prémios nobel 2015

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prémios nobel 2015
PRÉMIOS NOBEL 2015
Biblioteca da Escola Secundária António Sérgio – V. N. Gaia
Outubro 2015
BE- ESAS
Agrupamento de Escolas António Sérgio
Nobel da Medicina
recompensa três
investigadores por
trabalhos sobre parasitas
ANA GERSCHENFELD http://www.publico.pt/n1710131
05/10/2015 - 10:40
Os dois medicamentos descobertos pelos laureados – um vindo do solo japonês e o
outro da medicina tradicional chinesa – “revolucionaram o tratamento de algumas
das mais devastadoras doenças parasitárias”, segundo o comité do Nobel.
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O prémio Nobel da Medicina de 2015 foi atribuído esta segunda-feira aos
investigadores William Campbell e Satoshi Omura "pelas suas descobertas acerca de
um tratamento inédito contra as infecções causadas por parasitas nemátodos"; e à
cientista Tu Youyou, "pelas suas descobertas acerca de um tratamento inédito contra
a malária", anunciou o comité do Nobel no Instituto Karolinska, em Estocolmo
(Suécia).
William Campbell nasceu na Irlanda em 1930 e é investigador emérito na
Universidade Drew (EUA); Satoshi Omura (nascido em 1933 no Japão), é cidadão
japonês e professor emérito na Universidade de Kitasato (Japão). Ambos partilham
metade do prémio. A outra metade recompensa a chinesa Tu Youyou (nascida em
1930), da Academia de Medicina Chinesa Tradicional da China. O montante total do
prémio é de oito milhões de coroas suecas (mais de 856.000 euros).
Eis alguns números que mostram até que ponto as doenças parasitárias constituem
um gravíssimo problema de saúde pública. Por exemplo, estima-se que os chamados
parasitas – ou vermes – nemátodos afectam um terço da população mundial,
sobretudo na África Subsariana, no Sul da Ásia e nas Américas Central e do Sul. Uma
dessas doenças, particularmente incapacitante, é a oncocercose, também chamada
“cegueira dos rios”, que provoca uma inflamação crónica da córnea e conduz a perda
total da visão. Outra é a filaríase linfática, mais conhecida como elefantíase, que
atinge mais de 100 milhões de pessoas e causa inchaços monstruosos e crónicos em
diversas partes do corpo.
Também a malária é uma doença parasitária, desta vez causada por parasitas
unicelulares que são transmitidos aos seres humanos por mosquitos infectados. Os
parasitas invadem os glóbulos vermelhos do sangue, causando febre e, nos casos mais
graves, lesões cerebrais e morte. Mais de 3400 milhões de pessoas no mundo estão
em risco de contrair a doença, que vitima 450.000 pessoas por ano, sobretudo
crianças.
Campbell e Omura descobriram uma nova substância, a avermectina – um derivado
da qual, a ivermectina, permitiu reduzir drasticamente a incidência da cegueira dos
rios e da elefantíase. “O tratamento tem tido tanto êxito que estas doenças estão à
beira da erradicação, o que seria um feito maior da humanidade”, diz o comité do
Nobel em comunicado.
Pelo seu lado, Tu Youyou descobriu um outro medicamento, a artemisinina, que tem
reduzido de forma substancial as taxas de mortalidade devidas à malária: mais de
20% na população geral e mais de 30% nas crianças, salienta o comunicado.
“Estas duas descobertas deram à humanidade poderosas novas ferramentas para
combater estas doenças incapacitantes, que afectam centenas de milhões de pessoas
no mundo todos os anos”, lê-se no mesmo documento.
A história das duas descobertas envolve bactérias que vivem enterradas no solo e
plantas cujas propriedades terapêuticas estavam também elas “enterradas” em
misteriosos e antigos compêndios de medicina tradicional chinesa. E põe assim em
evidência o potencial dos compostos presentes na natureza para combater as doenças
humanas.
As pesquisas que conduziram ao desenvolvimento da ivermectina partiram de Satoshi
Omura, microbiólogo de formação, cuja especialidade era isolar bactérias a partir de
amostras de solo. Omura desenvolveu métodos totalmente inéditos para cultivar e
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estudar bactérias do género Streptomyces, que se sabia produzirem diversas
substâncias com qualidades antibacterianas. E isolou uma série de novas estirpes,
seleccionando 50 das mais promissoras em termos terapêuticos.
Reza a lenda que Omura, grande adepto de golfe, terá descoberto essas novas estirpes
no seu clube de golfe. Numa curta conversa telefónica esta-segunda feira com Adam
Smith, da Fundação Nobel – e depois de ter “humildemente” (mas com alegria)
aceitado o galardão e quase ter dito que não o merecia – Omura explicou, entre risos,
que não foi no relvado do campo de golfe que descobriu aquelas bactérias, mas numa
área de floresta que ladeava o terreno.
Seja como for, Campbell adquiriu as culturas bacterianas de Omura e decidiu estudar
mais a fundo a sua eficácia. Foi assim que mostrou que uma dessas culturas continha
um componente “cuja eficácia contra parasitas dos animais domésticos e de criação
era notável”, explica ainda o comunicado Nobel. A seguir, esse composto – a
avermectina, que foi entretanto modificada e rebaptizada invermectina – foi testado
em seres humanos, mostrando-se capaz de matar as larvas de uma série de parasitas
nemátodos.
Basta uma dose anual de ivermectina oral para proteger as pessoas da cegueira dos
rios. E desde 1987 que o medicamento, comercializado pelos laboratórios Merck, é
distribuído gratuitamente pelo fabricante no mundo inteiro.
