de Ogum foram publicados em 1964. O romance Dona Flor e seus
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dois maridos, de 1966, foi seguido por Tenda dos milagres, em 1969, e
Tereza Batista Cansada de Guerra, em 1972. A história infantil O
gato malhado e a andorinha Sinhá, de 1976, foi acompanhada de
Tieta do Agreste, em 1977, e de Farda fardão camisola de dormir e do
livro de contos Do recente milagre dos pássaros, em 1979. Três anos
depois, sai o livro de memórias O menino grapiúna. O livro infantil
A bola e o goleiro e o romance Tocaia grande são de 1984. Quatro
anos depois vem O sumiço da santa, seguido, também com espaço
de quatro anos, do livro de memórias Navegação de cabotagem, de
1992. O romance A descoberta da América pelos turcos, de 1994, foi
sucedido pela fábula O milagre dos pássaros, de 1997. Em 2008
ocorreu a publicação póstuma do livro de crônicas Hora da Guerra.
Em 1961, aos 49 anos, sucedendo ao tribuno e estadista Otávio
Mangabeira, baiano como ele, JA foi eleito para ocupar a cadeira
23 da Academia Brasileira de Letras, que tem como patrono José
de Alencar e Machado de Assis como fundador, fato que não o
impediu de escrever a notável obra satírica Farda, fardão, camisola
de dormir, em que vergasta o anacrônico formalismo da entidade
e a presunção senil de alguns de seus membros. Saudado por
Raimundo Magalhães Júnior, seu discurso de posse na casa de
Machado de Assis é considerado um dos mais belos ali proferidos.
Jorge publicou: 25 romances, dois livros de memórias, duas
biografias, duas histórias infantis e muitos outros trabalhos, entre
contos, crônicas e poesias.
Suas obras foram publicadas na seguinte ordem cronológica:
O País do Carnaval, romance (1930)
Cacau, romance (1933)
Suor, romance (1934)
Jubiabá, romance (1935)
Mar morto, romance (1936)
Capitães da areia, romance (1937)
A estrada do mar, poesia (1938)
ABC de Castro Alves, biografia (1941)
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O cavaleiro da esperança, biografia (1942)
Terras do Sem-Fim, romance (1943)
São Jorge dos Ilhéus, romance (1944)
Bahia de Todos os Santos, guia turístico (1945)
Seara vermelha, romance (1946)
O amor do soldado, teatro (1947)
O mundo da paz, viagens (1951)
Os subterrâneos da liberdade, romance (1954)
Gabriela, cravo e canela, romance (1958)
A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, romance (1961)
Os velhos marinheiros ou o capitão de longo curso, romance (1961)
Os pastores da noite, romance (1964)
O Compadre de Ogum, romance (1964)
Dona Flor e Seus Dois Maridos, romance (1966)
Tenda dos milagres, romance (1969)
Tereza Batista cansada de guerra, romance (1972)
O gato Malhado e a andorinha Sinhá, infanto-juvenil (1976)
Tieta do Agreste, romance (1977)
Farda, fardão, camisola de dormir, romance (1979)
Do recente milagre dos pássaros, contos (1979)
O menino grapiúna, memórias (1982)
A bola e o goleiro, literatura infantil (1984)
Tocaia grande, romance (1984)
O sumiço da santa, romance (1988)
Navegação de cabotagem, memórias (1992)
A descoberta da América pelos turcos, romance (1994)
O milagre dos pássaros, fábula (1997)
Hora da Guerra, crônicas (2008)
O conjunto de sua vasta produção, que compreende mais de
cem mil páginas, inclusive a correspondência epistolar que
manteve com personalidades do mundo inteiro, ora em processo
de catalogação, encontra-se sob os cuidados da Fundação Casa
de Jorge Amado, em Salvador, sob a regência da poeta Myriam
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Fraga, que adverte: “Jorge escreveu que somente cinquenta anos
após sua morte esse material devia ser aberto ao público”. Entre
as personalidades mais conhecidas com quem Jorge se
correspondeu, destacam-se os brasileiros Graciliano Ramos, Érico
Veríssimo, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade,
Monteiro Lobato, Gilberto Freyre e Juscelino Kubitschek. Entre
os estrangeiros, Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, José
Saramago e François Mitterrand.
O conteúdo dessa correspondência e de textos com e sobre Jorge
Amado representa rico manancial de pesquisa para a compreensão
do papel que representava na sociedade do seu tempo, segundo a
expectativa dos seus leitores e admiradores. Vejamos alguns exemplos:
O cineasta Glauber Rocha escreve a Jorge Amado, em 1980,
sobre o seu filme A idade da terra: “Comecei o dia chorando a
morte de Clarice (Lispector). Está sendo feito como você escreve
um romance. Cada dia filmo de dois a sete planos, com som
direto, improvisado a partir de certos temas. … Estou, enfim,
tendo a sensação de ‘escrever com a câmera e com o som’,
tentando um caminho que fundiu a cuca do Jece (Valadão).”
Quando da publicação de Mar Morto, em 1936, Mário de Andrade,
após elogiar a “realidade honesta” e a “linda tradição de meter
lirismo de poesia na prosa”, presentes na obra, conclui dizendo
que “acaba de se doutorar em romance o jovem Jorge Amado,
grande promessa do mundo intelectual”. Nada mau para um autor
com apenas 24 anos de idade receber tamanho elogio do papa do
modernismo. Sobre o mesmo livro, escreveu Monteiro Lobato:
Li-o com a mesma emoção trágica que seus livros sempre me
despertam”, e revela que, ao visitar o cais do porto de Salvador,
havia “previsto” que a obra seria escrita: “Qualquer dia o Jorge
Amado presta atenção e pinta os dramas que devem existir aqui.
Adivinhei.” O Nobel chileno, Pablo Neruda, num bilhete escrito à
mão, indaga a Jorge, como a pedir a ajuda do amigo: “Será que no
Brasil eu poderia fazer um ou dois recitais pagos?”… “Haverá algum
empresário interessado em organizar com seriedade essa turnê?”
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No crepúsculo da vida, já inteiramente liberto do mais remoto
laivo do socialismo dos primeiros tempos, Jorge perdeu muito de
sua tradicional respeitabilidade política ao assinar manifesto de
apoio ao senador Antônio Carlos Magalhães, flagrado no
conhecido episódio da violação do painel do Senado. Adversários
políticos do senador por ele impiedosa e furiosamente
massacrados, como era do conhecimento de Jorge, sentiram-se
ultrajados e desfizeram-se dos seus livros e dos de sua esposa
Zélia Gattai. Vítima de igual reação popular, a grande cantora
Gal Costa chegou a ser vaiada, entrando em declínio na preferência
popular.
Na perspectiva da história, porém, esse momento infeliz não
compromete sua biografia como um dos grandes mestres na arte
de contar histórias.
Quanto ao mais, a sabedoria romana já ensina há séculos que
mors omnia solvit, ou, se preferem, tudo passa sobre a terra.
REFERÊNCIAS
SALEMA, Álvaro. Jorge Amado, o homem e a obra, presença em Portugal.
Lisboa: Europa-América, 1982.
GOLDSTEIN, Ilana Seltzer. Brasil Best Seller de Jorge Amado. São
Paulo, Companhia das Letras, 2003.
AGUIAR, Josélia. Reportagem para a Revista Entre Livros, Ano
2, nº 16.
FRAGA, Myriam. Jorge Amado. (Crianças famosas).
FRAGA, Myriam. Jorge Amado, 2003 (Mestres da literatura).
Joaci Góes é empresário, político e ensaísta, publicou os livros A Inveja nossa
de cada dia, como lidar com ela (2001), Anatomia do ódio (2004) e A força da vocação
para o desenvolvimento das pessoas e dos povos (2009). Desde 2009 ocupa a Cadeira
nº 7 da ALB.
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A obra pioneira de
José Américo de Almeida
Consuelo Pondé de Sena
Há livros sobre os quais lemos referências ou ouvimos falar,
sem que jamais nele deitemos os olhos. Não são obras facilmente
encontradas, nem fazem parte do acervo de muitas bibliotecas.
Era o que acontecia comigo em relação à obra de José Américo
de Almeida, A Bagaceira. Entretanto, quando, no Carnaval 2008,
estive uns dias em casa da amiga Gabriela Martin, no Recife,
deparei-me com um precioso exemplar publicado pelo Governo
do Estado da Paraíba, comemorativo do centenário de nascimento
do autor.
Para minha alegria, a querida amiga ofereceu-me o exemplar
da preciosa edição da obra, publicada pela José Olympio, em 1987.
Político e administrador, José Américo foi uma personalidade
invulgar nas múltiplas atividades que exerceu. Na literatura
nacional, considerado o iniciador do Regionalismo, com a
publicação de A Bagaceira, o escritor paraibano também foi um
inovador no campo da linguagem. Grande mérito deve-lhe ser
conferido por ter preservado a linguagem do povo, que
reproduziu, com fidelidade. Inaugurou, assim, a Escola
Regionalista, na qual se destacaria também seu conterrâneo, o
escritor José Lins do Rego.
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Fiel à sua matriz sertaneja, descreveu a saga dos retirantes da
seca, reproduzindo expressões populares, algumas arcaicas, de
origem portuguesa, dos séculos XVII e XVIII. Fugiu, por
consequência, do modelo de outros autores, que se utilizaram de
neologismos, de cuja vertente é maior representante o romancista
mineiro João Guimarães Rosa.
O próprio Rosa reconhece-lhe o pioneirismo ao declarar: “José
Américo de Almeida (...) abriu para todos nós o caminho do
moderno romance brasileiro”. Com efeito, o escritor paraibano
foi um inovador da prosa brasileira. Foi um autor preocupado
em denunciar “desajustes socialmente dramáticos” e de assim
fazer por sentir-se “parte de um de nós regionalmente brasileiro”,
como sublinhou Gilberto Freyre.
Sobre A Bagaceira assim se expressou M. Cavalcanti Proença:
“Era uma denúncia. E só o desmedido talento do romancista
poderia ter conseguido fazê-lo, antes de tudo um verdadeiro, um
grande romance que, na época, foi impacto violento na literatura
brasileira, ainda engatinhando nos caminhos do Modernismo.”
Inspirando-se nas tradições, na história, na linguagem e no
passado da sua gente, José Américo repete os passos de grandes
vultos da literatura universal, a exemplo de Homero. Com efeito,
o poeta grego, que viveu entre os séculos X ou XI a.C., havia
bebido nas fontes do passado e da tradição do seu povo,
construindo uma obra que tem atravessado séculos.
Nascido, no engenho Olho d‘Água, em Areia (PB), a 10 de
janeiro de 1887, José Américo passou a primeira infância em
contacto com a vida do interior – do brejo ao sertão, nas
propriedades familiares. Levou os primeiros anos da vida em
contacto direto com a vida e a gente do interior. Com o
falecimento de seu pai, quando contava 11anos, foi viver em
Areia, na casa do tio padre Odilon Benvindo, homem rígido e
exigente, destituído, porém, de maiores conhecimentos. Aos 14
anos, impuseram-lhe o Seminário da Paraíba, onde permaneceu
apenas três anos. Não tinha vocação religiosa. Em 1904,
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ingressou na Faculdade de Direito do Recife, diplomando-se aos
21 anos, em 1908.
Entretanto, sua vocação literária se revelara desde os tempos
de estudante, do mesmo modo com que se sentia atraído para a
política. Tanto é que, em 1908, antes de concluir a Faculdade de
Direito, filiou-se ao partido político chefiado pelo Senador Gama
e Melo, de oposição a seu tio e então presidente do Estado,
Monsenhor Walfredo Leal. Seduzido pelo jornalismo e pela política,
jamais deixou de lado a leitura, revelando pendor para os estudos
de sociologia, economia e geografia humana, leituras que o levaram
a escrever um importante livro, A Paraíba e seus problemas, e o
conduziu a redigir outros trabalhos sobre o Nordeste.
Soledade, a heroína do seu romance, contrasta com o “herói”,
Lúcio. Isto porque ela representa a “força viva” do sertão, a mulher
que infringe a norma, que desestrutura os padrões do estudante
sonhador.
O próprio nome da heroína, de Sol e edade , solidão e saudade
tem tudo a ver com as restrições que lhe eram impostas pela
condição de mulher e de tabaroa.
Sob certos aspectos, o livro retoma o tema de Euclides da
Cunha, enriquecido de outros elementos relacionados com “o
brejo” e os “brejeiros”, estes colocados abaixo dos “mestiços
neurastênicos do litoral”.
No pai de Soledade, Dagoberto, o escritor traduziu o
“mandonismo” do senhor de engenho, autoritário e dominador,
que não aceita o destino da filha.
Bem, não vou contar como se desenrola a instigante trama,
nem dizer qual o final da história. Afinal, não sou desmancha
prazer. Além do que, acho simplesmente detestável alguém narrar
o desenvolvimento e o fim de um livro ou filme.
Consuelo Pondé é historiadora e ensaísta, presidente do Instituto Geográfico
e Histórico da Bahia. Desde 2002 ocupa a Cadeira nº 28 da ALB. Este artigo
foi publicado no jornal Tribuna da Bahia , em 20.10.2010.
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Um sermão magnífico do
acadêmico Cônego José
Cupertino de Lacerda
João Eurico Matta
É notório entre nós que, no arquivo e documentação de nossa
Academia de Letras, como em sua biblioteca, há poucos registros,
e nenhum impresso, seja livro ou mesmo opúsculo, de autoria do
Fundador da Cadeira nº 26, Cônego JOSÉ CUPERTINO DE
LACERDA, que tem como Patrono o sacerdote maragojipano
D. ANTÔNIO DE MACEDO COSTA (1830-1891), e cujo atual
titular, Acadêmico de número, é o Professor Doutor ROBERTO
FIGUEIRA SANTOS. Nosso saudoso confrade historiador da
Casa, Renato Berbert de Castro, notabilíssimo colecionador de
livros e publicações de autores baianos, passou à glória celestial
com a por ele a mim declarada frustração de nunca ter encontrado
texto impresso do Padre Cupertino de Lacerda, acostumando-se
Renato – pela fixação, um daqueles “mecanismos de defesa do
Ego contra frustrações” que Anna Freud, eminente filha e
Antígona, catalogou e que, nesse caso específico de Berbert, foi
gerada por décadas de procura e garimpagem – a invectivar a
memória do confrade sacerdote Fundador com a suspeita, sempre
bem-humorada, de que este teria sido “um dos poucos que
ingressaram nesta Companhia sem ter deixado publicação” e, “no
caso, só com a grande fama de orador sacro primoroso”.
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Como Fundador, Pe. Cupertino de Lacerda tomou posse em
1917, com a instalação da Academia criada pelo Engenheiro
Arlindo Fragoso, de modo solenemente colegial e, portanto, sem
discursos. Tão santamarense de nascimento quanto o nosso
confrade, também orador sacro primoroso, Monsenhor Gaspar
Sadock da Natividade (aliás hoje, aqui e agora, ali sentado,
honrando-nos com sua presença nesta sessão, para ouvir a
comunicação que leio), sabemos que o Cônego Lacerda nasceu
em Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 18 de setembro de
1850, e que faleceu em 8 de janeiro de 1927, na então Vila de
Bonfim de Feira, depois distrito de Feira de Santana, Bahia. Nesta
cidadezinha encantadora foi bem-amado Vigário por muitos anos.
Ali fez edificar, no topo da colina mais alta e vistosa, e em lugar
da capela antiga, uma monumental matriz dita do Senhor do
Bonfim, onde estão sepultados seus despojos, sob lápide com
respeitosa inscrição. Ali também, à entrada da vila, em sítio de
amena ecologia, lago e pasto para animais, construiu sua morada
por alguns anos, um chalé de fino gosto, que ainda lá se encontra,
neste ano de 2000, como a mais bela residência do lugar. Uma
gentil parenta de terceira geração, Vanda de Carvalho Moura
Costa, em livro memorialístico intitulado Histórias que a Vida conta
(Bahia, Contemp Editora Ltda., 1988, pág. 73), recordando a
família nos anos 1930 de sua infância, registra o seguinte:
Bonfim de Feira, pequena cidade do interior baiano, foi onde
nasci e nasceram meu pai e seus irmãos. Lá residimos durante alguns
anos; morava também nessa cidade a minha tia Maria Cristina (tia
Pomba), irmã mais velha de meu pai. A sua casa era um bonito
chalé, localizado na entrada da cidade, bem no alto de uma colina...
Existia um grande pomar na subida da colina, em frente e em volta
da casa, muitas árvores frondosas e jardim com várias flores que
embelezavam e perfumavam o local. Na entrada, ou seja, na escada
que dava condução até a porta da rua, havia um lindo caramanchão
com muitos estefanotes que, além de enfeitar aquele lugar, dava
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um toque de amor e poesia. A casa era mobiliada com móveis de
jacarandá, estilo bem antigo. Possuía tudo do melhor... Como até
aquela época eu não conhecia muitas cidades, comparava a casa de
minha tia a um belo castelo de conto de fadas.
Essa casa foi construída pelo Cônego José Cupertino de Lacerda,
que, durante algum tempo, lá residiu e foi Padre da cidade. Esse
Vigário foi amigo e pai adotivo do meu avô paterno, Sósthenes, e
seus irmãos, porém não tive o privilégio de conhecê-lo: o mesmo
faleceu antes do meu nascimento. Com muito bom gosto, Padre
Lacerda decorou a citada residência, que com o seu passamento
passou a pertencer (não sei explicar a razão) à família dessa tia.
Os irmãos de Sósthenes, referidos, eram João Barbosa –
negociante que comprou a Farmácia Agrário, em Feira de Santana,
de um avô de nosso confrade Edivaldo Boaventura – e um certo
Jaime e duas irmãs. Além de Jorge, – pai da citada memorialista
D. Vanda, – e da sua “tia Pomba” (a primogênita mencionada,
Maria Cristina), outros filhos do “adotivo” Sósthenes foram as
“tias” Marina, as solteironas Margarida e Candinha, D. Regina
(que se casou com o maestro da famosa Filarmônica 25 de Março,
de Feira) e o Dr. Theódulo Carvalho Barbosa, de saudosa
memória, pai do júnior Teódulo, do falecido fazendeiro Décio e
das irmãs Vera, Sônia e Maria Zilda, esta que foi, faz alguns anos,
esposa do nosso saudoso confrade Luiz Monteiro da Costa, e é
hoje consorte do eminente causídico, Acadêmico de Letras
Jurídicas e ex-Conselheiro estadual de Cultura, Virgílio da Motta
Leal, por sua família caríssimo amigo de meu pai Edgard Matta e
de nossa família. Homenageio essas pessoas, citando-as
nominalmente, pela curiosa razão de que, sendo o próximo dia
18 de setembro de 2000 data do sesquicentenário, ou por óbvio
150 anos, de nascimento do nosso imortal Acadêmico Fundador
da Cadeira nº 26, Cônego Cupertino de Lacerda, creio que seja
justo e verdadeiro recordar que o Dr. Theódulo Carvalho Barbosa
costumava, sorrindo de afeição, dizer à socapa que “sei de muitas
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coisas, pois sou neto de padre!” Isto a mim não espanta, porque,
afinal, “o cearense José de Alencar era filho de padre, como o foi
o baiano Theodoro Sampaio” –, lembrou-me recentemente o
engenheiro Paulo Segundo da Costa, recente revelação de
pesquisador histórico, por seu livro Hospital de Caridade (São
Cristóvão/Santa Izabel) da Santa Casa de Misericórdia da Bahia
– 450 anos de funcionamento (1549-1999), ( Salvador, Contexto
e Arte Editorial, 1ª. ed., 2000).
O que a mim espantou – de admiração pela superior beleza
literária, pelo encantamento retórico deste documento impresso
de oratória sacra, que estou doando hoje à Academia, e pelo vigor
e atualidade da mensagem moral que veicula – foi a leitura que
fiz, pela primeira vez em 1956 e nos 45 anos seguintes em
sucessivas releituras e tresleituras, desta quase centenária peça
parenética, que este Sermão pregado pelo Revmo. Cônego José
Cupertino de Lacerda, por ocasião de uma das Festas da Visitação
de Nossa Senhora a Santa Isabel em 2 de julho, na Igreja da Santa
Casa de Misericórdia da Bahia, em princípios do presente século,
opúsculo com esse título editado pela Tipografia de S. Francisco,
Baía, 1939. Podem os confrades e os visitantes conferir a
autenticidade deste exemplar, que lhes apresento, com o despacho
datado de 12 de dezembro de 1939, do Monsenhor Ápio Silva,
Vigário Geral da Arquidiocese de Salvador, ao censor ad hoc,
Cônego Rubem Mesquita, seguido do nihil obstat do Censor e do
IMPRIMATUR do Vigário Geral, datados do dia seguinte, 13 de
dezembro de 1939.
Recebi esse documento impresso, naquele 1956, por
empréstimo cercado de cuidados, como relíquia de estima muito
pessoal, do meu então futuro sogro, Francisco Rodrigues da Silva,
hoje aos 93 anos, plenamente lúcido. É mera e engraçada
coincidência que ele tenha o mesmíssimo nome do ilustre médico
e Diretor, no século XIX, da Faculdade de Medicina da Bahia,
Doutor FRANCISCO RODRIGUES DA SILVA, Patrono ou
Epônimo da Cadeira nº 27 da nossa Academia de Letras da Bahia,
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cujo Fundador, em 1917, foi o Acadêmico FREDERICO DE
CASTRO REBELO e cujo atual titular é o escritor JAMES
AMADO. Por seu turno, meu sogro é o sertanejo euclideanamente
forte da região de Irecê, nascido em 1907 do clã dos Marques
Dourado, e que muito jovem, depois de miliciano convocado
para tropa de combate à Coluna Prestes, se radicou na vila de
Bonfim de Feira de Santana, de 1927 até 1955, ali se estabelecendo
como industrial de panificação e próspero comerciante, tendo
contraído núpcias com minha sogra, a bonfinense D. Alice Santos
Silva, e ali tendo sido, por duas décadas, dedicado empreendedor,
por iniciativa privada, de termoeletrificação urbana, de instalação
de radiofonia e inauguração local de cinema e, por consequência,
eficaz Administrador do Distrito de Bonfim, por nomeação de
sucessivos Prefeitos do município de Feira. Tais referências, façoas para que se compreenda a mensagem manuscrita que um
solícito cristão, o então Vigário (sucessor do Revmo. Cupertino
de Lacerda) de Bonfim em 1940, Padre Tancredo Barbosa,
presidente da Comissão da festa anual do Padroeiro da cidade,
apôs na capa do opúsculo e que é, aliás, se aqui lida,
autoexplanatória, a saber:
Ao Sr. Francisco Rodrigues da Silva, DD. Tesoureiro da Festa:
Nosso Senhor do Bonfim bate-lhe à porta do seu generoso
coração pedindo uma esmola para a sua Festa, que se realizará no
dia 27 de Abril do corrente ano (1940 ). N.B. Pede-se a fineza de
enviar a esmola com a máxima brevidade, a fim de que possa a
Comissão fazer o orçamento da Festa.
Pois na data de hoje, 60 anos depois daquela “Festa”, Senhor
Acadêmico Presidente Cláudio Veiga, através de mim, meu sogro
oferece em doação a esta Academia, para o Arquivo e Biblioteca
dos Imortais confrades, um exemplar do opúsculo impresso
original do Sermão magnífico, do Cônego José Cupertino de
Lacerda, nosso confrade falecido em 1927, que me propus, hoje,
apresentar e comentar, lendo-lhe alguns excertos.
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De imediato chamo a atenção dos confrades, na iconografia
do impresso, para as duas fotografias, uma do próprio Cônego
sermonista, nesta creio que perto dos 77 anos com os quais
morreu, em 1927, e a outra da Matriz do Senhor do Bonfim
em dia de festa, talvez na inauguração do prédio novo do
santuário que o Padre Cupertino de Lacerda mandou construir,
a julgar pela multidão e os quatro prelados à frente. Bem como
para o pequeno texto, dois parágrafos apenas, embora muito
expressivos, que parece prefaciar a edição do Sermão e que
não apresenta autoria, mas posso especular, em face da erudita
sentença inserida – “Defunctus, adhuc loquitur” (“mesmo falecido,
continua eloquente”) –, que talvez seja da lavra do seu amigo
e futuro sucessor na nossa Academia, Monsenhor Francisco
de PAIVA MARQUES, eleito em 17 de julho de 1935 para a
Cadeira nº 7, mas a seu pedido no mesmo dia permutada para a
Cadeira nº 26 com Aloysio de Carvalho Filho (este, eleito em
1931, ainda não tinha tomado posse em 1935), todavia, por
motivo de saúde, só pôde PAIVA MARQUES ser empossado
em 24 de setembro de 1940 (o opúsculo foi impresso em 1939).
Prefiro esta hipótese à de que tenham os dois parágrafos
introdutórios, que transcrevo a seguir, sido redigidos pelo
próprio então Vigário de Senhor do Bonfim, o Padre Tancredo
Barbosa nos seus 30 anos, porque não é provável que este tenha
ouvido sermões do falecido, além do que seria cabotina a
recomendação de “amparo” ao seu vicariato, como se lê no
breve introito, que cito:
Foi o Cônego José Cupertino de Lacerda o príncipe dos oradores
sacros da Baía (sic, sem o h). Ainda soam aos ouvidos que tiveram
ensejo de ouvi-lo, as suas palavras arrebatadoras, quentes de
inspiração.
Defunctus, adhuc loquitur. Este opúsculo, que encerra um dos seus
mais belos sermões, é um brado de su’alma sacerdotal em prol da
sua querida Matriz. Escutem-no os seus admiradores. E amparem
a atividade do atual Vigário, seu sucessor.
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Seja a Matriz do Bonfim da Feira o monumento que recorde
aos pósteros a figura inconfundível do grande orador, Mestre do
púlpito baiano.
E também logo desejo determinar o ano em que foi
pronunciado ou “pregado” o Sermão sob glosa, uma vez que a
capa da brochura impressa em dezembro de 1939 informa “em
princípios do presente século”, deixando claros ou explícitos a
ocasião e o dia festivos, bem como o lugar da pregação, assim:
“por ocasião de uma das Festas da Visitação de Nossa Senhora a
Santa Isabel em 2 de Julho, na Igreja da Santa Casa de Misericórdia
da Baía”. Recorri a préstimos dos Irmãos dessa Santa Casa, de
cuja Mesa Administrativa fui Escrivão por quatro anos, desde 1972,
eleito a convite do então Provedor Victor Gradin, e de cujo
Definitório sou membro eleito Definidor faz 24 anos, e tanto o atual
Provedor Álvaro Lemos, quanto dois servidores de alto escalão
da Irmandade, os escritores músico Antônio Ivo e cronista
histórico Paulo Segundo da Costa, me conduziram à nossa
competente arquivologista, Neuza Rodrigues Esteves, chefe
(também a convite do empresário professor Victor Gradin) do
precioso Arquivo documental da Santa Casa de Salvador, e ela,
em três horas de pesquisa, levantou, no LIVRO 106 – De
Correspondência, na gestão da Provedoria Manoel de Souza Campos,
a seguinte correspondência, em manuscrito:
Bahia, 27 de junho de 1906. A Mesa Administrativa convida os
seus Irmãos, suas Exmas. Famílias e o público para assistir, na Capela
Central, à festa da padroeira Santa Isabel, segunda-feira, 2 de Julho
próximo. Ao Evangelho é orador o Cônego José Cupertino de
Lacerda: a orchestra, dirigida pelo notável maestro Major Esmeraldo
Carneiro das Virgens. A festa começará às 11 horas. (Assignado) O
Diretor João Morais de Faria.”
Assim datado de 2 de julho de 1906, nosso Sermão parece
exigir, aqui, algumas referências a seu autor feitas por Acadêmicos
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que o conheceram. Entretanto, sabe-se que o discurso de posse
(setembro de 1940) de Monsenhor PAIVA MARQUES mal
começou a ser lido, o orador desistiu da leitura e o pôs na
algibeira da batina, preferindo falar de brilhante improviso.
Nunca se viu publicada, na Bahia, essa peça oratória – tal como
aconteceu com o discurso de recepção ao poeta Carvalho Filho
pelo Acadêmico Hélio Simões. Por isso recorramos ao discurso
da Acadêmica Edith Mendes da Gama e Abreu, daquele
setembro de 1940, saudando Mons. Marques e que é, porém,
quase todo dedicado ao elogio do novo Acadêmico, reservando
pouco espaço para o Fundador da Cadeira, Cônego Cupertino
de Lacerda, falecido em 1927,– mas lembremos que o
cachoeirano ALBERTO Moreira RABELO, eleito sucessor de
Pe. Lacerda em 15 de fevereiro de 1928, faleceu em julho daquele
ano, sem tomar posse. Escreve (e diz) Edith, no sexto parágrafo
do seu discurso de saudação:
...Vejo o longo perpassar de um lustro pela cátedra deserta em
que só agora, Mons. Paiva Marques, ides assentar-vos. E no mundo
interior da fantasia que criamos, às vezes, para consolarmo-nos da
falibilidade dos nossos planos, encontro um sentido airoso para
esse tardio preenchimento.
...É que o destino, na bateia do tempo, quis peneirar as areias de
ouro de vossos méritos, e com o buril da cultura relapidar a feição
de vosso espírito para tornar-vos digno de substituir Cupertino de
Lacerda.
Assim, sem as brumas da dúvida vemos ressurgido na vossa
realeza intelectual o vulto majestoso daquele com quem mantendes
tão expressivas afinidades no duplo sacerdócio da Religião e das
Letras... Extraordinário preço: essa moeda foi a de grande orador.”
(Revista da Academia de Letras da Bahia, ANOS XI e XII – 1940 e
1941, Números 14 e 15, pág. 155): nas págs. seguintes, 156-157, as
últimas referências ao antecessor Fundador:
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Entre os zelos educativos de meu pai - recordo-os tanto! - devo
incluir aquele empenho em fazer-me admirar o magno pregador a
quem, por graça dos bons fados, aqui estais a suceder, ilustre
recipiendário.
Levara-me ainda cedo a escutá-lo, quando a mente apenas em
alvorada mal podia descobrir-lhe, por sob a neve dos cabelos
brancos, as doiradas cintilações do magnífico cérebro.
...Uma frase a mim mostrada por meu pai: “Escrever é fácil;
escrever o que mereça ser lido é difícil; mais difícil e meritório é
fazer o que mereça ser escrito” – conduzia-me a procurar, sedenta
das belezas em promessa através dela, a obra de Lacerda, para a
homenagem do meu culto.
Morreu PAIVA MARQUES em dezembro de 1955, em junho
de 1956 tendo sido eleito seu sucessor um ilustre médico, professor
e intelectual, Dr. CÉSAR Augusto DE ARAÚJO, empossado em
11 de outubro do mesmo ano de sua eleição, Nessa solenidade
de 1956 o novo Acadêmico produziu um discurso longo, de estilo
admirável, primoroso, com minuciosa apologia do antecessor, mas
que se celebrizou pelo que disse sobre a Cadeira 26, que chamou
de santuário. E o cito:
...A herança que recebo..., além de uma poltrona acadêmica, é,
também, um santuário, de cuja volta adejam, e adejarão sempre,
três sombras sagradas: D. Antônio de Macedo Costa, Cônego
Cupertino de Lacerda e Mons. Francisco de Paiva Marques.
D. Macedo Costa, (...), o grande bispo do Pará e arcebispo da
Bahia, um predestinado em tudo...; Cupertino de Lacerda, o primeiro
donatário, também raro e formoso concerto de talentos e virtudes
preclaras, sermonista fascinante, pregando uma doutrina vestida
de ouro e púrpura, aedo de delicado estro, político sem nódoa,
honra e florão do clero baiano; e o Marques, a quem sucedo...
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Seguem-se 39 páginas de merecido panegírico a Mons. Paiva
Marques, inclusive seu talento brincalhão de imitador, até
revelando o seguinte:
D. Ranulfo Farias, em palestra, acentuou a perfeição com que
ele mimetizava Cupertino de Lacerda em toda a sua ‘maneira’ de
pregar... Fidelíssimo... E em trechos e mais trechos corridos...
E grandes louvores aos sermões do Mons. Marques na Igreja
da Misericórdia, em vários 2 de Julho – sem alusão, todavia, ao
Sermão do 2 de Julho de 1906, de Lacerda, que era desconhecido,
seu impresso inclusive, do Dr. César de Araújo. Este prefere
declarar, ao final, com bom humor talvez inspirado no do Mons.
Marques, que
esta Cadeira pede uma hagiografia. Três sacerdotes, ou melhor,
três santos, abençoam e guardam seu destino: o padroeiro, o
fundador e o último donatário. ( ... ) E o hagiológio da Cadeira 26,
agora interrompido, ... poderá recomeçar. ( ... ) Não macularei este
santuário...
Na curta e brilhante oração de recepção a Dr. Araújo, o
Acadêmico FRANCISCO Peixoto de MAGALHÃES NETO
lembra que o novo confrade era também celebrado como bemhumorado epigramista, mas prefere acentuar amenidades do tipo:
“Impenitente pecador que sucede a um santo, tendes, pelo menos,
com o vosso antecessor uma afinidade: Sois, como ele, um orador
de prol !” E perora: “As reverberações de vosso talento reforçarão
as luzes do santuário!” (Revista da Academia de Letras da Bahia, vol.
XVIII, 1957, págs. 120-121).
Ao Acadêmico ROBERTO FIGUEIRA SANTOS, sucessor
de Araújo em solenidade de 10 de agosto de 1971, coube a opção,
igualmente bem-humorada, de louvar genericamente o dito
“santuário”, dizendo de si estar carregando “Santos no nome”,
ao admirar “os três primeiros grandes nomes da Cadeira 26.”
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Convido-os agora a ler o texto, de 1906, desse exemplo que é,
de meditação cristã e de eloquência sacra, o Sermão do Cônego
Cupertino de Lacerda pronunciado em data tão sagrada e solene
para a tradição das Santas Casas de Misericórdia do mundo inteiro,
a da visitação de Maria a Isabel, ainda mais particularmente na
Bahia, pois por óbvio entre nós recai no 2 de Julho do desfile
patriótico dos Caboclos. Essa peça da sermonística baiana é um
esplendor de figuras de linguagem, de fraseado de ritmada eufonia,
permeado de metáforas, símiles e hipérboles, anáforas e
apóstrofes, um sem-fim de figuras de retórica de bom gosto,
imagens e prestidigitações com a arte de repetir sincopadamente
e com profundo conteúdo reflexivo. Tudo isso para fazer o elogio
da mulher cristã, como logo na primeira página, através de dísticos
com as palavras BEATA – bem-aventurada a mulher, BEATUM
– bem-aventura o gesto ou o comportamento cristão, BEATUS
– bem-aventurado o homem que pode contar com as virtudes da
mulher cristã, e BEATI – bem-aventurados todos os seres
humanos que podem contar com as virtudes da mulher cristã,
aquela que dá o título latino, exclamatório ou admirativo, ao
sermão: “Tu és bem-aventurada, porque tiveste crença com fé
cristã!”, “Beata, quae credidisti!” Podemos passear por todo o texto,
desde a página primeira até a página oitava, pinçando ou
garimpando qualquer segmento, até a veemente defesa que o
pregador faz das prostitutas, desde que se lhes propicie o caminho
do cristianismo. Uma defesa tão empolgante, que nos faz lembrar
o momento crítico do diálogo shakespeariano entre Otelo,
envenenado por Iago, e Desdemona, inocente: “You are a whore!”
– “Você é uma meretriz!”, diz o mouro Otelo, ao que ela responde:
“No, as I am a Christian!” – “Não, pois eu sou cristã!”
Leiamos/ouçamos apenas três sentenças do pregador, págs. 6, 9 e 12:
(...) Izabel, Maria e a mulher das turbas, formando com a voz
do Eterno um coro de harmonia, uniformes no dizer e no sentir,
como o harpejo de três cordas caprichosamente afinadas; o céu e a
terra, Deus e os homens, publicando una voce as glórias de Maria,
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cujas virtudes não escaparam ao conhecimento do último mortal,
e subiram ao trono daquele que vive dessa vida perfeitamente
simultânea e simultaneamente perfeita. Jesus Cristo disse que aquelas
mulheres eram bem-aventuradas, porque aceitam e observam a
palavra de Deus: Beati, qui audiunt verbum Dei, et custodiunt illud. (...)
Com o cristianismo cessou para a mulher o estado de ignomínia
e de angústia, de degradação e de suplício em que a manteve o
paganismo. Com o cristianismo reivindicou todos os direitos que
lhe são devidos, conforme as intenções primitivas do Criador. De
vil instrumento dos prazeres do homem, tornou-se sua companheira
e sua igual; de ignóbil máquina de produzir filhos, tornou-se mãe;
de escrava na família, tornou-se a senhora diante da qual tudo se
inclina e à qual tudo obedece. (...)
Jesus Cristo não condenou a pecadora, para que também não a
condenemos hoje; pois que nenhum de nós sabe a que peso de
infortúnio ou de miséria sucumbiu a mesquinha criatura. Em vez
de condená-la, talvez para lembrar-nos que a corrupção do coração
nem sempre está na razão da corrupção do corpo, Jesus Cristo
absolve-a, e despede-a com aquelas palavras de suavíssimo conforto
e de poderoso estímulo para a reconquista da virtude: não peques
mais. (...)
Senhores da Misericórdia, (...) estendei a vossa caridade à
regeneração das pecadoras por essa mesma fé cristã que confere a
bem-aventurança aos que perseveram na justiça, como aos que
persistem no arrependimento.
“Beata, quae credidisti.”
__________
João Eurico Matta é administrador, professor emérito da UFBA, crítico e
ensaísta. Ocupa a Cadeira nº 16 da ALB. Comunicação a propósito de doação,
ao Arquivo e à Biblioteca da Academia, de raro opúsculo impresso, feita em
palestra na sessão ordinária da Academia de Letras da Bahia de 10 de agosto
de 2000.
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Viagem a Israel
Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar.
José Saramago
Edivaldo M. Boaventura
Tendo participado de um seminário sobre Israel e o Oriente
Médio, na Universidade Hebraica de Jerusalém, desenvolvi as
atividades de viajante na procura de tempos passados e de espaços
futuros. Desejo, agora, compartilhar as impressões da estada em
um país moderno, democrático, com notável desenvolvimento
científico e tecnológico e muita determinação política.
Quem viaja descobre, encontra e reencontra para depois talvez
contar. A viagem desperta a imaginação, permite o confronto do
real com o imaginário. Goethe, que nos legou um dos belos relatos
de viagem, da sua tão desejada ida à Itália, confirma: “Por mais
que tenhamos ouvido falar de uma coisa, sua peculiaridade
somente se nos apresenta de fato mediante a observação direta”.
E o grande Comenius atribuía uma importância fundamental
às viagens. O objetivo era complementar os estudos na
universidade. Na sua Pampaedia, dedicada às universidades e
academias, são destinadas várias páginas ao tema da apodemia, isto
é, aprendizagem através de viagens ao exterior. Mas Comenius
aconselhava a começar as viagens pela terra pátria, “para que os
que são topeiras em casa não procurem ser águias em outro lugar”.
As viagens, todavia, não deveriam ser empreendidas por motivos
fúteis, mas “para consolidar a sabedoria em si e nos demais,
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portanto, com o espírito predisposto a aprender e a ensinar”, é
como a professora checo-brasileira Bohumila Araújo resume a
pedagogia das viagens do Mestre das Nações.
Eis o nosso itinerário. Vejamos, primeiramente, a progressão
da nação judaica ao Estado de Israel, depois, iremos rapidinho
ao norte, à verde Galileia, e também em direção ao árido sul,
passando pela Judeia, para, enfim, chegarmos a Jerusalém,
adentrando-a, para nos alojarmos na Universidade Hebraica de
Jerusalém.
Da nação judaica ao Estado de Israel
Israel se afirma pelo seu passado bíblico. De Abrahão a David
Ben Gurion já lá vão 4.000 anos de existência como nação. Nação
que se formou ao longo do tempo com patriarcas, juízes, reis,
dominações, exílios, cativeiros e diásporas. A nação judaica é
secular, o Estado israelense é moderno. Era o exemplo didático
que tínhamos para distinguir Nação de Estado.
Na cidadela de David, assisti a um deslumbrante espetáculo
de luz, cor e fala. Foi bem o lugar para se sentir a sucessão das
etapas passadas e sofridas.
O primeiro Templo, centro nacional e espiritual do povo judeu,
construído pelo rei Salomão, foi destruído, e a maioria dos judeus
é exilada para a Babilônia. Expressa o Salmo 136:
Às margens dos rios de Babilônia,
Nos assentávamos chorando,
Lembrando-nos de Sião.
Nos salgueiros daquela terra,
Pendurávamos, então, as nossas harpas.
Antes, os assírios tinham conquistado o reino israelita do norte.
Com os persas, os judeus retornaram e construíram o segundo
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Templo. À dominação helênica antecedeu a romana. O vassalo
romano, Herodes, governou a Terra de Israel e reformou o
Templo. Anos depois, os romanos destruíram Jerusalém e o
segundo Templo, em 70 da era comum, mas restou o Muro
Ocidental, que chamamos Muro das Lamentações. Depois
chegaram os muçulmanos. Os cruzados estabeleceram o Reino
Latino de Jerusalém por um século. Os otomanos ergueram as
atuais muralhas. Com a queda do império turco, começou o
Mandato Britânico e em seguida a proposta da ONU dos dois
estados, árabe e judeu. A nação judaica se encontrou com o Estado
de Israel, em 1948. O espetáculo luminoso termina com uma
mensagem: Pray for the peace of Jerusalém.
Com a volta do povo judeu à Terra de Israel, começaram,
então, as lutas pela afirmação da independência com guerras e
tratados de paz. O reconhecimento dos direitos históricos do
povo judeu, pela ONU, há 60 anos, confirmou a sua tradição de
cultura, máxime da música, a inclinação para a ciência e a tolerância
religiosa pela convivência com diferentes crenças e povos.
A bíblica nação retornou ao seu território e tornou-se um
Estado soberano e próspero. País que assegura uma política de
bem-estar social, com infraestrutura de serviços básicos e,
sobretudo com segurança. Anda-se livremente de dia e de noite
sem receio de assalto, tanto na high tec cidade de Tel-Aviv, como
na antiga, bela e harmônica Jerusalém, especialmente no
convidativo bairro árabe e no mercado judeu. A modernidade
igualou efetivamente os gêneros com as mulheres fazendo o
serviço militar e policial, gozando de uma real e visível
equiparação.
O país moderno, ladeado por uma sociedade tradicional,
encontra-se em uma encruzilhada de três continentes. Vendose o mapa, percebe-se logo a confluência da Europa, da Ásia e
da África com a turística cidade de Eilat no Mar Vermelho.
Aqui foi onde desembarcou a rainha de Sabá em sua visita
histórica ao rei Salomão.
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Com os palestinos surgem os desafios para a paz. Como
resolvê-los? Há possibilidades e opor tunidades de
encaminhamentos na West Bank (Cisjordânia). Com a Faixa
de Gaza a situação continua muito tensa. Não obstante a
segurança, os foguetes lançados alcançam a cidade de Sderot.
Sderot é uma cidade israelense, localizada no distrito Sul,
perto da Faixa de Gaza. Foi declarada cidade em 1996. A
sua proximidade com Gaza, distante apenas 2,5 km, faz com
que seja alvo fácil dos foguetes Kassams. Crianças e adultos
foram atingidos e mortos. O governo israelense constrói
abrigos nos pontos de ônibus, nas creches, nos edifícios de
apartamentos e nas casas. Há escolas construídas como se
fossem abrigos.
O Estado de Israel constituiu-se desde a declaração de
independência. Uma democracia parlamentar tem à frente o
Knesset, o parlamento israelense de uma só câmara, com 120
deputados, que retirou nome e número da assembleia
convocada por Esdras e Nehemias, no século V (a. E. C.).
Orna-lhe o saguão o extraordinário painel tríptico do pintor
judeu-russo Marc Chagall: a evocação do Êxodo, uma visão
do fim dos dias e o retorno a Sion. A inspiração vem de
Isaías: “Então o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se
deitará ao pé de cabrito, o touro e o leão comerão juntos
[...]” Aparece o rei David envolto em manto vermelho
púrpura tocando flauta.
Pela democracia israelense se compreende o respeito e o
acatamento às diversas culturas e religiões: árabes
muçulmanos, beduínos, que constituem aproximadamente
10% da população árabe, árabes cristãos, drusos. Há inúmeras
denominações religiosas, como os judeus messiânicos, que
admitem Cristo, armênios, primeiro povo que aceitou o
cristianismo, cristãos católicos, evangélicos, mórmons e outras
denominações.
Iremos começar a segunda etapa: da verde Galileia à Judeia.
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Da Galileia à Judeia
Os objetivos para conhecer Israel são bem diversos. A situação,
no Oriente Próximo, não elimina a vontade de visitar o Santo
Sepulcro e as estações da Via Dolorosa. Os Santos Lugares e a
modernidade de Israel são os polos da maior atração.
Compreenda-se, assim, porque 93% do turismo para Israel é
impulsionado pelos cristãos. Acrescente-se à curiosidade
arqueológica e histórica o conhecimento das inovações que
impactaram tanto o viajante. Concordo com Saramago que “todo
o viajante tem o direito de inventar as suas próprias geografias.
Se o não fizer, considere-se mero aprendiz de viagens, ainda muito
preso à letra da lição e ao ponteiro do professor”.
Desde a chegada ao aeroporto Ben Gurion que senti a
inovação: a identificação pelas digitais e pelas pupilas. Digitalização
aplicada à identificação.
Todavia, uma vez instalado no hotel em Tel-Aviv, surgiu um
probleminha tecnológico, o que não é peculiar somente a Israel.
É o adaptador de tomadas (plug) para quem usa notebook. A
tomada brasileira é diferente da israelense, da portuguesa e da
chinesa. Atenção, há, pelo menos, seis tipos de adaptadores:
Austrália e China, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, França e
Alemanha e outros países europeus, e Suíça. A tecnologia tem os
seus caprichos nacionais.
O primeiro contacto com a cidade foi no jantar à beira-mar,
em um tablado de restaurantes. Como centro comercial, financeiro
e cultural, Tel Aviv lidera a vida do país.
De Tel Aviv saímos em direção ao norte para conhecermos as
ruínas e o parque de Cesarea. Cesarea foi uma magnífica cidade,
construída pelo rei Heroides, para recepcionar os romanos,
composta de porto, teatro, palácio, hipódromo, aqueduto e
banhos. A enseada de Caesarea forma um parque nacional,
incluindo um castelo dos cruzados reconhecido pelos fossos.
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Em direção à Galileia, que é bem verde, em evidente contraste
com o sul, que é bem seco, onde se encontram os desertos da
Judeia e de Négrev, chegamos à Haifa. É o principal porto do
país e de grande calado, que movimenta o comércio internacional.
Em Haifa, a comunidade Bahá’i tem o seu centro mundial, com
magníficos jardins que convidam à contemplação.
Para o almoço, fizemos uma pausa em uma aldeia drusa, Deliat El
Carmel. Os drusos, minoria árabe, separada do ponto de vista cultural
e religioso, mantêm seus costumes e tradições. Encontram-se ao norte
de Israel, no sul do Líbano e da Síria. Nas refeições, cultivam o
colorido da mesa com a sua deliciosa culinária. Há um aspecto
conhecido de sua filosofia de vida: pregação da completa lealdade
ao governo do país onde vivem e trabalham. Praticam a taquiia.
Aos poucos íamos nos aproximando da evangélica cidade de
Nazaré, centro do maior interesse cristão, com a tríplice basílica
da Anunciação, plena de peregrinos e de gente por toda parte.
Na fachada, identifiquei a Ordem do Santo Sepulcro. É a maior
cidade árabe de Israel, com intensa presença de turistas e com
cerca de 30% de árabes cristãos. O árabe e o hebraico são línguas
oficiais em Israel. O inglês é idioma corrente.
A cidade está associada à infância e aos primeiros anos do
ministério de Jesus. Além da enorme basílica, há outros
monumentos, como a igreja grega do Arcanjo Gabriel, construída
em cima de “O poço de Maria”, onde foi a sinagoga que Cristo
recebeu ensinamentos e depois pregou, e a igreja franciscana de
São José, construída em uma caverna, onde teria sido a sua oficina.
Há ainda muito a ser conhecido no norte. A exemplo de Gamla,
que lembra a revolta dos judeus contra os romanos, e as
montanhas de Golan com a produção moderna de vinhos.
Indo de Tel Aviv em direção ao sul, encontra-se a antiga cidade
de Yafo (Jaffa), que Napoleão visitou e não gostou. Deixando
Jerusalém à esquerda, seguimos a rota do bom samaritano,
perseguido por Saul. Recorda ainda o nosso pai Abrahão com os
seus rebanhos e tribos.
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O nosso objetivo era Massada e o Mar Morto. Todavia,
retenho um pensamento colhido em um hotel – “a vida de
viagem não é destino, mas sim caminho”. Por aquele caminho
iria até ao deserto de Négrev. Almoçamos no kibbutz de nosso
guia Jony Limonic, e percebo que o ideal socialista dos primeiros
anos vai cedendo espaço à tentação capitalista. O país se
enriquece, visivelmente.
Chegamos à Massada, fortaleza também construída por
Herodes, como bastião de defesa, no deserto da Judeia e perto
das margens do Mar Morto. A vista é deslumbrante e alcança as
montanhas além Mar Morto e incita a conhecer Petra e a
Jordânia, partes do antiga Judeia. Massada foi o último bastião
judaico tomado pelos romanos, para tanto construíram longa
rampa de acesso. Finalmente, quando lá chegaram, encontraram
todos mortos. Os judeus praticaram o sacrifício pelo suicídio
coletivo.
Salvaram-se apenas duas mulheres e cinco crianças escondidas
em uma cisterna, que depois testemunharam o fato, conforme o
historiador Flávio Josefo. O cinema conseguiu fazer o marketing
de Massada, comenta o guia Gil Regev, contudo existem outros
lugares que ofereceram resistência aos romanos, como Gamla,
ao norte, que não tem a mesma atração.
Ao descermos de Massada, adquirimos produtos do Mar
Morto. Visitamos as escavações de uma antiga comunidade de
essênios que se abastecia por um curioso sistema hidráulico.
Bem perto, estava o Mar Morto – Mar Salgado ou Mar de
Asfalto – para os judeus antigos, que dele extraíam um produto e
o vendiam aos egípcios para calafetar barcos e mumificar. O Mar
Morto nos aguardava para o banho medicinal de lama em águas
densamente salgadas. A lama produz cosméticos altamente
apreciados para a pele. O problema é que as águas azuis do Mar
Morto estão sumindo. O Mar Morto está morrendo.
Era chegado o momento de subir à Jerusalém, como dizem
os Salmos a Jerusalém terrestre.
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Chegada a Jerusalém
Para entrar em Jerusalém, recorro ao Cântico das subidas (Salmo
121) dos peregrinos que se dirigem à cidade para as festas:
Que alegria quando me vieram dizer:
“Vamos subir à casa do Senhor...”
Eis que nossos pés se estacam
Diante de tuas portas, ó Jerusalém.
Jerusalém, cidade tão bem edificada,
Que forma um tão belo conjunto!
Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor.
Cidade harmônica, beje clara, feita de pedra e ornada com o
verde dos ciprestes. Estende-se sobre as montanhas, encimada
pela muralha otomana.
Ingressamos, pois, pela porta Iafo e chegamos à torre que
sobe como uma flecha. Jerusalém é a cidade do rei David, que
depois de vencer os inimigos levou para lá a capital. David tornou
de Jerusalém todo o seu império, que ia do Egito e Mar Vermelho
até as margens do Eufrates. Sente-se a figura da humaníssima
criatura, com altos e baixos, abatido com a morte trágica do filho
e arrependido pelo pecado com Betsabé. Reprovado pelo profeta
Natã, ele responde com o maravilhoso Miserere: “Lavai-me e me
tornarei mais branco do que a neve.”
O grande rei-poeta domina a Jerusalém terrestre: a torre de
David, a tumba de David e o moderno King David Hotel, fora
dos muros. Passamos em frente quando fomos ao Mamilla Center.
Encontramos a estátua de David, na entrada de sua tumba,
no Monte Sion. Não o David de Miguel Ângelo, nu, postado na
entrada do Palácio de la Signoria, em Florença. O mestre italiano
esculpiu um David ainda jovem adolescente, efebo grego, pastor
de ovelhas, exímio atirador de seixos para proteger o seu rebanho,
habilidade fundamental no combate a Golias. Mas o bronze é de
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David adulto, homem feito, músico e rei, envolto em longo manto,
com coroa e lira douradas, semelhante ao David de Chagall. O
seu túmulo, coberto de roxo e dourado, é lugar de preces. Entrei,
cautelosamente, meio assustado, naquele santuário e escutei as
preces em hebraico. O lugar tão resguardado pelos judeus é
venerado por cristãos e árabes, dizem.
Penetramos na interioridade da cidade sagrada para os fiéis
das três maiores religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e
islamismo. Descemos as escadarias e fomos pelas ruelas dos
peregrinos, plenas de lembranças a comprar e a barganhar.
A indumentária preta e pesada dos sacerdotes ortodoxos
judeus, gregos e russos pontua de preto o cenário da cidade santa
seccionada secularmente pelos bairros dos judeus, árabes, cristãos,
armênios.
No Templo do Monte, destaca-se o domo dourado. A Mesquita
da Rocha guarda a pedra em cima da qual Abraão preparou o
sacrifício não consumado de Isaac. É também o lugar onde o
profeta Maomé ascendeu ao céu, junto ao Muro Ocidental. Foi o
que restou da segunda e definitiva destruição do Templo pelos
romanos. Coloquei o quipá e pus as mãos na muralha. Orei.
Uma vez dentro das muralhas erguidas pelos turcos, ouvimos
as prédicas do Alcorão. Vimos o vai e vem dos ortodoxos de
chapéus bizarros e sentimos o cheiro do incenso no ar. A
atmosfera religiosa se mistura com o movimentado colorido das
frutas, verduras, sementes, pães e tecidos dos mercados árabe e
judeu. Nas ruas destacam-se as romãs como grandes bolas
vermelhas, cujo suco colorido é mais bonito do que saboroso.
Para os peregrinos cristãos, a maior atração é a Via Dolorosa
com as estações da cruz: desnudamento, crucifixão, coroação de
espinhos, suspensão na cruz, morte e ressurreição. Cristo morreu
por volta das três e meia da tarde e deveria ser enterrado antes
das seis, conforme o costume judaico. Justifica-se a intervenção
de José de Arimateia, pedindo a Pilatos o corpo para repousar no
sepulcro novo. O ponto central é o Santo Sepulcro. O ambiente é
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por demais bizantino com lampadários dourados, ícones, turíbulos
com milhares de devotos de todos as partes do mundo. Recordo
Goethe, quanto à proximidade do real nas viagens, os Santos
Lugares deixam-me mais perto de Cristo. Prossigo na peregrinação.
No monte Sion, supostamente o local do palácio de David,
se encontra a comunidade armênia com a bela cerâmica colorida.
É o local da última ceia, e da instituição da eucaristia, no
Cenáculo. Segundo o Novo Testamento, os apóstolos aí estavam
reunidos, no momento de Pentecostes, com Maria. O Monte
Sion tem um significado especial para os cristãos. A tumba de
David e o Cenáculo estão bem perto, como está o Antigo do
Novo Testamento.
Muito próximo ao Cenáculo, que é hoje uma mesquita, erguese a basílica beneditina da Dormição de Maria, reconstruída pelo
imperador Guilherme II da Alemanha, no final do século XIX.
Viajei determinado a conhecer a basílica da Dormição, contando
com ajuda do arquiabade Dom Emanuel d‘Able do Amaral. É
um antigo culto milenar que vem do Oriente Ortodoxo. É mais
conhecida entre nós pela invocação a Nossa Senhora da Assunção,
da Glória ou da Boa Morte.
A Dormição, na tradição teológica grega, liga-se à Irmandade
de Nossa Senhora da Boa Morte de Cachoeira. Esta irmandade
conserva um antigo ícone, pelo qual Maria, deitada em sarcófago
aberto, em face de Cristo, em pé, segura sua alma em suas mãos.
Na cripta, existe uma imagem muito semelhante. O sarcófago de
mármore vermelho sustenta a estátua de Maria, elevando-se, em
mármore branco.
Deveria ter me detido mais tempo na Basílica da Dormição,
todavia saí pela porta Iafo (Jaffa Gate), atravessei o vale e cheguei
ainda com claridade ao Jardim das Oliveiras.
Ao anoitecer, no Jardim das Oliveiras, do outro lado, portanto,
fora dos muros, lancei um derradeiro olhar sobre a Jerusalém
terrestre, na hora meiga da tarde. Inesquecível aquele entardecer
com toda Jerusalém estendida em minha frente.
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O extraordinário progresso tecnológico de Israel convive com
as manifestações de fé, garantindo a liberdade de culto e a
segurança às diversas denominações religiosas. O Mamilla Center
e a fabulosa escultura do indiano-britânico Anish Kapoor, na
entrada do Museu de Israel, mostram a cidade rejuvenescida. Não
me preparei devidamente para a visita ao Museu do Holocausto.
Saí emocionado em lágrimas com a leitura de alguns escritos. O
nazismo alemão liquidou um terço da população judaica, foram
6 milhões de um total de 18. Até, hoje, a população judaica não
recuperou aquele número.
Última etapa do viajante: a Universidade Hebraica de
Jerusalém.
A Universidade Hebraica de Jerusalém,
concretude do conhecimento
Entramos na cidade de David e nos albergamos na
Universidade Hebraica de Jerusalém, no Monte Scopus, defronte
do Monte das Oliveiras.
Sempre que visito um país procuro conhecer as suas
universidades. Fiz assim em Macau, em Berlim reconstituída e
nos Estados Unidos cost to cost. Como participante do seminário
sobre “Israel e o Oriente Médio”, promoção do Instituto Harry
Trumann para o Progresso da Paz, não fui visitante da
Universidade Hebraica de Jerusalém (HUJ), e sim seu convidado
e hóspede, na Beit Maiersdort Guest House. A orientação do
professor José Benarroch, um judeu português, foi fundamental
para o programa, além de uma natural simpatia, a sabedoria vivida
das culturas ibérica e hebraica.
A Universidade Hebraica foi fundada em 1918, portanto 30 antes
da criação do Estado de Israel. Na inauguração, em 1925, Chaim N.
Bialik considerou que a verdadeira sabedoria é aprender com todos,
para tanto as janelas estão abertas para que os melhores frutos
produzidos pelo espírito humano em cada país possam ser recebidos.
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Outro fator que a distingue bastante é o reconhecimento de 7
Prêmios Nobel e 251 Prêmios Israel a seus ex-alunos e docentes.
Entre os seus alunos estão os escritores David Grossman, A. B.
Yeoshua, Aron Apperlfeld e Amós Oz. No ranking acadêmico
das universidades no mundo, em 2009, obteve o 64º lugar. A
comunidade científica classificou a Universidade Hebraica entre
as seis melhores fora dos Estados Unidos, considerando-a como
“o melhor lugar para se trabalhar em desenvolvimento da
investigação científica”.
E quem são os fundadores da Universidade Hebraica?
Albert Einstein, cujo retrato preside o gabinete do reitor,
Segismundo Freud, Martin Buber e Chaim Weizmann, biólogo
famoso que foi o primeiro presidente de Israel. Possui mais de
1000 docentes de alto nível. A Universidade Hebraica tem,
atualmente, 22.000 estudantes israelenses e mais alunos de 65
países. Concedeu até 2010 mais de 120.000 diplomas. Dispõe de
13 bibliotecas gerais e especializadas, 100 centros de investigação
científica com mais de 4.500 projetos de pesquisa em curso.
A larga tradição da cultura judaica confirma que a força criativa
do saber de um país se encontra nas suas universidades. As
universidades são organizações altamente estratégicas na
construção do conhecimento. As atividades de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) envolvem as sete universidades
israelenses, seus institutos, empresas civis e militares de
investigação, centros médicos e campos de telecomunicação,
produção de energia e administração de recursos hídricos.
Estudos mostram que, internacionalmente, as universidades
são as maiores detentoras de patentes. A quantidade de patentes
das universidades israelenses demonstra a eficácia das relações
com o setor industrial. O volume de patentes excede em muito o
apresentado pelo ensino superior de outros países. Com relação
à P&D, as universidades de Israel produzem mais do que o dobro
de patentes das universidades norte-americanas e nove vezes mais
do que as canadenses, segundo o Centro de Informação de Israel.
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P&D é o que realiza o nosso confrade Roberto Santos com a
Academia de Ciências da Bahia.
Enquanto a inovação acontece na Universidade Hebraica, será
que já alcançamos no Brasil a fase expressiva e madura das
inovações patenteadas?
Para Popper, conhecimento é descoberta. E a descoberta
conduz aos achados, aos produtos e às patentes.
A Universidade Hebraica, especialmente, lidera uma série de
investigações e inovações. A construção do conhecimento pode
e deve ser discutida, no caso ela é bem concreta. É a construção
do conhecimento materializada em algo de concreto: as patentes.
Em um inteligente folder, encontro dentre as informações
acadêmicas básicas uma relação dos produtos para a saúde: Exelon,
droga aprovada para o tratamento de Alzheimer e para a demência,
comercializada mundialmente pela Novartis; Doxil, medicamento
israelense para o câncer, que se encontra vendido a nível mundial
pela Johnson & Jonhson e pela Schering Plough; Cherry Tomatoes,
o famoso coquetel híbrido, produção em estufa com uma vida
útil mais prolongada, com maior rendimento e melhor qualidade;
Cationorm, um produto que oferece alívio de larga duração e
conforto ótimo para os sintomas de olhos secos, produto da
Novagali Pharma; Repel – CV, trata-se de uma película
bioabsorvente, colocada na superfície do coração, ao término da
cirurgia a coração aberto, que reduz a formação de tecidos nas
cicatrizes.
Tudo isso conduz, finalmente, ao singular desempenho
científico israelense. Desde o começo, houve vontade de
transformar a terra árida e infestada de doenças com aplicação
da pesquisa científica e tecnológica.
A investigação agrícola, que remonta ao final do século XIX,
é um sucesso com o gotejamento. A pesquisa médica e
especificamente em saúde alcançou a mais alta qualificação. As
atividades P&D são realizadas por universidades e institutos,
constituindo mais da metade da pauta de exportações industriais
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de empresas civis e militares, nos setores prioritários das ciências
naturais, engenharia, agricultura e medicina. O primeiro chip para
computador foi desenvolvido pelo Dr. Dov Frohman, da equipe
da Intel, nos anos setenta. Israel é líder mundial em fibras óticas
e na energia solar.
Comparando para terminar
No final, uma comparação. Senti-me peregrino em Jerusalém,
em Santo Tiago de Campostela, em Covadonga, nas Astúrias,
em Fátima, ainda não fui a Lourdes. As comparações não são
diplomáticas, ensinou-me Madame Benjamin, minha instrutora
de francês técnico, no Instituto Internacional de Planificação da
Educação (IIPE/UNESCO), mas sou tentado a lançar um ligeiro
cotejo entre Jerusalém e Roma.
Roma é por demais monumental, plena de fontes, palácios,
basílicas, estátuas de papas e arcos de imperadores. Roma é papal
e pagã, guarda o resíduo imperial nos templos convertidos em
igrejas. Enquanto Jerusalém é visivelmente mística, religiosa,
recatada, avalonada, ergue-se, horizontalmente, por sobre colinas,
compactada dentro da muralha turca. Trescala religiosidade e
ouvem-se preces continuamente.
Por traz das muralhas, Jerusalém guarda a memória dos tempos
bíblicos e evangélicos e do inesquecível Holocausto. Termino com
o Rei David:
Eis que nossos pés se estacam
Diante de tuas portas, ó Jerusalém.
(Salmo 121)
A visita ao Estado de Israel foi um convite da Confederação
Israelita do Brasil (Conib), com a participação de Jaime
Spitzcovsky (Prima Página), que conheci em uma viagem anterior
à China, e da Sociedade Israelita da Bahia, presidida por Maurício
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Kertzman Szporer, para participar de um seminário sobre Israel
e o Oriente Médio, na Universidade Hebraica de Jerusalém,
promoção do Instituto Truman, no campus Mount Scopus, de 18
de novembro a 01 de dezembro de 2010, juntamente com Alon
Feuerwerker, do Correio Braziliense, Adriana Carranca, de O Estado
de S. Paulo, Márion Strecker, diretora de conteúdo do UOL, e
Ezequiel Gotlib (Zeka), gerente da comunicação da Federação
Israelita do Rio Grande do Sul.
REFERÊNCIAS
ISRAEL: Insight Guides.www.insightguides.com
ISRAEL, Ministério do Turismo. Para sus próximas vacaciones.
Disponível em: www.goisrael.com.gov
MEDIA CENTRA, Support & Services for Foreign Journalists
Info Book: facts, figures and useful information about Israel. 2. ed.
Jerusalem. www.m-central.org
OCKMAN, Joan et al. Yad Vashen moshe safdie - The architecture
memory. Baden, Switzerland: Lars Muller Publishers, 2006.
REALIDADES DE ISRAEL. Jerusalém: Centro de Informação
de Israel, 1999.
__________
Edivaldo M. Boaventura é ensaísta, pesquisador, professor emérito da UFBA,
autor de diversos livros de ensaios; ex-diretor geral de A Tarde, foi presidente
da Academia de Letras da Bahia, de 2007 a 2011. Desde 1971 ocupa a Cadeira
nº 39 da ALB. Este artigo foi apresentado em sessão ordinária da Academia
de Letras da Bahia, em 8 de setembro de 2011.
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A saga do Rei Vesgo
Hélio Pólvora
Depois de ouvir missa na igreja de Glória, cidade da Bahia nos
limites com Pernambuco e Alagoas, o capitão Virgulino Ferreira
da Silva, cabeça descoberta, sem arma de fogo, cai de joelhos,
benze-se e em passo manco, sequela de uma bala, vai
cumprimentar o padre Emílio Ferreira.
Calmo, sorriso maroto, o sacerdote acolhe-o um tanto
alvoroçado.
“Estou mesmo diante do Rei do Nordeste?”
“Para servir Vossa Reverência.”
O padre havia recebido pouco antes, de um caixeiro-viajante,
um mapa do Brasil, de um metro quadrado. Tem a ideia de
desdobrá-lo sobre a mesa.
“Pois então trace aqui o seu reino.”
Munido de um lápis, capitão Virgulino, dito Lampião (havia
adaptado um fuzil, para disparar mais rápido, e o cano avermelhava
na escuridão) firma o olho bom, que era o esquerdo (o outro
parecia um coágulo estagnado no centro de uma mancha branca,
vazado que fora por um espinho) e inicia o traçado. Usado óculos
brancos, sem aro, que pareciam aderir ao rosto comprido, ovalado.
De Mossoró, a mão desce para Conceição do Piancó, no Rio
Grande do Norte, atinge Poção e Pesqueira, em Pernambuco,
atravessa Alagoas, invade Porto da Folha e Capela, em Sergipe, e
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dali, via Itapicuru, entra na Bahia, rumo centro-oeste, via Riachão
do Jacuípe e Morro do Chapéu, de onde se aventurou a Barra de
Estiva e Rio de Contas. Flecha para cima, até Remanso, cruza a
caatinga pernambucana, passa por Juazeiro do Norte, onde
pontificava seu devoto Padre Cícero, e Caririaçu, no Ceará. Depois
de Morada Nova, completa o circuito em Mossoró.
O reino compreendia sete Estados brasileiros. Ao todo, 273
mil km2. O padre admira-se: “Territorialmente, seu reino faria
inveja a muita cabeça coroada da Europa.”
O Rei do Cangaço arreganha os dentes, vaidoso.
Senhor absoluto
O historiador Davis Ribeiro Sena transcreve em português
correto, no livro As Revoltas Tenentistas que Abalaram o Brasil, trecho
de um bilhete de Lampião ao governador de Pernambuco, Sérgio
Loreto:
“(...) Se o senhor estiver de acordo, devemos dividir os nossos
territórios. Eu, que sou o capitão Virgulino Ferreira, governador
do sertão, fico governando esta zona de cá, por inteiro, até as
pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa
de Rio Branco até a pancada da água do mar.
Capitão Virgulino Ferreira, governador do sertão (...).”
Cegos cantavam nas feiras, de pires estendido para a esmola;
a literatura de cordel registrava:
Sou senhor absoluto
De todo esse sertão.
Aqui quem quiser passar
Precisa apresentar
Licença do Capitão.
Mais alguns anos e Getúlio Vargas amarraria o cavalo no
Obelisco, perto do Palácio Monroe (demolido nos anos de 1970,
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sob protestos), final da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro. A
ditadura custou a desmantelar um dos vários focos de rebeldia
armada contra o abandono dos sertões e injustiça de senhores de
baraço e cutelo. Lampião reinou cerca de vinte anos com sua
tropa a princípio escassa, depois de 30 a 50 cangaceiros, durante
os anos 20 e 30 do século 20.
Petimetre, da cabeça aos pés
Se o sertanejo era, “antes de tudo, um forte” (Lampião tinha
1,79m de altura, carnes enxutas), como disse Euclides da Cunha
em Os Sertões, um de seus produtos, o cangaceiro, era acima de
tudo um vaidoso. Vingou-se do ostracismo ao criar para si uma
indumentária no mínimo extravagante, mas que muito atiçou o
imaginário popular e lhe rendeu temerosa admiração. Socialmente
excluído, espezinhado, escravo de novos senhores feudais, instalou
mostruário em que exibir-se, ancho e exultante.
Ao contrário dos bandidos lendários de países ricos, que
usavam roupas simples de cores esmaecidas, ele se pavoneava
nas cores fortes, nas joias de ouro e prata, adornos florais, tecidos
finos. Queria mostrar-se morgado e poderoso. Consta que, antes
de se lançar no cangaço, costurava ele próprio suas roupas, com
ademanes de estilista, e sabia bordar bem à maquina.
Dadá, mulher de Corisco (Cristino Gomes da Silva Cleto),
fixou em definitivo a moda desses outlaws nordestinos. Cabe-me
aqui não a honra, mas apenas o ensejo de vos reapresentar a figura
vulgarizada pelo cinema, folclore e literatura de cordel. Eis o
cangaceiro típico:
Chapelão de couro em estilo napoleônico, de aba dianteira
larga, dobrada e alevantada, nela bordadas em couro branco três
estrelas de oito pontas que semelham sóis, de mistura com moedas
de ouro e prata.
No pescoço, lenço comprido de seda inglesa ou tafetá francês,
vermelho e verde, ou axadrezado. As pontas eram atadas com
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anéis ou moedas valiosas sobre a camisa cáqui ou azul. A de
Lampião era vermelha ou listrada, com botões de ouro.
Calças de cintura alta, em geral curtas, porque a elas seguiamse perneiras de couro enfeitadas com ilhoses presos por fivelas.
Sapatões de couro ou alpercatas de couro cru.
Cartucheiras trespassadas para 120 balas. Fuzil Mauser modelo
1918, bandoleiras enfeitadas com moedas de prata e ilhoses
brancos. Duas cintas laterais para sustentar os cantis. Anéis graúdos
em quase todos os dedos (Lampião sempre trazia um, regalo de
algum coronel catingueiro, que assim pagava o estipêndio da
trégua). Acrescentem as luvas (as de Lampião eram bordadas), os
cabelos compridos – e terão o tipo. Dadá, com o seu faro de modista
digna da maison Dior ou griffe Hermès, muito contribuiu para essa
indumentária, com enfeites, adornos e bordados, entre os quais as
estrelas nos chapéus e os motivos florais. A revista Time-Life alinhou
Maria Bonita entre as mulheres da moda. Até os cães viviam nos
trinques: Dourado, o de Lampião, trazia coleira de ouro e prata, o
danado. Meninos cantavam nas póvoas sertanejas:
Minha mãe me dê dinheiro
Pra comprar um cinturão
Pra botar uma cartucheira
Pra brigar pra Lampião.
Conforme observou Constanza Pascolato em entrevista a Bia
Lemos, Lampião, Maria Bonita e outros misturavam “riqueza,
extravagância e barbárie”. Lançaram a moda do “banditismo de
ostentação” e este encontrou terreno fértil. Viceja no Brasil.
Cangaço, ontem e hoje
Cangaço é mais do que o bagaço da uva pisada, como está em
Moraes, 1831. É o aumentativo de canga, que significa jugo,
domínio, opressão. Também é um dispositivo de madeira a que
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são jungidos bois para transporte. De acordo com Beaurepaire
Rohan, 1889, quer dizer o conjunto de armas portadas por um
valentão, ou, ainda, trastes de gente humilde, segundo Domingos
Vieira, do Porto, que remonta a 1872. Algo a ver, portanto, com
pobreza e escravidão.
Nas suas pesquisas semânticas, o folclorista Luís da Câmara
Cascudo afirma que, para os sertanejos do Nordeste brasileiro,
cangaço é a matalotagem do cangaceiro, “inseparável e
característica”, ou seja: roupas, suprimentos de boca (em geral,
alimentos secos), bornais, munições, armas, mezinhas consagradas
pelo vulgo. Algo a ver com bandido, assaltante a mão armada,
pistoleiro.
No Brasil da República Velha, anota Cascudo no livro Flor de
Romances Trágicos, a atividade do cangaço valia a pena. Ele próprio
registra estes versos:
Há quatro coisas no mundo
Que alegram um cabra macho:
Dinheiro e moça bonita,
Cavalo estradeiro baixo,
Clavinote e cartucheira
Pra quem anda no cangaço.
Ninguém nasce para ser cangaceiro, é claro. Mas quem tem a
desventura de vir à luz nos sertões há de sofrer fatalmente os
efeitos do meio. Além da terra adusta e semiárida, da vegetação
raquítica e espinhenta, das pedras, dos rios e córregos temporários,
das secas prolongadas que matam rebanhos, da água escassa, às
vezes quase lama, o sertanejo pobre perde o feijão, o porco, a
vaca e os legumes, passa fome. Uns migram; outros ficam à espera
da chuva redentora.
É natural que, em ambiência geográfica hostil, alguém perca a
paciência. E, para aperrear ainda mais, há os donos da terra, a
polícia a seu serviço, a justiça pronta a despachar em seu favor.
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Projetos de irrigação tardam; açudes com dinheiro público só
para os poderosos, verbas desaparecem no ralo da corrupção. É
uma verdade histórica. A civilização começou pelo litoral, gostou
do mar e ali plantou-se com os seus luxos. De vez em quando o
sertão ameaçava virar mar, como aconteceu via Antônio
Conselheiro e seu bando esfarrapado de penitentes. O mar é que
jamais quis ser sertão.
Historiadores, romancistas e sociólogos se têm debruçado
sobre o aspecto psicossocial do banditismo. Decerto a influência
do meio ainda pesa, e muito, mas naqueles tempos bicudos ser
ladrão e saqueador dava lucro, apesar das forças volantes das
polícias estaduais, atiçadas pelos coronéis. Não tanto quanto hoje,
com o narcotráfico, mas sempre alimentava e vestia.
O cangaceiro surgia em geral por força de conflitos de família,
de posse de terras e reses, de agressões da polícia, casos de amor
desfeito, ofensas públicas. Desfeiteado, injustiçado até o fundo
da alma, partia para uma vingança longa e generalizada. Foi o
que se deu com Virgulino. Perdera o pai José Ferreira da Silva,
assassinado pelo alferes José Lucena, comandante de volante, por
instigação de um vizinho incômodo, José Saturnino, a quem
Virgulino, vaqueiro da família, acusara de furtar bodes.
Antes ou depois do pai, que jamais quis empunhar amas e
revidar, a mãe Maria Lopes de Oliveira morreu de susto, durante
um resguardo, ou quando mudavam de sítio na tentativa de evitar
o pior. Por volta dos 20 anos, Virgulino meteu-se com os irmãos
Antônio, Livínio e Ezequiel (os quatro irmãos restantes eram
mulheres) no bando do cangaceiro Sinhô Pereira, que não
demorou a liderar. De modo que não fundou o cangaço: apenas
lhe deu galas e dele se fez rei. Seu antecessor mais famoso foi
Jesuíno Alves Caiado, o Jesuíno Brilhante, primeiro da estirpe,
temido na década de 1870.
Livínio morreu em 1925, em refrega com a polícia; Antônio,
quando o fuzil caiu e disparou, num acampamento; Ezequiel, o
Ponto Fino, em combate, 1931. Tudo na vida de Lampião e sua
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gente parecia fadado a tragédia. Assim teriam decidido os deuses
imortais, ou as mouras.
Raso da Catarina
Nada a ver com anatomia feminina; tampouco com o baixoventre de alguma sertaneja arretada. O raso é uma região de cerca
de 38 mil km2 , no centro-leste da Bahia, entre os rios Vasa-Barris,
ao sul, e o São Francisco, ao norte.
Área inóspita, de escassa água salobra e fundos solos arenosos.
Hoje é reserva biológica em que se tenta, além de outros
empreendimentos, preservar a bela arara azul. Terra extremamente
árida, cobre-a uma vegetação espinhosa e cortante. Alguém
chamou-a de sarçal ardente – e, afora o Conselheiro com o seu
cajado e camisolão sujo, ninguém ali se materializa para ditar
mandamentos. Predominam o xique-xique, as palmatórias, a
macambira, os rabos-de-raposa. Tudo entrançado. Reses que ali
entram são consideradas perdidas pelos vaqueiros mais afoitos,
embora se assevere que onde passa lombo de cavalo passa o
cavaleiro.
Quando governos estaduais pressionados por grandes usineiros
de açúcar e pecuaristas organizaram grupos militares e
paramilitares para a caçada que se encarniçou nos últimos dez
anos de estripulias do cangaceiro (o governo da Bahia chegou a
oferecer 50 contos de réis, em 1930, a quem o prendesse ou
matasse), o Rei Vesgo entrou com sua tropa no Raso da Catariana.
Andava a fugir de uma jurisdição para outra.
O raso revelou-se um esconderijo satisfatório. É certo que as
forças volantes (os “macacos”, como eram chamados, porque
saltavam como símios ante o silvo e ricocheteio das balas jagunças),
conduzidas pelo legendário rastreador pernambucano Antônio
Cassiano, seguiram as pegadas de Lampião. Mas este conhecia o
Nordeste palmo a palmo, pedra a pedra, loca atrás de loca. Sabia
onde e como acampar e vigiar. Tinha algumas estratégias de
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guerrilha. Era um Napoleão encourado, com um tropicalista chapéu
tricórnio de barbicacho, e que se dava ao luxo da companhia de
sua Josefina – a Maria Bonita de quem se falará adiante.
Ardis lhe sobravam. Por exemplo: mandar inverter os saltos e
bicos dos sapatões ou alpercatas, para fazer crer que deixava o
Raso, em vez de nele embrenhar-se; marchar em fila indiana, todos
pisando nas mesmas pegadas, enquanto um, de costas, as desfazia
com ramos de arbustos; ou então simulava a pegada de um
caminhante único. Atacava e recuava para entrincheirar-se e atrair
o inimigo. Sabia cavar e furar raízes de umbuzeiro para obter
água, e tirá-la também do âmago de certas bromeliáceas. O escritor
Ranulpho Prata descreve no livro Lampião a ambiência rude e
quente, o faro do rastejador, as escaramuças, o acampamento
desfeito num átimo, a fuga para outras virilhas do Raso da Catarina
– um esconderijo bordejado pelas cidades e povoados de Paulo
Afonso, Jeremoabo, Canudos e Mucuruté. Em Canudos, entre
1893 e 1897, tombaram trinta mil combatentes: soldados e
fanáticos do visionário Antônio Conselheiro, adepto do regime
monárquico. Canudos não se rendeu; acabou, como diz Euclides
no fecho de Os Sertões.
Aura romântica
Quando invadia cidades e povoados, Virgulino Ferreira da Silva
– perdão, capitão Virgulino, porque tinha patente, tal e qual o
Vitorino Papa-Rabo de José Lins do Rego – costumava atirar
moedas aos meninos. É o que reza o testemunho oral. Pobre
remediado que tinha sido, antes de ter peças de ouro e prata na
indumentária espaventosa, prendas nos bornais, anéis valiosos
em quase todos os dedos, procurava captar as simpatias dos
humildes. Perseguido pelos “macacos”, precisava de cobertura –
espias e coiteiros.
Esmerava-se em gentilezas desse tipo. Avaliado o saque,
separava o necessário à sobrevivência do bando, durante certo
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tempo – e distribuía o restante. Isso lhe assegurava recepção festiva
quando voltasse, com direito a buchada de bode, vinho de
jurubeba e outras iguarias.
O imaginário romântico em torno dessa figura propicia a
redenção que hoje mais a aproxima de um Robin Hood do que
de um Al Capone. Diz um dos muitos historiadores do cangaço
que ele pedia desculpa pelas violências:
“Não sou industrial nem fazendeiro. Só me resta esta vida”.
Esquecia-se das artes de arrieiro, mascate e pastor de gado.
Da habilidade com que trabalhava o couro cru. Da máquina de
costura em que era exímio. Dizem que, embora cabra macho,
bordava melhor do que Maria Bonita. E lhe atribuem a criação
da dança e ritmo do xaxado, muito embora talvez não passasse
de divulgador e letrista, como em “Mulher Rendeira”, grande
êxito de Vanja Orico, adaptado por Zé do Norte no filme O
Cangaceiro, de Lima Barreto.
Olê, mulher rendeira,
Olê, mulher rendá.
Tu m´ensina a fazer renda
Q´eu te ensino a namorá.
Tinha leituras, mostrava-se atilado. Admirador de Napoleão,
a partir do chapéu, do qual, com a contribuição de Dadá, criou a
variante com estrelas e medalhas, e chegado a igrejas e bênçãos
de padres, porque na caatinga espinhenta o misticismo era um
bálsamo antes dos teólogos da libertação e dos sem-terra do Sr.
Lula da Silva; Lampião, o maior e o mais midiático dos nossos
muitos bandidos, amava a visibilidade, o aparato dos ricos.
Estaria explicada, assim, a opção pelo crime. Os trajes pomposos
e fidalgos, de seda estrangeira, o ouro e a prata são a montra instalada
para que os cangaceiros fossem vistos, admirados, entronizados.
Vingavam-se também por esse lado da exclusão social no
semiárido dos patriarcas e políticos esbulhadores.
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Servido uma vez por uma velha de 80 anos que havia abatido
uma galinha, Lampião viu um companheiro que queria carne
vermelha sair, voltar com uma cabra morta e gritar à hospedeira:
“Prepare logo, velha”.
“Ai”, chorou a velha. “Era a minha última, a do leite dos netinhos!”
“Pague a cabra”, ordenou o chefe, de vista baixa sobre o ensopado
de galinha.
Irritado, o cangaceiro atirou umas moedas sobre a mesa.
“Tome. Dou de esmola’’.
“Pague a cabra”, insistiu o chefe, ainda a comer.
“Mas já paguei, Lampião”.
“Pagou não. Esse dinheiro foi de esmola. Você mesmo disse”.
Dr. Plínio Sodré, médico baiano especializado em
ultrassonografia, conta que Lampião entrou em Piritiba com
um companheiro ferido. O médico mais próximo, Carlos Ayres,
primo carnal do ministro Ayres Britto, que veio a ser presidente
do Supremo Tribunal Federal, morava no povoado de França.
Havia uma senhora gravemente enferma. Lampião mandou aviar
cavalo com duas padiolas laterais e levar os dois, com
recomendações de muito cuidado com a mulher.
O rei do cangaço tinha um lado bom. Mas vê-lo à luz do
puro maniqueísmo de palor romântico é um erro. Com ele
conviviam o estuprador, o saqueador, o assassino que soltava
presos, alinhava soldados e os fuzilava, tal e qual o Guevara do
paredón cubano, por quem a esquerda brasileira tanto se
apaixonou, com muitos civis. Se Lampião adotou táticas de
guerrilha, não o fez instado por atitude ideológica. Apenas fugia
das volantes que o caçaram até o ataque final na Grota do
Angico.
Neste episódio, a tropa do tenente João Bezerra da Silva –
48 meganhas com metralhadoras portáteis – e ele próprio
portaram-se com uma selvageria em nada inferior à que o tempo
tece sobre heróis e vilões. Desentranhar a verdade do aranzel
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de lendas e fatos é carregar água em cesto. De qualquer modo,
o cangaço prossegue com outro rótulo, e outras vestes, e polidos
senhores proprietários de sesmarias e mansões.
Maria Bonita
Chamava-se Maria Gomes de Oliveira. Na intimidade, Maria
de Déa. Lampião a tratava por Santinha. Era natural de Glória,
segundo registram alguns historiadores; ou de Paulo Afonso,
afirmam outros. Consta que, quando morava em Paulo Afonso,
ouviu relatos das façanhas de Lampião e o admirava. Sendo a
família coiteira do dito cujo, vieram a conhecer-se e, assim dizem,
chegaram a trocar bilhetes.
Ela queria entrar para o bando – e ele relutava. Talvez esperasse
uma decisão concreta. Maria era casada com o sapateiro José
Miguel da Silva. Talvez já não estivesse casada quando ele a
levou. Foi a primeira mulher a juntar-se ao bando. Lampião teria
deixado bilhete ao marido espoliado, desculpando-se. Ela ia por
“vontade própria”.