Compêndios antigos
Entretanto, nos anos 1960, a malária costumava ser tratada com quinino, mas o
sucesso desse medicamento estava em queda. Foi perante esta situação, relata o
comunicado, que Tu Youyou decidiu virar-se para as plantas medicinais utilizadas na
medicina tradicional chinesa. Fez um levantamento das ervas medicinais utilizadas
para tratar animais infectados pelo parasita da malária e descobriu um composto que
parecia interessante: um extracto deArtemisia annua, uma planta autóctone das
regiões temperadas da Ásia.
Só que a eficácia desse extracto não era clara. Isso levou a cientista a consultar
antigos tratados de literatura médica chinesa. E foi aí que descobriu diversas pistas
que lhe permitiram extrair o componente activo daquela planta medicinal, que mais
tarde seria baptizado artemisinina. O composto deve a sua alta eficácia contra o
parasita da malária, tanto nos animais infectados como nos seres humanos, por
matar os parasitas numa fase precoce do seu desenvolvimento, salienta o
comunicado. Em combinação com outras terapias anti-malária, é hoje utilizado no
mundo inteiro.
“O impacto global [destas] descobertas e o benefício resultante para a humanidade são
incomensuráveis”, conclui o comité do Nobel.
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Nobel da Física de 2015 para cientistas que mostraram que os
neutrinos têm massa
ANA GERSCHENFELD
06/10/2015 http://www.publico.pt/n1710235
Os dois laureados deste ano lideraram duas gigantescas
experiências de detecção de neutrinos – as partículas mais
esquivas do Universo –, resolvendo um grande enigma da física
e mostrando ao mesmo tempo que os neutrinos
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O Prémio Nobel da Física 2015 foi atribuído a dois físicos pela "descoberta das
oscilações dos neutrinos, que mostra que os neutrinos possuem uma massa",
anunciou esta terça-feira em Estocolmo a Real Academia das Ciências Sueca. Os
premiados são o japonês Takaaki Kajita (n.1959), da Universidade de Tóquio
(Japão); e o canadiano Arthur McDonald (n.1943), professor emérito da Queen’s
University (Canadá).
Os neutrinos estão por todo o lado. Milhões de milhões destas partículas atravessam
o nosso corpo a cada segundo sem darmos por elas. De facto, os neutrinos
interferem muito raramente com a matéria – e detectá-los é uma árdua tarefa.
Os neutrinos podem ter diversas origens: alguns foram criados no Big Bang, outros
surgem de cada vez que uma estrela morre numa grande explosão (ou supernova),
outros ainda provêm da interacção das radiações cósmicas com a atmosfera
terrestre, de reacções nas centrais nucleares ou de desintegrações radioactivas
naturais, explica o comité do Nobel num documento que relata a história dos
trabalhos premiados. Mas a maioria dos que chegam à Terra são criados nas
reacções nucleares que decorrem no interior do Sol.
Diga-se ainda que o chamado Modelo Padrão da física das partículas (que descreve,
ao nível subatómico, o mundo que nos rodeia) estipula que há três tipos de
neutrinos. São eles os neutrinos do electrão, os neutrinos do muão e os neutrinos do
tau – e cada um tem, segundo essa teoria, uma partícula “parceira” com carga
eléctrica (respectivamente, o electrão, o muão e o tau, sendo estas duas últimas
mais pesadas que o electrão e com tempos de vida muito curtos).
Cada um por seu lado, em pontos opostos do globo, os dois laureados deste ano
lideraram, a partir de finais dos anos 1990, grandes equipas científicas internacionais
encarregadas de uma missão que podia parecer quase impossível: detectar os
neutrinos que chegavam à Terra para tentar explicar por que é que certas previsões
teóricas acerca destas partículas elementares não batiam certo com as observações
feitas até lá.
Acontece que, quando os neutrinos foram descobertos, em meados dos anos 1950
(mais de 20 anos depois de a sua existência ter sido proposta), calculou-se quantas
dessas partículas eram teoricamente criadas no centro do Sol. Mas a medição
experimental revelou um número muito inferior ao da teoria: até dois terços dos
neutrinos solares pareciam ter, por assim dizer, desaparecido sem deixar rasto.
Para além da possibilidade de os cálculos teóricos estarem totalmente errados,
houve então quem especulasse que os neutrinos não desapareciam, mas “mudavam
de identidade” – passavam de um dos três tipos de neutrino para outro –, tornandose indetectáveis pelos meios disponíveis. E se fosse possível provar que os
neutrinos mudavam de tipo ao longo do seu percurso até nós, isso permitiria
reconciliar a teoria e a experiência.
Piscinas subterrâneas
Foi preciso esperar quase até a viragem do milénio para entrarem em funcionamento
dois super-detectores de neutrinos. Um deles, o Super-Kamiokande, é um tanque
com 50.000 toneladas de água muito pura e 11.000 detectores de luz a toda a volta,
construído a 1000 metros de profundidade numa antiga mina de zinco, a 250
quilómetros de Tóquio. O outro, o Observatório de Neutrinos de Sudbury (SNO), é
um tanque com mil toneladas de água pesada (variante química da água) rodeado
de 9.500 detectores e situado a 2000 metros de profundidade, numa antiga mina de
níquel no Ontário (Canadá). Juntas, estas duas experiências permitiriam confirmar a
mudança de identidade dos neutrinos, com implicações profundas para a física.
Quando por acaso um neutrino colide com um núcleo atómico ou um electrão nestas
grandes massas de água (o que acontece muito raramente), isso gera um clarão de
luz azul que pode então ser detectado pelos milhares de “olhos” electrónicos que
estão à espreita, dia e noite, em redor destas piscinas subterrâneas.