Bonita? É possível para os padrões de beleza sertanejos. O
apelido fora ejetado por um ex-volante apaixonado – pegou na
família e ganhou mundo na versalhada popular dos cordéis. Assim
a descreve Wanessa Campos, um dos muitos exegetas do cangaço:
“Baixinha, de pernas grossas e roliças. Seios pequenos, cabelos
finos e olhos claros”. Tinha talhe de gente fina, feições regulares
– enfim, uma espécie de serena beleza rústica. Pouco demonstrou
da valentia que lhe atribuem, porque em geral as mulheres da
quadrilha ficavam à margem dos tiroteios.
Maria Bonita teve com Virgulino três gestações falhas e uma
filha única, Expedita, entregue aos 21 dias a uma família de
confiança, já com 11 filhos para criar. Impossível a vida familiar
naquele ramerrão de caminhadas estafantes, fugas precipitadas,
risco de traições, raras tréguas entrecortadas de temores. O choro
de uma criança os denunciaria. A mulher do capitão não conheceu
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a neta Vera Ferreira, que hoje lhe cultiva a memória. Mas visitou
a filha três vezes, com Lampião – e a menina sabia de suas origens.
Para as atividades cotidianas, Maria Bonita vestia-se de brim
grosso, da cor da polpa da goiaba madura, engalonado e
revestido de vermelho nos punhos. Há um desses, assim dizem,
no Museu de História Natural, no Rio de Janeiro. Nos domingos
e em festas apreciava os modelos cinza, com riscos de giz e
enfeites de sinhaninha ver melha (fita ondulada ou em
ziguezague). Era mais companheira, tal e qual as demais, à
exceção de Dadá, que substituiu o seu homem quando ferido
nos braços, do que combatente. Decerto sabiam atirar, e atiravam
em caso de extrema necessidade – mas os cangaceiros as
mantinham à parte. “Pouca gente sabe que de brava ela nada
tinha”, atesta Vera, a neta. E completa as bondades da avó com
os adjetivos agradável, carinhosa, bem-humorada, dada a
brincadeiras e generosa. Sua presença no bando e a de outras
mulheres há de ter contribuído para a redução de estupros e
assassinatos de velhos e crianças.
Durou nove anos o amor, sem contar o namoro na Fazenda
Malhada da Caiçara, em Paulo Afonso. “Sem dúvida, Maria
Bonita viveu um grande amor por Lampião”, assegura a neta. E
brande nesse sentido um argumento de peso: somente um amor
apaixonado forçaria a mulher casada (para uns) ou separada
(dizem outros) a romper fortes preconceitos e costumes da
época.
Mito do herói maldito
Quem se faz vilão justiceiro ou vilão bandoleiro jamais será
por acaso; sempre haverá este ou aquele motivo forte. Mas nada
impedirá o protagonista de vir a ser amado ou renegado, inclusive
por si próprio.
É fundamentalmente um solitário. Para desempenhar bem as
tarefas que assume, no intuito às vezes inconsciente de ocupar o
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vazio infernal na cabeça ou no coração, esse herói precisa
desprender-se de compromissos, mesmo os de teor afetivo. Nada,
ninguém deverá obstar-lhe ou estorvar-lhe as cavalgadas.
No emblemático e carismático filme de George Stevens, o
infeliz Shane (Alan Ladd), sozinho no mundo, cumprindo
sentença de provável perseguido em permanente fuga, poderia
eximir-se de um duelo a bala a que não era chamado. E ficar com
o rancho de Starret (Van Heflin), com o menino Joey (Brandon
De Wilde), que o idolatrava – e, melhor de tudo, com Marian
(Jean Arthur), a mulher de Starret. Mas não. Mata o pistoleiro
Wilson (Jack Palance) no armazém do povoado, leva um tiro e,
curvado na sela, num entardecer sombrio, afasta-se para o seu
destino de homem-sombra, talvez o vale da morte. Joey corre
atrás: “Volte, Shane!” E, em última instância, confessa:
“Mamãe te ama”. Eterno foragido (dos outros? de si mesmo?
de um mundo que, conforme disse o poeta Auden, ele não
fez, ele não quis?).
A estrutura psíquica elementar dos velhos samurais de Akira
Kurosawa lhe é idêntica: o protagonista vivido tão bem por
Toshiro Mifune, a ponto de não mais se desgrudar da nossa
lembrança, faz o que julga que lhe cabe fazer e retorna à estrada,
a sacudir os ombros. Nos seriados de 12, 13 ou 15 episódios da
nossa infância, os heróis, às vezes mascarados, repeliam os assédios
explícitos e implícitos do amor. Alguns sequer tiravam a venda
dos olhos, ante de partir.
Vistos pelo prisma meramente ficcional, esses heróis ou
bandidos, como queiram os leitores, entendem que a mulher e a
família, com todos os seus ensejos de vida normal, costumam
atrapalhar. Virá o filho, a necessidade imperiosa de construir e
manter o lar, atividades rotineiras que destemperam o estofo da
virilidade; conflitos que, comparados a tiroteios e outros
enfrentamentos, empalidecem sob forma de aborrecidas picuinhas.
Virgulino Ferreira da Silva rendeu-se ao amor. Engraçou-se
de Maria Bonita (assim apelidada não por ele, mas provavelmente
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por um desesperançado ex-policial das volantes). A família da
musa o acoitava. Lampião dava-lhe lenços a bordar.
Vem à tona, então, a pergunta que ainda se faz: o que atraiu
tantas sertanejas ao cangaço? Algumas, como a Dadá, de Corisco,
segundo na hierarquia do bando de Lampião, foram levadas à
força, estupradas, sequestradas, trocadas por joias. O jornalista
Antônio Amaury Corrêa de Araújo, citado por Manoel Severo,
conta que Corisco, o Diabo Loiro, tivera uma noiva chamada
Darvina, apelidada Dadá. A mulher inesquecível. Certa ocasião
ele viu Sérgia Ribeiro da Silva passar no seu passo felino de
jaguaretê (teria 13 anos) e achou-a parecida com a outra. Raptoua e apelidou-a Dadá. Simples, pois não? Dadá habituou-se e, de
todas as cangaceiras, teria sido a única a participar, fuzil na mão,
de tiroteios e arruaças. A maioria delas, claro, aprendera a atirar,
para caso de necessidade extrema, mas Dadá entrava nas batalhas,
substituiu Corisco enquanto este, chefe de bando dissidente de
Lampião, sarava de ferimentos nos braços. Atividades à parte,
continuavam amigos.
Nem todos no bando aceitaram a presença de mulheres: Balão
queixava-se que elas atrapalhavam nas retiradas, retinham o grupo,
se grávidas, facilitavam o faro e as ouças dos rastejadores. Balão, com
seu instinto insatisfeito de revoltoso, achava que mulher teria apenas
de cozinhar, costurar e bordar aqueles trajes armoriais nordestinos
ornados de moedas, estrelas e fitas, além de entregar-se aos requebros,
ou “cochilos”, como disse Luiz “Lua” Gonzaga, do amor.
Para a mulher, a vida nos sertões, àquela época do cangaço,
era uma desventura completa. Se o homem sempre podia cair
no oco do mundo, e virar renegado, a ela tocava povoar o
vazio. De modo que o cangaço, com a figura meio napoleônica,
meio mística, meio robinhoodiana de Lampião e seus
comparsas, e a promessa de mais haveres e menos deveres,
atraiu-as ao calor escaldante da caatinga, à água salobra, ao
solo pedregoso, à entrançada vegetação espinhenta. Maria
Bonita foi por puro amor.
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É hora de dizer quem era de quem no bando de cangaceiros, com
o devido crédito ao sumário do jornalista Rogério Pacheco Jordão e
achegas de João Sousa Lima, historiador de Paulo Afonso e arredores:
Dadá (de Corisco), Neném (de Luiz Pedro), Durvalina (de
Moreno), Sila (de Zé Sereno), Lídia (de Zé Baiano), Inacinha (de
Gato), Adília (de Canário), Cristina (de Português), Maria Jovina
(de Pancada), Dulce (de Criança), Moça (de Cirilo Engrácia), Otília
(de Mariano), Maroca (de Mané Moreno), Mariquinha (de
Labareda), Maria Ema (de Velocidade), Enedina (de Cajazeira),
Rosalina (de Chumbinho), Estrelinha (de Cobra Viva), Hortênsia
(de Volta Seca), Lacinha (de Gato Preto), Iracema (de Lua Branca),
Eleonora (de Azulão), Lili (de Moita Braba), Catarina (de
Sabonete), Mocinha (de Medalha), Maninha (de Gavião), Maria
Juriti (de Juriti), Dora (de Arvoredo), Marina (de Laranjeira), Dinha
(de Delicado).
Na Coluna Prestes também havia mulheres. E os meios de
sobrevivência eram semelhantes: invasão, saques em fazendas,
vilas, cidades.
Bilhetes e ameaças
Inteligência, além de seus significados exatos, ignifica
trampolinagem. Indivíduos calmos, supostamente resignados ou
omissos, de repente se desenroscam e picam: é o golpe
peçonhento. Assim se entende ainda, e em proporção crescente,
o dom da inteligência em todas as esferas sociais, agora reforçado
pela tecnologia.
Lampião foi inteligente, neste sentido. Socialmente excluído,
revoltou-se ao ponto de banir-se ele próprio. Tinha pouca
instrução, faltava-lhe fluência no discurso imperativo
de”interventor” ou “governador” dos sertões. No entanto, sabia
ser claro e contundente nas mensagens, conforme se depreende
dos bilhetes em português tosco reproduzidos pelo historiador
Oleone Coelho Fontes.
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A um sargento comandante do destacamento de Juazeiro do
Norte, Ceará, em 1926:
“Ilmo sr. José Antonio – Eu lhe faço esta, até não devia me
sujeitar a te escrever porem, sempre mando te avisar, pois, eu soube
que vc., no dia que eu cheguei ahi na fazenda vc., esteve pronto
para vir me voltar orem, eu sempre lhe digo que você crie juízo, e
deixe de violências, apois eu venho chamando é por homem, e
mesmo assim vc. Com zuada não me faz medo. Eu tenho visto, é,
coisa forte, e não me assombra, portanto vc. Deve tratar de fazer
amigos não para fazer como vc. Diz. Sempre lhe aviso, que é para
depois vc. não se arrepender e nada mais, não se zangue, isto é um
conselho que lhe dou. – Do Capitão Virgolino Pereira (?) da Silva”.
Ao Sr. José Batista, Fazenda Porteira, Cumbe (atual Euclides da
Cunha), sem data – Sua saudação não pacei em sua casa soubi que
não estava mas tenho estaque é para vancê manda por este portado
5 contos de rs.
“Olhi é para não deixar de mandar apois não mandando é pior
para vancê apois aguardo sua resposta. “Sem mais do Capm.
“Virgulino Ferreira Lampião”.
Mais esta: “Sergipe. Ilmo Snr. João Apostolo Sua saudação
Com todos lhe faço esta para o sr. Mandar-me Um conto de Rs.
Apois não quero maçada faço esta com urgença
Cp. Lampião”.
E, para findar os exemplos, este aviso curto e grosso a José da
Costa Dórea, outubro de 1932:
“Seu Dora se aprepare para morrer
Camp. Virgulino Ferreira Lampião”.
Misticismo
A credulidade do sertanejo – e, de resto, de outros segmentos
incultos – é (ou era) espessa e opaca. Anda sempre com o nome
de Deus na boca, a propósito de tudo e de nada. Engrossa uma
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agenda de penúrias e expectativas de salvação que lhe endurece a
alma, que o transforma em estoico extremado, sobretudo nas
estiagens longas e advento da seca.
Pelo menos até um passado recente, o sertanejo fazia-se alto
credor do Reino dos Céus, sem dar prioridade ao reino na terra
pregado pela Teologia da Libertação – uma dissidência pragmática
no apostolado católico submisso ao instalado poder de mando, a
cuja sombra viceja. Promessas repetidas de satisfatória vida eterna
cansam; melhor antecipar a participação na mesa do consumo.
É de lamentar-se, apenas, que tal mudança de rumo propicie a
subida de notórios malfeitores sanguinários aos altares, para culto
idólatra de setores de pensamento ideologicamente fanatizados.
Seria este o caso do argentino-cubano Ernesto Guevara, em quem
alguns exegetas ancoram o “guerrilheiro” Lampião, na qualidade
de antecipador.
Mas o Rei Vesgo, vale repetir, não tinha programa
revolucionário em mente. Era protagonista de uma revolta
inconsciente, indefinida, mais de natureza pessoal, familiar e
comunitária. Agia instigado por injustiças econômicas e sociais
flagrantes, mas, crédulo que era do perdão divino (e da história,
convém frisar), absolvido que se sentia pela bênção de padres,
comungou com gosto e fervor espiritual de missas paroquianas.
Milagreiro, e em processo de santificação, Lampião desfrutou
da amizade – e por que não dizer favores? – de alguns padres. O
“Padim Ciço”, por exemplo, entregou-lhe a patente de capitão
dos Exércitos Patrióticos, para que enfrentasse a Coluna Prestes
– fato que só teria ocorrido uma vez, e antes. Nesse lance, Lampião
julgara-se rastreado pela polícia.
O padre Artur Passos chegava ao povoado sergipano de Nossa
Senhora da Conceição do Poço Redondo em lombo de burro,
meados de agosto, para celebrar missas em louvor da padroeira.
Hospedava-o Teotônio Alves Lima, o China, pessoa influente, de
convidados à mesa, sabedor de sua amizade secreta com Lampião,
sustentada pelo coiteiro Mané Félix. Lá pelas tantas, avisado e
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fingidor, porque no púlpito combatia o cangaço, o padre sumiase a cavalo, com o recadeiro e uma provisão de aguardentes e
alimentos. No acampamento confessava os cangaceiros, absolviaos e não desdenhava um baralho, durante horas, enquanto bebiam
vinho de jurubeba e cachaça apurada. Segundo narra o cronista
Rangel Alves da Costa, quando o fogo lhe subia às ventas Padre
Artur danava-se a dedilhar uma sanfona.
Do exposto até aqui transparece que o cangaço, mais que
banditismo foi um meio de vida. O próprio Rei Vesgo teria dito ao
padre Emílio Ferreira, em 1929: “Hoje em dia a vida só é boa para o
soldado e para o bandido”. O Brasil penava uma fase dura de
insegurança institucional, estava longe da industrialização ensaiada
por Getúlio Vargas. A crise do café, maior bem de exportação, deve
ser pesada na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo.
Museu do cangaço
Focos de banditismo espocavam à farta na América Latina. O
fenômeno do cangaço somente é brasileiro nas peculiaridades,
guarda-roupa e cenografia. A neta de Lampião, Vera Ferreira,
empenha-se em preservar a memória do avô e, alheia ao fato de ter
sido ele malfeitor cruel ou justiceiro, cria o Museu do Cangaço
com depoimentos, objetos e imagens – algo capaz de montar e
sugerir um roteiro mais fiel do que a miscelânea de verdade e lenda.
Teria Lampião cometido todas as barbaridades que lhe
imputam?, ela pergunta, e com razão. Histórias cruéis se sucedem.
Exemplos: a esposa de um proprietário rural, de resguardo de
um parto, em Simão Dias, foi estuprada e veio a falecer. A fazenda
Aurora, invadida em ato de vingança, virou pó: casa-grande, curral
e cercas queimadas, 40 vacas abatidas. A um potentado, trancoulhe os testículos numa gaveta e foi-se com a chave, às risadas,
deixando-lhe uma quicé afiada ao alcance da mão. Acusam-no de
queimar o rosto de mulheres com ferro em brasa; de decepar
orelhas e línguas; de arrancar olhos.
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Há outras facetas do rei do cangaço: o que ia ao cinema em
Capela, Pernambuco, com Maria Bonita, para um seriado
americano de que gostava e filmes de amor. Viram uns dez.
Saíam antes do fim, se este não fosse feliz, amoroso. O que
tinha o hábito de ler as revistas Fon-Fon, Noite Ilustrada e O
Cruzeiro e inspirar-se em poses fotográficas de Greta Garbo e
Rodolfo Valentino, além de figurinos, que discutia com Maria
Bonita. O letrista de canções regionalistas. O sanfoneiro. Aquele
que trescalava perfume Fleur d´Amour, arriscando-se a que o
farejassem mais rápido na caatinga. O apreciador do uísque
White Horse. O que não se desfazia da máquina de costura
Singer. O que se adornava de ouro roubado às madames e
coronéis.
Esses pormenores levam certos intérpretes a vislumbrar
e até mesmo ressaltar um vezo feminino no cangaço,
porventura incitados pela moda atual de inclusão ampla de
homossexuais, de quase pregação do homossexualismo e suas
variantes.
É fato – o acervo fotográfico atesta-o em parte – que os
vaidosos cangaceiros usavam brincos e colares, enchiam os
dedos de anéis, tinham lenços de seda importados. Os de
Lampião traziam bordadas as iniciais CVFL (Capitão
Virgulino Ferreira Lampião). O capitão do cangaço tolerava
a mancebia, os afrescalhados, consentia de bom grado que
um cabra lhe fizesse cafuné. Assim diz Daniel Lins, autor de
tese de doutorado sobre Lampião, na Sorbonne. Nega-lhe,
paradoxalmente, a condição de gay. Não seria de estranhar
se afirmasse. Até Jesus Cristo já foi recrutado.
O historiador Frederico Pernambuco de Melo ameniza
sugestões de tal ordem. A seu ver, o cangaço antecipou no
Brasil a onda feminista: pela primeira vez, acentua ele,
homens dividiam com mulheres os serviços caseiros; pela
vez primeira as saias subiam acima dos joelhos e o machismo
cedia terreno.
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Grota do Angico
Acompanhado de Maria Bonita e dez cangaceiros, o Rei Vesgo
atravessou o Rio São Francisco, a vau, sujeitando-se a perder na
água o “corpo fechado” que lhe atribuía a crendice popular, e
acampou a 800 metros do lado sergipano, em terras da Fazenda
Angico, município de Poço Redondo. Era mais um esconderijo a
que o levava o coiteiro Pedro de Cândido.
Estrategicamente, o sítio chamado Grota do Angico era
recluso, mas com a desvantagem de encostas pedregosas. Entravase pelo arenoso leito seco de um córrego e, uma vez fechado o
acesso, em baixo, a grota se converteria em armadilha.
Raiava o dia 28 de julho, 1938. Às 5h30 o grupo ainda dormia
quando a tropa alagoana do tenente Bezerra, com fuzis e três ou
quatro metralhadoras, dispostos em quatro grupos, cercaram o
grotão. O coiteiro Pedro de Cândido, vítima de denúncia, fora
torturado à ponta de punhal pelos “macacos”, que lhe arrancaram
as unhas, e cedeu.
Durou 15 minutos a fuzilaria. Lampião, um dos primeiros a
despertar, foi também o primeiro a tombar morto. O cangaceiro
Luís Pedro teria furado o cerco e escapado, se não voltasse a
chamado de Maria Bonita, que lhe lembrava a promessa de morrer
ao lado do chefe. Havia mais quatro mulheres: Maria de Juriti, Dulce
de Criança, Enedina de Cajazeiras e Sila de Zé Sereno. A rainha do
sertão levou uma bala na cabeça, quando escalava uma encosta.
Cortadas as cabeças dos cangaceiros, a tropa atirou-se ao saque.
Na ânsia de arrebatar joias e dinheiro, decepou dedos e pulsos,
conforme diz Ivanildo Silveira, de Natal, Rio Grande do Norte.
O próprio Bezerra, autor do livro Como Dei Cabo de Lampião, é
acusado de ter-se portado com extrema crueldade. Urubus
cevaram-se nos corpos e morreram – o que levantou a hipótese
de envenenamento prévio dos facínoras, mas é que tinham
preservado os restos mortais com cal e creolina. As cabeças dos
11 mortos foram expostas nas escadarias de Piranhas, depois em
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Santana do Ipanema e Maceió. A macabra mostra itinerante durou
anos, até as cabeças serem recolhidas ao Instituto Nina Rodrigues,
em Salvador, e posteriormente sepultadas por pressão de
intelectuais e do clero.
Corisco
Esta saga sertaneja – não apenas o cangaço sempre permeado
de jagunços e pistoleiros de aluguel – é encerrada em 1940 pelo
antigo lugar-tenente de Virgulino, o sedutor Corisco, alagoano
de porte atlético e comprido cabelo loiro, inspirador do cineasta
Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Passados cinco
dias da degola no Angico, ele remete ao tenente Bezerra as cabeças
de Domingos Ventura (ou seria Pedro de Cândido?) e mais quatro
pessoas da família, instigado por Joca Bernardo, que os supunha
denunciantes. Com o seguinte bilhete, segundo José Mendes
Pereira: “Faça uma fritada. Se o problema é cabeça, aí tem em
quantidade”.
Pedro de Cândido morreu misteriosamente em 1940.
O cangaço à Lampião estava disperso e desmotivado. O Diabo
Loiro encerrou as atividades, reuniu pequena fortuna e enfurnouse com Dadá no interior da Bahia. Queria viver em paz. Vargas
dera anistia aos cangaceiros remanescentes; no entanto,
emboscado pelo coronel Rufino numa casa de farinha, em Barra
do Mendes, ele optou pela resistência heroica. Baleada, Dadá teve
de amputar uma perna – e sobreviveu.
REFERÊNCIAS E NOTAS:
ARAÚJO, Antônio Amaury Corrêa de. Assim Morreu Lampião.
São Paulo: Editora Traço, 1982.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Brasília:
MEC, Instituto Nacional do Livro, 1972.
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____ .Flor de Romances Trágicos. Rio de Janeiro, 1966, s/n.
FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Petrópolis-RJ:
Editora Vozes, 1988.
GRUNSPUN-JASMIN, Élise – Lampião, Senhor do Sertão: Vida e
Morte de um Cangaceiro. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2006.
MACEDO, Nertan. Capitão Virgulino Ferreira Lampião. Rio de
Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1970, 3a edição, 233 p.
MORAIS, Walfrido. Jagunços e heróis. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1963.
PRATA, Ranulpho. Lampião. Rio de Janeirto: Ariel, 1934.
SENA, Davis Ribeiro. As revoltas tenentistas que abalaram o Brasil.
Brasília: 2004.
Nota: O autor consultou textos postados em blogs por autores
citados ao longo deste ensaio. Também recorreu aos portais “São
Francisco”, “Lampião Aceso” e “Sama Multimídia”, igualmente
na internet.
Hélio Pólvora é jornalista, crítico literário, ensaísta, tradutor e, principalmente,
ficcionista; publicou recentemente os romances Inúteis Luas Obscenas (São
Paulo: Casarão do Verbo, 2010) e Don Solidon (idem, 2012). Desde 1994 ocupa
a Cadeira nº 29 da ALB.
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Virgolino, Cícero, José e
Antônio: Beatos e Cangaceiros,
Apenas?
Maurício Melo Júnior
O sertanejo, pelas crenças aprendidas no berço, é profunda-
mente religioso, e também violentamente corajoso, uma
necessidade da condição de isolamento em que vive ainda hoje.
Sozinho diante do ermo foi obrigado a construir meios de
sobrevivência com as próprias mãos, inclusive se defendendo de
animais predadores – a suçuarana, a cascavel – e de salteadores –
os cangaceiros, a própria polícia –, uma constatação, até certo
ponto, óbvia reafirmada por Djacir Menezes. Para o pesquisador
cearense foram essas condições sociais e climáticas que levaram
essa gente ao fanatismo religioso e ao cangaço.
Nem tanto a mar nem tanto à terra, diz o adágio. A partir de
uma leitura de Luís Câmara Cascudo, sobretudo, o caráter social
do sertanejo é bem mais amplo. Tanto o cangaço quanto o
fanatismo religioso não têm sua origem e suas consequências
somente, respectivamente, nas lutas sociais internas e na
ignorância. Em outras palavras, e situando bem o problema, não
foi apenas o desejo irreprimível de vingança que manteve Lampião
por tantos anos no cangaço, como também não foi Canudos um
ajuntamento de fanáticos enlouquecidos pelas pregações religiosas
do Conselheiro. Enquanto Lampião via na resistência armada
sua única maneira de se manter com vida, posto que, mesmo
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depondo as armas, seria caçado até o fim, ou seja, defendia sua
parcela de poder, pois se sabia o último remanescente de uma época,
Antônio Conselheiro não buscava na Vila do Bom Jesus formar
somente uma comunidade religiosa, mas tinha claras intenções de
inaugurar uma nova vertente econômica e social no sertão.
O caldo de cultura maturado pelo isolamento – novamente
ele – foi que levou o sertanejo aos extremos do messianismo e da
violência. Uma olhada, mesmo superficial, nas populações que
formavam – e de certa maneira ainda formam – estas comunidades
facilmente se percebe uma imensa maioria de desesperançados,
de quase excluídos, de homens e mulheres com pouquíssimas
oportunidades de sobrevivência que buscam na condição gregária
uma maneira de permanecer no mundo. “As coletividades anormais”
identificadas por Nina Rodrigues, antes de uma deformação do
caráter, como queria o brilhante pensador, são mesmo uma
deformidade social. Aliás, ele mesmo, Nina Rodrigues, sinaliza
na influência do meio mesmo sem conseguir descartar o
pressuposto da loucura como motivador das ações do Conselheiro.
Antônio Conselheiro é seguramente um simples louco. Mas a sua
loucura é daquelas em que a fatalidade inconsciente da moléstia
registra com precisão instrumental o reflexo senão de uma época
pelo menos do meio em que elas se geraram. (...) É examinada
por este prisma que a cristalização do delírio de Antônio
Conselheiro no terceiro período da sua psicose progressiva reflete
as condições sociológicas do meio em que se organizou
(RODRIGUES, 2006, p. 42-43).
O cangaço – e isso é ponto pacífico entre os pesquisadores do
fenômeno – nasceu ainda durante os tempos idos do isolamento
mais intenso. Vivendo com a ausência de qualquer proteção estatal,
os primeiros colonizadores da região, para defesa do parco
patrimônio que tinham, formavam grupos de proteção de suas
posse com homens armados e dispostos a combater os possíveis
ladrões, inclusive os matando. Assim a violência, mais que o crime,
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nascia de uma necessidade de resistência. E esta consciência ficou
marcada como condicionante cultural daquela gente.
O sertanejo não admira o criminoso mas o homem valente. Sua
formação psicológica o predispõe para isso. Durante séculos,
enquistado e distante das regiões policiadas e regulares, o sertão
viveu por si mesmo, com seus chefes e milicianos. (CASCUDO,
2005, p. 166).
Era o tempo e a convivência íntima que geravam as desavenças
entre chefes e milicianos. Esses, os milicianos, não tinham uma
segunda alternativa, partiam em busca de novos chefes, por vezes
até inimigos figadais do primeiro. Muitos ficavam pelas estradas
vendendo seus préstimos às necessidades de chefes tanto quanto
fosse possível. Estava criado o cangaço, um fenômeno que, na
forma primitiva, se manteve até 1938, ano em que Lampião foi
assassinado na Gruta do Angico, em Sergipe.
Hoje aqueles grupos estão transfigurados nas milícias pagas
pelos senhores da terra – e já não apenas no sertão – para se
defenderem, sobretudo, das muitas vezes justas reivindicações
dos movimentos sociais organizados, como o Movimento dos
Sem-Terra. Também é consequência do cangaço os matadores
de aluguel contratados por poderosos das cidades e dos campos
e já sem a motivação da defesa, mas primordialmente da reação à
contrariedade de algum interesse. Esse é um fenômeno hoje tão
urbano que toma conta das favelas do Rio de Janeiro, onde até
ex-soldados e rapazes que prestaram o serviço militar obrigatório
são recrutados pelos traficantes de drogas.
A gênese do cangaço, certamente, fermentou em seus
participantes a consciência da profissão. Em geral o cangaceiro
se dizia um profissional, um homem que, por falta de outros
recursos, alugava sua coragem. Muitos crimes precisavam
acontecer e ele, o cangaceiro, trazia a disposição de executá-los, e
disso não tinha remorsos. Ele, muitas vezes também um
injustiçado, tomava para si as dores do mundo. E se orgulhava de
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matar como parte de sua estratégia de sobrevivência, mas nunca
roubava. Naturalmente que também roubava, saqueava vilas e
fazendas, mas para a psicologia do cangaço estes atos eram
confiscos de um bem que, de fato, já pertencia a ele, o cangaceiro.
Vale lembrar novamente sua condição de injustiçado, de homem
a quem tiraram quase todas as condições de sobrevivência. E
mesmo que isso não fosse verdade, era assim que se sentiam os
homens que corriam em bandos armados o sertão.
O curioso era que as comunidades sertanejas de então temiam
mais as volantes, as forças policiais, que os próprios cangaceiros.
Daí a imensa rede de coiteiros que apagavam o rastro dos bandos
de cangaceiros. A verdade é que a polícia se confundia com os
cangaceiros. Vestiam-se iguais e tinham por base de qualquer ação
a violência pura e simples. E na ânsia de cumprir sua missão e
ganhar glória e até fortuna, eram, os soldados, bem mais violentos
que os cangaceiros.
Apesar de ganhar fortunas, o cangaceiro não tinha como usufruir
desses bens. Muitos saíram com vida da profissão do cangaço, mas,
talvez com exceção de Sinhô Pereira, todos estavam empobrecidos.
Sinhô Pereira se fez exceção porque, no auge de seus sucessos,
entregou o bando aos cuidados de Lampião e se refugiou, primeiro
em Minas Gerais e depois em Goiás, onde viveu como fazendeiro
até sua morte já na década de 1970. Chegou a tentar convencer
Lampião a fazer o mesmo, mas Virgolino, talvez por questões de
fórum íntimo, preferiu seguir sua sina.
Cangaceiros afamados, como Antônio Silvino e Volta Seca,
cumpriram toda sentença determinada pela justiça e deixaram a
prisão para viver praticamente na miséria. Volta Seca ainda chegou
a ser modesto servidor ferroviário no Rio de Janeiro, mas Antonio
Silvino morreu morando de favor na casa de uma prima em
Campina Grande, na Paraíba. A perda da fortuna pelos
cangaceiros se deve, sobretudo, ao incentivo extra dado pelo
governo aos soldados das volantes. Eles podiam ficar com tudo
aquilo que estivesse em poder dos cangaceiros que matassem ou
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prendessem. Há depoimento de soldado que com o dinheiro e as
joias que tirou do embornal de apenas um cangaceiro comprou
mais de uma fazenda e passou a criar a família como um próspero
senhor de terra.
Certamente não se pode falar no cangaço como uma guerra
maniqueísta entre pobres injustiçados e ricos desumanos. Havia
igualdade de funções nas comunidades sertanejas. Os homens
do sertão, embora mantivessem o rigor da hierarquia – as terras
tinham dono e o dono, empregados – conviviam com
proximidade. Também não se pode falar no sentimento altruísta
de tirar dos ricos para se dar aos pobres. O cangaceiro queria sua
fatia de poder e, consciente ou não, sabia da força que trazia em
sua arma e em sua coragem. O fenômeno surgiu, repita-se, com
a justa descrença no poder institucional, e se firmou como uma
tentativa de constituição de um poder paralelo – o poder da força.
Aos poucos, pela própria necessidade do meio, este poder foi
migrando dos senhores de terra para os chefes de bando. Isso faz
do cangaço mais que um fenômeno social, um fenômeno de
conquista e posse de poder.
Vale alertar, não é outro o jogo que hoje se joga nas favelas
cariocas. A força do medo, a lei das armas dominando
comunidades inteiras.
Voltando ao sertão, a gesta de Virgolino Ferreira Lampião
exemplifica bem como se deu esse processo.
Até 1916 Virgolino era um tangerino com grandes habilidades
para trabalhar o couro e tocar sanfona. Nesta época, enquanto a
família Ferreira viajava para o Juazeiro do Norte, numa visita de
devoção ao Padre Cícero Romão Batista, um certo João Caboclo,
morador da fazenda Pedreira, vizinha do sítio dos Ferreira e de
propriedade de Saturnino Alves de Barros, conhecido por Zé
Saturnino, roubou e matou umas cabras dos Ferreira. Virgolino
descobriu o roubo, mas o ladrão, sob a proteção de Zé Saturnino,
ficou impune. A pendenga foi parar nas mãos do Major Lucena,
autoridade policial de Vila Bela (hoje Serra Talhada), que, enfim,
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abriu a guerra matando José Ferreira dos Santos, o pai da família.
A partir daí, junto com os irmãos Antônio e Levino, Virgolino
entra para o bando de Sinhô Pereira, tornando-se Lampião, uma
lenda, uma figura quase mítica.
Lampião tinha um refinado senso para a luta. Ele renova a
forma de combate ao estabelecer os ataques rápidos e
surpreendentes às vilas sertanejas. Também os planejava
mandando alguns de seus cabras disfarçados para conhecer a
situação do ambiente que seria atacado. E, na caatinga, usava
tática de guerrilha, dividindo seu bando em vários pequenos
grupos que se multiplicavam para fugir e atacar os inimigos. Isso
diminuía em muito o risco de suas ações e explica sua permanência
por mais de vinte anos na profissão do cangaço.
A capacidade de renovação e interferência de Virgolino no
cangaço não ficou restrita ao combate. Para se diferenciar cada
vez mais dos soldados das volantes, criou uma nova estética, com
chapéus estrelados e roupas bordadas. Também venceu as
resistências naturais do machismo ao admitir que mulheres
entrassem para o bando e até participassem de combates. No
entanto seu objetivo era a guerra e neste aspecto conseguia através
de sua vasta rede de proteção armamentos modernos e potentes,
muito superiores aos usados pelas forças oficiais.
A morte de Lampião, assassinado pela volante do capitão João
Bezerra, da polícia de Alagoas, somente foi possível depois de
uma série de traições sofridas pelo chefe de bando. Daí nasceu a
lenda. As histórias contadas misturam fatos reais com a fertilidade
da imaginação popular. Apesar desse fator, é possível concluir
que Lampião teve consciência de seu poder e de sua incapacidade
de viver como foragido. Mesmo se estabelecesse um pacto para
cumprir alguns anos de prisão, seria assassinado. Sua fama e os
anos em que desmoralizou a polícia de todo o Nordeste legoulhe uma tão intensa força de inimigos, que nem mesmo o governo
federal seria capaz de garantir sua vida. Mesmo que procurasse, a
exemplo de Sinhô Pereira, viver anonimamente em Goiás.
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Com Lampião fechou-se o ciclo do banditismo errante,
independente, no entanto sua cultura permaneceu. Durante os
anos seguintes matadores de aluguel continuaram atuando sob a
proteção dos poderosos e já não apenas no sertão. Na década de
1970 um dos escândalos políticos de Alagoas foi a descoberto de
uma instituição estadual, o Sindicato do Crime, onde estes
pistoleiros se reuniam até mesmo para estabelecer o preço para
cada serviço. A macabra tabela era definida a partir da profissão
e da importância da vítima. Já na década de 1990, no município
de Camaragibe, na região do Grande Recife, Helinho, conhecido
como Pequeno Príncipe, foi preso acusado de matar 65 bandidos
a soldo dos comerciantes locais. Orgulhava-se de ser justiceiro
de profissão e matar somente ladrões, chamados por ele de “almas
sebosas”. Helinho foi assassinado na prisão.
É a transferência do sistema de defesa dos sertões, inclusive
com o mesmo orgulho de só matar ladrões, para o asfalto, as
grandes cidades, e intensamente encrudelecida pela ausência da
autodefesa e pela falta de um sistema policial eficiente.
A outra face do caráter do sertanejo apontada por Djacir
Menezes e secundada por outros tantos pesquisadores, como Rui
Facó, também ainda sobrevive. O histerismo religioso pode ser
facilmente encontrado nas igrejas milenaristas modernas, as igrejas
messiânicas que prometem vida melhor não apenas no céu, mas
também na terra – o milenar sonho da terra prometida, de Canaã,
encorpada desde sempre no misticismo de todo o mundo,
particularmente no nordestino.
No entanto, como este fenômeno se estabeleceu nas comunidades
sertanejas, sobretudo ao longo dos séculos XIX e XX?
As pequenas e isoladas comunidades povoadoras dos sertões
do Nordeste brasileiro, em suas carências religiosas, foram servidas
por padres missionários. A chegada desses religiosos provocava
festas de devoções onde era possível ajustar todas as contas com
as coisas do além através das confissões, das novenas, das missas,
dos casamentos, dos batizados. Durante o resto do tempo o sertão
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ficava ao deus-dará, cumprindo de maneira quase independente
as devoções sagradas. Isoladamente rezava-se nas datas
consagradas aos santos que se tomavam para padrinhos seguindo
as informações do Lunário Perpétuo.
Esta devoção, digamos, meio independente ou plenamente
desassistida, naturalmente gerou peculiaridades. É próprio da
religiosidade sertaneja, ainda hoje, a prática de preceitos muito
rígidos, de rituais que datam ao medievalismo. As imolações com
cordões dotados de lâminas nas pontas constantemente jogados
nas costas feridas dos penitentes ainda é comum na Semana Santa
sertaneja. Muitos acreditam que esta é a mais eficiente forma de
dialogar com o eterno e, assim, ser atendidos em seus pedidos.
Os pedidos também seguem uma hierarquia na qual principalmente se reivindica melhor vida terrena. O sertanejo pede sempre
um inverno suficientemente bom que lhe proporcione uma
colheita farta. Quer possibilidade de trabalho, não esmola. Pede
que o Divino lhe dê um lugar de fartura, como o mítico País de
São Saruê descrito no folheto de cordel escrito pelo poeta Manoel
Camilo dos Santos, onde os rios eram de leite e os barrancos de
cuscuz. Na busca da Terra da Provisão é que está a raiz da
migração nordestina, do êxodo rural. A perspectiva de melhores
condições de sobrevivência levou estes homens a colonizarem a
Amazônia, a enfrentar o frio, a falta de especialização e a
indiferença em São Paulo da industrialização começada nos anos
de 1920. No fim da viagem quase sempre há a sentença cruel dos
versos de Patativa do Assaré. “Distante da terra tão seca, mas
boa, / Exposto à garoa, / À lama e ao paú, / Faz pena o nortista,
tão forte, tão bravo, / Vivê como escravo / Nas terra do Su”
(ASSARÉ, 1978, p. 92).
Todos os líderes messiânicos, não apenas no Nordeste, partem
da promessa de uma nova Canaã, muitas dessas promessas feitas
até de maneira inconsciente. É o que acontece com o Padre Cícero
Romão Batista, polêmica figura sertaneja. Câmara Cascudo o
enxerga de maneira dúbia, prenhe de contradições.
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Um ambiente de fanatismo irreprimível cerca-o. Riquíssimo
proprietário, senhor feudal, o Padre Cícero deixou tudo quanto
possuía para os Padres Salesianos. (...) Dominador de valentes, guia
de guerrilhas, decididor de eleições, dono de riquezas, ficou vivendo
sem fausto, e alarde, conservando-se em pureza eclesiástica. Sua
vaidade era dizer-se influentíssimo em acontecimentos inteiramente
acima de sua fama. Afirmava dever-lhe o Mundo a terminação da
Guerra de 1914-1917, a continuação das Obras contra as Secas, a
vitória da Revolução de 1930, o sucesso de chefes da Nação e
administradores estaduais. Simples, afável, acolhedor, caritativo,
nunca atuou como uma força civilizadora. Não educou nem
melhorou o nível moral de seu povo. Antes, desceu-o a uma excitação
febril, guardando segredos de perpétua irritação coletiva, para mais
decisiva obediência geral (CASCUDO, 2005, p. 142 -143).
Djacir Menezes, por seu turno, traça um excelente e revelador
perfil do velho padre.
Já por volta de [18]77, durante a seca, a ação do Padre Cícero Romão
Batista atraía a atenção daquela gente ingênua e crédula. Iniciando o
plantio da mandioca e maniçoba na Serra do Araripe, desenvolvendo
atividade constante no seio das populações rurais, despreocupandose de dinheiro, conquistava rapidamente o espírito simples dos
trabalhadores. Os que o visitaram longos anos depois, a título de
estudá-lo um tanto apressadamente, como o ilustre pedagogo
Lourenço Filho, procuraram descobrir-lhe, na fisionomia e na
personalidade, algo que é apenas reflexo da leitura impressionante
dos Sertões: “saliência de malares, prognatismo de lobo, rítus
indisfarçável e sinistro, orelhas largas, abertas em leque, nariz quase
recurvo...” Nesse retrato literário, pintado pelo escritor paulista, é
realmente irreconhecível o velho que nós vimos, sem qualquer ação
pessoal forte, sem nenhuma fácies de místico flamejante. Igual a
qualquer padre velho do sertão (MENEZES, 1970, p. 100).
A verdade é que o padre Cícero é o grande responsável pelo
desenvolvimento social do sul do Ceará, o Cariri, uma região que
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tem índice de desenvolvimento humano bem acima da média do
restante do Nordeste, e até de muitas outras regiões do país. Ele
conhecia em profundidade o Cariri cearense, pois, além de sua
indiscutível inteligência, nasceu no Crato em 24 de março de 1844
e conviveu por toda a vida com a miséria de uma população
cercada pelos latifúndios de criação de gado, embora estivesse
no sopé da serra do Araripe, farta em água e capaz de promover
a redenção econômica do lugar. Talvez sua pretensão fosse
meramente religiosa, mas o fato é que interferiu economicamente
e transformou o Juazeiro do Norte e seus arredores, senão no
País de São Saruê, pelo menos numa terra de bem melhores
condições de sobrevivência e de maiores oportunidades.
Câmara Cascudo conta que o padre Cícero
ordenou-se presbítero em 30 de novembro de 1870. Em 11 de
abril de 1872 fixou-se no Arraial do Juazeiro, entre Missão Velha e
Crato. O povoado tinha cinco casas de telha, trinta choupanas de
palha e uma capelinha em ruínas. Em 1911 Juazeiro era vila, sede
de município. Em 1914 cidade, com trinta mil almas (CASCUDO,
2005, p. 142).
Como se deu esta explosão populacional? A tradição conta
que o padre se instalou no Juazeiro depois de ter sonhado com o
próprio Jesus Cristo o ordenando a tomar conta daquele modesto
e miserável rebanho. E aquele, ainda segundo a tradição, não seria
um rebanho comum. O povoado era pouso de tropeiro e todo
tomado por bêbados, desordeiros e prostitutas. Logo o padre
Cícero começa a ganhar fama de milagreiro com o trabalho de
mudanças radicais na comunidade, que paulatinamente ganha um
caráter pio. Muitos são os casos de conversão daquela gente ao
catolicismo mais ortodoxo. A mais conhecida dessas conversões
é a da prostituta Francisca Belmira, que vivia fazendo escândalos
e cantando versos populares lascivos. Já no primeiro encontro
que teve com o padre sofreu um surto de arrependimento e pediu
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para ser confessada. Depois da confissão tornou-se uma mulher
respeitável e religiosa. Morreu aos 85 anos, respeitada por todos
e apontada como exemplo às prostitutas que chegavam ao
Juazeiro.
A fama de milagreiro se intensifica na seca de 1877. Multidões
de desassistidos da sorte invadem o Juazeiro em busca de comida.
O padre os encaminha para as terras férteis da chapada do Araripe.
Famílias inteiras ali se instalam plantando macaxeira e cuidando
de pequenas criações, o que salvou todo o povoado da fome e da
miséria da seca. A sobrevivência, no entanto, foi creditada no
rosário de milagres do padre.
O mais difundido e polêmico “milagre” do padre Cícero
Romão Batista, no entanto, teria acontecido em março de 1889.
Ao dar a comunhão à beata Maria Madalena do Espírito Santo
de Araújo a hóstia teria ficado vermelha. Para o povo era o sangue
de Cristo que teria se materializado na boca da beata. Isso teria
acontecido outras vezes, mas foi mantido em segredo e somente
revelado dois anos depois, em 1891.
Em abril de 1894, a própria Santa Sé julga o caso da beata.
Nega o milagre e proíbe as medalhas que já haviam sido estampadas
com a imagem de Maria de Araújo. E mais: padre Cícero tem dez
dias para sair do Juazeiro, sob pena de excomunhão, sendo proibido
de celebrar atos religiosos. Em obediência às determinações da
Igreja, vai residir em Salgueiro, no estado de Pernambuco (JATOBÁ,
1996. p. 12).
Até hoje se discute os milagres obrados pelo padre Cícero.
A crônica popular enumera incontáveis casos, todos contestados
pelas autoridades eclesiásticas. Também é a voz popular que pede
sua canonização, algo bem mais complicado. Entre os empecilhos
para a santificação do mais popular dos milagreiros nordestinos
está o fato, este real, de sua liderança sobre o grupo de jagunços
que, em 14 de março de 1914, sitiou Fortaleza e conseguiu depor
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o governador Franco Rabelo. Esta revolta, na verdade, foi uma
reação da população do Juazeiro, liderada pelo médico baiano
Floro Bartolomeu, aos ataques promovidos pelo estado para
acabar com a comunidade mística que dava imenso poder político
ao padre Cícero.
Quando morreu, no Juazeiro, em 20 de julho de 1934, padre
Cícero, que fora prefeito da cidade, vice-presidente do Ceará e
deputado federal – nunca foi ao Rio de Janeiro assumir o mandato
– já não tinha tanto poder político. Os vitoriosos da Revolução
de 30 sequer se deram ao trabalho de nomear um preposto do
padre como interventor da cidade. No entanto até hoje a igreja
local vive da verdadeira histeria religiosa que se criou em torno
de sua imagem. E Juazeiro tornou-se o maior centro de
peregrinação de todo o Nordeste, o que gera uma corrente
turística responsável pela principal base de rendimento do Cariri
como um todo.
O misticismo sertanejo teve – talvez de maneira involuntária,
repita-se – este espírito civilizador. E até revolucionário em muitos
casos. O Caldeirão é um desses episódios. Em linhas gerais sua
história começa com a chegada ao Juazeiro de José Lourenço
Gomes da Silva. Vinha da Paraíba, onde trabalhava como alugado
em latifúndios e não tinha qualquer perspectiva de prosperidade.
Foi para o Juazeiro em busca da vida melhor oferecida pelo padre
Cícero. Ganhou a confiança do padre e transformou-se no beato
José Lourenço, que, aconselhado pelo reverendo, arrendou as
terras do sítio Baixa do Dantas. Ali fundou uma comunidade
com preceitos cooperativistas. Toda produção era dividida por
todos, o excedente vendido e os lucros revertidos à própria
comunidade.
A prática despertou a atenção dos fazendeiros locais, já
inquietos com a ascensão política do padre Cícero. Como o beato
havia ganhado a guarda do boi Mansinho, que Delmiro Gouveia
dera ao padre Cícero, intensificou-se o boato de que o animal era
adorado como um Deus na Baixa do Dantas. Djacir Menezes
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afirma que “o beato José Lourenço não duvidou em apresentar o
boi como autor de milagres, revivescência de formas do
pensamento animista das culturas sociais do Continente Negro”
(Menezes 1970, p. 104).
Floro Bartolomeu, o médico baiano que tinha forte influência
sobre o padre do Juazeiro, inconformado com a situação, mandou
matar o boi e prender o beato. Libertado por influência do padre
Cícero, Lourenço foi instalado com sua comunidade pelo próprio
padre na fazenda Caldeirão dos Jesuítas, na zona rural do Crato.
Ali viveu em paz e em crescente prosperidade até a morte de seu
protetor em 1934.
Acusados de fanáticos, santarrões, os moradores do Cadeirão
foram trucidados em uma guerra promovida pela Polícia Militar
Cearense em conjunto com o Exército, que chegou a usar aviões
para massacrar a comunidade. Acredita-se que tenham morrido
no massacre mais de quatrocentas pessoas, enterradas numa vala
comum aberta num local até hoje não revelado pelo Exército.
Pelo menos três dos mortos – denominados de São Cosme, São
Pedro e São Anastácio – foram macabramente expostos como
exemplo nas ruas do Juazeiro.
O beato José Lourenço conseguiu fugir ao cerco e morreu,
em 12 de fevereiro de 1946, de peste bubônica, em Exu, sertão
de Pernambuco.
Sua difamação, no entanto, permanece. Em O Outro Nordeste
Djacir Menezes, talvez por escrever tão próximo de todo o
fenômeno (a primeira edição do livro é de 1937), oferece uma
versão histórica deturpada, embora sua análise aproxime-se dos
verdadeiros motivos formadores do Caldeirão.
Este “penitente” negro desaparece algum tempo da cena
caririense. Eis, porém, que reponta, inesperadamente, após a morte
do Padre Cícero, como centro de atração de fanáticos, em pleno
ano de 1936, no sítio Caldeirão, nas proximidades do município de
Juazeiro, impressionando seriamente as autoridades do Estado. (...)
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O beato vivia com algumas virgens, uma dezena, talvez. A
convivência refletia algo da mítica africana, diluída nos candomblés
caboclos: pais de santo e filhas de terreiro. (...) A polícia destruiu o
povoado, que crescia, abrindo um parêntese na ordem pública.
Parêntese de desordem? Não. Parêntese silencioso e ordeiro – mas
diferente. Destruindo-o, não destruiu as raízes sociais que o geraram.
Não eliminou as causas históricas e econômicas que criam o clima
social em que se abrem as corolas de superstições retrospectivas de
protestos. Porque não são fatores meramente psicológicos que as
determinam. Nunca é demais insistir no estribilho ao correr destas
páginas. Batemos a mesma tecla. O comportamento social do
fanático é suscitado pelo estado de uma sociedade de retardamento
cultural e desequilíbrio estrutural profundo: e na base emocional
comum, amalgamam-se influências as mais díspares (MENEZES,
1970, p. 104 -105).
Menezes claramente se apoia no discurso preconceituoso do
momento em que escreveu seu livro – 1937 – para oferecer uma
versão, repita-se, deturpada do fenômeno. Em 1986 o cineasta
Rosemberg Cariry realiza um documentário – O Caldeirão da Santa
Cruz do Deserto – onde, a partir do depoimento de sobreviventes
da época, consegue reconstituir a verdade histórica. O Caldeirão
foi uma comunidade de orientação comunista – no sentido de
organização social, não ideológico – massacrada pelo poder
político e econômico dominante na época, temente de uma
mudança radical na forma de produção tradicional da região.
Este mesmo sentimento foi partilhado pelo escritor Cláudio
Aguiar em seu romance Caldeirão, A Guerra dos Beatos, publicado
em 1982.
Assim chegamos a Canudos, que sofreu a mais trágica retaliação
oficial – uma guerra real, um extermínio puro e simples de toda
uma comunidade – e que, ainda hoje, resguarda toda uma pecha
de preconceitos. E tudo ditado pelo discurso dos vencedores,
sempre a tachar seu líder, Antonio Conselheiro, como um louco
dado a surtos de intenso fervor religioso. Sequer o libelo escrito
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por Euclides da Cunha – Os Sertões –, publicado em 1902, que
alertou para a imensa distância entre o Brasil real – Canudos – e
o Brasil oficial – as tropas regulares –, conseguiu restaurar toda a
verdade em torno dos fatos.
Uma leitura mais atenta dos documentos e escritos produzidos
sobre o episódio abre uma nova porta de interpretação. O Belo
Monte era uma vila ordeira e pautada pelos mais profundos
preceitos religiosos. Em momento algum pode ser vista como
um velhacouto de bandidos conduzidos ao bel-prazer de um louco
enfurecido, um monarquista capaz de derrubar a nascente
República, como diziam seus inimigos de então. O Conselheiro
abrigava a todos – e aí não faltavam ordinários, bandidos mesmo
que, por vezes, corriam em busca de perdões celestiais. Fato
também é que a todos procurava regenerar com sua pregação
escudada na moral e no que considerava os bons costumes.
Ninguém vadiava. O trabalho era quase uma obrigação, segundo
depoimento de Manuel Benício, o jornalista pernambucano que
esteve no Belo Monte durante toda a contenda e publicou ainda
1899 um longo relato – O Rei dos Jagunços – em que faz certa
justiça ao Conselheiro.
O tesouro da comunidade engordava, em virtude do dízimo
que cada um oferecia de seus lucros. (...) As margens frescas do rio
eram cultivadas com plantações de diversos legumes, milho, feijão
grugutuba, favas, batatas, melancias, jerimuns e melões, cana, etc.
Nos terrenos arenosos viam-se milhares de matombos, grelando o
talo tenso das mandiocas e outros com estacas de diversos
tamanhos. Pela vizinhança, os pequenos cultores da terra, em
Canudos, possuíam sítios, pomares, fazendolas de criação de bode,
animais vacuns e cavalares, praticando em sofrível escala o
cruzamento do asno com a égua ou jumenta com o cavalo. As
mulheres não estavam inativas. As mais pobres e miseráveis
fabricavam farinha de bró e parreira. Traziam das caatingas as linhas
do uricuri – coqueiro – que depois de raspadas eram esmagadas a
macetes e piladas no gral bojudo de madeira de lei. Em seguida
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passava-se na urupema a massa úmida do pau pisado, a qual
peneirada ia para o forno em farelo ou cuscuz. (...) As moças
fabricavam redes de crauá, indo buscar nas caatingas feixes destas
bromélias de que tiravam as fibras da casca verde, pilando-as e
deitando-as em seguida ao sol para enxugar. Secas e desfiadas eram
tecidas como algodão no fuso, seguindo daí para os teares. (...)
Outras mulheres faziam sal da terra, preparando-o por um método
rudimentar. Enchiam de terra salobra uma panela filtrada, por uns
furos no fundo. Sobre a terra despejavam água que se escoava em
pingos pelos furos, dentro de um tacho de bronze que ia ao fogo
até ferver; fazendo evaporar-se parte da água enquanto a outra
transformava-se numa massa alva que refinava. Estava feito o sal,
em porção suficiente para o tempero, e para suprir os inúmeros
curtumes que ladeavam a beira do Vaza Barris, e existiam nos
tanques de pedras abertas pelas mãos da natureza, nas chapadas
dos serros. Enquanto isto, o malho dos ferreiros, batendo nas
bigornas e zunindo como um grito de araponga, anunciava que
não havia falta de foice, faca, chuchos, machados, etc., no arraial.
(...) Conselheiro dentro do Santuário meditava. Era tempo de meter
mãos, com fervor, à grande obra que iniciara paliativamente. Havia
no cofre dinheiro suficiente para a construção de dez igrejas e povo
vadio e devoto para trabalhar por penitência, devoção e parco jornal.
(Benício, 1997, p. 170 -174).
A longa citação demonstra que havia efervescência também
econômica em Canudos e que o Conselheiro sonhava com uma
Canaã em pleno sertão. Como falava por parábolas, como
qualquer orador de rígida formação religiosa, talvez sua frase
mais famosa – o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão – retratasse
esse desejo concreto. O sertão de seu tempo era o espaço natural
das mazelas e do abandono, enquanto o mar, a praia, era onde
se abrigava todo progresso, toda fartura. Pelo seu sonho de
visionário – que, diga-se, estava concretizando – o sertão se
tornaria uma terra de bonança, de promissão; enquanto o mar,
pelo desajuste moral de sua gente, cairia em desgraça, se
transformando em terra de ninguém.
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Ele até estipulava um prazo para que isso se concretizasse:
“Em 1896 hade rebanhos mil correr da praia para o certão; então
o certão virará praia e a praia virará certão” (sic). (CUNHA, 2009,
p. 164). Em sua visão messiânica – pois era essa sua linguagem –
precisava de poucos anos para que tudo florescesse. Os “rebanhos
mil” já, em parte, estavam no Belo Monte, e as possibilidades
dessa migração aumentar em 1896 era uma verdade indiscutível.
E ele, o Conselheiro, certamente sabia do que falava. Era um
homem experiente.
Em Quixeramubim, com a morte do pai, tentou, sem sucesso,
erguer o pequeno comércio que lhe foi legado já à beira da falência.
Sabendo ler e escrever, conseguiu se manter, mesmo
precariamente, servindo a vários fazendeiros cearenses. Sua
desdita de fato começou com um casamento errado. Brasilina, a
esposa, o traiu e foi flagrada. Ele perdoou, mas não conseguiu
segurar a vergonha e preferiu seguir a missão que tomou para si
– pregar o evangelho, construir igrejas e cemitérios. Curioso é
que toda esta sua andança sempre o levava para a Bahia. Ali
chegou a ser preso e mandado de volta para o Ceará. Sem
qualquer culpa, foi libertado e voltou às peregrinações.
Novamente em direção à Bahia, onde, finalmente, fundou a
comunidade de Belo Monte.
Pelos relatos da época, repita-se, era uma comunidade próspera
e que estava quebrando o modo de produção de toda a região.
Produzia diversificadamente e com abundância capaz de suprir
não só o arraial, mas também parte da região. Enfim, criava-se ali
um centro produtivo que fugia do controle dos poderosos locais.
Talvez aí o pecado real do Conselheiro. Ele produzia couro, grãos,
fibras, ferragem. E ainda mantinha o povo ordeiramente sob seu
absoluto controle. Ou seja, gerava fortuna e obediência como
qualquer coronel. O diferencial é que partilhava, sempre
atendendo à necessidade de cada um, entre todos a riqueza.
Daí começaram as intrigas e as brigas políticas para acabar
com os projetos do Conselheiro. Vem a guerra, que, é bom
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lembrar, não partiu dos moradores de Belo Monte. Eles haviam
comprado e pago em Juazeiro, na Bahia, uma carga de madeira
de lei para a construção da igreja. A madeira não foi entregue. Na
defesa de seu direito, Conselheiro mandou seus homens cobrar a
madeira. Em conversa com o vendedor estipularam um prazo
para a entrega do produto ou a devolução do dinheiro. E, claro,
voltariam neste tempo para reaver o que lhe era de direito.
O alerta foi divulgado às autoridades estaduais como ameaça
de invasão da cidade. E quem terminou invadido foi o arraial do
Belo Monte. A resistência se fez fera. Derrotadas as tropas
estaduais, vieram as tropas federais, e já aí a guerra era em defesa
da República, afinal dizia-se na época que o Conselheiro era
monarquista e queria restituir o trono à família real. O fato, no
entanto, é que o líder messiânico se voltou contra o estado laico, o
estado que acabou com a obrigatoriedade do casamento religioso
e estipulou o casamento civil. E também contra o regime que
vinha extorquindo os sertanejos com uma nova política de
impostos. Até incitado por padres regulares, era contra isso que
ele lutava. No entanto prevaleceu a pecha de monarquista e
enlouquecido.
Pelos documentos e escritos não se pode asseverar que houve
em Canudos um apelo sebastianista, como aconteceu na Pedra
Bonita. Ao contrário, Canudos fez a própria redenção – ou pelo
menos tentou – sem qualquer delírio de restauração do império
português. Claramente Belo Monte foi a construção, a partir de
um líder messiânico, de uma comunidade independente e
próspera, uma sociedade alternativa para o modelo de produção
do sertão nordestino de antanho. E não pode ser confundido
com um movimento de celerados fanáticos. Um sonho
comunitário esmagado pela mentira de um roubo velado e que a
República nascente tomou como se tudo fosse um atentado à
instituição da nova ordem. E Conselheiro, coitado, que da
República repudiava sua constituição como estado laico, terminou
por pagar muito caro toda a conta.
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Não se pode esquecer, no entanto, que aconteceram muitos
casos de movimento messiânicos, nos quais apenas o fanatismo
puro e simples deu a tônica das ações. Pedra Bonita foi o mais
célebre desses casos e certamente deve ter sido muito citado e
comparado com Canudos durante o transcurso das batalhas na
Bahia. Só que há diferenças e distâncias quilométricas entre eles.
Tudo começou no ano de 1836 no sertão pernambucano. João
Antônio dos Santos, morador de Vila Bela, atual Serra Talhada,
exibia à população duas pedras assegurando serem brilhantes
encontrados em uma mina que lhe fora revelada por el-rei Dom
Sebastião, o jovem rei de Portugal desaparecido durante a batalha
de Alcácer-Quibir, quando tentava conquistar aos mouros, os
infiéis, as chamadas terras santas. Segundo João Antônio, o próprio
Dom Sebastião o levara em um cavalo encantado até um sitio à
beira de uma rica lagoa e duas torres de um templo onde estaria
a mina. Com isso conseguiu reunir uma legião de seguidores na
Pedra Bonita, o sítio descrito pelo líder messiânico.
No dia 25 de maio de 1838 o intendente de Flores, vila do
Vale do Pajeú, Pernambuco, coronel Francisco Barbosa Nogueira
Pais, mandava ao presidente da província ofício comunicando a
reunião clandestina de um grupo de fanáticos sebastianistas no
sítio Pedra Bonita. Em 18 de junho era a vez do vigário de Vila
Bela, o padre Francisco José Correia, publicar no Diário de
Pernambuco uma carta descrevendo os acontecimentos
considerados por ele um terror. Foram as primeiras acusações
formais contra João, que se casara com Maria Moça, contra a
vontade dos pais dela, e conseguiu juntar dinheiro e riqueza com
a promessa de que devolveria tudo em dobro quando
desencantasse o reino de dom Sebastião. Dizia-se então príncipe
do Primeiro Reinado da Pedra Bonita e pregava o fim de qualquer
posse. Ninguém era dono de nada e tudo era de todos.
Foi esta pregação contra o poder e a propriedade que incitou
os fazendeiros da região, que começaram a se armar para reagir
aos fanáticos da Pedra Bonita. João não esperou a guerra e fugiu
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para o Ceará. Seu cunhado João Ferreira, autoproclamado rei,
dois anos depois, retomou as pregações dizendo aos seguidores
que dom Sebastião estava encantado num castelo que havia sob
as duas imensas pedras. Conseguiu reunir cerca de trezentas
pessoas em uma comunidade de hábitos enlouquecidos e sem
qualquer propósito senão o puro fanatismo delirante. Era aquilo
que Nina Rodrigues, prenhe de razão, chamava de anormalidade
coletiva. Ali os homens podiam casar-se com várias mulheres,
ninguém fazia qualquer higiene pessoal, sequer as roupas eram
lavadas, e ninguém precisava trabalhar, pois entidades divinas e
poderosas iriam supri-los em tudo. Comiam pouco e bebiam em
abundância um vinho sagrado. Passavam o dia rezando, cantando
e dançando na espera do grande acontecimento. A volta triunfal
de Dom Sebastião.
No dia 14 de maio de 1838, João Ferreira anunciou que Dom
Sebastião estava em profundo desgosto com eles, pois eram
homens incrédulos, fracos, falsos e sem coragem de regar o campo
encantado, nem de lavar as duas torres da catedral do reino com
sangue para quebrar o encantamento e dar a todos uma vida
melhor. Dezenas de pessoas foram sacrificadas para que o sangue
fosse usado para lavar as pedras na purificação dos fiéis. No dia
17 de maio os crentes decidem imolar o próprio João Ferreira,
acabando de vez a confusão.
Ao contrário de Canudos e Caldeirão, a Pedra Bonita foi um
movimento de fanáticos sebastianistas que, sob a liderança de
pessoas enlouquecidas e oportunistas, consumiu-se em si mesmo.
Um forte exemplo de como os limites da miséria e da desesperança
dos homens podem levá-los ao desespero profundo.
Outros movimentos – se é que podem ser chamados de
movimentos messiânicos – continuam ponteando pelo sertão.
Todos buscam se valer da crença ingênua da população, mas
muitos produzem mais ações ridículas, risíveis, que qualquer
sentido trágico. Foi o caso dos Borboletas Azuis. No ano de 1977
Roldão Mangueira de Figueiredo começou a pregar a chegada de
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um novo dilúvio no início da década seguinte. O mundo voltaria
a se acabar sob as águas e apenas seriam salvos aqueles que o
seguissem. Seus crentes chegaram a cerca de setecentas pessoas.
Andavam todos vestidos em compridas túnicas azuis e brancas e
rezavam em louvor aos santos católicos. Como o dilúvio não
aconteceu na data prevista por Roldão, nem depois, o movimento
caiu em descrédito e tudo acabou numa imensa piada.
Em linhas gerais, é o desespero da miséria que leva o sertanejo
para o messianismo e para o cangaço. Involuntariamente aluga
sua fé e por falta de outra qualquer perspectiva vende sua coragem.
As secas periódicas, sempre tratadas de maneira paliativa,
ensinaram a essa gente que ela precisa lutar por si mesma. As
ajudas governamentais nunca chegam à sua porta. A regra, aliás,
foi batizada pela imprensa como indústria da seca. Ou seja, a
elite local teria interesse na manutenção da desigualdade social,
pois os programas de açudagem e perfuração de poços artesianos
nunca chegam às comunidades mais pobres e verdadeiramente
mais necessitadas, que, de sorte, permanecem na dependência
política e econômica dos coronéis.
A situação chegou ao ponto de levar muitas pessoas à busca
do lucro fácil utilizando os programas de irrigação e perenização
dos rios secos para o plantio de maconha, uma cultura que se
adapta muito bem à região. Por outro lado, surge uma espécie de
novo cangaço com bandos assaltando nas estradas desertas e
saqueando pequenas comunidades.
Hoje, enfim, resguardando sua fé e sua coragem, o sertanejo,
no entanto, sobrevive, em parte, dos programas sociais do
governo, que atuam com o repasse direto dos recursos, como o
Bolsa Família, e que têm sustentado muitas comunidades carentes.
Muitas prefeituras chegam a oferecer terrenos gratuitos a
aposentados para que eles invistam o pouco que ganham no
município. Há também programas de criação de cisternas
comunitárias, quase sempre abastecidas com água das chuvas,
que servem ao consumo humano e à sustentação de pequenas
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hortas e criações. Além dos amplos sistemas de irrigação
permanente que têm criado espaços de redenção em vários
pontos, como Petrolina.
Também as comunidades, muitas delas formadas no conceito
rurbano, cunhado por Gilberto Freyre, com amplo acesso aos meios
de comunicação de massa, criaram uma linha de independência à
submissão plena aos seus líderes políticos e messiânicos.
Enfim, há luz no fim desse imenso túnel.
REFERÊNCIAS
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Trovador Nordestino. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1978.
BENÍCIO, Manoel. O Rei dos Jagunços. Edição fac-similar. Brasília:
Senado Federal, 1997.
CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. São Paulo:
Global, 2005.
JATOBÁ, Roniwalter. Juazeiro: Guerra no Sertão. São Paulo: Ática,
1996.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Campanha de Canudos. 3.ed.
São Paulo: Ediouro, 2009.
MENEZES, Djacir. O Outro Nordeste – Ensaio Sobre a Evolução
Social e Política da “Civilização do Couro” e suas Implicações Históricas
nos Problemas Gerais. 2.ed. Rio de Janeiro: Artenova, 1970.
RODRIGUES, Nina. As Coletividades Anormais. Brasília: Senado
Federal, 2006.
Maurício Melo Júnior é jornalista e escritor. Dirige e apresenta o programa
Leituras, da TV Senado, e escreve críticas literárias para o jornal Rascunho.
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A cena familiar
em contos de Judith Grossmann
Cássia Lopes
Em vários contos de Judith Grossmann, emerge o tema das
relações familiares e seus desdobramentos críticos no tocante ao
papel do escritor. Um primeiro nível de leitura refere-se a um
enfoque que remonta à tradição machadiana e também borgiana:
Joaquim Machado de Assis não deixou uma prole convencional,
não teve filhos, e gravou isso na voz de um de seus personagens:
“Não transmiti a nenhuma criatura o legado de minha miséria”.
Já Borges não fez disso um assunto explícito de sua literatura,
embora, sintomaticamente, não dedicasse sua atenção aos filhos
de seus personagens, que parecem viver, à Quixote e Kafka, na
imensidão de mundos solitários e de moinhos gigantes.
Para trazer tal abordagem para o universo judithiano,
recortemos dois contos em especial: “Ano de centenário” e “As
tranças de Charlienne”. No primeiro texto, o personagem chamase Alexandre e retoma uma tradição de outros Alexandres que
remonta aos anos de 1888. Aqui se encontra uma mônada familiar
que se repete por várias gerações, mas também se vê questionada
por este personagem; o sentimento de estranheza ganha realce
nesse contexto: o prazer de viver entre outros anônimos, a
liberdade de se saber livre de um imperativo familiar, a enorme
satisfação de “não possuir o pouso de que se orgulhassem”.
O nome Alexandre também remete, em silêncio, à sina do
Alexandre Magno, uma das personalidades mais fascinantes da
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história. Por ter sido responsável pela construção de um dos
maiores impérios que já existiram, foi reconhecido por sua
inteligência e por ser um homem com qualidades excepcionais
que possibilitaram a ele o trono, o lugar de rei da Macedônia com
apenas vinte anos de idade. Era um personagem bélico, temido
por todos, mas também se notabilizava pelo seu repertório de
leituras, trazido de sua sólida formação graças às aulas que teve
com seu mestre Aristóteles. O conto de Judith refere-se
alusivamente a esse personagem histórico em processo de
questionamento. O personagem do conto judithiano não queria
ser um grande homem, pois guardava a vontade de sentir-se livre
desse mito: “Ele existia antes de qualquer cálculo ou premonição,
errante, erradio e fixo”.
A imagem do corte é eficaz e caro à literatura e, nesse contexto, o
personagem nasce como homem-lâmina. Com a morte do último
Alexandre, outros deixariam de existir, e uma herança seria cortada
finalmente: “uma tradição de um século desde o tataravô, que chegara
aos vinte e um anos, e aos vinte e dois vira nascer o bisavô, que aos
vinte e dois vira nascer o avô, que aos vinte e dois vira nascer o pai,
que aos vinte e dois o vira nascer, a ele, ao filho, assim se julgava
para sempre, nada vira nascer, um filho se sentia”. Este Alexandre
era “incondicionalmente o (ir)responsável pelo brusco corte”.
A metáfora do homem-lâmina pode ser associada à imagem de
uma faca só lâmina, inspirada na poética de João Cabral de Melo
Neto. A palavra, quando pronunciada, corta a realidade e, ao mesmo
tempo, desnuda seu emissor: é difícil usar uma faca sem cabo sem
se ferir; analogamente, é impossível usar um discurso e não
denunciar a si mesmo no manuseio das palavras; impossível não
revelar seu elenco de valores nas linhas e períodos de um texto.
Também a metáfora do corte remonta à ideia de ruptura de um
fluxo contínuo para instaurar outro tipo de fluxo: o descontínuo,
o do peregrino em terra estranha, pois “deixaria os sótãos e clãs
familiares em troca de uma vida mais invisível e seu corpo seria
uma denúncia disso: Dir-se-ia que iria tornar-se invisível, era assim
que estrito se sentia, outra coisa não desejando”.
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A questão exposta na literatura por Judith Grossmann faz
refletir sobre paradigmas de comportamentos sociais, mas
também remete ao fazer literário: não ter filhos passa a ser um
gesto crítico de valores e também de afirmação de liberdade:
“apenas limitar-se a existir”. O problema da herança é posto sobre
a mesa: “de que amanhã está se falando?” Este é um ponto de
partida para se pensar o crepúsculo de gerações que se anuncia
com o corte desse Alexandre, fruto de uma travessia histórica,
cujo inventário do peregrino constitui-se na travessia por bares a
lanchonetes, por tardes e dias guardados em sua efemeridade.
Sim, parece que este é também um item abordado por Judith no
tema do périplo de Alexandre e do fazer literário: a angústia diante
do efêmero. Freud, no ensaio “Sobre a transitoriedade”, trata deste
tema tão bem abordado por Grossmann. Segundo a leitura
freudiana, “a propensão de tudo que é belo e perfeito à decadência
pode dar margem a dois impulsos diferentes na mente, um leva ao
penoso desalento sentido pelo jovem poeta, ao passo que outro
conduz à rebelião pelo fato consumado” (FREUD, 1996, p. 317).
Se o corpo humano é uma máquina de cálculos e repetições
conscientes e inconscientes, se no conto o “Ano de centenário”
representa também o marco de uma matemática que é
interrompida, emerge o problema do incalculável e da alteridade
que não pode ser pensada de forma inseparável da ideia de finitude
e de um limite dado ao poder e à escrita. Aqui podemos cruzar
várias vozes que se encontram para pensar o valor do finito como
marco de uma modernidade e da literatura, de que Jorge Luis
Borges será um grande exemplo. Se a biologia e a linguística
surgiram como sintomas de um pensamento que se debruça sobre
o limite da vida e da linguagem, também há uma literatura que
toma isso como mote de sua escrita e faz da efemeridade condição
necessária para se afirmar o homem e seu poder de invenção.
O homem-lâmina é uma expressão dessa ideia de uma vida
que se afirma no efêmero e que se alimenta do sumo dos dias e
dos acontecimentos, naquilo que excede o previsível. Assim, o
Alexandre descrito por Judith abre mão do mito para humanizar 183
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se, é o homem que abandona o cálculo familiar para se dar a uma
economia do desejo que prevê o cotidiano e o inusitado trazido
pela contingência do acaso. A escritora deixa a perspectiva de
abordagem do personagem baseada no crivo do transcendental
para colocá-lo na ordem de outra necessidade: o de ser livre de
uma ordem familiar e do mito, o de não ser o Grande Alexandre,
pois se trata do homem que não quer mais ser notável, nem
universal, mas apenas um sujeito comum, distante de uma
soberania territorial, peregrino de um espaço em transição e
transitório, como convém a um errante de si e das horas, com
certa experiência de comunhão com todos: “Todos o olhariam e
não veriam nada. Contava trinta e três anos, pelo seu corpo
franzino e espigado não lhe saberiam determinar a idade, nem
para mais, nem para menos. Sua roupa e calçado eram de uma
neutralidade absoluta, a simples camisa, a calça comum, o sapato
de amarrar. Dir-se-ia que iria tornar-se invisível, era assim que
estrito se sentia, outra coisa não desejando”.
Este é um problema que se coloca na literatura de Judith e
acaba por ser um tema de ordem política: o que é ser um sujeito
livre e de que forma a invisibilidade pode trazer, paradoxalmente,
o exercício de liberdade, numa escrita que se faz anônima e, por
isso mesmo, tão próxima a cada sujeito que a lê? Uma escrita desengajada no sentido de uma lógica didática e de pedagogia do
olhar, adversa da perspectiva funcionalista da arte e do social,
distante de toda e qualquer soberania do discurso, portanto uma
escrita que advém por ser crítica dos determinismos sociais e de
enquadramento histórico, pois apresenta um personagem que se
faz lâmina para se mostrar em puro devir, um vir a ser “como
perfeito amante, apaixonado de signos, quer comboios, quer
passarelas, quer castiçais” (GROSSMANN, 2000, p. 50).
Assim, há neste conto “Ano de Centenário” a reflexão política
sobre a alteridade, que exige uma quebra, uma análise de padrões
que oprimem o homem imerso no aparato servil de uma práxis
de trabalho, de um código social e familiar que sacrifica
completamente a existência humana. A herança que Alexandre
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deixa é a do corte, é a de ser infiel a um destino já posto, a de
ultrapassar o dogmatismo alicerçado sobre inúmeras famílias. A
questão é como optar pela vida sem conservá-la, um personagem
que abre mão das nostalgias e do culto à lembrança como força
crítica de valores: como pensar a vida pela herança deixada pelo
passado, e como trazer as heranças invisíveis que Alexandre,
personagem de Judith, convida-nos a pensar. A interrupção de
todos os Alexandres familiares, pertencente ao campo dos
possíveis, da genética, do mesmo, dá-se para a emergência de um
outro Alexandre anônimo, radicalmente diferente, irredutível e
invisível, imerso no “o todo-outro ou a morte” (DERRIDA, 2004,
p. 56). Parece que o conto de Grossmann traz esta possibilidade
de crítica, como se o Alexandre operasse ainda por uma lógica
excludente entre o máximo de visibilidade, contrapondo-se à
invisibilidade, o mesmo Alexandre familiar, à definição de um
suposto outro que se aproxima da morte.
O conto leva-nos a interrogar sobre a certeza injustificável de
um mundo apreensível do qual estariam presentes todos numa
malha social e simbólica, que acabaria sendo um apoio para as
verdades e interpretações legitimadas. Ao seguir a ordem do
cálculo familiar em que a cada 22 anos nasceria um Alexandre, as
perspectivas já se tornariam previsíveis e comuns, como fatos
incorporados à gênese daquela história do nome, como se ali já
residisse uma biografia visível, que tem já a sua verdade como
condição de existência, numa relação de dependência entre
sujeitos e signos inscritos em cada corpo que nasce. Alexandre
interroga, portanto, essas certezas ditas naturais, assente na
visibilidade de um nome, no sentido de sua permanência, que
impede de deixar o homem só no mundo com seus pensamentos
e entregue à própria arte. Alexandre questiona um nome que
guarda uma história de troca de experiência e de poder que, de
fato, não seria uma solução para dar conta de si, das ideias e das
ações praticadas cotidianamente.
O sentimento de solidariedade entre os Alexandres familiares
seria forjado, produto de uma socialização familiar que se torna
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opressora, quase como uma pergunta que reboa para outros
arredores: o que é ser um Alexandre e, no seu sentido expandido,
o que pensa o homem de si que o faz tão especial para os outros?
“Em circunstâncias adversas não se transformaria o homem em
um macaco? Ou no macaco do homem?” (p. 54). Alexandre traz
uma tensão entre o desejo de autocriação e, ao mesmo tempo, a
impossibilidade de fugir completamente da história que seu nome
carrega, quando as palavras guardam, nas suas relações de poder,
quase um duelo entre o público e o privado. Refiro-me a uma
tradição de autores a que também Judith Grossmann se filia;
especialmente a Proust, cuja literatura valoriza uma vida
autocriada, que interpela as dicotomias entre o público e o privado.
A vertente do público e do privado vem sendo uma questão
cada vez mais presente em debates acadêmicos e, ao mesmo
tempo, em obras literárias. Lê-se, na tradição filosófica ocidental,
que remonta desde Platão, seguindo por outros pensadores da
vida política, a tentativa de fundir o público e o privado; um par
que revela não só o gosto pelas antinomias, mas permite
desabrochar, ainda hoje, um sério embate de teorias sobre o
sujeito, considerando este eixo analítico.
Alguns buscaram uma teologia, fazendo do homem um
instrumento altruísta de comunhão social, com suas leis de
pertencimento e de solidariedade. Outros teóricos, como
Nietzsche, por exemplo, realçam a vontade de poder nos corpos
e suas forças instintivas, melhor seria dizer, libidinais, com as quais
se impede de ver a matéria humana de maneira tão racional e
sujeita ao controle da razão, seja ela de ordem teológica, seja na
perspectiva de sua relação com o social e com a heráldica familiar.
Dessa maneira, os ideais que fazem do sujeito o fulcro da união
entre o público e o privado, respectivamente entre o social e o
familiar, mostram-se tímidos para permitir o abraço com os
princípios de solidariedade.
Assim, no cerne do conto de Judith Grossmann, o debate
entre o público e o privado vem rever paradigmas que alicerçam
conceitos como “natureza humana” ou se despedem de eixos
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analíticos dos “eus profundos”, pensando as elipses dos
movimentos, os esquecimentos dos álbuns de retratos da família,
as névoas que nublam o sentido sempre lógico das razões que
movem uma ação dita humana. Na travessia do personagem
Alexandre, a questão, portanto, é rever a clivagem do corpo
público e privado, não para produzir uma fusão à mercê do jogo
político já cartografado entre o visível e o invisível, mas pensar
justamente as fronteiras, o que significa habitar uma cidade, um
país em que as tensões sociais invadem casas e instituições,
impedindo que a noção de bem comum se instale como definitiva
e facilmente negociável, pois a questão é como se dão os núcleos
de persistência do mesmo, dos hábitos arraigados nas formas de
conduzir vidas e sociedades e, ao mesmo tempo, entender a quebra
dessa paralisia com a emergência do périplo de Alexandre: “Era
um homem livre, ex-escravo, que muito bem saberia fazer coincidir
o término dos seus recursos com a sua morte”.
É nesse enfoque que surge a importância de se refletir sobre a
estetização do cotidiano, a história humana autocriada em práticas
artísticas e de deslocamento de conceitos e nomes que permitam
às vidas de sujeitos diferenciados chegarem a produzir outros
valores com os quais se põem em crise os modelos de hegemonia
de gostos, de paradigmas de comportamento e façam emergir
diferenças e autonomias. Para tanto, pede-se a revisão de um
glossário familiar, impulsionado pela roda de generalidades em
que situa o léxico social e o nome Alexandre.
Para expandir a questão das relações familiares, o conto “As
tranças de Charlienne” enfoca também este tema. A metáfora do
cabelo trançado traz um imperativo de um pai que não aceitava
ver a filha com os cabelos cortados, nem que esta os mantivesse
despenteados. Diferentemente, a imagem especular da mãe
contrapõe-se ao desejo do pai: é retratada como uma mulher de
cabelos desordenados, livres “encapelados como o mar e o voo
de certas aves”.
A filha ficava nesse triângulo cuja trança seria desfiada em
solidão, na imagem de liberdade dos cabelos da mãe e nas medidas
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disciplinares do pai, cuja companhia também estimava. Mas era,
sobretudo, no quarto da mãe, naquele espaço de intimidade, que
Charlienne mais se encontrava, pelo fato de o cômodo guardar
um tom de diferença em relação ao resto da casa, uma alcova da
leitura. Nesse caso, a mãe era aquela que “estudara, sabia e lhe
passava como alimenta a um cavalo. Alambique, açúcar, atafona...
eram as chaves para as mil e umas noites.”
A disposição do quarto de leitura, também intitulado de quarto
do nada, traz uma simplicidade na sua forma descritiva numa
espécie de caracterização por contraste pela riqueza de signos
associada àquele lugar: apenas uma cadeira de balanço, um
banquinho onde Charlienne sentava para ouvir as histórias da
mãe, um divã verde de cabeceira regulável próximo a um armário
de livros com portas de vidro, onde se encontravam as obras
completas de Machado de Assis, mas havia, metaforicamente,
uma janela que se abria para o mundo de onde se avistavam árvores
que marcariam as páginas da memória daquela filha. O sorriso da
mãe, ao fim de cada leitura, era seguido do diálogo com a filha
numa linguagem sempre renovada, mistura de prazer e de
entendimento entre as duas, e Charlienne então fotografava na
memória os cabelos soltos da mãe, num espaço e tempo que
excederiam aquela alcova.
Judith Grossmann traz outro conceito de maternidade e,
diferentemente do conto anterior, despede-se da mônada familiar
opressora: estamos distantes de um campo em que a mãe não é
uma figura centralizadora e mitificada, mas se oferece no
desabrochar de outras possibilidades para Charlienne, que, mesmo
com os cabelos presos, aprende uma maneira de sentir-se livre
via o fazer literário O conto abre espaço para que se pergunte o
que se chama de família, o que há de inalterável no decorrer de
sua história marcada pelo laço da procriação. Aqui podemos
dizer que Judith faz uma distinção entre criar e procriar: a
procriação não leva necessariamente à criação, mas a uma
perpetuação de valores e lugares de poder; mas a criação definese de maneira diversa e, na reescrita de si, imprime imaginários
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insuspeitados e faz do homem um filho do mundo: cada um
com seu nome secreto.
Charlienne “não seria dessas que sofreriam as dores do parto”
(p. 63). Assim como Alexandre do conto “Ano de centenário”,
Charlienne não queria ter filhos: “Mas se por acaso viesse a ter
algum, onde acharia a aceitação que tanto precisava? Iria discutir
com o filho como o pai com a mãe? Ou a negaria ele próprio,
interrogando-a, você é que é minha mãe?” (p. 62). Ela ficava entre
o imaginário da mãe e as metas do pai, mas, um dia, soube que
teria de escrever para ter acesso ao mundo da mãe, para “roubar o
coração”. A escrita era a senha de acesso ao mundo materno, de
seus cabelos soltos. A mãe dizia-lhe que se quisesse realmente
agradá-la teria de “juntar duas sensibilidades, a de Machado e a de
Tchekhov”. Assim vai se desenhando o destino de Charlienne rumo
ao ofício de escritora, quando filha e mãe brincavam de palavras.
O sentido manifesta-se na relação entre os textos e não apenas
em um texto isoladamente, como uma entidade fechada em si
mesma. Assim, há também nesse segundo conto a temática do
corte: “para completar o processo, seu projeto era o de cortar os
cabelos de fato, como arranca alguém um fruto de uma árvore.
Entraria destemida no barbeiro do pai e com uma palavra
resolveria tudo. Corte”. E mesmo com o pedido da tia para que
lhe doasse as tranças, ela não sabia ao certo o que fazer com elas
e talvez as guardasse junto aos pertences dos avós. Há, assim, em
Judith Grossmann, a emergência de uma criação atrelada à ideia
de corte e violência em relação ao processo da escrita.
A personagem Charlienne, assim como Alexandre, reivindica
que se abandonem as circunstâncias herdadas para se criarem as
próprias contingências ou heranças, recriando as palavras mesmo
que a partir de outras já usufruídas: assim “o livro onde tudo já
estava escrito ficou de lado”. E Charlienne também estava aberta
para o incalculável da cena, para alguma forma de liberdade: fazer
da escolha uma forma de inventar o seu destino, tomando-o como
seu, reinventando mesmo aquele que venha a ser um filho ou
uma palavra, uma história ou um nome.