As duas grandes experiências tinham objectivos diferentes. O do Super-Kamiokande
era detectar neutrinos do electrão e neutrinos do muão vindos das interacções dos
raios cósmicos com a atmosfera; o do SNO era detectar neutrinos vindos do Sol. E
juntas, permitiram mostrar que os neutrinos mudavam efectivamente de tipo no seu
percurso até aos detectores.
No caso da experiência no Japão, que começou em 1996, os cientistas constataram
que o número de neutrinos do muão detectados variava em função da direcção da
qual provinham essas particulas. Mais precisamente, o número de neutrinos do
muão detectados que vinha da atmosfera logo por cima da mina era duas vezes
maior do que o número vindo do outro lado da Terra (correspondendo, no primeiro
caso, a uma viagem de umas dezenas de quilómetros e no segundo, de quase
13.000 quilómetros).
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Como esta discrepância não se verificava com os neutrinos do electrão, uma
conclusão impôs-se em 1998: os neutrinos do muão que “faltavam” ter-se-iam
transformado em neutrinos do tau ao longo do seu percurso. Porém, como os
neutrinos do tau não eram detectáveis nesta experiência, faltava “uma peça decisiva
ao puzzle” para provar a transformação dos neutrinos, como refere o documento do
comité do Nobel.
Essa peça seria acrescentada pelo SNO, que entrou em funcionamento em Maio de
1999. O SNO permitia medir, por um lado, o número de neutrinos do electrão e por
outro, o número total de neutrinos (incluindo o do tau). Só que, como o Sol apenas
gera neutrinos do electrão e como o SNO tinha sido concebido para detectar
especificamente os neutrinos solares, se os neutrinos solares não mudassem de
tipo, as duas medições deviam chegar ao mesmo resultado. Não foi isso que
aconteceu: ao fim de dois anos, os resultados do SNO mostravam que apenas um
terço dos neutrinos do electrão expectáveis tinha sido apanhado pelos detectores;
dois terços tinham desaparecido. Já não havia lugar para dúvidas: parte dos
neutrinos do electrão tinha mudado de identidade entre o Sol e a Terra.
O resultado trouxe consigo uma outra conclusão espectacular: que os neutrinos
devem possuir uma massa, condição sine qua non para essa sua mudança de
identidade ser possível. Já agora, a explicação deste “acto de magia” reside na física
quântica, mas essa é outra história.
Seja como for, acontece que o já referido Modelo Padrão estipula, pelo contrário,
que os neutrinos não têm massa. Portanto, “estas experiências revelaram a primeira
fissura aparente no Modelo Padrão”, que até lá tinha resistido “a todos os desafios
experimentais”, explica ainda o documento. “Tornou-se assim evidente que o Modelo
Padrão não pode ser uma teoria completa do funcionamento dos constituintes
fundamentais do Universo.”
O futuro? “Novas descobertas dos segredos bem guardados dos neutrinos irão
certamente mudar a nossa compreensão da história, da estrutura e do destino do
Universo”, conclui o comité do Nobel.
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Prémio Nobel da Química para "caixa de ferramentas"
celular de reparação do ADN
07/10/2015 - 10:54 http://www.publico.pt/n1710364
Sem a “caixa de ferramentas” que as células possuem para corrigir
os erros que vão surgindo no seu ADN, não haveria vida na Terra. Os
laureados deste ano fizeram trabalhos pioneiros na área da reparação do
genoma.
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O Prémio Nobel da Química 2015 foi atribuído em partes iguais ao sueco Tomas
Lindahl, do Instituto Francis Crick (Reino Unido); ao norte-americano Paul Modrich,
da Universidade Duke (EUA); e ao turco Aziz Sancar, da Universidade da Carolina
do Norte (EUA), pelos seus "estudos mecanísticos da reparação do ADN", anunciou
esta quarta-feira em Estocolmo a Real Academia das Ciências Sueca.
Nos anos 1960, pouco mais de uma década depois da descoberta da estrutura do
ADN, pensava-se que esta longa molécula, albergada no núcleo de cada uma das
células do nosso corpo, era muito estável. Nas divisões celulares, por exemplo,
copiava-se a si própria sem falhas. E embora a evolução das espécies exigisse que
houvesse algumas mutações pelo caminho, considerava-se que o seu número era
bastante limitado de uma geração para a seguinte.
Hoje, sabe-se que a realidade é diametralmente oposta a esta visão das coisas: não
só o nosso genoma está sempre a ser agredido e danificado pelos raios ultravioletas
(UV) do Sol e por uma pletora de substâncias tóxicas presentes no ambiente, mas o
ADN também é, ele próprio, intrinsecamente instável.
Em particular, durante os vários milhões de divisões celulares que decorrem
diariamente no nosso corpo, a cópia das “letras” do ADN é um processo sujeito a
erros “ortográficos”. E para além disso, milhares de alterações espontâneas do
genoma acontecem todos os dias nas nossas células.
“O nosso material genético não se desintegra num total caos químico porque há uma
bateria de sistemas moleculares que está constantemente a monitorizar e reparar o
ADN”, lê-se num comunicado do comité do Nobel. “O Prémio Nobel da Química
2015 recompensa três cientistas cujos trabalhos pioneiros permitiram mapear em
pormenor o funcionamento de alguns destes sistemas ao nível molecular”.
As perguntas que surgiram na cabeça de Tomas Lindahl em finais dos anos 1960
são um bom ponto de partida para relatar estes três percursos científicos paralelos.
Durante o pós-doutoramento na Universidade de Princeton (EUA), Lindahl observara
que as moléculas de ARN (semelhantes ao ADN) se degradavam facilmente ao
serem aquecidas, explica noutro documento o comité do Nobel. Mas então, que
dizer do ADN? Seria possível perdurar toda uma vida sem se deteriorar?
Uns anos mais tarde, já a trabalhar no Instituto Karolinska em Estocolmo, Lindahl
mostrou que o ADN também se degradava com o tempo, embora mais lentamente
que o ARN. A partir daí, tornou-se claro para ele que a nossa própria existência era
a prova provada de que as células possuíam mecanismos para preservar o genoma
do tal “caos químico” incompatível com a vida.
Utilizando bactérias, Lindahl identificou uma enzima (uma proteína) que removia as
moléculas de citosina – uma das quatro bases (ou “letras”) que se encadeiam no
ADN – quando elas estavam danificadas. Em 1974, publicou a descoberta deste
mecanismo, dito de “reparação por excisão de bases”.
Ao longo de 35 anos, Lindahl descobriu e estudou muitas das proteínas dessa “caixa
de ferramentas” celular de reparação do ADN, lê-se ainda no mesmo documento.
“Peça a peça, Lindahl construiu uma imagem molecular do funcionamento da
reparação por excisão de bases." E em 1996, conseguiu reproduzir, in vitro, o
processo correspondente nas células humanas.
Técnico de laboratório
Entretanto, no início dos anos 1970 na Turquia, Aziz Sancar, um jovem médico,
decidiu estudar bioquímica para perceber por que é que as bactérias expostas a
doses letais de raios UV recuperavam a saúde, como por magia, quando eram a
seguir expostas a luz azul.
Sancar obteve o seu primeiro resultado – a clonagem do gene que comanda o
fabrico da fotoliase, a enzima sensível à luz que repara os estragos causados pelos
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UV – durante o doutoramento numa universidade norte-americana. O trabalho valeulhe uma tese, mas quando quis continuar a fazer investigação, defrontou-se com
recusas de várias universidades.
Sancar arranjou finalmente emprego como técnico de laboratório na Universidade de
Yale – onde havia cientistas a estudar um outro mecanismo celular de reparação
(não sensível à luz) dos danos no ADN causado pelos UV.
Participando nessas pesquisas, conseguiu então mostrar, em experiências in vitro,
que existia um trio de enzimas capaz de identificar esses estragos feitos pelos UV e
de “cortar” a cadeia de ADN que continha o defeito em causa. Tinha assim
descoberto um outro mecanismo celular de preservação do ADN, o da “reparação
por excisão de nucleótidos” (os nucleótidos são formados pelas bases do ADN
acopladas a outras moléculas).
Quando Sancar publicou os seus resultados, em 1983, foi logo convidado a ensinar
na Universidade da Carolina do Norte. Continuou a estudar as diversas etapas
daquele processo celular e também mostrou que ele existe nas células humanas.
O terceiro laureado, Paul Modrich, descobriu ainda outro mecanismo de reparação
do ADN, que intervém para corrigir os erros de cópia do ADN durante a divisão
celular.
De cada vez que uma célula se divide em duas células-filhas, tem de criar duas
cópias, em princípio idênticas, do seu ADN. Nesse processo, as bases (as “letras” A,
T, C e G) das duas novas moléculas em formação não se emparelham ao acaso: um
A liga-se sempre a um T e um C a um G. Ou quase sempre: um dos defeitos que
podem surgir durante a cópia são precisamente os emparelhamentos incorrectos.
Foi esse mecanismo de “reparação dos desemparelhamentos de bases” que Paul
Modrich desvendou, criando para isso, no laboratório, um vírus cujo ADN continha
uma série de desemparelhamentos. Também ele descreveu e estudou as enzimas
envolvidas no processo, recriando-o in vitro – um trabalho que foi publicado em
1989.
Mas ao contrário dos outros dois mecanismos, ainda não foi esclarecido o
funcionamento deste tipo de reparação do ADN no ser humano.
O que acontece quando estes mecanismos não funcionam? O risco de cancro
aumenta. Por exemplo, os defeitos congénitos da reparação por excisão de
nucleótidos provocam uma doença, a xeroderma pigmentosa, cujas vítimas
desenvolvem cancros da pele quando se expõem à luz solar, salienta ainda o já
referido documento. E os defeitos da reparação do desemparelhamento de bases
fazem aumentar o risco de cancro do cólon hereditário.
“O trabalho dos laureados permitiu perceber a um nível fundamental o funcionamento das
células”, conclui o comité do Nobel, “e esse conhecimento poderá ser utilizado para
desenvolver novos tratamentos contra o cancro.”
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Svetlana Alexievich, um Nobel para uma escrita
de vozes reais
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS
08/10/2015 http://www.publico.pt/n1710484
O mais importante prémio literário foi atribuído à jornalista e escritora bielorrussa
"pela sua escrita polifónica, memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época".
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O Prémio Nobel da Literatura foi esta quinta-feira atribuído em Estocolmo à
jornalista de investigação bielorrussa Svetlana Alexievich, autora de livros sobre as
mulheres na II Guerra, os soldados soviéticos mortos no Afeganistão, as
consequências do acidente nuclear de Chernobyl ou a criação e sobrevivência
do Homo sovieticus.
A ficcionista e jornalista bielorrussa Svetlana Alexievich tornou-se ontem, aos 67
anos, o 112.º escritor (e apenas a 14.ª mulher) a receber o Prémio Nobel da
Literatura. O seu nome foi anunciado às 12h (hora local) em Estocolmo pela
Academia Sueca, cuja secretária permanente, Sara Danius, destacou a “obra
polifónica” de Alexievich, descrevendo-a como “um memorial ao sofrimento e à
coragem na nossa época".