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Talvez, Charlienne tenha algo a ensinar a Alexandre, pois se
este se destina, na radicalidade de sua diferença, à morte, ela
engravida. No desfecho do conto, no final da tarde, a personagem
escapou para dar uma volta de bicicleta: “Entre terror e gozo,
penetrou no parque. Sentiu que mais de um a derrubara com
violência da bicicleta. As tranças haviam sido podadas. Fluidos
da tia. Apalpou-se. Não estava o colete. Não viu a bicicleta.
Permaneceu sentada com as pernas ainda abertas, para o que
quer que fosse a penetrasse mais fundo, envenenando-a de uma
vez por todas, no contrariamento das ordens do pai.” No meio
do jardim, povoado de frutas e flores, Charlienne mostrava-se
grávida, se não fosse de um filho convencional, seria outra prole
de livros à Machado de Assis, cuja obra habitava o armário da
casa materna. “Ora, deixaria que por si mesmos descobrissem
como um fenômeno outro, sem que jamais abrisse a boca.
Também servem os que apenas esperam? Estava esperando”. Sim,
os cabelos foram cortados, mas não a vida!
REFERÊNCIAS
DERRIDA, Jaques e ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanhã:
diálogos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
FREUD, Sigmund. Sobre a transitoriedade. In: Obras psicológicas
compeltas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XIV. p. 317-319.
GROSSMANN, Judith. Pátria de histórias. Rio de Janeiro: Imago;
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2000.
RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
Cássia Lopes é cronista, ensaísta e professora adjunta de Teoria da Literatura
do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, docente permanente
do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas/UFBA e do Programa de
Literatura e Cultura do ILUFBA. [email protected]
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Florisvaldo Mattos: poeta
de memórias
Silvério Duque
Manhã de sábado. Rasgo um envelope que me destina o poeta
Florisvaldo Mattos. Seu conteúdo não me é um mistério; sei que ali
se encontra um exemplar de seu livro Poesia Reunida e Inéditos (São
Paulo: Escrituras, 2010), mas isto não quer dizer que descobertas
inumeráveis não se escondem de mim dentre essas páginas.
Abro-o, então. Começo a lê-lo e nada mais parece importar. O
fim de semana ajuda-me no degustar de cada palavra, cada verso,
cada poema, sem que ninguém me interrompa, me atrapalhe ou
me desconcentre. E, graças ao meu acaciano talento para perceber
o óbvio, não demoro a descobrir que estou diante de um poeta
cuja linguagem e ritmo particular fazem dele não só um dos
maiores poetas baianos de sua geração, mas um poeta universal.
Florisvaldo Mattos é abrangente, sua poesia se cobre dos mais
diversos temas, formas e dicções; seus versos, ao mesmo tempo
diretos, sintetizadores, aspirando ao raciocínio filosófico, onde
nada além do necessário se mostra, são também de uma leveza
muito rara e de grande força lírica que, parecem-me, à primeira
vista – como deveriam parecer aos admiradores de outrora –, o
mais puro produto das musas, da magia ou coisa parecida... mas
é irresponsável pensar assim, que uma coisa tão desejada e tão
bem elaborada se realize magicamente. Muito menos depois de
ler seu enigmático A Cabra:
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Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.
Perco-te. Cabra que és já me tortura
guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.
Máquina e jarro. Luar contraditório
sobre lajedo o casco azul polindo,
dominas suave clima em promontório;
cabra, o capim ao sonho preferindo.
Sulca-me, perdurando nos ouvidos,
laborada em marfim – luz e presença
de reinos pastoris antes servidos – ,
teu pêlo, residência da ternura,
onde fulguras na manhã suspensa:
flor animal, sonora arquitetura.
Não se espera de um poeta que produz versos desta qualidade
nada menos que a severa vontade de prover seus melhores meios
de execução, e provê-los bem. Florisvaldo sabe disso, sabe que o
prazer estético é também um prazer da razão e que a lei da mais
pura e verdadeira arte é a lei do Ne quid nimis, como afirmara
Ortega y Gasset, por isso mesmo sua lírica se apoia numa
distribuição mística, mas sem perder as rédeas da razão e das
formas que lhe ajudarão em seu próprio entendimento, de
maneiras a que se associam unidades de sentido de natureza
extremamente complexas. Também não é à toa que seus sonetos
são o que de mais forte e verdadeiramente poéticos há em sua
obra, garantindo a ele um lugar que se destina a poucos em nossa
literatura; lugar onde se encontram também colegas seus de
geração, como Ildásio Tavares, João Carlos Teixeira Gomes e
Maria da Conceição Paranhos (geração, diga-se de passagem, que
sabia o que era poesia, diferentemente a muitos desta atual geração
de ditos “poetas” que não sabem – e nem querem saber –, por
exemplo, a diferença entre Éros e porné, “prostituta”, ou pórnos,
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“prostituído”, “depravado”, e seus derivados, ou seja, daquilo
que se refere à prostituição, à obscenidade, às questões sexuais;
em suma, de forma chula, baixa, o puramente fescenino, e
propositalmente grosseira, muito comuns, como nos alertara
Alexei Bueno, ao universo da poesia satírica e burlesca, a qual,
aliás, nossos “novos” bardos tanto odeiam) e que se juntam a
nomes como Emílio Moura, Carlos Pena Filho, Reynaldo Valinho
Alvarez; aproximando-se, consequentemente, dos melhores: os
excepcionais Jorge de Lima e Bruno Tolentino. Como prova disso,
cito a beleza impregnada de erotismo, presente no soneto Passos e
acenos, como exemplo, inclusive para nossas novas gerações – à
guisa de seu aprendizado:
Nada tens de ave. Fera lúcida, olho
felino (pantera de Rilke entre grades)
nunca indefesa, à espreita. Além dos olhos,
bebo teu corpo, teu cabelo (franja
dos dias) – o mais dardeja. Também és
elástica e macia: braços, pernas
de roliça cogitação. Vais, vens.
De pé, agitas os vaporosos membros,
ao calor da voz que atordoa o vento.
Sentada, as formas se acomodam, urdem
rútilo desenho. É quando, pasmo, ouço
o marulho do sexo, ávido. Bem
que mereço essa onda, ronda de garras
que me acenam, me buscam pela tarde.
A frequência com que a forma fixa, principalmente o soneto,
aparece na obra de Florisvaldo Mattos, só mostra o quanto que o
poeta procura seu entendimento e depuração, porque nenhuma
forma de poema exige um alto nível de concretude e de
pensamento reflexivo como exige o soneto, porque não há maior
propriedade em um soneto que o teor reflexivo, por maior que
seja o lirismo que ele carregue. Escrever um bom soneto não é
fácil. Especialmente um soneto que se queira moderno ou
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contemporâneo, simplesmente. Nenhum movimento, por incrível
que possa parecer, habilitou e reabilitou o soneto como o
Modernismo – e, de lá, até agora. A natureza “moderna”, e, acima
de tudo, a natureza poética dos sonetos, como dos demais poemas
de Florisvaldo Mattos, encontram-se implícitas nas questões
existenciais que ele suscita, metaforizadas, na grande maioria das
vezes, em suas reminiscências.
Minha afirmação, no entanto, não descarta a destreza e
acuidade de sentido que este poeta grapiúna empresta aos seus
poemas livres – que de livres não têm absolutamente nada –,
nem àqueles que flertam com outras formas ou mesmo com a
experimentação lírica – mal necessário, pelo que me parece, a
todos os bardos que viram e viveram os anos 1960 e 1970.
Todavia, é da própria natureza do soneto suprimir o supérfluo
e o substituível em nome da beleza e sua perpetuidade. Assim
sendo, Florisvaldo Mattos pode muito bem buscar aquela
“essencialidade da expressão verbal”, de que fala João Carlos
Teixeira Gomes, na apresentação de Poesia Reunida e Inéditos, sem
se preocupar demasiadamente com labor formalista, nem se
entregar desgraçadamente aos transbordamentos líricos tão
comuns aos nossos poetas, mesmo os que se acham em melhor
prestação.
Se pensar é a maneira pela qual capturamos a realidade por
meio de ideias, como dissera o autor de A Rebelião das Massas, o
fazer poético é sem dúvidas uma maneira de construir realidades;
o perseguir da verdade não pertence àqueles que fazem versos,
se, ao fazê-los, criam ou recriam, os poetas, suas próprias verdades,
seus próprios mundos para contê-los, para carregá-los...
Florisvaldo sabe que um grande poeta precisa de tradição, precisa
trazê-las consigo, expô-las, resumi-las, fazer com que se façam
presentes em sua obra para, daí, esculpir o novo, o moderno, as
formas renovadas de uma força e de uma essência que são sempre
as mesmas ou estão sempre retornando ou se renovando, porque,
diga-se de passagem, a poesia sempre foi, no melhor sentido do
termo, cópia, roubo, apropriação indevida de cabedais, imitação
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– como já afirmava o bom e velho Aristóteles – de Homero a
Alberto da Cunha Melo, ou de Hesíodo a Guimarães Rosa é assim,
e a transubstanciação do mundo físico para um mundo de
subjetividades – que é, também, cópia – como bem nos alertou
João Carlos Teixeira Gomes, não se faz valer com tanta perfeição
em outras formas de arte como se fez através da poesia; e poucos
são os poetas que a fazem como realmente precisa ser feita. A
consciência do poeta a respeito de seu papel no mundo, de sua
missão – pois sem missão não há poeta – é o passo mais
importante à maturidade tanto do homem quanto de sua obra, e
eu pude constatar que de Rio Remoto (primeiro poema, da primeira
página, de seu primeiro livro) a Caminhos (até então, seus
derradeiros versos) evidentemente (os títulos estão aí para provar
que eu não estou mentindo) nos apresentam uma ideia de
continuidade, de amadurecimento e de realização; estão aí para
revelar a qualquer um dotado da mínima inteligência e
sensibilidade estética que, ao grande poeta, há sempre uma busca
incansável, graças a Deus, pela realização.
E, pelo que muito li, entendi, gostei e tomei para mim mesmo,
vejo que Florisvaldo Mattos não se utiliza de maior recurso rumo
ao seu crescimento poético que não o da Memória. Não importa
se esta memória é puramente pessoal – como no soneto Água Preta
– ou, quiçá, histórica – como nos épicos versos de A domação das
pedras; se, a ele, pertence ou se emprestada de outros poetas e
vultos, como em poemas como O Tempo, o Lugar ou Duas Almas.
A memória funciona como o meio mais preciso de emulação
para que o poeta se atente ao tempo, compreenda-o, poetize-o e
dele se faça livre, como afirmou, no pósfacio de Poesia Reunida e
Inéditos, Alexei Bueno. E assim é, por exemplo, de seu Soneto do
silêncio, de 1954:
Marca o silêncio, todo aroma e exílio,
uma incidência tal, terrena e vaga,
que inviolada ternura a brisa molda
de amadas que se foram sem retorno.
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Da inconstância da neblina salta
quem o olhar esqueceu dentro do rio,
para não ver a sombra de quem ama
retornar ao caminho imprevisível.
Há uma coroa de cantos e astros leves,
sons e rumos previstos que se ocultam
sob o manto de angústia decisiva.
Há mesmo quem não saiba para onde
vai; no entanto sua alma, seu mistério,
no silêncio extra-humano deposita.
ao soneto Tempo Belo, de 2007, pertencente ao livro Decifração de
Cristais:
Logo, fecho o caixão e fecho o tempo
das almas arbitrárias que vivi.
Amante e amado fui e conheci
a dor que é de meu tempo passatempo.
Rebenta, alma insensata, o teu passado
e vai por outras dores comezinhas;
segue por tua senda, a que caminhas,
rio em que tua margem é o outro lado.
Estás ausente em ti para o meu gesto,
simples estado neutro de passar,
de olhar, sentir e perceber funesto
e súbito negar da primavera,
mais que breve e raro, cumprimentar
o prazer de passar que a vida era.
e, entre um e outro, o belo exemplo de um soneto intitulado de
Cegonhas em Trujilho:
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Para sempre serás pranto e ruínas
guardadas pelas aves coniventes
que do inverno se lançam repentinas
a colher o que resta das sementes.
Mas ocultas o cerne entre resinas
de remoto sumir que já não sentes,
se o tempo desafias, se ruminas
o passado das coisas decadentes.
Antes que a fome das sagradas aves
a memória corrompa dos espelhos,
descerras conubial os sítios graves
a cavaleiros que manejam relhos,
flagelando-se em coágulos de ausência
junto aos muros que sangram resistência.
Não tenho medo ou sequer receio de afirmar que toda a poesia
de Florisvaldo Mattos gira em torno da memória, mas não aquela
memória ingênua e confessional de que até Drummond se serviu
demasiadamente, mas duma memória que é também construção,
mundo a pulsar e a se fazer em cada verso do poeta, porque os
acontecimentos vividos são efêmeros, todavia o que é lembrado não
tem limites, perpetua-se, pode mudar ou renova-se, e, pelo que se
pode julgar dos sonetos acima, a memória, necessariamente, não se
precisa explícita ou presente. O homem que recorda se compõe como
ser poético, porque a memória está sempre a criar impressões que
são ela e a não são ao mesmo tempo – palavras de Walter Benjamim.
Se a viagem é o tema mais recorrente na história da Literatura
Universal, é a memória, por sua vez, o mais intenso e o que lhe
renderá uma maior herança de expressões, formas e imagens.
Fragmentário, cheio de falhas, impregnado de coisa passadas e do
que se está vivendo, a memória constitui o principal recurso pelo
qual o homem recorre para conferir significado às coisas, para
reconhecer o que ali está e se constituir como sujeito tanto
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histórico como sujeito de si próprio. Esse poder construtor da
memória, como afirma Henri Bergson, parte da proposição de que
não existe percepção que não esteja impregnada de lembranças, e,
nesse caso, “a nossa vivência do presente torna-se, então, um
acúmulo de detalhes, soma de pormenores vividos que se agarram
às imagens imediatas dos nossos sentidos”, que, tendo afinidade
com o poético, infiltrar-se-á de ambiguidades, sobrepondo-se a
outros sentidos que acabam por deteriorar o anterior.
O mundo refletido na poesia de Florisvaldo Mattos é sempre
um mundo real, um mundo que parece saltar para a vida, ao invés
de se afogar em ideais vazios, de uma simbologia que parece querer
mais fugir às coisas do que a elas servir. Este mergulho que
Florisvaldo faz na realidade é algo comum a todo grande escritor,
e o bardo grapiúna não me parece uma exceção a esta regra. É
preciso, todavia, lembrar que a grande obra poética é resultado
das somas entre as generalidades abstratas do pensamento e a
realidade concreta do mundo.
Se Florisvaldo Mattos ficasse apenas numa destas coisas,
sua obra estaria longe de ser considerada uma forma de arte;
como consegue unir estas duas variantes em um mesmo
processo e num resultado consistente, que se faz através da
memória, é poeta.
Por fim, é nesse território de instabilidade, em que os saberes
mais diversos consagram o que se chama conhecimento humano,
que se ergue uma poesia tão agraciada pela beleza e pelo amor à
verdade... poesia que as gerações mais contemporâneas, inclusive
as daqui, na Bahia, se desacostumaram a ver e por isso mesmo a
apreciar; mas comum aos grandes poetas; e presentes nos versos
de Florisvaldo Mattos.
Candeias/Feira de Santana, setembro de 2011.
Silvério Duque é professor (licenciado em Letras pela Universidade Estadual
de Feira de Santana) e poeta, autor de A pele de Esaú (Via Litterarum, 2010) e
Ciranda de Sombras (É Realizações, 2011).
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A vida da lembrança:
Zélia Gattai Amado
Antonella Rita Roscilli
L embrar de Zélia Gattai é lembrar de uma grande memorialista,
de uma contadora de histórias como ela se definia, de uma grande
mulher ítalo-brasileira que eu tive a honra de ter também como amiga
e cuja obra continuo divulgando na Itália e em qualquer outro lugar
do mundo. Conheci a obra dela há anos quando, em uma biblioteca
em Roma, por acaso olhei o título de um livro: Anarchici grazie a
Dio. O livro foi publicado na Itália em 1983 pela editora Frassinelli
e foi reeditado pela editora Sperling & Kupfer no ano 2000, na
coletânea “Continente desaparecido” dirigida pelo jornalista e
escritor italiano Gianni Miná, grande estudioso da América Latina.
Eu, naquela época, já amava profundamente o Brasil, já
conhecia Jorge Amado, que me encantava através dos livros com
as descrições da Bahia antiga. Mas aquele título me atraiu sem
nem saber quem era a autora. Comecei a ler e mergulhei na leitura.
Junto com a alma menina de Zélia vivi naquelas páginas que
traziam à vida histórias dos italianos partidos no século XIX para
encontrar um mundo melhor.
Foi assim que comecei a me dedicar a Zélia Gattai Amado e a
ouvir as harmonias da sua voz, como se ela mesma estivesse
contando com suas palavras, e não através da escrita. Quando
tive a honra de conhecê-la pessoalmente, pareceu-me encontrar
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uma pessoa já conhecida, verdadeira, alegre, profunda, que
transmite valores com simplicidade e otimismo. Foi por causa
dela que cheguei um dia a Salvador e, a partir daquele ano, eu,
que já viajava pelo Brasil inteiro e voltava à Itália para divulgar a
cultura brasileira através dos meus escritos, não consegui viajar
mais para outras cidades e estados brasileiros. Queria chegar
somente a Salvador, Bahia, para ter o prazer de encontrar de novo
Zélia. Desde então, com grande paixão, me dedico ao estudo e à
divulgação da obra dela.
A ideia de escrever um livro chegou de modo espontâneo.
Zélia de Euá Rodeada de Estrelas, publicado em 2006 pela editora
Casa de Palavra da Fundação Casa de Jorge Amado, foi uma
homenagem aos seus noventa anos.
Por 56 anos Zélia viveu com Jorge Amado, que foi seu marido,
mestre e amor, como sempre costumava dizer. Nascida na terra
do café, em 2 de julho 1916, seguiu com ele para a terra do cacau.
Viveu com ele no exílio na Europa, que os viu unidos na França
e na Tchecoslováquia com os filhos João Jorge e Paloma. Ajudouo na revisão dos seus textos. Mas Zélia brilhava muito por luz
própria, por ser mulher forte, corajosa e cheia de ternura, ao
mesmo tempo que conseguia olhar o lado bom da vida. “Continuo
achando graça nas coisas, gostando cada vez mais das pessoas,
curiosa sobretudo, imune ao vinagre, às amarguras, aos rancores”,
dizia. Apesar disso, a vida também lhe reservou tristezas. Mas
Zélia brilhava por aquela estrela que a protegia e de que sempre
falava a mãe dela Angelina da Col. Aquela estrela estava dentro
de Zélia, aquela estrela era ela mesma!
Toda vez que eu tinha a possibilidade de estar com ela, escutava
sempre suas histórias, simples, alegres ou tristes, mas todas
igualmente importantes e densas de valores. E eu, italiana, a vi
emocionar-se diante do livro ilustrado por Gustavo Doré, La
Divina Commedia di Dante Alighieri. Aquele livro que eu trouxe de
presente para ela da Itália lembrava-lhe a infância, porque fazia
parte da estante da família Gattai, e ela, quando pequena,
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costumava olhar o livro às escondidas, junto com as irmãs. Lembro
que ela leu em voz alta e imponente os versos, e ainda se lembrava
de uma página onde havia uma imagem da qual gostava. Quando a
encontrou riu satisfeita e disse: “Sim, me lembro, é essa a imagem”.
E me mostrou todos os detalhes daquela ilustração de Doré.
Eu, através dela, aprendi provérbios do meu país em dialeto
vêneto e toscano, saboreei pratos desconhecidos da região vêneta,
conheci poesias de um poeta toscano do século XIX que se chama
Renato Fucini, aliás Neri Tanfucio. Hoje na Itália são poucas as
pessoas que conhecem as poesias deste autor, poesias lidas por
Angelina da Col, operária anarquista, poesias que Zélia, com 90
anos, ainda decantava de cor.
Os livros de memórias de Zélia hoje representam um precioso
testemunho de uma época histórica do Brasil, um precioso
testemunho da vida de um grande autor como Jorge Amado,
junto aos 6.000 negativos das fotografias que ela tirou. Mas nos
livros ela vai resgatando também a história da emigração italiana
no Brasil tanto no social como no cultural, nas tradições, na
cozinha. Através dela me encantei com a história da Colônia
Cecilia, conheci o anarquista italiano Oreste Ristori, encontrei
um mundo inteiro. Perguntei na Itália e lá algumas pessoas só
conhecem a história da colônia experimental socialista “Cecilia”
no Brasil porque leram os livros de Zélia Gattai.
As lembranças de Zélia e da família Gattai têm um papel
importante por evidenciar que no final do século XIX os italianos
levavam na mala muitos sonhos e a vontade de participar
socialmente do desenvolvimento do Brasil com o desejo de criar
uma cultura operária. Levavam consigo uma consciência política.
E tudo isso constitui para mim e para muitos italianos um motivo
importantíssimo pelo papel que Zélia tem na reconstrução
memorial da emigração italiana no Brasil.
Zélia Gattai amava se definir sobretudo contadora de histórias.
A arte da palavra, a arte de contar na Antiguidade pertencia
inteiramente aos sábios, e hoje em dia ainda existem países onde
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isso acontece. O escritor moçambicano Mia Couto, em uma
confêrencia proferida na Itália em 30 de maio de 2001, na pública
“Università degli Studi Roma Tre”, pronunciou estas palavras:
No meu país os contadores de histórias mais que autores de histórias
são depositários de sabedoria divina. Quem conta é um interlocutor
que invoca histórias dadas pelas divindades ou pelos antepassados.
Ele abre aquele antigo baú através de uma cerimônia em que pede
permissão para entrar neste universo. Pega a história quase como se
uma pessoa e diz: “Agora você, história, vai para casa”.
Na oralidade a voz acompanha a exposição e revive os tumultos
da alma através dos tons altos e baixos, os sentidos se acendem e
trazem à vida as lembranças. Quando se consegue trasmitir tudo
isso também através da escrita, estamos diante de um momento
excepcional. Zélia Gattai, em várias entrevistas, declarou:
“Quando escrevo sobre o tempo passado volto a sentir
perfumes, vozes, cores. Rio e choro lembrando”. Nas obras dela
a palavra se reveste de magia levando luz a um fio de ouro que
cria maravilhosos desenhos: este fio de ouro chama-se
lembrança. Ela consegue efetuar uma operação mágica na escrita,
botando o sagrado da oralidade no texto. Para conseguir isto abre
um espaço na escrita que permite a um elemento característico
da oralidade de ultrapassar o texto para chegar direto do olho
para o ouvido e o coração do leitor: estou falando da emoção. A
emoção é a voz da alma, a força motriz que faz com que Zélia
retire do seu íntimo os fatos da existência. “Mãe”, pediu um dia
Paloma, “escreva para seus netos aquela história da sua infância
que você sempre conta sobre o disco de Schubert quebrado”.
Zélia escreveu e, quando mostrou a Jorge Amado, ele disse:
Você que foi filha de imigrantes italianos, que viveu tantas coisas
nos primeiros anos do século passado, você tem tanta coisa para
escrever ainda. Mas escreva com a mesma simplicidade com que
escreveu estas quinze páginas. Será um livro escrito com emoção,
de dentro para fora, com o coração.
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Foi assim que ela mergulhou na memória, começou a escrever
e não parou nunca mais. Foram onze livros de memórias, um
romance, uma fotobiografia, três contos infantis.
Zélia conseguia anular as distâncias entre oralidade e escrita
mediando-as, tecendo-as, alternando-as graças à emoção. Criava uma
ponte com o mundo da oralidade, originando a que eu gosto de
definir fonegrafia, do grego foné (voz) e grafia (escrita), a “escrita da
voz”, a capacidade de transmitir todas as caraterísticas ligadas ao
mundo oral. Zélia bebia na fonte da divinidade grega Mnemosyne, a
Memória, filha de Gea e de Urano, mãe das musas que inspiram
poetas e cantores. Para ela, beber na fonte de Mnemosyne significava
colher a essência da criatividade e da saudade para recuperar
momentos do passado significativos do ponto de vista emocional.
É assim que nasce a sacralidade da Vida da Lembrança e voltam
passagens, pessoas, cheiros e cores em um tempo sem tempo,
destinado a nunca se despedir graças à Memória, artífice e
regeneradora de vida na obra de Zélia Gattai para sempre.
NOTAS
O livro Zélia de Euà, Rodeada de Estrelas de Antonella Rita Roscilli é
uma obra na qual o leitor pode desvendar aspectos importantes da
vida e da obra da escritora Zélia Gattai, que desde o momento em que
se projetou na vida cultural brasileira vem fascinando e encantando
seus muitos leitores com a riqueza e a simplicidade de seus relatos. O
livro traz também uma longa entrevista com Zélia, que a autora realizou
na sua viagem à Bahia em 2004, e um apêndice em que relata os
provérbios italianos que, aos 90 anos de idade, decantava de cor. A
supresa vem com o DVD que acompanha a obra em que Zélia lembra
a história da sua familia de emigrantes italianos e diz provérbios em
dialeto vêneto e toscano, traduzidos depois em italiano e português.
Cf.: ROSCILLI, Antonella Rita. Zélia de Euà Rodeada de Estrelas.
Salvador: Casa de Palavras, 2006.
Antonella Rita Roscilli é italiana, jornalista, ensaísta e tradutora, dedica-se à
divulgação das culturas do Brasil e países lusófonos africanos. Colabora em
várias revistas italianas e internacionais. É membro correspondente da ALB.
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Travessia de oceanos
Vozes poéticas da Bretanha e da Bahia
Dominique Stoenesco
Traversée d’Océans / Travessia de Oceanos
Tradução e Organização: Dominique Stoenesco
O intercâmbio cultural e universitário entre a Bretanha e a Bahia
é antigo e fecundo. Esta antologia, cujo lançamento realizou-se
em outubro de 2013, na Universidade Rennes 2, durante o
colóquio internacional sobre Jorge Amado, é um exemplo
ilustrativo disso. Prefaciado pelo poeta Max Alhau – a parte da
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Bretanha – e pela ensaísta Rita Olivieri-Godet – a parte da Bahia –
Traversée d’Océans / Travessia de Oceanos (Paris: Lanore, 2012, edição
bilíngue) apresenta 15 poetas bretões, selecionados por JeanAlbert Guénégan, e 15 poetas baianos, selecionados por Aleilton
Fonseca. Os prefácios e os poemas foram publicados em francês
e em português, e traduzidos por Dominique Stoenesco. A edição
da antologia teve o apoio da Équipe de Recherches Interlangues
“Mémoires, Identités, Territoires” da Universidade de Rennes 2 e do
Institut des Amériques.
Tão diferentes entre si, a Bretanha e a Bahia têm todavia em
comum uma grande tradição poética, caracterizada pelo
imaginário marítimo e pela cultura rural. Nestes territórios, a
poesia se mostra ativa e dinâmica, sempre explorando novas
formas de difundir sua produção. Os quinze poetas bretões e os
quinze poetas baianos escolhidos para esta seleta, embora sejam
contemporâneos, pertencem a diferentes gerações. Através das
palavras e da imaginação, eles apreendem e celebram, cada qual à
sua maneira, diversos aspectos da Bretanha e da Bahia. A partir
dos poemas, os leitores, de ambos os lados do Oceano Atlântico,
poderão descobrir ou redescobrir territórios imaginários que a
paisagem afetiva da poesia consegue aproximar, transformando
o Oceano que os separa fisicamente em um espaço poético
compartilhado.
Cada uma das vozes desse coro bilíngue é singular, e cada
poema, ao mesmo tempo semelhante e diferente em sua escrita,
sonda os enigmas do ser humano, revela e recria o real. Assim, a
maioria dos autores reunidos nesta antologia estabelece sua
singularidade, ao abordar temas seculares da poesia universal,
como o amor, a morte, a condição precária do ser humano, assim
como a reflexão sobre a criação poética.
Dominique Stoenesco é francês, professor de português-língua estrangeira,
ensaísta e tradutor, coedita a revista Latitudes Cahiers Lusophones, dedicada à
divulgação das culturas lusófonas na França. Já publicou diversos artigos e
entrevistas. Desde 2009, é membro correspondente da ALB.
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Vozes poéticas da Bretanha
Max Alhau
Tradução: Dominique Stoenesco
Não serão os poetas os geógrafos da alma? Aqueles que
percorrem um país – pequeno seja ele –, que o capturam com o
olhar, contam a realidade que só a eles lhes pertence? Se o leitor
não conhece a Bretanha, ou mesmo se ela lhe é familiar, leia o
que escrevem estes quinze poetas, observadores de terras tão
diferentes umas das outras, viaje em companhia deles, sem mapa,
e, lentamente, vai adivinhar através das palavras e da imaginação
as paisagens que vão despontando e que vão surgindo no desfiar
dos poemas. Pois o que têm em comum estes poetas, todos
bretões, claro, é um conhecimento perfeito desta região, uma terra
de poemas, como já foi frequentemente mencionado, e todos
desejosos de celebrar a peculiaridade, lembrar o apego à sua
pequena pátria. No entanto, dizer apenas isso reduziria
singularmente o valor destes textos ao mesmo tempo parecidos
e diferentes na forma de escrita.
Com efeito, cada uma das vozes deste coro é singular, cada
uma restitui à sua maneira tal ou tal aspecto de uma Bretanha
onde estes poetas moram, uma Bretanha que eles percorrem e
celebram. Para eles, ser bretão é reivindicar uma pertença física e
espiritual a este solo, é não hesitar em proclamar o orgulho de ser
cidadão de uma terra rude e magnífica. Tal é a voz de Patrice
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Perron, que parece falar em nome de todos os bretões e afirma
em voz alta: “Sou bretão/Minha alma embalada pelas lendas/
Meu corpo cansado de reumatismos/O itinerário da minha vida/
Guiado pela história dos Celtas”. Universo marinho e terrestre,
assim é esta terra, e estes dois aspectos não escapam ao olhar dos
poetas sensíveis a qualquer movimento, a qualquer variação de
cor, de onde quer que ela emane. O mar, antes de tudo, é sem
dúvida o elemento que seduziu, intrigou ou aterrorizou mais que
um visitante. Aqui não há exeção nenhuma na apreensão de um
elemento com simbologias diversas. Assim, Béatrix Balteg
proclama com vigor a fusão que ocorre entre o corpo e o mar:
“o mar que bate nos meus ossos/tem a forma de um pássaro”.
Outro lugar continua a fascinar os poetas: as ilhas, metáforas de
muitos aspectos da existência e dos sentimentos ligados a elas. O
poeta Guénane, que se interroga acerca da ilha, da presença dela
no mundo e da sua relação com o ser humano, pode escrever,
numa bela concisão: “O que te diz a ilha?/Não procures mais/és
tão/infinito/quanto o mar ou mais”. Não saberíamos celebrar
tão bem a lição humana dispensada pela ilha. É portanto
necessário percorrer esta terra composta também de charnecas e
de pedras para desfrutar da sua beleza, e é também necessário,
talvez, como nos convida Louis Bertholom: “No cântico dos
ventos/beber a limonada dos deuses/no cálice dos areais” ou,
seguindo o exemplo de Olivier Cousin, adivinhar que: “A árvore
fala alto e claro a linguagem/ancestral dos gestos bem medidos”
porque, para estes poetas, a presença de uma terra ancestral
constitui uma riqueza à qual não poderiam renunciar. No entanto,
ao ler estes textos, podemos transitar, para melhor desfrutar desta
exploração, do geral ao particular, e assim conhecer as virtudes
de tal ou tal região, de tal ou tal lugar bem preciso. O passeio
torna-se então geográfico. A dimensão cósmica de Carnac e dos
seus alinhamentos é restituída por Marie-Josée Christien, que vê
estes “Círculos de pedras cercadas pela fuga dispersa das nuvens
escurecendo o céu”. E também outros poetas são sensíveis às
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ilhas que pontuam a orla: Jean-Claude Tardif convida o leitor a
segui-lo no seu percurso e, a propósito da ilha de Bréhat, ele é
sensível ao “seu azul maltratando o cor-de-rosa ao pé do farol do
Paon”, enquanto que Jean-Albert Guénégan conhece as virtudes
de Ouessant, propícias à metamorfose: “sopro que reaprendo,
pálpebras pousadas no longínquo, afronta ao meu novo ser”. Mas
a terra e as charnecas estão sempre presentes convidando-nos à
reflexão. E os poetas, que também são exploradores, sabem
desvendar a particularidade de cada uma destas terras. Os Montes
de Arrée oferecem este aspecto selvagem que René Guyomard
pincela com acerto: “Nuvens pesadas abafam o caminhar das
cristas e o novelo das névoas tece a mortalha das horas”, em
sintonia com Gilles Baudry, mais inclinado ao devaneio, à “saudade
das grandes partidas”.
Convém, portanto, ler os poemas destes quinze autores para
entrar na Bretanha, para percorrer com eles estas paisagens cujas
cores oscilam em função da luz que as acaricia, mas também para
compreender, talvez, o que representa para eles esta terra, a deles,
que ora celebram através de um tímido poema lírico, ora através
de uma escrita simples, mas que nem por isso deixa de ser uma
prova inferior de um profundo apego. Terra de contrastes, tal é a
Bretanha, e assim são estes poetas apegados à sua terra por um
forte sentimento que poderíamos chamar amor se o termo não
fosse tão comum. E se Hélène Cadou escreve: “as palavras são
brancas/na minha terra”, compreendamos que estas palavras de
sal, mas também de tinta, estão aqui para nos dizer que a Bretanha
nunca deixa de estar presente. E esta antologia não é, como
podemos observar, a mínima forma de a abordar e de a visitar
serenamente.
_________
Max Alhau é francês (Paris, 1936), poeta e ficcionista, participa de várias
revistas, e divulgou diversos poetas espanhóis e latino-americanos na França.
Publicou vários livros, como: Du bleu dans la mémoire (2010, poesia), Aperçus –
Lieux – Traces (2012, poesia), e Ailleurs et même plus loin (2012, contos).
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Vozes poéticas da Bahia
Rita Olivieri-Godet
Para inaugurar um diálogo entre culturas diversas a palavra
poética é um lugar privilegiado. A Bretanha e a Bahia
compartilham o fato de serem territórios de beleza incomum que
deram origem a uma grande tradição poética, marcada pelo
imaginário marítimo e pelas singularidades da cultura do campo.
Nesses territórios, a poesia se faz presente de maneira viva e
dinâmica, não hesitando em explorar novas formas de difusão e
de veiculação de sua produção nos tempos globalizados da
contemporaneidade. Esta antologia bilíngue contribui para manter
a vitalidade dessa tradição, ao tomar a linguagem poética como
mediadora da interação entre espaços geográficos e culturais
distintos. Dos dois lados do Atlântico, poetas repetem incansáveis
o mesmo gesto ancestral de refundar a linguagem para desvelar e
recriar o real, buscando sondar os enigmas do ser humano : “Pela
palavra o homem é uma metáfora dele mesmo”, escreve o poeta
mexicano Octavio Paz.
Em alguns textos dos quinze poetas baianos selecionados, que
embora contemporâneos pertencem a gerações diversas, podese observar uma construção estética da paisagem. Nota-se que,
para além das representações da paisagem, no sentido geográfico,
as relações tecidas entre paisagens e afetos exploram uma “ego 211
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geografia”, no dizer de Daniel-Henry Pageaux, “uma escrita
espacializada de um eu”. Múltiplas metáforas marítimas desenham
o contorno da intimidade amorosa e existencial, como no belo
“Soneto da alvorada”, de Florisvaldo Mattos que canta a plenitude
erótica “[...] Do mar que sondas,/resistindo na praia abandonada,/
alvorecem cavalos sobre as ondas”, ou nos poemas de Helena
Parente Cunha, “Arco da ponte” e “Sob o sono” – texto que
interroga a dimensão ilimitada do sentimento de incompletude
humana, tomando o mar como cenário da alma : “quantas naus à
espera de portos/além do mar que espreitamos/e de outros que
nunca soubemos”.
Entre os textos que evocam cidades, dois poemas antológicos
se destacam, dedicados à cidade de Salvador da Bahia, objeto de
homenagens em verso e prosa. O primeiro, “A Cidade”, de autoria
da consagrada poeta Myriam Fraga, recusa o lirismo retórico para,
através de um processo rigoroso de elaboração da linguagem,
criar imagens poéticas originais que delineam a alma e a memória
da cidade ao tempo em que evocam sua conformação topológica:
“Foi plantada no mar/E entre corais se levanta./O salitre é seu
ar,/Sua coroa, sua trança/de salsugem,/Seu vestido de ametista,/
Seu manto de sal/E musgo.” Seus poemas, de rara qualidade
estética, alia composição formal e sensibilidade, inserindo-se numa
vertente da poesia brasileira que faz confluir consciência poética
e dimensão social. “Salvadolores” de Fernando da Rocha Peres –
outro grande poeta dessa terra de poetas – opta por um tom
confessional e nostálgico para evocar formas de habitabilidade
do quotidiano da cidade que se perderam no tempo, num processo
de construção da espacialização da experiência afetiva. Toma
como ponto de partida a memória individual da infância do eu
poético, entrelaçando-a com a memória da história coletiva:
“Salvadolores que não é feita, nem se faz,/mas se desfaz, pois os
homens que se metem/e a descoram e desfiguram, sempre/
transmudam a dita, de Luís Dias, há muito,/em lodaçal de
problemas e marinas.”
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A maior parte dos poemas dos autores baianos incluídos nesta
antologia constroem a íntima singularidade do seu universo
poético debruçando-se sobre temas multisseculares da poesia
universal: o amor, a morte, a condição precária do ser humano, a
reflexão sobre o fazer poético constituem os temas mais visitados.
Todo poema inscreve-se como uma réplica no diálogo ancestral
que a poesia trava através do tempo, revelando e desnudando,
através de sua linguagem imprevisível, a relação do homem com
o mundo, num movimento de incessante renovação. É próprio
da poesia as infinitas possibilidades de dizer esses temas. Cada
território imaginário, projetado nos textos aqui reunidos, dá o
testemunho dessa profícua diversidade.
Vários poemas evocam as múltiplas matizes do amor.
Aludimos a dois movimentos extremos no tratamento do tema
que nos remetem aos impulsos complexos e contraditórios de
um sentimento “tão contrário a si”, como tão bem o (in) definiu
Camões, um dos seus maiores exegetas. Uma das vertentes elabora
a expressão eufórica da plenitude erótica em poemas como o já
referido “Soneto da alvorada” de Florisvaldo Mattos e “Céus de
agosto” de Washington Queiroz cujos versos finais reproduzimos:
“em tua paisagem adunca, adula, pede/pele, luar, tato e toque:/
bote para o enlace. Encaixe:/bramidos ecoam na planície./Tudo
se queda./Crianças planam à beira do mar”. No lugar do canto
elegíaco aos prazeres do corpo e ao sentimento de completude
que o ato amoroso, apesar de efêmero, proporciona, outros textos,
integram a dimensão erótica, conjugando amor, dor e perda, num
moto contínuo em que o amor, tal Fênix, renasce das próprias
cinzas. A perfeita arquitetura sonora do soneto “Campo de Eros”,
de Ruy Espinheira Filho, evoca a natureza contraditória do amor,
que a potência emotiva da imagem final, bela e comovente, eleva
ao paroxismo : “[...] E amor, amor, amor/por toda parte trucidado
e em flor.” Num outro momento, em “Poema de novembro”,
Ruy Espinheira Filho estabelece conexões entre imagens do amor
e da morte, esquadrinhando, em tons baudelairianos, as
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lembranças do amor perdido que sobrevivem na memória até
que a morte, destino inexorável, tudo destrua, definitivamente:
“A morte/que mata todas as mortes,/sepulta/para sempre/todos
os mortos. Como/este, cadáver de amor/que me perfuma.” A
ligação estreita entre amor e morte é uma das facetas privilegiadas
pelo poeta para sondar os mistérios da existência. A evocação da
morte relacionada ao tema da passagem inexorável do tempo e
da precariedade da condição humana constitui uma temática
recorrente na produção dos poetas baianos, como podemos
observar na vocação metafísica da poesia de Antônio Brasileiro:
“Um dia o mundo inteiro vai ser memória […]”, escreve Antônio
Brasileiro no poema “Das coisas memoráveis”, para concluir com
versos que remetem ao paradoxo entre o caráter efêmero do
humano e perene da arte : “Eu, sentado aqui,/serei só estes versos
que dizem haver um eu/sentado aqui.” A poesia contra a morte,
escrever para domar a morte, para permanecer, num ato insano
que encontra sua fundamentação no desejo vão de exorcizá-la,
pela iluminação da palavra poética: “Mas justo porque o mundo
é mesmo imenso/e imensa é a alma,/eis que escrevo e escrevo e
escrevo e escrevo./Por certo, para nada. Sim. Por certo, para nada”
(“Rutilância”).
Acionando a memória individual para explorar poeticamente
as reminiscências do passado, a subjetividade da persona lírica
testemunha dolorosamente, em “Os retratos”, de Myriam Fraga,
que “tudo que foi aqui está enterrado”, enquanto em
“Cronologia”, de Fernando da Rocha Peres, a voz poética alude
à brevidade da vida e recorda o percurso da infância à idade adulta,
fazendo-o coincidir com o da perda das ilusões “em alameda que
não tem saída”. Registro disfórico semelhante encontramos nos
sonetos de Luís Antonio Cajazeira Ramos, que se constroem em
torno da consciência solitária do ser: “Acresce a tantas faltas a
mais certa :/o fim da solidão. Pois quando fores/seguir a todos
mais, nenhum alerta:/a tua dor maior são essas flores/sorrindo
sobre a tumba sempre aberta” (“Soneto do abandono”). O
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sentimento de impotência diante da solidão manifesta-se no
percurso intimista de sondagem existencial que o sujeito lírico
inaugura nos seus poemas. É o caso de textos poéticos de Cajazeira
Ramos que assumem claramente o diálogo com as vozes mais
expressivas da vertente introspectiva da literatura de língua
portuguesa, Fernando Pessoa, no soneto “O poeta em mim”,
Clarice Lispector, no poema “Spector”: “Clarice, se eu fosse eu
não faz sentido./É como se eu pudesse ser alguém./Pois nem
ser eu sei ser, quanto mais quem/houvesse além de si haver
havido.”
O eco da longa tradição da poesia portuguesa no tratamento
do tema do desdobramento do eu – dos versos renascentistas de
Bernardim Ribeiro (“De mim sou feito alheio”) e Sá de Miranda
(“Comigo me desavim”) à modernidade do magistral Fernando
Pessoa (“Não sei quem me sonho”) – ressoa, igualmente, na
produção de Roberval Pereyr. O que está em jogo na sua poesia
são as múltiplas máscaras que habitam dilaceradamente o sujeito
lírico: “A minha luta é banir-me/a partir mesmo dos ossos/da
ossatura dos sonhos/com seus remorsos, rebanhos/de feras
subtonadas” (“Ofício”). O ponto fulcral da poesia de Roberval
Pereyr está assentado numa consciência em crise em busca do
conhecimento de si e do mundo. O fazer poético desdobra-se
numa perquisição obsessiva, explorando a intimidade intraduzível
do eu em composições de “Quadros oníricos”. Por esse caminho,
realiza a inscrição do sujeito no poema e expõe a diversidade
dos eus que o habitam, como sugerem o título do poema
“Nenhum e seis” e a densidade de seus versos : “sou da noite
minhas unhas crescem/na noite inventei um destino/na noite:/
uma banda do ser interditada/a outra na festa/às vezes pergunto:
quem sou ?”. A escrita das vozes interiores potencializa a função
emotiva do poema.
A interrogação que os poetas baianos realizam sobre o ser e o
estar no mundo abrange a reflexão metadiscursiva sobre a natureza
da própria linguagem poética. Essa vertente temática perpassa
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um número expressivo de poemas, entre os quais podemos ainda
destacar : “Momento”, de Washington Queiroz, no qual o poema
se realiza em obediência ao misterioso impulso da criação, como
experiência voraz das facetas contraditórias do humano; “Busca”,
de Ruy Espinheira Filho, associa escrita do poema e interrogação
sobre a identidade do eu poético, enquanto em “Estudo 165”, de
Antônio Brasileiro, a escrita do poema se debruça sobre o
desvelamento e a (re) invenção da própria condição humana como
elemento fundador da identidade do ato de criação poética:
“compor um homem/com seus soluços, gramáticas, teogonias/
– e recitá-lo perante os outros homens.” Os poemas “O(fí)cio”,
“Poema” e “Praxis”, de autoria de Aleilton Fonseca, constituem
um conjunto representativo dessa temática. Em “O (fí) cio”, o
ato de criar é a um só tempo prazer e labor movidos por uma
energia libidinal que transcende a esfera pragmática para fazer
surgir a linguagem encantatória da poesia: “Há bigornas/
espalhadas/por todo espaço/e um fogo larva/que nasce em si
mesmo magma/sem nenhuma preocupação com as horas/
Oficina – casa do ofício, ócio, cio/acima um aviso breve/
permitindo a entrada de pessoas estranhas/ao serviço/e martelos/
usados ou virgens/e muito ferro para fundir.” Memória literária
e invenção original participam da atividade lúdica e dorida que
faz emergir a palavra poética, ávida para compreender e reinventar
o mundo.
Enfim, o longo e belíssimo poema “O anjo no bar”, de Antônio
Brasileiro, aplica-se em negar, ironicamente, a função que
desempenha de procurar desentranhar o absoluto do real : “Não
quero mais conhecer coisíssima nenhuma, o/fundo de coisa
alguma, a outra face/do outro, o ser primigênio, a causa bêbada,/
o delírio do que lá seja – não, não quero.” A recusa justifica-se
pelo desassossego que se apossa do eu lírico, pelo tumulto que o
invade e o transforma em vítima da própria acuidade do olhar na
percepção do mundo. No entanto, o poema se constrói e, ao
fazê-lo, afirma o que está negando, acentuando o caráter
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expressivo da linguagem: “Por que/tumultuarme?/Nenhuma
verdade é paz; é só o inquietar-se./Conto de fadas contado por
fadas para fadas.”
A antologia que ora o leitor tem em mãos possibilita uma
amostragem da diversidade da produção da poesia contemporânea
da Bahia e da Bretanha. Um convite à descoberta ou à
redescoberta de territórios imaginários que a paisagem afetiva da
poesia aproxima, transformando o Oceano que os separa
fisicamente em espaço poeticamente compartilhado. Nenhum
discurso se substitui à poesia: “O poeta não quer dizer: ele diz”,
escreve Octavio Paz. Então, deixemos a palavra com os poetas
da Bahia e da Bretanha.
Rita Olivieri-Godet é Doutora em Letras (USP), com Pós-Doutorado na
França, é professora titular de Literatura Brasileira na Universidade Rennes 2
(França), tem diversos artigos e livros publicados no Brasil e na França, como
Construções identitárias na obra de João Ubaldo Ribeiro (São Paulo: Hucitec, 2009),
premiado pela UBE-RJ. Desde 2011 é membro correspondente da ALB.
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POESIA
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CONVERSA COM
FRANCISCO OTAVIANO
Ruy Espinheira Filho
ILUSÕES DA VIDA
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem – não foi homem,
Só passou pela vida – não viveu.
F. O.
Desde adolescente sei de cor
este teu poema,
meu caro Francisco.
Quem sabe de cor, como bem sabes,
sabe de coração.
E no coração embalei teu poema
por muitos e muitos anos.
(Mesmo com a dúvida de singular ou plural,
branca nuvem ou brancas nuvens,
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LETRAS
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culpa tua por não o teres publicado em livro,
permitindo a variação
que venho encontrando em revistas,
jornais, antologias.
Seja como for, um belo poema.
Ficarei com o singular,
que um amigo erudito assegura
ser a forma mais aceita,
mesmo porque uma nuvem já é o suficiente,
dá mais a ideia de paz do que várias nuvens).
Fechado o parêntese,
continuemos.
Sim,
que coisa mais inútil passar pela vida
em branca nuvem!
Que imperdoável alienação adormecer
em plácido repouso!
Que grandeza em enfrentar
o frio da desgraça!
Jamais ser espectro de homem
– mas homem de verdade!
Jamais passar apenas pela vida
– mas vivê-la intensamente!
Com o tempo, porém,
fui cada vez mais admirando a
branca nuvem.
Em muitos instantes desejei
estar noutro lugar, noutra situação,
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de preferência em
branca nuvem.
Vivêssemos todos em branca nuvem,
o mundo seria muito melhor.
Em estado de branca nuvem,
Aquiles não teria sido dominado pela ira.
Nem Alexandre pelo delírio de conquistas.
Nem os fanáticos da Inquisição teriam acendido suas
ominosas fogueiras.
Nem Hitler desejaria se vingar da humanidade,
pois não sofreria seus complexos sexuais,
nem de palhaço patético
e pintor medíocre,
abaixo de medíocre
(e muito menos a Alemanha inteira,
ou quase,
apoiaria com entusiasmo
o homunculóide sinistro).
Aprendi, desde cedo,
que os anjinhos gostam de brincar nas
brancas nuvens.
Certa vez, quando menino, ouvi,
de uma empregada,
que acabava de ver um anjinho passar
de uma nuvem para outra.
Olhei o céu, mas só vi
brancas nuvens.
A moça me explicou que ele estava escondido
numa delas
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e era muito mimoso,
com asinhas como
brancas nuvens.
Passei então a olhar muito as nuvens,
mas nunca vi um anjinho.
Via as nuvens, dia após dias
(dia empurrando dia, como escreveu Horácio).
Fui cada vez mais me tornando vigilante de
brancas nuvens.
Gosto muito de olhar para elas.
Se pudesse, teria uma,
para poder ler em incomparável conforto.
Ou amar.
Ou dormir.
O que seria dormir, sem dúvida, em
plácido repouso.
Que é, afinal, como se deve dormir.
Sem sentir o frio da desgraça
de um pesadelo, por exemplo.
Aliás,
se há algo que devemos sempre evitar é
o frio da desgraça.
Se o frio comum já pode ser um problema, imagine
o frio da desgraça.
Libera nos, Domine.
Nada desses horrores,
pois são eles que transformam o homem
em espectro,
que nos impedem de verdadeiramente
viver.
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Pois é, Francisco, fui mudando
com o tempo.
Podes até me acusar de cinismo, o que não
me incomodaria,
pois muita gente boa já foi acusada de cinismo,
como, por exemplo,
Voltaire.
Ainda sei de coração o teu poema,
não se pode esquecer amores da juventude.
Mas hoje, quando dele me lembro,
não sinto mais aquela emoção.
Sinto outra,
como uma espécie de saudade
de mim mesmo,
daquele jovem que declamava teus versos
intensamente possuído de poesia
e convicção.
Na verdade, não passei pela vida
em branca nuvem.
Não me foi possível.
Não é possível a ninguém passar assim
a vida.
Há sempre muitos incômodos,
muitas tentações.
Mas, sinceramente,
a tentação que cada vez me tenta mais é a
branca nuvem.
Que melhor lugar pode haver para
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– dormindo ou acordado – estar em
plácido repouso?
E quem de nós não acha que merece um
plácido repouso?
Não, nada de
frio da desgraça.
Nada de sofrimento.
Tais experiências podem ser boas para quem pretende trocá-las
por milênios de prazeres em algum paraíso,
como garantem certos corretores espirituais.
Eu, não, não quero tanto,
prefiro dois pássaros voando
a um na mão.
Mais: prefiro todos lá fora,
no alto, longe de mãos.
Não me limitei a apenas passar pela vida
(mesmo porque ela não depende tanto de nós
quanto arrogantemente supomos)
em branca nuvem,
como jamais me senti espectro.
Às vezes até sonho em vir a ser espectro,
no devido tempo,
para visitar certas pessoas
à meia-noite.
Não, meu caro poeta, não estou brincando.
Talvez divagando um pouco, mas a divagação
faz bem à alma.
Como lhe fazem igualmente bem
uma branca nuvem e um
plácido repouso.
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Enfim,
continuo amando o teu poema,
mas, nestas alturas,
o que mais quero mesmo
é vir a merecer uma
branca nuvem
para um
plácido repouso
final.
Amém.
Ruy Espinheira Filho é escritor, jornalista e professor da Universidade Federal
da Bahia, é autor de dezenas de livros de poesia, ficção e ensaios, tendo recebido
diversos prêmios nacionais. Recentemente lançou Estação infinita e outras estações,
volume que reúne toda a sua poesia (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012).
Desde 2000 ocupa a Cadeira nº 17 da ALB.
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O BANQUETE DAS MUSAS
Myriam Fraga
Vinde fantasmas! Eu vos amo ainda.
Antonio de Castro Alves
Poesia, marulho e náusea,
Poesia, canção suicida
Poesia que recomeças
De outro mundo, noutra vida.
Carlos Drummond de Andrade
IDALINA
Água de anil na tarde,
A roupa no varal
Acena despedidas.
Tua roupa lavada,
Teu perfume,
Cumplicidade de cheiros
Mais secretos.
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A poesia como linho
Que se carda, como o puro
Esmalte das tigelas,
Onde a sopa
Evola seus incensos.
Quando chegares,
A ceia estará posta.
Teu doce favorito,
Teu prato predileto,
Frutas sobre a mesa
E a nódoa
De vinho na toalha.
A lâmpada acesa a um canto
E a luz mais forte
Do poema que escreves,
Enquanto a noite
Desata seus cabelos sobre a cama.
Esquecida no prato, a sopa,
Coagulando lembranças,
Como álibi.
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EUGÊNIA
Não te darei,
Amor,
Profundas mágoas,
Mas indomada
Paixão,
Oceano de lavas.
Não te direi
Sou tua,
Porque minto.
Só em mim,
Em mim mesma
Pressinto
O êxtase de pisar
No risco que divide.
Tumulto é minha voz
Cintilando, nos palcos.
Minha voz que é tua voz.
Cicuta é meu veneno,
Meu perfume, absinto.
Adeus, para sempre,
Adeus.
No cálice a última gota.
O mais é precipício.
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LEONÍDIA
Guardo comigo um trapo,
Um fio de cabelo,
Um farrapo de sonho
E o resto de um retrato.
Como um tesouro
Escondido,
Um filho morto que levo,
Aos trambolhões,
Comigo.
Tantos anos a fio,
Tantos fios
Tecendo o que não foi,
Um bordado esquecido
E que ainda guardo
No peito,
Como parte de mim,
Relíquia
Do meu amor antigo.
Um fardo que carrego,
Como um homem carrega
Sua infância esquecida.
O cetim dos vestidos,
A pesar-me nos ombros.
E na testa a grinalda,
Roxa, de boninas.
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CONSUELO
Tanto tempo perdido,
Tanto tempo,
Meu corpo como um cálice,
Cristalino, intocado,
À espera de tuas mãos,
Em busca de um abraço
Que não tive jamais.
Nos teus olhos febris,
Que ardem como brasas,
Adivinho a ferida aberta
Em tua sorte madrasta.
Maligna febre esta febre
Que te arrasta,
Amante mais cruel
E mais avara.
Não sobrará mais nada
Além da mancha
No lenço
E o sangue que se espalha.
Sobre nós dois a lua
Derrama sua prata.
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POEMAS
1936
Fernando da Rocha Peres
POESIA
para João, garoto e neto
Minha alma foi soprada
pelos ouvidos e quando nasci
em novembro chovia e ventava.
Lembro de ouvir dizer sempre
de luzes e vozes em sala branca
onde um choro estridente brotou
depois de uma palmada e dor
quando comecei a sensoriar tudo
os sons de palavras e rezarias
aprendidas depois para escreviver
suspiros e poemas do indizível
historietas que todos carregam
ora vejam só vocês que estão a ler
este sopropoeta velho de setenta
e cinco anos vividos desde então
por vontades do Criador das gentes.
(Salvadolores)
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ARANEADA
Fernando da Rocha Peres
para Teresa, menina e neta
Uma aranha
tece
e não esquece
o inicio do fio
infindável.
A brisa passa
e treme a trama
tecida e leve
e preso estou
de olho fixo
no risco aéreo
da arquiteta
atentíssima.
Pronta estará
a redefina
se no laço tinir
o primeiro inseto
prisioneiro.
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Caça e comida
debatendo-se
são o sinal
do repasto
agonizante.
Labiríntica cena
para quem vê
e sente prazer
de esperar só
o resultado.
A calma que é
na tardezinha
com aranha operosa
e sua obra
até o chuvisco
rasgar a renda
entrelinhada
de um bicho vencido
ao crepúsculo.
(Pedras do Rio)
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PAISAGEM
Fernando da Rocha Peres
para Paula, mocinha e neta
O vento, ventozinho,
suave, brioso,
traz prazer na pele
de gentes e pelos e penas
dos bichos, e muita poeira
de sujidades que esvoaçam
com as folhas e pólens e cheiros
e beija-flores, leves,
e lágrimas de velhos
nos bancos da varanda
mastigando o futuro, insosso,
que tudo encurta
e chega mais perto
a cada domingo, a morte
nas faces estriadas e secas
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de mulher ou de homem
seja estação do ano qualquer
chuvosas ou solaradas,
pois já anoitece
e o tempo brisado retorna
com vaga-lumes intocáveis
que piscam, pisca, piscando
para encanto da meninada
e adolescentes que tagarelam
de baixo das árvores sem poda
restantes e enluaradas copas.
Um poeta que sonha adiante
fixa tudo na memória presente
com palavras de muito guardadas.
(Pedras do Rio)
Fernando da Rocha Peres é escritor, historiador e professor da Universidade
Federal da Bahia; é autor de dezenas de livros de poesia e ensaios. Desde
1988 ocupa a Cadeira nº 25 da ALB.
 237
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POEMAS
ESCRITURAS
José Inácio Vieira de Melo
Eu chego no silêncio que acende
as quatro ferraduras do tempo
e encontro a inesgotável jazida,
catedral do rubi que me habita.
Na madrugada, sonho com os rumos,
gesto que inventa o cristal das palavras,
surpreendendo as pedras com a chuva
a derramar a escritura sagrada.
Agora, apenas ando com os pássaros
a escutar as belezas desta terra
e sustento as parábolas salvíficas
com esta medula que me carrega.
Escuta, dos confins do longo dia,
a noite a chegar – cortina de versos
que revelam as estrelas de abril
aos meus olhos pasmos de tanto ver.
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RASTRO DE TESEU
José Inácio Vieira de Melo
Distraído é que me perco
e cruzo veredas outras
envoltas em verossímeis
labirintos da memória.
Com o olhar perscrutador
e com estas sete vidas
dos meus vinte dedos é
que sondo o mapa do mito.
Como perdido entre nuvens
sempre me encontras inteiro,
danço no panavoeiro
dos passarinhos ligeiros
e reinvento os sentidos
com o vento galopante
e te ofereço esta nova
paisagem de cada instante.
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TEMPLO
José Inácio Vieira de Melo
Das palavras do poeta, as imagens
que captam a multidão ao triunfo.
De sua dimensão nasce o centauro,
veículo e montaria dos mundos.
A loucura das lâmpadas na mente
e o pensamento inquieto, o poeta
bebe e chora ouvindo as vozes do templo:
elementos que o espírito alimentam.
Combate a morte com a poesia.
Violenta o pavor da cristandade.
Seus versos, rebeladas orações,
cânticos de louvor à liberdade.
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R EVISTA
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Na escada do templo, pensando o tempo:
o mundo emergindo dos vastos ventos
para os cascos velozes do centauro.
O poeta é o próprio templo do tempo.
Com os ímpetos dos céus, bebe o vinho.
Indo ou vindo o poeta se embriaga
e iluminado estende aos mercadores
o ardor e o sabor de suas palavras.
Dentro da noite selvagem e bruta,
os lamentos da multidão que sangra.
O poeta em seu plantão salga a carne,
depois revela as fontes da emoção.
Por dentro da nave do mundo existem
rumos crescentes que esperam por gentes.
O poeta entrou no templo, abriu as portas,
acendeu a fogueira e dançou nos tempos.
 241
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SONATA DAS MUSAS ESCARLATES
José Inácio Vieira de Melo
Nos olores dos aloendros escarlates, as musas todas.
O escarlate, em sua noite, cria a linguagem por dentro.
Por dentro da madrugada, os gemidos escarlates
de Cássia sobre a alfombra de folhas dos cajueiros.
Os tempos extinguiram os corpos, distantes,
mas os mares e os risos ainda estão envolvidos.
Outrora, a água e a cidra, os barcos nos azulejos,
outrora, por dentro do corpo da noite, recendiam os jasmins,
outrora, Quitéria era infanta e se fazia escarlate ao cantar do galo.
À noite, os vestidos de verbenas eram imortais.
No mais, tudo era gozo e rito nas liturgias do céu.
Às vezes, as borboletas fazem um culto à memória de Margarete
e os ventos povoam as pedras dos jazigos daqueles anos azuis
que jazem aqui, dentro do peito, e nos arrabaldes que vejo.
E era Linda, com os olhos sombreados dentro da noite,
e eu todo perdido nos aromas de avelã de sua volúpia,
e sobre suas ancas escarlates estou, como o mar por dentro.
242 
R EVISTA
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E, na noite do mar adolescente, Aliane e seus cheiros:
nas pupilas das águas, no âmago das praias, envolvidos.
O verde do mar e o sangue das verbenas, enredados
no negror da noite. E eu ouvia Carla e me envolvia
nas trepadeiras dos seus cabelos, no seu templo de música.
E pelos céus da minha paixão desfilavam em flor e fogo
os vultos de Vilma e de Vanessa – estandartes escarlates.
Assim, Duíno Selvagem, breve como as águas do Sertão,
estendo as musas escarlates que perenizam minha saga.
José Inácio Vieira de Melo (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta,
jornalista e produtor cultural. Publicou os livros Códigos do silêncio (2000),
Decifração de abismos (2002), A terceira romaria (2005), A infância do Centauro
(2007), Roseiral (2010), a antologia 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e Pedra
Só (2012). Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas
da Bahia (2004), Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (2011) e as
agendas Retratos Poéticos do Brasil 2010 (2009) e Retratos Poéticos do Brasil 2013
(2012). Participa de várias antologias no Brasil e no exterior. Edita o blog
Cavaleiro de Fogo: www.jivmcavaleirodefogo.blogspot.com
 243
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POEMAS
ELI ELI LAMA SABACHTHANI?
Manuel Anastácio
Promete não dizeres mais nada
Entre os arcos desenhados pela minha voz.
De nós, nada mais deve restar agora
Que os dois num só, a sós.
Promete não dizeres mais nada
Enquanto durar a nossa constelação.
Promete manter o céu em silêncio
Até que venha a hora
Em que peçam explicação,
E remoam o espanto
Perante o silêncio de água e sangue
Que escorre dos meus flancos
– Depois de ter gritado a última acusação
Que ninguém compreenderá.
Porque, nessa hora, não me terás abandonado,
Mas aberto a porta
Para que, enfim, retorne, e entre de novo em mim.
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CREDO I
Manuel Anastácio
Creio num só corpo,
Numa só onda,
Numa só corda,
Num só fim.
Creio, acredito
No sal bendito das lágrimas
Na concreta nudez
Da limpidez das águas
Na urgência do florir da terra
E em cobrir telas e folhas brancas
Com as transparências em que acredito.
Creio,
Num só grito.
Num só corpo,
Numa só onda,
Numa só corda.
E, por fim,
Num só múltiplo princípio.
 245
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LAMENTAÇÃO DA VIRGEM
Manuel Anastácio
Para a Maria Helena
No horizonte, na ténue linha onde os gritos morrem
E se cala o eco,
As montanhas concentram-se num fractal
Onde o bem e o mal tomam formas
De insuportáveis dimensões.
Antes do horizonte, insustentáveis, as coisas fogem ao olhar,
E os sentidos obrigam a um só momento.
Antes do horizonte não há memória nem pensamento,
E a erosão destrói a história e qualquer outra ilusória narração.
As imagens, oxidadas, envelhecem, veladas em poeira e abrasão.
Os mantos abrem buracos por onde o coração das coisas vê
as estrelas
E Abraão, sem vê-las, planeia veredas.
Mas antes do horizonte apenas seguem sendas e atalhos
Cortados em retalhos sem limite.
Antes do horizonte, os caminhos
Esbarram na impossibilidade de atravessar o que a luz obriga.
Dos mais curtos, dos prometidos, há pedaços.
Há fragmentos de percursos interrompidos.
Há farrapos de mera possibilidade.
E, na verdade, perdidos,
Somos rendidos nos caminhos pelos deuses que passam
E nos trespassam com sonhos e promessas
Que se esbatem no horizonte.
A erosão corrói a cutícula do universo
E há no seu inverso, a deposição, o mistério das coisas como
elas são.
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DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
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À ESPERA DO TORNADO
(A partir do conto homônimo de Gláucia Lemos)
Manuel Anastácio
Um dia ainda escreverei a história
de uma mulher que tinha um homem que a amava
e que um tornado levou.
Escreverei a história de quanto ela esperou.
Contarei como o vento arranhou a face de quem o viu
levando árvores, cães e telhados.
E contarei o caso de, dos homens, só levar os apaixonados.
O vazio no peito dos que não amaram nem amariam
Não compensava o peso dos seus membros estéreis e apagados.
Esses foram poupados.
Poupados ao olho voraz do vazio em que o homem que amava
aquela mulher lhe gritou
Espera por mim, minha amada,
Espera por mim. Um dia voltarei.
E contarei como as mulheres abandonadas
Seguiram, solitárias, pelas estradas, à procura.
E contarei, ó como contarei, enquanto os meus olhos
conseguirem disfarçar as lágrimas,
como o rasto dos seus olhos se espalhava pelo chão,
pelo duro bordo dos trilhos, pelo vermelho dos frutos do café,
pelas ondas alvas do algodão
e pelo verde das folhas com que o milho se vestia.
Pudesse eu, e contaria, ó se contaria,
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Como os olhos verdes das que tinham olhos verdesse debotou
enquanto o matagal oculto deles se tingia.
Soubesse eu como fazê-lo, e contaria
Como se tornaram mais negras as noites,
Alimentando a sua escuridão com o negro dos olhos,
Das que tinham olhos negros e os viram tornar cinza,
apagando o seu negro brilho na ansiedade que perscruta as
sombras.
Todas seguiram os caminhos da esperança desolada.
Todas, menos a mulher de quem contarei
As horas gastas nos trabalhos em que persistia,
Dia após dia, até ao momento em que, recolhida,
Junto à janela,
Novamente ouvia o vento em lamento melancólico e
pirracento
Que quezilento, em lento protesto lhe repetia
Espera por mim, minha amada,
Espera por mim.
E, após o pedido, a promessa
Um dia voltarei.
E a mulher esperava, sob a areia prateada da noite,
sob a curva abóbada dos nocturnos violões
Tornados próximos pelo silencioso hálito de Deus, à noite,
Assim esperava a mulher de quem contarei
A espera, a esperança de que na dança dos elementos
Também houvesse o passo da restituição.
De quem contarei a bênção de acreditar
Que não há vento nem maldição que não devolva
O que seria de justiça não levar.
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L ETRAS
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Contaria, ó como contaria,
Como trazia amarradas as dores do seu segredo sagrado.
Contaria, pudesse eu entender o que mais dizem os galhos
das amendoeiras
Varados pelo vento,
No seu lamento ao ledo e triste alento
Da mulher que tinha um homem que a amava. E que, um dia,
o vento levou.
E por quem ela esperaria,
Depois de esquecidos os sorrisos com que amarrara a dor aos
dias,
Presa ao milagre adiado com que o vento, rendido, o devolveria.
__________
Manuel Anastácio. Natural de Guimarães, Portugal. Professor de Literatura,
Ciências Naturais e Matemática pela Escola Superior de Santarém. É um dos
organizadores da Wikipédia - Enciclopédia Aberta, em Português. Reside em
Guimarães, onde exerce Magistério e escreve literatura e comentários de textos
e de cinema no blog Da Condição Humana.
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DE
LETRAS
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VOZ DEL MAR
Aarón Rueda
A Mónica Arias
I
El mar nace en el centro de una gota de agua,
acumulándose crea oleajes de luz para formar un cuerpo de
plata con venas de ríos y huesos de arena.
El manto celeste yergue en voz el silbido etéreo de la gaviota
y las raíces del manglar adornan los ojos con la luna llena.
II
La fragata se envuelve en el cuerpo de una nube junto y un
par de rabihorcados que se sumergen en esta bajamar de
intenso amanecer.
Crecen las jóvenes marismas que esculpen la mañana
cuando el mar atrapa relámpagos de sol para dibujar el
horizonte.
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DE
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III
El vuelo del mar es diseminado por aves acostumbradas a
sentir la canción de las olas.
En el sendero marino una botella se alinea al rumbo del
naufragio llevando en su vientre un crepúsculo para alimentar
el canto luminoso de los marineros.
IV
El mar mezcla su anochecer con la lluvia para glorificar la
llegada de los peces.
Las caracolas florecen su danza ancestral recorriendo el
salitre luminoso que despierta en los labios de la arena.
V
Los ojos ocultan la cara del coral, un pez le recita versos a
los péndulos de agua que dejan las fragatas en su inmersión, la
ola apuntala con besos de niebla que se fecunda en el centro
de un pétalo.
Aarón Rueda é natural de Choapas, Veracruz, México. Reside na cidade de
Cárdenas, Tabasco. Já publicou poemas em diversas revistas no México,
Colômbia, Chile, Espanha e Peru, tem participado de eventos literários em
países como Colômbia, Cuba, México e Canadá. É o criador e diretor do
Festival Iberoamericano de Poesia Salvador Díaz Mirón, e divulgador das
Línguas Indígenas da América. Foi o ganhador do Prêmio Nacional de Poesia
Rosario Castellanos, concedido pela Universidad Autónoma de Yucatán.
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DE
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POEMAS
LA ORUGA
Alain Saint-Saëns
En la ciudad a cántaros llueve.
Sumergida en las aguas, se mueve
En el suelo una oruga frágil;
Chapotea y tiembla la mal ágil.
Por el granizo mordidas
En la calle hundida,
Sus patitas torcidas
Agarran la calzada.
Patinando a su altura,
Se da un camión prisa
En el bordillo de la acera
Y la oruga ¡ya pisa!
¡Trágico fin anunciado
del a su destino abandonado!
Pequeño insecto dañino,
Ha muerto de la calle el niño.
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NINGÚN GALLO VENDRÁ
CANTURREAR
Alain Saint-Saëns
Ningún gallo vendrá canturrear
Para la que debe guerrear
Siempre para su supervivencia,
De los suyos y la existencia
Aguantar como perra de barrio
Todo el horror diario.
En los brazos niña asquerosa,
Ella mendiga, vergonzosa,
Un óbolo en el colectivo;
Tosiendo en el polvo,
Hambrienta, vuelve a la tardecita:
¿Adónde se fueron sus sueños de escuelita?
Ya viene la noche de desgracia
Con su exceso de caricia
Prohibida y maldita
Del padre a su nenita.
Dios, escucha su ruego:
Permite que su muerte cese luego.
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ERA AYER
Alain Saint-Saëns
Mi joya de la madrugada,
¿Te recuerdas el pasado?
En mis brazos, emborrachada
De mí, corrías echarte.
Por tu conmoción achispado,
¡Cómo supe papacharte!
Gacela de mis veinte años,
A tu juego me ofrecía,
Bandera de mis himnos,
De tu pena padecía.
¡Qué lo atestigüe Dios!
Ese tiempo no es tan lejos.
De Javier Teodoro, tu hijo,
Hoy eres ya hecha
La nodriza derecha.
Vida ¡Extraño atajo!
Siempre junco genuflexión
Hace ante Pandora y su elección.
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LA PEQUEÑA VECINA
Alain Saint-Saëns
Nueve primaveras y una trenza,
Toda de sonrisa y terneza,
Se acerca a escondidas
En silencio de mi porche
Para robar mejor mi leche
O las riquezas mías ofrecidas.
Tira piedras a los perros,
Temor ni de nadie manifiesta.
A su escuela a la siesta,
Prefiere ella los senderos,
La alegría de la indiferencia,
Dulce milagro de la infancia.
¿Qué borracho, a fin de celebrar,
Crucificando su juventud,
Le vendrá en dos quebrar,
Madre soltera, ya no moza,
Ojos grandes con tristeza
Sombrear y llenar de lasitud?
__________
Alain Saint-Saëns é poeta, ficcionista, professor e ensaísta, de origem francesa
e radicado em Assunção-Paraguai. É professor da Universidad del Norte,
publicou diversos livros, como o drama Pecados de mi pueblo (2013).
 255
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FICÇÃO
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O pastor dos bosques
Antonio Maura
Este é um lugar no qual um homem, qualquer homem poderia
perder-se. Não sei de onde você vem. Talvez de uma grande
cidade. Não é mesmo? Faz muito tempo, eu também vivi por ali:
torres de concreto e avenidas de asfalto, túneis e semáforos. Veja,
para mim, aquela paisagem já não interessa. E como cheguei a
um lugar como este? Isso foi como lhe disse, faz muito tempo.
Parece até que me canso rebuscando na minha memória essa
recordação. Qual é minha profissão? Se lhe dissesse que era
lenhador, mentiria, isto é, não lhe diria toda a verdade. Carpinteiro?
Tampouco seria fiel à verdade. E então...? Adivinho seu assombro,
sua desconfiança... Não, não sou nenhum vagabundo. E também
não sou nenhum louco. Não. Ainda que não me importasse ter
qualquer dos ofícios que lhe mencionei. Veja, se tivesse que definir
o que sou, o que sinto ser, verdadeiramente, diria, exatamente:
um pastor de árvores. Isso mesmo: um pastor de bosques. Não
sorria não, por favor, que não sou nenhum idiota. O fato de que
eu viva isolado e distante desse Mundo do qual você procede não
quer dizer que tenha perdido a razão. A comunidade dos homens
não é sempre a mais saudável. Você não está de acordo? Aconteceu
alguma coisa? Por que me olha desse modo? Isso que chamam
civilização é algo raro e doentio. Por isso me converti em pastor
 259
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de árvores: isso mesmo. O certo é que comecei sendo um simples
carpinteiro. Fazia móveis: mesas para que nelas comesse toda
uma família, cadeiras, camas para apaixonados... Faziam-me a
encomeda e lá ia eu para dentro do bosque procurar a madeira
para talhar os barrotes, a cabeceira, os pés... No princípio, aquilo
era muito mais complicado do que se poderia imaginar e me
assaltavam todo tipo de dúvidas. Que tipo de árvore devia cortar?
Esse pinheiro que cresce na encosta ou aquele carvalho? Dizem
que a madeira do carvalho é muito resistente... Mas, como
escolher, como decidir? Ah! você não pode imaginar minhas
angústias. Eu voltava muitas vezes para a minha cabana sem
conseguir tomar nem uma única decisão. Ademais, e isto era o
mais importante: como escolher o melhor para a pessoa que me
tinha contratado? Imagine só: se era um pobre aleijado que
necessitava de umas muletas, não lhe poderia valer qualquer tipo
de madeira porque suas mãos tinham que sentir como seus pés
que lhe faltavam e também não deviam deixar de ser mãos, suas
mãos. A madeira teria que ser, portanto, flexível e suave ao tato e
também firme porque teria que sustentá-lo como as nossas pernas
fazem com você e comigo. Você me entende? Está seguro? Seu
olhar às vezes é tão distante! E aquele casal de apaixonados? Eu
sei que nenhum abeto é semelhante a outro, ainda que pertençam
à mesma família do reino vegetal, como também nenhum amante
é semelhante a outro. E digo isso porque lembro de uma mulher
que durante muitos anos viveu uma vida bem monótona embora
cheia de atividade, e mesmo assim não conseguia alcançar a
plenitude: era escrava de si mesma, de seus filhos, de seu marido...
E sua vida ia se perdendo em jorros sem ter sido capaz de vivêla, de sofrê-la ou de gozá-la: de senti-la. Notava que um vazio
semelhante a um abismo se abria sob seus pés – me contava ela –
na hora em que terminava as tarefas do seu dia a dia e a casa
voltava a ficar silenciosa. Então, então, ela não sabia como saltar
por cima daquele obstáculo e reconciliar-se com esse rio que
subjaz em cada um por toda sua existência: isso ao que vocês
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chamam de sonho. E aquela mulher, que ia contando tudo para
mim, quase chorando, necessitava de uma cama, uma cama para
dormir, uma cama que fosse como um pequeno ninho e também
como um mundo em que ela pudesse ter habitado, e vivido, e
sonhado. Como fazer uma cama assim! Você pode imaginar? Eu
vinha para este lado do bosque e ficava olhando os galhos e as
folhas. Talvez pudesse ser deste álamo branco tão delicado e,
também, tão flexível. Não, não poderia ser esta a árvore da qual
necessitava aquela mulher. Poderia então ser este choupo que se
move à margem do riachuelo, que se derrama por ali... Pode vêlo?... Logo depois daqueles freixos, lá na encosta. Mas nenhum
dos dois parecia a mim que servisse. Finalmente, construí um
grande leito de ramagens e folhas, sem cabeceira nem pés. As
árvores emprestaram-me sua grande sabedoria indicando-me que
tipo de ramagens e quais as partes do tronco eu deveria podar. E
não foi só um, nem sequer uma única espécie ou única família,
senão todos: de um eu tirava uma folha, de outro um ramo e de
um outro seu fruto. Todos colaboraram para que aquele leito
pudesse reunir todos os aromas e experiências do bosque... E
aquela mulher conseguiu conciliar seu sono e sonhar. Você não
me acredita? Vem de uma lonjura tão grande, tão distante, onde
algo deve ter acontecido, e pensa que encontrou aqui um louco.
Talvez tenha razão. Faz muitos anos que ninguém mora nestas
paragens. Aquela mulher de quem lhe falei já morreu. E morreu
também aquele velho que me pediu que lhe fizesse uma cadeira
para sentar-se à porta de sua casa para esperar a morte e saber
então como recebê-la... Sim, morreram todos. Minha mulher
também. Não lhe tinha dito? Estive casado e tive, inclusive, um
filho. Vivíamos em uma cabana maior que esta que você vê. Quando
tive que reconstruir a casa, fiz tudo à minha medida. Já não me
faziam falta tantos quartos... Uma catástrofe? Não, o simples passar
do tempo. Eu lhe contarei... Mas, de que lugar você vem e por que
me olha assim? Por aqui não foi apenas você que se perdeu. Aqui
todos se perdem. Não se preocupe por isso. Como lhe dizia, vivia
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dos móveis que fazia para as pessoas do povoado, do outro lado
do bosque. Elas me pagavam com o que tinham: ovos, legumes,
pão, leite... Mas um dia tudo se tornou diferente.
Na manhã daquele dia saí de minha casa e fui para o bosque.
A luz tecia uma malha fina ao redor das folhas, como se fosse
uma teia de aranha que pudesse prender em sua rede as ideias
mais felizes. Recordo que me sentia como uma criança que
descobre, pela primeira vez, a magia da natureza e quer gravar,
naquela matéria luminosa, as autênticas imagens do seu sonho.
Meus pés dançavam com uma alegria inocente e selvagem. Todo
meu corpo cantava e minha voz quase não acompanhava aquele
ritmo, aquela melodia que nenhum homem inventou e que deu
origem a todas as músicas. Era a força da vida que me dominava,
que eu bebia como licor naqueles raios luminosos.
Talvez eu tivesse penetrado na floresta mais do que devia,
talvez a energia que desbordava em mim me levasse até alguma
paragem insólita, mas o certo é que dei com uma clareira, onde
dois indivíduos, sentados um em frente ao outro, jogavam dados.
Junto a eles se erguia um jequitibá centenário. Ainda que, em um
primeiro momento, o aspecto daqueles dois homens não me
parecia estranho, não tardei em perceber que aquele jogo deveria
ter sido iniciado há muito tempo já que vestiam suas roupas de
forma atrapalhada depois de trocar inúmeras vezes suas
vestimentas. Se um se cobria com dois gorros, o outro mostrava
dois cinturões de fivelas brilhantes e as calças e camisas não
correspondiam aos corpos que as vestiam. Devo ter feito uma
cara de espanto porque um deles, ao ver que me aproximava,
apontou-me uma vagem de jequitibá que estava no chão. Tomeia e sem saber o porquê, levei-a à boca. Tinha um sabor amargo,
mas surpreendeu-me a quantidade de sumo que se derramava,
descendo por minha garganta. Logo, fiquei observando-os.
Quando senti que já era tarde, fui buscar meu machado – tinha
ficado apoiado no jequitibá – e descobri que seu cabo, de madeira,
estava coberto de mofo. Fui andando para a minha casa achando
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tudo aquilo muito estranho e encontrei-a despejada e destruída,
não por causa de incêndio ou de algum acidente natural ou
provocado, e sim por causa da intempérie mesmo. Teria eu
permanecido no bosque uma década, um século, um milênio?
Como poderia saber! Voltei à clareira do bosque, mas já não pude
encontrar os jogadores que brincavam com seus dados como se
fossem anos. Fui até o povoado e tampouco encontrei alguém
ali. Ninguém! Você está me ouvindo? Ninguém, não havia
ninguém! O Mundo estava desabitado. Só ficara eu com o meu
machado mofado e minha barba de cor indefinível. Senti a perda
de minha família como se fosse uma dor que, de tão antiga, já
não dói. Senti minha solidão como o incomensurável que deveria
habitar a partir dali. E me senti, a mim mesmo, como um desses
troncos que, tendo alcançado uma altura satisfatória, crescem em
espessura: me dilataria muito mais além de todo o tempo e espaço,
em círculos concêntricos feitos de experiências. Desde então cuido
do bosque. Nada mais posso dizer-lhe. Nada mais devo
acrescentar. Eu me dispunha a ir à floresta para nutrir-me
novamente de sua magia e de sua sabedoria, quando me encontrei
com o senhor. De que terras vem? Há gente para lá das
montanhas? Nada me responde. Será que o Mundo foi destruído
e ficamos somente nós dois? Extraviou-se o senhor também e já
não é capaz de contar os dias e os anos, as distintas jornadas do
homem? Pelo que vejo não pode falar. Ou não quer. Acompanheme. A vida é como uma mancha e impregna tudo. Somente somos
capazes de sobreviver. Minhas árvores e eu, seu pastor, sabemos
disso... Por isso florescemos em todas as primaveras.
Tradução: Maria Helena Leitão
__________
Antonio Maura é espanhol (Bilbao, 1953), escritor, doutor em Filologia com
tese sobre Clarice Lispector; divulgador da cultura brasileira, autor do livro
de contos Piedra y ceniza e dos romances Voz de humo, Ayno e Semilla de Eternidad.
É sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.
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O mar do menino
Cyro de Mattos
O amigo do sobrado amarelo em frente era ilheense, estava
morando em Itabuna há pouco tempo. O pai tinha sido
transferido do banco em Ilhéus para uma agência de Itabuna.
O amigo só andava mangando dele porque não conhecia o mar,
que não ficava longe, estava ali perto na cidade vizinha de Ilhéus,
rolando com as ondas. Não parava de falar sobre a beleza do
mar e da praia perto da cidade. O mar chegava a doer nas vistas
quando era iluminado pelo sol de verão. Ele só ficava falando
do mar para mangar dele, que ouvia tudo calado, sem graça,
com os olhos tristes.
No mar tem jacaré? Com certeza o pai ou a mãe devia saber.
Por que a água do mar é salgada? Ora, Deus quis assim. O mar?
Era verdade, nunca ele tinha visto. No livro de geografia viu uma
vez o Mar Vermelho, um pedaço pequeno na foto, no meio da
página. Só que ali não valia nada o que os olhos viam, na página
de um livro foto nenhuma serve para dar uma ideia perfeita do
que seja o mar, por mais que a mente se esforce para imaginar e
apreender a vastidão sem fim de suas águas. Na foto não dava
para ver nem a cor das águas nem sentir o seu gosto. Não dava
também para saber como eram os navios, de onde vinham e
para onde iam.
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Só podia conhecer realmente o mar, se um dia fosse vê-lo de
perto com os próprios olhos. Fosse tomar banho nas suas ondas,
nadar nas suas águas à vontade. E todas as vezes que isso
acontecesse, aos poucos ia descobrindo os seus segredos. Como
havia acontecido com o rio da sua cidade, onde aprendera a nadar
e mergulhar, de primeiro nos poços rasos, depois nos fundos e,
finalmente, conseguindo atravessá-lo com as braçadas firmes, de
uma margem à outra.
Era cada susto esplêndido quando ia tomar banho ou pescar
no rio. Tinha mais tempo nas férias para fazer as duas coisas.
Gostava de saltar do barranco para o poço perto de uma ilha.
Pescava com anzol ou rede pequena e pegava muito peixe. De
que maneira poderia conhecer o mar um dia, não fazia a mínima
idéia. Morava numa cidade que ficava distante cerca de trinta
quilômetros do mar, como o pai informou. Verdade que a sua
cidade tinha um rio que se tornava um mundo de águas nas cheias
quando de repente virava um bicho brabo, estupidamente enorme,
espumando e fazendo barulho nas corredeiras. Fazia até ondas
nos trechos onde existiam muitas pedras grandes reunidas.