Autora de obras fundamentais para se perceber quer a sociedade soviética, quer o
mundo que emergiu do colapso da U.R.S.S., Svetlana Alexievich é sobretudo
conhecida por livros como (citam-se os títulos das edições inglesas)War's
Unwomanly Face (1985), sobre as mulheres soviéticas na II Guerra,Zinky
Boys (1989), dedicado à intervenção soviética no Afeganistão, Voices from
Chernobyl (1997), que dá voz aos sobreviventes do desastre nuclear, ou o recente O
Fim do Homem Soviético, cuja edição portuguesa saiu já este ano na Porto Editora.
A nova secretária da Academia Sueca, Sara Danius, que sucedeu em Junho a Peter
Englund, diz que a escritora bielorrussa inventou “um novo género literário”, que
“funde literatura e jornalismo”, e “criou uma história das emoções, uma história da
alma”.
Svetlana Alexievich era apontada como favorita ao prémio pelas principais casas de
apostas, que por uma vez acertaram na mouche. Outros autores bem colocados eram
o japonês Haruki Murakami ou os norte-americanos Philip Roth e Joyce Carol Oates,
todos eles candidatos recorrentes. José Saramago, premiado em 1998, continua a ser
o único Nobel da Literatura português.
Nascida em 1948 em Ivano-Frankivsk (então Stanislav), na Ucrânia, Alexievich é fiha
de pai bielorrusso e mãe ucraniana, ambos professores, e ela própria se dividiu
durante algum tempo entre a docência e o jornalismo. O que caracteriza a sua obra é
o modo como procura dar literalmente voz àqueles que viveram os acontecimentos
que aborda. Seja em War's Unwomanly Face, o livro que lhe trouxe notoriedade, seja
em Voices from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear Disaster, o ponto de
partida é sempre ouvir directamente os (as) testemunhas e permitir que a sua voz
chegue intacta à versão final do livro.
Já este ano foi editado pela Porto Editora o seu título mais recente, O Fim do Homem
Soviético - Um Tempo de Desencanto, originalmente publicado em 2012, e que lhe
valeu no ano seguinte o Prémio Médicis de Ensaio, tendo ainda sido considerado o
melhor livro do ano pela revista literária francesaLire.
É a sua única obra disponível em português até ao momento, mas a editora Elsinore
já anunciou que irá publicar Vozes de Chernobyl (título provisório) em 2016,
assinalando os 30 anos do desastre nuclear que ocorreu em Abril de 1986 naquela
que é hoje uma cidade-fantasma ucraniana, perto da fronteira com a Bielorrússia. O
livro foi já adaptado ao cinema pelo realizador Pol Crutchen, num filme com estreia
prevista para 2016.
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A autora abre a introdução a O Fim do Homem Soviético, intitulada Notas de uma
cúmplice, com esta promessa: "Despedimo-nos dos tempos soviéticos. Dessa nossa
vida. Tentarei escutar honestamente todos os participantes do drama socialista…”.
Defendendo que “o comunismo tinha um plano louco – transformar o ‘homem
antigo’”, Alexievich acrescenta que esse terá sido talvez o único objectivo que foi
mesmo cumprido: “Em pouco mais de setenta anos, no laboratório do marxismoleninismo criou-se um tipo humano especial - oHomo sovieticus”. E termina o seu
texto com uma constatação e uma pergunta: “Encontrei nas ruas jovens com a foice e
o martelo e o retrato de Lenine nas camisolas. Saberão eles o que é o comunismo?".
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Dando voz a centenas de cidadãos deste mundo pós-soviético, muitos deles
desiludidos com o desmoronamento da U.R.S.S. e ansiando por um novo Estaline,
Svetlana Alexievich mostra-nos como a histórica abertura promovida por Gorbachov,
que levou à queda do Muro de Berlim, é hoje vista por muitos russos como o gesto
que desencadeou a catástrofe.
Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Minsk em 1972, Svetlana Alexievich
trabalhou depois num jornal de Beresa, na região de Brest, ao mesmo tempo que dava
aulas. É com o jornalismo que descobre, segundo as suas próprias palavras, que “a
melhor maneira de aprendermos alguma coisa sobre a vida é através do som das
vozes humanas”.
De regresso a Minsk, trabalha em vários jornais até ser convidada para integrar a
equipa da revista literária Neman, onde irá dirigir a secção de não-ficção.
Nesses anos de formação enquanto escritora, durante os quais ensaiará vários
registos, do conto ou do ensaio à reportagem, será decisivo o encontro com a obra do
escritor bielorrusso Ales Adamovich, que tentava então criar um novo género, ao qual
foi dando vários nomes, de “romance colectivo” ou “romance-evidência” a “coro
épico”. Alexievich assumi-lo-á sempre como o seu principal mestre, afirmando que
Adamovich a ajudou a encontrar o seu próprio caminho.
“Tenho procurado um género [de escrita] que me permita a maior aproximação
possível à vida real, a realidade sempre me atraiu como um íman, tortura-me e
hipnotiza-me”, diz a autora numa entrevista. E conclui: “Escolhi como género as
verdadeiras vozes humanas, as confissões e testemunhos, porque é assim que eu vejo
e ouço o mundo, como um coro de vozes individuais e uma colagem de detalhes da
vida de todos os dias”.
A sua primeira obra com repercussão internacional é War's Unwomanly Face(1985).