Derrubava as casas pobres erguidas Deus sabe como nos
barrancos. Formava grandes redemoinhos, carregava árvores e,
lá na curva, depois da ponte velha, despedia-se das últimas casas
ribeirinhas, prosseguindo rumo ao mar, no seu destino de rio.
Um rio que no tempo de estiagem nem era grande, tinha muitos
trechos com pedras de fora, ficando a água empoçada. Só servia
para navegar nos trechos fundos por onde a canoa levava as
pessoas de uma margem à outra.
Mas afinal de contas o que era o mar? Com o que se parecia?
Uma lagoa sem tamanho com as águas verdes e azuis onduladas
pelos ventos? Uma vasta extensão de águas que corria por dentro
da terra como o rio de sua cidade, se bem que para todos os
lados? Fazia muito barulho como se dizia? Muito mais do que o
rio de sua cidade quando descia cheio nos meses de chuva grossa
nas cabeceiras? Queria um dia conhecer o mar, ah! seu coração
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como queria, sonhava em ficar grande o mais rápido para ir até lá
na cidade vizinha e acabar logo com essa agonia que vinha tirandolhe o sono há dias, às vezes fazendo-o aéreo no tempo como se
estivesse sonhando acordado.
Perguntou ao pai como era mesmo o mar. O pai respondeu
que era uma grande quantidade de águas salgadas até onde a vista
alcança. O mar rolava com ondas, que vinham de longe, muito
longe, batidas pelo vento. Faziam grande barulho quando
chegavam perto da praia. Ali, não paravam de rugir como um
bando de leões com as suas jubas brancas, arrebentando-se e
formando, num só tempo, ondas menores, que empurravam umas
às outras até chegarem céleres à praia onde desenhavam colares
de espuma. Perguntou à mãe o que era a praia. A mãe respondeu
que era um banco de areia deixado pelo rio perto da margem
depois de cada enchente. Não era isso o que queria saber. O que
é a praia do mar, mãe? É a beira do mar sempre coberta de areia,
estende-se até a terra onde os pescadores constroem suas casas.
Segue a linha de coqueiros paralela até perder de vista. Claro que
a quantidade de areia na praia do mar era muito maior do que a
do rio, muito maior mesmo, nem tinha comparação, e mais alva,
explicou paciente a mãe. Quando o mar enche, a praia fica menor
e, quando seca, ela aumenta. E no mar tem peixe do tamanho de
uma casa? Claro que no mar tem peixe do tamanho de uma casa,
às vezes até maior do que um sobrado.
De onde foi que esse menino tirou essas ideias para querer
saber tanto sobre o mar? A mãe perguntava-se intrigada com
aquela insistência do filho. O pai, que ouvira a conversa entre o
filho e a mãe, nada quis comentar, foi saindo de mansinho para
o corredor junto à sala e, após cruzar a porta, seguiu para o
gabinete onde pretendia ali concluir a leitura do romance. A mãe
pediu que ele fosse para o seu quarto, não ficasse acordado até
tarde, preocupado com o mar. Rezasse o pai-nosso e a ave-maria,
como era costume fazer todas as noites antes de dormir, e cuidasse
logo de pegar no sono. Como era que o pai e a mãe sabiam aquelas
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coisas sobre o mar? O pai era funcionário do banco do estado e,
antes de se transferir para aquela cidade onde conheceu a mãe,
morava numa cidade grande banhada pelo mar. Provavelmente
o pai havia dito à mãe o que sabia sobre o mar da cidade onde
ele nasceu.
Era só o pai acabar de ler o jornal, depois do jantar, aproximavase devagar como se não estivesse querendo nada e, ali na sala, em
poucos minutos, começava a fazer perguntas sobre o mar. O pai
já estava ficando irritado com as perguntas que o filho vinha
fazendo sobre o mar todos os dias. Ficou sério daquela vez,
dizendo que, se ele quisesse, fosse até a estante, pegasse lá a
enciclopédia e consultasse, que ficaria sabendo tudo sobre o mar.
Depois de haver dado o conselho, o pai cobriu o rosto com o
jornal, fez que estava lendo e sorriu.
A enciclopédia podia explicar muita coisa sobre o mar, o pai
estava certo, já devia ter pensado nisso. Apressado, caminhou
pelo corredor até entrar no gabinete do pai. Ali viu o livro grosso
na estante, com as letras grandes indicando na lombada: Nova
Enciclopédia Brasileira. Com dificuldade retirou da prateleira o
livro pesado, colocando-o em cima da escrivaninha. Nervoso
começou a virar as páginas até chegar na letra M e encontrar a
palavra que queria. Ali estava no alto da página: Mar, substantivo
masculino, a massa de água salgada do globo terrestre. Notou
até aí que a enciclopédia não trazia nada de novo sobre o que é
o mar, não acrescentava coisa nenhuma. Isso ele já sabia. Correu
os olhos mais abaixo, leu: Mar aberto, porção ampla de mar
sem acidentes geográficos que lhe dificultem a navegação. Ficou
confuso, o rosto avermelhou, controlou-se para não ter uma
crise de raiva. Desceu mais os olhos à procura de encontrar
alguma explicação detalhada e clara acerca do que era realmente
o mar. Encontrou uma série de expressões, como mar alto, mar
fechado, mar costeiro, mar interior, mar encapelado, mar de
sargaço, mar de rosas, mar de leite, mar isolado e mar livre,
cada uma delas com a sua explicação anotada. Não entendeu
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nada do que queria significar cada expressão daquela, ficou ainda
mais confuso e começou a chorar alto.
A mãe foi acudi-lo logo que ouviu o berreiro, pensando
preocupada que era algum mal que havia acometido o filho de
repente. A mãe conseguiu a muito custo que ele abrisse a porta.
Ele estava com os olhos vermelhos de tanto chorar, o livro
grosso jogado no chão. Ele disse à mãe que o culpado de tudo
era o pai, havia mandado ele procurar na enciclopédia o que
era mesmo o mar. A droga daquele livro pesado não lhe
esclareceu nada sobre isso, deixando-o mais confuso e aflito. A
mãe procurou acalmá-lo, não chorasse mais nem ficasse
aborrecido, daquela vez prometia falar com o pai para encontrar
um jeito de levá-lo para conhecer o mar. Disse até que o mar
não era uma coisa do outro mundo. Não ficava em outro planeta,
estava ali perto da cidade onde moravam. O filho sossegasse,
não ia demorar muito de conhecer o mar, para tudo na vida se
dá um jeito, só não se tem jeito para a morte. Aí então ele deixou
de chorar e soluçar, acreditando no que a mãe havia prometido,
desejando logo que chegasse o dia para que ele fosse com o pai
conhecer o mar de perto.
O pai:
– Levo você pra conhecer o mar, deixo até tomar banho nas
suas ondas a manhã inteira, desde que faça um trato comigo.
– Qual?
– Passar no exame de admissão no final do ano.
– Prometo.
Nunca havia sido reprovado na escola, não ia acontecer dessa
vez, embora os colegas andassem dizendo que o exame de
admissão era muito difícil. Ser aprovado no exame de admissão e
começar a cursar o ginásio significava ser olhado por pessoas
importantes na cidade como um estudante especial. Não ia fazer
outra coisa agora do que estudar, durante a semana toda, até nos
domingos e feriados. Quando não estivesse na escola, ia ficar em
casa sem tirar os olhos dos livros.
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R EVISTA
DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
DA
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Deixou de tomar banho no rio, jogar bola com a turma no
campinho perto da feira velha, apanhar fruta madura nos quintais
espalhados pela cidade. Passava até da hora de dormir, ficava no
quarto estudando até as dez horas, a mãe reclamava, apague essa
luz e vá dormir logo, pode não acordar amanhã cedo e chegar
tarde na escola. As olheiras no rosto pálido e a falta de apetite
deixavam a mãe preocupada. Que você estude muito até que
entendo, não pode é ficar sem querer se alimentar direito, a ponto
de pegar uma fraqueza e cair doente. Aí nem estudo, nem exame
de admissão, nem conhecer o mar, nem nada. Na vida tudo tem
limite! A mãe aconselhava.
Até que chegou o fim do ano e foi fazer as provas do exame
de admissão. Nunca viu provas tão fáceis. Somente a prova de
matemática é que achou um pouco difícil. Mesmo assim não
esgotou o tempo que era determinado para fazer cada prova.
Em menos de uma hora, entregou as quatro folhas de papel
pautada com todas as questões resolvidas ao homem de bigode
aparado e óculos de lente escura, encarregado de fiscalizar os
candidatos na sala.
O resultado não podia ser diferente, deixou o pai orgulhoso, a
mãe cantarolava por entre os cômodos da casa quando não estava
sorrindo com a alegria que o filho lhe dera. Havia sido aprovado
em primeiro lugar no exame de admissão, agora queria que o pai
fizesse a parte dele no trato que os dois tinham firmado. Queria
conhecer o mar, nadar e mergulhar nas suas águas salgadas, cheias
de brilho, cortar de frente ou de lado suas ondas grandes e
pequenas. Quando era que o pai ia cumprir o que havia prometido?
O pai falou que era no próximo domingo, a mãe já havia até
comprado um calção azul para ele vestir no seu primeiro banho
de mar. Iriam de marinete até a cidade de Ilhéus, onde se dizia
estavam as praias mais lindas do mundo.
Tinha que acordar bem cedo, a marinete sairia da estação de
manhãzinha, cheia de torcedores que iriam assistir naquele
domingo a seleção de futebol de Itabuna jogar contra a de Ilhéus.
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R EVISTA
DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
DA
B A H I A , nº 51, 2013
Todas as vezes que havia uma partida de futebol entre as seleções
das duas cidades vizinhas era como se fosse uma guerra, os
torcedores ficavam exaltados, ninguém queria sair derrotado. Saía
bate-boca, xingamento e até briga entre os torcedores. Quando o
jogo acabava, torcedores de Ilhéus jogavam pedras na marinete
que retornava a Itabuna com a comitiva dos visitantes.
O pai adiantou que em Ilhéus iam almoçar na Pensão de Dona
Cora, que ficava nas imediações do estádio de futebol. Lá ele ia
tomar banho de água doce para tirar o sal quando retornasse da
praia. Depois de fazer a refeição do almoço, o pai queria ir logo
para o estádio de futebol comprar os ingressos para na
arquibancada os dois assistirem o jogo. Segundo o pai, aquele
estádio de futebol era um dos orgulhos do povo de Ilhéus. O
gramado era todo coberto de uma grama tratada, parecia um
tapete onde a bola rolava macia. Não era como o da sua cidade,
cheio de buracos, todo pelado no lugar do goleiro. O estádio de
Ilhéus tinha uma marquise que cobria a arquibancada. Pista ao
redor do campo para corrida de atletismo. Era um estádio de
futebol moderno, muito bonito, mais bonito que o estádio de
futebol da Capital. Ele não ligou para o que o pai disse, o que
interessava mesmo era conhecer o mar, tomar banho nas ondas
azuis e verdes, nadar e mergulhar como um peixe, só de pensar
nisso ficava inquieto, demorava em pegar no sono, o coração
queria sair pela garganta de tanto bater acelerado..
No início da viagem, os torcedores foram cantando o hino da
cidade de Itabuna e de vez em quando se esgoelavam no refrão,
que sacudia a marinete:
Um, dois, três,
Ilhéus é freguês!
Um, dois, três,
Ilhéus é freguês!
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R EVISTA
DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
DA
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Começaram a cantar o hino da cidade a todo pulmão quando
a marinete fez a primeira parada na Vila do Salobrinho, as palavras
saindo das gargantas inflamadas com a força das bombas grandes
que explodiam no São João. Dessa vez, quando acabavam de
cantar o hino da cidade, o refrão dizia da guerra fácil de ser vencida:
Ilhéus é uma canja,
É canja de galinha,
Arranje outra defesa
Pra jogar com a nossa linha!
É canja, é canja de galinha...
Nem ligava para o que os torcedores estavam cantando, nem
com o barulho que a batucada fazia dentro da marinete. Claro
que queria que a seleção de futebol de sua cidade fosse a vencedora
da partida. Só que naquele momento nem ia se preocupar se o
centroavante Baé, o grande goleador, estava contundido, se ia
ou não participar da partida. Não lhe interessava saber sobre a
situação do salvador da seleção de sua cidade com os seus gols
incríveis em mais de uma partida já dada como perdida. Desejava
que o domingo fosse azul com um sol esplêndido de verão.
Como um daqueles que era comum acontecer quando era verão
de sua cidade quando então, de calção e peito nu, saía correndo
por aí como o filho do vento, o sol feito uma flor brilhante
acesa no peito.
Pela janela da marinete, olhou para o céu brilhando feito um
espelho e sorriu da sorte que o dia lhe dava. Viu nuvens passarem
ligeiras no céu banhado de azul. Periquitos como manchas verdes
e velozes na direção das serras azuis. O rio como cascata por
entre as pedras. Jaqueiras carregadas de frutas grandes e
pequenas. Na viagem inteira, a marinete seguia aos solavancos,
levantando poeira na estrada esburacada. O motorista botava
fogo pelas narinas, cuspia cobras e lagartos, os passageiros
davam gritos e assovios.
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R EVISTA
DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
DA
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Depois do pontilhão, ele sentiu o ar salgado entrar pelas
narinas, os cabelos arrepiaram, a testa franziu, inquieto mexeu o
corpo na cadeira dura. Observou as árvores que saíam da lama,
vejam, que coisa esquisita, tinham as raízes de fora pelas margens
do rio. Um rio largo aquele, sem uma pedra de fora, manso na
descida, deslizando preguiçoso feito cobra grande. Naquela
descida lenta ia demorar de encontrar o mar.
O cheiro de maresia ia ficando mais forte na medida em que a
marinete aproximava-se da entrada da cidade. Apressado, abriu
bem os olhos, colocou a cabeça fora da janela, tentando ver se
enxergava algum pedaço do mar ali por perto. Não viu nada.
Atento, acomodou-se na cadeira, concentrou-se para que os
ouvidos captassem o barulho grande que o mar fazia, como o pai
havia dito, e que de repente podia chegar até ele. Também não
conseguiu ouvir nada.
Ao entrar na cidade, a batucada tocou com tanto entusiasmo
que o pessoal na marinete passou a cantar bem forte o refrão:
Vencer, vencer, vencer,
Uma vez Itabuna,
Itabuna até morrer...
A marinete parou numa pracinha próxima à Pensão de Dona
Cora. O motorista pediu para que a batucada encerrasse a
zoada e os passageiros fizessem silêncio, queria dar um aviso.
Falou que depois do jogo acabar só ia esperar meia hora para
partir de volta. Quem não chegasse no tempo marcado, fosse
dormir na pensão, em casa de parente ou amigo, tentasse
retornar para Itabuna na primeira marinete da manhã seguinte.
Os passageiros devolveram a recomendação daquele aviso
categórico com uma vaia misturada com assovios. O pai
também apupou, apoiando a mangação que os passageiros
fizeram com o motorista, dando boas risadas quando saiu
da marinete.
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R EVISTA
DA
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LETRAS
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Horas depois, o coração começou a bater acelerado quando
seguiu ao lado do pai na direção do mar.Teve um leve
estremecimento e segurou a mão do pai quando ouviu os
primeiros bramidos entrando pelo beco que ia dar na avenida
em frente ao mar. Fez força nas pernas para firmar os passos e
não tropeçar. O pai disse para ele fechar os olhos, só abrisse
quando pisasse na areia da praia e ele desse a ordem. Aí então
ele ia ver uma coisa bonita como jamais os olhos tinham visto.
Toda azul e verde, brilhando para todos os lados, cheia de ondas,
rugindo sem cessar.
Quando os pés pequenos pisaram na areia morna, sentiu o
pai tirar a mão que tapava os olhos, ouvindo-o dizer: “pode abrir
agora”. Respirou fundo e tomou coragem para abrir os olhos.
Perdeu a fala, ficou tonto, pensou que ia cair. Ali, diante dele,
estava o mar, mundo de água azul que não parava de rugir, através
das ondas que se quebravam na areia. Era o mar verdadeiro, que
os olhos nunca tinham visto, com os banhistas na praia debaixo
do guarda-sol, alguns tentando furar as ondas com os mergulhos,
outros jogando bola na areia. Era o mar diante de seus olhos
bem abertos, procurando lá longe um navio que se afastava
lentamente, parecendo um brinquedo que se movia na imensidão
das águas. Era o mar com inúmeros espelhos que brilhavam na
manhã ensolarada, rolando numa imensa massa feita de águas
salgadas, que se perdiam até lá onde o céu faz uma curva. O mar,
agitado e ao mesmo tempo manso, iluminado pelo sol, ondulado
pelo vento. O mar até onde a vista alcançava, guardando peixes
de todo tamanho, viagens em todo tipo de embarcação,
incontáveis tesouros.
Correu até as ondas pequenas que morriam na praia.
Chapinhou, chutando a água seguidas vezes. Deu o primeiro
mergulho e saiu adiante com um sorriso vitorioso no rosto
molhado. Foi encoberto pelas ondas no segundo mergulho e
sentiu o gosto da água salgada. Sorriu outro sorriso bonito.
Começou a nadar num trecho raso. Comparou aquelas ondas
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DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
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pequenas que se quebravam na praia com a água agitada das
corredeiras no rio da sua cidade. Quis enfrentar uma onda mais
alta, que esbateu no seu corpo, causando-lhe um grande susto.
Nem ouviu quando o pai gritou para que ele não se afastasse, era
perigoso, com o mar não se brinca. Mais confiante começou a
passar por algumas ondas mais fortes. Quanto mais nadava e
mergulhava, não se cansava, o coração queria mais e bis e bis e bis.
E, salpicado de verdes e azuis, perante o céu que tinha no mar
um espelho que Deus deu, veio para a praia onde o pai estava em
pé, atento a todos os seus movimentos. Veio numa carreira
desabalada com aquela vontade enorme para abraçar o pai.
Assim que retornasse à sua cidade, agora ia querer ver se o
amigo do sobrado amarelo em frente mangaria dele porque não
conhecia o mar. Bom também era a seleção de Itabuna ter
vencido a de Ilhéus por um a zero, jogando no Mário Pessoa. O
amigo ia ter que lhe engolir. Ele ia ter que suportar sua mangação
na semana.
Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista e autor de livros infanto-juvenis.
Publicou, entre outros, Os Brabos, Prêmio Afonso Arinos da Academia
Brasileira de Letras, e Cancioneiro do Cacau, Prêmio Ribeiro Couto da União
Brasileira de Escritores (Rio), e o Segundo Prêmio Maestrale Marengo d’Oro,
Genova, Itália. Já publicou em Portugal, França, Itália, Alemanha, Dinamarca,
Rússia, México e Estados Unidos. É membro correspondente da ALB.
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DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
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DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
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Maré alta
Gláucia Lemos
Foi entrando pela água adentro e alcançou a coroa. Sentou-se e
esperou morrer. A maré estava baixa. No dia seguinte era março.
À noite a maré subiu. Chegou até a coroa e cobriu o corpo da
mulher. Os peixes roeram-lhe as pálpebras e os siris entraram-lhe
pela boca. E nunca mais ninguém mariscou na coroa.
Contam que quando ela atravessou a praia, ainda um filete de
sangue escorria pelas suas pernas. E foi deixando um rastro
vermelho pela água tranquila.
Não era igual à mãe que nunca aquietava calada, não trocava
camisa para brigar. E quando faltava de que reclamar, falava sozinha.
Não era. Comia calada. Assuntava o que se passava em volta, mas
calava. A mágoa crescia por dentro que nem maré de março.
A mãe tomou conta da criança. Era um menino quieto que
tinha nos olhos a expressão tranquila dos homens que passam a
vida no mar. Diziam que era filho de um marinheiro que
emprenhara a mulher e se fora. Ninguém sabia ao certo. Pureza
era calada. Uma pomba sem fel – dizia a mãe, querendo
engrandecer. Uma mosca morta – acrescentava, quando queria
destratar. Ela não dizia nada. A barriga crescendo e ela calada.
Ouvindo tudo sem opinião nem resposta. Ignorando as perguntas
como se não fossem com ela.
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R EVISTA
DA
A CADEMIA
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L ETRAS
DA
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Mas que o menino tinha aqueles olhos cheios de paz, isso ele
tinha. Jerônimo foi crescendo como os outros meninos. Comendo
papa de farinha dada na boca pelos dedos da avó e arrastando a
barriga cheia de lombrigas pelo chão batido do casebre. A cara
suja de terra. Indo à praia enganchado na anca da avó, à cata de
mariscos. Crescia acostumado com a velha que lhe cuidava sem
muito carinho mas também sem maus tratos. Ás vezes, já
grandinho, saía caminhando até o cais, ao anoitecer. Alguma coisa
por dentro traindo um vazio. Uma necessidade estranha, uma
angústia, e ficava sentado nas tábuas do cais, olhando a coroa ali
próxima, ou o horizonte distante. E espantando os mosquitos
das pernas encardidas. Horas a fio. Recolhido, calado, quieto.
Depois a avó o procurava e vinha a bronca.
– Tá de calundu outra vez. É que nem a mãe. Quando embirra
de ficar calado ninguém arranca uma palavra.
Outros diziam que era filho do prefeito. Pureza lavava para a
família do prefeito e todo fim de semana lá ia levando a trouxa de
roupa. Os olhos sempre úmidos e brilhantes. E a boca carnuda,
que nem fruto de dendê maduro, sempre calada e sisuda. Quando
dona Olga viajava para o sítio, ela entrava pela casa da patroa e
recolhia a roupa suja das crianças. Fazia tanto tempo que lavava
para eles, que era como se fosse da casa.
Quando botou barriga alguns começaram a falar que bem
poderia ser filho do prefeito. De alguma daquelas segundas-feiras
em que se demorava na casa, recolhendo as roupas da semana.
Ela não dizia nada. Caminhava normalmente pelas ruas, o vestido
empinando na frente, levando e trazendo as trouxas, ou
mariscando siri e papa-fumo pela praia, sem esconder a gravidez.
De ninguém. Nem mesmo da mãe. Nem mesmo de Ernesto.
A mãe brigando. Como brigava por tudo.
– Tá prenhe. E quem é o pai? Não tem vergonha do marido
paralítico em cima da cama? Penando que nem um desvalido há
tantos anos?
Pureza, calada. E a velha:
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R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
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– Não tem mesmo é vergonha na cara.
A mulher foi até a porta do quintal. Ergueu o ferro a carvão e
soprou forte. As brasas estalaram e as faíscas saíram pela boca do
ferro. Voltou à mesa de engomar. A velha continuava na ladainha.
– Não pode viver sem homem, é? Ernesto é paralítico mas
ainda não morreu, não. Não tem vergonha de passar na cara desse
infeliz com a barriga de outro homem?
Pureza esticou na mesa o vestido branco de dona Olga. Desfez
uma ruga. Passou o ferro com cuidado.
– Vai, descarada, diga aí. É do marinheiro? Bem feito que ele
se picou no mundo. Agora, se não é do marinheiro, hein? Se é de
seu Abílio... rum... Tá pensando que ele vai lhe dar alguma coisa?
Vai dar mesmo é um pontapé na bunda pra tu tomar vergonha.
Coitado de Ernesto, esse, sim, é um infeliz.
A mulher, calada. O ferro indo e vindo em suas mãos, por
cima da roupa da mulher do prefeito. Não levantava a vista do
trabalho. Em seguida, arrumou as peças dentro de um lençol
bordado e prendeu os lados com presilhas. A barriga grande, os
movimentos lentos. O corpo pesado. Entrou no quarto onde
Ernesto dormia. Olhou em cima do estrado o que restava do
marido. Um corpo insensível, parado, sequer movia os braços,
mal conseguia falar.
Amara aquele homem, sim. Tinha-o amado muito. Tinha sido
tempo bom, aquele. Moços os dois, cheios de vida. Depois,
havia seis anos, ficara morrendo com ele na sua infelicidade.
Acompanhando sua morte lenta em cima da enxerga. Ela,
porém, estava viva! Viva! Será que a mãe não entendia isso? Por
que teria que morrer junto com o homem? Estava viva! Viva!
Deus do céu...
O filho estremeceu na barriga. Olhou outra vez para o homem.
E chorou. Não sabia bem por quê. Mas chorou naquela noite
como nunca.
O homem mais velho que a própria idade, nada tentava
perguntar. Encolhido em seu estrado, as pernas mortas, como de
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resto quase todo o corpo, enrolado na coberta de chitão lavadinha
e remendada por Pureza. Reduzia-se à sua solidão de paralítico.
Desde o desastre da Leste, havia seis anos, vivia ali, como um
bicho de estimação. Pureza dava-lhe o alimento à boca e o banho
no colo como se fosse um bebê. E o homem foi mirrando,
murchando, como um maracujá que enruga. E parecia um
ancião. As mãos encurvando, as pernas secando.
Nada tentava perguntar à mulher. Para quê? Não tinha de
que se queixar. Ninguém sabia se sentia ciúmes do vigor de
Pureza nos seus trinta e oito anos cheios de sensualidade.
Ninguém o sabia. Ele só olhava para ela longamente, e, quando
seus olhos a surpreendiam alguma vez parada à porta dos
fundos, os olhos na folhagem agitada do quintal ou no pedaço
de mar que podia avistar, seu coração enchia-se de piedade
pela mulher. Ainda moça, cheia de fogo, amarrada a ele que
nada mais tinha a lhe dar. E, sem reclamar, calada como era e
sempre fora.
Viu a barriga da mulher crescendo, e ela sem alterar os seus
hábitos, sem evitar encará-lo, sem diminuir seus cuidados e sem
os aumentar. Como se nada estivesse acontecendo.
O coração do homem enchia-se de angústia e ele fechava os
olhos quando ela entrava no quarto e, quieta, como era seu
jeito, banhava-o, alimentava-o, perguntava-lhe se precisava de
alguma coisa. Solícita como antes, como sempre fora. Ele não
tinha coragem de lhe perguntar por nada. De nada lhe cobrar.
Seis anos... Era muito tempo.
Quando Jerônimo foi crescendo, Ernesto ficava observando.
O cabelo crescia clareando. E a pele morena igual à de Pureza,
queimada ao sol e ao salitre, fazendo contraste com o cabelo
claro, lisão, que nem cabelo de milho novo. Reparando mais, o
cabelo era bem como o cabelo de seu Abílio, o prefeito. O
marinheiro ele não conhecera. Diziam só que passara uns dias,
poucos, e se fora, só falavam dos olhos calmos do menino, mas
ele não tinha como comparar. E a mulher, teimosa do jeito de
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R EVISTA
DA
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L ETRAS
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um burro, nunca dissera nada. Morreu como viveu. Calada.
Guardando só para si mesma, seus gostos e seus desgostos.
O menino crescendo como os outros meninos, roubando
mangas pelos sítios. Pulando do cais, nadando nas águas da bacia,
fazendo carreto no porto, vendendo mariscos aos veranistas,
em prato de esmalte. Do pai e da mãe não perguntava. Também,
o tempo passando, o povo esquecendo. Ninguém se lembrava
mais de comentar do prefeito ou do marinheiro. Só as mulheres
mais velhas, olhando a coroa, de vez em quando falavam da
mulher que procurara sua morada na areia do mar. Falavam em
assombração, Ninguém mais mariscou na coroa, por isso. Por
mais baixa que estivesse a maré.
Um dia Ernesto morreu. Amanheceu morto. O corpo
pequenino que se fora reduzindo pela longa paralisia. A velha
fechou-lhe os olhos enquanto dizia:
– Deus te tenha no seio da santa glória.
E, noutro tom:
– Descansou.
Durante o velório, Jerônimo, quieto, de olhos compridos,
ficou ainda mais calado. Não sabia por que, uma garra lhe
apertava o peito. Nunca tinha visto uma pessoa morta. Nunca
ligara muito para aquele homem enfurnado em um quarto que
exalava cheiro morrinhento. A avó levava-lhe mingau, três vezes
ao dia, lembrava-se bem. Mas, agora que morrera é que lhe
parecia real. E fazia-o sentir que, um dia, também fora real a
mãe que nunca vira. Que lhe fora, até então, como Deus, alguma
coisa que sabia existir, mas sem noção exata, e sem se importar
muito com isso. Ficou olhando Ernesto, de uma palidez
arroxeada, naquele caixão de tábuas. A curiosidade foi
despertando, e, pela primeira vez, perguntou à velha:
– Vó, como foi que minha mãe morreu?
A velha, numa surpresa, pôs no rosto do menino os olhos
miúdos e demorou-se com o olhar sem brilho, para encontrar a
palavra na voz cansada. Depois, segurou a mão do neto e
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R EVISTA
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DE
L ETRAS
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arrastou os chinelos até a porta do casebre. O braço esticado
apontou a coroa.
– Tá vendo ali? Onde ninguém quer ir mariscar? Foi ali.
Quando ela sentiu a dor, era finzinho de fevereiro. Você demorou
muito para nascer. Ali, naquele quarto, Ernesto chorava, coitado,
soltando uns gemidos horríveis, de quem quer falar alguma coisa
mas não consegue senão grunhir. Ernesto gostava muito de sua
mãe. Toda vez que ela gemia, a cara dele ficava que nem a cara de
um cão danado. No outro dia, você nasceu... Eu não quis mais
nem olhar para a cara dela.
Foi nessa hora que a mulher se levantou da cama onde tinha
acabado de parir e entrou no quarto do homem. E viu a máscara
de dor no rosto do marido. Seus olhos mais expressivos à medida
que ia perdendo o uso da palavra não tinham mais a mansidão
habitual, o ar de agradecimento e de resignação. Havia nos olhos
de Ernesto uma mágoa tão funda e tão gritante que contraía os
músculos da face e o tornava terrível de se ver. Com aqueles
olhos transtornados ele olhou a mulher no rosto
demoradamente. Mas a voz parada, sem poder falar mais nada.
Que nem maré morta.
Pureza sentiu a mágoa do marido no seu próprio peito.
Dentro dela o coração cresceu, cresceu até que estourou. E ela
cuspiu sangue. E seus olhos choraram sangue.
Foi aí que Pureza saiu e foi andando até a praia e entrou na
água. Era fim de fevereiro. Ficou sentada no alto da coroa até
que chegou março e a maré cresceu e cobriu tudo. E ninguém
viu mais nada.
Jerônimo soltou a mão da avó e correu para a praia. A maré
estava alta. O menino parou na fita de espuma onde o mar se
encontrava com o pedaço de praia que a maré grande ainda
deixava. A água fria lambendo seus pés maltratados, de unhas
encardidas. Olhou para a água. Viu à sua frente um rastro de
sangue que se mexia com o movimento do mar. Como uma
estranha estrada que se abria e levava à coroa.
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Fitos os olhos modorrentos, resoluto o corpo raquítico jogouse à água, e seus braços magros começaram a nadar seguindo o
rastro.
Mais uma vez era março. E havia peixes e siris habitando a
coroa.
__________
Gláucia Lemos é bacharel em Direito, crítica de arte, poeta, contista e
romancista; é autora de mais de trinta livros, entre literatura adulta e infantojuvenil, com destaque para as Aventuras do marujo verde. Recebeu vários prêmios
nacionais. Seu romance Bichos de conchas (2008) foi vencedor do II Prêmio de
Literatura da União Brasileira de Escritores-UBE/Scortecci 2007. Desde 2010
ocupa a Cadeira nº 14 da ALB.
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ACADEMIA
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Sob a chuva lá fora
Flamarion Silva
A rua quieta. O carro vermelho parado bem rente ao muro
vizinho. O gato “Lord” sobre o muro. Começou a chover fininho.
O vento agitava com leveza as folhas da roseira branca de Lídia,
que àquela noite ainda não voltara para casa. A chuva começou a
cair mais forte e o ruído que fez sobre o carro vermelho parado
bem rente ao muro vizinho não incomodou o sono de ninguém.
A água da chuva fez um córrego bem no meio da rua. Um pedaço
de papel foi levado pela água e foi se desviando de pequenos
obstáculos. Destino trágico. A boca negra do bueiro o engoliu
faminta. O vento ficou bravo de repente e deu um safanão na
roseira branca de Lídia e ela esbateu-se contra o muro. Coitadinha.
A luz cor de bronze do poste tremeluziu. De repente, a
constatação: a casa do vizinho estava morrendo, de tristeza.
Aquela, encostada à casa de Lídia. Suas paredes tão frias! Todo o
tempo fechada e nenhuma voz a lhe humanizar. Morria sem
gemidos, resignada. A casa de Lídia era amarela, na varanda havia
plantas nos caqueiros e no teto balançava um bebedouro de
passarinho. Sua borda era vermelha e florida. O portão da casa
de Lídia era branco e de ferro. Quando aberto, emitia uma risada.
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DE
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Mas naquele momento ele estava com feição preocupada. Vez
ou outra espichava os olhos para fora, ver se Lídia já vinha
descendo a rua. Mas a maior parte do tempo ele preocupava-se
mesmo era com a segurança da casa. O outro portão, o da casa
colada à casa de Lídia, era de madeira e já não esperava ninguém.
Outrora fora alegre e muito receptível. Nos vincos de sua madeira
apodrecida, a memória de um senhor e uma senhora já velhos
que mudaram de casa. Nunca mais voltariam. A partir daí teve
início a morte lenta desse portão. – E esta chuva que não passa.
Deus queira, Lídia tenha levado a sua sombrinha japonesa e
automática que faz “flop!” quando se abre – o homem pensou –
Lídia é prevenida. Marluce também toma lá os seus cuidados,
mas a sua sombrinha não tem o mesmo espírito alegre que tem o
da sombrinha de Lídia. Não se compara. Por esse momento um
vulto surgiu crescendo na parede da sala, onde o homem se
encontrava, encostado à janela. Era Marluce. – Você não vem
dormir? O homem não se assustou com a presença furtiva da
mulher. Não era raro ela invadir os seus pensamentos. – Olhe só
esta chuva – ele disse. – Vou deitar – disse a mulher, e sua sombra
foi-se escorregando pela parede, sumindo-se pelo corredor. Outra
vez só, com seus pensamentos e aflições, o homem ansiava por
ver Lídia descer a rua, abrir o portão e a porta de casa. Precisava
ter a certeza de que ela chegaria bem. Minutos se passaram. O
sono já lhe fechava os olhos. – Paciência – ele disse, já dando os
primeiros passos em direção ao quarto, onde, com certeza, sua
mulher já passeava por sonhos distantes. Mas algo lhe disse para
esperar mais um pouco, pois logo Lídia surgiria lá em cima, talvez
meio ensopada de chuva, e o portão se abriria com sua habitual
risada. – Sim, sim – ele agora tinha certeza, Lídia descia a rua. A
sombrinha pequena esforçava-se para proteger sua dona. Não
era possível ouvir os passos de Lídia, mas dentro do coração do
homem algo começou a bater mais forte. Lídia abriu o portão e
ele sorriu. O homem escondido na janela também sorriu tranquilo.
Poderia, enfim, ir dormir. Mas antes, olhou mais uma vez a rua.
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A água da chuva começou a cair com mais intensidade. Um
sentimento, que o homem não compreendeu, perpassou-lhe a
alma. Pungentes gotas de chuva caíam sobre o vermelho metálico
do carro encostado ao muro da casa defronte. Parecia haver se
instaurado um tumulto na solidão das criaturas frias, quase mortas,
daquela rua.
__________
Flamarion Silva é escritor, natural de Barcelos do Sul, na Baía de Camamu.
É graduado em Letras Vernáculas (UFBA), reside em Salvador. Estreou
com livro de contos O rato do capitão (Salvador, EGBA, 2006). Publicou a
novela O pescador de almas (São Paulo, Escrituras, 2010), finalista do prêmio
SESC de Literatura 2007, publicado com o apoio da Secretaria de Cultura
do Estado da Bahia, através da Fundação Pedro Calmon (FPC).
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Os botões de madrepérola
(Homenagem a Sosígenes Costa)
Herculano Assis
Quando o sol, a destilar em desmaios o fôlego de sua íris no
sopro das brisas, na vidraça da janela, a despir o ostensório das
nuvens em cortinas de penumbra e caminhos de poeira. Num
sobressalto, a cadeira da escrivaninha de cedro era arrastada pelo
tabuado de putumuju. Como carícias numa fronte imaculada, os
papéis rabiscados eram adormecidos no acalanto das gavetas, os
murmúrios insones dos livros eram calados num golpe certeiro.
A força do pensamento fecundara os delírios, cuja vida lhes cercara
por instantes os suspiros. O coração batera-lhe venturoso em
razão dum impulso mensageiro: – Filho, não tardas! Eis o horário
ideal. Num rastro de ânsia, espelhar-se entre os delfins entalhados
no cristal era a última obrigação do jovem fidalgo. Restaurara o
penteado tal qual recriasse a fronte dum busto de alabastro com
a ternura de um pincel chinês. Perfumar o corpo lânguido era
mergulhar-se numa lagoa de feitiço. A calça de linho debruçara o
ocre de sua têmpera na camisa de seda com seus botões de
madrepérola. Ah! Os botões de madrepérola...
Teu caminhar em brados de glória ganhara a avenida do rio mar.
Houvera uma leveza em teus passos de marcha militar, como se não
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os tocassem o chão, seguindo o cálido valsar duma batuta nas mãos
do trovador, e na face o riso jovial e delirante dos homens singulares.
Os olhares com auras de veneno seguiram-no pelo refúgio do
horizonte e, quando a amargura invadira-lhes os lábios, os
comentários explodiram em festim:
– Onde é que esse engomado vai uma hora dessas?
E logo:
– Dizem que vai à praia todos os dias, no mesmo horário e
sozinho!
O leite da volúpia ardera às entranhas estagnadas da velha
mulher, que dissera:
– Ele é amasiado com quem?
– É poeta! – respondera-lhe com o timbre ríspido e o rosto
contraído de desdém.
Sentado numa colcha de marfim, entre travesseiros de búzios,
com o olhar vagante, quase melancólico, daqueles que sentenciam
os lábios ao silêncio, para que o pensamento ganhe asas de tufão.
Emprestara ao mar os seus sonhos para que as sereias se
encantassem. Elas brotavam das espumas de açucenas com
cabelos de algas, seios de corais e afagos de sal. Golcondas
cirandavam sobre o bailar das ondas, e num milagre sonoro, os
mistérios eram contemplados em vigília.
Os ventos do norte cheiravam a cravo em uivos de mármore.
Ele fincara-se de pé, os braços cruzados, num prelúdio de partida,
quando os olhos cerrados fitaram um cortejo de pavões com
caudas de opala abertas em ravenalas. Eles guarneciam os desejos
de sua alma e apalpavam num carrossel de plumas os delírios do
seu verso, embora desaparecessem num soluço de pólvora. Seus
braços despencaram e em seus olhos orvalhados a lágrima azul
cintilara. Seus passos, novamente, ganhavam a avenida, mas agora
em direção ao porto do Jequitinhonha. Enquanto os lençóis das
nuvens de algodão eram manchados de nanquim, as casas
ganhavam os murmúrios dourados do ocaso. Os castelos de areia
despencavam no menestrel das ostras.
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As canoas acorrentadas nas pedras do cais, embaladas pela
maré de barro, suplicavam agônicas as mãos do remo, numa prece
de liberdade. Batelões cansados ancoravam abarrotados de sacas
de cacau, que no lombo dos estivadores eram transportadas para
o estômago dos armazéns. Nos bares ouvia-se o gorjeio das
raparigas que deixaram os navios desérticos, conduzindo os
marinheiros aos seus cuidados.
A mata despira o jade de seus penachos e, vestida de ouro,
irradiara nas águas do Jequitinhonha o berro brônzeo de sua
quimera. A lira de sândalo das gaivotas despertara as candeias da
cidade. Florões de lilases rasgaram as negras nuvens no pálio dos
sobejos escarlates. E, num suspiro cadente, o horizonte
desmanchara-se em névoas e adormecera no sudário das sombras.
Em passos alados o jovem retornara a sua casa, atravessara a
sala e seguira para o quarto. Isolara-se da seda que lhe cobria o
palpitar do peito e cuidosamente removera os botões de
madrepérola do ninho em que estavam aprisionados e aos clarins
duma graciosa sonata, eram abrigados na pétala dum novo retalho
que, no albor da alvorada, cobriria novamente os dragões de seu
peito. Cessara o ritual perpétuo e seguira para o quintal com a
órfã camisa desfalecida em suas mãos. Ele a mergulhara na velha
bacia enrugada pela labuta, qual lago de água da fonte e espumas
de alecrim.
Enfim trancara-se em sua alcova de barcarolas, iluminado pelo
candeeiro de porcelana. E antes que as brumas de nardo cobrissem
o turíbulo das estrelas, ele adormecera no sono das ninfas.
Belmonte-BA, setembro de 2011.
Herculano Assis é natural de Itabuna (1980) e radicado em Belmonte-BA; é
poeta, autor dos livros Alvorar (2007), Rua dos avessos (2011) e Cobra de duas
cabeças (2011), que reúne inéditos de poesia e prosa de Sosígens Costa.
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DISCURSOS
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A Academia de Letras da Bahia
de 2011 a 2013
Aramis Ribeiro Costa
Presidente da ALB 2011-2013
É regimental que ao término do mandato o presidente apresente um
relatório de sua gestão. A exigência tem dois princípios incontornáveis:
a prestação de contas aos confrades e à sociedade à qual pertence a
Academia, e o registro histórico fundamental à própria história da
Casa. Sem esses registros, consignados em nossos arquivos, mas, de
preferência, também em nossa Revista, perderíamos grande parte de
nossa memória.
Eleita por unanimidade no dia 25 de novembro de 2010 para o
mandato 2011-2013, tendo a mim, para honra minha, como seu
presidente, a diretoria que hoje presta contas foi empossada no dia 24
de março de 2011. Cabe-me, antes tudo, agradecer aos companheiros
de diretoria desse período, o apoio institucional e prático aos nossos
trabalhos. São eles: Waldir Freitas Oliveira, vice-presidente; Cid Teixeira,
1º secretário; Gláucia Lemos, 2ª secretária; Consuelo Pondé de Sena,
1ª tesoureira; Paulo Ormindo David de Azevedo, 2º tesoureiro; Myriam
Fraga, diretora da Revista; Dom Emanuel d’Able do Amaral, diretor
da Biblioteca; Joaci Góes, diretor do Arquivo; e Carlos Ribeiro, diretor
de Informática. Como conselheiros editoriais, tivemos Aleilton
Fonseca, Evelina Hoisel e Ruy Espinheira Filho. Como conselheiros
de contas e patrimônio, Geraldo Machado, João Falcão, substituído,
por morte deste, por Francisco Soares Senna, e Paulo Costa Lima. A
todos, muito obrigado.
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A herança administrativa recebida diretamente do presidente
Edivaldo Boaventura, e, mais remotamente, do saudoso presidente
Cláudio Veiga, foi, sobretudo, de amor a esta Casa e ao que ela
representa de mais alto para a cultura e as tradições da Bahia. Ao
escolher a palavra Casa, para designar a Academia, faço-o
propositadamente nos dois sentidos, o físico e o institucional, para
nós indissociáveis, desde que conquistamos o privilégio de existir nas
dependências deste vetusto e belo solar que transmudamos num Palácio
de Cultura, por isso mesmo de portas abertas a essa mesma cultura.
Casa antiga, nobre, deve ser vista como uma digna senhora que
conserva e mesmo renova suas belezas oriundas dos valores e das
sabedorias dos tempos antigos, mas que precisa de muitos e
permanentes cuidados para se manter digna e útil. O privilégio de
possuirmos este Palacete Góes Calmon vem implicado com a tremenda
e onerosa responsabilidade de conservá-lo. Dos aspectos estruturais
aos mínimos pormenores, da utilidade ao enfeite, tudo aqui é
importante, tanto para as funções que desempenha quanto para a sua
inquestionável vocação museológica, guardião que se faz, este belo
palacete, de móveis, peças de arte e objetos outros de grande
preciosidade, além do seu próprio valor arquitetônico.
Ao assumirmos os trabalhos da Casa, e trabalho foi o compromisso
maior em nosso pronunciamento de posse, nossa primeira preocupação
foi com a casa mesma, a casa física, no sentido de consertá-la e arrumála para enfrentar uma nova etapa de atividades. Não houve um único
cômodo, um único setor que não fosse alvo de nossa atenção e de
nossa interferência. A começar por seu entorno de árvores frondosas
e jardim que abriga o nosso panteon de esculturas. Renovamos as
placas e os avisos de entrada, implantamos câmeras de segurança,
restauramos o grande lampião que no alto e na quina das paredes
antigas embeleza o pátio e o jardim; instalamos nova e necessária
iluminação por toda a imensa área ajardinada e estacionamento,
resgatamos as dependências dos fundos para a utilização como
depósito de materiais, uma área que, no futuro, deverá ser reconstruída
para melhor utilização. Mas a obra de maior vulto e mais importante
para a manutenção do prédio, na parte externa, foi a substituição de
mais de cinquenta colunas de sustentação das varandas, que já
despencavam esfareladas pela ação do tempo.
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Imediatamente ampliamos o Escritório Financeiro e Administrativo,
que amargava a dificuldade de instalações exíguas e insuficientes,
triplicando, por meio de divisórias e equipamentos necessários como
aparelhos de ar condicionado, informática e telefone, o seu espaço,
aproveitando, para isso, uma passagem inutilmente larga após o antigo
escritório. Da mesma forma rearrumamos os arquivos da Secretaria
numa sala contígua à mesma Secretaria, e que se encontrava sem
utilidade prática. Para isso, houve a necessidade de novas estantes e
armários de aço.
As câmeras de segurança foram também instaladas no interior do
prédio, de modo que todos os compartimentos sejam
permanentemente fiscalizados num único monitor, permanecendo os
registros gravados para uma posterior averiguação, se isso se fizer
necessário, queiramos nós que jamais seja. A iluminação no interior
do prédio também foi objeto de cuidados, e aqui destaco, como registro
de gratidão permanente da Casa, o belo lustre antigo de bronze, de
dezesseis lâmpadas, posto no Salão de Entrada de nossa sede,
magnânima doação do acadêmico Francisco Senna, juntamente com
um formoso candelabro antigo, também de bronze, que passou a
enfeitar nossa anterior mesa de reuniões, a da sede do Terreiro,
recuperada pelo presidente Edivaldo Boaventura. As dezesseis
lâmpadas acesas do lustre de bronze realçam o teto esmaecido de
Presciliano Silva. Mas não ficamos nisso, no setor da iluminação:
mantendo as luzes diretas e incandescentes dos lustres antigos, que
nos remetem aos tempos dos nobres salões baianos, instalamos
também iluminação indireta no alto de três salões, a Sala de Reuniões,
a Sala dos Presidentes e o Salão de Entrada, realçando igualmente, por
meio das lâmpadas frias acesas no alto, por detrás das calhas e dirigidas
ao teto, a beleza e a importância desses compartimentos.
Houve que cuidar da amplificação e modernização do som, pois
queremos que nossas vozes e nossos discursos sejam ouvidos, nós
que jamais nos omitimos na defesa e na propagação da cultura em
nossa terra. Assim, a Sala de Reuniões ganhou um novo serviço de
som com microfones sem fio, e este Salão Nobre, Auditório Magalhães
Neto, teve o seu velho sistema de som inteiramente restaurado, com
fios embutidos, duplicação de pontos de microfone na mesa alta, novos
cabos e novos microfones. No capítulo dos aparelhos contemporâneos
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e necessários, além de novos microfones, com e sem fio, cuidamos de
adquirir aparelho de DVD e scaners portáteis, objetos indispensáveis
ao nosso bom funcionamento. Ainda no capítulo dos equipamentos
necessários, cunhamos cinquenta medalhas para os futuros membros
correspondentes.
Restauramos inteiramente a Sala da Presidência, que breve, num
gesto de gratidão e reconhecimento, denominaremos Sala Presidente
Cláudio Veiga, justa homenagem ao presidente que montou esta sede
e no silêncio e na quietude daquela sala quase escondida, como numa
complexa cabine de piloto, comandou-a por duas décadas e meia. Ali,
houve que substituir os rodapés de madeira, também pedaços de portas
e janelas, inteiramente destruídos pela ação dos cupins, repor vidros,
restaurar a própria mesa onde Cláudio sóbria e dignamente cuidava
dos interesses desta Casa.
Inovação importante na Secretaria foi a colocação de dois corrimões
de aço inox nas laterais da pequena escada de acesso da parte externa
para a interna, projeto do acadêmico Paulo Ormindo David de
Azevedo, o que garantiu a não desfiguração das linhas arquitetônicas
do prédio, e contribui para a segurança física daqueles que, embora
não tenham a pretensão de serem imortais também no físico, desejam,
ao menos, a longevidade. A Biblioteca, administrada por nova
bibliotecária, Bárbara Coelho, ganhou novas estantes e nova arrumação,
não apenas física, mas também de seus acervos, cujas referências foram
inteiramente digitadas. Um importante convênio com a instituição
Cidade Mãe não apenas nos trouxe jovens estagiários, como colocou a
Biblioteca da Academia na linha de frente dos projetos ressocializantes
e educativos. Como extensão da Biblioteca, a auxiliar seus trabalhos e
suas funções, montamos a Sala de Informática com oito computadores
ligados à internet. O Arquivo ganhou novas estantes de aço,
padronizadas conforme as especificações técnicas, uma nova arrumação
e, principalmente um belo armário de madeira feito sob encomenda
para abrigar DVDs e CDs, onde pretendemos arquivar as imagens e
os sons dos nossos eventos, igualmente a palavra e as imagens dos
nossos acadêmicos, para que, um dia, tenhamos um precioso arquivo
de memória, não apenas da Academia, mas da própria Bahia, tão carente
de bons arquivos de memória visual e auditiva. Dessa maneira partimos
com força para um novo Arquivo, que não se limita ao livro, ao papel
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e às fotografias em papel, mas conserva as imagens dos nossos tempos
e dos nossos feitos.
Uma atenção muito especial tivemos com a Sala de Reuniões, onde
nos encontramos à volta da mesa comprida para as sessões ordinárias,
para as eleições, os lançamentos de livros e os grandes debates, aqueles
que às vezes atritam, por vezes contrariam, mas, ao final, sempre
enriquecem. Além da nova iluminação indireta, do novo sistema de
som e da câmera de segurança, a sala dos pratos brasonados de Jorge
Calmon, antiga sala de refeições da família Góes Calmon, teve a sua
vasta e preciosa madeira cuidadosamente restaurada, a grande mesa
de reuniões encompridada, o piso submetido a rigorosa restauração,
que incluiu substituição de madeira, raspagem e enceramento; o velho
grupo estofado ganhou um novo forro, voltando ao branco de tempos
antigos; os armários, com vidros e fechaduras recuperados, ganharam
também novos forros, agora combinando com os estofados da cor
das cadeiras, sendo enriquecidos, esses mostruários, com uma mimosa
doação: a pequena coleção de pratos decorados que pertenceram ao
governador J. J. Seabra, acadêmico fundador, e que passaram a enfeitar
o armário do velho relógio de pêndulo de Góes Calmon. E ganhou
também um delicado aparelho de chá e café. A pequena sala próxima
a essa Sala de Reuniões parecia guardar, com a tenacidade das coisas
óbvias, a vocação para sala auxiliar de serviços de copa, e dessa forma
a fizemos: mesas de serviço, bebedouro, cafeteira, portas-copos, além
da geladeira, que veio da administração anterior. E essa pequena e
inútil sala, que era apenas uma passagem, tornou-se mais um recanto
útil e agradável da nossa sede, onde se pode tomar uma água gelada,
um cafezinho ou um chá, o chá que fortalece o imaginário das academias
de letras.
Contígua à Sala de Reuniões, a Sala dos Presidentes, também Sala
de Exposições. Além da iluminação indireta e da câmera de segurança,
esta sala de memória, homenagem e exposição teve seus mostruários
restaurados, com madeira recuperada e novos forros no tom azul. Na
sala das grandes pinturas, um novo tapete, bem maior, substituiu o
velho e estragado que guarnecia a antiga mesa de reuniões, a do Terreiro.
Na verdade essa sala ganhou um jogo de tapetes. Nessa mesma sala,
foram recuperadas molduras e adicionado um precioso retrato de
Castro Alves, um de nossos mais venerados patronos, doação do
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acadêmico Edivaldo Boaventura, que também nos trouxe de Macau
um belo vaso que pode ser visto na mesa redonda de centro da Sala
dos Biscuits.
Atenção especial também mereceu este Salão Nobre, Auditório
Magalhães Neto, o palco obrigatório de nossas sessões solenes e
públicas. Espaço dos grandes momentos, no qual recebemos
solenemente nossos convidados, dos mais ilustres aos anônimos, todos
importantes, este salão recebeu um minucioso tratamento, que teve
início na recuperação urgente de sua porta de vidro, passando pela
referida câmera de segurança e pela também referida modernização
do sistema de som, à substituição das madeiras destruídas das portas e
janelas, à recuperação do próprio piso, inteiramente raspado e encerado,
à pintura. As velhas e desbotadas bandeiras do Brasil, da Bahia e da
Academia foram substituídas por similares de seda bordadas a mão. A
mesa alta teve a sua madeira inteiramente restaurada, o tablado ganhou
um novo forro. E conquistamos, finalmente, nossa moderna e elegante
tribuna de madeira, dignificada pela insígnia em aço escovado da
Academia, peça que obedeceu fielmente ao desenho, realizado a nosso
pedido, pelo arquiteto e acadêmico Paulo Ormindo David de Azevedo,
para adequá-la ao conjunto deste salão, igualmente projeto desse
dedicado confrade. Naturalmente a pequena sala anexa, que serve de
apoio a este Salão, foi desocupada de sua despropositada função de
depósito e adequada às suas novas funções auxiliares.
Tudo foi visto nesta velha casa, do censor do elevador à recuperação
dos mostruários de vidro da ante-sala deste auditório, das novas
saboneteiras à pintura e recuperação das cadeiras do Auditório Pedro
Calmon. Não houve um pequeno canto que não sofresse uma
intervenção, uma melhoria. E o que não foi feito, ou o que ainda não
foi feito, como, por exemplo, a pintura externa do prédio, de extrema
necessidade e que nos aflige, foi por absoluta falta de recurso financeiro.
A esse respeito, é importante dizer que, a despeito das nossas
dificuldades financeiras, dos recursos insuficientes e de difícil aplicação,
pudemos quitar todos os nossos compromissos, e hoje não devemos
financeiramente nada a ninguém, o que poderá ser comprovado nos
livros de nossa contabilidade.
Mas a Casa é também sua função, ou é principalmente sua função,
que a faz útil e respeitada e a coloca na linha de frente da cultura
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baiana, guardiã do seu passado, promotora do seu presente,
incentivadora do seu futuro. Com exceção dos pequenos e necessários
períodos de recesso, nos quais, aliás, permanecem funcionando a
administração, a secretaria, a biblioteca e o arquivo, tivemos, nesses
dois anos de nossa gestão, uma programação intensa e bastante
diversificada, não tendo sido poucas as vezes que atraímos um grande
público e a atenção da imprensa. Foram sessões ordinárias,
lançamentos de livros e revistas, sessões especiais comemorativas
ou regimentais, eleições, posses de membros efetivos e
correspondentes, concursos literários, premiações, cursos, colóquios,
seminários, conferências, palestras. O relato de todos esses eventos
encontra-se, com pormenores, nas Efemérides de 2011 a 2013,
publicadas na Revista da Academia de Letras da Bahia nº51, já em
processo de edição e que lançaremos breve, cumprindo, pelo
segundo ano consecutivo, o compromisso de publicarmos o nosso
periódico ao menos anualmente. A propósito, iniciamos o processo
de digitalizar nossas revistas e disponibilizá-las no site da Academia
e pretendemos que, ao final, todos os números lá estejam.
Permitam-me apenas, e não pretendo estender-me, destacar algumas
dessas realizações, por considerá-las de grande relevância para a gestão
que ora finda. Entre as sessões especiais, destaco a comemoração
dos cem anos do primeiro governo J. J. Seabra, coordenado pela
acadêmica Consuelo Novais Sampaio; a comemoração dos duzentos
anos da imprensa na Bahia, uma sugestão do jornalista Luís
Guilherme Pontes Tavares, evento coordenado pelo acadêmico Carlos
Ribeiro; os cem anos do jornal A Tarde, que teve como orador o
acadêmico Edivaldo Boaventura; e o centenário de nascimento do
acadêmico dom Avelar Brandão Vilela, com a presença do arcebispo
de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, e discurso da
acadêmica Consuelo Pondé de Sena.
Registro, como da mais alta importância, a criação do Curso Jorge
Amado e do Colóquio da Literatura Brasileira, realizações que não
seriam possíveis sem a parceria institucional da Fundação Casa de Jorge
Amado e o esforço pessoal da acadêmica Myriam Fraga, grandemente
assessorada pelos acadêmicos Aleilton Fonseca e Evelina Hoisel. E
aqui é necessário que diga que os acadêmicos Aleilton Fonseca e Evelina
Hoisel têm sido também os responsáveis pelo grande êxito do Curso
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Castro Alves, Colóquio da Literatura Baiana, e do Seminário de
Literatura Baiana, realizações que contam com o apoio da Universidade
Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana. No
Seminário da Literatura Baiana, nos dois últimos anos, em concorridos
encontros, estudamos Judith Grossmann e Ruy Espinheira Filho. O
Curso Jorge Amado, que tem atraído professores e estudantes de letras
de todo o País, fez parte, em 2012, das comemorações oficiais do
Centenário de Jorge Amado, com a presença da presidente da Academia
Brasileira de Letras, escritora Ana Maria Machado, acompanhada dos
acadêmicos Murilo Melo Filho e Domingos Proença Filho, que
testemunharam, juntamente com os filhos do escritor e confrade
homenageado, Paloma e João Jorge, a colocação da placa “Biblioteca
Jorge Amado”, a denominar a Biblioteca da Academia por decisão da
maioria dos acadêmicos.
De extraordinária importância para a gestão 2011-2013 foi a criação
da Coleção Mestres da Literatura Baiana, em parceria com a Assembleia
Legislativa da Bahia, que ensejou o estreitamento de laços entre as
duas Casas, concretizado num convênio editorial de tão grande
importância para a Academia e para as Letras Baianas, que nos levou a
condecorar com a Medalha Arlindo Fragoso seu presidente, o deputado
Marcelo Nilo. O primeiro volume lançado, A Bahia já foi assim, foi uma
homenagem à Bahia e à autora da obra, nossa saudosa Hildegardes
Vianna. Os dois volumes seguintes, que nos trazem Contos e Novelas
Escolhidos, de Hélio Pólvora, em processo de edição, breve serão lançados.
Destaco ainda, como de grande importância pelo ineditismo da
realização, pelo interesse do público, pelo envolvimento dos diversos
setores culturais da Bahia e pela repercussão na imprensa, o encontro
que promovemos, neste auditório superlotado, com os candidatos a
prefeito de Salvador, tendo como tema Uma Política Cultural para a
Cidade do Salvador, uma sugestão do acadêmico, então recém-eleito,
Luís Antonio Cajazeira Ramos. Nessa gestão, aqui recebemos, pela
primeira vez, um prêmio Nobel de Literatura, o nigeriano Wole
Soiynka, para uma palestra e lançamento de seu primeiro livro
traduzido no Brasil, trazido à nossa Casa por meio do saudoso
acadêmico Ubiratan Castro de Araújo; recebemos um jornalista da
importância de Alberto Dinis, para nos fazer uma excelente palestra
sobre Stefan Zweig; empossamos os membros correspondentes
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Rita Olivieri-Godet e Maria Beltrão; elegemos e empossamos o
membro correspondente Antonella Rita Roscilli e o membro efetivo
Luís Antonio Cajazeira Ramos; elegemos também, como membro
efetivo, um dos grandes nomes da Literatura Brasileira, o escritor
baiano João Ubaldo Ribeiro. Quase ao final do último ano e também
desta gestão, tivemos o prazer de empossá-lo, numa cerimônia que
contou com a presença do governador da Bahia, Jaques Wagner,
do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Nilo, e do
secretário de Cultura, Antônio Albino Rubim, entre outros
secretários, autoridades, imprensa.
O relatório minucioso de nossas atividades, nas Efemérides a serem
publicadas brevemente na Revista da Academia de Letras da Bahia número
51, demonstra que a gestão 2011-2013 cumpriu inteiramente o
compromisso de retribuir com amplos serviços culturais a verba que
nos é destinada pela Secretaria de Cultura da Bahia.
O trabalho do dia a dia da Academia, bem como o grande trabalho,
aquele que começa nos bastidores, longe dos olhos do público, e se
concretiza nos eventos bem sucedidos, não poderia ser realizado sem
o empenho e a dedicação dos funcionários. Uma equipe pequena e
dedicada, absolutamente integrada ao espírito da Academia, e que,
temos certeza, ama esta Casa. Abraço-os a todos, com a gratidão que
eles merecem.
Senhores Diretores, senhores Conselheiros, senhoras e senhores
Acadêmicos, senhoras e senhores:
Este o relatório que o Regimento exige e apresento neste término
de gestão e abertura de um novo ano acadêmico, exatamente no dia
em que nosso sodalício completa noventa e seis anos de existência, 7
de março. Mas a Academia de Letras da Bahia, sem desprezar suas
realizações passadas, muito pelo contrário, tem os olhos e as intenções
voltados para o presente e para o futuro. Tanto o presente quanto o
futuro serão sempre uma longa e bela história a escrever.
Vamos escrevê-la.
Discurso pronunciado pelo presidente Aramis Ribeiro Costa, no dia 7 de março
de 2013, no Salão Nobre da ALB, na sessão de encerramento da gestão 20112013, abertura do ano acadêmico e posse da nova diretoria, gestão 2013-2015.
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Inauguração da estátua
de Góes Calmon na ALB
Francisco Senna
O último quartel do século XIX, também conhecido universalmente
como “fin de siècle” ou “belle epoque”, introduziu no Ocidente um
novo padrão arquitetônico ou estilo identificado como ecletismo ou
historicismo, seguido pelo estilo “art nouveau”, que se estenderam até
os anos 20, quando o “art decò” e o modernismo passaram a imperar.
Fruto de uma cultura enciclopedista, este pan-estilismo eclético
teve, no Brasil, a sua grande expressão na chamada Primeira República
(1889-1930), em substituição ao neoclassicismo, estilo oficial do
Império e que se estendeu com os seus regionalismos ao longo de
quase todo o século XIX.
Primando pelo exagero decorativo, mistura de estilos e integração
das artes, como a pintura, a escultura e os vitrais, o ecletismo recobria
paredes, forros e pisos com elementos de gesso, lambris, mosaicos e
“parquets”, ladrilhos hidráulicos e pastilhas.
O ferro e o vidro permitiam a inserção de novos elementos, como:
colunelos, marquises, claraboias e terraços em abobadilhas. Foram,
também, introduzidos equipamentos sanitários, como água encanada
e louça, luz elétrica e elevadores.
Com o surgimento de uma nova burguesia, o tradicional sobrado,
construído em lote urbano estreito, com parede-meia, tendeu a
desaparecer, cedendo lugar a suntuosos palacetes, em centro de
terreno, cercados por jardins que ostentavam, com seu paisagismo,
o novo estilo.
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Reformas urbanas introduziram o transporte público: bondes,
planos inclinados, elevadores e, finalmente, o ônibus e o automóvel, a
partir de 1901, com o Painard Levasseur importado pelo mecânico
Henrique Lanat.
Nesse contexto histórico, a cidade do Salvador acompanhou os passos
das grandes metrópoles e modernizou-se, seguindo os princípios da
reforma urbana de Paris, realizada em 1851 por Haussmann, competindo
no Brasil com as reformas do Rio de Janeiro, Recife e Belém, bem como
com o apogeu do ciclo do café em São Paulo, que eclode como a grande
metrópole brasileira do século XX.
O ecletismo arquitetônico de Salvador tem sua especificidade, com a
criação da Escola de Belas Artes, por Miguel Canizares y Canizares em
1877, cujo prédio, iniciado em 1878, foi depois transformado em sede
do Senado Estadual, na Praça da Piedade.
Contudo, a era José Joaquim Seabra, que se encerrou com o governo
de Francisco Marques de Góes Calmon, foi a grande responsável pelo
apogeu deste estilo, no bojo das grandes reformas urbanas, quando da
abertura da Av. Sete de Setembro e da realização do grande aterro do
Comércio, para a implantação de novo porto da Cia Docas da Bahia e
a consequente abertura da Av. Jequitaia.
A reforma da antiga Casa de Câmara e Cadeia, em 1887, realizada
pelo eng. Francisco de Azevedo Caminhoá, e a reconstrução do Palácio
Rio Branco, concluído em 1900, e da Faculdade de Medicina, em 1905,
realizada pelo eng. Theodoro Sampaio, foram obras referenciais na cidade.
As principais ruas do Comércio e da Cidade Alta foram alargadas,
como a Rua Chile, a Rua da Ajuda e a Av. Sete de Setembro, onde surgiram
novas edificações projetadas, em sua maioria, por engenheiros, arquitetos,
mestres de obras, pintores, escultores e estucadores italianos.
Destacaram-se, nesse período, dentre outros, os italianos: arquitetos
Rossi Baptista, Orestes Sercelli, Thomas Rossi, Julio Conti, Antonio
Virzi, o eng. Filinto Santoro, o escultor Pasquale De Chirico e o francoargentino Victor Dubugras. Dentre estes, radicaram-se na Bahia Rossi
Baptista e Pasquale De Chirico.
A formação de arquitetos na Bahia desenvolvia- se, como um
curso ou departamento da Escola de Belas Artes, até o ano de 1959,
quando foi emancipado com a criação da Faculdade de Arquitetura.
Na Escola Politécnica havia também uma cadeira de arquitetura
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ministrada pelo arq. José Nivaldo Allioni, considerado o introdutor
do ecletismo na Bahia.
Outra instituição que muito contribuiu foi o Liceu de Artes e Ofícios
da Bahia, fundado em 1872, e responsável pela formação da mão de
obra de nível técnico: carpinteiros, serralheiros, estucadores e outros
artífices.
O nosso ecletismo seguiu diversas tendências: o neogótico, o
classicizante, o neomanuelino, o neocolonial, ou as mixagens
compositivas, o que era mais comum, especialmente nos prédios
comerciais e nos palacetes, sendo este o caso do Solar Góes Calmon
ou Palacete do Caquende. Construído por Francisco Marques de Góes
Calmon, foi solenemente inaugurado em 19 de março de 1919, há
exatos 92 anos.
Edificado em centro de terreno, em lote de esquina valorizado por
pequena praça à frente, com for mosos jardins e acesso
predominantemente lateral, este palacete possui escadaria e galeria em
dois pisos, com colunata clássica e dois pavimentos acima do porão
alto, à semelhança da Villa Catharino, inaugurada em 1912, e atualmente
sede do Palacete das Artes Museu Rodin Bahia.
O Solar Góes Calmon é imponente na sua volumetria e
elementos secundários, apresentando uma rica composição eclética
de mixagens compositivas, onde cada pavimento tem tratamento
de vãos e modenaturas diferenciados. Embora acrescido de pavilhão
ao fundo, que abriga a Biblioteca, o Solar conserva a sua aura de
palacete. No jardim, destacam-se uma fonte e um chafariz de
cantaria, além de bustos de vultos importantes das letras universal
e baiana.
Seus ambientes internos possuem rica composição mural em
estuque de gesso, com preciosa pintura no teto do salão nobre, ou
salão dourado, executada pelo renomado pintor baiano Presciliano
Silva, além de cartelas, elegantes esquadrias e pisos em mármore e
parquet.
A antiga sala de jantar conserva sua original e rica composição de
mobiliário e decoração, com painéis especialmente confeccionados
para a exposição da coleção de porcelanas do seu antigo proprietário,
atualmente abrigando a coleção de pratos brasonados doada pelo
inesquecível acadêmico Jorge Calmon de Bittencourt.
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O Palacete abrigou a família Góes Calmon, de 1919 a 1943, a
antiga Pinacoteca e Museu do Estado, de 1946 a 1969, o Museu de
Arte da Bahia, de 1970 a 1982, e, a partir de 7 de março de 1983, a
Academia de Letras da Bahia, nossa Casa.
Nada mais justo, nesta presente data, enriquecermos este PalaceteMuseu com a estátua do ex-governador Francisco Marques de Góes
Calmon, seu idealizador e construtor, cuja evocação cabe em discurso ao
ilustre Confrade-Presidente, acadêmico Edivaldo Machado Boaventura.
Compete-nos, porém, apresentar o autor desta preciosa obra
escultórica, cuja instalação ora se inaugura. O escultor italiano Pasquale
De Chirico nasceu a 24 de maio de 1873, na cidade de Venoza, na
Itália, e chegou ao Brasil aos 20 anos de idade, dedicando-nos 50 anos
de sua vida.
Estudou como bolsista no “Rial Instituto di Belli Arti di Napoli”,
destacando-se entre os melhores discípulos de Achiles Dorsi, mestre
que o impulsionou na arte. Chegando ao Brasil em 1893, estagiou em
Santos e trabalhou em São Paulo, onde instalou uma fundição artística,
única no gênero naquela época.
Veio então para a Bahia, a convite do eng. Theodoro Sampaio, para
executar o conjunto de esculturas para o novo prédio da Faculdade de
Medicina da Bahia, realizando ali 12 obras. Lecionou na Escola de
Belas Artes da Bahia como professor contratado, de 1918 a 1932, quando
prestou concurso, tomando posse, como professor efetivo, na Cadeira
de Escultura, a qual lecionou até 1942.
Foi um grande mestre do desenho e da escultura e dentre os seus
discípulos destacam-se o pintor Mendonça Filho, e os escultores Ismael
de Barros, J. Rocha, Carlos Sepúlveda, Augusto Buck e Jair Brandão.
Casou se com D. Maria de Chirico, com quem teve duas filhas,
Cecília e Emília. Viveu da arte e foi grande na sua arte, embora pequeno
na estatura, pois tinha apenas 1,55m de altura. Dentre suas obras,
destacam-se bustos, hermas, medalhões, esculturas, inclusive funerárias,
em bronze e mármore.
Realizou também algumas peças autenticamente de arte, para
satisfazer o seu anseio criador. Morreu trabalhando no seu atelier, em
1943, com as mãos sujas de barro, aos 70 anos de idade. Segundo
Carlos Chiacchio; “Foi, sem contestação possível, o maior autor de
monumentos da Bahia.”
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Dentre suas obras merecem destaque:
– Conjunto de 12 esculturas da antiga Faculdade de Medicina,
(Terreiro de Jesus).
– Busto do Padre Manoel da Nóbrega – (1914), na Rua da Ajuda.
– Estátua do Barão de Rio Branco – (1919), na Av. Sete de
Setembro (S. Pedro).
– Estátua de Tomé de Souza – (1919), em gesso – no Palácio Rio
Branco.
– Grupos escultóricos da fachada do Palácio Rio Branco – (1919),
Praça Municipal.
– Estátua de Jesus Cristo – (1920), na Av. Oceânica (Barra).
– Busto do General Pedro Labatut – (1923), no Largo da Lapinha.
– Estátua de Castro Alves – (1923), na Praça Castro Alves.
– Busto de Julio David – (1926), no Largo do Rosário (Itapagipe).
– Estátua do Conde dos Arcos – (1931), na Praça Conde dos
Arcos (Comércio).
– Estátua do Visconde de Cairú – (1932), na Praça Cairú
(Comércio).
– Monumento a Ernesto Carneiro Ribeiro – (1932), no Colégio
Central (Bairro de Nazaré).
– Busto do Irmão Joaquim do Livramento – (1936), na Av. Jequitaia
(Comércio).
– Estátua de D. Pedro II – (1937), na Praça Conselheiro Almeida
Couto (Bairro de Nazaré).
– Busto de D. Pedro Fernandes Sardinha, na Praça da Sé.
– Estátua dos Irmãos Pereira, na Av. Lafaiete Coutinho (Preguiça).
– Mausoléu de Júlio David, no Cemitério do Campo Santo
(Federação).
– Busto de Monsenhor Tapiranga, no Largo de Santo Antônio
Além do Carmo.
– Busto Artístico, na Escola de Belas Artes da Bahia (Canela).
– Estátua de Francisco Marques de Góes Calmon – (1938), na
Academia de Letras da Bahia (Bairro de Nazaré).
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Assim, o Solar Góes Calmon se enriquece pela história e pela arte,
e a Academia de Letras da Bahia se enaltece pela responsabilidade
intrínseca de resgatar e preservar a memória baiana, ao instalar, no seu
jardim de sua imponente sede, a estátua do ilustre Governador
Francisco Marques de Góes Calmon.
Francisco Senna é graduado em Arquitetura e Urbanismo (UFBA, 1977), fez
Especialização em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos
Históricos na UFBA (1982) e em Florença-Itália (1985). Foi diretor da
Fundação Gregório de Mattos (1997-2004), é professor da Faculdade de
Arquitetura da UFBA e faz parte de conselhos de várias instituições. Desde
2000 ocupa a Cadeira nº 24 da ALB. Este discurso foi proferido na inauguração
da estátua de Francisco Marques de Góes Calmon na sede da Academia de
Letras da Bahia, em 22 de março de 2011.
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Discurso de Recepção da
Biblioteca do Prof. Dr. A. John
Russell-Wood
Consuelo Novais Sampaio
Aquele que possui uma biblioteca sabe bem como ela se apodera da
sua alma. Vai-se formando e crescendo imperceptivelmente, seguindo
os passos do dono. A cada passo um livro, e livro segue livro. Numa
sucessão surpreendente vão pavimentando o caminho do dono;
crescem conforme o ritmo, as curvas e saltos da caminhada. Quando
esta se acelera, exigem a adição de nova estante. Com o passar do
tempo esta estante exige outra, depois outra e mais outras, numa
sequência que só para com o fim da vida.
A Biblioteca do Prof. Dr. Anthony John Russell-Wood é muito
rica no seu acervo, pois como professor de uma universidade norteamericana, a The Johns Hopkins University, ele não precisava comprar
livros. Todos aqueles que quisesse para o trabalho a que se dedicava
no momento vinham às suas mãos, assim como as estrelas foram às
mãos de Einstein, para que ele escrevesse a Teoria da Relatividade,
como afirma Ortega Y Gasset. Várias e muitas vezes, enquanto lá
estudei sob a sua orientação, vi alunos que, após registrarem no balcão
da Biblioteca Eisenhower dez ou mais livros que necessitavam, levavaos num carrinho de mercado para a sua residência. E caso a biblioteca
da universidade não possuísse um dos livros desejados, este chegaria
às suas mãos, em 24 horas, não mais de 30, conforme a dificuldade em
obtê-lo, através do inter-library loan, sistema que lá funciona à perfeição.
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Com o incrível avanço tecnológico desta era, não sei como o sistema
funciona hoje em dia. Sei apenas que quando me doutorei, em fins de
1979, todo o acervo da grande biblioteca de 5 andares havia sido
computadorizado. Hoje, sabemos, podemos ter, em segundos, o livro
que desejarmos.
A biblioteca do professor Russell-Wood foi-se formando com
aqueles livros que mais de perto atendiam à sua necessidade de
informação e aos temas de pesquisa que no momento estivesse
trabalhando. Quem analisar a sua biblioteca mergulhará no processo
de formação da sua metodologia de trabalho e, possivelmente no
desenvolvimento do seu próprio pensamento e ideias inovadoras.
Assim, foi com admiração e respeito que conheci a biblioteca
particular do professor Russell-Wood. Altas estantes em madeira de
lei escura circundavam o seu gabinete e avançavam pelo amplo cômodo
vizinho, fazendo com que todo o primeiro nível da sua bela casa fosse
tomado por livros. Quem tem uma biblioteca sabe como os livros
avançam, sem cerimônia, sem piedade, pelos cômodos da casa. Por
isso, quando se começa a ver a vida do alto da última prateleira dessa
biblioteca, em geral depois dos 70 anos, chega-se à conclusão de que
está na hora de doá-la, para que não venha a ser decepada em muitas
fatias por compradores ávidos. Foi o que pensei, numa decisão de
quase desligamento vital, quando decidi doar a minha biblioteca
particular para o Mosteiro de São Bento, em Salvador, através do seu
Arquiabade Dom Emanuel d’Able do Amaral. Decidi ficar com apenas
aqueles livros referentes a pesquisas que iria realizar. Confesso que me
admirei quando constatei que, acima do umbral que dá acesso ao meu
quarto de dormir, eu colocara um escaninho, no qual havia guardado,
como se quisesse esconder de mim mesma, para não doá-la, uma
coleção de clássicos da literatura mundial. Meus filhos, Andréa e Paulo
Roberto, podem dizer que foram contagiados por minha bibliofilia, mas
Paulo não pode atribuir a mim a bibliomania, um quase compulsivo
amor aos livros, que o leva aos sebos dos lugares por onde passa. Não
é de admirar que o vírus biblio tenha contagiado meus netos.
O amor pelos livros fez com que o Prof. Russell-Wood deles se
desfizesse somente após o seu falecimento, naquele 13 de agosto de
2010, antes dos 70 anos, que completaria no dia 11 de outubro seguinte.
Queria doá-los. Mas a decisão foi difícil. Só no Brasil, as suas pesquisas
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haviam-no levado a diversas unidades da Federação, especialmente a
Minas Gerais e São Paulo. A excelência dos seus trabalhos fez com
que fosse convidado, com certa frequência, para ministrar cursos,
realizar conferências, participar de seminários nas universidades não
só de Minas e São Paulo, mas também do Rio de Janeiro, Brasília,
Pernambuco, Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, dentre outras
unidades deste país.
A decisão final de doá-la para a Universidade Federal da Bahia
contou com o apoio da sua bem amada esposa Hannelore. Considerou
que, sendo a Bahia, a matriz deste grande Brasil, os estudos sobre o
Brasil Colônia poderiam ser impulsionados na UFBA. Além do mais,
a Bahia foi o marco inicial dos seus estudos pioneiros. Aqui chegou,
pouco depois de graduado na Universidade de Oxford – primeiro aluno
na história desta secular instituição a receber o título de Bacharel em
Língua e Literatura Portuguesa.
Antes de vir à Bahia, recebeu convite para lecionar na então
Universidade do Sul, na Rodésia, hoje Zimbabue. Decidiu ouvir Charles
Boxer, o professor que maior influência exerceu na sua brilhante vida
acadêmica. Boxer foi tachativo: Na Rodésia, você pode ter a chance de passar
férias em Lourenço Marques (hoje Maputo, capital de Moçambique), disse
ele, e na praia catar pedaços de porcelana Ming e Qing.
Quem conheceu Sir Charles Ralph Boxer, ainda que através de uma
das suas muitas publicações, sabe do seu refinado senso de humor, da
brevidade e contundência de suas observações críticas, atributos que
John Russell-Wood soube absorver, integralmente. Com Charles Boxer,
ele havia estudado as Crônicas Portuguesas na Ásia, que mesclavam
História e Literatura. Sem perceber, suas conversas com o mestre
tornaram-se mais constantes, até ser contagiado pela paixão que ele
devotava à História. Para satisfazer a esta paixão, Charles Boxer passou
a dominar várias línguas orientais, e praticamente todas as europeias,
além do latim. Talvez por esta influência linguística, John manifestoulhe o desejo de aprender mirandês, língua ancestral ainda falada nos
confins da Galícia. Charles Boxer perguntou-lhe:
Gosta de chuva? Sim, respondeu./ Todos os dias? (fez-se silêncio)./ Gosta
de Caldo Verde? Sim./ Todos os dias? (silêncio). Fez-se breve pausa, e voltou
a indagar: Gosta de sol? Sim./ Todos os dias? Sim! Então vá para a Bahia!
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Assim o jovem Anthony John Russell Russell-Wood chegou a
Salvador, nas asas da Panam. Com minguados recursos financeiros,
deu aulas de inglês para alguns empresários que lhe pagavam
antecipadamente; escreveu alguns artigos para jornais, e encontrou
apoio vital junto à nobre senhora Agnese Neeser que, na expressão do
próprio Russell-Wood, foi a sua inspiração e estímulo constantes. Conduziuo à famosa biblioteca do Manu e apresentou-o aos expoentes culturais
da época – Jorge Amado, Caribé, Kennedy e outros.
Da pesquisa que realizou, com o auxilio de amigos que foi
conquistando, especialmente do muito ilustre João da Costa Pinto
Dantas Jr., então Provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia,
surgiu a sua tese de doutorado, Fidalgos e Filantropos, a Santa Casa de
Misericórdia da Bahia, na qual revelou formas de ascensão social e de
mobilidade na Bahia ao longo de dois séculos (1550-1755). Nela
também examinou os meios através dos quais uma instituição
privada exerceu funções que deveriam ser da responsabilidade da
coroa ou da municipalidade. A sua devoção à pesquisa fez com que
o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia lhe concedesse em
1966 o título de Sócio Correspondente; três anos depois o Instituto
Histórico Brasileiro também fez dele Sócio Correspondente. Este é
um dos seus mais importantes trabalhos. Publicado em inglês em
1968, no ano seguinte recebeu o ambicionado Herbert Eugene Bolton
Prize, concedido pelo Cong resso de Historiadores Latino
Americanos. Em 1971 tornou-se membro permanente da Royal
Geographical Society em Londres. Em 1983, “pela excelência
acadêmica” deste trabalho, recebeu o Arthur P. Whitaker Prize. Por
este livro foi também distinguido com o título de Benemérito da Santa
Casa de Misericórdia da Bahia, em 1999, por sua contribuição ao
conhecimento da História, distinção concedida pelo então Provedor
Dr. Álvaro Conde Lemos, quando esta nobre instituição
comemorou 450 anos de existência. A bela conferência que então
pronunciou na Câmara Municipal está publicada em brochura. No
ano de 2000 foi condecorado em Portugal com o título de Comendador
da Ordem Internacional de Mérito das Misericórdias.
A significativa contribuição desta sua tese para a historiografia (a
versão portuguesa viria em 1982, 14 anos depois de publicada) fez
com que John fosse prontamente admitido como professor, na
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tradicional e muito exigente The Johns Hopkins University (JHU). Em
uma das entrevistas concedidas ao professor Luciano Raposo
Figueiredo, também publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional,
ele acentua o papel fundamental que sobre ele exerceu a universidade
norte-americana, pela dinâmica atmosfera intelectual, marcada pela
ênfase na metodologia, nos estudos comparativos e interdisciplinares
– marca acadêmica da Johns Hopkins (Homewood Campus), que
treina os estudantes para serem professores e pesquisadores
profissionais. Observo que o Seminário Interdisciplinar da Hopkins
é uma instituição centenária, famosa no meio acadêmico. Ele
estimulou a segunda publicação do prof. Russell-Wood, em 1975,
From Colony to Nation. Essays on the Independence of Brasil, da qual
foi também editor.
A produção intelectual de John Russell-Wood é fascinante, pela
abrangência dos temas, enfoque multidisciplinar e abordagem
comparativa. Para ele, além da Literatura, todas as áreas do
conhecimento humano constituem fontes para a História – Sociologia,
Antropologia, Ciência Política, Psicologia, Oceanografia etc. Seus
trabalhos também revelam o alto valor que deu a mecanismos e objetos
informais do conhecimento, que lhe permitiam estabelecer conexões
e novas interpretações sociais, tais como o marfim de Goa, as louças
de porcelana oriental, encontradas em São Luís do Maranhão; tapetes
Guzerate da Índia, com a inscrição de uma caravela portuguesa, e assim
por diante.
Seus trabalhos também se distinguem pela supremacia que concede
à dimensão humana nos feitos da História. Esta sua preocupação com
a capacidade de realização e mudanças do homem levou-o também à
elaboração de pequenas biografias como a de Manuel Francisco Lisboa,
um Escultor na Idade de Ouro do Brasil, na qual desfez equívocos históricos
que consideravam o pai do Aleijadinho, português de origem,
carpinteiro e arquiteto, como se fosse o próprio Aleijadinho, homônimo
do pai. A publicação em 1992 do livro Society and Government in Colonial
Brazil, 1500-1822, deu-lhe a oportunidade de focalizar de perto três
personagens da História: um estudante da Universidade de Coimbra
no século XVII, nascido na Bahia; um potentado do sertão, no século
XVIII, Manuel Nunes Viana; e Antonio Fernandes, um escravo que,
sob julgamento em Salvador, sofreu muitas atribulações e sofrimentos.
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Todos três levantaram não só questões de identidade, mas também
das relações colônia-metrópole, da avaliação do governo da coroa e
do papel desempenhado por aqueles sem nome, los de abajo, que por
ele foram elevados à dignidade de personagens da História, O peso do
indivíduo na História também está presente em ensaios, como Woman
and Society in Colonial Brazil, e em muitos outros entre os mais de 80
ensaios, artigos e capítulos de livros publicados.
Para realizar os trabalhos que nos legou, John foi levado por seu
indomável espírito aventureiro a pesquisar nos locais dos temas que
estudava. Assim, palmilhou grande parte deste mundo. Além de várias
cidades no Brasil e na Europa, pesquisou no antigo império IndoPortuguês, vasculhando Goa, que em 1961 tornou-se estado da Índia;
também foi a Diu e Damão, agora territórios da Índia, além do antigo
Ceilão, atual Sirilanka. Em tempos mais recentes, também vasculhou
o Nepal, em pleno golpe militar, e não pensou em recusar ou adiar o
convite que lhe fez a Universidade de Israel, para ali ministrar um
curso de curta duração, numa circunstância histórica na qual a fronteira
de Israel com a Palestina estava sendo iluminada por intensivo fogo
cruzado, numa guerra sem fim, que já consumiu milhares de vidas.
A grande, fascinante e inovadora produção historiográfica do Dr.
Anthony John Russell Russell-Wood por certo despertará, com a
doação da sua biblioteca particular à Universidade Federal da Bahia, a
elaboração de estudos específicos. Aqui farei breve referência apenas
a algumas de suas obras mais divulgadas. Além das já citadas,The Black
Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil foi publicada em 1982, teve
segunda edição em 1993, uma terceira bem ampliada em 2002, sendo
finalmente traduzida para o português e publicada, treze anos depois
de ser lançada (2005), com o título de Escravos e Libertos no Brasil Colonial.
Na abertura dessa edição, após analisar as tendências historiográficas
das últimas décadas, John registrou o seu agradecimento aos estudiosos
brasileiros, especialmente baianos, que colaboraram com os seus
trabalhos ao longo dos anos, destacando o saudoso Prof. Carlos Ott,
o mestre Luís Henrique Dias Tavares, então diretor do Arquivo Público
da Bahia (que hoje nos honra com a sua presença) e no qual encontrou
grande apoio, o Dr. Álvaro Lemos e Antonio Ivo de Almeida, então
Provedor e Diretor Executivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia,
o saudoso Erik Loeff, as professoras Ieda Pessoa de Castro e Maria
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Helena Flexor, os professores Cid Teixeira, João José Reis e Luis Mott,
dentre outros.
Na década de 1990, uma enxurrada de novos livros foram por
ele lançados. Alguns ensaios, como Fronteiras no Brasil Colonial –
Realidade, Mito e Metáfora e Portos do Brasil Colonial, atenderam ao
desafio que ele se impôs de situar o Brasil no vasto contexto do
mundo de influência portuguesa. Penso que esses ensaios foram
prévias para os seus últimos livros monumentais. O Império Português,
o Mundo em Movimento, um deles foi publicado em inglês em 1992 e,
no Brasil, pela Difel sete anos depois. Introduzindo nesta obra o
conceito de movimento, ele superou a vigente fragmentação da
historiografia, livrando-se dos limites geográficos e cronológicos,
ao tempo em que enfatizava a dinâmica e as interligações entre o
Brasil, a África e a Ásia. Desenhou uma ampla e inovadora visão
do Império Português, através da análise dos meios de transporte,
produtos comercializados, tipos e atitudes de pessoas, seus estilos
e ideias, estabelecendo pontos em comum e divergências. Por este
fenomenal trabalho, recebeu neste mesmo 1992 da Comissão
Nacional para as Comemorações das Descobertas Portuguesas o
Prêmio Internacional Dom João de Castro, em reconhecimento pelo
“melhor trabalho original no campo da História dos
Descobrimentos e Expansão Portuguesa, do século XV ao XX”.
Em seguida, (1996), o governo português concedeu-lhe o honroso
título de Comendador da Ordem de Dom Henrique.
Em outra obra fascinante, Portugal e o Mar, um Mundo Entrelaçado,
publicado em 1998, simultaneamente em inglês, espanhol e
português, John desenvolve inovadora teoria, segundo a qual o mar
foi a força unificadora, o elemento decisivo de integração do vasto
e disperso Império Português, e não fator de separação e de
dificuldades, como registrava a historiografia tradicional. Outros
livros sucederam-se: Local Governament in European Overseas Empires,
2v., em 1999, e Government and Governance of European Empires, 2v.,
no ano de 2000. Além desta grandiosa produção intelectual, o Dr.
John Russell-Wood encontrou tempo para participar e organizar
pelo menos nove grandes antologias, escrever mais de 80 artigos e
50 resenhas, ao lado de seminários, das inúmeras conferências em
auditórios, rádio e televisão, além de vídeos etc.
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Não sei como encontrou tempo para ministrar tantos cursos nas
mais diversas universidades para as quais foi convidado, inclusive no
Japão, além das suas obrigações como professor na The Johns Hopkins
University, atendendo a alunos da graduação e doutorandos, não sei. É
para mim um mistério, que cresce quando me recordo que ao chegar à
Johns Hopkins, e folhear o jornalzinho do Homewood Campus, arregalei
os olhos quando deparei com a notícia de que o professor John RussellWood havia sido eleito pelos estudantes de graduação o melhor e mais
popular professor de todo o Campus! Como meu professor, ele me
parecia distante, de extrema exigência e impermeável a qualquer desculpa.
Extraía do estudante tudo que podia e mesmo o que não sabia se podia.
Mas, à medida que fui progredindo, essa máscara foi-se desfazendo,
revelando um homem de personalidade extremamente generosa, gentil
e agradável. Quando sabia que o estudante ia entregar-lhe a tese de
doutorado no tempo por ele estipulado, juntava-se a ele e aos demais
alunos no Grad Club, para conversas amenas, muitas risadas, sempre
fertilizadas por um bom vinho. Invariavelmente, o seu grupo era dos
últimos, senão o último, a deixar o clube.
Devo registrar que, dentre os cerca de 3.000 livros, esta biblioteca
contém pelo menos três enciclopédias: The Cambridge History Of Latin
America em três volumes, a Encyclopedia of Latin American History and
Culture, cinco volumes, e a Cambridge Encyclopedia. Oferece mais de 300 livros
e 40 revistas referentes à História de Portugal e à expansão portuguesa,
na África, Índia, Japão etc.; cerca de 165 livros e 70 brochuras sobre a
expansão da Europa, inclusive da Rússia e sua relação com o negro.
Inclui mais de 50 livros sobre a América Latina e, como seria de esperar,
a grande maioria dos livros tem como tema o Brasil. Eles cobrem todos
os assuntos de interesse do pesquisador e estudiosos do Brasil Colônia
e Império, estando a grande maioria em português e inglês.
Sir Charles Ralph Boxer, para citar apenas um autor, comparece
com cerca de 40 livros, além de muitos manuscritos, artigos, brochuras.
Sem medo de errar, posso afirmar que nenhuma outra biblioteca neste
país possui as obras completas deste pioneiro da história do Brasil,
que, pela importância da sua produção, recebeu da Rainha da Inglaterra
o honroso título de Sir. Citarei em português apenas dois desses livros,
para destacar a influência positiva que eles exerceram sobre o Prof. John
Russell-Wood: Some literary sources for the history of Brazil in the XVIII
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Century (Fontes literárias para a história do Brasil) e Municipal Councils of
Goa, Macao, Bahia e Luanda, 1510-1800 (Conselhos Municipais de Goa,
Macao, Bahia e Luanda,1510-1800). O primeiro acentua a importância
da literatura para o estudo da História, e o segundo revela a importância
dos estudos comparativos. John Russell-Wood dedicou ao mestre, em
1999, um estudo com o título de Charles Ralph Boxer, Teacher, Scholar and
Bibliophile, e outro em 2005, Charles Boxer’s Use of Literary Sources in the
Study of Race Relations in Colonial Brazil and the Maranhão. Alegra-me registrar
que, quando esteve em Salvador, o prof. Charles Boxer foi conduzido
pelas ruas desta cidade pelo nosso sempre governador Dr. Roberto
Santos, por quem Russell-Wood tinha grande admiração.
Em resumo, não é de admirar que o Prof. Russell-Wood tenha sido
premiado e condecorado várias vezes. Além daqueles títulos e prêmios
que citei ao longo desta apresentação, não posso me esquecer que em
1997 ele foi feito membro da Royal Historical Society, Londres, e que o
Governo Brasileiro concedeu-lhe em 2002 a ambicionada Ordem do
Rio Branco. Neste mesmo ano, ele foi feito Membro Correspondente da
Academia de Letras da Bahia, onde proferiu duas belas conferências.
Além da sua magnífica Biblioteca, o Dr. Russell-Wood doou à
Universidade Federal da Bahia o seu acervo arquivístico, do qual
constam muitos manuscritos, retratos, brochuras e outros escritos,
inclusive o script de um filme, comissionado de Paris para a televisão,
(1969) com o nome de Flor de São Miguel. O texto é de Hansen-Bahia,
a música de Carlos Coqueijo Costa, e teve John Russell-Wood como
assistente do scripte tradutor para o português e alemão. O tema gira
em torno da pobreza, vício e injustiça social. Apesar de haver sido
julgado de nível superior e de alto valor artístico, o filme não foi
produzido, inclusive, confor me se argumentou, porque o
desenvolvimento do tema desembocaria em protesto social, o que
tornaria difícil a obtenção de licença para a sua realização, naqueles
conturbados anos de 1968, 69. O material arquivístico que acompanha
a biblioteca do prof. Russell-Wood é muito rico e bem volumoso, por
isso ainda está sendo tratado por nossas incansáveis bibliotecárias.
Em 2006 a Câmara Municipal de Salvador concedeu-lhe o título de
Cidadão de Salvador. Quando do seu falecimento em 2010, a Academia
de Letras da Bahia, assim como a Johns Hopkins e outras instituições,
prestaram-lhe significativas homenagens.
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Muito mais teria a dizer para esboçar o perfil do Professor Dr.
Anthony John Russell Russell-Wood, um homem raro, na sua dimensão
humana e intelectual, realizador do irrealizável, de estrutura hercúlea,
disciplina espartana, determinação inflexível e inteligência invulgar. A
obra que lhe era mais cara, a sua Biblioteca Particular, foi por ele, por
sua amada esposa Hannelore e filhos, doada à Universidade Federal da
Bahia. Os filhos, Christopher e Karsten, aqui presentes, deixaram nos
USA esposa, filhos e trabalho, para homenageá-lo, nesta cerimônia.
Esta biblioteca está instalada na Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, constituindo, com o acervo doado pela Professora Dra.
Katia Queirós Mattoso, o Núcleo de Estudos Coloniais, uma nova unidade
de estudo e pesquisa que, sem dúvida, contribuirá para a elaboração
de trabalhos intelectuais, segundo o ritmo inovador do acontecer e do
escrever História.
Não posso terminar sem registrar que o catálogo do Núcleo de
Estudos Coloniais, solicitado pela Magnífica Reitora Dra. Dora Leal
Rosa à diretora da Edufba, Dra. Flavia Garcia Rosa, foi elaborado
num tempo olímpico, graças ao interesse dos que estiveram nele
envolvidos, destacando-se o diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Dr. João Carlos Salles, as bibliotecárias Marina da Silva,
Hozana Maria C. Azevedo e Andréa Rita Silveira, através das quais
agradecemos o trabalho beneditino de uma equipe de dez bibliotecárias.
Estenda-se este agradecimento aos técnicos da Edufba, com destaque
para Ângela Garcia Rosa e Susane Barros, que, sob a direção da
competente e dedicada Dra. Flávia Garcia Rosa, fizeram com que ele
chegasse até nós.
Consuelo Novais Sampaio é historiadora, ensaísta e professora de História
da Universidade Federal da Bahia. Foi Diretora do Centro de Memória da
Bahia, da Fundação Pedro Calmon; tem diversos artigos e livros publicados,
dentre os quais 70 Anos de Lutas e Conquistas: Liga Bahiana Contra o Câncer
(2006). Desde 1992 ocupa a Cadeira nº 40 da ALB. Discurso proferido na
ALB em 5 de setembro de 2012.
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Discurso de posse
na Cadeira nº 5 da ALB
Carlos Ribeiro
Senhores acadêmicos, senhoras e senhores,
Sei como é ingrata, em nosso tempo e lugar, a condição do escritor.
Vivemos num mundo de imagens, que celebra e manipula emoções
fáceis, num universo complexo de pirotecnias audiovisuais carente de
substância, universo ilusório de artifícios e virtuosismos, em que
essência e aparência são muitas vezes confundidas. Eis aí, enfim, tudo
o que se opõe à construção lenta, paciente, sofrida e meditada de uma
obra literária – que por sua vez exige dos leitores o esforço que poucos,
muito poucos, querem despender. Quem nos lê? Quem, de fato, nos
lerá? Por isso, meus amigos, o prestígio dos títulos e dos rituais, por
sua vez tão necessários, não deve se sobrepor ao que verdadeiramente
importa. No caso dos escritores: a sua obra. E é ela, somente ela, que
justifica não seu autor, mas a si própria. Só ela concede, de fato, não a
imortalidade, mas alguma perenidade. Pois que, na verdade, todos,
inclusive os Grandes, passarão.
Se aqui estou, se justifico a minha presença neste espaço privilegiado
das letras baianas, inserido numa linhagem na qual constam nomes
como os de Afrânio Peixoto, Xavier Marques, Rui Barbosa, Carlos
Chiacchio, Estácio de Lima, Walter da Silveira, Carlos Vasconcelos
Maia, Godofredo Filho, Thales de Azevedo, Wilson Lins, Jorge Amado,
Guido Guerra e Jorge Calmon, só para citar alguns dos nossos mais
importantes ficcionistas, poetas, jornalistas e ensaístas, é porque devo
acreditar que a minha obra, de alguma forma, me dá o seu aval.
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É, portanto, em nome da minha atuação como jornalista e escritor
que aceitei o convite de integrar esta Academia. Confesso que me é
estranha a ideia de “imortalidade”, mesmo a sábia concepção que nos
é dada por este sodalício: a de, através das sucessivas saudações de
seus integrantes, preservar a memória dos antecessores, num ritual de
presentificação.
Agradeço aos meus prezados confrades, especialmente os queridos
amigos que tomaram a iniciativa de indicar o meu nome para esta
Academia – James Amado, Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos,
Luís Henrique Dias Tavares, Aleilton Fonseca – e a todos os demais
membros desta Casa, sem esquecer os que, ao longo de minha trajetória,
jamais deixaram de me dar generoso incentivo. Não poderia deixar de
citar, com a mais elevada estima e gratidão, nomes como os das minhas
queridas amigas Myriam Fraga e Evelina Hoisel, dos professores
Edivaldo Boaventura e, in memoriam, Jorge Calmon, ambos grandes
incentivadores da minha carreira jornalística; de Geraldo Machado,
que, como diretor da Fundação Cultural do Estado da Bahia, no início
dos anos 80, deu o impulso inicial para toda uma geração de autores,
através da Coleção dos Novos, então dirigida por Myriam Fraga; de
Aramis Ribeiro Costa, de quem fui sempre merecedor de atenção e
simpatia; dos professores Waldir Freitas Oliveira e Cid Teixeira, a quem
dedico grande respeito e consideração, e, em especial, do ilustre
presidente desta Casa, professor Cláudio Veiga. E a tantos outros, a
exemplo de Carminha, Genilda e do poeta Carlos Cunha, que me
acolheram com tanta generosidade, agradeço, enfim, a honra de
pertencer a esta instituição.
De fora destes muros, não poderia jamais esquecer aqueles que,
em diversos momentos de minha trajetória, exerceram valiosa
influência. Em especial, para não me estender demasiadamente, a minha
querida professora Almerinda, em cuja escola Santa Tereza, no Carmo,
aos cinco anos de idade, garatujei minhas primeiras palavras, iniciandome no universo da escrita. Meus professores da Escola de Jornalismo
da Universidade Federal da Bahia. Adinoel Motta Maia, incentivador
dos então jovens escritores, ao final dos anos 70, através do Concurso
Permanente de Contos do Jornal da Bahia e da revista Aqui Ficção. A
querida amiga e orientadora Antonia Herrera, que, juntamente com
Myriam Fraga, Evelina Hoisel e Judith Grossmann, promoveram o “I
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e o II Encontro de Literatura Emergente, no início dos anos 80. As
professoras Lígia Telles e Mirella Márcia Vieira Longo, que me
prepararam, de forma sempre instigante, para estudar a obra de Rubem
Braga, tema da minha dissertação de Mestrado e da minha tese de
doutorado. Aleilton Fonseca e José Inácio Vieira de Melo, grandes
amigos, com os quais compartilho um projeto literário vitorioso, a
revista Iararana.
Agradeço, portanto, o afeto e a generosidade de todos os que estão
aqui presentes, neste momento de celebração. Celebração da cultura e
das letras, das quais sou um representante. Um que é também diverso,
na multiplicidade de vozes que povoam esta pessoa que vos fala, em
suas personas de jornalista, escritor e professor; de marido, pai e amigo;
de mestre e aprendiz, mas que, em essência, permanece o menino que
formou sua personalidade num mundo especial: a cidade de Salvador,
Bahia.
* * *
É nesta cidade privilegiada, nesta cidade que amo como se cada
uma das suas curvas, pátios, varandas, colinas, sacadas, praias, dunas,
árvores e esquinas, de alguma maneira misteriosa, fizessem parte de
mim, que me flagro como alguém que subitamente percebe ter vivido
muitas vidas. De cada uma delas pode-se trazer uma imagem: um quarto
minúsculo e infinito, num velho apartamento do Centro Histórico,
iluminado por réstias de luz, num remoto final de tarde, no qual um
menino encontra-se, solitário, entre chuvas de flechas e répteis préhistóricos vagando entre as mobílias da sala de estar; um mar noturno,
numa das 1001 noites míticas do bairro de Itapuã, de onde sopra um
vento fresco que sacode os coqueirais numa noite qualquer dos anos
60; dunas alvas, tão remotas e improváveis, nas quais nós, heróis e
príncipes de um reinado sem dono, nos lançávamos em aventuras
mortais por entre túneis de mato e repastos de cajus e pitangas,
mangabas e tamarindos.
Eis, portanto, o espaço privilegiado de uma vida, que se aproxima
lentamente do meio-dia de sua existência com ares de imortalidade,
mas que hoje, neste momento mágico, entre as paredes deste venerável
solar, tem mais do que nunca consciência de sua transitoriedade. De
que sua vida nada mais é que um breve clarão na planície escura. São
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os afetos, nossos insubstituíveis afetos, as tochas que carregamos para
atravessar esta precária ponte suspensa sobre o abismo. De forma que
acreditamos só poder reconstituir, verdadeiramente, nossa vida e uma
suposta biografia, através de uma toponímia de afetividades.
É em nome do afeto que evoco, especialmente, o bairro de Itapuã.
Lugar ao qual quero dedicar esta noite. Ele representa tudo de belo e
nobre que envolve a minha existência. Para isto, peço licença para
evocar um silêncio profundo do qual nasce, como milagre, o vento
que traz sons distantes, murmúrios e batuques, e que vem de remotas
eras, como brisa noturna revestindo este espaço de imagens e evocações:
lá está o mar de Itapuã, o Morro da Vigia, o Abaeté do Catu, a Pedra de
São Thomé, com as marcas dos pés do santo e das patas do seu cachorro;
o Buraco da Vovó, o Porto do Siri; os Contratos de Cima e de Baixo, a
Lagoa das Trincheiras, de Dois-Dois; o Quebra-Resguardo, a Pedra que
Ronca, ou que Aflora, os coqueiros com suas longas cabeleiras
dançando na lua cheia, uma voz de lavadeira que canta uma canção
imorredoura, e as dunas varridas pelo vento; os chafarizes, as fontes
aterradas, em nome do falso progresso, que renascem: Ingazeiras,
Pedras, Dendezeiro, Cacimba, Fonte do Boi, do Porto… e a canção
entoada pelo pescador, no mar imenso, na noite mais profunda, que
vence o esquecimento para ressurgir aqui, neste salão.
Lá estão, meus amigos, os casebres de palha e as lamparinas de
óleo de baleia, no tempo em que “o prato de xixarro era um tostão” e
que “Itapuã era quase que uma família só”. Lá estão os saveiros do
coco e da farinha, a senhora dona das águas; a última baleia pescada,
em 1912, por Damásio; o Mestre Dão, que passou três dias perdido
no mar, num temporal. Lá está, como disse o velho pescador Miguel
Archanjo, de saudosa memória, a terra onde “os homens que têm
direito a nome são esquecidos”. A gente anônima, sem medalhas e
honrarias, que ocupou a costa do Brasil, lavrando a terra, lançando
suas redes de pesca, adentrando o mar alto, enfrentando a fúria dos
elementos, lutando o bom combate. Aquele que nos faz homens dignos
de um nome.
E é lá, naquela Itapuã que não mais existe, que vejo agora o quarto
do menino. Do menino que, à janela que dá para o quintal, se deixa
invadir por sonhos coloridos, e desejos, e amores, e temores. O mar é
então um sussurro distante, e ele percebe que ali, naquele momento,
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algo está se perdendo. Sereias e serpentes, macacos e peixes, baleias e
calangros, jegues, sariguês, “papa-figos”, lobisomens. Todo um
organismo vivo pulsando em flores e matos e brejos e areias. E um mar
azul límpido, e canções, cirandas, sambas de roda. As cheganças, os ternos
das Flores e da Espera. O Baile Pastoril, e as fontes puras nas quais se
podia matar a sede. A nossa sede essencial. E o menino promete a si
mesmo que nada daquilo se perderá. Que sua voz será, de uma maneira
ou de outra, a voz da sua terra e do seu povo; será denúncia e celebração.
É, pois, com a voz daquele menino, meus amigos, que me apresento
aqui, nesta Casa. A todos os amigos queridos de Itapuã, pescadores,
lavadeiras, ganhadeiras; operários, lavradores, comerciantes, educadores,
à memória de dona Francisquinha, dona Áurea, Detinha, Badu e Nissu,
veneráveis guardiãs da nossa cultura, à frente do grupo Mantendo a
Tradição, à memória do dr. Nelson, meu tio e padrinho, que durante
décadas atendeu gratuitamente, na Farmácia Cosme e Damião, a gente
simples que o procurava para aliviar suas dores; a seu Menezes, nosso
“mago dos transistores”, ao professor José Narciso do Patrocínio,
diretor do nosso Colégio Lomanto Júnior, ao jogador Biriba, nosso
grande craque dos gramados, às Ganhadeiras, aqui tão bem
representadas, aos meus companheiros de luta da Associação dos
Moradores de Itapuã, a valorosa AMI, a Eustáquio, negro velho,
capinador exímio, com sua larga e generosa risada, à nossa querida
Vitória, dos acarajés e quitutes, a todos que, tal como meus pais,
Amadeu e Mira, já mortos e tão vivos em nosso coração, tios, primos,
amigos, e aos meus queridos irmãos, Ailton, Tina e Amadeu, dedico o
que de melhor há no que vocês, todos vocês, me possibilitam ser.
* * *
Senhores acadêmicos,
Acredito, tal como Pirandello, que a arte literária, num sentido
superior, deve assumir um valor universal. Para fazê-la, são necessários
escritores cuja natureza é mais propriamente filosófica. Um autor é
filosófico, diz ele, não porque traga um conteúdo filosófico que venha
através de um discurso, mas, sim, uma sabedoria que está aderida à
linguagem, que se revela na linguagem. Esta é a característica maior de
um grande escritor brasileiro, Guimarães Rosa, para quem a arte é um
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daqueles variados caminhos que levam do temporal ao eterno. Definia,
assim, ao lado do seu ideal de estilo, de precisão micromilimétrica, o
seu ideal de narrativa como fábula, como transcendência. Vivemos
um tempo no qual a expressão literária é vazia de transcendência,
carente de epifanias, desvinculada do sentido original de fábula. Um
tempo em que se desacredita cada vez mais na linguagem expressiva
como ato de revelação e alumbramento.
Devo declarar a minha convicção de que retomaremos, mais cedo
ou mais tarde, esse sentido de transcendência, a percepção de que, ao
fim do sofrimento mais agudo, o homem há de retomar o sentido da
redenção. É nela, como na prodigiosa novela de Leon Tolstoi A morte
de Ivan Illitch, que se configura o sentido da condição humana.
Há de vir um novo momento que surgirá, não desse modelo de
urbanidade, hoje predominante nas nossas metrópoles, este labirinto
vazio de heroísmo, mas do sertão, este desertão presente no íntimo de
todos nós, mesmo os mais urbanos, este sertão que não morreu e que
não morrerá. Para nele chegarmos, senhores, precisaremos, como
demonstra uma cantiga das lavadeiras dos sertões do São Francisco e
do Vale do Jequitinhonha, merecer beber a água da fonte: água tão
doce, fonte tão bela. E a palavra tão carregada de significados virá em
sua simplicidade, nem sempre submetida às normas cultas da linguagem
erudita. Mas veículo de uma sabedoria que precede todas as gramáticas.
Precisamos estar abertos para ela.
Após tantos anos vagando no labirinto sem saída que é o absurdo
da vida moderna, como bem o representou Franz Kafka, creio que,
em meio à parafernália da vida pós-moderna, com seus computadores,
com suas câmeras que tudo veem e registram, com seus microfones
que tudo ouvem, com seus satélites que tudo devassam, com suas
armas que tudo devastam, com a capacidade de desvendarmos as zonas
mais remotas do mundo subatômico, de nos virtualizarmos ao ponto
de nos tornarmos simulacros, projeções de algo que muitas vezes já
nem sabemos o que é, em meio a tudo isto, senhores, retomaremos o
sentido da transcendência, retomaremos, num patamar mais alto, os
valores humanísticos perdidos, redescobrindo em nós o humano. Quem
sabe não seja esta a mais nobre missão do escritor do século 21: a de
reencantar o olhar para reencantar o mundo reificado dos pobres de
espírito? Sim, precisamos recuperar a nossa aura.
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Essa aura, prezados senhores, está presente, conforme arguta
observação do crítico francês George Steiner, no quadro Le
philosophelisant, do pintor francês Chardin, do século 18. Nele, um
homem lê um livro aberto – e, na postura mesma em que o lê, revela
um conjunto de valores que nos parecem estar cada dia mais ausentes
desta nossa sociedade fragmentária, superficial e instantânea. Que
valores são estes? Diremos aqui, de forma resumida: em primeiro lugar,
a formalidade e solenidade inerentes a um ato que é revestido de grande
importância: “o leitor não vai ao encontro do livro em trajes informais
ou em desalinho”. Ele vai ao encontro do livro levando a cortesia em
seu coração, como quem recebe uma visita importante. Em segundo,
a noção do tempo: a condição passageira do leitor (e do homem) em
contraste com a longa sobrevivência dos (grandes) livros. “O tempo
passa, mas o livro permanece. A vida do leitor mede-se em horas; a do
livro, em milênios”, diz Steiner. Em terceiro, também relacionada ao
tempo, é a consciência da brevidade do mundo material quando
comparado com a longevidade das palavras. Verba volant, scriptamanent,
“as palavras voam, a escrita permanece”, diz o antigo provérbio
medieval, que se sustenta, mesmo nesta era de ditadura das imagens.
Em quarto, a obrigação de resposta inerente ao ato da leitura. Leitura
esta que, longe da concepção atual de entretenimento, configura-se
como uma interação em níveis profundos da compreensão envolvida
no ato de ler. Ler bem é “estabelecer uma relação de reciprocidade
com o livro que está sendo lido; é embarcar em uma troca total”. E,
por último, algo que envolve todos esses elementos presentes no
quadro – o silêncio. Um silêncio que, na pintura, “se manifesta
inequivocamente pela qualidade da luz, pela textura da composição”.
A leitura é, para o leitor do século 18 representado na obra, um ato
silencioso e solitário. “Trata-se”, diz Steiner, “de um silêncio vibrante
de emoção e de uma solidão abarrotada de vida”.
Aqui estão, de forma resumida, alguns elementos que trago comigo,
ao ultrapassar o pórtico desta instituição: a cortesia no coração, também
disposto ao entendimento e à confraternização; a reverência ao que
representa a memória de todos os que por aqui passaram; a percepção
de nossa efemeridade perante a permanência das grandes obras e das
grandes realizações; a disposição de interagir, de participar, de contribuir
para o engrandecimento desta Casa; a procura do silêncio como fonte
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de inspiração para a celebração do que aqui temos como o nosso mais
valioso patrimônio: o respeito à diversidade e a síntese dialética das
diferenças traduzidas no bem.
* * *
Neste momento, portanto, em que passo a ocupar a Cadeira de
número 5 desta Academia de Letras da Bahia, declaro, com satisfação,
a afinidade e admiração que tenho a seus ocupantes anteriores, com
destaque, entre eles, para o eminente médico José Silveira, para o
ensaísta, poeta e cronista Carlos Chiacchio e o nosso saudoso amigo,
o cronista, jornalista e ficcionista Guido Guerra. Este, talvez a mais
irreverente personalidade literária que passou por esta venerável
instituição, representa, de forma exemplar, o profissional das letras
que se divide entre os fatos do dia a dia, que logo amarelecem no
tempo, com o seu principal veículo, as páginas dos jornais, e aquela
outra abordagem da realidade, talvez mais real, pois que perene, que é
recriada através da subjetividade do escritor.
Vejo, portanto, em Carlos Chiacchio e Guido Guerra, exemplos de
jornalistas-escritores, que, graças ao seu imenso talento, escaparam da
contingência dos fatos – e que permanecem. Homens que não temeram
expor, publicamente, as suas ideias – e de deixarem assim gravadas em
nossa história literária suas marcas. Homens que, como jornalistas,
cumpriram a missão mais nobre desta profissão hoje tão desprestigiada:
a de formar consciências, de denunciar imposturas, de incentivar
talentos emergentes e de contribuir com a renovação da nossa cultura.
Vejam que já me encontro cumprindo uma formalidade do discurso
de posse dos acadêmicos: a de fazer o elogio dos antecessores.
Do patrono da Cadeira nº 5, Luiz Antônio de Oliveira Mendes,
peço compreensão por falar pouco, pois que dele pouco se sabe. Era,
por volta de 1808, segundo informa o historiador Pedro Calmon, em
sua História da Literatura Baiana, advogado e sócio da Academia de
Ciências de Lisboa. Sabe-se que nasceu por volta de 1748, sendo,
entretanto, desconhecida a data de sua morte. Informa-nos o Breviário
desta Academia de uma carta escrita pelo eminente advogado e
endereçada ao frei Joaquim de Sant´Anna, em 1814. Sinal de que viveu
bastante, e esperamos que bem, o Sr. Luiz Antônio de Oliveira Mendes.
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Do seu fundador, o jornalista, poeta e crítico literário Carlos
Chiacchio, afirmamos o contrário. Tão grande foi o impacto da sua
atuação intelectual, que se torna impossível passar pela história cultural
do nosso estado, no século 20, sem admirar-se com a amplitude de sua
presença. Mineiro de nascimento, baiano por adoção e convicção,
Chiacchio, nascido em 1884, em Januária, mudou-se com a família, em
1895, portanto aos 11 anos, para Salvador. Aqui, formou-se, em 1910,
em Ciências Médicas e Cirúrgicas, pela Faculdade de Medicina. Mas,
logo se manifestou, no jovem intelectual, sua diversidade de aptidões:
foi professor de Filosofia, de Estudos Brasileiros e de Estética, em
diversas instituições, conforme mostra Dulce Mascarenhas, em seu
ensaio Carlos Chiacchio: homens e obras.
Mas foi na seara da literatura, do jornalismo e da cultura que
Chiacchio alcançou a plenitude da sua vocação: a de líder e agitador
cultural de sua geração, ou, como definiu Dulce Mascarenhas, de
“guarda-avançado da tradição intelectual baiana de cunho simbolista”.
Na encruzilhada do novo com o velho, que foi a primeira metade do
século 20, na Bahia, na qual conceitos e preconceitos profundamente
arraigados ainda não haviam sido abalados pelo Modernismo já
consolidado, desde 1922, no sul do país, ele desempenhou seu papel
com desenvoltura, mas também com certa ambiguidade: o baiano de
Januária, se me permitem o trocadilho, foi, ao seu modo, um modernista
saudoso do espírito e das formas do simbolismo; como crítico, foi
vigilante e mordaz na sua cruzada contra plagiários, impostores,
pastichadores, pingapulhas, pilhapilhas, empalmafichas,
açambarcadores, coribantes, cabotinos e engrola-turbas, para lembrar
apenas alguns dos adjetivos usados pelo eminente jornalista preso ao
legado romântico da crítica francesa do século 19. Inovador e
conservador foi, entretanto, figura emblemática do intelectual
combativo que tanta falta nos faz, neste início do século 21.
Vale destacar, sobretudo, a atuação do enérgico e temido polemista
na vanguarda da Ala das Letras e das Artes, movimento que ajudou a
criar, e da revista Arco & Flecha (1928-1929), porta-voz dos primeiros
modernistas em nosso estado. Há reservas à atuação de Chiacchio
como crítico literário, mas, no cômputo geral, é altamente positiva
sua atuação, de forma que seu nome persiste e persistirá como um
dos grandes do seu tempo.
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* * *
A Chiacchio sucedeu o médico sanitarista Luís Antonio Cavalcante
de Albuquerque de Barros Barreto. Dele, guarda-se o registro de
uma atuação importante na área da saúde do nosso estado. Nascido
no Engenho do Meio da Várzea, nos arrabaldes de Recife, em 11 de
março de 1892, foi ele que, no governo de Góes Calmon, de quem,
aliás, foi genro, tornou-se responsável pela modernização da Saúde
Pública na Bahia. Orador fluente, segundo José Silveira, além de
“excelente didata, expositor claro e objetivo”. Eleito membro deste
sodalício em 11 de março de 1948, Barros Barreto usufruiu do
convívio com seus pares por apenas seis anos, vindo a falecer em 26
de junho de 1954.
Foi das lavras diamantinas que se originou o ocupante seguinte da
cadeira nº 5, o juiz, estudioso dos problemas de Direito e poeta Carlos
Benjamin de Viveiros. Nascido em 1889, na cidade de Lençóis, Viveiros
publicou pouco. Dele é mais conhecida e festejada a tradução do poema
teatral Salomé, de Oscar Wilde. Sua produção poética, de talhe
parnasiano, foi publicada nos livros Taça, vinho e mulheres e Eros, este
último em edição póstuma por ocasião do centenário do seu
nascimento. Nele estão sonetos sobre os quais, nas orelhas do livro,
Antonio Loureiro de Souza escreveu as seguintes palavras: “Viveiros
tinha pássaros no coração. Por isso não foi outra coisa na vida senão
poeta, à maneira de um Alberto de Oliveira, que lhe herdou a forma
hierática na elaboração do verso. Toda a sua poesia se reveste, assim,
de majestade. Sonetista, conservou-se no tempo como um parnasiano,
vibrando, para lembrarmos Bilac, a lança em prol do estilo”.
Com seu conhecimento jurídico, fraseado elegante e poética à
maneira fidalga, como dele testemunhou Camillo de Jesus Lima,
Viveiros tornou-se membro desta instituição a 6 de outubro de 1955.
Morreu em 27 de março de 1970, embora, como declarou na primeira
estrofe do poema Perenidade:
Não morrerei, que a vida hei de deixar em cada
Estrofe, que auroreça em minha mente, e estenda
Pelo infinito o incêndio enorme da alvorada,
Que acenda chispas de oiro em minha áspera senda.
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O passo seguinte desta louvação, prezados senhores, é largo – e
certamente estará aquém da sua importância o elogio que farei aqui do
próximo ocupante desta Cadeira, o médico e cientista José Silveira.
A história do eminente baiano nascido a 3 de novembro de 1904,
em São Bento das Lajes, antigo povoado do município de Santo Amaro,
no Recôncavo Baiano, é contada pelo próprio Silveira em suas
memórias, publicadas com o título Vela Acesa, pela Editora Civilização
Brasileira, em 1980. Neste livro, escrito numa linguagem simples, mas
bastante viva e humana, como convém a uma boa autobiografia, o
autor narra não apenas a sua trajetória pessoal – de menino pobre do
interior a personalidade consagrada internacionalmente, no âmbito das
ciências médicas –, mas, sobretudo, a da sua geração.
Jorge Amado assinalou, com propriedade, esta característica da obra,
quando disse, na apresentação do livro, intitulada “Mestre Silveira, da
Bahia”, que “por vários motivos, a leitura de Vela Acesa se faz útil e
necessária ao maior público possível. Primeiro, pelo prazer da leitura,
simplesmente, pois Silveira, não sendo um profissional da escrita e,
sim, um sábio, narra com uma deliciosa singeleza e uma força de verdade
que fazem do romance dessa vida ardente leitura tão apaixonante como
a dos mais atraentes livros de ficção. Segundo, pelos ambientes descritos
e pelas figuras retratadas – a partir da infância, São Bento das Lajes,
Santo Amaro, Feira de Santana, os tempos de ginasiano, seguindo-se
os anos felizes e tão movimentados do estudante de medicina, o mundo
dos padres e o mundo dos médicos; perfis esplêndidos de mestres e
colegas, de uma quantidade de figuras ilustres e de outras infelizmente
menores, de triste caráter e medíocre inteligência, cujos nomes o mestre
silencia, pois esse homem de bem e de caráter é o exemplo maior de
delicadeza. Sua sensibilidade se revela a cada página, a cada parágrafo”.
De fato, o livro de Silveira nos remete a uma Bahia que se arrastava,
lenta e penosamente, para fora da sua condição de província. Pelo
menos, era esta a aspiração de uma reduzida elite letrada, oriunda de
famílias mais abastadas, que lutava para garantir o seu lugar entre os
muros, solidamente fortificados, de uma sociedade ciosa das suas
diferenças de classe social, econômica e cultural. Além desses muros,
como, aliás, ainda hoje acontece, estava a população desassistida da
cidade – e além, mais além, os sertões. Os sertões brutos e ínvios, tão
bem retratados por Euclides da Cunha. Lembremos que a Guerra de
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Canudos ocorrera apenas sete anos antes do nascimento de Silveira, e
que a obra magna de Euclides fora publicada exatamente dois anos
antes, no final de 1892.
Não foram poucos os percalços encontrados no caminho pelo meu
ilustre antecessor. Não poucas, segundo suas próprias palavras, foram
as escaramuças e tramoias, desmandos e artimanhas, escusas sorrateiras
para obrigá-lo a mudar de direção. Sobretudo quando, já formado pela
tradicional Faculdade de Medicina da Bahia, atendeu à ordem do seu
chefe e amigo Prado Valadares de trocar o ramo da radiologia, no qual
já vinha se especializando, para dedicar-se à tisiologia. Diz Silveira, em
suas memórias: “A tuberculose, doença contagiosa e fatal naqueles
tempos, pelo sofrimento que causava às suas vítimas e condenação ao
isolamento, obrigando-as a se separarem da sociedade e dos seus entes
queridos, era a mais cruel das doenças; desprezada até pelos médicos,
que pouco se interessavam pelo seu estudo.”
Foi, portanto, a luta contra a tuberculose a grande bandeira
sustentada pelo Alemão do Canela. Mais do que uma bandeira, segundo
suas próprias palavras, sua grande obsessão. A fundação do Instituto
Brasileiro para a Investigação da Tuberculose – o IBIT, em 21 de
fevereiro de 1937, é um marco de altíssima importância no combate a
um mal que, na época, era considerado um flagelo social.
* * *
Do ocupante posterior desta Cadeira, a memória é ainda muito
recente. Por isto torna-se mais difícil saudá-lo com o devido
distanciamento. Mesmo porque, a presença marcante de Guido Guerra
permanece – e permanecerá, ainda, por muito tempo – em diversas
instâncias da cultura no nosso estado: na Fundação Cultural, no
Conselho de Cultura do Estado e nesta própria Casa, na qual exerceu,
de forma exemplar, sua condição de acadêmico. Sim, porque ele aqui
chegou para honrar esta Academia com a sua participação dinâmica e
construtiva. Uma surpresa, sobretudo, para os que temiam aqui a
presença de um rebelde.
Nascido a 19 de janeiro de 1943, em Santaluz, no alto sertão baiano,
Guido Guerra era um homem de paradoxos e contrastes. Magérrimo,
de saúde frágil, enfrentou, com coragem e tenacidade, os generais que
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se instalaram no poder no Brasil, após o Golpe de 1964. Irreverente e
ferino, ao ponto de lhe terem dado, em tempos idos, as alcunhas de
“Língua de Trapo” e “Papagaio Devasso”, foi homem de notável
integridade moral, em todas as esferas da sua vida, a pública e a privada,
como podem dar testemunho sua eterna mulher, Celi Guerra, sua única
e adorada filha, Isadora, bem como todos os seus amigos – e, mesmo,
os inimigos, que sempre o respeitaram.
Guido foi um exemplo de ternura – a ternura dos fortes, à qual se
referiu o médico-guerrilheiro argentino Ernesto (Che) Guevara. Jamais
perdeu o sentimento de afeto e compreensão, dedicado, sobretudo, em
sua vida e obra, aos humilhados e ofendidos. Por isso, como bem assinalou
Isadora, em discurso nesta mesma Academia, “as suas histórias não nasciam
em gabinetes cercados de livros”, mas sim “nas ruas, nos bares”.
Em diversos volumes de contos, romances e crônicas, dentre os
quais destacamos os títulos Lili Passeata, Ela se chama Joana Felicidade,
Quatro estrelas no pijama, O último salão grená e Vila Nova da Rainha Doida,
Guido exerceu, com maestria, a condição de “romancista dos
deserdados de Deus e do Diabo”, conforme definição de Mário da
Silva Brito. “A degradação que, por paradoxo, se aproxima da
santidade”, segundo este crítico, é resultado de um trabalho duro e
profundamente meditado. Mais do que meditado, vivenciado, pois que
Guido jamais foi um burocrata das letras. Em suas páginas ficcionais,
como bem observou Cid Seixas, “o universo das criaturas se desenrola
como o centro de um sistema solar, a atrair o comprometimento
emocional do criador”.
É, portanto, em volta desse centro emocional que gravitam seus
personagens, uma extensa e profusa multidão de tipos populares, a
exemplo do seu tantas vezes referido Moleque Bololó, meio doido,
com seu olhar vesgo e sorriso expressivo; a negra Zefa, xodó de garoto,
que mesmo indo-se ficou, como bem irremediavelmente perdido; Joana
Cacete, que morreu em pleno Carnaval; seu Cocônio, Bilau, Boca Rica,
que perdeu o juízo; Vinte-e-um, homem de veneta, dona Rosa, a
fogueteira, Martinha, doida mansa; Formiguinha Sabe-Tudo, para quem
“mulher da vida não merece atenção”; Capenga, que morreu numa
tarde de sol, sem ver concretizado seu maior desejo: ficar bom; Pé na
Cova, da Funerária Help, “que enterra a Bahia com a maior delicadeza”,
seu Zé Cheira Finado, Mestre Ventura, o Valoroso, Zé Comprido, Pulga
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Prenha, Juca Zarolho, Bananinha da Silva, seu Cacetão, Dudu Sorriso
Colgate, Lito Ceroula, Lábia de Ouro, Antônio Cururu, Américo PapaDefunto, o senador Vavá Calçola, Tonico Piolho e tantos outros.
Em sua incansável peleja de dar jeito pro sem jeito, Guido Guerra
trouxe também para suas páginas figuras femininas combativas e
transgressoras. Exemplo maior destas foi sua Lili Passeata, personagem
complexo e multifacetado, exemplo maior do sonho de liberdade
destruído naqueles tempos obscuros da ditadura militar. Outra
faceta da sua arte é voltada para o interior do estado: vertente
prolífica, que tem como microcosmo do Brasil a cidade fictícia de
Mirantes dos Aflitos.
Ruy Espinheira Filho refere-se à tradição humanística a que pertence
o escritor Guido Guerra. “Tradição”, diz ele, “que está envolta na
condição humana, estudando-a, criticando-a, revelando-a,
denunciando-a, propondo-lhe novos caminhos, soluções”. E prossegue:
“Não é de surpreender que tais artistas, com tais preocupações a tão
altas quimeras, sejam perseguidos – perseguidos como fostes, Guido
Guerra – pelos que desejam o homem sempre conformista, submisso,
explorado, escravizado.”
Não falarei mais aqui da arte do autor de Percegonho Céu Azul do Sol
Poente, pois que dela já falaram, com bastante propriedade, críticos e
escritores, tais como Jorge Amado, Torrieri Guimarães, James Amado,
Cid Seixas, Carlos Cunha, Benício Medeiros, Hélio Pólvora, Bruna
Becherucci, João Antonio e Mário da Silva Brito. Destacam, em sua
prosa, qualidades como a densidade e humanidade, sua força e
inventividade, sua linguagem ágil e flexível, sua concisão e
imprevisibilidade, sua capacidade de “criar um ritmo que escande a
dor da vida e a magia da morte”, sua ironia demolidora e sua ternura.
Se podemos ter uma ideia dos interesses de Guido através de seus
personagens, outras pistas nos dão as personalidades reais que
compunham seu repertório afetivo. Neste caso, a frase “dizem-me
com quem anda que direi quem és” se aplica, de forma bastante
favorável, ao escritor. Jorge Amado, Raul Sá, Ariovaldo Matos, Carlos
Anísio Melhor, Dom Timóteo Amoroso Anastácio, sempre citados
por ele, representam o que tivemos de melhor dentre os homens que
construíram a nossa história política e cultural no século 20. Homens
aos quais podemos usar as mesmas palavras proferidas por Guido, em
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seu discurso de posse, a respeito de Jorge Amado: aqueles que nos
enriqueceram humanamente e nos ensinaram a colocar o ser acima do
ter, a valorizar a esperança contra o desespero, a alegria contra a dor, o
oprimido contra o opressor, a liberdade contra a tirania. Usamos estas
mesmas palavras agora, aqui, Guido Guerra, para definir a vossa própria
pessoa. Para incluí-lo nesta valorosa estirpe dos homens de caráter, de
homens de bem.
Vós, que adentrastes a carreira jornalística no momento mais rico
da nossa imprensa, no Jornal da Bahia de João Carlos Teixeira Gomes,
João Ubaldo Ribeiro, Ariovaldo Matos, Flávio Costa, José Gorender,
David Sales, Paulo Gil Soares e Florisvaldo Mattos, entre outros,
exercestes, também, em outros órgãos da imprensa, a exemplo de O
Estado da Bahia e do Diário de Notícias, a resistência devida aos “caprichos
da violência indiscriminada que se estendia das ruas aos cárceres, dos
cárceres às salas de tortura à prova de som, de que não se excluíam as
tentações dos paus de arara, do choque elétrico, das lavagens cerebrais,
dos acidentes engenhosamente montados, dos desaparecidos atirados
à vala comum dos cemitérios clandestinos”. Por isto – e por outras
“atividades subversivas” mais prosaicas, como a de proferir, pela
primeira vez, num programa de TV a palavra “porreta” – respondestes
a 17 inquéritos e interpelações do regime militar. Devemos admitir, ao
bem da verdade, que éreis, de fato, segundo a definição lapidar de Cid
Seixas, um “irreverente guardião dos maus costumes”.
* * *
Senhoras e senhores,
Já me aproximando do final deste discurso, quero realizar, conforme
disse nossa querida confreira, a escritora Cleise Mendes, o meu ritual
de agradecimento como ato solene de presentificação. Quero ressaltar,
antes de tudo, minha profunda gratidão aos meus pais. Ele, Amadeu
Alves Ribeiro, primogênito da tradicional família Ribeiro, do município
de Conceição de Jacuípe, mais especificamente da localidade de
Gameleira, no interior da Bahia. Ela, Maria Mirena, dona Mira, que,
nascida na cidade de Pedrinhas, no interior de Sergipe, migrou, nos
distantes anos 40 do século passado, para uma Salvador provinciana;
uma Salvador na qual, muito diversamente da pressa que hoje nos
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devora os dias, as horas se arrastavam, dolentemente, numa paisagem
sépia, como a vejo, agora, retrospectivamente, cortada por bondes
preguiçosos que hoje gemem em ruas distantes da memória.
Professor de Português e Francês e vice-diretor do Colégio Estadual
Governador Lomanto Jr, em Itapuã, meu pai, Amadeu Alves Ribeiro,
foi um homem singular, de ideias avançadas para o seu tempo. Tive o
privilégio de conviver com ele nos primeiros 14 anos de minha vida,
até que o destino o colheu, naquela tarde de sábado de 7 de julho de
1973, num acidente de carro, em Amélia Rodrigues. Sete anos depois,
em 1980, minha mãe também partiria, em consequência de uma cirurgia
mal sucedida. Despedia-se de nós, prematuramente, aos 55 anos, uma
mulher simples e amorosa, sem educação formal, mas excelente doceira,
que soube transmitir para os seus filhos valores que soubemos preservar
como um tesouro inestimável.
Tive, portanto, meus prezados amigos, a felicidade de ter convivido
com pessoas especiais – de duas famílias numerosas, cujos pilares, do
lado paterno, estão bem representados nas figuras do meu avô
Tranquilino e da minha avó Anália. Ele, um sertanejo severo, patriarca
de duros gestos e infinita bondade; ela, de doces gestos e inesgotável
ternura. E meus tios: Amâncio, que não conheci, Armando, Macedônio,
João, Eulálio, Amado, Bela, Teresa, Nelson e América, minha madrinha.
E, do lado materno, minhas queridas tias-primas, Rizo, Lurdes, Nicinha,
Dalva, Austerclino, Lurdes, sergipana retada, com quem subia a ladeira
do Carmo, em manhãs frias dos invernos d’antanho, enfrentando
rajadas de vento, como o Capitão Scott em sua jornada para o Polo
Sul, até a escola da professora Almerinda – lá, onde aprendi a juntar as
primeiras letras deste discurso, que, vejam bem, já havia começado a
escrever lá atrás.
Sou, portanto, um pequeno afluente desses dois rios, que se
encontraram, como mágica, na misteriosa alquimia que une a poderosa
força da vida e o amor. Meus pais são os alicerces de um vasto território
de afetividades. Nele, ocupam lugar privilegiado meus irmãos Ailton
Ribeiro, biólogo, comerciante de peixes e plantas ornamentais, paisagista
criativo, foi, desde quando me entendo por gente, meu grande mestre e
instrutor. Tina Ribeiro, cantora talentosa, e Amadeu Alves, compositor
e agitador cultural, ambos fiéis às nossas raízes, à Itapuã mítica e lendária
que nos trazem, das sombras do esquecimento, através de suas canções.
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Lugar especial, neste inventário de afetividades, está reservado para
a minha mulher, Terezinha Berber, e os meus filhos: Rodrigo, fruto de
nossa comunhão física e espiritual, e Felipe, que conheci quando ele
tinha apenas sete anos de idade – e que, hoje, aos 27, mostra-se motivo
de orgulho e satisfação para mim, que sempre me esforcei para ocupar
o vazio deixado pelo seu pai, o fotógrafo Wagner Berber, falecido em
1982. A Terezinha, devo a alegria de uma família, preservada, como
um bom poema, com inspiração, mas também com esforço e
determinação.
A eles somam-se amigos com os quais tive o privilégio de conviver,
desde a minha infância: Bira, Antonio e Flávio Silvane, meus grandes
companheiros de sempre Raimundo Rocha e Geraldo Alves, Dimas,
Aquino, Raimunda, nossa saudosa irmã de criação; Raimunda Pedro,
amiga de todas as horas; Ney Sá, companheiro das longas caminhadas
pelo interior baiano; Luiz Cláudio Marigo, Xando Pereira, Luís Trinchão
e Carlos Rizério. E, em especial, meus amigos-irmãos, companheiros
de longas viagens pelos territórios encantados de um sonho: o de
construir a paz e a fraternidade universal. A estes, tão numerosos, que
tornam impossível citar nomes sem cometer injustiças, mas
representados, aqui, na doce e amorosa figura de Maria do Carmo
Barreto, agradeço, imensamente, de coração, a honra de compartilhar
este momento.
* * *
Lembro-me, meus amigos, de uma tarde distante do ano de 1975.
Eu fazia uma redação, no Colégio Central, quando me veio um
pensamento incomum: o de que não tinha mais o que aprender sobre
a arte de escrever. Eu tinha 15 anos de idade e cinco mil anos de
pretensão. De lá para cá vim encontrando, dia após dia, ano após ano,
imensas dificuldades, tremendas limitações neste penoso ofício que
me escolheu. Quantas vezes tiveram dificuldade para escrever um
simples bilhete! Quanto suei para avançar em duas linhas numa
reportagem, num conto, num artigo!
Na minha atividade como jornalista ambiental, muitas vezes fui
posto à prova na tentativa de expressar experiências e visões que
estavam muito além das palavras. Afinal, como transmitir para as
pessoas o êxtase proporcionado pela visão de um grande cardume de
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cororocas desenvolvendo um balé subaquático sinuoso e sincronizado?
Como descrever a sensação provocada pela observação do caminhar
em fila indiana de meia dúzia de lagostas no solo marinho? Que recursos
usar para transmitir a beleza majestosa de uma tartaruga verde
nadando em direção ao litoral em um dia típico de verão para a postura
de centenas de ovos a 70 centímetros do solo em uma noite recheada
de estrelas?
Aqui evoco imagens que marcaram, para sempre, minha experiência
como jornalista: um pôr do sol e uma lua cheia nascendo, simultâneos,
numa deserta praia de Jericoacoara dos anos 80; duas arraias gigantes,
nadando, abaixo de mim, sobre os corais de Abrolhos; o voo lento e
circular de um gavião peneira sobre as serras avermelhadas do Raso
da Catarina. Uma ariranha deslizando sobre o tronco de uma samaúma
para mergulhar nas águas escuras do lago Mamirauá, no Alto Amazonas.
Aqui estão as paisagens grandiosas da Antártida, com suas geleiras,
montanhas cinzentas coroadas de neve, catedrais de gelo mesclando
verde, azul e branco em combinações fascinantes; icebergs deslizando
no mar, focas, pinguins, estações científicas estrangeiras, navios e
helicópteros na movimentada rota do fim do mundo. Observem a
harpia traçando círculos no céu luminoso deste país que aprendi a
amar, e as lamparinas ainda nos trazem, do fundo dos tempos, o cheiro
doce do óleo da baleia; e o velho trem sacolejante que corta a noite do
sertão – café-com-pão-bolacha-não, café-com-pão-bolacha-não – e ele
passa banhado pelo luar, que “como este mió não há”, e que derrama
sua luz leitosa sobre as barrancas, caatingas e falésias – e se estende
para este salão, para este privilegiado território de afetividades.
Sim, são os afetos, nossos insubstituíveis afetos, as tochas que
carregamos para atravessar esta precária ponte suspensa sobre o
abismo.
__________
Discurso de posse, na Cadeira nº 5, proferido pelo escritor e jornalista Carlos
Jesus Ribeiro, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 31 de maio
de 2007. O novo acadêmico foi recepcionado por Aleilton Fonseca, titular da
Cadeira nº 20.
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Saudação a Carlos Ribeiro,
um escritor exemplar
Aleilton Fonseca
Caríssimo escritor, amigo e confrade Carlos Jesus Ribeiro:
A partir de hoje, a Academia de Letras da Bahia passa a contar com
o seu nome na galeria dos eleitos, acrescentando aos seus quadros a
seriedade, a inteligência e a cordialidade de um dos mais destacados
escritores da nova geração.
A praxe acadêmica prescreve que, neste discurso solene, eu o trate
por “vós”, flexionando os verbos na segunda pessoa do plural, por
cerimônia e formalidade. Entretanto, em se tratando de dois amigos
fraternos, que convivem há 28 anos, com o respeito e o apreço de
velhos companheiros de rua, peço licença para usar um pronome mais
simples e cotidiano. E faço isso em nome desses anos de convivência
e diálogo, nos caminhos da literatura, essa arte que nos tornou amigos
e irmãos, e agora confrades.
Somos amigos desde 1979, quando, mal chegando à casa dos 20
anos, éramos estudantes de graduação na UFBA, em Letras e
Comunicação, respectivamente. E nos falamos pela primeira vez num
encontro literário, realizado na Biblioteca Central dos Barris. Por uma
iniciativa de Adinoel Motta Maia, ali se realizava a primeira reunião
dos escritores que iriam criar o Clube da Ficção, naquele mesmo ano.
Éramos apenas jovens aspirantes em seus passos iniciais, naquela fase
em que assomam os primeiros escritos e, junto com eles, a enorme
dúvida em torno da verdadeira condição. Seríamos mesmo escritores?
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O Clube da Ficção foi então fundado e funcionou por um curto,
porém fértil, período. Por feliz coincidência ou vaticínio, nós nos
reuníamos justamente na Academia de Letras da Bahia, na antiga
sede do Terreiro de Jesus. E aqui estamos, 28 anos depois, no seio
da Academia, para confirmar nosso convívio, agora como membros
desta Casa de escritores e intelectuais. Juntos aos nossos demais
confrades e confreiras, vamos continuar nosso trabalho de
escritores, em nome dos ideais e dos objetivos da Academia de
Letras da Bahia.
Senhoras e senhores:
Carlos Ribeiro chega ao convívio acadêmico, eleito como candidato
único, para ocupar uma cadeira que tem a marca do carisma e do afeto
do titular anterior, nosso saudoso confrade Guido Guerra. O próprio
escritor e jornalista Guido Guerra, que o tratava por “Carlinhos”, tal o
apreço que lhe devotava, considerava que ele devia ser o próximo
escolhido desta casa. Quis o destino que isso se cumprisse de forma
que Carlos Ribeiro viesse justamente honrar a memória do saudoso
amigo, tornado-se o seu sucessor.
De fato, são muitos os méritos deste novo acadêmico. Nascido em
Salvador, em 19 de agosto de 1958, Carlos Ribeiro é jornalista,
ficcionista e professor. Graduado em jornalismo, é professor
concursado da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Tem
mestrado em Letras e, atualmente, conclui doutorado na UFBA. Carlos
Ribeiro já enriqueceu a literatura baiana com seis livros publicados,
além de participar de sete antologias e coletâneas. São seis títulos,
enumerando uma produção que tem recebido as mais expressivas
menções de apreço da crítica especializada, desde a estreia. Eis os seus
livros: Já vai Longe o Tempo das Baleias, O Homem e o Labirinto, O Chamado
da Noite, O Visitante Noturno, Caçador de Ventos e Melancolias: um estudo
da lírica nas crônicas de Rubem Braga, e o mais recente, o romance
intitulado Abismo.
As antologias e coletâneas de que nosso autor participa são, desde
as locais até as nacionais, em número de sete: Oitenta: poesia e prosa;
Geração 90: Manuscritos de computador; Chico Buarque do Brasil; Antologia
de contos e crônicas de autores baianos contemporâneos; Contos cruéis; Quartas
histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, e
Antologia panorâmica do conto baiano – século XX.
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Como jornalista, são vários artigos publicados em periódicos de
alto nível e credibilidade, além dos ensaios e resenhas publicados em
revistas e suplementos literários. Fez, durante muitos anos, um excelente
trabalho de divulgação científica, chegando a participar de expedições
à Antártida, à região amazônica e, ainda, a diversas reservas naturais
brasileiras. Como fundador e coeditor é responsável pelos treze
números de Iararana – revista de arte, crítica e literatura, editada em
Salvador, desde 1998.
Contista premiado por esta Academia em 1988, Carlos Ribeiro
estreou em 1981, com o livro Já vai longe o tempo das baleias, volume 3 da
histórica “Coleção dos Novos”, então editada por Myriam Fraga, com
o apoio editorial de Zilah Azevedo, quando era diretor da Fundação
Cultural do Estado da Bahia Geraldo Machado. Nos contos do primeiro
livro, alguns ambientados na paradisíaca Itapuã dos anos 60, palco da
infância do escritor, já desponta o ficcionista de talento, cuja imaginação
recobre os enredos com peripécias impressionantes, com uma técnica
narrativa que se iria desenvolver e se firmar em contos notáveis e
antológicos dos livros posteriores.
Carlos Ribeiro é um escritor que se firmou através do conto e do
ensaio e já marca forte presença também no romance. Seu nome figura
entre os mais significativos da chamada geração 80-90, formada por
jovens escritores que se encontram em fase de construção de sua obra
e vêm sendo reconhecidos a cada livro que acrescentam ao panorama
da literatura contemporânea.
Jornalista de grande interesse e visão em torno das questões
ambientais, homem que traz em sua formação pessoal mais profunda
a natureza pródiga de mar, lagoa, verde e dunas de Itapuã, Carlos Ribeiro
traz para a escrita literária a sua experiência visceral, levando seus
personagens a confrontarem situações marcadas pelas tensões do
mundo urbano e pela consciência dos problemas da natureza em face
das transformações impostas pela lógica do mundo moderno.
Hoje há um nascente interesse por uma literatura de viés ecológico,
como campo a ser estudado e valorizado pelos estudos literários. Este
escritor baiano é um nome importante nessa vertente, pois, desde seus
primeiros contos, os seus narradores se posicionam em favor da
natureza, valorizando seus seres, cores e formas, em ações e discursos
contra os processos que a destroem. A velha Itapuã dos anos 60-70 é
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seu paradigma inicial, logo ampliado para as Ilhas da Baía de Todosos-Santos, depois o Raso da Catarina, chegando, enfim, aos grandes
cânions gaúchos, onde se desenvolve o enredo do romance Abismo.
A literatura de Carlos Ribeiro dialoga de forma equilibrada com os
conteúdos da realidade que lhe servem de estímulo e matéria. Como
afirmei, num pequeno ensaio crítico, na sua ficção “o real, como ponto
de partida e matéria-prima, não se constitui em entrave para a
literariedade nem submete o texto a ‘realismos’ descartados. Por outro
lado, a ficcionalidade não rapta ninguém para fora do mundo, ao
contrário, torna a realidade mais palpável e mais contundente, pondo
em alerta as consciências adormecidas pelos barulhos do cotidiano
moderno”. O que este escritor busca em sua literatura é acenar com as
possibilidades de restaurar, ainda que por um momento, aquela essência
humana que às vezes parece perdida, mas que é cada vez mais necessária
no cotidiano pesado dos tempos controlados pelo relógio e pelos
índices do mercado.
Depois do primeiro livro, Carlos Ribeiro, como muitos escritores,
cumpriu uma temporada de aprendizagem, formação, leitura, vivências
e indagações. Escreveu muitas reportagens ambientais para a prestigiosa
Revista Geográfica Internacional e para os jornais, principalmente A Tarde.
Viajou à Antártida, de onde escreveu artigos e produziu conhecimentos
que depois propagou através de palestras; realizou diversas incursões
pelo país, chegando até os ermos da Ilha de Marajó. Fez longas
caminhadas por lazer, cultura e por necessidade existencial.
O homem Carlos Ribeiro amadureceu. Viajado por cidades e
paisagens; intrinsecamente urbano e profundamente embebido de
natureza; eis que volta a publicar ficção em 1995, com a coletânea de
contos, significativamente intitulada O homem e o labirinto. São contos
em que convivem elementos do fantástico, a angústia da solidão
urbana, a desumanização da vida moderna – paredes sem teto, que
configuram o tecido urbano como um labirinto, em que o minotauro
é invisível e onipresente, porque fascina, captura e devora a todos.
São 31 textos que deslizam entre ficção e poesia, como uma prosa
existencial, filosófica, poética – e ao mesmo tempo de uma clareza e
simplicidade exemplares.
Em 1997, essas questões reaparecem de maneira ainda mais vertical
no romance O chamado da noite, publicado pela editora 7Letras, do Rio
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de Janeiro. Nessa trama, marcada pelo fluxo da consciência de um
narrador solitário, encravado numa noite insone, uma consciência
perquire os sentidos das experiências vividas. As peripécias do cotidiano
e da vida afetiva compõem um narrador autorreferenciado, que, de
certa forma, revela uma imagem dos jovens dos anos 80, que sofreram
os limites e a repressão impostos pela ditadura militar, vivenciaram os
movimentos estudantis e buscaram se situar afetivamente em face da
liberação da mulher e da superação de antigos valores, com a
necessidade de se definirem um novo homem e uma nova mulher,
numa era de maior liberalidade.
Em O visitante noturno, uma coletânea de 21 contos, os narradores e
personagens imergem no mundo da imaginação, do fantástico e, às
vezes, do terror, vivendo situações entre o real e o nonsense, todos
eles flutuando nas águas da condição do ser e estar no mundo, entregues
aos perigos reais e imaginários que a todos rondam, assustam e
ameaçam. Mais uma vez, Carlos Ribeiro se mostra atento às
transformações do mundo contemporâneo, com profunda percepção
crítica e domínio das tramas urdidas com técnica e talento singular. A
realidade urbana em processo é a matéria-prima do ficcionista. Mas
como afirmei, num pequeno estudo sobre esse livro “ele não se
contenta com a simples transposição do real para a ficção. Recolhe as
sugestões da realidade imediata e quebra sua lógica para expandir os
sentidos ficcionais através da abordagem, dos diálogos e da linguagem.
A feição e a atmosfera de seus contos se definem pelo ponto de vista
do narrador, às vezes participante ativo, às vezes observador dos fatos.
A forma de conduzir a história determina o tratamento temático e se
torna fundamental para o leitor compreender as intenções e os efeitos
dos enredos.”
Carlos Ribeiro usa bem sua imaginação de ficcionista criativo e
fecundo. Em sua prosa encontramos sempre o diálogo entre a vida e a
realidade, numa busca de sentidos pessoais, transcendentes e universais.
Suas indagações e perplexidades não se tecem somente em cima de
fatos e aspectos objetivos da realidade, mas também se aprofundam
no questionamento da vida, em busca das imagens de uma existência
possível, apesar das amarras e limites do mundo real.
Em 2001, veio a lume o livro Caçador de ventos e melancolias: um estudo
da lírica nas crônicas de Rubem Braga, resultado da dissertação de
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mestrado defendida na UFBA. Tivemos assim a oportunidade e o
prazer de apreciar o ensaísta Carlos Ribeiro, em toda a sua força de
análise e de percepção crítica. Com tirocínio de leitor, aparato teórico
de estudioso e estilo de escritor, ele faz uma consistente apreciação da
crônica como gênero na modernidade e explica brilhantemente os
fundamentos líricos da obra do grande cronista brasileiro Rubem Braga.
Finalmente, em 2004, a Editora Geração Editorial lançou o romance
Abismo, no qual se descortina a saga de um jornalista em busca de um
objeto sagrado, na região dos Aparados da Serra, no Rio Grande do
Sul. Trata-se de uma empreitada que, muito além da aventura de uma
viagem ao fundo de um cânion, é uma incursão no próprio ser, numa
demanda existencial para encontrar o sentido fundamental da vida; aí
simbolizado pela busca do “santo graal”. Uma jornada de
aprendizagem, de superação do ceticismo, do convencimento filosófico,
do crescimento intelectual. Uma ficção que se inscreve na simbologia
das viagens e das travessias, quando, muitas vezes, o narrador encontra
a si mesmo do outro lado, agora enriquecido com a experiência da
própria busca. O sentido da vida, no fim da caminhada, é o abismo, o
próprio abismo de viver.
Assim é este escritor, este jornalista, este pesquisador, este professor.
Um homem simples, de um falar manso e compreensivo, capaz de
ouvir calmamente as certezas do interlocutor, para, numa frase quase
solta e aparentemente despretenciosa, fazer com que ele enxergue o
outro lado de suas verdades, as outras faces das circunstâncias, as outras
versões de cada momento que se vive.
A par de tudo isso, Carlos Ribeiro é um mestre. Um jovem mestre
da vida e dos saberes simples da convivência e da natureza. Como tal,
é reconhecido pelos seus irmãos de filosofia de vida, marcados pela
força da União e da Solidariedade. Eis aqui um homem exemplar, que
emprega a sua experiência e sua jovem sabedoria para não apenas
enfrentar as dificuldades e vicissitudes que a vida a ele, como a nós
todos, impõe, mas sobretudo para, com desprendimento e afeto, ajudar
pessoas, com uma palavra de incentivo, com a escuta empenhada, com
um conselho solidário.
Caríssimo Carlos Ribeiro, sua presença nesta Casa nos honra e nos
alegra, pois nos enriquece com a sua obra, o seu exemplo e sua
juventude. Você vem se somar aos nossos diletos confrades e confreiras,
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todos conscientes de que as tradições permanecem vivas quando se
deixam animar pelo dinamismo e pela renovação. Na Academia, cada
nova posse cumpre um ritual que imortaliza os nossos antecessores e
aponta para os nossos futuros sucessores. Todos sabemos que a
imortalidade consiste não só em preservar a memória e a tradição,
mas também em alimentar o processo de renovação dos ideais e dos
compromissos. Toda instituição precisa cumprir essa meta para se
manter viva, atuante, produtiva e atualizada com a sociedade de seu
tempo. Uma Academia de Letras, conquanto devota da tradição de
suas origens, não se pode furtar às evidências do tempo. E é pela
vontade e pelos esforços de seus membros, desde os mais experientes
até os neófitos, que ela se mantém dinâmica, produtiva, atenta às
demandas culturais da sociedade em sua volta. Ela será sábia se souber
atualizar sua pauta, seus objetivos e seus procedimentos, para sustentar
o elo entre tradição e renovação, estimulando o diálogo entre as
diferentes gerações, contribuindo efetivamente para a criação e a
circulação dos bens culturais, sobretudo a nossa literatura. Você agora
faz parte desse propósito e desse ideal.
Carlos Ribeiro, você recebe este colar acadêmico em reconhecimento aos méritos de escritor, jornalista e professor. E este ato é,
antes de tudo, uma convocação. A Academia o convoca porque
precisa de sua presença dinâmica e construtiva para, somando
méritos e esforços com os demais membros que ora o recebem
calorosamente, contribuir para elevarmos ainda mais a nossas
tradições culturais, trabalhando com entusiasmo e dedicação pela
valorização das letras baianas.
Caríssimo confrade Carlos Ribeiro, seja bem-vindo a nossa
convivência fraterna e produtiva. A Academia de Letras da Bahia é
também sua Casa. Tome assento entre seus iguais, e trabalhe conosco,
pelo engrandecimento da nossa cultura e das nossas letras.
________
Discurso de saudação ao acadêmico Carlos Ribeiro, proferido na solenidade
de posse, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 31 de maio de
2007, por Aleilton Fonseca, titular da Cadeira nº 20 da ALB.
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Discurso de posse
na Cadeira nº 37 da ALB
Dom Emanuel d’Able do Amaral, OSB
Sinto-me honrado por ter sido eleito para essa distinta Academia de
Letras da Bahia. Depois de quase quinze anos vivendo em Salvador,
posso compreender o que significa para a Bahia esta casa de Arlindo
Fragoso. Permitam-me, nesse instante, fazer uma breve recapitulação
histórica, que em muito pode nos ajudar a entender o que celebramos
por meio desse ato: a palavra Academia designava o jardim de Academo,
herói ateniense, às margens do rio Cefiso, perto de Atenas, no qual
Platão ensinava Filosofia.
Em Paris surgiu, em 1570, a “Academia do Palácio”, como a primeira
academia da história dos tempos modernos, com a intenção de cuidar
do idioma e da literatura. No século XVI, entre os anos 1582 e 1583,
foi fundada, na Itália, a Accademia della Crusca por cinco literatos
florentinos. Eles reuniam-se com a intenção de proteger a língua italiana.
Esses literatos tinham a intenção de purificar a língua italiana, isto é,
fazer uma revisão do seu vocabulário. Na França, em 1635, foi fundada,
pelo Cardeal Richelieu, sob o reinado de Luis XIII, A Academia Francesa,
com duas finalidades: para o cultivo da língua, sobretudo para definição
do vocabulário, e para o cultivo da literatura. Nessa ocasião, Richelieu
escolheu quarenta intelectuais, que passaram a se reunir ordinariamente.
A Academia Francesa era, na verdade, uma continuação da Academia
do Palácio.
Embora haja, numa poesia de Gregório de Matos, o Boca do Inferno,
referência a uma Academia que existira na Bahia, no final do século
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XVII, historicamente documentada outra surgiu em Salvador 89 anos
após a fundação da Academia Francesa, no dia 7 de março de 1724,
por iniciativa de Dom Vasco Fernandes Telles de Menezes, Conde de
Sabugosa e 39º Governador da Bahia, que passou a se chamar
Academia Brasílica dos Esquecidos. No Rio de Janeiro fundaram, por
sua vez, a Academia dos Felizes, em 1736. Em Salvador fundaram, ainda,
a Academia Brasílica dos Renascidos, revivendo a dos Esquecidos, de vida
breve, em 1759.
Finalmente vimos nascer a Academia de Letras da Bahia, fundada por
Arlindo Fragoso, em 7 de março de 1917, que, na ocasião, cercou-se
de vultos notáveis, a citar: Teodoro Sampaio, Ernesto Carneiro Ribeiro,
Pirajá da Silva, Xavier Marques, Braz do Amaral, Carlos Chiacchio,
Arthur de Salles, Gonçalo Muniz, Simões Filho, Prado Valladares,
Octavio Mangabeira, Oscar Freire, Virgílio de Lemos, Afrânio Peixoto,
João Américo Garcez Fróes, Filinto Bastos, Moniz Sodré, Miguel
Calmon, Pinto de Carvalho, José Joaquim Seabra, Severino Vieira,
Carlos Ribeiro, Aloysio de Carvalho (Lulu Parola), Campos França,
Egas Muniz (Pethion de Villar), Torquato Bahia, Clementino Fraga,
Almachio Diniz e Ruy Barbosa.
Neste momento em que tomo posse na Cadeira nº 37, cujo patrono
é João Batista de Castro Rebelo Júnior, que teve como fundador
Almachio Diniz Gonçalves e como titulares Edith Mendes da Gama e
Abreu e Antônio Carlos Magalhães, quero agradecer aos meus
familiares que partilharam comigo a alegre convivência, até a minha
entrada na Ordem de São Bento, com vinte anos de idade. De uma
forma toda especial quero homenagear minha querida mãe, Catarina
Lúcia d’Able do Amaral, falecida em 10 de setembro de 2008. Tendo
perdido meu pai aos 11 anos, minha mãe foi quem zelou por minha
formação humana e intelectual. Desde criança me introduziu no mundo
do estudo e da cultura. Pude ter uma boa formação graças ao seu
interesse e empenho, procurando matricular-me em excelentes colégios
e adquirindo bons livros para minha leitura, na adolescência. Minha
mãe trazia consigo a tradição do nordeste. Minha avó materna era
natural de União dos Palmares, no Estado de Alagoas, e meu avô era
de uma família de imigrantes franceses que chegaram em Recife no
século XIX. No início do século XX meu bisavô Pedro Cardozo Toste
d’Able, médico e escritor, publicou, em 1902, o livro A peste bubônica
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desmascarada em Pernambuco. Minha mãe, por sua vez, estudou no
internato da Academia Santa Gertrudes, das Irmãs Beneditinas de
Tutzing, em Olinda, recebendo, através das religiosas alemãs, uma
excelente formação, que a marcou por toda a vida. Seus vastos
conhecimentos são fruto de um ensino de qualidade, que ela soube
transmitir oportunamente aos seus filhos. Tendo nascido no bairro
carioca de Santa Teresa, vivi minha infância ali e na cidade de Vassouras,
cidade antiga dos barões, no Vale do Café.
Minha adolescência, desenvolvida na cidade de Engenheiro Paulo
de Frontin, também no Vale do Café, a oitenta quilômetros do Rio
de Janeiro. Pude assim ter a experiência de duas realidades: o velho
bairro de Santa Teresa, com suas construções antigas e seus
inconfundíveis intelectuais e artistas, e, também, o Vale do Café, com
suas belas fazendas, que ainda revelavam, embora decadentes, a
grandeza de uma época.
Recebi dois grandes presentes na minha adolescência: a graça de
estudar no Colégio Marista São José das Paineiras, em Mendes, no
Estado do Rio de Janeiro, e conhecer o monge historiador Dom
Clemente Maria da Silva Nigra, que pertencia ao Mosteiro de São Bento
da Bahia. Minha mãe, preocupada com minha formação, matriculoume como semi-interno no colégio dos irmãos maristas. No princípio
achei estranho, mas, com o tempo, percebi o que aquilo significava e
qual era a sua verdadeira intenção. Foi nesse colégio que entrei em
contato pela primeira vez com a literatura brasileira. Tínhamos excelentes
mestres, que eram os irmãos maristas. Alguns estavam na meia-idade
e outros já eram idosos. Eram homens de grande cultura. A Sociedade
de Maria, por muitos conhecida como Maristas, foi fundada na França,
em 1817, por São Marcelino José Bento Champagnat. Ele iniciou essa
congregação religiosa para educação da juventude, e seus membros,
não sendo sacerdotes, dedicavam-se integralmente à educação.
Conservo boas lembranças desse período. Recordo-me que, pela
primeira vez em minha vida, tive nas mãos a Antologia da Língua
Portuguesa de Domingos Pascoal Segalla. Nunca esqueci o aspecto físico
desse livro. Era, na verdade, o nosso livro de cabeceira. Estudávamos
não somente a língua portuguesa, mas os principais escritores
brasileiros. Éramos obrigados a apresentar, aos sábados, trabalhos
representativos: em geral, declamar uma poesia. Tínhamos que ler e
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fazer o fichamento de um livro por mês, e a cada semestre havia uma
reunião literária com todos os alunos do colégio. Cada estudante tinha
que apresentar algo que demonstrasse um verdadeiro empenho pessoal.
Lembro-me que fui incentivado pelo nosso professor de Português,
Irmão Batista Santos, a declamar o poema José, de Carlos Drummond
de Andrade.
Minha mãe, querendo aprimorar ainda mais minha formação, trazia
novos livros da capital do Estado. Recordo-me que li, com muito
interesse, Barro Branco, de José Mauro de Vasconcelos. Tínhamos o
costume, em família, de comprar e ler diariamente o jornal. O ambiente
familiar e o escolar favoreceram para que eu me transformasse num
verdadeiro leitor.
Em maio de 1973, com quinze anos, conheci o monge historiador
da arte Dom Clemente Maria da Silva Nigra. Conheci-o por acaso,
quando fui à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Sacra Família
do Tinguá, segundo distrito de Engenheiro Paulo de Frontin. Dom
Clemente havia chegado de Salvador em dezembro de 1972, com
sessenta e nove anos.
Reconheço que foi um presente para mim ter partilhado da vida
desse monge erudito durante quase cinco anos. Pude receber muitas
informações de Teologia, História Geral e História da Arte.
Conversávamos, na verdade, sobre vários assuntos. Dele aprendi o
real significado da vida monástica e o amor pela arte. Hoje Dom
Clemente Maria está sepultado no pequenino cemitério da
Irmandade de Nossa Senhora da Conceição de Sacra Família, na
Serra do Tinguá, região antiga do Estado do Rio, onde ainda se
encontra o traçado da Estrada Imperial e uma das mais antigas
paróquias do Estado.
Quando foi fundada, há alguns anos atrás, a Academia de Ciências,
Letras e Artes de Engenheiro Paulo de Frontin, os intelectuais dessa
novel Academia, conhecendo o grande valor de Dom Clemente, como
intelectual e escritor, o homenagearam, colocando-o como patrono
da cadeira 28.
Mantive com ele uma verdadeira amizade. Celebrei minha primeira
missa nessa paróquia e estive presente no seu funeral, que ocorreu
a 30 de julho de 1987. Com certeza foi uma das melhores pessoas
que conheci.
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Homem de grande cultura e de profunda bondade. Também, através
dos seus ensinamentos e dos livros que dele recebi, pude me mover
por alguns caminhos da História e pude compreender a importância
da História da Arte no Brasil.
Além destes dois presentes, já citados, posso afirmar que de 1973
até 30 de janeiro de 1978, dia em que entrei para o Mosteiro de São
Bento de São Paulo, vivi um tempo que hoje considero especial da
fase de adolescência. Venho de uma geração que viveu o período
conhecido como “milagre brasileiro”, da década de setenta.
Era criança quando aconteceu a Revolução de 1964. Tinha apenas
seis anos. Não me recordo nem do Concílio Vaticano II, nem do Papa
João XXIII. Lembro-me que, ainda como criança, vi aqueles antigos
automóveis negros ou azuis, que tinham o motor acionado por uma
manivela. Lembro-me, ainda, de ver o leiteiro fazendo entrega no bairro
do Grajaú, na zona norte do Rio, com uma carroça puxada a cavalo.
Porém, na década de setenta tudo mudou. Como morava perto do Rio
de Janeiro, sempre ia para lá e sempre fazia férias aí, no bairro de Santa
Teresa, no Hotel Santa Teresa, propriedade de minha família, assim
como bairro do Flamengo.
Desse período, de lembranças tão melancólicas, recordo-me de três
pessoas ligadas à literatura, no Rio de Janeiro: o mineiro Carlos
Dr umond de Andrade, a cearense Raquel de Queiroz e o
pernambucano Austregésilo de Ataíde. Carlos Drummond de Andrade
conquistou os cariocas com sua poesia. Era para o Rio de Janeiro o
que foi Jorge Amado para a Bahia. Raquel de Queiroz também havia
conquistado um grande nome na literatura, e todos os jovens a
admiravam. Eu li O Quinze, e aquelas páginas vibrantes me fascinaram.
Por outro lado, Austregésilo de Ataíde chamava a atenção por sua
atuação como presidente da Academia Brasileira de Letras, pela
presença constante na imprensa e pela permanência de mais de três
décadas à frente da Academia-Mãe do Brasil.
Afastando-me um pouco das reminiscências do passado juvenil,
quero, neste momento, agradecer aos meus confrades beneditinos que
me receberam na Ordem de São Bento, através do Abade Dom Joaquim
de Arruda Zamith OSB, na Congregação Beneditina do Brasil, em
1978, porque muito contribuíram com minha formação intelectual.
Nossa Ordem, fundada por São Bento no século VI (480-547), na
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Itália, muito contribuiu para a cultura humanística e para a difusão do
pensamento cristão. Naquele mosteiro paulistano recebi formação
básica para a vida monástica e estudei o biênio filosófico. De lá saí em
1981, para a fundação da Abadia da Ressurreição, em Ponta Grossa,
no Estado do Paraná, onde estudei o quatriênio teológico, fazendo os
votos monásticos solenes em 1984 e sendo ordenado sacerdote em
1985, na cidade de Engenheiro Paulo de Frontin, me tornando o
primeiro sacerdote ordenado naquela paróquia. Fui enviado a Roma
para fazer mestrado no curso de Teologia Bíblica no ano de 1987, na
Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, da
Companhia de Jesus, em Roma, excelente Universidade dos jesuítas.
Foram anos felizes e que marcaram profundamente minha formação.
A convivência com monges de diversas nações no nosso Colégio
Santo Anselmo, na colina do Aventino, o estudo em uma grande
Universidade como a Gregoriana e o contato com tantas obras de
arte me levaram a ter outra visão mais ampla da vida e do próprio ser
humano. Voltei de Roma em 1987. Fui preparado nessa Universidade
para ser professor de Sagrada Escritura. A Gregoriana sempre preparou
professores-pesquisadores. Tive a oportunidade de ter excelentes
mestres, alguns já idosos, que eram considerados os melhores
teólogos da nossa Igreja naquele período. Alguns foram, inclusive,
teólogos no Concílio Vaticano II.
Lecionei Sagrada Escritura durante cinco anos no Instituto de
Filosofia e Teologia “Mater Ecclesiae”, na Diocese de Ponta Grossa.
Em 1992, passei dois meses no Mosteiro de São Bento da Bahia, dando
um curso de formação para o noviciado e colaborando no atendimento
pastoral, na Basílica.
Minha vida mudou totalmente quando fui eleito, dois anos depois,
para abade da Bahia, em 22 de junho de 1994. Cheguei a Salvador na
véspera da festa de São João Batista.
Manifesto neste momento a minha gratidão aos monges dessa
querida Arquiabadia de São Sebastião, que, sem me conhecerem muito,
delegaram Dom Gregório Paixão para entrar em contato comigo,
comunicando que tinham a intenção de me eleger para abade dessa
comunidade.
Foi também para mim uma grande honra ser eleito abade do
mosteiro mais antigo do Novo Mundo, fundado em 1582. Ele foi
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elevado à categoria de abadia em 1584, tornando-se “Arquicenóbio do
Brasil” em 1596, quando suas duas fundações, Olinda e Rio de Janeiro,
foram elevadas à categoria de Abadias. Desde o início, o Mosteiro de
São Bento procurou cumprir sua tríplice missão, pedida pelos
primeiros colonizadores do solo baiano: a administração dos
sacramentos e a pregação do Evangelho na igreja de São Sebastião, a
evangelização dos indígenas e o ensino às crianças e aos adolescentes
da língua portuguesa, do latim e do canto. Estamos em Salvador,
portanto, desde 1582.
Nosso Mosteiro de São Bento foi fundado quando era rei de Espanha
Filipe III, pois, naquele período, Portugal estava sob a coroa espanhola.
Em 1624, os monges tiveram que fugir da abadia, pois o mosteiro foi
invadido pelos holandeses, que o transformaram em quartel general,
por causa de sua localização estratégica. Gabriel Soares, referindo-se ao
Mosteiro de São Bento e à sua imponente construção, dominando a
vista da Baía de Todos-os-Santos, chamava-o de “Castelo de São Bento”.
Após a expulsão dos holandeses do mosteiro, os monges retornaram
e continuaram com sua missão nessa cidade. Uma das primeiras
providências foi elaborar o plano para a construção do novo mosteiro
e a organização da biblioteca, pois os holandeses haviam destruído
tudo o que pudesse atender pelo nome católico.