Quando o livro saiu, a autora foi acusada de pacifismo e de menorizar o heroísmo da
mulher soviética, acusações sérias nesses últimos anos do regime, sobretudo para
quem já ganhara uma reputação de dissidência após ter publicado um primeiro livro
em que dava voz aos muitos que, no interior da União Soviética, tinham sido
obrigados a deixar a sua terra natal.
As autoridades comunistas ordenaram a destruição de War's Unwomanly Face,
ameaçaram-na com o desemprego e levaram-na a tribunal, e as consequências
poderiam ter sido mais graves se entretanto Gorbachov não tivesse desencadeado a
renovação do regime.
Muitas vezes reeditado nos anos seguintes, o livro vendeu mais de dois milhões de
exemplares e deu lugar a um premiado ciclo de documentários. Apesar deste sucesso,
os editores bielorrussos continuam a não publicar as obras de Alexievich. “Fazem de
conta que eu não existo”, disse esta quinta-feira a escritora, numa conferência de
imprensa convocada após a atribuição do Nobel.
Tendo optado pelo exílio para escapar à persistente perseguição das autoridades do
seu país, a escritora viveu em Paris, Estocolmo e Berlim, e só em 2011 regressou a
Minsk, capital da Bielorrússia.
O prémio agora atribuído à jornalista talvez não chegue na melhor altura para o
presidente bielorrusso Alexander Lukashenko, que será provavelmente reeleito nas
eleições deste domingo, já que Alexievich é uma declarada opositora do regime. A
autora explicou que não iria votar, mas que se o fizesse escolheria a candidata de
oposição Titiana Karatkevich.“Não sou uma pessoa de barricadas, mas estes tempos
forçam-nos a isso, porque o que se está a passar é vergonhoso”, disse a jornalista,
numa referência à situação política do país, onde muitos temem a crescente
influência russa.
Tal como War's Unwomanly Face (traduzível por A Guerra Não Tem Rosto de
Mulher), também Zinky Boys inspirou vários filmes, e o mesmo aconteceria
com Enchanted with Dead, de 1993, um livro sobre as tentativas de suicídio de
cidadãos que não conseguiram resignar-se à derrocada do comunismo e aceitar a
nova ordem política.
Na lógica dos seus outros livros, Zinky Boys não é um ensaio sobre a política soviética
que conduziu à intervenção no Afeganistão, mas um livro que dá voz aos que
sofreram com a guerra: militares de diversas patentes, mães de soldados mortos,
enfermeiras, até prostitutas.
No mesmo ano em que publicou War's Unwomanly Face, Alexievich lançou ainda
outro livro sobre a II Guerra, The Last Witnesses: the Book of Unchildlike Stories,
baseado nas memórias dos que testemunharam e sofreram o conflito quando eram
crianças.
Andrei Zorin, professor de russo na Universidade de Oxford, afirmou ao
jornal Financial Times que “a atribuição do Nobel a Svetlana Alexievich é uma forte
tomada de posição moral e literária, que defende os valores da vida humana, em
tempos de militarismo triunfante, e a dignidade pessoal dos que enfrentam ditaduras
arrogantes”.
Traduzida em 22 línguas, Alexievich, cujas obras têm sido adaptadas não apenas ao
cinema, mas também aos palcos, recebera já mais de uma dezena de prémios
literários, aos quais se veio agora juntar o Nobel. Alguns dos mais relevantes são o
prémio Tucholsky, atribuído pelo P.E.N. sueco em 1996, o prémio da fundação
Friedrich Ebert para livros políticos (1998), o Prémio da Paz Erich Maria Remarque
(2001), o prémio americano National Book Critics Circle Award (2005), ou o prémio
de reportagem literária Ryszard-Kapuscinki (2011).
Atribuído em 2014 ao escritor francês Patrick Modiano, o Nobel da Literatura voltou
este ano a oferecer um prémio pecuniário de cerca de 877 mil euros, montante
estabelecido em 2012, quando a Academia Sueca reduziu o prémio de dez milhões de
coroas suecas (cerca de um milhão de euros) para o seu valor actual.
Este é o quarto prémio Nobel atribuído este ano, depois do Nobel da Medicina
(William Campbell e Satoshi Omura), da Física (Takaaki Kajita e Arthur McDonald,)
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e da Química (Tomas Lindahl, Paul Modrich e Aziz Sancar). Nesta sexta-feira será
atribuído o Prémio Nobel da Paz pelo Comité Nobel Norueguês.
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Prémio Nobel da Paz para o Quarteto de Diálogo para
a Tunísia
PÚBLICO
09/10/2015 http://www.publico.pt/n1710603
Aliança de organizações da sociedade civil evitou o ruir da Primavera
Árabe na Tunísia e, sublinha o comité norueguês, provou que
movimentos islamistas e seculares podem trabalhar em conjunto.
Imagem de protestos pró-democracia na Tunísia em 2011 REUTERS
O Quarteto de Diálogo para a Tunísia, composto por quatro organizações que
negociaram uma forma de garantir que o país se mantivesse uma sociedade
pluralística e democrática, em 2013, num momento de crise após a Primavera Árabe,
venceu nesta quinta-feira o Prémio Nobel da Paz de 2015. O comité norueguês
destacou "o contributo decisivo para a construção de uma democracia pluralista na
Tunísia" e disse esperar que o prémio sirva para consolidar a democracia naquele que
é hoje o único caso de sucesso das revoltas no mundo árabe.
Há quatro organizações-chave da sociedade civil tunisina no Quarteto: o sindicato da
União Geral dos Trabalhadores da Tunísia, a Confederação da Indústria, Comércio e
Artesanato, a Liga dos Direitos Humanos da Tunísia e a Ordem Nacional dos
Advogados.