Os monges em fuga levaram consigo o que puderam da antiga
biblioteca, legando aos pósteros um dos maiores acervos de livros
raros do país. Por isso, a biblioteca do Arquicenóbio da Bahia é
considerada a segunda do país em obras raras. O livro mais antigo
é datado de 1503. Desde o início da fundação, monges portugueses
e espanhóis trouxeram livros do continente europeu. Contamos
hoje com cerca de treze mil livros, escritos entre os séculos XVI e
XIX. Possuindo a biblioteca cerca de 300.000 volumes, entre livros
e periódicos.
A biblioteca do Mosteiro reflete, portanto, o desejo de
conhecimento que sempre foi marca indelével dos beneditinos. Nossa
casa deu à sociedade, ao longo dos séculos, muitos intelectuais, que se
destacaram e contribuíram para o desenvolvimento da cultura brasileira,
seja como escritores, seja como pregadores.
Nos séculos passados, quando Portugal ainda dominava o Brasil,
muitos jovens das principais famílias de Salvador e do Recôncavo
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entraram na Ordem e foram enviados para estudar na Universidade de
Coimbra. Também nosso Mosteiro reuniu jovens monges de todo o
Brasil, dando-lhes excelente formação monástica e acadêmica.
Nos últimos anos, participei, como jovem abade, do Plano de
Revitalização do Mosteiro de São Bento, iniciado em 1994. Chegando
a Salvador com trinta e seis anos, pude tomar conhecimento desse
Plano, que não era somente de restauração de paredes, mas de
restauração das identidades históricas e culturais do Mosteiro. Encontrei
dois grandes entusiastas desse projeto: Dom Gregório Paixão, monge
da nossa comunidade e hoje bispo Titular de Fico e Auxiliar de Salvador,
e o querido amigo de sempre, Dr. Norberto Odebrecht.
Conheci também o incentivador desse plano no primeiro semestre
de 1994, o senador Antônio Carlos Magalhães, assim como os
governadores que se sucederam e que mantiveram a mesma
orientação de apoio ao Plano de Revitalização: Dr. Antônio Imbassahy
e Dr. Paulo Souto.
Além da restauração da Basílica Arquiabacial de São Sebastião,
inauguramos o novo Colégio de São Bento, o Museu São Bento e a
Biblioteca, que foi aberta à comunidade universitária e aos
pesquisadores do Brasil e do Mundo. Inauguramos também o
Laboratório de Restauração de Livros Raros. Implantamos, ainda, o
Memorial Diógenes Rebouças, a Sala de Exposições Frei Agostinho
da Piedade e a Faculdade São Bento.
Minha vinda para Salvador também foi, para mim, um presente de
Deus. Aqui reencontrei muitos valores de minha infância e de minha
juventude. Nós cariocas sempre admiramos a Bahia. Hoje, após quase
quinze anos, posso afirmar que sou um verdadeiro baiano, não somente
porque recebi o título honorífico de cidadão baiano, por proposta da
ex-prefeita e hoje Deputada Federal Lídice da Mata, mas também
porque passei a amar as pessoas deste Estado, sua história e suas
manifestações culturais.
Vindo para Salvador me reencontrei com a antiga cultura do nosso
país, o chamado Brasil brasileiro, que é a fusão das três culturas: indígena,
lusitana e africana. Quando criança e adolescente, vivendo no Rio de
Janeiro e no interior do Estado, sobretudo no Vale do Café, vivi uma
realidade cultural muito semelhante à que encontramos em Salvador e
no Recôncavo.
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Em nenhum momento me senti estranho em Salvador.
A cultura brasileira deve muito à Bahia, e ao Nordeste como um
todo. Nós sabemos que a cultura brasileira nasceu no Nordeste, e do
Nordeste passou ao Rio de Janeiro, e daí chegou a São Paulo e ao Sul
do país. Os primeiros historiadores, como o ilustre Frei Vicente do
Salvador, e poetas como Gregório de Matos, Junqueira Freire, o poeta
monge, Castro Alves e o jurista Rui Barbosa foram baianos e o orgulho
da boa terra. Pois bem, nesta noite festiva quero agradecer, de forma
toda especial, aos imortais desta Academia de Letras da Bahia que me
elegeram para a Cadeira nº 37 que teve como último titular o Senador
Antônio Carlos Magalhães.
Desde que cheguei a Salvador conheci alguns acadêmicos, com os
quais sempre mantive contato. Aos poucos fui conhecendo as atividades
desta Academia, participando de alguns eventos, como posses de
imortais e também por meio da imprensa. Percebi logo de início o
papel importante que esta exerce no cultivo da língua portuguesa e da
literatura e cultura baianas. Por isso mesmo, passei a admirar a Academia
de Letras da Bahia, assim como os seus acadêmicos.
Aos poucos fui conhecendo outros imortais e foi aumentando ainda
mais a minha admiração e o meu respeito por esses homens e por
essas mulheres, incansáveis no cultivo das letras no Estado da Bahia.
Infelizmente, não pude conhecer todos os imortais, seja por falta de
oportunidade, seja até mesmo por motivo da enfermidade de alguns.
Li, nos últimos meses, atentamente, o Breviário da Academia de Letras da
Bahia, escrito pelo acadêmico Renato Berbert de Castro, e pude
confirmar tudo aquilo que já imaginava: na sua diversidade, a Academia
de Letras da Bahia conseguiu reunir várias tendências e temperamentos,
seguindo a sua vocação inicial.
Com certeza, se vivo estivesse, Arlindo Fragoso estaria muito
contente com sua Academia e com os seus acadêmicos.
Seguindo a genuína tradição da Academia Francesa, as Academias
de Letras no Brasil escolheram como acadêmicos não somente
escritores, mas expoentes dos diversos campos do saber ou da atividade
cultural. Por isso mesmo, é comum nessas Academias encontrarmos
eclesiásticos, políticos, militares, médicos, dentre outros. Embora o
próprio Machado de Assis tenha dado um acento maior à escolha de
escritores, a própria Academia Brasileira de Letras, que muitas vezes é
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chamada de Academia Brasileira, seguiu a tradição da Academia Francesa.
A nossa Academia de Letras da Bahia tem grandes desafios à frente.
Ela é necessária para transmitir às novas gerações o cultivo da língua e
da literatura nacionais, a preservação da memória cultural baiana e o
estímulo às manifestações das artes e das ciências. Por isso, deve ser
abraçada por toda a comunidade baiana, sobretudo por seus
governantes e legisladores. Assim pensando, e no desejo de manter a
tradição desta casa, quero homenagear o patrono da Cadeira nº 37,
João Batista de Castro Rebelo Júnior, o fundador da cadeira Almachio
Diniz Gonçalves, e os meus predecessores, Edith Mendes de Gama e
Abreu e o senador Antônio Carlos Magalhães.
João Batista de Castro Rebelo Júnior foi jornalista, político, embora
tenha se destacado como poeta. Nasceu em Salvador, em 25 de
novembro de 1853, filho do capitão João Batista de Castro Rebelo e
D. Carlota Macedo de Castro Rebelo. Dentre seus sete irmãos
destacaram-se Frederico de Castro Rebelo, fundador da cadeira número
27 desta Academia, médico notável e professor insigne da Faculdade
de Medicina; e, ainda, Afonso de Castro Rebelo, fundador da cadeira
36, mestre também de outra doutíssima escola, a de Direito. Orador
primoroso, quer como parlamentar quer como acadêmico, pois honrou
sua passagem quer pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia,
quer nesta Academia de Letras. Castro Rebelo Júnior fez seus primeiros
estudos na cidade do Salvador, indo mais tarde estudar na Faculdade
de Direito de Pernambuco, na qual se diplomou em 1875.
Homem de grande potencial literário, fundou, em 1896, o diário
A Bahia, com os sócios Xavier Marques, Sá de Oliveira e Virgílio
Lemos, a quem se associaram mais tarde Metódio Coelho e Odilon
Santos. Entrou para o parlamento estadual e atingiu o posto de
Secretário de Estado, no governo de Machado Portela. Sempre foi
competente e refulgente nas suas atividades políticas e jornalísticas,
porém nada pode superar sua vocação poética. Deixou-nos poemas
que o imortalizaram: Poemas do Lar, Pseudo Realismo, Livro de Um Anjo,
Ardentias e Loiros e Mirtos. Em 26 de novembro de 1953, Castro Rebelo
foi homenageado na passagem de seu centenário pela acadêmica Edith
Mendes da Gama e Abreu, que naquele noite citou diversas poesias
do homenageado, encerrando a homenagem com algumas estrofes
de Num Album:
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Pois tu que tens na vida essas manhãs doiradas
Um sol de primavera, a luz de um paraíso...
Edênico rosal que abelhas encantadas
Exploram para encher-te os favos do sorriso...
Tu que da infância ainda os matinais caminhos
Vais prosseguindo alegre, e à sombra de folhagens
Onde armam colibris aveludados ninhos, [...]
Não queiras versos meus, são lágrimas ardentes,
Podem crestar-te na alma as flores da esperança
Não queiras enublar os dias inocentes
Do virgem coração. Rasga-os, feliz criança”.
E com o célebre soneto “Orientalis Visio”:
Dessas ilhas em flor dos gregos mares,
Do céu radiante e fúlgidas areias,
Onde o incenso dos mortos e dos luares
Se transformam no canto das sereias...
De Cós, de Paros, de uma dessas ilhas,
Edênicas regiões de humanas fadas,
Onde da natureza as maravilhas
têm a feição das coisas encantadas
Talvez do ninho da mimosa Haydéa
Cujo idílio de amor embala a idéia
Deste mundo num sonho cambiante...
Foi que ela veio um dia às nossas plagas,
De manso abrindo o seio azul das vagas,
Num bergatim de nácar do Levante.
Faleceu Castro Rebelo Júnior a 20 de abril de 1912.
O fundador da Cadeira, Almachio Diniz Gonçalves, nasceu em
Salvador, na Bahia, em 7 de maio de 1880, e faleceu no Rio de Janeiro,
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em 2 de maio de 1937. Com apenas quatorze anos ingressou na primeira
série do curso jurídico social e diplomou-se no dia 16 de dezembro de
1899. Dedicou sua vida ao estudo da Filosofia do Direito. Foi um dos
primeiros professores da Faculdade de Direito da Bahia. Almachio
Diniz é conhecido como advogado, jornalista, catedrático de Direito
Civil e de Filosofia do Direito. Foi também romancista, contista,
teatrólogo, ensaísta e crítico literário, além de autor de vasta obra
jurídica, destacando-se Filosofia do Direito: gênese hereditária do Direito,
1903; Ensaios Filosóficos sobre o mecanismo do Direito, 1906; Questões atuais
de Filosofia e Direito, 1911; Curso de Filosofia elementar, 1912; O ensino do
Direito na Bahia, de 1928, e Sociologia soviética, de 1934. Esse ilustre
acadêmico teve sua carreira intelectual interrompida por morte, aos
57 anos! Era um grande admirador do escritor Coelho Neto. Pertenceu
também à Academia Carioca de Letras.
A segunda titular da Cadeira nº 37 foi Edith Mendes da Gama e
Abreu. Nasceu em 13 de outubro de 1903 em Feira de Santana, neste
Estado, e faleceu em Salvador em 20 de janeiro de 1982. Na infância e
na adolescência, estudou com preceptores em sua própria casa, como
era costume entre as famílias abastadas. Estudou no Colégio Nossa
Senhora de Lourdes e na Escola Complementar, da professora
Estefânia Mena. Em Salvador, cursou o pedagógico no Educandário
dos Perdões. Estudou no Rio de Janeiro, na Bahia e na Europa,
especializando-se em Filosofia, Literatura Geral, sobretudo a Brasileira
e a Francesa, Ciências Sociais e canto. Teve a oportunidade de ter uma
boa formação, sendo mulher de rara cultura. Tocava piano, cantava e
falava fluentemente o idioma francês. Visitou diversos países da Europa,
com real interesse por catedrais, museus, castelos, teatros e universidades.
A imortal Edith Mendes da Gama e Abreu trabalhou intensamente pela
emancipação da mulher e foi das que mais atuaram na luta pelo voto
feminino no Estado da Bahia. Foi presidente vitalícia da Federação Baiana
pelo Progresso Feminino, fundado a 9 de abril de 1931. Ao lado de
Bertha Lutz, entregou-se à causa feminista, atuando contra as restrições
ao voto feminino no anteprojeto do Código Eleitoral e contra o projeto
de lei que vinculava o cargo público à mulher que possuísse, como o
homem, a indispensável carteira de reservista.
Foi candidata a deputada federal em 1934, sob a legenda “A Bahia
ainda é a Bahia”, obtendo mais de dez mil votos e ficando como
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suplente. A sua atuação intensa na vida literária e política a levou a
candidatar-se a uma cadeira desta Academia. Assim como teve que
lutar pela participação das mulheres na sociedade, também sua entrada
para essa Academia gerou desconforto entre alguns acadêmicos, pois
não queriam mulheres como imortais. Entretanto, foi eleita a 8 de agosto
de 1938, tomando posse no dia 9 de novembro do mesmo ano, no
salão nobre da Faculdade de Medicina, sendo saudada pelo acadêmico
Carlos Gonçalves Fernandes Ribeiro.
Literariamente, Edith Mendes da Gama e Abreu foi uma ensaísta
renomada, principalmente por seus esclarecedores discursos. Dos seus
livros, apenas um, A Cigana, é romance. Os demais: Problemas do Coração
(1933), O Romance (1958) e O Que a Vida Me Tem Dito (1980), são
ensaios de natureza evocativa, moral e histórica.
Em 1946 foi candidata a deputada estadual e lutou pela solução de
problemas de saúde pública, da educação popular, da fome, bem como
dos incentivos ao trabalhador. Fez parte também dos quadros do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, onde ocupou os cargos
de vice-presidente e oradora oficial. Esteve na presidência do Instituto
durante nove meses, de 31 de março a 31 de dezembro de 1969,
completando o mandato do seu antecessor, o professor Francisco
Peixoto de Magalhães Neto, por ser a primeira vice-presidente.
Dedicou toda a sua vida à educação e se aposentou como Inspetora
do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura, junto
aos ginásios da capital. Foi como professora catedrática e fundadora
da Faculdade de Filosofia da Bahia que ocupou sua posição mais
significativa na carreira docente.
Finalmente, o último ocupante da Cadeira nº 37 foi o senador
Antônio Carlos Peixoto de Magalhães. Filho de Francisco Peixoto
de Magalhães e Helena Celestina de Magalhães. Nasceu em Salvador,
no dia 4 de setembro de 1927, e faleceu em São Paulo, no dia 20 de
julho de 2007, com 79 anos. Destacou-se no cenário nacional como
político durante a segunda metade do século XX e início do XXI.
Iniciou sua vida política como estudante, tendo sido presidente do
grêmio estudantil do Colégio Estadual da Bahia, do Diretório
Acadêmico da Faculdade de Medicina e do Diretório Central dos
Estudantes da Universidade Federal da Bahia. Formou-se em
Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da
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Bahia, em 1952, e logo ocupou o posto de professor assistente no
ano seguinte. Foi eleito deputado estadual em 1954, pela União
Democrática Nacional (UDN) e na mesma legenda para deputado
federal, em 1958 e 1962. Foi um dos grandes amigos do presidente
Juscelino Kubitschek. Reeleito deputado federal, em 1966, pertenceu
à Arena (Aliança Renovadora Nacional). Foi nomeado prefeito de
Salvador em 10 de fevereiro de 1967, pelo governador Luiz Viana
Filho, renunciando ao cargo em 6 de abril de 1970. Meses depois foi
indicado como governador da Bahia, pelo então presidente Emilio
Garrastazu Médici, sendo referendado pela Assembleia Legislativa para
um mandato de quatro anos. Teve como sucessor no Palácio de Ondina
o ilustre acadêmico Dr. Roberto Santos.
Depois de oito meses fora do poder, foi nomeado presidente da
Eletrobrás pelo presidente Ernesto Geisel em novembro de 1975, cargo
ao qual renunciou em 1978, a fim de ser indicado para o seu segundo
mandato como governador da Bahia. Com a reformulação partidária,
filiou-se ao PDS em fevereiro de 1980, mantendo incólume sua
condição de líder político.
Deixando de apoiar o candidato de seu partido, Paulo Maluf,
apoiou Tancredo Neves, e esse apoio foi decisivo para a vitória
oposicionista no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985. Foi
indicado por Tancredo Neves para Ministro das Comunicações, sendo
confirmado no cargo por José Sarney. Foi o único ministro civil que
permaneceu no cargo durante os cinco anos de governo do
maranhense. Tomou posse no cargo ainda filiado ao PDS, visto que
só ingressaria no PFL em 6 de janeiro de 1986. Em 1990 foi eleito,
no primeiro turno, como governador da Bahia. Em 1994 foi eleito
senador pelo Estado da Bahia. Foi eleito presidente do Senado Federal
para o biênio 1997/1999.
Reeleito presidente do Senado Federal para o biênio 1999/2001,
ocupou a Presidência da República entre 16 e 24 de maio de 1998, em
razão de uma viagem do titular ao exterior, visto que tanto o vicepresidente Marco Maciel, quanto o presidente da Câmara dos
Deputados, Michel Temer, estavam impedidos de assumir o cargo
durante o período eleitoral, sob pena de inelegibilidade.
Em 2002 foi eleito senador pela segunda vez, sendo empossado
em 1º de fevereiro de 2003. Executivo dinâmico, Antônio Carlos
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Magalhães cercou-se de homens competentes e investiu muito na
formação profissional de sua equipe na Prefeitura de Salvador, e
sobretudo no Governo do Estado. Ao tomar posse como governador,
em 15 de março de 1971, discursou:
São palavras evangélicas: aquele a quem muito se entregou, muito
mais se exigirá. Sei que recebo muito, diria mesmo que recebo tudo,
e estou consciente de que os baianos poderão exigir de mim trabalho,
seriedade no trabalho da administração, uma vida permanentemente
voltada para o bem comum.
Antônio Carlos Magalhães atuou durante a fase do “milagre
econômico”. A Bahia entrava no processo acelerado de industrialização,
com a instalação, em Camaçari, de indústrias no Polo Petroquímico.
Na capital ACM realizou obras de grande impacto, abrindo as chamadas
“avenidas de vale”, modernizando o tráfego da cidade e driblando a
topografia acidentada da parte velha. O turismo recebeu dele grande
incentivo, dando um salto de 400 apartamentos de hotel, em 1970,
para 2400 no final de sua administração.
Em 15 de março de 1979 tomava posse no seu segundo mandato
como governador, numa clara continuidade da primeira administração.
O imortal Antônio Carlos Magalhães, durante sua vida política,
acolheu as manifestações culturais do Estado e deu grande incentivo
aos artistas e aos intelectuais baianos. Percebeu, logo no início de sua
carreira, que seu Estado tinha muito a oferecer ao Brasil e ao mundo
com sua história, sua literatura e sua música. Era necessário “abrir” a
Bahia ao mundo e dar apoio aos artistas e intelectuais, para que não
mais partissem para o Rio de Janeiro. A Bahia passou, assim, a ser
mais conhecida tanto no cenário nacional como internacional. Nesse
período, as obras de Jorge Amado levaram a Bahia aos outros Estados
do Brasil e também ao exterior.
O Dr. Antônio Carlos Magalhães percebeu a importância que a
Academia exercia para a identidade literária e cultural do Estado. Assim,
em seu segundo mandato de governador, doou este Solar Góes Calmon
para sede da Academia de Letras da Bahia. Encontramos o texto no
discurso do saudoso acadêmico Jorge Calmon, proferido por ocasião
dos 80 anos desta Academia
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“No começo de sua série de mandatos, teve Cláudio Veiga a alegria
de ver a Academia em sede nova e definitiva, graças ao amparo que lhe
dispensou o Governador Antônio Carlos Magalhães; amparo que não
se limitou à iniciativa da lei de doação deste belo e valioso imóvel, mas
se estendeu à concessão dos recursos necessários à aquisição de todo
o mobiliário. Com isso, a Academia se tornou uma das sociedades
literárias do País mais dignamente instaladas.”
“[...] Na sua terceira gestão, como chefe do Executivo, promoveu,
junto à Assembleia Legislativa a aprovação da lei determinando a inclusão
no Orçamento Geral do Estado, anualmente, verba destinada ao custeio
desta Casa, assim como do Instituto Histórico. Hoje exercendo o
mandato de Senador da República, e há pouco elevado à presidência da
Câmara Alta, tem tido o cuidado de destinar à Academia parte da verba
de subvenções e auxílios que lhe cabe aplicar.”
“O eminente homem público age desse modo – creio eu – porque,
bem lembrado do apreço que seu pai tinha pela Academia, a cujas
sessões era dos mais assíduos e as quais sempre ilustrava com seus
comentários, homem que era de saber enciclopédico; mas, também
porque possui especial sensibilidade para as coisas da inteligência,
consoante tem dado provas sobejas. Vem ajudando nossa Casa
conduzido pela certeza de que ela é, atualmente, a instituição
particular de cultura mais atuante em nosso meio”, conclui o
acadêmico Jorge Calmon.
O senador Antônio Carlos Magalhães foi eleito para a Cadeira nº
37 no dia 19 de abril de 1982. Tomou posse em 30 de novembro de
1983, sendo saudado pelo acadêmico Luiz Fernando Seixas de Macedo
Costa. Na saudação endereçada ao novo imortal, Macedo Costa chama
a atenção para dois aspectos na sua vida: o grande orador e a sua obra
cultural como administrador. Coloca-o como sucessor dos grandes
oradores da Bahia, que também foram acadêmicos: Antônio Muniz,
José Joaquim Seabra e Otávio Mangabeira. Assim afirmou Macedo
Costa naquela noite:
É, pois, precedido por personalidades dessa estatura intelectual,
e com a credencial de consagrado orador político, que chegais a
esta academia, digno confrade, para preencherdes, aqui, espaços já
ocupados outrora por notáveis protagonistas de nossa história e
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de nossa cultura. Com ele tendes em comum a vocação para a causa
política e o talento verbal.
O acadêmico Antônio Carlos Magalhães, ao longo de sua vida
pública, incentivou o trabalho de artistas e intelectuais e se preocupou
com a restauração e a preservação dos bens culturais. Podemos citar
alguns imóveis representativos restaurados nesse período: Solar do
Ferrão, Quinta do Tanque, o Pelourinho, Rua Alfredo Brito, Igreja de
São Francisco, Catedral Basílica, Rosário dos Pretos, Nossa Senhora
dos Humildes, em Santo Amaro, Nossa Senhora das Oliveiras, em
Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro, e o Mosteiro de
São Bento (Basílica, Colégio, Museu e Biblioteca).
No livro de mensagens de autoridades que passaram pelo Mosteiro
de São Bento, desta cidade, ao longo do século XX, encontramos o
seguinte texto escrito e assinado pelo acadêmico Antônio Carlos
Magalhães, em 11 de novembro de 1993:
Deus me permitiu que eu visse um dos mais notáveis acervos
do mundo, no Mosteiro de São Bento. As imagens, a prataria, os
paramentos, os quadros, os móveis, a notável biblioteca, tudo isso
atesta o notável trabalho dos beneditinos em tantos séculos de
serviço à Bahia e ao povo de Deus. Como Governador me
emocionei com o que vi e trabalharei para que todos os bahianos
(sic) venham aqui ver e aplaudir o notável acervo, patrimônio de
cultura da humanidade.
O imortal Antônio Carlos Magalhães, com a intenção de manter
viva a identidade cultural baiana, implantou os seguintes museus: Museu
de Arte da Bahia, Museu Abelardo Rodrigues, no Solar do Ferrão, e o
Museu do Recôncavo. Voltando-se para as artes, além de apoiar diversos
artistas, restaurou o Teatro Castro Alves, criou a Orquestra Sinfônica
da Bahia, o corpo de Ballet do Teatro Castro Alves, a implantação do
Quarteto de Cordas e a edição de dezenas de obras literárias.
Escreveu, ainda, os seguintes livros: Não era fácil ser revolucionário, O
médico e a sociedade, Discursos parlamentares e Meu compromisso com o Nordeste.
Recebeu também o título de benfeitor da Academia. Título concedido
em 27 de abril de 1992 e entregue solenemente em 10 de março de
1993, quando foi saudado pelo Presidente Cláudio Veiga.
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Senhores Acadêmicos:
Depois de narrar as qualidades literárias e intelectuais do patrono
desta cadeira e dos imortais que me precederam, quero agora manifestar
minha gratidão aos que vieram participar desta solene celebração de
posse na Academia.
Quero manifestar minha estima e alta consideração pelos imortais
desta Casa de Arlindo Fragoso e dizer que desejo ser um membro
ativo das atividades literárias e culturais desta Academia.
Venho de coração sincero, num desejo de aprender com os imortais
desta casa. Sinto-me como se voltasse aos dias de noviço, com a mesma
alegria e o mesmo coração aberto ao Bom, ao Belo e ao Eterno. O que
celebramos nesta noite permanecerá para sempre guardado em meu
coração e em minha memória. Que eu possa em todos os momentos
de minha existência procurar viver o lema desta Academia: Honrar a
pátria cultivando as letras, lembrando o que me foi ensinado pela milenar
regra de São Bento, que nos pede para honrar todos os homens.
Que Deus seja louvado e abençoe a todos! Muito obrigado!
__________
Discurso de posse, na Cadeira nº 37 , proferido pelo Abade Dom Emanuel
d’Able do Amaral, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 28 de
maio de 2009. O acadêmico foi recepcionado por Fernando da Rocha Peres,
titular da Cadeira nº 25 da ALB.
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Discurso de posse
na Cadeira nº 14 da ALB
Gláucia Lemos
Em sua obra A coragem de criar, o filósofo e terapeuta americano
Rollo May afirma que o homem cria arte como ato de rebeldia, um
desafio aos deuses imortais. Pela arte que realiza a Imortalidade se lhe
torna possível, prerrogativa dos deuses que não lhe foi concedida.
Aqui nesta Casa, onde se concentra o escol da cultura desta terra de
tradições, alcança-se a Imortalidade mediante a aposição de um colar
que se conquista pelo mérito da obra realizada,
Contemplado este rito, porém, por um olhar especial de escritor de
livros infantis, – alguém que sonha utopias e as expressa em palavras
para encantamento de crianças –, esse mesmo ato solene ganha a
vestimenta de um conto de maravilhas, que bem poderia ser intitulado
A Lenda do Colar da Imortalidade. Narraria esta lenda a existência de um
certo colar de ouro que deteria o poder de concessão da Imortalidade
a quem o colocasse ao pescoço. Todos os mortais que padecessem
angústia pela inaceitação do fim dos seus dias quereriam conquistá-lo.
Isso significaria galgar penosamente uma escadaria infinitamente longa
e eivada de tropeços, durante muito tempo, até alcançar, no cume, o
Olimpo, onde estaria escondido o mágico colar de ouro. Essa escadaria
de tão difícil escalada teria o sugestivo nome de Trabalho. Mas esta
lenda, meus senhores, ainda não foi escrita e provavelmente eu nunca
a escreverei, porque, ao invés de elaborá-la, eu a estou vivendo nesta
noite, desde que há poucos momentos, vencida a longa escadaria dos
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meus 30 anos de trabalho, alcancei o Olimpo e recebi o colar da minha
Imortalidade, ali, frente àquela mesa, pelas mãos do senhor presidente
desta Academia, professor Edivaldo Boaventura.
Mas, é hora de acordar, descer do sonho literário e fazer a minha
oração, com olhos voltados para a realidade deste momento. E vos
dizer que ainda sendo o lugar-comum um dos inimigos do escritor,
nem sempre dele podemos prescindir, pois de dois lugares-comuns
neste discurso deverei socorrer-me.
O primeiro deles é o expressar de minha emoção. Uma emoção
que nunca se repetirá, porque a posse na cadeira de uma Academia de
Letras só ocorre uma vez na vida de um escritor, posto que não se
elege mais de uma vez o mesmo escritor para o mesmo Sodalício. Esta
emoção estou a vivê-la em plenitude. O segundo lugar-comum é dizervos do agradecimento, esse que nos é imposto pelo figurino das boas
maneiras. E muito mais que isso, sendo a expressão “muito obrigada”
a mais corriqueira que repetimos a cada oportunidade diária, em horas
como esta ela se reveste do sentimento de quem se sabe sobremaneira
reconhecido pela seriedade com que opera o seu que-fazer e da
felicidade por assim se saber.
Permiti-me, senhores, dirigir um agradecimento particular àqueles
que espontaneamente deliberaram demorar-se no meu nome para
ocupar a Cadeira nº 14, levando a seus pares a informação do que tem
sido minha obra, nestes 30 anos de atividade com a palavra. Eu vos
digo, a todos, com minha sincera emoção, Muito Obrigada. Por me
haverdes reconhecido uma operária do vosso ofício e me haverdes
convocado a participar dos trabalhos deste templo, a viver o vosso
convívio, a me tornar um de vós aqui dentro.
Muitos serão chamados, meus senhores, poucos escolhidos. Ocorreme esta sentença ao iniciar a minha oração. Muitos são os inspirados
pelo irresistível vocatus ao culto da palavra, poucos os escolhidos pelas
circunstâncias; sejam sociais, geográficas ou culturais, para, atendendo
à premência desse chamamento interior, dedicarem-se a exercitá-lo e
aperfeiçoá-lo, mediante um labor tão intenso quão fascinante, qual
seja o labor literário.
Eu me reconheço uma escolhida. Trouxe comigo a vocação – que
essa ninguém escolhe – e encontrei na vida as circunstâncias. Por graça
e bênção dessa escolha é que estou aqui.
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Quer a praxe acadêmica que o empossado conheça e fale dos que o
precederam. Começo pelo patrono da Cadeira nº 14, Francisco
Gonçalves Martins, Visconde de São Lourenço, nascido em Santo
Amaro, no ano de 1807.
Estudou em Portugal, cursando Direito em Coimbra. Não se
graduou, por ter-se engajado na luta pela princesa brasileira D. Maria
da Glória contra seu tio D.Miguel. Foi jornalista e, anos mais tarde,
recebeu de D. Pedro I o título de bacharel em Direito, como
reconhecimento pelos serviços prestados à causa da princesa, o que
lhe permitiu exercer a advocacia. De D. Pedro I também recebeu a
comenda de Cavaleiro da Imperial Ordem de Cristo. O visconde,
conquanto amasse a Bahia, abominava os poetas, aos quais atribuía
pouca seriedade, e isso lhe atraiu a antipatia do mestre Machado de
Assis.
Foi fundador da Cadeira nº 14 o professor Bernardino José de
Souza. Lecionou diversas disciplinas de nível fundamental, sendo
também catedrático de várias matérias do ramo do Direito. Natural do
estado de Sergipe, veio a revelar-se um benfeitor do ensino na Bahia.
O professor Bernardino de Souza foi sucedido pelo médico Dr.
Alberto Silva que era também professor e pesquisador de História da
Bahia. Escreveu várias livros, merecendo especial menção sua obra
Cidade do Salvador.
Em seguida, foi eleito o Dr. Edgard Santos, fundador da
Universidade Federal da Bahia, da qual foi reitor e a cuja obra dedicou
o melhor do seu espírito empreendedor. Tornou a nossa universidade
uma notável instituição do Saber, para o que abdicou do exercício da
medicina, na qual se dedicava à cirurgia com sucesso reconhecido.
Pelo falecimento do Dr. Edgard Santos, coube a cadeira ao professor
Raul Batista que era um erudito, sobretudo no domínio das literaturas
latina, grega e brasileira.
Por sua morte, foi eleito o contista Carlos Vasconcelos Maia para a
vacância. O contista envolvente, a pessoa carismática, o amigo afetuoso,
assim é um ligeiro perfil de Vasconcelos Maia. Autor apaixonado pelo
mar, tema constante dos seus contos admiráveis, sua importância para
a Bahia ultrapassa a expressão literária de livros como O Cavalo e a rosa,
O leque de Oxum, Cação de Areia e tantos outros que se encontram em
traduções para obras internacionais, “cantando sua aldeia” para o
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mundo. Também legou seu trabalho à frente da Secretaria de Turismo
de Salvador; em sua gestão, e só então, Salvador começou a ter
organizado seu turismo. Vasconcelos nos deixou sem anúncio, em uma
festa de amigos. Todos os que lhe tínhamos afeto, sempre o
lembraremos nas salas desta Academia, sereno, risonho, receptivo.
Querem as circunstâncias que a mim, que muito o admirava, também
caiba a honra de vir a ocupar a Cadeira por ele deixada, após tê-la
merecido o poeta Epaminondas Costalima, meu antecessor mais
próximo.
Costalima, poeta que se interessou pela lírica desde a infância, foi
profissional da Propaganda, tendo recebido o troféu Personalidade
da Comunicação.Teve toda a sua vida dedicada aos que-fazeres da
publicidade, sem jamais se negar, porém, à vocação de poeta cedo
manifestada. Publicou Do simples viver, Retrato desfeito, Tempo e
circunstância, A noite de glória de João da Silva, livros de poemas, em
razão de cuja excelência foi sufragado para ocupar a vaga deixada
por Vasconcelos Maia. O poeta pertenceu à Academia de Letras da
Bahia de 1989 a 2010, e neste momento eu me sinto imbuída da
responsabilidade de merecer a sucessão a tão ilustres nomes que me
precederam nesta cadeira.
Senhores acadêmicos, meus senhores, talvez neste momento,
quando relato sobre os meus antecessores, estejais a perguntar: E vós,
quem sois? De onde estais a vir? Eu vos direi:
Meu pai, o sr. Ascânio Tasso Pinheiro de Lemos, oficial do Exército,
foi homem excepcionalmente bom, sensato e firme de caráter.
Responsável e amoroso para a família, tolerante e generoso com seus
subordinados e com estranhos. Oficial graduado pela Academia Militar,
morreu no posto de Major. Era da família Pinheiro de Lemos, oriunda
de Portugal, cujo primeiro membro a vir para o Brasil no século XVII
foi o Dr. João Pinheiro de Lemos, médico cirurgião do Exército. De sua
vinda ocupa-se a Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
em edição dedicada a “Famílias ilustres vindas de Portugal”, que me foi
presenteada pelo historiador prof. Dr. Cid Teixeira, que enriquece esta
Academia com sua cultura. Minha mãe, a senhora Adília Silva de Lemos,
uma pessoa que tinha por traço dominante o culto aos valores morais,
era enfermeira, teve expressiva atuação à frente da enfermagem e da
administração na fundação e funcionamento do Sanatório Bahia, tendo
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sido mencionada elogiosamente pelo médico psiquiatra baiano Dr.
George Alakija, em Comunicação por ele apresentada em Congresso
Nacional. Fomos 3 filhos deste casal. Comigo, meu irmão já
desaparecido e minha irmã, que é minha grande amiga.
Tendo falecido meu pai quando eu tinha 3 anos de idade, minha
mãe, viúva jovem, transferiu a família para a capital sergipana, onde
tinha seus familiares. Lá estudei as primeiras letras no Colégio Senhora
Santana. Recordo-me com veneração e saudade das minhas primeiras
mestras. De sua competência e de seu carinho recebi a continuidade
do estímulo a meu gosto pelo estudo e a meu interesse por aquisição
de conhecimentos, o que já levava do ambiente familiar. Lá vivi uma
infância alegre, muito rodeada de música e de livros, pois comecei a
ler aos 4 anos de idade, a partir do que os livros passaram a ser o
presente que mais me fazia feliz e o lazer que mais me interessava.
Na pré-adolescência retornamos para Salvador. Aqui, no Instituto
Normal da Bahia, completei meus estudos até o 2º grau, ao mesmo
tempo cursando Desenho na Escola de Belas Artes, que ainda não
era parte da Universidade. Mais tarde fiz Extensão em Desenho na
Escola já ligada à UFBA e Arte em Série no Museu de Arte Moderna,
no Solar do Unhão.
Não vos cansarei a contar passo a passo da minha trajetória. Não
difere muito do comum das famílias classe média que viviam obedientes
a um esquema de rígida observação aos costumes, vigente quando a
literatura era passatempo corriqueiro, e o estudo da música
complemento indispensável à boa formação. Casei-me com o jornalista
e advogado Altamirando Luquini Leal, homem muito voltado para o
trabalho, amante dos clássicos da música e dos bons livros. Tivemos 5
filhos, com os quais aprendi o amadurecimento da responsabilidade
de formar caracteres e lapidar corações, acertando às vezes, errando
outras tantas, sempre na tentativa do melhor. Tenho duas filhas que
estão casadas e dois filhos solteiros, todos profissionais liberais, todos
pessoas direcionadas para o bem, como também o são os sete netos,
dos quais recebo só carinhos e motivos de alegria. E nos meus três
genros tenho também a continuidade da minha família, neles sentindo
igual afeto, que nos une no mesmo círculo amoroso.
Meus senhores, esta sou eu, este o meu perfil. É daí que venho,
como vedes, muito centrada nos pilares da família. Em 1967 Deus
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escolheu para anjo minha primeira filha, então com 12 anos. Eu vos
asseguro, meus senhores, que dor maior alguém jamais conhecerá. Foi
então que, ao lado da responsabilidade pelos outros filhos, o curso de
Direito da Universidade Católica do Salvador significou a minha coluna
de apoio e reequilíbrio. Saí na turma de 1972 e fiz a pós-graduação na
UFBA, em 1981, em Crítica de Arte.
Por esse tempo já vinha escrevendo em jornais. Colaborei no
tabloide do jornal A Tarde, da praça Castro Alves, anos 60, quando
tinha à frente o jornalista Claudir Chaves. Assinei a coluna Pelas
Universidades, no Diário de Notícias, durante cinco anos, sendo meu
editor o jornalista Clementino Heitor de Carvalho. Tive que me afastar
em razão da regulamentação da profissão de jornalista, pois não me
sindicalizara como haviam feito vários companheiros, e perdi assim
meu direito às redações de jornal. Tinha, porém, sido picada pelo vírus
do jornalismo, e voltei a publicar mais tarde, colaborando durante 8
anos na coluna de arte Painel, do prof. Herbert Magalhães, em A Tarde,
assinando a coluna de arte Opinião, na Tribuna da Bahia, quando editada
pelo jornalista José Antônio Moreno, e publicando ensaios de arte,
resenhas e comentários críticos em A Tarde Cultural, aproveitando o
viés que a lei me concedia, publicar sobre assuntos ligados à minha
formação. Entre 1982 e 1984 organizei e coordenei o curso teórico na
Escola de Belas Artes da Fundação Teatro Deodoro, em Maceió, no
qual lecionei História da Arte e Iniciação à Estética, enquanto lá
residimos por interesse profissional de meu marido. A saudade da Bahia
era intensa, e o coração baiano todos os dias queria voltar.
Aprendi o caminho desta Academia quando, em 1985, tendo
retornado dos 3 anos de residência em Maceió, trouxe pronto o meu
primeiro romance, O riso da raposa. Estavam abertas inscrições para o
Prêmio Cidade do Salvador, para romances, nesta Academia. Era o
meu primeiro romance. Eu o inscrevi sob pseudônimo de Tereza de
Ávila, e a comissão composta pelas senhoras Myriam Fraga, acadêmica,
Judith Grossmann, professora da Universidade, e sr. James Amado,
também acadêmico, achou de justiça atribuir-lhe o prêmio. Era eu uma
neófita, sem laços no ambiente cultural, tendo publicado um livro de
contos em 1979 porque o saudoso professor e acadêmico Carlos
Eduardo da Rocha lera meus contos no Jornal da Bahia, em um concurso
de contos coordenado pelo jornalista e escritor Adinoel Mota Maia,
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do qual também saíram outros escritores que são hoje acadêmicos,
Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro, e ainda outros que lá fora continuam
a laborar seu trabalho, como Ayeska Paulafreitas, Dalila Machado e
Orlando Pereira dos Santos. O prof. Carlos Eduardo da Rocha, repito,
procurara me conhecer através de uma amiga comum.
Espontaneamente me encaminhara à Fundação Cultural do Estado,
me oferecendo a primeira oportunidade para publicar um livro de
contos. Assim mesmo, facilmente. As boas coisas da minha vida assim
acontecem. Ainda bem, porque, das iniciativas que minha timidez não
me permite tomar, uma delas é batalhar por algum interesse. Se as
oportunidades não vierem a mim, eu não sei partir à procura delas.
Não aprendi a litigar por coisa alguma. Acostumei-me a buscar o êxito
no aprimoramento do que faço. Assim tenho vivido e não tenho de
que me queixar; levo a vida a sério, e a vida, por sua vez, tem me
respeitado.
Esse primeiro prêmio de um primeiro romance foi também o meu
primeiro laço com esta Academia. Despertou uma certeza de que
escrever romances não me era impossível. Senti um grande estímulo
para trabalhar no gênero, o que sempre fora meu desejo, desde que na
adolescência conheci Dostoiévski, Camus, Thomas Mann, Liev Tolstói,
Flaubert, Ernest Hemingway, Jorge Amado, Adonias Filho e também
os contos de Maupassant e Tchecov. Descobrir personagens, rir e chorar
com eles, encontrar situações, vivê-las, sofrê-las, acompanhar destinos
que se criam e se resolvem em minhas próprias mãos. Tudo isso tem
um fascínio particular que continua sempre igual, além do artesanato
da palavra, a reescritura e as revisões, a busca da sonoridade da palavra,
do ritmo que complete a musicalidade do texto. O fascinante universo
da palavra, sem o qual a literatura não se realiza. Isto é o encanto que
me faz entender que a vida vale a pena.
Por esse tempo minhas filhas me deram os primeiros netos, e essa
nova geração plenificou meu coração de um amor diferente, aquele
amor que tem sabor de esperança e de graça. Essa esperança que não
se define, talvez esperança em um futuro mais promissor para um país
no qual todas as coisas àquela altura já estavam desmoronando e nunca
mais foram reerguidas, desde a fragilidade dos costumes à decadência
do ensino e demais atendimentos às carências populares. Nascia em
mim, perante a nova geração, uma certa fé de que os novos que estavam
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chegando fossem o socorro para nossa perdição. Talvez uma vaga
esperança que vemos nos pequeninos olhos inteligentes dos nossos
pequeninos, foi ela o que me inspirou meu primeiro livro infantojuvenil, o Coração de Lua cheia, cuja história dá conta de que todos os
que têm um sonho partem em alegre viagem para realizá-lo em Jumaran.
O utópico Jumaran, que é a esperança representada no anagrama dos
meus primeiros netos, as primeiras sílabas dos nomes de Juliana, Marina
e André. O livro saiu em 1986 pela Companhia Editora Nacional e
está esgotado. Estou tentando negociá-lo em nova edição por outra
editora. Assim começou minha jornada pela literatura infanto-juvenil,
que conta hoje 20 títulos, alguns esgotados.
Meus senhores, estaria sendo injusta se omitisse aqui um importante
crédito a alguém que teve particular expressão na minha infância e na
minha criação de livros infantis. Aquela babá, que, sem qualquer vínculo
consanguíneo, foi para mim e meus irmãos mais que uma mãe amorosa,
era a nossa Segunda Mãe, que, conquanto tivéssemos por perto nossa
verdadeira mãe severa e vigilante, era ela quem nos mimava e cuidava,
nos punha a dormir cantando e contando histórias envoltas em magia,
que, tenho certeza, concorreram para estimular minha criatividade e
constituíram uma sementeira para o surrealismo manifestado na obra
infantil da autora que hoje sou. Onde estiver aquela estrela de bondade,
que a ela chegue a luz da minha gratidão.
Depois do primeiro infanto-juvenil, cresceu minha produção no
gênero e se expandiu pelas escolas do Brasil, de tal modo, que a autora
de livros adultos e a crítica de arte passaram a segundo plano, e meu
nome definitivamente ficou associado a livros infanto-juvenis,
tornando-se o referencial da literatura infanto-juvenil produzida na
Bahia. Na esteira do êxito pesem premiações como da Secretaria de
Cultura do Maranhão, da Academia Brasileira de Literatura Infantil e
Juvenil-SP, do Programa Nacional de Biblioteca na Escola, do Instituto
Nacional do Livro – INL-RJ, do Bureau Internacional de Literatura
Infantil e Juvenil e das muitas solicitações de editoras para inclusões
de textos da autora em livros didáticos.
Escrevo menos contos, é verdade, mas a paixão pelo romance não
se deixou minorar. Mais três romances foram escritos e, cada um a seu
tempo, também todos os três premiados: Secretaria de Cultura de
Recife, aos 450 anos da fundação da cidade em 1988; Prêmio Graciliano
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Ramos, da União Brasileira de Escritores do RJ, em 1991, e prêmio O
melhor Livro, da União Brasileira de Escritores de São Paulo, em 2007,
prêmios que vieram a somar ao meu primeiro romance, premiado por
esta mesma Academia, que, nesta solenidade, me confia uma Cadeira.
Não poderia narrar a ordem em que meus livros foram produzidos
ou publicados, não porei à prova a vossa tolerância, mas devo dizervos que estão em 34 títulos, entre os vários gêneros, incluindo
participação em três antologias. Se pareço vaidosa a enumerá-los, peço
seja relevada minha imodéstia, que manifesto sem a menor arrogância.
Em 1996 morreu meu marido, presente na memória da família.
Assim venho vindo, meus senhores. Parti há trinta anos da Fundação
Cultural do Estado. Prossigo porque tenho convicção de que, tendo
abandonado as lides jurídicas pela então aventura literária, eu que jamais
entrei ou me arrisco em qualquer aventura, eu que sonho muito, mas
jamais tiro do chão firme as solas dos meus sapatos, e que tenho muito
medo de me decidir pelo desconhecido, resolvi fazer a única coisa que
sou capaz de fazer acreditando nela, que é escrever. Só se faz com
verdade uma coisa se nela se acredita. Por isso eu não poderia ser fiel
a meu diploma de bacharel em Direito, por certo não teria sido a
psicóloga que, por algum tempo, cogitei vir a ser – nem sequer comecei
– não sei se fui a mãe que honestamente me esforcei para ser e para o
que dei de mim tudo o que humanamente consegui tirar da minha
possibilidade e do meu amor, por isso, senhores, um dia ainda hei de
pedir que me perdoem os que acaso, silenciosamente, tenham guardadas
minhas possíveis ineficiências. Não sei que faltas ou culpas involuntárias
ainda tenha tido no meu percurso já um tanto longo, mas a realidade é
que de tudo o que eu tenha sido incumbida, ou tenha assumido ou
pretendido ser ou fazer, o que não fui, não fiz, foi por não ser capaz,
confesso que só sei escrever. Se disso fosse impedida não saberia o
que fazer dos meus dias.
Nesta noite, cujas alegrias ofereço a meus filhos, meus netos e minha
bisnetinha que ainda está chegando, realizo o meu ritual de passagem,
convicta de que, se a Imortalidade continua a me ser inacessível
fisicamente – e é por isso que desafio os deuses com minha arte, como
quer Rollo May, – nas lembranças de infância e juventude das crianças
e dos jovens que leem minhas histórias, o colar da lenda funcionará,
minha Imortalidade magicamente acontecerá, assim como no meu
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espírito se imortalizaram os contos escutados na minha infância, antes
de dormir, e como em mim se imortalizou Dostoiévski, aos meus 14
anos, quando o li pela primeira vez, em Os Irmãos Karamázov, e, ingênua
e pretensiosamente, eu o elegi aquele escritor que um dia eu gostaria
de ser. Repito: ingênua e pretensiosamente.
Sei que começo nesta Academia de Letras em etapa da vida em que
muitos a têm deixado. Mas sou daqueles que acreditam ser possível
driblar o tempo com nosso esforço, e que a cada nascer do sol a vida
recomeça, como uma nova história a ser escrita, uma nova história a
ser contada. Só é preciso descrer do tempo e acreditar na história a
que estamos dando começo.
Começo hoje a escrever minha história convosco, senhores
acadêmicos, meus confrades. Enquanto vos agradeço a atenção, e a
atenção de todos os presentes, eu vos prometo honrar e dignificar esta
Academia, como tenho honrado e dignificado toda a minha vida, com
as graças de Deus.
Muito obrigada.
S
__________
Discurso de posse, na Cadeira nº 14, proferido pela escritora Gláucia Lemos,
no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 21 de outubro de 2010.
A acadêmica foi recepcionada por Waldir Freitas Oliveira, titular da Cadeira
nº 18 da ALB.
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Discurso de posse
na Cadeira nº 35 da ALB
Luís Antonio Cajazeira Ramos
Amantíssima senhora Mary Dias Cajazeira Ramos.
Este seu filho querido acaba de tomar posse da Cadeira 35 da
Academia de Letras da Bahia. A senhora sabe o que isto significa?
Acredito que sim. Porque a senhora vê o sentido deste momento com
o coração, ao absorver o brilho de meus olhos satisfeitos e felizes,
pois seu peito infinito é o mais aconchegante leito para minhas emoções.
Ademais, a senhora tem aquele atestado médico que comprova sua
sanidade mental e que garante a mim, aos demais filhos e ao mundo
que ninguém jamais a governará, não é verdade? Quem a vê cochilando
seus mais de 90 anos diante da televisão talvez não perceba o mergulho
nas orações à Virgem Maria e imagine que a senhora já não está
conseguindo acompanhar a novela. Ah, tolos! Essa criaturinha saudável,
ativa e tinhosa respira os filhos e os netos, suas conquistas e intrigas,
cada sonho, cada aflição. Por isso, dona Mary, a senhora sabe o que
este momento representa para nós todos — e para você e para mim. E
mesmo assim, com muito prazer, eu lhe direi agora, tintim por tintim,
o que é a Cadeira 35 da Academia de Letras da Bahia.
Da Bahia. Ser da Bahia é ser baiano. Mas o que é ser baiano? O expresidente Itamar Franco nasceu em águas baianas e foi registrado em
Salvador. De família mineira, criou-se nas Minas Gerais, de onde partiu
com seu topete para governar o Brasil. Ele não era baiano. Para isso, é
fundamental viver a Bahia. Então, baiano é quem nasce e produz na
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Bahia? Eis aí outra redução. Aos 23 anos, Dorival Caymmi pegou um
ita do norte e foi pro Rio morar, e quase toda sua baianíssima música
foi composta sob a regência do Cristo Redentor. Carybé nasceu na
Argentina, teve infância italiana e adolescência carioca, vindo para a
Bahia aos 27 anos, nos braços de Exu, para ser feito baiano e colorir
esta terra, até morrer no colo de sua ialorixá. Se quem é da Bahia nasce
na Bahia, levante-se daqui, Cleise Mendes! Se quem é baiano produz
conosco, nem venha tomar assento, João Ubaldo Ribeiro! Mas esta
Academia de Letras, baiana que é, portanto acolhedora e fraterna,
decidiu estatutariamente que ser da Bahia é estar amarrado a esta terra,
seja de berço ou de adoção, sem escapatória.
Letras da Bahia. Expressão bem mais ambígua. Ela pode significar
letras que falam da Bahia, ou a Bahia que fala por meio das letras. A
Academia de Letras da Bahia está na segunda opção. Aqui, não é o
tema Bahia, o coqueiro, a capoeira, o sertão, o linguajar, e sim o autor
baiano. Ainda assim, letras da Bahia não é qualquer coisa escrita na
Bahia. Porque o baiano escreve com a fala a crônica de seu viver; com
o gesto, as cores de sua fala; com o corpo, a dança que vem da alma;
com a voz, a música do coração; com as mãos, as formas de criar seu
mundo; com os pés, os caminhos de sua jornada; e desde si mesmo,
por inteiro, escreve um jeito de sofrer e de amar. Dessas escritas, as
letras da Bahia são as escrituras, aquelas escrevinhadas no papel, as
transcrições dos conhecimentos, experiências, emoções, vivências.
Dizem que baiano não nasce, estreia. Então, as letras da Bahia são a
fixação escrita de suas sucessivas estreias. Nesta nação baiana, que, do
litoral ao interior, se manifesta com enorme riqueza ágrafa, as letras
são uma exceção, um requinte, e isso lhes traz uma diferenciação.
Academia de letras vai além: é uma distinção e um compromisso.
Desde a escola de Platão nos jardins de Academo, passando pela
instituição francesa dos notáveis, até a escola de samba e o ginásio de
esportes, a academia é uma promotora de cultura. A academia de letras
promove as letras — mas também aqui é preciso ter claros os conceitos.
Interessa à academia de letras o cultivo da língua, da literatura, das
humanidades. Tem espaço na academia o poeta, o ficcionista, o
dramaturgo, o cronista, o ensaísta, o biógrafo, o memorialista, o crítico
de literatura ou de arte, o musicólogo, o museólogo, o antropólogo, o
sociólogo, o historiador, o jornalista, o jurista, o orador, o educador, o
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teólogo, o filósofo, o filólogo, o linguista, o pensador. A academia de
letras distingue quem se destaca em uma ou várias dessas áreas, mas
quer de volta o compromisso com as letras e a sociedade. Se o
acadêmico é uma obra que vale a pena se imortalizar, a academia de
letras deve ser uma unidade plural, um corpo multifacetado, uma
convivência cultural, com atuação criativa, participativa e permanente.
Na Bahia, academia de letras era uma ideia com algumas tentativas
de materialização. Em 1724, no rastro do movimento academicista
que luzia a Europa, foi fundada a Academia Brasílica dos Esquecidos,
que se sustinha num nativismo mais rancoroso do que autêntico e no
ano seguinte feneceria. Em 1759, com pretensão de retomar os ideais
nativistas da antecessora e escrever a história da América Portuguesa,
foi criada a Academia Brasílica dos Renascidos, de vida ainda mais
efêmera. No Brasil imperial de 1845, o Barão de Macaúbas idealizou o
Instituto Literário da Bahia, que nascia como um grêmio estudantil de
escritores e outros intelectuais. Em 1911, na Velha República, ao ser
preterido pela Academia Brasileira de Letras na disputa com o também
baiano Afrânio Peixoto, Almachio Diniz formou a Academia Baiana
de Letras, que não vingaria, sendo extinta em 1917. Nesse mesmo
ano, o engenheiro e secretário de estado Arlindo Fragoso, com apoio
do governador Antônio Moniz, congregou os nomes proeminentes
da vida política, social e cultural da capital baiana, para em seguida,
juntos, inspirados no modelo francês, fundarem a Academia de Letras
da Bahia.
Cadeira, minha mãe, é cada um dos quarenta lugares ocupados pelos
membros deste silogeu. Mas observe comigo: se há somente quarenta
cadeiras, uma para cada acadêmico e seus sucessores, onde colocar
confortavelmente e sem constrangimentos tantos imortais? Porque
estão aqui presentes os quarenta patronos, como Frei Vicente do
Salvador, Gregório de Mattos, José da Silva Lisboa e Castro Alves.
Também os fundadores, como Afrânio Peixoto, Ruy Barbosa, Carneiro
Ribeiro e Pethion de Villar. E todos os sucessores, como Edgar Santos,
Thales de Azevedo, Orlando Gomes e Jorge Amado. Não vamos, pois,
confundir o conjunto de cadeiras acadêmicas com o cadeiral deste
auditório, no qual os acadêmicos tomam assento durante as cerimônias.
As cadeiras acadêmicas, numeradas de 1 a 40 sem hierarquia, são o
lugar imaterial onde se instalam os titulares e suas obras. Mas a senhora
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não as veja como dinastias do saber, e sim como aquele seu nicho
venerando, ou como os prosaicos sítios eletrônicos da digitália virtual,
onde cabem todos, destacados do tempo.
Então, dona Mary, voltemos ao início, agora com maior segurança,
com mais propriedade e com o significado de cada palavra na ponta
da língua, para eu lhe dizer de novo o que nos trouxe ao Palacete Góes
Calmon nesta noite luminosa: seu filho acaba de tomar posse da Cadeira
35 da Academia de Letras da Bahia. A senhora está satisfeita? Está
feliz? A cumplicidade que é só nossa me garante que sim, que a senhora
está radiante de orgulho, que seu coração tão cedo não vai parar de
sorrir. Eu também estou assim, com o peito em algazarra. Que honraria
institucional maior do que ser honrado pela instituição mais honorável?
E é em nome dessa honra que vamos serenar a alma, minha mãe, e
aprumar o tino, e retomar o rumo, pois ainda temos muito a avançar.
Nós dois ficamos por aqui, enquanto eu sigo em frente, para fazer o
que já deveria estar fazendo: o discurso da posse. O qual, não por
praxe, mas por disciplina e respeito, começa pela saudação aos anfitriões
e aos visitantes.
Excelentíssimo e dileto presidente desta Academia de Letras da
Bahia, escritor Aramis Ribeiro Costa. Demais ilustres membros da
mesa. Senhoras e senhores acadêmicos, meu respeito e admiração.
Minhas senhoras. Meus senhores.
A Cadeira 35 da Academia de Letras da Bahia ostenta como patrono
Manoel Vitorino e abriga Antônio Pacífico Pereira como fundador.
Manoel Vitorino Pereira nasceu em Salvador, em 1853, filho de um
marceneiro português e uma brasileira. Formou-se na Faculdade de
Medicina da Bahia, onde foi professor. Publicou obras dirigidas
principalmente à saúde pública. Com a chegada do regime republicano,
assumiu o governo da Bahia, disposto a empreender uma reforma do
ensino, mas foi retirado do cargo pelo marechal Deodoro da Fonseca,
que, num ato exemplar de nossa República, nomeou para a função seu
irmão Hermes Ernesto da Fonseca. Manoel Vitorino foi vice-presidente
do Brasil no governo de Prudente de Morais, exercendo a presidência
por quatro meses, durante licença do titular. Abandonou a política e
faleceu no Rio de Janeiro, em 1902, antes de seu cinquentenário.
Antônio Pacífico Pereira, irmão de Manoel Vitorino, inaugurou a
Cadeira 35. Soteropolitano de 1846, médico e catedrático de anatomia
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geral e patológica, chegou a diretor da Faculdade de Medicina da Bahia.
Era um estudioso da medicina e do ensino médico. Fundou a Gazeta
Médica da Bahia e publicou diversas obras de cunho científico e
didático. Faleceu em Salvador, em 1922.
O segundo titular da Cadeira 35 foi Afonso Costa. Nascido em
1885 em Jacobina, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1923. Sem
concluir o ensino fundamental, publicou obras de história, geografia e
literatura. Foi diretor de jornais, membro do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
da Academia Carioca de Letras, a qual presidiu. Faleceu na capital
fluminense, em 1955. O terceiro titular, Rui Santos, nasceu em Casa
Nova, em 1906. Formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia,
iniciando a carreira em Itapira, atual Ubaitaba. Exerceu a medicina, a
docência, o jornalismo e a política, indo de intendente municipal a
senador da República. Faleceu em 1985, deixando uma obra de ficção
e de memórias, além de ensaios de história e de política. O quarto
titular foi Rubem Nogueira. Nascido em 1913 na cidade de Serrinha,
formou-se na Faculdade de Direito da Bahia. Foi advogado, procurador
de justiça, consultor jurídico, professor de introdução ao direito,
deputado estadual e federal e membro de várias instituições, como a
Ordem dos Advogados do Brasil e a Academia de Letras Jurídicas da
Bahia. Falecido em 2010, seu maior legado são estudos jurídicos, em
especial sobre a vida e a obra de Ruy Barbosa.
O último titular da Cadeira 35 foi João Falcão, de curta permanência
na casa e longa trajetória na vida. João da Costa Falcão nasceu em
1919, em Feira de Santana. Na adolescência, completou o estudo básico
em Salvador. O ano de 1938 marcou eventos cruciais de sua vida: o
ingresso na Faculdade Livre de Direito, a filiação ao clandestino Partido
Comunista do Brasil e a fundação da revista Seiva, veículo partidário
da luta contra a ditadura Vargas. Formou-se em 1942. Convocado para
a guerra em 1943, foi condenado por atividade subversiva, expulso do
Exército, preso, absolvido a seguir e anistiado em 1945. Nesse ano,
fundou o jornal O Momento e concorreu à Câmara dos Deputados.
Com nova cassação do PCB em 1947, ano de seu matrimônio, voltou
à militância clandestina, fazendo a segurança de Luiz Carlos Prestes
até 1949. Retornou para Salvador, onde desenvolveu atividade
empresarial no ramo imobiliário. Em 1954, valendo-se do PTB, elegeu-
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se deputado federal. Desligou-se do PCB em 1958, desgostoso com o
stalinismo, após vinte anos de dedicação integral.
Abandonada a lida partidária, João Falcão encarou com destreza o
mundo dos negócios, diversificando os investimentos e assumindo a
direção de empresas de comunicação, de setores da indústria e do
sistema financeiro. O jovem militante comunista daria lugar ao
empresário de sucesso, mas seu idealismo jamais iria esmorecer. Na
primeira oportunidade, fundou um diário que viria a ser um dos mais
atuantes veículos de nossa imprensa: o Jornal da Bahia. Com a
experiência nos periódicos do partido, Falcão soube trazer os melhores
para sua equipe, incluindo ex-companheiros e jovens intelectuais. Mas
sua independência editorial provocou o rompimento com o prefeito e
depois governador Antônio Carlos Magalhães. Em tempos do poder
carlista na Bahia no contexto da ditadura militar, as páginas do jornal
foram trincheiras da oposição. Sem nunca ceder à pressão política,
mas tendo de enfrentar uma asfixia financeira devido à perda de
anunciantes e patrocinadores, até sucumbir e ser extinto, o Jornal da
Bahia será para sempre um símbolo maior da resistência democrática.
A produção literária de João Falcão, publicada a partir de quase
setenta anos de idade, avolumou-se em duas décadas com a edição de
sete livros: O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade);
Giocondo Dias/A vida de um Revolucionário; A vida de João Marinho Falcão/
A vitória de uma vida de trabalho; O Brasil e a 2ª Guerra/Testemunho e
depoimento de um soldado convocado; Não deixe esta chama se apagar/História
do Jornal da Bahia; A história da revista Seiva/Primeira revista do Partido
Comunista do Brasil; e Valeu a pena (Desafios de minha vida). Ao longo da
vida de desafios, João Falcão recebeu títulos associativos e honoríficos
que testificam sua dedicação ao trabalho e ao interesse público: sócio
da Associação de Bancos da Bahia, da Associação Baiana de Imprensa
e da Associação Brasileira de Imprensa, membro do Conselho
Consultivo da Usina Siderúrgica da Bahia e do Conselho das Obras
Sociais de Irmã Dulce, comendador da Ordem do Mérito de Feira de
Santana e grão-mestre da Ordem do Mérito da Bahia. Por fim, a cátedra
na Academia de Letras da Bahia, aos noventa anos, exercida com zelo
extremado e gozada em plenitude.
A estreia tardia de João Falcão deve ter favorecido a qualidade de
seus textos, de linguagem precisa, acessível e convidativa. O homem
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maduro se nos revela um acurado historiador, biógrafo e memorialista.
Impressiona nos livros a riqueza de detalhes dos fatos narrados, dos
personagens envolvidos, da ambientação histórica e das circunstâncias
de toda ordem. E foram muitas as dificuldades enfrentadas pelo autor,
pois os dias pretéritos não possuíam, no mais das vezes, mais do que
seu próprio testemunho: as pessoas, em sua maioria, estavam mortas;
os documentos haviam sido destruídos pela ausência de recursos de
conservação, pela clandestinidade das lutas, pela repressão dos governos
de exceção e pela falta de compromisso dos indivíduos, das famílias e
da sociedade para com a memória; e o mundo estava muito
transformado. Não cabe aqui, em breves palavras, tentar dimensionar
o valor de sua obra, de sua luta, de suas ideias. Mas salta aos olhos que
não se está diante de relatos de um jovem panfletário, cujo discurso
pretensioso defina a verdade e conduza os rumos. Ao contrário, seus
livros foram descansados na salmoura da maturidade, temperados com
o equilíbrio da tolerância e condimentados pelo indissociável humor
de uma vida bem realizada.
O novo titular da Cadeira 35 é Luís Antonio Cajazeira Ramos, nome
no registro civil, no batismo católico e na capa dos livros de poesia.
Mas a família sempre me chamou de Cãe. Sou filho de Pedro e de
Mary, ele comerciante e um convicto faz-tudo, ela professora e dirigente
escolar. Nasci em Salvador, em 12 de agosto de 1956, um domingo,
dia dos pais, após as 17 horas, de parto natural e doméstico, sem um ai
de minha mãe. Cresci na casa de meus pais, juntamente com os sete
irmãos, na ladeira do Paiva, onde permaneci por 30 anos. Em minha
infância, ainda havia três das oito chácaras do entorno original da ladeira,
que àquela altura já estava emoldurada por casas e sobrados, sólidos e
espaçosos, sobre muros altos de pedra, em meio a jardins, pomares e
quintais, numa vizinhança de mentalidade gregária, composta em grande
parte por meus familiares maternos e paternos. Tive oportunidade de
correr solto em chão de barro, subir em árvores, colher frutas no galho,
caçar com pedra e badogue, beber do peito da vaca, jogar gude e furapé, empinar arraia, pegar picula, fazer guerrô, rodar ciranda, brincar de
médico, zoar a doida da rua e fugir de assombrações.
Minha lembrança mais remota talvez seja produto da imaginação:
uma menina branquela e sardenta, dentro de uma blusa de mangas
curtas e uma jardineira estampada em azul-claro e rosa-bebê, uma trança
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ruiva atrás de cada orelha, chupando um pirulito caseiro, o vendedor
de pirulitos a seu lado, muito magro, mulato, sorridente, mais jovem
do que sua aparência, segurando a haste de uma tábua grossa e larga,
que era pintada e talhada na forma de um galo de pescoço esticado e
bico aberto em pleno canto, os pirulitos cônicos, finos e compridos
enfiados nos incontáveis furos do galo e recobertos com um papel
amanteigado e transparente, quase impossível de ser desgrudado do
torrão doce. Logo atrás, um cata-vento desbotado girando lentamente,
com uma paisagem vazia e indefinida mais ao fundo. Ou nada disso.
Talvez a recordação mais antiga e verdadeira seja o despertar do infante
de cueiros numa tarde mormacenta pensando que fosse de manhã, a
falta de disposição acompanhando o confuso hálito das horas trocadas,
e a melancolia chorosa avançando através da janela e tomando conta
da paisagem de um dia que terminaria logo depois de começar.
A infância seguiu. Fui alfabetizado por dona Inha na Banca Olavo
Bilac, numa casa miúda dentro da chácara dos Lins Costa. A palmatória
só era usada em situações de indisciplina. A falta de atenção era punida
com uma reguada no braço e um carão. Os erros na sabatina de
aritmética e na soletração da escrita vacilante eram corrigidos com
uma pancada do lápis nos nós dos dedos, um daqueles lápis gordos de
antigamente. O olhar terno de dona Inha sempre foi para mim, o
pupilo preferido, com a tabuada afiada e boa caligrafia. Em sequência,
fiz o curso primário na Escola Estadual Antônio Moniz, dirigida por
duas tias e minha mãe. A escola funcionava na Chácara São Luís, de
meu avô materno, no período entre o tombamento do imóvel, a posse
pelo poder público, a contínua depredação e a demolição da casa, que
veio depois de destruídos os jardins em louça de Macau. Dessa fase, a
imagem dos colegas há muito se desfez, mas a de cada professora
ainda está viva. E mantenho guardada a foto em preto e branco, sentado
à mesa da mestra, os antebraços apoiados horizontalmente, as mãos
uma sobre a outra, peito erguido, olhar firme, o atlas aberto à frente, o
globo terrestre à direita, a pilha de livros à esquerda, em beca e gravata,
todo importante, senhor do futuro.
Não consegui trazer da infância a coleção de insetos guardados
secos entre as folhas de um caderno; a de pedras coloridas dispostas
numa pequena estante portátil; a de soldadinhos de chumbo e índios
de plástico; a de álbuns de figurinhas completados; a de revistas de
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super-heróis; a de livros de estórias com ilustrações de seres fantásticos.
E não fixei de modo permanente a emoção das descobertas. Mas guardo
a lembrança de um sonho: as sílabas iniciais de meu nome erguendo a
Luanlândia, a cidade que eu planejaria e construiria, onde caberiam os
irmãos, os primos, os amigos, crianças desconhecidas, os adultos, os
personagens das estórias, os brinquedos, a diversão constante, numa
festa para sempre comandada por mim. Bem como nunca esquecerei
a admiração de dona Aparecida, porque seus filhos Paulinho, Zé e
Fran, para correrem da chuva, ela dizia, atravessariam a rua com o
livro protegendo a cabeça, mas eu não: eu colocara o atlas contra o
peito, sob a camisa ainda seca, abraçado, abrigado, a salvo das águas,
enxuto, com o conhecimento ali contido preservado intacto.
Após o concurso de admissão, que era obrigatório em toda a rede
pública e particular, fiz o curso ginasial no Colégio Militar de Salvador,
encerrando-o com a medalha de ouro de primeiro da turma e a espada
de capitão-aluno. Aos 15 anos, deixei a Bahia para estudar o colegial,
submetendo-me, por vontade própria, ao internato na Escola
Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas, São Paulo, na
primeira metade dos anos 70, nos tempos mais duros do regime militar.
Experimentei naqueles mil dias a liberdade precoce de viver longe da
família e as amarras do adestramento para uma vida de caserna com a
qual eu jamais iria verdadeiramente me envolver. A adolescência me
fez ver que eu não tinha disposição para ser atleta. Mas pude, mesmo
sem tocar nenhum instrumento e sem ter a voz afinada, liderar uma
inusitada banda de rock na rígida disciplina do quartel. Saí para a
idade adulta sem experimentar todas as sensações nem solucionar
os questionamentos, deixando para trás a vontade de conquistar o
mundo. E vem de lá, dos primeiros dezoito anos, ou de antes, este
jeito inquieto e irônico de estar ao mesmo tempo próximo e distante
de todos e de tudo.
Não fiz versos na infância nem na adolescência. Minha leitura de
poesia sempre fora eventual, menos frequente do que a de ficção.
Monteiro Lobato povoou de sonhos a infância. Jorge Amado excitou
a puberdade. Hermann Hesse foi ídolo do adolescente. O jovem adulto
passou pelas armadilhas de Machado de Assis. O retrato de Dorian Gray
de Oscar Wilde, Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez, O coração
das trevas de Joseph Conrad e a obra completa de Dostoiévski gravaram
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sua marca da vida inteira. Mas a literatura, não obstante a comoção
estética que provocava, não era o principal de meus interesses. A
curiosidade enciclopédica e o temperamento compulsivo fizeram com
que eu me voltasse para diversas áreas do conhecimento e adiasse
decisões quanto à carreira profissional. A certeza do menino de que
seria arquiteto se dissipou na adolescência. Em 1975, aos 18 anos,
embarquei numa longa travessia da universidade, de onde sairia somente
21 anos depois, no final de 1995, após viajar por engenharia elétrica,
matemática, agronomia, educação física, medicina e direito, numa quase
odisseia de diplomas de graduação e cursos abandonados.
A atração por ciências formais somou-se em mim, paradoxalmente,
com o desleixo no aprofundamento teórico, no aprimoramento técnico
e no manejo de tecnologias. Nos cursos superiores sempre me atraíram
mais as disciplinas básicas, os fundamentos epistemológicos, os
postulados e teoremas, as formulações e demonstrações, os
prolegômenos taxionômicos, a simplicidade do intrincado de conceitos
e definições, os introitos prefaciais, os quadros esquemáticos, as
legendas das ilustrações, os índices, os sumários, o conhecimento
sumário. Nessa linha entre superficialidade e abrangência, fui buscar
fora da universidade experiências e saberes filosóficos orientais,
deixando-me envolver pelo cadinho místico hindu, pela sabedoria
secular chinesa e pela sofisticação macrobiótica dos japoneses. Enfio
aqui a lembrança de que perdi para meus primos, no pôquer caseiro, a
coleção de vinis do rock progressivo dos anos 70 e passei a ouvir
preferencialmente música erudita. E fui, assim, desenvolvendo aos
poucos o sem retorno de querer expressar o inaudito amiúde e o gosto
por manifestações artísticas e culturais distantes do popular. Dentre
elas, lá adiante, a poesia.
A vida acadêmica começou na engenharia elétrica da Universidade
Federal da Bahia. Eu era tido como o crânio da matemática e das
ciências exatas entre os alunos da UFBA, ao tempo em que folheava
compêndios de filosofia e religião, mantinha a curiosidade por livros e
mapas de história e geografia, ouvia música nas alturas e assistia a
filmes de arte no cine Popular. Em 1978, no oitavo semestre do curso,
faltando apenas dois para a formatura, desisti da Escola Politécnica e
optei por disciplinas da graduação em matemática. Em janeiro de 1979,
parti para uma extensão em funções analíticas no Instituto de
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Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro. Com duas semanas,
fugi para o mundo. Gastei o resto do ano em curtição e vida à toa
entre o Rio, São Paulo e Salvador. Com a morte de Lucinha, esposa de
meu irmão Zoza, eu comecei o ano de 1980 em Ilhéus. Somente aí,
aos 23 anos, enquanto lia Dostoiévski, isolado na casa em que meu
irmão viúvo não mais queria entrar, eu vim a escrever poemas, pela
primeira vez na vida, dedicando-os à cunhada falecida, todos eles pueris.
Esse rapto de poesia em Ilhéus, surgido após o rompimento com
os estudos e um ano de esbórnia na selva urbana, iria evanescer sob a
neblina outonal da Chapada Diamantina, em Barra da Estiva, na fazenda
de meu irmão Rui, e depois numa confraria macrobiótica do Vale do
Capão, onde tomei lições de relacionamento com a natureza e cultivo
da terra. Os apelos de uma vida simples e telúrica me conduziram por
matas e roçados, pastos e currais, estradas de barro e cascalho, até o
curso de agronomia da UFBA, em Cruz das Almas, a partir de 1981.
Lá, eu fui invadido pelas ciências biológicas e pelo estudo do solo. Mas
eu ensaiaria aí uma segunda e mais forte convulsão lírica. Permanecendo
mais na cidade interiorana do que em Salvador, morando numa pensão,
depois numa república estudantil, em seguida na residência universitária
e, finalmente, no quarto dos fundos da escola primária do campus,
vivendo na zona rural e isolado em mim mesmo, imerso em delirante
solidão e entorpecidas emoções, eu passei por uma nova fase de poesia
incipiente e insipiente, porém apaixonada. E pela segunda vez
abandonei um curso universitário muito próximo da conclusão.
Um episódio ilustra bem a energia daquele período. A prestigiosa
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária estava promovendo um
simpósio internacional sobre temas que já nem sei, para culminar num
encontro cultural no auditório, com exposição de arte no saguão e
espetáculo de música e poesia no palco, seguido de um coquetel para
as autoridades acadêmicas, políticas, religiosas, empresariais e
ornamentais. Os poetas inventaram de me convencer, de última hora,
a participar da festa, dando-me a honra de encerrá-la. Subi ao palco e
declamei meu poema Mentira, enquanto tirava a roupa até a nudez
total. O espanto da plateia muda e arregalada só foi quebrado após
uma criança apontar e gritar: “Mãe, ele tá nuelo!” Uma euforia
apoderou-se dos estudantes. No tumulto, não houve coquetel. Como
um astro pop, flutuando sobre o andor de tantas mãos, eu fui levado
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ao campus para a festa da consagração madrugada adentro. E foram
meses de uma cidade escandalizada e dividida: de um lado, a indignação
dos olhares ameaçadores dos pais de família e as portas que se fechavam
à minha passagem; do outro lado, a escolta vitoriosa da juventude,
apoiada no sorriso compreensivo dos humildes e na disposição para
me proteger e me idolatrar. A Embrapa nunca mais quis saber de poesia.
E eu me transformei numa lenda cruz-almense.
Antes de abandonar a agronomia e deixar Cruz das Almas, fiz um
livro artesanal, Tudo muito pouco, lançado na praça central da cidade, num
recital de colegas de faculdade e jovens nativos, quase todos sem dinheiro
para a compra de um exemplar. De volta à casa paterna em Salvador,
enfurnado entre o quintal e o pomar, no quarto dos fundos que fora de
meu irmão Rui e passara a servir de depósito das ferramentas de meu
pai e dos botijões de mel de outro irmão, Tonho, eu me isolei do mundo.
Só recebia visitas de meu tio poeta, Walter Cajazeira, e escrevia
sofregamente tudo o que o cérebro, o coração e demais vísceras me
ditavam, envolto por uma nuvem de abelhas que nunca se prestaram a
me desconcentrar. E li Augusto dos Anjos, li Fernando Pessoa, li Carlos
Drummond de Andrade, e queimei, numa manhã inexata e nublada de
1984, sob a copa da mangueira, os exemplares azuis daquele livro nuelo,
além dos versos nus que só as abelhas ouviram. Depois, arrefeci o ânimo
da escrita por uma década. Fechado para balanço nos dois primeiros
anos, segui comendo arroz integral, estudando o yin-yang, indagando
horóscopos e oráculos, abandonando vícios, ingressando nas práticas
do corpo, lendo os brasileiros, lendo os portugueses, enquanto morria
meu pai, a maioria dos irmãos estava casada, a grande casa era vendida,
e a vida se mudava para a Pituba.
Em 1986, iniciei o curso de educação física na Universidade Católica
do Salvador. No semestre de formatura, elaborei uma proposta de
mudança do currículo, que foi aprovada e implantada. Em 1989,
ingressei no quadro de professores da UCSAL. No mesmo ano, iniciei
o curso de medicina na UFBA, mas desisti no segundo semestre.
Chegando aos anos 90, passado dos 30 anos de idade, mas ainda
montado numa motocicleta, agora como professor contratado por
hora-aula na Faculdade de Educação Física, eu me rendi à obviedade
de que sem dinheiro não dava para seguir. Prestei concurso e entrei
para o serviço público como técnico da Receita Federal. Em 1991,
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matriculei-me em direito na UCSAL. Em 1992, abandonei a curta
docência e, por concurso, passando em primeiro lugar, mudei-me para
o Banco Central do Brasil, onde estou há vinte anos. Em 1994, fui
morar longe de minha mãe, à imensa distância de dois quarteirões.
Adquiri apartamento, carro, eletrodomésticos, móveis, panos e
amores. Fisgado, enfim, pela ilusão da posse do dinheiro, eu me
convertia num devedor.
O ano de 1995 talvez seja o mais importante de minha vida. Não
exatamente pelo fato banal de comprar, no final de maio, meu primeiro
computador. Inaugurei-o na noite de primeiro de junho, ao passar a
limpo a dúzia de poemas feitos à mão em papéis soltos, guardados em
quaisquer gavetas, entre 1985 e 1994. Nesses dez anos após a queima
dos livros, em ocasos poéticos fortuitos, um aqui, outro bem adiante,
eu cometia a inconfidência de uns poucos versos rascunhados ao acaso,
abandonados à displicência e logo mergulhados no esquecimento. Mas
o computador trouxe-os à tona. De manhã, imprimi e li os poemas em
conjunto. E gostei do que li. E me emocionei. E cismei o dia inteiro. E
acordei para a poesia em que hoje me reconheço. O dia seguinte foi
um sábado de reencontro com alguém em mim que eu mal conhecia.
À tarde, cercado por três milhões de sozinhos, eu escrevi o Soneto
patético e me vi poeta, finalmente, definitivamente, às vésperas de
completar meus 39 anos.
No começo desse novo despertar para a poesia, o iniciante digitava
os poemas recém-concluídos, discutia-os com colegas de trabalho mais
próximos, como Emília Marques, Eduardo Nogueira, Vânia Ramos e
Guto Ferraz, submetia-os à apreciação de outros amigos, como
Georgeocohama, sendo incitado a mais e mais produzir. E aquele era
eu. Com a sem timidez que me caracteriza em tudo o que eu abraço,
passei a frequentar lançamentos de livros e outros eventos de escritores.
Ganhei a amizade de poetas, o que facilitou a abertura das portas desse
ambiente intelectualizado, exacerbado, suscetível e desafiador. Houve
Maria da Conceição Paranhos, Carlos Cunha e quem mais que me
tomasse como amigo desde a origem dos tempos e me apresentasse a
todos como um poeta feito. E houve Ruy Espinheira Filho, Soares
Feitosa e quem mais que me abrisse os arquivos de endereços e
possibilitasse que leitores de fora da Bahia tivessem contato com minha
poesia, que mal saía do nascedouro. Foram surgindo-me novos amigos
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em Salvador, como Gláucia Lemos, novos interlocutores Brasil afora
– e um país de poesia e literatura era descoberto por mim.
A essa altura, eu já me sentia um poeta em meio a seus pares, pois
a convivência com a comunidade literária me permitia, sim, brincar de
poeta. Mas era a criação dos poemas em solitário, o prazer de ver o
engenho brotar e a arte robustecer-se, a gana pela modelação de uma
poética própria que me faziam reconhecer a poesia que há em mim, o
poeta que sou. E eu não me inibi perante a poesia. Fiz um grande
número de poemas naqueles dias hipnóticos e transidos de liberdade e
disciplina criativas. Aos trancos, formei-me em direito no final de 1995,
curso que, como os anteriores, eu iniciara de forma apaixonada, mas
que não sabia mais do que se tratava. Só havia a poesia. Em nove
meses, até o início de 1996, conjurei poemas suficientes para dois livros.
Então, desacelerei a lírica e fui acumulando um terceiro volume, cada
vez menos, até 2002. Nunca deixei de gostar do título Tudo muito pouco
no livro imolado pelas chamas. Mas aqueles relâmpagos de gumes
alucinógenos ficaram para trás. As alumiações do passado não eram as
mesmas do vulcão cuja luz agora me envolvia.
Em dezembro de 1996, a nova estreia em livro: Fiat breu, ilustrado
por Vauluizo Bezerra, parceria mantida nos livros posteriores. O selo
Edições Papel em Branco era uma invenção minha, e não uma editora
comercial. Por vaidade ou insegurança, apoiei-me no exagero de três
prefácios: do poeta carioca Alexei Bueno, da crítica baiana Gerana
Damulakis e do filósofo português Manuel Sérgio. O lançamento foi
num dos mais belos lugares de Salvador: o adro do convento de Santa
Teresa, no Museu de Arte Sacra da UFBA. Embora desconhecido da
mídia, eu tive apoio generoso da imprensa. Parentes, colegas, muitos
outros amigos e alguns curiosos lotaram a festa. O estreante vendeu
inacreditáveis 229 exemplares e pagou a edição. No início de 1997,
carregando caixas do livro no porta-malas do carro, rumei para fora
da Bahia. Até hoje me pergunto como um baiano novato e forasteiro
atraiu ao lançamento Assis Brasil, Ivan Junqueira, Adriano Espínola,
Paulo Henriques Britto no Rio de Janeiro e José Paulo Paes, Carlos
Felipe Moisés, Orides Fontela, Nelson Archer em São Paulo, dentre
outros escritores. De volta a Salvador, a vida literária me sorria.
No final de 1998, porém, os ventos me sopraram para longe da
poesia, que não encontrava ânimo para enfrentar um adversário
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inesperado: a liderança sindical. Fortuitamente, ingressei no conselho
dos servidores do Banco Central. Assumi a direção das relações
externas, passando a ir a Brasília toda semana, na defesa de interesses
da categoria perante os membros do Congresso Nacional, além de
contato com órgãos de imprensa e reuniões com dirigentes do BC.
Nessa atividade intensa de encontros, audiências e esbarrões, cheguei
a ter o número do celular de uma centena de parlamentares, alguns no
desfrute de chamar-me de Cajá. Transitei em muitos gabinetes e pude
ver de perto o jogo político, que às vezes descamba para o vale-tudo e
obedece à máxima anti-iluminista: o mau selvagem emerge do fundo
de suas platitudes. A semana em Brasília, os fins de semana sumiam
em reuniões no Rio de Janeiro e em São Paulo. Até saturar e voltar ao
batente da repartição, cinco anos como caixeiro-viajante, mercando
barganhas corporativas e afrouxando os vínculos, rumo ao sem destino.
Antes do sindicato, eu acumulava dois livros inéditos. Um deles,
Como se, pronto desde o início de 1996. O outro, Temporal temporal,
quase finalizado àquela altura, ainda receberia uns poucos poemas até
2002. Em meados de 1998, os originais de Como se haviam recebido
menção honrosa no Prêmio Cruz e Sousa, da Fundação Catarinense
de Cultura, por decisão dos julgadores: Alexei Bueno, Iaponan Soares
e Ivan Junqueira. Em seguida, foi aprovada a edição pelo conselho
editorial da Fundação Cultural do Estado da Bahia, com parecer
favorável do relator, o poeta Florisvaldo Mattos. O livro foi publicado
com o selo estatal Letras da Bahia e orelhas assinadas por Antônio
Houaiss e André Seffrin. O lançamento foi nesta Academia de Letras,
em agosto de 1999. Mesmo sem lançamentos em São Paulo e no Rio
de Janeiro, a repercussão de Como se foi maior do que a de Fiat breu,
com resenhas em jornais principais do país. Mas eu já estava
completamente mergulhado na atividade sindical e apenas mantinha
as amizades no meio literário de Salvador e do Rio de Janeiro.
Em 2000, o livro seguinte, Temporal temporal, ganhou o Prêmio
Gregório de Mattos, da ALB, julgado por Antonio Carlos Secchin,
Florisvaldo Mattos e Ruy Espinheira Filho, sendo publicado em 2002
pela editora carioca Relume Dumará, com quarta capa assinada por
Hélio Pólvora e um alentado estudo crítico de Aleilton Fonseca no
prefácio. Lancei-o na Câmara dos Deputados, a convite do presidente
Aécio Neves, e não dei conta de autografar mais de 600 exemplares,
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longa jornada noite adentro. Foi curioso ver deputados e senadores,
alguns futuros governadores, disputando fila com assessores,
funcionários da casa e dirigentes classistas. Mas o grande evento foi na
Academia Brasileira de Letras, na presença de mais de 20 acadêmicos
e muitos amigos. A Academia de Letras da Bahia foi representada por
Hélio Pólvora e Waldir Freitas Oliveira em Brasília e no Rio de Janeiro,
respectivamente, em razão do Prêmio Gregório de Mattos, cuja
patrocinadora, a Copene, atual Braskem, teve de bancar nova tiragem
para o lançamento em Salvador. Ainda fiz em Recife, no Gabinete
Português de Leitura de Pernambuco, um lançamento compartilhado
com Ariano Suassuna.
A vida sindical foi até 2004. Pensei que não voltaria a escrever.
Sequer lia poesia. Em 2006, após quatro anos sem fazer versos e meses
sem contato com poetas, recebi da escritora Kátia Borges um e-mail
com seu poema Santiago. E a melancolia me deu um aceno. No sábado,
um verso de Elizabeth Bishop, que traduzo como “a arte de perder
não é difícil de dominar”, me fez escrever Bolha de sabão, um poema de
perdas e saudade. No domingo, o filme O segredo de Brokeback Mountain,
de Ang Lee, adaptado do conto de Annie Proulx, arrancou de mim
versos sobre não sei quais idílios guardados e em guarda. Era a poesia
de volta, à revelia, amorosa como nunca. Um sorriso de musa satisfeita
com seus mistérios de sedução impregnava os ambientes e a solidão.
Fiz vinte poemas em pouco mais de um mês. Juntei-os a uma seleta
dos livros anteriores e celebrei meus 50 anos com a antologia Mais que
sempre, publicada em 2007 pela editora carioca 7Letras, com orelhas de
Antonio Carlos Secchin e quarta capa de Ruy Espinheira Filho. De lá
para cá, tenho escrito pouco. Mas estou sempre revisando e burilando
minha poesia, reescrevendo os livros publicados, zeloso de meus zelos,
mestre e peão de uma oficina poética e editorial insatisfeita e incansável.
Ao longo dos anos, minha poesia vem amealhando uma generosa
fortuna crítica, como a dissertação de mestrado Luís Antonio Cajazeira
Ramos – Um sísifo absurdo na poesia contemporânea, de Luciana Santos
Oliveira, pela Universidade Estadual de Feira de Santana, elaborada
sob a orientação de Aleilton Fonseca. Tenho poemas em antologias
do Brasil, de Portugal e da França, em revistas como a da Academia de
Letras da Bahia e em sítios na internet. Já participei de encontros
literários em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Fortaleza e
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outras cidades, como palestrante ou mediador, em eventos de grande
porte, como bienais do livro, ou pequenos saraus, como Com a palavra
o escritor, da Fundação Casa de Jorge Amado. Já assinei apresentações
e resenhas de livros de alguns autores, como Aleilton Fonseca, Carlos
Ribeiro, José Inácio Vieira de Melo, Kátia Borges, Lima Trindade. Já
publiquei crônicas e artigos de opinião na mídia impressa. E já escrevi
dois ensaios, ambos publicados na revista Iararana. O primeiro,
intitulado Transcendência inconsútil, sobre a poesia de Carvalho Filho.
O segundo, denominado Força épica e vasto lirismo, quem sabe dê partida
à dissertação de um sempre adiado mestrado sobre meu poeta
Florisvaldo Mattos.
Sou membro da Ordem dos Advogados do Brasil e nunca exerci a
advocacia. Sou sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
sem uma atuação efetiva. Agora, sou membro desta Academia de Letras
da Bahia, com a qual meus vínculos vão além das noites de autógrafos,
da colaboração na revista e do Prêmio Gregório de Mattos. Meu
namoro com esta casa, incentivado pelo poeta Carlos Cunha, começou
em 1995. Reatamos em 2003, quando fui convocado pelo saudoso
presidente Cláudio Veiga para tomar posse, em nome deste sodalício,
do acervo autoral de Durval de Moraes, doado pela família do poeta
simbolista baiano. Noivamos em 2009, quando passei a coordenar os
Encontros Literários na ALB a convite do ex-presidente Edivaldo
Boaventura. Aqueles encontros de escritores, críticos e público leitor,
com minha mediação, foram momentos especiais da inserção acadêmica
na vida cultural e de minha relação com o meio literário. Há sete dias,
numa cerimônia pré-nupcial, coordenei um encontro dos acadêmicos
com os candidatos a prefeito de Salvador e agentes culturais da cidade.
Agora estamos casados, celebrando nosso matrimônio. Os acadêmicos
e os funcionários são para mim uma família. E a Academia será sempre
uma companheira.
Vivo em Salvador e amo minha terra, embora eu seja imune a muitas
manifestações de sua identidade cultural. Não tenho dúvidas de que
herdei de nossa aldeia a alegria inescrupulosa e o prazer de estar preso
à sintaxe comportamental da baianidade. A cidade, meu Bahia, a música
de Beethoven e a poesia são territórios de minhas constâncias. O mais
é imprevisível. Irreverência, intransigência e inconsequência provocam
rompimentos, alguns ilusórios, outros duradouros. Este é meu jeito:
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transpondo sempre as fronteiras da autopermissividade. Houve um
tempo de seu Pedrito e dona Mary com os filhos Peta, Zoza, Rui,
Graça, Tonho, Paloca, Cãe e Ná. E ainda sou ligado à família. Mas a
vida conduz os destinos. O meu é sem Deus, sem pátria e sem remédio.
Gosto dos amigos à minha volta em 12 de agosto, o dia mais feliz do
ano. Afeito à perdição, meu porto seguro é Misso, meu filho eletivo. E
a inspiração, o coração, a alma, a fortuna da casa é Laura Júlia, sua
filha, minha afilhada, gerada e nascida em 1995, ano do abismo e da
pedra preciosa, quando me transformei em poeta.
Muito obrigado.
__________
Discurso de posse, na Cadeira nº 35, proferido pelo poeta Luís Antonio
Cajazeira Ramos, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 2 de
agosto de 2012. O acadêmico foi recepcionado por Fernando da Rocha Peres,
titular da Cadeira nº 25 da ALB.
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Discurso de posse
na Cadeira nº 9 da ALB
João Ubaldo Ribeiro
Senhoras e senhores,
Antes de fazer o pequeno discurso de agradecimento que se seguirá,
preciso dar uma explicação. Tenho ciência da prática de, no momento
da posse, falar-se em louvor dos ocupantes anteriores da cadeira até
então vaga. Mas, como pretendo homenagear a Bahia e os baianos,
acredito que, louvando a Bahia, também os estarei louvando. Além
disso, e mais importante, suas biografias e fortunas críticas hão de ser
muito mais bem servidas nas mãos de literatos e historiadores
habilitados, o que está longe de ser meu caso. Refiro-me ao patrono da
Cadeira 9, Antônio Ferreira França, e aos ilustres confrades José Alfredo
de Campos França, Edgard Ribeiro Sanches e Antônio Luiz Machado
Neto, o último dos quais um pensador notável, de quem fui aluno e
permaneço admirador. Abro, contudo, exceção para Cláudio Veiga.
Com minha decisão de não falar sobre cada antecessor, ele seria o
único a não ter seu nome e sua obra lembrados na posse de um sucessor,
o que configuraria injustiça muito grave. No meu caso, mais grave
ainda, porque, para alegria minha, conheci-o pessoalmente e me
relacionei mais ou menos de perto, não só com ele, mas com outros
membros de sua família, tantos deles conceituados intelectuais e
educadores. Cavalheiro de maneiras e trato incriticáveis, era um homem
de letras por excelência e um mestre apaixonado pelo que ensinava.
Autor de ensaios, antologias e traduções modelares, dedicou-se por
inteiro à sua vocação, cumprida com brilho e destaque, não apenas
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aqui, mas também no exterior. Sua obra, não pequena, permanece
importante e atual. À frente desta Academia, foi um trabalhador
infatigável e devotado, que deixou um legado talvez inestimável. A
meu amigo, o escritor Cláudio Veiga, antecessor que muito me honra,
presto, portanto, minhas mais sinceras homenagens e reitero o preito
de admiração que tive a enchança de manifestar-lhe em vida, mais de
uma vez.
Queridos conterrâneos e amigos, este é para mim, acima de tudo,
um dia de extraordinária celebração, um dia de consagração e glória.
Nada equivale ao que estou vivendo agora. Recebo hoje um prêmio
que me exalta e enobrece mais que qualquer outro: a expressão do
reconhecimento e da estima de meus concidadãos, o abraço da minha
terra, o insubstituível sentimento de ver compreendido, e com tanta
generosidade retribuído, o intenso amor que sempre lhe votei, e que
transborda de tudo o que faço. Ingresso nesta Academia com grande
orgulho. Recebo, através dela, mais do que mereço, mas nem por isso
rejeito os louros. E a principal razão para que eu aja assim é que esses
louros não são meus, são da Bahia, são de nossa singular civilização,
são da força cultural que sempre nos distinguiu. Sou filho da Bahia,
filho da Denodada Vila de Itaparica, filho do Recôncavo Baiano, filho
dessa costa venerável cujas ondas testemunharam o nascimento da
nacionalidade brasileira.
Sou cria do Colégio Estadual da Bahia, Seção Central, o grande
Central, verdadeira universidade pública, onde mestres e educadores
inesquecíveis ministravam, através das aulas e dos exemplos, a melhor
formação que se podia obter. Sou, ainda mais, cria da sempre celebrada
Faculdade de Direito da Bahia, onde fui educado numa tradição
humanista esclarecida, eloquente e libertária, entre juristas e pensadores
de nível universal. Na faculdade, aprendi a ser cidadão, aprendi a
escrever, aprendi que modelos admirar e adotar, incorporei valores
básicos, convivi com espíritos eminentes, fiz discursos, escrevi artigos,
disputei campanhas, perpetrei poemas, encenei peças. E, finalmente,
sou cria do velho Jornal da Bahia, onde outros mestres também me
formaram, na profissão que até hoje exerço.
Na Bahia aprendi o encanto de andar de madrugada com as pedras
das ruas molhadas pela chuva recente, vendo meus amigos, tanto os
da minha idade quanto os mais velhos, parar, abrir os braços, apontar
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os campanários ou o casario de Santo Antônio Além do Carmo, e
recitar poetas do mundo todo, com quem nos sentíamos irmanados.
Andei com pintores, escultores, cantores, mágicos de rua, jagunços,
vagabundos, cafetinas lendárias, mulheres enigmáticas, anarquistas,
stalinistas, trotskistas, fascistas, músicos loucos, ouvi todos os sotaques.
Conheci gente mitológica, escutei e contei colhudas* e narrações de
milagres portentosos, naveguei de saveiro pelas águas da baía, fiz samba
de roda, saí de mulher num carnaval, participei de expedições de pesca,
virei cozinheiro, sonhei com revoluções, marchei em passeatas e
agitações nas praças, assinei manifestos vanguardistas, desfilei no Sete
de Setembro, levei moças para conhecer o luar de Abaeté, tirei muitas
vezes nota dez em redação, mas também já tomei zero, decorei Virgílio,
pesquei em provas de Matemática, editei suplementos literários, li Sartre,
frequentei a porta da Livraria Civilização Brasileira da Rua Chile, onde
não conhecer as novidades culturais podia resultar em opróbrio,
algumas vezes parei à meia-noite à porta da Catedral, junto com amigos,
achando que ouvíamos o fantasma do padre Vieira lá dentro,
esbravejando contra os hereges holandeses.
Que mais me deu a Bahia, que mais nos deu, com que outras graças
nos rodeou e nos criou? Bem mais fácil seria enumerar o que ela não
nos deu. Quanto a mim, é impossível empreender esse inventário, sou
devedor, não sou credor de nada. Não há como fazer a lista de tudo o
que plasmou minha maneira de ver, sentir e expressar o mundo, de
gente de todas as extrações que me ensinou alguma coisa e me tornou
o que sou. Não é ufanismo bairrista dizer que a Bahia é um privilégio
para quem nasceu nela, ou por ela foi adotado. Em nenhum outro país
do mundo se deu a mistura de gente que sempre foi comum no Brasil
e continua a ser. E, no Brasil, não há lugar onde essa mistura de corpos
e mentes seja tão universalizada quanto na Bahia, onde faça parte tão
entranhada da paisagem humana. Como se aqui se realizasse um intento
do Criador, passamos por cima de todas as barreiras que foram criadas
e ainda são criadas contra a integração da Humanidade. As culturas de
origem africana trazidas para cá, em todas as suas manifestações, não
morreram aqui, mas se transformaram e se revivificaram, e hoje, apesar
* Ao ler o seu discurso, o acadêmico pronunciou o termo “mentira”em lugar
de “colhuda”, que se encontra no texto original.
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de às vezes não percebermos bem essa realidade, espantosa em qualquer
outro país, são um exemplo para o mundo. Aqui se dissolveram, numa
mistura esplendorosa e fecunda, original e única, raças, crenças,
costumes, falas, hábitos, gostos e aparências – é difícil avaliar como
isso é precioso e raro, forte e delicado ao mesmo tempo. Basta trazer
à mente a História, pregressa e presente, de nossa espécie, para verificar
como dificilmente, ou nunca, esse fenômeno acontece. Mas acontece
aqui e assim se define nossa identidade. Somos os detentores – e temos
o dever de também ser os guardiães – dessa magnífica singularidade.
Não somos brancos, negros ou índios; somos baianos. Não
pertencemos, no maior rigor da palavra, a nenhuma religião, nem
mesmo somos ateus; somos baianos. Não pretendemos ser melhores
que ninguém. Mas somos baianos.
Encerro este agradecimento com algumas referências essenciais.
Quero, em primeiro lugar, com amor, gratidão e saudade, lembrar meu
pai, Manoel Ribeiro, minha mãe, Maria Felipa Osório Pimentel Ribeiro,
e minha irmã, Sônia Maria Ribeiro Bandeira. Ressalto o apoio e a
amizade de meu irmão, Manuel Ribeiro Filho. Agradeço a bênção que
representam meus filhos, Emília, Manuela, Bento e Francisca. E,
sobretudo, agradeço a minha mulher e companheira, Berenice, que, há
mais de trinta anos, me deu a perene felicidade de aceitar meu nome.
Muito obrigado.
__________
Discurso de posse, na Cadeira nº 9, proferido pelo escritor João Ubaldo Ribeiro,
no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 22 de novembro de 2012.
O acadêmico foi recepcionado por Joaci Góes, titular da Cadeira nº 7 da ALB.
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Discurso de posse
Membro correspondente da ALB
Dominique Stoenesco
Ao tomar posse como membro correspondente desta tão prestigiosa
academia, quero exprimir a honra que este encargo representa para
mim e a imensa alegria que sinto. Nós, franceses, por vezes somos
acusados de sermos cartesianos. Mas hoje vou desmentir este
preconceito soltando as rédeas dos meus sentimentos e concordando
com esta afirmação de um dos nossos maiores pensadores, Montaigne:
La passion nous commande plus vivement que la raison.
Começarei recordando a primeira vez que aqui estive, no ano de
2000, com um grupo de professores de francês na França, para um
encontro com professores e escritores baianos. Ficará sempre gravado
na minha memória o primeiro encontro com o professor Cláudio Veiga,
naquela altura presidente desta Academia. Impressionou-me logo de
início seu humanismo, sua simplicidade e sua extrema generosidade.
Como simples cidadão francês e amador das línguas e das literaturas,
não poderia deixar de exprimir minha admiração pela obra do professor
Cláudio Veiga sobre a literatura francesa, assim como seu amor pela
nossa cultura. Não ficamos insensíveis à hospitalidade com que fomos
recebidos, e foi para mim uma enorme satisfação poder travar
conhecimento com novos autores baianos. Pois daí nasceu um
intercâmbio cultural ativo e produtivo e desenvolveram-se laços de
profunda amizade entre nós. Por isso, hoje, sinto-me bem nesta tão
acolhedora Casa. Não por vaidade, mas porque tenho uma grande
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paixão pela cultura baiana, pelas suas artes e literatura, e também porque
amo a Bahia e seu povo.
Há poucos dias, ao chegar à fronteira entre a Bolívia e o Brasil,
após uma longa travessia do Peru e da Bolívia, de ônibus, tive que
percorrer uns 300 metros a pé, de mochila nas costas, para ir pegar um
coletivo, do lado brasileiro, que me levasse até Corumbá, a uns 10
quilômetros daí. Era ainda de manhã cedo, a parada do coletivo, um
simples abrigo no meio de uma terra vermelha e poeirenta, estava
rodeada de algumas palmeiras e de outras árvores exuberantes. Ora,
esperando o ônibus, qual não foi a minha alegria ao ouvir cantar um
bem-te-vi. Interpretei este canto como um sinal de boas-vindas e então
pensei naquela frase de Jorge Amado: “Se for de paz, pode entrar.” E
entrei, fiquei animado, pois não tinha dormido durante toda a noite
por causa da desconfortável viagem.
A França e o Brasil têm longos capítulos de história em comum.
Mas nem sempre os franceses vieram aqui de paz. Por exemplo, a
tentativa de Villegaignon de fundar neste país uma França Antártica,
ou o sequestro da cidade do Rio de Janeiro pelo corsário DuguayTrouin foram momentos de violência e de morte. Felizmente, hoje,
estes episódios não alimentam nenhum rancor e são outros fatos,
bem mais pacíficos, como a vinda ao Brasil da Missão cultural
francesa, no início do século XIX, que prevalecem na nossa memória
coletiva.
É para nós um grande orgulho saber quanto os brasileiros, e em
particular os baianos, amam a França e sua história, sua cultura, seus
autores, suas catedrais, seus castelos, sua gastronomia, etc. Porém, como
professor de língua portuguesa na França e especialmente como passeur
(passador) da cultura brasileira, preocupa-me saber se a reciprocidade
existe e se nós, franceses, retribuímos com a mesma intensidade e
fidelidade o interesse dos brasileiros pela nossa cultura. É, aliás, neste
contexto que tentarei situar minha ação como membro correspondente
da Academia de Letras da Bahia. Fiquei triste e revoltoso ao mesmo
tempo quando na semana passada li no muro de uma faculdade baiana
esta frase em forma de protesto: Vous parlez français? Não, eu não tenho
professor! É pois urgente que a França e o Brasil unam suas energias
para resolverem este tipo de carência. O ensino recíproco das nossas
línguas, além de ser um elemento enriquecedor na educação e na
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formação dos jovens, constitui uma das alternativas para escaparmos
à uniformização total de um mundo cada vez mais globalizado.
Não vou surpreender ninguém nesta conceituada agremiação
literária citando, por entre os brasileiros mais conhecidos na França os
nomes de Chico Buarque, Maria Bethânia, Vinicius de Moraes, Glauber
Rocha, Walter Salles, Pelé, Sebastião Salgado ou Gilberto Gil. Vou
surpreender ainda menos afirmando que, no mundo das Letras, o
brasileiro mais conhecido, mais traduzido e mais lido na França é o
tão saudoso escritor baiano Jorge Amado. Para sermos honestos,
também devemos citar Paulo Coelho, cujos livros estão sempre
expostos nos primeiros lugares das vitrines de qualquer livraria francesa.
O Brasil é um país que sempre atraiu muito os franceses. Desde a
década de 60, a música e a literatura brasileira têm sido muito difundidas
na França. A bossa-nova e o cinema novo brasileiro foram os primeiros
grandes impactos da cultura brasileira. Em literatura, como já dissemos,
Jorge Amado teve, e continua tendo, um lugar de primeiro plano.
Capitães da Areia, por exemplo, é por vezes lido e estudado nas escolas
secundárias. Por entre os outros autores podemos citar Guimarães
Rosa, que não é baiano mas fala do interior baiano na sua obra;
Graciliano Ramos; João Ubaldo Ribeiro, que fez parte recentemente
do programa de recrutamento de professores, com seu livro Viva o
povo brasileiro; o Pe. Antonio Vieira, um dos grandes vultos da arte
oratória, também traduzido em francês; Antonio Torres, com três livros
traduzidos na editora parisiense Métailié, criada em 1979, e que
atualmente mais autores brasileiros publica, numa coleção totalmente
constituída por autores brasileiros. Podemos afirmar que esta editora
inaugurou uma etapa importante nas mentalidades e na evolução da
imagem do Brasil na França. Não podemos deixar de citar igualmente
outros autores bastante estudados nos departamentos de português
de algumas universidades francesas: Machado de Assis, Carlos
Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles,
Clarice Lispector ou Moacir Scliar. Outro momento determinante para
a promoção do livro brasileiro na França foi o primeiro salão das “Belles
Étrangères”, em Paris, em 1987, que o Ministério da Cultura francês
decidiu dedicar aos autores brasileiros. Em 1998, o Salão do Livro de
Paris alcançou o maior sucesso de todos os tempos, em número de
visitantes, tendo como convidado de honra o Brasil. Durante estes
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dez últimos anos, outros eventos importantes também marcaram a
presença brasileira na França, tais como: a exposição de arte barroca
brasileira, no Grand Palais, um dos salões mais prestigiosos da capital
francesa; no ano de 2000, no âmbito dos 500 anos do descobrimento
do Brasil pelos portugueses, o jornal Libération publicou um dossiê
especial sobre o Brasil, com artigos sobre música, ecologia e literatura;
o jornal L’Humanité sobre “Les enfants de Bahia”; a revista semanal
Le Point publicou um rico dossiê de 20 páginas intitulado “Brésil: um
géant du XXIé. Siécle”. Ainda em 2000, aconteceu em Paris o “Festival
de la Villette de Paris”, com a presença, principalmente, de Maria
Bethânia, Gilberto Gil, Lenine, Paulinho da Viola; em 2005, ano do
Brasil na França, dois grandes projetos, entre outros numerosos,
foram realizados: o concurso sobre a cultura brasileira, organizado
conjuntamente pelo Ministério da Educação Nacional francês e pela
Associação para o Desenvolvimento dos Estudos Portugueses,
Brasileiros, da África e da Ásia lusófonas, destinado aos alunos de
todas as escolas secundárias, e o concerto “Oi Brasil!”, na sala Zénith,
em Paris, com Lenine acompanhado por um coro de mais de mil
alunos. Este concerto necessitou um trabalho preparativo e
pedagógico nas escolas que durou em média 6 meses. Enfim, para
não sermos exaustivos, lembremos que desde há doze anos se realiza
em Paris o Festival du Cinéma Brésilien, organizado pela associação
francesa Jangada.
Podemos medir o interesse pela literatura lusófona, e principalmente
brasileira, na França, através de dois ou três indicadores, como as
traduções, os estudos de português ou os leitores. Como já foi evocado
mais acima, as numerosas manifestações culturais apresentadas durante
o ano do Brasil na França permitiram relembrar a longa e rica história
que liga os dois países desde o século XVI, que se enriqueceu no século
XIX e que não cessa de se desenvolver ainda hoje. A difusão do livro,
e, no nosso caso, do livro traduzido, sendo um dos aspectos que mais
nos interessa, vejamos num breve esboço alguns dados relativos à edição
em língua francesa na França de autores brasileiros ou sobre o Brasil.
Até a I Guerra Mundial, o ritmo de publicação do livro brasileiro na
França era de 1 livro cada dois anos; entre as duas guerras este ritmo
cresceu para 1 livro por ano, evoluindo rapidamente a partir de 1950,
para atingir nos anos 80 o número de 20 títulos por ano. Comparando,
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por exemplo, a situação na França com a situação nos países de língua
inglesa, em 1994 a França traduziu três vezes mais. No entanto, em
comparação com o espaço crescente que a edição francesa concede
ao livro estrangeiro (lembremos que a França é o país onde se traduz
mais livros estrangeiros), o Brasil ocupa ainda um espaço bem
pequeno: em 1994, as editoras francesas adquiriram os direitos para
1.347 livros ingleses, 89 germânicos, 58 espanhóis e 14 da língua
portuguesa.
Paralelamente ao desenvolvimento da edição do livro brasileiro na
França, a imagem do Brasil e o nosso olhar sobre este país evoluíram.
Houve uma primeira fase em que predominava a imagem dos
Descobrimentos, da terra dos Índios e do Canibalismo, temas que
foram bastante abordados na França, ainda recentemente, pelos
romancistas Patrick Grainville, Erik Orsenna e Jacques Ruffin, com o
livro Rouge Brésil. Até o século XIX, a literatura brasileira (salvo Machado
de Assis) não interessava aos franceses. Entre as duas guerras mundiais
a edição francesa abre-se um pouco mais aos escritores brasileiros,
sobretudo através de Blaise Cendrars, Benjamin Perret, Claude LéviStrauss e Roger Bastide. Para estes autores os dois polos de atração
eram o Nordeste e a Amazônia. A vertente afro-brasileira, o sincretismo
e a mestiçagem constituem igualmente uma fonte inesgotável de criação
literária. Por exemplo, Benjamin Perret se interessa pelo quilombo de
Palmares; outros autores exploraram a literatura de cordel. Essa atração
favoreceu, no campo editorial, o aparecimento de dois “fenômenos”:
a publicação da tradução de um romance de Jorge Amado, Bahia de
Tous les Saints (1938) e a do livro Maîtres et Esclaves (1952). Porém, este
entusiasmo tropicalista francês teve o seu lado negativo: para os
franceses, a literatura brasileira não ia além do Rio de Janeiro, ignorando
Belo Horizonte, São Paulo, Rio Grande do Sul. No entanto, a
construção da nova capital brasileira, assim como o impacto do Fórum
Social de Porto Alegre, trouxeram a cidade e o mundo urbano para a
cena mundial e também editorial. Concluindo sobre esta questão da
edição, podemos dizer que hoje o balanço é feito de contrastes. Por
um lado, um trabalho notável foi desempenhado no domínio da prosa
literária, como já vimos. E se adicionarmos as obras brasileiras e os
romances franceses consagrados ao Brasil, os livros de arte ou sobre a
arte, os manuais e os livros práticos, o total atinge uma média anual de
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50 títulos. No entanto, ainda subsistem vários pontos de fraqueza: as
grandes editoras, submetidas aos critérios comerciais, renunciam
publicar setores importantes da cultura brasileira e ao mesmo tempo
não se arriscam ou não ousam explorar a produção contemporânea.
Este trabalho de sentinela velando pela renovação dos autores e das
gerações, assim como pela consolidação do fundo clássico, é atualmente
desempenhado apenas por pequenas ou médias estruturas, como
Métailié, mas também Chandeigne, Corti, Rivages ou Eulina Carvalho,
com todas as dificuldades que tal situação provoca para poder levar o
livro até o leitor. Ora, este trabalho de sentinela é fundamental, pois
estamos talvez numa fase em que os nomes dos autores que há pouco
tempo se situavam em primeiro plano estão desaparecendo sem que
os novos se tornem conhecidos pelo público, a não ser alguns nomes
como Antonio Torres, Bernardo Carvalho ou Luiz Ruffato. Outro
indicador que nos permite medir o interesse pela cultura brasileira,
como anunciamos mais acima, é o ensino e o estudo da língua
portuguesa na França, onde este ensino está enquadrado dentro dos
mesmos regulamentos e currículos das outras línguas ensinadas no
sistema educativo francês. Os alunos podem escolher os idiomas em
qualquer nível do ensino fundamental ou médio, ou seja école primaire,
collège e lycée. Os alunos que se orientam para as formações literárias
podem estudar até 3 línguas. O português foi introduzido no sistema
educativo francês nos anos 60 e oficializado nos anos 70, com a criação
do concirso de recrutamento de professores do Secundário (o CAPES
– Certificat d’Aptitude à l’Enseignement Secondaire), e depois, em
1974, com o concurso de mais alto nível, a Agrégation. Mas desde
1920 já existia, em algumas universidades, um professor de português.
No início dos anos 70, quando este ensino se oficializou, ele se
relacionava principalmente com a imigração portuguesa na França,
que somava mais de um milhão de pessoas. Porém, com a
independência dos países africanos de expressão portuguesa, depois
da Revolução do 25 de abril em Portugal, e com a ascensão do Brasil
no grupo das dez maiores potências econômicas mundiais, o ensino
da língua portuguesa na França passou a ter uma dimensão mais
diversificada, incluindo nos seus currículos estas novas realidades do
mundo lusófono. Hoje aproximadamente 30 mil alunos aprendem a
língua portuguesa, a maioria sendo franceses. Não podemos deixar de
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lembrar duas figuras dos estudos lusófonos na França que realizaram
um trabalho de pioneiros nos anos 70 e que tiveram um papel
determinante na criação dos cursos de português no ensino secundário
público francês: Solange Parvaux e Raymond Cantel.
Montaigne: “Le voyage me semble um exercice profitable. L’ âme y
a une continuelle exercitation à remarquer les choses inconnues et
nouvelles, et je ne sache point meilleure école”.
Muito obrigado.
__________
Discurso de posse, proferido pelo ensaísta e tradutor Dominiques Stoenesco,
no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 1º de setembro de 2009.
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Saudação
a Dominique Stoenesco
Aleilton Fonseca
Prezado professor e tradutor Dominique Stoenesco:
Seja bem-vindo. O senhor toma posse nesta Casa, como dileto
membro correspondente, no ano em que nosso país fortalece os laços
com sua pátria natal, comemorando o “Ano da França no Brasil”.
Este ato representa, portanto, de modo especial para nós, uma prova e
um registro de mais um gesto de aproximação de duas culturas parceiras,
sobretudo a partir do século XIX e até os nossos dias.
Num mundo contemporâneo e globalizado, em que as relações
internacionais são cada vez mais tensas, e marcadas por diferenças
políticas, econômicas e culturais aparentemente incontornáveis, cabenos refletir sobre o papel das interações simbólicas, no interior da
cultura, como forma de gerar diálogos, reflexões e conhecimentos
mútuos, capazes de criar condições de convivência, compreensão,
aceitação e reconhecimento entre os povos, entre as nações, entre os
estados, entre as pessoas de diferentes regiões do mundo.
De fato, ainda mais do que o intercâmbio comercial, diplomático,
científico e turístico, é a cultura, em sentido ainda mais amplo, aí
destacando-se a língua, a literatura e as artes em geral, que fornece os
elementos essenciais para as trocas simbólicas, como um fator
fundamental da interação e integração entre os povos.
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Se isso é verdade, então a França é um dos países mais cosmopolitas
que conhecemos. Ciosa de sua cultura e suas tradições, a França sempre
enxergou as alteridades culturais e tenta compreendê-las e com elas
dialogar. Assim, está sempre atenta ao conhecimento e ao estudo das
culturas estrangeiras. Suas universidades mantêm cursos e grupos de
pesquisa dedicados ao estudo das diversas comunidades e
nacionalidades espalhadas pelo mundo. Por sua vez, o seu sistema de
ensino oferece, nos seus Liceus, desde cedo, cursos de vários idiomas,
para que os alunos escolham aprender alguns deles. A nossa língua
portuguesa e suas diferentes culturas, reunidas sob a denominação
geral de lusofonia, fazem parte desse universo, com um número
significativo de alunos matriculados, segundo os registros oficiais. As
grandes universidades mantêm departamentos de ensino de português
e estudos lusófonos, com uma extensa programação anual de eventos,
debates, mesas-redondas, palestras e cursos sobre temas e situações
históricas e contemporâneas de países como Portugal, Brasil, Cabo
Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e
Timor Leste.
Trata-se de um trabalho de valorização de povos e suas culturas,
num gesto de estado e nação amigos, que fomenta o conhecimento,
diálogo e a admiração mútuos, contribuindo para a integração cultural,
que é, com certeza, uma das bases sólidas para a conquista e manutenção
da paz entre os povos.
Como parte desses esforços, a cada dois anos têm vindo ao Brasil,
e particularmente à Bahia, grupos de professores de português na França,
sob a liderança dinâmica e sempre simpática do Prof. Dr. Michel Perez,
para colher aqui, entre nós, informações, imagens, quadros, experiências,
alargando os seus conhecimentos e seu juízo crítico sobre nossos
diferentes traços materiais e culturais, incluindo a literatura, as tradições
populares, as artes plásticas, a música, o teatro, a arquitetura, a história e
demais campos da experiência humana. De volta às salas de aula, mais
estarão enriquecidos e motivados para transmitir aos alunos as imagens
locais e o interesse pela língua portuguesa e suas culturas.
O senhor, Prof. Dominique, fez parte desse grupo – e nessa
condição esteve na Bahia e em outros estados do nosso país, em missão
didática e cultural. E foi nessa condição que conheceu esta Academia,
no ano 2000, e dela se tornou um admirador e um amigo.
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A Academia de Letras da Bahia se engrandece com sua presença
em seus quadros de honra. Num momento em que a Casa busca uma
maior abertura ao ingresso de intelectuais participativos, para além
dos limites geográficos do Estado, e com a adoção de uma política de
inserção cultural mais ampla no mundo das Letras, em diálogo com a
comunidade universitária e entidades afins, o senhor é aqui acolhido
como professor, editor de revista cultural e tradutor, com uma trajetória
de amizade e admiração por nossas letras, nossa história e nossa cultura,
o que o torna credor de nosso alto apreço e da nossa profunda gratidão.
Senhoras e senhores: o Prof. Dominique Stoenesco é um intelectual
laborioso, que vem dedicando sua vida à difusão da língua portuguesa
na França, atuando na seara cultural, editorial e sindical, em defesa dos
interesses da lusofonia na pátria de Victor Hugo e Charles Baudelaire.
Nascido em 1944, é natural de Besançon (França), cidade de
nascimento de Victor Hugo. Há pouco aposentou-se como professor
de português do ensino público, depois de décadas de trabalho em
prol da conservação do português como um dos idiomas ensinados e
falados na França. Desde jovem, entusiasmado pelo idioma de Camões,
Machado de Assis e Fernando Pessoa, Stoenesco resolveu estudar a
língua lusitana como formação acadêmica e profissional. Assim,
formou-se em Létres/ Portugais langue etrangére, na Université de La
Sorbonne (Paris III). Realizou vários estágios pedagógicos, linguísticos
e culturais em Portugal, no Brasil e em Cabo Verde. Participou da
elaboração e da redação de manuais e de documentos didáticos e
pedagógicos de português. Também trabalhou como intérprete e
tradutor e foi professor de português jurídico durante 11 anos na
Universidade de Paris XII – Val-de-Marne. Participou e continua a
participar intensamente do movimento associativo português na
França. Foi presidente do Rádio Clube Português, na região de Paris.
É membro fundador e coeditor da revista Latitudes-Cahiers lusophones,
criada em Paris, em 1997, com vários dossiês sobre autores e temas
brasileiros, inclusive baianos. Também é redator da revista Les langues
néo-latines (Paris) e colabora na revista de arte e literatura Iararana
(Salvador da Bahia) e na revista Légua e Meia (da UEFS), na qual publicou
um longo e importante artigo sobre os poetas de expressão portuguesa
radicados na França e sua produção lírica de natureza diaspórica. Nesse
artigo ele demonstra que, nos anos 1960-70, a emigração portuguesa
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para a França constituiu uma verdadeira odisseia dos tempos modernos.
Testemunhas diretas daquela época, os poetas portugueses residentes
na França, populares ou eruditos, graças ao trabalho árduo de alguns,
dão um contributo imprescindível para a salvaguarda de uma memória
coletiva, através de sua poesia em torno da condição de membros da
cultura de língua portuguesa vivendo e atuando na França.
Em paralelo a sua atividade profissional, atua como secretário-geral
da ADEPBA – Association pour le Développement des Études
Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie Lusophones – associação
francesa fundada en 1973, que tem por objetivos principais a promoção
e o desenvolvimento do ensino da língua portuguesa na França. Por
seus serviços prestados à difusão e valorização da língua portuguesa e
da literatura, cultura e artes lusófonas na França, foi condecorado pelo
governo português.
Além de dedicar sua vida profissional ao produtivo ensino do
português nos Liceus e na Universidade, fundou e presidiu associações
lusófonas, criou e até hoje coedita a revista Latitudes: Cahiers
lusophones, já na edição nº 35. Além disso é um dos redatores da
prestigiosa revista Langues Néo-latines, na qual tem publicado artigos
sobre autores e temas brasileiros, portugueses e africanos de expressão
portuguesa, além de recomendar e publicar artigos de autores dessas
nacionalidades, sobretudo brasileiros. Na revista Latitudes: Cahiers
lusophones, Dominique Stoenesco destaca-se por seus inúmeros artigos
sobre autores brasileiros, resenhas de livros e notícias sobre fatos
culturais, que deseja ver divulgados e conhecidos na França. Já publicou
várias entrevistas com autores brasileiros e, sobretudo, baianos, como
Jorge Amado, Antonio Torres, Antonio Brasileiro e Myriam Fraga.
Entusiasmado pelo Brasil, Dominiques Stoensco já realizou cerca
de 10 viagens ao nosso país. Por duas vezes veio como membro do
grupo de professores franceses que visita o Brasil, em viagem de
formação pedagógica e cultural, de dois em dois anos. Nessa condição,
conheceu a Academia de Letras da Bahia e, encantado com sua beleza
arquitetônica, registrou suas imagens em várias coleções de fotos, tendo,
inclusive, publicado uma delas na revista Latitudes, em 2004. De outras
vezes, Dominiques Stoenesco veio à Bahia liderando excursões de
alunos e professores franceses, como um verdadeiro guia cultural,
levando-os a conhecer a arquitetura, a história, a cultura, a literatura e
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o ethos do univertso afro-baiano. Incansável divulgador da Bahia na
França, Stoenesco tem feito divulgação de autores e obras, traduções
de textos literários, além de palestras e exposições sobre o Brasil e
sobre a Bahia, sua cultura e seus escritores, utilizando sua experiência
profissional e as centenas de fotos que acumulou em suas viagens.
Senhor professor Dominique Stoenesco:
Esta tem sido a sua experiência: o contato direto do olhar com o
sujeito-lugar de estudo e de referência, o ato de ver a língua acontecendo
in loco, a língua e a cultura que lá ensina e divulga, aqui, ativa em pleno
existir, e no existir cotidiano das pessoas, em sua diversidade de falares,
entonações, nuanças, sotaques, musicalidades... significações. É, de fato,
recolher, à memória das próprias retinas, as nossas paisagens, ruas,
casas, edifícios, coisas, objetos, museus, obras, estradas, rios, árvores,
frutas, bichos, pessoas, homens, mulheres – e daí levando, em si, vivas:
a língua e a cultura que ensina em seu país, transmitindo aos jovens
franceses e lusodescendentes a centelha do imaginar o Brasil, do pensar
o Brasil, do vivenciar um país, inserindo-o à sua consciência, ao seu
saber, ao seu afeto, como um lugar amigo, um lugar que vale a pena
um dia visitar e conhecer.
E isso amplia e dá novos sentidos a nós brasileiros, lusófonos,
porque contribui para nos interessarmos ainda mais por nós mesmos,
pela realidade francesa, por sua cultura em diálogo com a brasileira, e
particularmente a baiana, o que aumenta mutuamente a nossa autoestima de cidadãos do mundo, projetando o desejo de novos diálogos,
de novas parcerias, não só institucionais, mas também, em alguns casos,
no campo estritamente pessoal.
O senhor esteve aqui em 2000. E foi durante a visita que o grupo
de professores franceses nos fizeram naquele ano que tive a feliz ocasião
de conhecer e conversar com alguns dos ilustres visitantes. Ali nasceu
um diálogo entre o senhor, Professor Dominique, o então presidente
da Casa Prof. Dr. Claudio Veiga, o poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos,
o escritor Carlos Ribeiro. Tive a felicidade de também participar desses
diálogos em que descobrimos interesses comuns: as relações entre a
literatura francesa e a brasileira, o ensino de língua e literatura e –
sobretudo – a publicação de livros e revistas – envolvendo a revista
francesa Latitudes: cahiers lusophones e a revista baiana, Iararana, pelas
quais éramos, respectivamente, corresponsáveis.
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Foi ali, portanto, que nasceu sua amizade com alguns escritores
baianos e logo depois uma parceria cultural, que teve e vem tendo
desdobramentos muito ricos para nossas vidas pessoais e profissionais.
O senhor, Dominique Stoenesco, tornou-se colaborador efetivo de
nossa revista literária Iararana, editada na Bahia desde 1998, e cujo nº
11, que saiu em setembro de 2006, é uma edição bilíngue português/
francês, em parceria com a revista Autre Sud, de Marselhe, publicando
autores baianos e franceses. Antes, em 2003, as revistas Iararana e
Latitudes publicaram um dossiê conjunto sobre “Poesia e sociedade”,
com a participação de autores franceses, baianos e portugueses, tendo
um lançamento conjunto na embaixada brasileira em Paris, do qual
participei com muita satisfação.
Como colaborador, além de publicar artigos na revista Iararana e
traduzir outros textos para o mesmo fim, também publicou na revista
Légua & Meia nº 3, da Universidade Estadual de Feira de Santana, um
artigo sobre a presença da cultura portuguesa na França. Diversas vezes,
na França, o senhor tem recepcionado, acolhido, guiado e orientado
professores, escritores e estudantes brasileiros, sobretudo baianos, em
suas viagens a Paris, com a colaboração de sua gentil esposa AneMarie Stoenesco, também professora de português como língua
estrangeira.
O Brasil e a Bahia o atraem, professor, sobretudo por sua
diversidade cultural. De fato, somos uma cultura múltipla, em ebulição,
inquieta e inventiva – que canta, dança, comemora, faz poesia, ficção,
música, e que estuda, pesquisa, cria, escreve, inventa, produz, trabalha
duro... e sonha. Sonha um dia ser melhor para os seus próprios cidadãos
e, assim, ser melhor aos olhos de nossos visitantes e admiradores.
Senhor Presidente Edivaldo Boaventura, senhores acadêmicos,
senhoras acadêmicas, senhoras e senhores:
Como testemunha de seu valioso trabalho de divulgação cultural,
de ensaísta e articulista entusiasmado com a nossa cultura e a nossa
literatura, conhecedor da cultura portuguesa, brasileira e africana, e do
português como idioma de cultura e informação, temos certeza de
que, enquanto membro correspondente, Dominique Stoenesco será
um acadêmico ativo, prolífico e devotado, contribuindo para uma
divulgação ainda maior da Bahia literária na França, em prol da
valorização de nossos autores, obras, temas e realizações.
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Professor Dominique Stoenesco: o senhor, portanto, está em sua
Casa. Seja bem-vindo, como membro correspondente, como amigo e
como parceiro de nossa empreitada cultural.
Muito obrigado.
________
Discurso de saudação ao acadêmico Dominique Stoenesco, proferido na
solenidade de posse, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 1º de
setembro de 2009, por Aleilton Fonseca, titular da Cadeira nº 20 da ALB.
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Discurso de posse
Membro correspondente da ALB
Antonio Carlos Secchin
Agradeço, extremamente honrado, a todos os titulares da Academia
de Letras da Bahia a acolhida de meu nome para membrocorrespondente de vossa prestigiosa instituição.
Agradeço, em particular, ao Presidente Acadêmico Edivaldo
Machado Boaventura e ao Acadêmico Aleilton Fonseca, não só pelos
discursos com que a seguir me receberão, como também pela iniciativa
e empenho para que, com esta cerimônia, eu me tornasse efetiva e
afetivamente ainda mais vinculado às letras baianas.
Sim, porque a Bahia, em sua caleidoscópica diversidade cultural,
me acompanha desde sempre. Leitor obsessivo, muito cedo concedi
lugar de destaque, em meu panteão literário, à prosa de Jorge Amado
e à poesia de Castro Alves. Na adolescência, deliciei-me com as
aventuras de Gabriela e de Dona Flor, comovi-me com as desventuras
dos escravos castro-alvinos.
Pouco depois, ao iniciar os estudos universitários, tive por mestres,
entre outros, os baianos Helena Parente Cunha, Eduardo Portella e
Afrânio Coutinho. Eduardo Portella foi dos primeiros a incentivar
minha criação literária, apoiando a publicação da novela Movimento, em
1976. A Afrânio Coutinho, meu orientador tanto no mestrado quanto
no doutorado, devo o convite para ingressar no magistério superior.
De algum modo, posso dizer que prolongo a linhagem dos estudos
literários nas duas grandes Casas onde Afrânio atuou: a Universidade
Federal do Rio de Janeiro, onde, como o antigo mestre, sou professor
titular de literatura brasileira, e a Academia Brasileira de Letras.
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Na Faculdade de Letras da UFRJ, no início da década de 1970, um
ficcionista disputava com Guimarães Rosa a preferência de professores
e de alunos: refiro-me a Adonias Filho. Meu contato com Memórias de
Lázaro, Corpo vivo e Léguas da promissão foi inesquecível. Fascinei-me
pela limpidez complexa de sua linguagem e pela requintada arquitetura
de sua narrativa. No terreno da poesia, no ano de 1969, me dirigi com
entusiasmo à Livraria São José para adquirir os sete volumes da
monumental Obra poética de Gregório de Matos, louvável iniciativa de
James Amado, que, corajosamente, devolveu à circulação a totalidade
dos textos, inclusive os proscritos, atribuídos ao poeta. No ano seguinte,
a mesma editora (Janaína) que lançara Gregório de Matos brindounos em dois volumes com a poesia completa de Junqueira Freire.
Paralelamente, eu lia com grande interesse os artigos e as resenhas
que, com regularidade, Hélio Pólvora publicava no Jornal do Brasil.
Beneficiei-me igualmente, quando começava a constituir minha
biblioteca particular, da profícua gestão de Herberto Sales à frente do
Instituto Nacional do Livro, quando, em regime de coedições que
barateavam substancialmente o preço final da obra, foram contemplados
tanto os clássicos de nossas letras quanto os novos valores.
Continuei atento à consistência da literatura baiana da geração
seguinte. Heloísa Buarque de Holanda presenteou-me com Reverdor,
de Florisvaldo Mattos, de 1965. Ainda no segundo grau, conhecera,
no Rio de Janeiro, o poeta Ildásio Tavares. Li desde os primórdios a
ficção de Antonio Torres. Editados pela Civilização Brasileira, descobri
João Ubaldo Ribeiro e Ruy Espinheira Filho, tornando-me depois
amigo de ambos. João Ubaldo apoiou minha candidatura à Academia
Brasileira de Letras – quando, além de seu voto, também contei com
os de Zelia Gattai e de Eduardo Portella. Tive a satisfação de integrar
a banca de doutorado de Ruy Espinheira e de prefaciar um de seus
livros. Para limitar-me ao domínio da poesia, observo que há muito
acompanho, com atenção e proveito, os ensaios e traduções de Cláudio
Veiga, a produção de Fernando da Rocha Peres, Myriam Fraga, José
Carlos Capinan, Maria da Conceição Paranhos, Aramis Ribeiro Costa,
João Carlos Teixeira Gomes, Antônio Brasileiro, Luís Antonio Cajazeira
Ramos, José Inácio Vieira de Melo.
No terreno do ensaísmo, escrevi, para o sesquicentenário de
nascimento do poeta, em 1997, as “Memórias póstumas de Castro
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Alves”. Mais tarde, foi este o texto de abertura do meu livro Escritos
sobre poesia & alguma ficção, de 2003. Ainda a propósito do autor de
Espumas flutuantes, recordo que compareci a esta Academia em julho
de 2003, proferindo a conferência “Duas faces do lirismo amoroso de
Castro Alves”. Aqui ainda estive em quatro outras oportunidades:
como representante da Academia Brasileira de Letras na cerimônia de
posse do Acadêmico Aleilton Fonseca, em 2005; no lançamento da
antologia Mais que sempre, de Luís Antonio Cajazeira Ramos, no ano de
2007; e duas vezes como jurado do Prêmio Nacional de Poesia da
ALB, em 2000 e 2007, nas companhias de Florisvaldo Mattos, Ruy
Espinheira Filho, Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro.
Minhas pesquisas literárias não se restringem aos nomes
consagrados pelo cânone. Procuro divulgar, em textos e palestras,
autores de mérito que padecem de injusto esquecimento. Além do
valor intrinsecamente literário, atrai-me também a bibliofilia, em dois
níveis: o da beleza tipográfica do livro ou o da raridade da obra. Em
ambos, a Bahia sempre esteve presente.
No que toca à beleza, destaco o requinte tipográfico dos trabalhos
de Pedro Maia e de Salvador Monteiro, cuja editora Alumbramentos é
referência obrigatória no quesito das edições de arte.
No que se refere a raridades, minha biblioteca dispõe de edições
originais de muitos autores baianos do século XIX e das primeiras
décadas do século XX, como Junqueira Freire, Moniz Barreto, Castro
Alves, Melo Morais Filho, Pethion de Villar, Artur de Sales, Durval de
Moraes, Eurico Alves e outros.
*
Na Bahia nasceu a poesia brasileira, seja na lira livre de Gregório
de Matos, circulando apocrifamente em códices, seja na lira impressa
de Botelho de Oliveira, com sua pioneira Música do Parnaso, de 1705.
Além de expoentes como Gregório de Matos e Castro Alves, a
literatura baiana também se revela pródiga em escritores de alto nível
que foram postumamente consagrados. É o caso de Pedro Kilkerry,
alçado à linha de frente de nosso Simbolismo pelo poeta e crítico
Augusto de Campos, e de Sosígenes Costa, amorosamente reeditado
por José Paulo Paes.
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Creio que igualmente deve ser resgatado o simbolista Francisco
Mangabeira, sobre quem o crítico Andrade Muricy desse modo se
expressou: “o poeta do Norte de mais alevantado e vigoroso estro, depois de
Castro Alves”.
Devo dizer que, à frente da Comissão de Publicações da ABL,
programei a reedição, para 2010, da Tragédia épica, de 1900, considerada
a mais importante obra do autor. Tratando de Canudos, Mangabeira,
além de atingir grande qualidade literária, antecipa em dois anos o
olhar lúcido de Euclides da Cunha, em Os sertões.
O livro do poeta, que tem por subtítulo “Guerra de Canudos”,
divide-se em 20 segmentos e se abre com a “Carta a um morto”, que,
suponho, o próprio Euclides subscreveria.
Cito um trecho, em que Francisco Mangabeira aponta como vítimas
da tragédia “não só aqueles soldados que marchavam friamente para a
morte, impassíveis e calmos entre o zunir das balas, até que finalmente
rolavam pelo chão/.../mas também aqueles tabaréus, que lembravam
leões, e que, das encostas calvas e abrasadas dos seus montes nus,
resistiram com uma bravura louca até ao último instante, sem que
jamais vergassem a espinha numa mesura de submissão e covardia”.
Na esteira das comemorações literárias do centenário de morte de
Euclides da Cunha, de que foi exemplo o bem elaborado romanceensaio O pêndulo de Euclides, de Aleilton Fonseca, convém não esquecer
a voz do poeta Francisco Mangabeira, a favor não dos soldados ou
dos revoltosos, mas em prol da humanidade, instância em que todos,
supostamente, deveriam reconhecer-se como semelhantes.
*
Senhores:
A vitalidade da Academia de Letras da Bahia, esta mais que
nonagenária instituição, se patenteia sob vários aspectos. Na era da
comunicação eletrônica, contabilizam-se mais de 380 mil registros de
páginas a ela dedicadas nos mecanismos de busca da Internet. Os 48
volumes de sua Revista comportam matéria de grande interesse cultural
e literário. Os prêmios por ela conferidos alcançam dimensão e
reconhecimento nacionais. Mas seu maior patrimônio, decerto, é a
qualidade do corpo acadêmico, tanto ao longo do filme da História,
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quanto na fotografia de hoje. Orgulho-me de ingressar numa associação
que conta com nomes de tal relevo, boa parte dos quais amigos de
longa data.
Como forma efetiva de agradecimento pela generosa acolhida que
me foi dispensada, retrocedo, agora, o filme da História para o ano de
1924, e faço a doação, para a biblioteca da Casa, de um álbum que
registra a passagem em Salvador, entre dezembro de 1924 e janeiro de
1925, de Margarida Lopes de Almeida, à época – sem dúvida – o maior
nome do país na arte da declamação, arrebatando auditórios brasileiros
e internacionais. Era filha do poeta Filinto de Almeida, membro
fundador da ABL, e da ficcionista Júlia Lopes de Almeida.
Abre o álbum uma foto coletiva, datada de 12 de dezembro de
1924, tirada no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, onde se
veem, além de Margarida, Hermes Lima e Castro Rebelo Filho, entre
outros. O documento, peça original e única, comporta textos
autógrafos, partitura e desenhos de eminentes personalidades, algumas
das quais acadêmicas, todas elas figuras importantes no âmbito da
cultura e da arte baianas do início do século XX. Cito, sem ser exaustivo
– para não deixar exausta a plateia – os manuscritos dos acadêmicos,
na maioria fundadores, Teodoro Sampaio, Artur de Sales, Lulu Parola,
Carlos Chiacchio, Prado Valadares, Rebelo Filho. E ainda as
colaborações de Hermes Lima, Herman Lima, Godofredo Filho e
Anísio Teixeira.
É este o álbum que, a partir de hoje, passa a pertencer à vossa – e
à minha – Academia de Letras da Bahia.
Muito obrigado.
__________
Discurso de posse, proferido pelo poeta e ensaísta Antonio Carlos Secchin,
no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 18 de novembro de 2009.
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Saudação
a Antonio Carlos Secchin
Aleilton Fonseca
C
abe-me a honra, gentilmente cedida por nosso Presidente, de
receber e saudar o confrade Antonio Carlos Secchin, neste ato em
que ingressa no quadro de membros correspondentes desta Academia.
Começo, pois, citando os versos de Cecília Meireles, os mesmos
versos escolhidos por Secchin para iniciar seu discurso de posse na
Academia Brasileira de Letras. São este os versos:
Como os poetas que já cantaram,
e que ninguém mais escuta,
eu sou também a sombra vaga
de alguma interminável música.
Cecília Meirelles
Com esta epígrafe em pórtico, Antonio Carlos Secchin iniciou seu
discurso de posse na Cadeira nº 19, da Academia Brasileira de Letras,
na memorável noite de 6 de agosto de 2004. Sucedia a Marcos Almir
Madeira e era recebido pelo acadêmico poeta Ivan Junqueira. Com
essa epígrafe, definia sua trajetória como semelhante àquela da poeta,
tocada pela voz imperiosa da vocação irresistível. O poeta entrega-se
ao ofício das palavras, num elo de vozes que, ainda que não sejam
escutadas, existem em si, como sombra vaga de alguma interminável
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música que não pode calar. Eis o mister do poeta. Eis a vocação, o
destino e o compromisso de Antonio Carlos Secchin, ao lado da
corrente de poetas que já cantaram ou ainda cantam e continuarão
cantando – a música da existência humana.
Em boa hora esta Academia o empossa em seu quadro de membros
correspondentes. E com a posse do poeta, ensaísta e crítico literário
Antonio Carlos Secchin, esta Casa ainda mais se engrandece, com a
presença de um dos mais produtivos intelectuais contemporâneos, que
vem prestando uma valiosa e reconhecida contribuição à literatura
brasileira.
Nascido em 1952, no Rio de Janeiro, Secchin elegeu a poesia
como seu mister principal. Fez sua profissão de fé nas Letras
Vernáculas. Como poeta, estreou nos anos 70, com os livros de
poesia, crítica e ensaios: A ilha (1971), ao qual seguiram-se Ária de
estação (1973), Movimento (1976), Elementos (1983), Diga-se de passagem
(1988), Poesia e desordem (1996), Todos os ventos (2002), Escritos sobre
poesia e alguma ficção (2003), Guia de sebos (2003), 50 poemas escolhidos
pelo autor (2006). O livro Todos os ventos (sua poesia reunida) recebeu
os prêmios da Fundação Biblioteca Nacional, da Academia Brasileira
de Letras e do PEN Clube do Brasil, considerado o melhor livro
de poesia de 2002.
Nos anos 70, enquanto se firmava como poeta, Secchin ingressava
na carreira das Letras, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em
1973, concluiu o curso de Graduação em Letras, depois o Mestrado,
em 1979, e o Doutorado em 1982, na mesma UFRJ, sob orientação do
ilustre acadêmico baiano Afrânio Coutinho. Mais tarde, em 1996, fez
o Pós-Doutorado na Universidade Federal do Pará.
Atualmente, Secchin exerce o cargo de professor titular de Literatura
Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cadeira que
pertenceu a Alceu Amoroso Lima e a Afrânio Coutinho. Poeta
reconhecido e premiado, como ensaísta tem vários trabalhos publicados
e é considerado o mais importante estudioso da obra poética de João
Cabral de Melo Neto.
Eleito e empossado na Academia Brasileira de Letras em 2004,
tornou-se o mais jovem imortal da Casa de Machado de Assis,
referência de um processo de renovação que começa a despontar nos
horizontes acadêmicos nesta década inicial do século 21.
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É membro titular do PEN Clube do Brasil, desde 1995, e membro
honorário da Academia Cachoeirense de Letras, de Cachoeiro de
Itapemirim, desde 2004. E agora membro correspondente desta ALB.
O escritor já recebeu quinze prêmios literários e quatro medalhas
acadêmicas. Exatamente hoje completa cinco. Foi professor
convidado em universidades estrangeiras, de Barcelona, Bordeaux,
Lisboa, Mérida, México, Rennes, Roma, Nápoles e, mais
recentemente, Paris-Sorbonne, em 2009.
Secchin já produziu mais de 320 trabalhos, entre ensaios e artigos,
muitos dos quais apresentados em congressos literários, publicados
em livros, revistas e jornais. Já publicou cerca de 30 títulos, entre poesia,
crítica, obras organizadas e ensaios literários. Entre seus livros de poesia,
destaca-se a obra Todos os ventos (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002),
que foi traduzido como Todos los vientos, tradução de Yhana Riobueno
(Mérida: Ediciones Gitanjali, 2004). Integra várias antologias de textos
de poesia e de ensaios. Participa do corpo editorial de dezenas de
revistas, como Revista Letra (Rio de Janeiro), Poesia sempre, editada pela
Biblioteca Nacional, além da revista Légua e Meia, da Universidade
Estadual de Feira de Santana.
Antonio Carlos Secchin ganhou maior notoriedade como
ensaísta e crítico a partir da publicação do livro João Cabral: A poesia
do menos, vencedor do Prêmio de ensaio do Instituto Nacional do
Livro e do Prêmio Sílvio Romero, da Academia Brasileira de Letras.
Depois, organizou a edição das poesias completas de Cecília
Meirelles, no ano do centenário da autora, e resgatou o primeiro
livro de poesia publicado por ela, intitulado Espectros, que estava
desaparecido. Também estudou aspectos novos nas obras de Álvares
de Azevedo, Cruz e Sousa, Carlos Drummond de Andrade, Mário
Quintana, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar e de ficcionistas
como Machado de Assis e Rubem Braga. Colecionador de livros
raros, Secchin é um dos principais bibliófilos do país. Apaixonado
por livros, tornou-se um grande expert em sebos, como atesta o seu
livro Guia de sebos, de 2003, já com várias edições publicadas. Na
sua requintada biblioteca pessoal, encontram-se verdadeiras relíquias
literárias, como primeiras edições raríssimas, manuscritos e textos
autógrafos de escritores como Manuel Bandeira, Drummond e
Guimarães Rosa, entre muitos outros.
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Como crítico e ensaísta, Secchin é daqueles que se acercam de
autores e das obras literárias com interesse, espírito crítico e, sobretudo,
respeito intelectual. Suas opiniões primam pelo equilíbrio, pelos juízos
críticos honestos, sempre em busca de demonstrar as qualidades e as
vicissitudes dos textos, iluminando-os com uma abordagem teórica
e interpretativa segura e confiável. No estudo da poesia e da ficção,
não apenas os autores canônicos são objeto de sua leitura, mas
também aqueles que estão ainda se firmando no panorama atual e
que necessitam da atenção dos leitores.
Como poeta, Secchin integra o quadro dos melhores criadores
contemporâneos. Sua poesia é tessitura de palavras em movimento,
em que um eu lírico atualíssimo maneja o verbo, levando-o a dobrarse e a desdobrar-se em sentidos inusitados, em rasgos de invenção
imagética e ironias pós-modernas, sugestões e evocações intertextuais,
em jogos de metáforas, ambiguidades e paródias, num concerto
polifônico que envolve os temas e as palavras.
Como afirma Alfredo Bosi, na apresentação do livro:
Lendo Todos os ventos, assistimos ao encontro de uma acurada leitura
da poesia brasileira de ontem e de hoje (Secchin é um dos nossos
mais afiados leitores de poesia) com um ethos despojado e às
vezes abertamente biográfico. Uma situação cultural e existencial
pós-moderna, sem dúvida. Desse encontro nasceu a glosa paródica
pela qual o eco de antigos significantes lastreia a inversão dos
significados. Acontece que também a paródia satírica é gênero
vetusto: daí o curioso revival moderníssimo de uma antiga forma
de escarnecer palavras e coisas que a usura do tempo já desgastara.
E conclui Bosi, a respeito de Todos os ventos: “Antonio Carlos
Secchin sabe alcançar o nível raro da expressão singular, forte e
desempenada.” Com efeito, estamos diante de um poeta elogiado
por estudiosos de alta grandeza, como José Guilherme Merquior,
Antônio Houaiss, José Paulo Paes, Benedito Nunes, Eduardo Portella,
Alfredo Bosi, Sergio Paulo Rouanet, André Seffrin, Fábio Lucas e
Ivan Junqueira, entre muitos outros.
De fato, o poeta Antonio Carlos Secchin assim se afirma, nos
versos de seu poema, quando esclarece a sua visão lírica:
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Revejo a luz gelada de manhãs perdidas
e os sonhos que eu mandei para o endereço errado.
Tanto azul me nauseia e nada se dissipa
em meio ao mangue seco onde estanquei meu barco.
Muitas sombras debatem-se à beira do quarto.
Fantasmas nos lençóis da noite estreita e aflita
esgueiram seus anzóis no meu silêncio farto
de saber que eles são a única visita.
Imóveis no sofá, me contemplam ferozes
e cravam com desdém as garras da rapina.
Espanto o pó e a dor que descem dessas vozes
rolando sem parar pela memória acima.
O espelho só me ensina a ruína do desejo.
Sei que é meu esse olhar em que eu não mais me vejo.
Eis o perfil do intelectual, poeta, ensaísta, acadêmico. Um homem
talhado nas letras e para as letras, com fina sensibilidade lírica e escrita
de alto valor crítico e estilístico.
Mas é preciso frisar que há anos o poeta Antonio Carlos Secchin é
um assíduo colaborador desta Academia de Letras da Bahia, como
conferencista do Curso Castro Alves, como jurado de prêmios literários,
ou, como visitante, representando a Academia Brasileira de Letras. Tratase de um homem generoso, um cavalheiro das Letras, de exemplar
conduta intelectual, que se conduz nos debates de ideias com honestidade
e afabilidade, com espírito democrático e irreprochável civilidade.
E foi com esse espírito altivo e democrático que Secchin finalizou
seu discurso de posse na ABL, afirmando sua predileção pelo convívio
acadêmico, sob a ideia da pluralidade, da consciência das tradições e
da constante busca do novo. O poeta afirma, encerrando seu discurso:
Assim gostaria de entrar na Academia Brasileira de Letras:
entendendo-a como fronteira franqueada ao livre trânsito de todas
as temporalidades. De um lado, receptáculo de nossas mais fundas,
atávicas, heranças; de outro, passagem para a paisagem do novo.
Neste discurso, balizado por dois poetas, a primeira palavra,
acolhendo o passado, foi de Cecília Meireles. Que a última seja de
Carlos Drummond de Andrade: “Ó vida futura! nós te criaremos”.
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Assim, é notório que sua postura intelectual e sua importância
literária o tornam apto a integrar esta Academia, mercê de seus méritos,
que o fazem credor de todas as homenagens que se prestam aos grandes
escritores.
Poeta, crítico e Professor Doutor Antonio Carlos Secchin, seja bemvindo a esta Casa, para o enriquecimento de nosso convívio acadêmico.
Para tanto, os seus méritos são vastos – e a honra desta solenidade é
um emblema recíproco.
Muito obrigado.
________
Discurso de saudação ao acadêmico Antonio Carlos Secchin, proferido na
solenidade de posse, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 18
de novembro de 2009, por Aleilton Fonseca, titular da Cadeira nº 20 da ALB.
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LETRAS
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Discurso de posse
Membro correspondente da ALB
Antonella Rita Roscilli
S
enhor Presidente, senhores acadêmicos, queridos amigos, desejo
iniciar esta fala expressando meu comovido agradecimento ao expresidente da Academia de Letras da Bahia, prof. Edivaldo Boaventura,
pela indicação de meu nome. Tenho o prazer de compartilhar sua
amizade há alguns anos. E muito tenho me beneficiado com este
convívio. O professor Edivaldo é um grande intelectual e dedicado
educador, professor, Mestre e Ph.D em Educação pela Pennsylvania
State University. Ocupou já, por duas vezes, o importante cargo de
Secretário de Educação e Cultura do Estado da Bahia. Trata-se de
personalidade de exceção, culta, apaixonada pela sua terra. A Edivaldo
Boaventura, portanto, dirijo meus agradecimentos. Faço também
questão de sublinhar o importante apoio que meu nome e minha
candidatura receberam da querida poeta e diretora da Fundação Casa
de Jorge Amado, Myriam Fraga. Estendo a Myriam meu comovido
agradecimento por este voto de confiança. Não posso omitir todos os
membros ilustres desta Academia que tão generosamente aceitaram
meu nome como membro correspondente desta notável instituição e
ainda saudar com emoção e profundo respeito o atual Presidente desta
venerável Academia, Aramis Ribeiro Costa. Só posso dizer para todos
“muito obrigada, obrigadíssima”. Foi com grande emoção e muita
alegria que recebi a notícia de minha eleição como membro
correspondente da Academia de Letras da Bahia. Ver meu trabalho
reconhecido por uma instituição que representa a comunidade
intelectual da Bahia é, para mim, uma forma de me sentir sempre presente
nessa terra del mio cuore, é como ter uma raiz bem plantada aqui.
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DE
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A Bahia sempre foi para mim uma região fascinante por sua história,
sua gente, sua vocação intelectual, berço de ilustres nomes de letras e
da vida política. Terra de Castro Alves, de Luís Gama, Rui Barbosa, de
Maria Quitéria, berço dos heróis João de Deus, Manuel Faustino, Lucas
Dantas e Luís das Virgens. Terra do escritor Jorge Amado. Tenho uma
honra imensa em estar aqui neste ano do Centenário dele. Poder participar
dos eventos que o homenageiam é uma emoção profunda para mim, é
um enriquecimento da minha alma poder estar aqui na Bahia.
E assim reflito sobre a Bahia, o berço de toda a cultura desse imenso
país do meu coração. O baiano é o herdeiro da grande construção
nacional que começou em fins dos anos 500. Por suas mãos, desde os
colonos que por aqui ficaram com Tomé de Souza, construindo
famílias, engenhos, comércio, consolidando a vida na região, foi
surgindo o Brasil, com a ajuda imprescindível de milhões de africanos
que para cá foram trazidos, vivendo por muito tempo uma indigna
condição de escravidão. Aqui lutaram contra a escravidão na Revolta
dos Alfaiates (1798), aqui tinham lutado contra incursões francesas e
holandesas. Foi aqui que mais se desenvolveu a cultura dos
afrodescendentes brasileiros, foi aqui que chegaram os italianos
comandados por um napolitano, Giovan Vincenzo Sanfelice, Conte
de Bagnoli (título que lhe foi conferido quando, pela primeira vez,
libertou a Bahia do domínio holandês). Foi um herói legendário, digno
de um Emilio Salgari, que soube submeter um inimigo mil vezes
superior a ele por recursos navais e militares. E com ele tiveram
importante papel todos os napolitanos na árdua batalha que durou
quinze anos para combater os holandeses em Salvador e em Recife.
Mil e quinhentos italianos que com ele chegaram, e ele, como outros,
ficou por aqui. E hoje ele está sepultado na Igreja do Carmo, pois
decidiu viver na Bahia. Eu mesma fui pesquisar e li com orgulho e
grande emoção a frase que o lembra na Igreja do Carmo. Chegou em
7 de julho de 1623 e até 1640 lutou para derrotar os holandeses. E ele
é da minha região, do sul, lá na Itália.
E lá, como aqui, eu procurarei honrar esse título honorário,
continuando a assumir a tarefa de ponte, de mediadora entre duas
culturas que me formaram e me levam a descobrir o mundo através de
seus referentes culturais e identitários, às vezes complementares, muitas
vezes contraditórios, experiência que me despertou muito cedo para a
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ideia de que se pode viver com duas terras amadas dentro de si, podemse juntar dois idiomas que se amam, podem-se juntar duas comidas
como “la pasta alla carbonara con il dendê” e que as modalidades de
percepção do mundo podem ser múltiplas e diversas. Por isso tive que
desconstruir e descarnar meu eurocentrismo.
Aproximei -me do Brasil por acaso. Antes nunca havia viajado de
avião, tinha até medo. Peguei o avião pela primeira vez e viajei 11 horas
direto para conhecer uma terra longínqua, para a qual me haviam
convidado. Naquela época ainda não sabia que ia encontrar um universo.
Aquela primeira viagem foi a que mudou minha vida. Lembro ainda
no interior da Bahia, no sul, perto de Canavieiras, o belo rosto de uma
criancinha pobre, pequena, encontrada na rua; e minha vontade de
levá-la comigo. Vi crianças abandonadas, muitas. Mas, igual a Alice nel
Paese delle Meraviglie, me aproximei de uma natureza exuberante, terra
vermelha, camponeses que iam trabalhar na madrugada. Perfume, sons,
frutas. Não falava nem uma palavra de português, mas o som do idioma
me fascinou e voltei para a Itália com um caderninho cheio de palavras
que havia escrito, porque o som delas ressoava na minha alma.
Começou tudo a partir de lá, e passei meu verão, la mia estate a Roma,
com Jorge Amado, pois comprei todos os livros dele e mergulhei fundo
na sua obra. Como jornalista já publicava artigos sobre a América
Latina havia anos, mas focalizei o Brasil, mergulhei, estudei, me formei
em Literatura e Língua brasileira e Literaturas afro-lusófonas e continuei
meu caminho. Mia Couto diz, acerca da influência de Jorge Amado
em sua vida e na vida de seu país:
Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor
que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava à África. Havia
pois uma outra nação que era longínqua e não nos era exterior. E nós
precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca
antes soubéramos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado, mas era
um espaço mágico onde nos renasciam os criadores de histórias e
produtores de felicidade. Descobríamos essa nação num momento histórico
em que nos faltava ser nação. O Brasil – tão cheio de África, tão cheio de
nossa língua e de nossa religiosidade – nos entregava essa margem que nos
faltava para sermos rio. (Mia Couto, em palestra proferida por ocasião do
(re) lançamento da obra de Jorge Amado pela Companhia das Letras e
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reproduzida na íntegra no Caderno2 - D9 do jornal O Estado de S. Paulo de
05/04/2008, sob o título: “... e fazer do nosso sonho uma casa”).
As belas palavras do escritor moçambicano permitem diversas
interpretações, porém é inegável a constatação de que a influência de
Jorge Amado sobre o imaginário e, por conseguinte, sobre a vida da
África de língua portuguesa foi além da conquista de leitores
apaixonados por um estilo de escrever. O discurso de Mia Couto faznos considerar a incrível capacidade de a literatura (e a linguagem)
narrar muito mais do que histórias, de ser instrumento para divulgação
e conhecimento, além de poesia. Isso é para mim Jorge Amado, um
Poeta Cavaleiro, lutador, sábio, corajoso, que mostrou o Brasil mais
verdadeiro com um respeito profundo, corajoso e sincero, utilizando
o instrumento da literatura.
A Bahia, o Brasil viraram meu ponto de referência, um país cheio
de beleza como também de grandes contradições... Fui também
conhecendo Minas Gerais, as cidades históricas, o Rio. Respirando o
ar, a comida entrava dentro de mim como se entrasse a alma da terra.
Inúmeras vezes cruzei o Atlântico. A minha paixão pela literatura e
pelo país brasileiro nasceram praticamente juntas e se confundiram
num mesmo desejo de aventurar-me num espaço insólito, sempre
fugindo dos estereótipos, dos lugares-comuns. Em 1994 estava no
interior de Minas dançando quadrilha na festa de São João com os
camponeses. Minha paixão pela literatura tem a ver com minha pessoal
visão da literatura, visão que transparecerá neste discurso com o qual
pretendo evocar meu percurso de pesquisadora, jornalista e escritora
na Bahia e na Itália. E também de estudante, pois a UFBA me honrou
aceitando meu projeto sobre os laços entre literatura e televisão através
da análise da primeira obra literária de Zélia Gattai
Foram as aulas de literatura brasileira do professor italiano Ettore
Finazzi Agrò (Universidade La Sapienza) que amadureceram minha
visão da literatura e a paixão para conhecer os Brasis dos quais é feito
esse imenso Brasil. Pesquiso também a história negada do Brasil. E a
emigração italiana é um capítulo para mim fascinante, orgulho para
nós italianos. Com o espírito firme de divulgar o melhor que existe no
Brasil, longe dos estereótipos restritos que infelizmente o país possui
às vezes na Europa, comecei minha luta. Escrevi muito, publiquei não
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sei mais quantos artigos. É esse o meu papel: fazer a ponte entre os
dois países, sem isso não poderia mais viver, pois isso faz parte do
meu próprio sangue há muitos anos. O Brasil é meu amor, um amor
que passou pela fascinação, pela paixão, pela visão mais difícil, pelo
amor maduro em que você pode discernir melhor as coisas negativas e
positivas. E, de fundo, mais me distanciei, e mais me chamou. Nunca
poderia casar com uma pessoa que não amasse o encontro com o
Brasil, com respeito e dedicação, como eu. Já acabaram histórias de
amor, por isso na minha vida, por eu não ter tempo e dever me dedicar
à escrita e ao jornalismo.
Ser jornalista é, de fato, ser detentor de um mandato público entre os
cidadãos e a imprensa, exatamente para defender, de forma intransigente,
os princípios democráticos, razão maior dos valores da liberdade e da
cidadania. Considero que o exercício do jornalismo diário exige basicamente
três pressupostos que transferem credibilidade ao profissional:
independência em relação aos fatos e às circunstâncias; a ética; e o
compromisso com a verdade. Nunca, em momento algum da minha já
longa trajetória como jornalista, absolutamente dedicado, estabeleci
objetivos. As coisas e os fatos aconteceram em minha vida simplesmente
porque tiveram que acontecer, na maioria das vezes independente da
minha vontade. Meus objetivos se situam em princípios que procuro
trilhar da melhor forma possível, sempre aprofundando as minhas
convicções, minhas dúvidas, e tendo como referência um dos grandes
renomes italianos, escritor e jornalista Gianni Minà, meu mestre. Estou
plenamente convencida de que esses princípios transformaram a minha
vida, impulsionada pelo ritmo do coração e pelo sonho que me deu e
me dá a força de continuar a divulgação do Brasil no meu país e na
Europa. E mais agora, voando através da minha filha, que fundei e dirijo:
a revista italiana Sarapegbe, sobre “Cultura e Società del Brasile, Africa e
Altri Mosaici”. Não por acaso o símbolo é uma pluma azul, um pássaro
que voa e pode atravessar o oceano, como um mensageiro que leva
notícias de lá e para cá, ou uma pluma que com a ajuda do vento voa.
Esse foi sempre, é e será sempre meu objetivo: levar notícias, abrir a
imagem do Brasil, fora dos estereótipos, essa é minha luta há anos, para
quebrar aquela limitação com que chega à Europa e à Itália a cultura
brasileira. Uma cultura rica, ampla, complexa, feita de coisas boas com
suas músicas, artes, livros... E um dia andando em uma Biblioteca, um
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livro me chamou. Me chamou mesmo, e eu me aproximei e li um título
muito estranho...
Utilizo o fragmento da Teogonia de Hesíodo para falar agora das Musas.
“Hineando alegram o espírito de Zeus no Olimpo / Musas olimpíades,
virgens de Zeus porta-égide. / Na Piéria gerou-as, da união do Pai
Cronida, / Memória rainha nas colinas Eleutera, / para oblívio de males
e pausa das aflições. (Transcrito de Hesíodo, Teogonia. A origem dos
deuses. Edição revisada e acrescida do original grego. Estudo e Tradução
de Jada Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2003, p. 107. Nota do editor).
Cantando rallegrano in Olimpo la mente di Zeus,
Le muse Olimpie, figlie de Zeus Egioco.
Le partori’ nella pieria, unitasi al padre Cronide,
Mnemosyne, dei clivi di Eleutere Regina,
Che fossero oblio dei mali e tregua alle cure
Hesíodo (Teogonia, 51-55)
A lembrança, “il ricordo si dice in italiano” é a arte de colocar em
movimento a memória, que representa a síntese máxima entre a
dimensão terrena e a espiritual. É doce e densa de poesia a história do
nascimento da deusa Mnemosyne na civilização grega antiga. De fato,
o poeta Hesíodo de Ascra (séc. VIII-VII a.C.), em Teogonia, poema
sobre a origem do cosmos e dos deuses, narra que Terra primeiro
pariu igual a si mesma Céu constelado, para cercá-la toda ao redor (...)
Depois pariu do coito com Céu (...) Mnemosyne (...) E após com ótimas
armas Crono, de curvo pensar. O mito, em sua desconcertante
simplicidade, traça um laço indissolúvel entre Cronos (o tempo) e
Mnemosyne (a memória) e mostra sua atração em um contínuo jogo
de reciprocidade. O pensamento mítico-simbólico expresso em
Teogonia permite entender a importância da divindade da Memória,
bem como de suas filhas, as nove musas, deusas das artes e das ciências.
A memória, pois, é apresentada não como um simples acúmulo de
notícias, mas como arca e tesouro da consciência, capaz de produzir à
sua volta outros conhecimentos, graças à ativação da lembrança. A
lembrança é lembrança do vivido – é, pois, um tempo revivido. Mas
este re-viver que acontece com o indivíduo vai além do tempo. De
fato, a lembrança é filha do tempo, mas é também o momento da
vitória sobre o tempo. Com efeito, a pessoa que consegue descer em
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sua profundidade interior, diminuindo o fluxo dos simples eventos,
leva uma vitória sobre o tempo, porque está apta, mediante a memória,
a recolher as simples experiências separadas e descontínuas, para fazêlas correr em um fluxo unitário.
O tema da memória foi objeto de reflexões em todas as épocas
históricas, e o filósofo e literato italiano frade dominicano Giordano
Bruno (1548-1600) chegou a identificar a memória com o divino. Para
ele: [...] “as rotas da memória funcionam por magia, e tal memória é a
memória de um homem divino, de um mago provido de poderes
divinos, graças a uma imaginação presa à ação dos poderes cósmicos.
Tal tentativa deve apoiar-se no pressuposto hermético de que a mens
do homem é divina, porque ligada, na origem, aos comandos das
estrelas, capazes de refletir ou dominar o universo”.
A memória vem transposta em palavras através do ato de contar e
conduzir, seja o narrador ou o ouvinte, a um local que anula a realidade
circunstante e ofusca os contornos cotidianos. Talvez por isto, as
narrações no passado eram feitas perto da lareira, à noite, quando as
atividades terminavam. No tempo real é possível realizar a experiência
em outro lugar, mas o tempo da narração é sempre um tempo
excepcional, aquele da experiência única. Narrador é aquele que, através
do ato narrativo, oferece e revive uma experiência. Narrando, ele é o
testemunho, a memória oral do passado, ao tempo em que desmistifica
a história oficial e lança as sementes da utopia. O narrador possui um
repertório antigo e vivo de gestos e de sons, mas, para reencontrar aquela
linguagem, deve reativar a memória do corpo, que possui um “alfabeto
sensitivo” próprio, e assim recorda as experiências vividas no tempo.
O olhar do narrador deve redescobrir. Olhando o mundo de um modo
que evoca sem mostrar, o narrador envolve o ouvinte, que assume uma
atitude cognitiva e perceptiva: o ouvido registra e sintetiza, o ouvido quer
dizer tradição, lembrança e acúmulo de saber. Todas estas características
constituem a arte da palavra, a arte de narrar, o valor da palavra que vivifica,
que pode abrir o coração e pertence inteiramente ao mundo da oralidade.
O tema da palavra tem sido, durante séculos, objeto de exploração e reflexão
para a estética, no campo filosófico. O filósofo-político italiano Cícero
(106-43 a.C.), na obra De Inventione, através de uma lenda sobre a origem
da retórica, celebra a origem da palavra como potência civilizadora. O
filósofo sofista Gorgia (490-390 a.C.), no Encomio di Elena afirma:
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A palavra é um potente soberano, pois, com um corpo pequeníssimo
e invisível conduz ao termo de uma obra profundamente divina.
De fato, ela tem a virtude de enganar o medo, remover a dor, infundir
a alegria, intensificar a compaixão.
E com a sacralidade da Palavra, agora, se o senhor Presidente,
senhores acadêmicos, queridos amigos permitirem, eu gostaria muito
de contar uma história, como já fizeram muitos e ilustres contadores
de histórias antes de mim.
Escrito em Roma, 17 de junho de 2008.
Ainda me lembro, como se fosse agora: estava na Biblioteca da
RAI, em Roma, e senti que um livro estava me chamando. Meus olhos
puseram-se sobre um título: Anarchici Grazie a Dio (Ed. Frassinelli,
Milano,1983). Decidi ler aquele livro misterioso: uma história de
anarquistas italianos no Brasil, uma história sobre a emigração italiana,
escrito por uma mulher. Eu, italiana, brasilianista e jornalista, não podia
encontrar nada melhor que isso. No livro encontrei acontecimentos
incríveis, mas sobretudo encontrei uma autora maravilhosa. Somente
depois descobri que ela era a esposa do grande escritor Jorge Amado:
Zélia Gattai. Descobri a obra de Zélia Gattai na Itália. E foi por acaso.
Depois, no Brasil, aprendi que nada na vida acontece por acaso, e
agora acredito realmente nisso. Através do Anarquistas Graças a Deus
descobri uma “menina atrevida” e ao mesmo tempo uma mulher que
conseguia trazer de volta a vida da memória. Para não esquecer as
emoções que o livro e a autora me trasmitiram, escrevi uma resenha,
mas não podia publicá-la em nenhuma revista porque o livro estava
esgotado e não se encontrava mais nas livrarias italianas. Ainda assim,
alguns anos depois o que eu escrevi resultou ser muito útil porque saiu
na Itália a nova edição de Anarquistas Graças a Deus (Ed. Sperling e
Kupfer, Continente Desaparecido, coletânea dirigida por Gianni Miná)
e assim eu tive a honra de ver publicada minha resenha na revista
Latinoamerica e tutti i sud del mondo. Já estava pronta há vários anos! Me
apaixonei pelos livros da autora e decidi escrever minha tese na
faculdade sobre Zélia Gattai: mulher, memorialista, escritora e também
grande fotógrafa. Ler e analisar os livros dela representou também a
aproximação com uma parte da história do meu país que não conhecia:
a dos italianos que deixaram a Itália no final do século XIX e
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enfrentaram o oceano para encontrar uma vida melhor no Brasil, o
“país da cocanha”, Il Paese della Cuccagna, il Paese dell’Avvenire.
Aqueles italianos levaram nas malas sonhos e utopias, mas realmente
com seus valores sociais e políticos ajudaram a costruir o novo país.
Isso pode reforçar o orgulho de quem é italiano ou de quem é
descendente de italianos, como Zélia.
Zélia, paulista por nascimento, virou baiana de coração para viver
com o Amor da sua vida: Jorge Amado. Eu me apaixonei por Um
chapéu para viagem, Jardim de inverno, Vacina de sapo e outros, em que cada
palavra é cheia de Amor para Jorge: seu marido, seu maestro, seu grande
amor. Um amor imenso, verdadeiro e puro. Hoje em dia eu posso
dizer com certeza que acredito que o Amor verdadeiro nesta vida pode
existir porque existiram Zélia e Jorge. Foi com Zélia que aprendi que
“Quando existe o Amor, nada é impossível”, “quando esiste il vero Amore
niente é impossibile”.