Juntos formaram o Quarteto de Diálogo, no Verão de 2013. Vivia-se então um
momento crítico, que ameaçava fazer ruir as promessas democráticas daRevolução do
Jasmim, em 2011, por força de assassínios políticos e motins generalizados.
"Estabeleceu um processo pacífico e político alternativo num momento em que o país
estava na eminência de uma guerra civil", lê-se no comunicado do comité.
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Este grupo escolheu um governo de transição que tirou o país da crise política e o
levou à redacção de uma nova Constituição e novas eleições, em 2014.
"Um factor esssencial para que revolução da Tunísia tenha culminado em eleições
pacíficas e democráticas no Outono passado foi o esforço feito pelo Quarteto para
apoiar o trabalho da Assembleia Constituinte e garantir que a população apoiasse o
processo constitucional. O Quarteto abriu caminho para um diálogo pacífico entre os
cidadãos, os partidos políticos e as autoridades e ajudou a encontrar soluções de
consenso num vasto leque de divisões políticas e religiosas", escreve o comité Nobel.
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O Nobel deste ano procura fortalecer a governação democrática no país. Dois grandes
atentados este ano, o primeiro no Museu Bardo, em Tunes, e o segundo nas praias de
Sousse, neste Verão, despertaram receios de que o Governo tunisino pudesse adoptar
tendências securitárias que ameaçassem a estabilidade no país.
"A Tunísia enfrenta desafios políticos, económicos e securitários. O Comité Nobel
Norueguês tem esperança de que o prémio deste ano contribua para a preservação da
democracia na Tunísia e que este seja uma inspiração para todos os que procuram
promover a paz e a democracia no Médio Oriente, Norte de África e no resto do
mundo".
A plataforma sucede à paquistanesa Malala Yousfzai e ao indiano Kailash Satyarthi,
que partilharam o prémio em 2014, e surpreendeu a lista de candidatos favoritos ao
prémio. No topo dos mais prováveis estavam o Papa Francisco, pelo papel que
desempenhou na reaproximação diplomática entre Cuba e os Estados Unidos e pela
defesa da protecção do ambiente; também a Campanha Internacional para Abolir as
Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), sediada em Genebra; e figuras políticas
como John Kerry e Javad Zarif, os chefes da diplomacia dos Estados Unidos e Irão,
centrais no acordo para o programa nuclear iraniano; ou a chanceler alemã, Angela
Merkel, por abrir as portas ao acolhimento de centenas de milhares de refugiados no
seu país.
Quando a ciência económica decide conhecer o mundo real
SÉRGIO ANÍBAL
12/10/2015 http://www.publico.pt/n1710873
Angus Deaton é o prémio Nobel da Economia deste ano, por ter decidido
estudar a pobreza, o consumo e a desigualdade sem olhar apenas para dados
agregados.
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Em 2013, no mesmo ano em que Thomas Piketty publicava em França o seu
bestseller sobre desigualdade "Capital no século XXI”, outro livro sobre o mesmo
tema chegava às bancas nos Estados Unidos, com muito menor impacto mediático.
Chamava-se “The Great Escape” (A grande fuga) e era sobre a capacidade dos
milhões de pessoas no Mundo a viverem em pobreza extrema poderem fugir dessa
situação. O seu autor era o economista britânico Angus Deaton. Esta segunda-feira,
Deaton, não Piketty, recebeu o prémio Nobel da Economia.
Não terá sido apenas por causa deste livro que a mais conhecida distinção na
ciência económica ficou este ano nas mãos deste economista de 69 anos, professor
na Universidade Princeton nos Estados Unidos. A Real Academia Sueca das
Ciências explicou a sua decisão com os contributos dados por Angus Deaton para a
“análise do consumo, pobreza e bem-estar”.
Em termos técnicos, os dois principais avanços realizados pelo economista
ocorreram na primeira metade da sua carreira. O primeiro, e talvez o mais
importante, foi o desenvolvimento de um “sistema de procura” que ajudasse a
perceber de uma forma mais próxima da realidade como é que, por exemplo, os
níveis de consumo de um determinado bem se alteram perante variações de preços
ou de impostos. Os vários factores que influenciam o consumo de um bem tornam
esta questão bastante mais complexa do que uma simples análise entre o preço e a
procura e o sistema criado por Deaton foi um primeiro passo, que depois foi
desenvolvido por outros economistas.
Outro avanço foi o estudo daquilo que acabou por ficar conhecido como o “paradoxo
de Deaton” e que consiste no facto observável de que o consumo apresenta
variações surpreendentemente suaves perante a iminência de choques permanentes
no rendimento
Estes dois contributos, embora muito importantes para a carreira de economista de
Deaton, não foram aquilo que o tornaram mais conhecido. O que o distingue de
todos os outros é a ideia central, presente em todos os seus trabalhos, de que é
preciso olhar muito atentamente e em detalhe para os dados estatísticos disponíveis
para conseguir perceber como é que as pessoas se comportam e reagem a
choques.
Não basta olhar para dados agregados ou para modelos, é preciso ir ao detalhe para
compreender a realidade. “Para desenhar uma política económica que promova o
bem-estar e reduza a pobreza, primeiro temos de compreender as escolhas de
consumo individuais. E mais do que ninguém Angus Deaton aumentou essa
compreensão”, disse a Academia na sua apresentação do prémio.
No capítulo do consumo, aquele a que dedicou uma maior parte do seu trabalho, o
que Angus Deaton fez foi, sobretudo, estabelecer ligações claras entre o rendimento
e o consumo e entre as escolhas de consumo individuais e os resultados agregados.