Quando falei com ela pelo telefone a primeira vez (linha RomaSalvador, Bahia), ela nem acreditou que eu estava preparando uma
dissertação sobre sua obra, e depois veio aquela sua frase “…Sobre
mim? Mas eu não mereço tanto!”. Foi ali, no tom sincero e maravilhado
daquelas palavras que entendi o grande valor humano da pessoa com
quem eu estava falando. Escrevi a primeira dissertação na Itália sobre
Zélia Gattai e não sabia disso, enquanto escrevia. Anos depois no Brasil
escrevi a primeira dissertação de Mestrado sobre Zélia Gattai e não
sabia disso, enquanto escrevia. Foi por causa dela que cheguei um dia
a Salvador e, a partir daquele ano, eu, que já viajava pelo Brasil inteiro
e voltava à Itália para divulgar a cultura brasileira através dos meus
escritos, não consegui viajar mais para outras cidades e estados
brasileiros. Queria chegar somente a Salvador, Bahia. Quando eu e
Zélia nos olhamos de perto pela primeira vez tive a certeza da grande
carga humana dela, como a dos seus filhos João Jorge e Paloma. Junto
com Zélia foi como iniciar um aprendizado sobre os valores
importantes da vida, a simplicidade, a leveza, a ironia. Foi também
sobre a história dos antepassados de uma Itália desconhecida. Conheci
um grande poeta toscano: Renato Fucini. Conheci antigos provérbios
em dialeto veneto e toscano. Conheci até comidas: a receita do ragu,
“il radicchio alla veneta”. Tudo através de Zélia, memória viva, leve e
inteligente, irônica, cheia de doçura e dignidade. Quando ela me contava
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histórias do pai, da mãe o do seu amado Jorge, às vezes repetia os
contos, mas eu gostava de ouvi-los novamente porque sabia que ela ia
sempre acrescentar algum particular a mais. Muitas vezes acontecia
que das janelas do 13° andar, onde ela morava, entrava um vento que
parecia falar junto com sua voz e trazia de volta o passado, as pessoas.
A memória e a história ajudam a criar a identidade de uma pessoa,
como também criam a identidade de uma nação. “Não se pode viver
do passado, mas as coisas boas e não boas do passado, muitas vezes,
podem ajudar a viver melhor o presente”. Lembrar das próprias raízes
é ser mais rico, e Zélia amava a mistura da sua cultura brasileira com a
sua cultura italiana. Uma vez me disse: “Antonella Rita, sabe, eu me
sinto bastante italiana, io mi sento abbastanza italiana”. Ela nunca
morou na Itália, mas falava bem o idioma italiano: aprendeu tudo com
seus pais e seus avós através da comida, da palavra, da música, da
dança. Uma vez me levou ao Rio Vermelho e me mostrou aquela
maravilhosa casa da rua Alagoinhas, 33, rica de objetos lindos e de
lembranças e, na minha opinião, importantíssima para a valorização
da cultura brasileira no exterior. Quantas pessoas na Itália nestes anos
me perguntam se em Salvador está funcionando o Memorial Jorge
Amado na casa do Rio Vermelho! Quantos italianos se aproximam do
Brasil graças aos livros de Jorge Amado!
Zélia contava sempre tantas coisas que eu comecei a escrever tudo
em um caderno para não esquecer nada.
E histórias, provérbios antigos italianos voltaram a viver dentro de
mim pela primeira vez. Procurei para ela na Itália um livro de Renato
Fucini, poeta toscano que eu conheci através dela. A ilustre edição da
Divina Commedia de Doré da qual ela me contava foi outra pesquisa
que eu fiz em Roma e levei para ela esse livro enorme e belíssimo. E qual
foi a minha maravilha quando eu dei para Zélia e ela abriu na página
onde se lembrava que estava a ilustração do inferno, purgatório e paraíso,
e me falou: “Estou sentindo agora a mesma sensação que eu sentia
quando pequena olhava para essas imagens.” Formidável, sagrado....
Assim, nasceu naturalmente em mim a ideia de escrever o livro Zélia de
Euá Rodeada de Estrelas (Ed. Casa de Palavras), que apresentei na Fundação
Casa de Jorge Amado na ocasião do aniversário dela, em 2006: uma
homenagem a Zélia nos seus 90 anos. Foi assim que nasceu Da palavra à
imagem: Anarquistas Graças a Deus de Zélia Gattai, em 2011. Em 2007, na
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Embaixada do Brasil em Roma, quem apresentou meu livro foi o
embaixador do Brasil em Roma, Adhemar Gabriel Bahadian, e o jornalista
e escritor italiano Gianni Miná. Naquela ocasião Zélia me enviou um
recado belíssimo que Roberto Mascareñas, diretor do Centro de Estudos
Brasileiros leu para a plateia. Nós apresentamos Zélia Gattai, cada um
com sua própria experiência. Eu não sei o que aconteceu, mas no final,
naquela sala, todas as pessoas estavam emocionadas, e eu percebi que a
magia de Zélia tinha chegado até lá com sua Estrela. A Estrela sempre
teve importância na vida de Zélia e, por coincidência, na minha vida
também. Um dia na casa dela vi uma caixinha de madeira com uma
estrela de prata belíssima. Ela me contou que em 2002, quando entrou
na Academia Brasileira de Letras, fez um discurso oficial lembrando da
mãe Angelina, que dizia sempre que Zélia tinha nascido com uma estrela,
e agora a própria mãe tinha virado uma estrela após a partida. Lembrou
também de uma outra estrela brilhante lá no céu, que era o Jorge Amado.
Um dia após a posse, na casa dela, em Salvador, chegou um presente:
era aquela caixinha de madeira com a linda estrela. Zélia nunca soube
quem foi que enviou este presente e concluiu a história dizendo: “Sabe,
quem me enviou esta caixinha eu não sei, mas sei que esta pessoa
entendeu. Sabe, Antonella Rita, às vezes não precisa de palavras”! E
uma outra Estrela, desta vez italiana, voltou em janeiro de 2008 através
do presidente da República Italiana, que concedeu a ela o grau de Grande
Ufficiale della Stella della Solidarietà Italiana. Através do embaixador da Itália,
Michele Valensise, chegou à casa dela uma Estrela linda, desta vez de
ouro e de prata. Momentos inesquecíveis na minha memória: ela vestida
de branco, os olhos brilhantes e com esta Estrela no peito. Senti o vento
chegar de novo e percebi que com certeza mamma Angelina, papà Ernesto,
nonno Francesco Arnaldo e nonno Eugenio estavam todos ali em torno
dela e olhavam orgulhosos aquela filha e neta. E agora eu, à noite, às
vezes, quando levanto os olhos ao céu, procuro a estrela maior, a mais
luminosa, a mais brilhante. …É Zélia de Euá, que foi rodeada de estrelas
e no final virou ela mesma Estrela. Pela eternidade.
Quero aqui agradecer publicamente a Ela, pois quem um dia me
trouxe aqui foi Ela: Zélia Gattai Amado.
__________
Discurso de posse, proferido pela jornalista e ensaísta Antonella Rita Roscilli,
no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 21 de agosto de 2012.
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Saudação
a Antonella Rita Roscilli
Edivaldo M. Boaventura
A tomada de posse de Antonella Rita Roscilli, italiana e brasilianista,
confirma a funcionalidade do instituto da correspondência.
Com a sócia correspondente Antonella, nos aproximamos mais da
Itália, sobretudo da Toscana e do Vêneto. O grande Goethe, que
escreveu um dos mais belos livros de viagem à Itália, considerava o dia
em que chegou a Roma como a data do seu segundo nascimento. Um
verdadeiro renascimento.
Tenho o sentimento de que com Antonella estaremos mais perto
de Roma. Pelo menos, pela Rádio e Televisão Italianas. O seu trabalho
nesta mídia é marcado pela paixão latina a Zélia e Jorge Amado.
Propositadamente, o seu ingresso na casa de Góes Calmon é mais
uma celebração do centenário do nosso Jorge.
Recordemos que Jorge, voltando a morar na Bahia, no início dos
anos sessenta do século passado, reintegrou-se à vida da cidade, de sua
gente, e ingressou nesta Companhia. Animou-se a suceder a Estácio
de Lima. A sua entrada foi um sucesso. Ele deu atenção total à sua
posse. Submeteu-se a usar um quente e desconfortável smoking, que o
fez suar bastante quando lia a sua bem lançada fala. Seguiu em tudo o
ritual. Trouxe toda a família e a coorte de amigos do Rio, de São Paulo,
de todo o Brasil. A noite de 7 de março de 1985 foi bela e transfigurada.
A agremiação o acolheu prazerosamente. Fincamos no chão da
Academia o busto esculpido por Celita Vacanti.
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Que exemplo de respeito ao patrono e aos antecessores nos deu
Jorge Amado!
Para suceder a Jorge, a candidata natural foi Zélia Gattai: o enorme
legado das memórias.
A língua italiana aprofundou o relacionamento entre Zélia e
Antonella, que se dedica com amor à Bahia, a Jorge Amado e Zélia
Gattai. É biógrafa e pesquisadora de sua obra. Escreveu um excelente
ensaio, Zélia de Euá rodeada de estrelas, pondo em evidência as memórias
da escritora.
Em Roma, onde vive e trabalha, Antonella dissemina pela mídia,
em conferências e entrevistas, o Brasil e a África de expressão
portuguesa. A vida intelectual e profissional de Antonella gira em torno
dos objetivos culturais brasileiros, particularmente da Bahia, quer
traduzindo autores nacionais, quer divulgando o Brasil pela rádio e
pela mídia em geral.
Desde o início, quando ainda estudava letras, na Faculdade de
Humanidades na Universidade La Sapienza, interessou-se pela língua
portuguesa e pela literatura brasileira. Escreveu, então, como trabalho
acadêmico, a monografia “Zélia Gattai entre memórias de amor e de
anarquismo”.
Continuou a cultivar o português, no Centro de Estudos Brasileiros,
e o espanhol, no Instituto Cervantes. Volta-se, então, para as vertentes
das línguas latinas.
Como jornalista, trabalha na Rádio e Televisão Italianas. A
princípio, na redação do noticiário radiofônico, depois começou a
desenvolver pesquisas para programas de televisão e preparação de
pessoal. Colabora em publicações acerca de mídia e comunicação
política. Ultimamente, redige artigos sobre a atualidade cultural, faz
crítica literária de livros da América Latina publicados na Itália. “Jazz
in FM” é um programa musical onde reconstrói a história do jazz
pelos seus melhores intérpretes. Todos esses midiáticos facilitam o
trabalho de divulgação da cultura brasileira que Antonella empreende
com paixão.
Conhecemos Antonella, na casa de Zélia Gattai, exatamente no dia
em que o governo italiano condecorou a nossa memorialista. Convidamos
Antonella a falar na nossa Academia de Letras. E falou bem sobre a
magia da palavra escrita em Zélia. Magnífica comunicação com a música
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do sotaque italiano, que graças a Deus conserva, mesmo falando bem o
português. As línguas romances são irmãs, concertam-se.
Mais recentemente, a Editora da Universidade Federal da Bahia
(Edufba) publicou a sua dissertação de mestrado, na Faculdade de
Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA):
Anarquistas graças a Deus: da palavra à imagem, analisando os laços entre
literatura e televisão. O êxito do livro de Zélia sobre os anarquistas italianos
ultrapassou as fronteiras e as sucessivas edições chegaram à mídia
televisiva. Antonella, como jornalista, analisou as relações entre a palavra
e a imagem. Tomou conhecimento não somente do italiano, como
também dos dialetos do Vêneto e da Toscana, falados por Zélia.
Reconhecendo o seu compromisso intelectual com a Bahia, a
presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Consuelo
Pondé de Sena, a admitiu como sócia correspondente estrangeira.
Antonella tem outros laços afetivos e institucionais com a Bahia. A
Fundação Casa de Jorge Amado editou seu trabalho sobre Zélia e tem
em Antonella uma colaboradora da obra amadiana. Por indicação de
Myriam Fraga, Antonella participou do colóquio, no Centro
Universitário Jorge Amado, sobre o livro Jubiabá, quando falou acerca
de “Jorge Amado na Itália: o homem e a sua obra literária nos meios
de comunicação e na opinião das pessoas”.
Na sua pátria, a querida Itália, colabora sempre com a nossa
embaixada em Roma. Antonella orienta estudantes italianos que
desenvolvem pesquisas e dissertações sobre temas brasileiros. É
também colaboradora do Instituto Ítalo-americano de Roma. Participa
da redação de vários periódicos especializados em temas brasileiros e
latino-americanos, como a revista italiana Latino Americana i tutti i Sud
Del Mundo, dirigido pelo jornalista e escritor Gianni Miná. Escreve
também para Pátria, Sagarana, Jornal de Bordo e para os jornais L´Unitá
e Il Manifesto. Na revista Cinearte, ressalta a arte brasileira. Recentemente
fundou a Revista Italiana Sarapegbe, de Cultura e Sociedade do Brasil.
Somam-se ao estudo da obra de Zélia Gattai e Jorge Amado os
prefácios, as traduções de autores brasileiros e o vivo acompanhamento
de tudo que diga respeito ao Brasil.
No ano passado, Myriam Fraga e nós propusemos a escritora
Antonella Rita Roscilli para o quadro de sócio correspondente, em
26 de agosto de 2011, quando completei 40 anos de Academia.
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Aceita por unanimidade, efetiva o seu ingresso na nossa Companhia
hoje, 21 de agosto, justo no momento em que festejamos os 100 anos
de Jorge Amado.
A presença de Antonella neste grêmio torna mais viva a lembrança
da doce Itália e dá continuidade à generosidade de Jorge e Zélia.
Seja bem-vinda, Antonella Rita Roscilli.
Gratos a todos pela presença e mais ainda pela atenção.
________
Discurso de saudação à acadêmica Antonella Rita Roscilli, proferido na solenidade
de posse, no salão nobre da Academia de Letras da Bahia, em 21 de agosto de
2012, por Edivaldo M. Boaventura, titular da Cadeira nº 39 da ALB.
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DIVERSOS
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Efemérides 2011
Março
17 — Sessão especial para homenagem póstuma ao acadêmico Manoel
Pinto de Aguiar, com a seguinte programação: mesa redonda – Pinto de
Aguiar: vida e obra, professor doutor Edivaldo M. Boaventura (ALB),
professora Consuelo Pondé de Sena (IGHB), professor Aristeu
Almeida (Fundação Rômulo Almeida), professor Osmar Sepúveda
(Corecom), professor doutor Luís Guilherme Pontes Tavares (NEHIB)
e acadêmico Joaci Góes. Lançamento do livro Pinto de Aguiar, audacioso
e inovador, de Consuelo Novais Sampaio.
22 — Sessão especial para a inauguração da estátua do governador
Francisco Marques de Góes Calmon.
24 — Sessão especial de abertura do novo ano acadêmico
compreendendo a solenidade: 1) Pronunciamento do professor
Edivaldo M. Boaventura, presidente da Academia de Letras da Bahia,
com o tema “O Desempenho da Academia de Letras da Bahia de
2007 a 2011”. 2) Outorga da Medalha Arlindo Fragoso a acadêmicos e
outros, pelo presidente Edivaldo M. Boaventura. 3) Premiação do
vencedor do concurso Prêmio Brasken Academia de Letras da Bahia /
Ficção 2010, Ronda: oratório malungo, do escritor Ordep Serra. 4) Posse
da nova diretoria, biênio 2011-2013, assim constituída: presidente:
Aramis de Almada Ribeiro Costa; vice-presidente: Waldir Freitas
Oliveira; 1º secretário: Cid José Teixeira Cavalcante; 2º secretário:
Gláucia Maria de Lemos; 1º tesoureiro: Consuelo Pondé de Sena; 2º
tesoureiro: Paulo Ormindo David de Azevedo; diretor da biblioteca:
Dom Emanuel D’Able do Amaral; diretor do arquivo: Joaci Fonseca
de Góes; diretor da revista: Myriam de Castro Lima Fraga; diretor de
informática: Carlos Jesus Ribeiro; conselho editorial: Aleilton Santana
da Fonseca, Evelina de Carvalho Sá Hoisel, Ruy Espinheira Filho;
conselho de contas e patrimônio: João da Costa Falcão, Geraldo
Magalhães Machado, Paulo Costa Lima. 5) Discurso de posse do
presidente Aramis Ribeiro Costa. 6) Outorga da Medalha Arlindo
Fragoso, pelo presidente Aramis Ribeiro Costa, ao ex-presidente
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Edivaldo M. Boaventura. 7) Lançamento do Prêmio Braskem Academia de
Letras da Bahia/Poesia 2011. 8) Lançamento do Prêmio Associação Comercial
da Bahia 200 anos Academia de Letras da Bahia Eletrogoes. 9) Lançamento do
livro Ronda: oratório malungo – ficções do escritor Ordep Serra.
29 — Luto oficial pela morte do acadêmico benfeitor e ex-presidente
Cláudio de Andrade Veiga.
31 — Reunião da diretoria, com a participação dos demais acadêmicos.
Abril
05 a 07 — 3º Curso Manoel Querino – Personalidades Negras. Coordenação
do professor Jaime Nascimento. Palavras de abertura do doutor Aramis
Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia. Palestra:
Manoel Querino e as origens dos africanos na Bahia, professora Sabrina Gledhil
(Pós-afro CEAO-Ufba /IGHB); palestra: Lya Nassê, professora
doutora Lisa E. Castillo (Ufba); debate; palestra: Tranquilino Bastos,
professor Jorge Ramos (IRDEB); palestra: Mestre Pastinha, professor
José de Jesus Barreto (jornalista e escritor); debate; palestra: A Sociedade
Monte Pio dos Artistas da Bahia, professora doutora Maria da Conceição
da Costa e Silva (UNIME/MAB); palestra: Felisberto Sowzer e o Sistema
Divinatório, professor doutor Júlio Braga (Uefs); palestra: Milton Santos:
a crítica do mundo intelectual ao mundo globalizado, professora doutora
Rosimere Ferreira (Uefs).
07 — Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Cid Teixeira, Aleilton Fonseca, Gláucia Lemos,
Paulo Ormindo David de Azevedo, João Eurico Matta, Joaci Góes e
convidados, para depoimentos informais dos acadêmicos e convidados
sobre o acadêmico Cláudio Veiga.
20 — Sessão especial para o encontro com o poeta português Luis
Serguilha, que na ocasião discorreu sobre poesia portuguesa
contemporânea: novas linguagens.
28 — Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Joaci Góes, Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho,
José Carlos Capinan, Aleilton Fonseca, Luis Henrique Dias Tavares,
João da Costa Falcão, Edivaldo M. Boaventura, Gláucia Lemos e
convidados, para a palestra do acadêmico Ruy Espinheira Filho:
Trabalhos em andamentos, leituras de poemas inéditos.
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29 — Sessão especial para o lançamento do livro: O senso religioso,
de D. Luigi Giussian. Responsável pelo lançamento: doutor Otoney
Alcântara, do Movimento Católico Comunhão e Libertação da
Bahia.
Maio
03 — Visita guiada à sede da Academia pelos alunos do Colégio Sagrado
Coração de Maria.
11 a 13 — Sessões especiais para o Seminário Africanias,
oficializando a instalação das Línguas Angolanas (kimbundo e
kikoong o) no Cur rículo Acadêmico da Uneb. Parcerias
institucionais: Academia de Letras da Bahia, Grupo Aldeia e Casa
de Angola. Palavras de abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa,
presidente da Academia de Letras da Bahia. 1ª sessão (11-03-2011),
tema, a ser debatido pelos integrantes da mesa: A importância do
ensino das línguas angolanas no currículo das universidades brasileiras. 2ª
sessão (12-03-2011), tema: A inserção do ensino das línguas angolanas
no sistema da Uneb – graduação e extensão. Conferencista: professora
doutora Amélia Mingas, decana da Faculdade Agostinho Neto.
Mediadora: professora doutora Yeda Pessoa de Castro,
coordenadora do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros
em Línguas e Culturas da Proex-Uneb. Debatedores: professora
Adriana Marmori, pró-reitora de Extensão da Uneb; professor
doutor José Brites, pró-reitor de graduação da Uneb. 3ª sessão
(12-03-2011), tema: A inserção do ensino das línguas angolanas no sistema
de pós-graduação na Uneb. Conferencista: professor doutor Zanoni Ntondo,
professor da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto.
Mediadora: professora doutora Jaci Menezes, coordenadora do Grupo
Memória da Educação na Bahia – Uneb. Debatedores: professor doutor
José Cláudio Rocha, pró-reitor de Pesquisas e Pós-Graduação da Uneb;
professor doutor Camilo Afonso, diretor do Centro Cultural Casa de
Angola.
19 — Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Consuelo Novais Sampaio,
Ruy Espinheira Filho, Myriam Fraga, João Falcão, Joaci Góes, Edivaldo
M. Boaventura, João Eurico Matta e convidados, para a palestra do
acadêmico Joaci Góes: Obra inédita concluída.
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Junho
02 — Sessão especial para a homenagem póstuma ao acadêmico
Cláudio de Andrade Veiga (1927-2011), sendo orador o acadêmico
Edivaldo M. Boaventura. É declarada vaga a Cadeira número 9.
09 — Sessão ordinária, com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Gláucia Lemos, Consuelo Novais Sampaio, Waldir
Freitas Oliveira, Roberto Santos, Carlos Ribeiro, Joaci Góes, João
Falcão, Edivaldo M. Boaventura, João Eurico Matta e convidados, para
palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira, Celtas e missionários cristãos
na Irlanda do passado.
Julho
21 — Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Samuel Celestino, Francisco Senna, Florisvaldo
Mattos, Paulo Costa Lima, Waldir Freitas Oliveira, Roberto Santos,
Cid Teixeira, Myriam Fraga, Joaci Góes, Luís Henrique Dias Tavares,
Consuelo Novais Sampaio, Ruy Espinheira Filho, Consuelo Pondé de
Sena, Fernando da Rocha Peres, Paulo Ormindo David de Azevedo,
Carlos Ribeiro, Edivaldo M. Boaventura, Geraldo Machado, Dom
Emanuel d’Able do Amaral, João Eurico Matta, para indicação de
sucessão do acadêmico Cláudio Veiga, Cadeira nº09, sendo eleito, já
nessa sessão, conforme Regimento, o escritor João Ubaldo Ribeiro.
27 — Luto oficial pela morte do acadêmico João da Costa Falcão.
Agosto
04 — Sessão solene e pública para a posse da escritora Rita OlivieriGodet, residente na França, como membro correspondente, com a
presença do secretário de Cultura do Estado da Bahia Antônio Albino
Canelas Rubim, sendo a nova correspondente saudada pelo acadêmico
Aleilton Fonseca.
11 — Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Edivaldo M. Boaventura, Evelina Hoisel, Waldir
Freitas Oliveira, Myriam Fraga, Cid Teixeira e convidados, para
depoimentos informais dos acadêmicos e convidados sobre o
acadêmico João da Costa Falcão.
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18 – Sessão solene e pública para a posse da arqueóloga e escritora
Maria Beltrão, residente no Rio de Janeiro, como membro
correspondente, sendo saudada pelo acadêmico Edivaldo M.
Boaventura.
22 a 26 – Curso Jorge Amado 2011 e I Colóquio de Literatura Brasileira,
primeira edição desses eventos, ambos criações da presidência vigente
da Academia de Letras da Bahia com a parceria institucional da
Fundação Casa de Jorge Amado, ambos em caráter permanente e anual
no calendário de eventos da Academia e da Fundação, a serem
realizados em conjunto anualmente na sede da Academia, finalizando,
no último dia, na sede da Fundação. Com a coordenação geral da
acadêmica e diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado,
Myriam Fraga, teve como Comissão Organizadora os acadêmicos
Aleilton Fonseca, Evelina Hoisel e Myriam Fraga. Programa: 22/08
— segunda-feira, 19 horas: abertura solene, palavras do doutor Aramis
Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia, e da
acadêmica Myriam Fraga, diretora geral da Fundação Casa de Jorge
Amado; conferência da professora Ana Rosa Ramos, reitora da
Universidade Federal da Bahia, Jorge Amado e o País do Carnaval. 23/08
— terça-feira, 14h30: sessões de comunicação (1 e 2); 17h conferência:
Recepção crítica da obra de Jorge Amado, Claudius Armbruster (Universidade
de Colônia/Alemanha). 17h40 mesa redonda: Identidade, mestiçagem e
utopia em Jorge Amado, Rita Godet (Université Rennes/França); Ilana
Goldstein (Unicamp): A construção da identidade nacional da literatura de
Jorge Amado. Coordenação: Evelina Hoisel (Ufba/ALB). 24/08 —
quarta-feira: 14h30: sessões de comunicação (3 e 4); 17h mesa redonda:
Das terras do cacau aos caminhos do mundo, Maria de Lourdes Neto Simões
(Uesc); Edilene Dias Mattos (Ufba) — Jorge Amado turista: um olhar
poético a Latinoamérica. Coordenação: Rosana Ribeiro Patrício (Uefs);
25/08 — quinta-feira, 14h30: sessões de comunicação (5 e 6); 17h
mesa redonda: O político e o histórico na visão de Jorge Amado, Luís Gustavo
Rossi (Unicamp); Antonella Rita Roscilli (RAI) — O ideal sócio-político
de Jorge Amado; Benedito Veiga (Uefs) — Jorge Amado e hora da guerra: o
cidadão, o político e o artista. Coordenação Aleilton Fonseca (Uefs/ALB).
25/08 – 19h. Lançamento do livro Contos Reunidos, do acadêmico e
escritor Aramis Ribeiro Costa. 26/08 — sexta-feira, na sede da
Fundação Casa de Jorge Amado: 16h30 — sessão de comunicação
(7): Bahia de Todos os Santos, Guia de Ruas e Mistérios, Rosa Borges dos
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Santos (Ufba); 17h depoimentos sobre literatura, cinema, TV e outras
linguagens: Jorge Amado e as adaptações, Jorge Portugal; Um novo olhar
sobre os Capitães da areia, Cecília Amado. Coordenação: Myriam Fraga
(FCJA/ALB). Lançamento do livro Anarquistas, graças a Deus de Zélia
Gatai: da palavra à imagem, de Antonella Rita Roscilli. Encerramento.
Setembro
01 – Sessão especial, sob a coordenação do acadêmico Carlos Ribeiro
e do professor Luís Guilherme Pontes Tavares, para a comemoração
dos 200 anos da imprensa na Bahia, desde que foi instalada pelo
empresário Manoel Antonio da Silva, em 14 de maio de 1811. Palavras
de abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia. Mesa redonda: Uma visão de dois jornais republicanos,
Consuelo Novais Sampaio; As revistas modernas da Bahia, Waldir Freitas
Oliveira; Memórias de um cronista no Jornal da Bahia, Luís Henrique Dias
Tavares; Um breve passeio pela trajetória de A Tarde, Edivaldo M.
Boaventura; Os dias seguintes aos 200 anos: o futuro da imprensa na Bahia,
Joaci Góes. Mediação da mesa: acadêmico, jornalista e professor
Carlos Ribeiro.
08 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Edivaldo M. Boaventura,
Luís Henrique Dias Tavares, Roberto Santos, Dom Emanuel d’Able
do Amaral, Aleilton Fonseca, Joaci Góes, João Eurico Matta, Cid
Teixeira, Consuelo Pondé de Sena, Myriam Fraga, Consuelo Novais
Sampaio e convidados, para a palestra do acadêmico Edivaldo M.
Boaventura, Viagem à Israel.
14 – Lançamento do livro O destino do poeta: poesias e crônicas (faces criativas
da palavra escrita), da escritora Ana Maria Silva.
15 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Joaci Góes, Aleilton Fonseca, Consuelo Novais
Sampaio, Luís Henrique Dias Tavares, Waldir Freitas Oliveira, João
Eurico Matta e convidados, para a palestra do acadêmico Waldir Freitas
Oliveira, Lúcio Cardoso, o Corcel de Fogo.
28 a 30 – Curso Castro Alves 2011 e VI Colóquio de Literatura Baiana,
constantes, em conjunto, do calendário anual de eventos da Academia
de Letras da Bahia, incluso no Programa de Pós-Graduação em
Literatura e Diversidade Cultural da Universidade Estadual de Feira
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de Santana. Coordenação geral do acadêmico, professor, doutor
Aleilton Fonseca. 28/09, quarta-feira: 14h30, sessões de comunicação;
17h, filme: Castro Alves, direção Sílvio Tendler; 18h palavras de
abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia. 18h30, conferência: As raízes libertárias de Castro
Alves na vanguarda baiana; três exemplos: Glauber Rocha, Milton Santos e
Carlos Mariguella, cineasta Sílvio Tendler. Coordenação: Carlos Ribeiro
(Ufrb/ALB). 29/09, quinta-feira: 14h30, sessões de comunicação (4
e 5); 17h mesa redonda: Castro Alves: lições de poesia, Evelina Hoisel
(Ufba/ALB); O impacto da alta e da baixa auto-estima de Castro Alves em
sua poesia, Joaci Góes (ALB). Coordenação: Aramis Ribeiro Costa
(ALB). 30/09, sexta-feira: 14h30, sessões de comunicação (6 e 7);
17h, conferência: Castro Alves: Hermano de los pobres, hijo de la tempestad,
Maria Pugliese (Universidade Nacional de Luján/Argentina).
Coordenação: Aleilton Fonseca (Uefs/ALB);
Outubro
06 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Consuelo Novais Sampaio,
Luís Henrique Dias Tavares, Ruy Espinheira Filho, Paulo Costa Lima,
Fernando da Rocha Peres, Gláucia Lemos e convidados, para a palestra
do acadêmico Fernando da Rocha Peres, Meus últimos escritos.
13 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Consuelo Pondé de Sena,
Ruy Espinheira Filho, Luís Henrique Dias Tavares, Gláucia Lemos,
Consuelo Novais Sampaio, Evelina Hoisel, Myriam Fraga, Florisvaldo
Mattos, João Eurico Matta, Fernando da Rocha Peres, Joaci Góes,
Geraldo Machado, Paulo Ormindo David de Azevedo, para conversa
informal sobre candidatos à sucessão do acadêmico João da Costa
Falcão, Cadeira número 35.
17 a 19 – Semana Franz Kafka, realização conjunta da Academia de
Letras da Bahia, Goethe Institut, jornal A Tarde e Instituto de Letras
da Ufba. 17/10, segunda-feira, 19hs: palavras de abertura do doutor
Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia.
19h30, conferência: Franz Kafka, lá e cá, professora doutora Marlene
Holzhausen. 19/10, quarta-feira, 19h, conferência: A eterna busca de
Franz Kafka, professora Bohumila Araújo (UFBA).
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20 – Sessão especial para homenagem aos centenários de nascimento
dos acadêmicos Hélio Simões, Jorge de Faria Góes e Ivan Americano
da Costa, sendo oradores os acadêmicos Edivaldo M. Boaventura e
Aleilton Fonseca.
25 – Lançamento do livro Vinte e um poemas, do escritor e membro
correspondente Cyro de Mattos.
27 – Lançamento do livro Poesia e memória: a poética de Myriam Fraga,
organização da acadêmica Evelina Hoisel e da professora Cássia
Lopes.
Novembro
07 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Paulo Furtado, Florisvaldo
Mattos, Luís Henrique Dias Tavares, Ruy Espinheira Filho, Joaci
Góes, Dom Emanuel d’Able do Amaral, Aleilton Fonseca, Gláucia
Lemos, Cid Teixeira, João Eurico Matta, Paulo Ormindo David de
Azevedo, Fernando da Rocha Peres, Armando Avena, Cleise Mendes,
Carlos Ribeiro, Edivaldo M. Boaventura, Evelina Hoisel, Gerson
Pereira dos Santos, para indicação de candidatos à sucessão do
acadêmico João da Costa Falcão, Cadeira nº35.
09 – Visita guiada à sede da Academia por 40 alunos do Colégio
Estadual Severino Vieira.
17 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Aleilton Fonseca, Carlos
Ribeiro, Roberto Santos, Evelina Hoisel, Myriam Fraga, João Eurico
Matta, Ruy Espinheira Filho e convidados, para a palestra do
acadêmico Fernando da Rocha Peres, A biografia: um gênero em questão.
18 – Lançamento do livro Cantos do Mundo e conferência: retrato do autor
como leitor, de Evando Nascimento.
22 – Lançamento de livro de contos e de dicionário indígena de alunos
do Fundamental II da Escola de Engenharia Eletromecânica da Bahia.
23 a 25 – Seminário Visitações “A obra literária de Judith Grossmann”,
uma realização da Academia de Letras da Bahia com a parceria
institucional do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia
e da Fundação Casa de Jorge Amado, sob a coordenação geral da
acadêmica, professora, doutora Evelina Hoisel. 23/11 — palavras
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de abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia. 17h30, mesa redonda: Visitações poéticas — exposição
biobibliográfica. Palestras: Ler-ensinar: eis a questão!, Evelina Hoisel (Ufba);
Fragmentos biográficos na construção ficcional: representações do professor em
Nascida do Brasil Romance, Ligia Telles (Ufba); A inventiva de Judith
Grossman em Todos os Filhos da Ditadura Romance, Antonia Herrera
(Ufba). 19h às 21h30, lançamentos: Todos os Filhos da Ditadura Romance
(Ufba), de Judith Grossmann, e O périplo de Judith Grosmann (Edufba),
de Lígia Telles. 24/11 — 17h, mesa redonda: Visitações poéticas —
exposição biobibliográfica. Palestras: A cena familiar em contos de Judith
Grossmann, Cássia Lopes (Ufba); Da raiz ao rizoma: reflexões sobre o
exílio em Geraldo, o belga, de Judith Grossmann, e Amy Foster, de Joseph
Conrad, Fernanda Mota (Ufba); Virgínia, Clarice e Judith: Temáticas e
poéticas, Luciano Lima (Uneb). 25/11 — 17h, mesa redonda: Visitações
poéticas — exposição biobibliográfica. Palestras: A lírica de Judith Grossmann:
outridade e heteronímia, Fernando Segolin (Puc/SP); Breve roteiro da vária
navegação do Anjo Inconstante em busca do Infante Perdido, Myriam Fraga
(FCJA). 18h30 — encerramento: Fausto Mefisto: Leitura dramática,
direção Paulo Dourado (TEA).
Dezembro
7 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis
Ribeiro Costa (presidente), Carlos Ribeiro, Evelina Hoisel,
Francisco Senna, Gláucia Lemos, Paulo Furtado, Luís Henrique
Dias Tavares, Waldir Freitas Oliveira, Ruy Espinheira Filho, Yeda
Pessoa de Castro, Consuelo Pondé de Sena, Joaci Góes, Consuelo
Novais Sampaio, Dom Emanuel d’Able do Amaral, Geraldo
Machado, Edivaldo M. Boaventura, Paulo Costa Lima, Ubiratan
Castro de Araújo, Cleise Mendes, Aleilton Fonseca, Myriam Fraga,
José Carlos Capinan, João Eurico Matta e Samuel Celestino, para
eleição de sucessão do acadêmico João da Costa Falcão, Cadeira
número 35, não havendo eleito.
15 – Sessão especial para entrega do Prêmio Conjunto de Obra 2011
Academia de Letras da Bahia Eletrogoes à escritora Judith Grossmann.
Confraternização de Natal entre acadêmicos e funcionários.
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Efemérides 2012
Março
08 - Sessão especial para a abertura do novo ano acadêmico,
compreendendo a solenidade: 1) Pronunciamento do doutor Aramis
Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia. 2)
Pronunciamento do doutor Antônio Albino Canelas Rubim,
secretário de Cultura do Estado da Bahia. 3) Lançamento do
Anuário da Academia de Letras da Bahia, nº1, 2011. 4) Homenagem
póstuma ao ex-funcionário e poeta Carlos Cunha, sendo orador o
acadêmico Edivaldo M. Boaventura. 5) Lançamento da Revista da
Academia de Letras da Bahia, nº50.
15 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Roberto Santos, Consuelo Novais Sampaio,
Paulo Costa Lima, Florisvaldo Mattos, Aleilton Fonseca, Myriam
Fraga, Geraldo Machado, Edivaldo M. Boaventura, Carlos Ribeiro,
Joaci Góes e convidados, para a palestra da acadêmica Myriam Fraga,
Leitura de textos.
22 - Sessão especial para a entrega do Prêmio Braskem Academia
de Letras da Bahia/Poesia 2011. Lançamento do livro Mirantes, do
escritor Roberval Pereyr, vencedor do prêmio.
29 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Roberto Santos, Evelina Hoisel, Carlos Ribeiro,
Consuelo Pondé de Sena, Myriam Fraga, Aleilton Fonseca, Edivaldo
M. Boaventura, Gláucia Lemos, Florisvaldo Mattos, Paulo Ormindo
David de Azevedo, Joaci Góes e João Eurico Matta, para eleição
dos membros correspondentes Antonella Rita Roscilli, escritora e
jornalista italiana, e Antonio Dias Farinha, professor, doutor,
escritor e pesquisador português, ambos indicados pelo acadêmico
Edivaldo M. Boaventura.
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Abril
12 - Sessão especial em comemoração aos cem anos do primeiro
governo de José Joaquim Seabra, sob a coordenação da acadêmica,
professora e historiadora Consuelo Novais Sampaio. Palavras de
abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de
Letras da Bahia. Mesa redonda: Uma Tarde com J. J. Seabra, pelo
transcurso do centenário do seu 1º governo. Participação: procuradora
Adélia Maria Marelin; jornalista Jorge Ramos; desembargador Edeilton
Meirelles; historiadora Sílvia N. Sarmento; e historiadora e professora
Consuelo Novais Sampaio. Lançamento do livro A águia e a raposa,
de Sílvia N. Sarmento.
18 - Lançamento do livro Cobras de duas cabeças: poesia e prosa
encontradas e inéditas de Sosígenes Costa, do escritor Herculano Assis,
organizada por Gustavo Felicíssimo.
19 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Consuelo Pondé de Sena, Gláucia Lemos, Luís
Henrique Dias Tavares, Consuelo Novais Sampaio, Evelina Hoisel,
Waldir Freitas Oliveira, Joaci Góes, João Carlos Teixeira Gomes,
Edivaldo M. Boaventura, Samuel Celestino, Geraldo Machado, Hélio
Pólvora, Cleise Mendes, Fernando da Rocha Peres, Carlos Ribeiro,
Paulo Costa Lima, para indicação de candidatos à sucessão do
acadêmico João da Costa Falcão, Cadeira número 35.
25 - Lançamento do livro Histórias Dispersas de Adonias Filho, organizado
e prefaciado pelo escritor e membro correspondente Cyro de Mattos.
26 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Luís Henrique Dias Tavares,
Consuelo Novais Sampaio, Joaci Góes, João Eurico Matta e convidados,
para a palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira, Sobre a história
das missões orientais do Uruguai.
Maio
03 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Waldir Freitas Oliveira, Gláucia Lemos, Consuelo
Pondé de Sena, Consuelo Novais Sampaio, Luís Henrique Dias Tavares,
Joaci Góes, Evelina Hoisel, João Eurico Matta e convidados, para a
palestra do acadêmico Joaci Góes, Os hábitos dos vencedores. Obs.:
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devido ao grande número de presentes, mais de cem espectadores, a
sessão foi transferida da sala de reuniões, habitual das sessões ordinárias,
para o Auditório Pedro Calmon, no terceiro andar.
10 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Gláucia Lemos, Luís Henrique Dias Tavares, Carlos
Ribeiro, Consuelo Novais Sampaio e convidados, para a palestra da
acadêmica Gláucia Lemos, Contando o conto.
17 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Edivaldo M. Boaventura, Aleilton Fonseca,
Consuelo Pondé de Sena, João Eurico Matta, Joaci Góes e convidados,
para a palestra da professora doutora Terezinha Fernandes Spínola,
Lafaiete Spínola, um escritor baiano.
21 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Luís Henrique Dias Tavares, Ruy Espinheira Filho,
Gláucia Lemos, Waldir Freitas Oliveira, Florisvaldo Mattos, Edivaldo
M. Boaventura, Hélio Pólvora, Joaci Góes, Cleise Mendes, Consuelo
Pondé de Sena, Dom Emanuel d'Able do Amaral, Fernando da Rocha
Peres, Geraldo Machado, Evelina Hoisel, Consuelo Novais Sampaio,
Yeda Pessoa de Castro, Paulo Costa Lima, Carlos Ribeiro, Myriam
Fraga, Aleilton Fonseca, João Eurico Matta e Gláucia Lemos, para
eleição de sucessão do acadêmico João da Costa Falcão, Cadeira número
35, sendo eleito o poeta Luís Antônio Cajazeira Ramos.
24 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Dom Emanuel d'Able do Amaral, Fernando da
Rocha Peres, Luís Antonio Cajazeira Ramos (acadêmico eleito), João
Eurico Matta, Joaci Góes e convidados, para palestra do acadêmico
Fernando da Rocha Peres, Trabalhar um documento eclesiástico.
Junho
12 - Visita guiada à sede da Academia pelos alunos do Colégio Batista
Brasileiro. Na ocasião os alunos entrevistaram longamente os
acadêmicos Florisvaldo Mattos, Gláucia Lemos e Myriam Fraga.
14 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Consuelo Pondé de Sena, Roberto Santos, Evelina
Hoisel, Dom Emanuel d'Able do Amaral, Edivaldo M. Boaventura,
Luís Antonio Cajazeira Ramos (acadêmico eleito), Florisvaldo Mattos,
Myriam Fraga, Paulo Ormindo David de Azevedo, Gláucia Lemos e
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convidados, para palestra do acadêmico Edivaldo M. Boaventura,
Elaborando um livro de viagem a Portugal.
28 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Consuelo Pondé de Sena, Paulo Ormindo de
Azevedo, Luís Antonio Cajazeira Ramos (acadêmico eleito) e
convidados, para exibição de alguns episódios, em DVD, de A vida
como ela é, do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, em
homenagem ao seu centenário de nascimento.
Julho
03 - Reunião da comissão organizadora do encontro entre os candidatos
a prefeito da Cidade do Salvador, com o tema Uma política cultural
para a Cidade do Salvador.
10 - 2ª reunião da comissão organizadora do encontro entre os
candidatos a prefeito da Cidade do Salvador.
12 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Fernando da Rocha Peres, Luís Antonio Cajazeira
Ramos (acadêmico eleito), Paulo Ormindo David de Azevedo, João
Eurico Matta, Florisvaldo Mattos, Dom Emanuel d'Able do Amaral e
convidados, para a palestra do acadêmico Fernando da Rocha Peres,
1912 - O começo do fim de Salvadolores.
19 - 3ª reunião da comissão organizadora do encontro entre os
candidatos a prefeito da Cidade do Salvador.
26 - Sessão especial aberta ao público e aos meios de comunicação,
transmitida ao vivo pelo portal da internet do IRDEB (TV Educativa),
presidida pelo doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia, coordenada e mediada pelo acadêmico eleito Luís
Antônio Cajazeira Ramos, com a participação de personalidades
representativas de todos os segmentos da cultura baiana, para o
encontro com candidatos a prefeito da Cidade do Salvador, que foi
também o primeiro encontro desses candidatos, com o tema Uma
Política Cultural para a Cidade do Salvador. Participaram os candidatos
Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM), Nelson Pelegrino (PT), Mário
Kertész (PMDB), Márcio Marinho (PRB), Rogério da Luz (PRTB) e
Hamilton Assis (PSOL). Além dos acadêmicos, dos representantes
dos segmentos culturais, do numeroso público e da imprensa, estiveram
presentes ao encontro o ex-governador da Bahia Paulo Souto, o ex-
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ministro Gedel Vieira Lima, o ex-prefeito de Salvador Manoel Castro,
o presidente da Câmara Municipal de Salvador Pedro Godinho, e a
vereadora Olívia Santana.
31 - Visita guiada à sede da Academia pelos alunos do Instituto Federal
da Bahia com o acompanhamento da professora Adna Couto.
Agosto
02 - Sessão solene e pública, com a presença do secretário de cultura
do Estado da Bahia, doutor Antônio Albino Canelas Rubim, para a
posse do poeta Luís Antônio Cajazeira Ramos na Cadeira número 35,
de que foi o último ocupante o acadêmico João Falcão e que tem
como patrono Manuel Vitorino Pereira, sendo o novo acadêmico
saudado pelo acadêmico Fernando da Rocha Peres.
07 - Visita guiada à sede da Academia pelos alunos da Escola
Monsenhor Neiva com o acompanhamento da professora Adna Couto.
13 a 17 - Curso Jorge Amado 2012 e II Colóquio de Literatura Brasileira,
atividades constantes, em conjunto, desde o ano anterior, do calendário
anual de eventos da Academia de Letras da Bahia e da Fundação Casa
de Jorge Amado, porém, neste ano, também incluídos no calendário
oficial comemorativo do centenário de nascimento do escritor,
recebendo, por isso, o subtítulo: "Jorge Amado, 100 anos escrevendo
o Brasil". Coordenado pela acadêmica e diretora geral da Fundação
Casa de Jorge Amado, Myriam Fraga, teve como Comissão
Organizadora os acadêmicos Aleilton Fonseca, Evelina Hoisel e Myriam
Fraga. 13/08, segunda-feira, 19h: Abertura oficial, constando a
solenidade: 1) palavras de abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa,
presidente da Academia de Letras da Bahia; 2) palavras da acadêmica
Myriam Fraga, diretora geral da Fundação Casa de Jorge Amado; 3)
conferência de abertura da presidente da Academia Brasileira de Letras,
escritora Ana Maria Machado; 4) inauguração da placa "Biblioteca Jorge
Amado", denominação que passa a ter, por proposição do acadêmico
Edivaldo M. Boaventura e unanimidade de votação dos acadêmicos, a
Biblioteca da Academia de Letras da Bahia, constando, esta particular
solenidade, de: a) palavras do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente
da Academia de Letras da Bahia; b) descerramento da placa por
Paloma Amado e João Jorge Amado, filhos de Jorge Amado; c)
discurso do acadêmico Edivaldo M. Boaventura, orador oficial da
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cerimônia; d) palavras de Paloma Amado. 14/08, terça-feira, 14h30:
Sessões de comunicação (1 e 2). 17h: depoimento do acadêmico Murilo
Melo Filho, da Academia Brasileira de Letras. 17h40: Mesa redonda,
100 anos escrevendo o Brasil: Permanência de Jorge Amado, Domício
Proença Filho (ABL); Jorge Amado e a utopia racial brasileira, Eduardo
Assis Duarte (Ufmg); e Diga aí, Jorginho, Paloma Jorge Amado.
Coordenação da professora e acadêmica Evelina Hoisel. 15/08, quartafeira, 14h30: Sessões de comunicação (3 e 4). 17h: Depoimento, em
filme, de Mãe Stella de Oxóssi. 17h40: Mesa redonda, Religiosidade e
miscigenação: Miscigenação na obra de Jorge Amado, Jacques Salah
(Ufba); Linguagem com sabor de dendê: marcas da africania na obra
de Jorge Amado, Yeda Pessoa de Castro (ALB/Uneb); Jorge Amado:
novas leituras, Ubiratan Castro de Araújo (ALB/FPC): Coordenação
da professora doutora Rosana Ribeiro Patrício (Uefs). 16/08, quintafeira, 14h30: Sessões de comunicação (5 e 6). 17h: depoimento do
professor Antônio Maura, com lançamento da revista Turia. 17h40,
Mesa redonda, Jorge Amado e a critica: Anos 30: olhares da crítica
sobre os romances de Jorge amado, Ana Rosa Ramos (Ufba); As
relações de poder da crítica literária e os romances de Jorge Amado,
Ivia Alves (Ufba); Jorge Amado no país dos Bruzundangas, Jorge
Araújo (Uefs): Coordenação do professor, doutor e acadêmico Aleilton
Fonseca (ALB/Uefs). 17/08, sexta-feira, na Fundação Casa de Jorge
Amado: 16h: Apresentação musical da camerata da Orquestra Sinfônica
da Bahia, Bahia Cordas. 17h: Depoimentos de Luís Henrique dias
Tavares (ALB), João Jorge Amado, Florisvaldo Mattos (ALB), Claudius
Portugal, Antonella Roscilli (RFI). Coordenação de Myriam Fraga. 19h:
lançamento do livro Jorge Amado nos terreiros da ficção, organizado
por Myriam Fraga, Aleilton Fonseca e Evelina Hoisel. Encerramento.
21 - Sessão solene e pública para a posse da escritora italiana Antonella
Rita Roscilli como membro correspondente, sendo saudada pelo
acadêmico Edivaldo M. Boaventura.
23 - Sessão especial para o lançamento da Coleção Mestres da Literatura
Baiana e homenagem ao deputado Marcelo Nilo, presidente da
Assembleia Legislativa da Bahia, constando a solenidade: 1) palavras
de abertura do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia; 2) outorga da Medalha Arlindo Fragoso ao
presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado Marcelo Nilo,
por sua relevante contribuição à cultura baiana, em particular à
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Academia; 3) discurso do acadêmico Joaci Góes em louvor ao
homenageado; 4) discurso do deputado Marcelo Nilo, presidente da
Assembleia Legislativa da Bahia; 5) lançamento da Coleção Mestres
da Literatura Baiana, uma realização conjunta da Academia de Letras
da Bahia com a Assembleia Legislativa da Bahia, com o primeiro
volume, A Bahia já foi assim, de Hildegardes Vianna, com prefácio de
Aramis Ribeiro Costa.
28 - Lançamento do livro Cantos de Contar do escritor Alberto Cunha
Mello, edição póstuma coordenada pelo escritor Gustavo Felicíssimo.
Setembro
06 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Consuelo Pondé de Sena, Waldir Freitas Oliveira,
Luís Henrique Dias Tavares, Consuelo Novais Sampaio, Luís
Antonio Cajazeira Ramos, João Eurico Matta e convidados, para a
palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira, A morte como ornato
de literatura de ficção: a morte de Clorinda em "Jerusalém libertada".
13 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), João Eurico Matta, Luís Antonio Cajazeira
Ramos, Gláucia Lemos, Edvaldo M. Boaventura, Paulo Ormindo
David de Azevedo, Carlos Ribeiro, para a palestra do acadêmico
Carlos Ribeiro, Academias de Letras no Brasil: algumas observações.
18 a 20 - Curso Castro Alves 2012 e VII Colóquio de Literatura
Baiana, atividades constantes, em conjunto, do calendário anual de
eventos da Academia de Letras da Bahia, com a parceria institucional
da Universidade Estadual de Feira de Santana, dentro do Programa
de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural, nesta
edição homenageando os centenários de nascimento de Jorge
Amado, Édison Car neiro e Camillo de Jesus Lima, sob a
coordenação geral do acadêmico, professor, doutor Aleilton
Fonseca. 18/09, terça-feira, Centenário de Camillo de Jesus Lima.
14h30: sessões de comunicação (1, 2, 3, 4 e 5). 17h, abertura:
palavras do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia
de Letras da Bahia. Mesa redonda, palestras: Camilo de Jesus Lima:
um poeta sem fronteiras, Esmeralda Guimarães Meira (Uneb);
Revisitando Camillo de Jesus Lima, João Eurico Matta. Coordenação
de Aramis Ribeiro Costa (ALB). 18h30: Lançamentos dos livros:
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Sonetos elementais, de Florisvaldo Mattos e Muito além das tardes
nevoentas, de Esmeralda Guimarães Meira. 19/09, quarta-feira,
Centenário de Édison Carneiro. 14h30: Sessões de comunicação (6, 7,
8, 9 e 10). 17h, mesa redonda, palestras: Castro Alves visto por Édison
Carneiro, Consuelo Pondé de Sena (IGHB/ALB); Édison Carneiro,
amigo e companheiro, Waldir Freitas Oliveira (ALB). Coordenação de
Aramis Ribeiro Costa (ALB). 18h30, lançamentos dos livros: Fazedores
de tempestades, de Carlos Ribeiro e Gira, gira, girou... o dia em que a
terra parou, de Margot Lobo Valente. 20/09, quinta-feira, Centenário
de Jorge Amado. 14h30: sessões de comunicação (11, 12 e 13). 17h:
Sessão Especial Centenário de Jorge Amado, com comunicações de
Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz (Uefs), Tatiane Almeida Ferreira
(Uefs), Eliene da Fé Rabelo (Uneb), Silvânia Cápua Carvalho (Uefs) e
Antônio Carlos M. Teixeira Sobrinho (Uneb). 18h30: Apresentação
musical: Declamação musical de poemas de Sosígenes Costa, por
Marcos Roriz. Encerramento.
27 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Gláucia Lemos, Consuelo Pondé de Sena, Paulo
Costa Lima, Consuelo Novais de Sampaio, Joaci Góes, Luís Henrique
Dias Tavares, Edvaldo M. Boaventura, Luís Antonio Cajazeira Ramos,
João Eurico Matta e convidados, para a palestra da acadêmica Consuelo
Pondé de Sena, Afrânio Coutinho e a Bahia, comemorativa do
centenário de nascimento do crítico, acadêmico e professor baiano,
ocorrido no ano anterior.
Outubro
4 - Reunião da diretoria para prestação de contas financeira,
administrativa e funcional relativa à gestão 2011-2013.
11 - Sessão especial com a presença dos proprietários e diretores do
jornal A Tarde, da família do fundador do jornal, acadêmico Ernesto
Simões Filho, e do secretário de Comunicação Social do Estado da
Bahia Robinson Almeida, para homenagem ao centenário de A Tarde,
contando a solenidade a seguinte programação: 1) palavras de abertura
do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da
Bahia; 2) conferência do acadêmico Edivaldo M. Boaventura, Simões
Filho e A Tarde; 3) palavras do representante da Família Simões Filho
e do jornal A Tarde, jornalista Ranulfo Bocayuva.
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17 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Fernando da Rocha Peres, João Eurico Matta, Luís
Antonio Cajazeira Ramos, Florisvaldo Mattos e convidados, para
depoimentos dos acadêmicos Fernando da Rocha Peres e Florisvaldo
Mattos, e do professor da Ufba Paulo Fábio, sobre Carlos Nelson
Coutinho, o amigo e o intelectual.
25 - Sessão especial para homenagem ao centenário de nascimento do
acadêmico dom Avelar Brandão Vilela (1912-2012), com as presenças
do arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger e do
secretário de Estado Fernando Schmidt, sendo oradora a acadêmica
Consuelo Pondé de Sena.
Novembro
13 - Lançamento do livro Nuances, de Vladimir Queiroz.
19 - Seminário Novas Letras, promoção da Fundação Pedro Calmon
com a Academia de Letras da Bahia: encontro com o escritor
nigeriano Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura 1986,
constando a solenidade: 1) palavras de abertura do doutor Aramis
Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia; 2)
conferência com tradução simultânea do escritor e Prêmio Nobel
Wole Soyinka; 3) lançamento de O leão e a jóia, primeiro livro
traduzido para o Brasil desse autor, com prefácio do acadêmico
Ubiratan Castro de Araújo, diretor geral da Fundação Pedro Calmon.
21 - Sessão especial constante da semana Semana Stefan Zweig,
promoção conjunta do Goethe Institut e Academia de Letras da
Bahia, constituindo o encontro: 1) palavras de abertura do doutor
Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia;
2) palestra: Stefan Zweig Está Vivo, pelo jornalista e biógrafo
Alberto Dines; 3) debate aberto ao público.
22 - Sessão solene e pública, com a presença do governador do
Estado da Bahia, Jaques Wagner, do presidente da Assembleia
Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo e do secretário de Cultura do
Estado da Bahia, Antônio Albino Canelas Rubim, para a posse do
escritor João Ubaldo Ribeiro na cadeira número 09, de que foi
último ocupante o acadêmico Cláudio de Andrade Veiga e que tem
como patrono Antonio Ferreira França, sendo o novo acadêmico
saudado pelo acadêmico Joaci Góes.
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27 - Palestra e lançamento do livro O poder erótico, diário e cartas
de Cristina Vasa rainha da Suécia e do padre Antonio Vieira, do
membro correspondente Glória Kaiser.
27 a 29 - Tempo e Poesia: Seminário Ruy Espinheira Filho,
realização da Academia de Letras da Bahia com a parceria
institucional do Instituto de Letras da Universidade Federal da
Bahia e do Prog rama de Pós-Graduação em Literatura e
Diversidade Cultural da Universidade Estadual de Feira de Santana,
com a coordenação geral da acadêmica, professora, doutora
Evelina Hoisel (ALB/Ufba), e do acadêmico, professor doutor
Aleilton Fonseca (ALB/Uefs). 27/11, 17h: palavras de abertura
do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras
da Bahia e da professora e acadêmica Evelina Hoisel, coordenadora
do seminário. 17h30, mesa redonda: Na mesa o poeta Ruy
Espinheira Filho. Participantes: Gerana Damulakis (crítica literária);
Iacyr Anderson Freitas (poeta, contista e crítico literário); Carlos
Ribeiro (professor, escritor e acadêmico); e Gabriela Lopes
(pesquisadora). Coordenação e mediação da professora Antônia
Herrera (Ufba). 28/11, 17h, mesa redonda: Os tempos da poesia.
Palestras: As perdas luminosas: memória e finitude na poesia de
Ruy Espinheira Filho, Iacyr Anderson Freitas (poeta, contista e
crítico literário); Ruy Espinheira Filho: A poesia na marcha do
tempo sucessivo, Florisvaldo Mattos (ALB/Ufba); Ruy Espinheira
Filho: Arquitexturas do tempo e da memória, Alana de Oliveira
Freitas El Fahl (Uefs); O passar dos meses notas sobre o tempo
em Ruy Espinheira Filho, Sandro Ornellas (Ufba). Coordenação e
mediação da professora Evelina Hoisel (ALB/Ufba). 29/11, 17h,
palestra: Ruy Espinheira Filho: poesia como memória viva, Miguel
Sanches Neto (Uepg). Coordenação e mediação do professor
Aleilton Fonseca (ALB/Uefs). 18h: noite de autóg rafos.
Encerramento.
30 - Sessão especial para mesa redonda com o tema Literatura de
Canudos, com a participação de Reinaldo Fernandes (Ufpb); Lidiane
Pinheiro (Uneb); Aleilton Fonseca (ALB/Uefs); Manoel Neto
(Centro de Estudos Euclides da Cunha). Mediação: Suênio Campos
de Lucena (Uneb). Lançamento do livro Mário Vargas Llosa: um
prêmio Nobel em Canudos , de Rinaldo de Fernandes, com a
coordenação do acadêmico Aleilton Fonseca.
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Dezembro
5 - Lançamento do livro Natal das crianças negras, com ilustrações de
Calazans Neto, em seis idiomas, do escritor e membro correspondente
Cyro de Mattos.
6 - Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Aramis Ribeiro
Costa (presidente), Consuelo Novais Sampaio, Waldir Freitas Oliveira,
Luís Henrique Dias Tavares, Fernando da Rocha Peres, Luís Antonio
Cajazeira Ramos, Gláucia Lemos, Paulo Costa Lima, Ruy Espinheira
Filho, João Eurico Matta, Roberto Figueira Santos, Florisvaldo Mattos,
Myriam Fraga, Geraldo Machado, para eleição da diretoria para o biênio
de 2013-2015, tendo sido eleita a seguinte diretoria: presidente, Aramis
de Almada Ribeiro Costa; vice-presidente, João Eurico Matta; 1º
secretário, Evelina Hoisel; 2º secretário, Gláucia Lemos; 1º tesoureiro,
Paulo Ormindo David de Azevedo; 2º tesoureiro, Luís Antônio
Cajazeira Ramos; diretor da Revista, Florisvaldo Mattos; diretor da
biblioteca, D. Emanuel d'Able do Amaral; diretor do arquivo, Joaci
Góes; diretor de informática, Carlos Ribeiro. Conselho editorial:
Fernando da Rocha Peres, Myriam Fraga, Ruy Espinheira Filho.
Conselho de contas e patrimônio: Aleilton Fonseca, Paulo Costa Lima,
Waldir Freitas Oliveira.
10 - Lançamento do livro Convivência acadêmica, do escritor e
acadêmico Edivaldo M. Boaventura. Palavras de saudação do doutor
Aramis Ribeiro Costa, presidente da Academia de Letras da Bahia, e
do acadêmico Joaci Góes. Palavras do acadêmico Edivaldo M.
Boaventura. Comemoração, na mesma ocasião, do aniversário do autor
e acadêmico.
13 - Sessão especial para entrega do Prêmio Conjunto de Obra 2012
Academia de Letras da Bahia Eletrogoes ao escritor e acadêmico Waldir
Freitas Oliveira. Palavras do doutor Aramis Ribeiro Costa, presidente
da Academia de Letras da Bahia, do acadêmico Joaci Goes, presidente
da Eletrogoes, do acadêmico João Eurico Matta, vice-presidente eleito,
do acadêmico Fernando da Rocha Peres e do escritor homenageado.
Confraternização de Natal entre acadêmicos e funcionários.
2013 - Janeiro
3 - Luto oficial pela morte do acadêmico Ubiratan Castro de Araújo.
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Quadro Social da ALB
Cadeira 1 Patrono: Frei Vicente de Salvador
Fundador: José de Oliveira Campos
2º Titular: Júlio Afrânio Peixoto, fundador da Cadeira 25, por
transferência consentida pela Academia
3º Titular: José Wanderley de Araújo Pinho
Titular atual: Luís Henrique Dias Tavares
Posse em 14.06.1968
Cadeira 2 Patrono: Gregório de Mattos e Guerra
Fundador: Aloysio Lopes Pereira de Carvalho, conhecido por
Lulu Parola
2º Titular: Luis Viana Filho
Titular atual: Paulo Ormindo David de Azevedo
Posse em 20.06.1991
O quadro dos titulares da Academia de Letras da Bahia foi elaborado pelo
acadêmico Renato Berbert de Castro (1924-1999).
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DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Cadeira 3 Patrono: Manuel Botelho de Oliveira
Fundador: Arthur Gonçalves de Sales
2º Titular: Eloywaldo Chagas de Oliveira
Titular atual: Anna Amélia Vieira Nascimento
Posse em 26.03.1992
Cadeira 4 Patrono: Sebastião da Rocha Pita
Fundador: Braz Hermenegildo do Amaral
2º Titular: João da Costa Pinto Dantas Júnior
3º Titular: Jayme de Sá Menezes
Titular atual: Geraldo Magalhães Machado
Posse em 31.10.2003
Cadeira 5 Patrono: Luís Antônio de Oliveira Mendes
Fundador: Carlos Chiacchio
2º Titular: Antônio Luís Cavalcanti Albuquerque de Barros
Barreto
3º Titular: Carlos Benjamin de Viveiros
4º Titular: José Silveira
5º Titular: Guido Guerra
Titular atual: Carlos Jesus Ribeiro
Posse em 31.05.2007
Cadeira 6 Patrono: Alexandre Rodrigues Ferreira
Fundador: Manoel Augusto Pirajá da Silva
2º Titular: Thales Olímpio Góes de Azevedo
3º Titular: Dom Lucas Cardeal Moreira Neves
Titular atual: Cleise Furtado Mendes
Posse em 15.04.2004.
Cadeira 7 Patrono: José da Silva Lisboa Visconde de Cairu
Fundador: Ernesto Carneiro Ribeiro
2º Titular: Francisco Borges de Barros
3º Titular: Aloísio de Carvalho Filho. Eleito para a Cadeira 26, permutou
esta, obtendo acordo da Academia, pela Cadeira 7, com monsenhor
Francisco de Paiva Marques, quando ambos ainda não-empossados.
464 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
4º Titular: Nélson de Souza Sampaio
5º Titular: Pedro Moacir Maia
Titular atual: Joaci Fonseca de Góes
Posse em: 24.09.2009
Cadeira 8 Patrono: Cipriano José Barata de Almeida
Fundador: Luís Anselmo da Fonseca
2º Titular: Francisco Peixoto de Magalhães Netto
3º Titular: Adriano de Azevedo Pondé
4º Titular: Ari Guimarães
Titular atual: Paulo Costa Lima
Posse em 17.12.2009
Cadeira 9 Patrono: Antônio Ferreira França
Fundador: José Alfredo de Campos França
2º Titular: Edgard Ribeiro Sanches
3º Titular: Antônio Luís Machado Neto
4º Titular: Cláudio de Andrade Veiga
Titular atual: João Ubaldo Ribeiro
Posse em 22.11.2012
Cadeira 10 Patrono: José Lino dos Santos Coutinho
Fundador: Antônio Muniz Sodré de Aragão
2º Titular: Altamirando Alves da Silva Requião
Titular atual: Monsenhor Gaspar Sadoc
Posse em 16.10.1990
Cadeira 11 Patrono: Francisco gê Acaiaba de Montezuma, Visconde de
Jequitinhonha
Fundador: Antônio Ferrão Moniz de Aragão
2º Titular: Otávio Torres
3º Titular: Oldegar Franco Vieira
Titular atual: Yeda Pessoa de Castro
Posse em 10.04.2008
 465
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Cadeira 12 Patrono: Miguel Calmon, Marquês de Abrantes
Fundador: Miguel Calmon du Pin e Almeida
2º Titular: Alberto Francisco de Assis
3º Titular: Afonso Rui de Sousa
4º Titular: Itazil Benício dos Santos
Titular atual: Aramis de Almada Ribeiro Costa
Posse em 25.11.1999
Cadeira 13 Patrono: Francisco Moniz Barreto
Fundador: Egas Moniz Barreto de Aragão, literariamente
conhecido por Pethion de Villar
2º Titular: Afonso de Castro Rebelo Filho
3º Titular: Walter Raulino da Silveira
4º Titular: Odorico Montenegro Tavares da Silva
5º Titular: Luís Fernando Seixas de Macedo Costa
Titular atual: Myriam de Castro Lima Fraga
Posse em 30.07.1985
Cadeira 14 Patrono: Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São
Lourenço
Fundador: Bernardino José de Sousa
2º Titular: Alberto Alves Silva
3º Titular: Edgard Rego Santos
4º Titular: Raul Batista de Almeida
5º Titular: Carlos Vasconcelos Maia
6º Titular. Epaminondas Costalima
Titular atual: Gláucia Maria de Lemos
Posse em 21.10.2010
Cadeira 15 Patrono: Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Barão de
Uruguaiana
Fundador: Otaviano Moniz Barreto
2º Titular: Hélio Gomes Simões
Titular atual: João Carlos Teixeira Gomes
Posse em 08.06.1989
466 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Cadeira 16 Patrono: José Tomáz Nabuco de Araújo
Fundador: Eduardo Godinho Espínola
2º Titular: Orlando Gomes dos Santos
Titular atual: João Eurico Matta
Posse em 10.05.1989
Cadeira 17 Patrono: Antônio Ferrão Moniz
Fundador: Gonçalo Moniz Sodré de Aragão
2º Titular: Leopoldo Braga
3º Titular: Carlos Eduardo da Rocha
Titular atual: Ruy Espinheira Filho
Posse em 15.09.2000
Cadeira 18 Patrono: Zacarias de Góes e Vasconcelos
Fundador: José Joaquim Seabra
2º Titular: Augusto Alexandre Machado
3º Titular: Dom Avelar Brandão Vilela
Titular atual: Waldir Freitas Oliveira
Posse em 27.10.1987
Cadeira 19 Patrono: João Maurício Vanderley, Barão de Cotegipe
Fundador: Severino dos Santos Vieira
2º Titular: Arlindo Coelho Fragoso. Fundador da Cadeira 41,
criada em caráter provisório, transferiu-se para esta, após a morte
de Severino Vieira, ocorrida a 27 de setembro de 1917, a fim de
que fosse extinta a temporária.
3º Titular: Deraldo Dias de Morais
4º Titular: Guilherme Antônio Freire de Andrade Filho
5º Titular: Godofredo Rebelo de Figueiredo Filho
Titular atual: Cid José Teixeira Cavalcante
Posse em 25.03.1993
 467
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Cadeira 20 Patrono: Augusto Teixeira de Freitas
Fundador: Carlos Gonçalves Fernandes Ribeiro
2º Titular: Epaminondas Berbert de Castro
3º Titular: Lafayette Ferreira Spínola
4º Titular: Ivan Americano da Costa
5º Titular: Joaquim Alves da Cruz Rios
Titular atual: Aleilton Santana da Fonseca
Posse em 15.04.2005
Cadeira 21 Patrono: Francisco Bonifácio de Abreu, Barão da Vila da
Barra
Fundador: Filinto Justiniano Ferreira Barros
2º Titular: Estácio Luís Valente de Lima
3º Titular: Jorge Amado
4º titular: Zélia Gattai Amado
Titular atual: Antonio Brasileiro Borges
Posse em: 10.06.2010
Cadeira 22 Patrono: José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio
Branco
Fundador: Ruy Barbosa
2º Titular: Ernesto Carneiro Ribeiro Filho
3º Titular: Aloísio Henrique de Barros Porto
Titular atual: Clóvis Álvares Lima
Posse em 08.05.1980
Cadeira 23 Patrono: Antônio Januário de Faria
Fundador: João Américo Garcez Fróes
2º Titular: Jorge Calmon Moniz de Bittencourt
Titular atual: Samuel Celestino Silva Filho
Posse em 21.08.2008
Cadeira 24 Patrono: Demétrio Ciriaco Tourinho
Fundador: Luís Pinto de Carvalho
468 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
2º Titular: Luís Menezes Monteiro da Costa
3º Titular: Renato Berbert de Castro
Titular atual: Francisco Soares Senna
Posse em 27.04.2000
Cadeira 25 Patrono: Pedro Eunápio da Silva Deiró
Fundador: Júlio Afrânio Peixoto. Com o consentimento da
Academia, transferiu-se para a Cadeira 1 após a morte de seu
fundador, José de Oliveira Campos.
2º Titular: Francisco Hermano Santana
3º Titular: Raimundo de Sousa Brito
4º Titular: Luís Augusto Fraga Navarro de Brito
Titular atual: Fernando da Rocha Peres
Posse em 16.06.1988
Cadeira 26 Patrono: Dom Antônio de Macedo Costa
Fundador: Padre José Cupertino de Lacerda
2º Titular: Alberto Moreira Rabelo, único membro da
Academia que faleceu antes de tomar posse.
3º Titular: Monsenhor Francisco de Paiva Marques.
Eleito para a Cadeira 7, permutou esta pela Cadeira 26, com
Aloísio de Carvalho Filho, quando ambos ainda nãoempossados.
4º titular: César Augusto de Araújo
Titular atual: Roberto Figueira Santos
Posse em 10.08.1971
Cadeira 27 Patrono: Francisco Rodrigues da Silva
Fundador: Frederico de Castro Rebelo
2º Titular: Antônio Gonçalves Vianna Júnior
3º Titular: Jaime Tourinho Junqueira Aires
4º Titular: Antônio Loureiro de Souza
Titular atual: James Amado
Posse em 26.04.1990
 469
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Cadeira 28 Patrono: Luís José Junqueira Freire
Fundador: Francisco Torquato Bahia da Silva Araújo
2º Titular: Homero Pires de Oliveira e Silva
3º Titular: José Calasans Brandão e Silva
Titular atual: Consuelo Pondé de Sena
Posse em 14.03.2002
Cadeira 29 Patrono: Agrário de Souza Menezes
Fundador: Antônio Alexandre Borges dos Reis
2º Titular: Manços Chastinet Contreiras
3º Titular: Colombo Moreira Spínola
4º Titular: Jorge Faria Góes
Titular atual: Hélio Pólvora de Almeida
Posse em 08.03.1994
Cadeira 30 Patrono: Joaquim Monteiro Caminhoá
Fundador: Antônio do Prado Valadares. Permutou a cadeira
com Roberto José Correia, titular da 38.
2º Titular: Roberto José Correia
3º Titular: Alfredo Vieira Pimentel
4º Titular: Nestor Duarte Guimarães
5º Titular: Josaphat Ramos Marinho
Titular atual: Paulo Furtado
Posse em 24.04.2003
Cadeira 31 Patrono: Belarmino Barreto
Fundador: Ernesto Simões da Silva Freitas Filho
2º Titular: José Luís de Carvalho Filho
Titular atual: Florisvaldo Mattos
Posse em 23.11.1995
Cadeira 32 Patrono: André Pinto Rebouças
Fundador: Teodoro Fernandes Sampaio
2º Titular: Isaías Alves de Almeida
3º Titular: Zitelmann José Santos de Oliva
470 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Titular atual: Gérson Pereira dos Santos
Posse em 28.11.1991
Cadeira 33 Patrono: Antônio Frederico de Castro Alves
Fundador: Francisco Xavier Ferreira Marques
2º Titular: Heitor Praguer Fróes. Tomou posse em 15 de
novembro de 1931, na Cadeira 34, transferindo-se para esta,
após a morte de Xavier Marques
3º Titular: Waldemar Magalhães Mattos
4º Titular: Ubiratan Castro de Araújo
Titular atual: Maria Stella de Azevedo Santos (ainda não
empossada)
Eleita em 25.04.2013
Cadeira 34 Patrono: Domingos Guedes Cabral
Fundador: José Virgílio da Silva Lemos
2º Titular: Heitor Pragues Fróes. Transferiu-se para a Cadeira
33, depois do desparecimento de Xavier Marques
3º Titular: Adalício Coelho Nogueira
4º Titular: Walfrido Moraes
Titular atual: Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Posse em 27.10.2005
Cadeira 35 Patrono: Manoel Vitorino Pereira
Fundador: Antônio Pacífico Pereira
2º Titular: Afonso Costa
3º Titular: Rui Santos
4º Titular: Rubem Rodrigues Nogueira
5º Titular: João da Costa Falcão
6º Titular: Luís Antonio Cajazeira Ramos
Posse em 02.08.2012
Cadeira 36 Patrono: Joaquim Jerônimo Fernandes da Cunha
Fundador: Afonso de Castro Rebelo
2º Titular: Monsenhor Manuel de Aquino Barbosa
 471
R EVISTA
DA
ACADEMIA
DE
LETRAS
DA
B A H I A , nº 51, 2013
3º Titular: Hildegardes Vianna
Titular atual: José Carlos Capinan
Posse em 17.08.2006
Cadeira 37 Patrono: João Batista de Castro Rebelo Júnior
Fundador: Almachio Diniz Gonçalves
2º Titular: Edith Mendes da Gama e Abreu
3º Titular. Antonio Carlos Magalhães
Titular atual: Dom Emanuel d’Able do Amaral
Posse em: 28.05.2009
Cadeira 38 Patrono: Alfredo Tomé de Brito
Fundador: Oscar Freire de Carvalho
2º Titular: Roberto José Correia. Permutou sua cadeira com
Prado Valadares, fundador da Cadeira 30.
3º Titular: Antônio do Prado Valadares
4º Titular: Cristiano Alberto Müller
5º Titular: Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque
Titular atual: Armando Avena Filho
Posse em 28.04.2005
Cadeira 39 Patrono: Francisco de Castro
Fundador: Clementino Rocha Fraga Filho
Titular atual: Edivaldo Machado Boaventura
Posse em 06.08.1971
Cadeira 40 Patrono: Francisco Cavalcanti Mangabeira
Fundador: Otávio Cavalcanti Mangabeira
2º Titular: Manoel Pinto de Aguiar
Titular atual: Consuelo Novais Sampaio
Posse em 26.11.1992
Obs.: Cadeira 41 - Criada em caráter provisório para que Arlindo
Fragoso, idealizador e organizador da Academia, não lhe ficasse de
fora, devendo ser extinta com o falecimento de qualquer um dos 41
fundadores. Patrono: Manuel Alves Branco, Visconde de Caravelas (2º).
Fundador Arlindo Coelho Fragoso. Com a morte de Severino Vieira,
em 27 de setembro de 1917, para a sua Cadeira, de número 19, foi
transferido Arlindo Fragoso, e supressa a cadeira provisória.
472 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
Endereços dos Acadêmicos
LUÍS HENRIQUE DIAS TAVARES
Rua do Ébano, 159, Edfº Henti Matisse, aptoº 802
Caminho das Árvores
Salvador - BA - 41820-370
 (71) 3245-3524
[email protected]
PAULO ORMINDO DE AZEVEDO
Rua João da Silva Campos, 1132, Itaigara
Salvador - BA - 41840-060
 (71) 3358-7571
[email protected]
ANNA AMÉLIA VIEIRA NASCIMENTO
Rua Cândido Portinari, 19, Barra
Salvador - BA - 40140-680
(71) 3247-3312
[email protected]
GERALDO MAGALHÃES MACHADO
R. Edith Mendes da Gama e Abreu, nº300
Edfº. Port Saint James, aptoº1403, Itaigara
Salvador - BA - 41815-010
(71) 3353-5350 / (71)9976-7033
[email protected]
 473
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
CARLOS RIBEIRO
Rua do Timbó, 680 Edf. Villa Etruska, aptoº503
Caminho das Árvores
Salvador - BA - 41820-660
(71) 3011-7019/ (71) 8899-5864
[email protected]
CLEISE MENDES
Av. Araújo Pinho, 114/1301, Canela
Salvador - BA - 40110-050
 (71)3337 0312
[email protected]
JOACI GÓES
Av. Amaralina, 885 – Edf. Amaralina Center – Loja 9
Salvador -BA - 41900-020
 (71) 3444-2308 / (71)8814-3631
[email protected]; [email protected]
PAULO COSTA LIMA
Rua Sabino Silva, nº282, Edf. Saint Mathieu, aptoº401
Jardim Apipema - Salvador -BA - 40155-250
 (71) 8832-1545 /(71)3235-5676
[email protected]
JOÃO UBALDO RIBEIRO
Rua General Urquiza, 147/401
Rio de Janeiro - RJ - 22431-040
[email protected]
YEDA PESSOA DE CASTRO
Rua Rodrigues Dórea, Qd 23 Lt 3 - Jardim Armação
Salvador -BA - 41750-030
 (71) 3461-9033
[email protected]
474 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
MONSENHOR GASPAR SADOC
Rua Crisipo de Aguiar, 12, aptº 102
Salvador - BA - 40080-310
 (71)3336-0346
ARAMIS RIBEIRO COSTA
Rua Piauí, 439, aptº 1103, Pituba
Salvador - BA - 41830-280
 (71)3240 4969
 (71) 9984-1165
[email protected]
MYRIAM FRAGA
Rua Waldemar Falcão, 761, aptº 301, Brotas
Salvador - BA - 40295-001
 (71) 3356 4611
[email protected]
GLÁUCIA LEMOS
Rua Ceará, 853, apto. 203 - Pituba
Salvador -BA 4l830-450
 (71)3240-3688/(71)9147-9904
[email protected]
JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES
Rua Espírito Santo, 15, aptº 802, Pituba
Salvador - BA - 41830-190
 (71) 3240 1712 / (21) 2246-0790
JOÃO EURICO MATTA
Rua Afonso Celso, nº301, Edf. Concórdia, aptoº302 - Barra
Salvador - BA - 40140-080
 (71) 3247-0869/ (71)8880-0869
[email protected]
 475
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
RUY ESPINHEIRA FILHO
Caixa Postal 10333
Salvador - BA - 41520-970
(71)3287 2225/ (71) 9973-8711
[email protected]
WALDIR FREITAS OLIVEIRA
Rua Tiradentes, 52, Abrantes
Camaçari - BA - 42840-000
 (71) 3623 1434
[email protected]
CID TEIXEIRA
Rua das Violetas, 85, Pituba
Salvador - BA - 41810-080
(71) 3452 -7202
[email protected]
ALEILTON FONSECA
Rua Rubem Berta, 267, aptº 402, Pituba
Salvador - BA - 41810-045
(71) 3345 1519 / (71)88761519
[email protected]
ANTONIO BRASILEIRO
Rua Alto do Paraná, 300 – Bairro Sim
44.042-000 Feira de Santana - BA - 44042-000
(75)3625-8512
[email protected]
CLÓVIS LIMA
Av. Sete de Setembro, 750, aptº 404, Mercês
Salvador - BA - 40060-001
 (71) 3329 4178
476 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
SAMUEL CELESTINO
Rua do Ébano, nº159 - Edf. Henri Matisse Aptº.1301
Caminho das Árvores
Salvador - BA - 41820-370
 (71) 3341-4485 / 71- 3359-7741
[email protected]
FRANCISCO SENNA
Rua Prof. Milton Oliveira, nº73
Edf. Palazzo Anacapri, aptoº202 - Barra
Salvador - BA - 40.140-100
 (71)9967-0685
FERNANDO DA ROCHA PERES
Av. Sete, 2901, ala norte, aptº 202, Ladeira da Barra
Salvador - BA - 40130-000
 (71)3336 3670
ROBERTO SANTOS
Rua Basílio Catalã de Castro, Quinta do Candeal, quadra B, lote 19
Salvador - BA - 40280-550
 (71) 3276 57549
[email protected]
JAMES AMADO
Rua Edith Gama Abreu, 53, aptº 1203 - Itaigara
Salvador - BA - 41815-010
(71) 3358 5203
CONSUELO PONDÉ DE SENA
Av. Princ. Leopoldina, 288, aptº 301, Graça
Salvador - Ba - 40150-080
(71) 3336 6205
[email protected]
 477
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
HÉLIO PÓLVORA
Av. Sete de Setembro, 1862/1202, Corredor da Vitória
Salvador - BA - 40080-004
(71) 3337 0169
[email protected]
PAULO FURTADO
Orlando Gomes, Costa Verde, Rua A, q. H, 1.3
Salvador - BA - 41650-120
(71) 3367 9481
[email protected]
FLORISVALDO MATTOS
Rua Sócrates Guanaes Gomes, 107,
Aptº 1901, Cidade Jardim
Salvador - BA - 40296-720
(71) 3353 9785
[email protected]
GÉRSON PEREIRA DOS SANTOS
Rua Dr. João Ponde, 86, aptº 501, Barra
Salvador - BA - 40150-810
(71) 3264 3436
MARIA STELLA DE AZEVEDO SANTOS
Rua Direta de São Gonçalo do Retiro, 557
Salvador - BA - 41110-200
(71) 3247 2967
EVELINA HOISEL
Rua Mons. Gaspar Sadoc, 48, Jardim de Alá
Salvador - BA - 41750-200
(71) 3343 5789
[email protected]
478 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
LUÍS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS
Rua Érico Veríssimo, 34/401, Itaigara
Salvador - BA - 41815-340
(71) 3345 6969 / 8861 1515
[email protected]
JOSÉ CARLOS CAPINAN
Rua Tamoios, 96, Rio Vermelho
Salvador - BA - 41940-040
(71) 3345 2080
[email protected]
DOM EMANUEL D’ABLE DO AMARAL
Largo São Bento, 01 Centro
Salvador - BA - 41205-220
 (71) 2106-5272 /8151-1053
[email protected]
ARMANDO AVENA
Jardim Gantois, 346, Rua C, Piatã
Salvador - BA - 41680-170
 (71)3115 3694
[email protected]
EDIVALDO M. BOAVENTURA
Rua Dr. José Carlos, 99, aptº 801, Acupe
Salvador - BA - 40290-040
 (71)3276 1242
[email protected]
CONSUELO NOVAIS SAMPAIO
R. Catarina Paraguaçu nº02 aptoº805 - Graça
Salvador - BA - 40150-200
 (71)3331-3694/3012-1010/9976-4656
[email protected]
 479
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
MEMBROS CORRESPONDENTES
ANTONIO CARLOS SECCHIN
Av. Atlântica, 2112, aptº801
Copacabana- 1 Rio de Janeiro - RJ - 22021-001
 (21) 2236-1112
[email protected]
ANTONELLA RITA ROSCILLI
Rai-Radiotelevisione Italiana
Bibliomediateca
Direzione Teche, Viale Mazzini, nº 14
00195 Roma - Italia
[email protected]
[email protected]
ÁTICO FROTA VILLAS-BOAS DA MOTA
Rua Dr. Manoel Vitorino, 411 - Coité
Macaúbas -BA - 46500-000
(77) 3473-1292
CYRO DE MATTOS
Travessa Rosenaide, 40 / 101 – Zildolândia
45600-395 – Itabuna – BA
(73) 3211-1902 /(73) 88461883
[email protected]
DOMINIQUE STOENESCO
26 bis, allée Guy Mocquet - 94170
Le Perreux-sur-Marne - France
(003133) 1 48 72 16 56 / (003133) 06 08 65 50 23
[email protected]
FLANKLIN W. KNIGHT
2902 W. Strathmore Avenue
Baltimore, Maryland 21209 - USA
480 
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , nº 51, 2013
GLÓRIA KAISER
Dr. Robert Siegerst, 15
A 8010 – Graz - Áustria
HELENA PARENTE CUNHA
Rua das Laranjeiras, 280/200
Rio de Janeiro- RJ -22240-001
((21) 2285 2130 / (21) 9974 4119
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ISA MARIA CARNEIRO GONÇALVES
Rua Milton Melo, 413 - Santa Mônica
Feira de Santana -BA - 44050-560
(75) 3625-2416
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LUIS ALBERTO VIANNA MONIZ BANDEIRA
Reilinger Strasse, 19, D - 68789
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MARIA BELTRÃO
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Ipanema – Rio de janeiro – RJ - 22420-043
(21) 2247-4180
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RITA OLIVIERI-GODET
24, Avenue Sergent Maginot
35000 Rennes - France
 02 99 67 35 02
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VAMIREH CHACON
Universidade de Brasília - Instituto de Ciência Política
Brasília - DF - 70910-900
 481
A Revista da Academia de Letras da Bahia nº 51
foi organizada e editorada em novembro de 2012,
Ano do Centenário do acadêmico Jorge Amado,
Ano do Centenário de Edison Carneiro,
Ano do Centenário de Camillo de Jesus Lima,
e foi editada em julho de 2013,
Ano do Centenário de Rubem Braga,
Ano do Centenário de Vinicius de Moraes,
Ano do Centenário do acadêmico Antonio Loureiro de Souza,
Ano do Centenário do acadêmico Rubem Nogueira
*
Direção
FLORISVALDO MATTOS
Editoração/produção editorial
ALEILTON FONSECA
Revisão
ARAMIS RIBEIRO COSTA
ALEILTON FONSECA
LUÍS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS
Arte Final de miolo e capa
ELIMARCOS SANTANA
Impressão
VIA LITTERARUM