Ao fazê-lo criou instrumentos que podem ser usados por quem tem de tomar as
decisões de política económica.
Por exemplo, quando um Governo decide aumentar a taxa do IVA de um
determinado bem, a medição do impacto que essa medida poderá ter sobre o
consumo não pode assumir que todas as pessoas se comportam de forma igual
perante choques no seu rendimento ou nos preços. Também não se pode assumir
que todas as pessoas são afectadas pela medida de forma igual. Para responder a
estas questões é preciso saber como é que factores como o nível de rendimento ou
a idade afectam as decisões de consumo.
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O trabalho de Angus Deaton na medição dos níveis de bem-estar e de pobreza nos
países desenvolvidos também constituiu um contributo importante para a ciência
económica. Mais uma vez, o economista não se satisfez com dados agregados que
tratam todas as pessoas de forma igual e procurou informação mais detalhada.
Para perceber exactamente qual o nível de pobreza nos países em
desenvolvimento, Deaton tentou levar em conta, por exemplo, os diferentes níveis de
preços que se aplicam em cada local, os diferentes tipos de bens que são
consumidos e o facto de muitas vezes não ser possível analisar as diferenças de
preço e qualidade dos bens consumidos.
No seu livro The Great Escape, Angus Deaton apresenta, com o recurso a muitos
dados e informação, uma visão relativamente optimista da evolução da pobreza
extrema à escala mundial, mas nunca deixa de alertar para os riscos que existem de
as desigualdades se auto-alimentarem e garantirem a sua perpetuação.
Nas primeiras declarações públicas depois de receber o prémio, o economista, que
se disse “maravilhado e surpreso” por ter sido escolhido pela Academia, afirmou que
“se registou nas últimas décadas uma impressionante diminuição” da pobreza
extrema, prevendo que essa tendência positiva se mantenha no futuro. “Mas não
quero parecer excessivamente optimista porque ainda há muita pobreza no Mundo.
O problema ainda não está resolvido”, disse.
Angus Deaton era um dos nomes frequentemente apontado ao longo dos últimos
como um candidato a receber o prémio. As apostas colocavam-no normalmente
acompanhado por outro economista com trabalho relevante no estudo da
desigualdade e da pobreza: o também britânico Anthony Atkinson. Deaton foi
escolhido, mas de forma isolada.
Tem o peso e o significado de um Nobel, é o último dos seis galardões a ser
conhecido todos os anos, é atribuído em memória de Alfred Nobel, mas o único que
não é formalmente um Nobel.
O galardão que há mais de 40 anos premeia investigadores em ciências económicas
– comummente conhecido como Nobel da Economia, mas formalmente designado
Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel – já reconheceu mais
de sete dezenas de investigadores. Este ano foi a vez do microeconomista escocês
Angus Deaton.
Desde 1969, o primeiro ano em que o banco central da Suécia (o Sveriges
Riksbank) atribui o prémio, já foram laureadas 76 pessoas, porque muitos dos
prémios reconheceram dois e três economistas no mesmo ano.Dos 47 prémios
atribuídos, 24 são galardões individuais, havendo 17 partilhados por dois
investigadores, e outros seis atribuídos a três. Só uma vez foi escolhida uma mulher
– em 2009, ao ser premiada Elinor Ostrom.
A origem do prémio vem de uma doação feita em 1968 pelo banco central da Suécia
à Fundação Nobel e foi até olhada com algumas reticências pelos herdeiros de
Alfred Nobel pelo facto de a Economia não ser uma ciência exacta, como outras
áreas onde há distinções da Academia (Física, Medicina e Química).
Já foram distinguidas investigações em áreas que vão da econometria à governação
económica, teoria dos jogos, passando pelo crescimento económico, história
económica, finanças públicas ou psicologia económica. Mas a área de pesquisa em
que mais houve distinções é a macroeconomia, com nove galardões. O primeiro
aconteceu em 1974 – a Gunnar Myrdal – e o mais recente a Edmund S. Phelps em
2006.
Numa súmula de factos e trivialidades publicada no site do Nobel, a Academia
recorda que o laureado mais novo, Kenneth J. Arrow, tinha 51 anos quando foi
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escolhido, em 1972. O mais velho foi Leonid Hurwicz, laureado em 2007 aos 90
anos (morreu no ano seguinte). Segundo as contas da Academia, e excluindo ainda
o laureado deste ano, a média de idades dos premiados é de 67 anos, a mais alta
entre as seis categorias de Nobel, cuja média global está nos 59 anos.
No universo dos vários prémios Nobel, já foram galardoadas pessoas da mesma
família, em áreas do saber distintas. E aconteceu logo nos primeiros anos do Nobel
da Economia. Jan Tinbergen, distinguido em Ciências Económicas em 1969, veria o
seu irmão Nikolaas Tinbergen ser distinguido em 1973 com o Nobel da Medicina. Há
mais um cruzamento familiar: Gunnar Myrdal foi galardoado 1974 com o prémio da
Economia e a sua mulher, Alva Myrdal, receberia em 1982 o Nobel da Paz.
Nunca foi entregue um Nobel da Economia a título póstumo. As regras da Fundação
Nobel – que o Sveriges Riksbank acompanha – impedem desde 1974 que assim
seja, salvo quando a pessoa morre depois do anúncio do vencedor, que é conhecido
antes da cerimónia. Antes desta regra, só aconteceu com um Nobel da Literatura
(Erik Axel Karlfeldt, em 1931) e com um Nobel da Paz (Dag Hammarskjöld, em
1961).
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